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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

Milagre de
Amor
Ana Seymour
Father for Keeps

KATE SHERIDAN TINHA UM SEGREDO...


América do Norte, 1882
Ela sabia que sua filha era um presente de Deus e por isso a amara desde o primeiro
instante. Sean Flaherty, o pai, a abandonara ao saber da existência da filha, mas agora
ele estava de volta... e decidido a reconquistar a bela Kate Sheridan e a amar sua
pequena menina.
Sean era bonito, inteligente, rico, mas mimado e submisso aos pais. Kate não o queria
mais em sua cama, mas não podia dar as costas ao pai de sua filha. E Sean Flaherty
implorou-lhe que não o fizesse. Mas conseguiria convencê-la de que, em seus braços,
ele poderia se transformar no marido dos sonhos de Kate, incrivelmente sedutor e
ardente?

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

Digitalização: Polyana
Revisão: Cynthia M.

Copyright © 1999 by Mary Bracho


Publicado originalmente em 1999 pela
Harlequin Books, Toronto, Canadá.

Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob


qualquer forma.

Esta edição é publicada por acordo com a Harlequin Enterprises B.V.

Todos os personagens desta obra, salvo os históricos, são fictícios.


Qualquer outra semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

Título original: FFaatthheerr ffoorr KKeeeeppss


Tradução: Vera Caputo
Editor: Janice Florido
Chefe de Arte: Ana Suely Dobón
Paginador: Nair Fernandes da Silva

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.


Rua Paes Leme, 524 - IOº andar CEP 05424-010 - São Paulo - Brasil

Copyright para a língua portuguesa: 1999 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Fotocomposição: Editora Nova Cultural Ltda.


Impressão e acabamento: Gráfica Círculo.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

CAPÍTULO I

Vermillion, Nevada Setembro de 1882

Kate Sheridan ficou pálida como cera. Atrás dela, Caroline começou a
choramingar, mas ainda não era um choro estridente. Ela apoiou-se no batente.
— Olá, Kate — ele disse apenas. Havia um ano e meio que ela não ouvia aquela
voz tão conhecida quanto sua própria respiração. Kate conhecia cada traço do rosto
dele, cada marca de expressão ao redor dos olhos azuis. Seria capaz de traçar o
contorno do maxilar de olhos fechados.
A pequena carruagem puxada por um cavalo passou pela Rua Elm. Eram os
Bamcroft, que moravam duas casas adiante. Kate não ergueu a cabeça para
cumprimentá-los. Impassível, Sean não tirava os olhos dela. Após segundos de um
silêncio constrangedor, ele disse:
— Eu deveria ter escrito ou mandado um telegrama. Desculpe pela surpresa.
Kate segurava-se com tanta força no batente que enfiou um estrepe de madeira
na ponta do dedo.
— Droga — Examinou a mão, irritada. Sean insinuou um sorriso.
— Do que está rindo?
No mesmo instante ele ficou sério.
— Nada. Bom, é que você sempre dizia isso quando se machucava. "Droga!" E eu
me lembrei...
Kate esqueceu o dedo e olhou firme para ele.
— É bom mesmo que você possa se lembrar do passado, Sean Flaherty, e que se
recorde do dia em que desapareceu, há um ano e meio. Você não é bem-vindo a esta
casa. Nem aqui e em nenhum outro lugar em Vermillion, eu posso lhe garantir.
Ele olhou por cima do ombro de Kate. Caroline chorava para valer naquele
momento, e Jennie cantava para tentar acalmá-la, mas o esforço de sua irmã era
inócuo.
— Não temos nada a conversar, Sean. Sinto muito. — Ela recuou um passo para
fechar a porta, mas ele foi mais rápido e, erguendo o braço, impediu-a de fechá-la.
— Não esperava ser bem recebido, Kate, mas temos muito a conversar. — Sean
entrou no hall da casa dos Sheridan e Kate recuou. — Para começar, quero que me
diga o que faz essa criança na casa de duas moças solteiras.
Kate sentiu o sangue gelar.
— Jennie se casou — ela contra-atacou. A surpresa estampada no rosto de Sean
a fez relaxar e sentir-se mais segura. — Casou-se com um advogado. Ele se chama
Carter Jones.
Sean franziu a testa.
— Não conheci ninguém com esse nome.

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Ele é novo na cidade — a voz estava mais fria. — Bom, você não deve se lembrar
de muita gente. Só ficou por aqui o tempo suficiente para... — Seu queixo tremeu, e
ela se calou.
Sean inclinou a cabeça, e ela se lembrou daquele jeito de tombar a cabeça de
lado e abrir o mais luminoso dos sorrisos.
— Tempo suficiente para quê, Katie Marie? Para você se apaixonar por mim?
Ela balançou a cabeça em um gesto de negação e novamente teve de reprimir as
lágrimas.
— Estou lhe pedindo que vá embora, Sean. Por favor, não torne as coisas mais
difíceis.
Ele acariciou o rosto dela.
— Você está pálida, meu bem. Não anda aproveitando bem seu lindo jardim.
Jennie, Carter e os três pensionistas da casa, todos trabalhadores da mina de
prata, encarregaram-se do jardim naquele ano, durante o mês em que ela não pôs os
pés fora de casa para poder cuidar do crupe de Caroline. Mas Sean não podia saber
disso.
— Deve ser pelo susto de tê-lo visto, Sean. Uma surpresa bem desagradável —
ela esclareceu.
Ele sorriu mais uma vez.
— Bem, enquanto você está em choque, vou tentar convencê-la de que minha
volta pode não ser totalmente desagradável.
— Não perca seu tempo. Não estou interessada. E se não for embora, serei
obrigada a chamar meu cunhado para escoltá-lo até a rua — sua voz estava mais firme.
Sean ergueu as sobrancelhas, surpreso.
— Você mudou muito, Kate. Onde está aquela garota querida que costumava
acenar para mim com um ramo de flores silvestres lá do monte Pritchard?
Kate fechou os olhos por um momento e novamente enfrentou-o.
— Ela cresceu, Sean. Foi abandonada pelo único homem que amou e perdeu o
pai e mãe no mesmo mês, então amadureceu de uma hora para a outra. Nunca mais
fui ao monte Pritchard.
Ele aproximou-se e pegou-a no braço.
— Sinto muito por seus pais, Kate. — A voz dele era grave e rouca, exatamente
como, ela o ouvia em seus sonhos. — Eu soube da epidemia de gripe... — Ele fixava o
vazio, mas logo em seguida voltou-se para ela. — Ao menos você admite que me ama.
— Amava.
Ele estreitou os olhos.
— É exatamente isso que quero descobrir.

Aqueles olhos azuis... Apesar da amargura e do sofrimento por ter sido


abandonada, Kate deitava-se na cama, lembrava-se daqueles olhos e o desejo a

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consumia. Lembra-se de como ele a olhava, primeiro com ternura, depois com desejo,
ensinando seu corpo a flutuar. Então ela se agitava na cama buscando as mãos dele.
— Considere sua missão cumprida. Não tenho mais nada a ver com você, Sean
Flaherty. Tudo está acabado entre nós.
Os cabelos dela estavam mais longos, e os cachos, mais soltos. Sean sentiu
vontade de tocá-los.
— Estou vindo de muito longe, Katie, e não estou disposto a desistir com
facilidade.
Caroline, que tinha se acalmado com a canção de Jennie, começou, naquele
momento, a chorar de fome. Kate sentiu o habitual formigamento nos seios e olhou
apavorada as manchas de leite que apareciam no vestido.
Sean acompanhou-a e arregalou os olhos.
— Esse bebê é seu, Kate. E nosso filho, não é? Não havia como negar a evidência
daquelas manchas em seu vestido azul-claro.
— Ela é minha filha, sim — Kate admitiu, tomada por um súbito pânico. — Mas
isso não quer dizer que seja sua também. Você foi embora há muito tempo, e eu
poderia ter namorado outros homens.
Sean balançou lentamente a cabeça, descrente.
— Acho que não. Eu quero vê-la.
A cortina da sala de estar se abriu, e a grande presença de Carter Jones
preencheu todo o espaço.
— Tudo bem, Kate? — ele perguntou, com os olhos fixos em Sean.
A conversa não fora ouvida apenas por Carter, mas também pelos três mineiros,
que estavam atrás da cortina, jogando cartas.
Kate pôs as mãos na cintura.
— O Sr. Flaherty já está de saída — informou ao cunhado. E lançou um olhar
suplicante para Sean.
— Sean Flaherty.
Carter hesitou por um instante, mas aceitou o cumprimento.
— Já é tarde para visitas, Sr. Flaherty. Levantamos muito cedo nesta casa. Talvez
o' senhor queira voltar em um horário mais conveniente.
Sean dirigiu-se a Kate.
— Voltarei amanhã cedo. Quem sabe se até lá você já se recuperou e possamos
conversar melhor.
O que Kate mais queria era livrar-se dele e subir correndo a escada, para cuidar
de Caroline.
— Já lhe disse que não temos nada para conversar, Sean. Mas se ainda quiser
falar comigo, venha amanhã cedo.
Ele ergueu o olhar para o alto da escada, onde a criança não parava de chorar.

— Estarei aqui às dez horas.

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Carter esperou que ele se afastasse e olhou carinhosamente para Kate.


— Você vai ter de contar a ele.
Ela balançou negativamente a cabeça.
— Não tenho de contar nada. Sean Flaherty estava ausente quando eu quase
morri no parto, não estava perto de mim nem de Jennie quando nossos pais morreram
nem quando quase perdemos nossa casa. E não estava por aqui para impedir que a
cidade me visse como uma mulher decadente.
— Mas ele voltou.
Kate olhou para,a porta pela qual Sean desaparecera dentro da noite.
— Sim, ele voltou.
— Quer me dizer que não ficou feliz por vê-lo novamente? — Jennie Sheridan
não se parecia em nada com a irmã. Era baixinha, morena, olhos castanhos, em
contraste com os cristalinos olhos azuis de Kate.
— Não.
— Pois fique sabendo que isso é pura infantilidade. Ele deve estar mais bonito
que nunca...
Kate deixou escapar um suspiro. Elas estavam em seu quarto, enquanto Caroline
dormia tranqüilamente no berço, depois de saciar sua fome.
— Ora, Jennie, você não o considerava um crápula, mau caráter?
Jennie recostou-se na cabeceira da cama da irmã e acomodou-se sobre os
travesseiros. Sua intenção era permanecer ali até que Kate respondesse a todas suas
perguntas.
— Pode ser crápula, mas não deixa de ser muito bonito. Com os cabelos negros e
olhos azuis, cheios de malícia irlandesa, é um pedaço de homem. Embora eu prefira os
loiros.
— Loiros de olhos cinzentos. Um em particular — Kate acrescentou, passando
por cima das pernas da irmã para acomodar-se ao lado dela. — Sim, Sean está mais
lindo que nunca, mas não o quero mais.
— Não restou sentimento algum?
Kate olhou Jennie pelo canto do olho. Com apenas dez meses de diferença, as
duas eram íntimas como se fossem gêmeas. Era inútil mentir para ela.
— Meu coração batia como a bomba à vapor da mina. Mas pode ter sido só pela
surpresa.
— Quando vai contar a ele?
— Jennie, não vou contar nada. Não o quero em minha vida.
— Mas Caroline é filha dele.
— Caroline é minha filha.
Jennie abraçou um travesseiro. Após um segundo de silêncio, continuou:
— Acho que Caroline tem o direito de conhecer o pai.
— Ela tem a mim e a você. E já há cinco homens na vida dela Carter, Barnaby e os
"pés de prata".

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— Desde o primeiro dia que os mineiros chegaram à casa, deixando um rastro de


poeira prateada nos tapetes, Jennie e Kate os apelidaram de "pés de prata". Jennie
pegou na mão de Kate e acariciou-a.
— Os "pés de prata" adoram essa menina, Kate, mas a qualquer momento,
quando a prata se esgotar, eles irão embora. Barnaby é apenas um menino, e Carter é
o tio dela, e não o pai.
— Você acha que vou deixar Caroline aprender a amar Sean para que um dia ele
a abandone como fez comigo?
— Ele pode estar arrependido, afinal, ele voltou, não é?
— Não acredito que o esteja defendendo, Jen. Não foi você que passou meses
tentando convencer-me de que era melhor esquecer um homem capaz de abandonar
uma mulher grávida?
— Mas ele não sabia de sua gravidez.
— Mas sabia muito bem que tínhamos feito amor. Não entendo por que, de
repente, você age como se eu devesse esquecer que ele se foi sem um adeus,
deixando-me sozinha para enfrentar as conseqüências.
— Eu não estou defendendo ninguém, Kate, e nem querendo que você lhe
perdoe. É que, até hoje, você nunca mais se interessou por outro homem. Parece que
Sean apossou-se de tal maneira de seu coração que não há espaço para ninguém mais.
— Você está dizendo bobagem. Lyle tem vindo aqui quase diariamente.
— Lyle Wentworth é um garoto mimado e arrogante que nunca fez nada decente
na vida.
— Ele não é um garoto. Tem um ano a mais que você e está trabalhando.
— No banco do pai dele. Ninguém mais o aceita. Kate suspirou e escorregou
sobre os lençóis para se deitar.
— Estou cansada, Jennie. Se vou ter de enfrentar Sean, amanhã cedo, é melhor
eu dormir um pouco.
Jennie sorriu e passou a mão pela cabeça da irmã.
— Você deve estar mesmo cansada.
— E você, então? Enquanto eu estive no hospital, você tocou esta pensão
sozinha e cozinhou para os homens da mina Wesley.
Jennie sorriu.
— Depois você me retribui por isso. Quando eu tiver filhos, vou deixar tudo em
sua mão.
Kate sorriu.
— Negócio fechado. E como você e Carter não saem daquele quarto, desconfio
que isso deva acontecer a qualquer momento. — Ela ergueu a cabeça para Jennie
ajeitar o travesseiro. — Agora, deixe-me dormir.
A época das flores já havia passado, mas a moeda de ouro de 2 dólares
despertou a ambição do recepcionista do hotel, sempre tão indiferente. Menos de

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uma hora após o café da manhã, ele apareceu com um buquê grande o suficiente para
virar a cabeça das mais esnobes debutantes de San Francisco. Em Vermillion, seria
capaz de provocar um desmaio em Kate Sheridan. Por medida de precaução, Sean
parou antes no armarinho, equilibrando as flores precariamente em um braço. O que
comprar para um bebê? E não um mero bebê, mas para a própria filha? Essa idéia
ainda fazia seus joelhos fraquejarem.
O inverno já se aproximava, e o balcão estava cheio de peças de flanela. "Será
que os bebês sentem frio?", ele se perguntou.
— Em que posso ajudá-lo, senhor?
Sean teve uma vontade súbita de virar as costas e sair correndo da loja. Do outro
lado do balcão colorido estava Henrietta Billingsley, esposa do proprietário e auto-
intitulada guardiã da moral de Vermillion.
— É o Sr. Flaherty? — A Sra. Billingsley reconheceu-o. Ela sorria, mas seu olhar
poderia matar um desafeto a trinta passos.
— Como vai, Sra. Billingsley? — Sean cumprimentou-a, atrapalhando-se ao tirar
o chapéu e evitar derrubar as flores no chão. Por que entrara exatamente naquela
loja?
— Todo mundo pensou que tivesse preferido ir embora de Vermillion. Faz mais
de um ano, não é?
Sean teve a sensação de que a Sra. Billingsley sabia muito bem há quando tempo
ele estava fora da cidade e também cada detalhe de sua transgressão. Bem, ela que se
danasse. Ele não tinha intenção de ficar muito tempo por ali para saber o que ela ou
quem quer que fosse pensava a seu respeito. Voltara para buscar Kate e a filha, e era
só isso que lhe interessava na cidade.
— Infelizmente, negócios de família exigiram minha presença — Sean respondeu
com seu tom mais arrogante. Essa era a melhor maneira de tratar com os moralistas.
— Negócios de família...?
— Navios, bancos... Empresas Flaherty — ele concluiu, como se qualquer um
reconhecesse o nome.
— Certamente — respondeu Henrietta, sem tanta certeza. — Em que posso
ajudá-lo, Sr. Flaherty? — Ela lançou um olhar curioso para as flores.
— Preciso de alguma coisa para um bebê. Que seja quente e confortável.
Ele pensou ter visto um brilho surgir no olhar da Sra. Billingsley.
— Quantos anos tem a criança?
Mais uma vez, ela sabia muito bem quantos anos a criança tinha. Droga, um
homem precisa saber quantos anos tem a própria filha?
— Talvez um ano, não mais que isso.
—Assim como a pequena Caroline Sheridan? Nove meses?
Sean sentiu um calor súbito. Àquela mulher desagradável mais parecia uma
professora prestes a puni-lo por simplesmente ter enfiado um trapo molhado dentro
da fornalha.

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— É melhor voltar mais tarde. Depois que eu souber o que dar a um bebê.
Henrietta começou a arrumar as peças de tecido exatamente onde Sean estivera,
como se sua mera presença perturbasse a harmonia do ambiente.
— Teremos o prazer de ajudá-lo quando souber o que precisa, Sr. Flaherty.
Venha nos procurar. Se for para o bebê dos Sheridan, temos várias coisas que talvez
sirvam. Aquelas moças vivem em uma miséria desde que os pais morreram, deixando
apenas dívidas. Não me surpreenderei se estiverem enrolando aquele bebezinho em
trapos.
Sean não saberia dizer se a súbita raiva que sentiu foi provocada pela fofoca ou
se pela imagem de sua filha embrulhada em trapos. Ele pôs o chapéu na cabeça.
— Quantos metros de tecido são necessários para fazer uma roupa de bebê?
— Só uma? Oh, um metro deve bastar.
Ele apontou o balcão onde estavam as peças de tecido,
— Envie um metro de cada um para a casa dos Sheridan. A mulher espantou-se.
— De cada um? Há mais de duas dúzias...
— Um de cada. Voltarei mais tarde para pagar a conta. — Ele saiu da loja sem se
despedir, deixando a porta bater atrás de si.
Sean estranhou o coração bater forte quando abriu o portão da casa dos
Sheridan. Não sabia que ficaria tão perturbado por rever Kate. Vivendo em seu mundo,
na sociedade de San Francisco, era possível convencer-se de que aquele encontro
inconseqüente com uma moça simples das montanhas nada mais era que um romance
de primavera. Mas no dia anterior, quando fitou aqueles olhos azuis, sentiu uma
estranha agitação dentro de si que raramente experimentara em sua confortável vida.
Jennie abriu a porta, ela parecia esperá-lo, mas não o convidou a entrar.
— Olá, Jennie, que bom vê-la novamente. A vida de casada está lhe fazendo
muito bem.
Ela não lhe sorriu.
— Ela não quer vê-lo, Sean, eu sinto muito. Pensei... —' Obrigada por ter escrito.
Foi a melhor coisa que
poderia ter feito.
Imediatamente, Jennie olhou para trás para ver se não havia alguém, e falou em
voz baixa:
— Não tenha tanta certeza disso. Se ela souber que eu lhe contei sobre a criança,
vai ficar furiosa comigo.
— Bom, então não direi nada. Prefiro que ela pense que voltei por vontade
própria. — Ele mostrou o buquê. — Posso entrar?
Jennie ignorou o pedido e continuou falando quase que para si mesma,
justificando o que havia feito.
— Ela recuperou-se bem do parto difícil, mas parece ter perdido o interesse por
tudo. E então apareceu aquele tal de Lyle, querendo convencê-la a se casar com ele
pelo bem da criança. Não sei o que fazer.

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— Lyle Wentworth? O filho do banqueiro que zombava de vocês por serem lá


das montanhas?
Jennie confirmou.
— Ele é apaixonado por Kate desde que éramos crianças.
— Pelo jeito como a trata, ninguém diria isso. Não posso acreditar que ela o
tolere em sua casa.
— Bem, Lyle ajudou muito na gravidez de Kate, quando tivemos de levá-la a um
hospital especial. Éramos só nós duas, depois que papai e mamãe morreram e...
— E com o pai da criança desaparecido — Sean completou. — Por que ela não
me procurou, Jennie? Ela sabia que sou de uma família importante de San Francisco,
não teria sido difícil me encontrar. — Ele calou-se quando Kate apareceu na porta da
cozinha.
— Se pensa que eu iria rastejar por um homem que me abandonou, deixando-
me apenas um bilhete, e porque não me conhece, Sean Flaherty.
Jennie levou um susto.
— Ele já sabe sobre Caroline, Kate. Kate deu alguns passos na direção dele.
— Eu sei. Foi impossível esconder um dos aspectos mais embaraçosos da
maternidade, ontem à noite.
Sean passou por Jennie e ofereceu as flores a Kate.
— Vamos recomeçar, Kate. Sei que não há razão para você me perdoar, mas
estou lhe pedindo uma chance.
Ela estava calma e fria como uma estátua.
— Caroline é minha filha, Sean. Você não tem direito algum...
— Posso ajudá-la, Kate, e quero ajudar nossa filha. Você sabe que tenho direito.
Jennie recuou para que ele se aproximasse de Kate, que continuou com as mãos
na cintura, sem intenção de aceitar as flores que ele lhe oferecia.
— Eu não quero seu dinheiro, Sean, nem suas flores. Caroline e eu nada
queremos de você. Não mudei de idéia desde ontem a noite. Pode pegar suas malas e
voltar para a mansão de seu pai e para seus amigos milionários da cidade grande.
Sean suspirou e deu as flores a Jennie.
— Importa-se de colocá-las em algum lugar? E me dê cinco minutos a sós com
sua linda e teimosa irmã.
Kate corou diante do elogio, e a expressão preocupada de Jennie desanuviou-se
no mesmo instante. Ela pegou as flores e disse, antes de dirigir-se para a cozinha:
— Vocês poderiam conversar na sala em vez de ficarem aqui, gritando um com o
outro como duas lavadeiras.
Sean deixou o chapéu sobre a mesa do vestíbulo e fez um gesto em direção à
sala.
— Podemos?
Kate relutou, mas entrou na sala e sentou-se em uma cadeira de espaldar alto.
Sean sentou-se na poltrona mais próxima. Ele afundou nas almofadas e imediatamente

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sentiu-se em desvantagem por estar em um nível mais baixo.


— Por que não me contou, Kate? — perguntou delicadamente. — Eu teria vindo.
Você seria atendida pelos melhores médicos de San Francisco.
Kate estava inflexível, as mãos cruzadas no colo.
— Sou eu quem tenho o direito de fazer perguntas, Sean. E é você quem me
deve explicações. Por que foi embora? Por que não me disse para onde ia? O que
aconteceu?
Sean sentiu uma forte vontade de tomá-la nos braços como já fizera tantas vezes
durante os três meses que estiveram juntos. Em vez disso, ele pigarreou e disse:
— Não estou me desculpando, Kate. Errei por ter ido embora sem falar com
você. Nunca suportei despedidas e achei que assim seria melhor para nós dois.
— Achou que seria melhor eu ter minha filha sozinha, só porque não gosta de
despedidas?
— Eu não sabia que você estava grávida. Acredite pelo menos nisso. Eu achava
que estávamos tomando cuidado. Nunca me aconteceu isso... antes. — Ele vacilou um
pouco ao perceber a importância de suas palavras. Kate não hesitou em aproveitá-las.
— Quer dizer que nenhuma de suas mulheres ousou presenteá-lo com um filho?
Você teve sorte, Sean Flaherty. Sinto ter sido eu a estragar sua tranqüilidade, mas
como venho tentando lhe dizer desde ontem à noite, não precisa se preocupar.
Caroline e eu não temos intenção alguma de lhe pedir absolutamente nada.
Sean suspirou exasperado.
— Como você é teimosa, Kate Marie Sheridan. Sim, eu fui embora, agi errado e
peço desculpas. Mas agora estou de volta. Voltei por sua causa e de minha filha. Na
verdade, nunca deixei de pensar em você nesse ano e meio que estive longe — ele
acabou de dizer e se deu conta de que era uma verdade absoluta. Antes mesmo de
receber a carta de Jennie falando da criança, Kate não lhe saía da cabeça dia e noite.
Houve outras mulheres em sua vida, mas nenhuma delas se comparava àquela
beldade loira que ficara nas montanhas.
Kate ficou calada por um longo momento. Sean não sabia dizer se a sinceridade
de suas palavras a emocionou ou se estava procurando mais uma maneira de mandá-
lo embora. Mas antes que ela dissesse qualquer coisa, a cortina da sala se agitou. Sean
ergueu os olhos e viu Jennie parada na porta. Em seus braços havia uma bonequinha
de cabelos negros cacheados e olhos azuis iguais aos seus.

CAPÍTULO II

Kate imediatamente levantou-se e pegou a criança dos braços da irmã.


— Desculpe, é que ela está inquieta, e eu preciso ir para a mina. — Embora a
situação financeira de Jennie tivesse melhorado depois que se casara com Carter, ela
continuava cozinhando diariamente para os mineradores de prata. Havia conseguido

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aquele emprego quando precisara de dinheiro para pagar o hospital em que Kate
ficara internada antes de ter a criança, e agora lamentava deixá-lo.
— Tudo bem, pode ir — Kate respondeu, abraçando Caroline contra o peito.
Jennie voltou-se para Sean.
— Vai ficar tudo bem?
Sean levantou-se e deu um passo na direção dela.
— Não sou um monstro, Jennie. Sua irmã estará perfeitamente segura comigo.
— Não quis ofendê-lo, Sean. É que... — Ela olhou para Kate e depois para Sean.
— Está bem, então. Fique aqui e conheça sua filha. — Ela deu um beijinho no rosto de
Caroline e saiu.
Sean aproximou-se de Kate e da criança, um ar de encantamento no rosto.
— Ela tem cabelos pretos!
— Sim. — Kate olhou para ele, os olhos marejados. Ele passou a mão pelos
sedosos fios de cabelo da menina. Segura nos braços da mãe, o bebê não tirava os
olhos dele.
— Ela... ela é... saudável? Está precisando de alguma coisa?
Kate sorriu com ternura para a filha. Era a primeira vez que ele a via sorrir desde
que voltara.
— Ela é saudável e feliz, não é, meu amor?
Os olhos de Kate ganharam um brilho especial quando a criança sorriu. Sean
presenciava maravilhado a comunicação entre mãe e filha. Em sua família, os pais
sempre ocupados com suas obrigações sociais, não tinham tempo para cultivar os
vínculos familiares. Sean nunca havia experimentado aquele sentimento de amor que
o invadiu subitamente ao ver a filha. Um soluço emocionado ficou reprimido dentro do
peito.
A criança estendeu a mão, e Sean ofereceu o polegar para que aquela mãozinha
se fechasse em torno dele.
— Ela é linda — finalmente conseguiu dizer.
Kate ergueu a cabeça, e desta vez o sorriso foi para ele.
— E, sim. Nós fizemos uma criança linda, Sean. E é muito inteligente também. Já
está quase falando.
O fascínio de Sean pela criança foi transferido para Kate, que subitamente
abandonou a hostilidade, como se todos os ressentimentos houvessem desaparecido.
— Ela já fala? Não sabia que as crianças falavam tão cedo.
— Bem, ela já balbucia algumas palavras e acha que significam alguma coisa. Diz
"gu-gu" quando quer dizer "mamãe", por exemplo.
Com olhos fixos nas duas, Sean parecia em transe.
— Mamãe? Bom, agora vamos ter de ensinar-lhe a dizer "papai".
De repente, Kate se deu conta de que ele a observava, de que estava muito
próximo e de que a mão, que acariciava a criança, estava agora em seu braço.
— Se quiser visitá-la enquanto estiver na cidade, não vou impedi-lo, Sean. — Ela

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sentou-se na ponta do sofá e deitou a criança sobre as almofadas, de modo que não
sobrou espaço para ele. — Mas quero lhe pedir que só volte quando Jennie estiver
aqui. Não quero ficar sozinha com você.
— Eu quero ficar com minha filha, Kate, mas é você que eu tenho necessidade de
ver. Não viajei tanto para passar apenas um ou dois dias em sua companhia.
Kate ergueu os olhos para ele. O brilho de sua interação com a criança
desaparecera do rosto e dera lugar à palidez.
— Quanto tempo pretende ficar por aqui? Sean fixou o olhar na criança.
— O tempo que for necessário para convencê-la a casar-se comigo.
No mesmo instante ele se deu conta de que cometera uma besteira. Tinha
começado bem com as flores, o presente para a criança, ganhando a cumplicidade de
Jennie. Mas conhecer a filha deixara-o perturbado. De repente, tornara-se mais
importante do que imaginava cuidar dela e de Kate. Por um momento, Kate não
respondeu. Por fim, ela pegou a criança nos 'braços e se levantou.
—Então se prepare para ficar muito tempo, Sean, porque jamais me casarei com
você. Eu o amei, não nego isso, mas era jovem e inexperiente. Achava que poesia,
flores e fala mansa eram sinal de bom coração. Hoje sei que um homem só é bom
quando está disposto a lutar por sua família, e está presente quando é preciso. Você
não estava aqui quando eu precisei, Sean. E agora não preciso mais.
A dignidade de suas palavras fizeram com que Sean se sentisse, pela segunda vez
naquele dia, um colegial recebendo punição. Sua visita não estava acontecendo como
ele previra ao sair de San Francisco. Esperava encontrar Kate magoada com seu súbito
desaparecimento, mas se tivesse chance de explicar-se, talvez pudessem retomai' o
relacionamento do ponto em que haviam parado um ano e meio atrás. Ela era uma
moça meiga, sensível, e ele fora seu primeiro namorado. Kate apaixonara-se
loucamente, deixando-o inebriado e feliz. Mas ela tinha mudado muito. Se o amasse
ainda, disfarçava muito bem.
Ele olhou para a filha, que agora brincava com os seios grandes de Kate,
apertando-os e batendo neles.
— Eu realmente não estava perto quando precisou de mim, Kate, mas agora
estou aqui e não pretendo mais deixar que você e minha filha enfrentem o mundo
sozinhas.
Abraçada a Caroline, Kate quase não conseguiu conter as lágrimas.
Acariciando os cachos negros da menina, ele disse suavemente:
— Dê de comer a essa criança, Katie Marie. Eu sei onde é a porta.
A tarde começou com Barnaby invadindo esbaforido a cozinha para anunciar que
Irving, o entregador da loja de miudezas, deixara uma montanha de pacotes no
terraço.
— Uma montanha! — ele repetiu, ofegante. Barnaby era um garoto órfão de
treze anos que vivia na casa desde que os Sheridan pegaram-no para criar, um ano
antes de morrerem. Ele ajudava nos trabalhos domésticos, principalmente agora que a

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casa se transformara em uma pensão, mas era mais um irmão adotivo do que um
empregado.
— Que pacotes são esses? De onde eles vieram? — Jennie perguntou, ao passo
que Kate meramente revirou os olhos. Já esperava por isso desde que Sean saíra
impetuosamente. Ela já conhecia aquela expressão, aquela determinação de sempre
conseguir o que queria. Foi com essa mesma expressão que ele apareceu naquela
primavera e imediatamente deixou-a fascinada. Daquela vez ele conseguira o que
queria, mas desta, se dependesse dela, ele partiria sozinho.
Quando elas saíram para ver os pacotes, Jennie voltou a defender Sean.
— São para a filha dele, Kate. Ele tem o direito de dar alguma coisa a ela.
Mas quando abriram o décimo pacote de roupas de inverno, até Jennie teve de
admitir que Sean exagerara.
— O que vai fazer com tanta roupa?
— Vou ficar com as quatro maiores e as outras doarei ao hospital de Virginia City,
onde muitas crianças não terão o que vestir neste inverno.
Jennie concordou, ajudando a embrulhar as roupas separadas e empilhando-as
no terraço para serem transportadas.
À noite, quando Sean voltou a visitá-las depois do jantar e soube que Kate queria
doar os presentes, reagiu com firmeza, insistindo em que as roupas eram para
Caroline. E disse a Jennie que, no dia seguinte, o hospital de Virginia City receberia
uma doação em dinheiro da Empresas Flaherty.
— Haverá roupa suficiente para agasalhar cem crianças — ele prometeu.
Kate recusou-se a vê-lo naquela noite e nas duas que se seguiram. Durante três
dias, as flores chegaram regularmente pela manhã e no final da tarde. Uma caixa de
champanhe foi entregue a Jennie e a Carter com um cartão: Uma celebração atrasada
pelo casamento de vocês. Amanda Hill, a melhor costureira e chapeleira da cidade, foi
contratada para confeccionar um vestido para a Srta. Caroline. Na terceira noite,
quando uma grande caixa de guloseimas chegou para o jantar, até os "pés de prata"
imploraram a Kate que desse uma chance a Sean.
— Pelo menos para pedir que ele pare com isso — Dennis Kelly dizia enquanto
Barnaby e Jennie tiravam os pratos. — Esse homem vai deixá-la doida, moça.
— Ele já está deixando — Kate replicou.
— É, mas todo mundo gosta de receber atenção. — O sotaque irlandês de Dennis
lembrava o de Sean.
— Se não quer mesmo nada com ele, encontre-o mais . uma vez e o convença
disso — Carter acrescentou. — Se ele quiser ver a filha dele, você não poderá impedir.
— Está dizendo que ele poderá vê-la, quer eu permita ou não?
Carter fez que sim com a cabeça.
— Ele é o pai. Tem esse direito legal. Jennie apareceu na porta da cozinha.
— Não sei por que você teima em não recebê-lo, mana. Se ele só voltou por sua
causa...

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— E, mas demorou um ano e meio para fazer isso.


— Ah, moça, não seja tão dura com ele. É que alguns sujeitos são mais lentos que
outros — Dennis Kelly interferiu.
Os outros dois mineiros, que estavam quietos até agora, resolveram se
manifestar.
— Se eu fosse a senhora, dona, dava um murro na orelha desse safado.
Desculpe-me a linguagem — disse o mais jovem, Brad Connors.
— Concordo — reforçou o terceiro, Humphrey Smith, mais conhecido como
Smitty.
Kate desconfiou de que eles não estavam sendo objetivos, porque ambos já
haviam manifestado interesse por ela, mesmo assim sorriu agradecida com tanta
atenção.
— Se continuar agindo assim, ele pode recorrer ao juiz — Carter advertiu-a.
— E o que o juiz fará?
— Não pode obrigar você a vê-lo, mas pode exigir que ele veja Caroline. Ele é
rico, Kate. Com um bom advogado, pode até requerer a custódia dela.
Kate ficou assustada.
— Ele pode tirá-la de mim?
Carter fez que sim com um gesto de cabeça.
— Com os advogados que os Flaherty podem contratar, não duvido disso.
Kate passou os olhos pela mesa, primeiro pelos três mineiros, depois pela irmã
que estava atrás de Carter e, por fim, fixaram-se no próprio Carter. Todos a
observavam preocupados.
— Ninguém vai tirar minha filha de mim. Vou recebê-lo amanhã cedo.
Sean gostou, mas não ficou totalmente surpreso quando o jovem Barnaby
apareceu no hotel com uma mensagem de Kate, pedindo para falar com ele. Ele sabia
que ela precisava de tempo para se acalmar e de alguns galanteios para aplacar seu
orgulho, mas nunca duvidou de que acabaria cedendo. Algumas mulheres apenas
precisam de mais tempo que outras. Ele imaginara uma semana, portanto quatro dias
estava muito bom. Sean saiu assobiando pela rua Elm. Estava surpreso consigo mesmo
pela alegria que sentia de voltar a vê-la. Com um pouco de sorte, ela permitiria que ele
a tomasse nos braços e talvez a beijasse. Esse simples pensamento fez seu sangue
correr mais rápido nas veias como havia muito não acontecia. Outra surpresa foi sua
ansiedade por rever Caroline. Nunca prestara muita atenção a bebês, mas descobriu-
se sonhando acordado com a filha, aquele rostinho lindo e os cabelos cacheados.
Queria muito rever as duas.
Foi Jennie quem novamente atendeu a porta, com um sorriso bem menos
amistoso que no outro dia. Ele notou um imenso arranjo de flores sobre a mesa,
ocupando quase todo o espaço do pequeno vestíbulo. Ele próprio tinha enviado, claro,
mas Jennie não fizera comentário algum.
— Kate o está aguardando na sala, Sean. Quer que eu e Carter estejamos

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presentes.
Uma reunião de família não era exatamente o que Sean esperava, mas ele sorriu
gentilmente e acompanhou Jennie.
Kate e Carter estavam sentados no sofá. Carter levantou-se para recebê-lo, mas
Kate continuou onde estava. Ela parecia cansada. Havia dois círculos escuros ao redor
dos olhos, e o rosto estava mais pálido do que antes. Ele ficou preocupado.
— Você está se sentindo bem? — perguntou sem preliminares.
Ela o encarou.
— Estaria melhor se você tivesse deixado a cidade.
— Kate! — Jennie exclamou diante da franqueza de sua irmã.
Carter deu um meio sorriso e estendeu a mão para o recém-chegado.
— Kate está interessada em saber qual é o propósito de sua visita a Vermillion,
Flaherty. Quais são precisamente as suas intenções aqui?
Sean olhou em volta. Jennie colocou-se ao lado de Carter, que passou o braço
pela cintura dela. Kate, sentada no sofá, olhava fixo para ele.
— Voltei para ver Kate, saber se havia alguma chance de reatarmos... Se
poderíamos descobrir... — ele gaguejou, pigarreou e recomeçou: ~ É claro que agora,
sabendo que tenho uma filha, tenho muito mais interesse. — Ele olhou para Jennie
para ver se ela percebera que ele estava mantendo sua promessa de guardar segredo.
Não revelaria que soubera da existência de Caroline através da carta de Jennie.
— Caroline é minha filha — Kate começou, a voz trêmula.
— Ninguém está negando que você é o pai da filha de Kate — Carter proferiu em
um tom profissional. — Nós o convidamos a vir aqui para discutir as conseqüências
dessa evidência.
Não era uma discussão que Sean estava esperando. Ele imaginara um encontro
amigável com Kate, até mesmo pensara na possibilidade de levá-la a seu quarto de
hotel para reencontrar a paixão que os unira havia pouco mais de um ano. Era muito
estranho ficar diante dela como se estivesse em um tribunal.
— Posso me sentar? — Ele mostrou a cadeira de espaldar alto.
— Por favor. — Carter voltou a sentar-se no sofá. Todos acomodados, Kate
tomou a palavra.
— Você não vai levar minha filha embora, Sean. Ele surpreendeu-se com aquela
idéia.
— E isso que está pensando de mim, Kate?
— Queremos esclarecer algumas coisas — Carter interferiu. — Como pai, você
tem seus direitos.
— Então vamos deixar uma coisa bem clara — Sean retrucou, começando a ficar
com raiva. — Não tenho intenção alguma de tirar Caroline de quem quer que seja. As
crianças precisam das mães. Mas elas também precisam dos pais. Estou aqui para que
isso aconteça. — Ele fixou o olhar em Kate e continuou em um tom sério. -— Quero
nós três juntos, Kate. Estou lhe pedindo que me perdoe e que me dê, que nos dê essa

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

chance.
Fez-se um longo silêncio, durante o qual ficou muito claro a todos os presentes
naquela sala que as palavras de Sean tinham conseguido acertar o alvo. O rosto de
Kate suavizou-se. Por fim, Carter levantou-se e estendeu a mão para Jennie.
— Acho que ouvi Caroline chorar. Jennie ficou surpresa.
— Barnaby está com ela.
Carter arqueou uma sobrancelha e cumprimentou Sean com um movimento de
cabeça.
— É melhor vermos se está tudo bem.
— Está bem — Jennie acabou concordando. — Estaremos por perto se
precisarem de alguma coisa. — Ela dirigiu-se a Kate e em seguida saiu, deixando-os a
sós.
— Você voltou mesmo por minha causa? Para tentar outra vez? — Kate
perguntou.
Sean saiu da cadeira e rapidamente foi sentar-se ao lado de Kate no sofá.
— Não pensei em outra coisa nos últimos tempos, Kate. Ela desviou o olhar para
a janela.
— Não pude acreditar quando me disseram que você tinha ido embora. Éramos
tão felizes. Eu vivia no paraíso e, de repente, você se foi... sem se despedir, deixando
apenas aquela carta tão fria...
Sean pegou a mão dela.
— Ah, Kate, se lhe pareceu fria é porque eu a escrevi com o coração partido. Não
sabia o que lhe dizer.
— Você disse que tinha de voltar para cuidar dos negócios da família.
— Fui obrigado por meu pai. Ele ameaçou me deserdar se eu não voltasse.
— E obrigou-o a ir tão depressa que nem teve tempo de se despedir de mim?
Sean baixou os olhos.
— Não — disse em voz baixa. — Foi uma atitude covarde. Acho que eu sabia que,
se tivesse de olhar em seus lindos olhos para dizer adeus, não conseguiria ir.
Kate soltou a mão dele.
— Como você mesmo já disse, não sou mais a mesma pessoa, Sean. Não
sabemos nem sequer se ainda sentimos o mesmo um pelo outro.
— Talvez você não saiba, mas eu soube no momento em que a vi. — Tomou a
mão dela novamente e beijou a palma. — Diga-me, olhando em meus olhos, que não
me quer,
Ela não disse nada e não recolheu a mão. Ele continuou beijando a palma, depois
o pulso, onde sentiu as batidas do coração. — Desde o momento em que a vi, tive
vontade de fazer isto novamente.
Sean chegou mais perto, envolveu-a nos braços e aproximou os lábios para beijá-
la. Ele foi gentil, quase irresistível, mas não o amante apaixonado e exigente que
povoava as lembranças dela.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

Sentiu a cabeça girar, e seus lábios se entreabriram para receber o beijo. Por um
momento o passado voltou, e Kate reviveu sua primeira paixão.
Quando Sean abraçou-a, os seios imediatamente enrijeceram. Kate sentiu a
umidade e o calor em suas partes íntimas, então deitou a cabeça no braço dele e os
beijos se multiplicaram.
— Jamais me esqueci disto, meu amor — ele murmurou. — Jamais me esqueci
do sabor de seus lábios.
A voz dele arrancou-a bruscamente do entorpecimento. Kate afastou-se no
mesmo instante, o rosto queimando de vergonha.
— Você também não esqueceu. — Como ela se recusava a encará-lo, Sean
ergueu o queixo dela e obrigou-a a olhá-lo. — Esqueceu?
— Dizem que a gente nunca esquece o primeiro amor.
— E eu fui seu primeiro amor, Kate. Foi esse o presente precioso que você me
deu. Fui um canalha por aceitá-lo e em seguida abandoná-la, mas estou aqui para
pedir-lhe que me perdoe por isso. Tenho alguma chance?
Kate encostou-se nas almofadas e suspirou.
— Como posso confiar em você, Sean? Você já me magoou uma vez. Seria uma
tola se confiasse outra vez.
Ele sorriu.
— Cinco minutos atrás eu teria respondido que sim, mas não depois destes
beijos. Agora, eu lhe garanto que será uma grande tolice não confiar, porque você
ainda me ama, Kate Marie Sheridan. Nenhuma mulher beija assim a menos que esteja
apaixonada.
Ela não se preocupou em negar. No fundo sabia que nunca deixara de amar Sean
Flaherty. Mas se houvesse aprendido a lição, saberia também que amar não era o
suficiente.
— Vamos dar tempo ao tempo e ver o que acontecerá.
— Essa é a minha garota! Essa é a minha doce Kate!
— Eu já lhe disse, Sean: não sou mais a doce Kate que conheceu. Vamos tentar
nos conhecer novamente e ver o que acontece.
— Como você quiser — ele concordou.
— Então, para começar, nada de beijos apaixonados por enquanto. Eles não me
deixam pensar direito.
— Não vejo nada de mal em pensamentos confusos de vez em quando.
Kate sorriu.
— Eu agradeço, mas prefiro manter a cabeça no lugar.
— Eu prometo, só a beijarei quando você pedir. — Tomou a mão dela.
Sean ajudou-a a levantar-se e abraçou-a intimamente. O calor foi instantâneo.
Novamente, ela sentiu o rosto corar. Sean riu diante da reação.
— Vamos lá, moça ajuizada, vamos buscar minha filha para que eu a conheça
melhor.

