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Índice

Sinopse
Prólogo
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Sinopse
Em uma missão para resgatar sua irmã fugitiva da atração por elogios
floridos e inúteis, de biltres vestidos de cetim e disfarçados por seus
pretensiosos títulos, Ranulf MacLawry, marquês de Glengask, irrompeu na
sociedade britânica como uma tempestade através das Highlands. Mas ele está
prestes a descobrir que o cetim tem seu apelo, especialmente quando abrange
as curvas de lady Charlotte Hanover, cuja língua é tão afiada quanto sua pele é
macia...
Lady Charlotte Hanover já tinha tido suficiente de homens esquentados,
tendo perdido seu noivo em um duelo absolutamente desnecessário. Os
músculos sempre vão triunfar sobre os cérebros? Mas há algo sólido e
atraente sobre o highlander impetuoso que é tão perigoso no salão de baile
como na batalha. Às vezes, o mais forte é realmente melhor...
Prólogo
- Por que você fez isto, Bear? - Rowena MacLawry olhou para as
pétalas de rosas brancas e vermelhas espalhadas por toda a sala.
Seu irmão Munro correu o olhar ao longo da extremidade de sua espada.
- De que forma mostraria como a lâmina está afiada, Winnie?
- Mas tirou o topo de todas as rosas! - Rowena agitou o vaso com seus
talos nus para seu irmão. – Não deveria ter feito, sim?
- Não foi tão impressionante. Caíram com um corte.
- Eram minhas flores de aniversário, Bear, seu estúpido desajeitado. Do
tio Myles. - Ela olhou para seu irmão mais velho, que estava lendo o jornal e
fingindo não notar qualquer caos acontecendo na sua frente. - Ranulf, faça
alguma coisa.
- As flores se foram, moça. - Ranulf MacLawry, o marquês de Glengask,
comentou, olhando por cima do jornal. - Deveria fazer Munro colar as pétalas
de volta?
- Você poderia impedi-lo de balançar uma espada de manhã na sala. As
flores percorreram um longo caminho, vieram de Londres - disse ela,
suspirando.
- Afinal, quem quer flores de aniversário? - O terceiro homem na sala,
Lachlan MacTier, visconde Gray, perguntou, pegando a claymore de Munro e
experimentando-a, cortando o ar. - Agora isto é um presente. Roderick forjou
isto para você, Bear?
- Sim, - respondeu Munro - custou-me um barril e quatro garrafas.
- Pagaria duas vezes mais.
- Se estão tentando me dizer que compraram uma claymore para meu
aniversário, Lach, - Rowena interrompeu, claramente irritada em ser ignorada
em favor de uma espada - podem voltar e levá-la de volta.
Lachlan olhou-a, estreitando seus verdes olhos. - Uma moça não tem
negócios com uma espada, Winnie.
- Por isso não quero uma. O que vou ganhar, então?
Com um meio sorriso, Lachlan tirou um embrulho detrás da cadeira. -
Acho que você vai fazer mais uso disto do que de uma espada. Feliz
aniversário, Winnie.
A partir de seu assento no fundo, Ranulf finalmente abaixou o jornal que
estava lendo. As informações que traziam eram de uma semana atrás, na
melhor das hipóteses, mas não gostou do que havia sido anunciado. De fato,
ele teria apreciado dar alguns golpes com a maldita espada do seu irmão.
Na verdade, ele realmente não podia lembrar quando tinha gostado de
quaisquer notícias de Londres. Mais regras e regulamentos que não faziam
nenhum bem, mas que resultavam em impostos mais altos. Se os sasannachs
não podiam manter os highlanders à distância ou matá-los, certamente
encontraram a maneira de derrotá-los de uma vez por todas – levando-os à
falência. Quando mudou de posição, seus dois cães de caça escoceses
estenderam-se a seus pés, provavelmente perguntando-se por que eles ainda
não haviam saído para a corrida matinal.
O atraso deu-se inteiramente pela moça do lado de sua cadeira na sala.
Quando chegava o aniversário de Rowena, todo o clã ficava envolvido para
celebrar, mas este aqui era especial. Então seu passeio e a corrida com os
cães, podiam esperar até que sua irmã abrisse os presentes.
Com um sorriso animado em seu rosto, Rowena rasgou o papel do
presente que Lachlan lhe deu. Com a mesma velocidade, entretanto, sua
expressão caiu.
- Botas - ela disse em voz alta, olhando para seu vizinho mais próximo. -
Você me comprou botas.
Lachlan assentiu, uma mecha de seu cabelo castanho caindo sobre um
olho.
- Botas para cavalgar. Porque arruinou as suas de lama no último mês. –
O brilho de seu sorriso desapareceu. - O quê? Sei que elas servem, Mitchell
me deu o número de seu sapato.
- Sou uma lady agora, Lachlan. Poderia ter me trazido flores ou um bom
gorro. Ou pelo menos sapatos para dançar.
Ele bufou.
- Conheço você desde que nasceu, Winnie. Botas são melhores.
Ranulf pôs o jornal de lado completamente, apontando para os dois
flautistas de pé no corredor, longe da vista dos ocupantes da sala, pedindo-
lhes para se retirar. Sua irmã mais nova era uma moça encantadora, bem-
humorada, mas tinha visto esta tempestade à espreita no horizonte há dias. E a
gaita de foles provavelmente não melhoraria o humor de ninguém.
- Mas não sou mais uma menina teimosa que cavalga pelos campos,
Lachlan. – Rowena disse, sua expressão uma mistura de irritação e tristeza. -
Você não viu?
Lorde Gray riu.
- Isso foi ontem, então? Hoje não monta mais? Não seja boba, Winnie.
Sem dizer nada, Rowena virou-se para Ranulf.
- É minha última esperança, nobre irmão - disse, sua voz um pouco
vacilante. - Qual é o meu presente?
Por um momento seu irmão mais velho a olhou, o sentimento inquieto de
trovoadas esvoaçando novamente ao longo de sua pele.
- Disse que queria um vestido novo - finalmente falou. - Um verde.
Mitchell o tem preparado para você no andar de cima, então, pode usá-lo no
jantar. Ao contrário das botas, é adequado para dançar.
Enquanto a observava, uma grande lágrima se formou e correu por uma
das bochechas de Rowena. Maldito Saint Andrew. Cometeu um erro, então.
Como, não estava totalmente certo, mas claramente algo saiu errado.
- Winnie, por que você está chorando? - Outra voz masculina perguntou
na entrada da sala de estar, Arran MacLawry, o quarto irmão e o mais próximo
em idade de Ranulf, entrou na sala. - Arranque as botas de Lach, então?
- Não começou a chorar até que Ran comentou sobre seu vestido -
Munro retornou. - Acho que queria um azul, depois de tudo.
- Bem, isto deve te alegrar. - Arran entrou e deu a sua irmã um pequeno
pacote embrulhado.
- Deixe-me adivinhar - Rowena comentou, enxugando sua bochecha. - É
uma bússola, então, se acontecer de me perder enquanto cavalgo na nova sela
de Bear, com as novas botas de Lachlan.
Arran franziu a testa.
- Não. É um relógio pequenino em um broche. É muito inteligente. Foi
transportado de navio desde Genebra, depois que vi um anúncio na loja
Ackermann.
- Isso é muito bom, então. Obrigada, Arran.
Munro pegou de volta sua claymore de Lachlan e espetou-a não muito
gentilmente no chão de madeira danificado. Não foi a primeira arma que
descansava lá e provavelmente não seria a última. Os flautistas e meia dúzia
de empregados estavam novamente de volta no corredor e Ranulf deu-lhes um
olhar mais duro, com um aceno de dispersar. Claramente sua irmã não estava a
fim de um maldito desfile, até mesmo um bem-intencionado.
- Somente Arran recebe agradecimentos e nós só temos lágrimas e
somos chamados de idiotas? - Munro replicou.
Em vez de responder, Rowena pousou seu relógio e caminhou
lentamente até Ranulf. Quando ela se aproximou, os cães empurraram suas
cabeças contra suas palmas, mas ignorou o pedido óbvio para afagá-los. Não
agourava nada de bom. Não o chamou de idiota, mas pareceu estar implícito.
E Ranulf não ligava muito para isso. Sua irmã pediu um vestido verde
esmeralda, afinal de contas, e providenciou um. Um muito bonito, e muito
caro. De Paris, e dane-se o resto.
Quando Rowena puxou-o, não resistiu. Mas quando lhe segurou ambas
as mãos com seus pequenos e delicados dedos, franziu a testa.
- Queria algo mais, então - retumbou, desejando, e não pela primeira
vez, que tivesse outra mulher na casa. Então alguém, pelo menos, teria uma
chance de entender a jovem MacLawry. Havia sido fácil quando era uma
criança, mas ultimamente parecia cada vez mais uma criatura inteiramente
estranha. - O que é? Sabe que se estiver em meu poder, pegarei para você,
Rowena.
- Bem, você sabe o que quero, Ranulf. Faço dezoito anos hoje. Quero
minha temporada. Em Londres. Isto é....
- Não. - cortou, de cara feia, tanto na forma alterada de seu discurso
como na própria ideia em si. - Combinamos que sexta-feira celebraríamos seu
aniversário. O clã inteiro está vindo. Todos os rapazes galanteadores estarão
aqui, lutando para dançar com você. É melhor que qualquer festa em Londres.
Com um suspiro mal escondido, ela olhou por cima do ombro em
direção aos outros três homens na sala.
- Você lutaria por uma valsa comigo, Lachlan MacTier?
- E ter meus pés pisados e doloridos? - O visconde riu novamente. -
Estou com você o tempo todo. Deixe outros rapazes galanteadores lutarem por
uma dança.
- Nenhum rapaz galante brigará por uma dança comigo, porque todos
estão com medo dos meus irmãos. - Rowena replicou.
- Bem, eu também estou.
- Você não.
Ranulf mexeu-se, pouco disposto a escutar por que um homem deveria
ou não temê-lo. Um homem deveria. E sabia disso.
- Você não deseja um parceiro, Rowena. Vai ser uma grande festa.
Finalmente, encarou-o de novo.
- Não quero uma festa estúpida com pessoas que conheci toda minha
vida e que todos pensam que uma dança é uma desculpa para uma luta. Quero
a minha temporada. Em Londres. A mamãe teve uma.
- Mamãe era inglesa - retrucou, rosnando sobre a palavra. - Sabe quem
vive em Londres, Winnie. Almofadinhas e dândis, ingleses covardes. Vai ter
uma festa bem aqui e esperar ansiosamente. E se um homem não pode respeitar
a noção de que está de igual para igual com o chefe de seu clã, não merece
dançar com você.
Colocando as mãos em seus quadris e erguendo seu queixo Rowena
disse.
- Você quer que eu prefira Glengask a todos os lugares no mundo, Ran,
mas não me deixa ver nenhum outro lugar. Não tenho nada para comparar,
exceto minha própria imaginação e na minha mente, Londres é muito
maravilhosa, na verdade.
- Pela última vez, maldição, Londres está cheia de bajuladores inúteis
que não podem erguer-se de suas próprias selas. Suba as escadas e
experimente seu vestido. Esta discussão acabou.
- Ranulf, v...
- Acabou - repetiu, e cruzou os braços sobre o peito. Rowena era uma
coisa delicada, pequenina, mas muito parecida com sua mãe, deixava-o
desconfortável. Para seu bem, não se afastaria dele, mas sabia tão bem quanto
ele quem havia ganhado o argumento. Rowena não iria a Londres. Nunca.
Com um último olhar úmido, virou e fugiu pela porta. Um momento
depois, ouviram a porta no andar de cima bater. Os outros três homens no
aposento o olharam, mas nenhum disse uma palavra. Não o fariam, embora;
seus irmãos, pelo menos, conheciam o restante do argumento por que não se
preocupou sobre o desejo de Rowena - que Londres também estava cheia de
aristocratas que reivindicariam a terra escocesa, enquanto negavam sangue
escocês e ascendência, homens que viviam tão longe das Highlands, como
poderiam administrar enquanto dirigiam seus arrendatários de sua terra natal
para transformar o solo para ovelhas. Que Londres também estava cheia de
traidores. Traidores e assassinos.
- Estou indo para um passeio. Fergus, Una, - disse, e saiu da sala sem
olhar para trás, os cães em seus calcanhares.
Debny, o cavalariço, devia tê-lo visto chegando, porque quando
alcançou o pátio do estábulo, Stirling estava esperando por ele.
Movimentando-se na sela, incitou com os joelhos o esguio baio e partiu pelo
caminho montanhoso que serpenteava para o leste, atravessando uma parte da
encosta varrida pelo vento e então dobrando e descendo em um desfiladeiro
arborizado, os cães flanqueando-o de ambos os lados. O rio Dee rugiu abaixo
no centro do desfiladeiro, descendo para o vale e, em seguida, as terras baixas
muito além de uma série de precipícios de granito que tinham a aparência
semelhante às escadas de um gigante.
Toda vez que passava por esta trilha, a beleza o atingia mais uma vez,
mas hoje mal levou um momento para perceber que uma das antigas árvores
tinha caído na última tempestade. Rowena só pensava em ir a Londres porque
havia lido os diários de sua mãe e as páginas da maldita sociedade nos
jornais. Pelo menos no último mês, Cooper os tinha queimado no momento em
que chegaram, mas, claramente não fez a menor diferença.
Desacelerando a caminhada para contornar uma queda mortal, continuou
rio acima. Lá em baixo, onde o rio se derramava no vale, ficava a aldeia de
An Soadh, sua aldeia, cheia de aldeões, pastores, fabricantes de cerâmicas e
lojistas. Esta manhã, não se importava de ouvir qualquer um deles elogiar suas
graças ou abençoar sua querida família ou agradecer-lhe o convite para a festa
em Glengask Hall na sexta-feira.
Uma leve névoa encobria o topo das árvores esta manhã, a pálida luz
solar caindo em fluxos visíveis nas rochas cobertas de musgo, rochas afiadas
e, arbustos castigados pelo tempo escondidos entre eles. Como, em nome de
Deus, alguém poderia preferir a chuvosa e deteriorada Londres por isto, não
tinha ideia. Um cervo correu por trás de um agrupamento de pedregulhos e
surgiu dentre as ravinas estreitas em direção à charneca coberta de urze acima.
Seus cães de caça rugiram e correram atrás dele e Ranulf estendeu a mão para
seu rifle, então percebeu tardiamente que não o trouxe. Com uma maldição,
assobiou para Fergus e Una voltarem para seu lado.
Esquecer seu rifle, foi tolice. Tão solitárias como as Highlands eram,
tão vazio de pessoas a maioria dos cantos e recantos foram se tornando, ali
sempre havia um lugar para um sujeito desprezível esconder-se. Por um
momento, considerou girar e voltar para Glengask para pegar uma arma, mas
hoje seria mais provável ser emboscado por sua irmã em casa, que por
qualquer mal-intencionado na vastidão.
Ou assim pensou. Ao som fraco, de cascos abafados de musgo atrás
dele, Ranulf desviou Stirling para as árvores. Um ataque, em plena luz do dia
no meio de suas próprias terras seria realmente corajoso, de fato, mas foi o
único que havia negligenciado a armar-se contra tal coisa. Curvando-se, puxou
a longa lâmina estreita da bainha de sua bota. Os malditos renegados achariam
que não era impotente. Se quisessem derramar seu sangue, veriam que
perderiam uma quantidade do deles, também. - Fergus, Una, em guarda, -
murmurou, e os pelos dos grandes cães de caça eriçaram-se.
- Ran! Ranulf!
Ao som da voz de seu irmão, Ranulf abaixou os ombros. - Fergus fora.
Una fora. - Incitou Stirling, voltando para a trilha estreita. - Não sabe o
significado da palavra 'sozinho'? - Perguntou.
- Você disse 'sozinho'? - Não era apenas Munro, mas Arran e Lachlan
também, trotavam ao lado do rio em sua direção. Munro, o mais jovem deles,
em relação à Rowena, lançou um rifle em sua direção. - E você sabe muito
bem que não pode sair desarmado - continuou, franzindo a testa.
Ranulf pegou a arma com sua mão livre, e com a outra girou a lâmina
que ainda segurava em seus dedos antes de enfiá-la de volta em sua bota. -
Não estou desarmado. E apostaria que Fergus ou Una poderiam parar um
cavalo, se desejassem isso.
- Eles não poderiam correr mais que uma bala de mosquete. - Arran
gesticulou para o cabo da faca. - E isso não os afastaria de você, mas
covardes raramente atacam de perto.
- É preciso três para entregar uma arma de fogo, agora? - Verdade ou
não, não iria deixar nenhum deles repreendê-lo. Era o maldito primogênito, e
por quatro anos. Arran não teria trinta por mais três anos – ou não, se não se
importasse consigo mesmo.
- Estou aqui porque é mais seguro do que ficar em casa - seu herdeiro
natural falou devagar atrás dele, despreocupadamente. Bateu levemente no
saco amarrado na parte de trás da sela. - E trouxe equipamento de pesca.
- Eu vim porque não queria uma sela lançada em minha cabeça, - Munro,
Bear para sua família e amigos, destacou com um sorriso. - Ela trancou-se em
seu quarto, mas quem sabe quanto tempo isso vai durar?
- E eu não queria ficar lá sozinho com Winnie, - Lachlan colocou.
- Não sei por que não - rebateu Arran. - Você que disse que não dançaria
com ela, seu covarde.
- Ela é uma criança. Conheço-a desde que seu cabelo era muito curto
para fazer tranças. Não sei por que está agindo de forma tão estranha
ultimamente, mas não quero participar.
- Está agindo de forma estranha porque gosta de você, Lachlan - Arran
rebateu. - Embora não saiba como Ranulf se sente sobre o assunto.
- Nem eu sei - disse Ranulf, embora não fosse inteiramente verdade.
Lachlan olhou-o.
- Sinto que deveríamos ir pescar. E ela só pensa que gosta de mim
porque sou o único homem próximo de sua idade que você permite perto dela.
O que provavelmente era verdade, mas como Ranulf tinha decidido há
vários anos que Lachlan seria um bom partido para Rowena, não via qualquer
razão para expressar-se sobre o assunto. E, em vez de comentar a declaração
de Lachlan, gesticulou em direção à cachoeira e subiu adiante. - Até o lago,
então, enquanto ela esfria a cabeça.
Um dia inteiro para trazer trutas e percas, e especialmente para assistir
Munro deslizar seu traseiro em Loch Shinaig, certamente melhoraria o humor
de Ranulf. Só podia esperar que o dia passado com Mitchell, a criada meiga
de Rowena, ajudasse a melhorar o humor dela também. Se deixasse apenas
seus fantasiosos devaneios por um momento, seria obrigada a perceber que
recebeu delicados presentes de irmãos e amigos que gostavam muito dela, e
aquela sexta-feira seria a maior festa que as Highlands tinham visto em
décadas.
Era quase pôr de sol no momento em que entregaram suas cordas de
peixe a Cooper, quando o mordomo abriu a porta da frente.
- Lady Rowena? - Ranulf perguntou, tirando seu sobretudo e lama de
suas botas.
- Nenhum sinal dela - Cooper respondeu, sinalizando para um lacaio vir
e pegar os ingredientes da ceia. - Stewart Terney veio solicitar falar com você,
milorde, mas disse que não importava, que vocês vão se encontrar amanhã no
moinho e que podia esperar até lá.
Ranulf assentiu com a cabeça.
- Obrigado.
- Sim - Bear disse. - Se o mandasse até o lago atrás de nós, o rosto
sisudo do homem iria deixar todos os peixes de barriga para cima.
- Chega disso, Munro. - Ranulf concedeu a seu irmão uma breve careta. -
Você ficaria irritado também com somente Glengask enviando seus grãos. No
tempo do seu avô, tinha negócios com os Campbells e os Gerdenses e os
Wallaces, além de nós. - Esperava que fosse capaz de aumentar a quantidade
de trigo enviada para o moinho, pelo menos, dependendo da taxa ajustada que
poderia fazer com Terney e o clima no verão.
- Espere até Winnie pegar o cheiro de truta assada - Munro falou
lentamente, olhando para cima. - Vai atraí-la. - Pausou, olhando acima de seu
ombro. - Um jogo de dardos, Lach?
Uma vez que os dois outros homens se foram, Arran virou-se e inclinou
o queixo para o mordomo. Com um aceno rápido, Cooper e os dois lacaios
que o acompanhavam, desapareceram no interior da casa grande. Ranulf
inclinou-se contra a parede do hall de entrada e cruzou os braços sobre o
peito. - O quê?
- Só que você, eu e Bear fomos para a Inglaterra e retornamos sem
danos.
- Não é o mesmo - Ranulf rebateu. - Eu, pelo menos, não fui de olhos
fechados, esperando um conto de fadas. E pelo que me lembro, você teve
encontro com uma guerra.
- Eu servi, tal como foi suposto. Não evite o ponto, Ran.
- Que ponto é esse?
- Winnie está com uma ideia fixa na cabeça e dizer-lhe não, não vai
impedi-la de querer ir.
- Não vou deixar, Arran. Se os Sasannach fizessem da sua maneira, não
haveria nada além de ovelhas em toda as Highlands e nosso clã inteiro se
lançaria ao vento com todo restante. Todos os ingleses querem dinheiro. E
controle. Não vou dar minha única irmã para eles. Ela é escocesa e vai ficar
na Escócia. Tem um marido esperando-a, uma vez que Lachlan perceba que
não é mais uma criança.
- A menos que Lach tenha uma moça diferente em mente. Mas isso não
vem ao caso, agora. Rowena também é metade inglesa, - Arran disse
calmamente. - Tal como você, eu e Munro.
- Não a metade que importa - replicou, então respirou. - Não vou ter
essa discussão com ela ou com você ou com qualquer outro. Vai ficar em
Glengask. Está segura aqui.
Arran abriu a boca, e depois fechou-a novamente.
- Você poderia pelo menos explicar-lhe seu raciocínio, então.
Tinha explicado até que ficou sem fôlego, voz e paciência.
- Se ela não sabe o motivo até agora, terá simplesmente que aceitar
minha decisão sobre o caso. Vai ficar e terá uma grande festa, mesmo que
fique emburrada.
- Ah, soa grande isso!
Ranulf enviou a seu irmão um olhar de soslaio que fez Arran dar um
passo para trás.
- Ela sabe que não deve me pressionar - disse. - Não vou discutir este
assunto com ela novamente e não vou desperdiçar meu fôlego para discutir
com você.
- Sim, todos nós sabemos que é melhor não lutar contra você. - Arran
virou-se para a porta. - Acho que vou juntar-me a Munro e jogar algumas
coisas pontiagudas na parede.
Por um momento, Ranulf considerou juntar-se a seus irmãos e Lachlan,
mas as probabilidades eram que os três estariam discutindo se uma temporada
em Londres seria tão ruim para Rowena. Estariam relembrando velhas
histórias que tiveram em Oxford e suas próprias viagens frequentes até a
cidade. Arran, especialmente, refletiria que seus quatro anos passados no
exército de Sua Majestade não o fez menos escocês. Estavam todos corretos e
estavam todos errados.
Rowena não queria férias em um lugar distante. Tinha lido os diários de
sua mãe e ficou cativada que uma vida afável de festas e vestidos de renda e
de homens que gastavam tanto tempo se vestindo como qualquer mulher.
Achava que queria ser inglesa.
É claro que ela cresceria fora disso, uma vida de distrações maçantes,
ociosas e esnobes não eram uma vida mesmo, mas até então, ficaria muito bem
em Glengask. Sob seu olhar atento. Sob sua proteção. Quer apreciasse seus
esforços, ou não. Era uma equação simples, realmente. Ele era o marquês de
Glengask, o chefe do clã MacLawry e de todos os seus dependentes, e
quaisquer que fossem as regras que pudessem tentar fazer na Inglaterra, aqui a
sua palavra era lei.
Ainda devia descer para uma das aldeias, como fazia quase todos os
dias, mas tinha pouca vontade de fazê-lo. Em vez disso, mandou Cooper ir a
Sra. Forrest, a cozinheira, ordenando que fizesse uma panela extra de peixe
assado para amanhã de manhã. O padre Dyce faria bom uso de sua
generosidade para os aldeões mais pobres. Aquilo deixou-o com um pouco -
mas inesperado e raro de acontecer - tempo. Tinha feito a maior parte de suas
tarefas ontem, de forma que podia dedicar o dia para a celebração de Rowena.
Carrancudo, Ranulf olhou na direção das escadas. Talvez a tivesse mimado,
mas o que um irmão mais velho deveria fazer do que providenciar para que
sua única e mais nova irmã tivesse tudo o que desejasse?
- Milorde?
Ranulf se virou.
- O que foi, Cooper?
O velho escocês atrapalhou-se em seus pés. Era estranho, Cooper
geralmente tinha um orgulho feroz sobre sua posição e era conhecido por
puxar as orelhas de criados para o delito da postura. - Existe... uma pequena
confusão sobre uma coisa.
- Que confusão? - Estreitando seus olhos, Ranulf resistiu à vontade de
pedir ao mordomo para se apressar. Queria apenas chacoalhar o sujeito, caso
contrário, nunca diria uma palavra sensata.
- O... ah, Debny mencionou que a senhora Forrest pegou emprestada a
carruagem, mas como era cedo, não julgou conveniente mencionar o fato para
mim, mas agora... bem, já passou o pôr do sol e não há ... isto é, o....
- Quem pediu emprestada a carruagem? - Ranulf interrompeu,
percebendo que se não fizesse uma pergunta direta, nunca chegaria ao fim do
conto.
- Mitchell, milorde. Presumo que foi para lady Winnie. Na direção que
foram, mas como eu disse, está ficando tarde, e não levaram os cães ou
quaisquer cavalariços com elas, e.…
Ranulf perdeu a última parte do discurso do mordomo, já estava a meio
caminho das escadas, gelo penetrou em seu peito.
- Arran! - Berrou enquanto corria. - Munro!
Parecia que um vento forte do norte tinha passado pelos aposentos de
Rowena. As roupas e lençóis estavam espalhados por toda parte, pedaços de
papel queimados caindo da ampla lareira, e as janelas escancaradas deixando
a noite fria das Highlands entrar no quarto. Mas, ao mesmo tempo...
- Ran! Que diabo é.…
- Cristo. Alguém a levou? - Arran tropeçou atrás de Munro, Lachlan em
seus calcanhares. - Malditos Gerdenses. Vão sangrar por isso!
- Espere, Arran - Ranulf ordenou, agachando-se para passar a mão
através dos papéis queimados e empurrando para longe os cães quando se
reuniram e ficaram latindo nervosamente. Tinha visto o verdadeiro caos antes,
e parecia uma bagunça muito ordenada. Roupas velhas jogadas ao redor, mas
nada do que realmente gostava de usar. Cama desfeita, mas não tinha estado
nela por horas e horas. Ergueu uma das partes maiores. As palavras "sapatos
Lue" estavam visíveis, com algo diretamente abaixo que parecia 'escova de
cabelo'.
- Ran, o que você tem? - Munro perguntou, agachando-se ao seu lado. A
mandíbula do seu irmão estava apertada, seus punhos cerrados. Havia uma
razão pela qual tinham apelidado Munro de Bear, e não foi porque apreciasse
uma discussão lógica. - Estamos perdendo tempo.
- É uma lista - Ranulf retorquiu, endireitando-se. - Ou parte de uma.
Ninguém a levou para qualquer lugar. Ela levou-se, ela e Mitchell. Para
Londres.
- Na carruagem? - Cooper interrompeu.
- Sem dúvida, nós vamos encontrá-la na estalagem mais próxima. É
assim que vão viajar.
- Para Lon... Por si mesma? - Arran bateu o punho na cabeceira da cama.
- Ela é idiota.
- O que ela é. - Ranulf voltou lentamente, cavando outro pedaço de
papel um pouco chamuscado com o endereço. – Agora está com muitos
problemas.
Lachlan se agitou.
- Vocês três façam as malas. Terei Debny selando os cavalos.
- Não, Lachlan. Tenha Debny com a carruagem preparada e carregada. -
Olhou para cima e viu Cooper à espreita na porta. - Cooper, tenha Peter e
Owen arrumando suas coisas. E envie o senhor Cameron aqui em cima.
- O cocheiro? - Arran repetiu, quando o mordomo correu escada abaixo.
- Você nunca alcançará a carruagem do correio naquele animal.
- Elas têm quase dez horas de vantagem e um plano que, sem dúvida
inclui uma identidade falsa - disse Ranulf, a fúria se aprofundando em seu
peito e se misturando com uma quantidade razoável de preocupação. - No
mínimo, tem uma vantagem.
- Sobre o que você está falando, Ran?
- Bear, estou falando que ela sabe que não tem que evitar apenas a nós.
E não vou ser visto por Gerdenses em seu território gritando como um
espírito, enquanto corro através do campo. Vou seguir perto o suficiente para
ter certeza que ninguém vai pará-la e vou apanhá-la em Londres. - Olhou
abaixo do fragmento meio queimado novamente. - Em Hanover House,
evidentemente. E então vou arrastar sua bunda de volta para casa.
- E nós? Você espera que deixemos tudo em suas mãos?
Ranulf olhou para Arran.
- Sim, certamente. Sabe que nós precisamos ter um MacLawry aqui em
Glengask. E dois pares de olhos é muito melhor. A informação que vai correr é
que parti. Não sei se quero que vejam isso como um convite para vir e causar
problemas. Ou que abandonei nosso povo.
- Os Gerdenses e os Campbells provavelmente verão isso como uma
oportunidade de atacá-lo na estrada - Munro rosnou. - Você não pode ir com
nada a não ser dois criados para protegê-lo, Ran.
- Eu irei - propôs Lachlan.
- Não, você não vai. Não vou ter Rowena fazendo algo ainda mais
estúpido, tentando fazer ciúmes ou qualquer outra coisa.
- Mas ela é... ela é como minha irmã, Ranulf. Nunca iria…
Ranulf abaixou sua sobrancelha.
- Mais uma razão para você ficar aqui. - O que quer que Rowena
pensava que estivesse fazendo, não estava disposto a estragar com mais
ansiedade. Nem mesmo com o homem que ela queria se unir. - Terei os cães
comigo. E ambos os lacaios que chamou para lutar na Península com
Wellington, exatamente como você fez, Arran. Eles farão por mim.
- Sim, mas...
- Sem mais argumentos. De qualquer um de vocês. Vou para Londres em
uma hora. Fiquem aqui e certifiquem-se que Rowena e eu tenhamos uma casa
para voltar. Nós nos veremos dentro de quinze dias, mesmo que tenha que
amarrá-la e jogá-la sobre um cavalo.
Londres. Danação. Rowena teria sorte se lançá-la acima de um cavalo
fosse a pior coisa que aconteceria com ela. Para ambos.
Capítulo Um
- Não há necessidade de se preocupar com essa despesa, Jane acolhe
com prazer qualquer desculpa para fazer compras. - Com um sorriso, lady
Charlotte Hanover beijou sua irmã no nariz, depois se levantou.
- Não tenho nenhuma vontade de mudar a sua programação. - Lady
Rowena MacLawry retornou para seu sotaque suave, melodioso. - Chegar à
sua porta com apenas uma nota já foi ruim o suficiente.
- Bobagem. - Lady Jane Hanover agarrou a mão da amiga. - Tenho
tentado convidá-la a nos visitar pelo que me parecem ser anos. Sua mãe e a
minha mãe foram praticamente irmãs. Não é, mamãe?
- Sim. - Elizabeth Hanover, a condessa de Hest, acenou com a cabeça. -
E estou tão contente que você começou a se corresponder com Jane. Você é tão
parecida com Eleanor, sabe. - Ela suspirou, oferecendo um sorriso suave. - É
bem-vinda aqui, minha querida, por tanto tempo quanto queira ficar. E é claro
que patrocinarei sua temporada. É só apropriado que você e Jane estreiem
juntas.
Jane bateu palmas.
- Você vê? Deveria ter vindo há muito tempo, Winnie.
- Oh, eu quis, acredite-me. É só que Ran bateu o pé sobre o assunto. Ele
pensa que todo inglês é.… - Ela parou, limpando a garganta. - Bem, ele é
muito conservador quando se trata de Londres.
Ela sacudiu uma mão, rindo, mas quando olhou para Charlotte, a jovem
lady Rowena não parecia totalmente à vontade. Claro que ela estava bastante
certa que não iria, também, se viajasse com nada menos que sua empregada
pela metade da Escócia e toda a extensão da Inglaterra. Claramente que
Winnie queria muito uma temporada em Londres.
Para um irmão superprotetor, este Ranulf MacLawry tinha falhado de
forma bastante espetacular. Uma jovem que nunca tinha deixado seu próprio
condado, não tinha que atravessar sozinha a Inglaterra. Ou viajar em uma
carruagem do correio. Charlotte tinha intenção de escrever para o lorde de
Glengask e dizer-lhe exatamente isso. Certamente, ninguém poderia ser tão
ignorante a ponto de pensar que não seria necessário enviar uma carta para
preceder sua irmã, para garantir que alguém estaria em casa para
cumprimentá-la e acompanhá-la na temporada. Era... era inconcebível, até
para alguém ignorante do costume inglês. Certamente ele sabia ler um jornal,
afinal de contas. E deveria ter um mínimo de bom senso.
Ela trocou um olhar com seu pai, que levantou uma sobrancelha antes de
retornar a conversa. Jonathan Hanover, o conde de Hest, não era um
apreciador de caos ou perturbação de qualquer tipo, mas zelava em excesso
por Jane e ela. Claro, que Lady Rowena seria bem-vinda na casa, e nunca
veria também uma insinuação dele ou de qualquer outra pessoa que preferiria
que a família não tivesse companhia para a temporada.
Longfellow, o mordomo, e dois criados chegaram com sanduíches frios
e chá para eles; passava longe do jantar, e, evidentemente, a senhora Broomly,
a cozinheira, tinha ido passar a noite com sua filha grávida próximo de
Tottenham Court. Enquanto os empregados colocavam os pratos, bateram na
aldrava da porta da frente.
- Vou ver, Longfellow - Charlotte disse, uma vez que já estava de pé e
mais próxima da porta, no corredor.
- Obrigado, milady.
Enquanto fazia o curto caminho da sala de estar para o hall de entrada, a
batida continuou. - Pelo amor de Deus, - murmurou, e abriu a porta. - O que é
tão ur… - Charlotte começou, então quase engoliu a língua.
Uma parede estava no pórtico dianteiro. Bem, talvez não fosse tão largo
quanto uma parede, embora seus ombros fossem certamente largos. Mas se
elevava sobre ela por uns bons vinte e cinco centímetros e a maioria de seus
companheiros consideravam-na alta. Ainda que tudo havia ficado sem sentido
em seu cérebro, entretanto, o que mais percebeu foi o azul. Olhos azuis, que
atualmente brilhavam friamente para baixo em linha reta, perfeitamente
esculpidos nela.
- Estou aqui por Rowena MacLawry - disse, sem preâmbulos, um rico
escocês da Highland em sua voz.
Charlotte piscou. Winnie, como Rowena lhes pedira para chamá-la,
havia chegado menos de uma hora atrás, tirando um momento na estalagem.
Até onde sabia, ninguém mais estava ciente da presença de sua visitante em
Londres. Ninguém, exceto a família de Rowena. Eles, porém, permaneceram
na Escócia... tanto quanto sabia.
- Não vim todo esse caminho para ser observado - a montanha declarou
no breve silêncio. - Rowena MacLawry. Agora.
- Estou suprendida com você, senhor - Charlotte replicou, embora
estivesse muito consciente de que não parecia ser capaz de poder olhar longe
do seu feroz rosto deslumbrante. Foi como se um Deus guerreiro de cabelos
pretos tivesse simplesmente... aparecido em sua porta. - A maioria dos
visitantes vem à porta com um convite ou, pelo menos, com uma palavra ou
duas de saudação e apresentação, antes de esperarem ter permissão para
passar o hall de entrada.
Seus olhos se estreitaram. Não foi gelo que ela viu naquele fundo azul,
Charlotte percebeu, mas algo mais aquecido e furioso.
- Não sou um visitante - disse, aço abaixo da suave melodia. - E se os
ingleses pensam que uma delicada moça segurando a porta é suficiente para
me afastar do que é meu, estão mais loucos do que me recordo.
Dele? Isto estava se tornando muito estranho, na verdade. E não havia
necessidade de ser malditamente insultuoso.
- Não sou uma delicada moça…
Ele deu um passo para frente. Colocando suas grandes mãos em torno de
sua cintura, levantou-a do chão só para colocá-la atrás dele no pórtico, antes
que pudesse fazer qualquer coisa mais do que tomar uma respiração ofegante.
Nessa altura, estava dentro de Hanover House.
- Rowena! - Ele berrou, caminhando pelo corredor.
Charlotte se firmou em suas saias e foi atrás dele.
- Pare de gritar de uma vez! - Ordenou.
Apesar de toda atenção que lhe deu, observando atrás dele, ela poderia
muito bem ter sido um inseto.
- Rowena! Quero ver seu traseiro aqui diante de mim ou vou colocar
esta casa abaixo de tanto gritar em seus ouvidos!
Longfellow e um trio de criados entraram da sala de estar. O grande
escocês empurrou-os de lado, como se fossem não mais do que tacos de
críquete. Entrou na sala que haviam saído, Charlotte em seus calcanhares.
Dada à presença física que ele irradiava, esperava ver lady Rowena agachada
atrás de uma cadeira. Em vez disso, no entanto, a jovem e delicada dama
permanecia no meio da sala, a face ruborizada e as mãos nos quadris.
- O que o diabo está fazendo aqui, Ranulf? - Exigiu.
- A carruagem está do lado de fora. Você tem um minuto para estar
dentro dela.
- Ran, v....
- Cinquenta e cinco segundos.
Rowena pareceu esvaziar. Quando abaixou sua cabeça, uma lágrima
correu por sua bochecha.
- Minhas coisas? - Ela tremia.
- O que... qual é o significado disto? E quem diabos é você, senhor? -
Lorde Hest exigiu.
A cabeça de cabelos escuros girou para fixar o conde com um olhar
penetrante. O diabo, de fato.
- Glengask. - Voltou sua atenção para Rowena. - Vá pegar Mitchell e
suas coisas. Se você correr, entretanto, retornaremos para Glengask por meio
de St. Mary, onde vou deixar você livre. Uma década ou um tanto assim com
freiras devem acalmá-la.
Outra lágrima juntou-se a primeira.
- Você é uma besta, Ranulf MacLawry - Winnie sussurrou, e fugiu
passando por ele e Charlotte para fora da sala.
- Glengask. Irmão de Lady Rowena? - Sua irmã, Jane, disse em uma voz
fraca. - O marquês?
- Sim - respondeu, seu tom ainda sufocado e irritado.
- Foi de nosso entendimento que nos enviou lady Rowena para sua
temporada - o pai de Charlotte declarou.
Pela sua expressão cerrada estava furioso, o que não foi surpresa para
todos. Pessoas berrando - muito menos diabos escoceses de olhos azuis - não
invadem casas respeitáveis, tais como a deles sem ser anunciado. Jamais.
- Por que você não pensou duas vezes antes de enviar uma jovem moça
em uma terra estrangeira sem nenhuma palavra de antecedência. Ou é apenas
um escocês que pensa que pode fazer uma coisa tão louca?
- Ela nos disse que você a mandou aqui - Charlotte falou.
O marquês de Glengask virou-se para encará-la.
- Ela contou uma mentira idiota e vocês acreditaram. Agora saia do meu
caminho, moça, que vamos embora deste maldito lugar.
Rowena tinha chamado seu irmão de besta e Charlotte não via nada para
contradizer aquela avaliação. E não gostava de homens que pensavam com
seus punhos e músculos enormes. Não mais do que gostava de ser chamada de
moça e afugentada - duas vezes agora - como algo não mais significativo do
que uma pulga. Endireitou os ombros.
- Sou lady Charlotte Hanover e vai tratar-me corretamente, senhor. Além
disso, até que tenhamos certeza que sua irmã está segura em sua companhia,
ela não vai a lugar nenhum.
- Charlotte! - Sua mãe sibilou.
Sim, sua família estaria mais do que simplesmente aliviada em ter esta
perturbação fora de casa. Mas esta não era à maneira de alguém remotamente
civilizado realizar negócios ou qualquer outra coisa. Recusava-se a olhar
longe do seu olhar, mas ele claramente esperava que fizesse.
- Bem, então, lady Charlotte - disse sucintamente, exagerando no r em
seu nome, - suponho que os assuntos da família MacLawry não sejam da conta
de vocês. Ordenei que minha irmã permanecesse em casa e não o fez. Por este
motivo estou aqui para levá-la de volta ao lugar que pertence. Como
claramente ofendi vocês, esperarei lá fora. Felizmente.
Ranulf deu um passo mais perto, mantendo erguida maliciosamente a
sobrancelha quando fez isso. Obviamente, estava lhe dando a escolha entre
afastar-se ou ser erguida fora do caminho mais uma vez. Charlotte elevou seu
queixo para manter o olhar diretamente no seu.
- Sua irmã percorreu uma distância muito grande por conta própria e
contra a sua vontade, então, lorde Glengask, parece-me que ela quer muito
intensamente estar em Londres ou ficar longe de você. E não viajar junto com
alguém que está um tanto zangado.
As sobrancelhas se viraram em uma carranca.
- Parece-me que não é da conta de vocês. - Enviou um olhar para seu
pai, que ainda estava na frente de sua cadeira e parecia que preferia estar na
Câmara dos Lordes discutindo impostos. - Permite que suas mulheres falem
por você, então?
Lorde Hest limpou a garganta.
- Minha filha está correta, Glengask. Você invadiu, claramente
enfurecido, uma casa de família e continua a se comportar como um louco e
um diabo. Seria irresponsabilidade minha liberar lady Rowena aos seus
cuidados, sem conhecer seus sentimentos e sem alguma garantia de seu bem-
estar.
- Seu bem-estar? - Glengask repetiu sombriamente. - Como responderia,
então, se lady Charlotte aqui fugisse sem dizer uma palavra e, em seguida,
quando a encontrasse com um estrangeiro desconhecido e ele se recusasse a
devolvê-la?
- Primeiramente, espero nunca dar à minha filha, qualquer uma de
minhas filhas, motivos para fugir de sua própria casa. E em segundo lugar,
dificilmente somos estrangeiros aqui. Também não somos precisamente
estranhos, já que sua mãe e minha esposa foram muito amigas.
- De alguma forma soube vir aqui para encontrar Winnie - acrescentou
Charlotte, antes que o marquês pudesse começar uma discussão sobre o grau
de seu conhecimento. O homem parecia ter um argumento para tudo, afinal. -
Claramente não somos desconhecidos para você. Nem você para nós.
- Você terá que me manter trancada para sempre e sempre. - A voz
trêmula de Rowena veio diretamente atrás de Charlotte. Um momento depois,
dedos trêmulos agarraram os dela. - Eu só quero ver Londres.
- Então agora já viu. - Glengask olhou de sua irmã até Charlotte para
onde suas mãos estavam apertadas e juntas. - Deixe minha irmã ir - disse
depois de um momento.
Charlotte apertou sua mão.
- Não. Você já está em Londres. Que mal pode haver em permitir que ela
permaneça por um tempo?
- Que possível… - Ele parou. - Não vou ficar aqui e discutir com uma
mulher sobre o que é melhor para a minha família - rosnou finalmente.
Charlotte recusou-se a vacilar em seu tom, embora ao seu lado, sua irmã
tenha feito.
- Então, como não estou cedendo, assumo que você quer dizer que vai
deixar Winnie permanecer aqui - retrucou. Precisamente, quando a causa da
jovem lady se tornou sua, não tinha ideia. Mas essa montanha de homem não ia
chamá-la de moça pequenina e diminuí-la. Nem mesmo se a erguesse como se
não pesasse mais do que uma pena, nem mesmo se parecesse ser feito de
nervos e aço.
Ele abriu a boca e, em seguida, fechou-a novamente. Charlotte se
permitiu um momento de satisfação. Então o gatinho inglês cuspiu no grande
urso escocês e ele não sabia como reagir. Bom. Bom para ela.
- É isso a que você aspira, piuthar? - Perguntou a sua irmã um instante
depois, apesar de seu olhar desconcertantemente firme permanecer em
Charlotte. - Cercar-se de sasannach que a afastam de ver sua própria família?
Para se esconder atrás de moças tagarelas que decidem suas batalhas e as
combatem por você?
- Você é quem está fazendo disto uma batalha, Lord Glengask, -
Charlotte replicou, endireitando seus ombros. - E se sou tagarela como chama,
é em face a um tirano arrogante.
- Oh, meu Deus! - Winnie sussurrou quase silenciosamente, seus dedos
se apertando.
Um músculo rígido saltou em sua mandíbula esguia.
- Eu sou um valentão?
- Certamente é a impressão que dá. Sua irmã está se escondendo atrás de
um estranho em vez de se aproximar de você.
O intenso olhar azul deslocou-se imediatamente para sua irmã.
- Rowena, você sabe, eu… - Ele parou e, em seguida, disse uma única
palavra em gaélico, que não soou nada agradável e isso fez sua irmã prender o
folêgo. Finalmente, deu um leve aceno de cabeça, como se para si mesmo. - Eu
não sou um valentão, - finalmente disse. - Uma quinzena, Rowena. Você quer
ver Londres, então vai vê-la. Alugarei uma casa aqui, e você terá seu maldito
debute. - Ele estendeu uma mão. - Vamos embora daqui, então.
- Não acredito em você, Ranulf.
- Dou minha palavra. Duas semanas.
Charlotte mordeu o interior de sua bochecha. Ele tinha dado muito mais
espaço do que esperava, e provavelmente o tinha empurrado mais longe do
que deveria ter, neste instante. Além disso, seus pais não iriam agradecê-la
pelo que diria em seguida; mas Rowena provavelmente faria. E isto foi por
causa da sua nova amiga em vez de si mesma.
- Se você realmente quer que sua irmã tenha uma temporada apropriada
ou uma quinzena, então ela deve permanecer aqui. Você estaria numa casa de
solteiro, sem ninguém para patrocinar lady Rowena ou proporcionar as
apresentações. A menos que você tenha uma conexão feminina aqui, que está
familiarizada com a sociedade de Londres.
- Não temos nenhuma conexão, - Winnie disse, seus dedos apertando a
mão de Charlotte novamente. - E tudo que fizer é para me mostrar como não é
bom aqui. Só quero ver com meus próprios olhos, Ran. Por favor.
Ele soltou a respiração.
- Devido a minha autoridade, deveria levá-la por cima do meu joelho e
tê-la voltando na estrada ao norte dentro de uma hora.
- Mas você não vai.
- Mas não vou, - repetiu depois de um momento, seu olhar encontrando
Charlotte novamente. - Fique aqui, então, se hospedarem você. Mas me
informará aonde vai em todos os momentos e irei com você quando preferir.
Com um gritinho Rowena soltou a mão de Charlotte e atirou-se em seu
irmão. Ele a envolveu em seus braços musculosos.
- Concordo, Ran - disse ferozmente. - Obrigada. Obrigada!
Por um momento o marquês fechou os olhos, algo perto de alívio ou
tristeza, brevemente cruzando sua expressão.
- Vou chamá-la aqui de manhã. Às onze. - Abaixando-a, inclinou-se e a
beijou em uma bochecha. - Deixou-me preocupado, piuthar - murmurou,
endireitando-se novamente. - Existe algum ritual absurdo para sair ou posso ir
embora? - Perguntou, alfinetando Charlotte novamente com o seu olhar.
Ela afastou-se.
- Boa noite, lorde Glengask.
- Lady Charlotte.
Só quando Longfellow fechou firmemente a porta da frente atrás dele,
que Charlotte deixou escapar a respiração que estava segurando. Da forma que
ouvia o ritmo rápido de seu próprio coração, qualquer um pensaria que acabou
de enfrentar o próprio diabo. Mas enfrentara realmente.
E ele voltaria pela manhã.

***
- Espero que seja aceitável, lorde Glengask.
Ignorando o homem magro seguindo-o insistentemente em seus
calcanhares, Ranulf continuou sua turnê pelos corredores e quartos da pequena
casa em Adams Row. O edifício era antigo, mas bem feito, com doze quartos e
meia dúzia de janelas com vista para a tranquila avenida. Estava erguida em
três andares, que imaginou fosse à origem do seu nome, Tall House.
- Será, - finalmente disse, percebendo que o companheiro esquelético
não pararia de resmungar até que desse uma resposta. - Embora, gostaria que
tivesse mais duas portas para o exterior.
- Estou feliz que aprove, meu lorde. Deu-me tão pouco tempo; apenas
uma hora, se o senhor se lembra; mas acredito que Tall House é atualmente o
melhor estabelecimento disponível para alugar. Com a temporada começando,
sabe, simplesmente toda a gente vem para Londres.
Todo mundo, mais uma irmã mais jovem malditamente teimosa.
- Você terá seu pagamento no final do dia - Ranulf anunciou,
perguntando-se se seria possível chamar Tall House por um nome diferente
enquanto estivesse lá. Casa ridícula, não havia eventualmente rotas de fuga o
suficiente.
- Oh, não queria pressionar, claro que o senhor não é bem conhecido
aqui, mas seu tio é, e não tive nenhuma preocupação de que você me manteria
esperando.
Ranulf angulou seu queixo em direção à porta da frente. Imediatamente
Owen, que passou os vinte minutos anteriores seguindo o representante, se
adiantou.
- Vou acompanhá-lo na direção certa, senhor Black, - disse, bloqueando
o sujeito, quando este ia seguir Ranulf para outra sala.
- Certamente, certamente. Sendo você novo em Londres, lorde Glengask,
se precisar dos serviços de um advogado eu ficaria honrado em...
- O lorde tem seu cartão, senhor Black, da maneira que quase empurrou
em seu bolso. A porta é por aqui.
Sr. Black piscou.
- Digo, é muito precipitado. Lorde Glengask, seus criados precisam de
mais instrução em comportamento apropriado.
Retraindo uma respiração, Ranulf enfrentou o representante de
bochechas vermelhas.
- Acho que é você que precisa de instrução, se é preciso que um homem
tente três vezes conseguir que saia quando não for mais necessário. Bom dia e
se não fui claro o suficiente, adeus.
O representante abriu a boca. Ranulf continuou a olhá-lo fixamente, e,
em seguida, Una começou um baixo e ressonante rosnado de onde estava na
janela. Um segundo depois, ainda sem palavras, o senhor Black virou e deixou
o corredor, Owen sorrindo atrás dele.
- Tolo - murmurou Ranulf, embora o senhor Black parecesse mais um
bajulador do que um tolo. Ou, mais provavelmente, ele fosse um tolo no meio
disso tudo.
Afinal, combinou e permitiu que Rowena permanecesse em Londres,
com uma família inglesa, de todas as malditas coisas, por duas semanas. Onde
não podia ouvir o absurdo que estavam lhe dizendo. E pior, onde não podia ter
certeza de sua segurança.
- Milorde, o sasannach foi embora - Owen disse, retornando da entrada.
- Duvido que aparecerá por estes corredores novamente, pelo menos, enquanto
estivermos na residência.
- Bom. Obrigado, Owen.
O lacaio assentiu com a cabeça. Deslocando-se, fez uma careta.
- Preciso dizer-lhe algumas coisas, lorde Glengask.
- Então diga.
- Peter e eu estamos satisfeitos e orgulhosos de estar aqui com o senhor.
Muito satisfeitos. E assim está Debny. Mas... não somos suficientes. Com o
senhor ficando em Londres, terá necessidade de um cozinheiro e um valete, e
mais olhos para confiar e manter o senhor e lady Winnie em segurança.
Ranulf assentiu. Tinha intenção de recuperar Rowena, passar a noite em
uma pousada e estar no caminho para o norte no nascer do sol. Nada que sua
irmã dissesse teria mudado sua mente ou seus planos. Não, visto que deveria
agradecer àquela mulher. Lady Charlotte Hanover. Ela nem deveria ter
levantado sua voz, e agora tinha alugado uma casa em Mayfair e entregue sua
irmã para uma família da aristocracia inglesa.
- Meu tio está na cidade - disse lentamente, imaginando o que Myles
Wilkie teria a dizer sobre tudo isso e não gostando quando viesse à resposta. -
Vou mandar Peter com uma nota, perguntando se conhece quaisquer prováveis
rapazes que possamos confiar.
- Mas lorde Swansley é inglês - Owen disse, tornando a palavra uma
maldição.
- Sim, mas também é da família. E passou dez anos em Glengask,
conhecendo os gostos dos meus irmãos e irmã. Saberá o que precisamos, seja
o que for.
- Como queira, milorde.
Depois que rabiscou a nota e enviou Peter para entregá-la, Ranulf
caminhou para o quarto que tinha escolhido para si mesmo. Olhou a rua para o
norte, o sólido jardim no leste e deu uma boa olhada sobre uma parte razoável
do caminho. Partiu para Londres quase sem bagagem e nenhum guarda-roupa
apropriado para a sociedade. Pelo menos a cama parecia mais confortável do
que a da pousada onde ele e os rapazes e os cães de caça tinham passado a
noite.
Vestia calça de camurça, botas de montar e um casaco velho quando
chamou em Hanover House. Supôs que poderia usar o mesmo hoje, e, em
seguida, encontrar a loja de um alfaiate para encomendar roupas mais
adequadas para Mayfair. Enquanto não se importava com o que os ingleses
pensavam dele ou de seu traje, Rowena iria. Envergonhá-la não seria o
caminho para convencê-la que a Escócia e Glengask manteriam a palavra dada
mais do que Londres faria. Um focinho úmido empurrou a sua mão, e
distraidamente coçou Fergus atrás de suas ásperas orelhas cinzas.
- O que em nome de Deus estamos fazendo aqui, garoto? - Murmurou,
unicamente a resposta foi um abano de cauda.
Owen bateu à sua porta e inclinou-se.
- Serei seu criado de quarto então, milorde?
- Posso colocar minhas próprias botas, mas obrigado, Owen. E criado
não é qualquer coisa que você faz, é o que é. Veja que Debny sele Stirling,
pode ser?
- Certamente.
Quando chegou ao térreo dez minutos depois, os cães em seus
calcanhares, o silêncio do lugar, finalmente o atingiu. Pensando em seu lar, a
casa principal estaria não só ocupada por seus irmãos e ele mesmo, mas por
inumeráveis servos, amigos, e em inúmeras ocasiões, vários subchefes de clãs
e suas famílias, além do par de gaiteiros que soavam sempre de manhã e à
noite a partir do telhado. Se fosse alguma coisa, não era tranquilo ou solitário.
Esta casa sim, e embora neste momento se sentisse calmo, tinha certeza de que
não duraria. Problemas tinham uma maneira de encontrar os MacLawrys.
Tocando uma mão na pistola no bolso esquerdo do casaco, abriu a porta
da frente, dando um passo para o lado da entrada. Não fazia sentido se tornar
um alvo fácil. Três cavalos esperavam no passeio, com Debny e Owen já
montados.
- Estão prontos? - Perguntou, tomando as rédeas de Stirling do
cavalariço e equilibrou-se na sela do baio.
- Preferiria enfrentar todos do exército de Bonaparte sem nada a não ser
um kilt - o criado respondeu - mas não pode ficar sozinho em Londres.
- Um dia em Londres e já está arrogante - Debny falou lentamente. - Não
se preocupe, meu lorde. Teremos você e lady Rowena seguros ou vamos
morrer tentando.
Ranulf assentiu com a cabeça, apreciando o sentimento.
- Vamos embora, então. E mantenha esse bacamarte sob o casaco, Owen,
ou você vai apavorar os ingleses.
Os cães atrás deles, moveram-se rua abaixo em direção a Hanover
House. Sua casa alugada poderia estar tranquila, mas em comparação com as
Highlands, Londres parecia muito estreita, cheia demais e incrivelmente,
caoticamente barulhenta. Os moradores estavam praticamente ombro a ombro,
todos falando alto para serem ouvidos sobre seus companheiros. Não tinha
notado tanto na noite passada, mas, apenas porque tinha uma preocupação:
encontrar Rowena. Hoje não, a cacofonia chacoalhava tanto seus nervos
conforme aterrava sua curta paciência em confusão.
Que diabo ele estava pensando, deixar Rowena ter seu espaço e
permanecer aqui? Fugiu de casa sem deixar uma nota, dane-se tudo, e não
merecia nada tanto quanto uma surra sobre seu traseiro e uma longa viagem de
volta ao lar. Na verdade, foi ridículo. Faria com que voltasse com ele para a
casa que tinha alugado e ficaria de olho nela, e então eles iriam para o norte
no dia seguinte. Poderia odiá-lo por um ano, se quisesse, mas, pelo menos,
estaria segura e ao lugar que pertencia. E tal fato não fazia dele um valentão,
fazia com que fosse um irmão responsável e chefe de sua família.
Em Hanover House, jogou as rédeas para Debny antes que um dos
cavalariços do conde pudesse aparecer, disse aos cães para ficar, e então
caminhou para a porta da frente. Foi aberta antes que a alcançasse, privando-o
da satisfação de bater no carvalho sólido novamente.
- Bom dia, lorde Glengask, - o gordo mordomo entoou, curvando-se. -
Está sendo esperado. Mostrarei o aposento matutino.
Visto que a sala ficava a quatro pés do hall de entrada, a escolta até lá
parecia ridícula, mas aturaria a tolice até que tivesse Rowena de volta em suas
mãos.
- Lady Charlotte, lady Jane, lady Rowena, lorde Glengask - o mordomo
anunciou, curvando-se como se tivesse acabado de conhecer o rei.
Como se não estivessem todos familiarizados desde a última noite. As
três mulheres levantaram-se, fazendo uma reverência. Desde que Rowena
nunca fez uma reverência para ele ou para qualquer um em sua vida,
claramente era levada a ajustar-se depois que as outras duas fizeram. Isso não
pressagiava nada de bom.
Aquela mulher estava lá, também, olhando-o como se não tivesse medo
ou preocupação no mundo, o que o irritava ainda mais. Ela era tudo o que não
gostava em uma mulher, alta, magra e loira, uma boneca de porcelana delicada
propensa a quebrar se alguém tentasse lhe dar um abraço. Pior ainda, interferia
em assuntos que não tinham nada a ver com ela, e falava, quando teria
preferido um momento ou dois para pensar.
- Estou tão feliz por você ter permitido que Winnie permanecesse em
Londres - estava dizendo neste instante, sua boca curvada em um sorriso
bastante atraente que não chegava a seus olhos. - E certamente poderíamos
usar sua companhia hoje.
- E para onde devo acompanhá-las, moças? - Cautelosamente perguntou,
prestando atenção para qualquer outro truque ou armadilha semelhante a que
agora o tinha residindo em Londres por duas semanas.
- Mamãe deseja apresentar Winnie no Almack’s na quarta-feira. Ela vai
apresentar Janie, bem como, e....
- Não.
Lady Charlotte piscou seus bonitos olhos castanhos, como se nunca
ninguém tivesse negado algo antes. Provavelmente não, considerando os
débeis e covardes ingleses que a cercavam e aquela língua afiada entre seus
dentes.
- Perdão? - Disse debilmente.
- De jeito nenhum. Não. - Repetiu, exagerando o som para ter certeza
que ela entenderia.
- Se não sair no Almack’s e receber seu convite para a reunião,
tradicionalmente não será capaz de entrar em qualquer lugar. Será considerada
como 'forasteira' pelas casas mais tradicionais.
- Não vou ter minha irmã desfilando diante de um bando de estúpidos
fidalgos ingleses como uma vaca premiada.
Rowena adiantou-se e pegou na sua manga, como fazia quando queria
sua atenção desde que tinha dois anos.
- Não serei apenas eu, Ran - disse suavemente. - Jane estará lá, também.
Toda jovem que quer ter sua temporada vai primeiramente ao Almack’s. E
quero muito dançar.
Danação. Nunca tinha sido capaz de recusar-lhe uma coisa que
realmente desejasse. Com exceção de Londres, entretanto, tinha conseguido
por conta própria.
- Estará lá também? - Perguntou, voltando-se para olhar Jane, menor e
com cabelos mais claros que sua linguaruda irmã. - Bem ali, ao seu lado? -
Perguntou, odiando tanto não saber como o maldito processo funcionava e que
tivesse que pedir confirmação a uma fedelha inglesa.
- Sim. E uma dúzia de outras jovens, também - a Hanover mais jovem
disse, sua voz trêmula. Na verdade, olhava-o como se esperasse que saltasse
sobre ela, com garras e dentes à mostra.
Ao seu lado, a mais velha parecia bastante serena, quando assentiu com
a cabeça. Os cachos dourados pendurados no laço na parte de trás de sua
cabeça balançavam suavemente nas laterais.
- Esta é a primeira reunião da temporada. Ela não estará lá sozinha.
- E quem é que lhes dá permissão para valsar? Quem são essas
prestigiadas patronesses da aristocracia que estão sempre moldando esses
eventos?
- Bem, é um grupo de mulheres muito influentes, aristocráticas. Lady
Jersey, por um lado e lady Cowper e lady Est...
- Jersey. É a velha amante do príncipe George?
As bochechas de lady Charlotte enrubesceram-se.
- Não, era a sua sogra - disse decisivamente. - Mas jovens damas não
discutem tais coisas, apesar de tudo.
Ranulf levantou a cabeça.
- Vocês têm uma ideia estranha sobre o que é aceitável, então. Por que
dar a qualquer outra pessoa licença para julgar cada moça que caminha pelos
salões da sociedade? É um disparate.
Pela expressão de Charlotte, não gostava de explicar seus iguais para
um bárbaro como ele, mas seria amaldiçoado se deixasse Rowena entrar em
algo onde não conhecesse todos os fatos. Seria ruim o suficiente se alguma
mulher idosa de reputação íntegra fosse dar seu consentimento, mas princesas
estrangeiras e filhas ilegítimas reais? Ridículo.
- Não existem pessoas na sua... aldeia ou cidade ou...
- Clã - Rowena forneceu.
- Clã - Charlotte assumiu, acenando-lhe um agradecimento, - que tem
que reconhecer quando uma garota se torna uma dama ou um rapaz se torna um
homem ou quando duas pessoas podem se casar? Todas as minúcias sociais
que uma sociedade requer?
- Sim - respondeu, não vendo semelhança nas duas situações. - Neste
caso, sou eu.
Olhos castanhos se arregalaram, quase para marrom pelo amarelo da
musselina que ela vestia.
- Você?
- Ran é o chefe do clã MacLawry - explicou Rowena, um toque de
orgulho insinuando-se em sua voz. Bom, pelo menos não estava com vergonha
de ser uma MacLawry. Ainda não, pelo menos. - É o maior clã que há nas
Highlands.
- Com seu único assento nas Highlands - emendou com uma ligeira
carranca.
- Não estou completamente certa do que tudo isso significa, estou com
receio - Lady Charlotte disse, continuando a olhá-lo. Não era o típico olhar
apreensivo que tinha sua irmã, no entanto. Parecia bastante curiosa.
- Não tenho tempo nem inclinação para explicar a você agora. - Ela não
entenderia e não gostaria de ser cobiçado como um cordeiro de duas cabeças.
Ranulf apontou para sua irmã. - Se for apresentada no Almack’s, o que será
necessário?
Rowena lançou os braços ao seu redor.
- Muito obrigada, Ran! Significa o mundo para mim!
Ranulf colocou um dedo sob seu queixo, inclinando o rosto para olhá-la,
admitindo para si mesmo que tinha perdido mais um argumento antes que
tivesse começado. Pelo menos desta vez podia culpar a si mesmo, em vez da
bruxa de cabelos loiros. - Eu sei, minha querida. Só tenha em mente que você
é tudo para mim. Quero mantê-la segura, Rowena.
- Sei que vai, bràthair .
- Oh, é perfeitamente seguro na Bond Street - disse Jane enfaticamente. -
Precisamos comprar um vestido adequado para Winnie. Tenho o meu há muito
tempo.
Claramente estava faltando alguma coisa, mas em vez de começar outra
conversa sobre o que havia de errado com os vestidos que havia trazido ou
com os vestidos que tinha comprado para ela, ele assentiu.
- Vai ser mais seguro comigo, de qualquer maneira. Devemos sair então,
vamos?
Quando saíram do hall de entrada, as duas jovens de dezoito anos
ficaram de braços dados e praticamente saltaram os degraus da frente. Ranulf
fez um gesto para seus dois homens e ambos desmontaram, entregando as
rédeas aos cavalariços de Hanover, que estavam observando.
- Vamos para a Bond Street - disse em uma voz baixa, quando eles os
alcançaram. - Owen, você fica à esquerda e você à direita, Debny.
- A pé? - Debny voltou, carrancudo.
- Sim. A pé.
- Sou um cavalariço. Não um... homem que caminha.
- Hoje você é um homem que caminha - retrucou, escondendo um
sorriso. Virando, avistou as irmãs Hanover olhando Fergus e Una, que
pareciam estar olhando-as com igual interesse.
- O que eles são? - Jane perguntou com um tremor óbvio. - São grandes
como pôneis.
Ranulf deu um sorriso e assobiou os cães para seu lado.
- Estes são meus cães infernais - falou lentamente.
- Oh, pare com isso, Ran. - Rowena se aproximou e ajoelhou-se entre os
cães, que, em seguida, quase a viraram do avesso com lambidas e as caudas
abanando. - O grandão é Fergus e a pequenina é Una. Eles são cães de caça
escoceses.
- Pequeninos? - Lady Charlotte repetiu, erguendo uma sobrancelha. -
Céus!
- Vão ficar de olho em nós - Rowena disse, novamente de pé. - Vamos
indo, Janie.
Isso deixou Ranulf olhando para lady Charlotte.
- Os cães assustam-na, milady? - Perguntou.
- Não. Eles são muito... entretanto têm aspectos selvagens.
- Sim. Eles são ariscos. Mas vão correr mais que um galgo em terreno
irregular. - Por um momento, continuou olhando-a, mas começou a se sentir um
pouco... estranho, fez um gesto em direção às debutantes em fuga. - Depois de
você, milady.
Com as outras duas rindo e cochichando, afastou-se com lady Charlotte
atrás delas. Esta tarde encontraria um mapa deste maldito lugar, para saber
onde estava indo. No momento sentia-se muito vulnerável, seguindo duas
crianças treze anos mais jovens que ele.
- Não são realmente necessários guardas em Bond Street - Lady
Charlotte comentou, olhando por cima do ombro do sisudo Debny e depois aos
cães nos calcanhares de Ranulf.
- Pode ser seguro e civilizado para você, minha senhora - retrucou - mas
sou um estranho aqui e vigiarei aqueles sob minha proteção.
Seus lábios se curvaram em um sorriso novamente. Para si mesmo,
podia admitir que ela tinha um sorriso bonito. Se favorecesse mulheres altas,
inglesas magras que falavam quando não deviam, diria que ainda tinha uma
pele que parecia tão suave quanto creme fino e de perto seu cabelo brilhava
como sedosos raios de sol.
- Janie e eu estamos sob sua proteção, então? - Perguntou, com diversão
em sua voz.
- Ria se quiser, mas sim. Está acompanhando um membro da minha
família e faz com que seja do clã para mim.
- Mas não somos escocesas.
Ranulf inclinou sua cabeça.
- Ninguém é perfeito. - Ranulf moveu uma respiração mais perto dela.
Seu cabelo cheirava a rosas, notou, ignorando a reação em seu intestino. - E
agradeço-lhe por ter em mente que o que é seguro para damas em Mayfair
pode não ser assim para uma moça das Highlands.
Desta vez, ela o olhou inteiramente, seus verdes olhos brilhando tão
profundamente.
- Sua irmã fala bem de você, que é tão protetor - disse depois de um
momento, - mas você considerou que ela poderia não ter tentado escapar se
seu controle não estivesse tão apertado?
Portanto, esta, mulher de cabelos louros e magra pensava que o tinha
dissecado e analisado e subjugado.
- Não vou ter uma mulher Sasannach me dizendo o que é certo ou errado
no que estou fazendo - ele replicou. - Você não me conhece ou sabe qualquer
coisa sobre mim. E não vai me aconselhar como criar minha própria irmã.
Capítulo Dois
Charlotte olhou para o marquês de Glengask. Céus. Tinha visto a sua
falta de modos ontem à noite na demora em ver sua irmã, mas tinha a súbita
percepção de que não gostaria de estar lá quando estivesse realmente furioso.
Seus olhos azuis praticamente explodiam quando encontrou seu olhar,
desafiando-a a discutir mais com ele.
Tomando fôlego, ela inclinou sua cabeça.
- Está absolutamente correto, milorde. Não o conheço e não tenho o
direito de criticar ou aconselhá-lo. O que sei foi o que senti quando tinha a
idade de Winnie. Ela não é mais a garota que esteve criando. É uma jovem
com seus próprios objetivos e sonhos.
- E você ainda discute - ele murmurou.
- Não quer me dizer que as mulheres escocesas são mudas, não é? Você
já teve conversas com mulheres antes, com certeza.
Por um momento, caminhou ao seu lado em silêncio, seus enormes e
selvagens cães cinza acompanhando seus passos. Cães do inferno, de fato.
Sem dúvida que tinha sido chamado de diabo, antes. E esse demônio era um
espécime impressionante, de fato.
- Sim - disse depois de um momento. - Tive conversas com mulheres
antes. Ninguém que quisesse arriscar uma briga, no entanto. Moças que
conheciam seu lugar - finalmente disse, algo mais quente tocando sua voz.
Como se ela já tivesse tentado brigar com alguém.
- Seu lugar deve ser totalmente de acordo com tudo o que você proferir,
suponho? E para sua informação, um argumento não equivale à vontade de
brigar - disse secamente, pegando o ritmo.
- De onde eu venho, faz. Se você questionar o julgamento de um homem
em vez de cuidar do seu próprio, vai conhecer seu punho. Isto é, se você é um
homem, para começar. Eu não bato em mulheres.
- Que alívio! - Disse sarcasticamente. - Uma luta é o recurso daqueles
que não podem sensatamente e logicamente defender sua posição com as
palavras. É para fanfarrões orgulhosos e provocadores que pensam apenas em
si mesmos.
- Palavras não vencem batalhas, moça.
Evidentemente ele gostava de um argumento, bem como, se admitisse ou
não, desde que persistia na luta contra tudo o que ela dizia. Bondade, ele não
tinha nenhum modo mesmo.
- Não, lorde Glengask. Palavras evitam batalhas ou rixas ou duelos,
antes de começar em primeiro lugar.
- Hum.
Charlotte olhou-o novamente. Podia discordar dela, é claro, mesmo que
sua filosofia de batalha para um acordo estivesse claramente errada. Mas
dispensar seu argumento como insignificante, não era aceitável.
- Essa é sua resposta? - Falou em voz alta.
- Minha resposta é que não posso discutir as razões pelas quais estou
disposto a lutar. Não para alguém que nunca conheceu uma causa para lutar,
moça. Você é inglesa, não espero que compreenda.
A sua resposta a fez querer gritar e bater seus pés, mas, infelizmente,
chegaram à loja de roupas, antes que pudesse conjurar uma réplica apropriada.
Não admira que os escoceses tivessem uma reputação de selvagens e
bárbaros. Os homens, pelo menos, eram claramente lunáticos.
Winnie foi diretamente para os novelos ricos, tecidos com joias
coloridas, que nunca seria aceito no Almacks.
