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Janet Dailey
Best Sellers (sem número)
Fletcher Smith vive afastado de sua mulher Olivia e de seu filho Kit,
homessexual. Apenas a bela Jordanna compartilha sua vida afetiva e seu maior
interesse: a caça. Fixada no pai, Jordanna não se relaciona com outros homens. Mas
o dilaceramento familiar não impede que Jordanna desperte para o amor. Numa
festa na casa de Fletcher, Brig McCord e Jordanna encontram-se, apaixonam-se de
modo fulminante e têm um caso. Brig, no entanto, julga que Fletcher e Jordanna
são amantes...
Outro resumo:
Jordanna Smith era a filha impetuosa e elegante de um destacado banqueiro e
de uma colunável glamourosa, uma caçadora que atravessava o mundo ao lado do
pai em busca das feras mais bravias. Aos olhos dela ninguém se comparava a seu
pai... até a noite em que Jordanna encontrou um rude e estranho jovem que, num
momento de exaltação e frenesi, tocou as raízes de um desejo que ela jamais havia
conhecido. Um caso de amor vivido intensamente por dois jovens apaixonados,
pelos conflitos de uma família, por um assassinato misterioso e emoções sem conta
que fazem deste romance talvez o melhor da autora.
Janet Dailey
Amor Proibido
Tradução de Isabel Paquet de Araripe
1986
NOVA
CULTURAL
Título original:
Ride the Thunder
Kit estava sentado no banco de trás do jipe fechado, quando os dois voltaram
para onde o tinham deixado estacionado. Fletcher não disse nada, enquanto
amarrava o veado esfolado no bagageiro do veículo. Ao longo da trilha, o pai sentira
o cheiro característico no local onde Kit vomitara o café da manhã. Um só olhar a
seu rosto sem cor bastou para provar que o garoto não estava se sentindo muito
melhor, agora.
Quando pegaram a estrada principal, Fletcher lançou um olhar pelo espelho
retrovisor e encontrou os olhos atormentados do filho.
— Tudo bem, Kit. Não precisa pedir desculpas ou sentir-se culpado pelo modo
como se portou. Foi a primeira vez que esteve exposto a uma coisa dessas. É
sempre uma espécie de trauma. Noutro dia que formos caçar, será mais fácil.
— Não quero mais caçar — declarou Kit, com voz inexpressiva.
— Tenho certeza de que se sente assim, agora — concordou Fletcher,
pacientemente. — Mudará de idéia mais tarde.
— Não mudarei.
Fletcher não tocou mais no assunto, enquanto voltava a concentrar a atenção
no tráfego da auto-estrada. Jordanna viu a luz desanimada que toldava os olhos
castanhos do pai. Olhou para o irmão por cima do ombro.
— Trouxe seu fuzil, Kit. Tome. — Começou a passá-lo para ele, por cima do
banco.
— Pode ficar com ele, Jordanna. Não o quero — respondeu o garoto, virando-
se para fitar a paisagem através da janela.
— Mas foi um presente — protestou ela. — Papai deu para você. Não pode...
A mão do pai pousou no braço dela, para calá-la. Jordanna virou-se para a
frente, e Fletcher deu-lhe uma palmadinha de aprovação no braço.
Parte um
O encontro
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Cantarolando baixinho, Jordanna atravessou o corredor do apartamento.
Mudou para uma posição mais confortável o pacote pesado e volumoso que levava
nos braços. Estava embrulhado em papel laminado verde-prata, com um laço
verde-esmeralda vivo que ficava fazendo cócegas no seu nariz.
Dentro da caixa estava uma dessas esculturas de arte moderna que não
querem dizer coisa alguma. No que dizia respeito a Jordanna, não passavam de
tópicos de conversa, mas o irmão adorava essas peças. E eram caras, também.
Não teria tido dinheiro suficiente, se não tivesse persuadido o pai a dar uma ajuda
para o presente, na hora do almoço. Depois da discussão da semana anterior,
esperava que Kit aceitasse o presente como uma oferenda de paz, embora fosse
dado à guisa de presente para a casa nova dele.
Soltou um suspiro ao recordar a discussão. Nem se lembrava do que a
iniciara. Supunha que fosse natural uma irmã e um irmão brigarem, mas sentia que
brigavam mais do que o normal. O problema dela era que tinha um pavio curto, logo
explodia, tudo por culpa do cabelo vermelho-escuro. E eles não eram chegados. Ela
e Kit eram diferentes demais, os seus interesses, divergentes demais. Ficavam nas
extremidades opostas do espectro, suas opiniões coloridas por pontos de vista
diferentes.
O olhar dela localizou o número do apartamento dele numa porta. Jordanna
parou na entrada e ajeitou o pacote para apertar a campainha. Ouviu o ruído
abafado que a campainha emitiu, e esperou.
Quando a porta se abriu, ela sorriu e disse:
— Surpresa!
O sorriso sumiu à vista do estranho que surgiu, ao invés do irmão. O
reconhecimento brilhou nos olhos dele.
— Alô, você deve ser Jordanna.
— S... sou — gaguejou, olhando para o homem de cabelos cor de areia. —
Estava procurando meu irmão.
— Christopher não está, no momento. Desculpe, mas ele não disse a que
horas voltaria. Ele a estava esperando? — Era um homem de boa aparência, bem-
proporcionado, jovem, na casa dos vinte.
— Não. Só passei para entregar-lhe este presente para o novo apartamento.
— Jordanna indicou o embrulho volumoso que carregava e inclinou a cabeça para o
lado, para lançar-lhe um olhar direto e franco. — Quem é você?
— Sou Mike Patterson. — Havia uma cautela alerta no olhar que ele lhe
lançou, em troca. — Christopher não falou em mim?
Jordanna já se acostumara a ouvir as pessoas chamarem o irmão pelo nome
de batismo. Ela e o pai eram os únicos que ainda usavam o apelido de Kit.
— Não, não falou — admitiu, abertamente. — Será que eu devia saber quem
você é? Desculpe, mas Kit não conversa muito comigo sobre as suas garotas ou
seus amigos.
— Sei. — Uma máscara suave pareceu cobrir-lhe a expressão. — Mudei para
cá para dividir as despesas do apartamento com Christopher.
— Não sabia. — Jordanna fez pouco-caso de sua ignorância, com uma risada
despreocupada. — Há mais de uma semana que não falo com Kit. — O presente
ficava mais pesado a cada minuto, a despeito da força dos seus braços esguios. —
Importa-se se eu entrar?
— Por favor. — O rapaz reagiu com rapidez, como se subitamente tivesse se
lembrado dos bons modos e da educação, e escancarou a porta para que ela
entrasse. Adiantou-se, oferecendo: — Deixe que eu carregue para você.
— Não, tudo bem, eu agüento — insistiu ela. Ele se afastou, e Jordanna
entrou no apartamento.
— Pode pôr na mesinha de centro — falou o rapaz.
Inclinando-se, ela colocou o presente com cuidado sobre a mesa de tampo de
vidro, e endireitou o corpo para olhar para a sala.
— Que simpático! — Enquanto girava para ficar de frente para o amigo do
irmão, o cabelo escuro, cheio de nuanças vermelhas, rodopiava sobre os seus
ombros. — Não o via desde que Kit o mobiliou — exclamou Jordanna. —
Pessoalmente, prefiro algo mais tradicional e aconchegante a todo esse vidro e
cromados modernos, mas Kit gosta deles. E você?
— Gosto — disse o rapaz, sorrindo, e seus olhos tinham a mesma expressão
de indulgência com que Kit costumava fitá-la.
Aquilo irritou Jordanna. Fazia com que se sentisse como uma criança, ao
invés de uma mulher adulta de vinte e quatro anos. Virando-se, controlou a cólera.
Seus olhos, com pontinhos verdes brilhando nas pupilas cor de avelã, fixaram-se na
verdejante folhagem num vaso, junto à janela.
— Que bela seringueira! Deve ser sua contribuição para o apartamento —
adivinhou.
— E é — admitiu Mike Patterson. — Como foi que soube?
— É fácil. — Jordanna soltou uma risada rouca e cálida. — Kit não tem jeito
com plantas... ou com qualquer coisa ligada à natureza, se é que se pode dizer
assim.
— Quer tomar alguma coisa? — ofereceu Mike. — Café ou uma Coca-Cola?
Ou quem sabe uma bebida alcoólica? Preparo um margarita que é um estouro.
— Não, obrigada. — Jordanna lançou um olhar ao fino relógio de ouro que
usava no pulso. — É melhor eu ir andando.
— Pode esperar por Christopher, se quiser. — Parecia preocupado em apagar
a impressão de que ela devia ir embora.
— Como você falou, Kit não disse quando voltaria — lembrou Jordanna. — E
meus pais estão me esperando. — E dirigiu-se para a porta em passadas suaves e
graciosas.
— Ele vai ficar triste por ter se desencontrado de você.
Ela deu de ombros ao ouvir isso. Talvez, se a tivesse perdoado, ele ficasse.
— Diga-lhe que passei por aqui e que... — abriu a porta e parou — espero que
goste do presente. Prazer em conhecê-lo, Mike.
— Igualmente.
A alça de sua bolsa a tiracolo escorregou quando ela fechou a porta. Jordanna
ajeitou-a e percorreu o caminho de volta pelo longo corredor.
Meia hora mais tarde, Jordanna abriu a porta que dava para o vestíbulo social
do apartamento de cobertura dos pais. A empregada estava fazendo um arranjo de
rosas cor-de-rosa sobre a elaborada mesa barroca de jacarandá que ocupava o
centro do saguão.
— Alô, Tessa. As flores estão lindas, como sempre. — Jordanna parou para
apreciar o arranjo. — Meus pais já voltaram?
— Sua mãe voltou faz uma hora. Está no quarto, descansando antes do jantar
— replicou a empregada, ainda sorridente por causa do elogio às suas habilidades
no arranjo de flores. Seu corpo esbeltíssimo não dava sinais de velhice, mas suas
feições tímidas e vincadas estavam cobertas de rugas.
— Obrigada. — Jordanna começou a se dirigir para o escritório, depois se
virou, continuando a andar de costas, enquanto perguntava: — O jantar será às
oito?
— Sim.
Lançou um olhar ao relógio de pulso.
— Acho que terei tempo de sobra. Mamãe é tão ligada nessa história de trocar
de roupa para jantar... — E torceu o nariz, desdenhosa, ante um costume que
achava desnecessário.
Contornando a sala de visitas com seus móveis Luís XIV, estofados em seda
adamascada verde-clara, e lustres de cristal Baccarat, caminhou diretamente para o
escritório. Bateu à porta uma vez, e entrou. Seu pai estava sentado na sua poltrona
favorita, o couro marrom e macio gasto pelo uso até um tom castanho-amarelado.
Estava com uma revista aberta no colo. Sua cabeça grisalha se apoiava no encosto
alto. Tinha um cachimbo apagado preso entre os dentes. O ar de cansaço apagou-
se do seu rosto, quando ele sorriu.
— Alô, papai. — Seu andar deslizante levou Jordanna até a poltrona, onde ela
se debruçou para beijar o rosto bem-barbeado. Notara o cansaço na expressão
dele, mas sabia que não devia mencioná-lo. Endireitando o corpo, sugeriu: — Vou
tomar um uísque. Quer que prepare um para você?
— Por favor. — Fletcher Smith tirou o cachimbo da boca e bateu-o no cinzeiro,
para esvaziá-lo.
Uma garrafa de cristal, de uísque, estava numa bandeja em cima da
escrivaninha dele, juntamente com um jogo de quatro copos, combinando. Jordanna
encheu dois deles, sem gelo, já que ambos tinham aprendido a gostar de uísque
servido à temperatura ambiente. Correu os olhos pela sala. A decoração do
apartamento mudava segundo os caprichos da mãe, mas aquele escritório
continuava sempre o mesmo. As únicas alterações eram o acréscimo de novos
troféus na parede. O último era um antílope-cabra que ela abatera.
— Foi ver Kit? — perguntou ele, apanhando a bebida que ela lhe entregava.
— Hmmm. — Jordanna tomou um gole e dirigiu-se para o sofá mais próximo,
enroscando as longas pernas sob o corpo, nas almofadas. — Fui.
— O que ele achou do presente?
— Não estava em casa. Não quis esperar até que voltasse, então deixei o
presente. — Tomou mais um gole da bebida e olhou para o pai por sobre a borda
do copo. — Ele está dividindo o apartamento. Sabia?
— Não. — Fletcher largou o copo no porta-fumo e começou a encher o
cachimbo.
— Pois está. Conheci hoje o seu companheiro. Chama-se Mike Patterson.
Parece simpático. Os dois vão mesmo transformar aquele lugar num apartamento
de solteiro. — Jordanna recostou-se nas almofadas e examinou o líquido que
rodopiava dentro do copo, graças ao movimento circular da mão. — Kit está mesmo
decidido a viver do que ganha, não é? Quero dizer, resolveu convidar alguém para
ir morar com ele e dividir as despesas do apartamento.
— Parece decidido. — Fletcher Smith chegou a chama do isqueiro ao bojo do
cachimbo e soltou baforadas de fumaça. — De agora em diante, é melhor verificar
primeiro se Kit está em casa, antes de ir ao apartamento dele.
— Por quê? — Jordanna ergueu a cabeça do encosto e franziu a testa,
olhando para o pai. — Só porque está dividindo o apartamento com alguém? Mike
me pareceu um cara legal. Não parece propenso a me atacar, ou coisa semelhante.
— Não. Não foi o que quis dizer. — Parecia zangado, e ela voltou a franzir a
testa. — Simplesmente creio que devemos respeitar o desejo de privacidade de Kit
e não aparecer na casa dele sem avisar primeiro.
— Acho que tem razão — admitiu ela, e observou-o atentamente, por entre os
cílios. Viu quando ele desviou a cabeça e fechou os olhos numa expressão de dor,
antes de esfregar a testa. — O que é, papai? Dor de cabeça?
Espantado com a pergunta, ergueu os olhos e abriu a boca, como se fosse
negar. Depois, concordou:
— É, acho que sim.
O olhar dela se dirigiu para a revista aberta no colo dele. Desdobrando as
pernas, Jordanna se levantou e foi até a poltrona. Colocou o copo ao lado do dele,
no porta-fumo, e foi para trás da poltrona, a fim de massagear-lhe as têmporas.
— Melhor? perguntou.
— Muito — murmurou ele, relaxando-se com a manipulação dos dedos dela.
— Se deixasse de ser tão vaidoso e parasse de ler sem eles... — Jordanna
bateu no estojo de óculos dentro do bolso do paletó do pai — não forçaria a visão e
não teria dores de cabeça. — Passou a massagear-lhe os músculos tensos do
pescoço.
— Descobriria outra desculpa para ganhar uma massagem dessas — falou
Fletcher, e ela pôde perceber o sorriso buliçoso na sua voz.
— Você é mimado — acusou Jordanna.
— Graças a você — replicou ele, vagamente sério. Jordanna sabia que aquilo
era uma referência velada à falta de interesse da mãe pela saúde dele, e por ele
próprio.
— O que andou fazendo a tarde toda? — perguntou a filha, mudando
rapidamente de assunto.
— Depois que você saiu, fui tomar café com Max Sanger e... — Uma batida à
porta interrompeu sua resposta. — Quem é?
A empregada, Tessa, entrou.
— Um telefonema para o senhor. É o seu advogado, sr. Blackburn.
— Obrigado, Tessa, atendo aqui mesmo. — Levantou-se da cadeira, enquanto
a empregada se retirava, discretamente.
— Parece coisa de negócios — comentou Jordanna, e apanhou sua bebida
para dirigir-se para a porta. — Deixo vocês com sua conversa jurídica, chata e
monótona, enquanto me ajeito para o jantar.
— Que boa amiga você é — implicou Fletcher —, abandonando-me na hora
de enfrentar o tédio.
Uma risada rouca e gostosa foi a única resposta de Jordanna à reclamação
brincalhona, antes de sair pela porta para o corredor. Foi só mais tarde, no banho,
que pensou no que ele dissera e concordou com sua conclusão. Eles eram amigos,
amigos muito íntimos, e mantinham um relacionamento mais forte e profundo do
que apenas o de pai e filha.
Havia apenas dois lugares postos à mesa quando Jordanna entrou na sala,
mais tarde. Ela hesitou diante da mesa de jantar estilo francês, Império, as pregas
negras da saia longa oscilando com o seu incerto movimento. Seu olhar se desviou
para o lustre de cristal suspenso acima da mesa e para a cristaleira vitoriana,
ricamente entalhada, encostada a uma das paredes. Ladeando a cristaleira havia
um par de pedestais de ônix rosa-acácia, encimados por vasos gémeos, de cor
turquesa, de porcelana de Sèvres.
Quando Jordanna se virou, a mãe apareceu na entrada em forma de arco,
usando um longo azul-pavão, estilo mandarim. A cor lançava reflexos azuis no seu
cabelo negro retinto, puxado para cima da cabeça, e acentuava o verde felino dos
seus olhos. Ela correu os olhos depreciadoramente pela blusa de seda branca
simples e pela saia preta longa de Jordanna.
— Seu pai não vai jantar conosco hoje — explicou, justificando os dois lugares
à mesa. — Teve um probleminha legal, documentos a serem assinados, ou coisa
assim. — O modo vago como se referia ao motivo da ausência dele revelava a falta
de atenção com que escutara a informação. — Portanto, seremos apenas nós duas.
— Que aconchegante! — murmurou Jordanna, sentando-se na cadeira
Chippendale à direita da mãe.
A mistura e a combinação de estilos e períodos diferentes de mobiliário era um
dos projetos favoritos da mãe. A única coisa que ainda continuava predominante na
decoração do apartamento era a cor verde, como as cortinas da sala de jantar;
agora a fazenda de veludo era verde-musgo, com sanefas e borlas douradas.
Segundos após terem se sentado, Tessa apareceu para servir a sopa.
— Vai sair hoje à noite, Jordanna? — perguntou a mãe.
— Não. — Mergulhou a colher na sopa e lançou um olhar de esguelha para a
mulher, ainda muitíssimo atraente. — Você vai? — A pergunta, feita em tom suave,
era quase irônica.
— Não. Amanhã vai ser um dia cheio, com todos os preparativos para a festa,
portanto vou dormir cedo hoje — retrucou Olivia Smith, com serenidade impecável.
Talvez você possa ajudar-me amanhã...
— Claro — concordou Jordanna.
A conversa delas, até o final da refeição, continuou da mesma maneira
forçada, como dois gatos que se rodeiam, desconfiados. Jordanna sentiu a tensão
presente, enquanto reagia e respondia à variedade de assuntos que a mãe puxava.
— Vamos tomar o café na sala de visitas, Tessa — pediu Olivia, quando a
empregada veio tirar os pratos da sobremesa. Levantou-se da mesa, e Jordanna
acompanhou-a até a sala. A mãe era tão esguia e miúda que Jordanna sempre se
sentia como uma colegial desajeitada andando a seu lado, embora soubesse que
seu porte longilíneo era igualmente gracioso e atraente. — Fico aliviada ao ver que
ainda é capaz de discutir inteligentemente sobre política, teatro, e uma variedade de
assuntos literários, Jordanna.
— Está se esquecendo, Livvie, de que, enquanto você está lendo as versões
condensadas dos romances, estou lendo as edições na íntegra. — Há muito tempo
que deixara de referir-se a ela como "mamãe".
A alfinetada foi sutilmente desviada.
— Gostei realmente da nossa conversa. Foi muito agradável, para variar —
comentou a mãe. — Geralmente fico chateadíssima tendo que escutar você e seu
pai conversando sobre caçadas.
— Quem sabe, se você contribuísse com alguma coisa para essas conversas,
mudássemos de assunto — sugeriu Jordanna, sabendo que a exclusão da mãe
dessas discussões era por vontade própria. — Papai e eu teríamos prazer em falar
de outra coisa.
— Papai e eu. — Algo pareceu partir-se dentro da morena de olhos verdes. —
É sempre "papai e eu". Passa tanto tempo com ele que é de admirar você não
querer casar-se com ele! — riu, causticamente.
O fio delicado que mantinha sob controle o gênio de Jordanna se rompeu.
Nem teve consciência de se virar ou de bater. Só quando sentiu a palma da mão
atingir a face maquiada da mãe é que percebeu o que tinha feito. A essa altura,
tremia de raiva.
— Que coisa feia você disse! — A voz de Jordanna era alta e áspera. — Papai
e eu compartilhamos dos mesmos interesses. Gostamos um do outro. Amo meu
pai, e você faz isso parecer uma coisa incestuosa! Por quê? Ou simplesmente está
com ciúmes porque consegui ligar-me a uma pessoa? É isso, não é? — acusou. —
Um homem não chega para satisfazê-la.
Cega por sua raiva incandescente, Jordanna não viu a mão que a atingiu. A
bofetada forte virou-lhe a cabeça e trouxe-lhe lágrimas aos olhos. Arregalou-os para
controlar as lágrimas, e fitou a mãe, orgulhosa e friamente desafiadora.
— Jamais fale comigo desse jeito — ordenou Olivia, com voz trêmula.
— Eu tinha doze anos de idade quando finalmente me dei conta de que todos
os seus amigos eram na verdade seus amantes. Sei que é uma coisa que ninguém
devia mencionar. É o segredo sujo da família — disse Jordanna, com desprezo.
Mas todos sabemos, Kit, papai, eu, Tessa e todos os criados, provavelmente todos
os nossos amigos, também. Jamais compreenderei por que trata papai desse jeito,
ou por que ele permite que você o continue magoando!
— Há dois lados para cada moeda, Jordanna. — A mulher morena recobrara
sua pose. As feições inexpressivas pareciam uma porcelana fina e lisa, exceto pela
marca vermelha na face. Seu olhar de jade passou para além de Jordanna. — Pode
trazer o café, Tessa, e pare de fazer essa cara chocada. — Na sua voz seca havia
um certo grau de cansaço. — Já assistiu antes às nossas briguinhas de família.
— Sim, senhora. — A empregada uniformizada adiantou-se como se pisasse
em ovos, e pousou a bandeja com a baixela de café numa mesa folheada a ouro.
Ficou parada junto dela. — É só?
— Sim. — Com um gesto dos dedos cheios de anéis, Olivia mandou que ela
se retirasse da sala, ordem que foi obedecida alegremente. Sentada numa poltrona
adamascada, começou a servir o café. — Seria uma novidade se você visse a
situação do meu ponto de vista, Jordanna.
— Você se fez de mártir durante tanto tempo, Livvie, que está finalmente
começando a acreditar na própria imagem.
— Você não tem ideia do que seja a solidão. — Entregou a Jordanna uma
xícara e um pires frágeis, num delicado padrão de rosa. — Pelo menos, Christopher
compreende.
— Ele sempre foi o seu preferido — declarou ela, sem ciúme. — Desde que
me entendo por gente, sempre se devotou a ele. Fez dele o que queria, e usou-o
para atingir papai. Sabia o quanto ele queria um filho, e virou Kit contra ele. Todo
pai sonha em ensinar o filho a caçar e a pescar, em mostrar-lhe como é a vida, em
treiná-lo para assumir os negócios da família.
— É isso o que você tem feito esse tempo todo, Jordanna? Tentando
desempenhar o papel de filho para seu pai? — perguntou Olivia, desafiadora, numa
voz açucarada.
— Não. — A jovem mulher largou, abruptamente, a xícara e o pires na mesa.
Não confiava neles nas próprias mãos. O ímpeto de jogar o conteúdo fumegante em
cima da mãe era grande demais. Cedera à cólera anteriormente, e resolvera não
fazê-lo de novo. — Não estou tentando ser como um filho. Sou uma mulher. Pareço
mulher, ajo como mulher, penso como mulher. Simplesmente porque curto esportes
e caçada, isso não me torna menos mulher. Não sou o filho substituto dele. Sou
amiga dele, um dos poucos amigos que ele tem, graças à maneira como você o
corneou na frente dos outros.
Quando Jordanna começou a atravessar a sala, a mãe quis saber:
— Aonde vai?
— Para o meu quarto — respondeu, sem hesitar um passo. — A atmosfera
aqui ficou nauseante.
— Compreende o que eu quis dizer antes, Jordanna? — A pergunta a
acompanhou. — Estou sempre sendo deixada sozinha.
Seu quarto vazio oferecia um frio consolo. A consequência daquelas cenas era
sempre a mesma. Os nervos dela ficavam à flor da pele, seu estômago parecia
cheio de nós de tensão. Jordanna andava de lá para cá, sobre o tapete oriental em
tons bege, verde e azul, como uma tigresa enjaulada.
Despindo a saia, vestiu uma calça de cetim vermelho e prendeu um lenço na
cintura. Enfiou a alça dourada da minúscula bolsa de noite no braço e saiu do
quarto e do apartamento.
Lá fora o ar estava pegajoso, as calçadas guardando o calor do dia para se
misturar à umidade da noite. O porteiro chamou-lhe um táxi. Deu-lhe uma gorjeta,
enquanto entrava no banco de trás do veículo. Jordanna forneceu ao motorista o
endereço de um clube que freqüentava quando estava em Nova York, e recostou-se
no banco, mordiscando a unha.
Sozinha, ficou parada logo depois, à porta de entrada do clube. A música era
alta; as luzes, pulsantes, perturbadoras. O lugar estava lotado, toda aquela zoeira
dando-lhe nos nervos. Jordanna desejava não ter vindo, mas já que estava ali
dirigiu-se para o bar.
Antes de chegar ao seu destino convidaram-na a se reunir a um grupo que
podia ser chamado, de uma maneira superficial, de amigos. Era a turma que
freqüentava regularmente o clube. Jordanna conhecia a maior parte dos que
ocupavam as duas mesas. Retribuiu-lhes os cumprimentos, sem conseguir
entender os nomes dos dois que não conhecia, por causa do barulho da música,
das vozes e das risadas.
Alguém lhe trouxe um drinque, que acalmou momentaneamente seus
terminais nervosos. Bebeu mais, buscando um alívio para a tensão que tanto a
incomodava. Dançou, riu, e não fez objeções quando alguém flertou com ela, mas
não conseguiu afastar o sentimento de alienação. Foi isso, mais do que qualquer
outra coisa, que fez com que se retirasse depois de passar ali pouco mais de uma
hora.
O anúncio de sua partida trouxe várias ofertas para acompanhá-la a casa, mas
Jordanna as recusou, sabendo que sua aceitação significaria dar uma paradinha
pelo caminho. Não chegara aos vinte e quatro anos sem ter descoberto que o seu
desejo era despertado tão facilmente quanto sua cólera. Nem precisava gostar do
homem que estivesse beijando, para obter uma certa satisfação da experiência.
Bastava fechar os olhos. Mais cedo ou mais tarde, porém, tinha que abri-los, e
raramente gostava do que via.
Aquilo não era resposta para sua solidão, nem resolveria os seus problemas.
Os braços masculinos ofereciam apenas um esquecimento temporário, e ela
ansiava por algo mais. Um quarto vazio parecia-lhe melhor do que uma paixão
vazia. Do lado de fora do clube, fez sinal para um táxi, e voltou para casa sozinha.
Capítulo IV
Capítulo V
Max estava esperando no saguão, quando Brig saltou do elevador. Brig não se
deu ao trabalho de proferir as amenidades de praxe num encontro. Seu olhar
abrangeu o primo e a área à sua volta.
— Onde está sua mulher? Não vai levá-la à festa? — Brig estava irritado, e
descontava em Max. Vestindo um terno marrom-claro e gravata, deixara o chapéu
no quarto do hotel. Sentia-se nu sem ele, porém chamava menos atenção.
— Charlotte e eu nos divorciamos há cinco anos, pouco depois que as
crianças ficaram adultas. Pensei que você soubesse. — Max começou a dirigir-se
para a entrada. — Vamos pegar um táxi.
— Imagino que ela finalmente tenha se cansado de ver você passá-la para
trás o tempo todo. — Brig tinha consciência de que estava implicando com Max,
cutucando-o deliberadamente, e usando-o como bode expiatório para a decisão que
o estava comendo por dentro. Mas não parecia poder conter-se. — Sempre me
perguntei se o único jeito de você curtir sexo é fazê-lo chifrando alguém.
— Qualquer outro que não eu lhe daria um soco no nariz, Brig. — Max
controlou-se, embora seu pescoço estivesse ficando vermelho.
— Qualquer outro tentaria — concordou, com um sorriso irônico. — Estou
surpreso de que não tenha se casado outra vez, Max.
— Para falar a verdade, estou seriamente interessado em uma pessoa, mas
não estou disposto a falar nela com você, e sujeitar seu nome aos seus
comentários insultantes! — Do lado de fora das portas giratórias, Max fez sinal ao
porteiro, pedindo um táxi. Imediatamente, um encostou ao meio-fio, e os dois
homens entraram no banco de trás. — Já resolveu qual a resposta que vai dar a
Fletcher?
— Já — respondeu Brig, e um músculo se contraiu ao longo do seu maxilar.
— Vai guardar segredo? — Max lançou-lhe um olhar de esguelha que parecia
demonstrar que ele encontrara a jugular.
— Vou guiar e preparar sua caçada.
Uma auto-satisfação presunçosa estampou-se nos cantos aprofundados da
boca de Max e nos olhos azul-brilhantes.
— É reconfortante saber que todo mundo tem um preço, Brig... especialmente
você.
— Mas não tive que me vender a você, Max — lembrou Brig, com a bílis
subindo-lhe à garganta. — Não tenho que me envolver no seu plano escuso para
largar a companhia nas mãos de algum otário rico, antes que ela entre pelo cano.
— Mas ainda posso vender as minhas ações. E Fletcher ainda está
interessado nelas. Mesmo se perder grana com a transação, ela não lhe fará falta.
— Você odeia Smith, não é? — indagou Brig, fitando-o.
Max Sanger desviou os olhos.
— Ele tem uma coisa que eu quero.
— Exatamente como o velho: você vai consegui-la, mesmo que tenha que
mentir, trapacear ou roubar para isso — falou Brig, com voz cheia de desprezo.
— Vou ter a minha chance. Não vou soçobrar.
Sujeitos como Max geralmente não soçobravam, pensou Brig. Eram os
homens honestos, que davam duro, que perdiam tudo aquilo por que haviam
trabalhado a vida inteira. Não era justo. Mas a vida geralmente não o era. Era o
caso dele. Cedera nos seus princípios para salvar a fazenda. Talvez desprezasse
tanto Max porque via nele uma ampliação de uma de suas próprias falhas. Ouvira
dizer que os defeitos que a gente descobre nos outros são aqueles que se acham
em si próprio.
O táxi parou no endereço dado por Max. Brig saltou e esperou na calçada.
— Qual é o andar?
— O de cobertura, que outro poderia ser?
Brig perguntava-se por que viera. Por que simplesmente não telefonara? Não
estava com disposição para porra de festa nenhuma. Os detalhes podiam ter sido
acertados por telefone. Contudo, era tarde demais. Estava ali, preso ao curso da
ação. Quem sabe seria aquele o modo de Fletcher Smith fazer com que ele
saltasse, quando assobiava. A perspectiva não agradava a Brig.
A festa estava a todo o vapor, quando os dois chegaram à cobertura. A porta
entalhada não conseguia abafar todos os ruídos de risos e vozes que vinham de
dentro. Max apertou a campainha. Dali a segundos, a porta foi aberta por um
homem com o traje preto de mordomo. Max deu-lhe os seus nomes, que foram
discretamente verificados numa lista, antes de eles serem conduzidos pelo saguão
até a sala.
Uma massa de gente já lotava a sala, sentada, de pé, conversando, rindo,
comendo e bebendo. Um garçom apareceu ao lado de Brig e ofereceu-lhe
champanha da bandeja cheia que trazia. A última vez em que Brig tomara
champanha, ainda vivia na casa do avô. Pegou uma taça, e Max pediu um martini.
Brig sorveu o vinho borbulhante. Depois, arqueou uma sobrancelha, surpreso.
— Está gostando do champanha, sr. McCord? — Fletcher Smith parou diante
dele, sorrindo de leve.
— É excelente — replicou Brig, examinando o copo, notando a cor e a
efervescência natural.
— Fala como um conhecedor — disse Fletcher, encarando-o com a cabeça
inclinada para o lado.
— Meu avô se orgulhava de saber distinguir entre um bom vinho e um que
fosse meramente aceitável. Não acreditava em contentar-se com o último, se podia
ter o primeiro. Provar vinhos fez parte da minha educação. Meu avô considerava
isso um conhecimento essencial. — Um dos cantos de sua boca curvou-se para
dentro do bigode escuro. — Eu o considerava apenas um meio de ficar bêbado.
— É evidente que adquiriu alguma perícia — comentou Fletcher.
— Há pessoas que são peritas em jogar dominó — disse Brig, fazendo pouco-
caso da idéia de que conhecer a diferença entre um vinho bom e um ruim não era
senão esnobismo.
— Que bom que pôde vir à festa, sr. McCord — falou Fletcher, estendendo a
mão num cumprimento adiado até aquele momento. Depois, virou-se para Max. —
Sabia que viria, Max, mas não tinha tanta certeza quanto a seu primo.
— Não tinha? — Brig ainda estava cheio daquela irritação que lhe deixava a
voz cortante. — Sabe que me fez uma oferta irrecusável, se me perdoa o lugar-
comum.
— Foi? — Seus olhos castanhos se dilataram de falsa surpresa. — Espero
que isso queira dizer que não vai recusar.
— Não vou. Vou aceitar sua oferta — admitiu Brig, um tanto formalmente.
— Ótimo. — Fletcher enfiou a mão no bolso do paletó e tirou um envelope.
Entregou-o a Brig. — Eis aí um sinal e uma declaração geral dos termos discutidos.
Pode entrar em contato comigo cerca de uma semana depois de ter acertado uma
data conveniente. Nesse meio tempo, quem sabe eu possa convencer Max a ir
conosco.
Brig não se deu ao trabalho de abrir o envelope, e enfiou-o no bolso do paletó.
Fervia de irritação. Por que viera àquela festa? Não teria sido necessário, a não ser
que o homem quisesse vangloriar-se do seu momento de triunfo.
— A caçada parece fascinante — comentou Max. — Nunca estive antes no
oeste. — Imediatamente, apressou-se em acrescentar: — Claro que já estive na
Califórnia, e esquiei em Aspen diversas vezes, mas ali se encontram todos os luxos
imagináveis. A viagem que estão planejando me parece um tremendo desafio.
Quem sabe eu poderia ir caçar com vocês, dessa vez...
— Você não tem licença, Max. É muito tarde para obter uma. — Fletcher o
observava atenta e serenamente.
— Não estou propriamente interessado em caçar, mas sim em fazer a viagem
— retrucou. Brig adivinhava por que o primo queria ir junto. Haveria duas,
possivelmente três semanas para Max convencer Fletcher Smith a comprar suas
ações. Teria uma plateia cativa para o seu papo de vendedor.
— As montanhas iriam matá-lo, Max — afirmou Brig. O homem não estava em
forma para a estafante viagem à região alta onde se encontravam os carneiros.
— É daqui a quase dois meses. Tenho tempo para me preparar. — Max
pareceu não estar preocupado com a advertência de Brig, enquanto olhava para
Fletcher. — Por falar nisso, poderíamos nos exercitar juntos no clube.
— É verdade. Não tinha pensado nisso — concordou Fletcher, e sorriu. — Não
consigo pensar em nenhum motivo pelo qual você não nos possa fazer companhia;
você pode, McCord?
— Posso pensar em dois — replicou Brig, num tom sombrio e seco.
— Não se preocupe, primo. Pago a minha parte — disse Max, rindo, como se
Brig estivesse pilheriando.
— Dão-me licença um minuto, sim? — pediu Fletcher. — Minha mulher está
ali. Gostaria que a conhecesse, McCord. Vou ver se ela me dá alguns minutos.
Enquanto ele se afastava no meio dos convidados, Brig dardejou um olhar
irritado ao homem a seu lado.
— Você não vai nessa viagem, Max.
— O homem acaba de me convidar. Você ouviu o que ele disse. — Balançou-
se nos calcanhares, de satisfação. Seu cabelo preto e crespo tinha reflexos
prateados à luz do lustre do teto.
— Não vou tomar parte em seus planos — advertiu Brig. — Se tentar ir junto,
devolvo o dinheiro, e ele que vá procurar outro para levá-lo.
— Não devolve, não. Você precisa do dinheiro. — O olhar dele zombava da
impotente ameaça de Brig.
Brig praguejou intimamente porque sabia que era verdade, mas tentou blefar.
— Mas não preciso de você. Meu acordo com Fletcher Smith era para uma
expedição de duas pessoas, e farei com que o cumpra.
— Tente me atrapalhar, Brig, e bagunço seu contrato com Fletcher. E se acha
que não posso, é só tentar — desafiou Max. — Não tenho nada a perder. Mas você
tem. Seja esperto e lembre-se disso.
Será que Max poderia criar desconfiança suficiente para fazer Fletcher recuar?
Brig não sabia, e não podia arriscar-se a descobrir. Seria como esfregar sal numa
ferida aberta.
— Se você for, Max, vai pagar. E vou querer o pagamento em espécie, no dia
da sua chegada. Não haverá crédito.
— Não o preocupa que o meu dinheiro esteja manchado? — debochou Max.
— Sei que está. Mas não vou desperdiçar dinheiro bom para alimentá-lo, ou
dar-lhe meio de transporte e um lugar para dormir. — Brig estava encurralado, mas
ainda podia rosnar. — Vá em frente, e passe sua cantada em Smith, mas não
mencione meu nome nem tente me incluir em suas transas.
— Nós nos compreendemos — concordou Max, com auto-satisfação polida.
— E é melhor ficar em forma para a viagem, porque, se ficar para trás, eu o
abandono. É uma grande extensão de terra. Talvez eu não consiga encontrá-lo de
novo. — O champanha ficara choco. Brig entregou a taça semicheia a um garçom
que passava e pediu um uísque com gelo. Precisava de alguma coisa mais forte.
— Não vai me perder, a não ser que perca Fletcher. — Max sorveu o martini,
disfarçando as palavras seguintes com o copo. — Por falar no diabo, aí vem ele
agora, com a mulher.
Brig olhou na direção em que Max olhava e viu o homem alto e grisalho
acompanhando uma morena miúda pelo meio da multidão de convidados. Era uma
mulher impressionante, com olhos verdes e vívidos, cuja cor era intensificada pelo
vestido verde-esmeralda que usava. Brig levou um segundo para perceber que os
cabelos negros tinham sido naturais, no passado, mas que agora seu brilho de
ébano era conseguido pela aplicação habilidosa de tintura. Não viu rugas de
expressão no rosto dela. Sua pele era lisa demais. A boca apertada, com os lábios
perfeitamente delineados, dava ideia de acrimônia. Ela estava chegando aos
cinqüenta, mas se agarrava desesperadamente a uma aparência juvenil. Brig se
perguntou o que lhe custaria manter aquele corpo esguio e elegante.
Enquanto ambos se aproximavam, Brig notou que ela não olhava para o
marido uma única vez. Parecia indiferente à mão que segurava seu cotovelo. Não
havia nada da intimidade gostosa que vira entre os seus amigos fazendeiros
casados. Algo na tensão nítida entre eles fazia-o suspeitar de que o casamento fora
planejado no inferno.
Os olhos verdes deram total atenção a Max. Algo brilhava nas suas
profundezas, mal velado, insinuando um segredo. Um gato focalizando a presa,
pensou Brig. Lançou um olhar de banda ao primo. Max parecia exibir-se
ligeiramente, mas fazia isso sempre que aparecia qualquer mulher moderadamente
atraente. Quando marido e mulher pararam diante deles, Brig examinou a sra.
Smith com um interesse ocioso, que escondia sua perspicácia.
