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Catherine Coulter
Sinopse
A saga Sherbrooke continua com James e Jason Sherbrooke, os gêmeos
idênticos tão parecidos com a sua tia Melissande, que irrita profundamente o
pai dos rapazes, o conde.
James, vinte e oito minutos mais velho do que o seu irmão é o herdeiro.
Tem uns profundos e sólidos princípios, apaixonado estudante de astronomia,
gosta de montar a cavalo e, ao contrário do seu irmão Jason, gosta de
aprender os prós e contras da administração das propriedades que um dia vai
herdar. Nunca se lança cegamente numa aventura, assim como a sua vizinha,
Corrie Tybourne Barrett, que ele conhece desde que eram pequenos, e a qual
nunca tinha visto limpa. Há muito tempo atrás, cansado das suas travessuras e
do seu desdém, e depois de uma tentativa de jogá-lo por um penhasco, deu-
lhe uns açoites.
Uma história um pouco desalentadora para ambos. Mas quando o conde,
Douglas Sherbrooke recebe ameaças de morte, que levam diretamente para o
seu passado e a George Cadoudal, morto há bastantes anos, tudo apontando
para uma história em particular, Corrie, James e Jason vão unir forças para
descobrir o que está acontecendo.
Capitulo 1
Quem pode refutar uma expressão desdenhosa?
William Paley
Northcliffe Hall - Agosto, 1830
James Sherbrooke, Lorde Hammersmith, vinte e oito minutos mais velho
que o seu irmão, perguntava-se se Jason estaria nadando no Mar do Norte
pela costa de Stonehaven. O seu irmão nadava como um peixe, sem se
importar se a água congelava as suas partes, ou se o aconchegava num banho
quente. Ele diria enquanto se sacudia como o seu cão Tulipán, “Bem, James
isso não importa, não é verdade? É bastante parecido a fazer amor. Pode estar
numa praia arenosa com as ondas frias mordicando os dedos dos seus pés, ou
dando voltas num colchão de penas no final, o prazer é o mesmo.”
James nunca tinha feito amor numa praia arenosa, mas presumia que o seu
gêmeo tinha razão. Jason tinha um modo de dizer a coisa que te divertia
mesmo enquanto concordavas. Jason tinha herdado esse dom, se isso era
realmente o que era, da sua mãe, quem uma vez tinha dito enquanto olhava
amorosamente a James, que tinha dado à luz uma prenda de Deus e que agora
era o momento de apertar os dentes e dar à luz a outra prenda. Com estas
palavras tinha ganho olhares de puro assombro dos seus filhos e, claro,
conformidade, a tal ponto que o seu pai tinha dado a ambos uma olhadela de
profunda antipatia, tinha bufado e falou: “Mais umas prendas do diabo.”
“Meus preciosos rapazes,” dizia ela, “é uma pena que sejam tão formosos,
não é verdade? Isso incomoda realmente o vosso pai.”
Eles olhavam-na fixamente, e uma vez mais concordavam.
James suspirou e afastou-se do penhasco que dava para o Vale Poe, uma
adorável extensão de verde ondulante, salpicada com árvores de ácer e lima,
divididos por antigas cercas. O Vale Poe estava protegido por todos os lados
por baixas colinas Trelow; James sempre acreditara que algumas dessas
extensas colinas rodeadas eram antigos túmulos. Ele e Jason tinham criado
inúmeras aventuras sobre os possíveis habitantes desses túmulos; Jason
sempre tinha gostado de ser o guerreiro que vestia peles de urso, pintava a
cara de azul e comia carne crua. Entretanto, James era o curandeiro, que
mexia os dedos e fazia com que o fumo subisse em espiral para o céu, e fazia
chover chamas sobre os guerreiros.
James deu um passo atrás. Uma vez tinha caído desse mesmo penhasco,
porque ele e Jason tinham estado lutando com espadas, e Jason tinha
esmagado a sua espada contra a garganta de James, e James tinha-se agarrado
à garganta e tinha-se sacudido; tudo drama e nada de estilo, tinha-lhe dito
Jason mais tarde. Tinha-se desequilibrado e tinha caído pela colina, com os
gritos do seu irmão. “Estúpido e condenado chorão, não se atreva a matar
—se! Foi somente uma ferida no pescoço!”
Ele tinha rido mesmo enquanto aterrava no fim da colina. Forte. Mas
graças a Deus tinha sobrevivido somente com hematomas no rosto e nas
costelas, o que tinha feito que a sua tia Melissande, que estava de visita a
Northcliffe Hall, esbravejasse enquanto lhe passava as mãos pelo rosto. “Oh,
meu querido rapaz, deve cuidar do seu seleto e perfeito rosto, e eu deveria
sabê-lo, já que é como o meu.” O seu pai, o conde tinha falado para o céu,
“Como pode ter acontecido uma coisa semelhante?”
Era verdade. James e Jason eram a viva imagem da sua gloriosa tia
Melissande, nem um único cabelo ruivo da sua mãe, nem os olhos escuros do
seu pai. Todos os seus traços eram da tia Mellissande, o que não fazia sentido
para ninguém. Exceto a sua altura, graças a Deus. Ambos eram quase da
altura do seu pai, e isso agradava excessivamente a seu pai. A sua mãe tinha
dito algo sobre esse assunto, “uma criança deveria ser quase tão alto como o
seu pai e quase tão inteligente; isso é o que todos os pais querem.
Possivelmente também as mães.” Os seus rapazes tinham-na olhado
pestanejando e tinham concordado.
James tinha ouvido um rumor há muitos anos atrás, de que o seu pai tinha
querido casar com a tia Melissande, e o teria feito, se não tivesse sido pelo tio
Tony, que lha tinha roubado. James não podia imaginar tal coisa. Não que o
seu tio a tivesse roubado, senão que a sua tia não tivesse preferido o seu pai
em vez do tio. A sua mãe tinha aparecido nessa altura, afortunadamente para
James e para Jason, os quais, ainda que achassem a sua tia muito interessante,
amavam muitíssimo a sua mãe. Afortunadamente, tinham herdado o cérebro
dos Sherbooke. Como afirmara já tantas vezes o seu pai, “o cérebro é mais
importante que esses condenados lindos rostos. Se algum de vocês se esquece
de algo, bato-lhe até me cansar.”
“Ah, mas os seus bonitos rostos são extraordinariamente masculinos,”
tinha-se apressado a acrescentar a sua mãe, e tinha-lhes dado uma palmadita.
James estava sorrindo enquanto se lembrava destes acontecimentos,
quando ouviu um grito e voltou-se para ver Corrie Tybourne-Barrett, um
incômodo que estava há tanto tempo na sua vida que já não se lembrava mais
de quantos anos, montada como um rapaz, com mais coragem do que
cérebro, subindo a colina, obrigando a sua égua Darlene a fazer uma brusca
travagem a meio metro da borda e somente a trinta centímetros dele. James
nem se mexeu. Olhou-a, tão zangado que queria derrubá-la no chão. Mas lá
conseguiu dizer num tom calmo: - Isso foi muito estúpido. Ontem choveu e a
terra não está muito firme. Já não tem dez anos, Corrie. Deve deixar de se
comportar como um rapaz com barro entre as orelhas. Agora faça retroceder
a Darlene, devagar e com calma. Se não está preocupada com sua vida,
poderia pensar na vida da sua égua.
Corrie olhou-o e disse: - Admiro-me como pode falar tão tranquilamente,
quando está deitando fumo pelas orelhas. Não me engana nem por um
segundo, James Sherbrooke.
Olhou-o com desdém e estalou a língua à sua égua para ela se aproximar
dele, quase derrubando-o. Ele deu um passo ao lado, deu uma pancadinha no
focinho de Darlene e disse: - Tem razão. Está a sair-me fumo pelas orelhas.
Lembra-se daquele dia que quis demonstrar como era habilidosa e montou o
semental meio selvagem que o meu pai tinha acabado de comprar? Esse
maldito cavalo quase me matou quando estava tentando salvar você, o que,
como tonto que sou, fiz.
- Não necessitava que me salvasse, James. Já era habilidosa, mesmo aos
doze anos.
- Suponho que planeava ter as pernas à volta do pescoço do cavalo,
agarrando-se e gritando. Ah, essa foi uma demonstração da sua habilidade,
certo? E não se esqueça daquela vez em que disse a meu pai que eu tinha
seduzido a esposa de um professor de Oxford, sabendo que ficaria furioso.
- Isso não é verdade, James. Não ficou furioso, pelo menos ao princípio.
Primeiro queria provas, porque disse que não acreditava que você fosse tão
estúpido.
- Não era estúpido, maldita seja. Levou-me dois meses inteiros convencer
o meu pai de que era tudo obra sua, e você queixou-se e chorou, dizendo que
era apenas uma pequena brincadeira.
Ela sorriu.
- Até descobri o nome de uma das esposas dos professores para fazê-lo
mais credível.
Ele estremeceu, recordando claramente a expressão no rosto de seu pai.
- Quer saber uma coisa, Corrie? Acredito que há já muito tempo alguém
deveria ter ensinado você o que são boas maneiras – sem nenhuma
advertência, James agarrou-a pelo braço, fê-la descer do lombo de Darlene e
arrastou-a até uma rocha, sentou-se e colocou-a entre as sua pernas – Estes
açoites eram necessárias há mais tempo.
Antes que ela pudesse sequer começar a imaginar o que ele ia fazer-lhe,
James colocou-a de barriga para baixo sobre as suas pernas e bateu-lhe com
força no rabo coberto por calças. Corrie grunhiu e gritou, lutando para se
soltar mas ele era mais forte, estava mais decidido, e agarrou-a com
facilidade.
- Se tivesse vestida a sua saia de montar – palmada, palmada, palmada, -
isto não doeria porque teria uma dezena de anáguas para amortizar as
palmadas.
Palmada, palmada, palmada.
Corrie lutou contra ele, revirando-se e gritando.
- Para agora mesmo, James! Não pode fazer isto, idiota! Sou uma moça, e
não sou a sua maldita irmã.
- Graças a Deus por isso. Lembra-se da vez que meteu um remédio no meu
chá, e as minhas entranhas viraram água durante um dia e meio?
- Não acredito que tenha durado tanto tempo. Chega, James, isto não é
apropriado!
- Oh, isso tem piada. Não é apropriado, você diz? Toda a minha vida tive
que levar com você. Lembro-me de ver o seu pequeno e delgado traseiro
quando nadava no lago de Trenton. E também o resto de você.
- Tinha oito anos!
-Não se comporta muito melhor agora. Isto, Corrie, é disciplina atrasada.
Acredite que somente estou atuando em nome do seu tio Simon.
James deteve-se. Simplesmente não podia dar-lhe mais palmadas, mesmo
tendo em conta as inúmeras lembranças das partidas terríveis que ela lhe
tinha feito ao longo dos anos. Começou a virá-la e logo viu as pedras no
chão.
- Oh, maldição, sua ranhosa – disse-lhe, e levantou-a das suas pernas para
depositá-la sobre os seus pés.
Ela ficou ali parada, esfregando o rabo, e olhando-o fixamente. Se os
olhares matassem, ele cairia morto aos seus pés. James levantou-se e sacudiu
um dedo para ela, como fazia um antigo tutor, o senhor Boniface.
- Não seja medrosa. O traseiro arde um pouco, nada mais. – Olhou
fixamente as suas botas por um momento e em seguida acrescentou: -
Quantos anos tem, Corrie? Já me esqueci.
Ela chorou um pouco, passou a mão pelo nariz que pingava, e disse: -
Tenho dezoito.
Ele levantou rapidamente a cabeça, horrorizado.
- Não, não, isso é impossível. Olhe-se, um jovenzito que apenas tem um
traseiro arredondado debaixo dessas ridículas calças que nenhum jovem que
se respeite desejaria. Bem, não quis dizê-lo exatamente deste modo.
- Tenho dezoito anos. Ouviu, James Sherbooke? O que é tão impossível
nisso? Sabe que mais? – ele olhou-a fixamente, sacudindo lentamente a
cabeça. – Tenho um traseiro redondo há pelo menos três anos! Sabe que
mais?
- Como o podia notar, com essas calças que veste, disfarçando-o? Que
mais?
- Isto é importante, James. Terei uma espécie de temporada de prática este
outono. A tia Maybella disse que se chama a Pequena Temporada. E isso
significa que levarei elegantes vestidos e meias de seda com ligas para as
agarrar, e sapatos que me elevarão do chão uns bons cinco centímetros.
Significa que agora sou adulta. Apanharei o meu cabelo, colocarei cremes
para ficar com a pele suave, e mostrarei o peito.
- Serão necessários baldes de creme.
- Talvez. Mas mais cedo ou mais tarde ficarei com ela suave e então já não
será necessário tanto. E quê?
- Que peito mostrará?
Para seu horror, James acreditou por um segundo que ela ia arrancar a
camisa e mostrar-lhe o seu peito, mas graças a Deus o bom senso prevaleceu
e ela disse, com olhos entrecerrados: - Tenho peito, um muito agradável, que
tenho escondido neste momento.
- Escondido onde? – Disse ele, olhando a sua volta.
Corrie enrubesceu. James teria sentido culpa se não a conhecesse de toda a
vida; se não a tivesse visto com cinco anos e sem dentes incisivos a tentar
morder uma maçã, se não lhe tivesse dito que não estava a morrer quando
teve a sua primeira menstruação aos treze anos, e se não tivesse sido a vítima
do seu desdém demasiadas vezes nos últimos anos.
Ela espetou os dedos contra o seu peito.
- Está tudo aqui, espalmado. Mas quando o “destape” e o realce com cetim
e renda, uma dezena de cavalheiros provavelmente desmaiarão.
Ele provou uma careta de Corrie e descobriu que até lhe ficava bem.
- Somente nos seus sonhos malucos é que serás capaz de destapar tanto.
Meus Deus, estou imaginando uma tábua conosco.
- Uma tábua conosco? Isso é muito mau da sua parte, James.
- Muito bem, tem razão. Peço desculpas. O que deveria ter dito é que
pensar no seu peito “destapado” ataranta a minha mente.
- Não há nada mais do que água estancada na sua mente. – Ela endireitou-
se, deitou para trás os ombros, sacou peito e disse: - A minha tia Maybella
garantiu-me que isso ia acontecer.
Como James já tinha conhecido Maybella Ambrose, Lady Montague,
praticamente desde o seu nascimento, não acreditou nisso nem por um
instante.
- O que disse na realidade?
- Muito bem, a tia Maybella disse algo sobre que quando me arranjassem
apropriadamente não iria envergonhá-los. Sempre e quando vista de azul,
como ela.
- Isso soa melhor.
- Não me desanima com os seus insultos, James Sherbrook. Conhece a
minha tia, é uma dama modesta. O que realmente quero dizer é que os
derrubarei na rua quando passe na minha carruagem, tendo, talvez, um
caniche no meu regaço.
- O único modo de derrubar os cavaleiros seria se fosse você a conduzir.
Era um grande insulto. Sacudindo o punho mesmo em frente do rosto de
James, ela disse gritando: - Escute-me, cabeça de bacalhau! Monto tão bem
como você, talvez ainda melhor. Ouvi muitas vezes as pessoas comentarem
isso… sou a melhor.
Isso era tão patentemente absurdo que James só revirou os olhos.
- Muito bem, diga o nome de uma dessas pessoas.
- O seu pai, para começar.
- Impossível. Foi o meu próprio pai que me ensinou a montar. Monto tão
bem como ele, provavelmente melhor agora, pois ele está envelhecendo.
Corrie ofereceu-lhe um amável sorriso.
- O seu pai também me ensinou a montar. Ele não está nada velho. Muito
pelo contrário, está muito bem conservado e atrevido… ouvi a tia Maybella
dizê-lo a sua amiga, a senhora Hubbard.
Isso quase o fez vomitar. Em relação a sua maneira de montar, James
lembrava-se de ver uma menina sentada orgulhosamente junto do seu pai,
ouvindo atentamente cada palavra de seu pai. Recordava ter sentido alguns
ciúmes. Era mau, especialmente porque tanto o pai com a mãe de Corrie
tinham sido assassinados num distúrbio, justo depois da derrota de Napoleão
em Waterloo. Foi um acidente desafortunado que aconteceu durante uma
visita oficial do Pai de Corrie, o enviado diplomático Benjamin Talleyrand-
Barrett, visconde Plessante, a Paris, para discutir a segunda restauração dos
Bourbons com Talleyrand e Fouché.
Talleyrand tinha-se ocupado de Corrie, a qual ainda não tinha três anos,
fora enviada de regresso a Inglaterra para casa da irmã da sua mãe, tendo
como única acompanhante na viagem a desconsolada criada da sua mãe
morta, e seis soldados franceses, os quais não foram tratados afetuosamente.
Quando finalmente James deixou as recordações, foi para ouvir: - E o meu
tio terá ataques tentando decidir que cavalheiro é suficientemente bom para
mim. Poderei escolher, sabe, esse homem imensamente afortunado será forte,
bonito e muito rico, e nada parecido com você, James. – Outra careta de
desdém, esta mais refinada, pois tinha a intenção de fazê-lo estremecer de
fúria. – Olha só as suas pestanas, tão espessas e sobressaindo uns dois
centímetros inteiros, como o leque de uma dama espanhola. Até têm uma
pequena curva nas pontas. Sim, tem as pestanas de uma menina.
Ele tinha somente dez anos quando a sua mãe tinha inventado uma
resposta adequada para ele poder responder, assim que ele sorriu e disse
tranquilamente: - Está enganada nisso. Nunca conheci uma moça que tivesse
umas pestanas tão longas e espessas como as minhas. – Ela estava calada,
com a boca aberta. Não conseguia pensar em nada para lhe dizer. James riu. –
Deixe o meu rosto em paz, rapariguinha. Não tem nada que ver com o seu
peito. Peito, por amor de Deus. Os homens não dizem peito.
- Que dizem os homens?
- Não importa. É demasiado jovem. É uma dama. Bem, na realidade não,
mas deveria sê-lo já que tem dezoito anos. Não, não posso acreditar que tem
dezoito anos. Isso significa que tem quase vinte, o que a colocaria na mesma
década que eu. Simplesmente é impossível.
- Comprou-me uma prenda de aniversário somente há duas semanas atrás.
– Ele ofereceu-lhe um olhar perfeitamente inexpressivo. Corrie deu uma
palma na testa. – Oh, agora já entendo, foi a sua mãe que me comprou a
prenda e colocou o seu nome nela.
- Bem, não foi isso que realmente aconteceu, é …
- Está bem. Então o que me ofereceu?
- Bem, você sabe, Corrie, Já passou muito tempo.
- Duas semanas, maldito cabrão.
- Cuidado com a linguagem, menina, ou volto a açoitar você. Fala como
um maldito rapaz. Deveria ter-lhe dado um chicote de prenda, assim poderia
usá-lo com você quando surgisse a necessidade. Como neste momento.
James deu um passo ameaçador na sua direção, conteve-se e parou. Para
seu assombro ela foi ter com ele, parou quando o seu rosto estava perto do
dele, sorriu sarcasticamente e disse-lhe: - Um chicote? Arrisque. Arranco—o,
tiro a sua camisa, e bato com ele em você.
- Isso era algo que gostaria de ver.
- Bem, talvez lhe deixaria a camisa vestida. Depois de tudo, sou uma dama
com boas maneiras e ficaria desonrada se visse um homem seminu.
Ela ria com tanta força que quase caía do condenado penhasco.
Mas Corrie ainda não tinha acabado, notava-se a humilhação na sua voz.
- Usou a sua mão quando me agarrou… a sua mão nua. Aposto que fiquei
marcada para toda a vida, matulão.
Ele sorriu.
- Ainda lhe arde um pouco o traseiro? – Para seu espanto, ela enrubesceu. -
O seu rosto também está a ficar vermelho?
Ela abriu a boca, logo as lágrimas brotaram dos seus olhos e afastou-se
rapidamente, trepou para a sela de Darlene e endireitou-se. Deitou-lhe um
longo olhar sem emoção, agarrou na rédeas de Darlene, fazendo-a levantar-se
nas patas traseiras e fazendo cambalear James. Ele ouviu-a gritar: -
Perguntarei ao meu tio como os homens dizem peito.
James esperava fervorosamente que não o fizesse. Podia imaginar os olhos
do tio Simon girando enquanto caía da cadeira, com os óculos caindo do seu
rosto. O tio Simon estava em casa com a sua coleção de folhas. Tinha folhas,
cuidadosamente secas e prensadas, de cada árvore encontrada na Gran
Bretanha, França, e mesmo da Grécia, uma delas de um antigo olival perto do
Oráculo de Delfos. O tio Simon não estava disponível para assuntos de
mulheres, só para folhas. James observou como Carrie se afastava
cavalgando, sem olhar para trás para ver se tinha sobrevivido ao seu ataque.
O seu longo cabelo, apanhado apressadamente numa grossa trança, saltava
para cima e para baixo nas suas costas.
James sacudiu o pó e abanou a cabeça. Tinha crescido com esta pequena
maluca. Desde o dia em que ela tinha chagado a Twyley Grange, a casa da
irmã da sua mãe e do seu marido, perseguia-o — não ao Jason, nunca ao
Jason – só a ele, e como era possível que uma menina tão pequena pudesse
distingui-los? Mas ela conseguia. Uma vez até o tinha seguido quando ele
tinha ido aliviar-se atrás de uns arbustos, um incidente que o tinha
envergonhado e fez com que ele gaguejasse furiosamente de vergonha,
quando Corrie falou do seu lado esquerdo: “Meus Deus, você não o faz como
eu. Olhe essa coisa que está a agarrar! Bem, não posso imaginar como fazer
…”
Ele tinha apenas quinze anos, sentia-se humilhado, com as calças ainda
desapertadas, e gritou a uma menina que tinha apenas oito anos: “Não é mais
nada do que uma menina desprezível!”, tinha fustigado o cavalo, e quase se
matou quando, numa curva, apareceu a carruagem do correio, espantando a
cavalo, que o deitou ao chão, ficando inconsciente. O seu pai tinha ido à
pousada recolhê-lo, uma vez que tinha sido levado para lá depois do acidente.
O pai tinha-o abraçado, enquanto o médico tinha olhado dentro dos ouvidos,
cujo propósito, lhe disse o seu pai mais tarde, não tinha ideia de qual seria.
James tinha-se apoiado nele e tinha dito com uma voz constrangida: “Papa,
quando estava a aliviar-me, usei o arbusto errado, porque a Corrie estava lá e
viu-me, e disse coisas.” O seu pai, sem vacilar, tinha respondido: “As
meninas crescem, James, e logo se convertem em moças e esquecem-se do
arbusto equivocado. Não se aflija por isso.” Assim que James não se tinha
afligido. Deixou que o seu pai se ocupasse dele. Sentiu-se a salvo, com a sua
humilhação desaparecendo como se flutuando por uma janela aberta.
A vida, pensava James agora, era algo que parecia acontecer a você
quando não está a prestar atenção. Parecia-lhe que o que fazia neste instante
se converteria numa lembrança rapidamente, tal como o fato de Corrie ter já
dezoito anos… Com é que isso tinha acontecido? Enquanto voltava para
junto do seu cavalo, Bad Boy, perguntava-se se seria possível algum dia vê-la
e descobrir que lhe tinham surgido peitos. James riu e olhou o céu. Seria uma
noite clara, com quase uma meia-lua, uma formosa noite para ficar ali deitado
de costas e olhar as estrelas.
Enquanto cavalgava de regresso a Northcliffe Hall, James não tinha
nenhuma confiança em que a sua mãe tivesse oferecido um chicote a Carrie
pelo seu décimo oitavo aniversário, em seu nome.
Capitulo 2
Se há alguma coisa desagradável acontecendo, os homens seguro que
saíram disso.
Jane Austen
- Deu-lhe o quê? Mãe, por favor diga-me que não assinou em meu nome.
- Vamos, James, Corrie não tem noção do que se espera dela quando
chegar a Londres para a sua apresentação na Pequena Temporada. Pensei que
um adorável livro sobre a conduta adequada que uma dama deve ter quando
entra na sociedade seria exatamente o que a faria pensar qual a direção
correta a tomar.
A sua mãe já sabia sobre a Pequena Temporada de Corrie? Onde estava
ele durante este tempo? Por que ninguém lhe tinha dito nada?
- Um livro sobre conduta – disse inexpressivamente, e comeu uma fatia de
presunto. Pensou na sua cara de desdém e continuou: - Sim, consigo
aperceber-me de que necessita de isso.
- Não, espera, James. O livro foi da parte de Jason. Dei a Corrie, em seu
nome, um lindo livro ilustrado das obras de Racine.
- O único que fará é olhar para as ilustrações, mamãe. O seu francês é
horrível.
- O meu também o era. Se Corrie quiser, ficará tão fluente em francês
como eu.
O conde se escutava com um meio sorriso no rosto desde a outra ponta da
mesa, quase se engasgou com os feijões que comia. Arqueou uma
sobrancelha.
- Uma vez, Alexandra? Agora é fluente? Bem, eu …
-Você está a interromper uma conversa, Douglas. Pode continuar a comer.
Agora, James, sobre as obras. Se bem me lembro, as ilustrações são de um
estilo bastante clássico, e acredito que ela vai apreciar, ainda que não consiga
perceber todas as palavras. – James olhou fixamente o resto da papa no seu
garfo. A sua mãe perguntou: - Porquê? Havia alguma outra coisa que queria
oferecer-lhe?
- Um chicote. – Disse James em voz baixa, mas não o suficiente.
O seu pai voltou a engasgar-se, desta vez com uma cenoura cozida.
A sua mãe disse: - Já é uma jovem dama, James, ainda que continue
vestindo essas horríveis calças e esse vergonhoso e velho chapéu. Não pode
continuar a tratá-la como o seu irmão mais novo. Agora, sobre este chicote,
porque não o compra você mesmo? Oh, agora me lembro que Corrie disse
que nunca usaria chicote no seu cavalo.
- Esqueci-me do seu aniversário. – disse James, e suplicou que o seu pai
não dissesse nada a sua mãe.
- Eu sei, James. Se bem me lembro, não estava aqui para perguntar, assim
que não tive escolha e ofereci uma prenda em seu nome.
- Mamãe, não podia antes ter escolhido umas peças de roupa… sabe.
Talvez um lindo vestido ou um par de botas para montar e tê-lo assinado com
o meu nome?
- Isso, meu querido, não seria apropriado. Corrie é agora uma jovem dama
e você é um jovem cavalheiro, que não é seu parente.
- Os jovens cavalheiros - disse Douglas Sherbooke, movendo a garfo na
direção de James desde o seu lugar na cabeceira da mesa do almoço, - só dão
roupas e botas de montar a suas amantes. Seguramente já falámos disso,
James.
- Douglas, por favor, James é o meu adorável filhote. Seguramente não é
correto que fale de amantes. Seguramente ainda precisa de anos para crescer
antes que tome parte em tais, eh … atividades.
Tanto o seu marido como James olharam-na fixamente e logo, lentamente,
ambos confirmaram com a cabeça.
- Eh, sim, claro, mamãe. Muitos anos.
- Douglas, não sou uma amante e você comprou-me roupas e botas para
montar.
- Bem, naturalmente, alguém tinha que a vestir adequadamente.
- Assim como alguém necessita vestir a Carrie apropriadamente, senhor.
Ela é mais rapaz que moça. Se chegar a converter-se numa jovem, ainda não
tem noção de como são as coisas. Não tem nenhuma experiência. Nunca
esteve em Londres. Não acredito, mamãe, que um livro sobre conduta a vá
ajudar muito, se não sabe como vestir-se e arranjar-se.
- Talvez a sua tia Maybella lhe possa dar algumas sugestões – disse
Alexandra. – Perguntei-me muitas vezes o porquê de Maybella nunca ter
vestido adequadamente Corrie. Tanto ela como Simon deixaram Corrie
vaguear livremente pelo campo, vestida como um rapaz.
- Também já me tinha questionado sobre isso – disse James, e deu uma
mordidela no pão. – Se calhar não gosta de vestidos. O Senhor sabe como ela
pode ser obstinada, o seu tio provavelmente deu-se por vencido e deixa que
seja ela a mandar.
- Não – disse Douglas. – Não é isso. Não existe ninguém em toda
Inglaterra mais obstinado do que Simon Ambrose. Deve ser outra coisa.
- Gostaria de um doce, querido? – os dois queridos olharam para ela. –
Que agradável é ter a vossa atenção agora, a de ambos. Gostariam de me
acompanhar a Eastbourne esta tarde?
Douglas, que tinha pensado ido ver o novo caçador em Squire Beglie’s,
mastigou mais vigorosamente um bocado de camarão.
- Eh, é pela sua mãe – disse Alexandra.
- Desculpem-me, mãe, pai, vou embora.
- James é rápido quando necessita sê-lo – disse Douglas, olhando como o
seu filho desaparecia rapidamente pelo salão. Suspirou. – Muito bem. Que
quer a minha mãe?
- Quer que traga, pelo menos, seis novas amostras de papel para empapelar
as paredes da sua antecâmara.
-Seis?
- Bem, repare, ela não confia no meu bom gosto, assim que na realidade
traga tantas como possa, para que ela possa fazer a sua seleção aqui.
- Que vá ela mesma.
- Ah, e leva—a você?
- A que hora quer partir?
Alexandra riu, atirou com o guardanapo e ficou de pé.
- Numa hora, mais ou menos. – Inclinou-se, com as palmas sobre a toalha
branca como a neve, e disse ao seu marido: - Douglas há algo mais …
Antes que pudesse continuar a falar, o seu marido disse: - Por Deus,
Alexandra, o seu vestido tem um decote até quase aos joelhos. É obviamente
um vestido de uma libertina, com os seus seios quase saindo dele. Espere…
está a fazer isto de propósito, inclinandose deste modo sobre a mesa – deu um
golpe com o punho na mesa, fazendo que o copo de vinho saltasse. – Por que
será que nunca aprendo? Tive década após década, para aprender.
- Bem, nem tantas décadas assim. Realmente aprecio a sua admiração
pelas minhas melhores qualidades.
- Não vai conseguir com que me ruborize, madame. Está muito bem
arranjada… muito bem, estou totalmente atento. O quê é que quer de mim?
Ela ofereceu-lhe o mais doce dos sorrisos.
- Quero falar-lhe sobre a Noiva Virgem. Uma conversa séria, não uma em
que diz que sou uma parva por sequer mencionar a esse ridículo fantasma que
nem sequer existe.
- O que fez esse condenado fantasma agora?
Alexandra endireitou-se e olhou através das altas janelas, para o jardim
oriental.
- Disse que iria haver problemas.
Ele mal conteve o seu sarcasmo.
- Está dizendo que o nosso fantasma virgem residente há centenas de anos,
que nunca apareceu a nenhum homem desta casa pela simples razão dos
nosso cérebros não permitirem tamanha insensatez, veio até você e disse que
haveria problemas?
- É mais ou menos isso.
- Pensava que ela não falava, que só flutuava, desamparada e transparente.
- É adorável. É realmente bastante incrível. Então, sabe perfeitamente que
na realidade não fala, mas faz-lhe sentir o que está pensando. Já não me
visitava há séculos, desde que o Ryder foi agredido por aqueles três matulões,
que aquele miserável comerciante de poupas contratou.
- Mas Ryder arranjou-se de forma a derrubar um deles com um excelente
lançamento de uma rocha à barriga. Colocou outro num barril de pescado
meio cheio. Não me lembro do que fez ao terceiro, provavelmente porque
não foi tão divertido.
- Mas mesmo assim, foi ferido nessa luta e a Noiva Virgem disse-mo.
Douglas ficou calado. Era verdade que Alexandra tinha sabido da luta do
seu irmão antes dele, maldição. Pelo menos a sua irmã, Sinjun não tinha
vindo como uma maluca desde Escócia ver o que se passava. Havia escrito
meia dezena de cartas exigindo saber todos os fatos. A esposa de Ryder,
Sophie, não tinha escrito nem enviado nenhum mensageiro, porque sabia que
a Noiva Virgem explicaria tudo a Alexandra e Synjun. A Noiva Virgem?
Não, ele nem iria tentar investigar.
- Ryder não foi gravemente ferido. Parece-me que a Noiva Virgem sofre
de histeria feminina. Sabe, é quando parte uma unha e ela desmaia.
- Histeria feminina? Uma unha? Falo a sério. Estou preocupada. Quando
me fez sentir a situação em que Ryder se encontrava, realmente vi três
homens batendo-lhe.
Douglas queria dizer-lhe que deixasse de contar histórias que ficava
arrepiado, mas pensou na premeditada amostra que o decote deixava antever
e, como não era parvo, conteve-se. Gozaria com o maldito fantasma quando
estivesse sozinho. As táticas de Alexandra deveriam ser encorajadas. Mas
isto era difícil de suportar. Parecia que desde o falecimento da desafortunada
noiva, em algum momento da última década do século dezesseis – sendo
ainda virgem quando deu o seu último suspiro – assim dizia a história, que
todas as mulheres Sherbrooke acreditavam, desde então, neste oráculo
flutuante.
Douglas engoliu o sarcasmo que se encontrava mesmo na ponta da língua
e disse: - Nenhuma referência sobre que tipo de problema?
- Não, e isso faz-me pensar que, na realidade, não sabe exatamente o que
se aproxima, só que vai acontecer algo, e que não é bom. – respirou
profundamente. – Sei que tem que ver com você, Douglas. Foi o que ela
simplesmente me fez sentir.
- Já vi, mas ela enviou só esta vaga interpretação? Nenhum nome? Sempre
sabe tudo atempadamente.
- Acredito que é porque já aconteceu ou então está a suceder neste
momento. – Alexandra deu um grande suspiro. – O que seja que ela não sabe,
é igualmente o suficiente para a preocupar, Douglas. Como é sobre você, foi
por isso que me advertiu a mim. Está preocupada por você, ainda que não me
tenha dito diretamente. É você. Não tenho nenhuma dúvida.
- Maluquices – disse ele, - Estúpidas maluquices – e então desejou ter
mordido a língua. A sua esposa retraiu-se. – Muito bem, muito bem, fale com
ela outra vez, veja se pode dar alguns detalhes. Enquanto isso, farei que
preparem os nossos cavalos. A minha mãe quer que traga seis amostras de
papel de parede?
- Sim, mas penso que é melhor que Dilfer nos siga num pequeno carro,
porque sei que se só trago seis amostras, ela quererá mais. Creio que
simplesmente deixaremos limpa a adega. Agora me perdoe, Douglas.
Lamento muito ter incomodado você com o meu tolo histerismo feminino.
Douglas atirou o garfo contra a parede, batendo justo debaixo de um
retrato de Audley Sherbrooke, o barão Lindley. Maldito.
- Milorde.
Douglas cerrou a boca quando Hollis, o mordomo da família Sherbrooke
desde a sua juventude, apareceu na entrada da sala.
- Sim, Hollis?
- A condessa viúva, sua estimada mãe, milorde, deseja vê-lo.
- Soube durante toda a minha vida quem é. Tinha a sensação de que me
queria ver. Muito bem.
Hollis sorriu e virou-se sobre os seus magníficos tornozelos. Douglas ficou
olhando-o, a sua alta e reta figura, os ombros perfeitamente quadrados, com
mais cabelos brancos ainda do que Moisés, mas com um passo mais lento, e
talvez um ombro não era tão alto como o outro? Quantos anos teria Hollis?
Deveria ser tão velho como o retrato de Audley Sherbrooke, pelo menos
setenta anos, talvez mais. Isso fê-lo empalidecer. Poucos homens chegavam a
essa idade sem problemas nas mãos, sem tremores, sem uma boca vazia de
dentes, sem um cabelo na cabeça, e horrivelmente encurvado. Seguramente
era tempo de Hollis se reformar, fazia ao menos vinte anos que ele se deveria
ter reformado, talvez numa encantadora casita junto do mar, em Brighton ou
Tunbridge Wells, e… e quê? Sentar-se a embalar os velhos ossos e olhar o
mar? Não, Douglas, cujos filhos quando eram mais novos, pensavam que
Hollis era Deus, não o conseguia imaginar fazendo outra coisa que não fosse
governar Northcliffe Hall, o que fazia com incrível eficácia, esplêndido tato,
e uma mão benevolente e firme.
O fato era, no entanto, que o tempo estava passando, não havia forma de o
parar. Hollis estava mais do que velho, e isso significava que poderia morrer.
Douglas sacudiu a cabeça. Não queria pensar na morte de Hollis, não podia
suportar.
- Hollis!!!
O majestoso ancião voltou-se lentamente, com uma sobrancelha branca
arqueada perante o estranho tom na voz de sua senhoria.
- Milorde?
- Eh, como se sente?
- Eu, milorde?
- A menos que tenha um criado atrás de você, então sim, é você.
- Não tenho nada que uma adorável e jovem esposa não consiga curar,
milorde.
Douglas olhou fixamente o pequeno sorriso secreto que mostrava uma
boca cheia de dentes, e isso era bom. Antes que Douglas pudesse perguntar o
que demônios queria dizer com essa resposta, Hollis tinha desaparecido de
vista.
Uma adorável e jovem esposa?
Até onde Douglas sabia, Hollis jamais tinha olhado para uma mulher com
intenções matrimoniais desde a trágica morte da sua amada e jovem senhorita
Plimpton, no último século.
Uma adorável e jovem esposa?
Capitulo 3
Castelo Kildrummy,
Residência escocesa do reverendo Tysen Sherbrooke, barão Barthwick.
Ao honorável Jason Edward Charles Sherbrooke isto não lhe agradava
nada. Não o queria aceitar, mas não via como o podia ignorar.
Era um sonho, nada mais que o resultado de perder demasiados jogos de
xadrez com a sua tia Mary Rose, ou então demasiada caça na interminável
chuva, com o seu tio Tysen e o primo Roy. Ou a consequência natural de
beber demasiado brandy e fazer demasiado sexo com Elanora Dillingham em
muito pouco tempo.
Não, nem sequer todas essas coisas totalmente esplêndidas,
excessivamente gratificantes, o explicavam. Tinha sido real. Finalmente tinha
tido a sua primeira visita da Noiva Virgem, um fantasma do qual o seu pai se
ria, dizendo: sim, imagine um pedaço de nada branco, flutuando pela nossa
casa, durante três séculos. Só perante as damas, que fique claro, assim que
está a salvo.”
Bem, Jason era um homem, e ela tinha-o visitado.
Recordava perfeitamente ter acordado quando Elanora se tinha levantado
para fazer as suas necessidades no quarto do lado, mesmo antes do
amanhecer. Ele tinha-se aliviado ali mesmo, ainda meio adormecido, e de
repente estava uma formosa jovem com longos cabelos soltos, vestida com
uma longo vestido branco, que simplesmente estava ali parada aos pés da
cama olhando-o, ele tinha-a ouvido dizer tão claramente como sinos
repicando: “Há problemas em casa, Jason. Vá para casa. Vá para casa.”
Ele tinha visto o rosto do seu pai, tão claro como se estivesse parado ao
seu lado.
Elanora tinha regressado a sua cama, bocejando, totalmente nua, com o
seu lindo cabelo negro caindo por todas as partes, e a jovem dama
desvaneceu-se simplesmente, sem nenhum som, nem sequer um sussurro no
ar. Simplesmente tinha desaparecido.
Jason tinha ficado ali deitado, estupefato, sem querer acreditar, mas tinha
sido criado com histórias sobre a Noiva Virgem. Por que tinha vindo ter com
ele? Que problemas haveria em casa?
Jason tinha sussurrado para o vazio onde ela tinha estado parada: “Não
tive tempo de perguntar com quem me casarei.”
Elanora sentia-se afetuosa; Jason era um homem jovem, no entanto deu-
lhe um beijo superficial e levantou-se da cama. Tinha conhecido Elanora
somente um mês antes, quando tinha tido uma câimbra na perna enquanto
nadava no Mar do Norte, e tinha conseguido arranjar-se para chegar à praia
onde ela vivia. Tinha estado ali parada, fazendo girar o guarda-sol, com uma
brisa forte achatando o vestido contra as suas adoráveis pernas, quando ele
tinha emergido da água completamente nu. Elanora tinha olhado até se cansar
o que o mar tinha levado até ela, e estava evidentemente satisfeita. Era viúva,
madrasta de três filhos, todos mais velhos do que Jason, que diziam
maravilhas sobre a sua querida madrasta. Jason gostava bastante dela, porque
era inteligente e, ainda melhor, adorava os cavalos, assim como ele. Sempre
abandonava a casa de Elanora, uma casa de estilo Georgiano, situada na costa
entre o castelo de Kildrummy e Stonehaven, antes do amanhecer, para estar
de regresso ao castelo de Kildrummy a tempo tomar o pequeno-almoço com
a tia Mary e o tio Tysen. Se algum deles se tinha apercebido que ele não
dormia na sua própria cama, não diziam nada.
Tinha ouvido o seu primo Rory dizer vários dias atrás: “Jason deve gostar
muita da caça. Não só caça com você durante o dia, pai, também está a maior
parte das noites fora, até perto do amanhecer.” Graças a Deus ninguém lhe
tinha perguntado se isso era verdade.
Essa manhã, entre arenques e tortas, contou-lhes que tinha recebido a
visita da Noiva Virgem. O seu tio, reverendo, não disse nada, só mastigou
pensativamente uma rabanada. A tia Mary Rose, com o seu glorioso cabelo
ruivo desordenado à volta da sua cabeça, franziu as sobrancelhas.
- Tysen, acredita que Deus conhece a Noiva Virgem?
O seu marido não riu. Continuou pensativo.
- Nunca diria isto a Douglas ou a Ryder, mas algumas vezes pensei que
havia uma espécie de janela que não está completamente fechada e que
algumas vezes, os espíritos deslizam para este mundo. Deus conhecea?
Talvez se alguma vez ela me visitar, eu pergunto-lhe.
- Eu também não recebi uma visita sua, e isso não é justo. Nem sequer é
uma dama, Jason, no entanto visitou você. Disse alguma coisa? - perguntou
Mary Rose.
- Disse que havia problemas em casa. Nada mais, só isso, mas o engraçado
é que vi o rosto do meu pai tão claro como o dia. Devo partir, claro.
Jason já ia a caminho do sul às oito em ponto nessa mesma manhã,
agradecido de ter conseguido convencer os seus tios de não irem com ele.
Pensava incansavelmente qual seria o problema em casa, e como isso afetava
o seu pai, e pensou nas palavras do seu tio… uma janela não completamente
fechada entre este mundo e o outro. Dava que pensar.
A vida, pensou enquanto golpeava os lustrosos flancos de Dodger com os
calcanhares das suas botas, podia estar decorrendo agradavelmente quando de
repente o caminho se fechava, e tinha que viajar noutra direção. Perguntava-
se se a Noiva Virgem teria visitado a sua mãe. Provavelmente. Teria visitado
James? Bem, rapidamente o saberia.
Preocupou-se, cavalgou e desejou poder usar a janela dos espíritos.
Deveria ser mais rápido.
Ao sexto dia, conduziu ao seu cansado Dodger mais além das sólidas
escadas da frente de Northcliffe Hall até aos estábulos.
Lovejoy, um jovem de dezesseis verões, e o empregado favorito do seu
cavalo, Dodger, saiu correndo, dizendo: - Meu glorioso rapazote! ‘stás em
casa, ‘stás em casa, finalmente. Ah, olha a tua pelagem, todo sujo e cheio de
rosetas.
Jason disse, sorrindo a Lovejoy: - Está falando comigo ou com o meu
cavalo, Lovejoy?
- Dodger é o meu rapaz, amo Jason. É a sua ‘mã quem o receberá bem e
apropriadamente.
Dodger, de um metro e sessenta e cinco, negro como uma noite sem lua,
exceto por um raio branco no focinho, relinchou, aproximou a cabeça ao
rosto de Lovejoy e lambeu a sua camisa.
Quando Jason entrou em Northcliffe Hall, deteve-se e olhou em volta. Não
parecia haver ninguém ali. Onde estava Hollis? Ele sempre estava perto da
porta da entrada. Oh, não, estava doente, ou tinha morrido. Não, Jason não
podia suportar isso. Sabia que Hollis era mais velho que o carvalho em que
tinha talhado as suas iniciais, mas ele pertencia aqui, a Northcliffe Hall, vivo
e reclamando, ou acalmando a todos.
- Meu doce rapaz! Está em casa! Oh, Santo Deus, que sujo está. Não lhe
esperava até a próxima semana. Qual é o problema?
- Onde está Hollis? Encontra-se bem?
- Claro que sim, Jason – disse a sua mãe. – Acredito que está na aldeia.
Ah, estou tão feliz que esteja em casa, agora, o que se passa?
Hollis estava vivo e coleando, graças a Deus. E Lovejoy tinha razão. A sua
mãe tinha-lhe dado umas boas vindas apropriadas. Jason adiantou-se para
abraçar a sua sorridente mãe. E disse-lhe ao ouvido: - A Noiva Virgem
disseme para vir para casa, disse que havia problemas. E vi o rosto do pai,
assim que tem que ser ele.
A sua mãe deu um passo atrás e olhou-o.
- Oh, querido, é encantador ter confirmado a visita que recebi, mas mesmo
assim, isto não é nada bom. O seu pai, sabe como brinca com isto. – ela
golpeou a testa com a ponta dos dedos. – Bem, ela também foi ter com você.
Teremos que ver o que diz agora o seu pai.
O seu pai dificilmente teve mais que dizer que: - Comeu nabos no jantar,
não é verdade, Jason?
Ele assegurou a seu pai que não o tinha feito. Sabia que o seu pai queria
saber se tinha estado desfrutando, mas não o podia fazer com a sua mãe
presente.
O seu pai resmungou e dispensou-o com um movimento de mão.
- Vá tomar um banho. Tire toda essa sujidade e com sorte o seu cérebro
voltará a funcionar corretamente.
Quanto a James, ouviu o que Jason dizia e logo replicou: - Não
compreendo isto, realmente não compreendo. Faz com que me doa o cérebro,
Jase. Ela disse que havia problemas em casa, nada mais, e então viu o pai?
Isso é exatamente o que fez sentir à mãe, mas a mãe não viu o rosto do pai,
disse que somente soube que era ele quem estava em perigo. Temos que ficar
vigilantes. Agora, sobre esta Elanora, comprou-lhe roupa?
- Roupas? – As escuras sobrancelhas de Jason elevaram-se. – Bem, não,
não acredito ter-lhe comprado nada.
- Hmm. Pergunto-me o diria o pai sobre isso. – disse James e afastou-se
assobiando.
Não houve qualquer sinal de problemas até duas tardes mais tarde.
Douglas Sherbrooke estava domando o seu novo castrado, Henry VIII,
mais mau que a sua mãe quando lhe dava vontade. Henry estava encurvado,
parado sobre as patas traseiras, girando, e Douglas estava desfrutando,
quando de repente ouve um estalido forte. Henry encurvou-se freneticamente,
e Douglas, distraído, foi lançado do cavalo de costas, em uma confusão de
arbustos de teixo, que amortizaram a sua queda. Ele não se moveu,
simplesmente ficou ali, olhando o azul do céu do verão, avaliando o seu
corpo. Alguém lhe tinha disparado na parte superior do braço. Era só um
ferimento superficial, na realidade. Era a queda que poderia tê-lo matado.
Valorizava agora muito mais os arbustos de teixo do que no passado.
Colocou-se de pé, sentiu um ardor no braço, olhou a sua volta procurando
um sinal do homem que tinha disparado e logo caminhou até ao sítio onde
Henry estava parado. O enorme cavalo estava assustado e transpirado.
Douglas envolveu o braço com o seu lenço, esperando que Henry não
cheirasse o sangue.
Douglas falou-lhe, tranquilizou-o o melhor que pôde, tirou o abrigo de
montar e esfregou-o com ele. Não sabia o que diria ao seu ajudante de quarto,
Peabody, sobre isso.
- Os dois estamos bem agora, Henry. Não se preocupe, rapaz, vamos
superar isto. Vou dar-lhe um balde cheio de aveia quando chegarmos a casa.
Quanto a mim, bem, suponho que terei que chamar aquele miserável doutor
Milton, a Alex vai exigir isso. Andará à minha volta, e não o dirá, mas vai
lançar-me aquele olhar que diz claramente “disselhe que ela disse que haveria
problemas. Disse que seria você, e tinha razão.” Agora, a pergunta é, quem
me disparou e porquê? Foi um acidente? Algum caçador furtivo cujo dedo
deslizou sobre o gatilho? Se foi alguém que, por qualquer razão me odeia,
então, porque realizou só um disparo? Isso pareceria mal planeado, verdade
Henry, se ia atrás de mim? Bem, vejamos se deixou algo esquecido que possa
ser útil.
Enquanto montava de regresso a Northcliffe Hall, com o braço ardendo,
pensou novamente na Noiva Virgem e na sua advertência.
Quando atravessou a porta da frente, ouviu vozes, várias, num tom
elevado, discutindo. Levava na mão o abrigo de montar, uma vez que estava
coberto do suor de Henry, esperava que ninguém notasse que tinha um lenço
ensanguentado atado na parte superior do braço.
Viu Corrie Tybourne-Barrett parada no meio do vasto Hall central,
parecendo tão envergonhada como um aldeão com as suas ridículas calças e
botas, esse velho chapéu bem descido sobre a testa, a sua trança sobre as
costas. Sacudindo o punho na sua direção estava o senhor Josiah Marker, o
dono de um moinho no rio Alsop.
- Você foi voando direita ao moinho, esse seu cavalo deitando grão por
todos os lados! Que vergonha, senhorita! Que vergonha!
Corrie replicou gritando, sacudindo o próprio punho perante o rosto do
senhor Marker.
- Não se atreva a dizer que Darlene deitou em qualquer sítio os seus grãos,
porque não o fez! Foi o seu filho Willie, esse pequeno sem vergonha! Bati-
lhe quando me tentou beijar, e está a tentar vingar-se! Darlene não esteve
perto do seu moinho!
Douglas não levantou a voz, nunca tinha que fazê-lo, Simplesmente disse:
- Calem-se, todos. Já é suficiente.
Só então é que se deu conta de que Corrie, o senhor Marker e quatro
criados mais estavam parados no grande hall da entrada. Onde estavam os
seus filhos, a sua esposa, por amor de Deus, incluído a sua condenada mãe?
Onde estava Hollis, que poderia ter tratado deste problema em menos de três
segundos?
Houve um silêncio instantâneo, mas a fúria vibrava no ar. Douglas
dispensou os criados, e estava voltando-se para o senhor Marker quando
James entrou pela porta da frente, fustigado pelo vento, batendo suavemente
com o chicote na perna. Parou em seco.
- Que está acontecendo, pai? Corrie, que está a fazer aqui?
O senhor Marker começou a abrir a boca, mas Douglas simplesmente
levantou a mão.
- Não, chega. James, poderia por favor ocupar-se disto? É uma espécie de
vingança de um pretendente desdenhado, deduzo.
- O meu rapaz nunca procuraria vingança – disse o senhor Marker
furiosamente. – é um amável santo, milorde – acrescentou o senhor Marker, a
sua voz num tom mais baixo agora, que ninguém gritava em redor do conde
de Northcliffe. – Nem sequer gosta de moças, disse que não lhe agradavam,
assim que nunca tentaria beijar a senhorita Corrie. E basta olhar para ela, nem
sequer é uma menina, se você entende o que digo. O meu Willie nunca fez
nada de mal em toda a sua vida, bendito seja e bendita seja a sua mãe por tê-
lo parido.
James estava olhando fixamente o lenço atado em volta do braço do seu
pai, e o sangue que o empapava. A Noiva Virgem tinha razão. Que tinha
acontecido? Viu o seu pai subir as escadas, com as palavras do senhor
Marker flutuando sobre ele, mas não teve mais nenhuma opção do que ficar
ali a ocupar-se desta estupidez. Isto não lhe agradava nem um pouquinho,
mas não tinha outra opção. Deu a volta e sorriu ao senhor Marker.
- Gostaria de ouvir o que os dois têm a dizer. Poderiam, por favor,
acompanhar-me ao estúdio?
Capítulo 4
O que uma mulher quer é o que não tem.
O. Henry
Foram necessários dez minutos para entender os acontecimentos.
Finalmente James disse ao senhor Marker: - Lamento dizer-lhe senhor, que
Willie, o seu doce rapaz, tem um caminho muito longo a percorrer, se
pretende alcançar a santidade nas próximas seis vidas.
- Impossível, milorde. Ele conta-me tudo, Willie faz tudo, e é um bom
rapaz, atento e bondoso, mesmo com esta senhorita aqui.
- Obriga-me a falar sem rodeios, senhor. Willie é conhecido em toda a
região como um jovem que beija qualquer moça que não seja suficientemente
rápida para fugir dele. Não tenho nenhuma dúvida na minha mente de que
Corrie lhe bateu, e que ele quis vingar-se. Sugiro-lhe que lhe faça pagar pelo
que fez. Agora, bom dia para o senhor, e desejo-lhe sorte com o Willie.
- Mas, o meu doce rapazito …
- Bom dia, senhor Marker. Corrie, você fica.
Hollis apareceu como que por magia na porta do estúdio.
- Senhor Marker, pareceu-me que lhe agradaria um bom vaso de cerveja
antes de enfrentar William. Não acontece sempre que um homem, mesmo
sendo ele uma pessoa de tão alta retidão moral, deva enfrentar o mau
comportamento dos seus filhos! Tenho algumas sugestões sobre como
poderia atuar perante ele.
O senhor Marker arranjou o abrigo. Começou a caminhar atrás de Hollis
quando este saiu do estúdio, com o velho chapéu agarrado entre os dedos.
- Willie realmente tentou beijar
você? Corrie estremeceu.
- Sim, foi espantoso. Girei a cabeça rapidamente e só me beijou a orelha.
James, tinha que fazer alguma coisa …
- Sim, sei disso. Deu-lhe um soco.
- Diretamente no nariz. Logo um pontapé na canela. Sabe como são estas
botas, têm uma boa biqueira.
- Não é de estranhar que se quisesse vingar de você. Ao menos não lhe deu
uma joelhada nas suas…
- O quê? Quer dizer… - os seus olhos baixaram, olhando diretamente as
suas partes baixas. Franziu a testa. – Por que faria isso?
- Não importa. Agora, está espantosa. Vá para casa, tome um agradável
banho e tire todo esse pó do rosto e do cabelo. Por que veio até aqui, Corrie?
Ele mexeu-se nervosamente um momento e logo sussurrou: - Vim até aqui,
a Northcliffe, porque não podia imaginar o que os meus tios teriam feito
quando enfrentassem ao senhor Marker. Mas sabia que você se ocuparia das
coisas, ou então o seu pai. Obrigada, James.