- Uma debutante deve vestir branco - Charlotte disse, virando suas
costas para a montanha de sangue quente e músculos quando a costureira
apareceu na parte de trás da loja. - Senhora Arven, queremos um vestido para
o Almack’s para lady Rowena aqui. Poderia mostrar-lhe algum tecido
apropriado?
- Oh, certamente, minha senhora. Por aqui, lady Rowena, lady Jane – a
senhora Arven replicou, de alguma maneira conseguindo bater palmas, uma
reverência e caminhar ao mesmo tempo.
Os enormes cães estavam no canto, onde o marquês ordenou que
ficassem, seus focinhos enrugados como se não pudessem decifrar o cheiro de
perfume e tecido recém-lavado. Os dois guardas ou cavalariços ou o que
fossem, pareciam quase tão fora de lugar na pequena loja feminina, e até mais,
quando um quarteto tagarela de senhoritas e sua mãe carrancuda lotaram o
interior, também. O marquês de Glengask, malvestido para uma sociedade
educada, não estava muito mais adequado, e estava ainda mais difícil de
ignorar.
- Lady Charlotte Hanover, não é? - Disse a mãe, empurrando sua ninhada
mais perto e oferecendo-lhe sua mão.
Charlotte olhou-a mais de perto, não tão fácil de ignorar, considerando o
enorme chapéu verde da mulher.
- Lady Breckett - ela voltou, colocando um sorriso no rosto. - E esta
deve ser a senhorita Florence.
A morena roliça com o nariz sardento observou Glengask e deu uma
risadinha.
- Sou. E estas são minhas primas, Elizabeth, Victoria, e Lucille
Hunsacker.
- Ladies.
- Lady Jane está escolhendo um vestido para o Almack’s? - Lady
Breckett perguntou, juntando-se a sua filha e olhando para Charlotte e para a
difícil montanha, sombreada no canto. Provavelmente deveria apresentá-lo,
mas de repente, não quis.
Disse a si mesma que sua relutância era perfeitamente lógica. Tudo o
que precisava era o início de fofocas dizendo que andava na companhia de
escoceses brutos e demônios. Que os céus impedissem se ele começasse uma
briga com a fraca lady Breckett. Ou até mesmo um argumento.
- Jane já tem o dela - Charlotte disse em voz alta. - Minha mãe também
está patrocinando uma querida amiga da família. Estará comparecendo na
reunião desta quarta-feira, senhorita Florence?
- Oh, sim. - Florence saltou na ponta dos pés. - Tenho praticado todas as
danças e mais especialmente a valsa. Vai ser muito emocionante.
O trio de meninas Hunsacker agora estava olhando abertamente para
Glengask atrás dela, murmurando e rindo e batendo os cílios por trás de suas
mãos. Supôs que se não dissesse alguma coisa agora, causaria mais um
mexerico do que se simplesmente o apresentasse. Danação. Com um sorriso
tenso, esperando que ele não fosse discutir seriamente na frente de quatro
mulheres jovens e impressionáveis, fez um gesto para ele.
- Minhas desculpas. Lady Breckett, senhorita Florence, senhorita
Elizabeth, senhorita Victoria, senhorita Lucille, posso apresentar lorde
Glengask? É a sua irmã, lady Rowena, fazendo seu debut.
Fazendo um aceno imperfeito às cumprimentou.
- Não me lembro de vê-lo em Londres antes, meu senhor. – A
Viscondessa Breckett comentou.
- Não tenho vindo aqui - ele respondeu em seu baixo e retumbante
sotaque.
- Oh, você é escocês! - Uma das Hunsacker exclamou, no mesmo tom
que ela poderia ter notado que ele tinha descido proveniente da lua.
- Sim. Eu sou.
- Estivemos em Edinburgh - a menina Hunsacker continuou, enquanto as
outras duas coravam e acenavam com a cabeça. - Com nosso pai e mãe. Papai
é um baronete lá. Ele é lorde Terrill. Ele diz que seu lado da família começou
escocês, mas vi… - Ela parou de falar, seu rosto empalidecendo.
Charlotte não podia ver a expressão de Glengask desde que o ombro
dele encobria, mas quase podia senti-lo. Oh, Deus. Sob o manto de sua bolsa,
deu-lhe uma cotovelada nas costelas. Poderia muito bem ter empurrado
Gibraltar, mas, em seguida, ele se mexeu.
- É somente a senhorita Florence aqui sendo apresentada no Almack’s? -
Perguntou em um tom surpreendentemente suave.
- Oh, sim. Estreei ano passado, Lucille tem quase vinte anos e Elizabeth
não poderá frequentar até o próximo ano - a mais nova do trio, Victoria, pelo
processo de eliminação, explicou. - Lucille e eu estaremos lá para dançar, no
entanto. - Abaixou sua cabeça, olhando para o marquês através de seus cílios.
Glengask assentiu, então sua atenção voltou para as estátuas duras perto
da porta.
- Fiquem de olho em Rowena - ordenou, em seguida, ofereceu o braço
para Charlotte. - Será que pode me mostrar onde fica aquela loja de botas
agora, lady Charlotte? - Falou pausadamente.
Meio por reflexo, ela colocou a mão em sua manga. O braço por baixo
do feltro como ferro.
- Certamente - ouviu-se dizer.
- Senhoras - continuou com um ligeiro aceno e passou por elas para
abrir a porta da loja.
- Fergus, Una, venham.
Lá fora, começou a caminhar com passos longos, comendo terra
enquanto os cães de caça trotavam. Charlotte manteve-se por um quarteirão, ou
mais, em seguida, apertou sua manga e puxou. Por um instante, pensou que
poderia simplesmente arrastá-la, mas, depois deu uma parada abrupta.
- Para aonde estamos indo? - Perguntou, segurando-a para que não
pudesse ir embora e deixá-lo ali, embasbacado. Encarou-a, 1,93m de
highlander irritado. - Então nesta sociedade educada de vocês - murmurou, sua
voz um grunhido baixo - o civilizado, a moça educada, é permitido insultar,
não só eu, mas toda a Escócia e sou o único que pediu para fingir que tudo está
certo com o mundo?
- Ela não o insultou. Bem, quase fez, mas depois se conteve. E a razão
pela qual você tem que ser educado sobre o assunto é porque sua irmã não
conhece ninguém em Londres a não ser Jane, minha mãe e eu. Se você começar
a atacar as pessoas, verbalmente ou de outra forma, vai apenas tornar as
coisas difíceis para ela.
Seu olhar tornou-se mais especulativo.
- Vai ser minha consciência, não é?
Charlotte ofereceu-lhe um sorriso, embora estivesse bastante certa de
que não seria capaz de assumir essa tremenda responsabilidade.
- Uma guia, talvez. Quando quiser uma.
- Ou quando sente que preciso de uma. Você estava certa, estava pronto
para explodir sobre a moça ou não teria me batido nas costelas.
Outros clientes estavam começando a olhá-los, ou melhor, a ele;
curiosamente, mas ninguém reclamou sobre ter que se mover em torno deles
quando bloquearam o caminho. Charlotte não podia imaginar, porém, que a
maioria se atreveria a desafiar um homem tão formidável. Não diretamente, de
qualquer forma.
- Acho que você sabe o que é educado e aceitável, se optar por se
comportar dessa maneira ou não; que foi o que fez, quando deixou a loja. - Fez
uma careta. - As meninas Hunsacker compreendem também, assuntos bobos. O
que não sabia era se você levaria a situação de sua irmã em conta.
Charlotte meio que esperava desencadear outro argumento, mas quando
seu olhar encontrou o dela novamente viu um pouco de diversão neles. A visão
a fez esquecer por um momento o que eles estavam discutindo. Charlotte viu
pinturas de alguns dos lagos escoceses e os olhos dele eram justamente a cor
que imaginou numa dessas profundezas, ainda que estivessem sob um sol de
verão escocês.
Depois de um momento, fez um gesto na rua com sua mão livre e
partiram em um ritmo muito mais tranquilo.
- Tenho uma pergunta - ele pediu em tom de conversa.
- Estou ouvindo.
- Você tem o quê, vinte e três?
- Vinte e cinco. Fiz aniversário nesta primavera. - E sabia o que estava
por vir. Por que ainda estava solteira? Que coisa tola tinha feito para continuar
solteira? Tinha ouvido de tudo até agora, afinal. A questão era como desejava
responder. E como se sentiria tendo este grande e volátil escocês perguntando
uma coisa tão íntima.
- Você estava em Londres, então, no ano que Donald Campbell desceu e
fez toda aquela confusão?
- O… - Charlotte reprimiu uma carranca. Levou um momento para
lembrar-se do que ele estava falando, tão distante da conversa que achava que
estavam prestes a ter. - Foi realmente no ano antes do meu debut - disse
lentamente, lembrando-se - mas estávamos em Londres para a temporada. O
senhor Campbell estava perseguindo uma mulher, pelo que me lembro. Não a
deixava em paz e seu irmão atirou nele.
- Então, é essa a história.
Agora tinham chegado ao fim da Bond Street, e ele dirigiu-se ao longo
da Picadilly e depois para o sul em Queen’s Walk, afastando-se de Mayfair.
Green Park estava a sua direita, uma vez que já haviam passado por isso, ela
sabia que o marquês não tinha ideia de onde estavam. É claro que estava
provavelmente perdido. Mas a conversa estava bastante interessante.
- Essa não é a história verdadeira?
- Não. Campbell desceu depois de Jenny Baxter. Os Campbells e os
MacMillans, que são do clã Baxter, entretanto, tiveram uma briga que durou
por cem anos ou mais. Seu irmão Thomas se envolveu no namoro e enfrentou e
disparou em Donald. Então, arrastou sua irmã de volta para a Escócia e casou-
a com um condutor de gado antes do fim do mês. Um ano mais tarde alguém
atirou em Thomas Baxter na cabeça enquanto estava pescando. Consta que era
tio de Donald Campbell.
- É terrível! - Exclamou.
- São as Highlands. A ordem de fé lá é clã, país e Deus.
Charlotte olhou para ele novamente.
- Você é o chefe do seu clã.
- Sim.
- De modo que há um grande número de pessoas no clã MacLawry,
então?
Ranulf encolheu os ombros.
- Há os MacLawrys, os Laurences, MacTiers, Lenoxes, Tyrells, e todas
as famílias sob eles. Nos dias de hoje é mais sobre terra e moeda, mas quando
medimos por força de resistência, próximo de três mil homens de combate.
- Isso é... é um exército.
- Sim. - O sorriso em sua boca sensual foi cruel e cínico. - Não é de
qualquer maneira que outros clãs podem ser conduzidos por mais tempo, com
os lairds promovendo a limpeza em suas terras para o pastoreio de ovelhas. E
a Coroa não gosta de qualquer outra forma, como nós fazemos ao renunirmos.
Pararam debaixo de uma árvore de carvalho na extremidade de Green
Park e os cães se jogaram no chão, as línguas pendendo. O quão longe
percorreram da loja de roupas de Mrs. Arven?
- Por que está me contando?
- Porque deixei Rowena em sua casa - respondeu discretamente, seu
olhar estudando-a. Havia mais que arrogância e força bruta, ela abruptamente
percebeu, perguntando-se por que não tinha notado antes. Atrás de seu sotaque
e suas palavras corajosas, vislumbrou um grau de inteligência aguçada, uma
reflexão que nunca teria esperado no primeiro ou no segundo encontro.
- Sim? - Perguntou, até mais curiosa agora sobre o ponto que ele
obviamente estava tentando fazer.
- Quero que entenda por que tenho guardas cuidando dela, e por que
você e sua família precisam manter um olhar atento nela. Está acostumada a
sentir-se segura e não considera que está a salvo porque tem três irmãos e uma
grande parte de seu clã, mantendo-a assim.
- É realmente perigoso para ela estar aqui? - E para ele estar aqui,
importava, mas não perguntou isto em voz alta. Com cada gota de seu ser, quis
olhar ao redor da margem tranquila do parque para o perigo, embora não
soubesse o que procurar.
- Poderia ser. Sei que você não esperava esse problema. Se não quiser
mais a responsabilidade de tê-la em sua casa, vou buscá-la hoje. Duvido que
uma família inglesa queira estar tão perto dos problemas do clã. E por sua
aversão por socos, especialmente você.
Foi um insulto, é claro, mas pensava que entendia seu motivo. Este
homem de pé diante dela, olhando-a fixamente, perto o suficiente para tocá-la,
seria o mais próximo a um rei que poderia ser encontrado na Escócia, nos dias
de hoje. Tinha inimigos. Escoceses – Highland - inimigos que atirariam um no
outro, nos degraus da frente de suas próprias casas. Violência estúpida,
evitável, orgulhosa, provavelmente sobre acontecimentos que ninguém
lembrava mais.
- Devemos discutir o assunto com meu pai - disse calmamente - mas
imagino que vai dizer o que estou prestes a dizê-lo.
- E o que seria?
- Nada dessa... bagunça parece ser obra de Winnie. Ela só quer apreciar
uma quinzena em Mayfair. Acredito que podemos dar um jeito para ela.
Depois de um momento, assentiu.
- Bom. Entretanto, ainda estarei de olho em você.
Charlotte ergueu uma sobrancelha, tentando ignorar a forma como seu
batimento cardíaco acelerou com suas palavras.
- Em mim ou em Winnie?
Glengask inclinou-se, seu olhar sobre ela, atento e ilegível.
- Sim.
Seu coração acelerou novamente, um arrepio vibrou debaixo de sua pele
quente e inesperado. Por que, não tinha ideia. Não poderia se apaixonar por
seus encantos porque não tinha nenhum. Ou nenhum que se importasse de
recordar. E não era o tipo de homem que ela se interessava em primeiro lugar.
Antes que pudesse dizer a si mesma que esperava que não fosse beijá-
la... ou algo assim, Ranulf endireitou-se novamente. Um brilho de humor
aqueceu o azul de seus olhos quando estendeu o braço.
- Acho que seria melhor voltarmos para a loja de roupas, antes que
qualquer coisa incivilizada aconteça.
Com um suspiro, que não conseguiu esconder, Charlotte pegou em seu
braço novamente. Ainda parecia determinado a antagonizá-la, mas em algum
lugar esta manhã, parou de achá-lo tão irritante quanto no início da conversa.
Claro, o conhecia a menos de um dia. Pelo menos podia ter certeza de que não
havia mudado para ser diferente do que era. Duvidava que pudesse dissimular
se quisesse, e isto, pelo menos, era... refrescante.
- Por que você está sorrindo? - Perguntou, seu olhar afastando-se, antes
que mudasse sua atenção de volta para os arredores.
- Honestidade - respondeu.

***

Almack’s.
Ranulf tinha lido sobre a respeitável e excepcional reunião, claro,
principalmente na descrença de que alguém iria realmente tolerar frequentar
um lugar assim. Meio que achava que as histórias deveriam ser um exagero,
contos que cresceram de forma espetacular a cada repetição.
Quando se levantou, estava rigidamente vestido com uma nova jaqueta
preta e calças cinza, com um colete, de tartan preto e cinza simples, sem a
segmentação vermelha da bandeira MacLawry, mas o único pedaço da
Escócia permitido no rígido código de vestuário. Podia ver com seus próprios
olhos que as histórias eram todas verdadeiras. Malditamente,
assustadoramente verdadeiras.
- O que acha? - Lady Charlotte perguntou do lado dele.
Ranulf engoliu uma grosseria. Se dissesse o que verdadeiramente
pensava, seria convidado a sair. Enquanto que essa noção realmente o
animasse um pouco, um olhar sobre as faces rosadas de sua irmã, com seu
vestido branco drapeado, segurando a mão de sua nova amiga Jane, foi tudo o
que precisava dizer a si mesmo para conter sua língua.
- É uma mistura estranha - finalmente comentou. – Velhos vestidos à
moda antiga e moças de aspecto atrevido.
Charlotte assentiu com a cabeça, seu ondulado cabelo dourado puxado
em um nó apertado, que não se atreveria a escapar.
- Os mais velhos gostam da popularidade e porque é tão... conservador.
Os jovens só estão aqui porque, bem, todo mundo deve vir pelo menos uma
vez.
- E é divertido assistir quando não existem quaisquer outras festas
acontecendo - Jane colocou. - Ou assim me disseram. - Ela apontou para um
pequeno grupo de mulheres experientes, sentadas a um lado da sala. - Aquelas
devem ser as patronesses - pronunciou.
- Sim, são elas. - Lady Charlotte moveu-se entre as moças mais jovens e
os objetos de seu interesse. - Não olhem.
- Oh, não parecem tão ferozes - Rowena comentou. - Esperava enfrentar
um bando de bruxas e harpias enverrugadas.
- Não se deixe enganar - Charlotte disse em voz baixa. - Elas são os
árbitros da moda. Se você deseja ser capaz de valsar, precisa da aprovação
que podem lhe dar.
- Então, seria melhor acenar - Ranulf murmurou, estudando a meia dúzia
de mulheres. - Harpias - provavelmente era uma descrição apropriada.
- E ser banido do Almack’s significa ser banido de muitas das mais
velhas casas, as mais conservadoras... e seus saraus.
Ranulf virou sua cabeça, pegando seu olhar e ouvindo a nota de
advertência em sua voz suave.
- Significa, então, que podem me julgar também, não é?
- Você entrou pela sua porta da frente, meu lorde. Então, sim, sentem que
têm o direito de julgá-lo.
Por um momento, desejou que houvesse permitido que Arran e Bear
tivessem viajado com ele para Londres. Juntos, os três dariam àquelas altivas
simplórias inflexíveis motivo sobre o qual desaprová-lo. Porém, apenas
deixaria Rowena com o coração partido e mais uma vez culpando-o por uma
vida sem graça.
- Ficarei aqui - disse em voz alta. - Sorrirei quando olharem para mim.
Mas se derem a Rowena qualquer coisa que não seja um maldito aceno de
cabeça, mostrarei exatamente o que penso de seus empertigados modos.
Lady Charlotte limpou a garganta, a sugestão de um sorriso em sua
expressão quando olhou para longe. Esta noite, usava um vestido de gola alta
simples, de seda de um prado verde brilhante. Se tivesse sido o tipo de homem
que preferia damas inglesas, como seu pai tinha, teria sido duramente
pressionado para manter suas mãos longe dela. Como não era, a ideia de que a
desejava só serviu para irritá-lo. Um grande negócio.
- Ran, obrigado novamente por permitir isto - Rowena sussurrou
enquanto caminhava até ele, tagarelando. - Eu sei que não gosta daqui. Apesar
de tudo, você parece muito bem.
Estendeu a mão para segurar seu ombro.
- Não tão bem quanto você, meu coração. Não se preocupe com nada. -
Pegou-se quase lhe dizendo o quanto se parecia com sua mãe, mas era a última
coisa que queria em sua cabeça. Mesmo que fosse verdade. Ela era escocesa e
isto era como umas férias. Rowena iria divertir-se tanto quanto fosse possível
organizar, e, em seguida, voltariam para casa.
Uma dúzia de moças usava branco esta noite, cada uma mais pura e
virginal do que a outra. Com lady Charlotte sussurrando em seu ouvido e
dizendo-lhe o que estava acontecendo, uma por uma foram apresentadas às
senhoras que agora estava dispondo-as ao longo da parede do fundo, como
gárgulas brilhantes com pérolas.
- Ranulf.
Só por causa de uma longa prática, evitou saltar com o sussurro de seu
nome, vindo por trás dele.
- Tio Myles – pronunciou em um tom inalterado, não se movendo do seu
ponto de observação.
- Como está nossa Winnie?
- Não sei ainda. - Tardiamente, observou que sua mão direita havia se
enrolado em um punho, e, lentamente, endireitou os dedos. Não aqui. Não
agora. - Sei por que está aqui, Myles, mas não acho que nos obriga a ter uma
conversa.
Pela maneira como os ombros de lady Charlotte enrijeceram, não
aprovava sua réplica rude. O que ela não sabia era que deveria estar grata e
que a única razão pela qual não havia ninguém com o nariz de imediato
sangrando era porque estava aparentemente sendo julgado junto com Rowena.
A linha de debutantes avançou lentamente, até que lady Hest ficou com
Jane à sua esquerda e Rowena à sua direita. As duas moças nada parecidas:
uma era alta de cabelos loiros, a outra pequena com cabelos pretos como breu.
Ainda mais revelador: uma era pura aristocracia inglesa e a outra, uma moça
bem nascida das Highlands. Poderiam aprovar uma e negar a outra?
Atreveriam-se?
- Está indo bem - lady Charlotte murmurou abaixo do som de sua mãe
recitando a linhagem das duas jovens ladies como se fossem cavalos no leilão.
- O que pode me dizer?
- Estão olhando as meninas em vez de sussurrar umas com as outras.
- Será que ter duas debutantes não diminui a chance de ambas serem
aceitas ou as aumenta?
Charlotte olhou de soslaio para ele.
- Elas não se importam se Winnie é escocesa. É tudo sobre seu porte e
sua criação.
Foi tão transparente? Depois de quinze anos como o marquês de
Glengask, estava bem ciente de como a maioria dos proprietários de terras
ingleses considerava um de seus companheiros que escolhesse permanecer nas
Highlands. Sabia como os ingleses, em geral, viam os escoceses: agressivos,
bêbados e, finalmente, perdedores, com centenas de anos de guerra e disputas
finalmente resolvidas a favor dos inglêses. Porém, não terminamos,
declarando a sua autoridade.
- Preocupo-me que Rowena é escocesa - disse em voz baixa.
Seja por acidente ou não, seus dedos roçaram os dele. O gesto fez seu
intestino formigar como se um raio o tivesse atingido. Até o momento tinha
resolvido que deveria ter sido o almoço que se esqueceu de comer, deixando-
o tonto. Uma das patronesses levantou-se e acenou com a cabeça.
- Bem-vindas ao Almack’s, ladies. E a Londres, lady Rowena.
Ao lado de Ranulf, e apesar de sua afirmação de que tudo estava indo
bem, Charlotte parecia aliviada. Talvez fosse uma coisa boa que permanecesse
ignorante das maquinações no mínimo envolvidas ou poderia ter sido tentado a
interceder, afinal de contas. Quando Rowena veio saltando até ele, sorriu.
- Agora você pode ter suas valsas, meu coração.
- Sim. Então dance a primeira v.… - Seus olhos se arregalaram quando
ela olhou além de seu ombro. - Tio Myles!
Soltou-se de seu irmão para dar ao tio um forte abraço.
Surpreendentemente, ela era calorosa, gentil, ingênua, e, estava começando a
perceber que em grande parte a culpa era sua. Sentiu um vento muito frio
soprando onde o irmão da sua mãe estava sentado, mas hoje à noite seria para
sua irmã. E assim, apertou sua mandíbula e se manteve mudo.
- Você cresceu em três anos - Myles Wilkie, visconde Swansley, disse,
tomando-lhe as mãos. - Você parece tanto com Eleanor, que quase me leva às
lágrimas.
- Eu pareço com minha mãe? - Perguntou, balançando a saia quase
timidamente. - Meus irmãos nunca me disseram.
Porque não foi permitido. Myles teve a boa graça de limpar a garganta.
- Você se parece muito com ela, Winnie. Quer dançar sua primeira valsa
com um velho que a adora?
Agora estava interferindo onde não era necessário. Ranulf deu um passo
adiante e sentiu dedos delgados envolverem em torno de seu braço, leves,
suaves e ardentes através do tecido pesado de sua manga, decididos.
- Certamente isto salva seu irmão de um dilema - lady Charlotte disse
com seu sorriso caloroso. - Não acho que percebeu que não haveria dança até
depois das apresentações porque me convidou para dançar a primeira valsa
com ele.
- Oh, esplêndido! - Rowena riu e puxou seu tio em direção à pista de
dança, quando a orquestra na sacada começou a tocar a primeira valsa
tradicional. - Você é minha segunda dança, Ran. Não se afaste.
- Não vou.
Em um momento, encontrava-se de pé em um lado da pista de dança,
enquanto sua irmã dava seus primeiros passos oficiais na sociedade inglesa.
Se tivesse sido capaz de superar seu instinto para manter um olhar atento nela,
teria desviado a vista. Como diabos tinha permitido isso acontecer?
Certamente não gostava dele, mesmo Rowena poderia atestar isso.
- Vamos, lorde Glengask? - Olhos castanhos esverdeados, debaixo de
longos cílios curvados, olharam para seu rosto. - Não me faça uma mentirosa,
por favor.
Ele olhou-a e depois para sua irmã.
- É uma mentirosa, lady Charlotte.
Ela assentiu com a cabeça.
- Então, eu sou. Entretanto, ninguém mais precisa saber disso, não é? -
Quando ainda não se mexeu, puxou sua manga. - Não está preocupado que vai
fazer uma exibição pobre e envergonhar a Escócia ante os tiranos ingleses, não
é?
Ah, apenas o incentivo que precisava. Mantendo sua expressão
impassível, ainda que preferisse ir trabalhar com uma pá e tirar merda em um
estábulo, que inclinado ante os tiranos ingleses, como ela chamou-os no salão
de baile, Ranulf tomou seus dedos nos seus, deslizou sua outra mão em torno
de sua cintura esguia e entrou com ela para dançar.
Se não tivesse uma irmã mais nova, provavelmente não teria se
preocupado em aprender a valsa, mas, de repente, estava grato que Rowena o
houvesse incomodado para aprender. Na verdade, quase em sua totalidade,
homens e mulheres nascidos no seu clã sabiam dançar a valsa por causa de
Rowena.
- Você dança muito bem, milorde - lady Charlotte comentou sorridente.
Suas bochechas pálidas ganharam um brilho rosado na sala quente. Achou isso
bastante atraente, embora fosse negá-lo, se perguntado. Nem poderia explicar
por que gostava de olhá-la. Em primeiro lugar, era inglesa e em segundo lugar,
ela achava conveniente discutir com quase toda declaração que ele fazia.
- Você também pode me chamar de Ranulf - retorquiu - como já me
despojou de todo pedaço de dignidade e autoridade que possuo.
Charlote deu-lhe um sorriso inesperado.
- Duvido que tal fato seja possível.
- Bem - ele murmurou, decidindo que se sentia um pouco apaziguado. -
Tomarei como um elogio, então.
Charlotte limpou a garganta.
- Estou somente vendo que hoje à noite está indo tudo bem para sua
irmã. E para a minha. - Olhos castanhos estudaram os seus, de forma direta,
coisa que a maioria das pessoas não ousava. - Nós temos o mesmo objetivo,
acho.
- Preferiria que ela voltasse atrás e retornasse para Glengask
determinada a nunca mais sair de lá novamente. - Ranulf forçou um sorriso ao
ver o olhar chocado de sua companheira, como se não conseguisse entender
por que alguém não gostaria de ser a queridinha da sociedade. - Não poderia
suportar vê-la menosprezada ou envergonhada, embora, suponho que devo
tolerar as travessuras.
- Por duas semanas.
- Sim. Por duas semanas. - E nem por um maldito momento a mais.
Todas as jovens de branco ao redor da pista rodopiavam em êxtase; afinal,
agora faziam parte da elite de Londres. Eram mulheres e tinham acabado de
iniciar sua única tarefa na vida: a de encontrar maridos ricos, com títulos.
Maridos ingleses com propriedades inglesas, os mesmos homens que
desejavam o desaparecimento das Highlands, assim podiam continuar a tarefa
de transformar a Escócia em nada além de pastos para engordar suas ovelhas.
A ironia era que não o desejavam na Inglaterra, também. Não até que
tenha perdido seu sotaque e repudiado seu tartan, exceto para feriados
excêntricos, quando todo mundo podia fingir ser um bárbaro escocês a fim de
ridicularizar sua cultura. Quando não estavam conversando atrás de suas mãos
para acusar todo highlander de ser um maldito jacobita.
- Você está segurando minha mão com bastante força, milorde.
Estremeceu, imediatamente soltando seu aperto.
- Peço desculpas, disse rigidamente. - Minha mente estava em outro
lugar.
- Então, claramente não estou colaborando com a minha parte, como sua
parceira de dança.
Isso o fez sorrir. A delicada moça não estava desanimada, isso estava
malditamente certo. A mudança de seu corpo debaixo de sua mão, seus passos
rápidos e tendo a certeza de que combinavam com os seus; agora, ela o tinha
feito pensar na última vez que esteve na cama com uma mulher. E pensamentos
como esse não fariam nenhum bem.
- Estava pensando em Glengask, milady, - improvisou a guisa de
explicação. De qualquer maneira, era em parte verdade.
- Realmente gosta de lá, não é?
Não soou cínica ou cética, então Ranulf assentiu com a cabeça.
- Glengask é uma terra selvagem, adorável, tanto ameaçadora como
estimulante.
- Penso que deve achar que a sociedade de Londres é a mesma coisa.
- Você sabe - disse devagar, sentindo seus músculos tensos sob suas
mãos, quando a puxou para uma respiração mais íntima, - para uma moça
disposta a mentir para evitar que dois homens cheguem às vias de fato, você
não se abstém de um argumento, não é?
Apenas quando Charlotte tinha decidido que sabia como lorde Glengask
reagiria a um determinado comentário, ele a surpreendia. Da mesma forma
manteve-a surpreendendo, afiando a conversa para o que sabia ser um
território perigoso. Mas em sua defesa, foi tudo bastante confuso. Estava
bastante confusa. Glengask tinha lhe dito para abster-se de dar conselhos onde
não era desejado, então lhe dera permissão para usar seu nome de batismo. E
tanto quanto parecia... ansioso para afastar as pessoas, dançava muito bem.
- Aprecio um bom debate - disse em voz alta. Abrasivo e defensivo ou
não, ele parecia apreciar a honestidade. No que lhe dizia respeito, falava a seu
favor. Assim como foi o modo que protegeu, favoreceu e claramente adorava
sua irmã. - Detesto quando os homens decidem que um argumento precisa ser
decidido com os punhos ou com armas, especialmente quando é sobre algo tão
idiota e totalmente inútil tal como seu próprio orgulho.
Num piscar de olhos, puxou-a ainda mais perto de seu corpo grande e
duro.
- E você acha que um homem pode se envolver em um bom debate sem
arriscar um confronto físico?
- Sim.
Afirmando para ele que podia ser excesso de confiança dela. Até três
dias atrás ela não sabia de sua existência. E uma das poucas coisas que sabia
sobre si era que parecia considerar a violência física com a mesma
indiferença que concedia a seus pares uma saudação.
Se sua família não concordasse em patrocinar lady Rowena, Charlotte
teria se esforçado para ficar bem longe dele, embora não tivesse certeza de
que teria sido capaz de abster-se de olhar. Havia tido mais do que suficiente
experiência com homens que se julgavam imortais, apenas para serem vítimas
da própria estupidez. Mais do que suficiente para durar uma vida inteira.
- Parece muito triste, moça - lorde Glengask murmurou. - Se lhe causo
angústia, peço desculpas novamente. Você não tem sido nada além de gentil
com Rowena.
Charlotte engoliu, encontrando seu olhar direto, mais uma vez.
- Não é nada que fez, lorde Glen...
- Ranulf, - interrompeu, seus dedos deslocando-se através de sua cintura
e fazendo-a ciente novamente da intimidade de seu contato.
- Ranulf, - repetiu, gostando do sabor do seu nome em seus lábios.
Queria dizer mais uma vez, para saboreá-lo. Só não aqui e não agora.
- Melhor - falou lentamente com seu profundo sotaque. - Se não fui eu
quem a magoou, diga-me quem foi.
- Assim poderia ser hostil com o culpado? - replicou, embora fosse
tarde demais para uma coisa dessas, ainda que estivesse propensa. - Como
acredito que declarei o quão pouca consideração tenho por violência, espero
que perceba que nunca iria querer uma coisa dessas.
- Sim, mas eu poderia.
Ele tinha uma boca muito sensual, decidiu, e não apenas por causa do
suave r rolando de seu sotaque. A boca gravemente voltada para baixo, a leve
curva para cima quando olhava para ver sua irmã rodopiando sobre o chão.
Era diabolicamente atraente, realmente.
– Suponho que acha galante - disse quando percebeu que esperava uma
resposta, - mas como apenas desaprovo homens que lutam por algo tão
estúpido quanto seu próprio orgulho, não estou prestes a aprovar um homem
brigando em nome de outra pessoa. Declino a sua oferta.
Lorde Glengask, Ranulf, parecia que queria discordar, mas antes que
pudesse dizer algo mais, a música parou. Charlotte, dividida entre gratidão
e.... uma decepção inesperada com a interrupção, liderou o caminho até a
beira da pista de dança, onde seus pais esperaram. Winnie já estava lá com o
visconde de Swansley, ambos sem fôlego e rindo.
- Viu-me, Ran? - Perguntou, capturando ambas as mangas em seus dedos.
- Sou uma debutante agora.
- Vi - seu irmão voltou com um espontâneo sorriso caloroso. -
Praticamente estava brilhando. Deixou as outras moças envergonhadas.
Uma mão tocou o ombro de Charlotte, e estava tão concentrada na
conversa na sua frente que pulou.
- Sim?
Virou-se rapidamente para ver o topo de uma cabeça careca, curvando-
se para ela. A cabeça endireitou-se para revelar o rosto redondo e amável,
olhos esperançosos do senhor Francis Henning, relaxou, tanto quanto poderia
no Almacks, enfim.
- Senhor Henning. Muito ilustre vê-lo.
- Lady Charlotte. Queria saber se você me daria à honra da próxima
dança. - Suas sobrancelhas mergulharam em uma breve careta. - É uma
quadrilha, acho. Embora possa ser uma dança de campo.
Sentiu mais que viu o marquês de Glengask mover-se atrás dela, grande
e formidável como uma montanha. Se pensava que precisaria de proteção de
Francis Henning, de todas as pessoas, deveria considerá-la totalmente
indefesa. Charlotte sorriu e acenou com a cabeça.
- Qualquer que seja a próxima dança é sua, senhor Henning.
- É perfeito. Apenas vou... - Olhou além dela, as bochechas rosadas
empalidecendo um pouco. - Pegarei uma taça de ponche - finalizou, - para
minha avó.
- Muito bom.
Antes que tivesse acabado de falar, porém, ele recuou. Oh, isso foi
inaceitável.
- O que fez? - Exigiu, enfrentando Glengask. Estava mais perto do que
esperava e teve que erguer seu queixo bastante alto para olhar em seu rosto. -
Fez cara feia para ele?
- Quem era? - inquiriu, em vez de responder sua pergunta.
- Um velho amigo. Francis Henning. Deveria tê-lo apresentado?
Glengask inclinou a cabeça, fazendo-o parecer uma atraente mistura de
cativante e letal.
- Não sei. Deveria?
- Certamente que não, se só queria olhar furiosamente para ele.
Encontrou calmamente seu olhar
- Está sob minha proteção, moça.
Da forma como disse, a declaração estava claramente destinada a
explicar tudo. E provavelmente deveria ter deixado de lado porque ele era o
chefe de um clã, acostumado com as suas palavras sendo aceitas como lei e
obedecidas sem questionar. Mas não estavam na Escócia e simplesmente não
podia tiranizar e intimidar pessoas.
- Então, com quem Jane dançou? - Perguntou. - E com quem está preste a
dançar a quadrilha?
O marquês balançou a cabeça para olhar a irmã dela. Pela sua rápida
expressão de confusão, tinha esquecido completamente de Jane. Por que
parecia ser sobre ela em particular que sentia ser necessária sua proteção. A
ideia devia tê-la irritado ao extremo. Fez-se claro, embora o aborrecimento
não chegasse a descrever a emoção de calor que corria sob sua pele.
- Encontrarei...
Deu dois passos longos, antes de Charlotte apanhá-lo e bloquear seu
caminho.
- Sei quem são eles, pelo amor de Deus.
- Por que me perguntou, então, mulher? - Atirou de volta. Os convidados
mais próximos deles se viraram para olhar, de repente, interessados em sua
conversa. Claro, algumas das jovens ladies o tinham olhado a partir do
momento que entrou nos salões do baile.
Mas ele não foi o único a se sentir desconcertado.
- Estava falando comigo mesmo. - A orquestra soou uma nota e, em
seguida, começou a tocar uma quadrilha. - Agora vá dançar com sua irmã,
como prometeu.
Por um longo momento Ranulf olhou-a. Depois, sem dizer uma palavra
foi buscar Winnie. Só naquele momento Charlotte foi encontrar o senhor
Henning. Amanhã precisaria pesquisar a fundo sobre o marquês de Glengask.
Felizmente para ela, a melhor pessoa para perguntar passou a residir três
camas longe da sua.
Capítulo Três
- Milorde, tio Myles está aguardando com prazer na sala da frente.
Ranulf levantou os olhos do jornal que estava lendo sobre o seu café da
manhã. Parecia estranho ter posse de notícias que não estivessem com uma
semana de atraso. E inquietante ao ler que o marquês de Glengask estava na
cidade e residindo justamente onde ele estava.
- Ele não é seu tio, Owen. Para você, é lorde Swansley.
- Sim, milorde. Só que ele esteve em Glengask por tanto tempo…
- Eu sei. Faça-o entrar. - Tinha aprendido há muito tempo a vantagem de
requerer um quarto e um assento, e não tinha intenção de permitir que Myles
Wilkie tivesse a oportunidade de fazê-lo. Londres poderia ser o domínio de
Myles, mas os MacLawrys reivindicaram Tall House para si. Em todo caso,
por duas semanas.
Um momento depois, Myles Wilkie apareceu na soleira da porta da sala
do café da manhã, simpáticos olhos castanhos passearam pela sala e
finalmente repousando em Ranulf na outra extremidade da mesa. Ranulf em
troca observou-o. Olhar simpático ou não, o homem tinha a esperteza de uma
raposa e a teimosia de um texugo. Não estava a ponto de esquecer isso. Nem
por um instante. Nem mesmo quando Una trotou adiante, cauda abanando
furiosamente, para cumprimentar o visconde. Fergus permaneceu debaixo da
mesa, aos pés de Ranulf e bufou sua desaprovação. Se precisasse de qualquer
prova de que a maioria das fêmeas não tinha nenhum sentido, o acontecido
forneceu-o.
- Enviou-me um pedido para encontrar alguns prováveis serventes - o
visconde finalmente disse, e retirou um papel dobrado do bolso cinza. - Tendo
em mente as suas... necessidades particulares, pensei que seria melhor trazê-
los pessoalmente. Encontrei meia dúzia de homens e três empregadas que
devem ser suficientes.
Ranulf acenou com a cabeça, sacudindo o dedo para Peter. O criado foi
recuperar o papel e o desdobrou.
- Não posso ler estes garranchos, milorde - proclamou, depois de um
momento gasto olhando de soslaio para a página.
Do lado oposto da sala, Owen soltou o fôlego e passou por Myles para
arrebatar o papel dos dedos de Peter.
- Você não pode ler quaisquer garranchos, e não está enganando nenhum
de nós sobre o assunto. - Depois de um momento, olhou para cima a partir da
página, franzindo a testa. - Estes não são nomes escoceses, lorde Swansley.
- Não, são ingleses. Nascidos e criados. - Myles inclinou seus ombros. -
Posso me sentar, Ranulf?
- Sim. Dê-me o papel, Owen, e vá selar Stirling. Estaremos fora em
vinte minutos. Leve Peter com você.
- Mas...
- Agora.
O cinza que uma vez tinha matizado a têmpora de Myles Wilkie tinha
clareado e se espalhado, transformando seu cabelo castanho em quase loiro.
Este fato tinha ocorrido em algum momento dos últimos três anos. Sua
aparência parecia um pouco cansada, Ranulf percebeu, embora se perguntasse
se era mais do que superficial. Nem faria qualquer julgamento com base no
fato de que Myles pegou a cadeira diretamente à sua esquerda em vez de uma
em frente à extremidade oposta da mesa.
- Falhei com você, rapaz - o visconde finalmente disse. - Você e seus
irmãos. E Rowena, claro. Vocês são tudo o que restou da minha família. -
Tomou fôlego. - E Rowena, pelo amor de Deus, era apenas uma criança
quando a vi pela última vez. E agora... É uma jovem adorável.
- Por que só ingleses em sua lista? - Ranulf interrompeu, tentando pôr
um fim nas lembranças. Afinal de contas, não tinha causado a separação entre
eles.
- Nesse caso são somente negócios, mais nada, não é?
Ranulf pegou sua fatia de pão torrado. Lenta e deliberadamente espalhou
uma grossa camada de geleia de pêssego nela.
- Acredito que lhe disse que já não somos mais família, por este motivo
não temos nada mais para discutir, além de negócios.
Myles sentou-se em frente, batendo o dedo indicador na mesa polida.
- Se não confia em mim, por que me que pediu ajuda para encontrar
criados?
- Melhor o diabo que você conhece. Não é o ditado?
O visconde olhou-o, em seguida, bateu o papel para baixo ao lado do
cotovelo de Ranulf.
- Aqui em Londres, você é o diabo.
- Sim. Aqui eu sou.
- Escolhi ingleses porque eles são menos propensos a saber quem você
é, e menos provável que sejam abordados por qualquer um que possa desejar-
lhe mal, especialmente agora, que todo mundo sabe que está em Londres. -
Tomou fôlego. - Nenhum deles é de minha casa porque sabia que não
permitiria, mas conheci e falei com cada um deles pessoalmente.
Discretamente. Eles vêm de boas famílias e com altas recomendações. Por
essa razão, também irão custar uma justa importância em dinheiro.
Com um aceno, Ranulf continuou comendo.
- Manterei em mente o que disse.
- Oh, pelo amor de Deus! - Seu tio explodiu. - Pedi desculpas cem
vezes. Estava tentando ajudar!
Ajudar. A palavra deu um soco no peito de Ranulf, escuro e pesado.
- Sua chamada ajuda quase conseguiu com que Bear fosse morto.
- Está sozinho lá em cima, Ranulf! Precisa de aliados fora de seu
próprio clã, ainda que não reconheça esse fato. Os Donnellys fizeram
propostas. Pareceram genuinamente interessados no sistema de ensino que
você colocou no lugar para seus aldeões.
- Sim, porque realmente queriam queimar cada uma de minhas escolas
sobre a terra. Os Donnellys e o Gerdenses são da mesma laia, Myles. Aliaram
seus clãs há décadas. E deu-lhes um maldito mapa.
- Para mostrar-lhes como dividiu sua terra em distritos, partilhando o
trabalho e a renda, permitindo a todos os jovens uma oportunidade de
educação. Estava vangloriando-me sobre tudo que conseguiu realizar, mesmo
com a Coroa respirando no seu pescoço.
Ranulf respirou fundo.
- Quaisquer que tenham sido suas intenções, por sua causa perdi três
escolas. E se Bear estivesse dois minutos adiantado, teria ficado bem no meio
do terceiro tiro. Tomou um tiro no ombro, como aconteceu.
- Você acha que não sei disso? Ainda me mantém as noites acordado.
- Bom. - Finalmente Ranulf se inclinou para frente. Por um tempo tinha
pensado que a distância de três anos poderia enfraquecer sua raiva e seu medo
sobre o que quase tinha acontecido, mas toda vez que Rowena ou qualquer
outro mencionava o nome de Myles tudo voltava.
- Pode ter passado dez anos nas Highlands, Myles, mas não é escocês.
Não entende quão profundas velhas feridas podem ficar. Nunca saberá. E
nunca confiarei novamente em você porque ainda acha que estava certo em
tentar intervir.
- Ajudei a levantá-lo.
- Não. Tinha dezoito anos quando veio para o norte. Percebo que ajudou
a levantar os outros. E, entenda que quando Eleanor ingeriu veneno e deixou
Rowena e nós rapazes órfãos, veio para o norte. Sei que não foi uma coisa
fácil para você.
Myles engoliu.
- Ela não deveria ter feito isto. Minha irmã, sua mãe, todos nós sabíamos
que não pertencia ao lugar. Mas amava seu pai.
- Amava ser uma marquesa. Quando herdei o título, queria que nos
mudássemos para Londres. Desde o início quis que fôssemos criados como
ingleses. Seríamos aristocratas ingleses, com um assento na Escócia. Assim
como todos os outros. O pai não queria isso nem eu. Ele tinha quinze anos
completos quando perderam Seann Monadh, a Montanha Velha, como as
pessoas do clã se referiam a Robert MacLawry. E desde o primeiro dia que
tomou o título do seu pai, teve que lutar.
- Eu sei. Ela... não fez bem para você. Mas se posso perguntar, por que
você permitiu a Rowena uma temporada, agora?
- Essa é a história dela para contar, se assim o desejar.
Um triste e esperançoso olhar voltou à expressão de Myles.
- Vai me deixar vê-la?
- Rowena não está aqui.
- Oh.
Danação.
- Vai ficar em Hanover House, assim lady Hest pode patrociná-la. Vá
vê-la lá, se quiser. Mas não vai levá-la da casa a menos que Debny ou Owen
ou Peter esteja com você.
- Entendido. - O visconde ficou em pé. - Obrigado por isso, Ranulf.
- Se for machucada em sua companhia, melhor não me deixar encontrá-
lo. E vou procurá-lo. Eu juro.
Myles assentiu.
- Se algo acontecer a ela, já estarei morto.
Quase soou escocês.
- Pode visitá-la amanhã, então.
Por vários minutos depois que Myles deixou a casa, Ranulf ficou
sentado onde estivera olhando sem ver os restos de seu café da manhã. A
última vez que tinham se cruzado, Myles encontrou-se com um nariz sangrando
e costelas machucadas. Arran teve que puxar Ranulf longe de seu tio, na
verdade. Qualquer escocês de seu clã saberia melhor que não se podia confiar
nos Donnellys. Aquela traição tinha sido ruim o suficiente. Mas quando Bear
aparecera, ferido e sangrando, pela porta da frente, fez o erro de Myles
imperdoável. Desta vez, vendo-o, porém, Ranulf se sentiu mais... constrangido
do que estivera há três anos.
E sabia exatamente o porquê. Aquela moça alta e loira. Charlotte
Hanover. Não gostava de violência. Ainda que não o influenciaria nenhum
pouco, porque uma mulher inglesa não saberia nada sobre como sobreviver em
seu mundo; exceto que havia visto aquele olhar em seu rosto quando estavam
dançado. Aquele olhar dizia coisas. Aquele olhar dissera que ela sabia do que
falava.
Deixou-o curioso. E foi por isso que pensava nela quando se levantou
para recolher Stirling e seu par de batedores, enquanto passava trotando por
jardins finamente cuidados e viçosos, brancas casas e quando se virou
conduzindo para Hanover House. Curiosidade. Nada mais. Porque não poderia
existir uma atração. Não, quando ela era inglesa. Não, os seus rivais poderiam
pensar que enlouquecera, mas não estava tão louco que levaria
voluntariamente uma inglesa para as Highlands. Não depois do que tinha visto
uma mulher com uma filha de cinco anos de idade e três filhos menores de
vinte envenenar-se para escapar.
Ranulf estremeceu enquanto desmontava à sombra de Hanover House.
Às vezes os lugares que sua mente o levava, surpreendia-o. Suas ideias
levaram-no a construir escolas e ir contra a tendência de limpar a sua terra de
aldeões, para o pasto de ovelhas. Tinha tomado algumas das ideias de seu pai
e as fez realidade, com grande custo tanto para seu bolso como para sua
segurança.
E em tudo isso, em todos os seus anos de adulto, nunca nem sequer
pensou em trazer uma inglesa para as Highlands. Assim, só poderia considerar
a pretensão de mostrar as Highlands para Charlotte Hanover uma aberração.
Ou isso, ou a moça era uma bruxa. Embora se quisesse enredá-lo,
provavelmente gastaria menos tempo discutindo a filosofia da violência com
ele.
A porta da frente abriu-se quando chegou ao degrau.
- Você chegou bem na hora. - Lady Charlotte disse com um sorriso
caloroso. - Decidimos mostrar a Winnie os pontos turísticos, começando com
Hyde Park.
Seu primeiro pensamento foi que, embora nunca tivesse visto Hyde Park
seria muito aberto e estaria cheio e teria que conseguir, pelo menos, um
exército para fornecer a proteção adequada à Rowena. Ou melhor, foi seu
segundo pensamento. Seu primeiro pensamento foi mais primitivo e teve muito
a ver com o traje de montar pêssego que Charlotte usava. Mais precisamente,
com as esbeltas curvas abaixo.
- Bom dia, Ran - Rowena chamou, curvando-se para beijar sua
bochecha. - Olha, estou usando aquelas idiotas botas de montaria que ganhei
de Lach, afinal. - Levantou a comprida saia de seu traje de montaria verde
escuro para mostrar seus tornozelos.
- É o suficiente - resmungou, golpeando sua mão de modo que a saia
caiu de volta ao seu devido lugar. - Terá os ingleses nos chamando de
selvagens e demônios.
- Oh, nojo! - Sua irmã retrucou, então deu uma risadinha. - Essa é uma
grande palavra, não é? “Nojo”.
Ranulf estreitou os olhos.
- Você sabe o que é grande? Manter sua própria...
- Posso ter uma palavrinha discreta com você antes de sairmos, Ranulf?
- Interrompeu Charlotte.
Se não tivesse usado seu nome, dizendo nessa tão afetada maneira
musical que tinha, provavelmente a teria ignorado. Em vez disso, apertando
sua mandíbula, virou-se e caminhou até onde ela estava ao lado de seu cavalo.
- Sim?
- Queria que soubesse - disse em voz baixa, dirigindo seus olhos
castanhos para encontrar com os seus mais uma vez, - falei com os meus pais
na noite passada sobre a sua preocupação com a segurança de Winnie. Meu
pai pediu a Longfellow para atribuir dois criados adicionais para patrulhar a
casa durante toda a noite e os cavalariços começaram uma vigilância de vinte
e quatro horas na área. - Sorriu novamente. - Nada para fazê-la se sentir
enjaulada, mas suficiente para estarmos cientes antes que qualquer coisa
desagradável possa acontecer.
Não era o suficiente, mas era mais do que esperava. E considerando que
Rowena tinha conseguido escapar de Glengask mesmo com todos os homens
que tinha lá, não estava exatamente em posição para reclamar.
- Eu aprecio o fato - disse ele, inclinando a cabeça. - Direi a Peter que
pode ficar em Tall House hoje à noite. Mas deixarei Una aqui.
Sua testa franziu.
- Teve alguém vigiando Hanover House?
- Sim, do anoitecer até amanhecer.
Por um momento, ela lançou seu olhar como se esperasse que o robusto
lacaio pulasse para fora dos arbustos.
- Não fazia ideia.
- Não devia ter contado.
- E o cão? - Prosseguiu, olhando para baixo, na forma pequena de Una.
Era pelo menos uma cabeça acima da maioria dos cães e qualquer
foxhound de três ou quatro das melhores espécies que existiam, tomaria
cuidado para ter alguma chance contra ela.
- Ela é uma moça meiga de coração, mas vai dar sua vida para proteger
Rowena. Não tem nada a temer, minha senhora. E não tem nada a temer de
mim. - Não estava certo do que o levou a dizer aquela última parte, mas
pareceu... necessário. Afinal de contas por causa dos MacLawrys, ela e sua
família estavam propensos a encontrar-se em circunstâncias que poderiam
nunca ter sonhado.
Charlotte estendeu a mão, ajeitando uma dobra de seu cachecol
simplesmente amarrado.
- Bem, então - Lady Charlotte disse, abruptamente acariciou seu peito e
abaixou sua mão novamente. Limpando a garganta, virou-se. - Benjamin,
ajude-me, está bem? - Perguntou, olhando para o cavalariço que segurava seu
cavalo.
- Eu a ajudarei, - resmungou Ranulf, advertindo o criado à distância com
um olhar.
Particularmente hesitante e não inteiramente certo do motivo, Ranulf
deslizou as mãos em volta de sua cintura e levantou-a. Teve suas mãos sobre
ela antes, quando a tirou de seu caminho e novamente ontem à noite para a
valsa, mas isto pareceu mais... íntimo.
Charlotte colocou as mãos em seus ombros.
- A sela? - Disse sem fôlego.
Cristo. Com a tentativa de não deixá-la cair para trás, colocou-a na sela
lateral. O modo como se sentiu abruptamente chamuscado, a maneira que seu
intestino reagiu ao tocá-la, sentiu-se quase enfeitiçado. Deu um passo para
trás, limpando as mãos nas coxas.
- Enfim. Tudo em ordem agora, espero? - Resmungou, e virou as costas
para erguer-se sobre Stirling. Ao seu lado, Rowena estava sorrindo
animadamente na sela de uma encantadora égua cinzenta e, sem dúvida,
satisfeita para ter seu caminho mais uma vez. - E quem a colocou na sela? -
Perguntou.
- Eu fiz, milorde - Debny disse, antes que ela pudesse responder. - Um
desses cavalariços dos Hanover chegou a tentar isto, mas bati neles de volta.
- Oh, céus! - Charlotte murmurou à esquerda de Ranulf, que fingiu não
ouvir. Ninguém estava sangrando, assim, não estava preocupado já que tudo
foi tratado de forma amigável.
A caminhada calma que se estabeleceu dificilmente parecia digna de ser
chamada de passeio. É certo que a multidão no meio da manhã, de
fornecedores, carroças, vigaristas, compradores e outras pessoas que
perambulavam sem rumo, garantiam nada além que um trote próximo do letal,
mas que dificilmente tornou mais tolerável. No momento em que chegaram a
Park Lane e o grandioso parque exibiu-se no lado esquerdo, até mesmo os
cães tinham escondido suas caudas.
Outra respiração de desconforto correu através dele. Nunca iria outra
vez liderar um passeio até aquele lugar. Precisamente por sua visão limitada
através das árvores, um infinito mar de carruagens, cavalos, guarda-sóis e
chapéus que se espalhavam diante deles. Em algum lugar atrás dele, pegou a
maldição abafada de Owen e silenciosamente concordou. Não só seria quase
impossível fazer uma fuga, mas, provavelmente, nunca veriam qualquer
problema aparecer até que fosse tarde demais.
Inclinou a cabeça. Tanto quanto odiava admiti-lo, qualquer atacante teria
exatamente a mesma dificuldade. E cem testemunhas em cima dele. Os
Campbells poderiam arriscar de qualquer maneira, mas felizmente, estavam
mais propensos a chamá-lo cara a cara do que esfaquear sua família pelas
costas. O clã dos Gerdens preocupava-o mais, principalmente porque não
tinha nada além de suspeitas e rumores transmitidos por terceiros sobre o que
andavam fazendo.
- É razoavelmente bem ordenado, uma vez que se junte à multidão. -
Charlotte comentou no fio final de seus pensamentos. Parecia que tinha ficado
com ela em algum momento durante o passeio ao parque, embora não
lembrasse conscientemente de fazê-lo.
- Será que qualquer um de vocês não tem nada melhor a fazer?
Bem, pareceu injusto, Charlotte pensou, mas tinha que admitir que Hyde
Park estava bastante cheio para este início de dia. Assim, bem incomum.
Geralmente, as visitações não começavam a sério até depois de almoço.
- Não há reunião do Parlamento hoje - disse, se lembrando de seu pai
arrumando seu equipamento de pesca esta manhã. - Acredito que haverá
corridas no Tâmisa esta tarde.
Contornaram Rotten Row, uma vez que a manhã estava bastante quente e
nenhuma das ladies ou, pelo menos, ela, queria incomodar-se em galopar.
Charlotte apontou a pista de equitação para Glengask, uma vez que parecia um
homem que gostava de se exercitar. De fato, enviou outro olhar de soslaio para
o marquês, decidindo que estava em forma. Devia passar grande parte do seu
tempo nas Highlands ao ar livre.
Quando se juntaram a linha de cavaleiros e carruagens ao longo do
caminho, percebeu também que não era à única notando lorde Glengask. A
partir de cílios tremulando e leques batendo, metade da população feminina
estava flertando ou lutando contra uma horda de mosquitos.
Ranulf manteve o ritmo lento, aparentemente mais interessado em buscar
prováveis esconderijos nos arbustos que em todos os lindos olhares explícitos
em sua direção. Era esse inimigo obstinado caçando que o fez permanecer
solteiro? Pelos seus cálculos, estava em algum lugar em seus finais de vinte
anos ou início dos trinta. Tinha riqueza, terras e uma grande quantidade de
energia, e ainda não existia nenhuma lady Glengask. Não que se importasse
com o fato, é claro, apenas estava, apenas...
Jane e Winnie de alguma maneira conseguiram colocar uma carruagem e
um faetonte entre eles. Ranulf deu um aceno sutil com seus dedos, e seus dois
criados se apertaram para juntar-se a eles. Os cães sabiam, evidentemente, o
seu dever também, porque mantiveram o ritmo de cada lado de seu grande
cavalo baio, como se tivessem feito isso centenas de vezes Uma senhora
idosa, lady Gavenly, ela pensou, passou em uma carruagem com um pequeno
cão latindo em seus braços. O cão de caça, Fergus, girou a cabeça para olhar
para a pequena coisa, e, em seguida, voltou para a sua caminhada.
Evidentemente pequenos cães latindo eram considerados inferiores nas
Highlands. Ou isso, ou os cães já tinham comido sua refeição diária e não
estavam com fome.
- Falando teoricamente - disse, se perguntando se estava prestes a
começar outro desentendimento, - não é você, como chefe de seu clã, que
devia ser mais protegido? - O que queria perguntar era se tudo aquilo era
realmente necessário. Especialmente no meio de Mayfair, no meio da manhã,
no meio da temporada.
- Sei acerca das dificuldades - respondeu em tom pensativo. - Rowena,
na sua maior parte, não o faz. Não tem tanta importância em casa porque
sempre teve o clã ao redor dela. Aqui, estou começando a desejar que a
tivesse encorajado a levar tudo um pouco mais a sério.
- Como você sabe sobre as dificuldades? Não estou questionando o que
você faz, apenas sobre o que aconteceu para torná-lo tão cauteloso.
Olhou-a de soslaio.
- Esta pergunta foi muito cuidadosamente formulada, moça. Sou tão
feroz?
Charlotte não podia deixar de sorrir, embora fosse uma descrição
bastante apropriada.
- Estou tentando ser diplomática.
- Ah! - Para sua surpresa, ele riu. - Os membros do clã chamavam meu
pai de Seann Monadh, a Montanha Velha. Aquele homem era inflexível como o
inverno e forte como um cavalo. - A afeição óbvia mostrou-se em sua voz,
sorriu um pouco e, então, brevemente abaixou a cabeça. - Dizem que se
afogou.
Levou um momento para decifrar o que tinha dito, em parte porque foi
tão inesperado.
- Seu pai se afogou? - Repetiu para ter certeza. - Sinto muito.
- Sim. Afogou-se. - Disse, desta vez exagerando os sons das vogais. -
Embora imagine que ter as mãos amarradas e sua cabeça mantida sob a água
faz com que esteja mais perto de assassinato.
Deus do céu! Charlotte colocou a mão sobre o peito, embora não
estivesse certa do por quê. Suas palavras, a dor e a raiva mal escondida nelas
tinham cavado em seu coração.
- Presumo que nem todos concordaram com a sua avaliação? - Perguntou
depois de um momento.
Olhos azuis encontraram os dela.
- Não, não fizeram. Eu tinha quinze anos quando isso aconteceu, mas
acho que era velho o suficiente para reconhecer as marcas de corda em torno
dos pulsos que prendiam ou não um homem e para perceber o que mangas
rasgadas e braços arranhados significavam, quando o encontramos. - O
marquês respirou lentamente. - Nada disso importa, suponho, exceto para
responder-lhe quando me perguntar por que sou tão cauteloso.
Não podia sequer imaginar o que ele devia ter sentido, ainda mais ao
saber uma coisa tão sórdida que tinha sido feita em cima do que já era uma
tragédia. Apenas a imagem em sua mente de alguém próximo seu, seu jovial
pai, afogando-se, fez com que lutasse contra as lágrimas.
- Não tenho palavras - sussurrou.
Ranulf encolheu os ombros.
- Foi há dezesseis anos.
- Sabe quem fez?
Desta vez, seu sorriso triste a gelou até os ossos.
- Essa é uma história para outro momento, quando você e eu nos
conhecermos melhor.
- Ou seja, quando você decidir que pode confiar em mim.
A expressão em seu rosto aliviou um pouco.
- Você tem uma maneira de chegar ao fundo da questão, moça.
O comentário à fez sorrir, embora não estivesse totalmente certa que foi
um elogio.
- Constatei que há menos mal-entendidos assim.
À frente dela, Janie virou na sela.
- Char, os gêmeos Lester estão ali - disse, balbuciando as palavras por
trás de sua mão. - Por favor, não venha.
Com um suspiro, Charlotte balançou a cabeça e freou sua égua cinza,
Sixpence. Ranulf parou ao seu lado.
- O que foi?
- Jane está apaixonada por Phillip ou Gregory Lester e tinha alguma
noção boba de que iria encontrá-los... ridículo.
- Ou? - Repetiu, levantando uma sobrancelha. - Percebo com isso que
ela não sabe qual?
- São totalmente substituíveis.
Continuou olhando-a, perplexidade em sua expressão.
- Por que seu pai não diz a Jane para manter-se longe deles? Ou diz as
eles que se mantenham bem longe dela?
Como provavelmente não apreciaria isto, Charlotte sufocou seu riso.
- Iria apenas convencê-la de que ela era Julieta e um ou outro dos
Lesters seria Romeu. Sendo uma amante sacrificada, condenada à dor e à
saudade. Sabe que parece terrivelmente romântico para uma jovem lady.
- Hum. De qualquer modo, desgraça e dor podem explicar alguns dos
olhares que tenho recebido de várias moças, - voltou um outro olhar ao redor.
- Acho que há algo... intrigante sobre alguém que você não pode querer e não
deveria ter.
O olhar que ele retornou ao seu transmitia algo pertubador e sentiu
arrepios em todo seu corpo. Suas palavras foram uma mensagem para ela? Ou
falava apenas hipoteticamente ou tentando irritá-la? Parecia bastante versado
nisso, afinal.
- De qualquer maneira - disse - quanto mais tempo Janie gasta
conversando com os Lesters, o mais provável é que perceba sozinha que
ambos são idiotas completos.
Com isso, Charlotte virou Sixpence em direção à ponte que conduzia
através do Serpentine e para a parte menos lotada do parque. Levou mais força
de vontade que esperava não virar e ver se o marquês a seguiu. Um momento
depois, entretanto, através da ponte ele e seu cavalo ruidosamente monstruoso
juntaram-se a ela novamente. E é claro que não sentiu nenhum momento de
satisfação que tivesse escolhido continuar o passeio com ela em vez de ser à
sombra da irmã dele. Era apenas que, por óbvio, tinha decidido que os dois
grandes escoceses eram proteção suficiente para Winnie; pelo menos para o
momento.
- Um rio falso em um deserto falso - comentou, olhando para o
Serpentine como que procurando uma tampa e um canal.
- O Serpentine é um rio real - voltou, tentando não parecer indignada
com o insulto a seu parque favorito de Londres. - E Hyde Park era
originalmente deserto. Tem apenas sido... aprimorado para que os cidadãos
possam fazer mais uso dele.
- Realçado - repetiu. - Glengask tem vista para o rio Dee. Corredeiras,
cachoeiras, penhascos íngremes. Parece que é um Éden para os olhos, mas
pode arrebatar sua vida num piscar de olhos, se não sabe respeitá-lo. Não
necessita de realce. Na verdade, um homem seria idiota para tentar uma coisa
dessas.
Um rio, o Bray, ficava na beira da propriedade de sua família no norte
de Devon. Como a maioria dos rios do sul da Inglaterra era na maior parte
sereno e lento como se tivesse desistido da luta para ser selvagem há muito
tempo. Que não fazia o Bray, melhor ou pior do que o Dee, um rio era
simplesmente o que era, afinal de contas.
Conhecendo como estava o espírito de sua companheira, provavelmente
esperava que discutisse seu ponto, de qualquer forma. Bem, ela nem sempre
gostava de fazer o esperado.
- Isso soa de tirar o fôlego - disse, seguindo agora quando ele guiou seu
cavalo para um olhar mais atento à margem e aos salgueiros sobressaindo seus
longos e tristes ramos mergulhando na água amena. - Glengask é arborizado,
ou só para pastorear?
- Ambos. Estamos no alto das montanhas, por isso as árvores crescem
principalmente nos vales e desfiladeiros onde há mais abrigo contra o tempo.
E a nossa ideia de pasto e a de vocês são duas coisas diferentes, mas fazemos.
- E você tem pasto de ovelhas, presumo? - Pelo que sabia de outras
famílias com assentos nas Highlands, todos eles criavam ovelhas Cheviot.
- Não. - Sua voz saiu mais nítida do que esperava. - Nós criamos gado
em Glengask. Alguns Highlands criam ovelhas para seu próprio uso, mas um
MacLawry não vai queimar ou tirar as pessoas para mais pastoreio dessas
bestas selvagens Cheviot. Nunca.
- Os Highlands Clearances - disse, não certa se tinha falado em voz alta
até que ele assentiu.
Tal fato explicava seu cuidado sobre a segurança de sua irmã e muito
mais. A razão pela qual seu clã era o maior ainda nas Highlands, e talvez até
mesmo a razão pela qual suspeitava que seu pai havia sido assassinado. Os
MacLawrys foram evidentemente resistindo às mudanças, apesar da atração de
rendimentos das ovelhas Cheviot e a “insistência” da Coroa para derrubar os
aldeões e fazê-los obedecer. Não havia nada que a Inglaterra temia mais,
sabia, do que um bando organizado de highlanders livres.
Enquanto considerava tudo, Ranulf parou na sombra de um bosque de
salgueiros e desmontou.
- Os Clearances cuidam de uma parte desta atividade ao norte de
Hadrian’s Wall - disse, caminhando até ela e erguendo seus braços.
- Como tem resistido? - Olhando para seu rosto erguido, a questão
abruptamente parecia aplicar-se tanto para ela quanto para ele. Querendo que
seus dedos não tremessem, porque estava longe de ser uma colegial, agarrando
seus ombros.
Mãos aquecidas deslizaram ao redor de sua cintura e então estava no ar
novamente, como se não pesasse mais do que uma pena. Em seu íntimo sentia-
se tão excitada, que foi absolutamente ridículo. Talvez não fosse imune aos
seus encantos físicos, mas a partir da quantidade de conversas que tiveram,
sabia que seus temperamentos não poderiam ser mais diferentes. Suas
filosofias eram tão distantes quanto às duas extremidades da Terra.
Seus pés tocaram o chão, mas não liberou seu domínio sobre ela. Em
vez disso, puxou-a para mais perto e ela teve que colocar suas mãos em seu
extenso e rígido tórax, para manter o equilíbrio.
- Não devia - murmurou, o azul de seu olhar afundando-se nela como um
verão ardente. E eis que ele inclinou-se e beijou-a.
Charlotte fechou os olhos. Não sabia como um homem podia ter o sabor
das Highlands ou mesmo o gosto que as Highlands teriam, mas Ranulf
MacLawry tinha. Penhascos varridos pelo vento, tempestades ferozes, o calor
de boas-vindas de um fogo na lareira em um dia frio. Era o gosto do marquês
de Glengask. Absolutamente inebriante.
- Charlotte! Você não lançou lorde Glengask no rio, não é?
O som da voz de Jane veio da frente. Ofegante, desenrolou seus dedos
da lapela de Ranulf e empurrou-o. Por um instante Ranulf a segurou onde
estava, um braço ao redor de seus quadris e o outro cobrindo sua nuca. Em
seguida, deixou-a ir e recuou quase sem jeito.
Talvez se sentisse tão assustado quanto ela estava. Resistiu ao impulso
de olhá-lo nos olhos e ver exatamente o que poderia estar pensando e sentindo.
Charlotte colocou a mão sobre a boca e correu para fora dos galhos de
salgueiro.
- Ninguém está caído - disse um pouco alto demais, quase tropeçando
sobre um dos cães em sua pressa para se afastar. - Embora se lorde Glengask
continuar insistindo que o Serpentine não é um rio de verdade, ficarei tentada
a empurrá-lo e vê-lo se molhar.
Winnie pareceu surpreendida.
- Você tinha que falar isso? Ran?
- Poderia convencê-lo, não acha? Mas foi só uma brincadeira, minha
querida - Charlotte retrucou, forçando um sorriso, quando o que realmente
queria fazer era colocar as mãos nos lábios e verificar se estavam tão quentes
e inchados como os sentia.
A irmã do marquês debruçou-se na sela, esticando o pescoço para ver o
pavilhão.
- Ran? Charlotte não vai chutá-lo em suas partes de homem, não é?
O rosto de Charlotte corou.
- Não faço tal coisa!
Janie estava rindo por trás de uma mão.
- Damas não conversam sobre as partes de um homem, Winnie.
- Realmente? Meus irmãos parecem que quase não falam sobre qualquer
outra coisa.
Folhas farfalharam atrás de Charlotte.
- É verdade - Ranulf disse secamente. - Odeio admitir, Rowena, mas
talvez você pudesse aprender um pouco do refinamento de Londres.
E com isto, as outras duas esqueceram totalmente sobre o que ela e
Ranulf poderiam estar fazendo debaixo dos salgueiros. Quaisquer que fossem
seus defeitos, e pareciam numerosos, o homem era perfeito em mudar uma
conversa e a respeito de não responder perguntas feitas a ele.
Winnie gritou, sacudindo os braços até que um dos homens de Glengask
ajudou-a a descer até o chão. Assim que teve seus pés abaixo, andou a passos
largos até seu irmão, suas saias amontoadas em suas mãos.
- Significa que você está me dando mais de duas semanas aqui?
Ele fez careta.
- Significa que vamos ver.
Sua irmã lançou-se em seus braços.
- Oh, obrigada, Ran! Obrigada! Obrigada!
Olhos azuis encontraram os de Charlotte acima da cabeça de sua irmã.
- Ainda significa que veremos. Não faço nenhuma promessa.
- Eu sei, eu sei - Winnie replicou, soltando-o e fazendo piruetas atrás
para Honey, a égua que o pai de Charlotte deu para seu uso. - Porque quando
você dá sua palavra é como se estivesse esculpida em pedra.
- Sim. - Observou enquanto seu homem erguia Winnie de volta na sela,
então ofereceu seu braço para Charlotte. - O que vamos fazer agora? - Falou
pausadamente.
Se não fosse por suas luvas de equitação e sua manga, pensou que tocá-
lo seria motivo para explodir em chamas.
- O... um...
- Devíamos conseguir uns gelados - Janie felizmente disse. - E quero
mostrar a Winnie os jardins do Palácio de Kensington. São tão adoráveis, e há
um lago com peixes.
Charlotte limpou sua garganta.
- Acredito que Janie planejou o resto da nossa manhã muito bem - ela
conseguiu, e, em seguida, perdeu a compostura novamente quando Ranulf
colocou suas grandes mãos nela e ergueu-a de volta na sela. Céus, o que havia
de errado com ela?
Girou sobre seu próprio animal e cutucou-o ao lado de Sixpence.
- Foi seu primeiro beijo, doce moça? - Murmurou, um sorriso satisfeito
e suave tocando aquela sua boca muito capaz.
Pelo amor de Deus. Desta vez, pelo menos, estava feliz por sua
arrogância. Deixou-a completamente vazia de qualquer estupor tolo que
tivesse caído.
- Surpreendeu-me, Ranulf - voltou no mesmo tom, desejando que sua voz
estivesse firme. - Mas não, não foi meu primeiro beijo.
Viu seu sorriso morrer um pouco antes de virar Sixpence e assumir a
liderança. Persuadindo a égua em um trote, enquanto tinham espaço e momento
para fazer, dirigiu-os de volta pela ponte na direção do carrinho de gelados
mais próximo.
