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BARBARA CARTLAND

GRITO DO CORAÇÃO

Tradução de
L. IBAÑEZ

EDIÇÕES DE OURO
Título do original:

“CALL OF THE HEART”

© 1975 by BARBARA CARTLAND

© Da tradução — EDITORA TECNOPRINT S. A., 1977

A s expressões estrangeiras, peculiares ao local onde se passa a ação


do livro, são usadas na Coleção Rebeca para dar maior cor local à
história.

Todos os personagens deste livro são fictícios. Qualquer semelhança com


pessoas ou acontecimentos da vida real é mera coincidência.

HISTÓRIA ou ESTÓRIA?

As Edições de Ouro e o Coquetel grafam a palavra história e


não estória por julgar a primeira forma mais correta, conforme
dicionários mais categorizados, que julgam a segunda forma
imitação do inglês story, sem correspondente com raízes em
nossa língua.

COLEÇÃO ROMANCE REBECA nº 5335

REVISÃO: CLARICE

FORMATAÇÃO: MARISA
Lalitha sentia que poderia chegar a apaixonar-se por
aquele conde autoritário e misterioso. Mas entre eles pairava a
sombra da outra... cada vez mais insinuante.

 
NOTA DA AUTORA
 
Crescia o tráfico de mulheres e crianças, da Inglaterra
para o Continente. Só depois de aprovada uma reforma da lei
penal, é que as jovens deixaram de ser contrabandeadas
através da Europa, quando então eram vendidas como gado.
Em 1880, William Thomas Stead, editor do PALL MALL
GAZETTE, iniciou uma campanha para libertar as crianças
escravas da Inglaterra, inflamando a tal ponto a opinião
pública, que aquele projeto de reforma, constantemente
derrubado pelo Parlamento, acabou transformando-se em lei.
Seguindo seu plano de campanha, Stead comprou uma
menina de treze anos, cuja mãe concordou em vendê-la por
uma libra. Sua providência seguinte foi obter um certificado
médico atestando-a como virgem e então, levando-a para a
França, ele a alojou em um posto do Exército da Salvação.
Quando relatou em seu jornal o que havia feito,
despertou imediatamente o interesse do público.
O que aconteceu em seguida, é História. Stead foi
julgado e condenado a três meses de prisão. Entretanto, a 14
de abril de 1885, a lei foi aprovada, por 179 votos contra 71,
provendo novos meios de proteção a mulheres e crianças e
tratando da futura supressão de bordéis.
O tráfico de mulheres continua florescendo em muitas
partes do mundo, especialmente no Oriente Médio.
 
 
 
 
CAPÍTULO 1
 
1819
 
— NÃO pode fazer isto, Sophie!
— Eu faço o que quero! — respondeu Sophie.
Era difícil imaginar-se alguém mais bela que Sophie
Studley, com os cabelos de anéis dourados, a pele alva e
rosada, as feições perfeitas. Ela atingira a fama, no momento
em que os frequentadores masculinos de St. James lhe tinham
posto os olhos.
Após passar um mês em Londres, fora proclamada
"incomparável" e, dois meses mais tarde, ficava noiva de Julius
Verton, que se tornaria Duque de Yelverton, com a morte do
tio. 
O compromisso fora anunciado em The Gazette e os
presentes de casamento começavam a chegar à casa de
Mayfair, onde Lady Studley passava a temporada londrinense.
Agora, no entanto, duas semanas antes do casamento,
Sophie afirmava pretender fugir com Lorde Rothwyn!
 — Será um tremendo escândalo! — protestou Lalitha. —
Por que faria semelhante coisa?
Era incrível a diferença entre as duas jovens, embora
fossem de idade aproximada.
Enquanto Sophie, como uma rosa inglesa, parecia
encarnar o ideal de beleza para qualquer homem, Lalitha
chegava a ser patética.
Uma doença que a vitimara durante o inverno, a deixara
"pele e ossos", como comentavam os criados.
Além do mais, tinha os olhos inflamados e inchados, em
virtude das muitas horas que passava costurando para a
madrasta, sem contar com iluminação suficiente.
Seus cabelos eram tão opacos e sem vida, que pareciam
quase cinzentos. Ela os penteava para trás, repuxados acima da
testa, de maneira antiquada, desgraciosa, o que lhe dava um ar
de permanente ansiedade.
As duas jovens eram quase da mesma altura mas,
enquanto Sophie era a personificação da saúde, cheia de
alegria de viver, Lalitha assemelhava-se a uma sombra
insubstancial, à beira do colapso.
Em resposta à sua pergunta, Sophie replicou, em voz
dura:
— Pensei que o motivo fosse óbvio, mesmo para uma
criatura tão obtusa como você. 
Como Lalitha nada dissesse, ela continuou:
—  É verdade que Julius será duque um dia, aliás, de
outra maneira, eu jamais o teria por marido. Mas a questão é:
quando?
Fez um gesto expressivo com as duas mãos.
— O Duque de Yelverton não tem mais que sessenta anos
— acrescentou — podendo durar outros dez ou quinze anos.
Então, eu já estaria velha demais, para aproveitar-me da
posição de duquesa...
— Mesmo assim, ainda seria linda — disse Lalitha.
Virando-se, Sophie contemplou a própria imagem no
espelho.
Seus lábios esboçaram um sorriso satisfeito.
Não havia dúvida de que o custoso vestido de crepe azul-
pálido, com o decote moderno, em forma de barco, e os
adornos de renda verdadeira, caía-lhe bem no corpo e
assentava divinamente em seu tipo.
Ainda mais: a cintura estreita estava na moda de novo.
Os novos corpetes, vindos de Paris, acentuavam-lhe a cintura
estreita, em um efeito salientado pelas saias fartas e muito
enfeitadas com raminhos de flores e tufos de tule.
— Sim — disse lentamente — eu ainda serei bonita, mas
quero ser duquesa o quanto antes, para assistir à Abertura do
Parlamento usando uma coroa, e também para tomar parte na
Coroação!
Fez uma pausa, antes de acrescentar:
— Esse rei enfadonho e maluco podia morrer logo!
— Talvez o duque não a faça esperar demais — comentou
Lalitha, em sua voz suave e musical. 
— Não pretendo esperar, pouco ou muito tempo —
replicou Sophie. — Vou fugir com Lorde Rothwyn esta noite! Já
foi tudo arranjado!
— Acha mesmo que é o mais sensato?
— Ele é riquíssimo — disse Sophie. — Sempre foi um dos
homens mais ricos da Inglaterra, além de ser amigo do
Regente, algo a que o pobre Julius jamais poderia aspirar.
— Ele é mais velho que o Sr. Verton — disse Lalitha. —
Embora nunca o tenha visto, creio que deva inspirar temor.
— Nisso, você tem razão — concordou Sophie. — Ele é
moreno, um tanto sinistro e muito cínico. Aliás, é isso que o
torna imensamente atraente!
— Você o ama? — perguntou Lalitha, em voz baixa.
— Ele me adora! — declarou Sophie. — Os dois me
adoram — emendou. — Mas, comparando-os, honestamente,
Lorde Rothwyn sai ganhando, Lalitha.
Houve um momento de silêncio, e então Lalitha disse:
— Acho que o único ponto a considerar, Sophie, é com
qual dos dois você será mais feliz. Penso que apenas isso
importa realmente... em um casamento.
— Você deve ter andado lendo novamente! Mamãe ficará
furiosa, se a pegar concentrada em um livro! — retorquiu
Sophie. — Amor é coisa para novelas e empregadinhas, não
para damas da sociedade!
— Pensa mesmo em casar sem amor?
— Casar sem amor?! Casarei com quem me ofereça as
melhores vantagens — replicou Sophie. — E estou convencida
de que, no momento, Lorde Rothwyn é o melhor partido.
Trata-se de um homem rico, como lhe disse. Riquíssimo!
Saindo da frente do espelho, ela cruzou o quarto e parou
diante das portas abertas do guarda-roupas.
Ali havia uma profusão de vestidos maravilhosos, mas
nenhum deles já estava pago, como Lalitha bem sabia.
Entretanto, aqueles trajes haviam sido as armas
essenciais que Sophie empregara para chamar a atenção do
Beau Monde, uma atenção que já lhe rendera três pedidos de
casamento.
Um partira de Julius Verton, o futuro Duque de
Yelverton. O segundo fora inesperado, na semana anterior,
feito por Lorde Rothwyn.
O terceiro, que Sophie rejeitara prontamente, era de Sir
Thomas Whernside, cavalheiro de idade, dissoluto e amante do
jogo que, contrariando as expectativas dos amigos que o
consideravam um solteirão empedernido, capitulara ante a
primeira visão dos encantos da jovem.
Evidentemente, houvera outros pretendentes, mas alguns
haviam desistido e outros Sophie ignorara, por estarem longe
da sólida situação financeira que ela visava.
Quando Julius Verton a pedira em casamento, Sophie
tivera a sensação de que todos os seus sonhos se tornavam
realidade.
Tornar-se duquesa, era algo que excedia às suas mais
ousadas ambições. Não obstante, embora aceitasse Julius
quase com êxtase, havia várias desvantagens a serem
consideradas, a pior era o fato dele possuir pouco dinheiro.
Como herdeiro presuntivo do ducado, Julius Verton
recebia uma pensão do tio, mas não sendo uma soma
importante, após o casamento, eles teriam de levar uma vida
sossegada e em conforto relativo. Isso, até seu futuro marido
herdar as propriedades Yelverton, que ficavam a alguma
distância de Londres.
De qualquer maneira, enquanto o duque vivesse, seria
impossível Sophie frequentar a faustosa sociedade de Londres,
onde tanto se divertia.
Entretanto, jamais ela pensara em recusar uma tão
vantajosa aliança social.
Lady Studley se apressara em mandar publicar a notícia
em The Gazette e, segundo o planejado, o casamento teria
lugar em St. George’s, em Hanover Square, antes que o
Regente partisse para Brighton.
Depois do noivado, os dias de Sophie tornaram-se uma
sucessão de visitas a costureiros e provas de vestidos. Os
presentes começaram a chegar à casa de Hill Street, e ela
recebia com complacência as felicitações e votos de boa sorte
das pessoas de suas relações.
Sophie e a mãe ainda não haviam permanecido em
Londres por tempo suficiente para fazerem amigos.
Sua casa, como explicavam a todos que queriam ouvir,
ficava em Norfolk, onde tinham vivido os ancestrais do falecido
Sir John Studley, desde os tempos Cromwellianos.
Studley podia ser um nome prestigiado na região rural,
mas era desconhecido pelo Beau Monde. Em vista disso, o
sucesso de Sophie era ainda mais gratificante, porque ela nada
tinha a recomendá-la, além do rostinho adorável.
Tudo parecia marchar suavemente até que, de súbito,
Lorde Rothwyn surgira em cena.
Sophie o conhecera em um dos muitos bailes aos quais
ela e Julius Verton eram convidados, noite após noite.
Ele estivera ausente de Londres e, em vista disso, ainda
não sofrera os impactos inevitáveis, provocados pela
extraordinária beleza de Sophie.
Parada sob um candelabro cintilante, com os cabelos
despedindo reflexos dourados e posta em evidência a alvura de
sua pele, ela deixava rodando a cabeça do homem mais forte,
em especial quando sorria para os que a cercavam.
— Raios, o que é isso? — interrogou uma voz.
Olhando através do aposento, Sophie avistou um homem
moreno e sardônico, que a fitava atentamente.
Não ficara surpresa, acostumada que estava a ver os
homens gaguejarem quando a viam, quase sem fala, mas
depois extremamente volúveis e fartos em cumprimentos.
Nesse momento, virou o rosto e falou qualquer coisa ao
homem à sua esquerda, assim revelando um perfil perfeito.
— Quem é o cavalheiro que acabou de entrar? —
perguntou em seguida, em voz baixa.
— Aquele é Lorde Rothwyn — replicou o homem. — Não
o conhecia?
— Nunca o vi antes — respondeu Sophie.
— Trata-se de um indivíduo estranho e imprevisível, com
um temperamento infernal, mas rico como Creso. O Regente
costuma consultá-lo, quanto a seus loucos planos de
construção. 
— Se ele aprovou o Pavilhão em Brighton, deve ser louco!
— exclamou Sophie. — Ontem, ouvi alguém descrevê-lo como
um pesadelo hindu!
— Sem dúvida, é uma descrição excelente — replicou seu
acompanhante. — Bem, parece que Rothwyn está decidido a
apresentar-se...
Era evidente que Lorde Rothwyn pedira para ser
apresentado a Sophie e agora, com um conhecido de ambos,
vinha cruzando o salão.
— Senhorita Studley — disse ele — quero apresentar-lhe
Lorde Rothwyn. Acho que dois ornamentos tão distintos de
nossa sociedade devem conhecer-se.
Os olhos de Sophie tornaram-se profundamente azuis, e
ela exibiu um sorriso sedutor.
Lorde Rothwyn fez uma elegante mesura, que Sophie não
esperara de sua parte, mas à qual respondeu com graciosa
inclinação, sem deixar de fitá-lo nos olhos.
— Estive fora de Londres, senhorita Studley — disse ele,
em voz grave. — E, quando volto, sou colhido em cheio por um
meteoro tão impregnado de força divina, que tudo parece
transformado esta noite!
Aquele foi o início de uma corte ardente e turbilhonante,
tão impetuosa e, de certa forma, violenta, que Sophie ficou
intrigada.
Flores, cartas e presentes, começaram a chegar,
praticamente em cada hora do dia.
Lorde Rothwyn levava Sophie a passeio em seu faeton,
convidava-a, com a mãe, para seu camarote na Ópera ou para
festas que promovia em Rothwyn House.
Mais tarde, ela contava a Lalitha que essas festas
ultrapassavam em grandeza, luxo e divertimento, quaisquer
outras a que já comparecera.
— Sua Alteza Real estava lá! — exclamou Sophie,
extasiada. — E, enquanto ele me felicitava pelo noivado com
Julius, percebeu que Lorde Rothwyn também estava a meus
pés!
— Acho que seria difícil alguém deixar de notar isso!
— Ele me adora! — suspirou Sophie, satisfeita. — Se
tivesse pedido minha mão, antes de Julius, eu o aceitaria!
Agora, no entanto, à última hora, Sophie decidira fugir
com Lorde Rothwyn!
— Com isto, sacrificarei meu casamento de gala. Não
terei damas de honra, nenhuma recepção e nem haverá
oportunidade para usar meu belo vestido de noiva! —
lamentou-se. — Entretanto, Lorde Rothwyn prometeu-me uma
recepção à altura, quando retornarmos da lua-de-mel!
— Talvez os outros fiquem... chocados, por você ter...
repudiado o Sr. Verton de modo tão cruel — comentou Lalitha,
hesitante.
— Nem por isso deixarão de aceitar qualquer convite para
Rothwyn House — assegurou Sophie. — Todos perceberão
muito bem que, antes de se tornar duque, Julius dificilmente
teria muitas ocasiões para dar festas.
— Ainda penso que devia casar com o homem a quem
deu sua palavra — murmurou Lalitha.
— Felizmente, não sinto o menor escrúpulo em assuntos
dessa natureza — replicou Sophie. — Ao mesmo tempo, farei
milorde sentir o sacrifício que faço por causa dele.
— E ele acha que você o ama? — perguntou Lalitha. 
— Claro que acha! Confessei a milorde, com toda a
naturalidade, que vou fugir com ele porque estou apaixonada.
Que não posso viver sem ele, entende?
Sophie riu, mas não foi um riso agradável.
— Eu amaria qualquer um que fosse tão rico como
Rothwyn — disse — mas lamento abandonar as folhas ducais
de morango... Iriam tão bem com meu cabelo dourado!...
Suspirou de leve. Depois acrescentou:
— Bem, talvez milorde não viva muito tempo. Então,
serei uma viúva rica e me casarei com Julius, quando ele já for
Duque de Yelverton!
— Sophie! — exclamou Lalitha. — Nunca ouvi nada mais
cruel e impróprio!
— Por quê? — perguntou Sophie. — Afinal de contas,
Elizabeth Cunning não era mais bonita do que eu e casou com
dois duques. Costumavam chamá-la de "A Duquesa Dupla"!
Lalitha ficou calada, como se convencida de que nada
faria Sophie mudar de ideia.
Sentada novamente diante do toucador, Sophie tornou a
contemplar-se ao espelho.
— Não sei bem se este será o vestido adequado para uma
fuga — comentou. — Entretanto, estando a noite um pouco
fria, usarei sobre ele minha capa de veludo azul, debruada de
arminho.
— Milorde virá buscá-la aqui? — perguntou Lalitha.
— Claro que não! — respondeu Sophie. — Ele acha que
mamãe ignora nossos planos e que, aborrecida, colocaria
obstáculos em nosso caminho.
Deu uma risada satisfeita.
— Lorde Rothwyn não conhece minha mãe! 
— Onde irá encontrá-lo? — perguntou Lalitha.
—Ao lado da igreja de St. Alphage, que fica bem ao norte
de Grosvenor Square. É pequenina, sombria e de triste
aparência, mas milorde a considerou um bom lugar para
iniciar-se uma fuga...
Rindo ironicamente, ela acrescentou:
— O mais importante é que o vigário pode ser subornado
para ficar de boca fechada.
—E para onde irão, depois de casados?
Sophie deu de ombros.
—Desde que seja um lugar confortável, que diferença faz?
Então, já estarei de aliança no dedo e serei Lady Rothwyn...
Houve novo silêncio. Lalitha perguntou, vacilante:
— E quanto ao... Sr. Verton?
— Escrevi-lhe uma nota, e mamãe fará com que um
mensageiro a entregue, pouco antes de eu chegar à igreja.
Pensamos que seria melhor e mais delicado, se ele soubesse de
tudo, antes de realizada a cerimônia.
Sophie sorriu e continuou:
— Evidentemente, tudo é uma farsa, posto que Julius
está com a avó, em Wimbledon, e só receberá minha carta
muito depois que eu estiver casada.
Acrescentou, após uma pausa:
— De qualquer maneira, ele imaginará que fiz a coisa
adequadamente, e será tarde demais para que se apresente,
desafiando milorde a um duelo. Afinal, no mínimo, isso seria
bastante constrangedor!
— Lamento pelo Sr. Verton — murmurou Lalitha. — Ele a
ama profundamente, Sophie. 
— E eu não sei disso? — replicou Sophie. — Para ser
franca, Lalitha, sempre o achei imaturo e maçante!
Lalitha não se espantou com as palavras de Sophie.
Desde o início daquele noivado, pudera perceber que ela
estava totalmente desinteressada do Sr. Verton, como homem.
As cartas e bilhetes apaixonados que ele lhe remetia,
eram deixados sem abrir. Sophie mal olhava para as flores
enviadas pelo Sr. Verton e, invariavelmente, dizia que seus
presentes não eram bem os que desejava ou então que não
estavam à sua altura.
No entanto, perguntava-se Lalitha, sentiria ela alguma
coisa por Lorde Rothwyn?
— Que horas são? — perguntou Sophie.
— Sete e meia.
— Por que não me trouxe nada para comer, Lalitha?
Devia imaginar que, a esta altura, eu estaria com fome!
— Providenciarei isso imediatamente, Sophie.
— Traga-me algo gostoso, mas que também seja
substancial, tendo em vista o que ainda vou fazer esta noite.
— A que horas deve encontrar-se com milorde? —
indagou Lalitha, já caminhando para a porta. 
— Ele estará na igreja às nove e meia — replicou Sophie.
— Vou deixá-lo esperando um pouco. Será bom que fique um
tanto apreensivo, pensando que vou desistir no último
momento.
Riu, e Lalitha saiu do quarto.
Quando fechou a porta, Sophie a chamou.
— Aproveite e encontre o mensageiro — disse. — Ele
levará cerca de uma hora para chegar a Wimbledon. A nota
está em minha secretária.
— Está bem — respondeu Lalitha.
Tornou a fechar a porta e desceu a escada.
Encontrou a nota, escrita na caligrafia desleixada e
desordenada de Sophie, e contemplou-a por alguns instantes.
Tinha a sensação de que ela ia fazer algo irrevogável, de
que se arrependeria mais tarde. Com um suspiro, disse para si
mesma que aquilo não era da sua conta.
Com a nota na mão, desceu os degraus escuros e estreitos
que levavam ao porão.
Havia poucos criados na casa e, além de mal
acostumados, constantemente eximiam-se de suas obrigações,
pois cada penny que Lady Studley possuía — e muito do que
ela não tinha — fora gasto no aluguel da casa e nas roupas de
Sophie.
Tudo constituíra uma armadilha bem preparada para
atrair homens ricos ou importantes ao casamento, uma
armadilha que havia dado resultados excelentes.
Lalitha é que sofrera com isso.
Enquanto moravam no campo, mesmo após a morte de
seu pai, contavam com vários empregados antigos, que
continuaram trabalhando na casa, porque ali já estavam desde
muitos anos.
Em Londres, no entanto, ela se vira transformada
alternadamente em cozinheira, camareira, dama de companhia
e mensageira, desde que se levantava, até a hora de dormir.
A madrasta sempre a detestara e, ao ficar viúva,
abandonara as aparências, passando a demonstrar-lhe
abertamente o rancor que sentia. 
Em sua própria casa e entre os criados que a conheciam
desde muito pequena, ela não sentira tanto a animosidade da
madrasta, que procurava encobrir os próprios sentimentos.
Em Londres, Lady Studley abandonara qualquer
fingimento.
Lalitha se tornou a escrava, alguém que era obrigada a
executar as tarefas mais humildes e que era castigada
cruelmente, se ousasse protestar.
Por vezes, Lalitha pensava que a madrasta a tratava
daquela maneira impiedosa por esperar que ela morresse,
vítima dos maus tratos. Agora, considerava essa possibilidade
bastante plausível.
Apenas ela conhecia a verdade. Somente ela sabia que
Lady Studley engendrara uma nova vida para si mesma e a
filha. Então, a morte da enteada seria um alívio para ambas.
Ao mesmo tempo, Lalitha dizia para si mesma que tais
ideias eram mórbidas, que só lhe vinham à mente por sentir-se
tão fraca, após a enfermidade que a acometera.
Vira-se forçada a abandonar o leito muito antes da
recuperação total, porque não lhe davam comida durante esse
tempo.
Por instrução de Lady Studley, nenhum criado da casa se
atrevia a servi-la.
Após dias de crescente fraqueza, sem praticamente nada
para comer, Lalitha deixara a cama, não querendo morrer de
fome.
— Se já se sente bem para comer, então também já pode
trabalhar! — dissera sua madrasta.
Em vista disso, ela retornara à rotina familiar de fazer
todo o serviço da casa.
Agora, caminhando ao longo do frio corredor lajeado que
levava à cozinha, Lalitha percebia, automaticamente, que
estava sujo e precisava ser esfregado.
Entretanto, não havia ninguém para fazer tal serviço e ela
esperava que sua madrasta não percebesse a deficiência.
Abriu a porta da cozinha. Era um aposento sombrio,
necessitando de uma reforma e cuja única iluminação natural
vinha de uma janela no alto da parede, mas abaixo do nível da
pavimentação exterior.
O mensageiro, que também era um criado para todo
serviço, estava sentado à mesa, bebendo um copo de cerveja.
Uma mulher desmazelada, com os cabelos grisalhos
escapando por baixo da touca, cozinhava algo no fogão, que
desprendia um odor não muito agradável.
Tratava-se de uma imigrante irlandesa, sem nenhuma
capacidade para o cargo, contratada três dias antes, pois a
agência de empregos não pudera oferecer mais ninguém que
aceitasse o magro salário pago por Lady Studley.
— Por favor, quer levar esta nota à Duquesa Viúva, de
Yelverton House? — perguntou ao criado. — Creio que fica no
outro extremo de Wimbledon Common.
— Só vou quando terminar minha cerveja — respondeu o
criado, com irritação.
Não fizera a menor tentativa para levantar- se à sua
entrada. Lalitha percebeu a rapidez com que os criados
sentiam sua condição insignificante na casa, dando-lhe menos
consideração que a recebida por eles próprios.
— Obrigada — respondeu apenas. 
Virando-se para a cozinheira, disse:
— A senhorita Studley deseja uma pequena refeição.
— Não há grande coisa por aqui — replicou a cozinheira.
— Estou fazendo um cozido para nós, mas ainda não ficou
pronto.
— E se fizesse uma omelete para ela? — sugeriu Lalitha.
— Não posso parar o que estou fazendo.
— Eu mesma faço a omelete — disse Lalitha.
Afinal, já sabia que ela mesma teria de prepará-la...
Após encontrar uma panela, a qual precisou antes lavar,
ela preparou uma omelete de cogumelos para Sophie. Depois
colocou algumas torradas em uma bandeja, juntou um
pratinho de manteiga e finalmente um bule de café quente, que
levou para o andar de cima.
O criado saiu para cumprir sua incumbência,
resmungando, minutos antes de Lalitha deixar a cozinha.
— É muito tarde para eu fazer toda a caminhada até
Wimbledon — disse ele, com má vontade.  — Isso não pode
esperar até amanhã?
— Sabe perfeitamente qual é a resposta! — disse Lalitha.
— Certo, eu sei — replicou ele — mas não gosto nada de
sair de Londres depois do escurecer, com esses assaltantes à
solta por aí!
— E o que eles iam tirar de um coitado como você? —
ironizou a cozinheira, dando uma risada. — Vá fazer seu
serviço e, quando voltar, terei alguma coisa de comer à sua
espera.
— Acho bom — disse ele — porque se não tiver, vou tirá-
la da cama, para que me cozinhe algo! 
Enquanto subia a escada que partia do porão, carregando
a bandeja de Sophie, Lalitha procurou imaginar o que diria sua
mãe, se ouvisse os criados falando daquela maneira, diante
dela.
Ao pensar na mãe, as lágrimas lhe subiram aos olhos.
Então, decidida, disse para si mesma que era melhor prestar
atenção ao que fazia no momento.
Sentia-se exausta. Aquele fora um dia cansativo.
Além de limpar quase toda a casa e arrumar as camas,
recebera ordens incessantes de Sophie, para que fizesse isto ou
aquilo.
As pernas lhe doíam e, por um momento, ela desejou
sentar-se e descansar um pouco. No entanto, esse era um
privilégio que só lhe era reservado depois que todos fossem
dormir.
Abriu a porta do quarto de Sophie e entrou com a
bandeja.
— Por que demorou tanto?
— Sinto muito — desculpou-se Lalitha. — Mas não havia
nada pronto, e o cozido que está no fogo não me pareceu muito
apetitoso.
— O que traz aí? — perguntou Sophie.
— Fiz uma omelete para você. Não havia nada mais.
— Por que não compra mais comida, a fim de que se
encontre alguma, quando temos vontade de comer? —
reclamou Sophie. — Francamente, você é a incompetência em
pessoa!
— O açougueiro que nos servia disse que não entregará
mais nada, enquanto a conta não for paga — disse Lalitha. —
Quando o peixeiro veio esta manhã, sua mãe havia saído, e ele
não nos deixou nem uma posta de bacalhau, para ser paga
depois...
— Você sempre tem um monte de desculpas idiotas —
replicou Sophie, irritada. — Dê-me a omelete!
Enquanto comia, ela procurava motivos para criticar,
mas a omelete ficara deliciosa.
— Sirva-me café — ordenou, em voz ríspida.
Lalitha, no entanto, estava ouvindo algo...
— Creio que há alguém à porta da frente — disse. — Ouvi
o barulho da aldrava. Jim foi levar sua nota a Yelverton House,
e garanto como a cozinheira não irá atender.
— Então, é melhor dignar-se ir você mesma — replicou a
outra, em tom sarcástico.
Lalitha saiu do quarto e tornou a descer a escada. Abriu a
porta.
Do lado de fora, havia um criado de libré, que lhe
estendeu uma carta.
— Para a senhorita Sophie Studley, madame!
— Obrigada — disse Lalitha.
Levantando o chapéu, o rapaz retirou-se, e ela trancou
novamente a porta.
Ao contemplar a carta, Lalitha pensou que devia ser de
amor, mais uma, entre as muitas que Sophie recebia o dia
inteiro.
Erguendo a barra da saia, começou a subir a escada.
Quando chegou ao patamar, ouviu um grito no quarto
dos fundos. Lady Studley ocupava um pequeno dormitório
naquele pavimento, porque não gostava de escadas.
O quarto de Sophie situava-se no andar de cima, assim
como todos os demais dormitórios.  Lalitha deixou a carta
sobre uma mesa no patamar e enveredou pelo pequeno
corredor que levava ao quarto da madrasta. Lady Studley
estava de pé, junto à cama, vestida para uma recepção a que
devia comparecer, dentro de meia hora.
Era uma mulher grandalhona, que devia ter sido atraente
na juventude, mas as feições se haviam endurecido na idade
madura e o corpo se expandira.
Dificilmente alguém a julgaria mãe da adorável Sophie,
mas ela sabia tornar-se simpática, quando lhe interessava. Em
condições sociais, também mostrava maneiras insinuantes, que
a tornavam uma companhia agradável.
Apenas os que privavam de sua convivência, sabiam o
quanto podia ser rude, sovina e cruel. Lady Studley não fazia a
menor tentativa para controlar o mau gênio e, nesse momento,
Lalitha notou que estava furiosa.
— Venha cá, Lalitha! — gritou.
Ela obedeceu timidamente. Lady Studley mostrou-lhe
um vestido de renda, cuja barra fora rasgada.
— Antes de ontem, eu lhe disse que consertasse isto!
— Eu sei — respondeu Lalitha — mas não tive tempo e
isso não pode ser feito à noite. Meus olhos ficam doendo e não
consigo distinguir a renda delicada, a menos que seja dia.
— Você está sempre inventando desculpas para sua
incompetência e preguiça! — vociferou Lady Studley.
Encarou-a e, como se a aparência da enteada a fizesse
perder inteiramente o controle, bradou:
— Sua preguiçosa imunda! Perde seu tempo e meu
dinheiro, quando o que devia é estar trabalhando! Já lhe disse
mil vezes que não aturo essa vadiagem e, quando mando fazer
uma coisa, é para ser obedecida imediatamente!
Jogou o vestido de renda no chão, aos pés de Lalitha.
— Apanhe-o! — gritou. — E se esquecer o que lhe digo,
receberá uma lição que nunca mais esquecerá!
Cruzou o quarto enquanto falava, a fim de apanhar uma
bengala, encostada a um canto.
Voltou, com ela na mão. Lalitha se abaixara para recolher
o vestido, mas percebeu o que sua madrasta ia fazer.
Tentou esquivar-se à pancada, mas era muito tarde. A
bengala caiu-lhe entre os ombros e, quando gritou de dor,
tornou a ser espancada, uma, duas, várias vezes. Os golpes
continuaram chovendo em suas costas, ao cair de joelhos.
Lalitha usava um vestido que fora de Sophie.
Era grande demais para seu corpo e, ao tentar reformá-
lo, conseguira apenas levantá-lo na parte da frente, formando
um decote recatado, mas as costas não permitiram qualquer
alteração, continuando demasiado baixas.
Como nas últimas semanas ela perdera ainda mais peso,
o decote das costas também fora baixando.
Agora, a bengala atingia-lhe a pele nua, fazendo-a
sangrar e reabrindo ferimentos provenientes de pancadas
anteriores.
— Maldita! — praguejou Lady Studley. — Aprenderá
agora qual é o seu lugar nesta casa! Aprenderá a obedecer-me! 
Após seu primeiro grito, Lalitha nada mais dissera.
Eram tão intensos a dor e o horror do que acontecia que,
como acontecera tantas vezes antes, ela mal conseguia respirar.
Sentia-se a ponto de desmaiar, mas a agonia evitava que
perdesse os sentidos.
As pancadas sucediam-se. Lalitha percebeu a escuridão
que a envolvia, uma escuridão que era interrompida por uma
névoa vermelha, a cada golpe que seu corpo recebia. Então, de
repente, a porta foi aberta com violência.
— Mamãe! Mamãe!
A voz de Sophie era tão imperativa, tão aguda, que o
braço de Lady Studley imobilizou-se em pleno ar.
— Imagine o que aconteceu! — exclamou Sophie.
— Como posso saber? O que foi? — perguntou Lady
Studley.
Ignorando o corpo de Lalitha, caído ao chão, Sophie
estendeu à mãe a carta que encontrara na mesa do patamar.
— O Duque de Yelverton está morrendo!
— Morrendo? — repetiu Lady Studley, incrédula.
      — Alguém me escreveu, em nome de Julius,
comunicando que ele tivera que partir imediatamente para
Hampshire e não poderia visitar-me.
      — Deixe-me ver isso — disse Lady Studley, pegando a
carta.
       Cruzou o quarto, a fim de lê-la à claridade de uma das
velas sobre o toucador.
       Leu em voz alta: 
 
O Sr. Julius Verton pediu-me para transmitir-lhe,
madame, as mais sinceras excusas por não poder apresentar-
se em sua casa esta noite, conforme pretendia.
Chamaram-no à cabeceira de seu tio, Sua Graça, o
Duque de Yelverton, e ele partiu precipitadamente para
Hampshire. Infelizmente, espera-se que Sua Graça não passe
desta noite.
Respeitosamente, madame, seu criado.
                         Christopher Dewar.
 
— Viu só, mamãe? Viu só? — gritava Sophie,
entusiasmada.
— Como é possível tanta confusão? — exclamou Lady
Studley. — E Lorde Rothwyn à sua espera!
— Eu sei — replicou Sophie — mas, mamãe, eu serei
duquesa!
Havia ânsia em suas palavras. Lady Studley respondeu,
tranquilizadora:
— Claro que será! Por que iria desistir dele agora?
— Preciso comunicar a Lorde Rothwyn que não me
casarei mais com ele — disse Sophie, incerta. — E isso o
deixará furioso!
— A culpa é dele — declarou Lady Studley. — Em
primeiro lugar, nunca deveria tê-la convencido a fugirem.
— Não posso deixá-lo esperando lá! Eu... — Sophie fez
uma pausa, exclamando em seguida, assustada: — Mamãe!
— O que foi agora?
— Minha carta para Julius! Eu disse a Lalitha que
mandasse o criado entregá-la! 
As duas viraram-se para Lalitha, que se levantava
penosamente do chão.
Seus cabelos estavam soltos e desalinhados, espalhando-
se sobre os ombros feridos e sangrantes.
O rosto ficara cinzento e ela tinha os olhos fechados.
— Lalitha! O que fez com a carta para o Sr. Verton? —
perguntou Sophie, bruscamente.
Houve uma pausa, antes que Lalitha pudesse responder.
Então, forçando as palavras por entre os lábios, ela disse:
— Entreguei-a ao... criado e... ele partiu!
— Partiu? — Sophie quase guinchou. — Alguém precisa
detê-lo!
— Está tudo bem — assegurou Lady Studley. — Afinal,
Julius não estará em casa da avó, conforme esperávamos.
— Por que não? — perguntou Sophie.
— Porque, esta nota desse Sr. Dewar, informa que ele
partiu para Hampshire.
Sophie deu um suspiro de alívio.
— Sim, claro.
— O que temos a fazer — prosseguiu Lady Studley — é
recuperar sua nota em casa da Duquesa Viúva, amanhã bem
cedo. Podemos alegar que mudou de ideia sobre algo que
declarara nela. Assim, depois que a rasgar, esquecerá que um
dia a escreveu!
— Como é inteligente, mamãe! — Sophie exclamou.
— Se eu não fosse, você hoje não estaria onde está —
replicou Lady Studley.
— E quanto a Lorde Rothwyn?
— Bem, ele ficará sabendo que você mudou de ideia. 
Lady Studley refletiu por um momento, antes de
continuar.
— Evidentemente, você não lhe dirá o motivo real. Dirá
apenas que pensou melhor e que não seria direito quebrar a
palavra empenhada. Assim, continuará noiva de Julius Verton!
— Sim, creio que é exatamente o que temos a fazer —
concordou Sophie. — Devo escrever a ele?
— Sem dúvida — respondeu Lady Studley. Depois,
exclamou: — Não! Não! Uma nota seria um erro! Pode-se
mentir, quando queremos esquivar-nos de certas situações
difíceis, mas nunca colocar o fato por escrito, preto no branco!
— Não pretendo ir falar com ele — disse Sophie,
repentinamente alarmada.
— Por que não? — indagou sua mãe.
— Se quer saber, mamãe, Lorde Rothwyn me amedronta.
O que menos desejo é engalfinhar-me em uma discussão com
ele! Além do mais, é muito autoritário e poderia fazer-me
confessar tudo. Seria difícil sair-me bem, em um
interrogatório.
— Não acho que ele fosse o marido certo para você —
declarou Lady Studley. — Muito bem; se você não for, alguém
mais terá de ir!
— Você, não, mamãe! — exclamou Sophie, rapidamente.
— Repeti a ele, vezes sem conta, o quanto você desaprovaria a
minha fuga!
Deu uma risadinha.
— Isso o estimulou ainda mais!
— Posso imaginar — concordou Lady Studley. — Nada
como a oposição, para tornar um homem agressivamente
autoritário. 
— Então, como diremos a ele? — perguntou Sophie.
— Lalitha é que terá de ir — replicou Lady Studley —
embora, na melhor das hipóteses, ela vá fazer uma confusão
danada de tudo isto.
Lalitha já estava de pé e, um tanto vacilante sobre os pés,
caminhava para a porta, levando o vestido de rendas.
— Aonde vai? — perguntou Lady Studley.
Ela parou, hesitante, procurando focalizar os olhos na
figura da madrasta.
As lágrimas que derramara enquanto era surrada, tinham
escorrido pelas faces e os olhos ainda estavam marejados.
Ficara tão pálida, que Sophie disse, em tom irritado:
— É melhor arranjar algo para ela beber, mamãe. Dá a
impressão de que vai morrer!
— Seria uma boa coisa se morresse mesmo! — replicou a
mulher mais velha, em tom cáustico.
— Muito bem, mas mantenha-a viva, até dar meu recado
a Lorde Rothwyn.
— Essa criatura só me dá problemas! — lamentou-se
Lady Studley, com brusquidão.
Foi até uma mesinha, onde havia uma garrafa de brandy
para seu uso pessoal e constante. Despejando um pouco em um
copo, entregou-o a Lalitha.
— Beba isto! — ordenou. — De qualquer maneira, é uma
bebida fina demais para ser gasta com espantalhos!
— Eu... logo estarei...bem...
— Faça o que mando e não discuta! — bufou Lady
Studley. — Ou quer apanhar novamente? 
Com dificuldade, como se cada passo lhe custasse um
tremendo esforço, Lalitha aproximou-se e pegou o copo. Sem
dizer mais nada, sabendo que esperavam apenas obediência
total de sua parte, engoliu a bebida de uma só vez e a sentiu
queimando, até o estômago.
Embora odiasse o sabor, o brandy trouxe-lhe novas
energias e dispersou a escuridão que ainda parecia pairar
acima de sua cabeça.
— Agora, escute direitinho, Lalitha, porque se cometer
algum engano quanto a isto, eu a surrarei até deixá-la sem
sentidos! — ameaçou Lady Studley.
— Estou... ouvindo — murmurou Lalitha.
— Você irá até a Igreja de St. Alphage, na carruagem que
chegará às nove e meia. Encontrará Lorde Rothwyn à espera na
igreja e dirá a ele que Sophie é honesta e decente demais, para
quebrar a palavra empenhada. Em vista disso, ela decidiu casar
com o Sr. Verton.
Fazendo uma pausa, Lady Studley perguntou em
seguida:
— Fui bem clara?
— Sim, foi — respondeu Lalitha — mas... por favor...
mande outra... pessoa... fazer isso!
— Já lhe disse o que aconteceria, se começasse a discutir
minhas ordens! — acentuou Lady Studley, ameaçadora.
Tornou a apanhar a bengala, que deixara sobre a cama,
ao servir o copo de brandy.
— Não, mamãe! — interveio Sophie prontamente. — Se
tornar a bater em Lalitha, jamais poderá desincumbir-se desta
missão. Eu falarei com ela. A carruagem só chegará aqui em
mais uma hora.
— Muito bem — resmungou Lady Studley, como se
lamentasse a oportunidade perdida para tornar a bater em
Lalitha.
Enquanto falavam, ouviram uma batida à porta da frente.
— Deve ser a carruagem para mim — disse Lady Studley.
— Devo ir à casa de Lady Corey, como havia planejado ou será
mais sensato ficar em casa, após sabermos da triste notícia
sobre a morte iminente do duque?
Sophie refletiu por um instante.
— Se quer saber, penso que deve ficar, mamãe. Julius
poderia achar uma desconsideração se soubesse que você foi a
uma festa, depois do que me comunicou.
— Claro, eu devia ter pensado nisso! — concordou Lady
Studley. — Que insensatez a minha! Afinal, preocupava-me
apenas com Lorde Rothwyn...
Deu uma risada.
— Certo, ficarei em casa e terei a mais tediosa das noites!
Enfim, a pausa me dará tempo para planejar o futuro! Oh,
querida, sempre desejei vê-la duquesa!
— Graças a Deus, fiquei sabendo de tudo a tempo — disse
Sophie, em tom volúvel. — Eu jamais me perdoaria, se fugisse
com Lorde Rothwyn e depois soubesse que Julius se tornara
duque!
— Sim, tivemos muita sorte! Por pouco não ia tudo por
água abaixo! — suspirou Lady Studley.
Olhando para a filha, acrescentou:
— Tire esse vestido, Sophie. Não vai querer estragar seu
melhor traje!
— Está bem, vestirei um robe — disse Sophie. 
— Sim, faça isso — concordou Lady Studley. — E leve
daqui esse espantalho!
— Pelo menos, desta vez ela será útil — respondeu
Sophie. — Não poderíamos mandar mais ninguém dar as
tristes novas a Lorde Rothwyn!
— Ele não irá gostar nem um pouco — riu Lady Studley.
— Nunca vi homem mais arrogante que Lorde Rothwyn!
— Ele sobreviverá — replicou Sophie.
Saiu do quarto, e Lalitha a seguiu. Entretanto, Sophie
chegou ao andar de cima muito antes de sua meia-irmã, que
subia os degraus com a maior dificuldade.
— Depressa! — chamou Sophie, impaciente, quando
Lalitha entrou no quarto. — Sabe que não consigo tirar este
vestido sozinha!
Lalitha largou o vestido de rendas que trazia e disse:
— Sophie, não me obrigue a... fazer isto! Tenho a
impressão de que, ao saber da notícia... Milorde ficará furioso...
Mais furioso que... sua mãe!
— Por que não a chama de "mamãe"? — perguntou
Sophie. — Já lhe dissemos isso muitas vezes!
— Eu... eu quis dizer... mamãe.
— Não estranharei, se ele ficar furioso com você —
replicou Sophie, desdenhosa. — Estúpida como é, se ele
também a espancar, garanto que não mereceria outra coisa!
— Eu não... aguentaria... mais — sussurrou Lalitha.
— Você já disse isso antes — lembrou Sophie.
Olhou para o rosto da outra e acrescentou, mais suave: 
— Talvez mamãe tenha passado dos limites esta noite. É
muito forte, contra a sua magreza... Aquela bengala poderia
quebrar-lhe os ossos!
— Eles parecem... despedaçados! — murmurou Lalitha.
— Se estivessem mesmo, você não conseguiria andar —
acentuou Sophie, com convicção.
— É... verdade — concordou Lalitha — mas eu não...
poderia suportar a... fúria de Lorde Rothwyn...
— Você nunca o viu — replicou Sophie. — Como pode
falar sobre sua fúria?
Como Lalitha não respondesse, ela insistiu:
— Fale! Percebo que sabe de alguma coisa!
— Foi apenas um... livro que encontrei aqui... na casa.
Chama-se Lendas das Famílias Famosas da Inglaterra.
— Parece interessante — disse Sophie. — Por que não me
mostrou esse livro?
— Você não gosta muito de ler — respondeu Lalitha — e
também eu... tinha medo de... aborrecê-la.
— Aborrecer-me? Ora, por quê? — riu Sophie. — Afinal, o
que diz esse livro?
— Fala sobre as origens da Família Rothwyn e diz que seu
fundador, Sir Hengist Rothwyn, foi aventureiro e pirata.
— Continue.
— Foi um homem vitorioso, em todos os sentidos, mas
sabia-se que era muito feroz.
Sophie ouvia atentamente. Lalitha continuou:
— Pelos séculos seguintes, segundo o livro, os Rothwyn
herdaram o gênio explosivo de seu ancestral. O nome de Lorde
Rothwyn, Inigo, quer dizer
"feroz".
— Pois em boa hora fico livre desse cavalheiro! —
comentou Sophie secamente.
 — Havia um verso sobre Sir Hengist, escrito em 1540 —
disse Lalitha, como se Sophie não houvesse falado.
— Como era o verso?
Lalitha procurou recordar.
Depois, em voz fraca e trêmula, recitou:
 
Olhos negros, cabelos negros, 
Ódio negro, então, cuidado, 
Se vingança um Rothwyn jurar!
 
