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DADOS DA OBRA

Os direitos autorais dessa obra,

pertencem à autora.

Registrada na Fundação Biblioteca

Nacional.

Rio de Janeiro/RJ, Brasil. 2015

Esta é uma obra de ficção. Nomes,

personagens, lugares e acontecimentos

descritos são produtos da imaginação da

autora.

Qualquer

semelhança

com

nomes, datas de acontecimentos reais é

mera coincidência.

São proibidos o armazenamento

e/ou reprodução total ou parcial de

qualquer parte dessa obra através de

quaisquer meios – tangível ou intangível


– sem o consentimento da autora.

Produzido no Brasil

© Todos os direitos reservados

SOBRE A AUTORA

Sylmara

Martins,

estudante

de

Direito,

pernambucana de alma e

coração, casada e mãe de uma

filha, atualmente mora em

Caruaru – PE com sua família.

Desde

pequena

leitora

compulsiva e sempre teve o

sonho de colocar no papel

histórias que existiam na sua

imaginação, para proporcionar

as pessoas os sentimentos que

tinha e ainda tem quando lê


um livro.

Quando finalmente criou

coragem para escrever, expôs

todas as suas ideias através da

plataforma Wattpad, criando

fanfics

suas

próprias

histórias, a presente obra é

fruto disso tudo.

Não tenho mais humor para

responder “está batendo” para

cada pergunta de “E aí como

vai seu coração? ”. Claro que

sei que se trata da incompreensível —

pelo menos para mim — necessidade

que o universo tem que as pessoas

existam aos pares. Além do mais eles

dizem: “ninguém é feliz sozinho”, mas é

claro que as pessoas são felizes


sozinhas, essa é a ideia que se tem

quando existe amor próprio, auto estima

e confiança em si mesmo, não

necessariamente precisa-se de alguém

para suprir esses ideais valorativos do

ser humano.

Odeio ter que ficar repetindo isso

incansavelmente para os meus pais,

quando eles vêm com a ideia absurda de

que preciso casar. Casar? Espera um

pouco, eu nem sequer arrumei um

namorado ainda. Se aquele beijo, na

brincadeira da garrafa conta como

relação amorosa, essa foi a única que eu

tive. Aliás, não faço questão.

— Claro que você está sendo um

pouco radical Kate! — Grace fala como

se não fosse com ela enquanto arruma a

sua pilha de livros na prateleira perto da

janela. Como ela não vê que existem

outras prateleiras com localização mais

privilegiada dentro do quarto, talvez ela

não possa opinar com tanta calma sobre

meus dilemas pessoais.


— Mas é claro que não. Todo dia é

esse mesmo assunto chato: “Kate você

precisa se casar”, “Kate querida, ter

um marido não é o fim do mundo”, “Um

bom casamento é a chave para um

futuro de tranquilidade”. Me sinto

presa em um daqueles romances

seculares, onde a mocinha é arrastada

para um casamento infeliz em troca de

interesses, praticamente obrigada. Sendo

que no meu caso, não espero que haja

um mocinho para me salvar, porque

também arrumaria um jeito de me livrar

dele.

— Katherine, lá vem você

exagerando de novo. O que você tem

contra os homens?

Eles

são

dominadores,

presunçosos, arrogantes e tem a péssima

mania de anular os interesses e a vida

das
mulheres,

vulgo

suas

“companheiras”.

— Fico imaginando você, uma tia

avo, andando pelas ruas segurando

cartazes

do

tipo

“VIVA

AS

MULHERES”, “VIVA OS DIREITOS

IGUAIS”, “ABAIXO A REPRESSAO

MASCULINA”. Tão século vinte.... Tão

feminista.... Você precisa conhecer os

homens além dessa ótica racional. Eles

têm um quê de felicidade — abafou a

boca com sorrisinhos maliciosos.

— Não gosto quando você

conversa comigo igual um clipe de rap,

tão vadia e metida a entendida de

assuntos sobre o amor.... Aliás, desista

Grace, o amor não existe.

— Como você pode afirmar com


veemente certeza? Já se apaixonou por

acaso?

Grace exigia uma resposta rápida

naquela

brincadeira

desconcertante

sobre minhas condições amorosas, acho

que não sei o que é prestar atenção em

alguém desde a sexta série quando me

apaixonei por um garoto metido a besta

que me esnobou com convicção, mesmo

após centenas de cartas de amor e

declarações. O amor é um excesso de

necessidade

de

atenção,

que

sinceramente, não estou mais disposta a

ter e nem implorar.

— Não estou afirmando. Apenas

suponho que ele não exista, pois se fosse

constatado que sim, talvez as pessoas

fossem mais felizes. Não é essa a real

intenção
do

“amor”?

Tentei

desconversar, enquanto ela parou tudo o

que fazia, apenas para examinar minhas

feições durante a resposta.

— Teoricamente. Mas sem quebrar

a cara, ninguém aprende a diferenciar

amor e uma paixão.

Ainda tem isso? — Pensei em meu

inconsciente confuso pelo romantismo

excessivo de Grace. Se existe o amor e

também a paixão, qual deve ser pior?

Aliás, qual deve foder mais as pessoas

geralmente?

— Estou achando você um pouco

mais rebelde. O que aconteceu afinal

para toda essa revolta?

— Meus pais. Chegaram de

viagem e estão cheios de ideias

absurdas e estão me enchendo o saco.

— Sobre a faculdade? Está vendo

só? Você não se decide logo sobre o que


fazer. Todo ano é a mesma dúvida:

jornalismo ou publicidade, letras ou

arte?

— O problema é exatamente esse.

Eles não querem que eu faça uma

faculdade ou tenha uma profissão.

Querem que eu me case com um sócio

do papai.

— Que arcaico! Querem que você

case com um velho?

— Bem, eu não sei se ele é velho.

— Para ser sócio do seu pai e

estar

disposto

um

casamento

arranjado, só pode ser um velho. Mas,

de qualquer forma Kate, você é maior de

idade.

Simplesmente

negue
essa

possibilidade.

— Papai fica mal quando eu o

contrario. Na última discussão achei que

o coração dele não fosse aguentar.

— Papai, eu estou falando sério.

Eu não vou me casar com quem quer que

seja, ou com quem vocês almejam,

simplesmente porque eu não quero! —

Esbravejei com toda a minha força, e

como nunca havia feito antes.

— Katherine, nós não estamos

negociando

com

você.

Estamos

comunicando uma decisão que foi

acertada a muito tempo e que certamente

é o melhor para você, se não nós não

iriamos definir esse futuro querida —

mamãe tentava ser seca e a mais

objetiva

possível,

como
em

praticamente todos os assuntos da casa e

família.

— Mamãe, sério que a senhora me

propõe um casamento arranjado? Sério

que a senhora me propõe um casamento?

— Não sei porque você se espanta

tanto. Nossa família possui uma vasta

história que descende da nobreza, e se

refere exatamente a abrir mão de certa

liberdade,

em

propagação

dessa

linhagem. Casamentos arranjados não

são novidades no mundo e nem nas mais

diversas famílias importantes como a

nossa.

— Eu não vou ficar aqui escutando

essa bobagem. Já disse que não e essa é

a minha última palavra. Eu fujo, mas não

caso, — birrei como uma criança, mas

impus minha vontade como espera-se

que ocorra, visto que sou uma mulher


educada e maior de idade que possui

necessidades e planos próprios.

— Katherine... — papai falou meu

nome com voz suave e entrecortada

antes de apertar a mão contra o peito e

desmaiar na sala.

Diante dos gritos de pânico da

mamãe, e a crescente culpa que

despontava na minha cabeça me fizeram

descer os seis degraus rapidamente em

socorro de papai, que já estava nos

braços da mamãe enquanto ela tentava

acordá-lo.

— E desde então, tenho evitado

falar sobre o assunto.

— Eu não acredito. Seus pais

são realmente estranhos. — Grace

apoiou o queixo nos joelhos e se

penalizou por mim.

— Estranhos é o mínimo que

você pode dizer. Convivi a minha vida

inteira com eles definindo o que devia


ou não fazer, com quem deveria fazer

amizades

quando

pensei

que

finalmente estaria livre: pimba! Cá estão

eles decidindo por mim de novo!

Ter ido dormir na casa da

Grace esta noite, fez com que eu me

sentisse um pouco mais livre do meu

destino e da supervisão rigorosa da

“mãe da noiva” e me deu uma breve

sensação de juventude que ainda pulsava

em minha vida inexperiente. Em breve

eu seria uma jovem-antiga casada,

impotente, infeliz e inconsciente do que

me espera.

E se Grace tem razão: e se for

um velho solitário com cheiro de

naftalina nas roupas, hálito de café,

tabaco e hortelã que após o jantar me

pede uma dose de licor enquanto lê a

página de economia na lareira?


— Kate? Em que livro de

Sherlock Holmes você se perdeu? —

Grace me acorda dos meus devaneios.

— Talvez seus pais desistam dessa ideia

maluca se verem que você está muito

infeliz. Sempre há esperança, não é?

— Duvido muito, mas posso

contar com um empurrãozinho da sorte...

O problema é que, não sou tão sortuda,

— enfiei a cabeça embaixo do

travesseiro, na esperança de que o

tempo parasse ou eu pudesse ficar lá

para sempre.

Mamãe sabe o quanto odeio

que mecham no meu quarto ou nas

minhas coisas, principalmente quando

não estou por perto para supervisionar

tudo cautelosamente de perto, impedindo

que ela mexa em coisas que eu não

quero porque são pessoais demais para

que as pessoas — até mesmo a minha

mãe — vasculhem.
Mas ela ignorava todos os meus

protocolos sociais e de convivência,

com tanto desencargo de consciência

que eu não podia passar cinco minutos

longe de casa, que quando eu retornasse

certamente ela estaria lá “organizando

meu mundo bagunçado” como ela

mesma diz.

Quando ela estava no meu

quarto, era normal que a senhora Braun

me esperasse logo na entrada, para me

alertar. A governanta e a mamãe não se

dão bem. Berta vem de uma longa

linhagem de governantas e auxiliares do

lar que acompanha a família do papai

desde sempre, mamãe é uma intrusa nos

costumes da família para a senhora

Braun e eu sempre fui a disputa de

educação e atenção preferida delas.

— Acho melhor você se apressar,

— alertou-me Berta assim que pus os

pés dentro de casa, ela ainda trazia seu

sotaque alemão, já apagado pelo

costume de sempre ter que falar inglês.


— Não me diga que.... Ela está lá?

— Corri o mais rápido que pude, e a

primeira imagem que pude ter foi a de

todos os meus vestidos de festa ou de

eventos espalhados pela cama, enquanto

ela estava no closet procurando por

mais. — Mamãe o que está fazendo? Vai

doar meus vestidos por acaso?

— Que bom que você chegou, —

sorriu enquanto segurava meu vestido

verde de chifon de seda. — Acho que

esse vestido é perfeito para você

conhecer seu noivo hoje.

— Hoje?! — Tipo, hoje?

— Sim. Ele virá para algo

intimista, reunião de negócios com o seu

pai, seria excelente que você estivesse

apresentável nesse primeiro encontro.

— Sem chances. Eu não vou sair

do quarto.

— Achei que já tivéssemos

discutido isso antes, é uma pirraça que

você quer fazer? Afetar a saúde do seu

pai? — Mamãe fez sua chantagem


emocional e saiu batendo a porta,

largando o vestido na cama e a bagunça

restante.

Eu poderia ter alertado ela que não

iria arrumar aquela bagunça, até porque

não fui eu que a fiz. Mas achei melhor

não ficar torcendo para que a falta de

paciência dela se estendesse a ponto de

ela me obrigar a descer hoje, porque eu

ainda poderia fingir uma indisposição,

um resfriado, uma dor de barriga ou

qualquer outra coisa, que me fizesse

ficar longe daquela sala esta noite.

Contando com uma ajuda da

senhora Braun, consegui me livrar, pelo

menos por essa noite, dessa situação

desconfortável. Papai ainda foi no meu

quarto. Fingi que estava dormindo e

finalmente ele deu de ombros dando-me

um dócil beijo na testa e fechando a

porta. Acho que ele ou a senhora Braun

conseguiram

contornar

o
gênio

indomável da mamãe e ela não pisou lá.

Graças a Deus, porque ela teria me

levado arrastada lá para baixo e me

feito rir mais que o Coringa.

Intercalei algumas leituras, com

mexidas no celular, conversando com a

Grace.

Número: 555 31889990

Hora: 21:34 p.m.

De: Grace

Kate, não banque a boba. Desça lá e

olhe seu coroa apaixonado. HAHA


GP
Número: 555 36558788

Hora: 21:34 p.m.

Para: Grace

Ha ha isso foi uma ironia? Se foi, não

perca seu tempo com essas piadinhas.


KG
Estava muito chateada para sentir
curiosidade, mas no fundo ela falava

mais alto que qualquer pavor que eu

tivesse de descer lá embaixo. Nas

pontas dos pés, fui até o mezanino

próximo a escada e me esgueirando por

trás das colunas com vasos de flores, vi

um homem sentado de frente para o

papai, os cabelos eram castanhos claros,

tons em cor de mel, era alto, algo em

torno de 1,80m ou quase isso, por não

ser grisalho deduzo eu que não é um

“coroa” como brincou Grace. Mas que

tipo de pessoa em sã consciência se

presta a um papel ridículo desse de

obrigar alguém a se casar? Queria que

ele virasse o rosto para eu ver o quão

feio ele era e assim eu teria certeza que

teria que me casar com o fantasma da

opera ou a fera, se bem que, eu nem sou

tão bela assim.

Esperei o máximo que pude, mas

ele ficou imóvel escutando papai falar


algo que não escutei com clareza devido

a acústica da casa abafar o som dos

cômodos.

Após

quase

uma

hora

espiando, fui pega pela senhora Braun

que estava em um dos quartos e me

levou pelo braço até o meu quarto.

— Por que se arriscou tanto? Se

sua mãe a tivesse pego, a esta altura

você já estaria lá embaixo.

— Quem é ele? Você o viu?

— Quem? O senhor Carter? Sim, é

um belo rapaz. Um pouco fechado, mas

educado.

— Ele já esteve aqui antes? — A

forma como ela falou, dava a entender

que ele já estivera aqui antes. Todos o

conhecem menos eu?

— Todas as quartas ele vem,

sempre há reunião entre ele e seu pai.

Sua mãe não participa, obviamente,


geralmente eles ficam no escritório, mas

hoje, ele achou que talvez você os

brindasse com a sua companhia. Agora,

já para cama antes que eles a consigam.

Me deitei na cama, enquanto a

senhora Braun ajeitou as minhas

cobertas. Ela piscou os olhos, acenando

um beijo de despedida com as mãos,

apagou a luz e saiu. Eu continuei imersa

em meus pensamentos, consumida pela

curiosidade e a vontade de ver o rosto

do meu predador.

De certo, Berta não iria mentir

quando disse: um belo rapaz. Mas o que

seria um belo rapaz para a senhora

Braun? E afinal, o que importa isso

também?

Bonito ou feio, só sei que não irei

casar com ele de jeito nenhum. Mamãe e

papai me obrigando ou não, eu

encontrarei uma maneira de fugir dele.

Demorei um pouco mais na cama

que o habitual, mamãe não deixaria isso

por menos. Invadiu o quarto, abrindo


todas as janelas, praticamente me

cegando com os fortes raios de sol.

— Sente-se melhor querida? —

Seu tom sarcástico era tenso quando era

contrariada.

— Sim mamãe, sinto-me ótima.

Revigorada! — Devolvi no mesmo tom

irônico e do tipo que não sabe com

quem está se metendo, mas adoraria

pagar para ver.

— Perfeito. Encontro você lá

embaixo em quinze minutos, nada mais

que isso. Iremos sair. Use o vestido

verde.

— Aonde vamos?

— Vista-se! Sairemos, — o tom

seco e autoritário era ameaçador, mas

também me irritava profundamente.

Ela, melhor que ninguém, sabia

que eu era impaciente e tão mais

irritante que ela, pela manhã. Se ela

estava querendo bancar a esperta, iria

dar com os burros n’água. Mamãe

mudou drasticamente nos últimos dias,


ela que sempre foi um amor de mãe,

tornou-se uma megera típica dos contos

de fadas. Uma espécie de madrasta má,

obstinada por me fazer cumprir todas as

suas insanas vontades. Minha paciência

e meu espirito dócil se tornava cada

minuto menor.

Demorei o tempo previsto por ela

para me arrumar, deixei o meu longo

cabelo negro solto porque não estava

com a mínima paciência de arrumar e

também porque odeio penteados. Exceto

em casamentos ou formaturas, não vejo

razão para usá-los e ainda assim, não os

faço. Vesti o maldito vestido. Desde que

ela o trouxe de Paris e não viu nenhum

interesse da minha parte em usá-lo, se

tornou obstinada em me ver dentro dele,

nunca pensei que ela faria de tudo,

inclusive num simples café da manhã.

Eu já esperava que o café fosse ser

no Le Bistrô, um restaurante francês no

centro da cidade que ela adora, onde

tomamos o café da manhã nos nossos


aniversários e no dia das mães, então

ela tentaria uma conversa amistosa entre

mãe e filha, recuperar os laços

estremecidos essa semana, e eu também

argumentaria — e muito — contra esse

casamento e sobre os meus desejos mais

profundos de liberdade, sobre a

faculdade e conseguiria tirar essa ideia

estapafúrdia da cabeça dela.

Eu desci pelas escadas como um

gato preparando-se para o banho,

mesmo sem entender nada e esperando

por tudo. Ela não disse nada apenas

levantou-se do sofá, pegou a pequena

bolsa preta da Chanel e caminhou em

direção a porta. A senhora Braun

revirou os olhos em minha direção, e eu

a imitei.

Fomos com Howard, o motorista.

Deduzi que não se tratava de um café

intimo entre mãe e filha, pois assim

sendo, ela sempre dispensa o motorista

e uma de nós duas dirigimos. Mamãe

não dizia nada, e eu permaneci calada e


inerte no carro, olhando a paisagem pela

janela. Howard percebeu que havia algo

incomum naquela manhã, se não ele não

olharia constantemente pelo retrovisor,

enquanto eu desenhava no vidro da

janela e mamãe ficava com olhar parado

por trás dos óculos Prada escuros.

Mamãe era incrivelmente linda e

eu a invejava em questões de estilo. Ela

tinha toda a delicadeza de Audrey

Hepburn em “Bonequinha de Luxo”, mas

também a elegância e sofisticação de

Jackie Kennedy. Ela sempre é muito

dedicada em suas funções de chefe da

casa, impecável nas recepções, festas e

reuniões com grandes investidores e

amigos do trabalho do papai. Lembro

que, quando criança, ela e minha vó

paterna nunca se deram muito bem. Vovó

a considerava fora dos padrões para

entrar na família, e o estilo da mamãe

era

completamente

diferente.
Ela

parecia ter saído de Woodstock ou coisa

assim. Mas, talvez ela fosse mais feliz.

Porque desde as críticas da vovó ela

ficou muito séria e reservada.

Palm Beach é parecia estar

deserta, em pleno verão. Depois que

passamos direto pela Worth Avenue, tive

certeza que mamãe não iria sair a sós

comigo. Havia algo por trás desse

passeio. Howard parou poucos metros

depois em uma mansão. Uma casa que

seria dez vezes maior que a nossa, em

estilo vitoriano, com algumas partes

modernas. O grande portão preto com

ornamentos dourados abriu bem a nossa

frente, dando passagem para o carro.

Dentro da casa, espalhados pelo jardim

haviam muitos seguranças. O jardim era

encantador, com uma vasta variedade de

flores e fontes e uma piscina enorme e

azul com espreguiçadeiras espalhadas

embaixo de um arranjo de flores em

forma de arco.
O carro circulou o jardim até parar

em frente à uma das portas da casa.

Prontamente, o mordomo — deve ser

pelo uniforme azulado em corte reto —

abriu a porta do carro dando a mão para

que eu saísse. Howard abriu a outra

porta, ajudando mamãe a descer.

— Madame, Mademoiselle... —

reverenciou o simpático mordomo,

indicando-nos a passagem.

Mamãe

subiu

as

escadas

elegantemente

desprendida

de

qualquer curiosidade, enquanto eu além

de encantada com o lugar, estava com

medo e curiosa ao mesmo tempo.

Certamente, mamãe veio a casa de

alguma amiga muito rica e com muito

bom gosto por sinal.


— Vamos Kate, o que está

esperando? — Mamãe parou impaciente

no alto da escadaria.

— Mamãe, esse jardim é incrível.

Não posso simplesmente ignorá-lo.

Pode ir indo, eu encontro você em

alguns minutos — desci os dois degraus,

extasiada com aquela vista verde e lilás

maravilhosa.

Me embrenhei sem pudor jardim a

dentro, o contato com aquela natureza

era sem dúvidas incrível e revigorante.

A amiga da mamãe tinha os gostos um

pouco parecido com os meus. Mamãe

odeia plantas, dado esse motivo nunca

permitiu que um jardim fosse projetado

em nossa casa que mais parece um

mausoléu. Para preencher os espaços

externos a casa que dariam um lindo

jardim, ela construiu uma sala de

estudos, uma sala de chá e uma sala de

música.

O jardim é muito belo, igual a este

não vi. E posso afirmar sem titubear que


ele chega a se comparar com os lindos

jardins do palácio de Versalhes.

Não lembrei a quão invasiva

estava sendo. Até que senti alguém me

observar por entre as gérberas de cor

vibrante

em

tons

vermelhos

alaranjados.

Era um homem, na casa dos seus

trinta anos, alto —1,80m por aí —,

cabelos castanhos... Espera um pouco,

era o tal homem que estava com meus

pais noite passada... O noivo. Mamãe

me trouxe a casa dele para me forçar a

encontrá-lo.

— Espero não a ter assustado,

Katherine — sua voz em tom forte,

inebriou meus pensamentos. Ele era

lindo apesar de minha mente ter

construído a ideia contrária e tudo, cada

detalhe seu, acentuava-se perfeitamente


com ele fazendo dele o “senhor

perfeito”.

Grace vai morrer quando souber.

O que não muda em nada minha

opinião contrária a este casamento.

— N-não. Eu só estava distraída.

Me desculpe inclusive, por ter.... —

Minha voz parece ter emudecido de

repente.

— Não tem problema. A ideia

desse jardim é justamente essa, entreter

os visitantes. Você ainda terá muito

tempo para namorá-lo. Poderíamos

entrar e tomar um chá, conversar...?

Ele pôs as mãos em minhas costas

e me guiou até a casa. Passamos por uma

sala mais imponente que a arquitetura da

casa e o jardim, repleta de obras

renascentistas

com

um

chão

marmorizado
brilhantes

impecavelmente encerado. Se a senhora

Braun tivesse um desses em nossa casa

seria ainda tão mais exigente que o

costumeiro.

A mesa não estava com um café da

manhã posto sobre ela, ela tinha um

banquete. Alimentos para um batalhão. E

eu quase não como de manhã, nem teria

tempo de provar de todos aqueles

quitutes que enchiam meus olhos e já me

davam agua na boca.

— Onde está a minha mãe? — Ué,

onde estava ela afinal?

— Pedi que ela nos deixasse a sós.

Seria

menos

desconfortável

poderíamos ser francos um com o outro

sem interrupções. — Explicou-me

enquanto puxou a cadeira educadamente

para eu sentar.
As empregadas serviram-me com

chá em lindas xicaras de porcelana

alemã filetadas a ouro, parecidas com

umas que a mamãe tinha que foram

presentes da minha bisavó paterna, o chá

era provavelmente de menta. Depois ela

pôs suco numa taça, agua em outra e

leite em um copo e em outra xicara café

preto, aproximando uma pequena jarra

de prata com leite desta última. Depois

de colocar tantas coisas próximas a

mim, agradeci pela mesa ser espaçosa,

pois desastrada como sou, em uma mesa

menor tudo aquilo já teria voado aos

cacos pelos ares.

— Não sei o que você prefere

tomar pela manhã, dispus de todas as

bebidas. — Falou atencioso o senhor

perfeição. Prefiro que não me deem

tantas opções, pensei. — Katherine. Eu

suponho que seus pais já tenham falado

sobre mim ou sobre o nosso casamento.

Sobre o nosso casamento? Opa aí

rapaz, devagar com essas ideias. Ignorei


a pergunta sem sequer levantar os olhos

para encará-lo, resmunguei mentalmente

sobre o quão ridículo era tudo isso.

— Sei que é desconfortável tudo

isso. Que é absurdo, ridículo, eu sei...

—continuou. — Eu também fiquei

chateado dez anos atrás quando meu pai

me contou em seu leito de morte.

Dez anos atrás? Oi? O gole de chá

me desceu garganta a dentro, quase me

engasguei. Como assim ele já sabe disso

há dez anos e eu só a alguns dias? Ele

soube de mim esse tempo todo e nunca

teve curiosidade em me conhecer?

— Você está bem? — Acenei que

“sim” com a cabeça. — Sei que deve

estar se perguntando se eu nunca tive

curiosidade em conhece-la, sim, tive.

Mas quando eu soube, você devia ter

uns quatorze anos e isso seria ainda

mais embaraçoso.

Claro que seria. Com quatorze

anos eu estava mais preocupada com o

destino das Spice Girls e com o CD


novo da Britney Spears do que com um

casamento. Até hoje não me importo

nenhum um pouco.

— Katherine, diga alguma coisa

pelo amor de Deus.

— Sim...

— Sim? É tudo o que têm a me

dizer?

— Prossiga. Porque até agora,

estou mais perdida que cego em tiroteio.

Meus pais estão me obrigando a casar

com você e ao contrário, não sei da sua

existência até alguns dias e eu nem

sequer sei seu nome ou o porquê de

estarmos noivos a tanto tempo.

— Meu nome é Anthony. Pode me

chamar de Tom, Tony, como você

preferir.

— Certo, Anthony. Agora porquê?

— Porque o quê?

— Por que estamos prometidos um

ao outro.

— Negócios.

Ótimo, me sinto melhor. Sou uma


moeda

de

troca,

uma

cláusula

contratual. Perfeito!

— Há alguns anos atrás, nossos

pais desenvolveram uma sofisticada

tecnologia para localizar sítios de

petróleo em território submarino, sem

agredir o meio ambiente ou interferir na

vida oceânica. Após os protocolos de

pesquisa inicial, todo o investimento tal

como processo de implantação daria em

torno de dez ou vinte anos para ficar

pronto. A propósito, mês passado nós

tivemos a recente notícia de que já

podemos

explorar

para

nossa

companhia.

— Que bom então, mas onde

estamos eu e você em toda essa


magnitude do progresso? — Desdenhei

enquanto

ele

riu

discretamente

abaixando a cabeça.

— Obviamente é um negócio que

envolve altos riscos e bilhões de

dólares. Nenhuma parte quer ter seus

investimentos ou seu capital destroçado

em uma sociedade dissolvida. A ideia é

unificar a empresa e permitir que ela

nunca saia do convívio da família.

— Não entendi...

— Numa monarquia o trono é

hereditário. Esta sociedade possui um

contrato especifico que deixa claro que

ela se assemelhará a uma monarquia. Eu

sou filho único, você também e ambos,

somos herdeiros da companhia. Se eu

me caso com alguém e você com outro

alguém, teremos quatro pessoas que têm

direitos iguais dentro da empresa e que

podem
dissolver

capital

instantaneamente. Já se nós dois,

casarmos...

— O dinheiro nunca sai das partes

idealizadoras.

— Exato!

— Mas é um contrato, e qualquer

contrato pode ser quebrado. Certo?

— Certo.

— Ótimo. Não somos obrigados a

nada então.

— Não. Exceto pela perca do

capital percentual que possui. Pobreza.

Seu pai não está disposto a pagar um

preço tão alto pela nossa liberdade, eu

também não.

— Eu serei obrigada a casar com

você porque vocês dois temem perder o

dinheiro de vocês?

— Correct Mon amour.

— Eu não vou entrar nesse jogo....

Nesse negócio de vocês. — Joguei o


guardanapo na mesa e num impulso me

levantei da mesa.

— Sente-se, eu ainda não acabei.

— Como ousa me dizer o que devo

ou não fazer?

— Seu futuro marido. Sente-se! —

Titubeei. Permaneci de pé, cinco

minutos com os braços cruzados. Após

eu me sentar bufando de raiva, ele

prosseguiu. — Se alguém for desistir

desse acordo, esse alguém será você.

Porque eu não estou disposto a abrir

mão de tudo o que meu pai construiu em

décadas de trabalho duro. E se você

fosse um pouco menos mimada e

arrogante, faria o mesmo. A não ser que

você queira ver seus pais na sarjeta,

pedindo

esmolas

para

sobreviver.

Porque isso é o que vocês se tornaram

se perderem tudo. Então o que prefere

Katherine Gardner?
— Prefiro que você não me diga o

que fazer ou deduza coisas sobre a

minha personalidade. O mimado que

prefere o dinheiro a ser alguém com

dignidade aqui é você.

— Ótimo. Podemos negociar

alguns termos?

— Negociar termos?

— Claro. Isto é um negócio, e não

um casamento convencional. Não estou

me casando por amor e nem vice-versa,

correto?

— Eu já me enchi de você.

— Eu não a tocarei e nem

precisaremos dormir no mesmo quarto e

nem convivermos diariamente, a não ser

em eventos públicos ou reuniões entre

familiares. O que você me diz?

— Que você é um idiota!!!

— Deixe essas conclusões para

depois Katherine, estou falando sério.

— Você não pode estar falando

sério. Não pode.

— Aceite de uma vez. É a minha


única oferta.

— É a única que eu tenho.

Ninguém vai me deixar escapar disso.

— Ótimo, para quando marcamos?

— Discuta a data com seu sócio.

Eu levantei da mesa, levantei

mesmo.

Ele não é meu dono.

Saí daquela casa o mais rápido

que pude, por sorte, Howard já me

esperava com o carro a postos. Não dei

chance de ele abrir a porta e me atrasar,

permitindo que aquele louco infeliz

viesse atrás de mim. O que pude ver ao

olhar pelo vidro traseiro do carro, foi

ele parado na escadaria com aquele

olhar autoritário e arrogante, porém

muito calmo. O que me deixou com mais

raiva ainda.

Pedi que Howard me levasse ao

escritório do papai no centro.


Antes

que

eu

tomasse

conhecimento de toda essa trama,

não iria retornar a casa e encarar os

olhos curiosos da mamãe me forçando a

fazer o que eu não quero. Eu preciso de

um

tempo

informação,

muita

informação para absorver ou mudar isso

sem que traga sofrimento para ninguém.

Contudo, não estou disposta a me

sacrificar por dinheiro, quando eu sei

que ele não é tudo o que importa — ao

menos, não para mim.

Para os meus pais, no entanto, já vi

que é até mais importante que eu e a

minha felicidade.

Número: 555 31889990

Hora: 11:27 a.m.


De: Grace

Kate, onde você está?

Passei na sua casa.

Me liga.
GP
Número: 555 36558788

Hora: 11:28 a.m.

Para: Grace
Tenho umas coisas para fazer.
Te ligo ou passo aí quando

chegar.
Beijo
KG
Eu sei que posso confiar na Grace,

absolutamente. Claro que ela me

ajudaria a descobrir algo pesquisando

com o primo advogado alguma coisa

sobre esse maldito contrato, mas eu

preciso ter o máximo de dados possíveis

a cerca desse contrato.

CGC

(Carter

Gardner

Corporation) não ficava tão longe da

casa desse crápula, e em menos de vinte

minutos já estávamos na porta da

empresa.

— A senhorita vai demorar? —

Perguntou Howard.

— Pode ir para casa, eu me viro

para voltar.

— Sim senhorita.

— Ah, Howard....

— Sim, senhorita...

— Não diga nada a mamãe que me


deixou aqui. Diga que fiquei no

shopping ok?

— Certo, senhorita.

Logo

na

entrada

do

salão

principal, existem muitos executivos em

mesas separadas em cerca de sessenta

centímetros uma da outra, secretárias

que andam de um lado para o outro

carregando pilhas de papéis, vestidas

em uniformes azul petróleo — poderia

ser mais especifico para o ramo da

empresa?

Aliás, sempre quis saber por que

essa tonalidade de azul chama-se

petróleo, se o mineral em questão é

preto.

A secretária do papai sempre está

no

meio

desses
executivos

supervisionando as vendas desses, pois

papai

não

confia

em

sistemas

informáticos e sempre duvida da

honestidade de pessoas que trabalhem

com uma grande quantidade de dinheiro

— começo a achar que devo seguir o

mesmo padrão, mas com relação a ele.

Assim que ela me vê na metade do

saguão indo em direção ao elevador,

acelera os passos em minha direção.

— Senhorita Gardner, posso

acompanhá-la? — Fala um pouco

eufórica. Com tantas horas gastas

andando de um lado para o outro, não

possui resistência física para uma

corridinha?

— Bom dia Mindy. Eu tenho

escolha?

— Seu pai está em uma reunião de


negócios.

— Eu espero. Tenho muito tempo.

A porta do elevador abriu e após

algumas pessoas saírem, e nós duas —

sim, ela continuava bem na minha cola

— entramos.

— Já começou os preparativos do

casamento? — Como assim? Até ela

sabe?

— Que casamento? — Dei uma de

desentendida. Jogando uma verde, logo

ela me daria uma madura como muitos

detalhes.

Ah

me

desculpe

inconveniência. Pensei que a senhorita

estivesse noiva do senhor Carter... —

Mindy corou e logo também se fez de

desentendida.

Mindy não era muito alta, apesar

dos meus 1,70 metros de altura ela


conseguia

ficar

cerca

de

cinco

centímetros maior que eu, graças ao

salto agulha impecavelmente brilhoso.

Acho que conseguia usar aquele sapato

preto como espelho. Ficar corada não

era muito difícil para ela, uma ruiva

natural e cheia de pequenas sardas

espalhadas pela maçã do rosto.

Emudeci enquanto contava os

andares mentalmente. Um, dois, três,

quatro, cinco e finalmente o seis. Papai

não estava em reunião nenhuma, estava

conversando bobagens com algum

executivo na sala de espera, já que ele

ria muito, num som que era estridente.

Antes que ele se mostrasse surpreso com

a minha visita ou que sua eficiente

secretária anunciasse minha presença

óbvia, adentrei na sala dele. Dando-lhe

pouquíssimo
tempo

hábil

me

cumprimentar, disparei:

— Quando pretendia me dizer que

eu era uma moeda de troca?

— Do que você está falando Kate?

— Não se faça de bobo papai.

Quando pretendia me contar que eu sou

a cláusula de um contrato?

— Querida. As coisas não são

como você pensa e....

— São exatamente como eu penso.

Que tipo de pais são vocês? Eu tinha dez

anos, isso significa alguma coisa para

você?

— Eu e sua mãe tomamos a melhor

decisão. Tom é um grande rapaz, um

partido muito bom. E Deus do céu, você

não está sendo sacrificada como um

cordeiro, você está apenas garantindo o

que é seu por direito.

— Pois é exatamente como eu me


sinto. Pior, me sinto um peru sendo

alimentado para o abate no dia de ação

de graças.

— Como você é dramática

Katherine. Sabe quantas moças dariam

tudo para estar no seu lugar?

— Quer que eu entreviste uma por

uma? Escolho qualquer uma delas que

estejam dispostas a se enterrar num

casamento

com

aquela

criatura....

Aquele ser..... Eu definitivamente não

estou. Papai, por favor — gesticulei

com as mãos em prece para que ele não

me obrigasse aquilo.

— Katherine, não há o que fazer. A

decisão foi tomada e está legalizada. Um

de nós está condenado a perder tudo se

não realizarmos essa união.

— Então que se dane o dinheiro!

— Era uma solução.

— Que se dane tudo pelo que eu


trabalhei desde quando eu era ainda

mais novo que você? Tudo pelo que

sonhei e esperei a minha infância

miserável para ter? Nunca! Você vai se

casar nem que esteja amarrada no altar.

— E eu digo que não irei me casar

nem que eu tenha que destruir essa

empresa.

Eu tentei dialogar, se diplomacia

não era seu forte. Guerra ele quer,

guerra terá!

Assim que eu saí do escritório do

papai eu só tinha um destino. A casa da

Grace.

— Preciso do seu primo que é

advogado. — Descarreguei assim que

ela abriu a porta me deixando entrar

como um furacão pela sua sala

impecável e cheirando a flores do

campo.

— Ele está fora da cidade, acho

que num congresso. Alguma coisa do


tipo. O que aconteceu? — Ela estava

começando a ficar nervosa com esse

meu jeito tempestivo e continuou parada

na porta.

— Grace quer entrar e fechar a

porta por favor.

— Ah! Claro — ela tinha

esquecido as normas de etiqueta? —

Fala logo o que aconteceu? Por que

você precisa de um advogado?

Para

me

livrar

do

casamento.

— Você vai processar o noivo ou

algo assim? Porque se essa for a ideia,

aviso logo que não vai funcionar. Foge.

É o que te proponho.

— Você não está entendendo.... Eu

faço parte de um contrato bilionário do

meu pai e do sócio que prevê o

casamento, caso contrário, miséria baby.


— Como é? Estou chocada!

— Chocada? É pouco. Estou

possessa de raiva. Eu quero matar quem

teve essa ideia idiota.

— Você vai matar seu pai? Não

Kate. Foge, sério.

— Eu fujo, meus pais morrem na

miséria e eu vou me sentir a pior pessoa

do mundo.

— Então casa Kate, melhor. — Ela

está de gozação com a minha cara?

Eu cerro os olhos em sua direção e

cruzo os braços. Estou repreendendo-a o

suficiente que isso não é hora para

brincadeiras?

— Você tem o tal contrato?

— Não. Eu ia pegar ele com o

papai, mas fiquei possessa de raiva.

— A única solução para não ser a

ovelha negra ou o Darth Vader da sua

casa é aceitar o casamento. Estuda o

contrato e sei lá, espera uns dois anos e


se separa.

Eu gostaria de entender as razões

que levaram meu pai a tomar essa

decisão sobre a minha vida. Por mais

boba ou infantil que eu possa estar

parecendo essas mocinhas de romance

antigo idiotas, ainda me sinto tratada

como

uma

coisa.

Alguém

sem

importância nenhuma, sem vontade,

escolha ou opinião nenhuma. Um

fantasma que habita a casa.

— Onde esteve Katherine Isabella

Gardner? — A inquisidora, mal esperou

eu fechar a porta e já disparou seu

interrogatório.

Não respondi, segurei a bolsa o

mais forte que pude, apertando-a contra

meu peito num gesto de conseguir mais

autoconfiança e me blindar do pavor que

eu tinha daquele embate entre mim e


mamãe, pois ela tinha muito mais

habilidade em me confundir e fazer com

que me sinta culpada pelo nosso futuro...

Pela primeira vez nesses últimos

dias, senti que ela ainda sentia um pouco

de amor e respeito por mim, porque ela

não me seguiu. Ela simplesmente me

deixou sozinha, como eu queria e

implorei mentalmente. Não sei se foi

telepatia, mas funcionou. Escutei seus

passos do lado de fora do quarto

andando de um lado para o outro, perto

da hora do jantar, cochichos entre ela e a

senhora Braun sobre me chamar para

jantar ou me oferecer um copo de leite.

Ambas não tinham coragem. Elas se

esquivaram e bateram duas vezes na

porta, como não emiti sinal que estava

disposta a interagir. Foram embora.

Deitei a cabeça no travesseiro

tantas e tantas vezes. Levantei duas

vezes ou mais. Caminhei até a janela, a


abri um pouco. Senti a brisa noturna de

verão me invadir a face e a alma,

lembrando-me que a liberdade é um

sonho, agora, inconquistável para mim.

Senti que o mundo é um pequeno jogo de

ilusões, capaz de refletir sonhos e

desejos. Mas, muitas das vezes ele só te

ignora o tempo todo.

“É uma verdade universalmente

conhecida que um homem solteiro que

possua grande fortuna deve estar à

procura de uma esposa”

(Orgulho e Preconceito, 1813 –

Jane Austen)

— Bon jour mademoiselle. —

Cumprimentou-me

mordomo

da

mansão Carter me ajudando a sair do

carro.

— Bon jour Monsieur...

— Meu patrão à espera.

Sabendo de quem era aquela casa


magnífica, ela já não me causava

impacto ou excitação. Embora eu

realmente fique extasiada cada vez que

me deparo com tantas obras de arte de

excêntrico

bom

gosto.

senhor

perfeição me esperava próximo à

entrada da sala de jantar, que já estava

posta com o mesmo cardápio exuberante

do banquete de café da manhã de ontem.

— Fiquei surpreso quando me

telefonou avisando-me que vinha.

— Onde fica o seu escritório?

— Por aqui... — me indicou um

corredor.

— Podemos tratar lá. — Saí

andando pelo corredor a fora, sem

sequer saber em que porta entrar.

— Mas, o café...

— Não estou aqui para cortejá-lo

Anthony. Estou aqui para negociar. —


Passei da porta do escritório e ele logo

parou em frente dela, fazendo-me olhar

para trás e voltar até ele. Senti seu

perfume, algo amadeirado. Forte. Mas,

bom.

O escritório era um anexo da casa,

obviamente. Possuía tantas obras de arte

quanto, fileiras de livros antigos

espalhados pelas prateleiras e muitas

esculturas similares a arte grega. Ele se

sentou em uma ampla mesa provençal de

cor negra e indicou uma das poltronas

vermelhas a sua frente para que eu

sentasse.

— Pois bem, Katherine o que

deseja negociar? — Seu tom foi

irônico?

— Eu farei a minha parte do

acordo! — Disparei.

— Achei que fosse bater o pé e

negar-se veemente. Mas, eu poderia

dizer que é uma honra que queira casar-

se comigo. Serei um marido exemplar.

— Eu não serei. — Soltei um riso


irônico com os lábios. — Se eu fosse

você desistiria enquanto há tempo.

— Se você que é tão mimada não

fará essa besteira, eu também não farei

minha cara. O que propõe?

Ótimo.

Temos

bons

competidores em campo. Muito bem,

vamos aos termos desse contrato...

Casamento!

Ele

me

interrompeu sagaz e impertinente.

— Se você quer ser otimista.... Os

bobos vão ao céu.

— Eu lhe garanto que não tenho

nada de bobo. — Se ele está tentando

me intimidar, não está conseguindo.

— PROSSEGUINDO — cortando

logo essas gracinhas, porque não estou


com muita paciência — Nós casaremos,

exatamente como o contrato prevê.

Entretanto,

seremos

apenas

assim

denominados no papel. Não manteremos

contato de casal, o que quer dizer que

não dormiremos juntos, teremos quartos

separados e nunca, absolutamente nunca

você me tocará.

— Só isso? Por mim tudo bem,

você não faz muito meu tipo. — Deu de

ombros.

— Ótimo. Eu quero ser consultada

e informada sobre qualquer decisão

sobre o meu patrimônio. Pois, é apenas

por ele que estou fazendo essa idiotice.

— D’acord! — O infeliz esticou-

me a mão. Eu deveria ignorá-lo, mas

vou fingir exatamente que estou entrando

no seu jogo. — Isso quer dizer que a

data já pode ser definida, quando

prefere
querida?

No

início

da

primavera.

— Do inverno. De preferência

com uma nevasca que o atole e me torne

viúva.

Meses depois

Mamãe não se contém de tanta

alegria, ela organiza cada detalhe com

esmero e dedicação. Eu apenas observo

as decisões que ela toma. O casamento

será o evento anual que Palm Beach

espera. Mamãe está empenhada e

preparando uma festa de pompa. Quanto

a mim? Eu estou ficando entediada com

tantos tipos de flores que eu nem sabia

que existiam, tantas roupas de madrinhas

que para mim dão no mesmo, cores,

sabores e o enjoo por tantos doces que

já provei — a confeiteira jurou que

havia um bebê a caminho. Lição do dia:

as
pessoas

tomam

conclusões

precipitadas acerca de tudo, pois para

elas é mais fácil julgar do que conhecer.

A prova do vestido ocorre a cada

três dias. Ele já foi remodelado umas

cinco vezes só esse mês, a gosto de

mamãe. Eu não palpito, apenas sirvo de

modelo enquanto ouço meu Ipod repleto

de músicas do Coldplay, me afundando

nessa eterna melancolia.

Grace não está ajudando em nada

na minha distração. Todas as vezes que

ela vem me visitar, ela e mamãe passam

horas planejando a cerimonia. Ela será

minha madrinha — e apesar de saber a

real condição desse casamento, está

empolgadíssima.

Eu mereço.

— Você já escolheu que música

vai querer que toque na sua entrada? —

Me deu mais afazeres, minha amiga

Grace empolgada até pelos ouvidos.


— Marcha fúnebre de preferência.

— Kate querida, que horror — me

repreendeu mamãe. — Eu acharia lindo

a “Ave Maria”.

— Muito careta, senhora Gardner.

A Kate ama o Coldplay, por que você

não entra com A Sky full of stars?

— Vocês jovens.... Contanto que

ela entre na igreja, por mim tudo bem.

Eu vou buscar um chá. — Mamãe riu e

foi até a cozinha.

— Você quer tirar essa cara de

enterro? — Grace aperta minhas

bochechas com tanta força me forçando

um sorriso.

— Como espera que eu sorria?

Como o gato de Alice no país das

maravilhas, fica bom para você?

— Também não precisa ficar a

rainha de copas. — Apertou os braços

entre os joelhos, inclinando a coluna

para baixo. — Ele é um gato.

— Foi o que acabei de dizer.

— Não, seu noivo é um gato. Se eu


soubesse que era Anthony, gato, gostoso

Carter desde o início, teria apoiado

desde sempre.

— Anthony, gato, gostoso? Ele é

um louco! O ser mais desprezível e

complexado que eu já vi em toda a

minha vida.

— Mas ele é muito lindo. Deve ser

uma delícia na cama. — Corei.

— Grace! — Repreendi-lhe com

vergonha.

— O que foi? Você não quer

admitir porque está sendo muito mal-

humorada. Mas ele é lindo. Todas as

riquinhas de Palm Beach, com certeza

iriam querer ser a senhora poderosa

Carter. Já imaginou você nas capas de

revistas e colunas sociais: “Os Carters

compram iate”, “Os Carters comemoram

o aniversário de casamento em um

cruzeiro pelo Caribe”? — Lá vem ela e

essas

fantasias

apaixonadas
adolescentes, que só a Grace consegue

ter melhor que ninguém.

— Eu espero que você morra

engasgada de amor.

— E de sexo por favor.

— Não dá para conversar com

você, porque você é muito escrota.

— Grinch amorosa.

Eu estava mentindo, Grace ainda

conseguia me distrair mesmo que eu

estivesse imersa nos meus problemas e

no meu medo crescente de falhar na

vida. Aliás, eu já falhei. Um casamento

arranjado era tudo o que eu não sonhei

para mim. Definitivamente. Mas, era a

única opção que eu tinha e eu tentaria

deixar isso de lado. Eu buscaria ser

forte. Não reclamaria tanto.

Resiliência Kate.

Resiliência.

Repita para si mesmo até que fique

fixado em sua mente: Não deve ser tão

ruim assim. Você nem se casará de

verdade, são só aparências que


cumprem o que um papel imbecil

delibera.

Você é livre garota.

Você é livre.

Pelo menos, a maior parte do

tempo que não precise fingir alegria

para ninguém.

Hoje me sinto um pouco mais

estranha que o normal, talvez

seja porque hoje é o grande

dia: o casamento!

Ou pior dia, devo dizer.

Mamãe queria que eu acordasse

cedo e fosse direto ao hotel, custou

convencê-la que eu gostaria de me

arrumar em casa e ter um dia normal,

sem muita frescura — talvez ela ainda

tenha esperança que eu esteja entrando

nesse casamento resignada.

Me levantei o mais rápido que

pude e fui dar uma corrida, antes que


qualquer empregado ou ela acordasse e

me impedisse de sair com milhões de

afazeres

me

sufocando

com

informações.

A liberdade que o ar sopra em

minhas faces, me tranquiliza. Conforme

meus passos aceleram-se, a endorfina

liberada pelo meu corpo o percorre

inteiro, fazendo com que eu pense estar

numa maratona. Estou deixando as

pessoas para trás, já não vejo seus

rostos apenas vultos multicoloridos com

cheiros rápidos de manhã e pão

fresquinho.

Ellie Goulding é uma boa

opção para correr, pensava que apenas

para dançar ela era ótima. Mas tudo cai

bem com a Ellie. Os artistas britânicos

estão se superando a cada dia. Suas

músicas são ótimas. Meu sonho não era


um casamento, na verdade tudo o que eu

mais queria nesse momento, era uma

viagem à Inglaterra. Amo a atmosfera

real que o país exala. Toda a sua história

secular e a melancolia que combina

muito comigo.

O celular toca de repente,

porque alguém está ligando — lógico.

Paro

de

correr

para

atende-lo

recostando-me no banco do parque. O

número é desconhecido. Quem será?

— Alô? — Falei timidamente.

— Bom dia.... Meu amor. —

Aquela voz com aquele tom de deboche,

me parecia familiar.

— O que você quer? Como

conseguiu meu telefone? — Mudei

drasticamente de tom de voz, evoluindo

de um tom calmo para algo estridente.

— Se já está sendo tão carinhosa


às poucas horas do casamento, tenho

certeza que serei o marido mais amado

do mundo.

— Não sei porque tantas piadas

tão cedo. Vai fazer stand-up?

— Eu quero falar sério. Quero

desejar um bom dia, antes do circo de

mais tarde. Espero que possamos ser

felizes, da maneira que der para ser.

— Obrigada. Idem.

— Você é adorável. Vejo você

mais tarde?

— O que você acha?

— Alguma chance de você

desistir?

— Espero essa decência da sua

parte. Asseguro a você que ninguém irá

se incomodar.

— Nunca. — Desligou. Na minha

cara o que é pior.

Cretino!

Maldito!

Voltei para casa, em uma corrida

mais lenta. Adentrei a perfeita e


vitoriana sala da mamãe repleta de

cansaço e suor.

— Katherine, você saiu para

correr no dia do casamento? —

Disparou indignada.

— O que tem demais? — Falei

despreocupada enquanto roubo uma fruta

da mesa de café da manhã.

— A noite estará exausta para

aproveitar a festa e passará uma

aparência de quem não se importa para

os convidados.

— Não sei por que existem

convidados. Isso é um casamento de

fachada, não é sério.

— Não é o que parece... — Acho

que vi um sorriso no canto dos lábios,

mas acho que é impressão minha.

Subirei antes que ela comece algum

assunto ou conselho que as mães devem

dar a suas filhas antes do casamento.

Agradeço ao papai por ter

marcado o casamento para o fim da

tarde. Me deu o dia inteiro para pensar


em me matar, em fugir, em matar o

noivo. A princípio, não farei isso. A

vida

uma

benção

divina,

independentemente de qualquer crença

ela merece ser respeitada e ser vivida

com intensidade, mesmo que as vezes

existam pedras ou adversidades no

caminho. Irei aproveitar os últimos

momentos no meu quarto e terminar de

arrumar algumas coisas que deixei por

último, os perfumes por exemplo. Não

consegui decidir qual irei usar hoje à

noite. Gostaria de ter a simplicidade e

elegância de Marilyn: “Uma gota de

Chanel e nada mais”, mas perfumes

consumem o ultimo senso de decisão

que posso possuir na vida.

Assim que abri a porta do quarto,

imediatamente todas as flores que

estavam espalhadas pelo quarto foram


absorvidas pelos meus olhos. Flores das

mais diversas espécies, aromas e cores.

Em cima do vestido de noiva espalhado

cuidadosamente na cama, havia um

buquê delicado feito com gérberas rosa-

claro e um envelope amarelo. Peguei o

envelope com cuidado, para que minha

mão suada não manchasse o vestido e

assim mamãe me matasse de verdade.

“Como sei que adora flores e

plantas, que elas tornem esse dia

melhor. De buquê, já que ama gérberas,

pensei que adoraria que elas lhe

acompanhassem na igreja hoje.

Tom Carter. ”

Não acredito que ele tenha

lembrado que adoro flores, mas para ter

ido me buscar no jardim, não havia nada

mais óbvio. Não consegui sentir a velha

repulsa por ele, pois aquelas flores eram

de fato lindas e atraentes ao meu gosto.

E a companhia delas me deixavam um

pouco melhor. O banho me espera e a

banheira também estava repleta de


pétalas de rosas brancas — o que eu

achei um exagero, porque odeio banho

de banheira e principalmente banho

aromático, mas como mamãe insistiu que

seria agradável e eu estava sendo

resmungona, como sempre, aceitei.

— Menina? — A voz da Senhora

Braun ecoava do quarto.

— No toalete, pode vir. — Gritei.

— Eu vim avisar que a sua

empregada já está aqui para servi-la.

— Empregada?

— Sim, ela disse que foi

contratada pelo senhor Carter.

— Ele não me disse nada. — Dei

de ombros. — Ele também não me diz

nada. Ninguém me diz nada. E o que ela

quer?

— Ajudá-la.

— Preciso?

— Sua mãe lhe deu alguns afazeres

então ela não irá incomodá-la por umas

duas horas.

— Ótimo. Vejo todos na hora do


casamento. Diga a mamãe que a mande

para me ajudar com o vestido.

Ao lado da banheira, haviam velas

aromáticas que não existiam nessa casa

— antes de Anthony mandar essa

empregada. Ele queria me assustar, me

agradar ou definitivamente estava sendo

babaca o suficiente achando que

validarei esse casamento dessa forma.

Havia também um som, escrito “Toque-

me”.

Liguei o som, e de repente começa

a tocar “A New Days Has Come” de

Celine Dion.

Sério?

Celine Dion?

A música passou, na verdade um

CD completo de Celine passou. Só senti

vontade de afundar na banheira quando

tocou a música tema do Titanic. Nunca

vi algo tão brega na minha vida. Eu

queria rir e chorar ao mesmo tempo.

Acho

que
nem

pessoas

“romanticamente” envolvidas chegam a

esse ponto, quanto mais eu e ele que não

temos nada mais que convenções

contratuais a cumprir.

Esse dia está passando mais

rápido que o normal. Sabe quando a

gente está entediada e as horas se

arrastam? Não é igual ao dia que a gente

não quer que as horas passem e elas

voam? Hoje! Em poucas atividades e a

empregada bateu a porta do meu quarto.

— Entre. — Falei ainda distraída

com a mala.

— Senhorita? Eu me chamo Susie.

Sou sua dama de companhia.

Andando em passos lentos como se

pisasse em ovos, surgiu em minha frente

uma jovem moça — ela tinha quase que

a minha idade, acredito que talvez fosse

mais nova, algo na casa dos vinte —

cabelos loiros cor de mel envoltos em

um coque, presos com um daqueles


laços de empregada e um uniforme azul

marinho com detalhes brancos, que

embora não fosse o look do dia perfeito,

realçavam seu corpo escultural. Fiquei

até um pouco chocada, parecia que ela

malhava. Não era só o trabalho que

contribuía para aquele corpo malhado,

acho que ela frequentava academia ou

algo assim.

— Oi? — Parei no tempo? — Em

que século estamos?

— O senhor Anthony prefere que

eu seja denominada assim, é isso que as

rainhas têm.

— Eu não sou uma rainha.

— Mas para o senhor Anthony...

— Escuta Susie. — Interrompi-a.

— Se quiser garantir esse emprego, sabe

que vai ter que lidar diretamente comigo

e eu a peço que não vá pela cabeça

daquele maluco.

— Sim senhora.

— Nos daremos bem Susie, mas

nada de rainha. Ok?


— O-Ok. — Ela titubeou. Ela tem

medo que eu seja louca como Anthony?

— Vamos, me ajude então com

esse vestido.

O vestido não me caiu mal. Eu

estava bonita — lamentavelmente —era

um vestido de casamento e nada habitual

que pudéssemos usar em qualquer festa

ou saída de casa: o que não me dava

muita empolgação com relação a ele,

apesar que ele era realmente lindo.

Mamãe surtou pela simplicidade, mas

aceitou que fosse ele após eu me negar a

usar outro. O vestido não possuía

bordados, perolas ou brilhos. Era

apenas o tecido branco, justo no corpo,

tomara que caia. A única coisa que não

pedi sobre ele e descobri há dois dias é

que a calda era sereia. Eu deveria ter

feito a estilista arrancar a maldita calda

e jogá-la aos tubarões. Mas, mamãe

achou melhor não criar caso e acabar


atrasando a cerimônia ou comprometer o

vestido, pois tudo que ela mais iria

detestar do que o vestido “cafona” em

suas palavras, era alugar ou comprar

algum em uma loja especializada.

Fugiria totalmente dos padrões, dos seus

padrões. Ela pôs o bedelho no vestido.

A estilista repetia constantemente que

era o vestido mais simples e sem sal que

ela havia feito.

Nada de tiaras, véus ou luvas.

