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LAÍS RODRIGUES
PEDRAZUL EDITORA
Rua Professora Zilda Andrade, número 260 – B.
Bairro de Lourdes – Vitoria – ES. CEP: 29042-751.
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Prólogo
Ele.
— Cathy?
Seu apelido soava como mel nos lábios dele. Ainda assim, ela
não deveria permitir que a chamasse assim. Ele deveria tratá-la
como Lady Catherine.
— Lady Catherine?
— Lady Catherine!
Londres, 14 de agosto.
Dias atuais.
— Cathy!
(Jane Austen)
Para ser sincero, Henrique deveria ter feito isso muito tempo
antes. Somente começou a sair com Letícia por pressão do pai. Ela
era tudo o que o senador Tilney desejava em uma nora: filha de
grandes amigos seus, herdeira de uma fortuna, de família
tradicional, aluna de Direito, daquelas com carreira promissora,
submissa aos desejos dos pais (assim como Henrique fora durante
quase toda a vida em relação ao senador). O namoro com Letícia
era o último resquício da intromissão do pai na vida do rapaz. E,
afinal de contas, o que mais o homem poderia fazer com o filho?
Anos antes, tudo era diferente. Henrique temia o pai, tinha uma
necessidade doentia de receber sua aprovação. Foi assim que
começou a cursar economia, na Mackenzie. Orgulhoso, o pai já
havia planejado todo o futuro de Henrique: durante a faculdade, ele
faria estágios em bancos e empresas de amigos de Tilney. Quando
se formasse, Henrique faria MBA em alguma faculdade de renome
no exterior. E, após seu retorno ao Brasil, conseguiria um emprego
como alto executivo em uma grande multinacional e se casaria com
Letícia, em uma cerimônia desmedida, cujo custo seria o
equivalente ao valor de um imóvel.
Henrique sabia que aquilo era ingenuidade, mas algo lhe dizia
que aquele ano mudaria a sua vida.
— Quêêêêê?!
Londres, 1º de julho.
Por sorte, a Srta. Allen não havia gostado de Cathy por seu jeito
de se vestir...
❖
Capítulo 2
(Jane Austen)
Ela não via seu rosto, mas sabia que o homem sorria.
— Humph!
Foi a resposta mal-humorada dela. Não devia explicações ao
homem. É verdade que ele provavelmente salvara sua vida, porém,
aquele cavalheiro estava na propriedade de seu pai sem
autorização.
— Humph!
Catherine queria virar para olhar nos olhos dele para fazê-lo
entender quão ofendida ela estava com suas acusações, mas ele
não permitiu que se virasse. Na realidade, agora que ela pensava
no caso, ainda não havia examinado o rosto dele de perto. Apenas
sabia que era alto, com ombros largos, e que seu corpo era
estranhamente quente, como se estivesse febril.
— Lady Catherine!
— Coitado.
— Condessa!
— Lady Catherine!
— No horário habitual?
— Sim... Ouvi dizer que seu pai ainda não conseguiu convencê-
la a se casar com o filho mais novo do duque — ela falou baixinho
para Catherine, com um sorriso irônico no rosto.
Ela nem sequer havia ficado o suficiente para vê-lo; assim que
percebeu que ele estava no recinto, inventou uma desculpa ridícula
para a condessa, afirmando que precisava deixá-la por um
momento. Christine avisou que queria lhe apresentar a alguém e
que Catherine deveria retornar até ela assim que resolvesse seus
“problemas femininos”. E ela o faria, desde que o estrangeiro
estivesse bem longe de sua amiga francesa.
— Lady Catherine?
— Você sabe muito bem o que eu quis dizer, John. Estou sem
minha acompanhante, a sós com um cavalheiro. Se alguém nos vir
nesta posição...
Seu tom deveria ter sido firme e seco, mas sua voz estava
trêmula. Eles jamais haviam conversado sobre o tema, mas ela bem
sabia que casamento devia ser o assunto favorito entre John e o
barão de Northanger.
— Eu jamais aceitei ser sua noiva! Então não ouse fazer tais
suposições! — ela respondeu, dando alguns passos para trás.
Catherine tentou correr, mas foi agarrada pelo braço com ainda
mais força.
Catherine viu uma forma surgir das sombras, da porta que agora
estava escancarada. Estivera tão focada em sua briga com John
que não notara os movimentos vindos da casa.
— Quem é o senhor?
Ela revirou os olhos para ele, que virou a cabeça e deu uma
risada. O som fez os pelos do corpo dela se arrepiarem.
— Sim. Imediatamente.
❖
Capítulo 3
(Jane Austen)
Todavia, com o tempo, sua beleza foi aparecendo, como uma flor
ao desabrochar na primavera. Claro que a timidez continuava, assim
como sua falta de autoestima. Enquanto Cathy continuava se
considerando uma adolescente feia e desengonçada, alguns dos
rapazes da cidade começaram a notá-la.
Assim, Catherine Murray tornar-se-ia uma heroína, mesmo sem
nem sequer saber que o era.
Londres, 1º de julho.
Ah, claro! Ele havia sonhado com uma foto que vira no blog de
Catherine! Henrique, que até então não conseguira emitir nem um
som sequer, voltou a si e esperava que a Garota da Califórnia não o
achasse um idiota.
Ela lhe ofereceu um sorriso tímido que quase o fez engasgar. Ele
pausou por uns momentos e, quando teve certeza de que não iria
sofrer um enfarto, continuou.
— Eu... Hã... Li alguns de seus contos. Eles são bárbaros. Não é
de surpreender que a Krista aqui logo te descobriu. Você é
realmente ótima.
— Obrigada.
— Ela não é a pessoa mais adorável? Acho que este ano será
maravilhoso, Cathy!
— Sei...
— Como assim?
— Então...
— Uma abadia?
— Mistérios?
A animação de Cathy era tanta que ela respirava pela boca. Rico
usou todo o seu autocontrole para não beijá-la. Qual era o problema
dele? Parecia um adolescente! Fechou os olhos por alguns
segundos e, quando os abriu, decidiu focar nos cabelos da escritora
norte-americana. Não era uma boa ideia: pareciam sedosos, e ele
sentiu uma vontade ardente de tocá-los. Limpou a garganta e,
enfim, respondeu:
Londres, 2 de julho.
Por outro lado, ele não precisava tê-la segurado daquele jeito ao
som de Sade, não é mesmo? E Cathy percebeu que, apesar de a
música estar muito alta, Henrique não precisava ter se aproximado
tanto para falar com ela. E ela podia jurar que ele a havia cheirado.
Teria ele segundas intenções? E, caso tivesse, ela gostava disso ou
não?
Mal sabia Cathy que seu desejo não seria nada difícil de se
tornar realidade. Era começo de julho, início das férias escolares e
da alta temporada londrina. Ou seja, todos os museus, restaurantes,
estações de metrô e pontos turísticos estavam abarrotados de
gente. O dia, pelo menos, amanhecera ensolarado (para padrões
ingleses, pois Cathy ainda considerava o céu demasiado cinzento) e
sem chuva, permitindo que fizessem passeios ao ar livre.