Sophie riu.
— Acha que vou ter medo desse disparate? —
resmungou. 
 
 
 
CAPÍTULO 2
 
 
SEGUINDO para a igreja, na carruagem que devia
conduzir Sophie ao encontro de Lorde Rothwyn, Lalitha só
desejava não se sentir tão mal naqueles momentos.
Sentira-se melhor depois de beber o brandy, por ordem
da madrasta. Mas aquela energia artificial durara bem pouco, e
agora ela se sentia tomada por estranha lassidão, enquanto as
costas começavam a latejar dolorosamente.
Ainda assim, sabia que tinha de ser grata a Sophie, por
impedir que Lady Studley a surrasse até deixá-la inconsciente,
como acontecera de outras vezes.
Ainda na semana anterior, Lady Studley fora a seu
quarto, reclamar por algo que a deixara irritada. Como
encontrasse Lalitha de camisola, espancara-a a tal ponto, que
ela perdera os sentidos e havia caído no chão, onde
permanecera várias horas.
Ao voltar a si, ela reuniu energias e rastejou penosamente
para a cama. Entretanto, levara tanto tempo no chão frio, que
lhe fora impossível dormir e os dentes continuaram batendo,
até a hora de levantar.
Lalitha percebia perfeitamente que cada vez ficava mais
fraca. Além disso, a doença após o Natal, esgotara a última
resistência que ainda podia opor à crueldade da madrasta.
Em várias oportunidades, sua infelicidade era tão
intensa, que gostaria de rezar pedindo a morte. No entanto,
pensava na mãe e dizia para si mesma que não devia mostrar-
se tão covarde.
Sua mãe... Pequenina, suave e frágil, sempre admirara as
pessoas corajosas.
— Todos nós temos atos de coragem a praticar enquanto
vivemos — havia dito a Lalitha certa vez. — Porém os mais
árduos exigem antes a coragem mental, espiritual, que a física.
Então, Lalitha concluía que deixar Lady Studley matá-la
seria o caminho escolhido pelos covardes, a fim de sair do
inferno insuportável que se tornara sua vida, após a morte do
pai.
Embora já tendo vivido dois anos com a madrasta, era-
lhe difícil acreditar que os horrores experimentados dia a dia
não fizessem parte de um tremendo pesadelo.
Quando recordava sua infância, ela via apenas a
felicidade dos anos que pareciam sempre cheios da radiosa luz
do sol.
Realmente, sua mãe nunca fora uma criatura forte e, com
o passar dos anos, o dinheiro não permitira terem as coisas que
desejavam. Entretanto, nada disso tinha importância, se
comparado à alegria indescritível de estarem juntos.
Seu pai, um homem corpulento, jovial e gentil, fora
amado e respeitado pelos que trabalhavam e viviam na
propriedade. E, ao ficar mais velha, Lalitha percebera ter sido
justamente aquela jovialidade, a incrível bondade do pai, que o
tinha impedido de progredir.
Ele jamais pressionara um rendeiro pobre a pagar o que
devia e nunca os expulsara de suas terras.
— Achei que devia dar uma outra oportunidade ao infeliz
— desculpava-se, um tanto constrangido.
Em vista disso, nunca havia dinheiro suficiente para
reparos, novas aquisições, para sua mãe e ela própria.
Lady Studley, entretanto, não se incomodava.
— Sou muito feliz com meu marido e minha filha — ela
costumava dizer a Lalitha. — Para mim, os dois são as pessoas
mais maravilhosas do mundo!
Os dias eram sempre cheios para eles, embora havendo
poucas festas e atividades sociais, porque sua casa — que
pertencera à família Studley durante cinco gerações — ficava
em uma parte isolada da zona rural.
Embora as terras fossem excelentes para a agricultura, os
vizinhos eram poucos e muito distanciados entre si.
— Quando você for mais velha, irá a Londres e se
divertirá nos bailes, reuniões e recepções que eu tanto apreciei
na juventude — dizia a mãe de Lalitha.
— Sinto-me perfeitamente feliz aqui, com você e papai —
replicava ela.
— Imagino que todas as mães desejem o sucesso social
para as filhas — dizia Lady Studley, algo melancólica. — Eu, no
entanto, tive minha temporada de Londres e voltei, para casar
com o homem que conhecia desde criança.
Sorrindo, acrescentava:
— Não obstante, foi conhecendo o mundo, convivendo
com homens elegantes e importantes de Londres, que me
convenci de ser seu pai o único que eu amara e com quem
gostaria de passar o resto da vida.
— Você teve sorte, mamãe — comentara Lalitha, certa
vez. — Como as propriedades de seu pai faziam divisa com as
de papai, tinha um pretendente à porta de casa, por assim
dizer... Aqui, entretanto, não há ninguém para mim.
— Tem razão, filha. Assim, devemos economizar cada
penny que pudermos, porque quando você fizer dezessete anos
e meio, estará deslumbrando o Beau Monde com seu rostinho
bonito.
— Nunca serei tão bonita como você, mamãe.
— Está exagerando! — protestara sua mãe.
       — Papai diz que nunca houve ninguém mais bonita
que você, e sei que ele diz a verdade.
      —  Se, quando voltar de Londres, você continuar
pensando o mesmo, então eu acredito, Lalitha.
Contudo, não houvera temporada em Londres para
Lalitha. Sua mãe falecera num inverno, inexplicável e
subitamente. 
Para Lalitha e o pai, aquilo fora uma catástrofe e
custaram a acreditar que realmente acontecera.
Em um momento, Lady Studley estava junto deles,
cuidando do marido e da filha, encantando todos que a
conheciam. E, de repente, restava apenas sua sepultura no
cemitério, uma casa vazia e silenciosa.
— Como é que pôde acontecer? — perguntava Lalitha ao
pai.
E ele repetia, vezes sem conta:
— Eu nem mesmo sabia que ela estava doente!
Entretanto, com a morte da mãe, Lalitha logo percebeu
que, para todos os efeitos, seu pai morrera também.
Da noite para o dia, ele deixara de ser feliz e bem-
humorado, transformando-se em um homem apático e
solitário, que ficava bebendo horas sem fim, sem demonstrar
qualquer interesse pelas coisas que antes o ocupavam.
Lalitha tentou despertá-lo da letargia, mas foi impossível.
Por fim, em certa noite de inverno, quando ele vinha de
uma estalagem, onde estivera bebendo, sofreu um acidente.
Só foi encontrado na manhã seguinte e, àquela altura,
encontrava-se em estado lastimável.
Levaram-no para casa e, durante mais de dois meses de
convalescença, ele não demonstrara qualquer vontade de viver.
Fora a essa altura que a Sr.a Clements surgira na
propriedade, ostensivamente para ajudar. 
Lalitha ainda recordava o ano anterior, quando seu pai
chegara em casa para almoçar e comentara com a esposa:
— Lembra-se daquele indivíduo chamado Clements? Um
que tinha a cara semelhante a uma ratazana? Era o dono da
farmácia, em Norwich.
— Sim, claro que me lembro — replicara a mãe de
Lalitha. — Nunca prestei muita atenção ao homem, embora
soubesse que era inteligente.
— Fomos fregueses de sua farmácia, porque meu pai
sempre comprara lá e também meu avô.
— Entretanto, Clements não era de Norfolk — sorrira
Lady Studley — embora tivesse residido em Norwich por
muitos anos.
— Eu sei — replicara Sir John. — E, por isso, achei que
devia ajudar sua filha.
— Sua filha? Sim, lembro-me agora... — dissera sua mãe.
— Parece que houve qualquer problema, não?
— Exatamente. Ela fugiu, quando tinha apenas dezessete
anos, com um jovem oficial do Exército. O velho Clements
ficou furioso e disse que nada mais o ligava à filha.
— Sim, posso recordar esse incidente, embora na época
fosse ainda sua noiva. Minha mãe ficou profundamente
chocada, ao pensar que uma jovem chegasse a desafiar os pais
daquela maneira. De qualquer modo, ela era muito puritana...
— Se era! — sorrira Sir John. — Até hoje, ainda duvido
que me aprovasse como genro.
— Ela passou a apreciá-lo muito, depois que nos
casamos. Então, percebeu o quanto éramos felizes... 
Os olhos de Lady Studley fixaram-se nos do marido,
mostrando uma perfeita identificação, um com o outro.
Lalitha, que estivera ouvindo, havia perguntado:
— O que aconteceu com a filha do Sr. Clements?
— Era o que eu tentava contar — respondera Sir John. —
Ela voltou. Vi-a esta manhã, e perguntou-me se eu poderia
alugar-lhe um chalé.
— Oh! — exclamara a mãe de Lalitha. — Estou certa de
que não queremos ninguém assim na propriedade!
— Fiquei com muita pena dela — havia dito Sir John. —
O homem com quem fugiu, revelou-se um canalha. Jamais
casou com ela e a deixou desamparada, após alguns anos. Foi
trabalhando como criada, que a pobre conseguiu sustento para
si mesma e a filha.
— Se o Sr. Clements fosse vivo, teria um ataque do
coração ao saber disso! — admirara-se Lady Studley. —
Sempre se julgava superior... Aliás, chegou a ser prefeito certa
vez.
— A família Clements talvez não movesse um dedo pela
"ovelha negra", mas achei que não podia mandá-la embora.
— Alugou-lhe um chalé? — indagara sua esposa.
— Sim, aquele perto da igreja. É pequeno, mas dá para
uma mulher e uma criança.
— Você tem o coração mole demais, John. Ninguém a
receberá bem por lá...
— Não creio que ela pretenda algum contato com os
moradores da aldeia — tinha dito Sir John. — Afinal, ela parece
superior a eles, em todos os sentidos. Continua uma mulher
atraente, e a filha deve regular com Lalitha, talvez um pouco
mais velha —  após uma pausa, ele acrescentara, embaraçado
— Ela disse que, se você precisar de ajuda em casa, ficaria
satisfeita em servi-la.
Lalitha não chegara a ver a Sr.a Clements — pois esse
devia ser o nome da moradora do chalé — senão após a morte
da mãe.
Inesperadamente, ela aparecera, oferecendo seus
serviços, quando a situação se tornava problemática, posto que
dois criados haviam deixado a casa, devido à idade avançada.
Em seguida, houve uma febre epidêmica naquele
inverno, de maneira que os três criados restantes mal se
mantinham sobre as pernas.
Sir John parecera não tomar conhecimento de nada.
Ia para seu estúdio e lá ficava bebendo, sombrio e
alheado do mundo, quando não partia a cavalo para as
estalagens vizinhas, das quais voltava tão bêbado, que a filha
precisava ajudá-lo a ir para a cama.
A Sr.a Clements oferecera seus trabalhos e, desesperada,
Lalitha aceitara.
A mulher se revelara um esteio firme, mantendo a casa
em boa marcha e cuidando de Sir John de uma maneira que
causava a admiração de Lalitha.
Era como se, apenas a Sr.a Clements, conseguisse
convencê-lo a comer, assim como beber. Também era a Sr.a
Clements que mantinha o fogo brilhantemente aceso na lareira
do estúdio e que oferecia a ele as sapatilhas confortáveis,
quando Sir John retornava de suas cavalgadas. Ainda era a Sr. a
Clements que o persuadia a tomar uma decisão envolvendo a
propriedade, quando ele não dava ouvidos a mais ninguém.
Assim, quando Sir John fora trazido para casa, quase
agonizando, após o acidente, foi muito natural que Lalitha se
voltasse para a mulher, solicitando sua ajuda.
— Eu cuidarei dele, minha querida. Não se preocupe —
dissera a mulher.
Pálida, incoerente e lacrimosa, Lalitha se sentira aliviada,
ao passar para ela a direção de tudo.
Mais tarde, Lalitha refletia que deveria ter percebido o
que estava acontecendo.
Não obstante, a suave, astuta e compreensiva Sr.a
Clements, enganaria uma pessoa muito mais esperta e
experiente que uma jovenzinha de dezesseis anos.
Mudou-se para a casa, levando a filha consigo.
Sophie demonstrou a Lalitha o mesmo encanto que sua
mãe e procurou tornar-se a companheira ideal, da mesma
idade, que ela nunca tivera.
Vez por outra, no entanto, Lalitha considerava a bela
Sophie arbitrária, quando esta se enfiava em seus vestidos ou
se apoderava de pequenos objetos, como: luvas, xales e fitas,
sem sua permissão.
Ao mesmo tempo, ela dizia para si mesma que estava
sendo egoísta, quando já tinha tanto e a outra nada possuía.
Foi somente após a morte de Sir John, depois que
terminou o funeral e os amigos partiram, que a Sr. a Clements
tirou a máscara.
A casa ficara estranhamente silenciosa. Vagando em seu
vestido de luto, Lalitha refletia que ficara absolutamente só,
agora que perdera pai e mãe.
Decidiu escrever para o tio materno, que se mudara de
Norfolk para a Cornualha. Muitos anos antes, ele adquirira
uma propriedade e lá ficara, mesmo após o falecimento do pai.
Lady Studley sempre planejara visitá-lo.
— Você vai adorar Ambrose! — dizia à filha. — É mais
velho do que eu e, através dele, aprendi a gostar tanto do
campo, que nunca me senti tentada pelo torvelinho social de
Londres.
Entretanto, nunca houvera tempo ou dinheiro suficiente
para aquela viagem à Cornualha e tampouco o tio os visitara.
Ele nem mesmo comparecera ao sepultamento da irmã,
embora enviasse uma coroa e uma longa carta a Sir John,
dizendo o quanto sentia a morte de Lady Studley.
"Escreverei agora mesmo a tio Ambrose", pensara
Lalitha. "Talvez ele me convide a morar em sua companhia..."
Chegara a sentar-se à mesa de trabalho do pai, no
estúdio, e apanhava o mata-borrão, quando a Sr.a Clements
entrara no aposento.
— Quero falar com você, Lalitha — disse, em um tom de
voz autoritário, jamais empregado antes.
Também a chamara pelo primeiro nome, algo que sua
mãe consideraria uma impertinência.
— Claro, Sr.a Clements. O que é?
— Desejo comunicar-lhe que fui casada com seu pai!
Por um momento, Lalitha julgara não ter ouvido direito.
— Casada com papai? — exclamou. — É impossível!
— Fomos casados, e eu era sua esposa — insistiu a Sr.a
Clements, furiosamente. — Doravante, sou Lady Studley.
— Mas... quando se casaram? E em que igreja?
— Se sabe o que é melhor para você, evite fazer-me
muitas perguntas — replicou a Sr.a Clements. — Aceite a
situação e compenetre-se de que agora é minha enteada.
— Eu... eu não... acredito! — exclamou Lalitha, em voz
baixa. — Vou escrever para meu tio Ambrose, pedindo-lhe para
morar com ele, na Cornualha. Sem dúvida, ainda ignora a
morte de meu pai porque, de outra forma, já me teria escrito.
— Eu a proíbo de fazer isso!
— Proíbe? — repetira Lalitha, perplexa.
— De agora em diante, sou sua tutora legal — replicara a
Sr.a Clements — e você me deve obediência. Não quero que se
comunique com seu tio ou com quaisquer outros parentes.
Ficará em minha companhia e, tenha isto em mente, sou eu
que mando nesta casa!
— Não é justo! — protestou Lalitha. — Papai sempre disse
que esta casa seria minha, se algo lhe acontecesse. E a
propriedade também me pertence!
— Terá alguma dificuldade em provar o que diz, pequena
— respondeu a Sr.a Clements, com um sorriso malévolo.
Um estranho procurador surgiu em cena, um homem que
Lalitha nunca vira antes, mas que lhe exibiu um testamento,
escrito em uma caligrafia trêmula, que podia ou não pertencer
a seu pai.
Naquele testamento, Sir John legava tudo "à minha
muito amada esposa Gladys Clements", e nada a Lalitha.
Ela continuava achando que ali havia algo errado, mas o
procurador insistira em que o testamento era absolutamente
legal, além de ter sido a vontade de seu pai.
Lalitha não soubera o que responder. Mais tarde, depois
que o procurador se retirara, ela escreveu ao tio, conforme
pretendera.
Entretanto, a Sr.a Clements — ou melhor, Lady Studley,
como agora se fazia chamar — viu-a sair de casa, a fim de
colocar a carta no correio.
Foi então que a espancou pela primeira vez. Surrou-a
com vontade, até Lalitha implorar misericórdia e prometer,
porque não tinha escolha, que não tornaria a escrever ao tio.
Talvez fosse por desafiar mentalmente a mulher que
agora se intitulava sua madrasta — por não poder fazê-lo
fisicamente — que Lalitha incorreu no ódio e antipatia da
mulher.
A nova Lady Studley agira com astúcia, não procurando
relacionar-se com os vizinhos. Naturalmente, aos poucos,
todos ficaram sabendo que ela dirigia a propriedade e que se
casara com Sir John, antes dele morrer. Muito poucos, no
entanto — ou talvez nenhum — sabiam quem fora a mulher
anteriormente.
O nome "Clements" foi extinto, como se nunca houvesse
existido.
Em vista disso, Lalitha mostrou seu espanto, ao descobrir
que agora, também Sophie se assinava "Studley".
— Você não é minha irmã! — protestou. — Como pode ter
nome igual ao meu, se não somos filhas do mesmo pai?
A mãe de Sophie entrara na sala, quando Lalitha
desabafava seu protesto.
— Quem lhe disse que seu pai também não era o pai de
Sophie? — exclamou a mulher.
Falava medindo as palavras e os olhos mostravam uma
curiosa expressão, como se algo lhe viesse repentinamente à
cabeça.
— Sabe muito bem que ele não era! — replicou Lalitha. —
A senhora só veio para cá há um ano!
Sua "madrasta", entretanto, não a ouvia. E, pela primeira
vez, Lalitha não era castigada, por uma resposta ousada.
Durante um ano, nada mais foi dito.
Continuaram fechados na propriedade, mas Lalitha
percebia que Lady Studley arrancava dela todo penny que lhe
era possível.
Agora, não havia desculpas para rendeiros atrasados nos
pagamentos ou inquilinos em dificuldades financeiras.
As terras arrendadas foram sendo vendidas, de uma em
uma, assim como os chalés passados às mãos de quem melhor
pagasse. Os jardineiros foram dispensados, e as flores que
tinham dado tanta alegria à falecida Lady Studley, agora
nasciam lado a lado com as ervas daninhas.
Aos poucos, também iam desaparecendo todas as coisas
de valor existentes na casa.
As primeiras foram dois espelhos Rainha Anne que,
supostamente levados para um conserto, nunca mais
retornaram.
Em seguida, os retratos da família foram enviados a um
leilão de Londres. 
— Não tem o direito de vendê-los! — protestou Lalitha,
desafiando a madrasta. — São retratos que pertencem à
família! Como papai não teve um filho, eu gostaria que
ficassem para o filho que terei um dia!
— Acredita mesmo que terá um filho? — zombara Lady
Studley. — E quem casará com você? Acha que eu dispensaria
seus valiosos serviços?
Falava em tom sarcástico porque, a essa altura, Lalitha já
se tornara, nada mais, nada menos, que uma criada sem
salário.
Com um aperto no coração, Lalitha pensou, aterrorizada,
que aquela bem poderia ser sua situação, para o resto da vida.
Sophie fizera dezoito anos no verão anterior mas,
surpreendentemente, Lady Studley não tomara qualquer
providência para levá-la a Londres ou procurarlhe
divertimentos.
Sendo sincera consigo mesma, Lalitha pensava que seria
difícil uma jovem ser mais bela e encantadora que Sophie.
Entretanto, só depois do Natal, ela percebeu o motivo
que adiara a apresentação de sua meia-irmã à sociedade.
— Sophie está com dezessete anos e meio — declarou
Lady Studley, em janeiro.
Lalitha olhou-a, surpresa, sabendo perfeitamente que
Sophie já completara os dezoito anos. Entretanto, aprendera a
não contradizer nem discutir, a menos que quisesse ser
espancada violentamente pela ousadia.
— Ela nasceu no dia três de maio — continuou Lady
Studley — e é nessa data que comemoraremos seu aniversário.
— Três de maio é dia de meu aniversário! — exclamou
Lalitha. — Farei dezoito anos!
— Engana-se — replicou Lady Studley. — Você fez
dezoito anos a dez de julho. No ano passado.
— Não! Dez de julho é o aniversário de Sophie! —
exclamou Lalitha novamente, perplexa.
— Insiste em discutir comigo?
A expressão de Lady Studley fez Lalitha calar-se.
— Não... Não, senhora — respondeu, amedrontada.
      —  Sophie é filha minha e de seu pai — prosseguiu
calmamente a mulher. — Nasceu dez meses depois de nos
casarmos e, claro está, posso provar o que digo, sem a menor
dificuldade. Você também é filha minha e de seu pai mas,
infelizmente, nasceu antes de nosso casamento!
       — Quê? — exclamou Lalitha, atônita. — Não... não
entendo!
Lady Studley esclareceu a situação, fria e rudemente.
Segundo seu plano, as duas jovens se passariam uma pela
outra, isto é, Lalitha seria Sophie e vice-versa. Como concessão,
ela não apresentaria a enteada como filha de um ignorado
oficial do Exército, mas de Sir John.
— Acha que alguém questionará o que eu disser, quando
chegarmos a Londres? — perguntou, desdenhosa.
Lalitha não soube o que responder. Não conhecia
ninguém em Londres e, além disso, quem acreditaria em sua
palavra, contra a de Lady Studley? Estava derrotada. Nada
havia que pudesse fazer ou falar. 
No entanto, era desesperador ver que aquela mulher,
vulgar e interesseira, pretendia passar por sua mãe. Uma
mulher que havia tomado o lugar da anterior Lady Studley e
que se apossara de cada penny da família!
Ninguém podia socorrê-la. Ninguém ouviria sua história.
Espancada e humilhada pela madrasta, ela perdera até a
aparência física. Desaparecera a antiga semelhança com uma
lady, substituída pela filha espúria e desmazelada que, no
conceito da madrasta, era mantida apenas por caridade.
Para cúmulo, fora obrigada a chamar a usurpadora de
"mamãe", o tratamento devido apenas à sua real progenitora!
Quando esquecia esse detalhe, Lady Studley a espancava
e, assim, após algum tempo, Lalitha entregara os pontos, não
se sentira mais com forças para lutar, nem mesmo em
memória de sua verdadeira mãe.
Lady Studley demonstrara uma refinada astúcia ao
planejar a própria entrada em sociedade, quando chegasse em
Londres, e Lalitha chegara a admirá-la pela inteligência,
embora aquilo viesse aumentar ainda mais seus sofrimentos.
O dinheiro que Lady Studley conseguira levantar não
duraria muito tempo, mas bastaria para proporcionar a Sophie
um casamento importante.
Para Lalitha, nada sobraria. Isso a fazia concluir que,
uma vez realizada sua ambição, Lady Studley a jogaria na rua,
pouco se importando com o que lhe acontecesse daí por
diante. 
E, nesse meio tempo, serviria de empregada para mãe e
filha.
Por vezes, ela pensava em escrever ao tio, mas havia
tantas complicações e castigos tão violentos, se a apanhassem
em flagrante, que desistia quase que imediatamente.
Então, três semanas após a chegada a Londres, Lady
Studley lhe atirara um jornal ao colo, com uma risada
satisfeita.
— Seu tio morreu — anunciou. — Pode ler a notícia na
coluna de obituários! — Morreu! — exclamou Lalitha.
— Você não terá muito tempo para chorar essa morte —
continuou Lady Studley, indiferente. — Portanto, vá trabalhar!
A última chance de escapar acabava de ser negada a
Lalitha. A partir daí, ela passou apenas a vegetar, dia após dia.
Quando terminava cada uma das inúmeras tarefas que
lhe eram destinadas, o cansaço era tal, que só procurava o
esquecimento proporcionado pelo sono.
Ultimamente, ela começara a sentir que seu cérebro
estava sendo afetado pelos sofrimentos.
A alimentação insuficiente e as surras constantes a
deixavam em estupor e tinha dificuldade para lembrar o que
lhe diziam, até mesmo compreender o que os outros falavam.
 
*     *     *
 
     Agora, ela tentava recordar o que Lady Studley lhe
dissera, o que devia transmitir a Lorde Rothwyn.
No entanto, a mente estava opaca, ela só conseguia
pensar na dor intensa em suas costas. Sentia o tecido do
vestido colando-se aos ferimentos que a bengala de Lady
Studley lhe abrira na pele. Quando fosse tirá-lo do corpo, a dor
seria lancinante, o sangue correria de novo, com o pano
aderido às feridas.
Por baixo da capa escura, Lalitha desabotoou as costas do
vestido, o mais que foi possível.
Ninguém veria o decote exagerado e, tão logo concluísse
a missão de que fora incumbida, voltaria para casa e banharia
as partes mais doloridas.
— Se tudo isto já estivesse terminado, eu não precisaria
dar esse recado a Lorde Rothwyn! — murmurou para si
mesma.
Por um momento, sentiu a vontade louca de fugir mas,
para onde iria?
Não tinha dinheiro, ninguém a quem apelar e, se voltasse
para casa sem cumprir sua incumbência, podia imaginar
perfeitamente o que lhe aconteceria.
A carruagem aproximava-se da igreja de St. Alphage. Já
podia ver a torre, depois a entrada e, mais além, o cemitério
aos fundos do prédio, com um pequeno portão.
Lady Studley alugara a carruagem em um
estabelecimento onde tinha conta, e o cocheiro recebera ordens
para ficar esperando. Este fato era uma grande concessão, pois
Lalitha sabia que bem poderia ter de voltar a pé.
Agora, o veículo diminuía a marcha e ela conteve o
fôlego, procurando pensar, frenética, no que tinha a dizer,
assim que encontrasse Lorde Rothwyn. Puxou para o rosto o
capuz surrado da capa escura. Sua cabeça ficou inteiramente
coberta e aquecida pelo tecido.
Lalitha estremeceu de frio, não tanto pelo ar exterior,
mas pelo medo que a dominava.
— Por que devo ter medo? — murmurou para si mesma.
— Afinal, nada tenho com tudo isto. Sou apenas... uma
mensageira!
Não obstante, continuava tremendo, quando desceu da
carruagem e se encaminhou para o portão lateral, que levava
ao cemitério. O lugar permanecia escuro, apesar da lanterna
pendendo no alto.
As lousas das sepulturas assemelhavam-se a sentinelas
acusadoras, como que chocadas pelas mentiras que ela ia dizer.
Hesitante, ela tomou a alameda que levava à entrada da
igreja, apenas um vulto sombrio e um tanto ameaçador à sua
frente.
De súbito, Lalitha ouviu o som de rápidas passadas e,
antes de conseguir ver o que acontecia, sentiu os braços fortes
que a enlaçavam.
— Minha querida, você veio! Eu sabia!
Quando levantou o rosto para protestar, uma boca de
homem pousou sobre a sua.
Durante alguns segundos, ela ficou imobilizada pelo
choque.
Era impossível mover-se e, por outro lado, aqueles lábios
insistentes, apaixonados e possessivos, a deixavam sem fala.
Vagamente, muito distante em seu cérebro, surgiu a ideia
fraca, o pensamento de que sua concepção de um beijo era bem
diversa daquela, da que experimentava agora.
Então, com tremendo esforço, lutou e libertou-se. 
— P-por favor... por favor! — gaguejou. — Eu não... sou
Sophie!
— Deu para perceber!
Ergueu o rosto para ele. À luz da lanterna, viu-o bem
mais alto do que imaginara, muito moreno e dominador.
Lorde Rothwyn tinha uma capa sobre os ombros e
assemelhava-se a um imenso morcego, o que aumentou o
terror de Lalitha.
— Quem é você? — perguntou ele, brusco.
— S-sou... irmã de... Sophie — balbuciou Lalitha.
Ainda sentia a pressão dos lábios dele nos seus. Embora
ele não a tocasse mais, continuava com a sensação de que
permanecia entre aqueles braços fortes.
— Irmã?! — exclamou e interrogou-se. — Não sabia que
Sophie tivesse uma.
Lalitha tentou coordenar os pensamentos.
O que mesmo lhe tinham mandado dizer?
— Onde está Sophie?
A voz dele soava ameaçadora e rude.
— E-eu... vim para... dizer-lhe, milorde — gaguejou
Lalitha — que ela... não poderá... vir.
— Por que não?
Aquelas perguntas abruptas a desconcertavam.
Procurava, desesperadamente, recordar as palavras
exatas a dizer.
— E-ela acha, milorde, que... deve agir com... honestidade
e... não pode... quebrar sua... palavra dada ao Sr. Verton.
— Você devia dizer-me esses disparates? — perguntou
ele, em tom duro. — Em verdade, está comunicando que sua
irmã foi informada da morte iminente do Duque de Yelverton.
É isso, não? 
— N-não...! Eu não... disse nada disso!
— Você mente! — esbravejou ele. — Mente como sua irmã
mentiu para mim! Acreditei nela, quando disse que me amava.
Como um homem poderia ser mais tolo?
Havia tanta fúria em sua voz, que Lalitha fez um
desesperado esforço para salvar Sophie da condenação daquele
homem.
— N-não foi... assim — balbuciou. — E-ela apenas... quer
manter a... palavra empenhada... a promessa feita antes... de
conhecê-lo!
— Espera mesmo que eu acredite em tal despropósito? —
perguntou Lorde Rothwyn, encolerizado. — Não acrescente
mentiras a outras mentiras! Sabe perfeitamente que sua irmã
zombou de mim. Entretanto qual a mulher que resistiria à
ideia de ser duquesa?
Quase cuspia as palavras. Depois, furiosamente, em uma
voz que parecia ecoar pelo cemitério, vociferou:
— Volte e diga à sua irmã que ela me ensinou uma lição,
algo que jamais esquecerei! Acrescente que eu a amaldiçoo,
como amaldiçoo a mim mesmo, por confiar nela!
— Não... fale... assim! — pediu Lalitha. — Não dá... sorte!
— O que tem a sorte a ver com o que digo? — explodiu
ele. — Sua irmã não apenas me perdeu como noivo, mas
também me custou dez mil guinéus!
Lalitha ergueu os olhos para a silhueta escura que ele
compunha, contra a luz fraca da retaguarda.
Curiosa, não se conteve e perguntou:
— Como... ela pôde... fazer isto?
— Apostei essa soma de dinheiro, acreditando que Sophie
fosse sincera e leal. Não a julguei uma esnobe, como todas as
outras mulheres, para as quais posição social representa muito
mais que afeição, um título valendo mais que o amor a mim
confessado com tanta facilidade por seus lábios!
— Nem todas... são assim — balbuciou Lalitha,
involuntariamente.
Ele riu, incrédulo.
— Pois se elas existem, ainda não encontrei nenhuma!
— Talvez encontre... um dia...
— Acha que eu tornaria a apostar nisso? — perguntou ele,
impetuosamente. Depois disse: — Vá embora! Volte para casa!
O que está esperando? Descreva para sua irmã meu ódio e
frustração e, naturalmente, o desespero, por não torná-la
minha esposa.
A voz dele soava com tanto ódio, que Lalitha sentiu
dificuldade em moverse. Ficou ali, parada, como que
hipnotizada pela força bruta daquela emoção.
Era uma cólera fria, que ele parecia irradiar, envolvendo-
a e dominando-a, a ponto de ser incapaz de obedecer. No
entanto, ao mesmo tempo, ela só queria fugir dali.
— Dez mil guinéus! — repetiu Lorde Rothwyn.
Era quase como se falasse sozinho mas, ainda no mesmo
tom forte, enfurecido, com que se dirigira a Lalitha, continuou:
— Eu mereci! Como pude ser tão idiota? Tão ingênuo e
insensato para imaginar que ela fosse diferente?
As palavras pareceram galvanizá-lo de novo, em uma
fúria descontrolada, quando vociferou para ela:
— Suma da minha vista! Diga a sua irmã que a matarei,
se tornar a vê-la um dia! Ouviu bem? Eu a matarei!
Lorde Rothwyn estava tão aterrador, que Lalitha se virou
para escapar de sua presença, correr para o portão do
cemitério e alcançar a carruagem que esperava.
Quando se moveu, sentiu a cabeça girar e precisou fazer
uma pausa momentânea, a fim de se firmar nos pés.
Então, ao dar o primeiro passo para diante, Lorde
Rothwyn falou, em voz mais contida, mas ainda ameaçadora:
— Um momento! Se você é irmã de Sophie, então
também é uma Studley!
Lalitha se voltou para ele, surpresa.
Não podia imaginar por que Lorde Rothwyn dissera
aquilo.
Respondeu, vacilante, vendo que ele esperava uma
resposta:
— S-sou...
— Tive uma ideia — disse ele — que talvez salve meu
dinheiro e, de quebra, o meu orgulho. Sim, por que não?
Estendendo a mão, segurou o braço de Lalitha.
— Venha comigo!
Ela o fitou nervosamente.
— P-para... onde? — perguntou.
— Já vai saber.
Os dedos eram fortes e a pressão magoava seu braço,
mesmo por sobre a capa.
Lorde Rothwyn arrastou-a para a entrada da igreja. 
— O que... está acontecendo? Para onde... me leva? —
perguntou ela, tomada de pavor.
— Você vai casar comigo! — disse ele. — Uma senhorita
Studley deve ser bem igual à outra, e seria uma pena deixar o
vigário esperando!
— Não pode... estar falando... sério! — exclamou Lalitha.
— É uma...
loucura!
— Assim, ficará sabendo que sempre cumpro o que digo
— replicou ele, com dureza. — Vai casar comigo e, pelo menos,
isto mostrará à sua irmã mentirosa e falsa, que há mais
mulheres no mundo, além dela!
— Não-não... não! — repetiu Lalitha. — Não posso... fazer
uma coisa... dessas!
— Pode e fará! — disse ele, carrancudo.
Chegavam à porta da igreja e, ao fitá-lo, Lalitha percebeu
que, à luz da lanterna, ele tinha as feições transtornadas.
Nunca vira um homem tão moreno e simpático mas, ao
mesmo tempo, tão enfurecido, a ponto de ter perdido o
controle.
Os olhos dele eram como fendas estreitas e havia um
vinco esbranquiçado, em torno dos lábios comprimidos.
Ao invés de soltá-la, Lorde Rothwyn aumentou a pressão
dos dedos em seu braço, quando a puxou para a porta e entrou
no templo.
Ali dentro, tudo estava silencioso, e os pés deles
provocaram sons retumbantes, no momento em que Lalitha foi
puxada para o altar.
— Não... não... não p-pode... fazer... i-isto! — protestou,
em um sussurro, intimidada pela atmosfera da igreja.
Lorde Rothwyn não respondeu.
Limitou-se a escoltá-la, avançando sempre,
aproximando-se cada vez mais dos degraus do altar, onde um
sacerdote aguardava.
Frenética, Lalitha tentou libertar-se, mas foi impossível.
Lorde Rothwyn era muito forte, e ela se sentia
enfraquecida demais para lutar contra o que quer que fosse.
— Eu... não posso... Por... p-por favor... O que quer...
fazer é... errado! Uuma... loucura! Por favor... por favor... pare
com... isto!
Chegaram ao altar. Lalitha virou os olhos para o
sacerdote que os esperava. Pensou que talvez pudesse apelar
para ele, dizer-lhe que havia um engano, mas então percebeu o
quanto era idoso, de cabelos inteiramente brancos, o rosto
vincado como um pergaminho antigo.
Também era quase cego e olhou para eles como se lhe
fosse difícil até mesmo perceber alguém à sua frente.
Sem saber como, as palavras de protesto morreram nos
lábios de Lalitha e ela permaneceu muda, aterrorizada.
— Meus queridos filhos... — começou o velho sacerdote,
em voz trêmula e cansada.
"Preciso... interrompê-lo! Preciso...!", pensou Lalitha.
Entretanto, as palavras, que interromperiam aquele ato,
não lhe brotaram da garganta.
Sentia o cheiro forte dos lírios que enfeitavam o altar e
via as luzes vacilantes das velas nos castiçais. A paz, o próprio
silêncio do lugar, começaram a envolvê-la.
”Não pronunciarei as... palavras que me tornarão sua...
esposa”, pensou ela. “esperarei até... chegarmos a ela e... então
responderei... não!”
— Inigo Alexander, aceita tomar esta mulher com
esposa? — perguntou o velho sacerdote.
Continuou com as palavras cerimoniais, suaves e
hipnotizantes, até Lorde Rothwyn responder, em uma voz alta,
que pareceu ecoar por todo o templo:
— Sim!
Lalitha estremeceu, percebendo que ele ainda estava
furioso.
O vigário se voltou para ela. Então, houve uma
interrupção.
— Como é seu nome? — perguntou Lorde Rothwyn.
— Lalitha..., mas eu... não posso...
— O nome dela é Lalitha — repetiu para o sacerdote,
como se não tivesse ouvido aquele protesto.
O velho assentiu. Depois começou em sua voz macia,
fatigada e gentil: — Repita comigo... "Eu, Lalitha..." — N-não...
p-posso...! — sussurrou ela.
Os dedos de Lorde Rothwyn apertaram mais seu braço. A
pressão a magoava. Foi obrigada a fazer o que ele queria, como
também acontecia em relação à sua madrasta.
Seu corpo sacudiu-se imperceptivelmente, varado pelo
mesmo terror que sentia, quando esperava uma pancada da
bengala nas costas.
Quase sem pensar, sem a aquiescência do cérebro, ouviu-
se gaguejar: — Eu, Lalitha... aceito a... t-ti... I-Inigo... A-
Alexander... 
 