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CAPÍTULO III

— Será que eu fiz bem? — Jennie perguntou ao marido, aninhada na cama ao


lado dele.
— Por não ter ouvido sua irmã e escrito a ele contra a vontade dela, fazendo-a
correr o risco de perder a filha para a poderosa família dele?
Jennie gemeu e afundou o rosto no peito dele.
— Você acredita mesmo que ele tente tirar Caroline dela?
— Eu não conheço esse sujeito, querida. Acho que você está brincando com
fogo, mas sei que não adianta fazê-la mudar de idéia quando você enfia uma coisa na
cabeça. —- A voz dele ocultava uma risada e a indolência de quem acabara de fazer
amor.
— É difícil acreditar nisso, seu sabichão — Jennie disse friamente. — Mas,
falando sério, talvez eu tenha me enganado desta vez. Kate e eu sempre cuidamos
bem uma da outra.
— E você ainda cuida bem dela, Jennie. Mas sua irmãzinha já está bem crescida e
só ela sabe o que fazer com Flaherty. Tomara que tome a decisão mais acertada.
— Não quero que ela se magoe mais, Carter. Kate merece ser feliz.
Carter suspirou.
— Você deveria ter pensado nisso antes de escrever a carta, querida. Agora é
tarde. Ele está aqui e, francamente, acho que Kate é perfeitamente capaz de cuidar
desse assunto.
— Acha que ainda está apaixonada por ele?
— Ela não disse uma única palavra gentil, mas seus olhos brilham quando o
vêem. Portanto, acho que sim.
Jennie ergueu a cabeça para fitá-lo.
— Isso não faz sentido.
Carter a fez deitar-se sobre ele e acariciou suas coxas roliças.
— Faz sentido, sim. Quanta bobagem você me disse antes de admitir que era
louca por mim?
— Muitas. — Ela sorriu. — Mas isso foi antes de eu me apaixonar por você.
Carter balançou a cabeça.
— Nada disso. Foi porque você se apaixonou por mim. O oposto do amor é a
indiferença, e não a hostilidade.
— Então, para você, a hostilidade de Kate deve-se ao fato de ela ainda gostar
dele?
Carter acomodou-a melhor para fazê-la sentir sua excitação.
— Por mais que a gente discuta, meu bem, veja o que você ainda é capaz de
fazer comigo. Se há uma coisa que eu não posso dizer é que você me é indiferente. Se

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Kate estivesse calma e fria, eu diria que ele já poderia fazer as malas, mas desse jeito...
Não sei, não.
Jennie fez um movimento sensual com os quadris para acomodá-lo intimamente
e arrancou um gemido do marido.
— Se ele a magoar novamente, vou pegar o revólver do papai e expulsá-lo da
cidade. Eu juro.
Carter aproximou o rosto dela para junto do seu.
— Não quero mais falar sobre Flaherty — disse calmamente, buscando os lábios
da mulher.
No fim da semana, Carter provou que tinha razão; Kate não era nem um pouco
indiferente ao ex-amante. Por mais que fingisse que seu interesse era meramente
casual, Jennie observava o cuidado no vestir-se, os olhares pela janela quando Sean
estava para chegar, o rosto corado da irmã quando ele batia à porta.
Kate ainda não saíra com ele, mas não demoraria a fazê-lo. Sean tinha um
charme irresistível... e era extremamente persuasivo. Mesmo sendo a responsável pela
presença dele em Vermillion, Jennie ficava cada vez mais preocupada. Como irmã mais
velha, achava que devia aconselhar Kate a não ceder tão rápido, mas, desde que o
casal em questão já tinha uma filha, era um conselho inútil.
Então, quando Kate pediu a Jennie para cuidar de Caroline porque ia jantar com
Sean no hotel, ela concordou imediatamente e não fez comentário algum.
Kate percebeu sua preocupação e agradeceu por sua discrição. As dúvidas já
eram muitas para se somarem às da irmã. Durante toda a semana, Sean lhe pedira
para ficarem a sós, mas ela conseguira resistir, mesmo se sentindo mais à vontade com
ele, mais feliz pelo relacionamento dele com a filha e relutando mais em separar-se
dele à noite. Sean manteve a palavra e não tentou beijá-la, mas a tensão que se criava
no momento da despedida era um sinal claro de que mais cedo ou mais tarde estaria
nos braços dele.
O vento frio do outono se fazia sentir quando eles atravessaram a rua em direção
ao Continental Hotel.
— Eu deveria ter alugado uma charrete. Lembro que você adorava assistir ao
pôr-do-sol — disse Sean, quando o sol se punha no horizonte.
— Não tenho tido tempo para passear pelo campo ultimamente. Sinto inveja do
trabalho de Jennie na mina. Ela tem uma desculpa para ir às montanhas diariamente.
Eu ficaria muito insegura de cozinhar para toda aquela gente.
Sean tomou-lhe o braço para ajudá-la a subir os degraus da passarela de madeira
na frente do hotel.
— Você já cozinha para os três mineiros que se hospedam na pensão.
— Isso é diferente. Dennis, Brad e Smitty já são quase da família e adoram tudo o
que eu faço.
— Meu bem, em minha casa em San Francisco já passaram os mais finos
cozinheiros e nenhum deles fez uma costela assada como a que eu comi ontem à

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noite.
— Ah, Sean Flaherty, esqueça essa sua lábia irlandesa — ela protestou. Mesmo
assim, sentia-se feliz. As descrições que Sean fazia de sua infância milionária sempre a
intimidaram. As riquezas de Nob Hill estavam muito distantes da vida simples que ela
levava em Vermillion. Ao conhecer Sean, descobrira um mundo totalmente novo, um
mundo muito além das montanhas, onde homens e mulheres vestiam roupas finas,
comiam comidas exóticas e se deliciavam com suas aventuras. Houve uma época em
que ela sonhara em casar-se com ele e ser levada para esse mundo encantador. Mas
isso fazia parte do passado. Kate era feliz morando com a irmã e com todos os que
viviam na casa. Mesmo assim, ao se lembrar dos banquetes que Sean lhe descrevera,
trabalhara a tarde inteira para que o jantar fosse impecável.
— Hoje não comeremos tão bem como ontem. O Continental deve ter recrutado
seu cozinheiro em uma mina qualquer. As costelas que ele faz ficam duras e muito
assadas.
Kate riu. Uma das coisas que a fizera apaixonar-se por Sean era o seu bom
humor.
Ele se esforçou para mantê-la alegre durante o jantar. Kate não ria tanto desde a
última primavera, desde que Sean a deixara, desde a morte de seus pais na epidemia
de gripe, desde que soubera que enfrentaria a cidade toda para criar sua filha.
— Ah, Kate Marie, você precisa rir mais vezes — ele comentou enquanto o
garçom tirava os pratos, inclusive o bolo de rum que Kate deixou intocado. — Seu
rosto se ilumina como um botão de rosa desabrochando.
— Sim... Minha casa ficou muito triste depois que meus pais morreram... e
depois de minha difícil gravidez. Jennie brigou muito com Carter quando a cidade quis
fechar a pensão. — Ela endireitou-se na cadeira e sorriu. — Mas tudo isso já passou.
Carter e Jennie estão felizes, Caroline está bem...
— E o pai dela voltou. Kate baixou os olhos.
— Sim, ele voltou, e eu descobri que ele ainda me faz rir como ninguém jamais
conseguiu.
Sean estendeu a mão e fechou-a sobre a dela, que brincava com o copo.
— Esse homem também pode fazê-la sentir, Kate. Pode fazê-la rir e chorar com
intensas sensações. Lembra-se?
Ela se lembrava muito bem das lágrimas de prazer depois que Sean a levava às
incríveis alturas da paixão. Mas ela também se lembrava das outras lágrimas, aquelas
choradas depois que ele a deixou. Ela afastou a mão e segurou novamente o copo.
— É melhor voltarmos, Sean, Caroline ainda precisa mamar mais uma vez.
— Achei que Jennie pudesse dar-lhe a mamadeira.
— Bem, é sempre melhor quando eu lhe dou de mamar.
— Imediatamente ela se levantou para afastar uma súbita reação de pânico.
Sean também se levantou, enfiou a mão no bolso e jogou três moedas de prata
na mesa.

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— Kate, já passa das dez. Caroline deve estar dormindo há mais de uma hora.
— De repente, em menos de uma semana, você ficou especialista nos horários
dela — a voz de Kate soou mais ríspida do que ela pretendia, mas Sean não pareceu
ofendido. Ele deu a volta na mesa e tomou os braços dela.
— Tivemos uma noite maravilhosa, mas ainda não quero levá-la para casa. — Ele
passou o braço pela cintura dela.
— Vamos tomar um Queen Charlotte em meu quarto.
— O que é Queen Charlotte?
— E um licor de amor as silvestres, muito apreciado em San Francisco. Trouxe
um especialmente para você.
San Francisco, um mundo glamouroso e misterioso que povoava a imaginação de
Kate nos momentos de amor. Sim, ela queria subir ao quarto dele para experimentar o
Queen Charlotte e viajar a lugares distantes. Seu corpo vibrava de emoção, mas a
razão lhe dizia que se entrasse naquele quarto, estaria perdida. Seu coração estava
solitário e vulnerável, esperando que ele o ocupasse novamente.
Kate segurou-se no corrimão da escada.
— Não posso, Sean.
Ela já estava no primeiro degrau, de modo que eles se olhavam no mesmo nível,
a poucos centímetros de. distância, os olhos dela,.angustiados, os dele, implorando.
— Deixe-me lembrá-la de como era bom, Katie.
Ela olhou ao redor em busca de algum sinal de vida que a ajudasse a quebrar o
encantamento daqueles profundos olhos azuis, mas o saguão do hotel estava vazio.
Até o recepcionista abandonara seu posto.
— Naquela primavera, eu permiti que você fizesse amor comigo porque era
jovem, tola e desesperadamente" apaixonada. Mas cometi um erro. — Ele tentou
protestar, mas ela ergueu a mão e continuou: — Minha mãe sempre dizia que os mais
sábios são aqueles que cometem muitos erros, porque aprendem muito com eles.
A lembrança da mãe ajudou a acalmá-la. Sean sentiu que tinha perdido a
batalha.
— Prometo que será você a pedir-me da próxima vez
— ele deu um sorriso triste. Kate concordou.
— Obrigada.
Ele pegou-a pela cintura e desceu-a do degrau.
— A gravidez não mudou em nada essa cinturinha — ele comentou com a voz
trêmula.
— Há muitas moças roliças na cidade, se é isso o que quer, Sean. — Kate soltou-
se dos braços dele.
— Kate! Você é... perfeita exatamente assim como é.
— Ele recuou um passo e mediu-a de cima a baixo. — É perfeita — sussurrou,
quase que para si mesmo.
Kate sentiu-se subitamente cansada. Ainda daria de mamar a Caroline antes do

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amanhecer.
— Leve-me para casa, por favor.
Ele continuou com os olhos fixos nela por alguns instantes, e então seu rosto
voltou a brilhar.
— Sim, eu a levarei para casa, mas amanhã vamos ver o pôr-do-sol. — Quando
ela pensou em objetar, ele acrescentou: — Levaremos Caroline. Assim não
abusaremos de Jennie. Vamos, querida, quero fazer um piquenique com minha filha.
Novamente Kate percebeu que quanto mais concedia, mais se arriscava, mas era
impossível não aceitar o convite para admirar o pôr-do-sol ao lado de Sean e de sua
filha. Ela sorriu e concordou.
— Prepararei a comida.
Barnaby ajudava Kate a preparar as tortas de carne para o piquenique. Com sua
voz límpida, que começava a dar sinais da adolescência, ele comentou:
— Pensei que o Sr. Flaherty fosse um homem mau, Kate, porque ele a deixou
sozinha para ter Caroline, e você quase morreu. Por isso não entendo porque está indo
ao piquenique com ele.
Kate sorriu diante da lógica inquestionável.
— Às vezes os adultos agem de modo insensato, não acha? Barnaby fez que sim
com um gesto de cabeça. Ele
precisava cortar os cabelos, e seu corpo parecia não caber mais dentro da roupa.
— Por que você aceitou o convite? — ele insistiu.
— Bem, em primeiro lugar, Sean é pai de Caroline. Acho justo que ele a conheça
melhor e que ela tenha a chance de ter um pai, se for melhor para todos.
— Quer dizer que você se casaria com ele? Apesar de rejeitar conscientemente
essa idéia, havia
três dias que aquela possibilidade não lhe saía da cabeça. Depois de tudo o que
sofrerá, faltava pouco para ter uma vida perfeita. Havia recuperado a saúde e dera à
luz Caroline. Agora só queria ter Sean de volta.
— Bem, eu disse uma vez que não queria e talvez por isso ele não me peça mais.
Barnaby retirava o excesso de massa das bordas da fôrma e punha-as na boca.
— Cuidado, não vá se queimar.
— Ele vai pedir outra vez. Kate corou.
— Como você sabe?
— Pelo jeito que ele a observa... Sabe aquele olho de quem está em transe? Eu
ouvi Carter e Jennie falando sobre isso. Por mim tudo bem. Vai ser bom para Caroline
ter um pai.
Uma ligeira tristeza sombreou os olhos de Barnaby, que também era filho
ilegítimo. Logo depois que Kate teve a menina, ele quis tanto protegê-la do estigma
que carregava em sua curta vida que tentou fugir com ela para as montanhas. Foi
preciso que Carter, também filho de mãe solteira, convencesse o menino de que o
amor de uma família unida como eram os Sheridan compensava a falta do sobrenome

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paterno.
Kate entendeu o que ele quis dizer e passou a mão pelos cabelos dele.
— Caroline viveria muito bem sem pai, Barnaby. Mas acredito que também seria
bom se ela pudesse tê-lo.
— É. Acho que seria bom para Caroline. Mas você vai continuar morando aqui,
não vai?
Kate ainda não havia pensado sobre o assunto, . — Eu não sei. Barnaby ficou
preocupado.
— Não pode levar Caroline embora. Nós gostamos muito dela.
— Eu sei, Barnaby. Ela também gosta de vocês. Agora esqueça esse assunto.
Ninguém me pediu em casamento, e não temos que nos preocupar com isso. Por que
você não leva essas tortas para a sala de jantar? Cuidado para não queimar a mesa.
O menino fez o que ela pediu, mas não parecia nada feliz.
A expressão de Barnaby não saía da cabeça de Kate enquanto Sean conduzia
lentamente a carruagem pela estrada para o monte Pritchard. Ela estava menos
animada que no dia anterior à excursão. Não havia dúvida de que o amor que sentia
por Sean estava renascendo, era fácil reconhecer os sintomas.
— Está quieta hoje, Kate. — Sean afastou a atenção do cavalo e concentrou-se
nela.
— Desculpe. Caroline acordou três vezes esta noite. Estou exausta.
Ele segurou na mão dela que estava apoiada no colo.
— Não precisa se desculpar. Foi só um comentário. — Ele olhou para trás, onde
Caroline estava acordada, de olhos bem abertos. — Você tinha dito que ela costuma
dormir a noite toda. Não está doente, está?
— Não, mas acho que os dentinhos estão nascendo. Esfreguei um pouco do
uísque de Carter neles antes de sairmos de casa.
— Uísque? — ele perguntou horrorizado. Kate riu.
— Não lhe dei de beber, apenas esfreguei na gengiva. Não fará mal algum.
Sean olhava preocupado para a filha, procurando sinais de embriaguez.
— Não sei nada sobre crianças, Kate.
— Ninguém sabe, até ter uma. Mas é fácil aprender. Eles chegaram ao bosque de
cedros, velho conhecido de outras primaveras.
— Vamos parar aqui em nome dos velhos tempos? Kate hesitou por um instante,
mas concordou.
— Se tentarmos ir mais adiante, pode ficar tarde. Sean saltou da carruagem e
parou ao lado de Kate.
Pegou-a pela cintura e colocou-a no chão. Ela tentou afastar-se, mas Sean
segurou-a com firmeza.
— Conforme prometi, vou esperar que me peça. Mas um beijo em nome dos
velhos tempos não seria mau.
Os rostos estavam tão próximos que Kate sentiu os lábios formigarem. Passou a

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língua por eles.


— Caroline vai começar a reclamar de fome. Ele a soltou no mesmo instante.
— Vou buscá-la para você.
Kate sentiu a tensão abandonando-a enquanto se preparava para dar de mamar.
Eles estenderam duas mantas e deixaram Caroline sentada em uma delas, brincando
com blocos de madeira que Denis Kelly lhe dera de presente. Na outra, ficaram os
pratos que Kate tinha preparado, uma garrafa de vinho e duas taças.
— Esta é para você, e não para Caroline — ele brincou, oferecendo-lhe a taça.
Kate sorriu.
— Você está enganado. Caroline bebe o mesmo que eu. Embaraçado, Sean olhou
para os seios fartos e arredondados e então desviou o olhar.
— Também não entendo muito disso — ele murmurou, dedicando-se a degustar
uma das tortas.
Eles comeram rapidamente e riram muito com as tentativas de Caroline de
explorar cada item do cardápio. Quando terminaram a sobremesa, Kate pegou a filha
no colo e disse, um pouco envergonhada.
— Terei de dar de mamar a ela antes de voltarmos. Logo ela vai começar a
reclamar de fome.
Sean levantou-se imediatamente e foi buscar outra manta. Dobrando-a três
vezes, improvisou uma almofada que foi colocada ao pé de um cedro.
— Acha que está bom aqui ou prefere sentar-se na carruagem?
Kate levantou-se com a filha no colo, que já começava a reclamar.
— Está ótimo aqui — ela hesitou por um momento, evitando olhar para ele.
Sean pegou a criança dos braços dela.
— Acomode-se primeiro, depois eu lhe dou a menina. Kate sentou-se na
almofada e arrumou as saias.
— Vou precisar do cobertor que está no cesto dela. Sean ainda estava com a
criança. Como ela não fez
movimento algum para desabotoar o vestido, ele propôs:
— Se quiser, posso dar uma volta por aí, mas prefiro ficar para ver minha filha
com a mãe.
Perdendo um pouco a timidez, Kate abriu a parte de cima do vestido e tirou um
seio para Caroline. Sean recolheu a manta e ajeitou-a sobre Caroline, que já estava
buscando o seu jantar.
A coisa mais natural do mundo era ver o sol se pôr ao lado de Sean enquanto sua
filha sugava-lhe o seio. Sean não tirava os olhos dela, e, de vez em quando, acariciava a
cabeça da criança com muita delicadeza.
Quando terminou, Kate sentou a criança no colo e deu tapinhas nas costas dela.
— Deixe-me fazer isso — Sean pediu, estendendo os braços.
— Cuidado, ela pode regurgitar —- Kate ajudou a estender a manta sobre as
pernas dele, em seguida abotoou o vestido e encostou-se na árvore para observá-lo

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com a filha.
Pouco depois, ela avisou:
— Agora ela vai dormir. Se quiser deitá-la no cesto... Sean sorriu e deu mais um
abraço na filha, que retribuiu, enlaçando-lhe o pescoço.
— Ela já está quase dormindo — ele disse com ternura. Já começava a esfriar.
Kate pegou uma das mantas e cobriu os ombros.
— Deveríamos estar voltando... Mas é tão bonito aqui. Sean olhou mais uma vez
o cesto de Caroline, então
sentou-se ao lado de Kate e usou a outra manta para se agasalhar.
— Se quiser, podemos ficar um pouco mais. Jennie disse que você não precisava
se preocupar com a pensão.
— Ela e Barnaby darão conta de tudo. Não sei o que teria sido de mim sem eles.
— Você poderia ter um marido a seu lado para ajudá-la a criar uma filha.
— Talvez eu tenha errado por não tê-lo procurado.
— Não pense mais nisso, Kate. Não adianta remoer o passado. Nada mais
importa a não ser o que faremos agora.
Ela engasgou-se com a torta de carne que estava comendo e se lembrou da
conversa que tivera com Barnaby. Por mais que o pequeno órfão odiasse a idéia de
perder Caroline, achava que ela estaria melhor com o pai.
— Por que resolveu voltar, Sean? Afinal, eu nunca soube porque isso aconteceu.
Sean ficou olhando para ela, um olhar indecifrável.
— Eu já disse, Kate. Nunca deixei de pensar em você.
— Mas deve ter tido outras namoradas...
— Não sou santo, você sabe disso melhor que ninguém. Mas nunca me interessei
por outra pessoa. Toda vez que fui abordado por uma beldade da sociedade de Nob
Hill, só pensava na moça que deixara nas montanhas.
Ela queria acreditar na sinceridade dele, mas já fizera isso uma vez, quando ele
lhe jurara amor eterno, e não durara nem sequer uma primavera.
— Agora eu tenho mais que meu coração para cuidar, Sean. Preciso zelar
também pelo de minha filha.
Ele ficou em silêncio por tanto tempo que Kate achou que houvesse adormecido,
mas, de repente, Sean se sentou, aproximou-se dela e abraçou-a.
— Vou quebrar minha promessa e beijá-la. Juro que nunca mais quebrarei outra.

CAPÍTULO IV

Quando saíram da cidade, Sean apostara na privacidade para despertar os


sentimentos aos quais eles vinham resistindo havia alguns dias. Mas como ele mesmo

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prometera, a iniciativa teria de ser de Kate. Pretendia comportar-se como um


cavalheiro até que ela lhe mostrasse o sinal verde. Vê-la com a filha despertava-lhe
emoções até então desconhecidas. Não apenas o desejo físico, mas algo muito mais
profundo conspirava para convencê-lo de que não poderia viver nem mais um segundo
sem ela.
Kate não ofereceu resistência alguma, pelo contrário, mostrou-se extremamente
receptiva. Sean beijou-a, e ela correspondeu com muito mais paixão do que o fizera no
dia anterior.
— Ah, Kate — ele murmurou. — Que saudade eu sentia disso. Você foi feita para
mim.
Ela se recostou no braço dele e sorriu, os olhos brilhando sob a lua nascente.
— Você também foi feito para mim, Sean. Lembra-se do que eu lhe disse em
nossa primeira vez?
Ele beijou-lhe a testa e as pálpebras.
— Disse que estava esperando por mim. Lembro-me de cada detalhe daquela
noite.
— Foi aqui mesmo nesta montanha!
— Naquela noite, achei que jamais desejaria alguém como a desejava, mas eu
me enganei... porque a quero muito mais que antes. — Ele abraçou-a, fazendo-a
gemer.
— E Caroline?
Sean levantou-se imediatamente e foi até a carruagem olhar o cesto onde a
criança dormia. Em seguida, voltou para o lado dela.
— Nós ouviremos se ela acordar. Neste momento, está no país dos sonhos. Kate,
quero levá-la também a um mundo fantástico, comigo.
Alguma coisa dizia a Kate que era melhor resistir e lembrar-se de suas
responsabilidades. Talvez fosse melhor conversar sobre as intenções e os planos de
Sean, mas só conseguia pensar na sensação dos lábios dele em seu rosto, as mãos
deslizando com firmeza pelo colo, repousando gentilmente ao lado dos seios.
— Está tudo bem? — ele perguntou. — Como está se sentindo?
Ela não saberia dizer, mas era como se cada porção de seu corpo ansiasse pelos
toques dele. Kate abriu o vestido e encostou a cabeça dele em seus seios.
— Faça amor comigo, Sean. — Ao pronunciar essas palavras, sentiu o forte
desejo se insinuar em suas partes íntimas.
Sean pressionou-a por cima do vestido ao mesmo tempo que beijava
incansavelmente o rosto e pescoço. Kate abriu a boca, ofereceu-se às carícias dele, às
sensações cada vez mais fortes, até ultrapassar o limite em consecutivas convulsões de
prazer.
Sean sorriu e abraçou-a com força.
— Que saudade! — Kate escondeu o rosto no ombro dele. — Estou feliz que
ninguém a tenha encontrado nesse tempo em que cometi a besteira de deixá-la aqui

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sozinha. Agora você é minha outra vez, Kate Marie. E dessa vez não vou mais perdê-la.
Em poucos instantes, os dois estavam sem as roupas e nem se deram conta do
frescor da brisa sobre a pele quente. Queriam apenas estar juntos outra vez, carne
contra carne, as bocas buscando-se com beijos famintos, desesperados, as mãos
tocando o corpo todo, relembrando os caminhos da paixão.
— Eu amo você — Kate sussurrou sem pensar quando seus corpos se uniram. —
Amo muito, muito...
A explosão de uma nova de paixão acompanhou essa declaração de amor, desta
vez compartilhada com Sean, que a abraçou ao atingir o clímax dentro dela.
Eles permaneceram deitados com seus próprios pensamentos. Sean foi o
primeiro a falar:
— Desculpe-me, Kate, não imaginei que isso fosse acontecer.
Kate sentiu as batidas de seu coração se acelerarem.
— Jurei que a esperaria concordar em se casar comigo antes de fazermos isso
outra vez.
Ela sentiu uma onda de calor, e todas as suas dúvidas se dissiparam como poeira
sob a tempestade. Kate relaxou novamente em seus braços e sorriu aliviada.
Sean abraçou-a e beijou-lhe o rosto.
— Caroline precisa de um pai.
Kate esperava uma declaração mais romântica. Certamente Sean a amava para
querer se casar com ela, afinal, viera a Vermillion para encontrá-la, sem saber sobre a
filha.
Ele não pareceu notar a hesitação dela.
— Quem sabe possamos providenciar um irmãozinho para ela. Acho que já
passou da hora de nos casarmos, moça.
Ela riu.
— Não sou mais uma moça, Sean. Agora já sou mãe.
— E está mais linda que nunca.
Kate interrompeu as carícias com um murmúrio de felicidade.
— Você quer mesmo se casar comigo? Não estarei sonhando?
— Já perdemos muito tempo, querida. Não consigo pensar direito quando a
tenho nua em meus braços.
Ele recolheu as roupas espalhadas para começarem a se vestir. As primeiras
estrelas já brilhavam ao redor da lua crescente. Foi sob a luz do luar que Sean ajudou
Kate a abotoar o vestido e cobrir os ombros com o xale. Então ajoelhou-se na frente
dela e tomou-lhe a mão.
— Srta. Kate Sheridan, eu serei o homem mais feliz do mundo se tiver a honra de
receber sua mão em matrimônio.
Kate ficou com os olhos marejados.
— Sim. Quer dizer... eu me caso com você — ela riu. — Eu não sei o que devo
dizer.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

Sean ergueu-se do chão e deu um beijo estalado no rosto dela.


— Para mim, bastou o "sim".
Ela deitou a cabeça no peito dele, o coração radiante de felicidade.
— Eu amo você, Sean — ela repetiu. Talvez agora ele também dissesse que a
amava.
— Já ia me esquecendo. — Ele a soltou e enfiou a mão no bolsinho do relógio,
tirando de dentro dele um pequeno estojo. — Isto é para você.
Kate pegou a caixa de veludo e abriu-a. As pedras cintilaram em todo seu
esplendor: era um diamante espetacular rodeado por pequenos rubis. Kate olhou para
ele, admirada.
— Você comprou isto em Vermillion? Ele riu.
— É claro que não. Foi em San Francisco.
Ela meneou a cabeça. Aquela era a prova de que ele voltara pensando
seriamente em se casar com ela.
— E muito bonito, Sean.
Ele tirou o anel do estojo e pôs no dedo dela.
— Acho que serve em você. Kate sorriu.
— Nunca imaginei ter nada tão elegante.
— Desfile com ele diante da Sra. Billingsley e todas as carolas que tanto a fizeram
sofrer por causa de Caroline.
Kate recolheu a mão.
— Gosto deste anel porque ganhei de você, Sean, por nenhuma outra razão. Não
guardo ressentimentos de ninguém. Essas senhoras apenas defenderam os padrões
em que acreditam.
— Tudo bem, mas não precisavam destruir sua vida e a de Jennie.
— Isso já passou. Agora todos me aceitam na cidade. E os amigos de verdade
sempre estiveram de nosso lado.
Sean deu de ombros.
— Mesmo assim, gostaria de ver a reação da velha Billingsley quando ela vir esse
anel em seu dedo.
Kate riu.
— Acho que eu também sentiria um certo prazer com isso.
— Ele comprou o anel em San Francisco, Jennie. Entende o que isso quer dizer?
Que ele voltou à cidade, decidido a se casar comigo.
Kate estava radiante de felicidade. As irmãs estavam lavando as roupas de
banho, uma tarefa que parecia não acabar mais. Dennis, Brad e Smitty chegavam
imundos da mina e usavam várias toalhas para se limpar. Carter, como advogado, não
se sujava tanto, mas era um homem asseado e tomava banho diariamente. Já Barnaby,
que passaria sem banho tranqüilamente, conseguia sujar-se mais que os quatro
adultos somados. Com tantas toalhas, além dos lençóis e das peças avulsas, Kate e
Jennie passavam praticamente o dia todo no quintal.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

— Que pena que isso não tenha acontecido há alguns meses — comentou
Jennie, que relutava em aceitar a súbita mudança de posição de Kate em relação a
Sean.
Kate pegou o anel, que ficara na prateleira enquanto ela esfregava as roupas.
— Nunca imaginei ter uma coisa tão bonita.
— Um anel bonito não é um casamento, Kate. Você tem certeza? Está segura de
que não se sentirá muito sozinha em San Francisco?
O sorriso desapareceu do rosto de Kate.
— Sean disse que viremos muitas vezes aqui e que vocês poderão nos visitar.
— Será muito difícil ficar longe de Caroline. A primeira coisa que os mineiros
fazem quando chegam em casa é ver como ela está. E Carter também. E você sabe que
Barnaby se considera o protetor dela.
— Eu agradeço muitíssimo por tudo isso, Jennie. Caroline não sentiu a ausência
do pai porque nós formamos uma grande família. Mas não acha que será muito melhor
ela viver ao lado do pai?
— Espero que a família de Sean ame-as tanto quanto nós as amamos.
— Vai dar tudo certo. Sean contou-lhes antes de viajar que talvez voltasse com
uma noiva.
— Ele tinha certeza disso, não tinha? Kate riu, mas voltou a ficar séria.
— Você não faz idéia de como tem sido importante para mim, mana. Quando ele
se foi naquela primavera, pensei que não me amasse mais. Hoje sei que ele nunca
deixou de me amar.
Sem muita certeza disso, Jennie abraçou a irmã.
— E bom que ele saiba disso, porque será responsável por uma mulher e uma
criança. Se não fizer a coisa direito, vai se ver com todos nós.
— E inacreditável que você possa ser tão idiota, Kate — Lyle Wentworth andava
de um lado para o outro no terraço da pensão dos Sheridan enquanto Kate tentava
manter-se calma na cadeira de balanço.
— Não permito que fale comigo nesse tom de voz, Lyle Wentworth. Se veio aqui
para gritar, pode sair agora mesmo.
Ele voltou-se com uma expressão de arrependimento.
— Desculpe-me, Kate, mas, sinceramente, você precisa saber o erro que está
cometendo. Esse homem abandonou-a quando você esperava a filha dele.
— Já falamos sobre isso, Lyle. Sean explicou-se, e decidi perdoar-lhe. Sinto muito
tê-lo desapontado. Sei que você...
— Você sabe que eu a amei durante toda a vida e que esperei por você. Fiquei a
seu lado quando foi para o hospital, enquanto aquele filhinho de papai de divertia por
aí.
Kate encarou-o.
— Cale-se, Lyle.
Os olhos dele refletiam sua tristeza.

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— Não me reprove, Kate. Não vê que estou sofrendo?


— Sinto muito, Lyle. — Kate realmente sentia. Lyle fora um bom amigo durante a
difícil gravidez e, desde então, visitava-a com freqüência. Se permitisse, ele viria
diariamente. Trazia presentes para o bebê, flores para ela ou iguarias para a mesa da
família. Mas Kate nunca deixou de sentir-se como um objeto que Lyle gostaria de
possuir. Como filho único do banqueiro local, teve tudo o que quis na vida, menos
Kate.
— Pense um pouco, Kate. Esse sujeito está aqui há menos de um mês, e vocês
ficaram pouco tempo juntos. Nem se conhecem ainda.
Ela poderia responder que o conhecia o bastante para ansiar pelos beijos dele,
enquanto os de Lyle não lhe diziam nada, mas não seria tão rude com seu amigo.
— O coração pode nos surpreender, Lyle. Sean e eu ficamos juntos por pouco
tempo, mas eu o amo. Na verdade, é só isso que interessa.
Lyle segurou nos braços da cadeira e balançou-a com força para frente e para
trás, sem disfarçar sua frustração.
— Você está enganada, Kate. Nem sempre é tão simples assim. Quando entrar
no mundo dele em San Francisco, verá que só o amor não basta. Mas então será tarde
demais. Todas as pessoas que a amam estarão muito longe para ajudá-la.
Jennie dissera mais ou menos a mesma coisa, mas Kate não queria ouvir nada.
Certamente Sean deveria voltar para seu mundo e assumir o lugar do pai nos negócios,
e seu dever era estar ao lado dele onde quer que fosse. Kate parou o movimento da
cadeira e segurou a mão de Lyle.
— O meu lugar é ao lado dele. Nunca me esquecerei do que você fez por mim,
mas quero ter a chance de construir uma vida com minha filha e o pai ela.
Lyle afastou-lhe a mão.
— Não vou desejar-lhe sorte, Kate. — Dito isso, ele deu meia-volta, atravessou o
terraço e tomou o caminho da rua.
Kate insistiu em que a cerimônia de casamento fosse muito simples. Apesar dos
votos de felicidade, ela sabia que o ceticismo de Lyle e a preocupação de Jennie eram
compartilhados por todas as pessoas da casa. Ninguém da cidade fora convidado,
portanto, somente a família e os três mineiros testemunharam a troca de votos de
Kate e Sean diante do reverendo O'Connor.
— Que o Senhor abençoe os dois nesta ocasião sagrada — ele concluiu, e
apertou a mão dos noivos antes de aceitar uma taça de champanhe que Sean trouxera
de Virginia City.
Os mineiros beijaram Kate, depois foi a vez de Carter e por fim a chorosa Jennie.
— Seja feliz, mana.... É só o que nós lhe desejamos. A noite fora agradável.
Quando Kate e Sean saíram para
dormir no hotel, o coração dela dava saltos de alegria.
— Quer comer alguma coisa, querida? — Sean tirou o paletó e dependurou-o no
cabide. — Notei que você não comeu nada em sua casa.

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— Estava sem fome — ela respondeu, aproximando-se da cama e sentindo uma


estranha solidão longe de casa.
Sean aproximou-se por detrás e abraçou-a.
— Você está cansada. Há dois dias vem se preparando para a viagem. Desculpe-
me por não poder esperar mais tempo, mas meu pai precisa de mim em San Francisco.
O calor dos braços dele a fez sentir-se um pouco mais segura.
— Não vai ser fácil deixar essa cidade — Kate concordou. — Mas como você
disse, voltaremos com freqüência. E eu estarei com as duas pessoas mais importantes
de minha vida.
Sean ergueu o rosto dela e encarou-a com uma expressão séria.
— Eu ouvi o que sua irmã disse, Kate, e vi como todos ficaram tristes. Mas
prometo fazê-la feliz, você e minha filha.
Ela sorriu.
— Caroline já está se acostumando com o pai. E a mãe dela, é claro, é
apaixonada por ele desde o primeiro dia em que o viu.
— Nos degraus do Banco Wentworth. Ela concordou.
— Você usava um vestido azul da cor de seus olhos, e eu conheci a moça mais
bonita que já vira.
Kate aninhou-se nos braços dele.
— Você me disse: "Moça, espero que pretenda guardar sua beleza nesse banco,
porque não é seguro andar com ela por aí".
— Eu disse isso?
— Disse, e eu achei uma grande ousadia de sua parte.
— Mas veja só aonde foi que ela nos levou.
— Pois é.
Ela ofereceu a boca para um beijo que dissipou todos os temores e fez seu corpo
despertar para o desejo.
— Ah, Kate, você me deixa louco — murmurou em seu ouvido, enquanto fazia-a
sentir o membro rijo.
Eles se jogaram na cama e não houve tempo para mais nada.
— Jennie deu-me uma linda camisola — Kate começou, mas Sean selou os lábios
dela com um beijo apaixonado que a deixou arrepiada. Ela deitou-se de costas com os
olhos fechados, sentindo apenas as mãos dele explorando as coxas, a cintura, os seios.
— Mais tarde você poderá vesti-la — ele sussurrou. — Agora eu a quero nua,
suave e quente... — As palavras acentuavam as carícias intencionais. De vez em
quando a mão dele escorregava por entre as pernas e a acariciava em sua intimidade
de maneira ousada... e deliciosa. Sean colocou-se sobre ela. — Agora?
— Agora... por favor — ela murmurou e recebeu-o. O encontro foi da mais
perfeita harmonia. A euforia do
começo havia passado, dando lugar a uma deliciosa sensação de eternidade.
Todo os sentidos estavam à flor da pele. Kate atingiu o limite primeiro, soltando um

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profundo gemido e abraçando-o com força para acelerar o ritmo dos movimentos, até
que eles colidissem no auge do prazer.
Sean ficou deitado sobre ela, e Kate brincava com os cabelos desalinhados.
— Você foi fantástica, Sra. Flaherty.
— Você é maravilhoso, Sr. Flaherty. — Ela sorriu. Sean rolou de lado sobre o
colchão.
— Pelo jeito, Kate Marie, um de nós estava com muita pressa. Nem tiramos a
colcha da cama.
Ela adorava aquele tom brincalhão da voz dele.
— Acho que nós dois estávamos, meu amor.
— Meu amor... Gosto de ouvir isso. — Sean sorriu. Na verdade, as palavras
saíram sem querer da boca
de Kate. Sean nunca lhe dissera que a amava, e ela achava que não deveria forçá-
lo. Mas ele era ó seu amor, e diante do que acabara de acontecer, isso era o mínimo
que poderia lhe dizer.
— Então é o que ouvirá todas as manhãs em nosso novo lar, em San Francisco.
O sorriso dele foi se apagando, e por um momento os pensamentos afastaram-se
dela.
— Preciso mudar de quarto — disse minutos depois. Kate não entendeu. Ele já
lhe dissera que, por enquanto, morariam na mansão da família, que era grande o
suficiente para acomodar mãe e filha.
— Mudar?
— Ficaremos no quarto ao lado de minha mãe. Tenho a impressão de que se não
tomarmos uma providência, a primeira coisa que vamos ouvir todas as manhãs serão
batidas na porta.
— Sua mãe não interferiria na vida de um jovem casal. Por um momento Sean
pareceu mais jovem que seus
vinte e cinco anos de idade.
— Eu não tenho tanta certeza.
— Por que não encontramos um lugar para morar? Talvez seus pais não estejam
dispostos a receber uma nora e uma neta de uma vez.
Sean saiu da cama.
— Vamos ajeitar estes cobertores. — A voz dele perdera toda a intimidade de
momentos atrás.
Kate levantou-se, sentindo-se subitamente envergonhada por estar nua. Sem
fazer comentário algum, ela abriu a mala e vestiu a camisola cor-de-rosa que ganhara
de Jennie.
— Acha que seus pais gostarão de mim?
— É claro que sim. Todos gostam de você, Kate.
A resposta pouco serviu para tranqüilizá-la. Kate deitou-se sob os lençóis e
esperou Sean apagar a luz para deitar-se ao lado dela. Os lençóis estavam frios em

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contato com a pele. Ela queria sentir os braços de Sean aquecendo-a novamente, mas
ele não a abraçou.
—Vamos dormir porque amanhã teremos de acordar cedo. — Ele virou-se para o
outro lado e se ajeitou para dormir.
Kate ficou acordada, olhando a escuridão, o coração apertado. No dia seguinte
sairia de sua casa para viver em uma nova cidade com uma nova família. E para piorar,
o homem que a levava parecia-lhe um estranho.

CAPÍTULO V

A viagem de quatro dias em diligência até San Francisco parecia interminável.


Caroline ficou visivelmente incomodada por ser afastada do conforto de sua casa. Kate
ainda não se refizera da difícil despedida de Jennie e Barnaby. Sean estava preocupado
com a reação de seus pais diante de sua nova família.
Foi por insistência do pai que ele voltou a Vermillion. Ao ler a carta de Jennie
com a notícia do nascimento da filha, Patrick Flaherty passou-lhe um duro sermão
sobre responsabilidade, depositou quinhentos dólares em seu nome e, em seguida,
praticamente expulsou-o de casa, dizendo-lhe que só voltasse com tudo resolvido.
Sean tinha quase certeza de que seu pai ficaria satisfeito por ter se casado com
Kate. Mas sua mãe... Sabe Deus! Certamente precisaria de seus sais aromáticos
quando soubesse da novidade. O sonho dela era que Sean escolhesse uma linda
debutante, filha de um novo-rico insuportável da sociedade de Nob Hill. Sean já
cortejara várias delas e até namorara duas ou três das mais bonitas, mas nunca
conhecera ninguém tão encantadora quanto Kate. A mãe teria de desistir desses
planos quando soubesse que tinha uma neta com quase um ano de idade. Recostado
no banco da diligência, Sean fechou os olhos e adormeceu. Harriet Flaherty, avó? Avós
eram pessoas como a Noninha Bridget, a mãe irlandesa de Patrick Flaherty, que
morava com eles. Ao menos ela adoraria receber Kate e o bebê.
Kate não pregava os olhos havia quatro dias, mas Sean dormia como um anjo,
indiferente aos solavancos da diligência nas estradas que beiravam os precipícios. As
noites não eram melhores. Pernoitando em hospedarias lotadas à beira da estrada,
Sean nem sequer se aproximava dela. Estava sempre cansado, distante, e Kate não
sabia o que fazer. Talvez já tivesse se arrependido de ter se unido a alguém tão
diferente das moças da alta sociedade às quais estava acostumado, ou receoso de
apresentá-la aos pais e amigos ricos.
Mas nada disso acontecia em relação a Caroline. Era uma delícia vê-los juntos.
Nessas horas, Kate sentia que realmente formavam uma família, divertindo-se com as
tentativas ininteligíveis da criança de formular palavras ou explorando alguma
novidade que encontrassem pelo caminho. Ele não reclamava das noites mal dormidas
e até chegara a trocar algumas fraldas.

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Mas quando a menina dormia e aquela expressão sombria voltava a anuviar o


rosto de Sean, cujo olhar perdia-se nas montanhas cobertas pela bruma, Kate sentia
uma inquietação inexplicável. Ela não sabia o que esperar daquele lugar desconhecido
chamado Nob Hill, mas algo lhe dizia que tudo o que sofrerá como mãe solteira não
era nada em comparação ao que viria pela frente.
Em San Francisco, antes da descoberta da prata, já existiam ricos especuladores,
comerciantes, proprietários das estradas de ferro e os barões do ouro. Mas o veio
extremamente fértil atraiu todo tipo de gente, milionários esnobes que passaram a
construir ostensivas mansões nas colinas ao redor da cidade e da baía, que passaram a
ser chamadas de Nob Hill.
Os Flaherty eram pioneiros em Nob Hill. Tinham uma mansão relativamente
simples comparada a outras de estilo vitoriano. Mas para Kate, a mansão Flaherty era
um verdadeiro palácio.
As portas foram abertas por um jovem uniformizado, que desapareceu antes que
Kate pudesse agradecer.
Ela entrou com Sean num amplo vestíbulo dominado por uma escadaria
imponente, ornamentada por um imenso candelabro que pendia do centro do teto
como uma árvore de ferro. Espelhos multifacetados cobriam as paredes, refletindo
infinitas imagens suas com Caroline nos braços, fazendo-a parecer pequena e perdida
no casaco azul que pertencera a sua mãe.
Sean deixou a mala e o cesto de Caroline sobre uma elegante cadeira do
vestíbulo e virou-se para Kate, sorrindo.
— Bem-vinda ao lar, querida.
Apesar das noites insones, Kate conseguiu retribuir com um sorriso tímido. Era a
primeira vez que ele a chamava de "querida" desde que haviam deixado Vermillion.
Talvez agora as coisas melhorassem um pouco, e o mal-estar que se instalara desde a
noite de núpcias se dissipasse.
— Obrigada. — Olhou ao redor, no vestíbulo vazio. Já estavam lá havia alguns
minutos, e ninguém viera recebê-los. — Seus pais sabiam que chegaríamos hoje?
— Sim, eu mandei um telegrama. Mas acho que eles tinham um jantar esta
noite, uma noite de gala qualquer. Amanhã cedo você terá bastante tempo para
conhecê-los.
Certamente não era daquela maneira que se recebiam visitas na Pensão
Sheridan, mas aquele era um mundo diferente. Kate teria de acostumar-se aos novos
hábitos e aprender a não julgar os outros antes de conhecê-los.
— Também acho que será melhor conhecê-los depois de uma boa noite de sono.
Sean concordou.
— Vai acordar Caroline para dar de mamar? Kate olhou para a filha adormecida.
— Ela está tão cansada! Acho que se a levarmos para nosso quarto, ela dormirá a
noite toda.
Sean surpreendeu-se.

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— Ela ficará no berçário, Kate. Não dormirá conosco. Kate hesitou.


— Mas eu não me importo de dormir com ela.
— Bobagem. Esta casa é muito grande. Não há razão para dormirmos
amontoados como... Bem, não será preciso.
Kate não concordava, mas achou melhor não discutir. Ela estava acostumada a
dormir com a filha e gostaria de ficar com ela na primeira noite que passariam naquela
casa tão grande, mas achou que Sean quisesse privacidade.
— Leve então o cesto que eu a levarei no colo.
Caroline mexeu-se no cesto como se, de repente, percebesse que sua vida ia
mudar. Kate acalmou-a para que voltasse a dormir.
— Também não vamos precisar do cesto. Há um berço para ela lá em cima.
—r Ah, muito bom. — Kate despediu-se do cesto de palha com um olhar, pegou
a filha no colo e subiu a escada atrás de Sean.
Arandelas clareavam toda a extensão da escada e pareciam ter luz própria. Sean
notou a admiração de Kate e explicou:
— E iluminação a gás. Gastávamos uma fortuna com carvão.
Kate assentiu, como se soubesse do que ele estava falando, mas continuou
encantada com as luzes que pareciam brilhar com um passe de mágica. E então, no
alto da escada, surgiu aquela que poderia muito bem ser responsável por aqueles
efeitos. Ou seria algum gnomo do bem?
— Noninha! — Sean começou a subir os degraus de dois em dois, ansioso por
abraçar a senhora.
Kate viu então uma mulher pequenina enrolada em um roupão xadrez, usando
um gorro de dormir do mesmo tecido. Ela olhou para Kate e disse:
— Ah, Sean, você nos trouxe um anjo... Na verdade, são dois, um grande e um
pequenino.
Sean voltou-se para Kate.
— Esta é minha avó, Kate. Bridget Flaherty.
-— Como vai, Sra. Flaherty? — Kate perguntou, subindo mais um degrau.
— Minha criança, espero que me chame de "Noninha", como meu neto. Parece
que agora também sou sua avó.
Era uma voz tão calorosa e agradável que Kate sentiu-se reconfortada. Ela
relaxou e abriu um sorriso sincero.
— Obrigada, Noninha.
— Que criaturinha mais linda! — A velha curvou-se sobre a criança. — Tem os
mesmos cabelos cacheados dos Flaherty. Ela é sua cara quando você era criança, Sean.
Kate sentiu o coração mais leve. Talvez o novo ambiente não fosse tão hostil
assim, apesar de tanto luxo. Ela sorriu novamente.
— Eu também a acho parecida com o pai — Kate concordou.
— Ah, mas não quero prendê-los aqui, devem estar exaustos. Vou ajudá-la a pôr
este anjo na cama e depois vocês também irão se deitar.

