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UM OLHAR PERTURBADOR

To Protect an Heiress
Adrienne Basso
Clássicos Históricos Especial n° 206

Londres, 1802

Enquanto um assassino percorre as ruas de Londres, uma linda herdeira volta-se para o
único homem que pode protegê-la...
Aristocrata inglesa, de temperamento forte e olhos perturbadores, Meredith Barrington
não está disposta a aceitar qualquer proposta de casamento. O que ela deseja é ser independente,
frequentar os bailes londrinos e fazer sucesso com seus vestidos finos, chiques e que deixam
homens e mulheres boquiabertos. Mas um acontecimento vai mudar a vida de Meredith, e ela
sabe que não poderá fugir de seu destino! E esse destino tem um nome: Phillip!

Digitalização e Revisão: Alice Akeru

Autora de quatro romances históricos, Adrienne Basso mora com a família em Nova
Jersey. Para ela, a época mais interessante da história é a Regência, e seu maior prazer é criar
tramas envolventes e apaixonantes ambientadas neste período.
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Basso

De onde será que ele a conhecia? Seria dos seus sonhos?!


Frustrado, Phillip tornou a olhar para a escadaria. Foi quando viu uma jovem alta,
curvilínea, vestida de azul, que evitava ser anunciada pelo mordomo. Seu desejo de permanecer
anônima o intrigou, porém foi sua beleza estonteante que o pôs estático. A pele de alabastro
brilhava sob a luz dos castiçais, o traje simples e sem adornos ressaltava os seios generosos e o
colo maravilhoso. Era alta que a maioria das damas presentes, e de muitos homens também;
portanto, foi fácil continuar a segui-la com o olhar. Algo em sua figura lhe era familiar, mas não
conseguia atinar de onde a conhecia. Parecia um sonho de sua adolescência, uma beleza etérea, a
imagem viva da graça, elegância e sensualidade.
— Ouvi dizer que estava aqui, mas precisei me certificar.
Ao se voltar, Phillip deparou com lady Ann Tower, sua ex-amante. Mas seus olhos e sua
mente estavam cativados pela beleza loira no vestido azul e, como era sagaz, lady Tower
compreendeu que o interesse do marquês achava-se muito longe dela. Após algumas palavras
polidas, se distanciou. Decepcionado, Phillip tentou encontrar a bela dama loira no meio da
multidão, mas ela parecia ter evaporado. Serviu-se do champanhe que um criado oferecia
quando, por milagre, viu-se frente a frente com ela.

Querida leitora,
Vire a página e certifique-se de que o destino sempre faz com que as respostas cheguem
até nós. Não importa quanto tempo demore para você obtê-las, mas esteja certa: elas sempre
chegam!
Vivencie cada momento vivido por Phillip e lady Meredith e sinta as emoções à flor da
pele!
Fernanda Cardoso
Editora

Copyright © 2002 by Adrienne Basso


Originalmente publicado em 2002 pela Kensington Publishing Corp.
PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP. NY, NY - USA
Todos os direitos reservados.
Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
Título original: To Protect an Heiress
Tradução: Dorothea di Lorenzi
Editora e Publisher: Janice
Florido Editora: Fernanda
Cardoso
Editoras de Arte: Ana Suely S. Dobón, Mônica Maldonado
Paginação: Dany Editora Ltda.
Ilustração da Capa: Hankins + Tegenborg, Ltd.
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Rua Paes Leme, 524 –10º andar - CEP 05424-010 - São Paulo - Brasil
Copyright para a língua portuguesa: 2004
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Impressão e acabamento: RR
DONNELLEY Tel.: (55 11) 4166-3500
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Capítulo I

Londres, Inglaterra Início do verão, 1802


Não eram murmúrios, pois podiam ser ouvidos com nitidez pelos convidados elegantes
que passeavam no gramado da propriedade da duquesa de Suttington.
— Pode ser herdeira de milhares de libras por ano, mas o conde de Potersville disse que
não se casaria com ela nem que fosse uma princesa de sangue real. Tem um gênio muito forte
para ser uma dama elegante — declarou uma matrona, com veemência.
Sua companheira aprovou com entusiasmo.
— Ouvi dizer que teve a audácia de corrigir o duque de Hastings, na semana passada,
quando o nobre lhe mostrou a mais recente antiguidade que adquiriu. Afirmou que parecia uma
falsificação, e que o duque fora enganado. Que absurdo!
Lady Meredith Barrington, a jovem de dezoito anos de idade e motivo dos comentários
de desaprovação, sentava-se a poucos metros de distância. Afastou os cachos de cabelos
dourados que lhe caíam nos ombros, fingindo indiferença, e determinada a não demonstrar para
as duas mexeriqueiras o quanto suas palavras a magoavam.
A conversa continuou, e Meredith forçou-se a ignorar as críticas, imaginando que não
passavam de sons irritantes, e não maledicências. Sentiu que começava a ficar com dor de cabeça
e desejou voltar para o castelo, longe dos convidados da festa ao ar livre, mas permaneceu onde
estava, trêmula, porém calma.
— E o que mais pode se esperar da filha do conde de Stafford? Ele sempre foi intelectual
e irônico demais para meu gosto. Pode-se desculpar essas características em um homem, mas não
em uma dama.
Meredith ponderou sobre as últimas palavras da senhora, e sua primeira reação foi virar-
se para as duas e dar uma resposta à altura, mas tal procedimento seria escandaloso, e apenas
reforçaria a opinião daquelas mentirosas.
Deus! Será que nunca a deixariam em paz?, pensou, aborrecida. Não bastava ter a fama
de arrogante porque ousava ter opiniões inteligentes que chocavam os cavalheiros? Será que teria
também de sofrer o sarcasmo dos membros de seu próprio sexo?
Meredith sentia-se muito injustiçada. Seu pai era considerado um excêntrico, e ela, uma
pessoa intolerável. Sim, ousara dizer ao duque de Hastings que o frasco veneziano que adquirira
decerto não pertencera ao Papa Pio II, porque Sua Santidade morrera cem anos antes de os
artesãos de Veneza fabricarem aquele tipo de vidro.
Não fizera isso para se exibir nem embaraçar o duque, mas apenas para distraí-lo. O
nobre dera um jeito de ficar a sós com ela, e fizera propostas indecorosas. Assim, Meredith
raciocinara depressa, e concluíra que era melhor arranhar o orgulho dele, e não seu rosto.
Porém, no momento se arrependia de tal decisão, porque, se tivesse lhe dado um tapa, o
duque não iria dizer nada aos amigos. Entretanto, furioso, tratara de se vingar, espalhando aos
quatro ventos a história do frasco veneziano, apenas para ridicularizá-la.
Meredith sentia-se muito infeliz. Iniciara a temporada em Londres com grandes
expectativas. Como a linda filha de um nobre rico, de início fora muito bem-recebida pela alta
sociedade. Entretanto a aceitação logo se tornou desaprovação. E a antipatia era mútua, pois
também detestava a vida social, com suas regras rígidas que excluíam qualquer um que não
pensasse em bloco.
Bem depressa descobrira que aqueles que não aceitavam todas as normas da aristocracia
eram boicotados.
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— Aí está! Estava a sua procura, lady Meredith.


Erguendo o rosto, ela sorriu para Lavínia Morely, a jovem marquesa de Dardington, que
lhe estendia os braços em um gesto gracioso.
— Que bom encontrá-la! — E Meredith abraçou a amiga. — Não sabia se a veria aqui.
— Ah, não perderia esta reunião, meu bem. A duquesa de Suttington é madrinha de meu
Phillip. Ficaria aborrecida se não viéssemos a sua recepção. Assim que chegamos, ela carregou
Phillip para um lado a fim de discutir algum assunto de suma importância. — Sorriu com
benevolência. — Creio que quer falar sobre os cavalos que comprou em Tattersall. A duquesa é
louca por cavalos. Pobre Phillip! Prometi resgatá-lo, se não aparecer dentro de uma hora.
— Você é uma esposa maravilhosa Lavínia. E muito antiquada, visto que está sempre na
companhia do marido.
Lavínia suspirou.
— Somos um par e tanto, não é?
— Sem dúvida. — Meredith inclinou-se e murmurou ao ouvido dela: — Todas as
mulheres aqui presentes a invejam porque tem um marido lindo e totalmente dedicado a você.
Lavínia sorriu de maneira encantadora.
— Bem, nem todas me invejam. Creio que sua mãe também desfruta da devoção total de
seu pai. E estão casados há quase vinte anos.
— Sim, meus pais são especiais em muitos sentidos, incluindo o amor que devotam um
ao outro. Às vezes acho que a alta sociedade não entende nada disso.
— Porque lealdade, devoção e amor verdadeiro são ideais que não possui. — Lavínia
arqueou as sobrancelhas, arregalando os lindos olhos castanhos. — Isso me faz lembrar... Não
me diga que o duque de Hastings ousou se aproximar de novo de você!
Ante essas palavras, Meredith virou-se de modo abrupto.
— Ele está aqui?
— Todos estão, querida.
Meredith conteve uma risada.
— Não saberia dizer. Estou sentada há duas horas, e apenas uma ou duas pessoas me
dirigiram a palavra... Embora falem bastante a meu respeito.
— Mexeriqueiros antipáticos... — Lavínia passou o braço pelo de Meredith. — Sabem
julgar os outros, mas não olham para os próprios defeitos. Sempre à procura de um assunto
suculento e escandaloso. É de enlouquecer!
Nesse momento, as duas senhoras ali perto, que falavam mal de Meredith, acenaram para
Lavínia, convidando-a a se aproximar.
A jovem marquesa semicerrou os olhos, e apenas acenou de volta com frieza, fazendo
Meredith agradecer-lhe em pensamento.
— Venha comigo, Merry. Vamos nos misturar aos demais convidados.
A amizade da marquesa era confortadora, e Meredith agradeceu a Deus por tê-la
encontrado em seu caminho. Fora inesperado e bom revê-la essa tarde. A jovem dama tornara-se
sua amiga com alegria e desinteresse, apenas porque gostava dela.
As jovens damas começaram a circular entre os grupos, conversando sobre o clima, a
linda festa e as últimas novidades. Com Lavínia a seu lado, Meredith logo foi notada, embora os
cumprimentos fossem frios, mas isso não a incomodava.
Logo sentiu-se entediada com as conversas, e precisou se esforçar muito para manter um
sorriso agradável nos lábios. Suspeitava que a amiga também estava farta, mas a marquesa
conseguia aparentar interesse sem parecer condescendente.
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Meredith admirou-lhe o traquejo. Às vezes era complicado lembrar que era apenas um
pouco mais nova que Lavínia, mas por certo o marido adorável que da marquesa dava-lhe muita
segurança.
— O que responde, lady Meredith?
Ela sorriu sem interesse para a senhora baixa e obesa que lhe dirigira a palavra, sem
querer se comprometer. Estivera divagando, e não fazia a menor ideia do que a condessa de
Ridgerfield lhe perguntara.
Tentando pisar em terreno seguro, aquiesceu.
— Concordo...
Lady Olívia Dermott ergueu o monóculo dourado e lançou um olhar de desdém para
Meredith.
— É só isso o que tem a dizer? Considero uma reação chocante por parte de uma jovem
dama.
— Tolice! — Lavínia interveio. — Foi uma reação lógica e honesta. Se nos derem
licença, senhoras...
Meredith seguiu a amiga, percebendo que estava aborrecida.
— Megera! Está com ciúme porque ouviu dizer que Julian Wingate a corteja, Meredith.
Tenta fazer com que ele repare em sua filha, aquela jovem insignificante!
— Era sobre isso que falavam? Julian Wingate? — Meredith quase se alegrou por estar
distraída e não ter prestado atenção à conversa. — Lady Olívia que faça bom proveito. Não
entendo a grande popularidade desse cavalheiro. Considero-o maçante, convencido e negativo
sobre tudo, a não ser sobre si mesmo. Tive de me armar de coragem para não sair correndo todas
as vezes que me procurou.
— A maioria das mulheres o considera irresistível. É incrível que, apesar de não ser
considerada um sucesso na sociedade, já tenha recebido três propostas de casamento, minha cara.
— Quatro, se incluir Wingate. Mas não sou tola, e sei que é a fortuna de minha família
que os atrai. — Meredith riu, apesar da afirmação amarga. — Ainda restam algumas semanas até
todos partirem para o campo ou seguirem o príncipe regente a Brighton. Temo que, até lá, receba
mais propostas.
— Podíamos apostar para adivinhar quantas serão até o final da temporada — replicou
Lavínia, com bom - humor.
Meredith enrijeceu e fitou a amiga, que continuava impassível, mas com um olhar
malicioso. Ambas caíram na gargalhada.
— Precisamos encontrar para você um marido como meu Phillip, Merry, mas nenhum
outro homem é tão perfeito, na Inglaterra.
Como se o tivesse invocado, o marquês de Dardington surgiu a sua frente. Conversava
com um grupo de cavalheiros e, embora não fosse o mais alto, logo chamou a atenção de
Meredith. Possuía cabelos dourados, um perfil nobre, ombros largos e uma grande dose de
carisma, pois todos pareciam beber o que dizia.
Vestia-se de modo mais conservador que os demais cavalheiros, entretanto era o caráter
de Phillip Morely que sempre chamava a atenção de Meredith.
Seus gestos, atitudes e conversa indicavam uma pessoa em quem se poderia confiar em
momentos de dificuldade. Tendo sido criada por um pai que a adorava, mas que nunca fora
muito responsável, Meredith considerava essa qualidade do marquês admirável.
Isso, além do amor e devoção pela esposa, tornava-o um dos poucos cavalheiros da alta
sociedade londrina que Meredith tinha em alta conta.
— Phillip...
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Foi quase um sussurro, mas Meredith sentiu na voz da amiga uma enorme emoção. De
maneira inacreditável, o marquês pareceu ouvir, e voltou-se para Lavínia. Fascinada, Meredith
observou os olhares do casal, até ver Lavínia corar e baixar o rosto.
Meredith também se desviou, pois percebera um intenso desejo físico na expressão do
marquês, e, de certo modo, achou que estava perturbando um instante de intimidade entre os
dois. Isso era ridículo, considerando o número de pessoas que os circundavam.
Mais uma vez, Meredith pôde notar como Lavínia e o marido eram ligados. Voltou-se
para a amiga.
— Estremeceu. Sente frio?
— Não. Foi Phillip. Meu marido me deixa trêmula de emoção a cada vez que o vejo. Não
é incrível?
Na realidade, Meredith achou que a confissão era um tanto exagerada, porém jamais
magoaria a amiga.
— Pegue meu xale, Lavínia. É uma tarde quente, mas a brisa está fria. As mangas
bufantes e curtas de seu vestido não oferecem proteção contra a friagem.
— Obrigada, mas não é preciso.
Meredith suspirou, porém não insistiu, embora a amiga continuasse a tremer. Fingiu
observar a multidão, pois seria indiscrição ficar atenta à paixão de Lavínia pelo marido.
Entretanto, quando a marquesa tornou a experimentar um calafrio, não pôde mais ignorar
a situação.
— Lavínia!
— Muito bem, vou ficar com seu xale.
— Apesar de ambas sabermos que o clima não é o motivo de seus tremores.
— Entretanto, não é bom descuidar da saúde, já que Phillip, de uns tempos para cá, não
perde um único passo meu.
— Por quê? Está doente?
— Claro que não! — Lavínia ajeitou o xale nos ombros.
— Jamais me senti melhor. Todavia, estou em um estado... interessante.
Meredith pareceu não compreender, e repetiu:
— Interessante?
— Bastante.
Meredith franziu a testa, enquanto a amiga a analisava, tentando lhe dizer algo. Por fim,
Lavínia deu risada.
— Para uma jovem tão inteligente, às vezes você é bastante obtusa, querida. —
Pressionou a mão sobre a barriga.
— Estado interessante!
O queixo de Meredith caiu.
— Meu Deus!
Uma expressão sonhadora tomou conta do belo semblante de Lavínia.
— Não é maravilhoso? Um bebê. Há uma semana eu e Phillip sabemos, e estamos muito
contentes. Ainda não contamos a ninguém. É nosso segredo, mas hoje à noite jantaremos com
meu sogro, e estou ansiosa para fazer o comunicado.
Meredith sentiu um nó na garganta.
— Sinto-me honrada por ser a primeira a saber.
— Ora! É minha melhor amiga, Merry! É lógico que iria lhe contar. Sei que será discreta,
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e ainda não estou disposta a falar ao mundo de minha gravidez, embora esteja exultante.
Sorriu e apertou o braço de Meredith.
— As regras sociais em relação às senhoras grávidas são ridículas. Meu médico disse que
passarão vários meses até meu estado ficar evidente. Então, enquanto me sentir disposta, não faz
sentido me privar das festas.
Meredith se alegrou ao ouvir isso. Seria intolerável continuar frequentando as reuniões da
temporada sem a presença de Lavínia.
— Estou felicíssima por você, querida. Será uma mãe maravilhosa.
— Obrigada. — A marquesa franziu a testa. — Deus! Lady Tolliver nos viu e está
acenando. Sei o quanto ela a irrita, Merry; portanto, vou deixá-la agora e irei cumprimentar a
criatura.
— Obrigada, Lavínia. De fato, ela me aborrece.
— Ficará bem sozinha?
Embora sentisse um aperto no estômago ante a perspectiva de ficar sem a companhia da
amiga, Meredith tratou de tranquilizá-la:
— Pare de se preocupar comigo.
— Poderemos nos encontrar mais tarde, junto ao caramanchão do lago. Dentro de uma
hora?
— Combinado.
— Pegue seu xale. — Assim dizendo, Lavínia fez menção de tirá-lo dos ombros.
— Não. Trate de usá-lo. — Meredith piscou. — Afinal, precisamos cuidar de sua saúde.
A marquesa assentiu e se afastou. Suspirando, Meredith voltou-se e abriu a sombrinha, a
fim de se proteger do sol. Não se preocupava muito em expor o rosto aos raios fortes, mas era
uma maneira de se ocultar dos olhares maliciosos.
Tentando controlar o nervosismo, começou a passear pelo gramado, como muitos outros
convidados.
— Lady Meredith! Que agradável surpresa!
Lorde Jonathan Travers atravessou-se no caminho, impedindo-lhe a passagem. Duas
grandes árvores os circundavam, de modo que Meredith viu-se presa. Hesitante, retribuiu o
cumprimento do jovem cavalheiro.
Embora muitos de seus admiradores já tivessem desistido de persegui-la durante a
temporada social, alguns ainda a consideravam um desafio, ou sentiam-se curiosos a seu
respeito.
Ainda não descobrira a motivação de lorde Travers para buscar sua companhia. Era um
rapaz sério, que respeitava a opinião alheia, e estava sempre pronto a enfrentar as conversas mais
tediosas.
Meredith decidiu que havia coisas piores que a companhia do lorde, e resolveu ser gentil,
sabendo que logo poderia dar uma desculpa e desaparecer.
— Está se divertindo, milorde?
— Mais ainda agora que a encontrei, lady Meredith.
Ela lhe ofereceu um sorriso distante, evitando encorajá-lo. A última coisa que desejava
ouvir era outra proposta de casamento.
Mas logo percebeu que era fácil fazer Travers discorrer sobre outros temas. Tratou de
ficar quieta, porque em geral discordava das ideias do nobre.
Com os dedos apoiados de leve no braço que ele lhe oferecera, pôs-se a caminhar pelo
gramado.
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Foi quando um grito agudo interrompeu a conversa. Era a voz de uma mulher apavorada.
— Jesus! — Meredith olhava na direção do som. — O que foi isso?
Lorde Travers empalideceu.
— Parecia um animal acuado.
— Não pode ser. Era uma pessoa.
Sem demora, Meredith começou a seguir os convidados que corriam pelo gramado,
penetrando no bosque. Homens gritavam e davam ordens, e apenas algumas mulheres curiosas se
aventuravam com o grupo. Meredith percebeu que todos se dirigiam às pressas para o lago.
De repente, seu coração acelerou, e começou a correr. Deveria se encontrar com Lavínia
junto ao lago dentro de quinze minutos. Nesse mesmo instante, a visão terrível de um corpo
feminino na margem a paralisou.
Deixou cair a sombrinha, ergueu as saias e tratou de correr, abrindo caminho entre a
multidão de convivas.
Quando chegou à margem barrenta, suava frio e sentia os pulmões em chamas.
— O que aconteceu?
— Parece que houve um acidente — disse alguém.
— Com quem? — gritou um homem. — Quem se feriu?
— A marquesa de Dardington. Seu marido já está com ela.
"Não!" Meredith começou a tremer da cabeça aos pés. Por um instante não conseguiu se
mover nem raciocinar. Então, reunindo todas as forças, abriu caminho.
Sentiu que alguém tentava detê-la, mas desvencilhou-se com um gesto abrupto e deparou
com um pesadelo.
Deixou escapar um gemido abafado. Ali, na grama, perto do caramanchão, jazia uma
mulher, com vestido cor de lavanda de mangas bufantes.
Engoliu em seco e tratou de controlar o tremor. Dando um passo à frente, aproximou-se
mais do corpo inerte, circundado por três homens.
Estavam silenciosos, e Meredith rezou para manter a calma. Lavínia gostaria disso,
refletiu, logo percebendo que era um pensamento ridículo.
Ajoelhou-se ao lado da amiga e fitou o marquês, que segurava a mão da esposa.
Ficaram todos assim, por um espaço de tempo que não se poderia definir. Meredith
observou as feições contidas de Dardington, que continuava calado, enquanto os convidados se
aproximavam, falando sem parar.
— Que trágico acidente! Quebrou o pescoço... Deve ter escorregado e caído. Foi uma
queda fatal.
— Talvez tenha se assustado com alguma coisa — murmurou alguém. — Se não por que
teria gritado?
— Sim. Um susto explicaria a queda e o grito — comentou um terceiro convidado. —
Pode ter sido um animal.
— Não existem feras selvagens por aqui.
As especulações sussurradas continuaram, mas Meredith não as ouvia.
Fitou de novo o marquês, e foi tomada pela dor. O rosto de Phillip refletia um enorme
sofrimento, misturado com o espanto, e pôde ver uma lágrima rolando por sua face.
Estendeu a mão trêmula e segurou o xale que ainda envolvia os ombros de Lavínia. Em
estado de estupor, lembrou que a amiga se recusara a usá-lo, dizendo não ser necessário.
"O bebê!" Visualizou Lavínia rindo, feliz, com a grande novidade. Deus! A criança não
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viria ao mundo!
Em pranto, Meredith ergueu a cabeça. O marquês a fitava, atônito.
Incapaz de se conter por mais tempo, ela enfiou a ponta do xale na boca, e tentou acalmar
os soluços que a faziam estremecer.

Escondido pelas árvores, o homem observava a cena do lago. A respiração era


entrecortada, e o pulso batia forte com uma estranha satisfação. Cerrou os punhos e fitou aquela
gente, meneando a cabeça.
Estava perto o suficiente para escutar os comentários e palpites. Fizera bem seu trabalho.
Estavam todos convencidos de que fora um acidente, um golpe cruel do destino.
Tinha sido difícil, mas conseguira fazer sua tarefa sem selvageria. A jovem mal tivera
tempo de se apavorar quando as mãos fortes circundaram seu pescoço.
Os olhos meigos se arregalaram, surpresos, cheios de pânico e dor, mas logo perdera a
consciência, e bastara um movimento rápido para quebrar-lhe o pescoço.
Para ele, matar era uma compulsão, uma necessidade como comer, beber e respirar.
Havia muito desistira de compreender seus próprios impulsos, pois sempre tinham feito parte de
sua vida, embora escondesse isso muito bem do mundo ao redor.
Aquela dama não era como suas vítimas habituais. Pertencia a uma classe social
diferente. Preferia as jovens balconistas das lojas em Bond Street ou as empregadas de tabernas.
Moças trabalhadoras que lutavam pela vida.
Entretanto essa dama fora escolhida por um motivo muito especial.
Aos poucos o homem ia recuperando a serenidade, à medida que a onda de excitação o
abandonava. Permaneceu observando a cena de morte mais adiante e regozijou-se. Então, fitou a
jovem inclinada sobre o cadáver. Ela levantou a cabeça, fazendo-o prender a respiração.
Impossível! Acabara de matá-la! Piscou diversas vezes e afastou um ramo de árvore para ver
melhor. Não havia engano. A mulher que soluçava junto à moça morta era lady Meredith
Barrington.
Aturdido, ele percebeu que não observara bem o rosto de sua vítima. Fixara-se apenas no
xale que usava, desde o início da festa, e a perseguira com paciência, apenas perdendo-a de vista
por alguns minutos. Quando por fim a viu só, atacou por trás, fazendo-a voltar-se e fitá-lo só no
último instante, para que pudesse gozar o momento final. No entanto, a excitação não lhe
permitira atentar para suas feições. Junto ao lago, lady Meredith tornou a baixar o rosto, as mãos
segurando o ventre, como para conter a dor. Foi quando o homem sentiu que a raiva em seu peito
diminuía. Ela estava sofrendo, refletiu, penando muito, e talvez isso fosse ainda melhor que a
morte. Se a tivesse matado, teria sido uma leve punição para seu pecado. Mas a morte por
engano de alguém que lhe era tão querida a faria sofrer, chorar se angustiar por muito tempo.
Deixou escapar um suspiro e alegrou-se com a virado do destino. Talvez as coisas não
tivessem ocorrido como planejara, mas ficara satisfeito com o resultado.
Pelo menos por enquanto.

Capítulo II

Londres, Inglaterra
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Oito anos mais tarde

— Pensei que já tivessem compreendido que é tolice apostar se não possuem dinheiro
para paras as dívidas — disse com severidade lady Meredith Barrington.
Tratou de franzir o cenho para mostrar sua desaprovação, e fitou os dois jovens
cavalheiros escarrapachados em seu sofá de brocado, na sala íntima. Eram ambos idênticos, com
feições másculas e bonitas, e dois pares de olhos do mesmo tom de verde a fitavam, enfastiado.
Meredith esperava que seu sermão provocasse arrependimento ou remorso, mas parecia
em vão.
Com um suspiro, admitiu que seus irmãos mais novos já não eram os meninos humildes
que baixavam a cabeça quando ela falava. Os braços, outrora longos e magros, estavam cheios de
músculos cobertos com as melhores roupas que Weston poderia produzir.
E quando não levavam admoestações da irmã mais velha, os olhos verdes brilhavam de
animação e paixão pela vida. Como seus pais se achavam ausentes, viajando fazia vários meses
pelo mundo, Meredith se sentia responsável pelos dois.
Os gêmeos Jason e Jásper eram os homens mais irritantes e encantadores de toda a
Inglaterra, e responsáveis pelos dois fios de cabelos brancos que Meredith descobrira ao se
pentear nessa manhã.
— Não entendo por que está tão zangada. — Jásper passou um braço pelo encosto do
sofá. — Não se trata de uma aposta muito alta.
— E nem a perdemos — acrescentou Jason.
— Ainda não — corrigiu-o Meredith, voz severa.
Cruzou os braços sobre o peito, e tratou de se empertigar, ficando ainda mais alta do que
era. Porém, nenhum dos irmãos a fitava nesse instante, e o efeito se perdeu.
— Eu disse a vocês, algumas semanas atrás, que não iria falar com o contador de papai,
nem emprestaria meu parco dinheiro.
— Parco! — Jásper mudou de posição, com gesto brusco. — Meu Deus, Merry! Você
tem mais dinheiro que qualquer um que conheço, homem ou mulher. Aposto que teria meios de
emprestar recursos ao Banco da Inglaterra, se fosse preciso.
Jason esfregou o queixo.
— Jásper, essa é uma instituição financeira sólida. Merry é rica, mas não tanto para
emprestar ao banco... Ou quem sabe sim? Desafio muito interessante, irmão. Aceito!
— Céus! Parem com isso!
Era frustrante. Será que os irmãos jamais aprenderiam? Amava-os de todo o coração, mas
não era cega para seus defeitos.
Aos vinte e dois anos, os gêmeos eram cavalheiros elegantes, mimados, audaciosos e
egoístas, e seus pais em nada ajudavam para controlá-los. O conde e a condessa com frequência
deixavam o país atrás de relíquias e escavações. E mesmo quando em Londres não sabiam
controlar os filhos. Milorde achava que, com a idade, os rapazes aprenderiam suas lições;
portanto, permitia que vivessem como entendiam e jamais os censurava.
De início, Meredith tentara seguir essa filosofia, mas logo descobriu que se permitissem
tudo aos irmãos eles iriam se transformar em pessoas sem freios pelo resto de seus dias.
Tentara ser uma boa influência, porém cada vez mais isso se tornava uma tarefa muito
difícil. Já não a ouviam com a atenção de antes, como quando ainda eram meninos.
Quanto mais cresciam, mais rebeldes se tornavam. A cada crise, Meredith prometia a si
mesma não voltar a se intrometer, mas não conseguia.
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Em parte culpava-se pela atual situação, porque sempre protegera os irmãos. Eles sabiam
que, se as coisas se complicassem, podiam obter apoio na irmã mais velha, e assim Meredith se
tornara seu anjo vingador.
Todavia, amava-os muito, e sabia ser amada por eles também, embora nesse exato
momento isso fosse difícil de acreditar.
— Nunca cesso de me admirar de que, apesar de suas constantes apostas, estão sempre
sem um tostão — afirmou, com sarcasmo.
— É uma maré de azar — declarou Jásper.
Ele era mais velho que Jason por questão de minutos, portanto, o herdeiro ao título do
pai, e isso o fazia digno de mais privilégios.
— Semana passada ganhei um par de baios maravilhosos de lorde Darby — continuou
Jásper — apenas porque tinha cartas melhores no jogo. Foi o assunto do clube durante semanas.
— E três dias depois ganhei os cavalos de Jásper também no jogo. — Jason sorriu com
satisfação.
— Você trapaceou, embora eu não possa provar. Tenho certeza de que marcou as cartas.
— É um mau perdedor, irmão. Detesta admitir, mas jogo melhor, e sempre foi assim.
— De jeito nenhum! Só vence quando trapaceia.
Jason deu de ombros sem insistir, e essa aceitação fez Meredith pensar que devia ter
trapaceado mesmo. Apenas esperava que só fizesse isso com Jásper, e não com outras pessoas.
Assim a trapaça ficaria em família.
Apesar de idênticos no físico, os dois rapazes possuíam personalidades bem diversas.
Jason era mais simpático, sempre sorridente e afoito, o que deixava a irmã bastante preocupada.
— Se os cavalos são assim preciosos, seria melhor que os vendesse para cobrir suas
dívidas de apostas.
— Impossível. Jason os perdeu ontem à noite, em outro jogo de cartas.
— Meu Deus! — Meredith se deixou cair em uma poltrona. — Os pobres animais estão
mudando de dono com uma velocidade incrível. Será que vocês pensam um pouco em seu bem-
estar?
Os dois a fitaram com ar curioso.
— Ora! Estão sendo alimentados com os melhores grãos, abrigados nas mais limpas
estrebarias, e se exercitam todos os dias — alegou Jásper. — Creio que os mendigos de Londres
gostariam de ficar em seu lugar.
— Comentário de extremo mau gosto, rapazinho.
Mas logo Meredith percebeu, ante o olhar vazio do irmão, que não era momento de fazer
uma preleção sobre os deveres de um cavalheiro rico para com os menos privilegiados.
— Poderemos discutir suas posições políticas e sociais em outra ocasião, Merry. —
Jásper a fitava com carinho. — Mas primeiro temos de conversar sobre um problema mais
premente, de natureza pessoal.
Meredith arqueou uma sobrancelha. Talvez subestimasse a esperteza dos garotos, pois
pareciam conhecer suas opiniões, apesar de não compartilhá-las.
— Já disse que não emprestarei dinheiro, e não mudarei de ideia por mais eloquentes que
vocês sejam. Portanto, nada há a discutir.
Meredith se pôs de pé e caminhou para o outro lado da sala, mantendo-se de costas para
os irmãos, pois quando os dois lançavam seus olhares tristes e ansiosos, era difícil resistir, e
estava disposta a não ceder dessa vez.
— Não queremos seu dinheiro! — Jásper se indignou. — Sem dúvida não entendeu a
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Basso

situação.
— Viemos pedir sua ajuda para recuperar os baios, Merry. Pode, pelo menos, ter a
bondade de ouvir nosso plano antes de nos dar as costas?
Meredith respirou fundo e deixou pender os ombros em um gesto resignado.
— Vamos recapitular. De início, Jásper ganhou os animais de lorde Darby, depois foi a
vez de Jason, que em seguida os perdeu para outro jogador. — Esfregou as têmporas em um
esforço para entender a situação complicada. — Não sei o que posso fazer, pois nem ao menos
jogo pôquer.
— Não seja ridícula, Meredith!
— Bem, foi só um comentário irônico.
— Está certo.
Fez-se silêncio. Meredith ergueu o rosto para o relógio de porcelana sobre a lareira e
contou até dez.
— Só queremos que nos ouça. Com a mente aberta. Por favor?
De má vontade, Meredith virou-se devagar, e foi recebida por dois sorrisos encantadores.
Cerrou os dentes, lutando para não ser vencida pelo duplo charme.
Jason fez um gesto para que se sentasse a seu lado no sofá e, rígida, ela obedeceu.
— Muito bem, falem logo. Sei que não terei paz até que me contem seu plano. — Com
gesto recatado, cruzou as mãos sobre o regaço. — Estou ouvindo.
Jason inclinou-se para frente, ansioso.
— Planejamos algo para garantir nossa vitória. Só pedimos uma mãozinha.
— Dessa vez meu irmão não exagera — disse Jásper. — Teremos de fazer pouca coisa
para vencer, e acabaremos não só de posse dos cavalos como também de uma bela soma em
dinheiro.
— Mais do que o suficiente para nos mantermos até a próxima mesada.
— Tenho medo de perguntar, mas com quem foi feita a aposta dessa vez? — sussurrou
Meredith.
— Com o marquês de Dardington — disseram os gêmeos ao mesmo tempo.
As faces de Meredith ruborizaram, e sentiu dificuldade em respirar. O marquês de
Dardington! A última vez que vira Phillip Morely fora no funeral de Lavínia, oito anos antes. O
nobre permanecera ao lado do caixão negro sem um único sinal de emoção no rosto bonito.
Meredith jamais esquecera a tristeza desse dia. Usara um véu negro a fim de esconder as
lágrimas que não cessavam de escorrer por seu rosto.
Aos poucos o tempo fizera a dor diminuir, mas ela sabia que sempre lamentaria a perda
da grande amiga.
Naquela ocasião, quando fez sua aparição na alta sociedade, Jason e Jásper estavam no
colégio, em Eton, e desconheciam a amizade da irmã com Lavínia Morely. Decerto tinham
ouvido falar da tragédia que se abatera sobre a jovem marquesa, porém ignoravam o impacto que
isso tivera na vida de Meredith.
Logo após o funeral, o marquês desapareceu da sociedade, e diversos boatos correram a
respeito de seu destino. Alguns diziam que ingressara no exército, outros alegavam que se
fechara em uma das propriedades do pai e quase enlouquecera de dor. E havia até quem
afirmasse que se suicidara em um momento de desvario.
Mas tudo isso era tolice, lógico. Phillip ressurgira para o mundo dois anos depois e tornara-
se figura constante entre os aventureiros e libertinos que pertenciam a um meio um tanto afastado
da alta sociedade. Muitas vezes Meredith se perguntara como reagiria se voltasse a vê-
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Basso

lo, mas seus caminhos jamais tornaram a se cruzar.


A cada nova temporada social, Meredith frequentava um número menor de festas, e
parecia que o marquês agia da mesma forma. Tudo levava a crer que preferia a companhia de
cavalheiros e de mulheres conhecidas por sua beleza, mas não por sua reputação.
Meredith se surpreendeu ao saber que Phillip fazia parte das amizades dos gêmeos, e
imaginou o que um homem vivido como o marquês poderia ter em comum com seus irmãos
estróinas.
Tentou controlar as emoções, mas quando falou a voz soou baixa:
— Sei que o marquês tem uma reputação de jogador e dissoluto, mas não é tolo. Por que
apostaria com vocês?
— Porque não sabe o quanto somos espertos. — Jason deu um tapa na própria coxa. —
Essa é a beleza de nosso plano. Quando Dardington descobrir que o fizemos de bobo, será tarde
demais. A aposta estará perdida, e estaremos de posse do prêmio.
Meredith duvidava muito disso, mas tinha de se inteirar dos detalhes do plano; portanto,
manteve seu julgamento para si mesma.
— Essa aposta trata do quê? Uma corrida de cavalos?
— Não somos idiotas para aceitar competir em uma corrida com Dardington. — Jason
meneou a cabeça. — Jamais ouvi dizer que tivesse perdido uma. É um cavaleiro de nervos de
aço, e seus animais são imbatíveis.
— E quando se trata de corridas de carruagens, certa vez o vi equilibrar a sua sobre duas
rodas, quando fazia uma curva, e ultrapassar o concorrente.
Sem dúvida os gêmeos admiravam Dardington, e isso deixou Meredith ainda mais aflita.
O marquês, depois que retornara ao convívio social, estava longe de ser a companhia ideal para
aqueles dois.
— Quer dizer que não se trata de uma corrida. Bem, digam logo o que é.
— Mulheres. — Jason esboçou um sorriso maroto.
— Mulheres! Pior ainda. Quando se trata do sexo frágil, o marquês é muito mais
experiente que vocês, seus tolos!
— Acontece que Dardington acha que sabe mais. — Jason parou de falar por um
instante, e escolheu bem as próximas palavras: — Quando o assunto veio à baila ontem...
— Um debate sobre mulheres? — sussurrou Meredith.
Parecia que a conversa iria enveredar por um caminho delicado e embaraçoso. Embora
não se considerasse uma puritana, existiam temas que preferia evitar nas discussões com os
irmãos menores.
— A conversa abordou damas solteiras, em especial as solteironas — explicou-lhe
Jásper. — Dardington insistiu que uma solteirona sempre é fria, e discordei.
— Eu também. Como todos que ali estavam começaram a externar suas opiniões, o
marquês sugeriu uma aposta. Afirmou que seria impossível ser beijado com paixão por uma
solteirona, mas se conseguíssemos demonstrar que está errado no prazo de uma semana irá pagar
quinhentos guinéus a cada um.
— E se a mulher for bonita, dará os baios como brinde — concluiu Jásper, com um
sorriso ansioso. — Jason perdeu os animais para Dardington, é bom esclarecer.
Meredith quase suspirou de alívio. Decerto o marquês zombava dos rapazes.
— Não é muito difícil fazer uma mulher, solteira ou não, ser induzida a beijar um
libertino sem moral e cheio de espertezas. Todo o mundo sabe que esse tipo de homem é
experiente nas artes do amor e, dada a oportunidade, perseguirá qualquer rabo-de-saia, mesmo
uma puritana.
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— Mas para vencermos a aposta é preciso que a mulher em questão persiga o cavalheiro.
Deve ser ela a tomar a iniciativa do beijo. É essa a essência da aposta.
Jason aproximou-se mais da irmã.
— E deve ser um beijo de verdade, quente e apaixonado, sem inibições.
— Parece que pensaram muito no assunto. É terrível saber que homens bem-nascidos,
ricos e inteligentes dedicam suas noites a esse tipo de tolice. Garanto que mais ninguém pensaria
em beijos entre libertinos e solteironas.
— Alguns dos apostadores acharam que seria preciso mais do que um beijo para vencer a
aposta, mas...
Jason interrompeu o irmão com um olhar de repreensão, e Meredith sorriu ao imaginar o
que o caçula pretendera dizer.
— Acham que devo elogiá-los por terem mantido a aposta apenas no beijo?
— Será apenas uma diversão inocente que não irá magoar ninguém — insistia Jásper.
— Não sei se a pobre mulher que vocês têm em mente pensará da mesma maneira.
Meredith sempre soube que o livro de apostas do Clube White estava repleto de ideias
ridículas como, por exemplo, qual a cor do casaco do terceiro cavalheiro a entrar na sala, a hora
exata em que a chuva começaria a cair em uma determinada tarde, o número certo de moscas na
parede. Entretanto, essas disputas absurdas enchiam a vida de muitos cavalheiros londrinos.
— Ninguém se magoará, Merry. Em especial se nos ajudar — continuou insistindo.
Meredith empalideceu ao ouvir Jásper.
— Esperam que eu encontre e convença uma pobre mulher a ajudá-los a vencer essa
aposta ridícula? Perderam o senso de decência?!
— Você não compreendeu nada. — Jásper se ergueu do sofá. — Jamais lhe pediríamos
para procurar alguém.
— Nunca. — Jason também se levantou, ficando ao lado do irmão.
Meredith os estudou por um longo momento, e quando percebeu que eram sinceros sua
revolta arrefeceu.
— Então o que pretendem de mim?
Mirou-os com expressão confusa, e viu que desviavam o olhar, coçando a cabeça e o
queixo, e uma suspeita terrível começou a invadi-la.
— Eu! Serei eu a solteirona da aposta!
— Não fique tão aborrecida. É um plano perfeito e inteligente. Dardington jamais
suspeitará de você.
— Nunca — repetiu Jason. — Aliás, nem sei se tem conhecimento de que você é nossa
irmã. E o melhor é que toda a sociedade a considera uma bela mulher, por isso Dardington terá
de nos dar os cavalos também.
— É assim que me vêem? Uma linda solteirona?!
— Por favor, Merry, jamais a chamaríamos assim. — Jásper a encarava com fingida
inocência. — Porém, deve reconhecer que já passou da idade do casamento, e parece pouco
provável que isso venha a acontecer algum dia.
Meredith sentiu um frio na espinha dorsal. Era verdade. Tinha vinte e seis anos, passara
da idade considerada casadoura, e continuava solteira. Mas fora por livre e espontânea vontade.
Perdera a conta dos homens que lhe haviam proposto casamento ao longo dos anos, e que
rejeitara. Mesmo no ano anterior o conde de Monford decidiu se declarar. Era um nobre
abastado, de cinquenta anos, e com um título muito respeitável. Meredith foi gentil e atenciosa
ao recusá-lo, evitando dizer que o considerava maçante ao extremo.
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Meredith sempre soube que era diferente das outras damas de seu nível.
De início isso a deixara confusa, mas ao longo dos anos aprendera a valorizar sua
liberdade e independência. Costumava repetir isso com frequência e era sincera. Além do mais, a
opinião dos outros pouco lhe importava.
Contudo, nesse momento, sentia-se muito magoada por constatar que os irmãos a
julgavam uma solteirona.
— Pensamos que iria achar a aposta divertida.
— Sim — corroborou Jásper. — Achamos que ia dar boas risadas.
Meredith tratou de se conter e descobrir nessa aposta absurda a diversão que seus irmãos
viam.
— Já que decidiram que sou a solteirona ideal, presumo que também saibam quem
deverei beijar.
— Nunca permitiríamos que beijasse alguém que não aprovamos!
— Muito confortador, Jásper. Fico feliz por ver que dão valor a minha dignidade e
reputação. Isso aquece o coração de uma irmã mais velha. Digam, quem seria o felizardo?
Esperou em silêncio, e começou a sentir uma garra de ferro apertando-lhe o peito,
enquanto os gêmeos permaneciam calados e com olhar distante.
— Foi Dardington quem propôs os termos da aposta. Achamos que ninguém melhor do
que ele para ser o homem que irá beijar.
— Muito sensato, Jásper. Parabéns por sua imaginação. Se o marquês de Dardington for
o objeto do beijo, não haverá como contestar que vocês venceram. Estava imaginando como
iriam provar que o beijo de fato se concretizou, pois sem dúvida isso não irá acontecer em
público. — Respirou fundo. — Entretanto, sinto-me obrigada a apontar algumas falhas em seu
engenhoso plano. Por exemplo, o que acham de eu me negar a beijar o marquês?
Jásper e Jason entreolharam-se, apreensivos, o que alegrou Meredith. Parecia que não
tinham cogitado sobre essa Possibilidade.
— Bem... Dardington é bonito, elegante... — Jason gaguejou e olhou para o irmão.
— Tenho certeza de que não será desagradável.
— Mas pode escolher outro — sugeriu Jason. — Contanto que seja um jogador. Conhece
algum?
— Meu Deus! Como uma mulher empoeirada, no fundo da prateleira, poderia conhecer
um jogador aventureiro? — dardejou Meredith, sarcástica.
O embaraço dos gêmeos era visível, e apesar de isso provocar uma perversa satisfação na
irmã, não dirimia sua mágoa.
— Tem razão, Merry. Pedimos desculpas.
— É claro, Jason! — Meredith alisou as dobras da saia com gestos nervosos.
Tentou se agarrar à raiva, mas o remorso foi mais poderoso. A estratégia dos irmãos
podia ser revoltante, mas fizera coisas muito mais audaciosas ao longo dos anos para protegê-los
do que tão-só beijar um cavalheiro.
— Em vez de continuar com essa farsa ridícula, por que não me deixam comprar os baios
do marquês? Tenho certeza de que Dardington aceitará um preço justo por eles. Por certo
manterei os animais sob meu controle para que não voltem a ser trocados de mão em mão, mas
ficarão aqui em Londres, a sua disposição, quando desejarem usá-los.
Os gêmeos pareceram aturdidos com a sugestão.
— Os cavalos fazem parte de uma aposta, Merry. Não é possível comprá-los!
— Por que não?
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— Porque é contra a ética — explicou-lhe Jason.


Meredith meneou a cabeça, confusa e surpresa. Para ela a discussão já fora encerrada. Em
um momento de fraqueza, oferecera-se para comprar os cavalos que os irmãos tanto desejavam,
mas eles rejeitaram sua proposta, alegando um código masculino antigo de honra entre jogadores
que não compreendia.
Erguendo-se, dirigiu-se até a porta da sala, parou e falou para os dois:
— Sugiro que comecem a procurar uma maneira de pagar essa aposta, porque tudo leva a
crer, lamento dizer, que serão os perdedores.

Capítulo III

— O que está fazendo? — perguntou a ruiva sensual, voltando a cabeça no travesseiro,


toda lânguida.
Phillip Morely, o marquês de Dardington, pareceu enrijecer ao som da voz. Mas logo
continuou a vestir a calça preta e elegante, esperando que, se a ignorasse, Melody ficaria em
silêncio.
— Querido, volte para a cama! Faltam muitas horas para o amanhecer, e meu abominável
marido só chegará de manhã.
Phillip ergueu o rosto e observou a mulher nua, deitada sobre os lençóis. Lady Melody
Ramsey era uma visão e tanto, com sua cabeleira cor de fogo, o rosto corado e a pele sedosa. Dizia-
se em sociedade que era capaz de satisfazer qualquer desejo secreto dos homens. Depois dessa
noite, Phillip sabia que não era exagero.
Lady Ramsey possuía uma vasta experiência sobre os deleites sensuais. Era cheia de
imaginação, agressiva e muito sedutora. Então, por que estava com tanta pressa de ir embora?,
perguntava-se o marquês.
— É tarde, Melody. — Sorriu com delicadeza, esperando evitar uma cena. — Estou
cansado.
Olhou para todos os lados em busca das roupas. Vislumbrou o colete com fios prateados
e a camisa de linho sobre uma cadeira, mas não conseguiu enxergar as meias e os sapatos.
— Irá me magoar se for embora tão cedo, Phillip. — Ergueu-se, rápida, e dirigiu-se até o
marquês, os seios fartos balançando a cada movimento.
Phillip riu, apesar de um pouco aborrecido. A mobilidade atlética de Melody era um dos
motivos para considerá-la uma parceira extenuante. Seu apetite sexual também parecia não ter
fim.
Para um cavalheiro que passara os últimos oito anos da vida tentando esquecer e vivendo
cada minuto como se fosse o último, lady Ramsey era a parceira ideal. Como a maioria das
mulheres com quem tinha intimidade, solicitava pouco esforço de sua parte. Nada de palavras
doces ou grandes gestos de sedução. Entregava-se logo, de boa vontade, e era isso o que ele
desejava. Nada mais.
Entretanto, após passar duas noites em seus braços, Phillip sentia-se inquieto e quase
entediado, embora parecesse absurdo ante uma amante tão experiente.
Melody pressentiu a indiferença e fez uma pose provocante. Por instinto, Phillip olhou
para o outro lado, receando que ela fosse se atirar sobre ele.
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Mas Melody estendeu-lhe as mãos, graciosa, os olhos brilhantes. Tocou-lhe o tórax com
a ponta dos dedos e começou a deslizá-los para baixo, provocante. Com habilidade, principiou a
desabotoar-lhe a calça, e Phillip imaginou que desculpa gentil daria para escapar daquela
situação sem ofendê-la.
Porém a bela marquesa não lhe deu tempo para mudar de ideia. Os movimentos
sincronizados e hábeis logo o deixaram excitado outra vez.
— Parece que não está assim tão cansado — murmurou Melody, rouca.
Phillip cerrou as pálpebras, entregando-se à onda de prazer que o invadia enquanto lhe
ocorria que, após a nova rodada de sensualidade, Melody adormeceria, e poderia escapar sem
problemas.

— Está atrasado.
Forçando-se a manter a polidez, Phillip afirmou, com calma:
— Sim, tem razão. Deseja que me retire? — Adotou uma postura casual, e esperou.
O duque de Warwick, seu pai, lançou-lhe um olhar gélido.
— Sente-se. Levou três dias para atender a meu chamado. Só Deus sabe quando retornará
se o mandar embora agora.
Decidindo que era melhor não provocá-lo, Phillip aquiesceu, embora se admirasse da
complacência do duque. No passado, as discussões entre os dois costumavam ser acirradas,
como bem lembrava.
Acomodou-se em uma poltrona de espaldar alto, perto da lareira, mas logo ficou inquieto.
Embora quase nunca visse o pai, parecia que, a cada vez, o duque se tornava mais mal-humorado
e petulante.
— Está uma linda tarde — disse o marquês, tentando entabular uma conversa polida. —
Notei muitas folhas verdes ao seguir por Hyde Park. Quem sabe a primavera chegará logo.
— Não o chamei aqui para discutir o clima.
— Só quis ser simpático, pai. É tão raro conversarmos que me pareceu de bom-tom
iniciar nosso diálogo de maneira educada e gentil.
O duque resmungou.
— É mesmo a pessoa indicada para uma conversa de salão. Os rufiões e aventureiros com
quem convive não distinguiriam uma conversação educada de um grito de guerra.
— E aí reside a essência de seu charme.
Phillip cruzou as longas pernas e esperou. Não cairia na armadilha do duque.
— Já comeu?
Dessa vez Phillip piscou, espantado, e foi o suficiente para o duque fazer um aceno de
compreensão. Mas, em vez de tocar a campainha chamando um criado, encaminhou-se para a
porta e abriu-a. Um lacaio à entrada fez uma mesura discreta.
— Diga ao cozinheiro que o marquês tem fome. Quero uma refeição aqui bem depressa.
Uma combinação de pratos quentes e frios será conveniente, mas inclua uma torta de limão como
sobremesa. É a favorita de meu filho. Ah! E diga a Harper para trazer mais uma garrafa de vinho.
O serviçal fez uma mesura e se retirou para cumprir as ordens.
— Obrigado, senhor. — Phillip ficou desconfiado. Tanta consideração por parte do pai
fazia-o estranhar suas intenções, mas não deixava de sentir uma ponta de remorso por ter sido
irônico. — De fato, estou faminto.
— Duvido que se lembre da última vez que fez uma refeição decente. — O duque foi se
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sentar perto da poltrona do filho. — Não sei por que insiste em morar naqueles cômodos
apertados em St. James Street, quando possui um belo lar aqui com todo o conforto.
— Estou satisfeito no lugar onde moro. Os cômodos, como diz, são satisfatórios.
— Mas insisto que aqui estaria melhor. Se morasse bem teria uma vida mais saudável.
Está magro demais.
Phillip admitiu que o pai tinha razão. Perdera peso no inverno, depois de uma forte gripe,
mas resolveu manter um ar despreocupado.
— Um homem elegante não pode ter uma pança, meu pai. Arruinaria o caimento de um
bom colete.
— O príncipe regente é gordo e se julga um grande conhecedor da moda.
Phillip sorriu, divertido.
— É verdade. Mas ouvi dizer que não fecha o último botão do colete, a menos que esteja
usando um espartilho.
— É sempre um tolo, não importa o que vista.
O marquês imaginou se a desaprovação do duque se referia apenas ao regente, ao filho,
ou uma combinação das duas coisas.
Fez-se silêncio na sala, e Phillip aguardou com paciência que o pai revelasse o motivo de
tê-lo convocado ali. Sabia que isso só aconteceria quando o senhor idoso assim decidisse.
Apesar da idade, o duque de Warwick era ainda uma figura imponente e aristocrática,
muito alto e com uma voz autoritária que fazia tremer os criados.
Quando criança e adolescente, Phillip temera o pai; na idade adulta, passara a respeitá-lo
e admirá-lo. Entretanto esse sentimento também mudara em sua vida, após a morte de Lavínia.
— Não vou incomodá-lo perguntando por que não aparece em minha casa há tanto
tempo, Phillip. Sei muito bem que gasta seus dias, suas noites e seu dinheiro em desregramentos.
Tremo ao imaginar o nível de depravação a que chegou. — Balançou a cabeça. — Bebida, jogo e
mulheres... Nasceu em berço de ouro, mas persiste em viver como um joão-ninguém, sem
propósito, freios e moral. Criei você para ser um nobre, uma personalidade da realeza, mas
arruinou meus esforços.
Com olhar penetrante observou Phillip, que, inteligente que era, mantinha-se calado.
— Esperava mais de meu filho, mas você decidiu se isolar do mundo... e de mim.
Phillip cerrou os punhos, mas tratou de manter a calma. Haviam discutido esse assunto
muitas vezes, e o resultado era sempre o mesmo: continuava a levar a vida que queria, e o pai
persistia em recriminá-lo.
— Não está sendo coerente, milorde. Acusou-me de ser licencioso e aventureiro, e só
posso agir assim se me lançar no mundo. Portanto, não sou um recluso.
A resposta agressiva fez o duque perder a paciência, mas antes que tivesse tempo de
retrucar ouviu-se uma leve batida na porta.
— Entre — comandou Warwick.
O mordomo surgiu, seguido de uma procissão de criados, cada qual trazendo uma
bandeja de prata. Cumprimentou o duque e o marquês com discrição.
— Gostaria de comer junto à lareira ou prefere perto da janela que dá para o jardim,
milorde?
— Aqui mesmo, obrigado.
Sob o olhar vigilante do mordomo, o primeiro criado moveu uma mesa redonda com
cuidado, e trouxe-a até a lareira, entre o duque e seu filho.
O segundo serviçal aproximou-se, depositando com cuidado a porcelana e demais
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utensílios, como copos de cristal, talheres de prata e guardanapos de linho branco.