Após muita insistência, concordei em

colocar um adorno no cabelo que se

assemelha à um cordão de perolas que

envolvem a cabeça e deixam um ar

romântico. O buquê de lírios, escolhido

pela

estilista,

seria

prontamente

substituído pelo buque de gérberas

enviadas pelo Anthony. Embora o

Loubotin tenham sido separados, um

peeptoe branco deverá cair bem e me


deixar mais confortável. A sensação de

calo já me é latente.

Após terminar de me vestir com a

ajuda da empregada, que cumpriu a

tarefa calada sem puxar nenhum assunto

e com nenhuma espécie de comentário

ou pergunta do tipo: “você está

nervosa”, “hoje é um dia muito

importante”, o seu respirar e o meu,

eram as únicas coisas passiveis de se

ouvir no quarto e os passos impacientes

dos meus pais e da senhora Braun do

lado de fora do quarto.

Assim que eu saí, todos ficaram

pasmos. Me olhavam com ar de surpresa

e emoção, acho que ficaram surpresos

que mesmo sem estar parecendo uma

árvore de natal, e apesar de simples me

achavam bonita — ou não, talvez tenham

constatado que eu estava fora dos

padrões e, portanto, seria um desastre.

Papai, tomou-me pelo braço para

descer as escadas comigo. Antes que

esboçasse alguma emoção maior, como


lagrimas por exemplo, inclinou a cabeça

apertando-me a mão e descendo as

escadas imponente. Seguidos de mamãe

da

senhora

Braun

que

se

desmanchavam em um choro irritante,

pela primeira vez, uma dava suporte a

outra de braços dados e cada uma com

um lenço na mão borrando toda a

maquiagem.

Esperava que fossemos à uma

igreja, mas fomos diretos para a casa do

Anthony. Minha futura casa. Abriram os

enormes portões. Papai me ajudou a

descer. Bem a minha frente, havia um

enorme tapete vermelho que ia em

direção ao jardim maravilhoso que além

de
lindo

colorido,

estava

especialmente iluminado. As pessoas

distribuídas em cadeiras brancas pelo

caminho, já se levantavam assim que a

orquestra começou a tocar Ave Maria de

Schubert.

De início haviam alguns rostos que

não me eram familiares, em seguida a

sensação

de

estranheza

foram

preenchidas pelos amigos da família e

até minhas tias, que vieram de Londres

especialmente

para

cerimônia.

Algumas me sorriam com ternura, eu

tratei de retribuir. Apesar da tristeza que

me preenchia por completo, um sorriso


talvez tornasse o álbum de fotografia e

os

vídeos

do

casamento,

menos

melancólicos e eu poderia fingir que é

algum filme bobo de romance.

Estávamos nos aproximando do

altar e finalmente pude ver Anthony

melhor, sério e elegante como sempre

num

terno

azul

claro,

cabelos

minuciosamente ajustados com um gel

de intenso brilho. Conforme eu me

aproximava, ele esboçava um sorriso e

eu tentava fazer o mesmo. Meus olhos

brilhavam com uma real intensidade,

porque aquele homem era lindo e

poderia enlouquecer a cabeça de

qualquer mulher, menos a minha. Se ele


não fosse um canalha incurável, talvez

arrumasse alguém que o amasse

verdadeiramente.

Papai me entregou ao meu sócio, a

partir de agora não seriamos marido e

mulher e sim sócios, alguém precisava

dizer ao padre. Sua mão gelada,

contrastou a minha distonia. Minha mão

suada junto a sua. O padre começa a

falar todos os ritos normais de um

casamento e intercalo olhar para o

padre, para os padrinhos, para o noivo e

este último sempre me retribui o olhar

no mesmo instante, me deixando

constrangida e fazendo-me desviar

imediatamente.

Os

juramentos

começam

repetimos na mesma voz:

— Eu, Anthony Johnson Carter te

recebo Katherine Isabela Gardner como

minha esposa...
— Eu Katherine Isabela Gardner te

recebo Anthony Johnson Carter, como

meu esposo...

— Na saúde e na doença...

— Na riqueza e na pobreza...

— Na alegria e na tristeza....

— Até que a morte nos separe! —

Ou um contrato de divórcio, bem

formulado.

— O noivo pode beijar a noiva, eu

vos declaro marido e mulher. — O

Padre encerrou sua celebração, me

atirando nos braços dessa criatura.

Suas mãos apertam meus ombros,

trazendo-me para mais perto de si. Seu

rosto se aproxima do meu, sua boca vem

em direção a minha rapidamente e toca

meus lábios gelados do nervoso que eu

sentia. Seu hálito quente preenche

qualquer gelo que eu possa sentir. De

repente, me sinto entregue naquele beijo.

Pela

minha

cabeça
passam

mil

sensações, emerge pelo meu corpo

algum tipo de substancia que me

amolece em seus braços. Ele me solta de

repente,

agarrando

meu

braço,

envolvendo-o no seu e me guia de volta

pelo tapete vermelho enquanto os

convidados aplaudem. Ele não me olha,

ele apenas sorri em direção as pessoas.

Sou obrigada a sorrir também.

Anthony trincou o maxilar quando

chegamos ao salão onde ocorreria a

festa. Ficou carrancudo um instante,

depois pegou em meu queixo e deu-me

um beijo rápido.

Suba!

Arrume-se,
pois

partiremos para a lua de mel em meia

hora. O tempo suficiente para que

partamos

bolo

as

pessoas

aproveitem a festa.

Não hesitei, ou me opus a sua

decisão. Realmente, quão mais rápido

eu pudesse sair daquele lugar eu me

sentiria menos inconfortável ou invadida

em minha personalidade.

Franzi a testa assim que entrei no

quarto onde estavam as minhas coisas e

havia um vestido de cor salmão disposto

na cama. Fitei o vestido decidindo se o

vestiria, apesar de bonito, eu acho que

não combinava comigo. Eu não gosto

dessa cor. Suspirei e assim que Susie

prontamente entrou no quarto, pedi sua

ajuda para me trocar.


Desci as escadas depois de pronta.

Aos poucos todos os olhares dos

convidados voltaram-se a mim. No final

da escadaria, Anthony já esticava a mão

para pegar a minha, que prontamente o

entreguei.

— Você ficou linda nesse vestido,

ele parece ter sido feito para você.

Eu não disse nada enquanto ele

falava. Dei-lhe um sorriso frouxo e

dirigi o olhar a Grace que me olhava

encantada, como se eu fosse algo

importante naquele mundo. Ela tinha

razão: uma noiva é uma espécie de

Beyoncé recebendo um grammy na festa

de casamento. Sou dona de toda a

atenção, dos olhares curiosos e dos

sorrisos amistosos. Segui em direção a

minha amiga, que me recebeu com um

longo abraço e risos incontidos. O

garçom passou por nós com taças de

champanhe e ela logo arrematou duas,

me entregou uma e solicitou um brinde.

— Um brinde a minha amiga,


Senhora Carter!

Esse

codinome

me

deixava

extremamente entediada.

Eu já conseguia imaginar todo o

meu futuro: aparências e festas cheias de

gente vazia que não conseguia completar

o meu próprio vazio. E eu só queria

poder sentir o calor da vida, no mais

tudo o que sinto é um frio devastador

que congela meu coração. Corri os

olhos rapidamente pela festa. Não havia

nada aqui que me prendesse. Todos e até

mesmo Anthony, pareciam felizes e

satisfeitos. Eu sou a única descontente

nessa sala.

Parei um pouco de observar e

resolvi ir até o toalete, lavar o rosto ou

simplesmente tomar ar em alguma parte

da casa que estivesse mais calma, ou

que não houvesse circulação excessiva

de pessoas.
Contemplei a minha imagem no

espelho. Nunca tinha me visto de fora,

hoje a Katherine que eu costumava

encenar, estava cada vez mais fora de

mim ou do meu controle. Continuei

tentando me enxergar além de toda

aquela loucura insana que a minha vida

se transformou desde então. Não

conseguia decifrar a minha expressão, a

maquiagem parecia uma máscara de

ferro que me aprisionava aos risos que

meu coração não possuía, ou cores que

meus olhos não mais enxergam.

Eu sei o que estou fazendo...

Essa ideia fixa ecoava em minha

mente.

Sei

mesmo?

Um

suspiro

carregado me escapou. Não podia correr

o risco. Se a mulher com quem Anthony

insistiu para se casar era o que parecia

ser, então eu precisava protegê-la e


alimentá-la a fim de que ela possa lutar.

Mas como?

Calmamente, enxuguei o rosto com

o papel toalha. A maquiagem a prova de

água é uma benção, se não esfregarmos

o suficiente não há motivo para estrago.

Do lado de fora, algumas mulheres

esperavam que eu destrancasse a porta.

Oras, não havia motivo para que ele

estivesse trancado. Mas quando viram

que era eu, a noiva, que me resguardava

num momento íntimo e a sós, desfizeram

a cara de barraco e simplesmente riram.

Fingi que não me importava com

elas. Mas, me senti amplamente ferida.

Me senti um peixe fora d’água, uma

estranha, um artigo mercenário de luxo.

Algo que as pessoas queriam ser, mas

não sabiam o quanto era difícil estar

naquela carcaça naquela noite. Retribui

o sorriso e voltei para o salão. Antes

que chegasse as escadas, Anthony me

interceptou com uma mala nas mãos.

— Estamos prontos para ir. O


jatinho nos aguarda no aeroporto. — Ele

parecia uma aeromoça me informando

todos os protocolos de viagem num

avião. Mais do que entendi foi blá blá

blá.

— Você quer parar de me tratar

como se eu fosse uma demente? — Me

exaltei. Sem razão aparente. Mas eu

estava muito irritada. — Eu não irei a

lugar nenhum sem antes me despedir das

pessoas que realmente importam para

mim e sem saber para onde vamos. Eu

não fiz a mala, não sei se estará frio,

quente...

— Susie já preparou tudo.

— Quer dizer que você incumbe a

Susie de cuidar da minha vida e dá a ela

mais informações do que dá a mim?

Susie

sua

empregada

particular. Para que a mala fosse


arrumada ela precisava saber e você

está sendo muito infantil. Quer me

acompanhar por favor? Se é o que

deseja, seu pai e sua mãe, e sua amiga

de infância já estão a caminho do

aeroporto.

Deixei que ele me guiasse em

silêncio por uma saída da casa que não

estava movimentada pelos convidados,

apenas pelos empregados. Que a cada

passo que dávamos, inclinavam a

cabeça em respeito à autoridade de

Anthony e se despediam. Acho que

festejavam por dentro o fato de se

livrarem dessa peste por uns dias.

Enquanto ele abria a porta do

carro, o celular dele tocou, fazendo com

que ele se afastasse para atender. Pelas

suas feições, não era nada bom. Eu não

conseguia ouvir.

Eu nem sabia para onde iriamos

afinal. Contudo, não me atrevo a

perguntar novamente porque já deixei

claro que a obrigação dele era me


informar.

Ele entrou no carro enquanto eu o

cobria mentalmente com perguntas, o

carro deu partida e só ouvi sua voz de

novo quando chegamos ao aeroporto e

ele delicadamente “autoritário” pediu

que eu saísse do carro:

— Vamos? — Disse Anthony com

um sorriso, estendendo uma das mãos

enquanto com a outra segurava um

casaco de couro.

Olhei em seus olhos rapidamente e

engoli a ira que ele acabara de

despertar.

— Querida, boa viagem. —

Mamãe correu ao meu encontro me

dando um abraço apertado, seguida de

papai que repetiu o gesto.

— Assim que chegarem ao destino,

telefone para sabermos que está tudo

bem. — Disse ele, quase rápido demais.

Então ele apertou meus ombros. —

Estou muito orgulhoso de você Kate.

Espero que um dia você possa me


perdoar.

Fiz que sim com a cabeça e lhe dei

um novo abraço. Era tão bom vê-lo de

novo como o pai que sempre fora, fiquei

feliz em voltar a ser sua menina. Ainda

que a sua atitude, esse contrato e esse

casamento não fossem nada com-

preensíveis.

Grace não apareceu no aeroporto,

fiquei preocupada já que Anthony disse

que ela viria. Ela certamente não iria

deixar de se despedir. De qualquer

forma, ainda a esperamos por uns vinte

minutos antes que Anthony voltasse a me

apressar e eu tivesse realmente que ir,

pois o avião já estava pronto para

decolar.

Observei meus pais uma última

vez, embora a rapidez com que

respirava deixasse bem claro como

estava me sentindo.

Anthony se aproximou e me

envolveu em seus braços, levando-me

para dentro do avião. O jatinho, tinha


uma mesa com quatro poltronas, duas de

frente para outras duas, revestidas em

couro. Um bar. A cabine dos pilotos.

Uma comissária de bordo, fardada e

incrivelmente linda. Em cima da mesa,

um balde com gelo e champanhe.

Anthony recolheu os braços e me

indicou onde sentar, para que em

seguida a comissária viesse e colocasse

o cinto em mim. Ele mesmo colocou o

dele.

A cabine fora mobiliada para

garantir aos passageiros o conforto de

um hotel cinco estrelas. As poucas

poltronas eram amplas, e a mesa de

jantar à qual estava sentada era grande o

bastante para um menu de luxo. Às

costas de Anthony ficava um escritório

completo com computador e fax, com

ligação direta por satélite. Uma porta

indicava um banheiro e a outra estava

fechada sem nenhum aviso do que se

tratava.

— Iremos para Londres. Sei que


sempre quis ir para a Inglaterra, devido

a família do seu pai ser natural da Grã-

Bretanha e você ter fascinação por lá.

Dei de ombros como se não me

importasse. Finalmente uma notícia

boa. Dei risinhos alegres e saltitantes

por dentro. As coisas entre nós ficaram

estranhas durante um tempo. Fitei

intensamente o rosto de Anthony,

procurando por qualquer indício do que

estava acontecendo em sua mente.

Tentando decifrar seus pensamentos e

sentimentos.

Eu já estava arrependida por não

ter lutado arduamente para impedir esse

casamento. Eu odiava ter essa única

opção de trajetória na vida. O destino

jamais me desafiara de maneira tão

veemente, mas essa fora a primeira vez

que eu me sinto fora de mim. Uma

mudança de ambiente talvez me desse

uma chance de colocar em ordem seus

pensamentos e me resignar a essa nova

condição.
O ruído das turbinas atiçaram meus

sentidos e me impediram de pensar.

— A senhora aceita beber alguma

coisa? — Perguntou a aeromoça.

— Não. Obrigada. — Retruquei

Anthony arqueou as sobrancelhas

em minha direção, jogou a cabeça para

trás e recostou-se na poltrona.

— Eu quero uma taça de

champanhe. Quero brindar a vida e ao

meu casamento com essa adorável

mulher. — Ele soltou uma gargalhada.

E ainda assim, ele riu de uma

forma que deu a entender que estava

realmente deliciado. Eu confesso que

gostei do som daquela gargalhada. E não

era apenas isso. Eu gostava de sua

aparência. O suéter de tricô azul-claro

envolvia seu torso sem se esticar, a cor

contrastando com sua pele branca,

especialmente onde a gola em "v"

revelava uma parte provocante do peito.

Calças pretas justas acentuavam o

abdome firme, exibindo suas pernas


compridas.

Ele voltou a me olhar no fundo dos

olhos, me senti avaliada. Resisti à

tentação de desviar os olhos, ao invés

disso permiti que os meus ficassem fixos

nos dele. Ele podia ser lindo de morrer,

mas eu não sou uma adolescente que

ficaria constrangida por ser flagrada

olhando para um homem, especialmente

um homem que não me dá emoção

sentimental alguma. Não tenho interesse

por ele.
Anthony
Meu raciocínio frio e analítico

conseguia

avaliar

qualquer

coisa.

Agora, diante de Kate, me sinto

impossibilitado de reagir a sua beleza.

Minha racionalidade começa a me

abandonar.

Após

primeiro

gole

de

champanhe, disfarcei a minha admiração

diante de sua força e indomável

capacidade de querer sempre ser

superior. Fingi um sorriso debochado e

continuei a encará-la, tentando fazer com

que ela ficasse intimidada, mas de nada

adiantou. De repente, Kate ficou cada

vez mais séria. Apesar do cansaço físico

e mental, uma lembrança perigosamente


sedutora pipocou na minha mente.

Por alguns segundos tentadores, me

dei ao luxo de sonhar de olhos abertos.

Como seria fácil.... Não. Não devia

pensar nisso. Não devia alimentar

desejos. Não tenho a intenção de tornar

as coisas ainda mais difíceis para ela.

Senti um nó na garganta. O

desapontamento era cruel, mas eu

sempre soube que se tratava apenas de

um casamento de aparências. O contrato

não nos exige contato físico ou

consumação sexual, tampouco filhos.

Endireitei as costas. Era inútil esperar

alguém agitar uma varinha de condão

para resolver tudo milagrosamente.

Obriguei-me a observar a comissária.

Pelo menos, ela era uma loira escultural

e aquele uniforme marcava seu corpo,

exibindo todas as suas curvas e me

fazendo desejar tirar aquela saia.

Me detive de repente. Kate

arregalou os olhos em minha direção,

quando me viu alisando o queixo e


olhando fixamente para aquela mulher.

Portanto, ela suspeitava que havia algo

mais, mas ainda assim estava ali. A

mulher tinha coragem. Tanto melhor.

Não havia nada que eu gostasse mais do

que um desafio.

Acompanhei com os olhos a loura

se mover no avião. Fazia muito tempo

desde a última vez que tive uma mulher

em meus braços. Tempo demais. Podia

sentir o desejo crescer enquanto a

observava, o ondular natural de seus

quadris acentuando a curva para a

cintura esguia. Tempo demais.

— Qual o seu nome? — Perguntei-

a.

— Ashley. — Ela respondeu

envergonhada.

—Adorável — comentou Kate, tão

irônica quanto o incômodo que a minha

pergunta havia lhe causado.

Permaneci em silêncio por mais

alguns minutos, durante os quais mantive

os
dedos

desenhando

círculos

imaginários na mesa. Minutos que se

arrastaram interminavelmente.

Com o canto do olho notei que

Kate tirara os olhos de mim. Ela havia

se virado e estava olhando para Ashley,

tentando adivinhar agora o que se

passava na cabeça da moça que não

fazia nada mais que cumprir seu

trabalho. Ela respirou fundo e retirou o

cinto, se dirigindo ao banheiro.

— Precisa de ajuda senhora?

— Não. Estou bem, obrigada —

disse ela, com a voz baixa e tímida.

Kate é uma mulher bonita, mas

ainda assim não me sinto apaixonado

por ela. O desejo que sinto em possui-

la, eu posso controlar. Ainda assim, por

que ela parecia congelar quando devia

estar fazendo alguma coisa.... Qualquer

cosia? E eu não consigo me afastar o

suficiente. A não ser que eu esteja


redondamente

enganado,

possibilidades de nos aproximarmos

com o tempo...

Isto não pode acontecer! Virei o

rosto, mexi no smartphone desligado.

Como se nada houvesse

acontecido, Kate sentou na cadeira ao

lado da minha enquanto a comissária

trazia duas taças de champanhe e um

balde de gelo contendo uma garrafa

resinada. Ela reconheceu o rótulo

imediatamente.

— Vinho francês? Você tem mesmo

estilo.

Estranhamente senti uma onda de

calor por todo meu corpo em tê-la tão

perto a mim. Como ela podia ser capaz

de fazer com que me sentisse assim?

Como ela podia fazer com que eu me

sentisse tão tenso num minuto, e tão

relaxado no seguinte?

O vinho foi servido e ela me


estendeu a taça.

— Proponho um brinde — disse

Kate. — A uma viagem cultural e

divertida.

Ela levantou sua taça para mim,

sem jamais desviar do rosto de Ashley

aqueles intensos olhos azuis. Ela engoliu

em seco antes mesmo de encostar a taça

nos lábios. Talvez fosse hora de lembrar

a ela de outra mulher que desempenharia

um papel neste casamento, uma mulher

que a ameaçava. Mas por quê?

Assenti e levantei a minha taça

lentamente.

Ela tomou um gole de sua taça de

vinho, satisfeita por ter posto o nosso

relacionamento de volta em seu lugar.

Não

importava

se

era

apenas

conveniência ou não, pelo menos agora

Kate deixou claro que apesar de tudo,


não iria tolerar outra pessoa neste

casamento.

Mas, observando-me por cima da

borda da taça, Kate viu que suas

palavras não pareceram surtir o menor

efeito. Apenas serviram para alargar

meu sorriso e a sombria intenção dos

meus olhos.

Levantei a taça e mais uma vez a

estendi a minha esposa, ainda sorrindo,

fitando-a. Por um breve instante ela

sentiu

que

algo

lhe

passara

despercebido. Alguma coisa acontecera.

Sim, eu aceitei a referência à lua de mel

e a uma suposta felicidade e romance, e

o fiz sem pestanejar. Mas havia algo por

trás disso, algo curioso e intrigante. Uma

coisa que ninguém que estivesse de fora

desse contrário, conseguiria identificar.

Uma coisa que não parecia correta. Ela


não queria aceitar um casamento

convencional, mas algo a perturbava.

A comissária se curvou para

sussurrar no meu ouvido, os olhos de

Kate se arregalaram por um breve

instante.

Desculpe-me

disse,

pousando a taça na mesa. — Aconteceu

uma coisa da qual preciso cuidar com

urgência. Por favor, me dê licença.

Ela olhou para a minha mesa de

trabalho. Enquanto eu seguia para a sala

trancada, acompanhado da comissária.

Algum

problema?

Questionou-me Kate.

— Um assunto insignificante, nada

com que se preocupar — assegurei,

virando para me reunir à bela loura.


Qualquer que fosse o " assunto

insignificante" que Kate pensava,

estava demandando algum tempo. E

emoção para mim. De vez em quando o

som dos gemidos de Ashley sobressaía

ao zumbido constante das turbinas.

Fiquei preocupado se Kate ouvisse e

nos interrompesse, mas ela não permitiu

que sua curiosidade suplantasse seu bom

senso. Ela não sairia de onde estava.

Além disso, ela estava aliviada

por ser poupada por algum tempo da

minha presença, e eu de tentar ler suas

expressões ilegíveis.

Uma leve mudança na direção do

voo indicou que havíamos iniciado a

descida. Olhei pela janela. Eles estavam

cruzando a costa. A paisagem cinzenta,

se acentuava a Grã-Bretanha.

Vesti-me rapidamente, assim como

Ashley e saímos da sala.

— Está tudo bem? — Perguntou

Kate, olhando para o fundo do avião.

— Sim. — Desconversei.
Não demorou muito para que a

aeronave tocasse gentilmente a pista do

aeroporto

de

Londres.

Após

desembarque do avião, pegamos um

carro, iniciamos um percurso de trinta

minutos até o hotel. O tempo estava frio

e seco sob um céu que parecia se

estender ao infinito.

Falamos muito pouco durante os

primeiros minutos. Kate contentara-se

em olhar pelas janelas e apreciar a

vista, considerando fascinantes, quase

incapaz de conter sua empolgação pela

beleza da cidade. Nem a minha presença

a seu lado diminuía seu entusiasmo. Ela

já estava empolgada para percorrer todo

o trajeto amanhã. A paisagem era como

um sopro de ar fresco.

— O que está achando do país?

— Lindo, simplesmente lindo.


Ao

chegarmos

ao

hotel,

motorista descarregou as malas. Kate

ficou intrigada quando retiraram apenas

duas malas e o funcionário do hotel

chegou para leva-las. Permaneci em

silêncio enquanto cruzávamos o saguão.

— Bem-vindos ao Saint James—

disse a recepcionista assim que nos

aproximamos do balcão.

O hotel era mesmo magnífico

mesmo

noite,

com

luminárias

posicionadas

estrategicamente

para

ressaltar as paredes. Mais parecia um

palácio. Suas paredes cor de creme


incrustadas

com

madrepérolas

couraças de tartaruga, concedendo à

construção uma suntuosa aparência e

textura.

— Carter — disse envolvendo o

braço ao redor de Kate. — Há uma

reserva para uma suíte de luxo, em nome

da senhora Katherine Carter.

— Pois não, seja bem-vinda a

Londres — disse a recepcionista, boca

curvada em um sorriso.

Assim que chegamos a suíte, o

carregador dispensou as malas próximo

a poltrona branca. Kate dirigiu-se para a

janela, que tinha uma excelente vista de

Londres.

— Kate. Eu já estou de saída.

Espero que aproveite a sua estadia em

Londres. Nos vemos daqui há quatro

semanas.

Kate arregalou os olhos:


— Para onde você vai?

—Eu tenho alguns negócios a tratar

em Dubai, sobre a expansão comercial

da empresa. Amanhã você terá a

companhia de uma guia, que vai leva-la

aos principais pontos turísticos e

atrações culturais de Londres. Ela estará

aqui amanhã bem cedo para ouvir suas

instruções. Joan é sua assistente pessoal

e fará tudo que você pedir. Ela também

chegará aqui amanhã.

— Isso não é necessário —

protestou Kate. — Não vou precisar de

babá.

— Seu prazo é de apenas quatro

semanas, e eu espero realmente que

você aproveite. Serão férias e um tempo

para que você busque se adaptar a sua

nova realidade. Quando voltarmos, você

será minha esposa e terá que se

comportar como a tal. Quer que eu lhe

mostre suas acomodações?

— Não, porque não sou burra. —

Disse Kate visivelmente aborrecida e


contrariada.

— Quatro semanas não farão

diferença. Mas irão deixa-la mais

relaxada. Eu entro em contato sempre

que puder. Bom.... Até alguns dias

Katherine.

— Até, Anthony — Kate virou

suas costas para mim e eu recuei saindo

do quarto. Mas sentia que algo em mim

pedia outro tipo de atitude ou conversa

com ela.

4
Kate
Eu estava atônita, vermelha de

indignação.

Aquele

casamento

realizado, com tanta frieza, não passava

de um insulto!

Era como se eu tivesse perdido

minha dignidade, não tivesse coração e,

num momento conveniente pudesse ser

usada para benefício dos outros e ter

que passar por tantas humilhações, como

ter que ver meu agora marido — por

mais contrário à minha vontade que seja

— fazer sexo com uma aeromoça no

mesmo avião em que me encontro

presente, ouvindo seus gemidos e ambos

delirarem de prazer.

Mal pude conter a vergonha

perceptível, cada vez que um dos

tripulantes olhava para trás em minha

direção e da porta em que eles cometiam

aquela sem-vergonhice. Antes que ele

saísse daqui, abafei veemente a minha


indignação. Fechei a porta atrás de mim,

deslizando até sentar-me no chão.

Sacudia a cabeça, atônita, sem conseguir

pronunciar uma palavra. Tudo aquilo

parecia um pesadelo, um sonho maluco

que pairava em minha mente para me

confundir.... Levantei-me em direção ao

toalete, para lavar o rosto e tentar

esquecer toda essa loucura. Como disse

Anthony, eu tenho um mês de férias para

recompor-me e preparar o meu espirito

para maiores humilhações e desperdício

da minha vida.

O hotel era luxuoso, o quarto era

enorme composto de três ambientes:

uma sala de estar e visita, um banheiro

repleto de marfim e detalhes dourados

do chão ao teto e o quarto, que eu ainda

não conhecia pois cheguei até aqui.

— FÉRIAS! — Repeti para minha

mesma enquanto caminhava ao quarto,

tentando afastar Anthony dos meus

pensamentos.

— Está se esquecendo de uma


peça importante nessas férias — gritou

Grace, deitada na cama excessivamente

empolgada. — Da diversão! Iupi.

— Você? — Encolhi os ombros

mais abri um sorriso. Me sentia melhor

que ela estivesse aqui. Mas, como? —

Como?

— Combinei tudo com o Anthony

semana passada. Ele me propôs essa

viagem de férias com você e lógico que

eu não iria perder. Londres é tudo e os

ingleses são bons de cama.

— Sua danadinha, por isso não

estava no aeroporto.

— Não. Anthony fretou um voo

que saísse antes, para que eu tivesse

tempo hábil de fazer a surpresa.

Respirei fundo. Pensei em Anthony

e na viagem, nas possibilidades que ele

teria com a aeromoça. Mas estava

agradecida de ele ter tido pelo menos a

hombridade de tornar as coisas um

pouco melhores.

Grace me observava atentamente,


notando minha luta interior.

— Então, não gostou da surpresa?

Endireitei os ombros, respirei

fundo e disse:

— Claro que sim! Como não

adoraria ter você aqui comigo.

Ela relaxou, visivelmente.

Ótimo!

Então

está

tudo

arranjado. Fique tranquila! Será um mês

perfeito.

— Sim, será.

— O que faremos amanhã?

— Teremos uma guia turística e

uma assistente.

Eu e Grace conversamos muitos e

fizemos muitos planos de programa e

passeios turísticos para essa temporada

na Inglaterra. Não pude evitar, as

lembranças do casamento se tornaram

cenas vividas de um caleidoscópio: o


rosto duro de Anthony, a aspereza a em

seus olhos castanhos; a atmosfera quase

fúnebre no interior da limusine a

caminho da igreja, os rostos perplexos

dos convidados, o murmúrio de espanto

e incredulidade. Parecia que todos

diziam em coro: "Este não é um

casamento de conto de fadas! "

Papai,

acompanhando-me

pelo

longo acarpetado vermelho até o altar.

Eu mal podia crer que aquele homem

atlético e enigmático, que me aguardava

ali, fosse realmente meu futuro marido.

Enquanto repetia os sagrados votos do

matrimônio, ousei encará-lo de frente, e

julgou ter visto uma chama de afeto

naqueles

olhos

escuros.

Mas

impressão durou apenas um instante.


Mal poderia imaginar do que ele era

realmente capaz. Não que eu quisesse

estar no lugar daquela aeromoça, longe

de mim, mas era a minha lua-de-mel

com outra mulher no meu lugar e nenhum

de nós fez a mínima questão.

Eu ainda ficava vermelha quando

me lembrava de tudo. Embora, fique

aliviada que Anthony tenha cumprido a

sua palavra e não exigira seus direitos

de marido. Também, não haviam

ocorrido muitas possibilidades de isso

acontecer, já que não era um casamento

convencional e não existe desejo, nem

dele e tão pouco meu. Nas poucas vezes

em que falei com ele pessoalmente ou

por telefone, ele foi muito cortês e bem-

educado, mas ainda era um estranho

para mim.

Olhei no fundo dos meus olhos,

refletidos no espelho da penteadeira,

inclinei-me para a frente e escovei os


cabelos. Meu celular vibrou com uma

mensagem de texto que acabara de

chegar.

Hora: 01:30 p.m.

De: Anthony Carter

Já estou no aeroporto com destino a

Dubai.

Meus cumprimentos e desejos de

felicidades.
Qualquer problema ou coisa que
precise, me comunique imediatamente.

Att.
Anthony Carter
Dormi muito e bem, como há

muitos meses não conseguia desde que

minha vida mudou completamente. A

aliança no meu dedo, me fez estranhar

tudo assim que juntei as mãos para me

espreguiçar. Mais uma vez tive a certeza

que não era um sonho ruim. Era real, eu

realmente estava condenada a passar

anos até, ao lado daquele homem

desprezível.

Olhei para o relógio e vi que era

tarde, por volta das onze da manhã. Ouvi

conversas vindo da sala de visitas, me

arrumei rapidamente e saí:

— Ora ora — disse Grace rindo

—, finalmente a Bela adormecida

acordou.

— Bom dia Grace! — Além de

Grace, havia outra moça. Também

morena e jovem.

— Esta é Joan, a sua assistente —

apresentou-nos Grace.

— Bom dia senhora Carter!


— Kate. Apenas Kate. Senhora

Carter é o meu crachá de escravidão. É

assim que me chamam no navio negreiro

em que navego. — Elas riram.

— Você está tomando o espirito

shakespeariano da coisa. — riu Grace

acompanhada de Joan.

— Se assim pode-se dizer.

— O que faremos hoje senhor...

Kate?

— A guia já chegou?

— O guia. Sim. Está nos

aguardando na recepção do hotel.

— Vamos. Londres nos aguarda e

quem sabe nos leve a forca.

— Você está tão Mortícia hoje

Kate. Não ligue para ela Joan, ela

sempre é um Grinch fora de época.

Nós três caímos na risada. Joan

sacudiu a cabeça. Era tão bom estar ali

de

qualquer

forma!

Algo
a

se

comemorar na minha inesperada vida

nova. Assim que chegamos a recepção,

estava nos aguardando, Jake. O guia

contratado pela secretária de Anthony

havia sido também um presente de

casamento? O homem era incrivelmente

lindo. Nós três ficamos babando. Era

loiro, alto, rosto delicado e novamente

lindo. Seus olhos verdes pareciam

esmeraldas brilhantes que olhavam em

nossa direção com simpatia. Grace

cutucou-me com o cotovelo e piscou

para Joan.

— Ele é meu Joan, tire o olho. —

Cochichou

Grace

desafiando

assistente.

Desde o primeiro instante as duas

se entenderam bem. A amizade cresceu

em uma rapidez, que eu estava me


sentindo estranha e não Joan.

— Bom dia, senhoritas! —

Cumprimentou ele, despertando-a das

divagações.

— Senhora. — Estendi a mão.

— Claro, a senhora deve ser a

senhora Carter. Eu me chamo Jake e

serei o guia de vocês nessa viagem.

— Muito prazer Jake. — Grace foi

demasiado atenciosa.

— Acho que já perdemos alguns

passeios, mas ainda podemos aproveitar

o dia. Alguma preferência?

— Buckingham! — Disse Grace,

enquanto Joan permanecia calada e

corada admirando o belo homem.

— Podemos ir ao museu... —

sugeri.

— Então vamos. Vocês irão adorar

o museu, se gostam de história e arte

renomada,

ainda

temos

coleções
melhores que a do Louvre. — Jake

estava empolgado.

O museu possuía um ar artístico

inimaginável. A arquitetura imitava a

grega e nos aproximava ainda mais da

história. Jake explicava cada detalhe do

lugar, Joan e Grace ouviam atenciosas,

como se ele fosse um professor do

colegial lindo além da inteligência.

Quando as olhava, praticamente se

jogando nos braços dele, imaginava-as

com pompons no cabelo e saias

pinçadas com tecido xadrez.

Assim que pensei nisso, Jake se

aproximou de mim. Os olhos dele

brilhavam.

Discretamente,

ele

me

perguntou:

—Parece que não está muito

interessada no passeio senhora Carter,

apesar de ter sido sua sugestão. Algum

problema?
— Não. Em absoluto. Eu apenas

estou distraída hoje. O passeio está

muito agradável e o senhor é um ótimo

guia.

— Se houver algum problema, por

favor me diga. A intenção da nossa

companhia é fornecer aos clientes o

melhor aproveitamento da sua viagem.

Há algo que queira fazer ou ver senhora

Carter?

— Kate. Me chame de Kate. Não.

Pode prosseguir, a suas alunas estão

adorando.

Então, ele olhou para as garotas e

riu constrangido. Ele as observou, os

olhos ligeiramente aguçados e então

seguiu na direção delas que admiravam

uma pintura. Nesse instante, a minha

atenção foi desviada por um toque no

ombro nu.

— Seu casaco. — Avisou-me

entregando o casaco que caíra da bolsa,

um homem de terno e gravata. Também

incrivelmente lindo.
— Obrigada. — Ri educadamente.

— Turista? — Perguntou.

— Americana, sim. — Respondi.

— Gerrard! Muito prazer. —

Estendeu-me a mão.

— Katherine Gar.... Carter. —

Estendi minha mão para apertar a sua em

cumprimento e ele a inclinou, beijando-

a.

— Vejo que é casada. Aquele é seu

marido? — Direcionou seu olhar à Jake

envolto nos encantos das garotas.

— Felizmente não, ou a essa altura

estaria solteira. Ele é o guia que nos

acompanha na viagem. — Rimos.

— Aceita um café? Acho que é o

tempo de ele escolher entre uma das

duas.

— Sim.

Gerrard me confundiu com seu

sotaque. A princípio pensei que era um

nativo britânico, mas tive a ligeira

impressão que fosse russo ou francês

quem sabe.
Ao chegarmos a cantina do museu,

ele educadamente puxou uma cadeira

para que eu sentasse, chamando a

garçonete.

Ela por sua vez, já veio sorrindo,

como se o conhecesse:

— O que irá querer hoje? —

Perguntou.

— O de sempre, um café puro. A

senhora gostaria de? — Perguntou-me.

— Um chá se possível.

— Claro. Só um momento. — A

garçonete anotou e se retirou.

— Chegou a muito tempo em

Londres?

— Não. Ontem. — Disse enquanto

observava um casal e sua jovem família.

A mulher balançava uma criança nos

braços, enquanto o homem limpava o

rosto de um garotinho loiro e de olhar

maroto.

— Quer ter filhos?

— Como? — Me assustei com a

pergunta. — Não. — Hesitei. —


Porquê?

— Algo brilhou nos seus olhos e

depois sumiu.

— O que foi? — Indaguei

perplexa. Se ele soubesse.... Como

poderia?

— Aqui está, o seu café e o seu

chá. — Interrompeu a garçonete, nos

servindo as xicaras com as bebidas

pedidas.

O clima era tenso, misterioso e

murcho.

— Então, Katherine, está aqui

apenas a passeio, estudo ou trabalho?

— Férias — respondi.

— E seu marido? — Que

insistência.

— Está em Dubai aos negócios.

Tirei as mãos da xicara que

pareceu

se

desequilibrar.

Gerrard

ignorou, conduzindo a sua até a boca. Os


lábios contraíram num sorriso discreto.

— É estranho... — esquivou-se de

continuar falando.

— O que é estranho? — Ele

conseguiu aguçar a minha curiosidade.

— Nada. Esqueça. Um lapso de

falta de educação da minha parte.

— Por favor, continue. Eu quero

saber.

Não

entenda

como

intromissão.... Ou falta de respeito. Mas,

é estranho que um homem com uma

esposa tão bonita e jovem possa deixa-

la por aí sozinha.

— Obrigada pela parte que me

toca. — Ri e corei ao mesmo tempo.

Nunca recebi um elogio masculino. Foi

doce e atrevido ao mesmo tempo. — As

coisas, não são o que parecem.

— O que quer dizer?

— Nada. Esqueça.
— Quanto tempo ficará?

— Em Londres? Vinte e nove dias,

para ser mais exata.

— Um mês em Londres é um mês

de reestruturação na alma.

— Não acredito em viagens

espirituais e nem de encontro consigo

mesmo. Eu acredito que todas as

viagens, permitem um pouco de busca e

encontro.

— Sim. Essa viagem é mais de

busca ou encontro?

— Busca.

— O que busca?

— Paz.

— É, os EUA andam um pouco

tenso mesmo.

— O que faz?

— No que trabalho?

— Sim.

— Aqui. Sou museólogo. Eu

coordeno a exposição de artefatos

egípcios.

— Incrível. Amo o Egito.


— Já foi ao Egito?

Não. O amo das aulas de história e

dos

documentários

da

National

Geographic. E você já esteve no Egito?

— Sim, muitas vezes. E você o que

faz?

— Eu ainda estou decidindo sobre

a faculdade.

— Você é tão nova assim?

Desculpe. Sei que é deselegante

questionar à uma mulher sobre sua

idade.

— Não, por favor. Eu teria que

entrar esse ano. Mas, com o casamento...

— É recém-casada?

— Sim.

— Quantos meses?

— Quarenta horas. — Falei

enquanto olhava o relógio. Gerrard

engasgou.

— Você.... Tecnicamente.... Não


deveria...?

— Estar em lua-de-mel? É. Bom,

eu preciso ir minhas amigas devem estar

preocupadas.

— Claro. Se não for muito

atrevimento da minha parte, em que

hotel está hospedada?

— Saint James. — Me levantei da

mesa. Gerrard, prontamente segurou

minha cadeira para eu sair da mesa. —

Obrigada pelo café e pelo casaco.

— Por nada. Até logo.

— Até.

Embora duvidasse muito que

fossemos nos ver, cumprimentei Gerrard

e saí em busca de Grace e dos outros.

As minhas piores suspeitas já estavam

confirmadas. Eu aparentava ser o que

ele temia — uma mulher jovem, recém-

casada e infeliz.

Antes de sair em busca do pessoal,

encontrei um banheiro e entrei nele. O

que estava acontecendo? O coração

esmurrava o peito, e com aquele vestido


apertado,

isso

era

péssimo.

Desesperada, tentei colocar a cabeça no

lugar... e fracassei. Eu só conseguia me

agarrar à pia e manter a calma.

Mas era difícil... difícil demais.

Duas realidades acabaram de

colidir uma contra a outra, e o resultado

foi uma carnificina. Era capaz de

enfrentar uma realidade, mas não ambas.

A sórdida realidade de precisar

conviver com a ideia desse casamento,

parecendo tão inerte a realidade, sorrir

para completos desconhecidos para

persuadi-los a comprar a ideia de um

casamento feliz e desinteressado, sem

saber por quê, não conseguia deixar que

nenhum dos motivos que meus pais

alegaram

me

comovesse.

Aquele
contrato era ridículo. Aquele acordo foi

uma sentença sem recurso. Eu perdi

minha vida inteira, por entre os dedos

em questão de meses e não poderia fazer

nada que engolir a minha dor e

frustração.

Mas o homem que acabei de

conhecer me comoveu muito. Abalou-me

com um impacto quase real. Como ser

atropelada por um ônibus. Perdi todo o

ar e consciência mental a ponto de só

conseguir ficar olhando com cara de

boba.

E olhar era a única coisa que

podia fazer. Porém, o impulso foi

irresistível. A presença dele era

irresistível.

Quando me aproximei da porta,

lembrei de alguma frase naquele sotaque

francês/russo que me derreteu por

dentro, foi irresistível. E quando ele co-

locou as mãos no cabelo e ajeitou a

gravata,

eu
fiquei

completamente

paralisada. Isso era errado. Errado e

horrível, e.... bem, apenas errado e

horrível.

Porque

ver

um

homem

daqueles simplesmente de tirar o fôlego,

prestando atenção em você, um mínimo

de

atenção

qualquer,

num

lugar

daqueles, nas condições em que me

encontrava me deixava no mínimo

irritada.

Respirei fundo. Certo, eu parecia

tão deslocada no mundo quanto um

diamante num colar de vidro. E mesmo

assim.... Outra verdade cruel me atingiu

em cheio. Eu estava tão preocupada em


tentar me recuperar do impacto que

Anthony me causou que não percebi que

a viagem deveria ser uma tentativa de

me alegrar e não de me entristecer.

Uma

pontada

de

tristeza

dominou, apenas por um segundo.

Descartei

hipótese

de

vitimização e lamentação. Eu precisava

me concentrar em aceitar a realidade e

não deixar que nada ou ninguém me

afetasse.
Anthony
Kate, é realmente uma pessoa

insuportável.

Uma catástrofe ter me casado com

ela. Apesar de linda, ela parece uma

megera cruel e inacessível. Eu não sou

nenhum tipo de santo, mas eu estou

tentando fazer com que as coisas sejam

menos horríveis entre nós e exista uma

harmonia apesar de tudo.

Mandei mais de uma mensagem de

texto, ambas sem resposta. Senti uma

pontada de culpa. Será que Kate está

chateada com o ocorrido no avião. Ora,

eu não poderia controlar meus extintos

de homem. E esse casamento não era de

verdade. Ao menos, não tecnicamente.

O toque do telefone interrompeu os

meus pensamentos.

— Sim? — Atendi.

— O senhor tem uma ligação do

EUA, pode atender?

— Sim, pode passar.

— Anthony? Como vão as


negociações com os árabes? — A voz

de Meggie ecoava do outro lado,

desacelerando meus sentidos.

— Avançadas, Meggie...

— Ótimo, estarei encaminhando

por e-mail o contrato atualizado da

transação. Tenho certeza que você

conseguirá concluir a tempo de

terminar a sua lua-de-mel.

— Ok. Checarei pela manhã.

— Como está a senhora Carter?

— Senti um tom de deboche do outro

lado da linha.

— Dormindo.

— Pensei que estivesse animado

por aí, que pena que não atrapalhei

nada.

— É... Boa noite.

— Bom dia Anthony querido.

Beijinhos.

Confesso que esperava que a

ligação fosse de Kate. O que ela estaria

fazendo agora e o que é tão importante

que não possa responder uma simples


mensagem de texto, do tipo “estou bem”.

Droga, droga, droga. Porque estou

pensando

tanto

naquela

menina

malcriada.

Soltei um suspiro exasperado e,

com raiva, tirei o Iphone do bolso,

atirando-o sobre a cama. Conseguiria

dormir naquela noite? Minha cabeça

girava, atormentando-me sem cessar.

Queria encontrar um jeito de afastar os

pensamentos sobre Kate e cair num sono

profundo, a fim de esquecer seu cheiro e

o brilho azul dos seus olhos.

Por que a presença dela perturba

tanto a minha vida? A pergunta não me

sai da cabeça. Afinal, mal nos

encontramos. Nunca fiquei a sós com

ela, a não ser no voo para Londres. Mas

ela não me deu abertura de uma

conversa. Toda vez que me vejo frente a

frente com ela sinto-me como um


adolescente inexperiente: não sei onde

colocar as mãos, fico desajeitado e

emudecido. Não encontro ações de

aproximar-me.

Mas que aflição, afinal? Acendi a

luz do abajur e comecei a andar de um

lado para o outro do quarto. Meus pés

afundavam no carpete macio, mas

mesmo assim eu não conseguia se

acalmar. Eu não estou apaixonado por

ela, tenho certeza. Então, por que, por

que não conseguia dormir? Só porque

ela

não

responde

uma

maldita

mensagem. Resolvi insistir uma última

vez.

Hora: 03:00 p.m.

Para: Katherine

Onde você está?

Tudo bem?
Anthony
Hora: 03:03 p.m.

De: Katherine
Sim.
KC.
Hora: 03:04 p.m.

Para: Katherine

Onde esteve?

Por que não manteve contato?


Anthony.
Hora: 03:05 p.m.

De: Katherine

Eu tenho que dizer cada detalhe do

meu dia?

Você vai me monitorar a distância?


KC.
Hora: 03:06 p.m.

Para: Katherine

Não.

Apenas estranhei que você não tenha

tido a educação ao menos de

responder meus cumprimentos de


aproveito do dia.
Anthony,

Hora: 03:07 p.m.

De: Katherine

Eu entendi, que você só gostaria de

receber

uma

mensagem

se

eu

precisasse de algo. Desculpe.


KC.
Kate
— Kate, onde você estava? —

Grace parecia aflita.

— Anthony me mandou dezenas de

mensagem e fiquei sem sinal para

conseguir responder...

— Rodamos quase todo o museu a

sua procura.

— Perdi muita coisa?

— Não muita. Jake é lindo. Mas,

estamos morrendo de fome. Será que

poderíamos ir comer, não tomamos café

e nem almoçamos. Estou azul de fome.

— Vamos então.

— O que Anthony queria?

— Nada demais. Saber como

andam as coisas. Ele é um pouco

confuso.

— Kate. Você está muito estranha.

Agora que estamos a sós, você poderia

me dizer o que está acontecendo além de

tudo o que eu já sei?

— Eu não queria falar sobre isso

agora. Talvez mais tarde.


— Nada disso, sou curiosa e você

sabe. Conta logo.

— Bem, é que.... Não, nada

demais. É coisa da sua cabeça.

— Não é nada da minha cabeça,

você acabou de admitir que existe

alguma coisa te perturbando. Conta

amiga. Desembucha de uma vez.

— No voo para cá, Anthony

transou com a aeromoça.

— O quê? — Se ela tivesse

problemas no coração, teria enfartado

agora. Seus olhos quase pularam da face

e eu corei.

— Ele sentiu-se atraído por ela, e

eles transaram só.

— Isso te incomodou? Claro que

incomodou, é uma falta de vergonha.

Mas, não por isso, mas digo em

sentimentos?

— Não sei Grace. Me sinto

estranha, desde a cerimônia, o beijo...

Ele me confunde. Tem horas que apesar

de tudo, gostaria de conhece-lo a fundo,


noutras o desprezo totalmente. Me sinto

confusa.

— Você está muito afetada com

isso tudo. Eu ficaria da mesma forma ou

pior.

— Eu queria sumir. Essa é a

verdade. Ir para um tipo de realidade

alternativa em que eu tivesse controle de

tudo.

— Amiga, eu queria poder

aconselhar algo.... Mas, eu fiquei

chocada desde o início.

— É, de se chocar.

— Eu acho que você não deveria

ficar tão infeliz, afinal, você não é

obrigada a..... Você sabe, ir para cama

com ele.

— Sim. Em compensação, me sinto

controlada. Ele me manda mensagens

questionando o que estou fazendo, onde

estou, se estou gostando. É como se ele

se importasse...

— Ou estivesse exigindo uma

espécie de controle mesmo...


— Exato. Um controle racional

sobre cada passo meu, como se eu fosse

uma coisa. Não me sinto livre, nem de

férias....

— Você se sente infeliz amiga. A

vida não acabou totalmente, você ainda

pode esperar um tempo, pedir o

divórcio...

—Vamos almoçar de uma vez, se

eu continuar pensando perderei o

apetite.

5
Kate
Quinze dias depois

Essa temporada em Londres tem

sido como um soco no estômago. As

emoções se debatiam dentro de mim.

Contraditórias,

poderosas,

inconvenientes.... Eu preciso ignorar as

emoções. Não devo prestar atenção

nelas, porque elas sempre erram e

tendem a me deixar ainda mais

vulnerável.

— Tem certeza que não quer ir? —

Perguntou Grace enquanto se maquiava.

Ela iria ao teatro com Jake e eu

não iria segurar vela, obviamente.

— Tenho. Não estou com muita

vontade de sair.

— Você quase não saiu nesses

quinze dias, suas férias estão sendo

terríveis Kate.

Grace me deu um beijo no rosto,

pegou a bolsa de mão e saiu.

Eu dei o dia de folga para Joan,


então fiquei completamente solitária

hoje. Não importa. Eu encontraria algo

para fazer, como tomar um banho

relaxado de banheira por exemplo. Corri

ao banheiro e liguei a banheira, coloquei

os sais de banho e acendi alguns

incensos que Grace comprou num

mercado hippie.

O telefone toca:

— Alô?

Uma voz conhecida aguçou os

meus sentidos.

— Você já jantou? — Perguntou.

— Não.

— Me acompanha?

Um arrepio invisível percorreu-me

o corpo — inquietação, medo, e algo

muito, muito diferente. Parei em frente

ao armário, tentando achar uma roupa.

Como qualquer mulher normal, não

encontro nada adequado para vestir.

Percorro o quarto impaciente, pego um

sapato e paro em frente ao espelho.

Analiso o cabelo, pego o estojo de


maquiagem. Não sei fazer maquiagens

boas como a Grace, que falta ela faz.

Por poucas vezes na vida, me senti

tão apreensiva e incapaz de tomar uma

decisão rápida e acertada, fiquei mais

de meia hora perdida dentro de um

universo que nunca imaginei visitar: o

nervosismo feminino. Desci até o

restaurante do hotel, passei por entre a

mesa, até encontra-lo.

Por um momento, apenas continuei

olhando para ele, intrigada.

— Boa noite.

As palavras, murmuradas sem

inflexão, me despertaram dos meus

“eternos” questionamentos. Ela se sentia

dopada, a mente atônita e incapaz de se

concentrar.

— O que está fazendo aqui?

A minha voz e o que disse soou

ridículo, mas eu me obriguei a encarar

Anthony ali, parado na minha frente. Ao

erguer o olhar para o rosto dele, eu senti

o mesmo desconforto da primeira vez


que o vi. Por um capricho momentâneo,

simplesmente continuei olhando para

ele. Anthony observava as o restaurante.

Será que ele ficou mais sério? Eu não

sei — só sei que as sombras no interior

do restaurante acentuavam ainda mais os

traços

incríveis

do

rosto

dele.

Então, ele se moveu até a cadeira,

puxando-a para mim.

— Tinha planos para hoje? Não

quero atrapalhar nada.

— Não. Eu ia dormir. — Desviei o

olhar.

Já fazia mais de duas semanas que

ele não aparecia, ou não mandava suas

mensagens controladoras. E o pior era

que eu sabia das aventuras do meu

marido — não soa ridículo?

Sinto
muito

se

estou

atrapalhando alguma coisa — Anthony

se desculpou, retornando à atenção para

o garçom. — Eu pensei em jantar

sozinho, mas conferi se você já havia se

alimentado e arrisquei convidá-la.

Esperei ouvir um não ou que batesse o

telefone na minha cara.

— Eu não sou tão indelicada

quanto você pensa. Quem o ouve falar

assim, pensa que eu sou o Shrek. —

Encarei-o.

Ele riu.

O garçom trouxe dois

cardápios e entregou a Anthony a carta

de vinhos.

— Tem alguma

preferência por vinho?

— Não entendo muito

de vinhos.

— Um Chardonnay,

massa está bem para você querida?


— Sim. — Respondi.

— Senhor, senhora...

— o garçom se retirou com o pedido.

— Por que você é tão

monossilábica? — Disparou.

— Como assim?

— É difícil manter um

diálogo muito discursivo com você.

Sempre é tão seca em suas respostas. Eu

gostaria de conhece-la mais a fundo

Kate.

— Eu não sou muito

de falar.

— Do que gosta

então?

— Ouvir. O que você

tem a me dizer?

— Primeiramente, eu

gostaria de dizer que você está linda.

Corei.

— Segundo — continuou —, eu

gostaria de pedir desculpas pelo

ocorrido no avião. Eu não dominei

meus impulsos e fui um completo


idiota, ou cafajeste. Como preferir.

— Você não precisa

me dar satisfação alguma...

— Claro que preciso.

Você é minha esposa. Apesar das

circunstancias do nosso casamento, eu

quero ser honesto com você.

— Realmente, não são

necessárias as desculpas. Eu entendi.

Não me importei.

— Que bom. — Ele me encarou

investigativo — Então, me sinto

melhor.

Para aliviar a tensão, o garçom

foi rápido em trazer o vinho e servi-lo.

Anthony inclinou a taça em minha

direção:

— Eu gostaria de brindar...

— Ao quê?

— A você! Uma esposa boa e

compreensiva. Eu não mereço você.

Ele continuou a me encarar com

aqueles olhos castanhos intimidadores.

Inclinei a taça, brindamos e eu continuei


sem entender o que ele pretendia, se

estava sendo sarcástico. Por alguma

razão inexplicável, fiquei hipnotizada

por aqueles olhos fixos nos meus. Olhos

castanhos com um leve brilho dourado,

emoldurados por cílios longos e

espessos.

— Você sente-se bem??

— Sim — respondi de maneira

automática e ainda mentalmente me

perguntando; o que estava fazendo ali?


Anthony
Pela primeira vez, após muitos

anos, me sentia profundamente atraído

por uma mulher. E o mais estranho é que

ela parece não notar a minha existência.

As respostas dela são curtas e evasivas,

isso me irrita ainda mais. Eu estou

tentando demonstrar meu interesse até

mesmo através de gestos, como o de

sutilmente vir até Londres apenas para

jantar com ela. Ela não percebe? Será

que eu estou tão fixado nela que estou

perdendo o meu charme com as

mulheres?

Kate suspira enquanto continuamos

a nos encarar.

— Será que esse suspiro significa

que a minha companhia é entediante? —

Ironizei.

— De maneira alguma, Sr. Carter

— Kate respondeu com frieza e apenas

me observou quando estiquei o braço,

fazendo a minha mão encontrar a sua

disposta na mesa. Ela não a tocou,


porém, aquela proximidade a deixou

desconfortável e ela puxou a mão

bruscamente.

Kate não era tão imune a mim

quanto aparentava.

— Por favor, chame-me de Tom.

Não quero toda essa formalidade entre

nós — declarei.

Na verdade, não era só a

formalidade que eu gostaria de banir. O

que realmente eu pretendia era que não

houvesse nenhuma barreira entre nós.

Nem sequer uma única peça de roupa.

Eu nunca senti tamanha atração por

nenhuma outra mulher E, sou incapaz de

resistir à tentação de tocá-la, movi a

mão novamente em direção a sua mão.

Kate protestou:

— Eu não quero nada entre nós!

Eu não consegui impedir um riso

no instante em que a ouvi verbalizar

exatamente o que havia pensado.

Embora entendesse perfeitamente que

ela não estivesse imaginando o mesmo


que eu.

Talvez tivesse cometido um engano

ao se precipitar daquela maneira.

Provavelmente ela era do tipo que

exigia tempo para ser conquistada. Mas,

será que eu teria esse tempo e

principalmente essa paciência? Ela se

comportava como uma típica garota

mimada e mantinha o nariz empinado.

Provavelmente o pai a criara de modo a

satisfazer-lhe

todos

os

caprichos,

oferecendo essa independência. Por um

breve momento analisei a situação de

uma maneira irônica.