Aos poucos, ela foi sendo absorvida pelas cenas, pelos elfos,
pelas fadas e por outros seres encantados. As falas pareciam ter
musicalidade, e Cathy, que no início entendia apenas uma palavra a
cada dez, ao final já conseguia compreender o contexto e o sentido
das frases. Eram poesia e melodia, sonho e realidade.
Londres, 4 de julho.
Henrique estava inquieto: não via Cathy havia dois dias e mal
podia esperar para encontrá-la naquela noite, quando ele, a prima,
Krista e a Garota da Califórnia iriam juntos ao teatro.
— Acabou!
Henrique mal a conhecia, mas havia sentido muita falta dela nos
últimos dias.
(Jane Austen)
Pelo menos, seria uma solteirona rica com Christine Allen como
amiga. Para ela, era suficiente.
Ou seja, a Sra. Smith teria que insistir para que Lady Catherine
não fosse visitar a amiga, pois de jeito algum ela iria visitar a Abadia
da Morte, como era apelidada a residência da condessa de
Fullerton.
— Eu marquei um compromisso com a condessa — a moça
persistiu.
— Não, não foi isso que eu quis dizer, e a senhorita sabe muito
bem disso — disse a Sra. Smith entredentes, as bochechas
vermelhas de raiva. — Eu quis dizer que uma lady não deveria ficar
a sós com cavalheiros a quem jamais foi apresentada.
Mal sabia a Sra. Smith que era exatamente isso que Catherine
desejava.
— Obrigada, Philip.
— Catherine!
— Christine!
Não pode ser ele; não pode ser ele, ela mentia para si mesma.
Por favor, ele não, ela implorava, desejando ter rezado com mais
frequência, como a Sra. Smith sempre lhe pedia.
Mas aquela química, aquele desejo de beijá-la toda vez que seus
lábios franziam quando ela estava irritada; aquela vontade
irresistível de tocá-la sempre que sua pele corava; a necessidade,
que se espalhava como fogo por seu corpo, de se aproximar quando
a via; não, jamais sentira aquilo por ninguém.
O próprio conde não via o filho havia muito tempo, desde que o
menino tinha doze ou treze anos, época em que o nobre fazia visitas
rotineiras à propriedade dada à antiga amante. Segundo o conde, a
mulher sempre fora doce e gentil, mas algo mudara ao longo do
tempo. À medida que o garoto crescia, a mãe passara a proibir as
visitas do pai, e Edward se mantivera longe deles desde então.
— Ah, claro.
— Robert! Espere!
Não, Catherine pensou. Não pode ser. Talvez, ele esteja aqui
apenas para dar um recado a Robert, ela tentou se acalmar. Talvez,
tenham se esquecido de dar dinheiro para Robert comprar os itens
para o jantar, ela imaginou.
— Melhorou, senhorita?
— Humph.
— Que terrível!
❖
Capítulo 5
(Jane Austen)
A primeira vez que Henrique disse “Eu te amo” foi para uma
pequena menina de bochechas rosadas que começou a chorar no
momento que ele a pegou no colo.
Londres, 8 de julho.
— Obrigada.
Leavesden, 8 de julho.
— Como assim?
Londres, 10 de julho.
— NÃO!
— Tem certeza, Cathy? Você parecia estar bem interessada no
que viu... — Henrique continuou, rindo.
— Hummm?
Liverpool, 12 de julho.
— Nem perguntei.
— Eu também.
Foi então que ela conheceu Sara e notou que o problema não
era o fato de não conseguir encontrar o grande amor de sua vida. A
questão era que a pessoa perfeita que ela buscara desde sempre
era, na realidade, a pessoa que sua família desejava para ela.
— Ah, Cathy, mas eu não sou pior do que você mesmo! — ele
comentou, ainda agachado, tentando limpar o suco que havia
derrubado.
— Ah, quer dizer que agora sou Rico? Pois eu vou lhe contar o
maior mico do ano, Sara. Uns dias atrás, Catherine me flagrou
pelado e simplesmente não conseguia desgrudar os olhos do meu...
— Ok! — Cathy gritou, enquanto tapava a boca de Henrique com
as mãos. — Você venceu!
“Não quero que as pessoas sejam muito gentis; pois tal poupa-
me o trabalho de gostar muito delas.”
(Jane Austen)
— E por que ele ficaria tão preocupado com um homem que nem
sequer é meu pretendente? Eu mal o conheço!
Por mais tentadora que a Lady ficasse quando estava com raiva,
vê-la triste lhe dera um aperto no coração, e o estrangeiro sabia que
o quer que lhe havia deixado assim a machucava muito.
— Grrrrrrrr...
Uma das mãos enluvadas dele foi até seu rosto, enquanto a
outra segurou sua cintura. Ela deveria dizer alguma coisa, ou
melhor, deveria gritar alguma coisa, mas nenhum som saiu de sua
garganta. Em vez disso, para seu choque, sua cabeça pendeu para
trás, e seus olhos se fecharam.
Teve uma ideia brilhante, porém, não podia falar dela na frente
da Sra. Smith, que a olhava desconfiada.
— Sim, claro.
Primeira mentira.
Segunda mentira.
— Eu e Jane.
— Tenho que ir, Claire. Veja se não vai aprontar muito enquanto
eu estiver fora.
— Eu o desprezo!
— Para você, isso pode ser um jogo. Mas não é para ela —
destacou o marido da condessa.
— Ah, ela passou mal, mas já deve voltar. Está assim desde
ontem. Não consegue comer nada.
— Christine.
❖
Capítulo 7
(Jane Austen)
Londres, 16 de julho.
— Que micoooooooo!
— Cathy, por favor, não me diga que você está com essa cara
por causa de Rico! — reclamou Krista, ao alcançá-las no jardim. —
Querida, é difícil acreditar nisso, porque somos programadas a
acreditar em príncipes encantados, mas sua felicidade independe de
ter um homem ao seu lado. Não existem contos de fada; e, mesmo
que existissem, aqueles relacionamentos não têm amor verdadeiro.
Amersham, 17 de julho.
Isabella Thorpe era irmã de Johnny Thorpe, que era, por sua
vez, muito amigo do irmão de Cathy, James. Logo que James
chegou a Pasadena, foi Johnny quem o ajudou a encontrar um
trabalho, convidou-o a morar no quarto extra de seu apartamento,
deu várias dicas sobre os melhores professores da Caltech e
basicamente salvou a vida de James!
Tudo bem que Bella falava bem mais do que Cathy, mas isso
não importava: ela estava se divertindo (na maior parte do tempo),
não estava mais pensando em Rico (ou quase) e acabara de
conhecer alguém novo em Londres!
