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MEU AMADO

Karen Ranney

(Série Langlinais 01)

Sol, Iete, Jen, Magui.


Para meu filho, John, por mil razões, entre elas amor e orgulho.

Meu Amado – Karen Ranney


Sinopse

Um cavaleiro em perigo

Quando Sebastian, conde de Langlinais, caiu na armadilha das


conspirações de seu irmão vilão, ele não teve escolha a não ser pedir
ajuda à sua noiva virgem, uma esposa que ele não via desde o dia em que
se casaram quando crianças. Ele havia planejado que ela continuasse
sendo sua esposa apenas no nome, porém Sebastian não contava que
ficaria encantado com sua beleza. Mas ele poderia realmente contar a
ela a razão secreta pela qual seu amor nunca poderia acontecer…?

Uma noiva esperando

Julianna, criada no convento, passara seus dias aprendendo as artes


da esposa… e suas noites desejando o homem com quem se casou há
tanto tempo. Chamada para se juntar a ele, a ingênua noiva ficou cara a
cara com um homem tão viril, tão poderoso que estremeceu em sua
presença. E apesar de ele estar lhe pedindo para ir contra tudo que ela
considerava verdadeiro, ela não resistiu a se render… mesmo isso
implicando em perder a própria alma.

Meu Amado – Karen Ranney


Prólogo

Quartel General dos Templários


Chipre, 1249

O que eles iriam exigir por sua liberdade?

Sebastian de Langlinais estava sentado no patamar esculpido na parede de


rocha. O mesmo tinha servido de cama para os antigos ocupantes desta cela
monástica, mas ele jurou não passar mais uma noite neste lugar. O mosteiro era
uma espécie de estação intermediária, um lugar onde os templários traziam
peregrinos feridos e prisioneiros resgatados. Um lugar para cura e silêncio
contemplativo.

Ele estava farto de silêncio e nada poderia curá-lo.

Suas mãos estavam enfiadas nas mangas largas de seu manto de monge. Mas
sua cabeça não estava inclinada em piedade; em vez disso, seu olhar estava
direcionado para a porta de madeira. Um ano aprisionado havia tornado seu rosto
magro, e o mesmo confinamento agora o deixava impaciente.

O homem que entrou na sala uma hora depois estava vestido com a distinta
túnica branca e a cruz bordada em vermelho dos Pobres Cavaleiros do Templo de
Salomão. Apenas a elite usava tal uniforme; a maioria dos monges guerreiros usava
mantos pretos ou marrons.

A semelhança que ele tinha com Sebastian não era surpreendente. Cada um
tinha os olhos da mãe, e a força do pai.

— Você tem sorte, irmão. Muitos prisioneiros morrem antes de serem


resgatados — disse o Templário em saudação.

— É por isso que o mandaram aqui, Gregory? Para que eu lembre de ser
grato por minha sobrevivência? — a voz de Sebastian era uma mera rouquidão de
palavras. Ele não tinha motivo para falar na prisão, isolado como estava dos outros
homens.

— Você está? — Gregory de Langlinais sorriu, mas a expressão apareceu


temperada com ironia. — A expressão em seu rosto não é a que eu compararia a
gratidão, irmão. E nem parece surpreso em me ver. Mesmo depois de todo esse
tempo.

Uma pequena mesa e uma cadeira ocupavam um canto da pequena câmara.


Sobre a mesa estava uma jarra de vinho, um pão e um pouco de queijo de cabra.

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Gregory chutou a pequena cadeira com o pé, reorganizando sua espada com um
gesto ausente enquanto se sentava. Ele estendeu a mão para o jarro, inclinou-o
para inspecionar o conteúdo.

— Vamos, você não vai se juntar a mim? O vinho do mosteiro é melhor do


que a maioria. Vamos comemorar nosso reencontro. Faz quanto tempo? Seis anos?

— Perdoe-me se recusar. Prefiro jantar sozinho.

Gregory acenou com a cabeça e baixou o jarro.

— Meus irmãos templários me disseram que você é recluso, Sebastian. Eu


nunca soube que você fosse assim.

— A prisão pode mudar muito um homem, Gregory.

— Até a sua escolha de roupas? — Seu olhar examinou a vestimenta que


Sebastian usava. — Lembro-me de você se vestir de uma forma mais secular.

— E eu lembro que você se juntou aos Templários como um pró fraternitate.


Por que aceitar ordens quando você poderia ter permanecido um membro leigo?

O sorriso de Gregory iluminou um rosto bronzeado pelo sol. Seu cabelo,


antes tão escuro quanto o de seu irmão, agora estava tingido com mechas
douradas.

— Como um incentivo, Sebastian. Os Templários precisavam de líderes.


Cavaleiros são sempre bem-vindos em suas fileiras.

— E o poder é uma isca inebriante.

— Minha posição é menos de influência do que de detalhes infinitos.

— Quando posso sair? — A pergunta de Sebastian cortou o papo furado.

O sorriso de Gregory desapareceu.

— Quando você concordar com certos termos.

— O que os templários querem de mim, Gregory? Meu juramento? Nunca


me pediram para abjurar minhas crenças. Eu vou jurar sobre isso.

— Sua liberdade não foi obtida facilmente, Sebastian. — Gregory traçou um


dedo ao longo da borda de uma caneca de cerâmica.

— Então, é dinheiro. Quanto foi meu resgate?

Ele mencionou uma quantia que fez Sebastian respirar fundo.

— Prometi Langlinais em seu nome. Era a única maneira de obter sua


libertação.

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— Tenho mais valor do que pensava. Pena que meu valor nunca tenha sido
demonstrado durante minha prisão.

O dedo fez uma pausa em sua jornada.

— Eu nunca soube, Sebastian. Não até que os arranjos estivessem sendo


feitos para libertá-lo.

Sebastian só pôde oferecer-lhe silêncio em resposta. Antes, havia apenas


risos ou rivalidade bem-humorada entre eles. Muitos anos os separaram, muitas
memórias não compartilhadas entre eles. Eles nunca poderiam se tornar
confidentes novamente.

— Como propõe que eu devolva essa quantia, Gregory?

— Isso é problema seu. Considere-se afortunado por ser herdeiro de uma


propriedade rica o suficiente para financiar sua libertação. Você tem um ano para
pagar à Ordem, Sebastian, o mesmo período que permaneceu aprisionado.

Cada um deles sabia que isso seria quase impossível, mesmo para o Lorde
de Langlinais.

Gregory se levantou e foi até a porta. Com a mão no cabo da corda, ele se
virou.

— Por que você fez a cruzada, Sebastian? É uma pergunta que desejo
responder desde que soube que você foi feito prisioneiro do paxá egípcio.

— Por que qualquer homem sai em uma missão? — As palavras soavam


cansadas, como se tivessem sido repetidas com frequência. Na verdade, foi a
primeira vez que elas eram ditas.

— Não você, Sebastian. Se você não tivesse ganhado tantos torneios, eu teria
pensado que você tem medo de guerra.

— Qualquer homem de bom senso evita a guerra.

— Mesmo quando o certo está do nosso lado?

— Uma visão sem dúvida defendida com a mesma paixão pelos infiéis —
disse Sebastian secamente.

— Suas palavras beiram a heresia. — Gregory olhou fixamente para


Sebastian como se quisesse gravar seu rosto em sua memória. — Você esteve em
Montvichet, Sebastian?

Sebastian estreitou os olhos.

— É por isso que você está realmente aqui, Gregory? Não para demonstrar
afeto fraternal, mas para obter a resposta a essa pergunta? Como você soube?

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Gregory encolheu os ombros novamente.

— Um dos aldeões sem dúvida contribuiu com a informação.

— Ele foi incitado a reviver com tortura, Gregory?

— Por que você estava lá, Sebastian?

— Outra pergunta que o tem incomodado todo esse tempo, Gregory?


Madalena mandou me buscar.

Sebastian observou enquanto a expressão nos olhos de Gregory mudava.


Havia apenas surpresa ali? Algum indício de tristeza?

— Ela se tornou uma cátara. Você não sabia?

Gregory balançou a cabeça.

— Ela morreu, me disseram. Mas então, todos eles morreram.

— Eles eram hereges — disse Gregory, sua voz afiada.

— Ela foi a única mãe que você e eu conhecemos. Seu papel como templário
não permite que você se lembre disso, Gregory?

Gregory abriu a porta.

— Pague seu resgate, irmão. Ou Langlinais será cercada por Templários. —


ele hesitou um momento como se quisesse dar mais ênfase às suas palavras. — E
Madalena era só uma puta.

A porta se fechou silenciosamente atrás dele.

Sebastian ficou sentado olhando para as sombras. Gregory não havia feito a
única pergunta para a qual estava preparado. Não com a verdade, mas com uma
mentira cuidadosamente elaborada.

Onde está o tesouro cátaro?

A omissão o perturbou.

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Capítulo 1

Castelo de Langlinais
Inglaterra, 1251

Todas as noivas ficavam tão apavoradas?

Suas mãos pareciam geladas, apesar do fato de que o ar estava pesado com
o calor do verão. Que estranho que suas palmas estivessem frias e úmidas ao
mesmo tempo. Julianna enxugou-as disfarçadamente na túnica. O vestido bordado
que ela usava era pesado demais para o clima quente. Um véu estava preso ao
chapeuzinho em seu cabelo solto, a faixa do queixo parecia como se a estivesse
estrangulando.

Ela temeu este dia durante anos. Ela tinha apenas cinco anos quando foi
conduzida pela mão de sua mãe para o lado de seu pai no solar. A sala estava quente
e abafada e lotada de pessoas. Eles falaram palavras que ela mal entendeu, sobre
vassalos e juramentos e territórios e terras. Você entende, Julianna? foi perguntado
a ela. Ela assentiu e disse as palavras conforme as instruções. Então, ela viu o
menino, alto com o cabelo castanho e impaciente batendo o pé. Ele sorriu para ela,
mas ela apenas fez uma careta para ele, então se enfiou atrás das saias de sua mãe
novamente.

Ela não o viu novamente depois que foi conduzida para fora da sala. Só mais
tarde ela soube que era o dia de seu casamento, e o menino, seu marido.

No convento, ela era conhecida como Noiva de Langlinais, apesar de nunca


ter visto o castelo antes, e seu marido apenas uma vez. Durante a maior parte de
sua vida viveu nas Irmãs da Caridade, preparando-se para o papel de castelã
daquele vasto domínio. Passou anos dentro daquelas paredes cinzentas, esperando
por este dia.

