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Santos
Capa: @designerttenorio
Revisão: Andrea Moreira
Imagens: AdobeStock
Se tem algo que aprendi desde que lido com crianças é que
você nunca deve fazer uma promessa se não tem certeza de que
vai cumprir. Criança cobra e nunca esquece.
— Estou sem sono ainda — fala ela, com o tom triste.
Após o jantar, ficamos vendo desenhos até dar a hora de
ela dormir – por volta das oito –, mas já são nove e nada da
pequena adormecer. Eu contei uma história torcendo para que
ela dormisse rapidamente, só que isso ainda não aconteceu.
Os quartos dos empregados ficam no andar de baixo, e
acho que Maria Alice está com medo de ficar sozinha, já que
não sabemos que horas o seu pai chegará.
— Por que não está conseguindo dormir, lindinha?
Ela vem até mim e coloca a cabeça em meu colo, então me
encara por alguns segundos antes de cessar nosso contato visual
timidamente.
Em um gesto de carinho, passo a mão em seu cabelo loiro e
dou um beijo em sua testa, recebendo um sorriso meigo dela.
— Estou esperando meu pai chegar para me dar um beijo
de boa noite. — Maria Alice me olha dessa vez, sua voz está
desanimada, assim como o seu semblante.
Enquanto o meu coração está apertado, o da pobre
garotinha está partido.
— Eu sei que gostaria que o seu papai estivesse aqui, mas
enquanto ele não chega, o que acha de me deixar te abraçar bem
forte e te dar vários beijos para que você consiga dormir? —
Sorrio para ela.
A menina não diz nada, apenas se levanta e se joga em mim
como se dependesse muito de um abraço. Quando ela afunda o
rosto na curva do meu pescoço, eu acaricio as suas costas,
emocionada com a sua fragilidade.
Ajeito-a em meus braços e a coloco sentada em meu colo,
então começo a cantarolar uma canção de ninar que a minha tia
cantava para mim quando eu tinha a idade dessa garotinha.
É impressionante como sinto a necessidade de proteger
essa menina, colocá-la no meu colo e lhe dar muito carinho.
Paro de cantar assim que percebo que ela foi vencida pelo
cansaço. No fundo, ela estava se esforçando para ficar acordada.
— É, princesa, não sei por que tenho esse sentimento tão
forte por você. Eu te conheço há poucas horas e já te adoro —
murmuro, velando o seu sono.
Com cuidado, eu a coloco na cama, ajeito o seu pijama
branco com alguns desenhos de elefantes e a sua meia rosa,
depois arrumo o travesseiro e, por fim, beijo a sua testa.
— Durma com os anjos — sussurro ao me afastar e apagar
a luz, deixando só o abajur da sua mesa de cabeceira aceso.
Desço a escada com o estômago roncando e com uma leve
dor no abdômen, isso sempre acontece quando demoro muito
para comer. Me doei tanto para Maria Alice nas últimas horas,
que nem tive tempo para comer alguma coisa.
Entro na cozinha e congelo ao me deparar com um homem
alto, com uma calça de pijama de flanela e sem camisa,
deixando à mostra as costas bem-definidas, em frente a geladeira
aberta. Quase engasgo com a minha saliva ao reconhecer o sr.
Bianco.
Quando ele chegou? Nem mesmo foi ver a filha.
Continuo analisando o meu chefe por longos segundos, que
permanece de costas para mim, procurando algo na geladeira.
— Boa noite, Brenda — me cumprimenta.
Dou um pulo para trás, com os olhos arregalados.
Ele me ouviu chegar, mas demorou a me cumprimentar?
Que homem estranho.
— Boa noite, sr. Matteo — respondo ao me recompor, sem
gaguejar.
Ele fecha a porta da geladeira e se vira para mim, seus
olhos automaticamente vão para meus pés descalços e depois,
lentamente, vão subindo por minhas pernas, até chegar ao meu
rosto. No mesmo instante, sinto que fico corada. Não só por ele
me avaliar de uma forma que me deixa desconcertada, mas pela
visão que tenho. Em minha mente, só vem a minha amiga Nanda
pedindo para que eu o observe melhor.
Como se eu já não tivesse feito tal coisa.
— Como foi o seu dia com a minha filha?
Envergonhada, desvio meus olhos para o armário para não
o encarar, quer dizer, o abdômen bonito dele.
— Foi tudo bem. A Maria Alice é uma criança muito
especial, o senhor é uma pessoa de sorte por tê-la. — Volto a
observá-lo e o vejo tirando a sobremesa da geladeira. — Ela
dormiu há alguns minutos, não estava conseguindo. Ela estava
esperando o senhor dar um beijo de boa-noite nela — revelo.
Ele vai até um dos armários e retorna com um prato.
— Antes de ir me deitar, eu vou vê-la. Obrigado por avisar
— diz, sentando-se na banqueta da ilha. Depois de se servir, ele
começa a comer.
— Não precisa agradecer, senhor. Se me der licença, vou
me recolher. — Passo a mão por meu pescoço e traço uma linha
até chegar ao meu ombro para massageá-lo.
O dia foi exaustivo.
— Pensei que tivesse vindo comer. A sua barriga está
roncando desde que entrou na cozinha. — Ele ergue o rosto e me
encara, com aquele olhar que faria qualquer mulher ficar de
pernas bambas. E quando ele dá um sorriso largo, preciso
balançar a cabeça. — E agora está roncando de novo.
Sinto meu rosto arder e meu coração acelerar com a sua
observação.
Que vergonha!
Nem percebi isso, estava distraída apreciando o corpo dele.
— Eu vim, sim.
— Não se incomode com a minha presença, já estou
terminando aqui — avisa, antes de dar uma mordida no zeppole.
Envergonhada, umedeço meus lábios secos com a ponta da
língua e noto que Matteo acompanhou o meu movimento com
seus olhos, me deixando ruborizada ao ser escrutinada.
— A Maria Alice não quis a sobremesa, ela queria comer
com o senhor — conto, assim que me recomponho. Eu o vejo se
levantar para colocar a louça que sujou na pia.
— Amanhã comeremos juntos. — Seu tom é de culpa.
— Ela vai adorar — murmuro.
Ele vem na minha direção com passos lentos, para na
minha frente e olha bem em meus olhos.
Estamos a três passos um do outro.
— Pode comer, não vou te atrapalhar. Boa noite, Brenda, e
seja bem-vinda a minha casa. — Passa por mim e segue em
direção ao andar de cima.
Com o coração acelerado, respiro fundo. Mais recomposta,
pego algo na geladeira para comer. Ao me virar, vejo um celular
em cima da ilha, deve ser do Matteo. Eu o pego para entregá-lo
e a tela acende, logo me deparo com a foto de Matteo e Maria
Alice como tela de bloqueio.
Eles estão lindos. Sorridentes.
— Aí está ele. — Salto para trás e por pouco não derrubo o
celular.
— Ele estava aqui em cima — gaguejando, estendendo o
objeto para o meu chefe.
— Obrigado, Brenda — agradece. Ao pegar o seu telefone,
nossos dedos roçam um no outro e um arrepio se apodera do meu
corpo com o pequeno contato.
— Não há de quê — murmuro, afastando-me dele com a
expressão séria, para que não pense que estou tentando flertar.
— Mais uma vez, boa noite. — Gira nos calcanhares e sai
da cozinha sem olhar para trás.
Assim que entrei em casa, fui direto para o meu quarto
tomar um banho e respirar um pouco. Quando vi a porta do
quarto da minha filha fechada, deduzi que estivesse dormindo,
uma vez que o horário de ela dormir é às oito. Tanto que andei
pela casa em passos silenciosos para não incomodar ninguém.
Também não esperava me deparar com Brenda na cozinha a
essa hora. Ao sentir seu perfume adocicado no ar e me virar, tive
uma visão inesperada. A mulher estava descalça, usando uma
camisola preta simples acima dos joelhos, que moldava as suas
curvas perfeitamente. E quando ela umedeceu os lábios foi
impossível não ficar fascinado com o movimento, para mim, é
particularmente sexy. Sei que não foi intencional, o seu rosto
demonstrou o quanto estava embaraçada com a minha presença.
Assim como eu, ela não esperava encontrar ninguém ali.
Ao ouvir da mulher que a minha filha estava esperando por
um beijo meu, fiquei me sentindo culpado, porque odeio
prometer algo e não cumprir, ainda mais quando se trata da
minha filha.
Realmente, hoje a Daniele conseguiu me segurar na
editora, mas reconheço que poderia ter me mantido firme
dizendo que a minha prioridade é a minha filha. Eu não
precisava ficar até tarde na Bianbooks, já que tenho funcionários
que podem fazer aquele trabalho. Eu sou o dono, posso optar por
trabalhar ou não, e foi até incoerente que eu me dispusesse a tal
papel. Se ela é a editora-chefe, ela que tem que resolver essas
coisas.