O jogo funcionava assim: cada pessoa que passava por elas era
julgada. Caso fosse um rapaz, elas deveriam lhe dar uma nota e
dizer qual era a característica física dele que mais as atraía. E, se
possível, dizer algum ator parecido com ele.
Esse outro lado do jogo não cativava Cathy. Quando uma mulher
passava pelas duas, elas deveriam identificar o maior defeito nela. A
despeito de alguns comentários ofensivos feitos por Bella, Cathy
decidiu que a maior parte da brincadeira fora interessante e,
portanto, deveria simplesmente apagar o resto da memória.
Londres, 18 de julho.
Seu coração bate mais forte em seu peito quando escuta sons
preocupantes vindos do final do corredor, do outro lado das
gigantescas portas de mogno. Pelo barulho, ela identifica que há
pessoas lutando com espadas. Ela demanda a seus soldados o que
está acontecendo, em tom soberano e decisivo. Nenhuma resposta.
Os poucos homens no cômodo apenas lhe oferecem uma
respeitosa referência e se retiram, deixando-a sozinha, entrando na
luta.
— CATHY!
James parecia feliz, o que foi suficiente para Cathy decidir dar
uma chance a Johnny. Respirou fundo e tentou transformar o
monólogo do rapaz em uma conversa, uma vez que não teria a
atenção do irmão mais velho tão cedo. Aos poucos, Johnny foi
deixando Cathy falar e parecia, em alguns raros momentos, estar
interessado no que ela tinha a dizer.
Cathy contou até dez. De frente para trás e de trás para frente.
Continuava furiosa. Johnny já havia mudado o tema da conversa
(falava alguma tolice sobre Jane Austen), mas Cathy continuava
irritada. Focou-se em seus filmes favoritos, em momentos
agradáveis com o irmão, em suas idas à biblioteca com a mãe, em
suas tardes de pescaria com o pai.
Londres, 9 de agosto.
— EURECA!
Comentou sua ideia com Sara, que achou ótima, mas ainda
havia algo que a perturbava: apesar dos contos escritos, o fato era
que Cathy produzira muito pouco nas últimas semanas, desde que
Henrique deixara Londres e a jovem conhecera Isabella Thorpe.
Apesar de não saber como andava o livro que sua autora iniciante
escondia a sete chaves, a editora desconfiava que a obra também
não estava recebendo a devida atenção.
Derbyshire, 11 de agosto.
Cathy não sabia como Krista fazia isso, mas ela sempre parecia
saber exatamente do que a jovem escritora precisava. Apesar de ter
conseguido escrever algumas páginas de seu romance desde que
Henrique deixara Londres, sua inspiração andava bem difícil, o que
atrapalhava sua performance. Havia bastado um dia de caminhada,
passeios e refeições deliciosas em Derbyshire, para que a mente de
Cathy voltasse a funcionar a todo vapor. De tão animada que
estava, ela escreveria um capítulo inteiro de seu livro naquela noite.
❖
Capítulo 8
(Jane Austen)
Sua mão fora até a testa, coberta por uma fina camada de suor.
Catherine concentrou-se por alguns momentos, tentando regularizar
sua respiração, e a resposta lhe veio: a condessa de Fullerton
precisava de sua ajuda.
Por sorte, seus pais haviam reservado uma ala da casa apenas
para os cômodos deles, do lado oposto de onde ficavam os dela. E,
como não havia convidados hospedados em Greenwoods House,
ela estaria segura. Isto é, se não desse o azar de cruzar com algum
empregado pelo caminho.
— Lady Catherine!
— Sim, ele foi tão gentil! — a mais velha falou, ao mesmo tempo
que abanava o rosto com o leque, apesar do vento frio.
— O solteiro.
Seu Henrique Teles? Não, ele era apenas o Sr. Henrique Teles,
nada mais.
— Humph!
— Pare com isso, Cathy — ele sussurrou mais uma vez, fazendo
Catherine derreter por dentro.
Os lábios dele roçaram contra a orelha dela, e Lady Catherine,
instintivamente, inclinou a cabeça para o lado, expondo seu delicado
pescoço.
— É tolerável, suponho.
— Sei. E por que dançou com eles, então? Por que não fingiu
uma torsão, ou cansaço, ou indisposição, como costuma fazer?
Pensou em mil coisas que poderia dizer para acabar com aquele
clima mórbido entre eles, quando os olhos do rapaz retornaram para
os dela, cheios de lágrimas contidas.
— Se ela jamais disse não, como você sabe que ela não diria
sim?
— Talvez estivesse com outro, pois não sabia que você queria se
casar com ela!
— Você nem sabe, não é? Agora creio que o tolo seja você, Will!
— Eu te disse.
— Não se preocupe.
— Vim cobrar minha dívida — ele avisou, com ardor nos olhos,
aproximando-se ainda mais dela, de forma que suas coxas estavam
encostadas.
— De que maneira?
Que bom.
Segurou-a pelos quadris e virou-a, posicionando-a de forma que
cada coxa estivesse de um lado da cintura dele. A cabeça da jovem
estava um pouco acima da dele agora, e a Lady a virou para trás,
expondo seu pescoço perfeito. Henrique não segurou um gemido
alto; sabia que Catherine jamais tivera um momento de intimidade
com qualquer homem. Ainda assim, entregava-se como se fosse
dele. Sim, ele garantiria que jamais se entregaria daquela ou de
qualquer outra forma para nenhum outro cavalheiro. E sim, ele era
extremamente possessivo quando se tratava de Lady Catherine
Morland.
— Greenwoods House.
— Deixe-me ir! — ela ordenou, mas ele tinha mais uma coisa a
dizer antes de soltá-la.
Claro que, no fundo no fundo, ela desejava que ele não fosse.
❖
— Só mais cinco minutos.
Não. Tinha que ser Henrique. Quem mais estaria cavalgando por
aqueles bosques?
Onde quer que esteja? O que Robert queria dizer com aquilo?
— Ele recebeu uma carta esta manhã, senhorita. Não sei do que
se tratava, mas sei que era urgente. Pedia-lhe que fosse a Paris.
— E quando volta?
— Também não sei, senhorita. Sei apenas que foi uma mulher.
— Uma mulher?
Ela, por sua vez, alheia aos sentimentos do pobre cocheiro, tão
concentrada em seus próprios, saiu cavalgando no meio da chuva, e
Robert a viu sumir entre as árvores, desolado por ter-lhe causado
aquela tristeza.
— Robert lhe disse que o Sr. Teles está noivo? — Claire tentava
entender, enquanto passava a acariciar os cabelos de Catherine.
❖
Capítulo 9
(Jane Austen)
O que diria a Cathy? Sabia que Krista lhe daria uma — merecida
— bronca por sumir sem nada dizer. Tinha certeza de que, no
momento em que visse o senador Tilney, Sara entenderia de
imediato o que acontecera. Mas como explicaria seu sumiço
repentino, as mensagens não respondidas, as ligações não
retornadas de Cathy?