Outro nome foi dado a ela pelas meninas adotadas no convento. Julianna, a
Tímida. Julianna, a Ratinha. — Elas estão com ciúme de sua posição — dissera-lhe
a abadessa. Ignore suas palavras. Não lhes dê atenção. Ela nunca disse à abadessa
que suas provocações soavam com uma verdade inegável. Ela tinha medo do
escuro, não gostava da altura atingida mesmo quando estava de pé sobre um
banquinho, evitava o lago da propriedade do convento. Na jornada para cá, ela
descobriu que cavalos poderiam ser adicionados à lista de coisas que ela escolheria
evitar se pudesse.

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Mas nem sempre foi assim. Antes, ela fora corajosa e ousada. Como no dia
em que fez uma careta para o menino que a encarou. O mesmo menino que agora
era um homem e o marido que ela esperava. Esteve vivendo em um limbo
agradável, casada, porém sem ser forçada a ser uma esposa. Dez anos se passaram,
depois doze. Em uma época em que a maioria das noivas teria se juntado a seus
maridos, ela havia sido avisada de que Sebastian, conde de Langlinais, havia feito
uma cruzada. Dois anos depois, ele voltara. Uma semana atrás, chegou-lhe a
notícia, explicando que seu marido tinha sido preso pelos infiéis, resgatado e
depois libertado. Não havia mais razão para adiar sua ida até ele.

A viagem desde o convento das Irmãs da Caridade não demorou mais do


que algumas horas, com a procissão de vinte soldados a acompanhá-la numa
demonstração de honra e força esperada para a noiva de um cavaleiro, a esposa de
um senhor. Ao anoitecer, eles haviam cavalgado pelos portões de Langlinais. Uma
hora atrás, ela fora escoltada até o grande salão e deixada lá ao lado da lareira. Ela
podia ouvir a leve brisa de verão suspirar, como se chamasse seu nome. Julianna.
Era mais um aviso do que boas-vindas.

O grande salão em Langlinais era facilmente três vezes maior do que a casa
de sua infância e decorado com mais luxo. Ela traçou o contorno pintado de um
bloco de pedra na parede ao lado dela. A ponta do dedo saiu sombreada de
vermelho e ela limpou apressadamente a mão na saia mais uma vez. Sua cabeça
ainda estava baixa, mas ela olhou por baixo dos cílios para ver se suas ações estavam
sendo observadas. Três homens estavam arrumando as mesas, e uma criada
colocara uma grande travessa na mesa principal, mas eles não prestavam atenção
nela.

Parecia que ninguém sabia que ela estava ali. Ela deveria se levantar e
anunciar sua presença? A ideia de chamar a atenção para si era assustadora. Seria
mais adequado simplesmente esperar até que ela fosse saudada. Ela voltou à sua
leitura disfarçada do corredor.

Ela não conseguia reconhecer todas as flores diferentes pintadas na parede.


Ela tinha pouca experiência nos jardins do convento. Irmã Helena apenas apontava
para ervas daninhas e Julianna obedientemente arrancava-o do solo.

Sua habilidade estava no scriptorium1. Sua alegria ali também. Com a bênção
do marido, ela poderá continuar seu trabalho, neste novo e imponente lar.

A lareira ao lado dela era uma das duas estruturas do grande salão. Elas
foram embutidas nas paredes, as pedras curvando-se sobre a lareira em um amplo
arco. O conforto era evidentemente uma prioridade para seu marido. Os suportes
de ferro na parede estavam cheios de uma profusão de lâmpadas a óleo e velas. A

1 Scriptorium é o espaço onde os livros manuscritos eram produzidos na Europa durante a Idade Média.

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noite estava sendo empurrada para trás por tal claridade. Os juncos sob seus pés
eram limpos, salpicados de margaridas e pétalas de rosa. E talvez lavanda, ela
pensou, respirando fundo.

Uma habitação que não necessita urgentemente de uma castelã.

Todas as mesas, a agitação e o cheiro de carne assada a fizeram se perguntar,


se haveria uma festa para marcar a ocasião de sua chegada a Langlinais. Nesse caso,
ela se sentaria no estrado com o marido. Ela compartilharia na mesa uma tábua de
carne com ele, e esperava-se que sorrisse e agisse como se estivesse contente por
estar casada com um homem que ela conheceu apenas uma vez na vida quando
mal tinha saído da infância. Ele tinha um sorriso amável e uma impaciência que
acabava com ele.

Ele sentirá o mesmo esta noite… nossa noite de núpcias?

***

Uma batida suave foi o prelúdio da chamada.

— Milorde? — Sebastian ignorou os dois.

Ele estava nos aposentos do senhor olhando para o oeste, em direção a um


sol que já havia atingido seu zênite e estava lentamente descendo para a noite. Ele
sabia o que seu administrador estava prestes a lhe dizer. Ela havia chegado. Sua
noiva.

— Milorde? — Jerard não iria embora, ao que parecia.

Sebastian foi até a porta e apoiou a mão no carvalho grosso cravejado de


suportes de ferro. Este portal existia por gerações, baluarte contra intrusão, mas
não poderia protegê-lo agora.

— Ela está aqui?

— Sim, milorde.

Que tipo de mulher concordaria com o acordo que ele estava prestes a fazer?
Uma pergunta para a qual ele não encontrava resposta. Por meses, ele quis evitar
este momento. Tinha atrasado até que fosse perigoso continuar a fazê-lo.

Ele a tinha visto apenas uma vez, por ocasião de seu casamento. Enquanto
seu pai se sentava à escrivaninha assinando os documentos que passariam a ela e
às terras do seu dote para os condes de Langlinais, ela espiou por trás das saias da
mãe, seus olhos verdes brilhantes como uma folha nova. Ela estava com o punho
fechado na boca. Sua mãe deu um tapa na mão dela, mas ela só voltou um

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momento depois. Ele piscou para ela, e como uma pequena coruja sábia, ela olhou
de volta, seus olhos se arregalando com a irreverência. Finalmente, ela mostrou a
língua para ele, e ele riu, encantado.

O casamento deles foi uma união realizada por seus pais. O pai dela tinha
sido vassalo do pai dele e sentia-se orgulhoso por aliar sua família, por meio de sua
filha, aos condes Langlinais. Antes de partir em cruzada, ele queria assegurar o
futuro da filha, então a noiva de cinco anos tinha acordado de seu cochilo para se
casar com ele. Sebastian teria feito qualquer coisa por seu pai, inclusive se casar
com uma criança que ele não veria novamente até que ela amadurecesse. A
barganha havia sido feita e os cofres de Langlinais aumentados com as terras do
dote em Merton. Ele achou irônico ter que sacrificar aquelas mesmas terras aos
Templários para pagar uma parte de seu resgate.

Ele não era tão atraente naquela época, apenas um garoto de 12 anos. Os
anos acrescentaram músculos a seus braços e pernas, e altura a seu corpo. Ela o
veria diferente?

Então ele quase riu. Claro que ela veria o quão mudado ele estava. Ele teria
sorte, de fato, se ela não fugisse gritando do castelo.

Outra batida. Sua convocação então para o momento da verdade. Ele abriu
a porta apenas alguns centímetros.

— Traga-a para cima. — Agora ele diria as palavras que poriam em


movimento esta grande e gloriosa farsa. O que ela diria? Ela seria um perigo ou
uma bênção? Ele saberia em alguns momentos.

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Capítulo 2

— Milady? — disse uma voz suave ao seu lado. Julianna se virou e um


homem sorriu para ela. — Sou Jerard, milady, mordomo de seu marido. Fui enviado
para buscá-la.

O orador era muito alto e magro, vestido com uma túnica e meias cor de
vinho. Uma mão descansava no punho de uma espada curta presa à cintura com
um cinto de couro. Seu cabelo loiro estava cortado curto, emoldurando um rosto
anguloso e bronzeado, agora definido em linhas severas. Era um rosto que lhe dava,
estranhamente, a impressão de humor. Como se a expressão séria que ele usava
neste momento fosse forçada sobre ele e não seu semblante natural.

Seu estômago se apertou, mas Julianna se levantou e o seguiu pelo grande


salão. Havia pessoas ali, o som de conversas, uma risada, e outro homem que ela
não percebera. Sua atenção estava em sua compostura e no fato de que seus joelhos
pareciam balançar quando andava.

O mordomo a conduziu até o final do corredor, onde um lance íngreme de


escadas levava a um corredor interno coberto.

Uma pequena lamparina a óleo iluminava a pintura de uma clareira,


densamente arborizada e profundamente verde. No meio do mural, uma piscina
brilhava tanto que ela tocou a parede para testar se seus dedos ficariam molhados.

Jerard abriu a segunda de três portas. Ela relutantemente deixou o mural e


parou na soleira enquanto ele se virava, caminhava até a porta oposta e batia o
punho com força contra a madeira com faixas de ferro.

— Ela está aqui, milorde — disse ele para a porta fechada.

Nem sua noiva, nem Julianna, nem dama. Só ela. Simplesmente ela. Isso a
relegou à sua posição exata na vida. A fêmea para seu macho. Ela era apenas uma
embarcação para o marido, cujo desprezo por ela deve ser feroz, de fato, já que ele
nem mesmo a cumprimentou, simplesmente enviou seu mordomo para buscá-la.

Ela se virou, endireitou os ombros e entrou na sala. Uma lamparina a óleo,


cuja chama bruxuleante projetava sombras sobre as paredes, iluminava o quarto.
Estava tão lindamente decorado quanto o grande salão, iluminada pelos lambris
brancos com rosas vermelhas pintadas sobre ele. Surpresa, Julianna sentou-se na
cama, afundando-se no grosso colchão de penas. Seus dedos esfregaram os lençóis
brancos como a neve, esperando que fossem ásperos ao toque. Ao contrário, eram
macios, como se tivessem sido lavados com frequência. Ela se levantou e abriu o

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baú alto colocado contra a parede. Estava vazio e cheirava a madeira nova. Um
banco e duas cadeiras compunham o restante da mobília. Foi a janela no entanto
que chamou sua atenção. Não era apenas uma fenda estreita, mas larga e quase da
altura dela, encimada por um arco cujas pedras eram esculpidas decorativamente.
Mas não foi o tamanho que a surpreendeu. A janela era envidraçada, não com o
habitual tom branco esverdeado, mas de um tom claro como a água. Quando ela
olhou para baixo, viu um pátio interno, seus contornos borrados pela escuridão.
Durante as horas de luz do dia, o sol deve inundar a sala. Ela escovou os dedos
contra a superfície do vidro, descobriu que ainda estava quente ao toque.

Ela se virou e abafou um som de medo.

Um espectro ficou ali olhando para ela. Uma sombra delineada na luz. Não,
era apenas um homem vestido com um hábito de monge. Mas ele parecia tão alto,
com um peitoral tão largo, que encheu a porta. Na verdade, ele parecia ser mais do
que um mortal.