Não estava completamente certa por que se apressou ou por que se
sentia tão... inquieta, tanto pelo beijo ou pelo homem. Teria flertado com ele?
Certamente apreciava um pouco de suas discussões, mesmo que a sua
apreciação da violência não se coadunasse com a dela. E talvez tivesse havido
alguma satisfação na forma como as outras senhoras tinham olhado para ele no
Almack's, quando havia dançado a valsa em seus braços, e novamente hoje no
parque, quando estava cavalgando ao seu lado. Mas não queria dizer...
Com o canto do olho, viu por um momento a sombra do focinho do
cavalo ao seu lado novamente. Franzindo a testa, cutucou Sixpence nas ancas e
a égua suavemente acelerou em um galope. Não era uma coisinha simplória
para ser beijada e deslumbrada por um rude escocês. Era melhor que isso.
Direcionou e incitou com seu joelho novamente. O cavalo ainda estava
em um trote, danação. Reuniu as rédeas em suas mãos e estalou. Em um
instante estavam galopando. Em algum lugar atrás dela, Jane chamou seu nome,
mas pela primeira vez ignorou sua irmã. E ignorou os olhares assustados e
irritados das pessoas que passeavam e de outros cavaleiros que se apressaram
para fora de seu caminho.
Arriscou um olhar sobre seu ombro direito, mas o focinho do cavalo e
seu cavaleiro não estavam à vista. Bom. Precisava de dois malditos momentos
para pensar.
Uma mão estendeu-se à sua esquerda e agarrou as rédeas de Sixpence.
- Ei, moça - Ranulf disse em seu sotaque profundo, e freou seu grande
baio com uma mão enquanto segurava sua égua com a outra. Danação.
Provavelmente fez malabarismos e suportou gozação e sarcasmo, também.
Ranulf puxou-os facilmente, parando-os.
- Lorde Glengask, ela está ferida? - A voz bastante estridente de Jane
irrompeu. - Charlotte?
- Ela está bem – disse o marquês, antes que pudesse responder. - Soltou
uma rédea, é tudo.
- Não fiz tal...
- Você quer explicar para estas pessoas porque estava fugindo
precipitadamente, então? - Interrompeu com voz lacônica.
Fez um bom ponto, dane-se tudo.
- Não. - Murmurou de volta. - Estou bem. - Falou em voz mais alta,
curvando-se para olhar para trás a sua irmã antes de endireitar-se novamente.
- Se você não sabe como beijar, moça, é só dizer - ele continuou com a
mesma voz firme. - Não precisa fugir de mim.
- Não é que, eu não...
- Ah, - interrompeu novamente, sua voz entusiasmada. - Bom, então. -
Ouviu-o respirar. - O que estava pensando, galopando daquele jeito?
- Estava pensando sobre James Appleton, se quer saber - explodiu,
virando Sixpence longe dele e partindo novamente em um passo muito mais
lento.
- E quem é James Appleton? - Exigiu.
Ela manteve seu olhar entre as orelhas de Sixpence.
- Meu noivo.
Capítulo Quatro
Noivo.
Ranulf olhou para o perfil circunspecto de Charlotte. Não fazia sentido.
Nem o sentimento de raiva, doente em seu estômago, como se tivesse acabado
de perder o último barco e tivesse deixado um navio afundando, mas preferiu
considerar sua própria declaração em lugar do quão... surpreso sentia-se.
Porque surpresa foi o que sentiu. Nada mais fazia sentido.
- Onde está este formoso James Appleton, então? - Forçou-se a
perguntar.
Seus olhos cor de avelã se jogaram em sua direção, e, em seguida,
afastaram-se novamente.
- Perdão? - Perguntou fracamente, uma afronta inesperada em seu tom.
Não tinha ideia do que tinha levantado sua cólera, só o fato de que tinha
acabado de ter um noivo lançado nele. Não o afetou em nada, a não ser a sua
curiosidade, é claro. Ainda que por um momento pudesse considerá-la
atraente, mesmo que pudesse por um momento imaginá-la nua em seus braços,
permanecia como a única coisa que nunca poderia ser parte de sua vida nas
Highlands, uma inglesa.
- Ouviu-me - pressionou de qualquer maneira. - Quem é esse homem
encantador que não pode ser incomodado para acompanhá-la ao Almack’s ou
para um agradável passeio em uma clara manhã no Hyde Park? - Mexeu-se na
sela, queria agarrar seu braço para fazê-la olhá-lo, mas se conteve. Era apenas
curiosidade, afinal. - Sabe o que acho? - Continuou, quando ela não
respondeu.
- Estou certa que não tenho o menor interesse no que pensa, milorde.
De alguma forma tinha voltado a ser "milorde" novamente, um sinal
claro de que tinha tropeçado em algo que a incomodava. Um verdadeiro
cavalheiro provavelmente iria parar de atormentá-la com o assunto, mas todos
em Londres sabiam que não era um verdadeiro cavalheiro. Em vez disso,
direcionou Stirling para mais perto.
- Bem, vou dizer-lhe, de qualquer maneira, - falou, mantendo seu tom
baixo o suficiente para que a multidão ao redor deles não pudesse ouvir. -
Acho que não há o tal homem, James Appleton.
Desta vez, ela virou a cabeça para encará-lo totalmente. Suas bochechas
ficaram brancas.
- O quê?
- É isso, sim? - Continuou, abaixando o olhar para sua boca suave quase
a despeito de si mesmo. - Não consegue suportar um diabo como eu dando-lhe
um beijo, então, conjura um namorado imaginário para si em vez de dizer na
minha cara que não quer nada com um highlander. É uma inglesa falsa e
covarde, lady Charlotte, e lamento admitir que pensava melhor de você.
Por um longo momento, olhou-o, todo seu corpo tremendo. Se fosse
desmaiar teria que pegá-la, supôs, mas isso seria o fim de tudo. Não iria mais
tocá-la, não pensaria mais nela. Era o maldito chefe do clã MacLawry. E tinha
coisas melhores a fazer do que desperdiçar um momento sonhando com uma
moça que não queria nada com ele. Pelo amor de Cristo e de Saint Andrew, as
mulheres lutavam entre si por uma noite em sua cama. Essa situação era
ridícula.
As mãos de Charlotte apertaram as rédeas e por um segundo ou dois,
pensou que fosse lhe dar um tapa. Há. Se acontecesse, colocaria um prego em
seu caixão de abominar confronto físico, embora, tudo provavelmente tenha
sido uma mentira, bem como, algo destinado a mantê-lo à distância.
Ela estendeu a mão e com os dedos trêmulos desamarrou o pequeno
medalhão oval em seu pescoço. Segurou seu braço, o medalhão pendurado em
seus dedos.
- Tome - ela grunhiu.
Curvando Stirling mais perto, pegou de seus dedos.
- Eu não dei para você, moça.
- Eu sei. Abra-o. - Ficou brevemente de lado.
Controlando o cavalo, fez como ela pediu. O medalhão era velho e
absurdamente delicado, mas com um pouco de esforço conseguiu abri-lo sem
quebrá-lo. No interior da tampa, estava escrito 'para sempre em meu coração'.
No lado oposto, um pequeno retrato guardado, um jovem com cabelo claro e
bochechas rosadas, usando uma gravata alta, cobrindo o que parecia ser um
queixo macio e profundos olhos verdes que olhavam para o nada.
- Este, lorde Glengask, é James Appleton. - Tinha parado perto dele,
percebeu, sua voz calma e controlada. - A razão dele não se juntar a nós no
Almack’s e a razão dele não estar aqui montando conosco hoje é porque há
três anos tropeçou em uma pista de dança e caiu em um vaso de plantas. E
então decidiu desafiar o primeiro homem que risse dele, e havia vários, para
um duelo. Foi morto na manhã seguinte. Por causa de um chão encerado e um
vaso de plantas, e porque estava envergonhado. - Estendeu a mão para ele de
novo, a palma para cima. - Agora, devolva-o para mim, por favor.
- A… - Hesitou, mas entregou o medalhão de volta para ela. Desta vez,
havia tropeçado em seus próprios pés. Não é de admirar que detestasse
violência e a menosprezasse. - Moça, eu...
- Não. Beijou-me e eu pensei em James. Fez-me lembrar para não me
apaixonar por lutadores de cabeça quente e melindrosos novamente. Não menti
para você, senhor, e não sou uma covarde. Você, no entanto, é um selvagem e
um diabo. E terminei de falar com você. - Com isso, estalou seu cavalo e a
égua castanha trotou até onde sua irmã e Rowena riam sobre uma coisa ou
outra.
Um selvagem e um diabo. Bem, já foi chamado de coisa pior, que foi
provavelmente por isso que as palavras de Charlotte Hannover doeram tanto.
Merecia-as. Por mais idiota que seu noivo poderia ter sido, Ranulf tinha
saltado para uma maldita conclusão, uma errada, e ela reclamou. Quase
ninguém tinha reclamado antes. A moça possuía um oceano sangrento de
coragem para enfrentá-lo, e estava malditamente certa. O que havia dito sobre
como as palavras podiam machucar tão profundamente quanto uma espada,
sentia que era dolorosa e abruptamente verdadeira. Sem nenhuma dúvida
havia-o cortado profundamente.
Agora precisava pedir desculpas. Não era algo que fazia frequentemente
ou bem, mas por Deus, seria homem suficiente para reconhecer um engano
quando cometia um. Virou Stirling e Fergus deu um grunhido baixo à sua
esquerda.
Ao mesmo tempo, o cabelo atrás da nuca de Ranulf picou. Não foi um
grunhido para exibir-se. Uma mão deslizou em direção à pistola em seu bolso,
mudou um pouco a direção de seu olhar para ambos os cães e o que estavam
olhando fixamente agora, corpos baixos e caudas rígidas paralelas ao chão,
aguardando sua ordem para atacar.
Um trio de cavaleiros ficou ao lado do caminho, todos os três olhando-o
fixamente. Nenhum deles tinha armas destinadas a ele ou à Rowena. Bom.
Poderia não ter de matar qualquer um deles hoje.
Pelo canto do olho, observou Owen e Debny cortando um caminho
através dos visitantes irritados do parque, aproximando-se de onde Rowena e
as duas moças Hanover estavam agora apreciando um gelado de limão.
Conheciam o seu dever. Eles, acima de tudo, sabiam que Rowena precisava
ser protegida. Do mesmo modo, uma moça com cabelo dos raios de sol, que
tinha perdido seu amor para o orgulho, não seria posta em perigo por causa de
outro homem. A força desse pensamento particular surpreendeu-o, mas com a
mesma rapidez, colocou de lado para uma contemplação posterior.
Voltando sua atenção para o trio imóvel a poucos passos de distância do
outro lado do caminho, deliberadamente levou um momento para avaliar cada
um deles. O homem à direita possuía músculos excessivamente grandes, que
provavelmente não deixava muito espaço para pensar. Seria o executor, então.
Por outro lado, o homem situado à esquerda estava elegante como uma lontra,
vestido todo de preto e os olhos sombreados pelo chapéu de castor preto na
cabeça. O conselheiro, que tentaria uma facada na parte de trás, em vez de um
soco no rosto. Sem dúvida, o mais perigoso dos dois. O que deixava o nobre
no meio.
- Bom dia, lorde Glengask - o cavaleiro disse, inclinando a cabeça e
sorrindo muito amplamente. Os olhos azuis pálidos moveram dele para as três
moças e vice-versa.
Ranulf se perguntou se o homem percebia o quão precariamente sua vida
estava equilibrada e como rapidamente acabaria se mudasse uma polegada em
sua direção.
- Berling.
- Como é agradável vê-lo fora das Highlands - Donald Gerdens, o conde
de Berling, continuou friamente. - A última vez que nos falamos, acredito que
você disse algo encantador sobre o tema, que seria necessário o diabo e uma
dúzia de cavalos para tirá-lo da Escócia.
A fala precisa, o modo como Berling cuidadosamente suprimiu qualquer
vestígio de sotaque, em favor do mais polido e educado acento de Oxford,
pareceria lamentável na Escócia. Aqui, parecia quase criminoso. Mas Ranulf
estava bem ciente de que os moradores de Mayfair pensavam o contrário.
Aqui, ele era o bandido e Berling o cavalheiro inglês civilizado com um
assento nas Highlands.
- Lembro-me dessa conversa - disse em voz alta. - Você acabou com o
nariz quebrado e um aviso para ficar bem longe das minhas terras.
O musculoso homem curvou-se em suas rédeas e sentou-se, tão ansioso
para investir na batalha como os cães de caça estavam. Todos só esperando
por uma palavra de seus respectivos donos. Berling, entretanto, manteve o
sorriso em seu rosto, como se uma moça tivesse lhe dito que pareceria menos
burro quando sorria. Tinha estado errada, fosse ela quem fosse.
- Sim - o conde retornou. - Lá estava eu, visitando minha pequena
propriedade ao norte de Glengask, e oferecendo...
- Sholbray – o marquês interrompeu os esclarecimentos, desde que
estava evidentemente recitando sua história para todos os espectadores. - Sua
pequena propriedade é chamada Sholbray. Há cem anos foi à sede da família
Gerdens até que queimou seus arrendamentos e entregou-os para mais de mil
ovelhas.
- A sede da minha família é Berling Court em Sussex - disse Berling
rigidamente, seu sorriso tão frio como um vento norte gelado. - E quando lhe
ofereci uma quantia razoável pelos direitos de pastoreio no seu local de
pastagem mal utilizado, arrancou-me do meu cavalo e quebrou meu nariz.
- Estava tentando acertar sua mandíbula a fim de parar sua conversação.
Vejo que ainda tem o problema de falar quando não devia. - Inclinou a cabeça.
- Devo dar-lhe outro, então?
- Discussão corajosa para um homem com três empregados e dois cães
do clã. - Olhos pálidos lançaram-se de novo na direção de Rowena, mas
evidentemente o conde sabia o que aconteceria quando a observou.
- Suponho que podemos encontrar uma saída.
Berling ruidosamente riu.
- Sim, suponho que acharíamos uma 'saída', Glengask. Mas não hoje.
Não tem algumas vacas ou troncos que precisam ser lançados? - Com estas
palavras, virou seu cavalo preto e os três homens desapareceram no meio da
multidão da mesma maneira que tinham vindo.
- Cães, andando. - Só então Ranulf notou quão grande o círculo de
espectadores tinha se tornado. - Podem ir - rosnou e guiou Stirling de volta
para onde as três pálidas moças esperavam. De um lado Debny enfrentava um
mar de ingleses desocupados, enquanto no outro Owen tinha uma mão dentro
de seu casaco, provavelmente descansando na coronha de sua pistola.
- Ranulf? - Rowena disse firmemente.
- Tudo está bem - retornou, forçando a raiva que tinha sido empurrada
para escapar de volta em seu peito. - Terminem seus gelados e vamos...
- Vamos voltar para casa agora - Charlotte interrompeu. - E você vai... a
outro lugar, milorde. Sua irmã não necessita desse desentendimento ligado à
sua reputação.
- Esse desentendimento? - Repetiu, girando seu cavalo em sua direção.
- Estava a um passo de brigar com lorde Berling, milorde - afirmou. -
Não finja o contrário.
- Não estou fingindo nada. Meramente questionava porque você o
chamou de desentendimento. Não foi tão pequenino assim.
- E não tente seus coloquialismos curiosos em mim. Não os acho
divertidos.
Ranulf estreitou um olho.
- E pensar que estava procurando uma maneira de me desculpar por
insultar seu senhor Appleton.
- Pare com isso. Estou furiosa com você. Não ameaçamos uns aos outros
nas ruas aqui. E certamente não por rivalidades de clã ou alguma coisa
semelhante.
Por um momento pensou que poderia sofrer uma apoplexia, bem ali no
meio do Hyde Park.
- Alguma coisa semelhante - ele repetiu. Não tinha lhe dito que o clã era
tudo para um highlander? - Foi um aviso que dei a Berling, não uma ameaça.
- Semântica - retrucou.
- Sim, talvez - Ranulf concedeu, admitindo para si mesmo que, como...
como estava frustrado com essa mulher no momento e ainda permitia que o
levasse a conduzir incumbências de uma forma que nunca tinha permitido a
ninguém antes. Jamais. - Há três anos ele ou um de seus homens colocou uma
bala de mosquete no ombro do meu irmão Munro. E, então, no ano passado
tentou comprar minha terra para suas malditas ovelhas. Vou ameaçá-lo cada
vez que colocar os olhos nele. E se alguma vez der mais um passo na minha
direção ou em um dos meus está morto.
Olhou de soslaio para ele, então rapidamente para longe, como se não se
importasse de reconhecer que ele estava lá. E ainda queria beijá-lo
novamente, dane-se tudo.
- Mande prendê-lo, então - disse ela.
- Não tenho nenhuma prova que seus tribunais ingleses escutariam. E,
como o covarde provavelmente não vai pôr os pés de volta nas Highlands, não
há nada que eu possa fazer. Legalmente. – Se Charlotte queria ouvi-lo dizer
que os tribunais ingleses favoreciam homens que tinham títulos ingleses e
viviam em propriedades inglesas, fariam-o, mas provavelmente ela já sabia.
Não que tivesse que concordar com ele ou algo assim, não seria próprio de
uma dama.
- Talvez devesse parar de tentar tão intensamente não se encaixar, então,
Ranulf.
No momento em que falou, Charlotte desejou que não tivesse. Sim,
perturbava suas orelhas e seus pensamentos sem fim, mas já sabia que
enfurecê-lo não era uma coisa sábia a fazer. Os lábios sensuais de Glengask se
achataram, seus profundos olhos azuis relampejaram. Então ele assobiou, um
som estridente, curto que a fez saltar e trouxe os cães e o par de criados
instantaneamente para seu lado.
- Una, guarde Rowena - disse, seu tom cortante e preciso. - Rapazes,
levem-nas em segurança para casa, depois voltem para Tall House.
- E você, milorde? - O criado mais velho e grisalho perguntou.
- Tenho Fergus comigo.
Sua irmã estendeu uma mão em sua direção.
- Ranulf, o sarau Evanstone é hoje à noite. Você...
- Estarei lá - interrompeu, poupando Charlotte de um olhar que tanto a
gelou como começou uma faísca no fundo do seu peito.
Depois, o marquês acompanhado do magnífico cavalo e o avantajado
cão de caça cinza afastaram-se por entre a multidão percorrendo num ritmo
demasiado rápido para ser civilizado. Mas Ranulf MacLawry não era nada
civilizado.
Por um momento, temia que também tivesse ofendido Winnie, mas a irmã
do marquês a chamou de lado, enquanto Janie veio do outro.
- Conhece lorde Berling? - Charlotte perguntou à sua hóspede.
- Não. Não, quero dizer, eu o vi de longe algumas vezes, mas ninguém
nunca nos apresentou. Não gostaria de ser apresentada a alguém como ele.
Longe da presença de seu irmão, Winnie estava tentado 'melhorar' seu
discurso, como chamava. Charlotte gostava do sotaque, especialmente quando
falado por um homem de voz profunda, montanhosa, mas compreendia o
raciocínio de Rowena. Se falasse como um highlander ninguém jamais iria vê-
la como uma inglesa adequada e parecia que mais que qualquer outra coisa o
que queria para sua curta temporada era não ser escocesa.
- É verdade que Berling atirou em seu irmão Munro? - Jane perguntou,
sua cor ainda pálida. Demonstrações públicas de agressão masculina não eram
algo que qualquer uma das irmãs Hanover tinha muita experiência, graças a
Deus.
Winnie assentiu.
- Alguém começou a incendiar as escolas que Ran tinha construído. Bear
passou para visitar uma e montou quando viu que estava queimando. Voltou
com o ombro coberto em sangue e disse que tentou entrar e certificar-se que
todo mundo estava seguro, e, então, algum maldito covarde atirou nele pelas
costas.
- Winnie - Jane ofegou, colocando a mão sobre sua própria boca. - As
senhoras não dizem essa palavra.
- Qual palavra? Maldito?
- Winn, sim, essa palavra.
- Oh. É a palavra favorita de Bear, no entanto, é a história que ele conta.
- Se foi baleado pelas costas, como sabe que foi lorde Berling? -
Charlotte pressionou, mais interessada nos fatos do que na linguagem usada
para apresentá-lo.
- Porque Berling é aliado dos Campbells e dos Donnellys e tio Myles
deu aos Donnellys o mapa e disse-lhes sobre as escolas.
Bem, isso explicava a tensão entre Ranulf e seu tio, ainda que a lógica
de tudo fosse péssima. Charlotte perguntou-se brevemente se o marquês tinha
quebrado o nariz de lorde Swansley, também.
- Torna possível, mas não prova nada.
Rowena enviou-lhe um olhar confuso.
- Foi o que tio Myles disse. E Ranulf disse que um highlander sabe em
suas entranhas quando um homem viola sua confiança e que só alguém que
virou as costas para seu próprio povo como Berling fez, iria temer uma escola.
Poderia não ter passado por acontecimentos na Escócia, mas Charlotte
entendia por que Ranulf não se preocupou em levar suas queixas perante um
tribunal de direito. Suposição, superstição e ódio, eram o que tinha sido. Não
era de admirar que os escoceses não estavam autorizados a governar a si
mesmos.
Foi só depois que voltou para casa e se instalou na biblioteca com o
mais recente arquivo da Loja Ackermann que o resto da conversa penetrou em
sua mente. Ranulf tinha construído escolas, várias delas, aparentemente, em
sua terra. Para seus aldeões.
Enquanto certamente houvesse uma linha de pensamento que educar
camponeses só serviria para esclarecê-los sobre quão miserável eram suas
próprias condições e para incentivá-los a se levantar contra seus chamados
'superiores', não concordava. Dar a alguém uma oportunidade para melhorar
de vida, tinha que ser uma boa coisa. E parte dela admirou-o, um homem que
oferecia para aqueles que dependiam dele, especialmente quando significava
ir contra os desejos de seus próprios iguais. Era preciso coragem e convicção,
ambos que Ranulf MacLawry parecia possuir em grande quantidade.
Era bastante contraditório realmente. Ele parecia ser exatamente o
oposto de culto e parecia desfrutar perversamente de ser visto como um
demônio highlander e nada mais. Seu desprezo para com os ingleses, ou
sasannach, como chamava o tipo, não poderia ser mais óbvio. Mesmo assim a
tinha beijado, e não havia sentido qualquer coisa, exceto arrogância. Devasso
e selvagem, talvez, mas não tinha reclamações sobre isso. Absolutamente.
Balançando-se, Charlotte deixou de lado a Ackermann's e levantou-se.
Seu pai era um grande leitor e tinha uma extensa coleção de biografias, peças
de teatro e romances. Percorreu as prateleiras da biblioteca até encontrar a
coleção de títulos que mais a interessava. Lentamente, puxou o primeiro da
prateleira. Waverley, escrito por um autor anônimo que todos agora sabiam ser
Walter Scott, o poeta escocês.
Tinha lido o relato do jovem Edward Waverley e como foi seduzido
pela highlander Flora MacIvor com suas inclinações jacobitas, mas a leitura
tinha sido sobre o romance totalmente e como esperava Edward voltou para a
suave, estável, não escocesa Rose Bradwardine; que ele deixara. Desta vez,
quando se sentou e abriu o livro, queria ler sobre as Highlands. E os
highlanders.
Depois de uma hora ou mais tentando afundar na história, no entanto,
Charlotte teve que colocar o livro de lado, ficar de pé e caminhar sobre a
grande sala. Por que Ranulf ficou tão zangado e desconfiado quando mencionei
James? Tudo que tinha dito foi que, quando Ran a beijou, a fez pensar sobre...
Oh. Oh.
Mas não quis dizer daquela forma, absolutamente. Só quis dizer que
ninguém a tinha beijado desde que James tinha feito, na noite anterior, antes de
sair para levar um tiro no coração. E então, naturalmente, quando Ran tinha lhe
dado aquele beijo espetacular voltou a pensar tanto no beijo quanto no resto
do absurdo e a dor de cabeça que seu noivo tinha causado. Certamente não
estava pensando em James no momento que Ranulf a beijou porque sua mente
tinha parado de funcionar completamente.
Bem, se tinha interpretado mal o que tinha dito, o que importava, afinal?
Ela tinha explicado, talvez inadvertidamente, mas ele tinha que ter percebido o
que ela quis dizer. E parecia mais interessado em procurar uma desculpa para
bater em lorde Berling do que em defender os seus modos violentos, enfim.
Que estranho, nem sabia que Donald Gardens era escocês. Tinha
dançado com o conde em várias ocasiões. Tinham conversado sobre o tempo e
as últimas performances realizadas no Drury Lane Theater, e mesmo agora se
lembrava que a tinha enfadado várias vezes, embora não tivesse percebido até
agora. Ranulf disse-lhe que não entendia o que era ser escocês e
evidentemente estava correto. Nada desse ódio e conflito e intensidade
dissimulada faziam qualquer sentido para ela.
Nem fazia qualquer sentido que um homem tão diferente dela em
perspectiva e temperamento podia ser tão... intrigante. Agora Charlotte
lentamente estendeu a mão e passou um dedo em seus lábios. O gosto dele
tinha desvanecido com o gelado, o almoço e conversas, mas se lembrava.
Aquele beijo positivamente tinha enrolado seus dedos e enfraquecido seus
joelhos, enviou uma forte excitação... atravessando todo o seu ser.
Não que importasse, também, uma vez que suas palavras de despedida
para ele tinham sido uma sugestão para que parasse tão arduamente de ser
escocês ou alguma coisa semelhante. Provavelmente poderia ter conjurado um
insulto pior, mas levaria algum tempo e esforço. 'Frivolidades', ela murmurou.
- Charlotte?
Ao som da voz de seu pai, parou de andar e saiu da biblioteca.
- Aqui acima aqui, papai - gritou, inclinando-se sobre o corrimão e
agradecida pela distração, qualquer que fosse.
Seu pai olhou para cima do hall de entrada.
- Encontre-me no meu escritório, você pode, querida?
- Certamente.
Ela chegou antes dele e perambulou até a janela com vista para a
carruagem. O céu ficou cinza com a tarde. Teriam muita sorte se não
começasse a chover antes que chegassem ao baile Evanstone. Não havia nada
pior do que tentar caminhar através da lama e excrementos de cavalo em
sapatos de dança.
- Onde estão as meninas? - Perguntou lorde Hest, entrando no pequeno
escritório e fechando a porta atrás de si. Seu nariz e orelhas estavam
vermelhos de estarem fora, ao vento; mesmo que não tivesse visto a linha de
peixe em sua mão mais cedo, saberia o que tinha andado a fazer.
- Experimentando vestidos para esta noite. A excitação está nitidamente
me deixando aflita
Seu pai riu.
- Ah, você já foi insuportável, também. Lembro muito bem.
- Talvez, mas lá existem duas delas.
- É verdade. - Calmo, fez um gesto para que pegasse um par de cadeiras
voltadas para sua escrivaninha. - Ouvi sobre uma contenda hoje no Hyde Park.
Oh, céus.
- Não foi uma contenda, precisamente. Lorde Glengask e lorde Berling
se avistaram por um momento e trocaram palavras. Não deu em nada.
- Em todo caso, ocorreu - voltou, parecendo aliviado. - Da maneira que
Kenney falou - explicou - pensei que tinham usado as espadas.
- Não. No entanto, recomendo que nós nunca convidemos os dois para o
mesmo jantar.
Seu pai olhou-a por um momento.
- Sobre o que foi? Você sabe?
- Bem, evidentemente lorde Glengask recusou-se a pastorear ovelhas em
suas terras e em vez disso estava construindo escolas. Lorde Berling não
gostou. De acordo com o boato, Berling ou um de seus homens atirou em um
dos irmãos de Winnie no ombro, em seguida, a última vez que eles se
encontraram foi na Escócia, Glengask quebrou o nariz de Berling. - Ela franziu
a testa. Foi tudo tão estúpido e tão sem sentido. Por que os homens não podem
simplesmente sentar e discutir as coisas?
- Então Glengask não gosta de ingleses ou de seus companheiros
escoceses, hein?
Charlotte suspirou.
- Aparentemente não. Disse-lhe que precisava fazer uma melhor
tentativa para se comportar, mas não reagiu bem.
Os lábios do conde se contorceram.
- Você disse o quê?
- Sim, foi estúpido, mas depois de duas horas de críticas e maldições à
Inglaterra e aos ingleses, estava farta. - E isso foi o máximo da história que
iria dizer-lhe. Porque ninguém nunca poderia saber que Ranulf a tinha beijado.
Ou que ela o beijou de volta.
- Sim, já estou suportando gozação de alguns dos companheiros na
sociedade do clube por ter um highlander à espreita. Tenho que admitir, ficarei
aliviado quando esta quinzena acabar.
Charlotte franziu a testa. Ranulf não tinha dito precisamente que iria
permitir Winnie há permanecer mais tempo, apesar de ter insinuado isso.
Claro que tinha sido antes deles terem discutido.
- Não planeje um jantar de despedida ainda, papai - disse de qualquer
maneira. Lorde Hest deveria saber o que estava acontecendo em sua própria
casa.
- O quê? - Sua carranca provavelmente correspondia à dela. - O que
aconteceu?
Deu de ombros.
- Ele adora a irmã e ela quer ficar.
- Bem. - Lentamente o conde soltou a respiração. - Suponho que vamos
nos arranjar e nos preparar. Tenho de admitir, sua mãe não podia estar mais
satisfeita tendo duas jovens para introduzir na sociedade, é a sua ideia de
paraíso. Só desejava que ambas fossem inglesas.
Era precisamente o tipo de coisa que Ranulf provavelmente pensava das
pessoas atrás de suas costas em toda oportunidade, por isso absteve-se de
concordar, em vez disso, ofereceu a seu pai outro sorriso.
- Não se esqueça de guardar uma dança para mim hoje à noite, papai -
disse, de pé e dando uma voltinha.
- Oh, bom Deus. O Evanstone é hoje, não é? Glengask vai comparecer?
- Disse que ia. Por quê?
- Só que o avô de Evanstone ajudou derrubar a insurreição jacobita em
Culloden.
- Oh. Devo agir cuidadosamente. Vou informar a lorde Glengask na
primeira oportunidade para não mencionar Bonnie, príncipe Charlie. - Fez
uma careta novamente, meio brincando. - Ou talvez simplesmente não
mencione isto.
- Isso pode ser melhor.
Capítulo Cinco
O alfaiate não gostava muito dele, Ranulf decidiu, mas, em seguida,
dada a forma como o homem continuava tentando adicionar preenchimento
para seus ombros, o sentimento foi mútuo.
- Mas é o auge da moda, lorde Glengask - o sujeito magro suplicou,
torcendo as mãos.
- Não me importo - Ranulf retornou. Já ficava uma boa cabeça acima da
maioria dos outros homens, se colocasse ombreiras, pareceria absurdo.
- Sim, claramente, dado que... - Sr. Smythe, rebateu, apontando para o
casaco semiacabado que Ranulf tinha encomendado.
- Só ajuste isto, Smythe. Sem enchimento. Vou enviar meu homem por
volta das seis horas.
- Sim, muito bem. Só, por favor, não conte a ninguém que você veio até
mim.
- Ah, eu não vou. Não precisa se preocupar.
Ele e Fergus deixaram a loja do alfaiate, e com um olhar rápido acima e
abaixo da rua, Ranulf virou-se em Stirling e se dirigiu a trote para Tall House.
Charlotte disse-lhe que deveria tentar se encaixar. A moça parecia ter mais,
bom senso do que a maioria, e se tivesse tomado um momento, teria percebido
que nunca se encaixaria. Não em Mayfair. E assim poderia muito bem ser o
que era.
Uma vez que Charlotte entrou novamente em seus pensamentos, recusou-
se a sair. Parecia realmente tê-la lá em pessoa, na verdade, teimosa e adorável
e comandando a sua atenção para tudo o que preferisse. Se tivesse dito no
início que tinha tido um noivo, teria se esforçado para nunca mais pensar nela
como... bem, como uma mulher, como uma moça bonita para ser desnudada e
beijada completamente à vontade na cama. E muitas vezes. Mas pensando
dessa maneira, foi por isso que sentiu como se alguém tivesse cortado suas
bolas quando de repente ela tinha um noivo. E agora não tem novamente.
O que significava que provavelmente nunca teria outra noite de sono
decente. Porque seu pequenino e teimoso cérebro entendia que, tomada por
outro homem ou não, Charlotte Hanover não era para ele. Sabia que quatro
dias de convivência não deveria tê-lo deixado se sentir assim.
Alguns lordes escoceses permaneciam espalhados pelas Highlands, e
desses, um bom número tinha filhas solteiras. Se casaria com uma delas,
porque era o que o marquês de Glengask devia fazer. Uma moça das Highlands
para uma vida de Highland.
Na verdade, quando ele e Rowena retornassem a Glengask, faria do
casamento sua próxima tarefa. Respirando, Ranulf subiu as escadas até seu
quarto alugado. Sua mente se excitava por um único beijo. Graças a Saint
Andrew, quando as moças mais jovens os tinham interrompido. Especialmente
agora, que tinha tolamente concordado em deixar Rowena estender sua
estadia.
Fez isto por amor à sua irmã, claro, porque ela parecia muito feliz. Mas
se tivesse pensado em si mesmo, de como poderia conseguir mais tempo para
familiarizar-se com Charlotte Hanover, por exemplo, bem, que tolo teria sido.
Ranulf empurrou a porta do quarto de dormir tão forte, que sacudiu as
janelas. Em resposta, uma figura em sua penteadeira guinchou e se virou como
um rato assustado. Então, agora Gerdens estava enviando vermes atrás dele.
Cristo. O que serviu direto para distrair-lhe.
- Quem diabos é você? - Cuspiu Ranulf, puxando a faca de sua bota e
caminhando para frente. Com um rugido feroz Fergus agachou, circulando do
outro lado.
- Ginger! Ginger, milorde - o pequenino homem murmurou, pegando uma
escova de cabelo e segurando-a diante de si como um escudo quando recuou
para o canto.
- Que maldito tipo de nome é esse para um homem?
- O quê? Oh! Edward, meu senhor. Edward Ginger. Sou seu criado! Não
me mate, pelo amor de Deus!
Alguém estourou no corredor atrás dele. Movendo-se rapidamente,
Ranulf colocou o guarda-roupa entre si e a porta, enquanto Fergus manteve o
camarada Ginger no vão. A ponta de um bacamarte acelerou para o quarto,
seguido de um Peter Gilling sem fôlego.
- Milorde, onde está?
- Aqui, Peter. Não atire em mim.
O criado imediatamente abaixou a arma e removeu a pederneira.
- Deus me separe em dois e me jogue na cova antes que eu faça uma
coisa dessas, milorde.
Essa foi uma imagem colorida. Ranulf jogou seu punhal para o canto.
- Você o deixou entrar aqui?
- Sim, milorde. Teria lhe dito, mas estava no banheiro quando entrou.
Dadas às calças e a camisa do criado estarem esvoaçando, estava
dizendo a verdade ou já estava com uma das novas empregadas que Ranulf
também tinha aprovado para contratar.
- Certo, então. Fergus, fora. Vá colocar suas roupas, Peter. Ambas. E
leve Ginger com você. Parece que ele precisa de um pouco de uísque.
- Milorde - o criado falou, sua voz ainda trêmula, - prefiro ser
chamado...
Ranulf o olhou. O dedo indicador do criado levantou e enrolou
lentamente de volta em sua palma da mão novamente.
- O que foi, Ginger?
- Nada, milorde.
- Bom. E da próxima vez que você surpreender uma pessoa nesta casa,
não se mova, exceto para mostrar suas mãos vazias ou pode acabar espetado.
- Sim, milorde. Vou me lembrar, estou certo.
- Vejo que vai fazer.
Uma vez que Ranulf mudou seu casaco de equitação e botas, retornou ao
seu escritório no andar de baixo. Agora tinha criados ingleses se
movimentando por Tall House, mas havia pouco que pudesse fazer sobre isso.
A avaliação de Myles da sua situação estava correta e contratar pessoas que
não sabiam nada dos problemas nas Highlands fazia sentido.
Afundou na frágil cadeira por trás da mesa de mogno muito ornamentada
e tirou papel e caneta para escrever uma carta para Arran. Seus irmãos
precisavam saber que a quinzena tinha se tornado uma excursão aberta e
precisava de mais algumas de suas coisas enviadas até Londres.
Por um momento, considerou perguntar para um ou ambos se poderiam
juntar-se a ele aqui, mas com Donald Gerdens fazendo sua presença
conhecida, provavelmente estavam mais seguros onde estavam. Especialmente
Bear, se ele e quaisquer Gerdens acabassem no mesmo aposento, apenas um
deles iria ficar em pé. E não queria colocar Munro em uma prisão inglesa. Por
nada.
Sim, estava acostumado a uma casa barulhenta, cheia de família e
amigos, mas se estivesse em sua casa. Isto, o que quer que fosse não era em
casa. Nunca seria. Sentou-se por um momento. O que mais precisava aqui era
alguém que conhecesse a região, alguém que soubesse se outros 'reformados'
escoceses estavam em Londres e em que número.
Seus pensamentos fizeram com que se voltassem para seu tio. Sim,
Myles Wilkie teria sido perfeito, exceto que Ranulf permanecia inseguro se
poderia confiar no julgamento do visconde. O fato de que Myles tinha tentado
ajudar e causado um desastre, quase o fez piorar.
Por outro lado, quando um homem tinha recursos limitados, não havia
nenhuma opção perfeita. Poderia sempre pedir a Charlotte. Deveria, exceto
pelo fato de que, em primeiro lugar, queria que ele fosse menos escocês; em
segundo lugar, não tinha certeza do que eles estavam falando; e em terceiro
lugar, isso significaria uma conversa tranquila, prolongada, onde
provavelmente poderia fazer algo idiota como beijá-la novamente.
Talvez Myles fosse à escolha mais sábia, afinal.
- Milorde?
Olhou para cima a partir da carta semiacabada para ver Owen em pé na
porta.
- Todo mundo está seguro em Hanover House?
- Sim. E acho que lady Winnie está satisfeita por ter Una lá com ela. Um
toque de casa, acredito.
Ranulf assentiu.
- Sinto-me muito melhor com Una lá também. Mais alguma coisa?
- Bem, não estou inteiramente certo. Peter disse que lacaios vieram por
toda a manhã, dizendo: 'com a sua licença' ou 'com respeito,' e entregando
estes. - O ex-soldado levantou uma bandeja grande com cartões, notas e uma
caixa embrulhada com fita.
Hum.
- Vamos vê-los.
Ranulf tinha frequentado Oxford, porque era a lei que o filho
primogênito de todo lorde escocês recebesse uma educação inglesa. Então
insistiu que seus irmãos fossem também, porque queria que soubessem do que
e de quem eram opositores. E assim, soube o que estava assentado sobre sua
bandeja: a mais perigosa e insidiosa de todas as coisas inglesas: convites.
Despachando Owen, passou por todos eles. Alguns eram de homens e
mulheres para quem foi apresentado no Almack's por Charlotte. A maioria era
de pessoas que nunca tinha ouvido falar, convidando-o para o café da manhã,
almoço, e saraus. Evidentemente, os ingleses estavam excitados em ter um
diabo no meio deles. Talvez pensassem que ia dançar e tocar gaita para eles.
Estava tentado a lançar todos no lixo, mas resistiu ao impulso. Os
Hanovers, e, assim, sua irmã, poderiam muito bem estarem frequentando
alguns desses eventos, por isso, um convite para ele viria a calhar, como o que
tinha recebido ontem para o sarau Evanstone. Ainda assim, parecia olhar para
peças de um quebra-cabeça em relevo prateado, não sabendo qual desenho
formaria.
Guardou a caixa para o final. Nenhuma nota ou cartão acompanhava, e
sacudiu um pouco antes de desatar a fita. Parecia pesada para uma coisa tão
pequena e a cautela o fez deixá-la plana e empurrou para trás em sua cadeira
antes de afastar a tampa com um dedo. Nada se movia dentro, nenhum cheiro
surgiu. Lentamente levantou para olhar debaixo. Uma pequena bola de lã tinha
sido colocada dentro, não deixando nenhum espaço aberto. A lã para ele
significava ovelhas Cheviot, o que significava algum tipo de mensagem de
outro lorde com assento nas Highlands, que não gostava de seus chamados
planos anárquicos para manter seu povo fechado e ver que eram educados e
alimentados e empregados.
Lã, porém, não era tão pesada. Franzindo a testa, pegou a caixa e
derrubou-a. A lã caiu com um baque surdo. Respirando devagar, puxou a coisa
à parte com os dedos. Um momento depois, uma sólida bala de mosquete caiu
sobre a superfície polida da mesa. Assim, isso era uma ameaça melhor do que
um punhado de lã suja.
- Ora - murmurou, não surpreso ao ver que alguém escreveu a palavra
'MacLawry' sobre a superfície da bala. Pegou-a, deixando rolar sobre sua
palma. Depois do Almack's, todos sabiam que estava em Londres. Mas nem
todos gostariam que soubesse que estava em perigo.
- Peter! - Chamou, sentando-se novamente.
O criado reapareceu na porta.
- Sim, milorde? - Seu olhar caiu para a mesa de trabalho e deu um passo
adiante. - Isso estava naquela pequena caixa?
- Sim. Uma bala com meu nome. Poético, você não acha?
Peter pegou-a, apertando-a em um punho como se quisesse transformá-lo
em pó.
- O homem que trouxe a caixa não estava de uniforme - disse depois de
um momento, seu rosto enrugado e sombrio. - Rapaz alto, cabelo claro, mas
duvido que possa reconhecê-lo novamente. Danação!
Balançando a cabeça, Ranulf estendeu a mão para a bala.
- Não se preocupe. Sabíamos que teríamos dificuldades aqui. O tipo
quis se tornar conhecido, realmente. – Levantou-se. - Irá alguém até a
alfaiataria do senhor Smythe na próxima hora ou então, você vai? Ele está
arrumando um casaco para mim.
- Sim. E aonde vai, então?
- Um passeio. Acho melhor conhecermos as ruas ao redor daqui.
O criado fez uma careta.
- Não pode pensar em sair agora, milorde!
- Por que não? Só porque alguém me quer morto? Desde quando alguém
não me quis sob o solo? Acho mais útil no momento saber quem está em
Londres para a temporada e vivendo perto da minha porta.
- Bem, Owen e eu vamos com o senhor.
- Não, não vai. Fergus vai. Você vai vigiar a porta. Owen!
O outro criado chegou rápido o suficiente e deve ter ouvido da porta.
- Milorde?
- Owen, vá mostrar a Ginger como preparar um homem em um kilt.
- Ginger? Quem é Ginger?
***

Charlotte pegou o espelho de mão e virou-se para ver a trança


ornamentada na parte de trás de seu cabelo no grande espelho de vestir.
- Está adorável, Simms. Nunca teria pensado em trançar um colar de
pérolas no meu cabelo.
A criada suspirou.
- A criada de lady Newsome me ensinou como fazer. Mas pensei em
usar os brincos correspondentes.
Brilhantes pérolas espreitavam através de seus cachos loiros que
correspondiam àquelas que oscilavam em suas orelhas; adicionadas à seda
verde escura, do laço e dos botões de pérola de suas compridas luvas, o efeito
realmente era bastante dramático. Mais do que geralmente se cuidava, mas
esta noite seria especial. O primeiro grande baile para Jane e Rowena.
Era uma sorte que se apresentava serena por fora, porque por dentro
estava completamente diferente. E sabia precisamente quem culpar. Glengask
havia se comportado erroneamente esta tarde, mas ainda deixou a questão de
como iria comportar-se hoje à noite. Dançaria? A convidaria para dançar? Se
fizesse, o que diria? Afinal, estava brava com ele. Mais que provável,
estivesse tão zangado com ela também.
Oh, ele era como um grande urso rosnando percorrendo Londres e
perturbando o equilíbrio das pessoas. Todo mundo se conhecia em Mayfair.
Era simplesmente um fato. Ter lorde Glengask caminhando a passos largos
com seus indisciplinados cabelos pretos e olhos azuis ferozes, portanto, virava
tudo de cabeça para baixo. Todos os outros homens que passeavam com ela no
parque, por exemplo, sabiam que tinha perdido James há três anos. Sabiam
que dançava e conversava, mas que não flertava, que não estava olhando à
procura de outro no futuro próximo e que não beijava. Ranulf MacLawry não
sabia de nenhuma dessas coisas, e não estava certa se faria diferença se ele
soubesse.
A porta do seu quarto abriu e Jane valsou no quarto com Winnie, o cão
de caça veio atrás delas.
- Oh, Char, está linda! - Sua irmã exclamou, separando-se da amiga com
um floreado. - Um cavalheiro finalmente chamou sua atenção de novo?
Charlotte sentiu seu rosto ruborizado.
- Por que você está me dizendo isso? Pareço geralmente tão
maltrapilha?
- Não! Claro que não. É só... Bem, está excepcionalmente bonita.
- Vou aceitar o elogio. Obrigada. - Com um sorriso, Charlotte acolheu as
duas moças excitadas. - Azul é definitivamente a sua cor, Winnie - disse
depois de um momento. - Ilumina seus olhos. E estou com ciúme de todo esse
cabelo que tem.
Winnie fez uma reverência elaborada.
- Obrigada, Charlotte. Mitchell quase teve que me amarrar à cadeira,
estava tão nervosa enquanto arrumava meu cabelo. - A irmã do marquês deu à
massa preta lustrosa um cuidadoso tapinha. - Temos praticado estilos de
Londres há semanas, mas desta vez não é só por diversão.
Janie saltou na ponta dos pés.
- Diga algo lisonjeiro sobre o meu vestido também, Charlotte - pediu,
rindo.
- Você é uma vista em violeta, Janie - Charlotte atenciosamente
declarou. O entusiasmo das meninas deve tê-la pego, também, porque caso
contrário não conseguiria explicar o formigamento nos dedos até a espinha. -
Não ficaria surpresa se algum cavalheiro pedisse sua mão em casamento esta
noite.
- Podem pedir - Janie retornou com uma risada - não vou casar com
ninguém ainda. Há muitos partidos ainda para aparecer nesta temporada.
Com um suspiro alto, Winnie abaixou-se no assoalho para coçar Una. O
retrato do desânimo da jovem quase fez Charlotte sorrir, mas absteve-se de
fazê-lo.
- O que está errado, Winnie?
- É apenas a conversa de casar-se - Rowena disse, suspirando
novamente.
- Você mencionou algo sobre um namorado em Glengask. Sente falta
dele?
- Sim. Lachlan MacTier. Sinto falta dele terrivelmente. Mas estou aqui
por quase cinco dias e saí de casa há quase o dobro e ele ainda não me enviou
uma única carta.
- Escreveu para ele? Talvez não saiba seu endereço aqui.
- Escrevi-lhe todos os dias.
Charlotte escondeu seu sorriso atrás de sua mão. Alguma vez tinha sido
tão jovem?
- Talvez seja a dificuldade, então, - disse em voz alta, abaixando-se para
o tapete e juntando-se para coçar o resistente cão de caça.
- O que quer dizer?
- Só que um homem não pode perdê-la se está sempre próxima.
- Mas não estou. Estou a centenas e centenas de milhas de distância.
- Não com suas cartas que estão lá para saudá-lo todos os dias. E se não
está escrevendo, então é porque você respondeu todas as perguntas dele.
Olhos cinzentos muito menos ferozes do que os azuis de seu irmão
olharam-na por um longo momento.
- Você é absolutamente brilhante! - Winnie exaltou, abraçando-a. - Não
vou escrever outra carta. - Franziu a testa. - A menos que... Devo escrever
para dizer que não vou escrever? Não quero que pense que estou brava com
ele, entretanto estou um pouco.
- Não. - Janie entrou na conversa. - Deixe-o pensar. Talvez pense que
achou um namorado aqui em Londres. E você pode, porque está muito bonita
esta noite.
Com ajuda de Simms, Charlotte ficou de pé.
- Vocês duas só vão encontrar os atraentes se realmente participarem da
festa. - Dando um último olhar para seu cabelo e certificando-se que ficaria no
lugar, persuadiu-as porta afora. Com alguma dificuldade, fecharam Una no
quarto de Winnie e se apressaram a descer as escadas.
Seus pais já estavam esperando no hall de entrada e tomaram um
momento para admirar cada uma delas, por sua vez. Evidentemente, ela não se
vestia de forma tão extravagante, porque ambos comentaram sobre seu traje e
seu cabelo, também. O quão estranho que eles e Jane pensassem que um
homem devia ter chamado sua atenção. Nos últimos dois anos, nenhum deles
jamais havia mencionado tal coisa quando se vestia para uma festa.
Longfellow ajudou-a com a manta de viagem, e, em seguida, pegou a de
Winnie ajudando-a.
- Posso fazer uma pergunta? - Murmurou, sob o som do falatório em
torno dela.
- Claro.
Charlotte respirou. Apenas curiosidade. Nada mais.
- Não conheço as Highlands ou as tradições de clã, mas seu irmão está
com trinta e um, sim? Há alguma razão pela qual ainda não se casou?
- Acho que ele tem estado muito ocupado - Rowena respondeu, sua
expressão tornando-se mais pensativa. - Acho que antes se preocupava que
iria me sentir deixada de lado se trouxesse outra moça para dentro de casa.
Mas tenho dezoito anos agora, acho que provavelmente a situação vai mudar. -
Fez uma careta brevemente. - Só espero que não decida se casar com Bridget
Landry. Sua família vive perto e ela é bonita e tudo, mas quando ela ri, parece
que os corvos estão morrendo.
Charlotte bufou.
- Oh, Winnie.
- Não, é verdade. E ela pega todas as melhores partes do jantar para si
mesma. Ran deixaria porque quer que todos sejam felizes, mas às vezes, sou
mais feliz ao vê-lo com o último morango da temporada. Bridget nunca
pensaria nisso. - Winnie deu de ombros. - Ainda que me preocupar sobre quem
fica com um morango pequenino é bobagem, não é?
- Não penso assim - respondeu Charlotte, tentando conciliar a imagem
de Ranulf MacLawry com a de um homem que gostava de morangos e que
gostava de ver as pessoas felizes à sua volta. - Acho que é adorável.
- Venham, senhoritas - disse abruptamente seu pai, fazendo-as saltar. -
Se estivermos atrasados, terão só a mim com quem dançar.
- Não me importaria com isso, papai - Jane disse firmemente.
Ele a beijou na bochecha.
- Talvez não, mas eu iria.
O sarau Evanstone seria o primeiro grande baile da temporada. Como
tal, provavelmente iria ter convidados lotando até o teto abobado dos seus
dois salões de baile. Felizmente com a chuva tardia, tinham apenas um vento
frio com o qual lutar enquanto faziam seu caminho após o congestionamento de
carruagens para a entrada principal da casa grande.
Até Winnie tinha parado de tremer, em vez disso, assistia maravilhada
com olhos arregalados, e redondos. Charlotte não poderia sequer imaginar
como tudo deveria parecer para alguém cuja ideia de cidade seria uma
pequena aldeia no meio do nada.
- É muito diferente das danças em Glengask? - Sussurrou.
Winnie acenou com a cabeça, mal piscando.
- Temos duas grandes festas por ano, uma em Soadh e a outra em
Mahldoen, mas não são danças, precisamente. São mais como feiras, suponho.
Todo o clã se reúne, montamos tendas. Há todos os tipos de comida e bebida,
cantamos, dançamos e tocamos gaita de fole, arremessamos toras, atiramos,
temos lutas com espadas. Não tão grande quanto isto.
Tiros e espadas? Espero que em alvos e não um no outro. Charlotte
manteve para si mesma, no entanto. Esta noite seria para Rowena e Jane. Por
um momento, tentou imaginar alguns dos aqui convidados cuidadosamente
penteados arremessando toras e bebendo cerveja na caneca e dançando ao som
da gaita de fole. Se não fosse a violência que acompanha, provavelmente
seria... emocionante.
Uma vez que o mordomo apresentou lorde Hest à festa em seu tom de
voz, caminharam para o mais próximo dos dois salões de baile interligados.
Abriram as portas entre eles, fazendo um espaço incrivelmente enorme com
cadeiras enfileirando as paredes, enormes lareiras em cada extremidade e uma
dúzia de janelas até o chão levando para fora da sacada, descendo para o
jardim e para a lagoa abaixo. O exterior foi iluminado com tochas, o interior
com oito lustres, e tudo brilhava.
- Oh, glória! - Winnie murmurou. Charlotte virou-se para concordar com
ela, mas então percebeu que a debutante não estava olhando para as
decorações. Estava olhando para seu irmão.
- Oh, glória! - Charlotte ecoou, seguindo seu olhar.
O marquês de Glengask ficou perto de uma parede, seu olhar se
movendo de um homem para outro, como se à procura de inimigos. Mas desta
vez, não foram seus profundos olhos azuis que chamaram a atenção de
Charlotte. Todos os outros homens presentes usavam casacos adequados,
coletes e calças ou calções, quer com botas ou sapatos. Como eles, Ranulf
vestiu um casaco; de um cinza escuro com grandes botões pretos com arestas
em prata, e um trio de botões idênticos brilhantes em cada manga. O colete era
preto com os mesmos botões pretos e prata, enquanto sua gravata branca foi
perfurada por um alfinete de prata e ônix.
Da cintura para baixo, no entanto, claramente não era um inglês. Em vez
de calças, vestia um kilt preto e cinza, com corte de linha vermelha através
dos arremates mais escuros como sangue. Na frente de sua masculinidade...
uma bolsa preta prateada pendia de uma corrente de prata que parecia estar em
torno de sua cintura. Seus joelhos estavam nus, enquanto meias de lã preta
cobriam suas panturrilhas. Nos pés usava sapatos pretos com aparência de
couro; ligados até a panturrilha com mais tiras de couro.
O efeito era... Charlotte tragou. Parecia selvagem, louco, perigoso e
simplesmente hipnotizante. Na ocasião, alguns dos estadistas mais velhos
usavam kilts para saraus, mas ninguém prestava muita atenção às suas formas
típicas. Mas aquilo era muito diferente. Ao seu redor, podia-se ouvir os
sussurros, principalmente das mulheres. Penetrantes olhos azuis encontraram
os seus, e então ele estava caminhando, a multidão separou-se para dar
passagem à medida que se aproximava. Charlotte sentiu um calor abrupto entre
suas coxas.
- Rowena, você parece muito bem - disse em seu sotaque baixo,
sorrindo para a irmã.
Aquele sorriso era perigoso também porque fez o coração de Charlotte
palpitar e a fez lembrar-se de sua boca capaz e daquele beijo extraordinário.
Rowena, porém, não estava sorrindo para ele.
- O que está fazendo? - Sussurrou.
- Eu estou aqui - ele retornou friamente.
- Está usando as cores do clã. Está procurando por uma briga?
- Não. Sou escocês. Sou um highlander. E é assim que um highlander se
veste. Ou já se esqueceu?
Sua irmã olhou-o atentamente.
- Sem problemas?
Ele balançou a cabeça.
- Nenhum problema. Não de mim.
Charlotte não sabia como podia dizer tal coisa, uma vez que cada
polegada dele praticamente irradiava problemas e muito calor masculino.
Quando virou seu olhar para ela, recusou-se a desviar o olhar, ou abaixar seus
olhos para olhar seu traje. Tentou não corar, mas dado o calor do seu rosto,
não tinha conseguido essa façanha.
- Vejo que ouviu meu conselho - finalmente disse.
Ranulf inclinou sua cabeça.
- Que conselho? Oh, a parte em que me disse para encaixar-se. -
Estendeu seus braços para os lados. - Decidi ir contra.
- Sim, posso ver.
Discretamente deu um passo mais perto.
- Vai me dar esse seu pequenino cartão de dança, ou acha que sou
escocês demais para seu gosto?
Esperava que lhe perguntasse se era muito covarde para dançar com ele
ou não e tinha uma resposta para isso: preferia não fazer um rebuliço em
público. Mas não tinha formulado dessa maneira e agora não poderia recusá-
lo sem que a olhasse como um esnobe inglês aristocrata que ele tão
obviamente desprezava. E não estava preparada para ser desprezada. Não por
ele. E, além disso, parte dela queria dançar com ele.
Silenciosamente, puxou o pequeno cartão de dança e lápis de sua
bolsinha e entregou. Seus dedos se tocaram, e mesmo através de suas luvas cor
de esmeralda, sentiu o calor dele. Pelo canto de seu olho, observou que o resto
de sua família estava conversando com várias outras pessoas que chegaram
tarde e introduzindo Winnie ao redor. Quando não simulavam olhadas em sua
direção. Maravilhoso. Será que pensavam que um homem de fato tinha
chamado sua atenção e que Ranulf MacLawry seria esse homem?
- Portanto, este é você simplesmente, não é? - Aventurou-se em voz
baixa. - Não está fazendo uma declaração ou mostrando o seu desprezo para
meus compatriotas?
Seu sorriso se aprofundou.
- São só roupas, moça. – Bateu no peito, os botões de prata brilhavam. -
Tudo adequado em cima, e diversão logo abaixo.
- Oh, céus! - Por causa disso, agora não podia deixar de recordar a cada
canção e poema obsceno que tinha ouvido falar sobre um escocês e o que ele
vestia embaixo de seu kilt. Que, se as histórias fossem verdadeiras, era
justamente nada. - Escreva seu nome e devolva meu cartão de dança.
- Chame-me de Ranulf novamente.
Charlotte respirou fundo, fingindo irritação. O que havia sobre ele que
enervava suas entranhas? Logicamente tudo dizia que não deveria querer ter
nada a ver com ele, ou seu kilt, ou seus modos bestiais.
- Escreva seu nome, Ranulf, e devolva o meu cartão. Melhor?
Seus olhos ergueram-se, sombreados por baixo de cílios escuros.
- A maioria das pessoas não sabe falar do jeito que você faz, Charlotte -
disse suavemente, rabiscando algo no cartão e entregando de volta para ela.
Não sabia como interpretar o que disse.
- Nossas irmãs tornaram-se boas amigas. Deve haver uma certa
honestidade entre nós, não acha?
- É como estamos chamando o que ocorre? - Estudou seu rosto, o
escrutínio não era desconfortável, mas insistente. - Honestamente, Charlotte,
não sei o que fazer com você. Mas estou inclinado a ficar por perto até
descobrir.
- Não sou assim tão complicada.
- Lamento discordar.
Porque ela não queria encontrar seu olhar por mais tempo e porque as
pessoas estavam começando a notá-la, assim como ele, Charlotte olhou para
seu cartão de dança. E franziu a testa.
- Não pode ter ambas as valsas.
- Acabei de fazer.
- Não se faz, Glen... Ranulf.
- Se qualquer outro homem importar-se em solicitar uma ou outra delas,
pode vir e tentar levá-la. - Seu indolente sorriso era algo diabólico e
delicioso. - Embora, provavelmente significaria uma briga.
Então, agora queria usar sua própria antipatia à violência para fazê-la
ceder a algo escandaloso. Bem... Ranulf poderia ter a primeira valsa, em
seguida, alegaria uma dor de cabeça antes da segunda. Eliminaria assim a
ambos do escândalo de valsar com ele duas vezes e a necessidade de alguém
brigar para impedi-lo. Não que alguém fosse susceptível de lutar a seu favor,
senhoras sem atração raramente tinham campeões. Especialmente quando
alcançavam sua idade.
- Deveria marcar uma dança no cartão de Winnie, enquanto ainda tem
uma. - Charlotte sugeriu, enquanto ele parecia inclinado a permanecer de pé na
sua frente.
Ranulf ergueu sua cabeça para olhar na direção onde sua irmã e Jane
estavam cercadas por homens jovens. Brevemente sua expressão tornou-se
alarmada, em seguida, voltou para uma arrogância ligeiramente divertida.
Ranulf deu um passo além dela e, em seguida, parou e fez uma reverência.
- Acho que pode ser uma bruxa, Charlotte Hanover, - murmurou no seu
ouvido - porque só se estivesse enfeitiçado esqueceria meus próprios deveres.
Antes que pudesse evocar uma resposta, Ranulf caminhou para tomar o
cartão da sua irmã da mão do lorde William Duberry. E mesmo lorde William
não sendo conhecido por sua paciência e temperamento, simplesmente
permitiu. Da mesma forma, agora que havia deixado de ficar ao seu lado,
outros homens vieram aglomerar-se e solicitar danças. A maioria deles
recusou, claro, com um sorriso e uma cutucada verbal na direção das outras
jovens ladies, mas foi... agradável ser convidada.
- Você brilha como as esmeraldas esta noite, lady Charlotte.
O tom ameno e cuidadoso chamou-lhe a atenção ao mesmo tempo.
Amaldiçoando interiormente, Charlotte virou-se para encarar o homem que
tinha falado.
- Lorde Berling. Que surpresa agradável!
Ele ergueu uma sobrancelha.
- Uma surpresa que fosse participar de um evento em que todos os
outros em Mayfair não sentiriam minha falta? - O conde lançou um olhar por
cima do ombro. - Ah, uma surpresa que fosse aparecer depois do rosnado do
bárbaro highlander! Entre nós, minha lady, ele rosna para todos. - Balançou a
cabeça, estalando a língua ao mesmo tempo. - Deve ser cansativo, ser
desafiado sobre tudo. Quase sinto pena dele. Lamento por sua irmã, tentando
ter um momento agradável enquanto ele caminha a passos largos arremessando
homens longe dela.
- Cresceu nas Highlands, milorde?
- Céus, não! - Berling respondeu, sua testa enrugando enquanto franzia as
sobrancelhas. - Por que pergunta?
Charlotte deu de ombros, surpresa ao perceber de que lado estava e que
não era o do pomposo e sensato conde.
- Parece estar bem familiarizado com lorde Glengask.
- Os Gerdens têm família e terras lá em cima, - explicou com um sorriso.
Ele não era inadequado, mesmo que houvesse algo que ela não gostasse sobre
seus olhos. - Passamos o outono lá de vez em quando – continuou - e gosto de
dar uma olhada nas minhas terras de vez em quando. - Ele ergueu o cartão de
dança de sua mão. - Não tinha percebido que sua família conhecia os
MacLawrys.
Então, agora foi sua vez de tentar minimizar a conexão dos Hanovers
para com os MacLawrys. Provavelmente seria sábio fazê-lo, se metade do que
Ranulf disse fosse verdade. Houve tempos, porém, que se orgulhava de ser
verdadeira, em vez de sábia.
- Minha mãe foi uma amiga querida de Eleanor MacLawry - disse, - e
Janie e Rowena têm se correspondido ao longo dos anos. Ficamos encantados,
quando foi capaz de vir a Londres para sua temporada.
- Entendo, lady Rowena é bastante civilizada, suponho. Mas seria sábio
manter distância dos irmãos.
Um calafrio subiu pela espinha de Charlotte.
- E por quê?
Lentamente, entregou de volta seu cartão.
- Porque eles são sem educação, teimosos e se recusam a acompanhar as
mudanças no mundo. É uma combinação perigosa, milady, e as pessoas em
volta tendem a se machucar.
Oh, céus! Charlotte olhou para seu cartão quando ele desapareceu de
volta na multidão. Ele havia escrito o seu nome para a segunda quadrilha da
noite, aquela logo depois da primeira valsa. O que significava que Ranulf teria
que entregá-la para Berling.
Se ela quisesse manter a paz, evidentemente ia ter de fazer um milagre.
A solução mais fácil seria simplesmente sair imediatamente. Charlotte olhou
para Ranulf, que atualmente estava escrevendo seu nome no cartão de Jane.
Metade das mulheres presentes na festa, parecia ter encontrado um assunto
urgente desse lado da sala, também.
Todas queriam dançar com ele e dificilmente podia culpá-las. Ranulf
poderia dizer que o havia enfeitiçado ou algum disparate qualquer, mas não,
parecia haver algo... Arrastando-os. Porque, caso contrário, não saberia
explicar o motivo que já havia decidido permanecer e dançar pelo menos uma
valsa com ele.
Capítulo Seis
Se Ranulf quisesse compartilhar a atenção dele, ou alguma coisa, além
disso, conduzir-se a um leito depois da festa teria sido muito simples.
Enquanto caminhava até a mesa de refresco, uma jovem senhora bloqueou seu
caminho para dar-lhe seu nome, seu endereço e dizer-lhe que deixaria aberta a
janela do andar superior até mais tarde naquela noite. Foi tudo feito por trás
da capa do leque de marfim, no entanto, ela disse.
Felizmente para todas as moças inglesas, e provavelmente para ele, não
tinha intenção de enredar-se em suas fitas bonitas e unhas bem-feitas. Tomou
um trago de uísque que pegou da bandeja de um criado, olhando para a pista
de dança sobre a borda de seu copo. Bem, talvez houvesse uma moça inglesa
que queria em sua cama, mas não ocorreria hoje à noite.
Não achou que já tinha visto algo tão elegante quanto Charlotte
aparentava hoje à noite. A esmeralda de seu vestido perseguia todo o marrom
de seus olhos castanhos e as pérolas e a corrente de ouro no cabelo dourado
brilhavam como a luz das estrelas. Ela tinha despertado a sua curiosidade e
seu interesse quase desde o momento que havia posto os olhos nela. Mas
agora, hoje à noite, seus pensamentos eram mais físicos e mais difíceis de
ignorar.
Podia não ser o único a notá-la, mas nas quatro primeiras danças da
noite, teve uma parceria com seu pai, aquele camarada Henning, um rapaz de
ombros curvados que parecia bastante com sua mãe, tinha que ser um parente,
e agora um homem mais velho, cuja esposa jovial usava uma bengala e,
atualmente, sentou-se em uma cadeira contra a parede, torcendo cada vez que
o casal circulava para o seu lado da sala.
Terminando o conteúdo do copo, deixou-o em uma bandeja que passava
e sinalizou para outro. A dança regional já estava acontecendo por dez
minutos. Uma mulher de cabelos grisalhos tinha desmaiado e outros dois
casais haviam deixado a pista de dança e buscado cadeiras. Era ainda mais
doméstico do que uma reunião do clã, que não seria uma festa até que alguém
chegasse sangrando.
Quando seu tio passou pela terceira vez desde que começou a dança,
Ranulf cedeu. O problema em gastar tão pouco tempo fora das Highlands era
que não estava familiarizado com os membros do clã espalhados daquelas
famílias que haviam se mudado para o sul. Mas seu tio estaria, porém
questionável era seu julgamento.
- Myles - disse, quando seu tio cruzou o salão de baile mais uma vez.
O visconde parou.
- Não estou aqui para me intrometer, Ranulf. Eu fui convidado. Apenas
não queria que minha presença o surpreendesse.
- Não estou pedindo para sair. - Apoiou-se em um lado da sala e seu tio
o seguiu. - Eu sei que o arruaceiro ruivo, aquele de casaco marrom, é o irmão
mais novo de Berling. - Com seu queixo, indicou o sujeito corpulento do
encontro anterior no parque.
- Sim. Dermid Gerdens. Não é o mais brilhante dos homens e ainda por
cima tem um pavio curto. Não é uma agradável combinação.
- E o sujeito magro e ruivo tem o queixo dos Campbell. - A lontra do
parque ainda se vestia de preto e ainda parecia muito oleoso.
Seu tio aproximou-se.
- Você tem um bom olho, rapaz. Esse é Charles Calder, neto do velho
William Campbell. Vi dois dos seus primos na sala de jogos. - Aceitou uma
taça de vinho de um dos criados que circulavam e tomou um gole generoso. -
Em outras palavras, Ranulf, você está em desvantagem aqui.
- Prometi à Rowena que não criaria problemas.
- Ah. Você tem uma maneira interessante de mostrar isso, então. - Myles
sacudiu um dedo em um dos botões da manga de Ranulf. - Não que você
exatamente se misture com a sociedade de Londres, de qualquer maneira.
Por que diabos todos continuam vendo a necessidade de salientar isso?
- Este é o traje formal para qualquer festa chique nas Highlands. Você
sabe disso. E a maioria de vocês aqui deve ter visto um gaiteiro antes, pelo
menos. Não tenho ideia porque é terrivelmente chocante. - Não tinha intenção
de aparecer tanto, que não pudesse manejar, mas realmente esperava ser
evitado, não assediado pelas mulheres.
- Mm-hum. Desde que você está falando comigo, não vou discutir
exatamente o que é terrivelmente chocante.
- Sim. Se Bruce soubesse que os sasannach, poderiam ser facilmente
derrubados por escoceses despidos, poderíamos ter marchado através de York
nus e salvado a todos do derramamento de sangue.
Myles bufou, recuperou-se para franzir a testa novamente.
- Geralmente é mais cauteloso do que isso, Ranulf.
Myles moveu-se contra a parede ao seu lado, então, de modo que ambos
estavam de frente para o salão de baile lotado. E por mais que Ranulf odiasse
admitir que a sociedade de Londres estivesse em seus pensamentos, era
agradável ter outro par de olhos para observar problemas.
- Então, por que se vestir com as cores do clã com todos os inimigos ao
redor?
Ranulf terminou, em seguida, fez uma careta.
- Culpo a moça.
Myles franziu a testa também.
- Que moça?
- A de esmeralda.
- A… - Seu tio procurou a pista de dança. - Lady Charlotte Hanover?
- Sim. Ela disse que se não gostasse de ser olhado de lado não deveria
tentar tanto não ser inglês. - Acabou com o segundo uísque. - Atuei como um
pobre e afetado estudante. - E o porquê de tudo isso continuava a escapar-lhe.
Por Deus, ela o provocava.
Ao seu lado, seu tio estava muito quieto. Provavelmente se preocupava
que uma palavra errada expulsario-o da família permanentemente. Que
estranho que Myles escolhesse suas palavras cuidadosamente, enquanto a
moça com o cabelo de sol não parecesse sentir necessidade de refrear a
língua. Claro, nunca atacaria uma mulher, independentemente do insulto que
lhe desse, mas era mais do que isso. Era algo sobre ela, em particular, algo
que o deixava fora de equilíbrio.
- Está dançando esta noite? - Myles perguntou.
- Sim, com Rowena e as moças Hanover.
- Ah.
Ranulf olhou para seu tio.
- 'Ah,' o quê? - Sim, ele era o chefe do clã MacLawry e um marquês,
mas seria agradável... de vez em quando não ter que puxar palavras das
pessoas com os dentes.
- É só que, se você dançar com um número pequeno de selecionadas
ladies, pode parecer galanteador e começarem a pensar que tem uma
particular… afeição por uma delas.
- Bem, eu faço! Rowena é minha maldita irmã.
- E você também pode dar a impressão de que tem um certo desdém por
esta sociedade.
- Que eu d...
- Que poderia afetar outras jovens que estão dispostas ou estão
autorizadas a fazer amizade com Winnie.
Essa besteira de novo. Com uma breve maldição em gaélico, que teria
tido deixado os frescos de sangue azul em torno dele corando se tivessem
entendido, Ranulf deixou o refúgio perto da parede. Algumas moças delicadas
tentaram chamar sua atenção, mas sua ânsia o fez estremecer. Finalmente viu a
menina cheinha da loja de vestido, de pé, perto de sua mãe, preocupada com
sua aparência.
- Senhorita Florence? - Entoou.
Ela ficou escarlate quando o encarou.
- Sim, milorde.
- Gostaria de terminar esta dança comigo, moça?
- Eu... Sim. Seria esplêndido.