— Creio que você e Max já se conhecem, Livvie — disse Fletcher Smith
cortesmente.
— Sim, já — admitiu ela, estendendo a mão para Max. — Que bom que pôde
vir, Max. Como vai?
— Muito melhor, agora que a vi de novo, Livvie. — Ele era todo charme e
finura. — Está ainda mais bonita do que da última vez em que a vi.
— Sempre lisonjeiro, Max. — Ela riu, mas Brig notou o débil rubor rosado que
parecia fazê-la brilhar, radiosa. Assombrou-se com a credulidade das mulheres
mais velhas. Ou talvez fosse desespero. — E eu o adoro por isso.
— Se eu pudesse acreditar! — retrucou Max, com pesar simulado. Olhando
para o lado, disse: — Quero que conheça meu primo, Brig McCord.
— Como vai, sra. Smith? — Sentiu que os dedos dela hesitavam ante a
aspereza de sua mão. Brig duvidava de que ela já tivesse tido contato com
calosidades antes.
— Livvie para os amigos — corrigiu ela, sem demonstrar de qualquer outra
forma sua rejeição ao toque dele.
Ele podia ter dado uma resposta charmosa, igual a qualquer outra dada por
Max, mas os seus anos de curvaturas e reverências tinham terminado há muito
tempo. Brig simplesmente inclinou a cabeça, numa aquiescência muda. Não estava
interessado em impressioná-la.
Quando Max terminou as apresentações, Fletcher falou:
— McCord concordou em ser guia da minha caçada aos carneiros monteses
nesse outono, Livvie.
— É? — Ela não demonstrou o menor interesse na comunicação.
— Sim. Ele é dono de uma fazenda em Idaho — continuou o marido.
— Que interessante! — comentou Olivia, sorrindo cortesmente para Brig.
Sua falta de entusiasmo não o surpreendia. Ela era uma gata de olhos verdes
que se reclinava em almofadas de veludo e tomava creme numa tigela de prata de
lei. Novamente ficou impressionado ao ver como o casal não combinava, o grande
caçador e a cosmopolita sofisticada.
— É um lugar agreste e lindo onde McCord tem a fazenda. Quando
conversávamos sobre a caçada, outro dia, Max ficou tão fascinado que resolveu ir
conosco.
O olhar dela virou-se, vivamente surpreso, para Max.
— Não sabia que você gostava de caçar.
— Não é pela caçada — insistiu Max. — A descrição de Fletcher e Brig de
viagem faz com que pareça uma aventura. Tenho pensado em tirar umas férias. Lá,
não posso ser encontrado pelo telefone. A idéia me fascina. Claro que isso significa
que Fletcher e eu vamos ter que passar muito tempo juntos, para eu ficar em forma.
— Acha sensato? indagou ela.
— Se está insinuando que eu possa ter um enfarte tentando ficar em forma,
não está sendo muito lisonjeira. — Max riu, e Brig franziu a testa. Achava que não
era absolutamente isso o que Olivia Smith estava insinuando, e perguntava-se por
que tinha essa impressão. — Está fazendo com que eu me sinta velho.
— Isso você nunca será, Max. — Olivia negou a possibilidade com um breve
sorriso. O garçom voltou com o uísque de Brig e parou para murmurar qualquer
coisa para a anfitriã. — Por favor, dêem-me licença — pediu ela, retirando-se.
Aproximou-se deles alguém que conhecia Max. Brig agüentou as
apresentações e a troca de amenidades, depois deixou o primo, fingindo interesse
no bufê armado na sala de jantar. Provou alguns dos minúsculos canapés e
descobriu um cantinho vazio. Apoiando o ombro na parede, tomou o uísque
devagarinho, e escutou o bate-papo ocioso à sua volta. Era tudo tão familiar, os
bons vinhos, as comidas exóticas, os convidados com roupas caras e a conversa
superficial... era como se fosse uma coisa saída de sonhos constantes. Exceto que
não era de um sonho; era saída do seu passado.
O ar estava poluído com o cheiro de fumo. Um homem corpulento próximo a
ele tirava baforadas de um charuto, enchendo a sala de nuvens de fumaça nociva.
As vozes e risadas uniam-se para formar uma algazarra sem sentido, pedaços de
frases juntavam-se para formar um amontoado confuso de conversas.
Seu olhar voltou-se para a sala de visitas, onde o primo estava entretido,
conversando com o homem que se reunira a ele. Se tivesse tomado uma decisão
diferente, Brig poderia estar na posição de Max, chefe de uma companhia nacional,
usando ternos feitos sob medida, guiando um automóvel caro, passando férias na
Europa e morando num apartamento de cobertura. Se estivesse dirigindo a Sanger
Corporation, Brig duvidava que ela tivesse sofrido os reveses que sofrera nas mãos
do primo. Ou será que isso era apenas convencimento dele? Bastava ver a
confusão em que se metera com a fazenda.
Diabos! Brig tomou um bom gole do uísque e fez uma careta ante o gosto.
Rodando o copo nas mãos, fez os cubos de gelo baterem dos lados. Seu olhar
impaciente varreu as duas salas ricamente mobiliadas, inspecionando-as. Era um
vivo contraste com a casa da fazenda, de toros de madeira, que ele e Tandy Barnes
tinham construído com as próprias mãos. Tudo aquilo poderia ter sido seu,
percebeu Brig. E era um alívio saber que não o desejava.
Quando ergueu o copo à boca para tomar outro gole, viu a mulher de cabelos
castanho-avermelhados emoldurada pelo arco da sala de jantar. Seu copo ficou
parado a um centímetro da boca. Por um instante atordoado, Brig não podia
acreditar que fosse a mesma mulher, aquela que vira com Fletcher Smith no hotel.
Mas era. Baixou o copo e fitou-a. Ela tivera a coragem de vir à festa dada pelo
amante e pela mulher. Um olhar a seu porte sereno e altivo, e Brig se deu conta de
que era o tipo capaz de tal audácia.
Percorreu-a com os olhos, da cabeça aos pés. Seu vestido preto era sexy,
sem ser vulgar. Sem dúvida revelava mais do seu corpo do que a blusa e a calça
que usava no outro dia. Seu corpo era impecável, nem exageradamente
arredondado, nem exageradamente esguio. Os seios caberiam gostosamente nas
palmas das mãos dele. Brig teve consciência de uma coceira nas palmas das mãos,
querendo fazer exatamente aquilo. Deus sabia que o decote cavado do vestido
convidava a um tal desejo. Ergueu os olhos para os cabelos castanhos dela, com
seus reflexos de fogo. Sua cor fazia-lhe lembrar um cavalo alazão cheio de vida que
possuía.
Um movimento chamou-lhe a atenção para o rapaz a seu lado. Alto e de
cabelos escuros, parecendo um Apolo, o homem lembrava a Brig alguém, mas não
perdeu tempo imaginando quem fosse. Sua mente registrava o fato de que a mulher
não viera sozinha, mas com um acompanhante. Ficou pensando quem teria
escolhido o homem, Fletcher Smith ou a mulher.
A pergunta mal fora formulada, quando uma loura atraente se juntou ao par.
Efusiva e sentimental, era óbvio que a loura fizera uso liberal dos serviços do bar.
Depois de um ligeiro cumprimento à moça de cabelos avermelhados, ignorou-a e
dedicou sua atenção ao homem, agarrando seu braço e apertando-se contra ele.
Brig notou a maneira indulgente, porém indiferente, com que o homem encarou as
atenções da loura. Sua boca subitamente retorceu-se num sorriso, quando Brig se
deu conta de que a ruiva não poderia ter um acompanhante mais inofensivo. Seu
belo par não se interessava pelo sexo feminino.
Ingerindo o conteúdo do copo, Brig desencostou-se da parede, pretendendo
voltar a enchê-lo no bar da sala de jantar. Quando se adiantou, viu a anfitriã se
aproximando.
— Max o abandonou? — indagou Olivia Smith, numa voz educada que era
puro mel.
— Está na outra sala, conversando com alguns amigos.
Os olhos verdes repararam no copo vazio na mão dele.
— Aceita mais um drinque, sr. McCord?
— Estava me dirigindo para o bar — admitiu.
Ela fez sinal para um garçom que caminhava por entre os grupos dispersos e
tirou o copo das mãos de Brig, dando-o para ele.
— Outra bebida para este senhor — ordenou, lançando um olhar indagador
para Brig.
— Uísque com gelo.
O garçom acenou com a cabeça, ao ouvir a resposta, e se dirigiu para o bar.
— Quanto tempo vai demorar em Nova York, sr. McCord? — Olivia Smith
estava junto dele. A fragrância enjoativa do seu perfume era quase estonteante.
— Parto pela manhã — respondeu Brig, acendendo um cigarro, para encher o
nariz e os pulmões com o cheiro do tabaco.
— Tão cedo? Quanto tempo passou aqui? — As perguntas eram corteses,
uma tentativa obsequiosa de puxar conversa com um convidado.
— Dois dias. — Brig não tinha mais interesse em conversar com ela do que
ela com ele. O garçom voltou com a bebida, oferecendo um meio de fuga. — Não
vou prendê-la, sra. Smith. Sei que é dever da anfitriã circular entre os convidados.
— Deixe-me apresentá-lo aos Fennimores. — Ela enfiou a mão pelo braço
dele, e Brig foi obrigado a acompanhá-la, para não ser desnecessariamente
grosseiro.
O movimento fora puramente instintivo. A corrente de ouro era fina e forte. Brig
deu-se conta de que, com mais uma torção, funcionaria como um garrote
satisfatório. Como estava, conseguia o seu objetivo de mantê-la imóvel, sem se
debater. Notou os elos finos de ouro esticados no pescoço dela, e tomou cuidado
para não exercer mais pressão e machucar-lhe a pele.
Porra, mas ela tinha uma pele linda. Será que o resto do seu corpo era do
mesmo marfim macio que via? Brig não culpava Fletcher por fazer dela sua
propriedade particular, sua amante. Não esperara que sua beleza impecável se
saísse galhardamente ante um exame mais acurado.
Olhou-a nos olhos. Ela estava desconfiada, insegura do que esperar dele, mas
não parecia ter medo. Tinha coragem... e seu próprio tipo de força. Brig pensou nas
outras mulheres com quem trepara nos últimos vinte anos, e percebeu que ela era
mais mulher do que todas. Mas sabia o que ela era, e aquilo o deixava irritado.
Baixou o olhar para os lábios dela, e sentiu que precisava prová-los. Sua boca
os cobriu. Estavam frescos ao toque, não estavam aquecidos pelos beijos que
tinham vindo antes do dele. Mas eram macios, muito macios. Brig largou a corrente
de ouro e segurou-a pelo pescoço, para manter imóvel a cabeça dela.
A cruz de jade voltou para o seu ninho no vale entre os seios dela, quando a
corrente foi largada. Jordanna sentiu seu frescor mais uma vez, de encontro à pele
cálida. Não resistiu à mão firme que envolveu seu pescoço. Ficou passiva ante o
beijo dele, mas a persuasão suave da boca daquele homem estava dissolvendo aos
poucos tal passividade. Os pêlos macios do bigode excitavam-lhe a pele, enquanto
os lábios quentes e másculos cortejavam os dela, explorando cada curva e
cavidade com naturalidade e segurança. A pulsação do seu pescoço latejava contra
o dedo dele, revelando o bater rápido do seu coração. De livre e espontânea
vontade, seus lábios começaram a grudar-se aos dele.
Vagarosamente, ele ergueu a cabeça. Os olhos dela estavam dilatados e
levemente intrigados. Na sua expressão, havia uma pergunta velada que Jordanna
era orgulhosa demais para fazer. O rosto dele era inexpressivo. Sem dizer palavra,
ele tirou os copos da mão dela e pousou-os na escrivaninha.
Quando ficou de frente para ela de novo, não fez nenhuma tentativa de tomá-
la nos braços, nem colocou distância entre eles. Aquilo era opção dela. Estava-lhe
sendo dada a oportunidade de ir embora antes que ele a seduzisse. Mas Jordanna
estava ainda mais firmemente intrigada por esse estranho, que não era como
nenhum homem que conhecera.
Ele estendeu a mão para acariciar o brilho de mogno dos cabelos dela,
afastados do rosto por uma travessa.
— Tem lindos cabelos. — Era uma simples observação, não um elogio
destinado a lisonjeá-la.
Não havia necessidade de resposta, e Jordanna não deu nenhuma. Continuou
a fitá-lo com um olhar firme, embora seu coração estivesse disparado. Ele pousou
as mãos de cada lado do seu pescoço para puxá-la mais para perto, depois moveu-
as para fazer escorregar as alças do vestido dos ombros dela e acariciar de leve os
seus braços. Ela baixou os cílios trêmulos. O toque dele lembrava-lhe a aspereza
gostosa de uma língua de gato.
O hálito dele queimou-lhe os lábios um momento antes de sua boca cobri-los
num beijo longo e inebriante. Soltando-se das alças do vestido, ela deixou suas
mãos explorarem as tiras de aço flexíveis dos braços dele. Teve consciência dos
seus seios dilatando-se para encher as mãos grandes cujas palmas os seguravam.
Sentiu o sabor do uísque na língua dele, a nicotina nos seus lábios, saboreou o seu
gosto másculo.
Com o polegar ele traçava círculos lentos em volta do bico rosado do seio
dela, transformando-o num botão erótico. A fraqueza que acometera as pernas dela
anteriormente voltou com força triplicada, e Jordanna oscilou de encontro a ele, que
prazerosamente a moldou ao seu corpo. O calor que emanava de sua carne rija
espalhou-se rapidamente pela dela, numa sensação debilitante.
Abrindo uma trilha de fogo dourado, a boca dele acompanhou a curva do
maxilar dela até a cavidade sob sua orelha, descendo pela coluna macia do seu
pescoço até a base da garganta. Sua cabeça inclinava-se para trás para dar-lhe
maior acesso à área que mais agradasse a ele, enquanto Jordanna tremia de
desejo.
Essa paixão quente e langorosa era algo que jamais experimentara antes.
Produzia um mundo de sensações variáveis, como a lenta magia giratória de um
caleidoscópio. Cada vez que sua pele formigava sob as carícias dele, ela tinha
vontade de deter esse momento e guardá-lo para sempre, mas seu cheiro de
macho sobrepujava essa sensação com sua força intoxicante, ou então ela provava
o fogo indolente do seu beijo, esquecendo todo o resto, até que nova sensação a
dominava.
Acomodando os quadris para a arremetida dos dele, tentou aliviar a dor
latejante que a consumia aos poucos. As mãos dele estavam na parte de trás da
sua cintura. Jordanna sentia a fazenda que a envolvia ficar frouxa, enquanto o zíper
era baixado silenciosamente. Então, a força que ela previamente apenas suspeitara
existir foi-lhe revelada quando ele a levantou, deixando o vestido e a combinação
no chão, sem fazer mais esforço do que faria para levantar uma criança. Com a
mesma facilidade, tomou-a no colo. Jordanna ouviu o barulho dos seus sapatos
caindo ao chão, mas não tinha consciência de tê-los arrancado dos pés.
Envolvendo com os braços a coluna bronzeada do pescoço de Brig, deparou com a
luz franca de desejo que brilhava nos olhos dele. Ela não se desviou dos seus
olhos, nem os afrontou. Era bem mais simples do que isso. Não havia necessidade
de representar, nem o papel de virgem nem o de mulher fatal.
Levando-a até a lareira, ele deixou-a sobre o tapete de pele de urso. Quando
seus braços retiraram o apoio, Jordanna caiu de joelhos antes de esticar-se de
lado, parcialmente sustentada por um cotovelo. O pêlo felpudo do tapete de urso
roçou na sua pele nua, excitando ainda mais seus terminais nervosos, já sensíveis.
A pele do animal era um colchão primitivo, mas atendia às necessidades deles.
Ficou olhando-o despir-se. Ele tirava as roupas com simplicidade e sem
pressa, fazendo o movimento parecer natural e puro. Quando veio juntar-se a ela,
Jordanna sentiu o sangue correr mais depressa nas suas veias. Quando o calor do
corpo dele incendiou o dela, as suas mãos entraram em contato com a carne sólida
dos ombros e das costas musculosas de Brig. Enquanto o forte beijo dele sufocava
a boca de Jordanna, doce e submissa, suas mãos hábeis manipulavam respostas
em todas as áreas que tocavam.
Um aperto na boca do estômago transformou-a num nó enroscado de desejo.
Ela emitia baixinho sons lamuriantes, mas ele ignorava as suas súplicas silenciosas
para aliviar a tensão insuportável. Ninguém jamais fizera amor com ela assim, sem
pressa, como se tivessem todo o tempo do mundo.
Numa aurora gradativa de descoberta, Jordanna deu-se conta de que ele
esperava dela algo mais do que um simples recipiente para a sua satisfação.
Queria que ela desse de volta... desse de si. Nenhum homem exigira isso dela.
Essa exigência natural de um compromisso era assustadora, mas não tão
aterradora quanto o vazio negro que ameaçava engoli-la, se recusasse.
Suas reações foram cautelosas, a princípio, ganhando confiança com o
encorajamento sensual e hábil por parte dele. Ela foi arrastada para um torvelinho
de desejo alucinante. Quando ele largou o peso do corpo em cima dela, pensou que
ia afogar-se de êxtase. Ao invés disso, foi alçada cada vez mais alto, até que o
mundo pareceu explodir numa exibição ofuscante de luzes que iluminaram cada
canto do seu ser.
Quando o ardente temporal de amor passou, sua pele estava toda orvalhada
de suor. Jordanna esperou o surgimento das sombras, mas elas não conseguiram
escurecer o momento. Os cantos de sua boca se aprofundaram ligeiramente para
refletir um sorriso interior. Uma mão calosa alisou-lhe a face e afastou as mechas
de cabelo que se grudavam à sua pele úmida. Seus olhos estavam suaves e
maravilhados, quando ela os abriu para fitar o homem que a examinava em silêncio.
As feições fortes e magras tinham um ar absorto. Inclinando a cabeça, deixou
aquela boca demorar-se na dela por um instante de carinho.
— Há quanto tempo não faz amor por simples prazer? — A voz dele era baixa,
levemente arrastada na sua curiosidade.
— Eu... — Como poderia dizer "nunca"? — Eu... não sei.
Algo de sombrio perpassou pela fisionomia dele. Jordanna perguntou-se por
que sua resposta o desagradara. Admitira o quanto se sentira especial nos braços
dele. A maioria dos homens ficaria estufada de orgulho, se uma mulher lhe dissesse
isso.
Risos e vozes altas, vindos da festa, subitamente invadiram aquele momento.
Ele lhe lançou um sorriso torto de pesar, uma expressão sem emoção alguma, e
rolou para longe dela. O corpo dela sentiu-se frio, sem o calor dele a seu lado.
— Está na hora de voltarmos para a festa. — A explicação seca pairou no ar,
enquanto ele começou a se vestir.
— Sim — concordou Jordanna, sem conseguir afastar a confusão que a
estranha atitude dele lhe causara.
Tal atitude a atormentava, enquanto vestia o traje negro e puxava as alças
para os ombros. Apertando a fazenda bem junto à cintura, puxou para cima o zíper,
mas não se deu conta do colchete da parte superior. Caminhou até junto dele. Brig
já tinha enfiado a camisa para dentro da calça e estava abotoando a frente. Ela
deu-lhe as costas.
— Quer fazer o favor de fechar o colchete para mim? — Como o seu pedido
foi respondido com o silêncio, Jordanna lançou um olhar indagador por cima do
ombro. As mãos dele estavam na frente do peito, paradas no ato de abotoar a
camisa. Ante o olhar dela, ele adiantou-se para fechar-lhe o colchete, o olhar cínico
e duro.
— Seu colchete já lhe deu problemas hoje, não é? — Havia algo de
zombeteiro no comentário, enquanto os dedos roçavam a espinha dela.
Jordanna franziu a testa, até que se lembrou de que precisara da ajuda do pai
antes, quando aquele estranho provavelmente estava no terraço. Tinha se
esquecido disso. Alguém forçou a porta do escritório. A tentativa foi imediatamente
seguida de uma batida.
— Jordanna? Está aí dentro?
Ela reconheceu a voz do irmão.
— Estou, Kit. — O colchete foi fechado e o toque dele retirado da pele
sensível de sua espinha. — Obrigada — murmurou, mas ele já se afastara. Antes
que o irmão viesse bater de novo, Jordanna dirigiu-se apressada para a porta,
correndo uma mão nervosa pelos lados dos cabelos.
Quando finalmente abriu a porta, o rosto de Christopher exibia um sorriso de
preocupação e confusão.
— Procurei-a por toda parte — começou ele, e se deteve ao olhar para além
dela.
— Com licença — disse uma voz baixa, e Jordanna virou-se e deu com o
estranho alto e moreno às suas costas. Segurava o paletó enganchado num dedo e
jogado sobre o ombro. As feições queimadas de sol eram inexpressivas, ao encará-
la. — Obrigado por compartilhar a paz e a tranqüilidade... e o uísque. — Ergueu o
copo que segurava, antes de inclinar a cabeça num gesto zombeteiro e sair para o
corredor, passando por eles.
— Quem era? — perguntou o irmão.
Ela sentiu um choque ao se dar conta de que nem sabia o nome dele. Uma
risada histérica subiu-lhe à garganta. O que o irmão diria se soubesse que ela
acabara de fazer amor com um estranho completo, num glorioso abandono? E o
que era mais absurdo: cinco horas antes ela declarara que não queria mais nada
com os homens. Será que perdera o juízo? Em caso afirmativo, ela esperava que
aquela não viesse a ser a única experiência do gênero. O modo como se sentira
tinha que ser aquele a que Kit estivera se referindo. Toda essa confusão quente e
maravilhosa que perdurava dentro dela tinha que ser repetida. Ela gostaria de poder
dizer ao irmão o quanto ele estava certo, mas o relacionamento deles não era
assim tão íntimo.
— Um convidado — disse finalmente Jordanna, respondendo à pergunta dele.
— Nem chegamos a nos apresentar. — Haviam se encontrado a um nível
elementar, onde os nomes tinham sido supérfluos... até aquele momento.
— Papai falou que você estava aqui.
— Estive... me relaxando — falou, para o caso de sua aparência necessitar de
explicações.
Os olhos escuros dele varreram-lhe o rosto.
— Parece descansada... e reanimada, consideravelmente menos tensa do que
antes — admitiu, mas seus olhos pareciam sondá-la.
Jordanna não queria ser examinada assim tão atentamente. Era tudo novo
demais.
— Acho melhor eu voltar para a festa, antes que seja acusada de grosseira —
declarou ela, com uma careta simulada, mas o irmão não saiu do seu caminho.
Uma luz maliciosa brilhava-lhe nos olhos.
— É melhor calçar primeiro os sapatos.
Ante o comentário dele, os dedos descalços enroscaram-se no tapete. Um
calor constrangedor inundou-lhe a pele, enquanto ria e se virava.
— Gostaria de não ter que usá-los.
Brig largou o copo na primeira mesa que encontrou. Uma raiva sombria fervia-
lhe nas veias. O que começara como um simples beijo se transformara numa fome
que não pudera controlar. Não apenas seu apetite fora saciado, mas também tivera
a satisfação de saber que ela curtira a experiência. Ainda podia sentir a maciez lisa
do corpo dela contra o seu, a sensação perdurando. Porra, mas ela fora uma
mulher e tanto quando o muro das suas inibições finalmente desmoronara. Ele
ficara surpreso com a barreira invisível, e resolvido a tê-la integralmente, ou a não
tê-la.
Alguém esbarrou no ombro dele, rompendo o fio de seus devaneios. Brig
lançou um olhar pela sala lotada. Na outra extremidade, viu Fletcher Smith, e virou-
se na direção oposta, odiando-se por isso. Max estava a seis metros de distância,
parte de um grupo compacto.
Um nojo de si mesmo cresceu dentro de Brig. Pouco antes, encarara o flerte
do primo com Olivia Smith com desprezo cortante. Tivera asco de um homem que
podia tomar o dinheiro de outro homem e a sua mulher. Mas fora exatamente o que
fizera.
Passadas longas e impacientes levaram-no para junto de Max.
— Vou embora — anunciou Brig, secamente.
— Já? — perguntou o primo, franzindo a testa.
— Diga a Smith que entrarei em contato com ele — falou Brig, dirigindo-se
para o saguão.
— Diga você mesmo. Ele está logo ali — falou Max.
Porém Brig não deu resposta. Já estava a meio caminho da porta. Não
gostava muito de si próprio, no momento... nem do que tinha feito, nem do fato de
ter tido tanto prazer em fazê-lo.
Quando Jordanna voltou para a festa com o irmão, procurou o estranho, mas
não havia sinal dele. Depois de quase uma hora de busca discreta, finalmente
admitiu que ele tinha ido embora. A identidade dele era um mistério para ela, que
desejava solucioná-lo. Queria vê-lo de novo, para descobrir se aquela maravilha
selvagem que sentira com ele fora apenas ilusão.
No dia seguinte, uma companhia de limpeza foi ao apartamento para colocá-lo
em ordem. Estavam passando o aspirador na sala de visitas, e Jordanna dirigiu-se
à sala de jantar, onde a mãe supervisionava a arrumação de suas baixelas.
— Livvie — Jordanna começou a pergunta de modo hesitante, desejando
parecer apenas ligeiramente interessada —, ontem à noite, na festa, quem era
aquele homem com quem eu a vi conversando?
A mãe se enrijeceu, o olhar cortante e desconfiado.
— Falei com todos os que compareceram. Precisará ser mais específica,
Jordanna.
A resposta breve escondia outra coisa. Culpa? Uma onda de choque sacudiu
Jordanna. E se aquele homem fosse um dos amantes da mãe? Essa possibilidade
retorceu seu estômago numa agitação de repulsa.
— Deixe para lá. — Não queria mais saber quem era ele. Era melhor que não
descobrisse. Saiu às pressas da sala, deixando a mãe, confusa, fitando sua figura.
Sozinha, Jordanna ficou tentando convencer-se de que ele não era o tipo da
mãe. Mas o que sabia sobre o tipo de homem que a mãe achava atraente? Não era
possível, insistia. Mas a pergunta permanecia, não importava o quanto tentasse
ignorá-la.
Capítulo VII
Brig bateu a porta do furgão e olhou para as provisões que ocupavam a parte
traseira. Ignorando o fato de que já deveria estar na estrada, voltou para a fazenda
e subiu a trilha de concreto quebrado que já fora uma calçada, batendo à porta. A
casa pequena era velha e precisava muito de uma demão de tinta. O senhorio
dissera a Trudie que, se a pintasse, teria que aumentar o aluguel.
A porta se abriu, e o olhar dele se desviou da tinta descascada das paredes
externas da casa para a mulher loura atrás da porta de tela.
— Brig? — A voz espantada revelava sua surpresa. Ficou imediatamente
nervosa, erguendo a mão para afofar os cabelos e tocar os lábios sem batom.
— Posso entrar? — Sentia-se duro e frio, mas a dor pétrea dentro de si o
impulsionava.
— Claro. — Destrancou a porta de tela para que ele entrasse, e fechou a
frente do vestido de andar em casa. — Devo estar um lixo. Pegue uma cerveja na
geladeira, enquanto me pinto um pouco.
A mão dele agarrou-lhe o pulso.
— Deixe para lá. — Brig tomou-a nos braços e esmagou-lhe os lábios com os
seus. Detestou senti-los secos, quando sua boca ansiava pelo toque de uma boca
macia.
Tomou-a no colo e carregou-a pela sala pequena e pelo corredor estreito. A
porta do quarto estava fechada, e ele a abriu com um chute. A cama estava
desfeita, havia roupas espalhadas pelo chão. Quando ele a pousou no chão, Trudie
correu a recolhê-las.
— Desculpe a bagunça. Não estava esperando ninguém.
— Não se incomode. — Já desabotoara a camisa e estava puxando-a para
fora da calça. A atitude servil dela dava-lhe nos nervos, quando sua mente
guardava uma lembrança de orgulho com uma ponta de arrogância. — E tire esse
robe.
Parte dois
A caçada
Capítulo VIII
Capítulo IX
Abalada pelo encontro com o homem que não esperava achar ali no longínquo
Idaho, Jordanna virou-se para o pai. Discutira com ele para que a caçada fosse
realizada conforme o planejado, mas a idéia de passar duas ou três semanas com
Brig McCord, dada a má opinião que tinha dela, era desanimadora demais. Quando
abriu a boca para objetar, o pai lançou-lhe um olhar severo e silenciador. Qualquer
discussão teria que ser realizada quando estivessem a sós, não com outras
pessoas prestando atenção. Jordanna ficou calada, tentando conter suas emoções
em tumulto. Caminhou com passos rígidos até os dois empregados, que estavam
separando o equipamento.
— Esses são meus — disse, identificando o que lhe pertencia.
Enquanto Jordanna apanhava a pequena mala, o pastor basco juntava o resto
de suas coisas.
— Vou lhe mostrar onde vai dormir, srta. Smith — disse o homem, com um
aceno simpático de cabeça.
O pai, o irmão e Max subiram as escadas atrás de Tandy, enquanto ela
atravessava a sala com Jocko, na direção da porta simples, de madeira, que dava
para um quarto de dormir. O interior monástico continha uma cômoda, uma cadeira
tosca, uma mesinha-de-cabeceira e uma cama coberta com pesado edredom. A
cama era mais larga do que uma de solteiro, mas não chegava a ser de casal. A
austeridade do quarto parecia combinar com o homem que dormia nele. Jordanna
se imaginara deitada ao lado dele tantas vezes, ultimamente, que não podia deixar
de ficar perturbada à idéia de dormir na sua cama. Era desconcertante descobrir
que pensar nas carícias dele ainda podia excitá-la, mesmo quando estava irritada
com sua atitude.
O pastor notou que ela estreitava os lábios e adivinhou o motivo.
— Precisa desculpar a grosseria de Brig, srta. Smith — disse Jocko, com seu
ligeiro sotaque. — Não temos muito contato com mulheres finas como a senhorita.
Talvez tenha se esquecido como se trata alguém como a senhorita.
— Duvido que ele aprove esse pedido de desculpas por seu comportamento,
Jocko — replicou Jordanna, torcendo o nariz. Ele ignorou a resposta dela, e
perguntou:
— Suas acomodações são satisfatórias?
— São. — Tinha que concordar. O pastor não entenderia as suas objeções à
escolha do alojamento.
— Se desejar alguma coisa, estarei na cozinha. — E, com um ligeiro aceno de
cabeça, dirigiu-se para a porta.
— Obrigada.
Depois que ele saiu do quarto, Jordanna continuou parada no mesmo lugar. A
masculinidade pura do aposento era avassaladora. Sentia os seus efeitos na
respiração ofegante e no coração disparado. Olhou para a cama em que podiam
dormir duas pessoas bem juntinhas, e girou sobre si mesma, perturbada, dando-lhe
as costas. Jordanna descobriu que estava esfregando o pulso onde ele pusera a
mão, a sensação ainda perdurando. Enfiou as unhas nas palmas das mãos para
lutar contra a dor aguda dentro de si.
Ouviu passos na escada e saiu do quarto, deparando com o pai, que descia
antes dos outros homens. Caminhou rapidamente até a base da escada para
recebê-lo. Os olhos cor de avelã, sombrios e perturbados, transmitiam uma
mensagem silenciosa de preocupação e apreensão.
— Quero falar com você, papai — pediu Jordanna, numa voz rouca e urgente.
Ele pareceu ficar momentaneamente impaciente ante o pedido dela, mas
parou ao pé da escada para perguntar a Tandy:
— Há algum lugar onde possamos testar nossos fuzis?
— Pode ser lá nos fundos.
— Vamos precisar de alvos. Servem pratos de papelão ou latas.
— Arranjarei alguma coisa — prometeu Tandy, dirigindo-se para a cozinha. —
Encontro-o lá fora, nos fundos da casa.
— Max, importa-se de voltar e pegar o meu fuzil? — disse Fletcher, olhando
para o homem de cabelos crespos que estava parado no segundo degrau.
— Absolutamente — assegurou Max, virando-se para subir as escadas.
— O que há, Jordanna? — Foi o irmão que fez a pergunta.
— Esta situação é intolerável. — Foi ao pai que ela dirigiu a resposta. Sabe o
que é viver dia após dia numa expedição, papai, e como dá nos nervos um
desentendimento entre companheiros de caçada. A atitude do... fazendeiro para
comigo vai tornar a coisa impossível para todos nós. — Manteve a voz baixa, para
que não chegasse até os outros aposentos.
— Está exagerando — insistiu Fletcher com um sorriso indulgente que se
recusava a levá-la a sério. — Ele cometeu um erro quanto ao nosso
relacionamento... — Encolheu os ombros, mostrando sua indiferença pelo caso. —
Não há necessidade de você tomar isso como um insulto pessoal. Onde está o seu
senso de humor, Jordanna?
— Tenho que achar graça e deixar para lá, é isso? — Estava com raiva,
porque tinha lembranças que não podia esquecer com uma risada.
— Sem dúvida aliviaria a tensão por aqui, se você fingisse que foi uma
brincadeira — argumentou Fletcher.
— Não posso forçar minha imaginação a tanto. — A réplica saiu dos seus
lábios trêmulos, o tumulto interno vindo à tona com as palavras.
— O que aconteceu naquela noite, na festa? — indagou Christopher, franzindo
a testa. — Ele lhe passou uma cantada?
— Pode-se dizer que sim — admitiu Jordanna, com uma risada amargamente
suave. Virou-se para o pai, para acusar: — Se você tivesse mencionado que Brig
estava na festa... se eu tivesse suspeitado quem ele era, antes de chegarmos
aqui...
Jordanna se interrompeu. Não teria feito nenhuma diferença. Pelo contrário,
teria ficado ainda mais ansiosa por rever o homem que lhe causara uma impressão
tão profunda. Agora, frente à má opinião que ele tinha a seu respeito, a moça sentia
apenas vontade de fugir.
— Se McCord lhe passou uma cantada na última vez que se viram, é óbvio
que a achou atraente. — O pai não via por que isso deveria aumentar a dificuldade
da situação atual. — O mais provável é que ainda ache. Em vez de estourar e
tornar a situação pior, deveria usar um pouco o seu encanto, Jordanna. Ele
concordou em levá-la na caçada. Agora, faça com que ele a aprecie. — Fletcher
parou e murmurou distraidamente com seus botões. — Na verdade, isso podia
tornar tudo muito fácil.
— Fácil?!
Pareceu espantado por ter pensado em voz alta, mas apressou-se em
defender-se.
— É, fácil. Como você ressaltou, a caçada poderia tornar-se
desconfortavelmente tensa, se ele continuasse ressentido com sua presença.
Agitada, Jordanna deu as costas ao pai.
— Vamos cancelar a viagem. Ainda podemos encontrar outro fornecedor e um
guia de confiança para nos levar, pagando o bastante. Ou podemos ir numa outra
vez.
— Não. — A negativa rápida e decisiva foi seguida imediatamente por uma
mão agarrando o braço dela. Jordanna raramente vira o pai zangado, mas agora
ele estava. Tinha as narinas dilatadas e a boca apertada numa linha fina. — Iremos
agora! E com McCord! Jamais vou conseguir outro arranjo como este! Jamais
poderia ajeitar tudo tão perfeitamente, de novo!
— Como assim, "arranjo"? — quis saber Christopher. — Do que está falando,
papai?
Ele levantou a cabeça bruscamente e deparou com os olhos escuros e
penetrantes do filho, como se houvesse esquecido de que Kit estava ali.
Imediatamente, Fletcher soltou o braço de Jordanna, e as linhas duras da raiva
desapareceram de sua expressão. Jordanna ficou intrigada com a mudança rápida
de humor, que fazia lembrar um camaleão utilizando-se do colorido protetor para se
ocultar do inimigo.
— Quero dizer que jamais terei uma chance melhor para conseguir o meu
carneiro tamanho troféu. McCord está sendo meu guia exclusivo, levando-me para
uma área em que houve poucas caçadas, que conhece profundamente. O fato de
não ser um guia profissional está a meu favor, desta feita. Não vai ficar segurando
nenhum carneiro com chifres tamanho troféu para nenhum cliente preferido.
Jordanna olhou para o irmão, que parecia retraído e contemplativo. Teve a
sensação de estar sendo deixada de fora de alguma coisa importante, mas não
sabia por que tinha tal impressão.
— Mas você não ficou tão perturbado quando Brig quis cancelar a caçada —
lembrou ela, usando o nome de batismo do fazendeiro com toda a naturalidade.
— Ele falou aquilo por falar. Eu sabia que, quando se acalmasse, voltaria
atrás, quer você fosse minha filha ou minha amante.
Confusa, Jordanna não conseguia entender como o pai podia ter estado tão
confiante. A jovem acreditara piamente que Brig falara a sério. A idéia de cancelar a
caçada não fora uma ameaça vã.
— E como podia saber?
— Porque eu o comprei. Ele já recebera o sinal e conhecia a cor do meu
dinheiro. — O pai parecia tão cínico e calculista que Jordanna se sentiu magoada.
— Você o comprou? — Encarava com ceticismo a idéia de que McCord
pudesse ser comprado a qualquer preço. Era muito auto-suficiente e controlado
para isso.
— Está achando difícil de acreditar? — falou Fletcher, rindo, naquela voz
estranha. — O inverno rigoroso deixou-o arrasado. Ia perder este lugar, quando o
conheci em junho.
— Mas você não podia saber disso naquela época — protestou Jordanna.
— Não sabia. Mandei que o investigassem. Afinal, queria ter certeza de estar
lidando com uma pessoa de confiança — defendeu ele sua atitude. — Estou lhe
pagando um dinheirão por essa caçada, e mais uma bonificação apreciável, se
conseguir o meu carneiro tamanho troféu. Eu o comprei, e McCord não podia dar-se
ao luxo de cancelar o negócio.
— Por que ficou tão zangado comigo?
— Porque McCord está no meu bolso. Fará a caçada. Não gostei da sua
sugestão de cancelarmos a caçada, Jordanna. Você é minha filha. Mas não vou
cancelar essa caçada, nem mesmo por você.
— Se é tão importante para você conseguir esse carneiro tamanho troféu —
aparteou Christopher —, por que está arrastando consigo o peso morto de duas
pessoas que não são caçadores, Max e eu?
— Como podia recusar o seu pedido de vir caçar comigo, quando esperei
tanto para ouvi-lo dizer isso, Kit? — retrucou Fletcher. — Quanto a Max, não fui eu
quem o convidou. Terá que falar com McCord sobre ele. Até que prove ser um
fardo, não posso me queixar. Se e quando o for, pode ter certeza de que direi
alguma coisa.
— Fletcher? — Max apareceu no topo da escada. — Não consigo achar seu
fuzil. Não está aqui em cima.
— Não? — Fletcher ergueu uma sobrancelha, surpreso, depois olhou para a
porta da frente. Uma expressão de contrariedade perpassou por seu rosto. — Tem
razão. Não está. Está ali junto da porta. Desculpe tê-lo mandado ir procurá-lo à toa,
Max.
— Tudo bem — replicou Max, começando a descer as escadas.
— É melhor ir pegar seu fuzil, Jordanna. Tandy está lá fora esperando por nós
— lembrou-lhe o pai.
Entrando no quarto, Jordanna pegou o fuzil com sua gasta bainha e uma caixa
de munição. Voltou para a sala e saiu atrás do pai e de Max Sanger, ao lado do
irmão. Quando chegaram lá fora, retardou-se, fitando o pai com confusão e
preocupação. Christopher também ficou para trás, fazendo-lhe companhia.
— Nunca ouvi papai falar assim, Kit — admitiu Jordanna.
— Ele provavelmente nunca deixou que você lhe visse essa faceta antes.
Você é a queridinha do papai.
— O que quer dizer com isso?