De repente, a condessa viúva de Northcliffe, uma mulher azeda que tinha
sobrevivido a todos, apareceu na porta do estúdio, empertigou-se e gritou: -
James!
- Sim, avó?
Neste momento aguentava tudo menos isto, pensou ele, virando-se
obedientemente para dar a sua avó a sua completa atenção, esperando que
isso concentrasse nele o seu olhar e a sua língua. Mas claro, não o fez. Ela
continuava a ser alta e com postura, agora com o cabelo branco e frágil, os
olhos azuis mais apagados, mas não tinha qualquer problema no
funcionamento da boca, no cérebro, ou na forma de falar,
desafortunadamente.
Se se podia dizer que uma voz ecoava, a sua era assim.
- Corriander Tybourne-Barrett, os seus defuntos pais ficariam
horrorizados! Olhe-se… é uma vergonha. Parece um desordeiro. Devo falar
com os seus tios, ainda que ambos sejam umas criaturas irresponsáveis,
devem fazer alguma coisa.
Corrie elevou o queixo no ar.
- Assim é.
- Assim é o quê, senhorita?
- Estão a fazer algo. Irei a Londres para a Pequena Temporada. Eles não
são uns irresponsáveis.
Os olhos azuis da condessa viúva brilharam de expetativa. Viu uma vítima
tenra, e quis agarrá-la com as suas garras e esmagá-la. Abriu a boca, mas o
seu neto atreveu-se a interrompê-la.
- Avó, Corrie estará preparada para ir a Londres. A minha mãe ajudará a
sua tia para garantir que ela saiba das coisas e se vista apropriadamente.
A condessa viúva girou-se para o seu neto.
- A sua mãe? Essa moça ruiva com quem o seu pai foi obrigado a ficar,
depois desse mau rapaz Tony Parrish ter roubado a verdadeira noiva do seu
pai, Melissande? Ninguém pode acreditar que elas sejam irmãs. Bem, só tem
que olhar-se no espelho para ver com que maravilhosa criatura o seu pai
deveria ter casado. Mas não, ele foi obrigado a ficar com a sua mãe. Posso
perguntar-lhe, jovenzito, o que sabe a sua mãe de algo em particular? Bem, é
o seu querido pai quem a veste, quem lhe diz como comportar-se, quem a
repreende, mas não com a frequência que deveria, bem sabe o bom Senhor,
no entanto ele não consegue controlá-la para que não corte os vestidos até aos
tornozelos. Quantas vezes lhe disse…
- Madame, é o suficiente! – James estava tão furioso, que tremia. Nunca na
sua vida tinha interrompido a sua avó, mas não conseguiu aguentar-se. Corrie
ficou esquecida, enquanto ele se concentrava para enfrentar essa velha bruxa.
– Madame, você está falando da condessa de Northcliffe… minha mãe. Ela é
a dama mais formosa que jamais conheci, é amorosa, bondosa e faz o meu
pai muito feliz, e…
- Sim! Claro que é amorosa, ou algo muito mais libidinoso. Bem, com a
sua idade continua a aproximar-se silenciosamente do meu Douglas e a beijá-
lo nas orelhas. É vergonhoso. Eu nunca teria feito isso ao seu avô…
- Estou seguro de que não, avó. No entanto, a minha mãe e o meu pai,
apesar da idade, continuam a amar-se. Não lhe permito que fale mal dela
outra vez.
- Eu também gosto dela – disse Corrie.
- Atreve-se a interromper-me, senhorita? Um neto, o futuro conde, é uma
descortesia que devo aceitar, mas não de si. Valha-me Deus, olhe-se, a filha
de um visconde e é… - Faltaram-lhe as palavras, mas só por um momento. –
Não acredito nem por um momento que o pequeno Willie Marker a tenha
beijado. É um rapazinho muito doce. Deve ter sido mas é você a tentar beijá-
lo.
James disse com muita calma: - É um doce com você, madame, porque
sabe que se não o for, você faria com que o fritassem em azeite. Na realidade
é um rufia. É o flagelo dos vizinhos.
- E preferia beijar um sapo que ao Willie Marker.
- Não acredito nisso, James. Ele é um precioso homenzinho. – Voltou-se
para Corrie. – Quando ele a beijou, você bateu-lhe? Aí está, não demonstra
isso que você não tem educação, nem sentido de quem é, ou o que se supõe
que seja? Você, supostamente uma dama, bateu-lhe? Isso prova o que
penso… que é uma patética desmazelada.
Com estas palavras ela girou-se e saiu indignadamente do estúdio, com as
saias ondeando.
- Não sou nada – disse Corrie sussurrando. – Não sou nem patética nem
desmazelada.
James olhava a saída da sua avó e abanou a cabeça. Era a primeira vez, em
toda a sua vida, que lhe tinha dado do seu próprio veneno, e ela não parecia
ter-se apercebido. Sentia-se como se tivesse falhado. Depois de uma breve
reflexão, James deu-se conta de que a sua avó fora a desculpar-se com
alguém pela sua aspereza, um evento que provavelmente assinalaria o fim do
mundo. No entanto, atacar a sua mãe e Corrie desse modo…
- Desculpe, Corrie, mas se lhe faz sentir melhor, ela trata ainda pior a
minha mãe.
- Mas não compreendo, James. Por que é tão desagradável com a sua pobre
mãe?
Por que é que a velha morcega ainda não tinha morrido? Isso era realmente
o que queria dizer.
- É desagradável com todas as suas noras – disse James. - Com a sua
própria filha, a minha tia Sinjun, também. É desagradável com qualquer
mulher que se encontre em Northcliffe, exceto com a minha tia Melissande.
Se fosse porque não quer nenhuma rival, então porque é amável com a minha
tia Melissande?
- Talvez seja porque você e Jason são parecidos com ela. Isso é muito
estranho, não é verdade?
James fez uma careta de dor.
- Sim. Então o seu nome é realmente
Corriander? Corrie olhou para as suas botas
raspadas e sujas.
- Foi o que me disseram.
- Isso é azar.
- Sim.
Ele suspirou e apoiou suavemente a mão no seu braço.
- Não parece uma desmazelada.
Era possível que agora ainda estivesse pior, pensou ele, mas também se via
achatada; conhecia-a desde sempre e, estranhamente, sentia-se responsável
por ela. Porquê, não sabia. Então voltou a lembrar-se de uma menina
pequena, sorrindo abertamente, mais molhada do que a rã que tinha capturado
e tinha na mão, um presente, para ele.
Corrie olhou, mesmo enquanto bulia no seu velho abrigo castanho,
indiscutivelmente usado numa outra vida, por um rapaz dos estábulos.
- O que pareço?
James paralisou-se. Queria estudar a contabilidade da fazenda desta última
década, queria calcular o preço da aveia e do trigo durante os próximos vinte
trimestres, queria ir contar as ovelhas que se encontravam no campo do este,
qualquer coisa menos ter que responder-lhe.
Ela disse lentamente: - Não sabe o que dizer, não é verdade, James?
- Parece-se com você própria, maldita seja. É a Corrie, não essa condenada
Corriander. Os seus pais tinham bebido demasiado brandy quando lhe deram
esse nome?
- Perguntarei a minha tia Maybella, ainda que ela e a minha tia
evidentemente nunca se deram muito bem. Ela nunca me chamou de outra
maneira a não ser Corrie. Uma vez, quando era pequena, tinha estado a
brincar com o meu cão Benjie, então Benjie começou a fazer-se um pouco
caprichoso, escapou-se e correu para dentro da biblioteca do meu tio.
Admitirei que correu pelo escritório do meu tio e rasgou algumas folhas que
ele estava a escrevendo. Bem, foi então que o tio Simon gritou o meu nome
inteiro pela primeira vez. – deteve-se um momento, olhando para fora, para
os jardins do lado oeste. – Eu não sabia com quem ele estava a gritar.
- Corrie, esquece o rancor. Falarei com o meu pai; ele é o único que
consegue fazer alguma coisa em relação à maldade da minha avó. Ouvi dizer
ao meu tio Ryder que o meu avô, sem dúvida, se tinha lançado para o mais
além, só para escapar dela.
- Não importa. Simplesmente vou evitá-la no futuro. Devo ir-me. Adeus,
James.
Ela saiu pelas portas de cristal do estúdio, para os jardins. Se deambulasse
o bastante longe, encontraria as estátuas gregas nuas, todas de casais a
copular em diferentes posições. Ele e Jason tinham passado muitas, mas
mesmo muitas horas, olhando fixamente essas estátuas, rindo tontamente.
Quando eram jovens só sinalizavam, logo passaram a olhá-las com olhos
muito diferentes, quando cresceram. Até onde ele sabia, Corrie nunca tinha
estado nessa parte dos vastos jardins de Northcliffe. Gritou: - Não, Corrie!
Regresse aqui. Quero que tome um pouco de chá e de tarte comigo.
Ela deu a volta, olhou-o com as sobrancelhas franzidas. A contragosto,
voltou a entrar no estúdio.
- Que tipo de tarte?
- Com sementes de limão, espero. São as minhas favoritas.
Ela olhou para as botas, logo levantou o olhar, mas não em direção do
rosto dele, senão por cima do seu ombro esquerdo.
- Obrigada, mas devo ir para casa. Adeus James.
E saiu apressadamente pelas portas. Ele viu-a correr pelos jardins. Havia
caminhos que conduziam para fora deles; seguramente ela não os ia explorar;
seguramente ela não encontraria as estátuas.
James encontrou o seu pai no seu quarto, sozinho, fazendo um curativo no
braço.
- James. Pensei que era a sua mãe, na realidade não é nada, um idiota
disparou-me no braço, nada mais.
O medo contraiu-lhe o estômago. Engoliu em seco, mas o medo
continuava lá.
- Isto não está bem – disse. – Papai, realmente isto não me agrada. Onde
está Peabody?
James já há muitos anos que tinha deixado de lhe chamar “papai”. Douglas
atou a tira de linho que tinha arrancado da sua camisa, apertou-a com os
dentes, logo deu a volta e conseguiu sorrir.
- Estou bem, James. – Então, porque James parecia assustado, Douglas foi
até ele e atraiu o seu precioso rapaz contra ele. – Estou bem, é só um pouco
doloroso, nada com que se preocupe, a mim ou a ninguém, principalmente a
sua mãe, que nunca vai descobrir isto.
James sentiu a força do seu pai e isso reconfortou-o. Também se
apercebeu que agora era tão alto como o seu pai, este homem que tinha
admirado toda a sua vida, ao que tinha visto como um Deus, um ser
onipresente, e agora eram da mesma altura? Disse-lhe ao ouvido: - Viu quem
foi?
Douglas tomou os braços de James entre as suas mãos e deu um passo
atrás.
- Estava montando o Henry nas colinas. Houve um só disparo e Henry
reconhece uma oportunidade quando a vê e, claro está, derrubou-me. Juraria
que esse condenado cavalo estava rindo-se de mim, ali deitado nos arbustos
onde caí, afortunadamente. Olhei depois, mas o tipo não tinha deixado
nenhuma marca. Poderia ter sido um caçador furtivo, James, um acidente,
puro e simples.
- Não. – ele olhou diretamente o seu pai nos olhos. – A Noiva Virgem
tinha razão. Há problemas aqui. Onde está Peabody?
- Despachei-o rapidamente, enviei-o a Eastbourne a arranjar uma pomada
especial para mim, inventei um nome… o restaurador de cabelo especial de
Foley.
- Mas tem muito cabelo.
- Não importa. Entretanto Peabody andará frenético à sua procura, algo
que merece, já que está sempre metendo o seu grande nariz nos meus
assuntos.
James respirou profundamente.
- Quero ver o seu braço, pai. Jason também tinha razão… está alguém
atrás de si. Temos que fazer alguma coisa. Mas primeiro quero ver, por mim
mesmo, que a feriada não é grave.
Douglas levantou uma escura sobrancelha ao olhar o seu filho, viu o medo
nos olhos de James, e apercebeu que ele tinha que ver com os seus próprios
olhos que a ferida não era grave.
- Muito bem – disse, e deixou que James desatasse a ligadura que tinha
acabado de enrolar à volta do braço.
James observou cuidadosamente o corte vermelho e ficou furioso com a
ferida no braço do pai.
- Quase deixou de sangrar. Quero lavá-la, e logo quero que Hollis a
observe. Ele terá uma pomada para colocar na ferida.
Claro que Hollis tinha uma desagradável mistura adequada para colocar.
Ele também insistiu, debaixo do olhar atento de James, em untar o corte com
essa mistura.
- Hmm – disse – Passe-me uma venda limpa, amo James.
James passou-lhe uma venda limpa. As mãos do ancião tremiam. De medo
pelo seu pai? Não, Hollis nunca tinha medo de nada.
- Hollis, quantos anos tem?
- Amo James?
- Eh, se não lhe incomoda que pergunte a idade.
- Sou da mesma idade que a sua estimada avó, milorde; bem, talvez ela
seja um ano mais velha, mas uma pessoa duvida em falar sem rodeios destas
coisas, particularmente quando envolve uma dama que também é a nossa
patroa.
- Isso significa – disse Douglas, rindo – que Hollis é mais velho que as
estátuas dos jardins do oeste.
- Assim é, de fato – disse Hollis. – Aí está, milorde, está bem atado e
apertado. Quer um pouco de láudano?
O seu braço palpitava mas, o que importava? Levantou uma sobrancelha, e
disse indignado: - Não quero, Hollis. Estão os dois felizes agora?
A porta abriu-se e Jason entrou, ficou pálido, e escapou-lhe: - Eu sabia.
Simplesmente sabia que era algo mau.
James viu o sangue na bacia de água, engoliu com força e contou ao seu
irmão o que tinha acontecido.
- Sabe, senhor – disse Jason quando os três desceram as escadas, - que a
mãe descobrirá que alguma coisa aconteceu quando vir a venda no seu braço.
- Ela não a verá.
- Mas você e a mãe sempre dormem juntos – disse James. – Seguramente
que a verá. Uma vez ouvi-a dizer que nunca utiliza camisa de dormir. –
acrescentou James rapidamente: - Ela não sabia que eu estava a ouvir.
- Hmm - disse Douglas. – Pensarei em algo.
- Noutro tempo nós usávamos camisa de dormir – disse Jason, - mas
depois ouvimos que o pai não usava. Que idade tínhamos, James, doze anos?
- Algo assim – disse James.
Douglas sentiu um aperto no peito. Olhou os seus rapazes – seus rapazes –
e a dor no braço desapareceu.
Claro que Alexandra descobriu tudo rapidamente, não mais tarde do que as
cinco da tarde em ponto. A sua criada de quarto, Phyllis, disse-lhe que a
lavadeira – que tinha lavado uma tira ensanguentada – tinha-o dito à senhora
Wilbur, a governanta dos Sherbrooke, que o tinha transmitido imediatamente
a Hollis, que lhe tinha dito bruscamente que fechasse a boca, o que,
naturalmente, a senhora Wilbur não tinha feito, e desse modo, tinha chegado
aos ouvidos de Phyllis quando tomava chá na sala da senhora Wilbur.
- Um pano ensanguentado? – questionou Alexandra, virando-se na cadeira
do toucador para olhar fixamente Phyllis, que tinha olhos verde musgo e um
adorável nariz delgado que pingava constantemente, necessitando por isso de
ter constantemente um lenço na mão.
- Sim, milady, um pano ensanguentado. Da antecâmara de sua senhoria.
Alexandra correu para fora da antecâmara e atravessou a porta para
enfrentar o seu esposo. Para passar-lhe as mãos por todo o corpo, para
observar os dentes da sua boca. Maldito fosse… não estava ali. E sabia que
quando o confrontasse, ele olharia por cima do seu elegante nariz, chamar-
lhe-ia tonta e diria que tudo era um conto inventado por uma menina tonta na
lavandaria.
Ainda que só fossem cinco horas da tarde, Alexandra correu escadas
abaixo até aos aposentos do mordomo, uma adorável sala espaçosa com
mosaicos de mármore branco e preto por todo o lado. O único problema era
que Hollis não se encontrava sozinho. Mais, estava nos braços de uma
mulher. Uma mulher que ela nunca tinha visto. Alexandra olhou-os
fixamente, logo começou a retirar-se passo a passo, até fechar
silenciosamente a porta.
Hollis abraçando e beijando uma mulher desconhecida? Parecia que, de
repente, tudo estava fora de controlo. Esqueceu-se que tinha lá ido procurar
provas para que Douglas não pudesse olhá-la por cima do nariz, e irrompeu
tempestivamente no estúdio do marido, onde este conversava com os gêmeos.
Olhou-os a todos com outros olhos. Os gêmeos escondiam algo, fosse o que
fosse. Os três estavam numa conversa secreta, ela soube, uma que a excluía.
Quis disparar sobre todos. No entanto, disse: - Hollis está beijando uma
estranha nos seus aposentos.
Capitulo 5
Quando não tens problemas, estás morto.
Zelda Werner
Douglas e os gêmeos fecharam rapidamente a boca. Douglas disse: - Eh,
Alex, minha querida, diz que Hollis estava a beijar uma mulher
desconhecida? Nos seus aposentos?
- Sim, Douglas, e era muito mais jovem do que ele, não mais de sessenta
anos, eu diria.
- Hollis tomando liberdades com uma mulher mais jovem – disse Jason,
deitando a cabeça para trás e rindo, mas logo se deteve. – Meus Deus, pai, e
se ela é uma aventureira atrás do seu dinheiro? Sei que ele é endinheirado.
Disseme que você tem estado investindo o seu dinheiro durante anos, e que
agora é quase tão rico como você.
- Vou assegurar-me de que Hollis não seja apanhado por uma avó, moço –
disse Douglas.
James acrescentou: - Está segura de que eles se estavam beijando, mãe?
- Era um abraço bastante apaixonado, e, sim com alguns mimos e beijos –
disse Alexandra. – Digo-lhes, quase me fez sair os olhos da cara. – deu um
passo para mais perto do marido e sussurrou: - Ambos pareciam estar
desfrutando imenso um do outro.
- Espero que esta seja a jovem com quem o Hollis pretende casar - disse
Douglas.
A sua esposa e os filhos olharam-no muito sérios.
- Sabe alguma coisa sobre isto, Douglas?
- Ele falou de matrimônio há uns dias atrás… algo sobre que uma esposa
mais jovem o faria sentir-se muito bem.
- Mas …
Douglas levantou a mão para interromper.
- Já veremos. Depois de tudo, na realidade não é um assunto nosso.
- É Hollis, senhor. Está aqui há mais tempo do que o senhor. – disse
James.
- Não confundas velho com morto – disse Douglas. – Um homem não está
morto nas suas partes, até que esteja dois metros debaixo de terra. Esforce-se
por não esquecer isso.
Alexandra suspirou.
- Muito bem, é o suficiente deste assunto. Agora, Douglas, vai contar-me o
que lhe aconteceu e vai contar-me tudo. Até mesmo o que se refere a um
pano ensanguentado encontrado no lavatório da sua antecâmara, e não me
tente enganar colocando um dedo na minha frente.
- Disse-lhe que o descobriria, senhor – disse Jason.
- A mãe até descobriu que tinha beijado Melissa Hamilton atrás dos
estábulos quando tinha treze anos – disse James. Lançou a sua mãe um olhar
pensativo. – Nunca soube como descobriu isso.
Alexandra olhou-o.
- Tenho espiões que me devem a sua lealdade. Será melhor que nunca se
esqueçam disso. Só porque já são homens, não significa que tenha
aposentado os meus espiões.
- Certamente devem ser bastante velhos – disse Jason, e deu-lhe um lindo
sorriso.
Alexandra disse, tentando não se derreter com esse sorriso: - Agora,
Douglas, fale e vá ao ponto.
- Muito bem, se vai fazer um escândalo por isto.
Alexandra sorriu-lhe.
- Será que é a Noiva Virgem quem escuto aplaudir?
Twyley Grange,
Casa de Lorde e Lady Montague e de Corrie Tybourne-Barrett
- Meus Deus, é você, Douglas?
Simon Ambrose, Lorde Montague, ficou rapidamente de pé, enquanto
levava os óculos no nariz, e quase esbarrou num diário que tinha caído da
mesa que estava ao seu lado. Endireitou-se e ao mesmo tempo arranjou a
abrigo.
- Sim, Simon, e vim sem ser convidado. Espero que me autorize a
entrar. Simom Ambrose riu-se.
- Como se não fosse bem-vindo mesmo na minha antecâmara se por acaso
desejasse saltar pela janela. – Simon franziu a frente. – Claro, não seria tão
bem-vindo se deslizasse para o dormitório de Maybella, mas essa é uma
possibilidade que não tem nenhuma possibilidade de acontecer, não é
verdade?
- Não mais do que se você entrasse pela janela do dormitório de
Alexandra, Simon.
- Esse é um pensamento que me faz cócegas no cérebro.
- Não deixe que faça de mais.
Lorde Montague riu-se e fez um gesto para que Douglas se sentasse.
- É muito agradável ver você. Maybella, está aqui Lorde Northcliffe.
Maybella? Onde está? Que estranho que não a encontrei, e eu que pensava
que estava perto, talvez cosendo nessa cadeira junto da janela. – Simon
suspirou e em seguida animou-se. – Seguramente Corrie deve estar perto.
Sabe, ela é bastante capaz de fazer de anfitriã na ausência da tia. Ou talvez
não. – deitou a cabeça para trás e gritou: - Buxted!
- Sim, senhor – disse Buxted, aparecendo por detrás de Lorde Montague.
Simon deu um salto no ar, deixou cair os óculos e cambaleou para trás, até
que bateu numa pequena mesa. Buxted agarrou-o pelo braço e levantou-o
com tanta energia que Simom quase caiu de nariz no chão. Ema vez que
Simon voltou a ficar direito, Buxted alcançou-lhe os óculos e endireitou a
mesa. Logo começou a tirar o pó, dizendo: - Ah, milorde, que idiota sou,
surpreendendo-o como faria a uma jovem que sobe as saias para atravessar
um riacho.
- Ah, sim isso está melhor e já é suficiente - disse Simon. – O que acontece
quando surpreende uma jovem com as saias levantadas, Buxted?
- Foi um pensamento que não deveria ter ido mais longe do que as minhas
fantasias, milorde. Apague-o da sua mente, senhor. Longas pernas brancas,
isso é o único que pode existir no fim desse agradável pensamento.
Douglas recordou o que Hollis tinha dito sobre Buxted: Ele é bastante
torpe, milorde, totalmente alienado da cabeça, e um homem bastante
divertido. Ele e Lorde Montague são perfeitos um para o outro.
Douglas sorriu ao ver Buxted ainda sacudindo o pó de Simon, mesmo
enquanto Simon tentava afastá-lo com um empurrão.
- Buxted – disse Simon, batendo-lhe nas mãos, - necessito de Lady
Maybella. Se não a encontrar então traga a Corrie. Talvez ela esteja ajudando
na cozinha, a moça adora fazer tortas de amoras, pelo menos era assim,
quando tinha doze anos. Douglas, entre e sente-se.
- Não sei quem está onde, milorde, ninguém me diz nada de nada – disse
Buxted. – Ah, milorde Northcliffe, por favor sente-se. Permita-me mover os
preciosos diários de sua senhoria deste adorável cadeirão com orelhas
bordadas. Ali, só tem três, e isso faz com que o cadeirão fique interessante,
não é verdade?
Buxted circulou a volta de Douglas até que este se sentou sobre os três
diários. Então saiu agitado da sala, com a sua cabeça careca brilhando de
transpiração.
Douglas sorriu para o seu anfitrião. Gostava bastante de Simon Ambrose.
Simon era o suficientemente rico como para ser conhecido como excêntrico,
em vez de maluco. E era tão excêntrico agora como o tinha sido vinte anos
atrás, quando, logo que o seu pai passou para o mais além, Simon, agora
Visconde Montague, tinha ido a Londres, conheceu e casou com Maybella
Connaught, e tinha-a levado para a casa Twyley Grange, uma simples
mansão de estilo Georgiano, construída sobre os cimentos originais do antigo
estábulo anexo ao Mosteiro St. Lucien, há muito tempo desaparecido.
Douglas sabia que as mulheres admiravam enormemente Simon até que o
chegavam a conhecer bem, e se davam conta de que o seu belo rosto e a sua
doce expressão mascaravam uma mente que geralmente estava noutro lugar.
Mas quando, em raras ocasiões, a mente de Simon se focava, Douglas
apercebia-se de como ele era inteligente. Dada a sua distração mental,
Douglas muitas vezes se perguntava como teria sido a sua noite de bodas,
mas seguramente algo tinha acontecido, já que Maybella tinha dado à luz três
filhos; todos, desafortunadamente, tinham morrido durante a infância. Simon
tinha um irmão mais novo, Borty, que era tão maluco como ele, esperando o
momento oportuno. O seu irmão era obsessivamente devoto da coleção de
bolotas, não de folhas, como Simon.
Simon disse, com os óculos agora firmemente sobre o nariz: -
Verdadeiramente, Douglas, não esqueci que vinha, não é verdade?
- Não, esta é uma visita surpresa, Simon. Estou aqui porque temo que a
minha esposa poderia vir, se eu não viesse.
- Isso está bem, verdade? Gosto bastante de Alexandra. Ela poderia entrar
no meu dormitório sempre que quisesse.
- Sim, ela é simpática, mas pode esquecer isso de que ela entre pela janela
do seu dormitório, Simon. A verdade é que a minha esposa não tem gosto, no
que a roupas se refere.
- Já vejo. Valha-me Deus, não tinha ideia. Asseguro—lhe, cada vez que a
vejo, fico impressionado como os seus brancos e redondos, eh, bem, é melhor
parar aqui, não é verdade? Direi que ela é adorável, e sabiamente ficarei por
aqui.
-Isso acontece porque eu a visto – disse Douglas.
- Esse é um pensamento que agita a minha imaginação.
- Não deixe que se agite demasiado, Simon.
- Sim, posso ver que semelhante observação poderia agitar as brasas da
paixão de um homem. Mas realmente ela é bastante adorável; bem, talvez
seja melhor colocar um ponto final a estes pensamentos. Agora, existe algum
problema com as roupas de Maybella, Douglas? Ou com as minhas?
Douglas chegou-se mais para a frente, com as mãos nos joelhos.
- Nenhum problema. Trata-se de Corrie. Acontece, Simon, que Corrie é
igual a minha esposa, nenhuma tem a mínima ideia sobre roupa. Quando a
minha mulher me disse que falaria com Maybella e que aconselharia Corrie,
soube que, para evitar um completo desastre, não tinha outra solução do que
vir aqui e ocupar-me do assunto. Agora, se chamar a Corrie, dir-lhe-ei o que
deve vestir. Sabe, os adornos e os diferentes estilos, e essas coisas. Claro que
você quer que ela alumie Londres com a sua melhor aparência.
- Claro, naturalmente – disse Simon, e piscou rapidamente. – Sempre
pensei que Corrie se vestia bastante bem, de fato como a sua tia, quando não
veste as suas calças. Não é estranho que todos os seus vestidos sejam de cor
celeste, como os de Maybella? E as suas botas… sempre estão muito
brilhantes, pelo menos estavam, a última vez que dispensei um olhar nela.
Mas, talvez isso tenha sido há muito tempo atrás. Com frequência não presto
atenção aos pés, sabe.
- Não, provavelmente não. Concordo consigo. As suas calças, em
particular, são indiscutivelmente de excelente corte e estilo. Mas o assunto é,
Simon, que Londres é um lugar totalmente diferente. As damas não levam
botas em Londres, nem usam calças, mesmo que sejam elegantes. Lembra-
se?
Simon reclinou-se na cadeira, fechou os olhos e suspirou profundamente.
- Aye, Douglas, lembro de tudo demasiado bem. Foi apenas há dez anos
que Maybella me arrastou para Londres, para ver a subida de um balão,
garantiu-me ela. Fiquei comovido pela sua tentativa de me mimar, porque eu
desejava muito vê-lo, Douglas, e de fato foi uma visão incrível, mas temo que
fui enganado. Passaram seis semanas até que pude regressar a casa. Houve só
mais uma subida durante todo esse tempo tão longo e aborrecido. Quer dizer
que tenho de lá voltar?
- Sim, deve fazê-lo. No entanto, temo que uma subida de balão não seja
algo seguro. O clima no outono é imprevisível e, como sabe, para os balões é
necessário um bom clima e pouco vento.
- Então, por que devo ir a Londres se o clima é muito incerto para os
balões?
- Corrie tem dezoito anos, é uma jovem, e além disso as damas devem ser
apresentadas em sociedade. Devem assistir a bailes, serem vistas e admiradas,
e que lhes ensinem a dançar. James disseme que Corrie debutará na Pequena
Temporada, Simon, uma espécie de temporada de treino, para que possa
aprender como atuar. Temo, Simon, que terá que voltar a Londres na próxima
primavera, quando Corrie será oficialmente apresentada.
Simon gemeu e depois animou-se.
- Talvez Corrie não tenha desejos de ir a Londres e de ser apresentada em
sociedade.
- Ela deve estar no meio dos acontecimentos para poder arranjar marido,
Simon. Há muitos jovens cavalheiros em Londres durante a Temporada.
Somente nessa altura há os suficientes para que uma jovem dama possa
escolher decentemente. Alexandra e eu estaremos em Londres este outono.
Podemos ajudar-te. Agora, se pudesses chamar a Corrie, posso começar a
aconselhá-la sobre o que vestir. Também James se ofereceu para ensinar-lhe a
valsa.
Buxted aclarou a garganta desde a porta.
- Ah, por favor, deem-me um pouco de atenção, milordes. Consegui um
pouco de um maravilhoso pão de canela da cozinha, debaixo do nariz da
cozinheira. É o favorito de Lady Maybella. Quando descobri que ainda não o
tinha comido todo na mesa do pequeno-almoço, movi-me rapidamente. Só
observarem… ficaram seis lindas e gordas rabanadas. Havia sete, mas devo
confessar que mordisquei uma, para assegurar-me da sua frescura, já sabem.
- Excelente, Buxted – disse Simon, e derrubou uma grande quantidade de
jornais científicos da mesa junto ao seu cotovelo. – Não comeu mais do que
uma, não é verdade Buxted?
- Só uma, milorde.
Simon nunca afastando o olhar do prato que Buxted tinha na mão enquanto
dizia: - Encontrou a Corrie?
- Sim, milorde. Ao meio do corredor de cima. Estava colocando as calças
que ficaram demasiado curtas nos últimos meses. – Buxted mexeu-se
nervoso, olhou por cima do ombro do seu amo e logo tomou ar. – Adverti-lhe
que tínhamos uma pessoa importante de visita. Consegui fazer-lhe saber de
um modo indireto que também poderia querer mudar de meias. Ela gritou e
depois correu para o seu dormitório. Atrevo-me a dizer que o resultado das
minhas palavras poderá ser um vestido azul pálido, igual ao da sua senhoria.
- Bem feito, Buxted – disse Douglas.
Buxted tomou outra vez ar e ofereceu ao conde um sorriso cegador.
- Quanto a isso, uma pessoa nunca deve ofender um conde, milorde.
- Naturalmente que não – disse Douglas. – Contarei a Hollis sobre a sua
mente astuta, Buxted.
- Fará isso, milorde? Realmente o fará? Oh, que Hollis saiba que fiz algo
valioso. Talvez seja melhor não o fazer, milorde. Deveríamos esperar para
ver.
- O pão com canela, Buxted. Agora.
Buxted reverentemente depositou o prato sobre a mesa, perto de Simon,
deu um último melancólico olhar às rabanadas, suspirou, secou o suor da
cabeça careca com um lenço e saiu pela porta.
Assim que Buxted saiu, Simon agarrou um pedaço de pão de canela.
- Pensei que nunca se iria embora, Douglas. Devemos apressar-nos e
comer este pão de canela antes que Maybelle desça. Não fale, Douglas,
apenas coma, ou Maybella aparece e come-as. Ela tem um poderoso olfato.
Douglas sorriu, tomou uma rabanada e começou a comê-la. Logo se
apercebeu que este não era um pedaço qualquer de pão, mas sim um pedaço
de pão de canela vindo diretamente do reino celestial. Ia apanhar já uma
segunda rabanada quando a sua mão esbarou na de Simon.
- Há um pequeno problema com isto, Douglas – disse Simon, e tirou
suavemente e com cuidado a fatia debaixo da mão de Douglas.
Douglas apanhou a seguinte rabanada e comeu-a antes de levantar uma
sobrancelha em sinal de pergunta.
Simon suspirou tão profundamente que quase se engasgou.
- O dinheiro.
- Dinheiro? Corrie não tem um bom dote?
Simon parecia estar perto de rebentar em lágrimas. Oh, Deus, pensou
Douglas, o que estava a acontecer? Não havia nenhum dote? Não,
seguramente isso não podia ser.
- Isso seria suficientemente mau. Não, Douglas, é muito pior que isso. É
uma herdeira.
Douglas quase riu em alto som.
- Seguramente isso não é assim tão mau.
- Sabe o que acontecerá quando se souber que tem muito dinheiro,
Douglas. Será perseguida como um rato.
- Não o diria precisamente desse modo, Simon, mas compreendo que ela
será o centro de atenção de qualquer jovem cavalheiro esfomeado de uma
fortuna em Londres.
- Se os jovens não têm a astúcia necessária para fazê-lo, então os seus pais
tecerão e conspirarão para levá-la ao altar. Sem mencionar todos os velhos
cavalheiros que quererão colocar as suas mãos no dinheiro. Conhece o tipo…
mulherengos, crápulas, apostadores, que proibirão as suas calças e tê-la-ão
grávida até que tenha trinta anos e provavelmente morta por isso. Não quero
que isso aconteça, Douglas.
- Ela realmente é uma herdeira, ou tem, digamos, cerca de trinta mil
libras?
- Ela poderia deixar cair cinco mil libras num instante e nem sequer faria
qualquer diferença, Douglas.
- Já vejo. Pensarei em algo para este problema. Talvez esconder esse dado.
- Sim! Quando o dinheiro está envolvido, não há segredo que resista por
muito tempo.
Douglas franziu a testa.
- Bem, foi-o até agora, mas tem razão, Simon. Uma vez em Londres e que
se saiba que está procurando marido, nem sequer enterrar o seu dinheiro no
jardim da cozinha ajudaria.
Douglas suspirou e tocou a ponta dos dedos.
Uma encantadora e grave voz musical chegou desde a porta.
- Bom dia, milorde. Então, é o senhor o nosso ilustre convidado?
Capitulo 6
Não existe uma casa com demasiado refinamento.
S.J. Parelman
Douglas ficou imediatamente de pé.
- Maybella. Está muito bem esta manhã.
Ela estava como sempre, vestindo um dos seus vestidos azuis-claros, que a
cobriam da garganta aos pés. Maybella agraciou-o com uma inclinação da
cabeça e foi diretamente para o prato do pão de canela, que se encontrava já
vazio.
Maybella simplesmente esticou a mão. Com evidente sacrifício, e mesmo
com um gemido, Simon deu-lhe a sua. Na sua mão havia duas rabanadas.
Ela ficou com as duas sem dizer uma palavra, sentou-se no pequeno sofá
em frente de Douglas, e sorriu placidamente.
- Corrie descerá dentro de um momento – disse, e procedeu a comer, com
os dois homens olhando-a avidamente. – Acredito que estava à procura de
uma meia.
- Como estava dizendo ao Simon, Maybella, terá que levar a Corrie este
outono a Londres.
Ela respondeu com naturalidade: - Ainda não o tinha informado, Douglas,
porque descobriria um modo de escapar a isso.
- O clima está incerto este outono, Maybella – disse Simon. – Talvez
Corrie possa esperar que o tempo melhore, no verão, ou talvez daqui a três
verões.
- Acabo de recordar que a segunda semana de outubro é sempre agradável,
Simon, e veremos cada uma das subidas de balões durante essa semana. –
disse Douglas – Talvez se realizem várias. Confie em mim.
Buxted voltou a tossir desde a porta: - A senhorita Corrie está aqui,
milorde, e não veste as calças. Não lhe perguntei sobre as meias, já que
semelhante pergunta poderia ser mal interpretada.
Como Maybella tinha a boca cheia, só confirmou. Corrie entrou na sala
com um vestido de musselina já muito velho, do mesmo tom de azul da roupa
da sua tia. Necessitava mais anáguas e menos folhos, e talvez descer uns
centímetros no peito. Ao menos era delgada e alta, com uma cintura o
suficientemente estreita para agradar à mãe de Douglas. Mas por outro lado,
talvez não.
- Bom dia, milorde – disse Corrie e fez uma delicada vênia a Douglas.
- Fui eu que a ensinei a fazê-lo – disse Maybella, sorrindo abertamente a
Corrie, enquanto mastigava o seu pão de canela. – Esse particular tom de azul
fica-lhe muito sedutor, não é verdade?
- Sempre resulta em você, meu amor – disse Simon, vendo a última
rabanada de pão de canela amorosamente agarrada na mão direita de
Maybella.
- Bom dia para você, Corrie – disse Douglas. – Essa foi uma encantadora
vênia. É alta e isso é excelente. Não, endireite os ombros. Assim está bem.
Nunca se encurve. As moças pequenas e empertigadas não são do agrado de
nenhum cavalheiro, a menos que ele próprio seja baixo. Você não deseja
atrair um homem baixo, pois ele fará com que incline os ombros. Hmm, sim,
tem uns ombros agradáveis. – Douglas ficou de pé e deu uma volta em redor
de Corrie. O seu cabelo caía numa grossa trança pelas suas costas. – Acredito
que com a sua altura, qualquer vestido de Madame Jourdan lhe ficará
excelente.
- Não compreendo porque me está examinando, milorde.
- Douglas vai aconselhar você sobre o que é adequado para vestir em
Londres, Corrie. – disse Simon. – Evidentemente é melhor nisto do que a sua
esposa. Evidentemente é conhecido por isso. Vamos escutá-lo.
- O azul claro é uma cor tão encantadora, não é verdade, Douglas? O que
uma jovem precisa é de azul, um adorável azul pálido, sempre o disse.
- Terá um vestido azul claro, Maybella, e não mais do que um. Os seus
tons são muito diferentes dos da Corrie. Deve confiar em mim para isto.
Maybella mordeu um pedaço do pão e logo disse: - Talvez tenha razão.
Corrie nunca teve o meu brilho.
- Sem dúvida – disse o seu marido, e voltou a revirar os olhos.
Maybella, tendo acabado a segunda rabanada de pão de canela, aclarou a
garganta.
- Uma pergunta, Douglas, porque está Jason rondando ali fora, apoiado
contra um dos limoeiros no caminho da entrada? Ou é o querido James? Uma
pessoa nunca sabe, já que são como os dois lados de uma mesma moeda
grega.
Corrie imediatamente se voltou e correu para as janelas.
- É o James, tia Maybella. Não está fazendo nada.
- Porquê está lá fora, Douglas?
Douglas ofereceu um olhar aflitivo a Simon e disse: - Um idiota disparou-
me no braço ontem e os meus filhos necessitam manter-me bem vigiado a
todas as horas do dia.
- Que rapazes tão bons – disse Maybella. – Atrevo-me a dizer que Corrie
faria o mesmo por Simon se algum dia disparassem contra ele. Convida-o a
entrar, Douglas. Não há mais pão de canela. De qualquer maneira, a
cozinheira esconde comida na expectativa de que haja um terremoto ou uma
inundação, assim que Buxted encontrará mais para James.
- Já notei que os homens jovens geralmente estão felizes de comer
qualquer coisa que lhe arranjem – disse Corrie.
Caminhou de volta até a janela e golpeou o vidro. Quando James olhou,
ela fez-lhe sinais para que entrasse.
Ele ergueu uma das suas perfeitas sobrancelhas escuras e confirmou. Um
momento mais tarde, estava fazendo as suas reverências a lorde e lady
Montague.
- Assim que está a proteger o seu pai – disse Maybella, sorrindo e
acenando para o jovem Adonis parado à sua frente, despenteado pelo vento,
de dentes brancos, com a sua camisa de fino algodão aberta no pescoço. –
Que adorável. O seu pai está particularmente bem esta manhã, James, não é
verdade?
James, que tinha conhecido a Lorde e lady Montague durante toda a sua
vida, confirmou e sorriu. Os olhos de lady Montague brilhavam com tanta
admiração, que apagou rapidamente o sorriso do seu rosto. Supunha que o
seu pai estava bem, mas o fato era que o seu pai era o seu pai… um
aristocrata, alto e delgado, com alguns cabelos brancos entre os seus cabelos
negros.
- Dá-lhe alguma comida, Buxted – disse Corrie.
James voltou-se, olhou-a de cima a baixo e disse: - Onde está Corrie?
Juraria ter ouvido a sua voz, mas o único que vejo é uma rapariguita com um
vestido demasiado curto e demasiado justo, e que quase lhe chega à testa. A
cor também a faz parecer amarelenta.
- Esta manhã estive a ver as minhas pestanas, James, e são bastante longas.
Talvez um pouco mais longas do que as suas.
Douglas clareou a garganta.
- Sente-se, James. Estava quase a contar a Corrie que ia a ensinar-lhe a
dançar a valsa.
Lorde Montague concentrou toda a sua atenção na sobrinha e disse: - Sabe,
James, Lorde Hammersmith, é um jovem perspicaz, Corrie. Destacou-se
bastante em Oxford, convertendo-se rapidamente num especialista em corpos
celestiais e nos seus movimentos. Em particular conhece as três leis de
Kepler; a terceira, em poucas palavras, é… bem, esqueci-me, mas o fato é
que Galileo observou que a lua não é uma superfície suave e brilhante como
Aristóteles tinha afirmado.
- Devia ter tido uns olhos muito apurados – disse lady Maybella.
- Não, querida – disse Simon. – Galileo estava usando um telescópio,
recém-inventado pelos polidores de lentes holandeses. Em que ano foi,
rapaz?
James começou a dizer que não sabia quando por casualidade olhou para
Corrie e viu como sorria sarcasticamente.
- Foi no início do século dezessete - respondeu.
- Foi uma boa hipótese – disse Corrie. – Não acredito que tenha qualquer
ideia sobre os polidores de lentes holandeses, James. Acredito que acabou por
o inventar para parecer inteligente.
- James não necessita saber de estrelas e de telescópios, Corrie – disse
Maybella. – o único que tem que fazer é ficar quieto e permitir que todos o
olhem.
A careta que Corrie fez esteve perto de desmanchar-se. Na verdade, ela
sabia perfeitamente que James tinha olhado o céu desde sempre, tinha
estudado, aprendido e construído o seu próprio telescópio, mas qualquer
oportunidade que tinha para o provocar não podia ser ignorada.
James estava pronto para fugir pela porta, Douglas sabia-o, mas não teve
essa hipótese porque Douglas disse: - Vamos a ver, James não é demasiado
bonito, Corrie. Ninguém que entenda de Kepler pode ser demasiado bonito,
ainda que não recorde a terceira lei. James tem o queixo do pai, que é o mais
obstinado de toda a Inglaterra. Essa pequena cova no queixo, isso também o
herdou do seu pai.
Isso era verdade, pensou Douglas, satisfeito. Nem tudo no seu rosto era
parecido com Melissande.
Simon agachou-se para apanhar um diário da pilha que estava no chão
junto a cadeira, e procurou um artigo intitulado “O funcionamento do ar
negro durante um eclipse”.
- Corrie – disse Douglas, levantando-se, sabendo que a fuga era iminente, -
sei exatamente o estilo e as cores que lhe ficaram bem. A filha da senhora
Ann Plack, a senhora Jane Plack, de Rye, é uma excelente costureira. Ela fará
vários vestidos para si. Depois levo—a a Madame Jourdan quando estiver em
Londres.
- A criada de Corrie é uma costureira muito boa, Douglas – disse
Maybella. – Bem, ela coseu este vestido que levo, igual ao que leva Corrie.
Seguramente ela…
- Minha querida, - disse Simon – comeu as últimas rabanadas de pão de
canela. Agora deseja dar à criada de Corrie bons tecidos. Corrie necessita de
ser vestida apropriadamente. Onde conseguirá os tecidos, Douglas?
Ela queria perguntar-lhe desesperadamente que diziam os homens em vez
de peito.
- Agradeço-lhe, milorde.
- Bem – disse Douglas. – sabia que não era parva.
- Ignorante como um tronco - disse James, - mas não parva.
Corrie abriu a boca para maldizê-lo, mas Douglas foi mais rápido.
- Bem, James, está pronto para irmos embora?
- Irei recolher os nossos cavalos, senhor.
Logo que James se despediu dos seus anfitriões e ofereceu a Corrie o
mesmo olhar tolerante que ofereceu ao cão fraldisqueiro da sua avó, ficou do
lado de fora, andando à volta das árvores, olhando por detrás dos arbustos, e
inclusivamente espiando dentro do barril da chuva.
- Preocupa-se – disse Douglas. Foi até Corrie, agarrou-lhe no queixo, e
estudou o seu rosto por um momento. Confirmou lentamente. – Servirá –
disse, e logo sorriu.
Capitulo 7
É mais seguro começar o casamento com um pouquito de aversão.
Richard Brinsley Sheridan
- Corrie é uma inadaptada, uma desalinhada, uma desgraça para a sua
família – disse a condessa viúva de Northcliffe. – Hollis, onde está o meu
prato de ameixas secas?
- Com frequência notei, milady, que até os sinos da igreja de Norman, que
repicam tão lindamente em New Romney, necessitam de um pouco de
polimento por fora – disse Hollis.
- Corrie Tybourne-Barrett não é um velho sino, Hollis, é um sino novo,
com demasiada ferrugem. Não é aceitável. Não tenho nada estragado em
minha casa. O que acontece, Hollis? Não está a prestar atenção ao que é
realmente importante, como o meu prato de ameixas secas.
Hollis apenas sorriu e caminhou até ao aparador para ir buscar as ameixas.
Estava cantando baixinho quando serviu um pouco de chá a Douglas.
- Ao menos você vai escolher-lhe o que vestir, Douglas; e isso certamente
deve ajudar.
- Assim será – disse Douglas. – Quem sabe o que encontraremos por
debaixo desses absurdos trajes que usa.
A condessa viúva disse, agitando um pedaço de uma torrada.
- Com frequência perguntei-me sobre Maybella e Simon. Por que deixaram
que a moça andasse por todos os lugares com essas calças como uma
qualquer?
Douglas deu-se conta de que agora sabia a resposta a essa pergunta, mas
simplesmente abanou a cabeça e sorriu. A sua estratégia tinha funcionado –
nenhum caçador de fortunas olharia para ela – mas, a que preço, para uma
jovem que jamais tinha tido hipótese de ser criança?
Douglas esperou até que a sua mãe tivesse concentrado toda a sua atenção
nas ameixas, e então disse calmamente: - Hollis, quando é que conheceremos
esse poço de virtudes ao qual Alexandra te viu beijando nos seus aposentos?
- Ah, acreditei ter visto uma sombra mexendo-se, e ter cheirado a mais
suave das fragrâncias.
- Sim, era sua senhoria, numa missão para descobrir o que me tinha
acontecido. Você fez com que ela fugisse.
- Apresentar-lhes-ei Annabelle em breve, milorde.
- Annabelle?
Hollis confirmou e serviu-lhe um pouco de leite para o chá.
- Annabelle Trelawny, milorde. Uma excelente e jovem dama, de muito
bom gosto e de uma imensa boa vontade.
- Por que não a apresenta esta tarde? Acredito que a minha mãe estará fora,
visitando a algum dos seus cúmplices.
- Isso seria prematuro. Milorde. Annabelle ainda não aceitou ser minha
esposa. Pode imaginá-lo? Sem dúvida, temo que tenha que recorrer à sedução
para convencê-la.
Um tique apareceu na bochecha esquerda de Douglas.
- Sedução, Hollis?
- Sim, milorde. Compreendo que é um passo sério a tomar, mas acredito
que será o que terei que tomar.
- Desejo—lhe sorte.
- Obrigado, milorde.
- Nunca antes esteve casado, Hollis. O meu pai disseme uma vez que foi
vítima de um trágico romance. Tinha razão, ou não apreciou o belo sexo até
agora?
Hollis viu que a condessa viúva continuava concentrada nas suas ameixas,
mas mesmo assim aproximou-se um pouco mais de Douglas.
- Fui vítima de um amor, milorde, e foi um momento triste. O seu nome
era senhorita Drucilla Plimpton, e eu adorava o ar que ela respirava. Num
surpreendente golpe do destino, Annabelle conheceu a minha querida
senhorita Plimpton. Ah, já aconteceu há tantos anos. Ah, milorde, sempre
apreciei o belo sexo. Mas depois de perder a minha preciosa senhorita
Plimpton, cheguei a ver o laço do matrimônio como menos matrimônio e
talvez demasiado laço.
- Não me estranha. Vivia aqui.
- Assim era, milorde. No entanto, acredito que ser apanhado por Annabelle
poderia ser extremamente divertido. Annabelle recorda-se de tantas histórias
sobre a senhorita Plimpton, ainda que ela fosse mais nova do que Drucilla.
Drucilla, acredito, foi muito bondosa com ela, ensinando-a a bordar,
corrigindo-lhe a sua conduta. Claro que, Annabelle também se lembra do
meu lindo cabelo.
- Continua muito bem. Tem a certeza de que a minha mãe não o manteve
afastado do matrimônio, Hollis?
- Para nada, milorde. Hollis olhou rapidamente para a condessa viúva,
inclinou-se para mais perto e acrescentou: - Ainda que a ideia limite; bem,
não importa. Robbie disseme que o amo Jason está esperando no estábulo.
- Muito bem, maldito seja. Pelo menos o James está no estúdio com o
Danvers.
- Pobre jovem. Danvers esgotará o amo James, até que a sua cabeça seja
uma abóbora vazia, uma excepcional abóbora vazia, devo acrescentar.
Douglas bebeu o seu chá. Se Hollis soubesse... James não só estava
fascinado pelos corpos celestes e as leis de Kepler, também estava fascinado
por cada faceta do trabalho da fazenda, desde pequeno, ainda antes de
compreender totalmente que algum dia Northcliffe seria da sua
responsabilidade. Não, era James que levaria Danvers quase ao esgotamento,
não ao contrário.
Quando Douglas ficou de pé, deitou o guardanapo sobre o prato e ia sair
contrariado da sala, quando a voz da sua mãe bateu-lhe em cheio nas costas.
- Necessito de mais amostras de papel de parede, Douglas. Alexandra é
incapaz de escolher amostras agradáveis para alguém com um gosto
extraordinário como o meu.
- Ocupar-me-ei disso, mãe - disse Douglas, e perguntou-se se restariam
algumas amostras no armazém em Rastbourne.
Bem, supunha que poderia encontrar novas amostras em New Romney,
ainda que duvidasse.
Encontrou-se com Jason no curral, onde Henry VIII estava desfrutando
tentando matar a Bad Boy, o cavalo de James. Lovejoy tentava por todos os
meios colocar a salvo o seu favorito, mas Henry não queria aceitá-lo.
Douglas caminhou até à cerca e assobiou. Henry olhou a Bad Boy durante
mais um momento, logo dirigiu-se trotando até ao seu amo, com a cabeça
erguida e abanando a cauda. Douglas acariciou o seu brilhante pelo negro,
enquanto ele golpeava a cabeça contra o ombro de Douglas.
Douglas esticou a mão. Weir, o chefe dos empregados do estábulo,
colocou bruscamente as cenouras na sua palma e deu um passo atrás, porque
não era parvo.
- Muito bem, meu enorme bruto – disse Douglas, e observou com um
sorriso como Henry comia as cenouras. – Eu ensino-o, Weir – acrescentou.
Dois minutos mais tarde, ele e Jason cavalgavam até Branderleigh Farm
para ver os novos caçadores que tinha chegado de Espanha. Douglas tinha
consciência que Jason tentava olhar em todas as direções, ao mesmo tempo, à
procura de um vilão empenhado em assassiná-lo.
Jason disse, montando mais perto possível do seu pai, tentando dar-lhe o
máximo de proteção que podia: - A mãe disseme que a Noiva Virgem já o
tinha visitado, pai, quando a mãe foi raptada por esse fanático monárquico,
Georges Cadoudal. Disse que o odiava, mas que se fosse coagido o admitiria,
porque nunca mente, pelo menos não geralmente; pelo menos não a ela –
Douglas revirou os olhos. Jason suspirou. – Realmente viu-a, pai? O que
disse?
Douglas virou-se na sela para poder olhar o seu filho; alto, direito, um
excelente cavaleiro, um homem já adulto, não mais um menino. Pelo menos o
caráter de cada um dos gêmeos não parecia ter ficado arruinado pela sua
incrível boa aparência, e seguramente isso era uma vitória sobre a natureza.
Para onde tinham ido os anos?
- Esqueça esse ridículo fantasma, Jason. O que tenha acontecido no
passado fica no passado. Está esquecido. Compreende?
- Não, senhor, não tenciono esquecer, mas reconheço uma parede de
granito quando a vejo. Acredito que irei nadar mais tarde.
- Vai congelar as suas partes baixas.
Jason sorriu como um bandido.
- Essa, senhor, é uma imagem que verdadeiramente me horroriza.
- Deveria. Esqueça esse condenado fantasma.
- Sim, senhor.
Mas estava claro que Douglas sabia que não o esqueceria.
Não podia afirmar que o primeiro disparo tinha sido intencional ou não. Só
porque esse maldito fantasma o tivesse profetizado… bem, isso fazia que
tivesse vontade de o descartar sem pensar duas vezes. No entanto, não era
parvo, maldita fosse.
No final da tarde, três dias mais tarde, um mensageiro chegou a
Northcliffe Hall com uma mensagem para Douglas, de Lorde Avery, o
ministro da Guerra.
O conde partiu para Londres na manhã seguinte, sozinho, com a sua
esposa e os filhos recusando-se a falar com ele, se bem que ele suspeitasse
que o seguiriam, vigiando-o atentamente.
Faltavam três semanas para a festa de são Miguel, pensou Douglas,
enquanto levava a Garth para a entrada dos estábulos da sua residência que
dava para a praça Putnam, e ele teria mais um ano, e não era isso o mais
estranho? George IV tinha morrido em junho, transformando o seu irmão, o
duque de Clarence, em rei, com o nome William IV. William era bondoso
mas, para dizer a verdade, não era o suficientemente inteligente como para
dar sábios conselhos ou reconhecê-los quando lhe batiam no nariz. Tinha
mais entusiasmo do que sensatez, era indiscreto ao ponto da loucura, até ao
ponto de dizerem: “É um bom soberano, mas um pouco maluco.”