Ranulf estendeu sua mão e ela colocou seus dedos nos seus. Se
apertaram um pouco, mas esperando que ela fosse resistente o suficiente para
fazê-lo através da agitada dança de campo. O marquês moveu-os suavemente
pelo caminho livre, deixando-a ir, curvando-a, girando-a e pegando-a de volta.
- Foi esplêndido, lorde Glengask - disse, enquanto dançavam até
terminarem.
- Por quê?
- Eu... não pareço ser uma companheira de dança privilegiada, é tudo, -
respondeu, abaixando a cabeça. - Mamãe diz que são minhas sardas. Esfrego-
as com suco de limão todas as noites, mas não parece fazer qualquer
diferença.
- Nas Highlands, dizemos que uma moça com sardas é beijada pelo sol.
É uma bênção e não há nada para se envergonhar.
Olhos verdes claros o olharam esperançosamente.
- Realmente?
- Sim. - Balançou a cabeça, esperando que de alguma forma não tivesse
que desposá-la por ser gentil. - Verdadeiramente.
- É tão gentil. Lorde Stephen Hammond disse que eu tinha a forma e a
pele de uma laranja.
Bem, isso foi uma coisa vil para dizer a qualquer mulher.
- Aposto que esse Hammond tem o cérebro de uma laranja - replicou e
ela riu.
Felizmente, a dança terminou antes que ela começasse a dizer-lhe que
apreciaria ver as Highlands e que fosse mostrar-lhe. Ranulf juntou-se aos
aplausos e a trouxe de volta para a mãe e escapou tão rapidamente quanto
possível.
Charles Calder, o neto de Campbell, ainda estava junto ao fogo, como se
não pegasse calor suficiente para aquecer sua estrutura óssea. Berling estava
dançando, mas felizmente para o conde em outra direção com outros
dançarinos. Se o homem tocasse a mão de Rowena, perderia a própria.
- Foi uma coisa muito agradável o que fez - a voz de Charlotte veio e ela
pôs uma mão em sua manga.
Ranulf olhou-a, ignorando o deslizar em seu peito.
- Perdão?
- Dançando com Florence Breckett. Foi muito gentil da sua parte. -
Angulou seu queixo de volta para indicar onde tinha deixado à moça robusta.
Quando ele seguiu seu olhar, uma meia dúzia de jovens senhoras, incluindo
dois de seus primos linguarudos, rodeavam-na, todos conversando
excitadamente e enviando olhares em sua direção.
- Isto. Ah. Sim. Sou um bom homem.
Charlotte bufou, cobrindo o som com uma tosse educada.
- Temos alguns minutos antes da valsa, estou desesperadamente
precisando de ar fresco. Pode acompanhar-me até a varanda?
- Não posso deixar Rowena, sem ninguém para vigiá-la - disse, a
pontada aguda de arrependimento que sentiu por dizer as palavras assustou-o
um pouco.
- Está conversando com seu tio. E sei que o homem com que dançará a
valsa é Robert Jenner, um jovem muito agradável, cujo tio trabalha no gabinete
do primeiro ministro.
- Tem tudo arranjado, então - Ranulf comentou, enviando um último
olhar na direção de Rowena antes que permitisse a Charlotte guiá-lo em
direção à varanda no outro lado da sala. Teria sido mais fácil estando em pé
ao lado ou na frente de sua irmã exigindo as referências de cada homem que se
aproximasse dela, mas ela nunca o perdoaria se o fizesse. Dada à
familiaridade de Myles com seus companheiros, afinal estaria provavelmente
melhor em companhia do seu tio.
Ou isso, ou se prendia por razões que não poderia afastar-se de
Charlotte Hanover. Teria uma das cabeças de seus irmãos se saíssem e
deixassem Rowena como estava fazendo, mas continuou andando. A moça
poderia levá-lo a um penhasco e provavelmente a seguiria. Dado o que eles
eram, de qualquer jeito, a queda do penhasco parecia altamente provável.
Ranulf baixou o olhar para seus quadris balançando e os manteve em seus
calcanhares.
Um punhado de pessoas destacava-se na ampla varanda, enquanto outra
dúzia ou assim vagava pelos jardins abaixo. O ar cheirava a chuva e
excrementos de cavalo, que era ainda mais agradável do que o pesado aroma
de dezenas de perfumes franceses, misturando-se do lado de dentro.
- Não estou tentando enfeitiçá-lo - disse Charlotte, com relativa calma.
Ranulf sorriu do seu tom irritado, sensato.
- Reconheço o fato. Se fosse, teria que ser mais agradável comigo.
Seus olhos cor de avelã, mais escuros agora perto das tochas,
estreitaram-se.
- Por que quando estou tentando ser agradável e útil, discute comigo e
quando estou lhe dizendo para não ser ridículo, fica se divertindo?
- Eu sou um enigma.
Ela fez uma careta.
- Esqueça, então.
Ranulf colocou a mão no seu ombro antes que ela pudesse virar-lhe as
costas.
- Você é um enigma para mim também, você sabe - disse, mantendo sua
voz baixa.
- Sou? - Ela voltou seu sorriso um pouco forçado e frágil para seus
olhos. - Não é intencional.
Moveu-se para mais perto dela, tomando a mão de seu ombro só para
deslizar um dedo pelo braço com luva para seu pulso. Sob seu toque, sentiu-a
tremer e esperava que fosse por ele em vez da noite fria.
- E por quê? - Perguntou. - Por que dança apenas com velhos amigos da
família e tolos?
Charlotte se conteve mais ainda, seu olhar pasmado diante da dura
queixa da observação dele.
- Não sei o que está falando ou o que está insinuando. Não estou fazendo
nada impróprio. E eu dançarei com você.
- Sim, eu sou a exceção, provavelmente porque a intimido - concedeu. -
E é claro, não deve ter feito qualquer maldita coisa imprópria. Nem nunca,
provavelmente. Então, por que todos os jovens galanteadores não a estão
perseguindo com a língua para fora?
- Bem, é uma boa imagem. - Seus ombros abaixaram um pouco. - Não
me perseguem porque tenho vinte e cinco anos. Porque tive uma temporada,
encontrei um pretendente e depois passei um ano de luto.
- Está morta, então, não é? - Sobre a cabeça dela, observou o último dos
convidados deixando a varanda, quando a orquestra dentro começou a tocar
algumas provocantes notas em preparação para a valsa.
Charlotte encarou-o de frente, poderia sentir um sorriso triste tocando
brevemente sua boca. Não sentia pena de si mesma, teve que conceder-lhe ao
menos isto.
- Não, não estou morta, senhor, mas estou firmemente fora do páreo. Esta
é a temporada da minha irmã. Não vou competir com ela pela atenção de
algum jovem querendo ser atingido pela flecha do cupi...
Ranulf beijou-a. Firmemente fora do páreo, minha bunda, pensou, o
calor de sua queda nele. Mordiscou seu lábio inferior, saboreando Madeira e
desejo. No momento que roçou seus braços ao redor de seus ombros, colocou
suas mãos ao redor de sua cintura e a ergueu, sentando-a no parapeito largo de
pedra.
Uma vez que suas bocas se encontraram, sua mente parou de gritar com
ele para deixá-la ir, afastar-se. Sabia que se enredar com uma moça inglesa
adequada podia significar, mas seu corpo recusava-se a ir, além de saber que a
queria. Mal.
Seu gemido suave o deixou duro, talvez usar um kilt não tenha sido a
decisão mais sábia hoje à noite, mas não por uma razão de moda. Firmou seu
aperto na cintura dela, mas depois sua boca se acalmou. Abruptamente,
Charlotte empurrou seu peito. Ocultando o aborrecimento por ter sido
rejeitado, Ranulf ergueu sua cabeça um pouco, separando seus lábios.
- Pare com isso! - Ordenou, sua voz ofegante e instável.
- Já fiz. - Lamentando, moveu-se para deixá-la de volta com seus pés no
chão. - Para mim, parece que você está errada - demorou, querendo mais um
copo de uísque para lavar o sabor inebriante dela de sua boca.
- Errada em quê? - Charlotte exigiu, passando uma mão sobre sua saia,
mesmo que por dentro se sentisse desgrenhada, era por fora que olhariam.
Deus do céu!
- Não está morta ou fora do páreo. Nem mesmo quase isso. - Ranulf
tomou seu queixo em seus dedos, erguendo seu rosto para que encontrasse seu
olhar. - Acho que me quer, moça - continuou em um murmúrio suave.
Charlotte franziu a testa, tentando um ar de desafio, quando o que queria
realmente era beijá-lo novamente.
- Sim, acredito que mencionei que tenho uma queda por demônios
bárbaros, sem modos e impacientes. Não dei permissão para me beijar.
Seu sorriso quase a derreteu por dentro.
- Da próxima vez vai.
- Superestima seu charme, Ranulf MacLawry.
Ranulf se inclinou um pouco mais perto.
- Eu? - Rebateu com seu sotaque suave. - Então por que ainda está me
segurando, Charlotte Hanover?
Piscou, desenrolando os dedos de sua lapela.
- Eu...
- Invoque sua mentira mais tarde. A valsa começou e quero minhas mãos
em você novamente. Com todos vendo.
Charlotte tentou encontrar tanto sua respiração quanto seu juízo
novamente dispersos. Quando cutucou seus ombros, a montanha lhe deu lugar,
deixando-a passar por ele em direção à porta do salão de baile.
- É apenas uma dança, milorde.
- Tudo na vida é uma dança, minha bela moça.
Pareceu uma coisa muito poética para dizer-lhe, mas se parasse para
argumentar, o que era de seu feitio, perderiam a valsa. E fosse o que fosse que
pudesse fingir, queria suas mãos nela também.
Talvez estivesse com febre e delirando, porque nada do que sentia fazia
o menor sentido. Lorde Glengask era exatamente o tipo de homem impetuoso
que estava farta como James Appleton. Quando James a cortejou se sentiu...
contente, que um homem tão sério cortejou-a. E percebeu que sério tinha muito
pouco a ver com bem-humorado, o que tinha sido uma falha. Agora, porém,
qualquer lição que tivesse aprendido, um único beijo, ou melhor, dois beijos
agora, de Ranulf deixou-a girando, incerta de onde estavam seus pés ou se
queria encontrar o chão novamente.
Dentro do salão de baile meia centena de casais tinham começado a
valsar. Em um movimento suave Ranulf pegou-a pela cintura, colocou a mão
dela na sua e levou-a para dançar. A ideia de que o musculoso escocês estava
quase nu da cintura para baixo, usando na altura do joelho um pedaço de lã
preta, cinza e vermelha e um único alfinete para mantê-lo, fê-la sentir-se quase
intoxicada como a dança fazia. E a maneira que as outras mulheres olhavam
para ele com tal... luxúria aberta, e o modo que olhavam-na com inveja
disfarçada, deixava-a perplexa e excitada tudo ao mesmo tempo.
- Quais são suas intenções, Ranulf? - Perguntou depois de um momento,
mantendo a voz baixa.
Ranulf levantou uma sobrancelha.
- Intenções? - Repetiu, um sorriso lento, mais uma vez em sua boca
sensual.
- Sim. Beijou-me duas vezes agora, e disse que me quer.
- Essas são minhas intenções. Beijá-la e tê-la.
Um rubor aqueceu suas bochechas. Será que tinha tido uma conversa
semelhante com James? Nesse caso, não conseguia recordar. Parecia o tipo de
coisa que um corpo lembraria.
- E depois? - Prosseguiu. - Sabe que sou a filha de um conde e uma
moça sem interesse em causar um escândalo.
- Bem, você já disse. - Sua expressão divertida desapareceu quando ele,
sem dúvida, sentiu um outro argumento se aproximando.
- Bem, eu disse. - Concordou, tomando um fôlego e tentando afastar a
sensação muito agradável de estar em seus braços. - E se disser que veio a
Mayfair procurando uma noiva, vou chamá-lo de mentiroso na sua cara. Você
deixou o seu... desprezo pelos Sasansack muito claro ao longo dos últimos
dias.
- Sasannach - corrigiu, seu sotaque tornando o som da palavra mais
bonita do que sabia que devia ser. - Não, eu vi o que as Highlands fazem para
uma senhora inglesa respeitável e delicada. Não vou cometer o mesmo erro do
meu pai.
Seu primeiro pensamento foi informá-lo que, embora tivesse sua
sensibilidade e sua crença no certo e errado, não era particularmente delicada.
Mas no momento seguinte, ocorreu-lhe que, em comparação a ele, talvez fosse
delicada. Afinal de contas, falava de assassinatos e brigas como se estivessem
repetindo o café da manhã. E era algo que ela não podia tolerar. Sabia em
primeira mão que a dor e a mágoa forjavam tais coisas e colocar-se
voluntariamente no meio de uma briga de bárbaros seria simplesmente
impensável.
Dado que, embora querendo saber o erro que seu pai tinha cometido em
que sua mãe estava em causa, perguntar o que havia matado a filha 'delicada'
de um barão, parecia um desperdício de seu tempo. Com o raciocínio de
Ranulf à parte, eles simplesmente não serviriam.
- Não tem mais nada a dizer?
- O que deveria dizer? Acabou de me dizer que quer deitar-se comigo,
enquanto não tem nenhuma intenção de se casar comigo. Recuso sua... oferta,
senhor.
Olhos azuis brilharam.
- Você já sabe?
- Ofereceu-me nada além de ruína e exílio de uma vida que acho
bastante agradável - replicou, enfrentando que sua recusa a uma oferta assim,
prazerosa e inesquecível, provavelmente pudesse tê-lo ofendido. E a ela, pelo
amor de Deus?
- Então, gosta de ser babá de sua irmã e de sair para dançar somente
quando um número de casais é necessário?
Ha.
- Desculpe, mas o que está fazendo aqui em Londres a não ser servindo
de babá de sua irmã?
Olhou-a por um longo momento, seu aperto nela tão firme que não achou
que fosse capaz de soltar-se dele, se quisesse. Mesmo assim, não tinha medo
dele. Talvez devesse ter tido, mas sabia, com certeza, que Ranulf MacLawry
nunca iria feri-la, exceto, talvez, com algumas palavras bem escolhidas.
- Faic tùsan - ele murmurou finalmente.
- O que significa? - exigiu.
- Significa que acho que enlouqueceu.
- Da mesma forma, lorde Glengask. E, como ouvi o que quer de mim e
me recusei, de agora em diante vai parar de flertar comigo e tentar me beijar.
Um músculo saltou em sua mandíbula.
- Em resposta a isso, digo que uma moça não vai me ordenar a fazer
qualquer coisa. Também digo que não me convenceu que acha meu toque de
mau gosto. Na verdade, acho que gosta de me ter a ponto de discutir. Acho que
estava entediada antes que Rowena e eu chegássemos à sua porta.
Para um homem tão preso em suas próprias rivalidades e problemas,
tinha feito um bom trabalho de avaliar o último ano de sua vida. Porque sentia
que havia se tornado não babá de Janie, mas sua acompanhante. E sem planos
futuros para ocupar seus pensamentos, sentia-se... entediada. Apática, abatida.
Morta, como ele disse. E não se sentiu assim nos últimos dias. Frustrada,
irritada, excitada, divertida, perturbada; mas não entediada.
- Independentemente da situação em que estou - ela retornou, - não perdi
minha sanidade.
Para sua surpresa, seus lábios curvaram-se para cima, lembrando-a de
novo de seu beijo muito esplêndido. Beijos.
- Não acho que resolveremos esse impasse aqui, moça. Exige mais...
privacidade.
- Eu não estou...
- Se me disser agora, honestamente e na minha cara, que não deseja
trocar uma única palavra ou toque ou olhar comigo, vou honrar isso e me
afastar de você. Se não, vou chamá-la amanhã ao meio-dia e pode tentar
melhorar a minha visão de Londres. Ou para dissuadir-me de que desejo
passar um tempo em sua companhia com o propósito de ficar por baixo de
suas saias. A escolha é sua.
Charlotte respirou fundo. Não tinha certeza de responder com
honestidade, mas logicamente devia abrir a boca para dizer-lhe que o desejava
fora de sua vida. Claro, se fizesse isso, provavelmente evocaria uma desculpa
para voltar com a sua palavra à Rowena e retornariam imediatamente os dois
de volta para Glengask. Seria terrivelmente injusto para Winnie, muito além da
situação de suas próprias saias.
- Agora - murmurou depois de um momento. - É a primeira vez que estou
contente por não ouvir sua voz, Charlotte.
- Não significa nada. Não quero ver uma injustiça cometida para Winnie
porque me neguei a você.
Ele balançou a cabeça quase imperceptivelmente.
- É o que vamos chamá-lo, então.
Ranulf não parecia admitir que tinha vencido, mas Charlotte estava
aliviada o suficiente em ter um momento para pensar que decidiu não
questionar seus motivos. Ou os seus próprios, no que dizia respeito a esse
assunto.
Quando tinham se conhecido? Céus! Há apenas quatro dias? Ela achou-o
rude e arrogante e abrupto. O que não tinha percebido e que via agora, era sua
inteligência ou o seu humor e uma surpreendente quantidade de charme.
Aquele seu sotaque profundo certamente não machucava, também. Nada disso,
porém, explicava por que não havia simplesmente lhe dado um tapa e saído da
pista de dança quando ele tinha proposto arruiná-la porque seria prazeroso.
Exceto que estava bastante certa de que sabia por que ainda balançava
em seus braços. Como havia dito, tinha vinte e cinco. Mesmo com a morte de
James, se tivesse realmente querido se casar, poderia ter, teria, feito até agora.
Houve momentos, especialmente quando Jane tinha começado a planejar seu
guarda-roupa e sua temporada e todas as suas conquistas românticas que tinha
se sentido velha.
- Se continuar a usar esse olhar pensativo, é provável que beije você
novamente - Ranulf murmurou.
- Na frente de todo mundo? - Respondeu, mais divertida que
verdadeiramente alarmada.
- Sim. É assim que fazemos na Escócia - ele voltou com um sorriso. –
Surpreendemos as moças, dando-lhe um beijo, então todo mundo sabe que
você a reclamou.
- Reclamou-a? - Repetiu fracamente, quando três coisas aconteceram ao
mesmo tempo: lembrou-se de quem solicitou a próxima dança, a valsa
terminou e avistou Donald Gerdens caminhando na direção deles, do outro
lado da pista de dança. Danação.
- Ranulf, preciso di...
- Acredito que esta dança é minha, lady Charlotte - o conde suavemente
disse, parando na frente deles.
Ranulf olhou-o. Tranquilamente, firmemente, como um grande leão
friamente avaliando uma gazela.
- Deu a ele uma dança, moça? - perguntou, não deslocando seu olhar um
centímetro.
- É apenas uma quadrilha - disse, sem saber por que sentia a
necessidade de minimizar a coisa. Uma dança era uma dança e não foi mais
significativo do que os últimos minutos...
Um punho disparou antes que pudesse terminar seu pensamento.
Apanhando Berling diretamente no queixo, que deixou o conde cambaleando.
Antes que pudesse recuperar seu equilíbrio e de um modo estranho que
parecia tão lento que não podia ser real, Ranulf acertou de novo com o outro
punho do outro lado do rosto.
Charlotte se sacudiu fora de seu estupor.
- Parem! - gritou, agarrando o antebraço de Ranulf. Parecia de ferro
sólido, inflexível sob seu aperto. - Pare de socá-lo de uma vez!
Lorde Evanstone e três de seus criados correram. No mesmo instante,
vários convidados do sexo masculino entraram em cena, levantando Berling e
tropeçando em seus pés e empurrando Glengask. A poucos passos de
distância, a senhorita Florence Breckett desmaiou nos braços de seu parceiro
de dança e ambos caíram no chão polido.
Berling soltou-se de seus ajudantes e com um sorriso vermelho meio
instável endireitou seu casaco.
- É um diabo, Glengask - falou lentamente.
- Sim. E você é um maldito caçador.
- Ha. - Abruptamente o conde atirou-se para frente, golpeando com seu
punho fechado. Pegou Ranulf no olho esquerdo.
- Och, agora é uma festa! - Glengask livrou-se dos homens segurando-o
e avançou novamente.
- Não! - Tão zangada que mal podia forçar a palavra, Charlotte colocou-
se entre os dois homens. - Não me importo o quão privadas podem ser suas
desavenças - ela surtou. - Agora não é o momento nem o lugar para resolvê-
las. Nem os meios pelos quais senhores conduzem seus assuntos. - Era tudo
sobre o orgulho estúpido e inútil e se recusava a ver homens brigando sobre
quem era mais egocêntrico.
- Ouçam, ouçam - lorde Evanstone resmungou. - Estou pedindo para
deixarem minha casa. Se tiver que pedir duas vezes, vou expulsá-los.
Ofegante por um momento, Charlotte pensou que Ranulf ignoraria a
ameaça. Ou pior, que consideraria um desafio. Seu olhar ignorou tudo o mais
na sala em favor dela. Finalmente, e sem palavras, sem se preocupar em
limpar o fio de sangue de seu rosto, onde o anel de Berling tinha cortado sua
bochecha, inclinou a cabeça, virou-se e saiu da sala. Os outros convidados se
separaram diante dele como o Mar Vermelho diante de Moisés.
Olhando menos orgulhoso e segurando uma palma em seu lábio
sangrando, lorde Berling seguiu um momento mais tarde, vários de seus
amigos saíram com ele. O fato deixou-a sozinha, em pé no meio do salão, com
todos olhando-a. As bordas de sua visão começaram a escurecer e respirou
com dificuldade.
- Charlotte - a voz de seu pai chegou bem-vinda e sua mão forte segurou
seu cotovelo. - Vamos encontrar uma cadeira, minha menina valente.
Charlotte caiu contra ele.
- Não me sinto valente. Sinto-me doente.
- Entrou no meio de uma briga e parou dois homens de esmurrar um ao
outro - respondeu com uma voz mais alta do que parecia necessário,
considerando que estava perto o suficiente para envolver um braço em torno
do seu ombro.
Então percebeu o que ele estava fazendo, fazendo essa briga sobre algo
além dela.
- Esta manhã em Hyde Park quase chegaram às vias de fato - retornou. -
A respeito de ovelhas ou pastagens ou qualquer coisa assim.
Um momento depois, a música começou de novo com uma quadrilha e
algumas pessoas felizmente decidiram fazer uso da palavra, em vez de
continuar olhando-a. Lentamente, sentou-se em uma das cadeiras perto da
parede, o pai de um lado e sua mãe abruptamente do outro.
- Está bem, Charlotte? - Sua mãe perguntou, tomando ambas suas mãos e
apertando-as. - Deseja partir?
- Céus não – forçou-se. - Embora ache que estou acabada com a dança
por esta noite.
- Bastante compreensível. Aquele homem é um bruto.
Claro que a condessa quis dizer Glengask, ele desferiu o primeiro golpe.
Mas tinha mais do que uma leve suspeita que Berling sabia que aconteceria,
tinha querido que acontecesse e que foi precisamente por aquele motivo que
lhe pediu para dançar a quadrilha especialmente com ele.
Sim, talvez tivesse pensado que os dois homens discutiriam. Não
acreditava que lorde Berling pretendia ser esmurrado. Seria mais provável
que tivesse antecipado um argumento, imaginando que venceria.
Quanto a Ranulf, quase parecia desfrutar dos socos. Certamente tinha
falhado em impressioná-la, no entanto, fez até pior em vigiar sua irmã.
Tardiamente, ergueu a cabeça para olhar para Winnie, apenas para encontrá-la
na pista de dança com seu tio. Rowena não parecia feliz, mas estava dançando.
E foi bom, se continuasse a representar-se como a 'civilizada' MacLawry,
poderia escapar da censura das ações de seu irmão.
Alguma alma caridosa trouxe à Charlotte um copo de vinho e bebeu
agradecida. Homem estúpido. Quaisquer coisas desprezíveis que tenham
acontecido nas Highlands, aqui era Londres. E não se brigava nas respeitáveis
casas de Londres. Se não a tivesse beijado antes, tinha certeza que iria odiá-lo
neste momento. Em vez disso, sentia principalmente raiva. E um pouco de
tristeza, por razões que se recusava a considerar. Não agora.
Depois da quadrilha, Jane junto com Winnie e lorde Swansley, juntaram-
se a eles no lado na sala.
- Você foi uma leoa - sua irmã disse. - 'Parem de se esmurrar' e eles
fizeram.
Rowena parecia ainda mais surpresa.
- Ranulf recuou - meio que sussurrou, seu sotaque estava mais forte do
que jamais esteve um dia. - Colocou-se entre eles e Ranulf recuou. Nunca teria
me atrevido.
Myles Wilkie assentiu.
- É um homem astuto, seu irmão - comentou.
- Astuto? - Charlotte retrucou. - Como começar a brigar é considerado
inteligente? Acho que é precisamente o oposto de astuto.
- É muito inteligente se você estiver em desvantagem com seus inimigos
e quer que saibam que não está incomodado com esse fato. Quando Berling
partiu, levou seus aliados com ele. Caso contrário, como poderia tramar sua
vingança? Mas quando Ran saiu, levou todos os seus rivais com ele, deixando
Rowena sob nossa proteção e com apenas um inimigo à vista.
Charlotte olhou-o. Tinha Ranulf visto Berling escrever seu nome em seu
cartão de dança? Havia previsto que o conde ia tentar forçar um confronto?
Neste caso, por que não disse nada? Por que simplesmente permitiu que ela
fosse posta no meio como o aparente ponto de discórdia?
Mesmo quando se perguntava isso, no entanto, sabia a resposta. Ranulf
não lhe disse nada com antecedência porque não teria tolerado. Nunca teria
concordado em dançar com qualquer um deles e certamente, bem, mais do que
provável, nunca teria saído até a varanda com ele e o beijado. Ainda que ir lá
fora tenha sido sua ideia, e mesmo que não tivesse procurado uma desculpa
para beijá-lo, ou mesmo tenha pensado sobre a possibilidade de que poderia
beijá-la como a primeira vez. Oh, mas ele tinha.
- Não me interessa o que estava fazendo - sua irmã disse, com lágrimas
nos olhos. - Foi terrível e escandaloso e oh… - Winnie bateu seu pé. - Não
vou perdoá-lo. Não vou voltar para a Escócia. Nunca mais. Pode muito bem
ter arruinado tudo, só porque tem que controlar tudo, até o nascer do sol.
- Estou zangada com ele também, Winnie - Charlotte concordou, embora
'zangada' não fosse uma palavra suficientemente descritiva. - E eu tenho
algumas palavras para dizer-lhe quando nos encontrarmos. - Se ainda ousasse
visitá-la amanhã, tinha a intenção de lhe dizer precisamente o que pensava
dele e de seus... métodos de resolução de problemas às suas custas.
E vê-lo amanhã só seria para que pudesse gritar com ele. Não tinha nada
a ver com aquele olhar em seus olhos quando ignorou o resto do mundo e
olhou-a exclusivamente. E tinha ainda menos a ver com a forma em que seus
pés tinham literal e figurativamente deixado o chão quando a beijou. Nada a
ver com isto, mesmo.
Capítulo Sete
- Deixe-me em paz, Ginger.
- Mas milorde, há maneiras de esconder manchas.
Ranulf puxou o lenço das mãos de seu criado e terminou de atá-lo ele
mesmo.
- Não é uma mancha. É um olho roxo. - Ranulf via o magro sujeito no
seu espelho de vestir. - Acha que existe alguém em Mayfair que não sabe que a
tenho?
O criado abaixou a cabeça, ruborizando.
- Bem, eu...
- Então não há nenhum ponto em escondê-lo, não é? Agora traga aquele
casaco novo e vamos ver como os malditos ingleses me olham.
O casaco marrom escuro se encaixou muito bem e deu aos seus cinza um
descanso. Na verdade, com um colete verde escuro, calças de camurça e
finalizando com um par de Hessian, sentia-se bastante bem. E isso era uma boa
coisa, porque precisava de todas as vantagens que podia conseguir hoje.
Charlotte provavelmente arrancaria sua cabeça depois de ontem à noite, de
qualquer maneira, não se importaria com suas razões sobre seus motivos.
O fato de que esperava ansioso para ser castigado por uma delicada
moça inglesa era, em si, uma surpresa. Com exceção de seu irmão Arran,
discutindo sobre se um novo plano seria susceptível de causar mais problemas
do que valia a pena, pessoas não o castigavam.
Quando deixou o dormitório com Fergus ao seu lado, Owen encontrou-o
no topo das escadas.
- Há cartas de lorde Arran e Bear, milorde - disse, segurando-as. -
Espero que tudo esteja bem em Glengask.
- Assim como eu - Ranulf replicou, tomando ambas as cartas. - Como
estamos com os convites hoje?
- Nada, nenhum. - O lacaio estreitou seus olhos, quando apontou para o
rosto de Ranulf. - Estou pensando se sua impopularidade súbita tem a ver com
o que ocorreu ontem.
- Sim, acho que sim. Deixe-me ver a minha correspondência e traga
aquele faetonte antes de meio-dia. - Fez uma pausa no meio do caminho para o
seu escritório alugado. - E se pegar o cheiro de alguma coisa interessante,
deixe-me saber.
- Poderia definir 'interessante', milorde?
- Homens invadindo a casa com mosquetes e archotes seria interessante.
- Oh, sim, vou ficar de olho nisso, então.
Com um meio sorriso Ranulf, estabeleceu-se em sua cadeira e abriu a
carta de Bear em primeiro lugar. Nas palavras simples, bem-humoradas e
usuais de Munro, leu que metade do clã tinha andado por Glengask,
perguntando se algo estava errado e oferecendo um e outro para cavalgar, ou
mesmo andar até Londres para ajudá-lo a buscar Rowena de volta. E Lachlan
tinha se oferecido novamente para fazer a viagem, que poderia ou não ser
significativo, mas era no mínimo interessante.
A carta de Arran era, como ele esperava, mais detalhada, com as últimas
informações sobre o tempo e os rebanhos nas Highlands que estavam criando e
um resumo das despesas do último mês com as escolas em confronto com os
lucros da nova fábrica de cerâmica. Até agora a experiência para provar que
um clã trabalhando junto não só poderia se sustentar, mas lucrar, parecia que
estava funcionando. E o fato de que havia agrupamentos cheios de highlanders
proscritos que odiavam ovelhas Cheviot e tudo o que representavam, mas
ansiavam por bom gado da Highland, tartans da Highland, gaita de foles,
lâminas e tigelas, só poderia continuar a ajudá-los.
Ambos os irmãos também se ofereceram novamente para vir ao sul,
como tinham em toda carta que enviaram. Estava determinado a responder a
ambos mais tarde. Não seria tolo o suficiente para chegar tarde e solicitar por
Charlotte. Disse meio-dia, e por Deus, estaria lá ao meio-dia.
- Não há archotes ou mosquetes - Owen reportou de seu posto na porta
da frente quando Ranulf entrou no vestíbulo.
- É bom saber.
- Não se preocupe, milorde. Vou dar um pontapé em quaisquer Gerdens
ou Campbells que se atrevam a mostrar o rosto em sua porta.
Ranulf sorriu.
- Não esperaria nada menos.
- Sim. Dê a lady Winnie nosso amor, milorde. - Owen suspirou. - Sinto
falta de ouvir seu riso bonito.
Assim o fez. Se contentando com um aceno de cabeça, Ranulf saiu pelo
caminho. Juntos, ele e Debny ergueram Fergus na parte de trás do faetonte
onde o criado uniformizado geralmente se sentava, subiu e mandou o belo par
de baios em um trote. Com Debny e Peter cavalgando ao lado de seu grande
cavalo e um cão de caça empoleirado atrás dele, não era uma visão que
facilmente pudesse se perder. Seria provavelmente muito cedo para Berling
armar algo, mas indiferentemente quis manter um olho aberto. Seu pai seria o
último MacLawry pego de surpresa.
Charlotte estava nos degraus de granito de Hanover House, quando
surgiu no pequeno caminho semicircular. Não sabia se estando lá fora
pressagiava algo bom ou mal, mas não podia negar a... satisfação que sentiu no
fundo do peito ao vê-la. Poderia ser errada para ele, mas seu coração acelerou
com sua mera visão, de qualquer maneira. Não, Charlotte não estava apta para
as Highlands. Mas não estava nas Highlands no momento e era um homem
danado de sangue quente, que gostava de mulheres. E ela parecia muito
encantadora.
- Não tinha certeza se ia me deixar chegar perto da casa - disse,
esperando Debny para tomar conta dos cavalos antes de saltar, - muito menos
que ia me esperar aqui fora.
- Foi uma decisão difícil - disse. - Não vou passear em Londres com
você em um faetonte, de forma que todo mundo pense que à noite passada foi
sobre mim ou o que você fez foi um comportamento aceitável.
Agora estava mais perto da reação que ele esperava.
- O que a faz pensar que a briga de ontem à noite não foi sobre você? -
Enquanto falava, fechou a distância entre eles, seu corpo lembrando-o que um
beijo pararia sua boca.
- No início pensei. Mas o seu tio apontou como eficazmente limpou a
sala de seus inimigos.
Tio Myles, ajudando novamente. Ranulf escondeu aquele pedaço de
informação para posterior contemplação.
- Os covardes se unem. - Parou no degrau mais baixo, de modo que
estavam entreolhando-se. - Devo salientar algumas coisas, então?
Charlotte balançou a cabeça.
- Não. Agora é a minha vez de apontar algumas coisas para você,
Ranulf.
Cruzando os braços sobre o peito, assentiu.
- Ilumine-me sobre os meus bastardos caminhos escoceses, então.
- Aha! - Charlotte espetou um dedo em seu peito. - O problema é seu.
Ranulf inclinou a cabeça.
- O quê, que sou escocês? Você e seus amigos Sasannach são aqueles
que nos chamam de demônios. Eu sou...
- Pare com isso! - Ela interrompeu, o fato de que o o havia interrompido,
surpreendeu-o, deixando-o em silêncio.
Brincadeira era uma coisa. Mas agora ela pensava que poderia impedi-
lo de falar?
- O quê?
- Olhei algumas coisas. A Batalha de Culloden foi há setenta e três anos.
Ouso dizer que a maioria, se não cada homem que lutou, inglês ou escocês,
está morto.
Continuou batendo o dedo em seu peito à medida que falava, embora não
tivesse certeza se era porque estava querendo intimidá-lo ou porque queria
tocá-lo. Preferiu a última explicação e se manteve em silêncio por essa razão.
- Sei o que você vai dizer - ela continuou. - Que Culloden foi apenas o
começo dos problemas mais recentes, que os ingleses tentaram roubar-lhe o
direito de usar kilts, de tocar gaita de foles, mesmo de usar armas.
- Muito bem – disse, a lista de erros começando a fazê-lo perder seu
senso de humor. - Digamos que mencionei tudo isso. Suponho que tem um
argumento sobre o assunto?
- Sim. Você conseguiu aqueles direitos de volta. E sei que a maioria dos
outros clãs caiu, que, para um grande número de seus iguais, conduzir as
ovelhas foi a única maneira de ganhar uma renda. E que escolheram as ovelhas
e os pastos e suas famílias sobre o bem-estar e a sobrevivência de seus
próprios clãs.
- É uma lição de história muito agradável que você me proporcionou,
moça, mas posso dizer-lhe que não era necessário. Você leu sobre isso em
seus livros. Eu vivi. Ainda estou vivendo isso.
- Sei disso - ela retrucou, então soltou a respiração. - Queria que
soubesse que estou ciente da história recente das Highlands...
- Devo dar-lhe um prêmio, então?
- Oh, fique quieto. - Franzindo as sobrancelhas, ergueu seu dedo longe
dele. - Preciso andar. Venha para o jardim comigo.
- É claro. - Que homem sensato recusaria a oferta para gritar em
particular mais detalhadamente? Com uma careta, virou-se para assobiar para
Fergus. - Peter, vá descobrir o que Rowena está fazendo hoje e fique de olho
nela.
- Sim, milorde.
Seguindo Charlotte, seu olhar mais uma vez foi atraído para os quadris
balançando sob os raminhos da musselina verde e amarela, Ranulf decidiu que
o ameno clima inglês e a beleza inglesa não-tão-suave, estavam-no empurrado
completamente à loucura. Simplesmente não poderia explicar de outra forma.
Quando ela parou, quase chocou-se com ela por trás. Não era como se
estivesse inconsciente dos arredores, mas mesmo com raiva suficiente para
cuspir, a menos que também considerasse a violência física, ela continuava a
distraí-lo.
- Sente-se - disse, apontando o banco de pedra debaixo de uma
imponente árvore de olmo.
- Pensei que fossemos caminhar.
- Eu estou andando. Você está escutando.
Estava chegando muito perto de ser além de sua capacidade de tolerar,
mas respirou lentamente e caiu do banco.
- Continue.
Fiel à sua palavra, ela caminhou para a fileira de rosas e depois passou
por ele e pela cerca viva na altura do peito.
- Muito bem. - Finalmente, enfrentou-o novamente. - Você é o problema,
milorde. Desde que veio para Londres atormenta qualquer inglês, qualquer um
que não foi gentil e prestativo para você?
- Eu…
- Não terminei. Nem todos em Mayfair são meus amigos. Acho que
algumas dessas pessoas são... desprezíveis, odiosas, mesquinhas e pequenas.
A questão é que são apenas pessoas. Então, quando entra e começa a chamar
todos de Sasannach - e desta vez ela pronunciou muito cuidadosamente e
corretamente - está fazendo mais dano a si mesmo.
- Então, se entendi corretamente - disse lentamente, usando todo o
autocontrole que possuía para manter sua posição, - o que pensa uma pessoa
não importa para você ou para qualquer outra pessoa? Um homem é um santo
ou um demônio, dependendo de sua preferência e fiz-me um demônio?
- Não. Bem, sim e não. É claro que algumas pessoas odeiam os outros
por... suas ideias, como disse. Mas se não parar de ser tão desconfiado e de
ter tanta raiva de... todos, será a causa de sua própria queda.
- Hum. Fascinante. - Lentamente levantou-se. - Não se importará,
presumo, que enquanto considero sua sabedoria vou recolher minha irmã e
retirá-la desta casa Sasannach?
Charlotte apertou as mãos.
- Irritante - murmurou. - Sua irmã não deseja falar com você. E ontem à
noite, declarou que não tem intenção de voltar para a Escócia de novo.
Ranulf piscou.
- O quê? - Rosnou, gelo perfurando seu coração.
- Não a manteremos afastada de você, claro, mas sugiro que lhe dê um
ou dois dias para que se lembre do quanto o ama e esqueça o espetáculo que
você criou na noite passada. - Fez uma reverência. - Bom dia, milorde.
Ranulf girou nos calcanhares e caminhou para carruagem. Em toda sua
vida, mesmo quando seu pai tinha sido morto, mesmo quando Bear tinha sido
baleado, não conseguia se lembrar de sentir tal frustração... intolerável.
Queria pegar Charlotte e sacudi-la, queria beijá-la sem sentido e enterrar-se
profundamente dentro dela até que gritasse de prazer.
Na ponta do jardim, parou e virou-se.
- O que significa o que você fez comigo, moça?
Viu como seus ombros subiam e desciam.
- Suponho que cabe a você responder - disse lentamente e entrou pelos
fundos da casa.
Quando alcançou o carro, içou Fergus para cima do assento principal do
faetonte ele mesmo.
- Debny, fique aqui por um tempo e certifique-se de ver Rowena. Peter,
informe lorde Hest que vai ficar aqui. Duvido que Hest vai se opor.
O criado pareceu perplexo.
- Aconteceu alguma coisa, milorde?
- Sim, aconteceu. Mas nada para se preocupar.
Concentrando-se na respiração e nada mais, Ranulf conseguiu voltar
para Tall House sem explodir. Com Debny ainda fora, desatrelou a parelha e
foi selar Stirling. De pé e esperando teria sido intolerável, de qualquer
maneira. Evidentemente, sentindo seu humor, Fergus ficou perto da porta do
estábulo observando-o em silêncio.
Em Glengask, tão cheia quanto a casa ficava geralmente, encontrar um
momento de solidão era tão simples quanto caminhar abaixo para o rio. Aqui
poderia estar sozinho em um escritório ou quarto, mas não era solidão.
Escondia-se dos funcionários, e um pouco além das paredes de madeira e
gesso uma cidade inteira fervia, ouvidos, línguas e despeito.
Ranulf montou em Stirling, passou pelas portas do estábulo, e partiu
para o norte em um ritmo tão rápido quanto pôde. Pareceu levar uma
eternidade para as casas e fazendas diminuírem, e, em seguida, para as árvores
e clareiras no mato aparecer. Só então cortou a estrada, incitando o cavalo
castrado em um galope duro.
E eles foram, até que nada se estendesse por milhas, mas árvores
dispersas, córregos e prados. Ele, o cavalo e o cachorro pararam, sem fôlego.
E só, então, começou a blasfemar, gritando, vociferando para o vazio nublado
do céu.
Desde o dia em que nasceu, herdou o título de conde de Dombray. A
partir de suas memórias mais antigas, soube que um dia iria ser o marquês de
Glengask, e mais significativamente, o chefe do clã MacLawry. Não esperava
herdar na idade de quinze anos, mas conseguiu. Levou sua família e seu clã,
trouxe seus empregos e a segurança de saber que poderiam permanecer na
terra onde eles e seus pais e os pais de seus pais haviam nascido.
Em todo esse tempo, em todos os seus 31 anos e em todas as batalhas,
tanto literal e figurativa, lutou para proteger seu povo. Ninguém, mas ninguém,
nunca havia falado com ele do modo que Charlotte Hanover havia falado. Ela
o tinha posto de lado, rachado seus ossos e o esfolado até que sangrasse. E
tinha feito isso com um sorriso e um pedido de desculpas, como se fosse para
seu próprio bem.
A chuva que vinha ameaçando desde a última noite, finalmente desabou.
Ranulf ergueu seu rosto para o céu, desejando que o frio o molhasse para
esfriar seu temperamento furioso. Que maldita coragem que ela tinha para lhe
dizer que foi irracional, dizendo-lhe que criou problemas onde não havia
nenhum, insistindo que ninguém vivo tinha feito os danos que criticava, e que
assim, fazia sua raiva inconveniente e perigosa para aqueles que amava.
E então, no final, quando ela tinha tão friamente informado que Rowena
não queria mais nada a ver com ele ou com a Escócia... tinha perfurado seu
coração. Passou sua amaldiçoada vida protegendo sua família e seu povo, em
troca de quê? Fracasso? Sendo chamado de tolo?
Por um longo momento, fechou os olhos, deixando a chuva correr pelo
seu rosto e infiltrar-se em sua pele. Com o seu temperamento abrandado, uma
coisa ficou clara: ou ele estava errado ou Charlotte estava errada.
Na verdade, tinha passado muito pouco tempo na Inglaterra, e agora era
o tempo mais longo que tinha ficado em Londres. Não conhecia tanto a
aristocracia inglesa como o que sabia deles. Sua mãe tinha constantemente
manifestado sua vontade que seus meninos fossem respeitáveis, moderados e
acima de tudo, ingleses. Claro que tinha odiado mesmo a ideia de ser nobre
Sasannach.
Quando Eleanor suicidou-se e seu irmão Myles veio para cuidar de seus
filhos órfãos, Ranulf tinha detestado o homem pela forma que falava, vestia-se
e a maneira que insistiu que Bear, Arran e Rowena aprendessem as danças
inglesas mais recentes, literatura inglesa, regras e leis inglesas.
Eventualmente, juntou-se a eles também, mas só porque queria conhecer seu
inimigo, como possivelmente fez.
Seu inimigo. Sim, os ingleses fizeram coisas terríveis para os
highlanders, tirando pedaços de cultura e orgulho cada vez que os escoceses
lutavam contra a dominação. Seu próprio avô, Angus MacLawry, tinha sido
morto em Culloden. Por que, então, seu pai julgou conveniente casar-se com a
mais inglesa das mulheres inglesas? Tinha sido para tentar convencê-la a amar
as Highlands ou para que seus filhos tivessem uma noção do que seria ser
inglês?
Finalmente, sacudiu a água de seus olhos e virou Stirling para o sul
novamente, de volta para Londres. Maldita Charlotte Hanover por fazê-lo
questionar cada ponto de sua vida, por fazê-lo questionar se teria que ter
virado à esquerda, quando tinha sido destinado virar à direita.
Precisava pensar e precisava planejar. Poderia forçar sua irmã a
retornar para Glengask, mas não poderia fazê-la querer estar lá. Ordenar
Charlotte a manter sua opinião sobre ele para si mesma não mudaria nada, se
pudesse pedir-lhe para fazer. Um pouco de persuasão parecia estar na ordem,
mas primeiro teria que tratar de persuadir a si mesmo.
Evidentemente, precisava conhecer Londres e os seus moradores, antes
que pudesse decidir se eles realmente valiam a pena conhecer ou não. E
precisava decidir se estava disposto a arriscar a tornar-se mais familiarizado
com Charlotte, dado que, em cinco dias, já havia conseguido conduzir sua
vida. Em duas semanas, bem, poderia matá-lo, a menos que estivesse certa em
tudo e tivesse a intenção de salvá-lo de si mesmo.
Quando retornou a Tall House, Owen e Debny estavam de pé na frente
do pórtico, ignorando a chuva e discutindo se eles precisariam sair para
procurá-lo ou não.
- Milorde - disse o lacaio, mostrando alívio em todos os músculos de
seu corpo atarracado. - Deixou-nos assustados até morte. Debny nunca deveria
tê-lo deixado sair por conta própria.
- Eu não...
Ranulf silenciou ambos com um olhar.
- Debny fez como pedi para ele. Fim da discussão.
- Bem, bem. Mas você e Fergus estão mais molhados que o oceano.
- Vá se secar, Fergus - Ranulf disse, dirigindo-se para as escadas para
que pudesse trocar de roupa. - E, em seguida, encontrem aquele advogado.
Qual era o nome dele? Traga-o aqui.
- Sr. Black? - Owen propôs rigidamente. - O sujeito solícito com as
mãos úmidas?
- Sim. E não o insulte quando for buscá-lo.
Não podia ver os dois criados trocando olhares, mas pode sentir.
Podiam pensar que enlouqueceu e pelo que sabia, poderia ser.
- Por que estou buscando-o, milorde, se posso perguntar?
- Você não pode.
***
Arran MacLawry pegou a carta que o mordomo Cooper entregou-lhe e
abriu-a quando chegou à sala do café da manhã. Ranulf geralmente escrevia
cartas curtas, instruções sobre o que precisava ser feito e quando, sem muito
floreio ou descrição.
Quando abriu a missiva, no entanto, uma segunda página caiu no chão,
ambas às folhas cheias até as bordas, com a tinta e com a caligrafia de seu
irmão mais velho. Na primeira frase, parou em seguida.
- Munro! - Gritou. - Bear!
Um momento depois, seu irmão mais novo, meio vestido e com o cabelo
escuro saindo de um lado de sua cabeça como uma erva daninha enlouquecida,
tropeçou na sala do café da manhã.
- O que diabos deu na sua cabeça? - Exigiu, caindo em uma cadeira,
pensando profundamente e gesticulando para café.
Arran pigarreou.
- 'Arran,' - leu em voz alta, 'Para futuras correspondências vai encontrar-
me em Gilden House, 12 Market Street, a residência que comprei em Londres.'
A cabeça de Munro subiu.
- O quê? É de Ranulf? Comprou uma casa? Em Londres?
- Sim. É o que diz.
- Em nome de Deus, por quê?
- Deixe-me continuar, sim? Prosseguindo, 'Rowena declarou que
pretende nunca mais retornar à Escócia. Posso, portanto, ficar aqui por mais
tempo do que o esperado, até que possa persuadi-la de outro jeito.'
- 'Persuadir'? - Bear ecoou, franzindo a testa. - Ponha sua bunda em uma
carruagem e a traga de volta para casa, é simples assim.
- Evidentemente que não.
- Pergunto-me o que Lach terá a dizer sobre isso. Ontem, queixou-se que
Winnie não lhe enviou uma carta.
Que interessante, Arran decidiu-se.
- Não estava reclamando que escrevia todos os dias?
- Sim. Disse que estava muito cheia de entusiasmo feminino e agora quer
saber o que está fazendo que a impede de escrever.
- Está até recusando-se a voltar para casa. Diga-lhe isso e veja o que
faz.
- Não estou certo se quero saber. - Bear grunhiu. - Ran quer um
casamento por amor, mas o pobre Lach está preso entre seu chefe e uma moça
que o está perseguindo desde que podia andar. - Balançou a cabeça escura,
despenteada. - Se Ranulf não a está arrastando para casa, o que está fazendo?
Arran leu o resto da carta, três lados de instruções rigorosamente
escritas, em seguida, sentou-se pesadamente ao lado de seu irmão.
- Ranuf ficou louco.
- O que mais diz?
- Que Berling está em Londres, junto com o neto dos Campbells, que
devemos permanecer aqui e que uma moça chamada Charlotte é cheia de si e
precisa de uma lição ou duas sobre por que não deve repreender um
MacLawry.
A testa de Munro franziu.
- Charlotte. Não é a outra moça Hanover? Irmã de Jane ou algo assim?
- Não sei. Não prestei muita atenção. - Agora, Arran estava começando
a pensar que deveria ter prestado mais atenção ao que estava acontecendo em
Londres. - Será que alguma coisa faz sentido para você?
- Não. Deixe-me ver.
Arran entregou a carta a Munro, observando como seu irmão mais novo
lia com a mesma expressão de confusão que tinha provavelmente espelhado
em si mesmo.
- Notou quantas vezes ele cita esta Charlotte? - Perguntou.
- Sim. - Seu irmão retornou. - Mais do que menciona Rowena. - Bear
ficou em pé e entregou a carta. - Bem, isso encerra o assunto.
- Encerra o quê?
- Estou indo para Londres.
Diabos.
- Você não está. Ran diz que devemos ficar aqui.
- Pode estar acontecendo alguma coisa lá, metade dos bastardos estão
observando neste momento, enquanto estamos aqui. Você pode ficar.
Arran respirou.
- Bear, precisa ficar aqui. Eu irei.
- E por que você deve ser o único a...
- Ranulf diz que Rowena se envergonha de nós. Quem é mais ‘nós’ do
que qualquer um?
Bear franziu a testa.
- Posso me comportar.
- Deu-lhe uma sela em seu décimo oitavo aniversário. Apostaria que a
razão de ainda estar na cama quase ao meio-dia é que estava compartilhando
um travesseiro com Flora Peterkin. Ou é Bethia Peterkin? Se você não pode
manter uma vida decente, não pode esperar para ser uma ajuda à outra pessoa.
Especialmente não a Ranulf.
- Tudo bem, então. - Bear afundou de volta em sua cadeira. - Melhor
arrumar isso, Arran, ou vai me encontrar andando em seus calcanhares. Ou vou
fazer um pequeno sussurro no ouvido de Lachlan e soltá-lo.
- Irei vê-lo. - E também veria esta moça Charlotte, descobriria por que
Ranulf não conseguia parar de falar sobre ela, mesmo quando ele claramente
tinha mais problemas do que poderia desejar em suas mãos.
***

Jane puxou Charlotte para a sala matutina e apontou para o chão.


- Ajuda - disse com uma risada.
Ela e Winnie tinham combinado cada convite que receberam, para cafés
da manhã, almoços, recitais, piqueniques, jantares, teatro, saraus e até uma
proposta de excursão em barcos a remos acima do Tâmisa. Vendo todos eles
organizados por data e hora, assim, o grande volume era impressionante.
- Precisa de ajuda com o quê? - Perguntou, estendendo a mão para
acariciar Una, quando o cão de caça sentou-se aos seus pés.
Winnie, do outro lado das pilhas, apontou.
- Para os próximos dezessete dias temos um convite para café da manhã,
duas para excursões matutinas, quatro convites de almoço, mais três para
visitas à tarde ou compras, um sarau e uma noite no teatro. O que vamos fazer?
Charlotte olhou de uma para a outra. Não foi a primeira vez que se
sentiu velha, ou pelo menos, cansada. Todo ano vendo as mesmas pessoas,
alguns deles formando pares em casamento, mas outros, como ela,
simplesmente envelhecendo e sorrindo os mesmos risos forçados e
conversando sobre como muito jovem e tola a nova safra de debutantes
parecia ser, sentia-se tão pesada quanto chumbo naquele momento. E havia
mandado embora o único homem que mostrara algum interesse por ela, mesmo
que seu objetivo fosse à cama, em vez do altar.
- Char?
Estremeceu.
- Em primeiro lugar, precisa perguntar à mamãe e ao papai se há um
evento à noite que particularmente desejem participar ou evitar. Em seguida,
ver se há convites de outros eventos naquele mesmo dia ou semana com as
mesmas pessoas e escolher qual prefere. - Curvando-se, pegou um convite de
almoço. - Este é um piquenique com lorde Harold Onless - disse, escondendo
seu desagrado.
- Sim. Ele é muito bonito - disse a irmã - abanando o rosto com uma das
mãos.
- Seu primo de segundo grau é Donald Gerdens.
- O que significa essa informação? - Winnie retrucou, suas bochechas
avermelhando. - Há parlamento nesse dia, então Berling não estará no
piquenique.
- Rowena, seu irmão não gostaria. - Evidentemente, havia se tornado
uma babá, depois de tudo, e para as duas jovens ladies.
- Não me importo com o que meu irmão pensa - Winnie disse,
estridentemente. - Não o vi por uma semana.
Charlotte também não, mas tinha escutado. E ouviu rumores, boatos que
não faziam muito sentido.
- Disse que não queria vê-lo. Está honrando seus desejos. Não significa
que deva desconsiderar os seus, não é? Esta é uma questão da sua segurança.
- Bem, ele não vai saber e vou ficar bem, de modo que não tem
importância.
- Winnie.
Uma simples lágrima correu pela bochecha de Rowena.
- Como vou ignorá-lo e estar brava com ele se não aparece? - Emitiu,
afundando-se no sofá. - Ninguém se importa que estou sozinha aqui em
Londres!
Oh, querida! Charlotte não sabia como responder, especialmente quando
tinha sido a última da casa a falar com Ranulf. Ou conversar um pouco com
ele.
- Não está sozinha em Londres, Winnie - Jane disse vivamente. - Esse
Lachlan MacTier não merece seu afeto, se não pôde ao menos incomodar-se
em enviar-lhe uma nota. Quanto a lorde Glengask, sabe que adora você. É
como Charlotte diz, está honrando seus desejos.
Na verdade, Charlotte tinha mais do que uma suspeita de que ela fosse à
razão de Ranulf ter sumido. Mas havia ficado furiosa e até mesmo melancólica
sobre a briga na festa dos Evanstone, uma briga que os fofoqueiros ainda
estavam comentando, pelo amor de Deus. E o beijo, em seguida, sugerindo que
eles simplesmente... se tornassem amantes, porque, é claro, que eram errados
um para o outro, caso contrário, estaria errada em não expressar suas
opiniões. Realmente tinha dito mais do que pretendia, mas uma vez que havia
começado, não havia sido capaz de parar. Oh, ele a tinha provocado.
E então Ranulf desaparecera do olhar público por uma semana. Não
completamente. Evidentemente, cavalgou no início das manhãs e teve várias
reuniões com várias pessoas, mas não compareceu a quaisquer festas. Claro
que não estava certa se foi convidado para alguma depois do que aconteceu na
semana passada.
Mas, quanto a esse piquenique, se ela permitisse que algo acontecesse
na sua ausência que colocasse em risco sua irmã, então, toda a sua conversa
sobre como ele foi o único a causar problemas e como Rowena estava segura
entre a aristocracia inglesa, seria uma mentira. E se suas palavras
provocaram-lhe desânimo, então teria arruinado a mais interessante...
‘amizade’ que já tivera, e sem uma boa razão.
- Sim, seu irmão a adora. Assim, pode estar brava com ele e não
arriscar a sua segurança ao mesmo tempo, não pode? - Insistiu. - Tem dois
outros convites ao mesmo tempo para esse dia.
- Dois até agora - Longfellow entoou na entrada. O mordomo trouxe uma
bandeja de prata carregada com ainda mais convites e correspondência.
Toda crise esquecida, as meninas mergulharam, rindo e gritando quando
reconheciam um nome aqui ou um endereço lá. Charlotte supôs que não
poderia lhes invejar a excitação. Tinha tido uma estreia de temporada
esplêndida, culminando com um bonito noivado com James Appleton.
- Esta aqui é para você, Char - Janie disse, entregando uma carta
dobrada.
Não reconheceu o endereço, mas rompeu o lacre de cera e desdobrou a
nota. Enquanto lia o breve parágrafo, seu coração deslizou até parar e, em
seguida, novamente retomou. Respirando, leu novamente para ter certeza de
que não tinha perdido nada. Em seguida, limpou sua garganta.
- Winnie, deveria ler isto - disse, segurando-a com os dedos trêmulos.
Rowena pegou-a e leu e, em seguida, olhou para cima novamente.
- Meu irmão... ele comprou uma casa? - Sussurrou, as lágrimas
brilhando em seus olhos novamente. - Ranulf comprou uma casa? Em Londres?
- Sei tanto quanto você, Winnie. Dá um pouco de sentido para alguns
rumores estranhos que tenho ouvido.
- Bem, o que diz, pelo amor de Deus? - Janie perguntou.
Winnie não parecia capaz de responder, então Charlotte fez.
- Ranulf, lorde Glengask, comprou Gilden House em Market Street.
Convidou a nossa família para jantar lá amanhã à noite, se estivermos
disponíveis.
- Meu Deus - sua irmã exclamou. - Pensei que odiasse Londres!
- Odeia - Rowena finalmente colocou, enxugando os olhos. - Não
entendo.
Charlotte pensou talvez entendesse, mas não tinha nenhuma intenção de
dizer para qualquer uma das jovens que tinha tomado para si a tarefa sobre os
preconceitos infundados do marquês. Nunca.
- Quer que aceitemos o convite? - Perguntou, bastante surpreendida em
quão desesperadamente queria que Rowena dissesse sim. Seus argumentos
tiveram efeito sobre ele? Tinha escutado o que disse? Parecia que tinha, mas
queria saber ao certo. E queria saber qual o significado de suas ações.
- Suponho que devíamos - disse a irmã de Ranulf lentamente. - Seria
indelicado ignorar um convite direto, depois de tudo, não seria?
- Sim, acho que sim. Não desejamos ser rudes. - Não quando já tinha
excedido sua cota para esse comportamento específico com esse homem em
particular.
Mal devia ter notado que tinha estado ausente por uma semana, apenas
sete dias. A temporada estava em pleno andamento. Frequentou jantares,
saraus e recitais quase todas as noites. Mas tinha notado. E não queria que as
últimas palavras que tinham trocado fossem as últimas. Não, não parecia ter
terminado ainda com o marquês de Glengask. Se era uma coisa boa ou não, no
entanto, não tinha ideia.
Capítulo Oito
Ranulf parou no topo da escadaria principal, sua escadaria agora, e
respirou fundo. No hall de entrada abaixo, Owen e Peter pareciam ter a mesma
dificuldade em aceitar a mudança para Gilden House tanto quanto ele estava.
- ...mais criados Sasannach perambulando - Peter estava dizendo em seu
sussurro rouco. - Poderia muito bem ter ficado em Hanover House.
- Está permanecendo em Hanover House - Owen retornou. - Está aqui
hoje para nos ajudar a parecer civilizados. Então pare de gritar sobre
sasannach e mova aquelas flores para a sala de visitas.
- Mas por que tinha o lorde de comprar este lugar? Acha que quer
abandonar Glengask?
- Não. Nunca. Sempre existirá um MacLawry em Glengask.
Esta era a fofoca que Ranulf tinha esperado evitar. Segurando o
corrimão da grade, desceu a escadaria.
- Tudo pronto para esta noite, rapazes?
- Sim - Owen retornou, enviando a seu parceiro um olhar aguçado. - Nós
não fizemos muito da maneira dos jantares formais, mas tenho lido livros de
etiqueta. Faremos com que se sinta orgulhoso.
- Sei que vai. - Deliberadamente, bateu nos ombros de Peter. - Os
ingleses nos olham como bárbaros e demônios porque não nos conhecem ou
nossos modos. Pego-me fazendo algumas suposições gerais sobre eles, através
da mesma ignorância. - Deu um breve sorriso. - Estou conhecendo meu
inimigo. - E se alguns deles provar ser diferente de inimigos, bem, tanto
melhor para ele, supôs.
Quando Peter correu para cima com as flores, Owen perscrutou em torno
da extremidade da cortina da janela do estreito hall.
- Carruagem chegando. Deveria estar na sala de visitas, milorde. Os
sasan... ingleses não recebem seus hóspedes na porta.
Com um aceno com a cabeça, Ranulf recuou até as escadas. Quando
começou tudo aquilo tinha ficado com raiva e ressentido, principalmente com
Charlotte Hanover. Agora tinha passado de um ponto sem retorno, permaneceu
quase convencido de que a noite seria um desastre. Pelo menos,
provavelmente poderia ser interessante.
Na sala de visitas, serviu-se de um copo de uísque e tomou um gole
generoso. Tendo bebido praticamente desde que tinha cinco anos, um copo ou
dois o deixaria mais sóbrio que um pregador, mas esperava que acalmasse
seus nervos um pouco. Não estava acostumado a estar nervoso e não gostava
da sensação.
Owen pisou na entrada e parou, permanecendo rígido.
- Milorde – entoou, – lorde Swansley. - Com isso, deu um passo atrás.
Um momento depois, um Myles com aspecto divertido, olhou-o e passou para
a sala de visitas.
- Ranulf – disse, continuando em frente e oferecendo sua mão. -
Obrigado por me convidar. Foi... inesperado. E extremamente bem-vindo.
Ranulf apertou a mão de seu tio e, em seguida, soltou-a novamente.
- Você é da família - disse lentamente, sabendo que estava invertendo o
decreto que tinha feito há três anos. - E Rowena espera vê-lo aqui.
Compreendendo e entendendo, Myles assentiu com a cabeça.
- É uma bela casa. Devo dizer que estou surpreso por adquirir uma
propriedade em Mayfair ou estamos evitando essas discussões?
- Estou andando a uma milha em botas inglesas - Ranulf respondeu. -
São pequeninas e beliscam, mas ainda estou fazendo isso. Vamos deixar por
isso mesmo, deve v....
- Milorde, tenho o prazer de apresentar lorde Hest, lady Hest, lady
Rowena MacLawry, lady Charlotte Hanover e lady Jane Hanover.
- Obrigado, Owen.
O criado deu um passo para trás e gesticulou. Vestia luvas brancas,
Ranulf notou. Owen tinha lido os livros de etiqueta. Quando Hest entrou na
sala, no entanto, Ranulf deixou de lado... sua desconfiança sobre o que Owen
poderia ter reservado para eles em seguida.
Caminhou para apertar a mão do conde e fez uma reverência para a
condessa. Toda a sua atenção, no entanto, manteve-se na entrada. Sim, sentira
falta de sua irmã, sentira falta de ver com seus próprios olhos que estava
segura; apesar dos dois relatórios diários de Peter Gilling, mas Rowena não
era a moça sobre quem tinha sonhado nas últimas sete noites. Não, uma beleza
de cabelos dourados e olhos castanhos continuava a atormentar seus
pensamentos, tanto quanto o havia atormentado em pessoa há uma semana.
Permaneceu incerto de como se sentia e ainda menos sobre o que ela sentia,
exceto que sabia que queria: necessitava vê-la.
Rowena entrou na sala, um sorriso incerto em seu rosto que se arregalou
quando avistou tio Myles. Fiel a si própria, continuou diretamente até Ranulf.
- É verdade que você comprou esta casa?
- Sim.
- Por quê?
Ele deu de ombros.
- Não posso julgar Londres do lado de fora, agora posso?
Ela olhou-o perscrutadoramente por um momento, então fechou a
distância entre eles, arremessando seus braços ao redor de seu peito.
- O que quer que deu em você, Ranulf, obrigada.
Ranulf a abraçou de volta firmemente.
- O que está me agradecendo, moça? Sei que você não esqueceu a briga
no sarau Evanstone.
- Não sei - retornou com uma risada curta, endireitando-se novamente e
enxugando seus olhos. - Suponho que porque você está ainda aqui e porque eu
ainda estou também.
- Dei minha palavra, piuthar. - Absteve-se de lembrar-lhe que ela tinha
jurado nunca sair da maldita Londres. Uma coisa de cada vez.
Uma figura em um vestido amarelo entrou na sala, mas soltou o fôlego
preso em sua garganta. Jane era bastante agradável, mas não era a irmã
Hanover que queria ver. E então lá estava ela, em uma seda verde simples com
uma pelica cinza por cima, seus olhos castanhos acolhendo seu bom gosto na
decoração da sala. E sabia que era elegante porque tinha comprado totalmente
mobiliada.
Resolutamente, voltou seu olhar para a irmã mais nova. Não seria bom
ser rude, afinal.
- Lady Jane - disse, pegando sua mão e curvando-se.
- Lorde Glengask. Você tem uma... casa muito agradável.
- Muito obrigado, moça. Ainda estou à espera de uma chuva pesada para
ver os vazamentos no telhado, mas acredito que seja sólida.
Só então encarou Charlotte.
- Bem, milady, o que acha? - Perguntou, colocando as mãos atrás das
costas. Parecia a melhor maneira de impedir-se de agarrá-la para um beijo,
especialmente quando estava tão susceptível de ser saudado com um tapa.
Charlotte manteve o olhar em seu rosto.
- Acho que estou surpresa.
- Não deveria estar - retornou em voz mais baixa, quando o resto de sua
família foi saudar Myles. - Você é a causa disso.
Sua sobrancelha levantou-se.
- Não sugeri que comprasse uma casa.
- Não. Disse-me para parar de julgar onde não tenho conhecimento.
Estou ganhando conhecimento.
Torcendo os dedos, Charlotte desviou o olhar.
- É bom, então.
- Sim. Acho que sim. Também comprei uma 'daquelas carruagens'. Não é
muito prática para as Highlands, mas me pergunto se gostaria de dar um
passeio comigo amanhã. Tenho vontade de dar uma olhada no interior do
Museu Britânico.
Charlotte deu um passo mais perto.
- Não entendo. Você…
- Insultei a sua sensibilidade e perfurou-me o osso com a sua resposta -
interrompeu. Fizera de um modo que ninguém que conhecia jamais tinha
tentado, mas só que fizera mais convincente.
- Então, basta dizer que este é um novo dia? Um novo começo, talvez?
Depois de um momento, ela balançou a cabeça.
- Não há novos começos.
Um músculo em sua mandíbula cerrou. Não esperava luz do sol e rosas,
com certeza, mas ser negado uma chance quando tinha feito tudo isso... Um
pensamento lhe ocorreu. Tinha decidido estabelecer uma melhor convivência
com os ingleses por si mesmo. Será que foi uma coisa sábia a fazer? Ou fez
isso para apagar o olhar de desgosto de um par de sábios olhos cor de avelã?
E o que diabo queria dizer?
- Bem, então - forçou-se a dizer. - Agradeço-lhe por ser honesta comigo.
- Pode buscar-me às dez horas amanhã – disse.
- O... o quê?
- Não vou ignorar o que eu sei de você, mais do que você deixará de
lado o que sabe de mim - comentou, tentando afofar sua gravata muito
adequada. - E devo admitir que me sinto atraída por você... Ranulf. Apesar de
meu bom senso e apesar do que afirmou que quer de mim.
- Manteve-me acordado durante noites, Charlotte - disse. - Por causa do
que quero de você. Devia ser sábia e correr para o outro lado.
- Ainda estou aqui.
- Sim. Aí está você. - Seu olhar abaixou para sua boca, para a curva
suave e quente de seus lábios. Deus, queria o sabor dela. Tinha sido uma
semana maldita, de afastar impaciência e frustração e velhos ódios. Tudo por
causa de algo que não podia nem colocar um nome, mas sentia a necessidade
desesperada para prosseguir.
- Ranulf!
Ranulf sobressaltou-se. A expressão de Charlotte também era assustada.
Na esperança do que tinha pensado não se mostrasse através de suas calças,
ajustou seu casaco e enfrentou sua irmã.
- Sim?
- Você tem tempo para nos mostrar a casa agora ou devemos esperar até
depois do jantar? - Seu olhar cinza desviou dele para Charlotte e vice-versa.
- Vamos agora - ouviu-se dizer. Sem ousar olhar de volta para Charlotte,
caminhou até se juntar ao grupo principal. - Antes de comprá-la, esta casa era
a residência em Londres de Matthew, visconde de Danvers. Herdou-a de sua
avó, Lucille Gilden, marquesa de Huntly. Conhecia-os, lorde Hest?
O pai da Charlotte assentiu com a cabeça.
- Estou muito bem familiarizado com Danvers, embora nos seus últimos
anos, tenha ficado doente e bastante recluso, esta é a primeira vez que venho
em Gilden House.
- Vamos começar com os quartos neste andar, então. Aqui em frente é a
biblioteca, apesar de que Danvers principalmente parecia colecionar jornais
velhos aqui.
Charlotte ficou onde estava, quando os demais convidados do jantar
cruzaram o corredor para a biblioteca. Uma semana atrás, havia ficado fora de
si de fúria com Ranulf MacLawry. E esta noite quase o beijou, e ainda por
cima, na frente de sua família.
Pelo amor de Deus, nunca tinha sequer beijado James até que estivessem
comprometidos, porque de outra forma... Bem, simplesmente não tinha feito.
Mas em dois anos conhecendo o senhor Appleton, como... tinha sido
inflexível, não podia lembrar de sentir tal onda de calor e necessidade que
tinha sentido quando Ranulf olhava para ela.
Jane o tinha chamado de temível e viril e Charlotte riu de sua irmã. Mas
não podia discutir que havia uma certa vivacidade que parecia faltar a maioria
dos outros homens com quem estava familiarizada. Insultou-a, sugeriu que se
tornasse sua amante só pelo tempo que estivesse em Londres, claro, e, em
seguida, começou uma briga.
Então por que atualmente tinha as mãos apertadas na sua frente, e por
que estava imaginando o que aconteceria com sua vida se caísse na cama com
ele?
Nunca seria capaz de casar-se, claro, sem seu possível futuro marido
saber que não era casta. Mas, em seguida, tinha desistido do casamento há
vários anos e a cada ano suas perspectivas esmaeciam mais. Se fossem
indiscretos, então, seria o assunto de fofoca, seria excluída da maior parte da
sociedade. Mas era apenas se alguém percebesse o que estava ocorrendo. Se
estivessem planejando ir adiante. Se decidisse que a atração de estar em seus
braços superava o seu desejo de decoro.
- Charlotte?
Piscou de volta para o presente, enquanto Rowena deslizava na sala.
- Sinto muito – disse, sorrindo. - Estava perdida em pensamentos. -
Avançando, colocou o braço em volta de Winnie. - O que perdi?
- Penso talvez que eu tenha perdido algo - Rowena respondeu, sem se
mover, apesar da insistência gentil de Charlotte. - Você está interessada no
meu irmão?
Oh, céus!
- Por que no mundo pensaria uma coisa dessa? - Disse, soando um
pouco mais estridente do que desejava. - Lorde Glengask e eu não
concordamos sobre nada! - Oh querida, oh querida! Se Rowena tinha notado,
então sua irmã? Seus pais?
- Ninguém está de igual para igual com Ranulf. Mas você faz. Acho que
significa que o aprecia.
Charlotte fez uma careta.
- Aprecio um bom argumento - admitiu.
A irmã do marquês balançou a cabeça.