— Ele sempre a protegeu do que considera as coisas desagradáveis da vida.
Levou-a a percorrer o mundo todo, Jordanna, para que seus olhos ficassem tão
ofuscados por tantas coisas diferentes que você não enxergasse o que está diante
do seu nariz. — Havia tristeza misturada ao cinismo.
— Era... mesmo o nosso pai falando?
— Um homem não acumula a fortuna e o poder que ele acumulou sem
aprender a usar e manipular as pessoas para seu benefício pessoal. Nosso pai
espera o melhor. Não aceita menos do que isso. E o fracasso é algo que não tolera.
Lutará contra ele com tanta selvageria quanto qualquer dos animais que tenha
caçado. Não desiste... de nada. Preferiria cortar fora o próprio coração.
— Não. — Jordanna rejeitava a imagem que o irmão descrevera. Ele não
discutiu, mas seu olhar dizia que sentia pena dela. — Você não conhece papai tão
bem quanto eu — insistiu ela.
Tandy estava esperando por eles junto ao depósito de lenha, nos fundos da
casa.
— Arrumei uns pratos de papelão para servirem de alvo. — Fez sinal para os
brancos objetos circulares presos a um amontoado de feno, a uns oitenta metros,
na direção oposta à do pasto.
— Está ótimo. — Fletcher balançou a cabeça, em sinal de aprovação, e lançou
um olhar para Jordanna. — Quer começar?
A porta de tela dos fundos bateu. Jordanna não precisou virar-se para saber
que Brig McCord viera para fora. Algum sentido interior avisou-a de sua presença.
Ele a deixou momentaneamente perturbada, e ela fez que não com a cabeça.
— Comece você, papai — insistiu.
Um sistema interno de radar parecia estar ligado à presença dele. Jordanna
concentrou-se em abrir a bainha do fuzil para tirar o seu .30-06. Quando Brig
McCord entrou no seu campo lateral de visão, seus nervos tremeram, mas ela se
recusou a lançar-lhe sequer um olhar. Agarrando o cabo de nogueira francesa, tirou
o fuzil e entregou a bainha de couro ao irmão.
— Alô, McCord. — O pai dela fez um cumprimento de cabeça e caminhou até
cerca de seis metros de distância de um afloramento de rochas de granito. —
Resolvemos verificar nossos fuzis depois de toda essa viagem e ajustar as alças de
mira. — Olhou para Jordanna, que carregava sua arma. — Fique com o prato da
direita.
— Tudo bem. — Ela evitou firmemente olhar para o homem alto, de ombros
largos, à sua esquerda.
O primeiro tiro do pai acertou o prato bem no centro. Os cavalos no curral
amontoaram-se, nervosos, surpresos com o tiro. Com um espaçamento tranqüilo
dos tiros, esvaziou um cartucho inteiro no disco de papelão. A precisão dos
disparos abriu uma mosca preta no centro do prato.
— Sua vez. — Fletcher deu um passo atrás para recarregar.
Jordanna moveu-se para um lugar paralelo ao do pai. Levando o fuzil ao
ombro, mirou o alvo. Cônscia de um duro par de olhos castanhos a fitá-la, firmou o
braço. O primeiro tiro passou longe do centro, traindo seu nervosismo, mas o resto
formou um amontoado no meio do prato. Baixando o cano da arma, lançou um olhar
por sobre o ombro, na direção de Brig McCord. A altivez do desafio estava na
inclinação do queixo dela.
— Está convencido de que sei atirar?
Ele se manteve descontraído, as mãos nos quadris, o olhar fito no alvo de
papelão. Vagarosamente, voltou a olhar para ela.
— Estou convencido de que sabe acertar num prato de papelão a oitenta
metros.
Fervendo de raiva, Jordanna se deu conta de que dera abertura para aquele
comentário. Devia ter ficado calada. Ficou com raiva de sua própria idiotice.
— Que belo fuzil! — comentou Max. — Posso vê-lo?
— Claro. — Dando as costas para o alvo, Jordanna passou-lhe o fuzil.
Max verificou se a arma não estava carregada antes de acariciar o liso cabo
de madeira.
— É uma beleza — repetiu, distraído. Enquanto segurava a arma ao comprido,
na sua frente, a boca da arma ficou acidentalmente apontada para Brig.
Jordanna viu um clarão de raiva apertar os lábios, do fazendeiro, quando este
deu um passo de banda para sair da linha de tiro do fuzil. Sua mão agarrou o cano
e desviou-lhe a boca para o ar.
— Ei! O quê... — começou Max, surpreso, com o fuzil quase arrancado da
mão pelo gesto súbito de Brig.
— Jamais aponte uma arma para mim — advertiu, em voz baixa e agourenta.
— Não estava carregada. Eu verifiquei — protestou Max.
— Estou me lixando se estava descarregada, com a trava de segurança, ou
desmontada! — retrucou Brig. — Jamais aponte uma arma para mim, ou juro por
Deus que desejará não tê-lo feito! — Tirou o fuzil dele e enfiou-o nas mãos de
Jordanna. — E você devia ter mais juízo e não entregar seu fuzil para um simples
amador.
— Não sou amador — abespinhou-se Max.
— Deixe isso para lá — aparteou Fletcher, dirigindo-se a Max. — Por que não
vai se sentar naquelas pedras, onde ficará fora da linha de tiro, Max? — concluiu,
levando o fuzil para mirar o alvo.
Hesitando por um instante, Max fitou com raiva a fisionomia impassível do
primo, depois dirigiu-se para o afloramento de pedras. Quando ele se sentou numa
formação saliente, Jordanna ouviu o chiado de advertência de uma cascavel.
Avistou a cobra enrolada, pronta para dar o bote no ombro de Max.
Simultaneamente, Brig gritou a ordem:
— Não se mexa, Max.
Antes que Fletcher pudesse reagir, Brig já tinha agarrado o fuzil das suas
mãos. Num movimento fluido, levou-o ao ombro e disparou. A cabeça da cobra
explodiu em fragmentos, deixando um corpo que se contorcia e se retorcia na
pedra.
Branco do choque, Max fitava os restos do réptil. Desobedecendo às
instruções de Brig, saltara da pedra ao ouvir o zumbido da cascavel. Apenas os
reflexos rápidos do primo o haviam salvo de ser mordido pelo réptil.
— Aqui é terra de cobra — anunciou Brig. — A maioria delas logo vai estar
hibernando, especialmente nas maiores elevações. Mas pode haver outras como
esta, tomando sol numa rocha, curtindo o último calorzinho antes de o frio chegar.
Fiquem de olhos abertos. — Seu olhar duro concentrou-se no pai dela. — Você
deveria tê-la visto, Fletcher. Não é você que é o caçador?
— Deveria, sim — concordou ele.
— É melhor ir para a casa, Max, e pedir a Jocko que lhe sirva uma boa dose
de uísque — aconselhou Brig.
— Acho que vou, mesmo — concordou Max, trêmulo, e dirigiu-se para a
entrada dos fundos da construção de toros.
Brig acompanhou-o com o olhar por um instante, depois foi atrás. Christopher
hesitou, olhando de Jordanna para o pai. Abrindo a boca como se quisesse dizer
alguma coisa, mudou de idéia e caminhou atrás dos outros dois.
Atordoada pela rapidez daquilo tudo, Jordanna olhou para o pai.
— Onde foi que ele aprendeu a mexer numa arma desse jeito?
O pai começou a descarregar o fuzil, mudando de idéia quanto a continuar
praticando tiro ao alvo. Olhando de esguelha, esperou que Tandy se retirasse antes
de responder à pergunta.
— McCord foi soldado profissional antes de comprar esta fazenda.
— Soldado profissional? — Ficou surpresa ante a informação. — Quer dizer
que era oficial de carreira nas forças armadas?
— Não. Era mercenário, contratado por diversos governos estrangeiros.
Jordanna lembrava-se da sensação de perigo que experimentara da primeira
vez que vira Brig. Pensou na sua frieza, no seu cinismo. Um homem que agia assim
tinha que ser duro. À sua moda, era um predador.
— Salvou a vida de Max. Se não tivesse reagido tão prontamente, a cobra o
teria atingido — disse ela.
— É. — O pai pareceu refletir. — Estou um pouco surpreso com isso.
— Por quê?
Os dois podem ser primos, mas não morrem de amores um pelo outro. — Ante
o olhar indagador da filha, Fletcher explicou: — De acordo com a informação que a
agência obteve, o velho Sanger, o fundador da companhia, deixou o grosso da sua
herança para McCord, sob certas condições. Brig recusou-se a aceitá-las para
receber a herança, e Max obteve o controle da companhia. Contudo, se Max
morrer, as condições não mais terão valor, e Brig recebe a companhia sem
qualquer problema.
— Então... — As lojas Sanger eram uma grande cadeia de lojas populares,
uma firma de muitos milhões de dólares. Se Max morresse, Brig assumiria o
controle dela, e de todo o dinheiro — ....ele tem muito a lucrar — murmurou
Jordanna.
— A companhia está indo mal, no momento, bem mal, pelo que pude
descobrir.
Jordanna sentiu-se aliviada em ouvi-lo.
— São essas as ações que Max está tentando vender para você?
— São.
— Se a companhia está indo à falência, por que você iria querer comprá-la?
Por que sequer pensaria em tal coisa?
— Porque ela tem bases sólidas. Com algum apoio financeiro e uma boa
administração, não demoraria muito para se tornar um gigante novamente.
— Você vai fornecer esse apoio financeiro?
Ele não respondeu imediatamente, ao encontrar o olhar franco da filha.
Desviou os olhos.
— Ainda não decidi. — Pôs o fuzil de volta na bainha. — Duvido que me
decida até ver todos os relatórios.
— Mas está pensando no assunto? — insistiu.
— Estou. Mas minha decisão final vai depender de uma variedade de
circunstâncias. — Sorriu de repente, a expressão distante e pensativa
abandonando-lhe a fisionomia. — Fim da discussão de negócios. Estamos numa
expedição de caça, esqueceu?
Tantas outras coisas tinham se intrometido, que ela quase se esquecera do
objetivo da viagem deles.
— Acho que sim — disse Jordanna, rindo. O brilho alegre daqueles olhos
castanhos e o sorriso fácil dele eram do homem que ela identificava como pai, não
do estranho calculista que ela vira pouco antes.
— Vamos examinar nossos alvos — sugeriu ele. — Você errou feio aquele
primeiro tiro.
— Nervosa — admitiu ela, emparelhando com ele para irem examinar os
pratos de papelão.
— Porque McCord a estava espiando?
— É. — Não havia por que mentir. O homem a perturbava... de muitas
maneiras.
— Use um pouquinho de encanto — repetiu Fletcher o conselho anterior. —
Seja boazinha com ele.
— Sim, papai.
Capítulo X
No primeiro degrau da escada dos fundos da casa, Brig parou para olhar para
pai e filha, entretidos no que parecia ser uma conversa animada. Filha. Ainda
estava tentando digerir aquele relacionamento.
A semelhança física era vaga, embora fosse admissível que os cabelos
grisalhos de Fletcher tivessem sido castanho-avermelhados, no passado. O toque
de verde nos olhos dela podia ter sido herdado da mãe. Brig se recordava de que
os olhos de Olivia Smith eram de um tom vívido de verde. Em vez de sair miudinha
como a mãe, Jordanna podia ter puxado a altura esguia do pai.
A visão dela, assim de lado, revelava os bicos empinados dos seios
empurrando o suéter de tricô. Sentiu o aperto na região genital, e xingou-se por ter
deixado Fletcher convencê-lo a prosseguir com a expedição de caça. Na hora,
deixara-se convencer de que capitulava só por causa do dinheiro. Agora, Brig se
perguntava qual o papel que a descoberta de que Jordanna era a filha de Fletcher e
não sua amante tinha desempenhado em sua decisão. Um papel maior do que
estava disposto a admitir, desconfiava.
Comprometera-se a passar as três semanas seguintes com ela... e o pai.
Como ia conseguir manter as mãos longe dela? Ou devia dar-se ao trabalho de
tentar? Afinal, ela não se fizera de rogada, da última vez. Mas agora havia o pai... e
o irmão, e Max. Numa viagem daquelas, estariam vivendo todos uns por cima dos
outros, cinco "damas de companhia", contando com Jocko e Tandy. Será que
conseguiria arranjar pelo menos cinco minutos a sós com ela? A frustração
crescente fez com que cerrasse os maxilares. O lugar onde ela lhe batera ainda
estava dolorido. Talvez ela não quisesse cinco minutos a sós com ele. Por Deus,
ele faria com que quisesse!, resolveu Brig, sombriamente. Ela não havia possuído
os seus pensamentos nesses últimos meses para agora fugir dele, em carne e
osso.
— Sr. McCord?
Uma voz pedia sua atenção. Ele ergueu os olhos fora de foco para o jovem
esguio parado à sua frente.
— Sim?
— Sei que as cascavéis são venenosas, mas suas picadas são fatais? —
perguntava Christopher Smith, com um franzir de cenho distante.
— Via de regra, não.
— Como assim?
Depende da localização da picada, de quanto veneno penetra na corrente
sanguínea, da rapidez com que é tratada e do estado geral de saúde da vítima.
Mais gente morre do choque do que do veneno.
— A localização da picada. Se fosse perto da cabeça, poderia ser
potencialmente fatal — insistiu.
— É possível. — Brig correu os olhos secamente pelo homem de cabelos
escuros, ligeiramente divertido com sua apreensão. — Mas não se preocupe.
Temos soro contra picadas de cobra.
— Quer dizer que, se Max tivesse sido picado perto do ombro...
— Não teria morrido. Teríamos drenado o máximo de veneno possível da
ferida, imediatamente, e aplicado soro. Ele iria ficar bastante doente durante alguns
dias, provavelmente, mas, como não sofre do coração ou coisa parecida, é muito
improvável que morresse. — Era óbvio que o filho não era mateiro/caçador como o
pai. — Aqui nesta lonjura não podemos ter certeza de quanto tempo levaremos
para chegar a um hospital ou obter ajuda médica profissional, portanto sempre
temos conosco estojos de emergência com soro antiofídico.
— Sei. — Christopher parecia aliviado. — Suponho que seja um procedimento
padrão, uma coisa que a maioria dos guias faria.
— É isso mesmo.
— Tenho outra pergunta a que gostaria que me respondesse — falou o jovem,
com um olhar longo e pensativo.
— Qual é?
— Max não gosta da vida ao ar livre. Não é talhado para esse tipo de férias,
não é?
— Nem você — retrucou Brig.
O maxilar juvenil se endureceu, o único sinal de que escutara o comentário.
— O que quero saber é... por que o convidou para vir nessa viagem?
— Por que eu o convidei? — Brig franziu o cenho, divertido. — Misturou as
coisas. Não foi idéia minha trazer Max. Foi Fletcher que falou nisso primeiro. Terá
que lhe perguntar.
— Sei. — O belo rosto parecia muito solene. — Engano meu — disse
Christopher, dando de ombros.
— Mais alguma coisa que queira saber?
— Não, acho que não. — Kit virou-se para pegar a bainha do fuzil.
Brig subiu os degraus de madeira até a porta dos fundos. Max estava sentado
à mesa da cozinha, com um copo à sua frente. Sua cor voltara ao normal. Brig
entrou na cozinha. Ignorando a garrafa de uísque em cima da pia, foi até o fogão e
serviu-se de uma xícara de café escaldante. Uma bebida teria sido preferível. O
problema era que Brig duvidava de que fosse parar antes de ficar inconsciente.
— Como está se sentindo? — perguntou Brig, dirigindo-se para a mesa e
lançando a Max um olhar avaliador.
— Vou sobreviver.
— Eu o avisei de que essas montanhas não tinham nada a ver com a cidade.
— Puxando uma cadeira, Brig sentou-se nela ao contrário, apoiando os braços nas
costas curvas, segurando a xícara nas mãos.
— Você falou que as montanhas iriam me matar. Não me dei conta de que era
uma profecia — declarou Max. Disse-o como se fosse piada, mas pareceu não
poder achar graça.
— Não precisava aceitar o convite de Fletcher para vir caçar com ele. Ou
podia ter esperado para fazê-lo numa terra menos selvagem.
— Não tenho todo o tempo do mundo. Estou com ele no papo. Não posso
deixar que fique longe de mim por três semanas, para esfriar, agora que está
quentinho.
— Não havia nenhum outro motivo para que você quisesse vir? — Brig fitou-o
com um olhar frio e apertado. Não gostava da idéia que estava florescendo em sua
mente. Enchia-o de um sentimento feio e mesquinho.
— Acho que não estou entendendo — falou Max, com ar intrigado.
— A filha de Fletcher. Você devia saber que ela vinha com ele. — Sabia que o
primo se considerava um dom-juan. Se Max pusesse as mãos pegajosas em
Jordanna, Brig achava que o mataria. Mas precisava saber. A dúvida era pior do
que a certeza.
— Jordanna? Meteu os pés pelas mãos nessa, hem, Brig? — Max riu,
encantado com o engano cometido por Brig. — O que lhe deu a idéia de que ela
fosse amante de Fletcher? Antes eu tivesse ficado de boca fechada e deixado você
bancar o idiota. Estava se saindo tão bem!
— As aparências enganam. — Bebeu um gole do café escaldante da sua
xícara. O calor tirou-lhe o gosto amargo da boca, porém não diminuiu sua irritação
ante o lembrete desnecessário do papelão que fizera antes. — Mas não estou
enganado quanto a você, Max. Jordanna foi um incentivo adicional para você fazer
essa viagem? Ela é uma beleza. E você nunca foi do tipo de olhar sem tocar.
Max fez uma pausa para considerar tanto sua resposta quanto a expressão
desafiadora de Brig.
— Não vou negar que pensei no assunto. Ela e Fletcher são unha e carne.
Com ela do meu lado, tenho uma chance melhor de conseguir o apoio dele —
admitiu. — Contudo, ela é tão difícil de abrir a guarda quanto o pai. Tem a
reputação de ser uma geladeira. — Ante o alçar da sobrancelha espessa de Brig,
numa pergunta muda, Max explicou: — Pelo que ouvi contar, ela é muito inibida,
apesar da aparência fogosa. A bofetada que lhe deu foi provavelmente a reação
mais emocional que já demonstrou.
Brig sabia que não era assim. Essa idéia roía-o por dentro, mas ele ficou
calado. Max estava muito falante. O susto com a cobra e a dose de uísque tinham-
lhe soltado a língua. Brig não interferiu no falatório.
— Portanto, embora tenha pensado no assunto, havia risco demais de o tiro
sair pela culatra. Não tem sentido. Olivia é dez vezes mais mulher do que a filha.
Não há um só osso inibido no corpo de Olivia.
— Está falando por experiência?
— Não é da sua conta.
A porta dos fundos se abriu, e Tandy Barnes entrou na cozinha. Brig olhou
para o lado.
— Por onde andou?
— Dando uma mão a Frank e a Jocko com o gerador — respondeu, dirigindo-
se para a pia, a fim de tirar a graxa das mãos.
— O que havia de errado com ele? — Levantando-se da cadeira, Brig foi até o
fogão para encher de novo sua xícara.
— Estava estalando, como sempre, mas agora está funcionando direitinho.
Enquanto Tandy Barnes ensaboava as mãos, a porta se abriu e Jocko entrou.
Brig olhou para além dele.
— E Frank?
— Ainda está lá fora.
Tandy abriu um sorriso por cima do ombro.
— Deu uma boa olhada na nossa hóspede. O pobre Frank fica como manteiga
nas mãos de qualquer coisa com curvas.
Brig foi até a janela da cozinha para olhar para fora. O corpanzil montanhoso
de Frank Savidge estava parado perto de Jordanna. Ele tinha o chapéu nas mãos.
Estava de boca aberta, num sorriso ofegante, enquanto Jordanna sorria para ele.
Brig tinha visto a mesma expressão na cara dos cachorros atrás de uma cadela no
cio.
Virando-se da janela, lançou um olhar duro ao basco.
— Mande Frank entrar.
Jocko Morales caminhou até a porta dos fundos e foi lá para fora chamar o
homem. Tandy espiava da janela, debochando do enorme vaqueiro, que se
balançava e se curvava numa caricatura de maneiras educadas, enquanto pedia
licença a Jordanna para se retirar.
— Eu lhe falei, Brig, para mandar Frank até a cidade na semana passada,
para uma injeção dos três bês — pilheriou Tandy, os olhos brilhando de humor, mas
Brig não conseguia entrar no espírito da brincadeira.
— Três bês? O que é isso? — perguntou Max, de testa franzida.
— Bebida, baderna e boazudas. Não necessariamente nessa ordem. — O
vaqueiro atarracado riu. — Frank é viciado nas três coisas.
O riso ainda lhe dançava no olhar, quando Frank entrou.
— Mandou me chamar? — Uma expressão bêbada de alegria estava
estampada na fisionomia do grandalhão.
— Arranque esse sorriso da cara — explodiu Brig, impaciente.
O sorriso de boca aberta desapareceu.
— O que você quer?
— Quero que você pare de bancar o idiota babando em cima dos nossos
hóspedes. — Largou a xícara bruscamente na mesa, com raiva, porque não havia
uma só parte dele que não estivesse com fome de Jordanna.
Frank não ficou encabulado com o comentário.
— Por que não me contou que viria uma mulher?
— Porque não sabia.
— Deixe Tandy ficar aqui na fazenda cuidando das coisas. Quero participar da
caçada.
— De jeito nenhum. — A voz cortante de Brig impediu Frank de continuar a
discussão. Ouvira a nota de advertência e desafio, e não era bobo de topar a
parada.
— Por que você tem que ser tão sortudo? — resmungou Frank para Tandy,
com inveja.
— Porque é a minha vez. Você ficou na paquera até agora — insistiu Tandy.
— Eu? Foi você que foi ao aeroporto recebê-los. Ficou com ela um dia
inteirinho! — protestou Frank. — Ora, se você não fosse um velho, eu...
— Velho?! — abespinhou-se Tandy.
— Chega. Os dois. — Brig meteu-se no meio deles. Porra, mas ela significava
encrenca... encrenca para ele e para os homens dele. — Eu dou as ordens por
aqui. Tandy vai. E você fica, Frank. Se quiser discutir isso, faça-o comigo. Eu fiz os
planos, e estão valendo. — Viu o olhar avaliador que Frank lhe dava. — Não se
esqueça, Frank — avisou Brig. — Termino qualquer briga que você queira começar.
— Ei, Frank, que tal uma xícara de café? — ofereceu Jocko.
O grandalhão hesitou, depois se afastou, resmungando.
— Está bem.
Capítulo XI
Quando Brig rolou de cima dela, Jordanna viu-se totalmente exaurida pelas
exigências lúbricas que ele lhe fizera. Tinha sido atraída para o centro
incandescente do seu abraço fogoso, e a combustão a abalara até o âmago.
Jordanna ainda estava tremendo quando o braço de Brig lhe rodeou a cintura
para puxar seu tórax contra o peito dele. A boca buscou os lábios dela, para se
revitalizar com sua doçura. Ela tirou forças do contato com o seu físico solidamente
musculoso, preguiçosamente sensual e estimulante. Abandonando-se a seu beijo
inebriante, sentiu-se cheia de um êxtase gratificante, porque a satisfação não
extinguira a necessidade que ele sentia dela.
As mãos dele vaguearam, lânguidas, pelos ombros e costas dela,
acompanhando a curva da sua espinha e deixando-a toda arrepiada. A escova
macia do seu bigode abria caminho, enquanto sua boca explorava o rosto dela,
dirigindo-se aos poucos para a orelha. O hálito quente dele excitava os seus
sentidos, e Jordanna estremeceu ante as lambidas eróticas da língua dura.
O fogo se reacendeu dentro dela, um calor dourado que se espalhava por
suas veias para aquecer o pulso. A boca do homem ficou momentaneamente
enredada nos cachos sedosos do seu cabelo, antes que ele os afastasse para
investigar umidamente o pescoço dela. O suor deixava escorregadia a carne dura
dele sob os dedos dela. Estes se agarravam aos músculos ondulantes dos braços
dele. Jordanna arqueou a cabeça para trás para dar-lhe mais acesso às
explorações provocadoras.
Segurando-lhe a cintura com as duas mãos, ele fez força e ergueu-a acima de
si. Um riozinho de suor corria entre os seios dela. A boca do homem formou uma
represa para detê-lo antes de subir ao bico do seio. Jordanna estremeceu ante as
vibrações tantálicas da língua dele e enroscou os dedos nos seus cabelos
castanhos para forçá-lo a acabar com aquele tormento. Um suspiro lamentoso saiu
da sua garganta, quando a boca envolveu o bico inteiro. Depois de obter o máximo
de prazer, ele repetiu o procedimento no seio gêmeo.
Uma dor dourada a consumia. Ela tentou aliviá-la movendo os quadris
ritmicamente contra a coxa musculosa dele. Aquilo lhe dava apenas uma satisfação
parcial. A mão dele curvou-se na nádega arredondada para apertar-lhe os quadris
contra a sua carne dura. Brig mudou de posição, forçando os ombros dela contra o
colchão e enfiando-se entre as suas pernas. Ela gemia e arquejava, de expectativa.
As mãos e o corpo dela mostravam-lhe o que desejava, enquanto seus lábios
grudavam-se aos dele. Brig murmurava palavras de amor de elogio e exigência,
exortando-a a lhe agradar tanto quanto ele lhe agradava. O suor dos seus corpos
fundia-os num só. O êxtase dessa doação altruísta não fora uma ilusão que jamais
seria repetida, deu-se conta Jordanna, enquanto era alçada mais uma vez a alturas
indescritíveis.
Foi uma descida suave, leve, até os braços dele. Aninhou-se contra ele,
beijando o ombro marcado de bala que servia de travesseiro para sua cabeça. A
mão dele agarrava a curva da sua cintura para mantê-la bem perto. Era o lugar
mais natural do mundo para dormir, exausta de fazer amor com ele, aquecida por
sua carne. Jordanna nem teve consciência do momento em que ele os cobriu a
ambos com o edredom.
Brig jamais sentira antes esse feroz sentimento de posse, essa recusa em
largar a mulher que estava em seus braços. A novidade era perturbadora. Não tinha
certeza se gostava desse domínio sutil. Adivinhara que uma noite não o satisfaria,
mas não se dera conta de quão forte seria o desejo de manter Jordanna a seu
alcance. Todas as mulheres só lhe haviam despertado emoções superficiais, mas
aquela mexera com ele, profundamente. Sentia-se em carne viva, exposto. Ela o
deixara vulnerável. Isso a tornava perigosa, porque ele não tinha certeza de poder
confiar nela. Por que motivo, não sabia.
Jordanna se mexeu e tentou achar uma posição mais confortável, mas uma
tira de aço em volta de sua cintura a imobilizava. Um calor de fornalha banhava-lhe
os ombros, as costas, os quadris e a parte interna dos joelhos. Tateando, buscou
livrar a cintura da tira que a prendia. Seus dedos encontraram a pele cheia de pêlos
do braço de um homem. Abriu os olhos, sobressaltada por um minuto, antes de as
lembranças voltarem de roldão. Brig estava deitado de lado, o corpo amoldado à
posição dela. Nunca tinha dormido com um homem antes. Era uma experiência
nova, e até agradável, acordar nos braços dele. Do lado de fora da janela do quarto,
o cinza pálido do alvorecer iluminava o céu. Jordanna virou-se para o calor,
esticando-se para ver a cabeça morena no travesseiro a seu lado.
— Brig. Acorde — falou, suave e relutantemente. — Já é de manhã.
— Humm.
As feições bronzeadas pelo sol eram inexpressivas, no sono. Os cabelos
desfeitos convidavam a serem alisados, o que Jordanna fez, sentindo a barba de
um dia arranhandolhe a palma da mão.
— Vamos — persuadiu-o novamente. — É melhor se levantar antes dos
outros.
A mão dele deslizou da barriga dela e veio rodear-lhe o seio. Os cílios escuros
se abriram devagar para revelar olhos espantosamente alerta para um homem que
estava acordando. Percorreram atentamente o rosto dela. Ele inclinou a cabeça e
mordiscou o ombro de marfim.
— Não há pressa.
— Está quase amanhecendo. — Jordanna curvou o ombro para proteger o
pescoço e impedir as mordidas sensuais de irem mais adiante.
— E daí? — Terminou de virá-la, deixando-a inteiramente de costas.
Ela levantou as mãos para empurrar de leve o peito dele, quando começou a
se debruçar por cima dela.
— Precisa se levantar, Brig, antes que alguém o encontre aqui.
A dureza familiar apareceu-lhe nos olhos.
— E se encontrarem?
Tentou beijá-la, mas Jordanna se desviou da boca que descia.
— Agora não — protestou.
— Agora não? — Ele apertou os olhos. Pretendera dar-lhe nada além de um
beijo de bom-dia. Claro, seria um beijo longo, demorado. A tentativa dela de
estabelecer quando fariam amor deixou-o com raiva. Ela já o fizera perder o juízo.
Não ia deixar que o fizesse perder os direitos sobre sua própria cama. — Se agora
não, quando sugeriria? — desafiou-a, friamente. — Quem sabe pode verificar na
sua agenda e me avisar quando estará disponível de novo.
— Brig, por favor. — Um clarão de raiva perpassou-lhe pelos olhos.
— Por favor, o quê? "Seja um bom menino e vá andando" — ironizou, com
selvageria mansa.
— Eu não disse isso — retrucou, indignada e magoada, e bastante zangada.
— Mas não quer que eu faça amor com você agora.
— Não, não quero.
Quando ela tentou saltar da cama, Brig imobilizou-a contra o colchão.
— Veremos — disse, a boca curvada num sorriso zombeteiro.
A princípio ela resistiu, mas o peso dele a manteve facilmente esmagada sob
si. Deixou que ela gastasse as forças debatendo-se inutilmente para evitar-lhe a
boca, enquanto explorava as áreas que as contorções dela deixavam expostas.
Continuou a excitá-la com beijos e carícias, mesmo depois que ela começou a
corresponder. Ela arqueou-se contra ele, buscando a arremetida dos seus quadris,
mas ele se conteve. Ela se contorcia debaixo dele, ruídos animais de desejo
frustrado saindo de sua garganta. Mas Brig não aliviava sua tensão, embora a dele
fosse igualmente grande.
— Pensei que não quisesse fazer amor — debochou.
— Vá à merda — arquejou Jordanna, numa frustração irada.
Atacou-o, arranhando-o e mordendo-o, exigindo a satisfação que suas carícias
tinham prometido. Essa agressão selvagem provocou Brig como lágrimas e súplicas
jamais provocariam. O acasalamento, nascido num frenesi violento, continuou com
paixão ardente e terminou numa fúria mútua de desejo saciado.
Quando acabou, Brig ficou deitado na cama durante longos minutos, para
recobrar o fôlego e esperar que o coração parasse de lhe martelar as costelas. Não
queria mexer-se, mas uma tonalidade dourada iluminava a alvorada cinzenta.
Jogando os pés no chão, Brig se levantou e começou a se vestir. Sentia Jordanna a
observá-lo. Perguntou-se quando iria poder ficar novamente com ela. Maldita seja
essa bruxa de olhos verdes, pensou. Seu sexo ainda nem esfriara dessa última vez,
e ele já estava pensando em quando seria a próxima.
Brig enfiou a fralda da camisa para dentro da calça. Sem olhar para a cama
onde ela jazia, caminhou até a porta e abriu-a com força.
— Brig!
Pronto para fechar a porta, parou e olhou por cima do ombro, mas não fez
nenhum gesto para voltar para a cama. Quando ela se deu conta disso, saiu da
cama, arrastando consigo o edredom para cobrir a frente do corpo. Andou depressa
até a porta e parou para perscrutar o rosto dele.
— Não fique zangado — pediu.
Era um pedido simples, não era uma desculpa nem uma exigência. Ele
focalizou o olhar na boca da moça. Será que ela tinha consciência do poder
irresistível que exercia sobre ele? E que importância tinha? Segurou-a pela nuca e
puxou-lhe a cabeça para a frente, a fim de fazê-la sentir a pressão dura do seu
beijo.
Escutou passos na escada às suas costas. Interrompeu o beijo abruptamente,
reconhecendo o pisar antes de se virar. Ao deparar com os olhos estreitados de
Fletcher Smith, Brig xingou-se por não ter tido mais cautela... pelo bem de
Jordanna, se não pelo seu próprio. Mas estava igualmente aliviado pelo fato de seu
desejo por ela ser do conhecimento dos outros. Logo atrás de Fletcher, na escada,
estava o filho. Brig notou a presença dele, mas manteve sua atenção dirigida para o
pai.
— Queria dizer-me alguma coisa, Fletcher? — perguntou, num desafio sereno.
Houve um instante de hesitação sombria quando o olhar do homem mais velho
se desviou para a filha. Quando voltou para Brig, estava velado.
— Não.
Passado o risco de um confronto, Brig lançou um olhar para Jordanna. Parecia
serena, embora um tanto constrangida. Brig não via motivo para se demorar ali.
Inclinando a cabeça num breve aceno para Jordanna, dirigiu-se para a cozinha.
Jocko estava servindo uma xícara de café quando ele entrou. Entregou-a a
Brig. Tandy e Frank já estavam sentados à mesa. Pelos olhares que trocavam, Brig
soube que não era segredo o lugar onde ele passara a noite.
— Acho que você ainda ama o perigo, Brig — comentou Jocko.
Um músculo se retesou no maxilar dele.
— Você acha? — foi a resposta reservada que deu.
— Também acho que esse sr. Fletcher Smith é um homem poderoso —
continuou. — Não gostaria que ele antipatizasse comigo.
— Duvido que você pudesse fazer alguma coisa para merecer a antipatia dele,
Jocko — retrucou Brig.
— Mas e quanto ao senhor?
— Isso já é problema meu, não é, Jocko? — perguntou Brig, desafiador.
— Sí, e me preocupo por sua causa.
— Brig pode cuidar de si mesmo — aparteou Tandy.
— É melhor começar a preparar o desjejum, Jocko. Quanto a vocês dois —
Brig olhou para os vaqueiros sentados à mesa —, terminem o café e vão selar os
nossos cavalos e preparar os outros animais para serem carregados.
Ele não estava precisando de uma discussão sobre o bom senso de envolver-
se com a filha de Fletcher Smith. O fato já estava consumado. Brig duvidava de que
mudaria alguma coisa, se pudesse. Porra, mas estava cansado. Percebeu o ar
sorridente de Jocko. O astuto espanhol notara sua expressão cansada, e sabia-lhe
a causa. O clarão momentâneo de raiva deu lugar a um sorriso irônico e retorcido.
— Ela valeu a pena, não?
— É, acho que sim — admitiu Brig.
Depois que Brig desapareceu cozinha adentro, o pai dela desceu os degraus.
Jordanna continuou parada no vão da porta, o edredom bem apertado contra o
corpo. Não sabia o que ele estava pensando a seu respeito, se a estava
comparando com a mulher. Jordanna não fora capaz de falar-lhe do estranho na
festa... Brig. Apesar de o relacionamento entre ambos ser bom, não incluía
confidências íntimas ou discussões pessoais sobre satisfação sexual. A barreira
pai/filha sempre atrapalhava.
Christopher acompanhou-o escada abaixo. Quando ele parou diante de
Jordanna, o irmão tocou-lhe o braço.
— Vamos, papai, não é da nossa conta.
O pai afastou com um repelão a mão do filho. Seus olhos castanhos eram
desconcertantemente diretos ao depararem com o olhar impassível de Jordanna.
— Sabe o que está fazendo? — perguntou ele, simplesmente.
— Sou uma mulher adulta — lembrou ela.
— McCord... — Ele começou a frase, depois mudou de idéia. — Não fique
gostando muito dele, Jordanna — avisou o pai. — Não creio que seja sensato.
— Não estou certa de que a sensatez tenha algo a ver com a emoção —
replicou a filha.
— Não quero que seja magoada. — Havia uma expressão de dor e indecisão
no rosto dele. — Mas há certas coisas que não posso mudar.
— Eu sei. — Estranhamente, Jordanna sentia-se muito calma e segura. —
Não se preocupe comigo, papai.
Ele hesitou e esfregou a testa.
— É melhor ir vestir-se e preparar suas coisas. — Deu as costas a ela. Eu a
vejo à mesa do café.
Capítulo XII
— Espero que tenha um cavalo bem mansinho para mim, Brig. — Max olhou,
desconfiado, para os cavalos selados.
— Monte o malhado. É o animal mais manso da manada. — Brig apontou para
o cavalo de manchas marrons apoiado em três patas junto ao curral.
Jordanna estava um pouco afastada, observando os preparativos de última
hora. Tandy pesava os cestos de vime para distribuir a carga por igual pelas bestas
de carga, enquanto Jocko verificava a lista do que iam levar. Frank, que mantivera
uma distância respeitosa dela a manhã toda, estava apertando as cilhas das selas
nos cavalos. A atitude dos três homens em relação a ela se modificara. Agora
consideravam-na a mulher de Brig, e ela gostava da sensação que aquilo lhe dava.
— Jordanna. — Brig estava distribuindo os cavalos pelos cavaleiros.
Um calor gostoso espalhou-se pelo corpo dela, quando ele disse o seu nome.
— Sim. — Ela se adiantou, as mãos nos bolsos do casaco de caça com capuz,
os cabelos presos sob a copa do chapéu de cowboy de abas largas, deixando
aparecer a linha longa e esguia do pescoço.
— Você vai montar o alazão. — O olhar dele era impessoal, mas tinha sido
assim desde que deixara o quarto, pela manhã.
— Está bem. — Ela se dirigiu para o cavalo selado que Frank estava
desamarrando da cerca. Jogando as rédeas sobre o pescoço do animal, ele
segurou o bridão enquanto ela montava. — Os estribos estão muito curtos, Frank.
Precisam ser aumentados — notou Jordanna.
— É melhor dizer a Brig — resmungou ele, afastando-se rapidamente.
Ela ficou olhando a figura que se afastava, durante um instante, espantada. O
modo como a evitava era quase cômico. Com uma sacudidela irônica da cabeça,
Jordanna começou a desmontar para fazer o serviço ela mesma.
— Qual é o problema? — perguntou Brig, vindo em sua direção.
Jordanna voltou a acomodar-se na sela.
— Os estribos estão muito curtos.
— Pode deixar que cuido disso.
Tirando o pé do estribo, ela dobrou a perna para trás, na direção da patilha da
sela. Ficou vendo Brig aumentar um pouco a tira do estribo antes de passar para o
outro lado da sela, para repetir o procedimento. Quando acabou, deu um passo
atrás.
— Que tal?
Jordanna ficou de pé nos estribos. A bainha que continha seu fuzil descansava
com familiaridade sob sua perna.
— Ótimo — respondeu a moça, acenando com a cabeça. Ele a fitou nos olhos
durante um momento, depois deu uma palmadinha na cernelha do alazão e se
retirou para ir dar uma ajuda a Tandy.
O pai e o irmão estavam montados num par de baios animais resistentes,
nascidos nas montanhas, de pêlos escuros mais fartos por causa do inverno. Na
sela do malhado, Max parecia mais à vontade em cima de um cavalo do que os
levara a acreditar. Todos os cavaleiros usavam chapéus de cowboy de abas largas,
como o de Jordanna, para proteger os olhos do brilho do sol, nas maiores
elevações, e o rosto da poeira, do vento e da chuva.
Kit cavalgou para junto de Jordanna, a fim de esperar a seu lado que os
últimos fardos fossem amarrados.
— Não vai demorar muito para partirmos, agora — observou ela.
— Você está ansiando por isso, não é?
— Claro. — Era uma pergunta boba. Jordanna não pôde deixar de sorrir. —
Essa vai ser uma caçada única na vida. Papai sempre dizia que um homem só tem
direito a um carneiro montês na vida.