Depois de ter terminado a tal avaliação, que não era para
ser algo demorado, minha amiga me convidou para jantar, mas
eu recusei e vim para casa o mais rápido que pude, mesmo
sabendo que encontraria a minha garotinha esperta no segundo
sono.
Em passos silenciosos, entro no quarto de Maria Alice e me
aproximo da sua cama, inclinando o meu corpo um pouco para
dar um beijo em sua bochechinha. Sento-me na beirada da cama
e a observo por alguns minutos.
— Filha, comi só dois zelopes — rio baixinho, usando o
nome errado da sobremesa — para que possamos comer amanhã
no café — murmuro, tocando seus fios loiros. — Sei que vai
estar chateada comigo, mas eu mereço, não cumpri com o nosso
combinado. Saiba que o papai te ama muito, Mali. — Beijo a
testa dela.
Ela se remexe na cama ameaçando acordar, então, com
cuidado, eu me levanto e passo a mão no cabelo, olhando-a uma
última vez antes de deixar o quarto.
Sigo para o meu quarto, que fica ao lado. Antes de me
deitar na cama, pego na mesa de cabeceira o livro que estou
lendo atualmente, um dos preferidos de Camila. Diário de uma
Paixão foi o primeiro livro que dei à minha esposa. Ainda é
fresco em minha memória a Mila chorosa na leitura e ainda
praguejando o Nicholas Sparks por ter esse dom de fazer os seus
leitores chorarem com seus romances.
Inicio a leitura, mas não consigo me concentrar. Ajeito o
travesseiro em minhas costas e tento, outra vez, ler a página em
que parei na noite passada, mas algo dentro de mim me
incomoda. Talvez seja o mesmo sentimento de inquietude que
venho tendo desde que achei o livro perdido em minha prateleira
e que está me fazendo procrastinar.
Largo o livro na mesa de cabeceira e me levanto. Descalço,
sigo até a varanda, encosto meus cotovelos no parapeito e
observo a piscina iluminada pela luz do luar. Engraçado, quando
eu e Mila escolhemos essa mansão para vivermos depois que
descobrimos que seríamos pais, de cara eu a detestei justamente
por causa da piscina.
Porque desde que perdi meus pais fiquei traumatizado,
imaginando tragédias em cima de tragédias, com medo de que
nosso filho pudesse de alguma maneira se acidentar ali e ter o
mesmo fim que os avós. Mas a minha esposa simplesmente
segurou as minhas mãos, olhou em meus olhos e me disse
“Amor, o seu maior algoz é você mesmo. Você precisa superar
os medos, e se essa piscina é um deles, precisa enfrentar. Nada
vai acontecer com o nosso filho, coloque isso em sua cabeça. E
eu estarei sempre aqui para te dizer isso e te apoiar.”
Promessas que não podem ser cumpridas não devem ser
feitas.
Duas semanas depois de ter enterrado a Camila, eu quis
mandar fazer o mesmo com a piscina, porque ela me lembrava a
minha esposa, os meus pais, a minha dor em dose dupla, mas aos
poucos aceitei que eu estava querendo arrumar culpados para
encobrir a minha dor.
Balanço a cabeça e retorno para o quarto, dissipando os
meus pensamentos. Rumo até o meu armário e insiro a senha em
uma das gavetas. De lá, tiro um álbum preto com as siglas na
capa “M&C” – Matteo e Camila – e, em seguida, me sento na
poltrona próxima.
Faz meses que não tenho essa recaída. Todas as vezes que
me lembro dela, preciso olhar o álbum de fotos do nosso
casamento e da gestação de Camila.
Algumas pessoas se sentiriam torturadas por ficar
relembrando o passado, mas, de alguma maneira, fazer isso
alivia pequeno sentimento de culpa em meu peito.
E se ela não tivesse engravidado?
E se ela tivesse escolhido interromper a gravidez?
E se fosse eu a ter que decidir pela vida das duas?
E se eu perdesse as duas?
Esses tantos “e se” me matam por dentro, porque eu jamais
terei essas respostas.
A primeira foto foi tirada quando Camila entrava na igreja,
ela estava sorridente, com um brilho excepcional nos olhos. Na
segunda, já somos nós em frente ao padre, trocando nossos
votos. A terceira é a nossa primeira dança depois de casados. E
as outras mais a frente seguem fielmente a linha cronológica:
lua de mel, a descoberta da gravidez dela até o dia em que Maria
Alice decidiu vir ao mundo. A última foto está longe de ter sido
tirada por um profissional, mas é a mais valiosa para mim.
Com os olhos ardendo e o peito apertado, estudo a imagem
a minha frente. Camila com o seu barrigão, sentada em nosso
sofá ao lado das duas bolsas que íamos levar para a maternidade.
Mesmo diante da dor, ela me pediu para que eu capturasse
aquele momento. Eu nunca poderia imaginar que seria a última
foto que eu tiraria dela.
Eu já aceitei a sua partida, mesmo que não pareça. Mas a
saudade fala mais alto, olhar para as fotografias faz com que eu
me sinta bem com as boas lembranças. A ausência de Mila às
vezes dói, principalmente quando Maria Alice fala sobre a mãe
ser uma estrelinha.
Se todas as estrelas pudessem voltar, a Terra se tornaria
uma constelação.
As horas se passam, e quando vejo já é quase meia-noite.
Bocejando, devolvo o álbum para o mesmo lugar, desligo as
luzes e me deito. Amanhã é um novo dia, um novo recomeço, e
eu preciso voltar à minha rotina.
Após a minha corrida matinal, retorno para casa com o
corpo suado e pronto para tomar uma ducha rápida para, em
seguida, me trancar em meu escritório por algumas horas.
Atravesso a porta dos fundos da cozinha, passando a toalha
em meu rosto e pescoço. Um aroma delicioso de café impregna
em minhas narinas, mas por alguns instantes acho estranho, uma
vez que Tina não chega tão cedo para o serviço. Só então Brenda
aparece em meus pensamentos.
O que ela faz acordada tão cedo?
Observo ao redor à procura da babá, mas só encontro a
cafeteira cheia em cima da ilha e a cozinha vazia. Jogo a toalha
por cima do meu ombro e rumo até o armário para pegar uma
xícara e me servir.
Sirvo-me, em seguida me sento na banqueta da ilha e sopro
a bebida antes de bebericá-la.
Hm, está gostoso. Não está nem fraco e nem forte, nem tão
doce e nem amargo. Na medida certa.
— Fernanda, não são nem seis da manhã e você me
perturbando com isso! Pelo amor de Deus! Vai dormir e esquece
essa sua maluquice. Você me ligou para saber como estou, ou
para saber da beleza alheia? — Escuto a voz da babá soar
próxima e fico curioso, porque o seu tom demonstra irritação.
Ajeito-me na banqueta e olho por cima do ombro, na
direção que vem a sua voz, bem mais próxima do que antes.
Tenho certeza de que ela está voltando para cá.
— Eu também te amo, amiga, mas você cismou com isso. O
sr. Bianco é bem apresentável, tá bom? Te convenci? Agora pare
de me perturbar querendo saber se o meu chefe é gato, isso é
feio! Ele é meu chef...
Brenda quase deixa o celular cair ao se deparar comigo na
cozinha. O seu rosto fica pálido e os seus olhos aumentam de
tamanho.
A princípio, ela abre a boca e fecha, desacreditada em me
ver ali, mas pisca três vezes e ao ter a confirmação, leva a mão à
boca e eu comprimo os lábios para não sorrir com a sua
expressão de horror ao perceber que ouvi o que estava falando
no celular.
Modéstia à parte, sei que sou um homem bonito e atraente,
mas ter a nova babá dividindo isso com uma amiga me intriga.
— Matteo?! — A mulher se atrapalha toda ao me chamar
por “Matteo” e não “sr. Bianco”. — Digo, sr. Bia… Ai, céus! —
Fica nervosa, mexendo no celular.
Eu prendo a risada na garganta ao ver o seu desespero.
— Não me importo em ser chamado de Matteo, Brenda,
contanto que mantenhamos o respeito um com o outro — aviso.
Ela parece que vai infartar a qualquer momento.
— Me perdoe, e-eeu... Estava conversando com a minha
melhor amiga, ela é um pouquinho maluca e... — Ergue o
celular, ficando com as bochechas adoravelmente avermelhadas.
Faz anos que não vejo uma mulher corada de verdade.
— Relaxe, Brenda, já entendi — murmuro, endireitando-me
na banqueta e olhando para a frente.
Pelo canto do olho, vejo-a se mover em minha direção.
— Talvez o senhor tenha ouvido só pela metade, eu não
estava te chamando de bonito. — Se põe na minha frente do
outro lado da ilha.
Eu a encaro com o semblante sério demais, a coitada
percebe o que acabou de falar e novamente fica vermelha.
— Então, estava mentindo para a sua melhor amiga? —
Levo a xícara à boca, escondendo o meu sorriso quando noto a
sua timidez e desespero para me explicar a sua versão.