Restava observar o que sucederia, particularmente desde que o duque de
Wellington estava no poder e tinha ofendido tanto os Tories como os Whigs.
Era um ano extraordinário, pensou Douglas, enquanto entrava na casa da
cidade, Sherbrooke. A revolução estava em todas as partes: na França,
Polónia, Bélgica, Alemanha, Itália, mas afortunadamente ainda não aqui,
ainda que houvesse penúria, não se podia negar isso, graves penúrias. Logo
que o duque tinha obtido a Emancipação Católica, tinha-se oposto a qualquer
reforma. As suas inconstâncias aturdiam a mente de Douglas, mas como
devia lealdade a Wellington, ia apoiá-lo na Câmara dos Lordes; ainda que
odiasse a política, juraria até ficar sem respiração, que a maioria dos Tories,
como dos Whigs, estavam famintos de poder, flatulentos mentirosos.
Recordou que o seu pai tinha sentido o mesmo. Douglas sorriu perante
essa ideia. Teria que pedir a opinião a James e a Jason.
Foi ao seu clube nessa noite, conversando com velhos amigos, deu-se
conta de que havia mais divisão no governo do que tinha pensado
inicialmente, tinha ganho cem libras no Whist, e tinha dormido com a barriga
quente, resultado de um copo de brandy francês que, teria jurado, tinha
sabido melhor quando era ilegal e contrabandeado à meia-noite para
Inglaterra.
Estava surpreendido quando entrou no enorme e vistoso gabinete de Lorde
Avery no ministério da guerra na manhã seguinte, para ver Arthur Wellesley,
duque de Wellington, parado junto de umas grandes janelas, olhando
fixamente Westminster na distância, visível porque o nevoeiro da manhã
tinha-se levantado. Via-se cansado até aos ossos, mas quando viu a Douglas,
os olhos ganharam vida e sorriu: - Northcliffe – disse, voltando-se. Adiantou-
se para apertar a mão de Douglas. – Parece em forma.
- Igualmente. É um prazer vê-lo, sua Graça. Não falarei de Tories ou de
Whigs com receio de que haja um escondido no armário, preparado para sair
de um salto e dar-nos um golpe a ambos. Felicito-o por ter conseguido a
Emancipação Católica. Pode contar comigo na Câmara dos Lordes, ainda que
para ser sincero, ouvir essas doninhas chorando por tudo dá-me uma volta ao
estômago.
O duque sorriu.
- Muitas vezes pensei o mesmo. Sou um soldado, Northcliffe, e agora sou
convocado para realizar um trabalho completamente diferente. É uma pena
que não possa fazer com que a oposição seja açoitada como um gato de nove
caudas. – Douglas riu. – Mas, sabe, decidi que o que suceder, sucederá –
disse, com a voz a retumbar mais amarga que furiosa. – É um desses
modernos comboios que agora estão em movimento. Não há forma de o
parar. Além disso, eu não tenho controlo sobre isso. – como se Douglas lhe
tivesse questionado, ele mexeu a mão e acrescentou: - Já é suficiente.
Desejava falar com você porque Lorde Avery falou comigo sobre uma
ameaça à sua vida, que provém de uma fonte de total confiança. Serviu bem o
seu país, Northcliffe. Desejava dizer-lhe isso e informá-lo da natureza dessa
ameaça.
Maldito inferno. Esse condenado fantasma tinha razão. A bala que tinha
acertado no seu braço não tinha sido obra de um caçador furtivo. O duque e
ele passaram a seguinte hora juntos.
Quando Douglas chegou à sua residência da cidade aproximadamente duas
horas mais tarde, foi para ver a sua esposa e os seus filhos parados no salão
da entrada, com as malas em seu redor, seguramente um sinal de uma longa
estadia. Os três olharam-no muito sérios, desafiando-o a dizer alguma
palavra.
Capitulo 8
Os ingleses nunca batem num rosto.
Simplesmente abstêm-se de o convidar para jantar.
Margaret Halsey
Douglas não disse uma única palavra. Apenas suspirou.
- Wellington encontrou-se comigo no ministério. Efetivamente há uma
ameaça, maldição – disse ele.
Alexandra estava de braços cruzados num segundo.
- Já sabia, simplesmente sabia-o – sussurrou. – Que tipo de ameaça? Quem
está por detrás disso?
Douglas beijou-a na ponta do nariz, abraçando-a com força. Os gêmeos
estavam impacientes, e isso fê-lo sorrir.
- Não compreendo, senhor – disse James – há já bastante tempo não está
envolvido em nenhuma missão.
Douglas confirmou.
- É, acredito, uma questão de vingança, e vingança é uma coisa que se
pode saborear durante anos, antes de atuar. Mas já é suficiente. Alexandra
chame Willicombe e mande trazer algo para comer e beber. Venham, e
contar-lhes-ei tudo sobre isso. Oh, aí está, Willicombe. Por favor ocupe-se
das malas e …
- Claro, milorde, tudo já está a ser tratado. Se quiserem ir para a sala de
estar, tudo estará como deseja em questão de minutos.
Willicombe, com cinquenta anos, era o suficientemente jovem para passar
por filho de Hollis, queria mais do que nada na vida ser como Hollis. Queria
falar como ele, queria encontrar a palavra perfeita no momento adequado,
queria inspirar nos restantes empregados tal respeito que o olhassem como
um Deus. Queria tudo isso, mas queria fazê-lo mais rápido e melhor do que
Hollis. Talvez Willicombe fosse mais veloz do que Hollis, já que em Hollis
estava começando a notar-se a passagem do tempo. Douglas questionava-se o
que diria Willicombe se lhe contasse que Hollis se encontrava apaixonado, e
a decidir seduzir, só para ver a expressão do seu rosto. Tentaria ele seduzir
uma das criadas? Ou talvez a senhora Bootie, a governanta, que tinha mais
bigode do que Douglas antes de se barbear pela manhã?
Ninguém se sentou nos cômodos sofás, ninguém se relaxou. A tensão fluía
através da enorme sala - Douglas olhou a sua família e disse: - Lorde Avery
recebeu uma carta de um informante, em Paris, de que eu ia obter finalmente
o que merecia. O informante acredita que tem alguma coisa que ver com
Georges Cadoudal.
Alexandra estava sacudindo a cabeça.
- Não, isso não é possível, não é verdade? Afastou-se como amigo de
Georges. Valha-me Deus, Douglas, foi há anos e anos atrás, antes sequer de
os gêmeos nascerem.
- Sim, eu sei.
- Quem é esse Cadoudal, pai?
Douglas olhou para James, que estava parado, com os ombros contra a
lareira, os braços cruzados sobre o peito, exatamente da mesma maneiro
como Douglas costumava fazer, e disse: - Georges Cadoudal era um louco e
um gênio. O nosso governo pagou-lhe grandes quantias para que matasse
Napoleão. Ele matou muitos franceses, mas não o imperador. Algum tempo
atrás ouvi que tinha morrido.
Willicombe entrou, carregando uma formosa bandeja de chá Georgiana
nos braços. Douglas permaneceu em silêncio até que, finalmente, vendo que
Willicombe não se lembrava de nada que lhe permitisse ficar e escutar de
forma dissimulada, e dessa forma ficar a saber mais do que Hollis sobre o que
se passava, fosse o que fosse, levantou uma sobrancelha.
Mas Willicombe não se mexeu, não podia mexer-se. Alguma coisa má
tinha acontecido, isso era o único que sabia. A família estava com problemas.
Ele era necessário. Era o momento de provar o seu valor. Tentou
valentemente encontrar a palavra acertada. Aclarou a garganta.
- Sim, Willicombe? – perguntou Alexandra.
Ele podia notar como ela estava alterada a tal ponto que estava branca
como o enfeite de renda do vestido que tinha à volta do pescoço. Endireitou-
se nem todo o seu metro setenta e estirou os ombros.
- Sou o seu homem, milorde. Sou engenhoso. Aprendo rapidamente as
coisas. Poderia identificar um inimigo a quinze metros de distância. Sou um
homem de ação quando se apresenta a necessidade. Sou a discrição em
pessoa. Podem arrancar-me as unhas e eu não diria nada a não ser um grito
esporádico.
James olhou para Willicombe com grande respeito. Depois de tudo,
quando James tinha nascido, Willicombe era um jovem criado que, de vez em
quando, brincava com ele nos jardins traseiros, com uma bola vermelha,
recordou James.
- Nada mais do que um grito, Willicombe?
- Assim é, milorde. Pode confiar em que irei para a tumba sem contar
qualquer segredo que o senhor deseje confiar-me.
- Agradeço, Willicombe – disse Douglas. – De fato parece que alguém
com desejos de vingança na cabeça está decidido a encurtar os meus dias,
algo que realmente não quero.
Willicombe parou em seco.
- Colocarei alguns criados de guarda, milorde. Eu próprio farei o primeiro
turno, das oito em ponto até a meia-noite, todas e cada uma das noites até que
o inimigo seja eliminado. Ninguém entra nesta casa, juro-o.
- Quantos criados temos, Willicombe? - Perguntou James.
- Neste momento há três, amo James. E eu próprio lhes transmitirei as
ordens. Não tem que se preocupar, milorde.
- Obrigada, Willicombe – disse Douglas - Estou seguro de que Hollis
ficará muito impressionado com a sua iniciativa.
- Robert, o segundo criado, milorde, provém de uma zona nociva junto dos
molhes. Ainda tem contatos com alguns dos malfeitores desses sítios. Pedirei
que fale com eles para ver o que descobre.
- Isso é uma excelente ideia, Willicombe – disse Alexandra e ofereceu-lhe
um grande sorriso.
Ficaram a ver como Willicombe saia rapidamente da sala, mais alto, mais
direito, um homem com uma missão.
Jason ficou de pé.
- Georges Cadoudal tinha família? Filhos?
- Acredito que estava casado com uma mulher que se chamava Janine.
Não sei nada de filhos.
- Devemos descobri-lo – disse Jason. – Agora, irei ao meu clube. Quero
saber se alguém ouviu alguma coisa.
Parou e endireitou o abrigo.
- Pai, os dois temos amigos que gostariam de poder ajudar – Disse James.
– Não acredito que devamos manter isto em segredo. Acredito que
deveríamos anunciar ao mundo que alguém, um francês, está tentando matá-
lo. Todos se uniriam. Todos manteriam os olhos abertos. Jason e eu
dividiremos os clubes entre nós. Encontraremos essa pessoa, pai, e vamos
destruí-lo.
Douglas e Alexandra observaram como os seus filhos saíam da sala de
estar. Ela disse em voz baixa, enquanto se encostava no ombro do seu
marido.
- Já não são crianças, Douglas.
- Sim, tem razão nisso. Para onde foram os anos, Alex?
- Não sei, só quero que continuem assim no futuro. Os nossos filhos
querem proteger você agora como você sempre os protegeu a eles.
- Ainda quero protegê-los. – ele abraçou-a durante um momento, dizendo
no seu ouvido: - Temo que sejam demasiado audaciosos.
Alexandra levantou a cabeça, e Douglas viu que estava sorrindo.
- Eu também tenho muitos amigos. As damas, sabe, ouvem muitas coisas.
Devemos conseguir descobrir alguma coisa sobre os filhos que Georges
poderia ter deixado quando morreu.
- Alex, não se envolva nisto!
- Não seja idiota, milorde. Sou sua esposa e portanto estou mais envolvida
do que ninguém, com a possível exceção da sua teimosa pessoa. Sim,
começaremos com Lady Avery. Pergunto-me se alguma vez o seu marido lhe
conta alguma coisa.
O rosto de Douglas estava vermelho.
- Alex, proíbo-a …
Ela ofereceu-lhe um adorável sorriso e disse: - Gostaria de uma xícara de
chá, milorde?
Ele grunhiu e tomou o seu chá.
- Não arrisque demasiado, milady, compreende?
- Oh, sim, Douglas. Compreendo perfeitamente.
Algum tempo mais tarde, Douglas disse a sua esposa enquanto subiam a
escadaria central: - Bem, maldição. Esqueci-me completamente da Corrie.
- Está tudo bem, Douglas. Eu não. Escolhi vários modelos encantadores
para ela, um pouco de musselina muito bonita e cetim azul pálido.
Douglas sabia que nada estava bem. Aclarou a garganta.
- A senhorita Plack elaborou os vestidos?
- Não, não houve tempo, mas Maybella assegurou-me que tudo estaria
bem. Disse que a criada de quarto de Corrie podia costurar numa carruagem
fechada. Além disso, estou a contar que cheguem a Londres ainda hoje, se
bem que Simon estava queixando-se que tinha contraído a peste, e Corrie
levará colocado um dos seus novos vestidos.
Foi difícil, mas Douglas lá conseguiu não levar as mãos a cabeça.
- A residência de Simon na cidade está em Great Little Street, não é
verdade?
Alexandra confirmou. Estava ainda pensando em Georges Cadoudal, não
em Corrie.
- Já passou tanto tempo desde que Georges me raptou e levou para França
– disse ela. – Era um assunto de vingança, Douglas, contra você. Mas agora
não é a mesma coisa. Agora é alguém que se esconde, que se move nas
sombras, tentando matar você sem que veja o seu rosto.
Douglas resmungou.
- Pergunto-me se Georges chegou a casar com Janine, essa maldita
libertina que atraiçoou você.
- Iremos acabar por descobrir.
- Poderia ter falado com tanto ódio de você que qualquer filho que tivesse
tido quereria vingá-lo? Não tem sentido, pela simples razão de não ter havido
ódio. Você e Georges separaram-se amigavelmente, como disse aos rapazes,
e eu sabê-lo-ia. Estava ali. Pergunto-me, acredita que talvez Georges ainda
possa estar vivo? – questionou Alexandra.
- Vou assegurar-me, de uma forma ou de outra. Estou de acordo com você.
Tendo em conta o que aconteceu então, a participação de Georges também
não faz sentido para mim.
Ela deteve-se, a meio caminho do vasto corredor, e agarrou no braço de
Douglas.
- Você esteve em França numa missão antes de Waterloo. Lembro-me
disso porque você tentou ocultar-mo.
- Não foi uma missão particularmente perigosa, somente uma extração de
um dos nossos espias mais importantes.
- Contou-me isso, mas mais nada. Agora, estava Georges envolvido no
caso?
- Nunca o vi. Poderia estar próximo.
Douglas não acrescentou mais nenhuma informação. Não ia contar-lhe o
resto da história pela simples razão de que não tinha nada que ver com o
caso.
- Fale agora, Douglas, ou então não lhe vai agradar o que farei. – ele
duvidou e Alex acrescentou: - Até aprendi francês para poder ajudar. Não que
me tenha sido muito útil.
- O informante disse algo sobre que a vingança contra mim seria
encantadora.
Alexandra estremeceu.
- Eu sabia. É o que esperava.
Ele tinha conseguido desviar a sua atenção, mas por pouco.
Ela recordaria que ele não lhe tinha contado sobre a missão em França
antes de Waterloo, e sobre o que tinha acontecido. Bem, não importava.
Tinha sobrevivido.
James caminhou até Great Little Street, a pedido do seu pai, para verificar
como de mal estava Corrie com os vestidos feitos pela sua criada, cujo tecido
e modelo a sua mãe, desafortunadamente, tinha selecionado.
Chegou ao número 27 de Great Little Street e bateu na aldraba de bronze
com a forma de uma cabeça de leão.
Um mordomo ruborizado de cima a baixo e rapidamente deu um passo
atrás.
- Por favor, entre depressa milorde, antes que seja demasiado tarde! Não
sei o que fazer.
James passou correndo junto do mordomo que subia nervoso as escadas e
entrou pelas amplas portas da sala de estar de Ambrose. Deteve-se de repente
na entrada, totalmente assustado, para encontrar Corrie parada no meio da
sala, vestida com o vestido mais horrível que já tinha visto em toda a sua
vida.
Era de um azul pálido, com renda cosida até as orelhas, folhos sobre folhos
cosidos na parte debaixo do vestido, e mangas do tamanho de balões. O único
que se via bem era a cintura quase invisível; tinha que ter colocado um
corpete de ferro por debaixo, porque parecia que estava prestes a desfalecer.
Estava chorando.
James fechou a porta na cara do mordomo. Ficou ao lado dela num
segundo, agarrando-lhe na mão que se via da gigantesca manga.
- Diabos, Corrie, qual é o problema?
Ela passou a mão direita sobre os olhos para secá-los e ofereceu-lhe o
olhar mais patético que James já lhe tinha visto. Outra lágrima desceu até ao
queixo.
- Corrie, por amor de Deus, que aconteceu?
Ela respirou fundo, concentrou-se no rosto dele e sorriu sarcasticamente.
- Nada, parvo.
Ele abanou-a.
- Que sucede, maldita seja? O mordomo estava muito assustado.
- Muito bem, muito bem, deixe de abanar-me. Se tem que saber a verdade,
estou praticando.
Ele deixou cair as mãos.
- Praticando o quê?
- Continuará a insistir e a meter-se, não é verdade? Muito bem. A tia
Maybella disse que devo saber como rejeitar as dezenas de jovens cavalheiros
que estarão propondo-me matrimônio. Disse para pensar numa coisa triste e
que isso me faria chorar. Disse que os cavalheiros se veem mais
profundamente afetados com as lágrimas de uma dama. Vão acreditar que
estou desolada por negar-me a casar com eles. Aí está. Satisfeito?
Ele estava olhando-a fixamente, mudo de assombro. As lágrimas
certamente tinham funcionado com ele e com o mordomo.
- Não conseguirá uma só proposta vestida com vestidos como esse.
As lágrimas desapareceram num instante. Corrie fechou firmemente a
boca.
- Tia Maybella disse que era excelente. A sua mãe elogiou o modelo e o
tecido, e a minha criada coseu-o.
- No meu ponto de vista, tem que saber que é realmente muito feio.
Ela ficou ali parada, tentando fechar as enormes mangas, mas tinham sido
enchumaçadas e não se mexeram nem um centímetro.
James queria rir, mas não era totalmente parvo.
- Escute, Corrie, o meu pai vai levar você amanhã visitar Madame
Jourdan. Ela ajudará.
- Realmente estou tão mal?
Por vezes dizer a verdade era bom. Por outo lado, por vezes a verdade
pode devastar sem nenhuma necessidade.
- Não. Mas escute-me. Londres é um lugar totalmente diferente. Olhe-me.
Não estou a vestir calças e uma camisa aberta no pescoço. Não aqui.
- Gosto mais de você com calças e camisa aberta.
- Bem, isso não acontecerá aqui em Londres. Agora, a minha mãe quer
que regresse comigo para uma visita. Eh, tem algo mais que vestir sem ser
isso?
Capitulo 9
Homens e mulheres, mulheres e homens. Nunca funcionará.
Erica Jong
Sou a jóia de Arábia… sou a jóia de Arábia… era a sua norma, dita uma e
outra vez desde que havia subido à carruagem com a tia Maybella para ir ao
baile de Ranleagh a somente duas ruas de distância, na praça Putnam, ainda
que não estivesse segura do que era a jóia de Arábia, na realidade. Tinha
pensado que era ridículo ir de carruagem até que ela desceu os degraus da
escada desequilibrando-se nos adoráveis sapatos de salto alto em cetim
branco.
Sem dúvida estava bem, mas o fato era que, se Willie Marker tentasse
beijá-la novamente, não seria capaz de correr e bater-lhe na cabeça. Não,
tropeçaria nos seus próprios pés e desfaleceria porque não podia respirar.
Por outro lado, poderia dar-lhe um pontapé com um dos seus saltos
mortais.
Por outro lado, Willie Marker era um idiota pelo que não teria que se
preocupar com ele aqui em Londres.
Não, a sua única preocupação aqui era conseguir um marido, e se isso
significava que tinha que aguentar esta tortura, a sua tia estava
completamente preparada para arranjar um corpete de ferro, se necessário.
Maybella, vendo-se muito satisfeita, tinha golpeado suavemente a mão e
disse que os assuntos de uma dama nunca eram simples. E o que poderia
dizer uma pessoa perante isso?
De qualquer modo, quem queria um marido? Preferia ter um caniche no
colo quando andasse por Bond Street, sorrindo gentilmente a todos os
cavalheiros, que desmaiariam perante a sua presença.
Viu uma dama deitar a cabeça para trás ao rir de alguma coisa que um
cavalheiro lhe tinha dito. Que poderia dizer um homem, para fazer com que
uma dama risse com semelhante entusiasmo?
Corrie tinha estado olhando o salão de baile Ranleagh, que quase estalava
com as dezenas de risadas, com pessoas formosas que tinham que estar
assando-se pelo calor dessa noite, mas isso não parecia incomodar a ninguém.
Dançavam e riam e namoriscavam e bebiam champanhe enquanto ela estava
ali parada, como que agarrada de tão assustada, que sabia que lhe ia dar
urticária.
Estava entre a mãe de James e a sua tia Maybella, e não estavam
passando- o muito bem, falando com as outras damas que passavam
flutuando nos seus adoráveis sapatos de salto alto, alguns com mais de cinco
centímetros do chão. E todos os cavalheiros, falando junto da adorável mão
de lady Alexandra, sussurrando coisas triviais a menos de um centímetro
da sua adorável orelha. Ouviu a sua tia Maybella rindo dissimuladamente.
Tanto a sua tia como lady Alexandra pareciam tomá-lo com muita calma,
sem dúvidas, florescendo, como se este fosse o modo como se faziam as
coisas, e evidentemente assim era.
Se ela fosse esperta, observaria, escutaria e imitaria.
Corrie estava convencida de que tinha sido apresentada a todas as damas
que não estavam bailando, e tinha falado as suas muito praticadas falas num
tom refinado, que tinha ouvido uma dama dizer a mãe de James que ela era
uma menina com um bom comportamento. Em relação a quê? Tinha
praticado diante de um espelho até que as boas maneiras lhe saiam com
fluidez. Sorria, confirmava e recitava, tentando soar de uma forma
espontânea, uma coisa difícil depois de ter dito o mesmo já doze vezes.
Até ao momento já tinha bailado com seis jovens cavalheiros em quarenta
e cinco minutos, Corrie não podia acreditar que tinha estado tão assustada.
Havia só um Willie Marker no meio de tantos, mas pelo menos este estava
bem vestido e as suas mãos não estavam sujas.
Do único que a sua tia tinha falado era sobre encontrar um marido
apropriado e correto, não um que estivesse atrás de outras coisas além de uma
esposa, e como uma pessoa nunca sabia o que ocultava debaixo de um bom
par de ombros, Corrie devia estar sempre vigilante. Como ela não tinha
nenhuma ideia do que seriam essas outras coisas, suspeitava de cada
cavalheiro que a convidava para bailar, até que chegou ao quarto convite, de
Jonathan Vallante, que tinha os olhos um pouco salientes e isso fê-la rir.
Observando o salão de baile, deu-se conta de que isto era como uma das
grandes festas, só que neste não havia carteiristas espreitando e nenhum dos
presentes tinha que contar o seu dinheiro. Viu um homem com os dentes da
frente dourados. Havia uma dama com três queixos e com um bonito colar de
diamantes que parecia em perigo de asfixiá-la. Corrie deu-se conta de que se
tirasse todas as joias e alargasse todos os corpetes, estas bonitas pessoas eram
muito parecidas com as que estavam em casa.
Corrie já não bailava há sete minutos, e queria bailar outra vez, tinha
descoberto que adorava bailar, então, onde estavam todos os jovens
cavalheiros? Golpeou com o salto do sapato o chão. Estava inquieta. Só tinha
atraído seis deles. Seguramente tinha mais do que uma miserável meia
dezena. Queria muitos cavalheiros, fazendo fila a sua frente, esticando-se um
atrás do outro para poderem vê-la melhor.
Então os seus ouvidos despertaram. A duquesa de Brabante estava falando
com a mãe de James: - Ali estão os gêmeos, entrando no salão de baile. Ah,
que rapazes bonitos e deliciosos, Alexandra. Trabalhou muito bem. Que
emoção deve ser para si, agora que eles já estão tão esplendidamente
crescidos, ver a todas as damas e as suas mães perseguindo-os, atentas a todas
as suas palavras. Bem, vi uma jovenzinha derreter-se aos pés de James.
Estava com esperança que ele a deixasse cair, mas não, James é um
cavalheiro, e antes que o cotovelo batesse no chão, ele apanhou-a. Mas fê-la
assustar-se, e eu pensei que isso foi muito inteligente da sua parte. Tenho o
mesmo problema, naturalmente, como o meu querido Devlin, um jovem
também exemplar. Sendo herdeiro de um duque, não só um conde,
naturalmente todas as melhores famílias estão atrás dele para as suas filhas.
Como está a sua querida irmã Melissande? Todos acham terrivelmente
interessante que os gêmeos sejam o seu vivo retrato. Diga-me, o que pensa
disso Lorde Northcliffe?
Alexandra simplesmente sorriu e inclinou a cabeça.
- Bem, acredito que pensa mais do que nada em mim, depois nos rapazes,
e talvez então nas fazendas.
A duquesa soltou um suspiro enfadado, mas persistir no assunto faria com
que ela parecesse uma tonta.
Bem feito, pensou Corrie. Teria esta estranha mulher chegado ao fim do
seu singular monólogo?
Não, não tinha ainda terminado. A duquesa disse: - Como os distingue?
Juro que são como duas gotas de água.
- Confie em mim, Lorelei, se uma mãe tem gêmeos, pode distingui-los
facilmente.
- Oh, olhe, há três moças tagarelando à sua volta. Oh, Deus, acredito que
essa moça está tentando passar uma mensagem ao Jason. Pobres rapazes!
Olhe ali, vejo um monte de vestidos brancos dirigindo-se para eles.
Onde estavam? Corrie esticou o pescoço, mas inclusive com os seus saltos
de cinco centímetros não conseguia vê-los, e ela era alta. Já estavam
bailando? James já estaria bailando?
A duquesa aclarou garganta.
- O meu filho estaria encantado de bailar com a adorável sobrinha de
Maybella. Como Maybella está contando anedotas a sir Arthur, Alexandra,
pergunto-o a si, já que parece ser amiga da família.
- Oh. Onde está Devlin? – perguntou Alexandra.
- Ali, junto aquele enorme arranjo de flores que está fazendo espirar a
todos. Pergunto-me porque Clorinda necessitava polinizar o seu salão de
baile.
Devlin? O filho de um duque? Que quereria o filho de um duque com ela?
Ela era praticamente uma anônima de Twyley Grange.
A duquesa fez um imperioso gesto para um jovem homem que sorriu e
assistiu, e começou a caminhar sem pressa na direção delas, detendo-se para
falar com todos os que encontrou pelo caminho. Com esse ritmo, demoraria
uma hora a chegar, pensou Corrie. Quanto é que um homem quereria bailar
com uma dama, se não tinha um pouco de pressa no seu andar?
O seu nome era Devlin Archibald Monroe, conde de Convers, herdeiro do
duque de Brabante, e Corrie pensou que de fato era muito elegante. Não era
muito mais velho do que James, alto, de olhos negros, e o seu rosto tão pálido
como o retrato de um vampiro que Corrie tinha visto num livro centenário
que estava proibido, escondido no fundo da biblioteca do seu tio. Tinha uma
voz rouca que enviou adoráveis escalafrios pelas costas acima.
Ele sorriu e não mostrou dentes de vampiro, o que foi um alívio. Ela disse
o seu discurso tão ensaiado, ele pareceu divertido, e quando lhe pediu para
bailar a valsa, ela apoiou suavemente a sua mão no seu antebraço e dirigiram-
se para a pista de baile.
Não muitos minutos mais tarde, Alexandra ouviu uma voz muito querida e
voltou-se, com um sorriso no rosto.
- Mãe, está absolutamente encantadora esta noite. Vejo que o pai a
abandonou.
- James, meu querido. O seu pai escapou logo depois de uma dança, para
encontrar-se com os seus camaradas na biblioteca. Já passa das dez. Até que
afinal chegaram. Onde estiveram até agora, você e Jason?
James aproximou-se mais um pouco, já que havia muitas pessoas a volta.
- Jason e eu queríamos encontrar-nos com uns homens no porto. Não, mãe,
não me repreenda, não havia nenhum perigo. Além disso, Jason e eu somos
muito cuidadosos, assim que por favor não se preocupe, ou não poderei
contar o que estamos fazendo.
Esse era um argumento poderoso, mas era difícil manter a preocupação de
uma mãe e os seus conselhos guardados na boca. Ela tocou-lhe no rosto.
- Não vos criticarei. Descobriram alguma coisa?
- Sim e não. Um dos homens tinha acabado de vir de Paris. Tinha ouvido
que um nobre inglês ia ter o que merecia, nada mais do que isso. Talvez tenha
sido a mesma pessoa que informou o Ministério da Guerra. Perguntei se tinha
ouvido algo de um filho, mas não sabia de mais nada. Deu-nos outro nome, o
do capitão de um barco de pesca que chegará ao Tamisa dentro de uma
semana. Ele saberá mais? Não sei, mas vale a pena tentar. Ah, onde está
Corrie?
James sacudiu a cabeça.
- Não, não a encontro. Vejo o Devlin, mas não a Corrie.
- Ah, James, cumprimente lady Montague e sir Arthur Cochrane – disse
Alexandra.
Cumprimentou a tia de Corrie, Maybella, que vestia o seu já habitual
vestido em azul pálido. Cumprimentou sir Arthur Cochrane com uma
inclinação da cabeça, concedida a um cavalheiro mais velho, que tinha
direitos pela amizade com o seu pai. Pessoalmente, sempre tinha pensado que
sir Arthur necessitava tomar banho mais vezes e usar menos pomada no que
restava de cabelo.
- Estive tentando encontrar Corrie na pista de baile, senhora – disse a
Maybella.
- Talvez possas encontrar a Devlin. Ele é tão pálido. Sabes, com essas
encantadoras pestanas escuras caindo como um abanico sobre as bochechas.
Ah, a dança está terminando. Aqui vêm.
- Vejo-o a ele, mas não reconheço …
O queixo de James caiu de espanto.
Capítulo 10
O amor é um mal universal
Robert Graves
James olhou fixamente, sacudindo a cabeça e observou todas as mulheres
próximas daquela que se aproximava, que ria, quase brincando, o seu passo
era tão ligeiro, tão cheio de emoção.
Não, essa não podia ser Corrie Tybourne-Barrett. Não aquela criatura com
o cabelo da cor das ricas folhas de outono, todo apanhado no cimo da cabeça,
com caracóis caindo perto das adoráveis, delicadas e brancas orelhas que
estavam perfuradas com pequenos brincos de diamantes. Muito bem, talvez
fosse Corrie, mas, os seus olhos estavam sobre o peito dela; sim, tinha peito.
Como tinha conseguido esconder tão perfeitamente tão adorável criatura?
James lembrou-se das suas velhas calças curtas e do velho chapéu e
estremeceu. Olhou-lhe o peito e voltou a estremecer.
Ela estava sorrindo por alguma coisa que Devlin dizia. Via-se fresca e
inocente, um bebê ignorante sem maldade, e ele soube que tinha que a
prevenir sobre Devlin.
- Olá, James.
- Olá, Corrie. Devlin. Compraste o cavalo castanho castrado de Mountjoy?
- Sim, fi-lo, de fato.
- Um cavalo castrado? – perguntou ela. – Um caçador?
Ele confirmou.
- Sim, uma excelente adição para os meus estábulos. Gosta de perseguir
raposas de noite, isso não é encantador?
- Suponho que sim – disse Corrie. – Se bem que aposto o meu dinheiro na
raposa.
Devlin riu-se.
James deu um pequeno passo à frente, esmagando a esse intruso, com voz
agressiva.
- Talvez Corrie lhe tenha contado que a conheço desde que ela tinha três
anos, Devlin. Suponho que se poderia dizer que a conheço melhor do que aos
planetas. E sem dúvida conheço muito bem os planetas. Naturalmente,
sempre a conheci.
- Ah, mas talvez ela gostasse de caçar em minha companhia algum dia,
não acredita?
- Não, ela tem cegueira noturna – disse James e olhou com os olhos
semicerrados o rosto muito, mas muito pálido de Devlin. Logo sorriu e
ofereceu o seu braço. – Gostaria de dançar, Corrie?
Corrie ignorou-o, oferecendo um sorriso cegador a Devlin Monroe.
- Obrigada, milorde, por esta adorável dança.
James viu o sorriso de Devlin aumentar, e quis bater-lhe com o punho
naquele bonito rosto pálido.
- Talvez outra valsa, mais tarde? – disse Devlin, olhando de lado para
James.
- Oh, sim – disse ela. – Eu gostaria. – quando se virou para James,
verificou que ele continuava franzindo a testa, enquanto olhava como Devlin
desaparecia entre a multidão. – O que foi isto, James? Foi muito grosseiro
com Devlin. A única coisa que fez foi dançar excelentemente comigo, e
entreter-me.
Quando ele continuou simplesmente olhando em frente e não disse nada,
ela aproveitou esta oportunidade: era livre de olhá-lo. Se ela estava bem,
então James ainda estava melhor. Cada rasgo facial harmonizava com o
outro, sob as dezenas de velas que iluminavam a partir dos candeeiros.
- A sua gravata está torcida – disse-lhe, apoiando a mão no braço dele e
caminhando até a pista de baile, sem se olharem, olhando a multidão de
moças que se dirigiam para eles.
Oh, Deus, será que a pisariam e o levariam de rastros?
Só pararam quando James já a tinha levado até ao centro da pista.
- Pedia-lhe que a endireitasse mas suspeito que não seja uma habilidade
que possua – disse ele a Corrie.
Ela quis resmungar-lhe, beijá-lo, talvez inclusive deitá-lo ao chão e
morder-lhe a orelha, e por isso puxou a gravata de um lado para outro até que
ficou tão direita como já estava anteriormente, antes de ela lhe ter tocado.
Entretanto, ele observava-a, com um curioso sorriso no rosto.
- O seu vestido é adorável. Assumo que o meu pai escolheu o modelo e o
tecido?
- Oh, sim – disse ela, com os olhos ainda fixos na maldita gravata que não
queria colaborar.
- Assumo que o meu pai também pensou que o vestido tinha um decote
demasiado baixo?
- Bem, sim resmungou um pouco, e assinalou que o vestido tinha um
decote tão baixo que os meus joelhos quase que se viam. Começou a levantá-
lo ele mesmo, como faz com os vestidos da sua mãe, mas deteve-se
rapidamente, quando Madame Jourdan lhe disse que ele não era o meu pai,
assim que as suas estranhas ideias de tapar o peito não tinham sentido.
Isso era dizer pouco. James podia ouvir o seu pai resmungando.
Ela deixou cair as mãos da sua gravata, e passou-lhe a ponta dos dedos
pelos ombros e pelos braços.
- Encantador tecido, James. Quase tão adorável como o meu.
- Oh, não, seguramente não. A minha gravata está perfeita agora?
- Naturalmente.
- Também assumo que aprendeu a dançar a valsa?
- Mas você não estava lá para ensinar-me, não é verdade?
- Não. Tive que vir para Londres. Havia coisas que tinha que fazer.
- Como o quê?
- Não é um assunto que lhe diga respeito – James rodeou-a com o braço,
realmente tocou-lhe as costas, e ela quase caiu dos seus sapatos. – Preste
atenção, Corrie – a música começou e eles também. – Ah, conhece os passos,
isso é bom.
E ele fê-la girar, fazendo que ela quase mordesse a língua devido à emoção
e ao prazer.
- Oh, isto é maravilhoso!
Ela ria e sorria, e ele continuava fazendo-a girar por toda a pista de baile,
com a sua ampla saia arrolando entre as pernas, o seu encantador tom branco
como neve contra o negro das suas calças. Ela ofegava em busca de ar
quando finalmente ele abrandou o passo.
- James – ofegou, ofegou, ofegou, - Se não fosse capaz de fazer nada de
mais útil em toda a sua vida, deve saber que é excelente na valsa.
Ele sorriu a esse rosto reluzente que há muito tempo tinha perdido a pó de
arroz. Um rosto, compreendeu, que conhecia tão bem como o seu próprio.
Aquele peito, no entanto, não o reconhecia de lado nenhum. Uma das grossas
tranças encontrava-se em perigo de desfazer-se. James não pensou,
simplesmente disse: - Continue mexendo-se, lentamente.
E levantou ambas as mãos e voltou a colocar habilmente os ganchos de
madeira na trança, prendendo-a. Logo deslizou ao meio uma das dezenas de
rosas brancas, firmemente.
- Pronto, agora está bem.
Ela olhava-o estranhada.
- Como sabe arranjar o cabelo de uma dama?
- Não sou idiota – disse ele, e não acrescentou mais nada.
- Bem, também não sou idiota, mas não saberia fazê-lo tão bem como
você.
- Por amor de Deus, Corrie, já tive alguma prática.
- Com quem? Eu nunca lhe pedi para arranjar o meu cabelo, nem nada
parecido.
James respirou fundo. Isto era uma coisa que nunca tinha acontecido em
toda a sua vida masculina de adulto. Aqui estava uma menina que tinha
conhecido durante toda a sua vida, e no entanto ela agora era uma jovem
dama, e seguramente deveria começar a tratá-la de forma diferente. Ele disse:
- Não. Sempre coloca a sua trança por debaixo do chapéu, ou então fica solta
sobre as costas. Que poderia fazer-lhe?
- Posso perguntar com quem praticou?
- Não é um assunto seu, mas conheci a várias mulheres, e todas tinham
cabelo que ocasionalmente necessitava de ser arranjado – ela olhava-o com a
testa franzida, sem compreender ainda. James disse, olhando-lhe os peitos e
preparado para engolir a língua: - Vejo que desenfaixou os peitos.
Ela arqueou as costas um pouco, para que os seus peitos pressionassem
contra ele.
- Disselhe que tinha peito.
- Bem, sim, possivelmente. Suponho.
- O que quer dizer com “suponho”? O meu peito é bastante agradável, isso
disse Madame Jourdan quando o seu pai me levou à sua loja.
Como não sabia o que dizer a isso, James tomou velocidade e fê-la dançar
por todo o perímetro do salão de baile, rindo e ofegando ao mesmo tempo,
enquanto os outros pares dançando rapidamente se afastavam do seu
caminho.
Então a música terminou.
Ele olhou-a e viu o seu sorriso converter-se em angústia. Via-se que estava
quase a estalar em lágrimas.
- Qual é o problema?
Ela engoliu em seco.
- Isso foi encantador. Gostaria de fazê-lo outra vez. Agora.
- Muito bem – disse ele, e pensou que duas danças seguidas não
significariam nada para ninguém, por amor de Deus, já que eram quase
familiares.
James viu quatro jovens damas indo para perto deles, e agarrou
rapidamente no braço de Corrie e levou-a para junto da dezena ou mais de
pares que continuavam na pista de dança.
- Juro que cada vestido neste incrível salão é branco como o meu, rosado,
azul ou roxo – disse ela.
- Lilás, não roxo. O lilás é muito mais claro.
- Ah, e como é o violeta?
Será que o que via na sua boca era um sorriso?
- Bem, diria que o violeta é mais ou menos a cor mais bonita da terra -
disse ele.
Corrie engoliu em seco, reconhecendo o golpe, e disse: - O azul da tia
Maybella encaixa.
- Não exatamente, mas quase – James olhou-a, com vontade de tocar nos
seios com a ponta dos dedos, observando os seus ombros brancos e disse: -
Bem, foram necessários baldes cheios?
- O quê? Untaram-me toda. Bem, sim, ao menos um balde e meio de
creme. O tio Simon queixou-se ao princípio porque dizia que eu cheirava
como fertilizante de lavanda, mas a tia Maybella disse que era necessário, ou
simplesmente poderia não ser capaz de sair da concha e casar.
- Como que a dizer que nenhum homem quereria uma esposa escamosa?
- Já estou aqui há cinco dias, James, e digo—lhe, ainda não conheci
nenhum homem que tenha reclamado das minhas escamas.
Ele riu.
- A quantos já conheceu, até agora?
- Bem, dancei pelo menos com meia dezena esta noite. Muito bem,
contando com Lorde Devlin, agora são exatamente sete. Claro que agora
tenho que acrescentar você na minha lista. Oito cavalheiros. Esse é um
número agradavelmente grande, não é verdade? Não pode considerar-me um
fracasso, verdade?
- Eh, e todos foram amáveis consigo?
- Oh, sim. Pratiquei respostas para todas as possíveis perguntas. Já sabe,
respostas espontâneas. E quer saber outra coisa, James?
- O quê?
-Eles utilizaram-nas quase todas – Corrie franziu a testa um momento. –
Acredito que a pergunta favorita foi sobre o clima.
- Bem, suponho que isso seja normal. É agradável e cálido, digno de ser
comentado – ela olhou sobre o ombro esquerdo dele. – Qual é o problema? O
que fizeram para além de pedirem a sua opinião sobre o clima?
- Bem, não foram todos mas, observe, desde que destapei o meu peito e
diminuí o decote; bem, na realidade foi Madame Jourdan que não tolerava as
críticas do seu pai sobre o meu decote – ela ficou na ponta dos pés e
sussurrou-lhe ao ouvido. – Estiveram olhando.
- Isso é algo que lhe surpreende e assombra? Gostaria de saber por que
qualquer mulher na terra poderia estar surpreendida por isso.
- Surpreendeu-me ao início, admito-o. Então dei-me conta de que
realmente gostava que me olhassem. Suponho que se estão concentrados nas
minhas partes então é evidente que não me veem como uma campesina. Mas,
sabe, James, nunca me tinha dado conta de que os homens se sentem tão
atraídos por essa parte da anatomia feminina.
Se tão só soubesse, pensou ele. A música recomeçou novamente e James
disse: - Está pronta para galopar?
Ela riu tanto que os olhos se encheram de lágrimas.
Do outro lado da pista de baile, Thomas Crowley, o filho mais novo de Sir
Edmund Crowley, um dos amigos de Wellington, disse a Hason.
- Quem é essa adorável dama que está a dançar com James?
- Sabe – disse Jason lentamente. – Também me pergunto o mesmo. Talvez
seja alguém do seu misterioso passado.
- James não tem um passado misterioso – disse Tom. – Assim como
nós. Jason deu-lhe um golpe no ombro.
- Estou a pensar que é o momento de começar a construir um.
Como Jason lhe tinha contado sobre a ameaça a vida do seu pai, Tom
disse: - Já está no bom caminho. Bendito seja o Senhor, quem é? Por Deus, é
uma beleza.
Jason voltou-se para onde Tom estava apontando. Sorriu, com um sorriso
preguiçoso e seguro que parecia fazer com que as damas dos dez aos oitenta
anos se animassem cada vez que ele se aproximava a menos de dez metros.
Jason disse lentamente, com uma voz calma, típica dele.
- Sabe, Tom, talvez não precise de mais mistério neste momento.
Thomas como Jason se concentrava na dama de cabelo escuro que o
espiava por detrás do seu leque, e como ia em linha reta na sua direção, sem
prestar nenhuma atenção ao monte de jovens damas, e não tão jovens, que
tentavam colocar-se no seu caminho. Não derrubou a nenhuma delas, mas
esteve perto.
Tom abanou a cabeça e encaminhou-se para onde estava a sua mãe, que
era o centro da atenção. Tentou esconder-se atrás de uma palmeira quando se
apercebeu que ela estava conversando animadamente com três damas viúvas
com filhas para casar.
- Tom! Vem aqui, meu menino.
Tinha sido bem e justamente apanhado. Respirou fundo e dirigiu-se para a
sua mãe, como se fosse para um castigo.
Capítulo 11
Jason Sherbrooke sorria de orelha a orelha. A sua preocupação pelo seu
pai passou para o fundo da sua mente. Esta mulher parecia encantadora, e o
bom do Senhor sabia que ele não tinha estado tão encantado por uma mulher,
desde que tinha quinze anos e tinha sido seduzido por Bea O’Rourke, uma
astuta e jovem viúva de St. Ives que tinha visitado New Romney e que
gostava do seu sorriso e das suas adoráveis, mas muito ocupadas mãos, como
lhe tinha dito, enquanto mordiscava a sua orelha.
Esta dama tinha olhos muito, muito escuros, com um brilho de inteligência
e humor. Então ela abriu bruscamente o seu leque fechado e esses
encantadores olhos desapareceram por detrás. Ele viu cabelo negro brilhante
apartado de uma frente branca. Teria jurado que podia ser filha de Bea. Mas
Bea não tinha filhas, só dois filhos que se encontravam na marinha ao serviço
do Rei, pelo menos era o que ela lhe tinha dito, quando tinham estado juntos
na última vez, em princípios de agosto.
Olhou à sua volta à procura da sua mãe ou da sua acompanhante e deu por
si olhando o rosto esquelético de lady Arbuckle, conhecida pela sua falta de
humor e a sua aborrecida piedade. Esta encantadora e jovem criatura com
olhos endiabrados era parente de lady Arbuckle? Não, isso não era possível.
Mas lady Arbuckle parecia um dragão protegendo o tesouro.
- Lady Arbuckle – disse, pondo em prática todo o charme que tinha
aprendido com o seu tio Ryder ao longo dos anos.
- Observem o vosso tio – tinha-lhe dito o seu pai, a ele e a James. – Pode
tirar um sinal da frente de uma dama. Se vos resulta inconveniente utilizar a
força bruta, podem ter em conta utilizar o charme para conseguirem alcançar
o que desejam.
- Valha-me Deus, é você James?
- Não, sou o Jason, senhora.
- Ah, é terrivelmente familiar, engano-me sempre, penso que é um, quando
é o outro. Como estão a sua mãe e o seu pai?
- Estão bem, senhora – Jason sorriu para a jovem que agora descia os olhos
para os seus sapatos de um tom de lilás muito pálido. – e Lorde Arbuckle?
A dama ficou tão direita como um tronco.
- Está tão bem como seria de esperar.
Isso não fez nenhum sentido para Jason, mas assistiu amavelmente antes
de dizer: - Poderia apresentar-me à sua encantadora acompanhante, senhora?
Lady Arbuckle fez uma pausa de um milésimo de segundo, mas Jason
apercebeu-se e questionou-se. Estaria preocupada de que ele não fosse
exatamente o tipo de cavalheiro que deveria ser?
- Esta é a minha sobrinha, Judith McCrae, que veio comigo a Londres para
fazer a sua apresentação numa reunião social. Judith, este é Jason
Sherbrooke, o segundo filho de Lorde Northcliffe.
Jason estava totalmente preparado para ficar desiludido quando ela abrisse
a boca; estava preparado para ver e ouvir parvoíces e capricho; estava
preparado para desejar estar a quilômetros de distância dali. Mas não estava
preparado para o golpe de desejo que surgiu de repente quando ela lhe sorriu,
a covinha que tinha no lado esquerdo da sua boca fazendo-se mais
pronunciada.
- O meu pai era irlandês – disse ela, e permitiu que ele lhe tomasse a mão.
Tinha dedos longos, delgados, e a sua pele era tão, tão suave. Ele beijou-
lhe suavemente o pulso.
- O meu pai é inglês – disse Jason, e sentiu-se estúpido. Nunca na sua vida
se tinha sentido estúpido com uma dama, mas neste momento sentia como se
não tivesse nada na cabeça exceto umas incessantes ondas de desejo que lhe
estavam cozendo o cérebro, e o bom Senhor sabia que não havia mais nada
por detrás do desejo do que desejo. – A minha mãe também é inglesa.
- A minha mãe era de Cornualha, de Penzance. Ela e tia Arbuckle eram
primas segundas. Diz que sou sua sobrinha porque me amou desde o dia em
que nasci. É a minha única parente viva agora. Está oferecendo-me uma
temporada. Não é bondoso da sua parte?
Jason lembrou-se então que a fazenda campestre de Lorde Arbuckle estava
perto de St. Ives, na costa norte de Cornualha. Disse: - Oh, sim, é tão bondoso
como adequado. Você viveu sempre na Cornualha?
- Só às vezes. O meu pai era de Waterford. Cresci ali.
Jason ficou encantado com a voz cadenciada, as suaves vogais sobre a
doce cadência inglesa. Nunca se tinha apercebido que o inglês se percebia tão
doce.
- Gostaria de dançar comigo, senhorita McCrae?
Judith olhou para lady Arbuckle. Os lábios da dama eram uma
desaprovadora linha tensa. Ele não era um libertino, de nenhuma maneira…
ah, não era um primogênito, um herdeiro. Provavelmente ela questionava-se
sobre os seus ingressos. Porque pensaria numa coisa assim? Era só uma
maldita dança o que queria, nada mais.
- Trago-a de volta já de seguida, senhora. Ou talvez queira falar com
minha mãe? Para que lhe garanta que não sou um bruto e que não tenho
hábitos claramente inquietantes?
Lady Arbuckle pareceu apreciar, durante trinta segundos, as plantas antes
de lhe fazer um pequeno gesto de assentimento.
- Muito bem. Pode dançar com Judith. Uma vez.
Ela era estatura pequena, a sua cabeça apenas lhe chegava aos ombros.
- É parecida com a sua mãe? – perguntou ele, enquanto deslizava o braço à
sua volta e começava a valsar.
- Ah, as minhas cores. Sim, os olhos e o cabelo são como os dela, e
também sou baixa, como ela, mas as minhas sardas são do meu querido pai.
Ele não via nenhuma sarda, não, esperem, havia uma fina linha a descer
desde o seu nariz.
- A sua mãe foi uma mulher muito formosa.
- Sim, foi, mas eu não sou nada se comparada com ela, isso me disse a tia
Arbuckle. A verdade é que não me lembro da minha mãe, porque morreu
quando eu era muito pequena, sabe.
Jason fê-la girar, consciente de que era uma magnífica bailarina, ligeira de
pés, natural e … oh, maldição, o desejo estava-o golpeando e picando-o,
assim que dançou rápido, cada vez mais rápido. E quase colidiu com o seu
irmão e a sua companheira, que lhe pareceu vagamente conhecida.
Judith perdeu o equilíbrio quando Jason a girou para um lado, assim que
simplesmente a levantou nos seus braços. O problema foi que, uma vez que a
teve contra si, não a quis mais soltar. Queria apertá-la contra o seu estômago
através de todos esses malditos saiotes e imaginar que não levava nenhum.
Ela ofegou, enquanto colocava as suas mãos nos seus ombros para
equilibrar-se.
- Meu Deus, esse homem é igual a si!
- Ah, acredito que é o meu irmão. James, Lorde Hammersmith, esta é a
senhorita Judith McCrae de Cornualha e Irlanda.
Jason olhou deliberadamente a jovem que ofegava junto de James, o seu
rosto reluzente pela transpiração, mas com um sorriso na boca. Parecia-lhe
familiar, e esses grandes olhos verdes, ela …
- Jason, não me reconhece? Pateta, sou eu, Corrie.
Pela primeira vez desde que tinha visto Judith, esqueceu o seu desejo e
ficou olhando a moça que tinha perseguido os calcanhares do seu irmão
desde os três anos.
- Corrie?
Ela confirmou, sorrindo.
- Coloquei creme, destapei o peito e guardei o meu velho chapéu.
- Bate-me se disser que lhe vejo muito aceitável como uma jovem?
- Oh, não, gosto que me admire. Quero que todos os cavalheiros neste
salão me admirem, que metaforicamente caiam aos meus pés como cães
mortos. James não quer cair, muito menos como um cão morto, mas eu
continuo a tentar.
- Como ela disse, baldes de creme e destapar-se fez com que ela
melhorasse muito – disse James. – Quanto a admiração, recebida com
entusiasmo – como James tinha requintadas maneiras, voltou-se
imediatamente para Judith. – Senhorita McCrae, é a primeira vez que vem a
Londres?
Judith olhava um irmão e depois o outro.
- Ainda que a tia Arbuckle tivesse mencionado que eram gêmeos, não me
tinha apercebido de que eram tão completa e absolutamente gêmeos – disse
Judith, - um parece a cópia do outro.
- Na realidade – disse Jason, - não nos parecemos nada. O James é devoto
dos planetas e das estrelas, enquanto eu sou uma criatura terrena.
Corrie disse: - Jason nada como um peixe e cavalga melhor do que James,
ainda que James nunca o reconheça, e com frequência ganha ao James nas
carreiras.
- Eu também nado – disse Judith. – No Mar da Irlanda em pleno verão, a
única altura em que não se congelam os dedos dos pés.
Jason queria perguntar-lhe o que vestia quando nadava. Seguramente uma
jovenzinha não podia nadar nua, como ele fazia.
Judith voltou esses olhos escuros para James.
- Estrelas, milorde?
Corrie disse: - Oh, sim, em noites ideais pode encontrá-lo numa colina em
particular, deitado de costas, olhando o céu.
Jason sorriu.
- Inclusivamente conhece todas as Leis de Kepler.
- Gêmeos – disse Judith, olhando novamente de um para o outro. – Que
prático para vocês. Trocam de lugar com frequência?
- Não, não desde que éramos pequenos – disse Jason.
Na realidade não, desde que James tinha querido provar que Ann Redfern
gostava mais dele do que de Jason, e então tinham trocado de lugar e ele se
tinha encontrado com uma moça nua no estábulo, e Jason ficou do lado de
fora. De qualquer maneira, até ao dia de hoje, nenhum deles tinha
compreendido a quem realmente preferia Ann, pela simples razão de que ela
não conseguia distingui-los.
- Se tivesse uma gêmea idêntica, teria praticado até poder enganar a nossa
mãe.
Jason riu.
- Desculpe, senhorita McCrae, não importa quanto o tivéssemos tentado,
nunca poderíamos ter enganado a nossa mãe.
- Ou a nossa avó, que é tão velha que já não deveria ter olhos tão agudos,
mas que os tem.
Judith voltou a olhá-los.
- Um desafio – disse. – Sempre adorei desafios. Acredito que posso
destingi-los. – Judith virou-se para Corrie. – Também tem uma gêmea?
- Oh, não – disse Corrie, olhando com atenção a estranha moça com pele
de porcelana e esses brilhantes olhos negros, e perguntou-se se ao ver um
creme ela saberia o que fazer com ele, quanto ao seu peito, estava muito bem
dotada, provavelmente não necessitava do corpete para o levantar. – Sou só
eu.
- Graças a Deus – disse James. – Duas como você e eu ficaria louco.
- James, vejo você em casa – disse Jason, sorriu a Corrie como se ainda
fosse alguém que não conseguia identificar totalmente, e foi-se embora
dançando.
James ficou olhando-o atentamente durante um momento, antes de dar a
volta com uma expressão pensativa, e dizer: - A dança acabou. Não, Corrie,
nada de uma terceira valsa. Não fará nenhum bem à sua reputação.
- Que quer dizer com isso?