— Conte a verdade.
Henrique sabia que ela diria isso, mas mesmo assim o conselho
fez a bile subir à garganta.
— Você deve ser Cathy, não é mesmo? Sou Elena, irmã do Rico.
Ele me falou muito de você.
— Temos que sair por volta das oito da manhã. Vamos torcer
para não chover, porque senão não vai rolar... O que acha?
— Acho perfeito!
Era uma ótima ideia, pensou Cathy. Nada melhor do que irem
todos juntos. Elena havia comentado que tinham um carro à
disposição, do amigo do pai. Ou seja, ela nem precisaria ir de
carona com Johnny: poderia ir no carro com Elena e Henrique!
Johnny, o único que ainda estava na sala, pois James e Bella
estavam conversando com Sara na cozinha, fez uma cara de
desgosto.
Londres, 17 de agosto.
— Que diabo! Por que eles ainda não chegaram? Será que se
acidentaram? As estradas estão úmidas e ainda está chuviscando!
Que ideia de jerico: viajar de moto neste tempo!
O humor de Henrique piorava perceptivelmente a cada vez que
ele olhava no relógio. Durante a última ligação entre Sara e Cathy,
duas horas antes, a ruiva lhe garantira que estava tudo bem.
Demoraram a retornar de Saint Albans porque queriam evitar a
chuva. Mas já eram quase oito da noite, e tiveram tempo suficiente
para fazer o trajeto até Londres, mesmo que devagar.
(Jane Austen)
Maldito libertino!
— Ele voltou!
— Lady Catherine!
Não.
NÃO!
Não podia ser. Menos de uma hora antes, Jane lhe havia
assegurado de que o dono daquela voz passaria o dia na abadia.
Longe da cidade. Longe de Catherine. O que faria? Sem olhar para
trás, achou que seria mais seguro simplesmente seguir em frente e
fingir que não o havia escutado.
Logo na entrada, deu de cara com um par de olhos que lhe eram
bastante familiares, apesar de não conseguir identificar sua dona. A
pobre moça carregava um cesto de cerejas selvagens em uma mão
e um grande saco de farinha na outra.
— Bom dia, senhores — ela desejou, séria, o que fez com que
William tossisse para disfarçar o riso e John a olhasse como se
estivesse louca.
Ela sacudiu a saia para tirar a farinha; não poderia ter feito algo
mais insensato; o pó espalhou-se pelo pequeno espaço da
carruagem. Oh, céus. Não havia limites para sua falta de jeito?
Claire!
Seu tom advertia que a Lady não mais queria falar com ele.
Porém, Henrique seria insistente.
❖
Capítulo 11
(Jane Austen)
Londres, 18 de agosto.
O tom de Sara assustou Cathy, mas Krista sabia que não era a
ruiva quem deixara Sara a ponto de explodir, então optou por
ignorá-lo. O que estava deixando Sara louca (na verdade, seu
estado já se qualificava como de paranoia) era sua confusão em
relação à postura inédita do senador Tilney. Primeiro, ele veio à
Europa sem qualquer explicação. Depois tratou Sara como sua
sobrinha favorita. E, para terminar, conseguiu conquistar todos no
jantar, inclusive Krista, que não era facilmente manipulável.
E por quê?
Era isso que desesperava Sara: ela não sabia. Passara a noite
inteira em claro, procurando cuidadosamente qualquer notícia do
Brasil que pudesse justificar aquela mudança abrupta. Nada.
Nenhum escândalo (ao menos, nenhum que envolvesse o nome do
senador).
Desde então, nunca mais o vira. Mas de uma coisa tinha certeza:
um homofóbico radical não se tornava um simpatizante LGBT da
noite para o dia.
O senador sabia muito bem ser gentil com seus eleitores. Sabia
até ser um amor de pessoa com os patrocinadores de suas
campanhas. Entretanto, jamais se daria ao trabalho de ser
minimamente cortês com pessoas das quais não precisasse.
Sendo assim, Sara sabia que ele estava escondendo alguma
coisa, e não descansaria até descobrir o que era. E, se ela não
conseguira informação da internet ou de seu advogado, ainda havia
uma fonte: o filho mais velho do senador, Fábio. Certamente, ele
saberia de algo.
— Sua irmã me disse que você não era ciumento. Parece que
não o conhece tão bem assim.
Era a hora da verdade. Henrique sabia que sua deixa não tinha
sido lá das melhores, mas era suficientemente clara para verificar se
o interesse que Cathy demonstrara na noite anterior era apenas
efeito do álcool ou se ele ainda tinha alguma chance com ela.
— Além disso, Bella vai voltar com James aos Estados Unidos.
Eles vão morar juntos, sabia? Quero aproveitar o pouco tempo que
tenho para conhecê-la melhor e para curtir a companhia do meu
irmão.
— Nojo?
— Eu detesto sangue.
Anos antes, sua tia descobrira que tinha um tipo raro de câncer.
Foram anos entrando e saindo de clínicas, salas de médicos e
hospitais. Contas altíssimas, que seus pais ajudaram a pagar, e, por
isso, não tinham mais a poupança para pagar a faculdade dela e do
irmão. Seus cinco primos tiveram que viver, durante um longo
período, apertados com ela, James e os pais na casa de três
quartos dos Murray. E tudo isso com chances mínimas de sua tia se
curar.
Felizmente, ela sobrevivera. Assim como a família Murray.
Porém, Catherine passou a evitar aquele tópico a qualquer custo.
Ela podia escutar a voz masculina, assim como podia sentir uma
mão acariciando sua testa, enquanto a outra envolvia a sua própria.
Seria Henrique? Não, aquelas mãos não eram tão fortes quanto as
dele, nem a voz era rouca como a de Rico.
Argh. Johnny. Falando sem parar. Não podia ser! Era Rico quem
estava no cômodo quando ela desmaiou!
— Ei! Você não ouviu? Ela pediu que você a solte! — Henrique
disse, levantando-se e caminhando na direção dos dois.
— O que ela quis dizer é que o babaca chato não vai mais
incomodar você — emendou Sara. — Ah, e Rico tem uma surpresa.
Dover, 21 de agosto.
— Acho melhor você passar protetor, Cathy. Sua pele não está
acostumada com este sol.
A ideia acabou sendo pior, porque agora Rico tinha que observá-
la passar lentamente creme por todo o corpo, sem poder tocá-la.
Elena aproveitou para usar o banheiro, o que lhe ofereceu a
oportunidade de se deliciar com aquela cena sem ser, mais uma
vez, descoberto.
— Poderia passar nas minhas costas? — Cathy pediu
timidamente. Henrique caminhou até ela, disfarçando ao máximo
seu contentamento.
— Eu também te amo.
— Nem precisa me pedir segredo, Rico. Vou fingir que nem sei
do caso, ok?