— Você é a Morte? — ela perguntou em um sussurro trêmulo.

— Que veio para julgá-la em sua hora final? — Sua voz era baixa, um
estrondo de som. Ele tinha falado, ou ela apenas imaginou as palavras? — O que
você confessaria se eu fosse? Ou seu silêncio indica uma alma pura?

Não era a morte então. A morte não falava com uma voz insinuando ironia.
Ela se sentiu absurdamente fraca, como se seus joelhos quisessem ceder sob seu
corpo.

— Você é um fanático, então? — ela perguntou, ouvindo o tremor em sua


voz e desejando ser capaz de esconder isso.

— Não.

O capuz sombreava seu rosto tão bem que ela não podia ver nenhum indício
de suas feições. Ela apertou as mãos na cintura, forçou-se a respirar fundo, e fez
outra pergunta.

— Um monge?

As palavras vieram suavemente, pareciam tingidas de bondade. — Sou seu


marido, milady esposa.

Sua mão se estendeu e descansou em sua garganta como se para evitar que
seu coração saltasse por ali.

Ela era uma estranha para ele, mas havia uma semelhança com a criança
que ele tinha visto uma vez antes. A forma de seus lábios, a simetria de seu rosto,
a cor de seus olhos, seu cabelo. Mas enquanto a criança o via sem medo, era muito

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evidente que essa mulher estava com medo. Seus olhos não se desviaram dele,
como se esperasse prendê-lo no lugar e deter seu avanço.

Encantamento. Ele não deveria sentir isso. Ou uma série de outras emoções,
todas fora de lugar para este momento: perplexidade levedada com uma fatia de
curiosidade e a mais estranha diversão. A mão que segurava cuidadosamente seu
pescoço, polegar e dedos abertos, estava manchada de tinta.

Enquanto ele observava, a pele dela parecia ficar mais branca, tão frágil que
era como se a neve tivesse ganhado vida. Tal palidez destacava o rosado carnudo
de seus lábios, o brilho surpreendente dos olhos cor da sombra da grama na
primavera, seu cabelo cor de uma noite sarracena. Ela piscou algumas vezes,
rapidamente, abriu a boca, e a mão ainda tocando sua garganta como se medisse
as batidas de um coração em luta.

Ele quase estendeu a própria mão, seus dedos se prepararam para sentir a
pele dela antes que ele se lembrasse.

Ele não tinha dúvidas de como ele parecia para ela. Uma visão assustadora
de um monge encapuzado e vestido. Um clérigo na aparência, mas não na alma.
Ele havia deslizado o capuz alguns centímetros na frente de seu rosto, uma sombra
era tudo o que qualquer um poderia ver dele. O resto estava coberto
adequadamente pela lã preta e manoplas feitas de couro. Dificilmente uma visão
para tranquilizá-la, Sebastian.

Mas de alguma forma, ele precisa. Ela precisa concordar, senão o futuro dele
e o de Langlinais estariam em perigo.

***

Nenhum fogo queimava na lareira, mas ela desejou, imensamente, que


houvesse. Ela poderia ter se virado e estendido as mãos em direção ao calor das
chamas. Permitiria que passasse algum tempo durante o qual ela poderia pensar,
fazer algo além de olhar para a figura de seu marido no manto preto.

— Você não vai se sentar? — ele perguntou, e ela sentou-se pesadamente


no banco.

De todos os pensamentos que ela teve em relação ao seu casamento, de


todos os medos e angustia, ela nunca se imaginou confrontando tal visão. Um
homem, encapuzado e envolto em preto, envolto na cor da noite com uma voz que
soava como um trovão abafado.

Seu coração batia tão forte que estremecia seu peito.

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Ele se sentou no canto em uma cadeira construída com um X como base.
Seu hábito de monge foi puxado para trás de seus braços, expondo as mãos
enluvadas. Ele juntou as mãos e as dobrou sob o manto. Um gesto feito tão
rapidamente que parecia uma segunda natureza para ele.

— Apresento-lhe um acordo, milady esposa, sobre o qual deve decidir antes


de eu sair desta sala.

Ela secou as mãos na cintura, desejando poder livrar-se de sua umidade.

— Já forjamos um vínculo, milorde, o do casamento. Que outro acordo você


desejaria?

Silêncio, enquanto ele parecia pesar suas palavras. Ele ficou surpreso com
elas? Ela ficou chocada ao expressar seus pensamentos. Ela não costumava fazê-lo.
Era mais fácil ficar calada. Dessa forma, ela só poderia ser ridicularizada por ser
tímida, não por seus pensamentos.

Sebastian a estudou.

— Se você concordar em se passar por minha esposa, terá Langlinais como


recompensa.

Julianna olhou para ele em choque e confusão.

— Não vou me passar, milorde. Eu sou sua esposa.

— Não haverá consumação — ele explicou suavemente. — ou qualquer


esperança nesse sentido.

A Igreja endossou duas formas de casamento, a primeira “palavras do


futuro” proferidas por crianças. Tal casamento era válido até mais tarde quando
fosse consumado. e “palavras do presente” eram os votos trocados quando o noivo
tinha pelo menos quatorze anos, e a noiva doze.

Eles tinham sido submetidos a uma cerimônia de casamento quando eram


crianças, a fim de efetuar uma transferência pacífica das terras dela em Merton.
Mas com o que ele acabara de dizer, o casamento deles nunca seria considerado
legal e obrigatório.

— Você quer que eu finja que não sou mais donzela. — A franqueza de seu
discurso a surpreendeu novamente. Ela não era dada a tal franqueza. Talvez a razão
para isso fosse simplesmente que esta reunião foi muito abrupta, o questionamento
muito estranho, a barganha que ele oferecia estranha e desconcertante.

— Sim — disse ele. Simplesmente isso. Não há mais explicação do que isso.
Apenas sim.

— E se eu não concordar?

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— Então será devolvida ao convento amanhã.

Ele estava vestido com sombras, mas ela tinha a impressão de que ele a
estudava de perto.

— Por que eu deveria concordar com tal coisa, milorde?

— Por que você não deveria? Estou lhe oferecendo a liberdade de Langlinais
para fazer o que quiser.

Ela olhou para as próprias mãos. Liberdade? Para um vilão, significava a


capacidade de ser dono da própria vida. O que isso significava para ela? Não haveria
leito conjugal, evidentemente. Mas o que mais compreendia essa liberdade espúria
que ele oferecia?

— Você tem um homem de letras2 morando aqui? E uma biblioteca, talvez?


— a pergunta saiu antes que ela pudesse pensar.

— Você gostaria de um passeio por Langlinais antes de decidir? — Havia


humor ali, mesmo que apenas um pouco, uma casca seca de diversão.

Ela olhou para frente, desejando que não oferecesse uma visão de si mesma
na janela escurecida pela noite. Sua touca branca brilhava, sua pele tão pálida
quanto a touca. Ela desviou o olhar. Precisava pensar nessa barganha que ele
desejava, ao invés de notar-lhe a aparência.

— Você quer que eu minta sobre nosso casamento.

Seu rosto sombreado virou em sua direção novamente.

— Quem ousaria fazer-te uma pergunta dessas? Quem iria querer saber se
deitaste ou não com teu marido? Ninguém em Langlinais.

— Posso ter algum tempo para decidir, milorde?

— Não.

Não houve hesitação em sua voz, como se esse plano estivesse sendo
considerado há muito tempo e ele estivesse impaciente pela participação dela nele.

— Você quer que eu escolha neste momento?

— Sim.

— Ser esposa sem conhecer o marido? — Ela apertou as mãos com força no
colo.

2 Um "homem de letras" era um homem alfabetizado, capaz de ler e escrever, em oposição a um homem
analfabeto em uma época em que a alfabetização era rara e, portanto, altamente valorizada nas camadas
superiores da sociedade.

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— Sim.

— Ou voltar ao convento?

— Sim.

Ele não diria mais nada? Dar-lhe-ia alguma razão? Ou ela deveria
simplesmente se contentar com o consentimento dele? Sim e sim e sim.

— Por que nosso casamento não será consumado, milorde?

Suas mãos se torceram, um hábito que ela achava ter superado quando
criança. Ela foi curada com as mãos amarradas atrás das costas. Ela também não
enrolava mais o cabelo no dedo, outro hábito do qual foi desmamada quando uma
das freiras simplesmente cortou o cabelo a uma polegada de seu couro cabeludo.
Ela chorou por uma semana, mas nunca adotou o hábito novamente, nem mesmo
quando seu cabelo finalmente voltou ao comprimento anterior.

— Lamento não poder responder à sua pergunta — disse ele.

Pronto, mais algumas palavras ditas por ele, mas não uma resposta.

Ela olhou para as próprias mãos. Se ela voltasse para as Irmãs da Caridade,
seria para sempre uma esposa sem marido. Ela sabia que nenhum deles poderia
anular o casamento. Para tanto, teriam que provar que eram parentes mais
próximos do que o quarto grau ou que cada um havia se submetido ao casamento
contra seu consentimento. Ambos tinham sido crianças, ansiosas para agradar a
seus pais. Tampouco havia qualquer relação entre eles. Apenas um de serviço; o
pai dela tinha sido um vassalo leal ao dele. No entanto, certamente seu casamento
seria posto de lado se ele não desejasse dormir com ela? Ela não tinha
conhecimento das leis que regiam este tipo de casamento, mas ela duvidava que
sua vida fosse melhorar pela simples dissolução do casamento. Ela simplesmente
se casaria novamente, suas terras e dote seriam restituídos e dados a outro homem.
O fato de ela ter sido casada com o suserano de seu pai significava que o rei teria
que julgar tal coisa. A tímida Julianna, fazendo uma petição ao rei. Onde ela
encontraria coragem?

No convento ela poderia fazer seu trabalho novamente, mas apenas dentro
dos limites das paredes cinzentas, sujeita a um horário regimentado. Em Langlinais
não haveria o badalar de um sino. Ela não teria que acordar antes do amanhecer e
retirar-se ao anoitecer. Ela nunca mais teria que capinar um jardim novamente.

Ela o estudou em silêncio. Quem iria perguntar? Ele havia dito. Na verdade,
ele pode estar certo. Ela nunca poderia ser forçada a buscar o conselho do rei ou a
mentir. Na verdade, uma vida ali poderia ser uma bênção.

Meu Amado – Karen Ranney


— Qualquer que seja a decisão que você tome agora, minha senhora esposa,
não poderá ser revogada. — Parecia um aviso sinistro.

— Tem certeza de que não é um asceta3? — ela perguntou baixinho.