*     *     *
 
Encerrada a cerimônia, saíram da igreja e embarcaram
em uma carruagem que começou a rodar, varando a escuridão.
Não era a carruagem alugada que trouxera Lalitha, e sim
veículo luxuoso, com entalhes em prata pura e uma manta
sobre seus joelhos.
Ela permaneceu silenciosa, mas não precisava de
palavras para perceber que Lorde Rothwyn continuava tão
furioso como antes. Lalitha quase podia sentir a cólera que
fervia dentro dele.
Era uma sensação apavorante, que emanava do homem
como um trovão, enchendo a carruagem e a envolvendo em sua
intensidade.
Procurou pensar nas consequências de seu ato,
substituindo Sophie no altar. De certa forma, ainda não
conseguia acreditar que tudo fosse real. Nada se encaixava, em
sua mente entorpecida.
"O que... acontecerá comigo? O que... farei?",
perguntava-se, atemorizada.
O medo era tanto, que ela mal conseguia respirar. O
cansaço a dominava a tal ponto, que se caísse ao piso da
carruagem, ficaria lá para sempre, nunca mais se levantando.
Finalmente, percebeu que se encaminhavam para uma
das mais luxuosas e maiores residências em Park Lane.
Luzes douradas brotavam de uma porta aberta. Vários
lacaios de libré decorada em ouro, apressaram-se a estender
um tapete vermelho pelos degraus e abriram a porta da
carruagem.
Lalitha foi a primeira a sair e, ao penetrar no imenso
vestíbulo de mármore, ficou apalermada, aterrorizada pelas
estátuas douradas, em tamanho natural, colocadas em nichos.
— Venha por aqui!
Lorde Rothwyn tornava a segurar seu braço e a guiava
através do vestíbulo, em direção a outro aposento. Pelo
número de livros alinhados nas paredes, formando um belo
ambiente, Lalitha percebeu que estavam em uma biblioteca.
Lorde Rothwyn conduziu-a para a grande mesa no centro
do aposento.
Um criado acendeu dois candelabros apressadamente,
colocando-os sobre a mesa, embora já houvesse claridade
suficiente, espargida dos lustres de prata que enfeitavam as
paredes.
— Deseja mais alguma coisa, milorde? — perguntou um
mordomo, respeitosamente.
— Não. Pode retirar-se, mas deixe um criado esperando.
Tenho uma nota para ser entregue.
— Perfeitamente, milorde.
Lalitha ouviu as portas que se fechavam e estremeceu.
Havia um imenso bloco de papel de cartas à sua frente,
decorado com uma coroa de ouro, acima de elaborado brasão.
Lorde Rothwyn o abriu.
— Você agora vai escrever uma carta para sua irmã —
disse.
Estendeu-lhe uma enorme pena branca de ganso.
Automaticamente, Lalitha desabotoou a gola da capa,
afastando o capuz que lhe cobria a cabeça.
Ainda sentia dificuldade para mover o braço, e então,
puxando a capa um pouco mais para trás, apanhou a pena que
ele entregava.  — Agora, escreva!
Obedientemente, porque não podia fazer outra coisa, ela
se inclinou para diante e pousou a mão no papel, a fim de
firmá-lo melhor.
— Comece: "Querida Sophie" — ditou ele, em voz amarga.
Lalitha iniciou a carta e depois continuou escrevendo o
que lhe era ditado:
 
Transmiti sua mensagem, a Lorde Rothwyn e, como ele
achou que seria uma pena perder os serviços do vigário,
assim como a recepção que lhe tinha preparado, eu tomei seu
lugar e agora sou esposa dele.
Estou certa de que ficará satisfeita ao saber que eram
infundados quaisquer temores sobre a saúde do Duque de
Yelverton e que, espera-se, Sua Graça continue bem disposto,
por muitos e muitos anos!
 
Lalitha interrompeu a escrita quando chegou à palavra
"infundados".
— Como sabe... disso? — perguntou.
Lorde Rothwyn observou o que ela havia escrito e então
disse, em voz baixa:
      — Sua Graça... mora em... Hampshire.
De repente, Lalitha ergueu os olhos para o homem de pé
ao seu lado.
— Então, não era... verdade! Foi o senhor quem enviou
aquela... nota a Sophie! O Duque não... está agonizando!
— Não, não está! — replicou Lorde Rothwyn. — Fiz um
teste. Um teste no qual sua irmã fracassou!
— Como pôde fazer isso? — indagou Lalitha. — Foi... pura
crueldade!
— Crueldade? — repetiu ele. — Acha crueldade, testar um
amor que foi confirmado vezes sem conta, um amor no qual
acreditei, mas que existiu apenas em minha imaginação idiota?
Voltara a falar com violência e, para Lalitha, foi quase
como se a espancasse.
— Vamos, termine a carta — ordenou ele. — O criado está
esperando!
— E-eu não... posso... escrever... isto! — balbuciou. —
Elas... me... matariam!... Elas me... matariam por... tomar
parte... nisto!
Sua voz transbordava do mais puro terror.
Pousando a pena sobre a mesa, Lalitha tentou fitar as
palavras que escrevera, quando elas lhe dançaram diante dos
olhos.
— Devo estar... louca! Louca, ao permitir... que faça isto...
comigo! — exclamou. — Eu não posso... suportar mais...!
Ao falar, levou as mãos ao rosto e sua cabeça inclinou-se
para a mesa. Então, com o movimento, a capa lhe caiu dos
ombros, escorregando para a cadeira em que ela se sentava.
— Vamos! — disse Rothwyn, bruscamente. — O momento
não é para fraquezas. Elas não a matarão por tomar parte nesta
farsa. Tem a minha palavra!
— Eu-eu... não devia ter... feito isto! — murmurou ela.
O desespero em sua voz conteve as palavras que o lorde
ia pronunciar.
Lorde Rothwyn baixou os olhos para ela, e então viu-lhe
as costas. Apanhou um dos castiçais de prata sobre a mesa.
Segurou-o acima da cabeça de Lalitha, e a luz revelou as
cicatrizes ensanguentadas, os vergões lacerando a pele.
O vestido continuava desabotoado até a cintura,
deixando à vista as marcas da bengala de Lady Studley,
entrecruzando-se em confusos desenhos.
Algumas tinham uma tonalidade vermelho-púrpura,
outras sangravam e havia tantas equimoses, que muito pouco
de pele branca sobrara entre elas.
— Meu Deus!
A exclamação pareceu forçar passagem por entre os
lábios de Lorde Rothwyn.
Em seguida, ele perguntou, usando um tom de voz muito
diferente do anterior:
— Quem a tratou desta maneira? Quem fez essas marcas
nas suas costas?
Exausta, Lalitha afastou o rosto das mãos.
— Quem foi que lhe fez isto? — repetiu Lorde Rothwyn.
Ele parecia exigir uma resposta. Lentamente, porque a
cabeça girava, não lhe permitindo pensar com clareza, Lalitha
respondeu:
— Minha... madrasta!
Então, depois de ditas as palavras, ela soltou uma série
de exclamações, frenéticas:
— N-não... não... foi minha... mãe! Eu não quis dizer
aquilo! Foi um... engano! E-ela é... mi-minha... mãe!
Ainda segurando o castiçal, Lorde Rothwyn a fitou com
espanto.
Levantando-se, Lalitha se virou para ele, suplicante.
— Eu não... quis dizer... aquilo! — gaguejou. — Juro que...
não quis... e não... posso suportar... mais... Não... posso! Eu
não... posso! 
Encarava-o com desespero, como se receasse não ser
ouvida.
Esboçou um ligeiro gesto de súplica com a mão, mas
depois caiu no chão, aos pés dele.
 
 
 
CAPÍTULO 3
 
 
LORDE Rothwyn contemplou o corpo prostrado de
Lalitha. Então, cruzando a biblioteca, puxou o cordão da
sineta.
Quando um criado apareceu, ele tomou a jovem
inanimada nos braços e, atravessando o amplo vestíbulo,
rumou para a escadaria.
O criado correu à frente deles, a fim de abrir a porta nos
fundos de um largo corredor.
Lorde Rothwyn carregou Lalitha para um quarto.
Era um enorme dormitório, dando para o jardim dos
fundos da casa. Decorado com lírios, evidentemente, fora
transformado em quarto nupcial. 
Ao caminhar para a cama, Lorde Rothwyn ordenou:
— Chame a ama!
— A ama, milorde? — perguntou o criado, surpreso.
— Você ouviu o que eu disse!
Suavemente, Lorde Rothwyn ajeitou Lalitha entre os
travesseiros, colocando-a de lado para que as costas laceradas
não ficassem em contato com a cama.
Em seguida, ficou de pé ao lado do leito, contemplando-a
e ainda incrédulo com o que via. A luz do castiçal mostrou que
ela também tinha os braços arranhados.
Lorde Rothwyn percebeu que, ao puxá-la pela igreja,
devia tê-la machucado e atemorizado ao mesmo tempo.
Ela continuava imóvel, pálida e abatida.
A porta se abriu, dando passagem a uma mulher idosa,
de rosto suave e enrugado, cabelos grisalhos, usando o
convencional vestido cinzento e o avental da ama de crianças.
— Mandou chamar-me, milorde?
Lorde Rothwyn deu meia volta vivamente, como que
aliviado.
— Chegue aqui, Nattie!
A mulher aproximou-se e, seguindo a direção de seu
olhar, viu Lalitha e as terríveis marcas que exibia nas costas.
— Patrão Inigo! — exclamou. — Quem teria feito
semelhante coisa?
Encarou-o, enquanto falava.
— Não fui eu, Nattie! — replicou ele. — Eu jamais trataria
uma mulher ou sequer um animal dessa maneira. 
— Quem seria tão brutal? — perguntou a ama.
— Uma mulher — respondeu ele, lacônico.
— E o que vai fazer?
— O mesmo pergunto a você — respondeu Lorde
Rothwyn.
Abaixando-se, Nattie afastou mais um pouco o vestido de
Lalitha.
Mal parecia haver um centímetro sem machucaduras
naquelas costas, que sangravam e estavam inflamadas, com
manchas avermelhadas e roxas.
— Ela perdeu os sentidos — disse Lorde Rothwyn, como
explicação. — Mas sentirá dores atrozes, quando voltar a si!
— Sem dúvida — replicou Nattie. — Precisaremos de óleo
de loureiro.
— Mandarei buscar na farmácia, imediatamente — disse
Lorde Rothwyn.
Falava com vivacidade, como se estivesse satisfeito por
haver algo que pudesse fazer.
— Duvido que alguma farmácia tenha óleo de loureiro —
disse Nattie.
— Então, onde o conseguiremos?
— Com a herbanária. 
— Que herbanária? — começou Lorde Rothwyn, para
depois exclamar: — Lembro-me agora! É a que mora perto de
Roth, não? Minha mãe sempre falava nela!
— Exatamente — concordou Nattie.
A mulher tornou a contemplar Lalitha e tocou-lhe a mão,
como para certificar-se de que ainda vivia.
Era uma mão pequenina e magra, com os ossos do pulso
acentuando-se vivamente. 
— Quem é ela, milorde? — perguntou Nattie, como se só
então sentisse curiosidade em saber.
Houve uma pausa, antes dele responder abruptamente:
— Minha esposa!
— O senhor... casou-se com ela? — interrogou Nattie. —
Mas eu pensei... fomos informados de que, esta noite...
— Eu traria uma esposa belíssima para casa — terminou
Lorde Rothwyn, com um tom irritado de voz. — Era o que
pretendia fazer Nattie mas, em vez disso, trouxe-lhe alguém
que precisa de seus cuidados e proteção.
Abaixando-se, Nattie pousou a mão na testa de Lalitha.
— Farei o melhor que puder, milorde — disse, suave. —
Mas devemos pedir ajuda aos céus!
 
*     *     *
 
Ao mover-se, Lalitha teve consciência de que era feliz.
Parecia algo que vinha até ela do passado e, então,
recordou que sonhara com sua mãe.
Aquele sonho se repetira vezes sem conta. Sua mãe...
estivera ali, a seu lado, amparando-a, dando-lhe algo a beber.
Depois de beber, ela deslizara para uma terra de sonhos,
onde voltara a ser criança e nada havia que a atemorizasse.
— Mamãe! — murmurou.
Quando abriu os olhos, imaginou-se ainda sonhando.
Estava em um quarto desconhecido, banhado pela luz do sol.
Podia ver as colunas entalhadas da cama em que jazia, a
platibanda de mármore da lareira, em refinado estilo, tendo
mais acima um quadro de cores brilhantes.
Fechou os olhos.
Tudo aquilo, certamente, fazia parte do sonho.
Curiosa, tornou a abrir os olhos, apenas para constatar
que a lareira e o quadro continuavam no mesmo lugar.
— Se está acordada — disse uma voz calma, a seu lado —
tenho algo que deve beber.
Lalitha descobriu que já ouvira aquela voz antes.
Fora parte de seus sonhos e, em vista disso, obedeceu
instintivamente.
Um braço deslizou por baixo de seus ombros e
levantaram-lhe a cabeça ligeiramente, a fim de beber do copo
que tinha diante dos lábios. Mais uma vez, ela identificou algo
do sonho — a doçura do mel daquele líquido fresco que lhe
saciara a sede.
— Onde... estou? — conseguiu perguntar, fracamente,
quando afastaram o copo.
Ao falar, olhou para cima e avistou o rosto de uma
mulher idosa que lhe sorria.
— Está em Roth Park.
— Onde?
— Nós a trouxemos para cá, milady.
— Mas... por quê?
De repente, Lalitha recordou.
Houvera aquela ida à igreja, depois a sensação estranha e
indescritível de seu primeiro beijo. Em seguida, o terror de ser
arrastada até o altar e as palavras da cerimônia do casamento.
Estava casada!
Por um momento, sentiu-se tomada de medo... 
Ele se mostrara furioso, encolerizado, deixando-a
atemorizada... Depois, tivera que escrever uma carta. Uma
carta para Sophie!
Teria sido enviada? O que acontecera então?
Recordava que havia chorado, por causa de um súbito
terror, devido a algo que dissera; qualquer coisa que não devia
ser dita, algo que prometera nunca revelar.
Tudo começava a voltar-lhe à mente, mas havia lacunas...
lacunas que eram parte de seu medo, do terror de recordar
aqueles fatos.
— Pedirei que lhe tragam algo para comer — disse a voz
suave à sua cabeceira. — Sentir-se-á melhor, depois de
alimentada.
Lalitha quis protestar, dizer que não sentia fome.
A bebida de pouco antes era deliciosa, ainda sentia a
doçura na língua, e ficara tão revigorada, que podia pensar
mais claramente.
Viu a mulher idosa puxar a sineta e dar instruções a
alguém que chegara à porta do quarto.
Em seguida, ela retornou para junto da cama.
— Ainda não imagina como chegou aqui? — perguntou a
mulher.
Lalitha olhou para ela e disse:
— Quer dizer que... não estou em... Londres...
— Não, não está — explicou a mulher. — Foi trazida para
as propriedades de milorde, em Hertfordshire.
— De... milorde?
As palavras fizeram Lalitha estremecer.
Recordava bem, agora! Lorde Rothwyn era o seu marido,
o nobre que Sophie rejeitara, no último momento! 
Aquele homem moreno, furioso e autoritário, que
estendera uma cilada para sua meia-irmã e que a amedrontara,
forçando-a ao casamento.
"Como é que ele pôde fazer isso?", perguntou-se. "O que
pensará Sophie, quando souber que foi ludibriada?"
As perguntas evocaram Lady Studley, e ela estremeceu.
— Minha... minha madrasta... sabe onde... estou? —
perguntou, em uma vozinha que era pouco além de um
sussurro.
— Ignoro qualquer coisa a respeito — respondeu a
mulher idosa. — Mas não precisa ficar preocupada com ela ou
com quem quer que seja. Milorde velará por sua segurança.
— E-ele estava tão... zangado! — suspirou Lalitha.
— Já se acalmou agora — assegurou a mulher. — Só
deseja que milady fique boa.
Era confortante, saber que ele não continuava
enfurecido.
Lalitha fechou os olhos e tornou a dormir.
Quando voltou a abri-los, havia uma refeição à sua
espera. Ainda não sentia fome. Porém, para satisfazer àquela
bondosa mulher, tentou comer algumas garfadas. 
Em seguida, dormiu novamente, mergulhando no paraíso
de uma terra de sonhos, onde sua mãe a esperava e não existia
medo algum...
 
*    *    *
 
Somente na manhã seguinte, ela sentiu que as nuvens
não mais tomavam sua cabeça, permitindo-lhe que, agora,
pudesse raciocinar com mais clareza. 
O dormitório era ainda mais belo do que parecera à
primeira vista. 
As paredes brancas e douradas, os reposteiros rosados,
combinando com os tapetes, os imensos espelhos em moldura
de ouro, quadros, flores, tudo formava um quarto ideal que
gostaria de possuir, mas que nunca vira antes.       Agora, já
sabia que a mulher idosa, a que cuidara dela, fora ama de
Lorde Rothwyn.  
     — Era um garotinho adorável, e "Nattie" foi uma das
primeiras palavras que aprendeu — disse ela. — E o nome me
acompanhou desde então!
     Trouxera uma refeição matinal para Lalitha, que havia
depositado a seu lado, sobre o leito imenso.
Por um momento, Lalitha não viu a fina porcelana
Worcester, a prata cintilante e a toalha admiravelmente
bordada.
Ao invés disso, lembrou-se apenas dos alimentos que
comia, preparados sobre a imunda mesa da cozinha da casa em
Hill Street.
O que pensaria Lady Studley a seu respeito, agora que
não se encontrava mais naquela casa? Que explicações lhe
haviam sido fornecidas, quando ela não retornara? O que lhe
diriam, quando a vissem novamente?
Amedrontada pelo conteúdo daquelas perguntas, ela as
empurrou para o fundo da mente, esforçando-se em entender o
que Nattie lhe dizia.
— Vai ter de engordar, milady! Aliás, penso que até já
ganhou um pouquinho de peso!
Lalitha a fitou com olhos arregalados.
— Como seria... possível... — começou, para depois
perguntar, em voz tensa: — Há quanto tempo... estou aqui? 
— Quase três semanas.
O espanto de Lalitha foi tal, que as porcelanas
chocalharam na bandeja.
— Não pode ser! Três semanas! Mas, por quê? Como foi
que isso aconteceu?
— Esteve muito doente, milady — explicou Nattie. — Foi
o que o médico qualificou de "exaustão cerebral". Mas não lhe
demos muita importância, embora milorde insistisse em
consultá-lo.
Fez uma pausa e, percebendo que Lalitha aguardava mais
explicações, continuou:
— Quem a esteve tratando foi uma herbanária, milady.
Não reconhecerá mais suas costas, quando as vir no espelho.
— Uma... herbanária? — repetiu Lalitha, pensando que
devia ser mesmo muito ignorante, para não ter entendido o
que acontecera.
— Ela é muito famosa por aqui — prosseguiu Nattie. —
Vêm pessoas de Londres à sua procura, para que ela cure seus
achaques com ervas. Ainda mais: a herbanária não admite que
ninguém tome remédios dos médicos. Diz que não passam de
porcarias!
— Estive bebendo algum chá de ervas? — perguntou
Lalitha. — Mesmo inconsciente, eu sentia que era delicioso!
São chás feitos com ervas e frutas da herbanária — disse
Nattie — e mel de suas colméias. Ela usa apenas os próprios
produtos e diz que possuem poderes curativos especiais.
Lalitha ficou calada por um instante. Depois falou:
— Disse que estou... mais gorda?
— Um pouquinho apenas — sorriu Nattie — mas já é
alguma melhora. 
A mulher foi ao toucador e apanhou um pequeno
espelho, com moldura dourada, encimada por anjinhos
dançarinos. Cruzou o quarto e o colocou diante de Lalitha, para
que pudesse ver-se.
E, o que ela viu, foi uma imagem muito diferente daquela
com que se acostumara, em seu quarto de Hill Street.
Antes, a pele do rosto parecia estirar-se sobre os ossos
salientes. Os olhos, vermelhos e inflamados, ficavam quase
fechados, enquanto o cabelo caía em mechas sem vida sobre os
ombros.
Agora, os olhos quase pareciam tomar o rosto pequenino
e, embora a linha do queixo fosse aguda, a pele se tornara
translúcida e viva, com um ligeiro toque de cor.
Os cabelos pareciam mais cheios e fofos, com um leve
ondulado. Haviam sido repartidos no meio, caindo aos lados
do rosto.
— Pareço... diferente! — conseguiu murmurar.
— E ficará ainda mais diferente, depois que terminarmos!
— prometeu Nattie. — Entretanto, deverá fazer tudo quanto eu
disser!
Lalitha sorriu.
Conhecia bem aquele tom, mescla de censura e afeição,
empregado pelas amas, quando cuidavam de alguém.
Era assim que sua ama lhe falara, mostrando uma
ternura que jamais encontrara em outra pessoa.
Lalitha sabia que era amor, como o que recebera de sua
mãe, mas de certa forma diferente, porque a ama jamais
"relevaria uma tolice".
— Farei o que... me disser — respondeu. — Quero ficar...
boa! 
Enquanto falava, perguntava-se se aquilo podia ser
verdade.
Se ficasse boa, não haveria problemas a enfrentar? Além
do mais, um problema era pior que todos os outros.
Nem precisava expressá-lo para si mesma. A ideia
daquele homem, alto, amedrontador e encolerizado,
continuava lá, por mais que procurasse esquecêla.
Nattie trouxe-lhe uma camisola limpa, uma elegante
criação de cambraia macia, debruada em rendas. Depois
escovou-lhe o cabelo.
Antes disso, friccionou-a com uma loção que disse ter
recebido da herbanária.
— O que é? — perguntou Lalitha.
Quinquefólio, ou, como costumávamos chamar, quando
crianças, "Cinco em Rama" — replicou Nattie. — É a erva de
Júpiter.
— E faz mesmo o cabelo crescer? — perguntou Lalitha.
— Seus cabelos cresceram bastante, desde que chegou,
milady — respondeu Nattie — mas isto sempre acontece,
quando a pessoa está inconsciente.
— É mesmo? Eu não sabia! — exclamou Lalitha.
— Pois é verdade!
— Como pude ficar inconsciente por tanto tempo?
— Nós é que mantivemos milady dormindo — sorriu
Nattie. — Poderia ter acordado, após algum tempo, mas só se
sentiria infeliz e confusa. Assim...
— Fizeram-me dormir... e com ervas, claro! — disse
Lalitha, com um sorriso. 
— O sono é a cura do Senhor — replicou Nattie. —
Entretanto nós o ajudamos um pouquinho.
— O que me deu a herbanária para que eu dormisse? —
perguntou Lalitha, curiosamente.
— Creio que foi ligustro, erva-de-são-joão e dormideira —
respondeu Nattie. — Mas para ter certeza, só perguntando
diretamente, embora ela nem sempre conte seus segredos.
Nattie escovou-lhe os cabelos, até deixá-los quase
dançando em torno dos ombros.
Toda aquela movimentação devia ter cansado Lalitha,
porque ela tornou a dormir e, quando acordou, já era tarde
avançada.
Trouxeram-lhe chá e pequeninos sanduíches, de novo
servidos com refinamento. Ao terminar de comer, Nattie lhe
disse:
— Milorde deseja falar-lhe.
— Mi... lorde? — repetiu Lalitha, quase sem voz.
Instintivamente, levou as mãos ao peito, como se
quisesse proteger-se.
— Ele tem vindo vê-la diariamente — prosseguiu Nattie
— a fim de observar as suas melhoras.
Deu uma risadinha, antes de acrescentar:
— É quase como se milady fosse um daqueles prédios,
onde ele passa tanto tempo!
Lalitha não soube o que responder, porque tremia de alto
a baixo.
Como poderia encarar Lorde Rothwyn? E o que lhe diria?
Um pensamento repentino veio-lhe à mente.
Sem dúvida, ele desejaria discutir seu futuro e a maneira
de livrar-se dela. 
Mal percebeu que Nattie tirara de uma gaveta um chalé
de chiffon, debruado de rendas, o qual lhe punha em torno dos
ombros.
A ama tornou a ajeitar-lhe os cabelos e afofou os
travesseiros às suas costas.
Então, parecendo adivinhar que Lord Rothwyn se
aproximava da porta, caminhou para lá, alcançando-a no
momento em que ele batia.
Entre, milorde.
Abriu a porta, e ele entrou.
Lalitha conteve a respiração.
Sem saber por que, esperava vê-lo de negro, como
naquela noite, na igreja.
Evocou a capa esvoaçante, que lhe dava a aparência de
possuir asas de morcego.
Entretanto, agora Lorde Rothwyn usava um traje de
montaria. Estava muito elegante, e bem menos amedrontador,
em um casaco azul, com colarinho alto e calças brancas,
enfiadas nas botas lustrosas.
Demorou um segundo a fitar-lhe o rosto, mas então
percebeu que ele não mostrava mais aquela expressão
demoníaca.
Ao invés disso, foi forçada a admitir que Lorde Rothwyn
era o homem mais atraente que já conhecera. Não obstante,
com sua altura e corpulência, a fazia sentir-se muito pequenina
e insignificante.
Na verdade, Lalitha parecia algo insubstancial e frágil,
naquele leito enorme, com seu dossel de anjos esculpidos e
cortinados bordados, em veludo rosa.
O sol da tarde enchia o quarto de uma luminosidade
dourada, mas ainda assim Lalitha parecia irreal. 
Lorde Rothwyn disse para si mesmo que jamais vira
outra mulher com tão estranha coloração dos cabelos.
Eram quase cinzentos, praticamente da cor dos olhos.
Estes mostravam a tonalidade acentuada e plúmbea do mar
tempestuoso, com uma luminosidade translúcida por trás das
pupilas.
— Fico satisfeito ao ver que está melhor — disse, em voz
grave.
Notou que os dedos afuselados de Lalitha comprimiam
apertadamente o chalé de chiffon sobre o busto. Ela
entreabrira os lábios, mas não conseguia dizer palavra.
 — Eu e Nattie passamos momentos de grande ansiedade
por sua causa — continuou ele, procurando dar-lhe tempo de
recompor-se. — Entretanto, vimos que melhorava de dia para
dia. Dentro em pouco, estará forte o bastante para sair do
quarto e conhecer os jardins. Ficam muito bonitos, nesta época
do ano.
           — Eu... gostaria de... vê-los — balbuciou Lalitha.
            — Então, terá que fazer exatamente o que Nattie
disser — explicou ele. — Aliás, não tenho feito outra coisa, a
vida inteira!
Sorriu e, em resposta, um ligeiro sorriso aflorou aos
lábios de Lalitha.
Percebendo que Lorde Rothwyn esperava mais algumas
palavras suas, murmurou:
— S-sinto... muito!
— Não há motivos para isso. Eu é que deveria pedir-lhe
desculpas.
Estive pensando... esta tarde... no que aconteceu —
murmurou novamente. — Devia... tê-lo... contido. Não... agi
bem, deixando-o... fazer aquilo. 
— Você nada podia fazer — disse Lorde Rothwyn,
fingindo ignorar que ela se referia ao casamento de ambos.
— Foi... covardia... de minha parte — disse Lalitha. —
Mamãe ficaria... envergonhada... de mim.
Falara sem pensar. Então, Lorde Rothwyn viu o medo
que lhe surgira nos olhos.
Caminhou para mais perto da cama e sentou-se em uma
cadeira, que aproximou um pouco mais.
— Estamos casados, Lalitha — disse. — Em vista disso,
não deve haver falsidades e, acima de tudo, mentiras entre nós.
Na noite em que a forcei cruelmente ao casamento, movido
pelo desejo de vingança, você primeiro disse que sua madrasta,
depois substituída por "mãe", a havia espancado.
Lalitha baixou os olhos e torceu os dedos, nervosamente.
Nada disse e, um momento depois, ele acrescentou:
— Quero deixar uma coisa bem clara: ninguém tornará a
magoá-la no futuro, enquanto estiver sob minha proteção.
Você agora é minha esposa, e tudo quanto sofreu no passado
acabou!
Quando Lalitha ergueu os olhos, Lorde Rothwyn notou o
brilho repentino que exibiam, como se ela acreditasse no que
acabara de ouvir.
Então, ouviu-a murmurar, quase sem voz:
— Mas... não posso ficar... aqui... com você.
— Por que não?
— Porque você não... me quer e... se me mandar...
embora, ninguém ficará sabendo que... casou comigo. 
Lorde Rothwyn tinha os olhos cravados em seu rosto e
exclamou, em voz bastante estranha:
— Está mesmo sugerindo, Lalitha, que está pronta a
esconder o fato de que somos casados? A desaparecer de minha
vida?
— Seria a coisa mais... sensata a... fazer — respondeu ela.
— Acho a única... solução possível, em relação a... você!
— Por que pensa assim?
— Porque... Bem, não sou o... tipo de esposa que...
deveria ter e também... você não... ia... casar comigo.
— Eu a forcei ao casamento — argumentou ele — e ambos
sabemos que foi um ato de vingança contra sua irmã. Ao
mesmo tempo, foi um ato tão legal quanto religioso. Estou
casado com uma "Senhorita Studley".
Lalitha ficou calada por um instante. Depois perguntou:
— Eu evitei que... você perdesse os... dez mil guinéus da
aposta?
— Sim, evitou — respondeu ele, — mas recusei o
dinheiro, ao me ser oferecido.
— Por quê?
— Eu lhe direi a verdade — disse Lorde Rothwyn — como
espero ouvir sempre a verdade de sua boca.
Recostou-se melhor na poltrona e não havia dureza nem
animosidade em sua voz, quando começou:
— Quando sua irmã prometeu fugir comigo, confidenciei
o fato a dois amigos íntimos, um dos quais chamou-me de tolo.
— P-por quê? — perguntou Lalitha.
— Ele afirmou que Sophie Studley queria apenas um
casamento que lhe desse importância social e que, se estava
pronta a repudiar Julius Verton em meu favor, era apenas
porque o duque ainda podia viver muito tempo. Então,
sugeriu-me a aposta.
Lalitha recordou como Sophie dissera mais ou menos a
mesma coisa, em palavras idênticas.
— Eu me imaginava apaixonado — continuou Lorde
Rothwyn — e fiquei furioso com a sugestão. Afirmei que
"Sophie me amava pelo que eu era", como qualquer jovem
inexperiente...
Por um momento, surgiu uma ponta de fúria em sua voz.
Depois ele prosseguiu:
"Podemos tirar a prova", sugeriu meu amigo. "Aposto dez
mil guinéus, como a Senhorita Studley manterá seu
compromisso com Verton, se pensar que o duque morrerá
amanhã."
"Zombei do que ele me dizia, certo da sinceridade dos
protestos amorosos de Sophie. Mesmo assim, resolvi fazer o
teste. Juntos, forjamos uma carta que seria enviada para sua
irmã. Ela a receberia antes de partir a meu encontro, na igreja
de St. Alphage."
— Foi um... teste cruel — murmurou Lalitha.
— Cruel ou não, mostrou que eu era um tolo e que meu
amigo estava certo.
— Então, ele ganhou realmente a aposta!
— Sim, ganhou — disse Lorde Rothwyn, — mas quando
você já ia embora, na igreja, recordei que, na verdade, ele se
referira a "Senhorita Studley" e não a "Senhorita Sophie
Studley".
— Entendo! — murmurou Lalitha. — E foi... honesto, não
aceitar o dinheiro.
— É bom saber que aprova a minha conduta — disse ele,
com um leve sorriso.
— Ao mesmo tempo — continuou Lalitha — o mal está...
feito, no que concerne a... milorde.
— O mal?
— Agora está... casado... comigo!
— Dificilmente eu descreveria nossa união desta maneira.
— Disse há pouco que nós não... fingimos — falou Lalitha.
— Então... sejamos francos. Você amava Sophie, porque ela é a
moça mais bonita da Inglaterra. Ninguém pode ser tão linda! E
agora, sou uma esposa que você não ama, uma mulher a quem
jamais admirariam! Sinceramente, a melhor coisa que tem a
fazer é... livrar-se de mim!
— Acho que está mesmo falando sério — disse ele,
lentamente.
— Falo por sua causa — respondeu Lalitha.
— E quanto a você?
— Estarei bem — respondeu ela — se me ajudar.
— De que maneira?
— Pensei que, se pudesse dar-me algum dinheiro...
apenas um pouco... — disse, apressada — o suficiente para
alugar um chalé no campo... eu poderia ir para onde ninguém...
me conhecesse e você não... me veria nunca mais.
Notou que ele a fitava especulativamente e acrescentou:
— Tenho uma velha ama, assim como Nattie. Minha
mad... minha mãe aposentou-a, quando deixamos Norfolk,
mas sei que ela é infeliz e gostaria de voltar a cuidar de mim.
— Quanto acha que isto custaria? — perguntou Lorde
Rothwyn.
Lalitha olhou para ele, constrangida, mas depois desviou
o rosto. 
— Se não for... demais — disse, em voz quase inaudível —
creio que nos arranjaríamos bem com... cem libras por ano.
— E, por essa "tão grande" soma, está preparada para sair
de vez da minha vida?
— Prometo nunca dizer a ninguém o que... aconteceu —
disse Lalitha. — Então, você poderia... casar com alguém a
quem... amasse.
— Acha que sou um homem muito rico? — perguntou
Lorde Rothwyn.
— Sophie disse que era — respondeu Lalitha.
— E, sabendo disso, ainda pensa que cem libras anuais
seriam uma recompensa à altura do favor que me prestaria?
— Não sou... perdulária.
— Então, você é muito diferente da maioria das jovens de
sua idade.
Lalitha esboçou um sorriso.
— A felicidade não depende do... dinheiro.
Pensou no quanto fora feliz em casa, ao lado dos pais,
que não podiam permitir-se maiores extravagâncias, mas
viviam em total felicidade, algo que jamais seria expresso em
ouro, por muitos milhões que possuíssem.
A voz de Lorde Rothwyn interrompeu seus pensamentos.
— Repito, Lalitha, que você é muito diferente da maioria
das outras jovens.
— Isto não é bem um... cumprimento — disse ela.
Ele se calou. Depois perguntou:
— Tem outros planos para o futuro?
Lalitha encarou-o. Lorde Rothwyn pôde perceber que,
quando estava emocionada ou temerosa, seus olhos se
tornavam quase arroxeados.
—  V-você não... contaria para... minha madrasta ou...
Sophie que... fui embora? Elas poderiam... encontrar-me e...
então...
Lorde Rothwyn inclinou-se para diante.
Sem pensar, enquanto lhe fazia o pedido, Lalitha
estendera a mão em sua direção.
Ele tomou os dedinhos finos entre os seus e os apertou.
— Acredita mesmo que eu faria semelhante coisa? Que eu
diria a elas para onde tinha ido, forçando-a a sofrer de novo a
mesma bestial crueldade de que era vítima?
Sentiu os dedos dela estremecerem.
— Acho que — disse Lalitha, devagar — minha...
madrasta queria a minha... morte. Poderia... dizer a ela que...
morri?
— No entanto, você está bem viva — declarou ele, em voz
firme. — Aliás, embora suas ideias sejam interessantes,
também tenho os meus planos.
— E quais são esses planos?
Ele lhe soltou a mão, tornando a recostar-se na poltrona.
— Sophie nunca lhe contou qual é o meu passatempo
predileto?
— Não — respondeu Lalitha.
— Há alguns anos, preocupo-me em devolver a
edificações antigas sua glória anterior, que foi esquecida ou
negligenciada.
— Deve ser muito interessante!
— Também acho.
— Lembro-me agora — disse Lalitha. — Sophie contou
que o Regente costuma consultá-lo sobre esquemas de
construções.
— Nós dois temos as mesmas ideias sobre muitas coisas
— declarou Lorde Rothwyn. — Dei opiniões a Sua Alteza Real
sobre seus prédios em Regents Park e Brighton. Muitas vezes
tenho a honra de sua aprovação, quando reformo ou
reconstruo uma casa que, frequentemente, não passava de uma
pilha de escombros.
— Eu adoraria ver uma dessas casas! — exclamou Lalitha,
impulsivamente.
— Você ainda verá — prometeu ele. — Bem perto daqui,
existe uma casa que foi originariamente construída para um
dos estadistas da corte da Rainha Elizabeth.
Lalitha o ouvia com a máxima atenção.
— O prédio chegou a um estado lastimável — prosseguiu
ele — e o salão principal, onde a própria rainha fez refeições
muitas vezes, fora transformado em estábulo. As vigas de
carvalho foram roubadas ou usadas na construção de casas
para camponeses, as madeiras entalhadas desapareceram ou
serviram para alimentar lareiras... Hoje, no entanto, esse
prédio está praticamente renovado, devolvido seu antigo
esplendor.
Havia uma nota de excitação na voz de Lorde Rothwyn,
enquanto comentava o prédio que restaurara.
— Também, inteiramente por acaso — prosseguiu ele —
descobri nos arredores de St. Albans, que no passado fora uma
cidade romana, uma pequena vila esquecida e invadida pelo
que hoje é um bosque. Derrubei as árvores, escavei o solo e
encontrei mosaicos maravilhosos, ladrilhos de mármore e
colunas de indescritível beleza.
— Como foi inteligente! — exclamou Lalitha. — Posso
imaginar quanto prazer sente com isso! 
— Eu me orgulho de possuir certo instinto, no referente a
essas coisas. O Regente diz que sente o mesmo, quando vê
algum objeto ou pintura antiga, necessitando de restauração, e
sabe que, por sob a poeira dos anos, jaz o trabalho de um
artista, de um grande mestre!
— Você nunca se engana?
— Praticamente nunca! — exclamou Lorde Rothwyn. —
Daí porque me sinto certo sobre você.
— Sobre... mim?
— Meu instinto diz que precisa de um bocado de
restauração — sorriu ele.
Lalitha refletiu por alguns segundos. Depois disse:
— O que você tem descoberto, é excepcionalmente
elegante ou belo. Quanto a mim, mesmo restaurada,
continuarei sendo... a mesma coisa.
— Não seja modesta! — disse ele. — Acha-se parecida
com seu pai?
— Não; sou mais semelhante à minha mãe — respondeu
Lalitha — mas apenas uma pobre imitação, com alguns traços
comuns. Ela era linda!
Falava sem pensar e, novamente, Lorde Rothwyn notou o
medo em seus olhos, percebeu o repentino tremor que a
percorreu.
— Claro está que — disse Lalitha, sem olhar para ele —
minha mãe se... modificou muito, quando ficou... mais velha!
— Pensei termos combinado — disse Lorde Rothwyn —
que não haveria mentiras entre nós.
— Dei a minha palavra... e... — gaguejou Lalitha.
Fez uma pausa. 
— Qual era a ameaça, caso a quebrasse?
— E-ela me... mataria... mesmo! — murmurou Lalitha,
estremecendo.
— Isso nunca vai acontecer. Mas como não quero que
fique preocupada com o que possa dizer-me e por desejar que
esqueça todos os horrores do passado, não insistirei com você.
Percebeu a gratidão nos olhos de Lalitha.
— Agora, deve concentrar seus pensamentos apenas em
ficar boa — continuou ele. — Depois passeará comigo no
jardim e então, mais tarde, quando ficar forte o suficiente
iremos ver a vila, perto de St. Albans, e a casa elisabetana,
antes que eu encontre um pretendente para ela.
Levantou-se.
— Promete que não se preocupará mais com o futuro?
— Farei... o possível! — respondeu ela.
— Voltaremos a discutir o assunto, quando você estiver
mais forte. Agora, reflita que eu ficaria muito desapontado, se a
restauração de um edifício chamado "Lalitha", não
corresponder à minha expectativa.
Lalitha sorriu de leve.
— Por favor, não espere demais!
— Infelizmente, sou um perfeccionista — replicou ele.
Tomou-lhe a mão e a levou aos lábios.
— Durma bem, Lalitha. Virei vê-la amanhã novamente.
Virou-se para a porta, mas depois parou, quando ela
perguntou:
— Por que está aqui, no campo? Deveria continuar em
Londres. A temporada ainda não terminou!
— Terminará em breve — replicou ele. —Por outro lado,
não confio em ninguém além de mim mesmo, no tocante à
restauração de meus prédios!
Sorriu-lhe e depois saiu do quarto.
Lalitha voltou a reclinar-se nos travesseiros.
Seu coração batia depressa e ela deixara de sentir o medo
experimentado quando Lorde Rothwyn entrara no quarto.
— Ele foi muito gentil — disse para si mesma, pensando
que deveria ter insistido em sua partida para longe.
Evidentemente, Lorde Rothwyn estava sendo
cavalheiresco, e Lalitha podia imaginar muito bem o tipo de
impressão que ela produziria nos amigos dele.
Todos esperavam que a nova esposa fosse Sophie, a bela
e incomparável Sophie, com seus cabelos dourados, os olhos
muito azuis e a pele perfeita.
Sem que ninguém lhe dissesse, Lalitha deduzia que,
certamente, houvera muitas mulheres na vida de Lorde
Rothwyn, mas que ele, talvez, nunca pedisse nenhuma delas
em casamento.
Sophie o apontara como um dos homens mais ricos da
Inglaterra e, assim sendo, todas as mães ambiciosas o
cobiçariam como genro.
Qualquer jovem sonharia viver em Rothwyn House, Park
Lane ou ser a castelã de Roth Park...
Usando as jóias da família, a esposa de Lorde Rothwyn
estaria em situação de receber as personalidades do país,
inclusive o Regente.
Além disso, Sophie possuía uma qualidade essencial para
aquela posição: uma beleza que fascinava a todos que a viam.
Haveria ainda outras candidatas com sangue azul, um
grande dote ou uma personalidade sedutora.
"Eu não tenho nada disso!" pensou, desolada.
Afundou a cabeça nos travesseiros e fechou os olhos.
Decidiu que precisava ser prática. Tinha que agir com
sensatez!
Durante algum tempo, até ficar boa, permaneceria ali,
em meio àquele mundo de beleza, em um ambiente que a
deixava tão comovida, que não conseguia exprimir em
palavras.
Sempre detestara as coisas de feia aparência, como
detestara a sujeira, crueldade, mentiras e farsas, um conjunto
que fora parte de sua vida, daquela que fora forçada a levar.
Agora, conseguira escapar!
Entretanto, não devia iludir-se, pensando que aquilo ia
durar para sempre. Lorde Rothwyn se mostrara gentil, mas
apenas por sabê-la doente e porque, enfurecido, obrigara-a a
curvar-se ao seu desejo.
"Ao mesmo tempo, ele deve desprezar-me por me
mostrar tão fraca!" pensou. "Se eu tivesse protestado em voz
bem alta, se me recusasse a pronunciar os votos do casamento,
ele não ocuparia a posição que tem agora..." Deu um ligeiro
suspiro. 
“Preciso salvá-lo”, pensou. “De si mesmo... e de mim”.
 