Logo tudo estava pronto para uma lauta refeição. Até um pequeno vaso com flores fora
arranjado com esmero.
Phillip a tudo observava com admiração. Sabia que o pai mantinha uma criadagem muito
qualificada, sob a vigilância de Harper. Mas por que desejara oferecer uma refeição tão elegante
na saleta particular quando havia na propriedade uma sala de jantar, duas salas de almoço e uma
de café?
Será que o duque se encontrava sempre tão sozinho que se esquecera desse detalhe? Ou
até mesmo os cômodos menores como as salas de almoço eram grandes demais para uma pessoa
solitária? A possibilidade causou remorso em Phillip-
Então, a fim de afastar o sentimento desagradável, concentrou-se na variedade de pratos
deliciosos diante de si. Sopa de legumes frescos, frango ao molho de vinho, presunto, linguado,
batata ao creme, ervilhas, frutas e a famosa torta de limão, tudo apresentado de maneira elegante
e primorosa.
Phillip atacou a refeição com apetite. Tudo era saborosíssimo e, embora não admitisse
para o pai, havia muito não comia algo tão substancioso. Quando saía para jantar com os amigos,
o interesse maior era em relação ao uísque, à quantidade de vinho e à beleza e disponibilidade
das garçonetes para o divertimento posterior.
Por fim, sem poder ingerir nem mais uma garfada, deu-se por satisfeito. Observou o pai,
que também repousara os talheres junto ao prato.
O criado retirou os utensílios, mas, ao comando do duque, deixou uma garrafa de vinho e
dois copos. O clima se desanuviara, e Phillip relaxou.
— Quero que compareça ao baile de lady Dermond amanhã, Phillip. Há alguém que
desejo que conheça.
Ele piscou, e quase derramou o vinho.
— Já fiz meus planos, pai.
— Cancele.
— Impossível. Muito em cima da hora.
— Se tivesse obedecido a meu chamado logo, teria tempo de sobra para dar suas
desculpas. Já avisei a anfitriã e a moça que desejo que conheça que você estará lá. Exijo que vá
ao baile.
— Tornou-se casamenteiro, senhor? Achei que apenas tias solteironas e mães
maquiavélicas se prestassem a essas atividades.
— Não se faça de arrogante comigo, rapaz! Fui eu quem encontrou esposa para você.
Sua esposa! A inesperada menção a Lavínia pegou o marquês desprevenido, voltando a
fazê-lo experimentar a dor íntima que tanto tentava controlar.
Uma lufada de lembranças sofridas vinha-lhe à memória. O sorriso doce, a risada feliz, o
abraço amoroso, e depois a frieza marmórea de seu corpo exangue. A infinidade de perguntas e
recriminações que não o abandonavam um só instante.
Soltou um longo suspiro. No correr dos anos, mantivera em segredo seu sofrimento
perante o pai, escondendo as estocadas do remorso que sentia a cada dia.
— Não estou interessado em casamento, milorde. Além disso, conhece minha opinião
sobre essas jovens. Recuso-me a desperdiçar uma noite fazendo conhecimento com as debutantes
da temporada, um bando de meninas mimadas e desinteressantes.
— A mulher que tenho em mente para você é mais velha e amadurecida. E não é
nenhuma tola.
— Ah! Nesse caso, deve ser empertigada e fria. — Phillip fingiu estremecer. — Repito
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que não estou interessado.


Ignorando a expressão aborrecida do pai, levantou-se.
— Agradeço por sua hospitalidade, à tarde agradável, mas precisa me dar licença, senhor.
Já estou atrasado para outro compromisso. Por favor, felicite o cozinheiro por mim. O almoço
estava fantástico.
Fez um cumprimento formal e girou nos calcanhares. Ao deixar o recinto, tratava de se
convencer de que a mágoa do pai era puro fingimento, uma maneira de manipular sua vontade.
Ficou remoendo esse pensamento enquanto descia a galeria com quadros de seus
ancestrais, que pareciam fitá-lo também com desagrado. Desceu as escadas com pressa,
repetindo para si mesmo que o duque tentava forçá-lo a se dobrar diante de suas vontades.
Mas foi ao alcançar a rua e respirar uma golfada de ar fresco que admitiu a verdade.
Apesar das desavenças entre os dois, amava muito o pai e apreciava sua opinião. Por estranho
que parecesse, a aprovação do duque lhe era muito valiosa.

Lady Meredith Barrington sentava-se sozinha na sala particular de lady Dermond, fitando-
se no espelho. Ajustou os brincos de brilhantes e ergueu o pescoço para admirar o colar que fazia
jogo. As jóias pertenciam a sua mãe, e resolvera usá-las nessa ocasião para adquirir mais
sofisticação, mas percebia, nesse momento, que necessitava mesmo era de uma dose de coragem.
Seu vestido novo era de um tom de azul forte, com um decote mais audacioso do que de
costume. Contrariando a moda, deixara a saia sem enfeites, discreta e elegante.
Sempre preferira estilos despojados, sem a profusão de laços, bordados, pedrarias e fitas,
e levara anos convencendo as modistas que não fazia isso para economizar.
Contudo, nessa noite em especial desejou ter alguns laços e fitas ornando o traje, para não
parecer tão alta e não chamar atenção para as curvas de seu corpo. Com um suspiro, ficou de pé e
observou-se de todos os ângulos.
O tecido brilhava à luz das velas, enfatizando a cintura fina e os quadris arredondados.
Riu, nervosa. Não era em absoluto a roupa apropriada para uma solteirona.
Dando-se conta de que estava afastada da festa fazia muito tempo, fechada na sala,
preparou-se para sair. Principiava a calçar as luvas quando a porta se abriu com um repelão,
assustando-a.
— Oh! Desculpe-me, lady Meredith.
— Não tem por quê.
Eram a sra. Fritzwater e sua filha... Alice? Allyson? Só vira a jovem uma vez, e não se
lembrava do nome.
— Minha Alice rasgou o vestido ao descer da carruagem. Achei que encontraria uma das
criadas de lady Dermond para um reparo rápido.
Meredith observou com cuidado o vestido da moça. Havia várias camadas de renda
adornadas com pequenas flores e laços, mas, apesar da análise minuciosa, não conseguiu ver a
parte que se desprendera.
— Não se nota, senhora.
— Mesmo? — A sra. Fritzwater inclinou-se para examinar a saia da filha. — Tem razão.
Não dá para ver a parte onde o tecido se rompeu. Entretanto me sentiria muito melhor se fosse
consertado.
Aprumou-se e confidenciou ao ouvido de Meredith:
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— É o primeiro baile de Alice, e gostaria que tudo fosse perfeito.


Meredith sentiu simpatia pela jovem, que tinha os olhos arregalados e pareceu-lhe muito
pálida. Sem dúvida o nervosismo da mãe a contagiara.
— Solicitarei que uma criada venha atendê-las.
— Que bondade a sua, lady Meredith!
— Espero que se divirta em seu primeiro baile, Alice — disse Meredith. — Você está
linda.
A mocinha corou, envergonhada, inclinando a cabeça com modéstia. Ao fechar a porta da
sala, Meredith viu a senhora ajeitando o corpete do vestido da filha com gestos ansiosos.
De repente, sentiu uma enorme saudade da própria mãe. Apesar de nunca terem se
entendido muito bem, a condessa de Stafford sempre a defendera e apoiara, mas duvidava que
aprovasse o que pretendia fazer dessa vez.
Nesse instante, localizou um criado da casa e comunicou-lhe sobre o conserto da roupa.
O homem fez uma mesura e garantiu que enviaria uma criada com a cesta de costura para a sala
íntima.
Tendo cumprido sua missão, Meredith seguiu na direção do salão de baile, no segundo
andar. O som de música e vozes animadas chegava até ela, e apesar de não serem dez horas ainda
as dependências da mansão estavam lotadas de convidados.
Meredith hesitou na escadaria. Não deveria estar ali. Porém acabara prometendo aos
irmãos que tentaria vencer a ridícula aposta. Cedera a um impulso, e no momento via-se na
obrigação de cumprir a promessa. Mas o maior obstáculo para isso era seu bom senso.
Suspirando, empertigou-se e forçou-se a subir os degraus, ignorando a voz interior que
lhe dizia para ir embora.
Durante quatro dias os olhares suplicantes de Jason e Jásper a tinham perseguido,
lembrou. E ainda se dizia que as mulheres eram dramáticas!
Tratara de fazê-los recuperar o juízo, alegando nunca ter a oportunidade de se encontrar
com o marquês de Dardington, que parecia não frequentar muito a alta sociedade. Só costumava
ser visto em Hyde Park, todavia jamais poderia beijá-lo nas tardes em que a nobreza passeava
pelos jardins, a cavalo ou com as carruagens abertas.
Esse problema de ordem prática fizera os gêmeos tentar achar uma boa solução. O prazo
para a aposta avançava, e Meredith começara a se parabenizar, crendo que escapara da
obrigação, quando a solução surgira.
Na véspera, os irmãos a despertaram de um sono profundo para comunicar que o marquês
confirmara a presença em um evento social, e que seria a oportunidade perfeita, visto que os
Barrington tinham sido convidados também.
Portanto, ali estava ela, refletiu, prestes a entrar no salão de baile de lady Dermond à
procura do marquês de Dardington, com o único e exclusivo propósito de levá-lo a um lugar
discreto e beijá-lo com paixão. Que loucura!
— Boa noite, lady Meredith.
Com um estremecimento de desagrado, ela se voltou, sabendo que se tratava da duquesa
de Lancaster, uma das mulheres mais ignorantes, antipáticas e mexeriqueiras da alta sociedade
londrina.
— Milady... Lorde Byrd... — sussurrou Meredith, dirigindo-se ao acompanhante da
duquesa. — Que prazer em vê-los.
— Que surpresa! Não sabia que estava em Londres para a temporada,
— Cheguei há pouco, milady — mentiu.
Meredith suportou o olhar invejoso da dama, que mediu-a de cima a baixo. Conhecia a
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Basso

animosidade da duquesa de Lancaster a seu respeito. No passado rejeitara propostas de


casamento do duque, seu atual marido, e de lorde Hawke, um antigo amante. Parecia que a
megera ainda não a perdoara por isso.
— Está sem acompanhante hoje? — inquiriu a duquesa, com malícia. — Talvez tenha
vindo acompanhar uma das jovens debutantes. Ou uma das velhas senhoras?
— Como é esperta, milady! Porém não vim acompanhar ninguém. Os dois cavalheiros
que estão comigo me aguardam no salão de baile.
— Verdade?
— Sim.
— Nesse caso, iremos escoltá-la até eles.
— É muita bondade, milady, mas primeiro tenho algo a fazer, que demandará dez
minutos. — Meredith fitou lorde Byrd, sorridente. — Pode me esperar aqui?
— Sem dúvida — respondeu o nobre, inclinando-se para melhor admirar o profundo
decote do vestido azul.
Meredith continuou a sorrir. Considerava lorde Byrd um ser da pior espécie. Casara-se
com uma rica herdeira e mantinha a frágil esposa no campo, enquanto se divertia em Londres.
Dizia-se que só a procurava com intenção de engravidá-la uma vez por ano, a fim de mantê-la
ocupada.
— Disse dez minutos? — repetiu a duquesa de Lancaster, batendo no leque com
impaciência.
— Sim.
— Talvez seja melhor se formos juntos.
Meredith rejeitou, com um inclinar delicado de cabeça, e o par se distanciou. No entanto
sabia que a duquesa estaria vigilante.
Esperou quinze minutos e subiu sozinha para o salão, escorando-se nos cantos, e
conseguindo entrar sem ser anunciada pelo pomposo mordomo.
Seus irmãos a levaram até a entrada da propriedade, mas sabia que não os encontraria ali,
dançando. Por certo já tinham ido ao salão de jogos. Meredith decidiu que mais tarde os
encontraria para que dançassem com a jovem Alice Fritzwater. Era o mínimo que podiam fazer
como cavalheiros.
Principiou a circular pelo recinto, prestando atenção a todos os convidados. De repente
sentiu um calafrio na espinha dorsal, ao detectar o marquês de Dardington.
Phillip sempre se vestia de maneira muito marcante. Embora trajando preto e com a
casaca bordada, como os demais cavalheiros, notava-se sua elegância casual, que eclipsava os
demais.
Conversava com lady Ann Towers, uma bela morena que segundo as más-línguas, fora
sua amante no ano anterior.
Ou fazia dois anos? Meredith não recordava. O nome de Dardington vinha sempre ligado
a diferentes mulheres.
Parecia que quase todas as damas casadas ou viúvas de alta linhagem, abaixo dos
quarenta anos, compartilharam os lençóis com ele.
Meredith conteve a vontade de rir. Se metade dos boatos fosse verdadeira, Phillip devia
ser o homem mais exausto da Inglaterra.
Mas não parecia. Mostrava-se bem-disposto e alegre. Por certo um pouco mais velho que
da última vez em que o vira, mas muito charmoso e bonito.
Meredith continuou a observá-lo, e notou que passeava o olhar por todos os cantos. Pobre
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lady Ann! Por mais bonita que fosse, não conseguia prender-lhe a atenção, ponderou.
E parecia que a dama chegara à mesma conclusão, porque fez um cumprimento, empinou
o queixo com orgulho e afastou-se do marquês, que pareceu nem notar.
Assim que o viu sozinho, Meredith aproximou-se.

Capítulo IV

Phillip se posicionara de propósito na parte esquerda do salão, a fim de ter uma ampla
visão das escadas. Embora tentasse disfarçar, sua atenção voltava-se para lá cada vez que o
mordomo anunciava a chegada de novos convidados.
Enviara um recado ao pai nessa manhã, avisando que compareceria ao baile de lady
Dermond. Não houvera resposta, mas já imaginara que seria assim.
Ainda não sabia por que viera, se por remorso ou loucura.
Risadas estridentes induziram-no a retornar ao momento presente, e tratou de participar
da conversa do grupo a seu lado.
Muitos olhares surpresos o haviam saudado assim que entrara no baile. Tratara de ignorá-
los, e unira-se a um grupo de homens e mulheres cujo traço em comum eram os mexericos.
Phillip imaginava que sua aparição o faria pivô dos comentários, mas o grupo perigoso viu-
se impedido de falar, já que estava ali. As pessoas que dele participavam podiam ser rudes,
maliciosas, porém jamais ousariam fazer algum comentário ofensivo a sua frente.
— O conde pode ser um tipo muito maçante — dizia uma mulher, referindo-se a algum
nobre —, mas conta piadas muito boas.
Falava a seu ouvido, sedutora, e isso irritou Phillip. Apesar de acostumado à admiração
feminina, a audácia daquela jovem dama o aborreceu, pois o marido encontrava-se bem a sua
frente.
Por um instante sentiu-se tentado a se afastar, mas logo entendeu que acabaria caindo em
outra roda desagradável.
Suspirando, bebericou uísque, sentindo um enorme alívio com a bebida.
Um casal de meia-idade se aproximou.
— Dardington? É você? — inquiriu o cavalheiro, surpreso.
Phillip sorriu. Reconhecia os rostos, mas não se lembrava dos nomes, mas de todo modo
a aparição fora uma bênção, porque a dama ao lado retirou-se.
— Boa noite — saudou o marquês.
Os três conversaram durante alguns minutos, e depois o casal foi embora, com Phillip
sentindo-se um pouco constrangido, pois ainda não se recordara de seus nomes.
Porém estava contente por se ver sozinho, afinal. Inquieto, observou ao redor as
debutantes ansiosas, os cavalheiros vaidosos e as mães casamenteiras, e de novo sentiu a
necessidade premente de beber um bom trago.
Mas só poderia fazer isso à vontade depois que deixasse o baile. Enquanto estivesse no
elegante salão, teria de se comportar muito bem. Pretendia satisfazer o pai e dançar uma vez com
a dama que ele lhe apresentasse. Quem sabe assim se veria livre de sermões por algumas
semanas... Ou até meses.
Mas onde estaria o duque de Warwick? Jamais poderia realizar seu gesto magnânimo se o
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pai não aparecesse com aquela que pretendia empurrar-lhe como nova esposa.
Frustrado, Phillip tornou a olhar para a escadaria. Foi quando viu uma jovem alta,
curvilínea, vestida de azul, que evitava ser anunciada pelo mordomo. Seu desejo de permanecer
anônima o intrigou, porém foi sua beleza estonteante que o pôs estático,
A pele de alabastro brilhava sob a luz dos castiçais, o traje simples e sem adornos
ressaltava os seios generosos e o colo maravilhoso. Era mais alta que a maioria das damas
presentes, e de muitos homens também; portanto, foi fácil continuar a segui-la com o olhar,
embora parecesse disposta a continuar anônima.
Algo em sua figura lhe era familiar, mas não conseguia atinar de onde a conhecia. Parecia
um sonho de sua adolescência, uma beleza etérea, a imagem viva da graça, elegância e
sensualidade.
— Ouvi dizer que estava aqui, mas precisei me certificar.
Ao se voltar, Phillip deparou com lady Ann Tower, sua ex-amante. Morena de olhos
escuros, Ann era inteligente e bonita, uma viúva que apreciava a independência. O romance entre
os dois fora breve e tórrido, e a dama era uma das poucas de quem Phillip fazia questão de
lembrar com afeto.
Todavia, não nesse momento. Seus olhos e sua mente estavam cativados pela beleza loira
no vestido azul e, por sorte, como era sagaz, lady Tower compreendeu que o interesse do
marquês achava-se muito longe dela. Após algumas palavras polidas, tratou de se distanciar.
Decepcionado, Phillip tentou encontrar a bela dama loira no meio da multidão, mas ela
parecia ter evaporado. Serviu-se do champanhe que um criado oferecia quando, por milagre, viu-
se frente a frente com ela.
Prendeu a respiração, pensando que era muito estranho sentir-se tão atraído por uma
mulher, quando, nos últimos anos, ninguém jamais o encantara dessa maneira.
A dama acenou-lhe com elegância, e seus olhos azuis brilharam. Então Phillip a
reconheceu. Com dor no coração, lembrou-se de como e quando a conhecera, e sua necessidade
por uma bebida forte aumentou.
Ignorando o tremor que a invadia, Meredith aproximou-se do marquês, da maneira mais
discreta que pôde, embora várias cabeças masculinas se voltassem a sua passagem. Phillip não
olhava em sua direção, e por um momento ela não soube como se apresentar. Sentia os joelhos
bambos pela primeira vez na vida.
Quando tentava se controlar, o marquês ergueu o rosto da bebida que aceitava e a
encarou. De início curioso, sua expressão se tornou gélida.
— Meredith — murmurou.
— Boa noite, milorde.
Não ousara chamá-lo de Phillip, pois parecia muito presunçoso, apesar do que haviam
compartilhado no passado. Uma rápida intimidade criada pela dor.
Embora os anos tivessem corrido, o marquês continuava sendo um homem de comando, e
qualificá-lo de bonito era muito pouco. Era mais como um deus dourado, criado por meio de
uma fantástica magia. Mas eram seus olhos o que impressionava, porque, apesar de ser ele um
cavalheiro jovem, irradiavam um brilho de conhecimento muito além de sua idade. Eram olhos
de alguém maduro, às vezes cansados e indiferentes.
— Champanhe? — ofereceu Dardington, apanhando outra taça da bandeja.
Apesar de sentir a boca seca, Meredith recusou. O marquês deu de ombros, e emborcou o
próprio copo, bebendo de um só gole. A seguir fez o mesmo com a taça que fora recusada.
Meredith relanceou um olhar para a bandeja que o criado continuava oferecendo, onde
ainda havia três taças cheias. Phillip moveu a mão em direção a uma delas, mas parou, como se
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sentisse Meredith a observá-lo.


Seus olhares se encontraram, e ela ergueu as sobrancelhas com discrição, como se o
desafiasse a se servir outra vez. O marquês sorriu.
— Nenhuma palavra de desaprovação?
— Não tenho direito, milorde.
— Isso nunca impediu uma mulher de erguer as sobrancelhas, como fez.
Foi a vez de Meredith sorrir.
— Não me considero como as outras, milorde.
— Sim, eu me lembro disso.
Ela piscou diversas vezes, um tanto insegura. Por um breve instante vislumbrara o
homem do passado, feliz, despreocupado, brincalhão. Aquele que Lavínia amara
incondicionalmente. Doía muito recordar essas coisas.
— Faz muito tempo.
— Oito anos — sussurrou Meredith.
Com um sobressalto, percebeu que talvez ele estivesse recordando o mesmo, apesar de
seu semblante se manter impassível. A mesma sensação de perda, remorso absurdo e dor.
Parecia que seu reencontro trouxera à tona toda a tragédia que tentavam esquecer.
Ao longe, Meredith ouviu a orquestra afinando os instrumentos para a próxima dança.
Imaginou que o marquês deveria estar ansioso para deixá-la, porque sua presença apenas
trouxera memórias tristes. Entretanto, antes que ele tomasse uma decisão, pigarreou para
perguntar:
— Quer dançar comigo, milorde?
Foi a vez de Phillip arquear as sobrancelhas, sem nada responder. Por fim, murmurou:
— Confesso que bebi muito vinho no jantar, um uísque quando aqui cheguei e duas taças
de champanhe, mas ainda estou firme e recordo as regras da boa educação. Damas não convidam
cavalheiros para dançar. — Inclinou a cabeça para um lado, e fitou-a com interesse. — Ou será
que isso mudou? Raios!
— Nenhum de nós segue à risca as normas impostas, milorde. Além disso, o senhor
acabou de blasfemar na presença de uma senhorita, portanto não me julga uma dama formal, o
que também me livra de certas regras sociais. — Respirou fundo. — Como é, vai dançar
comigo? Creio que será uma valsa.
— Sempre foi conhecida por ser uma pessoa nada convencional, lady Meredith, mas não
escandalosa. Devo presumir que isso está mudando também?
— Se dançar comigo, milorde, talvez descubra por si mesmo.
Era um convite irrecusável. O marquês estendeu a mão, e Meredith apoiou os dedos com
elegância. Ele a conduziu à pista, e se posicionava em um canto afastado. Seria de propósito?,
pensou Meredith. Não desejava ser visto?
Parecia que assim era, mas de qualquer modo sentia-se agradecida. Cumprimentaram-se
antes de o número começar, como era de praxe, fazendo uma reverência. Meredith sentia o calor
da pele masculina, com os dedos de Phillip em sua cintura e mão.
A valsa começou, tomando-a de surpresa. Começaram a rodopiar, os olhares presos um
ao outro, e apesar de o marquês manter a distancia correta, a impressão que tinham era de estar
ligados por uma grande intimidade.
Permaneceram calados durante a primeira parte da dança, e Meredith podia sentir o olhar
intenso de Phillip, que tinha o dom de analisá-la. Seu coração batia forte, e censurou-se por ser
tão infantil.
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Não era uma jovem debutante, ingênua e maravilhada com a festa. Já dançara com
centenas de cavalheiros, que a lisonjeavam de todas as maneiras, rogavam e juravam amor
eterno. Alguns até haviam ameaçado se matar caso não fossem correspondidos.
Porém jamais se sentira tão emocionada como nesse momento, nos braços do marquês de
Dardington. Essa constatação a aturdiu.
— Desaponta-me, lady Meredith. Primeiro me propõe uma valsa, e depois permanece em
completo silêncio. Não é justo.
Meredith sorriu.
— Por favor, me desculpe. Encontrarei algo bem escandaloso quando recuperar o fôlego.
— Excelente!
— E quando pararmos, permita-me um instante para readquirir o equilíbrio também,
senão poderei pisar em seu pé. Há muito não danço.
— Não acredito!
— É verdade. Passo as noites quase sempre em minha casa, e lá não há ninguém para
convidar para dançar. Exceto algum criado, mas duvido que saiba os passos.
— Então é uma reclusa como eu?
— Mais ou menos. Cada vez compareço menos aos eventos. Não aprecio a programação
das temporadas, nem a companhia dos nobres.
— Por quê?
Meredith deu de ombros.
— Creio que não sou coquete o bastante, e minhas conversas intelectuais e frias me
propiciaram no passado a alcunha de sabe-tudo.
— Acho que o que a salvou da completa ruína foi seu senso de humor. — Phillip
apertando-a um pouco entre os braços.
Meredith achou graça.
— Deus! Ofendi mais de um cavalheiro com minhas observações e comentários.
— Por certo a metade deles se encontra neste salão.
— Diria um terço.
— E mesmo assim não é amarga?
Meredith empinou o queixo.
— Quando me olham com desdém, reajo com inocência, e isso os torna ainda mais
frustrados. É um truque que Lavínia me ensinou, embora saiba que jamais terei a graça e o
encanto dela. Era uma amiga querida e uma das mulheres mais bondosas e dignas que já conheci.
— Porque conversava com muita naturalidade e se sentia bem entre a sociedade.
— Sem dúvida. Seus dons naturais a faziam querida por todos e presença indispensável
em qualquer festa. Por outro lado, sempre tive de fazer muita força para parecer divertida e
simpática.
— Acho que exagera.
— É muito bondoso, milorde.
O olhar do marquês estava escuro e carregado de emoção.
— Sou sincero.
O cumprimento inesperado a deixou sem ação, fazendo-a quase perder o passo. Ao vê-la
titubear, Phillip segurou-a firme, sentindo-a estremecer.
De repente Meredith precisou lutar contra o desejo de se encostar no peito musculoso, e
seu pulso acelerou ante a ideia absurda. Sentia as faces em fogo, e, embora soubesse que Phillip
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não podia ler seus pensamentos, ficou constrangida, porque a fitava com muita intensidade.
Terminaram a valsa do modo como haviam começado, em total quietude. O marquês
olhou em volta, com muito interesse, fazendo-a corar. Embora não fosse rude, sem dúvida estava
dando a entender que não desejava mais sua companhia.
Meredith manteve o sorriso no rosto e tentou ignorar a súbita mágoa. Em geral era ela
quem dispensava os admiradores insistentes.
Será que estava mesmo se tornando a solteirona sem atrativos que os irmãos
mencionaram?
Sabia que, dentro de instantes, o marquês de Dardington iria fazer um cumprimento de
cabeça e levá-la até o outro lado do salão, e Meredith duvidava que teria audácia suficiente para
procurá-lo uma segunda vez.
Se queria vencer a aposta para os gêmeos e provar que não era um objeto empoeirado na
prateleira, teria de agir depressa.
— O salão está muito quente, milorde. Podemos dar um passeio no jardim para tomar ar
fresco?
— Está comprometida para a próxima dança, lady Meredith?
— Só dancei com o senhor até o momento, milorde.
O marquês demonstrou preocupação, e ficou tanto tempo calado que a fez crer que
recusaria a sugestão para passear. Então, estendeu-lhe o braço, e ela aceitou de pronto.
Desfilaram pelo recinto, observados por todos que os quisessem ver.
E muitos queriam. Meredith podia sentir os murmúrios de especulação, mas imitou o
marquês e tratou de ignorá-los.
Era um noite sem luar, e apenas alguns poucos casais circulavam pelo pátio. Os criados
colocaram tochas, e a luminosidade era suficiente para que se vissem os canteiros floridos e as
sebes bem-cuidadas.
O ar era úmido, mas sem névoa. As silhuetas das pessoas que passeavam por ali
lançavam longas sombras no solo.
Uma brisa leve fez dançar as mechas loiras que escaparam do coque, e Meredith resistiu à
tentação de arrumá-las.
— Já tomou bastante ar fresco, lady Meredith?
A voz de Phillip soou entediada, e ela se empertigou, com orgulho, e lembrou que a
aposta que fizera com seus irmãos mostrava bem o que Phillip pensava da maioria das mulheres.
"Será bom dar uma lição neste sujeito pomposo." Assim, fez um gesto vago para as
portas que davam para o salão.
— Por favor, não se sinta na obrigação de ficar comigo, milorde. Compreenderei se
desejar retornar ao baile.
Era uma jogada, um blefe, e esperou a resposta com a respiração suspensa. Ao ver que
Phillip não respondia, avançou na direção do jardim, e olhou por cima do ombro.
— As fragrâncias das flores me chamam, sir.
Desceu os degraus de pedra com gestos lentos, tentando ouvir os passos atrás. Mas o
silêncio persistiu, e voltou-se. Se o marquês a seguisse, iria beijá-lo conforme o prometido a
Jásper e Jason, mas se isso não acontecesse talvez servisse de lição para eles. Todavia, no íntimo
sabia que isso não iria acontecer. Os gêmeos eram incorrigíveis.
Enfim, ouviu o caminhar firme atrás, mas estava muito escuro para ver de quem se
tratava. Phillip a seguira?
Continuou a caminhar, e os passos a suas costas persistiam. O marquês nada dizia, e isso
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a alegrou, pois já esgotara todos os temas de conversação. O que Meredith mais desejava naquele
momento era privacidade para poder beijá-lo.
Procurou o caramanchão que vira ao chegar, e quase gritou de alegria ao achá-lo. Ergueu
as saias e subiu os degraus de madeira, evitando prender os cabelos na hera. Em seguida, sentou-
se no sofá de vime, e esperou.
— Cansada, milady?
— Um pouco.
Meredith podia sentir o tom de sarcasmo na voz do marquês. De fato, sob uma análise
fria, seu comportamento estava sendo muito arrojado para uma dama.
A cada gesto e convite, excitava a curiosidade de Dardington, que, a qualquer momento,
poderia dar o bote.
Enfim o marquês subiu até o caramanchão. Cruzou os braços e analisou Meredith com
atenção.
Ela cruzou e descruzou as mãos no regaço, sem nada dizer.
— Por que está aqui, milady?
— Para aproveitar o ar noturno, milorde.
— Acho que não.
Assim dizendo, Phillip se aproximou e se acomodou junto dela. O clima era tenso.
Meredith se obrigava a manter a calma, embora o pensamento do que estava por fazer a deixasse
muito nervosa.
Havia mais de um ano não era beijada, e esforçou-se para lembrar-se dos homens que a
deixavam indiferente ou um pouco divertida. Frases floreadas e doces de nada adiantariam nesse
instante. Era preciso ser direta, mas isso a apavorava.
Arriscou um olhar na direção do marquês, que respirou fundo e esticou as longas pernas,
o que a relaxou um pouco.
"Só tenho de esperar. Em breve Phillip se inclinará para mim, disposto a me beijar, e me
tomará nos braços."
A ideia a excitou e confortou, mas logo recordou que o objetivo da aposta era que ela o
beijasse, e não o contrário. Se tal não acontecesse, não poderia cantar vitória.
Virou-se para Phillip, prendendo a respiração. Quando saíra para o jardim viera com a
mente concentrada na ridícula aposta, e a fim de mostrar que não era uma mulher sem atrativos.
Só pretendera roubar-lhe um beijo quente e depois correr na noite, antes que o marquês tivesse
tempo de se recuperar da surpresa.
Contudo, nesse momento, vendo-lhe o perfil bonito na semi-escuridão, imaginou como
seria beijá-lo de verdade, com sentimento, devagar e com sensualidade, e entregar-se à paixão.
Premida pelos minutos que passavam, inclinou-se na direção dele, fixando o olhar nos
lábios de Phillip, que de repente se moveram.
— Gostaria de...
Meredith lançou-se para adiante e cortou-lhe as palavras ao beijá-lo.
Por um instante sentiu-o enrijecer, mas de espanto, não de aversão. Tentou manter o beijo
o mais casto possível, porém logo viu-se cedendo à tentação, mergulhando na emoção do
momento.
O marquês segurou-lhe a nuca, aproximando-a mais. Sua boca intensificou a carícia,
como a incentivá-la a ser mais ousada.
Meredith tentou se conter e evitar a volúpia que a tomava, fazendo os seios intumescerem
e a respiração acelerar.
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Sabia que devia encerrar aquilo. Pronto! Já vencera a aposta. Não era preciso continuar
com o contato físico.
Porém parecia que as coisas haviam tomado outro rumo, independentemente de sua
vontade, e nada tinham a ver com a aposta. Tocou o rosto de Phillip, regozijando-se com a
sensação da pele escanhoada e lisa.
O marquês de Dardington estremeceu e soltou um breve gemido. Os dedos febris
procuravam o decote do vestido, abrindo alguns botões.
Meredith sufocou um grito, quando um dos seios brancos ficou livre, e os lábios sensuais
de Phillip sugaram o mamilo rosado.
O som distante de risadas e vozes cortaram o silêncio.
"Deus! O que estou fazendo?!"
— Milorde! Por favor!
Desesperada, tentou recuperar o bom senso e um resto de dignidade. O marquês ergueu a
cabeça, inalando o perfume de seu pescoço. Voltou a beijá-la, fazendo-a submergir em um mar
de sensações indescritíveis.
— Milorde... por favor... Phillip... Temos de parar antes que alguém nos veja.
Dardington respirava com dificuldade, e Meredith notou que sua mão tremia um pouco.
— É uma adorável surpresa, milady Meredith. Sua pele parece seda, minha querida. É
uma mulher apaixonada, sensual... Uma delícia difícil de ser recusada. Tem certeza de que
precisamos parar?
Seu olhar pousou sem hesitação sobre o seio ainda exposto, e Meredith sentiu as faces em
fogo. Como fora idiota ao supor que poderia controlar um homem passional e experiente como o
marquês de Dardington! Sentiu-se uma tola por ter cedido tanto.
— Podemos ser descobertos.
— Mandarei chamar minha carruagem e a levarei para casa.
— Não!
Retornar com Phillip seria o fim. Não saberia se controlar quando se visse dentro do
veículo, em total solidão.
— Não pode voltar para o baile — insistiu o marquês.
— Pare! — E Meredith se afastou.
Phillip se aprumou, distanciando-se, o que a fez achar que o ofendera.
— Só quero ajudar, minha cara.
Meredith seguiu-lhe o olhar e viu que o corpete do vestido continuava aberto, os dois
seios bem à mostra. Com gestos incertos e desastrados, tentou abotoar-se, e deixou-se ajudar por
ele.
Phillip deu um laço na camisa de cambraia e ajeitou-lhe o corpete no lugar. Por estranho
que parecesse, a atitude era de uma intimidade profunda, mas sem malícia, Meredith concluiu.
— Obrigada. — Ela se levantou.
Era covarde e rude partir daquele jeito, mas foi o que fez. Contrariando os protestos do
marquês, correu pelo jardim e embrenhou-se em uma sebe.
Reentrou na mansão por uma porta lateral e, graças ao grande número de convivas,
conseguiu passar despercebida entre eles. Desejava encontrar Jásper e Jason, e insistir para que
partissem.
No entanto, seu olhar recaiu para a própria imagem refletida em um dos grandes
espelhos. Seu rosto estava rubro, os lábios, vermelhos e inchados, os olhos brilhantes como se
tivesse febre. O coque afrouxara, e mechas desordenadas emolduravam-lhe o rosto. Mas o pior
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Basso

era que o colo branco, acima dos seios, ficara marcado.


"Pela boca do marquês..."
Devia ter seguido seu conselho e ficado no jardim. Desesperada, olhou na direção das
portas do lado oposto. Era a saída mais próxima, mas pareciam distantes demais. Sem escolha,
Meredith adiantou-se. Mantendo a cabeça baixa, circundou a pista.
Deixou escapar um suspiro de alívio, julgando-se a salvo e jurando para si mesma nunca
mais proceder de maneira tão leviana e descuidada.
Estendeu a mão para a maçaneta de latão, mas uma voz feminina e aguda a sobressaltou.
A duquesa de Lancaster atravessara seu caminho, e Meredith quase gritou de revolta.
— Encontramo-nos outra vez, milady. — Meredith se empertigou. — Está gostando do
baile?
— Parece que não tanto quanto você, milady. — A duquesa franziu o nariz e a testa. — É
fácil adivinhar o que andou fazendo. Entretanto, gostaria muito de saber com quem se divertiu
tanto.

Capítulo V

Phillip recostou-se no assento de veludo da elegante carruagem que pouco usava, por ser
grande e luxuosa demais para uma só pessoa. Além disso, o brasão na porta tornava sua
passagem muito notória.
Mas, nesse momento, estava contente por ter decidido vir com tamanha monstruosidade
ao baile, pois propiciara uma fuga rápida em um instante crucial.
— Vai falar comigo ou ficar sentada fazendo muxoxo até chegar em casa? — perguntou
à mulher de lábios cerrados, sentada a sua frente.
— Achei que preferisse me ver calada — afirmou Meredith, com frieza. — Porém, se
quer mesmo conversar, não me farei de rogada.
Phillip deu uma tossidela, levando a mão à boca, a fim de esconder o sorriso que não
conseguia refrear. Julgara-a linda no salão de baile, maravilhosa no jardim sombrio, mas ali,
diante dele, era insuperável, tentando transformar a indignidade em uma aura de honra e decoro.
Embora estivesse muito escuro, podia ver um brilho de ódio nas íris azuis, e isso o
excitava.
— Creio que está exagerando a situação, milady. Tratou-se apenas de um beijo roubado.
— Não foi o incidente que me perturbou, mas o fato de ter sido descoberta, sir. A
duquesa de Lancaster é uma mexeriqueira cruel, que se compraz com a desgraça alheia. Ela me
despreza, e isso fará com que conte e reconte sua história sórdida. — Respirou fundo, antes de
prognosticar. — Milorde, será um escândalo terrível.
— Não exagere. Todavia, se tivesse feito o que lhe disse e partido logo em minha
companhia, tudo isso poderia ter sido evitado.
— Que galante de sua parte me esfregar isso no nariz, em tais circunstâncias! —
Meredith empinou o queixo. — Se tivesse dado ouvidos a meu bom senso, o infeliz incidente
jamais teria acontecido. Mas, como dizem, são águas passadas.
— Está me insultando, milady.
— Como assim?
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Basso

— Chamar meus beijos e carícias de "infeliz incidente" é um insulto a minha


masculinidade. Será um desafio para que melhore meu desempenho?
— Não seja bobo!
Dessa vez Phillip não se conteve e soltou uma sonora gargalhada. O manto de Meredith
estava aberto, revelando o vestido. Ainda mantinha o ar de uma mulher que acabara de ser
beijada com paixão, e aquela aparência de abandono e sensual desleixo continuava a excitá-lo
muito, desde que entraram na carruagem.
Mechas loiras emolduravam-lhe o rosto de forma displicente, e os seios intumescidos
pareciam querer saltar do decote. Em silêncio, Phillip condenou a perícia do cocheiro, pois se de
repente caíssem em uma vala, sua vontade poderia se tornar realidade, e os belos seios pulariam
para fora do corpete em todo seu esplendor.
A fantasia erótica o fez suar frio.
— Tenho certeza de que tudo isso estará esquecido amanhã à noite, milady. O fator mais
atraente de um mexerico é a novidade. Os palradores cessarão de comentar a seu respeito assim
que um novo boato surgir.
— Não se trata de um mero boato, milorde. É um prato cheio para a maledicência. Toda a
possibilidade de enterrar essa história desapareceu quando o senhor se pôs a meu lado para me
defender. Até surgir, tudo o que a duquesa possuía era apenas uma suspeita.
— Tínhamos sido vistos dançando, antes de milady voltar ao salão. A duquesa é uma
mulher de pouca inteligência, mas qualquer um concluiria que fui eu o responsável por sua
aparência... descuidada.
Meredith baixou a cabeça, e por um instante Dardington pensou que corava. Mas quando
voltou a erguer o rosto, havia emoção em seu olhar.
— Suspeita é uma coisa, prova concreta é outra.
— Que prova? Não fomos pegos em uma situação comprometedora.
— Isso mesmo. E se não tivesse pulado em minha defesa, eu mesma poderia ter
despistado a megera, alegando que caíra no jardim, ou algo parecido. — Meredith gemeu. — Sua
defesa arruinou tudo...
— Ora! A duquesa estava tentando humilhá-la, e agi por impulso. Creia, foi um ato raro,
porque costumam dizer que não procedo com honra.
— Pode ter a bondade de esperar até me ver ir embora para então expressar sua ironia?
Ao contrário do senhor, não vejo graça nenhuma nisso tudo.
Assim dizendo, Meredith apoiou a face no vidro da janela e suspirou.
Phillip percebeu que estava de fato muito abalada e, por estranho que parecesse, sua
consciência reagiu.
— Foi mesmo assim terrível?
— Sou uma mulher forte em muitos aspectos, mas tenho uma fraqueza: detesto
escândalos. Uma indiscrição como a que ocorreu poderá ter consequências horríveis, milorde.
Não só para nós como para outros membros de nossas famílias.
— Está se referindo a seu... marido?
— Meu o quê? — Meredith quase pulou do assento.
— Marido, lady Meredith. Quando esse escândalo chegar aos ouvidos dele, terá uma
reação violenta?
Meredith abriu e fechou a boca diversas vezes, sem conseguir responder, e por fim
sussurrou:
— Quem lhe disse que sou casada?
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Basso

— Ninguém. Apenas presumi.


E esse pensamento o fizera sentir uma ponta de ansiedade, que tentou reprimir. Sem
dúvida Meredith não era uma donzela, a contar pelo modo como agira.
— É uma linda mulher, milady. Lembro-me muito bem do ano em que debutou, e apesar
de seus modos nada convencionais foi muito requisitada pelos rapazes e senhores de idade
também. Escutei dizer que recusou muitas propostas de casamento naquele ano, mas presumi
que, por fim, se casara. Afinal, faz tanto tempo...
— Não sou tão velha assim.
— Velha? — Phillip sorriu. — Está longe de ser uma matrona, mas deve reconhecer,
com todo o respeito de minha parte, que já não é mais uma mocinha.
— Tenho vinte e seis anos. Sou quatro anos mais moça que o senhor, milorde.
— Porém passou da idade de casar, portanto minha conclusão foi lógica.
— Um acinte, isso sim! — Meredith lançou-lhe um olhar repassado de ódio. — E sobre o
desprezo que tem pelas mulheres, posso lhe garantir que, se fosse casada com outro, jamais o
teria beijado no jardim. Honraria os votos do matrimônio, em especial o da fidelidade.
Phillip semicerrou os olhos. Então por que ela o beijara? As moças solteiras da alta
sociedade guardavam seu recato e dignidade. A menos que estivessem desesperadas por um
marido.
— Imagino que me deve uma explicação, lady Meredith.
— O beijo fez parte de uma aposta. Uma que perdeu, milorde.
O tom confiante o fez enrijecer.
— Faço dezenas de apostas por dia, milady. Deve ser mais específica para me fazer
recordar.
Meredith o fitou como se desejasse gritar, mas conteve-se.
— Semana passada, quando jantava com meus irmãos, declarou com veemência que uma
solteirona é sempre uma mulher fria e sem paixão. Eles discordaram e sugeriram o oposto. Daí,
foi feito o desafio. Encontrar uma moça que passara da idade convencional do casamento e que
beijasse um aventureiro por livre vontade, com desejo e ardor.
— E a senhorita, milady, é essa solteirona?!
— Sim. E o senhor, milorde, é o aventureiro.
Mesmo no lusco-fusco da carruagem, Phillip pôde ver o brilho de satisfação em seu
olhar.
— Sendo assim, o desafio foi aceito e cumprido. E milorde perdeu a aposta.
Essas palavras poderiam tê-lo enfurecido, porque fizera papel de tolo. Contudo, apesar da
idade, lady Meredith não era o tipo de mulher em quem pensara ao se referir a solteironas.
Mesmo para seus padrões um tanto dissolutos, o comportamento dela fora audacioso demais.
Porém tratou de engolir em seco.
— Devo corrigi-la, lady Meredith. Posso ter perdido algumas moedas, se bem me lembro,
além de um par de maravilhosos cavalos. Entretanto, depois de beijá-la, sinto que sou o
verdadeiro vencedor da aposta.

Do outro lado da cidade, a noite sem luar fornecia um manto anônimo para o homem que
esperava, na sombra da taberna. Havia pouca chance de ser reconhecido por algum transeunte,
pois era-lhe raro frequentar aquela parte pobre e decadente de Londres. Porém todo cuidado era
pouco.
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Ele entrara no estabelecimento duas noites atrás, em busca de uma atendente bonita, e
encontrara o tipo que procurava: rechonchuda, faces frescas e jovem demais para já ter o olhar
cansado e triste de suas companheiras de profissão.
O homem lhe dera uma generosa gorjeta e um sorriso amigável, certo de que a moça iria
se lembrar dele. Esperara revê-la, mas o taberneiro, grandalhão e cínico, o observara muito.
Sabendo que seria tolice provocar o destino, partiu, frustrado e aborrecido.
Por dois dias pensou na garota da taberna, e essa noite voltara para terminar a missão.
A distância ouviu o som do sineiro. Duas badaladas. Bom. Em breve o estabelecimento
fecharia as portas. Mais dez minutos se passaram, e então as luzes no interior começaram a se
apagar. Instantes depois, a porta da frente se abriu e uma mulher surgiu. Era ela.
Respirou fundo. Estava com sorte. A jovem encontrava-se sozinha. De cabeça baixa,
pulou uma poça no chão, e, apressada, começou a andar pela rua.
Ele saiu das sombras e a interceptou. A atendente prendeu a respiração, apavorada, e
protegeu o rosto em um gesto instintivo. Mas então, aos poucos, sua atitude mudou, e pareceu
aliviada.
— Oh! É o senhor! Deu-me um susto tremendo!
— Peço-lhe desculpas. — Fez uma mesura, e ela riu, envaidecida. Já descobrira que as
mulheres de classe baixa podiam ser levadas à ruína quando recebiam um tratamento cortês. —
Posso conduzi-la até sua casa?
A jovem semicerrou os olhos.
— Moro com minha mãe, meus irmãos e irmãs. Tenho certeza de que não quer me levar
até lá.
— Só quero caminhar em sua companhia. Se não se opuser.
Podia ver a indecisão estampada em seu rosto, por isso tratou de dar-lhe um sorriso.
Surtiu efeito, porque a jovem também sorriu, e concordou com um aceno.
— Obrigada, senhor. São quase vinte quarteirões até minha rua. Será bom tê-lo a meu
lado.
Caminharam em silêncio por vários quarteirões. O homem não ofereceu o braço, com
medo de tocá-la cedo demais, e a criada pareceu apreciar a distância. Era evidente que se sentia
tímida, porque mal respondia a suas perguntas.
Ele achou aquilo encantador. Mulheres agressivas sempre o aborreciam. Entretanto, à
medida que caminhavam, começou a sentir que o tempo passava. Tinha de agir logo. Ansioso,
examinou a rua, em busca do local e momento perfeitos. Por fim, ambos surgiram.
Fingiu tropeçar nas pedras do caminho e perder o equilíbrio. A moça parou e ofereceu-
lhe o braço. Com um sorriso de cruel satisfação, o estranho a agarrou com força, empertigou-se,
e empurrou-a para um beco estreito entre dois prédios altos.
— Por favor! Não! — ela gritou, sendo atirada de encontro ao muro.
Empurrou-o com os punhos fechados, lutando para escapar, mas o homem era muito
forte. Segurou-a pelos braços e, com gesto rápido, amarrou-lhe os pulsos com uma corda de seda
que trouxera com essa finalidade. A criada soltou um berro abafado, no instante em que o
desconhecido tapou-lhe a boca com um lenço.
Devagar, quase com reverência, ele passou-lhe as mãos pelo pescoço macio, apoiando
todo o peso do corpo sobre o dela, esperando que o medo dominasse seu olhar. Isso em breve
aconteceu.
Rejubilou-se com o pavor que constatou, sentindo-se vibrar de desejo sexual. Permitiu
que a atendente lutasse por mais alguns instantes, saboreando cada movimento contorcido de seu
corpo. Então, intensificou a pressão dos dedos, até que os olhos da vítima saltaram das órbitas, e
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seu rosto adquiriu uma coloração arroxeada. Por fim, ela desmaiou.
O homem continuou a apertar-lhe o pescoço, até sentir seu último sopro de vida. Aí, com
calma, deixou o cadáver escorregar para o chão.
Permitiu-se um momento de exaltação ante a tarefa finalizada, e experimentou um desejo
instintivo e animal de inclinar a cabeça para trás e uivar como um lobo, mas controlou-se,
temendo ser descoberto.
Respirando com força, arrastou o corpo inerte até o final do beco e, depois de desamarrar
os pulsos e remover a mordaça, deixou o cadáver junto a uma pilha de lixo. Com sorte só seria
descoberto muitos dias mais tarde, já apodrecendo.
A saliva escorreu-lhe da boca e, com uma careta de nojo, pegou um lenço de linho do
bolso da calça e enxugou-se com cuidado. Endireitou as costas e tratou de se compor, ajeitando o
paletó e o nó da gravata. O chapéu caíra em meio à luta e, com dedos trêmulos, recolheu-o do
solo, ajustando-o na cabeça.
Caminhou até a entrada do beco e deu uma olhada para a esquerda e para a direita.
Após concluir que não havia ninguém por perto, deixou as sombras e pôs-se a descer a
rua com passos largos. Quando julgou estar bem afastado do local do crime, fez sinal para uma
carruagem de aluguel.
Seguro dentro do veículo escuro, permitiu-se um momento de relaxamento, e recordou
cada instante do crime, saboreando os detalhes com pérfida alegria. O coche parou de repente e,
com um choque, o assassino percebeu que chegara a seu destino. Grosvenor Square.
Pagou ao cocheiro e entrou com discrição na casa às escuras, por uma porta de serviço.
Dado o adiantado da hora, não encontrou ninguém.
Cansado e exaurido, preparou-se para dormir como sempre fazia. Assim que encostou a
cabeça no travesseiro, adormeceu. Foi um sono profundo, sereno, sem sonhos.
O Mal, em sua forma mais genuína, estava de volta a Londres.