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— Caroline vai ficar no berçário — Sean esclareceu. Noninha olhou para Kate,
que já não sorria, e dirigiu-se
gentilmente a Sean:
— Ela dormirá onde a mãe dela quiser.
Caroline pesava muito, e Kate sentia que se não a pusesse no berço e fosse logo
se deitar, iria despencar ali mesmo, sobre o luxuoso tapete persa dos Flaherty.
— Sean prefere que ela fique no berçário. Noninha fixou os olhos nela por um
longo momento.
— Sabe de uma coisa? Como é a primeira noite de vocês em uma casa estranha,
dormirei ao lado dela, na cama da babá. Se a criança acordar, eu a chamarei.
Kate assentiu agradecida.
— Façamos melhor: se não se incomoda, eu mesma vou colocá-la no berço. Vá
logo se deitar. — Gentilmente, ela estendeu os braços para pegar Caroline, que se
deixou levar sem reclamação. — Ela ficará bem. Sean, leve esta pobre moça para o
quarto.
Kate deixou Sean conduzi-la pelo braço ao longo do corredor. Sentia-se vazia
longe da filha, mas ao sentir o corpo de Sean roçando no seu, lembrou que estava ao
lado do marido. Um marido que não a beijava desde a noite de núpcias, no hotel. Ela
sentiu a boca seca.
— Este é seu quarto. Ela o olhou assustada.
— Meu quarto?
— O meu é ao lado e há uma porta de ligação entre eles. Basta bater se precisar
de alguma coisa. Quer que tragam logo seu baú?
Kate meneou a cabeça, sentindo-se um pouco zonza. Mais uma vez lembrou-se
de que não estava mais em Vermillion. Se em San Francisco fosse costume entre os
casais não dormir no mesmo quarto, os pobres lhe pareciam muito mais felizes que os
ricos.
— Noninha tem razão. Você está com uma aparência muito cansada. Vou deixá-
la sozinha para se recuperar.
Sean beijou-lhe o rosto e entrou na porta ao lado. Kate ficou parada diante do
quarto, olhando o longo corredor iluminado pelas arandelas a gás.
— Bem-vinda ao lar — disse a si mesma. Estava cansada demais para pensar no
que estava acontecendo. No dia seguinte tudo ficaria mais claro.
Sean agradeceu mentalmente a sua avó, ao deitar-se na cama. Ao menos uma
pessoa da família estava presente para recebê-los. Durante a viagem, alguma coisa lhe
dizia que sua mulher já estava arrependida de ter se casado. Fora uma viagem difícil
para o bebê, para todos. E quando chegaram à casa, percebera o olhar de Kate como
que diante de algo ostensivamente extravagante e pretensioso. Na verdade, era
mesmo, embora nunca houvesse pensado muito nisso.
Sean estava exausto da viagem e não conseguia dormir. Em parte porque sua
linda mulher estava naquele instante dormindo a poucos metros dele. Gostaria de tê-

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

la a seu lado, nua em sua dama. Mas ela estava tão cansada e parecia tão distante...
Depois que a deixou no quarto, ele esperou um bom tempo que a maçaneta da
porta entre os dois quartos virasse. Gostaria de dormir com ela a primeira noite no
novo lar.
Ele suspirou. Amanhã seria outro dia. Ela e Caroline estariam descansadas. Os
pais estariam em casa e as receberiam na família. Depois, quem sabe, quando
estivessem mais acostumadas a seu mundo, ela estaria disposta a atravessar aquela
porta de interligação para viverem deliciosas noites de amor.
Sean bateu na porta do quarto de Kate na manhã seguinte e tirou-a de um sono
profundo. Sem abrir a porta, ele perguntou se estava precisando de alguma coisa e
disse que a esperaria para o café da manhã. Kate vestiu a mesma roupa que usara no
dia anterior, prendeu rapidamente os cabelos em um coque e bateu timidamente na
porta de Sean. Ele atendeu no mesmo instante, como se já estivesse esperando. Eles
se olharam timidamente.
— Você dormiu bem? — ele perguntou. Ela fez que sim com um gesto de cabeça.
— E você?
Ele repetiu o gesto.
Logo em seguida, ela lembrou.
— Preciso ir ver Caroline. Sean olhou para os seios dela.
— Você precisa dar de mamar antes do café?
— Só preciso abraçá-la antes do café. Mas ela pode querer mais que isso. — Kate
sorriu.
— Posso ir também?
— E claro — respondeu surpresa. Sean não ficara apenas mais distante à medida
que se aproximavam de San Francisco, mas muito mais inseguro.
Eles entraram juntos no berçário e encontraram Caroline já acordada, vestida e
brincando com Noninha em uma cadeira de balanço.
— Estávamos justamente nos perguntando quando esses dois preguiçosos iriam
aparecer. Caroline já está reclamando pelo café da manhã.
Kate corou, mas o brilho nos olhos da Noninha deixou-a novamente à vontade.
— Já devia ter dado de mamar a ela.
Noninha se levantou, segurou a criança em um braço e fez sinal para que Kate se
sentasse na cadeira de balanço.
— A primeira lição que os pais devem aprender é que quando as crianças têm
fome, elas vêm sempre em primeiro lugar.
Sean concordou.
— Eu acho que já aprendi isso.
Kate pegou a filha e se sentou, preparando-se para alimentá-la.
— Ainda não encontrou seus pais? — Noninha perguntou a Sean.
Ele meneou a cabeça.
— Desceremos quando Kate terminar.

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— Não deixe que eles a intimidem, garota — Noninha preveniu-a. —


Principalmente minha nora. Ela acha que nasceu em um castelo francês, mas eu me
lembro de que meu filho encontrou-a cantando por um prato de sopa nos campos de
mineração.
Sean balançou a cabeça, mas sorria quando disse:
— Mamãe a mataria se soubesse que contou essa história a Kate.
— Bem, é a verdade. Trinta anos atrás, a maioria dessa gente de nariz empinado,
que se preocupa tanto em usar o talher certo para comer ostras, estava
escarafunchando os campos de mineração atrás de coisas para comer.
Kate abriu o vestido e ofereceu o bico do seio a Caroline. Estava tão fascinada
com a franqueza de Noninha que nem se lembrou de sentir-se constrangida.
— Quem os vê agora, nem imagina que isso possa ter acontecido — Sean
comentou.
Noninha virou-se para Kate.
— Lembre-se das minhas palavras, menina, quando alguém empinar o nariz para
você. Acho que nenhum deles teria a coragem de fazer o que você fez... Dar à luz e
cuidar desta linda criança sozinha. — Ela lançou um olhar de desaprovação a Sean.
-T- Obrigada, Noninha, mas não fiz isso sozinha. Muita gente me ajudou,
principalmente minha irmã Jennie.
— Ah, existe amor em sua família. Você e sua irmã tem sorte. Gostaria de
conhecê-la um dia desses
—Eu também quero que a conheça — Kate confirmou
— Agora vou deixá-la sozinha para cuidar de sua filha e, quando estiver pronta
para o café da manhã, avise-me que eu a levarei para dar um passeio.
— Não sei como agradecer-lhe.
— Bobagem, menina. Não me divirto tanto desde que Harriet perdeu a peruca
no baile Cotilion. — Ela deu uma risadinha e saiu do quarto.
— Sua mãe e sua avó não se dão bem? — Kate perguntou a Sean, que observava
a saída da avó com um ar divertido.
O sorriso desapareceu do rosto dele,
— Minha mãe pode ser... muito difícil, às vezes. Ela sentiu que havia mais a ser
dito.
— O que ela vai dizer a nosso respeito? E sobre Caroline? Sean suspirou e ergueu
os olhos para o teto decorado
com motivos florais.
— Não tenho a menor idéia, Kate. Mas assim que você terminar de amamentar,
vamos descer e descobrir.
Quando eles desceram, o senhor e Sra. Flaherty ainda estavam à mesa do Café,
uma refeição que era formalmente servida na sala de jantar. Kate e Sean entraram
pela porta dupla de mogno e juntaram-se à mesa na qual caberiam todos os mineiros
que Jennie alimentava diariamente na mina Wesley. Um imenso aparador encostado

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em uma parede estava cheio de travessas de prata com comida suficiente para
alimentar um batalhão.
Kate procurou não demonstrar seu espanto quando dirigiu-se ao casal que
ocupava uma das extremidades da mesa. O homem, sentado à cabeceira, era uma
versão mais velha de Sean, os cabelos antes negros já quase todos brancos. Ele se
levantou no momento em que os viu entrar.
A mulher, sentada à direita dele, era tão conservada que nem parecia ser a mãe
de Sean. Tinha cabelos ruivos e o rosto maquiado, não tanto quanto aqueles que as
senhoras evitavam olhar quando passavam pelas áreas periféricas de Virginia City, mas
maquiado mesmo assim.
— Ah, aí estão vocês — Patrick Flaherty comentou em um tom de voz caloroso.
— Bom dia, papai, mamãe — Sean cumprimentou-os. — Tenho o prazer de
apresentar-lhes minha esposa.
— Onde está a criança? — Harriet perguntou, sem ater-se à apresentação.
— Caroline está lá em cima com Noninha. Achei que gostariam de conhecer Kate
primeiro.
— E claro que sim — o pai interveio. — Essa pobre menina deve estar morta de
fome depois da viagem tão longa. Sirva-lhe o que ela quiser, filho.
Kate não sabia como entrar na conversa, uma vez que falavam a seu respeito
como se não estivesse presente. Mas lembrou-se das palavras de Noninha sobre não
deixar-se intimidar e respirou fundo:
— Tenho imenso prazer em conhecê-los — a voz saiu um pouco mais alta que o
normal. — E de estar aqui. Vocês têm uma casa muito bonita.
Harriet franziu os olhos para olhá-la. Kate notou os óculos ao lado do prato.
— Deixe-me vê-la, menina — ela pediu.
Kate olhou para Sean e caminhou até o outro lado da mesa, parando bem na
frente da sogra. Harriet fez um gesto para que ela se sentasse e olhou para Sean.
— Ela é bem bonita. Faça um prato para ela, Sean. Kate puxou uma grande
cadeira e sentou-se.
— Não ponha muito, por favor — pediu a Sean.
— Não é preciso fazer economia aqui, menina — disse Harriet. — Eu diria que
jogamos mais comida fora diariamente do que se tem lá nas montanhas de onde você
vem.
— Que pena — Kate murmurou, mas não teve certeza se Harriet a ouviu.
— Sean nos disse que você possui um tipo de hotel — Patrick comentou.
— Não exatamente. Minha irmã e eu abrimos nossa casa para pensionistas após
a morte de nossos pais.
— Você e sua irmã sozinhas? — ele perguntou. Kate assentiu.
— Não tínhamos outra renda para pagar as contas. Harriet fez uma cara de
repulsa que trincou a maquiagem nos cantos de sua boca.
— Que tipo de pensionistas?

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— Mineiros. Ficou muito difícil encontrar um lugar para morar depois da greve
na mina Wesley.
Harriet olhou para Kate e, em seguida, para o filho, que já havia disposto o prato
na frente de sua mulher e agora estava se servindo.
— Duas moças acolhendo homens em trânsito? Kate teve a mesma sensação de
quando se viu obrigada a explicar a inesperada gravidez a Henrietta Billingsley, em
Vermillion. Os pêlos da nuca se arrepiaram.
— Temos três mineiros que moram conosco há mais de um ano. São homens
muito bons. Depois mudou-se para lá o promotor distrital. Ele estudou em Harvard e
casou-se com minha irmã.
Harriet ficou impressionada com a informação e, de repente, pareceu se dar
conta de que o seu interrogatório estava se tornando incômodo.
— O que estou querendo dizer é que deve ter sido difícil para vocês... duas
moças desprotegidas... hospedarem homens estranhos.
Sean puxou ruidosamente uma cadeira ao lado de Kate e interrompeu a mãe.
— Acho que devemos deixar Kate comer antes que a comida esfrie.
Patrick tirou um relógio do bolso do colete.
— Preciso ir para o escritório.
— Eu também — disse Harriet, dobrando o guardanapo e empurrando a cadeira.
— Preciso estar na modista às dez horas.
— Pensei que quisessem conhecer Caroline — Sean lembrou.
— Veremos a criança à noite — Patrick retrucou bruscamente. — Não demore
muito para ir ao escritório, filho.
Sean assentiu.
— Assim que Kate e Caroline estiverem acomodadas. Patrick levantou-se:
— Prazer em conhecê-la, senhorita. — Ele saiu da sala sem se despedir da
mulher.
Harriet pareceu não notar.
— Se você terminar de comer logo, Sean, poderia levar-me à casa de madame
Lavalier.
Sean olhou para Kate e, em seguida, para o prato ainda intocado.
— Tudo bem. Dê-me apenas cinco minutos.
— Vou pegar meu xale. — Harriet virou-se para Kate com um sorriso. — Fique à
vontade, querida. Se precisar de alguma coisa, peça aos criados.
Kate retribuiu com um sorriso forçado. Que estranha recepção! A vida em Nob
Hill era muito diferente da cordialidade reinante na Pensão Sheridan. Ela não se
preocupava tanto consigo mesma, mas sim em como tanta frieza afetaria sua filha.
Concluiu que Caroline não conheceria o carinho dos avós, em meio ao luxo de Nob Hill.
— Importa-se de ficar sozinha? — Sean perguntou-lhe. — Ausentei-me por muito
tempo.
Kate balançou a cabeça em um gesto de negativa.

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— Não, parece que seu pai está precisando de você. Sean deu uma risada gelada.
— Duvido. O que pretende fazer?
— Vou desfazer as malas e talvez saia um pouco com Caroline para conhecer os
arredores.
— Tenha cuidado. Você está em uma cidade grande, e não em Vermillion.
Ela sorriu, feliz por vê-lo preocupado. Talvez os sentimentos estranhos fossem
devidos somente à novidade. Quando ela e Sean estivessem adaptados à nova vida, as
coisas seriam diferentes.
— Terei cuidado — ela garantiu-lhe e sorriu. E quando ele se curvou para beijar
levemente seus lábios antes de deixar a sala, o sorriso dela ganhou um brilho especial
que durou quase toda a manhã.

CAPÍTULO VI

O sabor dos lábios de Kate acompanhou Sean durante todo o trajeto até o prédio
em que ficavam o depósito e os escritórios das Empresas Flaherty. Ele deixou a mãe no
meio do caminho, ignorando, a maior parte do tempo, as conversas sobre os amigos
que haviam importado adornos ostensivos de castelos europeus. Construir mansões
havia se tornado uma obsessão da elite de Nob Hill, e Sean considerava esse assunto
tremendamente aborrecido.
Sua mãe não fizera menção alguma a Kate ou à criança. Certamente ela sabia
que esse casamento aconteceria antes mesmo que ele fosse para Vermillion. Sean
desconfiava de que ela fizera até promessas para que não desse certo. Agora que
estava em casa com a mulher e a filha, esperava que ao menos ela estivesse disposta a
facilitar a vida de todos. Por mais que a mãe desejasse vê-lo casado com uma das
lindas debutantes que desfilavam com os pais nas melhores festas, sua decisão já havia
sido tomada e nada mais poderia mudá-la.
Ao subir os degraus do imponente Edifício Flaherty, Sean sentiu-se perturbado.
Já trabalhava lá havia quatro anos, desde que terminara a faculdade em Nova York,
mas a tensão era a mesma a cada novo dia.
Foi com a intenção de se livrar dessa sensação que ele fora para as montanhas,
quase dois anos atrás. Contra a vontade dos pais, viajara com um amigo, filho de um
vizinho de Nob Hill. Eles queriam encontrar uma mina de ouro e mostrar aos pais que
eram capazes de enriquecer sem a ajuda da família. Mas em vez da mina de ouro, mal
cavaram minério suficiente para comprar comida. Charles Raleigh desistiu primeiro da
aventura e voltou a trabalhar com o pai na fábrica de relógios. E quando Sean ficou
sem dinheiro e começou a receber telegramas cada vez mais severos do pai, também
desistiu de seu sonho. Foi em um impulso que ele decidiu voltar, bastante
decepcionado com o próprio fracasso para ainda ter de enfrentar a bela jovem que
conhecera, a única coisa que valera a pena em sua aventura pelas montanhas.

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Ele deixou um bilhete, algumas flores e uma criança para Kate. Por milagre, ela
não o odiava.
— Que bom tê-lo de volta, Sr. Sean — Clarence Applewhite era chefe do
escritório nas Empresas Flaherty desde que Sean era criança.
— Obrigado, Sr. Applewhite. E bom estar aqui. Mas não era. Ele caminhou pelo
longo corredor para a
sala que seu pai ocupava com vista para a baía. A sua própria sala, encravada em
uma curva do corredor, nem janela tinha. Patrick estava com dois capitães de frota,
pessoas que Sean já vira várias vezes mas que pareciam vê-lo ainda como criança.
Eram homens do mar, com risadas fortes e linguagem rude, e nem se preocupavam em
demonstrar algum respeito pelo filho do patrão. Ninguém se levantou quando Sean
entrou na sala.
— Meu filho está de volta — Patrick afirmou o óbvio. Sean ficou surpreso ao
notar que seu pai estava mesmo satisfeito.
— Você andou cavando lá em Sierras, rapaz? — perguntou um dos homens. —
Teve sorte desta vez?
Sean apertou o nó da gravata. Mais do que com qualquer outro funcionário,
diante dos capitães ele se via em sua própria realidade. Sabia falar francês e citar
Virgílio, mas não passava de um garoto que ainda obedecia às ordens do pai.
— Desta vez ele trouxe uma coisa muito mais valiosa do que prata, capitão
Lawford. Uma bonita esposa.
Tanto os homens quanto Sean foram pegos de surpresa.
— Uma esposa? Bom para você rapaz. Meus parabéns!
— Sim, parabéns — disse o outro brevemente e, em seguida, voltou-se para
Patrick. — Vamos ver no que dará essa rota alternativa, Sr. Flaherty. Gostaria de tentar
antes do inverno.
— Eu também — o capitão Lawford concordou. — Campbell e eu podemos
apostar uma corrida.
Eles se esqueceram completamente da presença de Sean.
— Mantenham-me informado — Patrick levantou-se, indicando que a entrevista
havia terminado. — Agora preciso ficar a sós com meu filho.
— É claro — Lawford concordou. Os homens dirigiram-se para a porta, e Lawford
bateu nas costas de Sean ao passar por ele. — Bom trabalho, rapaz. Já era hora de
constituir família e dar continuidade ao nome Flaherty.
Quando os homens saíram, Patrick sentou-se e pediu ao filho que fechasse a
porta.
— Sente-se, filho. Agora que sua mãe não está aqui para tentar adivinhar qual é
a origem de sua mulher, podemos conversar.
Sean sorriu e tomou a cadeira diante da mesa do pai. Por mais estranho que
pudesse parecer, aquele era o único lugar em toda a empresa em que ele se sentia
bem. Jamais gostara de seu setor, e quando tratava com outras pessoas da empresa

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sempre tinha a impressão de que ninguém se esquecia de que ele era filho do patrão.
Sempre tivera as melhores conversas com o pai sentado exatamente naquele mesmo
lugar, um na frente do outro, naquele escritório amplo e ensolarado. Era bem mais
fácil conversar com ele longe do clima claustrofóbico da mansão Flaherty.
— Não estou preocupado com o passado de Kate, mas temo que mamãe não o
considere condizente com seus padrões — ele começou.
— Foi você quem se casou com ela, não sua mãe. Só o que importa é que você e
Kate sejam felizes. Isso não é fácil de se conseguir.
Sean sabia que seu pai não era feliz no casamento.
— Farei o que for possível, pai. Só espero poder compensá-la por tudo o que
passou nesse último ano e meio. Kate quase morreu para ter Caroline.
Patrick contemplou os barcos distantes pela janela.
— Bom, quanto a isso não há muito que se possa fazer. Se há uma coisa que
aprendi é que não se pode reviver o passado. E também não adianta muito sentir
remorsos.
— Acho que não.
Fez-se um longo silêncio. Então Patrick abriu uma gaveta de sua escrivaninha,
tirou um talão de cheques e começou a escrever.
— Tome. Leve isto ao banco e pegue algum dinheiro para comprar roupas novas.
As mulheres gostam disso.
—.Não tenho a menor idéia de como comprar roupas para ela.
Patrick terminou de preencher o cheque, balançou a folha para secar e deu-o a
Sean.
— Pergunte à modista de sua mãe, a tal de Frenchie. Compre também algumas
coisas para a criança. E algumas bobagens. Um lenço de pescoço, elas apreciam.
Sean aceitou o dinheiro sem muito ânimo.
— Eu deveria, no mínimo, concluir um dia de trabalho para ganhar isto em vez de
gastar—ele sorriu ironicamente.
— Não se preocupe com isso. Há muito tempo para que você volte a se sentar a
sua mesa.
Sean hesitou, mas dobrou o cheque e guardou-o no bolso.
— Obrigado, papai.
— Não há de quê — Patrick disse rispidamente, folheando uns papéis sobre a
mesa. — Compre coisas bem . bonitas. — Fez um sinal para que o filho se retirasse.
Depois de descontar o cheque do pai, Sean voltou à loja de madame Lavalier.
Ficou aliviado ao encontrar a mãe ainda lá, discutindo os modelos de seu guarda-roupa
de inverno com a modista e sua assistente. Quando ele explicou o que fazia lá, a mãe
tirou o dinheiro de sua mão, prometeu encontrar uma nova roupa para Kate e
mandou-o embora.
— As moças adoram roupas novas — ela acrescentou. — Parece que ela dormiu
todas as noites com aquele vestido que está usando.

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— Ainda não abrimos o baú — Sean explicou, mas a mãe não deu importância.
— Ela ainda está amamentando a criança? Terá de interromper isso
imediatamente. Vai engordar como uma vaca antes que você se dê conta.
— Acho que essa decisão deve ser de Kate, mãe. — Sean sentiu-se incomodado.
Ela riu e dirigiu-se à bajuladora madame Lavalier.
— Os homens não entendem dessas coisas. Nós vamos cuidar bem da pobre
moça, não vamos, madame?
E madame garantiu a Sean que sim. Ele não tinha muita certeza se Kate gostaria
de ser recebida pela modista, mas por enquanto havia se livrado da responsabilidade.
E como seu pai o liberara do trabalho, decidiu passar pelo Golden Garter e arriscar a
sorte em uma roda de jogo. Naquele momento, tomar um drinque em uma rodada de
cartas impessoal e tranqüila era estar a um passo do céu.
— Foi Sean quem pediu para comprar essas roupas? — Kate olhava consternada
os três vestidos que a sogra levara a seu quarto.
— Presentes para minha mulher, foi o que ele disse. Sean sempre foi muito
generoso — Harriet respondeu.
Kate mordeu o lábio inferior e segurou um dos vestidos em sua frente.
— São muito... bonitos, mas não sei se servirão.
— Madame fará todos os consertos necessários. Amanhã ela estará aqui para a
prova.
Kate deixou o vestido sobre a cama e pegou um objeto fofo que parecia uma
almofada em forma de lua crescente.
— O que é isto?
Harriet estalou a língua, exasperada.
— Isso é uma anquinha, meu bem. Precisamos trabalhar um pouco as nossas
formas.
Kate nunca havia pensado nisso, mas lembrou-se de que Seanjá elogiara suas
formas esguias. As curvas fartas das mulheres que ela vira andando pelas ruas quando
entraram na cidade eram, evidentemente, o que os homens apreciavam na época. Ela
colocou a peça na cintura e fez uma cara duvidosa.
Harriet tirou-a das mãos dela.
— Isso vai atrás, assim. Na verdade, vamos ter de arrumar também um novo
espartilho para você, agora que vai parar de amamentar.
— Como? — Kate olhou com surpresa para a sogra. Harriet baixou o tom de voz
em um sussurro conspirador.
— Logo, logo, meu bem. Simplesmente não se mantém isso por muito tempo.
Não faz bem à saúde, e seu corpo ficará completamente destruído.
Kate anuiu vagamente com um gesto de cabeça. Nas montanhas, as mulheres
amamentavam seus filhos até dois ou três anos de idade. Pelo jeito fazia-se de maneira
diferente na cidade grande, ao menos em Nob Hill.
— Por que não usa um dos vestidos novos no jantar dessa noite? Estou certa de

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que Sean adoraria. Quer que eu mande a criada para ajudá-la a vestir-se?
As roupas eram muito mais complicadas que qualquer coisa que Kate já havia
usado, mas a idéia de precisar de uma criada para vestir-se era repugnante.
— Eu me arrumarei sozinha. E obrigada pelos vestidos.
— Agradeça a seu marido, querida.
Kate esperou a sogra sair para experimentar os vestidos novos diante do
espelho.
— Não posso acreditar que Sean tenha escolhido essas coisas para mim — ela
disse em voz alta ao se ver no espelho. Talvez estivesse errada. Olhou para o vestido
simples e confortável de algodão que estava usando e reconheceu que agora, de volta
à sociedade, talvez Sean quisesse vê-la vestida como as moças ricas da elite de San
Francisco.
Ela olhou-se novamente no espelho. O vestido tinha infinitas camadas de
babados no corpete e na saia. As mangas eram ridiculamente fofas. E uma anquinha!
Kate suspirou, estendeu a extravagante criação cor de púrpura sobre a cama e
começou a desabotoar o vestido. Iria sentir-se ridícula ao jantar com essa roupa, mas a
usaria mesmo assim. Era um presente de Sean, e se isso pusesse um sorriso nos lábios
dele, usaria até um saco de farinha.
Sean lembrou-se do estranho sentimento que o dominara ao ler a carta de
Jennie sobre o bebê e reconheceu toda a dificuldade que Kate deveria ter passado
depois que a abandonara sem notícias. Estava sentindo mais ou menos a mesma coisa
naquele momento, ao subir os degraus da mansão Flaherty. Ao chegar no alto, apoiou-
se por um momento em um dos leões de cimento que ladeavam a porta de entrada.
Parou para decidir que história contaria para justificar sua ausência na primeira noite
de Kate com seus pais.
Já passava da meia-noite. Se tivesse sorte, ela já estaria dormindo e não
precisaria enfrentá-la até o dia seguinte. Ele cruzou os braços sobre a juba do leão.
Sempre achara horríveis as elaboradas decorações que sua mãe fazia na casa, mas
amava aqueles leões. Havia anos eles guardavam estoicamente a entrada, indiferentes
ao calor e às chuvas. Diferentes de outros adornos, que eram trocados conforme as
últimas tendências da moda, eles inspiravam permanência e solidez reconfortantes.
— Posso dormir aqui fora com você, Leo? — ele perguntou em voz alta,
enrolando levemente a língua. Anos atrás, ele batizara o casal de Leo e Lily, antes
mesmo de saber que apenas os machos tinham jubas.
Leo não se manifestou, mas não fez objeção alguma de ter um bêbado
desavergonhado pendurado em seu pescoço. Diante disso, talvez Leo fosse uma
companhia muito melhor do que qualquer pessoa que estivesse dentro da casa.
Sean repousou a cabeça nas costas do leão. Que grande canalha se saíra! Deveria
ao menos ter estado presente para apresentar Caroline a seus avós. Como podia
esperar que eles aceitassem aquela neta que aparecera de repente na vida deles sem
ao menos estar por perto para defender sua causa? Ele endireitou-se, ainda

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segurando-se na estátua para não cair.


— Sou um cafajeste, Leo. Você gosta de cafajestes? Novamente, o leão não se
manifestou. Sean deu de
ombros e virou-se na direção da porta.
— Desculpe-me, Kate — disse, antes de entrar na casa. — Você não fez uma boa
escolha.
As batidas na porta foram hesitantes, mas altas o suficiente para acordar Sean de
seu sono embalado pelo uísque. Por um momento ele não se lembrou de como havia
chegado até a cama, mas logo as lembranças começaram a voltar, até mesmo a
conversa com o leão, na porta de casa.
— Um minuto — ele pediu. As palavras provocaram uma dolorosa vibração
desde o maxilar até as têmporas. Quantas doses bebera na noite anterior? O suficiente
para cair na cama completamente vestido, com botas e tudo. Ele conseguiu se levantar
e arrastou-se até a porta para abri-la. Talvez Kate sentisse pena ao vê-lo naquele
estado.
Mas a expressão do rosto dela, não parecia nada simpática.
— O que aconteceu com você ontem à noite? — ela perguntou. Parecia muito
zangada, mas ainda havia uma ponta de dúvida na voz dela, como se quisesse acreditar
que sua ausência tivesse uma boa explicação.
Sean adoraria poder saborear uma boa xícara de café, antes de começar aquela
conversa, mas ela não saía da frente, esperando pela resposta.
— Eu me encontrei com alguns amigos. Ela arregalou os olhos.
— A noite toda?
— Acho que não percebi o tempo passar. — Sean virou-se e foi se sentar na
beirada da cama.
— Não se lembrou de que tinha de estar aqui para apresentar sua filha a seus
pais? — Fitou-o desconfiada.
Ele balançou a cabeça negativamente. Na verdade, lembrara-sé disso a cada
cinco minutos, e por isso mesmo bebia mais uma dose.
— Desculpe-me, Kate. Você esteve com meus pais? Eles conheceram Caroline?
Ainda na porta, ela respondeu com a voz trêmula.
— Sim, Sean, estive com seus pais. Mostrei nossa filha a eles, mas com seu
misterioso desaparecimento, não sei se eles acreditaram que ela é mesmo sua filha.
— Kate, posso lhe garantir que ninguém duvida disso.
— Como você sabe? Não estava lá para ver. Sua mãe fez várias perguntas
delicadas sobre todos os homens que hospedei em minha casa, insinuando... nem sei o
quê. No final do interrogatório, até seu pai já olhava para mim meio desconfiado e
comentou que sua ausência era bastante intrigante,
Sean balançou a cabeça em um gesto de negação, gemeu de dor, então baixou o
olhar para o tapete.
— Eu conversarei com eles hoje. Dará tudo certo, você verá. Quando eles

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conhecerem melhor Caroline, irão amá-la... e a você também. — Sean ergueu a cabeça
e fez o possível para exibir seu melhor sorriso.
A expressão de Kate não se alterou.
— Quase morri de preocupação quando você não voltou para casa. Achei que
alguma coisa terrível houvesse acontecido.
Sean levantou-se, caminhou em sua direção, aproximou seu corpo resistente e
abraçou-a.
— Não há desculpa, Kate. Fiz uma coisa terrível. Fui até o Golden Garter
encontrar uns amigos e acabei me sentando em uma mesa de jogo. Uma coisa leva a
outra... — ele murmurou, as palavras em tom suave, e fez pequenas carícias ao longo
das costas de Kate. — Sou um canalha. Você deve me odiar.
— Eu não o odeio, Sean — ela murmurou, a voz bem mais calma agora.
— Bem, mas deveria. —A mão dele alcançou a cintura e aproximou-a mais junto
de si, os lábios roçando o pescoço. — Faremos o que você quiser, querida. Passaremos
o dia juntos. E... — ele se afastou, e o rosto iluminou-se —, ...recebeu os presentes que
lhe mandei?
— Sim, sua mãe trouxe os vestidos. São muito... bonitos.
— Compraremos outros. Faremos um novo guarda-roupa. E jóias. Tudo ò que
você quiser.
Kate ficou confusa.
— Sean, não precisa me dar presentes só porque estou aborrecida com seu
comportamento. O fato de eu estar zangada não significa que deixei de amá-lo, e sim,
apenas, que me desapontei por você não estar presente ontem à noite. Achei falta de
consideração não me dizer aonde ia.
Foi uma explicação calma e lógica. Não era o tipo de raiva ao qual Sean estava
acostumado. Quando seu pai se zangava, tornava-se distante, frio. Quanto à mãe,
gritava tanto que toda a vizinhança ficava sabendo o que havia acontecido.
Mas a delicadeza de Kate diante de sua transgressão só o fazia sentir-se ainda
mais culpado.
— Se não quer presentes, o que posso fazer para compensá-la?
Kate olhou-o de alto a baixo.
— Para começar, acho que deveria trocar de roupa. Está com o mesmo terno que
usou ontem.
— Vou me lavar e trocar de roupa. Depois levaremos Caroline conosco para
tomar café. Se meus pais ainda estiverem lá, pedirei desculpas a eles. — Sean
concordou, envergonhado.
Ela acreditou na sinceridade de seu arrependimento e sorriu.
— Esperarei por você no berçário. A propósito, Caroline está adorando aquele
lugar e também Noninha.
— Todo mundo adora Noninha. — Sean sorriu e beijou o rosto dela. — Obrigado
por ser tão compreensiva, Kate.

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Ela sorriu e deixou-o sozinho para se recompor.


Kate não estava sendo tão compreensiva com Sean quanto seu sorriso indicava,
só não sabia como agir com o desaparecimento inesperado do marido. De tudo o que
imaginara que poderia encontrar no mundo fantástico de San Francisco, jamais pensou
que o enfrentaria sem ter Sean a seu lado para confortá-la. A noite anterior havia sido
terrível, desde o momento em que vestira o estranho vestido cor de púrpura, até o
final, quando mostrara Caroline pela primeira vez aos avós.
Patrick foi muito frio, deu um sorriso distante para a criança e, em seguida,
consultou o relógio como se tivesse um importante compromisso de negócios. Harriet
limitou-se a dizer:
— Está vendo como essa pobre criatura está magrinha, Kate? Era isso que eu
estava lhe dizendo. Ela precisa ser alimentada civilizadamente.
Kate estava quase chorando quando voltou ao conforto do berçário. Sentou-se
na grande cadeira de balanço e deu de mamar à filha como sempre fizera desde que
ela nascera, mas pegou-se examinando os bracinhos da criança e perguntando-se se
Harriet não teria razão. No dia seguinte perguntaria a Noninha onde conseguir algumas
faixas para interromper a amamentação.
Mas naquela manhã, Kate tinha outras preocupações.
Não dormira muito bem, mas não ouvira Sean chegar. Acordou agitada,
acreditando que alguma coisa houvesse acontecido com ele na cidade perigosa. Então,
a criada que lhe trouxe a bacia com água quente garantiu-lhe que o Sr. Sean estava
dormindo em seu quarto. Kate agradeceu-lhe, envergonhada por ter sido obrigada a
perguntar-lhe sobre o próprio marido, e também por ter esquecido o nome da moça.
Ainda não conseguia reconhecer o exército de criados necessários para cuidar da casa
dos Flaherty.
Livre da preocupação de que Sean pudesse estar caído em algum lugar com a
cabeça rachada ao meio, vestiu-se devagar, na esperança de que ele acordasse e
irrompesse pela porta de conexão com desculpas desesperadas e uma boa explicação
para sua ausência. Mas quando terminou de se vestir e não ouviu som algum no
quarto ao lado, decidiu bater na porta.
Agora, sentada no grosso tapete do berçário, brincando com Caroline, ela
pensava em como deveria reagir ao fato de que Sean não voltara para casa porque
estivera envolvido com o álcool e o jogo. Ela já ouvira falar de homens que tinham
problema de bebida. Em Vermillion havia um ou dois bêbados, criaturas dignas de
pena. Certamente seu charmoso, risonho e refinado Sean não seria como eles.
No pouco tempo em que os vira juntos, Kate já sentira a tensão que existia entre
Sean e seus pais. Talvez ele não tivesse aparecido na noite anterior por se envergonhar
do fato de Caroline ter nascido tanto tempo antes de eles se casarem. Ela também
conhecia essa vergonha. Suportou-a por muitos meses, antes do nascimento da
criança, e algum tempo depois. Para Sean, era tudo muito novo ainda.
Essa explicação fazia mais sentido que a bebida. Ele teria de vencer essa

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vergonha, tal como ela o fizera, para que tudo voltasse ao normal. Enquanto isso,
tentaria entender, tentaria ajudá-lo a atravessar essa fase. Não seria fácil. Sabia que
Harriet era o tipo de mãe que, se quisesse, faria o filho sentir-se envergonhado por
muito tempo.
Sean surgiu na porta com uma aparência muito melhor do que alguns minutos
atrás. Estava barbeado e vestira um terno azul limpo com uma camisa branca como a
neve. Os cabelos negros estavam penteados para trás. Kate levou um susto diante de
tanta beleza. Sorriu para ele, e Caroline estendeu-lhe os bracinhos.
Sean retribuiu o sorriso com uma expressão de alívio e gratidão e, em seguida,
sentou-se no tapete junto com elas.
— Como está minha menina hoje? — ele perguntou a Caroline e deu um beijo no
rosto dela. Sua filha deu gritinhos de alegria. — E como está a mãe dela? — perguntou
com mais suavidade, buscando o olhar de Kate.
— A mãe dela está ótima — Kate também respondeu com suavidade. — Mas
sentiu sua falta ontem à noite.
Sean passou a mão pelo rosto dela.
— Hoje não sairei de seu lado. Que tal levarmos Caroline a um passeio pela
cidade?
— Nós gostaríamos muito.
Sean sentou Caroline sobre seus joelhos e começou a imitar o galopar do cavalo.
— Vamos passear mais tarde, querida? A menina dava gritinhos de alegria.
— Você não vai trabalhar? — Kate perguntou. Sean riu.
— Ninguém sentirá minha falta. É mais importante para mim mostrar a cidade a
minha família.
Kate sorriu satisfeita. O problema de Sean era superar a desaprovação dos país
por seu casamento forçado. Tão logo isso estivesse resolvido, poderiam ter uma vida
feliz a três.

CAPÍTULO VII

Foi um dia maravilhoso. Kate ainda exultava quando foi vestir-se para jantar. Eles
levaram Caroline ao porto para ver os imensos navios com seus mastros brilhantes
contra o céu azul. Depois subiram ao topo do morro Telegraph para admirar a vista da
baía e da cidade, estendendo-se magnificamente no horizonte. Kate nunca vira nada
igual.
Caroline comportou-se muito bem durante todo o dia. Encontraram um lugar
tranqüilo para Kate alimentá-la discretamente no meio do passeio; e ela decidiu que
no dia seguinte tentaria interromper o aleitamento materno. Se quisesse ser mãe e
esposa na cidade grande, teria de aprender a agir de acordo com essa nova vida.
Nem o fato de usar outro vestido novo que Harriet escolhera estragou o seu bom

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

humor. Aquelas roupas não faziam seu estilo, mas Sean deveria gostar porque as tinha
escolhido.
Mas quando Sean entrou no quarto para buscá-la para jantar, a sua expressão
dizia que alguma coisa estava errada. Talvez ele a estivesse achando muito magra. Kate
sorriu e deu uma volta na frente dele.
— Ainda não lhe agradeci pelos vestidos. Foi muito gentil de sua parte.
Ele engoliu em seco e perguntou.
— Você gostou deles?
— Bem, são diferentes do que estou acostumada a usar, mas somos todos um
pouco antiquados em Vermilhon. — Ela olhou por cima do ombro, tentando ver as
costas. Depois virou-se para mostrar a Sean o efeito da anquinha. — Acho que estes
truques ainda não chegaram às montanhas.
Sean riu.
— Acho que estou um pouco desatualizado.
Kate não entendeu.
— Mas foi você quem escolheu este vestido. —Não, confesso que não fui eu.
Deixei a escolha a critério
de minha mãe. Mas agora acho que não foi uma boa idéia. Kate tentou disfarçar
o que sentia.
— É que eles são tão... enfeitados! — ela suspirou
desanimada.
Sean passou o braço pela cintura dela e disse:
— Meu amor, não se preocupe. Você fica bonita com qualquer coisa. Se não
quiser usar esses vestidos, daremos a uma criada e compraremos outros.
Era tudo o que ela queria ouvir. E depois de um dia tão agradável, Kate desceu
para jantar com o coração leve. Mas não demorou muito para que a sogra estragasse
seu bom humor.
— Kate não ficou linda com as novas roupas? — ela
perguntou a Sean.
— Ela fica bem com qualquer coisa, mas seu gosto e mais simples, mãe. Vamos
procurar um estilo diferente.
Harriet suspirou.
— Devem ser todos muito simples no lugar de onde ela veio, mas agora Kate é
uma Flaherty. Não pode sair pelas ruas parecendo uma roceira.
— Concordo com meu filho — disse Patrick, erguendo os olhos do prato. - Ela
fica bem com qualquer coisa. Não se preocupe, Harriet, isso não vai desgraçar o nome
da família — acrescentou com certo sarcasmo.
Novamente, Kate ficou incomodada com o fato de talarem a seu respeito como
se não estivesse presente.
— Minha mãe nos ensinou que não são as roupas que contam, e sim o que a
pessoa é.

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— Tenho certeza de que sua mãe fez o melhor com os recursos que tinha —
Harriet concluiu com um sorriso irritante.
Sean estava consternado e tentou mudar de assunto.
— Desculpem-me não estar aqui para apresentar-lhes Caroline ontem à noite. O
que vocês acharam de sua neta? Não é linda?
Patrick estava às voltas com a carne em seu prato. Com um pedaço na boca, ele
murmurou: :— É uma gracinha.
— Muito magrinha — observou Harriet. — Esperemos que fique mais robusta
com a comida saudável e o ar marinho. As montanhas não são boas para bebês.
Kate não tinha tocado na comida. A carne estava mal-passada e causava péssima
impressão.
— Estranho... Todas as crianças que conheci foram criadas na montanha. E a
maioria é excepcionalmente saudável.
Sean apoiou a esposa.
— Não há nada de errado com a saúde de Caroline. Harriet não se sentia
confortável com aquela conversa
e resolveu mudar de assunto.
— Com quem você esteve ontem à noite, Sean?
— Encontrei primeiro com Wellington e depois com Charles Raleigh.
— Ótimos rapazes. Perguntou pelos pais deles?
— Eles não são mais rapazes, mamãe. Charles está ocupando o lugar do pai nos
Relógios Raleigh, e Wellington tem um escritório de advocacia.
— Seus amigos pertencem a ótimas famílias. Cynthia Raleigh é a mulher mais
elegante que já conheci. Charles contou que estão construindo em Van Nuys? Ela vai
causar inveja à cidade inteira.
— Não falamos sobre isso, mamãe. Harriet voltou-se para Kate.
— Não me leve a mal, querida, mas todos diziam que Sean e Penélope, irmã de
Charles, formavam um belo par. É claro que isso já faz muito tempo.
Para Kate, foi como se o colarinho embabadado de seu vestido novo estivesse
enforcando-a. Ela baixou os olhos para a carne sangrenta e intocada em seu prato e,
calmamente, afastou a cadeira.
— Desculpem-me. Não estou com fome. — E então, tranqüilamente, levantou-se
e saiu da sala.
Ninguém se opôs. Sean colocou um pedaço de batata na boca, mastigou-o e o
engoliu.
— Espero não ter magoado os sentimentos dela. Parece ser uma pessoa muito
sensível, não é, Sean? — Harriet perguntou.
— Você não disse nada de mais, Harriet — Patrick observou bruscamente. —
Apenas que gostaria que Sean houvesse se casado com outra pessoa.
— Qual é o problema de uma mãe querer um casamento melhor para seu filho?
Sean pôs dois pedaços de batata na boca e nem sentiu o que estava comendo.

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— Também não tenho fome — disse bruscamente e jogou o guardanapo sobre a


mesa. — Com licença.
Saiu da sala e subiu a escada para o quarto de Kate, esperando encontrá-la aos
prantos na cama. Mas o quarto estava vazio. No berçário, Noninha embalava Caroline
e não havia visto Kate.
Sean finalmente encontrou-a nos fundos da casa, em uma saleta que sua mãe
chamava de sala de música, embora ninguém ali tocasse instrumento algum. Estava
sentada em um pequeno sofá, olhando, através da janela, o sol se pondo atrás de um
grande carvalho. Ergueu os olhos para Sean e sorriu com tristeza.
— Foi rude de minha parte. Desculpe-me. Sean sentou-se ao lado dela.
— Não precisa se desculpar, Kate. Minha mãe é quem
foi rude.
— Não, ela fez bem em dizer aquilo. Eu imagino quanto ficou desapontada com
nosso casamento, por ter eliminado qualquer possibilidade de você encontrar uma boa
candidata entre as famílias importantes daqui.
Sean passou o braço sobre os ombros dela e puxou-a para perto de si.
— Meu bem, ela está tentando casar-me com a filha de um milionário desde que
comecei a usar calças compridas. Mas nunca me interessei por mulher alguma de San
Francisco. Jamais quis alguém até encontrá-la.
Kate sorriu e apoiou a cabeça no ombro dele. Lá fora estava escuro, e a saleta
não tinha as mesmas arandelas à gás que iluminavam o resto da casa. Apenas uma
pequena lamparina a óleo era responsável pela iluminação difusa e aconchegante.
— Você pode me dizer isso mais vezes?
— Sempre que você quiser. — Sean riu. — Não é sempre que consigo me
lembrar de dizer coisas assim.
Eles ficaram em silêncio. Então Kate moveu naturalmente a cabeça, e os lábios
deles se encontraram em um beijo suave.
Todo o corpo de Sean vibrou naquele momento. Ele vinha procurando não
pensar no aspecto físico de seu casamento. De certa forma estava se punindo por ter
se aproveitado de Kate tempos atrás. Ele a desgraçara e deixara-a em uma situação
difícil ao ceder a seus instintos básicos, e ainda não tivera forças para enfrentar sua
própria família, declarando que a amava. Agora estava decidido a recuperar o tempo
perdido. Seria um pai para Caroline, um marido para Kate e enfrentaria a própria
família se fosse preciso. Suas necessidades físicas nunca mais interfeririam em suas
decisões. Por mais que quisesse continuar os beijos, ele se afastou.
— Não foi justo de minha parte trazê-la aqui sem lhe dizer quanto minha família
é diferente da sua, Kate.
— Eu não esperava... Ele encostou gentilmente o dedo nos lábios dela.
— Não, deixe-me terminar. Sei que meu pai é frio e distante, e que minha mãe é
calculista e não pensa no que diz. Embora não sejam pessoas fáceis de se conviver,
eles também têm um lado bom.