Brig caminhava ao longo da tropa de animais, verificando mais uma vez se
toda a carga estava bem amarrada. Fora igualmente meticuloso e completo ao fazer
amor, pensou Jordanna, e sentiu-se emocionada com a comparação.
— Você parece feliz. — Kit olhava para ela, pensativo, uma pergunta muda na
sua expressão.
— E estou. Talvez "alegre" fosse uma palavra melhor. — Pela primeira vez,
não parecia estar faltando nada na vida dela.
O olhar do irmão acompanhou a direção do dela, parando quando deparou
com o objeto da sua atenção, Brig McCord.
— Papai não teve nada a ver com ontem à noite, teve? — Ela ficou espantada
com a pergunta, e confusa.
— Como assim?
— Sei que papai sugeriu que você fosse boazinha com McCord, quando ele
ficou aborrecido por haver uma mulher no grupo, especialmente você. — O olhar
dele continuou a sondar-lhe a expressão, indiferente à raiva indignada que via
acumular-se nela.
— E você acha que ontem à noite eu... dormi com Brig porque era o que papai
queria que eu fizesse? — esbravejou Jordanna, numa voz baixa e vibrante. — Meu
Deus, você é o meu próprio irmão. Como pode pensar isso de mim? De papai?
— Sei que você praticamente adora o chão que papai pisa. Aos seus olhos,
ele não pode fazer nada errado. Não sei até onde você iria para agradá-lo —
defendeu Kit, calmamente, sua posição. — Sei que se sente atraída por Brig
McCord. É possível que você tenha racionalizado a noite passada com a certeza de
que papai queria que você fizesse McCord mudar de idéia a seu respeito.
— Está errado. Não podia estar mais errado. — Achava-se tão zangada e
magoada que mal podia falar. O alazão sentiu a agitação violenta de sua amazona
e mexeu-se nervosamente, sacudindo a crina alourada. — Em primeiro lugar,
jamais faria uma coisa dessas por tal motivo. E papai jamais o sugeriria.
— Nunca disse que você foi conscientemente influenciada por ele —
esclareceu o irmão. — Não subestimo papai. E não gosto da idéia de que a possa
estar usando para obter algo que deseja.
— E não está — retrucou Jordanna, sibilante.
— Papai não ficou muito chateado quando viu McCord saindo do seu quarto,
hoje de manhã.
— E como poderia ficar? Sou adulta. Ele não tem controle sobre o que faço —
argumentou ela.
— Você é filha dele — lembrou Kit. — Papai é bem possessivo quanto às
coisas que lhe pertencem. Não gosta que as pessoas tirem o que é dele... a não ser
que ele queira. O que estou dizendo é o seguinte: ou ele queria que você se
envolvesse com Brig, ou Brig acabou de arranjar um inimigo.
— Não admira que papai não goste de você. — Jordanna atacou-o com
palavras, querendo que ele se sentisse magoado. — Você não é um filho para ele.
É um Judas.
Um sorriso triste tocou a boca do rapaz.
— Ele não é Deus, Jordanna — replicou, afastando o cavalo de perto dela e
indo para junto de Max.
Jordanna ficou sentada na sela, rígida, olhando o irmão afastar-se. As
lágrimas ardiam nos seus olhos. Como podia dizer aquelas coisas sobre ela... sobre
o pai deles? Que coisas pérfidas! Não escutou o pisar abafado de cavalo e
cavaleiro que se aproximavam dela.
— O que foi, Jordanna? — A voz do pai sobressaltou-a. — O que foi que Kit
lhe disse?
Depois de um olhar surpreso para ele, a moça manteve o rosto virado para o
outro lado e lutou para não deixar transparecer na fisionomia o ultraje e a mágoa
que sentia.
— Nada de especial. — A voz dela estava tensa e rouca. — Não podemos
conversar por cinco minutos sem discutir. O mesmo de sempre. — Não podia
arriscar-se a olhar para ele para ver se acreditava nela.
— Jordanna, eu... — Fosse lá o que estivesse pretendendo dizer, mudou de
idéia abruptamente. — Espero que tenha trazido bastante creme para os lábios,
desta vez. Não me agrada a idéia de ter que usar gordura nos lábios rachados,
como tivemos que fazer na viagem ao Alasca.
Nas altitudes maiores a atmosfera era menos densa, permitindo que o sol
secasse e rachasse os lábios rapidamente. Seu lembrete da viagem anterior era
uma tentativa de distraí-la da conversa desagradável que tivera com Kit e de
pilheriar sobre uma época em que haviam partilhado de dificuldades. Jordanna
tentou corresponder.
— Tenho três tubos, desta vez — assegurou ela, lançando-lhe um sorriso
tenso.
— Devem bastar — disse Fletcher, devolvendo-lhe o sorriso, um véu
mascarando o olhar penetrante que lhe lançou... ou será que Jordanna apenas
imaginara o olhar por causa das acusações de Kit? Antes que pudesse chegar a
uma conclusão, o pai já se afastava. — Parece que estamos prontos para partir.
Brig montava um cavalo amarelado, grande e musculoso. O pêlo dele brilhava
como ouro ao sol da manhã, contrastando com a crina, a cauda e as perneiras
pretas. O tamanho dele estava de acordo com o físico do seu cavaleiro. Brig girou o
cavalo num semicírculo para fitar o corpanzil de Frank Savidge.
— Sabe qual é a área geral em que estaremos caçando. Com sorte,
estaremos de volta em menos de três semanas — disse Brig.
— Pode deixar que cuido das coisas por aqui — prometeu Frank.
Com um breve aceno de cabeça, Brig deixou seu olhar abranger o grupo de
caça.
— Vamos indo — disse simplesmente, e botou seu cavalo para andar.
O alazão de Jordanna partiu ansioso, quando o de Brig saiu na vanguarda. Os
animais de carga estavam amarrados em fila indiana, cada um atado à cauda do
seguinte, puxados por Jocko e Tandy na retaguarda. O grupo de cavaleiros trotava
pelo prado da montanha, sem seguir nenhuma ordem em especial. O fato de estar
em movimento oferecia-lhe algum alívio, mas Jordanna continuava a sentir uma
certa tensão tanto na companhia do irmão quanto na do pai. Os ombros largos do
cavaleiro da frente ofereciam-lhe um meio de fuga. Ela instou seu cavalo a alcançar
o amarelado, e diminuiu o passo quando emparelhou com Brig.
— Importa-se que eu cavalgue a seu lado? — perguntou, enfrentando com
sinceridade o olhar de banda que ele lhe lançou. Jordanna queria estar com ele, e
não fazia segredo disso. Deixara clara demais a atração que sentia por ele,
naquelas últimas vinte e quatro horas, para agora estar ocultando-a.
A sela dele rangeu quando ele se virou para olhar por cima do ombro para os
cavaleiros que os seguiam. O olhar indagador que volveu para ela era preguiçoso e
cálido.
— Tem certeza de que seu pai não faz objeção?
— Sou maior de idade.
O comentário dela não provocou nenhuma resposta, enquanto Brig voltava a
fitar o terreno à frente deles. Jordanna viu a leve curvatura de sua boca sob o
bigode. Era a única indicação de que a queria cavalgando a seu lado. Essa certeza
cálida conseguiu afastar a tensão gelada que as palavras de Kit haviam criado.
Pouco depois das quatro horas da tarde, pararam para armar o acampamento
onde iam passar a noite. Brig e Tandy cuidaram dos cavalos, amarrando-os e
largando-os para pastar na grama densa da montanha. Jocko fez uma fogueira e
imediatamente começou a preparar um bule de café, antes de dar início ao jantar.
Um biombo de arbustos no limiar do acampamento fazia as vezes de privada, numa
versão da natureza. Jordanna estava acabando de sair de trás dos arbustos para
voltar para junto do fogo, quando o pai se aproximou. Ela sorriu, e já ia passar por
ele, quando ele a deteve.
— Venho querendo falar uma coisa com você, Jordanna — começou. — Mas
não houve chance de ficarmos a sós o dia todo, até agora.
— O que é? — perguntou ela, expressando apenas uma leve curiosidade pelo
assunto desconhecido que o pai queria discutir com ela em particular.
— É sobre ontem à noite. Ou quem sabe deva dizer hoje de manhã...
Jordanna começou a sentir um calor nas faces.
— O que é que tem? — Tentou não parecer tão insegura quanto se sentia.
— Ontem, quando lhe pedi para ser boazinha com McCord, não quis dizer que
fosse tão longe. — Tinha um ar embaraçado, de quem pedia desculpas. — Estava
sugerindo que...
— Sei o que estava sugerindo — interrompeu Jordanna, para poupar-lhe mais
explicações. — A decisão foi inteiramente minha.
— Tem certeza de que... — Estava cético, e não inteiramente convencido.
Doía-lhe ver que acreditava que ela fosse fazer aquilo por ele. Doía-lhe e
irritava-a.
— Sou adulta, papai — disse Jordanna, formalmente. — Sou capaz de
raciocinar por mim mesma. Será que, uma vez na vida, pode confiar em que sei o
que estou fazendo?
— Confio. — Seu sorriso triste era o de quem pedia desculpas. Segurou-lhe a
face numa carícia cheia de meiguice. — Só queria que tivesse certeza absoluta
disso.
— E tenho, papai — assegurou Jordanna. — Juro que não há nada com que
se preocupar.
Virando-se, o pai envolveu-lhe o ombro com o braço, num gesto de afeição.
— Vamos voltar para junto da fogueira e ver se o café está pronto.
Capítulo XIII
Levaram quase uma hora para chegar à área do deslizamento. Brig andara
devagar, por causa de Max. Olhando para trás, viu o primo lutando para respirar no
ar rarefeito. Seus próprios pulmões ardiam com o tremendo esforço físico de cruzar
o terreno irregular a pé. Mas nem ele nem Fletcher sofriam tanto quanto Max.
Contudo, nem uma única vez o primo lhes pedira para pararem, para que ele
pudesse descansar. Brig tinha que admirar a garra dele, embora questionasse sua
sanidade.
Parou no limiar da área do deslizamento e olhou para o ponto distante onde
Jordanna esperava junto com o irmão. Fletcher reuniu-se a ele, enquanto Max
desabava contra um pedregulho, lutando para recobrar o fôlego. Brig forçou-se a
concentrar-se no terreno ameaçador à sua frente.
— Não adianta, Fletcher. — Apoiou as mãos nos quadris, enquanto
inspecionava o perigoso caminho ao longo da orla do abismo.
— Não tenho tanta certeza. — Fletcher não estava convencido. — Olhe ali,
onde é mais estreito. — Apontou. — Aquela pedra enorme dará a uma pessoa algo
sólido em que se agarrar.
— Também é algo de que terá que se desviar e que precisará contornar —
lembrou Brig. — E não se pode ver o que há do outro lado do pedregulho, por trinta
centímetros ou mais.
— Suponhamos que só haja espaço vazio, e daí? — Fletcher deu de ombros.
— Trinta centímetros é menos do que a passada de um homem. Acho que pode ser
atravessado.
— É suicídio. — Brig fitou o homem com ar resoluto. Porém Fletcher não lhe
deu atenção. Virando-se, falou para Max:
— Como é? Você vem comigo?
Max inspirou fundo, sofregamente, e se afastou da rocha em que se apoiava.
— Vou, sim — respondeu, adiantando-se.
Atônito, Brig olhou do primo para Fletcher. Mas o caçador já estava se
dirigindo para a estreita trilha na base da escarpa. Brig parou na frente do primo.
— Você ficou maluco, Max? — Falava numa voz baixa e tensa, que não podia
chegar aos ouvidos de Fletcher. — Olhe para si mesmo. Mal pode respirar. Os
músculos das suas pernas estão provavelmente tremendo, depois desta
caminhada. É uma insanidade ir com ele.
— Saia do meu caminho, Brig. — Max tentou normalizar a respiração. — Não
pedi seus conselhos.
— Pode ser que não tenha pedido, mas está recebendo. Não vá.
— Você pode ficar aqui, se quiser, mas eu vou atrás de Fletcher. — E Max
empurrou-o para fora do seu caminho.
Brig ficou olhando para os dois. Eram um par de rematados idiotas. Ele era o
guia deles, mas nenhum dos dois lhe prestava atenção. Soltou um palavrão, com
raiva, porque sabia que tinha que ir junto com eles.
Praticamente os primeiros vinte metros não representaram nenhum obstáculo.
Brig observava Fletcher abrindo caminho com cuidado, na vanguarda. Havia o
consolo de que o homem, pelo menos, estava mostrando alguma cautela. A trilha
continuou a se estreitar, enquanto a terra se inclinava profundamente para o chão
da ravina glacial, cento e cinqüenta metros abaixo. Brig não acompanhava Max
muito de perto. Se o cascalho acima deles começasse a se mover, um homem seria
jogado da beirada do precipício pelo fluxo de rochas... e qualquer um que estivesse
perto o bastante para ficar preso na corrente seria jogado também.
Na vanguarda, Fletcher chegara junto do pedregulho maciço. Bem agarrado a
ele, começou a contorná-lo, centímetro por centímetro. Tanto Brig quanto Max
pararam para espiar. A alça da bainha do fuzil de Fletcher ficou enganchada numa
beirada irregular. Ele teve que parar para soltá-la. Brig começou a suar. Não se
importava de sentir medo. Aguçava os seus sentidos e bombeava adrenalina para
as suas veias. Fletcher rodeou a pedra e desapareceu por alguns segundos.
— Tudo bem deste lado — avisou.
— Não é tarde demais para voltar atrás, Max — aconselhou Brig, em voz
baixa.
Só o que recebeu em resposta foi um olhar de ressentimento silenciador.
Esperou enquanto Max abraçava a pedra e a contornava; depois tomou o seu lugar.
Segurar a solidez da pedra era bem melhor do que equilibrar-se sem ajuda na
corda-bamba da beira do precipício. Dobrando o pedregulho, Brig viu Fletcher parar
para voltar o olhar para Max. Do seu ângulo, Brig podia ver que a borda começava
a desmoronar a trinta centímetros ou mais do pedregulho. A área fora minada,
deixando uma orla insegura. Poeira e pedrinhas soltas escorregavam da face
inferior, enquanto Max se aproximava dela. A área solapada não era mais larga do
que a passada de um homem. Brig esperava que Max pisasse por cima dela. No
entanto, quando viu o pé de Max baixando, foi exatamente no centro da área
minada. Brig percebeu instintivamente que a crosta fina não agüentaria o primo.
— Max, não pise aí.
Mas o aviso veio tarde. Max tinha tomado impulso demais para mudar a
localização da pisada. A borda agüentou o peso dele por praticamente um segundo
antes de a crosta de terra desmoronar. Max berrou e tentou agarrar qualquer coisa
que o impedisse de cair.
Esticando-se, Brig agarrou uma beirada irregular do pedregulho e tentou
segurar um dos braços que se debatiam. Por milagre, os seus dedos se fecharam
no antebraço de Max, perto do pulso. Retesou-se para suportar o peso de Max,
mas nada podia prepará-lo para a pressão violentíssima. Max agarrou-lhe o braço
com as duas mãos, enquanto o solo desaparecia sob os seus pés. Agitou os pés,
na esperança de encontrar algum apoio, mas um rio de rochas corria pela brecha
na borda.
— Não me solte, Brig. Não me solte — choramingava Max, em pânico total.
Havia sessenta e cinco quilos pendurados no seu braço. Brig esperava que, a
qualquer minuto, o peso de Max deslocasse o seu braço. A dor era cruciante. O
aperto desesperado de Max no seu braço tornava impossível para Brig soltar-se. Se
Max caísse, Brig seria puxado junto com ele.
— Que merda, Fletcher! Onde diabos você se meteu? — Brig cerrou os
dentes, sentindo os músculos saltarem no braço. — Ajude-nos!
Sentiu uma raiva feroz por aquele homem, que arriscara a vida deles por um
carneiro montês... um par de chifres para exibir na parede do seu escritório.
— Não consigo alcançá-los — veio a voz de Fletcher, distante. Ele não estava
fazendo nenhum esforço para chegar mais perto.
Os dedos de Brig estavam escorregando da pedra, perdendo seu ponto de
apoio. Ele lutou com todas as forças para contrabalançar o peso que o arrastava
para as mandíbulas escancaradas do abismo. Lembrou-se, mortificado, de que
Jordanna o espiava do ponto de observação na montanha. Brig não queria que ela
o visse morrer. Inesperadamente, a pressão no seu braço foi aliviada. Max
encontrara um apoio para o pé. O alívio foi delicioso. Enquanto mantinha o precário
apoio, Max procurava outro, sem entrar em pânico, a despeito dos choramingos que
emitia. Finalmente, conseguiu enganchar um joelho na parte sólida da borda, e Brig
achou forças para puxá-lo o resto do caminho até um lugar seguro. Brig encostou-
se à rocha, suando e ofegando, enquanto Max se sentava na beirada, tremendo, de
olhos fechados para não enxergar o abismo. O braço de Brig estava dormente. Ele
nem tinha certeza se o membro ainda estava preso a seu corpo. Esperou até
recobrar o fôlego, depois lançou um olhar ao primo.
— Vamos, Max. Vamos sair desta borda.
O rosto de Max estava branco, uma cor doentia que mostrava o quanto se
achava nauseado, mas não era hora de ceder à fraqueza. Max engoliu em seco e
se pôs de pé, todo trêmulo, agarrando-se ao pedregulho como ponto de apoio. Brig
começou a recuar, centímetro por centímetro, contornando de novo o pedregulho e
cruzando a corda bamba da borda até o ponto onde ela se alargava.
Quando atingiu a relativa tranqüilidade da encosta da montanha, Brig parou e
começou a esfregar o ombro, tentando voltar a senti-lo. Max pareceu desabar no
chão, as pernas recusando-se a sustentá-lo.
— Eu... — Max ergueu os olhos para o homem que lhe salvara a vida. Pela
primeira vez, parecia não encontrar palavras. — Obrigado, Brig.
Brig poderia chamá-lo de todos os sinônimos de idiota por ele ter tentado
cruzar aquela borda, para começo de conversa. Teria sido uma maneira estúpida
de morrer, mas muitos homens haviam sido mortos pela ignorância e a
inexperiência. Brig sabia que Max teria pensado duas vezes antes de atravessar um
beco escuro na cidade, mas aventurou-se serenamente naquela borda, sem levar
em consideração o perigo que ela representava. Aquilo quase o matara, e a Brig
também.
Um chocalhar de pedras anunciou a chegada de Fletcher. Ele olhou para Max,
demonstrando preocupação, antes de olhar para Brig. Este sentiu sua fúria ferver. A
mão do braço bom formou um punho cerrado. Tudo isso acontecera por causa de
um maldito par de chifres! Teria uma satisfação tremenda em arrebentar a cara
daquele homem.
— Os dois estão bem? — perguntou Fletcher.
— Estamos. — O lábio dele encrespou-se, e ele ficou parecendo um lobo. —
Mas não graças a você.
— Não havia nada que eu pudesse fazer. — Fletcher entendeu mal, e pensou
que a crítica era por não ter dado nenhuma ajuda, e não por ter tentado cruzar a
área de deslizamento em primeiro lugar. Quando a borda cedeu e as pedras
começaram a cair, não pude colocar-me em posição para alcançar Max.
Isso era provavelmente verdade. Brig estivera ocupado demais para prestar
muita atenção na posição de Fletcher na borda. Era bem possível que não tivesse
havido jeito de ele alcançá-los em segurança sem provocar um grande
deslizamento, carregando os três para uma morte certa. Brig desconfiava de que
Fletcher estivera mais preocupado em salvar o próprio pescoço do que em ajudá-
los.
— A coisa toda foi de uma rematada idiotice. — Brig não estava disposto a
esquecer quem tivera a idéia. — Você devia ter avisado Max sobre aquele trecho
minado antes que ele tropeçasse nele.
— Eu... pensei que ele tivesse visto. — Fletcher franziu o cenho e deu de
ombros, ante a desculpa frágil.
— Ora, Fletcher! — Brig desdenhou a resposta. — Sabe que uma pessoa
pode escrever no dedo mindinho toda a informação que Max tem sobre os perigos
deste tipo de terreno.
O caçador ficou na defensiva, todo abespinhado.
— Você é o guia. Você é que devia estar na frente, abrindo caminho, não eu.
— E eu lhe avisei que era suicídio tentar contornar aquele trecho, mas você
me ignorou — retrucou Brig.
— Se ele não tivesse vindo atrás de nós, eu teria sido morto — declarou Max,
numa voz que ainda tremia.
Fletcher virou-se para ele.
— Acredite-me, Max, sei disso. Nem lhe posso dizer o quanto lamento que
tenha acontecido, mas agora é tarde demais para olhar para trás e pensar no que
devia ter sido feito.
— Sem dúvida — resmungou Brig. — Tivemos uma sorte danada.
Virando-se parcialmente, o caçador ergueu os olhos para a encosta.
— Aquele carneiro provavelmente está no cume da próxima montanha, a essa
altura.
Meu Deus, pensou Brig, ele ainda está pensando naquele maldito carneiro!
Fletcher era um homem egocêntrico, que nunca se preocupava com outra pessoa
por muito tempo. Não toleraria ninguém se metendo no seu caminho. O único meio
pelo qual Brig poderia tê-lo impedido de seguir por aquela borda teria sido o uso de
violência física. Quanto mais Brig aprendia sobre aquele homem, mais desconfiado
ficava.
Seu ombro estava começando a doer; Brig preferia a dor àquela dormência
paralisante. Olhou para Max para ver como ele estava se recuperando. Ainda
parecia abalado, porém já controlando melhor os membros.
— É melhor irmos andando — falou Brig.
Foi até junto de Max e enfiou-lhe uma mão sob o braço para ajudá-lo a se
levantar. O trio começou a viagem de volta para o alto cume, tomando um caminho
mais direto, sem mais precisar esconder-se das vistas do carneiro montês, que
havia muito desaparecera. Nem ele nem Fletcher mencionaram o fato de Max ter
molhado a calça.
Jordanna e o irmão vieram se encontrar com eles a meio caminho. Os olhos
dela estavam arregalados de preocupação e alarme, quando chegou junto de Brig.
Aquele esbarrão com a morte fazia com que ele desejasse sentir a vida do corpo
dela contra o seu. Porém, um olhar para o rosto fechado de Fletcher impediu-o de
tomá-la nos braços. O homem intrigava Brig. Aparentemente, com o seu silêncio,
Fletcher endossava o relacionamento de Brig com a filha, no entanto parecia
ressentir-se dele, ao mesmo tempo.
Jordanna parou diante dele, a apenas alguns centímetros. Alerta, notou que
ele poupava o braço dolorido. Tocou-o, hesitante, consciente de que o contato
poderia lançá-los um nos braços do outro.
— Está ferido? — perguntou.
— Não seriamente.
— Eu estava... preocupada com vocês. — A admissão foi feita com certa
hesitação, e ela olhou para o pai. — Não deviam ter tentado. Podiam ter se matado.
— Por que o fizeram? — quis saber o irmão, perscrutando o rosto de Fletcher
com olhar atento. — Você falou que não o faria se fosse arriscado demais.
— Porque pensei que conseguiríamos — foi a defesa impaciente. — Eu
consegui.
— Mas Max, não — acusou Kit. — Quase caiu e morreu por sua causa.
— Mas não caiu. — Fletcher mal estava se controlando. — O que aconteceu
já acabou. Não há nada a se ganhar repisando o assunto.
— Exceto certificar-se de que nada parecido aconteça de novo — murmurou
Kit, num tom que parecia um desafio. Lançou um olhar frio ao pai e se dirigiu para
Max. — Você está bem?
— Estou. E não se preocupe — falou Max. — De agora em diante, seu pai que
tocaie a caça dele. Eu não vou sair de cima do cavalo.
— Primeiro temos que chegar até os cavalos — lembrou Brig, e o pequeno
grupo recomeçou a andar.
Depois da longa caminhada até onde haviam deixado os cavalos, foi um
bendito alívio para as pernas deles cavalgarem de volta ao acampamento. A uns
quatrocentos metros do acampamento, o cavalo amarelo começou a trotar. Brig fez
uma careta quando a andadura sacudiu seu braço. Quando desmontaram perto das
estacas onde os cavalos eram amarrados, o olhar aguçado de Tandy Barnes notou
o modo cauteloso como Brig segurava o braço para não aumentar os danos
sofridos pelo ombro.
— O que lhe aconteceu?
Brig explicou rápida e não muito precisamente o que acontecera. Passou por
cima do acidente como se fosse algo que poderia ter acontecido a qualquer hora, e
não o resultado da tentativa imprudente de Fletcher de cruzar uma perigosa área de
deslizamento.
— Jocko e eu vamos cuidar dos cavalos. Você trate de ir para o acampamento
e enfiar um pouco de café quente pela goela — insistiu Tandy. — Logo que eu
acabar, vou dar uma olhada no seu ombro.
O ombro lhe doía tanto que Brig não fez objeção ao exame de Tandy. Na
tenda grande, aquecida pelo fogão de pastor, ficou só de calça, e o ato de se despir
fez com que sentisse punhaladas como de uma faca quente. Jordanna rondava a
mesa, observando-o, enquanto Tandy sondava o ombro com seus dedos sensíveis.
— Teve sorte de não deslocá-lo. Poderia tê-lo deslocado... se fosse um
homem normal — resmungou o vaqueiro atarracado.
— Só estirei alguns músculos. — Brig afastou-se dos dedos que o
examinavam, aumentando sua dor.
— É, estirou mesmo alguns músculos, e distendeu-os, e torceu-os, e tudo o
mais a que tinha direito. — Tandy estava aborrecido com a maneira superficial
como ele se referia ao ferimento. — É melhor enfaixarmos um pouco esse ombro
para sustentar esses músculos e dar-lhes uma chance de descansar. — Virou-se
para o pastor basco, que estava observando tudo. — Jocko, quer...
— Sí, vou buscar ataduras — replicou Jocko, respondendo à pergunta antes
que fosse formulada.
Jocko caminhou até um canto da tenda e abriu um pacote que continha
material de primeiros socorros. De lá, tirou um rolo largo de atadura elástica,
passando-o a Tandy. Este começou a envolver o ombro ferido, mas com muita falta
de jeito.
— Se você fosse um cavalo, eu saberia como fazer isto — resmungou para
Brig, e desenrolou a atadura para recomeçar.
— Deixe que eu faço — falou Jordanna, adiantando-se para tirar a atadura
cor-de-carne das mãos do vaqueiro.
— Acha que sabe? — ironizou Brig, que não estava lá de muito bom humor.
— Tive várias semanas de treino — replicou a moça, calmamente. — É útil
para quem faz expedições de caça. Nunca se sabe quando se pode precisar pôr em
prática esses conhecimentos.
Suas mãos eram suaves e eficientes. Ficou bem junto dele para prender a
extremidade da atadura, dobrando o corpo à altura da cintura, os cabelos longos
caindo para a frente por sobre um dos ombros, e brilhando, avermelhados, à luz da
lanterna. Seu cheiro familiar chegou às narinas dele. Era um cheiro de cavalos e
couro de sela misturado a uma fragrância limpa, sensual.
A despeito das condições primitivas do acampamento, ela se lavava com
freqüência, aquecendo a água numa chaleira, nas chamas da fogueira, e tomando
banho de esponja na privacidade da tenda. Ele vira sua silhueta nas paredes de
lona por mais de uma vez. Não tinha sido um gesto provocante da parte dela, mas o
resultado fora o mesmo, o contorno indistinto do corpo dela, e a imaginação
incendiando o seu sangue de desejo. A mesma expressão estava agora estampada
nos seus olhos castanhos.
O ombro dele estava firmemente enfaixado. Enquanto alisava a extremidade
do pano, Jordanna ergueu os olhos para ele.
— Está bom?
— Está ótimo. — O desconforto que o ferimento lhe causava não era o que
estava ocupando o pensamento de Brig, no momento, e a moça leu isso nos olhos
dele.
Endireitou o corpo, evitando os olhos de Brig, enquanto o olhar dele se dirigia
para Tandy e Jocko. A ponta de constrangimento parecia ser mais por causa deles
do que dela. Estendeu a mão para a camiseta de mangas compridas que estava
sobre o banco de madeira.
— Vou ajudá-lo a vestir isto — disse ela.
— Parece que está em boas mãos, Brig. — Tandy foi se dirigindo para a aba
da tenda. — Vou pegar aquela lenha que você estava querendo, Jocko.
— Vou com você. Preciso apanhar um pouco de água no riacho para aquecer,
para os homens poderem se lavar. — Jocko arranjou uma desculpa para deixá-los
sozinhos.
Quando Jordanna se virou para ele com a camiseta, Brig estendeu a mão e
deslizou-a pela coxa dela, puxando-a mais para perto pelo quadril. Enterrou o rosto
no vale entre os seios dela, as camadas de roupas impedindo sua boca de tocar-lhe
a pele. Escutou-lhe o som reconfortante das batidas do coração, e puxou-a para os
seus joelhos, enquanto sua boca procurava a dela. Os lábios de Jordanna eram
macios como um creme, e o beijo prolongou-se possessivamente.
— Hoje... — começou ela, e Brig sabia que estava querendo falar no acidente.
— Não quero falar de hoje à tarde. — Não queria lembrar-se de como os seus
pensamentos se haviam voltado para ela, quando achou que ele e o primo iam
morrer. Brig fê-la levantar-se. — Ajude-me a vestir a camiseta.
Depois que ela o ajudou a enfiar os braços nas mangas e puxou a camiseta
por sua cabeça, Brig recusou sua ajuda para vestir a camisa de flanela,
conseguindo fazê-lo sozinho... embora dolorosamente. Flexionou o ombro ferido.
Levaria alguns dias até que ele pudesse mexer-se livremente sem sentir dor.
— Quer um pouco de café? — Jordanna estava diante do fogão, servindo-se
de uma xícara.
— Não.
Pousando a xícara, Jordanna vestiu o capotão pesado com capuz.
— Acho que vou lá para fora um pouco.
Brig deixou-a ir sem fazer objeção.
Max estava sozinho ao pé do fogo, quando Jordanna saiu da tenda. Tandy
estava se aproximando com uma braçada de lenha. Jocko vinha vindo da direção
do riacho, trazendo um balde d'água. Jordanna olhou ao redor, procurando o pai e o
irmão. Sorvendo seu café, caminhou até junto do fogo.
— Onde estão papai e Kit? — perguntou a Max, que se encolhia junto ao fogo.
Max olhou para ela vagamente por um instante, depois deu de ombros.
— Não sei. Saíram por aí. Eu não estava prestando muita atenção — admitiu.
Jocko ouviu a pergunta e deu a informação.
— Eu os vi perto do riacho.
— Obrigada.
Jordanna parou ao pé do fogo por um momento, depois saiu em direção ao
riacho da montanha.
Enquanto se aproximava, ouvia o ruído do riacho correndo. A água corria pelo
leito coberto de rochas, deixando as pedras bem polidas e lisas, aparando-lhes as
arestas. Era muito clara e fria. Jordanna seguia seu curso sinuoso, onde a
montanha oferecia menos resistência.
O som de vozes raivosas fê-la diminuir o ritmo dos seus passos, enquanto
tentava localizar os homens. Um pouco à sua frente, Jordanna viu o pai e o irmão
discutindo. A água que caía abafava as palavras deles, mas nada obstruía sua
visão. Jordanna nunca vira o pai assim tão zangado. E o que quer que Kit lhe
estivesse dizendo só tornava as coisas piores.
Enquanto Jordanna assistia à cena, o pai deu um tabefe com as costas da
mão no rosto do filho, jogando-o no chão. Ela soltou uma exclamação abafada de
choque e correu para diante. Sem esperar que Kit se levantasse, o pai saiu
apressado na direção do acampamento. Quando ela chegou junto do irmão, Kit
estava se pondo de pé e esfregando o rosto. Depois de lançar-lhe um olhar, passou
a evitar os olhos dela.
— Você está bem? — indagou ela, ansiosamente.
— Estou — respondeu o rapaz, movimentando o maxilar com cuidado.
— Por que ele bateu em você? Sobre o que estavam discutindo? — Jordanna
não podia imaginar o que Kit pudesse ter dito para incitar o pai à violência.
Kit hesitou, fitou-a nos olhos por um momento pungente, depois desviou o
olhar.
— Você não acreditaria em mim, se eu lhe contasse — murmurou.
— Mas que espécie de resposta é essa?
— Deixe para lá, Jordanna. — A linha rígida do seu maxilar lhe dizia, tanto
quanto as palavras, que ele não iria mais discutir o assunto com ela.
Ao ouvir a aba da tenda ser erguida, Brig se virou. Estava com esperança de
que fosse Jordanna voltando, mas foi Jocko quem entrou na tenda. Um lampejo de
desapontamento perpassou-lhe pelos olhos antes que ele pudesse disfarçá-lo, e o
pastor o notou.
— Ela foi até o riacho procurar o pai e o irmão — informou Jocko.
— Não me lembro de ter perguntado nada — retrucou Brig vivamente. Será
que fora tão transparente?
— Não, não perguntou — admitiu Jocko, rindo baixinho.
Brig caminhou até o fogão e se serviu de uma xícara de café, lembrando-se de
ter recusado quando Jordanna lhe oferecera. Era preto e forte, como ele gostava.
Levou a xícara para a mesa tosca de madeira e se sentou no banco igualmente
tosco.
— Prestou atenção nela, ultimamente? — perguntou Jocko, que estava se
servindo de café no fogão.
— Em quem? Em Jordanna?
— Sí. Em Jordanna. — O basco zombou da simulada tentativa de ignorância
por parte de Brig.
— O que há a respeito dela? — Brig fitou a xícara, sentindo sua própria
agitação revolvendo-se como um caldeirão fervente.
— Já estamos nas montanhas há mais de uma semana, e ela não mudou. Se
mudou, foi para ficar ainda mais bonita.
— Isso é natural. Sendo a única mulher, é lógico que pareça mais bonita. —
Brig pareceu não dar importância à frase.
— Não, você não está entendendo. — A reprovação de Jocko era meiga,
como se ele estivesse corrigindo uma criança. É que ela floresce sob condições
árduas. Fica mais forte por causa do desafio das montanhas. Sabe selar o próprio
cavalo, caçar os seus animais, cozinhar sua comida, lavar sua roupa e cuidar de
ferimentos. Não se sente assustada ou intimidada com o isolamento. Não anseia
pela civilização ou pelo conforto de uma cama macia.
— E daí? — A enumeração de todas as suas qualidades não era necessária.
Brig notara todas aquelas coisas que lhe exigiam admiração. Sua confiança em si
mesma, a força na adversidade, a espontaneidade carinhosa na cama e suas
aptidões básicas eram todas características que imaginara na mulher ideal. Não
precisava que lhe dissessem que Jordanna as possuía.
— Ela é uma mulher rara — declarou Jocko. — É como as pioneiras que
vieram para o oeste com os maridos e as famílias e trabalharam lado a lado com
eles para construir uma nova vida.
— Você deixou de fora um ingrediente-chave, Jocko. O coração. — Por que
dissera isso?
— Acha que sua mulher não tem coração? — Lançou a Brig um olhar
intrigado.
Brig levantou-se da mesa, quando Jocko já ia sentar-se.
— Não falei isso.
— Não? — A única palavra era mais do que cética.
— Não. — Era uma negativa seca. Havia algo preocupando-o, mas ele não
conseguia identificar o quê.
— Sei que ela é mais do que uma simples mulher para você. Será que tem
medo de admitir que gosta dela? — perguntou Jocko, lançando-lhe um olhar triste,
cheio de piedade.
— Ela aquece o meu saco de dormir nas noites frias da montanha. Enfaixa
meu ombro. Cavalga a meu lado. É, gosto dela — concordou Brig, numa voz
confusa e irritada. — Mas estamos aqui para caçar carneiros, está lembrado? E o
pai dela quer um montês tamanho troféu. — Com uma paixão que quase matou
Max hoje à tarde... e a ele também.
— E o que tem isso a ver com Jordanna? Está fazendo as coisas parecerem
complicadas — falou Jocko, sacudindo a cabeça.
— Isso é porque você é pastor, Jocko. Para você tudo é muito simples. —Brig
tinha certeza de que não era. — Não sabe como a gente rica e egocêntrica deste
mundo pode ser ardilosa e astuta para obter o que deseja. É um mundo de coiotes,
Jocko. Eu sei. Vivia nele. Um coiote sozinho ataca apenas algo mais fraco... uma
ovelhinha recém-nascida ou um animal aleijado. Mas você sabe o que um bando
deles é capaz de fazer, Jocko. Trabalhando juntos, os coiotes podem derrubar um
alce adulto. — Lançou um olhar para a abertura da tenda. — Pode ser que
tenhamos aí fora um bando de quatro coiotes caçando. Tenho uma estranha
sensação de que não devemos confiar neles nem um tiquinho, Jocko.
— Aconteceu alguma coisa hoje que você não mencionou? — adivinhou
Jocko.
— Basta lembrar-se do que eu disse.
Brig tomou um gole do seu café e pegou a jaqueta de pele de carneiro,
jogando-a nos ombros antes de se dirigir para a fogueira.
— O cavalo amarelo está com uma ferradura solta. — Tandy deu a explicação
para Brig, enquanto selava um grande cavalo baio de carga, que fazia também o
papel de montaria sobressalente. — Assim, você vai ter que montar o Jughead
hoje.
— Jughead? — Jordanna lançou um olhar a Brig, um brilho malicioso nos
olhos, pois o nome dado ao cavalo era usado como gíria para "mula" — Que nome
terrível para se dar a um cavalo.
— Fique contente por não ter que montar aquela cabeçuda, teimosa e burra
imitação de um cavalo. — Um sorriso preguiçoso insinuou-se nos cantos da boca
de Brig.
— Seu ombro o está incomodando, hoje? — quis saber Tandy, resmungando
enquanto apertava mais a tira da cilha.
— Quer que o amanse para você? — Brig hesitou, depois concordou.
— É melhor. Eu poderia ser derrubado, e isso seria como colocar sal na ferida.
Segurou o bridão do cavalo, enquanto Tandy montava. Todos, inclusive
Jordanna, tinham se afastado um pouco para espiar. Tandy enterrou bem o chapéu
na cabeça e se acomodou fundo na sela. Quando Brig soltou o bridão, o baio deu à
platéia uma animada exibição de corcovos. Com um grande bufido de derrota, o
capão endireitou as costas e começou a trotar.
— Ele sempre age assim? — perguntou Jordanna, com um sorriso ainda lhe
suavizando a boca.
— Com cavaleiro ou com carga — concordou Brig.
Tandy aproximou-se deles e desmontou, passando as rédeas para Brig.
Jordanna estava parada ao lado do seu alazão. Nunca se cansava de ver como Brig
subia para a sela. A ação era suave, um movimento fluido. Montado no cavalo, ele
dirigiu o olhar para ela. Jordanna se adiantou para o lado do alazão, mas, quando
pôs o pé no estribo, notou que a sela estava solta. Começou a apertar a cilha.
— Deixe que eu o faço. — Tandy estava a seu lado.
— Tandy sempre fica com a sela larga. Esqueci de verificar.
— Há algo errado com o meu cavalo — afirmou Max. — Não quer se mexer.
Jordanna lançou um olhar ao capão de pintas marrons. Max enfiava os
calcanhares nos flancos do cavalo, mas ele nem sequer piscava. Estava imóvel
como uma estátua, a despeito da insistência do cavaleiro.
— Pode ser que a cilha esteja muito apertada — sugeriu Tandy. — Já vou
para aí.
— Deixe-me ajeitá-la, Tandy — ofereceu-se Fletcher, saltando do seu cavalo.
Caminhou até o malhado e ergueu os olhos para Max. — Vai ter que desmontar
disse, com paciência irônica.