Por um longo momento ele não respondeu.

— Um asceta? — Ele ficou desconcertado com a pergunta dela? — Você


acredita que eu seja um penitente, então? — Sua voz estranhamente tonificada
para um homem. Muito profunda, e mesmo assim, suave. Como se não a tivesse
usado com frequência suficiente e só agora estivesse se acostumando com ela.

— É a única coisa que posso imaginar, milorde.

Ele desviou o olhar, o capuz profundo apontado na direção da janela.

— Eu não uso cilício4, e meu traje é apenas para um propósito, mas não para
auto humilhação. Se posso dizer alguma coisa, é que as circunstâncias fizeram isso
comigo. — Ele estremeceu, como se assustado com suas próprias palavras.

— Você foi ferido na Terra Santa, milorde?

— Você não deve fazer isso, sabe — disse ele, sua voz baixa soando quase
gentil. — Você está tentando encontrar explicações onde não pode haver
nenhuma.

— Mas eu não entendo.

— Eu sei. — Suas palavras foram suaves, quase tristes. — E não posso dar
mais explicações, Julianna.

Ela olhou para ele, assustada. Foi a primeira vez que ele pronunciou o nome
dela. Nunca tinha parecido tão adorável antes, uma palavra composta de sílabas
rolantes. Ele fluía de sua boca como um riacho pode desabar sobre pedras redondas
e polidas. Ela corou e desviou o olhar, examinando a câmara tão obviamente
destinada a ser dela. Mas não compartilhada. Sozinha. As mãos de nenhum homem
a tocariam. Só por isso ela não deveria temê-lo, e ainda assim, ele era talvez o
homem mais temível de todos que ela conhecera.

Ele lhe oferecia liberdade. Porém era um mais que um presente, era
salpicado de luz do sol e estendido em uma placa de ouro. Por que ele fazia isso?
Ele era incapaz de gerar um filho? Ela sentiu suas bochechas esquentar. Afinal,

3 Asceta: Pessoa que busca se afastar dos prazeres, dedicando-se a orações, privações e flagelações.Pessoa que leva uma vida
regrada por buscar a perfeição espiritual .
4 Cilício é uma túnica, cinto ou cordão de crina, que se traz sobre a pele para mortificação ou penitência. O termo vem do latim
"cilicinus", que quer dizer "feito de pelo de cabra", ou "cilicium", que quer dizer "tecido áspero ou grosseiro de pelo de cabra" ou
"vestido de gente pobre".

Meu Amado – Karen Ranney


eram muitas perguntas e ele estava esperando a resposta para a mais importante
de todas.

Ela fingiria a união? Um pedido estranho de um noivo que ela não conhecia,
seu marido há tantos anos, mas visto apenas uma vez.

Ele se levantou e foi para o outro lado da janela, no mesmo lado da sala que
o banco em que ela estava sentada. Eles estavam perto o suficiente para se tocar.

Um cheiro doce parecia emanar de sua roupa, um toque de canela. Ela se


perguntou se ele carregava a especiaria cara na pequena bola de prata na ponta de
seu cinto de corda. Ele não era o homem que ela imaginou. Ela o conhecia menos
agora do que quando ela entrara no grande salão.

A notícia de suas façanhas havia se espalhado, o número de torneios que


ganhou, a morte de seu pai, sua própria partida para a Terra Santa. Nem mesmo o
convento estava isento das histórias de Sebastian de Langlinais.

Antes de hoje ela tinha imaginado sua aparência, tinha tomado


conhecimento de suas façanhas e combinado com o que ela sabia do mundo,
tornando-o quase sólido em sua mente. Ele deveria forte. Os cavaleiros precisam
ser, para carregar uma lança, armadura e espada. Ele seria alto. O garoto que ela
tinha visto, mas uma vez parecia estar acima dela. Ele seria bonito. Mais uma vez,
aquele jovem que havia sorrido para ela tinha sido agraciado com um sorriso
brilhante e um rosto gracioso.

Ela havia criado uma imagem rica e detalhada de seu marido. Exceto que ele
havia tornado todos os seus pensamentos estranhamente negros, turvando-os com
a realidade de sua presença. O homem que estava ao lado dela insinuou mistérios
e segredos que ela talvez não desejasse revelar. Havia algo nele que a advertia a não
explorar mais, algo enterrado em suas palavras suaves. Ela sabia, sem testar o
ponto, que ele não responderia mais nenhuma de suas perguntas.

Seria mais seguro voltar ao convento, viver entre as freiras e fazer seu
trabalho. Seria mais sensato prestar atenção a essas correntes que ela sentia no ar,
a insinuação de perigo e a atração de uma voz que a fazia tremer.

Ela se levantou, certa de que o recusaria. Certa disso. Eles se enfrentaram,


estranhos unidos. Ela abriu a boca para falar as palavras para recusar seu estranho
vínculo, mas as palavras não saíram. O eco fantasmagórico de vozes femininas a
provocava por sua falta de coragem, seu medo com o estalar de galhos contra o
telhado, uma sombra iminente. No silêncio vieram suas risadas, os ecos de seu
escárnio. Enquanto ela o observava, ela se lembrou de todas as vezes em que se
sentiu assustada. Estava em preparação para este momento, esta decisão?

Meu Amado – Karen Ranney


Mas ela não poderia permanecer Julianna a Tímida para sempre. Sua vida
tinha sido medida por seus medos. Seu futuro seria limitado por eles? Ela era,
afinal, a Noiva Langlinais. Ela endireitou os ombros, determinada desta vez a não
ter medo.

— Vou ficar, milorde — disse ela, e de alguma forma conseguiu dar um


sorriso.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 3

Uma mulher baixa com um manto azul-escuro sobre uma túnica amarelo-
claro entrou no quarto minutos depois da partida de Sebastian. Sua imaculada
touca branca acentuava a redondeza de seu rosto, seus amigáveis olhos castanhos
cravados nas rugas.

— Eu sou Grazide, milady. Fui designada para ser sua atendente.

Julianna não estava acostumada a ter alguém esperando por ela, mas sorriu.

Grazide se ocupou em desfazer as malas de Julianna.

— Milady, nunca vi um trabalho tão bonito. — Aproximou a lamparina a


óleo dos roupões espalhados na cama, para melhor examinar a obra.

— O convento é conhecido pelo seu bordado, Grazide. Tenho a sorte que


meu pai foi generoso em prover para mim.

— Gostaria de ter metade desse talento, milady. — Seu olhar era pesaroso.
— Mas então não podemos ser todos pássaros azuis, podemos? Há alguns entre
nós que devem permanecer pardais.

O comentário de Grazide provocou um sorriso. Suas próximas ações, no


entanto, a chocaram. A mulher desamarrou o laço de linho de seu gorro e o tirou
da coroa de tranças de Julianna, depois se curvou e recolheu o tecido de sua túnica
e começou a puxá-lo pela cabeça.

O protesto de Julianna não passou de um pequeno gemido, mas ela puxou


o material para trás, segurando-o com os punhos apertados.

Grazide franziu a testa, confusa.

— Milady, você deve mudar sua roupa de viagem.

— Eu posso fazer isso sozinha.

— Se quiser, milady — disse ela, mas ao mesmo tempo arrancou o tecido


amassado das mãos de Julianna. — Vamos trabalhar juntas. — Ela sorriu, um
sorriso brilhante e amigável.

Julianna se sentiu como uma folha em um vendaval.

— Estávamos esperando por você, milady — disse ela enquanto puxava a


túnica sobre a cabeça de Julianna. — Já faz muito tempo que o castelo foi
abençoado com um jovem casal. Ora, a última vez foi quando minha senhora

Meu Amado – Karen Ranney


estava viva e ela está morta há muitos anos. Sir John… ele era o pai do Lorde… era
um homem velho quando morreu há cinco anos.

A túnica descartada foi colocada suavemente na cama.

— Langlinais é um lugar lindo, milady. Tenho certeza que você vai gostar
daqui. Ora, nosso senhor é o supervisor mais gentil e generoso. Meu próprio filho
foi autorizado a trabalhar e agora atua como carpinteiro do castelo. — Ela parou
de falar apenas tempo suficiente para perguntar a Julianna qual roupa ela preferia
usar. Julianna apontou.

— E a celebração. — As mãos de Grazide esvoaçaram no ar. — Bem, todos


foram convidados. Todas as cinquenta pessoas designadas para o castelo. Haverá
barqueiros e músicos, milady, e um banquete para rivalizar com qualquer coisa no
tempo de Sir John. Oh, aqueles foram bons dias, Lady Julianna. Tínhamos uma
celebração para quase todas as ocasiões. A mais grandiosa foi quando Sir John
condecorou seus dois filhos. — Ela suspirou, colocou as mãos nos quadris e olhou
para o ar como se fosse testemunhar o grande evento novamente.

A pausa do silêncio não durou muito.

— Mas temo que esses dias se foram. O senhor não encoraja visitas a
Langlinais. Ele a guarda para si mesmo. Mas você sempre pode encontrá-lo no topo
da torre leste, olhando para nós. — Ela sorriu e balançou a cabeça.

Quando Grazide finalmente ajudou-a a vestir sua túnica limpa, Julianna


estava corada. O tecido estava frio contra sua pele aquecida. Ela não ficava nua
diante de outra pessoa desde os cinco anos quando era cuidada por sua mãe.

— Nada acontece em Langlinais que ele não saiba, desde o número de


galinhas poedeiras até os telhados que precisam de palha nova. Mas, ele sempre foi
assim, milady, preocupado com o bem-estar do seu povo. Bem, pelo menos ele era
quando deixou de ser tão selvagem. Eles eram bem amados, ele e seu irmão.
Nenhum dos dois foi mandado para adoção, sem dúvida porque muitas crianças
foram perdidas antes que os dois atingissem a maioridade. — Grazide suspirou. —
Seu próprio pai os ensinou a ser cavaleiros, e havia muitas meninas naqueles dias
que encontravam motivos suficientes para estar perto quando praticavam.

Grazide colocou uma tiara no cabelo e deu um passo para trás para admirar
seu trabalho.

— Mas já era hora de vir para Langlinais, milady. Eu acho, às vezes que ele
é de natureza muito séria. Uma nova noiva é exatamente o que ele precisa. Eu sei
que isso pode parecer estranho, milady, mas ele pode ser muito devoto. Raramente
o vemos, além de vê-lo na torre. Mas eu sei que ele passa muito tempo na capela.

Meu Amado – Karen Ranney


O acordo, de apenas uma hora atrás, jazia como chumbo no peito de
Julianna. Ele havia mentido, então? Ele era mesmo um fanático?