*     *     *
 
Dois dias mais tarde, Lalitha adquirira forças suficientes
para descer a escadaria, diante da qual encontrara a
herbanária. 
Não tinha bem certeza do que esperara.
A mulher não era nenhuma encarquilhada, que parecesse
ter sido torrada ao sol, até a pele assemelhar-se ao couro. E os
olhos... eram azuis como não-meesqueças.
Ela fora trazida a Roth Park em uma das carruagens de
Lorde Rothwyn e era com satisfação que constatava as
melhoras da paciente, que agora parecia ter mais carne
cobrindo os ossos miúdos.
— Ainda tem um longo caminho pela frente, minha
querida! — exclamou a mulher, com o forte sotaque de
Hertfordshire. — Entretanto, tomou o rumo certo da estrada e
tudo quanto tem a fazer, agora, é seguir minhas instruções.
Sacudiu um dedo para Lalitha.
— E nada de me enganar!
Certas ervas que Lalitha continuava usando a deixavam
intrigada. O óleo de loureiro ainda era empregado pois,
embora lhe houvesse curado as costas, precisava ser
friccionado sobre as cicatrizes que persistiam.
Havia cremes macios que devia esfregar no corpo, após o
banho e que, ficara sabendo, continham uma erva denominada
"primavera".
Também havia a calaminta, que lhe disseram ser a erva-
de-mercúrio, boa não apenas para a pele, mas para todas as
afecções do cérebro.
— Pelo jeito, parecem pensar que eu era louca! —
protestou.
— Seu cérebro estava tão maltratado quanto seu corpo —
declarou a herbanária. — E ele precisa ser nutrido, para ficar
forte como deve ser. A calaminta a ajudará. Vou deixar-lhe um
pequeno frasco. Diga-me quando terminar. 
Havia tantas outras coisas que, receando esquecer as
instruções da idosa mulher, Lalitha decidiu anotar em um
papel.
Uma dessas instruções era difícil de esquecer: ela agora
trocaria a loção anterior dos cabelos por outra feita de caroços
de pêssegos.
— Ferva-os em vinagre — disse a herbanária a Nattie. —
Felizmente, estamos na estação dos pêssegos e é fácil encontrá-
los. A loção fará o cabelo crescer, mesmo nas partes onde caiu,
dando-lhe um brilho tão bonito como o do próprio pêssego!
Além disso, ela trouxe para Lalitha um pouco de seu mel
especial, dizendolhe para comer também os favos, tão
importantes para a saúde, como o próprio mel.
— Onde aprendeu tantas coisas? — perguntou Lalitha.
— Meu pai foi herbanário e, antes dele, meu avô. Aliás,
Nicholas Culpeper foi meu ancestral.
— Quem era ele?
— Um médico-astrólogo de grande fama — explicou a
herbanária. — Foi o primeiro homem, neste país, a anotar o
que ia descobrindo em relação às ervas.
Sorriu para Lalitha, antes de acrescentar:
— Trata-se de um estudo que remonta aos próprios anais
do tempo...
— Sim, eu sei — replicou Lalitha — mas até hoje ignorava
que houvesse livros sobre ervas.
— Nicholas Culpeper devotou toda a sua vida ao estudo
da Astrologia e da Medicina — disse a herbanária.
— Que sorte ele ter escrito tudo quanto ia descobrindo! —
exclamou Lalitha.
— Durante a Guerra Civil, ele lutou pelo lado
Parlamentar, tendo sido ferido no peito — explicou a
herbanária. — Então, ao curar-se, pensou que seus segredos se
perderiam com ele, caso houvesse morrido.
— Sim... Seria uma perda terrível!
— Concordo plenamente! Assim, enquanto cuidava de
inúmeros pacientes, em Spitalfields, ainda encontrava tempo
para descrever as propriedades medicinais das ervas e as
instruções acerca de seus componentes, no que intitulou
"Complete Herbal".
— A senhora me permitiria ver esse livro, um dia? —
pediu Lalitha.
— Naturalmente — replicou a herbanária. — Poderá vê-lo
à vontade, quando for visitar-me. Verá também as ervas
plantadas, examinará as que já sequei para o inverno e
conversará com minhas abelhas!
— Conversar com suas abelhas? — exclamou Lalitha,
espantada.
— Elas gostam de ouvir aqueles a quem elas curaram —
disse a herbanária. — Eu converso com as abelhas, digo-lhes o
que está acontecendo e explico o que seu mel mágico terá de
fazer.
Acrescentou, com simplicidade:
— Elas nunca falharam!
Lalitha tinha a impressão de que ali, a cada momento,
havia novas coisas para serem vistas e aprendidas.
Ao se vestir, com ajuda de Nattie, a ama trouxera do
guarda-roupa um vestido que ela nunca vira antes.
Ficara preocupada, imaginando o que usar, quando
saísse do quarto, pois o traje que vestira, em sua ida à igreja,
pareceria totalmente deslocado, em meio ao luxo e à beleza de
Roth Park.
Entretanto, o vestido que Nattie lhe apresentava era
maravilhoso, com o decote bateau, tão em moda, e as mangas
bufantes, que terminavam apertadas nos pulsos, como que
feitas a propósito para disfarçar sua magreza.
A saia era farta e tinha a barra enfeitada com fitas, de
certa forma pronunciando a palavra mágica "Paris".
— É para... mim? — perguntou ela, de olhos arregalados.
— Milorde encomendou vários vestidos em Londres —
respondeu Nattie. — Aliás, queimei aqueles trapos que milady
vestia, na noite em que chegou aqui.
Lalitha enrubesceu.
— Eles eram tudo que eu tinha — murmurou.
— Muito bem, agora tem uma porção para escolher —
replicou Nattie. — De qualquer modo, não vou permitir que se
canse, olhando para eles.
— Posso olhar só um pouquinho? — pediu Lalitha.
Bem-humorada, como se atendesse ao pedido de uma
criança, a ama abriu as portas do guarda-roupa, e Lalitha
contemplou mais de uma dúzia de vestidos, todos eles em cores
amenas, que poderiam transformar Sophie em uma beldade
rosa-brilhante, azul-suave ou branca e dourada.
"Como ele conseguiu adivinhar que fico melhor em cores
suaves, como mamãe?", perguntou-se mentalmente. 
Em seguida, concluiu que Lorde Rothwyn devia possuir
um instinto fantástico para aquele tipo de coisas.
Realmente, o vestido azul-pálido a tornava semelhante a
uma flor muito mimosa, embelezando-lhe o corpinho frágil e
acentuando o ligeiro rosado que ganhara nas faces, desde que
passara a tomar as poções da herbanária.
Não obstante, enquanto descia a escada, Lalitha estava
apreensiva.
E se, depois de tudo quanto fizera, Lorde Rothwyn ficasse
desapontado?
Um criado de libré a conduziu pelo vestíbulo e abriu a
porta, não do grande salão que ela temera, mas de uma sala
muito menor e mais aconchegante.
O aposento estava repleto de flores. As paredes forradas
em brocado eram decoradas com retratos de crianças.
Lorde Rothwyn estava diante da janela que dava para o
jardim.
Quando ela entrou, virou-se e contemplou-a por um
segundo, antes de sorrir.
Naquele momento, o medo abandonou Lalitha e,
confiante, caminhou ao encontro dele.
 
 
 
CAPÍTULO 4
 
 
LALITHA desceu a escada em passos ligeiros, seguida
por um cãozinho preto e branco.
Pensava que cada dia passado em Roth Park tinha sido
repleto de descobertas e alegrias.
Em primeiro lugar, fora conduzida pela casa, construída
no reinado de Charles II, e aumentada pelas gerações
sucessivas de Rothwyn.
Ela jamais pudera imaginar que uma construção tão
grande e imponente possuísse também o calor, o ambiente e a
intimidade de um lar.
Havia verdadeiros tesouros, para onde quer que olhasse:
retratos fabulosos a óleo e tapeçarias cobrindo as paredes,
móveis comprados na França e Itália por sucessivos
proprietários, as peças complementando-se entre si, mercê de
seu refinado artesanato, compondo um todo de beleza que a
extasiava.
Na verdade, ela se sentia fascinada por tudo quanto via e,
além disso, era ainda maior a delícia de ouvir a história
daqueles tesouros, contada pelo próprio Lorde Rothwyn.
Havia as seguintes palavras, gravadas na pedra, acima da
porta de entrada:
 
Esta casa foi construída por Inigo, o primeiro Lorde
Rothwyn, não apenas com tijolos e vigas, mas com sua mente,
imaginação e alma. Erigida no ano de Nosso Senhor, A.D.
1678.
 
— Posso compreendê-lo quando disse isso — falou
Lalitha.
— Eu também — concordou Lorde Rothwyn.
— É assim que... você constrói?
— Exatamente.
Houve uma pausa, mas Lalitha gostaria de perguntar se,
enquanto a "restaurava", como dissera, também lhe dera sua
mente, sua imaginação e sua alma.
Entretanto, era tão tímida! De qualquer maneira, a
última hipótese era absurda, no que lhe dizia respeito.
Em seguida, Lorde Rothwyn a conduziu à sua imensa
biblioteca.
Quando ela viu os tetos maravilhosamente pintados e os
milhares de livros, emprestando às paredes um efeito de colcha
de retalhos muito colorida, ficou com a respiração presa pela
admiração.
— Eu poderia... poderia... ter sua licença para... ler alguns
deles? — perguntou, fitando-o com ansiedade.
Com a mão, ele esboçou um gesto, abrangendo o
aposento.
— São todos seus!
— Mal posso acreditar! — exclamou ela, incrédula. —
Nestes últimos anos... eu me sentia como que faminta, porque
não me permitiam ler...
— Não era só de livros que você estava faminta —
observou ele, com expressão grave.
Ela ruborizou-se e exclamou, ansiosa:
— Já fiquei melhor! Não estou mais tão feia como antes!
— Você nunca foi feia — respondeu ele, no mesmo tom
grave. — Entretanto, parecia um pouco negligenciada.
— Estou fazendo tudo para comer o mais possível.
Francamente, tenho bebido litros e litros de leite!
Franziu o narizinho.
— É um esforço e tanto, porque detesto leite!
— Eu também — confessou Lorde Rothwyn — mas Nattie
sempre insistiu para que eu esvaziasse o copo, portanto, você
deve fazer o mesmo.
Lalitha riu.
— Ela é muito gentil, mas sabe ser firme quando quer...
— Graças a isso, fui muito bem criado!
Ele falava brincalhonamente, mas Lalitha replicou, séria: 
— Nattie sente um orgulho imenso de você. Considera-se
responsável por todas as suas qualidades.
— E tem toda razão — concordou ele, sincero. — O que
me diz dos defeitos?
Olhou para Lalitha, com um sorriso cínico. Ela percebeu
que fora uma insinuação sobre seu mau gênio, na noite em que
a forçara ao casamento.
— Em minha opinião — disse, lentamente — penso que
você sente orgulho em... parecer-se com seu famoso ancestral.
— Está falando de Sir Hengist? — perguntou Lorde
Rothwyn. — O que sabe sobre ele?
— Li alguma coisa — respondeu Lalitha — e também os
versos que ele escreveu sobre a própria fúria.
— Então, por isso me disse que amaldiçoar Sophie dava
má sorte! Certo, mas... má sorte para mim ou para ela?
— Para ambos — replicou Lalitha — porque acredito que
o ódio ou a raiva podem prejudicar aqueles que os sentem.
— Vejo que preciso tomar cuidado, quando ficar
enraivecido em sua presença! — exclamou Lorde Rothwyn.
Notou que Lalitha o fitava com certo nervosismo.
Havia percebido que, embora ela estivesse muito melhor
de saúde e parecesse bem diversa da jovem que carregara
escadas acima, naquela noite em que se tinham casado, por
baixo da superfície o medo persistia.
Lalitha era como um animal que recebera tratamento
desumano e que sempre esperava uma bofetada de cada mão
erguida. 
Havia outras coisas, que imaginava terem contribuído à
recente felicidade de Lalitha, e a principal delas era o fato de
um de seus cães, um spaniel Rei Charles, ter-se afeiçoado a ela.
Lorde Rothwyn possuía vários spaniels, assim como
dálmatas malhados de preto e branco, que o seguiam para
onde quer que fosse. Moviam-se à sua frente e agitavam as
caudas quando ele entrava em algum aposento, e estavam
sempre alertas, à espera de um aviso para qualquer passeio.
O pequenino spaniel se postara ao lado de Lalitha, desde
que ela descera do quarto pela primeira vez.
Satisfeita, Lalitha acariciou o focinho úmido do animal e
abaixou-se para afagá-lo.
— Estou vendo que Real gosta de você — comentou Lorde
Rothwyn.
— Por que lhe deu este nome? — perguntou Lalitha.
— Ele era chamado de "Realista", por causa de seu
padroeiro real — explicou Lorde Rothwyn — mas nós o
encurtamos para "Real".
— É um cãozinho adorável! — exclamou Lalitha. — Tive
um cão certa vez e era louca por ele... mas...
Não terminou a frase, mas pela expressão de seus olhos,
Lorde Rothwyn adivinhou que lhe haviam tomado o
cachorrinho, apenas mais uma das crueldades que sofrera,
após ter entrado em sua vida a mulher a quem agora chamava
de "mãe".
Lalitha não percebia mas, sem precisar interrogá-la,
porque ele odiaria provocar novamente aquele medo que lhe
surgia no olhar, Lorde Rothwyn ia formando um quadro do
que acontecera em sua vida, antes que a conhecesse.
Por outro lado, volta e meia ela esquecia a parte que fora
forçada a representar.
— Antes de mamãe morrer, costumávamos ler muitos
livros juntas.
Disse em certo momento, sem imaginar que aquela era
uma frase significativa.
— Em Norwich havia um homem que cultivava rosas
como aquelas — fora outra peça para o quebra-cabeças que,
pouco a pouco, Lorde Rothwyn ia montando.
Nessa manhã, ela descera do quarto eufórica, porque ele
se prontificara a levá-la para ver a casa elisabetana que havia
reformado. Iriam depois do almoço, caso Lalitha se sentisse
disposta.
Lorde Rothwyn exibiu-lhe um croqui da casa, mostrando
como fora encontrada na primeira vez praticamente em ruínas,
e com sacos tapando os rombos existentes no telhado.
As janelas haviam sido obstruídas com farrapos,
enquanto os belos tijolos vermelhos elisabetanos ou eram
aproveitados na construção de chiqueiros ou substituíam os
que desmoronavam, nas paredes vizinhas.
 — O croqui mostra a casa como estava — explicou ele. —
Estes são os planos que fizemos para sua reforma, partindo do
que permanecia das fundações.
— Maravilhoso! — exclamou Lalitha.
— Muitas casas dos arredores — disse Lorde Rothwyn —
foram levantadas, não só pelos nobres da época, mas também
pelos burgueses da cidade de Londres, que consideravam o
lugar conveniente para passeios de carruagem, quando
queriam visitar o campo.
— Esta casa pertenceu a algum nobre?
— Sim — respondeu ele. — Foi de um grande aristocrata
que, sem dúvida, olharia com desprezo para meus
antepassados piratas e bucaneiros!
— O que não diria ele, se soubesse que quaisquer insultos
sofridos por Sir Hengist foram agora perdoados e esquecidos
por você! — exclamou Lalitha, sorrindo.
— Talvez ele aprovasse o que fiz — disse Lorde Rothwyn,
um tanto friamente. — Eis aqui algo que ainda permanece por
terminar. Talvez você pudesse ajudar-me.
— Será que posso mesmo fazer algo para ajudá-lo? —
perguntou Lalitha. — Eu ficaria felicíssima, acredite.
— Eu pretendia esperar até que você visse a casa —
continuou Lorde Rothwyn — mas direi tudo agora. Aliás, será
uma difícil tarefa.
Lalitha perguntou-se o que seria. Então, abrindo uma
gaveta, ele retirou uma caixa de prata.
Quando a abriu, Lalitha observou que estava cheia de
fragmentos de papel.
— O que é isto? — perguntou, curiosa.
— Nós encontramos estes papéis em um armário secreto,
por trás de um antigo apainelado — disse Lorde Rothwyn. —
Estavam roídos pelos ratos e, a princípio, imaginei que seriam
documentos importantes.
— Oh, que pena!
— Quando os examinei melhor — continuou Lorde
Rothwyn — pude ver que eram parte de um poema. Diz a
História que Lorde Hadley, porque era este o nome do
estadista, também escrevia sonetos.
Vendo a surpresa de Lalitha, ele explicou:
— Todos os cavalheiros da corte da Rainha Elizabeth
consideravam-se românticos e, em vista disso, expressavam-se
em versos a Sua Majestade ou à dama de seus pensamentos.
Riu com vontade.
— Em sua maioria, tais esforços não constituíam peças
literárias, mas sem dúvida deram muito prazer na época.
— Especialmente à pessoa a quem eram dirigidos —
comentou Lalitha.
Ao falar, pensava, um tanto desanimada, como seria bom
se alguém lhe escrevesse um poema, mas em seguida refletiu
que isso provavelmente nunca aconteceria.
— Quero que você tente reunir os fragmentos,
procurando completá-los — disse Lorde Rothwyn. — A maior
parte foi destruída, o que torna difícil conseguir um efeito mais
positivo; mesmo assim seria interessante saber-se o que foi
escrito.
— Posso mesmo fazer isso?! — exclamou Lalitha. — Fico
muito honrada e orgulhosa por confiar-me algo tão precioso.
— Não deverá cansar-se, recompondo os fragmentos —
avisou ele. — Se sentir que está fatigada, pare imediatamente!
— fez uma pausa, antes de acrescentar: — Seus olhos estão bem
diferentes daquela primeira vez em que a vi.
— Eu costurava até tarde, durante as noites, e só tinha
uma vela — explicou Lalitha. — Quando Nattie deixar, quero
bordar seu monograma em seus lenços. Sou muito habilidosa
nisso.
Ao mesmo tempo, ela pensava se chegaria a ficar muito
tempo na companhia de Lorde Rothwyn. Suas dúvidas foram
esclarecidas, quando ele replicou:
— Também eu ficarei honrado, mas não quero que faça
isso enquanto não se sentir completamente bem. Promete?
— Prometo — respondeu Lalitha — mas acho que você e
Nattie me estragam com tantos mimos. Vou acabar gorda e
preguiçosa, inútil para tudo que não seja acomodar-me em
almofadas de seda!
— É justamente o que eu gostaria de vê-la fazendo —
declarou Lorde Rothwyn.
Lalitha ergueu os olhos para ele.
Quando os olhos de ambos se encontraram, ela sentiu um
aperto no peito, uma falta de ar que não soube explicar.
Lorde Rothwyn desviou os olhos e tornou a guardar a
caixa de prata na gaveta.
— Aguardarei pacientemente, para saber o que Lorde
Hadley dedicou a alguma beldade elisabetana — disse. 
 
 
*     *     *
 
Lalitha sentia-se consumir de curiosidade pelo que iria
descobrir nos fragmentos do poema e, naquela manhã,
desejaria sentar-se à mesa de seu quarto. Mas Nattie expulsou-
a para o andar de baixo.
— Está um lindo dia, milady. Vá tomar um pouco de sol,
deixando esse serviço para um dia chuvoso. Por outro lado,
creio que milorde a espera.
Aquilo foi o suficiente para apressar Lalitha.
Vestiu um traje novo, em rosa-orquídea muito pálido.
Era uma cor que nunca usara antes e, timidamente,
perguntava-se o que Lorde Rothwyn pensaria.
"Sou apenas como uma das casas que ele reforma",
pensou. "E, assim como escolhe os tapetes e reposteiros
adequados para os aposentos, escolhe também minhas
roupas..."
Havia algo de impessoal na ideia, mas ainda assim
envolvia um prazer difícil de explicar, quando Lalitha pensava
que alguém, em particular Lorde Rothwyn, se mostrava
interessado o suficiente para dedicar-lhe tempo e
pensamentos.
Chegou ao vestíbulo e fez meia-volta, a fim de alcançar
um dos corredores que levavam ao estúdio de Lorde Rothwyn,
onde ele deveria estar, àquela hora da manhã.
Era um aposento a certa distância dos apartamentos
principais, onde ele tratava de assuntos concernentes à
propriedade. Lá também eram guardados os planos e croquis
de suas construções.
Lalitha estava quase chegando à porta, quando esta se
abriu, deixando sair um homem ainda jovem.
Após trancar a porta, ele permaneceu alguns instantes no
corredor, olhando cegamente para diante, antes de levar as
mãos ao rosto.
Então, caminhando até a parede oposta, recostou-se nela,
como se não conseguisse suster o peso do corpo. Imaginando-o
doente, Lalitha caminhou rapidamente para ele.
Quando o fitou, para sua surpresa, percebeu que o rapaz
estava chorando.
Penalizada, sem saber o que fazer, ela perguntou apenas,
em voz baixa:
— Posso ajudá-lo em alguma coisa?
— Nin... ninguém pode... ajudar-me! — respondeu ele,
por entre as lágrimas.
Havia algo de patético e perturbador ao mesmo tempo,
naquele quadro de um homem chorando.
— O que aconteceu? — perguntou Lalitha.
— Foi culpa minha — respondeu ele. — Pensei que
estivesse errado, mas...
tinha medo demais para falar alguma coisa!
Uma porta se abria pouco adiante do lugar em que eles
estavam, e Lalitha o puxou para lá. Dava para uma saleta.
— Venha — disse, com suavidade.
Tomou o rapaz pelo braço e ele, ainda cobrindo o rosto
com as mãos, acompanhou-a à saleta.
— Conte-me agora o que aconteceu — pediu.
Ele afastou as mãos do rosto e enxugou os olhos, com um
lenço que tirou do bolso.
— Estou envergonhado de mim mesmo, madame — disse.
— Por favor, esqueça que me viu.
— Não há motivos para que o esqueça — replicou Lalitha.
— E quero ajudálo, se for possível.
— Eu já lhe disse — murmurou ele, desalentado. —
Ninguém pode ajudarme.
— O que fez você?
— Milorde está furioso comigo... e tem toda razão. 
Lalitha já esperava aquela resposta.
— Por que milorde está furioso?
Fez uma pausa, antes de responder:
— Levantei um dos pilares na posição errada. Não
interpretei direito os planos... Entretanto, mesmo achando que
errara, receava interrogar milorde, porque ele podia ficar
aborrecido.
— E agora, ele descobriu o que você fez, não é?
— Ele me demitiu!
As lágrimas tornaram a voltar-lhe aos olhos, e ele os
enxugou novamente, com raiva.
— Eu estava tão orgulhoso, tão cheio de gratidão, por ter
a chance de trabalhar para ele... Queria agradar, e tentei, Deus
sabe que tentei, mas tinha medo de fracassar... e fracassei!
— Posso entender — murmurou Lalitha.
Refletiu um momento, e depois disse:
— Espere por mim aqui. Promete não ir embora,
enquanto eu não voltar?
Como se percebesse, de repente, a maneira pouco
convencional como se portava, o rapaz levantou-se.
— Perdoe-me, madame. Não devia tê-la aborrecido com
tudo isto, mas agora devo ir embora, espero que... com mais
dignidade!
— Nada disso — respondeu Lalitha. — Estou pedindo que
me espere aqui, até eu voltar. Tenho a sua palavra?
— Se isso a agrada — disse ele — embora eu não
compreenda por que se interessa...
— Não diga nada e espere-me — replicou Lalitha.
Saiu da saleta e fechou a porta. Depois, respirando fundo,
caminhou pelo corredor a fora e abriu a porta do estúdio. 
Como já esperava, Lorde Rothwyn estava sozinho.
Encontrou-o sentado diante da enorme mesa de tampo
de couro, com vários planos e mapas espalhados à sua frente.
Com o coração opresso, Lalitha percebeu que ele ainda
estava carrancudo e irritado.
Não via aquela expressão no rosto de Lorde Rothwyn
desde a noite em que se tinham casado.
Ficou parada à porta, com os olhos cinzentos muito
arregalados e, nesse momento, Lorde Rothwyn deu por sua
presença.
— Oh, é você, Lalitha! — exclamou.
A expressão carrancuda dissipou-se, e ele ficou de pé
lentamente.
Lalitha fechou a porta e caminhou até a mesa.
Parou diante dele, silenciosa. Após um momento, Lorde
Rothwyn notou que ela torcia os dedos, nervosa, e então
perguntou bruscamente:
— O que a perturbou?
— Tenho... uma coisa a dizer — respondeu Lalitha — mas
gostaria que não... a considerasse... impertinência minha.
Sua voz tremia ligeiramente ao falar.
— Nada que me dissesse seria impertinência, Lalitha —
respondeu Lorde Rothwyn. — Por que não se senta?
Ela obedeceu, sentando-se na beira de uma poltrona,
enquanto ele voltava a ocupar a cadeira atrás da mesa.
— Estou esperando — disse Lorde Rothwyn, suavemente.
— Como já deve... saber — começou ela — sou uma...
covarde e tenho medo de muitas coisas. Então, quando temos
medo, em geral fazemos o que é...
errado, apenas porque... ficamos entorpecidos ou
idiotizados pelo... medo.
Lorde Rothwyn continuou calado, mas depois observou:
— Acho que esteve conversando com o jovem Jameson, a
quem acabei de demitir.
— Sei o que ele está... sentindo — disse Lalitha — porque
milorde é muito... intimidante.
— Está me censurando pela incompetência desse jovem?
Lorde Rothwyn parecia esperar uma resposta. Lalitha
criou coragem e disse, muito baixo:
— Ele tinha... medo de... discutir com você, como eu...
tinha também.
Houve uma pausa de silêncio.
— E não está sendo corajosa, por falar-me assim? —
perguntou Lorde Rothwyn.
Sinto... pena dele — explicou Lalitha — porque, quando
as pessoas são fortes e confiam em si mesmas, não
compreendem como... os outros podem ser... fracos e...
ignorantes.
— Acredita que isto seja uma desculpa para um mau
trabalho?
— Pensei que, neste caso, houvesse um erro de
julgamento — replicou ela.
— Todos... sejam quem forem... podem cometer erros!
Um ligeiro sorriso flutuou nos lábios de Lorde Rothwyn.
— E eu cometi um — disse ele. — Muito bem, Lalitha,
estou falando por você. É o que está pensando, não?
Ela baixou os olhos. Os cílios se haviam espessado e
alongado desde a doença e agora destacavam-se contra suas
faces. 
— Eu disse que... milorde talvez... considerasse minha
intervenção uma... impertinência! — respondeu, em um
sussurro.
— Acredito que, talvez, você não tenha tanto medo como
pensa — disse ele — mas como não quero perturbá-la, falarei
com Jameson. Onde está?
Lalitha ergueu o rosto, e Lorde Rothwyn viu a súbita luz
que lhe surgira nos olhos.
— Na saleta do corredor.
— Fique aqui!
Ele saiu, fechando a porta. Sozinha, Lalitha iniciou uma
oração mental, para que Lorde Rothwyn fosse bondoso com o
jovem Jameson.
Refletiu que ninguém compreendia o temor horrível e
insidioso que, como uma serpente, penetrava traiçoeiramente
no corpo de uma pessoa, solapandolhe a vontade, a ponto de
fazê-la comportar-se da maneira mais idiota, apenas porque
não conseguia pensar com clareza.
Mesmo agora, pensou ela, mal acreditava que, pela
manhã, acordaria sem a perspectiva de ser espancada e
explorada todo o dia.
Recordou como vivia alerta, ouvindo o som da voz da
madrasta, permanentemente torturada ao imaginar que
poderia ter cometido algum erro e que receberia a resultante
punição.
Jamais conseguira libertar-se do terror, dormindo ou
acordada. Nunca poderia escapar ao estremecimento físico,
provocado pelo sofrimento que lhe infligiam.
Quando Lorde Rothwyn entrou no quarto, Lalitha o fitou
com apreensão.
Ele só falou depois que tornou a sentar em sua cadeira,
atrás da mesa de trabalho. 
— Já o readmiti. Ficou satisfeita?
Os olhos de Lalitha iluminaram-se. Entrelaçando as
mãos, exclamou, alegre:
— Aceitou-o mesmo de volta? Oh, como estou feliz!
— Já lhe disse que sempre espero a perfeição — recordou
ele.
— Sim, eu sei, como também sei que espera a beleza. No
entanto, a beleza nem sempre é arquiteturalmente simétrica,
como aconteceu com o nariz de Cleópatra.
Tem razão — concordou Lorde Rothwyn.
— Quanto à... felicidade — disse Lalitha, vacilante — é
algo que... não pode ter... uma medida exata.
Lorde Rothwyn recostou-se na cadeira e riu.
— Pelo que vejo, você transtornará todos os esquemas
que me exigiram tanto tempo e preocupação — disse. — Não
obstante, é difícil refutar seus argumentos. Como aprendeu tais
coisas?
— Talvez tenha sido um resultado dos sofrimentos destes
últimos anos — replicou ela. — Descobri que o que todos
desejam realmente na vida é a felicidade. Todos acham que ela
é um produto do sucesso, dinheiro ou posição social.
Fez uma pausa, antes de acrescentar:
— Isto pode ser verdade para alguns, mas acredito que
estes sejam exceção. As pessoas comuns procuram mesmo é o
amor, mas só o encontram quando se sentem salvas e seguras,
nunca perseguidas, oprimidas ou aterrorizadas, porque não
pode existir felicidade no... medo.
Lorde Rothwyn notou o tom de apaixonada intensidade
em sua voz e então disse: 
— Quero fazer-lhe uma pergunta, Lalitha. Nas últimas
semanas, sentiu-se feliz, ou melhor, mais feliz que antes?
— Foram semanas tão maravilhosas, que eu não poderia
explicá-las em palavras — declarou ela, sincera. — É como se
você me houvesse tirado de um porão escuro e fundo, onde não
existisse luz, esperança ou alegria... e me trouxesse para a
claridade do sol.
— Obrigado — disse ele, em voz suave.
Como ficasse acanhada por falar de assuntos tão íntimos,
Lalitha olhou para os planos sobre a mesa e perguntou:
— Vai cumprir sua promessa de me levar esta tarde para
ver a casa elisabetana?
— Eu tinha realmente essa intenção, Lalitha — disse
Lorde Rothwyn — mas vou pedir que me desculpe e permita
que a leve amanhã. Esqueci que certos negócios em Londres
exigem a minha presença e não posso faltar.
Viu o desapontamento no rostinho dela e acrescentou:
— Empenhei minha palavra nisso e creio que você seria a
primeira a insistir que eu fosse.
A curiosidade que percebeu em Lalitha o fez explicar:
— Um amigo meu, Henry Grey Bennet, dirige uma
comissão especial de inquérito parlamentar, que estuda vários
números de injustiças e desregramentos. Entre eles, inclui-se o
terrível tráfico de jovens para o continente, muitas delas
praticamente crianças.
Lalitha arregalou os olhos, ao perguntar:
— Para quê?
Essas jovens são negociadas em termos de escravatura —
explicou ele. — Existem lugares em Amsterdam, onde moças
inglesas podem ser compradas por quem oferecer lance maior,
como se fossem gado. Algumas delas são levadas ainda para
mais longe, para países como o Marrocos, Turquia e Egito.
— E essas moças não têm liberdade de escolha?
— Nenhuma! — replicou Lorde Rothwyn. — Muitas são
raptadas nas ruas. Através de meu amigo, fiquei sabendo que
várias mulheres atuam como intermediárias, recrutando jovens
nas estalagens de muda para cavalos, quando elas chegam do
campo.
— Por que elas aceitam propostas de estranhos?
— São jovens que nunca estiveram em Londres e, quando
uma pessoa caridosa lhes oferece uma cama para dormir ou a
oportunidade de um emprego lucrativo, concordam
prontamente; e nunca mais se sabe delas!
— Oh, mas é terrível!
— Este tráfico de escravas vem assumindo tal proporção
— afirmou Lorde Rothwyn — que chegou a hora de ser feito
algo a respeito, e oficialmente. No momento, a lei é muito
frouxa, e raramente são levados à justiça aqueles que operam
no que foi denominado o "comércio de escravas brancas".
— E acredita que se possa conseguir a aprovação de uma
lei, para evitar que isso continue? — perguntou Lalitha.
— A Câmara dos Comuns aprovou o projeto de lei de meu
amigo — disse Lorde Rothwyn. — Esta tarde, será apresentado
à Câmara dos Lordes. Fez uma pausa e acrescentou:
— Meu amigo não confia muito nesta última aprovação e,
como prometi dar meu apoio, devo ir a Londres.
— Claro que deve! — concordou Lalitha. — Trata-se de
algo importante, muito importante! É horrível pensar no que
pode acontecer a essas pobres moças!
Calou-se por um instante. Depois perguntou, em voz
baixa:
— Elas são... muito maltratadas?
— Quando não se submetem ao que lhes é exigido —
explicou Lorde Rothwyn — são espancadas ou drogadas para
que obedeçam.
Percebeu o estremecimento que percorreu o corpo de
Lalitha, antes dela dizer:
— Então, deve fazer o possível para que essa lei seja
aprovada!
— É o que pretendo — respondeu ele — mas isto significa
que devo partir para Londres daqui a pouco.
Estará de volta esta noite?
— Espero chegar ao anoitecer — replicou Lorde Rothwyn
— a tempo para o jantar. Porque jantaremos juntos, não?
— É uma promessa? — perguntou Lalitha. — E posso usar
um dos meus vestidos novos?
— Faremos disso uma comemoração — replicou ele, com
um sorriso. Seu primeiro jantar formal, desde que chegou. Sim,
isto merece ser comemorado!
Lalitha ergueu as mãos, rindo de contentamento.
— Está arranjando apenas mais um pretexto para encher-
me de comida! — exclamou. — Estou engordando tanto, que
meus lindos vestidos novos ficarão apertados!
— Quando isto acontecer, eu lhe comprarei outros! —
prometeu ele, solene.
Lalitha vacilou por um momento. Depois disse,
acanhada:
— Eu não queria que... milorde gastasse... tanto
dinheiro... comigo.
Ele sorriu ao responder:
— Pois eu prometo que os gastos não me levarão à ruína!
— Penso que já... me deu... demais — murmurou ela. —
Nem sei como... agradecer-lhe!
— Por que não discutimos o assunto ao jantar? — sugeriu
ele. — Até lá, Real e os outros cães tomarão conta de você.
Lalitha abaixou-se para afagar Real, que permanecia
deitado a seus pés.
— Tenho certeza de que eles cuidarão de mim — disse —
até você... voltar.
Ao mesmo tempo, percebeu que sentiria falta de Lorde
Rothwyn, enquanto ele estivesse ausente.
De certa forma, era como se a casa ficasse vazia.
Depois que ele partiu, apoderou-se dela uma sensação
estranha de solidão, algo que não experimentara antes.
Foi com os cães para o parque e admirou os gramados
extensos, semelhantes a faixas de veludo, os compridos
canteiros cintilando de cores e que, inconscientemente,
recordavam-lhe a Galeria dos Retratos, no interior da casa.
Vagueou pela orla do bosque de teixos, não se
aventurando a ir mais adiante, com receio de perder o caminho
de volta para casa. Depois distraiu-se junto ao tanque dos
peixinhos dourados, que ficava em um jardim fechado, por trás
das paredes de tijolos vermelhos elisabetanos.
Era tudo maravilhoso. O sol aquecia-lhe a cabeça, e ela
percebeu que iria contar as horas, até o momento de Lorde
Rothwyn regressar.
"Deve ser pela minha ansiedade em saber se foi aprovada
a lei que ele apóia", pensou.
No fundo, entretanto, sabia que a verdade era outra, que
só queria senti-lo ao seu lado, para conversarem sobre os
temas que pareciam interessar a ambos.
Não desejando fatigar-se antes do anoitecer, entrou em
casa e dedicou-se à tarefa de compor os fragmentos do papel
onde Lorde Hadley escrevera seu poema, uns trezentos anos
antes.
Era confortante perceber que sobrara muita coisa dos
esforços do nobre, apesar dos estragos cometidos pelos ratos.
Por sorte, ele escrevera em um pergaminho grosso e de
alto custo, em letra firme e legível. Entretanto, as letras "s"
tinham o formato de "f' e, mesmo para reunir dois ou três
fragmentos, ela demorava bastante tempo.
Já havia conseguido juntar o que era quase uma frase, e
estava eufórica com a façanha, quando a porta se abriu e um
criado anunciou:
— A senhorita Studley deseja vê-la, madame!
Lalitha não pôde conter o leve grito que lhe brotou da
garganta e, ao se levantar da cadeira, viu Sophie parada à
porta.
Sua meia-irmã tinha uma aparência fascinante, em um
vestido de viagem de seda azul-celeste e um chapeuzinho
orlado de botões de rosa.
Sorria, mas Lalitha estremeceu ao vê-la cruzar o
aposento, avançando em sua direção.
— Ficou surpresa em ver-me? — perguntou.
— S-sim... — balbuciou Lalitha.
— Eu queria ter uma conversa com você — disse Sophie
— e soube que ficaria sozinha esta tarde. Então, tomei uma
carruagem e vim.
— C-como ficou... sabendo disso?
De repente, Lalitha se sentiu idiotizada, enquanto seus
dentes quase castanholavam.
— Os matutinos anunciaram que Lorde Rothwyn
discursaria esta tarde na Câmara dos Lordes — explicou
Sophie. — Assim, nós duas teríamos oportunidade para uma
conversinha.
Lalitha nada disse. Sophie olhou em torno.
— Que sala adorável! — comentou. — Posso sentar-me?
— Sim... sim, claro! — gaguejou Lalitha. — Sinto muito,
mas é que... bem, fiquei surpresa ao vê-la.
— Pensei que ficasse interessada em saber como eu
estava — disse Sophie.
— Bem, não tenha medo, Lalitha. Mamãe não ficou
aborrecida com você.
— N-não... ficou? — balbuciou Lalitha.
— Não. Ela compreende que você não tinha alternativa,
se de fato se casou com Lorde Rothwyn, como ele declarou, na
carta que me escreveu.
— Ele escreveu... para você?
— Exatamente — respondeu Sophie. — O mais estranho é
que esse casamento não foi noticiado, e ninguém mais tomou
conhecimento dele, além de mim! 
Como Lalitha nada dissesse, ela continuou:
Isto me faz pensar que você está aqui apenas
temporariamente. Não é assim?
— Eu não... sei — respondeu Lalitha.
— Quero que saiba uma coisa, Lalitha — prosseguiu
Sophie. — Eu amo Lorde Rothwyn, sempre o amei! Quando
soube que o perdera, tive certeza de que havia perdido tudo
que me importava na vida!
Lalitha olhou para ela com espanto.
— Mas você nunca... pareceu... amá-lo! — protestou. —
Disse que... se casaria com ele apenas por... conveniência!
— Sentia-me acanhada em confessar a que ponto estava
apaixonada — afirmou Sophie. — E, como já disse, foi somente
depois de você partir para a igreja, a fim de dizer-lhe que eu
permaneceria fiel à palavra empenhada com Julius, que
descobri a verdade!
Lalitha permanecia atônita.
Mal podia acreditar que Sophie tivesse mesmo mudado
de pensar, mas nunca a ouvira falar com tanta emoção.
— E quanto ao... Sr. Verton? — perguntou.
— Julius nunca recebeu a nota que lhe enviei — disse
Sophie. — Assim, continua a meus pés, ansioso por nos
casarmos, mais ardentemente do que nunca.
— E por que não se casaram? — perguntou Lalitha. — O
casamento já devia ter acontecido há umas duas semanas!
— O duque não morreu — replicou Sophie. — Aquilo foi
apenas uma brincadeira de Lorde Rothwyn, e de muito mau
gosto, por sinal. Entretanto, faleceu uma tia a quem Julius
dedicava grande afeição e, tendo em vista o decoro, nosso
casamento foi adiado por dois meses.
— Oh, entendo! — exclamou Lalitha. — Então... nesse
meio tempo, você... descobriu que ama... Lorde Rothwyn!
— Isso mesmo! — concordou Sophie. — E agora vim
pedir-lhe, Lalitha, que devolva o que sempre foi meu.
— Não... entendo.
— É muito simples — disse Sophie. — Sabe perfeitamente
que Lorde Rothwyn me ama!
— Ele ficou... furioso com... você — respondeu Lalitha. —
Devido a isso é que... me fez tomar o... seu lugar... Forçou-me
a... fazer isso!
— Foi apenas uma pequena vingança — riu Sophie — e
ele deixou isso bem claro em sua carta! Evidentemente, não
iria imaginar, minha querida, nem por um momento, que ele
desejasse casar com alguma mulher que não eu! Ele me adora!
É louco por mim! E, francamente, o amor não termina da noite
para o dia!
— Não... suponho que... não — balbuciou Lalitha, quase
sem voz.
Em vista disso, pensei em algo sensato — disse Sophie. —
Um plano que contou com a inteira aprovação de mamãe.
— Que... plano? — perguntou Lalitha, apreensiva.
— Você deve partir imediatamente — começou Sophie. —
Mamãe tem certeza de que gostaria de voltar a ficar com sua
velha ama, a quem tinha tanta amizade. Para tanto, enviou-lhe
vinte libras de presente. Pense nisso, Lalitha: vinte libras! É
muito dinheiro!
— Não posso... ir embora assim... sem mais nem menos!
— protestou Lalitha. — Milorde tem sido muito... bondoso para
mim e... graças a ele é que... fiquei boa!
— Sei muito bem o que ele fez — declarou Sophie, falando
em voz dura pela primeira vez.
— Você... você sabe? — perguntei Lalitha.
— Claro que sei! Certas pessoas estão prontas a
comunicar-nos com exatidão o que acontece!
— Está falando dos... criados?
— Não precisamos descer a detalhes — replicou Sophie,
evasiva. — O que sugiro é uma atitude sensata, Lalitha, e estou
certa de que concordará comigo.
Não pode impor-se para sempre a Lorde Rothwyn, pode?
— N-não... não posso...
— Assim, ao invés de constrangê-lo, ficando aqui quando
os motivos deixaram de existir, deixe que eu retorne à vida dele
— prosseguiu Sophie. — Darei a Lorde Rothwyn tudo o que ele
desejar de mim, fique certa. Em vista disso, sua única
alternativa seria desaparecer do cenário. — Eu gostaria de...
despedir-me dele e agradecer-lhe.
— Para quê? — exclamou Sophie. — Ele a usou apenas
para ferir-me. Você foi uma espécie de ferramenta, a arma que
ele tinha ao alcance, naquele exato momento. Se eu tivesse
enviado uma criada em seu lugar, aconteceria a mesma coisa!
Houve uma pausa, antes dela acrescentar:
— Por outro lado, você não desejaria constrangê-lo a
mandá-la embora, como se fosse realmente uma criada!
Sophie falava com os olhos fixos no rosto de Lalitha. 
— Além do mais — continuou — pensei que você
desejasse agir como uma dama. Por isso mamãe enviou-lhe
este dinheiro, a fim de que possa mostrar certa dignidade, em
meio ao que foi uma circunstância sumamente infeliz.
Lalitha esboçou um gesto de impotência e perguntou:
— O que quer que... eu... faça?
— Junte algumas coisas — replicou Sophie. — Apenas as
que possa levar debaixo da capa, sem serem percebidas.
Aparentemente, sairemos para um breve passeio. Minha
carruagem está lá fora.
— E... depois?
Eu a acompanharei até o próximo cruzamento de
estradas, onde param as carruagens que se dirigem a Londres.
Chegando a Charing Cross, tomará outra carruagem, que a
levará a Norwich.
Sua voz era firme, quando continuou:
— Sempre partem duas por dia e, apressando-se, ainda
apanhará a carruagem da noite. Uma vez lá, imagino que
consiga chegar até sua ama.
Mamãe acha que você sabe onde ela está morando.
— Sim... claro que... sei.
— Então, qual a dificuldade?
— Apenas não sei se... estou agindo... de maneira correta
— disse Lalitha, infeliz.
— Quando Lorde Rothwyn souber que voltei para
entregar-lhe meu coração, e que estou disposta a ser sua
esposa — disse Sophie, suavemente — não se preocupará mais
com você.
Lalitha deixou escapar um suspiro, que parecia originar-
se no mais profundo de seu ser. 
— Sim... acho que você... está certa...
— Subirei ao andar de cima com você, enquanto se
apronta — disse Sophie. — Não deixe recados ou notas com os
criados. Não escreva nada. Não adianta tornar as coisas mais
difíceis para ele, piores do que já são. Enfim, é natural que
Lorde Rothwyn se sinta responsável por você... e deseje detê-la.
— Mas, nós... estamos casados! — sussurrou Lalitha.
Sophie deu uma risadinha.
— Algumas libras poderão anular esse casamento na
memória do vigário, assim como fazer desaparecer a evidência,
no Registro de Casamentos!
Lalitha olhou para Sophie e exclamou,
involuntariamente:
— Você já... já fez isso!
— Exatamente, já fiz! — afirmou Sophie. — Foi muito
fácil. Não havia ninguém na igreja, quando cheguei à sacristia.
O livro de Registros estava aberto em cima da mesa e bastou-
me arrancar a página. Ninguém jamais ficará sabendo que foi
forçada ao casamento com um homem que sofria uma
desilusão amorosa, porque você não era a noiva que ele
esperava!
Lalitha fechou os olhos. Por um momento, teve a
impressão de que nada havia para contestar. Mais uma vez,
Sophie fazia exatamente o que desejava, sem admitir protestos.
Subiram a escada que levava ao quarto de Lalitha. Não
havia ninguém lá, àquela hora da tarde. Nattie devia encontrar-
se em seu próprio quarto, e as criadas só surgiriam se fossem
chamadas pela sineta. 
Sophie abriu as portas do guarda-roupa.
— Milorde soube prover-lhe! — exclamou, ríspida. — É
uma sorte que ambas possamos usar as mesmas roupas.
Acho que não poderá usar esses vestidos — disse Lalitha.
— Sou muito mais magra que você.
— Então, que sejam jogados fora — retorquiu Sophie,
voluvelmente. — Não poderá levá-los com você. Pareceria
muito suspeito, se um criado a visse levando uma mala para
baixo.
— Sim, claro... — concordou Lalitha.
Apanhou nas gavetas uma camisola e algumas roupas de
baixo, que colocou dentro de um xale macio de seda, aberto
sobre a cama.
Acrescentou uma escova para cabelos. Depois hesitou,
achando que devia levar pelo menos um vestido.
— Já basta, Lalitha — disse Sophie. — Até mesmo o que
reuniu pode formar um bom volume, debaixo da capa.
Obedientemente, porque nada lhe restava fazer, Lalitha
enrolou as peças no xale e depois tirou do guarda-roupa uma
fina capa de viagem, a que usara quando havia descido ao
parque pela primeira vez.
Sophie abriu o armário onde eram guardados os chapéus
e gorros de Lalitha, os quais combinavam com os vários
vestidos encomendados a Londres.
— São lindos! — exclamou.
— Talvez fosse melhor eu usar um — sugeriu Lalitha.
— Para quê? — replicou Sophie. — Poderá puxar o capuz
da capa sobre a cabeça. Os criados não estranharão, porque
você irá apenas dar um passeio comigo. Além disso,
certamente não desejará ficar em evidência, na parada de
carruagens.
Lalitha adivinhava que Sophie só falava daquela maneira
por querer ficar com os chapéus e gorros para ela mesma.
Entretanto, mais uma vez, não discutiu.
Devia partir e, quando estivesse em companhia da velha
ama, em Norfolk, dificilmente teria oportunidade de usar as
elegantes e dispendiosas criações que tinham vindo de Bond
Street.
— Aqui tem o seu dinheiro! — disse Sophie,
abruptamente.
Estendia-lhe uma pequena bolsa, que Lalitha aceitou
com relutância.
Gostaria de responder que nada aceitaria de Sophie ou
sua mãe, mas decidiu ser prática. Afinal, não podia depender
inteiramente da velha ama, que pouco tinha de seu.
Guardou a bolsinha em outra maior, elegante e de cetim,
acrescentando um lenço. Depois pegou um par de luvas de
suede.
Sophie examinou-a.
— Você parece bem melhor do que antes — disse. — Sem
dúvida, conseguirá um trabalho qualquer, onde for morar.
— Sim... claro — disse Lalitha, automaticamente. — Isto
me lembra uma coisa: levarei também algumas agulhas e
linhas de bordar.
Abriu uma gaveta. Com o coração opresso, lembrou que
convencera Nattie e fornecer-lhe aquele material, para que
começasse a bordar o monograma de Lorde Rothwyn em seus
lenços.
As linhas e agulhas estavam juntas em uma pequena
bolsa, que também continha seu dedal e uma tesoura.
— Vamos! — apressou Sophie, impaciente. — Se for levar
tudo de que precisa, terminaremos levando a casa conosco!
Lalitha olhou em torno, contemplando o quarto em que
voltara lentamente à saúde. Parecia-lhe um paraíso de paz e
segurança.
Agora, devia deixá-lo para sempre e rumar para um
futuro desconhecido.
De súbito, sentiu-se tomada por desesperado terror.
Voltava a um mundo que, julgara, nunca mais a
ameaçaria. Deixava Lorde Rothwyn, que prometera protegê-la!
— Apresse-se! — exclamou Sophie, irritada. — Acabará
perdendo a carruagem da noite e terá que dormir em Londres!
Lalitha estremeceu de medo.
E se encontrasse uma das mulheres que Lorde Rothwyn
mencionara, as que raptavam jovens inexperientes do campo,
para serem tornadas escravas no além-mar?
Em pânico, decidiu que não podia ir! Tinha que ficar ali!
Pensou em correr para Nattie e contar o que Sophie
pretendia fazer com ela, suplicar que a ajudasse.
Então, percebeu que não podia rebaixar-se a semelhante
atitude.
Sophie tinha razão. Lorde Rothwyn fora bondoso, mas
não tinha qualquer interesse real por ela. Era Sophie que ele
desejava.
E ele seria feliz, se agora Sophie estava disposta a amá-lo,
conforme dissera. Sem falar, seguiu sua meia-irmã pelas
escadas.
Quando cruzaram o vestíbulo e se aproximavam da porta
principal, o mordomo perguntou a Lalitha:
— Vai sair, milady?
— Será apenas um rápido passeio — respondeu Sophie,
antes que ela abrisse a boca. — Estaremos logo de volta.
— Muito bem, senhorita — disse o mordomo. Depois
acrescentou, dirigindo-se a Lalitha: — Vai levar Real, milady?
Pela primeira vez, Lalitha percebeu que o cachorrinho
estava em seus calcanhares. Tomou-o nos braços.
Ali estava alguém que lhe era difícil deixar para trás, pois
adorava o cãozinho.
Apertou-o ao peito por um instante e depositou um beijo
em sua cabeça, coberta de pêlos macios e sedosos.
Em seguida, entregou-o ao mordomo.
— Entregue-o a Nattie — pediu.
Ouviu os ganidos de Real, quando se virou para descer os
degraus da entrada.
O criado abriu a porta da carruagem, uma manta foi
colocada solicitamente sobre seus joelhos, e o veículo partiu.
"Estou indo embora", pensou Lalitha, e essa ideia era
como uma adaga que se cravava em seu peito. "Nunca mais
voltarei! Nunca mais o verei!"
Ganhando velocidade, os cavalos deixaram o pátio e
correram pela alameda do parque.
Lalitha olhou para trás.
Ao sol da tarde, a casa tinha uma aparência
deslumbrante. Era imponente em sua magnificência e, ao
mesmo tempo, Lalitha sabia que fora um oásis de segurança,
circulando-a com seus braços protetores.
Agora, estava partindo!
— Adeus... meu amor! — sussurrou para si mesma.
Quando as palavras lhe chegaram aos lábios,
compreendeu que não era da casa que se despedia, mas de seu
proprietário.
 