— Não foi isso, é que ela queria saber se o senhor é bonito.
— Ela se entrega, e pelo seu semblante, sabe que só está
piorando a sua situação.
— Entendo. E o que é ser apresentável para você, Brenda?
— Largo o café de lado e fito-a. A mulher estremece com a
minha pergunta.
— Bom... É uma pessoa normal, decente. — Gagueja um
pouco.
— Mas não bonita? — Não é que eu queira persuadi-la,
mas acho interessante e engraçado o quão atrapalhada fica a
cada segundo que passa.
— Se eu falar a verdade, o senhor vai me demitir? Eu não
tenho nem vinte e quatro horas na sua casa, essa seria a minha
demissão mais rápida. — Massageia as têmporas.
— Nesta casa, eu prezo sempre pela verdade. Sinta-se à
vontade para ser sincera.
A respiração de Brenda oscila e ela meneia com a cabeça.
Eu nunca dei espaço para que as outras babás tivessem por
tanto tempo e em tão poucas horas oportunidade para dialogar
comigo, mas talvez seja porque Brenda é a primeira funcionária
jovem que entra aqui, ou a que mais chamou a minha atenção
por seu comportamento.
Ela é muito espontânea, gosto disso.
— O senhor não é feio, já disse isso para a minha amiga,
só que ela quer que eu fale mais, sabe? Só que eu acho uma falta
de respeito falar que você é bonitão. — Discretamente, ela
analisa meu peitoral e desce por meu abdômen suado até chegar
ao meu short. Não acho que seja intencional me avaliar dessa
maneira, simplesmente acontece.
— Tudo bem, entendi, não precisa mais se explicar. A
propósito, o café estava delicioso. — Levanto-me e sigo para a
pia com o meu copo, e ela faz o mesmo.
— Obrigada. O que vai fazer? — Se põe ao meu lado, mas
fica um pouco distante.
— Lavar o que sujei? — Ergo a xícara.
— Eu posso fazer isso, o senhor é o chefe...
Com a sobrancelha arqueada, observo-a.
— E o que isso tem a ver? Aqui não tem isso de ser chefe.
Sujou, lavou — murmuro, começando a lavar o objeto.
— É a primeira vez que vejo isso. Nos lugares em que
trabalhei, os funcionários faziam tudo — revela.
— A sua função aqui não é ficar lavando os meus pratos,
Brenda, é cuidar da minha filha. — Coloco a xícara no
escorredor e viro-me para ela.
— Sim, eu sei, mas no meu último trabalho de babá, eu
tinha que ajudar a faxineira da casa quando a criança estava no
colégio ou saía com os pais.
Franzo a testa com a sua confissão.
— Mas na sua contratação te avisaram sobre isso? Você
ganhava a mais? — Enxugo minhas mãos no pano de prato e
sento-me à ilha, e ela faz o mesmo, só que do outro lado.
— Que nada! A minha patroa só falava “Brenda, vá varrer
a casa enquanto fulana está lavando os banheiros. As crianças
não estão em casa hoje, então vá ajudar enquanto elas não
chegam”. Como eu não fujo de trabalho e precisava pagar as
contas, fazia de tudo. Não que eu esteja reclamando, sabe? —
Faz uma careta.
— Prossiga. — Fico curioso com a história.
— Nessa de me colocar para ser multifunções, saía da casa
deles bem depois do meu horário combinado. E na hora de me
pagar a hora extra, eu nem via a cor do dinheiro.
Faz tempo que uma mulher não me arranca uma risada
sincera.
— Eu falo demais, não é? — Comprime os lábios, como se
estivesse se reprendendo por dentro.
— Sou um bom ouvinte.
— Percebi — diz baixinho, mas eu escuto.
— Me diga, Brenda. Por que não está atuando na sua área?
— Falta de oportunidade — confessa, suspirando.
— Se a qualquer momento você receber uma proposta
melhor de emprego, irá pedir demissão? — sondo-a, e ela parece
ficar confusa.
Preciso saber se a minha filha corre o risco de ser
abandonada pela babá. Maria Alice pode ser um pouco retraída
no início com as babás, contudo, quando gosta de alguém, é
difícil de desapegar. Ainda mais a minha filha, que mesmo tendo
o meu amor, é uma criança carente e muito sensível.
— Matteo, estava há um tempo sem trabalhar, e a proposta
de vir trabalhar aqui foi a melhor que já recebi em toda a minha
vida, acredite. — Ela me dá um sorriso genuíno. — Não costumo
decepcionar as pessoas que me deram a mão, não se preocupe —
finaliza, seriamente.
E eu espero que seja verdade.
— É bom ouvir isso.
Ficamos em silêncio por alguns minutos, até que eu me
levanto, pronto para me retirar dali.
— Brenda, com licença — peço educadamente e ela
assente.
Basta que eu dê as costas para babá para ouvi-la soltar uma
respiração de alívio. Sorrindo, balanço a cabeça e rumo para o
meu quarto. Sinto que hoje o dia será muito produtivo para mim.
Duas semanas voaram.
Na quinta-feira, Matteo pegou a minha carteira de trabalho,
fiquei tão feliz que vibrei por dentro. Juro que pensei que ele
nem iria seguir a diante em me registrar após o episódio na
cozinha, quando fui flagrada em uma ligação com a Nanda.
Embora tenhamos tido uma breve conversa tranquila, em que eu
fui linguaruda e falei mais do que deveria, fiquei criando
paranoias na cabeça. E uma delas era ser mandada para o olho
da rua no dia seguinte.
O.k., talvez eu estivesse exagerando por algo bobo, mas
quem em sã consciência não se angustiaria depois do seu chefe,
que parece ser um homem muito sério, te pegar falando dele?
Por pouco não infartei naquele dia, mas a prova de que ele não
ficou com um pé atrás comigo foi ter seguido com os trâmites
burocráticos do meu registro.
No decorrer das semanas, descobri algumas manias da
menina, nada assustador, continua sendo uma garotinha doce e
cheia de sorrisos. A cada dia gosto mais dela, que retribui o meu
carinho e a minha atenção.
Como lidar com tanta fofura? Maria Alice Bianco é
adorável e já tem um espaço no meu coração. E quando se trata
de crianças, que são a minha paixão, sou fácil de ser
conquistada.
Soube que em alguns sábados as netas de Madalena vêm
para brincar com Maria Alice, mas, infelizmente, hoje as
amiguinhas dela – Isabela e Luísa – não poderão vir, porque
foram passar o final de semana na casa da outra avó. A filha da
Madalena é separada do pai das crianças e eles compartilham a
guarda.
Como a pequena não vai ter alguém para brincar, me dispus
a fazer isso com ela, então acordei antes do meu horário e fiz
todas as minhas obrigações, assim deixo a tarde livre só para
ela.
Desde que cheguei aqui, me comuniquei com a minha tia
quatro vezes, e disse a ela para não se preocupar comigo. Depois
que contei que meus colegas de trabalho são ótimas pessoas, ela
ficou mais tranquila e feliz em saber que estou indo bem. Ela
tinha um certo receio de que eu ficasse cercada por pessoas
maldosas.
Estou me dando muito bem com a faxineira, a Joana. A
Cristina, que chamamos de Tina, uma senhora adorável que é a
cozinheira. O Pedro é o motorista, e a maravilhosa Madalena é a
governanta da casa. Quem ainda não tive a oportunidade de
conhecer melhor foi a professora de piano da Maria Alice, que
essa semana se ausentou. Soube pela Lena que a educadora
pegou virose e o Matteo preferiu que ela ficasse em casa para se
cuidar, e só voltar quando se recuperar totalmente.
Sei que não é certo me intrometer na vida pessoal do meu
chefe, mas como pedagoga, me sinto na obrigação de orientá-lo.
Sei que fui designada a ser babá, contudo, pensei em conversar
com ele para que coloque Maria Alice em um colégio, o mais
próximo daqui, assim eu posso levá-la e buscá-la todos os dias.
A filha dele precisa ter mais amigos, e conhecer novas pessoas a
deixará muito mais sociável e feliz do que já é. Ela tem seis
anos, está na idade de ingressar no colégio, e como ele não me
comunicou nada sobre essa possibilidade, preciso tomar a
iniciativa.
Vou aproveitar que ele está em casa e tentar a sorte. Se eu
receber um não, tudo bem, pelo menos eu tentei. E se receber
um sim vai ser maravilhoso.
— Tina, pode preparar um pouco de salada de frutas para a
Mali, por favor? — peço ao entrar na cozinha.
A cozinheira baixinha de cabelo grisalho sorri para mim
genuinamente.
— Claro, Brenda, em poucos minutos estará pronta. —
Pisca para mim, me fazendo sorrir.
— Obrigada. Estarei na sala de brinquedos com ela, quando
estiver pronta me avisa, pode ser?
— Não se preocupe, eu levo até lá. Você deve estar muito
cansada, a semana toda trabalhando sem parar, e lidar com
crianças não é tão fácil como parece ou pensam. A Maria Alice é
uma menina muito especial... e precisa tanto de você, que acaba
sugando sua energia. — Ela pega as frutas e as coloca no balcão.