Ela se levantou, permitindo que Grazide prendesse a cauda sem mangas em


seus ombros. O bordado de flores escarlates e douradas era tão rígido que a roupa
podia ficar de pé sem apoio.

— Você parece uma princesa, milady — disse Grazide. Ela sorriu para ela,
evidentemente satisfeita.

Em questão de momentos, Grazide se foi, e a sala abençoadamente


silenciosa. Julianna estava sentada no banco em frente à janela, a roupa dobrando-
se rigidamente enquanto ela se sentava.

Ela estava vestida para a celebração que seria realizada no grande salão
abaixo. Lá, o Lorde e sua nova Lady receberiam as felicitações dos aldeões, dos
cavaleiros do castelo, daqueles dignitários e convidados para uma ocasião tão
importante como esta. Ele viria para acompanhá-la? Ou ele simplesmente
permitiria que a especulação sobre a ausência deles crescesse? Cantavam-se
baladas luxuriantes sobre Sebastian de Langlinais e sua impaciência para validar
seu casamento?

Julianna olhou para a cama. Qual era a razão que seu marido tinha para não
se deitar com ela?

Desejava, agora, nunca ter lido Ars Amatoria, de Ovídio. Ela dizia a si mesma
que era para se preparar para sua noite de núpcias. Em vez disso, o poema sobre a
arte do amor só aumentara suas perguntas. Assim, também, a outra poesia antiga
que ela havia lido e se maravilhado, que tais palavras pudessem mexer com os
sentidos mesmo depois de tantos anos.

Venha a mim, amado, e sorria para mim.


Pois doce é a volta dos teus lábios.
Coloque minha mão em seu peito
para que eu possa sentir sua vida
e suspirar com ela.
A lamparina a óleo era um conforto lamentável contra a noite. Ela caminhou
até a janela, olhou para o jardim. Uma tocha foi colocada em um suporte e
iluminava uma passarela. Luz e música, junte-se a isso uma tintura de riso e a noite
acolheria o folião.

Era um gosto de solidão que ela não esperava. Algo que ela não havia
considerado nessa estranha barganha, afinal.

Teria sido muito mais fácil se ela simplesmente tivesse sido deixada no
convento. Lá, ela tinha permissão para passar uma hora por dia no scriptorium e,

Meu Amado – Karen Ranney


em raras, mas especiais ocasiões, tinha sido capaz de persuadir a abadessa para um
jogo de xadrez. No convento, os homens não eram necessários. As mulheres não se
perguntavam sobre o amor. Ou tinham medo da sugestão de mistério.

Seria de alguma forma apropriado se ela se sentasse sozinha à noite e


contemplasse seu futuro. Mas ela era Julianna a Ratinha com medo do escuro. Ela
voltou para o banco e desejou que a lamparina a óleo fosse mais brilhante.

***

Sebastian ajoelhou-se na capela. Uma vela solitária sobre o altar de pedra


iluminando suavemente sua figura. Sua cabeça estava abaixada, sua testa contra a
grade de madeira que cercava o santuário. Seus braços estavam estendidos, as mãos
segurando firmemente a madeira rústica. A túnica grosseira de lã preta de monge
se estendia até os pulsos e se acumulava no chão de pedra.

Atrás dele, a pequena capela estava vazia e silenciosa. O som de risos além
da porta cravejada de ferro era a mais pura ironia. Uma celebração para honrar a
união do Lorde de Langlinais. Mas eles nunca seriam verdadeiramente unidos.

A madeira cortou sua testa, lascas cortaram sua pele.

— Por favor — disse ele. Ninguém lhe respondeu. Não houve resposta. Deus
ficou em silêncio. Assim também, suas criaturas. As corujas que aninhavam nas
proximidades estavam solenes e mudas. Se um rato tivesse feito sua casa na Capela
de Langlinais, sua presença não era notada.

O capuz estava em seus ombros, seu rosto nu. Apenas as sombras,


profundas e reconfortantes, o protegiam de olhares indiscretos. Ele inclinou a
cabeça novamente, forçando-se à humildade, não por fé ou devoção, mas por um
desespero tão silencioso e profundo quanto o céu noturno.

Pelo que ele deveria orar? Pela absolvição do pecado de matar, mesmo que
tenha agido em nome da fé? Pelos pecados da carne? Ou, por uma vez, apreciá-los
com tanto entusiasmo? Talvez ele devesse orar apenas pela morte, esquecimento
rápido e justo. Um fim rápido, como aqueles que ele tinha dado em batalha. Isso
não era nada menos que uma guerra, não era? Um lutou na solitária, com a morte
de um lado e ele do outro, os adversários tão desiguais que o resultado era certo.

Ele sempre foi capaz de manter a morte à distância. A cada dia que passava,
a distância diminuía um fio de cabelo, até que uma manhã ele e a morte ficaram
cara a cara e Sebastian inalou o nada de sua própria respiração.

Meu Amado – Karen Ranney


Mas ele não queria encontrar seu velho inimigo rastejando, chorando e se
congratulando por sua aparência. Ele havia cavalgado para a batalha com não mais
do que um instante de terror. Ele ficou com a espada erguida em ambas as mãos e
planejou quando desferir o golpe fatal. Essa é a maneira que ele teria preferido
morrer. Não desta forma.

— Por favor. — Um apelo gutural.

Ambos os punhos agarraram a grade do altar, sua cabeça curvada em


súplica. Ele não era um mártir, não acreditava em sofrimento em nome de sua
alma. No entanto, não era por causa de sua alma que ele estava aqui? Uma casca
sem alma teria acabado com a própria vida há muito tempo. Ele poderia ter caído
sobre sua espada ou simplesmente marchado para o mar, sua cota de malha
pesando sobre ele. Ele poderia ter se aproveitado de cogumelos envenenados ou de
uma centena de plantas que prometiam bons sonhos sem despertar. Ou se jogado
gritando e xingando da torre leste.

Era tarde demais para lamentar que não fizera. Tarde demais para desejar
nunca ter visto sua esposa. Ele viu Julianna.

Ele cruzou os braços e encostou o rosto neles. A lã arranhou sua bochecha.


Sensibilidade. Ele perderia isso. Seus dias estavam contados, cuidadosamente
marcados contra a perda de sensibilidade. Todas as manhãs ele acordava e se
testava, o toque de um dedo contra o tecido de seus lençóis o assegurava de que
ainda podia sentir. Um dia, ele começaria a notar a diferença. Nesse dia, ele deixaria
o mundo que conhecia. Alguns anos depois, ele deixaria saber que havia morrido.
Uma morte misteriosa, que deixaria Julianna protegida sem a mácula de boatos
para estragar seu futuro. Uma viúva virgem.

— Por favor — disse ele mais uma vez, e desta vez sua oração não foi por
ele, mas para o bem da jovem que ele chamou para seu lado. Ele desejava protegê-
la de vê-lo, protegê-la do poder dos Templários, protegê-la do mal.

Era uma coisa pequena para pedir, em vista de suas orações maiores.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 4

A batida suave na porta fez Julianna suspirar e desejar ignorá-la. A manhã


tinha sido tão pacífica, cheia de ocupação. Grazide seria como um turbilhão verbal
nessa calmaria. Mas a obediência havia sido incutida nela e não era facilmente
ignorada. Ela falou, e a porta se abriu lentamente.

Espalhado diante dela estava o chifre no qual ela guardava a tinta que já
havia preparado e duas folhas de pergaminho, uma ainda presa à sua maca de
madeira. O original da enciclopédia que ela estava transcrevendo estava aninhado
com reverência em seu colo. Ela havia prometido à abadessa que terminaria seu
trabalho. No baú havia várias bolsas de couro contendo sua tinta, o pó que criava
a cor azul que ela usava para suas iluminações. Ela não tinha vermelho e não podia,
portanto, escrever o nome de Deus, pois só podia ser inscrito em vermelho.
Portanto, ela deixaria as lacunas para a palavra, para que a abadessa pudesse
completar o manuscrito.

A verdadeira luz da grande janela em seu quarto era gloriosa. Sua única
insatisfação era o fato de não ter uma superfície adequada para escrever. A mesa
de um escriba precisava atender a certos requisitos, nenhum dos quais era atendido
pelos poucos móveis da sala. Portanto, ela fez a única coisa que podia para
continuar seu delicado trabalho. Ela se sentou no chão e usou a tampa chata de seu
baú.

A abadessa não teria criticado sua postura, nem o fato de que o caro vestido
bordado que ela usava provavelmente seria danificado pelo piso de madeira áspero.
A abadessa muitas vezes esquecia seu próprio papel em favor de sua querida
ocupação.

— Julianna?

Ela virou a cabeça, seu olhar viajando de suas botas para o topo de seu capuz,
uma jornada relâmpago considerando sua altura.

— As cadeiras não são do seu agrado? — Sua voz, profunda e baixa,


estremeceu através dela.

Ela colocou a enciclopédia de lado e se levantou.

Ele inclinou a cabeça, parecia estudar os pertences dela enquanto estavam


espalhados no chão.

— Você não me disse que era escriba, Julianna. É por isso que você queria
saber se havia um homem de letras aqui?

Meu Amado – Karen Ranney


Ela cruzou as mãos.

— Hildegard de Bingen era uma escriba, milorde, muito famosa. Houve


mulheres de grande talento ao longo da história, embora seus nomes tenham sido
frequentemente removidos de seus manuscritos.

— Você defende onde não há necessidade. Mas me diga, por que você estava
sentada no chão?

— Eu precisava de uma superfície para escrever.

Ele se virou e atravessou a porta, então parou e se virou para ela.

— Talvez haja uma solução — disse ele. — Vem comigo?

Julianna o seguiu até onde o corredor fazia um ângulo acentuado. No final


havia uma porta que ela não havia notado na noite anterior.

Mesmo sua casa de infância não se vangloriava de um andar separado de


aposentos privados e um alpendre interno. A maioria das habitações tinha uma
passagem externa coberta que ligava as câmaras. No inverno tornava a viagem de
um lugar para outro miserável, mas em Langlinais não havia necessidade de se
sujeitar aos elementos. Além disso, ali cada câmara não levava à outra, mas a um
corredor. Era privacidade em um grau que ela nunca tinha imaginado.

— É um oriel — explicou ele, abrindo a porta. — Não temos padre — disse


ele — mas a sala foi originalmente construída para seu uso.

— Não há missa em Langlinais?

— Não temos padre — repetiu ele, sem dar mais explicações.

Nem ela procurou uma depois que olhou para dentro da sala.