 
 
CAPÍTULO 5
 
 
QUANDO saía de seu gabinete, na Câmara dos Lordes,
Lorde Rothwyn encontrou seu amigo Henry Gray Bennet, que
o aguardava.
— Sinto muito, Henry — disse ele.
— Eu já esperava por isso — respondeu Bennet — mas
continuarei tentando, fique certo! Vou insistir e insistirei
sempre, até que a lei seja aprovada!
— Conte com o meu apoio — prometeu Lorde Rothwyn.
— Você fez o que pôde. Aliás, seu discurso foi espetacular
e bastante eloquente.
— Obrigado.
— Onde afogaremos as nossas mágoas? — perguntou
Bennet. — Aqui ou no White's? 
Lorde Rothwyn hesitou por um segundo, mas no exato
momento em que ia aceitar o convite, foi dominado por um
forte pressentimento de que devia voltar a Roth Park.
Não entendia aquilo; sabia apenas que havia uma súbita
urgência em ir para casa.
— Perdoe-me, Henry, mas fica para outra vez —
respondeu. — Vim a Londres especialmente para advogar a
aprovação desta lei, conforme lhe prometi, mas agora preciso
voltar.
— Você nunca ficou no campo durante esta época do ano
— comentou seu amigo. — Aliás, não compareceu à corrida em
Ascot!
Não houve resposta, porque Lorde Rothwyn já se
afastara, caminhando para fora do prédio, onde seu cabriolé o
esperava.
Puxado por quatro cavalos da melhor categoria, o veículo
podia cobrir os quilômetros até Roth Park em maior rapidez
que qualquer outro. Na realidade, Lord Rothwyn já alcançara
vários recordes.
No momento em que subia para o cabriolé, recordou,
com súbito remorso, que pretendera passar em Carlton House.
O Regente viera de Brighton para assistir ao batismo da
filha do Duque e Duquesa de Kent, no Palácio de Kensington.
A criança recebera o nome de Alexandrina Victoria.
Lorde Rothwyn tinha certeza de que Sua Alteza Real iria
considerá-lo descortês, se não o visitasse enquanto estivesse
enquanto em Londres. Sabia também que Sua Alteza pretendia
discutir as alterações e adições a serem feitas no pavilhão real,
em Brighton. 
Os trabalhos haviam sido suspensos devido às críticas
nacionais e políticas, até que, impressionada pela visão do filho
sobre um palácio indiano, a rainha contribuíra com cinquenta
mil libras, de seu próprio bolso.
Ainda assim, as abóbadas enfeitadas, as colunas
indianas, as graciosas colunatas, gelosias talhadas em pedra,
delicadas cornijas e ameias em relevo, haviam custado uma
fortuna.
O total era ainda inflacionado pelos imensos candelabros
semelhantes a lírios aquáticos, as paisagens chinesas em laca
escarlate, dourada e amarela no salão de música e também as
palmeiras abertas, com um dragão de prata entre as folhagens,
no salão de banquetes.
Lorde Rothwyn sabia que, no ano anterior, haviam sido
gastas trinta e três mil libras. Aqueles acréscimos certamente
absorveriam mais quarenta mil.
Entretanto, ele apreciava o Regente como homem e
admirava o que ele pretendia criar, com um senso de fantasia e
exuberância romântica desconhecidos em um monarca real,
desde a época de Charles I.
— Os outros me caluniam e zombam do pavilhão —
dissera amargamente Sua Alteza Real, da última vez em que
Lorde Rothwyn estivera em Brighton.
— A posteridade se curvará diante dos melhoramentos
que introduziu em Londres, Sire — replicara ele — e, um dia, o
pavilhão real será a maior visão em Brighton.
Entretanto, a despeito da ideia de que a atitude correta a
tomar seria uma visita ao Regente, ele continuava desejando
regressar a Roth Park. Em vista disso, concentrou-se em dirigir
seus cavalos, com uma habilidade que o tornara um dos mais
extraordinários condutores da época.
Postado no alto da traseira do veículo, o criado notava
com satisfação que, ao passarem, todos viravam a cabeça para
eles, admirados.
Seria impossível alguém deixar de admirar a perícia de
Lorde Rothwyn.
Além de ser um homem muito atraente, com seu chapéu
de copa alta colocado ligeiramente de lado, oferecia uma
aparência que complementava a figura e imponência de seus
cavalos.
Dentro em pouco, as casas ficavam para trás e eles
ganhavam campo aberto.
Lorde Rothwyn deu rédea solta aos cavalos e passaram a
viajar em uma velocidade que qualquer um acharia incrível, ao
longo da estrada do Norte. Esta passava por Barnet e Potters
Bar, emergindo eventualmente em um vale, acima de onde se
situava Roth Park.
A imensa construção oferecia um quadro soberbo ao
calor do sol da tarde, que fazia cintilar os tijolos vermelhos
como se fossem jóias preciosas.
O pavilhão flutuava acima da linha alta do telhado, que
era uma das mais finas características do prédio. Mais abaixo,
o lago assemelhava-se a uma lâmina dourada, em cuja
superfície se moviam graciosamente alguns cisnes brancos.
Como sempre acontecia quando via a casa, Lorde
Rothwyn foi tomado de orgulho, não apenas por ser seu
proprietário, mas porque descendia de uma longa linhagem de
ancestrais inteligentes e criativos.
Fez alto diante da porta principal, com um floreado dos
animais. Então, voltou-se para dirigir um sorriso ao criado que
viajara na retaguarda.
— Melhor que de costume, Ned? — perguntou.
— Três minutos mais depressa que em nossa última
viagem, milorde.
— Isso foi ótimo, Ned!
— Sem dúvida, milorde.
Lorde Rothwyn subiu o lance dos degraus de pedra, até
onde o mordomo o esperava.
Ao receber o chapéu e as luvas de dirigir que Lorde
Rothwyn lhe entregava, ele anunciou:
— Uma dama o espera no Salão Prateado, milorde.
— Uma dama? — repetiu Lorde Rothwyn.
— É uma senhorita Studley, milorde.
Lorde Rothwyn ficou imóvel por um instante. Depois,
com uma ruga funda entre as sobrancelhas, começou a cruzar o
vestíbulo.
Um criado abriu-lhe a porta do Salão Prateado e, quando
entrou, ele viu Sophie, de pé, diante de uma janela.
Ela tirara o chapéu, e o sol arrancava reflexos de seus
cabelos dourados.
A postura exibia ainda a perfeição da pele alva e rosada, o
azul liquefeito dos olhos e as curvas clássicas da boca
pequenina.
Sophie virou-se, quando ele entrou, e correu em sua
direção, com um gritinho de prazer.
— Inigo! — exclamou.
— O que está fazendo aqui?
A pergunta foi feita em tom ríspido e abrupto.
Sophie parou diante dele e levantou os olhos. 
— Ainda precisa perguntar? — indagou.
Como ele a fitasse em silêncio, Sophie ergueu os braços,
pretendendo colocá-los em torno de seu pescoço.
— Eu tinha que vir, Inigo! — exclamou, dramática. —
Tinha que vir!
— Posso saber o que quer dizer com isso? — inquiriu ele.
Sophie gostaria de apertar-se contra ele, mas Lorde
Rothwyn afastou-se e ficou diante da lareira.
— Eu não a convidei — disse.
— Eu sei disso — replicou Sophie, em voz insinuante —
mas não podia suportar mais tempo sem vê-lo. Então, vim à
sua casa esta tarde.
— Nada temos a dizer um ao outro — declarou Lorde
Rothwyn. — Absolutamente nada!
— Pois eu tenho muito a dizer — replicou ela, acariciante.
Aproximara-se enquanto falava e voltava a ficar perto
dele.
Lorde Rothwyn baixou o rosto para fitá-la e, com um
sorriso cínico nos lábios, perguntou:
— O que teria provocado um acesso tão repentino de
paixão? Seria o fato de Verton haver partido para o
Continente?
Houve um brilho fugaz no fundo dos olhos de Sophie,
pois ela não esperava que Lorde Rothwyn estivesse a par
daquele detalhe. No entanto, sua voz não se alterou, quando
disse:
— Cometi um erro quando mandei Lalitha ao seu
encontro naquela noite, Inigo, ou melhor, mamãe me fez
mandá-la. Sabe que ela me proibia até mesmo de pensar em
casamento com você? 
— Então, foi sua mãe que a obrigou a rejeitar-me, no
último momento? — perguntou Lorde Rothwyn, lentamente.
— Sim, sim, foi ela! Sabe o quanto é ditatorial, eu não
podia desobedecer!
Eu o amo, e foi o que disse a ela, mas nem quis ouvir-me!
Os olhos de Lorde Rothwyn eram duros, quando ele
falou:
— Você é uma boa atriz, Sophie, mas ainda não atingiu a
perfeição. Sei muito bem qual o motivo de sua vinda aqui.
Verton tem falado, e a sociedade não lhe tem sido muito
favorável como antes.
— Não é verdade! — replicou ela, rapidamente. — De
qualquer modo, isso não importa agora. Interessa apenas que
eu o amo!
— Mesmo que eu não seja duque? — perguntou Lorde
Rothwyn, cinicamente.
— Eu nunca quis casar com Julius. Tudo foi obra de
mamãe e, enquanto ele estava na Inglaterra, não ousei entrar
em contato com você. Agora, que ele partiu, estou livre! Livre
para vir ao seu encontro, como sempre quis!
— Nem mesmo percebeu que é muito tarde para "mudar
de ideia", como chama a isso? — disse Lorde Rothwyn. —
Como bem sabe, agora estou casado.
Fez uma pausa por um momento, e então perguntou:
— Já esteve com Lalitha? O que disse a ela?
— Lalitha já se conformou — replicou Sophie. — Não
interferirá em nossos planos, de maneira alguma!
— Que planos? — estranhou Lorde Rothwyn. — Não
quero deixar Lalitha preocupada! 
Estendeu a mão para o cordão da sineta, como se fosse
puxá-lo, mas ao perceber sua intenção, Sophie disse
prontamente:
— Não precisa tocar, chamando Lalitha. Ela já partiu!
— Partiu? O que quer dizer com "partiu"?
A voz de Lorde Rothwyn era cortante.
— Confessei a ela o quanto o amava — explicou Sophie —
e Lalitha concordou em sair de nossa vida. Afinal, você só quis
esse casamento para vingar-se... Para castigar-me.
— Lalitha concordou em sair da minha vida? —
perguntou Lorde Rothwyn, lentamente, como se não houvesse
entendido bem as palavras. — Mas, como? E para onde ela foi?
— Ela não lhe dará mais problemas — disse Sophie. — Já
tomei as providências necessárias para garantir-lhe o futuro e
tudo ficou bem. Não terá de pensar mais nela.
— Para onde ela foi? — perguntou Lorde Rothwyn.
— Que diferença faz? — disse Sophie. — Você não
anunciou seu casamento, em Londres ninguém tem a menor
ideia do que aconteceu. Estou pronta a casar com você, quando
quiser, amanhã ou depois de amanhã. Então, ficaremos juntos,
como sempre me disse que queria.
Sua voz extinguiu-se, quando percebeu que o rosto de
Lorde Rothwyn se contorcera repentinamente, mostrando uma
cólera indescritível.
— Acha mesmo — perguntou, em voz firme — que eu a
tocaria, muito menos casaria com você, depois da maneira
como trataram Lalitha? Depois do que você e sua mãe fizeram
a ela?
— Eu nada tive a ver com isso — foi a resposta pronta de
Sophie. — Se ela lhe contou um punhado de mentiras, não há
motivo para acreditar! Lalitha sempre mentiu e enganou.
Afinal de contas, é uma filha nascida fora do casamento. Minha
mãe cuidou dela por caridade.
— Para onde ela foi?
— Por que tanto interesse? — perguntou Sophie. —
Lalitha é uma ninguém, feia e magra! Estou disposta a ser sua,
Inigo! Poderia desejar algo mais?
— Você me revolta! — explodiu Lorde Rothwyn. — E,
embora não sinta a menor vontade de tocá-la, se não me disser
para onde foi Lalitha, juro que a espremerei até conseguir a
verdade, ou melhor, hei de espancá-la, da mesma maneira
como sua mãe espancava aquela pobre pequena!
— Você deve estar louco, para falar comigo dessa
maneira!
— Falarei de maneira ainda pior, se não responder ao que
perguntei! Onde está Lalitha? Devo repetir ou preciso forçá-la
a informar?
Deu um passo em frente, e Sophie ficou realmente
amedrontada.
Um gritinho de pavor saiu de sua garganta.
— Não me toque! Eu digo! Direi para onde ela foi!
— Muito bem — disse Lorde Rothwyn. — Pois fale
depressa!
— Dei-lhe dinheiro para ir até Norfolk — explicou Sophie.
— Ela partiu de carruagem.
— No cruzamento de estradas?
— Eu a levei até lá.
— É tudo quanto eu queria saber — disse Lorde
Rothwyn. 
Caminhou para a porta, mas antes de alcançá-la, virou-se
e acrescentou:
— Saia da minha casa! Se tornar a encontrá-la aqui
quando voltar, farei com que os criados a expulsem!
Deixou o salão, fechando a porta com estrondo.
Quando chegou ao vestíbulo, o mordomo olhou
apreensivamente para seu rosto enfurecido, mas ele seguiu em
frente e tomou a direção dos estábulos.
— Meu cabriolé, com quatro cavalos descansados,
imediatamente! — ordenou.
— Perfeitamente, milorde!
Seis criados apressaram-se em cumprir suas ordens e,
embora Lorde Rothwyn esperasse com visível impaciência, em
menos de quatro minutos o cabriolé estava pronto, atrelado a
quatro cavalos de maravilhosa estampa.
Lorde Rothwyn subiu para o assento, e os cavalos já se
moviam, antes de Ned saltar para seu posto, atrás do veículo.
Se ele conduzira o veículo velozmente, em sua viagem de
Londres a Roth Park, aquilo nada significara, comparado à
rapidez de agora.
Ele só diminuiu a velocidade quando chegaram ao
cruzamento de estradas, a fim de perguntar:
— Que caminho tomou a carruagem da noite para
Londres?
— Siga pela esquerda, milorde. A carruagem fará uma
viagem lenta, parando nas aldeias menores.
Lorde Rothwyn tomou a estrada da esquerda e, mais uma
vez, embora ela tivesse um traçado onde abundavam as curvas,
seguia em tamanha velocidade que, por várias vezes, Ned
precisou segurar-se com força, comprimindo os lábios em
sobressalto.
Nunca ele vira seu patrão instigar os cavalos com tanta
pressa.
Já era praticamente noite e estavam a poucos
quilômetros de Londres, quando avistaram à frente uma
pesada carruagem de posta, entulhada de passageiros.
No alto do teto, havia uma coleção variada de bagagens,
incluindo-se vários engradados de galinhas e um cabrito, preso
em um saco.
Ali, o caminho estreitava-se, e Lorde Rothwyn precisou
esperar algum tempo, antes de ultrapassar o enorme veículo.
Enfim, quando conseguiu manobrar os cavalos suados,
de maneira a deixálos atravessados na estrada, o cocheiro foi
obrigado a parar sua carruagem.
— O que pensa que está fazendo? — perguntou o homem,
truculento.
— Milady deve estar nessa carruagem, Ned — disse Lorde
Rothwyn. — Peça-lhe para descer e vir comigo.
— Perfeitamente, milorde.
Ned saltou do cabriolé e correu para a carruagem.
O cocheiro e seu companheiro, no alto da boléia,
gritaram alguns insultos para ele, mas Ned os ignorou e abriu a
pesada porta.
Logo avistou Lalitha, apertada entre fazendeiros
corpulentos, crianças pequenas, um sacerdote e dois viajantes
comerciais.
Ela mantinha a cabeça baixa e puxara o capuz bem sobre
a testa, a fim de que os outros não lhe vissem as lágrimas. 
Fora impossível não chorar, quando a carruagem a
conduzia cada vez para mais longe de tudo que representara
segurança e felicidade para ela.
No instante em que haviam cruzado os grandes portões
de pedra de Roth Park, chegando à estrada aberta, Lalitha
admitiu para si mesma que deixava para trás o homem amado. 
Concluiu que o amava desde o momento em que ele a
beijara no cemitério da igreja, imaginando-a Sophie. 
Embora o temesse, ela o amara quando o vira entrar em
seu quarto e, então, considerara-o o homem mais belo que já
conhecera até então. 
Não se tratava apenas de aparência; havia algo mais
naquele homem, embora ela não soubesse explicar o que fosse.
Algo que captara instintivamente, como se, em seu íntimo,
identificasse nele tudo aquilo por que ansiara na vida. 
Mesmo sozinha em seu quarto, tinha consciência de que
a casa, o mobiliário, os quadros, tudo enfim fazia parte dele. 
Exatamente como o ancestral que construíra aquela casa
e nela depositara sua mente, sua imaginação e sua alma, Lorde
Rothwyn nela imprimira a própria personalidade. 
Mais tarde, quando haviam conversado e Lorde Rothwyn
lhe mostrara suas posses, fizera-o com uma gentileza e
bondade que ela nunca esperara de homem algum, muito
menos dele. 
Agora, Lalitha percebia que perdera seu coração, de
modo irreparável e sem esperanças. 
— Eu o amo! Eu o amo! — sussurrou para si mesma. — E
agora nunca mais o verei! 
Precisara apelar para toda a sua força de vontade, a fim
de não chorar, pelo menos até que Sophie a abandonasse no
cruzamento de estradas. 
— Adeus, Lalitha — despedira-se, quando a carruagem de
posta havia surgido à vista. — Lembre-se de que prometeu
esquecer esse casamento de brincadeira com Lorde Rothwyn e
tudo que aconteceu depois disso. Ele não se lembrará de sua
existência... e eu também! 
Lalitha não respondeu. Limitou-se a descer da carruagem
de Sophie, levando sua pequena trouxa debaixo do braço e,
com alguma dificuldade, encontrar uma vaga na carruagem já
lotada de passageiros. 
Sophie não esperou para vê-la partir.
Assim que Lalitha pisou na estrada, o cocheiro deu meia-
volta e tomou a direção por onde viera — rumo a Roth Park.
 O interior da carruagem de posta estava quente e
barulhento. Havia um forte cheiro de comida, fumaça e suor,
mas Lalitha só conseguia concentrar-se na beleza de Sophie,
imaginar como Lorde Rothwyn a veria, quando chegasse em
casa nessa noite. 
Viu-o caminhando para a casa, os cães correndo a recebê-
lo, entre latidos de alegria. Então, veria que quem o esperava
era Sophie, não ela. 
Aquela ideia provocou-lhe tal sofrimento, tal agonia
dentro do peito, como ela nunca julgara fosse possível sentir. 
Era algo ainda pior que a dor suportada durante as surras
de sua madrasta.
Pior que tudo quanto já sofrera até esse dia. 
Fechou os olhos. 
— Como poderei pensar nisso, pelo resto de minha vida?
— sussurrou para si mesma, com as lágrimas caindo. Enxugou-
as disfarçadamente, mas era difícil estancá-las.
A carruagem de posta avançava aos solavancos, parando
de aldeia em aldeia.
Alguns passageiros desembarcavam, outros entravam,
enquanto bagagens era retiradas do teto do veículo.
Aquilo provocava um barulho desordenado, entre gritos,
ordens, batidas, impactos e, ocasionalmente, um berro do
cabrito.
Rodando novamente...
Ainda assim, Lalitha só conseguia pensar em Lorde
Rothwyn. Evocava a maneira como lhe falava, mostrando
simpatia e compreensão, aquele brilho ocasional no olhar, que
a deixava sem respiração, mal podendo falar...
Perguntou-se se ele chegara a sentir alguma afeição por
ela. Talvez sua permanência em Roth Park não passasse de
uma carga, de alguém que se impusera na vida dele, e cuja
partida, agora, só poderia ser recebida com alívio, porque
significava uma liberação daquela responsabilidade.
De novo, era agoniante pensar que ela nada representara!
Então, de repente, decidiu apelar para o orgulho, para a
coragem de que sempre se julgara possuidora.
Tinha que enfrentar os fatos. Nada significara na vida de
Lorde Rothwyn, era uma mulher que, não fosse a perfídia de
Sophie, ele jamais conheceria.
Evidentemente, houvera um sentimento de pena. Como
conceber que ele sentisse algo mais, por alguém tão despido de
atrativos?
Lalitha disse para si mesma que quem tivesse
contemplado a beleza incomparável de Sophie, ficaria imune à
atração de outras mulheres, por mais fascinantes que fossem.
Enfim, como ela própria não possuía nenhuma atração,
nunca interessaria a um homem tão exigente como Lorde
Rothwyn.
Não era difícil imaginar que houvera muitas outras
mulheres na vida dele e, em caso contrário, as conversas de
Nattie não a deixariam por muito tempo na ignorância desse
detalhe.
— A vida deu muito a milorde, se deu! — dissera ela, certa
vez. — Foi mimado desde pequenino, por todos que o
admiravam.
— E ele sempre foi bonito? — perguntara Lalitha.
— Se foi? Parecia um anjinho! Nunca vi criança mais
bela! — respondera Nattie. — E quando cresceu, sobressaía
sempre, onde quer que estivesse. Não é de admirar que as
damas vivessem a persegui-lo!
— Fala... sério? — perguntara Lalitha, em voz baixa.
— Mas é claro! Com sua aparência, posição e fortuna,
milorde encarna o sonho de toda jovem, é o partido que cada
mãe cobiça para uma filha!
— É curioso que não se tenha casado antes, não?
— Foi o que sempre disse a ele — replicara Nattie — mas
milorde apenas achava graça e respondia que ainda não achara
a mulher que considerava seu ideal!
Com um soluço, Lalitha pensou que ele a encontrara.
Encontrara Sophie, tão bela como mulher, assim como Lorde
Rothwyn era belo como homem. 
"O par ideal!", pensou, desalentada.
Podia imaginar o excitamento que semelhante união
causaria na alta sociedade.
Milorde apresentaria Sophie em Carlton House. Ela
emprestaria sua graciosidade à Abertura do Parlamento e, sem
dúvida, seria a mais bela dama presente à Coroação.
Lalitha lutou para conter os soluços.
— Por quê, oh, por quê — perguntou-se — não me
apaixonei por um homem comum? Eu deveria ter amado
alguém sem importância social, que também me amasse, e
então seríamos felizes em algum chalé perdido no campo!
Mas, não! Ela fora amar, precisamente, um homem tão
fora de seu alcance como as estrelas no céu!
"Como pôde ser tão tola? Como pôde ser tão tola?",
pareciam dizer-lhe as rodas da carruagem, enquanto giravam
sobre a estrada empoeirada.
Sua resposta também se repetiu, vezes sem conta.
"Não pude evitar! Não pude evitar!"
As lágrimas molhavam suas faces quando, de repente, a
carruagem fez alto sem qualquer aviso do cocheiro.
Ela o ouviu gritando furiosamente do alto da boléia. Um
dos passageiros, um idoso fazendeiro, exclamou, irritado:
— Por que paramos agora? Já estamos bastante
atrasados!
— Infelizmente, essas carruagens nunca estão dentro do
horário — comentou um homem de meia-idade e lábios finos,
com aparência de funcionário. 
Mal ele terminou de falar, a porta foi aberta, a um criado
com chapéu de penacho e botões de prata brasonados na libré,
enfiou a cabeça no interior.
Examinou os passageiros e, vendo Lalitha, disse:
— Milorde a espera lá fora, milady.
Ela ergueu a cabeça vivamente.
Por um instante, fitou o criado com incredulidade, mas
depois perguntou, vacilante:
— M-mi... lorde?
— Ele está esperando, milady.
Os outros passageiros ficaram reduzidos ao silêncio, ante
a troca de palavras.
O funcionário que se queixara foi o primeiro a falar:
— Se vai desembarcar, madame, ficaríamos gratos se
saísse logo. Com todos estes atrasos, acabaremos chegando
muito tarde a nosso destino.
— Sinto muito — balbuciou ela.
Teve alguma dificuldade para emergir entre os dois
passageiros nas vagas ao seu lado e mais ainda quando passava
por entre as pernas dos que tolhiam seu caminho até a porta.
Ned ajudou-a a desembarcar e, quando pisou em terra,
Lalitha viu, mais adiante, os quatro cavalos que obstruíam a
estrada, evitando que a carruagem seguisse em frente.
Quanto ao ocupante do cabriolé, usava o chapéu em um
ângulo que ela não pôde deixar de identificar.
Seu coração batia em disparada, ao caminhar para ele.
Chegando perto do cabriolé, Ned ajudou-a a subir. 
Lalitha sentou-se ao lado de Lorde Rothwyn e o criado
lhe cobriu o vestido com uma manta leve.
Logo em seguida, os cavalos começaram a mover-se, e
Ned tomou seu lugar costumeiro, na traseira do veículo.
No primeiro momento, Lalitha não ousou fitar o homem
a seu lado, e sabia que tudo quanto dissessem podia ser ouvido
pelo criado.
Como Lorde Rothwyn nada dissesse, ela o observou
disfarçadamente, instantes depois.
Ele mostrava o rosto de perfil, mas seria impossível não
notar a ruga funda entre os olhos, nem deixar de ver que
comprimia os lábios, em uma linha fina.
Foi como se uma garra gélida lhe extraísse todo o sangue
do coração. Ele estava furioso! Furioso com sua atitude,
embora Lalitha pensasse ter feito o melhor e que sua partida o
deixaria feliz!
Lorde Rothwyn dirigiu o cabriolé até chegarem à praça
gramada de uma aldeia, onde poderia manobrar os cavalos.
Então, foram forçados a esperar que a carruagem de posta os
ultrapassasse.
O sol, que morria em esplendor magnífico, afundou no
horizonte, e o crepúsculo começou a aumentar.
Agora, a estrada que conduzia a Roth Park, parecia
sombria e indistinta.
— Por que partiu? — perguntou Lorde Rothwyn antes de
reiniciar a viagem.
— P-pensei que... que você não... q-queria mais que eu...
ficasse... — balbuciou Lalitha.
Sentia dificuldade em falar, perturbada pela fúria que ele
demonstrava e pela nota de rudeza em sua voz.
— Você queria partir? — interrogou ele.
Quando ela o fitou, atônita diante da pergunta, ele notou
as faces manchadas de lágrimas e a umidade nos cílios longos.
Sorriu de repente, não mais sombrias as feições, ao dizer:
— A esta altura, ainda não aprendeu que nunca deixo
inacabado um prédio que esteja reformando?
Uma onda de indescritível felicidade a envolveu.
Entretanto, antes que pudesse responder, ele agitou as rédeas e
os cavalos moveram-se para diante.
— Ele está me levando de volta! — murmurou para si
mesma. — De volta para... casa!
Mal ousava pensar naquela última palavra, quanto mais
pronunciá-la, mesmo para si própria.
Os cavalos galopavam velozmente, mas não tão depressa
como quando tinham vindo. No entanto, pareciam muito
rápidos a Lalitha, depois da morosidade da carruagem
sobrecarregada.
Ali não havia mais os cheiros intensos, o calor, a íntima
proximidade dos passageiros.
O vento lhe batia no rosto e a euforia transbordava em
seu coração.
Não havia necessidade de palavras.
Ela podia apenas sentir que Lorde Rothwyn tornara a
arrancá-la de um porão fundo e tenebroso, trazendo-a para
uma claridade que a ofuscava.
Foram detidos por um bando de vacas que cruzavam a
estrada, de volta aos campos, após terem sido mungidas. 
— Você está bem? — perguntou Lorde Rothwyn.
— Sim... muito... bem...
Seu sofrimento desaparecera, tudo parecia luminoso e
fascinante. Estava junto dele, e nada mais exigia da vida!
A escuridão ganhava intensidade e o céu não era mais tão
claro como antes. Havia nuvens amontoadas, prenunciando
chuva.
Ainda mais: estavam em uma zona de florestas,
avançando por uma estrada estreita e tortuosa; árvores altas e
escuras margeavam o caminho, impedindo que continuassem
rapidamente.
Na realidade, agora se moviam com bastante lentidão e,
ao fazerem uma volta, ouviram um grito na margem direita da
estrada.
Lorde Rothwyn colheu as rédeas, instintivamente, no
momento em que dois cavaleiros surgiram diante deles.
— Alto! Entreguem o dinheiro!
Lalitha assustou-se.
Viu Lorde Rothwyn olhar para o assaltante mascarado,
que se postara a seu lado do cabriolé.
Depois ele baixou a mão. Tinha em um bolso uma pistola
sempre carregada, para emergências semelhantes.
Quando a empunhou, o assaltante fez fogo, derrubando-o
para trás, com uma bala encravada no ombro.
Lalitha deu um grito terrível, pois Lorde Rothwyn soltara
as rédeas e levava a mão esquerda ao braço ferido.
— Fique quieta, se sabe o que é melhor para você! —
rosnou o assaltante, em voz rouca. Tirem eles da estrada! —
ordenou outra voz.
Virando-se, Lalitha percebeu que havia outro assaltante,
este do lado esquerdo.
"Quatro homens contra dois!", pensou desesperada.
Além disso, Lorde Rothwyn fora ferido!
O assaltante que atirara aproximou-se do cabriolé em seu
cavalo, a fim de observar o homem ferido.
Lorde Rothwyn fora empurrado para trás, com o impacto
da bala, mas voltara a sentar-se e seus olhos se fixaram nos do
assaltante, desafiadores.
— Malditos! — exclamou. — O que querem, raios? Temos
poucos valores conosco!
O assaltante deu uma risada desagradável.
— Precisamos de um cavalo com urgência.
— Vá para o inferno! — explodiu Lorde Rothwyn.
Enquanto ele falava, Lalitha viu que o assaltante girava a
pistola que tinha na mão, até segurá-la pelo cano.
O homem ergueu a arma no ar, ia deixá-la cair sobre a
cabeça de Lorde Rothwyn, sem que este nada pudesse fazer.
Estava em nível mais baixo que o atacante a cavalo, e ferido.
Levantando-se, Lalitha colocou as mãos sobre a cabeça
de Lorde Rothwyn, em um gesto protetor.
— Não! — gritou, desesperada. — Não! Não pode fazer
isso!
— Por que não? — perguntou o mascarado.
Ela achou que não teria voz para responder, mas então
disse, as palavras interrompidas pelo terror: 
— Porque... vocês são... conhecidos como... "Cavalheiros
da Estrada" e nenhum... cavalheiro... atacaria um homem...
desarmado e indefeso!
O assaltante encarou-a, com os olhos brilhando pelas
fendas da máscara.
Deu uma risadinha forçada e acentuou:
— Tem muita coragem, madame! Eu digo que tem! Pois
muito bem! Diga ao Grande Janota que guarde as pragas para
ele!
Lorde Rothwyn ia replicar violentamente, mas antes que
as palavras lhe viessem aos lábios, Lalitha os cobriu com a
mão, a toda pressa.
Percebia o quanto ele estava enfurecido, a dificuldade
que teria em controlar-se, sem olhar para as consequências.
Então, sentindo os dedos finos que tremiam contra sua
boca, Lorde Rothwyn disse, em voz baixa e contida:
— Eu não o provocarei.
— Por favor... fique quieto! — suplicou Lalitha. — Estou...
com tanto medo!
Ele a fitou em silêncio. Lalitha tornou a sentar-se,
respirando agitadamente, com o coração pulsando a toda
velocidade.
Aferrou as mãos ao braço de Lorde Rothwyn, apertando-
se a ele em busca de coragem e procurando proteção.
Os dois assaltantes guiavam os cavalos do cabriolé para
fora da estrada, internando-se em uma trilha rústica, por entre
o bosque.
Continuaram por alguma distância, levando suas
montarias e os animais do veículo, até uma clareira, onde as
árvores haviam sido abatidas recentemente.
Fizeram alto ali e começaram a desatrelar os cavalos. 
O assaltante que alvejara Lorde Rothwyn arrancara Ned
da traseira do veículo e o amarrava a uma árvore.
— Ei, por que está fazendo isto? — perguntou Ned.
— Não queremos que vá atrás de nós muito depressa —
respondeu o assaltante — mas penso que já vai ter trabalho de
sobra, cuidando de um homem ferido e de uma mulher!
O quarto homem fiscalizava a soltura dos cavalos. O
assaltante que amarrava Ned terminou sua tarefa e aproximou-
se do cabriolé.
— Suas bolsas — ordenou — e tudo mais que carreguem
de valor! Depressa!
Ao falar, abaixou-se e apanhou a pistola do bolso lateral
do casaco de Lorde Rothwyn, onde este tentara alcançá-la.
Depois sorriu, enquanto girava a arma na mão.
— Melhor do que posso comprar! — disse. — Também os
cavalos são da melhor raça que já tivemos.
Lalitha percebia que ele procurava provocar,
deliberadamente, e apertou as mãos em torno do braço de
Lorde Rothwyn.
— Entregue minha bolsa ao "Cavalheiro da Estrada"! —
disse ele, em voz calma, mas sarcástica.
Lalitha assim fez, e então os olhos do assaltante caíram
em sua bolsa de cetim.
— Posso também ficar com isso! — disse ele. — Será um
bom presente para uma pequena de quem gosto!
Lalitha entregou a bolsa.
Ele a pegou, abriu-a e assobiou ligeiramente, surpreso, ao
ver o que havia no interior. 
— Ele é muito generoso, não? — exclamou, zombeteiro,
balançando a cabeça na direção de Lorde Rothwyn. — Neste
caso, cavalheiro ou não cavalheiro, não quer vir comigo?
— Não, obrigada — respondeu Lalitha. — Não sinto
nenhum desejo de ser perseguida e viver no terror de me
apanharem.
O assaltante riu.
— Você é esperta! — comentou. — Gosto de mulheres
espertas!
Observou-a por entre os olhos apertados malignamente e
torceu os lábios de uma maneira que a aterrorizou.
De repente, Lalitha foi dominada pelo horror de algo que
estava além de sua compreensão, e que a fez apertar-se contra
Lorde Rothwyn.
O assaltante avançou em sua direção, e ela percebeu que
Lorde Rothwyn ficara tenso.
Nesse momento, ouviram os gritos dos homens que
desatrelavam os animais.
Todos os cavalos estavam livres, e cada assaltante
dispunha da própria montaria, além de levarem pelas rédeas
um outro animal, pertencente a Lorde Rothwyn.
Sobrara apenas um cavalo. O assaltante afastou o braço.
— Não há tempo! — disse, enfiando a pistola de Lorde
Rothwyn no cinto. — Que pena! Você é uma belezinha!
Montado em seu cavalo, reuniu-se aos companheiros, e
tomando pelas rédeas o animal que restara, desapareceu com
os outros por entre as árvores, em uma velocidade que parecia
incrível.
Mal eles desapareceram de vista, a chuva tombou. 
Lalitha olhou para Lorde Rothwyn, apreensiva.
— Darei uma espiada em seu braço — disse — mas, antes
disso, devemos abrigar-nos. Pode caminhar até debaixo das
árvores?
— Sim, claro — respondeu ele.
Consternada, Lalitha notou a mancha vermelha no lado
do casaco de Lorde Rothwyn, provocada pelo sangue do
ferimento, e também a expressão dura que ele mantinha na
boca crispada.
Desceu do cabriolé e contornou o veículo a toda pressa, a
fim de ajudá-lo a descer também, mas Lorde Rothwyn não
precisou amparar-se nela, e foi com passos firmes que
caminhou até as árvores.
Lalitha então se voltou para Ned.
— Logo virei libertá-lo — disse. — Antes, preciso
descobrir um lugar seco para milorde sentar-se.
— Eu estou bem, milady — respondeu Ned.
Ao caminharem para um ponto em que o arvoredo era
mais espesso, com a galharia frondosa impedindo que o grosso
da chuva desabasse sobre eles, Lalitha deu um gritinho.
Pouco adiante, erguia-se uma cabana construída
rusticamente, com troncos de árvores abatidas.
Sem dúvida, fora levantada pelos lenhadores que deviam
trabalhar naquela parte da floresta.
Lalitha correu à frente e, quando abriu a porta da cabana,
sentiu no rosto um bafo de ar quente.
Restavam apenas algumas brasas em uma lareira
improvisada, brilhando entre as cinzas, sinal de que alguém
acendera fogo ali, poucas horas antes.
Deixando a porta aberta, correu de volta para Lorde
Rothwyn, que agora se movia para as árvores, em passos lentos
e instáveis.
Descobri uma cabana onde ficaremos abrigados —
anunciou ela, sem fôlego.
— É um alívio — comentou ele, falando com esforço.
Lalitha ajudou-o a cruzar a porta, tão baixa que o obrigou
a baixar a cabeça. Já no interior, ele se deixou cair sobre o piso
arenoso, como que exausto.
Quando deixara o cabriolé, Lalitha trouxera consigo a
trouxa com os objetos recolhidos em Roth Park.
Agora, abriu-a, dizendo:
— Vou cortar a manga de seu casaco, a fim de enfaixar-
lhe o braço. Farei o possível para não machucá-lo. Seria difícil
despir o casaco, sem sentir fortes dores.
— Obrigado — disse ele.
Lalitha dispunha apenas de sua tesoura para bordado,
cujo tamanho não era dos maiores. Mesmo assim, conseguiu
cortar o tecido do casaco bem talhado de Lorde Rothwyn e
remover a manga.
Em seguida, teve que aprofundar mais o corte no ombro,
ao perceber que o ferimento ficava quase no alto do braço.
Embora não tivesse muita certeza, achava que a bala
havia atravessado a carne, sem penetrar no osso. Entretanto, o
sangue era demasiado, para que ela pudesse garantir alguma
coisa.
O líquido morno escorria pelo braço de Lorde Rothwyn,
gotejava pelo lado do corpo e parecia cobrir tudo de vermelho,
inclusive suas próprias mãos.
Finalmente, após expor o ferimento por completo,
Lalitha fez uma bandagem espessa, com a seda das roupas de
baixo que trouxera ao viajar.
Apertou o tampão contra o ferimento, a fim de estancar a
hemorragia, e enfaixou tudo com tiras que cortou da camisola
de dormir.
Quando terminou, mesmo na escuridão da cabana, pôde
notar que Lorde Rothwyn estava muito pálido, e devia sentir
dores alucinantes.
— Agora, preciso ir soltar Ned — falou.
— Há um frasco de brandy no cabriolé — disse Lorde
Rothwyn. — Quer trazê-lo para mim?
— Claro que trarei! — exclamou ela. — Por que não disse
antes?
Correu para o cabriolé, o mais depressa que suas pernas
permitiram.
Àquela altura, a chuva caía com toda a intensidade.
Apanhando o frasco de brandy e também a manta que lhe
cobrira o vestido, ela se apressou em retornar à cabana.
Abriu o frasco, colocou-o na mão de Lorde Rothwyn e,
apanhando a tesoura, foi para junto de Ned.
Foi trabalhoso cortar as fibras da corda grossa que o
assaltante empregara para amarrar o criado à árvore. Ela
tentou primeiro desatar o nó, mas logo percebeu que era uma
tarefa além da força de seus dedos.
— Vou buscar ajuda, milady — disse Ned, quando
finalmente se viu livre.
Sim, por favor, faça isso — respondeu ela. — Creio que
será uma longa caminhada até a última aldeia. Tenho a
impressão de que passamos por ela há muito tempo.
— Talvez eu tenha que ir mais além, milady — disse Ned.
— Nesses lugarejos não deve haver nenhum veículo onde
possamos levar milorde para casa.
— Tem razão — suspirou ela. — Sendo assim, Ned,
poderíamos levar as almofadas do cabriolé para a cabana, a fim
de que milorde fique mais confortável. Alguém já havia
acendido fogo lá dentro.
— Tornarei a acendê-lo, milady — disse Ned. — Pelo
menos, ficará aquecido e poderá enxergar, enquanto eu não
volto.
Retirando as almofadas do cabriolé, ele as levou para a
cabana e ajudou Lalitha a ajeitá-las, de maneira que Lorde
Rothwyn ficasse sentado em uma delas, com o corpo apoiado
em outra.
Àquela altura, a escuridão era total, e só conseguiram ver
alguma coisa quando Ned acendeu o fogo.
Por sorte, havia grandes pilhas de lenha junto à porta.
Além disso, experientes em fazer-se à vontade, sob quaisquer
circunstâncias, os lenhadores haviam erguido uma chaminé
tosca no teto, a qual retirava a fumaça da cabana.
— Agora vou andando, milorde — disse Ned. — Voltarei o
mais depressa que puder.
— Obrigado, Ned — respondeu Lorde Rothwyn.
Lalitha teve a impressão de que ele se sentia melhor,
depois que bebera um pouco do brandy. Ao arrolhar o frasco
novamente, deu graças aos céus porque o assaltante não o vira,
ao recolher a pistola no bolso de Lorde Rothwyn.
Ned desapareceu na escuridão, após deixar boa pilha de
lenha junto à lareira, capaz de durar por várias horas.
Lalitha sentou-se em uma almofada.
Então, percebendo que Lorde Rothwyn amparava o braço
ferido em posição desconfortável, saiu da cabana.
Ao voltar, trazia na mão a anágua, que removera no lado
de fora.
Estirando-a no chão, pegou a tesoura e recortou uma
faixa, no formato de uma tipóia.
Com a maior delicadeza, amarrou-a em torno do pescoço
de Lorde Rothwyn, a fim de que, na tipóia, ele amparasse o
cotovelo do braço ferido.
— Sente-se melhor agora? — perguntou.
— Vejo que é uma enfermeira competente!
— Só posso rezar para ter feito a coisa certa! — respondeu
ela. — Mamãe era perita em bandagens. Sempre a chamavam,
quando alguém se machucava na aldeia, em especial as
crianças. Eu apenas a ajudava, nunca precisei fazer tudo
sozinha...
— Fico-lhe muito grato.
Ela o fitou com certa indecisão. Depois murmurou:
Foi por minha... culpa que isto... aconteceu. Como
poderei... pagar-lhe pela... perda dos cavalos?
— Podíamos ter perdido coisas piores! — replicou ele,
secamente.
Lalitha pensou que ele se referisse à possibilidade de
terem sido mortos.
Então, recordou seu repentino terror, quando o
assaltante estendera a mão para ela, e sentiu-se estremecer. 
— Está tudo bem! — disse Lorde Rothwyn,
tranquilizando-a, como se tivesse lido seus pensamentos. —
Tudo terminou agora. Temos apenas de sujeitar-nos a uma
longa espera, até que Ned volte com socorros. Sugiro que se
acomode mais perto de mim, para que a manta cubra nós dois.
—  Sim, claro. É o mais sensato — concordou Lalitha.
Aproximou sua almofada, sem conter o calafrio que a
percorreu, porque sentia o corpo dele junto ao seu.
Agora, estava com ele, podia tocá-lo, mas há bem pouco
tempo antes chegara a pensar que nunca mais o veria!
Uma onda de agradecimentos subiu do mais fundo de seu
coração.
—  Vamos perder o nosso jantar de gala! — lembrou ele.
— E pensar que esta iria ser uma ocasião muito especial!
—  Estou muito... feliz assim mesmo — murmurou ela.
— Você foi extremamente corajosa — comentou Lorde
Rothwyn, em voz baixa. — E como receio que tudo isto a tenha
fatigado, quero que beba um gole de brandy.
Lalitha ia protestar, alegando detestar aquele tipo de
bebida, mas decidiu que seria um erro discutir.
Ele estava ferido, devia fazer-lhe a vontade... Pensou
também que o braço devia estar doendo muito e que aquela era
uma boa oportunidade para fazê-lo beber mais um gole.
Bebeu lentamente pelo gargalo e sentiu o brandy abrir
caminho por seu corpo, como uma esteira ardente. 
O calor da bebida dissipou os últimos temores que ainda
persistiam, mesmo após a partida dos assaltantes.
Quando pensava naquilo, ainda sentia o choque do
momento de terror, quando Lorde Rothwyn fora alvejado.
Estendeu-lhe o frasco.
Ele bebeu em silêncio uma boa quantidade do brandy
que sobrara, Lalitha tornou a arrolhar a garrafa.
—  Está mais aquecida? — perguntou ele.
—  Sinto-me... muito... bem. É com... você que devemos
ficar... preocupados.
Levantando-se, ela colocou mais lenha na lareira. Ao
voltar para junto de Lorde Rothwyn, viu que ele escorregara
um pouco nas almofadas, e assim sendo, não precisava mais
esforçar-se em manter a cabeça ereta.
 O melhor que temos a fazer agora — disse ele — é tentar
dormir um pouco.
—  Acho uma boa ideia — respondeu Lalitha.
Ele bocejou longamente. Era uma reação ao que tinha
passado e também devido à perda de sangue.
Depois fechou os olhos. Lalitha virou a cabeça, a fim de
contemplá-lo à luz do fogo.
"Como é bonito!", pensou.
Sentiu os olhos úmidos, ao pensar que estava ali, sozinha
com ele, que não precisaria dizer-lhe adeus para sempre.
O que acontecerá? O que dissera ele a Sophie e por que a
seguira?
Dúzias de perguntas em sua cabeça exigiam respostas,
mas ela sabia que aquele não era o momento apropriado para
fazê-las.
Tudo quanto devia fazer agora era sentir-se satisfeita com
o que os deuses lhe haviam devolvido.
O homem que amava estava ao seu lado e, embora
desconhecesse o futuro, estava certa de que, pelo menos
poderia permanecer um pouco mais junto dele. "Eu o amo!",
gostaria de dizer em voz alta.
Ao invés disso, ficou ouvindo a frase, repetidas vezes sem
conta em seu coração!
"Eu o amo! Eu o amo! Eu o amo!..." 
 