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— Só gostaria que sua mãe não fosse contra mim. Sean acomodou-a melhor em
seus braços.
— Às vezes acho que ela seria contra qualquer mulher que eu escolhesse, Kate,
mesmo que fosse da alta sociedade. Ela é assim mesmo. Você terá de aprender a
conhecê-la sem se aborrecer. E acredito que meu pai esteja muito bem impressionado
com você.
Kate riu.
— Eu não tenho tanta certeza.
— Bem, ele não fala muito, mas o pouco que disse a seu respeito foram palavras
elogiosas. Foi idéia dele comprar aqueles vestidos desastrosos.
— Eles não são desastrosos. São apenas... Sean riu e beijou a ponta do nariz de
Kate.
— Desastrosos — ele concluiu. — Vamos comprar outros dos quais você goste.
— Sean, eu não preciso de roupas. Preciso de você... de nós... Quando estou em
seus braços, o resto do mundo não tem a menor importância para mim.
Ele a beijou novamente, desta vez na boca, e em seguida outros beijos vieram. A
respiração de ambos tornou-se mais profunda. .
— Para mim também — ele sussurrou.
— Então por que me deixou sozinha ontem à noite? Ele se afastou.
— Já lhe pedi desculpas.
— Eu sei. Não vamos mais falar nisso. E que nesses primeiros dias, eu preciso de
você, Sean. Quando você está aqui, não me sinto só.
— Ah, Kate. — Ele encostou-se no sofá e sentou-a no colo, embalando-a como a
uma criança — Nunca mais a deixarei sozinha. — Ele começou a beijá-la outra vez, mas
parou de repente. — Vamos ter nossa própria casa.
— O quê?
— Você, eu e Caroline. Encontraremos uma casa para nós. Então só vamos ouvir
as besteiras de minha mãe quando viermos aqui uma vez por semana para o jantar de
domingo. — Ele parecia um garotinho planejando sua festa de aniversário.
— Nós temos dinheiro para isso?
— Vou pedir um aumento de salário a meu pai. Ou uma participação nos lucros
da empresa. Estou lá há quatro anos e já é hora de provar que sou filho do
proprietário. Charles Raleigh recebe três vezes mais do que eu.
A idéia de ser independente e ter a própria casa era simplesmente fantástica. Ele
sentiu-se revigorado com aquela possibilidade e feliz com as sensações despertadas
em seu corpo, provocadas pelo contato com Kate.
— Seria maravilhoso ter um lugar só para nós — ela disse, pensativa.
Mas ele não a queria pensativa; queria-a como estava na noite de núpcias,
desejosa e faminta. Tomou um seio na mão e através dos babados do vestido pôde
sentir o mamilo endurecido.
— Uma casa só nossa, querida, para que eu possa amá-la em todos os cantos.

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Kate riu e encostou-se no braço dele, facilitando o acesso às mãos ansiosas. Ela
gemeu quando ele encontrou o ponto sensível sob suas saias.
— Estou louco por isso desde nossa noite de núpcias — Sean murmurou.
— Eu também — Kate admitiu. — Mas você me parecia tão cansado, distante. E
ontem à noite nem estava em seu quarto.
Sean beijou-a por todo o rosto.
— Devíamos estar em meu quarto agora. Posso carregá-la pelos corredores até
meus aposentos, querida, e escandalizar os empregados?
— Por que não vamos andando até lá? — Ela deu outra risada feliz.
— Não sei se conseguirei chegar. — Ele olhou para a porta. — Essa maldita
fechadura não tranca.
As palavras mal saíram de sua boca quando a maçaneta girou e, para o horror de
Kate, Harriet surgiu na porta. Quando viu os dois abraçados no sofá, seus olhos se
arregalaram.
— Estou interrompendo alguma coisa?
— Para ser sincero, sim.
Mas Kate saiu do colo de Sean e disse com toda a dignidade que lhe foi possível:
— E claro que não, Sra. Flaherty.
Harriet entrou, sem se preocupar em desviar o olhar enquanto Kate ajeitava os
babados do vestido.
— Ótimo. Mandei dizer à madame Lavalier que os vestidos não foram de seu
agrado, e ela insistiu em mandar a assistente aqui imediatamente para tirar suas
medidas e fazer outros.
Sean adiantou-se.
— Ela terá de esperar até amanhã, mamãe. Isso não é hora de pensar em
vestidos.
— O que é isso, Sean? A mulher estará aqui a qualquer momento. Seria
tremendamente rude mandá-la de volta.
— Não sabia que você se preocupava em não ser rude com os lojistas, mamãe —
Sean comentou com ironia.
— Não, Sean — Kate interferiu. — Sua mãe tem razão. Gostaria que não se
preocupassem com novas roupas para mim, mas se a mulher vem até aqui no meio da
noite, seria uma descortesia não recebê-la.
Harriet sorriu.
— Vamos para meu quarto, querida. Sean pode esperar, bebendo um Porto com
o pai dele. — Voltou-se para o filho. — Ele está tão feliz que você esteja em casa, Sean.
Kate saiu atrás dela, lançando um olhar pesaroso para Sean.
Ele deu um soco na almofada do sofá. Mais uma vez a mãe exercia uma sinistra
capacidade de interferir na vida dele nos piores momentos, desde criança ela
conseguia estragar os prazeres que considerava indignos da família. Ao mesmo tempo,
fingia não reparar em suas bebedeiras, desde que os companheiros de farra fossem de

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linhagem impecável.
Ele fechou os olhos e deixou o corpo excitado cair no sofá. Sempre fora mais fácil
deixar a mãe vencer aquelas disputas. Mas é que nunca houvera uma razão
suficientemente forte para fazer valer seus direitos. Por trás das pálpebras fechadas
dançava a imagem de Kate em seus braços, os lábios inchados de seus beijos, o olhar
amoroso e sensual. Por ela valia a pena lutar.
A assistente de madame Lavalier era uma mulher roliça que fazia comentários
elogiosos enquanto tirava as medidas e, aparentemente, não se incomodava que nem
Harriet nem Kate achassem graça.
Kate só pensava em Sean, nos beijos que trocaram na saleta de música, na clara
excitação que sentira quando sentara no colo dele. Mais tarde, quando as
intermináveis medidas fossem tiradas, ela abriria aquela porta intermediária e
finalmente se deitaria na cama dele.
Quando a costureira terminou, Kate agradeceu rapidamente a Harriet e correu
ao berçário para dar a Caroline a mais rápida mamada noturna de sua vida. Depois
correu para o quarto e tirou da gaveta a camisola que ganhara de Jennie. Após lavar-se
rapidamente, ela se vestiu.
Não havia barulho algum no quarto ao lado. De repente ocorreu-lhe que se Sean
passara a noite anterior fora, talvez já estivesse dormindo. Ela aproximou-se da porta
na ponta dos pés. Por um momento, pensou em desistir, mas mudou de idéia. Era a
mulher de Sean, seu lugar era ao lado do marido na cama. Pouco importavam os
hábitos da cidade grande.
Lentamente, ela abriu a porta. Não havia luz acesa, mas a luminosidade de seu
quarto alcançou a cama ainda arrumada. Não havia ninguém no quarto. Seu marido
não estava lá.
— Ele passava muito tempo com os amigos antes de eu chegar? — Kate
embalava Caroline na cadeira de balanço e falava com Noninha, que bordava um
vestido para a bisneta.
— Sean nunca dispensou programa — a senhora respondeu com cuidado.
— Está se referindo a bebidas e jogos?
— Estou me referindo a qualquer coisa que o ajude a esquecer que não faz nada
na vida.
— O que quer dizer com isso? — Kate parou o movimento da cadeira.
Noninha sorriu e pôs o bordado de lado.
— Assim como muitos rapazes de Nob Hill, Sean foi educado com fartura.
Sempre teve tudo o que precisou e quis, nunca teve de lutar por nada na vida.
Kate ficou assustada com o que ouviu. Desde que conhecera Sean, considerava-o
uma pessoa de sorte. Ele tinha tudo. Até a sua busca em Vermillion fora mais uma
aventura do que uma necessidade, como o era para a maioria dos homens que lá
chegavam. Nunca lhe passara pela cabeça que em um certo sentido tinha mais sorte
que Sean, por saber enfrentar as batalhas que a vida lhe apresentava. A casa dos

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Sheridan fora um lugar rico em amor, mas pobre em bens mundanos. Era uma casa
grande e confortável, e seu pai a construíra com suas próprias mãos. Será que as mãos
de Sean já teriam segurado um martelo?
— Mas ele está trabalhando nos negócios da família — Kate lembrou. — Seu pai
está contente por tê-lo de volta. Deve ser porque se orgulha do filho.
Noninha balançou a cabeça, discordando da afirmação.
— Não culpo meu filho pela educação que deu a Sean. Ele teve poucos exemplos
a seguir. O pai de Patrick morreu quando ele tinha oito anos.
— Oh, sinto muito — Kate apressou-se em dizer. Noninha sorriu de maneira
bondosa.
— Foi há muito tempo, meu bem. E não demorei muito para descobrir que havia
vantagens em não ter um homem a meu lado na vida. Um homem permanente, quero
dizer. — Seus olhos brilhavam. — Mas tive muitas aventuras pelo caminho.
Kate ficou chocada com tanta franqueza, mas retribuiu o sorriso.
— Que bom.
— Mas quanto a Patrick e Sean... Acho que Patrick daria qualquer coisa para ter
um filho de quem se orgulhasse, um homem forte para cuidar das Empresas Flaherty,
mas não reconhece que foi seu jeito autoritário que impediu Sean de ser esse homem.
— Já notei que o pai de Sean sempre lhe diz o que deve fazer.
— Sempre. Eu já disse a ele que deveria dar mais liberdade ao rapaz, deixá-lo
cometer os próprios erros e encontrar o próprio sucesso, mas Patrick não consegue
agir assim.
— Sean foi para as montanhas por que quis — Kate lembrou-a.
— Sim, e veja o que aconteceu. A mina foi um fracasso e, me desculpe por dizer
isto, meu bem, mas para a família, o que aconteceu com você também foi um fracasso
da parte dele.
Kate começou a balançar novamente, os olhos cheios de lágrimas. Vindas de
Noninha, as palavras eram ainda mais duras. Caroline adormecera. Kate olhou para ela
e lembrou mais uma vez que não devia se arrepender de tê-la trazido ao mundo. O que
ela e Sean haviam feito era errado, mas ambos enfrentaram a vergonha e assumiram o
erro. Agora estavam casados e deviam superar tudo isso.
Noninha voltou a falar, percebendo o que acontecia com ela.
— Não fui muito delicada, não é? Apaixonar-se por você talvez tenha sido a coisa
mais independente e sensível que Sean já fez na vida. Kate ergueu a cabeça e sorriu.
— Não devíamos ter deixado isto acontecer, mas estou feliz que tenha
terminado assim.
Noninha não parecia muito convencida.
— E é por isso que você está aqui comigo em vez de desfrutar uma manhã
preguiçosa na cama com seu marido.
Kate corou.
— Com o tempo tudo se ajeita.

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— Foi exatamente nisso que pensei quando vi a expressão de orgulho no rosto


de Sean quando vocês chegaram aqui. Mas devo admitir que fiquei desapontada
quando ele voltou a encontrar Charles Raleigh e os outros amigos.
— Os amigos dele na casa de jogos?
— Sim. São todos iguais a Sean. Filhos ricos de pais empreendedores. Eles
preferem lidar com o jogo, a bebida e as mulheres a provar que podem corresponder
às ambições dos pais.
Mulheres? Bebida e jogo já eram ruins o suficiente, mas pensar que Sean
pudesse ter saído da saleta de música e procurado a companhia de outra mulher era
quase insuportável. Ela deixara sua casa e a família e viera para San Francisco para
viver com ele. Não iria permitir que a família, o jogo e a bebida o destruíssem. E
certamente não estava disposta a perdê-lo para outra mulher.
Kate levantou-se e colocou Caroline no berço.
— Se não se importar, Noninha, vou ver se Sean ainda está no quarto.
Noninha pegou o bordado.
— Fique à vontade, querida. Vou ficar aqui até que nossa pequenina acorde.
— Deus a abençoe — Kate disse ao sair.
— E a você também, criança. — Noninha retribuiu com um sorriso triste.
Desta vez, Kate nem bateu na porta. Ele ainda estava na cama, lendo um jornal,
completamente nu sob o cobertor, e ficou surpreso.
— Bom dia — Kate cumprimentou-o, tentando se acalmar. Ela entrou no quarto
e fechou a porta delicadamente.
— Bom dia.
— Fiquei desapontada por não encontrá-lo ontem à noite. — Ela se aproximou
da cama.
— Pensei que Harriet fosse ficar com você muito tempo.
— Não, foram só alguns minutos.
— Desculpe-me, eu devia ter deixado um recado. Achei que estivesse ocupada.
Charles Raleigh passou por aqui e me convidou para uma partida.
Ela acompanhou o movimento acelerado dos músculos do peito dele. Kate
hesitou por um instante, subiu na cama ao lado dele e suspirou:
— Que pena. Porque esperava continuar o jogo que nós dois havíamos
começado ontem à noite.
Isso provocou nele uma risada de prazer.
— Estava tão impaciente que obriguei a pobre costureira a se apressar. Fui
tremendamente rude com ela. Mas quando cheguei ao seu quarto, você já tinha ido.
Sean dobrou o jornal e jogou-o no chão. Ele se ergueu na cama e nem notou que
o cobertor agora só cobria suas partes mais íntimas.
— Você veio a meu quarto?
Ela fez que sim com um gesto de cabeça.
— Era sério essa história de... continuar o jogo? Ela concordou outra vez.

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— Bom, então sinto muito por ter saído.


— Eu também.
Eles se olharam. Diferente da luz difusa na saleta de música na noite anterior, o
quarto estava iluminado pelo sol da manhã. Ele havia acabado de acordar, mas estava
bonito como sempre e tinha um brilho perigoso no olhar.
— Estou aqui, agora — ele disse com voz rouca.
— Eu também.
Sean a abraçou e trouxe-a para si.
— Acha que ainda podemos continuar aquele jogo? Kate abriu um sorriso
maroto e começou a desabotoar o vestido.
— Você entendeu minha intenção perfeitamente.

CAPÍTULO VIII

Sean não teve tempo de arrepender-se da bobagem que fizera na noite anterior.
Frustrado porque Kate acompanhara sua mãe, ele resolvera sair de casa. Se tivesse
sido mais paciente, teriam retomado as carícias exatamente no ponto em que foram
interrompidos. E passado a noite nos braços um do outro como marido e mulher.
Agora, com os braços ao redor de seu pescoço, Kate beijava-lhe o rosto, roçando
os lábios macios como seda na barba por fazer. Ele sentiu a ereção imediata,
totalmente revelada pelo lençol fino que cobria sua nudez.
Kate ainda estava vestida, mas os bicos rígidos dos seios insinuavam-se sob o
tecido do vestido, mostrando que também estava excitada.
— Desculpe-me por tê-la magoado outra vez — ele murmurou.
Kate simplesmente calou-lhe a boca com os lábios. A paixão que se insinuara na
sala de música, na noite anterior, voltara com toda a força.
— Vou trancar as portas. Desta vez ninguém vai nos interromper.
Ele saiu da cama, e Kate viu-o fechar primeiro a porta externa, depois a de
ligação com o outro quarto. Em seguida, voltou para a cama, rindo-se da timidez dela
diante de sua ereção.
— O que está fazendo ainda vestida?
Ele começou a ajudá-la a livrar-se do vestido e das roupas de baixo. Quando Kate
puxou o lençol para se cobrir, ele afastou-o para os pés da cama.
— Quero vê-la. Quero ver cada pedacinho de seu corpo perfeito à luz do sol.
Ela deitou-se nos travesseiros com um ar sedutor que Sean desconhecia. Então,
com um gemido sensual, estendeu os braços para ele. Sean estava em brasas.
A mão dele acariciou a perna longa e esguia e foi seguida pelos lábios úmidos,
que beijaram a pele sensível da coxa e depois o ventre com muito mais suavidade que
das outras vezes. Então foram os seios, primeiro um, depois o outro, que ele sugava
em um ritmo constante, até ela gemer e escorregar sob o corpo dele.

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Sean acomodou-se por cima dela, encontrou seu caminho e iniciou a lenta união
dos corpos. Kate foi a primeira a exigir mais velocidade, e seus movimentos entraram
em um ritmo frenético até se retesar nos braços dele e fazê-lo sentir os tremores de
seu clímax. Ele acompanhou-a instantaneamente.
— Meu Deus! — Kate exclamou depois de alguns minutos de silêncio.
Sean riu. Eles estavam colados um ao outro.
— Meu Deus! — ele repetiu.
Então rolou pela cama e deitou-se ao lado dela, deixando que uma réstia de sol
aquecesse sua pele.
— Diga-me uma coisa: o tempo que você passa com Charles Raleigh é melhor do
que isto?
Sean apertou carinhosamente o ombro dela.
— Não, Kate, não se compara.
— Vou me lembrar disso da próxima vez que você desaparecer no meio da noite,
meu marido. — Ela sorriu.
— Eu também vou me lembrar, mulher, se você resolver dormir sozinha naquele
quarto.
— Em primeiro lugar, eu jamais quis ter um quarto só para mim, Sean — disse
em um tom sério. — Mas achei que você preferisse assim. Imaginei que aqui, em Nob
Hill, fosse esse o costume entre casais. Sean apoiou-se sobre o cotovelo e fitou-a.
— Não dou a mínima aos costumes de Nob Hill ou de onde quer que seja.
Viveremos como quisermos.
— Em nossa casa?
Sean já não tinha tanta certeza disso, mas respondeu:
— Sim, em nossa casa.
— Enquanto isso não acontece, começarei mudando definitivamente de cama, se
o senhor meu marido não se importar. — Ela o beijou.
Sean beijou-a gentilmente, em seguida outro beijo menos gentil. A respiração de
ambos ficou mais forte.
— Ah, Kate, desse jeito não vou conseguir chegar ao escritório.
— Só mais cinco minutos — ela pediu, abrindo a boca para recebê-lo.
— Só mais cinco — ele aceitou, tomando-lhe o seio entre os lábios.
Mais tarde, Clarence Applewhite, o chefe de pessoal das Empresas Flaherty,
notou que o filho do patrão não aparecera para trabalhar antes do almoço.
Noninha já havia comentado com Kate sobre os chás da tarde.
— Um bando de ricaças que não conseguem amarrar o próprio sapato. — Era
como Sean se referia às amigas de Harriet. — Cada qual está tão preocupada em ser a
primeira a contar as últimas novidades que não percebem que metade da sala está
falando delas.
Mas o convite que Harriet fez a Kate foi mais como uma ordem do que um
pedido. E ela, que não queria perturbar a harmonia recém-encontrada havia quatro

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noites maravilhosas e apaixonadas com Sean, preferiu não discutir com a sogra. Ele
saía cedo para trabalhar, voltava logo depois do trabalho e não ia mais ao salão de
jogos. Parecia mesmo querer tornar-se um bom funcionário e um modelo de marido.
Kate e Patrick estavam
encantados com isso.
Então foi com o coração leve que Kate vestiu-se para acompanhar Harriet à
mansão Raleigh, onde Cynthia Raleigh e sua filha Penélope ofereciam um chá para as
senhoras do circuito de Nob Hill. Trajava um de seus vestidos simples de Vermillion.
Nunca mais havia usado os que Harriet trouxera, desde que Sean lhe revelara que não
participara da escolha. Podiam ser mais adequados para a ocasião, mas ela não queria
parecer algo que não era. Também não quis copiar os elaborados penteados tão em
moda em Nob Hill. Sean gostava de seu jeito discreto e despretensioso. E isso era tudo
o que importava.
Kate sentiu sua decisão desmoronar quando percebeu os olhares das outras
mulheres, quando Harriet introduziu-a ao saguão de mármore italiano da mansão dos
Raleigh. Foram recebidas por mãe e filha, Cynthia e Penélope Raleigh. Harriet abraçou
e beijou as duas.
— Então é essa a mulher de Sean — observou Cynthia Raleigh, examinando Kate
da cabeça aos pés, cujos sapatos ela mesma havia amarrado.
Ela lembrava Harriet; a mesma idade, a mesma cor de cabelos, o mesmo sorriso
previamente calculado.
A recepção de Penélope Raleigh foi mais verdadeira. Ela abraçou Kate e
comentou em tom de brincadeira:
— Prepare-se para sentir-se odiada por todas as mães, Kate. Você agarrou um
dos pretendentes mais ricos de nossa sociedade.
— Não seja rude, Penélope — Cynthia ordenou. Kate sorriu para a jovem que
devia ter sua idade. Não era bonita, mas seus olhos castanhos eram expressivos, os
cabelos sedosos estavam presos em um coque simples, diferente dos penteados
elaborados da maioria das mulheres ali. Kate gostou dela imediatamente.
Harriet afastou-se para cumprimentar outras amigas e deixou sua nora para fazer
as próprias apresentações.
— Vamos sair daqui. — Penélope pôs a mão na cintura de Kate e levou-a para
um salão no qual dominava a cor vermelha: cortinas de brocado vermelhas, móveis de
veludo vermelho, tapete persa vermelho e até os livros de capa vermelha enfileiravam-
se em grandes estantes de mogno vermelho. — Como se vê, estamos na "Sala
Vermelha" — ela anunciou em tom de brincadeira.
Na sala havia vários grupos de três ou quatro senhoras conversando como
ruidosas abelhas em torno da colméia. O burburinho diminuiu quando as duas jovens
entraram. De todos os pontos as cabeças se viravam para olhá-las. Kate sentiu-se
corar.
— Cansativo, não? — Penélope perguntou. — Você é o mais novo grão do

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moinho delas. — Em voz alta, ela dirigiu-se a uma opulenta senhora. — Que bom vê-la
aqui, Sra. Wellington. Já conhece Kate, mulher de Sean Flaherty?
E assim elas continuaram pela sala repleta de babados, penteados exagerados,
olhares frios e sorrisos irônicos, até Kate sentir-se zonza com tudo aquilo. Penélope
percebeu e levou-a para o jardim de inverno.
— Preciso circular um pouco mais ou minha mãe ficará louca da vida. Mas você
pode ficar aqui fora da arena, se preferir.
— Estou um pouco zonza — Kate admitiu. — Obrigada, Penélope.
— Eu sei o que é isso. Em meu ano de debutante, eu chegava a casa das festas e
vomitava — Penélope revelou com uma deliciosa risada. — Pode me chamar de Penny.
Voltarei assim que puder.
Ela retornou ao salão, deixando Kate sozinha na aconchegante saleta
envidraçada. Grandes folhagens, que Kate nunca havia visto, criavam um ambiente
agradável e acolhedor. Era uma delícia estar ali, depois da decoração opressiva do
Salão Vermelho. Ela se sentou em uma cadeirinha de balanço colocada no meio das
plantas e relaxou.
— Bom, ele se aproveitou dela e se viu obrigado a voltar para se casar com a
moça.
Kate aprumou-se na cadeira quando um grupo ruidoso entrou, sem notar sua
presença. Ela procurou ocultar-se ainda mais no meio das plantas; não conseguia ver
quem eram as mulheres, mas podia ouvi-las muito bem.
— Esse foi o erro dele. Os homens precisam se divertir, mas os verdadeiros
cavalheiros não se casam com as mães de seus bastardos.
— Por que será que os Flaherty o deixaram fazer isso?
— Você viu que o vestido dela era de algodão? E estava com os cabelos soltos,
como se fosse uma mulher da rua.
— Ouvi dizer que ela morava nas montanhas, como um animal selvagem, antes
de Sean encontrá-la. Não tem família, e seu nome não vale um tostão, claro.
Um murmúrio percorreu o grupo, que se dirigiu para a outra porta do solário em
direção à sala de jantar, onde o chá estava sendo servido. Kate ficou presa à cadeira.
Como Penny, ela sentiu vontade de vomitar. Com muito esforço, respirou
lentamente duas vezes, tentando retomar o equilíbrio. Não sabia se se escondia entre
as plantas do solário ou se saía de lá e ia embora. O forte cheiro das folhas contribuía
para a náusea. Kate levantou-se e espiou pela porta por onde as mulheres tinham
desaparecido, decidindo qual seria a melhor saída. De um lado estava o Salão
Vermelho; do outro, a sala de jantar, que ficava cada vez mais cheia de gente.
Nesse momento, Penélope surgiu na porta da sala de jantar.
— Kate, venha comer alguma coisa. Desculpe-me por tê-la deixado tanto tempo
sozinha,
Kate aproximou-se da nova amiga, mas não revelou o que estava sentindo.
— Não estou com fome, Penny.

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— Ainda bem, porque os sanduíches de Maggie não satisfazem um passarinho.


Não sei por que as pessoas acham que as damas não precisam comer. Mas recomendo
as tortas amanteigadas. São pequeninas, mas deliciosas. Bastam duas ou três para
você se sentir satisfeita.
A conversa ajudou Kate a se acalmar. O estômago ainda ameaçava rebelar-se se
ela insistisse em pôr alguma coisa dentro dele, por isso ela recusou novamente o
convite de Penny de fazer um prato da elegante variedade de petiscos servidos na
grande mesa dos Raleigh. Mas conseguiu responder às perguntas de Penélope e
comportar-se razoavelmente ao ser apresentada a mais um grupo de senhoras
falsamente corteses.
Seriam essas que havia pouco estavam falando dela? Ou seriam aquelas outras
que a espiavam pelo canto dos olhos enquanto ela tentava ocupar-se com a xícara e o
pires de porcelana finíssima?
Por fim, Kate não suportou mais e pediu:
— Penny, sou muito grata por toda a atenção que recebi esta tarde, mas estou
com uma terrível enxaqueca. Poderia encontrar Harriet e perguntar se ela gostaria de
ir agora?
Penélope percebeu imediatamente o que estava acontecendo e não se
preocupou em oferecer remédio para a dor de cabeça inexistente.
— Claro, vou acompanhá-la até a sala de visitas e procurar Harriet para você. Se
ela quiser ficar mais, mandarei uma de nossas carruagens levá-la até sua casa.
Kate abraçou a nova amiga.
— Não sei como agradecer.
Penélope parou por um momento. As senhoras mais próximas haviam se
afastado, e elas ficaram- sozinhas.
— Agradeça-me fazendo Sean feliz. — Diante da surpresa de Kate, ela sorriu e
balançou a cabeça. — Não pense que estou apaixonada por seu marido. Gosto dele
tanto quanto de meu irmão Charles.
— Eles são amigos há muito tempo?
— Nós crescemos juntos. Charles e Sean são muito parecidos. Ambos têm bom
coração, mas uma certa dificuldade de encontrar um caminho na vida.
Algumas mulheres se aproximaram, e Penélope tomou o braço de Kate para
conduzi-la à sala de visitas enquanto conversavam.
— Fiquei contente quando soube que Sean havia se apaixonado, principalmente
por uma pessoa não convencional, entende? Alguém diferente de nós.
Elas entraram na sala, e Penélope olhou ao redor.
— Espere aqui. Vou procurar Harriet. Quero encontrar-me mais com você, Kate.
Kate agradeceu, mas ao vê-la desaparecer por uma das extremidades da sala
imensa, sentiu o coração pesado. Da mesma maneira que ela tentara se convencer de
que mais nada importava na vida além de Sean, aquela tarde servira para provar que o
mundo importava, sim. "Alguém diferente de nós", Penélope Raleigh havia dito com

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tanta delicadeza. Aquela não era sua gente e jamais seria.


Quando Harriet apareceu um tanto aborrecida por ter de sair tão cedo da
reunião, Kate seguiu-a até a carruagem dos Flaherty sem dizer uma palavra e
permaneceu em silêncio até chegar a casa.
Sean escolhera o pior momento para passar outra noite nas mesas de jogo.
Deixara um bilhete delicado, ao lado de um buquê de flores, e achou que seria o
suficiente. Dizia no bilhete que fora se encontrar com Charles Raleigh porque ela
própria estaria ocupada com a mãe e a irmã de Charles. Tinha lógica. Não havia
motivos para ressentimentos. O problema é que Kate precisava de Sean naquela noite.
Queria sentir seus braços em torno dela e ouvi-lo dizer que a amava, mesmo que ela
não fosse convencional.
Mas Sean havia saído, e se as outras noites que passara na cidade servissem de
exemplo, só voltaria nas primeiras horas da manhã seguinte. Kate decidiu procurar
Caroline e Noninha, sempre prontas a confortá-la.
Elas eram suas companheiras mais constantes desde que chegara a Nob Hill. Fora
uma solução aprovada por todos, embora Harriet preferisse contratar uma babá para
cuidar do bebê. "Não é adequado uma pessoa da família cuidar dela", foi o que ela
disse, o que para Kate tornou-se o maior exemplo do absurdo de sua nova vida. Como
era de se esperar, Caroline já dormia. Noninha já havia se retirado para seu quarto,
cuja porta estava aberta, e ela estava lendo na cadeira. Kate bateu.
— Ela foi dormir sem reclamar — a senhora disse imediatamente. — Sabia que
você ficaria preocupada, mas ela parece não ter se incomodado de perder a mamada.
— Surpreendentemente, eu também não. Já estou mais à vontade em meus
vestidos — Kate acrescentou, olhando os próprios seios.
Noninha riu.
— Tenho certeza de que você é a única a perceber isso. Você é muito bonita,
minha criança.
— Acho que as amigas de Harriet não concordariam com isso. — Kate mordeu o
lábio.
— Ah, céus! — Ela fechou o livro e deixou-o de lado. — As coisas não saíram bem
na casa dos Raleigh?
Kate balançou a cabeça em um gesto de negação e, de repente, as lágrimas
contidas desde que ouvira os rudes comentários no solário, caíram pelo rosto.
— Penélope disse que sou não convencional. Noninha franziu a testa.
— Penélope disse isso? Estou surpresa. Em geral, ela é uma moça muito delicada.
Aos prantos, Kate tentou se explicar.
— Ela é um amor de pessoa. Não é como... as outras. Elas disseram coisas
horríveis, que eu cresci sozinha nas montanhas, que sou um bicho do mato.
— Sente-se aqui, meu bem. Chore à vontade. Eu conheço bem essas festas como
a que você foi hoje, por isso prefiro ficar em casa com meus livros, meu filho e minha
bisneta. E com você, é claro.

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Kate sentou-se na beira da cama. Os soluços iam se acalmando à medida que


Noninha falava com sua voz suave e rouca.
— Por que a senhora evita encontrá-las, se é uma delas? — Kate perguntou,
curiosa.
— O que é isso, criança! Sou apenas uma imigrante irlandesa que nunca comeu
em pratos de porcelana na vida até Patrick começar a ganhar dinheiro com seu próprio
esforço. É claro que muitas daquelas mulheres começaram a vida como eu, mas acabei
sendo a única que as faz se lembrar disso.
— Pouco me importa que elas pensem que Sean casou-se comigo somente pela
criança. A única coisa que importa é que eu conheço a verdade.
Noninha olhou-a assustada.
— A verdade?
— Ele não sabia nada sobre Caroline quando foi a Vermillion procurar por mim.
— Ah! — Ela ficou pensativa por um momento. — O que você quer dizer é que
não se importa com o que disseram aquelas mulheres, motivo pelo qual acabou de se
desmanchar em lágrimas.
Kate sorriu.
— Eu me importei, sim. Mas preferia não ter me importado.
— É a natureza humana, criança. Todo mundo quer ser aceito pelas pessoas com
quem convive e se relaciona. Mas acho que você está sendo muito pessimista. Tem
mais cérebro e mais beleza que qualquer uma daquelas senhoras e suas insípidas
filhas.
— Achei Penélope bem animada.
— Bem, há exceções. Mas elas falam de você porque estão preocupadas e com
ciúme. Você é um moça bonita. Quando a conhecerem melhor e virem que só está
interessada em Sean, e não em seus maridos e filhos, tudo vai melhorar.
— Mas... — Kate hesitou.
— O que é? Diga logo!
Kate não saberia descrever em palavras tudo o que sentira ao ser julgada e
avaliada pelas convidadas dos Raleigh. Por fim, disse apenas:
— Elas disseram que meu vestido é de algodão. Noninha soltou uma gostosa
gargalhada.
— Certamente você foi observada nos mínimos detalhes. Não vejo nada de mal
em suas roupas, mas se quiser fazer o jogo delas e usar o que elas usam, nada a
impede.
Kate alisou a saia com as mãos.
— Ah, Noninha! Viu como fiquei horrorosa naqueles vestidos que Harriet
escolheu para mim?
— Harriet é incapaz de vestir uma tartaruga. Eu a ajudarei, se quiser. Vamos
montar um guarda-roupa que as deixará verdes de inveja. — Ela encostou-se na
cadeira e examinou Kate com um olhar crítico. — Basta um penteado moderno, alguns

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vestidos novos e o conhecimento de um pouco da etiqueta que tem tanta importância


nesses círculos. Em uma semana, você se destacará entre as beldades de Nob Hill.
Quero dizer, se você quiser.
As palavras que Kate ouvira no solário voltaram a sua mente. "Cavalheiros de
verdade não se casam com as mães de seus bastardos." Se fosse só uma questão de
aprender algumas coisas e adotar um novo visual para mostrar a Nob Hill que era
perfeita para Sean e que sua filha Caroline não era bastarda, era isso mesmo que ela
faria.
Decisão tomada, Kate assentiu com determinação:
— Quero, Noninha. É muito gentil de sua parte ajudar-me. É exatamente isso o
que quero.
A semana seguinte foi de grande atividade. Noninha foi com ela à costureira, ao
sapateiro, ao homem que fazia luvas, ao joalheiro e à chapeleira. Elas jantaram juntas,
praticando com a profusão de porcelanas e prataria tão em moda. Tiveram até uma
divertida manhã, quando Noninha ensinou-lhe a dançar, coisa que Kate nunca fizera
em Vermillion.
—Você será a bela do baile, Kate—Noninha garantiu-lhe.
Kate riu, torcendo secretamente para que suas palavras fossem verdadeiras,
porque toda a atividade e as novas descobertas não ocultavam o fato de que Sean
passava as noites nos salões de jogos. Havia quatro noites que ela não o via.
Quando ia ao quarto dele pela manhã, esperando uma explicação para seu
distanciamento, ele se desculpava, enchia-a de elogios e palavras bonitas, em seguida
dizia que estava atrasado para o trabalho.
Geralmente as desculpas vinham acompanhadas de um comentário irônico,
como: "Não quero chegar atrasado, talvez hoje alguém se lembre de que trabalho lá e
me dê algo para fazer".
Kate sabia que ele não estava feliz nas Empresas Flaherty. As vezes pensava em
conversar sobre isso com Patrick Flaherty, mas o pai de Sean era tão distante quanto o
filho. E quando ela consultou Noninha a esse respeito, a sábia senhora disse:
— É uma batalha que Sean terá de enfrentar sozinho, meu bem. Nem você nem
ninguém deve fazer isso por ele.
Então ela se calou e procurou concentrar-se na nova imagem que Noninha a
ajudava a construir. Na noite de sábado, a família fora convidada para dançar na casa
dos Wellington. Depois da experiência no dia do chá, Kate pensara em recusar o
convite, mas à medida que a semana progredia, foi se sentindo mais e mais segura.
Talvez fosse possível ser mesmo a bela do baile, como Noninha a descrevera.
Eles que esperassem para ver, ela pensou, com um sorriso maroto. No sábado, não só
se sentia preparada, como não via a hora de entrar de braço dado com Sean no salão
dos Wellington.

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CAPÍTULO IX

Ele sabia que deveríamos chegar à casa dos Wellington às oito horas — Patrick
consultou o relógio. — Teremos de ir sem ele.
— Não diga bobagem — Harriet retrucou. — Kate não pode ir ao baile
desacompanhada.
— Nós dois a acompanharemos. É gente suficiente para uma só moça.
Harriet olhou para Kate.
— Para uma moça, tudo bem, mas não para uma esposa. As mulheres dançam
com seus maridos. Qualquer outro arranjo é escandaloso.
Eles estavam havia quase uma hora na sala, esperando por Sean. Kate estava
pálida e infeliz.
— Eu não vou. Por favor, podem ir sem mim — ela pediu em voz baixa.
— Bobagem — Patrick retrucou. — Depois de tanto trabalho para terminar esse
vestido e de toda a confusão que minha mãe armou esta tarde por causa de seus
cabelos, não faz sentido deixá-la em casa.
— Pensei que sua mãe fosse conosco — Kate comentou.
— Mamãe não vai mais a essas festas. Diz que é privilégio da idade. Ela tem uma
certa razão.
— Não se pode dizer que Noninha seja do tipo sociável —-r Harriet observou,
empoando o nariz.
— Eu adoraria ficar com ela. Vocês vão se atrasar muito se não forem já. Por
favor, não se preocupem comigo.
Harriet levantou-se.
— Ela tem razão, Patrick. Temos de ir. Ela pode ir com Sean, quando ele chegar.
— E se não voltar? Não posso deixá-la aqui, Harriet. Kate tinha a impressão de
que, na maior parte das
vezes, Patrick preferia evitar confrontos com sua mulher. Geralmente era ela
quem decidia como as coisas deveriam ser. Mas nas poucas vezes em que ele assumia,
Harriet não hesitava em aceitar.
— Ah, está bem. Mas vai ficar muito estranho nem um de nós comparecer à
festa.
A última coisa que Kate queria provocar era estranheza, mas também não
pretendia começar uma discussão sobre se deveria ir ou não. Além disso, Patrick tinha
razão. Noninha havia se dedicado muito a prepará-la para o evento. Kate sentia-se
bem como estava, o que ajudava muito. Até poderia ir, suportar as especulações
sussurradas as suas costas e tentar atravessar a noite sem chorar.
Tudo acabou sendo muito mais fácil do que ela imaginara. A opinião de Harriet
de que a mulher deveria estar acompanhada do marido não parecia ser a mesma dos
convidados presentes. A maioria das pessoas que ela encontrou nem sequer
perguntou sobre Sean. Alguns dos jovens que lhe foram apresentados flertaram com

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ela acintosamente, como se o fato de existir um marido em sua vida fosse irrelevante.
Após os rapapés iniciais, Kate relaxou e descobriu que estava começando a se divertir.
Penélope colocou-se imediatamente ao lado dela, elogiando o vestido novo e o
penteado. Apresentou Kate a um grupo de moças muito parecidas com ela própria:
bonitas, amáveis e bem mais receptivas a Kate do que suas respectivas mães.
Por volta das dez horas, quando os garçons circularam por entre os convidados
oferecendo taças de champanhe, Kate nem se lembrava mais da mágoa provocada
pela ausência do marido.
Os Wellington foram a primeira família de Nob Hill a ter em casa um salão de
baile. Havia um pequeno palco para a orquestra que tocava as últimas valsas para os
convidados vestidos com todo o aprumo.
Sean encostou-se em uma parede afastada das luzes do salão. Havia chegado
havia alguns instantes, e quando viu Kate rodopiando na pista de dança nos braços de
Harold Wellington, tratou de se esconder. Ela estava tão linda e graciosa que quase o
fez perder o fôlego. Certamente ela sempre fora bonita, mas naquele lugar ganhava
um brilho todo especial. Os cabelos e o vestido novo faziam a diferença, mas havia
mais que isso. Ela parecia muito segura de si, radiante. Alguma coisa o fazia lembrar-se
da Kate que conhecera, antes de carregar o peso da maternidade, peso que ele teve a
responsabilidade de colocar sobre seus jovens ombros.
Uma onda de ciúme atingiu-o ao ver o braço de Harold tão firme e possessivo em
torno da cintura dela. Ele se afastou da parede e atravessou o salão. A valsa já ia
terminar, e antes que outra começasse, ele correu para alcançá-la.
Harold viu-o primeiro.
— Flaherty! Finalmente resolveu aparecer!
Kate virou-se surpresa. Ela não disse nada, mas lançou-lhe um olhar de
reprovação.
— Como vai, Harold? — Sean perguntou, sem tirar os olhos de Kate.
O sorriso de Harold desapareceu diante da seriedade de Sean. Harold ofereceu-
lhe a mão de Kate, que ele ainda segurava.
— Eu já vou devolvê-la a você. Ainda bem que apareceu para reclamar o que é
seu, amigo. Se eu fosse você, jamais me afastaria de uma mulher tão bonita.
Sean tomou a mão dela e puxou Kate para junto de si.
— Ela não está mais sozinha.
— Eu estou vendo — Harold falou tranqüilamente. — Vou deixá-los à vontade.
Obrigado pela dança, Kate. —
Ele se afastou, deixando os dois parados no meio do salão. A orquestra começou
a tocar outra valsa.
— Está cansada? — Sean perguntou. — Quer dançar? Kate deu de ombros. Nos
últimos dias ela sonhara exatamente com o momento em que Sean a tomaria
orgulhosamente nos braços diante de todos seus amigos. Mas, agora, isso já não
parecia importar. Ela entrara sozinha sob o olhar admirado dos homens e da relutante

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aprovação das mulheres. Enfrentara tudo aquilo sem ele. Sean tomou o silêncio como
uma afirmativa e conduziu-a no embalo da música.
— Você é a moça mais bonita do baile. O elogio não suavizou sua mágoa.
— Obrigada. Também sou a única mulher casada que chegou sem o marido,
segundo a senhora sua mãe.
— Espero que ela não a tenha atormentado muito por isso. Tentei mandar um
recado para casa, mas vocês já haviam saído. — Sean suspirou.
Kate permaneceu em silêncio. Já estava se tornando imune às desculpas dele.
— Eu me atrasei por causa de Charles. Estava tentando recuperá-lo de uma
bebedeira para poder se apresentar. — Ele indicou com a cabeça na direção de Charles
e Penélope Raleigh. Mesmo de longe, Kate percebeu um rapaz bonito que mal
conseguia parar em pé e tinha os olhos vermelhos.
— Oh! — Era uma desculpa com certa substância, como diria a mãe dele. Mas
deveria perdoar-lhe por ter atendido antes às necessidades do amigo, e não às da
própria mulher?
— Ah, Kate, não me olhe assim. Desculpe-me por não ter entrado no baile com
você e visto os homens presentes roxos de inveja. Você sabe que é a mais bonita. E
não sou só eu quem acha isso.
Apesar da raiva, Kate sentiu a frieza dissipar-se diante daquela voz grave e
sedutora. Sem sorrir, mas com um toque de humor, ela perguntou:
— Isso quer dizer que você já viu todo mundo?
— Vi rapidamente. — Ele sorriu aliviado. — Um pouquinho de cada um, o
suficiente para saber que sou o homem mais privilegiado do baile.
Por fim ela sorriu, embora com certa tristeza.
— Eu esperava vir com você. É meu primeiro baile, ensaiei com Noninha a
semana toda.
— Ensaiou dançar? Ela concordou.
Sean riu e deu um rodopio no compasso preciso da música. Kate seguiu-o
perfeitamente.
— Meu bem, você sabe flutuar! É uma bailarina inata.
— Eu queria que tudo fosse perfeito. Sean trouxe-a para junto de si.
— Será, de agora em diante. Não vou sair mais de seu lado pelo resto da noite. E
por toda a madrugada — ele acrescentou suavemente, em um tom sugestivo.
— Fico muito feliz.
A música terminou, e os pares aplaudiram-se. Com o braço ainda em torno dela,
Sean a olhava demoradamente dentro dos olhos.
— Onde é que você estava? — a voz de Harriet quebrou o encanto.
Sean soltou-lhe braço, e eles se separaram.
— Boa noite, mãe — Sean cumprimentou-a, irritado. — Desculpe-me pelo
atraso. Precisei ajudar a um amigo.
Harriet, como sempre, não estava disposta a discutir as transgressões do filho.

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— Não importa. Queria que você chegasse para apresentá-lo ao embaixador da


Rússia. Ele veio com os Canfield. Sean, ele é um duque. Talvez conde—ela anunciou,
excitada.
— Papai já deve tê-lo informado sobre todos os direitos de importação. Nada me
resta a fazer senão apertar a mão do sujeito e oferecer-lhe mais um drinque.
— Não seja tolo, Sean. Quantas vezes se tem a oportunidade de conhecer um
duque de verdade? É um privilégio para os Wellington tê-lo hoje aqui. Venha, antes
que ele resolva ir a outra festa.
Sean deu um sorriso desanimado para Kate e ofereceu-lhe o braço.
— Quer conhecer um duque de verdade, meu bem? Harriet olhou para a nora
como se a visse pela primeira vez.
— Ande logo!
O duque-embaixador não falava uma só palavra no idioma dos convidados, e
após vários acenos de cabeça, Kate e Sean conseguiram escapar para juntar-se a
pessoas mais jovens. Os amigos de Sean formavam um grupo animado que aceitou
Kate sem reservas. Na verdade, os rapazes até pareciam disputar sua atenção, detalhe
que Sean também percebeu. E conforme prometera, não se afastou um centímetro do
lado dela.
Pela primeira vez desde que chegara a San Francisco, Kate achou que poderia,
afinal, adaptar-se à nova vida. Exceto pelo fato de que alguns bebiam um pouco a mais
do que considerava aceitável, sentia-se bem entre os amigos de Sean. Mesmo não
tendo nascido em uma mansão e feito uma viagem à Europa aos vinte e um anos, fora
a ela quem Sean escolhera para se casar. E isso lhe dava uma confiança em si mesma
que lhe permitia relaxar e ser autêntica.
— Estou muito contente que esteja morando aqui, Kate — Penny comentou,
quando aproximava-se a meia-noite e os mais velhos começaram a se retirar. — Já vi
que seremos grandes amigas. É bom encontrar alguém que pensa em outras coisas
além de construir mansões e caçar marido.
— As moças que conheci são todas muito gentis — Kate protestou, embora se
orgulhasse do que Penny lhe dissera.
— São muito gentis, mas algumas não têm nada na cabeça. Fico feliz que Sean
tenha escolhido uma moça muito bonita, mas também com uma boa cabeça sobre o
pescoço.
Sean ouviu aquela última frase e aproximou-se.
— Enfim eu fiz uma coisa certa, não é, Penny? Agora precisamos fazer com que
seu irmão siga meu exemplo.
— Eu gostaria muito — Penny disse em tom sério. — Ele está bebendo muito
ultimamente, Sean. E se não o tivesse trazido para cá esta noite, eu acharia que você
tinha uma parcela de culpa nessa história.
Sean ergueu as mãos.
— Eu não tenho nada com isso. Já tenho pecados demais para ser culpado

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também por isso. Não posso me responsabilizar pelo comportamento de Charles.