O oriel possuía uma quietude que certamente garantiria seu contentamento


futuro. Ele removeu a barra de ferro sobre as venezianas. O sol da manhã fluía para
o pequeno espaço da fenda. Mas este não era o maior prazer. Estendendo-se de
parede a parede, a uma distância não superior a um metro e meio, havia uma
grande madeira de carvalho, aplainada com um acabamento liso, e colocada de
modo que atuasse como uma superfície perfeita sobre a qual escrever.

— Isso será aceitável para você?

Ela assentiu, ainda admirada.

— É alto o suficiente para você se sentar em um banquinho, Julianna.

— Nunca tive um lugar assim, milorde. Ou uma escrivaninha sobre a qual


escrever. Nem mesmo no convento.

Meu Amado – Karen Ranney


— Deve haver algumas compensações por viver em Langlinais.

Um lembrete, então, da barganha entre eles. Ela olhou para ele, apenas
agora percebendo o quão perto estava. O pequeno oriel 5parecia minúsculo por sua
presença.

— Enviarei Jerard para ajudar a transferir seus escritos e ferramentas —


disse ele de repente.

Ele a deixou então. Apenas momentos depois, Jerard apareceu com seu baú
e um banquinho de seu quarto. Ainda outra viagem forneceu a ela todos os itens
que ela deixara espalhados no chão.

O mordomo ajudou a desempacotar todos os seus suprimentos,


empilhando-os ordenadamente na prateleira. Ele não fez perguntas, mas ela podia
ver que ele estava curioso.

— Minhas tintas — disse ela, quando ele lhe entregou duas pequenas bolsas
de couro.

— Parece poeira.

Ela sorriu brilhantemente.

— É, até ser misturado com água. Minha tinta favorita é feita com vinho
como ingrediente.

— Você gosta? De ser escriba?

— Sim — ela disse simplesmente. Era seu único talento e sua maior alegria.

O que ela não disse foi que não sabia o que fazer consigo mesma esta manhã.
Ela tinha bombardeado a si mesma por perguntas. Ela deveria deixar seu quarto?
Permanecer dentro dele? Se ela realmente tivesse passado a noite com o marido,
ela estaria mudada de alguma forma que seria visível para os outros? Não havia
ninguém a quem ela pudesse fazer essas perguntas. Só um marido poderia saber, e
ele deixara claro que jamais cumpriria esse papel.

Portanto, presa em seu quarto por um ardil, ela buscou conforto naquelas
coisas familiares e normais.

Ela deixou o oriel e voltou para o quarto. Seu marido estava ali no meio do
quarto, de pé ao lado de sua cama. Quando ela entrou, ele se virou, o negrume de

5 oriel é a janela de que se projeta em uma parede de fachada e, assim, formando uma loggia agregando à sala ...

Meu Amado – Karen Ranney


seu traje ficou ainda mais acentuado pela luz da janela. Ele não pertencia, esta
sombra, em um quarto iluminado pelo sol.

— Por que me procurou, milorde? Mudou de ideia?

— Não, Julianna.

Ela desviou o olhar então, sua esperança extinta. No entanto, por um


momento, brilhante e febril, existiu. Uma união com esse estranho teria sido uma
coisa assustadora, mas menos misteriosa do que o acordo que ele desejava.

Ela esperava perder sua virgindade na noite passada, temia a intrusão do


toque de um marido. Ela passara dias temendo a ideia de deitar-se ao lado de um
estranho e ter suas mãos sobre ela. Ele tinha o direito de fazê-lo, de beijá-la e
conhecer seu corpo ainda mais intimamente do que ela.

Certamente não foi decepção que ela sentiu?

Ele puxou os lençóis de sua cama, desalojando a maneira cuidadosa que ela
os havia dobrado, puxando-os apertados. Ela pode ser a Lady de Langlinais, mas
foi ensinada a cuidar de si mesma. Servos eram para os enfermos ou idosos, e não
para ela.

Ele abriu um pequeno frasco e o segurou sobre a cama. Ela observou como
o sangue pontilhava o lençol, ficou em silêncio enquanto encharcava o colchão.

— Isso é necessário, milorde? — Suas bochechas esquentaram quando a


compreensão surgiu.

— Não deve haver dúvida sobre a validade do nosso casamento, Julianna.

Ela não tinha resposta para isso. Apenas perguntas demais, nenhuma das
quais ele parecia disposto a responder.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 5

Na segunda semana em Langlinais, a rotina de Julianna se estabeleceu. Seus


dias começavam ao amanhecer, quando ela era despertada, não pelo clamor de um
sino, mas pelas suaves agitações no castelo ao raiar do dia.

Grazide trazia água para o banho matinal e era banida do quarto enquanto
Julianna se vestia. Ela só conseguira que Grazide saísse depois de dias inundada em
rubor. Seu verdadeiro embaraço havia feito o que suas palavras não conseguiram.
Depois que ela se vestia, Grazide entrava novamente no quarto para trançar-lhe o
cabelo. Esta manhã ela estava tão volúvel como sempre.

— Oh, como você está muito bonita, milady — ela se emocionou. — Assim
como uma Lady deve aparecer. Você e o Lorde vão se juntar a nós no jantar desta
noite? — Seu olhar era composto por uma pitada de esperança, o que passava por
sutileza em se tratando de Grazide.

Julianna nunca soube responder a perguntas tão contundentes, uma das


quais recebia todas as manhãs. Na maioria das vezes ela encontrava refúgio no
silêncio.

— Bem, talvez ele esteja muito ocupado sendo noivo, milady. — Grazide
inclinou a cabeça e sorriu para ela, um olhar de especulação no rosto.

— Eu não ficaria surpresa se ele fosse um malandro, milady. Quando


criança, ele sempre foi assim. Uma vez, ele e Gregory cruzaram a ponte do rio de
mãos dadas. Ele e Gregory quase se afogaram quando ambos caíram na água. Ora,
eu lembro de como Madalena ficou chateada quando soube. Ela deu um tapa nas
orelhas deles e os mandou para a cama sem o jantar.

— Madalena?

— A concubina de seu pai. Uma mulher adorável, ela. E porque ela recusou
a oferta de casamento do velho senhor, eu nunca vou saber.

Grazide prendeu as tranças no topo da cabeça como uma coroa.

— Depois que ele morreu, coitado, ela partiu para sua terra natal. — Grazide
inclinou a cabeça até ver o rosto de Julianna. — Ela era francesa, sabe.

— Quem é Gregory?

Grazide riu.

— Bem, posso dizer que vocês dois não tiveram muito tempo para
conversar. Gregory é o único irmão do senhor. Não que não houvesse muitas

Meu Amado – Karen Ranney


crianças no início, abençoe todas as suas pequenas almas. E a da mãe, claro.
Coitadinha morreu dando à luz a outro filho. Mas todos eles foram perdidos por
uma razão ou outra. — Ela deu um tapinha tranquilizador no ombro de Julianna.
— Mas não temos motivos para pensar que isso vai acontecer com você, milady.

Outra afirmação para a qual Julianna não tinha comentários, mas como
sempre, Grazide não parecia esperar por um. Era duvidoso que ela pudesse ter
permanecido em silêncio tempo suficiente para ouvi-lo.

— Ele e Gregory estavam sempre tentando derrotar um ao outro em algum


jogo ou algo assim. Onde um estava, o outro podia ser encontrado. Na verdade, foi
por causa disso que o senhor quebrou a perna.

— Por que você nunca fala do Sebastian adulto, Grazide? Mesmo no


convento, ouvimos histórias de todos os torneios que ele ganhou. — Na verdade,
tinha sido o único ponto brilhante em sua vida. Um paradoxo que o homem que
ela não conhecia pudesse lhe trazer tal fama. As outras moças do convento haviam
sussurrado sobre ele, feito perguntas sobre o marido e ficado estranhamente
desapontadas quando ela se recusara a falar dele. O que ela poderia ter-lhes dito?
Que o homem de quem falavam com tanto temor juvenil também era um estranho
para ela?

— De fato, minha senhora, ele é um grande guerreiro. Mas aqueles dias de


torneios também foram dias tristes. Com seu pai tão doente, ele longe, e Gregory
tendo saído de casa para encontrar sua fortuna, há mais lembranças tristes do que
felizes. — As mãos de Grazide pararam na coroa de seu cabelo como se ela estivesse
olhando para o passado. — Talvez seja só que eu goste de lembrar os bons tempos,
milady, quando ele era jovem e assim também, meu pequeno Ned. Ambos
cresceram e tornaram-se homens agora. — Ela deu um tapinha no ombro de
Julianna novamente. — Mas o que estou dizendo? Os bons tempos estão aqui de
volta, não estão? E você e o senhor encherão o castelo de crianças. — Ela sorriu
brilhantemente.

A verdade, porém, era que nunca haveria crianças em Langlinais. Não dela,
pelo menos. Julianna se levantou e dispensou Grazide, os momentos agradáveis da
manhã se dissipando abruptamente como neblina.

Ela entrou no oriel e fechou a porta atrás de si. Este pequeno espaço fornecia
o único conforto para as perguntas que a consumiam.

Julianna descobriu que não era grande coisa fingir-se felizmente casada.
Não havia ninguém, afinal, que ela precisasse convencer. Todos supunham que ela
estava satisfeita por ser a esposa de Sebastian de Langlinais, por estar morando em
um lugar tão bonito. Não havia deveres para ela desempenhar, nenhum ato como

Meu Amado – Karen Ranney


castelã. Não faltava nada no castelo, nada que exigisse sua presença ou sua
participação.

Durante horas ela tinha permissão para fazer o que amava, existindo não
como a última troca de seu pai, pela glória do convento ou pelo uso de um marido
que ela não conhecia.

A abadessa lhe dissera que ela era uma boa aluna. Para agradá-la, Julianna
estudou ainda mais. A abadessa era uma mulher de grande talento, que acreditava
que o conhecimento devia ser partilhado; portanto, Julianna tivera permissão para
ler qualquer um dos manuscritos em poder do convento. Consequentemente, sua
educação tivera pontos fortes e fracos. Ela era muito versada nos poetas e filósofos
latinos, porém menos no pensamento contemporâneo e nada em grego.

Os grandes pensadores escreviam sobre ignorância e conhecimento, amor e


moralidade. Mas raramente pensavam na felicidade. Nenhum dos escritos que lera
falava de alegria, tão intensa que podia alterar a mente e purificar a alma.

Julianna, apesar de toda sua juventude e reclusão, conhecera momentos de


pura felicidade. As estações davam-lhe prazer. O canto perfeito do primeiro tordo
da primavera, o som de um sapo coaxando em uma noite de verão. Uma rajada de
vento soprando através das folhas de uma árvore caindo. A primeira neve. Todos
esses momentos de êxtase haviam sido encapsulados em sua mente, para serem
extraídos naqueles dias de punição em que ela se ajoelhava diante do altar ou era
proibida de entrar no scriptorium. Tornou-se adepta de isolar os momentos que
mais lhe agradavam. Ela poderia colocar um momento perfeito em sua memória
simplesmente fechando os olhos e pressionando os punhos contra o peito e
dizendo a si mesma:

— Isso, isso eu vou lembrar.