— Adivinha...
❖
Capítulo 12
(Jane Austen)
Mais de um dia inteiro sem vê-lo, ouvir falar dele ou ter de falar
com ele. Lady Catherine dizia a si mesma que era exatamente
aquilo que quisera: que o Sr. Teles a deixasse em paz para que ela
pudesse seguir com sua vida. Então, se ele cumprira o que ela lhe
pedira na igreja, por que se sentia tão vazia por dentro?
William beijou sua mão com afeto, como um irmão querido faria,
mas John apenas fez uma reverência formal para ela. Catherine mal
notou; apenas queria que William a distraísse de seus próprios
pensamentos.
Catherine sempre fazia William rir, por mais que seu coração
estivesse despedaçado. De todas as mulheres de Backhan, apenas
Catherine tinha o poder de deixá-lo à vontade e se esquecer dela,
nem que fosse por apenas algumas horas.
— Vamos entrar?
Henrique sabia que ela estava ali. Os irmãos Cleavand nada lhe
haviam dito, e ele ainda não a vira, mas conseguia sentir sua
presença. Como Lady Catherine conseguira, em tão pouco tempo,
deixá-lo tão enfeitiçado?
Ela não via o barão confortável daquele jeito havia algum tempo.
A taça de vinho em sua mão poderia ser, em parte, responsável por
isso.
Henrique Teles ficou boquiaberto, mas sua irmã apenas riu. Ele
sabia que Elena adorava moças da alta sociedade que não se
importavam em falar exatamente o que pensavam e gostava ainda
mais de damas com personalidade.
— In-indisposto?
— Eu sei que ela lhe contou mais que isso. Eu vi como você
ficou séria de repente.
— Ela me disse que, a seu pedido, foi até o bosque. Que você
jamais foi. Que enviou Robert em seu lugar.
— Como você fez isso com ela, Henrique? Sabe o que ela
arriscou para ir ao seu encontro? Sozinha? Sem uma dama de
companhia?
Sim, ele iria tentar. Nem que arriscasse tudo. Pois sabia que, se
não reconquistasse o coração de Lady Catherine, passaria o resto
da vida lamentando-se. Foi discretamente até a biblioteca,
encontrou papel, pena e tinteiro e começou a escrever um bilhete.
Aos poucos, Henrique entrou nas conversas, mas, por mais que
tentasse tirar algo de Lady Catherine, ela o respondia de forma
monossilábica apenas. Bem, ao menos agora lhe dirigia a palavra.
Ademais, notava como ela o olhava sorrateiramente, quando
acreditava que ele não notaria. Mas ele notava tudo que dizia
respeito a Lady Catherine Morland. Seus olhares furtivos apenas lhe
deram mais esperança.
❖
Capítulo 13
“Seus olhos erravam por aqui, por lá, por toda parte,
maravilhados. Ela viera para ser feliz e já se sentia feliz.”
(Jane Austen)
Londres, 25 de agosto.
— Você não pode provar que ele fez algo de errado, Sara! Eu
tenho pesquisado, investigado, lido tudo que tem sido noticiado na
mídia brasileira. O nome de meu pai permanece limpo!
Cathy não tinha ideia do que seria o tal de Shambles, mas a cara
de satisfação de Henrique foi suficiente para ela topar a sugestão de
imediato. Será que aquela visita lhes daria uma oportunidade de
ficar novamente a sós? Passar todos aqueles seis dias sem um
momento sozinha com Rico era excruciante! Desde o beijo perfeito
(mesmo que o final com a garotinha de seis anos histérica e a
guarda florestal questionando o que faziam naquele lamaçal não
tenha sido tão perfeito assim, o beijo fora) não tiveram uma chance
de repeti-lo!
E o dia inesquecível em North Down Ways começava a reprisar.
Pouco tempo depois de deixarem a estação de trem, Elena
adormeceu. As mãos de Rico mal podiam esperar: no mesmo
instante em que a irmã fechou os olhos, voaram do colo dele para a
cintura de Cathy. Ele posicionou a delicada moça sobre seus
joelhos, deixando-a corada.
— Com licença. Seus bilhetes, por favor — disse uma voz seca e
fria.
York, 27 de agosto.
Ele não a havia tocado nas últimas três horas. Cathy duvidara,
inicialmente, da promessa que ele fizera, mas começava a levá-la a
sério. O que Rico esperava? Que ela implorasse por um beijo?
Nunca na vida!
O som das gargalhadas era quase tão alto quanto o dos copos
se chocando em brindes (muitos dos quais se quebrando), e o
cheiro de carne assando deixou os recém-chegados com água na
boca. Um dos garçons mais jovens aproximou-se, mas nada disse.
Apenas encarou Elena por uns bons trinta segundos, antes de Rico
interrompê-lo:
— Oi? Você trabalha aqui, por acaso? Ou vai ficar babando a
minha irmã a noite inteira?!
Foi tudo o que Cathy disse. Estava tão carente por um toque
dele que não conseguiu elaborar nenhuma outra frase. Porém,
recusava-se a ser a primeira a admiti-lo.
Era a milésima vez que Cathy fazia aquela promessa desde que
acordara. Os irmãos apenas se entreolharam com o riso preso na
garganta. Os efeitos da bebida misteriosa da noite anterior foram
fortes em Elena, mas nada comparado ao estado de quase-coma-
histérico de Cathy.
— PAREM!
— Tão longe assim? Mas faz tão pouco tempo que saímos de lá!
— Fábio não foi específico, mas creio que a razão seja uma DJ
loira de olhos azuis... Por isso não insisti que viesse. Ele tem
trabalhado demais no Brasil, merece uma folga. Ao contrário de
certas pessoas.
Até os dias atuais, dizem que o incêndio foi uma punição pelos
muitos pecados cometidos dentro daquelas paredes antigas.
Foi apenas quando Lana já era mãe de três filhos que decidiu
convidar o irmão e sua família para passar alguns meses na Abadia
de Kingsway. Ela agora sabia com quem havia se casado e entendia
que Carl conseguira ver em seu marido algo que ela nunca fora
capaz de enxergar. Carl teve a esperança de que recuperaria a
irmã, de que nunca mais se separariam.
❖
Capítulo 14
(Jane Austen)
— Lady Catherine?
Ouviram a voz inconfundível da Sra. Smith. Ainda estava
distante, mas não tardaria a encontrá-los, Henrique tinha certeza.
Ele não teria mais que alguns segundos a sós com sua amada.
Oh, ela não sabe o efeito devastador que seu toque tem em
mim, Henrique pensou, desta vez não conseguindo segurar um leve
gemido.
Ele se aproximou ainda mais dela, e a jovem teve que olhar para
cima para continuar a encará-lo.
— Lady Catherine!
Era agora ou nunca. Ele sabia que Lady Catherine não faria tal
loucura novamente.
❖
— O que houve? Onde está Christine? Como está Sebastião? E
Elena?