- Está com vergonha porque gosta dele? Porque é escocês?
- Céus não, Winnie. - Isso não estava indo nada bem, e a última coisa
que queria era que Rowena ou seu irmão pensassem que era apenas mais uma
esnobe de sangue azul. - Eu... - Ela soltou sua respiração. - Existe uma atração
- admitiu, falando devagar e sondando as palavras antes de dizer em voz alta. -
Pediu-me para ir com ele ao museu amanhã e concordei. Quanto a estar atrás
dele, acho que nós duas sabemos que seu irmão não tem nenhuma intenção de
tomar uma noiva inglesa.
Olhos cinzentos se abriram mais.
- Casamento? Bom Saint Andrew, quer se casar com ele?
Charlotte tossiu.
- Nunca disse tal coisa! - Sugeriu. - Só quis dizer que não poderia ser
muito séria a nossa relação.
- Meu Deus. Quase parou meu coração - disse Winnie, rindo quando
apertou o braço de Charlotte.
- E você quase parou o meu! - Charlotte a beijou na bochecha, tomando
aquele momento para esconder a ferida que tinha causado a suposição
verdadeira de Winnie. Foi uma ideia tão estranha? Por que ela tinha vinte e
cinco anos? Por que era inglesa? Deitar-se sob os cobertores seria
perfeitamente aceitável, mas nada sério, nada permanente. - Seria melhor
alcançá-los ou seu irmão vai pensar que não gostamos de sua casa.
Rowena parecia satisfeita, mas o coração e a cabeça de Charlotte
continuavam girando. Se tivesse quaisquer tolos pensamentos que aguardavam
um final de conto de fadas, Winnie acabara com eles. Mas provavelmente era
uma coisa boa. Afinal, ela e Ranulf não eram exatamente semelhantes. E
preferiu saber onde os levaria. Ranulf MacLawry esperava perto do portão,
estava meramente distraindo-se no sólido jardim em vez de entrar na casa. A
notória casa. Porque aquela através da qual andava no momento era dele e era
muito agradável.
Gilden House ficava em uma rua imponente, com majestosas fileiras de
árvores de olmo antigas. Situava-se no meio de Mayfair, literal e
figurativamente. Se tivesse feito por sua causa... Um calafrio morno correu por
sua espinha, apesar da severidade de seus pensamentos. Ranulf era um homem
muito intrigante, afinal, e merecia achar ser intrigante, em troca.
Um momento depois, os pelos de seus braços levantaram e uma mão
quente segurou seu cotovelo.
- Quase posso ver sua casa daqui - murmurou Ranulf, juntando-se a ela
na janela de frente do aposento principal.
Queria encostar-se contra ele, sentir seus braços envolvendo em torno
de sua cintura, esquecer toda a tolice e tentar complicar a simples... luxúria
correndo sob sua pele.
- Honestamente não pensei que nós nos falaríamos novamente - disse, no
mesmo tom de voz baixo.
- Da mesma forma. Não estou acostumado com alguém gritando comigo.
Qualquer pessoa. - Inclinou-se como se estivesse cheirando o cabelo dela. -
Levei um bom dia ou dois para admitir que você tinha feito um ponto justo. -
Ranulf olhou para trás. - Mas pode ser uma conversa para outra hora - falou
pausadamente, seu sotaque suave enviando excitação, percorrendo abaixo de
sua pele.
O que quer que tivesse acontecido há mais de uma semana, pensara
brevemente, mas o marquês de Glengask dominara sua consternação ao vê-lo
começar uma briga porque alguém que não gostava tinha desejado dançar com
ela. Talvez tivesse sido provocado, talvez tivesse feito provocação, mas
independentemente do que ocorrera, a violência fazia adoecer seu estômago. A
sede masculina de honra ou poder ou superioridade, era quase tudo o que
James Appleton tinha pensado, e então o mataram. Qualquer que fosse o velho
ditado sobre o orgulho vir antes de uma queda, os livros de história estavam
cheios de histórias sobre homens cujo senso de honra ou orgulho os enviaram
tropeçando para a morte. E Ranulf enfrentou todos os tipos de golpes frente a
seu orgulho e acenou para todos.
Estavam na sala de estar quando um gongo soou, reverberando através
da grande casa como o estrondo de um trovão. As portas duplas que conectam
a sala de estar com a pequena sala de jantar abriu-se e o lacaio Owen ficou
parado no uniforme preto e luvas brancas.
- O jantar está servido, lordes e ladys.
- Obrigado, Owen. - Ranulf levantou-se e fez um gesto para seus
convidados em direção à porta.
- Não, milorde - o criado sussurrou ruidosamente. - Deve ir primeiro e
levar a moça de mais alta posição com você. Lady Hest, neste caso.
Rowena abafou uma risada atrás de sua mão e aproximou-se para tomar
o braço de lorde Hest. Lorde Swansley ofereceu ambos os braços, um para
Charlotte e outro para Janie, que não era estritamente adequado, mas ela sabia
que Jane apreciaria não ter que entrar sozinha.
- Espero que não esteja errado - Ranulf disse, quando todos tomaram
seus assentos - mas nós jantaremos carne de veado escocês com folhas e raiz
de beterraba. É geralmente servido no Hogmanay, mas achei que tinha que
fazer uma exceção.
- O que é Hogmanay? - Janie perguntou.
- Ah. O final do ano. Véspera de Ano Novo. - Sorriu. - E você deve ao
menos tentar alguns haggis, preparado no estilo das Highlands.
- Qual é o estilo das Highlands? - Jane sussurrou, inclinando-se para dar
um puxão no braço de Rowena.
Rowena sorriu.
- Pulmões fervidos de uma ovelha ou vaca ou cervo, cortado em cubos e
servido com mingau de aveia, legumes e outras especiarias.
Seu tio Myles, tomou um gole de vinho.
- Você poderia considerar rechear a carne de veado - disse ele, em voz
baixa. - Aprendi a tolerar haggis, mas não diria que gosto.
- Bear costumava dizer que colocaria cabelo em meu peito - continuou
Winnie, rindo. - Então eu chorava quando me obrigavam a comê-lo até tio
Myles apertar-lhe as orelhas. - Sentou-se adiante para olhar em direção à
cabeceira da mesa. - Você tem um cozinheiro apropriado das Highlands então,
Ran?
- Não. A senhora Flost definitivamente não é escocesa. Mas Peter, Owen
e eu mostramos a ela como fazer carne de veado e haggis.
- Oh, céus! - Jane sussurrou.
A carne de veado na verdade acabou por ser deliciosa e o grupo
surpreendentemente alegre. Ranulf explicou como a celebração de Hogmanay
envolvia toda a comunidade, com os agricultores, trazendo seus produtos
exclusivamente escolhidos. E o lorde do clã hospedava uma noite ou duas ou
mais provavelmente, para dançar, cantar, beber e comer.
O modo como falava disso, com interrupções úteis de Winnie e lorde
Swansley, pintou um retrato tão vívido que Charlotte quase podia ver os
dançarinos à luz da fogueira e ver os jovens correndo e tentando esvaziar as
canecas de cerveja antes que seus pais pudessem observá-los.
- Milorde - Owen anunciou, quando dois criados apareceram carregando
travessas - nós trouxemos o haggis. - Franziu a testa. - Se tivesse me permitido
contratar um flautista, poderia ter anunciado mais adequadamente.
- Acho que fez um ótimo trabalho, Owen, - Winnie disse, seu sotaque
aprofundando quando bebeu de um terceiro copo de vinho. - Melhor que
qualquer flautista.
- Obrigado, lady Winnie - o lacaio disse, corando.
Charlotte estudou o prato colocado na sua frente. Pareceu granuloso,
com pedaços de cebola e fígado, o que deveria ser os órgãos em cubos. O
cheiro estava bastante agradável, de qualquer maneira.
- Dê uma mordida, moça - Ranulf insistiu com um sorriso. - Não vai
matá-la.
Ela deu uma risadinha, uma indicação clara que também tinha bebido
demais esta noite. Parecia ser parte da tradição escocesa, entretanto, assim
supôs que estava apenas sendo simpática. Respirando, pegou uma porção
generosa com o garfo e deslizou em sua boca.
O gosto não era ruim, mas a textura lembrava as piores partes do pudim
de sangue. Manteve-se mastigando, forçando um sorriso.
- Interessante! - Administrou, levantando o guardanapo para cobrir sua
boca enquanto falava.
Ranulf riu. Percebeu que nunca o tinha ouvido rir antes. O som profundo
e rico encantou-a até os seus dedões do pé. Aqueceu em todos os lugares,
inclusive lugares que as damas não deveriam falar. Amanhã, na próxima
semana, no próximo mês, o que realmente significavam um para o outro? Ele e
hoje à noite, foram ambos extremamente interessantes.
- Não acho que poderia comer mais - Jane exclamou com uma risada,
olhando seu prato cheio como se fosse uma cobra.
Engolindo em seco, Charlotte balançou a cabeça.
- Oh não, você não. Todo mundo tem que experimentar pelo menos uma
mordida.
Ambos Ranulf e Winnie estavam na metade de sua porção de haggis,
Ranulf especialmente comendo com grande entusiasmo.
- Não é perfeito - disse entre garfadas, - mas dá para comer.
Enquanto o restante da família tentava esvaziar com garfadas a porção,
Charlotte encontrou o olhar de Ranulf do outro lado da mesa. Seu sorriso
divertido se aprofundou e ele ergueu o copo de uísque, inclinando-o em sua
direção antes de tomar um gole. Talvez fosse a generosa quantidade de vinho
que estivera bebendo, mas, de repente, desejou que o resto de sua família e a
dele estivessem em outro lugar, que fossem apenas os dois, a luz da vela e o
fogo quente na lareira em frente às janelas.
O modo que o fogo atrás dela refletia na janela era bastante notável,
realmente. Se perguntava se o arquiteto alterou ligeiramente o ângulo das
janelas tendo em mente seu efeito.
Exceto que a luz das janelas continuavam ardendo mais brilhante. Seu
coração deu um baque estranho. Charlotte ficou de pé, o garfo esquecido na
mão.
- Ranulf. O....
A porta lateral se abriu no mesmo instante. Peter Gilling, o lacaio que
estava hospedado em Hanover House, deu uma guinada para a sala.
- Fogo, milorde! O estábulo!
Ranulf já estava a meio caminho de seus pés.
- Senhoras, fiquem aqui. Cães, em guarda!
Os dois cães que estavam à beira do fogo atrás dela ficaram atentos,
suas caudas estendidas e seus narizes no ar.
- O que podemos fazer? - Perguntou ela, quando ele, Myles e seu pai
saíram correndo da sala, os dois criados escoceses e o par de ingleses atrás
deles.
Seu olhar feroz fixou o dela.
- Fique segura - disse e desapareceu porta afora.
- Oh, querido! - Winnie disse, correndo para a janela. - Isto parece
quando as escolas queimaram e Bear levou um tiro.
- Tolice - Charlotte forçou-se a ficar. - Esta é uma casa antiga com um
novo dono e um novo grupo de servos. Alguém provavelmente tropeçou em um
lampião.
- Acredito que sim. Oh, eu espero que sim. Stirling está no estábulo. E
Ranulf o tem há anos e anos. Se queimar...
Ambas as moças estavam agora em lágrimas e até mesmo sua mãe estava
à beira delas. Franzindo a testa, Charlotte foi adiante e puxou-as longe da
janela.
- Quando voltarem, provavelmente estarão molhados, com frio e
cobertos de fuligem. Vamos achar alguns cobertores e alguns panos e tigelas
de água limpa, vamos? Tragam o que encontrarem para a sala de visitas.
- Sim - lady Hest concordou, enviando-lhe um olhar agradecido. -
Venham, meninas. Temos que fazer nossa parte.
Elas saíram da sala na direção da cozinha, Una em seus calcanhares.
Quando Charlotte olhou para baixo, Fergus estava junto dela, seus pelos
levantados e seu focinho enrugou quando o cheiro de fumaça entrou na
pequena sala de jantar.
Não queria recolher cobertores. Queria sair e fazer algo para ajudar.
Reunindo suas saias, Charlotte correu para a porta da frente. Estava aberta,
fumaça flutuando no vestíbulo quando a brisa levou-a para o leste. Uma vez
que parou do lado de fora, fechou-a atrás dela, caso contrário, mesmo depois
que extinguissem o fogo, Ranulf teria que substituir todas as suas cortinas.
Dadas às circunstâncias parecia uma coisa estranha para se preocupar,
mas quando virou à esquina da casa, ela parou, todos os pensamentos de
cortinas fugindo. Chamas laranjas e bravas subiam fora da janela do celeiro e
toda a parte de trás do edifício não era nada mais que fumaça e chamas. E
soube imediatamente que nenhuma virada de lampião tinha provocado esse
incêndio.
Estremeceu e, em seguida, correu para frente novamente ao som do grito
de Ranulf. Homens e cavalos correram à frente das chamas. E enquanto se
aproximava, fez o caminho irregular dos homens que transportam baldes do
poço atrás da casa.
Um jovem muito preocupado com a aparência pôs em marcha a manivela
para trazer o balde para cima e para baixo enquanto outros usavam a água para
encher ainda mais baldes e entregá-los para baixo no caminho. Charlotte
respirou, tossindo. Não poderia ser capaz de transportar uma quantidade de
baldes pesados, mas poderia certamente ajudar a girar uma manivela.
- Deixe-me ajudar - disse, movendo-se para o lado oposto do poço e
juntando as mãos com as suas.
- Obrigado, senhorita - disse comovidamente, ofegante.
Trabalhando juntos, deixavam cair o balde e puxavam-no quase com o
dobro da velocidade que vinha acontecendo antes. Os criados das casas
vizinhas começaram a aparecer, e ela instruiu-os para soltar mais cordas com
baldes no poço para acelerar o fluxo da água para o fogo.
Seus braços começaram a se sentir como chumbo, mas apertou a
mandíbula e continuou a rodar a manivela. Por mais que estivesse exausta, os
homens transportando os baldes cheios de água deviam estar ainda mais.
Fechou sua mente para o entorpecimento e a dor afiada e concentrou-se em
nada mais que mover os braços.
Uma mão fechou sobre a sua, e com um rangido a manivela parou de
girar.
- Bem feito, Ginger - o baixo sotaque de Ranulf veio. - Muito bem,
moça. Apagou o fogo.
Não podia esticar os dedos. Depois de um momento ele pareceu
perceber o que ocorria porque com um toque surpreendentemente suave, puxou
suas mãos livres.
- Salvamos Stirling? - Ouviu-se perguntar, mesmo quando suas pernas
cediam. Quanto tempo tinha estado ali? Parecia que anos e segundos, ambos
ao mesmo tempo.
- Stirling está bem. Todos os cavalos estão fora. O estábulo está
perdido, mas o fogo não avançou para a casa, graças a Saint Andrew e todos
os anjos.
Ela olhou-o, alto e formidável até com o casaco perdido e as mangas da
camisa arregaçadas, chamuscado e fuligem cobrindo quase toda polegada
dele. E então, antes que pudesse protestar que só precisava de um momento ou
dois para voltar a sentir os braços e pernas, ele a arrebatou em seus braços e a
levou de volta para a casa.
- Oh, graças a Deus, Charlotte! - Ouviu a mãe dizer. - Procuramos em
todos os lugares por você!
- Estava ajudando a puxar água do poço - disse. Abruptamente, percebeu
que Ranulf ainda a carregava e lhe deu uma cotovelada em seu peito duro.
- Não sou uma inválida - afirmou. - Você pode me abaixar agora, por
favor.
Seu aperto aumentou momentaneamente e então colocou-a no chão perto
de um de seus sofás exuberantes.
- Vou buscar um pouco de uísque - disse com a voz rouca e afastou-se.
Imediatamente Jane sentou-se no chão ao lado dela e pegou sua mão.
- Oh, você tem bolhas - disse e começou a esfregar os dedos de
Charlotte.
- Sinto-me como uma grande bolha - ela voltou, estremecendo quando
alfinetes e agulhas começaram a dançar para cima em seus braços.
- Como não poderia não ser. - Ranulf disse, agachado ao lado de Jane e
segurando um copo aos lábios de Charlotte. - Você ficou lá por quase três
horas, ouvi meu camareiro dizer. Ele diz que você organizou os vizinhos e
seus poços também.
Três horas? Não admira que se sentia tão irritada.
- Queria ajudar.
- E assim você fez. Quase arrancou os braços do pobre Ginger fora. Não
será capaz de amarrar um nó de gravata por uma semana. Beba.
Com o restante de sua família ansiosamente assistindo fez como ele
ordenou e engoliu vários goles do forte uísque. Seus músculos começaram a
relaxar e fechou os olhos. A última coisa que lembrava foi de Ranulf
esfregando seus dedos e a chamando de moça bela, corajosa. Bem, foi bom
ouvir.
***
Ranulf levou uma Charlotte adormecida para o coche de sua família,
pousando-a cuidadosamente no banco, movendo-se para trás enquanto os
demais Hanovers e Rowena subiam atrás dela. Esta noite mandou tanto Peter
quanto Debny atrás com eles e Una, só porque o dano tinha sido feito não
significava que estava acabado.
Quando saiu atrás do coche, Rowena alcançou a janela e agarrou seu
pulso.
- Charlotte disse que alguém derrubou um lampião. Acha que foi isso
que aconteceu?
E mesmo cansada e preocupada, ainda fez um esforço para sufocar seu
sotaque. Ranulf lembrou-se de Berling e seus asseclas.
- Eu não sei, moça. Vamos dar uma olhada pela manhã, quando a luz
estiver melhor.
Rowena assentiu com a cabeça.
- Cuidado, Ran. E por favor, não faça nada com raiva.
- Eu não vou. Mantenha Una em seu quarto com você esta noite apenas
para aliviar a minha mente. Boa noite, piuthar.
- Boa noite, bràthair.
No momento que o coche começou a se movimentar, caminhou de volta
para o estábulo fumegante. Os cavalariços teriam que vigiar a noite toda para
ter certeza que as chamas não entrassem em erupção novamente. Os cinco
cavalos que tinha guardado no interior do estábulo estavam seguros e
provavelmente ainda agitados na casa do duque de Greaves, na próxima rua.
- Você não vai tentar nada louco não é, Ranulf? - Seu tio perguntou
alguns passos atrás dele.
- Acontece que conheço um homem com uma reputação para a criação
de incêndios, Myles. - Disse, seus ombros doendo de manter tal rédea
apertada em seu temperamento.
Queria ferir alguém por isso, Berling. O homem pôs sua casa, sua
família em perigo. Poderia muito bem ter queimado mais uma dúzia de casas
ao longo da rua se o vento estivesse mais selvagem ou se sua resposta fosse
mais lenta. E por baixo de tudo, enterrada debaixo de um monte de brasas
ardentes, estava a coisa que mais o perturbava: a ideia que Charlotte tinha
estado fora, no meio do caos e que poderia ter sido ferida.
Quando a tinha encontrado no poço, seu rosto estava pálido e claramente
exausto, suas mãos apertando a manivela tão forte que precisou de sua ajuda
para soltá-la. Vê-la ali de pé, firme, em meio ao caos tinha sido... Tinha sido
uma revelação. Ela estava certa, sim, e não tinha estômago para derramamento
de sangue, mas não era tímida e não era fraca.
E com todo seu preconceito contra os ingleses, foram criados ingleses e
seus senhores que o ajudaram a apagar o fogo. E foi um duque inglês que
ofereceu o estábulo para seus cavalos. E a menos que estivesse muito
enganado, tinha sido um escocês disfarçado como um inglês que ateou este
fogo.
- Ranulf, não sabemos com certeza se Berling é o culpado. - Myles
disse, como se lendo seus pensamentos. - Não sabemos se foi ele que queimou
as escolas ou atirou em Bear. Afinal, foi para os Donnellys que eu disse.
Ranulf virou para seu tio.
- Eu sei - silvou. - Deveria ter dado um jeito quando tive a chance.
Quebrar seu nariz claramente não foi suficiente.
- Talvez devesse ter. Nas Highlands você teria uma chance justa de fugir.
Mas esta é Londres e ele tem mais amigos e aliados aqui mais do que você
tem.
- Então, eles podem estar aliados a um homem morto. - Com um último
olhar para os destroços fumegantes, ele voltou para a casa.
Myles agarrou seu ombro.
- Pelo menos espere até amanhã. - disse firmemente.
Quando Ranulf olhou dele para sua mão, seu tio o soltou novamente.
- Ele estará esperando por mim hoje à noite. O amanhã logo chega.
- Graças a Deus. Venha passar a noite em Wilkie House.
- Não. Vou ajudar a manter vigilância sobre o estábulo até a fumaça
parar de subir. - Além disso, tinha que pensar. E a concentração cabia em seu
humor muito melhor do que uma cama confortável na residência do seu tio.
- Bem, vá dormir. Posso apenas ser uma parte da família, mas me
preocupo com você, rapaz.
Com uma careta, Ranulf parou e se virou.
- Eu estava errado - disse calmamente. - Você é meu tio. Você faz parte
do meu clã e gosto de você. Dou-lhe minha palavra que não vou seguir Berling
hoje à noite.
Myles desviou o olhar por um momento, e, em seguida, passou a mão em
seu rosto quando se virou novamente.
- Devo ter fumaça em meus olhos. - Resmungou, sua voz não muito
firme, quando piscou e esfregou os olhos. - Obrigado, Ranulf. Vocês são minha
família, você sabe. Perdendo vocês...
Ranulf colocou a mão no ombro do seu tio.
- Você não vai perder-nos novamente. Não posso garantir a paz, mas a
família permanece unida.
Isso, pelo menos, podia ver. Berling seria mais complicado. Não queria
nada mais do que tirar a vida desse homem que sabia ser uma ameaça, antes
que qualquer outra coisa pudesse acontecer. Mas Myles estava certo, não
estavam nas Highlands. De modo que não gostava, mas teria cautela. Veria
Donald Gerdens, jurou.
Capítulo Nove
Ranulf despertou com o som de vozes masculinas exaltadas e um cão
latindo ruidosamente. Cada músculo parecia rígido, o que fazia sentido, uma
vez que percebeu que tinha adormecido sentando em sua escrivaninha. Uma
página do livro de leis inglesas que esteve lendo ficou presa no seu rosto e ele
arranhou em seu restolho de barba quando levantou a cabeça. Gemendo,
levantou-se.
- Danação! - um sotaque familiar veio da porta. - Você parece com o
inferno que foi cuspido para fora de uma lareira.
Um alívio cortante o atingiu com a visão do homem alto de cabelos
negros em pé ali.
- Disse-lhe para ficar em Glengask, Arran - replicou, dando uma volta
na cadeira e caminhando para seu irmão. Abruptamente, já não se sentia tão
em desvantagem por inimigos, por ingleses ou por mulheres.
- Sim. Eu decidi ir contra o que disse.
Ranulf puxou-o para um forte abraço.
- Estou contente em vê-lo.
- Certamente está. Precisa de alguém para ajudá-lo a limpar aquela
bagunça lá fora. - Arran deu-lhe um tapinha nas costas, então saiu do abraço. -
Owen disse que conseguiu tirar os cavalos e que ninguém mais saiu
chamuscado. Também tentou me fazer apostar dez libras que foi Donald
Gerdens.
- Não sei se deveria aceitar essa aposta. Poderia perder.
Juntos, andaram pelo corredor para a sala do café da manhã, onde o
aparador estava com um café da manhã simples de haggis requentados, pão
torrado e ovos cozidos. Fergus dançava em torno deles, alternando entre
empurrar sua cabeça embaixo da mão de Arran e de Ranulf.
- Presumo que Una está com Winnie? - Arran perguntou, selecionando
um café da manhã enorme e enganchando sua bota em torno de uma perna da
cadeira para sentar-se.
- Sim. Peter e Debny estão em Hanover House também.
- Bom. Deixe-me pôr alguma coisa em meu estômago e depois
poderemos ir matar Berling.
Juntando um café da manhã muito mais substancial para si mesmo,
Ranulf sentou-se em frente a seu irmão. Arran era o mais sensato dos irmãos
MacLawry, o mais educado, e sem dúvida, o mais inteligente. O pouco que
ouviu sobre o fogo, convenceu-o de que Berling estava envolvido, então assim
era.
- Bem? - Arran chamou depois de um momento. - Tem alguma coisa em
mente?
Ranulf sentou-se quando o atento Owen serviu-lhe uma transbordante
xícara de café quente.
- Myles lembrou-me ontem à noite que aqui não são as Highlands. Não
tenho dificuldade em separar a cabeça de Berling dos seus ombros, mas não
acho que a Inglaterra aprecia a vingança da forma que fazemos.
- Com certeza não. - Arran concordou. - Os sasannach são muito
civilizados. – Devorou, com a boca cheia de haggis. - Tem uma ideia
diferente?
- Não neste momento. - Tomou um gole de café, fechando os olhos
quando o calor se espalhou até os dedos dos pés. - Agora que está aqui,
podemos ficar de olho nele.
Arran olhou-o, seu olhar azul curioso, antes de voltar sua atenção para o
café da manhã.
- Um olho. Isto é diferente.
- O que quer dizer?
- Quero dizer que é diferente. Tinha onze anos quando athair morreu,
mas sabia o que significava quando você saiu 'caçando' com um mosquete e
uma pá e voltou dois dias depois coberto de sujeira e não trazendo qualquer
animal com você.
Ranulf respirou, afastando abruptamente da memória o frio, o medo e a
raiva profunda. Raiva profunda que o conduziu para fora, quando os homens
de seu clã estavam divididos entre aconselhar a precaução e chamar para uma
guerra total. Tinha sido há dezesseis anos e ainda lembrava-se do ruído de
folhas embaixo de seus pés, quando rastejou no escuro em direção a Sholbray
Manor. Mudou de posição em sua cadeira.
- E o seu ponto é...
- Sei que não perseguiu Berling antes porque tivemos que atender Bear.
Mesmo se tivéssemos tido quaisquer dúvidas, não vejo o que está impedindo
você agora, as Highlands ou Londres ou Boston, Massachusetts. - Seu olhar
abaixou novamente. - A menos que seja uma moça chamada Charlotte Hanover.
Inferno. Se ao menos entendesse seus próprios pensamentos, explicar-se
ao seu astuto irmão só faria soar como um lunático.
- O que lady Charlotte tem a ver com alguma coisa? - Perguntou,
decidindo sobre uma tentativa de ignorância.
Arran tomou um gole de seu chá.
- Você me diz - disse de forma sucinta.
- Não há nada para dizer. - Olhou para seu irmão. Olhou para o monte de
comida em seu prato, as sombras sob os olhos. - Quando você deixou
Glengask?
- Há quatro dias. Sim, reconheço não deveria ter viajado sozinho, mas
duvido que alguém poderia ter mantido o mesmo ritmo que eu por muito
tempo, mesmo que tivessem tentado me seguir.
- Bem, - Ranulf disse, suspeita rastejando por ele, - desde que o
incêndio foi ontem à noite, o que exatamente induziu-o a voar aqui como um
maldito morcego?
- Se você não tem nada a dizer sobre um determinado tópico, eu também
não.
Geralmente Ranulf apreciava a inteligência do seu irmão do meio, mas
esta manhã teria preferido Munro e sua forma mais simples.
- Quer dizer que correu até Londres porque eu mencionei uma moça em
uma carta? Acha que eu sou um monge, então?
- Não. Mas acho que quando Ranulf MacLawry menciona uma moça
sasannach cinco vezes em uma carta juntamente com adjetivos como 'mandona'
e ' teimosa' e 'incompreensível,' então alguma coisa está acontecendo. - Arran
esfregou sua testa. - E desde que você também disse que estava em
desvantagem numérica e que Winnie disse que não está voltando para casa e
que comprou uma casa, pensei que seria capaz de usar outro MacLawry em
Londres. - Inclinou a cabeça. - Estou errado?
Ranulf sacudiu a cabeça.
- Como disse estou feliz por ter você aqui, mas mantenha suas malditas
opiniões para si mesmo.
- Posso fazer isso.
Depois que terminaram o rápido café da manhã, os dois saíram para o
estábulo. Havia pouca coisa à esquerda, apenas parte de uma parede e uma
pilha de escombros quebrados e enegrecidos. Todos os cavalariços juraram
que não tinham feito nada para causar o fogo, e que aliás, todos estavam no
quarto ao lado, comendo quando o fogo começou na parte de trás do estábulo.
Andando na parte de trás do perímetro, o pé de Ranulf triturou vidro
quebrado. Quando se agachou e escavou através da grama e cinzas queimadas,
encontrou o colarinho e queimador de um lampião meio derretidos. Depois
chamou Arran e encontraram mais alguns pedaços de vidro quebrado. O que
quer que tenha atingido, fez com alguma força.
- Poderia ter caído do lado de dentro - o irmão disse distraidamente,
marcando um ponto quatro pés de onde a parede estava, o lugar onde tinham
encontrado o mais longínquo pedaço de vidro. - Mas é mais provável que
tenha sido atirado contra a parede do lado de fora.
Ranulf já tinha chegado a essa conclusão por si mesmo. Quando Berling
tinha queimado as escolas ao redor de Glengask e An Soadh sabia que tinha
sido Berling e seus homens, com ou sem prova definitiva. Tinha arremessado
óleo e, em seguida, o lampião contra as paredes. Não era idêntico à forma
como o fogo no estábulo provavelmente tinha começado, mas perto.
- Arran, você fez um esboço decente. Desenhe o fundo da área aqui e
marque o local onde encontramos os fragmentos do lampião. Vou buscar uma
caixa para todas as partes encontradas.
- Nós estamos juntando provas, então? - Seu irmão perguntou com
ceticismo.
- Sim, estamos. Cale-se e encontre um pedaço de papel e um lápis.
- Às suas ordens, milorde.
Debny subia, quando Ranulf estava colocando o último pedaço do
lampião com segurança em uma caixa. Imediatamente endireitou-se com a
aproximação do criado.
- Como estão Rowena e os Hanovers? - Perguntou, contendo-se em
indagar especificamente de Charlotte.
- Tudo bem. Lady Charlotte disse que sente como se tivesse balas de
canhão amarradas em seus braços, mas de qualquer modo está bem. - O criado
enfiou a mão no bolso e tirou uma nota dobrada. - Ela mandou para você,
milorde.
Ranulf limpou as mãos sujas de fuligem na calça para dar a si mesmo um
momento para acalmar seus pensamentos velozes antes de pegar a carta e
desdobrá-la.
- Ranulf - leu, - obrigada por uma noite inesquecível. Se você precisar
cancelar nossa visita ao museu, entendo perfeitamente, mas por favor me
avise. Carinhosamente, C.H.
Ele sorriu.
- Moça notável.
De acordo com seu relógio de bolso, seria quase dez e meia e precisava
urgente de um banho e fazer a barba. Porque não só pretendia visitar o museu
com Charlotte, mas pretendia fazê-lo de modo mais civilizado possível.
Debateria sobre o tema mais tarde porque de repente era mais urgente do que
provar quem havia incendiado seu estábulo.
Arran inclinou-se na porta do quarto, enquanto Ginger estava lutando
com os laços na gravata de Ranulf.
- Ran, tem importância se eu ficar com o quarto no outro lado do
corredor?
- Tudo bem.
Seu irmão hesitou.
- Você parece muito bonito.
- Cale a boca! Estou indo em Hanover House. Deixo você lá se quiser
ver Rowena.
Para seu bem, quaisquer que fossem as observações adicionais ou
perguntas que Arran tinha, guardou-as para si. Em vez disso, pegou sua bolsa e
dirigiu-se aos fundos da casa. Ele tinha chegado com menos bagagem que
Ranulf. Se pretendesse ficar por um tempo, teriam que fazer outra visita ao
fresco alfaiate obcecado por ombreiras.
A presença de Arran deu a Ranulf um corpo adicional para vigiar, mas
não podia fingir que não estava aliviado por ter um aliado. Mesmo um
intrometido que percebia coisas que não devia. A questão mais imediata era se
Berling veria a chegada de mais um MacLawry em Londres como uma ameaça
ou um convite para criar mais problemas.
E imaginando que teria que esperar até que tivesse posto os olhos em
Charlotte novamente, pro diabo com o resto.
***

- Duas cartas e um poema, Winnie, e só hoje! - Jane disse, pegando o


papel perfumado da mão de Rowena e alisando-o sobre o joelho. - 'Não tenho
nenhum cobre tão brilhante quanto o sorriso de Winnie é nobre' é terrivelmente
imaginativo, mas fez rima.
Quando Charlotte olhou para sua hóspede, Winnie parecia mais
interessada em estudar as nuvens passando por fora da janela da sala de estar
do que rir sobre sua mais recente tentativa de conquista na poesia.
- Winnie, seu irmão mandaria uma palavra se algo mais acontecesse.
Você sabe disso.
Com um suspiro, Rowena afundou-se de volta sobre o sofá.
- Sim, eu sei. - Ela correu e pegou a mão de Charlotte, com cuidado para
não pressionar as bolhas. - Obrigada por me manter longe do piquenique. Às
vezes esqueço que há uma diferença entre ser independente e ser responsável.
Charlotte assentiu com a cabeça, sorrindo.
- É uma coisa muito sábia de dizer.
- Estive pensando sobre o assunto por um tempo. Meus irmãos e,
especialmente, Ran, gastam tanto de seu tempo certificando-se que eu esteja
feliz e bem protegida que pararam de considerar a si mesmos. Talvez seja
minha vez de cuidar deles pela primeira vez.
- Mas dois de três deles estão na Escócia - Jane colocou. - E lorde
Glengask parece perfeitamente capaz de cuidar de si mesmo.
Rowena olhou para o rosto de Charlotte.
- Você pensaria assim, não é?
Charlotte queria perguntar se ela estava se referindo a algo em
particular, mas antes que pudesse fazê-lo, Jane retomou olhando através de sua
correspondência matutina.
- O que quero saber é se cuidar de seu irmão significa que não podemos
ir procurar por fitas de cabelo hoje?
- Oh, penso que nós podemos fazer as duas coisas, Jane.
- É um alívio ouvir.
Se o súbito senso de responsabilidade de Rowena era devido ao
incêndio na noite passada ou não, Charlotte ficou aliviada ao ouvi-lo, e assim
provavelmente Ranulf ficaria quando lhe dissesse. Ainda que talvez pensasse
que estivesse exagerando a qualidade e a quantidade do perigo que espreitava
em torno dos MacLawrys, certamente tornou-se consciente na última noite.
Um calafrio a percorreu. Ela meio que esperava que enviasse
posteriormente uma nota dizendo que precisava cancelar seu passeio hoje.
Não porque seus braços doíam, o que acontecia, ou porque não desejava vê-
lo, o que desejava, mas porque despenderia uma visita ao museu com raiva e
conspirando vingança. Ela iria, e como já fez, sentiria a necessidade de
aconselhá-lo sobre como ele planejava retaliar e discutiriam novamente. Não
o tipo de argumento relevante. Não poderia deter seu orgulho, mas não ficaria
surpresa se fosse até o fim.
A porta da sala abriu dois minutos depois do meio-dia, e ela e as outras
duas joviais meninas levantaram-se, no momento em que Longfellow chamou a
atenção para a porta.
- Ladies, lorde Glengask e lorde Arran MacLawry - entoou e saiu do
caminho.
Winnie já estava a meio caminho da porta.
- Arran! - Exclamou, atirando-se nos braços de um homem de cabelos
escuros que parecia uma versão mais esguia, menos entalhada de seu irmão
mais velho.
- Aí está você, minha doce Winnie - ele demorou e beijou sua irmã em
ambas as bochechas.
- Como você chegou aqui tão depressa? - Exigiu.
- Tento antecipar problemas.
Eles continuaram tagarelando animadamente e introduziram uma Jane
envergonhada na confusão, mas Charlotte deixou de prestar atenção quando
Ranulf se moveu em torno deles e se aproximou dela. Algo tinha acontecido
ontem à noite, não poderia definir o que foi, mas quando o marquês de
Glengask entrava num aposento, tudo parecia se desvanecer. Era ridículo que
depois de um par de beijos e um par de valsas e um punhado de fascinantes
conversas irritantes se sentisse tão... atraída por um homem que estava tão
errado para ela, especialmente quando só significava mais problemas.
E ainda teve que se impedir de encontrá-lo a meio caminho através do
aposento, jogando os braços ao redor de seus ombros e beijá-lo. Engoliu em
seco. Claramente, tinha ficado muito cansada ontem à noite e tinha perdido
suas maneiras. Seja lógica, ordenou a si mesma. Fatos nunca poderiam levá-la
ao erro.
No entanto, era impressionante quando tinha estado em seu kilt, mas
parecia ter acabado com isto completamente. Hoje, se não achasse que ele
consideraria um insulto, diria que parecia muito inglês, com seu casaco
marrom, suas calças de camurça até suas altamente polidas botas Hessian.
- Como estão suas mãos, moça? - Perguntou, levando ambas nas suas
maiores, mais largas e virando as palmas para cima.
Não tão inglês afinal, uma vez que falou. Um tremor percorreu sua
espinha, provocando excitação entre suas coxas.
- Ardem um pouco - disse com uma voz que podia administrar, - mas
acho que com um par de luvas e algum cuidado, vou ficar muito bem. Como
você está?
Profundos olhos azuis levantaram para encontrar os dela.
- O fogo ficou de fora e o pior dano parece ser um par de palmas com
bolhas. Estou aliviado. E furioso.
O jeito que tocou no assunto, com tanta naturalidade, de alguma forma
fez as palavras soarem até mais mortais. Podia entender sua raiva, mas não era
um homem que se contentaria com troca de palavras.
- Não vou a um passeio com você se for saltar e bater nas pessoas no
seu caminho.
- Eu espero que não. Não vou bater ou pular enquanto estiver em sua
companhia.
Concordou tão facilmente, que não podia deixar de ficar desconfiada.
- O fogo foi um acidente?
- Não, acho que foi feito deliberadamente.
Charlotte franziu a testa.
- Então por que…
- Por que quero ser um cavalheiro hoje? Por causa dessas mãos - disse
baixinho, acariciando seus polegares suavemente através de palmas. - Por
causa do que fez para mim ontem à noite, leannan.
- Não fui à única que ajudou. Pelo amor de Deus, tudo que fiz foi girar
uma manivela.
Um sorriso lento curvou sua boca.
- O que me diz de renunciar ao museu e encontrarei um lugar tranquilo
só para nós? - Murmurou, movendo-se, uma respiração mais perto dela. - Vou
mostrar a minha gratidão a você.
De alguma maneira, o jeito que disse fez soar ainda mais impertinente
do que já era. E lá estava ela, com vinte e cinco anos, após a idade de fazer
um bom casamento, olhando para um homem que possivelmente não ia querê-
la como noiva. Um homem extremamente perigoso para querer como marido.
Perfeito em sua imperfeição.
- Se conseguir sem arruinar a vida que tenho - sussurrou de volta, -
posso muito bem estar favorável.
Breve surpresa iluminou seu olhar.
- O que mudou em sua mente, moça?
Homens. Charlotte favoreceu-o com um sorriso exasperado.
- Realmente quer que eu explique para você?
- Não. Não se houver um risco de decidir contra novamente. Vamos
embora então, vamos?
- Pode não ser tão simples assim, sabe.
Balançou a cabeça, seu leve sorriso enviando borboletas através de seu
peito.
- Deixe isso para mim, leannan. Onde estão suas luvas?
- Simms as têm. Simms?
A criada veio e juntos conseguiram colocar delicadamente as macias
luvas brancas sobre suas bolhas sem que rangesse os dentes. Teve que lutar
contra um estremecimento cada vez que flexionava as mãos, mas algumas
malditas bolhas não iriam mantê-la em casa hoje. Não importava o quê.
Quando olhou para cima novamente, Arran, irmão de Ranulf estava
olhando-a fixamente, seus olhos azuis mais claros curiosos. Maravilha,
esqueceu completamente que estava no aposento.
- Então você é Arran - disse, oferecendo a sua mão. - Winnie conversa
sobre você e Munro o tempo todo.
Ele sorriu.
- Vou inclinar-me e espero que não tome minha recusa em apertar a sua
mão como um insulto, lady Charlotte.
Sorriu para ele, sentindo nele um temperamento mais fácil do que seu
irmão mais velho possuía. Igualmente bonito, talvez, de uma forma diferente,
mas não tão atraente.
- Estou bastante aliviada, realmente. Obrigada.
Com um cuidado quase absurdo, Ranulf tomou sua mão estendida e
envolveu-a em sua manga.
- Arran, deixo-o a cumprir as ordens de Winnie. Não causem muita
confusão, qualquer um de vocês.
Charlotte riu quando levou-a pelo vestíbulo e saiu pela porta da frente
para a sua carruagem que os esperava.
- Seu pobre irmão. Acabou de condená-lo a ir comprar fita de cabelo.
Ranulf deu de ombros quando a ajudou a entrar na carruagem aberta.
- Arran está acostumado. De acordo com o que Rowena disse, é o único
irmão com gosto diferente.
- Não sei nada sobre isso. Você está muito bem esta tarde.
- Vou dizer-lhe, aquele enfadonho alfaiate de coração negro chamado
Smith disse que não. Acusou-me de envergonhar sua profissão porque não o
deixei pôr enchimento em meus ombros.
Se havia um homem em Londres que não precisa destacar seus realçados
ombros era Ranulf MacLawry.
- Estou feliz que não cedeu.
- Como eu. A… - Ranulf começou a subir na carruagem ao lado dela,
mas parou quando notou Simms em pé diretamente atrás dele.- E o que você
quer?
- Estou indo com você, milorde - a criada disse, colocando cada pingo
de dignidade ofendida que possuía na sentença.
- O inferno que vai.
Charlotte abafou uma risada.
- Ela é nossa acompanhante. Não posso acompanhá-lo sem ela ou outra
mulher presente apropriada.
Com uma respiração baixa que soou como um urso rosnando, Ranulf
recuou e ajudou a criada a subir na carruagem. Simms começou a se sentar ao
lado de Charlotte, mas ele balançou a cabeça.
- Não. Você pode sentar-se lá. - Disse, apontando para a cadeira virada
para trás.
- Ranulf.
- Vou estar sentado ao seu lado, Charlotte. Dali ela pode ver melhor se
eu tentar violentar você. O que claramente eu não vou fazer agora.
Calor subiu novamente nas bochechas de Charlotte.
- Disse-lhe que não seria uma questão simples - murmurou, enquanto ele
se inclinava para sentar-se ao seu lado, quente, rijo e atraente.
- Poderia ter me advertido dos detalhes - retrucou, estabelecendo-se
perto o suficiente para que suas coxas se roçassem. - Ela não nos acompanhou
antes.
- Porque Jane e Winnie estavam junto. Todas nós temos que proteger o
que a sociedade diz que é precioso.
- Malditos puritanos - murmurou.
Bem, ela não era uma puritana, claro, mas entendeu seu significado.
Evidentemente, o marquês de Glengask pretendia ser apenas um cavalheiro
quando a circunstância exigia que fosse. E como ela mesma desejava muito
que Simms estivesse em outro lugar, só poderia acenar com a cabeça.
- Seu outro irmão está aqui também? - Perguntou, para distrair-se dos
pensamentos de ser violada.
- Agora você quer conversar sobre minha família?
- Sim. Penso que um tópico diferente poderia ser útil.
Ranuf suspirou.
- Bem, então. Bear ainda está na Escócia. Sempre há um MacLawry em
Glengask durante os últimos quatrocentos anos. Está até no brasão da família, i
gcónaí MacLawry ag Glengask; literalmente 'sempre há um MacLawry em
Glengask'. Nesses tempos, bem, nunca permitiria que esse juramento fosse
quebrado.
Charlotte assentiu.
- Portanto, seu clã vai saber que nunca irá abandoná-los.
- Sim.
E o significado por trás dele, era possivelmente o lema familiar mais
nobre que já tinha ouvido. E o fato de que estava em gaélico, em vez de
latim... parecia bravo, orgulhoso e um pouco exótico.
- Diga de novo, vai? Em gaélico, quero dizer.
- Com prazer. I gcónaí MacLawry ag Glengask.
Charlotte encontrou-se observando a boca dele enquanto falava,
saboreando as vogais alongadas e o rolo musical de suas palavras.
- Você fala gaélico em casa? Em Glengask?
- Aqui e lá. No geral falamos inglês. Todos nós tivemos que aprender na
escola, e por um período durante o tempo em que meu pai viveu, não
podíamos falar gaélico o tempo todo. - Hesitou. - Tão satisfatória quanto
poderia ter sido não saber qualquer palavra em inglês, não serviu para
qualquer um de nós também.
- A sua mãe era inglesa.
Seu olhar esfriou novamente.
- Sim. Ela era.
Pelo que Winnie tinha dito, Eleanor MacLawry, não Wilkie, tinha
tomado sua própria vida três anos após a morte do marido. Mesmo que tivesse
a intenção de discuti-lo, claramente não o fez, hoje não parecia ser o momento
apropriado. Em vez disso, ela balançou a cabeça, à procura de qualquer coisa
para esquecer o quão perto se sentou dela e como muito quente ainda parecia
através de dois conjuntos de roupas.
- Diga-me, existe algo em particular que quer ver no Museu Britânico?
Silêncio.
Quando olhou de soslaio para ele, sentou-se com sua mandíbula
apertada, seu olhar diretamente sobre Simms. E sua empregada não parecia
muito confortável com o escrutínio. Não, ele não esperava ou queria uma
acompanhante, mas dificilmente seria culpa da criada.
- Ranulf.
- Você sabe que não ia levá-la ao maldito museu.
- Bem, estamos indo lá agora, então, o que você gostaria de ver?
Seu olhar deslizou sobre ela, lento e demorado.
- O que eu gostaria de ver, Charlotte? - Repetiu. - Devo começar no
nível superior ou na parte inferior?
Céus!
- Mesmo que não deseje rever a história da Inglaterra por causa da luta
com a Escócia - disse apressadamente, esquentando de dentro para fora -
existem alguns artigos adoráveis gregos e egípcios em exposição. - A brisa
soprou uma mecha de seu longo e cacheado cabelo negro através de um de
seus olhos de safira e quase tirou de seu rosto, antes de se conter e acalmar
sua mão novamente.
- Sim. Estou certo que há. - Sentou-se por um momento, a pancadinha de
leve inquieta de seus dedos contra sua coxa hipnótica. Em seguida, murmurou
diversas palavras em gaélico que ela estava certa, se traduzidas, soariam
muito pior em inglês.
- Eu não posso - murmurou.
- Você não pode o quê?
- Ficar o dia todo sem tocá-la. - Abruptamente sentou-se em frente à
criada com seu olhar feroz. - Simms, não é?
- Sim, milorde - a criada respondeu, as bochechas corando.
Charlotte ficou tensa. Se ele pretendia ordenar que Simms saísse da
carruagem, teria que intervir; tanto por causa da criada quanto por si própria.
O que quer que pudesse querer em particular, eles estavam na rua, no meio de
Londres. Alguma medida de decoro seria observada.
- Se você soubesse que sua senhora estava se comportando mal, mas que
nenhum mal viria disso, o que faria?
Simms olhou dele para Charlotte.
- A reputação da minha senhora estará sempre segura comigo - disse
depois de um momento, um orgulho feroz em sua voz que Charlotte não se
lembrava de ter ouvido antes. - Eu nunca falaria de seus assuntos particulares
a menos que o silêncio pusesse em perigo a sua segurança.
- Hum... - meditou, recostando-se novamente. - Debny. Leve-nos para
Gilden House. Quero mostrar a lady Charlotte o dano no estábulo na luz do
dia.
- Sim, milorde.
- E essa é sua ideia de discrição? - Charlotte sussurrou, fugazmente
perguntando-se se tinha saído de Mayfair para algum romance cigano.
- É justamente minha ideia de discrição - retornou para aquele ressoar
baixo, lançando sussurros que transmitiam calor entre suas coxas. - Se eu
tivesse que ficar ao seu lado durante toda a tarde olhando para as malditas
estátuas, todos saberiam quanto eu a quero, leannan. Não seria discreto.
- Mas nos dirigindo diretamente para sua casa e entrando?
- Com Simms para acompanhá-la. - Inclinou a cabeça. - Você me deixa
louco, moça. Se não me quer, é melhor dizer-me agora. Não sou um homem
para se provocar, Charlotte Hanover.
Seu coração acelerou. A ideia de separar-se dele hoje... sem tocá-lo,
doeu. Havia deixado claro desde o início que sua busca seria apenas sobre
satisfazer um desejo físico, mas não era o único que queria aquilo.
- Se isso é um erro ou não, não posso pensar sobre um momento melhor
para cometer um - finalmente disse.
Ranulf fez uma careta.
- Já ouvi elogios melhores, mas este serve.
Pelos próximos quinze minutos, tentou não saltar na carruagem e apertar-
se do seu lado. Tentou uma conversa um pouco mais casual, que geralmente se
destacava, mas nada funcionou. Londres nunca pareceu tão enorme e as suas
distâncias também grandiosas.
No momento em que apareceu Market Street e a carruagem parou
basicamente diante dos degraus de Gilden House, sua mandíbula doía de estar
cerrada firmemente. Antes que Owen pudesse sair da casa, Ranulf havia
aberto a porta de carruagem e segurou seu cotovelo para ajudá-la a sair.
- Milorde - o criado disse - não esperávamos que re...
- Leve Simms para a cozinha para comer alguma coisa - interrompeu,
mantendo Charlotte ao seu lado. - Quero todo mundo no andar térreo até que
eu diga o contrário.
- Sim, milorde.
- Você e Fergus também.
- Irei buscá-lo, milorde.
Charlotte entrou pela porta da frente, embora tivesse a sensação de que
se houvesse hesitado, ele a teria pego e a atirado por cima de seu ombro como
um saco de beterrabas.
- Por aqui - murmurou diretamente atrás dela, indicando a escadaria.
Ela lembrava onde ficava o quarto principal. Afinal, depois de tudo, ele
tinha mostrado somente ontem à noite.
- Não me apresse - ela ordenou, empurrando um ombro contra ele e
parando no patamar. - Não sou uma vaca sendo levada para o abate.
- Milady?
Charlotte olhou para baixo para ver Simms em pé, na parte inferior das
escadas, Owen olhando-a e parecendo pronto para arrastá-la até a cozinha à
força.
- O que é, Simms?
- Vou ser discreta se é isso que deseja que eu seja.
Claramente Simms não aprovava nada disso, mas aqueceu o coração de
Charlotte que houvesse feito a pergunta, apesar de estarem em menor número e
cercada por grandes homens das Highlands e com a maneira que a criada tinha
se expressado.
Sentindo como se estivesse prestes a dar um passo para o purgatório; o
que estava, de acordo com a maioria de senhoras casadas; ela sorriu.
- Obrigada, Simms. Experimente um pouco do almoço. Estou onde quero
estar.
No topo da escada, virou à direita e entrou no generoso dormitório de
Ranulf. Um momento depois, a porta se fechou atrás dela e ouviu a chave girar
para bloqueá-los.
- Uma coisa boa que a moça Simms cooperou - Ranulf falou lentamente,
não se movendo da porta. - Eu poderia ter que soltá-la no mato e esperar que
não encontrasse o caminho de volta.
- Como um cachorro? - Charlotte virou-se para olhá-lo. Realmente
esperava que começasse a beijá-la no momento em que cruzaram o batente da
porta. Mas lá estava ele, um ombro contra a moldura da porta e os braços
cruzados sobre seu peito.
- Poderia ter funcionado. Pode ainda, se necessário.
Enquanto Ranulf falava, Charlotte virou-se para a janela da frente, de
pé, fora da vista da rua, enquanto fechava as cortinas. A outra janela dava para
o espaço vazio onde ficava o estábulo, então, deixou-a em paz. Já parecia
suficientemente clandestino sem extinguir toda a luz no quarto.
- Vai ficar aí parado? - finalmente perguntou, olhando-o, enquanto o
observava vagar sobre o quarto.
- Disse-me para não a apressar. Estou com você aqui onde quero estar,
então pensei que pode vir aqui e me beijar no seu próprio tempo.
Respirando fundo, tentando acalmar a agitação em seu peito, caminhou
até ele.
- Quero deixar uma coisa muito clara - disse, colocando o dedo
indicador enluvado contra seu peito.
- Você tem a minha atenção.
- Isso é porque nós temos uma atração... mútua - disse ela lentamente,
enrolando o dedo em sua gravata. - Eu não sou uma menina fraca e você não é
um canalha sem coração. É simplesmente uma questão de atração. - Não para
seu próprio... orgulho, precisava deixar claro que entendia as circunstâncias e
que não queria o que ele não estava oferecendo.
- Uma questão simples - repetiu, alcançando até rodar o cacho loiro na
têmpora sobre seu dedo. - Acho que deve me beijar agora, Charlotte.
Capítulo Dez
Charlotte estremeceu, prestes a dar-lhe o momento sobre o qual ele tinha
sonhado semana passada. Teria sido um assunto tão simples, inclinar-se um
pouco para frente e tocar sua doce boca com a sua própria.
Mas Ranulf manteve-se precisamente onde estava, cada músculo
dolorido com a tensão. Isto tinha sido sua sugestão, em sua casa, e de acordo
com seu tempo. Estava acostumado a liderar, ordenando que algo fosse feito e
então vê-lo realizado. Permitindo que Charlotte decidisse os próximos
momentos, era enlouquecedor e extremamente excitante.
Dedos enluvados brincaram com sua gravata, atraindo e puxando
suavemente, era possivelmente a sensação mais erótica que ele já tinha
experimentado. Sua respiração estava lenta e profunda, seu coração batendo
forte à medida que esperava.
Finalmente, ela deslizou suas palmas em seu peito, levantando-se em
seus dedos do pé e levemente pressionou os lábios contra os seus. Graças a
Deus!
Permitindo-se mover-se novamente, Ranulf segurou seu rosto com as
mãos, beijando-a de volta até que seus lábios se suavizaram e abriram um
pouco para seus dentes e língua que a procuravam. Quando ela gemeu a
pressão em sua virilha triplicou, e moveu-se para agarrar seus quadris,
puxando-a para mais perto dele.
Ela chamava isso de atração mútua. Ele chamava isso de obsessão por
uma mulher teimosa, enlouquecedora que, com poucas palavras tinha lhe feito
reconsiderar décadas de ressentimento e preconceito. Seus olhos abriram-se.
Se ela decidisse que não apreciava sua companhia ou que sua opinião o fazia
inaceitável até como um amante temporário, não sabia ao certo o que teria
feito.
Ainda beijando-a, deixou cair seu casaco inglês. Em seguida,
desabotoou seu colete e deixou cair no chão, também.
- Sua vez, moça - murmurou, voltando sua atenção para o trio de botões
que seguraram seu bonito casaco verde escuro em cima de seu gracioso
vestido de musselina verde e amarelo.
Suas mãos roçaram seus seios enquanto ele trabalhava e ela deu um
pequeno salto.
- Sinto-me muito má - respirou instavelmente, abrindo sua boca ao
assistir suas mãos viajarem na sua frente.
Ele abriu a pelica e empurrou-a abaixo de seus ombros. Rasgar cada
peça de roupa dela teria sido muito mais satisfatório, mas prometeu precaução
e discrição e já o achava um demônio violento. Retornando para sua casa com
todos os seus botões e costuras rasgadas, não seria discreto nem sábio.
Abaixando seu olhar de seu rosto, segurou seus seios através da
musselina fina. Apenas o tamanho para caber em suas mãos, era como se
tivessem sido feitos com ele em mente. Firmou seu aperto e ela ofegou,
pressionando as palmas das mãos.
- Você está vestindo roupas demais maldição- observou ele, tentando
não pular quando seu quadril roçou seu pênis.
- Acho que gostaria de sentar-me - comentou baixinho, inclinando-se
para a sua boca novamente.
- Vou fazer melhor. - Curvando-se, pegou-a em seus braços e a levou
para sua cama grande e macia.
Quando a colocou no centro do amplo colchão, ela enroscou os dedos
em seu cabelo, puxando-o sobre ela. Ranulf afundou seu quadril ao lado dela,
mantendo seu corpo flexível envolvido em seus braços. Lutava com a sensação
de que não estava perto o suficiente dela, que tinha que estar dentro dela
imediatamente para satisfazer sua própria necessidade, reclamando-a para si.
Ele faria. Ele ia, mas para o bem dela, iria devagar. A última coisa que queria
seria assustá-la ou machucá-la.
Mas então, ela sorriu e puxou sua gravata.
- Quem no mundo amarrou isso? - Perguntou com um sorriso,
empurrando seu queixo lateralmente, enquanto trabalhava os nós com os dedos
enluvados.
Ambas as ações serviram para lembrar-lhe que não era tão delicada
quanto tinha pensado anteriormente.
- Pobre Ginger - retornou. - Meu criado. Disse que quase perdeu os dois
braços por causa de sua teimosia.
- Minha teimosia? - Ela repetiu, finalmente puxando a gravata livre e
jogando-a para fora da cama.
- Sim. Disse que ficaria cansado depois de vinte minutos ontem à noite,
mas não podia deixar você superá-lo.
Charlotte riu.
- Pobre homem.
Aproveitando-se da conversa momentânea, Ranulf rolou para trás e
sentou-se para arrancar as botas inglesas e soltá-las no chão.
- Eu sei o que meu criado estava pensando, então, mas e você, leannan?
Dê-me seus pés.
- Não me lembro de pensar qualquer coisa - meditou, erguendo um pé
para pôr seu tornozelo em sua mão que o esperava.
Ranulf tirou o sapato de salto baixo e colocou-o ao lado de suas botas.
- Duvido que alguma vez não tenha pensado em nada. Estava preocupada
comigo, moça?
Charlotte entregou o outro pé.
- Não o vi por uma semana. Pensei que depois que passou por todos os
problemas de adquirir uma casa e um jantar e sendo assim...
- Cavalheiresco? - Sugeriu, embora não se sentisse nada cavalheiresco
no momento.
- Eu ia dizer flexível - rebateu, sentando-se para ajudá-lo a puxar sua
camisa de suas calças. - Foi um erro que o mau comportamento de outra
pessoa possa convencê-lo a sair de Londres. Não quero que vá.
- É muito bom ouvir isso - murmurou, e capturou seus dedos enluvados
nos seus. - Quero sentir suas mãos em mim, Charlotte.
Ela assentiu com a cabeça.
- Eu também.
- As bolhas?
- Vou conseguir.
Isso o fez sorrir.
- Certamente espero que sim. - Curvando-se sobre a mão, abriu os
pequeninos botões de pérolas e cuidadosamente tirou a luva. - Bem? -
Perguntou, erguendo seu olhar para encontrá-la estudando seu rosto.
- Bom. A outra, agora.
Ranulf ajudou a removê-la. No momento que fez isso, ela empurrou sua
camisa e passou as palmas das mãos levemente sobre seu peito. Esse toque
harmonioso o agradou e o fez estremecer. Quando ela passou os dedos
curiosos pelos seus mamilos, respirou duro, pegou nas extremidades da
camisa, e puxou-a acima de sua cabeça.
- Você parece com uma escultura grega - meditou, seus dedos quentes e
trêmulos contra sua pele.
- Não. Um escocês.
Charlotte riu, o som excitante, quase o levando a estourar a costura das
calças. Doce Saint Andrew! Torcendo para encará-la novamente, puxou a
manga de musselina por seu braço. Lentamente Ranulf inclinou-se para beijar
seu ombro despido.
Ela tinha sabor de limões. Tinha sardas que estava tentando fazer
desaparecer? Esperava que não fizesse tal coisa, na verdade, apreciaria achar
e beijar cada sarda em sua pele clara. Quando curvou seu pescoço para ele,
Ranulf correu seus lábios em toda sua orelha e o pulso na base de sua
mandíbula e, em seguida, descendo por seu ombro novamente, puxando para
baixo a frente de seu vestido, enquanto avançava. A parte superior do seu seio,
a curva suave, perfeita, e maciez de seu mamilo.
- Ranulf - ofegou, envolvendo as mãos ao redor de seus antebraços.
Ainda brincando com seu seio, olhou-a.
- Quer que eu pare?
- Não. Definitivamente não. Mas você não parece muito confortável lá...
embaixo.
- Oh, não estou. Estou morrendo, mas ansiando.
- Então vamos fazer algo sobre isso - ela claramente sugeriu, deslizando
as mãos para baixo de suas costelas para sua cintura.
Ranulf sorriu, beijando seu seio exposto.
- Teria que ser um bobo para discutir sobre este assunto. Mas não quero
que machuque suas mãos. Eu farei isso.
Deslizando para fora da cama, levantou-se e rapidamente desabotoou os
botões de sua calça. Então, agora estava bom e imaginava que depois estaria
muito mais. Esquivou-se da camurça abaixo de seus quadris e as tirou fora.
Observou seu rosto, esperando por uma exclamação virginal, ou... espanto.
Porém, se tivesse visto estátuas gregas, teria alguma ideia da anatomia
masculina.
Seu olhar demorou-se abaixo. Finalmente, olhos cor de avelã
levantaram-se para encontrar o seu.
- Então, é isso o que você tem debaixo de seu kilt, Ranulf MacLawry.
Ranulf riu.
- Agora quem está sendo má? - Zombou e voltou para a cama. - Ajoelhe-
se e levante-se um pouco.
Quando Charlotte o fez, ele pegou a parte inferior de seu vestido e
puxou-o, passando por seus joelhos até as coxas, acima dos emaranhados e
suaves cachos dourados e ergueu por cima de sua cabeça e o tirou.
- Bem? - Ela perguntou depois de um momento, afundando em sua parte
traseira outra vez. Não tentou se cobrir ou abaixar os olhos timidamente.
Moça notável.
- Você é mais adorável que o amanhecer - disse em voz alta, ainda
sorrindo. - Acho que irei até você, desta vez. - Moveu-se sobre ela, puxando-
lhes as pernas até que se deitasse de costas debaixo dele.
Desta vez, o beijo dela foi tão quente e de boca aberta como o seu.
Beijou-a até que ambos estivessem sem fôlego e ofegantes, depois abaixou
lentamente o comprimento esguio dela, provocando a princípio um seio e
depois o outro, traçando seu esterno com os lábios e sinuosamente para baixo,
até seu umbigo e então mais baixo, usando a língua como um dardo, saboreou-
a.
- Céus! - Charlotte gritou, quase o acertando com um joelho. - Oh, sinto
muito!
Diante da resposta às suas carícias, Ranulf deslizou um dedo dentro dela
e ela gemeu. Mm. Estava quente e úmida para ele.
- Doce Cristo! - murmurou, movendo a sua língua novamente.
Desta vez, estremeceu e vibrou, vindo com uma corrida doce que a fez
gritar e seu pênis saltar convulsivamente.
- Isso... Oh, meu Deus! – Conseguiu falar, rindo sem fôlego.
- Penso que agora é minha vez - ressoou, beijando seu caminho até seu
corpo novamente. Tinha sido mais paciente do que um santo para a causa do
diabo, e queria muito enterrar-se em suas profundezas apertadas.
No último instante, lembrou-se do preservativo francês que deixou no
bolso do casaco, na eventualidade que seus planos para o dia prosseguissem
como esperava. Com uma maldição, rolou para fora da cama, encontrou seu
casaco junto à porta e procurou-o.
- O que é isso? - Perguntou, erguendo-se em seus cotovelos e já olhando
deliciosamente despenteada.
- Para evitar que engravide - respondeu, deslizando-o e amarrando a
tira.
- Então é assim. É muito bonito.
- Não - disse, retornando à cama. - O pênis de um homem é 'grande,' ou
'perfeito,' ou 'orgulhoso’. Não bonito.
Movendo-se sobre ela mais uma vez, Ranulf cutucou seus joelhos
separadamente e estabeleceu-se entre as coxas para beijar sua doce boca,
provocando seus seios com os dedos. Quando a teve gemendo de prazer mais
uma vez, inclinou os quadris para frente, entrando lentamente e com cuidado,
tanto quanto poderia conseguir. O desejo de simplesmente penetrá-la
imediatamente e repetidamente o encheu novamente, mas segurou-se.
- Pronta? - Falou lentamente.
Charlotte assentiu com a cabeça em silêncio, os olhos arregalados e os
dedos apertando seus ombros. Disse-lhe que respirasse fundo e se acalmasse.
Quando o fez, empurrou para frente, além da borda fina de resistência e entrou
nela plenamente.
Charlotte fechou os olhos, levou um segundo suspiro trêmulo e olhou-o
novamente. Por um longo momento ficou onde estava, beijando-a até que
relaxasse novamente e jurando a si mesmo que esta seria a última vez que iria
lhe causar dor.
Finalmente, recuou um pouco e empurrou novamente.
- Melhor?
- Sim - respondeu. - Quero mais.
- Bem, então.
Ranulf balançou dentro dela novamente e começou a bombear
lentamente com seus quadris. Ela sentia-se... delicada e apertada ao redor
dele, seus suaves gemidos conduzindo-o mais rápido e mais profundo. Ambos
sabiam que suas filosofias tanto quanto suas vidas os faziam incompatíveis,
mas ele não se sentia assim. Pele a pele, suores misturados, línguas
emaranhadas, encaixam-se extraordinariamente bem.
Charlotte veio novamente, pulsando ao seu redor, e, finalmente, cedeu ao
desejo de satisfatoriamente e verdadeiramente levá-la. Com mais força, mais
fundo, mais rápido, até que com um gemido de prazer, derramou nela.
Desmoronando sobre suas costas, puxou-a sobre seu tórax. Por um longo
momento, ficaram assim, membros emaranhados e seu hálito quente em sua
pele. Seu cabelo cuidadosamente penteado estava uma desordem, e um por um,
puxou os cachos da massa macia e dourada, deixando-os cair sobre seu peito
como raios de sol. A palma da sua mão espalmada em cima de seu coração e
se perguntou se ela podia senti-lo bater.
Ranulf nunca tinha acreditado em contos de fadas, no fenômeno do amor
à primeira vista. Tinha sido o que levara seu pai a arrastar uma noiva inglesa
para as Highlands. Ela queria um título e ele a quis. E o desastre seguiu-se.
Mas sabia com certeza que Eleanor MacLawry nunca teria corrido para fora à
noite a fim de ajudar a combater um incêndio na própria propriedade da
família - muito menos de qualquer outra pessoa. E nunca teria permanecido
firme, a ponto que suas mãos estivessem com bolhas.
Charlotte tinha feito mais que isto. Ajudou a organizar o caos de homens,
baldes e água. Homens que, possivelmente, não sabiam quem ela era,
escutavam e obedeciam as suas ordens. Ela era adorável e gentil, mas
manteve-se firme e deu sua opinião, até mesmo para ele, quando ninguém
ousava fazê-lo.
Mais revelador, tinha vindo para sua cama depois que havia concordado
em não fugir e atacar Berling. Quando vestiu seu traje adequado, civilizado e
jurado deixar a lógica e a razão vencerem. Foi uma coisa tão difícil de fazer?
Tinha sido criado em um lugar onde um homem detinha o poder com ambos: os
punhos e a mente. Havia uma forma diferente de proceder?
Ranulf franziu o cenho quando entrelaçou os dedos suavemente em seu
cabelo. Tinha compartilhado sua cama com moças escocesas. Foram muito
entusiasmadas e de outra forma esquecíveis. A mulher atualmente em seus
braços seria qualquer coisa, exceto esquecível. Os dois seriam tão
incompatíveis, afinal de contas? Do que teria que desistir, exceto conseguir
esmurrar um sem-vergonha ou dois? Evidentemente, desde que tinha se
incomodado em planejar e colecionar evidência, já havia decidido que estava
disposto a utilizar meios legais para impedir Berling. Se removesse Donald
Gerdens ou a lei o fizesse, os resultados seriam os mesmos, com uma
diferença crucial: Charlotte Hanover.
- Você está dormindo? - Ela sussurrou, desenhando um círculo
preguiçoso agora com seu dedo indicador sobre o seu coração.
- Não. Estou reunindo forças para mais.
- Mm.
Do modo que ela disse, foi uma forma de deixá-lo duro novamente.
- Estou pensando que passamos uma longa tarde no museu e ficamos por
muito tempo admirando aquelas estátuas gregas nuas que você tanto gosta.
Charlotte riu, o som reverberando em seu peito.
- Acho que prefiro a versão escocesa, realmente.
Ranulf bem esperava que sim porque não tinha intenção de despedir-se
desta moça inglesa. O que começou como uma leve curiosidade tinha alterado
e aprofundado. Na verdade, queria segurá-la até que pudesse colocar um anel
em seu dedo e dizer a todo o mundo que Charlotte Hanover pertencia a ele.
Para sempre.
***
Charlotte descansou sua cabeça em um cotovelo, para assistir Ranulf
avançar nu e magnífico para a porta do quarto. Abrindo-a, debruçou-se no
corredor.
- Owen! - Berrou. - Sanduíches!
- Muito original - comentou, enquanto voltava para sua grande cama e
recostava-se contra a cabeceira.
- Estou faminto.
Não era nenhuma surpresa, considerando seus esforços. E também
estava com muita fome.
- Estamos fazendo as refeições no salão de chá do museu, então? -
Perguntou, movendo um pouco para passar um dedo ao longo de suas costelas.
Tocar a pele de um homem, a pele dele, era indescritivelmente excitante.
- Sim. Suponho que estamos tomando chá em xícaras delicadas e
mordiscando sanduíches pequeninos sem casca.
- Sim, nós estamos. E acho que vamos dar um passeio entre os
sarcófagos e múmias antes de me levar para casa.
Ranulf deslizou da cama até que seus rostos estivessem nivelados.
- Gosto do Museu Britânico. Que outros locais em Londres poderia me
mostrar, leannan?
- O que significa essa palavra? Leannan?
Encolhendo os ombros, capturou sua mão direita e começou a examiná-
la cuidadosamente.
- Sabe, Debny tem um unguento de cavalo que provavelmente faria bem
a você.
Charlotte fez uma careta.
- Não quero cheirar a unguento de cavalo.
Um por um ele beijou as pontas do seu dedo. A sensação, o gesto, a fez
tremer.
- Temos usado o unguento há anos. Impactos, arranhões, entorses; cura
tudo, de acordo com Debny.
- Prefiro sofrer, muito obrigada. - Charlotte flexionou sua mão. - Não vai
me dizer que leannan significa? Sabe que posso perguntar a Winnie.
- Você é uma moça persistente, Charlotte. - Puxou-a sobre o seu peito
novamente, envolvendo seus braços fortes ao redor. - Acho que a melhor
tradução seria 'amigo querido’ - falou lentamente.
Soou muito agradável. O que não parecia ser um termo que alguém
usaria para descrever um companheiro em uma relação exclusivamente
resultante de uma simples atração mútua. Claro que, neste momento não existia
nada simples sobre como se sentia. Ou como Ranulf se sentia sobre ela. Na
verdade, simplesmente não queria que fosse a única vez que compartilharia
sua cama.
- Como se chama isto? - Perguntou, tocando seu nariz e tentando se
distrair de pensamentos inúteis.
Ele inclinou a cabeça para olhar em seu rosto.
- Você tem vontade de aprender escocês, não é?
- É um idioma muito bonito.
Antes que qualquer um deles pudesse questionar o que mais ela tinha em
mente ou não, algo que certamente não podia sequer responder para sua
própria satisfação, bateram na porta.
- Milorde - veio à voz de Owen, - trouxe os sanduíches.
- Deixe-os no chão.
- Fergus já comeu um a caminho daqui.