- Não leu o livro de conduta que a minha mãe, eh... Jason, ofereceu para o
seu aniversário?
- Desfrutei tanto dele como desfrutei das obras de Racine. Já sabe, James,
a prenda de aniversário que você me deu, com todas essas encantadoras
imagens. Já sabe, as imagens que poderia olhar se me doesse a cabeça por
todas aquelas complicadas palavras francesas?
- Claro que me lembro. Foi reflexivamente escolhido de propósito para
você. Agora escute-me, ranhosa. Não dança mais de duas vezes com o
mesmo cavalheiro, ou está praticamente comprometida com ele.
- Mas não foram duas danças, ao menos duas danças completas. Jason
interrompeu o último terço da dança. Não podemos pelo menos dançar o
primeiro terço da próxima? – James negou com a cabeça. - Mas, porquê? Que
parvo é isso. É um bom dançarino, o melhor de todos os cavalheiros com que
dancei esta noite, talvez seja inclusive mais esperto do que Devlin, talvez.
Não me importaria de dançar com você toda a noite.
- Obrigado, mas não é adequado, ainda que lhe conheça desde sempre e
que seja praticamente minha irmã.
Ela sentiu o golpe dessas palavras despreocupadas e suspirou. Voltou a
tocar na gravata dele com os dedos, puxando—a de um lado para o outro.
- Então, isso é tudo. Muito bem, se não está disponível, então dançarei
com Devlin. Pergunto-me onde estará – levantou os olhos para ele. – O tio
Simon está realmente interessado em que encontre um marido já. O querido
não quer voltar a Londres na primavera para outra temporada. Disse que um
mês seria suficiente para resolver o problema.
- Olhe, Corrie, não é realmente possível, assim não pense que é um
fracasso se não estiver perante um padre quando o mês acabar, com esse
pobre coitado que ainda não conhece, casado ao seu lado. Uma proposta
agora, penso que seja possível. Pelo menos agora tem boa aparência, assim
que deve haver por ai algum jovem cavalheiro solteiro preparado para saltar
para a sua jaula.
- Essa é uma imagem interessante. James, em que pensa, quando pensa na
jóia da Arábia?
- Na jóia da Arábia? O que diabos é a jóia da Arábia?
- Eu penso que é um raro diamante que todos cobiçaram ao longo dos
tempos.
- O que tem isso que ver consigo?
- Bem, talvez absolutamente nada, se não consegue ver qualquer
comparação evidente.
- Escute-me, Corrie. Não dance com Devlin Monroe. Aconselho
energeticamente que o evite.
- Parece um vampiro até que sorri; então é bastante bem parecido, de fato.
- Vampiro? Devlin? Oh, refere-se à sua palidez – James ficou pensativo,
esfregou a testa. – Sim, é conhecido pela sua palidez. Um vampiro? Agora
que penso nisso, talvez, nunca o vi durante o dia.
- Verdade? Oh, céus; James, talvez … oh, maldito, está a gozar comigo.
- Claro que estou a gozar com você, Corrie. Mas Devlin, agora escute-me,
tem a reputação de se envolver em coisas um pouco diferentes …
- Que tipo de coisas diferentes?
- Não precisa de saber isso. Só obedeça-me e ficará bem.
- Obedecer—lhe? A você?
Ela deitou a cabeça para trás e começou a rir, não conseguiu evitá-lo, e
muitas cabeças femininas voltaram-se para verificarem a origem da risada…
como se já não estivessem olhando, com a sua atenção focada em James,
naturalmente.
- Praticamente criei você. Sim, preste-me atenção. Sou mais velho, tenho
mais experiência e, mais importante, sou um homem, e portanto sei coisas
sobre os homens e os seus instintos … bem, não importa. Simplesmente evite
o Devlin Monroe.
- Instintos quê? Quer dizer perversos? Está a dizer que Devlin Monroe é
perverso? Não são necessário muitos anos e muita concentração para alcançar
a verdadeira perversidade? Devlin é jovem. Como é possível que seja
perverso?
James queria apanhar entre as suas mãos esse adorável pescoço branco que
nunca antes tinha visto, podia jurá-lo, deslizar suavemente os dedos à sua
volta e apertar.
- Não disse que fosse perverso. Gosta de diferentes tipos de coisas.
- Bem, a mim também. É isto que lhe outorga a experiência, James?
Perversidade?
- Não, não seja ridícula. Esqueça o Devlin. Agora, vejo Kellard Reems
falando com a sua tia Maybella. Ele é bastante normal. Dance com ele. Se ele
devorar os seus se… o seu peito com os olhos, diga-me e faço-o engolir os
dentes com uma patada.
Corrie sussurrou, quase asfixiada: - Os homens dizem seios?
- Esqueça isso.
Mas não ia esquecê-lo. Corrie observava-se atentamente com novos olhos.
- É, bem tão inequívoca essa palavra.
- Sim, isso é certo. Os homens tendem a ser inequívocos e claros, ao
contrário das damas, que devem embelezar tudo com rendas, folhos e
palavras extravagantes, como peito.
- Seios – repetiu ela lentamente, saboreando totalmente essa palavra
proibida, e James tomou-a nos braços e sacudiu-a, qualquer coisa para apagar
aquela expressão pensativa do seu rosto.
- Escute-me, Corrie, não deve dizer isso, especialmente em frente de um
homem. Compreende? Um homem poderia… muito bem, com certeza ficará
com a impressão errada sobre a sua virtude e ficará obcecado com as
atividades que poderia compartilhar com ele. É peito, Corrie. Isso é tudo.
Promete?
- Ah, ali está Devlin o vampiro. Olhe esse lindo sorriso. Dentes brancos
contra um rosto branco, e esses olhos realmente escuros… iguais aos olhos de
Judith McCrae, não é verdade?
- Não, não é verdade.
- Sim, todos escuros e cintilantes, e… acredito que lhe perguntarei o que
faz à meia-noite, e vou oferecer-lhe o meu pescoço.
James recordou aquele dia em que lhe bateu no traseiro. A sua mão
flexionou-se, os dedos começaram a formigar.
Ela deixou-o sem dizer ou fazer qualquer gesto de gratidão por ele lhe ter
dado um conselho tão valioso. Não, tinha-se afastado, abanicando-se, porque
ele tinha dançado com ela na pista de baile e Corrie tinha adorado. Pelo
menos não lhe tinha dado um dos seus sorrisos de desdém, que o faziam
querer esfregar-lhe a cara no barro.
James ficou ali parado, franzindo a testa, até que sentiu uns dedos na
manga do abrigo e olhou para ver a senhora Milner mexendo as pestanas.
Suspirou, só um suspiro muito breve porque era um cavalheiro, deu a volta e
colocou um sorriso no rosto.
Quanto a Jason, ele levou dançando a senhorita Judith McCrae até às
enormes portas de cristal que davam para o balcão de Ranleagh com seus
jardins em baixo, e imaginou-a nua.
Ela olhou-o rindo. O que tinha dito eu que fora tão divertido? Parecia não
conseguir recordá-lo. Sim, imaginava-a rindo, e nua.
Diminuiu o passo porque a valsa estava chegando ao fim.
- Diga-me quanto tempo ficará em Londres.
- A tia Arbuckle quer regressar à Cornualha no Natal.
- Tem irmãos? Irmãs?
Ele parou e finalmente disse com um sorriso: - Bem, tenho um primo. É
dono de uma cavalariça chamada The Coombes, perto de Waterford.
- Esse primo é mais velho do que você, senhorita McCrae?
- Oh, sim, é muito mais velho.
A valsa terminou. Jason sorriu a esta formosa jovenzita. Gostaria de a
levar a dar um lindo passeio pelos jardins Ranleagh, mas não podia.
Ofereceu-lhe o braço e acompanhou-a de regresso a sua tia.
- Milady – disse, e fez uma breve mesura. – Confio em que Lorde
Arbuckle se sinta melhor em breve.
Lady Arbuckle disse: - É muito amável da sua parte, senhor Sherbrooke.
Judith deixou cair o seu leque.
- Oh, céus, sou tão torpe. Não, não senhor Sherbrooke, já o apanho.
Mas, claro, ele já se abaixava para apanhar o leque e entregou-lho,
sorrindo, enquanto lhe dizia: - Não está estragado. Um prazer, senhorita
McCrae, lady Arbuckle.
Jason fez outra mesura e foi embora. Espiou Tom caminhando até a
entrada, sem olhar nem para a direita nem para a esquerda. Parecia um cão
que acabava de cheirar um veado, com as fossas nasais abertas. Eram
croquetes de lagosta. Tom podia cheirar um croquete de lagosta a uns bons
dez metros de distância.
Jason juntou-se a ele, e depois de Tom ter devorado uma boa meia dezena
de croquetes e de ter bebido dois copos de ponche de champanhe, um puro
suicídio, abandonaram o baile Ranleagh para irem ao White’s. Jason tinha
conseguido esquivar-se de um monte de jovenzitas que alvoroçavam na sua
direção. Capturou o olhar do seu irmão e assentiu.
Esse assentimento significava que tinham mais planos que fazer, mas não
nesse exato momento. James concentrou a sua atenção na formosa senhorita
Lorimer, provavelmente o diamante dessa Pequena Temporada, que sem
dúvida dançava muito bem a valsa e que conseguia tagarelar enquanto
dançava. James estava encantado.
Quando James levantou novamente o olhar por casualidade, foi para ver a
Corrie dançando com Devlin Monroe.
- Há algum problema, milorde?
- O quê? Oh, absolutamente nenhum, senhorita Lorimer, só procurava uma
amiga de infância que continua desobedecendo-me.
- Humm – disse a senhorita Lorimer. – Soa mais como se o senhor fosse o
seu pai, Milorde.
- Deus não o permita – disse James, enquanto a música acabava.
Viu como Corrie agarrava no braço de Devlin, e caminhava até à enorme
mesa do banquete, junto da quase vazia taça de ponche de champanhe,
suficientemente forte para anular os escrúpulos de uma senhorita com um só
copo. Blasfemou em voz baixa.
Quando deixou Juliette Lorimer com a sua mãe e afastou-se depois de lhe
dar um carinhoso sorriso, Juliette disse a sua mãe: - Acredito que ficarei com
ele, mamãe. Ainda que fosse aborrecido e libertino, o que não parece ser,
poderia simplesmente olhá-lo, e isso seria prazer suficiente, não é verdade?
Lady Lorimer olhou a magnífica criatura que tinha dado à luz, e disse com
a sua voz sempre prática: - Dado que é a jovem mais formosa em todo o salão
de baile e que James Sherbrooke é o cavalheiro mais bem-posto, acredito que
semelhante matrimônio produziria filhos tão superiores aos restantes mortais,
que provavelmente seriam assassinados para que a civilização pudesse seguir
em frente.
Juliette riu encantadoramente.
- Há somente uma de mim, mas Lorde Hammersmith tem um irmão gêmeo
que é tão formoso como ele. Vi-o dançando com uma moça de cabelo escuro,
que não parecia nada interessante.
- Também a vi. Muito comum. Mas não importa. Deve recordar que o
irmão não é o próximo conde de Northcliffe, não é verdade?
A senhorita Lorimer deu mais uma das suas encantadoras risadas e viu
como James abria passo entre os muito convidados, todos pareciam querer
falar com ele, sendo a maioria deles do belo sexo. Era muito bom que ela
fosse a dama mais formosa dali, assim como em outros lugares.
Porque senão, poderia sentir-se um pouco preocupada.
Capítulo 12
O matrimônio é uma perigosa doença; É muito melhor começar a beber,
na minha opinião.
Madame de Sevigne
Alexandra Sherbrooke gritou com o seu marido, ainda ele não tinha
entrado pela porta principal: - Às vezes tenho vontade de eu mesma lhe
disparar, Douglas! Perdeu o juízo? Olhe-se, caminhando pela rua, balançando
o bastão, sim, vio pela janela, apostaria inclusivamente que assobiava, e sem
um só amigo ao seu lado. Eu mesma lhe dispararei!
E correu pelo vestíbulo e lançou-se nos seus braços, que se abriram
mesmo a tempo. Ele apertou-a, beijou-a na testa e disse em voz baixa: -
Suponho que não foi muito prudente da minha parte, coração, mas estou
cansado das sombras, das ameaças e das preocupações de que alguém
pudesse saltar-me em cima.
Ela olhou-o, abraçando-o ainda com mais força.
- Quer que o assassino venha buscá-lo?
- Sim, suponho que assim seja - ele procurou no seu bolso e extraiu uma
pequena derringer de prata. – Realiza dois disparos. O meu bastão também é
uma espada. Estou preparado, Alex. – voltou a abraçá-la e logo afastou-a.
Passou-lhe suavemente um dedo pelas sobrancelhas. Ela fechou os olhos e
aproximou-se mais. Era um hábito de que gostava há muito tempo. –
Maldição, quero que isto acabe.
- Quero os seus amigos sempre à sua volta, ouve-me Douglas?
- Quê? Estamos todos quase prontos para entrar tremendo na velhice e
mesmo assim quer que eles andem ao meu redor?
- Nem me importa se estão bêbados, a sua simples presença pode protegê-
lo
. Entraram na biblioteca e Douglas fechou a porta muito calmamente.
- Temo que Willicombe possa vir correndo a qualquer momento, e quero
um pouco de paz.
- Está a encarar a sua segurança mais seriamente do que você, Douglas.
Sabe que me perguntou se podia contratar o seu sobrinho? Disse que pode
espetar um prego só com o punho. Claro está que lhe disse logo que sim.
Agora temos outro criado e guarda-costas. Ele chama-se Remie e fará a
vigília entre a meia-noite e as três da manhã, depois é o Robert até as seis.
Douglas agarrou a garrafa de brandy e serviu um copo para cada um.
- Pensei uma e outra vez sobre isto. Juro, Alex, não consigo lembrar-me de
ninguém que me possa odiar o suficiente como para tomar todas estas
maçadas… é tudo tão dramático, esta confabulação de vingança, se isto tudo
se tratar de uma vingança. Georges Cadoudal… vi-o algumas vezes ao longo
dos anos, depois de o termos deixado em Etaples em 1803. Como parecia não
conseguir assassinar a Napoleão, virou-se para alguns dos seus generais e
funcionários. Matou pelo menos a seis deles, durante os últimos anos antes de
Waterloo. Mas isso foi há mais de quinze anos atrás, Alex. Quinze anos.
Morreu mesmo depois de Waterloo, em algum momento, no início de 1816.
- Quando descobriremos se teve filhos?
- Rapidamente, espero.
- Estive a pensar, Douglas. Lembra—se daquela missão especial que você
teve no início de 1814? A única coisa que me disse foi que não era perigosa,
que tinha que trazer alguém em segurança de volta para Inglaterra.
De repente ele pareceu muito mais jovem e muito satisfeito consigo
mesmo.
- Sim, consegui ocultar—lhe isso, não foi?
- Quem era, Douglas?
- Um cavalheiro que tinha dinheiro suficiente e que ofereceu informações
suficientes ao Ministério da Guerra como para ganhar um lugar seguro em
Inglaterra. Jurei nunca revelar o seu nome.
- Então ele não teria razões para odiar você. Salvou-lhe a vida.
- Assim é.
- Georges teve algo que ver com esse homem que você trouxe de França?
- Milorde, Remie está agora a vigiar.
Douglas quase deixou cair o copo. Virou-se rapidamente, com a mão já no
bolso do abrigo, preparado para tirar a derringer, só para encontrar-se com
Willicombe parado e bem atento, no lado de dentro da porta.
- Como diabos entrou aqui sem que lhe ouvisse, Willicombe? Meus Deus,
homem, poderia ter-lhe disparado.
- Teria que ouvir-me primeiro, milorde, e isso, atrevo-me a dizer, é quase
impossível, porque sou quase uma sombra, exatamente como o Hollis.
Também me atrevo a dizer que, se se houvesse apercebido da minha
presença, se sentiria inundado de calidez e bem-estar. O senhor nunca me
teria disparado, milorde.
Alexandra sorriu.
- Tem razão, Willicombe. Hollis não poderia ter-se mexido mais
silenciosamente do que você. Onde está colocado Remie para passar a noite?
- Ele deambula, milady, deambula desde a cave até ao sótão e depois do
lado de fora, o estábulo. Vagueia nas sombras, pelas vielas e inclusive no
parque. Vai ver tudo, vai escutar tudo. Vale cada moeda que se lhe pague,
milorde.
- Bem, isso é tranquilizador. Pode recolher—se, Willicombe.
- Sim, milorde. Descobriu mais alguma informação sobre o vilão que
procura abreviar a sua vida, milorde?
- Não, ainda não. Vá deitar-se, Willicombe.
Quando Willicombe saiu, caminhando tão silenciosamente como um gato
para fora da biblioteca, fechando suavemente as portas depois de passar,
Douglas virou-se para sua esposa.
- Já lhe tinha dito que estava muito atrativa esta noite, salvo porque os
seus seios estavam à vista de cada lascivo pervertido em Londres?
Alexandra olhou-o por debaixo das pestanas.
- É uma coisa extraordinária ter um marido que continua olhando com
tanto fervor as minhas partes íntimas.
- Não é engraçado, Alexandra. Fui obrigado a sair da sala de jogos, ou
então teria que disparar a uma dezena desses crápulas.
Ela sorriu, abraçou-o, colocou-se na ponta dos pés e disse contra o seu
rosto: - Fez comentários sobre o encantadora que se via Corrie esta noite? O
vestido que você escolheu para ela era encantador.
- Não é assombroso? Pensava que poderia ser aborrecido. Ainda que temo
que também mostre demasiado – os lábios de Douglas ficaram tensos. –
Disse-lhe, a ela e a Madame Jourdan … Poderia deixar de rir de mim, Alex?
Farei com que o lamente.
- Não tinha ideia de que ela fosse tão bonita, Douglas. O seu sorriso faz
com que uma pessoa queira também sorrir.
- Sim, sim, e quem se importa? Vamos. Sou um homem velho e já passa
da meia-noite. Tenho muito poucos milagres.
- Oh, sim, assim é – disse a sua esposa enquanto subia as escadas ao seu
lado.
Muito poucos homens gostam que uma mulher lhe assinale o óbvio.
Margaret Baillie Saunders
- Está a ser um idiota, James Sherbrooke. Vá-se embora antes que lhe dê
uma pancada na cabeça com esse atiçador.
- Não, não me irei embora – ele agarrou-a pelo braço antes que ela pudesse
apanhar o atiçador. Inclusive abanou-a. – Vai responder-me agora, e com a
verdade, madame. Quero saber exatamente o que aconteceu entre si e Devlin
Monroe na noite passada.
Ela ficou rosto com rosto com ele, deitou a cabeça para trás e disse, com
um encantador sarcasmo envolvendo a sua voz: - Não aconteceu nada que eu
não quisesse.
- Bebeu demasiado desse ponche de champanhe, certo? Soube que, depois
de o provar, uma dezena de moças perdeu a sua virtude ontem.
- Parvoíces, James. A maioria das jovens tem cabeças muito mais duras do
que os créditos que lhes dá. Sim, bebi dois copos desse delicioso ponche que
enevoa a mente, mas Devlin foi um perfeito cavalheiro. Está a ouvir-me? Um
perfeito cavalheiro. Pode um vampiro ser um perfeito cavalheiro? Não
importa. Agora, vou cavalgar com ele esta tarde no parque, exatamente às
cinco em ponto, se não chover, ainda que possa chover.
Ele deu um passo atrás, porque de outra forma poderia agarrá-la, deitá-la
sobre os seus joelhos e açoitá-la outra vez, ainda que duvidasse que ela
sentisse as palmadas.
- Quantas anáguas leva?
- O quê?
- Quantas anáguas tem debaixo desse vestido?
A mente de um homem, pensou Corrie, é uma coisa assombrosa.
- Bem, deixe-me ver – bateu com a ponta dos dedos na testa. – Estão os
meus calções, logo a minha camisola… sabe, chega-me quase até aos joelhos
e tem uma bonita renda à volta do pescoço, é de musselina branca e muito
suave… O que acontece? Tem algum problema nos olhos? Perguntou…
- Fale-me só quantas anáguas tem vestidas, não do resto. Por amor de
Deus, Corrie, uma senhorita não fala dos seus calções, muito menos sobre a
suave camisola de musselina branca, especialmente diante de um homem.
- Muito bem, suponho que também não quero saber o que leva por debaixo
das calças. Agora, onde ia? Está a anágua de flanela, só uma, para manter-me
quentinha mesmo quando já está calor. Logo tenho quatro de algodão, e em
cima de tudo uma anágua de linho branco muito bonita que, se por acaso o
vento levantar o vestido, mostrará até às damas mais críticas que estou bem
vestida, até por debaixo das roupas. Quanto ao que os cavalheiros pensariam,
bem, teria que dar-me a resposta a isso, não é verdade? Aí tem, está contente
agora? Por que diabo quer saber quantas anáguas tenho?
- Gostava mais quando você andava de calças. Podia ver exatamente o que
levava.
- O que significa isso?
- Podia ver o seu traseiro. Bem, não realmente; essas condenadas calças
eram tão largas.
Esta era a sala de estar da sua tia. O tio Simon estava instalado no seu
estúdio, não a mais de seis metros. A tia Maybella, céus, poderia estar mesmo
do outro lado da porta, escutando.
- Não deve falar do meu traseiro, James. Seguramente não é correto.
- Não é. Peço perdão.
- Bem, esqueça também as minhas calças. Sempre gozava com elas, de
qualquer maneira. Não lhe agrada o meu vestido? Foi o seu pai que o
escolheu. É muito branco, todo virginal, não lhe parece?
- Continue a passar tempo com Devlin Monroe e não terá qualquer
pensamento virginal na cabeça. Sem mencionar o resto de si.
- Agora está a acusar-me de tirar a roupa para um homem que mal
conheço? De tirar todas estas malditas anáguas?
- Vi você a beber esse ponche de champanhe ontem. Era perigoso, nada
adequado para jovenzitas. Dançou com ele duas vezes, Corrie. Não foi
correto da parte da sua tia permiti-lo.
- Ela estava ocupada flertando com sir Arthur. Vi você passando um
momento maravilhoso com essa senhorita Lorimer, que, disse a minha tia, é
considerada o melhor partido, neste momento, em Londres, e não é uma pena
que tenha que ter aparecido justo quando eu cheguei? Passou bem com ela,
James? Sim?
- Juliette …
- O seu nome é Juliette? Como a condenada apaixonada de Romeu? Isso
faz com que queira… - não cuspa, não na sala de estar da tia. - Os olhos de
James chamejavam. Ela não sabia se era pela cor violeta ou se era esse tom
azul que fazia que lhe doessem as entranhas, mas ela viu-os chispar. Mudou
de direção. – Ah, seguramente é encantadora, não é? Mas sabe, James, ouvi
que prefere diferentes tipos de coisas, tal como Devlin Monroe, e não
acredito que seja acertado você passar demasiado tempo com ela. Poderia
ficar sem as suas calças e, então não seria isso escandaloso?
James só podia olhá-la fixamente, com a boca aberta, o seu cérebro
bloqueado.
- Que tipo diferente de coisas? Está a dizer que a senhorita Lorimer é
leviana?
- Quer dizer se penso que é perversa? Como Devlin Monroe?
- Nunca disse que ele era perverso, maldita seja.
- Bem, na realidade também não estou a dizer que a senhorita Lorimer seja
perversa, James. Disse que prefere diferentes tipos de coisas e…
- Que tipo de coisas?
Essas ridículas palavras saíram da sua boca antes que pudesse dizer-se que
ela estava pescando-o como a um peixe, muito lentamente, e ele, como o
tonto que era, estava saltando para a sua mão. Era um idiota. Toma o
controle, toma o controle.
- Não, esqueça, não quero saber.
- Mas está interessado, não é certo, James? Quer saber o que gostam de
fazer as jovenzitas que se inclinam para a libertinagem. Admita-o.
Era um idiota, um idiota que ela estava pescando sem sequer puxar a linha.
- Muito bem, diga-me.
Ela aproximou-se mais, perigosamente, porque ele estava perfeitamente
preparado para torcer-lhe o pescoço, e sussurrou: - Ouvi dizer que a Juliette
gosta de representar papéis lascivos em obras. Como a Lysistrada de
Aristófanes, sabe, essa obra grega onde a mulher diz ao homem que não
farão…
James olhava fixamente esse rosto que conhecia tão bem, que poderia
fechar os olhos e passar vagamente os dedos sobre o seu rosto e saber
exatamente o que estava vendo. A parte dele que ainda era um peixe sendo
pescado, disse: - Como sabe isso?
Corrie inclinou-se ainda mais perto, sem tocá-lo.
- Ouvi por casualidade algumas moças falando sobre isso na salita para
damas ontem à noite. E como estou interessada no Devlin Monroe e nos
diferentes tipos de coisas que ele prefere, falei com a senhorita Lorimer e
disse-lhe que eu também podia atuar, especialmente personagens de grande
flexibilidade moral. Ela disse que também era o seu gênero de personagem
preferido. Disseme que as pessoas de bem são aborrecidas, que afastar-se um
pouco do caminho era emocionante. Que acontecerá quando se afastar desse
caminho? – Corrie aproximou-se mais. Ele podia sentir a sua respiração na
bochecha. – Pensei em sujar a beira do meu vestido e, depois de esse
primeiro grande passo, bem, então talvez perderei os ganchos do meu cabelo.
O que pensa, James?
A linha cortou-se. James apanhou-a pelos ombros e abanou-a. Queria
açoitá-la, mas isso não aconteceria, pelo menos não ali, na sala de estar do
seu tio. Talvez da próxima vez em que ambos estivessem em casa, poderia
levá-la de regresso a aquela pedra, poderia descer-lhe as calças sujas pelas
ancas e…
- Escute-me, Corrie. Realmente por hoje já tive o suficiente. Poderia
pensar em esquecer—se de Aristófanes e do que faziam essas mulheres na
obra, o que, claro, não pode entender, apesar dessa sua conversa sobre
flexibilidade moral. Também poderia pensar esquecer—se de Juliette
Lorimer e suas obras. Não queira atuar numa obra assim. Não queira afastar-
se do caminho e sujar a beira do seu vestido.
- Por que não?
- Não o fará, e aqui acaba o assunto. Agora, insisto rotundamente que
esqueça o Devlin Monroe. Vai escrever-lhe uma nota explicando-lhe que não
voltará a vê-lo. Entendeu?
- Está a gritar, James. Gosto do Devlin; é herdeiro de um ducado. Céus, já
é conde.
- Chega!
- Você só é o herdeiro de um condado. – ela voltou a aproximar-se. – É
possível que Juliette queira o seu dinheiro?
Isso foi demasiado. James finalmente libertou-se da linha. Rugiu: - Se vejo
você com Devlin Monroe, a açoito.
Ela sorriu sarcasticamente, uma careta plena, insolente e totalmente
gratificante. Para enfurecê-lo ainda mais, cruzou os braços sobre o peito e
começou a assobiar.
James controlou-se. Não disse mais nenhuma palavra. Girou sobre os
calcanhares e quase atropelou a sua tia Maybella na sua pressa para sair da
sala.
- James? Jason?
- Sou o Jason, senhora, e desculpe-me mas devo partir.
- Bem, eu … adeus, meu querido rapaz.
A tia Maybella entrou na sala e viu a sua sobrinha parada em frente da
janela, com a testa contra o vidro.
- O que estava fazendo o Jason aqui?
Capítulo 13
Um deveria perdoar os seus inimigos, mas não antes de que sejam
enforcados.
Heinrich Heine
Era cedo, apenas sete da manhã. Douglas e James cavalgavam por Hyde
Park, com um cômodo silêncio entre eles, cada um imerso nos seus próprios
pensamentos. Era uma manhã nublada, a neblina inicial ainda tinha que
desaparecer. Viraram em Rotten Row e imediatamente colocaram Bad Boy e
Garth a galope. O vento açoitava contra os seus rostos, fazendo com que os
seus olhos lacrimejassem.
- Henry VIII gostaria disto – gritou Douglas.
- Sim, gostaria até que visse alguém cavalgando na sua direção, e então
atacaria.
Quando finalmente Douglas deteve Garth, continuava rindo,
entusiasmado, pronto para relegar todas as suas preocupações.
James parou ao seu lado, afagando o pescoço de Bad Boy, dizendo-lhe que
era um tipo excelente e veloz. Bad Boy bateu com a cabeça contra a de
Garth. Garth tentou morder-lhe o pescoço. Pai e filho estiveram vários
minutos ocupados separando-os.
James estava rindo quando se virou para o seu pai. De repente, o seu riso
morreu na garganta. Viu um lampejo brilhante num raio de sol do começo da
manhã que tinha atravessado as nuvens.
Lançou-se sobre o seu pai, deitando-os aos dois no chão enquanto se ouvia
um disparo, obscenamente ruidoso naquela tranquila manhã.
James colocou-se em cima do seu pai enquanto tentava tirar a sua arma do
bolso do seu abrigo. Outro disparo… um pedaço de terra voou, a menos de
quinze centímetros da cabeça de Douglas.
- Maldita seja, James, saia de cima!
Douglas lá conseguiu retorcer-se e envolver os braços em volta da cintura
do seu filho. Literalmente levantou-o e fê-lo ficar de costas, ficando por cima
dele.
Outro disparo, logo outro, e Douglas passou os braços a volta da cabeça do
seu filho para protegê-lo. Mas esses disparos não foram perto, provavelmente
porque Bad Boy e Garth estavam encavalitados e relinchando, interrompendo
a linha de visão do assassino.
- Pai, por favor, deixe que me levante.
Douglas resmungou e rodou sobre as costas, logo colocou-se de pé e
ofereceu a mão a James. Abarcaram a área com as suas pistolas, mas não
viram ninguém. De repente Garth, enlouquecido, começou a correr. Douglas
assobiou tranquilamente, trazendo-o de volta, mas Bad Boy já se tinha ido
embora. Deteve-se perto, com a cabeça baixa, soprando forte, lambendo a
mão de Douglas.
- James, está tudo bem agora.
James virou-se lentamente para enfrentar o seu pai.
- Deve ensinar-me como chamar a Bad Boy.
Douglas tinha tentado ensinar a James a assobiar ao seu cavalo, mas James
simplesmente nunca conseguiu fazer um lindo silvo ensurdecedor, que era o
que necessitava para conseguir obter a atenção de qualquer cavalo.
- Vou ensinar-lhe – disse-lhe.
- Pai, estão atrás de você, não de mim. Tentou proteger-me.
- Claro que lhe protegeria – disse Douglas simplesmente. – É meu filho.
- E você é o meu pai, maldição – brincou com a sua arma durante um
momento. – Penso que irei investigar aqueles arbustos onde vi o brilho.
- O condenado já se foi há um tempo – disse Douglas, enquanto sacudia a
poeira.
Doía-lhe o ombro onde James tinha aterrado quando o deitou ao chão.
Manteve a sua derringer[1] na mão e caminhou até ao seu filho, que também
tinha uma arma na mão, uma grande e feia, uma pistola de duelo da
biblioteca de Douglas, sobre os espessos arbustos junto ao caminho.
- Nada – disse James, e amaldiçoou. Douglas sorriu. – Maldição, o
bastardo já se foi. Pode-se ver onde esperava… os arbustos esmagados. Isto
não é o que …
De repente Douglas levantou a sua derringer e disparou. Escutaram um
grito, depois nada. Douglas saiu apressado, James correu atrás dele. Saíram
detrás do estreito grupo de árvores a tempo de ver um homem montando um
cavalo que saía pela porta sul do parque, com sangue caindo pelo braço.
- Que mal – disse Douglas. – Tinha esperança de lhe ter acertado na
cabeça.
- Um alvo pequeno – disse James, tão aliviado, tão surpreendido, que o seu
coração quase lhe saía do peito.
O seu pai acariciava suavemente com o dedo a sua brilhante derringer de
prata.
- Na realidade, surpreende-me ter acertado. Acertar uma bala a um metro e
meio de distância com uma derringer é uma boa distância, e este foi a uns
bons seis metros.
- Oh, Deus, esteve muito perto, demasiado perto. Pai, jura-me que está
bem?
- Oh, sim – disse Douglas distraidamente, olhando fixamente onde o
assassino tinha estado. Virou-se para o seu filho, bateu-lhe no braço. –
Obrigado por salvar-me a vida.
James engoliu com força, e voltou a tragar. O seu coração estava
reduzindo finalmente a sua palpitação. Agora o medo estava aparecendo,
fazendo-lhe tremer as mãos. Tão perto, tinha estado tão perto.
- Se não tivesse visto esse brilho…- voltou a engolir. – Foi você que me
salvou a vida e …
Douglas viu o medo nos olhos do seu filho, envolveu-o com os braços e
segurou-o.
- Chegaremos ao fundo deste assunto, James. Vai ver.
- Não posso suportar isto, senhor, realmente não posso – disse James.
- Tem razão. Já está a ficar tedioso, James, estou de acordo consigo nisto,
talvez seja hora de fazer algo a respeito disto. Não soube mais nada sobre a
morte do Cadoudal ou sobre algum filho. Partirei para França pela manhã.
- Mas ali é onde …
- Não, o inimigo está aqui, James, não na França. Tenho amigos ali. É o
momento de me encontrar com eles, de que tente saber algo sobre este
demente complot.
- Irei com você.
- Não, você e Jason serão os meus olhos e ouvidos aqui na Inglaterra.
- A mãe não ficará contente.
- Tinha pensado levá-la comigo – disse Douglas. – Seguramente seja mais
seguro a França. Quando penso que queria vir cavalgar conosco esta manhã,
faz com que o estômago me dê voltas. Partiremos discretamente, amanhã
antes que amanheça. Não quero que o nosso inimigo saiba que já não estamos
na Inglaterra. Deixa que essa praga continue a fazer os seus planos – sorriu
enquanto olhava atentamente a entrada do lado sul. – O bastardo terá que
cuidar do braço. Isso vai mantê-lo afastado durante uns dias, pelo menos.
Logo acreditará que me assustou tanto que estou ocultando-me em casa. –
Douglas caminhou até Garth, que estava comendo erva ao lado do caminho,
e disse por cima do ombro: - Vamos, James. Temos muito que fazer.
Desafortunadamente levou-lhes um bom tempo chegar a casa, já que Bad
Boy tinha escapado do parque para o estábulo de casa.
Duas horas mais tarde, Alexandra olhava atentamente o seu marido, a sua
xícara de chá esquecida. Aclarou a garganta, compôs o cabelo, deixou
cuidadosamente a xícara no prato e disse: - Acredito que é um plano
excelente, Douglas. Iremos embora muito cedo, sairemos pela porta traseira.
James pode conseguir que uma carruagem de aluguer nos encontre na rua
Willowby.
- Dali encontraremos o capitão Finch no porto. Partiremos para França
com a primeira maré.
- Já arranjou um barco?
- Claro. Só uma mala, Alex. Só o essencial.
Ela levantou-se e sacudiu a saia. Caminhou até ao seu marido, querendo
desesperadamente tê-lo perto e protegê-lo, mas sabia que isso era impossível.
Sorriu-lhe, ali sentado com as compridas pernas esticadas, os tornozelos
cruzados e com um sorriso no rosto.
- Está a desfrutar disto – disse-lhe lentamente. – Desgraçado … está a
desfrutar.
- Já passou muito tempo, e não, realmente não lhe chamaria prazer. O
perigo acrescenta algo de entusiasmo ao sangue, admito-o. Vamos desfrutar
em França, Alex, e não terei que me preocupar tanto por sua causa como
aqui. Deixe que os vilões procurem, perguntando e buscando-me, inclusive
acreditando que estou escondendo-me aqui. Tudo estará bem.
- Sim – disse ela, e sentou-se no seu regaço. Enterrou o rosto contra o
pescoço do seu marido. – Sim, tudo bem.
- Remie continuará a fazer as suas voltas. Também recrutei uma dúzia dos
nossos amigos para manterem os olhos abertos e para vigiarem o James e o
Jason. Quero que os rapazes fiquem a salvo.
- Sim – disse ela, e quis chorar de tão assustada que estava. – Mas sabe
que os dois estarão encabeçando a procura.
- Não lhes espetarão punhais nas entranhas, Alex. São espertos, fortes e
rápidos. Ryder e eu ensinámo-los a lutar sujo. Não se preocupe.
Alexandra olhou-o como se estivesse completamente louco.
Na manhã seguinte, três horas depois de que os seus pais tivessem partido
num barco com destino a Calais, James e Jason estavam tomando chá na sala
do pequeno-almoço.
- Iremos ocupar-nos dos nossos assuntos, e se perguntarem, simplesmente
diremos que os pais estão em casa, descansando – disse James.
Jason, disse consternado: - O pai nunca admitiria que necessita descansar.
Pode imaginá-lo?
- Não, tem razão – James franziu o sobrolho. – Na realidade, foi a mãe
quem disse isso.
- Os seus amigos também não vão acreditar. Não me disse se tinha falado
com algum deles, mas conhecendo-o, e sabendo que quererá que estejamos
protegidos enquanto ele não está aqui, apostaria que o fez. O quê, então?
- Que tal… ele e a mãe viajaram até Cotswolds para visitar o tio Ryder e a
tia Sophie?
- Isso poderia colocá-los em perigo, pelo menos até que os bastardos se
dêem conta de que foram enganados e regressem a Londres.
- Muito bem. Podemos dizer que foram para Escócia ver a tia Sinjun e o
tio Colin.
Os gêmeos continuavam tentando arranjar uma solução, quando
Willicombe entrou suavemente, sem fazer mais ruído do que uma serpente.
Havia tensão na sua boca e um pouco de desaprovação na sua voz.
- Milorde, uma jovenzita está aqui para vê-lo. O senhor não foi incluído na
petição, amo Jason. Não traz nenhum acompanhante. Devo mandá-la
embora?
- Não, não, Willicombe, fá-la passar. Jason, o que diremos?
- Diremos que a mãe se está a sentir mal e que o pai levou-a para a costa
para descansar. A Brighton. Isso vai mantê-los ocupados os bastardos,
tentando localizá-los ali. Agora, vou ver a senhorita Judith McCrae.
O seu irmão lançou-lhe um olhar pensativo e disse: - Está noite, você e eu
encontrar-nos-emos com todos os nossos amigos. Colocaremos esses
preguiçosos a trabalhar, vamos dar-lhes algo mais que fazer do que
vaguearem pelos bordéis.
- Pensei que tinha uma reunião com a Real Sociedade de Astronômica esta
noite.
- As estrelas podem esperar – disse James, e então bateu na testa com a
mão. – Maldição, era suposto apresentar um trabalho.
- Aquele sobre o fenômeno da cascata prateada que presenciou enquanto
estudava um dos anéis de Saturno?
James confirmou e começou a andar pela sala.
- Huygens estava enganado sobre que os anéis são sólidos, Jason. Não o
são, e por isso é que vi essa cortina prateada correndo através…
- James? Vai deixar-me no vestíbulo toda a manhã. Está preocupado por
Saturno?
Ambos deram a volta para ver Corrie parada na entrada, Willicombe
estava detrás dela, agitando as mãos, parecia pronto para chamar Remie. Ela
tinha-o ultrapassado. James poderia tê-lo avisado que Hollis já nem
considerava fazer esperar Corrie, que nenhum homem no seu perfeito juízo o
faria.
- Tudo bem, Willicombe. Esta é a senhorita Corrie Tybourne-Barret. É
uma amiga – James deu um passo até ela, com uma mão esticada. – Corrie,
está tudo bem? Onde está a sua criada? Seguramente não veio até aqui
sozinha, não é verdade? Isso não se faz, sabe, e não deveria…
- Tenho que falar com você.
Olhou deliberadamente a Jason que a olhava atentamente, perplexo.
- É uma mulher bastante magnífica – Jason ofereceu-lhe um cintilante
sorriso de dentes brancos, que impressionaria a qualquer mulher entre os dez
e os oitenta anos. – Vou-me embora, James. Vejo você esta noite – Jason
passou um dedo pelo queixo de Corrie ao passar por ela. – Tenha cuidado,
pequenita, o irmão mais velho está um pouco nervoso.
Ficaram ali parados, escutando Jason assobiar, as suas botas fazendo
barulho sobre o mármore italiano branco e negro do vestíbulo da entrada.
- O que está acontecendo, Corrie? Oh, sente-se. Gostaria de um pouco de
chá?
- Não, nada de chá, obrigada. Ouvi um rumor estranho, James.
James ficou instantaneamente quieto. Maldição, saberia sobre as tentativas
de acabar com a vida do seu pai?
- Que rumor? – perguntou com muita cautela.
- Juliette Lorimer.
- Juliette Lorimer? Quem…? Oh, sim, é aquela moça que dança bastante
bem e… O que acontece com ela?
- O que quer dizer com que dança muito bem? É assim tão especial? Eu
não danço bastante bem?
- Ainda não, mas vai conseguir. Qual é esse rumor sobre a senhorita
Lorimer?
- Escutei que decidiu que lhe quer, James. Pretende casar com você. É
possível que goste de Jason, mas tem que ser você, porque é o herdeiro.
James, fascinado, disse: - Onde ouviu isso?
Corrie aproximou-se mais, colocou-se na ponta dos pés e sussurrou: -
Daisy Winbourne disseme que tinha ouvido a mais de uma dezena de mães e
filhas, por igual, lamentarem-se por isso na salinha das damas. O irmão de
Daisy inclusive, mencionou que rapidamente haveria uma aposta no White’s.
Ele empalideceu. Sacudiu a cabeça, sem que os seus olhos se tivessem
desviado do rosto dela.
- No livro de apostas do White’s?
- Evidentemente. Em breve. Todos querem ver você com ela uma vez
mais, antes de fazerem as suas apostas. Já sabe, para verem o quanto está
apaixonado. Pretende casar com ela, James?
- Maldição, claro que não. Nem sequer conheço a maldita moça – Corrie
deu um enorme sorriso. – O que é isto? Não lhe agrada?
- De nenhuma maneira – disse Corrie, e colocou as luvas. – Por que teria
que agradar-me?
Ela começou a assobiar enquanto girava e saía da sala. Ele exclamou,
como se o diabo o tivesse picado e estivesse ao seu lado: - No entanto,
dançarei com ela amanhã à noite, no baile Lanscombe. Então veremos, não é
verdade?
Corrie não pensava permitir que ele visse como o seu sorriso desaparecia
do seu rosto.
Nessa noite, James apresentou o seu trabalho sobre o fenômeno da cascata
prateada que presenciou em Titán, o anel maior de Saturno, na reunião
mensal da Real Sociedade Astronômica. Havia trinta cavalheiros presentes,
todos aficionados às estrelas, vários deles juravam até ao seu último alento
que a terra era o centro do universo, maldito fosse o herege do Galileo. Havia
duas damas presentes, ambas esposas de homens apresentando trabalhos, e
ambas ficaram olhando-o até que o único que queria era terminar a
apresentação e ir embora.
O trabalho de James foi bem recebido, principalmente porque era breve,
ainda que ele soubesse que a maioria dos membros pensavam que era
demasiado jovem para compreender o que estava vendo. Recebeu dois
convites das damas, aparentemente para jantar e os seus maridos também
estariam presentes.
Regressou à residência Sherbrooke na cidade às dez da noite, para
encontrar a biblioteca do seu pai cheia de amigos, todos eles com semblantes
sérios, como prisioneiros no ancoradouro, maldizendo indignados o céu,
exigindo ser o que matasse o bastardo que queria matar o conde.
- Primeiro temos de descobrir quem são – disse Jason. – Como disse, o
nome do único suspeito que temos é Georges Cadoudal, mas quando morreu
algum tempo atrás, supostamente não era inimigo do meu pai. O meu pai está
na França tentando descobrir se Cadoudal tinha filhos. Poderia ser vingança,
mas bem, como o meu pai e o Cadoudal não eram inimigos, não tem muito
sentido.
- Os filhos, principalmente os filhos varões, podem ter todo o tipo de
ideias, Jason. Se o pai está morto, então têm que ser os filhos.
- Já vermos. Agora, não temos nenhuma outra pista. Só mantenham os
ouvidos atentos a esse nome e a qualquer outro que possam descobrir.
James sorriu ao ver o seu irmão escrever num pequeno caderno, sem
dúvida as tarefas designadas para cada um. Jason era lógico e astuto. James
sabia que tinha designado para cada tarefa o homem adequado.
À meia-noite, cada jovem tinha já um propósito. Iam salvar o conde de
Northcliffe, convertendo-se em heróis no processo, e ganhar a sua eterna
gratidão.
Enquanto os irmãos subiam as escadas para se deitarem, James disse: -
Como se lembrou de tantas funções diferentes?
- Não são assim tantas, já que vão aos pares. Johnny Blair, por exemplo,
conhece a maior parte dos franceses em Londres, já que está comprometido
com a filha de Frog. Johnny é discreto se não beber, e Horace Mickelby vai
mantê-lo sóbrio e alerta. Reddy Montblanc, que está quase cego de um olho
é, no entanto, um dos melhores rastreadores de Inglaterra. Ele e Charles
Cranmer olharão a área onde o assassino disparou ao pai. Assim como os
demais. Quanto a nós, dentro de duas noites, esse capitão francês deveria
estar aqui. Vamos encontrar-nos com ele. Como correu a sua apresentação na
Sociedade?
- Breve e concreta, e pode ver que todos os velhos cavalheiros queriam
dar-me uma pancadinha na cabeça. Pergunto-me se o pai e a mãe já terão
chegado a Paris.
- Deverão chegar em breve, se já não chegaram. Como disse o pai, tem
muitos amigos ali. Alguém deve saber alguma coisa, ou pode ter ouvido algo.
Deve haver pessoas que conheceram o Cadoudal, e saberão se existe alguma
família. Espero que a mãe não esteja falando francês.
- Realmente ela tenta – disse James, e riu.
- Tem sorte de que não vivamos no século passado, com a chegada dos reis
Hannoverianos. Podem imaginá-la tentando aprender alemão?
Capítulo 14
O galo poderá cantar, mas é a galinha quem põe os ovos.
Margaret Thatcher
Era uma noite tranquila para ser o primeiro de outubro, mas como a mãe
de Remie lhe tinha dito que choveria à meia-noite, James levava um abrigo
mais pesado.
Não desejava particularmente ir ao baile Lanscombe na praça Putnam, mas
tinha prometido à senhorita Lorimer que iria, ainda que não tivesse intenções
de ficar. Não tinha intenções de acabar no livro de apostas do White’s. Uma
dança com a senhorita Lorimer, nada mais.
Jason anunciou que iria com uns amigos a um dos seus clubes, fazendo
com que James lhe desse com o cotovelo e lhe perguntasse porque a senhorita
McCrae não lhe tinha solicitado a sua presença esta noite. Jason tinha-o
olhado, com o sobrolho franzido, e tinha dito que lady Arbuckle não se sentia
bem e Judith tinha ficado em casa para ajudá-la.
Os gêmeos iam encontrar-se no White’s à meia-noite para irem ao
ancoradouro, a taberna Gato Torto, que se dizia que o capitão francês
frequentava.
Quando James finalmente viu a senhorita Lorimer, teve que admitir que
estava encantadora, toda de lilás, com as suas enormes mangas lilases, que
sobressaíam uns bons quinze centímetros dos seus braços, o tecido tenso pela
barra de madeira, tinha-lhe explicado a sua mãe, e isso não era engenhoso?
As saias lilases abriam-se num leque à sua volta, pelo menos seis anáguas
mantinham-na a flutuar. O seu cabelo estava apanhado num recolhido na
nuca, com uma quantidade de caracóis caindo sobre a sua testa e numa
cascata sobre as suas orelhas, como as partículas prateadas de Titán.
Então viu a Corrie, parada com a sua tia no outro lado do salão de baile, no
seu vestido de luminoso tom branco, de estilo simples, a mão do seu pai
visível em cada encantador plissado e queda, e estava bastante satisfeito até
que chegou aos seus seios e franziu o sobrolho. Demasiado expostos, pensou,
e seguramente a tia Maybella deveria dizer-lhe alguma coisa. Não era
apropriado para uma jovem dama de dezoito anos.
Talvez lhe ajudasse a melhorar a dança depois de ter cumprido a promessa
feita à senhorita Lorimer. Sem dúvida isso diminuiria os rumores, a menos
que todos soubessem que Corrie era como uma irmã para ele, e então bailar
uma valsa com ela não contaria.
Assim, que a senhorita Lorimer tinha decidido casar-se com ele, não?
Provavelmente seria mais a eleição da sua mãe, pensou James cinicamente,
enquanto abria filas para ir ter com ela.
Descobriu rapidamente que todos tinham ouvido sobre as tentativas de
acabar com a vida do seu pai.
Todos os amigos do seu pai detiveram-no, perguntaram, e levantaram os
sobrolhos quando ele repetiu uma vez mais que os seus pais tinham ido para
Brighton, porque a sua mãe não se encontrava bem, o que soava cada vez
mais estúpido cada vez que o dizia.
- Alexandra não esteve doente um só dia em toda a sua vida – disse Lorde
Ponsonby, - exceto quando teve que deitar-se para dar a luz ao seu irmão e a
você, e não estava realmente doente, certo?
Ele disse que não, que realmente não estava doente então, e que quis fugir
desesperadamente.
- Hum – disse Lorde Ponsonby. – Disse Brighton, James? Há algo de
suspeito aqui, meu rapaz, o tipo de suspeita que me faz ver como é um mau
mentiroso. Agora, o seu pai, esse sim é um excelente mentiroso, olhar—lhe-
ia diretamente na cara e mentiria.
James amaldiçoou em voz baixa. Ia lançar o seu irmão pela varanda
quando chegasse a casa.
A senhorita Lorimer, finalmente, estava visível. Olhava-o por cima do
ombro da sua mãe, com os olhos brilhantes. Não, pensou ele, mais do que
isso. Calculadores.
- Bem, é um prazer vê-lo, senhor. É o James?
- Sim, sou o James – respondeu ele. – Gostaria de dançar, senhorita
Lorimer? – e olhou na direção da mãe, que confirmou placidamente.
- Sim, sim se aceitar chamar-me Juliette.
- Muito bem, Juliette.
Tomou a sua mão branca, apoiou-a suavemente sobre o seu braço e
conduziu-a até a pista de baile.
Para dizer a verdade era tão ligeira e graciosa, absolutamente perfeita.
Mas, não podia distingui-lo do seu irmão? Isso doía.
No momento em que a dança acabou, levou-a de regresso coma sua mãe.
Fez uma mesura e retirou-se. O ar no salão de baile estava carregado, com o
peso dos perfumes de todas as damas chegando as suas fossas nasais, fazendo
que quisesse espirrar. Viu Corrie cumprimentá-lo.
Queria ir-se embora, porque provavelmente Lorde Ponsonby já teria
contado a todos os seus amigos que James era um desprezível mentiroso e
que deveria agarrá-lo e sacar-lhe a verdade à pancada, mas ali estava ela,
parecendo bastante aceitável, exceto por esses seios que fariam com que um
homem engolisse a língua e quisesse meter as mãos nesse corpete.
Aproximou-se dela, passou um dedo pela sua bochecha e disse: - O creme
fez maravilhas. Acredito que é pele suave o que toco.
Sorriu e virou-se para lady Maybella, que levava um vestido de seda azul,
que fez com que James tivesse vontade de lhe dizer que necessitava retirar
pelo menos três folhos.
- Está aqui para bailar com Corrie? Tem sorte. Só está aqui há um
momento comigo, porque há tantos cavalheiros querem bailar com ela esta
noite.
- Por favor, não exagere, tia Maybella. Não foram mais de uma dezena, ou
alguma coisa pelo estilo – disse Corrie, fazendo sorrir a James.
Maybella disse, golpeando-lhe o braço com o leque.
- Não mais de duas danças, James. Não queremos que as pessoas falem.
Além disso, olha essa cambada de jovens vindo para aqui.
James não viu uma cambada, mas havia dois cavalheiros, um deles
suficientemente velho como para ser pai de Corrie, caminhando para eles.
James ofereceu um encantador sorriso a Maybella e levou Corrie para a
pista de baile, consciente de que os dedos de Corrie lhe davam golpezinhos
no seu braço, e tomaram o seu lugar juntamente com os outros pares.
- Vai fazer-me um orifício na manga. O que se passa?
- Quero ajudar – disse ela. Uma sobrancelha arqueou-se para cima. – O seu
pai. Não suporto a ideia de que alguém o magoe, James. O que faria sem ele
para dizer-me o que vestir? Vamos, não fique todo empertigado comigo.
Conheci o seu pai durante toda a minha vida. Quero ajudar a descobrir quem
é que o quer matar. Sou inteligente. Sou rápida. Deixe-me ajudar.
James suspirou. Nem sequer se perguntou como é que ela descobriu. Com
todos os seus amigos investigando, provavelmente toda Londres saberia
dentro de quinze minutos. De fato, estava disposto a apostar que todos no
salão de baile estavam falando disso. E talvez isso fosse bom.
James queria dizer-lhe que não havia a mínima possibilidade de que lhe
permitisse aproximar-se sequer a cem metros de qualquer perigo, assim que
disse: - Sempre conseguiu distinguir o Jason de mim.
Isso distraiu-a. Corrie burlou-se. E mofou-se.
- Sempre lhe disse que você é você próprio, muito diferente do seu irmão.
- A senhorita Lorimer não consegue distinguir-nos, evidentemente.
- Aí tem, vê, não pode casar-se com ela, James. Nem sequer sabe quem
você é.
Tinha razão.
Então o diabo cravou o cotovelo nas costelas de James e tirou algumas
palavras da sua boca.
- Falando de anjo, a senhorita Lorimer está tão celestial esta noite, não é?
Veste de lilás, não púrpura.
- Anjo?
James confirmou.
- Esse é o nome selecionado para ela – disse.
- Por quem?
Ele encolheu os ombros.
- Pelos cavalheiros, suponho.
- Talvez ela própria iniciasse esse nome.
- E a quem lhe importa, se foi assim? Não lhe parece que é acertado?
- Se gosta da perfeição, então sim, suponho que sim. Pergunto-me que
nome deveria escolher para mim própria. Já sei, que tal se me chamarem
senhorita creme?
Ele colocou para trás a cabeça e riu.
- Senhorita creme? Isso é bom, Corrie.
- Essa foi uma má anedota.
- Que tal diabo?
- Não, não sou suficientemente perversa, pelo menos ainda não.
- Nunca será perversa – disse James, sério agora, olhando-lhe os seios. –
Bem, não o seria se somente levantasse uns cinco centímetros o decote.