— Não, eu não sei — disse Elena, que tinha uma ruga entre as
sobrancelhas, sem entender a troca de olhares entre seu irmão e a
moça. — Do que está falando, Catherine?
— Que maldade!
— Mas não é por isso que Christine está tão preocupada, Elena
— Catherine disse, as lágrimas rolando pelo rosto.
❖
Capítulo 15
(Jane Austen)
— Por outro lado, sua falta de educação até que veio a calhar...
— Rico disse, com olhos famintos e um sorriso ameaçador
aparecendo em seus lábios.
— Ué, Cathy. Por que está fazendo essa cara? — ele comentou,
o cinismo claro em seu tom de voz.
Ela não implorou. Nem esperou a reação dele. Tirou a mão das
costas de Rico e a usou para puxar o pescoço dele para si. Se ele
se recusava a atacá-la, então seria ela quem iria fazê-lo.
— Salve-me. Dele.
Ela deixara sua vida para trás por ele. Sua família, sua casa, seu
país. E para quê? Adorava a abadia no verão, quando a
temperatura era agradável e as centenas de turistas que visitavam o
local diariamente a faziam esquecer-se de como a propriedade
podia ser solitária e fria no inverno.
— Nossa, que terrível. Mas ela teve uma doença grave ou algo
assim?
— Foi um mal que até hoje não consigo explicar. Acho que
ninguém jamais conseguirá. O mais estranho é que ela teve uma
consulta com um médico muito próximo a nós duas semanas antes.
E ele não notou nada de diferente...
Cathy podia ver que Elena estava agora à beira das lágrimas.
Então decidiu mudar de assunto, apesar de se manter,
indiretamente, no mesmo tópico.
Droga!
— Não acho seguro vocês duas andarem por essas partes sem
proteção. Tenho visto muitas abelhas por aqui. Elas já picaram a
cozinheira e o outro jardineiro. Eu tenho alergias e por isso acho
melhor me proteger quando venho cuidar das rosas — completou a
mulher mascarada.
Ansiosa por uma voz amiga que não fosse da família Teixeira-
Tilney, Cathy ligou para o irmão. Ele não atendeu, o que era muito
raro. Lembrou-se da preocupação estampada na testa de Elena
quando lhe perguntou sobre James e Bella e ficou curiosa para
saber o que estava acontecendo em Londres naquele momento.
Londres, 1º de setembro.
— AHHHHHHHHHHHHHHHH!
— Sara, minha saudosa mãezinha não lhe fez qualquer mal. Por
que ofendê-la?
Porém, com a raiva em seu ápice, ela não era mais capaz de
falar, gritar, ofender ou acusar. Assim, restou-lhe apenas uma coisa
a fazer: pegar todo e qualquer objeto a seu alcance e jogar contra
seu primo e contra a traíra que estava com ele.
— Sara, não vou pagar pelo estrago que você está fazendo... —
ele disse, seguro atrás do sofá com a “essazinha”, a qual estava, ao
contrário de Fábio, aterrorizada.
— Então você vai ter que contar para James e Cathy. Você e
essazinha.
❖
Capítulo 16
(Jane Austen)
A cada novo dia, sua memória ficava mais fraca. Ela ficava mais
fraca. Só o que importava era ele. Seu marido. Que estava havia
dias preso à gigantesca cama de dossel no quarto dele. Parecia tão
pequeno e frágil, com uma palidez e um fedor que lembrava morte a
Christine.
Christine não sabe por quanto tempo dormiu. Uma hora? Doze?
Quarenta e oito? Somente sabe quem foi acordá-la: Robert, o
cocheiro. Seu rosto estava úmido com suas lágrimas, e Christine
logo soube que algo ocorrera.
— Desça agora!
Seu pai segurou sua mão para que não se comportasse daquela
maneira. Estavam no meio do sermão do Sr. Torbeman, o reitor da
Paróquia de Backhan, que falava sobre o amor ao próximo.
— Não sei por que essa mulher ainda não foi presa — outra
pessoa disse atrás de Catherine.
Era William. Seu pai também não parecia nada satisfeito com o
filho.
❖
A Sra. Smith estava enlouquecendo com Lady Catherine: a moça
não conseguia ficar quieta, caminhava sem parar pela sala de estar.
Depois da situação na paróquia, seus pais a haviam deixado em
casa, tendo ido sozinhos almoçar com os Cleavand. Catherine não
parava de pensar no que acontecia, naquele momento, na abadia, e
começava a desenvolver algumas teorias conspiratórias sobre o
caso.
— Sim, sim...
Pelo olhar que Elena dirigiu a ela, Catherine soube que estava
no caminho certo.
— O Sr. Assis sabe que você deixou seu noivo por ele?
— Claro que ele vai perdoá-la! Ele vai entender: você quis fazer
exatamente aquilo que todas as mulheres são ensinadas a fazer
desde pequena, que é obedecer aos nossos pais.
— Como assim?
Catherine agora estranhava a razão pela qual Henrique jamais
mencionara seu pai. Sempre falava com muito carinho da mãe, que
morrera anos antes, mas nunca do pai.
Se ela não fosse ter seu final feliz, ao menos desejava que o
irmão tivesse. E, pelo jeito sonhador que Catherine agora
demonstrava, Elena acreditava que essa felicidade estava bem
próxima.
Ele tinha o mesmo aspecto exótico dos irmãos Teles, mas o Sr.
Paulo de Assis era ainda mais diferente aos olhos ingleses e pouco
viajados de Catherine. Primeiramente, tinha a pele mais escura que
ela já vira na vida. Era um tom muito bonito, caramelado, como uma
mistura de café com leite. Os cabelos dele eram muito lisos e
negros, e seus olhos eram tão escuros quanto. Ele era alto e esguio,
mas tinha ombros largos, como se tivesse feito trabalho braçal ao
longo da vida. Tinha uma postura elegante e um sotaque muito
agradável.
— Perdão?
— Por que quer saber? Está com ciúmes? — agora era ela
quem o provocava, inclinando a cabeça para que ele tivesse maior
acesso ao seu pescoço.
❖
Capítulo 17
(Jane Austen)
Por que havia aceitado a aposta? Não bastava ter que fazer o
passeio sobre como William e Kate haviam se conhecido na
Universidade de St. Andrews? Teria que fazê-lo vestido de
princesa? Segundo Cathy, aquele vestido azul ridículo cheio de
brilhantes e a coroa que ele usava eram de uma princesa da Disney.
Uma tal de Frozen...
— Henrique Teixeira?
Rico podia ser um idiota, mas não era um idiota completo. Cathy
ficava mais provocadora a cada dia. Quando estabeleceram a
aposta, ela lhe prometera que, caso perdesse, iria jantar no quarto
do rapaz naquela noite, usando nada além da camisola rendada
rosa.