Os olhos azuis já não pareciam tão

frios. Ao contrário, estavam brilhantes e

espertos como os de um felino. Uma

ligeira curvatura nos cantos da boca

denunciava um sorriso contido de

satisfação. Eu tinha a habilidade de

decifrar o que uma mulher pensava


como se estivesse lendo um livro.

Porém, com Kate isso não acontecera.

Eu precisava conhecê-la melhor

para tentar descobrir por que razão Kate

é uma mulher tão diferente das outras.

Ela era uma mulher adulta e não

uma menina tímida e virgem. Por isso,

eu não pretendia privar-me dos prazeres

que ela poderia proporcionar, apenas

porque sabia que ela não me aceitava

como seu marido.


Kate
Enquanto o garçom servia a

comida, eu começava a me perguntar

mentalmente o que teria feito Anthony

vir até Londres.

— Madame?

Ergui os olhos para o garçom.

Deseja

mais

vinho?

Perguntou.

— Não. Obrigada.

Lá estava eu outra vez com

respostas curtas e evasivas, Anthony me

olhou com desgosto. O garçom se retirou

nos deixando a sós novamente.

— Como está sendo a viagem?

— Boa.

Ele inclinou a sobrancelha. Acho

que esperava mais uma meia dúzia de

palavras, a verdade é que não sei

expressar como me sinto.


Durante a refeição, nos intervalos

para provar o vinho, Anthony sempre me

faz uma pergunta. Já o revelei que gosto

de ler sobre economia e biografias de

grandes personalidades. Eventualmente

livros de romance policial. E Anthony

afirmou que passa a maior parte do seu

tempo lendo revistas sobre finanças,

mas confessou que também gostava de

biografias.

Quando terminamos o jantar, fiquei

surpresa ao notar que esvaziei seu prato

sem nem mesmo perceber. Ao contrário

do que imaginava, Anthony era uma

excelente companhia e me fez sorrir

algumas vezes com histórias hilárias

acontecidas na empresa, que envolviam

os nossos pais. O que me fez esquecer

por algum tempo o drama que nos

envolvia.

Recusei a sobremesa. Ele fez o

mesmo. E enquanto nos dirigíamos a

saída do restaurante ele pôs a mão em

minha cintura. Assim que entramos no


elevador, ele disse:

— Obrigado pelo jantar, foi uma

noite maravilhosa.

— Eu que agradeço pelo convite.

Onde você está hospedado?

— Aqui.

No momento em que o elevador

chegou ao meu andar, Anthony ergueu os

lindos olhos castanhos para se despedir.

Com uma das mãos enlaçou a minha

cintura, enquanto a outra se introduzia

nos meus cabelos erguendo meu rosto ao

seu.

— O que você está fazendo? —

Perguntei.

— Oh.... Acho que você sabe... —

ele murmurou com a voz rouca e me

beijou.

Por um segundo me vi tentada a

abandonar o beijo inesperado. Apoiando

as palmas das mãos contra o tórax

poderoso, tentei afastá-lo. Porém, era

tarde demais...

O calor da sua boca era tão bom,


que eu relaxei os braços e fechei os

olhos, ao mesmo tempo em que entreabri

a boca para permitir a invasão da língua

exigente.

Eu nunca havia experimentado um

beijo tão ardoroso e sensual como

aquele.

De repente ele abandonou o beijo

para poder empurrar-me até a porta do

quarto. Com a ponta da língua percorreu

a curvatura do meu pescoço, enquanto

introduzia uma das mãos no decote do

vestido para poder alcançar o seio.

Um gemido escapou da garganta

com a sensação prazerosa e ele tornou a

tomar os meus lábios. Senti o calor da

mão a me acariciar uma das coxas e o

sangue pareceu borbulhar nas minhas

veias.

Eu me sinto abrasada com as

sensações

que

provocam

estremecimentos em meu corpo e um


desejo intenso de que ele intensifique

aquelas carícias, mesmo sem saber no

que iria dar.

"Então era isso que estava

perdendo... Essa era a razão pela qual as

pessoas adoravam fazer sexo" —

ponderei mentalmente enquanto meus

braços envolviam o pescoço de Anthony

e ele abria a porta.

Assim que a fechou, pulei em seu

colo entrelaçando as pernas em volta

dos seus quadris, sentindo seu membro

roçar minha intimidade.

Os beijos quase me impediam de

respirar.

Uma atração intensa fazia eu me

entregar cada vez mais a ele, por mais

que quisesse negar o fato. O sabor do

beijo dele vibrava no fundo da minha

alma e eu experimentava sensações

completamente novas, como a umidade

que brotava no centro da minha

feminilidade. Eu nunca fiquei nua na

frente de um homem, mas, de repente,


quando ele começou a tirar meu vestido,

perdi toda a inibição. Nunca me senti

tão viva e vibrante como naquele

instante.

E,

num

impulso

de

sensualidade, me ergui, desfazendo-o de

suas roupas. Como se estivesse vivendo

um sonho erótico, comecei a perceber os

olhos de Anthony percorrendo cada

centímetro do meu corpo

— Você é perfeita! Muito mais

linda do que eu imaginava... — Anthony

disse enquanto percorria meu corpo com

o hálito quente.

Ele abocanhou um dos meus seios

e o sugou com ferocidade, enquanto uma

das mãos acariciava o ponto sensível

entre as coxas.

Sensações alucinantes promoviam

ondas de calor que percorriam o meu

corpo deixando-me enlouquecida, a


ponto de praticamente esticar o corpo na

cama em delírio e finalmente cravar as

unhas em suas costas.

Anthony se desfez das calças, eu

fiquei assombrada com a magnitude

daquela ereção. Por um instante, não

podia

acreditar

como

as

coisas

chegaram até esse ponto.

Como se ele adivinhasse os meus

pensamentos, Anthony não me deu tempo

para arrependimentos e me imobilizou o

corpo com o seu, tomando-me os lábios

com furor, para impedir qualquer

protesto.

Em seguida introduziu um joelho

entre as minhas pernas, forçando a

apartá-las, ao mesmo tempo em que

interrompia o beijo para mordiscar a

curvatura suave do meu pescoço, me

fazendo arrepiar. Foi quando captei a


imagem de nossos corpos nus e

eroticamente entrelaçados no espelho da

penteadeira...

Para mim foi como se tivesse

recebido uma ducha de água fria e caí

em mim de repente.

Oh....

Não!

Gritei,

empurrando-o pelos ombros.

Tomado de surpresa, ele perdeu o

equilíbrio e tombou para um lado da

cama.

— Não? — Anthony repetiu,

olhando surpreso na minha direção. —

O que aconteceu?

Levantei apressada da cama.

Apanhei o roupão na poltrona e o vesti.

O meu coração parecia um tambor

rufando dentro do peito. A imagem que


vira no espelho me torturava. Eu quase

nem me reconhecia. Tratava-se apenas

de um casal fazendo sexo. Dois

selvagens.
Anthony
Ainda excitado e bufando de raiva,

contei mentalmente até cem para

controlar a fúria. Eu sabia que se

perdesse a paciência com Kate, o

resultado seria desastroso.

Ela me disse "não" e eu respeitava

o direito de uma mulher mudar de ideia

e desistir de "fazer amor" quando

quisesse.

Porém,

nunca

naquelas

circunstâncias. Ela correspondeu aos

meus afagos o tempo todo. Ainda podia

sentir o ardor dos arranhões provocados

pelas suas unhas nas minhas costas.

O orgulho ferido e a frustração

fizeram com que eu cerrasse os punhos

involuntariamente.

Nenhuma mulher tinha o direito de

fazer isso comigo...

Abandonei a cama e me vesti. Em

seguida caminhei na direção da sala de


visita, onde estava Kate sentada em um

dos sofás com a cabeça baixa, fitando o

chão.

— Você tem alguma explicação

razoável para o que acabou de

acontecer, ou se trata de um hábito

comum, encorajar um homem e depois

sair correndo da cama? — Disparei.

Ela me olhou assustada.

— Não... não é isso...

— Você tem razão em estar com

medo... — ergui seu queixo para forçá-

la a me encarar.

Acho que Kate reuniu toda a

coragem que possuía, e argumentou:

— Sinto muito pela maneira como

agi e sei que está se sentindo

trapaceado. Contudo, devo lembrá-lo de

que não o convidei, acho que nos

excedemos. O nosso casamento não é

real.

— Mais quero fazê-lo real.

— Eu não posso.

— Não pode porque diabos? —


Esmurrei o centro de vidro. — A

"garotinha" do papai é virgem por

acaso?

O insulto a enfureceu. Ela ficou

visivelmente abalada.

— Acho que tem razão. A

“garotinha” do papai é virgem e não

quer perde-la com você.

E depois dela soltar aquelas

palavras, rumei enfurecido para a saída.

Sem dizer nenhuma palavra, fechei a

porta.

Entrei no elevador e pressionei o

botão do andar do meu quarto.

Antes de sair captei no semblante

de Kate, medo, frustração e a mesma

tristeza que notara no dia do casamento.

Por um instante senti vontade de retornar

e conversar com ela de maneira mais

gentil. Porém, o bom senso prevaleceu e

desisti.

6
Kate
O Bentley Mulssane deslizava seus
pneus graciosamente e cada vez mais

ágil, a caminho de Palm Beach. Eu

suava

frio

enquanto

admirava

paisagem da Flórida sendo deixada para

trás. A velha distonia me fez enxugar as

mãos mais que dez vezes no lenço de

algodão egípcio que trazia na pequena

bolsa Chanel. O termostato do carro

marcava a sensação térmica de 35ºC. A

manhã estava mais ensolarada que o de

costume.

Voltar para casa depois de um mês,

me deixava apreensiva e feliz ao mesmo

tempo. O que havia mudado todo esse

tempo?

Quando o carro estacionou em

frente à minha nova casa, desci não

muito entusiasmada com meu look: um


vestido de moda diurna lilás de corte

reto, na altura do joelho com um belo

colar de pérolas combinados e um

elegante sapato s carpin cor de pele.

Senti a minha pele clara corar ao sentir

o vento tocar-me a face, meus olhos

moviam-se devagar ao sair do carro.

Sorri discretamente, desviando-me para

o lado quando James me ajudou a

descer.

Anthony saiu do carro ajeitando o

terno italiano de cor preta que lhe dava

um ar fechado, como sempre. Suas

expressões

denotavam

sempre

um

homem mal-humorado e pouco amistoso.

Ele pôs a mão em minhas costas,

guiando-me pela alta escadaria da

entrada da casa.

Os empregados, dispostos numa

longa fileira no hall de entrada nos

cumprimentaram. Minha timidez, não


permitia que eu me sentisse à vontade e

eu dei um sorriso murcho.

Parecia um momento interminável.

Eu estava tão exausta da viagem, que

ainda assim estranharia dormir naquela

casa e até mesmo viver ali seria difícil.

A casa era enorme, apesar de bela e me

aprisionava ainda mais. O casamento

arranjado, bem como de grande valor

econômico começava agora e eu estava

morrendo de medo de não dar conta de

tudo. Eu fui vendida, mas não posso

deixar de me culpar, por não ter sido

forte como as mocinhas dos romances e

ter fugido para longe.

Cumprimentei os empregados, um

por um, apertando as suas mãos

enquanto Anthony dizia os nomes.

Depois, ele me acompanhou até o quarto

e entrou no closet.

Sentei-me na penteadeira, peguei a

pequena maleta que trouxera e retirei a

nécessaire de maquiagem, pegando os

lenços
umedecidos

demaquilante,

esfregando lentamente na pele. Depois

do processo de limpeza da pele, retirei

os brincos e o colar de pérolas, pondo-

os em cima da mesinha.

Anthony saiu do closet, já vestido

em outros trajes.

— Eu já vou. — falou enquanto

ajeitava o relógio de ouro.

— Aonde vai? Acabamos de

chegar.

— Preciso ir para empresa.

Esqueceu que tenho que trabalhar para

multiplicar o nosso patrimônio? —

Respondeu enquanto beijava minha

testa.

Deixei

meu

corpo

cair

pesadamente sobre a cama e suspirei.

Era melhor que terminasse assim. Um

homem como Anthony, acostumado a ver


as mulheres caindo aos seus pés, “eu

não era o que imaginava para

amante” , disse para mim mesma

enquanto observava que ele nem mesmo

olhou para trás. Apenas ouvi o som da

batida de porta depois que ele saiu.

Por alguma razão senti o perfume

de Anthony cada vez que me revirava na

cama. E, com isso, acabei notando a

gravata de Anthony caída no chão. A

gravata preta de cetim. Cheirei-a e ela

tinha o perfume dele ainda mais vivido,

podia sentir cada componente da

fragrância.

Joan insistiu em me chamar,

apressei-me e pus a gravata dentro da

última gaveta do criado mudo.

Abri a porta.

— Bom dia senhora. Como foi de

viagem? — Ela segurava um lindo

buquê de flores, especificamente as

gérberas que tanto amo no colo.

— Bom dia, Joan. Eu fui bem e

você? Quando partiu dois dias antes de


mim, achei que seu contrato de trabalho

havia terminado. — Abri a porta e

voltei para a cama.

— São para a senhora.

— Me chame de Kate, já disse que

senhora é a minha mãe. Quem as

mandou?

— O senhor Carter, colheu-as

antes de sair e pediu que lhe entregasse.

— Falou enquanto eu as pegava.

— Onde quer que as coloque? —

Joan perguntou.

— Na cabeceira da minha cama,

por favor.

Voltei a entregar-lhe as flores,

procurei algum cartão, mas ele não

havia deixado nada.

— Precisa de mim para mais

alguma coisa? — Disse Joan enquanto

finalizava o arranjo no vaso.

— Irei tomar um banho. Pode se

retirar.

— Pensei em arrumar suas roupas

no closet, se importa se eu o fizer agora?


— Não. Eu vou tomar um banho.

— A senhora.... Digo. Você, tem

alguma preferência pela organização?

— O que quer dizer?

— Cor, marca, ocasião.

— Da forma que você fizer, está

bom para mim. Não demoro.

Para se chegar no banheiro, fazia-

se necessário passar antes pelo closet.

Era o closet maior que já tinha visto. As

roupas

de

Anthony

estavam

cuidadosamente separadas por cor, a

grande maioria das penduradas eram

ternos e tinham tonalidades pretas,

cinzas, marrons e azuis. A maioria era

preta. Ele ocupava o lado direito do

closet.

O banheiro era tão luxuoso quanto

a casa, o chão estava cuidadosamente

desenhado com cerâmica alemã e tinham

detalhes em branco e dourado.


A ducha despejava água em mim,

tirando dos ombros aquela tensão

deixada por Anthony e me fazendo sentir

o ardor das gotas de agua quente na

pele, não pude evitar lembrar do toque

dele em Londres. Seus beijos, suas

caricias e como quase me entreguei.

Joan continuava seus afazeres, eu

vesti uma calça jeans básica e uma blusa

preta e me dirigi ao quarto.

— O senhor Carter, pediu que a

senhora.... Você se arrumasse. Hoje a

mãe dele virá jantar com vocês. —

Antes que eu pudesse perguntar algum

detalhe, ouvi batidas na porta.

— Posso entrar? — Susie adentrou

um pouco acanhada e enciumada por

causa de Joan.

— Senhora, eu vim para desfazer

as suas malas. Mas já vi que sua

assistente, cujo rol de funções não inclui

esta já está cuidando disso.

— Susie, eu não a vi quando

cheguei pela manhã.


— Sim, eu estava arrumando

alguns pertences que estavam na casa da

sua mãe.

— Você conseguiu pegar tudo?

— Sim senhora.

— Meus pais estão bem?

— Sim senhora. Irão viajar hoje

para Paris. A senhora Braun é que

esteve um pouco adoentada.

— O que ela tem?

Não

sei

senhora.

Não

aprofundamos nossa conversa. Ouvi

apenas que ela não se sentia bem.

— Eu irei ligar para meus pais e

ver isso.

— Sim senhora. — Disse Susie

enquanto encarava mortalmente Joan,

que retribuía o olhar em igual desaforo.


Pareciam dois pitbulls prontos a se

enfrentar. — Aliás, o que irá querer para

o jantar? A cozinheira espera sua

orientação.

— Então vamos cuidar disso,

enquanto Joan termina. — É melhor

separá-las enquanto há tempo, por isso

levei Susie pelo braço até a cozinheira.

Sendo a casa enorme, já era de

esperar

que

cozinha

fosse

proporcional. E era, fiquei perdida entre

tantas frutas, doces, panelas e facas

dentro do local com aroma de carne

guisada.

— Bom dia! — Falei a todos os

funcionários presentes, ambos tomavam

o café da manhã para iniciarem

efetivamente

suas
atividades.

Prontamente, todos levantaram. — Por

favor, sentem. Continuem e não notem

minha presença. — Peguei uma uva e me

aproximei da cozinheira que mexia uma

panela próximo ao fogão. —Bom dia

senhora, como vai?

— Bom dia. O que vai querer para

o jantar?

— Me diga a senhora. Pelo tempo

que trabalha aqui, já deve conhecer a

mãe de Anthony?

— Sim senhora. Antes do pai do

patrão morrer, eu servi aos pais e a

Norah.

— Norah.... Ela não veio a festa de

casamento.

— Não senhora. Chegou a pouco

de viagem. Ela estava num retiro

espiritual na Índia. — Respondeu Susie

prontamente.

— Hum. Então o que sugere?

— Carneiro. — A cozinheira

afirmou com certeza indubitável que este


era o prato adequado a agradar minha

sogra.

— Que seja carneiro então. —

Falei empolgada.

Dei uma breve caminhada pela

casa a fim de conhecer tudo. Me perdi

na biblioteca que possuía uma infinidade

maravilhosa de livros, com certeza eu já

teria um passatempo. Me perdi na leitura

da biografia de Martin Luther King,

quando fui interrompida por Joan.

— Kate? Posso entrar?

— Sim Joan! Fique à vontade.

Aconteceu algo?

— É que já são cinco horas, acho

que deveria começar a se arrumar.

— Eu tinha esquecido do horário

Joan. Obrigada por lembrar. — Nesse

ponto, o bom de uma assistente, além de

viver fazendo as coisas para mim era


exatamente não deixar que eu me

perdesse em minhas atividades.

Me arrumei com calma. Consultei

o relógio em cima do criado mudo e

constatei que ainda faltavam cinco

minutos para as seis. Sai do quarto com

direção a sala. Assim que vi Anthony

sentado na sala junto a sua mãe, meu

coração saltou dentro do peito.

Anthony

Cheguei a escada, onde estendi a

mão para ajudar Kate a descer com

segurança. Trajava um vestido tubinho

preto e os cabelos presos por uma

mecha, na parte lateral da cabeça.

Parecia a visão de um anjo. E era toda

minha.... Pensei envaidecido. Contudo,

ela manteve o rosto duro e belo sem

expressão. Vê-la arrumada e vestida

daquela forma, aguçou meus sentidos de

tal forma que cada movimento do seu

corpo, me deixava excitado. Lutei contra

essas sensações. Senti uma corrente

elétrica me dominar. O que antes era um


muro de autocontrole se desfez em uma

necessidade de tê-la em meus braços.

— Então, esta é a bela Kate? —

Mamãe prontamente se levantou para

abraça-la.

— Muito prazer senhora Carter. —

Kate foi a mais receptiva possível.

— Ela é linda filho. Nisso, o seu

pai acertou.

— Obrigada. — Ela corou mais

que o discreto blush que adornava as

maçãs do rosto.

A refeição estava divina. Carneiro

era o prato preferido da mamãe e ela só

gosta desse prato, temperado pela

Senhora Jones. Mamãe falava sobre

meus tempos de criança, enquanto Kate

escutava a tudo atentamente morrendo de

rir. Seu riso espontâneo e despojado de

qualquer formalidade, a tornava ainda

mais linda.

Ela descobriu que tive câncer aos

cinco anos de idade. E que a doença me

devastou na ansiedade que a morte me


causava. Algumas das minhas histórias

eram divertidas e a fizeram rir. Como a

da vez em que tentei sozinho dirigir uma

Ferrari do meu pai e acabei batendo-a

no

poste

causando

um

terrível

aborrecimento e prejuízo. Havia me

esquecido dos cinco anos que fiquei de

castigo.

— Quando o Anthony completou

os quinze anos, o pai dele deu a

Ferrari..., Batida. Lembra querido, como

ficou feliz e decepcionado ao mesmo

tempo? — Mamãe zombou da situação

saudosista.

— Sim. Inclusive, trabalhei mais

três anos na empresa para conseguir

concertá-la. — Respondi, enquanto

mastigava.

— Acho difícil acreditar que você

era tão travesso. — Kate riu.


— E a refeição estava excelente!

— Exclamou mamãe enquanto se

levantava da mesa, acompanhada por

Kate. — Não precisa ficar embaraçado

por não ter terminado ainda querido —

declarou

ele

com

satisfação.

Termine, enquanto eu e Kate vamos

tomar um pouco de licor.

Imaginei por um breve momento o

quanto seria bom que elas se dessem

bem. Porém, logo retornou à realidade e

ao motivo de estarmos juntos.

— Eu já terminei.

— Então vamos — ela tomou meu

braço. — Você ainda não suporta comer

sozinho? Se ao menos por isso você

tivesse se casado.

— Oh, não! Você não vai começar

tudo de novo, não é? — Tentei libertar a

mão que ela segurava, porém ela a


segurou com firmeza.

— Irei sim. Você acha que me

recusei a vir ao casamento porquê?

— E o que queria que eu fizesse?

— Perguntei irônico.

Kate estudou a situação em

silêncio por um longo tempo.

— Você é um tolo como seu pai.

Aliás, os dois são tolos por deixarem

que aqueles dois velhos caducos

controlassem a vida de vocês dessa

maneira. Aqui estão os dois, tentando

fingir para mim, que sei melhor do que

ninguém, que tudo isso é uma farsa.

E após dizer aquelas palavras, ela

me soltou disparando para a sala.

— Isso foi... — Kate estava

visivelmente empolgada.

— Será uma noite longa —

lamentei.

Sabe

que
me

irrita

profundamente como mãe?

— Não mamãe, o que é? —

Questionei.

— Eu não terei netos.

— Senhora Carter... não precisa se

preocupar dessa forma, esse contrato foi

cumprido. Anthony e eu, temos a plena

convicção que conseguiremos nos livrar

um do outro a tempo e logo, logo ele

arrumará um bom casamento.

— Pois eu digo a você com a

maior certeza que houver, que vocês por

causa desse maldito contrato, nunca se

livrarão um do outro.

— Mamãe. Chega!

— Chega? Você disse a sua sócia

todas as cláusulas que existem? Você

melhor que ninguém sabe de uma por

uma, desde os seus doze anos.

— Mamãe, eu já disse que chega!

— A verdade é que você alimentou

um amor por essa moça todos esses


anos, não é?

— Mãe...

— Só que você não vê que essa

nunca será a forma de amor apropriada

para um casamento. Ela nunca vai

retribuir você.

— Chega! Fique falando sozinha

que para mim já deu. — Esbravejei

enquanto subi as escadas correndo.


Kate
Norah não estava muito feliz

com esse casamento, bem-vinda ao

clube. Toda essa loucura pegou todos de

surpresa, mas eu conseguia me colocar

no lugar dela e imaginar o que é destinar

o filho ao casamento, principalmente

com uma mulher que ele jamais

mantivera contato antes. A mulher não

parava de falar, ela ressaltou milhões de

vezes que esse casamento nunca poderia

ser desfeito porque não era o amor que o

sustentava e sim um contrato firmado em

cartório, que detinha cunho judicial e

financeiro que nos faria escravo dele

eternamente. Ela temia não só por nossa

juventude jogada fora, mas também o

tipo de pessoas que nos tornaríamos no

futuro. Amargurados por não ter tido a

oportunidade de ser feliz. De todas as

pessoas que estavam envolvidas nessa

história, ela parecia a mais sensata.

Anthony só não queria falar disso. Não

sei porque ele se doeu tanto.


Insisti para que Norah ficasse

hospedada conosco, mas ela retribuiu a

insistência afirmando que o filho não

iria quere-la por perto após o incidente

de hoje à noite. Isso o irritaria e traria

profundos problemas comportamentais e

relacionamento entre os dois. Só entre

eles? Se há uma coisa admirável em

Anthony é a capacidade dele de não

criar laços positivos com ninguém.

Apenas irritar e confundir cada pessoa

que passava pela sua vida.

Assim que ela foi embora, me

dirigi ao quarto — acreditando eu, que

ele estaria lá choramingando — mas ele

não estava lá. O quarto estava

completamente vazio. Assim que voltei

pelo longo corredor, encontrei Susie:

— Susie, você sabe onde Anthony

está?

— Ele está na sala de música.

— Onde fica?

— No final do corredor

senhora.
Essa casa era um labirinto.

Anthony foi esperto em construir um

lugar onde ele pudesse fugir quando

fosse conveniente. A sala de músicas, no

fim do corredor dispunha de um piano

de cauda, um violoncelo e uma cadeira

“divã”

onde

Anthony

repousava

desligado do mundo lá fora.

— Anthony? — Murmurei

silenciosamente a fim de não o irritar,

mais do que já devia estar.

— O que quer Katherine? —

Respondeu irritado.

— Vim saber se está bem, ou se

precisa de alguma coisa...

— Se eu precisar de alguma

coisa, chamo algum dos empregados.

Obrigado.

— Não seja rude e mal-

educado. Eu sei que ficou chateado com

a sua mãe. Mas, ela tem razão sobre


tudo. Não precisa ficar assim tão

estigmatizado.

— Saia! — Esbravejou mais

rude que o normal. Fiquei assustada.

— Que vá para o inferno. —

Esbravejei no mesmo tom, batendo a

porta com violência.

Pouco tempo depois, quando já

estava me preparando para dormir —

profundamente irritada — Anthony

chegou no quarto. Ele correu em minha

direção segurando meu rosto com as

duas mãos e pressionando seus lábios

contra o meu.

Tentei evitar o beijo e apoiando as

palmas das mãos no peito viril, procurei

afastá-lo. Anthony apoderou-se da minha

boca e a beijou com fúria, para

demonstrar sua poderosa forma de

retaliação.

Quando

ele

finalmente

interrompeu o beijo, eu mal podia


respirar. Meus joelhos bambos e o

coração acelerado.

Quando

nossos

olhares

se

encontraram, pude vislumbrar o desejo

predatório nos olhos escuros dele.

Como ele conseguia me afetar daquela

maneira? O gosto do beijo dele acendia

uma verdadeira fogueira na minha

intimidade.

Mortificada pela minha própria

fraqueza, fiz um enorme esforço para

manter o autocontrole. Porém nem foi

preciso esperar muito tempo. Ele mesmo

se afastou.

— Por que não consigo resistir a

você?

Baixei a cabeça e fiquei pensativa.

Engoli a saliva para poder

controlar a mente confusa

— Sabe de uma coisa? —

Perguntou Anthony. — Estou louco por


você e sei que também me deseja. Não

pode negar a química que existe entre

nós. Eu quero que nosso casamento seja

real. — E, dizendo isso, ele me beijou

novamente. Dessa vez com mais

gentileza. E depois disse:

— Eu irei esperar você se decidir,

pelo tempo que for preciso. Estou

apaixonado por você. Sua renuncia a

mim, sua indiferença me enlouquece.

Dito isso, Anthony saiu do quarto

mais uma vez. Enquanto eu me mantive

imóvel por um longo tempo, mesmo

depois de vê-lo sair do quarto. Sentia

uma grande frustração por ter sido

abandonada, embora dissesse a mim

mesma que não se importava e que tinha

sido melhor assim. Mas, no íntimo,

sabia que estava mentindo. Eu deveria

estar feliz por considerar que ele não

tentou nada demais. Como sabia que ele

era um homem de palavra, com certeza

cumpriria sua parte no trato e me

deixaria em paz.
Só não entendia a razão de estar

me sentindo tão infeliz com isso. Como

se não bastasse tudo que já me faz

infeliz. O toque do celular me despertou

da confusão mental.

— Alô?

— Filhinha? — Mamãe parecia

aliviada em ouvir minha voz.

— Mamãe. Que saudades. A

senhora não me ligou um dia sequer nos

últimos trinta dias.

— Não queria atrapalhar nada

querida. Como você está?

— Eu estou bem, com saudades.

Só isso...

— Eu também estou morrendo de

saudades. Eu e seu pai estamos indo a

Paris, pois ele terá algumas reuniões

de negócios. Assim que voltarmos irei

correndo te ver.

— Boa viagem mamãe.

— Obrigada querida, papai

manda doces beijos na sua garotinha.

— Outros... Mamãe, espera! A


senhora Braun está doente?

— Sim querida, falaremos nisso

quando eu voltar. Ela foi passar uns

dias com a família em Berlim...

— Certo. Te amo.

— Eu também te amo.

Quando desci para o café da

manhã, no dia seguinte, o coração quase

saltou do peito quando avistei Anthony

já sentado à mesa, lendo jornal para

variar. Estava magnífico como sempre,

em um terno escuro e camisa branca.

Ele se parecia com o que era, um

magnata bonito e charmoso. E eu custava

a acreditar que era casada com um

homem tão lindo e só conseguia sentir

frustração. Porém, a súbita lembrança da

declaração arrasadora feita por ele

ontem, me fez sentir borboletas no

estomago.

— Achei que fosse dormir o dia

inteiro! — Exclamou ele no momento em

que me sentei a mesa.

— Estava exausta da viagem. Não


tive tempo de descansar ontem.

— Passarei o dia fora, mas virei

para o jantar.

— Certo.

— Pretende sair?

— Não sei ainda. Pensei em ligar

para Grace e fazer compras, talvez.

— Sim. Michael irá acompanha-la.

— Quem é Michael?

— O seu segurança.

— Eu acho que não preciso de

seguranças, trará muita atenção.

— Ninguém gosta de andar com

segurança, mas ainda assim terá que se

deslocar com eles.

Revirei os olhos enquanto bufava

de ódio, Anthony faz com que eu me

sinta ainda mais controlada. Antes de se

levantar da mesa, ele pegou minha mão e

apertou-a com a sua. Recolhi a mão. Ele

deu-me um beijo na testa.

Durante o passeio, Grace ficou a

toda hora repetindo como eu estava

estranha ou indiferente a sua presença.


Ela notou minha distração olhando para

os transeuntes. Não era nada com ela,

era comigo. Eu me sentia estranha, sem

conseguir definir o porquê.

— Aconteceu algo Kate? Você e

Anthony brigaram ou coisa assim?

— Não! Porque?

— Você está distante. Como se

estivesse preocupada ou chateada com

algo.

— Nada. Impressão sua. Só estou

cansada com a viagem. Dormi mal,

ainda estou me adaptando à nova casa.

Sorri, mais para mim mesma do

que para ela.

— Você precisa parar de se

torturar Kate. Até quando vai ficar

assim? O casamento aconteceu e

aconteceria de qualquer maneira. Você

fez o certo. O que qualquer filha faria

pelos pais. Foi um sacrifício? Foi. Mas

o que você pode fazer além de

aproveitar o que há na vida, sendo ela

nova ou não.
Inúmeras possibilidades surgiram

na minha mente. Grace tinha razão. Me

sentir estranha o tempo todo, lamentar,

esbravejar não adiantaria nada. Além do

mais, estou apaixonada por Anthony.

Engoli em seco. Se estava certa a

respeito das condições desse casamento,

não teria como negar essa possibilidade.

Ao invés de ficar, era melhor me

concentrar em tornar meu casamento

algo real e cheio de amor.

"O problema é que eu me acostumei a

você e acabei não vendo a tamanha

falta que você me faz"

(Audrey Hepburn – Bonequinha de

Luxo)

Não

entendi

em

nada

esse
descontentamento e melancolia do

Anthony. Resolvi voltar para o quarto.

— Desculpa. — A voz suave

ecoou na escuridão.

Anthony entrou no quarto. Parecia

imergido em sua própria realidade.

Familiar, querida, mas cruel e

melancólica.

Com um copo de whisky na mão,

ele me fitava com ternura e o pescoço

pendido para um lado, o corpo para

outro.

É melhor que ele se deite. Durma.

Pare de remoer essa preocupação.

Emoções

conflitantes

me

invadiram, e nenhuma era bem-vinda. A

emoção

em

si.

Mas

precisava

reconhecê-las, mesmo assim. Uma


extrema relutância, pela constrangedora

evidência da segunda emoção que

flamejava. Uma emoção absolutamente

inadequada à situação.

Desejo.

De súbito, levantei da cama. Era

melhor admitir: eu queria senti-lo outra

vez, queria passar mais tempo com ele.

E não só por causa do casamento.

Senti um calafrio de apreensão.

Não devia fazer isso.

Não devia querer e nem sequer

amar Anthony Carter, algo me diz no

fundo. Nem me lembrar daquele

encontro, como um raio vindo do nada,

em Londres. Mas era tarde demais. Esse

homem está gravado na minha cabeça,

incrustado como um diamante na névoa

sombria. A pura beleza natural daquele

rosto. Os olhos misteriosos, o rubor de

sua face.

Cheguei cada vez mais perto.

Precisava

descobrir.
Será

que,

contrariando todas as evidências, ele é

digno do meu amor? Era isso que

precisava descobrir.

Nada mais.

Agarrei-o com meus braços, dei-

lhe um abraço. Seu cheiro me drogou. O

calor que vinha do seu corpo me

aconchegou. Eu parecia estar numa

espécie de transe delirante.

Voltei a mim. A timidez me travou.

Soltei-o rapidamente.

Me deitei na cama em silêncio.

Deitada, olhava fixo para o lado.

De vez em quando, sentia quando ele se

mexia na cama.

Eu não consigo dormir.

Pensando. Lembrando.

E, pior ainda, imaginando.

Um único rosto. Um único homem.

Irritada, tentei expulsar aquela

imagem da cabeça.

De que adiantava pensar nele?


Nada. Nada mesmo. Então, por que

insistir?

Porque não conseguia pensar em

outra coisa. Nem mesmo na única coisa

que eu sempre pensava. Me livrar dele.

Se ao menos possuísse uma

varinha mágica...

A tristeza provocou um nó na

garganta. Não havia nenhuma varinha

mágica. Nada do gênero. Apenas um mi-

núsculo fiapo de esperança. E isso

significava que todo o meu tempo

deveria ser dedicado a uma única

missão: romper o contrato da forma

mais vantajosa possível para ambos.

As palavras duras ressoavam na

cabeça.

Acabou.

Uma única palavra derrotara a

esperança.

Contra a vontade, a imagem de

Anthony com seus cabelos negros, olhos


sombrios e uma boca perfeita surgiu na

sua mente.

Eu não posso me apaixonar por

ele, porque ele não é o homem que devo

amar e sim um contrato que eu devo

cumprir para que minha família não

termine seus dias na miséria.

— Kate, o patrão quer falar com

você. Na biblioteca. Agora!

Virei a cabeça, sobressaltada.

Acabei de chegar a mesa, e estava

prestes a comer o café da manhã.

Estranhei a ordem, transmitida por uma

das copeira, a mais jovem na verdade.

Ainda não sei o nome dela.

— Para quê?

Ela apenas deu de ombros,

enquanto

organizava

as

frutas.

Suspirando, levantei e saí da mesa. Joan

e Susie me observavam, curiosas.

— Você queria falar comigo? —


Indaguei-o. Estava nervosa.

Nada amigável, Anthony me enca-

rou. Continuei impassível.

— Vamos viajar.

— Outra vez?

Fiquei completamente paralisada.

— Preciso ir ao Texas para uma

reunião

sobre

os

próximos

investimentos.

natural

que

me

acompanhe, é o seu papel nesse

contrato.

Engoli

em

seco.

Então,

eu

realmente era apenas uma cláusula.


Quando

sairemos?

Questionei.

— Tome seu café e sairemos.

Susie já está cuidando da sua mala.

Compreendi. Fingindo indiferença,

concordei e saí. Sentia-me enojada.

Mais que enojada. Aquilo não era algo

que esperasse de Anthony, depois dos

últimos dias.

Sem saber como, obriguei-me a

comer depois de tudo.

Como

na

noite

anterior,

compreendia-o muito menos. No meu

íntimo, a raiva e a tortura formaram uma

venenosa combinação. Evitando cruzar

com Anthony na saída, embora fosse

ficar com ele algum tempo durante a

viagem, alcancei a porta de saída em


passos ligeiros.

A acidez me corroía, e mais que

acidez, ódio, revolta e amargura. Mais

que tudo isso com certeza. Porém, não

conseguirei expressar em palavras. Em

vez disso, encontrei outras palavras.

Desgraçado. Imbecil. Miserável.

Sem parar, as repetia em silêncio,

descendo apressada a longa calçada.

O carro estacionou na frente.

Instantaneamente, James abriu a

porta. De imediato, entrei no carro.

— Está com pressa querida?

A voz de Anthony era irônica e

descia calmamente a escadaria. Nem

sequer olhei para trás.

Ele entrou no carro.

— Você tem um tino especial para

os negócios. Gostei de ver.

— Nenhuma palavra.

Minha voz soou gélida. Formal.

Lancei um olhar fulminante direcionado

ao canalha mais lindo que eu já conheci.

— Está estressada com algo? —


Enfatizou — Parece apreensiva, irritada.

— Enfatizou mais ainda — e eu não

lembro de ter dito nada demais. Apenas

a verdade, a qual estamos acostumados

e o qual você frisa tanto, sempre que

conversamos.

De repente, a expressão gélida se

transformou. De maneira avassaladora.

Me senti derreter por dentro.

— Eu achei verdadeiramente que

nós poderíamos ser felizes com as

regras postas em jogo. Mas, não vai dar.

Tudo isso é uma mentira.

— Você se ofendeu sem motivo

com o que sua mãe disse ontem.

Algo nos olhos dele parecia

mudado. Anthony respirou fundo.

— Eu soube com quinze anos que

me casaria com você. — Explicou. A

sua expressão se alterou, mas algo

dentro dele, também. Bem no fundo. —

Eu fiquei irado a princípio. Eu era

apenas um adolescente.... Mas, resolvi

investigar cada detalhe do contrato. Seu


nome. Eu a vi muitas vezes em festas da

empresa, anuais e eu a achei linda. —

Repetiu ele.

— O quê?

— Você sempre foi linda, embora

tenha melhorado. Desde então sou

apaixonado por você Kate.

Imóvel, eu olhava fixo para

Anthony.

Inegavelmente verdadeiro.

Não, eu não devia pensar nisso.

Não agora... não com esse homem.

Ele é um manipulador. Um

daqueles sujeitos que acham que falar

meia dúzia de palavras bonitas farão

com que uma mulher caia aos seus pés.

Eu não sou esse tipo de mulher.

— Você não vai dizer nada?

— Iremos de carro ou avião para

Texas?

Anthony

hesitou

um

instante.
Incrédulo. Em seguida, respondeu:

— Por que pergunta?

— Não quero passar mais de vinte

horas com você num carro me dizendo

essas tolices românticas.

Ele não se deu ao trabalho de

discordar.

— Embora você não acredite. Eu

sou apaixonado por você desde sempre

Kate. — A voz soou descontraída. E

então mudou. Assim como a expressão

nos olhos dele. — Com toda since-

ridade, eu devo admitir... — ergueu o

olhar para mim — até vê-la no altar, o

meu

interesse

por

você

era

absolutamente nulo. Mas depois.... Foi

uma surpresa. Senti vontade de amar

você outra vez.

Ele continuou a me fitar, com uma

expressão desconcertante.
— Me dar uma chance seria um

transtorno tão grande assim? — Indagou

ele.

O olhar de Anthony parecia

indeciso, confuso.

Não devo ceder. Volte para a vida

real.

— Você perdeu o juízo é isso? —

Minha voz soou estridente. — Eu não

posso simplesmente gostar de você,

porque ao contrário de você, eu não

soube desse contrato a tanto tempo e eu

sempre te achei um garoto esquisito .

— E daí? Você não pode

simplesmente

se

permitir

ser

conquistada por mim? Eu não pareço tão

esquisito, não é?

— Eu quero que você pare já com

essas besteiras.

Anthony respirou fundo — e bufou

contrariado.
— Obrigado. — Articulou com

cuidado. — Eu vou me mudar.

— Como? — Enrubesci. — A casa

é mais sua que minha. Se alguém terá

que

sair,

esse

alguém

sou

eu.

Ele relaxou os ombros.

— Não. Eu saio.

— Você não vai sair. Eu

saio.

Sabia que estávamos tagarelando,

mas pareceu importante travar uma

conversa infantil como esta — que não

tivesse nada a ver com a seriedade

formal do contrato. Uma conversa

normal.

— Ninguém sai.

Por dentro, estremeci. Mesmo de

sobretudo.

Quinze minutos depois, percebi


que estava sendo dura demais.

— Não acredito em nada que

disse.

Como

disse?

Falou

distraído.

— Não pretendo ser rude, mas

você não pode ter se apaixonado por

alguém que mal conhecia. Nunca nos

falamos até meses atrás.

Ele engoliu em seco.

— Felizmente, você sempre foi

linda e perspicaz. É uma mulher

admirável. Me sinto honrado e premiado

por ter sido destinado a você.

— Eu deveria me sentir assim

também. Mas infelizmente não o

conheço.

— Se quiser me conhecer, poderia

fazer um esforço.

— Reconsiderarei minhas atitudes.


—Nós poderíamos ser felizes.

— Como pode ter absoluta

certeza?

— Porque eu estou disposto a

qualquer coisa pelo seu amor.

O humor na voz de Tom soou

sincero.

— Conheço várias mulheres que

iriam adorar tê-lo como esposo.

— Então isso quer dizer que tenho

chances ao papel de marido perfeito?

— Tudo bem. Mas, para a sua

informação, eu não me sinto nada

confortável com isso.

Era o tempo para pensar direito.

Para pensar em Anthony Carter. Porque

esse homem estava desorganizando tudo

na minha cabeça outra vez, e eu

precisava

tentar

compreender.

Urgentemente. Foi um choque descobrir

que, ele gostara de mim desde sempre e

que ainda se sentia feliz com o contrato.


Porém, agora precisava compreender

uma outra coisa.

Fiquei lembrando sobre o que a

mãe dele disse ontem, sobre nunca

ficarmos livres um do outro. Por quê?

Um divórcio não seria tão impossível.

Que tipo de jogo estávamos

jogando?

Haveria um jogo afinal?

Eu estava começando a ficar com

mau humor. Maldito contrato! Maldita

ideia dos nossos pais. Que droga ter que

enfrentar essa situação. E sobretudo,

pensei, é uma droga que só conseguisse

pensar como seria deixar-me apaixonar

por Anthony. Ele me guiou no aeroporto

até o jatinho. Fiquei incomodada com a

breve lembrança que tive da aeromoça.

Reuniões de negócio são sempre

iguais. Já estava acostumada a ver minha

mãe assumir a função de boa esposa

com papai, sabia exatamente o que os

outros enxergavam: uma mulher de um

homem importante, sempre deve estar a


mais bela e elegante possível, com um

sorriso encantador e pronta para um dia

entediante, com conversas sem sentido

sobre dinheiro e poder. O restaurante de

um hotel luxuoso em Houston foi

fechado exclusivamente para reunião.

Parecia uma grande negociação. Vários

homens de negócios com suas belas

esposas a tiracolo, circulavam e nos

cumprimentavam.

Um garçom atencioso veio até

mim, perguntando o que queria beber.

— Ah, água mineral. Com gás, por

favor. Obrigada.

Em silêncio, rezei para que a

reunião acabasse logo. Eu já estava com

a mandíbula doendo, de tanto forçar

sorrisos. O garçom voltou quase

imediatamente.

Impaciente, tomei um gole de água,

sem tirar os olhos de Anthony. Vinte

minutos se passaram. Ele não para de

falar. Tomei outro gole de água. Senti os

nervos à flor da pele. Não me deixaria


pensar no que estava fazendo. E agora

era tarde demais para mudar de ideia. A

dolorosa verdade era inevitável. Estar

aqui, é um meio de manter um dinheiro

que eu não queria, mas precisava

manter.

Atento, Anthony se virou para

mim.

— Você está linda e todos me

parabenizaram muito. Estou lisonjeado e

muito orgulhoso .

A palavra foi quase um sussurro, e

me deixou inquieta por dentro.

Seus olhos me devoravam, me

cativando afinal.

— Eu sabia que você ficaria bem,

mas isso... isso supera qualquer

expectativa.

Por um instante, os olhos de

Anthony não desviaram dos meus,

aquele incrível olhar fascinante. E, de

súbito, como se uma luz se acendesse,

ele sorriu. Mais uma vez, senti vertigem.


Você

está

simplesmente

fantástica. — A voz soou terna, doce.

Doce como o mel.

Não

conseguia

dizer

nada.

Emudeci.

Assim que ele me contou sobre o

amor que nutria por mim, pude perceber

que ele não se parecia em nada com a

imagem monstruosa que fiz dele. Mas,

até agora, todo o impacto do seu poder

para deixar-me sem fôlego e vulnerável

ainda não havia funcionado.

Agora sim.

Agora, em meio à vertigem,

percebi pela primeira vez que não era

imune a ele. E isso tornava o charme

dele mortal.

O que estava acontecendo comigo?

Não posso resistir.


— O champanhe, senhor.

Sobressaltada, vi que o garçom

retornara, carregando uma bandeja com

uma garrafa de champanhe em um balde

de gelo.

Anthony acenou para que o garçom

servisse as taças. Em seguida, ele se foi.

Me ofereceu uma taça, erguendo a sua

num brinde.

— A nós. — E tilintou a taça na

minha.

Ao mesmo tempo que ele, tomei

um gole, depois baixei a taça.

Anthony me encarou.

— Aceita jantar comigo hoje à

noite? Podemos retornar só amanhã a

Palm Beach.

Um sorriso brotou nos meus

lábios.

— Por mim tudo bem.

Concordei.

Envergonhada devido ao olhar

insistente de Anthony, acompanhei-o

pelo salão. Os sapatos estavam um


pouco apertados. Prudência, cautela,

sensatez, todas pareceram virtudes que

não tinham nada ver com o que estava

acontecendo agora.

Porque parecia mágica. Pura e

simples.

Parecia mágica estar do lado dele,

o homem que vira meus pensamentos do

avesso com um único olhar. Parece

mágica escutá-lo conversar sobre tantas

coisas.... Bem, não consegui prestar

muita atenção no quê, mas foi uma

conversa tranquila, animada, sobre

assuntos de importação e exportação de

petróleo.

Mas tudo a ver com o homem

diante de mim.

As outras pessoas deixavam a

reunião. O salão estava quase vazio. Em

torno de nós, o burburinho silenciara. A

amplidão do restaurante parecia criar

um clima ainda mais pessoal. Mais que

pessoal, íntimo.

Olhei para Anthony.


An-tho-ny. Deixei as sílabas do

nome dele fluírem silenciosamente na

mente. Assim como permitia que o calor

do seu olhar me acariciasse. Deixei os

meus olhos se fundirem com os dele,

fitei aqueles lindos olhos castanhos que

me observavam de um jeito que, pouco a

pouco, me derretia por dentro.

As mãos petrificaram na taça de

champanhe. Anthony estendeu uma das

mãos. Vi, tal qual em câmera lenta, a

mão dele buscar a minha. E tocá-la.

Tocá-la com aqueles dedos longos e

sensíveis que seguravam a taça de

champanhe. Agora eles seguravam os

meus dedos, aninhando-os na mão forte.

Senti milhares de arrepios em cada

milímetro tocado por ele.

Ele me encara.

Por um momento interminável,

nenhum dos dois falou nada. O mundo

inteiro se reduziu a esse momento, essa

sensação.

Então, num murmúrio rouco, ele


disse o que tanto, tanto ansiava e temia

que ele dissesse.

— Eu quero muito você.

Ele falou mesmo. Sob o sussurro

grave, um dilúvio de emoções que nos

inundava.

Passei o dia todo sentindo aquela

onda me invadir. Forte e silenciosa, e

tão poderosa que a sua força foi avas-

saladora. De onde surgira esse impulso

irresistível

que

me

dominava?

Subjugando sentimentos que não deveria

permitir que fossem subjugados.

No quarto de hotel, iluminado

apenas pela fraca luz do abajur, Anthony

retirou algo do bolso e colocou sobre o

criado mudo. Em seguida afrouxou a

gravata, tirou-a. Se desfez também do

paletó e da camisa branca.

Fiquei extasiada com a perfeita

musculatura do tórax imenso e as


sombras escuras formadas pelo rastro de

pelos sedosos que se estreitava na linha

da cintura e ia mais além, como pude

comprovar no instante em que ele se

livrou do restante das roupas.

— Dessa vez você não vai mudar

de ideia Kate — Anthony avisou

implacável.

Engoli a saliva no instante em que

ele se aproximou da cama e ela pôde

notar a magnífica nudez máscula. Ele

estava tão à vontade que me senti

totalmente incapaz de corresponder à

vasta experiência que ele aparentava.

Apesar da vergonha, afastei as alças do

vestido pelo ombro, permitindo que a

peça deslizasse até o chão formando um

amontoado. Com um passo de cada vez,

abandonei a roupa descartada aos meus

pés.

Os olhos de Anthony brilhavam de

excitação a cada movimento que eu

fazia. Porém, um sorriso jocoso surgiu

nos lábios dele ao reparar nas peças


íntimas

confeccionadas

em

renda

vermelha. Mas antes que completasse o

círculo ele me agarrou e suspendendo-

me nos braços, me levou para a cama.

— Eu não vou mudar de ideia.

Por alguns momentos Anthony

ficou apenas observando o meu corpo

sinuoso que parecia ter sido feito para

ser acariciado, Em seguida passou a

afaga-lo com as pontas dos dedos,

começando pelos ombros até o busto e

depois contornando a cintura estreita e a

curva suave dos quadris. Ele podia

perceber os meus músculos femininos

contraídos, mas evitava deter a mão em

algum ponto determinado. Continuava

deslizando os dedos sobre o abdome,

circulando o umbigo, prosseguindo até

as coxas e fazendo o caminho de volta

até a curva do pescoço.

Enquanto realizava essas carícias,


os mamilos rosados se intumesciam

cada vez mais, como se implorassem

para

serem

beijados.

Nossas

respirações se tornavam cada vez mais

ofegante. As feições do rosto estavam

contorcidas, os lábios entreabertos.

Contudo,

Anthony

prosseguia

evitando a tentação de beijá-los. E para

provocar-me ainda mais, desceu a mão

até os seios e prendeu um dos mamilos

entre dois dedos.

De maneira automática, separei as

pernas e Anthony precisou usar o

máximo de seu controle para evitar me

possuir naquele instante.

Ele acoplou as mãos e capturou os

seios pressionando-os e, erguendo a

cabeça, estudou o meu rosto, corado

pela excitação. Então murmurou com


voz completamente enrouquecida:

— Vou te amar. Pode acreditar.

Olhei-o com rebeldia. Ele estava

me torturando. A provocação feita com

as pontas dos dedos pela extensão do

meu corpo estava me levando à loucura.

Procurei impedir que ele prosseguisse e

segurei-lhe

mão.

Porém,

ele

aprisionou os meus pulsos com uma das

mãos e com a que estava livre, insistiu

nos afagos. Dessa vez ele moveu a mão

para

íntimo

da

feminilidade,

umedecida pela expectativa do prazer, e

provocou o ponto mais sensível

enquanto abocanhava um dos mamilos e

o sugava com furor.


Sem

imaginar

como

teria

conseguido, livrei-me da mão poderosa

que as prendia e, completamente

desvairada, passou a afagar as costas

dele

com

movimentos

circulares,

roçando a pele masculina com as pontas

das unhas. Depois passei a acariciar os

pelos do tórax amplo e desceu a mão até

alcançar a ereção de Anthony.

Ele soltou um gemido alto antes de

tomar-me os lábios com fúria e

posicionar seu corpo sobre o meu.

Estendeu

um

braço,

apanhou

preservativo que deixara no criado


mudo e o ajustou sem abandonar o beijo

que se tornava cada vez mais intenso.

Em seguida, começou a me possuir.

Obedecendo a um instinto primitivo,

ancorei as pernas nos quadris estreitos e

enlacei o pescoço amplo a fim de

conseguir uma proximidade maior dos

corpos.

De repente gritei com uma dor

inesperada e Anthony interrompeu a

invasão.

Com um olhar de surpresa ele me

fitou e disse espantado:

— Você é virgem?

— Era... —apenas murmurei.

Minhas

feições

ainda

estavam

contorcidas pela recente experiência

dolorosa.

Porém, logo a dor foi substituída

por uma sensação de prazer à medida

que os corpos se ajustavam e comecei a


mover os quadris para incitá-lo.

— O que você está fazendo? —

Ele perguntou com a mente atordoada

pela surpresa e prestes a recuar.

— Eu acho que você sabe —

respondi com um sorriso de provocação.

Tomando

os

lábios

que

eu

oferecia, ele reiniciou os movimentos

com cautela. Reunindo todo o

autocontrole possível, ele se introduzia

centímetro por centímetro até preencher

completamente o meu interior feminino.

Depois recuava com o mesmo cuidado.

Após

sucessivas

estocadas,

ele

percebeu que o meu corpo institivamente

iniciava movimentos convulsivos que

anunciavam a proximidade do clímax.


Então se libertou do controle que ainda

mantinha e acelerou as estocadas para

conseguir compartilhar o momento de

êxtase final.

Após os gritos alucinantes e

espasmos involuntários dos corpos

aquecidos e enlouquecidos de prazer,

Anthony tombou para o lado. Depois

rolou na cama junto comigo, e inverteu

as posições, mantendo-me colada em

seu peito.
Anthony
Nunca conheci uma mulher como
Kate. O corpo incrivelmente sexy

respondia de maneira rápida ao menor

toque de meus dedos. Normalmente,

considerava o ato de amor como um

exercício relaxante com uma mulher

experiente que buscava a mesma

finalidade.

Bastava

executar

os

movimentos certos para alcançar o

objetivo final almejado por ambos: o

prazer. Nada mais. Contudo, com Kate

foi uma experiência diferente. Parecia

mais um banquete onde o prato principal

era a extrema sensualidade que ela

oferecia.

Eu não podia acreditar que ela era

virgem. Eu nunca havia feito sexo com

uma mulher virgem. Sempre me mantive

longe de mulheres inexperientes, pois

elas se apaixonam com mais facilidade e


nos deixam desconfortáveis quando não

interesse

de

manter

um

relacionamento. E agora descobri uma

enorme satisfação por saber que acabara

de iniciar Kate nos prazeres sensuais e

consegui manter o equilíbrio necessário,

afinal não vou precisar me esquivar

dela.

— Você está bem? —Quis saber

algum tempo depois, quando nossos

corpos se acalmaram e as respirações

retornaram à normalidade.

Ela nada respondeu e eu fiquei

preocupado com a possibilidade de tê-la

ferido no instante final em que liberei os

instintos para alcançar o clímax.

De repente me ocorreu que a

virgindade fora a razão principal pela

qual ela tinha escapado da cama na outra


noite. Kate não tentava se fazer de

difícil, estava assustada por temer o

desconhecido,

algo

plenamente

justificável.

Kate permanecia com a cabeça

repousada no meu peito, acho que ela

ouvia as batidas fortes do meu coração.

— Kate? — Insisti. — Perguntei

se você está bem.

— Estou sim — ela finalmente

respondeu, mas não me encarou.

Subitamente ergui-me da cama e

murmurei:

— Tem certeza?

Procurei

aliviar

tensão

refrescando o rosto na pia do banheiro.

Me esforcei para fazer o melhor sexo da

minha vida e ela apenas respondera com

um casual " estou sim". Não maravilhada


ou qualquer outra sensação desse nível.

Apenas " bem". A única palavra que ela

parecia conhecer.

Ao mesmo tempo sentia um

incômodo remorso por ter forçado Kate

àquela situação. E, pela primeira vez,

duvidei se o meu desempenho sexual

tivesse sido dos melhores.

Ergui a cabeça e mirei no espelho

enquanto realinhava os cabelos. Meu

pensamento devaneou outra vez. Kate

parecia corresponder aos meus afagos

durante todo o tempo. O seu corpo

parecia derreter-se no entre o meu.

Talvez, como se tratasse da primeira

vez, ela não encontrara palavras para

descrever o que sentira.

E eu não deveria abandoná-la

sozinha na cama. Principalmente de

modo

tão

rápido.

Como

homem
experiente, sabia que as mulheres

gostam de serem abraçadas depois do

ato de amor.

E após analisar a situação,

apressei-me em remediar o descuido e

saí do banheiro. Sentei na beirada da

cama e admirei a esplêndida visão de

Kate com os cabelos revoltos e

espalhados sobre o travesseiro. O

esplendoroso corpo tranquilo e relaxado

sobre os lençóis brancos.

Uma nova onda de excitação me

invadiu.

— Já está de volta? — Ela

murmurou e proporcionou-me espaço

para que deitasse ao lado dela.