Penny suspirou.
— Tem razão. Mesmo assim, os dois se metem em muita encrenca quando estão
juntos.
Sean olhou para Kate.
— Bem, Charles terá de resolver os problemas dele sozinho porque eu pretendo
passar mais tempo em minha casa. — A voz dele suavizou-se. — Tenho mulher e filha
agora, Penny, não sei se você sabe.
Penny riu e ficou na ponta dos pés para dar um beijo no rosto dele.
— Eu sei. Uma linda mulher e uma graça de filha. Espero que comece a agir como
bom pai e marido.
— E o que pretendo. — Sean abraçou Kate. Penny assentiu, satisfeita.
— Vou me despedir de meus pais. Não saiam daqui. Harold disse que depois que
os mais velhos saírem, vão nos servir um jantar leve.
Kate não gostou da idéia. Já havia comido muito na festa e nem podia imaginar-
se comendo ainda mais. Mas Sean parecia disposto a ficar mais tempo na companhia
dos amigos.
— Vamos tomar um pouco de ar puro no terraço? — ela convidou-o.
Antes que ele respondesse, a mãe dele chamou-o do outro lado da sala.
— Sean, seu pai quer se despedir do embaixador.
Ele voltou-se para Kate.
— Quer vir comigo ou prefere esperar um minuto no terraço?
— Eu o espero lá fora.
— Não vou demorar.
Ela dirigiu-se a uma das portas que se abria para o terraço que circundava toda a
mansão dos Wellington. Havia apenas um casal abraçado do lado oposto. Talvez Sean
a beijasse daquela maneira quando voltasse.
Mas não foi Sean que surgiu na porta. Era seu amigo Charles Raleigh. Kate
conhecera-o brevemente em Vermillion quando os dois estiveram prospectando ouro
por lá Charles voltara antes para San Francisco, sem que ela tivesse a chance de
conhecê-lo melhor, embora já tivesse percebido que a olhava com certa insistência.
— Ah, aí está a famosa Kate! — Ele abriu um sorriso que fez seus dentes
cintilarem sob o luar.
— Olá Charles — ela respondeu, um pouco nervosa ao lembrar-se do que Penny
dissera de seu irmão. Kate não estava acostumada a lidar com pessoas embriagadas.
— Estou esperando Sean.
Charles aproximou-se da balaustrada com passos instáveis.
— Esperando Sean? Você esperou meses e meses, não é mesmo? Ah, pobre
Kate, você merece mais do que isso.
Durante toda a noite, aquela foi a primeira vez que ela ouviu uma referência às
circunstâncias de sua relação com Sean, e por ser do melhor amigo dele, deixou-a

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

ainda mais incomodada.


— Estou muito feliz com meu mando, obrigada. — Ela gostaria que ele se
afastasse.
— Muito bem! Fala como uma esposa amante e devotada. Aquele canalha não
merece tudo isso. — Ele aproximou-se, exalando um forte cheiro de álcool.
Kate afastou-se.
— O senhor exagerou no álcool esta noite, Sr. Kaieign. Por que não vai para casa
descansar?
Ele ignorou-a.
— Eu disse a ele, quando subia a montanha para vê-la, que era um canalha de
sorte que encontrara uma coisinha linda para se distrair. — Ele deu um sorriso incerto.
-— Pedi-lhe para arrumar sua irmã para mim, mas disse que ela era muito metida, não
fazia o tipo garota fácil. Mas você, minha doce Kate, você era a presa fácil. Sean nem
precisou se esforçar muito.
A comida que já não lhe caíra bem, ameaçou voltar do estômago.
— O senhor está bêbado, Sr. Raleigh — ela disse friamente. — Por favor, afaste-
se de mim.
— Ah, doce Kate. Agora você me magoou. Venha cá e me dê um beijinho para se
desculpar. — Ele atirou-se sobre ela e quase caiu quando Kate saiu do caminho.
— Que é isso? — Sean surgiu na porta. — O que está fazendo aqui, Raleigh?
Charles piscou os olhos para tentar desanuviar a vista, e apoiou-se no parapeito
de pedra, tentando parar em pé.
— Estou caindo, Sean. Ajude-me a chegar na carruagem. Sean olhou para Kate.
— Está tudo bem?
Ela cruzou os braços na frente do peito, esfregou os ombros com as mãos para
aquecer-se de um frio súbito e assentiu com um gesto de cabeça.
— Volto já. — Sean passou o braço de Charles por seu próprio pescoço. — Vou
só deixar este trapo nas mãos da família.
Kate apoiou-se na pedra fria do parapeito, uma expressão indecifrável no rosto.
— Sim. Por favor, leve-o embora daqui.
Mesmo depois de terem se amado delicadamente, Kate estava envergonhada e
aborrecida demais para contar a Sean o que Charles dissera a ela. É claro que ele
estava bêbado, e portanto dissera coisas de maneira irresponsável, mas elas foram
ditas, e Kate as ouvira. Nada podia mudar isso.
Sean teria realmente confiado tudo aquilo a seu amigo quando eles estavam nas
montanhas? Teria pensado que ela fosse uma mulher fácil, boa para uma aventura
enquanto ele estava na cidade e nada mais que isso? A maneira brusca com que a
deixara seria uma comprovação do que Charles dissera? Mas, afinal, Sean havia
voltado para ela. Se antes via-a apenas como uma aventura, devia ter mudado de
idéia. Voltara com um anel, decidido a propor-lhe casamento. Bastou isso para
bloquear as palavras cruéis de Charles de sua mente e receber o marido em seus

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braços.
Eles passaram o domingo quase todo na cama. Por volta do meio-dia, Sean levou
Caroline para o quarto e depois desceu para buscar uma bandeja de café da manhã.
Pela segunda vez, uma reunião dos moradores de Nob Hill resultará em um
desastre para ela, mas Kate procurou esquecer o resto do mundo e concentrar-se em
sua filha e no marido. A tarde, enquanto Caroline fazia a sesta, eles se vestiram e em
seguida saíram com Noninha para um passeio pela baía, onde comeram um delicioso
prato de camarões frescos.
Fora um dia adorável que quase conseguira apagar os desagradáveis momentos
com Charles Raleigh. Mas na manhã seguinte, quando Sean saiu para trabalhar, Kate
sentiu novamente a insegurança consumindo-a. Era aceita e até admirada por alguns
em Nob Hill, mas aquele mundo jamais seria seu. Sempre haveria alguém para
lembrar-lhe de que era uma intrusa ali.
Sean fechou o livro-caixa e tirou-o da frente. Clarence Applewhite certamente
conferiria todos os números mais uma vez.
Ele estava estranhamente inquieto naquela manhã, e isso se devia ao longo
tempo em que vinha evitando uma conversa com seu pai. Antigamente as pessoas o
acusavam de ter a língua ferina, mas quando chegava a hora de falar com o pai,
gaguejava como se tivesse oito anos de idade.
De nada adiantava acusar Patrick de estar sempre ocupado. Sean poderia
conversar com ele em casa, embora ali pudessem ser interrompidos pela mãe, o que
Sean queria evitar.
Surpreendentemente, seu pai estava sozinho no escritório. Estava examinando
um grosso maço de papéis, mas . deixou tudo de lado para receber Sean com um
sorriso.
— Ah, meu filho! Não o vi no café esta manhã.
— Não, fiquei dormindo um pouco mais.
— Não fique embaraçado. Acabou de se casar com uma linda moça, e eu não
esperaria menos de você.
O assunto incomodava Sean, mas ele decidiu usá-lo como introdução.
— É exatamente sobre isso que gostaria de falar com o senhor, meu pai.
— O que é, filho? Como sempre, Sean teve a clara sensação de que teria
apenas alguns minutos para dizer o que queria e depois seu pai partiria para o
próximo item da agenda.
— É o fato de que agora sou um homem casado, com mulher e filha...
— Caroline é uma gracinha! — Patrick interrompeu-o.
— Sim, ela é. As duas são, e eu gostaria de dar um lar a elas.
Patrick foi pego de surpresa.
— A mansão Flaherty não é o suficiente?—ele perguntou. Sean balançou a
cabeça.
— É claro que sim, mas não é a nossa casa. Gostaria de ter um lugar onde Kate e

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eu pudéssemos criar Caroline sozinhos. Um lugar pequeno — ele acrescentou.


Patrick olhou a baía pela janela.
— Quer uma casa? Só isso?
— Bem, eu precisaria de sua ajuda para comprar alguma coisa. Não tenho
dinheiro suficiente.
— Quando eu vim para a Califórnia, morei em um estábulo abandonado. Minha
cama ficava na cocheira vazia.
Sean sentiu aumentar sua irritação, mas esforçou-se para manter-se calmo.
— Gostaria que eu criasse Caroline em uma cocheira? Patrick olhou para o filho.
— Não. Mas acho que sua família tem um bom teto sobre a cabeça. Não entendo
qual é a queixa.
— Só queremos estar sozinhos. Patrick ficou pensativo.
— Bem, então trabalhe para isso, filho. Não sou tão exigente quando você passa
seu tempo bebendo com amigos em vez de se concentrar nos negócios. Mas se quiser
ter as coisas na vida, terá de fazer por merecê-las.
— Não tenho medo de trabalhar — Sean protestou. — É que nunca tenho o que
fazer.
Patrick pegou o maço de papéis e empurrou na direção de Sean.
— Comece por aqui.
— O que devo fazer com eles?
— Aprenda! — Patrick fez um gesto que incluiu sua sala e os navios das Empresas
Flaherty ancorados na baía. — Consegui tudo isto aprendendo... e trabalhando.
Sean já havia ouvido aquilo. Na verdade, a maioria das conversas que tivera com
o pai referiram-se às dificuldades que ele enfrentara para conseguir o que tinha. Isso
sempre o deixava irritado. Somente Kate conseguia impedi-lo de jogar os papéis sobre
a mesa do pai e sair.
— Se eu começar assumindo mais responsabilidades no escritório, você me
ajudaria a comprar uma casa para minha família? — Sean perguntou, voltando ao
assunto original.
Patrick hesitou.
— Prove-me que você merece, Sean, e então vamos conversar.
Sean começou a sentir-se mal. Prove, rapaz. Quantas vezes já ouvira isso? Prove
que você é suficientemente bom para ser filho do incrível Patrick Flaherty. O rico e
bem-sucedido Sr. Flaherty!
Sean deixou os papéis sobre a mesa do pai.
— Pensando bem, esqueça tudo isso, pai. Vou conseguir de outro jeito. — Ele se
levantou e saiu da sala.

CAPÍTULO X

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Kate ficou decepcionada quando Sean não apareceu para jantar. Depois de um
domingo tão agradável, queria passar a noite com ele para dissipar as dúvidas que
atormentavam seu coração desde as terríveis palavras de Charles Raleigh.
Jantando com os pais de Sean, ela procurava entender o motivo de sua ausência.
Sabia que era um sacrifício para ele estar com os pais. Seria bem mais fácil quando
estivessem sozinhos em sua própria casa.
Kate pôs Caroline para dormir. A criança ocupava-a durante todo o dia, e embora
não se incomodasse, sentia-se cansada. As sestas da menina eram mais curtas a cada
dia e às vezes nem dormia mais pela manhã. Já engatinhava tão bem que saía do
berçário e atravessava o corredor enquanto Kate dobrava o cobertor do berço. A
qualquer momento começaria a dar os primeiros passos.
Kate sorriu e gentilmente fechou a porta do berçário. Gostaria que Jennie a visse.
Quando voltasse a encontrar a irmã, Caroline já estaria tão crescida que talvez nem
fosse reconhecida. A essa altura Jennie já devia ter providenciado um filho para ela. E
Kate só receberia a notícia quando chegasse carta das montanhas. Carter talvez
pensasse em mandar um telegrama, mas Jennie era tão econômica que não permitiria
tanta extravagância.
As lembranças de casa aqueciam-na ao descer a escada em direção à biblioteca.
Kate decidiu que para melhorar seus conhecimentos deveria ler uma hora por dia na
biblioteca. Na casa dos pais ela lia muito, e a família cultivava o hábito de reunir-se em
torno da lareira para ler. Kate sentia falta daquele tempo e do aconchego da família.
Ela nunca encontrara na casa dos Flaherty aquela sensação de bem-estar.
Mas Caroline estava crescendo e Sean, quando estava em casa, era um bom
marido. Quando tivessem sua própria casa, tudo seria diferente.
— Ah, você está aí — Sean entrou na biblioteca. Kate percebeu os passos
cambaleantes.
Ele inclinou-se para beijá-la na boca. O hálito recendendo a álcool lembrou-a
daqueles desagradáveis momentos com Charles Raleigh. Mas não era Charles que ali
estava, e sim seu marido, o homem com quem fizera amor na noite anterior.
— Pensei que você fosse chegar cedo hoje. Senti saudade. Ele riu.
— Também senti sua falta. Por isso deixei Charles e Harold no meio do jogo e vim
para cá. — Ele jogou-se no sofá onde ela estava, sentada. — Para ficar com você — ele
acrescentou, acariciando o seio de Kate.
— Você bebeu. — Ela recuou.
— Só um pouquinho. Dizem que isso ajuda a soltar o animal que cada um tem
dentro de si mesmo. Já ouviu dizer isso, meu amor?
Ela não sabia como reagir na presença daquele homem completamente
estranho.
— O meu animal está louco para se manifestar — ele continuou. A mão seguiu
buscando o seio dela, já não mais com delicadeza. Ele encostou-a no sofá e tentou
beijá-la. Kate o empurrou.

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— Por favor, Sean. Acho que você bebeu demais. Ele a soltou imediatamente e
jogou-se do outro lado do sofá.
— Não sei por que implica tanto comigo, Kate.
— Porque eu o amo. Ele fechou os olhos e balançou a cabeça.
— Pobre Kate, está apaixonada por um inútil. Kate levou um susto. A voz dele
estava carregada de mágoa.
— Você está cansado. Não deve ser fácil conviver com essa tensão que há entre
mim e seus pais. Quando tivermos nossa casa, tudo será mais fácil.
Ele soltou uma gargalhada.
— Você gosta de estábulos, querida? Acha que Caroline vai gostar de dormir em
um monte de feno?
Ela não entendeu.
— Vou ajudá-lo a deitar-se na cama.
Quando Kate inclinou-se para ajudá-lo, ele a empurrou.
— Não haverá casa alguma para nós, Kate. Não iremos a lugar algum. Picaremos
aqui para o resto da vida, ouvindo minha mãe tagarelar e meu pai pontificar.
— Mas você disse...
— Eu disse muitas coisas, mas a verdade é que só teremos nossa casa quando
meu pai resolver abrir a carteira. E ele não pretende fazer isso nesse momento. E
talvez não faça nunca.
Kate ficou em silêncio, então disse:
— Quer dizer que você conversou com ele? Sean tentou focar os olhos.
— Não se conversa com meu pai. Ele diz o que quer e não ouve ninguém.
— Se é pelo dinheiro, Noninha poderia cuidar de Caroline e eu arrumaria um
emprego. Jennie faz isso em Vermillion.
— Ah, que idéia fantástica! — ele exclamou com sarcasmo. — Minha mãe
adoraria contar essa história a seus amigos de Nob Hill. A mulher de Sean precisa
trabalhar para que eles não morem em cocheiras.
— Você não está em condições de discutir isso. Vou levá-lo para a cama.
Novamente, ele empurrou-a, mas desta vez conseguiu ficar em pé.
— Posso ir sozinho para minha cama. Pelo menos isso eu sei fazer.
— Você precisa conversar com seu filho, Patrick — Harriet entrou no quarto do
marido, mas seu propósito nada tinha a ver com relações maritais.
— Desculpe-me, Harriet, mas não vejo problema algum. O rapaz gosta da
mulher. É uma coisa normal e saudável.
— E dia e noite — ela comentou, indignada. — Ontem eles ficaram na cama o dia
todo, e nem sentem vergonha de que os criados os vejam.
— A festa dos Wellington terminou de manhã. Todo mundo dormiu até tarde.
Harriet ignorou o argumento.
— Ele volta do trabalho, e os dois se trancam no quarto. E horrível!
Patrick riu e tirou o robe para se deitar.

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— Já houve um tempo em que nós íamos para a cama assim que eu chegava em
casa, Harriet. Que pena que você já se esqueceu. Deixe as crianças em paz.
— Eles não são mais crianças. Ela vai acabar engravidando outra vez e então...
— E daí? Eles podem ter uma dúzia de filhos se quiserem. Sempre me arrependi
de que Sean tenha sido filho único. Teve uma vida muito solitária.
Harriet ficou pensativa.
— Se ela tiver outro, Sean ficará preso para sempre. Patrick sentou-se na cama.
— Ele está casado com ela, Harriet, quer tenham um ou vinte filhos. Já é hora de
tirar da cabeça que ele está tendo apenas um caso.
— Não seria a primeira vez que ele tem um caso e depois muda de idéia — ela
argumentou.
— Bem, um casamento não é um caso. Não acredito que ele mudará de idéia.
Hoje mesmo ele esteve em meu escritório perguntando se poderia procurar uma casa
para morarem.
— Morar em outra casa? Eles querem sair daqui?
— Evidentemente. Eu disse que ele deveria trabalhar um pouco mais, o que o
deixou louco da vida. Mas achei ótimo. Já é hora de nosso filho assumir alguma
responsabilidade na vida. Até estou pensando em ajudá-lo.
Harriet não estava mais ouvindo.
— Desconfio que ela o esteja querendo só para si.
— Ela é mulher dele, Harriet — ele repetiu. — Tem todo o direito. E então, quer
se deitar aqui do meu lado ou vai me deixar dormir?
Ela curvou-se para beijar-lhe o rosto.
— Vou deixá-lo descansar, Patrick. Você anda trabalhando muito. Acho que tem
razão: já é hora de Sean assumir mais responsabilidades.
— Só espero que ele comece a interessar-se mais pelos navios mercantes.
O rosto de Harriet iluminou-se.
Viu? Se ele não estivesse tão preocupado em voltar para os braços daquela
montanhesa todos os dias, talvez se interessasse mais pelos negócios.
— Deixe-os em paz, Harriet. Ele gosta dela. Os dois vão ser muito felizes. —
Patrick suspirou.
Ela deu um sorriso irônico e virou-se para sair. Quando seguia pelo corredor em
direção a seu quarto, murmurou entre os dentes:
— Muito felizes? Veremos.
Sean já havia saído quando Kate terminou de cuidar de Caroline e desceu para
tomar café. Ela não dormira bem com tudo o que acontecera na noite anterior. Não
havia sido agradável ver o próprio marido no estado em que estava, não só
embriagado, mas nitidamente infeliz.
Quando se lembrava do jovem risonho que conhecera havia apenas um ano e
meio, vinha-lhe uma terrível sensação de que só trouxera tristeza à vida dele.
A única coisa boa era saber que ele não conseguira esquecê-la durante todo o

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tempo que ficara em San Francisco. Sean não conseguira viver sem ela e voltara para
buscá-la.
Kate suspirou e voltou à biblioteca para terminar o livro que estava lendo. Sua
mãe sempre dizia que enriquecer a mente era o melhor remédio para alegrar o
coração. Para sua surpresa, Harriet estava na biblioteca, sentada a uma mesa de canto,
folheando um jornal.
— Desculpe-me. Não quis perturbá-la — Kate disse, voltando para a porta.
— Por favor, entre. A correspondência chegou e há uma carta para você.
Harriet olhava-a por cima de um par de óculos que a faziam parecer com uma
professora que Kate detestava. Ela adiantou-se para pegar a carta, mas Harriet não a
entregou.
— Está com saudade da família, Kate?
Ela concordou e esperou. Não queria que Harriet percebesse que estava ansiosa
por notícias de Vermillion.
Harriet olhou atrás do envelope.
— É de seu cunhado, Carter Jones. Foi ele quem estudou em Harvard? — Ela fez
um sinal para que Kate se sentasse na cadeira a sua frente.
Kate esforçou-se para controlar a impaciência, sentia-se inquieta.
— A senhora já leu o que está escrito nessa carta? — ela perguntou.
Harriet balançou a cabeça negativamente.
— Não, mas esta é uma boa hora para mostrar-lhe outra carta. Agora que você já
se adaptou a esta casa, talvez queira agradecer a sua irmã.
— Agradecer a Jennie? — Kate ficou perplexa.
— Por ter notificado Sean. — Deixando de lado a carta de Carter, Harriet tirou
outra da gaveta. A mão de Kate tremeu ao pegar o papel.
O carimbo do correio datava do último mês de maio, e Kate reconheceu a letra
de Jennie: "Sua filha tem agora seis meses e se por acaso tiver curiosidade de conhecê-
la, não deveria adiar mais sua volta...". Kate deixou cair a carta no chão.
— Querida, você parece chocada! — Harriet comentou com falsa preocupação.
— Então eu tinha razão, você não sabia que Jennie tinha contado a Sean sobre a
criança?
Kate não conseguiu responder, apenas balançou a cabeça, concordando.
— Ele sofreu todo o verão para decidir o que fazer. Por fim, o pai praticamente
obrigou-o a voltar. É claro que Patrick e eu ficamos muito contentes quando ele
resolveu assumir suas responsabilidades e dar um nome a Caroline. — Ela debruçou-se
sobre a mesa e adotou uma expressão sombria. — Não é fácil para os pais
reconhecerem os erros dos filhos. Fiquei orgulhosa de Sean por cumprir seu dever.
Kate tentou respirar, mas o esforço provocou um engasgo. Harriet levantou-se
assustada.
— Você está bem, querida? Devo pedir um pouco de água? Kate sentiu o sangue
sumir do rosto. Se não saísse para tomar ar, desmaiaria pela primeira vez na vida, e

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não queria dar essa satisfação a Harriet. Ela esforçou-se para se levantar da cadeira e
inspirou profundamente.
— Não preciso de água, obrigada.
— Espero não tê-la aborrecido. Pensei que...
— Se me der licença, Harriet, preciso ver minha filha. Ela virou-se para sair, mas
parou quando Harriet lembrou:
— Não esqueça a carta de seu cunhado, querida. Com os olhos cheios de
lágrimas, ela voltou para pegar o envelope sobre a mesa. Em seguida, saiu da sala,
cruzou o corredor e subiu a escada. Quando chegou na porta do quarto, não pôde mais
segurar a raiva. Bateu a porta com força e jogou-se na cama, sem abrir a carta. Por
mais que desejasse receber notícias de casa, o que menos queria agora era abrir
aquele envelope.
Por fim, ela entregou-se às lágrimas que já a sufocavam. Deitada na cama de
olhos fechados, deixou que elas caíssem livremente.
Não era a carta de Jennie a responsável por tudo isso. Kate estava furiosa com
sua irmã, mas não era a primeira vez que ela se metia em sua vida com a melhor das
intenções. O que mais a magoava fora ter sido enganada por Sean. E saber que ele não
voltara por sua causa, mas pela criança.
Pensando bem, ele nunca dissera que a amava, e agora ela sabia por quê: Sean
não sabia amar. Essa incapacidade de amar alguém, devia-se, talvez, à maneira como
seus pais se relacionavam. Mas Kate não duvidava de que ele amasse Caroline. Afinal,
amar um filho era tão natural quanto respirar. Harriet também amava seu filho, apesar
de todo o seu egoísmo. O amor entre homem e mulher era outra história. Graças ao
exemplo de seus pais, Kate não tivera dificuldade de apaixonar-se por Sean, Talvez ele
nunca a tivesse amado. Não fosse a carta de Jennie, talvez nunca mais teria visto Sean.
Era uma terrível descoberta.
Foi Noninha a quem Kate recorreu. Desde que chegara a San Francisco, a boa
senhora tornara-se mais que uma amiga, uma confidente e conselheira. Era ela quem
preenchia a ausência de Jennie em sua vida.
Jennie. Kate balançou a cabeça, perturbada. Ao menos sua irmã logo seria mãe
também. A carta de Carter era curta, típica dos advogados, mas deixava transparecer
uma preocupação nas entrelinhas. Kate também se preocupava. Afinal, ela quase
morrera para ter Caroline. E Jennie era muito menor, trabalhava muito mais,
administrando a pensão e subindo a montanha para cozinhar para os mineiros.
Ela bateu na porta do quarto de Noninha e entrou. Kate já não estava chorando.
Mais calma, sentou-se na cama, ao lado da amiga.
— Vou voltar para casa — comunicou.
O rosto enrugado de Noninha registrou uma certa surpresa. Ela segurou na mão
de Kate.
— Que pena! Então a festa dos Wellington não a convenceu de que pode
adaptar-se à vida em Nob Hill?

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Kate apertou a pequena mão que segurava a sua.


— Não, a festa foi ótima. Eu me diverti muito.
— E meu neto, não é? A bebida e o jogo. Kate balançou a cabeça, discordando.
— Eu sei que Sean levava uma vida muito diferente antes de nosso casamento e
que a família esperava muito mais dele. Eu me preparei para ter paciência, mas
acreditava que ele me amasse, que tivesse voltado a Vermillion por minha causa.
Em poucas e doloridas palavras, ela contou a Noninha seu encontro com Harriet
na biblioteca. Noninha não se surpreendeu, e Kate presumiu que já tivesse
conhecimento da carta de Jennie. Parecia ser a única tola o suficiente para pensar que
Sean a procurara por amor.
— Você precisa falar com Sean, minha filha — Noninha aconselhou-a. — Pode
ser que a carta de sua irmã o tenha levado de volta, mas ele não precisava ter se
casado com você. Se fez isso, foi porque a ama.
— Ou porque o pai esperava essa atitude dele.
— Não sabemos, por isso você deveria conversar com ele. Muito triste, Kate
balançava-se na cadeira.
— Era muito bom pensar que Sean havia voltado por minha causa. Foi o que me
deu forças para enfrentar Harriet e suas amigas e os amigos bêbados de Sean.
Noninha arregalou os olhos ao saber das dificuldades de Kate, mas não
perguntou detalhes.
— Meu bem, a única verdade é que ele voltou por sua causa. Por você e pela
filha.
— Depois de passar todo o verão decidindo o que fazer. Noninha suspirou.
— Como eu já disse, Sean precisa de mais tempo que outros para tomar
decisões, mas nessas últimas semanas tenho notado uma mudança nele. Acredito
sinceramente que ele queira ser um bom pai para Caroline e um bom marido para
você.
— No fundo, Charles Raleigh tinha razão. Sean foi atrás de mim para se divertir.
Achou que eu fosse uma presa fácil, e eu fui. Agi como uma qualquer. Ele jamais
esperava que aquela sua pequena aventura nas montanhas voltasse a assombrá-lo
depois com uma filha.
— Chega, Kate. Você já está dizendo bobagem. Todos sabem que você não é uma
moça qualquer. Apaixonou-se por Sean e continua apaixonada, se quer saber.
— Talvez esteja, mas já aprendi minha lição. Ele fica mais feliz quando está
bebendo e jogando com os amigos do que a meu lado. Preferia que jamais tivesse
voltado a Vermillion.
— Está falando sério? Isso é sincero?
Kate hesitou. Naquelas últimas semanas com Sean havia aprendido muito sobre
a vida e sobre si mesma, e não podia negar que lhe dava uma certa satisfação que
Caroline tivesse um sobrenome legítimo. Mas era hora de enxergar a realidade. Ela e
Sean pertenciam a mundos diferentes. Voltaria para sua casa, onde havia pessoas

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como ela. Pessoas que precisavam dela.


— Há uma outra razão para eu voltar. — Ela tirou do bolso a carta de Carter. —
Minha irmã vai ter um bebê. Talvez ela tenha os mesmos problemas que eu quando
tive Caroline.
— E você quer estar com ela.
— Pelo menos poderei ajudá-la. — E estar com a família que a amava e não se
envergonhava de suas roupas ou de sua origem, ela pensou com amargura.
Sua determinação acabou por convencer Noninha de que não se tratava apenas
de uma tristeza temporária.
— Kate, se você partir, Sean ficará arrasado. Prometa que falará antes com ele.
Talvez ele até a leve para ver sua irmã.
Kate já havia se decido, mas ainda tremia ao imaginar-se longe de Sean. Noninha
tinha razão: seria uma tolice viajar antes do dia amanhecer. E talvez devesse mesmo
conversar com Sean antes de sair.
— Tudo bem, eu falarei com ele quando vier para o jantar. Mas amanhã cedo
voltarei a Vermellion.
Sean jogou as cartas na mesa e empurrou a pequena pilha de fichas para o
crupiê.
— Para mim, chega. O crupiê assentiu e recolheu-as. Eles estavam em uma
das mesas do fundo do salão, reservadas pela gerência do Golden Garter para os
freqüentadores mais assíduos, ou seja, os ricos de San Francisco e seus filhos. Ali não
havia regras nem limites. Os crupiês eram discretos e não faziam perguntas.
— Você não pode sair agora, Flaherty — Charles Raleigh protestou. — Ganhou
todo meu dinheiro esta noite.
— Já é tarde. Preciso ir para casa.
Charles riu e olhou para os outros ao redor da mesa.
— Todo mundo sabe por que ele quer ir para casa, não é, cavalheiros?
Sean sorriu e levantou-se.
— Ela é muito mais bonita do que suas bebedeiras — Sean brincou. Ele não
queria passar outra noite na mesa de jogo. Na noite anterior chegara em casa
completamente bêbado. Agora não tinha bebido, mas não estava com disposição para
enfrentar Kate.
Ele sabia que ela estava desiludida com a vida em San Francisco. Depois do baile
de sábado, ficara quieta e distante. Não era fácil fazê-la feliz. Também não conseguira
arrumar uma casa para eles morarem. Na verdade, nada fizera senão desiludi-la desde
o primeiro dia em que se viram. Mais uma vez ele se refugiava no jogo, na bebida e na
roda de amigos. Era uma reação covarde, um caminho que só agora ele começava a
perceber que não levava a lugar algum.
Charles empilhou as cartas e pôs as fichas em cima.
— Guardem meu lugar. Vou sair com Flaherty e
volto depois.

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Sean surpreendeu-se com a reação do amigo. Quando chegaram à rua, Charles


segurou no braço de Sean e disse:
— Deixe-me pagar-lhe a última cerveja. Tenho que tirar uma coisa de dentro de
mim.
Sean não via a hora de chegar em casa, mas o amigo parecia tão desesperado
que ele aceitou o convite.
— Está bem. A última. — Eles atravessaram a rua e entraram em um bar. — O
que está acontecendo?
— Quero me desculpar pela noite de sábado.
Sean lembrou-se que naquela noite Charles tinha se comportado pior do que
outras vezes.
— Vá com calma, amigo. Você já deve ter notado que diminuí bastante. Em parte
é por causa de Kate, mas também porque estou vendo o que a bebida está fazendo
com você. É um veneno!
Charles concordou.
— Eu sei. Penny também está preocupada. Mas não estava me referindo à
bebida, e sim a Kate.
Sean arqueou as sobrancelhas.
— O que tem Kate?
— As coisas que eu disse a ela. Estava bêbado e não sabia o que dizia, Sean. Nem
me lembro das palavras que usei, mas lembro-me muito bem da expressão do rosto
dela. — Ele passou a mão pelos cabelos. — Quer dizer que ela não lhe disse nada?
Sean meneou a cabeça. Pensando bem, lembrava-se de que Charles parecia
jogar-se em cima de Kate quando ele chegou ao terraço, mas achou que ele estivesse
apenas bêbado. De repente o quadro ganhou uma interpretação mais sinistra.
Charles continuou:
;— Eu não fiz nada, mas acho que a insultei, Sean. Você deveria ver o olhar dela...

Parecia um animal ferido.


Sean já havia visto aquele olhar mais de uma vez, mas não soubera interpretá-lo.
Só não imaginava o que Charles teria feito para merecer o mesmo olhar.
— Que você disse a ela?
— Muitas besteiras. Que eu o invejava por ter conseguido uma mulher das
montanhas, e eu não... acho que mencionei a irmã dela. Lembra que eu queria que
você convencesse a irmã dela para sair comigo?
— Lembro vagamente. — Sean ficou em silêncio por um momento, então falou
bruscamente. — Foi outra vez que você perdeu o bom senso. — Sua irritação cresceu
tanto que ele sentia o pescoço pegar fogo. Podia imaginar o que a conversa de Charles
teria causado em Kate. Ela os veria como dois predadores, aproveitando-se dos pobres
habitantes locais.
— Bem, Kate não gostou do que ouviu. Como eu disse, ela sentiu-se insultada,
magoada. E difícil acreditar que não tenha dito nada. A noite toda fiquei esperando-o

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

avançar em mim para me arrancar o pescoço fora.


— Ainda posso fazer isso.
— Escute, eu peço desculpas. Estou arrependido, sinceramente. Eu também
prometi a Penny. Por favor, diga a Kate que me arrependo do que fiz.
Sean plantou os cotovelos no balcão.
— Não há nada a fazer depois que as palavras foram ditas, Charles.
— Eu sei. — Charles imitou o gesto do amigo. O barman aproximou-se, e ele
pediu mais duas cervejas.
— Você prometeu que não ia mais beber.
— Amanhã eu cumprirei minha promessa.
Sean sentiu os olhos se encherem de lágrimas. O que Kate pensaria dele? Já não
bastava perceber que ele era um milionário mimado que nunca fizera nada em vinte e
cinco anos de vida? Agora iria pensar também que ele não passava de um mulherengo
sem caráter.
O barman trouxe as cervejas. Ele levou a garrafa à boca e bebeu um longo gole.
— E... Amanhã pararemos de beber.
Já passava da meia-noite quando Sean despediu-se de Charles e saiu pela rua
procurando por seu cavalo.
A caminho de casa, repassou mentalmente a discussão que tivera com o amigo.
Ele fez Charles repetir a conversa com Kate exatamente como conseguia se lembrar,
então sabia muito bem quanto aquelas palavras tão duras podiam tê-la magoado.
Por que ela não lhe contara nada? No fundo, isso não era mistério. Sean e Kate
completavam-se magicamente nos limites da cama, mas nunca se comunicaram muito
bem fora dela. As vezes ele se perguntava se passaria a vida sem conseguir conversar
com as pessoas mais próximas. Com os pais nunca se comunicara muito bem, e
Noninha era a única que parecia ser capaz de entendê-lo. Noninha e os leões no pé da
escada.
Mas estaria disposto a ouvir Kate, se ela confiasse nele. Ela realmente deveria ter
se ofendido com as palavras de Charles, especialmente por ele ter envolvido Jennie.
Ele imprimiu mais velocidade ao cavalo. Kate devia estar dormindo, e ele avisara
que chegaria tarde em casa. Mas de repente ele teve uma desesperada pressa de vê-la
e ter certeza de que estava tudo bem. Levou tempo, mas finalmente entendera que
Kate era a melhor coisa que lhe acontecera na vida. Precisava dela... e a amava. E já
era hora de dizer isso a ela.

CAPÍTULO XI

Pela primeira vez Sean tentou abrir a porta de ligação entre os quartos e
encontrou-a trancada. Por um momento, ficou sem saber o que fazer, segurando a
maçaneta. Estaria Kate zangada por ele ter passado outra noite fora de casa?

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Ele sentou-se na cama. Podia fazer a declaração de amor pela manhã com mais
tranqüilidade, mas de qualquer maneira aquilo era uma decepção. Planejara pedir
desculpas pela falta de atenção, declarar seu amor e amá-la o resto da noite com tanta
paixão que as insensatas palavras de Charles seriam definitivamente apagadas da
mente dela.
Quando Sean jogou-se na cama, imediatamente sentiu uma forte náusea
agitando seu estômago. Mais uma vez, bebera demais. Ele realmente pretendia acabar
com aquelas noitadas e bebedeiras. Tinha uma mulher meiga, inteligente, perfeita, e
uma filha linda, e queria começar logo a trabalhar para provar que as merecia.
A primeira coisa que faria pela manhã era levar o café na cama para Kate. Um
bom café, feito com suas próprias mãos. Depois haveria tempo para namorar um
pouco, antes de sair para trabalhar.
— Como assim, foi embora? — A pobre ajudante de cozinha encolheu-se quando
o normalmente charmoso e delicado filho do patrão perguntou aos berros.
— Não sei, senhor. Elas se foram... A Sra. Kate e a criança. Por que não pergunta
a sua avó, senhor?
Sean sentiu um súbito pânico.
— Elas não podem ter saído assim. Para onde iriam? A moça protegeu-se atrás
do balcão como se quisesse
aumentar a distância entre eles.
— Desculpe-me, senhor. Eu., eu não sei. Eu vi a Sra. Flaherty, a sua avó,
conversando com a Sra. Flaherty, a sua... mulher.
— E o que elas conversavam, menina? — Sean apoiou as mãos sobre o balcão
para que parassem de tremer.
— Ouvi-as falando alguma coisa sobre voltar para casa, senhor, só isso.
Sinceramente, eu diria se soubesse alguma coisa.
Sean respirou três vezes. Descera à cozinha com a maior das boas intenções,
pensando em preparar a bandeja de café para a esposa, mas depois de abrir e fechar
uma infinidade de armários, concluiu que não tinha a menor idéia de encontrar o que
precisava. Então tirou a tímida auxiliar da sala de jantar, onde ela punha a mesa para o
café da família. Foi quando confidenciou sorridente por que precisava de sua ajuda
que ela lhe deu a terrível notícia.
— Quando elas saíram? — ele perguntou, um pouco mais calmo.
— Essa noite, senhor. O senhor não chegava, e elas...
— Onde está minha avó? — ele a interrompeu.
— Acho que está em seu quarto, senhor — a moça respondeu, então encostou-
se no balcão aliviada quando Sean virou-se e saiu da cozinha.
— Eu tentei tirar essa idéia da cabeça dela — Noninha explicava calmamente. —
E a fiz prometer que iria conversar com você ontem à noite. O problema foi você ter
avisado que não viria para casa. Quando ela soube disso, fez as malas e se foi. Caso
ainda não saiba, sua mulher é uma jovem bem determinada.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

Sean estava sentado na cadeira de balanço com a cabeça entre as mãos.


— Eu não podia imaginar. Charles disse coisas horríveis a ela na noite de sábado.
Por que só agora ela resolveu ir embora?
— Não sei o que ele disse, Sean, mas ela não se foi por causa Charles Raleigh,
mas por sua causa.
— Pelas noites que passei na rua?
Noninha inclinou-se para ele com a expressão séria.
— Se eu fosse sua mulher, isso já seria razão suficiente, Sean Flaherty, mas Kate
sabe perdoar melhor do que eu.
Ele não entendeu.
— Achei que as coisas entre nós iam bem...
—Ela se foi porque sua mãe mostrou-lhe a carta de Jennie. Sean empalideceu.
— A carta em que ela contou sobre Caroline? Noninha assentiu.
— Kate contou-me que ficou convencida de seu amor por ela, apesar dos
problemas que vocês dois tiveram pelo fato de você ter voltado para ela porque quis,
antes de saber sobre a criança.
Sean cobriu o rosto com as mãos. — Eu sei. Ela me disse a mesma coisa. Por isso
nunca lhe contei a verdade:
— Odeio dizer-lhe isto, meu neto, mas se você tivesse lhe dado motivos para ela
acreditar que era amada, essa carta não teria sido tão terrível.
Sean gemeu.
— Tenho medo de que a vida a meu lado tenha sido uma decepção para ela. —
Ele ergueu a cabeça, e seu olhar era vazio.
Noninha estreitou os olhos.
— Eu vou perdoar-lhe por essa crise de auto piedade, Sean, porque sei que está
magoado. Mas quando essa dor passar, espero que pense bem no que está dizendo.
— Estou dizendo a verdade.
— A verdade, Sean, é que você é uma pessoa educada, encantadora, instruída,
divertida e carinhosa. Sua família o ama e seus amigos precisam de sua força. Você
conseguiu conquistar o coração de uma jovem inteligente e bem-humorada, e os dois
têm uma linda filha. Então não quero mais ouvir falar de fracassos e decepções.
— Concordo que Kate seja inteligente. — Sean levantou-se. — Inteligente o
bastante para saber que está melhor sem mim.
Noninha balançou a cabeça, desanimada.
— É isso mesmo: ela está muito melhor sem você.
Harriet passou a noite na ópera com as amigas. Patrick não aceitou o convite,
alegando que só conseguia suportar três óperas por ano, e convidou a mãe para
juntar-se a ele à mesa de jantar.
— Você é a única a quem ele ouve, mãe — Patrick estava dizendo, brigando para
cortar a carne em seu prato.
— Você está enganado, Paddy. Sean ouve cada palavra que você diz. Na verdade,

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sempre quis que você tivesse mais tempo para ele. — Ela observou o filho por um
momento, então perguntou-lhe em tom de brincadeira: — Quer que eu corte essa
carne para você?
Patrick olhou para o prato e se deu conta de que estava destruindo o pedaço de
carne. Ele soltou a faca e o garfo.
— Bem, ele não está me ouvindo mais. Não sei o que fazer. Nas duas últimas
semanas, ele passou todas as noites fora. Só chega ao escritório depois do meio-dia e
briga com quem passar na frente dele.
— A mulher dele o abandonou, Paddy. Não é fácil suportar uma coisa dessas.
— Eu sei. Por isso não chamei a atenção dele. Mas por quanto tempo isso vai
durar? — Ele retomou a faca e o garfo e partiu para o ataque à carne com maior
determinação. — Tragédias acontecem com todos, e ninguém sai por aí bebendo até
cair, todas as noites. Você perdeu seu marido e sobreviveu.
— Você era muito jovem para saber quanto isso meu custou, Paddy. Mas tem
razão. Não escolhi o mesmo caminho que Sean para livrar-me de minha dor.
Patrick ergueu a cabeça e olhou seriamente para a mãe. A súbita tristeza na voz
dela era muito rara.
— Por que não diz isso a Sean?
— Acho que agora não é o momento. Eu não permiti que alguém me dissesse
que eu estava errada por isolar-me e recusar-me a amar outra pessoa depois que seu
pai morreu.
Patrick mudou de posição na cadeira, claramente incomodado com aquele raro
momento de confidencias com a mãe.
— Você nunca mais se apaixonou — ele comentou com os olhos fixos em seu
prato.
Noninha sorriu.
— Nunca mais me permiti isso, filho. E não me queixo. Sempre tive você a meu
lado e tive Sean. Mas — ela fixou os olhos na parede, perdida nos próprios
pensamentos —, espero que Sean não faça o mesmo.
— Então converse com ele.
— Falarei quando ele se dispuser a conversar. — Noninha suspirou. — Será
perda de tempo se ele não estiver disposto a ouvir o que tenho para lhe dizer.
Patrick afastou o prato ainda cheio e empurrou a cadeira para trás.
— Eu espero que isso aconteça antes que ele se mate de tanto beber.
Noninha não conseguiu dormir. Ela entrou no berçário, ficou olhando o berço
vazio e perguntando-se como seria a vida de Caroline e Kate nas montanhas. Já havia
se passado três semanas. Sean não ficara em casa uma só noite desde o dia em que
Kate foi embora.
Quando ela soube que, naquela manhã, Sean fora checar o horário das
diligências, acreditou que ele fosse atrás de Kate e acabasse com aquela história de
uma vez por todas. Mas dera muito crédito a seu neto. O pai dele resolvia seus

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problemas havia tanto tempo que Sean não sabia mais lidar com seus próprios
assuntos. Achava mais fácil afogar-se em cerveja todas as noites.
Noninha pôs o livro de lado e já ia apagar a luz quando ouviu uma forte batida na
porta. Assustada, saltou da cama com uma agilidade surpreendente e saiu no corredor.
Espiando do alto da escada, viu Sean estirado no assoalho.
— Santo Deus! — ela desceu, correndo.
— Olá, Noninha! — ele cumprimentou-a com um sorriso amarelo.
— Sean Flaherty, você quase me mata de susto! Você está bem?
Ainda deitado, ele apalpou o peito, depois as coxas e por fim, o joelho direito.
— Acho que bati o joelho. — Seu rosto tinha uma expressão de dor.
— Você podia ter quebrado o pescoço! — Que pena! Perdi essa chance.
Ela ajudou-o a mudar de posição e sentou-se no primeiro degrau.
— Por que não vai lá em cima e tenta outra vez?
Talvez tenha mais sorte.
Sean olhou para ela um pouco confuso.
— Não me olhe com essa cara que não vai ganhar a minha simpatia. Se suicidar-
se é a única solução que enxerga para seus problemas, não serei eu a fazê-lo mudar de
idéia.
Ele conseguiu erguer-se do chão e sentou-se ao lado dela no degrau.
— Achei que você poderia me entender, vovó — ele falou devagar,
concentrando-se nas palavras. —Acho que minha mãe e meu pai estão felizes que elas
tenham ido embora, mas você também as amava.
— Sim, eu as amava, e pretendo continuar amando. Elas não morreram, apenas
moram em outro lugar. Logo, pretendo ir até as montanhas para visitá-las. E não há
nada que o impeça de fazer o mesmo.
— Ela não me quer, Noninha. Acho que isso está bastante claro. Nenhuma
mulher abandona o marido se ainda o ama.
Ele esfregava o joelho, e sua avó pôs a mão sobre a dele para esfregá-lo também.
— As vezes as mulheres fazem isso quando acham que não são amadas pelo
marido.
—Ela sabe que a amo — ele afirmou sem muita convicção.
— Como você sabe disso, se passava as noites jogando e bebendo em vez de
estar com ela? Como ela pode ter j certeza disso se não estava presente para ajudá-la
a ingressar em um círculo de amizades totalmente desconhecido e a deixava sozinha
para aprender a agir e se comportar nesse mundo?
— O que está querendo dizer? Ela saiu-se muito bem no baile dos Wellington.
Achei que teria de ressuscitar a prática do duelo para que meus amigos a deixassem
em paz.
— Sim, ela fez sucesso. E você nunca pensou em perguntar-lhe que magia
transformou uma moça simples como ela em uma perfeita dama de Nob Hill? Disse a
ela que se orgulhava de tê-la como esposa?