— Cathy, não sei por que seu irmão e Bella terminaram, mas
certamente poderia ser pior. Imagina se eles tivessem brigado nos
Estados Unidos? Ao menos, eles se separaram enquanto ainda
estavam aqui, e cada um vai poder seguir seu caminho.
— Eu acho que é o tipo de coisa que ele não tem como escolher,
Cathy — disse carinhosamente Elena, segurando a mão da amiga.
— E por que o irmão de vocês faria isso? Por que ele separaria
James e Bella?
— Por mais que eu deteste defender Fábio, tenho que dizer: ele
não separou ninguém. Não foi ele quem traiu seu irmão e sim
Isabella Thorpe — afirmou Henrique.
— Cathy, assim como Rico, sei que Fábio não é perfeito, mas
posso afirmar que não foi ele quem correu atrás dela — Elena
explicou.
— Como?
— Posso não ter seu nome no papel, mas faço questão de que
Amanda me chame de Sra. Darcy. Mas pode também me chamar de
Lizzie.
— Eu sei...
Ah, ela fazia aquilo para provocá-lo, Rico tinha certeza. Aquelas
bochechas rosadas, aqueles lábios perfeitamente vermelhos, os
olhos adoravelmente esbugalhados. Ele abriu um sorriso
enigmático, que transformava as pernas de Cathy em gelatina, ao
responder:
— Eu gosto das coisas do jeito que estão, Rico. Sinto que, por
ser um segredo nosso, é muito mais valioso.
Era verdade, mas havia outro motivo para Cathy temer que seu
relacionamento se tornasse público: ela escutara a discussão entre
pai e filho na biblioteca e sabia que o senador não aprovaria o
envolvimento dos dois.
❖
Capítulo 18
(Jane Austen)
Ele bem que tentara ficar a sós com ela ao longo de suas visitas
nas últimas semanas, mas Catherine parecia adivinhar seus planos
e sempre usava artimanhas para estar acompanhada de alguém.
Ela tentou a sair dos braços de Sr. Teles, mas ele afastou as
pequenas mãos dela e continuou a secá-la. Philip, que escutou o
burburinho, ao ver o que acontecia, fingiu não ter notado a chegada
da visitante e deixou o lobby antes de ser notado pelo casal.
— É tudo aquilo de que eu precisava agora. Ter mais uma
enferma para cuidar — ele comentou de forma esnobe.
— Jenny!
— Acho que foi cuidar de uma tia doente no norte ou algo assim.
Tem pouco tempo que ela retornou. Parece que a tia faleceu,
deixando Jenny praticamente na miséria, com muitas contas
médicas para pagar. Ela é bem quieta e tímida, mas é uma boa
menina.
— Os Hale?
Aquela era uma ótima notícia! O Sr. Hale era o pastor da cidade
vizinha. Fora ele quem casara o barão e a baronesa de Northanger.
A casa deles não era muito distante, ficava a apenas duas horas de
carruagem de Backhan. Entretanto, a estrada era ruim e ficava
perigosamente lamacenta com chuvas. Provavelmente, como a
tempestade fora feroz, somente voltariam em um ou dois dias. Isso
é, se não chovesse mais.
— Sim. E a Sra. Smith foi com eles. Sabe como ela gosta dos
Hale. Como você estava sempre indo à abadia para visitar a
condessa e o marido, ela achou que poderia aproveitar para visitá-
los.
Ela estava prestes a lhe dizer onde ele podia enfiar suas ordens,
quando ele explicou:
Ela não havia cogitado ninguém além do Sr. Henrique Teles. Mas
ele jamais saberia disso.
— Matthew por acaso tinha uma noiva? Ou uma moça por quem
tivesse interesse romântico?
— Não, que eu saiba ele jamais se deu bem com qualquer moça.
Ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, a Sra. Cornwell iria
querer entender a relação deles com os moradores.
— Eu evito aquela casa desde que Beth se foi, então não sei
precisamente quando ele veio pela última vez, pois passa mais
tempo fora do que aqui. Mas posso lhes garantir que não vem para
essas redondezas há pelo menos três meses.
❖
Capítulo 19
(Jane Austen)
A neve não era tão divertida quando não se tinha ninguém com
quem aproveitá-la...
Rico agora estava ao seu lado, segurando seu braço. Ele não
usava muita força, mas ela sentia que ele tentava controlar a raiva.
— Foi por isso que você gritou aquele dia, quando estava
sozinha na cozinha com meu pai? Teve medo dele?
Aquele era o tipo de comentário que faria Rico rir, mas ele se
manteve sério. No que Cathy estava pensando, fazendo piada numa
hora dessas?
— Então por que não foi embora? Por que não voltou à
segurança da casa de Krista?
— Era uma noite ainda mais fria do que esta. Naquele ano, a
neve chegou bem mais tarde, já em dezembro, então eu e Fábio
passávamos mais tempo lá fora que aqui dentro. A gente só entrava
em casa quando já estávamos prestes a virar picolé — ele riu com a
lembrança, mas era um sorriso triste. — Também queríamos evitar
as brigas. Meus pais nunca se deram muito bem, não que eu me
lembre. Mas naquela época estava bem pior. E nossa mãe... Ela
parecia cada vez mais triste. Eu raramente a via sorrir. E ela era do
tipo de pessoa que tinha uma gargalhada deliciosa, daquelas que
fazem o quarto tremer, fazem a casa acordar, sabe? Todos nós
ríamos com ela, era quase impossível não acompanhar suas
risadas. Mas enfim... Quando cheguei à cozinha, a antiga
cozinheira, Beth, me disse que mamãe não comia nada desde
aquela manhã. Tive uma ideia para animá-la e chamei Fábio.
Leninha não estava na Escócia, estava no Rio com Sara e os pais
dela. Eu e Fábio (com a ajuda de Beth, é claro) preparamos um
jantar para mamãe, seu prato favorito: espaguete ao molho de
quatro queijos. Beth levou horas para encontrar o vinho de que
mamãe gostava e colocou um pouco de mousse de chocolate belga
na bandeja também. Nós estávamos tão animados, enquanto
subíamos pelas escadas, corríamos pelos corredores, para fazer a
surpresa. Até que chegamos à suíte dela. Aquela que você invadiu.
Isso a enfureceu. Ele não achava que ela poderia dar conta
daqueles três babacas? A raiva lhe deu ainda mais força.
Principalmente quando viu que Elena encarava, horrorizada, o
homem desmaiado no meio do corredor.
Londres, 14 de novembro.
Eu sei onde fica São Paulo, Cathy quis dizer, mas manteve-se
calada.
— Mas não era óbvio que ele estava na abadia? Ela está no
nome dos Tilney, afinal de contas.
Cathy deveria ficar calada, sabia muito bem, mas não resistira.
Esses caras não deveriam ser os melhores investigadores do
mundo? Depois do FBI e da CIA, é claro.
Querido Rico,
Sempre sua,
Cathy
❖
São Paulo, 21 de novembro.