- Ah, pelo amor de Saint Andrew - Ranulf murmurou e deslizou para
fora dela novamente. Avançando para a porta, puxou um cobertor da parte de
trás de uma cadeira e amarrou ao redor de seus quadris. Destrancando a porta,
deu um passo na entrada.
- Está mantendo a criada ocupada? - Perguntou, tomando a bandeja de
comida das mãos do criado.
- Está tão inquieta quanto uma freira, milorde, olhando-nos como se
cheirássemos mal.
Charlotte abruptamente se perguntou se não estava pedindo demais de
Simms. A criada tinha estado nesse emprego pelos últimos sete anos desde que
tinha feito dezoito e em todo esse tempo não achava que tinha feito uma única
coisa que precisasse conseguir a discrição de Simms.
- Espero que não a esteja assustando - disse, juntando os lençóis
desordenados em volta de seu corpo e ficando em pé.
- Não - o criado protestou, esticando o pescoço para vê-la pelos ombros
de Ranulf. - Somos gentis como cordeiros, nós somos.
Ranulf moveu-se, bloqueando a visão de Owen novamente.
- Vá fazer alguma coisa. Vá embora.
- Não posso ficar muito mais tempo - Charlotte interferiu.
Seus ombros largos subiam e desciam.
- Mande a empregada vir até aqui em dez minutos - emendou - e traga
carruagem de volta em trinta.
- Sim, milorde. Tem certeza q...
Fechando a porta, Ranulf trancou-a novamente e a encarou, a bandeja de
sanduíches em uma mão. Por um momento, seu olhar tomou-a da cabeça aos
pés, fazendo uma pausa em seus seios e rosto.
- Venha para a mesa - disse, puxando uma segunda cadeira até a sua
pequena escrivaninha. - Você pode muito bem comer alguma coisa antes de ir.
Sufocando a vontade de enviar um olhar arrependido de volta à cama,
Charlotte ergueu os lençóis e o seguiu.
- Aceitamos um convite do duque e da duquesa de Esmond para um
sarau amanhã à noite - disse, sentando-se. - Vai estar presente?
Quase imediatamente arrependeu-se de ter perguntado. Ranulf tinha sido
retirado à força do último grande baile que tinha comparecido, e por boas
razões. As chances eram de não ter recebido um convite para o próximo - ou a
quaisquer outros nesta temporada. Deveria estar grata que não teria outra
oportunidade clara de brigar em público, mas, neste momento, desejava
ardentemente ter outra chance de dançar com ele.
Ranulf devorou um sanduíche e começou um segundo, enquanto
mordiscava o dela. Sim, sentia fome, mas uma lady não enchia a boca de
comida como se estivesse preocupada que outra pessoa fosse tomá-la.
- Myles foi convidado - disse, entre mordidas. - Irei junto como seu
convidado.
- Oh, parece bom!
Ranulf olhou-a.
- Você não tem nada com que se preocupar, Charlotte. Desde que não dê
a Berling uma dança enquanto eu estiver lá.
Calor dominou-a de novo. Estava com ciúmes? Certamente não soava
como um homem que tivesse acabado com uma coceira, por assim dizer, e
agora continuava a seguir seu caminho. Por outro lado, lembrou o que tinha
acontecido da última vez que ele e Berling se encontraram junto ao seu cartão
de dança.
- Espero, Ranulf, que se você e lorde Berling encontrarem-se
novamente, não decida simplesmente acertá-lo. Porque você é um homem
inteligente, articulado, pensativo que não tem nenhuma necessidade de
recorrer ao método mais vil de... qualquer coisa.
Ranulf mastigou e engoliu.
- E eu digo novamente, não dê a Berling uma dança e não terá nada com
que se preocupar.
Se seu pequenno discurso não tinha acabado com o divertimento fácil do
seu rosto, talvez tivesse feito alguns progressos com ele. Decidindo que valia
a pena arriscar sua ira, estendeu a mão direita.
- Um acordo, então. Não dançarei com ele e você não o esmurrará.
Limpando a mão no cobertor amarrado em sua cintura, Ranulf estendeu a
mão sobre a mesa e com óbvio cuidado agarrou seus dedos.
- Sim. Um acordo.
Charlotte não se conteve e sorriu. Porque se ele decidisse se controlar e
servir sua mente em vez de seu orgulho, talvez não fossem tão incompatíveis
como tinha pensado. E talvez pudessem providenciar para ver mais pontos
turísticos em Londres que nunca realmente visitariam, antes que voltasse a
Escócia para casar-se com uma dama que não fosse uma sasannach.
Livrou-se desse pensamento. Não estava no momento com alguma moça
das Highlands e nunca tinha passado um dia tão agradável como esse.
- Você ainda tem a minha mão, senhor - apontou, seu sorriso se
aprofundando.
- Eu, neste momento? - Sem aviso, puxou-a por cima da mesa e beijou-a.
Os sanduíches restantes e a bandeja acabaram no chão.
Acomodou-se em seu colo, rebolando seus quadris, enquanto sentia-o
endurecer por baixo de suas coxas. A anatomia masculina realmente era uma
coisa maravilhosa. Não admirava que as jovens ladies deviam permanecer na
ignorância até o casamento. Em sua opinião, conhecer as delícias do sexo
alteraria a forma como uma mulher olhava para cada pretendente em potencial.
Ela, pelo menos, certamente insistiria em ver primeiro seu possível futuro
marido nu.
Uma batida educada soou na porta.
- Devo mandar Simms embora? - Murmurou, deslizando sua mão nas
dobras dos lençóis que ela usava e passando uma unha através de seu mamilo.
Ela sobressaltou-se. Desejo lanceando através dela novamente. Ah,
queria mandar todos embora, para passar todos os momentos restantes no
êxtase de seu abraço. Mas a empregada esperava lá fora, junto com sua
reputação, sua família e sociedade. Com um último e demorado beijo, afastou-
se dele e levantou-se.
- Deve colocar suas roupas de volta também para que possa me levar
para casa.
Estreitando um olho, Ranulf ficou de pé.
- Como quiser, Charlotte.
Enquanto ela caminhava para a porta, Ranulf recolheu as botas e as
calças juntamente com sua camisa, casaco, gravata e colete. Quando parou na
frente dela, Charlotte olhou para seus olhos azuis profundos.
- Sròin - murmurou.
- Perdão?
Com um leve sorriso, inclinou-se e beijou a ponta de seu nariz.
- Sròin - repetiu e abriu a porta com sua mão livre. - Vou estar no quarto
no outro lado do corredor se precisar de mim. - Ignorando uma Simms rígida e
de olhos arregalados, deixou seu dormitório.
Charlotte respirou fundo.
- Simms, venha me ajudar a vestir-se.
- Sim, milady.
Deixando cair os lençóis no chão, Charlotte foi procurar alguma de suas
coisas.
- Sròin - experimentalmente disse, tocando em seu nariz.
Em algum lugar, na última quinzena, sua vida tornou-se interessante,
inesperada e até mesmo emocionante. E sabia exatamente a quem agradecer.
Esperava que fosse continuar de todo o seu coração. Seja lá o que for que ela
e Ranulf tinham; uma atração mútua, um sentido de incompatibilidade que,
pelo menos da parte dela começava a enfraquecer, esperava ansiosamente
descobrir o que viria a seguir. Perguntava-se e esperava que Ranulf se sentisse
da mesma maneira.
***
- Não vai me perguntar sobre Lachlan? - Arran perguntou, quando ele
Rowena e Jane sentaram-se no jardim de Hanover House.
Rowena balançou a cabeça.
- Não. Dei-lhe a chance de sentir a minha falta ou para vir atrás de mim.
Se não o fez, bem, não quero mais nada com ele. - Soou como algo que devia
dizer e ao seu lado Jane estava enfaticamente balançando a cabeça.
Seu irmão não parecia tão convencido.
- Há um mês jurou para mim que o amava e queria casar-se com ele. E
fala isso desde o momento que começou a falar.
- Era uma criança pequena, bebê, e estava errada.
- Estou feliz que seu coração pode se curar tão rápido, Winnie - ele
disse, - embora você deva saber que Lachlan ofereceu-se pelo menos duas
vezes para vir a Londres e ajudar Ran a levá-la de volta.
Rowena deu de ombros.
- Fique sabendo que dois rapazes ingleses já fizeram uma proposta
depois de três ou quatro danças. Lachlan teve dezoito anos.
Com um aceno, seu irmão estendeu a mão para puxar uma pétala de uma
rosa branca e delicada e rolá-la em seus dedos.
- Se pode esquecê-lo tão facilmente, faz-me pensar, em primeiro lugar, o
quanto de seu coração ele realmente tinha.
Sua irmã sustentou seu olhar.
- Não mais do que eu tinha do seu coração.
Rowena recentemente tinha começado a perceber que fazer Lachlan
MacTier ter ciúmes, quando estava a centenas de milhas de distância, cercado
por moças bonitas e bajuladoras, tremulando seus cílios e admirando sua
propriedade e não lhe dizendo que era um idiota. Era uma situação sem
esperança. Feriu-a profundamente que ele não se preocupou em nem mesmo
enviar-lhe uma carta.
Depois de ontem à noite, porém, tinha começado a pensar que talvez
algo mais urgente estava em andamento. Mal podia acreditar que seu irmão
mais velho, sempre tão preocupado com a segurança da família, bem-estar e
felicidade do clã inteiro, poderia ter achado uma moça que manteve sua
atenção por mais de um dia. Mas alguma coisa convenceu-o a comprar uma
casa em Londres. Como foi inesperado que alguma coisa o fez sair para fazer
turismo. E estava bastante certa de que não foi nada do que tinha feito. E o fato
de que a moça era uma respeitável lady inglesa... Não tinha nenhuma ideia do
que fazer.
Mesmo assim, parecia muito importante que, pelo menos, descobrisse a
verdade. Depois de tudo o que seu irmão fizera por ela desde que se
lembrava, faria o possível para determinar se o coração dele estava realmente
envolvido e se a mulher que talvez tivesse escolhido seria adequada para se
tornar uma parte do clã MacLawry. Tornar-se a marquesa de Glengask e para
fazer Ranulf finalmente e para sempre feliz.
Alguns minutos mais tarde, Rowena ouviu um ruído de carruagem na
entrada e parou. Moveu seus pés.
- Acho que Ran e Charlotte estão de volta.
Os três retornaram pela parte de trás da casa até que Arran pegou seu
braço e diminuiu a velocidade.
- Ran está cortejando lady Charlotte? - Perguntou, mantendo sua voz
baixa.
- Não estou certa - respondeu com sinceridade. - No entanto, quero
descobrir.
Arran assentiu.
- É por isso que também estou aqui. Enviou-me uma carta sobre a
compra daquela casa. Não conseguia compreender por quê, em nome de Deus,
faria uma coisa dessas. O que vi foi à maneira que continuava mencionando
uma moça chamada Charlotte.
- Foi por isso que você veio a Londres?
- Sim.
Oh, querido. Rowena respirou rápido. Ela amava todos os seus irmãos e
bem sabia que seu segundo irmão mais velho seria o mais lógico de todos
eles. Ranulf escutava o conselho de Arran mais do que fazia com qualquer
outra pessoa. E não podia imaginar que Arran jamais iria sugerir que Ranulf
levasse uma inglesa de volta à Escócia.
Espetou um dedo em seu peito.
- Guarde suas opiniões para si mesmo, Arran.
Arran levantou uma sobrancelha.
- Minhas opiniões sobre o quê?
- Sobre tudo. Você não sabe o que está acontecendo aqui.
- E você?
- Ainda não, mas pelo menos quero descobrir antes de entrar no meio
desta história. Não é sobre quem eles são ou de onde eles são. É sobre como
se sentem um com o outro. Gosto dela e não me importo que seja inglesa. E
você não tem permissão para dar a Ranulf sua opinião até trocar mais do que
meia dúzia de palavras com ela.
Por um longo instante, ele olhou-a.
- Assim diz à moça que tenta conquistar o seu homem deixando o país e
jurando nunca mais voltar.
Rowena empertigou-se tão alto quanto podia, que ainda foi somente no
ombro de Arran.
- Talvez tenha vindo para saber o que ou quem mais estava fora daquele
lugar. E ao que parece, Lachlan MacTier não é o único homem no mundo. -
Cruzou os braços sobre seu peito. - O que você acha disso?
- Acho que vou manter seus conselhos em mente, Winnie e guardar
minha opinião, uma vez que tanto você quanto Ran estão na questão. Não vou
prometer mais do que isso.
Era alguma coisa de qualquer maneira.
- Bom, porque as intenções de Ran não nos dizem respeito.
- Tudo o que Ranulf faz, interessa a todos nós; ao clã e à família. E
embora vá levar seu conselho em consideração, seria melhor lembrar o que eu
disse também.
No momento, poderia manter suas opiniões para si mesma, mas não iria
fazê-lo para sempre. O que significava que precisava descobrir o que estava
acontecendo entre Ranulf e Charlotte antes que Arran o fizesse. Porque ele
pesaria tudo o que Ran queria contra como beneficiaria o clã e os MacLawrys.
E o clã sempre vinha em primeiro lugar.
Capítulo Onze
Ranulf soltou outra pilha de madeira carbonizada atrás da carroça.
Quando fez isso, uma carruagem cheia de moças passava – estavam passando
pela segunda vez. Enquanto teria preferido oferecer-lhes uma saudação com
dois dedos, estava sendo gentil hoje. Em vez disso, esboçou uma confiante
inclinação de cabeça.
- Sinto-me como um maldito animal em um zoológico - Owen murmurou
ao seu lado, enquanto o criado esvaziava uma pá no vagão.
- Acha que essas moças estavam cobiçando você, não é? - Debny deu
um grunhido.
Batendo suas pesadas luvas de trabalho, Ranulf retornou às ruínas de
estábulo para outra carga. Sua camisa branca estava rasgada e suja, mas de
acordo com Ginger, um aristocrata não aparecia sem camisa em público em
Londres. A camisa estava desenrugada e se ele caísse e sangrasse, chamaria
de providência e a deixaria assim.
- Eles têm homens que pode contratar para levar embora lixo como este.
- Owen apontou, ajudando a empilhar outro conjunto de tábuas arruinadas, e
retorcidas.
- Menos conversa, mais limpeza - Ranulf resmungou, levantando a massa
sobre seu ombro e caminhando de volta para a carroça.
Sim, poderia ter contratado homens para derrubar os restos de seu
estábulo e levá-lo embora. Na verdade, porém, desde que estava em Londres o
máximo de exercício que conseguiu, foi ontem na cama com Charlotte. Em
casa, em Glengask, havia sempre uma tarefa ou outra que precisava ser feita:
ajudar a limpar um novo campo ou limpar valas de irrigação, ajudar o caseiro
a substituir um telhado ou ajudar na tosquia de ovelhas das Highlands - o
único tipo que iria tolerar em suas terras.
Aqui, hoje, a dor e a flexão de seus músculos faziam-no sentir como se
estivesse realizando algo, poderia ter ou não contratado outra pessoa para
fazê-lo. Revirando os ombros, retornou para uma pilha de telhas.
- Onde está lorde Arran, se posso perguntar? - Owen disse, arrastando
uma manta de cobertuta chamuscada e derretida para longe.
- Saiu para encontrar alguns de seus amigos do exército - Ranulf
respondeu. - Fergus manterá um olho nele.
Não tinha acreditado em Arran, na verdade, quando seu irmão havia
anunciado que queria passar a manhã visitando. Parecia uma escolha estranha
depois que tinha cavalgado todo o caminho de Glengask para executar algum
tipo de resgate. Nesta altura, possivelmente seu irmão tenha percebido que um
resgate não seria necessário.
Afinal de contas, Rowena não tinha repetido seu juramento de não voltar
para a Escócia, não no seu ouvido. E possuir uma casa em Londres fazia
sentido, dava-lhe mais influência e suporte contra seus desventurados
companheiros escoceses. Querendo ou não, eles admitiam serem escoceses em
tudo.
Com ele e a maioria do pessoal trabalhando na limpeza, deviam ter o
velho estábulo removido em algum momento amanhã, então, contrataria alguém
para construir um novo. O duque de Greaves tinha oferecido o uso de seu
estábulo por quanto tempo fosse necessário, mas Ranulf não gostava de dever
favor para um homem que não conhecia.
Evidentemente nada do que fizesse poderia impedir Berling de queimar
um novo estábulo ou mesmo a casa. No entanto, tinha algumas ideias sobre o
assunto. Charlotte pediu-lhe para não lutar com Donald Gerdens na festa de
hoje à noite. Todavia não tinha dito nada sobre depois. E tinha constatado em
algumas ocasiões anteriores que um confronto direto junto com uma
explicação concisa e uma demonstração das consequências poderia acalmar
muito a ira de um homem. Afinal, a maioria dos homens eram cruéis somente
quando pensavam que podiam fugir sem sofrer as consequências.
Charlotte. No momento em que a conjurou em seus pensamentos, o que
parecia fazer quase constantemente hoje, recusava-se a se afastar novamente.
Deus sabia que seu caminho teria sido mais fácil se tivesse depois se acertado
com uma agradável moça escocesa, que compreendia como os problemas eram
tratados nas Highlands e não tinha nenhuma dificuldade com esse fato. Alguém
que sabia o que seria esperado de um laird para liderar um clã e nem sequer
pensaria em discordar de seus métodos.
Mas não foi uma moça escocesa que o pegou em suas saias e deixou-o
meio louco de desejo por ela. Foi Charlotte Hanover, e se não pudesse afastar-
se dela, retorceria mais do que seu coração. Certamente seria mais simples
deixar Londres imediatamente e retornar para se casar com a primeira moça
que pusesse os olhos.
E se Charlotte não desejasse viver em Glengask? Depois do que tinha
experimentado com a própria mãe, certamente não iria e não podia forçá-la
para esse tipo de vida. Outros lairds de clã viviam longe das Highlands. Um
ou dois nem sequer tinham posto os pés lá. Estavam interessados em fazer,
aquela suposta terra estéril, que possuíam, tão lucrativa quanto podiam,
colocando ovelhas para pastar e contratando assassinos para queimar os
poucos aldeões que restavam em sua terra ancestral.
Mas ele não era assim. Os MacLawrys tinham subido ao poder por
causa da força e da lealdade ao clã. E agora o clã permaneceria seguro e
próspero por causa da força dos MacLawrys.
Sabia onde estava, aliás, sempre soube. Não era complicado. Sim,
Charlotte revelou-se corajosa, e sim, sabia que seria gentil e atenciosa. E
supôs que se fosse como seu pai, simplesmente iria casar-se com ela, arrastá-
la para a Escócia e deixar seu futuro desmoronar.
Mas claramente, não era seu pai, porque não seria suficiente Charlotte
agradar seu coração, fazê-lo feliz, ocupar inteiramente seu pensamento com um
saudável desejo de estar com ela. Queria que em troca fosse feliz. E era aí que
a dificuldade residia.
- Milorde?
Ranulf começou.
- Sim?
- Pensei que tinha se transformado em pedra aí por um momento. - Owen
enviou-lhe um olhar preocupado. - Chamei-o três vezes.
- E decidi responder-lhe na terceira vez - Ranulf replicou. - Agora,
estava apenas me chamando para diversão ou você quer algo?
- Só que... - o velho soldado disse, endireitando os ombros. - Lady
Winnie está chegando.
Ranulf virou-se. Com certeza, uma carruagem fechada estava parada na
frente da casa e Rowena seguida de perto por Una descia dela. Peter Gilling,
empoleirado na frente ao lado do cocheiro de libré desceu também. Rowena
disse algo para o condutor e com um aceno de cabeça mandou-os de volta para
a rua. Só então Ranulf notou que o veículo trazia o brasão dos Hanover em
suas portas.
- Doce Saint Andrew, parece ainda pior na luz do dia - sua irmã disse,
erguendo suas saias cuidadosamente para escolher com cuidado o seu caminho
através dos escombros.
- Vou ter um novo antes que perceba - Ranulf disse, tirando uma luva
para afagar Una atrás das orelhas.
Rowena assentiu com a cabeça, olhando-o atentamente. Até agora, que
lembrasse, separaram-se em bons termos, tanto após o jantar e o fogo e ontem
quando levou Charlotte para casa. Qualquer coisa que a estivesse perturbando,
não achava que ele fosse à causa.
Ranulf passou por uma pilha de madeira, retirando sua outra luva e
soltando-a sobre um barril.
- Quer sentar-se no meu jardim? - Perguntou, oferecendo-lhe um braço.
- Não vou me segurar em você - comentou, franzindo seu nariz. - Está
imundo.
- Suponho que também não quer me beijar na bochecha. - Com um
sorriso, fez sinal para precedê-lo até o caminho mais curto para o jardim
murado.
- É bonito aqui. Já disse a você?
- Sim.
- Oh. Bem, é.
- Obrigado.
Rowena vagou por um minuto, em seguida, sentou-se em uma das
cadeiras de ferro forjado embaixo da grande árvore de olmo no centro dos
canteiros floridos. Ranulf arrastou a outra cadeira mais perto e sentou-se
diante dela.
- Agora que terminamos com as amabilidades - falou lentamente. - O que
está errado?
- Errado? Nada está errado. Por que está dizendo isso? - Respondeu,
brincando com sua saia.
- Porque você está aqui por alguma coisa e porque você não consegue
me olhar nos olhos. Da última vez que fez isso, foi porque decidiu arejar
minha cama com lavanda e despejou uma garrafa inteira de perfume no meio
do colchão.
Rowena riu.
- Cheirava muito bem, depois de três dias com as janelas abertas.
- Não tolero ainda lavanda. O que a traz aqui, Rowena? Pensei que tinha
compras para fazer ou estivesse confortável com seus novos amigos.
Ela cruzou as mãos no colo.
- Você é meu irmão. Preciso uma desculpa para vir vê-lo?
- Não. Mas se tivesse uma, qual seria?
Abruptamente, Una parecia precisar de um afago na barriga, porque
Rowena afundou-se na grama para dar-lhe um. Uma pontada de inquietação
afligia totalmente a pele de Ranulf. Sua irmã era treze anos mais nova, e em
toda a sua vida, nunca tinha hesitado em falar-lhe sobre qualquer assunto. O
que fosse não seria nada agradável.
- Os Hanovers são muito agradáveis, não são? - Finalmente disse, seu
olhar ainda no alegre cão se contorcendo.
O que era aquilo? Será que desejava viver com eles permanentemente?
Seu coração se apertou, mas tomou uma respiração curta para cobri-lo.
- Sim, eles são.
Sim, tinham sido tão amigáveis, que se sentiu confortável fugindo de sua
casa para vir ficar com eles. Mas também era a família de Charlotte e por este
motivo não ia dizer nada de mal sobre eles.
- Por que eles não desejariam se relacionar com você, Rowena? É uma
moça muito gentil.
- Não sabia nada sobre o noivo de Charlotte ser morto em um duelo
estúpido. Nem sabia que tinha sido noiva. Foi muito triste, não foi?
- Sim. - Embora duvidasse que fosse se encontrar chorando sobre a
morte de James Appleton.
Rowena olhou-o, então abaixou os olhos novamente.
- Gostou do museu ontem?
- Gostei muito.
- Não pensei que Charlotte falaria com você novamente depois da luta
no baile dos Evanstone. Mas já que foram passear juntos, acho que o perdoou.
Ranulf franziu o cenho.
- Berling tentou me empurrar e eu empurrei de volta com mais força.
Não existe nada que precise ser perdoado.
- Mas vocês são amigos, não são?
- O quê? - Ranulf não sabia o que diabos estava acontecendo, mas não
gostava. - Berling e eu jamais seremos amigos, Rowena. Ele quase matou
Bear, no caso de você ter esquecido e eu aposto que ele ateou o fogo, também.
- Não, não, não. Eu não quis dizer lorde Berling. Quis dizer Charlotte.
Você é amigo de Charlotte, não é?
Bem, isso fazia mais sentido.
- Acho que sim - concordou, tentando não colocar muita emoção nas
palavras.
- Acho que ela gosta de conversar com você. Várias vezes disse que
você tem uma forma original de olhar as coisas.
De repente, ocorreu a Ranulf o que sua irmã estava prestes a fazer.
- Está dando uma de casamenteira, Rowena? - Perguntou.
Finalmente, ela abandonou Una e levantou-se e levou as mãos em seus
esbeltos quadris.
- Acho que você já gosta dela. Caso contrário, não se incomodaria nem
mesmo em falar com ela.
- Será que isso não me faz parecer rude?
Ela inclinou a cabeça.
- Não é educado e não é bom, Ran. Você está sendo gentil com ela.
- Ela me chamou de diabo - lembrou à sua irmã, se perguntando se era
diversão ou terror o que estava sentindo. Se Rowena, tão preocupada com sua
temporada e com Lachlan MacTier, que mal conseguia enxergar direito, estava
percebendo que havia uma ligação entre ele e Charlotte, também outros devem
ter notado. Danação. Esse negócio com Charlotte já era bastante complicado
sem todo mundo dar sua opinião.
- Só porque você estava dando socos à toa. Charlotte está acostumada a
cavalheiros gentis. Disse-me que a 'civilização' tem a palavra 'civil ' nele por
uma razão e que tínhamos tudo para ser pessoas melhores, para aprendermos
que mesmo quando alguém chama com um nome que não merece, a resposta
não é sangrá-lo ou não somos melhores do que os animais.
Bem, isso não foi tão interessante?
- Então, chamou-me de animal?
Rowena corou.
- Não! Não, quero dizer, tivemos essa conversa diretamente após o
baile, quando estávamos todas com raiva de você. - Apertou suas mãos. -
Ainda esta manhã, disse-me que parecia ser um bom e honrado cavalheiro.
Que resposta é essa.
- Está dando uma de casamenteira, Rowena MacLawry. - Girou suas
mãos de forma que ele agarrou suas palmas por sua vez. - O que a faz pensar
que um homem que está disposto a dar socos, e pior, para proteger seu povo é
de alguma forma compatível com uma moça que pensa que nenhum soco
aplicado se justifica?
Esperava que ela tivesse uma resposta. Se tivesse chegado lá com
respostas milagrosas para todas as suas preocupações estaria disposto a
acreditar nela. Porque até agora não estava tendo muita sorte procurando-as
sozinho.
- É simples, Ran – respondeu. - Se ama Charlotte, precisa aprender a ser
mais...
- Civilizado? - Forneceu.
- Inglês - responder, depois engoliu. - Mas não...
- Inglês. - Repetiu lentamente, o gosto da palavra desconfortável em sua
língua, principalmente porque estava dizendo que sem a habitual roupagem de
desprezo. - Como assim?
- Eu...
Rowena parou de falar, retirou suas mãos e levantou-se. Claramente
estava surpreendida por sua resposta tanto quanto ele estava. Mas se não
conseguia descobrir exatamente o que Charlotte queria, e mais importante,
como proceder para alcançá-lo, já havia perdido.
- Em primeiro lugar, então, sem mais kilts.
- Meus kilts não esmurram pessoas.
A boca de Rowena contraiu-se.
- Não, mas faz você parecer mais antagônico. É como se estivesse
chamando todos para brigar e está apenas esperando para ver quem dá o
primeiro passo à frente.
Havia ocasiões em que tinha que usar um kilt, quando estava em
casamentos, em reuniões formais do clã, funerais, todos os diversos deveres
que o chefe do clã tinha em seu nome. Mas nenhum desses aconteceria em
Londres.
- Não vestindo um kilt em casa é antagônico. Mas acho que posso vestir
nada além de calças em Londres.
Sua irmã assentiu com a cabeça e, em seguida, franziu a testa.
- Sequer pensei que fosse concordar com isso - confessou, sua surpresa
mostrando-se no retorno de seu sotaque escocês. Sentia falta de ouvi-lo, mas
agora não parecia ser o momento para comentar. - Dê-me um minuto para
pensar no resto - continuou.
- Por que não entra e almoça comigo? - Sugeriu. -Arran está fora vendo
os amigos e sinto falta de conversar com você.
- Se você não estivesse tão sujo, abraçaria você, Ran.
Ele sorriu, sentindo-se mais leve desde que tinha se separado de
Charlotte ontem. Em todas as suas fantasias, nunca teria considerado que a
melhor pessoa para ajudá-lo a ganhar Charlotte Hanover seria sua jovem irmã.
- Bem, vou trocar de camisa e vamos falar, então.
***
O homem alto com uma fina cicatriz na ponta do seu nariz enviou um
olhar de lado para Arran MacLawry.
- Imagino que posso conseguir entrar no Boodles perto do almoço -
disse, dirigindo seu cavalo castrado castanho em torno do homem,
movimentando-se lentamente. - Mas não temos uma mesa para uma hora no
White’s.
Londres estava mais cheia do que da última vez que tinha passado, mas
Arran observou apenas perifericamente enquanto segurava rapidamente com
seus os pés seu puro-sangue preto, Duffy. Sua última visita não tinha sido
durante o meio da temporada, é claro, o que poderia explicar a diferença, mas
preferia lugares onde podia ver melhor o seu ambiente.
- Sei que é um inconveniente – falou, - mas há alguém que preciso dar
uma olhada e tenho de fonte segura que ele está no White’s.
Seu companheiro suspirou.
- Suponho que foi por isso que me pediu um favor.
- Sim. E te devo uma grande depois disso, Will.
- Estou autorizado a perguntar quem é que você está procurando? -
William Crane, visconde Fordham, perguntou, mantendo o seu olhar e,
presumivelmente, a sua atenção na rua movimentada.
Will iria descobrir por conta própria em breve, de qualquer maneira.
- O conde de Berling.
- Ah! Tem alguma coisa a ver com a surra que seu irmão deu-lhe na
semana passada? - Fordham perguntou, não soando nem um pouco surpreso.
- Não inteiramente. Mas, se coincidentemente nos depararmos com ele,
será no White’s, e como não sei se ele sabe quem sou, se você puder me
chamar de John Reynolds, digamos, eu apreciaria o fato.
Will tossiu.
- Não foi esse o nome do capitão que você apostou cem libras que podia
atirar no chapéu na cabeça dele?
Arran enviou a seu amigo uma falsa carranca.
- Dei um disparo que tirou o chapéu da sua cabeça.
- Junto com metade da sua orelha.
- Ele se mexeu.
Chegaram à frente da porta de aparência simples do clube e um
cavalariço correu para recolher seus cavalos. Como Fordham tinha advertido,
o White’s estava apinhado de estúpidos e o lacaio só pode oferecer-lhes um
par de assentos e uma garrafa de conhaque na biblioteca.
- Se eu precisar apresentá-lo - o visconde perguntou em voz baixa, - tem
certeza que quer ser escocês?
- Não. Diga que sou seu primo de York.
- Você não soa como se fosse de York.
- Eu irei. Leve-nos por meio da sala de jantar, por favor.
Balançando a cabeça novamente, o visconde disfarçadamente entregou
cinco libras para um segundo lacaio, que imediatamente deixou-os sozinhos.
- Não vejo seu amigo - disse depois de um momento, quando
caminharam através da sala de jantar que estava cheia.
- Continue procurando. Ouvi dizer que estava aqui. – O que lhe havia
custado vinte libras para conseguir a informação, na verdade, no topo do favor
que agora devia a William Crane. - E apresente-me a tão poucas pessoas
quanto possível. Não quero que percebam que não sou quem eu digo.
- Você não tem título, Arr... John. Ninguém quer saber quem você é ou o
que está fazendo aqui, contanto que não cause problemas.
Era a maneira que preferia. Arran conhecia Londres e os ingleses
melhor do que qualquer um dos seus irmãos ou sua irmã, mas havia coisas,
alianças, amizades, animosidades, que precisava ver e decifrar por ele
mesmo. E no topo da lista de coisas que precisava ver com seus próprios
olhos estava Donald Gerdens, lorde Berling.
- Lá está ele - Will disse, no final de seus pensamentos. - Casaco azul,
comendo faisão, mandíbula contundida. À esquerda.
- Eu o vejo.
Berling não parecia tão formidável com seu garfo delicadamente seguro
e a aparência abatida de seu rosto. Mas o perigo nem sempre vinha de frente e
não precisava de força física para acender uma fogueira. Arran manteve uma
expressão vazia em seu rosto quando foi atrás de Will.
- Lorde Berling, não é? - Fordham disse, utilizando todo o seu
considerável charme. - Fordham. Sei que não fomos formalmente
apresentados, mas desde a semana passada estava querendo apertar sua mão.
O conde inclinou a cabeça, limpando os dedos e apertando a mão do
visconde.
- É bom conhecer outro homem de convicção, - disse com um sorriso
breve, então fez um gesto para os dois homens sentados com ele. - Fordham,
Charles Calder e Arnold Haws. Cavalheiros...
- Will Crane, lorde Fordham, - forneceu com um sorriso. - Prazer em
conhecê-los. - Fez um gesto para Arran. - Este é meu primo, senhor John
Reynolds, de York.
Ranulf tinha-o advertido que Berling parecia ter se aliado com os
Campbells, por isso não ficou surpreso ao vê-los sentados juntos. Armando-
se, Arran também apertou as mãos dos três homens. Se tivesse sido o tipo de
sujeito que preferia uma faca, poderia ter acabado com Berling e seus
comparsas ali mesmo. Mas por algum motivo, Ranulf tinha determinado uma
coleta de provas, o que evidentemente significava que iam tentar algo legal.
Ou isso, ou chantagem.
- Glengask teve sua quota de problemas desde aquela luta - observou,
sufocando seu sotaque. - O estábulo ardeu há duas noites.
- Ocorreu isso? - O olhar de Berling contorceu-se e pegou seu copo de
vinho. - Que pena!
- Gostaria de saber a quem agradecer, - Will disse, rindo.
- Eu, certamente que não. - O conde replicou. - Glengask não responde
bem a ameaças, muito menos violência direta. Não estou com humor para ter
meu nariz quebrado novamente porque algum inglês ou outro não gosta de
highlanders e é mais fácil me culpar.
Bem, isso foi uma surpresa. Ou uma declaração muito inteligente. Arran
tocou no ombro de Will.
- Acho que nossa mesa está pronta - comentou. - Mais uma vez, prazer
em conhecê-lo, Berling. Cavalheiros.
Uma vez que estavam fora do alcance da voz, Will seguiu lentamente
para a biblioteca.
- O que você acha disso?
- Não estou certo. Mas quero descobrir.
De qualquer forma, se Berling não tinha provocado o fogo, certamente
tinha feito dano antes para os MacLawrys e, tanto quanto Arran estava
preocupado, precisava ser averiguado. Se não era o único queimando ‘casas’
próximo de onde seu irmão e sua irmã estavam, havia outra pessoa que estava.
E esse alguém precisava ser encontrado. O que significava que Ranulf
precisava saber o que Arran tinha feito hoje.
Não iria mais além. A ideia de alguém correr riscos por causa de
Ranulf, nunca tinha sido cômodo para seu irmão. Na verdade, a única vez que
tinha estado susceptível a estar mais irritado, foi quando Arran aconselhou-o a
deixar a moça inglesa sozinha, antes de ser forçado a um casamento que não
desejava. E pensar que poderia ter ficado em Glengask. Danação.
***
- Charlotte, pode me emprestar seus brincos de pérola? - Perguntou
Jane, correndo para o quarto de sua irmã.
- Certamente. Estão na caixa de joias.
Sentada em sua penteadeira, Charlotte olhou para a irmã no reflexo do
espelho. Enquanto Janie sempre parecia jovem, afinal sete anos as separaram,
desde ontem a diferença tornou-se ainda mais acentuada. Janie tinha sonhos
magníficos de quebrar corações, mas ela não tinha nenhuma experiência da
realidade.
Quando James morreu, Charlotte sentiu que bruscamente e sem razão
estava lhe sendo negado seu sonho de uma vida feliz. Até ontem, não sabia
realmente o que um homem, um casamento, queria dizer. E o conhecimento foi
bastante... emocionante. Revigorante. Estimulante.
- Oh, Char, você parece tão adorável! - Sua irmã exclamou, caminhando
e a olhando atentamente. - São aquelas de ônix? - Jane tocou um dedo na fita
preta inserida através dos grânulos pretos e trançados em seu cabelo loiro.
- São. Foi idéia de Simms.
Jane pegou o braço da empregada.
- Diga que mostrará a Maggie como fazer isto, Simms.
- Certamente, lady Jane.
Uma vez que sua irmã saiu do quarto novamente, Charlotte girou sua
cabeça para olhar a empregada.
- Obrigada mais uma vez - disse calmamente. - Sei que ontem você não
queria em momento algum encontrar-se envolvida naquela situação.
Simms fez uma reverência.
- Só espero que nenhuma desonra resulte disto, milady.
- Eu também. - E o fato de que não tinha pensado em quase nada, além
de olhos azuis profundos e braços fortes e quentes e a glória de se encaixarem,
o corpo duro dentro do seu, possivelmente não poderia pressagiar nada de
bom.
A atração mútua podia ter sido tratada com a satisfação, mas queria
mais. Queria mais sexo com ele, queria adormecer em seus braços e acordar
para vê-lo ao seu lado. Se ele tivesse sido qualquer um, mas quem ele era, o
chamaria de perfeito.
- Pronto. - Simms disse finalmente, recuando para admirar o caimento de
seu cabelo atravessado por pérolas pretas e cintilantes.
- Você se superou mesmo - Charlotte retornou, em pé.
- Queria algo para complementar esse magnífico vestido. - Um breve
sorriso agitou suas bochechas, Simms ocupou-se arrumando a penteadeira.
Nem mesmo a própria Charlotte poderia fingir que não tinha se vestido
hoje à noite com Ranulf em mente. O vestido vermelho profundo com a
delicada renda preta sobre o corpete e os efeites nas mangas, as pérolas pretas
costuradas na saia, não tinha ideia por que tinha feito isso em primeiro lugar.
Mas agora, esta noite, parecia uma combinação perfeita para o jeito como se
sentia por dentro.
A família já estava reunida no hall de entrada, quando deixou seu quarto
e preparou-se para perguntas sobre quem poderia ter chamado sua atenção, e
sabia que corria risco de deixar as debutantes envergonhadas. Bem, esta noite
gostava de ser aquela mulher. E era um prazer muito bom ser simplesmente
uma mulher malvada e devassa por alguns minutos antes de tornar-se mais uma
vez a Charlotte irmã mais velha adequadamente auxiliando a mais nova.
- Charlotte, tem um momento? - Seu pai disse, emergindo de seu
escritório assim que passou por ele.
- É claro, papai. – Seguiu-o para dentro e ele calmamente fechou a porta
atrás deles.
- Jane começou a escrever poesias medíocres sobre os homens
novamente? - Perguntou com um sorriso.
- Não, nada tão terrível quanto isso. - Olhou-a. - Lorde Glengask.
Por um breve momento, apavorou-se pensando no que Simms poderia ter
dito. Mas seu pai não estava praguejando e sua mãe nem estava presente,
muito menos chorando sobre a ruína da filha mais velha, então Charlotte
franziu as sobrancelhas.
- O que tem ele?
- Os dois foram vistos saindo ontem.
Ela assentiu com a cabeça, sua mente correndo à frente da conversa, em
busca de respostas que ele ainda não tinha perguntado, mas provavelmente
iria.
- Queria ver alguns dos pontos turísticos.
- Pensei que detestava Londres.
- Disse-lhe que estava errado ao afirmar que odiava algo sem nunca ter
experimentado. – Pelo menos, era uma verdade. A ideia de mentir para seu
querido e tolerante pai a fez sentir-se doente. Havia algumas coisas que não
poderia dizer-lhe, mas, tanto quanto possível, pretendia ser honesta.
- E sua opinião mudou?
- O marquês disse várias coisas amáveis, mas acho que é ainda muito
cedo para dizer.
- Entendo. - Bateu os dedos na parte de trás de uma cadeira. - Está
cortejando você?
Sua respiração ficou presa.
- Realmente, papai. Sou inglesa. Você sabe o que pensa de nós. E disse-
lhe que desentender-se com as pessoas seria o recurso mais baixo de mentes
insignificantes. - De repente, ocorreu-lhe que insultar Ranulf ante seu pai não
seria a maneira mais sábia de fazer que estimassem um ao outro, se fosse
necessário. Mas se o defendesse deixaria seu pai desconfiado e com razão.
- Bom.
Fez seu franzir de sobrancelhas se aprofundar.
- O que é bom?
- Que não está cortejando você. - O conde respirou lentamente. - Uma
coisa é ter sua irmã hospedada aqui. Ela é jovem e encantadora e não tem
nenhuma política. Ele, por outro lado, tem inimigos inadequados o suficiente
para queimar totalmente seu estábulo e existem rumores que seu avô foi um
jacobita. Há rumores de que ele é um jacobita dada à forma que mantêm as
Highlands com um exército de soldados ao redor dele.
Charlotte não poderia discordar de nada que seu pai falava.
- Eu não sei sobre sua política - disse lentamente, seu coração
começando a doer como se alguém estivesse apertando, - mas acho que sabe
como me sinto sobre qualquer pessoa com propensão para a violência sem
sentido.
Caminhando adiante, seu pai beijou-a na testa.
- Eu sei. E embora sinta muito que você tenha uma razão muito boa para
seu escrúpulo, neste momento, estou bastante aliviado que se sinta assim.
Porque uma coisa eu sei: estar na companhia do marquês de Glengask é
perigoso.
De todo jeito, Charlotte não diria que se sentia aliviada, não importando
o quão segura ou arriscada fosse sua situação. Provavelmente foi bom que seu
pai a tenha se lembrado das partes negativas de um relacionamento com Ranulf
MacLawry, porque sozinha poderia ter decidido omitir o que parecia ser
algumas rixas. Mas foi muito, muito pior do que isso. Simplesmente era um
homem numa batalha. E se ela se apaixonasse por ele e fosse ferido... ou
morto, não achava que seria capaz de aguentar. Outra vez não. Não depois do
que havia descoberto em seus braços.
Poderia ser diferente se ele desejasse um outro tipo de vida, mas nunca
tinha visto nenhuma evidência de que queria outra coisa se não o que tinha.
Bem, queria algo mais com ele. Queria que, pelo menos, reconhecesse que
existia outra maneira, pelo amor de Deus. Porém, felizmente para ela tinha
aprendido há muito tempo que os desejos eram tão abundantes quanto às
nuvens e impossíveis de compreender.
Charlotte seguiu o pai até o hall de entrada, e Winnie agarrou seu braço
enquanto todos se encaminhavam para esperar a carruagem.
- Você está tão adorável! - A menina mais jovem disse com um sorriso.
- Como você. - Charlotte indicou o vestido esmeralda de seda que a
irmã de Ranulf vestia. - Você não adquiriu esse aqui, não é? Não me lembro de
tê-lo visto antes.
- Não, é o vestido que Ranulf comprou para o meu aniversário. Claro
que pensou que usaria na minha própria festa e não em um baile de Londres. -
Ela apontou a saia, sorrindo excitadamente. - Tenho certeza de que ter ambos
os meus irmãos presentes esta noite irá torná-los mais civilizados, uma vez
que não vão se sentir tão em desvantagem numérica. Embora, praticamente a
única coisa que poderia fazer Ran lutar seria uma ameaça para seus entes
queridos.
- Ele deu um soco em lorde Berling por solicitar um lugar no cartão de
dança de Charlotte - Jane apontou quando se recostou na carruagem.
- Não, socou o conde porque Berling atirou no meu irmão, Bear. Munro.
Em seguida, o patife fugiu para Londres para fingir ser civilizado. Sei que
fiquei furiosa sobre a briga, mas tenho pensado sobre o assunto e eu acredito
que Ran apenas lembrou a Berling que as ações têm consequências.
- Ainda foi um espetáculo terrível de violência, minha querida - disse a
mãe de Charlotte no banco oposto da carruagem. - Sei que você ama seu
irmão, mas graças a Deus, você foi bem franca sobre essa briga. E também
estou satisfeita que lhe disse como suas ações foram incivilizadas, Winnie.
Não teria a mesma seriedade, vindo de outra pessoa que não fosse da família.
- Meu irmão é um bom homem, milady - disse Winnie estoicamente. - E
aprende com seus erros. Verá.
Charlotte só desejava que todos parassem de falar sobre Ranulf, tanto os
seus defeitos quanto a sua masculinidade e dar-lhe um maldito minuto ou dois
para pensar. Tinha-o castigado mais seriamente que sua própria irmã. Sim, ele
havia desaparecido por uma semana, mas não porque queria se esconder. E
havia reaparecido com uma casa e um civilizado e divertido jantar. Foi
encantador. Ranulf tinha sido encantador.
De acordo com o seu pai, o fogo que tinha destruído a noite tinha sido
culpa de Ranulf por ter inimigos. Na época, tinha estado mais preocupada com
o desastre do que quem o tinha causado, embora agora devesse. Se ele não
tivesse acertado Berling, o fogo poderia não ter acontecido. Mas então o que
veio a seguir também poderia não ter acontecido.
- E se ambos os seus irmãos usarem kilts hoje à noite? - Jane perguntou
do outro lado de Charlotte.
Winnie deu de ombros.
- Não acho que vão. Não é um encontro do clã e acredito que Ranulf está
tentando se encaixar.
- Eu certamente espero que sim - disse lady Hest baixinho.
Por um instante, apesar do que a mãe e Winnie tinham lhe dito, Charlotte
esperava que usasse seu kilt. Porque nunca tinha contemplado uma vista mais
magnífica em toda a sua vida - exceto, claro, quando o tinha visto nu.
Capítulo Doze
- Um homem hesita em aceitar a responsabilidade por começar um
incêndio e você pensa que isso o faz inocente? - Ranulf bateu com o punho
contra a parede da carruagem, balançando o veículo inteiro.
- Só disse que não tinha a aparência de um homem satisfeito por ter
agido contra um inimigo. - Arran rebateu, puxando a manga do casaco marrom
escuro, como se esperasse que fosse sair do ombro.
- Claro que não, em primeiro lugar porque você o confrontou sobre o
tema e em segundo lugar porque o homem é um covarde, orgulhoso e
mesquinho.
- Fiz sem pensar...
- Droga, Arran, realmente tenho de lembrá-lo que não vá a qualquer
lugar quando estamos em desvantagem? Charles Calder é o maldito neto do
Campbell!
- Posso cuidar de mim mesmo, como você bem sabe, Ran. Alguém tinha
que dar uma olhada em Berling já que acha que é mais importante ficar
devaneando por uma respeitável moça sasannach.
Ranulf olhou para seu irmão do outro lado da carruagem.
- Não estou sonhando acordado atrás de alguém - afirmou
categoricamente. - E amanhã você pode voltar correndo para Glengask.
- Não.
- 'Não'? - Ranulf repetiu, levantando uma sobrancelha. - Não estava
pedindo.
- Não vou deixar você aqui para vigiar Rowena, enquanto os lobos
circundam vocês. Especialmente quando sua mente está em algum lugar que
não devia.
Era a segunda vez que Arran o acusava de distração. O que seu irmão
mais novo tinha visto? Quaisquer que fossem suas intenções em relação à
Charlotte ainda não estava disposto a discuti-las e certamente não com alguém
que tinha acabado de chegar.
- Minha mente está exatamente onde precisa estar, Arran. Como sempre.
- Cruzou os braços sobre o peito. - Mas já pensou o que vai acontecer hoje à
noite, quando os convidados do duque notarem que estão sendo apresentados
para um MacLawry?
Arran deu um sorriso triste.
- Acho que podemos fazer um pouco de barulho.
Danação.
- Não, isso não vai acontecer. Rowena quer uma temporada respeitável.
E sei que não quer que sejamos vistos como animais. Hoje à noite nós somos
cavalheiros.
Rowena não era à única que queria um baile sem luta. O fato de que
poderia atender ao pedido dela, porém, certamente facilitava as coisas para
ele. Na verdade, sua irmã deu-lhe alguns conselhos surpreendentes e pretendia
fazer bom uso das suas sugestões. Simplesmente não queria explicar para
Arran por que estava agindo como estava.
- 'Cavalheiros'. Até que viesse aqui, Rowena pensava que éramos
cavalheiros. E não teríamos que nos preocupar em estar em menor número e
irritados, se você a tivesse levado para casa, para Glengask como disse que
faria. Agora, pretende ficar em Londres durante toda a temporada?
Ranulf enviou a seu irmão um olhar resignado. Antigamente, ninguém
teria falado com ele assim. Charlotte tinha feito e tudo havia mudado. Porém,
Arran não sabia de nada disso. Tinha mudado, então? Os outros poderiam
perceber? Em caso afirmativo, precisava parar. Imediatamente. A percepção
de fraqueza poderia muito bem ser uma sentença de morte em seu mundo.
- Vou ficar em Londres desde que julgo ser necessário. Bem, se você
quer ficar, fique. Mas está errado completamente se acha que vou permitir que
continue criando dificuldades porque não aprecia o modo como estou lidando
com as coisas. Este é um mundo diferente, Arran, e precisamos aprender a
navegá-lo. Não por Rowena, mas pelo futuro de Glengask. E não faremos algo
para contrariar um ao outro. Estamos entendidos?
Seu irmão acenou com a cabeça.
- Sim. Minha concordância é tudo o que você queria ouvir.
- E quero ouvi-lo dizer que não vai brigar esta noite. Por qualquer razão.
- Tem a minha palavra. - Arran recostou-se, afastando rapidamente de
lado a cortina da carruagem para olhar o crepúsculo se intensificando. - Nós
não estamos discutindo a moça sasannach?
- Não, não estamos.
Não podia ordenar que Arran fechasse os olhos para o que tinha visto.
Afinal frequentemente fazia bom uso das observações afiadas do seu irmão. Se
Arran queria tirar suas próprias conclusões sobre o modo que Ranulf e
Charlotte estavam envolvidos, ninguém poderia detê-lo. Porém, o que Ranulf
poderia fazer, seria opor-se a discutir o assunto. E que oferecesse uma opinião
que Ranulf particularmente não queria ouvir.
- E Berling? - Arran perguntou depois de um momento.
- Posso não concordar com você, mas não sou tolo. Se acha que existe
uma chance que outra pessoa esteja envolvida, vou prestar atenção. Mas, pelo
amor de Deus, da próxima vez me diga antes de dar um passo em falso e
confrontar alguém.
Finalmente o sorriso de Arran tocou seus claros olhos azuis.
- Posso fazer o que me pede.
Uma vez que foram buscar Myles em Wilkie House, foi apenas mais
cinco minutos até que chegaram ao fim da imensa quantidade de carruagens
que cercavam Mason House. Quando entraram no recinto, o barulho da rua foi
substituído pelo ruído de centenas de vozes, esforçando-se para parecerem
inteligentes. Aquele baile parecia muito mais movimentado do que o de
Evanstone. Talvez os convidados estivessem esperando que houvesse outra
luta. Certamente poderia acontecer, mas nem ele nem Arran estariam
envolvidos nela. Através de todo o barulho, esperava ouvir uma voz doce e
harmoniosa de sanidade em meio a todo o caos.
- Nós temos permissão para dançar? - Seu irmão murmurou.
Ranulf malditamente esperava que sim, já que a única razão pela qual
tinha se preocupado em colocar sua melhor roupa tinha sido para solicitar uma
valsa com Charlotte.
- Sim. Mas não vá pisar no pé de ninguém - voltou no mesmo tom. -
Literal ou figurativamente.
- Berling está aqui - seu tio observou baixinho.
- Basta dar-lhe um sorriso, bràthair - Ranulf instruiu seu irmão. - Deixe-
o chegar a suas próprias conclusões.
- Estou sorrindo. Nem um pouco sarcasticamente.
- Seria melhor se não estivesse.
Ele sabia que Berling era perigoso. Não gostava do homem e de seu
modo arrogante e egoísta, mesmo antes de queimar as escolas e de ferir Bear.
A partir daquele momento em diante, a antipatia se tornou ódio.
Diante de tudo o que ocorrera, o conde esta noite, no máximo, seria um
incômodo. Uma distração. Ranulf manteve seu olhar em movimento,
identificando cada convidado que cruzou seu caminho como alguém que tinha
conhecido ou que não tinha. Depois, dispensou-os de seus pensamentos.
Nenhum deles era o que procurava.
Então Ranulf a viu por um momento e o tempo simplesmente... parou.
Perto da fileira dupla de janelas, Charlotte inclinou a cabeça, um sorriso
tocando sua boca enquanto entregava seu cartão de dança para seu
companheiro de círculo, Henning. Ela quase parecia como uma pintura de
Thomas Lawrence, tão requintada, que estava. Mas nenhum retrato poderia
capturar seu aroma, seu sabor, ou que simplesmente vendo-a, enviasse um
calor escaldante debaixo de sua pele.
Charlotte estava vestindo vermelho e preto, opulento, ousado e marcante
contra sua pele clara e cabelo dourado. Ele tentou não ler algo mais no fato de
que ela também tinha se vestido em duas das três cores do tartan MacLawry,
mas na busca de cada fio que a ligava a ele, não poderia ajudar a si mesmo.
Seus dedos se enroscaram, querendo enredar nas dobras suaves de sua saia e
puxá-la contra ele.
- Por este caminho – disse, não se preocupando em verificar se seu
irmão e tio seguiam-no, enquanto caminhava adiante.
Em seguida, quando estava no meio da sala, acalmou-se e virou-se para
olhá-la. Poderia ser bruxaria ou não. Não se importava mais. Tudo o que sabia
era que a queria. Imediatamente.
Antes que pudesse alcançá-la, Rowena ficou na sua frente, bloqueando
seu caminho.
- Boa noite, bràthair - disse, inclinando-se em uma reverência.
Com alguma dificuldade, Ranulf forçou a atenção para sua irmã, sua
razão de estar em Londres, em primeiro lugar.
- Você está usando seu vestido de aniversário - falou lentamente,
tomando-lhe a mão.
Em algum momento, tinha perdido de vista sua irmã, quando tinha estado
distraído por persegui-la e por estar irritado que tinha saído de casa sem
permissão, Rowena tinha deixado de ser uma pequenina duende de tranças que
sempre pedia vestidos com rendas, babados e fitas. Tinha crescido, e, olhava-
a em vez de vê-la, e quase a tinha perdido.
- O que foi? - Ela perguntou, franzindo a testa.
- Você parece muito com nossa mãe - murmurou.
Rowena sorriu, lágrimas súbitas brilhando em seus olhos.
- Pareço?
Ele estudou seu rosto por um momento.
- Sim. Só mais bonita, piuthar.
- O que você é - Myles colocou, beijando-a na bochecha.
Lorde Hest interveio e ofereceu sua mão. Tudo aquilo que o conde era,
qualquer que fosse seu caráter, neste momento, era simplesmente um outro
obstáculo entre Ranulf e Charlotte.
- Penso que hoje à noite estou escoltando as quatro damas mais belas de
Londres - o homem mais velho anunciou.
- Tenho que concordar com você - disse Ranulf, apertando a mão do
conde. Seu futuro sogro, quer Hest aprovasse a ideia ou não.
- Oh, Jonathan! - A condessa disse corando, batendo levemente no
ombro de seu marido.
Enfim. Já tinha que ser o suficiente de lisonjas. Pausando sua respiração,
Ranulf deslizou em torno de sua irmã para encontrar seu irmão conversando
com Charlotte. Após os comentários de Arran sobre a moça sasannach, Ranulf
não gostou do que viu. Absolutamente.
- Arran - disse, movendo-se, - vá escrever seu nome no cartão de
Rowena. - Que bom era ser o patriarca de seu clã, se não pudesse ordenar
outros para deixar seu bem mais precioso, sua obsessão, sozinha?
Seu irmão enviou-lhe um olhar ilegível e caminhou para juntar-se a
Rowena e Jane. Uma vez que Arran afastou-se, Ranulf deixou de prestar
atenção nele.
- Olá, Charlotte - disse, estendendo a mão para pegar a dela e levá-la
aos lábios. Não foi o suficiente, e mal suportou manter-se afastado, querendo
apenas puxá-la para seus braços.
- Ranulf - cumprimentou-o, seus olhos cor de avelã cintilavam na luz do
candelabro.
- Penso que posso ter cometido um engano - continuou, abaixando sua
voz e movendo-se mais de perto com o pretexto de pegar seu cartão de dança.
- Que tipo de erro? - Enviou-lhe um olhar desconfiado, seu sorriso
caindo.
- Minha atração por você parece não ter diminuído nem um pouco. E
com esse vestido parece mais deliciosa do que a maçã que tentou Adão.
Charlotte desobstruiu sua garganta.
- Acredito que seja uma dificuldade mútua. Não obstante um melhor
julgamento meu.
- Sim, esse é o problema, não sei, o que pensa? Mas hoje meu bom
senso pode ir se enforcar. Eu quero você, Charlotte.
- Acho que deve escrever seu nome ao lado desta dança - disse um
pouco vacilante, indicando a segunda valsa da noite. - E eu quero você,
também - continuou em um sussurro, seus hesitantes olhos encontrando os seus
da forma que poucas pessoas jamais ousaram.
Naquele momento, prometeu a si mesmo que o que ela quisesse, faria.
Provavelmente lhe custaria, mas se Charlotte fosse o prêmio, pagaria o preço.
Empurrando-se contra o ridículo impulso de repentinamente cantar ou algo
igualmente pouco viril, rabiscou seu nome onde ela indicou.
- Leve-me para passear novamente, leannan.
Seus lábios se separaram em um sorriso suave, e se pegou inclinando-se
na direção dela. Decoro era um maldito incômodo. Mas a fazia sentir-se
confortável, então, seria paciente. Entregando-lhe o cartão de volta, passou os
dedos contra suas luvas vermelhas, pela extensão de seu cotovelo.
- Como estão suas mãos? - Perguntou, irritado por não ter perguntado
imediatamente. Em sua defesa, a aparência dela o tinha deslumbrado, mas
havia conseguido essas bolhas estando ao seu lado.
- Bem melhor. Ouso dizer que em um dia ou dois ninguém saberá que
tive bolhas.
- Eu saberia.
- Ah, aí está você, querida lady Charlotte - uma voz seca veio por trás
dele. - Diga-me que não concedeu todas as suas danças.
Felizmente por o bem de sua determinação, não era Berling. Mas na
verdade não o deixou sentindo-se melhor. Um sujeito alto, de cabelos louros
da idade de Bear estava ali, um sorriso fácil no rosto, vestido com um bem-
feito casaco azul escuro que poderia ou não ter ombreiras.
- Acredito que tenha uma dança livre ou duas restantes, lorde Stephen -
Charlotte respondeu, em seguida fez um gesto para Ranulf. - Lorde Glengask,
posso lhe apresentar lorde Stephen Hammond? Lorde Stephen, o marquês de
Glengask.
- Você é o acompanhante das Highlands - Hammond comentou.
- Sim. Sou.
Quando Hammond ofereceu sua mão, Ranulf cumprimentou. Era o que
cavalheiros faziam. Mas não gostava disso mais do que gostava que Charlotte
sorrisse para o recém-chegado. Os outros homens com quem geralmente
dançava quase não tinham aparência de rivais. Esse era diferente. E agora que
pensava sobre aquilo, lembrou que a senhorita Florence mencionou algo sobre
um lorde Stephen Hammond que disse que ela parecia uma laranja. A
lembrança não o deixou mais disposto a gostar do sujeito.
Se estivesse na sua casa, teria bruscamente perguntado a esse Hammond
se tinha feito como haviam contado. E então teria adicionado um pouco de
caráter em seu rosto. Era ainda tentador. Ranulf poderia alegar que estava
defendendo a honra da senhorita Florence, enquanto podia, ao mesmo tempo
removeria lorde Stephen de onde atualmente estava: sorrindo lindamente para
Charlotte. Sua Charlotte, quer pudesse anunciar para todos ou não.
- Charlotte, a surra que me deu no críquete o ano passado ainda dói,
você sabe - lorde Stephen continuou com um sorriso, enquanto pegava seu
cartão e escrevia seu nome nele. - Eu quero uma revanche.
- Estou disposta a constrangê-lo - Charlotte retornou - se não teme mais
humilhação.
Hammond entregou o cartão de dança.
- A vida é um risco. E acredito que quem hesita está perdido. - Ele
esboçou uma reverência. - Agora eu tenho que ir pedir uma dança para sua
adorável irmã. Eu reclamarei você mais tarde.
Ainda sorrindo, Charlotte assistiu Stephen caminhar até Jane. Ela, é
claro, já estava rodeada por jovens ansiosos. Entretanto, quando Charlotte
retornou sua atenção para Ranulf, ele não parecia nada divertido.
- Quem é lorde Stephen Hammond? - Perguntou, olhando dela para seu
cartão de dança.
- É o segundo filho do duque e da duquesa de Esmond. Esta é a sua festa.
- Ela fez a declaração com a maior naturalidade possível, esperando que
Ranulf não estivesse prestes a começar a esmurrar as pessoas novamente. Sim,
gostava da ideia de que poderia estar com ciúmes. Não, não queria que ele
agisse sobre ela.
Ela o viu tomar um fôlego.
- Então, suponho que está autorizado a pedir uma dança da moça mais
bonita do salão - disse.
Oh, graças a Deus. Justamente quando pensava que o compreendia, ele a
surpreendia novamente.
- Você exagera, mas obrigada por dizer.
- A única coisa que eu nunca exagero é sobre o tamanho do peixe que
quase apanhei. Você é Afrodite, leannan. Você tira meu fôlego.
Foi muito agradável de ouvir. Na verdade, teria ficado bastante
satisfeita em apenas ficar e ouvir o som de sua voz o resto da noite. Realmente
para o resto de sua vida. Mas, então, notou seu pai olhando-os, sua expressão
descontente.
- Você tem que ir conversar com outra pessoa - pesarosamente
sussurrou. - As pessoas começarão a pensar que está me cortejando.
- Ah, e se eu estiver? - Indagou.
Antes que pudesse decifrar completamente a explosão... que provocou
com suas palavras, deu-lhe um sorriso animado e caminhou até interromper a
multidão em torno de sua irmã. O que ele quis dizer? Não podia ser possível,
já que claramente acreditava sobre a inadequação de ladies inglesas para as
Highlands. Estava simplesmente arreliando-a? Se eram tão errados um para o
outro, por que aquelas poucas palavras fizeram-na sentir-se tão... excitada?
- Suponho que não deixou uma dança para um pobre estranho, não é? -
Disse o irmão de Ranulf, aparecendo do outro lado.
- Nenhuma jiga , mas tenho uma contradança - respondeu, olhando em
seus pálidos olhos azuis, muito diferentes dos de Ranulf e de Winnie.
- Acho que posso ajeitar, a menos que Ran me persiga novamente. -
Escreveu seu nome ao lado da próxima dança, quando a orquestra tocava as
últimas notas de uma quadrilha. - Por que acha que ele faria uma coisa dessas,
milady?
Talvez Arran MacLawry não fosse tão bem-humorado e descontraído
quanto ela pensava. Ranulf tinha dito que o irmão do meio era o inteligente.
- Teria que perguntar a ele - disse, em seguida colocou um sorriso de
volta em seu rosto. - Foi bom ter vindo a Londres. Penso que seu irmão se
sente mais confortável tendo você aqui.
Arran inclinou a cabeça.
- Penso que meu irmão disfarça sua própria intenção, mas é da sua
natureza dizê-lo. - Com um olhar na direção de Ranulf, afastou-se em direção
a mesa de refrescos.
Antes que pudesse refletir sobre o que qualquer um deles queria dizer,
vários de seus amigos chegaram para conversar sobre a aglomeração em torno
deles e elogiar seu vestido e seu cabelo. Elizabeth Martin tinha surgido no
mesmo ano que ela e Margaret Cooper no ano seguinte. Ambas estavam
casadas, Elizabeth com três filhos e Margaret com um menino e uma menina.
Às vezes tinha inveja por terem escolhidos maridos que não foram
ridicularizados com uma ofensa digna de assassinato. Elas encontraram a vida
que queriam e tinham conseguido mantê-la, entretanto, ela não.
Agora, porém, enquanto olhava o senhor Martin se vangloriando e lorde
Roger Cooper com seu cinto muito apertado e para o magnífico lorde
Glengask, que estava rindo de algo que sua irmã disse, perguntava-se pela
primeira vez se coisas não aconteceram por uma razão. Sim, ela teria sido
perfeitamente feliz com James Appleton e teria vivido uma vida feliz e
perfeitamente previsível.
Imediatamente sua indagação apareceu em sua mente novamente. Por que
Ranulf brincou sobre cortejá-la? Ou se por alguma razão não estivesse
brincando, ela queria uma vida com ele, quando implicaria perigo, violência e
ameaças de seus compatriotas e de escoceses? Charlotte se abalou. Tudo que
sabia sobre ele, através de suas próprias observações e nas conversas com
Winnie disse que não estava falando sério. Portanto, não precisava decidir.
Não precisava escolher entre ele e o que estava rapidamente se tornando uma
vida monótona, previsível e ainda extremamente segura.
Quando lorde Berling apareceu no salão e caminhou em sua direção, não
ficou surpresa, mas uma perturbação e um desassossego envolveram sua
espinha. Será que a empurraria para tentar contrariar Ranulf? Ou sua mera
presença ao seu lado seria suficiente para fazer o marquês quebrar sua palavra
e atacá-lo?
- Lady Charlotte - o conde disse, inclinando sua cabeça, – senhora
Martin, lady Roger.
- Milorde - ela voltou-se com uma reverência, enquanto suas amigas
davam rapidamente suas desculpas e se afastavam. Sem dúvida tinham pelo
menos ouvido sobre o incidente no sarau Evanstone e não queriam fazer parte
de nenhum espetáculo de bis.
- Nunca tivemos a chance de dançar na última reunião – falou, - e me
perguntei se não poderíamos tentar outra vez.
Sua boca já estava ficando cansada dos inúmeros sorrisos forçados que
tinha dado esta noite. Percebeu que seria muito mais simples ser agradável
quando ela não sabia de nada.
- Temo que meu cartão de dança para esta noite já esteja completo, lorde
Berling. No entanto, obrigada, foi muito amável em ter pensado nisso.
Movendo-se tão rapidamente quanto uma cobra, o conde arrebatou o
cartão de dança de seus dedos enluvados.
- Você está enganada, lady Charlotte - disse, olhando para o cartão. -
Tem várias danças disponíveis.
Oh, Deus. Tinha feito uma negociação com Ranulf: sem dança com
Berling em troca dele não brigar com o conde. Se o grosseirão anotasse seu
nome ou se Ranulf visse a troca agora, não queria saber o que poderia
acontecer. Tomando fôlego, ofereceu a Berling um autêntico olhar severo.
- É como um cavalheiro reage quando confrontado com uma lady que
não deseja dançar com ele? Estava tentando ser educada.
- Você já dançou comigo antes, milady. Nós até valsamos uma ou duas
vezes.
- Sim, dançamos. E houve, na verdade, outras festas onde não dançamos.
Acredito que parece estar procurando por problemas e não quero participar.
O conde aproximou-se mais dela.
- No entanto, vejo aqui que Glengask tem uma valsa com você. E um
outro tem uma dança também, seja ele quem for.
Charlotte manteve-se firme, rezando para que Ranulf e seu irmão
estivessem ocupados.
- Sua irmã é convidada da nossa família. Devo-lhe alguma explicação
exclusiva?
- Não. Mas uma dança ainda seria eficaz para demonstrar que somos
todos amigos aqui.
- Não, milorde. O meu cartão, por favor. - Ela não lhe segurou a mão,
tornaria demasiado óbvio para todos que olhassem que lhe fizera um pedido e
não estava atendendo.
- Não desenvolveu ternura pelo diabo escocês, não é? Ele não é nada
civilizado.
- Não acho que meu comportamento seja da sua conta, Berling - o baixo
sotaque de Ranulf veio, quando se moveu para seu lado. - A lady pediu seu
cartão de dança de volta.
O rosto de Berling ficou tão pálido que Charlotte percebeu.
- E se eu me recusar?
Ranulf puxou um cartão em branco de dança de seu próprio bolso.
- Então, você pode circular carregando esse pequeno pedaço de papel
como um tolo e ela usará este aqui - respondeu friamente.
- Bah. Você é um cachorro. Pegue-o do chão. – Dito isto, Berling soltou
seu cartão de dança no chão e foi embora.
- Ainda bem que não sou tão inflexível e mesquinho como ele é - Ranulf
meditou, agachando-se e recuperando seu cartão. Guardando o cartão em
branco, sacudiu o dela e o devolveu.
Charlotte olhou para cima, estudando seu rosto magro esperando por
qualquer sinal de raiva. O que viu foi uma expressão perfeitamente
equilibrada, o que deveria tê-la tranquilizado, mas não o fez.
- Manteve sua palavra - murmurou.
Seu olhar baixou brevemente para sua boca.
- Assim como você. - Ranulf ofereceu-lhe o braço. - Deixe-me
acompanhá-la até seu parceiro de dança.
Arran moveu-se em sua direção.
- Não há necessidade. Eu sou seu parceiro.
Na verdade, impressionou-a um pouco que ambos os homens tivessem
estado tão próximos e ainda assim nenhum deles atingiu Berling. Se o conde
tivesse se movido mais perto dela ou tivesse sido um pouco menos firme...
Mas nada tinha acontecido, estava tudo bem.
Antes de Arran pegar seu braço, Ranulf inclinou-se e sussurrou algo
para seu irmão. Então, com um aceno de cabeça para ela, foi buscar a sua
parceira para a contradança. Arran ofereceu seu braço e juntos tomaram seu
lugar na pista de dança. Uma vez que a música começou, inclinou-se, fez uma
reverência e deram as mãos, para o passo em um amplo círculo ao redor de
seus companheiros.
- O que Ranulf lhe disse? - Murmurou, quando se separaram e depois se
moveram para os lados opostos da fileira.
- Se quisesse que você ouvisse, não teria sussurrado - disse, recuando
até o centro com ela novamente.
Escoceses teimosos.
- Lorde Berling chamou-o de ‘um outro’ par. - Comentou, decidindo
tentar de novo. - Nunca o encontrou?
Eles fizeram outro conjunto de passos e voltas, de frente um para o
outro, antes de juntarem as mãos novamente.
- Na verdade, eu o conheci hoje no almoço.
- O quê? - Sufocou seu comentário acentuado com uma tosse. - Então por
que...
- Eu posso ter lhe dado um nome diferente - Arran voltou com um
sorriso cínico.
Os homens MacLawry não pareciam ser tímidos sobre muita coisa,
Charlotte decidiu, olhando para Ranulf e o vendo caminhar até a segunda linha
de dançarinos, uma bonita lady ruiva estava segurando sua mão. Graças a
Deus que ele estava fazendo um esforço para se encaixar, para familiarizar-se
com seus pares. E se inglês ou escocês ou galês ou irlandês, os aristocratas
aqui seriam seus pares.
Ao mesmo tempo, porém, quando ela pegou um vislumbre do rosto da
ruiva, quando esta sorriu para ele, Deus do céu, seria Madeline Davies? Por
um momento gostaria de ser egoísta. Não queria que outras ladies o olhassem
de modo voraz como se todas quisessem levá-lo para passeios turísticos por
Londres.
Talvez seu desejo não fosse realmente tão egoísta. Se as ladies não o
vissem assim tão... sensual, então, talvez seus maridos e dândis poderiam
olhar para ele como um amigo em potencial ou um aliado em vez de um rival
incivilizado.
- Não vai me perguntar por que dei a Berling o nome de outro homem? -
Arran disse quando circulou ao redor dela. - Pensei que fosse mais curiosa,
considerando que pergunta sobre tudo.