— Não sabia.
Fletcher soltou a cilha um mínimo, e ajustou a sela para que ficasse
exatamente no meio das costas do cavalo, depois se afastou.
— Experimente agora, Max.
Ele montou e esporeou o cavalo.
— Nem se mexe — declarou Max, chateado.
Tandy deu uma palmada na barriga do alazão e apertou mais a cilha da sela
de Jordanna.
— Pode ser que haja uma dobra na manta da sela. Esse pintado não é fácil.
Não dá um passo, se houver algo errado com o equipamento. Tinha um problema
nas costas quando o compramos. Acho que resolveu que isso não iria lhe acontecer
de novo.
Max desmontou de novo, e Fletcher soltou a cilha completamente. Examinou
debaixo da sela e do coxim da sela, alisando tudo. A certa altura, deteve-se.
— Acho que encontrei, Tandy — falou. — Havia uma dobrinha no coxim. Deve
ter sido isso.
Quando Max voltou a montar, o malhado começou prontamente a andar.
— Que cavalo sabido, Max! — observou Smith, e voltou para a sua montaria.
Dali a minutos estavam todos montados, e Brig os levou para fora do
acampamento. Jordanna ia atrás dele. Aquele se tornara o seu lugar na fila.
Gostava de ir seguindo os ombros largos dele. Sempre se sentia especialmente a
salvo e segura quando ele estava por perto... não que antes tivesse tido medo. Era
uma sensação que não sabia explicar.
O plano para o dia de caçada era voltar ao lugar onde haviam visto o carneiro
grande pela primeira vez. Era perto do acampamento. Dali, poderiam começar a
circular para os outros lugares até encontrar o tal carneiro, ou outro para Jordanna.
Ela olhou para trás, para o resto do grupo. Max vinha logo atrás dela, seguido
pelo pai, e finalmente por Kit. Este resolvera vir depois que Max mudara de ideia
quanto a ficar no acampamento. Jordanna tinha achado ligeiramente comovente o
modo como o irmão se apressara em defender Max, na noite anterior, das
implicâncias do pai. Claro que Kit não tinha compreendido que o pai não queria ser
tão mordaz. Era só sua frustração por causa do carneiro fujão, uma coisa que ela
compreendia muito bem.
Ao pensar nos dois, lembrou-se da discussão que presenciara. Tivera
esperanças de que aquela viagem acertasse as diferenças entre pai e filho, mas
elas pareciam estar piores. Por quê? Não conseguia encontrar motivo algum.
Absorta nos seus pensamentos, Jordanna não notou que Brig tinha parado. O
alazão parou por conta própria ao lado dele. Ela lançou um olhar para Brig, que
havia dirigido o binóculo para o vale abaixo deles.
— O que foi? — perguntou. O binóculo dela estava pendurado no pescoço,
preso à frente da jaqueta, para não se sacudir enquanto ela cavalgava.
— Um urso preto. — Brig baixou o binóculo por um minuto, e olhou de novo.
— Perto daquelas árvores. Está vendo?
Jordanna localizou o movimento e focalizou o binóculo. O urso estava a
alguma distância abaixo deles, um ponto negro se movimentando, até que a
ampliação conseguida com as lentes do binóculo lhe deu forma. Não parecia maior
do que um grande cachorro labrador. A escuridão do seu pêlo felpudo fazia o urso
parecer menor do que era a tal distância. O animal continuou sua andadura
ondulante e desapareceu no meio das árvores.
— Há tanta caça nessas montanhas! — disse Jordanna, baixando o binóculo e
olhando para Brig. O pequeno corte no maxilar de Brig trouxe um sorriso aos lábios
dela.
Brig ficou vendo o sorriso formar-se com um interesse desconcertante.
— Por que o sorriso?
— Estava me lembrando da dificuldade que você teve para se barbear hoje de
manhã... até que tomei conta de você. — O calor da voz dela era ligeiramente
implicante.
Por um minuto um sorriso brincou na boca de Brig, depois desapareceu.
— Acho que abri um precedente perigoso, quando lhe confiei uma navalha —
murmurou, fazendo o cavalo andar.
Enquanto ele saía andando, a testa franzida dela era a um só tempo divertida
e intrigada. Brig parecia quase sério. O cavalo alazão voltou a entrar na fila. Uma
trilha íngreme e sinuosa estava logo à frente, serpenteando pelo meio das árvores
até a crista da montanha. Era uma subida árdua, em ziguezague, cheia de trechos
onde os cavalos tinham dificuldade em manter o equilíbrio. Jordanna deixou solto
seu cavalo criado nas montanhas, sabendo que ele se sairia melhor sem nenhuma
interferência por parte do cavaleiro.
Durante a primeira metade da manhã, não avistaram um só carneiro. Perto do
meio-dia, estavam deitados de barriga para baixo num cume, vendo pelo binóculo
uma bacia natural de carneiros, com um pequeno lago alpino, uma boa pastagem, e
rochedos íngremes e escarpados. A área parecia não ter nenhum carneiro montês.
— Olhem ali, acabando de entrar no prado — disse o pai, focalizando a orla
meridional da encosta.
— Estou vendo — respondeu Jordanna, enquanto os três carneiros entravam
cautelosamente no prado. — Um deles parece de bom tamanho.
— É difícil dizer daqui — falou ele. — Estão longe demais para eu saber se
aquele tem o chifre lascado ou não.
— Vamos nos aproximar — disse Brig. — Podemos chegar junto deles contra
o vento, se cavalgarmos logo abaixo daquele caminho ao longo do cume, à direita.
— Vasculhou de novo a área. — Não deve ser uma tocaia muito difícil, daquele
ponto.
Montando, caminharam ao longo do acostamento do cume, cujo espinhaço os
ocultara de vista. Num lugar escolhido por Brig, pararam e foram se dirigindo
cuidadosamente para o alto. O trio de monteses ainda estava lá, pastando, não
muito longe do lugar em que eles os haviam visto. O carneiro de chifre lascado não
estava entre eles, mas o maior era quase equivalente. Jordanna examinou-o
através de uma luneta possante, antes de passá-la ao pai.
— É dos bons — concordou Fletcher. — Vai tentar pegá-lo?
— Vou.
Depois de uma discussão em voz baixa com Brig, sobre as possíveis rotas de
tocaia, o grau de visibilidade de cada uma, e os ventos, Jordanna escolheu a que
preferia. Juntos, ela e Brig começaram o processo lento e delicado de uma tocaia,
tentando fazer movimentos expostos quando o carneiro estivesse de cabeça baixa,
pastando, ou quando estivesse olhando para outro lado.
Quando Jordanna atingiu um pedregulho a menos de cinqüenta metros do
alvo, Brig estava bem junto dela. O olhar dele dizia que era o máximo a que podiam
chegar. Havia um brilho de admiração relutante nos olhos dele pelo fato de a tocaia
hábil e silenciosa dela tê-lo levado até tão perto.
Ela apoiou o cano do 30-06 no pedregulho, segurando a extremidade inferior
na mão esquerda, e agachou-se por trás da pedra. Tinha a garganta seca e sentia-
se trêmula. Febre de carneiro. Respirou fundo umas duas vezes para fazer passar a
febre. Mirando um pouco baixo atrás do ombro marrom, apertou suavemente o
gatilho. O fuzil ressoou no silêncio da montanha, estilhaçando o ar e ecoando pelas
paredes de pedra. O carneiro deu um passo trôpego e desabou, como se as pernas
lhe tivessem fugido. O tiro do fuzil deixara os outros jovens carneiros paralisados
por um instante, antes que disparassem em pânico para as alturas escarpadas.
A euforia do sucesso a inundou. Jordanna se levantou de trás da pedra e
apanhou o fuzil. Os olhos dela brilhavam quando o seu olhar triunfante se voltou
para Brig. Não havia expressão nos olhos dele.
— Vamos ver o que você pegou. — Ele se adiantou, e ela seguiu rapidamente
atrás.
Um pouco sem fôlego, tanto pela excitação quanto pela curta subida,
Jordanna chegou junto ao corpo sem vida. Era um espécime magnífico, com um par
de chifres espalhados e castigados. A ponta de um deles tinha sido partida. O
carneiro tomara parte em muitas lutas e, sem dúvida, conquistara inúmeras fêmeas.
Jordanna sentia orgulho do seu troféu.
— Quer esfolá-lo aqui? — perguntou Brig, sem lhe dar tempo de curtir o seu
sucesso.
A área onde o carneiro tinha caído era relativamente plana, sem nenhuma
obstrução que interferisse no processo. Ela lançou um olhar por cima do ombro
para ver o pai, o irmão e Max chegando ao cume do morro a cavalo, e dirigiu-se
para junto deles.
— É, aqui é um bom lugar — concordou ela, tirando a faca do cinto.
Brig parou, fitando-a com um ceticismo espantado.
— Vai fazê-lo? — perguntou. Já tinha sua faca na mão, com a lâmina em
posição.
— Sei como é — disse Jordanna, os olhos rindo ante sua expressão de
dúvida. — Pode ajudar, se souber o que está fazendo.
— Obrigado — disse ele, secamente, e afastou-se para deixá-la começar.
Jordanna começou por trás da perna dianteira e cortou costas acima. Brig
ajudou-a a virar o animal para que ela pudesse continuar a cortar pelo outro lado.
Depois de esfolar as pernas dianteiras, terminou o corte atrás do peito. A lâmina da
sua faca cortou até o pescoço, passando pela espinha dorsal, e fez um T na base
dos chifres. Trabalhando num ritmo confortavelmente regular, Jordanna esfolou os
ombros e o pescoço, tomando cuidado para evitar deixar qualquer pedaço de carne
ou gordura agarrada ao couro.
— Você sabe mesmo o que está fazendo — comentou Brig.
— Faz parte da caçada — retrucou Jordanna, tentando parecer modesta, mas
ficou satisfeita com o elogio dele. Brig não fazia elogios imerecidos. Já aprendera
isso a seu respeito.
— Você o faz muito bem; já vi alguns caçadores meterem a faca de tal modo
no couro que ele fica destruído. — Brig tomou o lugar dela para separar a cabeça
do pescoço na primeira junta.
A chegada do resto do grupo de caça forneceu a Jordanna as ferramentas
para terminar o serviço... uma chave de fenda para afastar a pele dos chifres, um
serrote para cortar o topo do crânio e um saco de sal para curar o couro. Era um
processo longo e tedioso, que exigia um cuidado extremo.
Foi uma prenda pesada a que carregaram de volta ao acampamento, somente
os chifres pesando quase quinze quilos. Um pôr-do-sol magenta pintava uma
espetacular tonalidade rosa pelos vales e montanhas, ao crepúsculo. Havia um ar
de comemoração no acampamento, aquela noite, uma aura sublime de sucesso. O
couro, cuidadosamente dobrado, foi enfiado na proteção de um galho de árvore,
onde ficaria a salvo dos animais necrófagos.
— Bem, fez jus à sua primeira bonificação, Brig. Como se sente? — perguntou
Fletcher, num desafio animado.
Brig estava sentado num toco de árvore, perto da fogueira. Jordanna sentava-
se no chão, perto dele, o ombro não muito distante da sua coxa. Gostaria que o pai
não tivesse tocado no assunto de dinheiro, mesmo de pilhéria. Fora grosseiro.
— Ótimo — respondeu Brig, após um momento de hesitação.
— Deveríamos ter comido carne de carneiro hoje no jantar — disse Jocko,
mudando de assunto. — Já a comeu? — Fez a pergunta para Jordanna, enquanto
enchia a sua caneca de lata com café de um bule pintalgado.
— Não.
— Acho que é a melhor de todas as carnes selvagens, tão boa quanto a de
gado alimentado a milho. Tem muito pouco gosto selvagem — disse Jocko.
— Falou o pastor — zombou Max do elogio.
— Não é como a carne de carneiro doméstico.
— Mas aquele carneiro montês era velho. A carne seria dura, não valeria a
pena cozinhá-la. — Max continuou a falar mal da carne de carneiro.
— No passado, todo o oeste era povoado por carneiros monteses —
comentou Fletcher. — Espalhavam-se das Dakotas até o rio Missouri, em qualquer
lugar em que a terra fosse árida e selvagem. Eram em número maior do que o de
veados. Os índios shoshones, comedores de carneiro, caçavam-nos da maneira
como os índios das planícies caçavam os búfalos. E então o homem invadiu a área
com as suas fazendas de gado e ovelhas. Os carneiros monteses foram expulsos
pelos pastos usados demais e pelas moléstias.
— Sua escassez e seus hábitos ariscos são o que os tornam troféus tão
cobiçados — ressaltou Brig.
— É uma pena que não possam voltar a existir em grande número, como
aconteceu com os veados — refletiu Jordanna.
— Poderiam — insistiu Fletcher.
— Como? — quis saber Kit.
— Olhem para Idaho. Com exceção de alguma terra agrícola no sul, é
basicamente uma terra marginal, que não presta para grande coisa, salvo como
pasto para algumas vacas e ovelhas. Se o governo parasse de arrendar essa terra
aos fazendeiros para pastagem, o suprimento de alimentos para os monteses e
outros animais selvagens aumentaria. Além disso, os perigos de contagiar os
carneiros selvagens com moléstias de um rebanho doméstico seriam eliminados —
argumentou ele.
— Em outras palavras, você está dizendo que se deve eliminar a indústria de
gado e ovelhas em Idaho. — Brig lançou-lhe um olhar indolente de desafio.
Fletcher riu, um tanto constrangido.
— Esqueci que havia um fazendeiro no nosso meio, mas é o que estou
dizendo, sim. A caça aos grandes animais faria muito mais pela economia do que o
pastor ou o vaqueiro. Traria dinheiro para as taxas de licença, fornecedores de
equipamento, despesas de taxidermia, viagens, motéis, material, etc. A caça aos
animais graúdos é um grande negócio, e traria mais dinheiro para uma área do que
uma simples fazenda de gado. Animais domésticos e empreendimentos imobiliários
são os inimigos dos animais selvagens.
— Seria incrível! — Max olhava sonhadoramente para o fogo. — Todo o
Estado de Idaho transformado numa reserva de caça gigantesca, onde os ricos do
mundo viriam caçar.
Jordanna podia ver o brilho dos cifrões nos olhos dele. Seu comentário não
fazia o plano do pai dela parecer muito altruísta.
— Não precisaria limitar-se a Idaho. Existem milhares de hectares em outros
Estados do oeste igualmente adequados aos carneiros monteses e a outras caças
graúdas. O montês, o urso pardo, o alce, todos podiam voltar em grande estilo —
insistiu o pai —, juntamente com o antílope branco, o puma e o lobo.
Parecia o paraíso de um caçador... na superfície. Jordanna ouviu o bufido de
nojo de Brig. Ele ergueu a cabeça, as chamas iluminando sua expressão
desdenhosa, enquanto seu olhar duro ia de Max para Fletcher.
— Existem pessoas neste país, e milhões em outras partes do mundo, que
estão morrendo de fome. Vocês querem eliminar uma indústria de gado e ovelhas
que pode alimentar e vestir milhares de pessoas para que um punhado de
"cavalheiros" ricos possa curtir um jogo de matar por esporte. As pessoas comuns
servem para vocês pisarem nelas e obterem uma vista melhor, não é mesmo? —
Pôs-se de pé, encarando-os com escárnio, antes que um cinismo frio lhe
recurvasse a boca. — O que me deixa morto de medo é que provavelmente
conseguiriam comprar um número de políticos suficiente para tornar isso realidade.
— Brig esvaziou o resto da xícara no fogo, as brasas quentes chiando. — Com
licença, mas preciso de ar puro.
Movendo-se com o silêncio de quem está de tocaia, saiu do círculo de luz da
fogueira e sumiu na escuridão da noite. A lua desapareceu atrás de um grupo de
nuvens. Tandy resmungou alguma coisa sobre ir ver os cavalos e Jocko começou a
mexer nas panelas para preencher o silêncio pesado. Sacudindo a poeira das
mãos, Jordanna se levantou e caminhou na direção das tendas. Seu olhar se voltou
para a direção que Brig havia tomado, porém ela não o seguiu. Olhou para a árvore
onde estavam os chifres e o couro do carneiro montês. Subitamente, não sentiu
muito orgulho de tê-lo abatido.
Às suas costas podia ouvir o pai e Max conversando, em vozes muito mais
baixas do que antes. Ouviu passos no terreno irregular atrás de si, onde as folhas
de pinheiro haviam sido retiradas. Virou-se e viu o irmão.
— Um discurso e tanto, não foi? — Observava-a atentamente, a expressão
suave.
— Foi. — Estremeceu quando um vento frio lhe roçou a face. — Acho que
finalmente estou começando a entender o que você sempre me disse.
— É?
— Caçar por esporte devia ter mais propósito do que simplesmente matar um
animal para pendurá-lo na parede e pôr dinheiro no bolso de alguém. Devia
significar também comida na mesa — falou Jordanna.
— Acho que nunca me exprimi do jeito como Brig o fez hoje, mas é o que
sempre quis dizer — falou, balançando a cabeça. — Ele é um homem e tanto,
Jordanna.
— Sim — replicou ela, com o olhar perdido na noite.
Conhecia poucos detalhes sobre ele, mas sentia que conhecia o essencial.
Era forte o bastante para ser meigo, cruel o bastante para ser bondoso, e poderoso
o bastante para ser vulnerável. Era duro, mas era a dureza da rocha sólida. E ela o
amava. A certeza disso chegou-lhe docemente, cálida e ardente, queimando cada
vez mais viva. Brilhava nos seus olhos, quando se virou para Kit.
— Ele é o melhor da espécie dele, Kit, talvez o único.
— Você talvez tenha razão.
— Eu... — Jordanna fez uma pausa. Não parecia haver mais nada para dizer.
Nada mais era necessário. — Acho que vou me deitar. Boa noite, Kit.
— Boa noite.
O irmão ainda se demorou um minuto depois que ela se virou para a barraca
pequena, e em seguida voltou para junto da fogueira.
Jordanna parou para apanhar os volumosos sacos de dormir. Ela os havia
pendurado de manhã para arejar e secar a umidade dos seus corpos, antes que um
acúmulo de umidade afetasse a capacidade de isolamento. Trazendo-os para
dentro da barraca, ajeitou-os sobre o colchão de folhas de pinheiro. Despindo-se e
ficando só com a comprida roupa de baixo de lã, Jordanna enfiou-se no calorzinho
do saco duplo para escovar os cabelos. Sentia-se perdida na amplidão dos dois
sacos de dormir.
Largando a escova de lado, deitou-se de costas para fitar um buraco no teto
da barraca e esperar por Brig. Ele demorou uma hora para entrar na tenda. A
ausência de luz dava-lhe um formato escuro, ameaçador. Ela queria falar, mas
sentia-se estranhamente constrangida. Brig também ficou calado, enquanto se
despia e deslizava o longo corpo para dentro da abertura do saco de dormir. Não
fez nenhuma tentativa de se aproximar dela.
— Brig? — perguntou, em voz tão baixa que vibrava.
Ele se mexeu, virando-se para ela. Achou sem vacilar a cintura da moça e
puxou-a para junto de si. Sua boca magoou-lhe os lábios, e Jordanna aceitou
aquela posse irada. Beijos ásperos choveram sobre o rosto dela.
— Você é uma droga, Jordanna, que injetaram no meu organismo —
murmurou Brig. — Fico alto com você... e amaldiçoo cada minuto desse vício.
— E se... — Os dedos dela tremiam ao passar pelas feições duras e magras
dele, memorizando-as pelo toque. — se eu lhe dissesse que acho que estou... meio
apaixonada por você? O que diria?
Sentiu a imobilidade momentânea dele. Erguendo a boca da pele dela, ele
soltou um suspiro mudo.
— Que está nas montanhas há tempo demais. Pode ser que tudo o que
tenhamos seja um vício físico... não uma dependência emocional. Não vamos nos
apressar em confundir as duas coisas — advertiu.
Ela sentiu um bolo na garganta, porque sabia que para ela não era verdade.
— É o que você acha?
Uma mão errante introduziu-se pela cintura da sua roupa de baixo.
— É possível — murmurou Brig contra sua boca.
As palavras de convencimento morreram-lhe nos lábios, quando Jordanna se
perdeu nas habilidades sedutoras do toque dele. Seus ossos se derreteram,
quando entraram em contato com aquele corpo rijo. A pulsação irregular do seu
coração tremulava de encontro às suas costelas, quando os lábios duros dele
tomaram posse dos seus. Ela não se prendeu de forma alguma, comprazendo-se
nas chamas ardentes da paixão dele. O amor corria como lava quente pelas veias
dela. Cada partícula do seu corpo se entregava a ele, desprendidamente, sem pedir
mais nada em troca, exceto a posse por parte dele. A resposta de Brig foi a
satisfação... para ambos.
Depois, ficaram descansando nos braços um do outro. A carícia das mãos
dele era distante e meiga, não mais exigente.
— Seu pai me prometeu uma bonificação por um carneiro com um caracol de
um metro — disse Brig, numa doce zombaria. — Não sabia que você também ia
contribuir com o seu tipo especial de recompensa.
Suas palavras indicavam que ele havia sentido uma diferença na reação dela.
Chegara à sua própria conclusão. Aquilo a magoou profundamente.
— Gostaria de não ter matado aquele carneiro — murmurou Jordanna.
Ele virou a cabeça, mas não pôde vê-la na escuridão.
— Por quê? — Brig parecia divertido, de uma maneira cínica.
Jordanna hesitou em explicar. Mas jamais poderia convencê-lo, porque não
acreditaria nela. Rolou para o outro lado, para longe dele.
— Não importa — falou ela, com voz rouca. — Não mudaria nada.
Brig fitou a forma escura da cabeça de Jordanna. Seu corpo sentia-se fresco,
onde o dela tinha se encostado. Resistiu ao impulso de tocar no assunto da
declaração de amor, de descobrir se ela realmente falava sério.
Desde que aquela caçada começara, todos os seus instintos o advertiam de
algum perigo oculto. No entanto, sua única vulnerabilidade jazia nos seus
sentimentos por Jordanna. Algo lhe dizia para não relaxar a guarda.
Brig olhou para o teto. Ela tocaiara aquele carneiro com a perícia de uma
tigresa e esfolara sua presa com a segurança de uma caçadora. Será que ele seria
seu próprio troféu? Por que estava se fazendo tal pergunta?
Lutou contra o impulso de enroscar-se junto ao corpo dela, dando-lhe as
costas, ao invés disso.
Capítulo XVI
Brig sentiu um gosto amargo na boca quando Jordanna se afastou. Seu porte
ereto, as linhas rijas e orgulhosas do seu corpo lembravam-lhe uma criança
injustamente acusada de contar uma mentira e que fora mandada para a cama sem
jantar. Estava com raiva de si mesmo. Mas, porra, tinha tido razão! Tomou um gole
do café. Tinha-se tornado frio e amargo. Com uma torção do pulso, esvaziou a
caneca no chão.
— O que é isso, jogando fora desse jeito um café bom? — perguntou Tandy,
franzindo o cenho.
Brig virou bruscamente a cabeça ante a reprimenda muda do vaqueiro.
— Estava frio. — Olhou para além dele. — Os cavalos estão todos prontos?
— Estão. E minha barriga está pronta para tomar meu desjejum.
— Onde está Fletcher? Pensei que estivesse com você.
— Vem logo atrás. Estava terminando de encilhar o Jughead. — Tandy olhou
por cima do ombro no momento em que Fletcher Smith saía de dentro do bosque
próximo à clareira.
Brig pensou ter sentido o olhar do caçador ficar mais aguçado ao vê-lo. Mas,
no instante seguinte, concluiu que estava errado, quando o homem sorriu e
cumprimentou-o.
— Bom dia, Brig. Como vai indo o ombro hoje?
— Muito melhor.
— Ótimo. Onde está Jordanna? Não estava com você? — perguntou Fletcher,
olhando curiosamente à sua volta.
— O desjejum ficou pronto. Acho que ela foi comer.
— Parece uma boa idéia para nós também. — Fletcher parecia afável,
confiante. Emparelhou-se com Brig. — Acho que deveríamos seguir a mesma rota
de ontem, não acha?
Caçar carneiros não era exatamente o que mais preocupava Brig no momento,
mas era para isso que estava sendo pago, não importava o quanto o fato o
embaraçasse. Balançou a cabeça, concordando.
— Pode dar tão certo quanto deu ontem para Jordanna.
— Estou contando com isso. — Fletcher parou para segurar a aba da barraca
para Brig entrar em primeiro lugar.
Jordanna estava lá dentro, mas nem sequer ergueu os olhos quando ambos
entraram. A expressão de seu rosto parecia esculpida em mármore frio. Não trocou
uma só palavra com ele durante toda a refeição. Só uma vez, por acaso, seus
olhares se encontraram, e havia uma frieza gélida no olhar dela. Mas ele notou que
ela brincava com a comida, ao invés de comer com apetite, como de costume. Não
era tão indiferente em relação a ele quanto gostaria que ele acreditasse. Era um
alívio ver isso confirmado.
Quando todos tinham terminado de comer e de tomar a última xícara de café,
abandonaram o abrigo da tenda e caminharam sob a garoa até os cavalos. O
grande baio ficou indócil quando Max subiu na sela. Bufando e sacudindo a cabeça,
ficou se movimentando.
— Quem sabe eu deva montá-lo — sugeriu Fletcher. — Você pode não ser
capaz de dar conta dele, Max.
— Não se preocupe — insistiu Max, puxando brutalmente as rédeas para fazer
o cavalo ficar parado.
— Ele vai se acalmar — prometeu Tandy.
— Pode trocar de cavalo, se quiser falou Brig.
— Já disse que não quero — retrucou Max, bruscamente.
— Tudo bem. Vamos indo. — Brig virou o seu cavalo amarelado para a trilha
que vinham seguindo há vários dias.
Só que dessa vez a ordem dos cavaleiros tinha mudado. Fletcher cavalgava
atrás dele, e não Jordanna. Ela seguia Kit, e Max fechava a retaguarda. Brig sentia
falta dela às suas costas, e das ocasiões em que ela costumava emparelhar-se com
ele, quando a trilha assim o permitia. Ficou irritado por estar se incomodando com
uma coisa tão pequena.
Quando se aproximaram da trilha íngreme e sinuosa que os levava para o
outro lado da crista da montanha, Brig virou-se na sela.
— Com esta chuva, vai haver lugares escorregadios. Dêem aos seus cavalos
toda a rédea que quiserem. Eles vão saber onde pisar firme.
Seu olhar percebeu todos os acenos de compreensão... todos, exceto o de
Jordanna, que olhava friamente na direção oposta. De lábios apertados, Brig ficou
olhando para a frente, e deu liberdade de movimentos ao cavalo amarelado quando
ele começou a subida.
O ranger do couro da sela e dos freios soltos era abafado pelo som agudo de
muitos cascos batendo na pedra, arrastando-se e raspando nas rochas
escorregadias. Às suas costas, Brig ouviu um cavalo bufando e relinchos irados de
recusa. Não queria tirar os olhos da trilha, e não estava disposto a conter o ímpeto
do cavalo amarelado. Não ia ser fácil recuperá-lo numa trilha íngreme e molhada
como aquela.
Lançou um rápido olhar por cima do ombro. O baio que Max cavalgava estava
dando problemas, empinando e sacudindo a cabeça, e recusando-se a subir a
trilha. Max batia nele com as rédeas e enfiava-lhe as esporas nos flancos.
— Jughead, seu burro, seu maldito! — Max xingava o cavalo.
Praguejando consigo mesmo, Brig tirou seu cavalo da trilha e parou.
— Vá na frente, Fletcher. — Fez sinal para que o homem seguisse caminho.
Teria que deixar os outros passarem antes de poder voltar pela trilha estreita e
ajudar Max. Quando Kit passou por ele, o baio se arremeteu para diante, ante a
insistência de Max. Depois, empinou e relinchou com raiva. Agachando-se nas
quatro patas, abaixou a cabeça e começou a corcovear. Jordanna diminuiu o ritmo.
— Saia do caminho — ordenou Brig com impaciência, o cavalo amarelado
dançando debaixo dele. Ela lhe lançou um olhar frio e subiu apressada com o
alazão pela trilha.
O baio tinha corcoveado até sair da trilha. Max abandonara todos os esforços
para controlar o cavalo e se agarrava ao arção dianteiro da sela com ambas as
mãos, tentando não cair. Sua expressão demonstrava desespero e medo. Quando
o cavalo tentou derrubar o cavaleiro, perdeu o equilíbrio na encosta íngreme e
escorregadia. Depois de cair de joelhos, o baio se pôs de pé, atabalhoadamente,
em pânico.
Sua fuga levara cavalo e cavaleiro para bem longe da trilha. O chão era
traiçoeiro, com trechos de cascalho espalhados por toda aquela porção da área da
encosta. Brig não podia apressar seu cavalo, uma vez saído da trilha, ou ele
começaria a patinar como o cavalo de Max.
Pedras soltas deslizaram de sob os cascos do baio. O cavalo empinou,
gritando de pânico. Desequilibrado, os pés sem firmeza, caiu de costas. Max berrou
e tentou saltar, pelo lado da descida da montanha. Rolou pela inclinação íngreme,
com o baio, as pernas se agitando como armas mortais, poucos metros atrás dele.
Uma avalanche isolada de pedras soltas carregava-os, enquanto a gravidade da
forte inclinação os atraía para baixo. Na base da encosta, a montanha caía uns
trinta metros, até um acostamento de rochas e árvores.
Não havia meio de Brig alcançá-los antes de chegarem à borda. Seu cavalo já
estava cobrindo muita distância, escorregando nas ancas e bufando nervosamente
o tempo todo. Havia um laço amarrado à sua sela, mas a descida de Max, de ponta-
cabeça, era duas vezes mais rápida do que a dele, fazendo com que ficasse fora do
alcance da corda de Brig. A seis metros da borda, o baio conseguiu o controle das
pernas. Arremetendo-se feito um desesperado, lutou para voltar para a terra sólida.
Seus cascos frenéticos soltaram uma nova torrente de rochas, que aprisionaram
Max no seu fluxo. Brig a viu e freou seu cavalo. Estava tenso como uma mola, e
sombrio.
Jordanna tinha parado seu cavalo atrás dos de Kit e do pai. Com um horror
fascinado, ficou vendo a cena acontecer. Havia uma estranha sensação de
irrealidade nela. Queria acreditar que aquilo não estivesse acontecendo, que, de
algum modo, Brig alcançaria Max.
— Ah, meu Deus! — sussurrou, quando viu que não era possível.
Quando Max foi arrastado, impotente, para a borda, Jordanna desviou o rosto
e fechou os olhos bem apertados. Um grito de gelar o sangue rasgou os ares.
Pareceu durar uma eternidade, ricocheteando nos canyons, e ecoando pelas
montanhas. Terminou finalmente com um baque seco. Jordanna sentiu-se
violentamente mal ante o silêncio sepulcral que se seguiu.
Havia vozes, mas não penetraram na sua consciência, até que uma delas
exigiu vivamente a sua atenção.
— Vire seu cavalo, Jordanna. Vamos descer.
Ante o lembrete tenso do pai de que estava bloqueando o caminho, Jordanna
virou seu alazão na trilha estreita e começou a descer. Seus olhos arregalados,
vidrados de choque, buscaram a base da avalanche. Brig tinha desmontado e
estava descendo pelas pedras soltas até a borda. O cavalo baio estava do outro
lado da escarpa, com as pernas arranhadas e sangrando, sem se mexer.
Foram descendo a trilha em ziguezague até onde ela se endireitava e abria na
direção do acampamento. Ali, o pai desmontou, seguido por Kit, e dirigiu-se para a
base da encosta onde Max tinha caido. Jordanna hesitou. Uma força interna a
impelia a ir com eles. Saltou da sela com pernas trêmulas, ignorando o bolo que se
revolvia no seu estômago.
Brig estava perto da borda, a curta distância do deslizamento de rochas,
quando chegaram junto dele. Seu rosto estava impassível, enquanto olhava para
baixo. Não olhou para eles, porém tomou conhecimento de sua presença.
— O pobre filho da mãe! Avisei-lhe que as montanhas o matariam —
murmurou, distraidamente.
— Quer dizer que ele está morto? — disse o pai dela, numa voz sem emoção.
Sem querer, o olhar de Jordanna foi atraído para além da borda. Trinta metros
abaixo esparramava-se a figura de um homem, horrivelmente contorcida, sem vida,
como um boneco de trapos. Oscilando, ela afastou-se do rochedo, e o braço do
irmão envolveu-lhe os ombros. Tinha vontade de chorar... de deixar que as lágrimas
lhe aliviassem a ardência seca dos olhos e a dor quente na garganta. Mas estava
envolta numa geada de choque, e só conseguia tremer.
— Vamos ter que descer e pegar o corpo — declarou Brig.
— Vou com você — ofereceu-se Fletcher, baixinho. — Kit, por que não leva
Jordanna de volta ao acampamento e conta aos outros o que aconteceu?
O irmão não deu uma resposta direta ao pedido. Virou Jordanna na direção
dos cavalos que esperavam.
— Vamos.
O braço ao redor dos seus ombros oferecia apoio e o impulso para caminhar.
Jordanna começou a tremer com o terror puro e frio do que acontecera.
— Eu deveria ter feito alguma coisa — sussurrou, num ataque de culpa. — Era
quem estava mais perto dele. Logo que ele teve problemas com o cavalo, eu
deveria ter segurado o bridão e puxado o animal até o topo.
— Não fique pensando nessas coisas — repreendeu o irmão com meiguice,
acrescentando, com hesitação: — Eu... não estou certo de que alguém tenha culpa.
— Ó Deus! — A oração muda veio junto com um soluço seco.
Jordanna estava sentada no banco, à mesa, sem ter consciência de que seu
rosto não registrava nenhuma emoção. Kit sentara-se à sua frente, os cotovelos na
mesa, as mãos esfregando a testa. Jocko colocou uma xícara de metal com café
diante de cada um deles, muito preto e fortemente adoçado.
— Aconteceu tão depressa, Jocko... e no entanto tão devagar! — disse
Jordanna, num tom distante.
— Tome o café — ordenou o basco, suave mas firmemente. — Vai ajudar.
Fitando a xícara, Jordanna ficava se lembrando do comentário de Brig. Ele
ecoava sem parar na sua cabeça. Ergueu o olhar para Jocko. Seus olhos estavam
da cor verde-turva de um mar tempestuoso.
— Brig disse que avisou Max de que as montanhas iriam matá-lo. O que será
que quis dizer com isso?
— Provavelmente nada — disse Jocko, depois de um momento de hesitação.
— Às vezes, diante da morte, dizemos coisas que não têm sentido. São apenas
palavras que dizemos, porque não podemos expressar o que sentimos. — Indicou a
xícara diante dela. — Tome o café.
Obedientemente, ela pegou a xícara e levou-a aos lábios. O líquido adocicado
foi queimando sua garganta abaixo. Olhou para o irmão, do outro lado da mesa.
Parecia perturbado, mas quando viu que ela olhava para ele, sorriu numa
expressão meiga de conforto e compreensão.
Capítulo XVII
Parte três
A tocaia
Capítulo XVIII
Parando, Brig lançou um olhar ao seu reflexo na ampla vitrine da frente do bar.
Não tinha dormido muito nos dois últimos dias. Nem se dera ao trabalho de fazer a
barba, pela manhã. Parecia abatido e cansado, e, porra!, era assim que estava se
sentindo.
Depois que comunicara a morte de Max, tomara as providências para que o
corpo dele fosse enviado para Nova York. As autoridades aceitaram sua versão do
acidente com poucas perguntas. Iriam falar com Fletcher, Jordanna e Kit para
corroborá-la, porém Brig não tinha dúvidas de que eles o fariam. A sarça cheia de
espinhos ainda estava em seu bolso, espetando-o com sua pressão, como se
estivesse de encontro à sua carne.
Fitando o cartaz do Coors, Brig se perguntava o que o instigara a marcar
encontro ali com as três "testemunhas". Deus sabia que estava louco por uma
bebida que apagasse o amargor selvagem de sua garganta. Mas ela não
conseguiria aliviar a dor quente que ele sentia no estômago.
Com uma explosão de impaciência, caminhou até a porta e abriu-a. Suas
passadas longas e indolentes soavam arrastadas no chão duro, enquanto ele
cruzava a sala até o balcão. O lugar estava na penumbra e não tinha fregueses,
àquela hora. Brig se dirigiu para o canto do bar, que ficava nas sombras.
A loura oxigenada havia deixado de lado o cigarro quando ele entrou, o rosto
se iluminando ao reconhecê-lo.
— Brig! Há quanto tempo não o vejo — cumprimentou ela, com puro e doce
prazer.
— Alô, Trudie.
Brig tentou parecer agradável, mas as palavras saíram tensas e sem calor.
Sentou-se no último banquinho, enganchando o calcanhar numa barra de metal e
apoiando a bota no descanso para pés, de latão sem brilho. Tirando o chapéu,
largou-o no balcão manchado de bebidas e correu os dedos pelos cabelos, com ar
cansado.
— Parece que andou cortando um dobrado. — Trudie se dirigira para a
extremidade do bar em que ele se encontrava. — O que foi que aconteceu? Perdeu
a navalha?
— Estava com a cabeça cheia de outras coisas, hoje de manhã. — Esfregou
os pêlos duros do maxilar. Faziam um som rascante contra a pele calejada.
— Por onde andou?
— Passei as duas últimas semanas nas montanhas. — Brig não entrou em
detalhes. Não queria falar sobre o grupo de caça ou sobre a morte de Max. Para
poder tomar as providências e mandar o corpo de volta a Nova York, tivera que
identificar-se como primo. As notícias se espalhariam rapidamente pela pequena
comunidade. Felizmente, a notificação à ex-mulher de Max e aos filhos estava
sendo feita através dos canais legais, e Brig não precisara assumir essa
responsabilidade.
— Duas semanas? — Um sorriso zombeteiro curvou a boca vermelha. — É
um milagre que tenha se dado ao trabalho de fazer a barba durante todo esse
tempo.
Brig poderia ter-lhe dito que, em geral, naquelas duas semanas tivera motivos
para querer um rosto bem-barbeado. Não ia querer que aqueles pêlos espetados
arranhassem a maciez suave da carne de Jordanna. Desfigurar aquele corpo
perfeito seria um crime, especialmente quando havia tantas outras maneiras de
despertar uma reação trêmula, sem infligir dor. Ele havia testado quase todas elas
na sua aprendiz condescendente.
— Cerveja? — perguntou Trudie.
— Uísque.
Ela ergueu uma sobrancelha, surpresa.
— Nunca o vi pedir bebida forte. O que está fazendo? Afogando as mágoas?
— falou a mulher, num tom de brincadeira, mas estava perto demais da verdade.
— Mudei de idéia. Quero uma cerveja — disse ele, laconicamente.
— Você é que manda. — Trudie deu de ombros e fitou-o estranhamente.
Encheu um copo com cerveja e pousou-o diante dele. — Quanto tempo vai ficar na
cidade?
O olhar dela continha ao mesmo tempo uma pergunta e um convite. Brig
rejeitou a ambos. Sentiu um impulso fugaz de usá-la como havia sido usado. Se
fosse para a cama com ela, seria apenas pelo sexo, e não teria que se precaver
contra qualquer outra emoção. Mas não era isso o que queria.
— Pouco tempo. Vou me encontrar aqui com algumas pessoas. —
Desabotoou o casacão e deixou-o aberto. Apoiando os cotovelos na beirada
arredondada do balcão, sorveu sua cerveja e enxugou a espuma do bigode com as
costas da mão.
— Ah... Tandy e os rapazes vieram à cidade com você? — arriscou Trudie.
— Não.
A porta se abriu, e Brig se virou no assento giratório do banquinho do bar.