— Pode ir, eu levo o lanche da nossa menina.
Maria Alice tem sido amável comigo, e eu com ela, óbvio.
E os dias têm seguido em paz, não houve reclamações de
nenhum dos lados.
— Obrigada, e com licença — agradeço-a, com um sorriso
enorme de satisfação por ter pessoas tão solidárias ao meu redor.
— Ah, Tina, posso te pedir outro favor? — Meu tom é
envergonhado.
— Claro, minha querida. — Fita-me, curiosa.
— Preciso ter uma conversa com o sr. Matteo ainda hoje, e
mais cedo eu o vi entrando no escritório. Se você puder ficar de
olho em Maria Alice um pouquinho enquanto falo com ele...
Prometo não demorar. — Mordo o lábio enquanto a encaro,
ansiosa por sua resposta.
— Sim, sim, filha, que pergunta boba. Mas vá agora antes
que a dona Daniele chegue e roube a atenção dele a tarde toda.
Brenda, nos finais de semana, ela tem a mania de se enfiar aqui
e só vai embora quando dá vontade. Não que eu não goste dela,
mas quando chega, quer mandar nos funcionários como se ela
pagasse o nosso salário, e não o patrão — fala e faz uma careta.
Realmente, nenhum funcionário gosta de receber ordens de
terceiros, ainda mais quando vem de alguém que os maltrata.
Bom, não tenho nada contra a sra. Daniele, a primeira vez
que a vi ela me tratou bem, mas não vou colocar a minha mão no
fogo por ela, já que não nos conhecemos direito.
— O.k., obrigada. Estou indo. — Saio da cozinha a passos
largos.
Receosa, bato à porta do escritório pela segunda vez, e
nada de ele me mandar entrar. Aproximo meu ouvido da madeira
e acabo escutando o que não é da minha conta.
— Dani, se você não vier hoje para a minha casa vou te
agradecer. Quero ficar com a minha filha neste final de semana,
e sei que você vai tentar me distrair e eu quero estar disponível
para ela totalmente.
Fico boquiaberta com a sinceridade do homem, chega até a
soar grosseiro.
— Não. Veja bem, você está me interpretando mal. Eu não
estou rancoroso com algo que aconteceu semanas atrás, na
editora. Eu não disse que a sua presença na minha casa não é
bem-vinda, só estou falando que Maria Alice será a minha única
companhia hoje. Não quero que você venha, porque se vier, não
vai ter a minha atenção. O.k., Daniele, um bom final de semana.
Assim que noto que o silêncio predomina do outro lado da
porta, me afasto rapidamente e bato de novo, esperando que
dessa vez ele me ouça e autorize a minha entrada.
— Sr. Matteo, sou eu, a Brenda — digo, apreensiva.
— Entre.
Coragem, Brenda Correia, coragem! Após uma longa
respiração, entro na sala.
— Aconteceu alguma coisa, Brenda?
A sua pergunta me deixa sem graça por alguns instantes.
— Me perdoe, senhor. — Pigarreio, notando que em vez de
dizer o que quero com ele, fico parada no meio do escritório o
encarando como se fosse uma bobalhona. Mas não é para menos,
o homem está usando roupas casuais e o seu cabelo está um
pouco desalinhado. Matteo parece relaxado, talvez por ser final
de semana.
Sabe quando a pessoa é linda de qualquer jeito? É Matteo
Bianco.
De repente, pego-me lembrando da vez que o vi sem
camisa, com o abdômen cheio de gominhos e o corpo todo suado
por conta da corrida matinal. Não vou negar que por alguns
segundos de distração dele, foi impossível não dar algumas
olhadas, o homem é muito bonito, não tem como passar
despercebido por nenhuma mulher.
— Brenda? O que se passa? — Ele chama a minha atenção,
estalando os dedos, e eu sinto meu rosto arder.
— Desculpe, me distraí. — Pigarreio. — Posso ter uns
minutos do seu tempo? É sobre a Maria Alice. Acredito que seja
importante para ela.
Confesso que não sei como agir quando estou perto dele,
ainda estou me acostumando com a ideia de Matteo ser tão
bonito e elegante.
— Sente-se, por favor. — Aponta para a cadeira, e eu me
sento. — Do que se trata? — Analisa-me cautelosamente.
— Sei que o meu trabalho não é educar a sua filha, muito
menos decidir o que é bom ou ruim para ela, mas gosto de agir
pelo certo, sr. Matteo. — Fixo meus olhos nos seus e o encaro
com seriedade, mantendo a minha postura firme, mesmo que por
dentro eu esteja tremendo de medo de ouvir um não. — A Maria
Alice tem seis anos, e para algumas coisas é um pouco imatura.
Não quero ser intrometida, de forma alguma, e sei que só estou
trabalhando aqui há duas semanas e... — Calo-me, nervosa,
quase tremendo.
— Fale de uma vez, Brenda. Se ficar dando voltas, nunca
vai me dizer o que de fato quer. — Demonstra impaciência com
a minha enrolação, até eu ficaria.
— O senhor não acha que é uma boa ideia que ela
frequente um colégio? Assim ela poderá fazer amigos, aprenderá
a viver com outras pessoas, vai ter mais espaço para um
aprendizado menos rigoroso.
Ele faz um sinal para que eu me cale. Seu semblante
fechado é de fazer qualquer um colocar o rabinho entre as
pernas e sair de fininho.
— E por que achou que pode me convencer a fazer tal
coisa? — Seu tom é calmo, até demais.
— Senhor... a Alice é uma criança maravilhosa, acho que...
— Engulo minhas palavras ao vê-lo me observar com os olhos
semicerrados.
— A senhorita acha ou tem certeza? — indaga, com uma
pitada de diversão, mas volta a ficar sério rapidamente.
— Tenho certeza de que frequentar um colégio fará muito
bem para ela. Maria Alice passa muito tempo nesta casa, com
adultos, sr. Matteo, e criança precisa se relacionar com criança.
— Mordo os lábios enquanto batuco com meus dedos em minha
coxa, o nervosismo me corroendo por dentro.
Estou colocando o meu trabalho em risco, tenho plena
consciência disso, no entanto, essa conversa não poderia ser
adiada. Se importar demais com os outros talvez seja um
defeito, contudo, mesmo que neste momento eu seja demitida
por ter me medito onde não deveria, será por uma boa causa.
— Cadê a Maria Alice? — Ele ignora completamente o
meu questionamento.
— Está na sala de brinquedos. — Passo a mão no pescoço.
Que tensão! Senhor!
— Vá ficar com ela. Pode se retirar agora. — Os olhos
castanhos dele brilham de um modo estranho.
— Sim, senhor. — Assinto, quase trêmula, tentando me
recuperar.
Nervosa, levanto-me e por pouco não tropeço nos meus
próprios pés quando sinto que estou sendo observada a cada
movimento que faço.
Antes ele tivesse dito não, porque além de ter me deixado
ansiosa, fiquei chocada com a sua postura fria e calculista.
— Brenda, espere — chama-me quando já estou com a mão
na maçaneta da porta, que está tão fria quanto o comportamento
dele.
Viro-me para ele, mesmo insegura.
— Sim, senhor? — Fico confusa ao notar que ele está com
a expressão mais suave.
— Eu jamais privaria a minha filha de estudar. Ela já está
matriculada, e você ficará encarregada de levá-la e trazê-la,
confiarei a segurança da Maria Alice a você.
Maravilhada, abro um sorriso enorme que chega a deixar a
minha boca dolorida por alguns segundos.
— Se ela já está matriculada, por que me deixou parecendo
uma boba tentando te convencer e me olhando com essa cara de
mau? — Comprimo os lábios ao notar que falo demais em tão
pouco tempo. Foi no automático, não pude me conter.
— Cara de mau? — Ergue a sobrancelha de um modo
charmoso e me dá um sorriso travesso. O seu sorriso é bonito, os
dentes são perfeitos e branquinhos.
— Não foi isso que eu quis dizer, me expressei mal! —
explico, rapidamente.
— Sei. — Lambe o lábio inferior, demonstrando
divertimento no sorriso contido. — Eu te comunicaria na
segunda-feira, mas como você se adiantou, quis ver aonde
chegaria. — Encosta-se na cadeira e encara-me por um tempo.
— Obrigada. O senhor está fazendo a coisa certa para a sua
filha — agradeço-o, desconcertada com o seu olhar observador.
— Sim, sei que estou. Ainda essa semana mando a
Madalena ir com vocês ao shopping comprar todo o material da
lista de Maria Alice que me enviaram por e-mail. — Seu tom é
de alguém muito pensativo.
— Se me der licença, vou me retirar.
Ele assente com um meneio de cabeça e eu saio do
escritório.
