— Exatamente.
Desde o início ele tinha me dito que não queria nada sério
- apesar de muitas das atitudes dele me mostrarem o contrário -,
mas tínhamos decidido que ficaríamos juntos até um cansar do
outro, sem compromisso. E acontece que eu fui a primeira a
cansar. O incrível é que em seguida, ele mudou completamente,
começou a querer ficar junto, me tratando como uma rainha por
3 semanas, até que em um final de semana ele simplesmente
desapareceu, ficou quase uma semana sem falar comigo, e
depois me mandou uma mensagem dizendo que não queria
mais.
A risada venceu.
— Desembucha.
— Oi?
— Uhum.
— Tu é muito chata.
— Pedro.
— Pedro?
Pedro. O bendito Pedro. Vou ter que voltar uns três anos
no tempo agora pra explicar minha crise de risada quando eu
entendi de quem ele estava falando...
— A gente tá junto.
— Quê?
— Agora o quê?
No caso desse meu amigo, teria sido tão mais fácil ela ter
dito que não queria nada sério, ou que estava cansada do
relacionamento, ou que queria algo novo, ou que estava
sentindo atração por outra pessoa, ou que precisava de
novidade, ou que queria inovar, ou que estava curiosa... Enfim,
existem milhares de maneiras de evitar a traição. Já foi
inventado até o tal do “tempo”. “Vamos dar um tempo na
relação”. Geralmente esses “tempos” são espaços curtos, onde
os dois ficam livres para fazer o que quiserem, com quem
quiserem, do jeito que quiserem. O “tempo” culmina ou no
término do relacionamento, ou nos dois voltando felizes e
decididos pro namoro. Em caso de dúvidas, peça um “tempo” e
tudo fica mais simples de resolver.
— Vinho?
— Credo, Bia.
— Eu que o diga!
— Ambos
— Não me julgue.
— Chopp?
— Bora.
Feito. Um caneco de chopp na mão de cada uma e
começamos a devanear sobre as atitudes de ambos... Um deles
bateu com a cabeça, então talvez existisse ali alguma explicação
para a mudança brusca de comportamento nessa situação, eu
não entendo muito bem até onde uma pancada na cabeça pode
afetar a personalidade de alguém, então pode ser que tenha ao
menos uma desculpa nesse caso. Mas o outro, no caso o Marcel,
também mudou a forma de agir comigo, e foi uma mudança
radical, apesar de ter sido um pouco mais sutil que a do Ivan.
— Oi?
— Quê?
— Sim. Pensa se eu tivesse o dinheiro daquelas ricaças de
novela, que ficam atirando vasos caríssimos na parede porque
estão irritadas... Cada estação eu ia ter louça nova na minha
casa...
— Lana!
— Tem espaço pra mais uma?
— Nem me fale.
Mulher não tinha vez nem voz, e por mais que muitos
tentem ignorar isso, todos sabemos que isso é verdade. Os
donos das propriedades – homens, pelo simples motivo de que
a mulher não podia ter terras em seu nome – casavam com
quem bem entendiam, porque eram “bons partidos”. Sendo que
dentro desse “quem bem entendiam” entravam mulheres de
todas as idades. Eles eram nossos salvadores, que nos davam a
oportunidade de sermos felizes engravidando, criando os filhos
deles e cerzindo meias. A única coisa que nos pediam em
retorno era obediência cega à todas as ordens e desejos que eles
tinham, caso contrário, nos castigariam. Eu li um relato uma vez
– peço perdão aqui, pois realmente não lembro onde eu li – de
uma mulher que ficou uma semana inteira sem poder comer por
não agradar o marido.
No caso desses relacionamentos abusivos, quem pratica o
abuso ainda acredita que é um “senhor de terras/dono de sua
esposa”. Esse pensamento é o que faz com que quando se
irritam por algo, eles achem que podem “punir” a mulher,
afinal, na cabeça deles, ela tem que obedecer a eles em todas as
situações e não pode falar nada. Submissão de nível extremo.
— Beijo grego.
— Ah, o sommelier...
— Quem?
— Eu aceitei.
— Oi!
— O Felipe.
— Então me conte!
— É meu vizinho.
— Quê?!
— Sei lá, fazia anos que eu não via ele... Mas, eu larguei
sem querer largar, foi forçado, eu estava apaixonada por ele na
época. Eu segui em frente, estou com outra pessoa agora, mas
ver ele lá, tão perto de mim, me deu medo de tudo voltar.
— Eu sei bem como é. Acho que o problema é justamente
quando tu terminas sem querer terminar. É como se, ao invés de
botar algo no lixo, a gente só guardasse e torcesse pra nunca
abrir de novo... E depois de um tempo a gente até esquece que tá
lá, até ver de novo.
Ela deu uma risada tão escandalosa que fez com que o
pub inteiro olhasse para a nossa mesa. Adoro a forma como as
minhas amigas são discretas e delicadas.
Pronto. Dona Duda, a mini bruxa. Será que ela tem altura
o suficiente para alcançar a boca do caldeirão? Não sei...
— Eu fiz isso.
— Com o Felipe?
— Sim. Na real, não fui bem eu que chamei ele, ele que me
chamou e eu fui no apartamento dele para conversar.
— E o sentimento?
É o implacável fim.
Referências