Fletcher vinha entrando, seguido por Jordanna e pelo filho. O olhar dele se desviou
do homem grisalho para Jordanna. Seu corpo esguio, de seios altos, não estava
mais acolchoado com camadas de roupas para protegê-lo do frio. Ela usava calça
justa, cor de porcelana, e uma blusa de seda creme com uma jaqueta de pele
acastanhada, que terminava na cintura. Eles ainda não o haviam visto sentado na
extremidade às escuras do bar. Brig não fez nenhuma tentativa de disfarçar a fome
crua nos seus olhos, que o devorava. Mas não podia confiar nela nem um pouco.
Estava metida com o pai em tudo aquilo. Brig ainda não concluíra qual era o papel
do filho, mas também devia estar envolvido.
— Devemos ter chegado cedo — ouviu Fletcher dizer, mas mesmo assim não
revelou sua presença.
Três contra um. Porra!, já tinha estado em inferioridade numérica antes e
conseguira vencer. Aquele tipo de pensamento era perigoso, advertiu a si mesmo.
Só porque sobrevivera a situações perigosas antes não queria dizer que iria safar-
se daquela. Agora, estava vulnerável. Tinha um elo frágil nas suas defesas, no que
dizia respeito a Jordanna. É verdade que não mais se aproximara dela desde
aquela noite em que Max morrera... quando seu desejo de matar se equivalera ao
de amar. Sem saber qual dos dois iria vencer, ele a enxotara. A tensão de manter
as mãos longe dela estava começando a fazer sentir seus efeitos, e ele não sabia
por quanto tempo mais poderia agüentar.
— É ela, não é? — perguntou Trudie baixinho, já sabendo a resposta. A
pontada de mágoa nos seus olhos era mais de inveja do que de ciúme. Não tinha
nem a beleza nem aquele toque de classe necessários para fazer sombra a
Jordanna.
Um portão de pedra dura baixou para esconder sua expressão, quando Brig
lançou um rápido olhar à loura, irritado porque ela vira o que ele queria enterrado.
Saltou do banquinho, uma perna raspando o chão com o movimento. Levando sua
cerveja, caminhou para o trio familiar.
O ruído atraiu magneticamente o olhar de Jordanna para o canto escuro no
bar. Brig surgiu em meio às sombras. Na noite anterior, ela dormira no quarto dele,
mas dessa feita sozinha. Ele saíra da fazenda de manhã cedo, antes que ela
acordasse. Parecia cansado e irritado e preparado. Preparado? Por que escolhera
tal adjetivo? Encaixava-se, mas preparado para quê... e por quê? A arremetida dura
de seu olhar deu início a um tremor interno. As emoções dela estavam todas
confusas... amando-o e temendo-o, odiando-o e desejando-o, sentindo-se segura e
ameaçada.
— Alô, Brig — cumprimentou Fletcher. — Não o vimos ao entrar.
Brig acenou com a cabeça, mas não emitiu nenhum cumprimento.
— Vamos nos sentar a esta mesa. — Escolheu uma mesa para quatro, mais
bem-iluminada, depois sentou-se numa cadeira que o colocava nas sombras.
O pai sentou-se na cadeira bem à frente dele. Jordanna sentiu-se nitidamente
constrangida ao se sentar à direita de Brig, com Kit do outro lado da mesa, diante
dela. A garçonete se aproximou, uma loura rechonchuda e curvilínea, que usava
maquiagem em excesso. Fitou Jordanna com um olhar magoado e cheio de ciúme.
Jordanna lançou um olhar vivo para Brig. Nunca imaginara que ele não tivesse
outras mulheres, mas ser confrontada com uma delas naquele bar era algo que não
esperara. Ele viu o olhar dela, e seu maxilar se contraiu. O olhar dele se desviou
para a loura, depois voltou para ela com um brilho de satisfação. Seria sua intenção
mostrar às duas que não estava disposto a se prender a uma só mulher? Ou estava
tentando dizer-lhe que a novidade já se desgastara e que ela o entediava? Brig sem
dúvida a evitara naqueles dois últimos dias, exceto na noite em que explodira com
ela e dissera todas aquelas coisas malucas, que não tinham sentido.
— Querem alguma coisa para beber? — perguntou a garçonete, sorrindo
vivamente.
— Quero uma cerveja — pediu Fletcher.
— Nada para mim, obrigado — recusou Kit.
— Seria possível tomar um café? — perguntou Jordanna, erguendo os olhos
para a mulher.
— Claro. Tenho um bule no fogão. Quer alguma coisa no café? Uísque, ou
coisa parecida?
— Não. Nem creme nem açúcar, tampouco, obrigada.
— E quanto a você, Brig? — perguntou a mulher, com familiaridade. — Quer
um colarinho novo nessa cerveja?
— Não, obrigado, Trudie. — Sorriu para ela e girou o líquido cor de âmbar no
copo.
Quando a loura se retirou, Fletcher recostou-se na cadeira e tirou do bolso o
cachimbo e o fumo. Enchendo o bojo com uma mistura aromática de fumo, ele o
calcou fundo e acendeu-o com um isqueiro para cachimbo. Brig parecia concentrar-
se exclusivamente no homem, observando cada movimento seu. Jordanna sentia-
se inquieta. Havia uma tensão irritável na atmosfera que cercava a mesa, e ela não
compreendia o que a estava causando.
— Que tal foi a entrevista? — perguntou Brig.
— Bem. — A resposta de uma só palavra foi dada com a haste do cachimbo
presa entre os dentes. Soltando uma baforada de fumaça, o pai retirou-o da boca e
pareceu examinar-lhe o bojo. — Não nos fizeram muitas perguntas. Estavam quase
que só confirmando o que você lhes dissera.
— Já tomei todas as providências para despachar o corpo para Nova York.
— Isso me lembra uma coisa. — O pai olhou para Kit. — É melhor ligar para
sua mãe antes que a imprensa saiba do que aconteceu, e ela fique sabendo pelos
jornais.
— E por que eu deveria telefonar? — Kit inclinou a cabeça para encarar o pai.
— Ela aceitará melhor a notícia, se for dada por você. Pode tranqüilizá-la de
que estamos todos a salvo e bem. Sei que, quando souber da morte de Max, ficará
preocupada conosco. — A última frase foi dita num tom sardônico. Fletcher desviou
o olhar para Brig. — Minha mulher acha que eu minimizo as coisas. Acreditará nas
palavras do filho, mas não nas minhas.
A boca de Kit se apertou de desprazer, porém ele não protestou mais.
— Há um telefone por aqui? — perguntou o rapaz a Brig.
— Há um telefone público perto dos banheiros — respondeu Brig, fazendo
sinal para um corredor mal-iluminado nos fundos da sala.
— Vou com você — ofereceu-se Jordanna, ansiosa por escapar daquela
tensão que desgastava seus nervos e para compor suas emoções caóticas.
O pai se levantou cortesmente da cadeira quando ela se levantou, mas Brig
não acompanhou seu gesto. Na verdade, nem sequer olhou para ela. A moça
estava magoada e confusa com a indiferença dele. Quando dissera a Brig que se
afastasse dela, na manhã da morte de Max, falara com raiva, não falara a sério, e
não esperava que ele fosse acreditar. Queria alguma capitulação por parte dele,
alguma admissão de que ela significava mais alguma coisa para ele, além de uma
parceira de cama. Seu amor e seu orgulho precisavam disso. No entanto, Brig
estava agindo como se ela não existisse.
Jordanna foi com o irmão até o telefone. Distraidamente, ouviu-o pedir a
ligação, com os pensamentos voltados para o homem à mesa. Prestando atenção
apenas parcialmente, ouviu Kit falar com a empregada, Tessa, pedindo-lhe que
chamasse a mãe ao telefone, e que não se retirasse. Depois de uma troca de
saudações e alguns comentários irrelevantes, Kit falou:
— Mamãe, tenho más notícias para você. Houve um acidente... Não, estou
bem, Jordanna está aqui a meu lado e papai está sentado a uma mesa. Foi Max
Sanger... — Uma voz histericamente alta do outro lado fez chover uma porção de
perguntas, mas Jordanna mal prestava atenção. Não notou o olhar vivo que Kit lhe
lançava. Sua cabeça estava cheia de pensamentos referentes a Brig... — Sinto
muito, mamãe. Max... morreu de uma queda — começou Kit, apressadamente, a
explicar as circunstâncias. Jordanna não tinha vontade de ouvir tudo aquilo de
novo. Olhando para o banheiro que dizia "Senhoras", fez sinal a Kit de que ia entrar
ali. Ele acenou com a cabeça e deu um breve sorriso. Jordanna empurrou a porta e
entrou.
A saída de Jordanna terminou com sua distração. Brig não precisava mais
fingir que estava se concentrando no seu oponente, Fletcher Smith. Era uma coisa
natural... tão natural quanto a calma mortal que tomara conta dele. Enfiando a mão
no bolso da jaqueta, tirou de lá o raminho espinhoso e colocou-o com displicência
sobre a mesa.
— O que é isso? — perguntou Fletcher, sem um só lampejo de
reconhecimento na expressão.
— É o que eu ia lhe perguntar — retrucou Brig.
— Sou um caçador, não um horticultor — pilherou o homem. — Onde o
encontrou?
— A sarça estava colocada sob a coberta da sela de Max. — Essa frase não
provocou nenhuma reação em Fletcher.
— Imagino que tenha ficado presa durante a queda pela encosta. — O tom de
voz sugeria apenas um interesse mínimo pela sarça e sua procedência. Trudie
voltou com os pedidos deles, e Brig ficou calado até ela se retirar.
— Foi o que pensei de início. Tandy disse quase a mesma coisa quando a
mostrei a ele — admitiu Brig. — Mas o interessante é que não há nenhum arbusto
espinhoso naquela encosta. Fui verificar. A propósito, não havia nenhum nas
vizinhanças do nosso acampamento.
— Que interessante! — Fletcher acenou de cabeça, com curiosidade remota,
e tomou um gole da sua cerveja. — Suponho que tenha ficado presa em algum
outro lugar.
— É uma suposição lógica concordou Brig. Só tem uma grande falha. Se a
sarça já estivesse na coberta da sela dois dias antes do acidente, o malhado não
teria dado um passo até que fosse encontrada e removida. Lembre-se, aquele
cavalo não tolera nem uma ruga na coberta, que dirá espinhos.
— É verdade. Tinha me esquecido. — Fletcher fumava seu cachimbo e franzia
a testa, pensativo. — Como imagina que apareceu ali?
— Pensei que você já soubesse. — Os olhos castanho-claros brilhavam,
desafiadores. — Obviamente, foi colocada ali.
— Não pode estar falando sério! — declarou Fletcher, com um riso de
deboche. — Sabe o que está sugerindo?
— Que a morte de Max não foi um acidente? Não estou sugerindo, estou
afirmando. — Aquele confronto podia ser uma jogada imprudente, mas Brig
examinara as alternativas nos dois últimos dias e concluíra que o único meio de
forçar Fletcher em campo aberto era admitir que sabia como Max morrera.
O meio sorriso sumiu do rosto do homem mais velho, enquanto ele estreitava
os olhos, fitando Brig.
— Está percebendo o que está insinuando? Que Max foi assassinado.
— Sim. Alguém colocou isso... — Brig deu um peteleco na sarça com o dedo,
empurrando-a mais para perto de Fletcher — sob a coberta da sela, naquela
manhã, sabendo que o baio era conhecido por seus corcovos. Depois, seria
simplesmente uma questão de esperar até chegarmos a uma subida íngreme o
bastante para que o peso do cavaleiro escorregasse para trás, na sela, e os
espinhos se enterrassem na pele.
— Mas quem faria uma coisa dessas? E por quê? — Fletcher franzia o cenho
de uma maneira muito convincente.
— Eu sei quem — declarou Brig. — Ainda não descobri o porquê.
— Então, quem foi?
Um sorriso frio retorceu a boca de Brig.
— Foi você, Fletcher.
— Eu?! — As belas feições exprimiam uma surpresa incrédula. — Não pode
estar falando sério!
— Estou... totalmente sério. Você teve oportunidade, quando amarrou o baio
depois que Tandy o amansou. E sabia qual o caminho que estávamos tomando. —
Brig fez uma pausa. — Não posso deixar de me perguntar se aqueles dois outros
incidentes não foram tentativas malsucedidas. Max poderia ter morrido do choque,
se aquela cobra o tivesse mordido. E foi por pura sorte que consegui salvá-lo
daquela outra queda.
Uma raiva indignada espalhou-se pela fisionomia de Fletcher.
— Se vamos começar a apontar dedos acusadores, você teve oportunidade e
conhecia nossa rota. Além disso, tem uma coisa que eu não tenho: um motivo. A
Sanger Corporation é sua, para dispor dela como quiser, agora que Max está morto
— acusou. — É sabido que alguns homens mataram por muito menos do que o
controle de uma companhia multimilionária.
Os olhos de Brig se estreitaram, astutamente.
— Como foi que obteve essa informação? Estou certo de que Max não a
ofereceu espontaneamente, não quando estava tentando tão desesperadamente
vender-lhe as ações dele.
Fletcher ficou recostado por um momento, encarando Brig e pensando na
resposta.
— Naturalmente, quando Max se ofereceu para vender-me as ações, mandei
meu pessoal investigar a companhia. E, mais tarde, você. Queria saber que tipo de
homem estava contratando para guiar minha caçada. A correlação das duas
investigações produziu a informação.
— Nesse caso, você deve estar a par de que a empresa está prestes a abrir
falência. Estou herdando um elefante branco... o que não é exatamente motivo para
se matar ninguém.
— Quem sabe o seu motivo seja a vingança... Afinal de contas, foram os maus
investimentos de Max que levaram a companhia ao limiar da ruína. Quem sabe
você estivesse com raiva dele por ter administrado mal os bens da firma. Podia ter
providenciado para que morresse antes de a companhia soçobrar, achando que
poderia salvá-la — raciocinou Fletcher. Brig via as provas circunstanciais de culpa
incriminando-o. — Você poderia salvá-la... com o apoio financeiro certo. Essa era
uma oferta que eu estava pensando em fazer a Max. Faço-a a você.
— Em troca do quê? Do meu silêncio? — zombou Brig. — Quer que eu jogue
esta sarça no lixo e me esqueça que algum dia a vi?
— Não sei coisa alguma sobre este ramo. — Fletcher jogou-o para o lado da
mesa em que estava Brig. — Você me disse que o encontrou sob a sela de Max.
Não tenho prova de que tenha vindo de lá. No que me diz respeito, você poderia tê-
lo apanhado em qualquer lugar. — Ergueu os olhos e fitou os de Brig, serenamente.
— Minha proposta era estritamente comercial.
Fletcher era um sujeito frio. Brig se deu conta de que não ia assustá-lo
fazendo qualquer espécie de admissão. Fletcher negara cada uma das suas
alegações e as retrucara com outras mais perigosas para Brig. O plano todo fora
muito bem bolado.
— Você deixou passar uma coisa muito importante. Eu não quero a Sanger
Corporation. Não a quis há catorze anos, e não a quero agora. Não pode me
comprar com sua proposta comercial, Fletcher. Não há dinheiro suficiente no
mundo que me faça ficar quieto quanto ao fato de que você assassinou Max.
Fletcher sacudiu a cabeça grisalha, num espanto confuso.
— Por que insiste nessa acusação ridícula contra mim? Não se esqueça de
que me ofereci para montar o baio no lugar de Max. Não iria fazer isso, se tivesse
posto o espinho sob a sela dele. Poderia ter sido eu a morrer, e não ele.
— Não me esqueci. Foi um golpe muito esperto. Sabia que meu primo nunca
concordaria com a idéia, por medo de parecer covarde. Você estava bem seguro
quando fez a oferta — retrucou Brig.
— Há uma coisa que não entendo a respeito de tudo isso. Se está tão
convencido de que preparei o acidente de Max, por que não contou sua história às
autoridades? — desafiou Fletcher.
Um sorriso frio recurvou a boca sob o bigode.
— Porque não tenho provas suficientes contra você. Mas vou obtê-las.
— Por que esta cruzada justiceira, McCord? Max Sanger nunca significou
nada para você. Você o desprezava e tudo o que ele representava. Por que lhe
interessa como ele morreu?
— Você estava contando com o fato de que eu ficaria feliz em vê-lo morto e
não me importaria com o que pudesse ter causado sua morte? — A pergunta era
baixa e irônica. — Posso não ter gostado do meu primo, mas isso não é motivo
para deixar o seu assassino impune. Seu segundo erro, Fletcher, foi tentar fazer-me
de bode expiatório.
— Você positivamente me assombra com sua insistência nessa idéia absurda!
— disse Fletcher, rindo. — Max morreu de uma queda, causada por ter sido
derrubado de um cavalo. Como você mesmo ressaltou, era um cavalo que tinha a
reputação de corcoveador. Ou será que é isso o que o está preocupando? Está com
medo de ser acusado de homicídio por negligência, por colocar um cavaleiro
inexperiente num cavalo perigoso?
— Você implantou essa idéia na mente das autoridades? — Brig lançou um
olhar duro a seu implacável oponente.
— Eu não tinha motivo para desconfiar de qualquer envolvimento seu na
morte de Max até este momento. Mesmo que tivesse, duvido que diria alguma coisa
sem prova concreta — admitiu Fletcher, com um dar de ombros indiferente. —
Jordanna está gostando de você. Não me arriscaria a magoá-la fazendo acusações
possivelmente infundadas contra você.
— É, Jordanna — concordou Brig, secamente. — Ela é quase tão boa em
representar quanto você. É uma pena que não tenha feito um trabalho melhor para
distrair minha atenção. Eu poderia nunca ter encontrado essa sarça.
— Não sei do que está falando. — A voz de Fletcher soava cansada de repetir
a frase. — Devo entender que não está interessado em se casar com minha filha?
— Aposto que você gostaria que eu me casasse com ela. Como seu genro,
acha que poderia confiar em que eu iria guardar seu segredo e não espalhar por aí
o que sei sobre a morte de Max, não é? — O desprezo revestia suas palavras.
Tinha muito pouco respeito por um homem que venderia a própria filha para obter
silêncio.
— Eu poderia ser muito generoso quando Jordanna se casasse. Se não está
interessado na Sanger Corporation, tenho certeza de que irá admitir que há muitas
melhorias custosas que poderiam ser feitas na sua fazenda.
— Pode achar difícil de acreditar, mas gosto da fazenda como ela é —
replicou Brig. — Em segundo lugar, não gostaria de ser cúmplice de um
assassinato. E em terceiro, não confiaria na sua filha. Seria muito possível, se eu
me casasse com ela, que me acontecesse um acidente de caça digamos daqui a
uns dois anos, um daqueles lapsos de segurança peculiares a uma perita em
armas.
— Creio que você é um tanto maluco — comentou Fletcher.
— É? Por quê? Porque estou recusando não só seu dinheiro como a
considerável atração de sua filha, também? Pode ser que tenha razão. Talvez eu o
seja — admitiu. Mas posso prometer-lhe que vou provar que você matou Max... e
vou descobrir por quê.
— Se descobrir um motivo, espero que me conte. — Havia uma ponta de
arrogância divertida na voz do outro. — Como sabe, Max era o tipo do homem que
eu podia comprar e vender uma meia dúzia de vezes. Se ele estivesse sendo um
problema para mim, havia diversas maneiras de me livrar dele sem recorrer ao
assassinato.
Essa era a parte que incomodava Brig, porque ele sabia que Fletcher tinha
razão. Não podia visualizar Max representando uma ameaça tão grande que
Fletcher precisasse matá-lo, para ficar livre dele. Podia arruiná-lo financeiramente.
Brig subitamente se perguntou se era isso o que Fletcher estava fazendo. Quem
sabe era o responsável pelos problemas financeiros que Max estava tendo
pessoalmente, bem como com a companhia. Essa possibilidade apenas complicava
as coisas. Se Max ia soçobrar dali a meses, por que Fletcher o matara agora?
Faltava uma peça importante no quebra-cabeça. Brig tinha que descobri-la.
— Quando eu descobrir o seu motivo, Fletcher, você saberá. — Brig disfarçou
sua confusão e incerteza. — Embora não prometa que você vá ser o primeiro.
— Não faria isso se fosse você, McCord. — Por um instante, o ódio brilhou,
indisfarçável, nos olhos castanhos. — Pode estar mexendo numa coisa grande
demais para o seu bico.
— Isso é uma ameaça, Fletcher? — ironizou Brig. — Ou apenas mais palavras
impotentes por parte de um velho? A verdade é que pode ter ido longe demais,
dessa vez. Não pense que vai conseguir livrar-se do assassinato, porque você
estará cometendo um erro.
Justamente quando Brig achou que poderia ter atiçado Fletcher a deixar
escapar alguma coisa, uma máscara suave cobriu a expressão do homem. Ele
estava olhando para além de Brig, exibindo um sorriso paternalmente benigno.
— Falou com sua mãe, Kit? — perguntou, e Brig se deu conta de que Kit e
Jordanna estavam voltando para a mesa. Abafou as breves chamas de irritação.
— Falei, sim... — Kit hesitou uma fração de segundo enquanto se sentava — e
tranqüilizei-a, contando que estávamos todos bem e incólumes.
— A morte nunca é agradável, mas é sempre um choque quando acontece
com alguém que a gente conhece — comentou Fletcher. — Espero que tenha
pedido à sua mãe para enviar flores e as nossas condolências para a família de
Max.
— Não pedi... mas tenho certeza de que ela o fará — replicou Kit.
— O que é isso? — Jordanna estendeu a mão para o ramo espinhoso que
jazia sobre a mesa.
Por um instante, Brig sentiu-se cativado pela visão dos dedos longos e
esguios, com sua delicadeza e força. Rapidamente, empurrou-o na direção dela e
examinou-lhe o rosto. Parecia genuinamente ignorante do seu significado. Mas,
merda, não acreditava nela.
— É o meu talismã — falou, tirando-o dos dedos dela.
— Um galho de espinhos? — replicou ela, lançando-lhe um olhar curioso e
cético.
— Sim. Brig enfiou-o no bolso da jaqueta.
— Coitados dos pés de coelho e das moedinhas — disse Jordanna, rindo,
intrigada.
Brig lançou um olhar sub-reptício ao irmão dela. Kit estava de testa franzida.
Logo a desanuviou, ao ver que o fazendeiro estava olhando para ele. Voltou-se
para o pai.
— Quer que faça as reservas das passagens de volta?
Fletcher inspirou fundo, lançando um breve olhar para Brig, antes de
responder:
— Sim, eu...
— Não está planejando ir embora agora, está? — interrompeu Brig,
mansamente. Sabia que estava fazendo um jogo perigoso. Mas não queria Fletcher
do outro lado do continente, ainda não, não quando havia uma chance de descobrir
provas incriminadoras. — Pensei que você tivesse vindo aqui para caçar carneiros
monteses. Aquele monarca ainda está esperando lá nas montanhas por você. Não
vai atrás dele? Ainda sobram duas semanas da temporada, e não ganhei todas as
minhas bonificações.
Fletcher ficou pensando na sugestão por um momento.
— É verdade.
— Cuidamos de todos os detalhes pertinentes ao acidente de Max. Não há
nada que nos impeça de partir amanhã para as montanhas, há? — perguntou Brig,
desafiadoramente.
— Mas... e quanto ao enterro? — protestou Jordanna. — Ele era seu primo.
Não vai comparecer?
Brig virou-se para enfrentar calmamente o olhar acusador dela.
— Não sou hipócrita. As circunstâncias do meu nascimento podem ter feito de
Max meu primo, porém jamais gostei dele. Não teria atravessado a rua para ir vê-lo
quando estava vivo. Não vou voar a Nova York para ir a seu enterro, agora que está
morto. — Olhou para Fletcher num desafio mudo. — Bem, o que me diz? Falou que
queria aquele montês.
— E quero — declarou Fletcher. — Como Jordanna, eu tinha a impressão de
que você iria comparecer ao enterro de Max. Mas, se está disposto a me levar em
busca do carneiro montês, posso partir quando você estiver pronto.
— Então, tudo resolvido. — Brig afastou a cadeira da mesa e se levantou. —
Vou voltar para a fazenda e mandar Jocko preparar tudo para partirmos amanhã.
— Ótimo — concordou Fletcher.
Porém Brig notou que nem Jordanna nem o irmão pareciam entusiasmados
com a perspectiva. Imaginou que quisessem escapar antes que seu ato fosse
descoberto. Fletcher não iria perder tempo informando-os de que já era tarde
demais. Brig foi até o bar para pagar as bebidas.
Trudie marcou a despesa na caixa registradora e entregou a Brig o troco.
— Vai partir agora?
— Tenho que voltar para a fazenda. — Enfiou o dinheiro no bolso lateral da
calça Levis.
Quando começou a se afastar, ela disse:
— Brig, Jake Phelps anda falando em casamento.
Parando, ele olhou para ela. Tinham-se divertido juntos, antes de Jordanna
aparecer. E Jake Phelps era um homem ciumento. Ora, já não tinha resolvido ficar
fora da vida de Trudie? Soltou um longo suspiro de aceitação definitiva.
— Ele é um bom homem, Trudie. — A decisão era dela, e Brig não estava
disposto a fazer nenhuma recomendação.
— É, suponho que sim — retrucou. Parecia desapontada, e ele sabia por quê.
Não havia mais nada a dizer. Assim, Brig caminhou para a porta. Tinha
consciência do trio à mesa que o observava partir, em silêncio, mas não olhou na
direção deles, enquanto empurrava a porta e saía. Parou na calçada, imaginando
se estariam tramando sua morte. Teria que tomar um cuidado especial, nas
montanhas. Voltou a olhar para o recorte irregular no horizonte. A profecia que
fizera para Max também poderia ser verdade para si próprio.
— Olá, Brig. — A figura atarracada de Tandy veio andando rapidamente pela
calçada, na sua direção. — Os Smiths estão lá dentro?
— Estão.
— Aonde você vai?
— Estou indo para a fazenda. Vamos voltar para as montanhas logo de
manhãzinha, para recomeçar a caçada. Quero que Jocko organize tudo.
— Vamos voltar? — perguntou Tandy, parecendo surpreso.
— Você, não. Só Jocko e eu. Frank vai precisar de ajuda na fazenda. Eu
mesmo posso cuidar dos cavalos, nessa viagem. Cuidaria deles pessoalmente. —
Não haveria nenhuma sarça enfiada debaixo da sela dele. — Fletcher pagou por
seu carneiro montês, e vai querê-lo.
— Ele não parece muito chateado por termos acabado de tirar o corpo de um
amigo dele das montanhas — disse o vaqueiro, torcendo o nariz.
— Max não era amigo dele — corrigiu Brig, dirigindo-se ao seu furgão. —
Vejo-o na fazenda, mais tarde.
Capítulo XIX
— Por que vai voltar para lá, papai? — perguntou Kit, quando a porta do bar
se fechou atrás de Brig.
— Vim para cá a fim de conseguir um carneiro tamanho troféu. Vou voltar para
as montanhas pelo mesmo motivo — replicou Fletcher, num tom de voz que dizia
que aquilo devia ser óbvio. — Eu mesmo teria tocado no assunto, mas Max era
primo de Brig. Não forçaria um homem a ignorar uma morte na família para cumprir
uma obrigação contratual comigo. Mas já que ele se ofereceu, certamente não
pretendo recusar.
— Mas a morte de Max não significa nada para você? — insistiu Kit.
A expressão do rosto de Jordanna assemelhava-se à do rosto do irmão. Ela
também estava achando o pai egoísta e insensível.
— O que esperam que eu diga? — Fletcher deu de ombros. — Foi um
acidente lamentável. Mas ele não era amigo íntimo meu. Mal conhecia o homem. A
vida continua. Nada pára simplesmente porque um homem morre. É como colocar o
polegar num balde d'água, e tirá-lo de lá. Mal se vê uma ondulação, que dirá um
buraco. Pode parecer insensível, mas é a verdade — afirmou. — Brig sabe disso.
Concordo com ele em que seria uma hipocrisia fingir que sinto a perda de alguém
que apenas conhecia superficialmente.
— Parece-me que... — começou Kit.
— Naturalmente, não espero que venha comigo — interrompeu o pai. — Seu
lugar é com sua mãe. Depois do acidente, ela vai ficar preocupada com você. É seu
único filho. — Havia um tom latente de desprezo na voz dele, que estava ausente
quando se dirigiu a Jordanna. — Se você acha que é impróprio, não vou sugerir que
me acompanhe, também.
Impróprio ou não, Jordanna sabia que tinha que ir. Brig ia, e ela, idiota,
também tinha que ir.
— Não, eu vou com você.
— Também vou — declarou Kit.
— Não vejo por que desta vez, Kit — declarou o pai, friamente. — E não tente
fingir de novo que é por causa de um desejo de estar comigo.
Jordanna olhava de um para o outro, surpresa. Do que estavam falando? Por
que outro motivo Kit teria vindo? Todos estavam falando enigmaticamente. E ela
parecia ser a única a não saber as respostas.
— Eu vou. Não pode me deter. — A frase do irmão foi dita com calma
determinação.
O pai olhou para ele, depois falou zombeteiramente:
— Já faz muito tempo que está longe de casa. Não está com medo de que o
seu colega de quarto tenha arrumado outro para tomar o seu lugar? — Havia uma
ênfase leve e cáustica na referência.
A boca de Kit ficou branca de raiva, mas, nesse justo instante, Tandy Barnes
entrou no bar. A resposta que Kit ia dar ficou-lhe presa nos lábios com o
aparecimento do vaqueiro.
— Vocês estão prontos para voltar para a fazenda? — perguntou Tandy,
parando junto à mesa deles.
O pai enfrentou o olhar resoluto de Kit por um longo segundo, depois acenou
com a cabeça, afirmativamente.
— Sim, acho que estamos todos prontos para ir. — Não emitiu mais nenhum
protesto quanto à decisão de Kit de acompanhá-los na caçada.
O diálogo entre o pai e o irmão perturbara Jordanna. Foi só no fim da tarde,
depois que tinham voltado para a fazenda, que ela teve oportunidade de questionar
o irmão a respeito daquilo, quando ficaram a sós. E isso ocorreu apenas depois que
ele a procurou. Ela estava no quarto de Brig, onde dormia, refazendo sua mochila,
quando Kit bateu à porta.
— Estava querendo falar com você — disse Jordanna, ao deixá-lo entrar.
Mas Kit não lhe deu chance de continuar com o assunto.
— Há alguma maneira de você convencer papai a desistir dessa caçada?
— Convencê-lo? — repetiu, incrédula. — Ele está firmemente resolvido a obter
um carneiro tamanho troféu. Não iria convencê-lo a desistir disso. —
Imediatamente, Jordanna fez sua própria pergunta: — Por que ele não quer que
você vá?
O rapaz retorceu a boca, num cinismo divertido.
— Pode ser que ache que eu vá atrapalhá-lo, de alguma forma. — Sua
tentativa de fazer humor parecia sombria.
— Fale sério — queixou-se Jordanna, impaciente.
— Estou falando — disse Kit, rindo.
— Então, por que você não está sendo claro? — A moça ergueu as mãos,
num gesto desalentado. — Ninguém está sendo claro. Sinto como se vocês
estivessem falando em algum código secreto que não compreendo. Por exemplo,
aquele comentário ridículo que papai fez sobre o seu colega de quarto, Mike. Ele
sabe muito bem que o apartamento está alugado no seu nome. Mike não pode
deixar outra pessoa mudar-se para lá enquanto você estiver fora, então por que
falou uma bobagem dessas? E por que você ficou zangado quando ele o fez?
Kit desviou o olhar dela, e se afastou.
— Você não compreenderia, Jordanna.
— Eu não compreenderia — repetiu ela, com raiva. — Jamais vou
compreender, se não me explicarem. Sinto-me como uma criança a quem algum
adulto diz que espere até crescer para fazer a pergunta. Tenho vinte e quatro anos.
Quantos anos precisarei ter para ser capaz de compreender? Ou será que devo ir
por aí aos tropeções, cegamente, na ignorância o resto da minha vida?
— Você não adivinhou mesmo, não é? — Kit olhou para ela, com tristeza.
— Adivinhou o quê? Quer parar de falar fazendo perguntas? — A frustração
ecoava com a fúria muda na sua pergunta.
— Sei que nunca fomos muito chegados. Mas você nunca se perguntou por
que eu nunca trouxe uma namorada para apresentar em casa?
A resposta dele a confundiu. Não era, de modo algum, o que tinha imaginado.
— Se é que alguma vez me perguntei, imagino que supus que você não
quisesse expor as moças à hostilidade evidente entre mamãe e papai. — Ela
ergueu os ombros, insegura.
— Jordanna, não havia namoradas para apresentar em casa — disse Kit,
numa voz calma e quieta.
Ela lhe lançou um olhar de quem não compreendia.
— O que está tentando dizer?
— Mike não é meu colega de quarto.
A compreensão a atingiu num clarão ofuscante, que a fez oscilar para trás.
Abriu e fechou a boca várias vezes antes de poder forçar qualquer coisa a passar
pelo aperto que o choque fazia na sua garganta.
— Não! — negou Jordanna, numa voz engasgada. — Não acredito. Não é
verdade.
— É verdade — insistiu Kit, meigamente. — Sei que é um choque. Pode
imaginar como papai reagiu quando lhe contei, há vários anos. Pensei que ia me
matar. Fez-me jurar que você nunca iria descobrir. Foi uma promessa bem fácil de
cumprir. Você e eu nunca nos demos como um irmão e uma irmã se deveriam dar,
mas eu não suportaria vê-la me olhando com o desprezo e o nojo que existem nos
olhos de papai. Eu estava apenas me enganando achando que você nunca iria
descobrir. Teria acontecido, mais cedo ou mais tarde. E prefiro ter sido eu a contar,
mesmo que isso signifique — um dos cantos de sua boca se curvou num sorriso
triste de aceitação — que você nunca mais me queira ver.
— Mas... você é meu irmão — protestou Jordanna, num sussurro angustiado.
— Como poderia rejeitá-lo?
Os olhos dele estavam marejados de lágrimas.
— Tantos se afastaram...
— Você é meu irmão — repetiu ela. Havia um bolo enorme em sua garganta,
e sua visão estava nublada pelas lágrimas que afloravam.
No momento seguinte, estavam se abraçando, chorando baixinho um no
ombro do outro. Jordanna não achou que ele se diminuísse com as lágrimas. O
irmão era um homem forte, caso contrário jamais teria conseguido enfrentar o pai.
Teria fugido dele e escondido a verdade. Era o irmão dela. Não podia julgá-lo.
Enxugou as lágrimas das faces.
— Meu Deus, estamos ficando uns sentimentalóides — disse ela, rindo e
fungando.
— Eu lhe ofereceria meu lenço, mas estou precisando — dele brincou Kit.
— Eu pego o meu. — Foi pegar um lenço de papel na frasqueira. Depois de
assoar o nariz, enxugou todos os traços da cena emotiva, e, quando se virou, viu
que Kit tinha feito o mesmo.
— É melhor que eu a deixe terminar o que estava fazendo — disse ele, com
um carinhoso meio sorriso. — Obrigado por ser minha irmã, Jordanna.
Nada havia para ela dizer; assim, apenas meneou a cabeça e deu-lhe um
sorriso reconfortante. Ele saiu do quarto, e dali a dois minutos Jordanna recomeçou
a arrumar as coisas. Com aquele segredo revelado, era inevitável que seus
pensamentos se voltassem para Brig. Lançou um olhar à cama que já haviam
partilhado e na qual agora dormia sozinha. Será que o caso deles tinha acabado? E
ela estava sendo simplesmente teimosa demais para admiti-lo? Ela o amava.
Recusava-se a aceitar a possibilidade de não haver esperanças.
Capítulo XX
Um vento frio e cortante acompanhava o grupo de caçadores que voltava para
a montanha. Cavalgavam com ombros curvados e golas levantadas contra as
rajadas geladas. O céu era de um azul limpo e vivo, e havia uma claridade cristalina
no ar.
No segundo dia na trilha, um grupo de árvores ofereceu-lhes proteção parcial
contra o vento que assobiava. Os caçadores pararam e desmontaram para dar
descanso aos cavalos. Estes deram as costas ao vento, que lhes metia a cauda por
entre as pernas, e se amontoaram, todos juntos.
Batendo as pernas entorpecidas no chão para tentar ativar um pouco a
circulação, Jordanna ficou observando Jocko trazer a garrafa térmica com café
quente. A despeito das muitas camadas de roupa, ela estava com frio. Os outros
também. Kit batia nos braços e os esfregava, e o pai esfregava as mãos. Somente
Brig e Jocko, ocupados com outras coisas, não estavam tentando aquecer alguma
parte do corpo.
Ela sentiu a secura dos lábios e enfiou a mão no bolso da jaqueta para pegar
um creme. Suas mãos enluvadas tremiam, enquanto ela contornava os lábios com
o bastão cremoso. Assim como os outros, ela usava óculos escuros para proteger
os olhos do brilho do sol, que parecia duplamente maior naquela altitude.
Jocko lhe trouxe uma xícara de café, que a moça aceitou, agradecida.
— Está frio, hoje — verbalizou o que as mãos trêmulas demonstravam.
O olhar dele varreu o céu azul com o seu horizonte de picos coroados de
neve.
— Vai nevar logo.
— Mas não há uma só nuvem no céu — ressaltou Jordanna.
O basco deu de ombros, indicando que isso não fazia diferença.
— O vento diz que vai nevar. — Seguiu o seu caminho para encher a xícara
do pai dela.
Brig escutara a previsão de Jocko, ao deixar os cavalos para se reunir ao
círculo de cavaleiros.
— Se nevar, os carneiros podem descer para posições mais baixas. —
Colocando a bainha do seu fuzil no chão, perto das de Jordanna e Fletcher, Brig
tirou as luvas para aquecer as mãos com o metal quente da xícara de café
fumegante.
Jordanna mantinha o olhar desviado dele. Sempre que possível, evitava dirigir-
lhe diretamente a palavra. Esconder-se atrás de uma parede era o seu único meio
de defesa contra mais sofrimentos infligidos por Brig. Era uma atitude instigada não
tanto pelo orgulho como pela sobrevivência.
O silêncio dela não chamava a atenção, já que ninguém do grupo estava muito
falante, dessa feita. Todos pareciam preocupados com os próprios pensamentos, e
expressavam poucos deles em voz alta. O comentário de Brig sobre os carneiros
havia recebido uma resposta ambígua por parte do pai dela. A curta parada durou
apenas o tempo de tomarem o café quente; logo chegou a hora de voltarem a
montar.
Ela estava com o pé no estribo. Estava pronta para montar o alazão, quando
sentiu uma mão na cintura para ajudá-la a subir na sela. Pensando que fosse Brig,
Jordanna afastou-se bruscamente do contato e lançou um olhar irado por sobre o
ombro. Mas era o irmão que estava parado ali.
— O que foi? — perguntou o rapaz, as feições morenas e bonitas
demonstrando preocupação.
— Nada. Não é você — acrescentou, para ele não pensar que fosse, e subiu
na sela sem ajuda.
Kit foi postar-se junto à parte da frente da sela, apoiando a mão no arção
dianteiro.
— O que aconteceu entre você e Brig?
Jordanna não ia lhe dar resposta alguma, mas depois decidiu que ele merecia
algum tipo de satisfação.
— Errei ao pensar que ele iria gostar de mim, é só. Terei que começar de
novo. — E tentar achar um motivo para continuar sem ele, acrescentou para si
mesma. Mais do que isso, não podia discutir o assunto... nem mesmo com o irmão.
Era tudo recente demais e doloroso... e ainda em andamento.