Rumo até Maria Alice, que provavelmente me fará muitas
perguntas pelo motivo da minha demora. Eu disse que só ia
buscar seu lanchinho. Mas a minha demora valeu a pena, valeu
muito, em breve ela irá para o colégio e nada poderia me deixar
mais contente.
— Brenda, você demorou — exclama a garotinha, fazendo
bico quando me vê entrar na sala. Pelo visto, já lanchou, a tigela
está vazia perto dela.
— Desculpe, princesa, estava ocupada. — Pisco e sento-me
no chão ao seu lado.
Os brinquedos estão espalhados por todo lugar, ela é uma
pequena bagunceira, mas que se adaptou a me ajudar a guardá-
los antes de sairmos daqui.
— Estava fazendo o quê? — Me olha com curiosidade,
piscando várias vezes e dando um sorriso sapeca.
— É segredo, mocinha. — Finjo passar um zíper na boca e
ela faz careta.
— Mas amigas de verdade não contam segredos uma para a
outra? — pergunta, pegando uma boneca e penteando o cabelo
dela.
— Quem está te ensinando essas coisas, menina? — Faço
uma careta perplexa e a puxo para os meus braços, enchendo-a
de beijos na bochecha.
— Ei, ei, isso faz cócegas! — reclama, mas gosta, porque
sorri abertamente enquanto seus olhos brilham.
— O.k., Maria Alice. Vou te contar esse segredo, mas
promete que vai ser só nosso? — Faço cócegas na barriga dela.
— Claroooooo, né, bobinha! — Ri e balança a cabeça, logo
em seguida paro de fazer cócegas e aproximo minha boca da sua
orelha.
— O seu papai te matriculou no colégio. Você vai ter
amiguinhos lá, eu vou te levar e buscar todos os dias. — Sorrio
de orelha a orelha.
— Você jura, tia Brenda? — A menina levanta o rosto e eu
noto seus olhos azul-claros brilhantes. Os meus também estão
brilhando, já que é a segunda vez, depois te tantos dias, que ela
está me chamando de “tia”.
— Aham, vai sim, minha linda. — Balanço a cabeça.
Ela sai dos meus braços e se ajoelha na minha frente.
— Eu vou amar estudar e ter amiguinhos! — Vibra,
sorridente.
— Não tenho dúvidas disso. — O sorriso dela me contagia.
Ela se aproxima e me abraça forte, escondendo o rosto na
curva do meu pescoço.
— Posso me reunir com as garotas?
Não só eu fico surpresa, como Alice também. Rapidamente,
viramos o rosto para encarar o pai dela, que está parado na
porta, descalço, com a mesma roupa de antes e olhando para a
filha com carinho.
— Papai?! — Maria Alice não sai dos meus braços, mas
sorri lindamente para o pai.
— Oi, filha. — Matteo se aproxima. Meu coração, não sei
por que, erra as batidas a cada passo que ele dá, que não são
muitos, mas suficientes para me deixar desorientada. — Posso
ficar com vocês? — Ele se agacha e pergunta diretamente para a
filha, que dessa vez me larga e se joga nos braços dele, que a
abraça e beija o rosto dela.
— Pode sim, papai. Ele pode, né, tia Brenda? — Maria
Alice se vira para mim, ainda abraçada ao pai.
— Claro que sim. — Sinto um frio na barriga.
Não faz muito tempo que saí do escritório dele, e agora
estamos mais uma vez frente a frente.
— Do que estavam brincando? — pergunta ele, sorridente,
ao se sentar no chão e colocar a filha em sua perna esquerda.
— Ainda vamos decidir, mas eu gosto de brincar de boneca
e cozinhar — diz, alegre com a presença da pessoa que ela mais
ama.
— E como você brinca, filha? — Matteo passa a mão no
cabelo da pequena.
Ele a estuda tão pensativo que fico curiosa.
— Ah, vou te ensinar, papai. — A garotinha sai do colo
dele e pega algumas panelinhas, uma cestinha e vai colocando
algumas coisas dentro, sempre sob o olhar do pai. — Pra fazer a
comidinha precisamos de um pouco de água, vou pedir a Tina!
— Maria Alice sai em disparada da sala de brinquedos sem olhar
para trás, Matteo nem mesmo tem tempo de abrir a boca para
pedir que tome cuidado.
— Ela está cheia de gás para brincar, e agora que o senhor
veio se juntar a nós, ela vai aproveitar ao máximo para te
ensinar a cozinhar — comento, risonha.
— Já faz um tempinho que ela tenta. — Rimos e nossos
olhares se prendem um no outro.
— Então o senhor não é um bom aprendiz, porque eu já
aprendi até uma receitinha. — Rio baixinho, vendo-o pegar um
dos objetos minúsculos nas mãos e erguer.
— Ah, é? — Um pequeno sorriso surge no canto da sua
boca.
— Uhum — afirmo, lambendo os lábios. Ele observa meu
movimento com seus lindos olhos castanhos.
— Como se abre isso? — Limpa a garganta, fingindo se
concentrar no brinquedo que segura – uma panelinha de pressão.
Arrasto-me até ele, nos deixando mais próximos e de frente
um para o outro. Se um de nós fizer qualquer movimento, nossos
joelhos se tocam.
— Vou te mostrar — murmuro, gentilmente, e ele me
estende o brinquedo. — Não é tão difícil assim...
As palavras fogem da minha boca quando nossos dedos se
roçam ao pegar o objeto. E mais uma vez, estamos nos olhando
fixamente. Eu não sei o que se passa na cabeça dele, mas na
minha há vários pensamentos e um deles é o quanto o meu chefe
é sedutor sem precisar fazer muito.
Matteo não desencosta sua mão da minha e nem eu da dele,
acho que estamos um pouco em choque pelo contato, mesmo que
não seja a primeira vez. Porém agora estamos próximos o
suficiente para sentir a respiração um do outro, e a minha nesse
momento se encontra pesada.
Desorientada, vejo-o vasculhar meu rosto e descer
lentamente até a minha boca. E eu faço o mesmo, sem conseguir
manter o meu controle. Deixando que uma onda de arrepios
percorra por meu corpo, me arrancando uma respiração pesada.
— Cheguei! — A voz eletrizante de Maria Alice me faz
afastar do pai dela como se tivesse sido pega no flagra fazendo
algo de errado.
Com um sorriso vacilante e o coração bombeando
disparado, fito Maria Alice e ela inocentemente senta-se entre
mim e o pai, iniciando um falatório.
Ainda em choque, dou atenção a pequena quando me pede
para ajudá-la com as suas panelinhas, e mesmo com a cabeça
abaixada, sinto estar sendo vigiada por Matteo.
Por Deus. O que acabou de acontecer aqui?
Em duas semanas, Brenda se mostrou tão dedicada à minha
filha que foi impossível não ficar satisfeito com a recomendação
da minha governanta. Quando Madalena me falou sobre a
Brenda, ela disse que eu não iria me arrepender. Acreditei nela e
acabou que deu certo. Para mim, duas semanas sem queixas de
ambos os lados é uma vitória.
Não houve uma reclamação sequer de Madalena ou dos
seus colegas de trabalho, muito menos da Maria Alice. O fato da
minha filha estar encantada pela Brenda me deixa curioso, até
um tempo atrás Mali não conseguia aceitar outras babás, a única
que a agradava era Renata. Não sei se o fato de ser mais alegre e
sorridente fez com que a minha menina se encantasse por sua
cuidadora, ou se é por ser tão bem tratada. Mas fico com a
segunda opção.
As outras babás que a Marcela enviava não eram tão
dedicadas, e acho que essa mudança de cenário deixou Maria
Alice mais confortável, afinal, nenhuma das que passaram por
aqui a tratava como a “tia Brenda”. Embora durante esses dias
tenha focado mais em meu trabalho para conseguir um resultado
rápido, não sou cego, vejo a diferença, mesmo em tão pouco
tempo.
Quando Brenda veio me pedir para colocar Maria Alice em
um colégio, confesso que me surpreendi, mas antes que eu
cometesse o erro de ser grosseiro com ela, me permiti realmente
escutar o que ela queria falar, mesmo que já tivesse matriculado
Maria Alice no colégio.
Devo me lembrar de agradecer a Brenda por estar sendo tão
carinhosa com a minha filha. É nítido o vínculo que elas estão
criando, qualquer pessoa que fique no mesmo ambiente que elas
consegue notar a cumplicidade.
Quando entrei na sala, há quase meia hora, eu as peguei
abraçadas cochichando. Um sentimento de admiração se
apoderou dentro de mim, não sei descrever exatamente o que
todo esse cuidado de Brenda com a minha pequena me transmite,
mas é uma sensação boa, como jamais havia sentido com as
babás anteriores.
Talvez o meu deslumbre se dê com o fato de que o meu
bem mais precioso tem estado em boas mãos, ou porque a
mulher consegue encantar todos ao seu redor, principalmente a
mim.
O fato é que tenho reparado nela demais, e os seus
pequenos gestos têm roubado a minha atenção, assim como os
seus belos olhos levemente esverdeados e sorrisos fáceis.