As têmporas latejavam, seguindo o ritmo das batidas na porta do quarto. Phillip virou-se
de lado, fez uma careta e resmungou:
— Vá embora.
Mas as pancadas persistiram, cada vez mais altas. O marquês grunhiu e enterrou o rosto
nos travesseiros, continuando a ouvir os sons desagradáveis.
Abriu um olho e tornou a grunhir, entendendo que quem o atormentava não iria desistir.
Daria muito trabalho gritar de novo, por isso sentou-se e esperou, tentando esquecer a
enxaqueca. Everett, seu criado particular, penetrou o aposento escuro.
— Peço desculpas, milorde, por incomodá-lo, mas o duque está aqui.
— Que duque? — Phillip tentou erguer a cabeça, mas uma ponta de dor o fez gemer.
— Seu pai, o duque de Warwick, sir.
A menção do título fez Phillip recordar a véspera, um beijo no jardim, uma cena
escandalosa e a fascinante corrida de carruagem. Todos os ingredientes que o tinham feito beber
até cair, após deixar lady Meredith na porta de sua residência. Um modo idiota, mas
compreensível de terminar a noite.
As estocadas dentro de seu cérebro recrudesceram quando Everett principiou a rodar pelo
dormitório, ajeitando as coisas e recolhendo as roupas do chão. Por fim, sem misericórdia, abriu
as cortinas e deixou a luz do sol entrar.
Phillip desabou mais uma vez sobre o colchão, cobrindo os olhos com a mão.
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— Estou com ressaca e não tenho vontade de ouvir suas brincadeiras, Everett. O duque
de Warwick jamais poria os pés em minha humilde morada. Agora, trate de cerrar essas cortinas
de novo, e vá buscar café. Um bule grande, se me faz o favor.
— Jamais ousaria brincar com assunto tão sério, milorde. — O criado despejou água
quente em uma bacia de porcelana e começou a afiar a navalha. — Informei ao duque que
milorde o receberia assim que se vestisse.
Phillip cerrou os dentes, com raiva.
— É verdade que meu pai se encontra aqui?
— Sim, milorde.
— Não estou recebendo esta manhã. Diga ao duque que volte em outra hora. De
preferência na próxima semana.
O marquês rolou para um lado e enterrou a cabeça dolorida nos travesseiros. Podia
perceber que Everett ficara chocado com o que ouviu.
— É impossível me pedir que diga ao duque que não irá recebê-lo, sir. Seria rude e
impróprio.
— Mais impróprio é visitar as pessoas sem avisar. E ainda mais tão cedo pela manhã.
— São três horas da tarde, milorde.
— Oh! — Phillip gemeu, sentando-se. Segurou a cabeça entre as mãos, esperando que as
fisgadas não aumentassem. — A hora do dia não vem ao caso. Nunca recebo gente que não foi
convidada.
— Espero que, só desta vez, abra uma exceção, milorde.
Phillip leu nas entrelinhas que também desejava dizer que não se escorraçava um nobre
de tão alta linhagem como o duque de Warwick.
— Dê-me alguns minutos, e depois o receberei.
— Aqui?
— Sim.
O queixo de Everett caiu.
— Mas não existem poltronas apropriadas em seu quarto, sir. O que fará o duque? Puxará
uma cadeira para sentar-se a seu lado no leito?
— E por que não?
— Não é digno.
Enfrentando a terrível ressaca, Phillip fitou o criado, que enfrentou seu olhar, em pé de
guerra.
De má vontade, o marquês de Dardington afastou as cobertas. Cambaleando, ergueu-se, e
quase caiu nos braços de Everett. No íntimo concordava que não seria apropriado receber o pai
ali, ainda mais com tamanha enxaqueca.
Sem protestar, deixou-se preparar por Everett e, trinta minutos mais tarde, penetrou na
pequena e bela sala particular, ligada ao quarto.
Avistou o duque à janela, observando o tráfego.
— Até que enfim! — exclamou, sem voltar a cabeça para o filho. — Sabia que, se
insistisse, acabaria por me receber.
Phillip teve ímpetos de dar-lhe as costas e voltar para a cama. Seu cérebro continuava
nublado pela falta de sono e excesso de álcool.
— Não posso ser acusado de evitá-lo, senhor, porque acabei de saber que estava aqui.
Assim dizendo, o marquês ocupou uma poltrona.
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— O que aconteceu ontem à noite, Phillip? Prometeu que estaria no baile de lady
Dermond, mas não o vi.
O filho sorriu, enquanto o pai se dignava a fitá-lo.
— Cheguei cedo, sir, com a intenção de cumprir minha palavra. No entanto, depois de
três horas, fiquei tão entediado que desisti e fui embora.
O duque arqueou as sobrancelhas.
— Foi o tédio que causou todo o alvoroço com a jovem Barrington?
Phillip torceu a boca em um gesto de desagrado. Pelo visto, as línguas ferinas já haviam
começado seu trabalho.
— Está por acaso se referindo a lady Meredith Barrington, meu pai?
— Não me venha com esse tom de inocência ultrajada! Não sou um de seus
companheiros de farra a quem pode intimidar. Phillip, ouvi todo tipo de histórias sórdidas ontem.
Por isso estou aqui. Para saber os fatos.
— A confissão do criminoso...
— Criminoso? Se metade do que escute for verdade, diria que é mais um idiota!
Meredith é a filha do conde de Stafford, certo?
— Creio que sim.
— E a violentou no jardim!
— O quê?! — A dor de cabeça pareceu triplicar de intensidade, e Phillip semicerrou os
olhos. — Apenas a beijei. Aliás, para ser preciso, foi lady Meredith quem tomou a iniciativa.
O duque sorriu, irônico.
— Apenas um beijo? Não me parece seu estilo.
O marquês sentiu que parte da tensão o abandonava, ante o tom de brincadeira do pai.
— Por mais improvável que seja, sir, às vezes consigo dominar meus instintos
depravados. Quando é necessário.
— Que alívio! Mas, já que não passou de um simples beijo, não há reparos a fazer.
Nunca apreciei Stafford. É muito direto para o meu gosto, além de permitir que a filha não
escolhesse um marido em todos esses anos! Sua esposa é ainda muito bela, e na juventude
poderia rivalizar com Meredith.
Mas Phillip pensava em outra coisa.
— A ideia de reparar alguma coisa em relação a lady Meredith não me ocorreu até o
senhor mencionar, meu pai.
— Ótimo. Esqueça o que falei. — O duque encaminhou-se para a porta. — Espero-o para
jantar na sexta-feira. Será uma reunião pequena, e daqui a três dias. Tenho certeza de que, se se
esforçar o bastante, ficará longe de problemas até lá.
— Não prometo nada. — Phillip piscou-lhe. Warwick fez uma pausa e voltou-se para ele.
— Não seja duro consigo mesmo — murmurou, em um raro momento de simpatia. —
Suas indiscrições em geral são perdoadas pela alta sociedade. Garanto que essa também será
esquecida.
— A opinião daquela gente não me interessa.
— Mas deveria interessar, embora já tenha deixado essa sua atitude bem clara para mim
há muito tempo, e sei que não o farei mudá-la. Todavia, se não se importa com a própria
reputação, lembre-se da minha. Esse escândalo será esquecido, caso se comporte nos dias
vindouros. Até o final da semana as atenções se voltarão apenas para a jovem Barrington.
O comentário do duque provocou um peso na consciência de Phillip. Sim, era verdade
que se mantinha quase imune à censura da sociedade, e pouco se lhe dava a opinião dos outros a
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seu respeito. Mas com uma dama a história era outra.


Embora todos soubessem que lady Meredith jamais fora aceita plenamente pela alta
sociedade, sua pessoa nunca fora ligada a um escândalo... Até aquele momento.
Ainda que relutasse em admitir, a Phillip ocorreu que teria de fazer de tudo para ajudá-la
com a questão. E era honesto o suficiente para saber que, só em pensar na atitude que talvez
precisasse tomar, sentia tremores e suores pelo corpo todo.

Capítulo VI

Meredith teve problemas para dormir na noite do baile. Seus pensamentos se voltavam
sem parar para os eventos ocorridos e as possíveis consequências.
Ouvindo o tique-taque incessante do relógio, tentou se acalmar e crer que tudo daria
certo. Mas, quando os primeiros raios do sol invadiram seu quarto, ainda se sentia contrafeita.
Não era apenas o beijo que dera no marquês, mas saber que teria de arcar sozinha com o
que adviria de seu ato.
Embora se orgulhasse de ser uma mulher direta e independente, era honesta o suficiente
para admitir que muitas vezes se sentia só e desejosa de um ombro amigo, conforto, companhia e
a força de um homem bom e confiável. E, apesar de no íntimo saber que com seu caráter
estranho seria impossível encontrar alguém, o sonho persistia.
Contudo, nessa manhã recusava-se a se entregar ao desespero. Com a energia que lhe era
habitual, tratou de jogar para o lado a melancolia, do mesmo modo que afastava os lençóis e
deixava o leito.
Concentrou-se em sua rotina. Desjejum em confortável solidão na saleta de almoço, uma
breve conversa com o cozinheiro para discutir o cardápio do dia, outra com o mordomo para
lidar com um problema que surgira com um dos criados.
Em seguida, partiu para o escritório do pai, e se inteirou da correspondência enviada
pelos advogados da família. Após abrir toda as cartas e lê-las, inclusive uma muito longa da
amiga de infância, Faith Linden, atual viscondessa Dewhurst, Meredith decidiu se entregar a um
de seus mais diletos prazeres: a leitura.
Por fim à vontade, mergulhou de tal modo no livro de poesias que nem percebeu a
entrada do mordomo.
— Peço licença, milady. Entregaram flores para a senhorita. Deseja que as traga aqui ou
devem ir à cozinha para que a sra. Hopkins as disponha em vasos?
— Mais de um arranjo? São muitas flores?
— Algumas são muito grandes, outras menores.
— Quantos buques chegaram ao todo?
— Dez, milady.
— Quê?!
Meredith se pôs de pé tão depressa que o livro caiu-lhe do regaço. Ignorando-o, estendeu
a mão para receber um maço de cartões de visita que o mordomo lhe entregava.
Com o coração aos pulos, Meredith examinou as letras douradas. O conde de Botsworth,
lorde Chillingham, sr. Julian Wingate! Homens que não via fazia anos. Nem sabia que estavam
em Londres.
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Releu com mais atenção. Eram de solteirões maduros, alguns cavalheiros casados e de
poucos antigos admiradores. Franziu a testa, imaginando o que teria feito para despertar tanto
interesse desde a época em que debutara.
Entretanto faltava um nome. O do marquês de Dardington, e Meredith se surpreendeu por
ter cogitado isso.
— E as flores, milady?
Ela ergueu o olhar para o mordomo, sem enxergá-lo. Aos poucos a pergunta penetrou em
seu cérebro.
— Por favor, peça à sra. Hopkins que as arrume — respondeu com serenidade. — Depois
espalhe por toda a casa, menos em meu quarto.
— Muito bem, milady. — O mordomo fez um cumprimento respeitoso, mas não se
retirou.
— Mais alguma coisa, Perkins?
— Ainda é cedo, milady... Se mais flores chegarem...
— Deixe a sra. Hopkins cuidar delas, ora bolas! Só desejo receber todos os cartões que
chegarem com os buques.
Dessa vez o mordomo não hesitou e se foi.
Meredith suspirou. Perkins era muito competente, e trabalhava para a família havia quase
vinte anos. A última coisa que desejava era ser ríspida com o pobre homem.
Imaginou o que poderia fazer para que não se magoasse com sua atitude brusca. Apesar
de muitos nobres não se interessarem pelos sentimentos dos criados, Meredith respeitava todas
as pessoas de igual maneira.
Entretanto teve pouco tempo para divagações, pois pelo resto da manhã foi interrompida
diversas vezes por Perkins ou outro serviçal, a fim de ser notificada sobre mais flores.
Doze buques chegaram até o meio-dia, e mais quinze no início da tarde.
Meredith passara a sorrir, desenxabida, a cada vez que alguém entrava na sala, decidida a
não se mostrar nervosa.
— Uma visita, lady Meredith — anunciou Perkins, todo empertigado, fazendo-a perceber
que o mordomo ainda não se recuperara das palavras frias da manhã.
Erguendo o rosto, franziu a testa e, um tanto hesitante, recolheu o cartão na salva de
prata. Verificou o canto levemente virado, que indicava que a pessoa estava ali, e não enviara
nenhuma mensagem pela criadagem.
"Lady Olívia Dermott." Meredith sentiu que estremecia, e indagou com voz contida:
— Está aqui há muito tempo?
— Chegou agora, milady.
— Diga-lhe que logo irei recebê-la. Deixe-a esperar mais dez minutos, e então a traga até
aqui, por favor.
Tornou a pegar o livro de poesias cuja leitura interrompera inúmeras vezes, e procurou se
concentrar nele, sem sucesso.
Dez minutos depois, lady Olívia veio ter com ela.
— Que bom revê-la! — exclamou, aproximando-se de Meredith com um sorriso falso e
açucarado. — Sei que é cedo para visitas vespertinas, mas confesso que desejava encontrá-la a
sós. Temos tanto para conversar!
Meredith quase riu, sem poder acreditar. Lady Dermott sempre fora uma das pessoas que
mais a censuravam. Com três filhas, sempre a vira como uma rival irritante. Na realidade, dois
dos cavalheiros que haviam desposado as moças tinham proposto casamento primeiro para
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Meredith.
Além disso, o terceiro genro de lady Dermott fora um dos muitos que lhe enviaram flores
nesse dia. Portanto, lady Olívia era a última pessoa na terra para quem Meredith pensaria em
fazer confidências.
— Creio que é uma honra ter provocado tanto interesse de sua parte, milady. Por certo
tem coisas mais importantes com que se ocupar.
O tom irônico era evidente, mas lady Dermott não era conhecida por sua inteligência, e o
dardo não atingiu o alvo.
— Não sou a única que a observo, lady Meredith. — Lançou um olhar malicioso pelo
recinto. — Percebo, pela quantidade de flores, que atraiu os olhares de muitos admiradores. Ou
serão todas de um só cavalheiro?
— Só um? Precisaria ser muito rico ou muito arrogante.
— Dizem que o marquês de Dardington pode ser muito persuasivo quando deseja.
Uma onda de raiva se apossou de Meredith. Suspeitava que os mexericos se espalhariam
com rapidez, porém esperara que outro escândalo mais interessante abafasse a história do baile.
Para sua tristeza, parecia que continuava sob as luzes do palco e era o centro das atenções.
Meredith sabia que o charme era uma arma poderosa, e vira outras mulheres, em especial
Lavínia, fazer uso dele muitas vezes.
Contudo, conhecia-se muito bem para saber que não tinha paciência nem vontade de
encantar lady Dermott.
— Não entendo no que isso possa interessá-la, milady, mas afirmo que não recebi
nenhuma flor do marquês hoje. Nem ontem.
A declaração deixou Olívia estática. Arqueou as sobrancelhas e concentrou-se em um
luxuriante buque de rosas.
— São todas de outros cavalheiros?
— Sim.
— Uma pessoa em sua posição, lady Meredith, deveria ser mais cuidadosa.
— O que quer dizer?
Um sorriso malicioso iluminou o rosto de lady Olívia.
— Até uma mulher de sua... idade deve se preocupar com a reputação. Já foi muito ruim
marcar um encontro com o marquês de Dardington nos jardins de lady Dermond, ontem. Não
deveria encorajar o interesse de tantos homens. Dá motivo para muitas especulações
escandalosas.
— Especulações?
— Sim, sobre seu caráter, minha cara. E sua moral.
Meredith sentiu as orelhas pegando fogo. E o pior era que não podia se defender. De fato,
fora para os jardins com o marquês, e todos a tinham visto. A única coisa que a consolava um
pouco era que lady Olívia não fazia a menor ideia do motivo de ter agido assim.
Engoliu em seco, sentindo as palmas das mãos úmidas, mas tratou de se controlar. Não
era hora de entrar em pânico. Tinha de erguer a cabeça e sair vitoriosa do impasse, ou a vergonha
cairia sobre sua família e seu bom nome. Embora não se preocupasse muito consigo mesma,
temia pelos pais e irmãos.
Necessitava de uns momentos de solidão para analisar com profundidade o problema.
Mas sabia que nem se gritasse "Fogo!" tiraria lady Olívia dali. Por isso, armou um sorriso e, com
gesto calmo e casual, folheou as páginas do livro de poesia que andara lendo, como se nada no
mundo a perturbasse.
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Basso

Após contar até o número vinte em silêncio, voltou-se e fitou a visita. Sabia que a dama a
analisava, atenta, procurando adivinhar como se sentia. Se estava com remorso, vergonha ou
contente com o que fizera. Não daria a satisfação de mostrar seus sentimentos, Meredith decidiu.
— Há muito tempo me resignei a ser alvo de inveja, lady Olívia. Porém, em todos estes
anos, nenhum escândalo se abateu sobre mim, apesar de muitos terem tentado me desgraçar.
Mentes estreitas e rostos feios são uma combinação letal, não acha?
O sorriso maldoso da dama se apagou no mesmo instante. Sem dúvida tentava decidir se
fora ou não insultada.
Meredith achou melhor não lhe dar chance para pensar a respeito, e apressou-se a se
dirigir para a porta:
— Apreciei muito sua visita, lady Olívia. Não imagina como gostei de nossa conversa.
A mulher empertigou-se e fungou, mas em seguida deu um passo à frente.
— Bom dia, lady Meredith.
— Adeus.
Só quando a porta se fechou, Meredith permitiu-se exalar um longo suspiro.
Sabia, mesmo no instante em que beijara o marquês no baile, que sua vida nunca mais
seria a mesma. Entretanto isso não significava que devia sucumbir ao inevitável.
Aguentara a censura da sociedade quando debutara e sobrevivera à frieza que lhe dedicou
desde então.
— Meus irmãos ainda dormem? — indagou a Perkins no momento em que o mordomo
atendeu a seu chamado.
— Sim, creio que lorde Fairhurst e o sr. Barrington ainda não deixaram seus aposentos.
— O mordomo hesitou, antes de acrescentar: — Considerando a hora que chegaram, não é de
admirar.
— Por favor, informe ao criado de lorde Fairhurst que peço a presença de meu irmão
daqui a uma hora. Desejo dar um passeio no parque, e quero que ele me acompanhe.
O mordomo voltou-se para sair, e Meredith acrescentou outra ordem às pressas:
— E, Perkins, não estou em casa para mais nenhuma visita esta tarde. Sem exceções.
— Compreendo, milady.
Dessa vez, quando a porta tornou a se fechar, Meredith sentiu-se menos agitada e mais
controlada. Iria descobrir um meio de escapar daquele desastre. Com força, coragem e
determinação isso também seria algo ultrapassado.

A chuva matinal limpara as ruas londrinas, e a atmosfera estava clara e fresca.


Seguindo no faetonte aberto, Meredith ansiava apenas por respirar o ar puro e esquecer as
inquietudes.
— Tenha cuidado — disse a Jásper, que segurava as rédeas dos animais com
displicência. — Essas poças são um perigo, porque escondem buracos e pedras. Uma roda
quebrada irá nos dar muito trabalho e despertar uma atenção que não desejo.
Jásper evitou um buraco enorme.
— Sei o que estou fazendo, Merry. Dirijo carruagens em Londres há anos.
— E já teve mais de um acidente, se bem me lembro.
— Jamais virei uma quando estou sóbrio.
Meredith mordeu o lábio e assim ficou até fazerem uma curva. Não era momento de
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Basso

começar um sermão sobre bom procedimento e responsabilidade, em especial depois que seu
próprio comportamento na véspera era o motivo que a levara a aparecer no parque.
Assim, tratou de focalizar o olhar nos animais a sua frente, e percebeu que não os
conhecia.
— Não me recordo de ter visto esses cavalos na estrebaria. São os famosos baios que
ganhou na aposta com o marquês?
— Esses mesmos — afirmou Jásper, demonstrando alegria. — Dardington os enviou
logo cedo pela manhã. Não são uma beleza?
— Lindos. Dará sua palavra de honra que não voltará a apostar esses pobres animais?
Jásper lançou-lhe um olhar enviesado.
— Não precisa me lembrar disso, Merry. Jason e eu concordamos que iremos
compartilhá-los, de modo que não será possível um só decidir seu futuro.
Meredith virou-se para o irmão com um sorriso frio.
— Acordos entre você e seu irmão gêmeo são como palavras ao vento.
Jásper deu de ombros.
— Nada posso fazer se Jason de vez em quando age com leviandade. Como o mais velho,
é meu dever fazê-lo proceder com correção.
Dessa vez, Meredith riu.
— Essa perspectiva me apavora... — Meneou a cabeça, em um gesto de desilusão.
Se Jásper, que era o mais velho, procedia muitas vezes sem maturidade e deveria ser o
mais responsável dos dois, então Jason nunca deveria sair de casa sem uma babá.
— Notei que o vestíbulo, a sala de almoço e de visitas de nossa casa parecem uma
floricultura, Merry. Será que um de seus admiradores não poderia tê-la trazido ao parque?
Porque assumo que sejam eles que lhe enviaram tantos mimos.
Meredith voltou-se para o irmão decidida a responder que fora sua aposta absurda quem a
pusera em semelhante situação, mas conteve-se.
— Compreendo que acompanhar sua irmã solteirona em um passeio não deponha muito a
favor de sua imagem de garanhão, mas tenho de ser vista pelo maior número de pessoas hoje. E,
como acabou de dizer que é o mais responsável entre os dois, a tarefa de meu acompanhante lhe
cai muito bem.
— Vou dizer, pela última vez, que eu e Jason não a consideramos uma solteirona!
— Como muda de ideia depressa, meu caro! Ontem era considerada a criatura certa para
vencer sua aposta.
— Ah! Então é esse seu plano! Está determinada a se lançar na alta sociedade para apagar
a imagem de objeto na prateleira. Foi por isso que me arrastou para cá.
Meredith se espantou. A conclusão do irmão a colocava sob uma luz muito frívola e
injusta.
— Estamos aqui hoje porque descobri que sou objeto de um grande interesse
desagradável, Jásper. Os eventos de ontem, em especial o beijo que dei no marquês, foram um
prato cheio para a alta-roda falar mal de mim. A quantidade absurda de buques que viu em nossa
residência é apenas um prelúdio para o que acontecerá, agora que sou considerada uma presa
fácil para um grande número de homens inescrupulosos. Essa noção deve ser afastada o mais
depressa possível.
Jásper quase perdeu o controle do coche.
— Ora! Se alguém a desrespeitou, deveria ter me procurado logo!
— Nenhum cavalheiro veio me visitar. Mas, após a visita inesperada e desagradável de
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lady Olívia Dermott, eu me dei conta de que era a sensação do momento. Portanto me recuso a
receber seja lá quem for. Por esse motivo resolvi atacar, e não esperar por mais falatórios.
A expressão indignada no rosto de Jásper transformou-se em admiração.
— Deixo para você o encargo de manejar a situação, Merry.
A aprovação do irmão conferiu-lhe coragem, mas precisava ser cautelosa.
— Necessito agir com atenção, Jásper.
— Sendo assim, vamos garantir que tudo corra bem.
O rapaz segurou a aba do chapéu, saudando algumas damas que rumavam na direção
contrária, e que lhe sorriram, cordiais.
— Leve a carruagem para a outra entrada do parque. Quero cumprimentar primeiro a
duquesa de Barlow e suas amigas. Se ela me vir, logo todos saberão que estive aqui.
Meredith indicou um trio de senhoras que caminhava pelo atalho de pedras, as cabeças
ocultas pelas sombrinhas, mas era claro que conversavam sem parar.
No instante em que o faetonte dos Barrington penetrou no parque, todos os olhos se
dirigiram para ele, e Meredith teve de se esforçar para manter uma atitude distante. Lançou um
olhar para o irmão, mas Jásper pareceu não notar.
— Senhoras, desejo-lhes uma boa-tarde — disse ele, diminuindo o trote dos cavalos para
que ficassem ao lado do trio em marcha. — Espero que estejam aproveitando o sol.
— Está uma tarde cinzenta, lorde Fairhurst — afirmou com azedume a duquesa. — As
nuvens pesadas não deixam o sol aparecer.
— Mesmo? — Jásper fitou o firmamento. — Não tinha notado. Talvez porque leve o sol
aonde quer que vá, milady.
A duquesa semicerrou os olhos, e as duas outras se aproximaram mais, como se
desejassem protegê-la.
— Está me lisonjeando, meu jovem? Uma mulher de minha idade?
— Sem dúvida, milady.
A duquesa ergueu as sobrancelhas.
— Possui o encanto de sua mãe, milorde. — Um sorriso surgiu entre os lábios enrugados.
— E a beleza de seu pai.
— Por favor, senhora, vai me fazer corar!
A duquesa riu. E, após um instante de hesitação, suas amigas a acompanharam.
— É um menino travesso, lorde Fairhurst! — Mas a expressão coquete da duquesa se
desvaneceu ao fitar Meredith, e tornou-se severa outra vez. — Um comportamento menos sério é
esperado de jovens nobres, mas inaceitável em damas solteiras. Estou certa?
As duas companheiras fizeram que sim e lançaram olhares ostensivos na direção de
Meredith, de cenhos franzidos.
— É triste, mas verdadeiro em nossa sociedade. — Meredith meneou a cabeça. — As
mulheres não gozam da liberdade dos homens, mesmo quando nos tornamos mais velhas e
sábias.
A duquesa permaneceu firme.
— Pelo menos tem o bom senso de admitir isso e vir ao parque acompanhada por seu
irmão. É uma companhia muito mais apropriada que as que costuma ter, lady Meredith.
— Concordo, duquesa.
— O que a fez proceder com tamanha ousadia, minha cara? — indagou a dama ao lado
da duquesa. — Fiquei chocada quando soube.
CHE 206 – Um Olhar perturbador (To Protect An Heiress) Adrienne 43
Basso

— Posso lhe garantir que, seja lá o que lhe contaram, foi muito exagerado. — Meredith
proferiu essas palavras cabisbaixa, como se estivesse sofrendo muito.
A duquesa fungou.
— Creio que a sensação que provocou será logo esquecida, minha querida. Porque, hoje
cedo, ouvi dizer que a filha de lorde Robertson está apaixonada por seu professor de dança. O
sujeito não é apenas inadequado, mas um francês, vejam só!
Meredith principiou a relaxar, e deixou escapar um suspiro profundo. Tudo ficaria bem.
Suportaria as censuras da duquesa e suas amigas com expressão contrita, deixando-as com a
impressão de que sentia remorso e que não era de todo culpada.
Satisfeita, Meredith esperou o momento certo para prosseguir o passeio. Tinha de agir
com tato, porque qualquer deslize desfaria o que conseguira com tanto esforço.
O súbito rumor de uma carruagem que se detinha tirou-a da concentração. Todas as
atenções se voltaram para o veículo e, para seu espanto, ela o viu parar no meio do caminho.
Era aberta, puxada por dois magníficos cavalos brancos que resfolegavam e batiam com
os cascos no solo, impacientes e aborrecidos por terem parado.
Devagar, o coche emparelhou com o seu, e o condutor a olhou. Era o marquês de
Dardington, que a encarava com seus olhos muito azuis cintilando de divertimento.
— Boa tarde, lady Meredith. Fui vê-la, mas já havia saído. Como não tive o privilégio de
acompanhá-la até o parque, peço que me conceda o favor de levá-la para casa.
Meredith sentiu que o clima pesado a seu redor aumentava de maneira bárbara. Dezenas
de transeuntes interessados pareciam prender a respiração, atentos a cada palavra e expressão
fisionômica dos principais personagens.
De propósito evitou o olhar do marquês, tentando achar uma resposta apropriada. Se
recusasse, daria mais motivos para comentários sobre o relacionamento entre os dois. Mas
também não podia saudá-lo como amigo ou conhecido.
— Minha irmã prefere a companhia da família, sir. Afinal, é o procedimento correto para
uma dama de sua estatura.
Meredith tentou ver a reação de Phillip, mas ele parecia sufocar um sorriso.
— O comportamento de lady Meredith está sempre acima de qualquer censura, lorde
Fairhurst. Ela sabe agir com graça, inteligência e caráter para ignorar a sociedade maledicente e
hipócrita quando lhe convém. A força moral sempre foi uma de suas principais qualidades.
Meredith ficou sem fala, atônita. Todo seu trabalho fora estragado em um piscar de olhos.
Em qualquer outra circunstância teria ficado lisonjeada com as palavras de Phillip, mas aquele
não era o melhor momento, em especial quando esteve convencendo a duquesa de que era uma
mulher arrependida.
Fez de tudo para desassociar sua figura da do marquês de Dardington, e de repente ele
pôs tudo a perder.
Contudo, parecia que Phillip não desejava ir embora, pois aproximou-se ainda mais.
Antes que ela tivesse tempo de reagir, o nobre inclinou-se e tomou-lhe a mão, beijando-a.
Foi um gesto íntimo que fez um sussurro elevar-se da duquesa e suas companheiras.
Recuperando o controle, Meredith inclinou a cabeça para um lado e encarou o marquês.
— Não acho que seja um bom julgador de caráter, milorde. — Tratou de cruzar as mãos
sobre o colo. — Por favor, me dê licença. Quero continuar meu passeio. Boa tarde, sir. Boa
tarde, senhoras.
As respostas frias foram abafadas pelo rumor das rodas do faetonte, que se afastava.
— Sem dúvida lady Meredith é uma beleza, e aposto uma moeda de ouro que seus
cabelos loiros chegam-lhe à cintura. Deve ser uma visão divina vê-la soltar a cabeleira.
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Phillip respondeu exasperado ao homem que falara:


— Está se referindo a uma lady, senhor. Uma dama fora de seu alcance, Mallory.
— Não quis ofender. Jamais pensaria em invadir seu território, Dardington.
Lorde Mallory sacou um lenço do bolso e passou na testa úmida. Era grande e forte, dado
à bebida e arruaças, mas que não costumava enfrentar oponentes sérios.
— Todos sabemos que logo se cansará dela, Dardington. Sempre é assim. Isso deixará o
caminho livre para os que disputam as atenções de lady Meredith.
Phillip jamais se considerara violento, mas precisou reprimir o desejo de quebrar o nariz
de Mallory e ver o sangue colorir o lenço branco do outro.
Porém tratou de se controlar, como sempre fazia, pois costumava dominar seus impulsos
muito bem. Contudo, estava tão perto de Mallory que, por certo, o miserável sentia seu ódio.
— Lady Meredith é a filha de um conde — murmurou entre os dentes cerrados. — Uma
criatura de delicada formosura, caráter irreprochável e sentimentos refinados. O senhor, milorde,
não é digno de limpar-lhe os sapatos!
Nem precisava ter feito o último comentário, porque seu olhar já denotava nojo
suficiente. Mallory ficou vermelho como um pimentão, e saiu a galope.

Capítulo VII

Phillip esperou dois dias para procurá-la. De propósito dirigiu-se à mansão dos
Barrington no início da tarde, para não deparar mais com nenhuma visita. Novas ondas de
comentários haviam chegado a seus ouvidos, e houve um bilhete de seu pai dizendo para ficar
longe de Meredith até a poeira assentar. Isso o fez entender que era essencial que fosse visitá-la.
A porta da casa em Grosvenor Square foi aberta por um criado de libré e expressão séria.
— Lady Meredith não está, milorde — anunciou Perkins, assim que viu Dardington.
Phillip sorriu ante o comunicado previsível.
— Talvez mude de ideia quando ler isto. — Um cartão de visitas foi colocado na mão do
criado junto de uma moeda de ouro.
A moeda desapareceu entre os dedos do mordomo, que pareceu examinar com cuidado o
nome no cartão. Fez Phillip entrar no vestíbulo, murmurando:
— Verei o que posso fazer, milorde.
O marquês ficou esperando não mais que um minuto, mas, para sua consternação, viu que
outro cavalheiro descia do segundo andar.
— Ah! Você por aqui! — saudou o homem, ajeitando, com os dedos manicurados, os
tufos de renda das mangas do casaco. — Embora tenha ouvido os rumores, é claro, lady
Meredith não mencionou que era um dos admiradores que recebia em sua casa.
Phillip fitou Julian Wingate com frieza. O rapaz possuía um rosto longo e arrogante,
considerado belo por muitas mulheres. No entanto ostentava um ar de superioridade que o
desagradava. Wingate era militar, da guarda de Wellington, mas os modos de dândi não
correspondiam a seu estilo de profissão.
— Não sabia que voltara à capital.
— Cheguei faz quinze dias. É bom estar em casa.
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A conversa foi interrompida pela chegada do mordomo:


— Por aqui, milorde.
— Boa sorte, Dardington. A menos que o humor de lady Meredith tenha melhorado, vai
dar meia-volta e sair logo — brincou Julian.
O marquês viu-o dar as costas e prosseguir caminho. Então, tratou de entrar na sala de
visitas, sem saber o que o esperava.
Mas ficou aliviado ao ver que ali só havia uma pessoa. Lady Meredith, de costas, que
virou-se ante o barulho da porta aberta.
— Boa tarde, milady.
Por um instante a expressão dela foi vazia. Depois, ergueu as mãos e esfregou as
têmporas, resmungando:
— Creio que meu mordomo anda com dificuldade de entender minhas ordens. Quanto
pagou para conseguir entrar aqui?
— Como disse?
— Perkins, meu mordomo, continua aborrecido por causa de um incidente ocorrido há
dias. Sua presença, como a de Julian Wingate e de lorde Fairchild, indica que meu mordomo
ainda não me perdoou.
Meredith cruzou os braços e fitou-o com os lábios cerrados.
— Perkins recebe um bom salário, e não consigo imaginar a quantidade de dinheiro que o
fez esquecer seus deveres. Quanto?
O marquês sorriu. Como sempre ela estava linda. O vestido caseiro simples, de listras
cor-de-rosa e cintura alta, realçava a pele cor de alabastro, delineando as curvas delicadas.
— Uma libra de ouro.
— É mais generoso ou mais desesperado que meus outros admiradores. Só pagaram meio
guinéu.
— Valeu a pena.
Embora a tivesse visto quarenta e oito horas antes, sentia uma enorme necessidade de
estar a seu lado.
Deu um passo à frente, mas, percebendo o que tencionava fazer, conteve-se.
— Talvez deva ter uma conversa com Perkins, milady. Tenho certeza de que, se for
severa, ele não ousará contrariá-la.
— E matar a galinha dos ovos de ouro? — Meredith riu de leve. — Seria muita
crueldade. Nesse ritmo, ele poderá se aposentar com conforto e mudar para o campo antes do
final do ano.
— Eu jamais permitiria tamanha insolência por parte de um serviçal — redarguiu o
marquês, com severidade, embora no íntimo soubesse que seu próprio criado às vezes era um
tirano. — Pode demiti-lo ou mesmo rebaixá-lo de posto.
— Perkins é empregado de meu pai e só precisa responder a ele. Não tenho autoridade
nem vontade de mandá-lo embora. Além disso, prestou-nos um favor vindo para Londres.
Costumava tomar conta de nossa propriedade em Yorkshire e, como deixou bem claro, considera
aquela uma função muito mais elevada. Perkins veio para cá há pouco tempo, quando nosso
mordomo anterior adoeceu.
O marquês não pareceu convencido.
— Ficaria preocupado com tamanha falta de obediência e lealdade sob meu teto.
— Deveria estar satisfeito com a indisciplina de Perkins, porque conseguiu entrar em
minha sala de visitas particular.
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Phillip sentiu as faces em fogo. Deus! Estaria corando?, perguntou-se, muito sem jeito.
— Sim, creio que não é bonito denunciar meu comparsa.
Mas Meredith continuou a encará-lo, séria, e isso o constrangeu ainda mais.
— Diga-me, milorde, qual a urgência para vir aqui e subornar minha criadagem?
Phillip fez um gesto em direção ao sofá.
— Posso me sentar?
— Se é necessário... Pensei que não fosse se demorar muito.
O marquês dirigiu-lhe um olhar divertido, e postou-se de pé na frente do sofá.
Após um instante, Meredith deixou-se cair em uma poltrona, parecendo enfastiada, e
Phillip admirou-se pelo fato de que, apesar de não se esforçar, cada gesto seu era gracioso e
elegante.
— Por que Julian Wingate estava aqui?
— Não é de sua conta, milorde.
— Imaginei que Wingate estivesse noivo.
— Sim, e conheço a moça. É cunhada de minha grande amiga, o que piora mais ainda a
situação.
— Como assim?
Meredith deu de ombros, pretextando pouco-caso.
— Embora correndo o risco de parecer antiquada, sinto que suas intenções a meu respeito
não são apropriadas para um cavalheiro que vai se casar.
— Acha que abandonará a noiva se milady o favorecer? Está encorajando-o?
— O sr. Wingate não veio me oferecer casamento.
Phillip levantou-se de um salto.
— Irá pagar por isso! Vou desafiá-lo para um duelo!
— Ora, sente-se, milorde! O que esperava? Depois de sua cena no parque, tenho recebido
propostas nada respeitáveis. Ontem à noite, no teatro, nenhuma dama de moral me dirigiu a
palavra. Foi como se fosse invisível.
— E sua reputação?
— Arruinada, creio. Apesar de um dia poder ser recuperada, nunca se sabe. — Meredith
passou a língua de leve nos lábios. — Não me importo muito com isso, e falo sério. Jamais
gostei muito da vida em sociedade, mas confesso que preferiria ser eu a esnobá-la. Preocupo-me
com as consequências disso para meus irmãos. Já alguns pais proibiram as filhas solteiras de
conversar com os gêmeos.
— Seus irmãos são muito jovens para pensar em casar.
— Pode ser. Todavia, aprendi com o passar dos anos que portas fechadas na sociedade
não costumam se abrir de novo. Não desejo esse destino para Jason e Jásper.
Baixou os olhos e alisou as saias. Tentava demonstrar não se importar, mas era evidente
para o marquês que ficou muito aflita e infeliz.
— Sabe do que precisa, milady? Lembra-se do que nos fez entrar nesse redemoinho
desde o início? — Estendeu a mão e ajeitou uma mecha dourada que emoldurava o rosto de
Meredith.
Ela o fitou, surpresa. Uma grande ternura e forte desejo o envolveu. Segurando-lhe as
faces rosadas, inclinou-se ainda mais e beijou-a nos lábios.
Não sabia se Meredith aceitaria a carícia. Sentiu-a enrijecer, hesitar, mas então, para sua
alegria e alívio, consentiu. O gosto de sua boca o deixou tonto, enchendo-o de prazer. Passou-lhe
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um braço pelas costas, aproximou-a, e continuou a beijá-la devagar, até ouvi-la gemer.
Lady Meredith era uma mulher quente, e desejava-a de uma maneira alucinada, Phillip
percebeu, sem entender o motivo daquilo.
Com delicadeza, tocou-lhe a linha do pescoço e deslizou os lábios até ali, e Meredith
enlaçou-lhe os ombros. O marquês aspirou-lhe o perfume, e sentiu-se na beira de um abismo.
Afastou-se com gesto abrupto. Se não se dominasse, acabaria seduzindo-a ali mesmo, no
sofá da sala.
Seus olhares se encontraram, e Phillip achou-a mais bela do que nunca. Pigarreou.
— Em meio a toda essa confusão e miséria, deixou de ver a solução mais simples e
direta.
— Sério? — sussurrou Meredith.
— Sim. Podemos nos casar.
Foi a vez de Meredith se afastar com um repelão, espantadíssima.
— Está brincando!
— Falo com toda a seriedade.
Não era a primeira proposta de matrimônio que Meredith recebia. Só no ano em que
debutara houve cerca de meia dúzia. Jovens de olhar apaixonado que caíam de joelhos a seu pés,
viúvos maduros que falavam de companheirismo e segurança, aventureiros que prometiam se
emendar e se transformar em pilares da alta sociedade... Todos invadiram aquela mesma sala de
visitas.
Recebera centenas de elogios a sua beleza, seu espírito e seus encantos. As propostas
eram variadas, porém em um aspecto nunca mudavam. Sempre a deixavam um tanto divertida e
muito indiferente.
Porém as palavras do marquês de Dardington, ditas de um modo até mesmo banal,
provocara outra reação. Haviam aberto um leque de possibilidades no coração de Meredith e
criado uma enorme excitação.
No entanto, sua união seria um desastre para ambos.
— É uma sugestão absurda, milorde.
Dardington inclinou-se e beijou-lhe a mão.
— Tem certeza, Meredith? Prometo que não será tão terrível ser minha esposa. Jamais a
obrigaria a ser obediente e submissa.
— Aí repousa o dilema, porque espero isso do senhor.
— Submissão? Obediência?!
O marquês sorriu, e o charme do sorriso a envolveu. Em breve beijaram-se de novo.
Meredith tocou-lhe o tórax e sentiu sua força, por seu lado achando-se fraca demais para afastar-
se ou resistir.
O instinto falou mais alto, e agarrou-se ao marquês, que acariciou-lhe os seios com dedos
experientes, fazendo-a arquear a cabeça para trás, gemendo. Com um murmúrio abafado, Phillip
a tomou nos braços e a fez sentar-se em seu colo. Meredith sabia que devia protestar, mas não o
fez.
"Isso é loucura!", bradou em silêncio, ouvindo a voz da consciência. De repente,
desvencilhou-se do abraço e ficou de pé, confusa, quase caindo no chão, tamanho era o tremor
que a invadia. Era difícil raciocinar com clareza naquele momento, mas esforçou-se.
Um casamento entre os dois não poderia acontecer. Tentou enumerar as desvantagens,
mas não foi capaz sequer de ignorar o calor que se irradiava do corpo viril a sua frente. Era
preciso se manter no controle.
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Como poderiam se casar? Quando o desejo passasse, estaria presa a um homem que não a
amava, e nada poderia ser pior.
Sabia que Phillip era capaz de levar uma mulher às alturas da paixão, porque
testemunhara a felicidade de Lavínia, mas não se iludia e entendia que jamais desfrutaria do
amor que o marquês dedicara à falecida esposa.
Dardington mudara muito após a morte de Lavínia, para pior, e o Phillip do momento não
seria um bom marido, concluiu. O que aconteceria com ela se se casassem? Além disso, também
tinha seus defeitos e não seria uma boa esposa.
— Agradeço a honrada solução que propôs para minhas dificuldades, sir, mas não deve
se sacrificar por minha causa. Seria tolice transformar esse escândalo em infelicidade por toda a
vida.
— Não seja dramática! E não aceito um não como resposta.
Porém o bom senso de Meredith dizia-lhe que agira bem. Então por que se sentia uma
covarde? O sorriso de Phillip era divertido, mas seus olhos revelavam uma certa mágoa ou
frustração.
Meredith manteve-se firme, fitando-o decidida, enquanto o marquês ajeitava as roupas
que ela ajudara a amassar com os beijos e abraços. Piscou diversas vezes, evitando a emoção que
a invadia.
— Agradeço pela visita, milorde. — E fez uma mesura elegante.
Dardington aguardou um instante, procurando ler seus pensamentos, e depois se
levantou, deu meia-volta e saiu da sala sem uma palavra.
Meredith ouviu os passos se distanciando na escada, e em seguida a porta se fechando.
Imaginou se o veria de novo. Era muito provável, pelo menos em alguma festa, rodeados
de pessoas. Mas era possível que jamais ficasse a sós com Dardington outra vez.
E essa possibilidade causou-lhe uma sensação de vazio e tristeza.
Esperando se acalmar, Meredith tomou um longo banho de espuma após o jantar.
Reclinada na beira da banheira de porcelana, deixou a água esquentar seus ossos e liberar a
tensão. Contudo, apesar de o banho relaxar seu corpo, de nada valia para sua mente.
Foi para a cama logo em seguida, e lá ficou, sem conseguir dormir, até que um barulho
do lado de fora do quarto a assustou.
Vozes que conversavam, primeiro em tom baixo, depois elevando-se aos poucos.
Meredith virou-se de lado, tentando ignorar o rumor, mas não conseguiu.
Eram duas pessoas que falavam, talvez três. Uma devia ser de Rose, sua criada, mas não
tinha certeza. Cansada, afastou as cobertas e levantou-se, indo, descalça, até a porta.
Abriu-a com um repelão, disposta a reprovar os faladores no corredor, mas para seu
espanto não viu ninguém. Surpresa, aventurou-se no corredor escuro.
— Quem está aí? — chamou, quase pulando ao ouvir o próprio eco.
Não houve resposta, mas Meredith piscou ao avistar uma sombra, e sentindo um calafrio
percorrer-lhe a espinha.
— Quem é? Identifique-se logo! — bradou com severidade, enfiando as mãos nos bolsos
do roupão para disfarçar o tremor.
— Desculpe-me, milady. Sou eu: Rose.
— Quem está com você?
Rose sussurrou algo para a outra pessoa.
— Eu, lady Meredith.
— Perkins?!
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Basso

Assim dizendo, Meredith reentrou no quarto, a fim de evitar que o mordomo a visse
naqueles trajes.
— Lamento se a acordamos, senhora.
Meredith estremeceu mais uma vez. Algo na voz do mordomo não estava certo.
— Aconteceu alguma coisa, Perkins?
Rose adiantou-se, amedrontada.
— Lorde Fairhurst e o sr. Jason, milady.
Meredith saiu do quarto, sem se importar com mais nada.
— O que houve com meus irmãos?
— Nada. — Perkins se aproximou também. — Comentários levados muito a sério.
O mordomo dardejou um olhar severo para Rose, e Meredith viu que a jovem criada se
encolhia de medo.
— Expliquem-se.
Perkins suspirou.
— Parece que um membro da criadagem viu seus irmãos saindo há meia hora, e ficou
preocupado. Despertou outros criados, e tive de acalmar a situação.
— Saíram? Por certo houve um engano. A esta hora meus irmãos costumam chegar em
casa.
O mordomo sorriu de leve e deu de ombros. Rose cerrou os punhos.
— O que estão escondendo de mim?
— Haverá um duelo, milady! Lorde Fairhurst e o sr. Jason vão vingar o insulto a sua
honra. Um de seus irmãos duelará com o marquês de Dardington, e o outro será o padrinho.
— Rose! — Perkins encarou a pobre moça com severidade.
— George, o garoto das estrebarias, ouviu o criado do sr. Jason dizer ao cocheiro que
contou a Roberts, o lacaio, que por sua vez...
— Conversa de cozinha — resmungou Perkins com desdém. — Instruí Rose para que
não a perturbasse com essas histórias, milady. Lamento tê-la acordado.
Mas Meredith mal o ouviu. Seria verdade? Seus irmãos não eram um modelo de bom
senso, mas não seriam tolos a ponto de se engajar em um ritual ilegal e talvez mortal. Analisou a
empregada. Rose costumava ser ponderada, mas às vezes era dramática e dada a mexericos.
Entretanto não havia dúvida que estava muito nervosa, e Meredith sentiu um frio no
estômago.
— E verdade que os gêmeos saíram, Perkins?
O mordomo fez que sim.
— Aonde foram?
— Não sei, milady.
Mas havia também um quê de nervoso em sua entonação.
— Bem, alguém por aqui deve saber. Quero que todos os criados sejam interrogados
agora mesmo. Rose, venha me ajudar a me vestir. Perkins, reúna a criadagem na sala de visitas.
Quando descer, quero saber os fatos.
Lutando contra o pânico crescente, Meredith tratou de se arrumar depressa, mas tudo o
que conseguiu, após interrogar os serviçais, foi descobrir que o duelo aconteceria ao amanhecer.
Ninguém sabia onde.
— Lamento, lady Meredith — disse Perkins, com tristeza. — Talvez os criados
particulares de lorde Fairhurst e do sr. Jason pudessem ajudar, mas saíram também, como pude
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verificar em seus aposentos.


Uma sensação de impotência tomou Meredith, que tentou descartá-la. Tinha de pensar, e
rápido. Vidas dependiam de sua pronta ação.
— Necessito dar um fim nessa loucura. Em sua opinião, Perkins, qual o local mais
provável de esse duelo acontecer?
— Como essa atividade não é bem vista, costuma dar-se em lugares privados. E, como os
cavalheiros não saíram há horas, devem estar perto de Londres. Daria tempo de alcançá-los, se
soubéssemos que direção tomar.
— Nesse caso, preciso descobrir onde procurar. E depressa!
Meredith mandou chamar a carruagem. Estremecendo, saiu para o frio da rua e examinou
as mansões adormecidas na praça, detendo o olhar em uma delas.
Pertencia ao duque de Shrewsbury, e Julian Wingate dissera-lhe que estava morando ali,
pois o duque era seu avô materno. Ousaria procurá-lo àquela hora da madrugada?
O cocheiro de Meredith bateu na porta e foi atendido por um mordomo sonolento. Os
dois serviçais trocaram rápidas palavras, e o cocheiro aproximou-se da janela do veículo.
— O sr. Wingate não está, mas seu criado falará com a senhorita, milady.
Meredith deixou escapar um suspiro de alívio. Em minutos, o mordomo surgiu, sendo
convidado a entrar na carruagem.
— Bondade sua vir falar comigo. Meu assunto é bastante delicado, senhor...
— Hawkins, milady.
— Tem irmãos, sr. Hawkins?
— Uma irmã.
— Sendo assim, compreende as responsabilidades de família. Amo meus irmãos e temo
que tenham se metido em problemas sérios. Ouvi rumores sobre um duelo que deve ocorrer esta
manhã. Esperava que o sr. Wingate pudesse me dar informações a esse respeito.
Hawkins semicerrou os olhos.
— Meu patrão não se envolve nessas atividades ilegais.
— Lamento se não me fiz compreender. Não estou afirmando que o sr. Wingate irá
duelar. Tenho certeza de que é um cavalheiro muito sensato, mas imaginei se saberia de alguma
coisa, assim como o senhor, quem sabe...
— Pode ser que saiba.
Meredith teve ímpetos de gritar de desespero. O homem não tinha obrigação de lhe
revelar nada, e ia começar a remexer nos cordões da bolsa de moedas que trouxera, mas resistiu
em oferecer dinheiro.
Embora seus próprios criados aceitassem suborno com facilidade, suspeitava que
Hawkins fosse diferente. Parecia um homem muito ciente de própria importância, e se o
insultasse jamais diria nada.
— Sei que só posso confiar em uma pessoa como o senhor para me auxiliar nesse assunto
tão delicado. Irá me ajudar, sr. Hawkins?
A expressão dele continuou impenetrável, mas quando Meredith estava prestes a lhe
oferecer dinheiro, Hawkins falou:
— Creio que se for até uma grande clareira na parte sul de Hyde Park encontrará o que
procura, milady.
— Serei eternamente grata! — murmurou Meredith, emocionada.
O criado inclinou a cabeça e saiu do coche. Em seguida, Meredith deu ordens ao cocheiro
para prosseguir.
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Os primeiros raios do sol surgiam no horizonte, e as pedras nas ruas adquiriam uma
coloração amarela e avermelhada.
Em qualquer outro dia, Meredith apreciaria o amanhecer, mas nesse momento estava
preocupada demais. O tempo avançava.
Imaginou um dos irmãos muito ferido, caído na grama e imóvel, com o sopro da vida a
abandoná-lo. Poderia ser tanto Jásper quanto Jason. Ou mesmo Phillip.
Cerrou as pálpebras e estremeceu, tentando se dominar ao pensar no marquês morto.
Por fim, chegaram ao parque, e, ao fazerem uma curva, Meredith esticou o pescoço para
fora da janela, aflita, em busca dos três, mas só viu brumas e névoa.
Gritou para o cocheiro:
— Ali! Na extremidade daquele gramado. Consegue vê-los?
— Sim, milady. Segure-se!
Meredith agarrou-se às bordas do assento, e o veiculo de inclinou para um dos lados. A
esperança enchia seu coração, pois havia um grupo de homens no lugar, todos de pé... ainda.
— Deixe-me descer aqui — pediu, temendo que o coche tão pesado demorasse a chegar à
grama.
Sem se importar com a própria segurança, saltou com as rodas ainda em movimento.
Assim que seus pés tocaram o solo, arregaçou as saias e começou a correr.

Capítulo VIII

Phillip Morely, marquês de Dardington, mantinha o bom humor, ao aguardar de pé, na


grama de Hyde Park. Era o início da manhã, e as cores brilhantes do sol faziam-no recordar seu
quadro favorito, uma paisagem pastoril pintada por um artista anônimo, no século anterior.
Mais dez cavalheiros ali se encontravam. A maioria conversava com discrição, exceto os
dois mais jovens, engajados em uma discussão acalorada sobre quem teria o privilégio de
defender a honra da irmã.
— Sou o mais velho, Jason. Cabe a mim preservar a reputação da família.
— Sim, e é o herdeiro da fortuna de nosso pai também, Jásper, portanto devo ser eu a
arriscar a vida. Minha morte causaria pouco impacto a nossos parentes.
— Não seja idiota! Meredith jamais me perdoaria se algo de ruim lhe acontecesse. Além
disso, não tenho a menor intenção de me deixar matar ou mesmo ferir. Mais um motivo para
duelar. Você será meu padrinho.
— Mas fiz circular que desafiei Dardington.
— Não fez tal coisa!
— Sim, fiz!
— Bem, mesmo que seja verdade, não faz diferença. Já decidi que serei eu a duelar.
— Ora! Você não decide coisa nenhuma!
O debate entre os gêmeos continuou, cada vez mais acirrado. Em meio à névoa que os
circundava, Philip não conseguia distingui-los, tamanha a semelhança, mas era evidente que
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ambos desejavam se responsabilizar.


— Talvez seja melhor deixar que os irmãos duelem entre si primeiro — observou Julian
Wingate. — Depois você enfrentará o vencedor. Temo que iremos perder o desjejum e o almoço
se esperarmos que tomem uma decisão.
— Não estou com pressa.
Assim dizendo, Phillip deu um passo atrás, franzindo o cenho para Wingate. Ignorava
como ele acabara fazendo parte do grupo, porque não o convidara. No entanto, examinando-o
melhor, viu que só conhecia outro cavalheiro ali presente, além do visconde de Aarons, que
convidara para seu padrinho.
— Se fosse comigo, iria preferir enfrentar Jason, o irmão mais jovem — continuava
Wingate. — Diz-se que é excelente com armas, mas muito emocional. Com braço firme e calma,
poderá atingi-lo dois minutos após o duelo começar, milorde.
Phillip fez um esgar de desagrado.
— Ficou muito tempo nos campos de batalha, Wingate. Todos sabem que em um duelo a
honra pode ser preservada sem que haja morte.
Wingate deu de ombros.
— A honra é apenas uma parte do ritual. Também é muito importante provar a
masculinidade.
Pareceu que o último comentário foi ouvido pelos gêmeos, pois pararam de brigar e
voltaram-se para Wingate com arrogância e desagrado. Phillip precisou morder o lábio para não
sorrir. Os rapazes, com sua postura elegante e orgulhosa, lembravam muito Meredith.
O visconde de Aarons se aproximou, murmurando:
— Agora que pararam de discutir, deixe-me ver se consigo agilizar as coisas. — Levando
muito a sério seus deveres de padrinho no duelo, encaminhou-se para o lado dos gêmeos, e
Phillip viu seu semblante passar de severo para impaciente e, por fim, irritado.
Dessa vez o marquês teve de achar graça ao ver o amigo respirar fundo e retirar uma
moeda do bolso do colete.
— Já decidiram? — Phillip quis saber.
— Finalmente sim — respondeu o visconde. — Forcei-os a tirar a sorte com a moeda.
Lorde Fairhurst irá duelar, e o sr. Jason Barrington será seu padrinho. Imaginei que você não iria
querer se desculpar; portanto, rejeitei essa sugestão que fizeram. Só precisamos agora carregar as
armas e inspecioná-las.
— Esplêndido!
Phillip, sorrindo, estendeu para Aarons sua pistola, que acabara de limpar.
Embora os demais presentes estivessem sem dúvida entediados com a demora, o marquês
se divertia muito. Ficou impressionado com a discussão dos Barrington, e imaginava se não era
um pouco de exibicionismo dos rapazes. Porque, embora os demais ali não soubessem, o
resultado do duelo já fora determinado.
Os irmãos ficaram, de fato, muito aborrecidos com o escândalo que se abatera sobre
Meredith e com a culpa que tinham. Por esse motivo, procuraram o marquês de Dardington na
véspera, a fim de chegarem a uma solução satisfatória.
Phillip sempre imaginara que eram uma dupla de irresponsáveis, mas emocionou-se com
o amor que devotavam à irmã e com sua determinação de fazê-la ter paz outra vez.
Após consumirem vários copos de conhaque, o marquês os surpreendera, dizendo que
pedira lady Meredith em casamento nessa mesma tarde, mas que ela recusara.
— Não me espanta — dissera Jason, irônico. — Merry jamais concordaria com a solução
mais óbvia e simples.
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— Creio que é contra sua natureza — comentara Jásper.