Um cavalo bufou a seu lado, atraindo o olhar de Jordanna. O cavalo
amarelado sacudia o seu topete negro perto da perna dela. O olhar dela dardejou
para Brig. O espelhado dos óculos escuros dele impedia-a de ver os seus olhos,
mas ela se deu conta de que ele escutara sua resposta. Sentiu-se exposta.
Jordanna olhou para a frente, mantendo a cabeça rigidamente reta e olhando para
diante.
Dali a dois segundos, bateu um calcanhar nas costelas do alazão. O cavalo se
afastou, relutante, da proteção das árvores. O cavalo amarelo passou trotando por
ela, para assumir a liderança. Ela sentiu um aperto na garganta ao ver o homem
magro e de ombros largos que cavalgava tão elegantemente. Jordanna atrasou o
alazão para fechar a retaguarda com Jocko e as bestas de carga.
Uma hora antes do pôr-do-sol, os cavaleiros chegaram ao local do
acampamento anterior. A estrutura de madeira da barraca estava erguida, como um
esqueleto esquecido. Um anel de pedras rodeava a cinza escurecida das fogueiras
anteriores, e havia lenha cortada e empilhada para novas fogueiras. Depois de
cuidarem dos cavalos, Brig e Jocko esticaram a lona sobre a tenda maior. Enquanto
Kit ajudava Jordanna a armar sua pequena barraca individual, Fletcher acendia o
fogo. Um pôr-do-sol dourado tornou-se cor de laranja e pintou a terra agreste com
seu brilho ígneo.
No dia seguinte, o céu manteve sua tonalidade azul-fria, lembrando a
Jordanna o gelo polar. O vento cortante fez a temperatura baixar ao ponto de
congelamento. No horizonte, as primeiras nuvens advertiam de uma mudança de
clima que se aproximava. Quando o grupo saía do acampamento, Jordanna ficou
atônita ao perceber que Brig estava tomando o caminho que ia dar na trilha em
ziguezague.
— Não vamos subir por aí, vamos? — falou, em protesto.
Brig deu uma meia virada na sela, dirigindo os espelhos escuros dos seus
óculos para ela.
— E por que não? Temos que cruzar a crista da montanha.
O olhar dela foi atraído para o local onde Max caíra. Sentiu um arrepio gelado,
mas não discutiu a decisão dele. O alazão sentiu o seu nervosismo e moveu-se
inquieto debaixo dela. Jordanna colocou uma mão tranqüilizadora no pescoço do
animal, tentando acalmar também os próprios nervos. Eles ccomeçaram a marcha
em fila indiana. Jordanna só respirou direito quando chegaram ao topo.
Avistaram um bando de carneiros jovens pela manhã. À tarde, viram sete
ovelhas com seus rebentos de primavera. As crias eram tão resistentes quanto os
pais, capazes de correr com firmeza duas horas depois do nascimento. Mas não
viram sinal do monarca que o pai dela buscava.
O segundo dia foi tão inútil quanto o primeiro. A única diferença é que o céu se
tornara solidamente coberto de nuvens. Ventara muito, e parecia estar mais frio do
que antes. Havia uma crosta fina de gelo nas margens dos riachos de montanha
que cruzaram.
Estava chuviscando quando Jordanna acordou, na terceira manhã. Durante a
noite, devia ter geado. Havia pedaços de gelo no chão, do lado de fora da barraca.
Kit escorregou num deles e torceu o tornozelo. O pai ficou praticamente lívido de
raiva, embora não tivesse dito uma só palavra. Tanto Jocko quanto Brig
examinaram os ferimentos, e chegaram à mesma conclusão.
— Não parece haver nada quebrado — declarou Brig, sentando-se sobre os
calcanhares. — Tenho certeza de que foi apenas uma torção. Se quiser, nós o
tiraremos das montanhas e o levaremos a um hospital para tirar uma chapa e ter
certeza.
— Não — recusou Kit. — Não está doendo tanto assim. Vai ficar bom daqui a
alguns dias.
Brig ajudou-o a se pôr de pé. Kit fez uma careta quando tentou apoiar o peso
no pé machucado. Jordanna lançou-lhe um olhar preocupado.
— Tem certeza, Kit? — Os olhos dela diziam-lhe para não ficar intimidado pelo
ressentimento evidente do pai de que sua caçada pudesse ser interrompida de
novo.
— É o meu tornozelo — pilheriou ele, debilmente. — Posso ser razoavelmente
objetivo sobre o quanto me dói. Vou ficar aqui pelo acampamento durante uns dois
dias, fazendo companhia a Jocko.
— Pode me ensinar a jogar cribbage, que você e Tandy andaram jogando,
para que eu o derrote neste inverno — sugeriu Jocko, com um sorriso encorajador.
Brig se afastou quando Jordanna foi auxiliar o irmão. Ela notou o gesto e
tentou não demonstrar que se importava. Ajudou Kit a entrar na tenda grande,
oferecendo-lhe o apoio do seu ombro, enquanto ele manquejava até o banco.
— Posso ficar com você — falou ela.
— Não. — A recusa foi rápida e viva. — Quero que fique com papai. — Notou
o franzir de testa curioso da irmã, e deu um sorriso torto. — Além do mais, o que
você iria fazer aqui? Segurar minha mão?
Parecia mesmo uma bobagem.
— Tudo bem, eu vou. — Jordanna aceitou a decisão dele com a sombra de
um sorriso.
O grupo de caçadores se reduziu a três cavaleiros, molhados e
desconfortáveis. Ocasionalmente, Jordanna sentia o golpe das bolinhas de gelo nas
faces, enquanto cavalgavam em busca do carneiro montês. No final da manhã,
deixaram os cavalos amarrados a umas árvores anãs e subiram uma encosta
rochosa para vasculhar de binóculo as cristas irregulares da montanha.
O chão era uma laje de rocha fria debaixo de Jordanna. Seu traje impermeável
protegia-a da umidade e impedia o vento cortante de penetrar nas suas roupas. O
frio tornava impossível encontrar uma posição confortável. Ela resolveu ficar deitada
de barriga para baixo, para que seus cotovelos sustentassem os braços, enquanto
vasculhava devagar a paisagem agreste com o binóculo.
— Ali, no marco de duas horas, na metade da encosta. — O pai dirigiu a
atenção deles para uma área específica. — É ele?
Jordanna focalizou o binóculo no carneiro montês que estava deitado,
descansando e ruminando. Brig fez o mesmo.
— Está longe demais — falou ele. — Não dá para dizer.
— Não quero andar toda essa distância para descobrir que não é o carneiro
do chifre lascado — resmungou o pai. — Jordanna, passe-me a luneta.
— Ficou lá no alforje. Esqueci de trazê-la — admitiu, e começou a se levantar.
— Vou buscá-la.
— Pode deixar que eu vou. — O pai parecia impaciente.
Jordanna começou a argumentar que, já que fora ela quem o tinha esquecido,
devia ser ela a ir pegá-lo. Mas o pai já se pusera de pé e se virara, para começar a
descer a encosta rochosa até os cavalos. Ela se acomodou na antiga posição. De
certa maneira, estava sozinha com Brig pela primeira vez em vários dias. Jordanna
tentou controlar os batimentos subitamente irregulares do seu coração e focalizou o
binóculo no carneiro.
— Acha que é o carneiro de chifre lascado? — Era uma tentativa formal de
puxar conversa.
— Já disse que não sei.
— Estou sabendo. — Jordanna enrubesceu. — Estava apenas pedindo um
palpite.
Ele baixou o binóculo para olhar para ela.
— Não dou palpites.
— Não? — O rosto dela estava molhado e brilhante de chuva. — Deu uma
porção de palpites errados a meu respeito.
— Você tentou convencer-me disso muitas vezes — disse ele, com ironia.
Jordanna não conseguia encarar aqueles olhos castanhos. Suas mãos
agarraram o binóculo com força, até doer, enquanto ela fitava a rocha cinzenta sob
seu corpo. Lágrimas ardidas afloraram-lhe aos olhos. Piscou para afastá-las.
— Nem sei por que me dei ao trabalho — falou, com voz rouca.
Os dedos enluvados dele seguraram-lhe o queixo e viraram-lhe o rosto para si.
— Lágrimas? — Um dos cantos da boca de Brig se encrespou
desdenhosamente para dentro do bigode. — E agora, o que devo fazer? Enxugá-las
com beijos?
Havia algo de duro e esfaimado na maneira como o olhar dele lhe devorava os
lábios. Seus sentidos tontearam ante aquele olhar. Mas ela deu um jeito de manter
o controle e afastar bruscamente o queixo da mão dele.
— Você não tem coração, Brig McCord — acusou Jordanna. — É feito de
pedra. Em vez de sangue, tem lava derretida correndo nas veias. Todo aquele fogo
é só luxúria. Pena eu não me ter dado conta disso antes.
— E o que corre nas suas veias? — debochou ele.
— No momento, água gelada.
— Quanto tempo será que demoraria para transformá-la em vapor? —
comentou ele.
Não muito. Bastava que ele a tocasse para que ela se derretesse. Jordanna
sabia, e não queria que ele a testasse para descobrir. Pôs-se de pé rapidamente e
começou a procurar o pai, na encosta. Ele acabava de iniciar o caminho de volta
para junto deles, carregando o estojo de couro com a luneta.
As possantes lentes de aumento do instrumento convenceram o pai dela de
que, se aquele não era o carneiro do chifre lascado, era um semelhante ou maior.
Jordanna omitiu-se da discussão sobre o melhor caminho de se chegar ao carneiro:
deveriam dar a volta e se aproximar do carneiro pelo lado de trás do cume acima
dele ou tentar a rota do vale e subir para tocaiar. Resolveram que o primeiro
caminho era o melhor, embora mais longo.
Foi uma viagem longa e dura. Por duas vezes tiveram que recuar, quando a
trilha ficou intransitável para os cavalos. Finalmente, chegaram ao acostamento de
trás. Deixaram os cavalos na encosta suave, perto de algumas árvores, e subiram a
pé até o topo.
O carneiro montês tinha se levantado para pastar, mas não se havia afastado
muito de onde o tinham visto pela primeira vez. Assim mais de perto, a lasca no seu
chifre em caracol era visível. Jordanna ficou no alto da crista, enquanto Brig e o pai
começaram uma tocaia cautelosa, para ficarem dentro do alcance do tiro do fuzil.
Ela observava, mas não sentia nenhuma emoção. Visivelmente ausente estava a
admiração pela perícia e pelo cuidado do pai. Jordanna se deu conta de que
perdera o entusiasmo pelo esporte. Não sentia repulsa pelo que via, meramente
indiferença. Não havia ódio pelo que o pai estava fazendo. Ainda entendia a
emoção dele, e não o condenava. Apenas não a sentia mais.
Pelo binóculo, Jordanna viu o pai ficar em posição e mirar o seu alvo. O
estalido do tiro de fuzil rasgou os ares. O carneiro deu um pulo e tentou afastar-se
aos saltos, mas as suas pernas traseiras recusavam-se a se mexer. O montês
tamanho troféu conseguiu arrastar-se alguns metros para dentro das rochas que
sempre haviam significado segurança contra os predadores, depois morreu.
Na encosta da crista, o pai dela sentia o gosto da vitória, mas Jordanna
experimentava uma vaga sensação de pesar. As montanhas haviam perdido um
monarca. Um vento lamentoso gemia por entre as árvores abaixo. Jordanna
continuou no topo da montanha mais um pouco, observando os dois homens se
dirigirem às rochas para arrastar de lá o corpo do carneiro, com cuidado para não
danificar os chifres valiosos.
Abandonando seu ponto de observação, ela desceu a encosta suave até onde
estavam os cavalos. Brig e o pai iriam precisar do sal e das ferramentas que
estavam nos alforjes. Jordanna pretendia levá-los para eles. Uma antiga avalanche
abrira uma trilha larga por entre as árvores e descortinara uma vista panorâmica
das montanhas, sem obstrução de árvores. A beleza de tirar o fôlego fê-la deter-se.
Ficou parada sob os ramos de uma sempreviva e fitou o mundo cinza e marrom das
nuvens e montanhas. Pedras de granito alternavam-se com prados altos de grama
amarelo-acastanhada e davam origem a pinheiros tenazes. Picos de montanhas
furavam as nuvens escuras e ameaçadoras lá em cima. Jordanna ergueu o rosto
para a chuva fria e suave que se filtrava por entre as folhas de pinheiro.
Brig chegou ao topo do cume e viu Jordanna parada mais abaixo, na encosta,
não longe dos cavalos. Parou por um momento, observando sua atitude súplice, de
oração, antes de continuar encosta abaixo. Uma pedrinha escorregou de sob os
seus pés, e ela se virou ante o ruído da aproximação.
— Pensamos que ia trazer os cavalos — disse Brig, parando quando estava
quase ao nível dela. Do outro lado, no meio das árvores, os cavalos esperavam,
pousados em três pernas, de cabeça baixa.
— E ia, mas deparei com esta vista. — Jordanna virou-se parcialmente para
olhar de novo para a paisagem montanhosa. Havia linhas pensativas no perfil que
virava para ele. — Agora que papai já matou o seu animal, nós iremos embora. Não
quero sair daqui. Estas montanhas são tão selvagens e virginais que me fazem
sentir-me... limpa. — Parecia encabulada pela escolha dos adjetivos. Brig sabia o
que ela queria dizer. Parada ali, parecia tão pura e fresca quanto uma flor silvestre
das montanhas surgindo de sob a neve, na primavera. Voltou a olhar para ele, com
um vestígio de desafio orgulhoso na maneira como erguia a cabeça. Um fogo verde
faiscava nos olhos cor de avelã. — Imagino que você pense que eu disse isso por
sua causa, outra mentira para convencê-lo de que... — Jordanna não terminou a
frase. Voltou o olhar para as montanhas. — Não posso fazê-lo acreditar em nada
que diga, nem vou tentar.
— As montanhas podem ter um efeito profundo nas pessoas abertas à sua
influência. — Brig deixou seu olhar dirigir-se para elas. Haviam-no purificado,
enquanto o enrijeciam para viver no meio delas.
— Então devo ser uma dessas pessoas — falou Jordanna, serenamente.
O tom submisso da voz dela atraiu a atenção de Brig. Como uma flor silvestre
das montanhas, o que primeiro chamava a atenção nela era sua beleza. Nem
sempre sua força era reconhecida, ou o vigor necessário para sobreviver num
terreno difícil como aquele. Ali, ela florescia. Em outro lugar qualquer,
provavelmente murcharia e seria uma sombra do seu verdadeiro eu. Jocko havia
tentado explicar-lhe isso, mas ele não quisera enxergar. Não queria enxergar nem
agora.
— Gostaria de não ter que ir embora daqui — repetiu Jordanna, num murmúrio
pesaroso.
Mudando o fuzil para a mão esquerda, Brig apontou o cano para o chão.
— Não vou lhe pedir que fique.
Foi uma declaração de desprendimento que a fez olhar vivamente para ele.
— Não ficaria, se pedisse! — explodiu. — Você teria que implorar!
Brig sentiu uma sensação de formigamento entre os ombros. Flexionou-os,
inquieto. Engraçado, não tinha aquela sensação desde os seus tempos de
guerrilheiro, quando atiradores de tocaia... Mergulhou para a direita. No mesmo
instante, algo bateu com força no cano do seu fuzil, e uma chama quente lhe
apunhalou a coxa. Uma fração de segundo depois, o estalido de um tiro de fuzil
rasgou os ares.
Quando Brig caiu ao chão, rolou. Quando parou, deitado de bruços, o fuzil
estava na posição de disparo. Foi então que Brig descobriu que a bala destinada a
ele atingira sua arma, danificando o mecanismo de disparo. Não sabia de onde
viera o tiro, exceto que fora de algum lugar acima dele. Não podia ficar onde estava.
Se tentasse alcançar os cavalos, cruzaria uma ampla clareira e ficaria exposto.
Todas essas decisões foram tomadas com a velocidade de um raio.
Brig sabia que estava perto das árvores. Olhou para elas, para avaliar a
distância, e viu Jordanna grudada a um tronco de árvore. Seu olhar vasculhava
desesperadamente a crista da montanha. Selvagemente, Brig deu-se conta de que
fora uma jogada armada desde o início. Ela não trouxera os cavalos porque sabia
que Brig viria buscá-los, se não os trouxesse. Quando ele veio, ela o distraiu e
manteve-o falando, no espaço aberto onde o pai poderia acertar nele facilmente.
Mas o pai errara. Brig sabia que Fletcher iria tentar de novo. O caçador estava
atrás da presa, resolvido a matar. A ardência na coxa dizia a Brig que tinha uma
ferida superficial. Não havia muito tempo para determinar sua gravidade.
Instintivamente, já testara os músculos da perna e sabia que reagiam... portanto, a
bala não podia ter causado muitos danos. Um bom caçador sai no encalço de
qualquer animal que tenha ferido, para terminar de liquidá-lo. Fletcher Smith
pretendia fazer exatamente isso com ele. Sem o fuzil, Brig não tinha meios para se
defender.
Naquele minuto, Fletcher provavelmente estava assumindo uma posição que
lhe permitiria dar um outro bom tiro. Brig não podia ficar ali, parado como um otário.
Tinha que recuar, mas precisava de proteção... de um escudo. Fletcher não iria
arriscar um tiro que pudesse atingir a filha, percebeu Brig.
Ajeitando-se para que a perna direita agüentasse o impulso inicial do seu
peso, Brig deu uma corrida baixa e sinuosa para a árvore onde Jordanna estava,
oferecendo a Fletcher um alvo o mais difícil possível. Ouviu o silvar de uma bala
passando antes que o som do disparo do fuzil ecoasse pelas montanhas. E então
Brig ficou seguro no meio das árvores, agarrando o pulso de Jordanna.
— O que está acontecendo? Quem está atirando na gente? — quis saber ela,
com apenas um fio de medo na voz.
Como se ela não soubesse!, pensou ele, com um cinismo distante, e não se
deu ao trabalho de responder às suas perguntas ridículas. A perna ainda não o
estava incomodando, mas Brig sentia a umidade quente do sangue a escorrer-lhe
coxa abaixo. O choque estava superando a dor, por enquanto. Parando apenas um
segundo para se orientar e escolher um caminho de fuga, Brig começou a se meter,
correndo, por entre as árvores, puxando Jordanna atrás de si como escudo.
Ficou em meio às árvores o quanto pôde. Brig podia apenas adivinhar a
direção da perseguição de Fletcher. Quando saíram do meio das árvores, tentou
manter Jordanna entre si e a linha de fogo de Fletcher. Sua fuga os estava levando
morro abaixo, na direção de terreno mais liso, e afastando-os mais do
acampamento. A chuva misturou-se a pesados flocos de neve. Nos pontos mais
elevados, Brig sabia que os flocos estariam maiores. Parou uma vez ao abrigo de
umas rochas, para olhar para a trilha que já tinham percorrido. Estava respirando
fundo, devido ao ritmo puxado da corrida. Jordanna também.
— Por que estamos correndo? — perguntou ela, arquejante. — Não há
ninguém nos perseguindo.
Não havia sinal de Fletcher. Aquilo preocupava Brig mais do que se tivesse
visto o caçador. Como estavam a pé, Fletcher provavelmente adivinhara que ele iria
procurar o terreno mais plano e baixo. Fletcher permanecia acima deles, onde o
terreno era mais irregular, mas de onde podia enxergá-los melhor. Brig amaldiçoou-
se por não ter pensado nisso antes.
Com um puxão, arrastou Jordanna atrás de si e começou a subir. Sua única
esperança era atingir pontos mais altos, acima de Fletcher, e depois voltar. A neve
estava começando a grudar no chão, deixando-o escorregadio. Sempre que
possível, Brig tentava colocar Jordanna na mesma altura que ele, alternadamente
empurrando-a e puxando-a. Ela resistiu apenas umas duas vezes.
O ritmo puxado estava começando a cansá-lo. Intimamente, Brig se
perguntava como ela conseguia acompanhá-lo... e por que não estava tentando
fugir. A ferida tinha começado a latejar, e os músculos de sua perna esquerda
estavam enfraquecidos. Ele agora começava a poupar a perna. Será que era por
isso que ela estava esperando? Que ele ficasse fraco demais para impedir-lhe
qualquer tentativa de fuga? Jordanna não dera nenhum sinal de haver percebido
que ele estava ferido. Brig a mantivera sempre à direita; assim, talvez ela não
tivesse visto o sangue que escorria por sua perna esquerda. Quer tivesse visto quer
não, Brig não estava disposto a lhe perguntar.
O ar ficava mais rarefeito à medida em que subiam. Os pulmões dele estavam
quase estourando pelo esforço e pela quantidade menor de oxigênio. Brig sentiu
uma leve camada de suor no corpo, e tomou consciência de que aquilo era
perigoso, no frio clima da montanha. Roupas úmidas de suor perdiam sua
capacidade de isolamento. A transpiração podia transformar-se numa fina camada
de gelo contra sua pele. Diminuiu o ritmo, mas não parou.
Uma fina camada de neve cobria o solo. Os flocos grandes não estavam mais
misturados à chuva. Brig rezava para que continuassem a cair e cobrissem seus
rastros, antes que Fletcher passasse por eles. Jordanna tropeçou e caiu de joelhos.
Brig envolveu-a pela cintura, carregando-a parcialmente, enquanto ela tentava não
ficar para trás. Ele ainda carregava seu fuzil, embora inútil. Estava se tornando uma
carga desnecessária, porém, enquanto o tivesse, Fletcher não saberia que ele
estava virtualmente desarmado. Se Fletcher acreditasse que sua presa ferida
poderia virar-se e atacar, sua perseguição seria cautelosa. Brig precisava dessa
ligeira vantagem.
Estavam se aproximando da linha de árvores. Logo adiante, havia um grupo
relativamente alto de árvores que propiciariam esconderijo. Brig concluiu que era
um bom lugar para parar e recobrar o fôlego. Instou Jordanna naquela direção.
Deu-se conta de que não poderiam demorar-se ali muito tempo. O risco de sua
perna ficar dura era muito grande. E, enquanto continuassem em movimento,
ficariam aquecidos.
Ou Jordanna leu seus pensamentos, ou não agüentava mais dar um passo.
No instante em que entraram no meio das árvores, ela se agarrou a um tronco,
apoiando-se, e parou. A respiração dele estava difícil, arquejante, mas ele não
ousou se relaxar. Seu olhar varreu o caminho que tinham percorrido, depois voltou
para ela, que o observava com um olhar dilatado e confuso, de apreensão. Brig não
precisava preocupar-se de que a moça fosse tentar escapar dele, pelo menos não
nos próximos minutos. Cobrira aos tropeções os dois últimos metros, e estava
precisando daquele curto descanso tanto quanto ele. Sentiu uma pontada viva de
admiração pela maneira corajosa como ela o acompanhara, mas ignorou-a, não
ousando acreditar que ela quisesse ficar com ele.
A neve, que caía rapidamente, quase cobrira seus rastros. Como não havia
sinal da passagem de Fletcher, ainda estavam à sua frente, e, àquela altura, acima
dele. Brig olhou na direção onde esperava ver o caçador, mas a neve e as árvores
obscureciam sua visão. Baixando a cabeça por um instante, apertou a mão contra a
coxa, tentando deter a dor latejante. A cada batida do seu coração, o sangue
pulsava da ferida, esgotando-lhe as forças. A pressão da mão lançou uma pontada
de dor por seu corpo. Soltou a coxa e olhou rapidamente para a mancha escura de
sangue na luva.
No mesmo segundo em que Brig ouviu o ranger de couro de sela, Jordanna
emitiu um sussurro rouco:
— Olhe, ali está meu pai.
Ao mesmo tempo, Brig olhou por cima do ombro para ver Fletcher aparecer a
cavalo, puxando dois animais selados, a uns cento e cinqüenta metros abaixo
deles, e percebeu o movimento que Jordanna fez na direção do homem, com o
canto dos olhos. O instinto guiou sua reação, quando largou o fuzil e tirou a faca de
caça da bainha presa ao cinto. Brutalmente, empurrou Jordanna para trás, jogando-
a contra o tronco da árvore, e soltando a lâmina da faca. Cobriu-lhe a boca com a
mão, abafando qualquer grito que pudesse tentar dar. Encostou o metal frio na
garganta dela.
— Dê um pio e será o último — rosnou. Brig não tinha absolutamente
nenhuma idéia se seria capaz de cumprir a ameaça. Seu gesto fora ditado
estritamente pela necessidade animal de sobrevivência. Fletcher estava perto
demais, o fuzil na mão, em posição. Se descobrisse onde Brig estava, poderia
alcançá-los dentro de minutos, a cavalo. E logo saberia que o fuzil de Brig estava
imprestável. Depois disso, nem mesmo Jordanna poderia servir-lhe de escudo por
muito tempo.
Brig lançou um olhar ao cavaleiro, que não tinha dado nenhum sinal de que
sabia onde estavam, depois voltou o olhar para Jordanna, cujos olhos arregalados
estavam escuros de alarme. As mãos dela agarravam-lhe o pulso, mas não
estavam fazendo nenhum esforço para retirar a mão dele da boca. Brig tomou
consciência do seu corpo, que esmagava o dela contra o tronco. Rapidamente,
desviou os olhos, antes que a visão dela o distraísse de novo do perigo que o pai
representava. Uma confusão íntima o roía. O menor ruído até mesmo um chute
contra o tronco da árvore seria levado até Fletcher. No entanto, Jordanna não
estava fazendo qualquer tentativa de chamar a atenção do pai. Por quê? Não era o
medo que a deixava calada. Isso ele podia jurar.
Fletcher estava se aproximando do local onde cruzaria a trilha deles. Brig
prendeu a respiração, sem ter certeza do quanto a neve cobrira a trilha. A atenção
do caçador parecia focalizada na montanha abaixo dele... onde Brig estaria, se não
tivesse mudado abruptamente a rota de retirada. Fletcher passou com o cavalo pela
trilha, mas parecia preocupado. Não demoraria muito para que começasse a
suspeitar de que Brig o tapeara. No instante em que o fizesse, Brig sabia que o
homem se poria a caminho para interceptar sua ida para o acampamento.
Nuvens de neve escureciam o céu. Não sobravam muitas horas da luz
cinzenta do dia. Mesmo sem necessidade de esquivar-se de Fletcher, Brig teria
sorte se conseguisse voltar a pé ao acampamento antes do anoitecer.
Acrescentando isso às complicações de uma queda de neve potencialmente forte e
a uma perna ferida, Brig não via chance de chegar ao acampamento. Teriam que
passar a noite nas montanhas, sem nenhum abrigo... a não ser que...
Enquanto o seu olhar perscrutava a paisagem que o cercava, Brig vasculhava
sua mente. Por ali, em algum canto, havia uma velha cabana de mineiro que fora
abandonada muito tempo antes. Deparara com ela no verão daquele ano, quando
estava vasculhando a área em busca dos carneiros monteses. As paredes e o teto
estavam intactos, mas estava tão suja por dentro, que Brig resolvera dormir do lado
de fora, naquela viagem. Agora, aquele velho barraco de toros podia dar-lhes
proteção... se ele pudesse lembrar-se de onde ficava.
A não ser que se enganasse, devia ficar na cordilheira seguinte. Teriam que
rodear aquele pico, descer pelo outro lado e esperar que ele pudesse achar de
novo aquele canyon alto. A que distância ficaria? Cinco, seis quilômetros? Quem
sabe, mais? Será que ele agüentaria chegar tão longe? Não havia escolha. Tinha
que chegar.
O primeiro arrepio de frio fez sua pele estremecer. Tinham que recomeçar a se
pôr em movimento. Fechou a faca e recolocou-a na bainha de couro, antes de tirar
a mão da boca de Jordanna. Ela não disse nada quando Brig se afastou para retirar
o peso que a imobilizava e agarrar-lhe de novo o pulso. Puxando-a atrás de si,
enfiou-se pelas árvores para rodear a montanha.
— Mas meu pai foi pelo outro lado com os cavalos — protestou Jordanna.
— Eu sei. Por que acha que vamos por este lado? — Disparou a resposta em
cima dela, impaciente porque a moça continuava a fingir.
— Acho que você está maluco — murmurou Jordanna.
— Maluco em tentar, talvez — admitiu, com ar sombrio. — Temos um longo
caminho a percorrer, portanto sugiro que se cale e poupe seu fôlego. Vai precisar
dele todinho.
— Mas por que estamos fugindo de meu pai? — argumentou ela.
Brig não respondeu. A expressão perplexa dela parecia tão genuína... Quase
fazia-o acreditar que ela fosse uma cúmplice inocente e involuntária do plano do
pai. Mas era improvável demais... e perigoso demais.
Capítulo XXI
Brig se mexeu e tentou achar uma posição mais confortável na cama dura. A
dor varreu sua perna esquerda, acordando-o à força. Abriu os olhos devagar,
inspecionando o ambiente. À luz bruxuleante, viu paredes fantasmagóricas de pano
à sua volta, e sentiu o chão duro e nu sob o corpo. Levou a mão à coxa ferida para
cessar-lhe o latejar. Seus dedos se fecharam nos pêlos da perna, e deu-se conta de
que estava nu. Virando a cabeça, olhou na direção da luz e do calor.
Inspirou vivamente ao ver a figura nua apoiada de encontro à lareira de pedra.
A luz do fogo banhava a figura de porcelana em ouro pálido. A perfeição estava em
cada linha, desde as pernas bem-feitas até o traseiro arredondado e a cintura
esbelta, que se alargava até um par de ombros brancos e suaves. Os cabelos de
cobre escuro, com reflexos escarlates, cascateavam em cachos entre as omoplatas.
O olhar dele desceu preguiçosamente, demorando-se nas curvas macias e
arredondadas do traseiro.
E então a figura se moveu, voltando devagar à vida, e virou-se para ele num
movimento lânguido. Seios firmes e altos tinham bicos rosados que se arremetiam
para cima. Quadris esbeltos convidavam um homem a amoldar-se a eles. Nada
esculpido podia conseguir a sensualidade natural dessa forma viva, concluiu Brig.
— Vênus com braços — murmurou Brig, e a figura moveu-se para ele,
ajoelhando-se a seu lado, para que a luz da fogueira lhe iluminasse o rosto. Havia
olheiras fundas de exaustão sob os olhos avelanados, porém ele a reconheceu e
retorceu a boca num débil sorriso. — Jordanna.
— Sim — foi a resposta suave. Os dedos dela acariciaram-lhe de leve a testa.
— Como se sente?
— Cansado. — Um pouco fora desse mundo. Ela estava perto o bastante para
ser tocada. Brig colocou a mão direita na caixa torácica dela e deixou-a subir até a
parte inferior do seio, onde o seu polegar podia esfregar o mamilo ereto. Ouviu sua
respiração arquejante. — Por que está aqui?
— Que pergunta ridícula! — Sua voz era ligeiramente perturbada. — Onde
mais estaria?
— Podia ter-me abandonado para morrer. Provavelmente teria morrido
mesmo, nessa tempestade. — Com a mão esquerda, segurou-lhe o pulso e puxou-
a para junto de si. Não precisou de muito esforço.
— Eu também teria, se você não conhecesse este lugar — lembrou ela,
enquanto as montanhas macias dos seus seios pousavam sobre o peito dele.
Soltando-lhe o pulso, ele escorregou a mão pelas costas dela e foi acariciar uma
das nádegas arredondadas que tanto admirara. — Está com febre? Está falando
bobagens.
— Se estou com febre, é você quem está afetando minha temperatura. — Por
enquanto, Brig não estava se perguntando por que Jordanna ficara ou cuidara de
sua ferida, quando teria sido tão mais fácil para ela abandoná-lo aos elementos
mortíferos e deixar a natureza terminar o serviço que o pai começara. Curvou a
mão em volta do pescoço da moça para forçar-lhe a cabeça para baixo, para que
ele pudesse mordiscar-lhe o lábio inferior.
— Brig, não — protestou, debilmente. — Você está ferido.
— É? Então não lute contra mim.
O gemido baixo que saiu da garganta dela disse-lhe que não lutaria muito
contra ele, se é que chegaria a lutar.
— Por favor. Estou muito, muito cansada, e preciso manter o fogo aceso —
murmurou Jordanna, por entre as mordidelas na sua boca, mas não fez nenhum
esforço para evitá-las. Brig sentiu a letargia dos seus membros e percebeu que ela
falava a verdade sobre o seu estado de exaustão. No momento, ele apenas
reconhecia o enrijecimento crescente de sua própria necessidade. Concordou com
o segundo argumento dela.
— Ponha um monte de toros na lareira; o fogo durará até de manhã. — A
contragosto, deixou que Jordanna saísse dos seus braços.
Os movimentos dela eram fluidos e inconscientemente sedutores. Brig apoiou-
se num dos cotovelos, testando sua força e quanta interferência haveria por parte
do ferimento. Enquanto Jordanna cooperasse, ele se arranjaria. Sentia-se um tanto
trêmulo, mas não era nada que não pudesse dominar.
Depois que o fogo foi atiçado com os toros extras, Jordanna virou-se hesitante
para ele e puxou um punhado de cabelo para trás da orelha. Os olhos dele
escureceram ao deparar com a beleza pura do corpo nu da moça.
— Venha se deitar comigo, Jordanna.
Os dedos dela entrelaçaram-se naqueles que ele lhe estendia. Lentamente,
com medo, esticou-se ao lado direito dele. Brig começou a se virar, mas ela
empurrou-o pelos ombros para forçá-lo a se deitar.
— Não. Pode recomeçar a sangrar — avisou, ansiosamente.
— Nesse caso... — Brig puxou-a para cima dele — vamos fazer deste jeito.
— Você é maluco. — Contudo, ela estremeceu, quando as mãos grandes dele
massagearam-lhe eroticamente os seios.
— Sim, é insanidade — concordou ele. Era a única explicação para essa
dúvida angustiante de que ela realmente planejara matá-lo. Se assim fosse, por que
estaria ali? Não importava. Agora, seu único pensamento era um desejo poderoso
de fazer amor com ela. A moça implantara essa semente demoníaca de desejo
dentro dele. Agora, era a vez de ele colher o que fora plantado.
Quando as mãos dele deslizaram para os seus quadris, Jordanna distribuiu o
seu peso pelo tórax dele. Roçou com os lábios úmidos o canto da boca do homem,
seu hálito quente e estimulante misturando-se ao dele.
— Tome cuidado — pediu. — Não quero que se machuque mais.
— Então me ajude — escarneceu ele, e gemeu quando ela o fez.
Uma friagem nas costas acordou Jordanna. Ela estava jogada sobre o corpo
adormecido de Brig, mas, mesmo enquanto dormia, evitara entrar em contato com o
ferimento dele. A despeito do calor irradiante do seu corpo, teve consciência do frio.
Levou um segundo para ela se dar conta de que o fogo devia ter-se apagado. Virou
a cabeça, para ver um leve brilho avermelhado nas cinzas escurecidas da lareira.
Suavemente, Jordanna saiu do círculo do braço de Brig para reavivar o fogo.
Com o restante das aparas de madeira, deu início a uma minúscula chama, e
estremeceu ao acrescentar a ela o primeiro toro pequeno. Olhando para a parede
de roupas penduradas, percebeu que estavam secas. Estendeu a mão para as
roupas de baixo compridas e começou rapidamente a vesti-las. Só parou quando
estava totalmente vestida e aquecida pelas muitas camadas de roupa. A essa
altura, o fogo ardia alegremente.
A pilha de lenha se reduzia a duas achas. A moldura do catre daria mais uma
meia dúzia. Iriam precisar de mais lenha. Ela estava com sede, e o vazio
persistente no seu estômago lembrava-lhe que não comia desde o meio-dia da
véspera. Tirando a jaqueta de Brig do varal improvisado, Jordanna cobriu-o com
ela, depois pôs o chapéu e as luvas e apanhou o caldeirão de ferro e a faca.
Tinha parado de nevar, mas havia quinze centímetros de neve no chão, mais
em alguns lugares, pela ação do vento. O sol batia na extensão branca de neve
invernal, e Jordanna teve que proteger os olhos, depois da escuridão da cabana
sem janelas. À luz do dia, percebeu que ela não era totalmente sem janelas. Estas
tinham sido fechadas com tábuas.
Depois de encher compactamente o caldeirão de ferro com neve, deixou-o
junto à porta e foi fazer uma exploração e procurar um lugar reservado para fazer
suas necessidades. Do outro lado da cabana, encontrou uma caixa semicheia de
lenha. A menos de vinte metros da cabana, havia um mundaréu de madeira, se
houvesse necessidade de mais.
Com esse problema solucionado, Jordanna dedicou sua atenção à fome
crescente que sentia. Havia vários anos, o pai lhe ensinara que a casca interna dos
pinheiros, assim como a de outras árvores, era comestível, quer crua quer cozida.
Esse suprimento de alimentos de emergência lhes forneceria algum sustento.
Provavelmente haveria algumas folhas comestíveis sob a neve, mas a casca era
mais fácil de obter. Com a água da neve derretida, poderia fazer uma sopa nutritiva.
Usando sua faca, Jordanna cortou tiras de árvore e descamou a casca externa,
amarga, para chegar às tenras fibras internas.
Quando já estava com os bolsos cheios, voltou para a frente da cabana e
pegou o caldeirão com neve. Depois do brilho do sol, teve dificuldades em se
adaptar ao interior sombrio da cabana. Uma forma grande bloqueava a luz da
fogueira. Ela levou um segundo para se lembrar de que era Brig.
— Bom dia. — Dirigiu-se para ele, um sorriso cálido acompanhando o
cumprimento.
Ele estava semivestido, com a maior parte do peso jogado sobre a perna
direita. Ao invés de retribuir o sorriso, Brig olhou feio para ela, as feições contraídas
numa expressão ameaçadora. Ela ficou desalentada. À noite, fora um amante
ardente e exigente, enchendo-lhe o corpo cansado de uma excitação selvagem.
Pela manhã, havia ódio e desprezo nos seus olhos. O que ela fizera de errado,
exceto amá-lo?
— Onde esteve? — perguntou ele, com voz áspera e acusadora.
— Explorando. — Pousou o caldeirão de neve no chão, ao pé da lareira. — Lá
fora há uma caixa de lenha com mais achas... — Tirou do bolso as cascas de
pinheiro. — Peguei também um pouco de cascas de pinheiro para fazer uma sopa
para nós. — O tempo todo, tentou parecer calma e controlada, não demonstrando
nem mágoa nem raiva ante a pergunta dele.
— Que engenhoso de sua parte! — Ergueu uma sobrancelha com zombaria
cínica.
— Também achei — respondeu Jordanna, tentando parecer petulante.
— Também fez sinal para seu pai?
— Na verdade, não tinha pensado nisso, caso contrário teria feito. — A
resposta de Jordanna foi fria, sem compreender o tom de voz dele.
— Teve a oportunidade perfeita e não teve peito para fazê-lo, não foi? Por
quê? — A cabeça dele estava repuxada num ângulo arrogante, que a um só tempo
desafiava e ironizava. — Qual a diferença entre uma bala e me deixar congelar até
morrer?
Jordanna olhou para ele com uma ruga confusa no meio da testa, e sacudiu a
cabeça.
— Não sei do que está falando. — Estava quente junto ao fogo. Tirou o
chapéu e desabotoou o casaco.
— Pare de bancar a boba. Já estou cheio desse jogo — debochou Brig.
— Você também estava falando bobagens ontem à noite. Deve estar com uma
ponta de febre. — Adiantou-se para sentir a testa dele e examinar-lhe a
temperatura.
Mas sua mão não chegou lá. Foi agarrada num aperto de esmagar os ossos,
que fez Jordanna girar de lado, numa tentativa de aliviar a pressão. O rosto dele
escureceu de raiva.
— Chega de mentiras, Jordanna!
— Não estou mentindo para você! — explodiu, indignada. — Perdeu o juízo?