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Sean ficou olhando para ela sem dizer nada. Noninha continuou em um tom mais
suave.
— Alguma vez disse a ela que a amava, Sean?
Ele virou-se para a avó e gemeu quando torceu o joelho.
— Ela me deixou, Noninha, ela não me quer mais. Noninha levantou-se.
— Sean, você é meu neto, e eu o amo mais que tudo nesta vida. Mas olhe só
para você. Acho que Kate tomou uma sábia decisão.
Então fechou o robe na frente do peito e bateu em retirada, escada acima.
Pela manhã, Sean se deu conta de que o tombo na escada machucara outras
juntas além do joelho. Deitado na cama, ele tentava identificar as dores: o pescoço, o
ombro direito, uma dor aguda do lado direito do quadril. Isso sem falar na terrível dor
de cabeça, uma velha conhecida que já se tornara uma companheira constante após
suas noites de bebedeira.
Ele ficou imóvel durante um tempo, tentando decidir se valia a pena sair da
cama. Talvez devesse voltar a dormir e quando despertasse já seria o dia seguinte.
Seria um dia a menos a ser encarado.
Pela claridade do sol que inundava seu quarto, já devia ser perto do meio-dia.
Suspirando, ele ergueu-se e conseguiu pôr os pés no chão. O joelho direito estava
inchado e doía muito quando se mexia. Novamente, ele pensou em voltar para a cama.
Desculpas para isso não lhe faltavam. Mas se ficassem sabendo de seu estado, sua mãe
entraria por aquela porta imediatamente para tratá-lo como um bebê com ungüentos
e sopinhas.
Sean daria uma fortuna para não ver ninguém naquela manhã. Isso se tivesse
alguma coisa sua para dar. Ainda tirava o próprio dinheiro do bolso do pai. Ele parou
diante da pia e olhou para seu rosto no espelho.
O que havia de errado com ele? Era um homem inteligente, bem-apessoado,
divertido, esperto e encantador. A prova disso era a quantidade de mulheres que se
atirava sobre ele durante suas noitadas no Golden Garter. Havia uma loirinha em
especial que andara flertando com ele durante toda a semana. Na noite anterior o
convidara a ir a seu quarto.
— Não vou cobrar de você, Sean — ela sussurrara em seu ouvido.
Ele olhou os seios sensuais quase explodindo para fora do vestido, lembrou-se de
Kate, tão carinhosa, tão amorosa, e quase vomitou ali mesmo, sobre o balcão de
mogno do bar.
Sean jogou água no rosto. Era uma água suja, de dois ou três dias atrás. Ele
ordenara aos criados que não aparecessem no quarto a menos que fossem chamados
e percebia naquele momento que eles lhe obedeceram. Deveria haver uma toalha
pendurada... Então ele a viu no chão, jogada embaixo da cama.
O joelho latejava. Ele olhou-se outra vez no espelho. O que Noninha lhe dissera
na noite anterior? Que Kate havia tomado uma sábia decisão. Sean soltou uma
gargalhada. Bem, não era ele mesmo que dizia que sua avó era a mulher mais sábia do

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mundo?
Sean voltou a sentar-se na cama. O que Kate estaria fazendo naquele exato
momento? E Caroline? Seu primeiro aniversário já havia passado, e ele não estava
presente para celebrar. Ela já estaria andando? Ou falando? Quando, afinal, as crianças
começavam a andar e a falar?
Ele fechou os olhos com força ao sentir as lágrimas. Quanta saudade sentia
delas!
Com um gemido, ele voltou para a cama, cobriu a cabeça e voltou a dormir.

CAPÍTULO XII

Desista de uma vez dessa história e case-se comigo, Kate — Lyle voltou a insistir
quando estavam no terraço.
— Você nem deveria dizer uma coisa dessas. Eu já sou casada.
— E meramente uma questão burocrática. Os advogados de meu pai cuidarão
disso em menos de um mês. Você poderá esquecer de uma vez por todas esse canalha
da cidade e ter uma vida maravilhosa comigo.
Kate balançou a cabeça e pôs a mão no braço de Lyle.
— Não pense que eu não lhe seja grata, Lyle. Você tem sido leal há tanto
tempo...
— Há anos.
— Sim, há anos. Mas não é apenas uma questão de
advogados. Sean é pai de Caroline.
— De que adianta ter um pai que ela nunca vê? Kate, encare os fatos. Se Flaherty
a quisesse, já teria vindo atrás de você.
Kate já havia confessado a Jennie que, no fundo de seu coração, era exatamente
isso o que ela esperava. Fora uma profunda decepção quando as semanas se passaram
e não recebera nem uma palavra dele. Mas isso Kate não estava disposta a confessar a
Lyle.
— Desculpe-me, Lyle, mas não estou pronta para conversar sobre essas coisas.
Sem perder as esperanças, o filho do banqueiro levantou-se e estendeu a mão a
Kate.
— Mas logo estará. Vou lhe dar mais umas semanas. Enquanto isso, venha
comigo. Quero mostrar-lhe uma coisa.
Kate seguiu-o até a rua. Lyle viera com a nova carruagem da família em vez do
cavalo que usava normalmente, mas Kate não prestara atenção. Quando eles
chegaram ao veículo, ele apontou para o banco traseiro, onde havia um lindo cavalo
de madeira sobre o assento.
— Oh, Lyle, é maravilhoso!
— E para Caroline. Presente de Natal. Podemos levar agora para dentro ou

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prefere esperar o Natal?


Kate tocou a superfície polida, a sela e o cabresto de couro legítimo.
— Nunca vi nada assim — ela comentou. — Deve ter custado uma fortuna!
— Nada basta para a filha de minha futura esposa. Kate balançou a cabeça e
sorriu.
— Você é muito bom para nós, Lyle. Eu lhe agradeço muito por isso.
— Não quero que me agradeça, Kate, quero apenas uma data de casamento.
Mas — ele ergueu a mão quando ela começou a protestar —, já disse que vou esperar
mais um pouco. Portanto, considere esse cavalo apenas um presente do tio Lyle para
Caroline. Vai alegrar o Natal dela.
— Sem dúvida. Vai alegrar o Natal de todos nós.— No dia anterior, Jennie e Kate
fizeram as contas da casa, calcularam o que restava pagar das despesas médicas de
seus falecidos pais e do hospital de Kate para saber se sobraria dinheiro para uma
celebração. Chegaram à conclusão de que seria melhor confeccionar mais uma vez os
presentes em casa.
— Vou trazê-lo no Natal. Quero ver a cara dela quando o vir.
Kate abraçou-o impulsivamente. Ele era uma boa pessoa e gostava sinceramente
de Caroline. Talvez fosse tolice recusar seu pedido de casamento só porque não fazia
seu coração disparar como Sean. Havia coisas mais importantes na vida, como
lealdade, estabilidade e responsabilidade.
Ela despediu-se de Lyle e ficou na calçada até a carruagem perder-se de vista. Em
San Francisco, Noninha dissera-lhe muitas vezes que Sean ainda precisava crescer.
Bem, talvez o mesmo se aplicasse a ela. Já era hora de abandonar os ideais românticos
e escolher um futuro melhor para si e sua filha.
— O que você acha de eu me casar com Lyle? — Kate perguntou como quem não
queria nada.
Jennie deixou cair a panela de feijões.
— Droga! Desculpe-me, o linguajar dos mineiros acabou me contaminando. —
Ela se abaixou para recolher os grãos.
— Já é hora de eu substituí-la na mina, mana. Quando eu estava grávida, você
não me deixava nem tirar o pó do corrimão da escada.
Jennie ignorou o comentário e voltou ao assunto.
— O que acho de você se casar com Lyle? Acho que está doida e lhe aconselho a
se deitar um pouco até a hora do jantar.
Kate riu.
— E sério, Jennie. Não é loucura. Ele é apaixonado por mim desde...
— Desde o curso primário, eu sei. E nesses anos todos não se tornou nem um
pouquinho mais desejável.
— Você precisa ver o presente de Natal que ele comprou para Caroline.
Jennie ergueu a cabeça e estreitou os olhos.
— Katherine Marie Sheridan, você está tentando me dizer que vai se vender a

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um homem que não ama, nunca amou e jamais amará só porque ele pode comprar
coisas bonitas?
Kate sentou-se no banco ao longo do grande balcão de madeira e apoiou o
queixo nas mãos.
— Acho que você tem razão.
— É claro que tenho. Além disso, como pode pensar em casar-se com Lyle? Que
eu saiba, você está casada com Sean. Ou será que não estou sabendo de alguma coisa?
— Não. Continuo casada. Embora não me surpreenderia se descobrisse que
Harriet já conseguiu o divórcio ou a anulação ou o que fosse preciso para que Sean se
case com uma ricaça de Nob Hill.
Jennie ficou em silêncio por um momento.
— Kate, jamais me perdoarei por você ter sido obrigada a passar por tudo isso.
Sinceramente, achei que tudo seria diferente.
— Eu sei disso, mana. — Kate sorriu. — Já lhe perdoei por ter escrito aquela
carta. Talvez tenha sido melhor assim.
— O que está querendo dizer?
— Bem, ao menos tenho certeza de que ele não me ama. Como Lyle acabou de
dizer, se ele me amasse, já teria vindo me procurar.
— Talvez seu orgulho o impeça. Afinal, foi você quem o abandonou.
— Eu sei. Mas, Jennie, se a gente quer de fato alguma coisa, não se deixa levar
pelo orgulho. — Ela estendeu a mão sobre o balcão para pegar dois grãos de feijão
perdidos. — Não, preciso encarar o fato de que ele não me ama e talvez nunca tenha
amado.
Jennie terminou de lavar os feijões na pia e jogou-os de volta na panela.
— Então, quando vai resolver não amá-lo mais? Kate inclinou-se para trás para
aliviar a tensão no
pescoço. Ela podia disfarçar diante de todo mundo, mas de Jennie era
impossível. Elas se conheciam muito bem.
— Não sei.
Jennie deixou os feijões no balcão, aproximou-se de Kate e passou o braço pelos
ombros dela.
— Ajudaria se o casamento terminasse? Quer que eu peça a Carter para ver isso?
— ela perguntou suavemente.
— Jennie, não tenho dinheiro para pagar advogados.
Não estou conseguindo pagar nem a minha parte e a de Caroline nas despesas da
casa. Vocês têm cuidado de tudo.
— Oh, você e Caroline comem tanto que vão nos levar à miséria.
— Por muito tempo ainda terão contas do médico para pagar, especialmente se
você tiver de ficar no hospital como eu. Os advogados podem esperar — Kate concluiu
com firmeza.
— Não, se houver alguma coisa que possamos fazer agora por sua paz de

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espírito. Além disso, não pretendo ter o bebê em um hospital, e quando terminarmos
de pagar nossas dívidas, o aluguel que os mineiros nos pagam é dinheiro suficiente
para nos mantermos.
Kate tirou o braço da irmã de seus ombros e desceu do banco.
— Eu estou muito bem. Não quero que você e Carter se preocupem comigo. E
não quero mais ouvir falar em advogados.
Jennie olhou desconfiada para a irmã.
— Quando quiser, avise-nos.
— Avisarei — ela sorriu. — É melhor acordar Caroline agora. Os mineiros
prometeram trazer uma árvore de Natal quando voltarem.
— Meu Deus! Eu prometi fazer pipocas! — Jennie gritou, consultando o relógio
preso ao vestido.
— Descerei logo para ajudá-la com o jantar. E melhor concentrar-se no Natal do
que ficar procurando resolver meus problemas.
Pensativa, Jennie ficou olhando a irmã sair da cozinha. Kate recusara-se
veementemente a dar início ao processo de divórcio. Embora alegasse falta de
dinheiro, talvez o motivo fosse o fato de ainda estar apaixonada por Sean Flaherty.
Jennie suspirou e pegou novamente a panela de feijões para colocá-la no fogo.
Carter encontraria uma solução legal para acabar com o casamento de sua irmã, mas
ela gostaria de saber que tipo de solução poderia ser aplicada ao coração de Kate.
O Natal anterior na casa dos Sheridan fora muito triste, por ser o primeiro sem a
presença dos pais e com Kate ainda se recuperando dos problemas do parto. Mas
neste ano, Jennie anunciara que a ocasião seria celebrada com as devidas honras. Ela e
Kate começaram a fazer as tortas quatro dias antes, e Carter comprara um grande peru
para o assado.
Kate recebera seu presente na manhã da véspera de Natal. A um mês de seu
primeiro aniversário, Caroline deu seu primeiro passo. Quando os mineiros chegaram
da mina, o feito se repetiu, e à noite ela já preferia ficar em pé do que de gatinhas,
para o delírio de Barnaby.
— Agora vou levá-la para passear no bosque, Caroline — ele disse à menina. — E
logo, logo poderemos sair da cidade para brincar no monte Pritchard. —Ao ouvir
aquele nome o rosto de Kate anuviou-se, mas o clima era por demais festivo para se
entristecer.
No dia anterior, os mineiros haviam trazido para casa um grande pinheiro.
Felizmente, John Sheridan gostava de tetos altos, e a árvore gigantesca coubera
perfeitamente na sala, embora ocupasse quase metade dela.
— Nunca vi uma árvore de Natal tão grande — Jennie riu, meio que protestando.
Caroline ficara encantada com a árvore, e Barnaby não via a hora de começar a
decorá-la.
No jantar, todos tomaram um caldo de ostra, uma tradição na casa dos Sheridan
na véspera de Natal. Nem Jennie nem Kate mencionaram seus pais, mas a freqüente

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troca de olhares revelou onde estava o pensamento das duas irmãs.


Depois, deixando as louças sobre a pia da cozinha, foram para a sala de visita
com suas cuias de cerejas e pipocas, uma caixa de velas e uma bandeja de enfeites de
papel feitos pelas irmãs havia alguns anos.
— Podíamos ter feito enfeites novos — Barnaby comentou ao pegar uma estrela
com duas pontas amassadas.
— O que há de errado com estes? — perguntou Kate. — Fique sabendo que
Jennie e eu passamos semanas fazendo estas estrelas.
Barnaby, sempre disposto a agradar, imediatamente se desculpou.
— Elas são lindas, Kate.
Rindo, Kate o abraçou e amassou ainda mais a estrela.
— Estou brincando, Barnaby. Algumas delas já não servem mais. Agora não há
tempo, mas amanhã cedo faremos outras novas.
Dennis Kelly aproximou-se de joelhos de Barnaby, que estava sentado no chão
segurando a bandeja.
— Ah, amigo, talvez Papai Noel venha durante a noite e troque essas estrelas
velhas por outras de verdade.
— Papai Noel? — Barnaby perguntou.
Isso bastou para que Dennis começasse a contar histórias de sua terra que
faziam todos rir. Caroline contribuía para a alegria do grupo, soltando gritinhos de
prazer.
Kate pegou-a no colo e deu um longo abraço. Não era a festa de Natal que ela
sonhara, mesmo assim era abençoada. Imaginou os Flaherty em um daqueles seus
jantares elegantes. Sem dúvida, ficariam horrorizados com o caldo de ostra enlatado.
Certamente teriam uma árvore de Natal adequada, decorada pelos criados com
estrelas de prata verdadeira.
Caroline balbuciou algo parecido com "mama", batendo nas faces da mãe. Kate
fechou os olhos e sorriu. Ali estava tudo o que ela queria: sua filha, a família, amigos
queridos, histórias, estrelas de papel e amor.
— Você está bem, Kate? — Carter perguntou.
Ela abriu os olhos e sorriu para o cunhado, que tinha um colar de pipocas
pendurado no terno de corte impecável.
— Estou ótima, Carter. Na verdade, não poderia estar melhor.
— Está chegando alguém — disse Smitty, olhando pela janela. Então voltou-se
para Kate com uma expressão séria no rosto habitualmente sorridente. — Acho que é
aquele seu marido.
Kate sentiu as pernas fraquejarem.
— Tem certeza?
Jennie correu para a janela.
— Deus do céu! O que vai fazer, mana? Quer que eu o mande embora? — Ela
voltou-se para o marido, preocupada. — Carter?

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— Eu direi a ele que vá embora — Carter ofereceu-se. — Se não quiser, não


precisa recebê-lo, Kate.
De repente todos pararam o que faziam, e a sala ficou em silêncio. O primeiro a
falar foi Dennis Kelly:
— Vamos expulsar o canalha daqui!
Os outros mineiros gostaram da proposta. Kate entregou Caroline a Jennie.
— Cuide dela. Vou resolver isto sozinha. — Ela olhou ao redor. — Desculpem-me
por interromper a celebração de vocês. Por favor, continuem sem mim.
Jennie pegou a criança, mas disse:
— Quer que eu vá com você, mana?
— Não vou me demorar. — Kate dirigiu-se para a porta com um olhar tristonho.
Ninguém disse nada até que Barnaby manifestou-se:
— Será que Sean veio para o Natal? Jennie embalava Caroline no colo.
— Não sei, Barnaby, isso vai depender de Kate.
— Ela não me pareceu muito feliz — o menino observou.
— Não.
— Quer que eu vá lá fora? —Carter perguntou à mulher. Jennie deu um beijo na
cabeça de Caroline e abraçou-a com mais força.
— Não. Sean Fiaherty é problema de Kate. Vamos deixar que ela cuide dele a sua
maneira.
Era como um pesadelo recorrente, com pequenas alterações, mas sempre infeliz.
Lá estava ele novamente, parado à frente dela, o chapéu nas mãos. Desta vez foram
apenas dois meses, e não dezoito, mas pareciam dois anos pelo tanto que Kate sentia-
se outra.
Sua voz não falhou nem suas mãos tremeram quando disse:
— Não esperava por isto, Sean.
— Eu devia ter mandado um telegrama.
— Devia mesmo. — Kate esperou.
— Pense bem, Kate. Como eu poderia dizer tudo o que preciso em um
telegrama? Não tenho palavras para tanto. Tive de vir pessoalmente.
— E veio rápido — ela observou.
— Como está Caroline?
— Muito bem. — Kate não pretendia estender-se, mas antes que se desse conta,
acrescentou: — Hoje ela deu os primeiros passos.
Os olhos azuis de Sean brilharam.
— Ela está acordada? Mal posso esperar para vê-la. — Olhou para dentro da casa
sobre os ombros de Kate.
Ela ficou séria outra vez.
— Como você mesmo disse, Sean, devia ter nos avisado de sua chegada. Estamos
decorando a árvore de Natal e não quero estragar a festa de todos com nossos
problemas.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

Sean sorriu sedutoramente.


— Então por que não deixamos os problemas aqui fora? É um ótimo lugar para
eles nesta noite fria. Vamos, Kate, quero ver minha filha.
Aquele era um dos motivos pelos quais ela jamais se livraria de Sean Flaherty.
Não podia negar que ele fosse o pai de sua filha. Isso ninguém poderia mudar. Mas
Kate decidira nunca mais abrir seu coração, e não havia sorriso que pudesse mudar
isso. Finalmente aprendera a lição referente a Sean Flaherty.
— Sean, você pode entrar para ver Caroline, mas não
espere ser recebido com festa pela família. E também não tente convencer-me a
encontrá-lo no monte Pritchard para que fique novamente tudo bem, pois não há mais
nada entre nós. Se não quiser aceitar isso, serei obrigada a lhe pedir que nunca mais
apareça por aqui.
Sean parecia cansado, envelhecido. Ele não tentou sorrir quando disse:
— Deixe-me ver Caroline, Kate. É só o que lhe peço.
— Estão todos na sala. — Ela se afastou para deixá-lo entrar.
— Kate, é Natal. Ele está sozinho e ainda é seu marido.
— Jennie andava pela cozinha para finalizar os preparativos do jantar e evitar o
olhar severo de Kate. — Céus, eu não condenaria o pior criminoso a comer no Hotel
Continental na noite de Natal.
Kate recusou-se a sorrir.
— Já não foi o suficiente ter vindo aqui ontem? Permiti que ele visse Caroline, e
ele ficou a noite toda.
Jennie abriu o forno para cuidar do peru.
— Não a ouvi pedir para que saísse.
— Como poderia? Cinco minutos depois todo mundo ria das piadas dele e o
tratava como um filho pródigo.
Jennie examinou o assado.
— Aqui está pronto. Vai começar a desmanchar se ficar mais no forno. — Ela
afastou os cabelos da testa.
— Ele é um homem encantador, Kate. Você sabe disso melhor que ninguém. Mas
somos leais a você, não a Sean. Jamais duvide disso.
— Ainda bem, uma vez que minha própria irmã o convida para jantar sem pedir
minha opinião.
Jennie levantou-se.
— Muito bem, retirarei o convite. Vou recebê-lo na porta e direi: "Feliz Natal,
Sean, mas mudamos de idéia. Por favor, vá embora". É isso que quer que eu faça?
Kate aproximou-se da irmã e abraçou-a.
— Desculpe-me, Jen. Reconheço que não tem sido fácil lidar com minhas
mudanças de humor, desde que eu soube que estava grávida. Você tem sido a melhor
irmã do mundo. Mas eu queria que minha filha tivesse um Natal feliz.
Jennie retribuiu o abraço de Kate.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

— Será um Natal feliz, Kate. Seja sincera: não acha que seria muito mais feliz se
Caroline tivesse o pai e a mãe presentes?
Kate ficou em silêncio por um momento.
— Talvez.
— Então não preciso expulsar Sean de nossa porta? Kate finalmente concordou,
com um sorriso relutante.
— Eu gostaria de ver essa cena, mas posso esperar outro momento. Deixe-o
entrar. Vou tentar agir de maneira civilizada.
— Essa é minha irmãzinha! Agora trate de amassar essas batatas antes que o
peru grude na assadeira.
Quando o jantar estava terminando, Kate finalmente admitiu que Jennie estava
certa a respeito de Caroline e Sean. A criança era só alegria desde a chegada do pai.
Caminhando instávelmente pela sala, sempre ia para o lado dele, estendendo os
braços e emitindo novos sons que Kate não conseguia identificar.
— Ela está me chamando de pai — Sean anunciou orgulhoso, e ninguém ousou
contestar sua interpretação.
A criança esteve presente ao lado dos adultos durante todo o jantar. Sean levara
um vinho para o brinde de Natal, e os três mineiros surpreenderam Kate e Jennie com
uma caixa de velas de marzipã com forma de soldadinhos.
— Eles são muito bonitos pára se comer — Jennie declarou. Mas Caroline já
chupava um deles com tanto prazer que acabou sujando toda a roupa.
Kate afastou a cadeira e disse:
— Darei um banho nela, depois tentarei fazê-la dormir um pouco.
— Posso ir também? — Sean pediu, pondo-se em pé. Kate hesitou por um
momento, mas acabou concordando.
Não pretendia ficar sozinha com ele, mas também não poderia recusar que ele
ajudasse a pôr a filha na cama.
— Eu a levarei. — Ele tirou Caroline dos braços dela, sem se importar com o fato
de ela estar toda melada de doce.
Eles subiram para o quarto de Kate e Sean começou a despir Caroline, enquanto
Kate preparava a bacia e as toalhas para lavá-la. Ele viu o berço em um canto e
perguntou:
— Ela está dormindo com você outra vez? Kate assentiu e respondeu rápido.
— Não temos outro quarto só para ela. Se você se lembra, todos os quartos da
casa estão alugados.
Sean apenas disse:
— Quero que me permita ajudá-la, Kate. Com dinheiro, é claro.
Caroline dava gritinhos de alegria enquanto sua mãe a limpava com uma toalha
úmida.
— Não preciso de nada, Sean, obrigada.
— Posso pagar o aluguel de um dos quartos para Caroline. Logo ela vai querer

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

sua própria cama.


— Aqui não é Nob Hill. Nas montanhas às vezes encontram-se famílias de dez
pessoas vivendo em cabanas de dois cômodos. Caroline aprenderá a conviver com
aquilo que temos.
Sean tirou a bacia da cama e sentou-se.
— Vocês têm um quarto a mais depois que Carter casou-se com Jennie.
Antes de se casarem, Carter alugara um dos seis quartos da casa dos Sheridan.
Os mineiros ocupavam outros três. Barnaby dormia em um pequeno cômodo atrás da
cozinha.
— Pretendemos alugá-lo também. Jennie já pôs um aviso na mina.
— Bom, eu pagarei o aluguel. Use esse quarto para Caroline.
— Aqui em Vermillion as crianças não tem um quarto exclusivo, Sean. Talvez
porque aqui elas sejam criadas pelos pais, e não por uma babá.
Sean inclinou a cabeça e perguntou:
— Presumo que quando você diz "pais" refira-se à mãe e ao pai.
— Em circunstâncias ideais, sim. Mas que eu saiba, nesta vida as circunstâncias
raramente são as ideais. — Ela acabou de limpar Caroline e trocou a fralda. - Dê-me o
vestido dela, por favor.
Sean levantou-se, deixou a bacia sobre o movei e tirou o vestido de uma pilha de
roupas dobradas.
— Eu não vou embora, Kate — ele disse lentamente, virando-se para ela.
Kate parou de brincar com Caroline e encarou seus olhos azuis, intensos e
determinados. Tão determinados que causaram-lhe um calafrio. Ela nunca vira nele
uma expressão semelhante.
— Logo, logo seu pai irá chamá-lo para voltar a San Francisco.
— Ele não pode. Eu não trabalho mais para as empresas Flaherty.
Ela levou um susto.
— Você pediu demissão?
— Pedi.
— Meu Deus! O que seu pai disse?
— Como sempre, pouca coisa. Mas acho que ele entendeu por que agi assim. Na
verdade, acho até que ele se orgulha um pouco de mim por eu ter tido essa coragem.
Kate tentava digerir as novidades.
— O que vai fazer?
— Por enquanto vou tentar arrumar um trabalho nas minas.
— Aqui em Vermillion?
— Sim. E aqui que minha família está.
Ela acabou de vestir Caroline e envolveu-a em um cobertor. Sean pretendia ficar
em Vermillion? Kate pensava em um milhão de coisas, mas não sabia o que dizer.
Precisava de um tempo para pensar sobre tudo aquilo. Por ora, o único assunto seguro
era sua filha.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

— Ela está cansada, mas tão excitada que não conseguirá dormir agora.
— Deixe-me tentar fazê-la dormir.
Ele tomou a criança dos braços da mãe e embalou-a no colo com uma canção de
ninar. As pálpebras de Caroline se fecharam. Devagar, ele colocou-a dentro do berço.
— Ela está quase dormindo — sussurrou.
Kate balançou a cabeça, admirada com a facilidade de ele cuidar da criança. Por
mais dificuldades que tivesse para aceitar o papel de marido, a paternidade cabia-lhe
como uma luva.
Eles saíram do quarto e fecharam a porta devagar. Kate já começava a se
recuperar das notícias que acabara de ouvir. No corredor, ela parou diante dele e
perguntou calmamente:
— Você está falando sério? Vai ficar em Vermillion para trabalhar como mineiro?
— Já não fiz isso uma vez?
— Sim, mas tanto você quanto Charles Raleigh viviam da mesada dos pais.
— Eu sei. Não vou mais aceitar dinheiro de meu pai. E por isso que preciso de um
trabalho. Kate ainda não conseguia acreditar.
— Os mineiros trabalham dez horas por dia, é um trabalho muito difícil, e
ganham apenas alguns dólares por semana.
Sean riu.
— Não é nada atraente, não é? Vou procurar alguma coisa melhor. Mas
enquanto não encontrar, preciso ganhar para me manter.
— Se você está sem dinheiro, que história é essa de querer pagar um aluguel
pelo quarto de Caroline?
— Não estou totalmente quebrado, meu bem. Tenho algumas economias. Recebi
salário das Empresas Flaherty por muitos anos sem precisar gastar nada, pois meu pai
sempre pagou tudo.
O olhar dele passeava por ela. Kate pretendia usar um dos dois vestidos que
trouxera de San Francisco no almoço de Natal, mas quando soubera que Sean estaria
presente, preferiu um mais antigo, com corpete justo e decote redondo. Seus olhos
fixaram-se nos seios dela por um momento, então ele chegou mais perto e segurou-lhe
os braços.
— Não vamos falar de dinheiro — pediu em voz baixa. Kate não tinha como
negar que a proximidade dos corpos deixava-a perturbada. Seu coração batia
acelerado, mas ela não permitiria que Sean percebesse.
— Não vamos falar mais nada e ponto final. — Kate soltou-se das mãos dele e
começou a descer a escada.

CAPÍTULO XIII

Sean ficou a tarde toda na casa de Kate. Contou que pretendia ficar em

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Vermillion e ouviu conselhos. Jennie olhou para a irmã com uma expressão
preocupada, e Carter franziu a testa e esfregou a barba. Os mineiros, que já tinham
sido conquistados por Sean, forneceram informações sobre as chances de trabalho.
— Em Wesley, muita gente foi embora no outono — Dennis Kelly disse. — Eles
estão contratando na hora.
— Foi todo mundo para Virginia City. A Comstock paga bem melhor que as minas
de Vermillion — Smitty acrescentou.
Kate observava os três homens e então notou estranhos olhares entre eles.
— Vocês estão pensando em ir embora?
Dennis balançou a cabeça e tentou dar um sorriso que parecesse normal.
— Ah, moça, o dia de Natal não é hora de se falar de negócios. É hora de dar
presentes.
Kate olhou para Jennie. Se os mineiros fossem embora, as coisas complicariam
muito para elas. Tal como sua irmã, Kate também pensava em cozinhar para algumas
minas, mas os homens haviam acabado de dizer que os mineiros estavam trocando
Vermillion por Virginia City, onde o trabalho era mais estável e pagava-se melhor.
— Oba, presentes! — Barnaby gritou, correndo para junto da árvore de Natal,
onde os pacotes foram se acumulando desde o dia anterior. — Posso distribuí-los,
Kate?
— Não podemos distribuir os presentes sem Caroline
— Sean protestou.
— Eu vou buscá-la. — Kate levantou-se. — Ela já dormiu bastante. Comece a
distribuí-los, Barnaby, eu voltarei logo.
Quando ela retornou com Caroline, Barnaby já havia distribuído todos os
pacotes.
— Podemos abri-los agora? — ele perguntou, quando Kate sentou-se. A sua pilha
era a maior de todas.
Kate concordou, sorrindo. As pessoas abriam os pacotes e exclamavam alegres.
Kate estava com Caroline no colo e abria os presentes dela: um casaco de pele de
Jennie e Carter, um livro de histórias dos mineiros e um saquinho de balas de Barnaby.
— Ela já comeu as minhas balas e gostou, Kate, eu juro — o menino justificou-se
diante do olhar de reprovação da mãe. — Gostou mais ainda das de limão. E como ela
já come comida de verdade...
— Ela vai adorar, Barnaby. Você poderá ajudá-la a comer. Mas só amanhã. O
marzipã já foi doce demais por hoje.
Sean trouxera uma boneca com cabeça de louça e cabelos de verdade, muito
mais bonita do que a boneca de pano feita pelas mãos de Kate. Mas Caroline
encantou-se com as duas.
Jennie já recolhia os papéis espalhados pelo chão quando Sean sentou-se ao lado
de Kate e pôs uma caixa de veludo no colo dela.
Ela ficou surpresa.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

— Não tenho nada para você.


— O seu presente é permitir que eu fique aqui com você e minha filha.
— Agradeça a Jennie por isso. — Ela abaixou os olhos. — Por mim, você estaria
ceando no Continental.
Ele riu.
— Puxa vida! Agora estou vendo o tamanho de sua raiva, meu amor. Mas tudo
bem, pretendo me esforçar para receber seu perdão. — Ele ficou mais sério. — Quero
que me perdoe por todo o mal que lhe fiz.
Kate sentiu a garganta fechar.
— Não será com presentes. — Ela olhou a caixa ainda fechada.
— Não. Isso é apenas um presente de Natal. — Ele tirou Caroline do colo dela. —
Vamos deixar mamãe abrir o presente dela, filhinha.
Kate esperava um brinco caríssimo ou uma daquelas jóias que se usavam nos
bailes de Nob Hill, mas encontrou sobre o veludo um pequeno broche na forma de um
pássaro azul.
— E o pássaro azul do monte Pritchard. Nós o vimos, naquela primeira vez... —
Sean relembrou desnecessariamente. Ela assentiu, os olhos cheios de lágrimas.
— E para prender no vestido—ele explicou timidamente. Kate tirou a jóia da
caixa e afastou-a de Caroline, que
estendeu a mão para pegá-la.
— E lindo — comentou. Era verdadeiramente lindo e, por pouco, não abriu o
coração que ela decidira trancar para sempre. Kate guardou o broche na caixa.
— É melhor deixar em um lugar seguro. Está muita bagunça aqui — ela sugeriu
para disfarçar a emoção. — Deve ter sido muito caro para alguém que a partir de agora
pretende pagar pela própria comida.
— Foi feito especialmente para você, não importa quanto custou...
Antes que ele terminasse a frase, Barnaby, que tirava os presentes da sala,
enfiou a cabeça pela cortina e anunciou:
— O Sr. Wentworth está aqui, Kate. Venha ver o que ele trouxe para Caroline.
Santo Deus! Ela se esquecera completamente de Lyle e do cavalo de madeira. Ela
olhou para a filha, que ainda estava com o pai.
— Ele trouxe um presente de Natal para ela, Sean. Kate estendeu os braços para
pegar a filha, mas ele recusou-se a entregá-la.
— Eu a levarei. — Sean levantou-se com a filha no colo. Kate fechou os olhos. Do
outro lado da sala, Jennie observava a reação da irmã.
— Quer que eu mande os dois embora, mana? Kate meneou a cabeça. Com um
leve gemido, seguiu
Sean até o saguão de entrada. Os dois homens se entreolhavam como dois
touros rivais enquanto Caroline, de.pé no chão, olhava o cavalo e batia as mãos de
alegria. Lyle lançou a Kate um olhar de reprovação.
— Não sabia que estava esperando visitas.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

— Sean chegou de surpresa. Veio trazer um presente para Caroline.


Sean olhou para Kate, Lyle e por fim, para o cavalo, que fazia muito mais sucesso
que sua boneca de louça.
Lyle inclinou-se para erguer Caroline e colocá-la na sela. Ela não reclamou, um
claro sinal de que estava acostumada com ele. Lyle segurava-a com cuidado enquanto
balançava o cavalo para frente e para trás. Ela soltava gritinhos de alegria.
— Parece que ela está gostando — ele comentou com Kate, ignorando a
presença de Sean.
— Está sim — ela concordou.
— Caroline ainda não tem idade para um cavalo de balanço — Sean observou. —
Poderá cair e quebrar o braço.
Lyle continuou falando com Kate.
— Você terá que segurá-la até ela crescer um pouco mais. Barnaby, que estava
parado na porta, prontificou-se:
— Eu posso fazer isso. Na verdade, podemos sentar os dois. Eu a seguro. Quer
ver?
Lyle tirou Caroline da sela, fez sinal para que Barnaby montasse e sentou-a
novamente na frente dele. Barnaby abraçou a criança e começou a balançar. Difícil
dizer quem estava gostando mais da brincadeira.
Sean, cuja expressão era indefinível, disse:
— Já é hora de voltar ao hotel. Ainda não descansei depois da viagem.
Ele parecia mesmo cansado e melancólico. Kate sentiu o ímpeto de confortá-lo,
mas controlou-se. O estado de espírito de Sean não era mais problema dela.
— Está bem. Obrigada pelo presente. — Ela mostrou o estojo do broche, ainda
em sua mão. Portava-se de maneira tão formal quanto um pastor que viera para o chá.
Sean sorriu com tristeza.
— De nada. Agradeça a sua irmã pela hospitalidade. A comida estava
maravilhosa.
— Está bem.
Ele lançou um último olhar a Lyle e fez uma pequena carícia na cabeça de
Caroline, que ainda estava em cima do cavalo.
— Falarei com você amanhã, Kate.
Deitado na cama desconfortável do Continental, Sean olhava a pintura
descascada do teto. Antes, pensou em descer para jantar. Depois, lembrou-se da
comida do hotel e resolveu que o farto almoço de Natal seria suficiente até o dia
seguinte. Ele passou a tarde inteira na cama, pensando na vida.
Duas semanas atrás, quando saíra do torpor alcoólico em que mergulhara sua
mente, permitiu que as palavras da avó finalmente penetrassem em sua consciência.
Desde então, não perdeu mais tempo. Para o pavor de sua mãe e o orgulho do pai, ele
abriu mão do conforto e segurança a que estava acostumado, pela mera possibilidade
de recuperar algo muito melhor nas montanhas. Mas talvez tivesse sido ingênuo em

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pensar que poderia convencer Kate a aceitá-lo pela terceira vez.


A possibilidade era ainda mais remota agora do que antes. Não fosse pelo
interesse que ele viu brilhar nos olhos dela, quando ficaram tão próximos um do outro
no corredor dos quartos, ela não facilitara sua vida durante todo o dia.
E ele já havia se esquecido de Lyle Wentworth, o eterno pretendente. Pelo que
se via, era um homem arrogante e pouco recomendável, mas jamais havia
abandonado Kate e nunca a enganara nem ferira seu coração.
Um cavalo de balanço. Que presente mais ridículo para uma criança que ainda
aprendia a andar.
Sean mudou de posição na cama e esmurrou o travesseiro, como se fosse a
cabeça do pobre Lyle Wentworth.
Será que Kate lhe daria outra chance? Talvez fosse possível, mas teriam de estar
juntos outra vez. Aí estava o segredo. Ela decretara que não haveria mais visitas ao
monte Pritchard. Ótimo, ele sabia que desta vez seria preciso mais que um pássaro
azul e um pouco de carinho para que ela o aceitasse outra vez. Mas teria de estar a sós
com ela, longe da vigilância da família, pronta para acertá-lo se ousasse magoá-la outra
vez. E sem Lyle Wentworth, que lidava com sua própria filha como se fosse
propriedade dele.
Ele virou-se de costas outra vez. Jennie detestava Lyle. E já o ajudara antes
quando lhe contou sobre Caroline. Convidara-o para a ceia de Natal. Jennie só queria
ver sua irmã feliz. Quanto mais pensava nisso, mais ele tinha certeza de que Jennie
poderia ajudá-lo. Só teria de convencê-la de que ambos lutavam pela mesma causa.
Ele se levantou. Talvez fosse bom comer alguma coisa.
— Sinto muito, Sean. Não é que eu não acredite no que está dizendo, mas
precisa admitir que sua reputação não é das melhores — Jennie comentou.
— Você está nisso comigo, Jennie. Ela deixou San Francisco depois de saber de
sua carta. -- Sean já decidira que se pedir não adiantasse, então a faria sentir-se
culpada,
Mas Jennie não estava brincando. Lançou-lhe um olhar de reprovação e
continuou:
— Se ela estivesse feliz, Sean, a carta não a teria afetado tanto.
Eles estavam em uma cozinha improvisada na mina Wesley. Sean fora até lá para
perguntar sobre trabalho e achou que era uma boa hora para conversar com Jennie,
que preparava o almoço dos mineiros. Achou que seria mais fácil conversar longe da
casa dos Sheridan.
— Ela era feliz a maior parte do tempo, Jennie. Mas sei que não é fácil viver no
mundo das amigas de minha mãe, e sei também que eu quase nunca estava por perto
quando ela mais precisou de mim.
— Não foi a primeira vez que isso aconteceu — Jennie lembrou-o, enquanto
picava legumes em uma grande panela. — Pegue as batatas para mim.
Sean fez o que ela pediu, e foi dando uma por uma para ser descascada.

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— Você ma faz sentir ainda mais culpado do que já me sinto por não haver
presenciado o nascimento de Caroline. Mas quanto a isso não há mais nada a fazer.
— Não. Mas você não pode culpar a mim por querer impedi-lo de magoar Kate
outra vez. Afinal, por que veio de tão longe atrás dela?
Ele segurava uma batata.
— Sinceramente, Jennie, fiquei tão arrasado quando ela veio embora que passei
algumas semanas consumindo todo o álcool dos bares de San Francisco.
Jennie ergueu os olhos para fitá-lo.
— E conseguiu?
— Quase. Mas não estou procurando desculpas. Novamente, sou o único
culpado. Mesmo que eu quisesse, não poderia enumerar todas as coisas erradas que
fiz desde que conheci Kate. Só o que posso fazer é começar, a partir de agora, a fazer
as coisas certas.
— E é por isso que está aqui?
— Sim.
Jennie deu um suspiro e juntou os últimos pedaços de batata à panela.
— Bem, boa sorte, Sean. Conheço Kate melhor que ninguém, e acho que ela não
está tão zangada com você quanto acha que está. Mas não posso permitir que venha
para nossa casa, até me provar que só está agindo pelos interesses de Kate.
Sean concordou, disfarçando sua decepção.
— Vou me esforçar para provar isso a você. Nos veremos à noite.
— Em casa?
— Por que não? Ela vai permitir que eu veja minha filha, não vai?
— Acho que sim.
— Então estarei lá depois do jantar. E amanhã, estarei aqui.
— Aqui?
— Para começar a trabalhar.
— Vai ser um "salto de prata"? — Jennie ficou de queixo caído.
Sean riu e virou a sola do sapato para ela.
— Só a partir de amanhã — ele repetiu.
— Essa eu quero ver com meus próprios olhos — ela desafiou-o.
Ele riu, tocou na aba do chapéu e tomou o caminho de volta.
Ele apareceu todas as noites da semana. Kate levava a filha para ele, dizia um
gentil boa-noite e ficava em seu quarto até as nove horas, quando então descia a
escada, o coração batendo um pouco mais forte que o normal, para levar Caroline para
a cama.
Sean nunca mais pediu para ir a seu quarto, não tentou se aproximar nem fez
comentários sugestivos. Também não a chamou mais de "meu amor".
Kate percebeu que a cada dia ficava mais ansiosa quando o fim da tarde se
aproximava. No quarto dia, ela deixou sobre a cama um dos vestidos que trouxera
consigo de San Francisco. Era de tafetá azul, da mesma cor de seus olhos. Ele lá ficou

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durante toda a tarde, e, toda vez que Kate subia para trocar Caroline ou colocá-la para
dormir, olhava para o vestido e tentava decidir se o usaria à noite. Por fim, guardou-o
dentro do armário e continuou com o vestido de algodão que usara durante todo o
dia.
Mas ficava cada vez mais claro, não só para ela como para todas as pessoas da
casa, que Kate estava começando a ceder. No dia seguinte seria domingo. Não havia
trabalho na mina, e Sean pedira permissão para vir mais cedo e passar mais tempo
com a filha. Kate convidou-o para jantar.
Tentando se convencer de que era apenas em celebração ao Sabá, ela vestiu o
vestido azul de tafetá. Não esperava que Sean o reconhecesse, mas foi o que
aconteceu, e seus olhos azuis brilharam quando ele a olhou de cima a baixo, e viu os
cabelos presos em um coque e os sapatos de couro que também haviam sido
comprados em San Francisco.
— Que bom que você trouxe este vestido — ele comentou quando ela o levou
para a sala, antes do jantar. — Não sei por que deixou suas coisas lá. Queria trazê-las
quando vim, mas achei que você também não gostasse delas, como não gostava
daquelas que minha mãe escolheu.
— Ah, não! — ela exclamou. — Eram lindas! Mas não achei certo trazê-las, desde
que eu estava deixando-o.
— Fugindo de mim.
— Voltando para casa — ela o corrigiu. Sean sorriu.
— Vou pedir que as mandem. A sua beleza lhe basta, Kate, mas gosto que use
coisas bonitas.
Ruborizada com o elogio, Kate entregou Caroline a ele.
— Vou ver se Jennie precisa de ajuda. Sean pegou a filha no colo, e pediu:
— Por que não fica aqui conosco? Acho que Caroline vai gostar de ter o pai e a
mãe por perto.
Ela hesitou, e Sean continuou:
— Barnaby já está ajudando-a. Fui até a cozinha cumprimentá-la quando
cheguei. —Vendo que ela ainda vacilava, Sean sentou-se no sofá com Caroline no colo.
— Pare com isso, Kate. Sente-se aqui e deixe-me apenas admirá-la um pouco. Dê uma
fatia de pão a um pobre faminto.
Kate riu.
— Você não parece estar faminto.
— Você não diria isso se conhecesse a comida daquele hotel.
— Se está querendo que eu sinta pena de você, não vai conseguir.
— Humm... Não acertei desta vez. — Ele brincava com Caroline. — Nada comove
o coração de sua mãe, sabia? Que pensa uma pessoa tão bonita?
— Também não adianta elogiar — disse Kate, sorrindo. Sean aproximou-se do
ouvido de Caroline e sussurrou:
— Vamos ter de pensar em outra coisa, meu amor. Essa não deu certo.

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Quando Jennie veio avisar que o jantar estava na mesa, Sean e Kate estavam
sentados no chão com Caroline entre eles. Kate tinha os cabelos despenteados, e seu
rosto brilhava de uma maneira que havia muito tempo Jennie não via.
O bom humor imperou durante todo o jantar, que já durava duas horas, e
duraria mais se Caroline não decidisse que já havia se comportado muito por aquela
noite.
— E melhor levá-la para tomar banho e colocá-la para dormir — Kate se
levantou. — Continuem conversando, por favor.
Mas os mineiros de repente ficaram muito sérios.
— Antes que você vá, Kate, precisamos dizer uma coisa — Dennis dirigiu-se às
duas irmãs.
Kate tirou a menina do cadeirão e embalou-a no colo. Dennis olhou para a xícara
de café e pigarreou.
— Todos sabem que gostamos dessas meninas como se fossem nossas filhas.
Mas somos mineiros, e a mina de Wesley está começando a se esgotar, assim como
várias outras minas da região.
Caroline continuou reclamando, mas Kate beijou a testa dela e tentou acalmá-la.
Jennie dobrou o guardanapo e deixou-o na mesa.
— Vocês estão pensando em ir embora de Vermillion? Dennis olhou para os dois
companheiros e depois para Jennie.
— Já aceitamos um trabalho em Comstock.
— Todos os três? — Kate perguntou.
— Queremos continuar juntos — Smitty explicou. — Já é muito difícil deixá-los,
inclusive Barnaby. — Ele afagou a cabeça do menino.
— Será nossa última semana — Brad acrescentou. Jennie mordeu o lábio e olhou
ao redor da mesa com um sorriso triste.
— Vamos sentir muita falta de vocês.
— Prometo que voltaremos para visitá-las — Dennis prontificou-se.
Ela assentiu com os olhos molhados de lágrimas.
— E os quartos? Conhecem alguém que gostaria de alugá-los? — Kate
perguntou. Ela também tinha vontade de chorar quando pensava que não os veria
mais. Mas aprendera nos últimos dois anos que às vezes o sentimentalismo devia dar
lugar à racionalidade.
Dennis balançou a cabeça em um gesto negativo.
— Essa é uma das razões por que estamos nos sentindo tão mal. Outros
companheiros também estão indo embora. Há quartos de sobra pela cidade.
— Ninguém respondeu ao anúncio que coloquei na mina — Jennie olhou
imediatamente para Sean.
Caroline soltou um grito, irritada com a demora.
— Bom, pensaremos em alguma coisa. Tudo dará certo — Kate disse com
firmeza. — Preciso colocá-la na cama, e provavelmente vou acabar dormindo também.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

Portanto, boa noite a todos.


