O documento descreve um sonho do imperador Pedro II do Brasil no qual ele revive um baile no Palácio em 1853 e conhece a bela princesa grega Alexandra. Ele acorda assustado com um trovão em 1891, a bordo de um navio em meio a uma tempestade, onde fica preso sob uma cadeira após cair da própria.
O documento descreve um sonho do imperador Pedro II do Brasil no qual ele revive um baile no Palácio em 1853 e conhece a bela princesa grega Alexandra. Ele acorda assustado com um trovão em 1891, a bordo de um navio em meio a uma tempestade, onde fica preso sob uma cadeira após cair da própria.
O documento descreve um sonho do imperador Pedro II do Brasil no qual ele revive um baile no Palácio em 1853 e conhece a bela princesa grega Alexandra. Ele acorda assustado com um trovão em 1891, a bordo de um navio em meio a uma tempestade, onde fica preso sob uma cadeira após cair da própria.
Depois de passar quase duas horas caminhando pelo salão e cumprimentando os
convidados, suas pernas doíam de cansaço. Ele só queria se sentar na poltrona por um instante e pedir uma taça de vinho para aliviar a sequidão de sua garganta. Para piorar o desconforto, fazia muito calor dentro daquele salão. Por mais que o teto fosse alto e as janelas fossem projetadas para facilitar a circulação de ar, a multidão que ali dentro se aglutinava e as milhares de velas colocadas para iluminar o local o tornavam um verdadeiro forno. Pedro era um homem alto e magro, com cabelos loiro-amarronzados bem curtos e penteados com resina para ficarem brilhantes. Tinha uma barba longa, um pouco mais escura que os cabelos e um par de olhos azuis tão claros que quase não eram visíveis. Vestia naquela um fraque verde-escuro de algodão pesado com uma camisa branca de linho fino e calças marrons, também de algodão. Ele próprio não tinha noção alguma de moda, por isso sempre permitia que os camareiros escolhessem suas vestes para eventos desta estirpe. Chegara ao baile vergando também uma gravata borboleta verde-escura, mas já a desamarrada discretamente a guardara em um bolso interno do paletó. Se não fizesse isso, sufocaria de tanto calor. Mas não era só a temperatura ambiente, ou o barulho excessivo, o cheiro forte de suor ou a dor nas pernas que o incomodava. Era o conjunto de tudo isso e mais um pouco. A verdade é que Pedro detestava bailes, festas e todo tipo de evento social. Ele detestara até mesmo a própria coroação e também sua cerimônia de casamento. Tendo já vinte e oito anos de idade, ele ainda não se acostumara aos ossos de seu ofício. O Imperador do Brasil, por mais que ocupasse um cargo que tinha como pressuposto a interação constante com políticos e outros chefes de Estado, era em seu íntimo um homem absolutamente recluso, afeito a leituras, conversas intelectuais e sonecas. Infelizmente para ele, no entanto, suas obrigações eram diametralmente opostas aos seus gostos. E elas ocupavam a maior parte do tempo que tinha. Ele olhou para os lados rapidamente, e, percebendo que não havia mais ninguém entrando em seu campo de visão para cumprimentá-lo, decidiu ir até sua poltrona e sentar-se para descansar, nem que fosse por um breve instante. No entanto, logo antes de virar o corpo, uma visão que o distraiu. Pedro tinha mais de um metro de noventa de altura. Esta estatura avantajada lhe tornava um tanto desengonçado, mas também trazia algumas vantagens. Uma delas era o privilégio de sempre enxergar tudo ao seu redor de um ótimo ponto de vista, até mesmo em uma multidão. E foi isso que aconteceu naquele momento. A jovem que lhe apareceu era tão bela que parecia ter um facho de luz apontado só para si. A primeira parte do corpo que chamou a atenção de Pedro foram seus cabelos: eram negros, mas não em um tom comum. Eram mais escuros que qualquer cabelo que ele já tivesse visto. Chegou a pensar, por um instante, que fosse uma índia, mas o rosto que se revelou quando a moça se posicionou de frente para ele era de uma mulher mediterrânea. Os olhos eram castanho-escuros, quase pretos, e a pele era de um tom branco levemente bronzeado, que lembrava os povos do sul da Europa. Seu nariz era fino e alongado, e a boca era maravilhosamente sensual, adornada por um batom vermelho. Italiana¿ Grega¿ Pedro tentou adivinhar por um momento, mas estava encantado demais para raciocinar. Como que num instante, as duas ou três fileiras de pessoas que estavam entre eles dois desapareceram, e a jovem estava um pouco mais perto do imperador. Ele estivera tão hipnotizado que não chegara a perceber que ela vinha em sua direção para saudá-lo. - Majestade.