E os três continuaram a beber, procurando uma solução alternativa. Mas, por ter ficado
muito zonzo pela bebida, o marquês não recordava qual dos dois sugerira o duelo.
Assim que mencionada, a ideia foi aprovada com interesse. Na pior das hipóteses, o
desafio desviaria o foco do escândalo, e poderia até suscitar certa simpatia da população
feminina em relação a Meredith. E, sem dúvida, poria um fim à horda de admiradores
indesejáveis que no momento a assediavam.
A conversa impaciente entre os espectadores transformou-se em um sussurro, e o duelo
teve início. Com serenidade, o marquês aceitou de volta a pistola das mãos do padrinho e tomou
posição, de costas para o adversário.
Relanceou um olhar para o médico presente, com sua maleta de primeiros socorros. Se
tudo ocorresse conforme os planos, os serviços do profissional não seriam necessários. Phillip e
os irmãos Barrington haviam concordado que não seria preciso derramar sangue para preservar a
reputação de Meredith.
Até um tiro na perna ou no braço poderia infeccionar, doeria muito e talvez tivesse
consequências fatais. Seria melhor que cada um mirasse o espaço e errasse o alvo de propósito.
Phillip endireitou as costas e caminhou devagar, enquanto Julian recitava as regras do
número de passos a serem dados. Então, voltou-se, ergueu o braço e apontou com cuidado.
Sabendo que seu oponente não desejava feri-lo, era fácil mirar o espaço.
Notou que Jásper também estava calmo, e esperou o sinal para disparar. O silêncio
parecia algo tangível em meio ao alvorecer.
O marquês se mantinha tão concentrado que de início não ouviu o rebuliço ao redor. Ao
erguer os olhos, viu Julian Wingate levantando a mão, suspendendo o duelo.
Foi quando Phillip ouviu uma voz feminina muito agitada:
— Parem! Pelo amor de Deus, parem com essa loucura!
Dardington reconheceu que se tratava da mulher obstinada e cabeça-dura, que escolhia a
dedo os momentos mais inoportunos para aparecer. Viu Jásper titubear, a surpresa estampada no
rosto jovem.
Phillip relaxou um pouco, mas não baixou a arma. Por alguma perversa razão, não
desejava privar lady Meredith da emoção do duelo.
— O que faz aqui? — Julian indagou. — É uma distração indesejável e imprópria, lady
Meredith. Por favor, volte para sua carruagem e vá embora.
Wingate foi apoiado por vários outros cavalheiros que lamentavam a abrupta interrupção.
Meredith silenciou a todos apenas com um olhar. Phillip observou que chegara com as
faces coradas pela emoção, e agora empalidecera ao vê-lo apontando o revólver para seu irmão.
Porém o jeito descontrolado logo desapareceu, e ela respirou fundo, fazendo-o compreender que
voltara a ter controle da situação.
— Todos perderam o juízo?! — gritou, as íris brilhantes de indignação. — Isso não vai
resolver nada!
— Wingate tem razão, Merry — declarou Jásper. — Este não é o lugar apropriado para
uma dama. E assunto de homens. Deve ir para casa já.
— Só partirei se você e Jason me acompanharem.
— Por favor, irmã... — pediu Jason.
Mas Meredith empinou o queixo, desafiadora, e Phillip sentiu uma profunda simpatia
pelo rapaz, pois sabia que seria difícil vencê-la. Com lentidão, baixou o braço. Estava muito
tenso para permanecer na mesma posição.
Jásper fez o mesmo e, ainda que em silêncio, todos entenderam que não haveria duelo
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nessa manhã.
Com passos lentos, os gêmeos se aproximaram da irmã. Os demais formaram um bloco
cerrado, protegendo Meredith de olhares curiosos, mas não conseguiam conter o volume de sua
voz, e as palavras soavam claras, para todos escutarem:
— Disse diversas vezes que o marquês não me insultou, mas vocês não me deram
ouvidos. Se achavam necessário defender minha honra, poderiam ter arrumado uma solução
menos perigosa. Sempre falam com orgulho de sua capacidade de consertar tudo. Um soco no
queixo de lorde Dardington não teria sido suficiente?
— Quê? Está sugerindo que fizesse isso no Clube White?
— Seria preferível a uma bala na cabeça, Jásper.
Phillip não conseguiu refrear a língua.
— Talvez fosse melhor continuarmos a discutir em particular. — Aproximou-se até ficar
frente a frente com Meredith, que lhe lançou um olhar gélido.
— Sua opinião não foi solicitada, milorde. Trata-se de uma questão de família. Interferir
seria de mau gosto.
— Milady não tem o direito de dizer o que é apropriado ou não. O que direi poderá
surpreendê-la, mas existem mulheres que conhecem seu lugar no mundo, e que são submissas e
obedientes.
— Rezarei por essas pobres almas na igreja, no próximo domingo. Se me der licença,
acompanharei meus irmãos até nossa residência antes que mais alguma ideia masculina idiota
surja para preservar a honra familiar.
— Não foi só nossa culpa — choramingou Jásper, seguindo-a como um cãozinho. —
Dardington deu-lhe uma oportunidade para terminar com o escândalo, mas você recusou.
Meredith estacou.
— Não sei do que está falando, Jásper.
— Esqueceu-se de nossa conversa de ontem à tarde, lady Meredith? — Phillip venceu a
pequena distância que os separava e colocou a mão em seu ombro. — Isso me aborrece.
Meredith encarou os irmãos.
— Ele contou a vocês? Sobre ontem?
— Sim. — Jásper cruzou os braços.
Meredith encarou o marquês, confusa.
— Por quê?!
— Eles queriam saber minha opinião a seu respeito, e eu a dei. Não vi mal nisso.
— Não está dizendo coisa com coisa, Dardington. — Julian Wingate tinha chegado perto
sem que ninguém notasse.
Phillip o ignorou, mantendo a atenção fixa em Meredith, muito quieta, os dedos crispados
sobre o manto. O marquês gostaria de saber no que pensava, mas sua expressão era um mistério.
— Se querem saber, o marquês me propôs casamento ontem à tarde. — Meredith fez um
gesto displicente com a mão. — Embora não seja de sua conta, sr. Wingate.
— Como assim?! — Julian coçou a cabeça. — Se vai se casar com Dardington, por que
seus irmãos iam duelar com ele?
— Tem razão. Seria um modo bastante peculiar de receber alguém na própria família,
concordo. Mas por certo sabe que nós, os Barrington, somos uma tribo excêntrica e singular.
Os gêmeos olharam para o marquês, espantados. Phillip gostaria de saber se seu rosto
estaria demonstrando o mesmo choque. Porque parecia que lady Meredith acabara de anunciar,
de modo direto, que iria desposá-lo. "Incrível!"
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Foi um matrimônio incomum, considerando-se a nobreza e fortuna dos noivos. Uma


cerimônia apressada, na residência da noiva, com a presença apenas de seus irmãos e um
punhado de criados como testemunhas, porque seus pais continuavam em viagem. Não havia
ninguém da parte do noivo.
A licença especial fora obtida pelos gêmeos, que tiveram um dia muito agitado. Um semi-
duelo pela manhã, preparações secretas e rápidas para o enlace até o meio-dia e uma cerimônia
muito particular à tarde.
Meredith observou Jason, Jásper e Phillip brindando com champanhe, e disse a si mesma
que tomara a decisão certa. O casamento com o marquês manteria os irmãos afastados de duelos
por sua honra, e daria um basta aos falatórios que acabariam por arruinar a reputação dos
Barrington.
Jamais sentira tanto medo como nessa manhã, ao deparar com Jásper e Phillip se
confrontando, as pistolas apontadas um contra o outro. A visão fora tão apavorante que quase
desmaiou. E pensar que a brincadeira ousada do beijo terminaria por conduzir os irmãos a um ato
tão perigoso a fazia estremecer. Soubera, naquele momento, que apenas sua união com
Dardington salvaria a situação.
Baixou o olhar para o buque de violetas que segurava: um presente do marquês, minutos
antes da cerimônia. O gesto romântico a agradara muito, e sentira o rosto afogueado ao aceitar as
flores e agradecer com um murmúrio.
— Venha tomar champanhe, Merry — chamou-a Jásper. — Dardington mandou vir uma
caixa.
— Sim — apoiou Jason. — E se não tomarmos um pouco, teremos de nos banhar com
champanhe mais tarde, como faz o Belo Brummel.
— Errado — Phillip o corrigiu. — Brummel não toma banho de champanhe, mas dizem
que limpa as botas com essa bebida.
Lorde Brummel era famoso pela amizade com o príncipe regente e por sua elegância
inimitável, que ditava moda entre os cavalheiros. Meredith sorriu.
— Sério? Parece-me um grande desperdício.
— Sem dúvida. — Assim dizendo, o noivo encheu uma taça e ofereceu-a.
Os quatro fizeram o cristal tilintar em um brinde, em meio a risadas. Meredith tomou um
grande gole, sentindo uma onda de otimismo. Embora a cerimônia do matrimônio tivesse sido
permeada por longos silêncios, o clima no momento era de descontração e de uma certa alegria.
Entretanto o nervosismo perdurava. E como isso não aconteceria, ante as circunstâncias
de tal enlace?, perguntava-se a noiva. Mas não havia ressentimento, e a estranha noção de bem-
estar dava-lhe esperança.
Sim, aceitara o casamento em parte para salvaguardar os gêmeos e livrá-los de futuras
tolices. Também o fizera pelo marquês, embora duvidasse que viesse a ser a esposa ideal. De
qualquer modo, tinha qualidades para manter um lar confortável.
Haveria companheirismo se Phillip o desejasse, conversas animadas, uma casa
aconchegante quando o marido lá estivesse, e...
Meredith lembrou-se dos beijos quentes e carícias sensuais que trocaram, e estremeceu.
Sim, essa era uma parte da verdade. Casara-se com Phillip por causa dos irmãos, mas em
especial porque seus sentimentos pelo marquês iam além da atração física.
Amava Dardington. Louca, tola e inexplicavelmente, estava apaixonada. Relutara em
admitir essa realidade para si mesma, pois temia as consequências, porém não conseguiu mais
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dominar as emoções, ao perceber que o marquês poderia morrer na disputa. Se tal acontecesse,
não seria mais capaz de enfrentar a vida.
Mas a partir desse momento poderia tentar ser feliz e vê-lo contente. Tomou outro gole
de champanhe, e quase riu alto. Como era presunçosa! Mas tinha de tentar.
Não era como as outras noivas, cheia de ilusões falsas sobre um futuro de felicidade
constante. Achava-se preparada para enfrentar desafios e dificuldades nos tempos difíceis.
Sentiu que o marido a fitava. Phillip vestira-se com muita elegância, com paletó preto e
colete bordado, e era uma bela visão masculina.
— Mais champanhe?
Meredith voltou à realidade e estendeu a taça para o marido. Analisou-lhe os traços viris
e murmurou um obrigada. Phillip parecia preocupado, como se desejasse adivinhar seus
pensamentos, mas ela mesma sentia-se confusa e inquieta demais.
Então, Dardington ergueu sua taça, saudou-a e sorriu, fazendo-a esquecer todos os
temores. Aliviada, levou a bebida à boca e bebeu tudo de um só gole.
Uma hora depois da cerimônia, Jason fez uma pergunta inocente, mas vital. Onde os recém-
casados iriam morar?
— Já não tenho uma casa em Londres, mas possuo três propriedades, duas muito
espaçosas. A mais próxima fica em Devon. Gostaria de morar lá, Meredith?
— A partir de hoje?
— Podemos viajar dentro de uma hora. — O marquês coçou o queixo. — Embora visite
pouco a mansão Hawthorne, tenho uma ampla criadagem ali, pronta a nos receber com conforto
mesmo com aviso de última hora.
— Até quando ficaríamos lá?
Phillip deu de ombros.
— O tempo que quiséssemos. Mas se não gostar de Hawthorne, poderemos visitar
Chester House, ou o castelo de Billingsworth.
— Essas propriedades são próximas umas das outras?
— Não muito. O castelo é muito pitoresco, se a vida no campo a agrada. Aprecia o
interior? Talvez prefira ficar na cidade, pelos menos por enquanto. A temporada de festas mal
começou.
— Os eventos sociais não me atraem muito. Porém não desejo dar a impressão de que
estamos fugindo de alguma coisa, viajando para o campo de uma hora para outra.
— É minha esposa agora, a marquesa de Dardington. Está sob minha proteção e acima de
comentários maliciosos.
Meredith percebeu que falara sem pensar, mas no íntimo refletiu que o casamento seria
um motivo ainda maior para comentários e especulações. Mas não desejava começar a primeira
discussão com o marido, muito menos na frente dos irmãos.
— Nesse caso, estarei pronta para partir para Hawthorne quando desejar, milorde.
— Ótimo. Ficarei feliz em escoltá-la, e deixarei instruções para os criados a levarem às
outras propriedades quando quiser.
— Mas não irá me acompanhar nessas viagens?
O marquês lançou-lhe um olhar de interrogação, porém nada disse, e seu silêncio
constrangeu Meredith. De repente, o clima na sala ficou tenso outra vez. Por fim, sem resistir,
Meredith indagou:
— Pretende retornar a Londres sem mim?
— Claro.
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— Quando?
— Não tenho certeza. É provável que em uma semana. Duas, no máximo.
— E serei deixada no campo? Em Hawthorne? — Meredith sentiu o estômago
embrulhado e a boca amarga.
— Não fique tão espantada, milady. Garanto que é um excelente lugar. E já lhe dei
permissão para visitar as outras propriedades quando bem quiser.
— E se eu desejar vir para Londres também?
Phillip franziu a testa.
— Acabou de dizer que não sente atração pela cidade.
— E se quiser ficar ao lado de meu marido? Faço objeção em ser deixada no campo
enquanto milorde passa os dias e as noites na grande metrópole... sem sua esposa.
— Também acabou de dizer que não aprecia as festas.
— É verdade, mas confesso que as atividades de meu marido me interessam.
A resposta direta o pegou desprevenido, e Meredith aproveitou-se disso.
— Não faz sentido fazermos uma longa viagem para o campo quando ambos não
planejamos permanecer por lá. É melhor continuarmos na capital. — Começava a se cansar de
manter a voz no mesmo nível frio e arrogante do marido. — Como milorde não possui
acomodações apropriadas, prepararei um aposento para nós dois aqui em minha residência.
Ficará confortável.
Sem esperar resposta, virou-se para os gêmeos, que a encararam com expressão de
simpatia, o que a aborreceu. O que mais detestava era inspirar piedade.
— Não irei impor minha presença a meus sogros — dardejou o marquês. — Mesmo
porque seus pais não estão aqui para dar sua permissão.
— Somos uma só família agora, Phillip. Eu mesma posso lhe dar toda a permissão que
deseja.
O rosto sombrio do marquês denotava que não gostou do que ouviu.
— Ficaremos aqui apenas o suficiente para seu administrador nos conseguir moradia —
acrescentou Meredith, às pressas.
— Mande sua criada preparar suas malas.
O tom de autoridade e teimosia era patente. Meredith fez uma cortesia e deixou a sala,
mas logo retornou com seu novo manto de passeio e chapéu combinando.
— Disse a Rose para fazer uma mala pequena com o necessário para alguns dias. O resto
poderá seguir mais tarde.
Meredith sorriu. Será que Phillip esperara uma insubordinação? Que ela se atrasasse até o
momento em que não fosse mais possível viajar? Ou que se trancasse no quarto em desafio a sua
ordem?
Logo chegou a hora de partir. Houve beijos e abraços por parte dos irmãos, e Meredith
agarrou-se a eles, espantada com a própria emoção. Jamais imaginara que seria tão difícil deixar
seu lar.
— Desejamos-lhes felicidades — sussurrou-lhe Jásper a seu ouvido. — Mas se precisar
de nós, por qualquer motivo, avise. É nossa irmã, e sempre a amaremos.
— Sei disso. — Apertou os ombros largos de Jásper, enquanto o marquês a observava
com paciência. — Estou pronta, milorde.
— Então venha, milady. Faz-se tarde e temos uma grande surpresa para anunciar a meu
pai.
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Capítulo IX

O remorso que o marquês sentira por ter sido impulsivo e apressado, casando-se com
Meredith Barrington, pareceu crescer dez vezes à medida que a carruagem se aproximava da
mansão do pai. Explicara às pressas que preferia levá-la à residência do duque e apresentá-la
logo a ele.
— O duque nos aguarda? — perguntou a noiva, com curiosidade, enquanto um
verdadeiro exército de criados de libré se aproximava para receber o coche.
— Não creio. Não tive oportunidade de informá-lo sobre nossa chegada. Ou mesmo
sobre nosso casamento.
As últimas palavras foram ditas em um fio de voz, quando o veículo cruzava os portões
da mansão. Phillip viu Meredith prender a respiração, e então fitou-o de olhos arregalados de
espanto.
Ele suportou-lhe o olhar, esperando que começasse uma discussão sobre o fato de não ter
sido anunciada, mas após um instante ela pareceu divertida.
— Covarde... — murmurou.
O marquês engoliu em seco, e apearam da carruagem.
Foram conduzidos até o duque no salão verde, assim chamado pela predominância da cor
nos estofados, tapetes e cortinas. Quando criança, Phillip costumava ficar zonzo com aquele
colorido, à medida que o sol penetrava pelos vitrais.
Saudou o pai com um cumprimento polido, percebendo que, mesmo adulto, ainda se
sentia encantado com as tonalidades do recinto.
— Chegou cedo, Phillip, embora admita que é melhor do que chegar atrasado ou não vir.
— Deu um passo à frente, e estacou, ao perceber que o filho não viera sozinho. — Não fui
informado de que traria uma convidada para minha festa.
"Deus! O jantar para o qual meu pai me convidou!" Como pudera esquecer do evento
daquela noite? Fez uma careta de desagradado. A hora para anunciar seu casamento não poderia
ser pior. Pois o pai esperara apresentá-lo à moça que considerava sua noiva ideal.
O marquês não era dado a crises de pânico, mas era isso o que sentia nesse instante.
Tratou de se controlar.
— Não viemos para seu jantar, milorde.
— Por que não? Disse-lhe que era importante há três dias.
Phillip deu de ombros, deixando claro que as ordens do pai não importavam muito.
— Desculpe-me, sir — interrompeu o mordomo, entrando e fazendo um cumprimento.
— A sra. Pritcher quer saber para que aposentos deve levar a bagagem dos recém-chegados.
— Bagagem? — O duque franziu a testa, e sorriu. — Pretende voltar a morar aqui, filho?
— Lançou um olhar benigno para Phillip. — Temia que nunca recuperasse o bom senso. São
grandes novidades, rapaz! Estou contente!
O marquês, lutando para se recompor, acenou para o mordomo.
— Decidiremos sobre isso mais tarde.
No instante em que o serviçal saiu da sala, Phillip deu um passo à frente e tomou a mão
da esposa. Apesar do calor agradável ali dentro, sentia os dedos gelados.
— Viemos comunicar uma grande novidade, sem dúvida, mas não o que está pensando,
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Basso

meu pai. Casei-me com lady Meredith há algumas horas.


— O quê?! — O duque arregalou os olhos, horrorizado. — Casou-se com essa mulher
depois de eu ter lhe dito para se afastar dela? É incapaz de seguir um só de meus conselhos?! Ou
está decidido a me fazer ir para o túmulo mais cedo?!
— Não sou mais um menino, mas um homem de trinta anos. Sua aprovação não é
necessária para nada que eu faça. Pensei apenas que seria mais cortês ouvir a novidade de minha
boca do que ler a respeito no Times de amanhã. Entretanto talvez tenha me enganado.
O duque fitou o ventre de Meredith, esperando vê-lo já inchado pela gravidez.
— Qual o verdadeiro motivo dessa união tão apressada e em segredo?
Phillip sentiu um aperto no estômago, temendo que Meredith perdesse a paciência e
dissesse poucas e boas para o duque, mas o brilho no olhar da esposa só indicava altivez e
determinação.
— Gostaria de lembrar aos cavalheiros — disse ela, com calma — que não sou surda
nem idiota, e que posso ouvir e entender muito bem cada palavra desagradável a meu respeito.
Ainda bem que sou uma mulher prática e realista, e não esperava ser recebida de braços abertos
por sua família, meu marido.
Vendo que pai e filho permaneciam calados, respirou fundo e prosseguiu:
— Apreciaria se parassem de discutir a meu respeito, como se eu estivesse longe daqui,
do outro lado do oceano, e incapaz de me ofender de tantos comentários rudes e acusações
infundadas.
— Meus comentários têm fundamento, sim. Você ficou a sós com meu filho no jardim de
lady Dermond, durante um baile, e retornou ao salão com aparência desleixada e descabelada.
— Mexericos, milorde. Ninguém nos viu no jardim.
O duque comprimiu os lábios.
— Tem certeza?
— Absoluta. — Meredith enfrentou o olhar do nobre com decisão. — Embora possa não
gostar de ter-me como sua nora, pelo menos deve apoiar seu filho contra os que enxovalharem
nosso bom nome. Seu bom nome também.
A tirada de Meredith foi tão surpreendente que deixou o duque sem fala. Phillip observou
o rosto do pai ficar pálido e em seguida vermelho. Divertido, deu-se conta de que era a primeira
vez na vida que via o duque de Warwick ficar sem jeito e corar.
Relanceou um olhar para a esposa, sentindo um súbito orgulho. O pai tinha de admitir
que seu gosto por mulheres era impecável. Meredith era linda, controlada, digna e possuía uma
rara combinação de elegância e feminilidade.
— Trata-se de um assunto de família, milady. Nada que interesse a sua bela cabecinha.
— Obrigada pelo elogio, milorde, mas se nos concedesse um minuto, o marquês
explicaria tudo.
— Sério? — Warwick arqueou uma sobrancelha, com sarcasmo.
— Na verdade, nada existe para explicar. — Phillip começava a se aborrecer também.
Não podia ficar parado ali, como uma criança que tivesse agido mal, nem permitiria que sua
esposa fosse destratada. — Pedi que lady Meredith se casasse comigo sem demora, e ela
aquiesceu. Decidimos que hoje seria perfeito, e lamento se isso o ofendeu, meu pai, mas a
situação não mudará.
As feições do duque enrijeceram, e o marquês deu meia-volta para partir. Chegara a
imaginar que o pai aceitaria o enlace, mas parecia que fora otimista demais. Desse modo, era
melhor ir já, antes que perdesse a dignidade.
— Podemos ficar para o jantar, milorde?
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Basso

A voz suave de Meredith ecoou pelo salão silencioso, e Phillip abriu a boca para replicar,
mas sentiu que a esposa apertava seu braço com força. Observou o queixo do duque tremer.
— Meu mordomo falou que trouxeram bagagem. Parece-me que vieram para ficar mais
tempo do que um simples jantar.
— Seria rude nos impormos quando não somos bem-vindos, porém também acabaríamos
sendo indelicados se fôssemos embora agora. Por isso mencionei o jantar.
— Esta é sua casa — resmungou o duque.
Meredith fitou o marido com uma postura modesta de esposa dedicada, que quase o fez
rir.
— Milorde?
Phillip passou os dedos pelos cabelos, atônito. Dada a reação do pai ante o anúncio da
união, esperara que Meredith desse as costas e partisse. No entanto, por algum motivo secreto,
ela parecia disposta a ficar de qualquer jeito.
— Ficaremos honrados em permanecer para seu jantar, meu pai.
— E sua bagagem? — o duque quis saber.
— Também apreciaremos permanecer em sua residência por algum tempo.
Um brilho de alívio surgiu nas íris do nobre, acentuando as rugas junto aos olhos. Nesse
breve segundo, Phillip percebeu algo a respeito do pai que o surpreendeu. O duque podia não
estar contente com o casamento, mas desejava que o casal permanecesse ali.
Contudo era um homem que não sabia pedir, apenas comandar, e essa abordagem sempre
entrara em choque com o caráter também voluntarioso do filho.
— A refeição será servida às sete horas — disse Warwick. — Sou velho e mantenho
horários simples.
— Estaremos prontos, senhor meu pai. Um jantar tão cedo será ótimo para nós. Afinal, é
nossa noite de núpcias.
Meredith, por um momento, permaneceu estática, o rosto uma máscara misteriosa. Em
seguida, empinou o queixo e caminhou para a porta com atitude displicente, como se o anúncio
do marido tivesse sido muito banal.
Pela primeira vez em anos, o marquês de Dardington sorriu com verdadeira alegria, e
apressou-se a segui-la.
— Poderia ter me avisado — Meredith murmurou entre os dentes cerrados.
— Sobre o quê?
— Seu pai. Ele não gosta de mim.
— Nem sequer a conhece.
— Isso mesmo. — Sorriu, mas voltou a franzir a testa. — É óbvio que não sou ingênua
para esperar ser recebida com beijos e abraços, se levarmos em consideração as circunstâncias
estranhas de nosso matrimônio. Porém cheguei a crer que iria exigir que eu usasse a entrada dos
criados para garantir que ninguém me visse em sua companhia.
Phillip pareceu confuso.
— Se a deixou tão aborrecida, por que pediu para ficar para o jantar?
— Porque me pareceu que sua presença é muito importante para o duque.
— E o que isso lhe importa?
Meredith lançou-lhe um olhar que o fez se sentir um menino tolo.
— É seu pai. E seu dever, e não meu, tentar agradá-lo, em especial quando isso é tão
fácil,
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— O motivo de me ter convidado foi para me apresentar a uma moça que considerava
apropriada para se casar comigo.
— O quê?! Que mentalidade medieval! Escolher uma noiva para o filho!
Phillip sentiu-se aliviado com a resposta irônica, pois temera que Meredith resolvesse
partir. Todavia ela permaneceu em silêncio ao seguirem pelo longo corredor da ala leste da
mansão, que fora projetada para abrigar o herdeiro do conde, ou o próprio Phillip.
Anos antes, o duque a remodelara e redecorara com a esperança de o marquês logo trazer
sua mulher para ali morar, mas Lavínia morrera meses mais tarde, antes que as obras
terminassem. A partir de então, Phillip sempre se recusou a viver na mansão, mesmo que o pai
rogasse.
Mas fora só até esse dia. Caminhando com Meredith, começou a observar detalhes da
decoração que haviam sido escolhidos por Lavínia. Tinham sua marca de elegância e qualidade.
Enrijeceu por um momento, quando a governanta, a sra. Pritcher, abriu as portas da suite
principal, esperando ver-se inundado de tristes recordações. Entretanto os cômodos decorados
em tons de azul, ouro e marfim não lhe eram familiares.
— Talvez não se lembre, milorde, de que são dois quartos separados, uma sala de visitas
e closet para a senhora, outro para o senhor, mais seu escritório.
À medida que falava, a sra. Pritcher andava de um lado para o outro, abrindo e fechando
mais portas. Por fim, a apresentação terminou.
— Os cômodos estão em excelente estado, sra. Pritcher. Eu a parabenizo, bem como a
sua equipe de empregados.
— Obrigada, milady. — A governanta rechonchuda fez um rápido cumprimento, e olhou
para o marquês. — Se me permitem, gostaria de cumprimentá-los pelo casamento.
— É muito gentil. Eu e lady Meredith agradecemos.
A senhora sorriu.
— A criada particular de milady está na cozinha tomando um chá. Vou mandá-la subir
com outras duas arrumadeiras, para desfazer suas malas. Deseja mais alguma coisa?
— Nada me ocorre, porém tenho certeza de que a senhora providenciará tudo o que for
necessário — Meredith afirmou, com delicadeza.
A governanta pareceu muito contente com a resposta, e saiu da sala fazendo várias
mesuras.
— Gostou das acomodações?
— São maravilhosas! — Meredith começou a circular pelo ambiente, mas parou no ato
de segurar um enfeite de porcelana sobre a lareira, perguntando, preocupada: — São estes os
cômodos que compartilhava com Lavínia?
— Esse era nosso plano original. Mas, em Londres, morávamos em uma casa que adquiri
antes de casar, em Berkeley Square. Meu pai estava preparando esta ala para nós, quando
Lavínia morreu.
— Lembro-me de sua residência. Lavínia a chamava de paraíso em meio ao burburinho e
barulho da cidade. O que aconteceu com ela?
Phillip deu de ombros. Não pensava na casinha encantadora fazia muitos anos.
— Vendi uma semana após a morte dela. Era-me impossível entrar ali sozinho.
Meredith cerrou os lábios.
— Se o perturba, podemos ficar em outra parte da mansão de seu pai. Ficarei feliz em
organizar tudo com a sra. Pritcher, sem incomodá-lo.
Meredith tentava facilitar as coisas para Phillip e, sem entender por que, isso o irritou.
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— Lavínia foi minha esposa. É impossível apagar todas as recordações que deixou,
mesmo agora que você ocupou seu lugar.
Meredith respirou fundo.
— Era minha melhor amiga, milorde. Eu a amava também, e jamais pretenderei esquecê-
la ou fazer com que você a esqueça.
Phillip viu Meredith empalidecer, e os belos olhos se escureceram de dor. Experimentou
uma grande necessidade de apertá-la entre os braços e aceitar o apoio e o alívio de que ambos
precisavam com tanto desespero.
Mas não conseguiu. Ignorando o coração acelerado, o marquês forçou-se a permanecer
impassível. Casara-se com Meredith Barrington para evitar um escândalo e cancelar sua parcela
de culpa na situação. Não seria bom deixar que emoções tão fortes permeassem o
relacionamento.
Assim, dirigiu-se à passagem que levava aos dormitórios, sentindo-se pouco à vontade. A
expressão triste de Meredith o assombrava.
— Virei procurá-la dentro de duas horas para descermos para a refeição.
— Estarei pronta.
De costas para a nova esposa, o marquês acrescentou:
— Não tenho dúvida de que encantará a todos os presentes.
— Incluindo o duque?
— Em especial meu pai.
O rumor de saias de seda informou-lhe que ela se aproximara, mas recusou-se a se voltar
e fitá-la. Esperou que Meredith o tocasse, porém isso não aconteceu.
— E encantarei também o filho tristonho, selvagem e aventureiro do duque?
Phillip cerrou os dentes.
— O marquês de Dardington jamais se casaria com uma mulher que não fosse digna de
sua família.
Assim dizendo, sem mais hesitar, girou a maçaneta e entrou em seus cômodos
particulares, um santuário e um refúgio para suas aflições.

A festa do duque estava longe de ser a reunião tranquila e íntima que Meredith esperara.
Embora estivesse acostumada com a vida em meio à aristocracia, esquecera-se de que duques
viviam em grande opulência. Eram quarenta e nove convidados, mais o marquês e a esposa.
No início do banquete, o duque ficou de pé e fez um brinde não muito entusiasmado aos
noivos, e Meredith achou melhor que nada, visto o modo rude como a tratara ao chegar.
O anúncio foi recebido com sussurros e olhares especulativos, mas ninguém ousou fazer
o mais leve comentário na residência ducal.
Meredith sentava-se à esquerda de Warwick, e houve um momento de constrangimento, quando
foi apresentada a lady Anne Smithe, a bela mulher à direita do duque.
A nova marquesa de Dardington logo concluiu que lady Anne era o real motivo para
aquela reunião, a jovem que o duque escolhera para ser esposa do filho.
Lady Anne era pequena, com quase trinta anos, simpática, lindos cabelos negros e um
corpo curvilíneo. Por mais que Meredith detestasse admitir, sentiu-se curiosa a respeito da
candidata que o sogro escolhera.
Enquanto os criados de libré prateada e perucas empoadas serviam os diversos pratos
muito bem preparados, tratou de observar a rival.
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Lady Anne era inteligente, de respostas rápidas e uma graça invejável. Incluía a todos na
conversação, e encorajava discussões animadas.
Mas o verdadeiro teste para seu caráter surgiu quando um criado, que ia encher de novo
seu copo, deixou-o virar na mesa.
— Idiota! — gritou o duque, apavorando o pobre homem. — Como tal imbecil ousa
servir minha mesa? Derramou vinho em lady Anne!
O rapaz pegou o copo com dedos trêmulos, enquanto o rompante do furioso anfitrião
chamava a atenção de vários convidados ao redor, que observavam a cena, fascinados, vendo o
vinho escorrer pela toalha branca e molhar os dedos de lady Anne.
— Perdão, milady — murmurou o criado, tentando corrigir o erro.
— Não há motivo para tanta confusão — afirmou a dama, com serenidade. — O vinho
não causou grande estrago. E você, meu jovem, foi rápido em desviar o copo, antes que atingisse
meu vestido. — Voltou-se para o duque. — Não acha que isso foi admirável, sir?Parecia que
todos os convidados prendiam o fôlego, esperando a resposta do anfitrião. Warwick resmungou
algo sobre contratar gente mais competente.
— Não serve para trabalhar em minha casa se não consegue servir um simples copo de
vinho sem causar uma confusão.
— Tolice, milorde. — Lady Anne sorriu. — Já disse que não houve dano. Posso tomar
mais um pouco de vinho, por favor?
Meredith viu-a erguer o copo e encorajar o criado a servi-la. O rapaz endireitou os
ombros até então caídos, e cumpriu a ordem sem derramar uma só gota dessa vez.
Incidente terminado, o duque dirigiu sua atenção para outras conversas, e o serviçal
retirou-se, mas Meredith conseguiu ouvi-lo murmurar para lady Anne:
— Obrigado, milady.
Dali em diante tudo transcorreu sem problemas. Quando chegou o momento de as
senhoras se retirarem para que os cavalheiros bebessem vinho do Porto e fumassem charutos,
Meredith concluiu que seu sogro tinha excelente gosto também para mulheres. Sem dúvida lady
Anne Smithe teria sido uma ótima esposa para Phillip.
Na sala de visitas, as damas se espalharam. O chá foi trazido para as que o desejavam, e
pequenos grupos se formaram, em conversas agradáveis, tagarelices e mexericos.
Outras circundaram o piano, com as mães discutindo qual das filhas iniciaria o recital, e
em breve a discussão começou a ficar acalorada.
Ocupada em supervisionar o chá do outro lado da sala, Meredith tratou de correr para
intervir, mas lady Anne chegou primeiro e, com diplomacia, conseguiu apaziguar os ânimos e
organizar a ordem das apresentações sem ofender ninguém.
— Nossa lady Anne é mesmo maravilhosa — sussurrou alguém ao ouvido de Meredith.
Estremecendo, não precisou voltar-se para saber de quem se tratava. Já conseguia
distinguir Phillip entre uma centena de cavalheiros.
— Lady Anne é um exemplo — disse, contendo o ciúme, pois de fato admirava-a. —
Deveria ter obedecido seu pai e pensado em se casar com ela.
— Meu pai não precisa escolher mulheres para mim. — Phillip segurou-lhe o pulso.
Meredith voltou-se e fitou-o. O marquês sorria, irônico, e, por algum misterioso motivo,
Meredith sentiu-se muito excitada, antecipando o que aconteceria nessa noite.
"É nossa noite de núpcias..." As palavras que Dardington dissera ao pai, horas antes,
ocorriam-lhe nesse momento.
— Muitas senhoritas desejam exibir seus dotes artísticos ao piano, milorde. Creio que a
diversão continuará por horas.
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— Por certo não esperam que fiquemos aqui. — Com gesto rápido e discreto, Phillip a
fez encostar na parede e postou-se a sua frente, a poucos centímetros de distância, fazendo-a suar
e desejar unir seu corpo ao do marido.
— Causaremos comentários se nos retirarmos agora, milorde.
— Então precisamos ser espertos e partir sem sermos notados, milady.
— Como?
— Acha que consegue encontrar o caminho para o terceiro andar sem usar a escadaria
principal?
Meredith tentou recordar a disposição da mansão, embora fosse muito difícil, dada a
emoção que a invadia.
— Creio que sim.
— Ótimo. Quero que deixe esta sala dentro de cinco minutos. Irei segui-la cinco minutos
depois. Há uma galeria de retratos na ala oeste do terceiro andar. Espere-me ali.
Fitaram-se por um momento, e Meredith aquiesceu. Em seguida, o marquês voltou-se e
saiu, enquanto a esposa tentava se recompor e manter uma expressão serena.
Permaneceu colada à parede, temendo que uma das damas a chamasse para participar de
alguma conversa, e atrasasse sua saída. Forçou-se a esperar os cinco minutos combinados, e
então, muito discreta, saiu dali.
Sorrindo como uma menina travessa, correu pelo saguão e alcançou uma escada lateral.
Embora muitos criados estivessem postados por ali, nenhum deu-lhe atenção.
Com o coração batendo forte, Meredith dirigiu-se para o terceiro andar, a fim de encarar
seu destino.

Capítulo X

No luxuoso quarto em tons de azul, ouro e marfim, Rose ajudou Meredith a se preparar
para dormir. A recém-casada apreciara a vinda da criada, pois seu rosto amigo e o tagarelar
alegre a ajudavam a relaxar. Rose era um elo com seu passado, e isso reconfortava.
Meredith, que avançava para o futuro. Nessa noite começaria a construir uma nova vida,
assumindo um papel que, em sã consciência, nunca esperara para si: o de esposa. Phillip a
acompanhara para seus aposentos, calado e sombrio, e Meredith não entendia por quê. Esperara
um beijo quando haviam se encontrado no terceiro andar, como conspiradores se felicitando pela
escapada, mas o marquês fez apenas um leve aceno de cabeça, e começou a caminhar apressado.
Por sorte Meredith era alta e de pernas longas, senão teria precisado correr para
acompanhá-lo. Era evidente que o marquês não ansiava por ver-se a sós com ela.O olhar sensual
que o dominara na sala de visitas, após o jantar do duque de Warwick, desaparecera, sendo
substituído por um brilho distante e frio.
Algo parecia acontecer a Phillip, à medida que caminhavam pelo longo corredor, e isso
perturbava Meredith. O marido a deixou sozinha para se preparar, como faria qualquer marido
recém-casado e atencioso, mas aos olhos da noiva isso não parecera consideração, e sim
abandono.
Balançou a cabeça, tentando afastar os pensamentos fantasiosos. Seus nervos estavam à
flor da pele, por causa da viagem e de tantas novidades. Era muito cedo para prognosticar se
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Phillip iria corresponder ou não a seus sentimentos. Se continuasse com tais conjecturas
sombrias, seria pior. Mas o que poderia ser mais triste que enfrentar um futuro tristonho e sem
amor?
Tratou de se concentrar em outras coisas. Essa era sua noite de núpcias, e não seria
preciso Phillip derreter-se por ela. Os beijos e abraços que lhe dera demonstraram seu desejo e,
no momento, era mais que o suficiente.
— Está linda, milady — disse Rose, arrancando-a dos devaneios.
Meredith sorriu e agradeceu, mirando-se no espelho sobre a penteadeira. Sua camisola azul-
clara era simples, com decote baixo e sem mangas, e uma abertura na frente que faria cair em
tentação qualquer homem de sangue quente. Em um rompante de ousadia, Meredith negou-se a
pôr o roupão.
— Eu a verei pela manhã, Rose.
— Espero que bem tarde. — Assim dizendo, Rose deu risada e tratou de ir embora.
Meredith tornou a se sentir nervosa, mal se viu sozinha. Relanceou um olhar para a porta
de comunicação que dava para os aposentos de Phillip, suspirou e pegou a escova de cabo de
prata, pondo-se a se pentear.
De repente, Phillip surgiu, abrindo a porta de conexão e, embora o esperasse, Meredith
quase deu um pulo na cadeira.
— Eu deveria ter batido?
— Claro que não. — Erguendo-se com ímpeto, ela se voltou, encarando-o.
O marquês trajava um roupão de brocado azul-escuro, amarrado na cintura por um cinto,
que acentuava os ombros largos e o tórax rijo. Estava descalço, e Meredith imaginou que não
usava nada por baixo. A luz bruxuleante das velas iluminava-lhe o rosto belo e másculo. Não
conteve um suspiro.
Era um homem maravilhoso, e a intensidade de seu olhar a fazia estremecer. Porém nesse
momento seu semblante parecia esculpido em pedra, tamanha a indiferença que estampava.
— Onde está sua criada?
— Rose retirou-se.
— Bom. — Passeou o olhar pela camisola da esposa. — Assumo que ainda é virgem,
certo?
Fez-se uma longa pausa, enquanto Meredith se dizia para não ficar insultada nem
zangada com a questão. Por fim, sorriu com pouco-caso.
— Sim. Isso o desaponta?
Então ele riu.
— Sua mãe não está aqui para aconselhá-la sobre a noite de núpcias. Existe algo que
deseja saber?
Dessa vez Meredith sentiu as faces em fogo. Então o marquês achava que iria fazer
perguntas a ele?!
— Minha mãe me explicou... Já sei... Quero dizer, ouvi dizer... — Parou de falar, sentindo-
se ridícula, e tentou de novo, tomando fôlego: — Conheço bem todos os aspectos das relações
matrimoniais. Refiro-me ao relacionamento físico. Mamãe sempre considerou que uma mulher não
deveria ser ignorante a esse respeito, por isso me explicou tudo quando fiz dezoito anos.
— Tudo? Agora fiquei preocupado...
Meredith relaxou um pouco. As coisas dariam certo. O marido estava bem-humorado, e
não parecia aborrecido nem entediado.
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Faltou-lhe coragem para sugerir que fossem para a cama; por isso, em vez de falar, agiu.
Sentou-se sobre os lençóis de cetim e esperou que Phillip a seguisse. Afinal, já demonstrara
interesse beijando-a diversas vezes, e não desejava, de sua parte, fazer papel de difícil.
Sempre se sentira atraída e curiosa das relações entre homens e mulheres, e isso se
intensificara depois de beijar o marquês. Na ocasião do baile, no jardim, sentira que havia uma
atração muito forte entre ambos.
A intimidade que estavam prestes a compartilhar criaria um elo que se fortaleceria com o
passar das semanas. Não era uma tola romântica, e sabia que isso não iria resolver todos os
problemas de vez, mas seria um começo prazeroso.
Aguardou, mas o marquês não se moveu. Parecia se debater com um dilema íntimo. Deu-
lhe as costas, e Meredith quase gritou de frustração, achando que iria embora. No entanto, logo
se acalmou, ao vê-lo desamarrar o cinto do roupão e tirá-lo. Como imaginara, estava nu, e seu
físico era uma visão estonteante de virilidade e energia.
O colchão cedeu quando Phillip sentou-se a seu lado, e sua proximidade a fez vibrar de
antecipação. Jamais sentira-se tão viva e ansiosa.
— Ainda está preocupado? — perguntou com um sorriso brincalhão.
— Aterrorizado.
Mas a resposta soou séria, e Meredith entendeu que, de fato, o marido se achava
preocupado com alguma coisa. Com suavidade, tocou-o no ombro.
— Prometo não mordê-lo, milorde.
— É uma lástima, mas não posso prometer o mesmo, minha cara.
Meredith acariciou-lhe os cabelos e delineou-lhe a curva da orelha, voltando a pousar a
mão em seu ombro.
— Não me importo... — Inclinou-se e beijou-o nos lábios.
Por um instante Phillip permaneceu estático, mas logo correspondeu. Ansiosa, Meredith
ofereceu-se sem reservas.
Era uma carícia íntima, sensual e selvagem, e suas bocas se uniam com perfeição. Por
fim, Phillip afastou-a, segurando-lhe o rosto, com a mente em fogo. Meredith encostou-se ao
tórax forte, fazendo com que o marido a cingisse, e beijou-o no pescoço.
Era um gesto de confiança e abandono que o enlouqueceu. O coração de Phillip batia
forte, ao ver emergir emoções que pareciam esquecidas e que só sentira ao lado de Lavínia.
Provou uma intensa vontade de proteger e mimar a nova esposa, e isso quase o fez soltar
uma gargalhada. Não era hora para ser terno. Só teria de proteger aquela deliciosa criatura de
seus próprios arroubos.
Fora para a cama com muitas mulheres nos últimos anos, e esquecera-se da maioria delas.
De início achara que a atração por Meredith era igual à que provara por outras também bonitas,
inteligentes e graciosas. Porém naquele momento soube que se enganara. Por certo estava longe
de ser o marido ideal com quem Meredith sonhara, e isso o afligia.
Meredith jamais permitira que a ignorasse, mas talvez isso fosse melhor, ao longo do
caminho, porque apenas desejo físico não seria o suficiente.
O marquês experimentou uma ponta de remorso ao vibrar ante a paixão que o dominava.
Ao entrar no quarto, minutos antes, estivera pronto para agir com pleno autodomínio, mas assim
que Meredith o fitara constatou que seria impossível.
— Algo errado, Phillip?
— Deite-se, Meredith.
Ela o obedeceu, sem comentários. Os seios cor de alabastro subiam e desciam com a
respiração apressada, fosse por excitação ou medo, Phillip não tinha certeza.
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O marquês cerrou as pálpebras por um breve instante, lutando para dominar a lascívia
que o invadia e evitando fantasiar com todas as coisas eróticas que desejava fazer com Meredith.
Chegou a desejar que, quando a fitasse, a encontrasse rígida, de punhos e dentes cerrados,
como as noivas mais tradicionais, à espera de seu destino, com a dignidade de uma mártir e de
uma aristocrata. Assim, poderia erguer-lhe a barra da camisola, entreabrir-lhe as pernas, e
copular, de maneira rápida e insensível.
Contudo, quando abriu os olhos de novo, viu que Meredith não era estóica nem tímida,
mas sim uma noiva diferente. Parecia não conseguir parar quieta, os dedos delicados explorando
o peito do marido e circundando os mamilos com movimentos suaves e ritmados, que o
excitavam.
— O físico do homem e da mulher não é assim tão diferente, certo?
— Não tire conclusões apressadas — Phillip brincou.
Assim dizendo, inclinou a cabeça e aspirou-lhe o perfume do colo macio. A evidente
alegria de Meredith era algo palpável, como se estivesse à beira de uma grande e maravilhosa
surpresa e não visse a hora de desvendar o desconhecido.
Por pura intuição, deslizou as mãos para os quadris estreitos e as coxas rijas de Phillip,
fazendo-o alcançar um nível de volúpia quase insuportável.
O marquês sabia que deveria desencorajá-la, mas não era capaz, pois seu toque era
delicioso, como uma labareda ondulante.
Sempre ousada, Meredith alcançou a base de sua masculinidade, e acariciou-a com
cuidado.
— Lembre-se de que estou nervoso... — disse Dardington, rouco — ...e um tanto
envergonhado diante de você.
Com gesto rápido retirou-lhe a mão.
— Envergonhado? — Meredith lançou a cabeça para trás e gargalhou, expondo o colo e
pescoço. — Não parece, milorde.
Phillip sorriu ante o inocente entusiasmo dela. Beijou-lhe os seios, sentindo os mamilos
eretos sob a seda leve da roupa e fazendo-a suspirar e arquear-se ainda mais.
O marquês deslizou a mão abaixo de sua cintura, acariciando-a com gestos morosos,
fazendo-a gritar de prazer, e erguer os quadris.
Meredith estava preparada, ele refletiu; por isso, o primeiro ato sexual não seria muito
doloroso. Tentando manter o controle sobre a própria anatomia, Phillip aproximou-se mais e
afastou-lhe as coxas com um movimento firme de seu próprio joelho, posicionando-se.
Penetrou-a aos poucos, e a jovem esposa circundou-lhe os quadris com as pernas.
— Dói?
— Queima um pouco... mas não pare.
— Procure não ficar tensa.
Com movimento rápido e firme, ele a penetrou por completo, e Meredith deixou escapar
um grito não de dor, mas de surpresa. O marquês esperava vê-la enrijecer e fechar os olhos, na
expectativa de ver-se livre da incômoda posição, mas isso não aconteceu. Meredith continuou a
beijá-lo com ardor, no pescoço e no rosto, murmurando palavras desconexas e febris.
Sem mais conseguir se conter, Phillip lançou-se em uma dança frenética, cujo ritmo foi
crescendo de intensidade bem depressa, para explodir em um clímax intenso. Estremeceu,
despejando dentro de Meredith a seiva de seu desejo.
Tentou não cair inerte sobre ela, mas Meredith o abraçou, mantendo-o sobre si.
Por alguns minutos assim permaneceram, em total silêncio, ouvindo as batidas de seus
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Basso

corações, que, aos poucos, retornavam ao normal.


Finalmente, Phillip ergueu a cabeça e fitou a mulher com quem se casara.
Um rubor intenso e gracioso cobria-lhe as faces, e ela mantinha os olhos fechados. Ele
afastou-lhe uma mecha de cabelos loiros, imaginando se estaria sentindo dor, e esperando não tê-
la aborrecido com o ímpeto de sua luxúria.
Meredith o encarou.
— Terminou? É só isso?
— Sim.
Phillip rolou para o outro lado. Não a fizera alcançar o auge. Com certeza Meredith era
inexperiente demais para saber disso. A prova foi que virou-se para ele, e beijou-o no rosto,
suspirando, feliz. Dera-lhe um pouco de prazer e contentamento, mas não o ideal, refletiu o
marquês.
— Está tarde. Vou deixá-la repousar.
— Não! — Os braços macios circundaram-lhe o pescoço, e em seguida ela baixou a
cabeça, envergonhada. — Por favor, fique mais um pouco.
Phillip deslizou os dedos pelo ombro cor de alabastro, delicado e sedoso, e depois enfiou-
os nos fios dourados da cabeleira espalhada pelos travesseiros. Para seu espanto, sentiu que
voltava a se excitar, tamanho o clima de sensualidade que o envolvia.
Decidiu que deveria ir embora, antes que a possuísse outra vez, pois talvez isso a
desagradasse. Mas não conseguiu se mover, sentindo-se feliz no aconchego do leito, junto ao
calor que emanava do corpo dela, e deixou que Meredith entrelaçasse uma perna na sua.
Ela tornou a acariciar-lhe o tórax, e um sono agradável e sereno se apossou dele. Fechou
os olhos, e deixou-se entregar à fadiga.