— Tem certeza de que não a

machuquei? —Insisti. E logo após deitar

com ela, estendi uma das mãos afastando

uma mecha de cabelos que cobria parte

do rosto bonito de Kate.

— Estou bem.

— Mas que droga Kate! Será que

não sabe dizer outra coisa que não seja


"estou bem"?

— E o que quer que eu diga? —

Ela replicou e ainda decidiu provocar:

— Que você é um amante magnífico e

que eu não sabia o que estava perdendo

quando o desprezei outra noite?

— Pelo menos poderia ter me

avisado de que era virgem.

— E que diferença isso teria feito?

— Tem razão. Não teria feito

nenhuma diferença.

Tomei os lábios dela em um novo

beijo que foi capaz de reacender o fogo

do desejo e começamos tudo novamente.

E dessa vez com maior volúpia,

até tombarmos exaustos e plenamente

saciados.

Por um longo tempo, o único som

que se ouvia na quietude do quarto era

as respirações ainda ofegante de ambos.

Só que agora, de uma maneira diferente:

meu corpo estava saciado e o desejo

satisfeito. O que mais queria naquele

momento era relaxar e dormir.


— Kate, você está...

Ela me interrompeu sem nem

mesmo olhar para mim.

— Se vai me perguntar se estou

bem, eu já lhe adianto que estou ótima. E

se deseja ouvir algo mais, eu garanto

que você é excelente na cama. Muito

mais do que eu poderia imaginar. Mas

agora eu preciso descansar. Por isso, eu

agradeceria se calasse a boca e me

deixasse dormir.

— Desculpe-me. Eu só estava

pretendendo abraçá-la. A maioria das

mulheres espera essa atenção depois de

"fazer amor".

— Por toda a experiência que tem

com outras mulheres, acredito que esteja

certo. Mas, não é o meu caso. Agradeço

a atenção, mas preciso descansar. Estou

exausta. Por isso, se não se importa, boa

noite.

— Quer que eu lhe providencie um

banho para relaxar?

— Se eu ficar mais relaxada do


que já estou, acho que estarei morta.

Abandonei a cama e a olhei mais

uma vez.

— Tem certeza de que não posso

fazer mais nada por você? — Kate

manteve os olhos fechados— Durma

bem, Kate.

Segui para o banheiro e após abrir

o chuveiro fiquei um longo tempo

desfrutando a água morna e relaxante.

Os últimos acontecimentos desfilavam

em minha mente cansada: o ultimato do

contrato; a incrível experiência sexual

que tivemos; e também, as últimas

palavras que meu pai sussurrou no leito

de morte, sobre tornar o contrato

vantajoso para nossa família e do quanto

eu estava obrigado a fazer isso. Sabia

que o show moral que a minha mãe deu

ontem, foi uma forma de cobrar a

promessa. De repente, a dura realidade

que já enfrentava com a obrigatoriedade


foi agravada com a descoberta da

atitude desonesta do meu pai com a

família de Kate e a consequente

chantagem a que tive que me submeter

para que meu pai morresse em paz. Ao

sair do chuveiro, apanhei uma toalha

sequei o corpo. Depois segui para o

quarto. Vesti o pijama e enfiei-me na

cama.

Estava tão cansado, que um sono

profundo não tardou a vir.

Sentia os músculos doloridos

pelas "atividades" da noite anterior e

por um instante a imagem de Kate

fazendo amor comigo retornou-me à

mente.

por

recordar

que

acontecera, a imagem era mais bonita

que ela dormindo.

Kate começava a esboçar um


sorriso, depois de afastar alguns fios de

cabelo do seu rosto, dei-lhe um beijo

ligeiro e em seguida me afastei

rapidamente. Ela começava a não

entender nada.

Eu havia planejado apenas trazê-la

para reunião e evitar um encontro entre

ela e a minha mãe, para que a coroa não

pusesse em risco os planos que eu tinha.

Contudo, à medida que essa maldita a

atração entre nós progredia, as intenções

iniciais começavam a se modificar.

Enlaçando-a pela cintura conduzi-a

de volta para cama, enquanto ela se

arrumava.

Eu nunca desejara tanto uma

mulher como desejava Kate. O fato de

não conseguir parar de pensa nela me

preocupou. Pela primeira vez na vida

duvidava de que seria fácil passar a

perna nela, como papai me aconselhara.

Porém, ao notar o brilho nos olhos azuis

que me fitavam, eu decidi desistir de

tudo imediatamente. Antes que ela


dissesse qualquer coisa, a tomei nos

braços e beijei-a com voracidade.

Com uma das mãos que mantinha

sobre as costas pequenas desci zíper do

vestido e com a outra afastei os ombros

da peça que deslizou até os pés dela.

— O que está fazendo? — Ela

perguntou meio atordoada pelo beijo e

pela excitação, assim que me viu

abandonar o beijo para baixar o corpo e

fincar um dos joelhos no chão.

— Vou descalçar suas sandálias.

Kate não protestou e nem desejava

me interromper.

Retornei aos seus lábios e desatei

o fecho do sutiã e os seios volumosos

ficaram expostos.

— Eles são lindos! — Exclamei e

provei um deles. E após dar a mesma

atenção ao outro, desci as mãos pela

lateral do corpo delgado e introduzi dois

dedos de cada lado na calcinha rendada,

abaixando-a até o chão. Kate me

auxiliou a desembaraça-la da peça


erguendo um pé de cada vez.

Antes de me erguer novamente,

enlacei a sua cintura estreita e

aproximou o meu corpo ao seu,

espalhando beijos no seu pescoço.

— Não! — Recuei um passo.

— O quê?

— Desculpe Kate.

Ele pôs-se de pé e num movimento

rápido a ergueu nos braços.

Caminhei em direção oposta a ela

Ela direcionou o olhar azul e

perguntou intrigada:

— Eu fiz algo errado?

Apenas

olhei-a

em

silêncio.

Depois apanhei a roupa no chão.

— Estamos atrasados. Precisamos

voltar logo.

Sem
entender

que

teria

acontecido para me fazer desistir depois

de

tê-la

despido

completamente,

apanhou as roupas do chão e se vestiu

encarando-me desconcertada e curiosa.


Kate
O
bom

humor

de

Anthony

evaporou como a fumaça no vento. Não

seria preciso ser um gênio para

desconfiar que havia algo errado. Só de

pensar nas intimidades que tivera com

ele e que provavelmente não havia

significado nada para ele, senti meu

estômago

enjoado.

Desesperada,

percebi que, apesar de sempre ter

evitado o amor, acabei cometendo o

maior dos erros ao me apaixonar e me

entregar a Anthony.

Não. Não era possível! A mente

clamava, mas o coração não me ouvia.

Os pensamentos conflitantes estavam me

destruindo.

Eu conheci Anthony meses atrás.


Tive intimidade com ele apenas uma

noite e meia — se contar aquela quase

transa em Londres. Não poderia estar

apaixonada em tão pouco tempo....

Recusava a aceitar minha própria

fraqueza.

Durante toda a minha vida assisti

minha mãe dedicar-se ao meu pai de

todas as maneiras a fim de mantê-lo ao

lado dela. Porém, não herdei o caráter

dócil da mamãe, por isso, nenhum

homem me faria de tola.

Eu caí nas garras de um mestre da

sedução — um homem inescrupuloso

que fingiu tudo o que disse — e aprendi

uma dura lição.

Resolvida a não me deixar abater

por essa desilusão, ergui-me e endireitei

os ombros. Depois caminhei na direção

do espelho e escovei os cabelos. Em

seguida prendi-os num casual rabo-de-

cavalo. Assim que saímos do hotel, o

carro já nos esperava para nos levar até

o avião de volta para casa.


No instante em que chegamos em

casa, presença de Nora constrangeu

Anthony. Ele a questionou surpreso no

instante em que a viu:

— O que faz aqui mãe?! —

Exclamou com um sorriso significativo.

— Eu aguardo você no escritório.

— Murmurou ela e seguiu para

biblioteca. Com o canto dos olhos ela

me examinou, acredito que ela percebeu

que havia uma tensão entre nós que se

espalhava no ar.

Com

mesma

formalidade,

Anthony a seguiu. Sem que eu pudesse

dizer nada, esperei os empregados

retornarem as suas atividades e segui

para o local, a fim de escutar algo atrás

da porta — sim, não pareço muito

educada.

— O que você tem na cabeça? —

Nora gritou irritada com Anthony


Com relutância, ele apenas falou:

— Eu estou apaixonado por ela.

— Você foi para cama com ela?

— Não.

— Anthony eu não sou idiota. Você

transou com aquela mulher?

— Transei. — Sua voz parecia

constrangida e irritada.

—Você pôs tudo a perder seu

menino mimado.

— Mãe, chega! O contrato é um

assunto meu...

— Seu? Minha parte na herança do

seu pai, ainda não me foi entregue por

causa desse maldito contrato.

— É o dinheiro que a está

incomodando?

— Anthony... — suavizou a voz.

— Essa mulher não ama você, ela só

quer o dinheiro também. Você acha que

poderá ter um lar feliz, um casamento

normal, filhos.... Mas, nunca existirá

isso entre vocês! Apenas dinheiro,

dinheiro.
— Você diz isso porque não teve

um lar feliz e acha que todos estão

destinados ao mesmo.

— Anthony...

— Para mim chega! Eu quero que

você fique longe dessa casa, da Kate

principalmente e que aguarde o contato

dos advogados. Deve ser em breve.

Então todos terão o seu dinheiro, Kate

estará livre e todos felizes.

— Quando isso acontecerá?

— Ela irá ao ginecologista esses

dias, ele atestará que ela não é mais

virgem e o casamento estará consumado.

Contrato cumprido.

Então era isso? Por isso ele me

disse tantas coisas bonitas, queria me

levar para cama e garantir que o

contrato valesse.

Contudo, me perguntava o tempo

todo como é que ele conseguia "fazer

amor" comigo em uma noite e no dia


seguinte conseguia ser um homem

completamente diferente? E pensar que

havia me derretido por ele em tão pouco

tempo.... Bem, isso não aconteceria

outra vez, jurei em silêncio.

O jantar estava com uma cara

ótima, mas sequer encostei na comida.

Apenas observei o prato e Anthony

olhava para mim, entre uma garfada e

outra.

Passados alguns minutos, ele

quebrou o silêncio:

— O que você tem Kate? Não

encostou na comida.

Será que ele estava ficando louco?

— Eu estou sem fome. Se me dão

licença. — Retirei-me da mesa.

Queria esganá-lo. Mas, estava

decepcionada demais para argumentar

qualquer coisa. Por isso preferi manter o

silêncio. Estava deitada na cama, no

escuro, fingindo dormir.

— Você está bem? — Acendeu a

luz.
— É só isso que sabe perguntar?

Estou com sono. Apague já essa luz.

— Kate, tem algo a ver com o

acontecido ontem à noite?

Eu apenas ouvia. A raiva e a

amargura cresciam na medida em que

ele prosseguia falando.

— Não era a minha intenção

desprezá-la.

petulância

dele

era

tão

inacreditável que baixei a cabeça, para

que ele não notasse o brilho de furor que

me incendiava os olhos.

Engoli a voz para poder controlar

a raiva. Era quase impossível acreditar

que algumas horas antes estava a ponto

de admitir estar apaixonada por aquele

infeliz. Mas estava decidida a não

arriscar seu coração ainda mais. Jamais

aceitaria fazer parte de qualquer


negociação com ele.

— Kate? — Ele perguntou e

aguardou ansioso por uma resposta.

Ergui

cabeça

fitou

diretamente nos olhos.

— O contrato está efetivado. Algo

mais? Agora me deixe em paz.

— O que quer dizer?

— Exatamente o que você discutiu

com sua mãe na biblioteca. Nós fizemos

um trato e pretendo cumpri-lo da

maneira como foi feito. Você me garantiu

que era um homem de palavra, por isso

eu também sou e já cumpri a minha

parte.

Anthony estreitou o olhar quando

falou:

— Espere um minuto... O que

aconteceu com você? Por que está tão


zangada? — Ele me olhava tão confuso

que eu teria rido se não estivesse com

tanta raiva. — Uma resposta negativa e

ríspida é só o que tem para dizer depois

de ter ouvido uma conversa que não lhe

diz respeito?

— Como não me diz respeito? Eu

sou uma coisa, foi assim que me tratou

todo o tempo. Espero que estejam todos

felizes.

— Isso só pode ser piada. Por

acaso está brincando comigo?

— Não. Não estou brincando —

respondi com firmeza na voz e ainda

mais zangada por considerar seu

cinismo. Ele pensava que poderia

comprar tudo e todos. Bem.... Menos a

mim. Eu me manteria fiel ao acordo que

fizemos, mas não pretendia ir além

daquilo. E com essa decisão em mente,

acrescentei: — Já está tarde, caso tenha

se esquecido amanhã eu tenho uma

consulta. Preciso me livrar de você o

mais rápido possível.


Anthony estreitou o olhar.

— Não precisa agir assim.

Eu o interrompi:

Obrigada,

mas

eu

compreendi tudo perfeitamente e não

subestime a minha inteligência.

Anthony permaneceu imóvel e

indignado pelo fato de eu já saber de

tudo. Nem parecia a mesma mulher que

dias

antes

ele

poderia

controlar

fingindo-se de amante apaixonado.

Por que razão ele se submeteu a

tudo isso? — Eu me perguntei. Poder e

riqueza sempre atraíam as pessoas, ele

não deixaria de ser rico e poderoso,

custasse o que fosse.


8
Kate
Um desejo proibido.

Uma maldição do inferno.

Porque a trágica verdade sobre

tudo isso, é que desejo Anthony Carter.

Eu o quero com tamanha intensidade,

que não consigo controlar.

Apesar de tudo o que descobri —

ou imagino, ter descoberto — a respeito

dele, ele permanece um mistério. Uma

contradição. O homem possuí uma rara

beleza, assim como uma inteligência

notável. Contudo age sempre de forma

esquisita. Aceitou se comprometer à um

contrato que ambos não sabemos do que

se trata. Preciso descobrir. Amanhã

mesmo, irei a empresa e tentarei ter

acesso à tais documentos, custe o que

custar.

Tentei resistir e não pensar em

Anthony. Mas era como nadar contra

uma corrente tão forte que mal me

permitia controlar meus pensamentos ou

ordená-los com frieza.


Um único momento.

Negando tudo sobre o que eu

pensava — ele.

Porque era isso o que eu desejava

— eu desejava Anthony. Agora — essa

noite. Se ele estivesse nesse quarto

agora, eu o agarraria, deixaria seu corpo

dele junto ao meu, sentiria a deliciosa

sensação de esmagar-me contra o seu

peito musculoso, — no que estou

pensando?

As minhas mãos traçariam o

contorno das costas, tocando a pele

sensível e delicada da nuca, enquanto a

boca

brincava

com

sua,

em

movimentos sensuais, provocantes....

Senti o corpo abrasar, e aquela

onda violenta voltou a me atingir,

impossível de conter, e tudo cortesia de


uma única coisa: mistério.

De repente a porta do quarto se

abriu e Anthony entrou.

Parou, intrigado, lembrou-se de

algo. Caminhou até o closet, pegou algo

e saiu.

Fingi dormir.

Para onde ele vai?

É impossível saber.

Basta! Admito que já fiz tudo que

estava ao meu alcance para descobrir o

verdadeiro caráter — ou a falta —

desse homem.

E a ironia da situação zombava de

mim.

Imóvel, permaneci sentada na

mesa. O café da manhã estava posto. Eu

não conseguia pensar em nada.

Fiquei sentada apenas flutuando no

ar, enfeitiçada. Não cogitei dizer a

Anthony o que pensava ou que pretendia

ir a empresa ler o contrato.


Porque não queria que ele tentasse

me impedir e também não queria

contrariá-lo. Senti um nó na garganta.

Não conseguir conter minha indignação

ou curiosidade rebuscada. As lágrimas

ardiam nos olhos e eu as contive, irri-

tada comigo mesma.

Ah, por favor. Caia na real. Por

que bancar a tola agora?

Porque esse amor é impossível,

simplesmente impossível.

Com um aperto no coração,

levantei. Precisava dar o fora dali,

trocar de roupa e ir para empresa. Eu

deveria enfrentar a vida real.

Apreensiva,

olhei

para

trás

conforme alcançava a escada, mas não

havia nenhum sinal dele. Ótimo! Ele não

estava preocupado comigo.

— Bom dia Kate! — Joan me

acompanhou
enquanto

subíamos

escada. — O que pretende fazer hoje?

— Vou fazer compras, — respondi

incomodada com o controle que Anthony

exercia sobre cada passo meu, enquanto

Joan fechava a porta do quarto. Corri

direto para o closet.

Joan ficou parada do lado de fora

um instante, arrumando algo. E lá estava

Katherine Carter. As mãos enfiadas nos

bolsos do sobretudo, imóvel. Eu me

olhava no enorme espelho enquanto

admirava a bela personagem.

Não sei como, mas consegui sair

da casa sem atrair a atenção de Anthony.

James me fitou com uma expressão de

surpresa nos olhos assim que entrei no

carro. Eu parecia... diferente. Ele não

sabia por quê, confesso que eu também

me sinto assim, embora não saiba. E eu,


só sei que, agora, o coração acelera.

— Você volta para o almoço? —

Perguntou Joan enquanto me entregava a

bolsa, pela porta do carro.

— Acho que sim, — respirei

fundo. — Eu ligo, se houver algum

imprevisto ou eu tiver alguma outra

programação...

Então, com um aperto no coração,

o carro rumava para fora daquela casa,

eu estava sozinha, sentia-me liberta.

— Bom dia!

A voz da eficiente secretária do

papai soou enérgica e impessoal. Mas

agora, em compensação, tinha essa

sensação de que o mundo perdera toda a

cor. Apenas uma única coisa conservava

a cor: a lembrança daquela noite, aquela

noite inesquecível que brilhava como

uma pedra preciosa no recôndito mais

secreto do meu coração — talvez por

isso, ele acelera tanto.

Mesmo assim, uma voz traiçoeira

cochichava em meu ouvido: Contrato...


Contrato... Contrato...

Anthony não era meu, de verdade.

Não podia ser. Haviam outros deveres e

obrigações, compromissos e mais, muito

mais que isso: havia amor. Amor,

responsabilidade e cuidado. Ele não

jogaria seus interesses fora. Nem por

uma noite, nem por uma hora, nem por

um minuto.

Vá em frente, vá em frente. Estude

o contrato.

— Bom dia! — Respondi.

— Posso ajudá-la em algo?

— Sim. Onde fica o departamento

jurídico?

— Quer falar com algum advogado

em específico?

— Sim. Jimmy Palmer.

— Me acompanhe por favor.

Jimmy estava sentado em sua

mesa, os olhos fixos no computador. A

secretária bateu na porta, e adentrou em

seguida.

— Jimmy?
— Pois não?

— A senhora Carter está aqui e

gostaria de vê-lo.

— Norah?

— Não, a senhora Katherine

Carter.

— Sim, peça que entre.

Assim que cruzei a porta, o olhar

de Jimmy se contraiu num sorriso

irônico. Por fora ele forçava uma

simpatia, disfarçava uma curiosidade e

por dentro ele gargalhava em ver que eu

era agora uma senhora casada. Jimmy

estudou comigo, e conseguiu ser livre.

Sempre fomos muito amigos, mas o

tempo nos afastou e direcionou cada um

ao seu destino.

— Kate! Quando a Grace me

contou semana passada eu custei a

acreditar. Mas, vejo que ela não estava

de brincadeira. Você se casou com

Anthony Carter, — o sorriso contraiu

seus lábios e ele não pode deter a

gargalhada. Sentou na cadeira, e se


contorceu.

A desgraça se abatera sobre mim,

e não sobre ele. Era natural que se

divertisse.

— Não sei o motivo de tanta

diversão. Sua prima estava certa. Mas,

eu tenho negócios a tratar.

— Pois não senhora?!

— Eu quero informações sobre um

contrato.

— Contrato? Aqui da empresa?

Sim.

Especificamente

contrato de casamento, que o meu pai e

o senhor Carter firmaram para mim e

Anthony.

— Que contrato é esse?

— Pois é, é exatamente isso que

vim descobrir. Tem alguma forma de

localizar?

Todos
os

contratos

documentos da empresa ficam no

arquivo jurídico. Você sabe em que data

foi firmado?

— Há dez anos atrás, mais ou

menos.

— Muito tempo, a essa altura já

foi para o arquivo morto.

— Eu preciso ler esse contrato.

Agora!

— Eu vou pedir para a secretária

ir busca-lo.

— Sim. Eu aguardo.

— Aceita um café ou uma água?

— Não.

O silêncio se estendeu. Um

silêncio absoluto. Eu permanecia imóvel

na cadeira, todos os músculos tensos. A

emoção me consumindo pouco a pouco.

O que será que Jimmy pensava?

Por que a secretária demorava

tanto em trazer a droga do papel?


A maçaneta enfim mexeu e a

secretária adentrou a sala: de mãos

vazias. Cadê a porcaria do papel?

— Senhor... Não existe nenhum

documento datado, ou especificado com

o que senhor deseja.

— Obrigado. Pode se retirar.

— Eu preciso saber — insisti

implacável. — Preciso ter acesso a esse

documento. Se eles não o guardam na

empresa, então onde?

Senti a garganta embargar. E,

então,

como

se

uma

represa

transbordasse dentro de mim, gritei.

— Que ódio!

— Na sala do seu pai, quem sabe...

— Vai ser impossível entrar lá e

ficar a sós, procurando.

— Eu posso tentar, mas não

garanto. Se especificar nesse documento


o que você diz, ele é muito confidencial

e a empresa não tem interesse em

guardar esse documento aqui. Diz

respeito apenas as partes pactuantes. No

caso, seu pai e o velho Carter.

Eu transbordava de ódio.

— Como você não tem acesso? —

Jimmy questionou surpreso.

— Não sei... — Suspirei. —

Jimmy, obrigada por tudo, — estendi-lhe

a mão. — Desculpe-me por atrapalhar

seu trabalho.

— Que é isso Kate. Nós somos

amigos. Podemos sempre contar um com

o outro.

Ele apertou minha mão, segurou-a

por uma infinidade de tempo e só a

soltou quando eu puxei a mão.

Saí da sala de Jimmy, e fui direto à

sala de Anthony. Sabia que a sala dele

ficava bem em frente a do papai. A sua

secretária também parecia um cão de

guarda, mas eu conseguiria ser bem mais

instigante.
— Bom dia, senhora Carter, —

disse ela enquanto gesticulava. Ela me

acompanhou até a sala de Anthony.

Arregalei os olhos assim que

entrei na sala que era enorme, com pelo

menos o dobro do tamanho da

biblioteca. Alguma coisa ardeu nos

olhos de Anthony enquanto a distância

que nos separava era eliminada.

Estremeci, quando ele caminhou até

mim.

— Eu tinha certeza! Eu sabia que

você vinha. — A voz soou baixa e

rouca, com uma nova qualidade que

espalhou arrepios pela minha pele.

Respirei

fundo

ar

cheio

de

sexualidade máscula.

Um turbilhão girava em minha

mente. Pensamentos vinham sem nenhum


sinal de lógica ou resolução. Como ele

consegue me dar tamanho descontrole?

E por que o brilho de seus olhos fazia

com que eu me derretesse toda?

Os dedos de Anthony levantaram

meu queixo, de modo que não tinha

como evitar seus olhos abrasadores, ou

como não notar seus lábios, ligeiramente

separados. E, principalmente, não havia

como não imaginar como seria o toque

daqueles lábios. O toque daqueles

lábios nos meus.

— O que veio fazer aqui?

Li essas últimas palavras em seus

lábios enquanto sua boca descia sobre a

minha, quente e gentil, ele me

surpreendeu. Ele parecia forte e cruel,

orgulhoso e desafiador, protetor de cada

parte de seu reino, e mesmo assim seu

beijo foi terno e carinhoso.

Senti as mãos dele em meus

ombros, por trás do meu pescoço,

descendo por minhas costas. Elas

convidavam a me aproximar mais do


corpo dele, e eu o empurrei.

— Isso foi um erro — sussurrei

com a voz mais grossa que o normal,

mão cobrindo lábios ainda sensibi-

lizados.

— Precisamos mesmo parar por

aqui? — Disse Anthony, lábios curvados

num sorriso preguiçoso.

— Não! Foi um erro me beijar.

Tudo isso é um erro.

— Você pareceu não ter nenhum

problema de esquecer essa bobagem

naquela noite. Ou você tem o hábito de

lembrar desse contrato apenas quando

lhe convém?

— Claro que não! — Protestei.

Continuei repetindo a mim mesma que

jamais quis esse casamento, jamais

pensara em outro homem até agora,

quando esse relacionamento parece ter

chegado

num

irresoluto

impasse.
Contudo, essa não é exatamente a

verdade. A verdade é que jamais

considerei nenhum outro homem até o

dia em que Anthony invadiu minha vida,

emanando esse testosterona e vigor

masculino, forçando-me a assumir esse

maldito casamento. — Se bem que me

admira muito a sua capacidade de

esquecer que é apenas meu sócio, —

acrescentei, ferina.

— Eu não esqueço — disse

Anthony, virando-me para si, com a voz

traindo fúria crescente. — Se você quer

saber, estou muito ansioso pelo dia que

você vai parar de reclamar disso ou

daquilo, — ele me soltou e se afastou,

deixando-me ofegante e tonta, a mente

tentando encontrar sentido naquelas

palavras. — Preciso trabalhar — disse

Anthony. — Depois disso almoçaremos

juntos. Você me diz o que quer, —

acrescentou, apontando para a porta da


sala. — Quer que eu a acompanhe?

— O quê? — Como ousa?

— Até a saída, — apontou para a

porta.

Engoli em seco, sentindo o calor

se espalhar por minhas bochechas.

— Não, obrigada. Eu posso me

virar sozinha.

O almoço foi um evento tedioso.

Anthony me ignorou durante a maior

parte do tempo, monopolizando toda a

sua atenção ao celular. Não que eu

estivesse

muito

interessada

em

conversar com ele. Embora quisesse lhe

fazer algumas perguntas sobre o contrato

e como poderia lê-lo, mas ainda estava

muito

abalada

pelo

episódio

no
escritório.

Depois de tomar um gole de agua,

senti a oportunidade de me retirar. Me

levantei, esperando realizar uma fuga

rápida.

— Kate, já terminou?

— Sinto muito, Anthony —

retruquei, tentando ignorar o olhar

demorado e severo que recebi dele. —

Eu gostaria de descansar um pouco.

— Claro, eu devia ter imaginado.

Precisa de alguma coisa? O que queria

quando foi ao escritório?

—Eu queria ler o contrato. Não

consegui localizá-lo com o setor

jurídico.

— Eu providenciarei uma cópia

para você depois. Você só precisava ter

me pedido, não precisava ir na empresa

procurar...

— Pois é, eu fui... É..... Eu fui.

— Não há nada que eu não faça

por você!

Essa resposta fez meu coração


disparar na hora errada. Emudeci.

— Porque a gente não faz um

acordo? — Perguntou Anthony.

Dei de ombros.

— Um ano.

— O quê?

— Eu quero um ano. Um ano

inteiro com você. Sem a sombra desse

contrato ou das suas desconfianças —

disse com os olhos cintilando. —

Depois desse ano, eu te dou o divórcio e

assumo qualquer responsabilidade. Sem

nenhum ônus para você. Me dá só um

ano...

Pensei um pouco e assenti com a

cabeça.

Seria bom para eu também me

contentar com isso. Desejei-lhe um bom

almoço e me virei para sair.

— Eu passarei a tarde numa

reunião. Mas volto para o jantar.

Podemos conversar e negociar?


Sem responder, mas com um

sorriso enigmático subi as escadas.


Anthony
O primeiro passo, o mais prático,

seria falar a verdade.

Há noites que não consigo dormir.

Talvez o peso na consciência me

incomode.

Eu deveria falar a verdade de uma

vez por todas, por que não tentar?

Eu poderia perder a Kate para

sempre, ou talvez eu a ganhe de vez.

Troquei o terno, por roupas mais

esportivas. Sinto-me como um fantasma

descendo a escadaria que dava para a

sala principal. Dirigi-me para a mesa de

jantar com um frio no estômago, não

posso imaginar que me sinta assim —

como um adolescente.

Kate saltou assustada quando

beijei sua cabeça. Sentada, ela não tinha

escutado nada, nem notado a presença

de ninguém, tão envolvida estava com os

próprios pensamentos.

— Você me assustou!

— Sinto muito — respondi,


tentando parecer divertido. — Demorei?

— Um pouco. Podemos ir direto

ao que você quer?

— Podemos comer antes? Estou

morrendo de forme.

Senti o coração disparar, e minhas

mãos começaram a suar. O olhar atento

de Kate me perturbava. Ela está linda! E

eu notava cada detalhe do seu corpo

naquele

vestido

preto,

justo

incrivelmente sexy. Bem feito! Quem

mandava ser tão linda?

Enquanto

comia,

meus

olhos

continuaram a percorrer os cabelos

negros e soltos, detiveram-se no

pescoço bronzeado e desceram aos

seios redondos e fartos. O olhar dela


parecia tão intenso e raivoso que ela se

levantou, deixando-me só na mesa.

A detive pelo braço, forçando-a a

sentar-se de novo.

— O que há de errado?

— Você.... Você é insuportável e

acha que pode controlar tudo e todos

Anthony! Estou farta, você está tentando

me manipular, como faz com todos — os

seios de Kate vibravam, ofegantes,

chamando mais atenção ainda.

— Humm, — murmurei entre os

lábios.

— Você prometeu — disse ela,

com voz rouca.

— Sei o que prometi, mas isso foi

antes de vê-la aqui do meu lado... —

soltei-a ao notar a indignação acesa em

seus olhos. — Está bem, está bem....

Estive esperando uma oportunidade para

lhe dizer que tenho uma proposta. É

evidente que você não gosta de mim,

como gosto de você, Kate...

— E? — Perguntou debochada.
— Eu quero que me dê um ano

como seu esposo — retruquei, com

frieza. — Aliás, preciso de você. Para

eventos, reuniões e então você estará

livre.

— Você precisa de mim para

alimentar seu ego e a imagem do seu

mundinho perfeito?

— Sim, — disse com delicadeza

— Eu preciso de você e essa é a minha

condição

para

dar

divórcio

espontaneamente.

Kate estudou-me por um instante,

abriu a boca como se fosse dizer alguma

coisa, depois levantou-se abruptamente.

— Eu irei pensar.

Kate deu meia-volta e retirou-se.

Com a cabeça girando num turbilhão, eu

continuei imóvel na mesa, tentando

parecer normal. Sim, estive lutando a


vida toda contra a ideia de me apaixonar

por uma mulher, e agora enxergava tudo

claramente.

Estava

profundamente

atraído pela mulher que forcei se casar

comigo. Nunca senti uma mulher tão

próxima,

nunca

desejei

tão

visceralmente alguém em toda a minha

vida, nunca fui tão sensível ao toque, à

voz de uma mulher, como era em relação

a Kate! Naquele exato momento

descobri também que jamais teria forças

para manter o trato que eu próprio

impus, caso ela tentasse ir embora.

Mesmo que Kate não me ame, eu preciso

de tempo ao seu lado, para fazê-la me

amar.

— Puxa, você está linda! —


Exclamou Grace, cheia de admiração.

Fico

contente

por

ter

vindo.

Agora chegara o momento da

verdade. Estava na hora de enfrentar

Anthony. Sentia-me tão insegura! O

elogio espontâneo de Grace, porém,

animou-me um pouco mais. A minha

amiga deitou-se de bruços sobre a minha

cama, apoiando o queixo nas mãos.

— Você e Anthony já transaram?

A pergunta caiu como uma bomba,

e senti o rosto arder. Grace não estava

sendo impertinente, pelo contrário,

demonstrava o quanto nós duas éramos

amigas. Era preciso responder com

cuidado.

— Sim.

— Não acredito! — Exclamou

com excitação. — Sério?


— Sim, já falei — me mantive

firme.

— Como foi?

— Foi maravilhoso — me desfiz

da casca. — Estou perdidamente

apaixonada por esse infeliz.

— Kate, então é maravilhoso.

— Você sabe que não é tão fácil.

— Você que gosta de complicar

tudo Kate. Ele é lindo, é seu marido...

— Ele me propôs um ano.

— Um ano? Como assim?

— Um ano de casamento e eu

estaria livre.

— Não era tudo o que você

queria?

Levantei involuntariamente. Será

que era realmente o que eu queria? Eu

devia saber. Então, por que não sei mais

o que quero? No mesmo instante uma

dúvida surgiu em meu coração.

Alguém bateu à porta e Grace

pulou da cama.

A porta se abriu assim que


autorizei a entrada e Anthony entrou,

parecia mais distante e inatingível do

que nunca naquelas roupas formais.

— Boa tarde moças!

— Olá Anthony! — Gritou Grace

infantilmente

para

ele

antes

de

desaparecer pela porta. — Te vejo

amanhã.

Ergui a cabeça e endireitei os

ombros, enquanto meu marido — meu

marido? — Me inspecionava desde os

cabelos

até

os

sapatos

forrados

combinando com o vestido amarelo com

detalhe em floral.

— E então.... Você pensou? —

Perguntou ele.
Um brilho enigmático passou pelos

olhos de Anthony. Dei-lhe as costas

abruptamente.

— Sim. Eu aceito.

Ele abruptamente correu, abraçou-

me e girou-me para ficarmos frente à

frente:

— Eu tenho condições.

— Mais? — Cruzei os braços.

— Quero que desfaça a armadura e

o muro que pôs entre nós. E durante esse

prazo, esqueça o contrato. É possível?

— Se é o que quer, sim — afirmei

ríspida.

Anthony

foi

até

closet,

retornando com uma caixa de veludo

negro e a colocou sobre a cama. Depois

abriu-a com cuidado, revelando um

conjunto de colar e brincos de

brilhantes, belíssimos, uma das coisas


mais lindas e valiosas que já vi em toda

a minha vida.

— Comprei para você. Era para eu

ter dado elas a você no dia do

casamento, mas não teve como.

Anthony ergueu o colar nas mãos

firmes e prendeu-o no meu pescoço.

Depois segurou-me com firmeza pelos

ombros e empurrou-me para a frente do

espelho.

— Você mesma coloca os brincos.

As joias faiscavam sob a luz

artificial. Com os dedos trêmulos, tirei

meus próprios brincos de ouro e

coloquei os pingentes prateados no

lugar. Olhei para a imagem encantada,

consciente de que Anthony, atrás de

mim, também observava com admiração.

— Perfeito — constatou ele, com

satisfação. Depois inclinou a cabeça e

beijou meu pescoço de leve.

Tive medo de que ele escutasse as

batidas desenfreadas do meu coração e,

virando-me, acelerei os passos de volta


ao quarto.

Ele correu em minha direção,

enlaçou-me pela cintura e aproximou o

corpo forte e grande contra o meu. Senti

o busto pressionado contra o peito

másculo e provocava-me os sentidos de

uma maneira que eu não conseguia

impedir. Mantive a mão apoiada nos

antebraços dele na tentativa de manter

uma distância segura entre nós.

— Kate... — Anthony falou com a

voz suave e baixou o olhar para os meus

mamilos

rígidos,

claramente

delineados pelo tecido fino do vestido

colado ao corpo, e depois tornou a fitar-

me os olhos azuis. — Nós somos

compatíveis em tudo.

A tensão no ar chegava quase a ser

palpável.

Pensei alguns instantes. Ele disse

que a decisão seria minha, mas eu sabia


que só havia duas alternativas: ou me

entregava de vez a esse amor que não

posso mais negar, ou me afasto

deliberadamente desse homem. E esse

cenário não era nada animador. Por

outro lado, a ideia de me apaixonar

perdidamente por ele — como se já não

estivesse — me deixava apavorada. E,

como eu fiz uma promessa, a palavra era

algo que eu precisava cumprir. Por isso

deslizei as mãos em sua nuca e o beijei.

Com delicadeza, Anthony me

segurou pelo pulso.

Me rendi ao seu toque. Aos dedos

que exploraram os lábios, o pescoço, a

pele sensível da nuca. E, depois,

desceram até os botões do vestido. Um

por um, Anthony soltou os botões, sem

parar de fitar-me. Eu simplesmente

fiquei parada ali, incapaz de me mover,

de qualquer coisa exceto saborear a

deliciosa sensação que me envolvia

pouco a pouco, subjugando o meu corpo

inteiro.
Anthony abriu o vestido. Os seios

arfavam, reagindo ao toque sensual. E

quando os polegares roçaram o tecido

fino do sutiã, os mamilos desabrocharam

imediatamente. Soltei um suspiro de

excitação, e logo Anthony abaixou o

vestido pelos meus ombros, que

escorregou até o chão. Ao mesmo

tempo,

ele

abriu

sutiã,

desvencilhando-se dele também.

Em seguida, as mãos voltaram aos

seios, agora prontos, mais cheios do que

nunca. Anthony tornou a afagá-los com

muito, muito carinho, tocando de leve. A

sensação era deliciosa, e eu senti a

cabeça pender para trás, os lábios se

entreabrirem. Contudo, apesar de todo o

deleite daquela sensação, um anseio

calava fundo dentro de mim. Empinou os

seios, e a pura delicadeza do toque dele,


me deixava cada vez mais pronta, era

quase insuportável. E, então, afinal, os

dedos trilharam os mamilos túrgidos,

beliscando os bicos rosados com prazer.

sensação

era

avassaladora.

— Anthony...

— Kate...

Durante uma eternidade, Anthony

continuou acariciando e brincando com

os seios, até eu quase não tolerar mais o

prazer do seu toque. Estava ardendo de

desejo, inconsciente de tudo, menos a

deliciosa sensação nos seios.

Percebendo que eu desejava mais,

ele deslizou as mãos pelo meu corpo,

cravando os dedos nas minhas costas

nuas. As mãos me enlaçaram pela

cintura, e senti que não possuía mais

controle sobre a firmeza do corpo.

Anthony apertou minhas nádegas,

acariciando e a puxando-me para si.


Roçou os quadris nos meus e, num

arroubo de excitação, senti o vigor que

revelava

potência

da

sua

masculinidade.

— Agora é a sua vez — murmurou.

Por um instante, hesitei. Tinha

absoluta noção de estar só de calcinha,

os seios intumescidos e rijos, os cabelos

soltos, uma mulher pronta para ser

possuída. Anthony, por sua vez, estava

totalmente excitado, mas continuava

vestido. O contraste me estimulou com

uma vibração erótica.

Voltei a enlaçar os braços em torno

do pescoço dele. Meu gesto fez com que

os seios que ele acariciara enrijecessem

ao contato com o seu corpo. O atrito dos

meus mamilos contra o seu paletó

provocou uma sensação que me excitou

ainda mais.
Levei os dedos à gravata dele.

Desfiz o nó. Então, sem tirar os olhos

dos dele, puxei a gravata e a joguei no

chão. Um a um, abri os botões da

camisa. Podia sentir o calor da carne

rígida sob o tecido. Logo passaria os

dedos naquela carne lisa e firme.

Enfim, insinuei as mãos por baixo

da camisa, e a intimidade do toque na

pele tépida foi inebriante. A camisa

escorregou até o chão. Só então me dei

ao luxo de acariciar o torso. Perdi o

fôlego. Era perfeito, simplesmente

perfeito. Uma muralha de músculos, per-

feita. E foi maravilhoso tornar a aninhar

o corpo no dele, roçando os mamilos

rijos na pele nua. Nossa primeira vez

havia sido a pouco tempo, mas parece

que meu corpo havia esquecido do

contato com o seu.

Ávido, Anthony retomou o controle

e me beijou.

Não foi um beijo doce como antes,

nem desesperado como o primeiro. Foi


o beijo de um homem másculo, forte e

sensual que possuía a minha boca como

se fosse o proprietário. Sem esforço, ele

me guiou até a cama, fez com que me

deitasse e me preparasse para as suas

estocadas, tornando o beijo mais ardente

com uma destreza sensual.

O desejo me inundou, cada vez

mais forte e implacável. Retribui cada

beijo, cravando os dedos nos sedosos

cabelos.

O corpo estava pronto, os lábios

macerados, os seios arfantes e senti a

força do membro de Anthony entre

minhas pernas que me comprimia com

insistência, senti uma aflição que

aumentou a fome que ele devia saciar.

Ofegantes, despimos a última peça

de roupa. Anthony deitou ao meu lado e,

num gesto brusco, arrancou-me a

calcinha. Agora eu estava nua diante

dele. Anthony adorava me ver assim,

percebi que ele devorava o meu corpo

apenas com os olhos.


Me senti incrivelmente linda. Mais

linda do que nunca me senti. A beleza do

meu corpo exposto, os longos cabelos

emaranhados, os membros, o corpo,

exibindo tudo para Anthony, só para ele,

o corpo de uma mulher faminta de

desejo, um desejo que saciaria com esse

homem, cujo corpo perfeito jazia ao meu

lado — parecia uma cena de filme.

Sorri. Um sorriso afetuoso.

— Anthony — sussurrei. —

Anthony — suspirei novamente.

Foi tudo o que ele precisava. Com

meu consentimento Anthony baixou a

cabeça e me beijou. Agora com calma,

mas com tamanha sensualidade que me

perdi num mundo desconhecido. Um

mundo onde cada toque, cada carícia

provocava uma reação que aumentava a

cada sensação deliciosa. Nas coxas,

conforme ele se acomodava, eu podia

sentir a virilidade do seu membro. Ele

deitou-se sobre mim, cobrindo-me de

beijos ávidos e sensuais.


E eu estava pronta. Absolutamente

pronta. Para, esse momento.

As coxas musculosas de Anthony

afastaram as minhas mais um pouco e,

então,

acariciando-me

rosto,

lentamente ele começou a penetrar-me.

Sorridente, ofeguei prazer.

— Um pouquinho mais? —

Indagou ele.

Apenas suspirei, pois ele já sabia

a resposta. Ele penetrou mais e mais

fundo. Me abri para ele. A sensação não

foi nada parecida com nossa primeira

experiência. Anthony me estocava com

força, porém, sem provocar dor. Apenas

prazer.... Um prazer superior à sensação

física, um prazer que se alastrava pelo

corpo inteiro.

— Que delícia — sussurrei.

Anthony me penetrou mais fundo,

os
quadris

sobre

os

meus.

Instintivamente ergui os quadris. Quando

me ofereci ainda mais, ele mergulhou

com maior voracidade. Ele me possuía

por inteiro. Dois corpos fundidos num

só.

— Não se mexa — supliquei. —

Só um pouquinho... não se mexa.

Eu queria ficar assim, o corpo nu

debaixo do dele, sobre a maciez da

cama. Era perfeito, tão perfeito. Então...

— Kate...

Anthony soou um pouco ansioso,

despertando-me do doce prazer do

limiar entre a satisfação e o desejo

voraz.

Movi os quadris.

Era só o que faltava. Ele voltou a

mergulhar dentro de mim, e a carícia no

ponto mais sensível do meu corpo

transformou-se em êxtase.
Ofeguei, e ele estocou novamente,

e mais uma vez. O ofego suave se

transformou num grito de agonia, uma

agonia tão doce que era indiscernível do

mais intenso prazer.

Anthony concedeu-me uma última

estocada, e aquela sensação incrível

flamejou ao longo do corpo todo. De

olhos fechados, gritei e solucei.

Ele gemeu, os músculos rijos do

peito contraíram. Por um momento

infindável, ambos permanecemos na

plenitude

daquela

união.

Quando

desfaleci de exaustão, ele deitou-se

sobre mim, o úmido de transpiração.

Anthony parecia tão tranquilo nos

meus braços, tão natural.

Era bom abraçá-lo, bom deitar

com ele, dormir ao seu lado.

Senti a visão turvar, a sonolência

após o prazer me dominou. Os olhos


ficaram pesados e se fecharam. Instin-

tivamente, abracei-o. Deixei o corpo

relaxar e a mente também.

Dormimos abraçados, e a sensação

foi maravilhosa.

9
Kate
Algumas pessoas podem afirmar
que se apaixonaram uma vez na vida, ou

que já amaram muitas vezes por razões

diferentes — já que ninguém é igual —,

mas se alguém me dissesse que eu me

apaixonaria em tão pouco tempo, por

alguém tão diferente de mim como

Anthony, eu diria que ela estava louca,

aliás, o simples fato dela dizer que eu

me apaixonaria já seria um absurdo.

Durante muito tempo, criei uma

imunidade ao amor e seus efeitos nas

pessoas. O amor pode fazer alguém

perder o domínio próprio ou ficar

completamente inerte num lindo paraíso

colorido, como o que Anthony construiu

para nós. Confesso que os últimos dias

têm sido perfeitos em sua simplicidade e

até mesmo nos efeitos especiais que ele

cria em algumas ocasiões. Em poucas

semanas conseguimos fazer, tudo o que

um casal normal faz. O cinema me

parece bem mais divertido ao seu lado,


o luar já se tornou nosso confidente.

Decidi que por todo carinho, —

apesar das condições desse casamento

— com o qual Tom tem me tratado, me

sinto na obrigação de reduzir um pouco

minha indiferença.

Deus do céu, eu o amo de verdade,

como jamais supus que amaria alguém e

ele me faz sentir coisas que outrora para

mim

era

apenas

besteira

versus

bobagem.

Sinto que já não quero e nem

preciso desse prazo de um ano e me

sinto pronta para encarar um casamento

verdadeiro ao lado de Anthony.

Ser a senhora Carter, além das

inúmeras

vantagens

sociais

e
econômicas, é ter Anthony como marido

e esta é a maior de todas elas. Ele é

perfeito em tudo, age como se tivesse

sido tirado de um filme, confesso que

repulsivo no início, mas percebo que ele

gosta de mim de verdade, do contrário

não teria se submetido a ser um marido

exemplar.

— Eu mal posso esperar que o dia

termine para estar de volta para você —

disse ele. Beijou-me de leve, com um ar

possessivo. — O que acha de irmos ao

teatro hoje à noite?

Eu estou nas nuvens. Com o

coração aos pulos, ajeitei o seu paletó.

Ele me olhou tão lindo enquanto cruzou

a porta, com aqueles olhos fixos em

mim.

— Parabéns ao casal do ano, enfim

juntos e sós — brincou Grace, assim que

entrou.

Gargalhou enquanto me abraçava


forte, fazendo comemorações bizarras e

infantis. Fiz o mesmo, embora quase sem

perceber. Eu só percebia a felicidade

constante de agora poder ser feliz.

— Amiga, estou tão feliz por você

que só posso desejar felicidades plenas

para sempre.... Para sempre, não é?

— Espero que sim Grace.

— Eu vim me despedir.

— Porque?

— Irei para Londres semana que

vem, não consigo ficar longe do meu

inglês lindo.

— Ah, que fofo! Mas você volta,

não é?

— Sim, só irei passar uma semana

enquanto não começam as aulas.

Você

irá

mesmo

fazer

faculdade? De quê?

— Irei, de Literatura inglesa.


— Nada mais apropriado.

— Claro, como você acha que

justifiquei essa nova viagem repentina a

Londres em tão pouco tempo que

cheguei da terra da Rainha?

Rimos.

— Você está feliz Kate? — A

pergunta de Grace me deixou um pouco

despercebida de como me sentia.

— Podemos dizer que sim, mas o

que você acha?

— Eu acho que você está muito

bem.

— Só isso? Bem...

— Você está diferente da amiga

arisca e feminista que conheci.

— Eu ainda acho que as mulheres

devem ter direitos iguais...

— Mas, acha que eles são bons

parceiros para a vida.

— Sim... Alguns. Exceções.

— Porque você não admite para si

mesma, que já não consegue dominar

seus pensamentos sem que Anthony


interfira em cada um deles com sua

magia e charme?

— Como você adivinhou?

— Já sou veterana na arte do amor,

monchér!

— Você é uma romântica incurável

e vê amor em tudo.

— Tipo agora? Nos seus olhos?

— Pare.

— Eu preciso ir. A mala me

espera.

— Odeio fazer a mala.

— Algumas coisas nunca mudam.

Nos despedimos. Levei-a

até a porta.

— Quase esqueci, —

levou a mão a testa batendo de leve.

— O quê?

— Meu primo Jimmy,

quer falar com você. Ele disse que tinha

uma coisa para te contar, sobre alguma

coisa que você pediu para ele investigar.


Anthony
O aroma de café fresco despertou-

me da pilha de papéis que eu tinha que

assinar todos os dias. Ao voltar ao reino

dos vivos, imaginei por que me sentia

tão bem... E então lembrei. Arregalei os

olhos e apenas a imagem de Kate vinha

a minha memória.

Flagrei-me rindo sozinho enquanto

a secretária me servia. Até que Meggie

interferiu no meu bem-estar, invadindo a

minha sala e me obrigando a mudar de

humor severo e rapidamente.

Ela se aproximou e deu-me um

beijo quente nos lábios, assim que me

levantei

para

cumprimenta-la.

Visivelmente sem graça a secretária

apressou-se em sair da sala.

— Bonjour, chérie.

Meus olhos flamejaram.

— Margareth.

— Quando começamos a ser tão


formais Tom?

— Esqueceu que agora sou

casado?

— E você esqueceu que é de

mentira?

— Nem tudo é o que parece,

Margareth. Mas a que devo essa visita?

— Na verdade não é uma visita de

cortesia e tão pouco uma surpresa,

esqueceu que além das relações

deliciosas que mantemos juntos, ainda

tenho negócios com essa empresa?

— Quer café? — Ofereci.

— Oh.... Por favor.

Margareth sentou e, de repente,

retirou um papel da bolsa.

— Puro ou com leite?

— Ah.... Com leite, por favor...

obrigada.

Ela soou ofegante, excitada com

algo, encarando-me com altivez. Ela

observou cada movimento meu, com

expressa atenção. O rosto se iluminou

com um sorriso de felicidade.


— O que quer afinal? — As

palavras me escaparam antes que

pudesse contê-las. Os olhos verdes me

fitaram.

— Pensei que não chegaria tão

longe com seus caprichos — explicou

hesitante. — A ponto de me esquecer.

Um sorriso se esboçou nos lábios

vermelhos, e novamente os olhos verdes

ostentavam uma mistura de mistério e

indignação disfarçada.

— O que quer dizer? Seja direta.

— Enfatizei.

— Sem paciência querido?

— Nenhuma — mordendo o lábio,

ela fez uma careta. — Desculpe, você

está sendo evasiva e está atrapalhando

meu trabalho.

Cabisbaixa, a secretária trouxe o

café para Maggie, que calmamente

colocou o guardanapo no colo e pegou a

xicara com calma.

— Algo mais senhor?

— Não, pode se retirar.


— Ótima secretária. Já dormiu

com esta? — Disparou Maggie assim

que a secretária saiu.

— Não, porque ela é novata e

agora sou um homem casado. O que

diabos você quer? Não vê que está me

irritando.

— Que vá para o inferno, você e

sua irritação. Vou avisar pela última vez

que você não me faça de boba. Caso

contrário, você irá se arrepender

amargamente.

— Porque está me ameaçando e

com o que pretende fazer isso?

— Esqueceu que eu ajudei você a

conseguir esse casamento? Que aliás,

esconde mais do que sua querida

“esposa” sabe?

— Você não ousaria...

— Pague para ver.

— Quanto você quer?

— Não é quanto, é o quê.

— E o que você quer?

— Simples e fácil: Você!


— Isso não será possível e eu não

estou com paciência para as suas

brincadeiras e joguinhos Margareth. Vou

avisar a você, se for capaz de se

aproximar da Kate ou contar o que quer

que seja a ela, eu acabarei com você.

Aceite o dinheiro, faça uma viagem se

não quiser ir para o inferno.

— Você não está em condições de

negociar ou de impor nada Anthony

querido.

— Margareth...

— Cansei! — Esbravejou. —

Cansei de ser boazinha. Eu vou ser mais

direta e clara o suficiente para você

ouvir. Sua sujeira já está pronta a ser

varrida para fora do tapete, e eu sou a

única que pode impedir e farei isso se

você me der os beijos que me deve.

Espero você hoje à noite, sem falta no

nosso ninho de amor.

Voltei-me para ela, conclui que

mandá-la embora era a única coisa que

eu tinha em mente...
Maggie

então

se

levantou,

arrodeou o espaço entre a sua cadeira e

a minha do outro lado da mesa, sentou-

se em meu colo dando-me um beijo

demorado e sensual, excitando cada

parte do meu corpo. Me rendi as suas

investidas. As mãos percorriam seu

corpo por puro estimulo e eu já não

exercia controle sobre a minha mente e

meus instintos masculinos.

— Viu como não é difícil se render

a mim? — Indagou irônica. — Te espero

hoje à noite, caso contrário irei busca-lo

na sua casa.

Eu sei que uma mulher como

Margareth jamais blefa. Ela estava

obstinada em me fazer ceder as suas

chantagens. Enquanto eu não arrumasse

uma maneira cívica de me desvencilhar

de suas amarrações teria que fingir que

cedia. Como, exatamente, eu não sei


ainda.

De repente, uma lembrança me

ocorreu: e quanto a Kate? Já tinha

planos para hoje à noite, como faria

para desmarcar?

Será que Kate finalmente está

apaixonada

por

mim?

Ela

não

demonstrava o menor vestígio de

repulsa a mim, ou qualquer coisa

parecida.

— Até mais queridinho. — Meggie

retrucou sorridente enquanto se retirava

da minha sala.

Qualquer pessoa que a visse, teria

certeza que Meggie não passa de uma

aventureira. Sua aparência vulgar é um

disfarce que sua personalidade forte

exige. E embora preferisse que nunca

houvesse relação entre nós, até agora

tudo teria ficado no passado, afinal.


Além do mais, estou completamente

apaixonado por Kate e farei de tudo

para proteger nosso amor e os meios que

me levaram a conseguir me casar com

ela.

Independentemente do que me

levou até Kate, não me faria mudar de

ideia e não iria me fazer desistir dela, só

uma coisa importava agora: seja lá o

que Meggie pretendia, eu impediria da

forma que fosse.

Kate é minha, e apenas isso

importa.

— Meu amor?

Anthony

respondeu

docemente.

— Cancele os planos hoje e não

me espere acordada.

— Aconteceu algo?

— Sim. Terei uma reunião

importante agora a noite e não sei que


horas irei terminar.

— Que pena.

— Sim, não sabe o quanto lamento.

Sinto falta da sua boca na minha.

— Eu também.

— Durma bem.

— Cuide-se.

— Eu te amo Kate, sempre.

— Eu também te amo.

— Repete.

— O quê? Que eu também te amo.

— Você não sabe o quanto sou

feliz agora.

Bati a porta de Meggie, com um

vinho na mão.

— Eu sabia que você viria.

Ela aproximou o rosto do meu. O

beijo foi lânguido, intenso e sensual. Era

fundamental que não sentisse nada.

Nunca mais.

Minha mente e meu corpo, a


repeliram embora recebesse o estimulo

natural do meu membro aguçado pelos

seus encantos femininos. Eu a possuí

com intensidade a fim de calar seu

despeito e ciúmes.
Kate
O tempo passa. Como, eu não sei,

só sei que passa.

E muito lentamente quando você

está à espera de algo ou alguém,

entediado

com

uma

ansiedade

monstruosa para que algo aconteça.

Eu achei que a reunião de Anthony

terminaria logo e acabei decidindo

esperar ele chegar. Para me acompanhar

um Dostoievsky — o único capaz de me

deixar acordada, embora a leitura tenha

ficado um pouco “distraída”, pois a

cada passo que eu escutava já corria

para fora da biblioteca na esperança de

ele ter chegado.

Por fim, me dei conta que eram

apenas os empregados realizando as

suas últimas tarefas do dia pela casa.

— Boa noite, senhora. Aceita


alguma coisa? Um chá, um leite quente?

— Falou Susie com a voz cansada.

— Não Susie. Agradeço a sua

preocupação. Você pode ir descansar.

Eu só estou esperando Anthony.

— O senhor Anthony costuma

demorar em suas reuniões senhora,

porque não vai descansar? Às vezes, ele

chega até mesmo pela manhã.

— Sei... Muitas vezes ele chegou

pela manhã?

— Quando ocorrem reuniões com

árabes, geralmente eles demoram mais

nas negociações.

— Certo. Eu vou ler mais um

capítulo do livro, e irei para a cama.

Boa noite!

— Boa noite, senhora!

Entediada, reuni toda a minha

força de vontade e tentei vencer o sono,

mas sem muito sucesso, cochilei ainda

umas cinco ou seis vezes até que o

cansaço me venceu e fui finalmente

dormir. Quando cheguei ao quarto, não


consegui dormir de imediato e de vez

em quando corria até a janela na

esperança de vê-lo chegar. Aquilo era

demais!

Bem, eu já estava tão apegada a

Anthony que esta é a primeira vez desde

nosso recomeço que ficamos tanto tempo

sem nos vermos. Acho que estou

sofrendo de amor agudo com febre por

saudade.