- Este é o estilo na moda, James. Se posso acostumar-me a mostrar tanto,
você também pode. Deixe de se preocupar com isso. Então, se não posso ser
perversa, pode chamar-me princesa de gelo. Ouvi que chamavam assim a
uma das senhoritas Franks cinco temporadas atrás. Ela casou com um duque
que tinha oitenta anos e estava quase morto. Não é interessante?
- Santíssimo Senhor Jesus – disse James, e deu uma volta, fazendo-a rir e
distraindo-a uma vez mais. – Está a melhorar. Esqueça isso de princesa de
gelo. Isso fará com que cada cavalheiro queira ensinar-lhe todo o tipo de
coisas que aprenderá por muito tempo. Agora, vai obedecer-me, não é
verdade?
- Obedecer—lhe? Sobre quê?
- Não dançou com Devlin Monroe, certo? Não lhe ofereceu o pescoço à
meia-noite, verdade?
Ela riu, uma adorável risada sonora que o fez sorrir.
- Ofereci-lhe um mordisco, nada mais – deu a volta a cabeça. – Pode ver a
marca, ali, mesmo debaixo da orelha esquerda?
James quis bater-se, quando de fato, olhou.
- Recorde-me que tenho que voltar a açoitar você.
- Sim. Naquela primeira vez apanhou-me de
surpresa. As sobrancelhas dele arquearam-se
bastante.
- Isso acredita, não é verdade? Acredito que nunca lhe ouvi queixar tanto
como nesse dia.
Antes que Corrie pudesse responder, ele dançou mais e mais rápido, até
que ela estava ofegante e rindo-se, quase incapaz de recuperar o alento,
detestando o condenado corpete. Quando James foi mais devagar, ela disse
com voz ofegante: - Oh, James, isso é tão bom. Quando quero bater-lhe na
cabeça, só tem que fazer-me bailar até ao esgotamento e estou pronta para
perdoar absolutamente tudo.
- Está ficando mais competente mexendo os pés. Mantenha-se afastada de
Devlin, digo-o a sério, Corrie.
- Ele levou—me ontem ao Bazar Panteón – disse ela. – Queria comprar-
me uma encantadora fita para entrelaçar os meus cabelos; a propósito, pensa
que os meus cabelos são preciosos, com todos os tipos interessantes de
sombras do outono misturadas, mas sou uma dama decente, e por isso não
permiti que o fizesse. Parecia bastante íntimo, especialmente porque ele
queria fazer o entrançado. Sabia que se aproximou tanto com essa fita que
pude sentir-lhe a respiração sobre o meu nariz?
Corrie fez um delicioso estremecimento que quase fez com que James a
matasse. Viu o brilho nos seus olhos e isso fez com que recuperasse o
controle.
- A sua tia nunca deveria ter permitido que saísse com ele. Falarei com ela
sobre isso. Ele não tem o que é necessário para ser um bom esposo, Corrie.
- O que é necessário para ser um bom esposo? Quer saber a verdade,
James? Estive a pensar, e realmente não posso imaginar-me atada a um
homem e mudando o meu nome. Céus, seria Corrie Tybourne-Barrett
Monroe. O quando ao marido, ele dar-me-ia ordens e esperaria que eu fizesse
qualquer coisa que ele quisesse e quando ele quisesse – ficou pensativa
durante um momento, com os olhos semifechados. – Por outro lado, devo ser
sincera com isto. Passei junto dos aposentos da tia Maybella e do tio Simon
antes, sabe?
James estava seguro de que os seus olhos se iam revirar. Não queria
escutar mais nada. Queria ir para a China antes de escutar mais. Disse: - Quê?
Ela inclinou-se para ele.
- Escutei-os rir. Sim, rindo, e então o tio Simon disse, com bastante
claridade, “mordicarei a tua encantadora pessoa um pouco, Bella.” O que
pensa disto, James?
Bem, ele tinha perguntado. Questionou-se se a tia Maybella usaria um
camisolão azul. Não, tinha que afastar a sua mente disso.
- Mantenha-se afastada de Devlin Monroe – disse James.
- Já o veremos, não é verdade? – Corrie ofereceu-lhe um alegre sorriso, e
então pareceu que ia rebentar em lágrimas. – Oh, demônios, a música está
terminando. Foi demasiado breve. Alguém deve ter mandado acabá-la antes
do tempo. Aposto que foi essa Juliette Lorimer que subornou os músicos para
que parassem. Acredito que alguém deveria ir falar com eles. Talvez…
Olhou-o esperançada, mas ele negou com a cabeça.
- Não, tenho que me ir embora, Corrie. Gosto do seu cabelo lindo e
simples, todo entrançado na nuca. Não ficaria bem com um monte de
caracóis caindo pela cabeça. Ou com fitas. Esqueça as fitas, ainda mais as
compradas pelos homens.
Corrie soube que era um elogio. Queria outra dança, assim que disse: -
Acredito que Devlin está ali perto daquela mulher muito gorda, falando com
outro jovem que se vê notavelmente perverso. Hmm. Deixa-me ver se posso
chamar a sua atenção – colocou-se na ponta dos pés e sussurrou-lhe ao
ouvido. – Acredito que devo dizer-lhe que o meu nome é Princesa de Gelo.
Pergunto-me o terá que fazer sobre isso.
Mas a sua atuação foi desperdiçada porque James não estava escutando.
Tinha-se virado perante o puxão na sua manga. Era um dos empregados
contratados para essa noite, e colocou-lhe um papel na sua mão.
- Um cavalheiro disse que sua senhoria deveria receber isto - disse o
empregado.
O coração de James começou a palpitar, profundo e forte. Deixou Corrie
sem dizer uma palavra, e nem olhou para a direita nem para a esquerda para
as jovens damas que o olhavam com atenção. Atravessou as largas portas
francesas que davam acesso ao balcão de Lanscombe.
Saiu, viu um par abraçado ao fundo, e quis dizer a esse velho libertino
Basil Harms que não estava o suficientemente envolvido nas sombras.
Perguntou-se de quem seria a esposa que estava seduzindo.
Desceu tranquilamente as escadas na parte mais afastada do balcão e
entrou rapidamente nos jardins, até à porta traseira. Não tinha uma arma,
maldição, e talvez isto não fosse o mais inteligente que fez na sua vida, mas
por outro lado, havia a possibilidade de que fossem novidades sobre o
homem que queria matar o seu pai.
Na realidade não havia escolha. Além disso, quem iria quer fazer-lhe mal?
Não, era ao seu pai que queriam. As luzes do salão foram-se atenuando até
que ficou totalmente envolvido pela escuridão, e só via o contorno da estreita
porta quatro metros mais à frente. James não era estúpido. Olhou à sua volta
procurando um possível perigo, escutando, mas tudo parecia silencioso. O
homem com quem se supunha que deveria encontrar-se esperando-o junto a
porta traseira.
Que tipo de informação teria esse homem? James esperava levar com ele
dinheiro suficiente para poder pagar o preço.
Ouviu o barulho de folhas esmagadas mesmo a sua direita. Virou-se mas
não viu nada, nenhum movimento, nenhuma luz, absolutamente nada.
Seguramente não haveria amantes tão longe da mansão. Esperou, escutando.
Nada. Estava alerta; estava preparado.
Havia pelo menos três metros até a estreita porta com hera trepando por
ela, caindo desordenadamente numa cascata, bastante parecida com aquela
cascata prateada sobre Titán. Os muros de pedra de dois metros de altura do
jardim também estavam cobertos de hidra, quilômetros de essa coisa, espessa,
impenetrável. Diminuiu os seus passos. Pressentia o perigo; na realidade
cheirou-o.
De repente, um homem saiu das sombras e parou no fim do caminho, justo
na frente da porta. Com uma voz profunda e ondulante, disse: - Lorde
Hammersmith?
- Sim, sou Hammersmith.
- Tenho informação pa’ vender-lhe, melord, to’ sobre o seu pá.
- Que tem?
O homem sacou um monte de papéis do seu velho abrigo negro.
- Quero cinco libras por to’.
Tinha cinco libras, graças a Deus.
- Antes de lhe dar algo, diga-me o que tem.
- São nomes, melord, nomes e lugares que o cava’ero que me ‘io os papéis
disse que a su pá ‘ostaría ver. Algumas cartas também.
Cinco libras. Ainda que não servisse para nada, valia as cinco libras, para
estar seguro.
James estava procurando o dinheiro no seu bolso quando o homem deixou
cair os papéis, sacou uma pistola e disse: - Não se mexa ‘ora, meu bom
senhor. Só fique aí bem direito e nem sequer pestanhej’.
Capítulo 15
A vida é simplesmente uma condenada coisa atrás de outra.
Atribuído a Elbert Hubbard
James já estava em movimento. A sua perna saiu disparada, bateu na arma
e enviou-a contra o muro do jardim. O homem gritou e agarrou a mão. James
estava quase em cima dele quando uma grossa manta caindo voando sobre a
sua cabeça e ouviu as vozes de dois homens, um de eles sussurrou: - Não, não
grite’, tonto. Só o ataremo’ assi’ pa’ que não possa patea’ e partirno’ os
pescoços.
- Quero patea’ as sua bolas, Augie, po’ patear assim a Billy, o ba’tardo
quase lhe rompeu o pulso.
James mexia na manta, tentando encontrar uma esquina, quando o disparo
de uma arma lhe acertou no ombro, e outro lhe bateu forte na cabeça. Estava
amaldiçoando alto o suficiente para alertar o guarda quando a dor o fez
ajoelhar-se. Outro golpe na cabeça. Caiu, envolvido na grossa manta, e não
soube de nada mais.
O grito de Corrie nunca saiu da sua garganta. Não havia nada que podia
fazer exceto gritar e saltar sobre eles, e provavelmente conseguir que a
golpeassem na cabeça com uma arma, e de serviria isso a James? Continuou
olhando, horrorizada e furiosa, e colocou a mão na boca para não gritar.
Viu que o levantavam, e então um dos homens, muito mais grande do que
os outros, atirou em James, ainda envolvido na manta, sobre o ombro.
- Não é leve como um pena, este. Tiremo’ o nosso elegante rapaz de este
luga’, rápido.
O coração de Corrie palpitava o suficientemente forte como para que o
Senhor o escutasse, mas seguiu-os, os seus delicados sapatos pesando
ligeiramente o caminho enquanto corria até a porta traseira do jardim. Vi-os
abrir a porta, viu uma carruagem na rua, com dois cavalos atrelados nela,
parados quietos, com a cabeça baixa, em descanso. Um dos homens trepou
para o banco e agarrou as rédeas. Era Billy. Recostou-se.
- Mexe-te, Ben, ata bem ao nosso cava’eiro. É um do’ fortes, bate’-me no
pulso tão duro que senti picada’ no’ dedos. Nunca vi um homem move’se
assim. É melhor vigia-l’.
Ela viu como atiravam com James para o chão da carruagem e logo
entravam atrás dele.
Um homem inclinou-se para fora da janela e gritou: - Vamo’, Billy, agora!
Temo’ um longo caminho pela frente.
Corrie viu como Billy estalava a língua aos cavalos e agitava as rédeas. A
carruagem mexeu-se lentamente para a entrada da rua, por detrás da mansão,
pela rua Clappert.
Corrie não pensou, não pensou nas consequências. Simplesmente correu
para a parte de trás da carruagem e saltou, agarrou-se às tiras e aproximou-se
mais da carruagem. Era o assento do criado, e conhecia-o bem. Quando era
mais jovem tinha-lhe encantado viajar nesse assento para ir atrás de James e
de Jason, cantando a viva voz, sentindo o vento que lhe arrancava o velho
chapéu de couro e a trança, e lhe enchia os olhos de lágrimas.
A única diferença entre agora e antes era que levava um bonito vestido de
noite de seda branca, encantadores sapatos brancos nos seus pés, e nenhum
velho chapéu de couro. Não tinha um xaile. Não importava. Três homens
maus tinham raptado James. Para onde o levariam?
Tinha que manter-se agachada, em silêncio, não cair e não permitir que os
homens a vissem. Bem, certamente antes tinha conseguido ocultar-se de
James e de Jason muitas vezes, seguindo-os, inclusive cobrindo o seu rosto
de barro para que não a visem nos arbustos, e eles nunca tinham sabido que
estava ali, vendo-os lutar, atirar facas a alvos, praticar maldições. Mas isto
era diferente, estava certa. O que faria quando parassem? Bem, já se
lembraria de algo, tinha que ser assim.
Por que tinham levado James? Para chegar até ao seu pai, claro. A nota
que o empregado tinha colocado na mão de James, tudo uma artimanha. Não
deveria ter saído só ao jardim, era um idiota.
Graças a Deus tinha visto tudo. Respirou fundo, enquanto os cavalos
trotavam. As ruas estavam quase vazias. Graças a Deus pela lua. Já se
lembraria de alguma coisa. Tinha que salvar o James. Era assim de simples.
Corrie não sabia em que direção iam porque não estavam perto do Tamisa.
De repente, viu uma placa com o nome Chelmsford. Ah, iam para este. Não
ficava Cambridge nessa direção?
Corrie não sabia quanto tempo já tinha passado. Doíam-lhe os braços, os
dedos estavam entumecidos. Chorar nunca servia para nada a menos que o
fizesse para outra pessoa, assim que parou e começou a tatarear. Agarrou-se
nas tiras, era o único que tinha que fazer.
Recordava quando James a tinha levantado e lançado num lago, no fundo
da propriedade do seu tio. Desafortunadamente as suas calças, roubadas das
roupas para caridade do armário do padre na igreja, tinham ficado presas
nuns juncos debaixo da água e quase se tinha afogado. Não se lembrava de
nada até que tinha grunhido no branco rosto de James ao dar-se conta do que
tinha acontecido e que ele a tinha tirado do lago. Quase lhe tinha esmagado as
costelas ao pressionar com tanta força para tirar-lhe a água dos pulmões. E
tinha abraçado uma Corrie de oito anos, balançando-a para a frente e para
trás, suplicando-lhe que o perdoasse, até que ela tinha vomitado a asquerosa
água do lago em cima dele.
Corrie não se lembrava se tinha perdoado ou não, aquele desgraçado
maluco. Claro que na semana seguinte ele a tinha atado a uma árvore quando
quis levar a Melissa Banbridge a dar um passeio e se tinha apercebido que ela
os seguia. Corrie tinha desatado a corda mas não os tinha conseguido
encontrar. Tinha colocado meia dezena de sapos nas botas de James quando
estavam a espera de serem limpas. Desafortunadamente, tinha ouvido um dos
criados dizer que por alguma razão tinham encontrado um carro cheio de
sapos voando pelo átrio e, como tinha acontecido isso?
Resiste, resiste, não penses em mais nada além de resistir.
A temperatura desceu enquanto a noite passava. Seria muito tarde? Não
tinha nenhuma ideia.
Bordearam Chelmsford. Viu placas a dizer Clacton-on-sea, e a carruagem
virou bruscamente à direita. Dirigiam-se para o Canal Inglês.
Ouvia vozes abafadas do interior da carruagem, mas não conseguia
distinguir nenhuma palavra, será que o James já teria voltado a si? Ou tê-lo-
iam matado com aqueles golpes na cabeça? Não, isso era pensar disparate.
Estava consciente? Era a sua uma das vozes que ouvia? Ele estava bem.
Tinha que estar bem. Estaria muito bem; teria dor de cabeça, mas estaria
bem. Não tinha nenhuma ideia do que iria fazer se James não estivesse bem.
Cuidaria dele, isso é o que faria, e depois ia matá-lo por ser tão tonto ao
ponto de sair ao jardim sozinho.
A carruagem saiu repentinamente do sujo caminho para um ainda mais
pequeno, tão estreito que um ramo lhe bateu no braço, quase deitando-a ao
chão. Corrie apertou-se ainda mais e rezou. Ouviu um ruído e quase caiu.
Eram os seus próprios dentes tiritando. Bom Deus, ia morrer congelada antes
que esta maldita carruagem chegasse onde tinha que chegar?
Finalmente, a carruagem diminuiu a velocidade. Ela viu uma pequena casa
de campo abandonada no fim do caminho. Os cavalos agora andavam a
passo, e então Billy parou.
Gritou para trás.
- É este o local, tem de ser. Não está nada mal, é lindo e cômodo, todo
e’condido. Tirem a sua condenada senhoria, não quero problemas com o
moço! Oh, aye, e cuida’o com os seus malditos pé’!
Augie colocou a cabeça do lado de fora da janela da carruagem.
- Temo-lo tod’ atado, o rapaz não vai a nenhuma parte, Billy.
- Certo. Se matarmos o nosso elegante tip’, não nos dão na’ de moedas.
Tinham apanhado o James para poderem chantagear o seu pai para fazer
uma troca. Augie e Ben estavam falando, resmungando, e Corrie deu-se conta
de que a veriam, porque o seu vestido era totalmente branco e brilhava como
uma candeia debaixo dessa lua.
Graças a Deus Billy desceu e manteve-se na parte da frente da carruagem.
Quando abriu a porta da carruagem, ela deslizou para o outro lado e
escondeu-se perto da roda traseira. As suas pernas quase cederem, e agarrou-
se à roda para manter-se direita. Estava entumecida, gelada, mais assustada
do que tinha estado em toda a sua vida, mas ia salvar o James.
- O rapaz pesa tanto como a minha mã’, só que ela não era tão alta como
est’ tipo.
- Cale-se, Billy. Muito bem, leve-o para a casa. Que engraçado como
voltou a fica’ inconsciente. Cuida’o, este rapaz é muito astuto. Eu quero ter
um filho assim algum dia.
- Isso si’nificaria levantar-t’ e o pito fic’r duro – disse Augie. – Quando foi
a última ve’ que isso acont’ceu?
- Passou quando a sua caseira lhe bateu com um sapato, e o colocou to’
potente – respondeu Ben.
Os homens riram e grunhiram enquanto levavam o James, evidentemente
ainda inconsciente, para dentro da casa de campo. Corrie permaneceu
abraçada à roda, observando. Teriam que fazer algo com os cavalos. Esperou
até que todos entraram dentro da casa, logo tropeçou por causa dos pés
entumecidos e caminhou até as árvores e começou pouco a pouco até a
parede da casa. Pelo menos mexer-se fazia com que descongelasse um
pouquinho e recuperasse a sensibilidade dos pés.
Foi para debaixo da janela e olhou para dentro. Era uma só habitação, com
uma cama estreita ao longo da parede do fundo. Havia uma mesa estragada e
quatro cadeiras, e uma área muito estragada onde parecia que cozinhavam. A
chaminé estava à sua direita.
Viu como deixavam cair o James na cama estreita e lhe tiravam a manta.
Corrie quase caiu de tanta raiva que sentiu. O sangue tinha serpenteado por
todo o rosto de James.
Billy deu-lhe umas palmadas no rosto e em seguida ergueu-se, olhando-o.
- Ainda continua desmaia’o, o nosso rapaz. Augie, disseste que recuperou
os senti’os na carruagem?
- Aie – disse Augie. – E quando lhe dei um golpezito um par de vez’, só
para chamar a sua atenção, o nosso rapaz teve o de’caramento de volta’ a
de’maiar. Voltará em si num instante. Já me estou a comer o’ cotovelos,
Bem. Prepara-me alguma coisa.
Acomodando-se, pensou Corrie, estão acomodando-se. Mas, por quanto
tempo? Fazia mais frio perto do mar, mas pelo menos agora estava mais
protegida do vento. De repente escureceu. Levantou o olhar para ver uma
nuvens escuras tapando a lua.
Foi Augie quem saiu alguns minutos e conduziu os cavalos para o pequeno
coberto no outro lado da casa. Ela observou James, logo Billy carregando
troncos para a chaminé. O que podia fazer?
Continuou olhando para James e finalmente, viu que a sua mão se mexia.
Sentiu tanto alívio que quase gritou. Teve a sensação que estava olhando os
homens, com os olhos semiabertos. Estava pensando, tentando decidir o que
fazer.
Fazia tanto frio que agora Corrie estava pronta para arrancar uma tira do
seu vestido e entrar na cálida casa agitando uma bandeira branca. Apertou os
dentes, esperou. Os três homens falavam em voz baixa, de nada de especial,
na realidade, viu o Augie levantar-se e ir ver como estava James.
- Ainda está de’maiado o rapaz. Isto não me a’rada. Temos que entregá-lo
ao tipo vivo, senão ele nã’ dá as mo’das.
- Acreditas que este tipo no’ cortará o pe’coço , ou pedirá resgate?
Augie encolheu os ombros.
- Não o sei. Não é assunto nosso. Mas é um jovem muito bon’to, é uma
lástima o que seja que lhe vai acontecer.
Corrie viu Augie verificar as cordas que atavam os pulsos e os tornozelos
de James. Ao menos tinham-lhe atado as mãos na frente. Augie caminhou de
regresso a chaminé, onde os outros dois homens se deitavam no chão.
- Aie , sei que tenho o primeiro turno. Billy, de’pertar-te-ei em d’as horas.
Augie sentou-se numa cadeira, olhando o fogo. Parecia estar todo
quentinho, o bastardo.
Estava na hora. Tinha que fazer algo. Corrie sorriu. Enquanto olhava a
parte traseira da casa, viu que estavam a só trinta metros de um precipício que
dava para uma estreita praia escura. Correu para o coberto e entrou de gatas.
Era pequeno e estava muito desbaratado. Havia umas velhas mantas
amontoadas numa esquina, algumas ferramentas para a fazenda e carradas de
feno ensopado. Um dos cavalos levantou a cabeça. Mas não relinchou, só
bufou. Graças a Deus. Ela acariciou-lhe a enorme cabeça e ele soprou na sua
mão.
- Tu servirás, minha beleza, e o teu irmão ficará bem com o James – disse-
lhe contra a sua cálida crina.
Corrie viu que Augie tinha dado a cada um balde de aveia e água. Bem,
agora, o único que tinha que fazer era tirar o James dessa miserável cabana.
Revisou as ferramentas oxidadas, deteve-se e sorriu.
James via como Augie voltava a sentar-se na cadeira. Logo Billy e Ben
estariam dormindo. Mas, como chegar a Augie sem acordar os outros?
Poderia com os três homens?
Não estava seguro. Doía-lhe a cabeça, mas fora isso sentia-se bem. Sabia
que tinha que libertar os pés, e então teria uma oportunidade. Mas Augie ia
notar se se sentava e começava a soltar o nó à volta dos seus tornozelos.
Conformou-se em afrouxar os nós à volta dos seus pulsos.
Graças a Deus pensavam que continuava inconsciente, porque de outra
forma teriam atado suas mãos atrás das costas, provavelmente também o
teriam atado à cama. Foi então que lhe pareceu ver um movimento. Olhou a
suja janela nas costas de Augie. Viu como algo branco se agitava para trás e
para a frente, como uma bandeira de tréguas.
Fechou os olhos e depois voltou a olhar. Sim, seguia ali. A cabeça de
Augie estava caindo lentamente sobre o seu peito. James viu um rosto.
Corrie.
Ficou olhando-a fixamente enquanto levantava uma mão lentamente, para
que ela pudesse ver que ele estava consciente. James moveu os dedos. Viu
esse seu sorriso, dentes brancos reluzentes através do sujo cristal do outro
lado da habitação.
Então ela desapareceu. Ia fazer alguma coisa, e por isso James tinha que
estar preparado para o que quer que fosse.
Capítulo 16
Uma boa cabeça é melhor que cem fortes mãos.
Thomas Fuller
Os seus ouvidos estavam alerta. James ouviu algo no telhado, um suave
som de corrida, talvez fosse a rama de uma árvore agitando-se contra a
madeira. Não, não era uma árvore nem um animal em cima do telhado. Tinha
que ser Corrie, era muito ligeira de pés, mas o que estava fazendo? A sua
mente bloqueou-se quando começou a pensar como chegou ali.
A sua pergunta teve resposta logo a seguir, quando o fumo começou a sair
da chaminé. Tinha-lhe dado tempo para tirar a corda dos tornozelos. James
sentou-se imediatamente e começou a trabalhar nas dos pulsos. Foram
necessários alguns minutos para que Augie, Billy e Ben começassem a tossir,
e então já habitação estava enchendo-se rapidamente de fumo.
Augie saltou da cadeira, gritando: - Rapazes, fogo! Inferno e condenação,
isto não é justo! Rápido, rápido, temo’ que agarrar no nosso tipo e sair deste
maldito lugar de má morte!
Nesse instante, a porta da casa abriu-se de um golpe e um cavalo furioso e
relinchando entrou golpeando a habitação, encavalitado, bufando, com Corrie
sobre o seu lombo, apontando uma forquilha na direção de Ben, que era o que
estava mais perto dela, mudo de surpresa e pavor.
Então os três homens estavam gritando, tentando sair da casa, tentando
evitar o cavalo e a forquilha, com a sua larga pinça oxidada mas ainda afiada.
Bem não foi o suficientemente rápido. Acertou-lhe no braço. Ele gritou e
sacou a sua arma, mas James já estava sobre ele, com a perna cortando o ar, o
seu pé batendo na pistola e tirando-a da mão de Ben. Enquanto James se
virava para apanhar a arma Augie disparou-lhe. Corrie e o cavalo deram a
volta e atropelaram Augie, e enviando pelo ar a sua arma que foi poisar ao
lado da porta. Augie gatinhava perto da parede como podia, em direção à
porta aberta e à noite. No último momento conseguiu apanhar a arma e
colocá-la nas calças.
O cavalo estava enlouquecido pelo fumo e queria sair.
- James, dê-me uma das pistolas!
James tirou a pistola de Billy da sua mão e lançou-a na direção de Corrie,
enquanto ela atirava com a forquilha contra a parede e saía a cavalo da casa.
James só tinha que ocupar-se de Billy, e conseguiu facilmente, mesmo
tendo em conta o fumo sufocante e cegador. Saltou sobre Billy, detendo-se só
um momento para agachar-se e estampar-lhe um punho na mandíbula.
Corrie estava sentada em cima do cavalo, o outro cavalo ao seu lado,
esperando-o. Ela estava coberta de ervas, sorria como uma tonta.
- Depressa, James, depressa!
Enquanto ela falava, Augie disparou desde a porta da casa e a bala passou
zumbindo junto da orelha do cavalo. O animal afastou-se bruscamente e
encavalitou-se nas patas traseiras, atirando Corrie ao chão. Ambos os cavalos
encavalitaram-se e bateram com as patas no chão, e começaram loucamente a
correr pelo caminho, para longe da casa e deles.
James amaldiçoou enquanto corria até Corrie. Ela lutava para se colocar
de joelhos.
- Temos que despachar-nos, Corrie. Desculpe, mas não temos cavalos.
Pode caminhar? Está ferida?
- Oh, céus, ali está Ben, com a sua arma. Feri-o com a forquilha. Vamos,
James. Estou bem.
Cada um tinha uma arma na mão, James quase a arrastava atrás dele.
Correram para dentro do bosque que ladeava o estreito caminho. Houve um
disparo, gritos – este da boca de Ben, se James não estivesse enganado,
porque gritava que a cadela lhe tinha espetado a horrível forquilha no braço.
Bem, os três bastardos tinham só uma arma e nenhum cavalo. Ele e
Corrrie estavam melhor. James queria regressar e bater-lhes, mas não se
surpreenderia que tivessem mais pistolas. Não acreditava nisso mas mais
valia ir pelo seguro, quem saberia como funcionava a cabeça de Augie?
Correram por entre as árvores, tropeçando nas raízes, até que James já não
conseguiu ouvir nenhum dos homens gritando.
- Espere, Corrie. Esperemos um minuto.
Ela respirava com dificuldade, engolindo ar, e quase caiu contra um
pinheiro, com os braços à volta do peito e a arma agarrada por dois dedos.
James ficou ali parado, olhando-a atentamente. O seu vestido de baile,
noutro tempo branco, agora estava negro do fumo e das ervas, rasgado e sujo,
com uma manga segura por um fio. O seu cabelo caía selvagem nas suas
costas e no seu rosto. Continuava sorrindo, uns dentes brancos num rosto
negro, ainda respirando com dificuldade.
James riu, sem conseguir conter-se.
- Bem feito – disse-lhe, e agarrou-lhe uma mão. – Estão vindo atrás de nós,
ainda que não consiga imaginar como o farão. Ben tem uma grande ferida no
braço da forquilha e não servirá de muito. Maldição, desejaria saber quantas
armas têm.
- Se apanham esses condenados cavalos, poderíamos estar com grandes
problemas outra vez, James. Vi aquele cavalo ir pelo caminho que leva a um
despenhadeiro, onde não podemos ir.
James olhou as suas botas com o sobrolho franzido.
- Não acredito que tenham visto para que lado fugiram os cavalos. Mas se
conseguirem apanhá-los, poderiam regressar e apanhar a carruagem. Isso não
seria bom.
Os olhos de Corrie faiscavam.
- Então temos que tratar dessa carruagem, James.
James estava medindo os perigos.
- É questão de quanto pagou por me apanhar. Se foi muito, então farão de
tudo para me voltarem a apanhar.
- Espero que tinha sido uma carruagem cheia – disse Corrie, semicerrando
os olhos. – A derrota deve saber bastante mal se perderes muito dinheiro.
Não devemos correr nenhum risco. Vamos buscar essa carruagem.
Levou-lhes somente dez minutos regressar à casa. Augie e os outros
tinham tirado a manta da chaminé. James viu imediatamente que a casa, com
a porta a baloiçar nas dobradiças oxidadas, estava vazia, exceto pela forquilha
com um pouco de sangue na ponta. Nem sinal de Billy, Ben ou de Augie.
Quando chegaram ao coberto, James apanhou uma velha machada podre,
sorriu como o próprio Diabo e destruiu uma roda enquanto Corrie destruía a
outra com uma ferramenta que tinha encontrado. Quando as rodas estiveram
destruídas no chão, James deixou cair a machada, esfregou as mãos e disse: -
Isso vai atrasá-los. Vamos.
Voltaram a partir. Menos de um minuto depois de terem entrado no
bosque, ouviram o Augie gritar: - Inferno e condenação, maldito seja esse
jovem! O pequeno ba’tardo arruinou a carruagem. Terei que bat’r-lhe até que
me farte quando lhe puser as mãos em cima.
- Não me deu nenhum crédito – disse Corrie.
- Se tentarem apanhar-nos outra vez, pode disparar-lhe.
- Sim, sim acredito que essa é uma excelente ideia.
Houve maldições generalizadas, nada realmente original dos três homens,
pensou Corrie, enquanto James e ela ficavam quietos, escutando e sorrindo.
James sussurrou perto do ouvido de Corrie: - Sabe onde estamos?
- Sei que viramos para Clacton-on-Sea.
- Isso fica bem a este – disse ele.
James olhou-a e viu que estava tremendo como uma louca, assim que tirou
rapidamente o abrigo. Corrie suspirou e colocou-o rapidamente. Sentia-se tão
quente como pão recém tostado no forno.
- Ah, isto é muito bom, James. Sabe, é que depois de ter corrido tanto,
depois de ter destruído a roda da carruagem, estava a entrar em calor outra
vez. Acredito que agora estou tremendo porque continuo muito emocionada.
- Está emocionada?
De fato, ele também o estava, o sangue bombeando loucamente em suas
veias, sua cabeça palpitando, estava tão cheio de energia que pensava poder ir
nadando até Calais. Mas isso terminaria rapidamente. E Corrie, tinha estado
pendurada detrás da carruagem durante três horas antes de pararem. Ia cair
como uma árvore cortada. James rezava para que não ficasse doente.
- Não tão emocionada como estava um minuto atrás – disse-lhe ela. – É
estranho, certo? O poder que se sente.
- Sim, assim é, mas não dura, Corrie. Não quero que fique doente. Fique
abrigada. Agora não resta mais nada que fazer além de caminhar.
James colocou as duas armas no seu cinto, agarrou-lhe a mão e começaram
a andar. Mantiveram-se dentro do bosque que ladeava o estreito caminho.
- Vão procurar-nos, isso significa que temos que evitar o caminho
principal, assim que o encontrarmos. Temos que encontrar uma aldeia.
- Estarão a espera que caminhemos de volta a Londres – disse ela, e
franziu o sobrolho. – Raptaram você porque queriam trocar—lhe pelo seu
pai, James.
- Sim, penso que sim. Desafortunadamente, nunca disseram o nome do
homem que os contratou. Lamento não lhe ter contado sobre o atentado
contra o meu pai. Deveria tê-lo feito, antes que descobrisse por outras
pessoas.
- Sim, deveria tê-lo feito. Não é como se eu fosse uma estranha, James.
Todos falam disso.
Ele deteve-se, olhou-a e tomou-lhe o rosto entre as mãos sujas.
- Obrigada por me ter salvado. Como soube?
- Vi o empregado entregar—lhe um papel. Conheço você muito bem,
James. Vi imediatamente que ficou preocupado, assim que segui você. Soube
que não podia ajudar quando lhe colocaram a manta em cima, assim, esperei
até que a carruagem começou a andar e então saltei para a parte de trás.
- Sempre foi um excelente criado.
- Sim.
James viu-a brincando com o cabelo. Não podia menos que maravilhar-se
com sua valentia. Mas ela não o veria dessa maneira, não mesmo. Na mesma
situação, ele lançar-se-ia sobre os homens, imediatamente. E talvez tivesse
conseguido que o matassem.
Apertou-lhe a mão suja.
- Estava tentando descobrir uma forma de tirar a corda dos tornozelos sem
que o Augie descobrisse, e então pareceu-me ouvir alguma coisa no telhado.
Augie já estava meio dormido e não ouviu nada. Você deu-me o tempo que
necessitava. Foi muito inteligente da sua parte. Tem um bom cérebro.
Ela sorriu abertamente.
- A verdade é que quase parti a perna quando subi ao telhado. Sabia que
algumas partes do telhado estão bastante podres? Por um momento pensei
que ia cair aterrando sobre o colo do Augie.
James riu e logo ficou sério novamente.
-Tenho algum dinheiro, assim que não estamos completamente
desprovidos. No entanto, nós dois parecemos como se tivéssemos estado
numa luta. Tente pensar numa história que possa explicar o nosso estado.
Corrie sacudiu a cabeça e disse com bastante seriedade: - Não, quando
chegarmos a uma fazenda, a única coisa que temos que fazer é garantir que a
esposa lhe vê bem. Mesmo com esse fumo e poeira no seu rosto, ela vai
derreter-se, suspirará e dar-lhe-á a comida e a cama do marido. Se olhar mais
além do seu lindo rosto, verá as suas roupas de gala. Isso seguramente
resolverá tudo, se por acaso o seu rosto não o conseguir primeiro.
- Uma má brincadeira, Corrie.
- Não é uma brincadeira, James. Não se apercebe, certo? De que… bem,
não importa. Então, uma fazenda, isso é justo o que necessitamos. Não sei o
que sucederia se tivéssemos que entrar numa aldeia.
Caminharam. Exatamente vinte minutos mais tarde, ouviram cascos de
cavalos aproximando-se deles. James parou Corrie e adentraram-se mais
entre as árvores. Viram Augie, montando num dos cavalos em pelo, com um
bocal improvisado, conduzindo o segundo cavalo que transportava Billy e
Ben. Billy trazia uma venda suja atada à volta do braço.
- Apenas uma brida – sussurrou James. – É bastante divertido, na
realidade. Nenhum deles parece firme em cima dos cavalos. Aposto que os
nossos três vilões são nascidos e criados em Londres, onde se sentem mais
cômodos deslizando pelas ruelas, que tentando caçar ao ar livre.
Se estivesse sozinho, teria tentado ficar com um dos cavalos, mas com
Corrie presente, não pensava arriscar-se a que ela resultasse ferida, uma vez
que já tinha corrido demasiados perigos.
E se o teto tivesse desmoronado? E se o cavalo não tivesse derrubado
obedientemente a porta da casa? E se …? Estava ficando louco. Corrie tinha
sobrevivido e ele também. Mas mais não, James não acreditava que o seu
coração sobrevivesse a mais.
Ela sussurrou-lhe contra o rosto: - Acredito que podemos ganhar-lhes,
James. Você apanha o Augie, que parece o mais competente, e eu derrubarei
o Ben e o Billy. Simplesmente olhe, estão escorregando do lombo desse
pobre cavalo. Só os ajudaremos.
James não podia deixar de olhá-la. Tinha razão.
- Não, é demasiado perigoso.
- Trepar aquele maldito teto foi mais perigoso do que isto, sem mencionar
entrar montada, com uma arma, numa casa. Aceite-o, James. Seja sensato.
Isso dito por uma moça que levava um vestido de baile no meio da noite,
na berma de um caminho, com três homens maus prontos para lhe cortarem o
pescoço.
A oportunidade foi-lhes tirada das mãos. Nesse momento, ouviu-se um
enorme estrondo de trovões. Os raios começaram a cair, uma, duas vezes. Os
cavalos encavalitaram-se, aterrorizados, atirando com os três homens ao
chão. Outro estrondo, outro raio e os cavalos fugiram, correndo loucamente,
para longe deles.
Ben estava gemendo, agarrando o pé, indo para trás e para a frente.
- Maldito seja, condenado bastardo!
- Bem, o maldito cavalo também me atirou ao chão! – disse Augie,
caminhando com cautela até onde estavam Ben e Billy.
- Não, o cavalo não – gritou Ben. – Billy é o condenado bastardo que me
atirou ao chão! Vou a cortar-te a garganta, Billy!
- Você não poderá apanhar-me durante um mês, assim que cale essa boca.
Além disso, já estamos ferido’ por essa maldita moça que não deveria ter
estado ali, como bem sabe o Senho’. Talve’ fosse uma espécie de fanta’ma
que veio atormenta’-nos.
- Tem um eno’me bu’aco no cérebro – disse Augie irritado. – A verda’e é
que a moça nos venceu. Não era um fanta’ma ainda que levasse um ve’tido
branco.
- Não sabe como se supõe que se deve ve’tir? Vir atrás de nós três ve’tida
assim, os seus ombro’ brancos e de’pidos como o traseiro do Ben quando está
no’ arbu’tos. Tem o cérebro nublado, isso sim – disse o Billy.
- Que ideia – sussurrou Corrie.
James tentava com todas as suas forças não rir. Viram como os três
discutiam no meio do estreito caminho. Observaram os três até que o céu
abriu e a chuva começou a cair com força. Era só o que faltava.
- A mãe de Willicombe esteve um pouco atrasada na sua previsão – disse
James. – Supunha-se que começaria a chover perto da meia-noite.
- Não consigo imaginar que o Willicombe tenha mãe – disse Corrie, e
estremeceu quando Ben começou a maldizer a chuva e o seu pé magoado.
Billy desapareceu, amaldiçoando Corrie pela ferida no braço. Augie ficou
ali parado, com as mãos nas ancas, olhando os seus companheiros com
evidente indignação.
Como as folhas os protegiam um pouco do dilúvio, os dois detestaram
pensar em sair para o ar livre. Ficaram ainda outros cinco minutos até que os
três homens decidiram começar a caminhar, coxeando.
- Todos vamos na mesma direção – disse Corrie. – Demônios.
- Não há mais nada que decidir – disse James. – Vamos virar para o lado
da costa. Tem que existir uma aldeia de pescadores não muito longe daqui.
- Muito bem. Pelo menos não teremos que nos preocupar que esses três
palhaços nos apanhem desprevenidos. Sabe, James, poderíamos atacá-los
agora. Que diz?
Ele negou com a cabeça.
- Demasiado arriscado – então parou em seco. – Se conseguíssemos
apanhar o Augie, talvez pudéssemos obrigá-lo a confessar-nos quem lhe
pagou para que me raptasse.
Os olhos dela brilharam, mesmo enquanto pestanejava furiosamente para
evitar ficar cega pela chuva.
- Seguramente não estarão esperando isso, certo?
Os relâmpagos caíram outra vez e ouviram um homem gritar.
- Vamos, Corrie. Não podemos molhar-nos mais do que já estamos agora,
bem, não muito mais.
Saíram correndo do bosque para o mesmo caminho que os três bandidos
seguiram, com a chuva açoitando-lhes o rosto, agora sem lua, só muitas
nuvens negras. Mal conseguiam ver o caminho a mais de três metros de
distância.
Apanharam-nos rapidamente, porque Billy, evidentemente estava
magoado, e Augie e Ben tinham que o ajudar, ainda que Ben só tivesse um
braço bom.
Diminuíram o passo, escutando os homens amaldiçoar.
- Nunca ouvi essa palavra, James. O que signi…?
- Cale-se. Nunca diga essa palavra, promete-me?
Corrie passou a mão pelos olhos e afastou o cabelo do rosto.
- Mas soava como tet…
- Cale-se. Isto é o que vamos fazer.
Três minutos mais tarde, James aproximou-se mais dos três, levantou a
arma e disparou diretamente ao braço de Augie. Um disparo, um grito, e mais
maldições.
Como James pensava, Ben deixou cair Billy ao chão, e Augie não sabia se
sacar a arma, se agarrar o braço, assim que fez ambas. O disparo fez cair um
ramo de uma árvore. Billy, coxeando, e Ben agarrando o seu braço, foram
para os arbustos. Tinham incapacitado os três.
- Largue a arma, Augie – gritou-lhe James, - ou a próxima bala atravessará
a sua cabeça. Tenho duas armas, sabe, assim que não duvide de mim.
- Jovem! Realmente é você? – com a mão Augie protegia os olhos,
tentando desesperadamente ver o James através da forte chuvada. – Por que
quereria disparar ao velho Augie agora? Na realidad’ não lhe fiz nada de
mal… nem sequer o que me pagaram pa’ fazer… só lhe dei uns golpezinhos,
só lhe apoquentei um pouco.
- Largue a arma, Augie, é a última vez que aviso.
Augie deixou-a cair, ainda que houvesse a probabilidade de que só tivesse
uma bala e agora estar vazia. Mas era melhor não correr riscos
desnecessários.
- Bem. Agora, Augie, não lhe meterei uma bala na cabeça, se me disser o
nome do homem que os contratou aos três para me sequestrar.
Augie, mesmo com a chuva, puxou da sua orelha, amaldiçoou e suspirou.
- Um homem tem que protege’ a sua repu’ação, rapaz. Se digo o nome, a
minha repu’ação ficará na lama.
- Pelo menos estará vivo.
James apontou a arma a cabeça de Augie.
- Não, não poss’ fazê-lo, verdad’? Dispar’-me ao coco como se fosse um
mau homem … bem, não se preocupe’ po’ isso. Não, não me dispare. Bem,
maldição. Oh, está bem, o tipo que nos fez o pedido, disse que o seu nome
era Douglas Sherbrooke. Nunca ante’ ouvi esse nome, assim que não posso
dizer quem era esse tipo. Agora não me disparará, verdad’, jovem?
Tanto James como Corrie olharam-no boquiabertos, ela disse: - Mas isso
não tem sentido, James.
- É uma brincadeira retorcida, tem todo o sentido. Quanto é que era de
velho esse homem, Augie?
- Um jovem, como você, milorde. Hey, ouvi a voz dessa moça. Quero
açoita’ bem o traseiro dela. Arruinou tudo pa’ nós, fê-lo. Quase incendiou
essa encanta’ora casa e espetou essa maldita forquilha no braço de Ben. Não
é uma dama, não o é, uma real de’graça para os seus pais, eu diria, saindo
assim sem acompanhante, ve’tida de branco para fazer-no’ pensar que era um
fanta’ma. E quanto ao’ cavalos, o que fez não foi …
- Deixe de chorar, Augie. Ela ganhou sem fazer trapaça. Se não acredita
que seja uma dama, pode chamar-lhe o meu cavaleiro branco – disse James.
- É uma de’graça, isso sim, faze’ isso a três homens grande’. Talve’ se
tivesse sido minha filha poderia ter-lhe ensina’o como roubar o’ finos
sen’ores, retirar diretamente me’as dos seus bol’os, nunca descobririam. Tem
coragem, a moça, não muito cérebro po’que meteu esse cavalo diret’ na ca’a,
mas tem coragem, monte’ de coragem.
- Muito bem, Augie, a verdade é que Corrie seria uma péssima carteirista.
É o seu rosto, observa. Uma pessoa sabe exatamente o que está pensando.
Terminaria sentada ao seu lado na prisão. Agora, se pudesse gritar ao Ben e
ao Billy para saírem cá para fora, então os três poderiam ir-se embora.
- É’ um bom rapaz, isso é o que digo ao’ meu’ amigos, verdade?
- Não sei o que lhes disse, Augie, porque um dos seus amigos bateu-me na
cabeça.
- Bem, essa’ coisas acontecem.
- Vá embora, Augie. Vá. Não o quero voltar a ver.
- Quanto lhe pagou esse Douglas Sherbrooke, Augie? – perguntou Corrie.
- As moças não deveriam preocupa’-se por negócio’ de homens, mas
foram dez libra’ para raptá-lo e outras trinta quando o entregasse a esse
Sherbrooke.
- Espero que não tenha gasto essas dez libras – disse Corrie. – Pergunto-
me o que fará este tipo quando descobrir que fracassaram na entrega da
mercadoria.
Augie resmungou perante esse pensamento, e logo assobiou chamando
Billy e Ben. Corrie, com uma encantadora careta de desdém na cara, e James,
perto do riso, viram como os três homens se meteram no bosque e
cambaleando-se regressaram ao caminho.
- E agora quê? - Disse Corrie. Os relâmpagos alcançaram um ramo de uma
árvore. Caiu, fumegante, a menos de um metro a frente deles. – Oh, céus, crê
que isso é uma espécie de mau presságio?
- Acredito que significa que é melhor regressarmos a Londres. Augie e os
seus rapazes não estavam completamente derrotados, e perderam trinta libras
e as suas reputações se não me entregarem. Não devemos ariscar. Mantenha-
se o mais quente que conseguir, Corrie. Não quero que fique doente.
- Está noite é sem duvida uma desgraça – disse Corrie, e aproximou-se de
James enquanto começavam a caminhar na direção oposta ao dos três vilões.
Ela começou a assobiar uma canção que tinha aprendido de um dos
rapazes dos estábulos Sherbrooke. James riu-se, não conseguiu evitá-lo.
Rogava que ela não soubesse a letra da música. Ainda que parecesse mentira,
não podia pensar noutro momento em que houvesse rido tanto como agora,
numa noite que pensava que seria a última.
Caminharam junto do alcantilado, com o vento rugindo mais forte agora,
ambos molhados e com cheiro a mar. Podiam escutar as ondas chocando com
as rochas em baixo.
De repente James viu um feixe de luz de um farol, logo outro. A chuva
estava diminuindo, graças a Deus, e um pouco de lua brilhando através das
cheias nuvens negras. James viu dois botes parados na praia e pelo menos
seis homens numa fila desde os botes até ao alcantilado onde se encontravam.
Maldição.
Uma voz profunda saiu da escuridão.
- Pergunto-me o que temos aqui.
Capítulo 17
James agarrou na mão de Corrie e apertou-a enquanto a trazia com força
para o seu lado.
- Estamos aqui unicamente por casualidade – disse James para a escura
voz. – Simplesmente estamos a tentar encontrar uma fazenda, ou uma aldeia
de pescadores, para passar o resto da noite.
- Não resta muita noite.
- Não tenho um relógio. Não sei as horas.
James ainda tinha uma bala, nada mais. A chuva parou e a lua brilhou
mais.
Um homem saiu das sombras, com uma arma na mão e uma máscara negra
no rosto. Estava envolvido num capote de muitas capas.
Isto não tinha bom aspeto.
Olhou-os aos dois de cima para baixo, e Corrie pode imaginar as suas
sobrancelhas levantando-se debaixo da máscara.
- Que demônios lhe sucedeu, querida? O seu distinto galã aqui prometeu-
lhe matrimônio e depois violou-a?
- Oh, não – disse Corrie. – Ele nunca faria isso, atrevo-me a dizer que
nunca pensou em violação. E, porque teria que fazê-lo? Conheci-o durante
toda a minha vida, bem quase. Salvei-o de três homens muito maus que o
tinham raptado. Estamos a tentar voltar para casa. Não queremos fazer mal a
ninguém. Se você está contrabandeando diamantes para o novo rei, bem,
poderíamos ajudá-lo. Não nos importa, realmente não nos importa.
- Você é que o resgatou?
O homem riu, realmente riu, o que significava que seguramente não lhes
dispararia nesse instante, certo?
Corrie confirmou energeticamente.
- Sim, senhor. Saltei para o lugar do criado na parte de trás da carruagem e
depois trepei para o telhado de uma casa, tapei a chaminé com uma manta e
montei um cavalo dentro da casa, armada com uma forquilha.
O homem olhava-a atentamente, e James soube sem sequer ver o seu rosto
que a sua expressão era de pura incredulidade. O homem disse lentamente: -
Está inventando isso. Já não me diverte. Nenhuma dama se atreveria a fazer o
que acabou de descrever. Por que estão os dois aqui, neste preciso lugar? No
meio da noite? E com a aparência de terem estado numa luta?
- Ela disse a verdade. Só tentamos regressar a Londres – disse James. –
nada mais. Mas tem razão, ela não é uma dama … é a minha irmã.
- Sua irmã, verdade? Essa é uma mentira que ninguém acreditaria. E como
é uma mentira descarada, então o resto também deve ser. Vamos, agora.
Devo decidir o que fazer com vocês.
- Valeu a pena tentá-lo – disse ela contra o pescoço de James enquanto
caminhavam com o homem atrás deles.
O caminho era perigoso, empinado e sinuoso, a uns bons dez metros de
altura da praia. Meia dezena de homens carregavam caixas de uma gruta até
dois botes na orla.
- Sentem-se – disse o homem.
Sentaram-se. O homem assobiou e um menino apareceu correndo.
Entregou-lhe a arma.
- Mantém-nos vigiados, Alf, especialmente a moça – riu-se. – Não
acreditarias quão perigosa que é.
Afastou-se caminhando.
- Sim sou perigosa.
-Não alarme o Alf – disse James.
- Oh, muito bem. Ao menos podemos descansar um pouco.
Corrie apoiou-se contra ele e, para grande assombro de James, ficou
adormecida.
- Senhor! – disse o rapaz. – Essa moça acabou de apagar, o fez.
- Teve uma noite difícil – disse James, rodeando-a com o braço e
aproximando-a mais.
James não adormeceu. Não se tinha apercebido que ainda havia
contrabando em Gran-Bretanha. Porquê, por amor de Deus? Recordou que o
seu pai tinha dito que o brandy francês era muito melhor quando era passado
às escondidas. Havia algo de perigoso nisso, no risco envolvido, que não era
tão grande, tinha admitido, que lhe dava um pouco de calor extra, diretamente
na barriga.
De uma coisa estava seguro: estes sem vergonha não queriam matar o seu
pai.
O homem com a voz suave e muito educada de repente estava parado junto
deles. James deu-se conta de devia ter dormitado depois de tudo.
- Está cansado?
- Ter adormecido ajudou – disse James em voz baixa, sem querer despertar
Corrie.
O homem, ainda mascarado, agachou-se ao lado de James.
- A moça… leva um vestido de baile e você também está vestido com
roupa de noite. Obviamente é um cavalheiro e ela é uma dama. Também é
evidente que não estiveram bailando durante toda a noite, tendo em conta
onde estão e a sua aparência. Me sinto inclinado a acreditar que foram
sequestrados e que talvez ela tenha contribuído para o seu resgate. Mas aqui
está o problema. Se os deixo aqui, contariam tudo a Bow Street, e isso não
me agradaria nada.
- Não entendo porque estão contrabandeando – disse James. –A guerra
com França terminou há muitos anos. Nem sequer sabia que continuava
havendo contrabando.
O homem viu-se surpreendido. Ficou rapidamente de pé.
- Levá-los-ei comigo, não tenho escolha, assim que não quero discursões
da vossa parte. Deixo-os em terra perto de Plymouth. Gostaria que
adivinhasse os vossos nomes, ou me dirá quem diabos são?
- Imagino que já sabe quem somos, não é verdade? Não há razão para nos
levar a Plymouth. Se fosse a Bow Street, que lhes diria? Nem sequer sei onde
estamos exatamente. Nem sequer sei quanto tempo levaria voltarmos a
Londres. Não tenho ideia de quem são vocês, e não tenho ideia do que estão
contrabandeando.
O homem amaldiçoou. Bateu com o pé na areia. Olhou para trás, para os
homens que quase tinham terminado de tirar as caixas de madeira da gruta,
dirigindo-se para os botes que estavam carregando.
- Não, não existe outra opção, não posso correr o …
James golpeou fortemente o homem no estômago, derrubando-o para trás.
James estava em cima dele num segundo, o seu punho batendo contra a sua
mandíbula, duro, e o homem ficou inconsciente. James apanhou a sua arma e
deu dois passos atrás para dar a mão a Corrie, cuja boca estava de repente tão
seca que não poderia ter cuspido ao maldito homem ainda que o tivesse
tentado. Ouviram gritos e viram os homens correndo até eles, com as armas
apontadas.
James exclamou: - Todos vocês, detenham-se ai mesmo ou disparo sobre o
vosso líder!
Os homens pararam em seco e logo começaram a falar entre eles.
O homem mexeu-se, o seu braço saiu serpenteando para agarrar a mão de
James, mas Corrie foi mais rápida. Deu-lhe um pontapé no braço, caiu em
cima dele e cravou-lhe o joelho na garganta. Ele olhou-a, sem dizer nada
porque não podia respirar e porque não sabia o que dizer. Ela afastou o joelho
apenas um pouquinho.
- Agora sabe quão perigosa sou – disse Corrie, inclinando-se até ao seu
rosto. – não é um vilão muito competente, senhor. James e eu ganhámo-lo
sem muito esforço.
James gritou: - Todos vocês, deitem as armas dentro dos botes! Não vou
deixá-los indefesos, mas também não quero que nos disparem – James olhou
para Corrie, o joelho dela continuava pressionando contra o pescoço do
homem, que, nada tonto, estava completamente quieto, e disse – Bem feito,
Corrie, agora afaste-se dele. Isto é tudo.
Uma vez que Corrie esteve longe, James disse ao homem que
provavelmente reconheceria: - Bem, não vou tirar-lhe a máscara, o que
significa que se fosse a Bow Street não poderia dar-lhes uma discrição sua. A
verdade é que não quero saber quem são, ou o que estão contrabandeando.
Quero que se levante e que caminhe até aos seus homens. Quando lá chegar
quero que os meta a todos nos botes. Vá, agora, ou terei que lhe disparar e
não terá que se preocupar por nada, nunca mais.
- Vocês os dois – comentou o homem enquanto se ficava de pé, tocando
com cuidado na garganta que tinha desfrutado recentemente do joelho de
Corrie. – Não me tinha dado conta de quão bons são os dois juntos. É uma
lástima que… bem não importa. – deu a volta e caminhou pela praia de volta
aos botes e aos seus homens. O homem parou na proa, olhando-os.