Não sou somente eu que tenho a observado demais, vira e
mexe eu noto seus olhos em mim, mesmo que tente disfarçar.
Como agora, que está cabisbaixa desde que Maria Alice quase
“nos flagrou” próximos demais. O semblante dela está
desconfiado, e a cada movimento que faz franze o nariz, que eu
acho uma gracinha – pequeno, fino e arrebitado. Brenda está
fazendo de tudo para evitar contato visual comigo, vez ou outra
arqueia as sobrancelhas castanhas, que são bem preenchidas e
arqueadas. E quando não é isso, mexe no cabelo que tem um
corte abaixo dos ombros.
— Papai, não é assim que se faz! — Maria Alice me
repreende, mas a minha atenção estava no rosto de Brenda, que
até alguns segundos atrás parecia distraída enquanto mordia os
lábios de um modo inocente, ao tentar tampar uma panelinha de
brinquedo.
— E como é? — Fito a minha filha e depois Brenda, que
agora nos observa com a diversão estampada em seu rosto.
— Vou te ensinar, papai, não se preocupe. — Ela se senta
na minha perna, olha para Brenda e depois para mim, pensativa.
— Antes de preparar a comida, temos que escolher a sobremesa,
não é? — Passa a mão no queixo e dá um sorriso sapeca.
— Sim — responde Brenda, levando a sério cada palavra
dita pela criança.
— Eu sei que o papai gosta de tilamisù e zelope. — A
pequena comprime os lábios. — Qual a sua sobremesa favorita,
tia Brenda?
— Hm, eu amo pudim. — Pisca para Mali.
— Vamos fazer, então! — decide Maria Alice. — Papai, me
ajude a fazer a sobremesa. — Pega o objeto em minha mão e sai
do meu colo para recolher algumas coisas no chão.
— O.k., senhorita Master Chef. — Rio baixinho.
— Acho que vamos ter que deixar a sobremesa para outra
hora, porque os nossos ingredientes acabaram.
— Pode ser, princesa — murmura Brenda.
— Concordo, filha, e eu também não levo jeito para fazer
comida. — Comprimo os lábios.
— Claro, papai, a sua mão é muito grande, olha o tamanho
das comidinhas. — Alice pega uma das minhas mãos e a abre,
colocando o objeto na palma.
Rio ao perceber que Brenda acompanha seus movimentos,
parecendo realmente séria, assim como a minha filha.
— Viu? Não dá. Acho melhor a gente brincar de boneca. —
A garotinha esperta se afasta, indo até as prateleiras e pegando
algumas bonecas.
Depois de um bom tempo brincando com Maria Alice,
sentado desconfortavelmente no chão e com dor nas costas,
ainda me mantenho no lugar.
De costas para a gente, minha filha cantarola uma música
de um desenho infantil. Ela tem essa mania quando está
completamente distraída e conversando animadamente com as
bonecas.
— Matteo... Quero dizer, sr. Matteo, está no horário do
almoço de Maria — diz Brenda, envergonhada por seu deslize.
— Pode ir almoçar, Brenda, e tire algumas horas de
descanso. Depois que eu e Maria Alice almoçarmos, passaremos
a tarde juntos — digo, recebendo a atenção da minha filha de
imediato.
— Oba! — exclama Mali, com um sorriso enorme.
— Pode ir, Brenda.
— Sim, senhor. — Sorri.
Olhar Brenda se torna mais interessante quando ela fica
tímida. Agora mesmo estou fazendo isso, gravando cada detalhe
do seu sorriso, que é espontâneo, relaxado e sincero.
Querendo deixar Brenda mais à vontade, eu me levanto e
disfarço rapidamente quando ela me pega olhando em sua
direção.
— Com licença. Até depois, pequena! — Brenda pisca para
a criança.
— Papai, deixa a tia Brenda comer com a gente? Sabia que
quando ela demora muito para comer, fica com dor na
barriguinha e se sente mal? Se ela almoçar com a gente, vou
poder cuidar dela se doer, assim como cuida de mim.
Assim que Maria Alice para de falar, Brenda parece se
engasgar. Olho para ela e a vejo com a mão no peito e com os
punhos fechados perto da boca, tentando se recompor.
As crianças são fiéis até certo ponto, Brenda.
Escondo o sorriso ao perceber que a mulher está mais
recomposta.
— Está tudo bem? — pergunto, mantendo a distância, mas
preocupado por ver que seus olhos estão vermelhos e mais
arregalados.
— Tá sim, obrigada — diz, sentindo-se visivelmente
exposta por minha pequena linguaruda.
— Tia Brenda, o que aconteceu? — pergunta a menina
inocentemente ao se aproximar.
— Nada, princesa. Vou deixar você com o seu pai. Até
mais tarde. — Dá um sorriso sem graça antes de beijar a cabeça
de Maria Alice, que a segura pelos quadris.
— Por favor, tia, come com a gente. Se o meu pai não disse
nada é porque ele deixa. Não é, papai? — implora, sem querer
soltá-la.
Os olhos tensos de Brenda se fixam nos meus, então ela
morde os lábios, nervosa ao me notar calado demais
— Sim, filha, a Brenda pode almoçar com a gente —
concordo, não achando uma má ideia.
Será interessante passar mais tempo observando-a.
— Meu bem, a tia tem que fazer outras coisas antes de
comer. E não quero incomodar vocês. — Brenda tenta
desconversar, acho que ela não percebeu ainda que Maria Alice
é mais inteligente do que nós dois juntos quando quer.
— Sabia que é feio recusar o pedido de uma criança? —
Minha loirinha faz bico e me olha com os olhos marejados.
Cristo. Sobrou para mim.
— Por favor, almoce com a gente. A Maria Alice não vai
desistir tão fácil. — Ela tem a quem puxar. Afago o cabelo da
minha filha e recebo um sorriso dela.
— Diz que aceita? — A menina serelepe bate os cílios para
a sua babá, que semicerra os olhos e depois de um tempo sorri.
— O.k., mocinha, você venceu — diz, sentindo-se
derrotada.
E eu sinto-me vitorioso, mesmo que não devesse.
Maria Alice, por sua vez, solta gritinhos de vitória e
entrelaça a mão na da Brenda e, em seguida, vira-se para mim e
estende a outra.
— Vamos, papai?
Por fim, eu seguro a sua mão.
— Vão na frente, preciso arrumar aqui. Já encontro vocês
— diz Brenda, olhando para os brinquedos.
Mas dessa vez eu que a impeço de fugir com um meneio de
cabeça negando.
— Deixe para depois — peço, gentilmente.
Ela engole em seco e concorda.
Quando saímos da sala de brinquedos, ambos presos nas
mãos de Maria Alice, eu e Brenda sem querer trocamos um olhar
rapidamente, até que ela se acovarda e fura a bolha que criamos.
**
Brenda passou a maior parte do tempo se alimentando de
um modo tímido, até que se sentisse mais confortável para se
soltar. Quem conseguiu fazê-la largar a timidez por estar diante
do chefe foi Maria Alice, que começou a tagarelar e arrancar
algumas risadas dela. Aproveitei o momento para iniciar um
diálogo com ela também. Descobri que foi criada pela tia desde
a morte dos pais, e elas são muito apegadas. O relacionamento
delas é muito saudável e cheio de cumplicidade.
Além da tia Lorena, tem a Fernanda, que é a sua melhor
amiga desde a infância. Essa é a maluquinha – assim ela a
chamou – que estava a pressionando para saber se eu era “gato”
pessoalmente. Só de lembrar do seu rosto ficando vermelho ao
mencionar o episódio sinto vontade de rir.
— Muito obrigada pelo convite, sr. Bianco — Brenda me
agradece, se levantando e começando a recolher algumas
travessas de vidro da mesa.
— Não precisa agradecer. O que está fazendo? — indago,
observando-a.
— Retirando a mesa? — Franze o cenho, enquanto continua
a recolher os pratos.
— Sim, eu sei, mas esse trabalho não é seu. Pode deixar aí.
— Levanto-me também.
— Não faz mal ajudar, sr. Matteo, não se preocupe. — Mas
é teimosa...
— Brenda, você foi contratada apenas para cuidar da Maria
Alice, então não precisa retirar os pratos do nosso almoço. —
Vou até ela do outro lado da mesa.
— Bobagem, acredite. — Junta os talheres.
— Você é muito teimosa — resmungo baixinho e ela ri. —
Vou te ajudar — decido, pondo-me ao lado dela, que se retrai um
pouco. Percebo até que prende a respiração por alguns instantes.
— Não é necessário, eu posso fazer isso. — Ergue o rosto
para me encarar.
— Eu também posso. — Sorrio e ela comprime os lábios.
— Mas o senhor é o chefe. — Faz uma careta engraçada.
— E você a babá, não a ajudante da cozinha — retruco,
ignorando-a e pegando as travessas que se tornam um pouco
pesadas juntas.
— Nada do que eu diga vai te fazer mudar de ideia, não é?