Onze horas.

Meia noite.

Nada de Anthony ou sinal de vida

via mensagem ou telefonema. Meu

celular disposto sob o criado mudo ao

lado do despertador, continuava com

visor apagado. Pensei em ligar, mas eu

poderia atrapalhar algo importante e

fazer papel de boba. Não irei ligar. Irei

dormir.

Me deitei, mas não pude evitar

rolar na cama de um lado para o outro,

mudar de posição e morrer de sono e

preocupação, e o pior de tudo, saudade.


Se o relógio não fosse um ser

inanimado, ele já teria me espancado,

por

que

estou

encarando

expressivamente a cada dez minutos, até

menos.

Demorei a dormir, mas consegui

apagar como uma pedra. O despertador

em meu criado mudo soou as oito horas

em ponto.

Olhei para o lado e a cama ainda

estava arrumada naquela parte. Anthony

não dormiu em casa. Então, ainda não

chegou.

Dei início ao ritual matinal de

acordar: me espreguicei, escolhi uma

roupa, tomei banho e escovei os dentes.

Em seguida desci para tomar o café da

manhã e caso Anthony não chegasse ou


desse alguma notícia, eu iria em busca

delas.

Ao tomar o primeiro gole de café,

ouvi passos em direção a escada. Corri.

— Anthony! — Vibrei, correndo

em

sua

direção

me

atirando

“explicitamente” em seus braços.

Anthony, porém, abatido, com uma

aparência de quem passou a noite com

um trator sob os ombros, segurava o

paletó

nas

costas

cabelo

desgrenhado.

— A reunião foi proveitosa pelo

menos? A sua aparência está horrível.


Realmente,

noite

foi

exaustiva.

— Que negócios fizeram?

— Depois eu te conto, tudo o que

eu quero agora é tomar um banho e

dormir.

— Eu te acompanho.

Subimos as escadas abraçados. O

cheiro que vinha de Anthony estava

confuso, parecia doce, forte como seu

perfume habitual e com tons de álcool.

Acho que ele bebeu. Ele seguiu direto

para o banheiro, aproveitei para pedir a

Susie pelo interfone que trouxesse um

café reforçado no quarto.

Enquanto ela arrumava a mesa da

varanda, eu aproveitei para examinar o

paletó jogado num canto do closet.

Realmente, havia um contraste de

perfumes. Havia alguma mulher na


reunião.

Acho que não sou ciumenta. Não

senti ciúmes, apenas curiosidades em

identificar que havia uma mulher na

reunião e que por educação ele a

cumprimentou. Só isso.

De repente, alguém se aproximou

do closet e me surpreendeu.

— Kate? O que está fazendo?

— Norah?! — Minha voz gritante

pela surpresa ecoou os quatro cantos do

closet, temi que Anthony ouvisse e

também me pegasse no flagra. Então

larguei o paletó no chão e sai guiando-a

para fora do quarto. — Eu estava

arrumando as coisas que o Anthony

deixa largado por qualquer lugar.

— Humm... Peço que me perdoe

por entrar sem bater, mas a porta estava

aberta e eu preciso falar com meu filho.

— Ele está no banho, há algum

tempo. Creio que ele já esteja

terminando.

— Eu volto depois, não tem


problema.

— Ok.

Eu estou morta de vergonha. É

notório pelas minhas bochechas coradas

e minha falta de articulação mental. E se

ela comentar algo com Anthony? Ele

pode pensar que eu não confio nele e

não é bem assim.

Quando Anthony saiu do banheiro

já vestido em um suéter azul e jeans

basico, como nunca o havia visto antes,

atirei-me nos braços dele, e trocamos

um beijo longo e apaixonado, pelo qual

aguardei a noite inteira.

— Meu amor. Ah, como senti sua

falta — falei docemente.

— Estou tão contente por chegar

em casa e ser recebido assim. Parece um

sonho, foi de lá que você saiu?

— Seu bobo.

Era só o que precisava ser dito.

Ele leva uma vida muito ocupada,

sempre na empresa. Eu deveria arrumar

algo para fazer que me fizesse passar o


tempo a sua espera. Assim, não seria

obrigada a testar seu amor quando ele

chegasse em casa. E agora, até mesmo

eu tenho que reconhecer que nascemos

um para o outro. E que sinto com cólera

a sua falta.

Olhando para a linda mesa de café

da manhã posta na varanda, com uma

vista incrivel para o vasto jardim

repleto de flores, senti o coração leve.

Logo ele estava sentado do meu lado,

cheio de risos e de conversa. Feliz, eu

ouvia cada historia sua, vivaz e

sorridente.

Após comermos, voltamos ao

quarto e eu o abracei.

— Tive tanta saudade — ele

sussurrou em meu ouvido.

— Humm — murmurei.

— É só o que tem a dizer? —

Reclamou

Anthony,

fingindo

estar
zangado.

— O quer que eu diga? Além de

que não deveria me deixar novamente —

perguntei, provocante. — Se eu dissesse

tudo que quero, acho que assustaria

você. Deus do céu ! Essa noite parecia

não acabar mais!

— Assim é que eu gosto! —

Beijou-me

docemente

nos

lábios.

Agarrei-me a ele procurando segurança,

certa de que ele me protejerá. Pela

primeira vez, sentia a emoção que a

proximidade dele sempre provocava.

Desta vez com mais intensidade.

Anthony murmurava meu nome,

apaixonado, quando uma voz nos

interrompeu.

— Com licença, — disse Susie —

mas, a senhora tem telefone.

— Está bem, eu atendo aqui.

Obrigada

como

se

estivesse

flutuando, caminhei até o telefone do

criado mudo e sorri para Anthony.

— Alô?!

— Kate?! Sou eu Jimmy.

— Oi. Grace disse que você

queria falar comigo, desculpe não ter

ligado antes.

— Você poderia me encontrar no

Le Bistrôt hoje?

— Sim. Aconteceu algo?

— Descobri algo sobre o contrato

que você falou, e queria te mostrar.

— Bom, eu não sei se é importante

agora. Mas, irei. Encontro você as onze.

— Até lá Kate.

— Até.

Pus o telefone de volta ao gancho.

Quem

era?

Anthony

perguntou instigado pelo telefonema.

— Uma amiga, que irá viajar e

quer se despedir.

— Humm... Quer dizer que não

iremos almoçar juntinhos hoje?

— Hoje não. Confesso que

adoraria passar o dia nesse quarto com

você.

—Mas ainda temos a manhã não é?

Pegou a minha mão e beijou os

dedos, com um sorriso malicioso

levando-as em seguida ao seu peito

firme.

Devagar, ele começou a deslizar a

mão pelo meu corpo. Relaxada joguei a

cabeça para trás, sentindo a fatal

resposta do meu corpo, que agora

latejava de desejo.

— Como gostaria de controlar as

reações do meu corpo quando estou com

você.

Ah, ele me conhecia tão bem! Cada


movimento seu, destrói as barreiras da

propria sedução. Por um momento,

fiquei com medo de ceder, permitir que

a onda ardente de paixão me invadisse

inteira. Não sabia o que Jimmy tinha a

me mostrar e se de repente, fosse uma

cláusula que nos separasse depois de um

tempo? Só uma vez, meu corpo implorou

à mente, uma só vez, para que eu saiba

como é gemer de prazer, quando ele me

leva ao êxtase.

Mas isso seria a rendição final, a

sujeição vergonhosa a seu machismo

feroz. Se Anthony descobrir que tem o

poder de me seduzir, poderia fazer eu

perder todas as inibições e acabaria

esmagando toda a minha dignidade,

transformando-me

numa

criatura

submissa, e tornando assim sua vitória

total e completa.

— Não posso! — Murmurei,

quando ele colocou a mão sob a renda


da calcinha.

— Está querendo dizer que não

quer.

Eu estava cada vez mais fraca. Ele

é irresistível, era tão mais fácil lutar

quando o tratava com brutalidade e

desprezo! Mas, dessa vez, estava

surpreendentemente terno, despindo-

me com carinho, envolvendo-me numa

teia

de

fascínio,

beijando

cada

pedacinho de pele que ia ficando

exposta, murmurando como me acha

linda e me ama, como vivia atormentado

de desejo por mim, a voz grave e

modulada envolvendo-me, dominando-

me.

" Eu quero ser sua, não apenas por

um contrato", implorava em silêncio.

" Por favor, que não tenha nada demais

naquele papel”.
Enquanto ele me acariciava, era

incapaz de pensar muito claramente,

todo o meu ser estava dominado pelo

desejo de ser possuída. Com os olhos

fechados, porque se os abrisse ele veria

o quanto estava enfeitiçada, me contive,

não colando o corpo ao dele, para tentar

apagar aquele fogo que me queimava

por dentro.Sem pensar no que fazia,

comecei a me mover sob ele, guiada

pelo instinto, sabendo como excitá-lo

até a loucura.

Ele pôs as mãos por baixo dos

meus quadris. Abri os olhos, assustada,

e vi refletidos no rosto dele a mesma

agonia e o mesmo desejo que sentia. E,

pela primeira vez, fui dominada por uma

sensação de prazer tão intensa, que

poderia morrer naquele instante.

Foram as batidas fortes do meu

coração que me trouxeram novamente à

realidade. Devagar, muito devagar, o

prazer começou a se transformar em

melancolia, profunda e sombria. Agora


sabia! Milhões de palavras tinham sido

escritas, numa tentativa de descrever

aquela sensação, mas era uma coisa

indescritível,

experiência

mais

perturbadora de toda a minha vida. Mas

a tristeza e o medo que vinha depois,

isso eu não sabia que existia.

Sempre intuíra que Anthony tinha o

poder de me vencer através desse

maldito contrato. Talvez por isso tenha

sentido tanta aversão por ele. Quando o

vi pela primeira vez instintivamente

soube que ele seria capaz de despertar-

me um sentimento; por isso o odiei

tanto!

Aflita, virei a cabeça desnorteada.

— Olhe para mim! — Pegou meu

queixo e obrigou-me a virar. — O que

foi?

A doçura na voz dele era como

uma punhalada.
Era evidente que ele havia

percebido

algo

estranho,deve

ter

percebido a confusão que me domina,

pois imediatamente se afastou.

— Algum problema?

— Não.

— Você não quer, é isso?

— Agora não. Eu tenho que me

arrumar para o almoço e tenho que

passar no shopping ainda, pra comprar

alguma coisa para ela.

— Só isso mesmo?

— Sim, querido. Está tudo bem. —

beijei-o docemente.

Me

sinto

estranha.

Estou

quebrando a promessa e o acordo que


fiz com Anthony. Mas a curiosidade fala

mais alto que qualquer pacto. Eu sinto

que há algo nesse contrato que pode me

tirar esse amor dos braços.Eu preciso

me preparar ou arrumar uma forma de

evitar, quem sabe. Eu estou tão

apaixonada por ele, que não irei

suportar a ideia de que em um ano talvez

tudo tenha se perdido ao vento.

Deus, como o amo.

O restaurante estava vazio quando

cheguei, tentei me convencer que estava

fazendo a coisa errada enquanto minha

consciência tentava me tirar de lá.

Enquanto duelava com minha

mente, Jimmy chegou.

— Kate? — Falou, trazendo entre

os braços um envelope amarelo.

— Jimmy! — Me levantei da

mesa, esticando os braços a fim de que

minha mão pudesse cumprimentá-lo, de

tão nervosa já não tinha mais reação

alguma.

— Demorei?
— Não. Eu que cheguei cedo.

Nos sentamos.

— Você não vai acreditar no que

eu descobri. Consegui uma copia do

contrato, mas pelo amor de Deus se

você for confrontar alguém promete que

não coloca a minha cabeça a prêmio?

— Você está me assustando e me

subestimando ao mesmo tempo, jamais

seria capaz de trair um amigo e

principalmente alguem que me ajuda.

Ele me entregou o envelope com

receio.

— Leia.

Fiquei tensa ao recebê-lo, minhas

maos suavam frio. Hesitei em abrir de

inicio e coloquei-o a parte em cima da

mesa.

— Resuma, por favor.

— O contrato nao foi entre seu pai

e o velho Carter, mas entre Anthony e o

seu pai.

— Como assim?

— O contrato é o perdão de uma


divida do seu pai junto à Anthony.

— O quê?

— Eu sei que é chocante, mas você

é o pagamento que o Anthony exigiu.

10
Anthony
— Tudo está resolvido. Consegui

contornar a situação com Meggie.

— Meggie é perigosa Anthony, não

é o tipo de pessoa que blefa.

— Mãe, eu sei o que estou

fazendo.

— Você já parou para pensar no

que a Kate irá fazer quando descobrir?

— Não, mas posso imaginar que

ela vai me odiar.

— Sim filho, ela vai odiar você.

Se a ama como diz, deve dizer a

verdade.

— Eu direi mãe, só não preciso

fazer isso agora. Eu ainda tenho tempo e

preciso que a Kate confie em mim.

Norah me olhou dos pés a cabeça

com aquele olhar de reprovação.

Idêntico ao que fazia quando eu jogava

bola proximo aos vasos gregos raros.

— Depois não diga que eu não

avisei.

— Eu irei resolver, não se


preocupe.

— Seja rápido. Eu tenho medo que

você se machuque tanto que não possa...

— Mãe, não sou mais o menino

frágil que precisava de suporte para

tudo. Eu consigo controlar as minhas

emoções agora, sou adulto e não estou

mais doente.

Norah me fez pensar na repulsa e

ódio com o qual Kate irá me tratar assim

que souber de tudo. No mínimo, ela irá

se afastar. Estavamos na biblioteca

enquanto

minha

mãe

argumentava

preocupada. A senhora Stevens, a

governanta, trouxe um par de xicaras

com chá de camomila. Procurei animá-

la, dizendo que não seria difícil fingir na

presença de Kate que estava tudo bem,

mas não me sentia mais confiante. Tinha

a ligeira e trépida sensação de que logo,

tudo desandaria.
— Pense que ela pode se

apaixonar por mim — aconselhei. — E

finalmente terei uma familia de verdade.

Norah

não

gostou

nada

do

sarcasmo com que me referia ao acordo,

mas estava decidida a ter paciência.

— Você vai se machucar feio filho,

e infelizmente não poderei fazer nada.

— Chega dessa mãe. Parece que

está torcendo para que algo ruim

aconteça...

Eu sabia que Norah estava sempre

observando como Kate se comportava

em nossa casa, e como nos dávamos.

Tenho que me concentrar na parte

material do contrato.

Por outro lado, não quero que Kate

sofra ao descobrir a verdade. Ela já

passou por maus momentos, e não era

justo que ficasse mais magoada. E


quanto a Meggie? Não me interesso

pelos sentimentos dela. Se ela era capaz

de se sujeitar a uma chantagem destas

deveria estar pronta para enfrentar as

consequências.

— Irei para o meu quarto. Peça

que me chamem na hora do jantar.

— Está bem — concordei.

A senhora Stevens ficou me

encarando enquanto tomava o chá. Era

uma mulher forte e decidida, de cabelos

grisalhos e um sorriso largo.

— O que foi Emma?

— A senhora Carter irá demorar?

— Não sei. Ela deve voltar cedo,

porque?

— Gostaria de saber o que devo

fazer para o jantar.

— Eu sinto vontade de comer uma

massa apetitosa hoje.

A senhora Steven desviou o olhar,

animada e se retirou a cozinha para

providenciar:

— Quando for servir o jantar, peça


que alguém chame a minha mãe.

— Sim senhor.

O carro estava estacionado em

frente à porta, James lustrava-o.

— James, onde você deixou a

Kate?

— Num restaurante próximo ao

centro senhor.

— Que horas irá busca-la?

— Ela disse que não era

necessário pois faria outras coisas

depois e voltaria de taxi.

Dei de ombros, fiquei em silêncio,

voltei para a casa.

O que Kate foi fazer que não podia

levar o motorista com ela? O que seria

mais seguro e mais confortável. Acho

que estou encucado com as coisas que

Meggie disse que faria, e suas ameaças

me denotavam a ideia constante que

seria descoberto. Fiquei tão absorvido

por meus pensamentos que, quando


reparei, estava no quarto, deitado na

cama fria sem o calor dela.


Kate
Existe uma linha tênue

entre a paciência, que eu não tenho e a

vontade de matar Anthony por ter

mentido tão absurdamente, com a ajuda

expressa do meu pai que me fez

acreditar que a minha família pereceria

sem o cumprimento de um contrato que

não é uma clausula de negócios, mas

uma responsabilidade que era sua e não

minha.

Acho que os dois não

giram muito bem da cabeça, ou giram

perfeitamente para ter a malícia de

planejar algo tão sórdido e mesquinho.

Me segurei o máximo para não

expressar fronte a Jimmy o quão irritada

eu estou e o meu próximo passo será

arrancar fora, o fígado de Anthony.

Principalmente o dele.

— Kate? — Jimmy

repetia insistentemente a fim de me

despertar do transe no qual havia

imergido assim que ele me disse a real


finalidade da existência desse maldito

contrato.

Corri. Atirei-me por uma avenida,

onde árvores criavam sombras grotescas

à minha frente. Minha respiração

rasgava os pulmões e minhas pernas

doíam, mas não podia parar. Nem ousar

olhar para trás.

Tinha que correr. Tinha que...

Sentei-me, ofegante, com o corpo

molhado de suor, quando o repentino

som

de

buzina

invadiu

meu

subconsciente e me trouxe de forma

chocante para a realidade de não saber o

que estava fazendo.

Meu Deus, pensei, o que estou

fazendo?

Eu não possuo respostas. Eu


preciso confrontar meu pai. Antes do

Anthony, ele deve ter a dignidade de me

explicar essa história.

O sol invadia a sala por uma

brecha entre as cortinas de seda. Era um

lindo dia. Mas eu senti um frio no ar e

envolvi o corpo com os braços.

— Você deveria ter avisado que

viria filha, eu e a Berta teríamos

preparados os quitutes de chá da tarde

que você adora.

Me levantei do sofá, passando os

dedos pelos desgrenhados cabelos

pretos.

Olhei-me

rapidamente

no

espelho e percebi que estava com o

rosto abatido e confuso.

Sentia-me como uma estranha em

minha própria pele, o que me atordoava

ainda mais. Um ser totalmente diferente

da menina protegida que era, três meses

antes. Aquela menina inocente sumiu


para sempre. Mas não havia tempo para

cultivar pena de mim mesma, pensei,

enquanto ajeitava os ombros.

— Filha? Kate?

— Que horas o papai chega?

— Não sei filhinha, acho que

apenas a noite.

— Ele está na empresa? Eu passei

lá e me informaram que ele tinha saído e

não avisou para onde iria.

— Não sei. Seu pai resolve tantas

coisas. Aconteceu algo?

— Não.

— Onde está o Anthony? Porque

está suada?

— Anthony ficou em casa e eu vim

caminhando.

— Filha, você está fora de si? Já

imaginou o perigo de sair andando por

aí sem proteção. Você é a esposa de um

grande empresário e....

— Já sei mamãe. Mas, não estou

preocupada com isso agora.

— Katherine, você está muito


estranha. Você e Anthony brigaram?

— Não.

— Então o quê?

— Ainda.

— Como?

— Na verdade irei matá-lo. Mas

antes, começarei pelo seu marido.

— Mais respeito mocinha e não

brinque com essas coisas.

— Até quanto sabe sobre esse

contrato?

— Ainda filha? Pensei que já

tivesse superado isso.

— Como você espera que alguém

supere uma barbaridade dessas?

Katherine,

você

está

dramatizando a vida novamente. Aquele

curso de literatura Shakespeariana foi

péssimo para a construção da sua

identidade.

— Mãe!?
— Eu sei o mesmo que você sabe.

Eu não sei dos negócios do seu pai e

para ser sincera não me interesso muito.

— Você lembra que eu sou sua

filha né? Você deveria nutrir alguma

preocupação, amor e cuidado comigo?

Disso você sabe?

— Não foi isso que eu quis dizer...

apenas disse que se tratando de uma

decisão do seu pai eu não tenho muita

margem para questioná-lo, então só sei o

que ele me disser.

— Porque é uma idiota retrograda.

Mamãe arregalou seus olhos azuis

em minha direção, um misto de

indignação e vontade de me partir a

cara.

— Desculpe.

— Eu não sei o que aconteceu para

essas atitudes grotescas, mas exijo que

você pelo menos se porte como a pessoa

que você é.

—Eu vou para casa.

— Mas, você disse que queria


falar com seu pai.

— Acho melhor eu voltar outra

hora. Mais calma.

E chegara a hora de partir, dizia a

mim mesma. Já fiquei horas fora de casa

e não podia arriscar ficar mais tempo e

despertar alguma suspeita em Anthony.

Caso contrário, iria explodir a história

na cara dele. Precisava continuar

investigando. Para descobrir a verdade.

Suspirei enquanto me dirigia a

porta. Ainda não conseguia acreditar

que Katherine Gardner não existia mais

naquela casa. Parecia indomável, eterna.

"Espero que o passado possa

voltar algum dia, sem cicatrizes",

pensei. "Espero que um dia eu possa

voltar a ser feliz, como fui um dia nessa

casa".

Não deveria ser daquele modo. As

intenções

de

todos

eram
muito

diferentes.

Pretendia

encontrar

os

advogados e informar os ajustes

necessários a esse contrato, mas antes

precisaria de explicações, tanto do

papai quanto de Anthony.

Senti a acidez das lágrimas na

garganta. Já amava Anthony e sua

traição foi mais que um golpe pessoal,

sem contar as outras consequências. Por

outro lado, o fato de ter meu pai

envolvido

nisso

tudo

em

plena

consciência me deixava ainda mais

estremecida.

Lembrei que meu tempo ali era

limitado. Mas pensei que um dia

voltaria definitivamente.
— Eu vou para casa. Diga ao

papai que vim vê-lo.

Sim

irei

dizer.

Estou

preocupada que esteja tão transtornada.

— Eu estou bem mamãe. Acho que

tive uma queda de pressão apenas.

— Sintoma muito estranho à uma

simples queda de pressão. Vou pedir que

Howard leve você em casa, assim

ficarei menos preocupada. Quer que eu a

acompanhe?

— Não. Obrigada mamãe —

abracei-a desesperada e forte enquanto

disfarço o choro.

Houve um momento em que pensei

que fosse desmaiar.

Em vez disso, ouvi Howard:

— Senhora, chegamos! Sente-se


bem? Quer que eu a acompanhe?

— Obrigada Howie, estou bem.

Agradeço a gentileza em me trazer — e

saí do carro.

— Querida, onde estava? Estava

preocupado. — A voz de Anthony era

macia e preocupada, mas meus dedos se

fechavam em forma de murro; força.

— Fui à casa de mamãe. Estava

com saudades.

Queria me libertar, mas temia uma

luta indigna que perderia.

— Porque não me ligou, eu teria

ido buscar você.

Achei

que

estivesse

na

empresa, não quis atrapalhar. — Fiz uma

pausa.

— Vai descansar até o jantar? —

Segurou firme em meu braço, me

guiando para dentro de casa, seu aspecto


controlador é irritante. — Teremos

comida italiana hoje, tomei a ousadia de

decidir por você.

— Como se você já não fizesse

isso querido.

— O quê?

— Nada amor, só que você sempre

opta por se antecipar aos meus

pensamentos

sentimentos

argumentei

enquanto

tentava

me

desvencilhar da insensatez que acabara

de cometer.

Apesar do meu turbilhão mental e

emocional, consegui lançar um olhar

direto para ele.

— Você está diferente.

— Não falemos sobre isso agora

— interrompi. Ele soltou o meu braço.


— Eu irei subir e me arrumar para o

jantar.

Acrescentei,

olhando

brevemente para Anthony.

— Esperarei ansioso. — Outro

sorriso duro e me retirei.

Houve um silêncio momentâneo e

o único som que eu ainda podia ouvir

além dos meus próprios pensamentos

eram os talheres dentro dos pratos.

Anthony me olhava insistentemente

tentando descobrir alguma pista do que

eu pensava.

Seu olhar tentava encontrar a

mulher que ele havia seduzido algumas

noites atrás e que ele já tinha certeza que

era sua. Eu lutava para não imaginar o

que ele estaria pensando, ou o que teria

a dizer a ele mais tarde caso ele tentasse

me tocar intimamente. Provavelmente

haveria um ajuste de contas.

Mesmo se ele concordasse que um


divórcio rápido e discreto fosse a

melhor saída para a situação — e até

onde eu sei, tal alternativa não existia

—, eu provavelmente não escaparei

ilesa.

"Ele me deve alguma explicação",

pensei. "Fez com que fizesse papel de

boba, o que não esquecerei ou

perdoarei."

Pedi licença e me retirei da mesa.

Precisava parecer bem, calma e

controlada. Tinha que manter as

emoções

sob

controle,

independentemente do quanto pudesse

ser difícil depois, pois não poderia

demonstrar nenhum sinal de fraqueza.

A única coisa que quero dele é a

minha liberdade. Certamente não é pedir

demais. E mesmo que o processo

demore e seja doloroso, aprenderia a

esquecer que por alguns meses fui a

esposa de Anthony e o quanto o amo.


— O que você tem? — Ele me

encontrou pensativa na sala, olhando

pela janela e pôs as mãos sobre meu

ombro, segurando-os. — Você está tão

distante de mim.

— Bobagem! É impressão sua.

— Aceita uma bebida?

— Não, obrigada.

— Vamos subir então? — Seu

olhar encontrou o meu com essa

pergunta que eu sou incapaz de

responder.

O meu coração disparou em

pânico.

— Kate, aconteceu algo com você

— ele definiu suavemente. — Volte para

mim.

Ele fez uma pausa.

— Não vejo a minha adorada

esposa de horas atrás em você.

— Querido, você está muito

carente, é tudo coisa da sua cabeça! —

Protestei apreensiva. — Você está

querendo fazer manha! Isso é chantagem


emocional.

— Meu ponto de vista é totalmente

diferente — ele declarou. — Porque

você está me tratando estranho e

friamente, desde o telefone que recebeu.

Quem era?

— Já disse que nada e você está

começando me irritar.

— E sua amiga? — Ele perguntou.

— Jimmy o nome dela, ou dele?

— O quê?

— Você foi se encontrar com

Jimmy, o advogado da empresa que foi

procurar dias atrás para ver o Contrato.

Só não sei se a intenção de o ver foi

falar sobre o contrato ou lembrar dos

seus tempos de escola, mas o que me

deixa ainda mais curioso é o fato de

você ter escondido, mentido para mim.

— O que significa isso? Que está

me seguindo ou me vigiando?

— Não totalmente — ele falou. —

Apenas zelo pela sua segurança. Preciso

saber tudo sobre você.


— Não entendo. Está dizendo que

controla cada passo meu por zelo e não

por essa mania ridícula que tem de me

controlar? De me tornar cada vez mais

apenas uma propriedade sua?

— Você está entendendo as coisas

pelo lado dramático feminino.

Olhei para ele, atônita e incrédula.

— Quer que eu ignore que esse

casamento é uma vontade sua?

— Vamos voltar a essa questão

novamente? — Ele acrescentou.

— Sempre voltaremos. Porque é a

realidade, não é....?

— Nós tivemos um contrato nos

obrigando a um casamento — ele

explicou. — Mas não me arrependo,

porque aprendi a amar você.

Ele fez uma pausa.

— Você prometeu que tentaria

esquecer isso, e libertarei você da

obrigação de ficar ao meu lado mais que

um ano. Não brigarei no divórcio. Na

realidade, facilitarei tudo. E você me


considerará generoso.

Dinheiro. Ele fala de dinheiro.

Como se isso fosse o mais importante.

— Você não pode ser tão sórdido

assim.

— O que quer me dizer?

Desembuche de uma só vez, — ele

respondeu. — Mas sugiro que pense

muito bem antes de sair falando do que

não sabe.

Olhei de volta para ele.

— Você deve ser..... Louco.

— Por quê? Porque te amo e quero

ter o tempo de fazer com que você me

ame?

— Mas não temos um casamento

normal.

— Talvez não agora — ele

concordou. — Mas isso pode mudar.

Retruquei, em voz baixa:

— Foi por isso... que me

comprou? Porque colocou na cabeça que

me teria a qualquer custo?

— O quê?
— Eu já sei do contrato.... Seu pai

não teve nada a ver com ele, você e o

meu pai fizeram as negociações. — Fiz

uma pausa, tentando apagar o ódio da

minha mente. — Quero dizer... você me

comprou por algum motivo que espero

que você me diga.

— Quanta bobagem.

— Sim — respondi. — Muita

bobagem é o que vocês me disseram,

mas

espero

que

você

tenha

hombridade de me contar a verdade.

— Você só pode estar louca — ele

acrescentou.

Retruquei:

— Você é o louco daqui. O sádico.

— Precisamente, querida. Como

você me conhece bem.

— Então, mude essa perspectiva


— pressionei, com um toque de

desespero. — Eu tenho direito a

verdade.

Anthony deu de ombros.

— Eu vou dormir. E espero que

amanhã você não continue com esses

absurdos na cabeça.

Ele se deitou na cama, ignorando

tudo o que falamos até agora. Cobriu-se

com o edredom e eu furiosa arranquei as

cobertas, deixando sem reação alguma a

minha falta de paciência.

— Você acha que vai me fazer de

idiota?

— Katherine, já chega! Estou

cansado disso.

— Eu já sei de tudo Anthony.

Chega de mentiras.

— Eu não comprei você... — ele

repensou continuar. — Seu pai, me

devia muito dinheiro. Não havia saídas

para ele, a casa já hipotecada, ele não

tinha garantias a me dar e eu considero

que o bem mais precioso que ele tinha e


que me interessava era você.

Minha mão coçou e eu não pude

evitar dar-lhe um tapa.

— Você é e sempre será o ser mais

desprezível que eu conheço. Como você

pode? Seu maluco.

— Eu amo você, desde que éramos

crianças. Eu quero você com tamanho

desejo que não sei explicar o que sinto.

— Você é doente.

— Eu te amo. Eu fiz por amor, —

ele tentou me abraçar.

— Me solta. Sai.

— Kate, você pode...

— Não! Saia.

O olhar dele era cínico.

Minha voz dela era trêmula.

Ele me analisou por um momento,

sobrancelhas erguidas, e então saiu do

quarto.

A vida pode não mostrar misericórdia

Ela pode despedaçar a sua alma

Ela pode fazer você se sentir como se

tivesse enlouquecido
Mas você não enlouqueceu

As coisas parecem ter mudado

Mas há uma coisa que continua a

mesma

No meu coração você permanece

(Lost – Michael Bublé)

11

É um tanto engraçado esse sentimento

aqui dentro

Não sou daqueles que conseguem

esconder facilmente

Não tenho muito dinheiro, mas, garoto,

se eu tivesse

Compraria uma casa grande onde nós

dois pudéssemos morar

(Your Song – Elton John)


Anthony
Relutante, recuei, observando Kate

olhando fixamente a janela de costas

para mim. Em seguida, os meus olhos

divagaram de volta para os meus

sapatos e resolvi deixa-la só. Não iria

adiantar de nada argumentar o que quer

que fosse.

Fui para o quarto de hóspedes,

bem ao lado do nosso. Passava da meia-

noite, e precisei de tempo para acreditar

que, ainda há pouco, pus tudo a perder.

Agora corro o risco de perder a mulher

da minha vida e todas artimanhas de que

fui capaz para tê-la ao meu lado foram

em vão.

Comecei tudo há um ano atrás,

quando achei que poderia ter a mulher

que desde a adolescência efervesce

meus sonhos e me faz acreditar que o

amor é algo possível. Mas, ela sequer

olhou para mim com a mesma ternura

que a observava em cada evento que os

pais a levavam. Ela era muito mais feliz,


muito mais risonha e seu rosto se

iluminava cada vez que ela sorria para

alguém, mas nunca conversamos até o

dia em que a sua mãe a trouxe aqui —

quando eu já tinha conseguido a maneira

“certa” de tê-la ao meu lado. Norah diz

e repete incessantemente que errei, que

não me apaixonei por Kate, apenas me

senti atraído a ponto de desenvolver

uma obsessão doentia que ninguém sabe

onde irá me levar.

Sinto que deveria seguir os

conselhos e avisos de Meggie, largar

tudo para o alto. Nunca conseguirei

fazê-la me amar. E agora, aqui estou eu,

no lugar perfeito, com a mulher que

jamais será minha de verdade.

A luz do sol e o aroma de café

fresco me despertaram assim que a

senhora Stevens abriu o quarto de

hospedes com o café da manhã e abrindo

todas as cortinas. Ao voltar ao reino dos

vivos, me lembrei imediatamente do que

fazia eu me sentir tão mal. Arregalei os


olhos.

— E Kate?

— Acordou cedo, já tomou café e

já saiu.

— Ela disse onde ia?

— Não senhor.

— Você perguntou?

— Não.

— Porque?

— Porque ela é a patroa e não nos

interessa.

— Mas, me interessa.

— Não seria incomodo se eu

perguntasse porque dormiu no quarto de

hospedes?

— Sim. E como soube que eu

estava aqui?

— A patroa disse.

— Traidora. Está do lado dela?

— Sei que o senhor apronta e não

é de hoje.

— Não é nada disso que está

pensando. Eu amo a Kate.

— Ela também o ama. Então lute


por ela. Com licença — saiu do quarto

me deixando com essa bomba nas mãos.

De súbito, perdi o fôlego.

Será que ela me ama? — Pensei.

Assim que cheguei a empresa, me

deparei com Meggie sentada na minha

sala. Dei dois passos para trás e encarei

a secretária com reprovação, o que a

deixou acuada e gesticulando para mim

algo como: “ela saiu entrando”, sei que

sim. Era típico dela.

— O que quer aqui tão cedo? —

Joguei a pasta na mesa, sentando-me

bruscamente na cadeira que fazia par

com a sua em frente à minha mesa.

— Como foi o seu dia? Não me

deu notícias nenhuma. Sabe que odeio

ficar sem notícias duas, depois da nossa

última noite juntos achei que fossemos

ao menos repetir ontem.

Ela se atirou em meus braços,

sentando-se no meu colo e acariciando

meu cabelo.

— Eu estava com a minha esposa.


— Não me provoque.

Tenso sorri.

— Pensei que o sinal que mandei

ontem faria entender que não estou para

brincadeiras.

— Que sinal?

— Sobre o contrato. Fiz com que

ele chegasse as mãos da sua queridinha.

Acredita que ela nem almoçou depois

que leu?

Eu sabia que isso aconteceria.

Sabia, que o contrato não teria chegado

as mãos daquele imbecil tão facilmente

sem ter Meggie por trás.

— Sabia que tinha dedo seu —

desabafei.

— Mas isso não é tudo querido.

Sabe que eu tenho outras armas nas

mãos.

— O que você quer Margareth?

— Sem formalidades querido.

Serei direta. Aceito que seja casado

com essa imbecil. Mas eu quero você

comigo todas as noites. Quero fuder


com você, todos os dias do jeito gostoso

que só você sabe. Podemos viajar nos

fins de semana.

— Porque não pede que eu

abandone a minha esposa logo?

— Você fará isso, quando tirar do

seu coração a ideia medonha de que está

apaixonado por ela. Verá que a mulher

certa para você sou eu queridinho.

— Ou? — Ironizei, fingindo não

me importar com o que ela é capaz.

— Eu deixarei que a sua esposa

saiba, que o de menos foi ela ter sido

posta num contrato para que seu adorado

sogro não fosse a miséria. E que você

foi o responsável direto para que isso

acontecesse.

A ameaça ecoava na minha mente.

— Você não seria capaz?

— Seria sim. Esqueceu que eu, em

pessoa fiz com que ele perdesse cada

centavo naquela mesa de jogo? Será que

ele mataria você Anthony se soubesse

que tudo foi um plano seu para casar


com a filhinha dele?

— Você não pode estar falando

sério. — Engoli em seco. — Você é uma

mulherzinha sem caráter sabia?

— Tão sem caráter quanto você

querido. Viu como somos perfeitos um

para o outro? Não banque o mocinho

Tom, você é o vilão da sua sórdida

historinha de amor.

— Eu amo a Kate de verdade

Meggie, você vai se conformar com um

sexo de mentira? Que eu a beije

pensando nela, que eu penetre você

imaginando ela?

— Estou cheia dessa palhaçada. Já

deu o que tinha que dar. Espero você

hoje à noite sem falta. — Levantou,

pegou a bolsa e se dirigiu a porta.

Senti um engasgo, uma espécie de

nojo embrulhando meu estomago ao

refletir em cada palavra dita por

Meggie. Como posso viver assim? Toda

essa história era sórdida, era verdade,

mas a fiz por amor, por um desejo


incontrolável de possuir Kate, tê-la ao

meu lado para sempre como todas as

histórias que a mamãe me contou sobre

o amor. Não posso continuar traindo ela,

se ela descobrir irá me abandonar. Mas,

não posso deixar que ela saiba do que

fui capaz.

O que será que ela faria?

impossível

saber.

Restava

apenas pensar.

Desvencilhei a mão das carícias

de Meggie.

— Até a noite, chérie. Não falte,

ou irei busca-lo pessoalmente.

Não consegui responder. Que

dizer? Nada. Ela arruinaria minha vida.

Melhor tentar silenciá-la, e eu farei isso

nem que precise mata.... Não!

Não posso descer tão baixo.


Se bem que já cheguei ao fundo do

posso e da sordidez.
Kate
No aeroporto, andei de um lado

para o outro, até que Grace surgiu no

portão de desembarque.

Não precisei dizer nada, para que

ela

me

desse

aquele

abraço

compreensivo e reconfortante que toda

amiga tem de pronto, assim que a gente

precisa. Eu e Grace, somos amigas

desde crianças, mas nos conectamos tão

bem enquanto amigas, basta um olhar

para a outra e já sabemos que existe

algo errado. A primeira impressão que

tive dela foi de leveza. Ela estava leve,

feliz e apaixonada. Como eu deveria

estar, mas era o amor mais controverso

que a história dos romances jamais

ousou escrever. Eu amo o Anthony com

toda a minha força, assim como o odeio

por subestimar minha capacidade de ser


uma mulher, dotada de liberdade e de

amor.

E a fúria começou a me dominar

novamente

implacável,

inclemente,

desesperadora.

Quando,

plena

de

emoção, desabei em choro nos braços

de Grace que se assustou e me levou

imediatamente para o carro.

—Kate, o que houve?

— Grace, ele me comprou.

Literalmente.

— Do que você está falando?

Quem?

— Anthony... O Contrato...

— Você ainda se martiriza por

isso?

— Os nossos pais não firmaram

contrato nenhum. Meu pai, por algum

motivo perdeu tudo e Anthony comprou


a dívida dele e o pagamento era se casar

comigo.

— Insano, mas apaixonante.

— O quê?

— Mesmo que desse jeito “torto”,

ele ama você. Que homem seria capaz

de casar com alguém que ele só conhece

de vista, sendo rico e bonito como ele?

Amor? Será que Anthony realmente

me

ama?

Mas

ele

se

mostrou

determinado em me obter de qualquer

maneira e quem ama deixa livre.

Preciso confrontar ele.

Confrontar porque irei deixá-lo.

Baixei a cabeça um instante, sob o

peso de tamanha emoção. Enxuguei as

lagrimas.

Respirei fundo. Irei resolver tudo.

Não resta alternativa. Será difícil, mas


necessário. E, pelo menos, agora sei

quais são as intenções de Anthony com

esse contrato.

Isso facilitará muito as minhas

decisões.

— Tem certeza? — Grace me

questionou enfaticamente. — Não digo

apenas, pela fortuna da sua família, que

não o mais importante, mas que

querendo ou não mudará a vida de

todos. Falo pelo amor desmedido que

você também sente e, não venha dar uma

de forte e dizer que não o ama porque

sei que é mentira. Posso ver nos seus

olhos, o quanto está determinada a odiá-

lo por não ter controle desse amor que

você sente. Você tem medo. Medo de

que? Medo de se entregar não só de

corpo, mas dar a sua alma a ele? Medo

de ser feliz? Prefere ser melancólica

para o resto da sua vida? Ou você

prefere uma solteirice infeliz?

— Você fala como se o amor fosse

a única coisa que restasse para uma


pessoa, — argumentei.

— Não é o que resta Kate, é o que

importa.

As

pessoas

podem

ser

independentes, livres e amarem alguém

que complete algo que a sua liberdade e

solidão não. Dê uma chance ao Anthony,

sei que por trás das besteiras que ele fez

existe um homem apaixonado sem

medidas para o que sente. Custa você

compreender ele também?

— Custa. Porque esse amor que

você fala, não se conquista sob

obrigação.

— Mas você nunca deu abertura

para ninguém se aproximar de você. Eu

sendo um homem, faria a mesma coisa

se me apaixonasse por você.

— O quê?

— Isso mesmo. Você é ranzinza,

fechada e careta.
— Grace, você não pode estar

falando sério.

— Estou sim. E irei sozinha para

casa, porque só voltarei a falar com

você outra vez, quando você decidir ser

feliz.

— Você acha que dando um tempo

na nossa amizade eu irei correr para os

braços dele?

— Não. Eu não reconheceria você,

se você se rendesse tão facilmente. Mas,

irá pensar sobre isso e tenho certeza que

após um tempo você vai ver que está

exagerando.

Grace não me deu

oportunidade

nenhuma

de

contra

argumentar. Ela simplesmente, pegou um

taxi e foi embora, deixando-me para trás

no

estacionamento

do
aeroporto

enquanto todos me olhavam, deixando-

me extremamente embaraçada.

Senti que todos esperavam uma

atitude de mim.

Eu esperava que eu

tivesse coragem suficiente de continuar

renegando esse amor que sinto por

Anthony.

Não

pelas

minhas

convicções,

mas

também

porque

duvidava que o amor dele apesar de

loucamente apaixonado, não sei se

posso

confiar

que

seu

amor
é

verdadeiro. Não é o conceito de amor

que trago em mim.

" Eu amo você, desde que éramos

crianças. Eu quero você com tamanho

desejo que não sei explicar o que

sinto", não parava de pensar.

Parei de raciocinar. Não deveria

pensar. Agora, isso é proibido. Sequer

devia sentir. Isso, acima de tudo, eu não

devia fazer. No carro, me acomodei no

banco de couro, enquanto rumava para

casa, encolhida no banco como um

animal ferido. Mortalmente ferido.

Miserável.

O ódio me consumia. Tinha que ser

ódio. Eu não permitirei nada mais. Não

admitirei nada mais. Anthony me

manipulava a cada momento, desde

sempre e faria sem temor, me tomando

por idiota.

Sim, ódio era tudo que eu devo

sentir por ele.

Nada de amor.
Nada mais.

Fechei a cara assim que entrei em

casa. Subi as escadas em disparada,

deixando para trás a senhora Stevens

que veio ao meu encontro, e deixei-a no

vácuo. Me tranquei no quarto, antes

mesmo que Susie me acompanhasse.

Pude ouvir seus passos dando meia

volta no corredor e cochichar algo com

Joan.

Deslizei pela porta, agarrando os

joelhos contra o corpo, protegendo o

rosto que se desmontava em lagrimas

quentes e salgadas. Meu choro é

desesperado, confuso e de tamanho

sofrimento.

O único homem que amo é o que

não merece meu amor, porque não soube

confiar em mim e em si mesmo. Ele teria

me conquistado sem esforço, eu não sou

difícil e impossível como todos

subestimam.
Adormeci no carpete.

Ouvi batidas na porta e Anthony

chamando meu nome. Pouco depois,

escutei outras vozes e alguém que

conversava com ele, ao despertar

completamente ouvi a senhora Stevens

dizer.

— Não acha melhor arrombar a

porta? Faz horas que ela não dá nenhum

sinal de vida.

Oh céus! Acham que eu morri?

Que drama!

— Estou bem, — gritei, dando

entonação a minha chateação. — Estava

apenas dormindo.

— Então abra a porta — gritou

Anthony ainda mais irritado.

— Disperse os empregados. Não

sei para que tanto espalhafate.

Assim que ouvi todos se retirando,

mexi na maçaneta.

— Todos já se foram. Abra! —

Sua voz era imperativa, impaciente e

aborrecida.
Contrariada eu abri a porta. Senti

seus

braços

me

envolverem

rapidamente, num abraço desesperado e

preocupado. Pensei em me afastar

rapidamente, mas seu cheiro e seu calor

me deixavam entorpecida. Anthony é

como uma droga que me tira qualquer

senso comum.

Quando ele me soltou, pude

retomar a minha consciência.

— Não sei porque o drama.

— Os empregados me ligaram

desesperados, você não respondeu e a

senhora Stevens disse que chegou

estranha, parecia aborrecida. Aconteceu

algo?

— Mais? Bobagem. Cheguei

cansada. Dormi pesado.

— Onde foi? Saiu muito cedo.

— Fui dar uma volta. Precisava

assimilar tudo e Grace chegou de


viagem,

prometi

ir

busca-la

no

aeroporto.

— Foi tudo bem?

— Não. Grace e todas as pessoas

do mundo, inclusive você é um imbecil.

— Eu quero conversar com você.

— Eu quero falar primeiro.

— Não. Após o que eu disser,

você não terá motivos para falar nada

mais.

— Diga.

— Você está livre.

— O que disse?

— Isso que ouviu. Amanhã, eu

darei entrada no divórcio.

— Como?

— Sem nenhum ônus. Não se

preocupe, a fortuna da sua família ficará

intacta como prometi. Isso era tudo. Vi

que eu fiz tudo errado e não quero você


aqui forçado. Eu vou trocar de roupa,

tenho uma reunião.

— Outra?

— Sim. Kate...

— Sim...

— Foi bom, te ter aqui.

Ele me olhou mais uma vez,

enquanto se trancou no closet.


Kate
Só as pessoas de quem a gente

gosta é que pode nos magoar.

O tempo parou, eu podia senti-lo

escoar para algum lugar distante. Eu

podia ver o rastro de perguntas atrás de

mim assim que repetia na minha mente

cada

palavra

dita

por

Anthony.

Conseguia me lembrar do casamento, de

todas as coisas boas e ruins até aqui.

Portanto, o tempo devia estar passando,

em algum lugar. Tudo parou e eu não

conseguia sentir nada, não conseguia

fazer nada, não conseguia pensar em

nada.

A certa altura, após um longo

tempo,

ele

saiu

do
closet

impecavelmente arrumado e lindo. Antes

de cruzar a porta, ele estendeu a sua mão

gelada e perfumada. Em seguida, beijou

minha cabeça. E, então, saiu e eu sentia

cada passo, só que nada mais estava

acontecendo. Quando escutei o barulho

do carro através da varanda que estava

aberta, caminhei até lá e vi quando ele

desapareceu no carro que ao contrário

do de sempre — um motorista dirigindo,

— ele mesmo dirigia.

E foi como se o tempo voltasse a

girar, trazendo consigo uma perfeita

recordação.

Como sempre, Anthony estilhaçava

o meu coração em milhares de

pedacinhos.

Palavra por palavra, relembrei

cada detalhe.

O ódio fervia dentro de mim. Que

outra emoção poderia ser aquela que me

incendiava? Ódio pelo homem que men-

tiu, que mentiu sem parar, dia após dia,


noite após noite a cada palavra, a cada

toque. Saí ainda atordoada do quarto e

gritei por Susie.

— Por favor, arrume as minhas

coisas o quanto antes. Partirei desta casa

ainda hoje. Obrigada.

— Mas... Senhora...

— Não faça objeções e nem

questionamento Susie, apenas cumpra a

tarefa.

Após as instruções, resolvi ir ao

jardim. Era sem dúvidas a minha parte

favorita da casa e da qual eu sentiria

mais falta. Restava apenas uma tarefa a

ser feita antes que a antiga realidade

tornasse a tragar-me por completo.

Entorpecida, com dedos lerdos,

apanhei o celular. Ainda era cedo, e eu

não podia evitar. Tinha que fazer isso.

Não restava escolha. Enviei uma

mensagem para Grace, informando-lhe

sobre tudo e pedindo a sua ajuda. Eu não

posso simplesmente, juntar as minhas

coisas e voltar para casa dos meus pais


sem evitar os questionamentos e

incisões. Eu preciso de tempo.

Grace me indicou uma viagem e eu

gostei da ideia.

Paris, Viena. Depois Rio de

Janeiro, México, Índia. Em seguida,

Austrália, Nova Zelândia. E, então,

Orlando, Miami. Por fim decidimos por

Londres — onde nos divertimos

imensamente.

Assim como se organizaram para

receber-me,

os

empregados

se

dispuseram numa fileira aos pés da

escada e assim que desci com a última

mala e com o casaco na mão, pude

vislumbrar a imagem de cada um,

curiosos e aflitos com a novidade,

porém todos gentis em se despedir.

— Quero agradecer a todos pelo

carinho com que me receberam nesta

casa. Sentirei falta de cada detalhe que


faziam a minha rotina menos trágica

nessa casa. Até um dia.

— Senhora, — tomou a palavra a

senhora Stevens — somos apenas

empregados,

sabemos

de

nossa

condição. Mas, estamos resguardados na

esperança de que a senhora volte logo.

— Dei-a um abraço afetuoso, de certo

que ela havia sido sempre muito cortês e

atenciosa comigo.

Norah me esperava do lado de fora

da casa.

— Você irá mesmo embora?

— Seu filho me deu a liberdade.

Não há motivos para que eu continue

aqui.

— Mas, você poderia ir pela

manhã. Kate, meu filho é extremamente

impulsivo e pode ter falado isso num

momento irracional. Amanhã, se vocês

conversarem talvez haja uma solução.


— A solução da infelicidade é a

alegria. Só serei feliz, longe daqui e o

Anthony só será feliz quando ele

encontrar alguém que seja capaz de amá-

lo como ele é. Até mais Nora, obrigada

por tudo.

Nos abraçamos por um longo

tempo.

— Cuide do Anthony, — pedi

assim que entrei no carro.

Porta fechada, a minha vida seguia

seu rumo da maneira que o destino

decidiu. Sem mais nada que me prenda a

essa vida, posso buscar outra, se puder

esquecer essa.

— Para a casa dos seus pais

senhora? — Perguntou o motorista.

— Não, para o aeroporto.

No aeroporto, Grace já me

esperava com as passagens compradas e

com um abraço sempre reconfortante.

— Seus pais não se queixaram que


irá viajar novamente?

— Não. Meus pais não sabiam que

eu chegaria hoje, e não estavam em casa

quando cheguei e nem quando saí. Então,

tecnicamente ainda estou em Londres.

Como você está?

— Da forma que nunca deveria ter

deixado de estar. Vamos?

— Vamos!

Aproveitei o voo para tentar

dormir.

Não que tenha conseguido, a cada

vez que fechava o olho, Anthony

dominava meus pensamentos de maneira

icônica e deslumbrante. Eu suspirava

sem saber da realidade. O que me

espera? Porque tudo isso? Porquê dessa

forma?

Cansada desses questionamentos e

desse homem na minha vida, decidi

apaga-lo completamente da minha vida.

Nem que para isso eu tivesse que

reescrever essa parte da história ou

tivesse que intensificar o esquecimento.


Sabe o que é uma droga?

Quanto mais você tenta esquecer

alguém, mais você o verá na fila do pão,

na fila do café, do banco. Todos os

rostos desconhecidos, é aquele velho

conhecido do qual sua mente não

consegue se desprender.

Isso estava acontecendo comigo, a

cada minuto que eu buscava esquecer

Anthony, mas me lembrava dele. Dos

seus

costumes,

rosto,

cheiro.

Absolutamente tudo.

Londres tem estado sem graça

todos os dias.

Por mais que Grace e Steve

estejam se esforçando para fazer com

que eu não me sinta tão deslocada ou

“segurando vela”. Na maioria do tempo,

tenho pensado se fiz certo em não lutar

por ele — cá estou eu falando dele de

novo — prometo que será a última vez.


Mas eu agi com a mesma precipitação?

Eu deveria ter seguido o conselho de

Norah, e esperar ele acalmar a sua

mente?

Anthony

Queria saber se ainda tenho tempo

de salvar o que sobrou da consideração

que Kate ainda pode sentir por mim e eu

também já estou enjoado da palavra

"casamento”. Quem sabe fazer uma

viagem com a Meggie, me divertir com

ela nos próximos dias me ajude a

colocar a mente no lugar. Planejo levá-

la para um passeio de iate e, se tudo

correr como imagino, ela irá se

contentar com qualquer coisa, me dando

a possibilidade de me livrar dela o mais

rápido possível.

Eu jamais me afastei dos negócios

por mais de uma semana, porém,

ultimamente me questiono o que trabalho

representa na minha vida: nada além de

problemas e Kate de bônus. E por essa

razão eu não ficarei mais de braços


cruzados enquanto minha vida desce

lentamente pelo ralo.

Coloquei o paletó e desci.

Naquele instante, os olhos escuros

de Norah captaram minha aparente

tranquilidade

indiferença

com

estranheza.

— Você está bem? — Perguntou

em voz baixa.

— Não tenho ideia o que significa

bem para você. Mas com certeza, sim.

Estou!

Porque Kate cessara de existir.

Desaparecera como se jamais houvesse

existido. Não se preocupou em dar um

telefonema sequer, parecia fazer isso

propósito.

Os

advogados

jamais

conseguem contatá-la, seus pais também


não. Eu considero isso irritante, de

verdade me preocupa. Mas o que posso

fazer. Jurei que a deixaria livre e mover

o mundo a sua procura parece uma tarefa

oposta ao que prometi. Mesmo que

represente a vaga ideia de que ela se

encontra em perigo.

Não ganharei o prêmio de o maior

bobo do mundo.

— A mãe de Kate ligou pela

decima vez só hoje, você não acha que

está na hora de contatar a polícia e ver

onde ela se meteu?

— Eu não tenho nada a ver com

ela mãe. Ela vai aparecer, se houvesse

acontecido algo também teremos noticia

alguma hora.

Com força, cerrei os punhos

dolorosamente.

Determinado,

tentei

relaxar.

situação
me

deixava

desconfortável

intensamente

preocupado.

Como

permiti

que

aquilo

acontecesse? Permitir que Kate fosse

afetada dessa forma? Fui realmente,

muito convincente. Deixando-a acreditar

que, o que quer que existisse entre ela e

eu havia terminado, que ela estava livre.

Livre para que ela pudesse ir a qualquer

lugar.

Prometi que o faria e cumpri.

E Kate aceitou. Sem um instante de

hesitação ou ponderação. Sem o menor

vestígio de remorso ou amor. Ela se foi.

Estava anotando índices de vendas

e preços de produtos numa planilha

eletrônica. Colocar os dados certos nos


campos certos requeria uma intensa

concentração. Assim eu mantinha a

mente concentrada, focada. Ocupada.

Era essencial manter a mente

ocupada. Entretida. Cheia. Focada. À

cada sinapse deflagrada cabia apenas

cuidar dos tópicos permitidos. O

trabalho que me afastava dela. Porque

tudo voltava, quando por uma fração de

segundo, um piscar de olhos, não

conseguia ocupar a mente daquela

maneira.

A lembrança, que evocava os

sonhos que eram ainda mais ilusórios do

que a realidade que foram um dia. Que

eram tão falsos quanto o universo que

criei insanamente.

"Como posso suportar isso?" , me

indaguei.

A pergunta ressoava na minha

cabeça, sem sentido, vazia.

Continuei

digitando.

Continuei
focado, continuei ocupado. Continuei

preocupado.
Kate
Resolvi ir no museu sozinha.

Estava cansada de ser acompanhada por

onde fosse, as vozes e risos me

impediam de pensar com clareza sobre o

que eu precisava fazer daqui para a

frente e de como devo me comportar

com meus pais por exemplo. Há dias

que eles telefonam, enviam e-mails que

eu não consigo ler ou responder porque

ainda me sinto magoada demais para

fazer isso. Imagino o quão preocupada a

minha mãe possa estar, instantaneamente

me sinto a pior das filhas, pois poderia

deixar de ser menos egoísta e dar nem

que fosse um sinal de que estou bem.

Farei isso quando chegar ao hotel.

— Kate?

12
Anthony
Durante o jantar com Meggie, não

pude evitar continuar pensando sobre

Kate e sobre como e onde ela estará uma

hora dessas. Meggie não se importava

muito com a minha distração, sentia-se à

vontade por estar bem vestida, e mais

bonita, mas ainda se preocupava com o

lugar elegante e as belas músicas que

tocavam através do trio de violonistas.

— Não está gostando da comida?

— Meggie quebrou o silêncio de quase

vinte minutos, voltando a sua atenção

para mim.

— Pelo contrário, tudo está ótimo.

— Então faça uma cara mais

alegre. Estamos comemorando nosso

noivado, — ela se inclinou e beijou-me

a mão.

— Não comemore ainda. Não sou

livre. Não se esqueça que Kate ainda

não assinou os papéis.

— E o que ela espera?

— O que ela espera eu não sei,


mas

certamente

meus

advogados

esperam que ela apareça.