Aproximou as mãos da boca e gritou: - Só lhes peço que se mantenham longe
da gruta!
Em poucos minutos os homens estavam empurrando os botes para dentro
da água e logo saltando para dentro.
O homem levantou a mão em forma de despedida.
- Há um barco, James, agora posso vê-lo – disse Corrie, assinalando.
- Sim – disse ele. – Pergunto-me o que estariam contrabandeando.
- Talvez tenham deixado alguma coisa na gruta. Vamos ver.
James pensou nisso enquanto mantinha o olhar sobre os botes que se
afastavam. O mar estava picado, o vento aumentando.
- Sabe? Não me importa nada o que há nessa porcaria de gruta, se é que
existe alguma coisa. É melhor sairmos daqui.
Ela pareceu desiludida quando confirmou, e agarrando-lhe a mão, os dois
começaram a regressar pelo caminho até a parte de cima do alcantilado.
Enquanto se detinham na berma do precipício, olhando os botes, agora
muito afastados, cada vez mais perto do barco, o céu começou a clarear.
- Já quase amanheceu – disse Corrie, com assombro na voz. – Parece como
se tivessem passado três semanas.
- Amém – disse James. – Juraria que havia alguma coisa de familiar nesse
homem.
- Acredito que tem razão. É provável que sim, ou ao menos que saibamos
quem é.
- Um cavalheiro contrabandista.
- Movia-se bem. Claro que não era o bastante bom como para nos derrotar
aos dois.
James sorriu e sacudiu a cabeça.
- Nesta altura não me importa quem, ou o que é. Vi você tremer. Não volte
a fazê-lo. Não quer ficar doente por causa disto, verdade? Só continua
pensando no excelente que se sente, o quente que está com o meu abrigo.
Vamos, Corrie.
Ela esticou-se durante um momento e voltou a tremer, um bom
estremecimento.
- Na realidade, sinto-me excelente desde essa breve soneca. Também devo
dizer que quando coloquei o joelho na sua garganta, recordei que isso foi o
que fiz ao Willie Marker, e isso fez-me sentir ainda melhor.
- Pobre do Willie, o único que queria era um beijo – ela estremeceu. –
Agora quero que mantenha esse abrigo bem colocado. Só continua pensando
no bem que se sente. Nada de doenças, Corrie. Isso é a única coisa que não
nos podemos permitir.
O abrigo estava molhado, mas ela apertou-o mais. Era melhor do que nada.
Olhou para James, com a sua camisa branca empapada. O vento
atravessando-a. Fazendo inchar as mangas. Começou a chuviscar outra vez.
Não viram uma só criatura viva até depois da saída do sol. Ouviram vacas
mugindo.
- Que surpresa, não acredito – exclamou Corrie. – Onde há vacas tem que
haver pessoas que as ordenhem.
Agarrados pelas mãos, correram na direção dos mugidos. Havia uma
quinta, com a parte traseira virada para o mar, a frente rodeada por um
estreito trilho, e do outro dado um curral bastante grande para as vacas, e
mais além do curral, um bosque. A casa estava construída em pedra cinzenta,
uma pesada e feia casa com um palheiro ao lado. Nesse momento, era a
estrutura mais gloriosa que qualquer um deles tivesse visto.
- Oh, está saindo fumo da chaminé. Isso significa que tem que estar quente
lá dentro.
Correram até à frente da casa, ofegando, e James gritou: - Está aqui
alguém? Necessitamos de ajuda!
Por detrás da porta fechada, uma velha voz disse: - Não presto ajuda a
ninguém. Vão-se embora.
- Por favor – disse Corrie, - não queremos fazer-lhe nenhum mal.
Estivemos caminhando toda a noite e estamos molhados e gelados. Não pode
ajudar-nos, por favor?
- Você’ são tipos ricos, po’ como soa a vossa voz – a porta abriu-se um
pouco e um rosto muito velho, profundamente marcado pelos anos de
exposição ao sol, e uns olhos de um azul brilhante e inteligentes, olhou-os. –
Que é i’to? Oh, céus, são um estranho grupo, isso é que é. Entrem, entrem já.
A porta abriu-se mais, e James e Corrie entraram na casa, James agachou-
se antes que a portada lhes arrancasse a cabeça. Cheirava muito bem lá
dentro.
- Oh, que maravilha – disse Corrie, aspirando esse maravilhoso odor,
voltando-se para a enrugada anciã, envolvida num enorme avental, que a
cobria quase por completo. – Tem uma casa encantadora, madame. Muito
obrigada por ter-nos deixado entrar. E está tão quente.
- Por favor, senhora – disse James. – Estivemos debaixo da chuva toda a
noite e estou muito preocupado com a Corrie.
- Aye, posso vê-lo – disse a anciã. – Sou a senhora Osbourne, o meu
marido está lá fora com as vacas. O nosso leite é o melhor deste distrito. Vou
dar-lhes uma taça de leite, quente e saborosa, isso fará com que fiquem outra
vez em forma. Estão os dois molhados, deixem que lhes traga alguma coisa
para vestirem.
A senhora Osbourne desapareceu noutra habitação e James deu-se conta
que efetivamente atrás a porta da cozinha estava um palheiro.
- Corrie, coloca o meu abrigo nessa cadeira e aproxima-te da chaminé. Já
estamos quase em casa.
Quando a senhora Osbourne chegou uns minutos depois carregava um
balde de leite, e disse a Corrie: - Aye, queridinha, deixe que lhe sirva um
pouco de leite fresco, logo lhe meteremos numa linda roupa seca.
Corrie bebeu a leite quente com gratidão e logo passou a taça para James,
que a esvaziou. Ela seguiu a senhora Osbourne até um antiquado dormitório
com uma encantadora e grande cama e um enorme baú aos pés da cama. A
senhora Osbourne disse a Corrie para mudar de roupa ali e vestir um largo
vestido sem forma, de um cinzento indeterminado, com pescoço alto e nem
um só folho. Corrie pensou que era um vestido encantador. Estava
cantarolando enquanto tirava a roupa úmida e a deixava cair no chão, com o
cuidado de não deixar que tocassem na velha alcatifa azul da senhora
Osbourne. Podia ouvir a mulher falando com James, mas não conseguia
distinguir as palavras.
Secou o cabelo com uma toalha e penteou-o o melhor que pôde com os
dedos. Estava quente, a sua barriga cheia com o rico leite, e mais que pronta
para enfrentar mais raptores. Ou contrabandistas. Que noite assombrosa tinha
tido. E James tinha razão. Ela tinha-se encarregado das coisas.
Regressou à sala de estar.
- É a sua vez agora, James. – quando James levou a roupa de homem para
o dormitório, Corrie disse: - Agradeço-lhe, senhora. Lorde Hammersmith foi
sequestrado. Os dois escapamos e estivemos caminhando debaixo da chuva
quase toda a noite.
- Ele é um lorde? Bem, suponho que deveria ter um título a acompanhar
esse formoso rosto. Não acredito que as roupas do senhor Osbourne lhe
fiquem bem, mas ao menos estarão secas. Gostaria de comprar um pouco de
leite?
Antes que pudesse rir ou responder, James saiu do dormitório vestido com
a roupa do senhor Osbourne. Corrie sabia que a beleza devia estar nos olhos
de um observador muito parcial. As calças, velhas e folgadas, chegavam-lhe
só até aos tornozelos. A camisa de algodão castanho-escuro não se fechava
totalmente no peito, o que o fazia parecer ainda mais masculino, com o pelo
aparecendo. Corrie não acreditava ter visto nunca o peito de James desde que
ele tinha dezesseis anos. Deveria dizer-lhe que seria magnifico se tirasse essa
ridícula roupa?
Provavelmente seria prudente não dizer nada. Não queria ferir os
sentimentos da senhora Osbourne.
- Parece muito bem, James.
- Estou quente e seco como você, Corrie. Obrigada, senhora Osbourne e
também ao senhor Osbourne. Assim que eu e a Corrie regressemos a casa,
farei com que lhe devolvam a roupa.
- Assim que o senhor é Lorde Hammersmith, disseme a jovenzita. Tem a
aparência de um excelente rapaz. Acredito que o senhor Osbourne tinha a sua
aparência antes da passagem dos anos e de que os seus joelhos se dobrassem,
e que essas malditas vacas o pisoteassem tantas vezes na cabeça – a senhora
Osbourne fez-lhe uma mesura. – Vou alimentá-los. O senhor Osbourne pode
vender todo o leite esta manhã. Céus, já escuto os carros baixando pelo
caminho.
Logo depois das uvas, ovos e torradas mais deliciosas que Corrie e James
jamais tinham comido nas suas curtas vidas, sentiam-se demasiado cansados
e estúpidos para fazer mais do ficarem sentados na mesa e tentarem ficar
direitos.
- Estão cansados? Bem, isso não é problema. Que tal uma soneca antes que
o senhor Osbourne os leve pelo menos até Malthorpe, a nossa aldeia que fica
a oito quilômetros?
James estava tão agradecido que quase caiu ao levantar-se da cadeira.
Caminhou até a senhora Osbourne, agarrou na sua mão e beijou-lha.
- Estamos muito agradecidos pela sua bondade, senhora. Se não se
importar, gostaria muito que Corrie repousasse um pouco. Aconteceram
tantas coisas.
- Ficará no meu próprio quarto, milorde, bem arroupada.
- Obrigada, senhora. Talvez eu pudesse ajudar o senhor Osbourne com as
vacas…
Estava ali parado, as palavras ainda saindo da sua boca, sorrindo com o
seu bonito sorriso, quando de repente ficou com os olhos em branco e caiu,
batendo na beira da mesa quando foi ao chão.
Capítulo 18
Corrie nunca tinha estado tão assustada na sua vida. Viajar na parte traseira
de uma carruagem durante três horas, com o vento silvando nas suas largas
mangas, não era nada; trepar num telhado estragado com uma manta… bem,
a lista era extensa. Mas este era James. E estava doente.
O senhor Osbourne deixou de ordenhar para tirar as roupas a James e
colocá-lo na cama. Continuava inconsciente, a sua respiração profunda, e
estava pálido. Corrie não podia suportá-lo. Tinha ficado com o seu abrigo e
tinha-o deixado em mangas de camisa. Disse à senhora Osbourne: - Há algum
médico perto? Devo conseguir um médico para ele. Por favor, senhora
Osbourne. Não pode permitir que nada aconteça ao James. Por favor.
- Bem – disse a senhora Osbourne, poisando a sua velha mão nodosa na
testa de James, - está o velho doutor Flimmy, em Braxton. Não sei se
continua vivo, mas ajudou-me a dar à luz os meus três rapazes, e todos eles
sobreviveram, a mãe incluída. Elden! – o senhor Osbourne assomou a cabeça
na porta do dormitório. – Envia o pequeno Freddie a Braxton à procura do
doutor Flimmy. O nosso formoso rapaz está quase tão branco como um
cadáver. – viu como Corrie ficava mais pálida. – Desculpa. Febre – disse a
senhora Osbourne, sacudindo a cabeça. – Conheço as febres, sim. O meu
Pequeno Limão, assim era como sempre chamei ao meu pequeno porque a
sua pele era sempre de um pálido amarelo; esse menino sim que tinha febres,
uma atrás de outra.
- Disse que Pequeno Limão está vivo, senhora Osbourne?
- Oh, sim, o seu nome é Benjie e agora já tem três meninos próprios.
- Então diga-me o que fazer.
- O engraçado é que uso sempre limões para as febres. É uma piada,
percebe? Pequeno Limão e limões para a febre.
Corrie engoliu com força.
- Preparará essa bebida, senhora? Feita de limões?
- Sim, claro que sim. Enquanto faço isso, não o perca de vista, se começar
a arder de dentro para fora, lave-o com um pano molhado.
- Sim, sim posso fazer isso.
A senhora Osbourne ficou parada durante um momento, olhando o rosto
imóvel de James.
- Nunca vi um rosto mais formoso em nenhuma alma vivente. Esse rosto
ainda não podia ir ter com Deus.
Corrie só pôde confirmar.
As horas foram passando, passando, muito lentamente. James seguia vivo,
tão quente que rapidamente ela e a senhora Osbourne começaram a molhá-lo
com panos mergulhados na água mais fria que a anciã tinha conseguido
encontrar. As mãos de Corrie ficaram com cãibras, mas isso não a deteve.
Viu que a senhora Osbourne fazia as coisas mais devagar, o que não era de
estranhar.
- Eu continuo fazendo-o, senhora. Por favor, agora deve descansar.
Mas a anciã continuava a esfregar o peito de James, e quando conseguiram
virá-lo sobre o estômago, esfregou-lhe as costas.
Ele estava tão quieto, tão mortalmente quieto, que Corrie não conseguia
suportá-lo. Finalmente, quando voltou a ficar de costas, James abriu os olhos
e olhou diretamente para o seu rosto.
- Corrie? O que acontece? Não está doente, certo?
- Não – disse ela, com a sua cálida respiração sobre o rosto dele. – Eu não
estou, mas você sim.
- Não, não pode ser …
E então desmaiou, com os olhos fechados e a cabeça caída a um
lado. O mundo de Corrie parou. Encostou o seu rosto ao dele.
- James, volta para mim, por favor, volte. Não posso suportar isto.
Ele começou a contorcer-se e a afastar as mantas, e então de repente estava
tremendo, os seus dentes castanholavam. Empilharam mantas em cima dele,
mas não era o suficiente. Os três conseguiram levá-lo até a sala de estar, e
colocá-lo em frente da chaminé. Em poucos momentos, a habitação estava
tão quente que o suor gotejava na testa de James.
O tempo passou. Ele acalmou-se. A febre tinha baixado, graças a Deus.
O doutor Flimmy chegou com Freddie ao princípio da tarde. Era um
homem velho, mas se o seu cérebro seguia funcionando, deveria saber como
salvar a vida de um jovem que tinha passado a noite caminhando debaixo da
chuva fria.
Corrie viu como o doutor se abaixava sobre os seus joelhos chirriantes ao
lado de James. Levantou-lhe as pálpebras. Olhou dentro dos seus ouvidos.
Desceu as mantas e auscultou-lhe o peito. Apoiou o ouvido contra a garganta
de James. Desceu-lhe as mantas até aos tornozelos, inconsciente de que
Corrie, que nunca tinha visto um homem nu em toda a sua vida, estava ali
parada, embasbacada.
O homem tatareava enquanto observava cada centímetro de James.
- Senhor! – disse a senhora Osbourne, pestanejando, olhando atentamente
James. – O senhor Osbourne nunca se viu assim, nem sequer quando era um
jovem duendezinho. Talvez fosse melhor não o olhar tanto, Senhorita Corrie.
A menos que seja sua irmã, e eu sei que não o é. E também não é sua esposa,
ou teria um enorme diamante no seu dedo, dado que ele é um senhor. Não me
disseram quem são e como é que estão juntos. Não, não quero sabê-lo. Agora,
dê-lhe as costas e deixe que o doutor Flimmy olhe debaixo dos seus joelhos.
Isso é o que sempre fazia com o Pequeno Limão.
Corrie não queria virar-se. Queria ficar ali e olhar o James até que
estivesse tão escuro que já não pudesse vê-lo, nem sequer a sua sombra.
Supunha que isso significava que o fogo teria que apagar-se também, porque
sabia que poderia vê-lo ainda que houvesse brasas na chaminé.
A senhora Osbourne olhava-a com o sobrolho franzido, com as mãos nas
ancas. Suspirando, Corrie deu a volta.
- Ficará bem, doutor Flimmy?
Quando o velho não respondeu, ela girou a cabeça para olhá-lo. Estava
ajoelhado junto de James, com o braço de James levantado e tocando-lhe na
axila. Viu como olhava e tocava, logo se inclinou sobre o peito de James e
lhe levantou o outro braço, e continuou tocando-o. Pelo menos tinha
levantado as mantas até a cintura de James, e isso era uma pena. O doutor
Flimmy finalmente levantou-se, dizendo em voz alta: - Senhora Osbourne,
traga a sua limonada. Bem rica e quente. Acrescente-lhe um pouco de água
de cevada. Isso é o que necessita neste momento.
O doutor Flimmy lá conseguiu colocar-se de pé, recusando a ajuda de
Corrie com um movimento da mão, quando esta foi ajudá-lo. Quando esteve
finalmente outra vez de pé, respirando com dificuldade pelo esforço, disse-
lhe, ainda que continuasse olhando para James: - Sua Senhoria está muito
doente. Afortunadamente também é jovem e forte. Você e a senhora
Osbourne mantenham-no quente, e quando a febre regressar, continuem
lavando-o com os panos frios o mais que puderem. Deitem-lhe limonada pela
garganta abaixo ou ele vai desidratar e morrerá. Não quero que este rapaz
morra, realmente não quero.
- Eu também não quero que morra – disse Corrie, engolindo com força. –
Devo levá-lo de volta a Londres. Há problemas, entende, e tem que estar em
casa.
O doutor Flimmy começou a esfregar o pescoço.
- Se o mexerem, provavelmente não aguente. Mantenham-no aqui,
tranquilo e quente.
O cérebro de Corrie simplesmente bloqueou.
- Mas a senhora Osbourne …
- Aye, Corrie, nós ocupar-nos-emos dele. Agora, vamos dar-lhe um pouco
de limonada.
Surpreendentemente, pelo menos para Corrie, James bebeu quando lhe
aproximaram a taça da sua boca. Levou muito tempo, mas lá conseguiram
que ele engolisse quase tudo.
Ele dormiu, imóvel, sem febre, até essa noite. Corrie estava lendo um
breve tratado sobre a criação de animais de quinta à luz de uma vela. O
senhor e a senhora Osbourne já há um bom tempo que se tinham deitado, mas
Corrie não. O sono estava longe. De minutos em minutos, olhava para James.
Ele continuava quieto. Tinham-lhe feito tomar um pouco de caldo de galinha.
O fogo continuava aceso. Tinha quatro mantas à sua volta.
De repente, James gemeu, os olhos abriram-se-lhe. Olhou diretamente
para Corrie.
- Estava a urinar e você estava olhando. Nunca estive tão mortificado na
minha vida.
Uma lembrança ocorreu à mente de Corrie e ela sorriu.
- Tinha só oito anos, James, e realmente não entendia o que estava vendo.
Deu-me um enorme susto quando saiu correndo e caiu. Pensei que era minha
culpa. Sentime culpada durante anos.
- Como soube sobre o meu acidente?
- O seu pai contou-me. Disse que não sabia exatamente como é que isso
tinha acontecido, assim que contei-lhe tudo o que havia acontecido.
James resmungou.
- Que disse?
- Ficou calado durante um momento, logo deu-me uma palmadinha na
cabeça e disseme que tinha feito exatamente o correto. Que tinha acalmado
você.
- Sou o único homem que viu urinar?
- Sim. Perdoe-me, James, mas era tão pequena e idolatrava você até ao
ponto da estupidez. Pensei que o modo como você o fazia era bastante
surpreendente e de uma forma muito mais simples do que eu. - Ele riu.
Realmente riu, com uma gargalhada grave e rouca, e então os seus olhos
fecharam-se e a sua cabeça caiu para o lado. – James!
Ela ajoelhou-se ao seu lado, com a palma da mão na testa de James. Nada
de febre, graças a Deus. Sentou-se sobre os tornozelos e ficou olhando-o.
Quando ele começou a balbuciar, Corrie quase caiu.
Não se entendia o que dizia, mas ela soube que estava preocupado. Ele
falava entre dentes sobre o seu pai e do homem que se tinha feito chamar
Douglas Sherbrooke. Depois falou da constelação Andrômeda no céu boreal,
do acidente que Jason tinha tido aos dez anos, quando caiu do celeiro. Então
mencionou o seu nome, que ela não o deixava em paz, que estava sempre
debaixo dos seus pés, e que era verdade, ela era preciosa, como dizia o seu
pai. O único momento em que murmurou que desejava que ela estivesse
noutra galáxia foi quando tinha doze anos e tinha querido beijar moças.
Corrie recordava que ele tinha ficado bastante bom em escapar dela.
Corrie deitou-se ao seu lado e agarrou-se a ele. Acariciou-lhe o peito, a
garganta, o rosto.
- James, está tudo bem. Estou aqui. Não lhe deixarei. Está tudo bem, juro.
Ele deixou de murmurar. Ela acreditou que estava dormindo.
Corrie contou o dinheiro de James. Havia o suficiente. Falou com a
senhora Osbourne, e logo deu o dinheiro e as indicações de como chegar à
residência da cidade dos Sherbrooke em Londres a um emocionado Freddie.
O conde e a condessa estavam em Paris, mas o Jason estava lá. Estaria aqui
rapidamente. Não havia mais nada que pudesse fazer, além de esperar.
Os dias seguintes passaram com aterradora lentidão. James delirava, logo
ficava tão quieto que ela várias vezes pensava que estava morto. Corrie rezou
até ficar sem palavras, e então rezou com os sentimentos, jurando a Deus que
se converteria numa pessoa excelente se somente perdoasse a vida de James.
Não havia qualquer sinal de Freddie.
Ela e a senhora Osbourne esfregavam o James com panos frios e úmidos
até que ficaram com cãibras nas mãos e ficavam com elas azuis e enrugadas.
O doutor Flimmy regressou mais uma vez, examinou atentamente mais uma
vez as axilas de James, e anunciou que sua senhoria estava melhorando.
Corrie não compreendia isso, mas agarrava-se a qualquer esperança.
- Viverá, senhor?
- Está melhor, madame, mas viverá?
Ele não respondeu à sua própria pergunta, aceitou o dinheiro que Corrie
tirou do bolso do abrigo de James, bebeu uma xícara de leite quente e
permitiu que o senhor Osbourne o levasse a casa, porque ainda não havia
qualquer sinal de Freddie. Alguma coisa deveria ter acontecido, Corrie sabia-
o.
A senhora Osbourne dava voltas, com os lábios apertados, sacudindo a
cabeça. No entanto, era interessante como sorria cada vez que olhava para
James.
Na tarde seguinte Corrie adormeceu, com a cabeça sobre o ombro de
James, quando um forte mugido a despertou. Despertou agitada, estava tão
esgotada que levou-lhe um momento dar-se conta de que realmente havia
uma vaca parada na porta aberta da habitação. Ouviu vozes masculinas
mesmo lá fora.
Era o doutor Flimmy? Não, provavelmente vizinhos que tinham ido
comprar leite. Apoiou a palma da mão na testa de James. Estava fresco ao
toque. Corrie chorou de alívio. A vaca voltou a mugir. Corrie ficou de joelhos
quando Douglas Sberbrooke apareceu no beiral da porta, mesmo na frente da
vaca.
Se tivesse sido Deus que aparecesse ali, com a sua vista adaptando-se ao
interior em penumbra, ela não teria estado mais estática.
- Senhor! – foi correndo até ele, lançando-se aos seus braços. – Está aqui!
Pensei que estava em Paris, mas não está. Realmente está aqui. Graças a
Deus. Acreditei que Freddie se tinha perdido. Pensei que talvez alguém o
tivesse matado.
Douglas abraçou-a fortemente, dando-lhe palmaditas nas costas.
- Está tudo bem, Corrie. Como está James?
Ela ouviu o medo na sua voz, e deu um passo para trás, sorrindo.
- A febre cedeu. Vai ficar bem.
Corrie afastou-se e regressou até onde estava James, em frente da chaminé,
a sua cama durante os três últimos dias.
Douglas caiu de joelhos junto do seu filho. Estudou a sua espessa barba, a
palidez da sua pele, as suas magras bochechas.
Apoiou a palma da mão na testa do seu filho. Estava fresco. Sentou-se
sobre os tornozelos.
- Graças a Deus.
- James!
Jason entrou correndo pela porta da frente, batendo com a cabeça no beiral
da porta e quase desmaiou.
- Maldição, Jason, não me faça preocupar-me pelos dois.
Jason, esfregando a cabeça, maldizendo, enquanto caminhava até onde o
seu irmão dormia.
- Faz muito calor aqui.
- Sim – disse Corrie. – Supõe-se que assim seja. Teve febre, teve tanto frio
…
Ela engoliu com força, ficou olhando para Douglas e depois para Jason, e
estalou em lágrimas. Foi Jason quem a abraçou, acariciando-lhe as costas, e
dando-lhe palmadinhas na cabeça.
- Esse vestido é um espanto, Corrie – disse-lhe contra a testa.
Ela fungou pelo nariz, engoliu e lá conseguiu esboçar um pequeno sorriso
ao levantar o olhar até ele.
- Já passou tanto tempo, e pensava que ele ia a morrer, e não sabia o que
fazer. Enviei o Freddie até Londres, a sua casa, mas nunca regressou e… - ela
lacrimejou e logo sorriu para Jason. – Viverá. A febre desapareceu.
- Sim, graças a Deus e aos seus excelentes cuidados – disse Douglas. –
Freddie chegou esta manhã, doze horas depois de eu e a Alex termos
chegado. Tinha-se perdido e roubaram-no. Quando chegou à porta principal,
Willicombe quase desmaiou ao vê-lo. A única coisa que Freddie conseguiu
dizer antes de desmaiar foi “James”.
- Freddie está bem agora?
Jason confirmou. Olhou o seu irmão e quase saltou de susto quando a
senhora Osbourne gritou: - Lords e senhores! Há dois iguais. Senhor
Osbourne, venha ver isto. Há dois formosos rapazes, não só um.
Abriu a porta que ia da cozinha ao palheiro e desapareceu. Corrie disse: -
A senhora Osbourne desfrutou muito cuidando de James, principalmente
quando tinha que lavá-lo com os panos úmidos. Não é só o seu rosto que
admira.
Então riu tontamente, realmente fê-lo. Olhou para Jason. Ele sorria.
- Estou seguro de que James estava encantado de ter agradado à senhora
Osbourne.
James gemeu e abriu os olhos para ver o seu pai observando-o.
- Olá, senhor. Por que não está em Paris?
Capítulo 19
Douglas Sherbrooke estava tão aliviado, tão agradecido, que só podia
olhar o seu filho, enquanto passava a mão pela espessa barba negra no seu
rosto, e aceitar finalmente que ele ia ficar bem. Preocupava-o que os seus
olhos continuavam um pouco vidrados, um pouco desfocados, mas sabia que
isso mudaria, James só necessitava de tempo e de descanso. Inclinou-se e
disse: - Sua mãe envia—lhe o seu amor. Quase que tive que amarrá-la para
evitar que viesse conosco, mas sabia, assim como ela, que não precisava dos
dois à sua volta. O fato é que nunca chegámos a Paris. Sua mãe afirmava que
a Noiva Virgem veio flutuando até ao nosso dormitório em Rouen e disse que
você se encontrava em perigo. Chegámos ontem à noite a Londres.
- Raptaram-me para chegar a si, senhor.
- Sim, suponho que isso é certo, mas sinto no meu interior que isto é mais
complicado do que pensamos. Foram três homens que lhe levaram?
- Sim. Augie era o seu líder, Ben e Billy eram os outros dois, que não eram
muito inteligentes. Eram de Londres, o que significa que têm que ser
conhecidos. Talvez Remie descubra tudo sobre eles. Willicombe pode enviá-
lo aos bordéis e ao porto para contratar mais rapazes que descubram de que
se trata tudo isto.
- Passaremos essa informação assim que regressarmos a Londres. Na
realidade, acredito que neste momento toda Londres está à procura de você e
de Corrie. Ah, James, reconheço esse olhar… tem fome, não é verdade?
James pensou durante um instante.
- Sim, poderia comer uma dessas condenadas vacas barulhentas. Mugem
durante todo o tempo, senhor. Juro que conseguia ouvi-las mugir durante a
noite – viu como Jason rodeava Corrie com o braço. – Jase, alegro-me que
tenha vindo. Mas não entendo como …
Jason disse: - Contarei tudo depois de que tenha comido algo. Onde está a
senhora Osbourne?
Para surpresa de Corrie, a senhora Osbourne estava parada na porta da sala
de estar, passando nervosamente as velhas mãos pelo avental, parecendo…
bem, parecendo totalmente intimidada. Corrie não podia culpá-la. Douglas
Sherbrooke parado na pequena sala de estar era seguramente similar a ter um
cardeal da Igreja na aldeia. Douglas, que não era parvo, ficou de pé e sorriu à
mulher. Foi até ela, tomou uma das suas mãos tão docemente como tomaria a
de uma duquesa e levou-a até aos seus lábios, tal como James tinha feito
anteriormente.
- Senhora Osbourne, a minha esposa e eu estamos muito agradecidos pela
sua bondade.
- Oh, Senhor. Oh, céus, oh, céus, Sua Senhoria, não foi nada, não é
verdade, senhor? Olhe-me, vestida com este velho avental, com este vestido
ainda mais velho por baixo, mas não podia tirar o meu vestido a Corrie, certo,
porque ela levava um vestido de baile que estava todo rasgado, realmente
estragado, isso sim. Bem, eu …
- Está encantadora, senhora Osbourne. Gostaria de lhe agradecer por ter
cuidado do meu filho e da sua amiga.
Amiga? James, que acabava de respirar profundamente, engasgou-se.
Bem, supunha que Corrie era sua amiga, mas, ouvi-lo dito dessa maneira…
voltou a tossir. Corrie foi imediatamente até ele e ajoelhou-se ao seu lado,
levantou-lhe a cabeça e deu-lhe limonada para beber.
Jason observou-os. Era evidente que ela tinha feito esse mesmo gesto
muitas vezes desde que James tinha ficado doente, tantas vezes que parecia
absolutamente natural. Quanto a Douglas, ele ficou muito quieto. Então,
lentamente, abanou a cabeça em confirmação.
- Och, minha pequena Corrie, que doce é. Mesmo esta manhã Elden estava
ensinando-lhe como ordenhar a velha Janie, que dá o leite mais doce em cem
quilômetros em redor.
James engoliu a limonada, fechou os olhos durante um momento e disse: -
Realmente ordenhou a velha Janie?
- Tentei. Não consegui muito bem.
- Gostaria de uma xícara de chá Sua Senhoria? E o outro rapaz também
quer? – ficou ali parada, olhando para Jason e depois para James, sacudindo a
cabeça. – Dois jovens tão formosos na minha sala de estar. Ninguém vai
acreditar. E agora um nobre também, não que não seja formoso, milorde, é só
que estes jovens cavalheiros fariam chorar os anjos.
- Acredite-me, senhora Osbourne, também me fizeram chorar em mais do
que uma ocasião.
James disse em voz alta: - Corrie é filha de um visconde.
- Och, e no que lhe converte isso, Corrie?
Corrie revirou os olhos.
- Converte-me numa moça que tentou ordenhar a velha Janie, nada mais,
senhora Osbourne.
A mulher riu, conteve-se e disse ofegantemente: - Tenho chá verdadeiro,
milorde. James bebeu dois jarros cheios de limonada, Corrie verteu-a pela sua
encantadora garganta.
- Um chá estaria bem, obrigado, senhora Osbourne – Douglas virou-se
para James, agarrou-lhe na mão para tocá-lo, para sentir que estava vivo. –
Trouxemos uma carruagem. São duas horas de regresso a Londres. O que lhe
parece isso, James?
- Este chão é muito duro, senhor. Quando me queixei, Corrie tentou
levantar-me para colocar mais mantas por debaixo. Quando isso não
funcionou, quis que levantar o meu traseiro para poder deslizar as mantas,
mas juro que não conseguia levantar nenhuma parte do meu corpo do chão.
Corrie disse, sorrindo-lhe: - Assim que fi-lo rodar, deslizei metade das
mantas e logo virei-o para o outro lado e fiz o mesmo. Os assentos reclináveis
na sua carruagem são tão suaves como uma cama, senhor. James acreditará
que está flutuando sobre nuvens.
- E você também se manteve quente e isso é bom.
O conde olhou Corrie, que se via bastante encantadora com o rosto ao
natural e o cabelo brilhante de tão limpo. Se o vestido da senhora Osbourne
pendurava dela, simplesmente não importava. Havia perdido peso, podia ver-
se no seu rosto, igual a James.
Duas horas mais tarde, a carruagem dos Sherbrooke afastou-se da quinta
dos Osbournes, deixando os seus ocupantes cinquenta libras mais ricos e com
um empregado a menos, um órfão que a senhora Osbourne dizia que tinha
recolhido cinco anos atrás. Freddie era um bom rapaz, dormia no palheiro dos
Osbourne, fazia as suas tarefas adequadamente. Mas já não.
Agora, Freddie ia alto e empertigado no assento do criado, vestido com o
uniforme dos Sherbrooke da reserva de uniformes de Willicombe. O
uniforme ficava grande num menino de doze anos, mas Freddie tinha ficado
tão contente, que Willicombe não tinha tido coragem para fazê-lo vestir
novamente as suas velhas roupas. Douglas tinha dito a Willicombe para
mandar fazer uma dezena de uniformes para ele.
Atado firmemente ao teto da carruagem estava um barril de doce leite da
velha Janie, uma encantadora prenda da senhora Osbourne.
James dormiu quase durante todo o caminho, apoiado entre o seu pai e
Corrie, Jason estava no assento em frente deles, preparado para apanhar
James, se por acaso caísse para a frente.
Douglas tinha querido que Corrie lhe contasse exatamente o que tinha
acontecido, mas quando lhe disse que já tinha informado os seus tios que ela
estava a salvo, Corrie ofereceu-lhe um sorriso sonolento e a sua cabeça caiu
contra o ombro de James.
Viu o Jason olhando intensamente o seu irmão e a jovenzita que dormia
tão naturalmente contra ele.
Douglas perguntou-se se James já se teria dado conta das consequências
desta louca aventura.
A tia Maybella e o tio Simon estavam sentados na sala de estar com a mãe
dos gêmeos, os três bebiam chá e preocupados por eles, até que Douglas e
Jason ajudaram James a entrar na sala.
Houve uma boa quantidade de alvoroço até que James, depositado num
largo sofá pelo pai e pelo irmão, com duas mantas amorosamente arrumadas
à sua volta, James disse a Maybella e a Simon: - Tive tanto cuidado em
manter Corrie tapada o melhor possível, porque estava aterrado de que ficasse
doente… e olhem o que aconteceu. Fiquei eu. Como Augie diria… inferno e
condenação.
Corrie, de joelhos junto do sofá, disse sem duvidar: - Desejaria ter sido eu,
James. Nunca estive tão assustada em toda a minha vida como na segunda
noite – disse a todos. – Ardia de febre, revirando-se tanto que não conseguia
manter as mantas em cima dele. Depois caiu de costas, assim, estava segura
de que tinha morrido.
- Sou demasiado mau para morrer – disse ele.
- Sim, é, e isso alegrou-me muito, ainda que seja mas é obstinado – ela
levantou os olhos e disse. – Mas bebeu toda a água e a limonada que lhe levei
à boca. E depois chá.
James tomou um pouco de chá, apoiando a cabeça contra as suaves
almofadas que sua mãe tinha colocado debaixo da sua cabeça e disse: -
Deveriam ter visto a Corrie montada no cavalo através da porta da casa do
campo, com uma forquilha agarrada como uma lança debaixo do braço.
Naturalmente, levava um vestido de baile – James começou a rir. – Meus
Deus, Corrie, é algo que nunca esquecerei enquanto viva.
- De que está falando?
Alexandra não podia evitar revoltear à volta do seu filho, tão grande era o
seu alívio.
- Corrie carregando uma lança? – disse o tio Simon, e virou-se para a sua
sobrinha. – Queridíssima, recordo quando era uma menina e passava pela sua
fase de cavaleiro da Inglaterra medieval. James ensinou—lhe como agarrar
um poste comprido sem se magoar. Recordo que ficou parado rindo-se,
quando levantou o poste e correu a toda velocidade até uma galinha. Mas,
desta vez realmente foi em cima de um cavalo?
- Tinha esquecido isso – disse James. – Falhou com a galinha, Corrie.
- Era rápida – disse Corrie, - realmente rápida e logo teve o descaramento
de correr para trás de uma árvore.
James disse: - E você cravou o poste contra a árvore e o impacto enviou-
lhe voando sobre o seu tras… bem, sobre. Sentou-se, realmente duro.
Ele tossiu para limpar a garganta enquanto a sua mãe dizia: - James tente
ser cuidadoso com as descrições corporais. Sabe que a sua mãe lhe agradece
isso.
- Sim – disse Jason.
- Bem, Corrie não corria com um poste desta vez, senhor; ia a cavalo, sem
sela de montar, com uma forquilha debaixo no braço e fê-lo vestida com um
vestido de baile – disse James.
- Atacou uma árvore? – perguntou a tia Maybella.
Levou outra hora antes que todos tivessem abrangido o relato inteiro.
Douglas viu que o seu filho estava exausto. Ficou de pé.
- O homem que pagou aos três vilões disse que se chamava Douglas
Sherbrooke. Isso dá-me muito que pensar. Suponho que este homem, Augie,
não usou o meu nome para burlar-se de você, James?
James sacudiu a cabeça, quase dormindo.
- Nunca tinha ouvido falar de si, senhor. Não o estava inventando.
- Está quase caindo desse sofá, James – disse Alexandra, passando-lhe
suavemente os dedos pelo rosto. – Ah, olhe. O seu cabelo está tão brilhante e
limpo.
- Corrie lavou-me, cabelo incluído, esta manhã.
- Oh – disse a tia Maybella e deitou um olhar a Simon, que não estava
prestando atenção.
Ele olhava atentamente as árvores, as suas folhas começavam a ter uma
folhagem outonal. Ouviu dizer em voz baixa: - Esse dourado é sem dúvida
muito bonito. Tenho castanhos e trigos, mas nenhum dourado desse tom
específico. Devo obtê-lo para a minha coleção.
Ele saiu da sala de estar, antes que Corrie pudesse pestanejar. Olhou-o
sorrindo. Viu várias amas com os seus protegidos no parque, e soube que
estariam admirando o seu tio, sem dar-se conta de que ele não tinha qualquer
interesse nelas, só nas suas folhas douradas.
Maybella estava batendo com o pé e observando a encantadora moldura do
teto. Douglas disse: - Eh, vou buscar a Petrie, que sem dúvida estará
esperando no vestíbulo da entrada com Willicombe e o resto do pessoal da
casa, preparados para lutar para ver quem lhe leva nas costas até ao seu
dormitório.
Mas foram Douglas e Jason que ajudaram James a subir ao seu quarto,
Petrie e Willicombe rodopiando três passos atrás deles, preparados para o
caso de serem necessários, e Freddie também estava pronto, com os braços
estendidos, pronto para ajudar. James sorriu ao seu pai e ao seu irmão.
- Obrigado por terem ido buscar-nos.
Ficou dormindo, ouvindo a Petrie presumir de como podia barbear sua
senhoria e sem despertá-lo no processo.
Capítulo 20
Quando James acordou, era quase meia-noite, o seu dormitório estava às
escuras, as brasas ardiam fracamente na chaminé, e estava tão quentinho
como um riquíssimo pudim que acabava de sair do forno. Deu-se conta de
que necessitava urinar e lá se arranjou para conseguir sair da cama e apanhar
o urinol. Estava detestavelmente débil e isso enfurecia-o.
Acabava de meter-se na cama quando se deu conta de que estava
esfomeado. Concentrou-se em puxar o cordão da campainha e então afastou a
mão. Era muito tarde. Deitou-se, ouvindo o seu estômago grunhir,
perguntando-se se conseguiria caminhar até à cozinha. Esquece a comida.
Pelo menos estava em casa e na sua própria cama. Não ia morrer de fome e, o
melhor de tudo, estava vivo.
Nem três minutos mais tarde, a porta do seu dormitório abriu-se
silenciosamente. A sua mãe entrou, vestindo um encantador robe verde
musgo, carregando uma pequena bandeja nas mãos.
James simplesmente não podia acreditar.
- Morri e estou no céu? Como …?
Alexandra deixou a bandeja numa mesa perto da luz e disse, enquanto o
ajudava a incorporar-se.
- Petrie estava dormindo no quarto de vestir, com a porta aberta. Disse-lhe
que deveria despertar-me quando lhe ouvisse despertar. Fê-lo. Agora, temos
um pouco de sopa de galinha para comer e um pouco de pão quente com
manteiga e mel. O que pensa disso?
- Casaria com você se não fosse a minha mãe. – Alexandra riu e acendeu
umas velas. James disse enquanto a olhava: - Recordo quando era pequeno,
estava doente, não me lembro de quando foi, mas você sempre estava ali.
Acordava no meio da noite e ali estava, de pé ao meu lado, com uma vela, e o
seu cabelo parecia fogo com essa luz. Pensava que era um anjo.
- Mas eu sou – disse Alexandra, riu e deu-lhe um beijo. Estudou-o durante
um momento. – Parece mais animado, os olhos mais focados. Agora vou
empanturrar—lhe.
Aproximou uma cadeira e sentou-se, observando o seu filho enquanto
comia tudo o que havia na bandeja. Quando acabou, James suspirou e apoiou
a cabeça nas almofadas. Disse, com os olhos ainda fechados: - Quando
acordei o meu primeiro pensamento foi “onde está Corrie?” – Alexandra fez
um ruído grave, como um zumbido. – Ela salvou-me a vida, mãe.
Sinceramente, acredito que as minhas possibilidades de escapar desses três
homens não eram boas.
- Ela sempre foi uma moça engenhosa – disse Alexandra. – Sempre foi
completamente leal a você.
- Nunca apreciei realmente isso, até que aconteceu isto. Pode acreditar que
viu como me levavam e saltou para o assento do criado, sem duvidar em
nenhum momento? Pode acreditar nisso? Envergando esse condenado vestido
de baile.
- Bem, fê-lo – disse a sua mãe, - posso acreditar.
Ele conseguiu esboçar um sorriso.
- Ah, você e o pai, sempre se apoiaram um ao outro. Sim, você também
teria saltado para esse assento, não é verdade?
- Talvez tivesse sacado a derringer que levava atada à minha perna e
disparado sobre os vilões. Teria feito o esforço de salvar o meu vestido de
baile.
- Pensa que me faria rir? Não, consigo ver-lhe fazendo isso mesmo, mãe –
James suspirou e fechou os olhos outra vez. – Também posso ver a Corrie na
minha mente, quando tinha três anos. Era a primeira vez que a via. Você
estava com ela pela mão quando nos apresentou. Nunca esquecerei como
olhou para Jason e para mim, e novamente para Jason, e então disse, com
esses enormes olhos sobre o meu rosto, “James”.
- Lembro-me. Então largou-me sem olhar para trás, aproximou-se de você,
com a cabeça colocada para trás para poder ver o seu rosto, e agarrou sua
mão. Tinha dez anos, penso eu.
- Não queria soltar-me. Recordo o envergonhado que estava. Ali estava
uma pequena fada, que se sentava aos meus pés e me acariciava a mão.
- Recordo quando Jason tentou enganá-la para que pensasse que era você.
- Ela deu-lhe um pontapé na canela. Ele começou a persegui-la, divertido,
e então ela viu-me e tentou trepar pela minha perna.
Alex riu-se.
- Jason estava tão convencido de que tinha todos os seus gestos, mas não
conseguiu engana-la.
- A senhorita Juliette Lorimer não consegue distinguir-nos.
- Ah, sim, Juliette – disse Alexandra, estudando as suas sapatilhas verdes
gastas. – Uma moça encantadora, certo?
James confirmou.
- Baila bem, é ligeira de pés e sim, é realmente formosa. Mas o caso é que
eu poderia ser o Jason e ela não notaria a diferença.
- Ela e a sua mãe visitaram-nos em três ocasiões durante o tempo em que
você esteve desaparecido. Nos não estávamos aqui, mas o Jason sim, disse
que Juliette ficou muito angustiada quando se apercebeu que ele não era você.
James pensou nisso, mas não durante muito tempo. O cansaço apoderou-se
dele. Lá conseguiu oferecer a sua mãe um sorriso.
- Obrigado por evitar que morresse de fome.
Fechou os olhos.
Alexandra aproximou-se dele e beijou-o. Endireitou-se e ficou ali,
olhando-o ainda um bom bocado, agradecendo a Deus e a Corrie Tybourne-
Barrett pela vida do seu filho.
- Quem é você?
- Sou o Freddie, milorde, o novo criado Sherbrooke – disse o menino,
sacando peito, uma proeza assombrosa já que não havia muito peito para
encher. – Não é estranho que não se lembre de mim, estava quase morto.
O que havia, no entanto, era uma grande quantidade de orgulho ali parado
no dormitório. James sorriu ao menino que vestia o uniforme Sherbrooke,
que tinha viajado até Londres para avisar os seus pais onde estava ele e
Corrie.
- Agora já me lembro, Freddie. Por que está aqui?
- Tinha esta preocupação na minha cabeça, milorde. Só queria assegurar-
me de que o senho’ continuava na terra, como todos diziam abaixo. Todos
estão muito contentes de que o senho’ tenha sobrevivido. O que melhor que
fiz foi vir à casa grande dos seus pai’, dizer-lhes onde estava o senho’, se bem
que quase consegui que me corta’em o fígado. E olhe o que aconteceu? Só
olhe-me, milorde. Não sou digno de contemplar? Veja, milorde, quer tocar
esta lã? Tão suave como o traseiro de um bebê, sim senhor.
- Sim, parece bastante suave e parece esplêndido, Freddie. Perdoe que não
lhe tenha recordado, mas sei o que fez por mim e pela Corrie. Obrigado.
- Nenhum problema, milorde, o senho’ estava tão doente que acreditei que
levaria os seus pai’ de regresso para o funeral, mas não, o senho’ arranjou-se
para sair do caixão. Foi a senhorita Corrie quem o salvou. É resistente, isso é,
e não se afastou do seu lado, não o fez.
- O que é isso que ouvi sobre que quase conseguiu que lhe matassem ao
tentar chegar a Londres?
- Atacado, isso sim, fui atacado por um bando de jovens matões que
queriam bater-me, por diversão. Não muita diversão para mim, digo eu.
Ficaram com as moedas que a senhorita Corrie me tinha dado, não importou
que eu as tivesse escondido nos meus pés, eles encontraram-nas. Mas escapei
deles e cheguei aqui, tinha má aparência, mas Willicombe adivinhou que
tinha algo de importante para dizer a sua senhoria, assim, que me fez entrar.
- Agradeço a sua valentia, Freddie, e a sua tenacidade.
Freddie confirmou, pensando nas cinco libras que agora levava no seu
bolso, não debaixo do seu pé, que o próprio conde lhe tinha dado, e ah, como
se sentia bem contra essa suave lã do seu traje, que o senhor Willicombe
chamava de uniforme. Uma palavra, uniforme. Soava como uma parte do
corpo bem vestida. Freddie esfregou as palmas limpas sobre as calças de lã.
- O seu pa’ disseme que o senhor Willicombe mandou fazer seis trajes
para mim. Seis! Pode imaginar?
- Não – disse James lentamente, - não sou capaz.
James pensou no seu tio Ryder, que recolhia meninos abusados e
maltratados, criava-os, educava-os, e o melhor de tudo, amava-os. Como se
sentiria Freddie com o seu tio Ryder?
Quando Jason entrou no seu dormitório pouco depois de Freddie se ter ido
embora, ainda acariciando a lã, James disse: - Que tal se enviarmos o Freddie
ao tio Ryder?
- Ao nosso novo criado com seis trajes novos? Não acredito que queira ir,
James. Está tão emocionado em estar na grande cidade, não pode deixar de
falar sobre ver a Torre de Londres onde são cortadas todas as cabeças. Não
vê? Agora ele tem valor. Agora é importante por ele mesmo. Não necessita
do tio Ryder.
- Pelo menos vamos educá-lo.
James sorriu.
- Provavelmente refilará por isso, mas farei com que Willicombe traga um
tutor e que mantenha o nosso novo criado na aula duas horas por dia. Agora,
vim dizer-lhe que a senhorita Juliette Lorimer e a sua mãe vieram ver-lhe.
James sacudiu a cabeça ainda antes que Jason houvesse terminado de falar.
- Ainda não me asseei esta manhã.
- Assim pelo menos lady Juliette poderia diferenciar-nos.
- Isso é verdade. Não, diga à dama que estarei disponível para uma visita,
digamos, amanhã à tarde. – Jason virou-se para partir quando James disse: -
Onde está Corrie? Sabe, quando acordei o seu nome quase saiu da minha
boca, e podia cheirar o… é um aroma suave, talvez jasmim. Sinto-me
estranho por não a ter perto de mim.
- Não estranho. Não sei de nada. Foi-se embora, depois de termos ajudado
você a sair da sala de estar. Não se lembra de se ter despedido dela?
James negou com a cabeça.
- Jase, poderia chamá-la, ver como está? Oh, e o que há com a senhorita
Judith McCrae? Viu-a?
Jason deitou-lhe um olhar notavelmente adulto, que o fez parecer uma
estátua grega.
- Na realidade não tive tempo. Entrei em contato com ela assim que lhe
tivemos em casa. Atrevo-me a dizer que voltarei a vê-la.
Capítulo 21
James estava sentado na cama, limpo e barbeado por Petrie, que rodopiou
à volta dele até que esteve quase a atirar-lhe um livro, quando Corrie foi
anunciada por Willicombe, que sorria abertamente, tão orgulhoso de ser a
escolta da heroína do momento.
E James, olhando-a, disse, tão severo como um sacerdote: - Realmente não
deveria vir ver-me sozinha, Corrie. É uma jovem dama; existem regras sobre
isto.
Ela inclinou a cabeça a um lado.
- Isso não é ridículo? Entrei na sua casa sempre à vontade toda a minha
vida. Agora supõe-se que tenho que vir acompanhada quando vier visitar
você? Para assegurar-me de que não faz nada de indecente, como me violar
na casa dos seus pais?
- É mais o princípio das coisas, não realmente o que poderia acontecer.
- Vendo—lhe agora, apostaria toda a minha mesada em que não poderia
fazer uma só coisa indecente. Aposto que poderia fazer um pulso de ferro
com você agora mesmo, James, e estaria lacrimejando num minuto.
- Isso é verdade – disse ele rapidamente, sentindo que sorria de dentro para
fora. Todos estavam sendo tão amáveis, tão solícitos, tão desiguais, que o
cansavam. E agora, finalmente, aqui estava Corrie e num instante estava
pronta para lutar com ele. Sentia-se bem. James animou-se. – Aposto que até
o Freddie poderia vencer-me.
Corrie sorriu, mas não disse mais nada. Ficou ali parada aos pés da cama,
só olhando-o.
- Gosto dos seus bigodes – disse-lhe finalmente. – Dá ao seu rosto um
toque de complexidade. – ele arqueou uma sobrancelha. – A beleza por si só
pode ficar aborrecida, não acredita, James? Já sabe, está ali perfeita e pronto
se tem vontade de esbofeteá-la.
Ele disse, sem vacilar: - E eu sinto falta do seu vestido de baile branco,
todo rasgado e sujo. Isso também acrescentava complexidade à sua
apresentação. Olhe-se agora… um bonito vestido verde e limpo, nada mais,
nada menos. Não, é muito pouco interessante agora.
James bocejou, tapou a boca e voltou a bocejar.
Ela fez uma pose, destinada especialmente para burlar-se dele, mas que
não resultou porque ele já a tinha visto treiná-la anteriormente frente ao
espelho. Corrie não o tinha visto, graças a Deus por esse pequeno favor.
James esperou, sorrindo, perguntando-se o que iria sair da sua boca. Ela
disse, enquanto golpeava com os dedos contra o queixo.
- Sabe, agora que penso nisso, devo admitir que como estava nu a maior
parte do tempo em que esteve doente, deitado indefeso … já sabe, deitado
sobre as costas, não me lembro de me ter aborrecido um instante olhando
—lhe. Não, não bocejei uma única vez.
James reconheceu que era um bom golpe. Ruborizou-se, o calor subindo
pelo seu rosto até ao couro cabeludo. Ela sorria, sabendo que o tinha vencido,
um sorriso tão pícaro que deveria esfumar-se.
Foi difícil, mas ele controlou-se.
- Corrie, porque não vem aqui e me ajuda a beber um pouco de água?
Ela manteve esse sorriso pícaro mesmo enquanto sacudia a cabeça.
- Para que você me possa deitar a água na cabeça? Não, obrigada, James.
Vejo que não pode fazer nada mais que ignorar os meus insultos, uma
estratégia bastante patética, não é verdade? Está esperando para me devolver
o insulto. Só tem que pensar num, e isso é um problema porque o seu cérebro
continua dormindo na sua cabeça, sem fazer nada de útil. Então, reconhece
que desta vez lhe deixei refastelado na lama. Hmm, refastelado. Que palavra
adorável.
Então serviu-lhe um copo de água, sentou-se ao seu lado na cama e
deslizou automaticamente o seu braço por detrás do pescoço de James, e
levantou-lhe a cabeça para que bebesse. O rosto dele quase lhe tocava nos
seios.
James respirou fundo.
- Ah, é suficiente. Assim está bem. Obrigada, Corrie.
Ela deixou o copo e olhou-o com uma sobrancelha arqueada.
- Que é isto? Continua demasiado débil como para ocupar-se da sua
própria sede?
- Não, gosto que o faça você por mim. Gosto de a cheirar quando está
assim tão perto.
Sem pensar, ela acariciou-lhe o rosto com a mão, apanhando-lhe o queixo
durante um instante.
- Cheirava bem? Havia suficiente complexidade no meu cheiro?
- Sim, suficiente. – ela soprou e James disse: - Sabe, esse sopro, por mais
distinto e expressivo que possa ser, simplesmente não combina com o seu
vestido, que faz com que a sua cintura não se veja maior do que um pomo de
uma porta. Quanto à sua parte superior, o seu maldito decote é demasiado
baixo. Supõe-se que é uma jovenzita modesta na sua primeira temporada, não
uma dama experimentada quase pronta para vestir santos, que necessita uma
descarada propaganda para atrair um homem imprudente. Ah, olhe-se agora,
pronta para me lançar a garrafa de água. Está tomando as minhas bem-
intencionadas palavras de mal modo, Corrie. Só as digo como uma pequena
observação de que não deveria estar mostrando os seus bens ao mundo com
tão adorável detalhe, pelo menos ainda não.
Isso foi bastante eloquente; os dois sabiam-no. James esperou, sentindo
que o seu cérebro chispava. Ela ficou olhando o espaço enquanto dizia: -
Recordo como as minhas mãos quase tinham cãibras de lavar você tantas
vezes, para descer a febre, já sabe. Cada vez as minhas mãos desciam cada
vez mais. – ela olhou-o diretamente e então sorriu como uma bruxa. – Ah,
James, posso dizer sem dúvida que os seus bens não necessitam nada de
propaganda. Mas olhe, sou um pavão real fêmea, necessito de toda a
publicidade que consiga.