 
 
CAPÍTULO 6
 
 
LALITHA foi despertada por uma camareira que,
entrando silenciosamente no quarto, puxou as cortinas das
janelas.
Sem se mover, ficou quieta por um momento,
contemplando a claridade dourada do sol, que se espalhava
pelo teto e envolvia todo o aposento.
A camareira foi seguida por Nattie, que trazia a coleira e a
correia de Real, para que ele pudesse ser levado a um passeio
no parque.
"Há uma semana que voltamos a Londres", pensou
Lalitha.
Naquele dia, quando Ned finalmente voltara com
socorros, fizeram uma curta viagem até Rothwyn House e logo
depois retornavam ao campo. Era imprescindível que Lorde
Rothwyn fosse examinado por um médico.
Já alvorecia, quando ela finalmente ouvira passos no
bosque, aproximandose da cabana.
Lorde Rothwyn dormia e, com a máxima suavidade, a fim
de evitar sobressaltá-lo, ela anunciou:
— Ned voltou!
Abrindo os olhos, ele percebeu que Lalitha o mantinha
nos braços, recostando-lhe a cabeça contra o peito.
A princípio, quando sugerira que dormissem, ele relaxara
a cabeça nas almofadas retiradas do cabriolé. A posição não era
muito confortável, mas pelo menos o braço ferido estava livre
de todo contato que pudesse machucá-lo.
Mais tarde, com Lalitha acordada ao seu lado, Lorde
Rothwyn ficou um tanto inquieto. Passou a murmurar durante
o sono, dando a entender que o braço doía e que devia estar
febril.
Lalitha não sabia o que fazer, mas ficou sentada o mais
perto que pôde, vigiando-o à luz do fogo, por temer que um
movimento mais brusco pudesse dar origem a nova
hemorragia.
Então, inesperadamente, ao escorregar ainda mais nas
almofadas, ele se voltara para ela. Automaticamente, quase
sem ter consciência do que fazia, Lalitha passou os braços em
torno dele.
Com a cabeça apoiada no colo de Lalitha, Lorde Rothwyn
caiu em sono profundo.
A princípio, ela receou mover-se, quase prendendo a
respiração, mas depois, aquela proximidade tão íntima
despertou-lhe uma sensação estranha, que jamais
experimentara antes. 
Amava-o com desespero, mas agora sabia que não sentia
amor apenas pelo homem forte e másculo e, como já dissera a
si mesma, inteiramente fora de seu alcance.
Era também um amor que tinha algo de protetor,
compassivo e maternal ao mesmo tempo.
Gostaria de poupar a Lorde Rothwyn tudo quanto fosse
desagradável, áspero e perverso na vida.
Naquele momento, encarava-o como uma criança, que
precisava ser protegida contra a infelicidade, sofrimento e
solidão.
Apertou mais os braços em torno dele e, baixando a
cabeça, apenas um pouquinho, pôde tocar-lhe os cabelos com
os lábios.
Eram cabelos macios e sedosos, mas ao beijá-los, teve
vergonha da própria ousadia.
Entretanto, ele jamais ficaria sabendo disso. Quando não
estivesse mais interessado, ela sempre teria aquele instante
para recordar, o momento em que sentira o contato da cabeça
do homem amado contra seu seio, quando ele se voltara em
sua direção, como à procura de algo que apenas ela poderia
dar...
Lalitha não dormiu. Tampouco se moveu, embora ficasse
com os braços entorpecidos e com cãibras.
Sentia-se tomada de um êxtase e deslumbramento jamais
conhecidos em sua vida e que, de certa maneira,
compensavam-na por tudo quanto sofrera nos anos passados.
Aquilo era algo que ninguém — nem mesmo Sophie —
poderia roubar-lhe e que, pelo resto da vida, ficaria encerrado
em seu coração, como um precioso tesouro. 
Ao despertar, Lorde Rothwyn percebeu a maneira como
dormira e ficou quieto por um instante, mas quando Ned
chegou à porta, ele já se tinha endireitado.
Lalitha afastou-se, sem olhar para ele. Ainda sentia os
braços doloridos, mas procurou falar com naturalidade, ao
perguntar:
— Trouxe uma carruagem com você, Ned?
— Sim, e bastante confortável, milady!
— Ótimo!
— Ajude-me a ficar de pé, Ned — ordenou Lorde
Rothwyn.
O criado se apressou em obedecer, Lalitha ajeitou a
manta em torno dos ombros e, caminhando na frente, avançou
para a carruagem que esperava.
Foi quase em silêncio que cobriram os poucos
quilômetros até Londres.
Quando chegaram a Rothwyn House, Lorde Rothwyn foi
ajudado a subir para o andar de cima. Enquanto isso,
preocupada com seu estado, Lalitha ordenava a um criado que
saísse à procura de um médico.
— Milorde gostaria de ser atendido pelo Sr. Henry Clive,
milady — informou o mordomo — É um dos especialistas de
Sua Alteza Real.
— Então, peça-lhe para vir o mais depressa possível —
disse Lalitha. — Quem é o médico de milorde?
— Sir William Knighton — respondeu o mordomo — que
também cuida de Sua Alteza Real.
Os dois facultativos foram chamados, e Lalitha só foi para
a cama, exausta e sonolenta, depois de ouvir o relatório de
ambos sobre Lorde Rothwyn. 
Dormiu até o meio da tarde e ao acordar soube que
Nattie chegara de Roth Park, trazendo Real em sua companhia.
Lalitha ficou deliciada ao ver o cãozinho, mas Nattie
imediatamente estipulou regras e regulamentos, com
indiscutível autoridade, os quais ela se viu forçada a seguir.
Apesar de seus protestos, teve de ficar na cama por três
dias, e só então recebeu licença para um curto passeio pelo
parque que circundava Rothwyn House.
Depois disso, Nattie permitiu que lesse e se ocupasse com
algo não mais cansativo que a reconstituição do poema escrito
por Lorde Hadley.
— Eu estou bem! Sinto-me ótima, Nattie! — protestou.
— Há duas opiniões quanto a isso — replicou a ama,
severamente.
A verdade é que, embora não admitisse, Lalitha se sentia
fraca e agitada.
— Deve ter sido pelo choque de ver Lorde Rothwyn
baleado — disse para si mesma.
Não obstante, embora procurasse esquecer, era também
o efeito do sofrimento e desespero que sentira quando Sophie a
forçara a partir, a voltar para o que significaria a obscuridade
permanente.
Agora, estava de volta a Rothwyn House, mas seu prazer
ficava turvado, porque não podia ver o dono da casa.
Esperou ansiosamente que ele mandasse chamá-la, mas
os dias foram passando e, embora Nattie trouxesse notícias das
melhoras de Lorde Rothwyn, não houve qualquer convite para
que fosse ao seu quarto. 
Por fim, timidamente, ela perguntou à ama:
— Eu não poderia... ver milorde?
— Sir William ordenou que ele não recebesse visitas nos
dois primeiros dias — replicou Nattie — e depois disso, milorde
não pediu que o fosse ver.
Vacilante, Lalitha insistiu:
— Pois eu gostaria de vê-lo. Por que ele não... quer me
ver? — Nattie sorriu.
— Acho que todos os homens, milady — e talvez o patrão
Inigo, mais que os outros — ficam envergonhados quando
estão de cama. Ele sempre foi assim, desde pequenino. Não
admitia ficar doente ou sofrer. Eu costumava dizer-lhe:
"Você devia ser um animal, com essas ideias que tem!"
Lalitha achou graça.
— E o que ele respondia a isso?
— Ele não gostava de falar sobre fraquezas — replicou
Nattie. — Uma vez, quando esteve muito doente e não me
queria por perto, ficava repetindo para si mesmo, sem parar:
"Estou bem! Estou bem! Estou bem!"
Lalitha lembrou-se de como ele se portara corajosamente
com o ferimento, embora devesse sentir dores atrozes.
De certa forma, era consolador saber que ele não
procurava vê-la por motivos que se ligavam ao orgulho, não ao
fato de rejeitar sua presença. Ao mesmo tempo, ansiava por
estar junto dele.
Sentando-se recostada aos travesseiros, não pôde deixar
de perguntar:
— Como está milorde esta manhã?
— Ainda não o vi — respondeu Nattie — mas a julgar pelo
tamanho do breakfast que levavam a seu quarto, quando
passei no corredor, imagino que esteja afinado como uma
corda de violino!
Lalitha riu.
— Ontem, você me disse que o ferimento estava
praticamente cicatrizado.
— O Sr. Clive está muito satisfeito com os progressos de
milorde. Disse que nunca viu um paciente ficar bem tão
depressa e com uma cicatrização tão perfeita.
— Fico muito... feliz em saber! — exclamou Lalitha, um
tanto afogueada.
Nattie não respondeu e, um momento depois, ela
acrescentou:
— Que dia maravilhoso! Vou sair da cama e dar um
passeio no parque com Real!
— Então, mantenha-o longe dos canteiros — avisou
Nattie. — Se ouvisse o que disseram os jardineiros, depois dos
estragos que ele fez, ficaria com as orelhas ardendo!
— Realmente, ele foi muito travesso — admitiu Lalitha. —
Cismou que havia um osso enterrado debaixo dos gerânios!
Ao pensar que o comportamento do cãozinho poderia
distrair Lorde Rothwyn, Lalitha fez um pequeno desenho de
Real cavando os canteiros de flores e jogando a terra para cima
da grama.
Colocou-o em um envelope e pediu que Nattie o
entregasse a ele.
Quando soube que o desenho o fizera rir muito, fez outro,
agora representando uma porta fechada, diante da qual ela e os
cães esperavam pacientemente, como se ansiassem por um
passeio. 
Ela jamais tivera jeito para pintar com aquarela, o que
era considerada uma parte importante no preparo de cada
jovem, mas costumava desenhar pequenos cartões, que muitas
vezes divertiam seu pai.
Aquilo dava-lhe certa satisfação, e remetia seus esforços
para Lorde Rothwyn apenas porque desejava ardentemente
comunicar-se com ele, de uma ou outra forma.
Chegou a esperar que lhe enviasse uma nota em
retribuição, mas desapontou-se, porque nada disso aconteceu.
Subitamente amedrontada, pensou que ele talvez
lamentasse ter impedido o seu desaparecimento, quando ela
partira para Norfolk.
Lorde Rothwyn tivera tempo para pensar no engano
cometido e deixara de interessar-se por ela! Mas, subitamente,
alegrou-se ao recordar seu comentário de nunca deixar
inacabado um prédio onde estivesse trabalhando.
Claro, ela continuava inacabada, mas quando a tarefa
fosse concluída...
A perspectiva era como uma nuvem escura no horizonte,
lembrando que aquilo aconteceria um dia e que, então, talvez
tivesse que abandoná-lo.
Levou Real para o parque e, como brincasse com ele,
atirando-lhe um graveto e depois uma bola pequenina, o
cãozinho não cometeu nenhuma travessura censurável.
Lalitha almoçou sozinha e, ao subir para repousar,
seguindo as ordens rígidas de Nattie, encontrou a ama
esperando-a no quarto.
— Espero que durma um pouco e não se canse lendo
esses livros, milady — disse Nattie, quando viu o que ela
carregava. 
— Só quero ler um pouquinho! — replicou, com ar
suplicante.
— Pois então, não demore muito — declarou Nattie, em
tom firme. — Terá que mostrar sua melhor aparência esta
noite.
— Esta... noite?
— Milorde quer que jante com ele.
Oh, Nattie!
Lalitha mal podia falar. Após um momento, conseguiu
perguntar, ansiosa:
— Ele já... se recuperou?
— Ouvi dizer que voltaremos para Roth Park amanhã,
milady.
— Oh, estou contente... muito contente! — exclamou
Lalitha.
Sentia-se como se alguém houvesse arrebatado toda a
luminosidade do céu para depositá-la em seus braços; tinha a
impressão de que podia dançar no ar ou voar para a lua!
Ele estava melhor! Ele queria vê-la, iam jantar juntos!
Como desejava ardentemente mostrar-se o melhor
possível a Lorde Rothwyn, dormiu por algum tempo. Acordou
ansiosa, contando os minutos que faltavam para se vestir e
descer.
Enquanto tomava banho, Nattie trouxe do guarda-roupa
um vestido que ela ainda não vira.
— Milorde quer que use este para jantar.
Era um vestido diferente de qualquer outro que ela já se
imaginara trajando. Não tinha muita certeza quanto à cor.
O vestido parecia possuir camadas e camadas de gaze, em
tonalidades de azul e verde, sobre um forro prateado.
O tecido era macio, indistinto e, ao mesmo tempo que
revelava as curvas suaves do corpo, fazia-a parecer quase
etérea.
Ela se contemplava ao espelho, quando Nattie trouxe
uma enorme caixa de couro, que depositou sobre o toucador.
— Milorde pediu que usasse isto.
Abrindo a caixa, Lalitha viu que continha um colar de
pequenos diamantes estrelados, em deslumbrante cravação, e
de tamanha delicadeza, que pareciam ter sido confeccionados
por dedos de fadas.
Nattie pôs o colar em torno de seu pescoço, e depois
exibiu várias estrelas de diamantes, no mesmo formato dos
anteriores, para serem dispostas sobre os cabelos.
Depois de ajeitados, eles pareciam captar o novo brilho
que se tornara mais acentuado, dia após dia.
Agora, seus cabelos não tinham mais aquela aparência
desvitalizada e opaca, mas ficavam ondulados e fofos quando
caíam sobre os ombros, bastos e soltos, como ela nunca os vira
antes.
Lalitha sabia que aquele efeito era produzido pela loção
de pêssego, aplicada por Nattie todas as noites, segundo
instruções da herbanária. Também aprendera que eram os
cabelos, antes de mais nada, os reveladores da saúde do
organismo.
Na caixa de couro havia ainda um bracelete de
diamantes, fazendo parte do conjunto de jóias.
Levantando-se do banquinho do toucador, Lalitha ficou
diante do espelho comprido, onde podia ver-se refletida, do
alto da cabeça cintilante até as pequeninas sapatilhas que
combinavam com o vestido.
Era difícil identificar a jovem miserável, magra e
amedrontada com quem Lorde Rothwyn se casara, em seu
desejo de vingança.
Por um instante, Lalitha viu apenas seus olhos que
brilhavam, como as estrelinhas de diamante, esparsas nos
cabelos.
Depois notou que a pele estava alva e transparente, que o
pescoço se tornara macio e arredondado, que não havia mais as
"saboneteiras" em sua base, como antes.
— Está linda, milady!
Mesmo no momento em que se ruborizou pelo
cumprimento, Lalitha viu no espelho, sobreposto a seu rosto, o
de Sophie, deslumbrante, sedutor, maravilhoso, com os olhos
azuis, os cabelos dourados e a pele em tons de branco e rosa.
Afastou-se do espelho.
Pensou ser inútil esperar que Lorde Rothwyn a admirasse
na mesma medida que admirara Sophie. Enfim, talvez ele
continuasse sendo gentil com ela, por... pena.
De qualquer modo, fosse o que quer que ele sentisse a seu
respeito, ela ainda o amava, desejava vê-lo com tal ansiedade
que precisava controlar-se, a fim de não descer correndo a
escadaria que conduzia ao salão.
Lalitha pensara nele em cada minuto da semana anterior
mas, quando tornou a vê-lo, não recordava o quanto era
elegante, atraente e belo.
Lorde Rothwyn a esperava no extremo do salão e, ao se
encaminhar para lá, ela considerou que homem algum poderia
parecer tão maravilhoso, tão irresistível. 
O traje de noite assentava-lhe como uma luva e a gravata
branca era um complemento perfeito, sob as pontas do
colarinho alto.
A pele não estava tão queimada de sol como antes e ele
emagrecera um pouco, mas isso só o tornava ainda mais
atraente.
Lalitha aproximou-se, com os olhos presos nos dele.
Enquanto procurava palavras para dizer-lhe da satisfação em
vê-lo bem de saúde, ele exclamou:
— Finalmente vejo a cor de seus cabelos!
Ela ergueu os olhos, inquisitiva. Lorde Rothwyn
acrescentou:
— Nunca pude dar um nome a essa cor, mas agora já sei:
é luar sobre a água!
Lalitha ficou surpresa. O rubor subiu-lhe ao rosto,
quando ele levou sua mão aos lábios.
— Perdoe-me! — disse ele. — Antes de mais nada, eu
deveria ter dito o quanto estou feliz em vê-la!
Já está bem de todo? — perguntou ela, em voz baixa.
— Segundo eles, fui um paciente exemplar!
Lalitha queria perguntar por que não pudera vê-lo
durante aquele interminável período, mas antes que
formulasse as palavras, ele continuou:
— O descanso lhe fez muito bem. Era exatamente o que
eu desejava. Agora parece diferente, em todos os sentidos, e
posso garantir que aumentou um pouquinho de peso.
— Um pouquinho? Muita coisa! — replicou ela, com o
riso na voz. — Quase dois quilos!
— Meus parabéns!
Lalitha tinha a curiosa impressão de que, enquanto os
lábios de ambos diziam uma coisa, as mentes falavam algo
mais. 
Agora, sentia dificuldade em fitá-lo nos olhos.
Ao mesmo tempo, ligeiros calafrios de felicidade a
percorriam, de alto a baixo, como mercúrio puro.
Era difícil falar e difícil respirar. 
Sem querer, recordava a maneira como a cabeça dele
repousara pesadamente em seus seios.
— Temos muitas coisas a conversar — disse ele.
Ia acrescentar algo, mas nesse momento entrou o
mordomo, anunciando que o jantar fora servido.
Lalitha não teve a menor ideia do que comeram ou
beberam.
Sabia apenas que era dominada por uma felicidade e
deslumbramento desconhecidos até então, apenas por estar
junto dele e ouvir a sua voz.
A mesa havia sido decorada com orquídeas verdes.
Enquanto os diversos pratos eram servidos, uns após outros,
em recipientes de prata brasonada, por criados de libré,
silenciosos e bem treinados, ela continuava pensando que tudo
aquilo só podia ser um sonho.
Seria ela, realmente, a mesma que cozinhava qualquer
coisa para comer, quando tinha tempo e havia alimentos na
casa? Seria a mesma pessoa que comia na cozinha, porque a
madastra lhe proibira fazer as refeições no salão principal?
Após o jantar, quando retornaram ao salão, Lorde
Rothwyn disse:
— Eu sabia que as jóias assentariam em você.
Pertenceram a minha mãe. Ela sempre dizia que, quando
jovem, eram as suas prediletas. 
— São maravilhosas! — exclamou Lalitha. — Foi muita
gentileza sua emprestá-las.
— São um presente — respondeu ele, em voz calma.
Notando que Lalitha o fitava com estupefação,
acrescentou:
— Há ainda outro presente para você.
Mas... você não p-pode... Q-quero dizer... não p-pode
estar... falando... sério!
— Eu quis retribuir os cuidados que dispensou ao meu
ferimento — disse Lorde Rothwyn. — Ainda há mais: tenho a
impressão de que se você não me protegesse daqueles
assaltantes, eu ficaria em situação muito pior.
Percebeu que ela estremecia, ao recordar que assaltante
estivera a ponto de desferir-lhe uma forte coronhada na
cabeça.
Acrescentou, rápido:
— De qualquer maneira, não há motivos para falarmos
nisso agora. Temos muitas outras coisas a discutir.
Ele falava em tom autoritário, e Lalitha tentou expulsar
as lembranças de sua memória, dizendo com timidez:
— Não sei como... agradecer-lhe... mas tenho um...
presente para... você.
— Para mim? — perguntou ele, surpreso.
— Não é nada de valor — respondeu Lalitha — mas
espero que goste.
Cruzando a sala, ela chegou até a secretária onde havia
trabalhado nas tardes da semana anterior.
Abrindo uma gaveta, tirou um pedaço de papel.  
— Reconstituí o poema de Lorde Hadley — disse —
precisando apenas adivinhar umas poucas palavras, que não
eram importantes no texto. 
— Quer ler para mim? — pediu ele. 
Lalitha abriu a folha de papel que segurava e começou a
ler, em sua vozinha suave:  
 
A voz do coração é a voz do amor 
E eu juro, pelo céu acima de tudo,  Que meu amor será
sincero, eternamente,  Quando seu coração chamar o meu
para você. 
 
Ao terminar, Lalitha ergueu os olhos para Lorde
Rothwyn, aguardando a sua aprovação. 
— Foi muito inteligente em reconstituí-lo — declarou ele
— e podemos perceber que Lorde Hadley sabia expressar-se
com a máxima eloquência. 
— Ele pode não ter sido o Lorde Byron de sua época —
sorriu Lalitha — mas imagino como a dama em questão teria
ficado feliz, ao receber este poema.
—  Acredita que o coração dessa dama tenha chamado o
dele? 
Ele fizera a pergunta em voz grave, e Lalitha teve a
sensação de que adquirira um tom quase pessoal. 
Não sabia o que responder, quando Lorde Rothwyn
disse: 
— Agora, quero dar-lhe outro presente, uma nova
retribuição por aqueles desenhos deliciosos que fez para mim. 
— Pensei que... eles o distrairiam.
E distraíram! — replicou Lorde Rothwyn. — Entretanto,
embora o que eu tenha para você não a faça rir, penso que irá
gostar. 
Apanhou uma pequena pasta sobre a mesa ao lado de sua
poltrona — que Lalitha não percebera antes — e a colocou nas
mãos.
Após desamarrar o cordão que fechava a pasta, ela
encontrou três desenhos no interior.
Contemplou um deles por um instante, e então arregalou
os olhos, perplexa.
— É de Miguel Ângelo — disse Lorde Rothwyn. — Tem o
nome de "O Jovem Correndo".
— Que lindo! Incrivelmente belo! — exclamou ela,
fascinada.
Apanhou o desenho seguinte. Era uma paisagem,
revelando os mínimos detalhes do cenário, uma visão
panorâmica que ela ficaria contemplando durante horas.
— Esse foi desenhado por Pieter Brueghel — informou
Lorde Rothwyn — mas acho que preferirá o último.
Era uma cabeça de anjo. A expressão mística e espiritual
do rosto fez Lalitha sentir que, finalmente, podia compreender
como seria a verdadeira beleza.
— Foi feito por Leonardo da Vinci — declarou Lorde
Rothwyn. — Trata-se de um de seus primeiros croquis para o
anjo na tela chamada "A Virgem nos Rochedos".
— São... mesmo para... mim? — perguntou ela, quase sem
voz. — Não posso... acreditar.
— Quero que me responda a uma pergunta — disse Lorde
Rothwyn. — Olhe para o quadro acima da lareira.
Ela obedeceu.
Era uma tela de Rubens e devia ser muito valiosa. As
cores vívidas e o delineado brilhante da figura inspiravam
profundo respeito. 
— Agora, diga-me o que significa mais para você: a
pintura terminada de Rubens, um mestre renomado em sua
especialidade, ou os desenhos que tem na mão?
Lalitha refletiu por um momento. Depois disse:
— Ambos são maravilhosos, à sua maneira. Ambos me
inspiram um senso inexpressível de beleza, mas...
Fez uma pausa.
— Prossiga — insistiu Lorde Rothwyn.
— Talvez seja apenas uma apreciação pessoal — disse
Lalitha — mas para mim, os desenhos são mais... inspiradores.
Lorde Rothwyn sorriu.
— William Blake, que foi meu amigo, sendo um artista e
poeta, disse certa vez: "Desenhos, não, apenas inspiração!"
— Eu não sabia disso — respondeu Lalitha. — Referi-me
ao que... acontece comigo, quando olho para eles... ao que
acontece... dentro de mim.
Sentiu que não se explicara corretamente e acrescentou:
— É como se eu não visse os desenhos com... os olhos,
mas com... a alma.
Receando parecer demasiado emocional, ela disse:
— Sem dúvida, vai rir de mim por... ser tão...
sentimental!
— Em absoluto, Lalitha — disse Lorde Rothwyn. — Quero
dizer-lhe uma coisa.
Ao falar, estendeu o braço e tomou-lhe a mão.
Lalitha não pôde discernir se seria o toque daqueles
dedos ou o tom de voz em que ele falara que a deixavam como
que petrificada, mas sabia que algo estranho, maravilhoso,
estava prestes a acontecer.
Quase hipnotizada, ergueu os olhos para ele e ficou
quieta, imóvel, presa de curioso fascínio.
Ele a fitava de uma maneira totalmente diferente das
outras vezes, como homem algum a contemplara em sua vida.
Foi um olhar que a deixou em suspenso, parecendo extrair-lhe
o próprio ar dos pulmões.
— Lalitha! — exclamou Lorde Rothwyn.
Atrás deles, a porta se abriu.
— Sir William Knighton, milorde — anunciou o
mordomo.
Por um instante, Lalitha teve a impressão de que suas
mentes não haviam sido atingidas pela interrupção e de que
eles não podiam compreender o que acontecera.
Lorde Rothwyn a mantinha presa por um encantamento
ao qual não conseguiria fugir.
Então, como se ele rompesse um fio que os unia
irremediavelmente, retirou a mão e levantou-se.
— Sir William! — exclamou. — Não o esperava...
— Eu sei, milorde. Pretendia visitá-lo pela manhã, antes
que partisse para o campo.
A essa altura, Sir William Knighton avançara para Lorde
Rothwyn, e os dois homens trocavam um aperto de mão.
Sir William era um homem de meia-idade, silencioso,
diligente e discreto que, além de médico de Sua Alteza Real,
nos últimos tempos se tornara seu íntimo confidente. 
— Perdoe-me a intromissão em hora tão avançada —
desculpou-se Sir William — mas Sua Alteza Real deseja que eu
o atenda amanhã, em Brighton e, em vista disso, devo partir
muito cedo.
— Claro que compreendo — disse Lorde Rothwyn.
— Imaginei que, ao invés de incomodá-lo, examinando
seu ombro antes do breakfast — disse Sir William — poderia
fazê-lo esta noite. Então, milorde retornaria ao campo sem
maiores preocupações.
— É muita gentileza sua — disse Lorde Rothwyn,
acrescentando: — Creio que ainda não conhece minha esposa,
Sir William.
Sua esposa? — exclamou Sir William, atônito, enquanto
fazia uma ligeira mesura para Lalitha.
Era evidente a surpresa que sentia com a apresentação.
— Nosso casamento foi mantido em segredo — explicou
Lorde Rothwyn — e eu lhe ficaria grato se não o mencionasse a
Sua Alteza Real, até ele receber uma carta minha.
— Respeitarei sua confidência — declarou Sir William. —
Como milorde deve saber, sou a discrição em pessoa!
Lorde Rothwyn sorriu.
— Ambos sabemos que o Regente fica muito aborrecido,
quando não é o primeiro a saber dos fatos que envolvem seus
amigos mais chegados.
— Tem razão — concordou Sir William.
— Sei o quanto é ocupado e não quero prendê-lo por
muito tempo — disse Lorde Rothwyn. — Devemos ir até meu
quarto? 
— Naturalmente, milorde — concordou Sir William.
Lorde Rothwyn vacilou por um instante, mas depois,
virando-se para
Lalitha, disse:
— Sendo assim, seria melhor nos dizermos boa noite
agora, Lalitha. Não quero mantê-la acordada até tarde, porque
teremos um dia movimentado amanhã. Partiremos ao meio-
dia, se lhe convier.
— Estarei pronta — respondeu ela.
Lorde Rothwyn beijou-lhe a mão.
Por um momento, embora também pudesse ser apenas
imaginação, ela acreditou que Lorde Rothwyn demorara a boca
um pouco mais sobre a maciez de sua pele.
Em seguida, caminhando à frente de Sir William, ele
deixou o salão e, pouco depois, Lalitha os ouvia subindo a
escada.
Como ficara desapontada! Sentia-se na situação da
criança que, sendo levada a um espetáculo, via a cortina cair
inesperadamente, sem um final satisfatório.
Procurou ser sensata, dizendo a si mesma que haveria
um amanhã e que iriam voltar para Roth Park.
Então, estariam juntos. Seguiria no mesmo veículo que
ele e poderiam continuar a conversa, sem serem
interrompidos.
Abriu sua pasta com os desenhos.
Como pudera ele presenteá-la com algo tão belo, tão
refinado?
Evidentemente, cada um daqueles desenhos devia ter
custado uma boa soma de dinheiro.
De qualquer maneira, isso era o de menos. Importante
era o fato de Lorde Rothwyn haver encontrado algo
exatamente de seu gosto. 
Eram desenhos "inspiradores". Estaria pensando que ela
necessitava de inspiração?
Lalitha acreditou que, talvez, Lorde Rothwyn tentasse
comunicar-lhe algo e que os desenhos faziam parte dessa
mensagem.
Contemplou novamente a cabeça do anjo. Algo naquela
figura a excitava, da mesma maneira como quando ele lhe
tocara a mão com os lábios.
Como Lorde Rothwyn soubera? Como adivinhara que os
desenhos a comoveriam mais que pinturas? Como soubera que
sempre desejara possuir um?
Concluiu que havia muita coisa para dizer a ele e também
muitas que desejaria ouvir.
Afofou as almofadas do sofá, quase que
automaticamente, em um gesto que fora forçada a fazer muitas
vezes, na casa da madrasta.
Então, ao apanhar a pasta, antes de subir para seu
quarto, notou que o
pedaço de papel onde escrevera o poema de Lorde
Hadley não estava mais lá.
Sem dúvida, Lorde Rothwyn o levara consigo.
Teria ficado satisfeito com seus esforços?
Ela ainda tinha muito a dizer-lhe, quanto às dificuldades
encontradas para reunir os diminutos fragmentos de papel.
Falaria sobre as palavras que não encontrara, mas que
soubera encaixar, a fim de fazerem sentido com o que fora
escrito tantos séculos antes.
Subiu a escada lentamente.
Fora uma noite maravilhosa e ela pensou que poderia tê-
lo sido muito mais, não fosse a interrupção de Sir William. 
O que Lorde Rothwyn pretendia dizer-lhe, quando o
médico chegara?
Ela não podia imaginar.
Quando chegou ao seu quarto, não encontrou Nattie,
conforme esperara, nem Robinson, a idosa camareira que em
geral a servia, e sim uma jovem.
Lalitha recordava seu nome.
— Boa noite, Elsie — disse. — Onde está Nattie?
— Tanto ela como a senhorita Robinson não se sentiam
bem.
— O que aconteceu?
— Creio ter sido alguma coisa que comeram no jantar,
milady. As duas sentiram-se mal e então eu disse que cuidaria
da senhora.
— Espero que nada ruim tenha sucedido a Nattie. Devo
subir para vê-la?
— Penso que ela gostaria de ficar a sós, milady. Um
doente nem sempre gosta de visitas.
— Tem razão — concordou Lalitha — mas já que o médico
está aqui, poderia dar uma espiada em Nattie, caso seja algo
sério.
— Oh, não, milady! — tranquilizou Elsie prontamente. —
Não foi nada de mais. Talvez o peixe não fosse tão fresco como
de costume. Aliás, a ama e a senhorita Robinson sempre se
queixam de possuírem estômago delicado... Eu comi o mesmo
que elas, mas nada senti.
— Então, não pode ser nada sério — sorriu Lalitha.
Caminhou até o toucador, a fim de tirar o colar de
diamantes.
Enquanto abria o fecho, pensou que Lorde Rothwyn não
devia estar falando sério, quando dissera que era um presente. 
Por outro lado, era possível que não tivesse ouvido bem e
que as jóias fossem um presente apenas durante sua
permanência em Roth Park.
Naquele momento, tinha dificuldade em pensar com
clareza, recordar exatamente o que ele havia dito.
No salão, tomara consciência apenas da presença do
homem amado, de sua proximidade, da voz grave que tanto a
afetava.
Depositou na caixa de couro os diamantes estrelados dos
cabelos e depois o bracelete.
Nesse momento, bateram à porta.
— Talvez seja Real — disse ela a Elsie.
Um criado levara o cãozinho para o passeio, depois que
haviam deixado a sala de refeições.
Agora, Lalitha refletia que fora um passeio bastante
demorado. Em geral, o cão era levado até onde ela se
encontrasse, não mais de quinze minutos após haver saído
para uma volta ao ar fresco.
Elsie chegou à porta.
Falou com alguém do outro lado e retornou para junto de
Lalitha.
— Parece que Real sofreu um acidente, milady!
— Um acidente? — exclamou Lalitha, sobressaltada. —
Onde? O que aconteceu?
— Não é nada sério, mas milady deseja vê-lo?
— Sim, sim, claro! Onde está ele?
— Siga-me, milady — disse Elsie.
Saiu do quarto à frente de Lalitha e, ao invés de tomar a
direção da escadaria principal, internou-se por um corredor,
descendo depois um lance de escadas que levava à parte lateral
da casa. 
Lalitha sabia ser aquele o trajeto mais curto até o parque
e apressou o passo, seguindo Elsie, que passara a caminhar
rapidamente, como que ansiosa.
Estava preocupada com a sorte de Real, que lhe ficara
muito apegado.
Lalitha acostumara-se a vê-lo sempre por perto ou
ocupando-lhe a cama, durante a noite, embora Nattie dissesse
que ele devia dormir em sua cesta. O dia inteiro, onde quer que
fosse, Real a seguia, como uma sombra, pisando-lhe os
calcanhares.
Perguntou-se o que teria acontecido a ele.
O criado sempre o mantinha em uma correia, quando era
levado para passear, de manhã bem cedo, ou à noite, antes de
se recolherem. Real só ficava solto quando estava com ela,
porque sempre atendia ao seu chamado, caso se afastasse
demais.
Elsie agora a guiava por um corredor, em uma parte da
casa que ainda não conhecia.
Não havia ninguém à vista, mas Lalitha imaginou que a
maioria dos criados fora dormir, excetuando-se o que ficava no
vestíbulo da entrada.
Por fim, surgiu adiante deles uma porta lateral, que foi
aberta por Elsie.
Havia uma carruagem no lado de fora.
Lalitha notou que estava parada um pouco adiante da
entrada da cozinha.
"Real deve ter fugido!", pensou, aterrada.
Um criado esperava, ao lado da carruagem.
— Real está aí dentro, milady — informou Elsie. 
Lalitha avançou e olhou para dentro do veículo. Estava
muito escuro. Então, de repente, um pano caiu sobre sua
cabeça. 
Enquanto ela ofegava, tentando libertar-se, foi puxada
para o interior da carruagem e atirada brutalmente no assento
traseiro. 
Ouviu a porta ser batida às suas costas e, logo em
seguida, os cavalos começaram a mover-se. 
Por um instante, Lalitha mal ousava acreditar no que
estava acontecendo. 
Lutou com todas as forças, mas o pano sobre sua cabeça
era grosso e, nesse momento, mãos rudes passavam uma corda
em torno dela. Seus braços ficaram presos ao lado do corpo, e o
tecido áspero a cobriu da cabeça à cintura. 
— Socorro! — gritou. — Socorro! 
O grito saiu sufocado, quase inaudível. Uma voz rude
disse ao seu lado: 
— Faça barulho e eu lhe darei algo que a deixará
caladinha! 
Pelo tom da voz masculina, Lalitha percebeu que o
homem falava sério. 
O terror de ser ferida a dominou com a mesma
intensidade que conhecera tantas vezes antes. 
Era-lhe impossível fazer o menor som. Não conseguia
mover-se um centímetro, depois da frase ameaçadora do
indivíduo. Ficou calada, imóvel e aterrorizada, no canto do
banco onde fora jogada, à mercê de seu captor. 
Ele agora amarrava-lhe também os tornozelos, com tal
força, que a corda esfolava e machucava sua pele.
— Assim está melhor! — resmungou ele. — Se disser
qualquer coisa antes de eu mandar, deixo-a sem sentidos! Fui
claro? 
Lalitha estava apavorada demais para responder.
Ouviu o homem dar uma risadinha satisfeita. Após
deixar-lhe as pernas bem amarradas, ele se sentou ao seu lado.
Pouco depois, pelo cheiro forte do tabaco, Lalitha
percebeu que ele fumava.
O que iria acontecer-lhe? Para onde ele a levava? E que
tinha isso a ver com Real?
De repente, adivinhou que o cãozinho fora apenas um
pretexto.
Real não sofrera acidente algum. Fora usado como
justificativa para que ela saísse do quarto e da casa, indo até
onde a carruagem esperava.
Mas por quê? O que significava tudo aquilo? Para onde
era levada?
Então, insidiosamente, penetrando em sua mente como
um revoltante e repugnante réptil, a verdade explodiu, nua e
crua.
Aquelas eram as pessoas mencionadas por Lorde
Rothwyn como sequestradoras de jovens, conhecidas como os
"Mercadores de Escravas Brancas"!
Embora a ideia fosse plausível, ela custou a acreditar.
Não podia ser verdade. Sua imaginação é que trabalhava
demais!
Era impossível estar envolvida em algo tão horrível,
degradante e perverso!
Entretanto, o pensamento persistia.
Para onde ia? Quem a queria?
Eliminou a hipótese de ladrões, porque já tirara as jóias.
Além do mais, quem saberia que ia usá-las nessa noite?
Pensou em Elsie. 
Dava a impressão de ser uma camareira eficiente, mas tal
não acontecia. Elsie era bem diversa da moça simples do
campo, que poderia ser encontrada na casa londrina de
qualquer pessoa que possuísse uma importante propriedade
rural.
Sua mãe comentara, muitas vezes, que os grandes
proprietários mantinham criados pertencentes à mesma
família, geração após geração.
Os homens começavam pelo cargo de limpador de
talheres, depois passando a criado de copa, lacaio, despenseiro
e mordomo. 
Primeira, segunda e terceira copeiras, criada de cozinha,
criada de despensa, ajudante de cozinha e cozinheira, essa era
a escala destinada às mulheres. 
Teria Elsie passado por sobre a quarta ou quinta
camareiras, tornando-se a número dois? Ou mentira, ao
afirmar que apenas Nattie e a senhorita Robinson estavam
indispostas por algo comido ao jantar?
Haveria realmente uma indisposição? Ou seria pretexto? 
Eram muitas as perguntas sem resposta. A cada uma,
Lalitha sentia mais medo, aumentava o pavor do que lhe
sucedia e do que a esperava mais adiante.
 Pensou então que, se estava sendo realmente raptada
pelos "Mercadores de Escravas Brancas" e levada para algum
lugar onde nunca mais a encontrassem, devia haver um
responsável pelo que faziam!
Quem planejaria, em todos os detalhes, a maneira pela
qual fora ludibriada, induzida a agir como pretendiam? 
Apenas uma pessoa a odiava tanto, a ponto de querer vê-
la morta, uma pessoa que gostaria de vingar-se, porque Sophie
não se tornara esposa de Lorde Rothwyn, conforme planejara.
Uma mulher — uma pessoa a quem ela temia mais que
qualquer outra, em todo o mundo.
Sua madrasta! 
 