— E onde ela está?

— Acha que se eu soubesse ainda

não teria feito ela assinar?

O maitre trouxe champanhe. Mas

Meggie

mal

tocou

no

líquido

borbulhante. Não cansava de olhar o

anel que brilhava em seu dedo, e senti

que ela encarou o sumiço de Kate como

uma ameaça — Deus sabe lá o porquê.

Por

que

valorizava

tanto

aquele

símbolo, quando sabia que era apenas


parte do acordo que tínhamos feito?

Os violonistas cessaram de tocar, e

uma jovem cantora começava a cantar

músicas calmas e relaxantes, e iniciou

uma melodia romântica, que falava de

amor não correspondido.

— Vamos dançar Anthony?

Me encolhi na cadeira.

— O que aconteceu?

— Não quero dançar!

— Porque não?

— Não gosto.

— Já tentou alguma vez?

E, antes que pudesse impedi-la,

Meggie se levantou e, dando a volta na

mesa, me deu a mão. Ergui-me sem jeito

e quase caí, mas ela me segurou com

firmeza passando o meu braço em torno

de sua cintura, e me conduzindo para o

centro do salão.

Não foi tão ruim como eu

imaginava. As luzes estavam fracas, e o

ritmo era lento, fácil de acompanhar.

Suspirei e continuei dançando até o fim,


consciente dos olhares curiosos que

recebíamos.

Quando

terminamos,

Meggie

aproximou ainda mais seu corpo do meu,

para que relaxasse, tentando aliviar

qualquer tensão. Levantei os olhos para

agradecer, mas só vi os seus lábios

sensuais e carnudos se aproximando até

pousarem sobre os meus. Foi um beijo

quente,

sensual

e,

sem

sentir,

correspondi com a mesma intensidade.

— Sem dúvida você é uma

excelente atriz. Foi uma demonstração

perfeita.

Quando ergui os olhos novamente

encontrou uma expressão de desprezo no

rosto de Meggie, mas... desprezo por

quem? Ou por quê?


— Se tiver mudado de ideia a meu

respeito... — ela começou, mas eu a

interrompi, irritado.

— O que está pretendendo? Que eu

a ame perdidamente? Fizemos um trato e

agora tenho que me manter fiel a ele.

Você já tirou de mim tudo que podia, e

não vou permitir que isso aconteça outra

vez... Nem sonhe em exigir mais de mim

Meggie, — ameacei — ou a falta de

afeto será o menor de seus problemas.

Ela estava assustada demais para

protestar quando a arrastei para fora do

restaurante. Vi que os outros casais nos

olhavam, mas como estávamos muito

juntos devíamos parecer um casal muito

apaixonado tentando ficar a sós.

Assim que entramos no carro,

disparei.

— Iremos viajar. Sumir por um

tempo. Estou cheio de todo tipo de

pressão.

— Para onde vamos?

— Não é da sua conta. Que eu


saiba, você nem é piloto e nem agente de

viagem. Apenas arrume as malas e

aguarde meu sinal.

— Eu preciso saber o que devo

colocar na mala de acordo com o clima.

— Coloque de tudo, se faltar

alguma coisa eu compro. Esqueceu que

dinheiro não é problema?

— Você está insuportável. Isso é

tudo por causa da sua queridinha?

— Não se refira a Kate com as

suas ironias.

— Ah, que erro o meu. Havia

esquecido que o predador tinha se

apegado a sua vítima.

— Eu vou perder o resto de

sanidade com você...

— E o quê? Vai me bater?

— Deveria, se você não fosse uma

mulher e tivesse como se defender a

altura.

— Espero que a sonsa tenha

morrido. Um favor que ela faz a todos


nós.

Olhei-a com reprovação e também

com receio de que ela sentisse qualquer

afirmação de que estava perturbado com

a ausência de Kate em minhas atitudes

então apenas ignorei Meggie e suas

gracinhas e pedi que o motorista

seguisse. E ele o fez, com rapidez

extrema para que eu não ficasse mais

que o necessário com aquela megera.


Kate
A voz combinava exatamente com

quem minha mente lembrou: Gerrard!

Atordoada com tantos problemas,

sequer lembrei de procura-lo neste

mesmo museu.

— Gerrard! — Cumprimentei-o

com o melhor sorriso que pude pôr no

rosto.

— Você está muito bonita. Quando

chegou?

— Há alguns dias.

— E seu marido?

— Ainda em Palm Beach.

— Outra vez, ele deixa-a ficar

zanzando por aí sozinha?

— Digamos que é uma longa

história.

— Eu gostaria muito de ouvir, mas

me desculpe eu não tenho muito tempo,

terei uma palestra em alguns minutos.

Em que hotel está hospedada? Quer

dizer... Gostaria de jantar comigo hoje à

noite?
— Estou no Lagham. Ás oito?

— Combinado. Até mais Kate.

Gerrard

saiu

correndo

pela

galeria, parecia realmente apressado. À

medida que o museu ia ficando vazio, eu

sentia crescer em meu peito uma

estranha sensação de medo. Os rostos de

todos os quadros estavam abertos em

sorrisos misteriosos e sombrios, tais

quais os de Anthony — mas que droga!

Esse infeliz me perturba novamente. Em

menos de meia hora consegui chegar ao

hotel, agora mais triste e silenciosa que

o “normal”.

Mal entrei, o telefone tocou.

— Kate? Sou eu a Grace!

— Oi G... Onde você está?

— Não voltarei hoje à noite, vai

ter um evento hoje com música

eletrônica e eu pretendo ir, como sei que

você não gosta.... Você se importa se


ficar só?

— Não, imagina. Divirta-se.

Comprei um livro maravilhoso e quero

mesmo

poder

ler

com

mais

tranquilidade.

— Um beijo.

— Outro.

Desviei o olhar para a grande

janela que se abria para a grande

Londres, vi os últimos raios de sol

colorindo a névoa cinzenta e senti um nó

na garganta.

Imaginei Anthony se aproximar,

colocando as mãos em seus ombros.

— Sossegue e relaxe. Temos duas

maneiras de viver esses seis meses do

nosso contrato. Uma delas é tornando

tudo difícil um para o outro. A segunda é

concordar com nossas diferenças e

procurarmos tirar o melhor proveito das


circunstâncias. Fizemos um acordo

vantajoso para os dois. Assim, eu lhe

pergunto: você não me ama que não

possa me suportar?

Me virei para ele. Sentia uma

vontade louca de me atirar em seus

braços, onde me sentia sempre tão

segura.

Assim como a nevoa, ele sumiu

por

entre

meus

braços.

Tórrida

imaginação que o trouxe de volta.

Bloqueei a identificação do meu

celular e liguei para o dele.

Após cinco toques, ele atendeu.

Sua voz permanece a mesma: dura, forte

e que me faz perder os sentidos

rapidamente.

— Alô?

Silêncio.

Segurei
a

minha

respiração, abafando a boca com a mão.

— Alô? — Sua voz começava a

ficar impaciente. — Alô? — Ele repetiu

com mais firmeza.

Continuei imóvel apenas escutando

o timbre da sua voz se modificando com

seu humor.

— Kate? É você?

Oh não! Será que fui descoberta?

Desliguei imediatamente.

E antes que terminasse o dia me

lembrando dele, acabei recordando que

as oito, Gerrard me encontrará no

restaurante.

Acho

que

será

bom

conversar com alguém diferente. Por

isso acho que fiz bem em aceitar.


Ainda estava indecisa se o jantar

seria uma boa ideia, mas a minha

solidão insistiu para que concordasse.

As oito horas em ponto, fui para o

restaurante. Gerrard já me aguardava.

Estava muito elegante, de terno e

gravata, mas para mim ele poderia se

vestir de príncipe e mesmo assim não

chegaria aos pés de Anthony. No

entanto, ficava mais à vontade com

Gerrard,

talvez

por

não

estar

emocionalmente envolvida com ele.

Jantamos no restaurante do hotel

que era todo decorado no estilo do

século XVIII, muito requintado, com

uma enorme lareira acesa e paredes

forradas com lambris de madeira. A

comida era deliciosa e pedimos uma

garrafa de vinho para acompanhar a

refeição. Eu escolhi, havia aprendido


muito com Anthony sobre os melhores.

Mas, não estava acostumada a beber e

logo senti o efeito do álcool: meu corpo

parecia flutuar e até os problemas

pararam de me atormentar.

Gerrard falou:

— É uma pena não ter conhecido

você antes de se casar, sabe? É tão

bonita e esse seu jeitinho meigo me

deixa maluco. Me diga: se pudesse

realizar um único desejo, o que pediria?

Um único desejo? Pediria somente

que Anthony realmente me amasse. Sem

contratos ou obrigações.... Tudo que

antes me parecia tão importante agora

não significava nada perto desse amor

que me consome.

Ele notou que eu tinha o

pensamento em outro lugar e me tocou

de leve nas mãos, para que voltasse à

realidade.

— Vou me lembrar sempre de

você, Kate.

Ele se aproximou e mesmo


sabendo que ia ser beijada, não me

virei, recebi o beijo sem corresponder.

Gerrard se tornou um visitante

regular, e comecei a me apegar a ele,

passando horas a fio brincando e

confidenciando meus problemas ao meu

novo amigo.

Ele me acompanhava durante os

passeios e foi quando percebi que já não

lembrava de Anthony com a mesma

intensidade.

Não tenho muita certeza de como me

sentir quanto a isso

Algo no seu jeito de se mexer

Faz com que eu acredite não ser

possível viver sem você

Isso me leva do começo ao fim

Quero que você fique

(Rihanna – Stay)

Os dias se transformaram em

semanas, e à medida que eu me

acostumava à nova rotina descobri que


não estava tão interessada em voltar ao

passado. Nem me lamentava mais pelos

sentimentos que trazia no coração

— Qual a bronca com seu

marido? — Gerrard insistia em

perguntar.

— Eu não gostaria de falar sobre

isso.

— Fugiu dele?

— Pode-se dizer que sim.

— Acha que ele está a sua

procura?

— Duvido muito disso.

— Espero sinceramente que tudo

dê certo para você.

— Espero que sim —

respondi.

— Bem, tenho que reconhecer que

estou apaixonado e não sei se tenho

chances e se é muito cedo para perguntar

isso. — comentou Gerrard, olhando

para mim, agora eu realmente

aparentava

alguem
livre

descomprometida. Não existem laços

que me prendam — Eu fico contente em

ver que aquele seu ar obstinado e

infeliz,

também

sumiu.

Era

tão

desagradável! Parecia que não se sentia

bem em lugar nenhum!

— Confesso que me sinto bem

melhor. Não só comigo mesma, mas com

o mundo tambem. Acho que aquela fase

de revolta e desgosto já passaram.

— E o que pretende fazer?

— Tinha esperança de que, depois

desse tempo eu já tivesse uma ideia

clara do que pretendo fazer. Claro que

não poderei fugir para sempre, tenho

papéis de divorcio me esperando para

assinar e pais furiosos que devem querer

arrancar meu figado.


— Ao menos, já deu noticias a

eles?

— Sim, a minha mãe. Liguei para

dizer que estava bem. Não disse onde

estava... Porque...

— Porque tem medo que Anthony

venha até você?

— Quase sempre consigo controlar

esse receio.

— Que bom que ainda consegue.

Não consigo controlar o amor que sinto

por você.

— Acho que não posso retribuir a

altura.

— Você o ama?

— Não. Quer dizer, não sei. Mas,

acho que não. Eu me sinto meio idiota

por ser tão indecisa sobre tudo e

principalmente sobre o amor.

Nunca

tiro

você

do
pensamento. Mas, sei que uma hora

você vai voltar e não sei o que a

aguarda nos Estados Unidos, um

divorcio ou um marido apaixonado e

preparado para reconquistar você.

Era o mais perto que eu tinha

chegado de um relacionamento normal e

não queria estraga-lo pensando sobre

Anthony e meu passado infeliz. Levantei

os olhos para ele, e os dois continuaram

dançando, esquecidos de tudo a sua

volta. Então desviei o olhar pelo salão e

minha expressão mudou.

— O que foi? — perguntou

Gerrard.

Anthony estava parado no salão,

estava olhando muito firme para nós.

Pouco tempo depois, uma mulher loira,

atraente e muito bonita parou ao seu

lado.

— Mas quem é? — Gerrard

perguntou impaciente.

— Ninguém. — Girei em seus

braços impedindo que ele percebesse


Anthony.

Como diabos, ele veio parar aqui?

Exatamente aqui?

O reconheci imediatamente. Nem

que vivesse mil anos, me esqueceria

daquele rosto que vira pela primeira vez

ao saber que ele seria meu futuro

marido. Aquele rosto frio, controlado,

bonito e implacável. Os olhos castanhos

contrastavam com a pele branca, e me

gelaram imediatamente, fazendo com

que perdesse o ritmo da dança e

tropeçasse. Ele ainda exercia essa

maldita influência sobre mim.

Pensei por um momento que ia

desmaiar. O mundo parecia estar

escurecendo à minha volta, e em meus

ouvidos havia um assustador zumbido.

Repentinamente, Anthony se aproximou.

— Oi!

Aos

poucos,

recuperei

o
autocontrole.

— Oi. — respondi, tentando

parecer insensível.

— Oh, meu Deus, você nos deu um

susto tão grande! — a loira falou

seguindo Anthony.

— Estou vendo. Quem é você?

— Margareth. Sou prima do

Anthony. — ela estendeu a mão que eu

ignorei.

— Pela sua aparência você está

muito bem. Seu namorado?

— Não é da sua conta!

— Não? Bem, talvez tenha razão.

Agora me diga, Katherin Carter, gosta

muito de sua mãe?

Olhei-o completamente atônita.

— O quê?

— Você escutou. A primeira vez

que nos vimos, e tenho certeza de que

também se lembra, você me deu a

impressão de ser a queridinha do papai.


Mas vendo o quão foi egoista e não deu

nenhuma noticia a ela.

— Má informação sua. Claro que

disse a minha mãe como estava.

— Os advogados estão a sua

espera.

— Eu sei. Semana que vem

pretendo ir assinar o documento. Não se

preocupe. Agora tenho que ir. Otimo

almoço para você e sua “prima”.

Anthony

Comecei a rir, assim que sentamos

a nossa mesa e Kate saiu correndo com

o desconhecido ao seu lado.

— Você é um louco, — Meggie

afirmou com tanta convicção que eu

comecei a rir, achando graça na reação

dela. — Você sabia que essa infeliz

estava aqui?

— Lógico que sim. Rastreei o

celular dela.

— O quê? Você perdeu todo o

senso.

— Provavelmente, existe alguma


rivalidade entre vocês. Afinal, ela é bem

mais bonita que você, mesmo hoje; e,

quando ficar mais velha, será uma

beleza. Tem inveja dela? Ciúme? Viu

como ela estava linda?

— Não. — Levantou-se para sair,

antes que eu agarasse a sua mão

impedindo que fosse embora, irritada

com meus comentários, os dedos se

fecharam em volta do pulso

delicado, sem perceber que a

estavam machucando, até ela gemer de

dor.
Kate
Gerrard saiu pela manhã, eu não

perdi tempo; corri para o banheiro e fui

direto para a ducha. Lá, me esfreguei

com violência. Era um alívio me sentir

limpa, mas a mágoa que sentia era

intensa demais e mal conseguia deter as

lágrimas.

Necessitando de algum conforto,

escolhi uma camisola branca, que

comprei para a lua de mel. Era de um

tecido delicado, quase transparente, e

me dava um aspecto virginal e infantil.

Sentei-me na penteadeira e comecei a

pentear os cabelos. Não era só os

cabelos que me caiam pelos ombros,

também sentia culpa.

Naquele instante bateram de leve

à porta.

Pensei que fosse Grace que já

havia chegado da balada com Steve, mas

também temi que fosse Gerrard. Não

tenho cara de encará-lo.

Abri a porta de cabeça baixa. Ao


levantá-la, a surpresa quase me fez cair

para trás.

Anthony estava parado na porta,

trajado em seus impecáveis ternos

escuros. Olhos vidrados, seguros e

intimidadores.

— Imaginei que estaria aqui.

— Anthony...

— Kate, eu preciso falar com

você.

O quarto estava em silêncio,

exceto pelo som da respiração ofegante

de ambos. Sucumbi à magia do momento

e fechei os olhos.

— Sei que fui um completo

idiota. Eu não deveria ter feito as coisas

como fiz. Mas há algo que você precisa

saber.

— Você também.

— Por favor, me deixe falar logo.

Acho que vou sufocar se não despejar

tudo de uma vez.

— Humm...

— Eu te vi pela primeira vez,


éramos adolescentes. Você ainda uma

criança.... Preocupada com as suas

Barbies, mas eu te achei a garota mais

linda do universo. Eu me apaixonei por

você a ponto de não conseguir jogar

bola, videogame ou pensar em qualquer

outra coisa que não fosse você.

—Anthony...

— Eu posso dizer que eu ainda te

amo tanto quanto, mas eu fui imbecil e

infantil. Sei que deveria ter chegado em

você de forma convencional. Mas, como

eu poderia ser convencional com alguém

incomum como você? — Ele respirou

fundo. — Eu montei um plano. Perfeito.

Idiota. Eu fiz seu pai perder dinheiro no

pôquer.

— O quê?

— Paguei à uma amiga que o

seduziu e ele acabou se distraindo no

jogo e perdeu tudo.

Eu não consigo esboçar nenhuma

reação, apenas de boca entreaberta

observo seu nervosismo e falta de jeito


em contar.

— Como você pôde?

— Eu sei, é horrível.

— É criminoso, é asqueroso...

— Eu sei. Eu fiz isso por você!

— O que fez em seguida?

— Ofereci o dinheiro do seu pai,

em troca de um casamento com você.

Para ele não era tão ruim.

— Mas para mim era.... É!

— Eu queria ter contado a você,

mas temi que fizesse exatamente isso:

me rejeitasse.

— Eu não tenho palavras para

descrever o horror que tenho a tudo o

que você fez.

— Me divorciei porque a mulher

que me ajudou em tudo, me chantageou.

— Em troca de quê? Dinheiro

para se calar?

— Não.

— Então o quê?

— Ela é uma antiga namorada.

— Não estou entendendo.


— Ela quer que eu me separe de

você, para casar com ela em troca de

não contar a verdade para você. Mas, já

estou contando, então...

— Então, espero que você vá

para o inferno com tudo isso que você

acabou de me dizer. Eu não consigo

acreditar no tipo de monstro que você é.

— Kate, eu sei que é horrível...

— ele tentou tocar-me segurando pelos

meus ombros e eu o empurrei com

violência.

— Não me toque!

— Se você pudesse...

— Anthony, eu não posso.

Simplesmente não posso conviver com

toda essa sordidez. Por mais que eu...

— Por mais que o quê?

— Eu já reconstruí a minha vida

e em breve assinarei os papeis que me

livram de você para sempre. Quem sabe

você também não possa refazer a sua

vida com mais dignidade com essa

mulher ou com qualquer outra que aceite


ser comprada por você. Eu não estou a

venda. Eu auto me retirei da vitrine

mesquinha e suja na qual você me

colocou.

— Como assim reconstruiu?

— Eu já tenho um namorado.

Alguém que me conquistou pelo que sou,

me encantou pelo que é e não pelo que

tem, nem me forçou a nada.

— Quem é esse cara?

— Não é da sua conta. Me deixa

em paz. Me esquece. O que você sente

por mim não é amor. É uma fixação

maldita que te torna irracional.

Subitamente, Anthony ficou sério.

Obriguei-o a levantar o rosto, segurando

seu queixo voluntarioso. Quando nossos

olhares

se

encontraram,

percebi,

incrédula, que havia uma luz diferente

naqueles

olhos,
agora

brilhando

ardentes.

— Me diga uma coisa, você

nunca conseguiu sentir nada por mim?

— O que quer que eu diga?

Ele me soltou e deslizou as mãos

pelo meu braço. A minha pele se

arrepiou com aquele contato sensual, e

senti as pernas bambas. Mas consegui

me libertar e sentei-me outra vez;

evitando olhar para ele.

— Claro que senti. Foi algo forte,

mas não claro o suficiente que me faça

afirmar que é amor.

Um silêncio pesado caiu entre

nós, e se podia ouvir perfeitamente o

zumbido do vôo de uma abelha. Do lado

de fora do quarto, havia movimento de

pessoas andando pelo corredor. Mas não

falei; esperei que ele começasse. Depois

do alguns segundos, Anthony disse,

tranquilo como se comentasse o tempo:

— Subestimei você. Vim até aqui


para ver se era capaz de te conquistar...

Vejo que não só calculei errado, como

me enganei sobre você.

Com o café, chegou a chance de

Anthony fazer sua usual saída à francesa.

— Adeus Katherine! — Disse

com voz rouca.

— Adeus Anthony — menti,

quando tudo que desejava ainda que com

raiva era correr para os seus braços.

Mas, meu orgulho e as atitudes de

Anthony impedia complacência da

minha parte.
Anthony
Diga alguma coisa, estou desistindo de

você

Serei o único, caso queira que eu seja

Eu te seguiria para qualquer lugar

Diga alguma coisa, estou desistindo de

você

(Said Something – Christina

Aguilera)

Embora

sentisse

um

ódio

indescritivel crescendo dentro de mim,

reconheço que Kate tinha razão sobre a

forma abominável como a fiz minha

esposa. Não devia dizer ou fazer nada

que fizesse uma pessoa se sentir assim.

Não, a atitude dela não era inesperada;

eu mereço, por minha aspereza com as

pessoas e cafajestagem. Eu sentia que o

fato de ter esperado por tantos anos, sem

me queixar, fiel; me dava o direito de tê-

la de qualquer forma. Seu olhar brilhava


de odio quando me olhava e isso me

entristece.

Uma onda de desespero me

invadiu. Sem me importar com o transito

comecei a ziguezaguear pela estrada. Os

carros

londrinos

buzinavam

com

indignação.

Sou mesmo um idiota... — penso,

soluçando. — E só que... acabou. Não

deu em nada imbecil. Você perdeu ela

pra sempre, para alguém que foi mais

homem que você. Pensou que chegaria

com a verdade e tudo seria como

antes? E, agora, além de te odiar, ela

tem outro.

O carro girou depressa.

— KATE!

Kate

Assim que Grace entrou no

quarto, me encontrou acoada no carpete,

recostada no sofá em prantos.


— Kate? O que houve?

— Ele esteve aqui Grace...

— Ele quem?

— Anthony... — prantos, prantos.

— O que ele queria? O que ele

fez?

Assim que me alcamou com seu

abraço e chá de camomila, contei tudo o

que Anthony havia me contado. Grace

ficou muda e séria. Não dispôs de

nenhuma opinião sobre. Apenas calou

enquanto segurava a minha mão. Seus

olhos verdes me fitavam com um olhar

perdido, do tipo que não sabe bem o que

dizer sobre.

Enxuguei

as

lágrimas.

Não

permitiria me sentir assim nunca mais.

Anthony nunca mais me afetaria de

nenhuma forma.

Ele não me faria sentir amor,

pena, raiva ou desgosto com sua mania


infeliz de fazer os outros serem

pequenos diante de sua grandeza. Com

certeza era assim que ele via as outras

pessoas, pequenas e submissas á sua

vontade. Eu não estarei disposta a

continuar o sofrimento ao qual me

enclausurei diante de tudo o que ele me

fez viver.

"Eu o amo! Eu o amo!", dizia uma

voz ensurdecedora na minha cabeça.

Quando

meu

corpo

se

acalmou

gradualmente e minha mente clareou.

O telefone tocou.

Grace correu para atender.

— Alô?! Pausa. Sim, é daqui.

Quem gostaria? Pausa. Oh meu Deus,

que horrivel. Pausa. Estamos indo já

praí. Obrigada. — pôs o telefone de

volta ao gancho e as mãos na boca.

— Grace, o que foi? O que


aconteceu?

— Anthony...

— O que tem o Anthony? Ele

ligou pra dizer algo? O que ele quer?

— Ele sofreu um acidente de

carro e está em estado grave no hospital.

— Como?! Como aconteceu?

— Não sei. A mulher que ligou,

disse apenas que o seu numero estava na

memória do celular e identificado como

a esposa. Por isso ela ligou.

— Vamos já para lá Grace.

Me vi louca de vontade de correr

ao hospital e vê-lo e ao mesmo tempo

apavorada, com medo de que o

encontrasse morto, ou algo assim.

Quando chegamos, na recepção tivemos

a informação de que ele estava na sala

de cirurgia e corria risco de morrer.

Meu coração se corroeu numa dor

inestimável, com a qual não saberia

mais conviver. Mesmo que Anthony

tivesse

feito
coisas

horríveis

reprováveis, meu coração não poderia

se acostumar a ideia de que ele não mais

existiria e comecei a implorar a Deus

que o trouxesse de volta. De volta para

mim.

— A culpa foi minha! — Gritei

desesperada enquanto Grace tomava um

café sentada ao meu lado.

Ela largou o café no centro de

revistas e me abraçou.

— Claro que não Kate! Isso foi

um acidente, uma fatalidade. Estava

destinado a acontecer.

— Com certeza ele dirigiu com

raiva e se pôs em risco.

— Não pense nessas coisas.

Vamos esperar. Aguardar e tudo ficará

bem.

— Como não percebi antes?! Eu


o amo! Eu o amo Grace.

13

Estou pensando em como

As pessoas se apaixonam de maneiras

misteriosas

Talvez apenas o toque de uma mão

Eu, me apaixono por você a cada dia

Eu só quero te dizer que eu estou...

(Thinking Out Loud – Ed Sheeran)

Kate

A cirurgia já dura em torno de seis

horas. Dessas, passei três na capela

ecumênica do hospital. Deus é o único

que pode me ajudar nesse momento. A

dor e a culpa que sinto pelo que

aconteceu a Anthony me deixaram

devastada por completo. Eu não deveria

ter sido tão dura. Acho que exagerei. Eu

estou confusa com relação a tudo, para

variar.

A pedido do médico comuniquei a

todos da família, tive que ligar para o

meu pai e para Norah que ficou

desesperada com a notícia e disse que


viria imediatamente para cá. Não sei

com que cara a encarar, ou como

explicar como o acidente aconteceu e

principalmente porque.

Nesse momento tudo o que quero é

ficar em silencio. Nesse sentido, Grace

compreendeu bem pois ela quase não

disse nada nesse tempo. Ela também

orou. Tomou café e ligou para Steve.

Que ligou de meia em meia hora para

saber o que estava acontecendo.

Gerrard também ligou. Grace o

atendeu e explicou tudo. Acho que ele

entendeu bem o quanto a situação é

delicada, pois não insistiu na ligação

apenas mandou uma mensagem me

confortando

dizendo

que

está

disponível caso eu precise de algo.

Nenhum médico vem até nós,

sequer mandam qualquer notícia.


As

enfermeiras

passam

aos

montes, quando perguntadas sobre

Anthony dizem não fazer parte da equipe

que o está acompanhando.

Então, era assim que as coisas

deveriam acontecer? Bem, eu nunca

havia sido uma romântica. Uma visão

tão cor-de-rosa da situação não combina

com meu temperamento. Continuei

esperando por uma resposta e quando

não veio nenhuma, perguntei, com

ansiedade na voz:

— A que horas essa cirurgia irá

terminar?

A recepcionista, respondeu, com

calma:

— Não senhora, assim que a

cirurgia

terminar

será

avisada
imediatamente.

— Sei que estou sendo impaciente

— acho que ela percebeu o quanto eu

estava preocupada.— Imagino pelo que

esteja passando senhora, mas confie em

Deus e em nossa equipe. Tudo ficará

bem.

— Quanto as despesas, a empresa

já entrou em contato?

— Bem... sim. Todos os valores

já foram acertados com o banco.

Um médico finalmente veio em

minha direção. Com trajes de cirurgiao e

segurando a toca e máscara nas mãos,

esperava me contar as novidades.

Permaneci aparentemente controlada,

mas questões de segundo após ele

respirar eu perguntei, sem rodeios:

— E Anthony?

— A senhora é da familia?

— Sim. Sou a esposa.

— Bem senhora... A cirurgia foi

complicada.

— Complicada como?
— Ele ficou preso as ferragens e

além das lesoes do acidente, ainda

tivemos que lidar com as causadas pelo

resgate dificil. Por sorte, ele não teve

nenhum dano cerebral... Entretanto...

— Graças a Deus, mas o quê

doutor?

— Ele precisará passar por mais

duas cirurgias até que possa voltar a

andar.

— Anthony, não?

— Por enquanto não. Conseguimos

reverter os danos nos nervos sensoriais

e ele não ficará tetraplégico, mas ficará

um tempo sem andar.

— Oh, meu Deus!

— Mas tudo irá depender do

tratamento e da força de vontade do

paciente.

— Nós somos americanos doutor.

Eu posso levá-lo para os EUA, ou...

— Sim. Assim que ele receber

alta, posso encaminhá-lo para o seu

país. Inclusive, em Houston a senhora


encontrará excelentes profissionais que

poderão ajudar o seu marido. Se me dá

licença preciso conferir a situação pós

cirurgia do paciente. Em algumas horas

a senhora poderá vê-lo através da UTI.

Em três dias o encaminharei ao quarto.

Pude observar Anthony por uma

janela de vidro que separava o corredor

do hospital.

Na UTI, entubado e inconsciente

Anthony parecia me culpar mentalmente,

pois senti um remorso me dando um

arrependimento mortal a cerca de tudo.

Senti um nó na garganta, como todas as

vezes em que pensava sobre tudo.

Na manhã seguinte, Norah chegou

ao hospital

— E então? Como ele está? —

deu-me

um

abraço

angustiado

apertado.
— Na medida do possivel está

tudo bem! A primeira cirurgia foi um

sucesso?

— Haverão outras?

— Infelizmente sim. Mas, são

necessárias ou não poderá voltar a

andar.

Norah trouxe as mãos a boca,

desesperada e estarrecida com o que

acabara de ouvir.

— Meu filho pode ficar aleijado?

— Não fale assim Norah, se Deus

quiser isso não irá acontecer. Ele é forte

e se sairá bem. As outras cirurgias

poderão ser realizadas nos EUA.

— Eu quero vê-lo.

— No momento, ele ainda está na

UTI, e sairá do coma induzido amanhã.

Até lá temos que ter fé, paciencia e

buscar forças em Deus para lutar com

ele.

— Como aconteceu esse acidente

Kate?

—Eu não sei bem... Eu recebi a


ligação e...

— O que ele estava fazendo em

Londres, ele veio atrás de você?

— Bem, sim... Eu acho que foi

minha culpa, porque nós brigamos e ele

saiu aborrecido.

— Claro que não. Não sinta-se

assim. Foi um acidente. Anthony não

dirige muito bem, por isso só usa

motoristas. Não sei o que deu na cabeça

dele de vir dirigir justamente aqui, onde

as regras são diferentes. Até o volante

do carro funciona no lugar diferente.

Dois dias depois

Hoje finalmente Anthony acordou.

Sinto que vou explodir de tanta

felicidade.

Aliás, descobri coisas curiosas a

respeito da felicidade: desejamos muito

encontrá-la, quando achamos a dita cuja,

tememos perdê-la e começamos a pensar

que tudo e todos são uma ameaça a ela.

Mal

supomos
que

felicidade

independe de outras pessoas, que somos

nós os únicos responsáveis por deixá-la

escapar. Eu perdi a minha felicidade,

por não perceber que eu estava sendo

egoísta e prepotente demais.

Me sinto pronta a julgar menos os

outros. A encarar a vida com mais

maturidade

principalmente

com

responsabilidade. Só fazemos ideia do

quanto uma pessoa é importante, quando

esta já não nos dá as mesmas condições

de antes.

O amor nos surpreende em

magnitude, pois sabemos que uma vez

encontrado ele jamais nos deixará. Eu

devia ter parado de reprimir o amor que

senti por Anthony desde o primeiro dia

que o vi. Sim, por mais que eu tenha


negado e dito que era impossível amá-

lo, ele foi apaixonante desde o primeiro

olhar. Como pude ignorar tudo o que

senti?

Como pude simplesmente quase

perdê-lo para notar?

Me sinto uma boba.

Mais que uma boba, uma idiota

descomunal.

Como pude ser tão canalha e ir

para cama com Gerrard sem sentir

absolutamente nada por ele, além de

conformismo — na ideia imbecil de uma

mulher, cultivada pelos filmes idiotas de

romance, só se esquece um amor

buscando outro.

Quem busca um amor para

esquecer outro?

Um amor, é um amor. Independente

das

razões

que
nos

afaste

temporariamente.

Eu não me reconheço pensando e

dizendo estas coisas, mas sim Kate você

mudou. Já é outra mulher, não mais a

menina mimada, birrenta e briguenta de

antes.

O médico pediu que esperássemos

até ele fazer todos os exames e testes

que comprovassem que o Anthony

estivesse relativamente bem. Durou em

torno de duas horas, eu e Norah

estavamos aflitas e impacientes. Grace

tentava a todo momento nos acalmar,

distraindo-nos com noticias e historias

de vidas que ela havia escutado nos

corredores do hospital nos ultimos dias.

Sim, tenho uma boa amiga. Ela não me

deixou sozinha um minuto nesses três

dias tenebrosos. Tanto ela quanto Steve

foram muito solicitos e isso me fez

agradecer a Deus por tê-los ao meu

lado.
Só nos chamaram quando Anthony

já estava no quarto.

Seu rosto estava sim, um pouco

machucado e com resquicios das

escoriações do acidente. O braço estava

conectado ao soro que continha a

medicação para não sentir dor e ficar

calmo.

Norah foi direto à ele assim que

entrou. Abraçou-o e ele apenas gemeu

como um bebê gatinho manhoso no colo

da mãe. Sentia-se seguro e pronto para

receber carinho.

Me aproximei aos poucos — na

verdade, temia a sua reação ao me ver.

— Anthony me olhou e em seguida virou

o rosto no sentido contrário. Parada ao

lado da cama, deslizei a mão sob a sua e

ele a arrancou com aspereza, evitando

qualquer tipo de contato comigo. Visual,

físico. Em meio a minha presença, ele

parecia me ignorar ou desejar que eu

não estivesse aqui.

— Como se sente? — Ousei


perguntar.

Ele ficou mudo, parado e olhando

fixo para a parede branca.

— Anthony, querido... —Norah

tentou argumentar.

— Peça a ela que saia daqui. Ela

devia estar satisfeita que não ofereço

ameaça nenhuma a ela e aproveitar para

sumir.

— Tom, eu te amo. Não fale assim.

— me recostei ao seu ombro que me

empurrou com uma das mãos.

— Não preciso da sua pena Kate,

não é porque estou aleijado que irei

querer a sua compaixão. — esbravejou

com rancor.

— Tom...

— SAIA! — gritou em alto som.

— Querida, por favor saia. Deixe

que eu converso com ele. Ele está

fragilizado por estar assim, mas vai

passar.

Preferi assentir com a decisão de

Anthony porque realmente fiquei sem


reação a sua atitude. Não achei um

exagero da sua parte. Tampouco

incoerente ou injusto. Realmente eu não

tinha o direito de tentar apagar todo o

sofrimento que o causei. Sei que ele

errou, mas o fez porque acreditou que o

amor que sentia me tocasse. Queria que

ele soubesse que ele conseguiu.

Não pretendo insistir porque acho

que devo algo, ou por culpa. Não sinto

pena ou compaixão como ele disse, eu o

amo e agora posso enxergar com clareza

que é ao seu lado o meu lugar.

Norah não poderia passar as noites

com ele, pois ela toma medicação para

dormir e depressão. Então sem que

Anthony soubesse, decidi ficar com ele

e entrar no quarto quando o calmante já

tivesse houvesse efeito.

Contando com a ajuda da doce

enfermeira Celine, assim que ela me

avisou que ele dormia entrei no quarto.


Me acomodei no sofá de acompanhante

com um travesseiro e cobertor que

Grace comprou para me ajudar a

enfrentar o estofado que não era um dos

melhores.

Caminhei até a cama para conferir

que estava tudo realmente bem, me

aproximei para dar um beijo na testa de

Tom, quando ele rapidamente segurou

meu braço impedindo que eu me

aproximasse do seu rosto. Ainda assim,

ficamos frente a frente. Olho no olho.

— O que pensa que está fazendo?

Eu não mandei você embora?

— Eu já disse que você não manda

em mim.

— Mas eu mando em mim mesmo,

não quero você aqui. Volte para o seu

namoradinho e me deixe em paz. Já não

basta não poder andar, ainda tenho que

aguentar você fingir que se preocupa?

— Anthony, volte a dormir. Você

precisa descansar, amanhã irá começar a

fisioterapia.
— Saia daqui.

— Eu não vou sair e se você

quiser continuar me enfrentando, vou

chamar a enfermeira aqui e mandar ela

dar uma dose maior de calmante.

Anthony deu de ombros.

Eu o ignorei e ele fez o mesmo, só

que com mais prática e eficácia.

Algo entre meia hora e quarenta

minutos depois, ele finalmente dormiu.

Dormi como uma pedra.

Acordei com a enfermeira, que

trouxe o café da manhã de Anthony ás

sete em ponto.

Assim que ele começou a comer

— ainda sem falar comigo, nem

respondendo ao meu bom dia —, Norah

também chegou ao hospital.

—Bom dia! Como se sente filho

querido? — abraçou ele e beijou a

cabeça com muito carinho.

— Na mesma mãe. Que melhora ou


piora eu poderia apresentar?

— De humor, quem sabe, —

respondeu-lhe em tom divertido. —

Kate, — voltou-se a mim — se quiser ir

pro hotel, vá querida e descanse. Para

aguentar mais uma noite.

— Eu irei tomar um café, mas

continuarei

no

hospital

Norah.

Aproveitarei que você está aqui e irei

antes que lotem a cantina.

— Vá embora — disse Anthony.

— Você não é mais necessária aqui!

— Você vai começar com a sua

criancisse de novo? — revidei.

— A minha noiva vai chegar a

qualquer momento, não faz sentido que

você se sacrifique.

— Sua o quê?

Instantaneamente a porta do quarto

se abriu e uma loira exuberante se juntou

a nós. Seus cabelos longos e brilhantes,


balançavam em ritmo sincronizado. Seu

corpo tinha mais curvas que um violino,

ela era perfeita e atraente. O unico

defeito era o perfume — doce demais

para o meu estômago vazio e matutino.

— Margareth, o que faz aqui? —

Norah perguntou mostrando-se surpresa

e indignada.

Dando de ombros, a mulher

dirigiu-se diretamente a Anthony dando-

lhe um beijo. Ele acariciou seu rosto.

Ela parou ao seu lado. Olhou fixamente

em minha direção e depois voltou-se a

Norah:

— Estou onde deveria estar! Ao

lado de Anthony para nunca mais sair.

Meu

estômago

embrulhou

imediatamente. Peguei a bolsa e saí.

Segurei o choro, pois seria uma

humilhação ainda maior chorar na frente

de Anthony, dar a ele o gosto e valor

necessário a tentativa de me fazer sentir


pior do que já estava me sentindo.

Assim que bati a porta do quarto,

me escorei na parede do corredor que

nesse

instante,

não

estava

muito

movimentado. Quase caí, mas uma

enfermeira me ajudou a me recompor.

— Respire senhora! O que sente?

Vamos, venha!

— Não, estou bem. Foi só uma

queda de pressão. Acho que é fome.

— Se quiser, posso chamar um

médico para examiná-la.

Não,

não

necessário.

Agradeço a sua gentileza, mas já me

sinto bem. Obrigada!

A enfermeira, sentiu-se no dever


profissional de me oferecer algum tipo

de atendimento, mas diante da minha

insistencia de que estava tudo bem, ela

acabou se convencendo e saiu. A dor e o

incomodo que e eu sentia, não era físico

e sim emocional. Por dentro, nada e nem

ninguém conseguiria curar a ferida que

se abriu.

Anthony estava magoado comigo,

isso eu já sabia. Mas não podia

acreditar o quão cruel ele poderia ser

enquanto estivesse furioso.

Antes que eu pudesse ir embora, a

maldita loira saiu do quarto e veio até

mim:

— Que bom que ainda não foi —

disse com a boca entupida de batom

vermelho. — Gostaria de agradecer por

ter ficado ao lado do meu noivo.

— Eu não fiquei ao lado do seu

noivo querida, fiquei ao lado do meu

marido. Mas já que ele tem você, bom

saber que não sou necessária.

— Sei que a culpa de tudo isso que


está acontecendo é sua...

— Lamento, não estava no carro e

tampouco dirigindo. Foi um acidente

cuja responsabilidade além do acaso é

do seu noivo!

— Quero que fique longe do

Anthony e se dirija aos advogados para

deixá-lo livre o quanto antes. Pois

estamos muito apaixonados e queremos

nos casar logo.

— Desculpa, seu nome?

— Meggie. Mas, já que não somos

intimas: Margareth!

Primeiro tapa!

— Isso é por ter enganado meu pai

com esse daí, para me fazer de troxa!

Segundo tapa!

— Isso é pela minha mãe, meu pai

é casado!

Terceiro tapa!

— Isso é por ter chantageado meu

então marido, seu noivo.

Quarto tapa!

— É pra você aprender a falar


comigo!

Quinto tapa!

— Para não falar novamente...

Sexto tapa!

— Em hipótese nenhuma. — minha

mão está vermelha e ardendo, mas não

tanto quanto o rosto marcado dessa vaca

— Ah, faça bom proveito. Espero que a

cerimônia seja no curral que você

merece.

Quando a noite está nublada

Ainda há uma luz que brilha sobre mim

Brilhando até de manhã

Deixe estar

(Let it be – The Beatles)


Anthony
O acidente me deixou várias dores,

mas ainda sinto que a decepção que tive

com Kate foi maior que todos os

cateteres, cirurgias e curativos. Ela não

me abandonou um minuto sequer, o que

me faz pensar que realmente ela tem

mais valor do que supus. Maldita dor de

cabeça.

Os médicos me alertaram da

incapacidade de andar. Me sinto mal.

Mal, como nunca me senti antes. A

minha revolta e vergonha por ser um

aleijado é tanta, que prefiro não

continuar a ver Kate. Espero que ela

assine os papéis o quanto antes e me

deixe em paz.

A presença de Meggie me serviu

para alguma coisa, ao menos ela me

ajudou a expulsar aquela teimosa daqui

mesmo contra a sua vontade, e a de

Norah que a todo momento me olhou

pedindo a Deus que eu voltasse a ser

criança para que eu levasse uma boa


surra.

Sei o quanto ela gosta de Kate,

mas não consigo mais levar adiante essa

história que trouxe tantas dores, magoas

e destruição para todo mundo.

Kate foi embora. Finalmente. Ela

se despediu muito pálida, os olhos sem

lágrimas, e depois Meggie saiu do

quarto. Aposto que foi tripudiar em cima

dela.

Ninguém pareceu reparar que meu

contentamento com o que acabara de

fazer — mais uma burrice para variar

—, era forçado. Minha mãe também

tinha os olhos brilhantes demais e a voz,

estava ligeiramente alterada.

— O que pensa que está fazendo?

— Norah perguntou enfática.

— Mãe, não se meta. —

Respondi.

— Você é cego?! Não enxerga as

burradas que faz, uma atrás da outra?

— Acabou mãe. Está tudo bem.

Fui distraído pela entrada de


Meggie; ela entrou acuada, mesmo assim

não pude ignorá-la, no outro extremo do

quarto em uma poltrona, praticamente

escondida, e com o rosto vermelho.

— O que aconteceu?

— Aposto que apanhou da Kate.

— Norah disparou.

— É o que você queria que

tivesse acontecido não é Norah? —

Meggie enfrentou-a sem se importar

comigo.

— Sim. Eu vou tomar um café

antes que eu faça o mesmo.

Norah

cumprimentou-me

calorosamente com um beijo:

Em silêncio, Meggie folheava uma

revista, como se tentasse não chamar

atenção sobre si. Mas os implacáveis

olhos verdes ardiam em seu rosto

avermelhado.

— Kate bateu mesmo em você?

— Ela vai ser arrepender!

— Você deve ter a provocado.


— Ah, claro! — Exclamou. —

Pobrezinha da Kate... Ela ficou morta de

recalque, isso sim.

Levantei o olhar. Estava tentando

parecer vagaroso e inexoravelmente

manipulado. E o instinto me dizia que

não adiantava agir de outra maneira com

Meggie.

— Está bem — concordei, sem

interesse. — Deixa ela pra lá.

Em outras circunstâncias, teria

ficado feliz com a atitude de Kate. Isso

só demonstrava que ela sentia algo por

mim. Ela disse que havia alguém, será

que mentiu para me afastar? Ela não nos

apresentou, nem seu nome, e não fez

qualquer comentário novamente.

— Vamos conversar. Diga-me,

como foi esse acidente e o que fazia em

Londres? — perguntou Meggie, seca.

— Negócios. Me atrapalhei, você

sabe que não dirijo bem.

— Mas é prudente.

— Não dessa vez.


— Você veio atrás dela?

Ela mordeu o lábio e arregalou os

olhos.

— Chega de perguntas. Estou

cansado e quero dormir.

— Por hora, encerramos essa

conversa devido ao seu estado. Mas

você vai me contar direitinho porque me

deixou partir para Paris sozinha e se

pretendia me fazer de boba.

— O que você quer? —

Perguntei, intrigado.

— Você.

Por incrível que parecesse, aquela

resposta não me surpreendeu.

— Exatamente, como?

— Como sempre quis: como meu

marido.

Dessa vez, ela arregalou os olhos e

estremeceu.

— Eu nunca irei me casar de

novo.

— Está apenas traumatizado.

— Eu contei a verdade para Kate


e já não há razão de você estar aqui.

Não há como me chantagear...

— Não vê que não é só chantagem

Anthony?! Eu te amo.

Aquilo

não

podia

estar

acontecendo! Talvez, se fingisse que

Meggie não estava ali ele fosse embora,

pensei, e assim se esqueceria do quanto

ela me assusta bancando a maluca.

Demorei

algum

tempo

para

responder.

— Nunca irei esquecer a Kate.

— Mas, você a mandou embora!

Concordei,

sacudi

cabeça

lentamente, os olhos semicerrados.


— Estou curiosa para saber

quanto tempo levará para você se dar

conta que sou capaz de matá-la, se

insistir.

Senti um terror tão grande que a

garganta parecia fechada.

— Você não pode estar falando

sério.

— Paga para ver? — sorriu, um

sorriso nada doce. — Não sabe do que

eu sou capaz.

Não

disse

mais

nada,

nem

precisaria dizer.

— Por quê? Por que eu? Porque

não segue a sua vida e me deixa em paz?

— Fingirei que não ouvi suas

recusas e tudo continuará bem.

O tom feroz e cheio de rancor da

voz dela me fez levantar a cabeça, e

logo ele estava de pé se movimentando


com a agilidade de um tigre. Antes que

Meggie tivesse tempo de se defender,

agarrei-a pelo braço, obrigando-a a se

aproximar de mim.

— Fique longe da Kate, ou eu

mesmo acabo com você. — protestei. —

Eu juro por Deus.

— Cale a bocal — Puxou o braço

com tal violência e riu. — Eu amo você

e sou capaz de tudo para ter você. Não

será muito difícil. Não quero amor,

afeição, companheirismo. Não quero

nada, a não você ao meu lado, e isso

eu terei.

Como se o contato com ela me

contaminasse, virei o rosto.

Mas uma fúria cega fez com que

me sentisse um inútil por não poder

pular dessa cama e esganá-la.

Tive alta quinze dias depois.

Durante os dias que passei no

hospital no restante do tratamento, Kate


não apareceu por lá e nem ligou. Norah

disse que ela teria voltado aos EUA,

acho que a essa altura ela já assinou os

papéis do divórcio e o processo já está

iniciado.

Assim

que

desembarcar,

convocarei uma reunião e tentarei

administrar a empresa a partir de casa.

Meggie não saiu um dia sequer do

meu lado, o que foi irritante tanto para

mim, quando para Norah que não

suporta a sua presença.

A todo momento ela fala do

casamento, em um casamento discreto,

no cartório. Se berrasse pelas ruas, não

deixaria tão evidente meu desinteresse

pela noiva.

Não me lamentei uma única vez.

Um dia fui alegre e cheia de vida, mas

esse Anthony desaparecera, esmagado

pelo destino e pela solidão. Indiferente,

deixei
Norah

tomar

todas

as

providências do nosso retorno. O único

momento em que senti alguma coisa foi

quando já no avião, lembrei de Kate

sentada bem a minha frente, aqueles

belos olhos azuis irritados. Ainda a

amo.

Cada vez que o olhar verde e frio

Meggie

pousava

nos

meus,

lia

claramente a ameaça neles. Eu a farei

pagar, até que a dor fosse sua

companheira inseparável. Como muitas

pessoas

egoístas.

Meggie

era

extremamente sentimental.Desde aquela


discussão me mantive o mais distante, e

Meggie percebeu. Mas não se importou.

— Iremos pousar em alguns

minutos, por favor apertem o cinto! —

alertou o comandante.

No aeroporto, o motorista nos

esperava. Depois da dificuldade de sair

do avião, subir na cadeira de rodas e

depois sair dela novamente, apertei os

lábios e parti, sem olhar para trás.

— Estaremos em casa em meia

hora

disse

Norah,

enquanto

entravamos no carro seguidos de

Meggie.

Quando não respondi, ela insistiu:

— Sente-se bem?

— Não. — Fechei os olhos e

apoiei a cabeça no encosto.

Ele não disse mais nada, até

chegarmos em casa. E até lá, Norah e


Meggie só conversaram o estritamente

necessário. Fechei os olhos. Na última

semana mal dormira, e adormeci,

embalado pelo balanço do carro.

Acordou quando Norah me sacudiu de

leve.

— O quê...?

— Chegamos.

Como logo vi, já estamos em casa.

Outro processo demorado, subir

nos braços do motorista e sentar na

cadeira de rodas para circular pela casa,

para depois depender de alguem para

subir para o quarto. Mas agora, olhava

para tudo sem emoção, sentindo que a

muralha de gelo onde me refugiara

estava prestes a desabar.

Naquela casa já não estava a luz

dos meus olhos. Não teria sequer mais

uma ponta de esperança que me fizesse

suportar a distância entr eu e Kate.

Finalmente, ao entrar em casa,

todos os empregados nos aguardavam na

sala principal, enfileirados. Em modo de


recepção.

— Bem-vindo senhor — disse a

senhora Stevens. Trouxe um buquê de

flores, comentando: — Temos que

respeitar a tradição. Sempre recebemos

bem a todos nessa casa.

Como sempre os treinei.

— Talvez o senhor Carter já saiba

disso. — disse, uma voz familiar vinda

das escadas que me forçou a levantar a

cabeça e admirar. — Bem vindo

querido.

Kate,

extremamente

segura.

Apoiada com uma das mãos no

corrimão, a outra na cintura. Queixo

elevado, vestido vermelho provocante e

extremamente sexy.

Não era a mesma mulher, mas

tornou-se ainda mais surpreendente e

apaixonante.

— O que faz aqui? — disse

Meggie.
— Onde acha que eu deveria

estar? Estou ocupando o meu lugar. Sou

a senhora Carter, a intrusa aqui é você.

Acho bom você ir embora, do contrário

tirarei você daqui com mais tapas e

pelos cabelos.

— Anthony? Você não vai dizer

nada?

Fiquei observando-as enquanto

Kate me olhava fixamente. Meggie

levantou uma sobrancelha, olhando para

mim e saiu furiosa.

— Como foi de viagem? —

perguntou Kate. — Estava ansiosa para

que chegasse.

— O que faz aqui?

Se

pretendia

irritar-me,

não

conseguiu. Ao contrário, me deixou feliz

e curioso.

Vou
levá-lo

ao

quarto.

Providenciei que nosso quarto fosse

transferido aqui para baixo.

Kate guiou a cadeira até o quarto

que havia preparado.

Estava identico ao que tinhamos no

andar superior.

Segurei-a pelo braço forçando o

encontro dos nossos olhos e senti o fogo

que saía de ambos.

— Pensei que...

— Eu tivesse feito o que você

mandou?

— Porque não fez?

— Porque não quis. Dispensei

todos os advogados e encerrei toda a

papelada.

— Porque?

— Eu já disse que o amo e estou

determinada a reparar todo o mal que

fiz. Já comecei a administrar a empresa.

— O quê?
— Estou administrando a nossa

empresa, esqueceu do nosso contrato

sócio?

Kate, risonha sentou-se em meu

colo. Segurou meu rosto com suas mãos

pequenas e macias e me beijou. Não

pude evitar me entregar.

14
Kate
Desde que voltamos de Londres,

após a destruição de tudo que julguei

improvável nessa vida, eu precisei pisar

em ovos com relação a Anthony. Acima

de tudo, sabia que não deveria contar a

ele nada sobre Meggie ou exigir nada

que fosse a respeito a ela. Em vez disso,

apenas resolvi devotar toda a minha

atenção, toda a minha emoção, à alegria

pelo milagre que aconteceu com ele e

me esforçar para fazer esse casamento

dar certo.

Foi muito difícil tomar conta da

empresa sozinha, sem muita experiência.

Papai fez o que pôde para me dar apoio

e incentivo, como sempre. Em relação a

tudo o que aconteceu, resolvi deixar

para trás. Não me permiti tocar mais no

assunto, sequer esclarecer nada com

papai. Na primeira vez em que vi

Anthony na cadeira de rodas, perto da

escada, senti um remorso inexplicável.

Essa condição, no entanto, não tirou sua


imponência e charme. Eu sabia que a

forma com a qual ele me olhava, me

dava o perdão que eu necessito para que

o nosso amor floresça. Fui irredutível,

teimando que ficarei ao seu lado durante

o tratamento.

— E se a próxima operação não

der certo?

— Dará certo.

— Como pode ter certeza?

— Eu sei que sim. Da próxima vez

em que você for se operar, estarei ao seu

lado.

— Eu quero estar de pé logo,

andando. Eu prometo que voltarei a

andar. Lembrar que prometi isso a você

me dará mais incentivo ainda.

E agora, seremos felizes e nada

poderá impedir isso.

Durante os dias que se seguiram,

me dediquei inteiramente ao trabalho.

Organizou a equipe, planejei um

cronograma e arregacei as mangas.

Jamais tive tantas pessoas para mim,


sequer nunca trabalhei antes e isso

estava me empolgando muito, o que, por

um lado, era um luxo, mas, por outro, um

desafio, porque era muito difícil

coordenar

trabalho

de

tantos

funcionários. Anthony era o herói desse

lugar.

Trabalhava intensamente até as 16h

ou 17h, dependendo do progresso do

dia. Enquanto todos faziam uma pausa

no meio do dia, inspecionava o trabalho,

que em geral era impecável, garantindo-

lhe um progresso mais veloz que o

antecipado.

Chegava em casa apenas na hora

do jantar. Então, como sempre, jantei

com Anthony e Norah. Após o relatório

dos avanços no pré-operatório e

fisioterapia. Tom, ainda se sentia

relutante em falar abertamente sobre.


Assim, ele passava a maior parte do

jantar perguntando sobre a empresa.

Depois do café, pedia licença para sair,

o que me fazia olhar para a expressão

distante que ele sempre lançava.

Não era exatamente agradável e eu

entendia perfeitamente como ele se

sentia, mas pelo menos agora estávamos

começando a nos acostumar com a rotina

e a aprender a não se sentir tão

constrangida na presença um do outro.

Nos amávamos e isso era o que

importava.

Contudo, alguma coisa estava

diferente esta noite. Terminei a conversa

com Norah e me dirigi ao quarto,

Anthony estava do lado externo do

quarto que dava para o jardim.

— Venha. Vai acabar pegando um

resfriado. — Disse, reforçando o

convite com um gesto.

— Acha que vou voltar a andar

Kate? — Perguntou, enquanto sentava-

me diante dele.
— Claro que sim. — Peguei em

sua mão. — Como pode ter tantas

dúvidas após todos os médicos que

consultamos e que disseram o mesmo?

— Acrescentei com um sorriso nos

lábios.

— Que sorte a minha — disse ele,

lamentando algo. A distância dos olhos

dele subitamente pareceu preferível ao

calor dos meus olhos.

Então

venha

disse,

levantando e estendendo a mão. —

Quero lhe mostrar uma coisa.

— Para onde está me levando? —

Perguntou Anthony, enquanto o conduzia,

através do jardim.

— Você verá — respondi,

conduzi-o até o lugar exato do nosso

primeiro encontro. O canteiro de

gérberas.
Era uma área iluminada e linda,

continuava sendo a minha parte favorita

da casa. Flores perfumavam o ar. De

algum lugar invisível vinha um ruído de

água que provavelmente era da fonte um

pouco mais adiante, em conjunto com o

som da noite que criava uma melodia

ambiente.

— É o jardim mais bonito que já

vi — disse enquanto vagava pelos

canteiros.