Seus dias no oriel eram assim, cheio de memórias que ela nunca esqueceria.

O pergaminho estava em branco diante dela, o sol iluminando o grão fino.


Ela mesma o preparara, raspando a pele, depois calcando e raspando novamente.
Não deveria haver pelos na superfície a ser escrita, nenhum sinal de que não
houvesse sido preparado corretamente ou que ela aceitava menos do que o melhor
esforço de si mesma.

Havia algo vazio em um pergaminho não tocado, o vazio que agitava sua
imaginação. As palavras não haviam sido copiadas, nenhuma iluminura 6 coloria a
página ou atraía o olhar.

6 Iluminura é um tipo de pintura decorativa aplicada às letras capitulares dos códices de pergaminho
medievais. O termo aplica-se igualmente ao conjunto de elementos decorativos e representações imagéticas
executadas nos manuscritos produzidos principalmente nos conventos e abadias da Idade Média.

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Um dia, talvez, ela trabalhasse com ouro. Ela imaginou como seria colocar
a folha de ouro em uma página em branco, pressionando-a nas fibras do
pergaminho. Então, lentamente, a parte que precisaria ser colorida seria raspada.
Ela nunca teve a oportunidade de trabalhar com folha de ouro, sendo tão caro
quanto a tinta vermelha que só a abadessa podia usar.

Logo, sua própria tinta estaria curada o suficiente para começar, a cor
mudando de claro para um azul pálido. Seria persuadido três letras de cada vez a
partir das penas que ela preparou com penas de pato. No pergaminho, primeiro
mostraria azul, depois escureceria gradualmente para preto. Então, as palavras que
ela transcreveu seriam definidas para permanência.

Em cada letra inicial de um novo capítulo, ela deixaria sua marca, um


pequeno desenho de si mesma. Ela não era loira e delicada, mas a garota em seu
glifo seria. Seu próprio cabelo era tão preto quanto o coração de um pecador, seus
olhos de um tom tão estranho que ela tinha sido provocada pela cor desde que era
criança. Cada vez que ela desenhava a garotinha, pendurada na cauda de um Q ou
sentada na viga de um A, um sorriso acompanhava seu trabalho. Talvez deixar seu
glifo em páginas tão importantes fosse uma coisa vã, mas era a única assinatura
permitida a ela. Dessa forma, os escribas deixavam, ao longo dos séculos, um
vestígio de si mesmos no trabalho que faziam. Dessa forma, se suas notas marginais
fossem apagadas, haveria um vestígio dela nos livros que ela copiou
laboriosamente.

Um som interrompeu seu devaneio, o traço suave que compunha o B


maiúsculo. Ela parou, pena suspensa, não sobre o pergaminho, caso uma gota de
tinta manchasse a superfície e a fizesse apagar todo o trabalho do dia, mas sobre o
prato de barro raso. de lado para tal fim.

Há quanto tempo ela estava trabalhando? Ela olhou para frente, notando a
vista diante dela pela primeira vez. Colinas ondulantes e um vale nebuloso. De seu
poleiro no oriel, a altura não parecia tão assustadora. Mas era evidente que o dia
estava bem avançado.

Ela piscou, agora ciente da dor entre seus ombros. Graças a Jerard, ela não
sentiu uma pontada de resposta na parte inferior das costas. O banco em que ela
estava sentada tinha sido aparado na altura exata. Ela se levantou e se espreguiçou,
flexionando os dedos.

Então, como fazia todos os dias, avaliou seus suprimentos, notando que suas
penas de junco precisariam ser substituídas em breve; duas delas estavam ficando
desgastadas. Um de seus pergaminhos enrolado no canto, por umidade ou
raspagem imprópria. Ela corrigiria isso amanhã. No entanto, era o suprimento de

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tinta que mais a preocupava. Se ela não começasse um novo lote logo, teria que
esperar até que estivesse curado para funcionar.

Amanhã de manhã, então, ela começaria sua busca de suprimentos.

Cada dia seria tão doce quanto o que acabou de passar? Nesse caso, ela
poderia suportar bem seu casamento.

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Capítulo 6

Sebastian se levantou e caminhou até a janela em arco que dava para sua
propriedade. Seu quarto era idêntico ao de Julianna, com a única diferença de que
sua janela não era envidraçada nem tão ampla, pois dava para o campo. Seria tolice
gastar tanto dinheiro em algo que poderia ser facilmente destruído na defesa de
Langlinais. Mesmo que o castelo não tenha sofrido um cerco em mais de duzentos
anos, era difícil esquecer que eles viviam em uma época sem lei, em tempos
tumultuados.

Era sua hora favorita do dia. Os pássaros estavam imóveis; era aquela hora
antes do amanhecer quando o céu havia clareado, mas o sol ainda não havia
aparecido no horizonte. Esta manhã a névoa havia desaparecido, deixando para
trás uma claridade no ar que normalmente só era encontrada depois de uma chuva
forte.

Sua casa tinha sido uma estrela-guia, um objetivo no qual ele pensou
durante todos aqueles longos e solitários meses em que esteve preso. Seu pai fora,
sua mãe morta há muito tempo, seu irmão a serviço dos Templários, restava apenas
ele mesmo para guardar e proteger Langlinais.

Ele tinha sido sábio em mandar Jerard de volta para a Inglaterra depois que
ele foi solto. Seu escudeiro transformado em mordomo provou ser tão leal a sua
casa como ele tinha sido a Sebastian. Fora Jerard quem mantivera Langlinais
próspera durante sua prisão. E quando chegou a hora de voltar para casa,
Langlinais sentou-se como um farol branco sobre a paisagem, dando as boas-
vindas a Sebastian como se ele fosse inteiro, forte e digno do título de Lorde.

Ele enfiou as mãos nas mangas, virou-se para o leste para ver o sol começar
sua jornada sobre as colinas de Langlinais. Outro ritual, este. Um que marcava o
teor de seus dias. Ele observava o panorama que se desdobrava com apreciação
renovada a cada manhã.

À sua esquerda estava a pequena aldeia. Antes dela, um pasto comum, um


moinho e campos de ovelhas. Algumas faixas de terra foram reservadas para os
aldeões. As pessoas que viviam ali eram responsáveis perante ele, assim como ele
era responsável por elas. Foi por causa dele e deles que ele colocou em ação o plano
para proteger este mundo. Ele não queria comprimi-lo e mantê-lo apertado no
punho dos Templários. Os monges guerreiros baniriam seu povo e ocupariam sua
casa. A menos que ele os impedisse de vir.

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Hoje os campos seriam capinados novamente. Os cardos não haviam sido
cortados antes do dia do solstício de verão na crença de que cresceriam três vezes
se podados cedo demais. Tornou-se um costume na aldeia marcar o dia com um
desenho de canudos. Os garotos vencedores circulavam os campos com tochas
acesas, a fim de afugentar os dragões. Ele duvidava que algum dos aldeões
realmente acreditasse nas criaturas de cauda longa que cospem fogo. Era mais
provável que eles simplesmente gostassem da celebração. A próxima, porém, seria
a celebração da colheita em setembro. Até então, havia semanas extenuantes à
frente enquanto o feno era recolhido, depois o centeio e o trigo.

O povo de Langlinais trazia sua porção para seus celeiros com grande alarde,
a ocasião marcada com solenidade. E ele enviaria Jerard para encontrá-los e
agradecer-lhes em nome de seu Lorde. Eles se lembrariam de quando seu pai os
entretinha com histórias das Cruzadas, quando havia cerveja e vinho tinto em
abundância, quando a ocasião do dízimo era uma cerimônia repleta de música,
dança e alegria.

Seu pai tinha sido um homem feroz, um homem que aumentou a riqueza
da família ganhando inúmeros torneios ao longo dos anos, resgatando as
armaduras e os cavalos ganhos ou simplesmente vendendo-os diretamente. No
entanto, ele também tinha uma reputação de justiça. Casara-se bem, uma mulher
de Poitou, e trouxera para sua casa uma grande sede de dinastia. Mas dos onze
filhos que ele gerou, sete deles filhos, apenas dois estavam vivos quando ele
morreu, e nenhum deles ao lado de sua cama.

Eles não tinham sido criados como de costume. John de Langlinais dissera
certa vez a seus filhos que acreditava ser o único capaz de orientá-los corretamente.
Vocês são jovens leões — ele disse. — Por que eu submeteria um de meus amigos à
sua presença? — Seus deveres sob o olhar atento de seu pai tinham sido pesados,
os dias longos com um duplo propósito. Primeiro, ensinar-lhes todos os deveres
em que precisavam ser proficientes, depois para dar-lhes um gosto de humildade.

Sebastian sorriu, pensando no sorriso orgulhoso de seu pai no dia em que


foi nomeado cavaleiro. Ele tinha vinte anos, ansioso para testar sua destreza na
batalha. Ainda mais ansioso para ver o mundo. Ele tinha visto, e voltara para sua
casa com um segredo, um que seu povo ainda não havia descoberto.

Seu pai morrera não só de coração partido, mas também pela idade. Embora
a efígie esculpida em seu túmulo refletisse a aparência habitual de um homem de
trinta e três anos, John de Langlinais tinha sessenta e oito quando morreu.

E Sebastian estava em Paris, sem saber.

Um movimento no canto de sua visão o distraiu. Ele virou a cabeça e a viu.


Sua noiva caminhava em direção ao portão leste, uma cesta na mão. Ela não usava

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touca nem véu, apenas o cabelo trançado em uma coroa. Seu passo era longo, um
que decretava propósito ao destino em cada passo.

Uma mulher que encantara os moradores de Langlinais, se Jerard estivesse


certo. Raramente dava ordens, tratava a todos com o mesmo grau de amável
perplexidade, como se estivesse surpresa com a presença deles. Ela se envolvia,
disseram a ele, quase totalmente em seu próprio trabalho.

Ele a observou, grato pela distância entre eles. A brisa matinal rodopiava em
torno de seus tornozelos, girando sua saia alegremente, delineando a forma de suas
pernas sob o tecido. Ela estava pensando em deixá-lo? Sair de Langlinais? Um
pequeno sorriso ridicularizou esse pensamento. Como, Sebastian? Equipada com
uma cesta e nada mais? Sua curiosidade foi despertada, assim que ela abriu o
portão e entrou na floresta.