Quando Meredith acordou, viu que estava sozinha no leito. Não era uma grande surpresa,
mas ficou desapontada.
O quarto era banhado pela luz do sol, que penetrava pelas frestas da janela. Deveria pedir
o desjejum no quarto ou descer e enfrentar a sala de jantar?
Se descesse, poderia ver-se frente a frente com o marido, assim como o sogro e, por
incrível que parecesse, isso a punha nervosa. Porém, sabendo que mais cedo ou mais tarde teria
de encarar a realidade, chamou a criada.
Tratou de escolher depressa um vestido matinal, muito vaporoso e simples, de musselina
cor de safira, que lhe realçava os olhos.
Assim que Rose a ajudou a se vestir, desceu a escadaria, preparando-se para encontrar os
dois cavalheiros. Como esperava, o duque estava sentado à cabeceira da mesa, uma xícara de
café na mão e um jornal aberto. Nenhum sinal do marquês de Dardington.
— Não esperava vê-la esta manhã — saudou-a Warwick. — Nem mesmo pelo resto do
dia.
Meredith respirou fundo.
— Estou com fome e desejo fazer um passeio. Espero que não se importe se tomar café
com milorde.
Esperou de cabeça erguida, até um criado afastar a cadeira ao lado do sogro. Atarantado,
o duque retirou o jornal da mesa para dar-lhe mais espaço.
— Leve isto, Higgins — ordenou ao criado, atirando as folhas um tanto amassadas para
outro lacaio.
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— Por favor, milorde, não pare sua leitura por minha causa — pediu Meredith.
O nobre a estudou por um instante, como se duvidasse de sua sinceridade, e pareceu
concluir que a nora dissera aquilo de coração, pois voltou a pedir pelo jornal e, com gestos
lentos, alisou as páginas amassadas.
— Há um anúncio sobre seu casamento na página social — Warwick comentou, com
frieza.
Meredith aquiesceu, passando geléia de amora em uma torrada.
— Phillip deve ter dado instruções a seu secretário ontem. O marquês é muito eficiente
em certos assuntos.
— Quando lhe interessa — resmungou o duque, franzindo a testa.
Meredith arqueou as sobrancelhas, sentindo o olhar observador do sogro, que parecia testá-
la, mas não pretendia cair na armadilha. Por mais que necessitasse de um aliado na casa, não
tomaria partidos nem ficaria contra o marido na batalha que travava com o pai.
— Bom dia.
Meredith ergueu a cabeça e deparou com o marquês. Trajava roupas de montaria, e o suor
que porejava da fronte alta indicava que já galopara nessa manhã.
A esposa tratou de disfarçar o aborrecimento que a invadia. Embora fosse humilhante ser
preterida por causa de um cavalo, pior seria deixar que os outros testemunhassem sua mágoa.
As maneiras de Phillip eram displicentes e tranquilas. Dispensou com um leve gesto o
criado que se aproximava e dirigiu-se ao bufe para se servir.
— Bom dia, Phillip. Estava dizendo a Meredith que não esperava ver nenhum dos dois
hoje. Ou mesmo amanhã. — Sorriu, malicioso. — Afinal, estão em lua-de-mel.
Meredith não pôde saber como Phillip reagiu a tais palavras, pois mantinha-se de costas
para eles, e em completo controle. Na realidade, parecia não ter ouvido o comentário do duque.
Após se servir, Phillip contornou a mesa e sentou-se ao lado dela.
— O mordomo me avisou que vários convites chegaram esta manhã. Já os viu, Meredith?
Pega de surpresa, ela o encarou.
— Não, Phillip. Nem sabia disso.
O marquês tamborilou no tampo, impaciente.
— Tenho planos para esta noite, que foram feitos antes de nos casarmos. Caso haja
alguma festa à qual deseje comparecer, o visconde de Aarons ou o sr. Doddson poderão
acompanhá-la.
Meredith sentiu o rosto avermelhar, o que muito a aborreceu. Não desejava demonstrar
desagrado na frente do marido e do sogro. Sem saber por que, imaginou que lady Anne Smithe
nunca deveria se sentir constrangida perante os homens.
— Não é preciso perturbar seus amigos por minha causa, milorde. Posso muito bem
tomar conta de mim mesma.
A expressão de Phillip demonstrou que não gostara do arroubo de independência por
parte dela, mas isso não a afetou. Fitaram-se por um breve momento, até que o marquês
suspirou, com o cenho franzido.
— Como quiser, milady.
Entretanto não era isso o que Meredith queria, mas sim permanecer ao lado do marido em
todas as festas e eventos aos quais fossem convidados. Mas preferiria morrer antes de admitir tal
coisa.
O duque quis dar sua opinião sobre aquilo. Contudo, sentiu a quietude constrangedora
que se abatera sobre todos, e optou por continuar calado.
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Era evidente para Meredith que Phillip não desejava incluí-la em sua vida, e ela não iria
implorar por isso. Passara anos analisando o sexo oposto, e aprendera uma importante lição: os
homens não gostavam de choramingas.
Em breve os três começaram a conversar sobre outros temas, como pessoas educadas e
elegantes que eram. Falaram do clima e de outros assuntos insignificantes, mas a tensão
permaneceu.
Quando terminou de comer, Phillip levantou-se.
— Desejo a ambos um ótimo dia... e noite.
Com um cumprimento breve, afastou-se.
Temendo que a voz a traísse, Meredith apenas inclinou a cabeça, e embora desejasse
correr de volta para o quarto, ficou ali sentada, bebericando chá.
Assim que Phillip deixou-os, o duque respirou fundo.
— Parece que seu marido não está interessado em passar mais tempo em sua companhia.
— Limpou os lábios com o guardanapo de linho, e fitou a nora com intensidade. — O que
pretende fazer a respeito?
"Não sei!" As duas palavras ribombavam no cérebro de Meredith, mas ela recusou-se a
pronunciá-las. Não podia admitir fraqueza e demonstrar que se sentia derrotada logo no dia
seguinte ao enlace. Sorriu para o sogro e fez um meneio displicente.
— É moda entre os casais levar uma vida independente.
— Um dia depois de se casarem? — O duque fez uma careta de sarcasmo. — É isso o
que pretende fazer? Fechar os olhos, cerrar os dentes e aguentar tudo passivamente?
Meredith mordeu o lábio até sentir que sangrava.
— Quem deseja sobreviver deve aprender a se adaptar, milorde.
— Tolice! Pensei que tivesse mais fibra, minha cara!
As narinas de Meredith fremiram de emoção e ira.
— Se a memória não me falha, haverá uma apresentação da ópera Don Giovanni no
Haymarket esta noite. Presumo que milorde tenha um camarote a sua disposição.
— Claro que sim. Entretanto há anos não o uso.
— Não importa. Gosta de ópera, milorde?
— Nunca fui grande admirador. Jamais entendi por que um bando de homens e mulheres
correndo de um lado para o outro do palco, dando agudos, gorjeios e torcendo as mãos, é
considerado diversão.
— A ópera é uma expressão pura de música e emotividade — insistiu Meredith, embora
no íntimo concordasse com o duque. — E o mais importante é que metade da alta sociedade lá
estará, admirando-se e criticando-se, muito mais do que assistindo ao espetáculo. — Sorriu. —
Já que estou livre esta noite, poderia me acompanhar, sir.
Warwick ficou sem fala por um momento, e observou o criado que tirava a mesa. Em
seguida, tornou a fitar a nora.
— Acabei de lhe dizer que não suporto aquela gritaria.
— Sendo assim, levarei um suprimento de chumaços de algodão para que tape os
ouvidos.
Vendo Warwick resmungar, Meredith levantou-se e deixou a sala, tentando criar alma
nova e enfrentar o desafio.
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Capítulo XI

Nas duas semanas seguintes a seu casamento, Meredith voltou a ser a sensação na alta
sociedade, pois era vista em todos os lugares, sempre com a mesma companhia masculina.
Bailes, festas, jantares, saraus musicais, teatros e até passeios à tarde no parque, tudo era motivo
para a recém-casada estar presente.
As especulações e comentários fervilhavam. Porém as línguas viperinas não tiveram o
que criticar na jovem marquesa, pois nada havia em sua atitude que fosse recriminável.
Quando em público, comportava-se com estilo, graça e bom - humor. Seu acompanhante
nem sempre estava bem-disposto, mas era um cavalheiro elegante, alto, distinto e nobre, que
parecia lhe dedicar um certo afeto. Além do mais, era seu sogro.
Em breve percebeu-se que lady Meredith apreciava muito a companhia do duque de
Warwick, embora passasse grande parte dos eventos sociais circulando entre os demais
convidados. Ainda assim, chegava e partia de cabeça erguida e braço dado com o sogro.
Também era notório que a jovem marquesa dançava bastante, mas sempre com o mesmo
par: o duque de Warwick. Alguns pensavam, embora não todos, que tal procedimento era um
plano muito bem estruturado por Meredith para desviar a atenção do fato de que seu marido, o
marquês de Dardington, nunca aparecia em público em sua companhia.
Certa vez Meredith quase deixou escapar uma risada, quando um cavalheiro a
cumprimentou por sua esperteza em manter tal estratégia. Na verdade, agia dessa forma por
desespero, e não por cálculo.
Tudo começara na primeira manhã após seu casamento apressado, e nessa mesma noite,
quando aguardou em vão que o marido a procurasse em seu quarto. Ante os primeiros raios do
sol, depois de uma noite insone, Meredith refletiu sobre as possibilidades de seu futuro.
Pensou em tornar-se uma reclusa e retirar-se para uma das propriedades de Phillip,
pretextando algum tipo de invalidez que a impedisse de frequentar a alta-roda.
Todavia, após refletir, aquela ideia pareceu uma grande covardia de sua parte. Embora
humilhada, não iria se sentir bem fugindo do mundo.
Afinal, não cometera nenhum crime.
Desse modo, começou a selecionar e aceitar alguns convites. Como necessitava da ajuda
de alguém para escoltá-la, convencera o duque a acompanhá-la.
Dançar com o sogro também fora uma consequência. Meredith recusava-se a bailar com
qualquer outro homem além do marido, e durante uma festa na residência de lady Chester, após
negar-se ao convite de vários cavalheiros, o duque a tirou para uma quadrilha, e ela se sentiu na
obrigação de dizer que sim.
O mesmo acontecera na noite seguinte, e o ocorrido não passou despercebido. Logo se
tornou o assunto do baile. Mas como Meredith descobriu a maneira perfeita de se esquivar dos
aventureiros e conquistadores, sempre ansiosos para despejar seu charme sobre uma esposa
rejeitada, continuou a aceitar o sogro como par constante e deixou que as más-línguas cansassem
de falar a seu respeito.
No entanto, para sua surpresa, descobriu que gostava muito de dançar com o duque de
Warwick. Era ótimo dançarino e muito alto, o que a deixava confortável, pois era alta também.
Nessa festa em particular, duas semanas após seu matrimônio, havia favorecido o duque
com três danças, e decidira que seria o bastante por uma noite.
A carruagem foi chamada e um lacaio ajudou-a a entrar, seguida pelo sogro. Uma vez
bem instalados, o veículo conduziu-os para a mansão.
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Apesar da pequena distância, esses percursos demoravam, devido ao trânsito nas ruas.
Mas Meredith não dava importância, pois assim tinha tempo de recapitular os eventos e preparar-
se para manter um ar nobre e digno quando, e se, deparasse com o marido em casa.
— Estava apertado e abafado — queixou-se o duque, ajeitando-se no assento, e esticando
a perna dolorida. — O salão de baile da condessa de Tewskbury só acomoda umas duzentas
pessoas, e havia mais de quinhentas ali. A mulher é louca!
— Não é segredo que a condessa teme ser um fracasso na sociedade, milorde. Por isso
convidou tanta gente a fim de garantir um salão cheio e animado.
— A julgar pela multidão, creio que todos os convidados estavam lá.
Meredith suspirou. Sim, quase todos estavam lá..
— Parece que a condessa ficou feliz, milorde. Creio que a noite foi um sucesso.
Escreverei um bilhete amanhã, dando-lhe os parabéns e dizendo que nos divertimos muito.
— A aprovação de sua parte tornará a condessa uma anfitriã privilegiada.
— Ridículo! — Meredith riu. — Sempre fui considerada uma espécie de pária social,
mas agora que sou sua nora parece que tudo o que digo e faço é importante.
— Essa é a política da nobreza. — O duque sacou um charuto do bolso, acendeu-o e tirou
uma baforada. — Sabia que o avô da condessa foi um mercador? Alguns dizem que ela herdou-
lhe o jeito de comerciante.
— Pecado imperdoável... — ela brincou.
— Por certo que sim. — O duque ergueu o cortinado da janela a fim de deixar a fumaça
sair. — Pode ser um pouco vulgar, mas é uma pessoa muito bondosa, com um coração de ouro.
Sua aprovação será um grande incentivo para ela, minha cara.
— E a condessa a terá.
A carruagem deteve-se, e Meredith olhou para fora, apreciando o luar, mas não
reconheceu os arredores. Estavam presos no tráfego e ainda longe da mansão do duque. Inclinou-
se no banco confortável e cerrou as pálpebras, sem se importar com o atraso. Afinal, nada havia
que a fizesse ter de correr, e ninguém a esperava, a não ser a criada Rose. — Deveria ter ouvido
o velho Monford hoje. Quase teve um ataque apoplético quando nos viu dançar pela terceira vez.
Isso não é comum, você sabe. Monford comentou com Billingsly que eu arrumei seu casamento
com meu filho para dar uma desculpa e mantê-la em minha casa e em minha companhia. Pode
imaginar que coisa mais obscena?
Meredith achou graça.
— O conde de Monford nunca foi conhecido por seu tato ou inteligência. Entretanto,
milorde, parece-me que o comentário o envaideceu.
— Ainda não estou morto. É claro que me envaideci com a ideia de uma jovem bonita e
elegante poder se interessar por mim. No nosso caso é um absurdo, mas poderia ser verdade, em
outras circunstâncias.
— Sem dúvida. Milorde demonstrou que acompanha festa após festa sem perder a
animação. — Os olhos de Meredith brilharam com meiga zombaria. — Porém, vá com calma.
Ainda temos algumas semanas de intensa vida social pela frente.
— E isso a desgosta tanto assim, Meredith?
— Às vezes é um sacrifício.
— Por que faz isso?
— Porque é o que se espera.
— Não me venha com essa! Nunca fez nada que os outros esperavam que fizesse, e
sempre se guiou pela própria cabeça. Qual a verdadeira razão?
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Meredith tentou ganhar tempo, ajeitando as dobras da saia. Depois, cabisbaixa,


murmurou:
— Ajuda a passar o tempo e afastar a solidão. Temo que enlouqueceria se ficasse dia e
noite trancada em meus aposentos.
— Ah! Já suspeitava disso. — O duque deu nova tragada no charuto. — Quando foi a
última vez que viu meu filho?
Meredith ergueu o rosto e pigarreou antes de responder:
— Não tenho certeza. Talvez três ou quatro dias.
— Quatro.
— Anda me espionando, milorde?
— Não é necessário, já que moramos sob o mesmo teto.
Meredith cruzou os braços. Subestimara o sogro. Embora demonstrasse simpatia e
bondade, continuava sendo um duque, com necessidade de manipular e controlar tudo o que
podia.
Estava escuro dentro do veículo, mas decerto ele pressentiu sua agitação.
— Estou preocupado.
— Então fale com seu filho.
— Já falei.
Meredith sentiu o rosto em chamas, e soltou um gemido.
— E o que ele disse?
Era um golpe em seu amor-próprio perguntar tal coisa, mas estava muito desesperada
para se importar. Warwick se sentiu desconfortável.
— Nada de relevante, embora tenha mencionado uma casa na cidade que seu secretário
encontrou. Não se situa na área mais elegante, nem está em ótimas condições, mas tive a
impressão de que talvez possa alugá-la. Discutiu isso com você?
— Não. Mas não importa. Não me mudarei mesmo que alugue o imóvel. — Pensou
melhor. — A menos que milorde deseje que eu parta.
— Pode ficar em minha mansão o tempo que quiser, Meredith. Confesso que estou me
acostumando com sua presença.
— Como se fosse um bichinho de estimação?
O duque gargalhou.
— Aprendi a gostar de você, como sem dúvida deve saber. Devo admitir, contudo, que
nem sempre foi assim.
A tensão pareceu diminuir, fazendo-a sorrir também.
— Por que me detestava tanto? Creio que jamais nos encontramos até o dia em que
Phillip me trouxe e me apresentou como esposa.
— Está enganada. Já tínhamos nos encontrado três anos antes em um baile. Quando me
dirigi ao bufe, logo reparei em você. Estava cercada por cavalheiros que pareciam beber suas
palavras. Achei-a uma bela dama, flertando e rindo com seus admiradores, mas quando passei
por você, ouvi-a dando conselhos para não investir na empresa de navegação Lowry.
— O que eu dizia?
— Um monte de tolices.
Meredith franziu a testa, tentando lembrar-se dos detalhes.
— Se bem me recordo, nunca investi nessa empresa.
— Bem, outras pessoas o fizeram. Perdi um bom dinheiro com ela. Pode me dizer como
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uma mocinha podia saber que não era um bom investimento?


Meredith tentava recordar.
— Sempre investiguei uma oportunidade de negócio antes de investir. Deve ter havido
algo com essa firma em particular que... Espere! Agora eu lembro! Tratava-se do capitão da
escuna maior. Ele bebia muito, e não era de confiança. Concluí que a sorte que tivera logo
acabaria, devido a seu comportamento.
— E foi isso o que aconteceu. Carregou uma bela soma de meu dinheiro.
— Deveria ter escutado o que aconselhei. — Meredith tentou disfarçar a satisfação.
— Conselhos sobre investimentos dados por uma jovem? — O sogro balançou a cabeça
com ímpeto. — Nunca! Ridículo! Mas quando perdi dinheiro com a Lowry, lembrei-me do que a
ouvira dizer, e fiquei muito aborrecido por ver que uma moça fora mais esperta que eu.
— Sei que é quase um crime uma mulher usar a cabeça para pensar, além de exibir
chapéus, mas...
— É um grave defeito. Mas, dados os problemas que está enfrentando com meu filho,
talvez isso se torne uma qualidade.
Meredith calou-se. A confiança que o sogro lhe demonstrava a punha nervosa. Se ao
menos pudesse sentir tanta segurança a respeito de seu casamento...
O coche parou, e ela percebeu que haviam chegado. O duque a acompanhou até a
escadaria.
— Boa noite, milorde. Durma bem. — Assim dizendo, ergueu-se na ponta dos pés e o
beijou no rosto. Isso também se tornara um ritual entre os dois.
— Boa noite. — E Warwick se dirigiu aos próprios aposentos.
Meredith foi para seu quarto. Aquele beijo era o único que dava em um homem nos
últimos tempos, além dos irmãos, quando vinham visitá-la.
Entrou nos aposentos do casal, mas logo notou algo. A porta que conduzia aos cômodos
de Phillip estava aberta. Que estranho... Nas últimas semanas, estivera sempre fechada. O que
teria acontecido?
Nervosa, atravessou o umbral. Em contraste com as luzes que iluminavam todos os
ambientes, os aposentos do marquês pareciam sombrios, com apenas três velas acesas, colocadas
nos extremos do grande cômodo.
Para seu espanto, viu uma figura masculina sentada junto à janela. Phillip?
Sem dúvida pronunciara seu nome, porque ele a fitou.
— Ah! Aí está você, afinal! Venha até aqui.
Como Meredith não se moveu, Phillip foi a seu encontro. Em breve ficaram frente a
frente.
— Entre — murmurou o marquês.
Meredith umedeceu os lábios ressecados. Deu um passo e parou. O marido a convidara a
entrar, mas barrava-lhe a passagem, e parecia divertido com seu dilema.
De novo ela tentou, mas os ombros largos a impediam, e uma onda de excitação a
invadiu.
— Algum assunto em especial que deseja conversar comigo?
— Um marido precisa de motivos específicos para falar com a esposa?
— No nosso caso, sim.
— Talvez queira reverter essa situação.
Meredith piscou diversas vezes, surpresa com a resposta.
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— Quer mesmo?
— E por que outra razão estaria aqui esperando por você?
Meredith deu de ombros. Parecia-lhe impossível que o marquês estivesse ali a aguardá-la.
Seria verdade? Tratou de não se preocupar com isso, porque havia muito desistira de entender o
homem complexo e cheio de altos e baixos com quem se casara.
Olhou ao redor, observando a decoração, e seu olhar deteve-se em uma mesa de canto
onde se encontrava uma garrafa de bebida quase vazia. O marquês não parecia embriagado, mas
por certo bebera bastante. Meredith concluiu que não era o melhor momento para uma conversa
importante.
Desejou dar as costas e ir embora, antes que fizesse papel de tola. Seria a maneira
cautelosa de agir, mas o coração não lhe permitiu fazer isso. A cada dia, desde que se casara,
ansiava por encontrá-lo, estar com ele e conversar um pouco.
Se de fato pensava em modificar o relacionamento, sentia-se ansiosa por ouvi-lo. Porém
temia elevar muito as esperanças, pois já se magoara o suficiente.
— Quer sentar-se, Meredith?
— Não, obrigada. Prefiro permanecer de pé.
— Achei que estivesse cansada depois de dançar tanto.
Fez-se uma longa pausa, durante a qual Phillip se sentou na mesma poltrona de antes,
fitando-a. Vestia uma camisa branca e engomada, gravata de seda preta muito elegante, calça
também preta, meias e sapatos de verniz, mas não usava colete nem paletó. Meredith não tinha
certeza se acabara de voltar ou se preparava para sair.
Aproximou-se do marido, sentindo o aroma da colônia almiscarada, sua marca registrada.
Fechou os olhos e aspirou com vontade. Era um perfume sensual e perturbador, e começou a
sentir que as forças lhe faltavam.
— Dancei apenas três vezes, hoje.
— Sempre com o duque?
Meredith sorriu de leve.
— Então ouviu falar a respeito?
— Até a exaustão. — Ergueu o copo sobre a mesinha ao lado e emborcou-o, em seguida
estendendo-o em direção da esposa. — Importa-se de me servir outro drinque?
Meredith não conseguiu evitar uma careta. Era para isso que se encontrava ali? Para atuar
como criada? Ou para ouvi-lo reclamar sobre suas andanças com o sogro? Teve ímpetos de
derrubar o resto da bebida sobre a calça do marquês, mas conteve-se e refreou o mau gênio.
Sentiu-se estranha, enquanto enchia o copo outra vez. Dardington a observava, vendo-a
executar a tarefa simples.
— Obrigado.
Meredith estremeceu ante o clima tenso reinante. Desejava inclinar-se sobre o marido e
sentir seu calor, mas não ousava.
Mantendo o olhar fixo em seu rosto, o marquês apoiou o copo na mesa sem provar uma
gota sequer, e tomou-lhe a garrafa das mãos, pondo-a de lado também.
Meredith estava louca de desejo, e tratou de reunir todas as forças que lhe restavam para
manter a serenidade. Mas de repente Phillip estendeu o braço e prendeu seu pulso. Foi quando
percebeu que continuava debruçada sobre ele.
Ela perdeu o equilíbrio e caiu sentada no colo de Dardington. Tentou erguer-se, mas a
mão forte a reteve. Poucos centímetros separavam os lábios um do outro. Uma atmosfera de
profunda sensualidade os envolvia, e Meredith experimentou a excitação dele de encontro às
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coxas.
Phillip sorriu-lhe, travesso e irresistível, e o impacto foi fulminante. O coração de
Meredith disparou, a respiração tornou-se ofegante.
Phillip apertou-a de encontro ao peito e beijou-a de leve na boca. Libertou-lhe o pulso,
porém Meredith não tentou fugir. Ao contrário, pressionou os lábios com mais ímpeto, e
intensificou a carícia, e ele tomou-lhe o rosto entre as mãos.
Os beijos pareciam não ter fim, cada vez mais quentes e sensuais. Os lábios de Phillip
tinham gosto de vinho e pecado, e os dedos ágeis afagavam-lhe os cabelos com movimentos
suaves.
As mãos foram deslizando por suas costas, voltando para a nuca, e Meredith sentia-se em
chamas, pronta para recebê-lo.
Phillip acariciou-lhe os seios, e ela se inclinou para trás em um gesto de abandono
erótico, a seda do vestido impedindo que o marquês alcançasse sua pele.
Rápido, ela desfez os laços do corpete e afastou a leve camisa de cambraia, expondo-se,
espontânea e livre. Phillip passeou o olhar pela pele nua, e Meredith pôde ver a expressão
toldada de volúpia. Adorou quando o marido enterrou o rosto entre os seios redondos e lambeu
os mamilos rosados.
A sensação era inebriante. Meredith se agarrou aos ombros largos. O marido se demorava
na carícia, circundando cada mamilo com a língua, provando-os como se fossem iguarias.
Meredith lutou para respirar. A sensação era deliciosa, e queria entregar-se logo, ansiosa.
Ondulou de encontro ao de Phillip, num instinto muito feminino, em uma linguagem
muda que expressava sua paixão. Porém ele parecia inclinado a brincar com suas emoções, e
beijou-lhe o lóbulo da orelha.
Uma das mãos fez subir-lhe a barra da saia e tocou-lhe a perna, acariciando-lhe as partes
mais íntimas. Por um instante Meredith teve ímpetos de resistir àquilo, que a obrigava a perder
todo o autodomínio, mas logo cedeu à tentação. Desde a noite de núpcias, sua intuição lhe dizia
que havia mais a aprender e gozar no ato do amor, e que os momentos de magia não precisavam
ser rápidos, mas prolongados e sensuais. Seria uma tola se deixasse essa oportunidade escapar,
refletiu, o cérebro nublado pela luxúria.
As mãos experientes forçaram suas coxas a se abrir, intensificando os afagos. Meredith
gemeu e meneou os quadris. De repente, uma tensão insuportável a dominou, e ela arqueou as
costas e soltou um grito de prazer, que o marido abafava com beijos.
Era isso, pensou em meio ao clímax. O mistério da relação física fora revelado do modo
mais gostoso e magnífico. Phillip continuou a acariciá-la com suavidade, como se quisesse
acalmar seu ardor, e Meredith sorriu.
Deixou-se cair, lânguida, nos braços fortes, até vê-lo tentar arrumar-lhe a saia. Fitou-o e
percebeu-lhe uma expressão de contentamento masculino, do homem que acabara de dar prazer a
uma mulher.
Sim, fora espetacular, entretanto Meredith sabia que ainda não era o suficiente. Na noite
de núpcias apenas Phillip alcançara o ápice, e no momento fora ela a felizarda. A excitação do
marido, que continuava a fazer-se presente, revelou-lhe que ainda tinha de ser satisfeita.
Qual seria o nível de prazer que obteriam se ambos conseguissem alcançar o clímax ao
mesmo tempo? A pergunta martelava-lhe o cérebro, e estava ansiosa por verificar.
Retribuindo as delícias que sentira havia pouco, começou a acariciar a coxa de Phillip,
alcançando suas partes íntimas e deslizando os dedos ao redor, bem devagar. Gemendo, o
marquês tentou afastar-lhe a mão para se levantar, mas era impossível, visto que a esposa
continuava em seu colo.
— Pare com isso, Meredith.
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— Por quê?
— Está ficando muito tarde. Talvez seja melhor se conversarmos pela manhã.
— Não pretendo conversar muito esta noite, nem ouvir.
Assim dizendo, Meredith engoliu em seco. Phillip a estava rejeitando; pretendia pôr fim
àqueles momentos de paixão. Sentiu as faces em fogo, mas não permitiria ser humilhada. Nada
tinha para se envergonhar ou se sentir embaraçada. Afinal, eram casados.
Viu que Phillip a analisava, pensativo, e teve vontade de tomar-lhe o belo rosto entre as
mãos e cobri-lo de beijos. De repente, um estremecimento a fez se dar conta de que continuava
nua da cintura para cima. Porém não se constrangeu, muito pelo contrário.
Sem pressa, começou a se recompor.
— Por que me quis aqui hoje à noite, Phillip?
— Quis fazê-la recordar que ainda é minha esposa.
— Que presunçoso de sua parte! Não fui eu quem se esqueceu disso!
Com brusquidão, saiu do colo do marido e correu para seu próprio quarto, batendo a
porta.
Foi a vez de Phillip engolir em seco, determinado a não ceder às emoções. O desejo
insatisfeito fazia-o querer gritar. Não soubera manejar bem a situação. Meredith não entendera
por que a mandara embora, mas não seria capaz de explicar-lhe direito. Sentia-se confuso e
inquieto, como se fosse explodir.
Era evidente que sua mulher pensara ter sido rejeitada, e em parte era isso mesmo.
Embora a desejasse com todas as forças de seu corpo, mais do que qualquer outra desde a morte
de Lavínia, não iria se aproveitar, mesmo sendo eles casados.
Respeitava-a muito, e sabia o que Meredith queria em troca: amor, devoção, fidelidade.
Phillip sorriu e procurou a garrafa de bebida sobre a mesa. Talvez o álcool aliviasse sua
ansiedade. Tomou um grande gole e tornou a sorrir.
Que ironia! Entre amor, devoção e fidelidade, a única coisa que podia ser era fiel. A vida
voltara a entrar na rotina de antes do casamento. Tinha os mesmos amigos, frequentava o clube
de sempre, bebia, dormia tarde e buscava uma alegria vazia.
A única mudança notável era a ausência de outras mulheres em seu leito. Embora ficasse
repetindo para si mesmo que não era o cavalheirismo que o impelia a isso, considerava a ideia de
trair Meredith algo repugnante.
Já que não podia dar à esposa o que ela merecia, pelo menos podia manter-se leal aos
votos matrimoniais. Essa noite desejara conversar sobre a mudança para uma casa em Londres.
Talvez, se conseguisse se afastar das lembranças de Lavínia, pudesse dar novo rumo à
união com Meredith.
Entretanto, quando a viu, linda, em seu vestido de baile, e o olhar de paixão e desejo que
lhe enviava, perdeu a noção de tudo o mais. Compreendeu que morar na mansão do pai não era o
problema real. As recordações de Lavínia, a vida e o amor que compartilharam, seguidos da dor
e do desespero com sua morte violenta, o acompanhariam pelo resto de seus dias. Como
conseguiria amar de novo?
E essa era a verdadeira cruz de seu caminho.

Capítulo XII
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O marquês imaginou que teria de enfrentar uma cena dramática e até lágrimas no
desjejum, mas jamais lhe ocorreu que isso viria da sempre controlada governanta, a sra. Pritcher.
Assim que entrou na sala de jantar, deparou com a serviçal sentada à mesa, debruçada
para frente e soluçando sobre a toalha de linho, já bem amassada por seus dedos crispados.
Meredith, de pé ao seu lado, mantinha a mão sobre o ombro da senhora, em um gesto de
simpatia.
— O que aconteceu?
Ambas voltaram-se para Phillip, surpresas.
— Milorde!
A governanta quis se erguer, mas a marquesa a deteve.
— A sra. Pritcher recebeu péssimas notícias esta manhã. Sua sobrinha, filha mais velha
da irmã, morreu de repente.
— Ela era adorável. — A sra. Pritcher soluçou. — Apenas dezessete anos de idade, e
linda como uma pintura. Não sei como minha irmã resistirá. Meu coração dói só em pensar
nisso. — Apertou o lenço contra os lábios e voltou a soluçar.
— Nossas mais sinceras condolências, sra. Pritcher. — Phillip não sabia o que fazer.
Crises emocionais femininas não eram seu forte.
— É muito bondoso, milorde. E milady também.
— Gostaria de fazer mais pela senhora. — Meredith voltou-se para o marido. — Eu disse
à sra. Pritcher para tirar folga e passar o dia com a irmã. Uma família tem de se unir em tais
momentos.
— É claro. Onde mora sua irmã, sra. Pritcher?
— Aqui na cidade, milorde, perto de Hampstead.
— Não há motivo para atrasar sua partida, mas seria melhor que fosse acompanhada.
Assim dizendo, o marquês observou os rostos assustados das duas criadas que entraram e
concluiu que seriam de pouca ajuda. Não havia outras mulheres entre a criadagem preparadas
para tal missão. Talvez Rose, a criada particular de Meredith, pudesse auxiliar, mas ela mal
conhecia a sra. Pritcher. Assim, tomou uma decisão:
— Eu e lady Meredith a levaremos até a residência de sua irmã, assim que estiver pronta.
Meredith encarou o marquês, assombrada. Por certo a pobre governanta necessitava de
sua ajuda, mas parecia impossível que o marido tivesse se prontificado a acompanhá-la.
Entretanto, será que o julgava um monstro, incapaz de sentir compaixão? A ideia lhe causou
remorso.
— Não posso me impor assim, milorde — sussurrou a governanta.
— Não é imposição nenhuma. Sua irmã deve ter a senhora a seu lado nesse momento de
dor, e embora saibamos que será difícil conduzir a casa sem sua ajuda nos próximos dias, tenho
certeza de que os criados farão o melhor possível.
— Alguns dias? Mas... O que dirá o duque se me ausentar por tanto tempo?
— Deixe-o por minha conta. Vá fazer a mala. Mandarei um coche dar a volta até a porta
principal.
Após uma rápida cortesia, a sra. Pritcher se afastou, seguida pelas outras serviçais. Então,
Phillip se acomodou em uma cadeira e permitiu que um criado o servisse. Quando começou a
comer, Meredith sentou-se ao lado.
— Foi muito bondoso com a sra. Pritcher, milorde. Obrigada — disse.
— Pareceu muito surpresa com minha atitude.
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Basso

— Bem, é um tanto raro um homem de sua posição se importar com as questões


particulares dos criados.
— A sra. Pritcher toma conta de minha família há vinte e cinco anos. Necessita de nossa
consideração nesse momento difícil.
— Concordo plenamente.
O marquês de Dardington fitou a esposa, e um mudo entendimento passou pelos olhares
de ambos. Phillip podia sentir a admiração e o orgulho de Meredith por causa da decisão que
tomara. Os sons dos criados se movendo pelas salas pareceram desaparecer ao longe, e por um
instante nada mais existiu, além do casal compartilhando uma profunda afinidade.
Phillip lembrou-se da esposa em seus braços, na véspera, doce e livre, quente e sensual.
Recordou o gosto de sua boca e a maciez dos seios brancos, e sentiu de novo uma enorme
excitação física, um incrível desejo sexual.
No entanto, embora não pudesse fazê-la entender isso, porque ele mesmo não
compreendia muito bem os próprios sentimentos, o respeito que lhe dedicava o refreou.
Já que não podia sentir o amor com o qual Meredith tanto sonhava e merecia, não iria
aproveitar-se de seu corpo, embora a considerasse uma tentação.
— Mais café, milorde?
Voltando à realidade, Phillip fez que sim, e o criado o serviu.

A irmã da sra. Pritcher vivia na parte norte de Londres, em um bairro respeitável de


classe média, habitado por funcionários administrativos e comerciantes modestos. Embora a
pobre senhora tivesse se mantido composta durante todo o trajeto, a emoção a dominou ao
chegar a seu destino.
— Vou acompanhá-la até a porta — murmurou Meredith ao marido, assim que a
governanta apeou na frente. — Para me assegurar que estará bem.
— Também irei. Quero dar meus pêsames à família.
O casal desceu do veículo e acompanhou a governanta até a porta principal. A mulher
que os atendeu parecia-se um pouco com a sra. Pritcher, e não deixou dúvida sobre sua
identidade ao cair aos prantos nos braços dela.
Meredith viu-se agarrada e conduzida para um cômodo nos fundos, e Phillip ficou
sozinho, de pé, no pequeno vestíbulo.
Ia dar meia-volta para esperar a esposa na carruagem, quando alguém perguntou:
— Quem é o senhor?
O marquês baixou o rosto e viu dois olhos brilhantes e inquisidores. Tratava-se de um
menino de uns onze anos, e Phillip decidiu dar uma resposta simples:
— Vim com sua tia.
A criança deu um passo à frente. Trajava o que devia ser sua melhor roupa de domingo, e
uma faixa preta pendia de seu braço.
— Os botões de seu paletó são muito bonitos. O senhor é o duque?
Phillip sorriu.
— Não.
O menino pareceu desapontado. Baixou a cabeça, e esfregou o pé no assoalho, um tanto
sem jeito.
— Minha irmã morreu...
A afirmação tranquila e displicente espantou Phillip, mas logo concluiu que era a maneira
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de as crianças lidarem com o que não compreendiam muito bem.


— Lamento.
O garoto deu de ombros.
— Mamãe não pára de chorar. Não sabia que havia tanta água dentro das pessoas. Quer
vê-la?
— Prefiro esperar aqui. Aliás, é melhor aguardar dentro do coche. Por favor, diga à lady
Me... à senhora com quem vim que a espero lá.
— Não estava dizendo para ver minha mãe. Queria saber se deseja ver Betsy. Está
deitada na sala de visitas com seu melhor vestido, o que mamãe costurou no ano passado, com as
flores cor-de-rosa bordadas.
O marquês teve dificuldade em esconder o susto. O menino queria saber se desejava ver a
jovem morta. O que a princípio pensara ser uma breve visita, parecia que iria se transformar em
um velório.
— Não sei. Talvez seja melhor esperar por sua mãe.
— Isso só a fará chorar de novo. Venha.
O pequeno agarrou a mão de Phillip e, com relutância, o marquês subiu a escada que
conduzia à sala. O vestíbulo dava para a rua, e mesmo com as janelas fechadas, o barulho do
trânsito se fazia ouvir.
Um sofá fora empurrado para um canto, para dar lugar ao estrado com o caixão de pinho
e velas ao redor.
— Parece que está dormindo — murmurou a criança. Subiu em uma cadeira e olhou para
dentro do caixão. — Mas mamãe falou que não vai acordar.
Curioso, o marquês se aproximou e deu uma rápida olhada no rosto marmóreo e nos
cabelos loiros da falecida. Constatou que a jovem não parecia muito mais velha que o irmão.
— Era muito bonita.
— Sim. Mamãe amarrou o lenço bem firme em volta do pescoço para esconder a ferida
feia.
Intrigado, Phillip tornou a olhar para a morta e notou o lenço. Seria por modéstia, a fim
de esconder quase todo seu corpo dos olhares de estranhos como ele? Todavia, o vestido tinha
uma gola que chegava ao pescoço. Com cuidado, o garoto afastou o lenço.
— Veja, senhor. É horrível.
Phillip prendeu a respiração. Marcas medonhas, arroxeadas e azuladas, marcavam o frágil
pescoço de Betsy.
O marquês sentiu uma forte pressão no peito. Vira marcas muito semelhantes em Lavínia,
no dia de seu enterro. Teria aquela pobre e infeliz menina também sofrido um terrível acidente?
— O que aconteceu com Betsy?
— Não querem me dizer — confidenciou o menino. — Mas ouvi papai hoje de manhã.
Betsy não voltou do trabalho ontem. Esperamos até o jantar esfriar. Papai ficou furioso, e gritou
que nunca deveria ter permitido que trabalhasse na loja de luvas, e a faria pedir demissão.
Depois, nos mandou comer.
Desceu da cadeira e ficou olhando para o marquês, que permanecia calado.
— Mesmo depois de lavarmos os pratos, Betsy não tinha voltado. Estava muito escuro, e
mamãe disse que sentia medo. Por isso, papai foi procurar minha irmã. Voltou chorando, com
um bando de homens, carregando o corpo de Betsy. Papai não queria sair de seu lado.
Phillip continuou em silêncio, e isso encorajou a criança a continuar:
— Encontraram-na no beco, perto da loja em que trabalhava. Um dos homens falou que
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foi estrangulada, e outro acrescentou que encontraram mais duas moças mortas assim no mês
passado, mas em becos perto de outras lojas. Acho que estrangular quer dizer machucar muito o
pescoço, não é?
Phillip sentia todos os nervos retesados. Estrangulada?! Analisar outra vez as marcas no
pescoço de Betsy, e forçou-se a lembrar-se de Lavínia. O tempo, o choque e a dor haviam
apagado muitas lembranças do dia fatídico, mas a memória de sua amada morta era uma visão
que o assombrava com nitidez.
Marcas terríveis, arroxeadas e azuladas, tinham maculado o pescoço branco e elegante de
sua primeira mulher, resultado, supunha, de uma queda fatal. Mas teria sido um crime? E se
fosse verdade, quem o cometera?
— Harold? Onde está você? Desça logo e cumprimente sua tia — chamou alguém.
O menino olhou para o marquês.
— Mamãe está chamando.
— Então é melhor descermos.
A visão do pobre cadáver na sala modesta começou a se dissipar e, após dar suas
condolências aos pais da jovem, Phillip conduziu Meredith até a carruagem.
— A mãe ou a sra. Pritcher contaram como Betsy morreu?
— Não. Creio que foi alguma doença. Por quê?
— Por nada.
Mas Phillip não conseguia parar de pensar nas marcas do pescoço da jovem. A
brutalidade que causara sua morte o abalou. Teria sido mesmo estrangulada, como sugerira o
pequeno Harold?
Era terrível pensar nisso, e por certo a dor da família seria ainda pior.
E sobre a similaridade com as manchas em Lavínia? Será que em meio à angustia e ao
sofrimento de oito anos atrás, ante a perda de sua esposa amada, deixara escapar algum detalhe
importante? Seria possível imaginar que a terrível morte de Lavínia não fora um acidente, mas
resultado de um ataque criminoso?
Entretanto o aspecto mais pavoroso de toda essa história fora o comentário de Harold
sobre mais duas moças mortas em igual circunstância. Se havia uma conexão entre as lojistas,
haveria outras a seguir?
— O cocheiro deseja saber se deve levá-lo para a mansão ou para o clube, Phillip.
— Não tenho planos para o dia. Deseja ir a algum lugar? Bond Street, talvez, para
algumas compras?
Meredith suspirou.
— Depois da manhã que tivemos, não me sinto inclinada a frivolidades.
Phillip bateu no teto, e o cocheiro diminuiu a marcha.
— Leve-nos ao parque. A senhora deseja dar uma volta por lá. — Fitou Meredith. — A
menos que não queira.
— É uma hora estranha para um passeio no parque, milorde.
— Já deveria saber que não respeito os hábitos da moda, milady. E gostaria de lhe pedir
que me chamasse apenas pelo nome de batismo. Às vezes é tão formal que receio que faça uma
mesura cada vez que entro em uma sala.
Os olhos de Meredith brilharam de raiva, e isso deu ao marquês uma enorme satisfação.
Ótimo. Pelo menos conseguira fazê-la abandonar a pose. Tanta polidez começava a lhe dar nos
nervos.
— Achei que gostasse de manter uma certa distância entre nós. Seu comportamento
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comigo, desde que nos casamos, me causa a impressão de que não deseja uma grande
aproximação. Estava apenas me comportando como penso que prefere.
— Nunca obedeceu as regras de nenhum homem, que eu saiba, Meredith. Faz isso para
me aborrecer ou chamar minha atenção?
Meredith quase deu um pulo no assento, em protesto.
— Que bobagem! Reconheço que sou teimosa e mandona às vezes, mas jamais me
atiraria sobre alguém ou tentaria atrair a atenção de quem não me quer! Milorde provou isso
muito bem em seu quarto, ontem.
— Gostaria de me explicar, Meredith.
— Não é necessário. Você não me queria em sua cama. Entendi muito bem.
— Engano seu.
Porém Meredith balançou a cabeça com força, negando-se a ouvir, encarando-o.
— Desde que nos casamos você me trata com apatia e desinteresse. Nega-se a admitir
que demonstra mais consideração pela criadagem do que por mim?
— Tenho meus motivos.
Meredith pareceu abalada com a resposta franca.
— Devem ser muito interessantes.
Phillip sorriu com amargura. Mesmo ao tentar se manter afastado dela, cada vez mais
admirava seu espírito e energia. A maioria das mulheres aprendia, desde o berço, a se submeter
aos homens, mas parecia que Meredith não aprendera essa lição, pois não demonstrava nenhum
medo ao desafiá-lo.
E isso aumentava sua convicção de que ela merecia mais do que podia lhe dar. Era hora
de ser totalmente franco.
— O sexo pode ser uma forma de alívio para um homem e uma mulher. Nada mais. Não
se trata, como dizem os poetas, de um vínculo inquebrantável com o amor.
Meredith parou de se agitar, e o olhou, surpresa. Encorajado por sua quietude atenta,
Phillip prosseguiu:
— Porém existe uma espécie de loucura vinculada ao sexo que pode levar uma pessoa a
esquecer-se de tudo e de todos, a não ser do objeto de seu desejo. Chega-se a um ponto em que
se diz, faz e promete tudo para alcançar e dar prazer.
— E isso não é amor?
— Não. Muitos confundem isso com amor, e aí repousa a tragédia. Essa obsessão sexual
é passageira. Surge e queima, devastando tudo ao redor, para em breve se extinguir, deixando um
rastro de mágoa, angústia e mesmo sofrimento para uma das partes.
— Eu, no caso?
— Temo que sim. — Mas ao dizer isso uma voz interior bradou-lhe que também sairia
muito machucado. — Se me achou distante e cauteloso nas últimas semanas, é porque acredito
que se nos deixarmos levar pela volúpia nos veremos em breve nessa situação desesperada que
descrevi.
— Mas, se previa isso, por que se casou comigo?
— Fui um idiota. Quis ser cavalheiro e ao mesmo tempo obrigá-la a aceitar minha
proposta de casamento por orgulho. Pura vaidade, e só tarde demais me dei conta de nossa
situação.
Meredith franziu a testa. Observava o marquês com insistência, mas sua mente parecia
distante.
— Não temos esperança, Phillip?
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Dardington sentiu compaixão perante o tom ansioso de Meredith.


— Agora que está ciente das consequências, talvez possamos ter uma vida marital
normal. Mas deve compreender que será apenas um relacionamento físico. Só isso.
— E é preciso mais?
— Para uma esposa, talvez.
— Não fazia ideia de que era um romântico incurável. Sempre imaginei que a maioria
dos homens desejasse um casamento como o nosso. Uma mulher para copular, ter filhos e
conversar um pouco com civilidade. Beleza é bom, mas dispensável. E paixão? Será que isso é
levado em consideração entre os maridos?
— E por certo sua natureza sensual que nos levou ao ponto em que estamos. É tão natural
para você ser receptiva ao sexo... E sou apenas um homem, suscetível às tentações.
— Sou sua mulher. Por que resistir?
— Pensei que pretendesse ter mais do que apenas sexo.
Por um instante Phillip achou que por fim a chocara, mas Meredith esboçou um sorriso
distante.
— É isso o que está me oferecendo?
— É isso o que está me pedindo?
— Como é arrogante! Não sou uma tola. Sabia muito bem que nossa união traria grandes
desafios. Admito que fiquei um tanto aborrecida ao constatar sua falta de interesse por mim,
porém há muito desisti da ideia de que um dia chegaria a me amar. Na verdade, creio que nem
mesmo gosta de mim.
— Engana-se de novo. Gosto muito; até demais.
— Mesmo? Pois tem um modo muito peculiar de demonstrar isso.
— Preferiria ser seduzida? Desculpe-me, mas sei que não seria o bastante. Merece muito
mais do que posso lhe oferecer, Meredith.
— Ah! Mas é raro conseguirmos tudo o que queremos da vida, não acha, Phillip? E não
percebeu o óbvio. Existem razoes práticas para se manter uma vida conjugal.
— Refere-se a filhos? Nunca mencionou isso. — O marquês coçou o queixo, tentando
imaginá-la com o ventre pesado, no aguardo de um bebê seu, e isso, por estranho que fosse, lhe
proporcionou uma profunda ternura. — Quer muito ser mãe?
— Agradaria ao duque ter um neto.
O marquês cerrou os punhos.
— Excelente motivo para não termos filhos!
— Em parte, concordo. A criança que já existe na casa é suficiente.
— Fala de mim, milady?
A marquesa ergueu as sobrancelhas.
— Como é perspicaz e astuto Phillip!
O marquês não soube o que responder. Em parte a esposa tinha razão. Agia como um
menino, mas a rixa entre ele e o pai era muito antiga. Meredith não podia entender a
complexidade do problema, nem o nível de sua mágoa.
— Devo parabenizá-la por sua habilidade em conquistar meu pai. Ambos se tornaram
muito amigos em pouco tempo.
Meredith suspirou.
— Embora você fale com ironia, posso garantir que não fiz nada de propósito para
aborrecê-lo ou chamar sua atenção. — Sorriu com doçura. — O duque é bondoso e gentil, e
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aprecio sua companhia.


— Pode ser muito charmoso quando lhe interessa. Mas aviso que de um momento para o
outro ele pode passar de caloroso amigo a inimigo furioso.
— Como o filho?
— Sou um amador em comparação a meu pai.
— Estranho... Lembro-me de uma época em que vocês dois eram bons camaradas. Qual o
motivo da grande briga entre ambos?
— Lavínia.
— Quê?! Mas... o duque a adorava! Todos sabiam disso em sociedade, e não consigo
imaginá-la fazendo algo que o desagradasse.
Phillip sentiu a dor familiar ante as recordações havia muito enterradas.
— Na manhã do funeral eu e ele brigamos muito. Meu pai exigiu que retirasse do dedo
de minha esposa a aliança de casamento. Alegou que era uma herança de família, usada pelas
esposas dos duques de Warwick fazia seis gerações. — Riu com sarcasmo. — Era uma jóia
valiosa demais para apodrecer em uma cripta.
Meredith engoliu em seco, e, com gesto instintivo, escondeu a mão enluvada atrás da
bolsa.
— Tenho certeza que o duque não quis ser rude. Mas concordo que foi sem tato e cruel, e
não respeitou seu momento de grande tristeza.
Sim. Phillip estivera a ponto de enlouquecer de sofrimento, e as palavras do pai o tiraram
do sério. Então dissera coisas terríveis ao duque, e jurara jamais perdoar ou esquecer.
Mas talvez fosse melhor pôr de lado o passado e seguir em frente. Viu Meredith mexer na
aliança de ouro e brilhantes que usava sob a luva.
— Não se preocupe, milady. A aliança que lhe dei foi comprada na manhã de nosso
casamento, em Bond Street.
— E a outra? A grande herança?
— Jaz no dedo de Lavínia, para todo o sempre.
— Fico satisfeita em saber disso.
Phillip sentiu-se vingado ouvindo aquilo. Sempre julgou válida a batalha com o pai. Parte
da dor que sentia pareceu ceder, e percebeu que estava mais alegre.
Na luz difusa da carruagem, o rosto de Meredith parecia etéreo. Como sempre, não
evitava encará-lo, e seu olhar era tranquilo, direto e inteligente.
Além do mais, estava muito linda. Trajava um vestido modesto de gola alta, apropriado
para a visita que tinham feito nessa manhã.
O marquês sentiu uma súbita e louca vontade de agarrá-la e fazê-la sentar-se em seu colo,
certo de que, ao primeiro toque de suas mãos e seus lábios, ela se ofereceria por inteiro, como
uma deusa pagã. A paixão era muito forte, e toldava seu bom senso. Todavia, manteve o
autocontrole.
Nesse momento, Meredith sorriu de leve e corou, como se pudesse ler-lhe os
pensamentos e soubesse da lascívia que o invadia.

Capítulo XIII
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Algo mudara, após a conversa à tarde na carruagem. Nos dias que se seguiram, o marquês
continuou a ser pouco visto por sua mulher, e não compartilhavam o mesmo leito... ainda.
Quando Meredith pensava a respeito do casamento, tinha de admitir que não fizera grandes
progressos. Entretanto, sentia-se mais confortável na posição de esposa e marquesa e mais
confiante em si mesma. As explicações de Phillip sobre sua conduta foram confusas e
complicadas, mas tivera sucesso em um ponto importante. Meredith já não encarava a rejeição de
modo pessoal. Era uma noção ridícula, mas afinal seu enlace fora algo fora do comum.
— Seguirá esta noite o padrão de sempre, dançando apenas com seu acompanhante, o
duque de Warwick?
A voz masculina e zombeteira que falou a seu ouvido a fez dar um pulo de alegria.
— Jásper! — Abraçou o irmão com profundo afeto. — Que maravilha vê-lo aqui! Que
surpresa! Bem... achei que um baile dado por um membro idoso da alta sociedade jamais o
atrairia.
— Moramos a três casas daqui. Seria rude não comparecer pelo menos por algumas
horas. Além disso, um verdadeiro cavalheiro tem de aceitar seus deveres por mais maçantes que
sejam, e às vezes preterir os amigos de noitadas alegres.
Meredith ficou boquiaberta perante tal revelação. Ia retrucar com um gracejo, quando viu
que o irmão não sorria, e falava com toda a seriedade. Tratou de cobrir a boca com o leque, a fim
de ocultar o sorriso. A nova atitude sóbria e madura de Jásper era uma surpresa, e demoraria
ainda até se acostumar com ela. Afinal, não deixava de ser um avanço, levando-se em conta seu
comportamento irresponsável e inconsequente do passado.
— Jason também veio? Desejo cumprimentá-lo.
— Chegamos juntos, mas ele deve estar por aí, mal-humorado. — Jásper suspirou. —
Combinamos permanecer apenas três horas na sala de jogos, e Jason ficou furioso porque estava
vencendo quando o prazo se esgotou. Levei vários minutos para convencê-lo a sair sem causar
confusão. Não ficou nada contente.
Dessa vez Meredith quase teve um acesso de tosse, tamanho o espanto. Quer dizer que os
gêmeos estavam limitando o tempo de jogo? Seria possível?!
— Estou feliz com a disciplina que demonstram, querido.
— Na realidade, foi sugestão de Dardington. — Jásper voltou-se para fazer uma mesura
para um casal de idade que passava, e tornou a falar com a irmã: — O marquês achou que era
hora de ampliarmos nossos horizontes. E quando lhe dissemos que não planejamos nos casar
logo, aconselhou que fôssemos ao maior numero possível de bailes de debutantes.
— Com que propósito?
— Conhecimento, é claro. Um conselho sábio. Aprender as táticas sutis para escapar de
armadilhas de mães desesperadas nos dará experiência para o futuro. Não faz sentido cair na
ratoeira se ainda não queremos o queijo, concorda?
— Sábio conselho, sem dúvida.
Pena que o próprio marquês não o tivesse seguido, acrescentou para si mesma. Mas logo
irritou-se. Será que todos os assuntos a levavam sempre a pensar na situação do próprio
casamento?!
— Têm passado muito tempo na companhia do marquês de Dardington?
— Bastante. Frequentamos muitos lugares em comum e temos os mesmos interesses.
— Posso imaginar quais sejam. Corridas de cavalos, boxe, bebidas, mulheres fáceis e
grandes apostas. Oh! E não podemos esquecer um duelo de vez em quando. Vocês três são um
grupo ameaçador para esta cidade!
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— Não somos assim tão maus, Merry. O marquês também está mudando. Todos já
notaram. Custa a se zangar, pondera antes de agir e está mais sério. Alguns de seus camaradas
lamentam essa nova atitude tão sóbria.
Atônita, Meredith pesou as palavras do irmão. Jásper parecia estar descrevendo um
senhor sábio e de meia-idade.
— Parece que gosta de Dardington mesmo assim.
— Sem dúvida! É uma pessoa maravilhosa. Raciocina com a própria cabeça e não dá
ouvidos à opinião alheia. É muito admirado, e confesso que o admiro também.
Meredith estava cada vez mais assustada. O irmão parecia preso de uma obsessão por
heróis românticos.
— Como as coisas mudam, Jásper! Há poucas semanas ambos estavam prestes a se
enfrentar em um duelo, e hoje são grandes amigos. E depois dizem que as mulheres são
volúveis!
— Bem, o duelo não chegou a acontecer, como você sabe. Além disso, somos uma só
família, e não é bonito duelar com parentes.
— Será ótimo que você e Jason tenham isso sempre em mente.
O rosto da marquesa se iluminou ao vislumbrar Jason vindo em sua direção. Como sentia
a falta dos gêmeos no dia-a-dia... Embora lhe tivessem causado muitas aflições e dores de
cabeça, amava-os de todo o coração.
— Por fim os encontro! — Jason abraçou a irmã. — Estava procurando você, Merry.
— Mesmo? — A marquesa sentiu o perfume familiar de sabonete e conhaque que tanto a
agradava, e fechou os olhos, por um momento invadida por uma grande saudade. — Confesso
que também queria revê-lo, embora sempre me cause cabelos brancos.
Riu e admirou o irmão. Jason estava muito bonito, com colete prateado e paletó preto. O
contraste severo com as roupas mais coloridas de Jásper o deixava ainda mais elegante.
— Suas palavras me magoam, Merry — disse o rapaz, com um brilho divertido nos
olhos.
— Posso imaginar! — A marquesa beijou o irmão. — Está se divertindo?
Os gêmeos franziram a testa ao mesmo tempo, e Jason respondeu:
— Estava tendo uma sorte incrível nas cartas. — Apontou um dedo acusador para o
irmão. — Mas minha alegria foi cortada quando fui arrastado para fora do salão de jogos.
— Poupe o fôlego, mocinho. Meredith já sabe de nosso plano de conter os jogos em
festas e bailes. Nem é preciso dizer que aprova com entusiasmo.
Jason virou-se para a irmã com um amplo sorriso.
— Não é de admirar. E ficará ainda mais contente em saber que controlei minha
frustração muito bem, e que no próximo baile começarei a jogar mais cedo para poder vencer.
— Sua força moral me deixa atônita!
— Acho que vou ficar enjoado — murmurou Jásper, dando um olhar de pouco-caso para
o irmão.
— Que tal beber alguma coisa? — sugeriu a marquesa.
— Não tenho tempo. Descobri a mais bela criatura do baile quando saía do salão de
jogos. Rosto perfeito, corpo maravilhoso, e parece que acabou de chegar do campo, pois tem um
cintilar provinciano e inocente nas pupilas.
— Parece pura demais para um cafajeste como você — Jásper resmungou.
Jason ignorou os comentários do gêmeo.
— Vai ser a rainha da temporada. Bastou vê-la para saber que Cupido me flechou. Merry,
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tem de descobrir quem é ela, antes que os outros comecem a elogiá-la.