Todos responderam boa-noite, e Sean ofereceu-se:
— Precisa de ajuda? Ela nem olhou para ele.
— Não, obrigada. Posso dar conta sozinha. — Então olhou para Jennie.
Comparado ao que elas já haviam passado na vida, aquilo não era nada. — Nós
daremos um jeito, mana.

CAPÍTULO XIV

— Não quero estar aqui quando você contar a ela. — Carter parecia claramente
surpreso.
O casal estava na cama, depois de uma deliciosa relação. Jennie estava aninhada
nos braços dele.
— Você é mesmo covarde.
— Não sou covarde, sou só um advogado. Trabalhamos com o problema das
pessoas e aprendemos a não nos envolver. — Ele puxou o cobertor. — Por exemplo,
não pretendo fazer nada que a aborreça nos próximos meses. Ouvi dizer que as futuras
mamães são muito sensíveis.
Jennie riu. Embora a barriga já estivesse arredondando, ela ainda não se
acostumara completamente à idéia de que logo teria um filho seu.
— Tentarei fazer com que esta gravidez não seja muito difícil para você.
Carter ficou sério.
— Espero que não seja difícil para você. Gostaria que se consultasse com aquele
médico que atendeu Kate.
— Nunca me senti melhor, querido. E desde que minha querida irmã não me
arranque a cabeça por ter alugado um quarto da casa para o marido dela, ficará tudo
bem.
Carter debruçou-se na cama para apagar a luz.
— Tem certeza de que ele pode morar aqui?
— Não, não tenho. Mas, em primeiro lugar, precisamos de dinheiro. E segundo,
Sean tem trabalhado muito há duas semanas. Os mineiros dizem que ele trabalha
tanto quanto qualquer outro. Depois ainda passa por aqui diariamente para brincar
com Caroline. Ele adora a filha,..
— E Kate continua evitando-o — Carter interrompeu-a.
— Sim, mas já não é tão intransigente quanto era no começo. Acho que ela já
está aceitando-o.
Carter riu.
— Ou seja, você quer que ela aceite. Jennie deu um beijo no rosto dele.
— Eu gostaria que ela encontrasse a felicidade, assim como nós a encontramos.
Ele a beijou mais uma vez.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

— Eu também, meu amor, mas isso não é algo que alguém possa fazer. As
pessoas precisam encontrar a própria felicidade.
— Eu sei. Mas gostaria de ajudar. Sean é um homem diferente daquele que
apareceu aqui pela primeira vez. Kate deveria dar-lhe uma chance de provar isso a ela.
— Bom, não será fácil ignorá-lo toda vez que se encontrarem pela casa.
Jennie cutucou-o de leve com o cotovelo.
— Você é capaz de pensar em um encontro mais romântico. Lembra-se da
dificuldade que tínhamos de ficarmos longe um do outro quando você morava aqui?
— Apesar de você me achar um machista arrogante e dependente.
— E era mesmo.
— E eu achá-la uma mulher teimosa e independente.
— Ah, é? Então por que se casou comigo?
— Era a única maneira de tê-la em minha cama todas as noites.
Jennie afastou-se dele.
— Carter Jones! Ele riu e a trouxe de volta.
— Tudo bem, meu amor. Casei-me com você. Porque era a mulher mais
desejável, bonita, inteligente, generosa e teimosa que já conhecera na vida. Pronto,
satisfeita?
— Assim é melhor.
— Mas, goste ou não, tem de admitir que essa atração física que sentimos um
pelo outro não é fácil de ser controlada. E quando as duas pessoas vivem na mesma
casa, esse tipo de coisa é impossível de ser ocultada.
Jennie sorriu.
— Bem, é com isso mesmo que estou contando.
— Kate, se você não quiser mesmo, procurarei outro lugar. Sean tinha acabado
de pôr Caroline para dormir. Kate costumava continuar seus afazeres na cozinha até
ele ir embora, mas naquela noite esperou-o na sala para conversar.
— Sou totalmente contra. — E então perguntou: — Por que não pode
simplesmente continuar no hotel?
— Com salário de mineiro?
Kate enroscou os dedos no xale de tricô que cobria o braço do sofá.
— Pensei que tivesse algum dinheiro guardado.
— Bem, em breve não terei mais se continuar pagando doze dólares por semana
em um hotel.
— Eu não sabia que custava tanto.
— Tudo bem. Não se preocupe. Perguntarei lá na mina se alguém conhece um
lugar onde eu possa ficar.
— Acha que vai conseguir encontrar? Sean encostou-se nas almofadas.
— Você ouviu o que os mineiros disseram. Com todo mundo saindo da cidade,
há muito lugar vago. E acho que esse assunto não é problema seu, não é? — Ele espiou
pelo canto do olho.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

— É que você está aqui por minha causa... e de Caroline.


— Sim, estou.
— Mas eu não pedi que viesse.
— Não, não pediu.
— Sean Flaherty, se está tentado fazer com que eu sinta pena de você outra vez,
não vai funcionar. — Ela suspirou profundamente.
Sean balançou a cabeça negativamente e sorriu.
— Kate, se eu achasse que fazê-la sentir pena de mim mudaria alguma coisa
entre nós, já teria iniciado essa campanha no dia em que cheguei. Por exemplo, já
poderia ter lhe mostrado isto. — Ele mostrou a palma das mãos, onde bolhas imensas
já tinham se transformado em feridas que agora começavam a cicatrizar.
— Meu Deus! Você andou trabalhando na mina com as mãos desse jeito?
— Elas estão assim por causa do trabalho na mina. Já estiveram bem pior.
Kate olhou para o fogo quase apagado na lareira.
— E se eu disser que tudo bem você ficar aqui? Acha que poderemos agir
civilizadamente um com o outro? Sabe o que quero dizer... Como amigos?
Sean ficou sem responder por tanto tempo que Kate desviou o olhar da lareira e
virou-se novamente para ele.
— Kate, seria muito fácil dizer que sim. Faria qualquer coisa para que me
deixasse ficar aqui. Mas talvez você não tenha notado que não estou tentando fazer as
coisas da maneira mais fácil, mas sim tentando encontrar a maneira certa.
— O que quer dizer?
— Quero dizer que não vou mentir para você. Não quero morar aqui para ser seu
amigo. Mas para ficar mais tempo a seu lado e aos poucos ir convencendo-a de que
ainda há esperança para nós.
— Não há meios de você conseguir isso, Sean. — Kate suspirou.
— Pode ser que não. Mas se não passarmos um tempo juntos, jamais saberemos,
não é?
Kate ainda tinha dificuldade de aceitar esse lado sério e desconhecido de Sean.
Ficou esperando ele cair na gargalhada, fazer uma piada ou dizer que estava cansado
de bancar o trabalhador e decidira voltar à boa vida de San Francisco. Mas isso não
aconteceu.
— Jennie disse que você está diferente — ela confidenciou após uma pausa.
— Jennie é inteligente.
— Não estou dizendo que ficarei com você — Kate esquivou-se.
Sean vislumbrou uma possibilidade de vitória. Conseguiu manter-se sério, mas
suas mãos apertavam as almofadas de veludo do assento.
— Você deve saber que não irei forçá-la a minha
companhia.
— Vamos fazer uma tentativa. Se as coisas não derem certo, quero que prometa
que vai procurar outro lugar.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

Sean concordou e arriscou um leve sorriso.


— Eu sabia que seu bom coração venceria esta batalha, meu bem.
— E não me chame mais de "meu bem'.
— Isso é mais difícil. Como prefere que a chame, Sra. Flaherty? — Aquele sorriso
sedutor era bem mais conhecido.
Kate levantou-se, já arrependida por ter cedido.
— Comporte-se, Sean. Estou falando sério. Ou acabará passando suas noites
dentro da mina.
— Obrigado, Kate — ele disse em um tom sério. Fitou-o com uma expressão de
quem acabara de perder uma batalha que já fora vencida outra vez.
— Prometo que não vai se arrepender.
— Espero que não, Sean. — Ela virou-se para sair da sala.
Sean ficou olhando o corpo dela de costas e no mesmo instante sentiu-se
excitado. Havia muito tempo que não se aproximava dela. E alguma coisa lhe dizia que
se pudessem superar as emoções, ela aceitaria a paixão renovada tanto quanto ele.
Sean não faria nada para se arriscar a ter de dormir na mina, mas precisava
pensar em uma maneira de passar uma noite com ela. Só os dois. Não havia dúvida de
que ele ansiava por passar as noites na cama de sua mulher.
Na quarta-feira, Sean mudou-se para o quarto que já fora ocupado por Carter.
Tudo aconteceu muito discretamente. Ninguém ousou comentar que o ocupante
anterior do quarto acabou se mudando para o quarto de uma das proprietárias. Kate
passou a semana preocupada, como se estivesse arrependida de sua fraqueza.
Jennie esperava que o mau humor da irmã passasse quando ela se acostumasse
com a presença de Sean na casa. Ela própria cuidaria para que ele se comportasse bem
e nada fizesse para perturbar sua irmã. Estava convencida de que o humor de Kate
devia-se em parte ao medo de ela gostar de tê-lo por perto. E era isso que interessava.
— Se duas pessoas estão ligadas, o universo dará um jeito de aproximá-las — ela
comentou com o marido.
Dois dias depois da mudança, Kate não parecia realmente infeliz. Caroline estava
dando trabalho, talvez porque o frio não lhe permitisse sair de casa. E Jennie andava
particularmente cansada. Atrasara-se para chegar à mina três dias seguidos e por duas
vezes pedira a Barnaby que ajudasse Kate na cozinha para poder se deitar.
Sean mantinha sua promessa de comportar-se como cavalheiro. Mas isso não
adiantava nada quando o irracional corpo de Kate parecia querer chamar-lhe a
atenção toda vez que ele estava por perto, que agora era quase o tempo todo.
Na primeira manhã que ele acordou na casa, ela saiu do quarto e praticamente
tropeçou nele com uma bacia de água nas mãos. Ele estava de botas, calça e uma
toalha enrolada no pescoço que deixava boa parte do peito descoberto.
Ela procurou não olhar para aquele corpo, recusando-se a notar principalmente
como ele afinava em direção à cintura e os pêlos escuros saltavam por cima do cinto
meio frouxo.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

À noite ele insistiu em ajudá-la a pôr Caroline na cama. Quando a criança


regurgitou sobre a camisa, ele simplesmente tirou-a pela cabeça sem se preocupar em
desabotoar.
— Eu a lavarei mais tarde — comentou. Kate ficou de lado, observando-o dar
banho e trocar
Caroline, muito à vontade, sem nenhuma inibição. Quando ele estendeu a mão
na cama, Kate deu um pulo, o que o fez recuar, sorrir levemente e dizer:
— Pode pegar uma fralda limpa para mim? No sábado, Kate estava decidida a
procurar Jennie e implorar-lhe que mandasse Sean embora. E teria feito isso mesmo se
Jennie não desse sinais de extremo cansaço e não estivesse irritadiça. Logo que Kate
chegara de San Francisco, achara que Carter estava se preocupando demais com a
gravidez de Jennie. Agora, começava a acreditar que seus temores eram justificados.
O que menos ajudaria Jennie era preocupar-se com dinheiro. No dia seguinte os
"saltos de prata" iriam embora para Virginia City, e Sean seria o único hóspede. Seria
egoísmo de sua parte querer que ele fosse embora também. Pelo menos estava
pagando pontualmente. Seria melhor agüentar essa situação por mais um tempo e
tratar de manter-se imune à presença dele.
Com a queda na produção da mina Wesley, o pessoal começou a trabalhar
apenas meio dia aos sábados. Os mineiros gostaram de ter a tarde livre para arrumar
suas coisas antes da festa de despedida, mas Sean preferiu usar melhor seu tempo
livre.
— Aluguei uma charrete por um dia — ele disse a Kate. — Caroline ficou dentro
de casa a semana toda e agora que o tempo mudou seria bom para ela passear pelo
campo.
Kate olhou-o desconfiada.
— Eu avisei que o passeio ao morro Pritchard não se repetiria, Sean.
— Poderemos ir aonde você quiser, Kate. Eu só quero levar minha filha para
passear. Queria levar Barnaby, mas Jennie me disse que ele passará o dia com os
Colter.
— Vá sozinho com Caroline. Ele ergueu as mãos.
— Não posso conduzir o cavalo e segurá-la ao mesmo tempo. Seria perigoso.
— Não seria, não.
Sean inclinou a cabeça e olhou-a nos olhos.
— Faria bem a você dar um passeio, Kate. Está com uma aparência bem cansada.
Naquela última semana, ela dormira em média duas horas por noite. Sua
aparência cansada não era surpresa.
— Está bem. Então vamos. Apenas um passeio. Eles se protegeram do ar frio de
janeiro com cobertores, mas logo o sol estava bastante quente para jogá-los no banco
de trás. Sean tinha razão. O sol e o ar puro renovaram seu ânimo. Era a primeira vez na
semana que Kate sentia-se bem.
— Podíamos ter convidado Jennie e Carter para vir também — ela lembrou. —

110
CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

Jennie também anda cansada — Kate ainda não contará a Sean sobre a gravidez da
irmã.
— Talvez Carter quisesse dormir um pouco mais — Sean comentou com um
sorriso malicioso.
Kate ignorou a referência e concentrou-se no belo dia de inverno.
— Veja que céu azul! — Ela abriu os braços, inebriada. Caroline, estava em seu
colo e imitou o gesto da mãe, fazendo os pais rirem.
— Será que ela consegue dizer isso? — Sean perguntou. — Céu — ele disse
devagar e apontou para cima.
Kate chamou a atenção da filha e repetiu:
— Céu.
— Quéu — a menina imitou-os.
— Ela conseguiu! — Sean alegrou-se. Kate olhou orgulhosa para a filha.
— Ela disse, não disse? — Kate repetiu a experiência e novamente Caroline disse
quéu.
— Em pouco tempo, ela estará recitando a Declaração da Independência — Sean
comentou.
— E muito gostoso observar essas conquistas. — Compartilhar aquele momento
fez Kate sentir um carinho completamente diferente das incômodas sensações físicas
que a presença de Sean lhe provocara durante toda a semana.
— Minha filha será presidenta dos Estados Unidos — ele declarou.
— Uma mulher? — Kate riu. Ele confirmou com um gesto de cabeça.
— Se as mulheres podem votar, também podem ser presidentes.
— As mulheres não votam, na maioria dos estados.
— Mas em breve irão votar. Talvez Caroline seja uma dessas senhoras
revolucionárias e ajude isso acontecer.
— Quero apenas que ela seja feliz.
Sean brincou com a touca de Caroline e então deixou a mão escorregar para
encontrar a de Kate, que repousava no joelho da criança.
— É o que eu também quero para ela, Kate.
Ela deixou a mão dele ficar ali. Era muito bom segurar a filha juntos, de mãos
dadas, partilhando as esperanças para o futuro dela.
Mas quando ele conduziu a charrete de volta para a cidade, o humor de Kate
começou a mudar, e ela sentiu um momento de pânico. O passeio provou o que ela
tentara negar a si mesma durante toda a semana. Os cristais de gelo que se formaram
ao redor de seu coração em San Francisco começavam a derreter.
— Vocês devem ter dado um longo passeio — Jennie parou de cortar o pão
quando eles apareceram na porta da cozinha. — É quase hora do jantar.
— Sinto muito, Jennie, precisa de ajuda?
— Não, está quase pronto. Podem ir trocar de roupa. Kate olhou para o vestido.
— Não estava pensando em me trocar.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

— Tudo bem, mas você não se esqueceu de que Lyle virá jantar conosco, não?
— Meu Deus! É claro que me esqueci. — Ela olhou para Sean, que estava com
Caroline no colo. — Pode cuidar dela enquanto me visto?
— É claro — ele concordou sem sorrir.
Ela ergueu as saias e saiu correndo da cozinha.
O passeio não fora tão íntimo quanto Sean esperava, mas ele sentiu que ficavam
mais próximos depois de muito tempo, e até imaginou ter visto um brilho especial nos
olhos dela. Então por que ficara tão animada com a visita de Lyle?
— Ela não gosta de Wentworth, não é? — perguntou a Jennie, que limpava a
farinha das mãos.
— Gostar? Eu não sei. Ele tem sido leal há muitos anos. As vezes a persistência
ajuda a convencer uma mulher.
Sean teve a sensação de que Jennie tentava lhe dizer alguma coisa sobre o que
deveria fazer, mas só conseguia pensar na expressão do rosto de Kate quando ela se
lembrou da visita de Lyle.
— Ele não é de nada — observou.
Jennie sorriu e começou a forrar as fôrmas com a massa de pão.
— Pode ser, mas é bom para Kate.
Caroline começou a gritar para chamar a atenção. Bateram na porta, e Barnaby
atendeu-a. Sean virou-se para a filha e disse:
— Venha, filhinha, vamos dar um passeio lá fora antes da hora do jantar. Chame-
nos quanto estiver pronto, Jennie.
O último jantar dos mineiros na casa dos Sheridan não foi uma ocasião feliz.
Mesmo que todos tentassem disfarçar, não era possível evitar a realidade de que a
grande família estava se separando. Os três mineiros ficaram ao lado das irmãs quando
a cidade quis fechar a pensão. Ajudaram Jennie a cuidar do lugar quando Kate teve de
ir ao hospital em Virginia City. Aprenderam a cuidar do jardim, a cultivar o que
comiam. Quando Caroline chegou, eram como tios queridos que moravam na casa.
Agora estavam indo embora.
O rosto de Jennie apresentava sinais de lágrimas quando trouxe o bolo especial.
Quando os mineiros se levantaram para dar um beijo, primeiro no rosto dela, depois
no de Kate, seus olhos também se encheram de lágrimas.
Sean também se emocionou com a despedida, mas ficou decepcionado com a
constatação de que a intimidade que ele e Kate conseguiram resgatar no passeio
houvesse desaparecido. E ainda mais por que Kate estava dando mais atenção a Lyle
do que a ele.
Lyle também estava percebendo isso, e resolveu se aproveitar.
— Que tal se eu mandar uma carruagem pegá-los daqui a um mês? — ele
perguntou a um dos mineiros.
A idéia foi prontamente aceita tanto por Jennie quanto por Kate, cujo olhar
agradecido a Lyle não passou despercebido de Sean.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

No fim do jantar, Sean estava se sentindo completamente deslocado naquele


ambiente. Quando Dennis Kelly convidou-o para uma noitada de despedida na cidade,
ele aceitou na hora. Havia várias semanas que ele não bebia, mas naquela noite era
exatamente do que estava precisando.
Kate levou Caroline para a cama, e Lyle estava esperando por ela na sala.
Provavelmente ela nem notaria sua ausência. Sean vestiu o casaco e saiu com os
mineiros na noite iria.
Dennis pôs a mão no ombro dele:
— Tenho de confessar que nunca acreditei que um almofadinha rico como você
pudesse ser um mineiro de verdade, mas eu estava errado. Você é bom, rapaz. Vamos
sentir sua falta no trabalho.
— Wesley nunca mais será a mesma sem vocês três — Sean respondeu,
tentando afastar a imagem de Kate e Lyle juntos.
Smitty veio para o lado dele.
— E, Flaherty, nós gostamos muito de você. Vamos deixá-lo pagar a primeira
rodada da noite.
Sean riu.
— Desde que vocês paguem a segunda. Dennis pôs os braços no ombro de cada
um.
— Não vamos brigar por isso. Haverá rodadas para todo mundo. Eu, por
exemplo, pretendo me embriagar.
Sean fechou brevemente os olhos. Naquele instante Kate deveria estar descendo
a escada e encontrando-se com Lyle na sala. Jennie, Carter e Barnaby já haviam se
recolhido quando ele saiu. Kate e Lyle ficariam sozinhos.
— Eu também vou me embebedar — ele concordou.
— Você já me disse isso, Kate. — Lyle estava parado diante da lareira, de costas
para ela.
— Eu sei. Sinto muito não ter sido mais firme. Tratei-o mal e me sinto culpada
por isso.
Ele virou-se com raiva.
— Não quero que se sinta culpada. Sabe 0 que eu quero que você sinta.
Kate cruzou e descruzou as mãos que estavam sobre o colo.
— Eu sei. Minha vida seria muito mais fácil se eu sentisse o mesmo que você
sente por mim. Mas não consigo, Lyle.
— E Flaherty outra vez, não é? De alguma forma ele conseguiu fazê-la esquecer
todo o sofrimento que lhe causou.
Kate deu um profundo suspiro.
— Acho que nunca me esquecerei de tudo que sofri, mas existe uma atração
muito forte entre mim e Sean. E ele é o pai de minha filha. Se queremos ter uma vida
juntos, acho que devo dar essa chance a ela.
O rosto de Lyle estava vermelho.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

— E eu vou lhe dar todas as chances de ver a bobagem que vai fazer. A cidade
está cheia de mulheres que se atirariam a meus pés se eu olhasse para elas.
— Oh, Lyle, tenho certeza disso. E estou lhe dizendo que você tem toda a
permissão de sair para procurá-las.
Aos doze anos de idade, Kate daria qualquer coisa para ver o pretensioso Lyle
Wentworth tão apaixonado, mas agora isso só a fazia sofrer. Ela procurou ser o mais
delicada possível, mas aquele passeio com Sean deixara claro que só lhe dissera a
verdade. Ainda existia uma forte atração entre eles, e acompanhar o desenvolvimento
da filha fortalecia-a centenas de vezes.
Quando Lyle resolveu procurar mais argumentos, ela se levantou e pediu-lhe
desculpas mais uma vez, depois disse a ele que estava cansada demais para continuar
conversando.
Ele finalmente saiu, e Kate subiu a escada com o coração batendo forte. Parou,
segurando-se no corrimão. Sean estava a poucos passos dela, deitado sozinho em sua
cama. E Sean era seu marido, o pai de Caroline. Absolutamente nada a impedia de
entrar naquele quarto e dizer a ele que estava disposta a dar mais uma chance ao
amor de ambos.
Com um suspiro profundo e determinado, Kate subiu os últimos degraus.

CAPÍTULO XV

Os mineiros saíram no final da manhã, ninguém havia acordado para o café.


Quando Jennie ofereceu-se para cozinhar alguma coisa antes de partirem, todos
puseram as mãos no estômago, reviraram os olhos e explicaram que, depois da noite
anterior, a última coisa de que precisavam era de um estômago cheio, na estrada
esburacada para Virginia City.
Kate dormira mal depois da conhecida experiência de encontrar a cama de Sean
vazia. O mau humor disfarçava um pouco da tristeza, mas seus olhos ainda estavam
marejados quando os homens tomaram a diligência que viera para buscá-los.
—A casa fica vazia como um celeiro — Jennie suspirou.
— Sim, mas de alguma maneira ficará mais fácil. Jen, você anda exagerando um
pouco.
Jennie balançou a cabeça.
— Você e Carter se preocupam demais.
— Não. Você anda trabalhando muito. Agora já pagamos a maior parte de nossas
dívidas e com a ajuda de Carter, talvez não seja mais preciso receber pensionistas.
Podemos ser apenas uma família... vocês dois, Barnaby, Caroline e eu.
Jennie olhou imediatamente para Kate quando subiam os degraus do terraço.
— E Sean?
— Há muito lugar na cidade, ele poderá encontrar um para ficar.

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— Meu Deus, como me enganei! Pensei que você já estivesse aceitando a


presença dele aqui. Achei até que estivesse gostando.
Kate sabia que era exagero de sua parte ficar tão zangada com Sean por ter saído
com mineiros para celebrar. Afinal, eles trabalhavam juntos, era a coisa mais natural a
fazer. Mas quando finalmente ela criara coragem de entrar no quarto dele e não o
encontrara, revivera todo o sofrimento dos dias infelizes quê passara em San
Francisco.
— Para mim seria mais fácil não tê-lo por perto. Jennie franziu a testa.
— Bem, então estamos diante de um dilema.
— O que quer dizer?
Jennie pegou nas mãos da irmã.
— Venha sentar-se aqui no balanço.
Kate sentiu um medo estranho. De fato, as coisas não iam tão bem para Jennie
quanto ela queria demonstrar. As duas irmãs sempre haviam se ajudado. Quando Kate
precisara, fora Jennie quem assumira o papel dos pais, da amiga e da provedora. Agora
era um pouco diferente, porque Jennie estava casada com Carter, mas mesmo assim
era com ela que Kate contava nos altos e baixos da vida.
— O que está acontecendo, Jennie? Como está se sentindo?
— Conversei com o Dr. Millard. Ele acha que eu deveria me consultar com aquele
especialista que cuidou de você.
— Então vá — Kate aconselhou-a com firmeza.
— Mas ainda não acabamos de pagar suas despesas.
— Daremos um jeito. Sua saúde é mais importante. — Kate estendeu as mãos
para a irmã.
Jennie apertou-as entre as suas.
— Lembrei-me do jeito que você segurou em minha mão na última primavera,
sentada neste mesmo lugar.
Foi quando Kate contou-lhe que ia ter um bebê e que não tinha um marido para
dar um nome a ele. Elas haviam acabado de perder os pais, estavam sem dinheiro e
enfrentariam a maior desgraça que poderia abater-se sobre uma mulher.
— Que época foi aquela, Jennie! Mas consegui superar tudo graças a sua ajuda.
Agora é minha vez. Com a ajuda de Carter, é claro. Ele vai orgulhar-se muito de ser pai
— ela concluiu com um sorriso.
Jennie sorriu também.
— Espero que ele seja tão atencioso quanto Sean é com Caroline. Ficou
encantada de vê-lo trocar a roupa dela, colocar a fralda...
Kate interrompeu-a.
— Ele só faz isso quando acontece de estar por perto. Jennie não entendeu.
— Mas ele está sempre por perto desde que chegou a Vermillion.
— Não estava ontem à noite. — Kate deu um impulso no balanço e parou-o
imediatamente. — Isso pode deixá-la enjoada.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

Jennie riu.
— Agora não, só tive alguns problemas pela manhã. — Ela retomou o assunto de
Sean. — Kate, ele saiu ontem à noite com os mineiros. Espero que não o culpe por isso.
Principalmente porque você estava com Lyle, lembra-se?
Dito daquela maneira, a raiva de Kate parecia irracional, mas ela não pôde evitar
a frustração que sentiu na noite anterior quando encontrara o quarto vazio. Kate
tentou afastar aquele pensamento. A condição de Jennie era só o que importava no
momento.
— Você se sentiu mal esta manhã?
— Um pouco. Mas nada mais que as mulheres de nossa família.
— Vá ver o médico, Jennie,
— Carter está insistindo na mesma coisa. O problema é que ele teria de ficar
uma ou duas noites em Virgínia City. Barnaby pode cuidar de Caroline quando voltar
da escola, enquanto você estiver na mina, mas à noite... — Jennie engoliu em seco e
olhou para outro lado. — Vou me sentir melhor se souber que você e as crianças têm
um homem por perto.
Então Kate entendeu o dilema a que Jennie se referira. Agora que mineiros
haviam partido, se Carter e Jennie também estivessem ausentes, ela e Sean ficariam
sozinhos na casa para cuidar de Barnaby e Caroline.
Kate beijou o rosto da irmã.
— Tudo bem, mana. O importante agora é sua saúde. Você e Carter podem ficar
o tempo que for necessário para fazer um exame completo.
— É bobagem, você sabe. Eu poderia continuar me consultando com o Dr.
Millard aqui em Vermillion.
— Lembra-se de que eu também disse isso? E quase perdi Caroline. Não, deixe
Carter levá-la para aquele hospital e não se preocupe com as coisas por aqui. Farei o
almoço dos mineiros enquanto você estiver fora. Na verdade, eu já havia pensado em
assumir essa função. — Quando a irmã ia protestar, ela continuou: — Ao menos
quando você estivesse se sentindo mais cansada. Você ficaria em casa cuidando de
Caroline, e eu me encarregaria dos mineiros.
Jennie sorriu agradecida.
— Não sei como agradecê-la, mana. Kate abraçou-a novamente.
— Jen, jamais poderei retribuir tudo o que tem feito por mim. Não fosse por
você, Caroline nem sequer existiria. Agora, faremos o que for preciso para garantir que
daqui a cinco meses ela ganhe um lindo priminho para brincar. E para começar, vamos
sair deste frio, mamãe.
Elas entraram na casa de braços dados, rindo, mas depois que Jennie foi para a
cozinha, Kate subiu a escada com uma expressão séria.
Faria tudo o que fosse necessário para ajudar a irmã nos próximos meses,
mesmo que isso significasse passar algumas noites sozinha com Sean sob o mesmo
teto. Mas não cometeria mais o erro que quase cometera na noite anterior. Sean podia

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passar suas noites no bar ou no bairro das luzes vermelhas quanto quisesse, porque
ela não pretendia nunca mais se aproximar do quarto dele.
Kate olhou em volta desanimada. A cozinha da mina Wesley nada mais era que
uma choupana rústica, um fogão a lenha improvisado, uma mesa grande para o
preparo da comida e duas caixas com equipamentos de cozinha. A comida, ou o que
restava dela, estava acondicionada em pequenas prateleiras. Kate já conhecia a mina,
mas nunca havia parado para pensar como Jennie conseguira preparar excelentes
refeições aos mineiros em condições tão primitivas.
Ela suspirou e começou a desembrulhar os dois pacotes de carne que trouxera
consigo. Sean pedira permissão para pegá-la em casa na hora do almoço, mas como
Jennie subia a montanha a pé todos dias, ela recusou gentilmente a oferta.
Não foi surpresa quando Sean apareceu na cabana logo depois.
— Estou vendo que já arrumou tudo por aqui.
— Sim. — Eles pouco se falaram durante toda a semana, especialmente depois
que Jennie e Carter viajaram para a Virgínia no dia anterior. Ela não queria se arriscar a
sentir de novo o que começara a renascer naquele passeio do sábado.
Sean entrou na cozinha e começou a ajudá-la.
— Você subiu a montanha com tudo isto? Meu bem, você deveria ter me
chamado para ajudá-la.
— Já pedi que não me chame de "meu bem". Ele riu.
— Desculpe-me, eu não deveria ter me esquecido. Depois de esvaziar os sacos,
ele sentou no tampo da
mesa enquanto ela descascava as batatas.
— Kate, quando vai deixar de ficar brava comigo? Fitou-o com surpresa.
— Não estou brava com você.
— Está, sim. Mal falou comigo desde sábado. Foi porque eu saí com os mineiros,
não foi?
— Não me importo com o que você faz ou deixa de fazer nas suas noites de
sábado, Sean.
— Não é verdade. Se fosse, você não ficaria tão zangada. Tomo isso como um
bom sinal.
Ela balançou a cabeça.
— Por favor, não confunda as coisas.
— Você estava com Wentworth. Queria que eu ficasse satisfeito?
— Nem pensei nisso!
— Bem, pois eu pensei — ele sussurrou, balançando as pernas até a mesa
começar a se mexer.
— Você vai derrubar toda a comida no chão — ela disse irritada. — Você não
devia estar trabalhando?
— Eu estou trabalhando. Estou vendo se a nova cozinheira precisa de ajuda.
— Ela não precisa.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

— Fui escalado porque a nova cozinheira é minha mulher — ele acrescentou com
um sorriso.
Kate parou de descascar e olhou para ele.
— Você disse isso às pessoas?
— É claro que sim. Ela voltou ao trabalho.
— Pois eu imaginei que você relutaria em dizer.
— E por quê?
— Estou certa de que sua mãe ficaria arrasada se suas amigas de Nob Hill
soubessem que a nora dela descasca batatas em um acampamento de mineiros.
Sean riu.
— Até valeria a pena uma viagem a San Francisco só para lhe contar.
— E você não se incomoda?
— Kate, acho admirável o que você e Jennie têm feito para sobreviver e manter a
família bem cuidada depois que seus pais lhes deixaram apenas dívidas.
— Temos a casa — ela argumentou, sentindo uma crítica implícita a seus
queridos pais nas palavras dele.
— Uma casa grande como aquela consome muito dinheiro e energia.
— Uma casa que conseguimos transformar em uma empresa lucrativa — ela o
corrigiu.
— Era o que eu queria dizer... Vocês sobreviveram graças à iniciativa e muito
trabalho. Você duas valem muito mais que todas as debutantes de Nob Hill juntas.
Kate não retribuiu o sorriso, mas ficou orgulhosa com o que ouviu.
— Bem, fico satisfeita que você não sinta vergonha de que eu trabalhe aqui —
ela concluiu.
Sean saltou da mesa e falou seriamente:
— Kate, sinto mais orgulho de você do que consigo expressar. Só posso sentir
vergonha de mim mesmo.
Olhou para ele sem saber o que dizer. Sua expressão era tão humilde quanto
suas roupas sujas de mineiro. Era difícil encontrar algum traço do garoto mimado e
coquete que aparecera pela primeira vez em Vermillion.
— E melhor você voltar ao trabalho ou o capataz vai criar problemas para nós
dois.
Ele assentiu e virou-se para sair, mas antes resolveu perguntar:
— Jennie e Carter voltarão esta noite?
— Acho que não. Talvez tenham de ficar alguns dias.
Carter perguntara se Kate se importaria que eles passassem alguns dias de férias
em Virgínia City. "Ela precisa descansar e, além disso, temos boas recordações do
Hotel Internacional", ele explicou. E então acrescentou com um sorriso: "E melhor
aproveitar agora porque logo terei de dividir a atenção dela com nosso filho".
Diante da resposta, os olhos de Sean brilharam, mas ele disse apenas:
— Espero que esteja tudo bem com o bebê de Jennie.

118
CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

— Eu também.
— Vejo-a na hora do almoço.
Kate notou que ao tomar o caminho para o túnel mais próximo, ele estava
assobiando.
Como sempre, Sean estava exausto no final de um dia inteiro carregando
caçambas e mais caçambas de minério no fundo da mina. Era um dos piores trabalhos,
mas ele gostava mais do que trabalhar com as picaretas. Pelo menos assim ele podia
subir de tempos em tempos e ver a luz do sol. Os homens que trabalhavam com a
picareta ganhavam um pouco mais porque desciam na mina pela manhã e saíam
cobertos de pó de carvão, negros como criaturas da noite.
Cansado como estava, ainda assim Sean parou na cidade a caminho de casa e
entrou no armazém. O jovem balconista levou um susto quando o viu colocar a mão no
bolso e tirar vinte dólares da roupa imunda.
Quando ele chegou à casa dos Sheridan, já era quase hora do jantar. Subiu a
escada correndo para se lavar, trocar de roupa e preparar suas compras.
Entrou na sala quando Barnaby vinha da cozinha com uma cesta de pães recém-
saídos do forno. Um cheiro delicioso espalhava-se por toda a sala.
— Humm... Pãozinho fresco.
— E carne assada com molho — Barnaby acrescentou.
— Carne assada com molho! A melhor comida para um aniversário. — Os olhos
de Sean brilharam.
Barnaby pôs a cesta na mesa e ficou em dúvida.
— Não é aniversário de ninguém.
Sean sorriu e entregou a garrafa de vinho a ele.
— Peça a Kate para abri-la na cozinha. — Então ele foi dar um beijo em Caroline,
que já estava em seu cadeirão, mordendo um biscoito.
Logo em seguida, Kate apareceu na porta.
— Você trouxe este vinho, Sean?
Ele fez que sim com um gesto de cabeça.
— Só há nós dois para beber, quer mesmo abrir a garrafa?
— Tudo bem, nós celebraremos.
— Celebrar o quê?
— Eu lhe contarei logo. Posso pegar as taças de vinho no armário?
Kate concordou e voltou para a cozinha.
Barnaby trouxe a carne assada em um grande prato decorado com cenouras e
cebolas, e Kate veio atrás com uma vasilha fumegante de batatas amassadas.
Olhou para Sean, que ainda estava ao lado de Caroline. Ele estava fazendo
bonequinhos de biscoito. Havia na bandeja a miniatura de uma pessoa e alguma coisa
com quatro pernas, talvez um cachorro. Caroline brincava com os bonecos com a
ponta do dedo. Kate sorriu e perguntou:
— Pode cortar o assado?

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

Sean ficou surpreso com o convite.


— Eu?
— Acho que você é o homem da casa, hoje. A menos que Barnaby faça isso.
Barnaby não demonstrou muita segurança na missão.
— Melhor Sean fazer isso.
Sean foi para a cabeceira da mesa, pegou o garfo e a faca, então hesitou.
— Já está morto — Kate brincou. — Não vai mordê-lo.
Ele riu.
— Nunca fiz isto antes. É estranho... Faz com que eu me sinta um pai de verdade.
— Você é pai de verdade de Caroline — Barnaby lembrou-o.
Kate e Barnaby sentaram-se, e Sean ficou em pé na cabeceira da mesa para
servir os pratos.
— Onde está o vinho? — ele perguntou.
— Ah, eu o deixei... — Kate ia se levantar, mas Sean fez sinal para que ela ficasse.
Ele próprio foi à cozinha buscar.
— Agora poderia nos explicar que ocasião tão especial é esta? — Kate
perguntou.
Ele se sentou, ergueu a taça e disse:
— Bem, eu estava com vontade de celebrar, então achei que seria uma boa hora
para comemorar o que perdi: o primeiro aniversário de Caroline.
Kate ergueu a taça e brindou com ele.
— Um brinde a minha família e a minha nova vida — ele propôs delicadamente.
Entreolharam-se até Barnaby perguntar.
— Isso é uma festa?
Sean desviou o olhar de Kate e respondeu ao garoto:
— Sim, é uma festa.
— Com presentes e tudo?
— Pode ser. — Ele sorriu.
— O aniversário dela já passou — Kate lembrou-o.
— Bom, ela não sabe disso. A carne está deliciosa, meu bem.
Desta vez, ela não rejeitou o tratamento carinhoso.
No fim do jantar, Kate aceitou a terceira taça de vinho e Barnaby resolveu
continuar com a brincadeira de Sean.
— Você sabia que vai ganhar um presente de aniversário, Caroline? — perguntou
a ela.
— Chegou a hora. — Sean levantou-se da cadeira, foi até o saguão e voltou com
três pacotes. Pôs um deles no cadeirão de Caroline, deu o outro a Barnaby e deixou o
terceiro na frente de Kate.
— Isto é para mim? — Barnaby estava de olhos arregalados. — Faz de conta que
também é meu aniversário?
— Eu também não estava aqui em seu aniversário nem no de Kate. Por isso

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

resolvi celebrar o aniversário de todos.


Isso bastou para o menino começar a rasgar o papel marrom que embrulhava
uma harmônica novinha em folha.
— Uaul Freddie Colter vai me ensinar a tocá-la! — ele exclamou.
— Que bom que você gostou. Agora, ajude Caroline a abrir o dela. — Sean sorriu.
Barnaby correu para junto de Caroline.
— Vamos ver seu presente. — Pegou na mãozinha da criança e ajudou-a a tirar o
papel que envolvia um regalo de pele com a forma de um coelho.
— Oh, meu Deus! É lindo! — Kate exclamou.
— É para proteger as mãos dela na próxima vez em que formos passear nas
montanhas — Sean sugeriu, e esperou a reação de Kate.
Barnaby não ficou muito impressionado, mas Caroline adorou a pele macia e
começou a brincar.
— Cuidado, Barnaby, não a deixe jogar sobre a comida — Kate avisou.
— Não se preocupe — disse Sean. — Eu limparei depois. Você ainda não abriu
seu presente.
Olhou primeiro o pacote, depois para Sean.
— Tenho certeza de que não é meu aniversário. Eu não deveria...
— Abra.
Era uma caixa de madeira marchetada com flores de madeiras de outras cores.
Passou a mão pela superfície polida.
— Abra logo — Sean pediu.
Kate afastou a tampa e um pequenino pássaro azul começou a cantar.
— É uma caixa de música! — exclamou, encantada. Até Barnaby ficou
impressionado.
— Posso ver?—pediu. Kate concordou e ele abriu e fechou a tampa várias vezes
para ouvir e interromper os trinados.
— E o pássaro da felicidade, como aquele que eu ouvi há muito tempo no monte
Pritchard — Sean comentou em voz baixa.
Ela corou e desviou o olhar.
— E maravilhosa. Obrigada.
Sean afastou-se com um sorriso para observar a reação causada por seus
presentes. Decidiu que havia feito boas escolhas. Kate havia gostado e, o que era mais
importante, não estava mais tão retraída.
Quando Barnaby começou a tirar a mesa, ele se levantou para ajudar. Os três
lavaram os pratos enquanto Caroline andava descalça pela cozinha.
Quando terminaram, Sean sugeriu:
— Descanse um pouco na sala enquanto eu a tarei dormir. Precisa tomar banho?
Relaxada e sonolenta por causa do vinho e do longo jantar, Kate apenas balançou
a cabeça negativamente.
— Já é tarde. Basta trocar a roupa e a fralda, se quiser levá-la para cima, eu lhe

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

agradeço.
Sean pegou a filha no colo.
— Venha cá, filhinha. E papai quem vai fazer você dormir hoje. Quer que eu
cante uma música?
— Quando eu souber tocar harmônica, tocarei uma canção de ninar para ela.
— Ela vai adorar — Sean garantiu-lhe. — Voltarei em um minuto.
— Vou esperar na sala — Kate respondeu, e Sean entendeu isso como um
convite.
Ele não se apressou, aproveitando os momentos ao lado da filha, mas sem
esquecer por um minuto que Kate estava na sala, esperando-o. Quando a menina
fechou os olhos, ele não perdeu tempo. Desceu correndo para a sala e teve a felicidade
de encontrá-la sozinha.
— E Barnaby? — perguntou, como quem não quisesse nada.
— Foi dormir também.
—Ah! — Caminhou até a lareira e pôs outro tronco para queimar. Quando virou-
se de frente para ela, perguntou:
— E então, gostou dos presentes? Sua expressão era indefinível.
— O regalo é lindo e muito prático.
Sentou-se ao seu lado no sofá, e Kate afastou-se um pouco mais.
— Espero que ela o aproveite bem. Mas e a caixa de música? — ele insistiu.
— E linda também.
Sean sabia que ela havia gostado da caixa, mas alguma coisa a perturbava.
Queria vê-la feliz, mostrar-lhe quanto aquilo lhe importava, mas ela estava ainda mais
distante do que antes.
— Algo de errado? — ele perguntou preocupado.
— Não.
— Kate, por favor diga o que é.
Ela recOstou-se na almofada e suspirou profundamente.
— Oh, Sean, é que... você ainda não entendeu. Caroline e eu não precisamos de
presentes para aceitá-lo. Você está agindo como sua mãe agiria.
— Eu só quis agradá-los.
— Eu sei. — Kate parecia cansada. — E agradou. Os presentes são lindos.
Barnaby adorou!
— Mas você não.
— É claro que gostei. Nunca tive nada parecido. Mas ficaria mais feliz se você
soubesse que não quero seus presentes nem seu dinheiro.
Sean debruçou-se sobre ela e disse em voz baixa:
— Então ajude-me a entender, Kate. O que exatamente espera de mim?
O rosto dele estava tão próximo que ela podia sentir o hálito quente em sua
boca. Kate respirou fundo.
— Eu não quero coisas, Sean. Eu só quero amor.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

CAPÍTULO XVI

Kate soube imediatamente que mais uma vez havia perdido a batalha, porque
ainda o amava. A verdade é que nunca deixara de amá-lo, nem mesmo quando pensou
em jamais voltar a vê-lo, nem nas longas noites de espera enquanto ele perambulava
pelas casas de jogos de San Francisco. Bem que ela tentara, mas nunca conseguira
esquecê-lo.
— Kate. — Ele a tocou. — Você já tem meu amor... Sempre teve.
Quando ela ergueu a mão para fazê-lo parar, Sean puxou-a e envolveu-a em seus
braços.
— Eu sei que nem sempre demonstrei isso. Mas eu a amo, Kate. Amo pela
maneira como você enfrentou toda a cidade para ter minha filha. Amo-a por ensiná-la
a ser inteligente, meiga e adorável como a mãe.
Ela tentou sair dos braços dele. Sean soltou-a, mas continuou:
— Eu não sou digno de seu amor, minha querida. Todas as vezes, você foi forte e
eu, fraco. Mas quero ter a chance de provar que a mereço, você e minha filha.
Era quase ridículo que Sean Flaherty, tão bonito, filho de uma das famílias mais
influentes do Oeste dissesse que não era digno de seu amor, mas Kate viu sinceridade
nas palavras dele, intensidade no tremor de suas mãos. Ela voltou a um assunto mais
delicado.
— Caroline precisa de um pai, Sean, e não alguém que só está presente de vez
em quando e vai embora quando quer.
Ouvindo isso, ele soltou-a completamente e ergueu as mãos.
— Eu sei — concordou, já mais controlado. — É exatamente o que venho
tentando ser desde que saí de San Francisco: um pai. E quero ser marido também,
Kate.
Ela desviou o olhar. Era desconcertante ter aqueles olhos azuis cristalinos fixados
nela.
— Você não estava aqui sábado à noite quando fui procurá-lo.
Sean forçou-a a encará-lo.
— Eu fiquei com ciúme, Kate. Bebi até cair. Quando tentava parar, só via você ao
lado de Lyle, as mãos dele em você, talvez até os lábios, em uma intimidade que só eu
queria desfrutar.
A respiração de Kate tornava-se cada vez mais forte.
— A. única coisa que aconteceu naquele sábado foi eu ter dito a Lyle que jamais
haveria algo entre nós.
O rosto de Sean estava iluminado pela luz do fogo, que imprimia a seus olhos um
brilho inesperado.
— Está dizendo a verdade, Kate?