Charlotte sacudiu-se.
- Sou extremamente curiosa - respondeu. - Notei, porém, que você é
ainda pior em responder as perguntas do que seu irmão.
Arran deu uma risada curta.
- Vou tomar o que disse como um elogio. De qualquer maneira, esta seria
provavelmente uma conversa melhor se estivesse em outro tempo e em um
cenário diferente.
Irritante como a observação era, tinha que concordar com sua avaliação.
De certa forma, era estranho que estivesse tão interessada em todos os
subterfúgios e maquinações. Algumas semanas atrás não teria querido ouvir
que um homem parecia estar atraindo outro em qualquer tipo de confronto.
Mas sabia o que ocorria agora. Sabia que lorde Berling tinha feito atos para os
quais provavelmente devia ter sido preso.
Não tinha gostado que caminhasse até ela e tentasse usá-la para começar
uma briga, duas vezes agora. A primeira vez funcionou, embora não ficara
satisfeito com o resultado. Apenas arrogância poderia convencê-lo a tentar a
mesma abordagem de novo e esperar um resultado diferente, mas o resultado
fora diferente. Ranulf não ficou exaltado com a isca. Na verdade, tomara
medidas para evitar a luta. E foi uma coisa muito boa.
Quando a dança finalmente terminou, meio que esperava que Ranulf
aparecesse e sugerisse que saíssem para a varanda e fossem tomar ar fresco. O
desejo de beijá-lo novamente para ouvir sua voz baixa dizendo coisas
significativas apenas para ela, deixou-a trêmula e sentindo-se extremamente
lasciva.
Olhou em volta procurando por ele, mas antes que pudesse localizar sua
figura alta, larga, Jane apareceu.
- Olá, minha querida. O que está...
- Nesta direção. - Sua irmã sussurrou e meio que a arrastou através de
um corredor, ao virar uma esquina para uma biblioteca escura e vazia.
- Janie, o que...
Jane colocou a mão sobre sua boca.
- Shh. Venha aqui - murmurou e liderou o caminho para a janela.
Alarmada, Charlotte a seguiu. O aposento escondido tinha vista de frente
ao jardim e enquanto as cortinas estavam abertas, a janela não estava. Jane
entrecerrou um olho e muito lentamente empurrou o vidro, abrindo uma
polegada ou assim.
- ...humilhou-me duas vezes - a voz baixa, com raiva de Berling veio. -
Quem diabos ele pensa que é, afinal?
- O Campbell diz que ele é perigoso.
- Nas Highlands sim. Ele é o rei de seu próprio pequeno exército de
aldeões, criadores de gado e pescadores. Mas nós não estamos nas Highlands,
não é? Onde está seu exército agora?
- Sim - uma terceira voz concordou. – Chamou-o de cachorro e ele
apenas ficou lá. Também pegou o cartão que você jogou no chão.
- Digo-lhes que tem medo de nós - Berling insistiu, excitação elevando o
tom de sua voz. - E não apenas nós. A menos que esse incêndio tenha sido
acidental, Glengask tem mais inimigos do que a maioria das pessoas têm
amigos.
- Pensei que fosse você, que ateou o fogo - uma quarta voz murmurou.
- Só se você puder provar isso, George.
- Aquele outro grande indivíduo que está aqui é seu irmão, Arran
MacLawry. Ouvi isso de Hest.
- Sabe que ele acolheu duas dúzias de aldeões dos Campbell, quando
nós os empurramos para fora de Glen Helen. Faz com que eles não tenham que
saltar quando dizemos para fazê-lo. A quarta voz deu uma risada baixa.
- Seu pai era da mesma maldita maneira. Não fez a Seann Monadh muito
bem, não é?
- Não é motivo de riso - Berling retorquiu. - Ambos os meus tios
desapareceram depois disso.
- Acha que não sei, Donald?
- O Campbell disse que o velho MacLawry fez um pacto com o diabo e
os arrastou para baixo a fim de que se unissem a ele.
Isso fez com que o som de cuspir se iniciasse, seguido por especulações
sobre o que tinha acontecido aos dois Gerdenses. Charlotte trocou um olhar
com Jane, espremida contra a parede e com os olhos arregalados. Deviam ir
antes que alguém notasse a janela aberta e viesse olhar quem poderia estar
escutando a conversa. Ela teria uma dança com Francis Henning começando a
qualquer momento. E, no entanto estes homens estavam falando sobre Ranulf.
E se averiguasse alguma coisa que pudesse ajudá-lo...
Mas poderia também mandar alguém atrás desses homens e seria
responsável em sua cabeça. Quando tudo isso se tornou tão complicado? Aos
dezoito anos, o amor tinha sido simples e puro.
Charlotte respirou fundo, colocando uma mão em seu coração. Amor?
Era amor que torcia dentro dela e a fazia pensar que deixar cair um vaso ou
dois para fora da janela e sobre a cabeça de alguém seria uma boa ideia? O
amor que a fez odiar os homens abaixo apenas falando de suas intenções,
porque eles falavam contra Ranulf? Seu Ranulf?
Que estúpida mulher ela era. Ranulf queria uma amante em Londres.
Deixou isso perfeitamente claro e ela concordou. Uma atração física mútua.
Mas, ah, era muito mais do que isso, pelo menos, para ela. Claro, eles nunca
iriam se adequar, e nada poderia resultar dessa... sua paixão, mas pelo amor
de Deus. Por seu próprio, estúpido engano ou não, ela o amava. E seu coração
se quebraria em cem milhões de pedaços no dia em que lhe desse adeus.
Estava tudo errado, errado, errado. E mesmo sabendo disso, inclinou-se
mais próximo à janela para que não perdesse uma palavra. Qualquer coisa que
pudesse prejudicar Ranulf precisava ser parado. De uma vez.
- Eu não vou de igual para igual com ele - a segunda voz estava dizendo.
- Eu já fiz. Se eu o confrontar novamente hoje à noite, todo mundo me
verá como o antagonista e nós não ganharemos nada.
- Vou fazer - a quarta voz falou lentamente. - Não tive sangue MacLawry
em minhas mãos por uns bons três anos. É uma coceira que necessita ser
coçada.
- Basta ter em mente que você tem que fazê-lo parecer o agressor ou
será por nada.
- Não tem que me lembrar disso, primo.
A música para a quadrilha começou, abafando qualquer conversa
restante. Com muito cuidado, Charlotte fechou janela e, em seguida, caiu
contra o encosto de uma cadeira.
- Céus! - Sussurrou. - Como você soube sobre isso, Janie?
Sua irmã tinha uma mão no peito e parecia pálida como o luar.
- Estava deixando a pista de dança e ouvi alguém dizer que precisava de
um lugar tranquilo para discutir sobre lorde Glengask e lorde Berling sugeriu
o jardim junto à parede da frente. - Ela tomou uma respiração irregular. - Meu
Deus! Eles estavam falando sobre machucar pessoas e até pior que isso.
Charlotte se endireitou, aproximando-se para abraçar sua irmã.
- Você foi tão corajosa - ela disse sensivelmente.
- Mas o que vamos fazer?
- Precisamos dizer a Ranulf.
Não tinha nenhuma ideia do que viria daquilo e da maneira que seu
coração estava batendo, sentia a mesma probabilidade de como seria beijá-lo
e viver com ele... por ser quem era. Mas ao mesmo tempo, ele precisava
saber.
- Vamos - disse, agarrando a mão de Janie e correndo para a porta. Toda
ação tinha consequências e estava prestes a deixar algumas grandes ações em
movimento.
Mesmo.
Todavia, tudo o que conseguia pensar foi o quão segura, contente e feliz
sentia-se nos braços de Ranulf. Não podia perdê-lo. Não iria perdê-lo. Não
para alguém pomposo e nestas condições. Não quando havia acabado de
descobrir o que sentia.
Capítulo Treze
- Onde está ela? - Ranulf exigiu, agarrando um punhado da lapela de
Arran.
- Eu disse a você, ela e a irmã foram em algum lugar - seu irmão
grunhiu, porém, não lutou contra o aperto de Ranulf. Arran tinha percebido
nitidamente como muito perto da violência ele estava.
- Disse-lhe para mantê-la perto - Ranulf disse, enunciando cada palavra.
Em uma multidão tão grande, Charlotte poderia estar em qualquer lugar, com
qualquer pessoa e ele não podia ver qualquer sinal de Berling ou tampouco de
seus comparsas. Sim, estava zangado, mas não era somente isso. Estava
preocupado. Extremamente preocupado.
- Lance-me fora da varanda ou deixe-me ajudá-lo a encontrá-la. - Arran
ergueu as mãos em um gesto apaziguador.
Exalando um rosnado, Ranulf soltou seu irmão.
- Vou procurá-la naquela direção - estalou. - Fique com seus olhos em
Rowena, se você pode fazê-lo.
- Sim, posso. Eu vou.
A música para a quadrilha começou enquanto espreitava em volta do
salão de baile, Arran em seus calcanhares. As pessoas moviam-se para a pista
de dança e outros para salas vizinhas ou as salas de jogos ou as mesas com
refresco, rostos que ele não conhecia, sangue azul que não servia a nenhum
propósito no momento, a não ser afastá-lo de encontrar Charlotte.
Onde diabos ela estava? Tinha visto seu cartão de dança. Sabia que
tinha concordado em dançar a quadrilha com o homem redondo, Henning.
Ranulf caminhou através da beira da pista de dança, sem se importar com o
rebuliço que estava causando. Quando finalmente pôs os olhos em Henning de
pé e parecendo confuso, seu coração caiu. Charlotte não deixaria um parceiro
de dança em pé. Não seria educado.
Ranulf respirou fundo a fim de berrar seu nome, quaisquer que fossem as
malditas consequências - e então, viu-a. Sua irmã a acompanhava. Ela correu
para o salão de dança pela porta do corredor. Graças a Deus! Alívio o
inundou, inebriante e bem-vindo e Ranulf avançou. Ela não ia dançar com
ninguém até que a tocasse e tivesse certeza de que estava bem.
Uma figura escura e magra entrou na sua frente, bloqueando sua visão de
Charlotte. Ranulf deslocou-se em volta do homem só para achar seu caminho
bloqueado novamente.
- O marquês de Glengask, vivo e respirando.
Com uma carranca, Ranulf colocou sua atenção para o homem que agora
estava diretamente na sua frente. Alto, entretanto, não tão alto quanto ele, com
cabelo castanho avermelhado que, em parte, escondia uma leve cicatriz
correndo logo abaixo da orelha e para baixo do lado direito de sua boca.
Cócegas de familiaridade picaram os pelos na parte de trás do seu pescoço,
mas não conseguia reconhecer o rosto.
- Já nos conhecemos? - Perguntou, ainda se movendo para frente.
O sujeito manteve o ritmo, recuando para permanecer na frente dele.
- Não diretamente.
- Então vai ter que me desculpar. Vou me encontrar com alguém.
Ranulf começou a andar em torno do homem, só para encontrar sua rota
cortada mais uma vez. Agora foi claramente intencional, que, tanto quanto
estava preocupado, esqueceu a necessidade de ser educado.
- Saia do meu caminho, amadan.
O homem mais baixo favoreceu-o com um sorriso educado.
- Não acho que vou.
- Quer que derrube sua bunda na frente de todas essas moças bonitas -
ele retrucou, falando alto o suficiente para que as pessoas diretamente ao seu
redor pudessem ouvir.
- Estou brincando, quero uma palavrinha com você, amigo.
Um bom e rápido soco no estômago quando se movesse e ninguém
notaria nada, mas somente ele ajudando o companheiro no chão quando
vomitasse doente sobre suas próprias botas. Ranulf preparou-se para agir,
fechando sua mão.
- Lorde Glengask! - A voz ofegante de Charlotte veio. – Aí está você!
Seu tio está muito doente, estou com medo. Por favor, venha conosco logo.
Ranulf endireitou os dedos. Sem bater. Era uma regra de Charlotte.
- Desculpe-me. - Repetiu vigorosamente, firmando o sujeito magro com
um olhar direto que causaria na maioria dos homens uma súbita necessidade
de examinar seus próprios sapatos.
Inclinando a cabeça, o sujeito desfigurado afastou-se. Em seguida,
abruptamente, surpreendeu o movimento de Ranulf, movendo-se como
anteriormente.
- Sua irmã é uma bela moça – murmurou, - com uma boca muito bonita.
E sei exatamente em que lugar a teria posto.
Ranulf parou em seu caminho. Num piscar de olhos, antes que ele
mesmo tivesse registrado a ação, tinha os dois punhos envoltos na lapela do
homem e o levantara do chão. Fúria sombria explodiu através dele como um
trovão. Ninguém, NINGUÉM, ameaçava Rowena.
Uma mão macia em uma luva vermelha tocou sua manga.
- Você está sendo provocado - Charlotte respirou.
Se ela tivesse falado em qualquer outra voz, gritado, empurrado ou
puxado, provavelmente não teria notado. Claro que estava sendo provocado.
Mas não importava. As palavras haviam sido ditas. Palavras que não
poderiam ser ditas, ou perdoadas, mas que só poderiam ser pagas com sangue.
- Seu tio precisa de você - persistiu em uma voz mais alta, sua mão
apertando seu braço.
Suas mãos com bolhas, as quais tinha conseguido ao tentar salvar seu
estábulo. Todos os músculos tensos e lutando, instinto versus mente. Deu um
passo para o lado e abaixou o homem.
- Desculpe-me - disse pela terceira e última vez, mesmo que sentisse
como se estivesse sendo rompido e estivesse sangrando por dentro. - Parecia
que estava pisando no meu pé.
Pegando a mão de Charlotte, colocou-a em volta do seu braço e afastou-
se. Atrás dele o homem desfigurado riu. Ranulf revirou seus ombros e
continuou. Era o que aconteceria se quisesse manter Charlotte em sua vida.
Engoliria uma centena de insultos e sorriria para os palavrões em troca de um
beijo e um sorriso dela. Como ela continuava a dizer-lhe, eram apenas
palavras.
- Preciso conversar com você - disse firmemente, enviando-lhe um olhar
de soslaio. - E pelo amor de Deus, você precisa usar sua mente e não seus
músculos.
- Prefiro usá-los em conjunto - replicou.
- Era o que estava fazendo?
- Se minha mente não estivesse envolvida, você saberia. Espere um
pouco. Temos de encontrar Myles primeiro. Suponho que esteja bem?
- Não faço ideia. Foi à primeira desculpa que pude pensar. - Cruzando
os olhares. – Desculpe-me, bati em você naquele momento. Você está bem?
- Eu sou um cavalheiro - retornou, tentando soar razoável, quando a
fúria ainda o mordia com dentes de tigre. - Estou sempre bem.
- Ranulf.
- Em um minuto. Há Myles.
Seu tio estava conversando com o duque de Esmond e seu ah! Tão
encantador filho, lorde Stephen Hammond. Magnífico. Bem, Charlotte tinha
escolhido o jogo, logo jogaria junto.
- Myles, vamos encontrar-lhe uma cadeira - disse, relutantemente
liberando Charlotte para agarrar o cotovelo do seu tio. - Não deveria caminhar
se ainda estiver sentindo-se tonto.
Lorde Swansley franziu a testa, em seguida, colocou uma mão
abruptamente em sua têmpora. - Talvez eu deva sentar-me por um minuto -
disse. - Se você me perdoar, Vossa Graça, Stephen.
- Certamente, Swansley. De todo modo, a duquesa está esperando uma
dança.
Concordando veementemente, subiram as escadas e encontraram uma
sala de estar. Quando abriram a porta, uma jovem cambaleou em seus pés, um
homem mais velho puxou a mão debaixo de sua saia e, em seguida, tentou
cobrir a parte inferior e seus seios. Ranulf mal teve tempo de levantar uma
sobrancelha antes deles fugirem. Por mais que quisesse Charlotte, tinha pouca
simpatia com o casal. Um homem deveria ter mais consideração com sua lady
e não a levar a um lugar em que poderiam ser descobertos.
- O que está acontecendo? - Disse Myles, uma vez que eles estavam
sozinhos. - Por que estou tonto?
- A culpa é minha - admitiu Charlotte. - Precisava falar com Ranulf em
particular e você foi minha desculpa.
- Eu estava ocupado tendo um desentendimento com um indivíduo -
Ranulf firmemente adicionou, - antes de me lembrar que sou um cavalheiro.
Jane andava de um lado para outro atrás do sofá enquanto falavam.
Ranulf não lhe tinha dado muita atenção antes, mas agora que a olhou, parecia
extremamente desconfortável. Charlotte parecia muito mais calma, mas ela não
se abalava facilmente. Na luz ofuscante de meia dúzia de velas, longe das
luzes dos cem surpreendentes candelabros, parecia ainda mais deslumbrante.
- O que aconteceu, leannan? - Perguntou, inclinando o quadril contra o
braço do sofá. Na palavra gaélica, Myles enviou-lhe um surpreso e rápido
olhar que ignorou.
Charlotte lhe disse. Não foi difícil adivinhar que os participantes com
Berling tinham sido Charles Calder e Arnold Haws, tanto quanto ele podia
adivinhar, três deles eram quase inseparáveis. O quarto homem o confundiu
por um momento, até que Charlotte observou que o homem misterioso e o
indivíduo que ele quase havia espremido no salão tinham a mesma risada.
- Acho que lorde Berling chamou-o de primo - Jane colocou.
- George - Charlotte disse depois de uma batida de coração. - Alguém
disse George.
Agora fazia sentido.
- George Gerdens-Dailey - Ranulf disse lentamente. Danação.
Myles começou a praguejar baixinho. Ranulf inclusive concordava, mas
ficou abruptamente mais preocupado em decifrar como a chegada de Dailey
em Londres afetaria sua família e aqueles que amava. A mulher que amava,
que estava franzindo a testa para ele.
- Quem é George Gerdens-Dailey? - Charlotte perguntou, seu franzir de
sobrancelhas aprofundando-se. - Quero dizer, sei que é um Gerdens, mas é
evidente que há mais alguma coisa acontecendo aqui.
Ela precisava saber. Ainda que ao dizer-lhe, teria que confessar algo
que ela nunca poderia perdoar, a única coisa que podia custar-lhe... tudo: ela.
Endireitando-se, estendeu sua mão para ela. Quando ela entrelaçou seus dedos
com os dele, levou cada grama de vontade que possuía para não beijá-la logo
em seguida.
- Fique aqui - disse para seu tio, indicando Jane. - Estaremos de volta
em um instante.
Ele levou-a por uma porta lateral e para o que parecia ser um quarto de
vestir. Só depois que trouxe uma vela para dentro e trancou ambas as portas,
soltou sua mão. Ninguém iria surpreendê-los ali.
- Estou bastante preocupada - disse Charlotte, observando-o andar para
trás e para frente. A luz da vela cintilou quando ele agitou o ar com a sua
passagem. - Quem é esse homem?
Finalmente Ranulf parou para encará-la novamente. Deus, ela parecia
um anjo perverso, cabelo dourado e um vestido preto e escarlate.
- Você fez um sermão há um tempo sobre como a violência só leva a
mais violência, como não tinha nenhum motivo e a única maneira de pará-la,
seria não começar em primeiro lugar.
Para sua surpresa, ela sorriu.
- Estava ouvindo.
- Escutei cada palavra que já falou, Charlotte. Cada respiração, cada
suspiro, significa o mundo para mim. - Ranulf agitou-se. - Não quero usar
palavras doces para convencê-la, mas é a verdade. - E poderia muito bem ser
a última vez que ela aceitaria sequer falar com ele.
- Conte-me - disse calmamente.
- Só mais uma coisa primeiro. - Ranulf fechou a distância entre eles,
colocou a palma da mão entre a nuca e seu pescoço e tomou sua boca doce e
suave contra a sua.
Suas mãos enluvadas alcançaram ao redor de seus ombros e ela
inclinou-se ao longo de seu corpo. A firme confiança que ela mostrava era
totalmente excitante. Ranulf mergulhou no momento, saboreando cada instante
de tempo gasto com ela em seus braços. E pensar que poderia acabar porque
sentiu a necessidade de ser honesto com ela... Bem, tolo, ele. Mas preferia
enfrentar as consequências agora do que mais tarde.
De certo modo, porém, a perfeita harmonia entre eles agora apenas o
fazia se preparar para o que provavelmente aconteceria de pior no fim desta
conversa. Saboreando um último beijo, colocou-a novamente de pé.
- Chega de delongas, então - falou, meio para si mesmo.
Charlotte teria mantido as mãos ao redor de seus ombros, mas ele
afastou-se. Não queria ver a expressão decepcionada em seu rosto quando
terminasse de contar o que precisava, mas afastá-la dele também era mais do
que desejava. Gostaria de colocá-la na sua frente.
- Eu disse como meu pai morreu - começou, ficando parado. - Metade
do clã considerou um acidente, enquanto a outra metade sabia que foi um
assassinato. Eu podia ter apenas quinze anos, mas sabia o que tinha
acontecido. E eu sabia quem tinha feito aquilo. O conde de Berling e seus
irmãos, Harry e Wallace.
- Não esse lorde Berling - ela disse, indicando algum lugar vagamente
fora daquele local.
- Não. O pai dele. Eu o vi discutindo com Seann Monadh, meu pai,
tentando intimidá-lo para transformar uns bons vinte acres dos aldeões em
pastos para as ovelhas. Meu pai chamou-os de estúpidos, tolos egoístas, que
lamentariam em voltar-se contra seu próprio povo e mandou-os embora. Dois
dias depois, ele estava morto.
Ranulf podia discutir o assunto com naturalidade agora, mas naquele
tempo sentiu que todo o ar saíra de seus pulmões e ficara assim por meses.
Não tinha sido capaz de recuperar o fôlego, pensar, de luto. O clã parecia
perdido e todos procuravam-no por respostas e liderança. Sua mãe tinha
ficado inconsolável, mas sua perda, seu fardo. Como se ela tivesse sido a
única a sentir a dor da morte de Robert MacLawry.
- Eu sinto muito, Ranulf - Charlotte inspirou, mas não tentou se
aproximar dele novamente. Sabia que era parte do que tinha para contar e que
não foi por isso que a arrastara até ali.
- Depois do enterro, peguei o velho rifle de caça carregado do meu pai e
uma pá e fui encontrar os Gerdenses. Berling já tinha ido para Londres, uma
covardia compartilhada com seu filho. No entanto, os outros dois estavam em
casa, em Sholbray Manor, bebendo aconchegados em sua sala de estar, falando
como Seann Monadh lutou e se contorceu enquanto seguraram a cabeça sob a
água do lago, como defecou enquanto morria. Agachei-me debaixo da janela e
ouvi tudo o que contaram.
O rosto de Charlotte empalideceu, mas se manteve firme em seu
silêncio. E pensar que achava que provavelmente ela se quebraria com um
vento forte. Poderia parecer delicada como porcelana fina, mas tinha um
amaldiçoado aço na espinha.
- Pelo menos havia umas duas dúzias de Gerdenses, seus homens,
mulheres e criados na casa, Rastejei por fora e encontrei um lugar abaixo,
perto de onde confinavam suas ovelhas e aguardei. Esperei por dois dias até
que somente Harry e Wallace saíram. Atirei neles, matei-os e enterrei-os onde
ninguém os encontraria. Depois retornei para casa e tentei ser o homem que
meu clã precisava que eu fosse. - Ele olhou para suas mãos e, em seguida,
encontrou o olhar dela novamente. - George Gerdens-Dailey é filho de Harry
Gerdens.
Fez um silêncio tão profundo que ele podia ouvir a orquestra afinando a
um andar e meio de distância, ouvir a sua respiração suave, e superficial.
Olho-por-olho, a violência podia ser mais velha que a Bíblia, mas o que fez
não seria mais aceitável para ela.
- Os corpos... nunca foram encontrados?
- Não. Eu queria que eles morressem sem ninguém capaz de chorar
sobre uma lápide ou colocar um cardo em uma sepultura. - E terrível como
tinha sido, ainda teria feito isso de novo.
Ela respirou fundo.
- Se você não os tivesse matado, o que teria acontecido?
- Uma guerra entre os clãs, provavelmente.
- Mas não aconteceu?
- Os MacLawrys acreditam que os Gerdenses estavam envolvidos na
morte do meu pai. Quando os dois irmãos desapareceram, deixou todo mundo
um pouquinho... desconfortável. Nas Highlands quando o nevoeiro desliza é
fácil acreditar em bruxas, maldições e tal. O povo começou a dizer que a
justiça tinha sido feita por uma mão desconhecida. Era tudo o que eu
precisava. Era tudo o que eu necessitava.
Ranulf encostou-se contra uma cômoda.
- Eu reconheço que você teria trazido o auxiliar para a localidade,
prenderia os Gerdenses e os arrastaria diante de um magistrado. Mas teria
sido um juiz inglês, a lei inglesa e o único a ouvir uma confissão dos
assassinos seria o filho mais velho do velho MacLawry, que poderia muito
bem ter assassinado o marquês a fim de herdar o título do pai. Os Gerdenses
estariam livres e as acusações de ambos os lados teriam provocado coisas
piores.
Ele não poderia saber com certeza, é claro, mas tinha visto como
reivindicações legais, antes e depois, eram tratadas nas Highlands. E a justiça
geralmente tinha mais a ver com a manutenção da paz e preservar a família
equilibrada e proeminente, especialmente uma família que não queria ter nada
a ver com a regra inglesa. Independência, força e rebeldia não eram
incentivadas. Jamais.
- Por que me contou?
Ranulf encolheu os ombros.
- Em primeiro lugar, você me perguntou quem era George Gerdens-
Dailey, e contei quem ele é. Em segundo lugar, se não tivesse dito, nada entre
nós daqui em diante seria completamente honesto. - Chegou para agarrar sua
mão, mas parou. - Nunca contei a ninguém o que disse a você, Charlotte. Arran
suspeita que eu tenha uma mão nos desaparecimentos e aposto que Myles
também, mas nunca admiti isso para eles. E nunca o farei. Nada do que
aconteceu será um fardo para Arran suportar, especialmente se ele for
obrigado a herdar o título. É meu fardo.
Ele olhou-a atentamente, como se esperasse que ela pronunciasse uma
sentença sobre ele. Charlotte, porém, ficou onde estava. O que deveria dizer?
Como deveria reagir? Ranulf MacLawry acabou de confessar ter matado,
assassinado dois homens. Deveria estar mais do que chocada e perturbada.
Deveria estar assustada e enojada. Deveria fugir da sala e correr diretamente
para o Old Bailey para jurar uma declaração contra ele e prendê-lo.
E sabia que não faria tal coisa. Não só porque ele tinha confiado nela ao
falar disso, mas porque no mais profundo do seu coração, não podia culpá-lo
pelo que fez. Era sobre tudo o que ela tinha protestado contra nos últimos
quatro anos, um homem recorrendo à violência simplesmente porque era o
caminho mais rápido, mais fácil de resolver um problema, para recuperar o
orgulho masculino danificado e apagar a vergonha. Exceto que neste caso, no
lugar dele, estava bastante certa de que teria feito o mesmo. Ou iria querer
muito fazê-lo.
- O que você está pensando, Charlotte? - Perguntou.
Uma lágrima espontaneamente correu por seu rosto e ela enxugou. As
coisas que ele passou, tudo ao mesmo tempo, levando as pessoas que
confiaram nele. Ela mal podia imaginar tudo aquilo.
Ranulf blasfemou.
- E agora eu a feri por nenhuma maldita boa razão - ele rosnou. - Deixe-
me levá-la de volta para sua irmã. Eu irei...
- Você me perguntou o que estou pensando - ela interrompeu, ignorando
uma segunda lágrima. - Tem alguma intenção de deixar-me responder?
- Pensei que as lágrimas respondiam bem o suficiente.
- Bem, estaria errado. - Ela lutou contra o estúpido tremor em sua voz. -
O que eu acho é que, como um garoto de quinze anos de idade, fez o que tinha
que fazer, e sinto muito, sinto muito mesmo que você teve que carregar esse
fardo sozinho por tanto tempo. Ninguém deveria ter que fazer isso.
Ele olhou-a fixamente.
- Então...
É evidente que ele não acreditaria apenas em suas palavras. Charlotte
deu um passo adiante e enredou os dedos em seu cabelo escuro, liso, puxando
seu rosto para o dela.
- Eu disse, eu entendo - sussurrou, e beijou-o.
Ranulf levantou-a no o ar de modo que seus rostos estivessem nivelados.
As línguas emaranhadas, até que não se podia dizer onde ela acabava e ele
começava. Eles estavam em um grande baile, pelo amor de Deus, com
duzentos convidados, um pouco além das frágeis portas trancadas do quarto de
vestir. Sua irmã e o tio dele não muito longe sentados.
Nada disso importava. Tudo o que queria no mundo era Ranulf.
Simplesmente todo resto desaparecia. O que lhe disse, já não arcaria com esse
peso sozinho. Sim, os ombros dele eram largos, mas poderia ser forte também.
Para Ranulf, ela poderia ser.
Ele sentou-a em cima da penteadeira, puxando para cima a saia
vermelha e passando a mão entre seus joelhos, continuando a beijá-la. Porém,
não era suficiente. Agora que sabia como era estar com ele, ansiava por ele
constantemente e malvadamente. E não sairiam deste quarto até que ela o
tivesse.
- Toque-me, Ran - murmurou, pegando suas mãos e colocando-as em
seus joelhos à mostra.
Movendo os beijos para sua garganta, ele levemente e lentamente correu
as pontas dos dedos até suas coxas, sob o material amarrotado de sua saia, até
que rolou o dedo indicador dentro dela. Ela saltou, apertando os dedos em
seus quadris e pressionando-se contra sua mão. Como algo tão... simples a
fazia sentir-se tão impetuosa, não tinha ideia, mas ele fazia com que sentisse
assim.
- Desabotoe-me - ele ressoou, pegando sua mão direita livre e
colocando-a na frente de suas calças.
Ela desabotoou o botão superior de sua calça, ofegando enquanto Ranulf
brincava com os dedos no corpo dela. Oh, Deus. Charlotte gemeu,
enganchando as mãos em sua cintura e puxando-o para mais perto.
- Cristo, Charlotte! - Tirando suas mãos fora do caminho, terminou de
desabotoar os botões e empurrou sua calça até as coxas. Seu impressionante
membro saltou livre, duro e erguido.
- Como chamam isso em gaélico? - Perguntou, correndo seu dedo ao
longo do comprimento dele.
- Você quer uma lição agora? - Indagou, seu olhar em seus dedos.
Charlotte envolveu seu membro, acariciando-o suavemente.
- Diga-me.
- Em inglês é pênis. Em gaélico, ball-bearta. - Levantando o olhar para
seus olhos, estendeu a mão para o arco de um seio através de seu vestido de
seda. - Bruinne - murmurou, então deslizou a mão por baixo do laço para
beliscar o mamilo. - Sine. Deseja continuar me interrogando, leannan?
Com um sorriso que parecia sem fôlego para os próprios ouvidos,
Charlotte abanou a cabeça.
- Mostre-me, em vez disso.
Ranulf colocou as mãos em torno de suas coxas e puxou-a para frente até
deslizar satisfatoriamente nela. Tentando abafar os gemidos de prazer que não
podia deixar de fazer, Charlotte enterrou o rosto em seu ombro. O músculo
duro com sua pele suave aveludada afundou quente nela de novo e de novo, até
que ela não conseguia respirar, não podia pensar, não podia nada, só segurá-lo
e tentar não gritar de prazer assim que a fez gozar.
Com um gemido baixo, ele começou a afastar-se dela. Ela sabia o
porquê. Sabia o que significava. Ela envolveu os tornozelos em torno de seus
quadris, cruzando as mãos trêmulas em suas lapelas, ao mesmo tempo.
- Não. - Disse, olhando-o.
- Charlotte. - Resmungou, em seguida, empurrou profundamente nela
novamente, estremecendo.
Era sobre confiança e a forma como ela se sentiu mais viva, mais...
necessária quando estava em sua companhia. Era sobre mostrar-lhe que falava
sério quando disse que partilharia seus fardos. Mas como alguém colocaria em
palavras? Isso era o melhor que podia fazer.
Encostou a testa contra a dela.
- Você deve ter reparado o que fez, leannan - murmurou. - Faz-me
desejar viver uma vida mais segura, mais sensata.
Soou como se estivesse prestes a ir embora e fosse deixá-la para trás.
Depois que tinha brincado sobre cortejá-la, depois de lhe contar seu segredo
mais escuro. Será que não a queria em sua vida, ou será que pensava que era
incapaz de compartilhar a dele?
Pensava, ela seria? Era capaz? Poderia viver em um mundo onde os pais
eram assassinados e assassinos desapareciam e que dizer uma palavra errada
para a pessoa errada poderia significar na melhor das hipóteses uma briga, e
na pior das hipóteses, uma guerra? Era enlouquecedor, querer estar com ele
muito mal e não saber se teria coragem de continuar. Ou até mesmo se ele a
queria.
- Devíamos voltar - ela disse lentamente, erguendo a cabeça para olhá-
lo novamente.
Ele passou um dedo em seu rosto e beijou-a, desta vez com tanta
delicadeza que fez seu coração doer.
- Com George Gerdens-Dailey aqui, moça, tudo é mais complicado.
Ela assentiu com a cabeça, preparando-se para o que precisava dizer em
seguida.
- Penso que ele poderia ser a pessoa que atirou em seu irmão.
A expressão de Ranulf gelou.
- O que faz você dizer isso?
Oh, querido Deus! Não devia ter lhe dito, mas ele compartilhou tanto
com ela.
- Sem derramamento de sangue, Ranulf. Por favor. Não, por algo que eu
lhe conte.
Ele recuou, arrastando sua saia abaixo bruscamente e então fechou suas
calças.
- Você quer negociar, não é?
- Disse que entendo o que você fez quando seu pai morreu - disse ela
descendo da mesa e endireitando suas saias. - Não significa que quero ser o
motivo para você assassinar alguém.
Abruptamente, aproximou-se dela de novo, agarrando-lhe as mãos.
- Se eu provar que posso ser um homem pacífico, Charlotte, se encontrar
uma maneira de ficar longe desses problemas e mantê-los longe da minha
família, você poderia... - Ele parou. - Eu amo você, sabe? - finalmente disse,
sua voz baixa. - Você me deixa louco, mas eu amo você, Charlotte.
Seu coração parou, tão quieto que poderia ouvi-lo sussurrando para ela,
suspirando em surpresa de felicidade. Não foi só ela. O que fosse que os dois
pretendiam quando iniciaram o relacionamento, ele também sentiu. Alívio,
alegria, uma centena de coisas corriam através dela, enquanto seu coração
começava a bater novamente. O futuro que se danasse. Neste momento Ranulf
a amava. Era o suficiente por agora. Teria sido suficiente para sempre se
tivesse alguma fé em finais felizes.
- Ele disse que não tinha sangue MacLawry em suas mãos em quase três
anos e que tinha uma coceira para mais. - Charlotte respirou fundo, com medo,
se parasse perderia a coragem de novo. – Eu também amo você, Ranulf. E
você me enlouquece também.
Capítulo Quatorze
O enigma parecia mais para a aptidão de Tântalo ou Salomão, Ranulf
decidiu enquanto escoltava Charlotte de volta para sua irmã.
Enquanto sempre considerara Berling um participante no tiroteio de seu
irmão, agora sabia quem realmente tinha disparado o tiro. Um homem cujo pai
tinha eliminado em retaliação por perder o seu próprio. Os Gerdenses tinham
atingido primeiro, claro, mas a ação tinha sido realizada.
Gerdens-Dailey tinha atirado em Bear, e agora voltava seu olhar sobre
Rowena, a qual unicamente estava feliz. Ranulf não estava inclinado a
desculpar-se, de qualquer maneira. E agora o incêndio no estábulo, que se o
que Arran tinha imaginado fosse verdade e Berling não tinha posto, parecia
muito com a obra de George Gerdens-Dailey.
Se tomasse sua vingança como queria, porém, provaria a Charlotte e si
mesmo que era um selvagem, um homem que tinha que ser um tolo para trazer
qualquer tipo de esposa respeitável em sua vida, muito menos uma que não
suportava a ideia de lutar acima de palavras ou ações. E ele a queria em sua
vida, tanto para provar que poderia dirigir um clã de uma forma inteligente,
progressiva, como porque o confortava, tranquilizava-o e inspirava-o com
apenas um sorriso.
- Estávamos começando a nos preocupar - Jane disse quando eles
entraram pela porta da sala de estar. - Vocês sumiram por um bom tempo.
- Eu tinha uma grande quantidade de explicações a dar - disse Ranulf,
evitando o olhar de seu tio.
- Estamos saindo da festa, então? Já perdi duas danças, e preciso
inventar desculpas para, oh, todo mundo. - A jovem Jane fez uma careta.
- Nós estamos ficando - ele decidiu. - Está se sentindo melhor, tio?
- Estou me sentindo muito melhor, de repente - Myles repetiu.
Ranulf tomou a mão direita de Charlotte e a esquerda de Jane.
- Se vocês cruzarem com qualquer um desses homens que ouviram, vão
ter que fingir que não sabem nada de sua conversa. Vocês podem fazer isso,
moças?
- Sim - Charlotte disse sem hesitação, apertando seus dedos.
- Acho que sim - Jane destacou, não soando muito certa. - Estou feliz
que meu cartão está cheio, assim nenhum deles pode me convidar para dançar.
Seria terrível se acontecesse.
- Bem, eles não irão. Não precisa se preocupar. - Charlotte disse,
soltando a mão dele e colocando um braço ao redor de sua irmã. - E nenhum
deles, exceto Berling, tem me observado, por isso não tenho preocupação
nenhuma.
Juntos, os quatro retornaram ao salão. Ranulf viu Charlotte pedir
desculpas para Henning por perder sua quadrilha e oferecer ao homem
redondo a próxima dança. Ranulf não queria compartilhá-la nem mesmo com
seus amigos.
- Você a chamou de sua leannan - seu tio resmungou baixinho, enquanto
pararam em um dos lados da sala.
- Eu sei do que a chamei. E não foi um acidente. Ela tem meu coração. -
E sua mente e sua alma. Dizer em voz alta foi mais fácil do que esperava,
embora imaginar fazer a mesma declaração para Arran poderia ser uma
conversa muito mais tensa. No entanto, era hora de parar de se esconder.
Sentia que estava desonrando Charlotte ao fazê-lo.
- Você quer se casar com ela?
- Não, a não ser que eu possa ter certeza que minha vida não lhe trará
mágoa e dor de cabeça.
- Ranulf, isso...
- Eu sei. Parece ser uma impossibilidade. - Forçou o que esperava fosse
um sorriso animado. - Eu gosto de um desafio, você sabe.
Rowena estava dançando uma quadrilha com Arran, que, pelo menos,
serviu para manter seu irmão mais novo fora de problemas. Quanto a Berling e
seus amigos covardes e seu primo problemático estavam longe de serem
vistos. Talvez tivessem decidido partir e traçar outra tática, quando insultar
sua família na sua cara não funcionou.
Só podia esperar que eles continuassem a tê-lo como alvo, sozinho,
enquanto se decidia de que maneira lidaria com eles que satisfizesse
Charlotte, sua família, seu clã e seu Deus. Fez uma pausa. Evidentemente, tinha
alterado a ordem de sua lealdade, mesmo sem perceber. A nova ordem poderia
não ser totalmente escocesa, mas satisfazia seu coração.
- O que diabos aconteceu? - Arran exigiu no momento que a dança
terminou e ele e Rowena conseguiram chegar onde Ranulf e Myles estavam no
meio da multidão. Evidentemente, seu tio tinha decidido servir de seu guarda-
costas hoje à noite. Embora, provavelmente não fosse alterar nada, apreciava
o gesto.
- Nada que eu queira discutir aqui - disse em voz alta. - Mantenha seus
olhos e seu juízo sobre você. E os MacLawrys, nenhum de nós está
começando, terminando ou no meio de quaisquer desavenças hoje à noite. Está
claro?
- Pensei que já tivéssemos tido essa conversa em particular - retrucou
Arran.
- Nós tivemos. As coisas mudaram.
Arran olhou-o.
- Que coisas?
Ranulf respirou fundo.
- George Gerdens-Dailey está aqui esta noite. Só queria que você
soubesse para que não se surpreenda se colocar os olhos nele.
- George... Danação. Pensei que estivesse em Aberdeen.
- Evidentemente que não.
Ranulf reconheceu o olhar no rosto de seu irmão.
- A sua palavra - disse, forçando Arran a encontrar seu olhar. Se seu
irmão fosse atrás de um dos comparsas de Berling, Ranulf teria que apoiá-lo.
E arruinaria tudo, antes mesmo de começar.
- Sim. - Arran chiou. – Tem a minha palavra. Sem problemas. Só espero
no inferno que você sabia o que está fazendo, Ran.
Enviando um olhar de relance para Charlotte, que animada ao redor da
sala olhava Henning com uma aparência tranquila, Ranulf assentiu.
- Eu sei - retornou. Estava mantendo sua palavra, em troca de uma moça.
Era o que ele estava fazendo. Tentar justificar de outra maneira seria apenas
uma complicação inútil.
Rowena estava dançando agora com um rapaz de cabelos claros,
demasiado jovem e bonito para a tranquilidade de Ranulf. Sua irmã não havia
mencionando Lachlan MacTier há dias, longe de algumas semanas atrás,
quando mal conseguia falar uma frase sem dizer seu nome. Se não estivesse
tão consumido por Charlotte, estaria preocupado. Afinal, se casasse com uma
inglesa, eles deveriam retornar para Glengask. Se Rowena casasse com um
inglês, provavelmente nunca mais a veria, exceto no Natal e se viesse até
Londres novamente para a temporada. Seria inaceitável.
- Não quero me intrometer, rapaz - disse Myles depois de um momento. -
Mas...
- Sim, você não quer se intrometer, tio - Ranulf cortou. - Preciso de você
para me apresentar alguns prováveis... amigos. Ingleses.
- Por quê?
Assim, poderia provar a uma certa moça teimosa que era civilizado.
- Porque claramente não posso confiar em meus compatriotas aqui. Qual
a melhor maneira de um leigo aprender a respeito de uma terra do que fazendo
o conhecimento de seu povo?
- Soa muito razoável.
- Eu sou muito razoável. Ou estou tentando ser.
Seu tio claramente permaneceu cético, mas, enquanto o visconde fazia
como pedira, Ranulf poderia tolerar as dúvidas de Myles. Deus sabia que as
tinha ele mesmo. A quadrilha pareceu durar para sempre, mas quando
finalmente terminou, ele assistiu Henning entregar Charlotte para seus pais, em
seguida, moveu-se quando um bonito rapaz igualmente abandonou sua irmã.
- Apresente-me, por que não fazê-lo, Rowena? - Sugeriu suavemente.
Ela corou.
- Lorde Glengask, este é sir Harold Myers, irmão do visconde Chaffing.
Harold, meu irmão, o marquês de Glengask.
A partir de sua expressão, Rowena esperava que ele colocasse para
correr o delicado rapaz com uma bota em sua bunda. Mas Charlotte e sua
família estavam lá, então Ranulf sorriu e ofereceu a sua mão.
- Estou contente por ver minha irmã conhecer homens jovens adequados
- disse.
- Obrigado, milorde.
Talvez fosse essa a forma como o inglês se comportava: um sorriso e um
aperto de mão publicamente e desdém aborrecido interiormente. Era tudo o
que precisava fazer? Precisava aprender a ser um mentiroso melhor? Parecia...
errado, indigno, mas Charlotte estava sorrindo. Não parecia uma mentirosa,
mas, em seguida, também era uma das poucas pessoas realmente de bom
coração que já conhecera. Então eram as pessoas amarguradas que mentiam.
Pessoas que estavam apodrecidas no interior e tentando manter sua decadência
em segredo.
Bem, não achava que tinha ido tão longe, mas também não era tão puro
quanto Charlotte. Qualquer que fosse o efeito de fazer esse negócio de não
falar o que se pensa, de não agir de acordo com o que seu coração diz, seria
muito difícil. Mas iria fazê-lo. Iria aprender a fazê-lo. Por Charlotte.
- Foi muito gentil da sua parte, Ran - disse sua irmã, olhando-o como se
tivesse asas brotando de sua testa.
Ele inclinou sua cabeça.
- Com quem você vai dançar a valsa? - Perguntou, mantendo seu tom
leve e despreocupado.
- Sir Robert Mason - respondeu, praticamente pulando na ponta dos pés.
- Ele é um herói de guerra.
- Disse-lhe ele mesmo, então, piuthar? - Arran expressou, enquanto
juntava-se a eles novamente.
- Ele não o fez. A amiga de Jane, Susan, disse-me. E ele manca.
Arran riu.
- Tom MacNamara também manca, mas conseguiu bebendo demais e
tentando ordenhar um touro.
Rowena deu um tapa no braço de Arran.
- Sir Robert não fez nada tão tolo.
- Bem, eu não também admitiria se fosse o caso. É uma história que todo
mundo conta.
- Não importa. - O que Ranulf queria dizer era que o senhor Robert
Mason provavelmente nunca tentou ordenhar qualquer coisa em toda sua
confortável vida, mas definitivamente o que dissesse não ajudaria em nada.
- Acontece que conheço o senhor Robert - Myles pontuou. - É um sujeito
muito agradável.
Soou como alguma coisa sem importância por meio de um fraco elogio,
mas novamente guardou seus pensamentos para si mesmo. Pelo menos, estava
mantendo seu próprio conselho. Era algo ao qual estava acostumado. Mesmo
assim, quando a orquestra iniciou os acordes para a valsa, estava mais do que
preparado para ir imediatamente e ter Charlotte em seus braços mais uma vez.
Um passo adiante e ofereceu seu braço.
- Acredito que esta é minha dança, leannan - falou lentamente, usando a
palavra intencionalmente e pegando o olhar atordoado que Arran lhe enviou.
Até mesmo Rowena parecia surpreendida e tinha tentado dar uma de
casamenteira em seu nome.
Charlotte envolveu a mão em sua manga e ele acompanhou-a para a pista
de dança. Deslumbrante como estava, um punhado de outros homens viraram-
se para vê-la passar. Deixe-os olharem. Ele foi à pessoa que tinha estado
dentro dela trinta minutos atrás. Ela pertencia a ele, se ele pudesse gritar isso
para o céu ou ainda não.
- Diga-me uma coisa - ela disse, quando ele colocou uma mão em sua
cintura e deu passos para o rodopio da valsa, fazendo à volta com ela.
- Sim?
- Você me chamou duas vezes leannan esta noite na frente de sua família,
e Arran, especialmente, quase teve uma apoplexia. O que realmente significa?
Ele sorriu. Claro que ela iria notar a reação boquiaberta de sua família.
- Amor – ele voltou. - Amante, querida, todas essas coisas.
- Você poderia ter me dito antes.
- Não queria assustá-la, moça.
Charlotte sorriu para ele.
- Palavras não me assustam.
Ela tinha direito a isso.
- Que tal uma nevasca tão rigorosa, a neve caindo lateralmente? - Ele
perguntou. – A assustaria?
- Depende - ela respondeu - Estou dentro perto do fogo ou, pelo menos,
envolvida em um casaco quente, ou eu estou em pé no meio da neve sem nada
além da trilha da noite?
- Um fogo rugindo alto em uma lareira o suficiente para um homem
aguentar bem dentro. E um cobertor quente como também uma bebida quente.
- Então não, não me assustaria.
- Eu poderia ter abrilhantado um pouco a poética de lá - admitiu. - Essas
tempestades podem durar por dias, moça, com um frio que penetra em seus
ossos e que não larga você. E as Highlands são terras extensas e despovoadas,
com mais veados do que pessoas. Existem somente poucas importantes casas
perto de Glengask, famílias de chefes de clã e semelhantes.
Charlotte não parecia nem um pouco hesitante.
- Conte-me mais.
- A aldeia de Um Soadh está na minha terra, descendo a colina ao pé das
quedas, com Mahldoen mais alta nas colinas do outro lado. Punhados de casas
de aldeões estão espalhados aqui e ali, por campos plantados ou mais acima
no lago para os pescadores, e criadores de gados e pastores tomando conta de
seus rebanhos. E é isso. Não há desfiles de carruagens aqui e ali, nem grandes
teatros ou museus até que se dirija para Perth ou Aberdeen, que só fazemos
duas ou três vezes durante um ano.
Tão perto quanto ele estudava seu harmonioso rosto, tudo o que podia
fazer era despertar sua atenção e um carinho que fazia seu coração estrondar
dentro de seu peito.
- Ainda não estou com medo - disse ela.
- Então a única coisa que a assusta na minha vida sou eu.
Charlotte balançou a cabeça.
- Não tenho medo de você. Eu temo por você.
- Você sabe que não tem que ter. Eu disse, sou um homem mudado.
- Sua irmã certamente parece pensar que assim é - observou, sorrindo. -
Acho que ela estava preparada para se apaixonar pelo senhor Harold Myers,
até que você o aprovou. Imagino que agora ela vá achá-lo terrivelmente
maçante, o que ele é de fato.
- Só podemos esperar - disse secamente. Mas tinha que admitir seu
ponto. Seu primeiro instinto tinha sido sangrar o nariz do menino, mas desta
forma seria muito mais eficaz e sua irmã não poderia culpá-lo por qualquer
uma de suas ações.
- O primeiro… - Ela parou de falar, seus olhos castanhos alargaram-se
quando avistou algo atrás dele. A cor deixou suas bochechas. - Ranulf.
Uma mão tocou seu ombro.
- Glengask, posso interromper?
Ele virou-se para olhar e a raiva bateu em sua coluna. Charles Calder, o
neto de Campbell, estava ali, sua expressão arrogante, mas seus olhos falando
de muito menos, com certeza.
- Não - disse, tão friamente quanto pôde.
- Isso não foi educado.
Não, ele não imaginou que fosse. E estava igualmente certo que um
cavalheiro inglês deveria entregá-la depois que solicitaram seu parceiro de
dança no momento em que foi inquirido.
- Vá embora, Calder. Não tem que reclamar nada aqui.
- E você não pertence a este lugar.
- Está tudo bem, Ran - Charlotte murmurou. - Não me importo.
Ele se incomodava. Importava-se muito. E se resistisse por mais tempo,
todos saberiam. Charlotte saberia que não poderia sequer gerir este pequeno
pedaço de civilidade. Apertando a mandíbula, soltou-a e deu um passo atrás.
Com um sorriso, Calder se mudou e tomou o lugar dele, girando e
afastando-se com Charlotte em seus braços. Em vez de observar, Ranulf virou
as costas e saiu da pista de dança. Cada palavra de maldição que poderia
pensar, em inúmeras línguas diferentes, presas em sua garganta, lutando com
ele para rugirem livres. Não. Não permitiria isto. Era um enfurecido
cavalheiro.
Os pais da Charlotte, lorde e lady Hest, estavam conversando com um
pequeno grupo de amigos. Não sabia se estavam alheios ao parceiro de dança
de sua filha mais velha ou se a mudança não fazia diferença para eles. Mas
agora que estava longe o suficiente e ninguém mais estava propenso a notá-lo
olhando-a, encontrou sua forma de vestido vermelho na pista de dança e não
tirou os olhos dela. E continuou repetindo a si mesmo que nada viria disso e
que valeria a pena.
Charlotte manteve o olhar sobre o homem de rosto magro com uma mão
segurando a dela e a outra em sua cintura. Cabelo castanho claro, olhos
castanhos comuns e um queixo largo e plano que lhe dava uma expressão
permanentemente teimosa. Sabia que o tinha visto antes, apesar de tão pequena
quanto à aristocracia inglesa era, não achava que já tivessem trocado uma
única palavra.
E quando viraram levemente sobre a pista de dança, começou a se
perguntar se iriam conversar. Ou talvez não tivesse planejado nada além de
tentar assumir a dança de Ranulf. Talvez estivesse esperando uma briga e
agora era uma perda completa. Ela gostava dessa ideia. De toda forma, o
silêncio era muito mais fácil. O céu soube que teve bastante para pensar sobre
como era.
Em primeiro lugar em seus pensamentos, é claro, como tinha estado
desde o momento em que se conheceram, estava Ranulf MacLawry. Mesmo
sem olhar, sabia que estava à margem da sala, observando. Provavelmente à
procura de um motivo para intervir e começar a esmurrar pessoas. Bem, não
estaria fornecendo-lhe uma desculpa. Queria que provasse para ela, para seu
pai, para si mesmo, que poderia ajeitar sua vida, governar o seu clã, sem
recorrer à luta, às rixas, ao derramamento de sangue e à morte.
- Como você conheceu Glengask? - Charles Calder perguntou, quase a
fazendo saltar.
- Eu nem sequer conheço você, senhor - replicou com um ligeiro sorriso
frio. Não estava disposta a dar-lhe informações sem ganhar nada em troca.
Afinal, poderiam não se conhecer, mas tinha ouvido sua voz claramente mais
ou menos uma hora atrás.
- Bem, Charles Calder, ao seu serviço. - Deu-lhe um sorriso que era,
sem dúvida, para que soasse charmoso.
- Senhor Calder.
- Sei que você é lady Charlotte Hanover. Agora que cuidamos disso,
como conheceu lorde Glengask? - Repetiu.
- Sua mãe e minha mãe eram amigas. – Nesse ponto soou verdadeira e
inocente, tudo ao mesmo tempo.
- Sua família tem uma reputação ilibada, lady Charlotte - continuou, sua
expressão suave, exceto pelos olhos tornando-se um motivo de preocupação. -
E é por isso que penso que deva saber que cada um dos MacLawrys é
problema. Ranulf, mais que os outros.
Levou todo seu esforço para manter sua expressão ligeiramente curiosa.
- Meu Deus, isso soa terrível! - Comentou. - O que faz você dizer algo
assim para uma completa estranha, senhor Calder?
- Porque é importante. Os MacLawrys podem reivindicar sangue azul
por algum favor que um ancestral fez a um rei três ou quatro centenas de anos
atrás, mas hoje em dia são pouco melhores que os animais. Eles não merecem
sua terra ou seu título e malditamente não merecem estar entre as boas pessoas
de Mayfair.
Charlotte queria bater nele. O próprio pensamento atordoou-a, mas
estava bastante certa que um mero conjunto de palavras bruscamente
trabalhadas poderia descrever como muito irritada ele a estava deixando.
Como ousava insultar Ranulf? Por associação, insultou-a também, mas ela não
se importava. No entanto, a profunda desconsideração para com Ranulf
importava.
- Se você não tem prova de nada do que alega por que me abordou? Por
que não meu pai, ou os tribunais, ou o Regente? - Ha. Não era tão ignorante ou
ingênua como claramente parecia pensar.
- Porque é em você que o vejo pendurado, milady. Está sempre em seu
braço e é você que ele observa do outro lado da sala. Portanto, parece
necessitar de um aviso mais do que ninguém. – Franziu o cenho. - Para seu
próprio bem, fique bem longe dele e de sua família.
Até agora esperava o aviso, mas Charlotte ainda estava um pouco
surpresa que teve a coragem de fazê-lo.
- Bem - ela comentou, aprofundando seu sorriso com cuidado, -
certamente vou manter o que disse em mente. Considerando que estou muito
mais habituada com a família MacLawry do que estou com você. No entanto,
vai ter que me perdoar se atribuo o que diz mais a algum tipo de ciúme ou uma
vingança particular.
Apertou sua mão firmemente, então relaxou novamente.
- Seria um erro pensar desta forma. Você não quer ser apanhada nisso.
Sangue já correu antes e imagino que acontecerá mais uma vez.
Ela estreitou seus olhos.
- E agora as ameaças. Para mim.
Sua expressão simpatizante hesitou.
- Milady, acho você eng...
- Não acho que eu tenha interpretado mal alguma coisa, senhor Calder.
Ou você está tentando me assustar ou me convencer a dizer a lorde Glengask
sobre essa conversa a fim de incitá-lo a agir. Não o chamarei de covarde,
senhor, mas vou pedir que de agora em diante, guarde suas opiniões para si
mesmo.
Olhos castanhos comuns olharam-na diretamente.
- Você está prestes a pisar em terreno perigoso, lady Charlotte -
murmurou. - Talvez devesse falar com sua família antes de continuar. Eles
podem não concordar com suas conclusões.
Não, eles provavelmente não iriam. E nem desejava colocá-los em
perigo simplesmente porque tinha um enorme desejo de dizer a Charles Calder
para ir ao inferno. Ela ergueu o queixo.
- Antes de começar declarando a famílias inglesas com reputação
ilibada para serem seu inimigo, poderia considerar as ramificações de suas
ações. Não gostamos de ser ameaçadas.
Ela pôs cada grama real que possuía no comentário e teve a satisfação
de vê-lo piscar. Se Ranulf necessitava de prova de que as palavras poderiam
ter mais peso do que golpes, este foi um excelente exemplo. Quando a valsa
chegou ao fim, ela se soltou e afastou-se.
Antes, porém, que pudesse virar-se e fazer a sua fuga, Calder adiantou-
se e pegou sua mão novamente, curvando-se.
- Você, milady, é uma puta e uma megera - murmurou. - Secou na
prateleira e está tão desesperada por um homem que se dispõe a tornar-se
prostituta de um highlander. - Endireitou-se, liberando seus dedos. - E desafio
você a dizer a ele o que eu disse.
Por um momento não conseguiu sequer se mover. Ninguém, NINGUÉM,
nunca tinha falado com ela assim. Sentia-se quase como se tivesse sido
golpeada fisicamente e jogada no chão e pisada. Finalmente, antes que alguém
pudesse perguntar por que ficou sozinha no meio da pista de dança, forçou-se
a virar e caminhar de volta para seus pais.
Era este um desafio à sua filosofia ou o meio pelo qual Ranulf deixaria
de viver de acordo com isso? Ele mataria Calder por ter lhe dito isso. No
mínimo, a briga que se seguiria iria totalmente arruinar sua reputação em
Londres. E era com o que seu pai estava preocupado.
- Você está pálida como uma alma penada - disse, subindo e oferecendo
seu braço.
Ela aceitou com gratidão.
- Ele é um homem horrível.
- Sim. É verdade, ele é. - Eles caminharam em silêncio. - Não vai me
dizer o que ele disse, então?
Charlotte balançou a cabeça.
- Não. Foram apenas palavras.
Ranulf parou, trazendo-a brevemente para cima ao lado dele.
- Quais foram às palavras? - Perguntou secamente.
Charlotte teria que lhe dizer alguma coisa, mesmo que apenas para sua
própria segurança. E se escondesse a verdade, não queria dizer que Ranulf
manteria sua palavra sobre ser civilizado. Só faria dela uma mentirosa e uma
covarde.
- Disse que você e sua família são problemas e que eu seria sensata em
manter distância de você.
- Ah. E é este o motivo pelo qual você parece prestes a desmaiar,
leannan?
- Não estou prestes a desmaiar - replicou. - Chamou-me de alguns
nomes, mas acho que vou sobreviver.
Ranulf puxou-a para mais perto.
- Que nomes? - Ele enunciou claramente.
Ela encontrou seu olhar ardente, feroz.
- Você me deu sua palavra.
Ele continuou olhando-a.
- Sim, eu dei. Então diga-me o que disse a você, Charlotte.
Se lhe dissesse, sabia que iria direto para a garganta de Calder. E se não
o fizesse, ele poderia muito bem atacar de qualquer maneira.
- Ele disse que sou uma meretriz e uma megera, velha e tão desesperada
por um homem que me tornei sua puta. - As palavras tinham um sabor estranho
e imundo em sua língua e esperava nunca ter motivos para falá-las novamente.
Ranulf fechou os olhos pelo espaço de meia dúzia de batimentos
cardíacos. Ela manteve o aperto em seu braço, mesmo que soubesse que, se
ele fosse para Calder, nunca seria capaz de detê-lo. Pareceu minutos, mas
poderia ter sido apenas uma questão de segundos antes do azul vívido de seu
olhar encarar novamente o seu.
- Apenas palavras - murmurou, e mudou-se para frente novamente. -
Acho que é hora de partirmos.
- Não podemos, Ran - sua irmã declarou, quando alcançaram o restante
do grupo. - Prometi cada dança para alguém.
- Eu também - acrescentou Jane. Ela dançou a valsa com Arran
MacLawry, Charlotte percebeu tardiamente.
- Algo errado, Glengask? - Lorde Hest perguntou, sua expressão
cautelosa. A partir do que havia dito sobre Ranulf, sem dúvida esperava
problemas.
Um músculo na mandíbula estreita de Ranulf se apertou.
- Não. Só um pressentimento.
- Você está livre para ir, claro. Acho que vamos ficar.
Por um longo momento Ranulf ficou em silêncio.
- Vamos então, Rowena, Arran.
Pegou a mão da sua irmã, mas ela deu um passo para trás.
- Eu não vou, Ranulf.
- Quem espera que fique de olho em você, Rowena? - Ele voltou sem
rodeios.
- Ninguém. Pelo amor de Deus, bràthair, este é um grande baile. Nada
vai acontecer comigo aqui. E tenho dezoito anos. Não sou uma menina com
tranças.
Ranulf hesitou. Foi à primeira vez em sua convivência que Charlotte o
viu indeciso sobre qualquer coisa. O efeito foi estranhamente comovente.
Finalmente assentiu.
- Arran e eu iremos, então. A menos que tenha outros planos, Arran.
- Não. Vou com você. - Respondeu Arran, olhando um pouco surpreso ao
ser solicitado.
- Bom. - Ele enviou um olhar para seu tio, que assentiu com a cabeça,
evidentemente, percebendo seu dever. Então ele olhou-a, um sorriso tenso
tocando sua boca e fugindo novamente.
- Vou visitá-la amanhã.
Depois, ele e seu irmão deixaram o salão de baile. Imediatamente o
salão parecia menor, a luz mais escura, a música medíocre e amadora. E por
mais que tentasse negar, seu coração pareceu mais escuro também.
Claro que estava sendo tola. Passou semanas tentando convencê-lo a ver
seu ponto de vista. Insistindo que era errado responder as palavras,
especialmente palavras que só insultam o orgulho de um homem ou de uma
mulher, com derramamento de sangue. Mas agora que as escutou, não tinha
direito de se sentir como uma princesa de conto de fadas, cujo verdadeiro
amor tinha acabado de se afastar do campo de batalha em vez de ficar e
defender sua honra.
Afinal, sabia por que tinha partido. Tinha feito para que ninguém mais
tivesse qualquer razão para ameaçar ou insultar Rowena ou Janie. Tinha sido
uma decisão sábia, madura. Nem tinha sido fraco, quando cedeu à demanda de
sua irmã para ficar. Só estava tentando evitar causar uma cena, como qualquer
cavalheiro adequado faria.
E assim ela não, absolutamente não, sentiria-se decepcionada.
Capítulo Quinze
Ranulf tinha lido em algum lugar sobre insetos que devoravam suas
vítimas por dentro, deixando perfeitas conchas vazias em seu rastro. E se
perguntava se a fúria poderia fazer a mesma coisa em um homem, comer seu
coração e órgãos vivos, consumindo-os ainda quentes, deixando nada mais que
um miserável oco por trás.
Parte dele desejava que, se o vazio fosse o resultado final, sua raiva se
apressasse e acabasse logo. Porque o ódio cru com que havia lutado durante a
noite, andando, bebendo, fazendo meia dúzia de buracos na parede de seu
quarto de dormir, não mostrava nenhum sinal de abrandamento.
Tudo o que queria fazer era acabar com Calder, Gerdens-Dailey e
Berling. Remover permanentemente a ameaça que aqueles homens
representavam para seus entes queridos. E essa era a única coisa que não
podia fazer. Não, se quisesse manter Charlotte Hanover em sua vida.
Arran inclinou-se em torno da sala do café da manhã.
- Aí está você! - Disse, mas não se moveu para a sala. Em vez disso,
seus claros olhos azuis encontraram Owen e um dos novos criados que
contrataram. - Meu irmão e eu precisamos de um momento - disse.
- Sim, lorde Arran.
Uma vez que Owen tinha arrastado o outro servo para fora da sala,
Arran entrou e fechou a porta atrás dele. Silenciosamente, serviu-se de uma
xícara de chá, escolheu um ovo cozido e algumas fatias de presunto do
aparador e sentou-se ao pé da mesa em frente à Ranulf.
- Você tem uma nota de Myles - disse, deslizando o papel dobrado para
baixo da mesa.
Depois que tomou outro copo de uísque casualmente e esvaziou o
conteúdo da garrafa para encher o copo, Ranulf pegou a nota e desdobrou.
- Vou almoçar no White’s - ele disse, dobrando a nota e embolsando-a.
Evidentemente, Myles tinha encontrado um inglês ou dois para fazer amizade
com ele. Adorável. Agora teria que encontrar uma maneira de ser educado,
quando tudo o que queria era esmagar as coisas em pequenos pedaços.
Seu irmão assentiu.
- Pensei que poderia ver se Winnie e as moças Hanover se importariam
de fazer um piquenique no almoço - ele disse, seu tom de voz ainda baixo,
espontâneo e atento.
- Faça, então. - Ranulf tomou outro gole.
Ficaram sentados em silêncio por alguns minutos, antes de Arran
pigarrear.
- Pensei que talvez você ainda pudesse estar na cama esta manhã - disse,
- então, bati na sua porta. Acho que tem besouros na madeira de sua parede e
fizeram um pouco de dano.
Se tivesse mais bem-humorado, o cuidado com que Arran falava, teria
sido divertido.
- Eu notei - ele devolveu.
- Se precisar de alguma ajuda para se livrar desses insetos, espero que
tenha em mente que estou aqui e mais do que pronto para ajudar.
Não permitiria que o irmão o ajudasse. Não só Arran podia ser ferido,
ou pior, mas qualquer violência MacLawry poderia custar-lhe Charlotte.
- Não. O mundo está cheio de insetos e eles vão comer o que quiserem.
- Vai deixá-los demolir sua casa só porque é isso que eles fazem?
Foi uma metáfora bastante adequada, Ranulf decidiu.
- O que eu quero fazer - ele disse, ficando de pé, - é ir ao White’s para
almoçar e você vai ter o seu piquenique. Se não se importa, diga a Charlotte
que talvez não seja capaz de passar lá hoje.
Ele queria. Dificilmente conseguia pensar em algo ou alguém além dela.
Mas sabia que vê-la antes que houvesse encontrado uma maneira de lutar
contra sua raiva, em algo que pudesse controlar, seria extremamente
imprudente. Porque quando imaginava seu cabelo dourado e olhos castanhos e
sensatos, tudo o que queria fazer era ir e encontrar o homem que a insultou e
forçá-lo a se desculpar. Para ter certeza de que nenhum de seus chamados
compatriotas nunca mais pudessem magoá-la, ou Rowena, ou alguém da sua
família.
- Vou dizer-lhe - disse Arran, claramente não lendo os pensamentos de
seu irmão. - Tem certeza de que não tem precauções e deveres que gostaria de
me contar?
Ranulf continuou andando.
- Sim. Fique longe de problemas.
Seu irmão não poderia estar satisfeito com essa resposta. Ranulf não
estava feliz também, mas não havia nada a ser feito sobre o assunto. Sim,
poderia prosseguir legalmente sobre o incêndio em seu estábulo sem
problemas, mas tudo que ele e Arran tinham sido capazes de determinar foi
que Berling possivelmente não o tinha feito. Quanto aos insultos à Rowena e
Charlotte, descortês ou não, não achava que fosse ilegal. E a menos que
tivesse provas de um crime atroz, a tentativa de agir de forma legal só o faria
parecer fraco. Mais fraco.
Quando voltou para seu quarto, Ginger estava tentando pendurar uma
pintura sobre um dos buracos na parede. Vários deles estavam já cobertos, de
fato, com uma mal ajustada incompatibilidade de pinturas, uma foto de um
catálogo, pratos de porcelana chinesa e o que parecia ser um bule de chá.
- Penso que é preciso mais que encobri-los, Ginger - comentou, e o
valete sobressaltou-se.
- Vou falar a Owen para contratar alguém para os reparos - o valete
disse, colocando a pintura no chão. - Esse trabalho medíocre. Não há nenhuma
desculpa, milorde.
Ranulf pensou que tinha tido uma desculpa excelente: era a parede ou os
rostos de Charles Calder e George Gerdens-Dailey.
- Obrigado - disse em voz alta. - Agora encontre-me algo para vestir no
White’s, poderia?
- White’s? Sim, milorde. Claro. Com prazer.
Supôs que era o que deveria fazer. Tentou colocar um punhado de
palavras ofensivas de lado e ignorou o fato de que poderia significar o
começo de algo muito mais perigoso. Ia para almoços sufocantes e faria
amizade com pessoas opressivas e convenientes e os chamaria de amigos e
fingiria gostar de sanduíches de pepino pequeninos com as crostas cortadas.
Enquanto se vestia, Fergus levantou-se do seu lugar antes do incêndio e
intrometeu o focinho na mão de Ranulf exigindo um afago. Distraidamente
Ranulf atendeu. O pobre camarada era indispensável nas Highlands, tanto para
proteção quanto para perseguir coelhos e cervos. Aqui, porém, era
principalmente uma curiosidade, incomum para o seu tamanho e aparência
assustadora, mas de nenhum uso em bailes e encontros apropriados da
sociedade.
Ele era parecido, agora que pensava sobre o tema. Nas Highlands,
determinação e uma mão firme mantinham aqueles que dependiam dele
alimentados, seguros e prósperos. A maioria dos outros chefes trouxeram
ganância desumana e falta de visão, forçando o seu próprio povo para as
cidades ou as planícies ou através do mar, para a América. Em Londres,
porém, tudo o que sabia estava errado. Tudo em que era hábil era inadequado.
E outros jogavam o jogo melhor do que ele fazia.
Um homem sensato e lógico, provavelmente deixaria a cidade e
retornaria para onde o mundo estava do lado certo. Mas hoje, não era um
homem sensato. Hoje, era um homem apaixonado. Dando outro afago na pele
áspera de Fergus, terminou de se vestir e desceu para buscar Stirling.
Debny tinha selado seu próprio cavalo também. Em vez de gastar tempo
discutindo, Ranulf montou em seu baio e dirigiu-se para Pall Mall. No entanto,
estava cansado e irritado e, em poucos minutos, teria que mudar seu estado de
espírito para ser charmoso e gentil. Queria ser o tipo de homem a quem lorde
Hest ficaria feliz em entregar sua filha, uma vez que mal podia tolerá-lo.
- Regresse em uma hora ou mais - disse ao seu cavalariço, uma vez que
atingiram a modesta porta da frente do clube.
- E se sair antes disso? - Debny perguntou, pegando as rédeas de
Stirling.
- Contratarei um carro de aluguel.
- Milorde, não é bom ficar sem um aliado.
Ranulf respirou fundo.
- Vou manter Myles comigo - disse.
O cavalariço assentiu.
- Faça, então.
- Malditamente espero que sim - murmurou e encaminhou-se para a
porta. Agora seus próprios criados sentiam-se confortáveis aconselhando-o.
A porta se abriu quando chegou e um porteiro de libré deu um passo
adiante, bloqueando a entrada.
- É esperado, sir? - Perguntou educadamente.
Então, agora tinha que explicar-se e seus negócios para criados e
estranhos.
- Lorde Swansley está me esperando - grunhiu, tentando uma expressão
razoável e estava certo de não estava conseguindo. - O marquês de Glengask.
O porteiro ficou de lado.
- Bem-vindo, milorde - disse ele, apontando para um lacaio que
passava. - Franklin irá mostrar-lhe a sua mesa.