Jásper deu risada.
— Está mudando, irmãozinho. Antes não precisava de apresentações para se aproximar
de uma moça.
— Tem razão. No passado esse método surtiu efeito. A maioria das mulheres gosta de
homens ousados, mas essa é diferente. É uma lástima, está acompanhada por uma irmã mais
velha que, ouvi dizer, quase deu um soco no conde de Aubrey quando tentou dançar com minha
eleita sem pedir permissão primeiro.
— Temeroso de uma irmã mais velha! Que decepção, Jason!
— Acredite em mim, Jásper. Essa bruxa é terrível. Afasta qualquer um com um simples
olhar.
— Cuidado com a língua! Estamos na presença de uma dama.
— É só Merry, nossa irmã. Ela já ouviu coisas muito piores de minha boca ao longo dos
anos. Além disso, é uma mulher casada, e não deve se escandalizar com facilidade.
— Não deixa de ser uma dama. — Jásper observou ao redor. — Pior seria se outros o
ouvissem falar assim. Em um salão de baile não se usa linguagem de taberna, meu caro.
— Jásper, está se tornando um chato de marca maior!
Ambos ficaram frente a frente, e Meredith decidiu que a conversa, até aquele momento
divertida, começava a tomar um rumo perigoso.
— Olhem! O criado está trazendo uma bandeja com champanhe. Pode apanhar uma taça
para mim, Jásper?
Nenhum dos dois se moveu.
— Por favor! — repetiu Meredith. — Vamos parar de discutir.
Jason afastou o olhar do irmão, e riu.
— Você é uma pérola, Merry! Dardington tem muita sorte em tê-la como esposa.
A marquesa escondeu a amargura, não querendo discutir o assunto, pois duvidava que
Phillip se considerasse um homem de muita sorte por tê-la desposado.
— Lamento se fui inconveniente — desculpou-se Jason.
— A ceia será servida daqui a pouco. Você precisa me contar tudo o que sabe sobre essa
jovem que deseja conhecer. Se conseguirmos uma apresentação logo, quem sabe poderá
acompanhá-la até a sala de jantar.
A mudança do rumo da conversa deu certo. Conforme Meredith imaginara, Jason
começou a discorrer com entusiasmo sobre sua nova paixão.
— ...mas ela tem aquele cão de guarda que a acompanha a todo canto. Por que as moças
mais bonitas não são acompanhadas por matronas surdas que preferem ficar nos cantos
mexericando ou comendo? Após duas taças de champanhe, caem no sono, e suas pupilas ficam
livres para fazer o que bem quiserem.
Meredith deu de ombros.
— Prometo envidar esforços para ganhar a confiança da acompanhante e permitir que
fique com a jovem. Ah! Aí vem Jásper com o champanhe. Tomemos um gole e depois partamos
para nossa missão.
Os três fizeram um brinde.
— Boa caçada, irmão! — desejou Jásper.
Meredith mal encostara os lábios na taça, quando Jason agarrou-lhe o braço.
— Lá está ela, Merry! A visão loira com o vestido cor de água, junto ao pilar de
mármore. Não é um anjo?
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Basso

Interessada, Meredith voltou a cabeça e observou a loirinha que encantara o irmão.


— Meu Deus! Eu a conheço!
— Como? Garanto que acabou de chegar do interior.
— Sim, é verdade. Sua adorável dama é Elizabeth Saint-hill, irmã caçula do visconde
Dewhurst.
— Dewhurst? — Jásper coçou o queixo. — Não é o que se casou com sua amiga Faith no
ano passado?
— Sim. — Meredith terminou o champanhe e entregou a taça a Jason, que tratou de passá-
la para um criado. — Conheci Elizabeth no outono passado, quando fui visitar Faith. A querida
menina foi o sucesso do baile local da colheita, mas tanta atenção apenas a deixou constrangida. É
uma jovem encantadora que adora os prazeres simples da vida. Não será fácil atraí-la com suas
maneiras sofisticadas de cavalheiro da cidade grande, Jason.
— Nossa, Merry! Parece que se arrependeu da promessa de apresentá-la!
— Pode ser. — Meredith encarou Jason. — Terá de me prometer que não tomará atitudes
precipitadas. Ficaria muito aborrecida se, de algum modo, perturbasse Elizabeth.
— Só quero conhecê-la, Merry, não seduzi-la. Além disso, sua guardiã cortará minha
cabeça se me vir fazer algo errado, e confesso que tenho medo daquela bruxa.
Meredith lançou um olhar para a mulher mais velha ao lado de Elizabeth, mas já sabia
que apenas uma pessoa montaria guarda com tanto zelo: Harriet Sainthill, sua irmã mais velha.
— Bem, pelo menos está entendendo a situação, caro irmão. — Meredith respirou fundo.
— Qualquer homem de juízo manteria distância de Harriet. Mas para alcançar o objeto de seu
afeto terá de se arriscar nos espinhos da guardiã.
— Parece que está se divertindo com isso, Merry. Já que conhece a linda Elizabeth,
presumo que também conheça a fera que monta guarda.
Meredith quase soltou uma gargalhada. Era um comentário cruel, mas verdadeiro. Harriet
Sainthill era conhecida pelo gênio difícil, e ambas haviam debutado na mesma ocasião, anos
atrás. De imediato, Harriet a encarara como uma rival, embora Meredith jamais houvesse
entendido por que a outra a detestava tanto. Apenas anos depois descobriu que Harriet tinha se
apaixonado por Julian Wingate, um dos homens que lhe propusera casamento e a quem rejeitara.
Meredith não tinha certeza se a outra a odiava por não ter querido Wingate ou por ter
merecido suas atenções, e o que mais a perturbava era o fato de que, por fim, Harriet ficou noiva
de Wingate.
A animosidade da srta. Sainthill não parou por ali, e incluiu a boa amiga de Meredith,
Faith, que se casou com seu irmão mais velho. Harriet fez de tudo para tornar a vida da cunhada
um inferno.
Mas, por sorte, parecia que as duas haviam aparado as arestas nos últimos tempos. Faith
era muito feliz ao lado do amado marido e do filho do primeiro casamento do visconde, e o resto
não lhe importava.
— Aviso-o, querido irmão, que Harriet será o menor de seus problemas, caso faça
Elizabeth sofrer. Vai ter de ajustar contas primeiro comigo e depois com seu cunhado, o
visconde Dewhurst, que é muito protetor em relação às mulheres da família.
— Ele está aqui hoje também?
— Não. Faith não pôde vir a Londres. Espera um filho. Acho que Elizabeth mal
principiou a aparecer em sociedade, embora, na minha opinião, um baile do duque de
Shrewsbury não seja a maneira mais brilhante de iniciar, porque ele não é nenhum líder social.
— Deve ter sido Harriet quem fez a escolha.
— Mas que tolice a minha não ter lembrado! Julian Wingate é neto de nosso anfitrião,
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por isso é natural que as duas tenham vindo. Afinal, Harriet está noiva de Wingate.
— O pobre Julian vai se casar com ela?! — Jason deixou escapar um assobio discreto de
espanto. — Seu semblante parece uma máscara de eterna infelicidade, mas por certo tem muito
dinheiro e propriedades, senão eu ficaria com pena de Wingate.
— Que eu saiba, Harriet possui apenas um pequeno dote, como Elizabeth.
— Nesse caso, Wingate por certo manterá esse noivado em banho-maria.
No íntimo, Meredith concordou com o irmão, mas disse:
— Estão noivos há vários anos, e agora que Julian voltou do continente, por certo
marcarão a data do casamento.
— Tal enlace não me entra na cabeça.
— Não seja malvado, Jason. Sei que é difícil de acreditar, mas Harriet é uma mulher
muito atraente quando quer. Além disso, é muito inteligente e de língua afiada; portanto, tenha
cuidado.
Com esse conselho final, a marquesa de Dardington atravessou o ambiente ao lado de
Jason. Ao se aproximar, constatou que, de fato, Elizabeth eclipsava a irmã mais velha em beleza
e graça. Não era mistério entender por que Jason se entusiasmara tanto. A jovem Sainthill estava
linda com seu vestido claro e os cabelos em cachos.
Ao contrário, Harriet trajava um modesto vestido azul-escuro, os cabelos castanhos em
um coque severo. Nada em sua toalete favorecia-lhe a aparência. Seu olhar turvou-se ao ver
Meredith, que se sentiu insegura quanto à recepção que teriam.
— Lady Meredith! — saudou Elizabeth com genuína alegria, e deu um abraço na
marquesa. — Estou tão feliz em vê-la! Esperava que comparecesse, mas Harriet me disse que era
pouco provável.
— É um prazer revê-la também, Elizabeth. E tão bonita. — Meredith inclinou a cabeça
de leve, cumprimentando Harriet, que a fitava com desagrado. — Como vai? Estou contente em vê-
la também. Faith me escreveu dizendo que viriam para a temporada. Estão gostando de Londres?
— A mesma coisa de anos atrás, com pessoas entediantes que passam o tempo em
mexericos. Não sei como tolera isso, ano após ano.
Meredith trocou um olhar cúmplice com Jason.
— Creio que é preciso prática, Harriet. Permita-me apresentar meus irmãos, Jásper, lorde
Fairhurst, e o sr. Jason Barrington. Estas são a srta. Harriet Sainthill e sua irmã, a srta. Elizabeth.
Os gêmeos deram um passo à frente, e fizeram uma mesura elegante, muito breve para
Harriet, mas longa e gentil para Elizabeth, que corou e sorriu. Seus olhos azuis se abriram muito.
— Meu Deus! São gêmeos!
— Embora eu seja o mais velho por uma questão de poucos minutos e, sem dúvida, o
mais atraente — brincou Jásper.
— Tolice! — Jason postou-se diante do irmão. — Só um pobre-coitado precisa dizer que
é o mais charmoso.
— É verdade! Não concorda, srta. Sainthill? — perguntou Jásper para a pequena loira,
que parecia uma figurinha de porcelana.
— Olhem para os dois! — Harriet interveio. — Parecem cães diante de um osso. Estamos
em Londres há menos de uma semana, e já me sinto farta de enxotar aventureiros simpáticos que
tentam conquistar minha irmã. A alta sociedade está repleta desses tipos.
— Elizabeth é uma jovem de bom senso e não se deixará iludir com facilidade. —
Meredith levou o leque ao rosto. — E ouvi dizer de fonte segura que você é uma esplêndida
guardiã, Harriet.
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A outra sorriu, satisfeita.


— Ainda bem! — Tocou o nariz com a ponta do lenço rendado, e Meredith sentiu
perfume de lavanda. — Faith nos contou que se casou às pressas, Meredith. Confesso que fiquei
chocada. Quando nos visitou, meses atrás, deixou bem claro que pretendia permanecer solteira e
independente.
Meredith, sentindo as faces afogueadas, amaldiçoou a outra em pensamento por ter uma
memória tão boa.
— As circunstâncias mudam, às vezes fora de nosso controle. Casei-me com o marquês
de Dardington há algumas semanas.
— Surpreendente. Creio que não conheço o marquês. Poderia apresentá-lo?
Meredith enrijeceu. Harriet queixara-se dos falatórios da alta sociedade, por isso deveria
ter conhecimento do tipo de matrimônio que mantinha com Phillip.
— Meu marido não costuma frequentar estas festas.
— Que pena! — Seguiram-se alguns segundos de um silêncio constrangedor. — Não me
perguntará sobre meu noivo?
Seria cruel, porque qualquer noivo atencioso estaria ao lado de sua prometida, mas Julian
Wingate não era visto por perto, apesar de estar na casa, sem dúvida.
— Creio que nós duas temos mais em comum do que imagina, Harriet.
— Conseguiu de novo! — exclamou a srta. Sainthill.
— O quê?
— É sempre linda e atrai homens de todas as idades, enquanto eu tenho um rosto comum,
de quem todos se esquecem. Mas, além disso, é simpática e tem compaixão. Para mim, esse
sempre foi seu pior defeito, Meredith. É melhor do que eu. — Harriet riu. — Deixa-me louca!
Com grande presença de espírito, Jásper convidou Harriet para dançar, enquanto o irmão
fazia o mesmo com Elizabeth. A mais velha aceitou o convite, pois assim ficaria vigiando a
caçula na pista.
Meredith tornou a se acalmar quando se viu sozinha. Admirou o salão muito bem
iluminado e decorado, sabendo que, às primeiras horas da manhã, tudo iria adquirir as cores reais
e mostrar o ambiente e as pessoas como eram de fato.
De repente, sentiu um desconforto familiar, como se alguém a observasse a distancia.
Olhou em torno, com cautela e discrição, esperando encontrar algum ousado admirador ou a
expressão de desagrado de alguma matrona, mas não viu nada disso. Todos pareciam entretidos
em seus grupos e interessados em suas conversas.
Respirou fundo, tentando afastar a perturbação que a invadia. Seria uma reação à
conversa que tivera com Harriet? Rejeitou a ideia sem perda de tempo. Dado o relacionamento
tumultuado com a antiga rival, até que o diálogo fora simpático.
Apertou a luva de encontro à testa. Suava muito, apesar de a temperatura no salão estar
amena. Por um instante, imaginou que Phillip chegara, e que, por instinto, ao sabê-lo no mesmo
ambiente, sentira-se nervosa.
Voltou a analisar o recinto, ansiosa, mas nada encontrou. Sempre sentia o coração
acelerado quando Phillip estava para chegar, como se fosse uma premonição. Soube então que o
marido não se achava ali.
No entanto, a ansiedade continuava, como se alguém a analisasse de longe. Examinou
mais uma vez os convidados, porém ninguém parecia lhe dar atenção especial. Ajeitou o
penteado e abanou-se com o leque.
Procurou se acalmar. Estava agindo como uma tola. Encontrava-se no meio de um salão
de baile lotado, e a salvo de qualquer perigo. Ninguém desejava fazer-lhe mal, refletiu, tentando
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recuperar a fleuma.
A orquestra principiava a afinar os instrumentos para a próxima dança e, resoluta,
Meredith criou alma nova e foi procurar o duque de Warwick para dançar.

Ele se mantinha atrás da coluna de mármore, e viu-a estremecer e olhar para todos os
lados, apreensiva.
"Sabe que está sendo observada, e isso a perturba. Que maravilha!"
O desconforto de Meredith brindou-o com um instante de intenso prazer na noite
maçante. Sentia-se inquieto também, e louco para agir, mas não podia deixar a mansão. O baile
do duque estava no auge, e havia muita gente ao redor, entre convidados e criados, muitos olhos
que poderiam ver o que não lhe convinha.
As danças continuariam até o amanhecer, mantendo-o prisioneiro na mansão, pois não
podia ser visto partindo ou regressando. E isso o punha ainda mais irado e tenso.
Não se sentia bem fazia uma semana. A última garota fora uma frustração. Conhecera-a
na loja de luvas dias antes de matá-la. Era tímida e gaguejava muito, como ele gostava. Uma
alma inocente, incapaz de distinguir o mal diante de si.
Entretanto morrera assim também, sem luta, nem ânimo. Quase não gemera, nem
implorara, e isso proporcionara pouco deleite.
Pensara em não chegar até o fim, mas teria sido estupidez. A menina o conhecia da loja e
poderia identificá-lo para a polícia. Por certo as chances de ser localizado seriam mínimas, e é
lógico que, se confrontado, negaria as afirmações da moça. Ela seria chamada de louca, e ele
venceria a batalha com facilidade.
Já não provara sua esperteza todos esses anos, circulando entre toda aquela gente da alta
sociedade frívola? E ninguém suspeitava de nada.
Contudo, não podia se arriscar. Outros cadáveres femininos tinham sido descobertos na
cidade, jovens que morriam de maneira similar, com profundas marcas de seus dedos nos
pescoços brancos.
Assim, terminou por matar a moça da luvaria também, conseguindo uma débil alegria
com seu derradeiro olhar apavorado. Ante a recordação, suspirou. Tanto esforço para tão pouco!
Tornou ao momento presente. Viu lady Meredith no meio do salão, frente a frente com
um senhor mais velho, seu sogro, o duque de Warwick.
O nobre fez uma careta. Não era fácil de convencer como os outros. Ela atraía muita
atenção, e era admirada por sua virtude e por se manter acima dos escândalos. Entretanto, a
verdade era que se casara às pressas e era ignorada pelo marido. Londres inteira sabia disso.
Ele tinha certeza de que isso a magoava. Vira em seus olhos, na manhã do duelo. Estivera
frenética para impedir, não só para poupar o precioso irmão, mas o marquês também. Jamais
suspeitara, até então, que lady Meredith amava Dardington. Fora sensacional descobrir seu
segredo.
Seria uma vingança fantástica fazer com que alguém que tanto humilhara outras pessoas
fosse humilhada também. Que delícia saber que uma dama tão fria e orgulhosa, que recusara
tantos pedidos de casamento, estava agora presa a alguém que a desprezava!
Sorriu, malicioso e cruel. Lady Meredith tornara-se alvo de piedade na alta roda como a
esposa negligenciada.
Sabia que isso devia ser um golpe em seu amor-próprio, e se comprazia. Enquanto
Dardington a ignorasse, lady Meredith sofreria. E enquanto sofresse, poderia continuar viva.
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Capítulo XIV

Algumas mulheres sentiam-se incompletas sem um homem ao lado. Meredith sempre se


orgulhara de estar acima dessa necessidade e de que sozinha poderia comandar sua vida.
Porém, ao repousar em sua sala íntima na manhã seguinte ao baile, fitando a carta que
escrevia para a amiga Faith, soube que desejava alguém com quem discutir seus sentimentos
tumultuados, e que precisava ser... um homem.
O sogro foi a escolha natural. Era bondoso, ponderado e muito preocupado com o bem-
estar da nora. O retorno para a mansão, na véspera, fora muito breve para que tivessem tempo de
conversar.
Sem dúvida poderia visitar os irmãos e pedir seu parecer, mas hesitou. Ficara
impressionada com os recentes sinais de maturidade que eles demonstravam, mas continuavam
com a tendência de exagerar as situações. Caso lhes confidenciasse que se sentia observada por
alguém, por certo se alarmariam.
Além disso, pensando melhor, a pessoa certa com quem conversar deveria ser Phillip, seu
marido. Era inteligente, um homem do mundo, e sereno diante do perigo. O único problema era
que desejava ter o mínimo contato possível com ela; portanto, Meredith acabou por decidir não
procurá-lo.
Seu olhar pousou na carta que escrevia. Se ao menos Faith estivesse em Londres, poderia
discutir com a amiga o temor e a apreensão que a acometeram na noite anterior, durante o baile,
que a tinham impedido de dormir direito. Teve sonhos estranhos, que a impediram de conciliar o
sono.
Foi uma noite maravilhosa no baile. Fiquei muito feliz por rever Elizabeth, e até Harriet
se comportou. Meus irmãos estão encantados com Elizabeth, mas morrem de medo de Harriet,
sua guardiã. Além disso, estou com a terrível impressão de que alguém me observa a distância e
me segue, mas não consigo encontrar uma explicação plausível.
Meredith desviou o olhar do papel, irritada. Estaria exagerando? Era provável que sim.
Contendo um suspiro, rasgou a última folha, mergulhou a pena na tinta e tratou de terminar a
missiva, sem mencionar suas fantasias loucas.
Tentou manter alegre o tom da mensagem, mas então ouviu passos. Era a folga de Rose;
portanto, não podia ser a criada, e as outras já haviam limpado o cômodo. Além do mais, não
mandara chamar nenhum serviçal, que sempre bateria na porta antes de entrar.
— Não esperava encontrá-la em casa a esta hora.
Meredith virou-se, o coração batendo forte. Deparou com Phillip à soleira. Ela engoliu
em seco.
— Meu Deus! Você me assustou!
— Dá para perceber. — O marquês cruzou os braços no peito e apoiou-se no batente. —
Por um instante pareceu aterrorizada.
— Ando um pouco sobressaltada. E, é claro, é a última pessoa que esperava ver em meus
aposentos.
Phillip sorriu, fazendo-a se arrepender do que dissera. Pôs a carta de lado e o encarou.
— Tem planos para esta tarde?
Meredith mordeu o lábio, preparando-se para responder. Por que Phillip queria saber de
seus planos?
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— Nada tenho de específico. Precisa que faça algo por você?


— Na verdade, queria saber se gostaria de me acompanhar a uma corrida de cavalos.
Fez-se um breve silêncio. Tomada de espanto, Meredith teve dificuldade para raciocinar.
— Nunca fui a um evento semelhante.
— Isso não me surpreende. Acho que irá gostar. O dia está lindo, e promete ficar quente.
O ar fresco lhe fará bem.
Sim, seria incrível, pensou Meredith. Uma tarde inteira ao lado do marido! Como
recusar?
— Tem certeza de que deseja que eu vá junto?
— É apenas uma corrida de cavalos, Meredith. Não precisa ficar tão surpresa. Por sua
reação, parece que a convidei para entrar nua na fonte à entrada do palácio do príncipe regente.
— Oh! É assim que pretende celebrar o fim da corrida? Com sua consorte banhando-se
sem roupa diante de todos?
Phillip soltou uma gargalhada.
— Causaria um tumulto e tanto.
— Melhor do que a corrida em si, milorde.
— É muito mais agradável de se ver. — O marquês lançou-lhe um olhar sensual que a
desarmou. — Embora prefira privacidade para vê-la despida, minha cara.
Corando, Meredith voltou a fingir concentração na carta. A potente presença física do
marido começava a afetá-la muito, e o olhar convidativo nos olhos azuis a punha fora de si. Mas
quis continuar com a brincadeira:
— Para evitar a multidão teríamos de nadar ali à noite.
— Mas isso quebraria o efeito, não acha? À luz do sol seria mais sedutor.
O rosto de Meredith estava vermelho como um pimentão. As fantasias eróticas que lhe
ocorreram eram vívidas demais e muito perturbadoras. Na entanto não iria dar-se por vencida.
Voltou-se e encarou-o outra vez.
— Precisa ser a fonte do príncipe? Os jardins aqui possuem algumas lindas. Aquela perto
da estufa é fantástica... e privativa.
— A sociedade erra ao me rotular de selvagem. E você a dona de uma alma erótica.
Por um momento Meredith pensou que Phillip iria se aproximar e tomá-la nos braços.
Seu instinto a fazia inclinar-se para frente, mas sabia que seria errado. Por mais difícil que fosse,
devia esperar que o marido desse o primeiro passo.
Dardington hesitou, e Meredith sentiu o coração apertado. Se o marquês pensasse muito
nas consequências de suas ações, não agiria. Então, como esperava, ele resmungou algo sobre
vê-la mais tarde e deixou a sala.
Desapontada mas não vencida, a marquesa passou mais uma vez a se concentrar na
correspondência que escrevia. Embora ansiasse pelos braços fortes do marido a seu redor, e pelos
lábios quentes sobre sua boca, aquela não era a hora... por enquanto.
Havia uma tarde inteira pela frente a ser aproveitada, e determinara-se a proporcionar
uma série de oportunidades para beijar e ser beijada. E, quem sabe, para um mergulho na fonte!

Era um lindo dia para sair, e Meredith teve dificuldade em conter um sorriso, ao sentar-se
ao lado do marquês na boleia do coche aberto. Estava contente por ele ter decidido guiar esse
veículo. Não tinha lugar para criados, e dava-lhes mais intimidade.
Apreciava vê-lo conduzir os cavalos. Phillip segurava as rédeas com firmeza, do mesmo
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modo como agia na vida, e ela se sentia, assim, relaxada e esperançosa. Aquela iria ser uma tarde
inesquecível, e o clima cooperava. O sol estava coberto por algumas nuvens, o que refrescava o
ar.
Dirigiram-se para uma área nos arredores da cidade, e desconhecida para a marquesa. Era
menos frequentada, agreste e simples, com uma estrada principal ladeada por casas pequenas,
lojas e estábulos. Fizeram uma curva e chegaram a uma encruzilhada com uma taberna de um
lado e uma igreja do outro.
Ao passarem pela igreja, Meredith ouviu o rumor de muitas vozes e aspirou o aroma de
tortas.
— Não é o tipo de passeio que costuma fazer, Meredith. Tem certeza de que deseja
assistir às corridas?
— Prometeu-me uma nova experiência, Phillip. Espero que a cumpra. Além disso, sinto-
me perfeitamente segura a seu lado.
— Podemos deixar o coche aqui. — Ele manobrou para perto de uma sebe. — A pista
fica ali, além do gramado.
O marquês ajudou-a a descer, e as fitas do chapéu gracioso dançaram ao vento. Meredith
abriu a sombrinha, protegendo-se do sol, que já estava a pino.
O marquês pegou uma cestinha de dentro da carruagem, andou um pouco e parou.
— Aviso-a, milady, que se o vento carregar seu chapéu não correrei atrás para apanhá-lo.
— Compreendo. — Meredith inclinou a sombrinha com elegância, e esboçou um sorriso.
— Se isso acontecer, você poderá me comprar outro.
Phillip franziu a testa, mas não replicou. A esposa saiu andando na frente, o coração
acelerado, antecipando a diversão.
A distância podia avistar uma nuvem de poeira circundando a pista, e ouvir o som das
risadas e dos comentários. A atmosfera era festiva.
Ao se aproximarem dos demais espectadores, o marquês estendeu-lhe o braço, e Meredith
o aceitou, agradecida por se encontrar em sua companhia e se apoiar, porque o gramado era
muito escorregadio. Sentia também uma nova satisfação em poder circular ao lado de seu marido
por um ambiente onde predominavam os homens.
Phillip vestia casaca marrom, e os ombros fortes se sobressaíam, enfatizando o físico
atlético.
Meredith logo reconheceu muitos rostos, mas desconhecia a maioria. Havia poucas
mulheres, que usavam roupas muito coloridas e ousadas. Algumas até usavam maquiagem.
A marquesa tratou de se controlar e não ficar olhando demais para as outras, embora
estivesse muito curiosa a seu respeito. Em breve percebeu que também era objeto de curiosidade,
pois sussurros se ouviam a sua passagem. Um dândi de casaca amarela voltou-se para fitá-la com
tanto ímpeto que torceu o pescoço, e outro agarrou depressa o monóculo para observá-la melhor.
O clima era de extremo espanto ante sua chegada, e Meredith armou-se de coragem para
erguer o queixo e caminhar com serenidade.
Não sabia se o espanto geral se devia às damas da nobreza não frequentarem tais eventos
ou porque o marquês de Dardington se dignara a aparecer em público com a esposa.
— Conheço algumas pessoas, mas a maioria me é estranha — murmurou Meredith. —
Em especial as senhoras. São...
— Amantes, aventureiras ou prostitutas? Sem dúvida. Arrisco dizer que é a dama mais
respeitável aqui presente, milady. Porém isso não deve ser impedimento para que se divirta nas
corridas.
— Meu Deus! — Podia sentir o olhar do marido, observando-a com atenção. Esperava,
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talvez, que ficasse indignada e ofendida? Isso não aconteceria, pois não costumava julgar as
outras mulheres. Respirou fundo. — Podemos ver os cavalos antes da disputa?
— Claro. As estrebarias ficam deste lado.
Rumaram para uma área onde se erguiam acomodações temporárias para os animais.
Jóqueis, lacaios e treinadores agitavam-se, preparando-se para o primeiro de cinco páreos.
Meredith apreciou os animais que se alinhavam para a partida, batendo com os cascos no chão,
impacientes.
— Qual acha que será o vencedor, Phillip?
— O baio de pescoço longo. É um garanhão de personalidade e bom gênio. Seu nome é
Malandro.
Meredith achou graça.
— Nome fora do comum para um cavalo.
— Gosto muito. Vamos nos sentar. — O marquês conduziu-a para uma área sombreada,
e subiram alguns degraus da tribuna principal, escolhendo um local isolado. — Já que sou dono
de Malandro, minha opinião não conta muito.
— Não sabia que possuía cavalos de corrida.
— Malandro é o primeiro, e essa será sua estreia. O treinador garantiu que está
preparado. — Phillip acomodou-se. — Só espero que tenha um desempenho correto.
— Isto é, que seja o vencedor.
— E o que mais? Jason insiste que Malandro é um vencedor.
— Se existe uma coisa da qual meu irmão entende é de cavalos.
— Verdade. Fico feliz que tenha resolvido se desfazer de Malandro.
A marquesa sentiu um frio no coração. Jason e Jásper tinham sido tão sinceros a respeito
de controlar seus hábitos de jogo que começara a creditar e louvar o encorajamento dado por
Phillip. Entretanto parecia que os três ainda eram grandes viciados, e isso a entristecia.
— Quer dizer que agora se dedica também a ganhar cavalos de corrida e não só de
passeio. Um passo à frente, creio.
— Apostas? Não ganhei Malandro no jogo. Comprei-o de seu irmão.
— Jura?
— Sim. — O marquês franziu a testa. — Percebo um tom de desagrado em sua voz,
milady. Duvida de minha palavra? Deseja ver o recibo?
— Não é necessário.
Sabia que deveria se desculpar, mas, afinal, o marido não podia ficar tão ofendido,
porque o conhecia como um grande jogador.
— Ainda temos tempo de fazer uma aposta, Meredith. A menos que faça alguma objeção.
— Não sou nenhuma puritana que não aceite apostar algumas libras.
— Fico feliz em ouvir isso. Então? Qual deles escolhe?
Meredith olhou a minúscula bolsa que trouxera, onde guardara um par de luvas extra,
sais, e um lenço de rendas.
— Não trouxe dinheiro.
— Posso lhe adiantar algum. Depois me reembolsará.
Meredith não conseguiu conter o riso.
— E se você perder?
O marido a estudou por um longo momento, e depois piscou, travesso.
— Podemos arrumar outra forma de pagamento.
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O rosto bonito e másculo inclinava-se em sua direção, e ela sentiu-lhe o hálito quente.
Meredith não se conteve e o beijou, notando o espanto inicial dele, que logo aceitou a carícia e
retribuiu, fazendo-a estremecer com o coração acelerado.
Embora relutante, foi ela quem se afastou primeiro, lembrando-se de que estavam em um
local público.
— Estamos dando um espetáculo à parte. A marquesa de Dardington e seu marido voltam
a escandalizar.
Phillip a olhava com tamanha intensidade que ela enrubesceu até a raiz dos cabelos.
— Rubor no rosto da mulher que me desafiou a nadar nu em uma fonte? Ora! Você é
uma fraude, milady.
Sorridente, o marquês levantou-se e foi fazer as apostas. Meredith procurou a sombrinha
que deixara ao lado, mas não a encontrou. "Que estranho..." Debruçou-se e analisou a grama
embaixo para ver se havia caído, mas nem sinal.
— Algum problema?
Meredith tratou de dominar o mau pressentimento que a invadia, e encarou Phillip.
— Como regressou tão depressa?
— Esqueceu-se de me dizer qual era seu favorito.
— Malandro, é claro.
— Que otimismo! Gosto disso em uma mulher.
Por um breve momento, Meredith imaginou que iria beijá-la de novo, mas isso não
aconteceu. Permaneceram parados, olhos nos olhos, mas não se deixaram levar pelo impulso.
Afastando-se, antes de fazer papel de tola, Meredith sussurrou:
— Apresse-se, ou perderá a corrida.
Quando pressentiu que Phillip se afastava, ergueu a cabeça. Sua mente confusa tentava
entender o marido, e apenas uma coisa era certa: ele fazia-lhe um convite por meio de olhares,
sorrisos e palavras provocantes.
Alguns dias antes, o marquês falara com franqueza sobre paixão e desejo sexual, e
insistira que se mantivessem distantes até se sentirem preparados para enfrentar o casamento sem
amor. Contudo não se passava um dia sem que lhe fizesse um convite tácito para a cama.
Por sua parte, não era melhor que o marido, pois flertava e provocava-o sempre que
podia. Desde a noite de núpcias, tentava derrubar a barreira que Phillip erigira entre os dois.
Pelo visto, já conseguira vencer alguns tijolos, e a tarde mal começara!
O marquês retornou assim que a corrida teve início. O tiro de partida foi dado, e Meredith
ficou excitada ao ver os cavalos avançando, as crinas dançando ao vento, os cascos batendo com
força no solo.
— Parece que nosso garoto começou mal — comentou o marquês — Está em último
lugar.
— Ainda não fizeram a primeira curva. Dê-lhe crédito.
Meredith se admirava da resistência dos animais, que faziam a curva seguinte.
— Parece que se recuperou.
— Então ainda pode vencer.
— Tudo dependerá da última curva, Meredith.
Ela mordeu o lábio, quando os animais se aproximaram da reta final. Um garanhão negro
parecia liderar a corrida, mas Malandro seguia ao lado, em grande velocidade.
Meredith segurou o braço de Phillip, apertando-o, nervosa, e a multidão prorrompeu em
gritos de incentivo.
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— Vencemos! — gritou a marquesa, por fim, rindo alto. — Que maravilha! Vencemos!
— Sem dúvida.
— Jamais imaginei que fosse tão emocionante! É uma delícia!
— Vencer sempre é bom.
Assim dizendo, o marquês abriu a cesta que trouxera, e retirou uma garrafa envolta em
um guardanapo branco, colocou-a debaixo do braço, e procurou as taças.
— Posso ajudar?
— Segure isto.
Meredith aceitou as taças e observou, feliz, Phillip abrir a garrafa, fazendo a rolha
espocar e a espuma se derramar.
— A Malandro! — O marquês sorriu e ofereceu uma taça à esposa.
Brindaram e tomaram o champanhe, o borbulhar da bebida fazendo Meredith franzir o
nariz.
— Maravilha!
— É refrescante, mas prefiro champanhe mais gelado.
— Ora! Estamos celebrando a primeira vitória de Malandro. O champanhe tem gosto de
mel.
— A vitória é sempre doce. Porém é esplêndida quando a compartilhamos com outra
pessoa.
Mais uma vez Meredith se surpreendeu com as variações de humor e atitude do marido,
que sempre a influenciavam. Era estranho ele se dar ao trabalho de lisonjeá-la, se já dissera não
poder amá-la.
Seria apenas porque era um conquistador inveterado? Entretanto, depois de Lavínia, sua
experiência se limitara a uma classe diferente de mulheres. O próprio Phillip afirmara que era um
aventureiro. Daria aqueles olhares e diria aquelas frases convidativas apenas porque era sua
segunda natureza? Sem pensar com quem falava? Tantas indagações punham o cérebro de
Meredith em efervescência.
A multidão voltou a soltar um grito de entusiasmo, e ela interrompeu o fio de suas ideias.
Erguendo o rosto, viu Malandro ser conduzido diante da tribuna. Parecia que todos desejavam
celebrar.
— Obrigada por me trazer aqui hoje, Phillip. Não me lembro da última vez em que me
diverti tanto.
— É gostoso gritar e torcer, não?
— Sim! Quem acha que vencerá o próximo páreo?
Ao final da tarde, a bolsa de Meredith estava recheada de notas e moedas. Apostara e
vencera em todas as corridas, e jamais voltaria a ralhar tanto com os gêmeos sobre jogo, porque
também jogara e compreendia que era algo muito excitante, embora devesse ser levado com
moderação.
A multidão começou a se dispersar, e Phillip parou por um instante para receber
felicitações de um grupo masculino barulhento.
Meredith continuou em direção da carruagem, pensando na tarde incrível que tivera.
Sentia a ponta do nariz arder, pois não conseguira reaver a sombrinha, e trazia apenas o pequeno
chapéu para protegê-la do sol forte. Imaginou que o nariz estaria vermelho, mas não se
importava. Nada poderia estragar o prazer daquele dia.
Logo vislumbrou o coche de Dardington com suas rodas amarelas em meio a veículos
mais sóbrios. Decidida a se proteger dos raios solares, Meredith avançou para a sombra.
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Chegando perto, viu algo no assento da carruagem e estranhou, pois tinha certeza de não
haver esquecido nada ali. O coração começou a bater forte, porque, à medida que caminhava, ia
reconhecendo do que se tratava.
Sua sombrinha! O objeto colorido e enfeitado com fitas, que desaparecera de forma
misteriosa antes do início da primeira corrida, lá estava, mas com aparência estranha, os laços
pendendo, e o tecido fora das varetas quebradas.
Meredith sentiu o estômago embrulhado ao chegar bem perto e constatar que alguém
destruíra a sombrinha com violência, e a deixara ali para que a dona a encontrasse. Um medo
tremendo gelou seu sangue.

— Hárper disse que me procurou hoje cedo. Tinha alguma coisa para me dizer, filho?
Phillip fitou o pai em sua sala particular, erguendo os olhos da papelada que tinha à
frente. Tentava ler fazia uma hora, sem sucesso. A lucratividade de suas terras era o que menos
lhe importava nesse momento.
Assim que retornaram à mansão, Meredith foi para seus aposentos repousar. Após o
primeiro instante de espanto, não mencionara mais a sombrinha destruída, como se fosse apenas
uma travessura de alguma criança.
Phillip não sabia se esse era bom ou mau sinal, mas a visão do pertence da esposa,
arrebentado de maneira tão perversa, o perturbara muito, e ansiava por discutir o assunto com o
duque.
— Fico feliz em vê-lo, meu pai. Por favor, sente-se.
— Está contente em me ver? Jamais pensei que o ouviria dizer tal coisa, a não ser que
estivesse com uma arma apontada no peito. — Sentou-se em uma poltrona e encarou Phillip. —
Qual o problema?
— Meredith. Levei-a a uma corrida de cavalos esta tarde, e tivemos uma estranha
experiência.
— Encontrou uma de suas amantes? Uma esposa não gosta quando isso acontece.
"Por que você sempre pensa o pior de mim?" Todavia, Phillip tinha consciência de que
até o momento não fora o melhor dos maridos, e tratou de conter a língua. Afinal, o comentário
do pai não era descabido.
— Apesar de não ser de sua conta, milorde, não tenho mais amantes.
— Quer dizer que está frequentando bordéis? Prostitutas são menos maçantes a longo
prazo, mas até as meninas das melhores casas de tolerância podem transmitir doenças. Espero
que tome cuidado.
— Não ponho os pés em um bordel há muitos anos. — Phillip suspirou. Parecia que a
conversa ir ser difícil. — Só porque estou preocupado com minha esposa, permitirei que me
ofenda, milorde. Mas aviso-o que tenho pavio curto.
— Tudo bem. Deixaremos a discussão sobre seus pecados para outro dia. — O duque
tamborilou no braço da poltrona com impaciência. — O que houve com Meredith?
O senhor ouviu com atenção Phillip descrever o incidente com a sombrinha.
— Corridas de cavalos atraem todo tipo de gente, meu filho. Pode ter sido a reação
invejosa de um proprietário de cavalos concorrente que perdeu para você, ou de um apostador
infeliz. Ou até, quem sabe, a travessura de algum adolescente entediado.
Phillip meneou a cabeça, sem concordar. Já pensara nessas possibilidades e as descartara.
— Tratou-se de um ato muito deliberado, meu pai. Quase... pessoal. Como se essa pessoa
quisesse assustar a própria Meredith, e não me contrariar.
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— E conseguiu?
— Embora tenha disfarçado, creio que ficou muito nervosa, sim.
— Meredith é teimosa e tem uma vontade de ferro. É preciso muito para amedrontá-la.
Phillip não soube como protestar.
— Embora tenha procurado ver lógica em tudo o que houve, não consigo parar de pensar
que minha mulher está em perigo.
— Perigo? Tem certeza? Creio que anda muito suscetível a respeito dela. Às vezes parece
um homem possessivo, outras, um garoto apaixonado. Não consigo decidir.
— Não é nada disso. É como se algum louco estivesse tramando contra Meredith.
O duque o encarou, incrédulo.
— E o que pretende fazer a respeito?
O marquês inclinou-se para frente, cruzando as mãos sobre o tampo da escrivaninha.
— Creio que seria sensato contratar guarda-costas para tomar conta da marquesa.
— Podemos fazer isso mais tarde. Ainda é cedo para uma medida tão drástica. — O
duque coçou o queixo. — Por enquanto alertaremos Hárper para que fale com os demais criados.
É bom manter todos de olhos abertos.
O marquês deixou escapar um suspiro de alívio. Tudo parecia mais fácil quando
concordava com o pai.
— Boa ideia, mas acho melhor não comentarmos com Meredith. Não há necessidade de
deixá-la mais tensa, em especial se não for nada sério.
O duque sorriu.
— Mas sabe que existem lugares aonde os guarda-costas não podem ir sem chamar muita
atenção. Planejamos ir ao teatro amanha à noite, e já que está tão preocupado é melhor ir
também.
Phillip recebeu a proposta com cuidado, e por fim concordou.
— Chegarei ao camarote da família antes de a cortina se erguer.
— Garanto que será uma grata surpresa para Meredith.
O marquês aquiesceu. Sim, seria um surpresa, mas tinha dúvida se muito agradável.

Capítulo XV

As três fileiras de camarotes particulares pertenciam a mais alta nobreza que lá assistia
aos grandes espetáculos teatrais. O marquês de Dardington ocupava um deles nessa noite
animada, mexendo-se na poltrona, agitado. Apesar de estofada de veludo, dava-lhe a impressão
de estar recoberta de pregos, mas seu desconforto nesse momento não era devido à poltrona.
Phillip esticou o pescoço em direção da plateia, onde jovens vendedoras de frutas corriam
de um lado para o outro, tentando evitar os beliscões dos cavalheiros.
O vaivém das pessoas, apesar de criar um clima festivo, alegre e barulhento, a seus olhos
era sinistro, pois qualquer uma delas poderia ser a que causava medo em Meredith.
Só em pensar nisso sentia o estômago embrulhado. Imaginar que alguém podia assustar e
magoar Meredith deixava-o desesperado por protegê-la.
Como era irônico ter se transformado no protetor de sua mulher! Justo ele, que nos
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últimos anos se tornara um aventureiro displicente.


Nesse instante a viu, aproximando-se de braço com o duque de Warwick. A visão de nora
e sogro sorridentes o acalmou um pouco.
Meredith estava muito linda, com um traje de seda dourada que combinava com a cor de
seus cabelos. Ostentava um decote profundo que exibia o colo branco e acetinado, onde refulgia
um colar de brilhantes que a Phillip pareceu familiar.
O marquês ergueu-se, cavalheiresco, quando os dois entraram no camarote, e percebeu o
grande espanto dela.
— Phillip! Não esperava vê-lo aqui! Seu pai não me disse que viria também. — Meredith
ergueu a mão e, com gesto instintivo, tocou o colar.
Isso fez o marquês observar de novo a jóia, e então lembrou-se de que pertencera a sua
mãe... E depois a Lavínia, sua primeira mulher.
Tentou se controlar, ante a iminência da reação que poderia ter por ver Meredith usando a
peça que ornara também o pescoço delgado de sua amada esposa, mas nada aconteceu. Já não
existia constrangimento entre ele e a segunda mulher, que, no momento, era sua principal
preocupação.
Não houve tempo para comentários, porque duas senhoras e um cavalheiro se
aproximaram. Pensou que tinham vindo apenas para cumprimentar, mas logo entendeu que o
duque os convidara para assistir ao espetáculo em sua companhia.
Julian Wingate. O que fazia ali?, perguntou-se. Trocaram olhares constrangidos e pouco
amigáveis, como se Wingate estivesse espantado com a presença de Dardington.
Bem, refletiu Phillip, pelo menos os dois sabiam que não havia simpatia recíproca.
— Creio que não conhece estas senhoras, milorde — disse Meredith. — Acabam de
chegar a Londres para a temporada, e convidei-as a vir ao espetáculo. Srta. Harriet Sainthill e sua
irmã, Elizabeth. A srta. Harriet é noiva do sr. Wingate.
Phillip as cumprimentou, educado mas distraído, a mente em um turbilhão. A noiva de
Wingate? Quando Meredith se tornou sua amiga? Ou seria Wingate que fizera amizade? Essa
possibilidade o enfureceu.
A moça mais jovem, uma flor loira e inocente, fez uma mesura graciosa, comentando seu
entusiasmo com voz doce.
— Lady Meredith foi muito amável em nos convidar — disse Harriet —, mas era de se
esperar, devido a sua grande amizade com minha cunhada. São amigas de longa data.
Então era essa a ligação, concluiu Phillip.
— Ficou sem fala, lorde Dardington?
Phillip esforçou-se para fitar Harriet, que permanecera a seu lado enquanto os outros se
acomodavam. A beleza da irmã caçula ofuscava o rosto comum da mais velha, e se não fosse
pelo fato de ser noiva de Wingate, não se dignaria a fitá-la com atenção.
No entanto, enquanto sorria com polidez, notou a expressão inteligente nos belos olhos
cor de avelã. Harriet possuía uma pele bonita, nariz reto e longos cílios. Faltava-lhe a formosura
estonteante de Elizabeth, mas não deixava de ser atraente a seu modo.
E o olhar astuto indicava uma personalidade forte e direta. Logo Phillip decidiu que a
srta. Harriet Sainthill era boa demais para um tipo como Julian Wingate.
— Desculpe-me, estava distraído. — Ergueu-lhe a mão enluvada e levou-a aos lábios,
mas Harriet não pareceu se encabular. — É um prazer conhecê-la, srta. Sainthill. Wingate é um
homem de sorte por ter uma noiva tão bonita.
Harriet retirou a mão, e Phillip teve a nítida impressão de que se esforçava para não fazer
uma careta. Parecia que era preciso mais do que lisonja e palavras belas para impressioná-la,
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decidiu com bom-humor.


Todos por fim se acomodaram nas poltronas, e Phillip afastou-se um pouco dos demais,
determinado a ficar com os olhos no palco ou na plateia. O principal propósito de sua presença
nessa noite ali era proteger Meredith, e tinha de estar aleita.
Entretanto a vigilância do marquês no primeiro ato resultou em vão, e ainda por cima
causou-lhe um torcicolo. Agradeceu aos céus quando os candelabros foram acesos para o
intervalo.
Todos se levantaram, preparando-se para esticar as pernas e tomar um pouco de ar fresco.
Apenas o marquês permaneceu sentado.
— Não vem conosco, milorde?
— Obrigado, srta. Sainthill. Prefiro ficar aqui.
Phillip concentrou-se de novo no palco vazio. Assim que ouviu as pessoas se afastando,
moveu o pescoço dolorido e os braços, tentando livrar-se da pressão.
— Sente alguma dor, milorde?
Surpreso, Phillip se virou e deparou com uma mão delicada em seu ombro.
— Já lhe disse para não me chamar de milorde, Meredith.
— Como quiser, Phillip.
Os seios macios pressionaram-lhe as costas, deixando-o excitado de imediato. Antes que
pudesse repreendê-la, Meredith começou a fazer-lhe uma leve massagem nos ombros. Estava
sem luvas, e os dedos se moviam com precisão, o que fez a dor desaparecer aos poucos.
— Sente-se melhor?
— Sim. Embora, em minha opinião, essa massagem deva ser melhor sobre a pele sem
roupa.
As mãos de Meredith estremeceram de leve, mas logo voltaram ao trabalho.
— Isso se faz em particular... no quarto — murmurou.
Phillip se sentiu um tanto constrangido. Não tivera a intenção de jogar nenhuma indireta
quando fizera o comentário. Ou sim? Quando se tratava de Meredith não conseguia entender a si
mesmo.
Uma paixão intensa o invadia nesse instante, quente, sensual e violenta. Voltou-se e
sorriu.
— Parece estar melhor. — Meredith se sentou na poltrona logo atrás. — Fico feliz por ter
ajudado.
Sua expressão era de total inocência, mas Phillip desconfiava que estivesse se divertindo,
porque notara sua excitação. Apesar de isso o aborrecer, não conseguia parar de admirá-la.
Meredith era uma mulher invulgar, em meio às centenas de damas previsíveis que conhecia. Era
ousada, buliçosa... Diferente até mesmo de Lavínia.
— Primeiro um beijo nas corridas de cavalos, e agora uma massagem no teatro. Começo
a crer que adora chamar a atenção em público, milady.
— Isso o desagrada, milorde?
— Na verdade, não.
E falava sério. As regras convencionas e polidas da alta sociedade não o interessavam.
Embora provocasse Meredith, sabia que, por muitos anos, fora mais discreta e comportada do
que ele.
— Creio que vou tomar um pouco de ar fresco.
Meredith apenas o fitou, sem nada dizer ou pedir, e embora preferisse andar sozinho,
Phillip foi obrigado a convidá-la.
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— Deseja me acompanhar?
— Sim, obrigada.
Ela se ergueu, graciosa, e Phillip deu um passo atrás para deixá-la passar, roçando o
braço, de propósito, em seu seio. Viu-a estremecer de leve e sorriu, satisfeito.
Passou o braço por sua cintura, enquanto desciam as escadas apinhadas. Poucas pessoas
se encontravam no saguão, visto que a maioria começava a retornar a seus lugares.
O marido estava para pedir a um criado que trouxesse champanhe, quando um rumor
chamou-lhe a atenção. Meredith ouvira também, pois apertou-lhe o braço, nervosa.
— Algo errado?
Seguiram-se gritos e o barulho de objetos quebrados.
— Parece que algum bêbedo na plateia perdeu o controle. Alguém faz um comentário,
outro discorda, e logo uma briga está armada. Já vi isso acontecer muitas vezes, e não é
agradável. E melhor sairmos daqui.
Parecia que muita gente pensava como o marquês de Dardington, porque grupos
começaram a se retirar do teatro em uma correria amedrontada.
— Não podemos partir sem os demais! — Meredith teve de gritar para se fazer ouvir.
Phillip passeou o olhar pela multidão.
— O duque e a srta. Harriet estão ali na frente, e penso que Wingate e a srta. Elizabeth
estejam por perto. Há uma porta de saída à esquerda deles.
— E nós?
— Venha! Há outra saída do outro lado.
O marquês deu alguns passos e virou-se, vendo que Meredith não o seguira. De fato,
tendo hesitado um segundo, fora engolida por uma horda de gente apressada, que a empurrava
cada vez mais para trás.
— Phillip!
Seu berro perdeu-se em meio ao vozerio e pessoas que se acotovelavam. O marquês
tentou se aproximar, mas era como se nadasse contra a maré de um mar bravio. Em questão de
segundos, o casal viu-se separado por uma grande distância.
Passo a passo, Dardington começou a avançar em direção a Meredith, mantendo o olhar
preso no vestido dourado, a fim de não perdê-la de vista.
Então, de repente, alguém empurrou a marquesa, e Phillip viu-a perder o equilíbrio e lutar
para se manter de pé.
Soltou um grito angustiado, quando não a viu mais e, com um esforço tremendo,
aproximou-se.
Pareceu demorar séculos até que conseguiu se inclinar e segurá-la pela mão, fazendo-a se
erguer. O alívio foi tão grande que por um momento ficaram parados. A seu lado, outro homem
caiu, uma mulher gritou e tropeçou por cima. Outros já se dispunham a passar por sobre os dois
infelizes, e exclamações assustadas enchiam o ar em meio à multidão desvairada e sem controle.
O instinto de preservação foi mais forte, e Phillip falou bem alto:
— Vamos por aqui!
— Vá na frente. Estou bem atrás.
Segurando-lhe a mão com força, o marquês a conduziu para os fundos. Por sorte, ali não
havia quase ninguém. Sem parar, Dardington rumou para uma porta lateral, escondida atrás de
cortinas de veludo. Por sorte estava destrancada, e os dois penetraram em um beco fora do
prédio, inalando o ar noturno.
Phillip cerrou as pálpebras e encostou-se no muro de tijolos. Seus braços doíam com o
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esforço de lutar com a multidão e puxar Meredith, e sentia o sangue pulsar nas têmporas.
— Você está bem, Meredith?
— Estou toda dolorida, mas inteira. — Encostou-se também no muro, os cabelos em
desordem e o vestido rasgado na altura do corpete. — E você?
— Não tenho certeza. — Apertou a mão dela com força, sentindo-a forte e quente. —
Meu Deus! Que coisa horrível! Não ficaria surpreso em ouvir que alguém morreu pisoteado.
Meredith gemeu, fazendo-o pensar que iria prorromper em lágrimas, porém isso não
aconteceu.
— Fiquei vendo-o na multidão, tão perto e ao mesmo tempo tão longe... Não conseguia
alcançá-lo. Então alguém me empurrou com força... Ou me deu um soco no estômago, não sei...
Perdi o fôlego e tropecei. Tive medo de não conseguir me levantar e ser pisoteada. — Seus olhos
brilharam. — Foi quando você surgiu a minha frente e salvou minha vida.
Meredith falava com ardor, surpresa e encantada. Jamais em sua vida Phillip se sentira
tão importante e útil.
Deveria estar apavorado, depois de passar tantos anos sem se importar com uma mulher.
Mas a sensação era de paz.
Viu que Meredith tremia muito, e tomou-a nos braços, apertando-a de encontro ao peito.
"Você é minha, para proteger e acalentar." E tomou-a no colo.
— Passe os braços por meu pescoço. A carruagem está em frente ao teatro, e deve haver
muita gente ali.
Meredith aquiesceu e repousou a cabeça em seu ombro, parecendo frágil e vulnerável
como Phillip jamais a vira.
Estava certo. Havia uma multidão concentrada na entrada principal do teatro, mas ali o
clima era mais calmo, com grupos discutindo o incidente. Alguns estavam pálidos, outros,
ansiosos, à procura dos amigos e parentes. Alguns também ofereciam ajuda aos que precisavam.
Phillip localizou o pai. O duque conseguira escapar antes que a situação se tornasse
caótica, e escoltara Harriet e Elizabeth em segurança até o coche de Wingate, retornando depois
à porta do teatro para procurar o filho e a nora.
— Meredith está muito machucada, Phillip?
— Só abalada. Precisamos chegar em casa o mais depressa possível, meu pai.
O duque aquiesceu.
— Venham para minha carruagem. Avisarei um dos lacaios para que comunique seu
cocheiro que partiu comigo.
Em minutos, os três subiam no coche negro do duque. Sentado a seu lado, o marquês
podia sentir os tremores que percorriam o corpo de Meredith. Sem nada dizer, acomodou-a em
seus braços.
Por um instante, ela permaneceu estática, o rosto banhado pelo luar, mas logo soltou um
leve gemido, e cingiu-o pelo pescoço.
Phillip sentiu um nó na garganta. Seu gesto, que indicava total confiança, era humilde,
como se acreditasse não haver mais ninguém no mundo capaz de cuidar dela.
O duque fez um sinal para o cocheiro, que fustigou os cavalos. O marquês permaneceu
enlaçando a esposa, e durante todo o trajeto fez o possível para que ela se sentisse protegida e
segura.