Ele sorriu. Maldição, voltou a enrubescer e ela apercebeu-se, assim que
James disse: - Por amor de Deus, Corrie, faça com que subam o seu decote
pelo menos cinco centímetros.
Ela sorriu-lhe.
- Muito bem. – ele não conseguiu pensar em nada mais que dizer. – Feche
a boca, James, parece demasiado o Willie Marker assim que lhe disse que
nenhuma moça se casaria jamais com ele porque era um matulão
descerebrado.
- Duvido que Willie Marker tenha pensado alguma vez em matrimônio –
disse James.
- Isso foi o que ele me gritou – disse Corrie, e suspirou profundamente. –
Então tentou beijar-me outra vez. Não é estranho? Depois de o ter insultado
de cima a baixo?
- Suponho que alguns homens excitam-se quando uma moça lhes bate na
cabeça, metaforicamente falando.
Corrie olhou-o, os seus dedos morriam de vontade de tocá-lo outra vez
mas, naturalmente, não o fez. Ele já não estava indefeso. Assim que disse: -
Suficiente sobre o meu vestido. Diga-me, como se sente nesta linda manhã?
- As minhas almofadas caíram. Necessito que volte a levantá-las. Dói-me
a cabeça.
Ela levantou-se para inclinar-se até ele e sacudir as almofadas. Endireitou-
se e olhou-o.
- Quer que também esfregue um pouco de água de rosas na tua frente?
- Sim, isso seria bom.
Ela começou a cantarolar, uma das canções favoritas dele, enquanto
molhava o seu lenço na garrafa de água e se aproximava para dar-lhe
toquezitos na frente. Agora não tinha um sorriso pícaro, mas sim uma
expressão de absoluta concentração.
- Lamento não ter água de rosas, James. Pensa que a água da garrafa está
ajudando um pouco?
- Continue esfregando, ah, sim, isso é muito bom.
Corrie continuou, com movimentos lentos e calmos, que o corpo de James
reconhecia.
- Aconteceu uma coisa muito estranha esta manhã, James. Estava
caminhando com a minha donzela para vir visitar você e vi a senhora Cutter e
lady Brisbett. Conheci as duas na semana passada, numa espécie de baile, e
foram bastante encantadoras comigo. As duas ignoraram-me, olharam-me
como se não estivesse ali e passaram de longe, com os narizes no ar. Isso não
é assombroso? – ficou calada durante um momento. – Ou talvez as duas
sejam míopes, mas sorri-lhes e voltei a falar-lhes. Foi muito estranho, não é
verdade? Não tão estranho como um rapaz querendo beijar uma moça quando
ela o mandou a passear, mas continua sendo estranho.
Houve um gemido no umbral da porta. Não era Petrie nem a mãe de James
com mais comida. Era a senhorita Juliette Lorimer, com a sua mãe logo atrás.
Juliette tomou ar, mostrando os seus encantos ainda mais
proeminentemente que Corrie e, na verdade, com melhores resultados, e disse
com uma voz bastante fria para gelar a limonada: - Posso perguntar o que está
acontecendo aqui?
James disse tranquilamente: - Olá, Juliette. Corrie está, amavelmente,
esfregando a minha frente com água da garrafa, já que não temos água de
rosas. Doi-me a cabeça.
- Necessita de mãos mais suaves que o atendam, milorde – disse a senhora
Lorimer. – Juliette, aqui está um lenço. Afague a frente de Sua Senhoria. A
senhorita Tybourne-Barrett nem sequer deveria estar aqui. Está sozinha, ao
contrário de você, que está com a sua mãe. Não é nada adequado.
Provavelmente deveria dá-lo a entender a Maybella.
Corrie disse, com uma sobrancelha levantada: - Por que não, senhora? Fui
praticamente da família durante toda a minha vida.
- Isso não faz nenhuma diferença, senhorita, e deveria sabê-lo. Tem que ir
para casa agora mesmo. Assim, é hora de que se vá embora.
- Mas, o que acontece com a dor de cabeça de James?
- Cale-se, Corrie – disse ele, e fechou os olhos contra o campo de batalha
que estava reunindo armamento no seu quarto.
- James – disse Juliette, com voz doce e clara, todo o seu ser concentrado
nele, - está esplêndido. Juro que parece quase pronto para bailar. Estou tão
aliviada. Estava tão terrivelmente preocupada quando desapareceu. Ninguém
conseguia explicá-lo. Então, claro está, alguém comentou que a senhorita
Tybourne-Barrett também tinha desaparecido. Não foi nem de perto tão
comentado como o seu desaparecimento, não está demais dizer, e que
estranho foi que os dois tenham regressado a Londres juntos.
Uma profunda gargalhada masculina ressoou no umbral da porta. O
próprio conde Northcliffe disse: - Senhoras, estou aqui para convidá-las a
descer para tomarem chá e umas excelentes tortas com sementes de limão da
cozinheira. Corrie, pode unir—se a nós quando tiver acabado de lavar a
frente de James. Senhoras?
Resgatado pelo seu pai.
Não havia escolha. Juliette olhou com saudade a James, cujos olhos
estavam fechados nesse momento, ofereceu a Corrie um olhar como que para
queimar as sobrancelhas, e depois virou-se para seguir o conde para fora do
dormitório.
- Ela tem razão, Corrie – disse ele, com os olhos fechados.
- Com que então o seu desaparecimento foi mais comentado do que o
meu? Bem, isso seguramente é certo. Quem se preocuparia por mim, além da
tia Maybella e do tio Simon? É bastante provável que o tio Simon nem sequer
o tenha notado, a menos que tenha querido que eu agarrasse numa folha. –
isso era bastante exato, e isso enfurecia muito a James, por qualquer razão
que ele não queria desvendar. - Disseme esta manhã que tinha encontrado
uma folha ainda não identificada, inadvertida nas encostas de um dos
caminhos em Hyde Park. Estava bastante emocionado por isso, decidido a
encontrar a planta da qual se tinha desprendido, e pôde desfrutar da sua
emoção sem comentários da tia Mybella, porque eu estava novamente em
casa, sã e salva. Naturalmente, Jason sentiu a minha ausência. E talvez
Willicombe. Como desejaria que Buxted estivesse aqui. Lembra-se de
Buxted, o nosso mordomo em Twyley Grange, não é verdade, James?
- Claro. Conheçoo desde que nasci.
- Buxted sempre estava ajudando-me a entrar e a sair, sem nunca me
repreender. Advertiu-me sobre Londres, ainda que nunca tenha estado aqui.
- Que lhe disse?
- Disse que a perversidade estava absolutamente bem dentro dos confins
do campo, mas se uma pessoa agita a perversidade numa caçarola do
tamanho de Londres, os olhos do bom Deus ficam piscos. Buxted tinha razão,
certo?
Ele suspirou profundamente.
- O seu tio ou a sua tia falaram consigo ontem, ou então esta manhã?
- Logo que cheguei. A tia Maybella queria saber de cada detalhe e o tio
Simon parecia estar a escutar, pelo menos a maior parte do tempo.
Continuavam discutindo esta manhã, até que estive pronta para gritar. Foi
então quando lhes disse que tinha que vir ver você.
Ela ficou calada durante um momento, franziu as sobrancelhas para a
almofada junto à cabeça de James.
- O quê?
- Bem, o tio Simon começou a sacudir a cabeça, só a sacudir, a sacudir, a
sacudir; mas não disse nada até que estava preparada para sair. Então olhou-
me, voltou a sacudir a cabeça e disse: ”Perseguida como um rato. Sim!” e
então riu um pouco, e parecia descontrolado, algo que faz bastante bem.
Sempre fica tão elegante quando faz isso, que inclusive a tia Maybella fica
ansiosa por dar-lhe uma bofetada, e imediatamente depois quer acariciá-lo.
Não é estranho? Quer mais água? Chá? O urinol?
- Corrie.
Ela deteve-se, olhou-o diretamente nos olhos.
- Sim?
Ele simplesmente olhou-a durante um bom tempo, e logo disse, com uma
voz lenta e profunda: - O meu pai disseme que é uma herdeira.
Ela não deixou que a afetasse.
- Herdeira? O que quer isso dizer, James? Oh, compreendo. Os meus pais
deixaram-me um pouco de dinheiro para assegurarem-se de que conseguia
um matrimônio respeitável. Isso foi bondoso da sua parte.
- É bastante mais do que um pouco. É uma herdeira, Corrie, e talvez uma
das jovens damas mais ricas de Inglaterra. O seu pai foi evidentemente sagaz
com as finanças, e você era a sua única filha. O seu tio Simon protegeu bem a
sua fortuna.
- Isso aconteceu porque simplesmente se esqueceu dela – disse ela, sem
prestar realmente atenção a James, olhando a encantadora carpete turca no
chão, perto da cama.
James viu a compreensão chegar-lhe aos olhos, viu como entrecerrava aos
olhos, os lábios fechados, e então a explosão. Ela desceu de um salto da
cama, com as mãos nas ancas, um lindo detalhe. A sua voz era muito mais
furiosa pela sua serenidade, ele sempre tinha admirado a forma como fazia
isso.
- Gostaria de saber, James Sherbrooke, como sabia o seu pai sobre a minha
fortuna e no entanto eu, a pessoa a quem essa suposta fortuna pertence, não
sabia de nada. E, porque diabos lhes contariam a vocês, precisamente? Não
têm nada que ver com isso! – a sua voz elevou-se um pouco, para dar mais
ênfase. – Isto é absurdo, James, e acredito que me enfurece bastante. Se sou
uma maldita herdeira, então porque o tio Simon não se incomodou em
informar-me?
Golpeou o chão. James nunca antes a tinha visto fazer isso. Agora era a
sua vez de provocá-la.
- Só se olhe, golpeando o chão como uma menina a quem se negou um
doce. Cresça, Corrie. As damas jovens não necessitam de saber sobre
finanças. Não é um tema próprio para as suas habilidades.
Ela voltou a golpear o chão.
- Isso é ridículo e sabe bem disso, James Sherbrooke! As finanças não são
temas para as minhas habilidades? Trabalhei pelo menos durante quatro anos
com o homem de negócios do tio Simon! Sei tudo sobre as suas condenadas
finanças! Por que ninguém se incomodou em mencionar as minhas?
James deu-se conta de que deitar mais lenha ao fogo não lhe daria o que
ele tinha que ter, e isso era o consentimento de Corrie. Não importava que
não o quisesse, tinha que tê-lo, não havia opção. Um pouco de
apaziguamento, pensou.
- Bem, talvez tenha um bom ponto de vista, mas isso não tem nada que
ver. O meu pai contou-me porque queria que mantivesse os olhos abertos
aqui em Londres, para desfazer-me dos caçador de fortunas, assim que
avistasse algum perto de você. O meu pai disse que quando há dinheiro
envolvido, não há segredos. Tem razão. Era uma questão de tempo antes que
os rumores da sua riqueza pessoal se filtrassem, e acredite-me, Corrie, iria ser
assediada.
Corrie, que raras vezes se zangava porque ficava mal, obrigou-se a
tranquilizar-se.
- Bem, esses rumores não podem conhecer-se ainda, porque nem sequer eu
o sabia.
Ele entregou sem problemas uma discreta solução.
- E talvez os rumores não serão revelados em qualquer caso. – olhou-a por
debaixo das pestanas, mas ela estava golpeando com o pé, inconsciente do
que ele tinha dito. James suspirou e olhou as próprias mãos, colocadas junto
das mantas. Disse sem levantar o olhar: - Há muitos jovens homens à caça em
Londres, nunca esqueça isso, Corrie.
Corrie lançou-lhe o lenço sobre o rosto e começou a andar de um lado para
o outro em frente da cama.
- Ainda que já não esteja gritando, continuo muito desgostada com isto,
James.
- Compreendo, mas tem que admitir que a razão para o meu pai me ter
contado era sensata. O meu pai também me disse, rindo-se a gargalhadas, o
que o teu tio Simon tinha dito antes de falar no tema da tua herança.
- O que foi exatamente, poderia dizer-me?
- Já o ouviu esta manhã. “Será perseguida como um rato.”
Isso fê-la parar em seco.
- O tio Simon disse isso?
- Sim. Estava preocupado pela sua, eh, falta de experiência nos perversos
costumes de Londres, não por muito tempo, naturalmente, já que tinha um
novo diário secreto que tinha acabado de chegar pelo correio.
- Perseguida como um rato. Que imagem traz isso à minha mente. – Corrie
começou a rir. – Perseguida como um rato – exclamou, e agarrou-se à barriga
de tanto que ria.
- Tem um certo efeito – disse James. – O meu pai também se riu às
gargalhadas.
Ela continuava rindo, enquanto caminhava até à porta. Disse-lhe por cima
do ombro: - Diga-me, James, se as finanças não se estendem às minhas
escassas habilidades femininas, então o que o faz?
Ele disse, com uma voz profunda e sonora: - Teria sido o parfait gentil
cavalheiro.
Isso derreteu-a. O seu rosto enrubesceu com um encantador calor. Corrie
abriu a boca e logo voltou a fechá-la. Quase correu até à porta, ofereceu-lhe
um enorme sorriso e cumprimentou-o com a mão.
- Deveria descansar agora, James. Ver—lhe-ei amanhã, isto é se não se
importar que venha visitá-lo sem uma escolta de vinte jovens musculosos que
me protejam de você e de todos os rumores – e riu-se um pouco mais, a
bruxa, e desapareceu.
James podia ouvi-la assobiando. Tinha-o deixado antes que pudesse dizer-
lhe o que tinha que dizer.
Amaldiçoou a habitação vazia. Mas não por muito tempo, pois a saída de
Corrie significava o regresso de Juliette. O seu pai olhou-o e deixou-o
enfrentar o seu destino, que incluía a mãe de Juliette.
James desejava que Petrie entrasse e o voltasse a barbear.
Capítulo 22
Corrie chegou à residência Sherbrooke na manhã seguinte para que
Willicombe lhe dissesse que a Sua Senhoria mais jovem estava no estúdio,
fazendo um pouco de trabalho para voltar a pôr o cérebro a funcionar.
- Ele não necessita de papéis para reajustar o seu cérebro, mas sim uma
boa discursão – disse Corrie, e dispensou Willicombe com a mão quando ele
ia anunciá-la.
Abriu a porta silenciosamente para ver James sentado na secretária do seu
pai, com um maço de papéis na mão direita, uma pena na mão esquerda, a
cabeça apoiada na secretária. Estava profundamente adormecido.
Ia a sair da habitação quando ele acordou de repente, ficou olhando-a
fixamente e disse: - Já era hora de que chegasse.
- Por que é que não está deitado? – ele esticou-se, levantou-se, voltou a
esticar-se e logo bocejou. – Perdeu peso, James. Falarei com o seu pai sobre
isso.
Os braços dele caíram ao longo do corpo.
- Não se preocupe. A minha mãe está metendo comida pela minha
garganta a cada hora. Você também perdeu peso. Onde esteve?
- Encontrei-me por casualidade com Judith McCrae, sabe, a moça que está
muito interessada em Jason, se não me engano. Claro que, cada moça em
Londres está interessada tanto em você como em Jason, mas ela parece
diferente, talvez, mais adequada a ele.
- É a sobrinha de lady Arbuckle. Como é que se encontrou com ela?
- Estava saindo de uma loja de chapéus com lady Arbuckle. Estavam tendo
uma discursão bastante intensa, mas quando Judith me viu, era toda sorrisos.
Não acredito que lady Arbuckle estivesse contente por me ver. Suponho que
Judith sabe que sou uma amiga de infância e por isso alguém a quem deve
falar.
- Jason não tem falado muito dela ultimamente.
- Não me estranha, porque o seu irmão tinha desaparecido e poderia ter
sido assassinado.
- Acredito que ele também gosta bastante dela. Agora que vê que estou
bem outra vez, retomará o seu curso com ela.
- Pergunto-me que curso será esse. Estava Juliette acampando fora, na sala
de estar, quando despertou esta manhã?
- Bem, ela e a sua mãe vieram de visita logo depois do pequeno-almoço.
Eu estava deitado. – James fez uma pose muito ligeira, já que continuava
muito débil como para picá-la como era habitual. – Sabe, acredito que ela
desfruta da minha companhia, a sua mãe sentou-se comodamente num canto,
olhando benevolamente um quadro.
- E suponho que você não desfrutou de toda essa excessiva atenção? Todas
as bonitas palavras? Passou a mão pela sua pobre testa?
- Não posso recordar uma só, exceto talvez as da sua mãe.
- Bem, sim, isso tem sentido. É o herdeiro, depois de tudo. Sabe, James,
realmente não consigo imaginar que queira casar com você.
- Por que não?
- Juliette estava muito corretamente consciente da sua própria beleza. O
problema é que você é mais formoso do que ela. Imagina, vocês dois
poderiam olhar-se num espelho e ela ocuparia um escasso segundo lugar.
Não consigo imaginá-la aguentando isso.
James passou os dedos pelo cabelo, colocando-o de pé.
- Maldito inferno, já permiti que me distraísse. Abre a boca e esqueço para
onde ia. Agora, cale-se e sente-se, Corrie. Tenho uma coisa para dizer. – ele
começou a caminhar até ela, para impor-se perante ela, para intimidá-la um
pouco, quando se sentiu um pouco tonto e voltou a sentar-se rapidamente na
cadeira do seu pai. Aclarou a garganta e inclinou-se para a frente. – Jason
disseme que viu você cavalgando no parque com Devlin Monroe.
Ela sentou-se, deslocando a encantadora saia verde pálido do seu vestido
sobre os almofadões ao seu lado. Cruzou as pernas e começou a mexer o pé.
Deitou um olhar aos seus sapatos. Faziam com que os seus pés parecessem
verdadeiramente pequenos; e nada de saltos. Podia correr e saltar com estes
adoráveis sapatos. Examinou uma unha do dedo polegar, assobiou uma
cançãozita, esperando que James explodisse. Reconhecia os sinais, desde que
ele tinha quinze anos e tinha estado tão furioso com o seu irmão, que tinha
lançado um punho através da parede do estábulo. Agora que pensava nisso,
Corrie apercebeu-se que já há muito tempo que não o tinha visto perder o
controle; de fato, não desde que se tinha convertido num homem. Era mais
razoável agora e …
- Corrie, poderia, por favor, prestar-me atenção?
Ela levantou o olhar e sorriu.
- Estava pensando em quão magníficos são os meus sapatos. Poderia
perseguir o Augie e os comparsas. Não são encantadores?
Na realidade eram, mas James disse: - Preste atenção. Por que diabo estava
com Devlin Monroe? Disselhe para se manter longe dele.
- Era disto que desejava falar? O que há de errado com Devlin?
Seguramente ele não é um desses caçador de fortunas que me perseguiriam
como um rato. Bem, é herdeiro de um ducado.
- Bem, sim, mas é o próprio Devlin que é o problema. Não é o tipo de
homem que quer tão perto de si, Corrie.
- Bem, ainda não se aproximou tanto. Ainda.
- Muito bem. Agora obriga-me a ser sincero. Ele tem amantes… não uma,
mas sim várias, e gosta de compará-las, e anunciar os resultados no seu clube,
que resulta também ser o meu clube.
- Céus. – ela inclinou-se para a frente, os olhos cintilando de curiosidade. –
Essa é a coisa mais estranha que ouvi dizer. Que quer dizer com “compará-
las”? Como que uma das moças tem os olhos azuis e a outra castanhos?
- Isso não interessa.
- Talvez uma use vestidos muito decotados e a outra …
- Cale-se.
- Sabe de alguma dama que tenha vários cavalheiros?
Ele apertou os dentes até que lhe doeu a mandíbula.
- Não há uma versão masculina de uma amante. – James abanou a cabeça.
– Maldição, as damas podem ter amantes, e sim, entendo que algumas damas
tenham uma sucessão de amantes. Mas os amantes são um assunto diferente
das amantes. Devlin chegou a ter três amantes ao mesmo tempo. Três!
Corrie levantou-se, tirou uma rosa de um vaso, cheirou-a e disse: - Soa
como se estivesse com ciúmes.
- Não, estou horrorizado.- ela levantou as sobrancelhas enquanto o olhava
atentamente. – Bem, talvez um pouco ciumento, mas isso não tem nada que
ver. Três amantes são mais do que um excesso, Corrie, é demasiado, e seria
imoral se ele estivesse casado.
- Acredita que continuará a ter amantes mesmo depois de casar?
- Não sei. Não importa.
- Bem, ainda bem para ele. Quantas mais amantes, melhor. A próxima vez
que o veja, perguntar-lhe-ei por isso. Deve haver regras e …
Ele falou por cima dela.
- Voltou a distrair-me. Maldita seja, esqueça as suas condenadas amantes.
Porque me desobedeceu e o voltou a ver?
Outro alegre sorriso dela, e um encolher de ombros que fez com que James
quisesse atravessar a sala e sacudi-la bem, mas a única coisa que queria fazer
era dormir. Enquanto deslizava de volta a rosa ao vaso, ela disse: - Bem,
pediu-me que fosse montar com ele no parque. Ninguém mais o fez, e
realmente queria fazer exercício, compreende. – James olhou para o céu, só
para que ela o trouxesse de volta à terra a pique quando disse: - Agora posso
garantir que Devlin não é um vampiro. O sol brilhava sobre as nossas cabeças
e ele não ardeu. Acredito que mais que seduzir-me, Devlin quer que o
entretenha. Claro que riu muito depois de saber todos os detalhes do seu
resgate. Admitiu que se fosse ferido gostaria que o atendesse exatamente
como fiz com você, ainda que eu fosse ter que pagar por isso. Não quis dizer-
me o que é que isso significava. – Corrie fez uma pausa. – Ah, James, estava
pensando em cuidar de Devlin e esse pensamento imiscuiu-se … acredita que
Devlin é tão pálido como um fantasma em todas as partes, ou só no rosto?
- Sim, é.
Dito isso, James recostou-se na cadeira, com os braços cruzados sobre o
peito. Cruzou os pés a altura dos tornozelos e finalmente fechou os olhos.
Assim sentia-se maravilhoso, mas sabia que ainda não podia dormir. Tinha
demasiado que fazer.
- Acredito que consigo imaginar Devlin ali nu, de costas, como você. Seria
tão pálido, que se o lençol estivesse bem lavado, poderia desaparecer nele.
Acredito que uma pele mais escura é mais interessante, digamos um tom de
pele mais dourado, como o seu.
- Jason e eu temos a pele morena como o nosso pai – disse ele, e
perguntou-se quando é que a sua boca se tinha separado do seu cérebro.
- Sim, assim é, você é moreno, só que essa palavra não soa tão dourada
como você é, parece mais como um pirata queimado pelo sol. Agora, para ser
sincera, James, acredito que não há homem mais formoso do que você. Por
outro lado, para ser objetiva nisto, é o único homem nu que já vi. – Como
tinham chegado até este tema? James quase gemeu ao dar-se conta de que
estava tão duro como a pata da secretaria do seu pai. Tinha que recuperar o
fio da conversa. Abriu a boca, mas ela já se tinha desviado outra vez. –
Naturalmente – disse Corrie, - não lhe disse que era uma herdeira.
- Não, disse-lhe tudo o resto. – James esmurrou com o punho a secretária,
fazendo saltar o tinteiro. O que saiu da sua boca então foi inesperado e
imprudente. – É completamente idiota, Corrie? Tem ideia do que acabou de
fazer?
- Claro. Pensei cuidadosamente e logo decidi que se todos em Londres
sabem exatamente o que aconteceu com você, todos estarão pendentes não só
do seu pai, como também de você e do Jason. Sabe, Devlin deixa o chapéu
posto para evitar que o sol lhe dê na cara. E hoje também o fez. Aí está,
admitiu. Uma palidez tão encantadora. Pelo menos no seu rosto.
A bruxa estremeceu.
Não tinha remédio. James disse, todo indiferente: - Suponho que Devlin
não disse que a sua aventura comigo era a causa de uma certa, eh,
consternação?
- Consternação? Na realidade, quando lhe mencionei que a senhorita
Cutter e lady Brisbett me tinham ignorado, ele simplesmente riu, acariciou-
me a mão e disse que não significava nada e que não me preocupasse por
isso. Disse que, se me parecia bem, gostaria de visitar o tio Simon.
Não, pensou James, Devlin não ia propor-lhe matrimônio, os seus pais iam
repudiá-lo se propusesse matrimônio a uma moça cuja reputação estava
destruída. Além disso, acabava de conhecê-la. E não sabia que era uma
herdeira, Corrie tinha razão nisso. Era só uma moça que o divertia. O que
estaria tramando Devlin? Por que lhe havia dito que ela teria que pagar?
Melhor esclarecer as coisas neste mesmo instante.
- Tivemos uma aventura, Corrie, não é verdade?
- Foi uma esplêndida aventura, se não tivesse ficado de tal modo doente
que quase me mata de medo.
Ele sorriu perante as suas palavras, reconhecendo a Lovejoy.
- Sim, toda Londres… todos, Corrie, sabem sobre a nossa aventura. E os
poucos que ainda não sabem, sem dúvida Devlin agora já os deve ter
informado. – olhou fixamente as suas unhas, examinando o pequeno rasgão
que tinha no polegar. Quando voltou a olhá-la, sorria. – Parece que não terei
que lhe perseguir como a um rato.
- O que quer dizer com isso?
A porta do estúdio abriu-se de repente e o conde entrou, dizendo a James: -
Este contrabandista que vos capturou brevemente a você e a Corrie, estive
perguntando-me quem poderia ser, perguntando-me se já joguei as cartas com
ele. Tenho vontade de ir ver essa gruta, ver se há alguma pista sobre o que
está contrabandeando. Disse que parecia familiar?
- Sim, senhor, um pouco.
- Qual é a prob … ? – Douglas deu a volta lentamente para ver Corrie ali
sentada, no encantador sofá bordado que Alexandra tinha sabido que lhe
agradava e lhe tinha oferecido. – Corrie – disse. – Está adorável, querida.
- Obrigada, senhor. James estava contando-me sobre o tio Simon
refufunhando que eu seria perseguida como um rato.
- Seria melhor que esquecesses isso, Corrie. Devo ocupar-me de algo neste
momento. Desculpem-me os dois. – deu a volta ao chegar ao umbral. –
James, mais dez minutos, depois quero-o de volta na cama.
Depois de que Douglas partisse, fechando a porta silenciosamente, Corrie
ficou de pé e alisou a saia.
- Bem, James, eu também estava pensando no nosso contrabandista.
Concordo com o seu pai… quando tudo isto tiver terminado, vamos ter que
deitar uma olhadela a essa gruta. Acredito que deveria descansar agora.
Parece um pouco vampírico. Não tão pálido como Devlin, mas demasiado
pálido para a sua pele morena, que parece mais que fraquinho.
James ficou de pé lentamente, as suas mãos sobre a secretária.
- Se tentar ir, vou pô-la sobre os meus joelhos e vou açoitá-la.
O queixo dela elevou-se.
- Não acredito que esteja o suficientemente forte como para agarrar-me,
muito menos subir e baixar a sua mão com alguma força. Acredito ser mais
provável que se der um passo até mim, cairia de cara no chão.
- Poderia açoitar você até a dormir.
- Está ruborizado, James. Não gosto. Por favor, sente-se e tente
tranquilizar-se.
Ele revirou os olhos, sem poder fazer nada mais. Realmente não podia
açoitá-la, não aqui, no estúdio do seu pai. Parecia-lhe bastante forçado que
semelhante ação não lhe daria o que deveria ter, não porque quisesse o que
deveria ter.
- Sente-se, maldição.
Corrie sentou-se, fechou as mãos no regaço e olhou-o como uma pupila
curiosa.
James disse, tão lento como uma tartaruga, sentindo que cada palavra era
arrancada da sua garganta.
- Esta nossa aventura … será um relato que sem dúvida adornará uma
heroica saga quando a contarmos aos nossos filhos e aos nossos netos.
Ali estava, fora da sua boca, e essas engenhosas palavras tinham tido
sentido, é mais, tinham soado fluidas e sinceras, e as palavras foram
eloquentes, convocando imagens para encantar a mente.
Mas James tinha selado o seu destino com essas malditas elegantes
palavras, um destino que tinha sabido que era o seu, assim que o seu cérebro
tinha voltado a funcionar outra vez.
Capítulo 23
Esperou. Sentia-se estranhamente distante, como se o seu cérebro estivesse
ali naquele instante, mas no outro lado da habitação, observando, observando,
e rindo-se.
Um completo e absoluto silêncio envolveu o estúdio.
Corrie levantou uma sobrancelha.
- Desculpe? Está a delirar novamente, James? Procuro o seu pai? Um
médico? Evidentemente não está bem, e isso preocupa-me.
- Corrie, não seja estúpida.
- Serei tão estúpida como deseje. – ela brincou um pouco com as suas
luvas, do mesmo verde encantador do seu vestido e sapatos. O que saiu da
sua boca quase volveu louco o James. – Acredita que Devlin vai-me propor
matrimônio?
- Muito bem, sê estúpida por um momento, mas eu não posso. Estou
enfrentando a situação de frente. Não há outra solução neste caso, Corrie,
nenhuma opção para nenhum dos dois.
Corrie levantou-se de um salto, retrocedendo três passos para trás do sofá e
ficou ali parada, olhando-o fixamente, com as mãos nas ancas.
- Escute-me, James Sherbrooke. Não há nenhuma situação para enfrentar
de frente. Não há nenhuma situação em absoluto. Sabe qual é o seu
problema? Pensa demasiado, avalia tudo, resolve tudo na sua cabeça e depois
toma uma decisão. Muitas vezes tem razão, mas às vezes… como agora
mesmo, neste preciso momento, salta alegremente para uma conclusão que
me faz doer a cabeça, assim que chega. Esqueça isso. Ouve-me? Esqueça!
Ele disse, com calma: - As damas já a ignoram. Não se dá conta do que
isso significa?
- Devlin disse para esquecer isso. É o que pretendo fazer.
- Não pode casar-se com o Devlin Monroe, a menos, claro, que tenha
desejos de ser duquesa em vez de simplesmente uma condessa.
- Que estúpido é dizer isso. Vou-me embora, James.
- Onde vai?
- Procurar um pouco de brandy na biblioteca do seu pai.
- Não se lembra da última vez que tomou brandy? Você e Natty Pole
roubaram uma garrafa do melhor brandy do seu tio Simon, e terminaram
expelindo as tripas na parte detrás da casa.
- Tinha doze anos, James.
Pelo menos isso parou-a.
- Recordo que você estava tão descomposta, que estava ali encostada
gemendo, e com uma voz de lástima quando disse ”Não me ficou nada
dentro, James, vomitei até o meu coração. Agora vou morrer. Por favor, peça
desculpas ao tio Simon por lhe ter roubado o brandy.” E então desfaleceu.
Nada de brandy, Corrie. Não acredito que já esteja o suficientemente bem
como para afastar—lhe o cabelo da cara desta vez.
Ela parou, com a mão sobre a maçaneta da porta. Ofereceu-lhe um olhar
de profunda antipatia.
- Às vezes tem razão, admito-o. Se tem razão é agora. Muito bem, vou
procurar um grande copo de água – e saiu correndo da habitação, ligeira
sobre os seus sapatos, e isso era porque não tinha saltos.
James sentou-se e meditou. Por amor de Deus, não queria casar-se. Não só
com Corrie – e esse pensamento era o suficiente para o pôr estrábico – mas
com ninguém. O seu pai não se tinha casado até já ter vinte e oito anos, um
bom número de madurez, como diria Douglas, um ano em que finalmente um
homem se dá conta de que poderia fazer algo de bom neste assunto de deitar-
se com a mesma mulher cada noite e ser legal.
Mas ele tinha só vinte e cinco. Três anos de liberdade estavam fugindo
pela janela, tudo porque Corrie tinha-o seguido para o salvar.
Maldição. Petrie disse desde o umbral: - Milorde, está enrubescendo. A
senhorita Corrie não deveria ter discutido consigo, desse modo pode elevar a
sua raiva e talvez trazer de volta a febre. Queria avisá-lo de que se foi
embora, mas foi sozinha. Agora, tenho um pouco de água de cebola que a sua
querida mãe me disse para lhe dar.
- Petrie – disse James, olhando desconfiado ao seu ajudante desde há cinco
anos e essa condenada água de cebola, - há algumas coisas que um cavalheiro
deve enfrentar, ainda que possa provocar-lhe novamente febre. Dá-me essa
coisa nauseabunda e depois deixa-me só. Juro que a tomarei antes de subir
penosamente até ao meu quarto e cair na minha cama.
- Sua senhoria disseme que tinha acrescentado coisas à bebida, que lhe
agradariam. Tome, milorde. Beba-o agora.
James bebeu a água de cebola, preparado para lançá-la fora, mas para sua
surpresa não estava nada mal. Esvaziou o copo inteiro, suspirou, subiu com
dificuldade as escadas e caminhou lentamente pelo extenso corredor até ao
seu dormitório.
Quando estava apoiando a cabeça nas almofadas, viu que Petrie o tinha
seguido, provavelmente porque temia que James pudesse cair. Recostou-se,
desejando que ouvesse outro caminho pelo qual caminhar. Ouviu Petrie
aclarar a garganta.
- Vai afogar-se se não falar, Petrie, assim que, em frente.
- Pela minha experiência, milorde, as jovens damas não devem ser
precipitadas ao tomarem decisões importantes; devem ser tratadas com
gentiliza, sem …
- Petrie, desejaria que tivesse visto a Corrie montando a cavalo através da
porta daquela casa com uma forquilha debaixo do braço. Apunhalou um dos
homens no braço. Não é frágil, não é débil.
- Talvez estivesse delirando nesse momento, milorde, e só imaginou que
ela fez isso, você sozinho conseguiu fugir desses três homens. Encontrou a
senhorita Corrie no palheiro, enrolada e chorando, e você próprio levou-a até
essa quinta onde, finalmente desmaiou, por tê-la carregado quinze
quilômetros e por lhe ter dado todas as suas roupas para mantê-la quente.
Seguramente foi isso que aconteceu, assim já tem mais sentido.
James só podia olhá-lo.
- Diz que Willicombe apoiará isso, Petrie?
- Quanto as crenças do senhor Willicombe em relação ao tema, milorde,
não posso dizer nada.
-Por quê diabos não? Tem sempre algo para dizer com respeito a tudo
nesta maldita casa. Escute-me. Não só a Corrie me salvou, como também
cravou o joelho na garganta de um contrabandista. O que pensa disso?
- Tem febre, milorde, é evidente. Vou procurar o seu pai.
E Petrie saiu da habitação, com os ombros retos e a cabeça bem erguida.
James ficou ali deitado e continuou a meditar. Talvez tivesse falado
demasiado rápido, não tinha dado tempo a Corrie para que assimilasse tudo.
Casado com a descarada. Deus querido, isto era algo que nunca tinha
imaginado quando tinha dezesseis anos e tinha saído do palheiro, sacudindo o
feno das roupas, com um sorriso tonto no rosto, e ela tinha estado ali parada,
olhando-o.
Pelo menos era demasiado pequena para compreender o que ele tinha
estado fazendo com Betsy Hooper no acolhedor recanto no fundo do
palheiro. Levantou o olhar para ver que abriam a porta do dormitório; ficou
muito aliviado ao ver que era o seu irmão.
Jason estava sacudindo a cabeça.
- Não acreditarias no que o Petrie está a dizer sobre tudo isto, James.
- Oh, sim que acredito. Acaba de desabafar comigo depois de ouvir a
minha conversa com a Corrie às escondidas. Não me tinha dado conta de que
era tão misógino.
Jason suspirou.
- Poderia ser pior.
- Como?
- Corrie poderia ser como Melinda Bassett.
James gemeu. Essa loba tinha decidido que o queria a ele ou o Jason, não
importava qual, e quando não obteve o que desejava, afirmou que ambos a
tinham violado. Isto tinha acontecido sete anos atrás, e no entanto ainda podia
sentir a horrível impotência que tinha sentido perante as suas acusações.
- Corrie salvou-nos – disse Jason. – Disse a verdade a todos. Terá que
admitir uma coisa sobre ela… nunca ninguém pensaria que mente sobre algo.
- Sim, salvou-nos, e salvou-me outra vez, maldita seja.
- Vê? Há muitas coisas muito piores no mundo do que a Corrie. De fato, é
uma heroína, só que ninguém o admitirá enquanto não casar contigo. Pelo
menos não terá que preocupar-se pelos maus hábitos inesperados da sua
esposa.
- Isso é verdade. Já conheço todos os seus hábitos, os maus e os piores.
Maldição, Jason, como pode ter acontecido isto? Nunca estive doente em
toda a minha condenada vida. Por quê teve que acontecer neste preciso
momento em particular?
- Quando penso no que levou a isso, agradeço a Deus por você não estar
morto. Corrie é das boas, James. Debaixo desse vergonhoso chapéu velho
estava escondida uma dama. Deve admitir que se surpreendeu com a sua
transformação.
James parecia abatido.
- Ele tem razão, James. E mais, não tem opção sobre este assunto,
absolutamente nenhuma.
Douglas Sherbrooke caminhou para o lado da cama do seu filho, tocou
ligeiramente na sua testa com a palma da mão, confirmou e sentou-se no
grande cadeirão junto da cama.
- Corrie veio voando até à biblioteca para perguntar-me, muito
amavelmente, se por casualidade tinha algum brandy que não a fizesse ficar
doente.
- E deu-lhe algo?
- Sim. Dei-lhe o meu especial brandy Florentino, garantido para não
desbaratar as entranhas.
- Não existe uma coisa assim – disse Jason.
- Verdade.
- Onde está ela, senhor? Foi-se embora? Está escondida na biblioteca?
Disse-lhe por que queria o brandy?
Douglas confirmou lentamente.
- Depois de um pouco de insistência. Chantagem, na realidade. Não quis
dar-lhe nada do meu brandy especial a menos que me contasse tudo. Ela
cedeu, disse que te sentias responsável pelo que tinha acontecido e que tinhas
dito que tinham que casar. Então engoliu um brandy aguado, arrotou, se mal
me recordo, e foi-se embora sem dizer mais nenhuma palavra.
- Não o fiz muito bem – disse James. – Quero dizer, comecei bem, com
uma encantadora espécie de metáfora do futuro sobre os nossos filhos e
netos.
- Essa é uma imagem que me dá que pensar – disse Douglas.
James descartou esse cometário.
- Senhor, seguramente vai aperceber-se de que não há outro caminho que
possamos seguir. Não quero casar-me, pelo menos neste momento, mas
simplesmente não há outra opção.
Douglas estava batendo com os dedos no cadeirão, olhando fixamente o
quadro na parede opostas, que James tinha comprado em Honfleur três anos
atrás. Uma jovenzita estava sentada numa rocha, as suas saias estendidas à
sua volta, olhando para um vale verde que se estendia por debaixo dela.
Douglas encontrou-se sorrindo. A jovenzita parecia-se surpreendentemente
com Corrie.
- Receberei os nossos amigos esta noite para saber o que descobriram,
ainda que duvido que seja muito, de outra maneira já teriam vindo correndo
até aqui imediatamente. Reunimo-nos aqui no teu dormitório? – questionou
Jason.
James confirmou. De repente sentia-se tão esgotado que até lhe doíam os
ossos. Fechou os olhos. A voz do seu pai, cálida e profunda, disse-lhe perto
do ouvido: - Estás a salvo e ficarás bem, James. Quanto ao resto, as coisas
vão solucionar-se.
- Acredito que Devlin Monroe vai propor-lhe matrimônio.
Esse anúncio fez com que dois pares de olhos surpreendidos se fixassem
no seu rosto.
- Por que faria Devlin isso? – disse Douglas. – Não tem sentido.
Jason disse, encolhendo os ombros: - É uma original. O Devlin gosta das
originais.
- Não pode casar-se com ele – disse James, - ainda que ela o divirta. Corrie
matá-lo-ia quando descobrisse que ainda tinha amantes esperando um sinal.
Atravessar-lhe-ia a barriga com uma forquilha e depois enforcavam-na por
isso. Não quero casar-me com ela, mas também não quero que a enforquem.
- Talvez devesse falar com o Devlin – disse Jason. – Explicar-lhe como
são as coisas por aqui.
- Sim, faça isso, Jason. Corte-lhe as pernas. A última coisa que quero é que
se case com ele para salvar-me. Isso é o que está fazendo, claro. Acredita que
não é justo que tenha que casar-me com ela devido ao que aconteceu.
- Vou-me, então – disse Jason, e os seus olhos escureceram até quase
ficarem púrpura.
E sorriu.
- Sabe, com a Corrie como esposa, nunca terei que preocupar-me com
aborrecê-la com conversas sobre as cascatas prateadas que atravessam o anel
de Titán. Recordo quando lhe contei sobre o meu descobrimento… os seus
olhos brilharam. Sim, brilharam, foi exatamente isso o que os seus olhos
fizeram. Ela escutou-me, sabe como é… senta-se ali, com os olhos pregados
ao seu rosto, como se quisesse agarrar as palavras mal elas saíssem da sua
boca. Então pediu-me que lhe contasse tudo outra vez, para se assegurar de
ter compreendido tudo.
E, de repente, James recordou os olhos de Corrie brilhando desse modo
quando lhe havia oferecido uma boneca no seu sexto aniversário. Tinha
estado escolhendo uma prenda para a sua mãe quando tinha visto a boneca
apoiada contra um monte de telas. Rosto pálido, grandes lábios vermelhos, e
olhos que lhe lembravam os de Corrie. Tinha ficado envergonhado ao
comprá-la, ainda mais ao dar-lha, mas ela tinha-a tirado do embrulho de
papel, pressionando-a contra o seu delgado peito e tinha-o olhado, com os
olhos brilhando. E mais, claro. Com amor. Com adoração.
James tinha então querido fugir; queria fugir neste momento.
- Segundo me lembro – disse Jason, - você e Corrie costumavam passar
muito tempo deitados lá fora, olhando as estrelas, e você contava-lhe tudo o
que sabia.
- Isso foi há muito tempo atrás.
- Foi há seis meses. Lembro-me porque estavas emocionado com Mercúrio
que se aproximava tanto da terra.
Era verdade, maldição. Eram tantas as noites em que ela se tinha
escapulido da casa do seu tio e se tinham deitado de costas, olhando o céu.
- Sempre queria falar sobre a lua; sempre esteve fascinada pela lua. Sabe,
não precisa falar, como a maioria das moças. Está perfeitamente bem com o
bendito silêncio.
James perguntava-se se os olhos de Juliette Lorimer brilhariam se
assistisse a uma das reuniões da Sociedade de Astrologia.
Matrimônio com a desavergonhada. Querido Deus, como é que podia ser
possível algo assim?
Capítulo 24
Na manhã seguinte, James tinha acabado de tomar chá e de comer duas
torradas quando Corrie apareceu de repente na porta do dormitório. Entrou,
vestida bastante bem com um vestido próprio para as manhãs de um pálido
tom castanho dourado, com um encantador xaile a combinar com o castanho
mais escuro que acrescentava um toque de dourado dos seus olhos.
Ele levantou uma sobrancelha ao olhá-la.
- Olá, Corrie. Foi-se embora?
- O que quer dizer? Claro que me fui embora.
- Parece que praticamente agora está vivendo aqui. Dentro e fora, no meu
dormitório, no estúdio, bebendo o brandy Florentino do meu pai; está em
todas as partes, incluindo a cozinha para roubar biscoitos, como me disse
Willicombe. Quando estivermos casados haverá poucas mudanças. – Nem
uma palavra saiu da boca dela, nem sequer uma maldição. – O meu pai
escolheu esse vestido para você?
- O quê? O meu vestido? Bem, sim, fê-lo. – Ela moveu-se nervosamente
durante um instante. – Gosta?
- Sim, é encantador.
Ela descartou o comentário com um movimento de mão.
- Ouça, James, a sua mãe visitou a minha tia Maybella. Estavam as duas
sozinhas, e tiveram as cabeças perto uma da outra durante uma hora inteira.
Como continua um pouco doente, tive que vir aqui ver-lhe. Quero saber por
que é que a sua mãe esteve com a minha tia.
Tinha começado a caminhar, e ele gostou da forma como a via, graças a
Deus. Então ela deitou o xaile sobre o cadeirão, deu a volta para lhe dizer
alguma coisa mais e ele viu que esse condenado vestido que levava lhe caía
dos ombros.
- Volte a por esse maldito xaile. O seu vestido é demasiado decotado. Não
posso acreditar que o meu pai tenha escolhido um vestido que lhe deixa
quase nua da cintura para cima.
Para surpresa de James, ela sorriu. Encolheu os ombros, deslizou os dedos
para o vestido e puxou-o um pouco mais para baixo.
- Na realidade, o seu pai não sabia que Madame Jourdan me piscou o olho
quando ele ordenou que cortasse o decote pelo queixo. – Corrie inclinou-se
até ele e sacou o peito. – Está perfeito, assim que feche a boca.
James, sem pensar, sem avaliar nada, saltou da cama e foi até ela com
grandes passadas, tão furioso que ofegava. Agarrou o decote e subiu-o de um
puxão até ao queixo. E ouviu um rasgão. Corrie não disse uma só palavra, só
ficou ali parada, olhando-o fixamente.
Estava nu.
- James – disse ela, baixando o olhar pelo seu corpo e tragou saliva. – Esta
é uma prenda encantadora, mas talvez a sua mãe poderia entrar e o que
pensaria? Sou uma jovenzita inocente e aqui está você, completamente nu, e
tão adorável que estou quase a começar a cantar. E essa sua parte masculina,
da qual não deveria saber nada, está aumentando de tamanho, James. Está
ficando bastante alarmante.
Ele blasfemou, ela tinha razão; parecia que quando ficava furioso com ela
ficava mais duro que o poste da cama. Ou talvez fosse que cada vez que fazia
um comentário sobre os seus seios, ficava mais duro que… foi a grandes
passadas até a cama e agarrou um robe. Colocou-o com um movimento de
ombros, atou o cinto na sua cintura e regressou até onde estava Corrie.
Agarrou-a pelos ombros com as suas grandes mãos.
- Rasguei o seu vestido. Lamento-o.
- Não, não o lamenta. Deve estar sentindo-se muito melhor. Saiu rugindo
da cama, preparado para me lançar pela janela.
- Não, só lhe queria tapar para não ter que ficar ali na cama e babar-me.
Ela piscou.
- Olhar-me faria com que babasse, James? Não está a mentir-me, não é
verdade?
- Não, maldita seja, não estou mentindo. Agora olhe-se, a sua manga
direita está caindo e o seu vestido continua com o decote tão baixo que me
faz desejar uivar à lua.
- Hmm, devo perguntar ao Devlin se os vampiros podem uivar ao sol.
James apertou os dentes.
- Não volte a falar—me de Devlin Monroe. Compreende, Corrie? Agora,
confio em que a sua interrupção na minha manhã seja para me informar da
sua decisão de casar comigo.
- Vim dizer que os meus tios já estão planeando o nosso casamento, pelo
menos até ao momento em que lhes disse que não ia permitir que se
sacrificasse. Disselhes que ia casar-me com outro, com alguém que realmente
me queira.
- Não diga o seu maldito nome!
- Muito bem. Ele veio visitar-me esta manhã. Resulta que Jason encontrou-
o no seu clube ontem a noite e disse-lhe que casar-se comigo acabaria com
ele. Pode acreditar que lhe disse que eu o mataria se continuasse com as suas
amantes? Que realmente o mataria, isso foi o que Jason lhe disse. Também
disse que como me conhece desde os meus três anos, sabia do que eu sou
capaz. Perguntou a Devlin… ups, não quis dizer o seu nome, se estaria
disposto a andar pelo caminho da fidelidade até abandonar este mundo.
Devlin disse que se riu quando Jason lhe perguntou isso. Então perguntou-me
se realmente o mataria se me fosse infiel.
- E o que lhe disse?
- Disse-lhe que o mataria mais morto do que a truta para o jantar.
- E que disse ele a isso?
- Riu mais um pouco, e então disseme que não conhecia a nenhum
cavaleiro que pudesse casar-se comigo e estar a salvo comigo, dada a minha
postura perante a fidelidade, mesmo tendo em conta todo o dinheiro, a menos
que o cavalheiro estivesse caindo na bancarrota, e que o bom Senhor sabia
que só um cavalheiro assim prometeria absolutamente qualquer coisa para
obter o que desejava, incluído… horror dos horrores, a fidelidade. Voltou a
rir, disseme que quando se trata disso, até a promessa de assassinato não
impediria que um homem prometesse algo e logo fizesse o que queria. Que
assim era a vida. Não está certo, James, simplesmente não está certo.
- O meu pai nunca traiu a confiança da minha mãe, nem ela trairia a dele.
- Suponho que isso também é certo para a tia Maybella e o tio Simon. Não
acredito que seja particularmente pela fortaleza do tio Simon nos assuntos da
carne. Acredito que lhe tiraria demasiado tempo aos seus estudos das folhas.
Que pensa?
- Não posso acreditar que me tenha tirado da cama para esta ridícula
conversa. Vai casar-se comigo, Corrie?
- Não.
- Por que diabos não?
- Nunca me casarei com um homem que não me ame.
- Está dizendo que se casaria com Devlin se ele jurasse ser—lhe fiel? – ela
pareceu pensá-lo. James queria estrangulá-la. – Dirá que não, maldita seja!
- Muito bem, não.
- Bem, juro que não serei infiel.
Corrie suspirou.
- Sim, acredito que Dev, o nosso vampiro, estava enganado quando disse
que todos os homens prometeriam qualquer coisa para obter o que desejam.
Você não faria isso. Conheçoo até às pontas dos seus formosos pés. Nunca
mentiria sobre uma coisa tão importante.
- Não, não o faria.
- James, escute. É um homem honorável, demasiado honorável para o seu
próprio bem, de fato, pelo menos a maior parte do tempo. O que acontece é
que, não quero casar-me. Estou na minha primeira temporada de prática.
Apenas comecei a fazer travessuras, apenas comecei a aprender os truques
para seduzir. Sou demasiado jovem para casar-me, particularmente por uma
razão tão absurda. Você também é demasiado jovem. Admita-o. O
matrimônio é, ou era, a última coisa que tinha em mente antes que tudo isto
acontecesse.
- Não o admitirei.
- Então terei que reavaliar o seu grau de sinceridade.
- Está bem, maldição. Não pensava para nada no matrimônio. Por amor de
Deus, tenho só vinte e cinco anos. Você fala de fazer travessuras. Bem, a mim
restam-me montes delas para fazer. Mas renunciarei a elas porque a honra é
mais importante. Deixe de queixar—se. Aceite o que deve ser.
- Mas nenhum de nós fez nada de mal!
- Bailarei com você até que tenha buracos nos sapatos.
- Imagino que o tio Simon prometeu o mesmo à minha tia. Ela não
conseguiu buracos nos seus sapatos, James, obteve folhas. Malditas folhas!
Uma vez contou-me que na sua lua de mel, o tio Simon deixou que ela
prensasse três folhas num dos seus muitos livros. No entanto, não lhe
permitiu etiquetá-las. Isso soa perfeitamente espantoso, James.
- Não farei que prenses folhas na nossa lua de mel.
- Ah, que faria na nossa lua de mel?
James estava perto de engolir a língua.
- Há coisas típicas que um homem e uma mulher fazem logo que estão
casados. Seguramente sabe tudo sobre sexo, Corrie.
- Bem, não tanto, na realidade. Quer dizer que é isso que você faria em vez
de prensar folhas? Não estaria lendo-me tratados sobre a rotação orbital de
Saturno numa tormenta de pó cósmico?
- Não. Saturno deixaria de existir para mim. Saturno não existiria para a
maioria dos homens em lua de mel, a menos que estivessem olhando as
estrelas e Saturno nesse exato momento resultasse estar brilhando mesmo à
frente dos seus olhos. Repare, a maior parte dos homens pensa numa só coisa,
e na sua lua de mel podem… bem, isso não importa. – James passou os dedos
pelo cabelo. – Maldita seja, necessita um pouco dessas travessuras
prometidas, não é verdade? Muito bem, vou despir você e fazer-lhe o amor
até que esteja roncando de esgotamento.
- James, disse muita coisa até agora. Mas o final… eu, deitada roncando…
isso não soa muito romântico.
- Muito bem, resulta que sei que não ronca. Faz pequenos ruídos como
uivos. Agora, escute-me. Deixarei que me seduza, interminavelmente.
- Os homens não seduzem as suas mulheres.
- Está falando o sábio oráculo.
- Não seja sarcástico comigo, James Sherbrooke. Não sou estúpida. Sei
que muitas vezes a tia Maybella preferia bater ao tio Simon do que beijá-lo.
- Deveria ver os meus pais. Na semana passada virei uma esquina e vi o
meu pai apertando a minha mãe contra uma parede, beijando-lhe o pescoço.
Já estão casados há uma eternidade.
- Apertando-a contra uma parede? De verdade?
- De verdade. E eu não faria menos do que isso. Morder—lhe-ia o pescoço
numa escura parte de um jardim, o jasmim perfumando o ar noturno. Vamos
dar-nos às mil maravilhas, Corrie. Agora estou quase a ponto de colapsar,
assim que diga que sim e deixe-me em paz.
- Não me ama.
E ele disse, as palavras saindo da sua boca: - Não posso imaginar que
Devlin Monroe lhe tenha dito que ama você.
- Não, não o fez. Disseme que lhe pareço um deleite, essas foram as suas
palavras. Não me entenda mal. Ser um deleite soa realmente engenhoso, mas
isso não é o importante num casamento, James.
- Disse-lhe isso?
- Oh, sim. Ele disse que era um bom começo, se eu não estava de acordo, e
disse que sim, mas disse que só era um agradável preâmbulo para, digamos,
um piquenique ou um passeio pelo parque, não o casamento. – ela tinha
aniquilado o Devlin; tinha-o mandado ocupar-se dos seus assuntos; tinha-o
rejeitado rotundamente. James sorriu. O alívio fluiu por dentro. – Disse-lhe
que pensaria com mais profundidade, e que talvez considerasse a sua petição
mais à frente.
James amaldiçoou. Desejava que o seu cérebro estivesse funcionando um
pouco mais competentemente, mas estava cansado, e não queria mais que
deitar-se na cama e dormir até ao jantar, disse-lhe: - Nós conhecemo-nos,
Corrie. Nós gostamo-nos, ao menos a maior parte do tempo.
- Eu não lhe agradava nada quando Darlene quase lhe empurrou pelo
precipício.
- Quer a verdade, Corrie? O que me lembro desse dia é de sentir o seu
traseiro contra a palma da minha mão, enquanto lhe açoitava.