Bem, agora foi mais do seu gosto. Myles e outros dois homens estavam
sentados justamente no meio da sala, e todos os três homens ficaram de pé
enquanto se aproximava. Interiormente praguejando, Ranulf inclinou a cabeça
quando reconheceu um dos seus companheiros de almoço.
- Lorde Stephen Hammond, não é? - Disse, apertando a mão de seu tio e
afastando uma cadeira para sentar-se.
- Sim - o segundo filho do duque de Esmond respondeu e indicou o
homem atarracado, de cabelos castanhos sentado em frente à Ranulf. - E este é
o meu bom amigo Simon Beasley. Simon, lorde Glengask.
- Lorde Swansley nos disse que tem uma grande propriedade na Escócia
- Beasley comentou.
- Sim. - Ranulf não tinha nenhum desejo de prolongar. - Como conheceu
meu tio, senhor Beasley?
- Nossas famílias são vizinhas - o robusto homem respondeu com um
sorriso fácil. - O patriarca da nossa família é o marquês de Dunford, mas estou
a vários primos longe dele.
- Simon e eu frequentamos Oxford juntos. - Lorde Stephen comentou. -
Nossas famílias têm ascendências datando desde Henry II.
- Há uma espécie de clube em Oxford - acrescentou Simon, seu sorriso
se aprofundando. - Um encontro para descendentes dos condes originais da
Inglaterra.
Parecia singularmente desinteressante a explanação, mas Ranulf
assentiu. O sasannach falava tanto, provavelmente tinha conhecimento de todos
os tipos de informações inúteis e fúteis.
- Seu título data de que época? - Lorde Stephen perguntou, quando um
garçom veio e pegou seus pedidos de almoço.
- Não sei, talvez anteriormente a Henry - Ranulf falou lentamente,
pegando o olhar de advertência de seu tio.
- Ah. Quão recente é, então? - Simon sinalizou para um criado para uma
garrafa de vinho.
Bah. Vinho, podia também ser água.
- Um pouco mais velho que isso. Meus ancestrais foram os vikings e
celtas. O primeiro jarl de Glengask foi, de acordo com a lenda, um homem
antissocial chamado Laurec. Casou-se com uma moça celta selvagem, que
pintava seu rosto de azul e dançava nua ao luar.
- Ranulf - tio Myles ressoou.
- Bem, é uma lenda antiga - concedeu. - Possivelmente exagerada.
Os outros dois homens trocaram um olhar. Hum... evidentemente
histórias sobre vikings e moças nuas indomáveis e atrevidas eram
demasiadamente escandalosas para a sociedade educada. Não estava certo por
que tinha contado a história, exceto que tinha bebido nas últimas dez horas e,
talvez, estivesse finalmente começando a romper a borda de sua raiva e
frustração.
- É um conto fascinante - Lorde Stephen comentou. - Com raízes tão
profundas quanto às Highlands. Glengask, o que está fazendo em Londres?
- É isso mesmo - Beasley adicionou. - Nunca o vi aqui antes.
Ranulf encolheu os ombros.
- É onde estão as festas.
Myles riu, embora não soasse extremamente divertido.
- Sua irmã, minha sobrinha, completou dezoito anos a algumas semanas.
Queria a sua temporada em Londres.
A conversa parou por alguns momentos, quando garçons trouxeram suas
refeições. Tinha pedido cervo assado, mas a bagunça que recebeu era uma
inundação de um molho tão espesso e salgado que poderia muito bem estar
comendo carne ou até mesmo frango.
- Então, quando acabar a temporada de sua irmã presumo que vai voltar
às Highlands?
Olhou para lorde Stephen.
- Sim. Mais do que provável.
- Aquelas moças das Highlands são tão bonitas quanto dizem? - Beasley
perguntou, rindo.
- E tão selvagens? - O outro adicionou.
- Existem algumas moças bonitas e algumas selvagens. Tal como existem
aqui, imagino.
- Penso que um marquês descendente de vikings e celtas indomáveis e
atrevidos - lorde Stephen disse sobre sua taça de vinho - iria escolher entre as
damas mais bonitas e bem-criadas das Highlands. Mulheres de criação
semelhante e com semelhantes... expectativas.
Isso estava começando a soar como um insulto, embora não fossem tanto
as palavras quanto o tom delas. Olhou para Myles e ficou surpreso ao ver a
intenção do olhar que seu tio enviou-lhe antes que o visconde retornasse a seu
faisão. Estava perdendo algo? Com estas expectativas reduzidas, deveria ser
capaz de gerir. Todavia, estar cansado e meio bêbado certamente não estava
ajudando.
Ou talvez Myles estivesse apenas avisando-o para não contar mais
histórias de vikings. Ranulf interiormente franziu a testa. Se esse fosse o
caminho de sua vida agora, ia ter que, pelo menos, fingir que estava contente,
se não feliz. Charlotte seria parte de sua nova vida e aquilo a faria feliz.
- Sabia que Charlotte Hanover já foi noiva? - Lorde Stephen comentou
suavemente.
Agora Ranulf estava interessado.
- Sim. Ela disse que James Appleton morreu em um duelo.
- Ele morreu. - Stephen assentiu. - Uma maldita tragédia, totalmente por
falta de jeito. Appleton acabaria por tê-la feito uma viscondessa, com uma
encantadora casa antiga na Rua Charles, perfeita para a realização de bailes. E
passariam o resto do ano em Trowbridge, nos arredores de Bath.
- Uma vez que não casaram - Beasley aproveitou, - ela não poderia usar
luto completo e teve que sair do preto em seis semanas. Mas todos nós
sabíamos e a deixamos.
- Tenho certeza de que ficou grata - Ranulf disse, percebendo que sua
mandíbula estava apertando. Obrigou-se a relaxar.
- Ela era um prêmio circulando também, a filha de um conde com um
dote impressionante para começar. - Stephen fez alguns cálculos em seus
dedos. - Agora, sete anos mais tarde, provavelmente mais que o dobro que
valia aos dezoito anos, como compensação por estar com vinte e cinco.
Ranulf tomou um gole do vinho fraco.
- Seria capaz de apostar que os dois estão querendo chegar a algum
ponto - falou lentamente.
- Só que você tem suas mulheres e nós temos as nossas e ninguém gosta
de um caçador furtivo. - Lorde Stephen inclinou a taça de vinho na direção de
Ranulf, brindando-o. - Especialmente quando o homem é um visitante. É como
ser convidado para jantar e, em seguida, roubar o troféu.
Agora fazia sentido. Ele não era o ponto de conflito. Charlotte era.
Surpreendeu-o, embora agora que considerou o que falaram, provavelmente,
não deveria.
- Tenho uma casa aqui em Londres - disse, mas percebeu que soava
subserviente, como se estivesse desculpando-se. Poderia tentar a tolerância,
mas malditamente não seria um bode expiatório. - E mesmo se não tivesse -
continuou deliberadamente, - se uma moça não tem um anel em seu dedo, ela é
um jogo justo.
O olho esquerdo de Beasley contraiu.
- Vamos apenas chamar tudo de um jogo justo.
Ranulf brincava com a faca ao lado do prato.
- Vivem em uma terra amena, rapazes. Antes de declararem o começo de
algo, tenham em mente que vim aqui para uma conversa educada e uma boa
refeição. Posso deixar assim mesmo, com vocês sabendo que depois que eu
partir de Londres, não vou voltar tão cedo. Ou podem começar algo que pode
não terminar da maneira que desejam.
Com uma risada que não parecia genuína, lorde Stephen sentou-se
melhor em sua cadeira. - Estamos apenas conversando aqui, Glengask. Não há
nenhuma necessidade de ameaças.
- Eu concordo - Ranulf falou lentamente. - Portanto, pare de fazê-las.
Myles inclinou-se para esvaziar a garrafa de vinho no seu copo.
- Ouvi dizer que Sullivan Waring está enviando cinco cavalos até
Tattersall na próxima semana. O boato é que podem valer trezentas libras
cada.
- É ridículo. - Beasley bufou. - Nem mesmo os cavalos de Waring valem
tanto assim.
Lorde Stephen continuou olhando para Ranulf, que friamente olhou-o de
volta. Se o sujeito pensou que um bom olhar iria assustá-lo, bem, Ranulf tinha
dado muito valor ao sasannach. E as expectativas dele tinham sido bastante
baixas para começar. Finalmente, o filho do duque voltou seus olhos para
Simon Beasley.
- Acho que é seguro dizer que todos nós sabemos onde estamos aqui e
que talvez tenhamos começado hoje com o comentário errado.
- Bem colocado - Myles concordou. - Posso sugerir começarmos de
novo?
- Não estou vendo o motivo. - Ranulf abaixou seus talheres, desistindo
da monstruosidade afogada em molho no seu prato. - Você mais ou menos falou
o que queria dizer. Qualquer coisa educada agora quando se expressasse, seria
uma mentira.
- Mas todos nós mentimos um para o outro, Glengask. Por exemplo, eu
disse a Simon que seu novo casaco poderia começar uma nova moda, quando
realmente o acho horrível e cor de vômito.
Beasley repreendeu.
- Eu sabia, Stephen.
- Oh, pelo amor de Deus, Simon, é verde limão.
Se esses dois homens tivessem sido desconfiados e hostis, Ranulf
poderia tê-los tolerado. Até os teria respeitado até certo ponto. Mas enquanto
escutava os dois discutindo os méritos ou a falta de um casaco verde limão,
percebeu que cada sorriso que lhes deu, cada piada que riu, foi uma mentira.
Esses homens e ele nunca seriam amigos. Vieram de mundos diferentes, e se
não fosse o fascínio compartilhado por Charlotte, nada tinham absolutamente
em comum.
Porque tinha investido muito neste experimento, ficou até o final da
refeição e ainda fez um esforço na absurda conversa fútil. Foi cansativo, e
quase tinha decidido que preferia raiva ao tédio, quando os ingleses ficaram
em pé.
Lorde Stephen ofereceu a sua mão.
- Suponho que vai continuar sua perseguição a lady Charlotte Hanover,
não é?
- Não acho que seja da sua conta, Hammond.
O filho do duque abaixou sua mão novamente.
- É bom saber também, Glengask.
- Sim. Eu pensei que nós devíamos ser claros.
Ranulf saiu com seu tio. Até o ar de Londres parecia bem-vindo depois
disso e respirou fundo.
- Eles destinavam-se a serem amigos ou tem algum outro em sua cabeça?
- Perguntou, quando o coche de Swansley circulou em volta para encontrá-los.
- Você me acusou uma vez, e com razão, de ser demasiado confiante.
Tento não cometer o mesmo erro mais de uma vez. E esses dois me deixam...
desconfiado.
- Sim. Minha pele está ainda arrepiada - Ranulf concordou. - Algo em
particular que queira compartilhar?
Myles balançou a cabeça.
- Não. - Subiu no coche, e sentou-se na frente. - Queria que você
estivesse ciente que esse sentimento existe entre alguns de meus pares. Mas,
pelo amor de Deus, não julgue todo lorde pelo comportamento daqueles dois.
Existem pessoas boas aqui e eu teria orgulho em apresentar-lhe alguns deles.
A voz do visconde tremeu um pouco. Ele estava preocupado que fosse
novamente julgado pelas companhias que havia escolhido manter? Ou
realmente queria que Ranulf encontrasse amizades em Londres? De qualquer
forma, foi comovente.
- Dê-me um dia ou dois para tirar o gosto ruim da boca - ele respondeu -
e vou ficar feliz em conhecer seus reais amigos.
E embora estivesse cético, tinha uma boa razão para dar a Londres e aos
londrinos outra oportunidade: Charlotte gostava daqui e não cometeria o
mesmo erro que seu pai, mantendo uma moça inglesa trancada nas Highlands
quando seu coração estava em outro lugar. Especialmente quando o seu
coração estava diretamente com ela.
***

Charlotte se aproximou mais do mapa que tinha encontrado das


Highlands. Traçando a latitude e longitude, ela estava se referindo ao livro de
posse de bens imóveis que abriu no escritório de seu pai, marcou os limites
aproximados de Glengask. Mesmo com a pequena escala do mapa, a
propriedade de Ranulf era impressionante e imensa, superando a maioria das
propriedades inglesas. Atravessava o rio Dee em dois pontos e estava cheia
de rasos vales, escarpadas colinas, desfiladeiros e relva varrida pelo vento e
fazendas.
Por um longo momento, ficou olhando sem nada ver, perdendo-se nas
fantasias de andar ao lado do rio selvagem e caminhando por cânions de
muros altos onde árvores encontravam santuário do frio e dos ventos. E
sempre ao seu lado estava Ranulf, mostrando-lhe a beleza das Highlands e
fazendo-a amar sua terra tanto quanto ela o amava.
Piscando, voltou para o livro de posse de bens e imóveis. Não estava lá
para medir a riqueza de Glengask. Deslizando o dedo nas listas intermináveis,
encontrou o nome Gerdens e cuidadosamente marcou essa propriedade e, em
seguida, fez o mesmo com Campbell, Dailey e Calder.
Então, sentou-se. Enquanto Glengask era de longe, a maior propriedade,
o que fazia sentido já que os MacLawrys eram os únicos que se recusam a
vender qualquer pedaço de terra, definitivamente estava cercado pelos outros.
O que podia dizer era que tinha alguns aliados à margem, como os MacTiers,
os Orlins e os Lenoxes, porém, mais longe em quase todas as direções estava
alguém que tinha ameaçado um MacLawry, ou, na verdade, ferido ou matado
um.
- Meu Deus! - Respirou. Por que não tinha percebido isto antes? Ranulf
não estava imaginando inimigos ou estufando o peito porque apreciava ser
notado ou porque sentia que seu orgulho estava sendo prejudicado. Agora que
o conhecia melhor, sabia quão preciosa sua família e seu povo eram para ele.
Podia ver claramente porque passou anos tornando-se maior. O diabo mais
assustador das Highlands. Um homem que nenhum outro homem se atrevia a
cruzar.
E estava dizendo-lhe para ser civilizado, para resolver suas disputas
com as palavras. O que seria mais provável para parar um homem de tentar
matar outro? Um aviso severamente formulado ou a crença bem fundamentada
de que, se um sujeito agia, seria o próximo a ser posto debaixo da terra? Esses
homens tinham crescido no lugar mais selvagem, mais perigoso do Reino.
Mesmo que alguns deles agora vivessem em lugares mais civilizados, seus
antepassados, pais, avós, tinham passado as tradições de ódio por
companheiros de clãs e medo de mudanças. E definitivamente todos temiam
um homem que se recusava a se curvar a alguém, incluindo o atual Príncipe
Regente.
Já tinha se recusado a reagir três vezes quando tinha sido desafiado: por
Berling, Gerdens-Dailey e uma vez por Calder. Por mais que quisesse, não
podia convencer-se que o clã MacLawry estava mais seguro por suas ações.
Ou melhor, sua falta de ação.
E tinha feito por ela, porque ela era esclarecida, ou sensível, ou porque
uma vez tinha sido magoada por um homem que tinha mais orgulho do que
cérebro e então decidiu que qualquer demonstração de força ou violência era
inútil e bárbara. Mas ela não vivia nas Highlands e nunca tinha sido
pressionada por seus iguais para alterar quem era ou como escolhia viver.
Ela tinha perdido James para um ato de violência insensato, estúpido,
que poderia ter sido evitado, que trouxe sobre ele mesmo. Nunca tivera muito
senso de humor, pelo menos não sobre suas próprias fraquezas. Mesmo após
cinco anos depois de sua morte, lembrava-se do rubor vermelho que manchava
suas bochechas, a maneira que havia praticamente desafiado alguém que risse
dele por algo tão inocente... quanto tropeçar. E então alguém rira, e nada
serviria, exceto que fosse recuperar sua honra e seu orgulho caminhando
quarenta passos e disparando uma pistola.
Ranulf MacLawry não era James Appleton. Duvidava que os dois
tivessem tolerado um ao outro, muito menos teriam sido capazes de serem
amigos. Mas onde James tinha sido obsessivamente egocêntrico e frívolo,
Ranulf parecia ser qualquer coisa menos isso. E poderia ser muita coisa, mas
Ranulf não era tolo.
Charlotte levantou-se da mesa da biblioteca e caminhou até a janela. Um
homem tinha morrido sem sentido, e tinha aconselhado um segundo homem
ainda mais extraordinário, a ser... civilizado, ela poderia estar muito bem
condenando-o ao mesmo destino e seria mais do que podia suportar.
Arran disse que Ranulf tinha ido almoçar no White’s hoje. Também tinha
murmurado algo sobre que seu irmão enlouquecera e decidira que precisava
de amigos sasannach, mas tudo o que tinha ouvido era que estava tentando ser
civilizado.
Agora, porém, abruptamente não tinha tanta certeza de que fosse uma
boa ideia. Liderou seu clã durante excelentes quinze anos até agora e tinha
encontrado maneiras de fornecer ao seu povo uma melhor educação, melhores
casas, maior renda e uma independência ininterrupta da Inglaterra e as
pressões de seus vizinhos para separar o clã.
Apertou os dedos no parapeito da janela. Mais do que qualquer outra
coisa agora queria vê-lo, para pedir desculpas por tentar forçá-lo a seguir a
filosofia dela quando não tinha entendido a dele. E queria beijá-lo e sentir seu
corpo quente, sólido contra o dela.
Ranulf vivia uma vida perigosa. E mesmo sabendo daquilo, não poderia
imaginar qualquer lugar que preferia estar do que ao seu lado, se não o tiver
destruído. Afastou-se da janela e saiu da biblioteca.
- Winnie? - Chamou.
Um criado saiu da sala de jantar.
- Acredito que vai encontrar lady Rowena no quarto da sua irmã, milady
- disse.
- Obrigada, Thomas.
Encontrou Janie e Winnie deitadas de bruços sobre a cama, ambas
folheando o novo folheto da loja Ackermann e dando risadinhas. Pareciam tão
jovens, tão despreocupadas, tão ingênuas, que era quase impossível acreditar
que uma vez, não muito tempo atrás, tinha sido exatamente da mesma maneira.
E por mais tempo do que gostaria de reconhecer.
Sua irmã olhou para cima.
- Char, pode me ver em um destes gorros?
Charlotte foi até ela, inclinando a cabeça para olhar.
- Acho que é uma monstruosidade - opiniou, colocando um sorriso no
rosto. - Meu Deus!
Ambas as meninas riram.
- Eu disse que ela iria odiá-lo - exclamou Winnie, o leve sotaque que
não conseguia disfarçar fazendo-a ainda mais encantadora do que
provavelmente percebia.
- Winnie, perguntei-me se você gostaria de visitar seus irmãos em
Gilden House - Charlotte disse rapidamente, desejando que pudesse apenas
agarrar Rowena pela mão e arrastá-la porta afora. - Teria muito prazer em
acompanhá-la.
- Ela acabou de ver Arran - Janie retornou, franzindo seu nariz. - E lorde
Glengask estava de mau humor a noite passada.
Rowena, porém, deslizou para fora da cama.
- Estava pensando em uma coisa que me esqueci de dizer a Arran.
- Quer que eu vá? - Jane não parecia nem um pouco entusiasmada e
Charlotte teve que sorrir para sua irmã.
- Oh, não - Winnie disse, pegando o braço de Charlotte e puxando-a para
a porta. - Nós não demoraremos. Obrigada por ir comigo, Charlotte. Acho que
Mitchell ainda está preocupada que Ran vai demiti-la por me ajudar a fugir de
Glengask e está tentando ficar fora de sua vista até que esqueça. - Ela estalou a
língua e o grande cão cinzento se contorceu e saiu de debaixo da cama. - Venha
comigo, Una. Você pode visitar Fergus. Sei que sente falta dele.
Charlotte pediu o coche para ser trazido e em dez minutos, estavam a
caminho de Gilden House. Não tinha ideia de como lhe diria a conclusão a que
chegara, mas sabia que precisava se desculpar e dizer a Ranulf que precisava
parar de ouvi-la quando se tratava de administrar seus companheiros
highlanders... e rapidamente, antes que algo terrível e irreversível
acontecesse.
- Você gosta dele, não é?
Surpreendeu-se, olhando de frente para Winnie.
- Perdão?
- Ran. Disse-lhe que se parasse de berrar e dar ordens às pessoas, você
veria que não era um diabo completo.
- Nunca pensei que ele fosse um diabo - Charlotte disse, surpresa. -
Você disse-lhe para se comportar?
- Ele é muito espirituoso, sabe, e ele ama todos nós até a loucura. Mas
está tão acostumado a estar na Escócia e não sabe como os ingleses se
comportam.
- Mas não são apenas os ingleses aqui.
- Você está falando sobre aquele terrível lorde Berling. Pode não ser um
inglês, mas definitivamente não é um highlander.
- Não é apenas Berling, Rowena. Se seu irmão é do jeito que ele é
porque há uma boa razão. - Ela deu um suspiro. - Oxalá tivesse percebido isso
antes.
Rowena se inclinou para frente e agarrou sua mão.
- Você não vai mandá-lo embora, não é?
- Não. Claro que não.
- Oh, graças a Deus! Porque ele está apaixonado por você. Ninguém
jamais respondeu a ele, sabe. Com exceção de mim, mesmo que sempre acabe
fazendo o que ele diz, exceto por ter vindo aqui. E sei que ele quer que me
case com Lachlan MacTier e pensei que queria o mesmo também, mas agora
que estou aqui, acho que talvez Lachlan pode não ser o homem certo. Ele acha
que sou uma criancinha, sabe, e há homens aqui que definitivamente sabem que
sou uma jovem lady. Alguns homens muito bonitos.
Oh, Deus! Teria que contar a Ranulf sobre isso também. Mas havia
outras coisas que ele tinha que saber primeiro. Queria que soubesse que não o
amava apesar de seus denominados modos diabólicos, mas por causa deles.
Porque tanto quanto queria manter sua família e amigos seguros, ela queria o
mesmo para ele.
Capítulo Dezesseis
Arran olhou-o fixamente.
- O que quer dizer? Quer sentar-se com Campbell? - Perguntou, seu
rosto ficando assustadoramente pálido.
- Nós o temos hostilizado por mais de cem anos - Ranulf explicou. -
Acho que é hora de termos uma conversa.
- Você nunca sairá de seu castelo vivo. Se o fizer, satisfatoriamente bem,
sabe que não fará novamente.
- Assim, você prefere continuar como estamos? Eles levam um dos
nossos de vez em quando e nós atiramos em um dos seus em retorno?
De pé, Arran começou a andar na sala.
- Você perdeu sua maldita sanidade! - Finalmente explodiu. - Sabe como
vamos sobreviver. Estamos fortes e nos deixam porque têm medo do que
poderíamos fazer com eles, se, se atrevessem a nos atacar.
Ranulf tomou um gole de seu café, desejando que a dor em sua cabeça
aliviasse. Enquanto admitia estar cansado e com dor de cabeça, não achava
que estava perdendo a cabeça. Ainda não.
- Estamos propensos a ganhar mais terreno com os Campbell do que
estamos com os Gerdenses. Para falar com eles, teria que lidar com Berling.
- Você não precisa falar com ninguém - insistiu seu irmão. - Se falar com
eles, verão isso como fraqueza. Exceto pelos incêndios na escola e uma oferta
para compra de terras, eles não têm causado dificuldades por quinze anos e é
por sua causa, Ran.
- Eles nos deixaram em paz, exceto por Munro ser baleado por Gerdens-
Dailey e a questão do incêndio no meu estábulo. - Soltou a respiração. - Quero
minha família a salvo - finalmente disse. - Quero poder trazer uma esposa para
Glengask e não precisar me preocupar toda vez que ela for lá fora para pegar
flores silvestres.
- Bem, a única maneira de conseguir a paz com os Campbells é se
queimar seus moradores e aldeias e perder pessoas suficientes para que
possam achar-se melhores do que nós. E provavelmente teria que vender um
terço de Glengask para pastoreio de ovelhas, só assim eles acreditarão em
você.
- Tem que b..."
- E nunca vai fazer as pazes com os Gerdenses, assim fica parcialmente
vulnerável e enfrentaria um pequeno grupo de assassinos, a menos que
Campbell decida vê-lo morto, significa que poderia ter a sorte de nos ter sob o
seu calcanhar.
Arran geralmente expressava-se com uma grande dose de bom senso e
Ranulf não conseguia encontrar falha em seu raciocínio desta vez. Qualquer
um.
- Então o que você sugere que eu faça?
- Sugiro que pare de deixar aqueles amadan insultarem-no, por um lado,
e que comece a pensar novamente com seu cérebro e não com seu pênis.
Quanto mais forte você é, o mais provável é que nos deixem em paz. E é o que
vai nos deixar seguros.
- E se não posso bater nas pessoas sem uma boa razão?
- Então pense numa boa razão, Ranulf. Pelo amor de Deus! Você nunca
aplicou um soco, de fato, em qualquer um sem antes ter uma maldita boa razão.
- Seu irmão bateu com o punho na parte de trás de uma cadeira. - Se ela já tem
você castrado agora, estaremos todos mortos no inverno.
Ranulf ficou de pé.
- Basta!
- Por quê? Você não pode me bater ou a sua moça vai franzir a testa para
você. - Arran apontou um dedo em sua direção. - E no minuto que os
Campbells ou os Gerdenses ou qualquer outro perceber o que acontece, todos
nós estaremos acabados.
Sabia que Arran estava correto e sabia que estava sendo tolo por deixar
uma moça ditar a forma como conduzia suas obrigações. Afinal, vivia essa
vida. Ela não.
- Eu a quero em minha vida, Arran. Quero que ela seja feliz e quero que
esteja segura.
Arran olhou-o.
- Não acho que pode ter todos os três, Ran. Dois deles, talvez. Mas não
todos os três.
- Acho que está errado.
A porta da sala de estar abriu e Rowena entrou na sala. Imediatamente a
casa inteira parecia mais leve, mais como em casa. A visão inesperada de sua
irmã o fez sorrir. Rowena nunca parecia ter ambos os pés no chão ao mesmo
tempo.
- O que está fazendo aqui, piuthar? - Ele perguntou, dando um beijo em
sua bochecha.
- Uma irmã não pode visitar seus irmãos? - Deu um sorriso. - Arran,
leve-me para um passeio.
- Eu vou com você - Ranulf disse, dirigindo-se para a porta.
- Não, você não. Deixei-lhe um presente em seu escritório. Quando
voltarmos, pode me dizer se gosta. - Agarrando a mão de Arran, ela meio que
o arrastou para o corredor.
Ignorando por um momento o fato de que ninguém devia pôr os pés em
seu escritório, sem a sua permissão. Ranulf observou-os descer as escadas
para o vestíbulo e sair pela porta da frente. Podia ouvir Una e Fergus na sala
perseguindo um ao outro e provavelmente quebrando coisas.
- Owen! - Gritou para seu criado, ou melhor, mordomo. – Você poderia
acalmar os cães?
- Sim, milorde. - Com uma maldição, o robusto escocês lançou-se para a
sala, onde as chances seriam que causasse mais dano que os dois cães juntos.
Se Bear estivesse aqui, seria quase perfeito. Cruzando o corredor, abriu
a porta de seu escritório.
- Olá! - Charlotte disse, em pé na frente de sua janela.
A luz do sol fazia seu cabelo brilhar. Seu coração hesitou e, em seguida,
acelerou duas vezes a velocidade normal. Agora apenas a ausência de Bear de
Londres manteve este momento para a absoluta perfeição. Sem dizer nada,
atravessou a sala, não parando até que a tivesse envolvida em seus braços.
Inclinando-se, beijou sua doce boca erguida.
- Olá - murmurou de volta, beijando-a novamente. Estranhamente, toda a
raiva e frustração que o tinha mordido, simplesmente fugiu, como se não
pudessem suportar a luz do sol de seu sorriso. Talvez, afinal de contas, tivesse
um pouco de bruxa nela.
- Arran disse que não iria me visitar hoje. - Charlotte afastou o cabelo
dos olhos. - Mas eu queria ver você.
- Não estou reclamando. - Pegou sua mão, entrelaçando seus dedos
longos e elegantes, com os seus largos e calejados. - Venha comigo para a sala
de estar.
Charlotte inclinou-se contra o seu ombro, a intimidade e confiança que
mostrava o surpreendeu completamente de novo. Para protegê-la, faria
qualquer coisa. Nenhum preço seria grande demais para pagar. Encontraria um
modo, porque estar sem ela seria simplesmente inaceitável. Inimaginável.
Intolerável.
Uivos, latidos e choques ecoaram da sala, quando atravessaram o
corredor.
- Você está morto Owen? - Chamou.
- Já estou indo, milorde. Não demoro.
- Você e suas sombras evitem a sala de estar.
- Sim, milorde!
Charlotte cobriu sua boca com a mão, rindo silenciosamente quando ele
fechou a porta atrás deles. Ele sorriu-lhe.
- Agora, o que traz você aqui, leannan?
- Primeiro beije-me novamente.
- Você não vai ter contestação da minha parte. - Colocando as mãos em
concha em suas bochechas, beijou-a apressadamente, suas línguas
emaranhando-se, o que o deixou sem fôlego. - Tem certeza que tudo que quer é
um beijo?
- Oh, quero mais que um beijo. - Suspirou, os braços soltos ao redor de
seus ombros enquanto olhava para seu rosto. - Diga-me como se diz bonito.
- Brèaghe.
- Você é muito brèaghe, Ranulf MacLawry.
- Obrigado àlainn. - falou, beijando-a suavemente. - Você é uma moça
bonita e encantadora, Charlotte Hanover. E agora me diga porque precisava
me ver.
Ela respirou fundo, mexendo sua gravata. Se ela, de todas as pessoas,
estava hesitante em dizer-lhe algo, não poderia ser bom. Um frio se
estabeleceu em seu coração. Tinha decidido que ele não era o que queria? Que
seu modo de vida seria muito perigoso para ela, ainda que quisesse mudar? A
pior parte era que sabia que era verdade. Nenhuma mulher em sã consciência,
a não ser, talvez, que estivesse muito desesperada por um título, poderia
desejar arriscar um casamento com o chefe do clã MacLawry.
- Diga-me. - Sussurrou. - Pelo amor de Saint Andrew!
O mais breve dos sorrisos tocou sua boca.
- Eu tracei Glengask em um mapa - disse, seu olhar ainda fixo em seu
peito. - É enorme.
Não esperava isso.
- Sim? - Esse maldito interesse não era sobre ganância. Então, onde
estava querendo chegar?
- Eu também tracei as terras dos seus vizinhos. Você está cercado por
clãs rivais.
Ah! Era sobre a falta de segurança, então, que poderia prometer-lhe.
Que assim fosse!
- O que quer dizer é que vai terminar nosso caso logo, Charlotte?
- Eu...
Capturou sua boca com a dele. Com cada gota de seu ser a queria em sua
vida, para o resto de sua vida. Mas, com essa mesma convicção, sabia que não
importava o que fizesse, não poderia mantê-la tão segura quanto ela estaria em
Londres. Tão segura quanto ficaria com alguém como lorde Stephen
Hammond. Mas por Deus, não ia deixá-la ir sem amá-la mais uma vez.
- Ran, você n....
Puxando e soltando as fitas na parte de trás de seu bonito vestido
marrom e amarelo, arrancou o vestido pelos ombros e tomou seu seio direito
em sua boca, sugando e sacudindo o mamilo com a língua. Acariciava o outro
com a mão livre, apertando e puxando até que ela arfou e arqueou as costas
contra ele.
Livrando seus braços da musselina, puxou seu vestido para baixo em
torno de seus quadris e deixou-o cair no chão. Então, tomou sua boca
novamente, liberando as mãos para desabotoar sua calça e livrando-se de seu
casaco. O resto de suas roupas podia esperar. Ele a queria. Precisava dela,
agora. Nada mais importava.
Levantando-a em seus braços, deitou-a no sofá estreito e subiu em cima
dela, emocionou-se quando ela estendeu a mão para agarrar seus ombros e
puxá-lo mais perto para outro beijo. Antes que ela pudesse recuperar sua
sanidade, tocou seus joelhos afastando-os e empurrou-se dentro dela, rápido e
profundo. Minha, pensou ferozmente. Por esses poucos momentos ela pertencia
a ele, tão completamente quanto ele pertencia a ela.
Charlotte gozou imediatamente, estremendo ao redor dele, tornando-o
ainda mais rijo, puxando-o mais profundo. Mantendo o olhar fixo em seu rosto,
ele entrou nela novamente e novamente e novamente, até que não conseguiu
segurar-se por mais tempo e derramou-se dentro dela.
Respirando com dificuldade, abaixou a cabeça no ombro dela. Era tudo
o que podia fazer. Não poderia mantê-la afastada ou trancada mais do que
poderia privá-la do mundo. Tudo o que poderia fazer seria amá-la e deixá-la
ir. Ainda que tal fato o matasse.
- Ran - sussurrou, passando os dedos pelo cabelo dele, - acho que eu
estava errada.
Manteve os olhos fechados, tentando firmar sua respiração. Ela tinha
vindo dizer-lhe algo e ia deixá-la fazer isso.
- Diga-me. - Forçou-se a dizer.
- Você não é de Londres - disse calmamente, ociosamente brincando com
seu cabelo de uma forma que trouxe arrepios quentes de prazer pela sua
espinha.
- Sim. Estou ciente disso.
- O que você faz, a maneira como vive, é a maneira que funciona para
você. É como mantém todos a salvo.
- Mas nem sei manter todos a salvo - retrucou, ordenando-se a reunir
alguma maldita coragem e erguendo seus braços para encontrar seus
extraordinários olhos cor de avelã.
- Ninguém pode manter todos a salvo. Mas está fazendo um... trabalho
maldito de bom. - Ela fez uma careta. - Três homens tentaram provocá-lo para
uma briga na noite passada. E acho que os outros dois tentaram só porque não
derrubou o primeiro.
Algo estranho parecia estar acontecendo. Ranulf relutantemente retirou-
se dela e ficou de pé, fechando as calças e, em seguida, oferecendo-lhe uma
mão para ajudá-la a sentar-se. Recolheu seu casaco cinza escuro do chão e
ofereceu a ela. Ficou muito grande nela, quase engolindo-a quando colocou os
braços nas mangas, mas vê-la coberta até ajudava seu cérebro a funcionar um
pouco melhor. Endireitando a camisa, sentou-se no sofá ao lado dela.
- Então. Você está dizendo que eu...
- Estou dizendo que você devia ter surrado George Gerdens-Dailey. Ou
Berling. Ou Calder. Ou pelo menos certificar-se que todos saibam que poderia
ter feito isso.
Por um longo instante, sentou-se ao lado dela, apenas olhando-a, com
suas pernas enroladas sob sua bunda nua e apenas suas mãos se mostrando já
que as mangas estavam puxadas para cima, ela parecia muito recatada e
terrivelmente excitante tudo ao mesmo tempo.
- Pensei que uma briga seria o primeiro recurso de mentes inferiores. -
Falou lentamente.
- Eu estava errada.
- Pode repetir isso? Absolutamente não consigo acreditar.
- Homem terrível - murmurou, deslizando debaixo do braço e
colocando-se do seu lado. - Aqui, dois ingleses brigando por alguma questão
idiota de orgulho ou honra é ridículo. Para você, ao socar lorde Berling no
nariz não estava fazendo porque... bem, porque você é grande, forte e pode.
Está fazendo para adverti-lo a manter distância, porque é uma alternativa a ter
que matar um deles.
- Você quase me faz parecer razoável, Charlotte.
- Você é quase razoável. - Inclinando-se, beijou sua mandíbula.
- Mortes ainda acontecem, moça - Ele suspirou. - E não estou certo se
uma briga ou duas mudariam isso.
- Estou disposta a....
- Milorde! - Owen gritou, batendo freneticamente na porta da sala de
estar fechada. - Problemas!
Ranulf estava na porta em dois passos.
- Que problema? - Perguntou, abrindo a porta.
- Um dos novos cavalariços estava lá fora caminhando com Stirling e
ele viu lorde Arran e lady Winnie cercados por um grupo de homens. Eu...
- Vista-se - ordenou por cima do ombro, temor congelando seu coração e
foi descendo os degraus. Fergus e Una estavam ganindo na porta da frente, e
com uma maldição, abriu-a. Não precisava perguntar onde estavam o seu
irmão e irmã, os cães iriam encontrá-los. Era o que acontecia quando
relaxava. Quando tirava um momento para se apaixonar, mesmo sabendo que
nada poderia vir disso.
Charlotte entrou em seu vestido e puxou-o, levando apenas um momento
para amarrar as fitas na parte de trás. Colocando seus sapatos, correu para a
porta, com o coração batendo tão rápido que pensava que poderia explodir em
seu peito. Se algo acontecesse com seus irmãos, Ranulf jamais se perdoaria.
Mas se algo lhe acontecesse, ela não sobreviveria.
Ela alcançou a porta da frente quando Owen veio correndo fora da sala
dos criados, uma arma enorme em suas mãos.
- Onde eles estão? - Perguntou, descendo com ele.
- Deve ficar dentro da casa, milady - arquejou, virando na rua. O lacaio,
Debny, estava vários passos à frente deles. Ranulf e os cães tinham
evidentemente ultrapassado todos eles.
Charlotte ignorou a advertência. Não era sobre ela. E sua presença
poderia evitar tudo o que poderia estar prestes a acontecer. Ou assim
esperava. Se a situação exigisse ação, neste momento, estava mais do que
disposta a esmurrar alguém. Depois de tudo, os MacLawrys seriam seu clã.
Apenas dentro das fronteiras de um pequeno parque escondido atrás de
um quadrado de encantadoras casas antigas, ela os avistou. Ninguém estava no
chão e ninguém estava sangrando, embora não tivesse nenhuma ideia do
porquê, ou se essa pouco de sorte continuaria. Sete homens estavam em torno
dos dois MacLawrys, claramente impedindo-os de avançar ou recuar.
Ranulf na sua frente, desacelerou para uma caminhada, os cães, cada um
de um lado dele, mantendo o ritmo, os pelos levantados e podia ouvir o baixo
rosnado até a trinta passos de distância.
- Há alguma coisa que queira, Berling? - A voz do marquês soava
estrondosa, carregando mais perigo do que o rosnado dos cães.
O conde estava lá, ela notou. Estava também George Gerdens-Dailey e
aquele terrível Charles Calder. Ah, não! Estavam armados? Sabia que Ranulf
não estava porque tinha estado seminu há poucos minutos.
- Pensamos que poderíamos ter algumas coisas resolvidas - Berling
respondeu, olhando do marquês para os cães de tamanho de pôneis e vice-
versa.
- Pelo menos três deles têm pistolas, Ran - seu irmão falou. Arran tinha
um braço em torno de Winnie, colocando-se entre ela e Gerdens-Dailey. A
beleza morena parecia realmente assustada e dado o cuidado com que seus
três irmãos a tinham protegido durante toda a sua vida, Charlotte não estava
surpresa.
Parando a poucos passos de distância do grupo, Ranulf ficou com as
mãos em seus lados, sua postura tão relaxada como se estivesse conversando
em um baile, ou ainda mais relaxado do que isso. Conhecia-o bem o suficiente
para ver a tensão em seus ombros, mas duvidava que qualquer um fosse
reconhecer.
- O que quer resolver, então? - Suavemente perguntou.
- Devo-lhe um nariz quebrado, pelo menos. - Berling devolveu, um
ligeiro sorriso desagradável em seu rosto. - É um começo.
- Estou bem aqui, Berling. Minha irmã e irmão não têm nada a ver com
sua cara feia.
- Você espera que faça algo com esses animais do seu lado? Não
chamaria de uma luta justa, Glengask.
Ranulf realmente riu. O som levantou os pelos na nuca de Charlotte.
- Então você quer uma luta justa agora, não é? Você é um maldito
cladhaire, Donald Gerdens.
O conde deslizou um olhar para o homem de pé ao seu lado.
- Primo?
- Chamou-o de covarde. - Gerdens-Dailey traduziu. - E tenho que
concordar com o que disse.
- O quê?
- Quando você traz seis homens com você e vai atrás da irmã de um
homem, tal coisa faz de você um covarde.
O rosto de Berling ruborizou-se.
- Então, por que está aqui, George? - Retrucou.
O primo do Conde puxou uma pistola de seu bolso e apontou-a para
Arran.
- Porque estou inclinado a fazer um homem inocente desaparecer. A não
ser Glengask queira me explicar algumas coisas e levar bala ele mesmo.
Charlotte ofegou, pondo uma mão em seu peito. Ranulf vacilou um
instante depois e percebeu que não sabia que estava lá atrás dele. Ao seu lado
Owen levantou o bacamarte. Coisas horríveis estavam prestes a acontecer.
Coisas terríveis, irreversíveis. Respirando sofregamente, estendeu as mãos.
- Rowena, venha aqui! - Chamou em sua voz mais suave.
- Não. - Winnie soluçou, agarrando-se a seu irmão.
- Rowena, faça como diz Charlotte - Ranulf ecoou. - Não terei um
desses amadan atirando em você por acidente.
Chorando, a menina fugiu do canto do parque. Charlotte envolveu seus
braços em torno de Winnie, dobrando-os para que enquanto pudesse ver o que
acontecia, Rowena não fosse capaz de fazê-lo.
- Agora - Ranulf disse, lentamente dando um passo mais perto de um
Gerdens-Dailey armado. - O que quer explicado, George?
O primo do conde manteve sua arma e olhar apontados para Arran.
- Tenho uma suspeita que você sabe o que aconteceu com meu pai,
Glengask. E gostaria de saber o que deu em você para levá-lo de mim, dois
dias depois de ter perdido seu próprio.
- Eu não perdi o meu pai - replicou Ranulf, emoção tocando sua voz pela
primeira vez. - Seu athair e seu athair - apontou para Berling, - e seu tio
Wallace mataram-no.
- Da maneira que ouvi - Gerdens-Dailey retorquiu - foram os Campbells
que fizeram.
Agora Charles Calder franziu a testa.
- Nunca. Teimosos como são os MacLawrys, os Campbells nunca
concordariam em matar Seann Monadh. Uma vez que foram amigos.
Ranulf deu mais um passo para frente, os cães ainda mantendo o ritmo
com ele.
- Não foram os Campbells. Depois que encontramos o meu pai, segui os
cavaleiros de volta para Sholbray Manor.
- Não é....
- Eu me escondi da chuva debaixo da janela da sala de estar e ouvi seu
pai e Wallace vangloriando-se sobre como eles e Berling assassinaram meu
pai. Ouvi-os dizer e eu vi seus rostos. - A raiva cortava sua voz. Charlotte
podia ouvi-lo claramente, assim como podia ouvir a verdade em suas
palavras. Manteve sua atenção nele. Se, e quando se movesse, arrastaria
Rowena para segurança porque seria com isso que ele estaria preocupado.
Assim como estava apavorada por ele agora.
- Não é o fim da história, no entanto, não é? - Gerdens-Dailey disse,
virando a cabeça para olhar Ranulf.
- É tudo que vou dizer na frente desses covardes. Se você quer mais, vai
guardar sua arma e encontrar-me onde podemos falar.
- Ha - Berling irritou-se. - Se acha que qualquer um de...
- Cala a boca, Donald - seu primo interrompeu e guardou sua pistola.
- Arran, chame os cães - Ranulf ordenou.
Com o rosto branco e tenso, Arran fez como ele disse. Devagar e
relutantemente, os cães ao lado de Ranulf abaixaram as caudas e esgueiraram-
se para ficar ao lado de seu irmão. Enquanto Charlotte prendia sua respiração,
Ranulf e George Gerdens-Dailey aproximaram-se, parando ao lado de um
velho e inclinado olmo.
- O que eles estão fazendo? - Winnie sussurrou, virando a cabeça para
olhar.
- Estão conversando. - Ela não tinha ideia se era a ação mais sensata ou
não, apesar do fato, ou por causa do fato, que era exatamente o que pediu que
ele fizesse.
- Mas se odeiam.
Charlotte assentiu.
- Provavelmente. Mas acho que eles também têm muito em comum.
- Quando nos cercaram, eu pensei... eu pensei que matariam Arran. E
depois, não sei o que fariam comigo.
Abraçando a jovem lady, Charlotte manteve o olhar sobre os dois
homens.
- Tudo o que precisa lembrar é que você, Arran e Ranulf, estão todos
bem. Com todos aqui, nada vai acontecer agora.
- Mas e que tal amanhã? E se forem para o baile Lansfield amanhã? -
Estremeceu. - E se um deles me convidar para dançar?
- Você vai dizer-lhes não - respondeu, desejando fervorosamente que
pudesse ouvir o que os dois homens estavam dizendo.
Ela entendia por que Gerdens-Dailey estava determinado a saber de uma
vez o que havia acontecido com seu pai, assim como Ranulf tinha desejado
saber. Mas se Ranulf confessasse dois assassinatos, especialmente para o filho
de uma de suas vítimas, poderia muito bem encontrar-se na prisão. Até mesmo
enforcado, se os tribunais ingleses pudessem ser influenciados para livrar as
Highlands de um habitante muito teimoso e problemático.
Depois do que pareceram horas, mas não poderia ter sido mais do que
vinte minutos, Gerdens-Dailey acenou com a cabeça de forma inflexível e
afastou-se.
- Nós estamos terminados aqui - afirmou.
Berling fez uma careta. - Mas...
O primo do conde caminhou adiante e agarrou o conde pela garganta.
- Nós dois precisamos ter uma conversa entre nós – rosnou, - sobre por
que seu pai mentiu para mim. - Empurrou e Berling tropeçou para trás, quase
caindo na rua.
- Eu não faço...
- Glengask, é melhor estar lá ou eu vou procurar você. - Gerdens-Dailey
interrompeu seu primo novamente.
- Estarei lá. Mas não porque você virá à minha procura.
Com um aceno com a cabeça, George Gerdens-Dailey liderou o caminho
para um grupo de cavalos parados. Em menos de um minuto tinham montado,
virado a esquina e estavam fora da vista. Só então Charlotte começou a
respirar novamente, sentindo os joelhos vacilantes.
- Cães, livres. Venham - Ranulf disse, batendo na coxa. Imediatamente as
caudas dos cães subiram e brincavam com ele novamente.
Arran seguiu alguns passos atrás.
- Onde, supostamente deveria ir, precisamente? - Perguntou, em seguida,
puxou seu irmão mais para um duro abraço. - E graças a você. A situação
estava prestes a ficar desagradável.
Ranulf abraçou-o de volta e, em seguida, pegou Rowena. - Está tudo
bem, piuthar. Não se preocupe.
- Charlotte disse que tudo ficaria bem.
Olhando sobre a cabeça de sua irmã, Ranulf deu-lhe um lento e
delicioso sorriso que aqueceu até os dedos do seu pé. Então, pegou a mão da
sua irmã, ofereceu-lhe o braço e dirigiu-se para casa.
- Owen, poderia colocar no lugar aquele maldito bacamarte?
- O que diabos aconteceu? - O criado exigiu, abaixando a arma.
- Gostaria de saber também, Ranulf - Arran comentou. - Onde encontrará
esse homem? Se é um duelo, vou amarrá-lo a uma maldita cadeira.
- Não é um duelo - retrucou Ranulf, apertando o braço para trazer
Charlotte mais contra seu lado. - Disse-lhe que mostraria em que lugar seu pai
está enterrado.
- Ran - Charlotte sussurrou.
Ele deu de ombros.
- É tempo de contar, leannan. Tudo de errado que George Gerdens-
Dailey nos fez, foi porque o velho lorde Berling disse-lhe que foram os
Campbells que mataram meu pai e que os MacLawrys foram atrás dos
Gerdenses. Para o inferno com isso! - Profundos olhos azuis encontraram os
dela. - Paz, tudo feito com algumas palavras. Imagine isso.
Ela sorriu.
- E depois que lhe disse que bater seria aceitável.
- Manterei suas palavras em mente, moça.
Capítulo Dezessete
Owen olhou Ranulf de cima abaixo enquanto descia as escadas para o
hall de entrada.
- Pensei que tinha resolvido os problemas. Tem certeza de que quer
levá-los novamente?
Ajustando sua pequena bolsa prateada feita de pele de coelho, Ranulf
levantou uma sobrancelha.
- Ginger quase desmaiou - comentou. - Mas acontece que sou um
escocês e o que significa vestir-me como um.
- E não posso ter meu irmão me fazendo parecer um almofadinha inglês -
Arran assumiu a partir do patamar. Como Ranulf, vestia uma jaqueta escura,
embora a de Arran fosse cinza em vez de preta como a do irmão. E os dois
homens tinham vestido kilts que ostentavam as cores do tartan MacLawry:
preto, cinza e vermelho.
- Vocês trazem uma lágrima aos meus velhos olhos - afirmou Owen. –
Estão perfeitos príncipes adequados das Highlands.
- Não deixe os ingleses ouvirem-no ou é provável que começaremos
outra guerra - Ranulf observou secamente.
Hoje à noite sentia-se... entusiasmado, como se um peso de uma década
houvesse sido tirado. Tinha em um certo sentido, não seriam amigos, de
qualquer forma, mas pelo menos Gerdens-Dailey concordou com ele. Uma
morte por uma morte. Horrível, talvez, mas era o que seus ascendentes
estavam acostumados. E a menos que Berling pudesse de alguma forma
convencer seu primo que tinha sido de fato os Campbells que tinham
assassinado Seann Monadh, os Gerdenses manteriam distância.
Com a influência dos Gerdenses, os Campbells também poderiam fazê-
lo. Pelo menos o velho Campbell tinha sido surpreendentemente...
desinteressado em atiçar velhas rivalidades. Como Charles Calder tinha dito,
no entanto, os Campbell e Robert MacLawry uma vez tinham sido amigos. Isso
deixava os Daileys, mas preferia a ideia de enfrentar um problema em vez de
três.
- Sabe, você está sorrindo. - Arran assinalou quando subiram na
carruagem. - Espero que você esteja ciente de que nenhum de nós foi
convidado para o suntuoso jantar nos Lansfields hoje à noite.
- Sim, mas fomos convidados para o baile depois. Vou considerar como
um progresso.
- Ainda estamos tentando ser civilizados e fazermos os sasannach
gostarem de nós? Nós somos macacos de estimação?
Ranulf franziu o cenho.
- Quebrei o nariz de Berling no primeiro baile suntuoso da temporada.
Quase sufoquei Gerdens-Dailey no segundo. Considero um progresso, já que
fui convidado para o terceiro.
Seu irmão fez uma careta.
- Bem, quando você coloca dessa maneira...
- É assim que opto por colocá-lo.
Quando Arran continuou olhando-o fixamente, Ranulf deciciu observar
fora da janela para as ruas escuras de Londres. Seria perigoso que, pela
primeira vez em anos, sentia-se... otimista em relação ao futuro? Que pensava
que poderia ser o cavalheiro que tinha prometido a Charlotte que seria?
- Charlotte Hanover - Arran disse em silêncio.
- Sim? O que tem ela?
- Vai se casar com ela?
- Estou pensando que vou. - Virou-se para Arran novamente. - Por quê?
Você tem alguma objeção?
Seu irmão deu de ombros.
- Ela é uma lady inglesa respeitável que há muito pouco tempo pensava
que fosse um selvagem e um diabo, se bem me lembro. Não é mais aquele
homem?
Ranulf alojou-se mais fundo no canto.
- Talvez ela não seja tão inflexível quanto pensa - respondeu.
- Espero que esteja...
- Já chega, Arran - interrompeu. - Estamos indo para um conveniente
baile, vamos nos comportar e eu vou descobrir o resto, se não se opuser.
- Bem.
- Bem.
Bem, não era tão esplêndido. A sensação de euforia que o tinha
preenchido durante todo o dia abrandou. Ainda era um highlander, o líder de
seu clã e ela ainda era uma dama inglesa acostumada com invernos suaves e
verões quentes. E tudo o que poderia ter dito sobre a compreensão de seu uso
de 'ataque', como ela dizia, poderia não se sentir flexível sobre isso.
- Ran, não quis dizer...
- Você me ajudou bastante, Arran. Só espero que quando encontrar a
mulher que amar, ela seja perfeita e que você nunca tenha uma queixa ou se
preocupe com ela. E vice-versa.
- Na verdade, parece um pouco chato.
- Sim. Eu não vou me esquecer do que disse.
Arran bufou.
- Não estava tentando convencer você de nada. Estou apenas...
Preocupo-me que ela seja...
- Ela não é Eleanor - Ranulf comentou, finalmente compreendendo. -
Não está atrás de um título e danem-se as consequências. Quero que seja feliz.
Apenas... ao meu lado.
Seu irmão olhou pela janela por um longo instante, tanto quanto ele tinha
antes.
- Acho que ela é muito bonita. E acho que você fica feliz quando vocês
estão juntos. Apenas... tenha certeza, Ran. Por favor, para o seu próprio bem.
Ranulf tinha informado Charlotte numa ocasião anterior que estaria
completamente trajado como um highlander, dando-lhe a oportunidade de fazer
caretas ou discutir com ele antes de aparecer em público. Mas ela não tinha
feito, o que na época tinha tomado como um bom sinal. Agora não podia
deixar de se perguntar se ela estava apenas... cedendo por ele e se realmente a
envergonharia. Como poderia ter certeza como Arran sugeriu? A resposta não
estava em sua mente, mas na dela. E ele não podia saber até que lhe dissesse.
Se ela lhe dissesse.
Esse foi um pensamento triste. Quando o coche parou do lado de fora em
Lansfield House quase mudou de ideia sobre entrar. Mas tinha feito a sua
cama, então poderia muito bem usar um kilt nela. Ou algo assim.
- Lorde Glengask e lorde Arran MacLawry - o mordomo entoou, quando
entraram no salão de baile. Podia ouvir o enxame de sussurros, começando na
parte da frente da sala e se intensificando na parte de trás. Qualquer que fosse
a maldita confusão por causa de um homem exibindo seus joelhos, poderiam
muito bem apreciá-lo, ou pelo menos, acostumarem-se com isso.
Agora que considerou, não havia outra solução possível, permaneceria
em Londres. A ideia de não ver Glengask, exceto nos feriados ocasionais, fez
mal ao seu estômago, mas supôs que poderia fazê-lo se ao permanecer na
Inglaterra, poderia ter Charlotte.
Quase tão logo conjurou essa ideia, porém, ele descartou novamente.
Seja o que for que estivesse escrito no brasão da família MacLawry, não seria
qualquer MacLawry, cuja presença em Glengask sinalizava ao seu povo que
todos estavam bem e estavam seguros e protegidos, era o marquês, o chefe do
clã, que precisava estar lá. E seria ele, para melhor ou pior.
Um redemoinho de ouro chamou sua atenção e olhou para cima quando
Charlotte e sua família entraram no salão de baile. Ela tinha escolhido para
vestir uma seda dourada com uma sobreposição de renda preta e pérolas que a
faziam parecer elegante e distintamente desejável. Ele soltou sua respiração
lentamente, quando a olhou dos pés à cabeça e de volta. Magnífica.
- Será que vamos ficar aqui a noite toda, ou...
Sem esperar que seu irmão terminasse, partiu em direção a sua irmã e os
Hanovers. A tradição dizia que teria que pedir a lorde Hest a mão de sua filha,
e provavelmente deveria perguntar neste momento. E sabia exatamente por que
não tinha. Em primeiro lugar, o conde iria recusá-lo, e em segundo lugar, ainda
não tinha sido capaz de convencer a si mesmo que levá-la para a Escócia não
seria totalmente egoísta.
Ela sorriu quando o avistou e teve que concentrar-se para não acelerar
seus passos. Ela estava deslumbrante. Todos os homens que a tinham olhado e
passado por ela, por cortesia ou porque queriam uma nova debutante ou
porque só a viam como a noiva de um homem morto eram todos tolos.
- Boa noite - disse, inclinando a cabeça quando alcançou o grupo.
- Glengask - seu pai entoou, enviando-lhe e a Arran um olhar austero. -
Por que insiste em causar confusão?
- Não estou causando confusão - ele retornou, endireitando seus ombros.
- Estou sendo o marquês de Glengask.
Sua irmã inclinou-se e beijou-o na bochecha.
- Eu acho que você está brèagha, Ran - ela sussurrou. - Você e Arran,
ambos.
- Meus agradecimentos, piuthar.
Charlotte estendeu a mão e ele abaixou a cabeça para beijar os nós dos
dedos.
- Eu acho que você está brèagha também - disse com um sorriso.
- Você quase tem um sotaque adequado - ele voltou. - Diga-me que esta
noite haverá uma valsa.
- Haverá duas. Qual gostaria? - Ela exibiu seu cartão de dança de sua
bolsinha.
- Ambas.
- Ranulf.
Ele estreitou os olhos.
- Eu mencionei que os ingleses são inflexíveis?
Com um sorriso, entregou-lhe o cartão de dança e um lápis.
- Sim, acredito que sim. - Quando ele escolheu a segunda valsa da noite,
ela deu um passo mais perto. - Ouviu mais alguma coisa de Berling ou
Gerdens-Dailey?
- Não. Na verdade, Debny informou-me que George deixou Londres
para Sholbray Manor. Vou encontrá-lo lá no final do mês, mas pode ter
decidido sair procurando por conta própria. Contei-lhe a localização
aproximada da sepultura.
- Foi uma coisa muito corajosa que fez - disse, o olhar avelã hesitante
encontrando o seu.
- Valente? Não. Eu concordo que foi a coisa certa a fazer. E também vou
dizer que Gerdens-Dailey me surpreendeu um pouco. Na verdade, pensei que
ele poderia estar mais propenso a responder-me com uma faca na garganta.
Sua pele clara empalideceu. Diabos. Ela lhe fez um elogio e respondeu-
lhe mais uma vez como um bárbaro. Claro, era um bárbaro, de acordo com a
maioria das pessoas. Havia momentos que gostava do título. Porém, não tinha
ideia se ela realmente queria ser conhecida como a mulher do diabo. Mas ia
ter que perguntar. Muito em breve. Porque a única coisa pior do que a ter e ela
o recusar, seria especular interminavelmente sobre como ela quebraria seu
coração.
- Charlotte - murmurou, segurando seus dedos. - Preciso fazer uma
pergunta a você.
A respiração de Charlotte ficou presa em seu peito. Ranulf faria isso?
Finalmente lhe perguntaria? Sorriu-lhe, desejando que mais ninguém estivesse
por perto, então poderia beijá-lo até que nenhum deles conseguisse respirar.
- Estou ouvindo.
Uma mão deslizou ao redor de seu outro braço.
- Charlotte, as pessoas estão começando a olhar - disse sua mãe,
favorecendo Ranulf com um sorriso desconfortável. - E olha quem está aqui,
lorde Stephen Hammond.
Ranulf soltou sua mão como se não tivesse percebido quanto tempo
esteve segurando-a. Ela gostava disso, que ele gostasse de tocá-la. Céus, sabia
que desejava tocá-lo, mesmo que fosse apenas um roçar de dedos ou a boca
contra a sua.
- Ranulf - ela murmurou.
- Vou encontrar um momento privado ou dois - disse no mesmo tom.
- Ah, lady Charlotte - lorde Stephen disse, aproximando-se e pegando
sua mão. - Por favor, diga-me que, casualmente não concedeu ambas as valsas
hoje à noite.
Charlotte fixou um sorriso quando enfrentou o filho do duque de cabelos
claros. No passado, geralmente havia sido educado, embora um pouco...
condescendente. Mas ao longo do ano passado ou assim, seu tratamento para
com ela havia mudado. Na verdade, até que tinha aparecido no baile dos
Esmond e foi muito agradável com ela, tinha estado propenso a fazer piadas,
que ela estava, sem dúvida, destinada a ouvir, sobre solteironas e
compreensíveis deboches.
- Eu...
Ele pegou o cartão de dança de sua mão antes que pudesse terminar.
- Ah, vejo que não. A primeira valsa deve ser minha, então.
Charlotte limpou sua garganta, muito consciente de Ranulf em pé como
uma montanha de granito diretamente atrás dela.
- Minhas desculpas, milorde, mas prometi essa valsa para lorde Arran
MacLawry. - Não foi perfeito, mas Arran estava por perto e estava firmemente
na categoria de aliado.
- Bobagem - Stephen insistiu e ela notou que seu bom amigo Simon
Beasley tinha aparecido também. - Simon - prosseguiu, escrevendo seu nome
e, então, entregando seu cartão para o senhor Beasley, - Qual dança quer? A
primeira quadrilha ou a última contradança?
- Lorde Stephen, não pretendo dançar muito, hoje à noite - tentou
novamente. - Por favor, devolva-me.
Stephen riu.
- Não quer que todos pensem que você apaixonou-se por um highlander,
não é? Uma vez que se for, e tenho certeza de que estará indo em breve, e
provavelmente para nunca mais voltar, você não terá nenhuma esperança em
agarrar um marido. Quem em seu juízo perfeito quer imaginar com quem está
se envolvendo depois de um escocês? Especialmente quando você já está,
assim, quase uma solteirona.
Uma mão disparou passando por seu ombro, recuperando seu cartão de
dança e entregando-o suavemente a ela.
- Sinta-se livre para riscá-los. - Ranulf falou lentamente. - Você foi mais
educada do que eu poderia ter sido.
Seu súbito alarme tornou-se alívio. Evidentemente tinha encontrado uma
maneira de usar o cérebro em vez de seus músculos, embora ambos fossem
extremamente prazerosos, e até mais estimados por ela.
- Obrigado, milorde - disse, fazendo exatamente como sugeriu.
- Você está cometendo um engano, minha querida - Simon Beasley
comentou, olhando de soslaio para ela. Céus, estava bêbado. E isso
significava que provavelmente Stephen também estava. - Se quiséssemos,
poderíamos providenciar para que você nunca mais tenha uma parceiro de
dança.
- Não parece provável, senhores - seu pai disse, sua mandíbula
apertada, mas sua expressão preocupada. Se alguém não gostava de uma cena
mais do que ela, era o conde de Hest. - Sugiro que vá para algum lugar
recuperar-se.
- E eu sugiro que você...
- Por que é o certo - Ranulf interrompeu, apenas o som de sua voz cortou
o filho do duque antes que terminasse - quando tiver alguma dificuldade com
um homem, você, em vez disso, prefere insultar as pessoas que estão perto
dele, em vez de dizer o que quer dizer? - Moveu-se para ficar ao lado de
Charlotte.
Stephen bufou.
- Porque um tolo é um tolo e não tem ideia de como inadequadamente se
apresenta, mesmo que tentemos fazer isso ardentemente óbvio para ele. Esses
que estão ao redor dele, no entanto, deviam conhecê-lo melhor. - Ele estreitou
os olhos, olhando para Charlotte novamente. - Você vai ter sorte se não tiver
que pagar alguém para...
A mão de Ranulf disparou novamente. Desta vez, estava fechada em um
punho e atingiu lorde Stephen Hammond em cheio no maxilar. Stephen
cambaleou para trás, agitando os braços. No momento seguinte, Simon Beasley
saltou para frente e deu um soco na cabeça de Ranulf. Em seguida, mais três
homens o atacaram, todos pendurados no marquês.
Não estavam bêbados, percebeu horrorizada segundos depois que
decifrou o que Hammond quis dizer. Tinham ateado o fogo no estábulo de
Ranulf. Desde que não tinha parado o marquês, eles fizeram isso. E agora
estavam apenas esperando que Ranulf atacasse primeiro. E então eles o
espancariam, sem dúvida, até a morte e afirmariam que só estavam tentando
subjugar o diabo.
- Pare com isso! - Ela gritou, batendo em Beasley com sua bolsinha.
Arran MacLawry apareceu e mergulhou no corpo a corpo - assim, pelo
menos, Ranulf não estava sozinho. Todos os outros... podiam ir todos para o
diabo. Ficaram bem fora do caminho, fingindo estar chocados e ao mesmo
tempo disputando uma visão melhor e fazendo apostas sobre o resultado.
De algum outro lugar o grisalho visconde Swansley chegou,
blasfemando e arrastando alguém de Ranulf. Verdadeiramente, seriam os
MacLawrys contra o resto de Mayfair? Por quê? Pelo amor de Deus, Ranulf
tinha feito todos os esforços para se encaixar. Mas não iriam deixá-lo. E era
por sua causa, porque algum estúpido aristocrata não tinha gostado que um
escocês poderia conquistar uma inglesa, quando nenhum deles tinha feito
isso...
- Cavalheiros! - Gritou, batendo em alguém com sua pequena bolsa de
miçangas e desejando que fosse algo muito mais substancial. - Parem com isso
de uma vez!
- Charlotte, afaste-se! - Sua mãe gritou, correndo para frente e puxando
sua manga. - Pelo amor de Deus!
Lágrimas molhavam seu rosto, embora não soubesse quando começou a
chorar. Pegou um vislumbre de Ranulf, com o rosto ensanguentado.
- Pare! - Gritou novamente, então, foi nocauteada por trás pelo cotovelo
de alguém.
Amaldiçoando, seu pai puxou-a para trás, então entrou na briga. Por um
momento terrível, não estava certa se ele estava ajudando, até Simon Beasley
cambalear por ela e, então tropeçar no chão com ajuda da bota de seu pai.
- Chega! - O bem-educado lorde Hest berrou. Finalmente,
evidentemente, estimulados pela visão de seu bem respeitado pai, na tentativa
de parar a luta por si mesmo, lacaios e convidados e seu anfitrião, John
Lansfield, o marquês de Ferth, moveram-se para começar a puxar os homens
uns contra os outros.
Já podia ouvir os amigos de lorde Stephen culpando o marquês de
Glengask pela briga. 'Bárbaro' e 'diabo' e 'maldito escocês' ecoando ao seu
redor. Não poderia permitir que continuasse.
Reunindo a saia em suas mãos, marchou até onde estavam seu pai e
lorde Swansley, cada um tinha Stephen Hammond por um braço.
- Você não é um cavalheiro, sir - disse bruscamente, - e tenho vergonha
que alguma vez chamei-o de amigo.
Ele zombou através de um lábio sangrando.
- Fale com aquele grande diabo - replicou. - Ele...
Charlotte deu-lhe um tapa. Sua mão doeu, mas não se importou.
- Tudo que lorde Glengask fez, foi avançar quando se comportou mal.
Devia se envergonhar!
Stephen Hammond olhou-a, mas não disse mais nada. Esperando que
tivesse percebido que discutir com ela só iria fazê-lo parecer mais como o
valentão que era. Endireitando os ombros, virou-se de costas para ele,
transmitindo e demonstrando o corte mais direto e seu mais completo
desprezo.
Janie olhou-a fixamente, olhos arregalados, depois virou as costas para
lorde Stephen, também. Sua mãe seguiu-a um momento mais tarde, em seguida,
Winnie e outra meia dúzia de mulheres, a maioria das quais estavam ou perto
de sua idade supostamente avançada de solteirona ou não foram consideradas
belezas da temporada e foram, sem dúvida, informadas precisamente por
Stephen, que lhes deu as suas rígidas espetadas de desaprovação. Ha.
Esperava que isso o machucasse.
Os demais homens ficaram de pé. Agora, finalmente deu uma boa olhada
em Ranulf e não pode deixar de ofegar. Uma manga do casaco foi arrancada, a
outra rasgada, enquanto sua camisa estava meio fora da calça e salpicada de
brilhante sangue vermelho. Mesmo um joelho estava cortado, embora seu kilt
parecesse intacto. Graças a Deus por isso.
Além da ruína de suas roupas, seu lábio estava cortado, seu nariz
sangrando e um olho quase fechado. Enquanto o observava, ele pegou a cauda
solta de sua camisa e limpou seu rosto. Seu irmão não parecia muito melhor,
mas Simon Beasley e todos os seus terríveis amigos pareciam muito pior.
Ela caminhou para frente, levantando a mão para seu rosto e, em
seguida, no último minuto, lembrando-se e baixando-a novamente.
- Você se machucou? - Perguntou, embora parecesse uma questão
absolutamente ridícula.
Ele balançou a cabeça, sua expressão sombria.
- Não. Sinto muito, moça. Eu não podia... não podia apenas ficar e ouvir
as baboseiras daquele amadan.
- Eu sei. As suas...
- Cavalheiros - lorde Ferth anunciou, limpando as mãos juntas, como se
tivesse tocado algo desagradável, - não é mais bem-vindo aqui. Não vou ter
esta barbárie em minha casa. - Olhou para Charlotte. - Não importa quem
instigou. Não vou tolerar.
Resmungando algo que soava muito desagradável, Arran levou seu tio
pelo ombro e fez sinal para o irmão.
- Vamos sair deste maldito lugar, Ran.
Ranulf assentiu com a cabeça, seu olhar ainda em Charlotte, como se
estivesse tentando memorizar suas feições. Como se nunca esperasse vê-la
novamente. Seu coração parou em seu peito, deixando-o vazio e frio. Não.
Homem teimoso. Estúpido. Fechou os olhos por um momento, depois
virou-se para seguir seu irmão e tio para fora da pista de dança. Claro que
faria a coisa nobre e sairia porque pensava que tinha falhado com ela. Porque
achava que tinha feito uma coisa que ela nunca perdoaria: entrar em uma luta
por nenhuma outra razão do que o orgulho.
Ele estava errado.
Charlotte respirou fundo e, em seguida, caminhou para frente. Sua mãe
agarrou-a, mas facilmente escapou dos dedos da condessa. Alcançando a
montanha esguia e rígida de um homem, colocou a mão em seu ombro e puxou-
o.
Ranulf parou e se virou.
- O que está fazendo, moça? - Murmurou, surpresa cruzando suas
feições.
O que estava fazendo? O que ela poderia dizer aqui, na frente de todos,
que iria convencê-lo de que não o culpava do que tinha acabado de acontecer,
que se manteve como um cavalheiro e, em seguida, agiu como um? Que não foi
a mesma coisa que James Appleton fez, que a fez condená-lo por tanto tempo?
A resposta, claramente, não era nada. Não havia nada que pudesse lhe
dizer que o faria pensar que era menos do que gentil.
E então, Charlotte envolveu as duas mãos na frente de sua camisa
rasgada, levantou-se na ponta dos pés e beijou-o na boca.
Segurou-se absolutamente imóvel, claramente espantado. Então sua boca
moldou contra a dela e seus braços fortes amoldaram-se em volta de sua
cintura, esmagando-a contra ele. Ela não sabia se alguém engasgou ou
desmaiou ou qualquer outra coisa. Tudo o que sabia, foi que a beijou de volta.
Depois de um breve e eterno momento, ele levantou a cabeça um pouco,
olhando-a. Seus escuros olhos azuis brilharam.
- Você arruinou a si mesma.
- Eu sei.
Sua boca curvou-se em um lento sorriso.
- Eu amo você, Charlotte - murmurou. - Amo tanto que não suportaria
ficar sem você.
- E eu amo você, Ranulf - sussurrou de volta. - Leannan.
- Então, pelo amor de Deus, diga que se casará comigo, moça, -
retrucou, sua voz baixa e instável ao extremo.
Charlotte assentiu com a cabeça, as lágrimas correndo pelo seu rosto
mais uma vez. Mas desta vez eram lágrimas de alegria.
- Casarei com você. Quero casar. Quero viver com você em Glengask.
Não tenho medo. Nunca tive.
Com um rugido, ele firmou seu aperto em sua cintura e a ergueu no ar,
circulando com ela em seus braços.
- Eu amo você, Charlotte! - Gritou, rindo.
Charlotte sorriu-lhe.
- Eu amo você!
Seu escocês selvagem. Seu highlander. Seu Ranulf.
FIM

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