Uma hora mais tarde, Meredith estava sentada em uma poltrona macia no próprio quarto,
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com um copo de conhaque na mão. Embora lutasse com galhardia para se manter tranquila, o
pânico não a abandonara ainda.
— Começo a me sentir melhor. — Sorriu para o marido, tentando parecer animada. — É
verdade.
— Beba. — O marquês segurou a base do copo com um dedo, e forçou-a a tomar um
grande gole. — Melhor coisa nenhuma! Está pálida como um fantasma e não parou de tremer
desde que chegamos.
Meredith umedeceu os lábios com a ponta da língua. Desejava negar, mas batia os dentes
com força. Tudo parecia ridículo, mas, agora que o incidente terminara, via-se ainda mais
amedrontada, descontrolada.
— Temo ter perdido um brilhante do colar.
— Quer fazer o favor de esquecer essa jóia? — Rápido, Phillip o arrancou de seu
pescoço, depositando-o sobre uma mesa. — Não tem a menor importância.
Meredith piscou diversas vezes. Não iria chorar e mostrar fraqueza. Tinha de permanecer
calma e segura, pois havia algo importante a comunicar para o marido. E suspeitava que Phillip
não iria gostar.
— O colar não é algo que comprei em Bond Street na semana passada, mas uma jóia de
família — insistiu com meiguice. — Se perdi um brilhante, quero remediar.
O marquês ajoelhou-se diante dela e ajeitou-lhe uma mecha de cabelos loiros. Meredith
podia perceber que lutava para se manter calmo.
— Já que é tão importante para você, farei o joalheiro examiná-lo. Se precisar de reparos,
darei instruções para que sejam feitos sem demora.
— E me mandará a conta?
— Meredith!
Apertou-lhe o pulso, fazendo-a rir, nervosa. Dardington começava a perder a paciência, e
era melhor não pressioná-lo tanto.
— Obrigada, Phillip.
— Quero que me conte tudo o que aconteceu no teatro. Todos os detalhes de que se
lembrar.
Meredith recostou-se no espaldar e tomou mais um gole da bebida.
— Tentarei, mas tudo aconteceu muito depressa. Houve o burburinho inicial, e depois me
senti carregada. Alguém esbarrou em mim, por trás. Estava tão preocupada em me manter de pé,
temendo cair e ser pisoteada, que não vi quem fez isso. Mas aconteceu de novo. E uma terceira
vez.
Observou a expressão de Phillip, que parecia de pedra, e continuou, após tomar fôlego:
— Foi quando caí de joelhos. Lembro-me de ter tentado me aprumar, mas não conseguia
me segurar em nada. Só via a meu redor uma massa tumultuada de pernas e roupas. E aí... senti
as mãos.
— As minhas, quando a soergui?
— Não. Mãos em volta de meu pescoço.
O marquês chegou mais perto dela, e pela primeira vez notou as marcas. Havia
hematomas ao redor da pele delicada, que começava a escurecer. Sentiu que empalidecia e
cerrou os punhos.
— Mãos de homem?
— Creio que sim, Phillip. Abri a boca para gritar, mas não fui capaz. — Meredith
estremeceu, recordando aquele momento apavorante. — Embora saiba que não deseja ouvir
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essas coisas, estou certa de que tentaram roubar meu colar. E quase conseguiram.
O marquês ficou de cócoras.
— E o que mais? Aconteceu alguma coisa antes desse incidente?
Meredith remexeu-se na poltrona, desconfortável, mas tinha de contar tudo. Por fim,
deixou escapar um suspiro.
— Os olhares que me vigiavam.
— O quê?!
Como explicar algo que também não entendia muito bem, e que talvez fosse apenas
imaginação? Todavia, uma voz interior dizia-lhe para contar.
— Embora não me agrade, sei que sou o objeto de especulações e comentários por parte
da sociedade. Nas últimas semanas havia me acostumado, e não me importava mais com isso.
Porém, esta noite, foi demais. Estou convencida de que chamamos muita atenção porque
aparecemos juntos em público. — Sorriu de leve. — Nada mais natural, pois é muito raro
frequentarmos os mesmos lugares ao mesmo tempo.
— Senti isso também. Mas é sempre assim, algo tão palpável?
Meredith deu de ombros.
— Desde que nos casamos, existem ocasiões em que me sinto observada por centenas de
olhares curiosos. Mas, nos últimos tempos, tenho a sensação nítida de que apenas uma pessoa me
observa. Um indivíduo que tem enorme interesse em cada movimento meu.
— Faz ideia de quem possa ser?
— Não. — Meredith deixou escapar uma breve risada. — Daí creio que talvez seja
apenas minha imaginação. Mas...
Encarou-o e deparou com o olhar do marido, muito atento. Parecia a ponto de dizer algo,
mas balançou a cabeça, mudando de ideia.
— Você é uma mulher equilibrada, e não tem uma imaginação desenfreada. Entretanto,
teve uma terrível experiência esta noite. Discutiremos isso outra vez amanhã de manhã, depois
que tiver repousado.
Meredith fez que sim. Talvez fosse melhor continuar a conversa pela manhã. Mas,
embora estivesse física e mentalmente esgotada, não sabia como conciliar o sono. O terror que
experimentara no teatro continuava como uma sombra negra em seu cérebro.
— Onde está Rose? Em geral ela me aguarda na sala íntima.
— Mandei-a dormir. Achei que ficaria assustada se a visse nesse estado. Mas quer que a
chame?
— Não é preciso. Se tiver a gentileza de desabotoar parte de meu vestido, eu farei o resto.
Levantou-se e ficou de costas para o marido, e a sensação dos dedos quentes a animou
um pouco. Porém logo a tarefa terminou, e Meredith virou-se, apertando o traje de encontro ao
peito.
De repente tornou-se difícil respirar, e só desejava que Phillip permanecesse a seu lado,
mas não podia pedir.
— Vai sair ainda esta noite?
Por um instante o marquês permaneceu calado. Uma tensão diferente permeava o ar, não
mais de medo ou nervosismo, mas de desejo sensual.
— Acho que é melhor ficar aqui.
— No meu quarto?
O azul dos olhos de Phillip pareceu escurecer.
— Ficarei até que você adormeça.
CHE 206 – Um Olhar perturbador (To Protect An Heiress) Adrienne 106
Basso

A natureza independente e valente de Meredith pareceu rebelar-se, e estava a ponto de


dizer que não era necessário. Entretanto, sua necessidade de apoio foi mais forte que o orgulho.
Em silêncio, dirigiu-se ao biombo a fim de se trocar. Escolheu uma camisola reveladora,
de seda leve, e, contrariando os hábitos noturnos, não trançou os longos cabelos, deixando-os
cair pelos ombros. Respirou fundo e saiu de trás do bombo.
Phillip sentara-se em uma poltrona perto do leito, a expressão, uma máscara misteriosa.
Porém, a cada passo que dava em sua direção, Meredith sentia o olhar quente perscrutá-la como
brasa ardente.
O coração batia ensandecido, à medida que se deitava no enorme colchão. Seu marido, o
homem que adorava com todas as fibras de seu ser, não movia um músculo. Na quietude da
noite, parecia mais distante do que nunca.
Mas demonstrara sua atenção arriscando-se para salvá-la, no teatro. Sua presença forte e
calma não só lhe trazia desejo sexual, mas segurança e conforto também.
Meredith deixou escapar um suspiro, determinada a dominar as emoções desencontradas
que a avassalavam. Puxou as cobertas até o queixo e deitou-se de lado, de costas para Phillip. Ali
ficou, rígida, tentando relaxar, e embora julgasse impossível, em breve mergulhou no sono.

Capítulo XVI

Dedos frios como garras poderosas agarraram os cabelos de Meredith, torcendo os fios
dourados em um aperto feroz. O pescoço branco estirou-se, como um alvo convidativo e
vulnerável. Então, as mãos do homem rodearam-lhe a garganta, apertando, pressionando, fazendo-
a engasgar e em vão lutar por um pouco de oxigênio.
Esperneou muito, tentando desferir chutes. Seus pés pareciam de chumbo, e não
conseguia erguê-los. Desesperada, tentou escapar do agressor, mas não conseguia se libertar das
mãos poderosas que tentavam machucá-la. Um medo terrível a possuiu. Não podia fugir!
Sufocando um grito de terror, por fim saiu do pesadelo. Arregalou os olhos, a pele úmida
e banhada em suor, a respiração pesada e rápida.
Sentou-se, lançando um olhar esperançoso para a poltrona ao lado. Estava vazia.
Sem dúvida Phillip cumprira sua promessa e esperara vê-la adormecer antes de ir embora,
mas isso apenas tornava seu quarto ainda mais solitário.
"Foi só um sonho. Ninguém vai me machucar." Ficou repetindo essas frases como um
mantra, recostando-se nos travesseiros.
Cerrou as pálpebras, com determinação, e se esforçou por respirar de modo pausado, a
fim de acalmar os demônios internos. Mas as imagens não iam embora. Sabendo que a própria
sanidade mental estava por um fio, tratou de se levantar.
Dirigiu-se para o outro lado do quarto, abrindo o ferrolho da janela. O súbito jato de ar
fresco acalmou-a um pouco, e sentiu-se mais desperta. Ali ficou por vários minutos, respirando
forte, esperando poder esquecer. Mas foi em vão.
Talvez fosse a escuridão, tão sinistra e total, que mexia com seus nervos. Meredith
caminhou até a mesa e acendeu uma vela. O brilho pálido e fugidio por um instante a
tranquilizou.
Fitou a cama, mas os lençóis amassados e travesseiros espalhados não eram convidativos.
Virou o rosto para o lado oposto, para a porta que conduzia aos aposentos de Phillip. Tudo estava
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Basso

quieto, e era impossível ouvi-lo ressonar ou se virar no leito.


Por um momento temeu que o marido não estivesse em seus aposentos, mas ele
prometera que não tornaria a sair, e ela acreditava em sua palavra. O marquês devia estar
dormindo.
Meredith mordeu o lábio, nervosa. Quem sabe, se não fizesse ruído, pudesse se enfiar
debaixo dos cobertores de Phillip sem acordá-lo...
— É lá que quero estar. Onde preciso estar.
Mão se importou em vestir um roupão. Caminhando descalça sobre os tapetes espessos,
dirigiu-se ao quarto ao lado. Girou a maçaneta com cuidado, a fim de não fazer barulho. Abrindo
a porta, deu um passo adiante, parando à soleira.
Apagou a vela que trazia, apoiando-a sobre uma cômoda. Por sorte, Phillip dormia com o
cortinado descerrado, e o luar penetrava pelas cortinas abertas, iluminando o ambiente o
suficiente para que se guiasse. Se tomasse bastante cuidado, poderia andar sem esbarrar nos
móveis.
Esperou um momento para ajustar a vista à penumbra e observou as poltronas e mesas.
O marquês se encontrava na enorme cama com colunas, de costas para a entrada, um
braço sobre a cabeça e o torso descoberto, revelando os músculos bem definidos e os ombros
largos.
Tomando coragem, Meredith avançou para o leito, silenciosa como uma sombra.
Além do medo de ficar sozinha que a fizera entrar ali, sentia-se insegura por ter penetrado
nos aposentos particulares do marquês sem ser convidada. O que faria se mandasse que saísse? A
dúvida cruel a deixou estática por um instante.
Seus olhos já haviam se adaptado e distinguiam bem o mobiliário. Poltronas confortáveis
espalhavam-se por todos os cantos, e havia até uma espreguiçadeira. Poderia muito bem se deitar
ali e passar o resto da noite. Seria bem melhor do que ficar sozinha em seu próprio aposento.
O rumor de um carrilhão sobre a lareira causou-lhe um sobressalto. Assustada, foi
invadida por uma grande raiva.
Detestava sentir-se assim amedrontada, como um camundongo indefeso, dando pulos por
causa de qualquer coisa. Entretanto, não conseguia afastar a sensação de perigo.
Deu cinco passos para frente, louca para se aninhar entre os braços fortes de Phillip e ali
ficar até que o temor a abandonasse.
Prendendo a respiração, observou o rosto dele banhado pelo luar. Viu-se tentada a
esgueirar-se para seu lado, em meio aos lençóis, mas temeu despertá-lo e provocar uma reação
aborrecida.
As feições do marquês eram fortes e másculas, mesmo no sono. Meredith deixou escapar
um suspiro. Não poderia ficar ali parada até o amanhecer.
Então, nesse exato momento, Dardington se mexeu e ergueu a cabeça do travesseiro,
perguntando, rouco:
— Aconteceu alguma coisa?
Meredith pigarreou.
— Acordei e não consegui dormir de novo. Creio que os eventos de hoje me puseram
muito nervosa.
Phillip a fitou, embora fosse difícil ver mais do que o contorno de seu corpo.
— É uma mulher, portanto suscetível a essas coisas.
Em geral um comentário como esse a teria irritado muito, mas não tinha como retrucar,
porque era a mais pura verdade.
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Basso

— Espero não tê-lo acordado...


Phillip se apoiou no cotovelo.
— Estava só cochilando.
— Então, peço desculpas por incomodá-lo, mas não sabia o que fazer.
— Quer que me sente a sua cabeceira outra vez, até que adormeça?
— Não, pois poderei acordar de novo mais tarde. Esperava uma outra solução.
Vários segundos se passaram, durante os quais Meredith não desviou o olhar dele.
— Acho que pode ficar aqui comigo — disse o marquês, por fim.
Meredith piscou diversas vezes, entusiasmada com o oferecimento.
— Tem certeza?
— Não, mas pode ficar.
— Onde?
Ele sorriu.
— Minha cama é grande e confortável.
— Está me convidando para dormir com você?
Phillip resmungou algo, impaciente, e afastou os lençóis.
O movimento transformou a tensão em ansiedade. Embora tivesse entrado ali por causa
do pavor, Meredith entendeu o que poderia acontecer se se deitasse com ele.
Passeou o olhar do rosto viril para o tórax largo e sorriu, vendo-o despido. Deitou-se, e
no processo ergueu a camisola até os quadris.
O marquês inclinou-se e tomou-lhe a mão.
— Gosto de dormir do lado esquerdo. Espero que não se importe.
— De modo algum. Mas aviso que tenho sono agitado e me mexo muito. É provável que
lhe dê alguns chutes.
Phillip deu de ombros. Acomodaram-se, e os cabelos loiros de Meredith espalharam-se
sobre o travesseiro.
— Sua cabeleira é maravilhosa.
Ela reteve o gesto instintivo de afastar uma mecha da testa.
— Obrigada. Já pensei em apará-la, mais no estilo francês, mas tenho medo de que não
me caia bem. Posso ficar com jeito de rapaz.
— Não com as curvas que possui.
Meredith virou o rosto, constrangida. Mas no íntimo estava feliz por Phillip ter notado
seu corpo sinuoso.
Ficou de costas para ele, muito tensa, tomando cuidado para não encostar-se ao marido.
Conteve-se; no aguardo de que Phillip se virasse para ela e a abraçasse.
Mas os minutos se passavam e nada acontecia. Por fim, frustrada, Meredith virou-se para
Dardington e murmurou:
— Vamos dormir mesmo?
O marquês nada disse, mas parecia se debater com um dilema. Então, gemeu, e
sussurrou-lhe ao ouvido:
— Podemos deixar para dormir mais tarde, minha cara. Bem mais tarde...
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Basso

Capítulo XVII

A luz da manhã entrava pelas cortinas, incidindo sobre os olhos fechados de Meredith.
Com um suspiro satisfeito, enterrou o rosto no travesseiro macio e tentou ignorar o chamado do
sol.
Por um instante acreditou estar sonhando, enquanto um aroma diferente, de sexo e suor
masculino, entrava em suas narinas. Entreabriu as pálpebras e deparou com uma cena
extraordinária: o marquês de Dardington, coberto apenas por uma nesga de lençol sobre os
quadris, dormia a seu lado.
O turbilhão de emoções quase a sufocou. Haviam compartilhado algo sensacional
naquela noite, além do prazer sensual. Embora seus corpos tivessem se procurado diversas vezes,
insaciáveis e frenéticos, não visavam apenas a saciedade dos sentidos. Sua conexão fora quase
espiritual.
Phillip poderia negar, mas Meredith sentia que o marido não lhe era indiferente em seus
sentimentos. Suas ações no teatro e depois no quarto provavam que se importava muito com seu
bem-estar. Preocupava-se com ela e estava comprometido a ampará-la e protegê-la.
No entanto não podia afirmar que a amasse como Meredith o amava, e isso a afligia.
Tornando a repousar a cabeça no travesseiro, permaneceu quieta, observando-o. Phillip
respirava de maneira compassada, ritmada, e Meredith desejou pousar a mão em seu peito, mas
temeu despertá-lo.
No sono, as linhas do queixo, o nariz reto e a boca sensual pareciam em repouso,
emprestando-lhe um ar quase juvenil. Corando, ela se lembrou das coisas que aquela boca e
língua tinham feito nela. Uma mecha de cabelos loiros caía-lhe sobre a testa larga, aumentando a
beleza dele.
O marquês se mexeu, e então abriu os olhos, como se percebesse que alguém o olhava.
Meredith prendeu a respiração, e, por um momento, um silêncio constrangedor se abateu sobre
eles. Temia que o marido se afastasse e voltasse ao procedimento anterior, cheio de indiferença e
frieza, rejeitando o afeto e a paixão que haviam compartilhado.
Apesar de saber ser uma mulher forte, capaz de realizar tudo quando se empenhava,
Meredith se apavorou. Fizera uma promessa a si mesma, nas primeiras horas da manhã, de que
não abandonaria as esperanças de um dia ter com Phillip o relacionamento que tanto almejava.
Porém, ao fitar o marquês, perguntava-se com tristeza se teria energia para suportar uma
mudança de atitude que levasse à negligência, distância e formalidade outra vez. Como seu
coração poderia aguentar?
Mas o marido a brindou com um sorriso preguiçoso, e seu coração vibrou de emoção.
Pela primeira vez notava um brilho de ternura nos olhos azuis de Phillip, e dirigido apenas para
ela.
— Fazer amor pela manhã é uma delícia. Sabia disso, minha cara?
Meredith encostou a perna na dele, contente pelo convite.
— Gostaria de experimentar essa alegria.
— Então vamos lá, milady.
A voz de Dardington tornava-se rouca pelo desejo crescente. Puxou-a para si, beijando-a
com sofreguidão. Meredith correspondeu com deleite.
Sentia-se viva e revigorada, sensível a cada toque dos dedos na pele nua, prisioneira de
uma volúpia que parecia não se extinguir.
Dessa vez, nada houve de delicado e terno no ato sexual. Phillip a possuiu com violência,
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Basso

fazendo-a pulsar de paixão e deleite. Ela adorou aquele jeito selvagem de amar.
Quando tudo terminou, deixaram-se ficar inertes, suados, respirando com dificuldade e
saciados. No aconchego que sobreveio, Phillip beijou-lhe o ombro e o pescoço com suavidade.
— Fui muito impetuoso dessa vez — falou-lhe ao ouvido, como numa desculpa. —
Feche os olhos e descanse.
Meredith sorriu e tornou a se aconchegar a ele, mas Phillip a deteve.
— Durma — comandou.
A marquesa encostou-se no peito musculoso, e segurou a mão que lhe cingia a cintura.
Phillip puxou para cima um cobertor, fazendo um ninho aquecido para os dois. Meredith
suspirou.

Quando acordou pela segunda vez, via-se só e em sua própria cama. Por certo o marquês
a carregara até ali, mas dormia tão profundamente que não acordara.
Espreguiçou-se, sentou no leito e colocou as pernas para fora, sentindo-se dolorida,
depois da noite agitada de amor. Embora não fosse hora, chamou a criada e pediu que lhe
preparasse um banho.
Ensaboou-se, lânguida, sentindo a água quente relaxar os músculos. Rose andava de um
lado para o outro, selecionando as roupas que a ama usaria. Passava do meio-dia, e a marquesa se
decidiu por um vestido para a tarde.
Rose mal acabara de fechar os inúmeros botões nas costas, quando o marquês entrou.
Estava vestido para cavalgar, e trazia um chicote na mão esquerda. Meredith presumiu que
voltava do passeio, embora sua aparência fosse impecável, sem vincos ou amassados no traje.
Phillip a analisou. Corando, Meredith sentou-se à penteadeira, e Rose começou a penteá-
la, pouco à vontade com a presença inesperada do marquês. Phillip inclinou-se e deu um beijo
casto no rosto da esposa.
— Tomou banho... — murmurou, fazendo cócegas em seu ouvido.
Meredith arqueou as sobrancelhas. Como ele sabia? A banheira estava escondida atrás de
um biombo decorado. Sorriu, dando-se conta de que o quarto recendia a essência floral que
jogara na água.
— Acabei de me banhar. Creio que a água ainda está quente, e se quiser aproveitar...
Posso também pedir que a encham de novo.
Em pensamento acrescentou que só faria isso se o marido a deixasse esfregar-lhe as
costas. Evidente que não pronunciou a frase maliciosa, mas prendeu o fôlego, quando imagens
eróticas puseram-se a dançar em sua imaginação. Phillip despido, em meio ao vapor da água
quente na banheira.
Viu-se massageando-o, como fizera no camarote do teatro. Porém, dessa vez estaria
tocando sua carne nua, e massagearia muito mais do que apenas suas costas... Não usaria uma
toalha, mas apenas as mãos, ensaboando-as até que ficassem escorregadias. Em seguida, bem
devagar e provocante, faria círculos em seu torso até que Phillip se arqueasse, louco de desejo.
Seus movimentos fariam a água espirrar da banheira e, para não molhar seu lindo vestido,
tomaria a providência de despir o corpete e a camisa de cambraia, ficando nua da cintura para
cima. Iria se inclinar sobre as costas musculosas e circundá-lo com os braços, pressionando os
seios.
Ensaboaria seu tórax, com movimentos ritmados em torno dos mamilos, pois sabia que
isso o excitava. E deslizaria as mãos para a cintura... e mais embaixo.
Iria provocá-lo, afagando-o até vê-lo excitado e louco para possuí-la.
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Basso

A sensação de prazer que a fantasia provocou-lhe fez Meredith se remexer na cadeira.


Phillip franziu a testa, e ela se desviou, envergonhada. Já sabia que o marido em certas ocasiões
podia ler seus pensamentos.
— Tem planos para esta tarde?
— Pretendia visitar Harriet e Elizabeth, e a sra. Danvers, se desse tempo, mas resolvi
mandar um bilhete me desculpando. — Meredith suspirou, sensual. — Estou muito cansada.
— É melhor tirar uma soneca.
— Soneca? — repetiu Rose, espantada. — Passa do meio-dia, e a senhora acabou de
deixar o leito.
Pelo espelho, Meredith viu a criada baixar a cabeça ante o olhar de censura do marquês
de Dardington, e tratou de despachá-la:
— Creio que acabarei de me aprontar sozinha. Obrigada, Rose.
— Mas sempre sou eu quem faz tudo, milady...
— Já que ficarei em casa pelo resto da tarde, não há necessidade de seus cuidados
especiais.
Assim dizendo, Meredith deu um tapinha gentil no braço de Rose e deu-lhe as costas,
num gesto óbvio de dispensa. Muito relutante, Rose largou a escova.
— Como quiser, milady. — Fez uma rápida reverência e recolheu as toalhas molhadas, o
vestido sofisticado que a ama usara na véspera e vários outros que necessitavam de reparos.
Quando a marquesa a viu se aproximar de uma segunda pilha de roupas, tratou de apressá-
la:
— Rose?
A criada suspirou, meneou a cabeça, dando a entender que já sabia, e desapareceu. A sós
com o marido, Meredith voltou a mirar-se no espelho a fim de terminar o penteado.
Phillip observava cada movimento seu com muito interesse. As mãos dela tremiam, mas
conseguiu terminar o trabalho, torcendo e prendendo com grampos as tranças loiras.
— Creio que prefiro seus cabelos soltos, caídos nos ombros até a cintura.
Meredith girou na cadeira e sorriu.
— Só agora me diz isso?
O marido retribuiu o sorriso.
— Disse que ficará aqui pelo resto do dia, mas o que pretende fazer à noite?
— Aceitei um convite da sra. Morten. Ela dará uma ceia, e depois todos os convidados
irão a Vauxhall Gardens para dançar e assistir a um espetáculo de fogos de artifício. Tudo para as
obras de caridade que apoia.
Phillip fez uma careta.
— Quantas pessoas serão?
— Não tenho certeza. Acho que umas cinquenta, incluindo meus irmãos. A srta.
Elizabeth Sainthill prometeu comparecer, portanto é lógico que Jason irá também.
— Os jardins são um local público, com muitos atalhos que conduzem a lugares isolados.
Podem ser muito perigosos na escuridão, caso se esbarre em algum vagabundo. Para ser honesto,
não me sinto à vontade sabendo que pretende ir lá.
— Por causa do que houve ontem?
Não haviam mais tocado no assunto do incidente no teatro até aquele momento, mas
Meredith podia afirmar, pelo olhar sombrio e preocupado do marido, que o fato continuava
nítido em sua mente.
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— Não quero alarmá-la, mas creio que foi mais do que uma tentativa de roubo. — O
marquês inclinou-se sobre a cadeira que Meredith ocupava, parecendo escolher com cuidado as
próximas palavras: — Penso que alguém decidiu se aproveitar do corre-corre e tumulto para fazer-
lhe mal. Tivemos muita sorte, porque consegui resgatá-la, mas temo não ser tão afortunado da
próxima vez.
— O que sugere que faça?
— Por ora, peço que aceite poucos convites, mas o principal é que não saia de casa sem
minha companhia.
A solução proposta pelo marquês a espantou. De certa forma era razoável, mas por outro
lado, não.
Analisou a expressão de Phillip nesse instante. Podia testemunhar a tensão que formava
linhas na testa ampla, esperando sua resposta.
Ele era seu marido. Segundo a lei vigente, Phillip podia dar-lhe ordens sobre muitas
coisas, mas ambos sabiam que não era mulher de se submeter com facilidade aos comandos
masculinos.
Para que esse plano desse certo, conforme Phillip desejava, ela teria de cooperar.
Ponderou com cuidado sobre a decisão a tomar, considerando todos os aspectos positivos e
negativos que acarretava, mas, por fim, foi a vulnerabilidade que viu nos olhos dele que a fez
tomar uma decisão.
Cruzando as mãos sobre o regaço, encarou-o com honestidade.
— Não estou certa de concordar com sua teoria. Na realidade, não conheço ninguém que
deseje me fazer mal de propósito. Todavia, vários incidentes ocorreram nos últimos tempos que
me perturbaram e até mesmo amedrontaram. Respeito sua opinião, Phillip, e farei o que me pede,
mas recuso-me a ser uma prisioneira em meu próprio lar.
— É claro. — O marquês de Dardington deixou escapar um suspiro de puro alívio,
parecendo muito contente com a resposta dela. — Ficarei honrado em acompanhá-la a qualquer
evento social ao qual desejar ir, mas que não julgar perigoso para sua segurança.
Meredith inclinou a cabeça para um lado, fitando-o.
— Gostaria de comparecer ao baile de máscaras de lorde Linny, na próxima semana.
Parece ser o grande evento da temporada, e já encomendei uma fantasia para a ocasião.
Phillip esboçou um sorriso malicioso.
— Algo ousado e provocante, sem dúvida.
— Irei como Diana.
— A deusa romana da caça? Escolha esplêndida, visto que é alta e loira. E... muito linda.
— Obrigada. Na verdade, foi ideia de seu pai. E também adoro tudo o que diz respeito a
Roma e à Grécia antigas.
— Sei que ficará encantadora com a fantasia.
Meredith sentiu um arrepio de satisfação percorrê-la de cima a baixo. Durante toda a vida
ouvira cumprimentos floreados e às vezes ousados sobre sua beleza, mas um simples olhar de
Phillip a fazia vibrar de contentamento e sentir-se a mulher mais fantástica do mundo.
— Será uma veste romana de seda azul com um ombro descoberto e o outro preso por um
broche de ouro. Irá mostrar grande parte do pescoço e colo.
Phillip ficou sério.
— Está muito machucada ainda?
Meredith levou a mão à garganta.
— Esse tipo de hematoma fica mais feio no dia seguinte, mas não sinto dor, portanto sei
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que não é nada sério.


— Mandarei chamar um médico agora mesmo para examiná-la. Estará aqui dentro de
uma hora.
— Não, por favor! Não há necessidade. Fiz Rose preparar uma infusão de ervas que
apliquei depois do banho. Já estou medicada.
— Preocupo-me com sua saúde.
— Só necessito de um pouco de repouso e tempo. Um médico não fará as marcas
desaparecerem mais depressa. Aliás, verdade seja dita, poderá prescrever um tratamento que me
fará piorar, ou que provoque reações que me impeçam de ir ao baile.
Phillip hesitou, e Meredith se aproveitou disso para argumentar mais um pouco:
— Caso os hematomas ainda estejam evidentes na próxima semana, desistirei do baile e
consentirei em ser examinada por um médico. Satisfeito?
— Sim, mas depois de ouvir a descrição que fez, ficarei muito frustrado se não puder vê-
la usando o traje de Diana.
— Sei... Farei uma apresentação particular para você. Com a coroa de louros e sandálias
que, sem dúvida, são os calçados mais confortáveis para se usar em um baile. Há até uma fenda
na saia para exibi-los.
Phillip franziu a testa.
— Espero que uma fenda bem pequena.
— Sim, mas se me mover de uma certa maneira, mostrarei parte dos tornozelos.
— Isso também? Terei de ficar o tempo todo a seu lado! — Phillip se divertia. — Que
pena não ter tempo de mandar fazer uma toga... Causaríamos sensação.
— Se estiver disposto a pagar bem, garanto que encontraremos um alfaiate disposto a
preparar tudo até lá.
Phillip ficou vermelho.
— Ora, Meredith! Eu estava brincando a respeito da toga.
— Sei disso, mas deve me prometer que fará uma concessão para esse baile e irá
fantasiado de alguma forma.
— Irei todo de preto, com o rosto coberto, e a seguirei por todos os cantos como um
escravo núbio fiel. Que tal?
— Que maravilha!
— Achei que gostaria da sugestão.
Meredith esteve a ponto de provocá-lo ainda mais, porém achou melhor ficar quieta,
antes que perdesse as vantagens que já havia conquistado.

Havia tarefas a cumprir, muito trabalho e responsabilidades próprias de sua posição, que
exigiam grande atenção, mas a lembrança de seu tesouro era como um canto de sereia,
impossível de resistir. Assim que pôde, escapuliu para seu quarto, ansiando por um instante de
total privacidade.
Com a respiração entrecortada pela ansiedade, apertou um botão que revelou uma gaveta
secreta, e de lá retirou o tesouro. Na noite anterior ele o embrulhou em um lenço de linho branco
muito limpo, a fim de preservá-lo. Nesse momento, com dedos trêmulos, desamarrou o pano.
Por vários minutos manteve o tesouro apertado na mão e então, com reverência,
entreabriu os dedos, revelando seu conteúdo. O brilhante surgiu, soltando faíscas e refulgindo
com intensidade, na palma de sua mão, ofuscando-o e quase hipnotizando-o.
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Permaneceu a fitá-lo, boquiaberto, tremendo de excitação. Era de bom tamanho, lapidado


de forma quadrada, perfeito. Voltou-o entre os dedos, admirando o cintilar que refletia de cada
ângulo que se olhava, à luz fraca que se escoava pela pequena janela de seu quarto.
Sabia que a pedra tinha grande valor monetário, mas não era isso o que a tornava uma
raridade, algo especial e importantíssimo. Não. Seu valor residia no fato de ter enfeitado o
pescoço de lady Meredith e ficado em contato com sua pele quente e macia. A pedra repousara
junto a seu colo, sentira-a respirar, pensava ele, emprestando uma natureza quase humana ao
brilhante.
E agora lhe pertencia.
Fora difícil sair de casa na véspera, mas determinara-se a conseguir, e obtivera êxito.
Encaminhara-se ao teatro sabendo de antemão que ela estaria lá, ao lado do duque de Warwick,
como sempre.
Escolhera de propósito um assento na plateia, que lhe permitira uma visão perfeita do
camarote do duque. Entretanto, seu plano desmoronara ante a presença do marquês de
Dardington, a última pessoa que esperava ver no teatro.
Por um instante pensou que lady Meredith tivesse mudado de planos, mas então ela
entrou no camarote, mostrando surpresa no lindo rosto. Quase conseguiu perdoá-la, pois parecia
que não esperara a presença do marido ali. Entretanto, assim que o espetáculo teve início, o casal
se sentou lado a lado, muito próximos um do outro, e isso o aborreceu.
Durante todo o espetáculo, ele não olhou uma só vez para o palco. Disfarçando da melhor
maneira possível, ficou o tempo todo observando-a, atento a cada movimento que fazia. Sua
excitação aumentou quando as luzes se acenderam no intervalo, porque isso lhe permitiria a
oportunidade de esbarrar na marquesa em meio à multidão, caso ela saísse do camarote.
Porém, para sua tristeza, isso não aconteceu. Pior ainda: com discrição, lady Meredith
postou-se atrás da poltrona do marido e, provocante, começou a acariciar-lhe os ombros,
massageando-os, como se estivessem a sós no quarto! Ficou transtornado com esse procedimento
lascivo.
Lembrara-se do beijo escandaloso que Meredith deu no marquês durante as corridas. Isso
também o enfureceu demais. Destruiu sua sombrinha nessa tarde, reduzindo-a a tiras. Foi um
aviso velado de que estava se comportando muito mal, e que não lhe permitiria isso.
Mas pareceu-lhe que era necessário enviar-lhe outra mensagem, e o tumulto súbito e
incontrolável no teatro forneceu-lhe a oportunidade desejada. Viu a marquesa quando a turba a
afastou do marido, e atirou-se no meio das pessoas, escoiceando e empurrando quem se metia em
seu caminho, até alcançá-la. Com muita força de vontade e paciência, conseguiu acercar-se dela.
Quando chegou bem atrás, tentou circundar-lhe o colo com as mãos, segurando o longo
pescoço branco e antecipando o momento de supremo prazer quando o apertasse até vê-la exalar
o último suspiro.
Entretanto a excitação o pôs muito nervoso, e além disso, a multidão frenética não lhe
dava sossego, arruinando sua concentração. Foi empurrado pela massa humana, e não conseguiu
manter o equilíbrio. Lady Meredith caiu de joelhos quando ele, sem querer, lhe deu um novo
empurrão. Voltou a estender as mãos para o pescoço macio, mas os dedos ficaram presos no
colar que ela usava.
Meredith gritou e se debateu, tentando se aprumar. Era muito forte para uma mulher, e
com uma determinação ainda maior. O suor invadiu-lhe a testa ao rememorar como lutara com
valentia para se salvar.
Assim, ele soube que não iria matá-la nessa ocasião, pois não teria tempo para saborear a
luta, sentir prazer com o instante em que a faria exalar o último suspiro.
Sim. A marquesa era sua vítima ideal. Seria um tolo se apressasse o final. Então,
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retrocedeu bem na hora em que o marquês abria caminho e, com muita dificuldade, conseguiu
reerguê-la e levá-la dali em segurança.
Mas ganhou um troféu, algo para se recordar de seu momento de glória: um brilhante do
colar da marquesa de Dardington!
Uma batida seca na porta o fez voltar à realidade. Encolheu-se a um canto, enquanto
alguém dizia do corredor:
— Precisam de você no andar de baixo. É melhor se apressar.
— Irei dentro de um minuto.
Franziu os lábios formando uma linha fina e cruel. Detestava deixar a privacidade de seus
aposentos e o deleite com suas fantasias, mas era necessário.
Em um gesto vão de desafio, ergueu a pedra preciosa contra a luz, examinando-a pela
centésima vez. E, com cuidado, quase com reverência, tornou a embrulhá-la no lenço branco de
linho, colocando-a no bolso do paletó. Embora tivesse descoberto o esconderijo ideal, concluiu
que tratava-se de algo valioso demais para ser deixado em seu quarto. Se alguém encontrasse o
brilhante, estaria metido em uma grande enrascada. Como explicar a posse dele?
E, mais importante, tinha necessidade de manter a jóia junto a si, sentir sua rigidez, seus
ângulos de encontro à pele. Era um lembrete sombrio de que lady Meredith lhe pertencia de
corpo e alma. E em breve ela saberia disso.
Com um sorriso demoníaco e um olhar esgazeado, deixou o recinto sem fazer ruído.
Pelo resto do dia, a lembrança do pescoço macio entre suas mãos o colocou em uma
espécie de estado de graça.

Capítulo XVIII

O baile de máscaras de lorde Linny era, de fato, o ponto alto da temporada, e todos os
presentes concordavam que se tratava de um grande sucesso. Para surpresa geral, o marquês de
Dardington também tinha uma opinião positiva sobre o evento.
Embora no íntimo pensasse que a festa valia a pena para poder apreciar Meredith em seu
traje de deusa romana, estava também se divertindo muito. Além do mais, conseguira o que
nenhum outro cavalheiro da sociedade podia aspirar, a não ser o duque de Warwick, seu pai:
dançar com a linda deusa Diana.
Meredith sorriu feliz quando o marido a convidou, solicitando a honra de uma valsa.
Fingiu indecisão, batendo com a ponta do leque na face, e brincou, dizendo não conhecer o
cavalheiro no dominó negro, que o cobria da cabeça aos pés. Phillip não esperou por uma
resposta, e tomou-a nos braços sem hesitação.
O salão de baile, todo espelhado, estava decorado de maneira soberba, cheio de buques
de rosas brancas, vermelhas e amarelas, dando um ar muito festivo e alegre ao ambiente.
Phillip ficou contente por ter escolhido uma valsa para dançar com a esposa e, só para
provocá-la, manteve uma grande distância entre os dois, como se, de fato, tivessem se conhecido
naquele momento. Isso fez Meredith franzir a testa e, por várias vezes, tentar se aproximar mais
do peito forte de seu mascarado. Porém Phillip não lhe permitiu.
Apesar de brincar, sabia que, caso se aproximasse muito, ficaria excitado, e isso seria um
tremendo embaraço no recinto de baile repleto. Mesmo assim, sentia como se estivessem apenas
os dois dançando, longe do mundo. Outros casais rodopiavam a seu lado, mas só tinha olhos para
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a deusa Diana, em seus braços.


À meia-noite o marquês conduziu Meredith para a sala de jantar, e sentaram-se juntos a
um canto da mesa, conversando, rindo e experimentando as iguarias do prato um do outro.
Jason os interrompeu, perguntando se poderia juntar-se ao casal com sua acompanhante.
Entrou no clima da festa, e usava uma fantasia de pirata com um tapa-olho negro. Um sabre
brilhante pendia da cintura, preso a uma faixa vermelha de seda. Sua companheira, a srta.
Elizabeth Sainthill, trajava-se de pastora. A touca de rendas emoldurava-lhe os lindos cabelos, e
os laços de cetim amarrados sob o queixo realçavam a cor de seus olhos. Ao lado de Meredith,
Phillip observou como Elizabeth era doce, inocente e muito jovem.
— Lamento interromper, mas só agora consegui me desvencilhar da srta. Harriet, irmã de
Elizabeth — sussurrou Jason ao ouvido do marquês. — Não poderia me sentar a sós com ela,
pois causaria comentários. Mas em sua companhia tudo fica certo.
— Compreendo — afirmou Phillip, embora não se julgasse a pessoa certa para fazer o
papel de guardião de uma donzela.
Afinal, pouco tempo atrás, uma moça como Elizabeth Sainthill seria proibida até de ser
vista em sua presença, já que o marquês de Dardington era considerado quase um devasso.
No entanto parecia que tudo isso havia mudado. Sua má reputação, obtida nos últimos
oito anos, fora substituída por respeitabilidade, graças ao casamento com Meredith, que soube
fazer calar, com muita dignidade e graça, os falatórios sobre sua união apressada, tinha sempre
um comportamento impecável e apreciado por toda a alta sociedade.
E embora Jason o fizesse se sentir um senhor idoso com quem Elizabeth poderia ficar
sem suscitar malícia, isso o contentava. Era um elogio.
— Está gostando do baile, srta. Sainthill?
As faces da moça enrubesceram.
— Estou adorando! A decoração é linda, e o clima, animado. Nunca vi tanta gente
fantasiada! Personagens históricos, mitológicos, outros tirados de contos de fadas... Maravilhoso!
Jason sorriu, entusiasmado.
— Temos nos divertindo muito, adivinhando quem é quem por trás das máscaras. —
Apertou a mão de Elizabeth sobre a mesa.
— Estou em desvantagem perante o sr. Barrington — murmurou a jovem, com um
sorriso meigo. — Ele conhece todos aqui. — Com timidez, retirou a mão, repousando-a no colo.
Os quatro começaram a conversar, animados, debatendo sobre qual fantasia era a mais
original, ousada ou ridícula. Riram muito, até que a orquestra voltou a afinar os instrumentos
para dar continuidade ao baile.
— Se me dão licença, preciso retornar ao salão. — Elizabeth levantou-se. — Prometi a
próxima dança a nosso anfitrião, lorde Linny. Seria rude forçá-lo a me procurar por todos os
cantos.
Jason ergueu-se também.
— Irei conduzi-la até lorde Linny, se me prometer outra dança mais tarde. Promete?
Elizabeth hesitou por uma fração de segundo, e depois aquiesceu. O jovem par se
despediu do marquês e da marquesa de Dardington e misturou-se aos demais convidados no
salão principal.
— Jason está encantado com Elizabeth.
Phillip tomou um gole do excelente vinho, antes de responder:
— Sem dúvida. Contudo, não sei se a srta. Sainthill corresponde.
Meredith deu de ombros.
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— É uma moça cautelosa e de bom senso, enquanto meu irmão é convencido e


acostumado a ter tudo o que quer. É claro que haverá algum choque no relacionamento.
Phillip depositou o copo sobre o tampo, com brusquidão, derramando algumas gotas da
bebida.
— É assim que me vê também, milady? Um homem convencido, teimoso e mimado?
Meredith arqueou as sobrancelhas, divertida.
— Teimoso com certeza. Convencido? Melhor seria descrevê-lo como arrogante. — Sem
lhe dar tempo para replicar, sorriu, segurando-lhe o braço. — Ande logo, milorde, acabe seu
vinho para podermos ir ao salão.
Phillip fingiu desespero.
— Embora só dance comigo e com o duque, não fica quieta um minuto. Não está
cansada?
A marquesa fez que não.
— Garanto que, graças às sandálias que estou usando, poderei dançar até o amanhecer.
Venha!
De novo no salão, o marquês levou algum tempo para entrar no clima festivo. Tornou a
pôr-se em guarda, temendo algum perigo para sua mulher, e observando com suspeita todos que
se aproximavam dela. Estava encarando essa responsabilidade com muita determinação, e
garantir a segurança de Meredith tornou-se uma obsessão.
Concluiu que isso fazia parte dos sentimentos que lhe dedicava, e que só sabia
demonstrar por meio da paixão física. Desde o incidente no teatro, dormiam juntos todas as
noites. Meredith o aceitava sempre com entusiasmo, e Phillip chegara à conclusão de que fora
um tolo por privar a ambos das delícias do sexo por tanto tempo, já que Meredith era uma
mulher sensual e quente.
Logo que se casaram, ele acreditou que a distância seria a única atitude honrada a tomar.
Mas errou. Os sentimentos cresceram em seu coração mesmo, mantendo-se afastado da segunda
esposa. E embora nenhum dos dois tivesse se declarado ainda, Phillip sentia que em breve
chegaria a hora de confessar seu amor.
Quando percebeu, no teatro, que poderia perdê-la para sempre, desesperou-se. Meredith o
completava à perfeição, e não se sentia assim fazia muitos anos. Quase como um milagre,
começava a imaginar um futuro feliz e promissor para ambos.
Nada mais aconteceu de ruim após o espetáculo teatral, mas o marquês se recusava a
relaxar, e insistia em proteger a esposa. Mantendo a promessa feita, Meredith reduziu os
compromissos sociais, e isso impedia que alguém lhe fizesse mal, caso esse alguém de fato
existisse, refletiu Phillip.
Cada vez com mais frequência o marquês achava que talvez tivessem exagerado sobre
uma pessoa misteriosa querer estrangular Meredith. A multidão estivera enlouquecida no teatro,
e qualquer um poderia ter se agarrado com força à marquesa, provocando as marcas.
Porém isso não vinha ao caso. Melhor ser cauteloso e evitar que Meredith sofresse
alguma agressão.
Após mais três danças, convenceu-a de que era hora de irem embora. O duque de
Warwick também estava pronto para partir, e os três subiram na carruagem para o pequeno
trajeto até a mansão.
Phillip aceitou o convite do pai para um conhaque, e os dois se sentaram à lareira no
salão dourado. Meredith desculpou-se com um sorriso, beijou o sogro e depois o marido, lançando-
lhe um olhar de posse que deixou claro que o esperaria mais tarde no quarto.
O gesto excitou o marquês. Saber que Meredith o aguardava com desejo e paixão o
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punha louco de ansiedade. Sua vestimenta de deusa romana era muito sensual, com as pregas
realçando-lhe os quadris e os seios e revelando a feminilidade de seu corpo.
Phillip imaginou-se despindo-a junto à cama, bem devagar, revelando pouco a pouco a
maciez de sua pele, que brilhava à luz das velas. Ficaria com os seios túmidos, os mamilos
rosados que logo se arrepiariam ao mais leve toque de seus dedos, fazendo seus olhos brilharem
em uma declaração muda...
— Meu Deus, filho! Seu rosto parece que vai pegar fogo a qualquer momento! — O
duque soltou uma risada rouca. — Talvez seja melhor esquecer o conhaque e correr para o lado
de sua mulher.
Embora lhe parecesse impossível, Phillip sentiu as orelhas quentes. Corar em sua idade?
Por causa de Meredith?!
— Estou bem, senhor. — Tomou um grande gole da bebida e quase engasgou.
— Sim, dá para perceber...
Phillip achou melhor deixar passar o comentário. Sabia que o pai tentava arrancar-lhe
confidências, e não desejava cair na armadilha.
— Divertiu-se hoje no baile, pai?
— Sem dúvida. Linny sempre soube dar festas maravilhosas, mesmo sendo um idiota em
outros aspectos.
Phillip balançou a cabeça, concordando. Conversaram a respeito de outros convidados, e
riram sobre as fantasias de alguns. Depois, discutiram um projeto de lei a ser apresentado ao
Parlamento.
Aceitando mais um conhaque, Phillip concluiu que gostava muito dessas conversas com
o pai, apesar de sempre existir um clima tenso entre ambos. A reconciliação dos dois não deixava
de ser um mérito de Meredith. Sua presença na vida de pai e filho formou uma ponte que
precisava cruzar para quebrar o gelo com o duque.
— Meredith deseja comparecer a um sarau na casa do duque de Shrewsbury amanhã à
noite. O senhor quer ir conosco?
O pai fez uma careta.
— Minha nora é um amor, mas não entendo por que gosta tanto desses saraus musicais.
Só apresentam cantores desafinados, e isso me deixa louco. Sabia que uma vez me fez acompanhá-
la à ópera?
Phillip levou o copo aos lábios para esconder um sorriso zombeteiro.
— Ouvi falar, sim.
— Foi terrível! Estava com dor nas mandíbulas de tanto cerrar os dentes, na hora que
voltamos para cá. — O duque suspirou. — Portanto, peço que me apoie, pois pretendo dar uma
desculpa para não ir com vocês dois amanhã. Mas também me recuso a magoar Meredith.
Phillip dessa vez teve de rir.
— Relaxe, meu pai. Meredith me disse ontem à tarde que já espera que o senhor dê pelo
menos três desculpas para não comparecer ao sarau.
O duque inclinou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada.
— Moça esperta! Já me conhece muito bem. — Parando de rir, indagou: — Ainda acha
que ela corre perigo?
O marquês deu de ombros.
— Não sei dizer, mas seria tolice baixar a guarda. Além disso, descobri que gosto muito
de ficar na companhia de minha mulher.
— Já era tempo de perceber isso. Meredith é uma jóia rara, um tesouro que merece ser
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guardado e protegido.
— Nesse ponto concordamos inteiramente.
O duque sorriu, matreiro.
— Bem, agora que seu casamento entrou nos eixos, posso esperar netos? Criancinhas que
irão tremer de medo com meu vozeirão e minhas exigências, mas que irei mimar de todas as
maneiras?
Dessa vez, Phillip engasgou de verdade com a bebida.
— Estou me esforçando ao máximo, senhor.
— Ótimo! Então largue esse copo e suba logo para cumprir suas obrigações de marido. A
cada dia que passa fico mais velho! Quero ainda ter forças para brincar de cavalinho com seus
filhos.

Quando chegaram à mansão do duque de Shrewsbury, já havia uma centena de


convidados ali. Meredith estendeu a mão para o lacaio, mas foi o marquês quem se adiantou,
ajudando-a a descer da carruagem.
A residência refulgia de luzes, as velas brilhando por trás de cada janela que dava para a
rua, e tochas iluminavam a entrada. Deliciada com a visão feérica, a marquesa voltou-se para o
marido, a fim de comentar, mas estacou.
— Por que a testa franzida, Phillip? Algum problema?
— Não. Estou apenas surpreso com o número de pessoas presentes. Não imaginava que
um sarau atraísse tanta gente, a não ser os amantes de música erudita. Na realidade, esperava
uma pequena reunião.
Meredith conteve um suspiro. Aguardara com ansiedade por aquela noite e pelo raro
privilégio de ouvir cantores talentosos e músicos de primeira linha, vindos de outros países da
Europa.
— Meu caro marido, precisa ouvir os artistas que irão se apresentar hoje. Foi isso o que
atraiu tantos convivas. Se quisesse um resmungão a meu lado, teria insistindo que seu pai me
acompanhasse.
— O duque foi esperto por dar uma desculpa — murmurou Phillip, mais para si mesmo.
— Eu ouvi isso! — exclamou Meredith, fingindo desagrado.
O marquês a tomou pelo braço, e subiram as escadas. Entrando no salão, Meredith
entregou o casaco para um criado, e o marido logo a conduziu a um canto afastado.
Phillip disse-lhe que era a maneira mais prática para observar os demais convidados e ver
se alguém era suspeito. Entretanto, Meredith logo percebeu existir uma boa dose de ciúme nessa
atitude, pois o marido lançava olhares furiosos para qualquer cavalheiro que a fitasse com lisonja
ou interesse.
Naquela ocasião, a marquesa trajava um vestido vermelho de seda com um decote que
exibia o colo alvo, mas nada ousado em comparação aos das demais senhoras presentes. Na
verdade, perto das outras, Meredith parecia muito modesta.
De qualquer modo, notou que Phillip olhava ao redor, como se esperasse vê-la atacada a
qualquer minuto.
— Está tudo bem? — sussurrou para o marido, assim que se acomodaram em seus
lugares.
— Não sei. Alworthy não tirou os olhos de seu decote desde que entramos.
Meredith sentiu as faces em fogo.
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— Conheço lorde Alworthy há muitos anos, e não posso imaginá-lo querendo me fazer
mal ou ser indelicado.
— Refiro-me ao fato de que é um aventureiro, sempre tentando conquistar as mulheres.
Não o quero perto de você.
— Ótimo. Caso se aproxime de mim, serei fria e distante.
Phillip meneou a cabeça, concordando, e Meredith teve ímpetos de gritar. Fora
brincadeira quando sugerira esnobar o lorde, embora apostasse que Alworthy nem chegaria
perto, ante o olhar feroz do marquês de Dardington.
Por sorte viu o irmão Jason do outro lado, e acenou-lhe para que se aproximasse. O rapaz
obedeceu com animação, mas logo esclareceu que estava à procura da srta. Elizabeth Sainthill, e
queria saber se a irmã a vira.
— Sei que Elizabeth e Harriet estão hospedadas aqui, na mansão do duque, e por certo
comparecerão ao sarau.
— Que bom, Merry!
Jason suspirou e ergueu a cabeça, mais animado, escrutinando cada senhora que entrava.
— Jason?
— O que é?
Ele estava de fato apaixonado, refletiu Meredith, pois seu olhar era quase febril, à espera
de Elizabeth.
— Talvez ela esteja recebendo os convidados com o duque, embora não a tenha visto —
arriscou, apiedada do irmão.
Jason virou a cabeça com tanta fúria que quase torceu o pescoço.
— É lógico! Por que não pensei nisso antes? Obrigado, Merry. — O rapaz partiu como
um raio.
Phillip achou graça.
— Ainda bem que o despistou, minha cara.
— Não quero estragar meu sarau musical com interrupções de jeito nenhum.
O marquês tomou-lhe a mão, e quando o espetáculo começou, continuaram com os dedos
entrelaçados.