— Estuda-me, escondendo o sorriso.
— Não vai — afirmo, prendendo a risada ao vê-la balançar
a cabeça.
— Tudo bem, só não quero ser advertida por estar fazendo
o meu chefe trabalhar — brinca.
— O único que poderia fazer isso sou eu, então, relaxe —
Entro na brincadeira e ela ri baixinho.
— Por alguns instantes me esqueci. — Encolhe os ombros,
divertida.
— Exato! — Estalo a língua.
— Acho que vamos precisar de uma bandeja, vou à cozinha
buscar. — Prende o lábio nos dentes e solta devagar.
Eu observo o seu gesto e... essa porra é muito sensual.
Percebi que ela costuma fazer esse tipo de coisa quando está
distraída ou pensativa, e mesmo que não seja intencional, vê-la
morder o lábio se tornou algo muito sexy para mim.
— Tudo bem. — Continuo observando a sua boca enquanto
ela está focada nos utensílios à sua frente.
Que diabos tenho na cabeça para ficar secando a cuidadora
descaradamente? Se controle, Matteo.
Engolindo em seco, pigarreio e arrumo a minha postura.
— Matteo, o sr. Mancini está na linha. — Madalena
surgindo na sala de jantar, com o telefone em mãos, faz com que
eu me afaste de Brenda rapidamente.
— Alberto Mancini, Lena? — inquiro, surpreso com a
ligação.
— Ele mesmo. — Ela me entrega o telefone. — Deixei a
ligação em espera. — Alterna um olhar desconfiado entre mim e
Brenda, que pede licença de forma quase inaudível e sai dali a
passos largos.
— O.k. Obrigado, Madalena. Pode se retirar. — Minha
governanta assente e sai. — Alberto? — pergunto, assim que tiro
a ligação da espera.
Estamos há dois anos sem contato. A última vez que nos
vimos foi na feira de livros que, como prefeito de Vale Santo,
ele ajudou a organizar. Fui como um dos autores convidados.
— Sim, sou eu mesmo, Matteo — garante.
— Quando a Madalena me disse que era você, fiquei
surpreso — confesso, sorrindo e puxando uma cadeira para me
sentar.
— Faz anos, não é? — Dá uma risada.
— Sim. — Puxo o ar para os pulmões.
— Muita coisa para dois amigos de longa data.
Nós nos conhecemos através dos meus sogros, quando eu
ainda era noivo da Camila, durante um aniversário na casa dos
Mancini. Como meus sogros eram amigos de longa data do
prefeito, fomos convidados.
Na época, estava iniciando a minha carreira como escritor.
O senhor Mancini é uma das pessoas para quem devo o meu
sucesso. Por ser um homem influente, me passou muitos
contatos na época em que eu buscava realizar meus sonhos.
— Sim — afirmo, passando a mão por minha barba.
— Como está? — sonda-me.
— Mais velho e pai de uma garotinha adorável de seis anos
— falo orgulhoso, e ele ri. — E você? Como tem passado?
— Imagino. Continuo como prefeito em Vale Santo e sou
avó de duas crianças lindas. A esposa do meu filho Andreo teve
uma menina dessa vez. — Seu tom é mais orgulhoso do que o
meu.
— Meus parabéns! — Sorrio, sincero.
— Obrigado. Confesso que encontrei o seu número perdido
por aqui, Matteo. Peço até desculpas por entrar em contato só
agora, mas a vida tem sido corrida demais — comenta.
— Tem sido mesmo. Mas o importante é que estamos nos
falando novamente.
— Verdade. Te liguei para fazer um convite. — Curioso,
ajeito-me na cadeira e fico atento ao que diz. — Daqui a dois
meses, vou lançar uma biografia e gostaria que marcasse
presença no evento, que é tão importante para mim.
— Nem tenho palavras para agradecer pelo convite. —
Sorrio, feliz pela notícia. Anos atrás, ele me disse que se me
contasse a sua vida desde o início, daria um livro.
— Levei três anos para escrever a minha autobiografia,
mas valeu a pena. E agora que estou satisfeito, quero poder
dividir essa conquista com os meus amigos — revela, exultante.
— É claro que eu vou, Alberto! Como recusar um convite
desses? Estamos falando de um livro! — Rimos.
— Pois é! Ficarei grato por sua presença, Matteo, não
imaginei que fosse me responder tão rápido, mas fico feliz com
o retorno imediato.
— Só preciso que me passe o dia e a data para verificar se
vai conciliar com a minha agenda, mas ainda assim, te garanto
que o seu convite será a minha prioridade. — Levanto-me da
cadeira e sigo para o meu escritório, mas no meio do caminho
diminuo meus passos ao encontrar Brenda de costas, com Maria
Alice em seu colo.
— Já te passo o dia e a data, só me deixe confirmar em
minha agenda — pede.
Eu fico em silêncio e aproveito que não sou percebido para
ficar ali no batente da porta da sala, observando as duas.
A cena é linda de se ver. A mulher está distraída,
acariciando o rosto da minha filha e cantarolando baixinho
alguma música de ninar. O tom sereno e o modo como trata a
minha pequena faz meu peito bater acelerado. Dizem que se
alguém quer conquistar um pai ou uma mãe o melhor caminho é
através de seus filhos. Brenda está conseguindo isso. Se alguém
tem o meu bem mais precioso, tem a mim também.
— Matteo, farei o evento em Vale Santo, na minha casa —
informa, em seguida passa a data e o mês do lançamento.
— Tudo bem. Vou me organizar para poder marcar
presença.
Minha voz chama atenção de Brenda, que me olha por cima
do ombro e depois foca em Maria Alice, que certamente já está
dormindo, porque não se move.
Esse colo deve ser muito gostoso para a minha filha ter
dormido com tanta facilidade.
Balançando a cabeça, peço ao prefeito que diga novamente
o que tinha me dito antes de eu me distrair, e ele repete a
informação.
— Traga a sua filha, meus netos irão adorar brincar com
ela — fala, gentilmente.
— Vou levar, sim — confirmo, indo até o aparador onde
fica a base do telefone.
— O.k. Matteo, até breve. E vá me mandando notícias até o
evento.
Nós nos despedimos, então coloco o aparelho de volta na
base e caminho até Brenda, que ajeitando minha filha em seus
braços.
— Faz alguns minutos que ela dormiu. Me pediu para
contar uma historinha e acabou pegando no sono, mas é bom que
ela descanse — comenta, ao me ver parar na sua frente.
— Sim. Me dê ela, eu a coloco na cama — peço,
inclinando-me em sua direção. Pego Maria Alice, que se remexe
em meus braços, mas não acorda.
— Brenda, daqui a dois meses vou a um evento em outra
cidade. Se cair de sábado para domingo, vou querer que me
acompanhe para me ajudar com a Maria Alice, tudo bem? — Já
estou fazendo planos e nem sei se a mulher estará conosco até
lá, mas ela garantiu que não costuma deixar as pessoas na mão.
— Sim, senhor, por mim tudo bem. — Sorri.
— Ótimo. Você pode tirar um tempo para descansar —
aviso.
— Obrigada, mas antes preciso organizar aquela sala de
brinquedos — murmura, levantando-se.
Balanço a cabeça em confirmação e subo com Maria Alice
para o quarto. Eu ia dizer que deixasse para arrumar a sala de
brinquedos outra hora, mas se é um desejo dela, vou deixar que
faça. Não quero que ache que estou confundindo as coisas,
embora me encontre admirado demais por ela.
O quanto errado pode ser o fato de meu chefe e eu
estarmos trocando muitos olhares nos últimos dias? E que toda
vez que percebo que ele me encara, o meu coração bate
acelerado e eu sinto um frio na barriga como se fosse uma
adolescente?
Bem, eu tenho duas preocupações: é ele quem paga o meu
salário e como Madalena irá reagir se souber que tenho reparado
demais no nosso patrão? De forma alguma quero envergonhá-la,
ainda mais por ela ter me recomendado para a vaga de babá.
O Matteo é um homem muito bonito, sabe como atrair a
atenção de uma mulher com simples gestos, e o modo como
cuida da filha, se doa para ela, tem mexido bastante comigo. É
linda a relação deles, e eu tenho admirado em silêncio o paizão
que o meu patrão é para a pequena Maria Alice.
Não vou dizer que o acho perfeito, mas posso afirmar que é
o homem que qualquer mulher sonharia em ter ao lado para
construir uma família. Ele é educado, gentil, inteligente... o
pacote completo.
Eu ando acordando e indo dormir pensando nele. Como
isso é possível? Preciso tirá-lo da minha cabeça antes que seja
tarde demais. E o fato de ter me comunicado sobre a viagem que
fará daqui a dois meses me deixou ainda mais pensativa. Se o
Matteo está fazendo planos para o futuro é por estar contente
com o meu desempenho, isso é muito bom.
Não posso me sentir atraída por meu chefe. É um absurdo.
Eu não sou assim.