 
 
CAPÍTULO 7
 
 
LORDE  Rothwyn agitou-se e abriu os olhos, sentindo
que alguém chamava seu nome. Aguçou os ouvidos, e percebeu
o ganido de um cão. 
Vinha do dormitório de Lalitha, que se comunicava ao
seu por uma porta, embora esta não tivesse sido aberta desde
que ela viera para Rothwyn House.
Ficou ouvindo por mais algum tempo, e por fim concluiu
que havia algo errado. 
Real não ganiria daquela forma, se Lalitha estivesse com
ele. Ao mesmo tempo, seu latido a teria acordado. 
Levantando-se, Lorde Rothwyn acendeu o castiçal ao
lado da cama e vestiu o robe de seda. Caminhou até a porta de
comunicação, bateu de leve, mas a única resposta recebida foi
outro forte latido de Real.
Após aguardar um instante, abriu a porta.
O quarto estava escuro e, retornando para junto de sua
cama, Lorde Rothwyn apanhou o castiçal.
Real o seguiu, saltando ansiosamente à sua volta, o que
aumentou a certeza de alguma anormalidade.
Voltou ao quarto de Lalitha.
Uma fragrância doce e suave pairava no ar, a mesma que
sempre associara a ela, mas ao levantar o castiçal, a fim de que
a luz banhasse a cama, ele percebeu que ninguém dormira ali.
Por um instante, sentiu dificuldade em raciocinar. Era
impossível imaginar o que acontecera.
Para onde fora Lalitha? Por que não estava ali?
Era inconcebível que, a hora tão adiantada da noite, ela
continuasse no andar de baixo, onde a deixara após desejar-lhe
boa noite e subir para seu próprio quarto, em companhia de
Sir William Knighton.
Rápido, dominado repentinamente por pressentimentos
pessimistas, ele voltou para seu quarto e puxou o cordel da
sineta com violência.
Sacudiu-o para cima e para baixo, durante vários
segundos. Depois, impaciente, saiu para o patamar.
A parte térrea da casa estava imersa em escuridão. O
silêncio era rompido apenas pelo suave tique-taque do relógio
de pé, no vestíbulo principal. 
O que teria acontecido? Como era possível que Lalitha
desaparecesse?
Deu meia-volta e retornou ao quarto, no momento em
que seu valete surgia pelo corredor, abotoando o colete, os
cabelos em desalinho, com o rosto apreensivo.
—  O que foi, milorde? — perguntou. — Está doente?
—  Onde está milady? — perguntou Lorde Rothwyn. —
Não a encontrei em seu quarto.
Ela não está no quarto, milorde?
O valete relanceou os olhos pela porta de comunicação
aberta, como se pensasse que Lorde Rothwyn se enganara.
— Ela deve estar em algum lugar na casa — disse Lorde
Rothwyn, sem muita convicção. — Suba ao quarto da ama e
veja se a encontra lá. Em caso contrário, acorde o mordomo e
diga-lhe para vir falar comigo imediatamente.
— Farei isso, milorde.
O valete afastou-se apressadamente, a fim de cumprir a
ordem, e Lorde Rothwyn começou a vestir-se.
Ao olhar para o relógio, viu que eram duas da
madrugada.
Perguntou-se se Lalitha teria fugido novamente.
Podia garantir que a vira satisfeita, quando a trouxera de
volta da última vez, ao ser expulsa de Roth Park por Sophie.
Percebera as lágrimas em seu rosto, quando ela descera
da carruagem de posta e passara para o cabriolé. Ainda esta
noite, quando estavam juntos no salão, após o jantar, sabia que
Lalitha nunca se sentira tão feliz. 
Se ela tivesse ido embora, certamente não fora por
vontade própria. Quem a teria persuadido a abandoná-lo
novamente?
"Não é possível!", pensou.
Estava quase vestido, quando o valete voltou a seu
quarto, seguido pelo mordomo.
— A ama não viu milady, milorde — anunciou o valete.
Lorde Rothwyn virou-se para o mordomo.
— Hobson, quero a casa revistada de alto a baixo — disse.
— Ao mesmo tempo, verifique se alguém viu milady sair.
— Perfeitamente, milorde.
— Ninguém apareceu, depois que Sir William Knighton
partiu? — perguntou Lorde Rothwyn.
— Ninguém chegou enquanto estive no vestíbulo,
milorde, mas interrogarei o lacaio que ficou de serviço à noite.
— Faça isso depressa. Ordene também que me preparem
uma carruagem.
Posso precisar locomover-me, ainda não sei.
O mordomo retirou-se, enquanto o valete ajudava Lorde
Rothwyn a vestir o casaco.
Ele nada dizia, porque sua mente trabalhava ativamente,
tentando imaginar o que acontecera, perguntando-se onde
devia procurar Lalitha.
Mesmo que, por alguma estranha e íntima razão, ela
decidisse ir para junto de sua velha ama, em Norfolk, era
improvável que partisse no meio da noite.
Lorde Rothwyn sabia que nenhuma carruagem de posta
deixaria Londres, até as seis ou sete horas da manhã. Assim, se
Lalitha pretendia mesmo fugir, não sairia da casa antes das
cinco horas.   
A ama notou algo de anormal em milady, quando a levou
para a cama? — perguntou finalmente.
— A ama sentiu-se mal esta noite, milorde, e também as
duas camareiraschefe.
— Quem cuidou de milady?
— Não tenho certeza, mas parece que foi Elsie, milorde.
— Chame-a aqui, imediatamente! — ordenou Lorde
Rothwyn.
O valete apressou-se em obedecer. Lorde Rothwyn enfiou
alguns guinéus no bolso da calça e abriu uma carteira para
verificar se, como esperava, continha dinheiro em notas.
Tinha o pressentimento de que devia estar prevenido,
embora não soubesse para quê.
Percebendo que Real o observava, encolhido no tapete
diante da lareira, perguntou-se o que saberia o cão e o que lhe
diria, se pudesse falar.
Por que ele ficara sozinho no quarto de Lalitha?
Se fosse entregue a ela no salão, como de hábito, após o
passeio noturno, ela o traria para cima e o trancaria em seu
quarto? Havia muitas perguntas exigindo resposta.
Depois, ele se perguntou se Lalitha teria levado alguma
coisa consigo.
Recordou a capa que ela usara para viajar na carruagem
de posta.
Encontrava-se entre as roupas que seriam enviadas a
Roth Park e, de passagem, ele pensou em como a pele dela
ficava deslumbrante, em contraste com o tecido azul-escuro.
Tornou a entrar no quarto de Lalitha e abriu as portas do
guarda-roupa.
Estava cheio de vestidos, alguns ainda novos, com
modelos aprovados por ele, entregues desde que Lalitha
estivera em Londres.
Ao contemplá-los, percebeu duas coisas: não estava ali o
traje que ela usara essa noite, mas viu a capa — única que
Lalitha possuía — pendurada em um cabide, a um canto do
guarda-roupa.
Caminhou até o toucador e viu a caixa de jóias, contendo
o conjunto de diamantes que fora de sua mãe.
O colar, o bracelete e os diamantes estrelados que ela
usara nos cabelos, permaneciam nas concavidades feitas
especialmente para contê-los.
Ficou olhando para as jóias durante algum tempo e
depois, ouvindo vozes, retornou a seu quarto.
A porta se abriu, dando passagem ao mordomo,
acompanhado de quatro criados.
— Descobriu alguma coisa, Hobson? — perguntou Lorde
Rothwyn rapidamente, antes que o homem abrisse a boca.
— Verifiquei algo muito estranho, milorde.
— O que foi?
Henry, aqui presente, levou o cãozinho Real para um
passeio no parque esta noite, depois do jantar, como de hábito,
milorde.
— Eu não quis fazer mal... Juro que não quis, milorde! —
gaguejou Henry.
— Cale-se! — ordenou o mordomo, com energia. —
Deixe-me falar com milorde!
— Continue — insistiu Lorde Rothwyn.
— Acontece que Henry não levou o cachorro diretamente
para milady, conforme lhe fora ordenado — continuou o
mordomo. — Mais tarde, George ouviu Real ganindo e
arranhando a porta de uma casinhola no parque.
Lorde Rothwyn olhou para o lacaio, que recordou ser
sobrinho do despenseiro em Roth Park.
— Tem certeza de que era Real?
— Absoluta, milorde, embora eu não o visse.
— Por que não abriu a porta?
— Estava trancada, milorde.
— Então, como sabia que era Real?
— Já saí muitas vezes com ele, milorde, aqui e no campo.
E, quando assobiei, Real ficou quieto.
— O que fez, quando percebeu que ele estava trancado?
— Falei com Henry, milorde — replicou o mordomo.
— O que disse ele?
— Que eu ficasse de boca calada, se sabia o que era
melhor para mim!
— Continue — ordenou Lorde Rothwyn.
— Também constatei, milorde — prosseguiu o mordomo
— que a ama, a senhorita Robinson, a primeira camareira e
Rose, a segunda camareira, sentiram-se mal, após o jantar
desta noite. Em vista disso, foi Elsie quem esperou por milady
em seu quarto.
Lorde Rothwyn olhou para Elsie.
Ela usava um xale branco sobre a camisola de flanela. Os
cabelos caíam em desalinho pelos lados do rosto. Estava muito
pálida, mas embora mantivesse a cabeça erguida, havia uma
expressão temerosa no olhar.
— O que aconteceu, quando ajudou milady a ir para a
cama? — perguntou Lorde Rothwyn. 
— Nada, milorde — respondeu ela, desafiante.
Então, Henry explodiu:
— Não é verdade, milorde! Só que não queríamos fazer
mal... Juro que não queríamos!
— Explique-se! — ordenou Lorde Rothwyn, impaciente.
— Foi... foi a dama, milorde — disse Henry.
— Que dama?
— A que vinha quase todos os dias, saber da saúde de
milady!
— Ela o interrogava?
Sim, milorde. Da primeira vez em que veio, chegou à
porta lateral, onde eu estava de serviço. Perguntou-me por
milady e deu-me meio soberano. Não pensei que houvesse
nenhum mal nisso, honestamente, milorde!
— E depois? — perguntou Lorde Rothwyn.
— Ela voltou três vezes, na semana passada.
— E sempre lhe dava gorjetas?
— Dava, milorde.
— E depois, o que aconteceu?
— Ela me perguntou se podia falar com uma das
camareiras, milorde. Disse que se interessava por milady,
porque a conhecera quando criança.
— E você levou Elsie até ela?
— Não até a carruagem, milorde.
— Então, aonde?
— Até uma casa, milorde.
— E onde ficava a casa?
— Em Hill Street, milorde.
Lorde Rothwyn ficou tenso. Um esboço de quadro
começava a emergir do quebra-cabeça.
— Por que levou Elsie, que raramente está a serviço de
milady? — perguntou. — Achei que a ama ou a senhorita
Robinson não iriam, milorde.
Lorde Rothwyn tornou a olhar para Elsie.
Agora, era visível o nervosismo da jovem, que torcia os
dedos incessantemente.
— Como Henry, eu não queria causar nenhum mal,
milorde.
— O que aconteceu? Diga-me exatamente o que houve.
Quero saber cada palavra do que foi dito!
Elsie respirou fundo.
— Ela parecia ser muito bondosa, milorde. Refiro-me à
dama. Sempre falou muito bem de milady...
— O que ela queria saber?
Houve uma pausa, enquanto Elsie ficava muito vermelha.
— Fiz uma pergunta e exijo que me responda! — disse
Lorde Rothwyn, em tom ríspido.
Elsie baixou a cabeça e disse, em voz quase inaudível:
— Ela perguntou se milorde e milady dormiam no
mesmo quarto.
— O que respondeu a ela?
— Que não, milorde.
— E o que disse a dama sobre isso?
— Ela falou para o cavalheiro: "É justamente o que lhe
disse."
— Cavalheiro? Que cavalheiro? — perguntou rudemente
Lorde Rothwyn.
— Havia um cavalheiro na sala com ela, milorde.
— Como era ele?
— Era estrangeiro, milorde.
Descreva-o! 
— Era bastante vistoso, milorde. Usava muitas jóias.
— Era velho ou novo?
— Não muito novo, milorde.
— O que ele respondeu ao comentário da dama?
Houve novo silêncio, mas agora parecia que Elsie
procurava recordar o que ouvira.
— Não estou bem certa, milorde — disse ela — mas acho
que ele falou, embora não fizesse nenhum sentido para mim:
"Isso torna a mercadoria mais valiosa."
Lorde Rothwyn respirou fundo.
— O que aconteceu depois disso? — perguntou. — Quero
a verdade!
— A dama falou que havia alguém muito ansioso para
falar com milady, mas que o encontro deveria ser em segredo.
Eu... eu... pensei... que fosse o cavalheiro da sala.
— E depois?
— Ela me prometeu cinco libras, se eu conseguisse que
milady saísse apenas por alguns momentos, a fim de falar com
o cavalheiro, que a esperaria em uma carruagem. Nunca pensei
que fossem levá-la, milorde! Não podia imaginar que fizessem
uma coisa dessas!
— Não é seu costume ficar a serviço de milady. Por que a
esperou no quarto esta noite?
— A dama entregou-me um pó que eu devia colocar na
torta do jantar. Disse que não faria nenhum mal à ama ou às
outras camareiras...
— E foi dela a ideia para que você inventasse aquela
história de milady procurar Real? —  perguntou Lorde
Rothwyn, em tom duro.
— Foi, milorde. Eu devia dizer que ele sofrera um
acidente. 
— E o que Henry ganharia?
— Cinco libras, milorde — murmurou Henry.
Lorde Rothwyn ficou calado por um segundo. Depois
indagou:
— Eles disseram mais alguma coisa, a dama ou o
cavalheiro que estavam com ela? Não falaram mais nada, além
do que você deveria fazer? Pense bem; pode ser importante!
Elsie olhou para Henry, mas ele baixara a cabeça e
contemplava os próprios pés. Então, ela disse:
— Quando eu já saía da sala, pensei que o cavalheiro
tinha dito qualquer coisa, milorde. Não entendi bem, mas
pareceu-me soar como "maré".
Lorde Rothwyn sufocou uma exclamação. Em seguida,
sem uma palavra, passou por entre os criados que estavam
parados diante da porta e desceu a escadaria correndo.
Real o seguiu, antes que alguém pudesse contê-lo.
Um lacaio entregou-lhe o chapéu e a capa, apressando-se
a abrir-lhe a porta em seguida. Uma carruagem já os esperava.
Lorde Rothwyn entrou no veículo.
— Para as docas, a toda velocidade! — ordenou ao
cocheiro.
Somente quando a porta da carruagem se fechou e os
cavalos partiram em disparada, ele percebeu que Real estava a
seu lado, no assento traseiro.
 
*     *     *
 
Lalitha tinha a impressão de que era levada para muito
longe de Rothwyn House. 
Estava amedrontada demais para mover-se, embora os
solavancos da carruagem a jogassem de um lado para outro.
A corda machucava seus tornozelos e ela lutava para
respirar, sob o grosso tecido que lhe cobria o rosto.
Procurou raciocinar, mas sentia a cabeça oca, percebia
apenas o pavor que a percorria de alto a baixo, como a língua
afiada de uma serpente.
Para onde a levavam?
Refletiu que estava certa, ao deduzir quem a raptara.
Seria embarcada em um navio, conduzida para terras
estranhas e vendida pelo lance mais alto, em alguma cidade
estrangeira.
Lalitha era por demais ingênua e inexperiente para
conceber, exatamente, o que aconteceria, quando a colocassem
à venda. No entanto, podia imaginar que se tratava de algo que
a degradaria a um ponto indescritível.
Pior ainda era saber que ninguém a encontraria, que
nunca mais tornaria a ver Lorde Rothwyn.
Pensou em como tinha poucas coisas a recordar; o beijo,
no momento em que ele a tomara por Sophie, a sensação
daquela cabeça repousando em seu seio e os cabelos sedosos
em contato com seus lábios.
Seria aquilo suficiente para sustentá-la, mantê-la lúcida,
diante do terror que a aguardava?
Talvez houvesse alguma chance de Lorde Rothwyn
encontrá-la, mesmo depois que a tivessem vendido!  
Ou, pelo contrário, ele poderia considerar que não valia a
pena cruzar o mar para procurá-la. Poderia ser ainda que
nunca descobrisse seu paradeiro!
E se pensasse que ela tornara a fugir?
Concluiu que isso era improvável. Lorde Rothwyn não a
julgaria capaz de fugir novamente, nunca, depois da felicidade
daquele jantar a dois, da maneira como haviam conversado,
depois dele sentir como ficara satisfeita com os desenhos que
ganhara de presente.
Recordou o momento em que haviam sido
interrompidos.
Ele havia pronunciado seu nome — "Lalitha!" — em um
tom de voz que vibrara por todo o seu corpo, como se a
penetrasse inteiramente.
Recordou também como dissera a ele:
— Sem dúvida, vai rir de mim por... ser tão...
sentimental!
— Em absoluto, Lalitha — replicara Lorde Rothwyn. —
Quero dizer-lhe uma coisa.
O que pretenderia dizer-lhe?
Evocou a expressão daqueles olhos, uma expressão que a
fizera estremecer, enchendo-a de sensações que não poderia
explicar em palavras, mas que haviam sido maravilhosas.
Naquele momento, sentira uma estranha excitação
avolumar-se em seu íntimo.
Não conseguira pronunciar palavras, sentira dificuldade
até mesmo de respirar...
Ficara com os olhos presos aos dele e tivera a impressão
de que lhe diziam coisas fascinantes, que sempre desejara
conhecer, mas que nunca ouvira.
Talvez fosse engano seu. Poderia estar apenas cega pelo
amor que sentia, vendo coisas inexistentes e imaginando
outras inteiramente despidas de fundamento.
Amava-o com tanto desespero, que bastava estar junto
dele para vibrar em uma estranha música, originada nas
profundezas mais recônditas de sua alma.
Recordou ter dito a ele que não contemplava um desenho
com os olhos, mas com a alma.
Após pedir-lhe que lesse o poema, Lorde Rothwyn
perguntara se, em sua opinião, o coração da dama a quem
Lorde Hadley dedicara o poema teria chamado o dele.
Ela não soubera o que responder, mas naquele momento
o tom da voz dele se modificara.
O que significava tudo aquilo?
Enfim, significaria alguma coisa?
Ele era tão bondoso e compreensivo! Não obstante, talvez
isso não tivesse qualquer significado especial, fosse apenas
parte da reconstrução do edifício que era ela própria...
Agora, pensava, nunca teria as respostas para todas as
perguntas que a intrigavam.
Estava sendo levada para longe. Nunca mais o veria! O
futuro seria um inferno, pior que tudo quanto sofrera nas mãos
da madrasta.
Quis gritar ao pensar nisso, mas sabia o que lhe estava
reservado, se emitisse o menor som.
Voltara ao que era antes, encolhendo-se ao pensamento
de ser espancada, esperando receber o golpe, certa de cometer
enganos, derivados do medo intenso.
— Será que nunca escaparei disto? — perguntou-se. 
Recordou que alguém respondera, cinicamente:
“Somente pela morte!”
Nesse momento, Lalitha soube que, se fosse verdade o
que suspeitava, se realmente era levada para algum lugar
distante, para ser humilhada e degradada a extremos que não
podia imaginar, então tinha que morrer.
Procurou imaginar se seria difícil matar-se e como o
conseguiria.
Evidentemente, não encontraria uma arma ao seu
alcance e talvez os prisioneiros não tivessem permissão para
possuir facas.
Como morreria?
Concluiu que, havendo determinação suficiente da
criatura, morrer não era impossível. Decidiu que encontraria
uma maneira, mas apenas quando tivesse certeza de que Lorde
Rothwyn não sairia em sua busca.
Como se sentiria ele, se a seguisse e, então, constatasse
que estava morta?
Depois, ironicamente, pensou que Lorde Rothwyn talvez
se sentisse aliviado com o seu desaparecimento. Não teria mais
responsabilidades com ela, que deixaria de ser um problema
em sua vida.
Por que ele se preocuparia com uma criatura tão
enfadonha?
Lalitha pensou que ainda ignorava o que Lorde Rothwyn
dissera a Sophie.
Sim, por que ele deixara Sophie, em Roth Park, e saíra à
sua procura?
Sua meia-irmã a convencera de que tudo quanto ele
queria era o seu amor e que, quando o tivesse, Lorde Rothwyn
não se preocuparia com mais nada no mundo.
No entanto, ele abandonara Sophie, seguindo-a tão
depressa, que alcançara a carruagem de posta antes desta
chegar a Londres. 
Se ela tivesse ido para Norfolk, como pretendera,
encontrá-la se tornaria muito mais difícil.
Além disso, Lorde Rothwyn ignorava onde vivia sua ama,
tampouco sabendo em que lugar ficava sua própria casa, antes
que Lady Studley a vendesse e fossem para Londres.
Seguindo o fio de seu raciocínio, Lalitha concluiu que,
embora trocasse de carruagem em Londres e partisse para
Norwich, ele não se deteria em sua busca.
Agora tinha certeza. Lorde Rothwyn ainda não terminara
o serviço de reconstrução nela iniciado e, em vista disso,
partiria à sua procura. Ele viria, não tinha mais dúvida!
De repente, pareceu-lhe ver uma luz, no fim de um túnel
interminável.
Havia esperança!
Uma crença irresistível brotava em seu íntimo, dizendo-
lhe que ele não a abandonaria, que daria um jeito de encontrá-
la.
Mas, como encontrá-la, se ignorava o que lhe acontecera?
Compreendeu que o plano fora muito bem feito. Nattie e
as camareiras tinham-se sentido mal, sobrando Elsie para seu
serviço noturno. Em seguida, imaginando que Real houvesse
sofrido algum acidente, ela saíra impetuosamente de seu
quarto, e ninguém saberia para onde fora.
Nesse momento, Lorde Rothwyn devia estar dormindo
tranquilamente no quarto ao lado...
Quantas vezes ela contemplara a porta de comunicação
entre os dois aposentos!
Quando ele ficara de cama, Lalitha se vira abrindo aquela
porta e entrando no outro quarto, embora sua presença não
tivesse sido requisitada.
Sem dúvida, ele ficaria chocado com sua audácia,
aborrecido, talvez, com o que consideraria uma impertinência.
De qualquer maneira, seria uma oportunidade para vê-lo
e ouvir sua voz... Poderia ouvi-lo e, mesmo que estivesse
furioso, era melhor que não o ouvir, em absoluto!
E quando amanhecesse, como seria? Quem lhe diria que
ela não dormira em sua cama?
Nattie correria a informá-lo, se estivesse melhor.
Entretanto, se Elsie continuasse a servi-la, certamente
esconderia o fato de que ela não se encontrava na casa.
Grande parte do dia teria passado antes que dessem por
sua ausência e, a essa altura, onde já não estaria?
Lalitha quis chorar, desesperada, ao pensar nisso.
Foi então que os cavalos pararam e ela percebeu que nos
últimos momentos, eles haviam corrido sobre um calçamento
desigual, que sacolejava o veículo, bem diferente das ruas
niveladas da parte elegante de Londres.
Quando ouviu o toque de um sino de navio, teve certeza
de que se achavam perto do rio.
Então, o homem ao seu lado falou pela primeira vez,
desde que haviam deixado Park Lane.
— Fique quieta e não se mova! Dou-lhe um soco, ao
menor som que sair de sua boca!
Lalitha ouviu-o abrir a porta da carruagem e descer.
Em seguida, percebeu que ele falava com outro homem,
mas não distinguiu o que diziam, pois o som chegava abafado,
através do espesso tecido que lhe cobria a cabeça.
Pouco depois, mãos rudes a levantaram do assento,
retirando-a da carruagem.
Eram dois homens. Colocaram-na no que parecia uma
padiola, e alguém mais, um terceiro homem, cobriu-a com uma
manta que a tapou até os pés.
Agora é que ela sentia, realmente, dificuldade em
respirar.
Começaram a mover-se. Lalitha percebeu que um
homem caminhava à sua frente, outro seguindo à retaguarda.
Os passos soaram no pavimento lajeado durante alguns
instantes, antes de a conduzirem pelo que devia ser uma
passarela.
Um homem dirigiu-se a eles, em inglês, mas com forte
sotaque estrangeiro.
— Para baixo! — ordenou. — Falta chegar apenas mais
uma e depois zarpamos!
Ao ouvir isso, Lalitha teve a confirmação de seus
temores!
Tinha sido embarcada em um navio e logo estaria
cruzando o Canal da Mancha.
Freneticamente, começou a rezar para que Lorde
Rothwyn a encontrasse em tempo.
"Salve-me! Salve-me!", gritou seu coração. "Descubra
para onde eles estão... me levando! Salve-me, porque... de
outra forma... eu devo morrer!"
Os homens que a carregavam tinham deixado a padiola
no convés. Um deles levantou-a nos braços e a jogou sobre o
ombro.
Lalitha sentiu-se com a cabeça pendurada junto às costas
do indivíduo, que lhe segurava as pernas com um dos braços. 
Agora, ele começava a descer os degraus de uma escada
íngreme, que devia levar às entranhas do barco. Em seguida,
internou-se em um corredor tão estreito, que seus ombros
roçavam nas paredes laterais.
Lalitha percebeu que ele abria uma porta de algum
camarote, pois teve que baixar a cabeça ao entrar, firmando-a
com mais força, para que ela não lhe escorregasse do ombro.
Nesse momento, o homem a deixou cair abruptamente
no chão, de maneira tão brutal, que ela se machucou.
Lalitha não pôde conter uma exclamação de dor, embora
temesse a reação dele, caso ficasse irritado.
Sentiu as mãos do homem manejando as cordas que a
prendiam pela cintura. Em seguida, ele puxou o pano que lhe
cobria a cabeça.
Durante alguns segundos, Lalitha nada enxergou e,
aterrada, pensou que a tinham cegado.
Sem falar, ele tornou a apertar as cordas que a
manietavam e, tirando um lenço de rosto, amarrou-o sobre sua
boca.
— Isto é para ajudá-la a ficar calada — disse. — Já lhe
falei antes o que lhe acontecerá, se fizer barulho, e isso vale
para todas vocês! — acrescentou, em tom mais alto.
O lenço machucava a boca de Lalitha e, além disso, ela
desconfiou que não estivesse muito limpo.
Depois que o homem saiu, com os passos ressoando nas
tábuas do piso, ela percebeu que uma luz vaga brotava de um
portaló, e que só tinha dificuldade em enxergar porque
continuava escuro lá fora. 
Ouviu o homem bater a porta com força e passar uma
chave na fechadura.
Na escuridão, Lalitha tentou descobrir a quem ele falara e
se havia mais alguém no camarote.
Era um aposento pequeno, de teto baixo, desprovido de
qualquer tipo de móveis mas, à medida que seus olhos se
adaptaram à escuridão, ela distinguiu vários vultos jazendo no
piso.
Percebeu então que, como ela, outras mulheres estavam
ali, amarradas e amordaçadas da mesma maneira.
O tempo correu, e a claridade que penetrava pelo portaló
se tornou mais forte, quando a aurora começou a dissipar a
escuridão da noite.
Rastejando para trás, centímetro por centímetro, ela
conseguiu sentar-se e recostar-se à parede.
Agora podia ver quem mais estava na cabine.
Havia oito corpos mais. Com a luz aumentando
rapidamente, Lalitha viu que todos mostravam olhos
amedrontados, acima das bocas silenciosas, e que tanto os
braços como os tornozelos estavam amarrados.
"Nove mulheres", pensou, "e falta chegar mais uma!"
Mal terminara de pensar nisso, ouviu fortes passadas
aproximando-se pelo corredor.
A porta foi aberta e o homem entrou, carregando mais
um corpo de mulher ao ombro.
Deixou-a cair no outro extremo da cabine, arrancou o
pano que lhe cobria a cabeça, apertou a corda em torno da
cintura e amordaçou-a, como fizera com as demais. 
A recém-chegada era uma jovem de grande beleza, com
cabelos dourados. Embora soltasse uma ligeira exclamação,
antes de ser amordaçada, era evidente que sentia medo demais
para fazer qualquer barulho.
— Vamos zarpar agora — disse o homem. — Se ficarem
quietinhas, volto para desamarrá-las, quando estivermos em
alto-mar. Espero que nenhuma de vocês enjoe!
Riu, como se tivesse dito uma coisa muito engraçada, e
depois saiu da cabine, tornando a fechar a porta com chave.
Mais acima, Lalitha captava o som de pés, correndo
apressadamente, e o sacolejo das velas sendo içadas.
"Estamos deixando a Inglaterra", pensou. "Vão me levar
pelo mar afora e ninguém jamais saberá o que aconteceu
comigo!"
Pensou em uma possibilidade de libertar-se e escapar
para o convés, mas logo viu que nunca poderia desatar as
cordas que a prendiam. Além disso, havia uma porta trancada
por fora, a fim de evitar que fugissem, e a única vigia da cabine
dava para o rio, não para o cais.
E, se a apanhassem tentando escapar, podia imaginar
perfeitamente o castigo que receberia daquela gente.
Tinha certeza de que o homem não falara em vão, quando
ameaçara deixála sem sentidos à custa de pancadas.
Olhando em torno da cabine, viu que duas das jovens
tinham os olhos fechados apertadamente, como se dormissem.
Concluiu que, se estavam mesmo dormindo, aquele não era um
sono natural. 
As outras também examinavam o local, como ela.
Tinham os olhos dilatados e cheios de medo.
Percebeu ainda que a maioria das jovens assemelhava-se
à descrição de Lorde Rothwyn, mostrando sua origem
campesina.
Não havia engano sobre sua inexperiência ou sobre o fato
de serem todas muito jovens, aparentando quinze ou dezesseis
anos, no máximo.
Sem exceção, usavam as botas típicas do campo, fortes e
de confecção rústica, do tipo adquirido para empregados
domésticos, assim como os vestidos de algodão ou lã grossa,
feitos em casa.
Qual seria o destino daquelas criaturas — e o seu?
Ouviu o ruído da âncora sendo recolhida e também das
cordas que prendiam o barco ao cais. Depois foram vozes
gritando ordens, e o movimento da embarcação se tornou mais
evidente, quando o vento enfunou as velas.
Fazia um frio intenso, e Lalitha tiritava, em seu fino
vestido de noite.
Agora, deviam ter-se afastado do cais e ganhavam o meio
do rio. Um raio fugaz do sol penetrou pelo imundo portaló.
Lalitha perguntou-se se aquele mesmo raio de sol estaria
brilhando no quarto de Lorde Rothwyn e se o despertaria.
Seu coração continuava a chamá-lo ardentemente. Talvez
ele captasse aquelas chamadas, percebesse o desespero com
que era invocado. Ele era tão forte, tão perceptivo ao mesmo
tempo! 
Seria possível atingi-lo, se não física, ao menos
mentalmente?
Lalitha sempre acreditara na força do pensamento, e
estava convencida de que a mente não conhecia limites nem
fronteiras.
Entretanto, tais crenças teriam valor prático, chegado o
momento de utilizálas?
"Venha... buscar-me! Preciso... de você! Quero... você!...
Por favor, salveme!..."
Enviou seu grito silencioso, vezes sem conta, juntamente
com uma prece.
"Por favor, meu Deus... permita que ele... me ouça...
Deixe-o saber que... estou em perigo... Faça-o compreender...
Oh, Deus, por favor!... Por favor, meu Deus!..."
De repente, ela compreendeu que seria impossível! O
barco já se movia ao influxo da maré, que o carregava rio
abaixo, afastando-a de Londres, em direção ao mar.
Seu grito desesperado e silencioso, as preces, tudo
falhara!
Lorde Rothwyn não a ouvira, cessara a esperança para
ela e para as outras atemorizadas jovens ao seu lado.
A moça que ficara mais perto dela conseguira fazer
deslizar a mordaça, que escorregou do queixo para o peito.
— O que está acontecendo? Para onde vamos? —
perguntou, em voz aterrorizada.
Falava com o sotaque do campo. Ao virar a cabeça para
ela, Lalitha notou que tinha uma beleza quase infantil, uma
expressão bovina no olhar.
Era robusta e saudável, de faces coradas, agora
empalidecidas pelo medo.
Lalitha começou a fazer trejeitos com os lábios, movendo
o lenço sujo que lhe cobria a boca, até fazê-lo deslizar para o
queixo.
A outra jovem a contemplava, e disse, antes que ela
pudesse falar:
— Assim está melhor! É horrível falar sozinha!
— Eu sei! — respondeu Lalitha.
— O que está acontecendo? — perguntou a jovem. — Não
entendo, não sei o que há!
— De onde é você? — indagou Lalitha.
— De Somerset. Tinha um emprego prometido em
Londres.
— Que tipo de emprego?
— Ajudante de cozinha na casa de um nobre — disse a
jovem. Depois, apertando os lábios, disse, irritada: — Eu disse
a ela para onde devia levar-me!
— Ela, quem? — perguntou Lalitha.
— A mulher que encontrei na estação das carruagens de
posta. "Para onde quer ir?", perguntou-me. Quando falei,
ofereceu-se para levar-me lá. A mulher tinha uma boa
carruagem e pensei que acompanhá-la, seria muito melhor que
ir andando.
— O que aconteceu depois?
— Não sei bem — respondeu a jovem. Ela me disse: "Você
parece cansada da viagem. Beba isto." No entanto, depois que
bebi, tudo ficou confuso e não soube de mais nada, até me ver
aqui, amarrada. O que há? O que eles estão fazendo?
Lalitha ficou calada. Para que perturbar ainda mais a
atemorizada criatura?
— Espero que eles nos digam, cedo ou tarde — respondeu
— mas acho que fomos raptadas. 
— Raptadas?! — exclamou a jovem. — E para quê? Só
tenho 5 pence comigo!
Lalitha não respondeu.
Também tinha medo e de nada adiantava transmiti-lo às
companheiras.
Olhou para as outras. Também tentavam remover as
mordaças, mas não deviam ter muito jeito ou haviam sido
amarradas com mais força, porque não foram bem sucedidas.
A jovem de Somerset começou a chorar.
— Quero ir para casa, ficar com minha mãe! —  soluçou.
— Pensei que seria bom vir para Londres e ganhar dinheiro
para mandar para casa, mas agora tenho medo! Quero voltar
para lá!
"Isso é o que todas queremos", pensou Lalitha.
No entanto, disse, em voz suave:
— Precisa ter coragem. De nada adiantará irritar essas
pessoas que nos raptaram. Podem tornar-se cruéis, se acharem
que não estamos obedecendo.
— Você acha que... podem... machucar-nos? — perguntou
a jovem, entre soluços.
Lalitha respirou fundo.
Lorde Rothwyn explicara que os "Mercadores de
Escravas Brancas" espancavam ou drogavam as vítimas que
não se mostrassem totalmente submissas.
"Que Deus nos ajude!", implorou.
Em desespero, sentia que o barco ia ganhando velocidade
e que agora se movia mais depressa do que antes.
Havia um vento forte, e se este continuasse, em poucas
horas estariam cruzando o Canal, seguindo para Holanda ou
para onde quer que se destinassem. Estariam lá antes do
anoitecer e, então, o que as esperaria?
Olhou para as outras jovens. Devia ser a mais velha
daquele aterrorizado grupo.
Pensou que não havia motivos para que a incluíssem em
semelhante carregamento humano, a menos que os raptores
houvessem sido coagidos ou pagos para levá-la.
Agora tinha certeza absoluta de que tudo fora obra de
Lady Studley.
Ao retornar de Roth Park para Londres, certamente
Sophie contara à mãe que, ao invés de dar-lhe a atenção
esperada, Lorde Rothwyn a abandonara, para perseguir a
carruagem de posta.
Lalitha podia imaginar a fúria de Lady Studley, ao
acreditar que a filha perdera um excelente partido como ele,
apesar de toda a sua beleza.
Sophie afirmara que Julius Verton continuava a seus pés,
mas Lalitha nesse momento tinha suas dúvidas quanto a isso.
Se ele continuasse a cortejá-la, ao invés de se dar ao
trabalho de destruir as provas de seu casamento com Lorde
Rothwyn, concluía Lalitha, Sophie se conformaria em manter o
compromisso com o homem que já era seu noivo.
Rememorando os acontecimentos daquela noite, pensou
ser evidente que Julius Verton tivesse recebido a nota que o
criado lhe levara, em Wimbledon.
Embora ele fosse um homem muito jovem e imaturo,
tinha orgulho e, mesmo sofrendo muito com a perda de
Sophie, seu sangue azul não permitiria que rastejasse diante
dela, suplicando os favores que haviam sido repudiados com
tanta crueldade.
Por outro lado, a avó e os amigos certamente o
fortaleceriam em tal decisão.
Lalitha tinha certeza de que, naquela nota, Sophie o
eliminara definitivamente de sua vida.
Apesar de sua beleza, seria uma mésalliance aquele
casamento com um rapaz que herdaria um ducado algum dia,
tornando-se um excelente partido.
Evidentemente, os parentes de Julius Verton desejariam
algo muito melhor para ele.
Estava fora de dúvidas que ele seria muito bem recebido
pelas mães que cobiçavam um bom casamento para as filhas.
Continuando seu raciocínio, Lalitha deduziu que Sophie
tentara atrair Lorde Rothwyn novamente, porque seu futuro ao
lado de Julius Verton havia fracassado. Perdendo-o, o único
pretendente que lhe restava era o dissoluto, idoso e antipático
Sir Thomas Whernside.
"Não é de estranhar que ela e a mãe jamais me
perdoem!", pensou, humildemente.
De qualquer modo, era possível que Lorde Rothwyn
conservasse uma ponta de afeição por Sophie, apesar de seu
ato cavalheiresco de deter a carruagem e levá-la de volta a Roth
Park.
Como poderia ele resistir a uma criatura tão bela e
sedutora, ao lado da qual todas as outras mulheres
empalideciam, tornavam-se insignificantes?
"E como poderei esperar que ele se preocupe comigo?",
perguntou-se
Lalitha, infeliz.
Os pensamentos a tinham levado para muito além do
desespero da situação atual, mas de súbito foi trazida de volta à
realidade, pela pergunta desolada da jovem de Somerset:
— Será que não podemos fazer alguma coisa para fugir
daqui?
— Acho difícil imaginar um meio — replicou Lalitha. —
Pode desatar as cordas em sua cintura?
— Não — respondeu a jovem — mas talvez consiga
desamarrar a sua.
— E como faria isso?
— Sentando-nos de costas, uma contra a outra.
— Que ideia! — exclamou Lalitha. — Nem pensei nisso!
Valendo-se dos calcanhares contra o chão, as duas
giraram o corpo, até juntarem as costas. Lalitha sentiu os
dedos da outra manejando as cordas que lhe prendiam as
mãos.
Foi demorado, mas finalmente ela se viu de pulsos livres.
Em seguida, virou-se rapidamente para a companheira.
— Eles iam desamarrar-nos quando chegássemos ao mar
— disse. — Se vierem, será melhor fingir que continuamos
atadas, a fim de evitar problemas para nós!
— Entendo — disse a jovem. — E quanto às outras?
— Podemos descer as mordaças até o queixo delas —
sugeriu Lalitha. — Assim, se vier alguém, elas as levantarão
rapidamente para a boca.
Percebeu que as outras haviam entendido sua ideia.
Empurrando-se com os pés amarrados, Lalitha arrastou-se
para um lado da cabine, enquanto a jovem de Somerset
aproximava-se do outro. 
Sem exceção, todas as moças pareciam atônitas com o
que lhes tinha sucedido.
— Para onde vamos? Para onde nos levam? O que eles
querem de nós? Estou apavorada!
As mesmas frases explodiam sucessivamente. Em sua
maioria, pronunciadas com o sotaque do campo, embora
houvesse uma ou duas jovens dos arrabaldes pobres de
Londres.
Ao chegar junto das duas jovens adormecidas, Lalitha
percebeu que um sono tão profundo só poderia ter sido o
resultado de drogas.
Sem dúvida, tinham tomado uma dose bem mais forte
que a jovem de Somerset.
Ambas eram atraentes, muito novas, de cabelos louros,
corpos robustos e bem feitos, desabrochando para a
maturidade.
"Talvez sejam mais felizes como estão", pensou Lalitha.
"Pelo menos, ignoram o que as espera!"
— Não falem alto — avisou às que lamentavam a sorte.
Duas ou três choravam amargamente, chamando pela
mãe.
O ruído acima delas continuava, e Lalitha teve a
impressão de que aumentara, sem dúvida, porque o barco
agora se movia em águas mais fortes. O rio devia mostrar-se
mais turbulento, pois as ondas se chocavam contra o casco da
embarcação.
De repente, ouviu homens gritando e julgou captar uma
nota de alarma em suas vozes.
"Alguns deles expressam-se em língua estrangeira",
pensou mas não teve certeza, pois não conseguia distinguir
perfeitamente os sons.
Em seguida, ouviram passos fortes no corredor que
levava à cabine. 
Ligeiras, Lalitha e a jovem de Somerset puxaram as
mordaças para o lugar e enfiaram as mãos entre as cordas em
torno da cintura.
— Coloquem suas mordaças! — avisou Lalitha às outras,
em um sussurro.
Quanto à sua, estava frouxa, e ela manteve a cabeça
abaixada.
Quatro homens irromperam na cabine, cruzaram-na em
largas passadas, e começaram a forcejar na parede de madeira,
oposta à porta.
Para espanto de Lalitha, um longo painel com cerca de
um metro de largura, deslizou para um lado, revelando uma
cavidade escura mais atrás.
Os homens abaixaram-se para recolher as jovens do
chão, mas o que trouxera Lalitha para bordo e parecia dar as
ordens, gritou:
— Apertem as mordaças! Não queremos que elas tentem
chamar a atenção!
O indivíduo obrigou Lalitha a abrir a boca, e então
apertou o lenço com tanta força, que ela sentiu dor.
Uma das jovens gritou, mas recebeu uma pancada na
cabeça, que a deixou quase sem sentidos.
Infelizmente, quando um homem ergueu a jovem de
Somerset, viu que as cordas de sua cintura estavam frouxas.
— Maldita cadela! — exclamou, enfurecido. — Conseguiu
soltar-se!
— Amarre-a novamente! — foi a ordem. — Nós a
castigaremos mais tarde. Verifique as cordas das outras, para
que não se movam!
As cordas foram novamente apertadas em redor da
cintura de Lalitha, e os homens começaram a introduzir as
jovens pela abertura na parede da cabine, atirando-as à
escuridão do outro lado.
Dois homens fizeram Lalitha deslizar pela passagem, e
ela se viu jazendo sobre contrafortes de madeira áspera.
Deduziu que aquele era apenas um espaço vago na popa do
barco, porque parecia não ter outra utilidade.
Tinham sido dispostas umas sobre as outras, em posições
incômodas, sem luz e dispondo de muito pouco ar.
Quando a última cativa foi enfiada pela abertura, o
homem que trouxera Lalitha para bordo avisou:
— Matarei aquela que der o menor guincho aí dentro,
ouviram? Juro que matarei!
Enquanto falava, recuou para o interior da cabine e o
painel de madeira voltou ao lugar anterior.
Era uma peça que se encaixava perfeitamente nas
demais, sem permitir que nem mesmo uma réstia de luz
penetrasse por entre as juntas.
Agora, Lalitha não tinha mais dúvidas de que as velas
tinham sido recolhidas. Embora sem muita certeza, pareceu-
lhe ouvir o som de outro barco, ao longo daquele.
Tornou a ouvir gritos de homens mas, como antes, era
difícil entender o que diziam.
Sentiu-se tiritar de frio e medo, mas o mesmo acontecia
com suas companheiras de infortúnio.
Após muito tempo, quando começava a pensar que se
enganara, que haveria outros motivos para as velas serem
arriadas, ouviu o som de passos e vozes no corredor.  
Alguém abriu a porta.
O coração de Lalitha deu um salto repentino no peito e
ela quase se sufocou, ao ouvir a voz de Lorde Rothwyn,
perguntando:
— O que há aqui?
— Apenas uma cabine vazia, Sir — responderam. —
Como já viu, todo o carregamento foi acondicionado no centro
do barco.
Lalitha lutou freneticamente para desfazer-se da
mordaça, mas eles a tinham apertado demais. Gostaria de
bater com os pés contra a madeira, e então percebeu que estava
sobre o corpo de outra das moças.
"Ele... não verá... nem ouvirá... nada!", pensou, em
desespero. Então gritou, do fundo do coração: "Salve-me!... Eu
estou... aqui!... Salve-me...!"
De repente, ela ouviu um ganido e arranhados contra a
parede da cabine, precisamente no ponto em que fora
escondida.
Era Real!
Lalitha conhecia bem os sons que ele fazia, quando ficava
excitado e queria alcançá-la.
Em seguida, ouviu Lorde Rothwyn perguntar:
— O que estará perturbando meu cão? Ele parece sentir
que há alguma coisa escondida atrás desta parede!
— São ratos, Sir! — exclamou o homem. — O navio está
cheio deles. Seu cachorro deve ser um bom caçador!
— É curioso que isso o deixe tão excitado — comentou
Lorde Rothwyn.
Em seguida, ele levantou a voz.
— Oficial! — chamou. — Aqui há algo que eu gostaria de
mostrar-lhe! 
— Não há nada! — insistiu o homem. — Absolutamente
nada! Está perdendo seu tempo, Sir!
— Confio no instinto de meu cão — replicou friamente
Lorde Rothwyn.
Percebeu o som de mais duas pessoas que se
aproximavam.
— Precisa de mim, milorde? — perguntou uma voz calma.
— Sim — respondeu Lorde Rothwyn. — Parece que meu
cão descobriu qualquer coisa!
      Foi então que Lalitha conseguiu soltar as mãos, com
um esforço sobrehumano, que a deixou com a pele esfolada.
      Puxando a mordaça da boca, tentou gritar. Embora
não emitisse um ruído forte, ainda assim, foi um som.
     Os agentes da alfândega ainda não tinham aberto todo
o painel que ocultava o esconderijo, mas Real já saltava para o
buraco escuro, latindo de excitação para lamber-lhe o rosto.
     Lalitha foi removida para a cabine e, embora
permanecesse com os tornozelos atados, estava de pé, e Lorde
Rothwyn a abraçava.
    —  V-você... Veio! — exclamou, confusamente,
escondendo o rosto no ombro dele. — Eu... sabia... tinha
certeza... de que... ouviria o meu... chamado...!
 