Sentiu um tremor por todo o corpo quando a viu entrar na mansão. Ela estava ali! Havia
dias não dormia, esperando que viesse e temendo não encontrá-la. Sabia que frequentava menos
a sociedade nos últimos tempos, sem dúvida assustada, depois do que acontecera no teatro.
Mas essa noite aventurara-se. Que sorte! Seu plano estava pronto, só restavam alguns
poucos detalhes. Teria de agir logo e atacar depressa assim que a ocasião se apresentasse.
Franziu a testa. Que maçada o marquês estar presente também! Mas isso não mudaria o
desenlace. Precisava ser esperto para despistar o nobre, e iria enfrentar o desafio, refletiu com
arrogância.
Lady Meredith era um prêmio digno de seus esforços, e a vitória seria ainda mais doce se
enganasse o marquês de Dardington também.
Caminhou pela beirada do salão, até se posicionar em um canto escuro, bem no momento
em que o espetáculo começava. Por vários minutos apenas a analisou, o corpo gracioso inclinado
para frente, a fim de apreciar melhor a música.
O lindo rosto de lady Meredith registrava uma série de emoções, ao se deliciar com a
apresentação. Junto dela, o marquês parecia muito entediado. Era um bom sinal. Significava que
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o nobre aproveitaria o intervalo para escapar por alguns minutos. E se isso acontecesse existia
uma boa chance de a esposa ficar sozinha.
Suspirando, satisfeito, ele deslizou para fora da sala, a fim de pôr em ação os últimos
detalhes de sua estratégia.

Embora Meredith mantivesse a atenção no pequeno palco armado, estava muito


consciente do homem a seu lado. Phillip remexia-se na poltrona, cruzava e descruzava as pernas,
e por fim as esticou.
A marquesa lançou-lhe um olhar de advertência para que ficasse quieto, e o marquês deu
de ombros, com fingida inocência que não a enganou.
— Em breve haverá um intervalo, Phillip. Por que não vai para a outra sala e toma um
conhaque?
— Estou bem. Além disso, não quero deixá-la sozinha.
— Está inquieto e entediado. Vá tomar um drinque.
O marquês hesitou. Afinal, o salão estava abarrotado de gente interessada na música.
Sem dúvida Meredith ficaria bem.
— Certo, se você insiste... Mas só me ausentarei por alguns minutos.
Ela o dispensou com um leve aceno de mão e voltou a se concentrar na apresentação.
Após os últimos acordes, levantou-se, como os demais convidados, e aplaudiu com entusiasmo.
— Peço desculpas, lady Dardington, mas necessito lhe falar sobre um assunto delicado.
Meredith virou a cabeça para o homem que lhe falara, e que se postava na frente da
cadeira vazia de Phillip. Pelos trajes, tratava-se de um criado de alto nível, e parecia-lhe um tanto
familiar.
— Já nos conhecemos, senhor?
O homem ficou vermelho.
— Sinto-me honrado que se lembre de mim, milady. Encontramo-nos por alguns minutos
há vários meses, quando procurou minha ajuda por causa de um duelo.
O rosto de Meredith se iluminou com um sorriso.
— É claro! Agora me lembro. O senhor é o criado particular do sr. Wingate, certo?
Espere! Não diga seu nome. — Bateu com o pé no chão, tentando se recordar. — Hawkins? É
isso?
— Sim, milady.
— Ah, sem sua ajuda naquele dia, não poderia ter impedido o duelo! Jamais esqueço um
favor, Hawkins. Como posso ajudá-lo?
— Não é para mim, mas vim falar a respeito da srta. Elizabeth Sainthill, milady.
— Elizabeth pediu que me entregasse uma mensagem? Que estranho!
O rosto do homem ficou mais rubro, e Meredith recuou.
Por um instante ele pareceu zangado, quase furioso, e isso a espantou, mas então
Hawkins deixou pender a cabeça, denotando constrangimento.
— Perdão, milady, não me expliquei bem. É claro que a srta. Elizabeth não me pediu para
entregar nenhuma mensagem. Eu vi conversando com um de seus irmãos há alguns minutos.
Tudo parecia bem entre os dois, mas de repente a srta. Sainthill deu as costas e saiu correndo, e,
quando subia as escadas, notei que chorava muito.
— Meu Deus! Parece sério! — Meredith mordeu o lábio. — Viu para onde foi meu
irmão?
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Hawkins evitou encará-la.


— Não o avistei mais, depois desse incidente.
— Fez bem em me procurar, Hawkins. Interesso-me por tudo o que meus irmãos fazem,
em especial quando diz respeito a uma moça impressionável como a srta. Elizabeth.
Meredith temia que Jason tivesse sido ousado demais, e dito ou feito algo que pudesse ter
assustado a pobre menina. O criado respirou fundo.
— Pela direção que tomou no andar de cima, creio que a srta. Elizabeth foi para seu
quarto. Como deve saber, está hospedada aqui na mansão. Se desejar, posso levá-la até ela,
milady. Ou chamar uma criada, se assim preferir.
Meredith ergueu o rosto e olhou em volta, ansiosa. Muitos convidados tinham deixado
seus lugares e passeavam por ali, mas não conseguia ver Phillip.
— Algum problema, milady?
A marquesa fez que não.
— Estava procurando meu marido, o marquês de Dardington.
— Creio que milorde está no salão verde com outros cavalheiros. — Hawkins inclinou a
cabeça de maneira polida e servil. — Deseja que vá chamá-lo?
Meredith hesitou. Se Elizabeth estava aborrecida por algo que Jason fizera, por certo
desejaria conversar a respeito com uma amiga, e ninguém melhor do que ela, a irmã mais velha
dos Barrington. Nesse caso, a presença de Phillip seria um estorvo.
— Vou procurar a srta. Sainthill primeiro, Hawkins. Caso ela peça que fique a seu lado,
quer, por favor, avisar meu marido e dizer onde estou?
Hawkins encheu o peito, denotando orgulho e satisfação por poder ser útil.
— Como quiser, milady.
Meredith aquiesceu e sorriu. Então, com a mente em Elizabeth, seguiu o criado e saiu do
salão.

Capítulo XIX

O relógio do saguão marcava dez horas quando subiram ao terceiro andar, mas Meredith
não prestou muita atenção. Pensava em qual a melhor maneira de conduzir a conversa que teria
com Elizabeth, imaginando por que a jovem estava tão aborrecida.
A marquesa não conseguia acreditar que Jason tivesse feito algo tão grave a ponto de
magoar tanto sua amada. Podia ser um rapaz estouvado, irresponsável, às vezes até importuno,
mas seu afeto pela srta. Sainthill parecia profundo. Com sorte, tudo não passaria de um arrufo de
namorados, fácil de remediar.
Com isso em mente, Meredith olhou ao redor. Estavam em uma parte antiga da mansão e
sem dúvida pouco usada. Um odor de bolor e umidade invadia o ar, e havia poeira no assoalho e
nos tapetes. Poucas velas iluminavam o ambiente, lançando sombras sinistras pelo corredor que
se estreitava e fazia curvas, como se fosse o caminho de um labirinto.
Embora Elizabeth não fosse uma convidada de honra, Meredith estranhou que o duque a
tivesse hospedado naquela parte da residência, tão afastada do resto da ala principal, e em tal
estado de abandono. Franziu a testa, e uma espécie de garra de gelo apertou-lhe as entranhas,
causando-lhe um estremecimento.
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Porém, antes que tivesse tempo de comentar, Hawkins parou e, com um aceno polido,
bateu com força na última porta, no final do corredor. Sem esperar resposta, girou a maçaneta.
Meredith deu um passo à frente. O quarto era enorme, e estava escuro, iluminado apenas
por três velas em um castiçal de parede. O mobiliário era escasso, com uma cama com colunas e
cortinado escuro, um armário sem porta e uma mesinha.
Então viu Elizabeth sentada na única cadeira existente no cômodo, de costas para a porta,
e chamou:
— Elizabeth?
A cabeça da jovem pendeu, mas ela não se virou, nem respondeu. Assustada, Meredith
voltou-se para Hawkins, mas não viu o criado. Hesitante, aproximou-se da jovem e prendeu a
respiração.
Percebia por que Elizabeth não lhe respondera. Estava amordaçada com um lenço que
quase a sufocava. Horrorizada, Meredith aproximou-se mais e viu as mãos da dama atadas com
uma corda, passada diversas vezes ao redor de seus pulsos e amarrada à cadeira.
Meredith ficou estática, olhando para a srta. Sainthill, sem conseguir acreditar no que via.
— Meu Deus! Quem fez isso com você?
Os olhos azuis da moça se arregalaram de pavor. Balançou a cabeça com fúria e lágrimas
rolaram-lhe pelas faces, molhando o pano que lhe cobria a boca.
— Oh! Desculpe-me... — tartamudeou a marquesa de Dardington.
Por certo a menina não podia responder. Assim, com mãos trêmulas, segurou a mordaça,
mas o nó estava apertado demais, e seus dedos vacilavam tanto que custou a afrouxar o lenço,
afastando-o da boca da infeliz prisioneira.
Elizabeth encheu os pulmões de ar e prorrompeu em soluços. Inclinando-se, Meredith a
abraçou com força.
— Calma, já acabou.
— É um louco! Um monstro! Tive medo... Estou apavorada. Precisamos nos apressar e
fugir antes que retorne!
— Quem? Quem fez isso com você?
— O criado, o horrível criado de Julian! Nem sei seu nome.
Meredith ficou sem fala. Hawkins? O gentil e tímido serviçal de Julian Wingate? Mas por
quê? E por que a trouxera ali para encontrar a srta. Sainthill? Não fazia o menor sentido!
— Hawkins planejou para que me encontrasse aqui, Meredith!
— Por que faria isso se desejava fazer-lhe mal?
Os olhos da jovem presa encheram-se de lágrimas outra vez.
— Também não compreendo nada, milady. Hawkins me disse que Harriet precisava de
mim e mandara me chamar. Então o segui até aqui. Quando nos vimos sozinhos, fui agarrada e
amarrada. Aí, me deixou neste quarto medonho. Estou com tanto medo! O tempo todo não
pronunciou uma só palavra, mas sei que quer me fazer mal. E talvez a milady também.
Precisamos fugir!
— Ela disse a verdade, lady Meredith. Deve ouvi-la.
Meredith ergueu a cabeça e deparou com Hawkins, que a observava. Não o ouvira
retornar, embora talvez o criado nunca tivesse saído dali. Enfrentou seu olhar com calculada
frieza, na esperança de, quem sabe, intimidá-lo.
— A srta. Elizabeth e eu vamos sair agora. — Assim dizendo, forçando uma calma que
não sentia, Meredith tentou desamarrar a corda, em vão.
Hawkins sorriu, parecendo uma fera que mostrava as presas. Por um instante Meredith
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sentiu-se tomada de uma forte tontura.


— Sabia que possui um caráter forte para me enfrentar, milady. Mas sua arrogância e
coragem excederam minhas expectativas. Estou contente com isso.
Meredith não compreendia coisa alguma. Seu evidente desafio parecia excitar o homem;
entretanto, se demonstrasse submissão, poderia ser pior.
— Sr. Hawkins, garanto que poderemos resolver qualquer problema que o tenha levado a
fazer isso com tranquilidade e de maneira racional. Não há necessidade de ameaças e violência.
Um brilho irado surgiu nos olhos do criado.
— Não faço ameaças. Planejei tudo isso com muito cuidado e atenção. Não precisa ficar
assustada... ainda.
Meredith engoliu em seco. A porta do quarto continuava aberta. Hawkins postava-se a
um canto, logo à entrada. Não era um homem alto, e Meredith o superava em altura por vários
centímetros. Se investisse sobre ele sem aviso prévio, poderia derrubá-lo no chão e escapar.
Relanceou um olhar para Elizabeth. Embora sem mordaça, continuava atada à cadeira.
Na semi-escuridão, o lindo semblante da menina estava branco como o vestido que usava. Os
lábios tremiam, e o pranto escorria, silencioso, por suas faces. Meredith não poderia deixá-la ali.
Lutou com todas as forças para afastar o pavor terrível que experimentava.
— É um homem muito esperto...
A expressão de Hawkins era de completo triunfo.
— Passei muitas horas elaborando meu plano. Notei que seu marido nos últimos tempos
a acompanha sempre, e não tinha certeza de que conseguiria atraí-la até aqui. Porém, no final, a
senhora facilitou tudo.
Meredith deu um passo atrás, e Hawkins se aproximou de uma maneira que não deixava
dúvidas sobre suas más intenções.
— O que pretende fazer?
— Ora, vou matá-la, lógico! — Hawkins fez um gesto em direção de Elizabeth. — E
primeiro milady a verá lutar pelo oxigênio, até, por fim, expirar também.
Elizabeth deixou pender os ombros, e começou a choramingar como uma criança.
Meredith postou-se a sua frente, tentando protegê-la.
— Por que deseja fazer mal à srta. Elizabeth? Ela não fez nada para ofendê-lo, tenho
certeza.
— Pode ser, mas sei que milady gosta dela. Sua morte a fará sofrer.
Meredith sentiu um pavor terrível percorrer-lhe a espinha dorsal.
— Quer dizer que é esse seu verdadeiro propósito, Hawkins? Fazer-me sofrer?
O criado tornou a sorrir, como se a marquesa fosse uma menininha inteligente, e ele, um
professor competente.
— Não me surpreendo pelo fato de compreender a situação tão depressa, milady.
Parabéns!
— Não sei o que fiz para despertar tanto ódio no senhor, mas gostaria de consertar o que
possa ter cometido de errado. Aceita minhas sinceras desculpas?
Seus modos humildes pareceram desconcertar o louco assassino, que abriu e fechou a
boca diversas vezes.
— Aceito suas desculpas, lady Meredith. Afinal, não passa de uma mulher, de mente e
corpo fracos, portanto. No entanto, preciso matá-la.
— O que está acontecendo?
Meredith e Hawkins voltaram-se ao mesmo tempo, espantados com a voz feminina.
CHE 206 – Um Olhar perturbador (To Protect An Heiress) Adrienne 125
Basso

Harriet Sainthill estava à soleira, as mãos nos quadris. Fitou Hawkins, que, num segundo, atirou-
se sobre ela.
— Harriet, fuja! — gritou Meredith.
A mulher tentou se desvencilhar, mas Hawkins foi mais rápido. Em uma sucessão veloz
de movimentos, trancou a porta e agarrou Harriet, dando-lhe um tapa no rosto para paralisá-la, e
passando um braço por seus ombros, mantendo-a de encontro ao próprio peito. Pegou alguma
coisa no bolso do paletó, e Meredith sentiu-se enjoada ao ver o brilho frio de uma longa faca.
Olhou ao redor, buscando algo com que atacar Hawkins, todavia o cômodo estava quase
vazio. Não existia nem mesmo um castiçal sobre a mesa.
Meredith levou a mão à boca. Harriet parecia atordoada com o tapa, mas a marquesa não
afastava o olhar da faca perigosa.
— Bem, as coisas estão ficando muito interessantes. Sabia que podia contar com a
senhora, lady Meredith, para animar a vida. — O criado baixou a cabeça e olhou com indiferença
para Elizabeth. — Nada me dá mais prazer do que agarrar um pescoço feminino com as mãos,
porém preciso delas para realizar meu intento.
E arrastou Harriet pelo aposento. Meredith recuou devagar, encostando-se na parede,
junto de Elizabeth. Hawkins nada comentou, mas apertou ainda mais Harriet, que já lutava para
se soltar. Quando chegaram próximos à dama amarrada, ele ergueu a arma, e Elizabeth se
encolheu no assento. Sua irmã gritava.
— Sr. Hawkins, por favor! — pediu Meredith em voz baixa e controlada, tentando
disfarçar o desespero. — As srtas. Sainthill são irmãs, e a srta. Harriet é noiva do sr. Wingate.
Seu patrão ficará desolado se algo acontecer às duas.
Hawkins a encarou com zombeteira condescendência.
— Como conhece pouco os verdadeiros sentimentos do sr. Wingate! Ele não se importa
com a noiva, senão já a teria desposado há anos. Só a quer para cuidar da casa e receber as
visitas. Sei que ficará feliz com a virada no destino, porque se verá livre de obrigações. Deve
saber, milady, que agora terei de cortar a garganta da srta. Harriet, já que nos descobriu aqui.
Apertou a cativa, fazendo-a gemer, e Meredith não soube se Harriet estava mais
machucada com o aperto violento dos braços do criado ou com as palavras que acabara de ouvir.
Agarrou o beiral da janela ao lado e tentou raciocinar. Precisava mantê-lo falando.
— Por que prefere usar as mãos, sr. Hawkins? É mais rápido assim?
Só em dizer aquilo sentiu-se enjoada. Estava discutindo detalhes de assassinato com um
louco, mas tinha de continuar.
Com gesto lento, o criado deixou pender a faca, sem libertar sua prisioneira.
— Que truques está tramando, lady Meredith? Nenhuma dama aristocrata deseja ouvir
certos pormenores.
Meredith criou coragem. "São apenas palavras. Será difícil ouvi-las, mas quem sabe isso
nos salvará."
— Meu interesse não deveria surpreendê-lo tanto. Sou diferente das outras mulheres.
O rosto de Hawkins era uma máscara de espanto. Parecia avaliar sua sinceridade,
imaginando se tinha mesmo interesse naquilo.
— Uso as mãos porque assim posso sentir o último suspiro das vítimas. Enquanto aperto
seus pescoços entre os dedos, a vida vai se esvaindo, e a morte toma seu lugar. Escolho minhas
mulheres com muito cuidado, sabe? As vendedoras de lojas são as melhores. Doces e jovens,
mas lutam como gatas selvagens para escapar.
— Não somos caixeiras — afirmou Harriet, num fio de voz. — Somos damas da
sociedade.
CHE 206 – Um Olhar perturbador (To Protect An Heiress) Adrienne 126
Basso

— Já matei uma nobre, mas lady Lavínia morreu depressa e sem luta, e isso não me deu
muito prazer.
"O que Hawkins está dizendo? Será possível?" Mal conseguiu ouvir suas próximas
palavras, pois o sangue pulsava forte em suas têmporas, produzindo um som quase ensurdecedor.
Sentiu o suor escorrendo pela testa, e empalideceu. Calculou que, se desmaiasse, poderia distrair
o assassino mais ainda, mas não queria se arriscar.
— Matou a ex-marquesa de Dardington, Hawkins? Por quê?
— Não pretendia fazê-lo. Foi um engano. — Hawkins soltou uma gargalhada que fez as
mulheres se arrepiarem. — Era lady Meredith quem deveria morrer naquela tarde pelo insulto
causado ao sr. Wingate. Rejeitou sua honrada proposta de casamento com crueldade. Não
poderia permitir que tal desfeita passasse impune.
As frases pareceram trespassar Meredith como facas afiadas, e sentiu o estômago
embrulhado. Esfregou as têmporas úmidas, tentando se acalmar e afastar a tontura.
— Quer dizer que compareceu à festa nos jardins da duquesa com a intenção de... me
matar? Como foi que lady Lavínia se envolveu nisso?
As pupilas de Hawkins adquiriram um brilho insano.
— Ela estava usando seu xale, lady Meredith. Eu a confundi com a senhora e a segui até
o lago, imaginando que, por fim, ficaríamos a sós. Ataquei-a por trás, e aproveitei apenas um
segundo de prazer ao vê-la expirar. — Fez uma breve pausa, como se recordasse a cena. — Só
mais tarde, quando a vi chorando junto ao cadáver, me dei conta de meu equívoco.
— Lavínia morreu há oito anos. Por que levou tanto tempo para me perseguir?
— Porque a senhora estava sofrendo, e isso me dava uma alegria imensa. Além disso, o
sr. Wingate deixou Londres, e fiquei com ele fora do país por muitos anos. Entretanto, durante
todo esse período, nunca a esqueci. Quero matá-la por ter recusado meu patrão, mas também
porque sei que irá lutar muito por sua vida, e isso me alegrará sobremaneira. Gosto de mulheres
valentes e ousadas, como milady.
Continuou falando como se fosse uma represa aberta, rápido, furioso e excitado, às vezes
dificultando o entendimento da plateia apavorada. Quando necessário, Harriet fazia uma
pergunta, tendo entendido, inteligente como era, o plano de Meredith.
Ambas compartilhavam a esperança de sobreviver, caso ganhassem tempo suficiente.
Mas os minutos se escoavam depressa demais.

Meredith não estava no salão. Phillip assegurou-se disso, vasculhando cada canto, e
esfregou o queixo, encostando-se na parede, o olhar grudado nas filas de poltronas douradas,
onde os convidados se sentavam para a segunda parte do espetáculo musical.
Percorreu os lugares com atenção uma, duas vezes, e, por fim, pela terceira vez, mas em
vão. Meredith não continuava sentada onde a deixara, nem mudara de assento. A princípio o
marquês pensou que deixara o recinto por alguns minutos, como ele próprio fizera, mas
começava a ficar muito aflito.
Se a marquesa tivesse se ausentado para ir à sala privativa das senhoras, por certo já teria
retornado. Algo estava muito errado.
— Pensando em escapar, Dardington? — perguntou Julian Wingate. — Se é isso o que
quer, sugiro que o faça antes que o espetáculo recomece. Meu avô adora essa cantora italiana,
mas ela é conhecida por fazer os homens chorar... De tédio.
Phillip o fitou.
— Para ser franco, Wingate, estava procurando minha mulher. Por acaso a viu?
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Basso

Julian ergueu as sobrancelhas.


— Não. Desapareceu?
— Sim.
Em outras circunstâncias o marquês teria sorrido, mas o medo terrível que o invadia não
permitia frivolidades, e o arrastou a fazer confidências:
— Devo perguntar aos outros convidados se viram Meredith, mas não desejo causar
alarme nem comentários.
— Eu o ajudarei.
Ambos tomaram direções opostas e começaram a pesquisa.
— Viu Meredith por aí? — Phillip perguntou a Jason, que passava nesse instante.
— Não, mas é estranho que minha irmã tenha desaparecido. Estou procurando a srta.
Elizabeth há quase uma hora. Por fim, com relutância, dirigi-me à srta. Harriet, que foi atrás dela
e ainda não regressou também. Agora você me fala de Meredith... Será uma estranha
coincidência?
Phillip franziu a testa.
— Bem, as três podem ter se ausentado para alguma conversa feminina, mas a demora é
grande, e estou começando a me inquietar.
Jason segurou o braço de Dardington.
— Quer dizer que podem estar em perigo?
Phillip estremeceu. Não era dado a crises de pânico, mas seus instintos gritavam que
pairava uma ameaça na atmosfera.
— Creio que será bom procurarmos juntos, sem demora.
Wingate veio a seu encontro. Olhou para Phillip e meneou a cabeça, desanimado.
— Questionei os empregados neste andar. Ninguém viu lady Meredith. No entanto todos
têm certeza de que nenhum convidado deixou a mansão. Deve estar aqui em algum lugar.
O marquês cerrou os lábios.
— A srta. Elizabeth também desapareceu. A irmã, sua noiva, foi procurá-la e não
regressou.
Wingate pareceu confuso.
— Harriet desapareceu também? Não fazia a menor ideia.
Dardington deixou escapar um suspiro profundo. Se a criadagem afirmava que ninguém
fora embora, então deviam concluir que as três permaneciam na casa. Mas onde?
Era uma enorme mansão, com muitos cômodos. Levariam horas vasculhando.
Cada vez mais aflito, Phillip lembrou-se da sombrinha de Meredith destruída, as marcas
em torno de seu pescoço na noite do teatro, a sensação de desconforto de que a esposa lhe falara,
como se alguém a observasse de longe em certas ocasiões. O marquês soube que não havia mais
nenhum minuto a perder. Se Meredith estava em perigo, tinha de ser encontrada. E logo.
Voltou-se para Wingate com gesto brusco.
— Conhece bem a mansão?
— Moro aqui há dois meses, e costumava frequentá-la bastante quando menino. Harriet e
Elizabeth são convidadas de meu avô. Sei onde ficam seus aposentos. Vamos até lá?
Phillip forçou-se a acalmar o coração disparado. Uma súbita inspiração o fez falar:
— Não. Existe uma parte da casa que é pouco usada?
— A ala este está fechada há anos.
— Creio que devemos começar a busca por lá.
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Agradeceu em silêncio por ninguém questioná-lo, pois não saberia explicar com lógica o
motivo de sua decisão em procurar na ala este. Recriminando-se por não ter tomado conta direito
de Meredith, partiu apressado pelos corredores tortuosos, seguindo os passos de Julian Wingate e
Jason.
Quando alcançaram a ala abandonada, os homens detiveram-se e começaram a vasculhar
cômodo por cômodo. Depararam com grossas camadas de poeira, montanhas de teias de aranha e
até alguns camundongos. Mas nem sinal das mulheres desaparecidas. Phillip começava a duvidar
dos próprios instintos, quando um terrível grito feminino se fez ouvir.
O marquês, Jason e Julian se entreolharam e, como se houvesse um entendimento mudo
entre si, saíram correndo em direção ao som, escorregando e batendo em móveis.
— Acho que veio daqui. — Jason apontava para a última porta à direita. Com audácia,
estendeu a mão em direção da maçaneta.
— Espere! — Phillip segurou-o pela manga do paletó. — Não sabemos o que iremos
encontrar aí. É melhor termos cautela, pelo menos até nos inteirarmos do que ocorre.
Jason pressionou a orelha na porta de madeira.
— Ouve algo? — Wingate quis saber.
— Sim, leves sons de vozes. Não entendo as palavras.
— Deixe-me tentar. — Assim dizendo, Phillip abriu caminho e inclinou-se para a porta,
fechando os olhos para se concentrar melhor.
Um homem falava muito depressa, uma mulher replicava ou talvez fizesse perguntas. E
algo mais. Gemidos?
Choro?
Alcançou a maçaneta, e girou-a com cuidado.
— Trancada — murmurou, com os dentes cerrados.
— Creio que posso abri-la. — Wingate retirou um objeto do bolso do paletó e colocou-o
no buraco da fechadura. — Um canivete. Sempre o carrego comigo, porque a casa é muito
grande e posso querer abrir alguma porta especial, como agora.
Lutou com a fechadura por um instante e, com um sorriso de contentamento, viu-a ceder.
— Lembrem-se — disse o marquês. — Calma e concentração. O elemento surpresa
poderá fazer toda a diferença.
Mas todos os esforços para serem silenciosos ruíram por terra.
— Hawkins! — exclamou Wingate. — O que é isso?!
No mesmo instante, o criado agarrou Harriet pelos cabelos e forçou-lhe a cabeça para
trás.
— Faça um movimento em minha direção e corto a garganta de sua noiva!
— Quem é esse homem?! — Phillip estava fora de si.
— Meu criado particular.
— Quê?!
O marquês e Jason voltaram-se para Wingate de olhos arregalados, e o outro deu de
ombros, impotente.
— Acreditem, estou tão aturdido quanto vocês dois, ou mais. Ele nunca demonstrou um
comportamento de louco. Hawkins! Solte a srta. Harriet neste instante!
— Meu Deus! — Jason meneou a cabeça. — Ele amarrou Elizabeth na cadeira!
Ansioso, Phillip procurou por Meredith no aposento enorme e envolto em sombras. Viu-a
atrás de Hawkins, postada na frente de Elizabeth, muito pálida à luz difusa das velas, o olhar
denotando um grande horror.
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— Somos três contra um, Hawkins. Pare antes que seja tarde demais.
Os lábios do criado curvaram-se em um sorriso demoníaco.
— Sou eu quem segura a faca, milorde. As mulheres estão a minha mercê.
— Wingate, ele é seu criado! Faça alguma coisa!
Julian respirou fundo.
— O que sugere, Barrington? O homem está com uma faca encostada no pescoço de
Harriet — sussurrou para não ser ouvido pelo assassino. — Qualquer movimento brusco, e irá feri-
la. Meu Deus! Foi preciso um momento como este para eu perceber o quanto ela é importante
para mim.
Phillip conteve o ímpeto de atirar-se sobre o criado, pois sabia que Wingate tinha razão.
E se Harriet fosse atingida era provável que Meredith se tornasse a próxima vítima.
— O que deseja, Hawkins? Dinheiro?
O criado tornou a sorrir, cruel.
— Como é tolo, milorde! Só quero completar minha missão, e nenhum dos senhores me
impedirá.
— Que missão é essa? — Jason fez um esgar.
— Puno os que merecem castigo.
— Você não passa de um covarde vaidoso e cheio de empáfia. — Phillip o encarava com
nojo. — Exijo que largue a faca agora mesmo e que se afaste das mulheres!
— Vaidoso? — Hawkins empinou o queixo e aprumou os ombros. — Não vê a
importância de meu chamado, milorde?
Meredith lançou um olhar desesperado para o marido.
— Tome cuidado, Phillip. Hawkins já matou antes. Alguém que conhecemos muito
bem... e que amávamos.
— Sim! Mesmo tendo sido um leve engano de minha parte, adorei matar sua primeira
mulher, lorde Dardington. Embora vá me deliciar muito mais quando acabar com sua atual
marquesa.
As palavras do criado ecoaram no cérebro de Phillip, causando um torvelinho de
pensamentos. Tratava-se de um maníaco homicida, sem dúvida.
— É verdade — ratificou Meredith, com um fio de voz. — Hawkins pretendia me matar
há oito anos, mas a pobre Lavínia pereceu em meu lugar, e é horrível saber tal coisa. Por favor,
perdoe-me, Phillip...
O marquês viu o rosto de Jason duro como granito, e seu olhar mantinha-se cravado em
Elizabeth. Se ao menos pudessem distrair Hawkins, quem sabe o desarmariam sem que as
mulheres fossem atingidas...
— Temos de assumir o controle da situação, Wingate. Quando der um passo avante,
quero que me empurrem, mas não com muita força. Se o distrairmos, talvez possamos dominá-
lo.
Julian fez um gesto discreto de entendimento. Phillip aprumou-se, esperando que os
companheiros se concentrassem.
Tudo pareceu acontecer muito lentamente, como em um sonho. O marquês dava um
passo à frente e Julian lhe aplicou um empurrão. Hawkins piscou, surpreso ante o súbito barulho
e movimento, e relaxou a guarda sobre Harriet.
Com bravura e inteligência, a moça desvencilhou-se e se afastou. Furioso, o criado partiu
para cima de Elizabeth, indefesa e amarrada na cadeira. A lâmina da faca brilhou à luz
bruxuleante das velas, enquanto o louco erguia o braço. Phillip adiantou-se, mas Jason foi mais
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rápido.
Com um grito angustiado, o rapaz interpôs-se entre Hawkins e a prisioneira, enquanto o
marquês antevia uma carnificina. Porém, seu cunhado segurou o pulso do criado com as duas
mãos.
Foi o sinal para os outros atacarem, e logo o quarto se encheu de gritos e gemidos, com
os três nobres tentando arrancar a faca do louco. Em uma confusão de braços e pernas, os quatro
caíram no chão.
Era impossível dizer quem estava vencendo, pois Hawkins tinha a força característica dos
dementes furiosos, e parecia precisar de uma camisa-de-força para ser dominado.
Jason ergueu o braço e desfechou um soco potente no queixo do criado, que ficou tonto
por um instante, o que permitiu que fosse desarmado.
Porém, antes que Wingate ou Phillip pudessem ajudar o companheiro, Hawkins recobrou
as forças. Com um rugido animal, atacou, e Jason ergueu a arma em sua direção.
Soltando um berro de angústia, o rosto contraído de dor e surpresa, Hawkins segurou a
lâmina que lhe penetrava o coração. Com um rugido final, rolou para junto de Jason, com a mão
no peito que em breve estava empapado de sangue.
Fez-se um silêncio aterrador no quarto.
— Deus! Acho que o matei!
— Ótimo, Jason — declarou Harriet.
Uma poça de sangue escuro circundava o cadáver.
Em um impulso, Phillip acercou-se de Meredith, estreitando-a nos braços. Mais do que
tudo, queria nesse momento sentir o calor de sua pele e assegurar-se de que de fato estava salva.
A marquesa tremia.
— Sabia que viria me procurar. De algum modo sentia que iria nos achar e nos salvar.
Jamais duvidei disso, mesmo quando sentia medo.
Phillip apertou-a mais ainda de encontro a si, e Meredith engolia as lágrimas.
— Pobre Harriet... Acho que está em estado de choque.
O marquês voltou-se e viu a mais velha das Sainthill cair no solo, segurar o ventre e rolar
de um lado para o outro. Os cabelos espalhavam-se, escondendo-lhe o rosto, mas os ombros
trêmulos revelavam que soluçava.
— Por favor, Phillip, vá até lá!
Mas o marido apertou-a ainda mais, não pretendendo deixá-la.
— Onde está Wingate? — indagou, olhando em torno.
— Foi buscar ajuda, e Jason está cuidando de Elizabeth. Por favor...
— E você?
Meredith sorriu com bravura.
— Estou bem melhor que Harriet.
Largando a esposa, embora relutante, ainda deu-lhe um beijo no rosto.
— Se precisar de alguma coisa, me chame, querida.
Ela aquiesceu, e Phillip dirigiu-se ao outro lado do aposento, a fim de ajudar Harriet, que
ergueu o rosto banhado em lágrimas.
— Julian?
— Ele foi buscar ajuda, Harriet. Ficou desesperado ao vê-la nas mãos do assassino. Por
favor, permita que me sente aqui enquanto esperamos.
Harriet procurou-lhe a mão, e ele compreendeu que Meredith tinha razão. A pobre
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Harriet estava à beira de um colapso nervoso, mas ainda quis saber:


— É verdade que Julian ficou desesperado por minha causa?
— Dou-lhe minha palavra, senhorita, que Wingate deu-se conta da jóia preciosa que
possui.
Por sorte o socorro logo chegou. Um grupo de homens irrompeu no quarto causando um
barulho enorme. Vários criados fortes acompanhavam Wingate, além de um senhor de cabelos
brancos que Phillip identificou como um famoso magistrado que se encontrava entre os
convidados.
O cadáver de Hawkins foi removido, e Elizabeth deixou os braços de Jason para se atirar
aos pés da irmã. As duas se abraçaram com força, chorando e soluçando. Jason ficou com elas,
murmurando palavras de conforto.
Phillip voltou-se de novo para Meredith, ansioso por levá-la dali para casa. Todavia,
levou um susto. Focalizando o canto do quarto onde a deixara, constatou que não havia mais
ninguém ali.
Meredith desaparecera.

Capítulo XX

O mordomo do duque cruzava o saguão quando o marquês surgiu às presas, gritando por
lady Meredith. O criado, com toda a calma, como condizia a sua posição, informou-o de que a
esposa acabara de chegar e estava em seus aposentos. Sem querer ouvir mais nada, e muito mais
aliviado, Phillip subiu a escada de dois em dois degraus.
O quarto da marquesa estava uma bagunça quando entrou. Vestidos de baile e de dia,
corpetes, espartilhos, camisolas, luvas, chapéus e meias, tudo empilhado sobre a cama.
Dardington ficou olhando a cena sem nada entender.
Meredith surgiu da sala contígua, os braços cheios de peças. Vendo-o, franziu a testa e
deixou cair algumas.
— Lamento. Esperava ter terminado tudo antes que voltasse.
— O que está fazendo?!
— As malas. — Assim dizendo, deixou cair sobre o leito a trouxa que trazia e voltou para
vasculhar o armário. — Prometo partir pela manhã.
Phillip sentiu a boca seca. O medo que o dominara horas antes ao ver Meredith em perigo
não se comparava ao pânico daquele momento.
— Está me abandonando?
Meredith não respondeu, e evitou encará-lo. Continuou indo e voltando, trazendo mais e
mais roupas e jogando-as sobre a cama, nervosa. Várias mechas de cabelos haviam se
desprendido do penteado elaborado e rodeavam-lhe o rosto. O vestido que usava estava
amarrotado e com uma manga rasgada.
Phillip interpôs-se em seu caminho, bloqueando sua rota para o armário. Meredith tentou
desviar-se, mas foi impedida. Tentou de novo, com um gemido leve, mas em vão.
— Sei que deve me odiar. — Por fim desistiu de fugir, e fitou-o. Os olhos estavam
marejados de lágrimas, e respirava com dificuldade. — Não o culpo por se sentir assim, mas não
posso permanecer aqui e ser lembrada a cada instante da dor que lhe causei, mesmo sem querer.
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Seria demais.
— Meredith, por favor. O que está dizendo?
— E o que posso dizer? Você estava lá, e ouviu como eu cada palavra horrível mas
verdadeira.
O marido tentou abraçá-la, e ela se esquivou.
— Eu, Phillip! Era eu quem Hawkins queria matar naquela tarde, há oito anos, no jardim
da duquesa. Não Lavínia. Eu deveria estar morta hoje, e não ela!
Ante tal afirmação, Phillip sentiu um aperto no peito. Será que a esposa pensava mesmo
isso?
— Proíbo você de falar tanta tolice!
— Por quê? É a realidade!
Dessa vez, Meredith conseguiu se desvencilhar e jogar mais roupas sobre o colchão.
Lágrimas silenciosas escorriam-lhe pelas faces, enquanto o marquês desejava tomá-la em seus
braços e aplacar seu sofrimento.
— Lavínia usava meu xale naquela tarde fatídica, Phillip. Hawkins estava ali com um só
propósito: punir-me por ter rejeitado a proposta de casamento de seu patrão e porque me
considerava orgulhosa e arrogante. Quando viu a distância uma mulher com o xale que me vira
usar, não hesitou em matá-la.
— Não foi culpa sua, meu amor. Hawkins era um maníaco que matava por prazer, e
qualquer desculpa era boa para realizar seus propósitos.
— Não compreende?! Fiz Lavínia usar meu xale! Ela sentia frio, e eu insisti que se
agasalhasse com ele!
Por um segundo, Phillip ficou em silêncio. Tentou aproximar-se de novo, mas Meredith o
repeliu.
— Não fazia frio naquela tarde, mas Lavínia tremia sem parar. Fiquei preocupada com
sua saúde e a do bebê... — Parou de falar um instante, sufocada pelas emoções. — Ela me
contou sobre a gravidez. A criança que não nasceu! Esqueci-me desse detalhe até este momento.
O filho precioso que trazia no ventre. Oh! Phillip, como pode suportar ficar comigo, agora que
sabe de tudo?
O rosto de Meredith era uma máscara de agonia. Phillip podia sentir sua dor e tormento.
— Por que se culpa, Meredith?
— E como não me culpar? — Mordeu o lábio. — Era, de fato, muito convencida, e me
achava diferente das outras damas da alta sociedade. Esnobava as convenções e recusei uma
série de propostas honestas de casamento naquela primeira temporada como debutante. —
Suspirou. — Sim, quebrei todas as regras por altivez e arrogância, a ponto de chamar a atenção
de um assassino louco, e foi Lavínia quem pagou por isso. Com sua própria vida.
O marquês não conseguia acreditar no que ouvia.
— Por isso acha que se tivesse se casado com Julian Wingate nada disso teria
acontecido?
Meredith virou o rosto e olhou para o outro lado do quarto.
— Não sei. Mas se tivesse aceitado uma proposta de casamento na primeira temporada,
Hawkins poderia ter me esquecido. Talvez não o tivesse ofendido tanto e enfurecido a ponto de
desejar acabar comigo.
— Pare com isso, Meredith! Você tenta usar a lógica com quem era irracional. Ouça o
que está dizendo! — Phillip cerrou os punhos, evitando segurá-la para que não tentasse escapar
outra vez. — Suas emoções sufocam seu bom senso. Não é responsável pela morte de Lavínia!
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— Sim, sou...
O marquês colocou um dedo sobre seus lábios.
— Ouça-me, porque estou sendo sincero. Não é sua culpa. Hawkins, e só ele, foi o
culpado pelo que houve com Lavínia e as outras mulheres.
A esposa o encarou em profundo sofrimento por alguns instantes, e então Phillip esperou
por perguntas e protestos que não vieram. Ao contrário, ela deixou os ombros caírem e começou
a soluçar.
Bem devagar, Phillip se aproximou e, apesar de Meredith protestar um pouco, permitiu
que a abraçasse. Tudo era perfeito quando se enlaçavam, e ela se agarrou ao marido, desejando
apagar a dor de seus corações.
— Eu deveria ter morrido, e não Lavínia.
— Querida, não diga essas coisas. Foi uma ironia cruel do destino. Não permitirei que se
torture injustamente. Imploro, Meredith, por mim. Você deve esquecer.
— Como pode ser tão bom e me consolar em um momento como este?!
O marido a beijou, sentindo as lágrimas salgadas.
— Querida, só amei duas mulheres na vida. Hawkins roubou-me a primeira, e não
permitirei que me leve a segunda.
Os olhos azuis de Meredith o olharam com surpresa.
— É impossível que me ame.
Phillip sorriu, vendo que ela parava de chorar. O amor fazia milagres, sem dúvida.
— Amo, sim. — Beijou-lhe a testa.
A dor e amargura pareceram desaparecer do lindo rosto de Meredith, fazendo surgir um
brilho de esperança.
— Tem certeza?
— Total. — Abraçou-a com ardor. — Embora meu comportamento não tenha
demonstrado isso, sempre tive sentimentos profundos por você. A princípio não entendia muito
bem, até que deparei com a perspectiva de perdê-la.
— Então... você me ama...
— Sim, e é por causa desse amor que não pode me abandonar. — O marquês afagou-lhe
os cabelos. — Meu procedimento no passado a fez sofrer, porém juro que tudo farei, de ora em
diante, para que cada dia seja cheio de felicidade. E irei me esforçar para que me ame da mesma
maneira.
Meredith também sorriu, enlevada.
— Não precisa se esforçar para obter o que já tem, milorde.
Phillip segurou-lhe o rosto entre as mãos e beijou-a nos lábios. Um beijo doce, carinhoso
e repleto de amor.
— Meredith...
— Phillip...
— Você é tudo o que faltava em minha vida, querida. Enterrei meu coração com Lavínia
quando a perdi, e desisti de, um dia, conhecer a felicidade junto de uma mulher amada. Aí, uma
noite, fui atraído até um jardim escuro, e seu beijo me fez entender que poderia voltar a amar.
— Por favor, não me faça lembrar disso! Que vergonha! Ainda não sei o que deu em
mim para ajudar meus irmãos a vencer aquela ridícula aposta.
— Destino. — O marquês tomou-lhe a mão e beijou cada dedo delicado. — Recebi uma
segunda chance para ser feliz. Não pretendo desperdiçá-la.
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Basso

— Ah, Phillip! Que direito temos à felicidade, depois do que houve?


O marido voltou a tomá-la entre os braços fortes, necessitando de seu calor.
— Tem razão em um ponto: jamais esqueceremos o passado. Mas não podemos permitir
que isso nos afaste de nosso futuro. Lavínia ensinou-nos o que é ter generosidade. Qual a melhor
maneira de honrar esse legado senão compartilhando nossas vidas?
Por um instante Meredith permaneceu muito quieta, e depois estremeceu de emoção.
Seus olhos brilhavam de amor e de esperança.
Phillip inclinou-se para beijá-la outra vez na testa, porém ela ergueu mais o rosto e seus
lábios se encontraram, com paixão. Dessa vez foi uma carícia sensual, com a qual externavam o
desejo que sentiam.
— Atirei todas as minhas roupas sobre a cama, e está tudo uma bagunça. Duvido que
encontremos o colchão debaixo dessa montanha de sedas e laços.
Dardington sorriu com malícia ante o convite claro. Embora soubesse que dali em diante
algumas vezes seriam assombrados pela tragédia que ocorrera, Meredith estava ansiosa para
tentar se libertar.
— Se bem me lembro, já ficamos juntos em minha cama também — disse o marquês.
Abraçaram-se, felizes, e Meredith soltou um grito abafado e surpreso ao ser tomada no
colo. Seu marido a levou até seus aposentos, soltando uma gargalhada que ecoou pela mansão.

Epílogo

Mansão Hawthorne Seis meses depois

— Trouxe-lhe chocolate quente e torradas, milady — anunciou Rose. Meredith ergueu o


rosto da lista que escrevia sobre uma prancheta e reclinou-se, lânguida, nas almofadas do leito,
franzindo a testa. A criada continuava à entrada do quarto, e olhava em todas as direções,
nervosa.
— O marquês está fazendo a barba, Rose. No outro quarto.
— Muito bem, milady. — Com um grande suspiro, a jovem penetrou por fim no
aposento. — Devo colocar a bandeja perto da janela ou da cama?
— Aqui na mesa perto de mim estará bem. Estou com preguiça hoje.
Meredith observou, divertida, Rose correr pelo aposento. Colocou a bandeja no lugar
indicado, fez uma rápida reverência e partiu mais depressa do que quando chegara.
Pobre Rose! Ainda não se recuperara do embaraço por que passara na semana anterior,
quando, ao entrar no aposento da ama, deparara com Phillip, sem roupa, que viera seduzir a
esposa nas primeiras horas da manhã. Só Meredith a vira entrar e, depois de ficar paralisada na
entrada, vermelha como um pimentão, Rose saíra correndo.
— Era Rose? — O marquês entrava nesse momento da sala de vestir que o casal
compartilhava.
— Sim. Mas por certo esqueceu alguma coisa, pois saiu correndo.
Phillip sentou-se na beira do colchão, e Meredith lhe deu espaço, afastando-se um pouco
e sentindo o aroma de sabonete.
— Esperava uma oportunidade para me desculpar com ela pelo incidente do outro dia,
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mas só poderei fazer isso se parar por um instante, e não sair às pressas.
Meredith levou a mão à boca para abafar um sorriso. Desde o incidente, Phillip tentava
voltar a ter um contato normal com a criada, mas parecia impossível. Para a esposa era muito
engraçado ver uma mulher fugir, apavorada, do antigo aventureiro e conquistador.
— Creio que será melhor falar o menos possível com Rose — disse, afastando o material
de escrever e aconchegando-se ao marido. — Em breve tudo voltará aos eixos.
— Tenho minhas dúvidas.
Meredith achou graça. Phillip parecia um menino petulante que fora punido por algo de
que não se considerava culpado. Entretanto nada havia de infantil no queixo forte e no tórax
musculoso.
— Rose não terá escolha senão aceitá-lo, porque decidi ficar com você, milorde.
Meredith rolou para o lado, em busca da bandeja com o desjejum.
— Eu não a alcanço... Bem, já que minha criada tem medo de meu marido, então é
preciso que você mesmo me sirva, querido. Aguardo meu café-da-manhã, milorde.
Com um suspiro resignado, Phillip sentou-se na cama também e, com cuidado, colocou a
bandeja sobre os joelhos de Meredith, que logo entregou-lhe uma torrada com geléia.
A marquesa tomou um gole de chocolate e fitou-o, sorridente.
— Embora ainda faltem algumas semanas, eu queria conversar com a governanta, o
mordomo e o cozinheiro sobre as festas de fim de ano. Nosso primeiro Natal juntos deverá ser
inesquecível. Quero esta casa vibrando de alegria. Já fiz uma lista dos preparativos.
O marquês estendeu a mão para o papel.
— Ganso assado, pudim no conhaque, presentes para os convidados, polimento da
prataria... Também creio que deveríamos dar uma festa para os vizinhos. Ainda não abrimos
nossa casa para ninguém.
— Tenho certeza de que todos entendem. Afinal, somos recém-casados.
— E seus pais? Virão para o Natal?
— Sim. Em sua última carta, Jásper me escreveu que pretendem retornar à Inglaterra
dentro de uma semana. Estou ansiosa para revê-los.
— E eu, para conhecê-los.
O olhar de Meredith era cheio de amor.
— Garanto que logo o amarão tanto quanto eu.
— E meu pai também virá ficar conosco. E seus irmãos... Tem certeza de que temos
acomodações para todos?
Era uma brincadeira, e Meredith sorriu com bom-humor.
— Daremos um jeito. Hawthorne possui vinte e quatro suítes completas.
— É verdade. Já usamos todas.
— Phillip! — Meredith fingiu-se escandalizada.
O marido cismara que deviam fazer amor pelo menos uma vez em cada quarto da
mansão, e haviam levado dois meses para completar a tarefa. Com um sorriso maroto, o marquês
avisara que suas duas outras propriedades tinham ainda mais quartos, e isso fez Meredith
enrubescer.
— Jason deu a entender que quer também passar o ano-novo conosco.
— Seu irmão adora nossa companhia, e eu a dele. — Phillip examinava uma mecha de
cabelos loiros da esposa. — Além disso, preciso praticar um pouco nas cartas. Há meses não
jogo.
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— Não desejo incentivar vícios em meu lar, milorde.


— Jogaremos com feijões, mas não por dinheiro, querida. E se prometer ser uma boa
menina, iremos ensiná-la. Lembra-se de como gostou das corridas de cavalo?
— Não permitirei que me corrompa, milorde. E saiba que não acredito que sua agradável
companhia seja o grande objetivo para Jason vir nos visitar. Ele sabe que o bebê de Faith nascerá
logo depois do ano-novo, e por certo imagina que irei visitá-la.
— Não imaginava que Jason gostava tanto assim de Faith.
— Sim, é claro que gosta, mas seu grande interesse, sem dúvida, é rever Elizabeth.
— Tiro o chapéu para seu bom gosto por mulheres. Elizabeth é uma jovem encantadora.
— Sem dúvida, mas Jason terá trabalho para conquistá-la.
— Por quê?
— Meu irmão a faz lembrar-se do assassino que a prendeu no quarto, e Faith me escreveu
que, de vez em quando, a pobrezinha ainda tem pesadelos.
— Bem, foi Jason quem a salvou, e Elizabeth acabará por esquecer o passado. — Phillip
acariciou o rosto dela. — Fico contente que você já tenha superado esse problema.
Meredith respirou fundo. De fato, os sonhos ruins tinham desaparecido, porque tinha
Phillip como seu protetor.
— Durmo todas as noites com você, querido, e isso me deixa sempre muito tranquila...
— E Harriet? — quis saber o marquês. — Também tem pesadelos?
— Não. É uma mulher muito decidida, e após o incidente parece que resolveu dar uma
guinada em sua vida.
— O que quer dizer?
— Ela disse a Faith e ao irmão que pretende deixá-los.
— Para ir aonde?
— Ainda não decidiu, mas talvez parta da Inglaterra e aceite um emprego como
governanta de crianças ou acompanhante de uma senhora idosa. Já recebeu algumas ofertas.
— Não consigo imaginar Harriet obedecendo ordens. É muito orgulhosa e de língua
afiada.
— Concordo com você, mas depois que rompeu com Julian Wingate, creio que a
compreendo. Ela deseja recomeçar.
— Fez muito bem em largar Wingate. Harriet merece algo melhor.
— Concordo, e desejo-lhe tudo de bom.
O marido beijou-lhe os lábios.
— É feliz, Meredith?
— Muito. Tenho você... O que mais posso desejar?

FIM
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Clássicos Históricos Especial


Romances de época compaixões avassaladoras!
Na próxima edição
DESAFIANDO A SORTE
Jo Beverley

A jovem ruiva ergueu a pistola, ameaçadora.


— Vá embora, sir!
— Não.
Ouvindo-a inspirar fundo, Bryght aguardou, curioso, o desenrolar da cena. Atirar numa
pessoa imóvel e desarmada a sangue frio requeria um temperamento muito duro e insensível.
Duvidava de que entre as qualidades dessa mini-amazona constasse a frieza extrema.
E estava certo, porque ela não puxou o gatilho.
— Tenho um motivo razoável para estar aqui.
— Que motivo razoável justificaria uma invasão de domicílio, sir?
— Vim buscar um documento deixado por um morador recente.
— Que morador recente?
— Você é cheia de perguntas, não? Digamos que uma dama.
— Que dama?
— Prefiro não responder. — Cansado do jogo, ele deu um passo à frente para desarmá-la.
Vendo-a prender a respiração e levantar a arma mais um centímetro, Bryght se lançou
sobre as pernas da desconhecida no momento exato em que ela puxava o gatilho.
Portia descobriu-se deitada de costas, esmagada sob o peso de um gigante. Suas mãos
estavam dormentes por causa do recuo da pistola e a cabeça latejava, devido ao choque com o
chão. O zumbido em seus ouvidos seria consequência do tiro? Nunca disparara uma arma num
recinto fechado e o barulho fora ensurdecedor.
— Como você se atreve! — ela interpelou o intruso, trêmula de indignação.
— Eu não podia permitir que você atirasse em mim.
— Então deveria ter ido embora! — Portia pensou em empurrá-lo para longe de si, mas
logo se convenceu tratar-se de uma má ideia, quando o tinha alojado entre suas pernas, sem nada
separando seus corpos além de uma fina camada de roupas.
Um sorriso sensual iluminou o rosto bonito e viril, deixando-a sem fôlego. Ninguém
tinha direito de ser tão bonito assim! Especialmente um canalha arrogante.
— Quem é você?
— Bryght Malloren, não exatamente ao seu serviço. E quem é você?
— Isto, sir, não é da sua conta. — Ela procurou desvencilhar-se dos braços que
aprendiam sem sucesso.
— Irei chamá-la de Hipólita, a rainha das amazonas. — Devagar, Malloren tirou uma
mecha de cabelos que caíra sobre os olhos de Portia, a delicadeza do gesto desconcertando-a. A
voz grave soou gentil também. — Você sempre luta contra o destino, Hipólita?
Os cabelos escuros do intruso estavam desalinhados, os fios longos escapando do laço
que os prendiam num rabo e essa informalidade a inquietava de uma maneira inexplicável.
— Eu tinha uma pistola.
— Ainda assim. — Outro sorriso devastador. Oh, céus, o infame estava rindo dela.
— Saia de cima de mim.
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— Não até que eu colha minha prenda.


— Prenda? — Apreensiva, Portia experimentou, pela primeira vez, o gosto do medo.
Ficara alarmada ao escutar o ruído de vidro estilhaçado, horrorizada ao se defrontar com aquela
figura de aparência quase sobrenatural no meio do corredor. Porém, enquanto trocara farpas com
esse homem não se sentira realmente temerosa.
Agora compreendia estar à mercê de um estranho. Nunca fora de natureza assustadiça, ou
dada a chiliques, nem mesmo quando menina. Mas jamais estivera numa situação semelhante,
totalmente desprotegida nas mãos de um desconhecido.
— Prenda — Malloren repetiu, a suavidade do tom longe de tranquilizá-la.

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