- Ela pronunciou em um português errático enquanto se curvava. Ela usava um grande vestido azul-turquesa com um belo decote e gola alta. Por uns poucos segundos, enquanto ela fazia a reverência, Pedro teve o privilégio de ver um relance dos seios daquela moça. “Que seios maravilhosos!”, ele pensou imediatamente, tomado de luxúria. Tivesse aquilo acontecido oito ou dez anos antes, quando o imperador ainda era recém casado, teria provocado um forte sentimento de culpa. A esta altura, no entanto, Pedro já estava acostumado a sentir e, eventualmente, a ceder a este tipo de tentação. Tereza Cristina era uma boa esposa, boa mãe e boa cristã, mas não tinha beleza física. Pedro ainda se lembrava, com amargura, do dia em que conhecera a princesa do Reino das Duas Sicílias que viria a ser sua consorte, ainda em 1843. A princesa era tão feia que o fizera chorar, mas aquele jovem imperador mantivera sua postura e aceitara de bom grado a união. Acima de suas preferências pessoais estava o dever para com o Estado, conforme ele sempre aprendera. Pedro sempre tratara sua esposa com respeito e dedicação, mas nem sempre era fiel aos seus votos matrimoniais. Ele não era um garanhão desmensurado, como fora seu pai, e nem permitia que seus episódios de adultério viessem a público, mas de fato tinha momentos de fornicação com mulheres belas e inteligentes que conhecia em sua breve vida social. - Muito prazer, minha senhora. – Pedro cumprimentou a moça que lhe encantava. – Posso saber quem é esta belíssima jovem¿ - Fico muito grata, Majestade. – Ela respondeu, corando. – Sou a princesa Alexandra de Salamina, filha do príncipe Georgios e neta do rei Otto, soberano da Grécia. - Oh, é muito bom receber uma visita de tão longe, princesa. – Ele respondeu em Grego. Gostava de falar com as pessoas em seus idiomas nativos, pois isso as deixava mais confortáveis. – Fico feliz que tenha vindo prestigiar meu baile. – Concluiu com um sorriso afável. - Eu que agradeço pelo convite de Vossa Majestade. – Ela respondeu com um sorriso mais aberto desta vez. Pedro olhou para os seios dela mais uma vez. Foi uma olhadela acidental, praticamente inevitável. Aqueles lábios, aquele sorriso, aqueles seios... Ele sentiu seu coração palpitar. - Está muito quente aqui, Princesa Alexandra. – Comentou, enquanto coçava a barba e movia a cabeça levemente para os lados. – O que a senhorita acharia de caminhar comigo pelos jardins¿ Tenho muitas perguntas para fazer sobre o Reino da Grécia. - Oh, seria uma honra, Majestade! – Ela respondeu com uma animação que parecia sincera. Pedro então dispensou os dois guardas que o acompanhavam e guiou a princesa grega para fora do salão. Os conselheiros do imperador detestavam que ele andasse sem escolta, mas o próprio se considerava seguro dentro dos muros do Palácio. Além de que, para todos os efeitos, ele e a princesa precisariam de privacidade naquele momento. A estratégia do passeio pelos jardins era eficiente, apesar de muito antiga. Ele tinha certa habilidade para impressionar as mulheres com seus discursos encorpados sobre ciências e artes, e também sabia agradá-las fazendo elogios e sempre ouvindo atentamente suas opiniões. Após algumas dezenas de minutos de caminhada, ele diria que está com sede e a convidaria para os seus aposentos. Naquela noite, tudo parecia promissor. Um trovão o fez acordar de sobressalto. Pedro levantou a cabeça rapidamente e olhou em volta, como que para se certificar de onde estava. Para sua enorme tristeza, não era mais 1853 ele nem estava nos jardins do Palácio. Era 1891, e o local era aquela cabine minúscula naquele navio infernalmente desconfortável. Pedro esbarrada com o pé em algum móvel com o susto que acabara de levar, e por isso estava com uma dor forte no tornozelo. “Dormi nesta maldita cadeira de novo”, ele resmungou em pensamento. Aquilo já acontecera um bocado de vezes: ele se sentava à pequena mesa que havia em sua cabine para ler um pouco antes de dormir, mas acabava por cair no sono ali mesmo. Sempre que isso acontecia, ele acordava com fortes dores nas costas. Mas hoje fora pior. Com aquela tempestade violenta caindo do lado de fora, ele acordou assustado e com frio. Pedro fez um esforço para afastar a cadeira e se levantar, procurando sua bengala em algum lugar por ali. Era um homem velho agora, perto dos seus sessenta e seis anos, com cabelos brancos e ralos e uma imensa barba branca. Naquela eterna escuridão, ele percebeu, não haveria chance de encontrar a bengala. Na realidade, ele não conseguiria achar o objeto nem se o ambiente estivesse claro, pois, conforme acabara de notar, também estava sem seus óculos. “Onde foi parar esta porcaria¿”, ele pensou, enquanto se movimentava debilmente pela cabine, se apoiando nas paredes. Em algum momento, o navio balançou violentamente e Pedro se desequilibrou. Tentou se segurar em alguma coisa, mas acabou agarrando a cadeira, o que o fez cair com o móvel por cima de si. Sentiu tantas dores que nem era capaz de elenca-las. Suas costas, braços, joelhos, cotovelos, todos latejando por causa do impacto. Ele mal conseguia respirar, mas fez um esforço hercúleo para gritar por ajuda. - Isabel! – Chamou uma primeira vez, mas sua voz estava baixa demais e não era capaz de competir com o barulho da tempestade. – Isabel!- Gritou de novo, desta vez um pouco mais alto. Mas isso adiantaria¿ A quantos metros dali sua filha estaria dormindo¿ Pedro sabia que a princesa estava perto da cabine da mãe, que se encontrava extremamente doente, mas não fazia ideia de qual seria a distância até ali. Respirou fundo para tentar gritar de novo, mas desistiu. Não conseguiria ajuda, pelo menos não agora. E também não conseguiria se levantar com aquela cadeira em cima de si. Estirado no chão, Pedro amaldiçoou a própria vida e velhice. Sentiu as lágrimas subirem aos seus olhos, mas não soube dizer se eram de dor, de raiva ou de tristeza.