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

— Sim. Desejei-lhe sorte com todas as mulheres que, segundo ele, jogam-se a
seus pés. — Ela sorriu ao dizer isso, e Sean também riu. — Fui acusada de dispensá-lo
por sua causa.
— E o que você disse?
Ela inclinou a cabeça e disse em tom de brincadeira.
— Disse que não seria maluca de entregar mais uma vez o meu coração a um
irlandês convencido e bajulador que nunca está por perto quando preciso dele.
Ele hesitou, como que tentando certificar-se de que era uma brincadeira. Então
abriu um sorriso e disse:
— Maluca? Já ouvi dizer que o ar das montanhas faz isso com algumas pessoas.
— Então aconteceu comigo.
— Mas voltemos àquela noite de sábado. Você mandou Lyle embora e depois foi
me procurar?
Ela concordou, o sorriso desapareceu subitamente.
— E você não estava.
— Eu não estava onde?
— Em seu quarto. — Kate umedeceu os lábios. Sean encostou-se no sofá e
cruzou os braços.
— Kate Marie, por favor, diga-me o que uma moça decente como você foi fazer
no quarto de um homem sábado à noite?
Ela sentiu as faces arderem como fogo.
— Acho que conversar um pouco...
— Conversar? Pois eu acho que não. — Ele continuou encostado, sem se mexer.
— Quem sabe dar-lhe um beijo de boa-noite. Ele assentiu.
— Teria sido muito delicado de sua parte, mas também não acredito. Acho que
era algo mais. O que você queria, Kate, diga-me.
A voz dele era baixa e suave como veludo. Kate sentiu um arrepio percorrer seu
corpo da cabeça aos pés. E sua resposta mal pôde ser ouvida:
— Eu o queria em meus braços.
Sean saltou como um tigre solto da jaula. Levantou-se do sofá e puxou-a para si.
— Que bom — ele sussurrou, antes de inclinar a cabeça e beijar o pescoço dela.
Kate quase nem percebeu quando ele a carregou pela escada, beijando-a sem
parar, causando ondas de calor por todo o seu corpo. Quando percebeu, já estavam no
quarto, na cama, e Sean não parava de beijá-la, traçando um caminho imaginário pelo
queixo e seguindo em direção aos seios, brancos como marfim, os quais ele já
desnudara.
— Não houve um. único dia, desde que você saiu de San Francisco, que não
pensei em estar assim com você.
— Ele beijou primeiro um bico de seio, depois o outro.
— Às vezes eu ficava tão louco de saudade que só o uísque podia tirá-la de
minha mente.

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

— Temi que você chegasse ao mesmo ponto de Charles Raleigh — ela sussurrou.
— Pois saiba que eu bebia muito mais que ele. Nem sei como ainda estou vivo.
Se eu morresse àquela altura, não teria dado a mínima.
Foi a primeira vez que ele falou de suas atividades enquanto ela estava fora.
— Talvez eu tenha errado ao deixá-lo tão bruscamente.
— Não, você fez muito bem. Fez o que achou melhor para a sua filha e para você.
Eu é que fui fraco por não ter vindo atrás de vocês no mesmo dia.
Sempre acariciando os seios dela, arrancou-lhe um gemido ao tocar um ponto
sensível.
— Pensei que você não me quisesse.
— Você é uma moça bem inteligente, Kate, mas acabou de dizer uma grande
besteira. — Beijou-a na boca, primeiro com delicadeza, depois com paixão. — Eu não a
quero? Acho que você enlouqueceu.
Kate riu. A conversa era muito intensa e, definitivamente, ela não queria mais
falar. Preferia oferecer seu corpo para que as mãos dele o explorassem, assim como os
lábios e a língua. Kate abriu os outros botões do vestido.
— Está quente aqui — ela sussurrou.
— Não, o problema são nossas roupas.
Eles se despiram e de repente o desejo cresceu de maneira insuportável.
— Ah, meu amor — Kate murmurou, recebendo-o sobre seu corpo.
Ele sorriu, encostado no rosto dela.
— Estou aqui pensando que a moça que foi ao quarto do cavalheiro ontem à
noite procurava isto. — Provocou-a com a língua úmida e quente.
Kate acomodou-se por baixo dele ao sentir o membro rígido contra sua pele.
— Acho que você tem razão — Kate concordou.
— E um cavalheiro sempre deve atender ao pedido de uma dama.
— Sim, deve sim. Ah, Sean...
Ele encostou os lábios no ouvido dela e murmurou:
— Você está pronta para mim, Kate Marie?
Ela concordou com um gesto de cabeça. Então os dois entraram em um mesmo
movimento, o luar dançando pelos corpos molhados. Momentos depois, Sean colocou-
a por cima dele. Ainda unidos, ela recebeu-o dentro de si e deixou que o movimento
natural de seus corpos alimentasse a paixão crescente. Com as mãos nos quadris de
Kate, Sean conduzia o movimento. Ela abriu os olhos e viu que ele a observava, e o
olhar de puro desejo foi o bastante para levá-la ao supremo prazer. Sean tencionou o
corpo e juntou-se a Kate no clímax da paixão.
Enfraquecida pelos espasmos, Kate deixou-se cair por cima dele.
— Eu te amo. — Ele beijou os cabelos dela.
Kate não conseguia dizer nada. Quando virou o rosto para olhá-lo, os dois
estavam chorando.
— Você nunca me disse isso antes — ela sussurrou. Ele beijou uma lágrima que

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caía pelo rosto dela.


— Nunca disse isso a ninguém. Achei que nem soubesse Como fazê-lo.
Kate deitou a cabeça no peito dele, pensando naquelas palavras.
— Nem mesmo para a família?
— Não.
— Isso é muito triste.
Sean abraçou-a com mais força.
— Talvez, mas já superei o problema. Agora, você é minha família... Você e
Caroline. Pretendo dizer que amo as duas todos os dias, pelo resto de minha vida.
Kate escorregou para o lado e deixou que ele a abraçasse.
— Passe a noite aqui comigo — ele pediu.
— E Caroline...
— Ela dorme a noite toda, e a porta de seu quarto pode ficar aberta. Se ela
chorar, nós a ouviremos.
— E Barnaby... Sean riu.
— Meu bem, não é escândalo algum passarmos a noite juntos. Afinal, somos
casados, ou você se esqueceu?
Ela suspirou e encostou a cabeça no ombro dele.
— Não, não me esqueci.
— Pois teria todo o direito de esquecer — ele disse em um tom mais sério. —
Não tenho sido o marido ideal.
— Isso não existe, Sean.
— Bem, mas posso mudar. Prometo que de hoje em diante você terá o marido
com que sempre sonhou.
Kate riu e ergueu-se para olhá-lo.
— Se não se importa, também gostaria de ter o homem ideal em minha cama.
— Fique sabendo, Kate Marie — Sean disse tranqüilamente, trazendo-a para
junto de si —, que é exatamente isso que você terá daqui para a frente.
Dois dias depois, quando Jennie e Carter voltaram para casa, Kate estava quase
convencida de que desta vez Sean cumpriria suas promessas. Jennie logo notou a
diferença.
— Você está feliz, mana — ela comentou. Sentada na cama dela, Kate assistia-a
desfazer a mala.
— Estou, sim. E você está bem e vai ter uma criança normal e saudável. As
notícias não podiam ser melhores.
Jennie ergueu as sobrancelhas.
— Diga-me que esse brilho em seus olhos tem algo a ver com Sean.
Kate baixou os olhos e ajeitou a saia.
— Nós fizemos amor, Jennie.
— Bem que percebi — Jennie brincou. Kate caiu de costas na cama.
— Ah, Jen, não sei se estou sendo a maior tola deste mundo. Ele jurou que desta

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vez é para sempre... e disse que me ama. Quer que moremos juntos.
— Parece que desta vez ele fala a sério. — Jennie pôs a mala no chão e sentou-se
ao lado da irmã.
— Pode ser. Mas ainda me pergunto por quanto tempo mais Sean agüentará
trabalhar diariamente naquela mina. Logo ele, que nunca trabalhou na vida.
— Ele não se queixa.
— Não, mas tudo ainda é novidade. Da outra vez que ele esteve aqui com
Charles Raleigh, em três meses já estava farto e quis voltar para a vida fácil na casa dos
pais.
Jennie pensou nas palavras da irmã. O que ela mais queria era que as coisas se
acertassem entre Kate e Sean, por isso seus conselhos deviam ser cautelosos. Por fim,
ela disse:
— Não sei se Sean tem uma vida fácil na casa dele. Seja como for, agora a
situação é diferente. Ele voltou para casa daquela vez porque seu projeto fracassara,
ele e Charles não encontraram prata. Agora precisa pensar em você e Caroline.
— Mas naquela época ele também deveria ter pensado em mim...
Jennie suspirou.
— É verdade. Eu não sei o que dizer, mana. A sua desconfiança é justificada, mas
tem todo o direito de querer tentar novamente.
Kate sentou-se e sorriu.
— A cabeça diz que eu não devo, mas o resto de mim implora para recebê-lo de
volta.
Jennie riu e abraçou a irmã.
— Minha irmã não tem vergonha!
— Eu? Talvez possa explicar, minha querida irmã, por que você e Carter
passaram três noites na Virginia, se a consulta durou só um dia?
— Ficamos admirando a vista.
— Ah, claro! Por acaso chegaram a sair do hotel?
— É claro que sim. Uma vez — ela acrescentou, rindo.
Sentadas na beirada da cama, elas trocaram um longo olhar afetuoso.
— Falando sério, Jennie, fico muito feliz que esteja tudo bem com você.
Jennie apertou as mãos de Kate.
— E falando sério, Kate, fico feliz que você tenha resolvido dar uma chance a
Sean.
— Depois que mamãe e papai morreram, eu pensei que a vida nunca mais me
traria alegrias — Kate comentou. — Parece que agora as coisas tomaram um rumo na
casa dos Sheridan.
Jennie sorriu.
— Já era hora!
As pessoas diziam que era o mês de fevereiro mais frio em muitos anos. O
capataz da mina mandou instalar aquecedores a querosene dentro dos túneis para que

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os homens pudessem aquecer as mãos sem ter de sair para as fogueiras, que eram
mantidas durante todo o dia perto da cabana da cozinha.
Na cidade, as aulas foram canceladas assim que os primeiros casos de gripe
começaram a aparecer. Todos se lembravam ainda da epidemia de dois anos atrás que
matara muita gente, inclusive Francis e John Sheridan.
Barnaby e seus amigos adoraram a notícia de que a escola ia fechar. Ignorando
os conselhos para que ficassem dentro de casa, eles passavam os dias gelados e
ensolarados explorando as montanhas, encantando-se com a rara beleza da neve
cobrindo as árvores secas.
Kate assumira a cozinha da mina três vezes na semana. Jennie já não enjoava
mais de manhã, mas cansava-se com facilidade, e nem Kate nem Carter gostavam de
vê-la tão pálida, com olheiras profundas.
—- Eu deveria assumir a cozinha da mina diariamente — ela comentava com
Sean uma noite, deitados na cama. O quarto de Kate passou a ser usado só por
Caroline.
Ela dizia brincando para Sean que afinal ele conseguira um berçário para a filha.
— Isso mesmo — ele se defendia. — Fui obrigado a trazer a mãe dela para minha
cama para que a pobre criança tivesse seu próprio quarto.
Duas semanas depois, Kate ainda tinha a incômoda sensação de que toda aquela
felicidade poderia escorrer-lhe pelos dedos a qualquer momento. Já acontecera outra
vez. Todas as noites ela respirava aliviada ao ouvi-lo assobiar, avisando que chegara do
trabalho.
— Mas você me disse que Jennie quer continuar trabalhando — Sean comentou.
— Ela quer, mas não sei se deve. Embora eu não saiba se é pior cuidar de
Caroline a tarde toda ou cozinhar para quarenta mineiros.
Sean abraçou-a.
— Caroline consegue me derrubar mais depressa que dez carregamentos de
minério — ele concordou.
— Você não disse que ia pedir ao capataz para mudar de trabalho e parar de
empurrar a caçamba?
— Não é tão ruim assim. Pelo menos posso sair da mina de vez em quando para
visitar a cozinheira.
Kate beijou o rosto dele.
— Temo que você se desgaste muito. Deve ser muito cansativo.
— Meu bem, por favor, pare de achar que posso mudar de idéia a qualquer
momento e desistir de ficar aqui. Já decidi que quero estar perto de você e de Caroline.
— Mesmo que tenha de empurrar caçambas pelo resto da vida?
Ele riu.
— Qualquer hora encontrarei outra coisa para fazer. Por enquanto, minha única
preocupação é ficar com minha filha antes do jantar e com minha mulher durante toda
a noite.

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Kate queria acreditar nele.


— Pois saiba que a sua mulher também adora passar a noite com você.
Ela acomodou-se nos braços dele, mas os pensamentos nebulosos povoavam sua
mente e não a deixavam dormir. Jennie, a criança prestes a nascer, as mãos
aristocráticas de Sean cheias de calos, Barnaby e seus amigos...
Ela sentou-se na cama, e Sean acordou assustado.
— Barnaby pode cuidar de Caroline enquanto eu estiver na mina. Isso o manterá
mais tempo em casa.
— Meu bem, deixe Jennie trabalhar mais um mês, se é isso o que ela quer.
— Não gosto de ver Barnaby solto por aí com essa epidemia de gripe na cidade
— ela explicou.
— Eu também não, Kate. Mas é difícil manter um menino da idade dele em casa.
— Humm. Se Jennie... Sean puxou-a para perto.
— Vamos deixar para amanhã, meu amor. Amanhã estudaremos melhor seus
planos e tentaremos facilitar a vida de todos.
— Então achei melhor assumir a cozinha da mina, pelo menos até o bebê nascer.
Barnaby poderá ajudá-la a cuidar da casa até as aulas recomeçarem — Kate dizia a
Jennie.
Elas estavam embalando a comida que mais tarde seria levada para a mina.
— Ainda posso andar perfeitamente até a mina —
Jennie argumentou.
— Não é só subir, mas ficar em pé durante quatro horas cozinhando, servindo e
lavando os pratos. E hora de começar a respeitar suas limitações, Jennie.
— Você e Carter estão conspirando contra mim — Jennie brincou.
— Bem, se não quiser me ouvir, ao menos ouça o que ele diz.
— Não pretendo ouvir nenhum dos dois enquanto estiver me sentindo bem-
disposta.
Kate guardou um pedaço de pão na sacola.
— Então pense em Barnaby. Ele fica na rua o dia todo com os amigos. Seria bom
ter um pouco mais de responsabilidade dentro de casa.
— Ele é ainda uma criança, Kate.
— Eu sei, mas estou preocupada com a gripe que ronda a cidade.
— Vou pedir a ele que não saia de casa — Jennie concordou.
— Todo mundo deveria ficar o máximo possível dentro de casa. Não queremos
trazer nada para cá que ponha em risco você... e a criança.
— Ou Caroline — Jennie acrescentou.
Kate sentiu uma onda de pânico. Seus pais eram fortes e saudáveis e assim
mesmo foram vencidos pela gripe. Caroline ainda era tão pequena.
— Ah, meu Deus!
— Como mamãe dizia, estamos nos preocupando com coisas que ainda não
existem. Pelo que o Dr. Millard disse, desta vez a gripe é muito mais fraca.

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— Fecharam a escola apenas por precaução — Kate concordou.


A porta bateu e Barnaby entrou com um coelho morto nos braços.
— Olhe o que eu cacei — ele mostrou entusiasmado.
— Bom trabalho, Barnaby. Vamos comê-lo no jantar. Você me ajuda a prepará-lo
quando eu voltar da mina?
Ele soltou o animal morto no chão da cozinha.
— Não sei, Jennie, acho que terá de prepará-lo sozinha. — A voz dele estava
estranha, e o rosto mais vermelho do que o normal.
— O que está havendo? — Kate perguntou assustada.
Os olhos de Barnaby se fecharam.
— Não me sinto muito bem. — Ele caiu lentamente no chão.

CAPÍTULO XVII

Barnaby foi colocado imediatamente na cama. Kate levou a comida para a mina,
preparou alguma coisa rápida e voltou correndo para casa, depois de avisar o capataz
que não contasse com seus serviços por alguns dias.
Sean e Carter voltaram cedo e juntaram-se às mulheres para um jantar triste na
ausência de Barnaby. Kate e Jennie revezaram-se na cama dele durante toda a tarde è
o Dr. Millard chegou por volta de nove da noite. Estivera visitando pacientes com gripe
desde que o dia amanhecera.
— Experimentem colocar um pano úmido na testa dele. Mas não o deixem tomar
friagem. Mantenham-no bem agasalhado, e tentem fazê-lo tomar um pouco de sopa.
Essas mesmas instruções haviam sido dadas quando os pais delas adoeceram.
Jennie e Kate trocavam olhares amedrontados.
Para o alívio de todos, Barnaby amanheceu sem febre. Pediu um pouco de água e
até sorriu quando Sean entrou no quarto e fez uma brincadeira qualquer.
Mas à tarde, Jennie saiu correndo pela porta da cozinha para vomitar todo o
almoço na terra gelada.
— Kate, isso não é um mal-estar comum — ela comentou.
— O Dr. Millard garantiu que a gripe desse ano não é tão forte — ela tentava
falar com a voz calma. A gripe podia não ser tão forte, mas Jennie já estava debilitada
pela gravidez. Ela parecia muito mal, o rosto todo vermelho com exceção de uma
palidez mortal ao redor da boca.
Sean foi procurar Carter no escritório, que chegou em casa imediatamente para
colocar sua mulher na cama e ficar ao lado dela o resto do dia. Kate alternava-se
incansavelmente entre Jennie e Barnaby. Sean fez as torradas que sua avó costumava
fazer quando ele adoecia. Barnaby logo aceitou um pedaço de pão com café. Jennie
nem podia olhar para a comida que já se sentia mal.
O Dr. Millard tomou-lhe o pulso:

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

— Tente dar a ela caldo de galinha. Se ela não se alimentar, não conseguirá
reagir.
— Você vem para a cama, querida? — Sean encontrou Kate na escada, que corria
do quartinho de Barnaby atrás da cozinha para o quarto de Jennie no segundo andar.
— Já é quase meia-noite, e você deve estar muito cansada.
— Não, ficarei acordada.
— Você já ficou acordada ontem, ao lado de Barnaby. Os olhos de Kate
encheram-se de lágrimas.
— Fiquei acordada quinze dias cuidando de meus pais. — Ela encostou a cabeça
no peito dele para descansar. Então endireitou-se, passou a mão no ombro dele e
garantiu:
— Eu estou bem. Vá dormir. Sean recusou-se.
— Se você não for, também não irei.
— Mas você precisa trabalhar amanhã.
— Não, só voltarei a trabalhar quando todos aqui estiverem recuperados. Já
mandei avisar.
Ela sorriu agradecida.
— Se é assim, vá ver se Caroline está dormindo tranqüila.
Mas para o horror de Sean, Caroline não estava dormindo tranqüila. Tinha os
olhos abertos e sem brilho. Seu corpinho estava ensopado de suor.
— Deus do céu! — Sean exclamou. Ficou com ela no colo por um tempo, então
colocou-a novamente no berço e foi chamar Kate.
Encontrou-a nos braços do cunhado.
— Ela estava indo para o quarto e desmaiou.
— Ela está... — Sean começou.
— Ardendo em febre — Carter confirmou. — Deus do céu, Sean, as duas estão
doentes! — Seu olhar normalmente tranqüilo era assustado.
Sean encostou-se na soleira da porta.
— Caroline também.
— O que vamos fazer?
Sean respirou fundo e decidiu:
— Vamos cuidar delas.
Sean nunca trabalhara tanto em sua vida. Dois homens que nunca haviam
cuidado de uma casa, viram-se obrigados a cuidar de quatro doentes. Não tiveram um
segundo de descanso. Sean não pôs os pés fora de casa. Carter trazia a comida, pois
precisava ir periodicamente à cidade para cuidar de assuntos urgentes.
Barnaby já se recuperava, mas ainda estava fraco. Quando soube que Caroline
também estava doente, quis ir ao quarto dela, mas o esforço seria muito grande, e
Sean obrigou-o a ficar na cama por mais um dia.
Sean acomodou Rate em seu antigo quarto para cuidar dela e de Caroline com
maior facilidade. Na primeira noite e no dia seguinte, ela não conseguia entender que

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CH 170 – Milagre de Amor – Ann Seymour

Caroline também adoecera. Ao mais leve choro da criança, Sean deixava tudo o que
estava fazendo e ficava com ela no colo até acalmá-la. No pouco tempo que sobrava,
quando não estava cozinhando, fervendo água, lavando os lençóis, esvaziando as
vasilhas, pondo compressas frias na testa dos doentes, ou dando comida na boca de
cada um, ele pegava Caroline no colo e a embalava. Ele próprio quase dormindo em
pé, conversava com ela, beijava-a, punha-a outra vez no berço, olhava aquele corpinho
frágil e rezava como nunca mais o fizera desde a infância.
Passados três dias, a situação atingiu um clímax. Os olhos de Sean ardiam e a
cabeça doía, mas nada importava ao ver Kate dormir tranqüila e respirar com
facilidade. Aos poucos, o tom rosado voltava a sua pele.
Barnaby, que já estava bem melhor, foi para a cozinha ajudar Sean a preparar
uma carne para o jantar.
Caroline ainda esta muito fraca e quieta demais em seu berço. Quando o sol se
pôs, Jennie estava novamente ardendo em febre. Sean fechou os olhos aliviado
quando ouviu a voz de Carter avisando que já havia chegado. Os dois se uniram como
irmãos na adversidade.
— Estou no quarto de Kate — Sean avisou. Carter apareceu na porta com o Dr.
Millard.
A princípio, o velho médico não acreditara que os dois pudessem cuidar dos
doentes, mas agora tinha de admitir que não poderia ter encontrado enfermeiros
melhores nem nos melhores hospitais.
— Como estão as nossas pacientes hoje? — O Dr. Millard entrou no quarto.
Kate abriu os olhos.
— E Caroline?
— O doutor veio ver vocês duas. Você está muito melhor. Dormiu bastante a
tarde toda. E Caroline também está dormindo.
— E Jennie?
— O Dr. Millard também irá vê-la. Preocupe-se apenas em melhorar, está bem?
— Quero ficar com ela. — Kate mostrou o berço. Sua voz ainda era muito fraca.
Sean olhou para o Dr. Millard, que concordou. Então ele tirou a menina do berço
e deitou-a nos braços de Kate.
— Ela está magrinha — Kate notou. Era verdade. Em três dias, Caroline estava
mudada.
— Ela se recuperará facilmente quando estiver melhor. — Sean tentava disfarçar
a sua preocupação.
Kate adormeceu novamente. Sean pegou Caroline, abraçou-a e colocou-a outra
vez no berço.
— Deve haver alguma coisa que eu possa fazer, doutor — Sean implorou. —
Minha filha não está bem.
O Dr. Millard meneou a cabeça.
— Essas viroses atingem mais as crianças que os adultos. Não se sabe por quê.

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— Nós não vamos perdê-la. E nem Jennie — Sean prometeu a si mesmo.


Carter já tinha ido para seu quarto, onde estava Jennie. O médico olhou para
Sean, com os cabelos despenteados e as roupas amassadas.
— Você está fazendo o que é possível, filho. Se não descansar um pouco, será
meu próximo paciente.
— Eu estou bem.
O Dr. Millard pegou sua maleta preta e dirigiu-se para a porta.
— Kate está bem melhor. Talvez amanhã já comece a se recuperar. Por que não
deita um pouco ao lado dela e descansa?
— Ficarei um pouco com Caroline, depois vou terminar o jantar.
O médico lançou-lhe um olhar severo.
— Devo lhe confessar que fiquei louco da vida com você quando Kate procurou-
me por causa da gravidez. Como o pai dela havia morrido recentemente, pensei
seriamente em lubrificar meu velho revólver e ir atrás de você. Mas começo a pensar
que me enganei a seu respeito. Quando a gente vê um homem lutar pela sua família
como você vem lutando, isso nos diz alguma coisa sobre seu caráter.
Sean estava cansado demais para agradecer. No momento, pouco lhe importava
o que pudessem achar sobre seu caráter. Ele só queria ver sua família bem.
A epidemia passou deixando um rastro de três mortos, pessoas de idade que não
viveriam por muito mais tempo. O único caso ainda questionável era o bebê dos
Sheridan, como ainda a chamavam, mesmo que agora já fosse uma
Flaherty. Segundo Henrietta Billingsley, a vida da criança estava por um fio.
As irmãs tinham se recuperado, bem como o irmão adotivo. Os maridos não
ficaram doentes. Carter Jones voltara a sua rotina normal no escritório, mas o marido
de Kate não retornara à mina. Alternava com a esposa os cuidados com a filha.
O Dr. Millard não economizara elogios a Sean Flaherty durante a doença na
família. Segundo ele, o rapaz não dormira por uma semana. Ele limpava e alimentava
não apenas a mulher e a filha, mas a cunhada e o menino. Trocava as roupas de cama
e administrava os tônicos, e em uma de suas visitas encontrara-o sozinho no quintal,
depenando uma galinha.
A cidade ficou dividida entre os que insistiam em condenar Sean por ter
abandonado a pobre Kate grávida, e os outros que resolveram definitivamente adotá-
lo como o mais novo cidadão de Vermillion.
Mas o debate voltou a pegar fogo quando o pai e a avó do rapaz chegaram de
San Francisco para buscá-lo. Quase ninguém acreditava que ele ficaria em uma cidade
tão provinciana. Independente de Caroline viver ou não, a maioria apostava que Sean
Flaherty novamente iria embora.
Eles acabaram de comer um jantar delicioso que Sean e Barnaby haviam
preparado sem a ajuda de ninguém.
— Eu ofereci ajuda, mas fui expulsa da cozinha — Noninha comentou.
— Barnaby e eu formamos uma boa dupla — Sean explicou.

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— Se formamos! Mas Sean tem de fazer o serviço sujo.


— Tirar as tripas da galinha — Sean explicou. Patrick Flaherty estava admirado.
— Ouvi dizer que o ar das montanhas transforma as pessoas, mas jamais
acreditaria nisso se não visse com meus próprios olhos.
— Espero que o senhor não crie nenhum problema pelo fato de eu cozinhar, pai.
— Sean sorriu.
— Pelo contrário! Acho isso uma coisa... extraordinária.
— Estou orgulhosa de você. — Noninha voltou-se para Sean. — E de você
também — dirigiu-se a Barnaby.
— Meu marido também merece cumprimentos — Jennie lembrou. — Nunca
pensei que um dia veria Carter Jones esvaziando vasilhas sujas.
— O bom advogado está preparado para qualquer contingência — Carter
lembrou, pegando na mão de sua mulher.
Vendo isso, Sean olhou para a escada.
— Acho que vou deixar os pratos por conta do senhor advogado esta noite. Vou
ver como está Caroline.
Todos ficaram sérios.
— Quer que eu vá junto, Sean? — Noninha perguntou.
— Mais tarde, se quiser. Ficaremos lá durante toda a noite.
— Ajudarei Carter, depois subirei — Jennie avisou.
— Ah, não. Não precisa me ajudar. Você ainda não está bem. Fique aqui
descansando enquanto Barnaby e eu cuidamos disso. A senhora pode cuidar dela, Sra.
Flaherty? Conte o que ela deve fazer para cuidar bem do bebê.
Quando Carter e Barnaby tiraram a mesa e foram para a cozinha, Noninha
sentou-se ao lado de Jennie.
— A única coisa que se deve fazer para cuidar de uma criança é dar-lhe muito
amor. Sua irmã e meu neto são um ótimo exemplo a ser seguido.
— Eles não saem de perto de Caroline um só instante. Sean fica com ela no colo
o tempo todo.
— É difícil acreditar nisso — Patrick comentou, orgulhoso. Noninha balançou a
cabeça negativamente.
— Desculpe-me, Patrick, mas não sei por que está dizendo isso. Você subestimou
Sean a vida toda. Ele é carinhoso, inteligente, e eu sempre soube que ele era capaz de
grandes renúncias para ajudar os outros. Só estava esperando uma oportunidade... e a
pessoa certa para se entregar.
— Ele encontrou Kate — Jennie observou. — E encontrou o mesmo em sua filha.
Se ele não... — Os lábios dela tremeram.
— Se ele não a perder, logo agora que descobriu quanto ela é importante —
Noninha concluiu delicadamente.
Patrick tirou os óculos e limpou-o com o guardanapo.
— Não diga bobagens. Ninguém vai perder ninguém. Essa criança tem a fibra dos

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Flaherty. Nós fazemos filhos bem-feitos.


Jennie e Noninha olharam juntas para a escada.
— Deus nos ajude! — exclamou Jennie. — Espero que o senhor esteja certo.
Kate estava deitada na cama mas não dormia, como fazia todas as noites, desde
que ela se recuperara. Sean insistiu para que ela repousasse.
— Caroline está bem aqui, e eu também. Prometo acordá-la se houver alguma
alteração.
Mas Kate tinha dificuldade para dormir, embora cochilasse um pouco, assim
como Sean, sentada na cadeira de balanço.
Ainda sentia os efeitos da gripe. A fraqueza fazia as lágrimas saírem facilmente
de seus olhos e tornava mais difícil manter o ânimo quando via sua única filha definhar
lentamente no berço.
Sean tinha de manter-se forte. Apesar de não dormir havia muitos dias, parecia
ter uma energia inesgotável e se recusava a ouvir qualquer palavra negativa sobre o
estado de Caroline. "Ela está respirando muito melhor que ontem", ele dizia, ou então,
'Veja como ela está mais corada".
Kate sentia-se infinitamente grata por tanto otimismo, e ele sabia disso. Deixava
claro quando segurava nas mãos dela, nos olhares trocados sobre o berço, nas
inúmeras ações praticadas durante todo o dia para garantir o conforto da mãe e da
filha.
Kate estava quase dormindo quando Sean tocou em seu ombro.
— Veja, Kate, ela parece bem melhor. Muito melhor — ele estava excitado, a voz
misturada com as lágrimas. Kate sentou-se na cama e piscou. Através da janela, podia
ver as primeiras luzes da manha. Saltou da cama e correu para o berço. Caroline estava
acordada, os olhos abertos, olhando fixamente para a mãe, mas ainda continuava
pálida.
— Como está você, meu amor?
Caroline estendeu os braços para ela. Kate tirou-a do berço e abraçou-a.
— Oh, Sean...
— Pela primeira vez os lençóis estão secos, Kate. Acho que a febre foi embora. —
Ele sentiu a testa da criança.
— Parece perfeitamente normal.
— Normal! Que palavra deliciosa! Caroline apontou para a janela e disse quéu.
— Ah, minha querida. — Kate chorava de felicidade.
— Sim, é o céu. O céu lindo, lindo.
— Ido, ido — a menina repetiu.
Sean abraçou as duas e beijou a cabeça de Kate. Com as lágrimas caindo pelo
rosto, eles foram para a janela assistir ao espetacular romper de um novo dia.
— Bem, meu filho. Você sabe por que estou aqui — Patrick Flaherty disse
bruscamente.
Ele e Sean começaram uma conversa que estava sendo adiada desde que ele

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havia chegado em Vermillion. Havia dois dias que Caroline não tinha mais febre. Já
comia normalmente, embora ainda dormisse grande parte do dia e não tivesse forças
para andar além da extensão da sala.
Apesar do medo que Kate e Sean tinham de Noninha pegar uma infecção, ela
insistiu em cuidar de Caroline para que eles pudessem repor o sono. Patrick esperara
pacientemente, sem nem sequer tocar no assunto, mas Sean sabia desde o começo
que essa hora iria chegar.
— Recebi seus telegramas, pai, mas desta vez estou falando sério. Não pertenço
mais às Empresas Flaherty e não pretendo mudar de idéia.
Eles estavam sentados na frente da lareira, um diante do outro.
— O problema é uma casa, não é? — Patrick perguntou. — Já pensei nisso e
decidi que talvez você tenha razão. Entendo que Kate ficaria mais à vontade para
cuidar da filha longe de Harriet.
Sean sorriu levemente.
— Sinto dizer que quatro dias de viagem é a distância exata que queremos
manter de mamãe. Mas ficaremos muito felizes se vocês vierem nos visitar de vez em
quando.
Patrick franziu a testa e debruçou-se para a frente, apoiando os cotovelos nas
próprias pernas.
— Sean, você precisa pensar em seu futuro e no de sua filha — ele olhou o
mobiliário simples ao redor. — Pense em todas as coisas que poderá proporcionar a
ela em San Francisco.
— Como ò quê, por exemplo?
— Ora... Boas roupas, uma bela casa, criados, as melhores escolas...
— Agora você está parecendo a mamãe. Talvez eu também pensasse assim há
alguns anos, mas não penso mais. Eu mudei. Alguma coisa aconteceu comigo.
A voz de Sean era segura, e, pela primeira vez na vida, Patrick ouvia o que seu
filho tinha a lhe dizer.
— Aconteceu que eu conheci duas irmãs — Sean continuou. — No começo,
admito que fiquei fascinado pela beleza da mais jovem e não pensei muito no resto.
Agora, dois anos mais sábio, vejo que os Sheridan têm algo que os Flaherty nunca
tiveram, apesar de todos seus móveis e suas roupas. Eles têm amor.
Os olhos azuis de Patrick, assim como os de Sean, estreitaram-se.
— Você é meu único filho. Eu sempre o amei.
— Eu sei, ou estou começando a saber. Amar Caroline ajudou-me a entender o
amor entre pais e filhos, um amor especial e complexo. Estou começando a entender
que muita coisa que você fez em sua vida foi por minha causa mesmo que eu não
quisesse.
— E claro que sim. Por quem mais eu devotaria minha vida às empresas se não
fosse por você, Sean?
— Eu lhe sou grato por tudo o que você me deu, pai, mas agora preciso ter a

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chance de oferecer um lar a minha família...


— Deixe-me ajudá-lo -— Patrick interrompeu-o. — Estão construindo novos
imóveis em Van Nuys. São casas de fazer inveja a Nob Hill. Sua mãe morrerá de raiva.
Sean ouviu calmamente.
— Nosso lugar é aqui — disse com firmeza. — É aqui que Kate e sua família
vivem. E é aqui que quero educar minha filha.
Patrick levantou-se e andou pela sala agitado.
— Você não está pensando seriamente em cavar poeira o resto da vida.
— Que eu me lembre, você cavou poeira por muitos anos — Sean lembrou-o
com um sorriso. — Não acho que lhe fez muito mal.
— Isso foi diferente. Naquela época um homem podia ficar milionário da noite
para o dia.
— Eu já tenho tudo o que quero, pai. Elas estão dormindo lá em cima neste
momento.
Patrick sentou-se novamente. Ele tamborilava os dedos no joelho como quem
não aceitava ser contrariado.
— Afinal, o que você faz lá naquela mina?
— Empurro caçambas de minério. O dia todo, todos os dias.
Os dois ficaram em silêncio.
— O senhor deveria ver meus braços — Sean brincou. — Eu ganharia de
qualquer marujo lá na baía.
— Quanto vale essa mina? — Patrick perguntou, passando do desespero para o
cálculo.
Sean riu.
— Está pensando em comprá-la e me dar de presente de Natal? Provavelmente
conseguirá um bom preço. O minério está acabando.
— Bem, conte com ela. O que há de errado com essa idéia? Você poderá
administrá-la em vez de chafurdar na poeira o dia todo.
— Pai, não pretendo chafurdar na poeira o resto da vida. Já estou pesquisando
em várias direções. Apesar do que mamãe possa pensar, aqui não é o fim do mundo.
Novas indústrias estão se instalando, não apenas a mineração, mas também
madeireiras e fazendas de gado. Carter está pensando em investir em uma linha de
navios. O serviço de carga por aqui deixa muito a desejar. Eu tenho algum dinheiro
guardado. Um negócio como esse precisa ser bem dirigido.
Patrick esfregou as mãos com entusiasmo.
— Que idéia brilhante! Uma linha de frete ligada aos navios Flaherty. E perfeito.
Diga-me de quanto vai precisar para começar.
Sean meneou a cabeça outra vez.
— Pai, você já me deu muita coisa. Deu mais do que poderei lhe agradecer. Fui
criado com muito luxo e tive uma ótima educação. Agora quero provar a mim mesmo
que sou capaz de fazer alguma coisa sozinho.

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— Não há nada de errado em receber ajuda.


— Talvez um dia eu venha a precisar de sua ajuda. Mas agora estou feliz com as
coisas do jeito que elas são. Pretendo ficar na mina por mais um ano. O salário é
melhor do que em qualquer outro lugar. Depois tomarei algumas decisões. Enquanto
isso, estou aprendendo.
— Sobre navegação?
— Sobre a vida — Sean respondeu, sorrindo.
Kate esperava por Sean no quarto dele. A tarde, Noninha entrara no quarto de
Kate com sua sacola, informando que dormiria ao lado de Caroline até voltar para casa
com Patrick.
— O seu lugar é ao lado de seu marido, querida. Principalmente agora que você
já está boa para cobri-lo de atenções.
Kate aceitou a oferta de bom grado. A idéia de passar uma noite inteira com
Sean sem ser interrompida era irrecusável.
Eram quase dez horas da noite quando ela ouviu seus passos na escada. Nada se
podia deduzir pela expressão de seu rosto, quando ele entrou pela porta, mas seus
olhos brilharam ao vê-la deitada em sua cama.
— Fui procurá-la em seu quarto. Noninha e Caroline estavam dormindo.
— Noninha mandou-me dormir aqui, e eu vim.
— Escolheu o lugar certo. — Ele aproximou-se para beijá-la.
Kate sorriu quando ele começou a tirar a camisa.
— Posso? — ela imitou o sotaque irlandês que ele às vezes deixava escapar.
— Sim, madame. — Sean livrou-se rapidamente das roupas e deitou-se ao lado
dela. Então ergueu o cobertor para chegar mais perto. As sobrancelhas se ergueram
diante da surpresa. — Noninha não deixou que você pegasse a camisola quando
expulsou-a do quarto?
— Eu nem me lembrei de pegá-la. Achei que seria desnecessária.
— Pois acertou.
Ele passou um momento admirando-a, antes de tomá-la em seus braços.
— Mas antes quero saber o que aconteceu — Kate pediu. Sean escondeu o rosto
no pescoço dela e gemeu. Ela afastou-se no mesmo instante e se sentou.
— O que foi? Pretende voltar com ele?
Sean ficou surpreso com aquela reação e sentou-se ao lado dela.
— Desculpe-me, meu bem. Eu gemi porque você quer conversar, e não por causa
de meu pai.
Ela ficou mais calma.
—- E a conversa que vocês tiveram, foi boa?
— Ele se ofereceu para comprar nossa casa. Maior que a de Nob Hill só para
causar inveja a minha mãe.
— E você não aceitou.
Sean fez com que Kate sentasse em seu colo.

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— Não aceitei, Kate Marie. Eu disse que preferia ficar nas montanhas,
empurrando caçambas de minério durante o dia todo e fazendo amor com minha
mulher durante a noite.
— Sean, você não disse isso! Ele falou no ouvido dela:
— Não, mas é a mais pura verdade.
— E depois, o que aconteceu? — Ela o empurrou.
— Minha querida esposa, eu terei o maior prazer de lhe contar essa conversa nos
mínimos detalhes, mas poderia esperar até mais tarde? — Deixou-a perceber seu grau
de excitação. — Tenha pena de mim!
— Só me diga uma coisa: você vai voltar a San Francisco? — Kate também
começava a sentir-se excitada.
— Sim, iremos visitá-los para que conheçam nosso filho — ele murmurou,
movendo-se sinuosamente sob ela.
Kate sorriu.
— Nós não temos um filho.
— Não? Então teremos de fazer um imediatamente.
— Quanto antes melhor, meu amor — Kate entregou-se com paixão.

EPÍLOGO

Vermillion, novembro de 1883

Era muito bom ver a velha mesa de carvalho dos Sheridan cheia outra vez.
Dennis, Smitty e Brad, os três "sapatos de prata", haviam chegado de Virginia City para
celebrar o segundo aniversário de Caroline e dar as boas-vindas ao pequeno John
Sheridan Kelly Smith Connors Jones.
— O menino vai passar vinte anos na escola só para aprender a escrever o nome
— Sean protestou.
Mas Jennie quis homenagear seus pais e os três mineiros que tanto as ajudaram
após a morte deles. Carter, que nunca tivera um sobrenome do qual se orgulhar,
adorou que seu filho tivesse tantos.
E como a criança fora a primeira a constar dos registros que havia pouco tempo
haviam se tornado obrigatórios, ninguém fez objeção a um nome tão grande.
— Agora tenho dois filhos — Carter observou, dando um abraço em Barnaby.
Logo após o nascimento de Caroline, Carter regularizara oficialmente a adoção de
Barnaby Sheridan Jones.
Terminado o jantar, Jennie trouxe o filho para que todos vissem.
— O garoto é bonito como o nome dele — Dennis observou, piscando o olho.
— Depende de que nome você está se referindo — Brad lembrou.
— Acho que ele parece com Jennie — Smitty notou, sorrindo para ela.

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— Se ele tiver o coração que têm os padrinhos, ficarei muito feliz — Jennie olhou
para os três.
Sean, sentado na cabeceira da mesa com Caroline no colo, bateu o garfo no
prato para chamar a atenção.
— Estamos muito felizes pelo pequeno Johnny, Jennie, mas há um pequeno
problema.
— Que problema?
Sean olhou para Kate, que corou e abaixou a cabeça. Carter aproximou-se de sua
mulher, passou o braço pelos ombros dela e sorriu para o filho. Ele já sabia a que seu
cunhado se referia, mas Jennie não.
— Podemos contar a eles, Caroline? — Mas a menina parecia muito interessada
na boneca que ganhara de aniversário. Era uma boneca com vestido de babado e
anquinha de verdade, um brinquedo caro demais para uma criança de dois anos.
Presente de seus avós.
Sean balançou-a no colo para ganhar sua atenção.
— Filhinha, conte nosso segredo à tia Jennie e a tio Carter. — Ela deixou cair a
boneca no chão quando olhou para o pai. Ele perguntou outra vez: — O que está
cozinhando na barriga da mamãe?
Caroline olhou para todos e anunciou:
— Nenê.
Sean encostou no ouvido dela e corrigiu-a: "menininho".
— Menininho — ela repetiu.
— Ou menina — Kate acrescentou.
— Oh, Kate, desde quando você sabe?—Jennie perguntou. Ela entregou o filho
para o pai e correu para abraçá-la.
— Que bela sociedade a nossa, Sean. Como poderemos dirigir uma empresa de
frete se passarmos a noite cuidando das crianças?
Kate e Jennie iam protestar ao mesmo tempo, mas Kate adiantou-se.
— É Jennie quem acorda toda manhã para alimentar seu filho, Carter. Eu nunca
vi olheiras em você.
— Eu acordo também — ele protestou. — Só não tenho o que oferecer a Johnny
naqueles momentos, por isso volto a dormir.
— Nós daremos um jeito, cunhado. Na verdade, descansamos muito mais no
escritório do que aqui em casa com tanta gente circulando.
— Posso ir para o escritório também? — Barnaby perguntou.
Todos riram, mas Sean disse:
— Venha quando quiser, Barnaby. E se quiser, daqui a alguns anos nós lhe
daremos trabalho. Prometo que será uma atividade da qual você gostará muito. — Ele
trocou um olhar com Kate. — Só fará o que quiser fazer, desde que o faça bem-feito.
— Quando vocês começarem, talvez eu volte a trabalhar aqui — Dennis sugeriu.
— As minas já não são mais as mesmas. — Ele virou-se para os companheiros.

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— Vocês aceitam?
— Eu acho ótimo. Pelo menos verei a luz do sol — Smitty respondeu.
E Brad acrescentou:
— Contem comigo.
A alegria teria durado toda a noite, mas as crianças ficaram com sono, e os
mineiros começaram a se preparar para voltar a Virginia City.
Jennie despediu-se rapidamente e subiu para amamentar Johnny, enquanto
Carter acompanhava-os até a calçada, onde os cavalos estavam amarrados.
Caroline dormia nos braços do pai. Kate pegou no braço dele e os três subiram
juntos.
— Ela não tomará banho hoje — disse Kate. — E melhor colocá-la direto no
berço.
Eles a puseram no berço, em seguida foram para o quarto.
— Como está se sentindo, meu bem? — ele perguntou.
— Está muito cansada?
— Cansada para quê? — Kate riu.
— Eu não quis dizer isso. Estou pensando em meu filho. Já que estou aqui para
cuidar de você, juro que farei isso desde o começo.
Kate encostou a cabeça no ombro dele.
— Às vezes nem acredito quanta coisa aconteceu em minha vida, desde que saí
daquele hospital em Virginia City.
— Na minha vida também aconteceram muitas mudanças. — Ele parou na porta
do quarto e ergueu-a nos braços.
— O que está fazendo? — Kate perguntou.
— Entrando no quarto com você no colo. Ela riu.
— Isso é para recém-casados.
— Tudo bem. Nós já fizemos muita coisa antes, mas hoje poderia ser nossa lua-
de-mel. — Parou e fitou-a profundamente. — Quero dizer, se você estiver bem.
Kate passou os braços ao redor do pescoço dele e pensou na filha que dormia
tranqüilamente no quarto ao lado, no pequenino que crescia em seu ventre e no
marido que tanto amava.
— Meu querido Sean, nunca estive tão bem em toda a minha vida.

A forte herança escandinava no Estado de Minnesota, onde ANA SEYMOUR


nasceu, contribuiu para alimentar seu amor por histórias sobre a força e o apoio da
família. Segundo ela, a idéia de escrever livros sobre duas irmãs veio da própria
interação entre ela e suas duas filhas, hoje jovens adultas e grandes amigas.

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