Era isso que tornava tão difícil escrever aquele e-mail. Rico teria
que ser o homem que Cathy merecia que ele fosse, e isso queria
dizer que teria que abrir mão de sua relação com ela e admitir que
não tinham futuro. Como poderiam ficar juntos se ele nem sequer
poderia estar ao seu lado?
Resoluto, Rico escreveu o e-mail. Escreveu sobre a
investigação, escreveu sobre o que ele próprio descobrira sobre o
pai e, especialmente, escreveu sobre ele e Cathy. Como ela não
deveria esperar por ele. Como ela deveria focar na sua carreira
literária. Como ela seria uma escritora maravilhosa. Como ela
conheceria alguém que poderia apoiá-la quando ela mais
precisasse, de uma forma que ele não podia.
Henrique Teixeira não era o tipo de pessoa que rezava. Ele fora
batizado, catequizado e criado católico, entretanto, quando ia à
missa aos sábados, ouvia os sermões dos padres, por vezes
considerava suas palavras, mas raramente rezava.
A moça abriu a boca, mas, antes que ela pudesse dizer algo, ele
continuou:
— E você, Elena? Você é ainda menos católica que eu! Nem vou
falar de Rico: nos vinte e sete anos que o conheço, esta é a primeira
vez que o vejo rezar! Garanto: certamente tem algo a ver com
Catherine.
— Fico muito feliz por você, Fábio — ele disse, colocando a mão
sobre o ombro do outro. — Concordo plenamente: você tem que se
preocupar com a sua felicidade, não com a dos outros. Seja quem
você quiser, quem você é de verdade. Não importa o que aconteça,
eu e a Elena estaremos sempre aqui para apoiar você.
Grande engano.
— EU SOU GAY!
Não acredito que vou fazer isso, ele pensou. Sim, ele faria.
— EU TE AMO!
Paulo deixou a sala correndo, mas sabia que deveria conter sua
emoção: não era a primeira vez que Elena se declarava para, pouco
tempo depois, terminar com ele por conta da reprovação do pai.
— Por que você fez isso, Elena? Eu achei que fui bem claro na
nossa última conversa: não podemos continuar assim.
Londres, 25 de novembro.
Talvez não era para ser, ela disse para si própria. Talvez não
deveriam mesmo ficar juntos. Talvez uma amizade entre os dois
seria o suficiente.
❖
Capítulo 20
(Jane Austen)
— Acho que sim... Esse cheiro... — ele caminhou até uma das
janelas, olhou para fora e saiu correndo da casa, em direção a uma
pequena horta que ficava nos fundos da propriedade.
Ao alcançá-lo, a Lady viu que ele examinava uma planta que ela
não conhecia, apesar de seus frutos escuros parecerem familiares.
❖
Lady Catherine parou de respirar ao ver a imagem. Seria
possível? Como ele havia enganado a todos? Como ninguém havia
desconfiado? Henrique, percebendo a palidez dela, a segurou pelos
ombros. Estavam no meio do quarto de Beth, e Catherine encarava,
atônita, uma pintura de mãe e filho. Matthew devia ter por volta de
doze anos.
— Ele é ela! Essa é a ligação entre eles! Oh! Como não notei
antes?
— Céus!
— Hoje?
❖
— Por que a carruagem parou?
— Oh!
❖
Henrique estava suando frio; nenhuma mulher jamais fora capaz
de deixá-lo daquele jeito. Até aquele momento, havia desenhado
seu plano sem pensar na hipótese de Catherine rejeitá-lo. E se ela o
fizesse? Eles passariam o resto da noite naquele chalé romântico,
sem nada para dizer um ao outro.
Tão distraído que estava com suas dúvidas, não havia escutado
o objeto de seus devaneios se aproximando.
— B-botões?
— Sim. Como o senhor pode ver, esse vestido tem botões atrás
— a Lady continuou de costas para ele, então o Sr. Teles não podia
ver o rosto dela.
Por sorte, ela também não via o dele. Certamente, os olhos dele
estavam negros; suas bochechas, rosadas; sua testa, suada.
Henrique não sabia como a joia havia parado na mão dela, mas
pouco importava. O momento mais importante da vida dele, enfim,
chegara. Henrique ajoelhou-se, segurou uma das mãos dela e
disse, o coração palpitando tão forte em seu peito que ele achou
que iria explodir:
— Depende.
— Você sabe muito bem que meu grau de parentesco com Dom
João VI praticamente não existe! Somos primos muito, muito, mas
muito distantes! — Henrique chamou a atenção da jovem esposa,
que apenas lhe ofereceu um sorriso maroto em troca.
— Sim, mas meu pai não sabe disso — e assim a Sra. Teles
encerrou o assunto.
❖
Capítulo 21
(Jane Austen)
Krista Allen não poderia estar mais satisfeita com Cathy: já havia
enviado seu romance para a revisão e prometia que o lançamento
deveria ocorrer antes do Natal daquele mesmo ano.
— Vamos falar com Cathy. Mal posso esperar para ver a cara de
surpresa dela!
— Ela leu seu conto, Cathy! É uma honra! — seu pai estava
quase tão animado quanto Krista.
Era um vaso com belas flores vermelhas com base preta que a
americana conhecia muito bem.
— Não sei se as conhece, Cathy — sussurrou Sara, como se
estivesse contando um segredo. — São...
Querida Cathy,
Sempre seu,
Henrique Teixeira
Porém, a forma como ele olhava para ela dizia que não.
— E agora?
❖
Epílogo
Por mais que não tivesse fãs como Cathy, Rico também trilhava
um caminho de sucesso, à sua maneira. Desde o reencontro dos
dois, ele se mudara para os Estados Unidos, para Sunset Valley e,
no ano anterior, fora aceito em um programa de doutorado na
Universidade da Califórnia em São Francisco.
Rico disse seu nome à hostess, uma linda mulher cujo sorriso
branco contrastava com a pele negra. Ela sorriu para eles e os levou
até o final do salão, onde havia, para a surpresa de Cathy, um palco.
A banda já estava lá, preparando-se para o show.
— Eu ainda não fiz o pedido. Acho que ela nem sequer viu com
o que engasgou — Rico respondeu, com o ar preocupado. — Já
estou pensando se não seria melhor deixar para outro momento.
— Verdade?
— Foi com isso que você se engasgou, Cathy. Não era assim
que eu queria começar este pedido, mas enfim... Nada entre nós
acontece do jeito que planejamos, não é mesmo?
Com dedos trêmulos, Henrique tirou o anel do copo. Era simples,
delicado e gracioso, exatamente como Cathy. Havia apenas uma
pedra, azul, e o anel era de ouro branco. A ruiva estava boquiaberta
olhando para ele, e, mesmo sem saber se isso era um bom ou mau
sinal, Rico prosseguiu:
FIM!
SOBRE A AUTORA
Instagram: @laisrodriguesauthor