Não sou...
Eu poderia dizer que consigo fazer uma lista enorme com
motivos para não ver Matteo Bianco como um homem sedutor,
mas o problema é que não há nada que o torne desinteressante.
Ele é tudo de bom.
— Foco, Brenda! — Balanço a cabeça, dissipando os
pensamentos.
Preciso entrar em contato com a tia Lorena para saber dela
e já estou há alguns minutos sentada em minha cama, segurando
o bendito celular sem fazer nada, apenas pensando em um certo
viúvo charmoso que tem roubado os meus pensamentos.
Fecho os olhos e respiro fundo por alguns segundos, então
entro nos meus contatos e clico no nome da minha tia. Aposto
que estava esperando a minha ligação, pois ela atende no
primeiro toque.
— Bom dia, tia Lorena. — Sorrio, passando os dedos entre
os fios do meu cabelo e o jogando para trás.
— Bom dia, minha filha. Como estão as coisas por aí?
Hoje é domingo, então vem para casa, querida? Eu fiz um bolo
de chocolate, o seu preferido — diz alegremente, fazendo com
que meu sorriso aumente.
— Está tudo bem, tia. Ainda não sei se meu chefe vai me
liberar, qualquer coisa eu te aviso. Hmm, já estou com água na
boca só de imaginar como o bolo deve estar delicioso — digo, e
ela ri do outro lado da linha.
— Tá certo, Brenda. Espero que ele te libere, já estou com
saudade — declara, me deixando com o coração apertado de
saudade.
— Também estou, tia. E como está? Está tudo bem por aí?
Tem se alimentado direito? A Nanda tem ido te ver? — pergunto
tudo de uma vez, sem dar tempo de ela responder a uma
pergunta sequer.
— Respire, filha. As coisas por aqui estão ótimas. E a
doida da Fernanda passou aqui duas vezes, conversamos e
depois ela foi embora.
— Fico feliz que ela tenha ido te fazer companhia. — A
minha melhor amiga é incrível.
— Ela é um pouco doidinha, mas é uma pessoa
maravilhosa.
Eu concordo plenamente.
— É sim, ela é incrível demais.
De repente, alguém bate à minha porta, me deixando
rígida. Bate outra vez sem nem me dar tempo para responder.
— Tia, estão me chamando. Depois eu retorno. Beijos. Te
amo. — Encerro a ligação e deixo o celular na cama enquanto
vou atender a porta.
— Já v... — Calo-me ao abrir a porta e me deparar com o
meu chefe, que me encara sem graça. Ao seu lado está Maria
Alice, com os olhinhos brilhando em minha direção.
É fofo demais ver os dois de mãos dadas. E não parece que
ela acordou agora. Não está de pijama e nem com o rosto
marcado de sono. Maria Alice está com um vestido azul-marinho
com algumas bolinhas brancas, mas o seu penteado não está
nada bom.
Seguro a risada, e ela ri ao perceber que estou encarando o
seu rabo de cavalo torto e emaranhado.
— Oi, tia Brenda — me cumprimenta alegremente.
— Oi, princesa. — Sorrio para ela e pisco. — Bom dia, sr.
Matteo — cumprimento-o em seguida.
— Bom dia. — Ele faz uma pausa, parece envergonhado.
— Desculpe vir até o seu quarto, mas será que pode dar um jeito
no cabelo dela? Eu até tentei fazer certo, mas acho que não
consegui. — Sorri, olhando para o desastre na cabeça da filha.
Matteo deveria sorrir sempre, isso o deixa ainda mais
bonito.
— Brenda, o meu pai me ajudou a tomar banho, sabia? E
também a colocar a roupa, mas quando tentou arrumar o meu
cabelo, o pente enroscou na minha cabeça e eu quase fiquei
careca — conta, fazendo uma careta engraçada. — Mas pelo
menos ele tentou, né? Aí, como eu sou muito inteligente, falei
que é melhor pedir ajuda pra você. — Suas bochechas ficam
levemente avermelhadas.
— Fez o certo. — Dou risada ao me agachar na frente dela.
— Acho que podemos dar um jeito no seu cabelo lindo. —
Aperto de leve a sua bochecha e ela faz careta com meu gesto,
mas não resmunga, apenas assente e solta a mão do pai.
— Obrigada, tia Brenda. Já volto, me espera aqui! — Ela
me dá as costas e sai correndo em direção à escada.
Não sei como agir e muito menos o que falar, então olho
para qualquer lugar, menos para o meu chefe, que continua
parado no mesmo lugar, esperando a filha retornar.
— Tentei me virar, mas a Maria Alice não gostou muito —
ele se manifesta, quebrando o silêncio entre nós.
— Percebi. — Rio, sem graça, encostando-me no batente
da porta. — É... o senhor vai precisar de mim hoje? — Quase
gaguejo no processo, porque eu o flagro encarando a minha
boca.
— Não. — Limpa a garganta quando nota que o peguei com
o olhar nada discreto em meus lábios. — Assim que você
terminar de pentear o cabelo da Maria Alice, peço ao Pedro para
te levar à sua casa. A menos que tenha alguém para te pegar...
— Não, eu não tenho ninguém — impressiono-me com a
minha rapidez para esclarecer.
Que desespero é esse, Brenda?
— Sério? Uma mulher tão...
— Volteeiiii!
Ao ouvirmos a voz e os passos de Maria Alice, o sr. Matteo
comprime os lábios e balança a cabeça.
Uma mulher tão o quê? Por Deus, vou morrer de
curiosidade, porque não ousarei perguntar. De jeito nenhum.
— Tia Brenda, trouxe minhas coisinhas para que possa
pentear meu cabelo. — A menina se aproxima com uma cestinha,
sorrindo de orelha a orelha.
— O.k., vou deixar seu cabelo lindo, mocinha! — Engulo
em seco, tirando a minha atenção do seu pai quando ela me
entrega a cesta com alguns assessórios, escova e pente.
— Vou te esperar na sala, Maria Alice. — Ele gira nos
calcanhares e nos deixa sozinhas.
A pequena invade o quarto e se senta na minha cama, então
faz um sinal para que eu me aproxime e logo estou sentada ao
seu lado.
— Agora venha aqui.
Pego as coisas dela e começo a desfazer a bagunça que o
pai causou na sua cabeleira loira. Passo alguns minutos lutando
para desatar os nós antes de fazer um penteado bonito.
— Prontinho, meu amor. E me lembre de dizer ao sr.
Bianco que não é para assassinar o seu cabelo — brinco e ela
gargalha docemente.
— Tia Brenda, por que não chama meu pai só de Matteo
igual a Lena?
A sua pergunta, mesmo sendo inocente, me faz quase me
engasgar com a minha saliva.
— É por questão de respeito, Maria Alice. Ele é meu chefe,
não devo me dirigir a ele pelo primeiro nome. Tem gente que
não gosta — explico gentilmente.
— Mas o meu pai não é carro para você dirigir. — Ela
demonstra uma certa confusão.
Rio alto ao perceber que ela só prestou atenção nessa
palavra.
— “Dirigir” também significa “falar com alguém”,
princesa. O que eu quero dizer é que não posso tratar seu pai se
fôssemos amigos, pois é errado. Eu sou funcionária dele e tenho
que me comportar como tal.
Por fim, acho que ela entende, uma vez que não me faz
mais perguntas, somente se levanta e me olha com curiosidade
por alguns segundos.
— E por que eu posso te chamar de “você” ou pelo seu
nome? — Faz bico e põe a mão no queixo, parecendo me
analisar.
Seguro o riso. Não, ela não entendeu.
— Porque somos amigas, e amigos se tratam assim.
— Hmm, entendi! — Ela me dá um sorriso. — Obrigada
pelo penteado, Brenda — Maria Alice me surpreende com um
abraço forte.
E antes que eu possa dizer “não precisa agradecer”, ela sai
do quarto como um raio.
Quando Matteo me chamou por Brenda pela primeira vez,
achei que tivesse sido um descuido, mas assim que o fez
novamente, meus olhos quase saltaram do meu rosto tamanho foi
o susto que tomei. Confesso que fiquei tocada ao ouvi-lo me
chamar pelo meu nome, foi algo tão certo e ao mesmo tempo
sexy.
Meu Senhor, o que estou pensando?
Que errado é esse meu pensamento. Não posso sentir
atração pelo meu chefe. É errado. Muito errado. Demais.
Afastando meus pensamentos malucos, fecho a minha porta
e começo a arrumar alguns pertences para ir para a minha casa.
Não vou levar muita coisa, já que volto amanhã cedinho. As
horas passam tão rapidamente, que nem vamos poder curtir
muito o nosso tempo juntas, mas o importante é que iremos nos
ver, que irei matar a saudade que sinto dela.
Antes de ir, tenho que me despedir da pequena, ela
provavelmente ficará chateada se eu não fizer isso. Acho que
nem sabe que estou de saída, mas sei que ficará em ótima
companhia e que seu domingo será maravilhoso.