Anthony estendeu um braço até as

flores e colheu uma. Com um gesto

solene, ele me entregou a gérbera em

tom salmão.

— Lembra-se?

Fitei-o por um instante.

— Claro que sim.

Suspirei longamente e voltei a

caminhar pelo jardim, conduzindo Tom.

— Meus pais namoravam muito

aqui, lembro de quando criança ficar

olhando da janela do meu quarto

enquanto eles dançavam Sinatra bem


aqui. E meu pai sempre dava uma

gérbera a minha mãe.

Anthony quase nunca falava sobre

família ou recordações de infância.

— Quando seu pai morreu? Eu não

me lembro.

— Tem alguns anos. Ele pegou

uma

pneumonia

depois

uma

insuficiência pulmonar.

— A sua mãe sofreu muito?

— Eles estavam divorciados.

Norah já morava na Grécia.

— Entendo.

— Ela se sentia uma prisioneira

aqui. Quando ela se apaixonou por meu

pai e eles se casaram. Foram muito

felizes juntos. Muito, muito felizes. Mas,

depois as coisas ficaram estranhas...

Permanecemos em silêncio por

alguns
instantes,

enquanto

continuávamos caminhando pelo jardim.

— Ela o amou muito, mas ele era

alguém difícil — disse Anthony fi-

nalmente.

Assenti

com

cabeça,

aparentemente

perdida

em

meus

próprios pensamentos.

Contudo, apesar de todo o

romance, estava claro que não havia um

final feliz para essa história. Podia

sentir que esse fato trazia até nós.

— As pessoas se desapaixonam.

Paramos diante de um chafariz,

fitando de olhos vazios as estátuas de

mármore esculturas gregas. Era uma

obra de arte, mas notei que não via a


beleza da peça, porque minha mente

estava fixa em outro evento, outro

tempo.

— Quando ele morreu, Norah

voltou para morar aqui. E eu escutava

ela chorar todos os dias, agarrada as

roupas do meu pai.

— Que coisa terrível — disse. —

Sinto muito. Ela deve ter sofrido muito.

— Quando completei a maioridade

insisti que ela voltasse para a Grécia.

Aqui está ela de novo. Vejo seu olhar

pelos cantos, tudo por minha culpa.

Por

algum

motivo,

Anthony

obviamente se julgava responsável pela

mudança de planos de todos e pelo

sofrimento que todos carregam.

— Você não devia se culpar.

Ele voltou os seus olhos frios de

fúria para mim.

— Você está enganada — disse


entre dentes cerrados. — Não é a mim

que culpo.

Ele se virou e saiu apressado

pilotando a cadeira de rodas, deixando-

me sozinha. Vendo que ele largara a flor

no chão, abaixei-me para pegá-la.

Estava amassada, pelas rodas da cadeira

de rodas.

Lutando contra o medo me virava o

estômago, segui Anthony e, com dedos

trêmulos, abri a porta de vidro do quarto

pela área externa. Depois de uma rápida

procura, encontrei-o já deitado na cama.

Anthony não se moveu nenhum minuto na

cama, nem quando acendi todas as luzes.

No banho, o calor da água afastou

um pouco o cansaço do dia, mas nada,

nem mesmo o perfume suave do

sabonete caro, ou a enorme toalha

felpuda, ou o luxo oriental daquele

banheiro, podia diminuir a dor em meu

coração e o medo que tomava seu rosto

branco como mármore. Depois de ter

escovado os dentes, passei um gloss de


cor clara nos lábios ressecados e,

envolta em seda e rendas, voltei ao

quarto.

Na

penteadeira,

entre

uma

escovada e outra no cabelo o espelho

me dava uma visão clara de Anthony. A

mão, onde uma aliança grossa de ouro

brilhava como uma algema, refletiu no

espelho, e o rosto que a olhava mostrava

uma dor intolerável. Pouco a pouco,

usando toda a força de vontade,

transformei a angústia numa máscara

inexpressiva e controlada.

Deitei na cama e toquei seu ombro

insistentemente forçando-o a abrir os

olhos, ele me olhou outra vez com

intensidade.

— Sei que está amargurado —

comentei

duramente.

Depois,
com

suavidade: — Ambos erramos, mas

iremos superar isso. Ou você concorda

ou não fará sentido que eu continue

nessa casa. Ou você prefere que a

Meggie esteja aqui com você?

— As coisas não precisam

ser assim — disse Anthony,

inesperadamente. — Sei que estou sendo

infantil. Mas só tenho medo que você

esteja ao meu lado por culpa.

Senti a revolta substituir a

angústia. Como ele ousava pensar que...

que eu estava com ele por pena? Logo

eu?

— Mas é claro que não seu tolo!

— Respondi, com altivez.

Ergui os olhos para ele, revelando

meu ódio, mas Tom deu um sorriso

diabólico e disse, rouco:

— Então, deixa eu mostrar o

quanto te amo. — E puxou-me para si.

De: gerrardobrien@gmail.com

Para:
katherinegardner_24@gmail.com

Olá.

Gostaria de ter escrito antes...

Não sei como as coisas possam

estar aí, só sei que sinto a sua falta e

tenho sido paciente em receber qualquer

notícia sua.

Te adoro.

Gerrard.

De:

katherinegardner_24@gmail.com

Para: gerrardobrien@gmail.com

Gerrard!!!!!!!!!!!!!!!

Você não sabe o quanto as coisas

realmente estão sendo difíceis.

Eu também gostaria de ter ligado,

mas numa ligação não posso dizer tudo.

Anthony passará por algumas

cirurgias antes de poder se recuperar

totalmente.

Eu gostaria de poder conversar

com você pessoalmente.

Não poderei ir a Londres tão cedo.

Comunico assim que for.


Kate

De: gerrardobrien@gmail.com

Para:

katherinegardner_24@gmail.com

Vocês voltaram?

Gerrard.

De:

katherinegardner_24@gmail.com

Para: gerrardobrien@gmail.com

As coisas são estranhas.

Noutras confortáveis.

A maior parte do tempo fico

confusa.

Para:

katheringardner_24@gmail.com

De: gerrardobrien@gmail.com

Você o ama?

Gerrard

De:

katheringardner_24@gmail.com

Para: gerrardobrien@gmail.com

Sim.

Kate

De: gerrardobrien@gmail.com
Para:

katheringardner_24@gmail.com

As coisas melhoraram.

Antes você não respondia essa

pergunta.

Tenho que ir.

Palestra.

Beijos

Gerrard
Meses depois
Os últimos meses foram corridos.

Aprendi muito.

Cresci conforme cada dia passou

cheio de aprendizado e também de

conflitos internos que venci.

Antes de entregar Anthony a mais

uma cirurgia, preparei meu coração não

só para os ricos de qualquer um

procedimento médico, mas para caso de

dar errado. Desfiz minha apreensão em

um sorriso. Era toda a minha confiança e

fé que eu gostaria que ele visse antes da

anestesia fazer efeito. Sua mão apertou a

minha, forte, parecia um durão, mas no

fundo era só um menino. Seus olhos se

fecharam com um lindo sorriso ainda

meio grogue.

Quando o médico

aumentou as nossas esperanças, eu

fiquei radiante. Anthony finalmente

voltara a andar.
De que outra forma eu

poderia me sentir? Finalmente isso

traria um pouco de paz a Anthony e

consequentemente a todos em casa, já

que todo o dia temos que aguentar suas

oscilações de humor.

Algo pesado e deliciosamente

quente pressionava meu corpo. Abri os

olhos devagar; aquele "algo" era o braço

de Anthony. Com certeza tinha virado

durante a noite, na direção dele, que me

puxou para junto de si. Observei o corpo

imóvel, reparando na barba que

começava a nascer e nos cabelos que lhe

caía sobre a testa.

Era bom senti-lo tão perto! Podia

até imaginar que estávamos juntos agora

e para sempre, porque nos amamos.

Tinha uma vontade louca de passar a

mão por aquele corpo que conheci tão

intimamente e sentir o calor, os

músculos fortes que me abraçaram com

tanta paixão! Mas seria melhor evitar

aquela situação perigosa. Tentei me


mexer, mas o braço de Tom me segurou

com mais força, instintivamente.

Ele abriu os olhos e me viu ali, os

seios tocando seu peito cabeludo.

Nenhum dos dois falou. Ele apenas me

abraçou, fazendo-me rolar até que

ficasse sobre ele. Com muita calma,

beijou-me

pescoço,

mas

logo

trocávamos

beijos

mais

ardentes,

despertando a louca paixão que nos unia

naquele momento.

A luz suave do amanhecer envolvia

nossos corpos num doce convite ao

amor. Anthony começou a mordiscar a

minha boca, eu suspirei antecipando o

prazer de me unir a ele. Fechei os olhos

para sentir o calor daquele corpo viril


que se moldava a cada curva do meu.

Rolamos na cama, os lábios úmidos se

procurando com uma pressa apaixonada.

O meu corpo todo vibrava, os seios

palpitando,

coração

batendo

acelerado, enquanto os músculos de Tom

se enrijeciam pela ansiosa necessidade

de dar vazão aos nossos desejos.

Eu parecia flutuar numa nuvem.

Seria capaz de passar o resto da vida no

doce refúgio dos braços de Tom. Mas

ele levantou e logo pude ouvir o barulho

do chuveiro. Quando voltou ao quarto,

apenas

coberto

com

uma

toalha

amarrada na cintura, quis trazê-lo de

volta para junto de mim, para que

permanecessem
aquela

adorável

sensação de cumplicidade.

— Tom... — chamou com timidez.

— Vamos deixar a conversa para

depois. — Ele passou a mão pelos

cabelos molhados. — Agora vamos

dormir.

O café da manhã parecia tenso.

Anthony mal me cumprimentou. E

continuou imerso na leitura do jornal

enquanto fazia o desjejum.

Norah me olhou curiosa e vez ou

outra inclinava a cabeça e em gestos me

perguntava o que havia, ignoro o que se

passa na cabeça misteriosa de Anthony.

Antes de sairmos a empresa,

Anthony me chamou:

— Vamos conversar um momento

no escritório, Katherine.

Tremi: havia chegado o momento

da confrontação. Entrei na sala e vi que


ele tinha se servido de uma dose de

uísque, o que normalmente não fazia.

Fiquei curiosa e preocupada, intuindo a

gravidade da situação.

Tom foi para junto da janela e, de

costas para mim, começou a falar, em

voz calma e compassada.

— Kate, sobre ontem à noite... —

Fez uma longa pausa, antes de continuar.

— Nunca deveria ter acontecido e, se

não estivesse meio adormecido, teria

parado em tempo.

— Não foi culpa sua.

— Não podemos continuar assim,

só vamos criar mais problemas. Pensei

que conseguiria dominar a situação, mas

não levei em conta que sou humano. O

que estou querendo dizer, Kate, é que

vou fazer a única coisa decente que me

resta. Vou libertá-la de nosso acordo.

— Não existe mais nenhum acordo

entre nós. Estou aqui porque ambos

queremos. — O lembrei, desejando

desesperadamente achar uma maneira de


evitar aquele rompimento.

—Não posso mais conservá-la

aqui, seria desprezível da minha parte.

Tudo seria diferente se você...

Se fosse mais bonita, atraente ou

perfeita? Ou se me jogasse aos seus

braços a toda hora fazendo-o se

apaixonar por mim?

— Eu concordei que você e Norah

ficassem aqui enquanto estive inválido,

porque vi que se sentia culpada e era o

mínimo que eu poderia fazer para que

você não se sentisse assim.

— É a Meggie?

— O que tem a Meggie?

— Você se apaixonou por ela?

— Claro que não. — Ele evitou os

meus olhos e continuou falando. — Não

tenho o direito de pedir nada, nem de

exigir que você se force a ficar aqui por

remorso. Estou andando e estou bem. É

vida que segue.

— Idiota! Não vê que eu o amo?

Pela primeira vez vi que Anthony


quis ter uma reação, mas não saiu do

lugar.

— Talvez você tenha razão —

disse. — Afinal de contas... um homem

como você, não perde tempo com amor.

Você só pensa em conquistas e em ter as

coisas e pessoas do jeito que você quer.

Já que me venceu agora sou um joguinho

cansativo para você.

— Exato. Eu a desejei muito, pelo

menos no princípio. O amor é para os

tolos e para garotas ingênuas e cheias de

sonhos, como você, que ainda acreditam

na pureza de sentimentos. Como agora já

sabe, amor e atração física não são a

mesma coisa. Você amava o homem que

a comprou e o que houve entre nós foi

puro desejo. É um fato que não pode

negar.

— Por que acha que estou

negando?

— Porque deve pensar assim. Para

você, o desejo é consequência do amor,

mas eu lhe mostrei que não é bem assim!


Tom andava de um lado para outro,

como se esperasse que de uma hora para

outra fosse encontrar uma solução

mágica para todos os seus problemas.

—Torno a oferecer sua liberdade.


Anthony
Acho que o mundo parou no

momento em que propus a Kate a

separação novamente. Sei que posso

parecer instável e que aos olhos de

muitos, eu sequer a amo de verdade.

— Anthony! — A voz de Norah

interrompeu meus pensamentos, e virei

para vê-la se aproximando. — Você

queria me ver?

Segurei um suspiro.

— Sim — respondi.

— O que houve? — Norah

sussurrou, desapontada.

— Mãe, eu quero que você volte

para a Grécia! — Disparei.

— Eu voltarei em breve, só quero

ter certeza que estou bem...

— Estou bem Norah, pode ir.

— Porque está me expulsando?

Quer ficar tão a sós com Kate? — Ela

falou, desanimada.

— Ela também estará de partida.

— O quê? De novo?
— Desta vez será definitivo e não

voltarei atrás.

— Não estou entendendo.

— Eu não quero que ela sofra.

— Ela o ama, porque sofreria?

— Não posso conviver com a

infelicidade dela.

— Bem, eu continuo sem entender.

— Lembra quando você e o papai

se divorciaram?

— Anthony...

— Então, eu ainda lembro do

quanto você adiou essa decisão só por

minha causa. Lamento que tenha sido tão

infeliz com ele, por tanto tempo. E ainda

depois da morte dele ter que reviver

tudo.

— Querido... — ela me abraçou.

— Você é um homem completamente

diferente do que seu pai foi.... Você

errou em vários pontos, mas é tão digno

de ser amado.

— Eu acho que não. Assim como o

meu pai, sou incapaz de atrair as


pessoas espontaneamente.

— Mas a Kate ficou porque sente

amor por você.

— Talvez.... E se ela apenas se

acostumou a tudo, se ficou por pena de

um mero invalido. Se sentiu culpa ou

remorso? Eu não quero ter essas

dúvidas. Prefiro que ela vá.

— Você vai abrir mão da sua

felicidade de novo? Depois vai se

arrepender, ir até ela e esperar o quê?

Outro acidente que te faça criar juízo?

— Mãe!!! Parta o mais breve

possível. Seja feliz. Eu buscarei a

felicidade também sem magoar ninguém

mais.

— Anthony, eu...

— Eu amo você mãe. Se nunca

disse, quero que você saiba que eu

agradeço tudo o que fez por mim.

— Eu não teria feito diferente, nem

se quisesse. Você é o amor da minha

vida.

— Me faça um favor.
— Qual?

— Reconstrua a sua vida. Eu

cresci e posso me adaptar a um

padrasto, contanto que ele não seja mais

novo que eu.

Rimos.

Norah chorou e me abraçou

novamente.

— Lembrei de algo... quando você

caiu a primeira vez da bicicleta, criou

pavor a ela. Eu demorei dias até que

você subisse numa novamente. Depois

se tornou seu brinquedo favorito.

— Não entendi.

— Não deixe o medo de errar o

domine. A vida é feita disso.


Kate
Algumas vezes quando você tem

amor, você tem uma brisa diferente para

seguir. Quando existem coisas que não

podem ser substituídas, é como se

houvesse

arco-íris

em

um

dia

ensolarado logo após chuvas intensas.

Perder Anthony mais uma vez, faz com

que me sinta em um eterno dia de chuva.

Na hora que saí de casa — mais

uma vez, para variar — os empregados

não me deram tanta bola. Talvez

achassem que eu o estava abandonando.

Nem a senhora Stevens veio me

cumprimentar. Tratei de sair o mais

rápido que pude. Anthony, havia

dispensado

motorista.

Ele
pessoalmente me levaria até o destino

final, confesso que o fato me deu um frio

na barriga. Principalmente, depois do

que Norah disse sobre ele dirigir.

Ele parecia ainda mais charmoso

recostado no conversível. Trajava uma

calça preta e uma camisa em tom azul

pálido. Os cabelos castanhos estavam

revoltos e um suéter de caxemira estava

jogado sobre os ombros de maneira

elegante. Por que ele tinha um jeito tão

especial de usar roupas casuais? Me

perguntava ao mesmo tempo em que

admirava a imponência do poderoso

Anthony Carter.

Ele não fez menção de se

aproximar para me ajudar com as malas,

simplesmente acenou com a mão no ar.

Seria apenas um cumprimento ou se

tratava de um comando? Pensei. Um

empregado, pôs as malas no porta-

malas.

Mas, de qualquer maneira, que

diferença faria? Ele já havia tomado sua


decisão.

— Estou pronta para ir. Tem

certeza que irá dirigir?

— Não se preocupe, não irei

provocar um acidente. — Ele respondeu

arqueando uma sobrancelha.

— Não... — murmurei. — Não foi

isso que eu quis dizer.

Anthony

abriu

porta

do

passageiro e avisou:

— Entre logo ou desistirei de

leva-la...

Ele contornou o veículo e entrou

pelo outro lado, acomodando-se atrás do

volante.

Parecendo não ter pressa em

movimentar o carro, Tom apoiou uma

mão na direção e outra no encosto do

banco e girou o corpo de maneira a

encarar-me:
— Eu te amo.

Olhei-o

com

surpresa.

Não

entendia a razão de toda aquela

contradição. Ele nem mesmo me

cumprimentou ou me deu um simples

beijo no rosto. Não entendo o seu amor,

ao me querer longe.

— Eu disse que te amo — ele

repetiu.

— Tem certeza?

— Eu quero você e não achar que

a tenho.

— Isso é ridículo! Você é maluco.

— Prefiro que diga que sou

excêntrico.

Anthony

exclamou

balançando a cabeça. — Eu não me

sinto confortável. Não depois de tudo o

que fiz, simplesmente ignorar e seguir


em frente.

— Você está enganado. Se me

amasse de verdade, faria isso por nós.

Porque estou disposta.... Digo, já

esqueci tudo.

— Talvez um dia você mude de

ideia e não quero ter sido empecilho na

sua felicidade.

— Você fala coisa com coisa, eu

prefiro realmente ir embora.

Anthony não insistiu. Ligou a

ignição do veículo e movimentou o

carro acompanhando o tráfego assim que

passamos pelo portão da casa.

Permanecemos em silêncio por um

longo tempo. Até que estranhei o

caminho que estávamos fazendo e

aproveitou a parada do carro em um

semáforo para questionar:

— Para onde estamos indo?

— Preciso fazer algo antes.

Imaginei que ele me levaria direto

para a casa dos meus pais. Obviamente

ele não estava tão apressado em se


livrar de mim.

— Essa é a ideia. A menos que

tenha outra coisa em mente — ele

respondeu com um sorriso sensual.

— Não. Posso esperar, vossa

majestade.

Anthony

estacionou

carro

próximo a marina onde haviam muitos

iates ancorados no cais. Um dos iates,

era extremamente charmoso e luxuoso.

Com letras douradas em escrita

desenhada em estilo da realeza, o iate

estava identificado como: Katherine.

— Não entendi por que me trouxe

aqui.

— Sei que cometi muitos erros.

Que minha forma de redimir para você

parecer ser falta de amor. Queria que

Katherin respondesse que você é a única

mulher que sempre dominou meu

coração obcecando a minha mente desde


sempre.

— Porque me afasta?

— Porque não quero que você

sofra.

— Irei sofrer se não estiver ao seu

lado.

Me aproximei, pondo as mãos em

seu rosto.

—Não faz isso com a gente.

Preciso de você — argumentei.

Com uma mão deslizando para a

nuca de Anthony, puxei-o para mais

perto e, inclinando a cabeça, toquei com

os lábios nos dele.

Tom reagiu, surpresa, o que fez de

imediato

aumentar

pressão,

continuamos a nos entender em um lento

e sensual beijo e prometendo entrar por

um caminho excitante que não tenho

palavras para descrever. Me apoei

contra Tom, aturdida, abalada e, por que


não dizer? desnorteada. Quando, afinal,

nos afastamos, respirei, descontrolada,

tremendo da cabeça aos pés.

— Parece que nunca conseguirei

ficar longe de você! — ele disse.

— Muito mais do que poderemos

pôr em palavras. — Anthony correu as

mãos pela minha face, olhando-me e

imaginando se o beijo fora tão glorioso

para mim como para ele.

— Farei melhor que isso. — De

repente, abraçou-me, prendendo meu

corpo com força de encontro ao peito.

— Eu lhe mostrarei.

Pela segunda vez Anthony me

beijou.

Tudo aconteceu tão depressa que

mal tive tempo para respirar antes de

receber o sensual e abrasador beijo.

Contra toda lógica, o que havia

sido dito até agora, alterou o estado com

um calor brotando de dentro, primitivo,

sem controle: como o desejo.

— Você não tem o direito de


desfazer tudo entre nós! — meus olhos

brilham furiosos.

Subi a bordo do iate Katherine,

tremendo ao relembrar o abraço e o

beijo ávido. Depois de verificar todas

as instalações, desci até o aposento

principal, o qual continha apenas uma

cama de casal, aconchegante, em acordo

com o luxo que havia no iate.

— Vamos partir? Agora mesmo?

— O que disse? E a empresa? E

tudo? — questionei.

— Não preciso de nada disso

quando estou com você. Vamos?

— E você sabe pilotar essa coisa?

— Claro. E se não soubesse,

adoraria entrar em deriva com você!

— Você não vai mudar de ideia

não né? Tipo mandar eu descer em

alguma ilha deserta.

— Talvez eu faça você descer

numa ilha, mas seguirei você e farei

questão de transar com você em cada

sombra de coqueiros que houver.


— Antes que você se arrependa, o

beijarei outra vez.

Anthony me romou nos braços e

cochichou, próximo a mseu ouvido:

— Sendo assim, por que esperar?

Vamos começar agora mesmo essa lua

de mel.

Ele me apoiou contra a parede

mais próxima, encaixando-me com

perfeição entre suas coxas. Nossas ca-

beças se aproximaram, e os lábios se

tocaram, numa explosão de calor jamais

sentida ou sonhada por mim.

Passando os braços pelos ombros

dele, retribui o beijo, sabendo que não

poderia desperdiçar outra chance de ser

feliz com Anthony.

Agora que resolvemos tudo, nossa

pretensão

era

esquecer

qualquer

decepção um com o outro. Mereciamos

muito aquilo. Meu coração e mente


clamavam para que me possuísse. O

corpo parecia querer explodir de

desejo.

— Vou desancorar. Quero te amar

no meio do oceano.

— O que fez você mudar tão

rapidamente de ideia?

— Não posso ter medo de perder

você sem tentar segurar você pra sempre

não é?

Um único toque na boca foi

suficiente para Tom arder de paixão. E,

quando

ele

aceitou

carícia,

entregando-se, ele parecia a própria

lava de um vulcão. O perfume especial e

fresco me levava à loucura.

Sentiu as curvas do meu corpo

moldadas a seu corpo e a fúria com que

eu o beijava. Não havia como parar num

só beijo. Fingir que algo extraordinário


não acontecia entre nós é impossível.

Como

se

estivessemos

predestinados a ficar juntos. Nossa

história estava escrita no livro do

destino. Mas, ao mesmo tempo, mesmo

que eu tenha tido duvidas a maior parte

do tempo, enfim, encontrei a pessoa

certa, que me ama.

Confesso que esperei todo esse

tempo para que esse casamento torna-se

perfeito com uma romântica lua-de-mel.


Anthony
Dias depois

A lua de mel finalmente foi

perfeita. Assim como sonhei desde que

me apaixonei perdidamente por Kate.

Ela tem tudo de especial que sempre

imaginei que teria, mas meus olhos

cegos não estavam dispostos a ver.

Norah me ligou tantas vezes para

dar parabéns e pedir que fossemos

visitá-la na Grécia. Kate se animou, e eu

nem tanto. Acho que vou ter muitos

ciúmes de todas aquelas esculturas

peladas

de

homens

musculosos

encarando ela. Além do mais, sei que

ela se animou mais ainda depois de

assistir Thor.

Não posso vacilar.

Minha vida mudou completamente,

mais ainda desde que ela entrou na

minha vida. Agora temos uma rotina, e


mesas na mesma sala. Tento me

concentrar

enquanto

estamos

trabalhando, errei a assinatura em

papeis

simplesmente

por

estar

admirando-a.

Quando

não,

estou

ocupado

contando as horas para chegarmos em

casa e trancá-la no quarto por horas a

fio, até que eu possa amá-la muito.

Kate está sempre tão dedicada ao

trabalho que quase não nota que estou

namorando-a descaradamente com os

olhos.

Meu telefone começou a tocar, e

despertou a atenção dela, mas logo

voltou a assinar papéis e inserir dados


em planilhas.

— Alô?

— Oi docinho.

— Você?

— Pensou que eu tivesse sumido?

— O que você quer? — diminui o

tom de voz para que Kate não

percebesse nada.

Tenho

uma

surpresa

maravilhosa para você. Soube que

chegou da lua-de-mel.

— Não me apronte nada ou vai se

arrepender...

— Um de nós irá se arrepender

muito. Esse alguém não será eu.

Após rir diabolicamente, Meggie

desligou o telefone na minha cara.

Permaneci pensativo o resto do

dia.

O que será que ela estava

aprontando?
15
Kate
O quarto estava às escuras, a não

ser pela luz fraca da luminária próximo

ao sofá onde Anthony lia seu livro.

Não conseguia dormir. Agora, a

insônia é minha companheira das noites.

Assim como os passos firmes que

pareciam vir na direção da minha cama

e a voz grave e assustadora que me

chamava:

— Katharine.. .

De repente, acordei, sobressaltada.

Sentei-me com ímpeto, meu coração

batia forte e um nó na garganta me

impedia de engolir. Para acalmar,

respirei fundo e olhei ao redor para ter

certeza de que fora apenas um sonho e

que eu estava em casa com Anthony ao

meu lado.

Apenas um pesadelo.

Seria um presságio? Questionei-

me.

Tudo

estava
tão

perfeito

ultimamente que meu maior medo era

perder toda essa felicidade novamente.

— Kate? Você está bem? —

Anthony despertou num sobressalto.

— Só um pesadelo bobo.

Anthony assentiu, mas a expressão

em seus olhos dizia mais do que

qualquer

palavra,

que

estava

preocupado com algo desde que atendeu

uma ligação mais cedo no escritório.

Temi que fosse algo grave, mas ele

me confortou dizendo ser apenas

problemas da empresa e negociações.

Agora, podemos começar a fazer planos

de vida. E esse pesadelo, medo bobo,

logo me deixaria em paz.

Apenas sabia que não permitiria

que aquela sensação maligna estragasse,

nem por um instante, um segundo, a


felicidade que sentia agora. Uma

felicidade que surgira como um milagre

— um milagre que se realizou devido à

incrível maturidade que adquiri com o

acidente e tudo que aconteceu entre mim

e Anthony. Devido ao amor e devoção

que sentia por mim, eu estava

apaixonada por ele, tal qual ele

esperava que acontecesse.

Tornei a sentir um aperto no

coração.

Eu estava feliz, e isso era tudo que

importava. Eu daria tudo, qualquer

coisa, em dobro por tamanha felicidade.

Nada mais importava.

Repeti isso para si mesma até a

frase

se

transformar

num

refrão

constante nos recessos sombrios da

mente.

Nada mais importava. Apenas


ficar com Anthony para sempre.

Corri para o sofá, levando o lençol

e me aninhei junto a Anthony que me fez

um cafuné antes que eu pegasse no sono.

Passamos

dia

separados,

Anthony e eu. Ele teve muitas reuniões

com investidores e eu fui visitar as

novas instalações da empresa em Lake

Worth. Dezesseis minutos apenas de

viagem, esperava não gastar mais que

uma manhã resolvendo todos os detalhes

necessários.

Ao voltar para empresa, não avisei

pelo celular ao Anthony que já estava

chegando, conferi com a secretária que

ele já estava livre e esperava fazer uma

surpresa para ele. Quem sabe tirar o

resto do dia de folga e nos isolar do

mundo no conforto dos nossos lençóis.


Assim que pisei na sala, algo prendeu

meus olhos e minha atenção. Era

Anthony, com aquela mulher asquerosa

no colo praticamente possuindo o corpo

dela.

Sai furiosa, o coração esmurrava.

Eu sabia que não iria demorar para ele

aprontar algo de novo, mas com essa

mulher? Ele não poderia negar ou

argumentar que estava com ela para

proteger a nossa relação, eu já sei de

tudo e não vejo como ela poderia nos

ameaçar.

A hipocrisia de Anthony Carter

não poderia me ferir, e eu não permitirei

que ele me fira. Nunca mais!

Percebi que tremia de raiva.

Embora se tratasse de apenas um beijo,

para mim só podia parecer um calvário.

Devolvendo as lembranças que me

afligiam como veneno no cérebro, os

gemidos de Anthony e a aeromoça no

avião. Tão perto. Um curto momento me

levou de volta para lá.


Caminhei apressada cruzando o

imenso corredor para procurar o

banheiro. Precisava me recompor antes

de voltar a sala e confrontar aqueles

infelizes. Vou sufocar o amor que sinto

por ele.

Pelo menos calma por fora, saí do

banheiro e me dirigi de volta ao

escritório.

Mais

uma

vez,

garganta

embargou de emoção antes que eu

chegasse a sala.

Uma mão forte agarrou meu braço.

Ao

me

virar

era

um

homem

extremamente grande e arrogante, me


puxando em direção ao elevador.

— Quem é você? — Gritei.

— Cale-se!!! Haja normalmente ou

irá se arrepender. — Ordenou.

Segui calmamente — se é que

posso expressar dessa forma o pavor

por estar sendo arrastada por aquele

brutamontes — tal qual foi a total

inobservância das secretárias ao fato.

Ninguém notou.

homem

sem

nada

dizer,

continuou apertando meu braço até

entrarmos no elevador e ele acionar a

cobertura onde havia um heliponto.

Determinado, ele continuou a segurar

firme o meu braço assim que saímos do

elevador e me deparei com um

helicóptero a postos para uma fuga e a

fim de me levar para qualquer lugar

desconhecido.
Comecei a desconfiar que se

tratava de um sequestro.

— Eu não vou a lugar nenhum com

você.

O homem amarrou a cara.

— Você quer morrer aqui mesmo?

Demonstre alguma consideração pelos

sentimentos do seu marido, em vez de só

se preocupar com os seus.

O desaforo daquela censura deixou

me deixou fora de mim, mas ele voltou a

segurar-me pelo cotovelo com uma das

mãos. Até parecia que ele estava apenas

me conduzindo pelo caminho do

improvável, embora aquela mão de ferro

me queimasse a pele.

Ele me guiou até o helicóptero que

levantou voo. Agora o universo no qual

eu

vivo

se

torna

completamente

diferente. O desespero me incita.


"Anthony", isso era tudo no que eu

consigo pensar.
Anthony
Precisei afastar Meggie de mim
demonstrando toda a minha repulsa por

ela, pois não conseguia ter outro

sentimento além do nojo e da raiva que

ela acrescia ao meu rol de sentimentos

desagradáveis por alguém.

— O que diabos pensa que está

fazendo? — Empurrei-a e levantei

visivelmente irritado limpando a boca.

— Vai dizer agora que não gosta

dos meus beijos?

— Nunca estive nem aí para eles e

agora que tenho uma boca que me

satisfaz, julga mesmo que um beijo seu

me traria amor ou paixão por você?

— Cansei desse joguinho.

— Que bom, eu há muito tempo.

Só você não tinha percebido ainda. —

Ironizei.

— Eu tomei uma decisão...

— Espero que tenha sido me

deixar em paz, porque estou precisando.

— Interferi.
— Logo, logo você será meu.

— Ah não. Quando eu penso que

houve um milagre, foi só mais uma

bobagem.

— A essa altura sua amada deve

estar muito longe daqui.

— Pare com essa idiotice.

— Acha mesmo que a Kate está

visitando empresas? Eu acabei de

receber a confirmação que ela já está

sendo levada para muito longe, —

afirmou enquanto olhava a tela do

celular rindo sarcasticamente.

— O que você fez? O que

pretende?

— Você tem duas opções.

Primeira: se divorciar de Kate,

casar comigo e sermos muito

felizes juntos.

Segunda: ficar viúvo se negar a

primeira hipótese.

— Você não seria capaz.

— Ah não? Escuta só.

A maldita ligou o celular na viva


voz, onde ouvi um tiro seguido de gritos

de dor de Kate. Agora sim tinha certeza,

Meggie realmente está com ela em seu

poder e tem a mim em suas mãos.

— E então queridinho? O que

prefere? Ter o desprezo da sua

queridinha, ou o sangue dela nas suas

mãos?

— Eu aceito. Liberte ela.

— Não tão facilmente. Assine

esses papeis. — Jogou papéis na mesa.

— O que é isso?

— O pedido de divórcio. Vamos

assine. — Sua voz era imperativa.

— Maldita! — Esbravejei com

toda a força, à plenos pulmões.

— Talvez. É tudo uma questão de

opinião. Prefiro me creditar como uma

mulher apaixonada.

— Quem ama não aprisiona!

— Logo você me diz isso?

— Você quer a mim!? Ótimo. Mas

só assino, quando você trouxer Kate à

um lugar seguro. Antes disso não


assinarei nada.

— Você está testando a minha

paciência? Você não está em condições

nenhuma de negociar coisa alguma.

— Serei seu marido, escravo,

capacho, prisioneiro... O que você

quiser. Mas só quando eu tiver certeza

que Kate ficará bem.

— Não me provoque. Essa

mulherzinha nunca mais ficará entre nós.

— Essa mulherzinha, é a mulher

que eu amo. Com toda a minha força.

Meggie

avançou,

procurando

atingir meu rosto, com as unhas.

Agarrei-a, mas ainda assim ela chegou a

me arranhar, antes de ser subjugada.

— Nunca vou perdoar você —

murmurei, entre dentes. — Nunca! Até o

dia em que morrer!

Ela deu um sorriso cínico.

— Se eu não casar com você, o

que vai fazer? Vai matar a Kate? —


perguntei, em voz baixa.

— Não só isso, como destruirei

você.

— Muito bem, você tem todas as

cartas.

— É claro que sim. — Sorriu, e

voltou a sentar. — Vamos então selar

nosso compromisso?

— Traga-a de volta imediatamente,

e ainda hoje serei seu.

Naquela momento, algo em mim

morreu completamento, deixando-me

apenas mais frio e sem alma. E, o

coração de pedra. Farei o que Meggie

quer, casarei com ela. Em compensação,

farei da sua vida um inferno e ela se

arrependerá amargamente de tudo o que

está me fazendo passar.


Kate
Um raio de luar entrava no quarto,

chegando até a mesinha ao lado da

cama, clareando o vaso com belas rosas

que alguém havia colocado ali, ao lado

de um relógio despertador branco, que

tic taqueava sem parar. O meu olhar

desesperado de percorreu o quarto e

pousou no mostrador, e vi que já eram

duas da manhã.

Não conseguiria dormir, não mais

de tão atormentada por pensamentos

dolorosos. Ouvia uma coruja piando ao

longe, contei cada segundo daquela

noite, enquanto o algoz ressonava a meu

lado, calmamente. Senti o estômago

virado.

Finalmente, impelida pela náusea,

esgueirei-me cuidadosamente da cama.

Só deu tempo para chegar ao cubiculo.

Então percebi, pela escuridão e poeira

que estava numa espécie de cativeiro. E

que minha perna doía e sangrava, mesmo

com uma atadura feita numa espécie de


curativo.

Minha

cabeça

imediatamente

recordou de um tiro, enquanto esse

monstro falava ao telefone. Depois de

voltar, me apoiei na parede, muito fraca,

até a respiração voltar ao normal.

Enquanto arrastava a perna machucada,

pensei: "Meggie deve estar por trás de

tudo isso, ou talvez seja um sequestro

em busca de dinheiro".

Estremeceu, quando me voltaram à

memória os longos minutos de terror. O

tiro, o susto, o sangue algo me fez

desmaiar. O sequestrador era de fato

muito

violento,

não

estava

para

brincadeiras. Se atirou em mim, queria

provar ou mostrar a alguém que era

capaz de tudo. Ele acordou antes que eu


pudesse voltar silenciosamente a cama.

— O que está fazendo sua vadia?

Não

resisti,

mas

minha

passividade desdenhosa e tranquilidade

aparente o enfureceu, a ponto de ele

murmurar

em

meu

ouvido:

— Não banque a engraçadinha, ou

o próximo tiro vai ser nessa sua carinha

linda.

Ele me jogou de volta na cama

fédida. Fiquei deitada, imóvel, os olhos

fechados para não vê-lo, tentando

dissociar a minha alma do que estava

acontecendo comigo. Pensei em Anthony

no

quanto

ele
deveria

estar

desesperada. Mas, tenho certeza que o

que esse maldito pedir, ele vai pagar e

logo

esse

pesadelo

vai

acabar.

A perna começou a doer, arder e

latejar. Ao invés de gritar, prendi o

choro e pus as mão no rosto para abafar

a dor. Enquanto sentia aquela reação

diabólica, minha mente continuava

lúcida.

O maldito se dirigiu a mim

novamente.

— Olhe só o que conseguiu, fazer

a perna sangrar novamente.

Ele mecheu na perna, para trocar a

atadura.

— Preciso refazer o curativo.

Comecei

a
respirar

convulsivamente de dor. Depois de um

instante, a dor alivou, e ele voltou-se a

mim dizendo, sem notar meu rosto

molhado de lágrimas:

— Não faça esforço de novo, ou

vai ficar cada vez pior.

Ele pôs a mão em meu ombro e

estremeci de ódio. Virei a cara. Irritado,

ele disse um palavrão baixinho e falou

com frio desdém:

— Pode dormir agora. Não quero

mais saber de bancar a babá esta noite.

Mas foi ele quem dormiu, e eu

permaneci acordada durante horas,

odiando-o e olhando cada canto daquele

lugar para encontrar uma saída. Estava

tão segura de mim! Como se eu

realmente pudesse fugir com essa perna

machucada.

Tentei

afastar

aqueles

pensamentos. Precisava dormir um


pouco; senão, ficaria inútil no dia

seguinte. E não gostava de pensar que

Anthony demoraria muito a me resgatar.

Movendo-se com dificuldade, pois

sentia o corpo inteiro dolorido, virei

novamente para o lado, onde podia ver o

clarão da lua.

“Oh, meu Deus, faça com que

amanhã eu não continue aqui e que eu

não morra!"

Gelei quando ele se virou,

murmurou alguma coisa, e bateu na

cama. Fiquei apavorada, esperando que

ele me agredisse ou algo assim. Mas ele

apenas puxou minhas mãos, juntando-as

a frente do meu corpo e algemando-as.

Me deixando ainda mais aterrorizada.

Pela manhã, me trouxeram café e

me senti ainda mais estranha. O cheiro

forte do café me causou náuseas, e ficou

imóvel, olhando para a xícara.

O bandido estava sentando a minha


frente.

— Coma boneca. Iremos partir

dentro de algumas horas.

— Para onde vamos?

— Sem perguntas. Apenas coma

logo!!!!

Desesperada,

fui

forçada

reconhecer além do ódio, instintos mais

profundos e mais fortes que me

assaltavam sem defesa. E, embora eu

precisasse manter a calma pelo meu

próprio bem. Minha mente só conseguia

pensar em sair ilesa de tudo isso e rever

Anthony.

Procurei

ficar

imóvel

enquanto o sequestrador me levava até

um carro, com uma toca ninja em minha

cabeça, com os buracos dos olhos

virados para o outro lado.


— Relaxe — pediu ele, baixinho,

mas eu cada vez ficava mais tensa.

Ele me empurrou no banco de trás

do carro.

Qual a parte do relaxe ele mesmo

não entendeu?

Está impossível!

Como

seria

bom

se

estivessemos indo ao término desse

pesadelo!

— Parece que finalmente irá se

livrar de mim. Vai sentir saudades? — O

infeliz comentou rindo em seguida. Senti

o sangue gelar e, meu estômago começou

a virar. O nojo daquele ser desprezivel

ou o balanço intermitente do carro não

me fizeram pensar nada, a não ser na

vontade de vomitar.

Foi inevitável. Vomitei.

Ele percebeu que eu passava mal e


me ajudou tirando a toca do meu rosto,

mandando capanga que dirigia parar o

carro, e só então percebi que havia mais

de um bandido no carro. Três. Um

inclusive estava ao meu lado.

Pus o rosto para fora do carro e

vomitei inclusive a primeira refeição da

minha vida. O mal-estar era insistente.

— A comida foi diferente do que

está acostumada gracinha? E olhe que

pedi nos melhores restaurantes. —

Zombou.

— Ela está muito pálida. —

afirmou o capanga ao meu lado que

segurou meu cabelo enquanto vomitava.

Tratei de puxar o cabelo das suas

mãos.

— Joe, ela não está bem. — O

capanga motorista advertiu.

— Calem a boca. São médicos

agora? — Joe, agora sei o seu nome,

falou nervoso. — Sabem se há algum

hospital aqui?

— Há. Algo em torno de dois ou


três quilômetros.

— Vamos até lá. — O que dirigia

sacudiu a cabeça; — Não me contrarie.

Vamos lá!

— Mas esse não é o combinado.

Temos que entregar a garota.

— Temos que entregá-la em

perfeito estado.

— Porque você nos mete nessas

coisas? Não vê que ela pode pedir ajuda

no hospital?

Joe escondeu sua tensão e disse,

sombrio:

— Muito bem. Então, levemos

ela direto. Não vá inventar de morrer

antes de eu entregar você.

Seus olhos se apertaram em

direção ao meu, dolorosamente, senti um

aperto como um soco no estômago.

Recostei-me no assento do carro.

Dentro de algum tempo, espero

estar livre de todas essas sensações:

medo, enjôo e repulsa. O capanga ao

meu lado continuava a me olhar


apavorado. Encolhi os ombros, embora

meu coração estivesse mais encolhido

que eu.

Quando o carro parou, meus olhos

estavam

fechados,

sentindo

ódio

enquanto eu fingia dormir. Tinha lido em

algum lugar que o melhor a se fazer ao

lidar com um sequestro, é manter a

calma

para

evitar

furia

do

sequestrador.

— Olhe para mim — ordenou Joe.

Quando abri os olhos, os outros dois

sairam do corpo. Estavamos numa

mansão, tão grande quanto a casa de


Anthony. — Chegamos. — murmurou.

Exausta, fiquei calada, enquanto

ele me ajudava a sair do carro. Mas

aparentemente ele só pretendia me

atormentar, pois logo voltou a me

empurrar bruscamente.

— Vamos entrar — acenou com a

cabeça para os outros.

Pouco depois entramos na casa.

— Entre. — Quando resisti,

sacudindo teimosamente a cabeça, ele

chegou perto. — Ou entra por bem, ou

por mal, antes que eu acabe com a sua

raça.

— Não quero entrar. Se vai me

matar, faça de uma vez.

Ele segurou meu rosto com força.

Minhas bochechas ficaram dormentes:

Ainda assim não abaixei o olhar.

— Sim — disse ele, como se me

desafiasse. — Faça como eu quero, e

vamos nos dar bem.

O rosto dele revelava uma ironia

enlouquecedora, enquanto um sorriso de


zombaria o iluminava.

Preparada para aguentar uma

reação violenta, me surpreendi com uma

alta gargalhada.

— Não amedronte essa infeliz Joe.

Meggie, surgiu. Eu sabia que

conhecia essa voz de algum lugar.

Parada na soleira da porta, ela zombava

da situação.

Eu nunca consegui imaginar ou

cogitar que era Meggie por trás disso o

tempo todo. Com o sol batendo nos

cabelos loiros, a cabeça um pouco

inclinada, parecia dominar a situação e

ter certeza do que fazia.

"Essa mulher é diabólica."

Era uma estranha sensação. A

capacidade que ela tinha de arquitetar

tudo nessa obsessão que ela tinha pelo

Anthony, começava a me assustar.

Lembrei-me então da mulher que

um dia havia compartilhado a cama

dele, e ajudado no plano de me forçar a

casar com ele. Porque ela o ajudou se


aparentemente o ama tanto?

Entretanto, por que se importar

com isso? Desprezaria Meggie até

morrer, nada que ela fizesse apagaria a

humilhação que ela está tentando me

fazer passar.

— Entre querida! — Falou

Meggie, adentrando a casa.

Seguindo-a pela suntuosa sala.

Algumas das esculturas e obras de arte,

eram identicas as que Anthony possuia,

o que me fez pensar se haviam

comprado juntos ou se eram imitações

do ambiente onde ele vivia, na qual

Meggie se sentia mais confortavel e

habituada. Se fosse a ultima hipotese,

ela é mais louca do que pensei.

— Saia Joe! — ordenou Meggie.

— Você..

— Se eu precisar de algo eu

chamo. Ela não tentará nada. Vá!

Assim que ele saiu, ela passeou um

pouco em silêncio pela sala e voltou-se

para mim, aproximando-se devagar.


Tapa um.

— Essa é por ter roubado o

Anthony de mim.

Tapa dois.

— Essa é pelo tapa que você me

deu.

Tapa três.

— Essa é para você não esquecer

quem manda.

Tapa quatro.

— Essa é um aviso.

Tapa cinco.

— Você quer sumir de vez ou

prefere que eu acabe com você?

Abaixei, cerrei os punhos, e

devolvi as tapas.

Tapa um.

— Esse é porque você não

aprendeu a parte do fique longe de mim.

Tapa dois.

— É por ter tentado me intimidar.

Tapa três.

— É por não ter conseguido.

Tapa quatro.
— Por ser tão baixa!

Tapa cinco.

— Porque eu te odeio.

— Vaca — disse ela. Lacônica. —

Vou te ensinar a não se meter comigo.

— Ah... — E mudando de assunto:

— Você acha que eu tenho medo de

você?

— Você deveria ter muito medo

de mim, seu maridinho tem. Tanto é que

ele se rendeu. — Trouxe até mim uma

papelada. — Anthony é dificil de se

lidar, mas eu sempre sei como.

— O que é isso?

Ela sorriu, mas a voz era fria.

— Ele fez uma escolha. Sua vida,

pelo divórcio. Assine.

— Uma escolha impossível! Sabia

perfeitamente

que

eu

tinha

que

concordar com a sua proposta.


— Eu não deixei claro? Não foi

uma proposta, é uma imposição.

— Eu teria preferido uma

imposição. Você usou seu poder para

controlar Anthony e não a mim. Quer se

casar com ele? Só por cima do meu

cadaver. — rasguei os papéis ao meu,

fiz uma bola deles e joguei aos seus pés

que indignada me fulminava com os

olhos.

— Você que pediu. Tratarei de

fazer você sofrer muito. — A infeliz

segurou minha nuca e deu uma joelhada

na minha barriga, que iniciou uma dor

inexplicável e que parecia me levar a

morte lentamente.
Anthony
O grito de Norah repetindo meu

nome na mesa do café da manhã

interrompeu meus devaneios e silenciou

a minha mente bruscamente. Não olhei

em sua direção, mas podia notar que ela

conversava algo. Sua voz inconfundível

continuava ausente.

— Cadê a Kate?

Sem

mais

nem

menos,

as

recordações me invadiram. Escutei a

voz de Norah, da mesma maneira que a

ouvia com tanta frequência naquelas

horas infernais que sucederam o

sequestro de Kate, a voz de Meggie ati-

rando contra mim todas as exigências

sórdidas que me estilhaçaram, como um

golpe de martelo desferido contra um

vaso delicado.

Os dedos fecharam se, dei um


murro na mesa.

Agora Norah se punha de pé,

segurando o meu ombro. Aguardei um

momento, depois lancei um olhar

amoroso para Norah, que estava

visivelmente preocupada.

— Eu quero saber o que está

acontecendo e não tente me enganar

dizendo que tudo está bem. Onde está

Kate?

— Mãe... — A sua atenção estava

toda para mim, que puxou a cadeira mais

próxima bem ao meu lado.

— O que está acontecendo

Anthony? — Estendi a mão para Norah,

que a tomou na sua.

— A Kate...

Ela

ficou

imóvel,

quase

cabisbaixa, o rubor flamejando nas

faces.

— Kate foi sequestrada. — Senti


um nó na garganta.

— Meu Deus! — Gritou chorando

desesperada.

— Eu não sei o que fazer.

— Você já foi a polícia? Os

sequestradores já fizeram contato?

— Meggie.

— O que tem a Meggie?

— Ela...

— Ela o quê Anthony?! Ela está

negociando com os sequestradores?

— Não. Ela sequestrou Kate.

— O quê?

— Ela exigiu que eu me divorcie

da Kate para casar com ela, em troca de

que ela a liberte, e não faça nada de mal

com ela.

Então, Norah repousou as mãos em

meus ombros. Ela murmurou algum

incentivo em grego, que eu não entendi.

Por sua vez, Norah gostava de falar

coisas em grego quando estava irritada

ou preocupada com algo. Em seguida,

com um aceno discreto para as


empregadas, ela indicou que elas se

retirassem. Eu não podia olhar para o

lugar de Kate. Entretanto, desde que

sentei, tive a impressão de escutar a voz

dele, engajada numa conversa. Será que

é porque estou angustiado, tenso? Ou ela

estava em perigo? Seria Meggie capaz

de uma loucura assim?

— O que irá fazer?

— Ceder mãe. Se eu quiser que ela

fique segura e salva. Tenho que fazer o

que essa maluca quer.

Um

calafrio

percorreu-me

espinha. Garras de gelo.

As

palavras

ardiam

na

consciência, palavras que eram como

ácido para minha alma. As palavras com

as quais chantageei o pai de Kate, agora


me colocavam numa sinuca de bico.

Preciso salvar Kate.

E dizer-lhe o quê? Dizer que irei

casar com outra mulher para salvá-la?

Precisava explicar a Kate antes.

De algum jeito. Mas como? Quando?

Quando Meggie irá libertá-la? Eu

já assinei os malditos papéis...


Kate
A
interminável

discussão,

finalmente acabou. Enquanto tentava me

pôr de pé, após o golpe, alisando e

segurando forte a minha barriga. Meggie

me arrastou até um quarto. E ficou

sozinha com Joe na sala. A tensão fazia

o meu peito esmurrar de medo.

De alguma maneira, eu precisava

descobrir um meio de fugir desse lugar e

impedir Anthony de cometer essa

loucura. Essa mulher é um monstro e vai

acabar com a vida dele.

Caminhei devagar com um pouco

de dificuldade devido a dor, até a janela

do quarto. Examinei a altura, foi quando

vi Meggie entregar um envelope a Joe

próximo ao portão. Eles conversaram

algo brevemente e ele foi embora junto

com seus capangas. Então comecei a


pensar que apesar dos dois seguranças

no portão, eu poderia tentar pular essa

janela, se não quebrar as pernas talvez

eu consiga fugir.

À noite, uma empregada entrou no

quarto pediu que eu me juntasse a

Meggie na mesa de jantar. Ela era

entojada e bancava a misteriosa,

contrariada, acabei indo.

Em resposta, assim que cheguei a

mesa, meus olhos cheios de ódio

fuzilaram aquela vaca loira. O sem-

blante de Meggie parecia não ter

mudado. Sentia-se confiante o bastante

para ainda erguer a cabeça parecendo

estar agindo “corretamente”. Porque

todo louco e psicopata, tem a mania de

achar coesão em suas maldades?

Apontando para a cadeira, ela

esperava que eu sentasse de livre e

espontânea vontade e começássemos

uma conversa sobre o clima ou coisa

assim. Continuei a encará-la, incrédula

da sua capacidade subversiva.


— Vai apenas olhar eu jantar?

— Você deveria ter medo que eu

usasse um desses talheres para furar a

sua garganta e seu sangue jorrar nessa

mesa.

— Ia ser uma cena memorável.

Continue engraçadinha assim e vá me

dando ideias do que fazer com você.

A empregada voltou a mesa.

— O que quer? Deixe-nos a sós.

— Senhora... É que...

— O que é?

— Tem uma senhora, que gostaria

de vê-la.

— Quem?

— Ela não disse o nome.

— E como ela entrou, porque

deixaram-na entrar?

— Não sei informar.

— Mas será possível que estou

rodeada de antas incompetentes? Deixe-

me ver. Fique aqui com a minha

convidada de honra. — Levantou-se,

jogando o guardanapo na mesa. — Não


banque a esperta! Caso contrário, irá se

arrepender. — Virou-se para mim e em

seguida para empregada. — Assegure-se

de que ela não saia daqui, ou vai ser ver

comigo.

Da sala de jantar, era possível

escutar o que se passava na sala devido

a curta distância e por ser uma casa com

acústica cheia de ecos.

— Norah?! O que faz aqui? — O

tom de surpresa de Meggie também me

impactou. O que Norah fazia aqui?

— Tenho certeza que você já sabe.

— Não.... Aconteceu alguma

coisa? — Meggie disfarçou o máximo

que pôde.

— Não se faça de boba Margareth.

Não subestime a minha inteligência. Sei

que você sequestrou a Kate, na verdade

você tem um trunfo valiosíssimo para

conseguir se casar com meu filho e eu

admiro seu ato. Principalmente, o amor

que você dedicou ao meu filho desde

sempre.
— O quê?!

Isso mesmo: O quê?! E eu que

sempre achei que Norah gostasse de

mim.

— Isso mesmo que você ouviu...

Kate, não merece o meu filho. Ela só o

fez sofrer.

— Anthony sabe que você está

aqui?

— Não. Ele está focado na

libertação que você prometeu.

— Será em algumas horas.... Como

soube que estava aqui?

— Esqueceu que vi você crescer

com o Anthony? Sempre juntos...

— Norah, você entende que eu fiz

tudo por amor?

— Lógico que sim. Que louco não

perceberia isso? Além do mais, eu

escolhi essa casa com a sua mãe que

Deus a tenha. Lamento que ela e seu pai,

não possam ver você casar com meu

filho.

— Não importa, graças a essa


desgraçada terá que ser apenas no civil.

— Mas o que importa eventos

diante da magnitude do amor?

— Sogrinha, ainda que sem muita

pompa, este será o evento que esta

cidade jamais viu, quiçá o país e será

magnifico.

— Eu não duvido que será. Onde

está a Kate agora?

— Na sala de jantar, tentei fazer

com que ela comesse para não ser tão

mortificada com o fato e não atrair a

pena de todos. Mas, por mim, ela

morreria.

— Posso vê-la enquanto você nos

prepara uma taça de champanhe para

brindarmos?

— Não sei se é seguro você vê-la.

— Não confia em mim? Sou sua

amiga Meggie. Torço mais do que todos

por você...

— Eu sei... é que...

— Eu gostaria de pedir desculpas

por ter defendido a Kate naquele dia e


por

não

ter

dado

você

reconhecimento merecido. Entenda, é

que eu estava enganada esse tempo todo.

Essa garota conseguiu convencer a todos

que seria uma boa esposa para meu

Tony.

— Ela está na sala de jantar.

— Não demore muito com o

champanhe querida.
Anthony
— Não — disse Peter sem hesitar

nem por um segundo. — Não acho que

seja uma boa ideia.

— Por que não? — Retorqui. —

Você teve treinamento no exército não

foi?

— Ir com você, para um lugar

desconhecido, e tentar retirar uma civil

das mãos de criminosos sem estuda-los

antes não é uma boa ideia.

— Você não está entendendo. Nós

não temos tempo!!!!!!

— Eu lhe dei minha palavra. —

Assegurou-me. — Deixe-me analisar

tudo antes de agir.

— Foi mal Pet. Eu me enganei.

Ele me olhou, surpreso.

— O que pretende fazer? Fez

contato com esses sequestradores, sabe

ao menos algum possível sinal do

paradeiro?

— Meggie.

— Meggie, Meggie ou outra


Meggie? — Um brilho predatório

iluminou

seus

olhos

Aquela

Meggie?

— Sim .

— Ela é realmente obcecada por

você.

— Agora ela está com a minha

esposa, a mulher que eu amo, que eu fiz

um monte de burrada para conseguir ter

em meus braços e a única coisa “legal”

e “coerente” que eu posso fazer é seguir

as regras do jogo dela e aceitar tudo

para que a Kate saia ilesa de tudo isso.

— Ilesa fisicamente, mas o

trauma...

— Não me fale de traumas.... Eu

acho que terei que matar Meggie.

— Matar, matar?

— Claro que é matar seu imbecil.

— Eu não posso concordar com


isso.

— Com o que ela está fazendo

você pode concordar?