— Sim, devo ter perdido, quando a conheci. — Seu lábio se encrespou, com
desdém. — Sei que sacana mentirosa você é. Até mesmo sabia que você estava
tramando com seu pai para me matar, mas ainda assim deixei-me manobrar para
ficar em posição para o abate. Foi por pura sorte que consegui escapar com apenas
uma ferida superficial na perna.
— Como? — Era uma palavra arquejante de total confusão. — Como pode
dizer tais coisas? Deve estar maluco — sussurrou a moça, com um pouco de medo
dele. — Não sei quem atirou em nós, mas...
— Sua vaca mentirosa! — Com um rosnado selvagem, de lobo, afastou-a de si
com uma violência que a jogou de costas, cambaleante. — Você sabe tanto quanto
eu que foi seu pai!
— Não!
— E quem mais estava lá? Quem mais tinha um fuzil? Quem mais tinha motivo
para me matar? — Lançou as perguntas sobre ela, com uma acusação cruel.
— Não sei quem mais poderia ter sido, mas não foi meu pai! — Havia uma
frustração zangada na sua negativa repetida. — Como pode ser tão maluco a ponto
de achar que ele iria querer matá-lo? Brig, o que há com você?
— Não há nada comigo. Fletcher quer ver-me morto porque eu lhe disse que
sabia que Max tinha sido assassinado. Sem dúvida, ele lhe contou. — Sua
expressão desdenhosa era um deboche à ignorância da moça.
— Assassinado? Mas foi um acidente — protestou Jordanna.
— Acidente, uma ova! — zombou ele, pegando a jaqueta. Tirou do bolso a
sarça. — Quantos cavalos não derrubariam um cavaleiro inexperiente com isto aqui
sob a sela? Não me diga que não a viu antes!
A moça fitou a sarça, de olhos arregalados.
— Já a vi. Você falou que era o seu talismã. — Ergueu os olhos para o rosto
dele. — Está dizendo que foi isso o que causou o acidente de Max?
— Não foi acidente. Foi assassinato. Mas estou certo de que, como cúmplice
de seu pai, você jamais o admitirá.
— Não, não é verdade. Não sei como esses espinhos apareceram debaixo da
sela de Max, e não tive nada a ver com isso. Nem meu pai.
— Pare de fingir, Jordanna — falou Brig, desdenhosamente. — Enquanto você
tão gentilmente me levou o café, naquela manhã, certificou-se de que eu não
chegaria aos cavalos, e deu a seu pai ampla oportunidade de enfiar isto sob a sela.
O que ele fez.
— Não!
— Eu devia ter notado, quando seu pai deixou de avisar Max sobre a cobra.
Nem mesmo suspeitei de nada, quando ele fez Max cruzar aquela borda do
precipício sem avisá-lo da área minada. Mas minha mente e meus sentidos
estavam todos cheios com você. Esse foi o plano, o tempo todo, não foi? Deixar-me
tão embasbacado com você que nem notasse o que estava se passando? E, porra,
quase funcionou! Você foi uma sedutora tão fascinante que, quando não estávamos
na cama, eu estava pensando em cama. Até mesmo quando ouvi, por acaso,
Fletcher dar-lhe ordem para ser "boazinha" comigo, não questionei o porquê. Ainda
era tolo o bastante para acreditar na história dele de querer um carneiro montês. E
não me importava por que você estava agindo daquele jeito, contanto que pudesse
tê-la na hora em que a quisesse.
— Não! Está totalmente errado! Não fui para a cama com você porque ele
mandou! — Os olhos dela estavam cheios de lágrimas amargas. — Fui porque
quis... porque o amava! Papai não teve nada a ver com isso! E ele não teve nada a
ver com a morte de Max, e você não pode provar que teve!
— Foi o que ele disse. — Brig não se deu por vencido.
— O q-que ele disse? — repetiu Jordanna, em choque. — Quer dizer que...
papai sabe que você pensa que ele matou Max?
— E por que outro motivo acha que ele atirou em mim? Não quer que eu fique
falando sobre o que sei. Ele quase conseguiu calar minha boca para sempre. Mais
dois segundos e... — Deixou o óbvio por dizer. — Você quase me distraiu o tempo
suficiente, Jordanna.
— Mentiroso! Nada disso é verdade! Está inventando tudo isso. Por quê? —
quis ela saber, sufocando um soluço assustado. — Por que está fazendo isso?
— Você sabe que é verdade. Fletcher está lá fora, agora, procurando por mim.
Tem que me matar. Não pode me deixar escapar, não depois de errar uma vez.
— Mentiroso! — explodiu Jordanna, cheia de fúria. Jogou-se sobre ele,
socando-o e chutando-o como uma louca, soluçando e gritando sem parar: —
Mentiroso! Mentiroso! Mentiroso!
As lágrimas quentes escorriam pelo seu rosto, cegando-a. Poucos dos seus
socos histéricos chegaram a atingi-lo, mas Brig levou vários minutos para capturar
os braços agitados dela e torcê-los atrás das costas. A inutilidade de lutar contra
alguém tão mais forte do que ela reduziu Jordanna a uma massa trêmula de
soluços entrecortados.
Capítulo XXII
Capítulo XXIII
Jordanna jazia nos seus braços, de frente para ele, os dedos traçando-lhe o
contorno das feições duras. Sua carne fora acalmada pelo ato de amor, mas sua
alma ainda alçava voo nas asas do amor dele. Uma perna áspera e masculina
estava enganchada nos seus joelhos para mantê-la junto dele, enquanto uma mão
brincava, distraída, pela curva da sua cintura e do seu quadril. Os olhos dele eram
um veludo marrom, deslizando sobre cada detalhe do rosto dela.
— Jamais compreendi por que as mulheres sempre querem conversar depois
de fazer amor. — A voz dele continuava baixa e sedutora.
— O que você queria fazer? — perguntou Jordanna, deixando que a ponta de
um dedo seguisse o contorno sensual do seu lábio inferior, gostando de ver sua
boca formar palavras.
— Na maioria das vezes escutava os comentários e perguntas delas,
enquanto tentava descobrir um jeito de me mandar daquela cama — admitiu Brig,
sem remorso. — Caso contrário, ou queria rolar para o lado e dormir, ou queria
fazer amor de novo.
— O que quer fazer agora? — A pergunta dela era ligeiramente ofegante e
perfeitamente séria.
O olhar de Brig era escuro e solene.
— Só quero que saiba quanto adoro fazer amor com você, e como é gostoso
estar dentro de você. É simplesmente impossível para você saber o que é sentir os
seus seios de encontro à minha pele, ou a emoção que sinto ao saber que está tão
loucamente excitada quanto eu.
— Aposto que as minhas sensações são comparáveis — contestou Jordanna,
alegremente, à implicação dele de que a intensidade era unilateral.
— É mais do que isso. — Brig se recusava a levar a coisa na brincadeira. —
Há um prazer tranqüilo em tê-la cavalgando a meu lado pelas montanhas, uma
alegria oculta em partilhar com você a grandiosidade do cenário, e uma satisfação
indescritível em sentar com você diante da fogueira de um acampamento. É a sua
companhia que me agrada, Jordanna. A gratificação sexual que seu corpo oferece
tornou-se uma vantagem adicional.
O amor brilhava nos olhos dela, que pareciam pedras preciosas verdes.
— E você falou que não era bom com as palavras.
— Não sou. — Ele franziu as sobrancelhas escuras. — Se fosse, acharia
alguma maneira fácil de pedir-lhe para casar-se comigo, sem sentir que estava
tropeçando em alguma frase formal, tão usada que perdeu seu significado.
— Teria orgulho em me casar com você, Brig McCord. Nem precisa me pedir.
— A voz dela tremulou de tanta emoção.
Brig beijou-a com força, selando a promessa mas refreando sua paixão. Um
sorriso enviesou-lhe a boca, enquanto se afastava e soltava um suspiro.
— Acho que terei que construir um alojamento para os meninos, para
podermos encher os quartos do andar de cima com crianças.
Crianças, pensou Jordanna, de olhos castanhos e cabelos castanho-escuros.
Teve vontade de abraçar as imagens bem junto ao peito. Podia ver uma pequena
versão de Brig andando atrás do pai, enquanto este cruzava o quintal da fazenda.
Podia até ver a si mesma de pé na varanda da casa de toros, observando os dois.
Olhou para Brig, sem se dar conta do resplendor sereno da sua expressão.
— Podemos estar começando uma família antes do que você imagina, graças
à sua virilidade e ao fato de que as minhas pílulas estão no acampamento —
admitiu, bem feliz.
As narinas dele se dilataram, numa inspiração rápida; depois, deslizou a mão
protetoramente sobre a barriga dela. Com um gemido, enterrou o rosto na curva do
pescoço comprido. O aperto das mãos que a abraçavam era ferozmente suave.
Jordanna lembrou-se de que o lobo partilhava igualmente com sua fêmea a
responsabilidade de criar os filhotes. Levou vários minutos para os leves tremores
do corpo dele cessarem e ele se afastar.
— Ouça, Jordanna. — A mão dele tremia de leve ao alisar-lhe o cabelo para
trás da orelha. O ar severo e sério nos olhos dele era vagamente assustador. —
Amanhã Jocko sairá à nossa procura. Vai saber que há algo errado quando não
voltarmos hoje para o acampamento. Se eu tiver sorte, acharei Jocko antes de seu
pai me encontrar.
A realidade desabou sobre a beleza imaculada do seu amor. No meio do
encantamento, Jordanna havia se esquecido momentaneamente das suspeitas que
Brig tinha sobre seu pai, e da sua própria confusão em relação a elas.
— Não. — Rejeitou o assunto da conversa deles, não querendo que nada
estragasse os momentos preciosos que estavam compartilhando. — Não quero
falar nisso. — Desviou o olhar, focalizando-o na lã cor de marfim do forro interno da
jaqueta dele, sobre a qual estavam deitados.
— Temos que falar — insistiu Brig, e continuou: — Quando eu partir, pela
manhã, quero que você fique aqui, onde estará a salvo.
— Não!
Brig fingiu não ouvir.
— Tenho o papel do meu maço de cigarros. Desenharei um mapa para
mostrar onde fica a cabana... se alguma coisa me acontecer, eles poderão
encontrá-la.
— Nada vai lhe acontecer! — negou ela violentamente a possibilidade. Era
uma negativa dupla... tanto uma crença de que ele estava errado sobre o pai dela
quanto uma súplica sentida de que o destino não seria tão cruel a ponto de tirar-lhe
Brig tão cedo.
O olhar de pena dele por sua descrença continuada era difícil de esconder.
— Se eu puder evitar, não vai mesmo. — Acariciou-lhe a face com um dedo.
— Nunca tive mais motivos para viver do que agora.
— Pare com isso! — Jordanna engasgava com as palavras. — Você cometeu
um erro sobre papai. Confundiu as coisas, não sei como.
— Pelo seu bem, gostaria que fosse assim — falou, com voz pesada.
— Nós o encontraremos amanhã. E ele vai explicar tudo.
— Você vai ficar aqui na cabana — repetiu Brig. — Não quero correr o risco de
que possa sair ferida.
— Papai jamais me machucaria. Isso é um absurdo! — negou.
— Não deliberadamente, é verdade — concordou. — Mas um disparo rápido,
uma má pontaria, uma bala perdida, ricocheteada... Não, existem possibilidades
demais. Enquanto eu souber que você está aqui e a salvo, só terei que me
preocupar comigo mesmo. — Brig ignorou o protesto na expressão dela. — Vou me
certificar de que você tenha lenha o bastante, e prepararei algumas armadilhas
antes de partir, amanhã. Se ninguém vier buscá-la até depois de amanhã, toque
fogo na cabana. Alguém certamente verá a fumaça e virá investigar.
— Não! — Ela rejeitou, zangada, a sugestão dele, os olhos faiscando com
lágrimas de dor não derramadas. — Não vou ficar aqui sem você. Se for embora
amanhã, vou junto.
— Que merda, Jordanna, escute o que digo! — Sacudiu-a com força. — Estou
tentando fazer o que é melhor.
Uma imobilidade tomou conta dela, fortalecendo sua determinação.
— Não vou ficar aqui sozinha, e você não pode me obrigar, Brig. Ou vou
embora com você, ou vou segui-lo. Não vou ficar para trás.
Uma sobrancelha arqueou-se, indagadoramente, e o olhar dele tornou-se
estreito e profundo.
— Por quê? — quis saber.
— Porque... — ela não tinha certeza do motivo.
— ...porque não está absolutamente certa de que eu esteja errado sobre seu
pai. É isso, não é? — Havia uma satisfação sombria na sua conclusão, e Jordanna
fraquejou, insegura.
— Eu... não sei se está ou não. — A admissão era assustadora. Conhecera o
pai a vida toda. No entanto, amava aquele homem. Era uma situação que puxava a
confiança e a lealdade dela em duas direções diferentes. Sentia-se aprisionada
entre dois imãs igualmente poderosos. — Não vou ficar para trás, Brig — insistiu
Jordanna, outra vez. — Não me peça isso.
— Não está vendo, Jordanna? — A boca do homem se retorceu num sorriso
de pesar. — Não quero que fique presa numa situação em que tenha que escolher
entre nós.
Um grito mal abafado escapou-lhe da garganta. Imediatamente, foi envolvida
pelos braços dele. Agarrou-se a ele, precisando do seu conforto e de sua força.
Começou a chorar baixinho, e Brig beijou as lágrimas que umedeciam suas faces.
Como que de longe, ela ouvia as palavras dele, jurando seu amor e sua vontade de
poupá-la. Quando seu rosto ficou seco, Jordanna começou a retribuir os beijos que
Brig derramara sobre ela. Sua resposta teve um efeito catalítico, produzindo uma
tempestade de paixão que só passou depois que a fúria se dissipou.
Brig acordou antes de Jordanna, na manhã seguinte. Ela sabia que, se não
tivesse acordado logo, ele teria partido sem ela, mas não lhe deu essa chance. Brig
tentou mais uma vez persuadi-la a ficar onde era seguro.
Postou-se diante dele, num desafio teimoso.
— Vou com você. Aconteça o que acontecer... se alguma coisa acontecer —
corrigiu-se apressadamente —, quero estar presente.
Brig ficara zangado, mas não tivera meios de forçá-la a ficar. Partiram da
cabana em meio a um silêncio sombrio. Ele mancava, prejudicado pelo ferimento. A
insistência de Jordanna de que deviam alternar-se, abrindo uma trilha pela neve, foi
algo que aceitou de muito mau grado. A lógica fazia com que concordasse com a
proposta dela, mas o orgulho exigia que fosse na frente.
Novamente o céu mostrava-se claro e o sol brilhante, mas a temperatura
estava fria. A neve, que em alguns lugares chegava a trinta centímetros, não dava
sinal de se derreter à luz do sol. A respiração deles eram nuvens de vapor,
precedendo cada passo dado com esforço, através do pó branco.
A rota que Brig escolhera não era fácil. Paravam com freqüência para
descansar, sem permitir que a transpiração se congelasse de encontro à pele. Já
tinham andado vários quilómetros, quando Jordanna se deu conta de que Brig não
tinha traçado um curso direto para o acampamento. Por uma fração de segundo,
pensou que ele pudesse estar desorientado, que talvez uma febre pudesse ter
afetado seu estado mental. Um instante depois, adivinhou o motivo dele para
escolher aquele caminho sinuoso através do terreno mais árduo. Brig estava
evitando o pai dela. As paradas para descanso eram programadas para ocorrerem
em lugares privilegiados, de onde ele pudesse observar o terreno à frente. A rota
era ditada pela coberta que oferecia: árvores, rochas ou arbustos. Jordanna queria
gritar contra a necessidade de tanta cautela, mas estava menos certa do que jamais
estivera antes.
Os rastros de animais abundavam na neve, mas não havia um só sinal de
passagem humana, exceto a deles. Pareciam sozinhos nas montanhas, tendo
apenas o vento dançando sobre a neve e sombras de nuvens flutuando pelas
encostas. A solidão não incomodava Jordanna, somente a desconfiança de Brig,
que parecia aumentar à medida em que o terreno ficava mais familiar e eles se
acercavam do acampamento. A desconfiança era quase tangível. O olhar dele era
inquieto, nunca parava, sempre buscando. A vigilância era extraordinária, como se
cada um dos seus sentidos estivesse aguçadíssimo. Essa sensação fazia
estremecer os terminais nervosos de Jordanna. Lembrava-lhe um animal que
pressentisse o perigo sem saber de que direção ele o ameaçava.
Apoiando-se num pedregulho frio, Jordanna protegeu os olhos do sol. Um ar
frígido enchia-lhe os pulmões, a cada respiração. Seu olhar se dirigiu para Brig. Não
haviam trocado uma só palavra nos últimos dois quilômetros. O acampamento não
estava a mais de uns três quilômetros de distância. Brig examinava o terreno,
tomando cuidado para não ficar recortado contra o céu. Jordanna ouviu-o praguejar
baixinho.
— O que foi? — perguntou ela, prendendo a respiração.
Seu olhar, de banda, foi impaciente e irritado.
— Esperava que Jocko estivesse nesta área. Parece que raciocinei errado.
Quando ele se virou para manquejar até onde ela estava, Jordanna viu a
mancha escura e molhada na calça Levis dele.
— O ferimento abriu. Está sangrando de novo — acusou.
— Conte-me alguma coisa que eu já não saiba... onde está seu pai... ou Jocko
— disse ele, bruscamente.
— Se soubesse onde está qualquer um dos dois, eu lhe diria — retrucou
vivamente Jordanna, e deu meia-volta, afastando-se dele.
Seus ombros foram capturados pelas mãos enluvadas dele e puxados para
trás contra o seu peito. O gesto súbito derrubou-lhe o chapéu da cabeça. O vento
soprou-lhe a cabeleira, enquanto o chapéu caía na neve. Jordanna resistiu a seu
aperto de ferro por um instante. Então, sentiu-lhe o rosto magro de encontro aos
cabelos.
— O sol está de novo nos seus cabelos — murmurou Brig. — Gostaria que
tudo isso já tivesse passado e estivéssemos de volta à nossa cama na fazenda. —
O pedido de desculpas que não conseguia verbalizar estava nas palavras
amorosas.
— Eu também — concordou ela, fervorosamente. — E nós vamos rir desse
mal-entendido quanto a papai.
Ele suspirou pesadamente ante essa frase e ergueu a cabeça.
— Vamos. — Empurrou-a para diante. — Está na hora de nos mexermos de
novo.
— Mas este não é o caminho para o acampamento — protestou Jordanna,
quando percebeu a direção que estavam tomando.
— Não podemos ir por ali. Não há nenhuma cobertura. Ficaríamos expostos
demais a... Ficaríamos expostos demais. — Brig não corrigiu a frase com rapidez
suficiente, e Jordanna percebeu como ele pretendia terminá-la. Estariam expostos
demais a um atirador de fuzil. Ele não acreditava, por um minuto, que algum dia
iriam rir daquilo tudo. A certeza dele a assustava. — Iremos por aqui — falou Brig.
Jordanna apanhou seu chapéu e olhou na direção que ele indicara. O terreno
era duro e ameaçador. Rochas varridas pelos ventos, brilhando como cristais
gelados. Aquilo significava subir mais alto e com equilíbrio precário.
— Você não vai conseguir, Brig. Não com essa ferida. — Era uma simples
afirmação.
— Tenho que conseguir — disse, dando de ombros levemente, enquanto dava
um passo adiante, quase arrastando a perna esquerda.
— Já está sangrando — ressaltou Jordanna de novo. — Quanto sangue acha
que pode perder antes de desmaiar?
— Vou ter que descobrir, não é? — Um humor negro retorceu-lhe a boca.
— Não. Eu posso ir daqui ao acampamento, e não vai fazer mal se eu estiver
exposta — raciocinou. — Lá haverá cavalos extras. Você fica aqui, e virei buscá-lo
a cavalo.
Esperou que Brig fosse discutir. Mas ele a examinou por um instante, depois
acenou com a cabeça, afirmativamente.
— Está certo. Espero aqui por você.
Em vez de ficar aliviada, Jordanna ficou preocupada com a facilidade com que
ele aceitou sua sugestão. Aquilo significava que a perna dele o estava
incomodando bem mais do que deixara transparecer.
— Andarei depressa — prometeu ela.
O olhar dele ficou subitamente muito intenso.
— Basta chegar a salvo, Jordanna. — O couro frio dos dedos enluvados
segurou-lhe o queixo e ergueu-o de encontro à cabeça inclinada dele. Sua boca
possuiu duramente os lábios da moça, tomando-os com ferocidade, como se
pudesse ser a última vez. O medo varreu Jordanna, e ela se agarrou a Brig até que
ele a afastou de si com firmeza. — Estarei à sua espera.
— Vou voltar — sussurrou ela, sentindo-se quase em lágrimas.
Impelida por uma urgência que era mais profunda do que uma simples
preocupação pelo ferimento de Brig, Jordanna forçou-se a seguir em frente, sem
parar para descansar. A certa altura, um coelho atravessou desabaladamente o seu
caminho, mas foi a única coisa viva que viu.
O acampamento parecia deserto, quando ela chegou, cambaleante e
cautelosa. Um cavalo relinchou, das estacas onde estavam amarrados os animais.
Inspirando um hausto gelado, Jordanna dirigiu-se para a barraca grande, onde os
equipamentos sobressalentes eram guardados. Ao erguer a aba da barraca, sentiu
imediatamente o calor do fogão de pastor envolvê-la. Na penumbra, algo se mexeu.
— Jordanna!
A voz foi instantaneamente reconhecida.
— Kit! — exclamou o nome do irmão, rindo com uma espécie louca de alívio.
— Meu Deus, onde você esteve? Ficamos malucos de preocupação por causa
de vocês — acusou o irmão, saltando num pé só na sua direção. — Jocko saiu para
procurá-los. Encontrou-a? Onde estão papai e Brig?
— Esqueci o seu tornozelo. Como está? — Considerando tudo o que
acontecera desde o acidente dele, não era de surpreender. Então deu-se conta da
banalidade da pergunta, e logo a seguir percebeu, instantaneamente, o que ele
perguntara. — Papai não está aqui? — Brig tivera razão quando insistira em que o
pai não voltaria para o acampamento. Sobre o que mais teria razão?
— Não. — Kit franziu o cenho. — Não está com vocês?
— Não. Nós... nos separamos — explicou, sem graça.
— A neve caiu com muita força, durante algum tempo. — Parecia preocupado.
— Você está bem? Há café no fogão. Deve estar com fome. Jocko preparou um
pouco de ensopado. Venha ficar aqui junto do fogão, para se aquecer. Deve estar
semicongelada, a essa altura.
— Não, agora não. — Resistiu à tentativa dele de rodear-lhe os ombros com
os braços e levá-la mais para dentro da barranca. — Preciso ir embora. Vim só
buscar as rédeas e a sela, se tiver alguma. Brig está ferido. Tenho que voltar para
junto dele.
— Está ferido? — Kit mudou imediatamente de direção, manquejando para
junto do seu casaco e do chapéu. — Vou com você. A coisa é feia? O que
aconteceu?
Jordanna gostaria que ele não a bombardeasse com perguntas. A exaustão e
a fome tornavam difícil para ela pensar com clareza, naquele momento. Agora,
havia mais confusão quanto ao papel do pai naquilo tudo.
— É a perna dele. — Dirigiu-se rapidamente para as rédeas arrumadas num
canto. Só havia uma sela. Também a apanhou, jogando-a por sobre o ombro.
— Ele a quebrou? — O irmão apareceu a seu lado, para aliviá-la das rédeas.
— Não. — Jordanna hesitou, mas depois admitiu: — Brig levou um tiro. Tem a
idéia ridícula de que foi papai quem atirou. — Riu tremulamente, torcendo para que
Kit a acompanhasse.
— Oh, meu Deus! — gemeu o rapaz, e a dor lhe perpassou pelo rosto.
A reação dele a assustou.
— É gozado, não é? — perguntou Jordanna. — É tão impossível que...
— Por quê? Brig sabe por quê? — interrompeu o irmão.
— Ele disse... que é porque ele sabe que papai matou Max. Isso não é
verdade, é claro — acrescentou rapidamente, e sentiu uma onda de náusea na
barriga, ao ver a expressão de Kit. — Não é. Você não acredita nele, não é?
— Brig sabe como Max foi morto? — Uma tristeza severa repuxava-lhe as
feições.
— Ele me mostrou uma sarça que achou debaixo da sela. — Uma sensação
fria de terror a inundou. Era tudo um pesadelo, e Jordanna queria
desesperadamente acordar. Saiu da barraca para o sol forte. O irmão vinha
mancando a seu lado.
— Eu me perguntava... eu esperava... — Kit sacudiu a cabeça, sem conseguir
terminar nenhuma das duas frases. Seus ombros se encurvaram, enquanto ele
fechava os olhos e apertava fortemente os lábios.
— Por quê? — A pergunta explodiu dos lábios de Jordanna. — Por que papai
iria querer matar Max? Que motivo teria? Brig não me pôde dar nenhum. Você
pode?
— Eu tinha medo de que alguma coisa assim fosse acontecer — murmurou Kit
em voz alta. — Pensei que, se viesse junto, poderia impedi-lo. Queria tanto
acreditar que fosse um acidente... simples coincidência.
— Mas por quê? — ela exigia que ele respondesse. Se o irmão viera junto
porque suspeitava de que alguma coisa pudesse acontecer, então ela tinha que
saber por quê. Ao se acercarem das estacas, um cavalo virou a cabeça para
observar a aproximação deles.
— Não adivinha, Jordanna? — O ar triste e cínico estava de volta aos olhos
escuros. — Era mamãe.
— Max... era o seu amante mais recente? — adivinhou Jordanna, e Kit acenou
com a cabeça afirmativamente. — Mas isso não explica por quê — argumentou.
Sem dúvida não é o primeiro amor de Livvie. E papai não matou nenhum dos
outros. Então, por que destacar Max dentro de uma infinidade?
— Mamãe ia deixá-lo por causa de Max... tão logo Max conseguisse vender
aquelas ações para papai. Não podia divorciar-se de papai em Nova York, assim
voaria para o México ou para Nevada, ou para algum lugar em que conseguisse
obter sua liberdade. Não era para papai saber. Mas ela perdeu a paciência, certo
dia, e disse-lhe o que tencionava fazer. Menos de uma semana depois, surgiu essa
história de Max participar da expedição de caça. Mamãe ficou nervosa... chorando.
Jurou para mim que não havia mencionado o nome de Max, porém há anos que
papai mandava segui-la. Pode dar nomes, datas, locais. Não havia chance de que
não soubesse que Max era o amante dela.
— Está tentando convencer-me de que papai matou Max porque Livvie ia
pedir divórcio por causa dele? — Jordanna sacudiu a cabeça, confusa. — E por que
papai se importaria? Olhe o que ela fez com ele, como o tratou.
— Olhe como ele a tratou.
— Papai tentou dar-lhe tudo o que ela sempre quis. — Pousando a sela no
chão, ela alisou o coxim sobre as costas de um cavalo baio.
— Exceto ele próprio. Sabe por que eles têm quartos de dormir separados? —
perguntou o irmão, dando a resposta antes que Jordanna abrisse a boca. — Ele
saiu do quarto dela pouco depois de você ter nascido, quando os médicos a
informaram de que não poderia mais ter filhos. A única função dela passou a ser a
de um enfeite para decorar a casa dele. As pessoas podiam tocá-la e admirá-la,
mas não podiam tirá-la dele. Papai esmagava quem quer que tentasse isso,
inclusive Max, imagino.
Jordanna sentiu aversão pela imagem que Kit estava pintando.
— Você faz papai parecer tão... insensível. Ele não é assim. — Colocou a sela
no cavalo. Todos os movimentos dela eram inconscientemente automáticos.
— Já tentei explicar-lhe antes — disse Kit, pacientemente. — Você apenas via
o que papai queria que visse. Veja eu, por exemplo. Você pensava que me
conhecia, mas nunca me conheceu, absolutamente, caso contrário teria adivinhado
que Mike era meu amante, não meu companheiro de apartamento.
— Pobre Max! Papai nunca pretendeu comprar aquelas ações. Estava apenas
dando-lhe corda — percebeu Jordanna, murmurando em voz baixa o pensamento.
O irmão fornecera o motivo. Agora as provas contra o pai eram fortes demais para
que Jordanna ainda pudesse negar sua culpa. A desilusão era uma coisa amarga,
dolorosa. — Mas por que não ficou satisfeito só em arruinar Max?
— A ganância de Max era bem maior do que o seu orgulho. Mamãe lhe contou
sobre o contrato de casamento que assinara há anos. Papai foi muito generoso nas
cláusulas contratuais que fez para ela, no caso de uma separação legal ou de
divórcio — explicou Kit, secamente. — Era um caso de amar mamãe e o dinheiro
dela. Papai não podia comprar Max para que se afastasse... ou arruiná-lo
financeiramente... sendo assim, providenciou o "acidente". Eu quase acreditei que
tinha sido acidente... mesmo sabendo de tudo isso.
Com a cilha apertada, ela soltou o estribo do arção da sela e deixou-o pender.
Quando se moveu para junto da cabeça do cavalo, Kit automaticamente entregou-
lhe uma rédea. Jordanna não tirou o cabresto, enquanto forçava o freio de metal
entre os dentes do cavalo e passava a cabeçada por cima das orelhas. Estavam
falando de um homem que ela considerara a vida toda como pai, e no entanto se
tornara subitamente um estranho completo, um homem perigoso, que a assustava.
— Mamãe devia tê-lo deixado há muito tempo. — Jordanna afivelou a tira do
focinho. — Por que não o fez?
— Tinha medo. Conhecia a extensão do poder de papai. Ele deixava que ela o
visse com bastante freqüência — comentou o irmão, e foi para junto do animal de
carga amarrado ao lado do baio. — Se ela o tivesse deixado, papai a teria arruinado
socialmente. Sem dúvida, dinheiro não lhe faltaria, mas ele tomaria providências
para que ela fosse boicotada pelo mundo que conhecia, desprezada pelos amigos.
Ela tinha medo de ficar sozinha, sabendo que papai usaria de todos os meios a seu
alcance para arruinar qualquer felicidade que ela pudesse encontrar nos braços de
outro homem. E então Max apareceu e convenceu-a de que, juntos, poderiam
enfrentar qualquer coisa. O amor deu-lhe coragem.
O olhar arregalado de Jordanna buscou o rosto do irmão.
— Agora, Max está morto. — Sentiu piedade da mãe, compaixão pela
provação que fora o seu casamento. — Você sempre foi ligado a ela, Kit. Devia ter
ido para Nova York, para estar com ela agora.
— Talvez — admitiu. — Mas não confiava em papai. Achei que ele poderia
voltar para cá, para tentar encobrir alguma prova. Precisava saber se ele era
responsável pela morte de Max. Não poderia enfrentar mamãe sem saber com
certeza uma coisa ou outra — concluiu, entregando-lhe a segunda rédea.
Um arrepio gelado correu pela espinha de Jordanna.
— E voltou mesmo para encobrir provas, Kit. A única razão pela qual Brig não
contou a ninguém o que suspeitava foi porque não conseguia achar um motivo. Nós
sabemos o motivo. Papai provavelmente pensa que contei a ele. — O medo
reduziu-lhe a voz a um sussurro abafado. — Ele vai tentar matar Brig, não vai?
A linda boca de Kit ficou mais severa. Depois de um instante de hesitação,
moveu a cabeça breve e afirmativamente.
— É a única explicação.
— Ele esteve nos caçando. — Jordanna forçou-se a aceitar o fato. — Caçando
Brig. Brig perdeu o fuzil na tempestade. Está ferido. Não terá chance, se papai o
encontrar.
A fraqueza da exaustão e da fome deixou-a, de roldão. Todos os seus
movimentos passaram a ser ditados pela necessidade da pressa. Prendeu a rédea
na besta de carga e tirou a última rédea das mãos de Kit.
— Volto já. — Kit começou a se afastar, depois parou. — Encontre-me na
barraca.
Jordanna não sabia por que o irmão ia voltar, mas aquela era a última das
suas preocupações, no momento. Com os três cavalos arreados, soltou as amarras
que os prendiam às estacas e pulou sobre o lombo nu de um dos animais de carga.
Puxando os outros dois, levou os cavalos até a barraca.
Quando Kit apareceu, trazia um fuzil na mão.
— Podemos precisar disto.
Jordanna entregou-lhe as rédeas do cavalo selado e não fez nenhum
comentário sobre as palavras dele. Sem esperar que o irmão montasse, pôs em
movimento seu próprio cavalo. O calor que vinha dos pêlos do animal aquecia-lhe
as pernas.
Quanto mais Brig examinava os rastros deixados por Jordanna na neve, mais
preocupado ficava. Se Fletcher deparasse com aquela trilha, seria conduzido
diretamente a ele. Precisava de um lugar que o escondesse mais, porém de onde
enxergasse aquele local, para poder fazer sinal a Jordanna quando ela voltasse.
Correu os olhos pelo terreno que haviam percorrido para chegar àquele ponto.
Havia um bosque de pinheiros às suas costas. No meio dele, um monte de árvores
caídas e emaranhadas. Parecia mais seguro do que o amontoado de pedras que o
cercava. Balas em ricochete poderiam fazê-lo em pedaços, se atingissem aquelas
rochas, enquanto a madeira caída as absorveria.
Raspando a neve do ferimento, viu que parara de sangrar, mas os músculos
entorpecidos e doloridos tinham começado a se enrijecer. Pôs-se de pé
dolorosamente, dando com dificuldade os primeiros passos. O vento soprava
fortemente na frente das árvores. Quase tinha conseguido apagar os rastros
anteriores deles. Brig dirigiu-se com cuidado para as árvores caídas, tentando
caminhar apenas onde a neve estava fina, a fim de deixar menos rastros para
Fletcher seguir.
Na primeira árvore, deu uma parada. Apoiou-se nela para tirar um pouco de
peso da perna esquerda. A casca perto de sua cabeça explodiu, enchendo-lhe de
estilhaços a face. Brig jogou-se no chão coberto de neve, enquanto o tiro de fuzil
ecoava pelas montanhas. O coração lhe martelava dentro do peito. Arrastou-se de
bruços para as árvores caídas.
Capítulo XXIV
Brig esperava atrás da madeira caída. O suor lhe porejava a testa, enquanto
seus olhos e ouvidos se esforçavam por descobrir seu atacante. O tapete de neve
abafaria o ruído de quaisquer passos dados por alguém que soubesse caminhar
nele. E tivera oportunidades de sobra de observar a perícia de Fletcher na tocaia.
Brig não estava muito bem escondido, mas não ousava mexer-se. A neve escondia
os galhos frágeis das árvores caídas. Se tentasse encontrar uma posição melhor,
poderia quebrar um deles, e não podia arriscar-se a fazer qualquer ruído que
chamasse a atenção para sua localização.
Sua face começou a arder com o suor que escorria para os pequenos cortes
feitos pelos fragmentos da casca da árvore. Brig ignorou isso e umedeceu os lábios
secos. Com o canto dos olhos, viu algo se movendo morro abaixo e focalizou ali o
olhar.
Fletcher vinha se dirigindo devagar para o bosque. Brig imaginou que o
caçador não tinha muita certeza se sua bala o tinha abatido ou não. Dali a um
momento, Fletcher veria que não havia corpo algum na base da árvore e começaria
a revistar o bosque, à sua procura. Brig amaldiçoou silenciosamente a falta de
arma. A faca serviria apenas para um combate corpo a corpo, e Fletcher jamais o
deixaria chegar tão perto.
Quando Fletcher entrou na ampla trilha que o vento abrira na neve, parou. A
garganta de Brig estava seca. Ele olhou em redor. Enquanto não se mexesse, seria
difícil encontrá-lo. Viu quando Fletcher vasculhava as árvores com o olhar.
— McCord! — chamou. — É melhor sair. Sei que está ferido. Vi o sangue no
chão, ontem. Vamos tornar isso o menos doloroso possível. Você não pode ir muito
longe... não longe o bastante para escapar de mim. Prometo-lhe que acabarei tudo
rapidamente.
Brig não respondeu. As árvores caídas eram o local óbvio para se esconder, e
seria o primeiro lugar que Fletcher investigaria. Olhou em volta para ver se haveria
outro lugar. Tempo... tinha que ganhar um pouco de tempo. Quem sabe Fletcher
cometeria um erro.
— Ninguém vai ajudá-lo, se é o que está esperando, McCord! — gritou
Fletcher de novo, subindo devagar a encosta. — Jocko está do outro lado do
acampamento. Eu o vi partir hoje de manhã. Mesmo que tenha ouvido o disparo do
fuzil, jamais chegaria aqui a tempo de ajudá-lo. Está muito longe. Jordanna pode
estar saindo agora do acampamento, mas não o ajudará. Somos apenas você e eu,
McCord. Portanto, trate de sair.
Havia uma árvore ao lado dele, e Brig rastejou na sua direção, movendo-se
apenas quando tinha certeza de que Fletcher estava olhando para outro lado.
Usando seu tronco largo como escudo, ficou de pé e achatou o próprio corpo contra
ele. Cada segundo que ganhava era precioso.
— Sei por que você tem que me matar, Fletcher! — gritou para o caçador. Mas
por que matou Max?
— Saia para onde eu possa vê-lo.
— Não! Ainda não! — gritou Brig, ciente de que o caçador estava se mexendo,
agora que localizara sua presa, mas não sabia em que direção. — Se vou morrer,
pelo menos me dê a paz de espírito de saber todas as respostas!
— O filho da mãe pensou que podia tomar minha mulher e meu dinheiro.
A voz de Fletcher vinha da esquerda, e Brig foi se movendo aos pouquinhos
na direção oposta, mantendo o tronco da árvore entre eles. Pouco importava que
sua primeira desconfiança sobre Max e a mulher de Fletcher tivesse tido
fundamento.
— Você é um idiota, Fletcher — declarou Brig.
— Não, você é que é idiota por estar adiando o inevitável! Saia para onde eu
possa vê-lo!
— Você ainda pode livrar-se disso, Fletcher. Pode comprar alguns advogados
e provavelmente se safar com uma pena leve e sursis pela morte de Max. Mas, se
me matar, estará pondo tudo a perder. Será enforcado por isso. É assassinato
premeditado, e você sabe — disse.
— Mas você é o único que sabe! — Fletcher riu. — E estará morto!
O ruído de rédeas balançando e cavalos arfando chegou aos ouvidos de Brig,
seguido pelo estrondear dos cascos a galope. A cabeça dele virou-se bruscamente
na direção do som e viu Jordanna e Kit chegarem à crista da elevação, um cavalo
solto galopando com eles, a cabeça desviada para o lado, para evitar as rédeas
penduradas. Jordanna deslizou do lombo nu do cavalo.
— Brig!
Ele notou o pânico na voz dela.
— Não se aproxime, Jordanna!
— Saia daqui, Jordanna! — ordenou Fletcher. — Isso não lhe diz respeito.
— Não! — protestou a moça, com voz estridente. — Não, você não vai matá-
lo! Papai, pare com isso!
— Você me ouviu. Trate de obedecer!
— Quem vem depois de mim, Fletcher? — desafiou Brig. — Jordanna é
testemunha. Seu filho também. Vai matá-los em seguida? E quanto a Jocko? Ele
sabe interpretar sinais melhor do que você. Acha que não vai saber o que
realmente aconteceu aqui? Mate-me e terá que continuar matando e matando. Não
vai parar só em mim!
Uma bala fustigou a árvore, perto da cabeça de Brig. Este se abaixou para
evitar os fragmentos de casca. Fletcher estava irracional, ultrapassara todos os
limites, estava fora do alcance da lógica.
Fim
Impressão e acabamento:
CIA. LITHGRAPHICA YPIRANGA