A ágil língua de Corrie secou.
- O meu t-traseiro? Sentiu o m-meu traseiro?
- Bem, claro. Tem um traseiro encantador, Corrie, pelo que pude sentir. Se
casar comigo, bem, posso tirar-lhe a roupa, acariciar suas costas, e esfregar-
lhe com um agradável pano úmido. Uma e outra vez, talvez entoar uma
canção enquanto passo o pano sobre o seu corpo, por cada pequena parte sua.
Acredita que a sua pele é tão branca como a de Devlin?
- Não queria que dissesse o seu nome.
James riu.
-Envergonhada, de verdade? Bem, imagine-se nua, Corrie, e sou eu quem
passa as minhas mãos pelo seu corpo, especialmente pelos seus seios, e não
está para nada doente. De fato, está arqueando as costas contra as minhas
mãos. O que pensa?
- Oh, céus – disse ela, e deu a volta para afastar-se. – Oh, céus.
- Não. – ele agarrou-a pelo braço. – Não, não me deixará só desta vez.
Resolveremos isto agora mesmo, Coriander Tybourne-Barrett. Meus Deus,
que nome espantoso. Acredita que teremos que assinar isso como o seu nome
no registro de matrimônio? – ela estava perfeitamente quieta, consciente de
que as mãos de James subiam e desciam pelos seus braços, e um deles estava
nu onde ele tinha arrancado a manga. – Se não se casa comigo, então terei
que fazer algo drástico.
- Como o quê?
- Não vou dizer. Escute-me, desavergonhada, simplesmente não há outra
opção. Se não se casas comigo, então os dois estaremos totalmente
arruinados. Não o compreende? Não consegue compreendê-lo?
- Você não estaria arruinado, James, isso é um absurdo. Se simplesmente
regresso ao campo, eu também não estarei arruinada.
Ele sacudiu-a.
- Isso é tão estúpido que não posso imaginar como pôde deixá-lo sair da
sua boca.
- Tem razão, desculpe. Estive mal. - Corrie olhou as suas mãos que
continuavam agarrando os seus braços. Libertou-se dele e deu vários passos
para afastar-se, sacudiu um punho perante a sua cara e gritou: - Não me ama!
Ele devolveu-lhe o grito.
- E suponho que você me ama? – ela ficou olhando-o fixamente, muda
como um poste. – e então? Responda-me, maldita seja.
- Não, não o farei, e não volte a gritar-me.
- Por que não quer responder-me? Muito bem, fique quieta, é um bendito
alivio o seu silêncio. Sei que me adorava quando tinha três anos. Isso mudou?
- As coisas são um pouco mais simples quando se tem três anos, muito
mais simples, nem uma única sombra entre o branco e o negro. Já não tenho
três anos, James.
- O único que tenho que fazer é olhar—lhe os seios e sei muito bem como
é. É um rubor o que vejo nesse seu rosto descarado? Muito bem, assim que
deseja provocar-me, como uma truta no anzol. Isso é muito feminino da sua
parte, Corrie, e não o aprecio. Diz que não lhe amo… tudo isso aconteceu
demasiado rápido. Como pode alguma coisa assim passar durante uma só
semana? Sim gosto de você, até a ponta dos pés; admiro—a. Penso que é
demasiado valente para o seu próprio bem. Acredito que já foi mais vezes
tonta do que não, mas o fato é que ficaremos bem os dois juntos. Agora,
escute. Conhecemo-nos desde sempre. Os meus pais têm muito carinho por
você, e você por eles… esqueça a minha avó, ela odeia—nos a todos; e o seu
tio Simon sabe que não terá que ser perseguida como um rato se casar
comigo, porque o nosso matrimônio não teria nada que ver com o seu maldito
dinheiro. Todos ficariam tranquilos. Os rumores cessariam. Abençoar-nos-
iam e sorririam. Nunca ninguém voltaria a ignorar você. Eu já não seria
considerado um saqueador de jovens donzelas. Nós damo-nos bem, Corrie. Já
é o suficiente.
James puxou-a, aproximando-a dele e beijou-a.
Corrie, que só tinha sido beijada por Willie Marker, quase desmaiou.
Prazer, isso era o que sentia, e inundava-a com a força de uma onda na praia.
A língua dele tocou nos seus lábios, pressionando suavemente. Sem nenhuma
dúvida, Corrie abriu a boca e quase se desvaneceu com a luxúria que fluiu
dentro dela quando a língua de James tocou na sua. Sabia que era luxúria;
tinha que ser luxúria, porque se sentia tão bem. Sabia que a luxúria era
perversa porque o tio Simon costumava dizer que a razão por que a
perversidade era tão desenfreada no mundo era porque era absolutamente
deliciosa.
Bem, com James era mais do que delicioso. Isto era algo que nunca tinha
imaginado que pudesse existir, era…
- Oh, céus, desculpem-me.
Corrie teria caído inconsciente no chão se James não estivesse agarrando-
a.
O cérebro de James quase derreteu perante o som da voz da sua mãe. O
seu coração, que quase lhe saia do peito, caiu aos seus pés. O seu sexo, graças
ao bom Senhor, ficou instantaneamente inativo. Sabia que não podia soltar
Corrie, que ela cairia de queixo se fizesse isso.
Arranjou-se para tirar a língua da boca dela e lenta, muito lentamente, deu
a volta para dizer, esperando não prenunciar as palavras num gemido: - Olá,
mãe. Como Corrie e eu estamos agora comprometidos, ela queria saber como
era beijar.
Alexandra estava parada no umbral da porta, divertida, horrorizada e
terrivelmente consciente de que o seu filho tinha a língua metida quase até a
garganta numa moça. Corrie parecia atordoada, o que no fundo era algo
muito bom, pensou, estremecendo, porque nesse momento recordou a
primeira vez que tinha beijado Douglas, e como tinha perdido a cabeça.
Quanto a James, via-se ruborizado, envergonhado e… não, era melhor não
seguir esse pensamento.
E se tivesse entrado pela porta dois minutos mais tarde? Oh, céus. O que
deveria fazer uma mãe?
Aclarou a garganta.
- Bem-vinda a família, Corrie.
Capítulo 25
James estava tomando chá na manhã seguinte, realmente sentado no
cadeirão, não apoiado na cama. E, que surpresa, não se sentia como se
quisesse cair-se do cadeirão e acocorar-se no tapete.
Jason disse, enquanto lhe dava uma taça com uvas: - Isto é da senhora
Clemms. Disse que deveria comer tudo, ou então eu teria que metê-lo pela
garganta abaixo. Se não o conseguisse, bem, então ela própria viria aqui e
ficaria junto da sua mão direita e que lhe cantaria ópera ao ouvido, até que
deixasse a taça limpa.
- Não sabia que a senhora Clemms sabia cantar ópera.
- Não sabe – disse Douglas, e sorriu por cima do seu jornal.
James tomou uma grande colherada e ficou ali sentado, mastigando,
saboreando o doce mel que ela tinha misturado com as uvas, quando a sua
mãe entrou na habitação, permitindo que Willicombe a ajudasse a sentar-se e
logo anunciou: - Reuni com Corrie e Maybella esta manhã. O seu pai pensa
que quanto mais cedo se realize o casamento, melhor – e então tomou uma
torrada, untou-a com geleia de groselha, e deu-lhe um bom mordisco.
James engoliu demasiado rapidamente e engasgou-se. O seu pai estava
quase a levantar-se quando James levantou a mão e disse: - Não, senhor,
estou bem. Estava pensando, mãe, que talvez fosse melhor que eu e a Corrie
reuníssemos primeiro.
- O que é isso, James? Ainda não conseguiu convencê-la? Ela continua
ameaçando com fugir?
James virou-se para o seu pai.
- Se lhe dou mais de um minuto sozinha, entrará em pânico. Sim,
provavelmente fugirá. Disseme que isto não era justo, disse que acabava de
começar a fazer as suas travessuras, e que eu tinha tido sete anos a mais para
ser tão libertino como tivesse desejado.
- Hmm – disse a futura sogra de Corrie. – Tem um bom ponto de vista,
James. Nunca o tinha pensado desse modo. Sabe, foi a mesma coisa com o
seu pai e comigo, só que ele era dez anos mais velho que eu, e ele sabia
muitíssimo mais do que eu e …
- Não acredito que deva revisitar o passado, Alex – disse Douglas. –
Poderia não recordar as coisas tal como realmente sucederam.
- Bem, isso é certamente o que tem de bom envelhecer. – sorriu aos seus
filhos. – Uma pessoa suaviza um pouco as coisas através da bruma dos anos.
James, se quiser, posso ir buscar a Corrie e trazê-la aqui.
- Não, obrigada, mãe. Como me sinto em forma esta manhã, acredito que
levarei a Corrie a cavalgar no parque. Mas primeiro devo escrever um
anúncio. – James desculpou-se, e disse por cima do seu ombro, enquanto
abandonava o refeitório: - Fiz a minha própria barba esta manhã. Petrie
previu que cortaria uma encantadora veia no pescoço. Juro que ficou
desiludido quando isso não aconteceu.
- E – disse Jason, colocando-se de pé, - eu vou encontrar-me com vários
dos nossos amigos. Nenhum deles tinha qualquer novidade na outra noite,
como bem sabem, mas Peter Marmot disse que nos encontraríamos com um
tipo em Covent Garden. Supostamente ele falou sobre este tipo, Cadoudal.
Provavelmente não seja nada, mas nunca se sabe. – Jason brincou com o
guardanapo durante um momento, e logo disse em voz baixa: - Na realidade
era o James quem se supunha que iria com o Peter, mas não acredito que se
encontre ainda totalmente bem; pelo menos, não quero que se arrisque tão
cedo novamente.
- Irei com você – disse Douglas, e atirou com o seu guardanapo.
- Não, pai, já discutimos isto. Todos acreditamos firmemente que tem que
se manter perto da casa nos próximos dias. O homem que ordenou o
sequestro de James já deve saber que fracassou. Sei que outra coisa surgirá
brevemente. Por favor, senhor, deixe-nos ver o que podemos descobrir.
- Se for ferido, Jason – disse Douglas, - ficarei muito chateado.
- Simplesmente não digam ao James nada sobre isto. É provável que
tentasse esmagar-me contra uma parede.
- Se fizer com que lhe magoem, serei eu que lhe esmagarei contra a parede
– disse Douglas.
Jason ofereceu-lhe um sorriso convencido, inclinou-se para beijar o rosto
da sua mãe e saiu, assobiando.
- Os jovens acreditam que são imortais – disse Douglas. – Matam-me de
medo.
Os jovens? Alexandra pensou em como o seu marido tinha saído pela noite
adentro quando tinha chegado a Rouen, sozinho, assobiando, de fato, para
encontrar-se com uns rufiões que operavam na calada da noite. No entanto,
depois de estar casada durante vinte e sete anos, não disse uma só palavra.
Corrie estava mordicando a unha do polegar, olhando para o extenso e
estreito parque no outro lado da rua da residência da cidade do tio Simon, em
Great Little Street, perguntando-se o que ia fazer. Subir a bordo de um barco
com destino a Boston – um nome estranho para uma cidade – nas remotas
terras da América? Ou, e isto era o mais provável, simplesmente dar-se por
vencida e caminhar até ao altar, com James ao seu lado? E, na verdade, o que
tinha isso de mal? Quando a tinha beijado, ela tinha querido atirá-lo ao chão e
mantê-lo ali. Gemeu em voz alta, ecos de esses sentimentos absolutamente
assombrosos que tinham sobrecarregado as partes mais profundas do seu ser.
Aqueles sentimentos que a tinham feito voar ao céu no instante em que a
boca dele tinha tocado na sua, ainda retumbavam dentro dela. Estremeceu
perante a lembrança dessas pequenas chispas de luxúria.
Corrie abanou a cabeça, e então viu uma jovenzita atravessando o parque,
vindo na sua direção. Era a senhorita Judith McCrae, e era tão formosa.
Talvez tão formosa como a senhorita Juliette Lorimer, que tinha perdido
James, e isso não era uma pena?
Pelo menos se Corrie se cassasse com James, ele não acabaria com uma
esposa espantosa como Juliette, que não apreciaria o inteligente, o astuto e
engenhoso que ele era, que se queixaria se tivesse que deitar-se numa
pequena colina e olhar as estrelas, enquanto James observava pelo seu
telescópico a constelação de Andrômeda no céu boreal. Juliette
provavelmente pensaria que Andrômeda era um novo perfume de França.
Corrie suspirou. Quando James tinha deslizado a sua língua na sua boca,
um milhão de estrelas tinha explodido na sua cabeça, Andrômeda
provavelmente entre elas, e sabia que as estrelas eram só o começo. Teria
acontecido o mesmo com James? Provavelmente não. Ele era um homem.
Judith McCrae estava quase na porta principal. O que queria? Mal
conhecia a moça, só sabia que tinha estado flertando com Jason. Levantou-se,
sacudiu as saias, e esperou que Tamerlane, o mordomo de Londres do tio
Simon, a anunciasse, o que fez, com o seu cabelo vermelho brilhando em
pela luz da manhã.
Ele ficou parado na porta aberta da sala de estar, aclarou a garganta e
bramou: - A senhorita Judith McCrae dos McCrae da Irlanda em Waterford,
pede que lhe permitam ver a senhorita Corrie Tybourne-Barrett.
Corrie ouviu uma risada feminina, e aquilo era uma gargalhada abafada de
Tamerlane? Então entrou a senhorita McCrae, caminhando com graça pela
sala, com um enorme sorriso no rosto, sabendo que tinha cativado com essa
hábil apresentação. Corrie retribuiu o sorriso, efetivamente encantada.
- Como é agradável vê-la, senhorita Tybourne-Barrett. A minha tia
Arbuckle disseme que você e James Sherbrooke vão casar. – Corrie grunhiu.
– Acredita que ficaremos aparentadas?
Isto era falar com fraqueza, sem dúvida. E enormemente astuto, tão astuto
que uma pessoa não queria bater-lhe, mas sim rir, assim que isso significava
que a senhorita McCrae era uma moça muito inteligente.
- Não, senhorita McCrae, James e eu não decidimos casar-nos, assim que
diria que estamos longe de estarmos aparentadas. Gostaria de um pouco de
chá?
- Por favor, chame-me Judith. Teria tomado o seu grunhido como um sim.
Acredito que Lorde Hammersmith é um homem muito persistente,
possivelmente tão persistente como o seu irmão. Persistente, é um modo
agradável de dizer que os dois são tão teimosos como uma mula. Mas, quem
sabe? Eu sou também muito persistente. Jason necessita-me, sabe, tal como
Lorde Hammersmith a necessita a si.
- Senhorita McCrae …
- Chame-me Judith – disse com um alegre sorriso que acentuava as
profundas covinhas de cada lado da sua encantadora boca.
Corrie suspirou.
- Judith, James não precisa de ninguém, especialmente de mim. Este
matrimônio, se houver algum, está a ser impingido aos dois. Oh, céus,
realmente não a conheço, e aqui estou eu contando-lhe tudo.
- Eu sei, algumas vezes eu faço o mesmo, especialmente quando algo
muito profundo dentro de mim me diz que posso confiar noutra pessoa.
Corrie tentou lembrar-se de uma pessoa que fosse parecida com esta
jovenzita, mas não conseguiu. Judith parecia ser única.
- Não sabia que você conhecia assim tão bem ao Jason.
- Ainda não tão bem, mas sei que o quero conhecer desesperadamente.
Nunca tinha encontrado um homem tão encantador em toda a minha vida,
mas, já sabe… isso não é assim tão importante, não é verdade?
Corrie viu o James claramente na sua mente, e sacudiu a cabeça muito
lentamente.
- Não, suponho que não seja, pelo menos quando simplesmente se quer
olhá-lo e suspirar de prazer.
- Sim, claro. Faz com que fique com formigueiro nos pés só de pensá-lo.
Agora, devo conseguir que o Jason se aperceba que me deseja com o mesmo
desespero. No entanto, com a ameaça a vida do seu pai é difícil conseguir a
sua total atenção. Está distraído.
- Eu também estaria, se alguém estivesse a tentar assassinar o meu pai.
A forma como Corrie tinha conseguido a atenção de James tinha sido
salvando-o, logo ajudando-o, e talvez esse não fosse o método ideal para
atrair um cavalheiro.
O tio Simon entrou na sala, os seus lindos olhos concentrados em alguma
coisa que só ele podia ver, provavelmente alguma maldita folha que estava
imaginando na sua mente, que ainda não tinha sido inventada pela natureza.
- Tio Simon, esta é a senhorita Judith McCrae.
- Eh? Oh, não se encontra sozinha, Corrie. – piscou as suas espessas
pestanas sobre os seus encantadores olhos e fez uma reverência. – Senhorita
McCrae, que encantadora parece ser. Naturalmente, uma pessoa nunca
conhece realmente o outro, principalmente quando o acaba de conhecer, não
pensa assim?
- Só uma pessoa muito estúpida é que estaria em desacordo, milorde.
- E este é o meu tio, Lorde Montague.
Corrie tentou não rir tontamente, enquanto via o tio Simon tomar a mão da
senhorita McCrae, e dar-lhe a sua completa atenção durante
aproximadamente três segundos, o suficiente para que Judith se desse conta
que, ainda que um pouco mais velho, continuava sendo um prazer para os
olhos das damas.
Judith parecia ter mais habilidades no que diz respeito aos cavalheiros do
que Corrie. Apareceram-lhe as covinhas, olhou o tio Simon através das
pestanas que pareciam mais espessas do que as de Juliette e disse: - Entendo
que o senhor seja um especialista na identificação e preservação de todo o
tipo de folhas, milorde. Encontrei uma no parque a terça-feira passada pela
manhã, que fui incapaz de identificar. Talvez…
- Uma folha? Encontrou uma folha desconhecida, senhorita McCrae? Em
que parque? Bem, eu também. Que coincidência assombrosa. Por favor,
traga-a e compararemos as folhas. – sorriu abertamente para a senhorita
McCrae, sentou-se e disse a Corrie: - Parece que tenho sorte. A sua tia saiu a
fazer compras e a cozinheira preparou… - a sua voz baixou dramaticamente,
- pão de canela Twyley Grange. – O tio Simon baixou ainda mais a voz até
ficar quase num sussurro. – Eu próprio dei-lhe a receita. Tem estado muito
nervosa, criando ânimo para fazê-la, e assim foi, finalmente. Preparou seis
fatias, umas lindas e grossas fatias. Como a senhorita McCrae está aqui, isso
significa que não as podemos dividir, Corrie. Isso quer dizer que cada um de
nós pode comer duas, a menos que alguma das duas esteja a tentar perder
peso? Não, Corrie, continua demasiado magra. – então deu um profundo
suspiro. – Temo que terá que comer as duas que lhe pertencem. – olhou
criticamente a Judith, cuja figura era quase perfeita, e disse pensativamente: -
Uma jovenzita nunca pode ser demasiado cuidadosa com o seu consumo de
pão, não concorda, senhorita McCrae?
- Sempre tento comer uma só rabanada, senhor. Duas engordariam as
minhas bochechas. Sempre foi assim.
- Excelente. – Simon esfregou as mãos e gritou: - Tamerlane! Tráz o pão
de canela, e rápido, homem. É possível que lady Montague possa regressar
antes do que qualquer um de nós deseje.
Judith deitou um olhar a Corrie, sentou-se recatadamente e esperou que
trouxessem o pão de canela. O brilho nos seus escuros olhos era escandaloso.
Quando Tamerlane, com grande cerimônia, tirou rapidamente a tampa
prateada da pequena bandeja, o cheiro a canela entrou flutuando na sala. Fez-
se um silêncio total, e então Judith respirou bruscamente.
- Oh, céus, sabem tão bem como cheiram?
Tamerlane anunciou: - Esta é a receita exata da cozinheira de Twyley
Grange. Não existe comparação.
- Como diabos sabe isso, Tamerlane? A cozinheira disse que só fazia uma
fornada de seis rabanadas. Havia outra rabanada e você ficou com ela?
Meteu-a na sua garganta? Realmente roubou-me a sétima?
- Não, milorde, era um miserável troço extra, que não ficava bem nessa
gloriosa fornada que a cozinheira criou. Ela permitiu-me comê-la, para se
assegurar de que cumprirá com as suas estritas expectativas.
Tamerlane sorriu e passou o primeiro prato a senhorita McCrae. Judith
tomou uma rabanada e colocou-a tão rapidamente na boca que o nariz até lhe
estremeceu. Mastigou, fechou os olhos de prazer, antes que o tio Simon
pudesse apanhar a sua do prato, o que fez em seguida.
Corrie ria tanto, que até lhe custava respirar. Deu tempo a Judith para
tomar a segunda rabanada do prato, mesmo debaixo do nariz do tio Simon,
afastar-se rapidamente dele, já que parecia pronto a tirar-lha das mãos, e
dizer, com a boca cheia: - Não acredito que esteja demasiado magra, Corrie.
Mais, estava pensando que a sua cara esta um pouco gordinha e poderia ficar
por uma só rabanada … oh, céus, este é o melhor pão de canela que comi em
toda a minha vida.
Simon disse: - Já comeu duas rabanadas e, até onde sei, você não estava
convidada para vir esta manhã, simplesmente apareceu. Provavelmente ouviu
que estávamos cozinhando-as e veio apresentar-se, com a boca aberta. Já teve
o suficiente.
Estava olhando para a sua segunda rabanada, a bandeja agora equilibrada
nos seus joelhos, a sua outra mão tapando-a.
James entrou na sala para ver Corrie quase azul, de tanta força que fazia
para deixar de rir. Então cheirou o pão de canela e ouviu as suas papilas
gustativas cantarem aleluia. O famoso pão de canela de Twyley Grange, a
receita que tinha sido protegida por quase trinta anos, e agora estava aqui.
- Ah, James, é você? – perguntou Simon, e deslizou rapidamente a
bandeja, que agora só tinha só duas rabanadas, para detrás das costas. –
Parece estar bastante bem novamente, rapaz. Para nada magro.
- Sim, senhor, estou quase outra vez em forma, e bastante gordinho – mas
a sua boca encheu-se de água, desejando uma dessas rabanadas,
desesperadamente.
Forçou-se a virar-se para a jovenzita que tentava ver a bandeja. James
sabia que era a senhorita McCrae, a jovem dama que tinha conseguido captar
a atenção do seu irmão duas vezes – o que era assombroso – e inclusive uma
terceira vez, algo que nenhuma moça tinha conseguido até então. Estava
chupando os dedos, cantarolando de prazer.
James, que sabia tudo sobre o imenso poder do pão de canela de Twyley
Grange, disse: - Tem razão, senhor, sou um verdadeiro arminho. Não estou
aqui para empanturrar-me de pão, ainda que provavelmente desejaria fazê-lo,
se não estivesse tão gordo. Na realidade, estou aqui para levar a Corrie a
cavalgar pelo parque.
Corrie ficou de pé de um salto, um olho sobre o tio e outro sobre Judith
McCrae, que estava levantando-se lentamente, olhando fixamente para
James.
O tio Simon engoliu e – parecia magia – outra rabanada de pão pareceu
desaparecer na sua mão e mover-se velozmente para a sua boca aberta.
- Leve-a – disse Simon, e mordeu, estremecendo de prazer. – Agora. Antes
que ele tente agarrar a última rabanada.
- Isto é bastante surpreendente – disse Judith, a sua cabeça estava inclinada
para um lado, os grossos caracóis negros quase tocando-lhe o ombro. – Já me
tinham dito que você e Jason eram idênticos, mas agora, visto de perto, penso
que não se parece nada com o seu irmão.
- Já me tinham dito isso – disse James. Tomou-lhe a mão, olhou para os
seus olhos escuros e disse: - Você é a senhorita Judith McCrae, e eu sou
James Sherbroole. É um prazer conhecê-la finalmente.
- Obrigada – disse Judith. – Para mim também é um prazer. – ela olhou
esses incríveis olhos violeta – Talvez o Jason seja um pouquinho mais alto do
que você, milorde, e agora que estou parada a só um metro de você, penso
que os olhos de Jason são de um tom mais violeta do que os seus.
- Isso é ridículo, Judith – exclamou Corrie. – James tem os olhos violeta
mais bonitos de toda Inglaterra, todos comentam isso, e como dizem que
Jason é o seu gêmeo idêntico, como é possível que pense que os olhos de
Jason são mais violetas do que os seus?
- Suponho – disse Judith lentamente, sem afastar nunca o olhar do rosto de
James, - que poderia estar enganada em relação aos seus olhos. Mas o Jason é
mais alto, não existe nenhuma dúvida sobre isso. E talvez seja mais amplo de
ombros.
James rebentou em gargalhadas. Corrie virou-se bruscamente para olhá-lo
com uma carantonha. Quanto à senhorita McCrae, James sabia que ela se
estava a esforçar para manter uma expressão séria.
Mas Corrie, ainda agarrada na conversa da Senhorita McCrae, saltou: -
Mais amplo de ombros? Isso é um absurdo, ridículo! Ainda que James tenha
estado bastante doente, quase morto de tão doente, ainda assim, os seus
ombros permaneceram exatamente iguais, e isso significa que são perfeitos.
Olhe-o… nunca vi uma amplitude de ombros tão perfeita em toda a minha
vida! A simples ideia de que os de Jason sejam…
- Corrie – disse James, esticando-se para tocar-lhe no braço. – obrigada
por defender-me, obviamente o gêmeo inferior. A senhorita McCrae quase
que lhe enganou, por completo. Solte o isco agora, Corrie.
- Mas, ela…
- Solta-o.
Corrie olhou de Judith para James, relembrou os comentários escandalosos
de Judith, as suas próprias respostas, e sentiu-se como a idiota da aldeia.
Disse, olhando os seus sapatos, com uma voz suave e um pouco triste: - Temo
que pode ter razão, Judith. Estive pensando, na realidade há algum tempo,
que talvez prefira o Jason, não o James aqui presente, com os seus pobres
ombros.
- Não ficará como Jason! Ouve-me? – Corrie levantou o olhar e sorriu,
como o tio Simon quando encontrava uma nova folha. – Oh – disse Judith,
ofegando um pouquinho, - sei quando ajustam contas comigo, e esta
simplesmente esmagou-me. Essa foi excelente, Corrie. Deu-me justo no
nariz.
Corrie estava toda satisfeita e James rindo, quando Judith voltou-se para
LordeAmbrose e disse: - E agora, milorde, talvez gostasse de ver a folha que
não consegui identificar? Oh James, entendo que você tem uma mente
curiosa. Talvez gostasse também de ver a minha folha por identificar?
Simon levantou-se de um salto, indignado.
- Perdão? O que é isto, senhorita McCrae? – agitou o prato, que agora
tinha uma só rabanada solitária no cento, e disse: - Você contou-me sobre
essa folha, e a ninguém mais, particularmente a James, que não sabe
absolutamente nada sobre folhas, só sobre o que está perdurado em cima nos
céus. Além disso, James já quase que se foi embora, para levar a Corrie a
cavalgar. Desejo ver essa folha, senhorita McCrae.
Judith sorriu, bateu as pestanas a Simon e disse: - Talvez se pudesse ficar
com essa última rabanada, senhor, garantisse que a folha seria sua.
Simon olhou a rabanada, pensou nas três que já tinha consumido, pensou
na folha ainda por identificar, que podia ser irmã da que ele próprio tinha
encontrado no parque, olhou novamente a rabanada e disse: - Mostre a folha
ao James.
Comeu a última rabanada, limpou as mãos nas calças, fez uma mesura aos
três jovens e foi-se embora, cantarolando.
- Você, Judith, é bastante assombrosa – disse Corrie. – Agora sabemos o
que é mais importante para o tio Simon. Terei que o contar a tia Maybella. –
olhou com os olhos semicerrados para James. – Talvez na nossa lua de mel a
atividade preferida fosse comer pão de canela?
Ele riu.
- Possivelmente. Já veremos, não é verdade?
Ouviram a porta da frente abrir-se, escutaram a voz da tia Maubella
ressonar repentinamente enfurecida.
- Cheiro-o! Simon, onde está? Comeu uma fornada inteira, não é verdade?
Vou esconder essa sua folha não identificada, miserável lunático, já verá!
Quero um pouco de pão de canela!
- Escapemos daqui – disse James, e ofereceu um braço a cada jovenzita.
Capítulo 26
James ajudou Corrie a montar. Uma vez que ela esteve instalada no lombo
de Darlene, ele montou Bad Boy.
- Os dois parecem como se tivessem estado a comer o pão de canela do seu
tio. Necessitam mais exercício, Corrie.
Corrie só confirmou. Estava olhando Judith McCrae, que tinha insistido
em caminhar de regresso a casa de lady Arbuckle, a só duas ruas de distância.
Como estava um dia com sol para outubro, James tinha estado de acordo.
- Poderia encontrar-me com você em Mayfair para comermos um gelado,
digamos amanhã? – perguntou Judith a Corrie.
Com o encontro marcado, Judith tinha-se afastado, num passo saltitante,
infinitamente gracioso.
- Ela quer o Jason – disse Corrie.
- Bem, pode ser que ele também a queira, mas a verdade é que nunca se
sabe nada quando se trata de Jason.
- Acredito que é tão formosa como Juliette Lorimer.
- Então, não lhe agrada?
- Sim, temo que sim que me agrada – e não disse nada mais até que tinham
guiado os cavalos através de uma das entradas de Hyde Park.
Era demasiado cedo para que as pessoas elegantes estivessem lá, o que
agradou a Corrie. Queria galopar. No entanto, James apoiou suavemente a
sua mão enluvada sobre as rédeas.
- Ainda não – disse-lhe ele.
- Oh, céus, ainda não está o suficientemente bem, não é verdade, James?
Sinto tanto, por pensar que as coisas são como antes… bem, claro que
andaremos a passo.
Ele esticou a mão e apoiou-a sobre a dela.
- Vai casar comigo, Corrie? Não quero mais desculpas sobre que eu estou
fazendo um espantoso sacrifício, não quero mais queixas sobre não poderes
fazer mais travessuras.
- Não acredita que me iria bem como camareira em Boston? É na América.
- Não, seria uma lástima. Daria uma palmada a qualquer homem que fosse
o bastante estúpido como para lhe beliscar o traseiro.
Ela levantou o queixo.
- Isso não é verdade. Poderia fazer qualquer coisa que fosse necessário
para sobreviver. Se você estivesse doente e dependesse de mim, poderia
conduzir um carrinho. Poderia fazer pastéis de carne e vendê-los. James,
manter—lhe-ia saudável e a salvo. Sempre poderia contar comigo.
Ele inclinou a cabeça para um lado, olhando-a com atenção. Estudou o
rosto que tinha conhecido por mais de metade da sua vida, primeiro menina e
agora uma jovem mulher.
- Sabe, Corrie, acredito que o faria – disse lentamente, e então esticou-se e
agarrou-lhe a mão. – Vamos ficar bem os dois juntos. Confie em mim.
Ela suspirou, afastou-lhe a mão e fez um barulho com a língua a Darlene
para começar um meio galope por Rotten Row.
Na realidade, pensou James, vendo-a mexer-se elegantemente na sela de
amazona, firmemente no controle, ela faria qualquer coisa que fosse
necessário fazer, qualquer coisa que tivesse que fazer. Para salvá-lo. Já tinha
provado isso.
Colocou o Bad Boy a galopar e ficou ao seu lado em poucos minutos.
- Diga que sim – disse-lhe, com os olhos nas orelhas movediças de Bad
Boy. Então olhou-a pelo canto do olho. – Poderia ensinar-lhe coisas, Corrie,
coisas que lhe fariam sentir muito bem.
Oh, céus, ela gostava de como isso soava.
- Que tipo de coisas?
- Talvez não seja adequado que entre em detalhes neste preciso momento,
mas na nossa noite de lua de mel… ah, sim, simplesmente só digo isto; pense
em mim beijando-lhe a parte de trás dos joelhos.
Os joelhos em questão ficaram congelados.
- Oh, céus, os meus joelhos?
- A parte de trás dos joelhos. Essa poderia ser uma das pequenas coisas
que lhe ensinarei. Não, não digo mais nada. Deve esperar. Agora, na verdade
já enviei o anúncio do nosso matrimônio para a Gazette. Ninguém lhe vai
ignorar agora, ninguém me olhará como se fosse um pervertido. Está feito,
Corrie. É provável que a minha mãe esteja reunida com a sua tia enquanto
passeamos. A cerimônia do casamento deve ser brevemente.
- Se estivesse de acordo, não quereria que fosse tão cedo. Quereria o maior
casamento que já se tivesse visto em Londres. Quereria casar-me em Saint
Paul’s.
Ele sorriu.
- Muito bem. Voltemos e falamos com as nossas famílias.
- Ainda não disse que sim, James. Estou apenas a fazer suposições.
Ele sorriu-lhe.
- Está desequilibrando-se, perto da borda.
- Por que está a ser tão condensadamente agradável? Ainda está demasiado
doente para discutir comigo? Deve estar. Porque gosta de discutir, gritar e
amaldiçoar. Gosta de simular que me vai dar uma paulada. Este lado
simpático de você não é algo a que esteja habituada. Está cansado, é esse o
problema? Oh, céus. Deixe-me ver se a febre regressou.
E levou Darlene para perto de Bad Boy, com a mão esticada, mas não
chegou a tocar na cara de James porque Darlene, que acabava de entrar no
cio, decidiu que queria Bad Boy e o que aconteceu em seguida foi um
altercado, uma boa palavra para dizer tudo e nada, a palavra que mais tarde
Corrie usaria para descrever aos seus tios o que tinha acontecido. Na
realidade, altercado nem sequer se aproximava ao caos de dois cavalos
encavalitados: Darlene guinchando, Bad Boy bufando, disposto a fazer o que
ela quisesse fazer e tentando morder-lhe o pescoço e montá-la, e James, rindo
tanto que quase caía do lombo do seu cavalo.
E no meio disso tudo, Corrie, que mal consegui manter-se no lombo de
Darlene, gritava entre as suas risadas: - Muito bem, James. Considerarei
seriamente casar-me com você! Suponho que poderá ser mais divertido do
que ser camareira em Boston.
- Isso é um sim, ou outra suposição?
Ela sussurrou, olhando as sua botas negras com os seus encantadores
saltos: - Muito bem.
- Bem. Está feito.
James não ia admitir que se sentia aliviado. Não, estava enfrentando o fato
de que a sua condenação estava agora formalmente selada, agora as suas nada
insignificantes travessuras iam rumo a um poço profundo.
Reuniu-se durante duas horas com Lorde Montague, lá se arranjou para
manter a sua atenção concentrada o tempo suficiente para finalizar o contrato
de matrimônio, enquanto pensava todo o tempo que, ao menos, haveria risos
na sua vida.
Corrie podia virá-lo louco, fazer com que a quisesse lançar por uma janela,
mas no final do dia, estaria agarrando a barriga de tanto rir. E beijando-lhe a
parte detrás dos joelhos. James sorriu, imaginando-se beijando a parte detrás
dos joelhos da desavergonhada.
A vida, pensou, era assombrosa.
Jason e Peter Marmot não tinham encontrado o homem em Covent Garden
essa manhã. Uma velha, que vendia escovas muito benfeitas, tinha dito entre
saudáveis gengivas.
- Hoje o velho Horace ficou sobre o seu traseiro, o cabrão preguiçoso,
provavelmente bebendo até desmaiar, e tudo porque tinha ouvido que um
homem queria cravar o seu bastão na sua barriga.
Isso não soava bem. Fizeram planos para regressar essa noite. No entanto,
o que aconteceu foi que Peter não tinha aparecido, assim que Jason tinha ido
sozinho a Covent Garden. Simplesmente passeou-se, rejeitando a meia
dezena de prostitutas, prestando atenção às suas moedas. Olhando cada
sombra das múltiplas ruas, mantendo a mão perto do seu estilete e da sua
derringer. Era estridente, como sempre a esta altura da noite, gritos, risos,
maldições. Tentou encaixar, procurando durante todo o tempo o homem que
Peter lhe tinha descrito.
Não soube o que o tinha feito dar-se a volta no último momento, mas
graças a Deus que o tinha feito. Um homem mascarado, vestindo um capote
negro, atacou-o, não com uma faca na mão mas sim com uma manta, e
mesmo detrás dele estavam outros dois tipos, ambos com mantas. Meus
Deus, eram outra vez Augie e os seus cachorros, acreditando que teriam êxito
ao tentar o mesmo novamente?
Sem qualquer dúvida, Jason tirou a derriger e disparou ao homem no
braço. Ele gritou e caiu no chão.
- Repu’nante tonto! Di’paraste-me! Po’ que faria isso? Eu nunca te
la’timei, na realidade, nem sequer a primeira ve’.
Ah, assim que era Augie e o seu bando, e acreditavam que ele era James.
- Onde está Georges Cadoudal? – perguntou Jason.
Mantinha a sua pistola apontada ao homem do capote, que tinha deixado
cair a manta no chão e agarrava o braço.
- Não conheço nenhum Cadoudal.
- É Augie, não é verdade? E vocês dois são Billy e Ben. Confio que
estejam sentindo-se melhor desde a última vez que os vi.
- Não graça’ a essa jovenzita – disse Augie.
- Não têm muito reportório, rapazes. O único que conhecem são as
mantas?
- Não há nada de mal numa manta ou em dua’. Não queremo’ matar—le
agora, não mais do que da primeira ve’. Só queremo’ levar-te a dar um lindo
passeio outra ve’, só que vem’ e trazes uma arma contigo. Isso não é justo.
- Como fizeram vocês com o meu irmão.
- Que irmão? Você é você, não é evidente? O que é isso de irmão?
- Vocês sequestraram o meu irmão, Lorde Hammersmith. Eu sou Jason
Sherbrooke, somos gêmeos idênticos, parvo. Assim que o homem que os
contratou não se preocupou em informá-los disso, verdade? Não foi muito
competente da sua parte. Não, vocês dois fiquem quietos. – para assegurar-se
que acreditassem que falava a sério. Jason tirou o estilete e deslocou-o ao
longo do antebraço. – Lindo e afiado, uma prenda de aniversário do meu pai;
tirou-o a um ladrão em Espanha. O primeiro que se mexer recebe-o
atravessado no pescoço. Agora, Augie, diga-me. Este suposto Douglas
Sherbrook voltou a contratar—lhe?
- Não sei de que fala’, jovenzito! Aw, feri’te-me, feri’te-me muito.
Acredito que mandarei os meus doi’ rapazes a picar essa’ orelha’ tua’.
- Se o faz, voltarei a disparar, desta vez no que chama de cérebro. Assim
que os envia aqui, vamos, asquerosos cobardes. – mas nenhum dos três
homens se moveu um centímetro na sua direção. – Vamos, Augie, conte-me
tudo sobre Douglas Sherbrooke. Ele voltou a contratar—lhe, verdade? Fez
que voltasse a fazer outra armadilha, contrataram-no para que começasse a
falar sobre Georges Cadoudal. Para que nós descobríssemos e viéssemos.
Este Douglas Sherbrooke… é jovem? Velho? Que aparência tem?
- Não direi nad’, rapaz.
- Muito bem, então. Augie, veremos se você não tem mais nada que dizer
quando o leve com o meu irmão e os dois lhe tiremos a golpes todos os
pecados dessa sua estúpida cabeça. Vai dizer-nos o que está acontecendo.
De repente, com um agudo assobio de Augie, os dois homens lançaram-lhe
as mantas, e então tudo simplesmente apagou-se dentro dessa malcheirosa rua
escura.
Jason retirou rapidamente as asquerosas mantas, disparou a sua segunda
bala, ouviu um grito. Escutou, mas não ouviu mais nada. Correu até a entrada
da rua e parou. Não ia entrar só nessa rua, não era assim tão parvo.
Bem, maldição. Não tinha corrido bem.
Onde estava o homem que vendia tartes de rim? O velho Horace? Mas
Jason soube ainda antes de encontrar o corpo do homem, numa rua mais
afastada, tinham-no assassinado antes de irem atrás dele, acabando com uma
ponta solta. Deu a volta para ver Peter Marmot correndo até ele, tarde como
de costume, mas com um sorriso tão encantador na cara que uma pessoa não
desejava bater-lhe no nariz durante muito tempo.
Peter ficou olhando o homem morto, limpamente apunhalado no coração,
e amaldiçoou. Jason falou-lhe sobre os três malfeitores.
- São os mesmos três homens que sequestraram o James. Apostaria que
este suposto Douglas Sherbrooke os enviou por mim, só que eles pensaram
que eu era o James. Não consegui apanhá-los, maldito seja pela minha
incompetência. Este pobre velho, disseram-lhe um nome para repetir até que
chegasse aos nossos ouvidos… Georges Cadoudal; logo mataram-no porque,
suponho, ele podia identificá-los.
- Tentemos encontrar algum amigo deste pobre homem, vejamos se eles
talvez saibam algo sobre esse Douglas Sherbrooke – disse Peter.
- O fato é, Peter, que este Douglas Sherbrooke está sabendo tudo sobre
Georges Cadoudal, sabe que o meu pai está preocupado com ele, e portanto é
o nome dele que utiliza para atrair-nos. Tem que ser o filho de Cadoudal…
mas, por que vão atrás de James em particular? Não serviria eu também, se o
seu motivo fosse simplesmente eliminar o nosso pai?
Mas não encontraram ninguém que quisesse admitir que conhecia Horace
até que um pirralho, ajudado por uma moeda lançada por Jason, lhes disse
que o seu nome era Horace Blank.
- Ele fazia uma excelente tarte de rim, sempre me dava uma. Vou sentir a
falta do velho Horace. Ele vivia em Bear Alley, no terceiro andar, mesmo por
baixo do beiral.
E então mordeu a moeda, deu um sorriso tão grande como uma lua cheia, e
desapareceu.
Caminharam até Bear Alley, encontraram a pequena habitação de Horace
Blank debaixo do beiral, e subiram com dificuldade as estreitas escadas
escuras e entraram na habitação de Horace. A pequena sala estava
surpreendentemente limpa, com uma cama de tábuas, um pequeno baú aos
pés da mesma, e por toda a parede do fundo havia um forno, tachos e muitos
ingredientes que ele usava para fazer as suas tartes de rins. Cheirava
deliciosamente.
- Nunca comi uma das suas tartes – disse Peter, e sacudiu a cabeça. –
Realmente não gosto disto, Jason.
Separaram-se, Peter para apostar num novo salão de jogos, que pertencia a
um amigo seu. E Jason regressou a casa para mudar rapidamente de roupa
para o seu traje de noite, e logo foi para a mansão de lady Radley, para um
baile. Para ver Judith McCrae.
James tinha-lhe contado sobre a sua visita a Corrie e a farsa do pão de
canela.
- Mais divertido que qualquer coisa que tinha visto em Drury Lane – disse
James, e Jason desejou ter lá estado, para comer uma rabanada ele mesmo,
talvez da boca da própria Judith.
Será que ele o morderia? Essa sim era uma ideia encantadora.
Sorria quando a viu pela primeira vez do outro lado da pista de baile,
dançando com o jovem Tommy Barlett, tão tímido que olhava fixamente o
pescoço de Judith. Não, não era o pescoço de Judith o que tinha atraído a
atenção de Tommy. Jason começou a abrir caminho até ela, falando com
amigos e inimigos da mesma maneira, cumprimentando com corteses
movimentos de cabeça os amigos dos seus pais, e sorrindo à multidão de
jovenzitas, e algumas não tão jovens, que lhe deitavam olhares ternos, que
faziam com que quisesse correr na direção oposta.
- Olá, senhorita McCrae. Olá Tommy. Que colar encantador, não é
verdade?
Tommy Barlett, ainda aspirando o adorável perfume da senhorita McCrae,
com a luxúria palpitando pelas suas jovens e saudáveis veias, virou-se
lentamente.
- É você, James? Não, é o Jason, certo?
- Sim, sou o Jason.
- Que colar?
- O que você tem estado olhando atentamente, o que leva a senhorita
McCrae à volta do seu pescoço. Não afastou o olhar desse encantador colar
nem uma só vez.
- Oh, eu não estava… isto é... céus, é o senhor Taylor a quem vejo ali,
fazendo sinais para que me aproxime? Obrigada, senhorita McCrae, pela
dança. Jason.
E Tommy foi-se embora, quase correndo pelo salão de baile.
- O que foi tudo isso? – perguntou Judith, enquanto continuava olhando
Tommy. – Atuava como se tivesse medo de você.
- Tinha uma boa razão.
- Por quê? Não lhe disse nada. Vamos, Jason, o que era isso
tudo? Jason sorriu-lhe.
- Você cheira bem.
Ela colocou-se nas pontas dos pés e cheirou-lhe o pescoço.
- Você também.
Ele nunca sabia o que faria ela em seguida. Às vezes era desconcertante,
mas a maior parte das vezes era encantadora, como agora. Ela tinha-o
cheirado.
- Obrigada. Provavelmente Tommy ter-lhe-ia atacado, se eu não tivesse
interferido.
- Esse tímido jovenzito? Duvido muito. A dança já tinha terminado. Não
interferiu absolutamente em nada. O que era isso do colar? Já lhe disse que
pertencia à minha mãe?
- Não, não o fez. É único.
- Assim, que Tommy estava admirando-o. O que, poderia dizer-me, tem
isso de mal?
- O tímido Tommy estava olhando o seus seios, não o seu colar. Foi astuto,
mas eu apercebi-me.
- Oh – disse ela, piscando. – Pensei que era modesto, terrivelmente tímido,
não astuto. Céus, um brutamontes jovem e esperto?
- Assim é o Tommy. Sim – disse Jason. – Vejo pessoas aproximando-se.
Dancemos.
- As pessoas a que se refere – disse Judith enquanto ele deslizava o braço à
sua volta e a levava bailando até ao centro da pista, - são todas jovens damas.
Atrás de você. Desafortunadamente, estão juntas como se se tratasse de um
bando, uma estratégia nada boa. Talvez eu pudesse dar-lhes outras
estratégias… rodear—lhe, talvez, formando uma cunha e levar você até um
canto onde lhe pudessem fazer o que quisessem. Desça essa sobrancelha.
Sabe muito bem que não estão vindo para ver se eu sei alguma nova fofoca,
ou para elogiar o meu colar. Na realidade, não queria ficar sozinha numa sala
escura com nenhuma delas.
- Parvoíces – disse ele.
Jason fez com que ela desse voltas uma e outra vez até que ela estava
rindo, agarrando-se como se a sua vida estivesse em perigo, e o seu perfume
cheirava como se… o quê? Não eram rosas. Não sabia a que cheirava.
- Oh, céus, ali está Juliette Lorimer olhando-me com uma careta. Deve
pensar que você é o James. Não pode distinguir-vos?
- Evidentemente que não – disse Jason, - ainda que os meus ombros sejam
mais amplos do que os do meu irmão.
Ele fê-la bailar no meio de uma multidão de vestidos e de jóias reluzentes.
Tanta riqueza, pensou ela, tantas mulheres formosas.
Jason deteve-se durante um momento e sorriu-lhe.
- Ouvi falar da sua gulodice. Devo dizer que ao princípio sentime
horrorizado, até que James me lembrou da vez que conseguimos roubar uma
fornada inteira de pão de canela de Twyley Grange de uma saliência na
janela, reverentemente pousada ali para arrefecer. James e eu partilhámos a
fornada, e ainda queríamos mais.
- Poderia ter comido a fornada inteira, sem ser necessário cortá-la em
rabanadas, em menos de três minutos. Mal provei, só duas rabanadas.
Deverias ter visto Lorde Montague… realmente ocultou-me o prato atrás das
suas costas. – e começou a rir. – Que cavalheiro tão maravilhoso que é. E tão
atraente.
- Será o tio político do meu irmão. Assombroso, isso.
- Então Corrie finalmente sucumbiu?
Jason encolheu os ombros.
- Evidentemente. James é um bom falador, poderia convencer um padre a
partilhar a sua caixa das esmolas. Corrie não era um grande desafio. Ela
também disse que você era tão bonita como Juliette Lorimer. Eu acredito que
será mais bonita. A verdade é que, ao contrário de Juliette, você tem bondade,
sem mencionar mais picardia do que se sonharia possível numa jovem
delicadamente criada.
- Ah, e tenho astúcia, Jason. Carradas de astúcia.
- Não, porque ainda não vi nada. E mais, as vezes penso que é demasiado
franca, demasiado aberta, o que sente está estampado no seu rosto, para que
todos o vejam. Tenha cuidado, Judith. A próxima vez que aceite uma dança
de um jovem cavalheiro que parece inocente, olhe nos seus olhos. Se não
permanecerem no seu rosto, rejeite-o.
Ela riu, realmente riu pelo que ele tinha dito. Fechou os dedos no braço de
Jason e riu ainda mais.
Ele ficou preocupantemente tenso.
- Não vejo nada de divertido no meu conselho.
- Não, não, não é isso, Jason. Enquanto falava estava olhando para os meus
seios.
- Isso é bastante diferente – disse ele, e parou porque a música tinha
terminado, pelo menos cinco minutos antes. Passou ligeiramente a ponta dos
dedos pelo rosto de Judith. – Colar encantador. – disse-lhe, e deixou-a ao pé
da sua tia, lady Arbuckle.
Jason ouviu o riso dela nas suas costas. Não dançou com nenhuma outra
dama, simplesmente agradeceu à anfitriã e foi-se embora. Queria contar a
James o que tinha acontecido em Covent Garden.
Tinham que encontrar o filho de Georges Cadoudal antes que conseguisse
colocar as mãos em qualquer um deles.
Capítulo 27
Residência da cidade de Lorde Kennison – Londres
- Não há mais nada para dizer, Northcliffe. Não sei absolutamente nada
sobre isto.
Douglas Sherbrooke confirmou.
- Eu sei, mas o fato é que você conhecia Georges Cadoudal. Estava em
Paris quando ele morreu, depois de Waterloo. Em 1815?
- Sim, claro que sim. Isso não é nenhum segredo.
Douglas olhou-o e pensou que aquela relíquia era suficientemente velha
para ser seu pai. Um homem poderoso como Lorde Kennison, ainda que,
aparentemente bastante mais frágil do que há seis meses. Como amava
demasiado o brandy, tinha gota, e o seu pé direito estava descansando,
envolvido em vendas, sobre um branquinho de brocado.
Tinha que assegurar-se de que Georges estava morto, e Lorde Kennison
era a sua melhor alternativa.
- Durante quanto tempo Georges esteve doente?
Lorde Kennison fechou momentaneamente os olhos. Até os olhos lhe
doíam.
- Meus bom Deus, Nortcliffe, pensei que o sabia. Georges não morreu de
uma doença. Alguém lhe disparou na rua. Um assassinato, não há outra forma
de chamá-lo. Morreu talvez duas horas mais tarde, na sua própria cama.
Cheguei logo depois de ter dado o seu último suspiro, ainda tinha a sua
família à sua volta. Claro, Georges estava bastante louco.
- Sim, eu sei. Louco e um gênio, assim era Georges. Tinha família,
verdade, milorde?
- Sim, claro. Um filho e uma filha. O filho tinha mais ou menos a idade
dos seus rapazes. Entendo que conheceu a sua esposa, antes de eles se
casarem.
Janine, pensou Douglas, que tinha simulado que ele a tinha engravidado
porque estava demasiado envergonhada para admitir ao seu amante, Georges,
que muitos homens a tinham violado. Confirmou.
- Sim, conhecia. Mas nunca voltei a vê-la depois de 1803. Foi há muito
tempo, milorde.
- Pobre Janine, morreu de gripe antes de o Georges ter sido assassinado. A
cunhada de Georges foi viver com eles, tomou conta da casa. Se me
perguntar, Douglas, eu diria que estava um pouco mais carinhosa com
Georges do que deveria estar uma cunhada. Mas não importa. Os dois já
tinham passado a sua primeira juventude. E faz muito tempo que o George
está morto. Não lhe disparou você, não é verdade, Northcliffe?
Douglas estava olhando fixo e pensativamente a chaminé, vendo o fogo
consumir um tronco. Sacudiu a cabeça, ainda olhando as chamas.
- Gostava bastante do Georges, mas talvez ele não acreditasse nisso. Posso
imaginar alguém disparando-lhe porque, por tudo o que ouvi nos anos
anteriores a Waterloo, ele nunca cessou nas suas tentativas de assassinar
Napoleão. Há tantos que gostariam de encurtar a sua vida, e evidentemente,
algum deles o fez. – então Douglas levantou o olhar. – Não fui eu, estava em
casa, com os meus dois filhos de dez anos e a minha esposa. Por essa altura,
não tinha nada mais que ver com a política.
- Ah, mas um par de anos antes esteve em França.
- Sim, mas essa foi uma missão de resgate, nada mais do que isso. Não vi o
Georges.
- A quem você resgatou?
Douglas encolheu os ombros.
- Ao conde de Lac. Ele morreu cinco anos mais tarde, na sua residência em
Sussex.
- Poderia alguém ter pensado que estava ali para matar o Georges?
- Não, isso é bastante impossível. Também não tem sentido. Se alguém
acreditasse que eu era responsável pela morte de Georges, por que esperaria
quinze anos para vingar-se?
Lorde Kennison encolheu os ombros. Até esse movimento lhe doía, e não
era demasiado, pontapear um homem enquanto estava caído?
- Estou cansado, Douglas. Não posso dizer-lhe mais além do que já sabe.
Os filhos, como já decidiu, devem estar por detrás dos atentados contra a sua
vida. Quanto ao Georges, ele nunca disse nada sobre você, pelo menos que eu
tenha escutado. Não acredito que existisse nenhuma inimizade. Lembre de
como era Georges… se ele odiasse alguém, odiava-o com toda a sua alma.
Não se calava de como ia arrancar-lhes a língua. Assim que, se é uma
vingança dos filhos, então onde apanharam esse ódio por você?
- Não o sei. Como você disse, não faz sentido. – Douglas colocou-se de pé.
– Obrigado por receber-me, senhor. Como sabe, foi o duque de Wellington
quem me enviou para falar consigo.
- Sim, ele disseme. Pobre Arthur. Tantos problemas apertando-lhe o
pescoço. Disse-lhe para renunciar, para deixar todas essas complicações, e
que outros se ocupassem delas. Ele nunca o fará, claro está.
- Não, não o faria – disse Douglas, e foi-se embora.
Gostava bastante de Lorde Kennison, que provavelmente era muito mais
honorável que o seu herdeiro, que era tão libertino, que tinha contagiado de
sífilis a sua própria esposa.
Quando saiu para a sua carruagem, foi para ver Willicombe e o seu
sobrinho Remie ali parados, com as armas prontas a disparar.