— Claro que não cara! Mas, você

vai destruir a sua vida.

— Sim, mas pelo menos essa

infeliz vai ficar longe de mim.

— Quando combinou a libertação

da Kate?

— Hoje à noite, na empresa.

— Eu irei com você!

— A não ser que vá para me

ajudar a esconder o corpo dela, se for

para ser uma testemunha em potencial eu

dispenso sua companhia.

— Não faça nada com a cabeça

quente, você vai se arrepender.

— Se eu colocar ela num

congelador, ainda assim irei matá-la.

— É essa imagem que você

realmente quer que a Kate tenha assim

que sair desse pesadelo? Outro pesadelo

com você sendo encarcerado por anos

por uma vadia qualquer?


— Será muito pior se depois de

tudo eu ainda tiver que deixar a Kate

para me casar com a vaca. Você não

acha?

Você

não

precisa

casar

imediatamente.

— Você está louco? A Meggie

sequestrou a Kate, ameaçou ela de morte

cara, de M-O-R-T-E! Você pode

imaginar o que ela realmente não é

capaz se eu ficar brincando com ela?

Ele silenciou e abaixou a cabeça

instantaneamente.

— Não é só casar com esse

monstro que me incomoda. É do que ela

é capaz. Meu único interesse é manter a

Kate salva e longe dessa loucura. Que

eu a coloquei por sinal.


16

Eu tive a sensação mais estranha

Seu mundo não é o que parece

Estou cansado de entender errado

O que mais isso poderia ser

( Believe – Mumford & Sons)


Kate
Eu estava tremendo por dentro, não

era só o desgaste físico e mental que me

incomodava, mas a clara e incontestável

traição da Norah que me deixava sem

nenhum tipo de reação. O que eu poderia

fazer? De qualquer forma, a única coisa

que me preocupava nisso tudo era o

Anthony e como ele veria a acepção da

mãe e a obrigação de se casar com esse

monstro que a Meggie era.

Norah caminhou tranquilamente até

mim e me olhou fundo nos olhos e eu

fiquei pensando: como pude me enganar

com ela? Mesmo ouvindo tudo o que

acabei de ouvir da boca dela, olhar para

ela não dizia absolutamente nada sobre

essas duas caras. É, mamãe estava certa

quando sempre dizia sobre as pessoas

que: “As aparências enganam”.

— Saia! — Ordenou à empregada

que

hesitou

algum
tempo,

sendo

advertida depois — Sua patroa pediu

que providenciasse champanhe.

— Sim senhora. — Assentiu.

Após a sua saída encurralada, a

atenção de Norah voltou-se a mim.

— Norah, eu não sei o que

pretende, mas eu não esperava isso de

você.

— Não seja tola e não banque a

esperta ou dê uma de durona. Siga as

ordens e tudo acabará bem para todos.

— Como pode entregar o seu filho

nas mãos desse monstro? Será que não

percebe....

— Cale-se. Eu não pedi a sua

opinião. Apenas que não atrapalhe os

planos.

Meggie veio até nós rapidamente e

juntou-se a Norah abraçando-a pela

cintura. Pareciam grandes amigas. E eu?

Me sentia pior que nunca. Piscando,

para afastar as lágrimas, abaixei a


cabeça.

— Não importa o que você faça,

Anthony será meu pela vontade dele

inclusive. Foi apreciável o tempo que

nos fez perder, mas você deveria ter

vergonha e desistir por si mesma.

— Eu não vou desistir até que ele

confirme isso olhando nos meus olhos.

Porque com você coagindo ele e me

ameaçando eu não dou a mínima. Aliás,

se você quiser me matar faz isso agora

mesmo.

Com um impulso que me dominou

os sentidos, peguei a faca junto aos

talheres na mesa de jantar e voei com

sentido ao rosto dela, no qual ainda

consegui fazer um arranhão e o sangue

começou a pingar por entre as mãos dela

que segurava a face firme. No mais, não

me lembro de mais nada além do grito

dela e de Norah me desarmando com

eficiência, enquanto sem forças pela

fraqueza acabei largando a faca no chão.

— Kate! O que você tem na


cabeça?

— Eu não vou deixar você me

vencer Meggie, o mal nunca vence.

— Idiota! — A sua mão encontrou

meu rosto, mais rápido do que pude

pensar ou desviar e ela me deu uma tapa

enfurecida. — Eu vou acabar com você!

Esse corte vai lhe custar muito caro.

— Pode até me custar caro, mas

você ficará péssima no casamento.

Quero ver se o Anthony vai ter coragem

de casar com o scarface e se você ficará

lindinha como o fantasma da ópera.

— Maldita! — Ela pulou em minha

direção, mas foi impedida por Norah.

— Já chega! — Norah apaziguou a

situação. Mas que falsa. — Será que

você não vê que é isso que ela quer?

— O quê? — Isso mesmo: o quê?

Perguntou Meggie atordoada e curiosa.

— Ela quer desestabilizar você

Margareth. Fazer com que se perca pela

raiva e ela se torna a grande vítima, a

coitadinha aos olhos do Anthony. É isso


que você quer menina tola?

— Você tem razão sogrinha. Leve-

a para o quarto — ordenou a empregada.

— Eu senhora?! E se ela tentar me

matar?

— Não seja imbecil. Jogue-a

escada abaixo e quebre o pescoço dela e

alegaremos legitima defesa.

— E vai perder o trunfo de ter o

Anthony em suas mãos? — Norah

argumentou outra vez. Para quem estava

contra mim, ela estava fazendo de tudo

para me manter viva. — Se acontecer

algo a ela, lá se vão as suas chances.

— Mais uma vez você tem razão.

Eu não estou pensando direito.

— Talvez seja a loucura que a

impeça de pensar. — Disparei.

— Katherine. Não abuse da sua

sorte. — Norah me repreendeu.

— Leve-a. Se ela fizer algo grite.

— Se dirigiu a empregada.

— Sim senhora. — Falou,

enquanto me olhava com receio sem


saber se segurava meu braço, se

esperava eu ter a boa vontade de seguir

para o quarto.

— Não! — Norah gritou.

— O que foi Norah? — Meggie

parecia curiosa.

— Antes vamos fazer o nosso

brinde querido, eu quero que Kate

participe e brinde a felicidade do meu

filho.

— Traga o champanhe. — Falou

para a empregada, para que ela pegasse

a bandeja com as bebidas que a mesma

deixou em cima da mesa.

— Não precisa, eu mesma pego.

— Norah se dispôs.

— Você vai se arrepender do que

está fazendo Meggie. — Continuei as

provocações. A minha ideia era fazer

com ela, o mesmo que o mocinho e o

vilão dos filmes de ação fazem. Saem no

tapa até ter um vencedor. Embora, eu

não fosse boa de briga e nunca tenha

estado numa antes.


— Eu duvido muito que eu me

arrependa quando eu tiver Anthony nos

meus braços, gemendo no prazer que eu

sei dar a ele e mal lembrando que um

dia você existiu.

— Acho que você está equivocada

querida. Anthony me ama e você, mesmo

que consiga dessa forma sórdida

prendê-lo ao seu lado, ele irá sempre

lembrar-se de mim.

— Você realmente acha que o

Anthony ama você? O Anthony nunca

amou nem ele mesmo, o que dirá de

você?

— Eu não sei se você sabe do que

ele foi capaz para que eu me casasse

com ele.

— Bobagem, capricho de moleque

mimado. Me perdoe Norah, mas

Anthony sempre foi um menino birrento

e mimado.

— E eu não sei? — Concordou

Norah. — Tome. — Entregou-lhe uma

taça e elevou-a em sinal de brinde. —


Um brinde a você e a Anthony, que

possam me dar muitos netinhos.

— Com a absoluta certeza e desejo

que tenho em meu coração.

Ambas tilintaram as taças.

E eu me contorcia de ódio por

dentro, enquanto tentava segurar a

vertigem que me consumia mais que o

ódio. Um mal-estar que me fazia

bambear as pernas e os estômago

revirava, principalmente quando eu

olhava para a cara das duas.


Anthony
O helicóptero fez sombra sobre os

jardins da casa de Meggie, cortando o ar

quente e agitando as árvores. Peter me

olhou um pouco preocupado. Ele

percebeu que os seguranças espalhados

pelo jardim protegiam os olhos contra o

sol e observavam a nossa chegada. Peter

apesar de um militar que passou pelos

piores momentos no seu trabalho, com

os mais diversos tipos de pessoa era

extremamente bondoso e generoso, uma

combinação que eu considero perigosa,

principalmente quando se trata de

mulheres. Ele só enxerga o lado bom das

pessoas, mesmo quando este é invisível

para o resto da humanidade. Por isso

nós dois somos amigos há tanto tempo.

Peter pensou amargamente, e

também por isso ele se sentia obrigado a

me ajudar a destruir a Meggie da qual eu

não parava de falar durante os últimos

dias e que em nada se parecia com a

garotinha que cresceu conosco na


infância. Esperamos que ela fosse digna

de merecer o uma segunda chance, e que

tudo terminasse da melhor maneira.

O piloto manobrou o helicóptero e

seguiu a corrente do lago que contornava

a propriedade, demarcando uma área

sem canteiro de plantas. Enquanto

aterrissava, ele examinou as árvores, à

procura do reflexo do sol nas lentes do

que deveria ser armas de seguranças .

Dedicados o bastante para percorrer

toda aquela distância em busca de

examinar e impedir intrusos.

Assim que desembarcamos, um

dos seguranças armados veio em nossa

direção.

— Esta é uma propriedade

privada. Não deveriam estar aqui.

— Nós sabemos imbecil. Vá, avise

a sua patroa que o futuro marido dela

está aqui e se não quiser perder o

emprego, não me faça perder tempo. —

Tentei ser o mais firme e imperativo que

o normal. Por muito tempo, isso não foi


problema para mim.

— Me acompanhem por favor.

O brutamontes seguiu à nossa

frente e fomos fazendo o mesmo

caminho que ele, Peter, entretanto, me

olhava tentando esquematizar um plano

B.

O plano A é: entrar na casa,

enquanto eu distraio a Meggie, ele deve

pegar a Kate, tentar sair da casa sem

confronto direto com os seguranças e

caso ocorra algum, sair vitorioso da

armadilha.

— Eu espero que dê tudo certo. —

Cochichou Peter.

— Faça tudo como combinamos e

dará. O piloto está a postos. Pegue-a e

saia.

— Não farei nada que a ponha em

risco, preciso examinar o local.

— Não há tempo, por onde

entrarmos é por onde você vai ter que

sair.

— Sem abordagem?
— Elimine as abordagens.

— Vou matar na frente dela?

— Se for preciso sim.

— Disse alguma coisa senhor? —

O segurança parou de repente, virando-

se para nós.

— Sim. Que a área é muito grande

e deveriam ter mais segurança.

— A área está coberta senhor. É

uma região pacifica. Somos 12 ao total.

Três em cada lado da propriedade.

— Melhor assim, — assenti.

Assim que ele se virou, Peter

arregalou os olhos e disse sem som: D O

Z E?

Espero que se ele estiver pensando

num plano B, que esse possa ser mais

eficiente em casos do A falhar.


Kate
De repente, após tomar o terceiro

gole rindo frenética com Norah, Meggie

começou a ficar estranha. Muito pálida,

ela deixou a taça cair no chão, se

estilhaçando em muitos pedaços junto ao

pouco liquido que ela ainda não tinha

bebido. Séria, ela segurou a garganta

com as mãos.

Norah continuou olhando-a, com

um leve sorriso de satisfação com a sua

taça entre as mãos. Eu olhei para as duas

não entendendo bem o que acontecia,

mas imaginando superficialmente que se

tratava de algo muito sério.

— M-a-l-d-i-t-a. — Meggie falou

com a voz entrecortada.

— Achou mesmo que eu fosse

permitir que meu filho casasse com uma

víbora como você?

— S-o-c-o-r-r-o. — Meggie

implorava enquanto caia no chão.

— Senhora! — A empregada

desabou em seus pés, tentando mantê-la


acordada. — Eu vou buscar ajuda.

Quando ela correu em direção ao

telefone, Norah esticou a perna dando-

lhe uma rasteira, fazendo-a ficar

prostrada no chão e com os olhos

esbugalhados em sua direção.

— Você não vai a lugar nenhum.

Vai ficar bem onde você está. Pegue a

faca Kate e cuide dessa aqui! —

Ordenou a mim.

Eu fiquei parada sem entender

absolutamente nada e também assustada

com o comportamento dela.

— Você não me ouviu?

Antes que ela repetisse, peguei a

faca em cima da mesa e apontei para a

empregada que imóvel permanecia

assustada no chão.

— O que você ainda não percebeu

Margareth? — Norah disse enquanto se

aproximava de Meggie, pondo a cabeça

dela no seu colo. — Que você perdeu ou

que vai morrer?

— Eu.... Vou.... Morrer?


— Vai sim. Eu envenenei você.

— Maldita...

— Sim, mas não tanto quanto você.

Eu morei muito tempo na Grécia, sei

muitas das suas histórias. Sabia que

Sócrates morreu envenenado, assim

como você está morrendo? Com a

mesma toxina: cicuta. Primeiro, é a

paralisia no corpo. Sua mente ficará

alerta algum tempo até que a sua

respiração cesse.

— Não.... Vai.... Se.... Safar...

— Lá, é muito fácil conseguir esse

elixir eliminador de pragas como você.

— " E agora chegou a hora de nós

irmos, eu para morrer, vós para viver;

quem de nós fica com a melhor parte

ninguém sabe, exceto os deuses." —

Sussurrou já sem forças Meggie.

Norah

começou

chorar

compulsivamente e de repente não


conseguia controlar seus nervos. Eu

conseguia entender que ela se sacrificou

por mim e Anthony e o que ela acabara

de fazer ia contra toda a sua capacidade

humana e moral. De longe, dava-se para

perceber o quanto era bondosa, delicada

e integra. Incapaz de fazer mal à uma

mosca que dirá matar alguém tão

friamente. Eu estava realmente chocada,

mais ainda por ter duvidado dos seus

bons sentimentos para comigo.

Eu me aninhei junto a Norah, que

recostou a cabeça em meu ombro

chorando copiosamente. Eu apenas

alisei

seus

cabelos

enquanto

empregada ainda assustada, consumia

seu choque prostrada no chão, os olhos

vidrados no cadáver de Meggie.

— Mãe?! — Anthony adentrou a

sala de jantar olhando tudo rapidamente.


Seu olhar percorria cada canto da casa.

Sobrancelhas

levantadas

em

resposta, boca curvando-se num sorriso

cruel e absolutamente desprovido de hu-

mor, ele deu um passo à frente.

— O que aconteceu?

Norah

balançou

cabeça,

recuando enquanto mantinha olhos fixos

nele.

Ele se aproximou ainda mais.

— Kate, você está bem? —

Sentindo o mundo girar a minha frente,

segurei-me em Norah para obter apoio.

— O que aconteceu aqui? —

Perguntou o homem que o acompanhava.

Anthony parou a centímetros de

mim,

deixando-me

esperar
pelo

momento

em

que

ele

novamente

estenderia os braços para me tocar e me

tornar segura. E foi o que ele fez. Me

levantei aos poucos com a sua ajuda

firme.

— Anthony... — A voz fraca e

longínqua de Meggie ainda conseguiu

pronunciar o nome inesquecível em sua

boca.

Anthony nos olhou assustado.

— Meggie está morrendo filho. —

Norah fez questão de enfática, situar

Anthony de toda a situação.

— Morrendo?! Mas como? —

Incrédulo, foi até Meggie e segurou a

sua mão.

— Meggie... O que você aprontou?

— Suas mãos.... Eu não posso

senti-las. Como e-eu adoraria senti-las.


— O que você foi fazer sua louca?

— E-eu te amo Anthony Carter.

Sem-pre te amei. Morrerei te amando

até o inferno. Tudo que fiz foi para tê-lo

ao meu lado.

— Calma. Alguém já chamou um

médico? Chamem uma ambulância.

— Anthony querido, não adianta.

Ela está morrendo. — Norah falou

paciente.

— Mas mãe, alguém tem que fazer

alguma coisa...

— NÃO HÁ O QUE SER FEITO.

— Esbravejou. — Margareth está

morrendo de um veneno letal.

— Como ela bebeu? Ela tentou

algo contra vocês foi isso?

— Sua mãe... — Suas últimas

palavras foram estas, com seus olhos

perdendo o brilho e deixando escapar

uma lagrima.

Olhando para Anthony, vi seu olhar

compenetrado, ficarem escuros, cheios

de raiva contida. Enquanto eu, me sentia


impotente diante da situação. Olhava

para

Norah

incredula

da

sua

incapacidade, e ainda que morta de

maneira tão terrivel eu não conseguia

sentir simpatia por Meggie, nem pena

pela lástima de sua morte eu conseguia

sentir além da tontura e do alívio por

finalmente estar livre de todo aquele

pesadelo.

Sinto que jamais conseguiria

esquecer esse momento, não é para

menos. Mas o que mais me afetou sem

dúvida, foi ver essa mulher tão jovem e

tão bonita, encontrar a sua desgraça por

ser louca, mas não duvido que ela

realmente

tenha

amado
Anthony

profundamente.

Anthony chamou o chefe dos

seguranças e informou-lhe do ocorrido,

ouvi ele dizer algo sobre chamar a

polícia e neste momento temi por Norah.

Após algum tempo conversando próximo

a entrada da casa, Anthony veio até mim

e Norah.

— Teremos que chamar a polícia.

É uma exigência dos seguranças da

Meggie e acho bom que as coisas fiquem

esclarecidas.

— Anthony, a polícia não pode vir

até aqui.

— Como não? Como iremos

ocultar um corpo e continuar vivendo

como se a Meggie não tivesse morrido

hoje? Não se preocupe meu amor,

iremos alegar a verdade. Que ela tentou

envenenar vocês e acabou tomando do

próprio veneno. — Anthony me segurou

pelos ombros e me abraçou em seguida.

— Mas não foi isso que aconteceu!


— Norah o interrompeu. — Eu a matei.

— Você o quê?! Mãe, você não

está ajudando em nada. — Riu

desconcertado.

— Porque está rindo? Você já me

ouviu brincar ou mentir? Eu disse

claramente que eu a matei.

— Eu não posso acreditar. —

Voltou a sua atenção para mim e eu

assenti com a cabeça confirmando a

inevitável verdade.

— Eu não tinha escolha

filho. Não poderia deixar você fazer o

trabalho sujo e não teríamos outra

opção.

— Mãe! E agora? O que

diremos a polícia?

— A verdade.

— Claro. Diremos a

verdade e você vai presa?

— Se for o jeito.

Arrumaremos um bom advogado. A

empresa tem tantos.

— Mãe?! Não estamos em


uma conversa amistosa. Estamos falando

de uma coisa muito séria, você matou

uma pessoa e pode passar anos na

cadeia se não for condenada a pena de

morte.

— Nada mais justo.

— Você enlouqueceu. Eu

não estou entendendo a sua calma.

Porque você fez isso mãe?

— Não me amole.

— Não me amole?! O que

deu em você? — Anthony parecia

descontrolado e fora de si. Eu estava

tentando compreender o quão assustado

ele estava com a situação e o medo que

sentia em perder a sua mãe, após todos

esses momentos terríveis que vivemos.

Realmente não parecia ter fim.

Após o enterro de Meggie, em

que não compareceu ninguém Anthony e

Norah mergulharam em infindáveis

reuniões com advogados em busca de


uma boa defesa, mas de acordo com

alguns o caso era muito complicado e

quase nenhum davam esperanças que ela

escaparia da prisão. Pelo menos, não

por ora.

A minha mente estava perdida nas

preocupações futuras e nos constantes

enjoos, náuseas e tonturas que venho

sentindo diariamente, mas muito pela

manhã. Anthony estava sem tempo, não

trocamos muitas palavras desde então,

mas Susie e Joan tem cuidado de mim

enquanto Grace, ainda não sabe de nada

nos mínimos detalhes, como por

exemplo que Meggie morreu porque me

sequestrou, que Meggie era obcecada

pelo Anthony, que a Norah matou ela

para me defender...

O que ela sabia, era o mesmo que

a imprensa divulgava nos telejornais.

Mamãe, não entendeu bem as coisas no

começo, primeiro — como todo mundo

— ela ficou assustada com o fato de

Norah ter matado alguém, era contrário


à sua personalidade, depois que

expliquei tudo, tintim por tintim ela

ficou pasma e muito agradecida a Norah,

se bem que eu discordo que devemos

nos alegrar com algo assim. Eu só

lamento que ela tenha se precipitado e

possa ficar muitos anos na cadeia, ou se

condenada à pena de morte.

Papai e Anthony conversaram

muito na noite passada, papai exigiu que

ele pusesse fim ao contrato de uma vez

por todas, nem que isso lhe custasse a

fortuna. Anthony não teve nenhuma

objeção, quase não escutei a sua voz —

fiquei espiando atrás da porta do

escritório, assim como Norah, mamãe e

a senhora Stevens — entretanto, a de

papai era estridente e eu morri por

dentro. Podia ter sido ingênua e crédula

antes, mas não cairia na mesma

armadilha de novo. Eu aceitei todos os

termos, pactuados por eles e tive que os

cumprir. Não haveria mais a tolice de

imaginar-se apaixonada ou usar Anthony


como alvo das patéticas fantasias

românticas as quais me dediquei desde

que me descobri realmente apaixonada

por ele. Embora, eu me sinta culpada

por tudo que aconteceu, sei que não

escolhi estar aqui e nem no meio de toda

essa loucura insana. Eles eram homens

de negócios e estavam novamente

pactuando um acordo pelas minhas

costas.

Papai acreditava que tinha um

débito com Anthony, que não poderia

recompensá-lo com a minha vida.

Mamãe disse que a ideia de me perder

foi insuportável para ele e talvez o tenha

feito repensar a vida, como um todo.

Anthony se mostrou disposto a

encerrar

nossa

história

terminantemente, e até perdoou a dívida

que o meu pai possuía deixando a todos

surpresos. Norah suspirou aliviada ao


ouvi-lo dizer que não tomaria nenhum

bem ou as ações do meu pai na empresa,

que se sentia culpado por tudo e que não

tinha um pedido de desculpas adequado.

Todos nós suspiramos aliviados. Eu,

mais que aliviada pelo meu pai, suspirei

pelo homem completamente diferente

que Anthony se apresentava tardiamente.

Enquanto estive com ele, fechei

os olhos para as muitas vezes em que ele

feriu meu coração, no avião por

exemplo, ou quando ele estava se

atracando com a Meggie no escritório.

Mas, acima de tudo, nunca, jamais amá-

lo outra vez. Era uma questão de

prioridade e não deveria nunca mais,

alimentar essas ilusões ridículas sobre

amor, casamento e felicidade.

Enquanto arrumava as malas,

encontrei a caixa de joias que Anthony

me presenteou. Resolvi deixar as joias,

pois não queria levar mais essa

lembrança comigo.

Demorei a encontrar uma roupa


que ficasse boa no meu corpo, mas sem

comer direito parecia ter engordado,

talvez fosse um inchaço ou a pressão

estivesse alta ultimamente, devido às

fortes emoções. Escolhi um vestido rosa

de seda, que algum tempo atrás, talvez

realçasse as curvas do meu corpo,

tornando-me sedutora. Agora, tudo

aquilo me caía mal. E pude perceber ao

dar uma olhada no espelho antes de ir

embora.

Por que me queixar? Afinal de

contas, tudo que eu não queria era que

parecer atraente. Aquela mulher não

existia mais, muito pelo contrário. Esse

amor fazia com que me sentisse um trapo

desde o começo.

Parecia que uma eternidade tinha

se passado até que desci as escadas e

mais uma vez todos os empregados

estavam dispostos na entrada para se

despedir.
A

porta

se

abriu

silenciosamente e eu percebi que não

fazia mais parte desse lugar.

Eu tentei relaxar e afundei meu

rosto no ombro de Norah, que mesmo

com tantos problemas fez de tudo para

se despedir, não era fácil, ainda mais

com aquela tensão que crescia dentro

dela, e eu me sentia muito agradecida

por tudo e extremamente culpada

também.

Pela primeira vez na vida tinha

certeza que este era o fim para mim e

Anthony e estava apavorada.

Anthony não veio se despedir

cumprindo o prometido ao meu pai de

que ficaria longe de mim. Mesmo assim,

eu tinha total consciência da presença

dele. A casa exalava o cheiro forte do

seu perfume, que me dava um desespero

incontrolável
por

dentro

um

insuportável enjoo.

— Norah, eu não sei o que posso

fazer para que você não passe por isso

tudo.

— Pelo amor de Deus, relaxe —

ela falou com a voz irritada. — Não

farei nada que não precise.

"Você não precisa", pensei, mas

não ousei falar.

— Será que você não entende o

quanto isto é difícil para mim? —

Reclamei.

— Também não é fácil para mim

— retrucou com frieza. — Não suma.

— Me mantenha informada de

tudo, eu quero testemunhar e ajudar no

que for preciso.

Então ela perguntou gentilmente:

— Você já foi ao médico?

— Não — murmurei. — Porque


precisaria ir?

— Seus enjoos me deixam

preocupada e você deveria cuidar disso.

Com saúde não se brinca.

Ela tinha razão, os enjoos

estavam me impossibilitando até para

respirar. Tem vezes em que sinto a

garganta apertar.

— Talvez um netinho? — Ela

perguntou energicamente.

Ah, Deus. Assim como a mamãe,

ela tocou nesse assunto, pensei.

— Eu acho improvável.

— E ainda assim você pensa sobre?

— Ela perguntou calmamente.

Era a possibilidade que eu mais

temia.

Como eu mesmo admitia, nunca

seria uma boa esposa, ou sequer me

enxerguei algum dia dessa forma. Não

precisava de Anthony Carter, mas a

possibilidade de ter um filho com ele,

parecia que o destino premeditou nossas

vidas entrelaçadas para sempre.


Soltei um sofrido suspiro.

— Espero realmente que essa

possibilidade não exista — falei.

Devagar e com relutância, me

virei em direção à saída.

— Eu já lhe disse. Não precisa

fazer o que todos querem ou esperam.

Não seja covarde.

— Sim. — Pelo menos era o que

podia admitir.

— Se você ama Anthony, tenho

certeza que ele também. Ele também está

morto por dentro.

Fiquei com medo de que me

persuadisse a ficar.

Pelo menos isto era verdade.

Ao mover-me lentamente para

sair, flagrei Anthony olhando no fim do

corredor e seus olhos vidraram-se nos

meus.

Senti um relutante e doloroso

aperto

no

peito
e

me

flagrei

relembrando...

Revivi com nitidez os detalhes,

Londres e as nossas noites de amor, a

boca de Anthony abrindo delicadamente

os lábios e fazendo-me tremer ao opor

sua língua contra a minha no dia do

casamento. Os carinhos dos dedos dele

em meu corpo.

Enquanto isso, lá no fundo, sentia

um desconcertante e atormentado desejo,

dominador e irresistível. Senti tudo tão

claramente como se tivesse sido ontem.

Poderia ser agora...

Agora! A palavra atormentou

minha cabeça trazendo-me de volta para

a sanidade. No que estava pensando?

Chocada, fui embora.


Anthony
Norah veio em minha direção para

me abraçar:

— Não, não me toque. Eu não

suportaria.

Houve um silêncio que cortei

com a voz calma e debochada.

— O que você espera, mãe? Que

ela fosse ficar? Que ela fosse enfrentar o

pai dessa vez para ficar comigo? —

Falei com um tom cruel.

— Anthony...

— Você tinha razão, eu estraguei

tudo.

Como eu pude ser tão negligente

e calculista enquanto me comportava de

maneira abominável, me perguntava

insistentemente.

Meggie está morta por minha

culpa.

Kate, me odeia e a culpa também

é minha. Carl e eu, tínhamos um trato e,

cedo ou tarde, terei que cumprir a minha

parte.
Quantas mulheres eu pretendia ter

na vida? Que tipo de homem não daria

atenção à sua esposa na lua-de-mel e

faria a humilhação de transar com uma

mulher, para que sua noiva tivesse

conhecimento?

Aquele Anthony me aterrorizava.

Parece que meu pai tinha ficado

em mim. Tudo o que eu tinha repulsa

quando criança, fiz igual. Mesmo que

Kate me amasse ou me perdoasse a

ponto de enfrentar o pai, mesmo assim

não conseguiria viver comigo como

minha mulher. Que diferença faria? Eu

simplesmente iria engolir o remorso e a

culpa, e seguiria em frente.

Porque eu não tenho escapatória,

terei que suportar a culpa por isso,

sabendo que poderia ter evitado tudo se

tivesse me submetido à conquista-la da

maneira que devia ter sido.


Kate
O que Norah disse havia caído

sobre mim como uma pedra.

Um bebê. Um ser humano gerado

e carregado em meu ventre. Trazido ao

mundo para ser amado e alimentado por

mim. Ou, o que seria mais provável, um

prêmio disputado por dois estranhos.

E depois? Chegaria uma hora em

que abriria mão dos meus direitos de

mãe? Entregaria meu filho para ser

educado por um homem rico o suficiente

para realizar os mais insignificantes

desejos, e poderoso o bastante para

enfrentar

qualquer

um

que

se

interpusesse em seu caminho?

Será que Anthony seria capaz de

tanta

frieza

e
crueldade?

Ou

simplesmente lutaria por esse filho?

Ah, querido Deus, não deixe que

isso aconteça.

Nunca pensei em ser mãe um dia.

Afinal de contas, era a consequência

natural de ser esposa, que eu também

não desejava. Mas, como várias outras

coisas, eu e Anthony nunca discutimos a

possibilidade.

Uma gravidez deveria ser um

momento de coroação do amor. O

problema era que tal amor nunca tinha

existido. E, uma das supremas alegrias

na vida de uma mulher estava me

deixando transtornada sem a menor

certeza.

Finalmente quando cheguei a casa

dos meus pais, poderia então dormir,

esgotada pelos pensamentos sofridos.

Quando
acordei,

fiquei

desorientada

por

alguns

minutos

imaginando onde estaria. Logo me

lembrei e fui virando devagar para o

outro lado da cama. A mão acariciando

a barriga me dava a vaga impressão que

eu desejava que fosse verdade, mas que

o medo.
Anthony
Fui direto ao quarto de Norah

para apressá-la, hoje é o primeiro

depoimento à polícia. Ela já estava

vestida num sério vestido amarelo,

passava a escova delicadamente nos

cabelos e ao me ver pelo espelho,

admirando-a, logo correu para me

abraçar.

— Eu quero combinar algo com

você mamãe, — ela me fixou seu olhar

no meu — deixe que eu comece a falar

com o inspetor de polícia, não

intervenha apenas se for perguntada.

— Você me chamou de mamãe?

— Sim, mamãe, você é, a minha

querida mãe. Não tenha medo.

— Com você ao meu lado, eu não

poderia.

— Lembra que eu prometi te

proteger de quem pudesse te magoar,

mas especificamente o pai?


— Lembro. Você era obstinado

por isso.

— Ainda sou e vou te proteger de

tudo.
Kate
A consulta com o médico

confirmou o que Norah e mamãe já

tinham me alertado, estou grávida e não

sei o que fazer com o que sei...

Mamãe disse que eu preciso

contar ao Anthony, apesar do papai ter

me proibido de falar e encontrar com

ele, e ter dito o mesmo para que ficasse

longe.

17
Kate
— Você está tão diferente —

observou Berta. —O que o médico

disse?

— O que mamãe e você já tinham

dito — falei.

— E o que pretende fazer? —

Acrescentou.

— Eu ainda não sei — respondi.

— Se me permite dar a minha

opinião, eu acho que você deveria

procurar o seu marido antes que fique

mal falada.

— Mal falada? Berta, por favor.

— Sabe-se lá o que essa gente

vai inventar, que a menina o traiu e

espera um bastardo.

— Eu não me importo com isso

Berta.

— Se não se importa com a sua

reputação, se importe ao menos com

essa criança e o amor que você sente

pelo senhor Carter.

— Você ouviu meu pai não foi?


Não posso nem sair dessa casa sem

você ou minha mãe, os seguranças não

irão permitir que eu saia sozinha e se eu

for procurar o Anthony, não sei do que

meu pai seria capaz —

— Me perdoe mais uma vez, mas

não acho que você deva satisfação

alguma ao seu pai. Você já não fez tudo

o que ele queria? Inclusive, se vender?

— Berta tem razão filha —

mamãe entrou no quarto e já me deu sua

opinião na lata. — Inclusive, seu pai não

tem o direito de interferir tanto na sua

vida. Você foi uma boa filha, fez tudo o

que esteve ao seu alcance pelos

propósitos errados...

— Mãe...

— Eu já sei da verdade Kate, no

dia que você esteve aqui transtornada e

sumiu no mundo, eu confrontei o seu pai

e ele me disse toda verdade. Sei que seu

pai ficou devendo ao Anthony por

infidelidade e jogatina.

— E o que pretende fazer?


Diante

de

todos

os

acontecimentos, eu me calarei. Serei a

boa esposa de sempre, desde que ele a

liberte dos compromissos e das prisões

que ele lhe impôs. E, não vamos

dramatizar a situação. Vai voltar para

seu marido, é tudo. Aconteceria cedo ou

tarde. Você o ama, ele também e terão

um filho, isso é tudo o que importa —

Ela fez uma pausa. — E lembre-se de

que os filhos devem estar acima de tudo,

desculpe por não ter feito o mesmo por

você.

Provavelmente

isso

não

esquecerei. Mas, de toda forma Anthony

deve me odiar, porque fui embora sem

dizer nada...
— Então, por isso não sei o que

está esperando? Vá lá imediatamente dar

a notícia a ele.

— Mãe, não sei se é apropriado.

— Katherine, ou você vai, ou eu

irei.
Anthony
— Senhor inspetor antes de

qualquer pergunta, eu gostaria que o

senhor soubesse que foi legitima defesa.

A senhora Margareth, sequestrou a

minha esposa e a ameaçou de morte, eu

perdi a cabeça e acabei matando-a.

— Anthony, não! — Norah deu

um salto da cadeira, implorando com um

olhar e os olhos cheios de lágrima para

que eu não fizesse isso.

— O senhor afirma que matou a

senhora Margareth em legitima defesa?

— Sim senhor.

— É mentira dele. Quem matou a

Margareth fui eu. E sei de todos os

detalhes, tudo o que usei, meu filho só

está tentando me inocentar e levar a

culpa no meu lugar.

— Minha mãe está dizendo

sandices, da mesma forma ela está

tentando me proteger. Mãe, eu já sou um

homem feito e posso arcar com as

consequências dos meus atos.


— Anthony...

— Qual dos dois matou a

senhorita Margareth?

— Eu, — respondi sem titubear.

— Eu — Norah não se ausentou

da responsabilidade nem um minuto e

altiva respondeu que ela era a culpada

contrariando as estratégias.

— Como vocês a mataram?

— Veneno — eu disse.

— Veneno, — Norah disse. —

Especificamente, a substância cicuta. Eu

morei na Grécia muitos anos e conheço

muitos dos mitos e sei desse veneno que

paralisa o corpo e mata em poucos

minutos e foi exatamente o que

aconteceu.

— Eu matei ela com cicuta, e ela

morreu. — Respondi copiando e

tentando parece o mais natural possível.

— Senhor? — Um policial

apareceu na porta e pediu para entrar, o

que logo foi permitido pelo policial.

— O que foi? — Ele perguntou.


— O relatório do legista já

chegou.

Depois que o inspetor abriu o

envelope, ele leu o relatório, arqueou

uma das sobrancelhas, olhou para Norah

e depois para mim e disse que

estávamos liberados.

Após uma delonga conversa com

o advogado, ele nos informou que no

toxicológico e estudo necrópsico geral

não acusou nenhum homicídio, portanto,

as investigações seriam encerradas.

Entretanto, o inspetor ficou irritado com

a conversa comigo e Norah e ameaçou

nos indiciar por falso testemunho, trote e

por brincar com a justiça e algo tão

sério quanto a morte de uma pessoa.

Eu estava tão aliviado em Norah

e eu, termos conseguido enfim nos livrar

de Meggie que não me importava de ser

processado por fazer a justiça perder

tempo. Minha mãe não seria presa e isso

não me importava mais.

Foi quase um alivio entrar no


carro e ir embora.

Não me sentia tão em paz há

muito tempo, exceto pela falta que Kate

me faz. Mas diante de todas as besteiras

que eu fiz, agora era tarde demais...

Logo pegamos a estrada de volta

para casa. Em cima da hora, decidimos,

Norah e eu, ir passar um tempo na

Grécia. Agora que Carl, pai de Kate,

colocou a cabeça no lugar ele poderia

administrar a empresa sozinho até que

eu também possa fazer isso.

Senti a música, um suave blues,

mas não estava ouvindo. Não podia. A

cada quilômetro que me aproximava da

Grécia, a sensação de humilhação e

tristeza que as lembranças que seria

forçado a encarar, traziam. Tentei usar

as últimas semanas para apagá-las da

memória e esquecê-las para sempre.

Pensei que tivesse conseguido. Que

tinha me curado do vírus de Katherine


Gardner. Mas a imagem dela não saia da

minha cabeça.

"Como isso pode ter acontecido

comigo?",

eu

me

perguntava

constantemente. Será que não havia nada

que pudesse ter feito?

Mas já conhecia a resposta. Carl,

jamais deixaria que eu me aproximasse

de Kate novamente, e ela também

repulsava a minha presença.

Um mês depois
Kate
Mesmo mantendo-me ocupada,

flagrei-me lembrando do toque da mão

dele. E assustada com aquilo também,

de uma forma totalmente nova e

indesejável. E foi assim, pensei, que

tudo começou.

Já o procurei por toda parte, mas

ninguém, nem mesmo meu pai sabem

para onde ele pode ter ido. Eu o liguei,

enviei dezenas de mensagens, mas o

número parece ter sido desativado e os

e-mails que enviei, não posso ter certeza

que ele leu.

Mamãe me convenceu a sair de

casa, relutante, fui com ela até uma

floricultura nas quais ela repõe as flores

da casa. Desde que eu voltei, ela faz de

tudo para que eu sinta apenas os cheiros

naturais na ambientação e abandonou

todos os incensos indianos. Convenci-a

de que ficaria no carro, até que resolvi

sair para me esticar um pouco. Voltando

para dentro, me apoiei contra a porta e


suspirei.

As

lembranças

estavam

retornando desordenadas, trazendo de

volta coisas de que tinha esquecido ou

tratado como anormalidade temporária.

Eu, estava tentando não me

apaixonar por um homem. E falhando

terrivelmente. Engolia as lágrimas.

Mamãe disse que não demoraria e não

queria que me visse chorando.

Demorou dez minutos até ela

voltar. Tinha conseguido me controlar e

estava

sentada

dentro

do

carro

novamente,

esperando

com

um

semblante de calma.
— Desculpe — ela falou. —

Demorei mais do que supunha.

— Não tem importância.

— Ah — mamãe respondeu. —

Acho que Anthony chega hoje da Grécia.

— Ela pôs as flores no banco de trás.

— Quem lhe disse?

— A senhora Stevens estava

comprando flores para a recepção —

ela respondeu. — Ela mandou muitas

lembranças.

— Gostaria de vê-la.

— Porque não faz uma visita a

todos hoje à noite?

— Talvez eu vá.

— Não — ela disse. — Você irá.

— Mãe...

— Kate.

Obedeci, assim que ela arqueou

suas sobrancelhas para mim calando-me

e meu coração saltitando de alegria.


Anthony
Quanto mais nos aproximávamos

da cidade, mais eu me sentia tenso.

Norah até me flagrou brincando com a

aliança — que ainda não havia tirado do

dedo.

Já fiz aquilo antes, meses atrás,

quando caminhei pela casa vazia,

ouvindo o eco dos meus próprios

passos,

uma

figura

ridícula,

um

apaixonado sonhando com um casamento

com a mulher dos meus sonhos. E de

repente, descobrindo a razão.

Pigarreei e Norah me olhou.

— Você está bem?

— Sim — menti. — Estava

apenas pensando... imaginando... —

Parei e respirei fundo. — Se dá tempo

passar rápido na empresa.

Ela ficou em silêncio por um


momento e respondeu:

— Se é o que quer, eu

descansarei e ficarei esperando para o

jantar.

Assim, que chegamos em casa,

Norah subiu para descansar, mas antes

deu todas as coordenadas do jantar a

senhora

Stevens

que

me

olhava

esquisito, como se estivesse apreensiva

com algo. Não dei muita atenção, pois

as vezes era só o cardápio do jantar que

a incomodava. Caminhei até a biblioteca

a fim de reunir todos os relatórios que

tinha chegado nesse mês em que me

ausentei de todas as minhas funções e

responsabilidades.

Emma sabia organizá-los com

precisão.

Os

envelopes
estavam

organizados

na

mesa

por

ordem

crescente da data, ao invés de abri-los

aqui, os levaria para empresa pois

qualquer informação já estaria ao meu

dispor.

James, já estava à postos para

sairmos, eu já havia avisado que

sairíamos logo em direção à empresa.

Algo chamou a minha atenção no meio

do jardim, pois havia uma silhueta se

movendo por entre as flores.

Joguei o material de trabalho

dentro do carro e fiz a volta,

contornando o veículo, indo em direção

ao jardim.

— Kate? — Era uma ilusão, ou

ela realmente estava parada no meio do

jardim, como na primeira vez em que

nos vimos?
— Anthony.

— O que faz aqui?

— Eu preciso falar com você.

— Sim, mas e o seu...

— Não se preocupe com o meu

pai, ele sabe que vim até aqui e o

acordo bobo que ele pediu que você

cumprisse de não me procurar mais, não

tem razão de existir — ela me

interrompeu, falando ininterruptamente

enquanto eu olhava para todos os lados

em busca de Carl, Ester ou qualquer

segurança da família Gardner — porque

eu estou grávida.

— O quê? — Minha garganta

embargou e de repente tudo pareceu

perder a racionalidade.

— Eu estou grávida. Terei um

filho seu em seis meses.

— Como? — Continuei sem

conseguir associar o que ela dizia.

— Anthony, quando as pessoas

transam geralmente isso acontece, ou

não...
— Eu quero saber como você

sabe.

— Existe uma coisa chamada

exame, eu estava me sentindo um pouco

mal esses dias e fui ao médico.

— E por que não me ligou?

— Bem, eu liguei, mas você

havia saído da cidade e eu estava

esperando você voltar.

— Kate... Eu estou muito

surpreso, mas desesperadamente feliz

com essa notícia — aproximei-me de

Kate levando as minhas mãos até a sua

barriga. — Kate, antes de qualquer

coisa, eu preciso me desculpar. Por

todas as coisas que aconteceram entre

nós, desde o casamento até as loucuras

da Meggie.

— Eu também, devo-lhe

muitas desculpas.

— Kate... — Ela trouxe

os dedos delicados à minha boca,

impedindo-me de continuar e tomando a

palavra rapidamente.
— Eu devo muitas

desculpas. Porque só percebi o quanto o

amava quando o vi com outra mulher no

dia do nosso casamento. E que aquilo

me mataria se tivesse que viver uma

vida pela metade, dividindo-o com outra

mulher. Que era quem você realmente

desejava. Nosso casamento era apenas

uma conveniência, na época e eu

imaginava que qualquer felicidade que

eu tivesse ao seu lado seria falsa e

desleal.

— Eu sei que usei as

armas erradas. Mas, eu te amava tanto.

— Amava? Não me ama

mais? — Ela questionou.

— Nunca deixei de

pensar em você, eu ainda te amo

intensamente, mas a única maneira de

recuperar minha sanidade e meu auto

respeito seria me afastando de você

totalmente e para sempre. Por isso não


me opus ao que seu pai me propôs.

— Eu também te amo,

tanto.
Kate
Eu percebi que esta é a primeira

vez que ficamos sozinhos desde que nos

casamos e enfrentamos tantas coisas e

senti-me feliz.

Anthony providenciou almofadas

e uma toalha sob uma árvore, perto da

fonte. Ele se deixou ao meu lado,

relaxado, e conversamos sobre tudo e

nada. Era como se fosse a primeira vez

que nos víamos, nosso primeiro contato

na vida e no amor.

— Acho que devemos fazer um

brinde — ele falou. — A nós. Futuros

marido e mulher.

Eu pretendia levantar a taça com

a mesma elegância, mas de repente a

consciência de que estava tão feliz me

empolgou eu derramei o suco de laranja

em mim mesma.

— Oh, Deus, sou tão desastrada.

— Peguei um guardanapo, mas ele

pegou meu pulso. Vi os seus olhos

incandescerem e, quando olhei para


baixo, vi o que eles fitavam. A blusa

molhada marcava a delicada elevação

dos meus seios, realçando o bico,

mostrando-me como se estivesse nua.

— Kate. — Ele sussurrou meu

nome com a voz rouca, tirou a taça da

minha mão e me aninhou em seus braços.

Ele roçou a boca na minha e explorou

meus lábios com a ponta da língua,

provando calmamente, enquanto seus

longos dedos apalpavam os meus seios

com um objetivo sensual que atiçava

uma trêmula resposta dentro de mim.

Ele sentiu o mamilo enrijecer

diante do toque dele e sua cabeça caiu

contra o braço que me segurava,

permitindo

que

os

lábios

dele

passeassem pela linha da minha garganta

até o meu decote. Ele hesitou ali por

algum tempo, acariciando com a


ardorosa língua a fenda entre os seios,

como se tomasse o suco derramado na

minha pele.

Então ele se afastou para unir a

boca à minha, partindo meus lábios com

uma prazerosa maestria. Seu beijo era

profundo e sensual, e o meu corpo

arqueava contra a resposta involuntária

dele.

— Kate — ele me fitou. Havia

algo em sua voz que nunca ouvi antes.

Um brilho em seus olhos que era novo e

me enfraquecia, derretia. — Meu amor...

Eu tinha raiva, remorso e medo,

tudo ao mesmo tempo. Então estava

errada, completamente errada sobre

Anthony Carter todo o tempo, mas

aquilo não mudava tudo. Ainda havia um

enorme ponto de interrogação sobre esse

casamento. E ficar sozinha com ele,

como a experiência mostrou, não era

garantia de que obteria respostas.

— Kate? — Anthony estava

parado de pé diante de mim com a mão


estendida, resoluto.

Depois de me ajudar a levantar,

eu o segui.

— Tenho fortes razões para ter

feito o que fiz, você nunca teria olhado

para mim — falou Anthony. — Hoje

vejo que deveria ter trazido você a esse

jardim.

— Teria dado muito certo, se

essas flores falassem do seu amor para

mim — eu respondi.

Ele parou, fitou-me e falou, em

voz baixa e séria:

— É hora da verdade, Kate. Por

que

simplesmente...

fugiu?

Estava

realmente convencida de que não

poderia viver comigo e usou o fato de

ter me visto com Meggie uma mera

desculpa? Eu... tenho que saber.

— Preciso saber algo também,

Anthony. Por que se casou comigo? Eu


era apenas um capricho?

Ele me olhou angustiado.

— Kate, eu já disse, me

apaixonei por você no momento em que

a vi, no primeiro dia. Estava seriamente

tentado a cortejá-la naquela festa. Em

vez disso, fui criado pelo meu pai para

nunca me submeter a ninguém. Você teria

que vir a mim. E quando fiquei sabendo

das dívidas do seu pai, fiquei

preocupado e ao mesmo tempo, tentado

a fazer tudo o que fiz.

— Sim, mas você nunca falou que

me amava. Nenhuma vez.

Ele suspirou.

— Querida, como podia? Você

estava passando por maus momentos e

não tinha tempo para se preocupar com

paixão, só estava amargurada com a

vida, até que se rendeu a mim em

Londres.

Ele fez outra pausa.

Além
disso

falou

cuidadosamente — pensei que tivesse

deixado minhas intenções e meus

sentimentos bem claros naquela noite.

Era a terceira parte do meu plano.

— Você tinha um plano? Não

entendo.

— Kate — respondeu Anthony

calmamente. — Você era tão rebelde e

quase despedaçou meu coração. Então

falei a mim mesmo que devia ir devagar.

Primeiro, teria que fazer com que

gostasse de mim. Segundo, precisava

que confiasse em mim. E então, por

último, queria que apreciasse ir para a

cama comigo. — Ele riu. — Eu inverti

as

prioridades.

resto

viria

naturalmente depois.
Ele deu uma risada antes de

prosseguir.

Então, o interrompi e falei

suavemente:

— Não ousei investir em você.

Como tudo nesse contrato inventado, era

sério eu tinha medo de me apaixonar em

vão. Depois que descobri a verdade eu

só queria fugir para o mais longe

possível e morrer, pois, você tinha me

magoado. Como vê, me apaixonei por

você também, Anthony, no primeiro dia.

— Sorri. — Que pena que optou por não

me cortejar aqui antes.

Pela primeira vez ele relaxou.

— Prefiro os lençóis e você.

Minha menina linda e teimosa vestindo

nada além da aliança de casamento, que

eu vi que você não deixou de usar.

Ela caminhou lentamente na

direção dele.

— Você também não deixou.

— E qual o seu plano para as

próximas horas?
Anthony me tomou nos braços e

me levou para o quarto.

— Para a vida toda — ele

sussurrou.

Deitamos abraçados um ao outro

e nos beijando. Saboreando os lábios

um do outro, na brincadeira sensual das

línguas. Até que beijar não era mais

suficiente.

As mãos de Anthony foram gentis

ao desabotoar o meu vestido. Me curvei

na frente dele para que conseguisse

retirar tudo e ele começou a se despir

também e, quando se virou para mim, eu

estava apenas esperando.

Ele

olhou

para

mim

demoradamente, enquanto seus dedos

brincavam com meu novo corpo

arredondado com uma certa reverência.

— Kate — ele falou. — Sabe o

quanto é linda?
Eu não era linda nem nunca fui,

mas olhou dentro dos olhos dele e vi

como ele me enxergava. E havia ternura

naqueles olhos.

Era como se um conto de fadas de

repente virasse realidade e, com um

pequeno gesto, eu o puxei para perto,

guiando-o para o meio das minhas coxas

e então para dentro de mim.

Estava

pronta

para

ele,

desejando-o enormemente. O meu corpo

se fechou no dele. Então nos movemos

lentamente e suavemente nos. Ele me

tratou com infinito carinho, controlando

cada movimento de seu imponente

corpo. E eu sorri contra a boca dele,

fazendo

alguns

ajustes

delicados

calculados para sabotar o autocontrole


dele completamente. Contorcia-me para

sentir todos os átomos de sensação de

seu corpo masculino. Porque eu o

queria, meu “sócio”, que me ensinara ter

verdadeira fascinação por ele.

E no fim, me aninhei nos braços

dele, a cabeça dele apoiada em meus

seios, a mão acariciando suavemente

minha barriga. E nós dois murmuramos

juntos palavras de amor e de perdão.

De repente ele riu.

— Imagino como o bebê reagiu.

— Talvez tenha pensado que

estava sendo embalado para dormir.

Fiquei calada por um tempo.

— É um alívio saber que não

teremos mais que fugir um do outro.

— Sim — ele admitiu.

Ele parou para retomar o fôlego e

prosseguiu:

— Tem algo que quero conversar

com você. Minha mãe está envelhecendo

e está ficando cansada de suas viagens.

Está mais interessada em se tornar avó,


então ela irá morar um tempo aqui

conosco. Algum problema?

— Adorei a ideia. Nossa babá

particular. E totalmente acostumada a

lidar com meninos — acrescentei,

sonhando. — Muito útil.

— O que é uma pena — Anthony

falou. — Porque teremos uma menina.

Sacudi a cabeça.

— Menino primeiro. Seu filho e

herdeiro.

— Uma menina, tão linda quanto

a mãe — ele falou firmemente. — Ou o

bebê volta para dentro.

— Bem — falei. — Não vamos

discutir. Afinal, nunca se sabe —

acrescentei. — Podem ser gêmeos.

E em uma manhã ensolarada de

outubro,

foi

exatamente

que

aconteceu...
Epílogo

Eu pareicom a vela de

aniversário na mão e olhei pela janela

da sala de jantar ensolarada.

Lá fora o jardim adormecia na tarde

quente de um verão tão maravilhoso,

quanto muitos que eu ainda irei ver e

adoro sentir na pele. Num dos lados do

gramado, havia uma mesa à sombra de

um enorme cedro, e os gritinhos

excitados de Hanna chegavam até nós,

através da janela aberta. Norah me deu

um sorriso de adoração ao ver a neta

vestida num lindo vestidinho cor-de-

rosa cheios de babados, usando asas de

fada. A roupa foi um presente de mamãe.

Do outro lado do jardim, Albert

estava sentado brincando com seus

carrinhos e bonecos de guerra. O meu

coração se retorceu de amor.

Albert se parecia muito comigo, era

mais tímido, quieto e reservado que a

irmã espevitada. O seu jeitinho solene

parecia deixá-lo ligeiramente isolado da


festa ao seu redor, que celebrava duas

datas: o primeiro aniversário dos

gêmeos

as

suas

maravilhosas

presenças em nossas vidas.

Perto deles, Anthony lia um jornal,

com a blusa polo azul clara e ria de algo

que Hanna havia dito, lembrando-me do

belo estranho que um dia forçara que eu

me casasse com ele.

Levei um susto após me entreter

com a decoração ao perceber que os

mesmos braços acabavam de envolvê-

la, e que os mesmos lábios que enchem

o meu corpo de êxtase. E que haviam

mudado a minha vida para sempre me

roçavam o pescoço numa carícia gentil e

amorosa, que ainda tinha o poder de

tirar o mundo do eixo.

— Tudo bem, amor? — Perguntou

Anthony
junto

ao

meu

ouvido,

provocando um arrepio no meu corpo.

— Aham.... Mas, se você continuar

assim, a festa não irá sair.

Anthony me abraçou com mais

força.

— Seria uma pena — ele disse, e

eu percebeu que ele ria em seu ouvido.

— Afinal, você está fazendo um bom

trabalho, não acha mamãe?

— Claro que sim — Norah disse —

olha esse bolo maravilhoso.

Ambos olhamos para o bolo em

forma de castelo de contos de fadas que

Berta havia feito e decorado. Mamãe

sorriu e colocou a vela cor-de-rosa ao

lado da azul, no alto da torre, perto do

minúsculo sino.

— Prontinho... — mamãe falou — o

príncipe e a princesa tem um reinado

abençoado pela frente.


Anthony me beijou o pescoço,

soltou-me e voltou para o jardim.

Pouco antes da festa, quando estava

me arrumando Anthony veio até o

espelho do closet muito sério, segurando

duas taças de champanhe.

— O dia é de Albert e de Hanna,

mas eu queria brindar a nós. — Ele me

entregou uma taça. — A você .... Por me

amar, quando eu não merecia ser amado,

e por me dar mais do que eu jamais

poderia esperar. — Ele me beijou e

olhou pela janela, para a festa no jardim

e os convidados que já começavam a

chegar recepcionados por Norah. —

Hoje parece a festa de casamento que

deveríamos ter tido.

Eu lhe acariciei o queixo, os lábios.

— A festa de casamento que

deveríamos ter tido—repeti beijando-

lhe o canto da boca. — Mas tivemos o

casamento, e é isso que importa.

Anthony deu um sorriso sexy.

— Vamos. Se ficarmos aqui mais


tempo, eu não me responsabilizo pelos

meus atos, e se todos nos procurarem,

vão acabar me encontrar fazendo amor

com você nesse quarto e providenciando

mais crianças para essa festa.

Eu segui o meu marido pelo jardim.

O ar tinha o perfume de verão e das

flores que tanto adoro. Anthony segurava

Albert no colo e eu segurava Hanna.

Papai levantou ao avistar-nos e

liderou um desafinado "Parabéns para

você".

Hanna

pulava

de

excitação,

maravilhada por ser o centro das aten-

ções. Ignorando a cantoria, ela levantou

os braços e gritou:

— Papa! — Ela olhou para o pai

com adoração. Ele pegou a filha no

colo, que se agarrou a ele e apontou

para o bolo. No outro braço, Albert

arregalou os olhos, olhando preocupado


para as velas, e ameaçou chorar.

Anthony, beijando-lhe os cabelos tentou

acalmá-lo.

O menino relaxou e deu um sorriso.

Segurando os dois filhos, nos

abaixamos para que todos ficássemos na

altura do bolo. A chama das velas

lançava um brilho dourado nos rostos

dos três e refletia em seus olhos.

Hanna fechou os olhos com uma

careta, fez um biquinho e soprou com

força. Eu bati palmas, com os olhos

marejados de lágrimas e observando

meus três amores.

— Não se esqueça de fazer um

pedido! — Exclamou Norah

Do outro lado da mesa, Anthony

olhou para mim.

As velas tremularam e apagaram,

mas nos olhos dele ainda brilhava o

amor.

— Eu não preciso — ele disse com

ironia. — Meu desejo já se realizou.

Fim

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