 
 
 
CAPÍTULO 8
 
 
 
     LALITHA deu um gritinho quase inconsciente de
medo, mas despertou e viu que estava em sua cama, em
Rothwyn House.
     Embora os cortinados do leito estivessem fechados,
pôde apreciar o fraco contorno das paredes em branco e
dourado, os cupidos encimando o espelho do toucador e os
jarrões de lírios e rosas, cujo perfume enchia o aposento.
     Estava salva! Voltara para casa e não precisava mais
ter medo!
     Era difícil recordar o que acontecera, a partir do
momento em que se vira nos braços de Lorde Rothwyn,
enlaçada fortemente, mas sabia que terminara o pesadelo de
saber-se levada para longe da Inglaterra. 
     Alguém desatara a corda que lhe prendia os
tornozelos. Depois, Lorde Rothwyn a cobrira com a capa que
tinha nos ombros.
Logo em seguida, ele a amparara ao longo do estreito
corredor, e chegavam ao convés do barco.
Lalitha recordava ter visto os agentes da alfândega
apontando armas para a tripulação enfileirada, mas Lorde
Rothwyn se apressara em guiá-la para uma escada de corda,
por onde desceu até um pequeno barco.
Uma comprida embarcação da Guarda Alfandegária
flutuava ao longo daquela em que estivera prisioneira. No
convés postavam-se inúmeros outros homens, fortemente
armados e prontos para reduzir qualquer resistência que o
barco perseguido pudesse oferecer.
Os últimos acontecimentos a tinham deixado como que
entorpecida e só conseguia pensar que Lorde Rothwyn estava
ao seu lado, que não precisava ter medo de não tornar mais a
vê-lo.
Em um bote a remos, cobriram a curta distância até um
ancoradouro que se encontrava bem longe do ponto em que
haviam embarcado. Lá havia uma carruagem esperando-os.
Lorde Rothwyn ajudou-a a entrar no veículo, e Real
saltou para junto dela, aninhando a cabeça em seu colo.
Talvez fosse a pequena demonstração de afeto por parte
do cão, quando lhe afagou a cabeça peluda, que fizesse Lalitha
perder o controle, mantido desde que fora salva.
Sem pensar no que fazia, virou-se para Lorde Rothwyn,
escondeu o rosto em seu ombro e deu vazão às lágrimas. 
Ele a manteve muito perto de si e, quando os cavalos
começaram a andar, disse, após um curto silêncio:
— Está tudo bem agora! Tudo terminou!
— Eu... sabia que você... viria salvar-me — sussurrou ela.
— Chamei e chamei você... com meu... coração... como no
poema...!
Sua voz saíra indistinta e sufocada pelas lágrimas, mas os
braços de Lorde Rothwyn aumentaram a pressão, enquanto ele
replicava:
— Pois eu ouvi o seu chamado! Fui despertado por ele,
mas deve dar a Real todo o crédito por seu salvamento!
— Você teria... ido embora... Se ele não... arranhasse... a
parede? — perguntou ela.
— Minha intenção era fazer o barco em pedaços, porque
Real tinha certeza de que você estava nele.
As lágrimas de Lalitha foram suplantadas pela
curiosidade, quando o ouviu relatar:
— Assim que cheguei às docas, havia vários barcos
atracados, mas caminhei ao longo de todos eles, procurando
descobrir qual aproveitaria a maré da manhã para zarpar.
Então, ao entrarmos em uma cabine vazia, Real indicou que
você estivera ali.
— Como foi que... ele indicou? — perguntou Lalitha.
— Começou a correr como alucinado, farejando o chão e
dando a entender, claramente, que você havia estado ali. Eu
levara comigo um agente policial da Alfândega, porque já lhe
comunicara minhas suspeitas sobre o acontecido.
— Por que... suspeitou?
— Contarei em detalhes mais tarde — replicou Lorde
Rothwyn. — No momento, prefiro explicar o comportamento
de Real.
— Sim... claro — murmurou ela.
— Perguntei ao agente que barco zarpara pela manhã, e
ele fez a mesma pergunta aos funcionários das docas. Estes
informaram que um barco holandês descera o rio, mas que
ainda estava à vista.
"O agente perguntou que carregamento levava o barco.
Um dos homens replicou: 'Cadáveres, antes de mais nada!' e
riu." Lorde Rothwyn fez uma pausa.
— Foi então que partimos no barco da Guarda
Alfandegária, atrás de seu navio.
— Pensei que... nunca mais... tornaria a... vê-lo! —
balbuciou Lalitha, com as lágrimas voltando a correr pelo
rosto.
Pensou que ele fosse dizer alguma coisa, mas Lorde
Rothwyn apenas a abraçou com mais força, até os soluços
cessarem. Então, entregou-lhe o lenço, para que ela enxugasse
os olhos.
Quando chegaram a Rothwyn House ainda era muito
cedo, mas metade da criadagem parecia esperar sua chegada.
Nattie estava lá, um pouco pálida, mas com a auto-
suficiência costumeira.
Lorde Rothwyn ajudou Lalitha a chegar ao vestíbulo.
Então, notando que ela se sentia fraca demais para subir as
escadas, tomou-a nos braços.
Ela parecia ter o peso de uma criança. Lorde Rothwyn
carregou-a até o alto da escadaria e depois até seu quarto, onde
a depositou suavemente na cama.
— Cuide dela, Nattie — disse, em sua voz grave. —
Milady está exausta e precisa dormir. 
Deu meia-volta para sair, mas Lalitha estendeu as mãos,
tentando detê-lo, enquanto perguntava, sussurrante:
— Você vai... embora?
— Preciso deixá-la por um momento — respondeu ele —
mas fique certa de que estará bem protegida. Ninguém entrará
neste quarto sem permissão de Nattie e deixei dois homens da
máxima confiança montando guarda lá fora. Não que haja algo
a temer, mas apenas para que você se sinta segura.
Fitou-a dentro dos olhos e, percebendo que Lalitha
continuava dubitativa, afirmou, com um sorriso:
— Confie em mim! Prometo nunca mais tornar a perdê-
la!
Notou a súbita claridade que surgiu nas pupilas
cinzentas, como se aquelas palavras tivessem um significado
especial para ela. Em seguida, saiu do quarto e Nattie a
preparou para a cama.
A ama lhe dera algo para beber, com gosto de mel e ervas.
Só podia ter sido aquilo o que a fizera dormir profundamente e
sem sonhos, até esse momento.
Lalitha ouviu o som do carrilhão do relógio no vestíbulo,
e contou as badaladas:
— Cinco... seis... sete... Não pode ser!
Espreguiçou-se, e então percebeu que Nattie estava
sentada em uma poltrona, ao lado da lareira.
A ama levantou-se e chegou até a cama.
— Já acordou, milady?
— São mesmo sete horas? — perguntou Lalitha. 
— Teve um bom sono. Parece que tudo vai melhor
agora... Ordenarei que lhe tragam algo para comer.
Nattie puxou o cordão da sineta.
— Vou jantar com... milorde? — perguntou Lalitha.
— Milorde ainda não voltou.
— Não... voltou?
Lalitha sentou-se na cama.
— Por quê? Aonde ele foi?
Então, antes que Nattie respondesse, ela adivinhou a
resposta para sua pergunta.
Sem dúvida, ele estaria tomando providência sobre as
outras jovens que também tinham sido raptadas.
Lorde Rothwyn devia sentir ser seu dever fazer o que
pudesse por elas, como também se esforçaria em levar os
"Mercadores de Escravas Brancas" perante a justiça.
Quando a refeição chegou — pratos deliciosos e bem
cozidos, tentando o apetite — Lalitha tentou experimentar
vários deles, sabendo que daria prazer a Nattie.
Ao mesmo tempo, não sentia muita fome.
Seu único desejo era ver Lorde Rothwyn e saber o que
acontecera. Acima de tudo, saber que ele estava ali e que o
futuro não encerrava mais terrores para ela.
Agora, lamentava não ter-lhe falado sobre a certeza de
que sua madrasta havia sido a promotora de tudo aquilo.
Gostaria de interrogar Nattie sobre Elsie e Henry mas, de
certa forma, sentia-se pouco à vontade para discutir o caso,
enquanto Lorde Rothwyn não chegasse. No fundo, tinha a
impressão de que ele preferiria abordar o assunto quando já
estivesse em casa.
Terminado o jantar, Lalitha não sentia mais nenhum
cansaço. Também desaparecera inteiramente a exaustão
experimentada quando Lorde Rothwyn a recolhera do barco.
O sono reparador e as ervas curativas que, sem dúvida,
tinham vindo da herbanária, haviam contribuído para eliminar
os nefastos efeitos físicos de sua experiência. Mas ela sabia que
apenas Lorde Rothwyn conseguiria mitigar os restantes.
O tempo passou, e Nattie insistiu em prepará-la
novamente para dormir.
Escovou-lhe os cabelos até deixá-los brilhando, trouxe
uma camisola limpa, e Real foi posto na coleira, para seu
passeio noturno.
— Quem o levará? — perguntou Lalitha, apreensiva.
— O próprio Sr. Hobson! — respondeu Nattie.
Lalitha não conteve um sorriso, ao pensar que o
imponente mordomo se dignava executar uma tarefa que, em
geral, era da incumbência de um dos criados mais novos.
A volta de Real foi anunciada por uma batida à porta, e
então Lalitha ouviu Nattie falando ligeiramente com o
mordomo.
Quando a ama tornou a entrar no quarto, não trazia
apenas o cãozinho, mas um grande balde de gelo, em prata
brasonada, no qual descansava uma garrafa de champanha.
Milorde já voltou! — anunciou ela.
— Ele... voltou! — exclamou Lalitha.
— Virá ao encontro de milady, depois de se banhar e
trocar de roupa — acrescentou Nattie. 
Lalitha respirou fundo.
Naquele momento, sentia dificuldade para dizer alguma
coisa.
Sentia apenas que cada nervo de seu corpo ganhava vida,
que aguardara aquele instante durante séculos.
Nattie deixou a champanha sobre uma mesinha, ao lado
de uma confortável cadeira de braços. Depois apanhou com o
mordomo, que continuava esperando no corredor, uma salva
de prata com duas taças de cristal lapidado.
— Vou deixá-la agora, milady — disse a ama. — Deseja
alguma coisa?
— Não, nada, obrigada — respondeu Lalitha. — Fico
muito agradecida por ter-me feito companhia o dia todo,
Nattie. Deve ter sido muito enfadonho para você.
— Tive tempo de sobra para minhas orações de graças
pela volta de milady, sã e salva — replicou a ama.
Falava em voz embargada, e Lalitha desconfiou que havia
um início de lágrimas em seus olhos cansados, quando ela deu
meia volta bruscamente.
"Gostará tanto assim de mim?", perguntou-se, humilde,
mas agradecida profundamente, por alguém se preocupar
tanto com ela.
Assim que a porta se fechou atrás de Nattie, Real pulou
para a cama, coisa que ele sabia ser-lhe proibida.
Fez mil brincadeiras com Lalitha e ela teve a impressão
de que também o cãozinho esperava a chegada do dono.
Esperaram durante um tempo que pareceu muito grande.
De repente, Real começou a abanar a cauda, e soou uma batida
na porta de comunicação entre os dois quartos, que foi aberta
antes que ela respondesse.
Lorde Rothwyn entrou no quarto e, para Lalitha, foi
como se centenas de velas houvessem sido acesas
repentinamente.
Ele não vestia o traje formal que seria de esperar. Usava
apenas um comprido robe de seda e, após fechar a porta,
caminhou lentamente pelo quarto até onde ela se encontrava,
recostada aos travesseiros enfeitados de renda, com os cabelos
espalhados sobre os ombros.
Lalitha parecia muito frágil. No entanto, abaixo da
fazenda fina da camisola, ele percebeu as curvaturas suaves dos
seios.
Os olhos enormes pareciam encher o rostinho miúdo, e
brilhavam com uma luminosidade que ele nunca vira antes.
— Você está bem? — perguntou.
— Sim, mas você deve estar bem fatigado — respondeu
ela. — Sente alguma dor no ferimento? Não terá se esforçado
demais?
Está mesmo preocupada comigo, Lalitha?
— Claro que estou — replicou ela. — Devia ter-se
poupado mais, no primeiro dia em que saiu de casa.
Lorde Rothwyn sorriu. Depois disse:
— Creio que, em vista das circunstâncias, receitarei uma
taça de champanha para nós!
— Está ali! — indicou ela, apontando para o balde de
gelo.
Lorde Rothwyn retirou a garrafa do gelo que a circundava
e despejou o líquido dourado nas taças de cristal.
Levou uma delas para Lalitha e, ficando com a outra,
disse: 
— Precisamos comemorar o fato de estarmos juntos
novamente.
Algo em seu tom fez com que Lalitha baixasse os olhos.
—Devemos beber à nossa felicidade?
— Eu... gostaria... muito — respondeu ela, quase em um
sussurro.
Lorde Rothwyn ergueu a taça.
— Que sejamos felizes para sempre! — exclamou, em voz
muito suave, antes de beber.
Lalitha bebeu também e foi como se a luz do sol
percorresse todo o seu corpo.
Um tanto tímida, porque Lorde Rothwyn parecia muito
alto e dominador, de pé ao lado da cama, disse:
— Devia sentar-se. Há muita coisa que quero perguntar a
você, mas não quero importunar, se estiver cansado.
Ele tornou a encher a taça, antes de responder.
— Não admito sentir-me cansado, mas como temos muita
coisa a conversar, gostaria de ficar na posição mais confortável
possível. Devemos sentar-nos bem juntos, como naquela noite,
na cabana?
Os olhos de Lalitha encontraram os dele, ansiosos.
Sem esperar permissão, ele acomodou-se na cama,
recostado aos travesseiros, com as pernas compridas estiradas
sobre as cobertas de cetim e rendas.
Lalitha estremeceu de felicidade, ao senti-lo tão perto.
Lorde Rothwyn ficara abraçado a ela, quando a trazia do
barco, mas a perturbação e confusão eram demasiadas, para
que pudesse pensar em algo mais além do fato de estar salva.
Agora, no entanto, tinha a nítida consciência daquela
proximidade, do amor que sentia, e era-lhe difícil conter o
impulso de, mais uma vez, esconder o rosto no ombro dele.
— Por onde começamos? — perguntou Lord Rothwyn.
— Diga-me como foi que me descobriu — pediu ela.
— Acordei às duas da madrugada, com a impressão de
que você me chamava.
Então, você me ouviu! — exclamou ela, excitada. — Eu
tinha certeza de que me ouviria, quando meu coração o
chamou... para que fosse... salvar-me!
— Ao abrir os olhos — prosseguiu Lorde Rothwyn — ouvi
os ganidos de Real.
Em seguida, relatou como descobrira que sua madrasta
interrogara Henry e
Elsie.
Lalitha estremeceu, apenas em ouvir o nome de lady
Studley.
— Eu tinha... certeza de que... era... ela! — murmurou. —
Sei que... jamais me perdoará, porque você não... ficou com
Sophie, quando ela veio a Roth Park. Ela não... descansará
enquanto não... acabar comigo!
— Eis aí uma coisa que ela jamais fará! — declarou Lorde
Rothwyn, convicto.
— Mas... ela tentou e... continuará... tentando! —
murmurou Lalitha, sumamente infeliz.
— Após eu ter ratificado as acusações dos agentes
alfandegários ao capitão do barco, por seu rapto e daquelas
desventuradas jovens — continuou ele — foram detidos o dono
do barco e mais dois outros como ele. Indubitavelmente, o
proprietário é o chefe de uma organização que vem operando
há algum tempo.
— Você o agarrou! — exclamou Lalitha. — Oh, fico muito
satisfeita com isso!
— Depois que o levaram e que aquelas jovens foram
enviadas de volta às respectivas famílias — prosseguiu Lorde
Rothwyn — fiz uma visita à Sr.a Clements, em Hill Street.
— Sr.a C-Clements? — gaguejou Lalitha.
— Ela nunca foi casada com seu pai — declarou Lorde
Rothwyn. — Investiguei durante certo tempo, não baseado
diretamente no que você dizia, pois eu sabia que tinha medo do
que lhe poderia acontecer, se falasse alguma coisa. Recolhi
dados que me ia fornecendo inadvertidamente, até que pude
formar um retrato bem claro do que acontecera.
— Você... imaginava que ela tivesse... tomado o lugar... de
mamãe? — perguntou Lalitha, quase sem voz.
— Descobri que foi exatamente o que ela fez — disse
Lorde Rothwyn — e como pretendia impingir Sophie à
sociedade, como filha legítima de seu pai.
Sentiu Lalitha estremecer e acrescentou vivamente:
— Não precisa continuar com medo. Ela está morta!
— Morta? — repetiu Lalitha, sem fôlego.
— Confrontei-a com a informação de que era procurada
pela justiça — disse
Lorde Rothwyn. —  Havia uma acusação por impostura,
cuja pena é o degredo, e outra por rapto e exploração de um
menor, com objetivos imorais, para a qual a pena é a morte! 
Fez uma pausa, antes de continuar:
— Não obstante, tendo em vista que seu nome ficaria
inevitavelmente envolvido no escândalo, dei à Sr.a Clements
uma oportunidade de escapar, antes da chegada da polícia. Um
barco levantaria âncoras para Nova Gales do Sul no meio-dia
de hoje e declarei que, se ela viajasse nesse navio, a ordem de
prisão só seria executada caso retornasse ao país.
— E ela... concordou? — balbuciou Lalitha, incrédula.
— Não havia alternativa — disse Lorde Rohwyn e, pelo
tom de sua voz, Lalitha percebeu o quanto fora rude e cruel.
— Escoltei-a ao cais — prosseguiu ele. — O barco se
encontrava no meio do rio, pronto para zarpar, sendo os
últimos passageiros conduzidos em um bote a remos. A Sr.a
Clements encontrava-se entre eles...
"Fiquei assistindo à partida, para certificar-me de que ela
não armaria uma das suas, no último momento. Então, quando
o bote encostou no navio e desceram uma escada de corda para
que os passageiros subissem a bordo, ela atirou-se ao rio.
Lalitha abriu a boca, sem dizer palavra.
— A maré subia rapidamente. Pelo que vi, creio que ela
não sabia nadar e o mesmo acontecia a muitos passageiros do
bote.
— Ela... afogou-se! — sussurrou Lalitha.
— Não houve possibilidades de salvá-la — replicou ele. —
A correnteza a arrastou e, antes que alguém pudesse fazer
alguma coisa, ela havia desaparecido sob as águas!
Lalitha mal ousava respirar. 
Suavemente, Lorde Rothwyn passou o braço em torno
dela e a puxou para si.
— O pesadelo terminou! — disse. — Não há mais
nenhuma escuridão para amedrontá-la!
Lalitha escondeu o rosto em seu ombro forte.
— Você está livre, Lalitha! Livre de tudo que a atemorizou
e que tornou sua vida tão miserável nos últimos anos. Agora sei
quem é você, que seu pai foi respeitado por todos que o
conheceram e que todos adoravam sua mãe.
Percebeu que ela soluçava baixinho e continuou:
— Ambos queriam que você fosse feliz e decidi que será
feliz!
— Sophie! O que... aconteceu a... Sophie?
Sentiu que Lorde Rothwyn ficava ligeiramente tenso,
antes de responder, em um tom diferente de voz:
— A princípio, pensei em fazê-la acompanhar a mãe.
Depois, pensando no que, uma vez, ela significou para mim,
dei-lhe permissão para casar-se com Sir Thomas Whernside,
quando Sophie me pediu.
— C-como... ela.. pôde desejar... semelhante coisa? —
perguntou Lalitha. — Ele é... horrível!
— Ela parecia muito ansiosa por esse casamento —
explicou Lorde Rothwyn. — Aliás, como Whernside me disse,
francamente, ele não tem mais condições de sustentar as
extravagâncias e luxos de Londres. Em vista disso, levará
Sophie para suas propriedades no Norte, sendo muito
improvável que possa, no futuro, custear outra vinda ao Sul.
Lalitha ficou calada por um instante. Depois disse: 
— Mas, você... a amava! Ela é tão... muito... bonita!
Pareceu-lhe haver um longo silêncio, antes que ele
respondesse:
— A noite passada, perguntei-lhe o que achava mais
bonito: o quadro sobre a lareira ou os desenhos que lhe dera.
Lembra-se?
— S-sim... eu me lembro — respondeu ela.
— Você respondeu — continuou Lorde Rothwyn — que os
desenhos a inspiravam, que os via com a alma.
— Sim... foi o que... eu disse...
— Pois eu comprei exatamente aqueles desenhos —
explicou ele — porque me lembravam você.
— Eu?
— Há muita coisa neles, muita coisa sob a superfície —
declarou Lorde Rothwyn. — "O Jovem Correndo" mostra toda
a alegria de viver que você tem agora, depois de ficar boa
novamente. "A Paisagem" representa sua mente, radiosa e
fascinante.
Fez uma pausa, para acrescentar em voz pausada:
— O rosto do anjo de Leonardo da Vinci oferece uma
expressão mística, espiritual, que ninguém se cansaria de
contemplar.
Sentiu Lalitha estremecer contra seu corpo, quando ela
disse:
— Eu não... compreendo.
— O que procuro dizer-lhe, minha querida — falou ele,
ternamente — é que, além de ser a mais bela pessoa que já
conheci, tem uma beleza que fascina, que me delicia e inspira,
que nunca me cansarei de contemplá-la! 
— Não... pode ser... verdade! — murmurou Lalitha. — Por
que... me diz essas... coisas?
Lorde Rothwyn olhou para o rosto que ela erguia a
respondeu, em voz acariciante:
— A esta altura, ainda não adivinhou que eu a amo?
Notou a súbita radiosidade que iluminou o rosto miúdo e,
enquanto Lalitha o encarava, de olhos dilatados, continuou:
— Quando vi a maneira como a tinham maltratado,
pensei que fosse um sentimento de pena, nada mais. Ao
mesmo tempo, fui possuído por uma vontade irresistível de
reconstituí-la, fazê-la voltar ao que era, reedificá-la, entende?
Abraçou-a mais forte, ao prosseguir:
— Instintivamente, eu sabia que, por baixo das cicatrizes
e equimoses que lhe tinham feito, havia uma beleza e um
tesouro inestimáveis!
Sua pressão aumentou tanto, que Lalitha sentiu-se colada
a ele.
— Você chamou por minha ajuda, Lalitha — disse — mas
não foi um chamado apenas do coração: foi o chamado do
amor!
— Você tem... certeza? — gaguejou ela. — Está...
absolutamente certo... do que diz? Talvez eu esteja...
sonhando...
Lorde Rothwyn sorriu do terror quase infantil em sua
voz.
— Não, não está sonhando — disse. — E eu tive medo de
confessar-lhe isto, minha querida, para não amedrontá-la mais
do que já estava. Eu a amo! E não posso arriscar-me a perdê-la
pela terceira vez!
Lalitha procurou fitá-lo no fundo dos olhos e viu que ele
dizia a verdade. Com um suspiro inarticulado de felicidade,
voltou a esconder o rosto.
— A única maneira de prendê-la — continuou Lorde
Rothwyn — será fazendo-a ficar ao meu lado o tempo todo, dia
e... noite, como minha esposa, Lalitha.
Ela não respondeu, mas sentia o coração disparar
loucamente contra a seda do robe que ele vestia.
Com extrema delicadeza, Lorde Rothwyn colocou um
dedo sob seu queixo, obrigando-a a erguer o rosto e fitá-lo.
— Eu a amo, minha querida! — sussurrou, apaixonado. —
Agora, diga-me, o que sente por mim?
Durante alguns segundos, ela não teve forças para falar.
— Eu... o amo! — respondeu finalmente, em um sussurro.
— Eu sempre... o amei! Desde quando... me beijou, mas...
nunca pensei que... pudesse significar... algo para... você!
— Também eu nunca esqueci o contato de seus lábios —
disse Lorde Rothwyn. — Senti-os macios e assustados, mas
descobri, naquele instante, que fora um beijo diferente de
todos os que já dera antes!
Baixando a cabeça até a dela, perguntou, acariciante:
— Posso verificar se foi tão maravilhoso como imaginei?
Os lábios de Lalitha já esperavam os dele. Quando as
duas bocas se encontraram, ela sentiu toda a maravilha e
êxtase de seu amor flamejarem ofuscantemente,
transformando-se em algo tão belo e glorioso, que se
assemelhava a um toque do Divino. 
Era exatamente o que sonhara, mas nunca acreditara que
pudesse acontecer-lhe.
Aquilo era o deslumbramento além da imaginação, além
do próprio pensamento!
A princípio, os lábios de Lorde Rothwyn foram muito
suaves, apesar de insistentes.
Ao perceber que Lalitha respondia, ao notar que o fogo
em seu interior desencadeava uma labareda idêntica no corpo
que apertava nos braços, fazendo-o vibrar contra ele, sentiu
que ela fremia ao seu toque e então se tornou mais possessivo e
mais exigente.
Afastou a cabeça para contemplar o rostinho que o amor
transfigurara em uma beleza jamais vista antes.
— Minha adorada! Minha querida! — murmurou, em voz
rouca e incerta. — Eu a tornarei feliz, eu a protegerei e cuidarei
de você, para que mal algum lhe aconteça!
— Eu... o... amo! — murmurou Lalitha. — Só que... você é
tão... maravilhoso... tão... inacreditável! Tenho medo de...
decepcioná-lo!
Lorde Rothwyn sorriu.
— Nunca tenha tal receio, minha querida! Preciso de
você, como jamais precisarei de mulher alguma!
Notou a pergunta nos olhos dela, e acrescentou:
— As mulheres sempre quiseram algo de mim, de uma ou
outra forma. Embora disposto a dar o que exigiam, sempre
senti que faltava alguma coisa. Mas naquela noite em que
ficamos juntos, na cabana dos lenhadores, descobri o que era.
— E o que... era? — balbuciou Lalitha. 
— Era a proteção que a mulher dispensa ao homem,
quando ela o ama de maneira absoluta, total, como acredito
que você me ame — respondeu ele.
Sua voz era muito terna, quando continuou:
— Quando acordei e me vi envolto em seus braços, com a
cabeça apoiada em seus seios, percebi que sempre me faltara a
sensação de ser abraçado amorosamente por uma mulher,
alguém que desejasse manter-me a salvo, embora eu não
tivesse muita certeza de quê!
— Eu... queria... — disse Lalitha, hesitante — salvá-lo de
tudo que fosse... desagradável ou... perverso na vida. Também
pensei...
Interrompeu-se, sem coragem de olhar para ele.
— Continue — insistiu Lorde Rothwyn.
— ...pensei que você fosse... quase como meu... filho —
sussurrou ela — cabendo a mim... defendê-lo da... infelicidade
e... da solidão.
Uma exclamação triunfante brotou dos lábios dele.
— Minha adorada! Meu doce amor! Imaginei que você
pensasse isso. Instintivamente, foi o que eu sempre desejei de
uma mulher, mas sem ser capaz de expressá-lo em palavras!
Seus lábios procuraram os dela, mas antes que a beijasse,
Lalitha disse, ternamente:
— Acho que foi... então que... meu coração chamou... o
seu!
— A voz que eu ouvi — replicou Lorde Rothwyn — era a
voz do amor, que permanecerá em nossos corações para
sempre, enquanto vivermos.
Beijou-a, e Lalitha sentiu que seus lábios agora eram os
mais insistentes, mais imperiosos e apaixonados do que antes.
Ele lhe pedia algo. Embora ignorando o que pudesse ser,
ela desejava entregar-se inteiramente, render-se a tudo quanto
lhe fosse pedido.
Agora pertencia a ele em mente, corpo e alma, mas
percebia que também o ganhara por completo.
Os dois eram um.
Ambos completavam-se, e a voz do coração fora
respondida com o amor. 
 
 
 
*
*    *
 
 
 
SOBRE A AUTORA
 
Barbara Cartland, famosa romancista, historiadora,
teatróloga, conferencista, oradora política e personalidade de
televisão, escreveu mais de duzentos livros, além de haver
publicado diversas obras históricas e biográficas. Dentre essas
obras, encontra-se a biografia de seu irmão, Ronald Cartland, o
primeiro membro do Parlamento inglês morto na guerra, livro
que foi prefaciado por Sir Winston Churchill.
Preside a Ordem de São João de Jerusalém, que congrega
todas as enfermeiras da Inglaterra, tendo sido agraciada, pela
primeira vez, com o diploma Badge of Office.
Interessou-se profundamente pela terapia à base de
vitaminas e é Presidente da Associação Nacional Britânica Para
a Saúde.
Considerada a mais famosa escritora mundial do gênero
ficção romântica, conta com mais de cinquenta milhões de
livros vendidos. Fez 76 anos em julho de 1977.
Seu editor americano, ao visitá-la na Inglaterra, ficou
impressionado: "Ela escreve livros maravilhosos e é também
uma mulher maravilhosa, glamourosa. Vive numa mansão
espetacular, luxuosamente decorada, cercada de bosques e
jardins. Está sempre vestida de forma requintada, cabelos
platinum-blonde, jóias. Tem à sua disposição e à disposição
dos visitantes um Rolls-Royce branco, sob os cuidados de um
imponente chauffeur uniformizado."
 
 

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