***

Encontrara uma cesta de manteiga. Não era exatamente o que ela precisava,
mas um exame superficial não revelou nenhuma jarra ou vasilha sobressalente.
Teria que improvisar, mas já estava acostumada a fazer isso. As Irmãs da Caridade
eram um grupo parcimonioso. Tendo levado seus votos a sério, elas não apenas
invejavam o desperdício, mas muitas vezes ficavam sem os suprimentos
rudimentares necessários em um scriptorium. Mas Julianna descobriu que ser
pobre podia ser uma experiência muito valiosa. Ela nunca desperdiçava
pergaminho, e podia preparar pelo menos três cores de tinta. Era um sentimento
bastante inebriante saber que, pelo menos nesses dois casos, ela poderia fazer por
si mesma.

O porteiro estava dormindo profundamente, encostado na cerca alta de


madeira, o pescoço em um ângulo estranho. O velho Simon lhe dera um pequeno
gato de madeira esculpida como presente de boas-vindas a Langlinais. Ela sorriu e
passou por ele na ponta dos pés, fechou o portão com um pequeno clique e se
dirigiu para a floresta.

Na base de um carvalho venerável ela parou, circulou o tronco por vários


minutos, inspecionando o chão. Ela se mudou para uma segunda árvore, depois
para uma terceira. Na quarta ela encontrou o que precisava. Ela começou a recolher
as galhas de carvalho, empilhando-as em sua cesta. Ela podia ferver as cascas de
bolota, mas eram as galhas de carvalho que produziriam o tipo de tinta de que ela
precisava, a mistura azul-preta que aderia bem e não desbotava. Ela se curvou e
pegou outro e o colocou em sua cesta. Ela teve sorte de ter encontrado uma árvore
tão infestada. Caso contrário, teria que tirar a casca, uma ação que às vezes poderia

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danificar uma árvore. Repreendeu-se por sua lentidão. Quanto mais rápido ela
terminasse esse processo, mais rápido ela poderia começar seu trabalho
novamente.

***

Ele disse a si mesmo que era tolice estar aqui. Mas ela não estava dentro da
fortaleza, e ele estava infundido de curiosidade sobre esta mulher que as
circunstâncias fizeram sua esposa. Ele ficou no meio do oriel com os olhos
fechados, farejando o ar como um lobo procurando sua companheira. Rosas. Fraco,
como se a brisa soprasse o cheiro da janela. Mas veio de uma mulher que se
perfumou.

Ela tinha organizado suas ferramentas.

Havia uma pilha de penas, algumas esculpidas e prontas, outras ainda não
curvadas ao ponto necessário. Um pequeno pires continha uma gota de tinta
secando, um chifre e o pó que a produzia. No centro do espaço havia um livro
encadernado em madeira, suas dobradiças de couro desgastadas atestavam não
apenas sua idade, mas também seu uso. Ao lado, um pedaço de pergaminho,
metade da página preenchida, as letras cuidadosamente inscritas.

Aprendera a ler como fazia a maioria das coisas quando menino, com uma
grande demonstração de relutância e uma alegria secreta. Madalena lhe ensinara
latim e grego e seus números, para que ele não precisasse de escriba para escrever
ou ler para ele. Mas, mais do que isso, ela tornara suas aulas interessantes. Ele
descobriu que adorava aprender, gostava de explorar as habilidades de sua própria
mente.

Por que seu pensamento se voltou tão forte em Madalena neste momento?
Por que ela tinha sido uma mulher que gostava de aprender? Ou por que ela teria
sentido o mesmo que ele sentia agora? Impressionado com a habilidade do escritor
que transcrevera as palavras no pergaminho diante dele.

Ele não tocou em nada, apenas baixou a mão, coberta com uma luva de
couro, até ficar a apenas um centímetro daqueles implementos que Julianna usava
todos os dias. Ele pairava ali como se para absorver o calor de uma mão ausente,
tocar um dedo que pressionaria levemente o pergaminho no dia seguinte.

Um som, não mais alto que uma rajada de vento, parou seu movimento. Ele
respirou silenciosamente, cada sentido alerta para o perigo. Muitos anos foram
dados à sobrevivência para não estar alerta. Mesmo em Langlinais.

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Ele deveria ter se movido, saído da sala, mas não o fez. Ele se perguntou,
mais tarde, se havia deliberadamente ignorado o aviso para vê-la novamente.

Ela entrou na sala com pressa, mas parou abruptamente ao vê-lo.

O momento era propício para desculpas, para dizer a ela que ele não
pretendia assustá-la ou satisfazer sua curiosidade tão abertamente. Mas suas
palavras foram abafadas por seu próprio sentimento de admiração. Ele não a tinha
imaginado, então, nem feito dela algo que ela não era. Alta demais para ser
considerada delicada, corada demais para ser chamada de bela dama. Ainda assim,
ela o fazia lembrar da primavera. Ou talvez algo mais elementar. Seu cabelo estava
empilhado em tranças em cima de sua cabeça. Ele queria vê-lo cair em seus
ombros, uma massa de cachos de ébano indomáveis.

— Por que você foi para a floresta? — A pergunta escapou de seus lábios
antes que ele percebesse que estava ali, mas a curiosidade era o mais seguro de
todos os sentimentos que ele tinha nesse momento. Seus olhos se arregalaram,
como se ela estivesse surpresa com o conhecimento de seus movimentos. Suas duas
mãos se moveram para agarrar a alça da cesta com força, como se guardasse a laje
de líquen dentro dela.

— Eu estava colhendo galhas de carvalho — disse ela. Sua voz ecoou com
um tremor suave. Tímido? Ou apavorado? Mais como este último. Ele não se
tornou menos assustador com um segundo vislumbre.

— E o que é uma galha de carvalho?

Ela olhou para ele.

— O ovo de uma vespa. Colocado na casca de um carvalho. A galha se forma


ao redor do ovo.

— Com que propósito você quer essas coisas?

Ela olhou para a cesta.

— Para fazer tinta. — Ela extraiu um debaixo do líquen. Parecia uma


pequena bola de casca de árvore com uma saliência em uma extremidade. Mas não
foi isso que o fascinou. Foi o tremor visível de seus dedos. Ela estava assustada,
mesmo agora.

— O que você faz depois de tê-los?

— Fervo-os. Em seguida, adiciono uma quantidade de vinho e apenas a


quantidade certa de ferrugem.

— E esta tinta é estável? Ela não muda de cor?

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— Só no início, milorde. No entanto, uma vez na página, permanece estável.
— Ela não levantou a cabeça enquanto falava, mas parecia dirigir-se à cesta.

Ele se virou para sair. Uma gentileza que fazia a ela. Uma vez, as mulheres
sorriram para ele, o persuadiram em suas camas e ocasionalmente em seus
corações. Ele tinha dado como certa a facilidade com que ele gostava dos esportes
carnais, o prazer absoluto que ele tinha em mitigar sua solidão ocasional na carne
macia e disposta de uma mulher complacente. Ele nunca mais o teria. A memória
teria que servir. Ou como agora, conjectura.

— Fiz algo para desagradá-lo, milorde?

Ele virou. Ela estava olhando para ele, seus olhos verdes arregalados e
brilhantes.

— Devemos nos comportar como estranhos? Se não podemos ser marido e


mulher, não podemos pelo menos ser amigos?

— Amigos? — ele perguntou.

Ela deu um passo em direção a ele, tão lenta e hesitante que ele teve a
chance de se afastar antes que ela se aproximasse. Ele o fez, mesmo condenando a
necessidade disso. Seu rubor lhe disse que ela notou o gesto.

— Se nada mais, milorde, não podemos conversar de vez em quando? —


Suas palavras tropeçaram. Ela olhou para o chão.

— Deseja conversar comigo? — A ideia era tão nova que ele quis levantar o
queixo dela e ver seu rosto novamente, ler a verdade de seu pedido em seus olhos.

Seu aceno de cabeça foi um pequeno reconhecimento afiado.

— Não encontrou ninguém que possa ser seu amigo em Langlinais?

— As pessoas param de falar quando entro no grande salão — disse ela. —


Ou então elas querem me servir.

— Isso lhe desagrada?

— Não me sinto confortável com tamanha subserviência constante,


milorde.

— No entanto, você mostra o mesmo para mim. — Ela olhou para ele,
surpresa. — Meu nome é Sebastian.

Silêncio, enquanto ela estava ali, muda. Ele era muito paciente. Ele deveria
ter saído da sala, mas em vez disso, ele a questionou ainda mais.

— Você não tem medo de mim, Julianna? — Espontaneamente, sua


curiosidade se libertou novamente.

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Ela se endireitou, mas ele percebeu que seu aperto na cesta era ainda mais
forte, tão punitivo que ele podia ver a brancura de seus dedos.

— Sim — ela respirou. — Eu tenho.

— E ainda assim você conversaria comigo.

— É que não estou acostumada com tanta solidão. — Ela se moveu, então,
um pequeno passo. Não para ele, mas para longe.

— Você não conversa com Grazide?

— Ao contrário, ela fala comigo, milorde… Sebastian — disse ela,


corrigindo-se rapidamente. Ela olhou para cima então. Foi a primeira vez que ele
viu o fantasma de um sorriso em seus lábios. Isso a deixou bonita.

Diversão inesperada curvou seus lábios.

— Ela não mudou muito, então, da garota espirituosa que eu me lembro —


ele meditou em voz alta. — Se tal coisa acontecesse, o que discutiríamos? — Ele
dirigiu a pergunta para ela.

Sua expressão era muito aberta, muito vulnerável. Ele queria dizer a ela que
a pergunta não justificava tal olhar de gratidão. Ele ainda não havia decidido se
fazer dela uma companhia seria meramente gentil ou absurdamente tolo.

— Existem tópicos aceitáveis que eu deveria oferecer?

— O tempo — disse ele, sem pausa. — E política, porque gosto de uma boa
discussão. Lógica e Metafísica de Aristóteles. Averrois e Maimônides, Carlos
Magno, a chocante Eleanor da Aquitânia, ou mesmo Saladino.

— Não tenho conhecimento da maioria desses nomes. Você vai me contar


sobre eles? Tudo e todos? — Ela olhou para o chão novamente. — Se nós
conversamos juntos, isto é.

Por que ela era tão tímida? O que havia transformado a criança ousada na
mulher tímida? Uma pergunta que ele não deveria ter feito a si mesmo, porque
suavizou sua intenção, baniu sua reserva, o deixou curioso de uma maneira que
não era sensata.

— Vou considerar, Julianna — disse ele, as palavras arrancadas dele pela


consciência. Na verdade, seria mais sensato se não o fizesse. Ele saiu da sala,
perguntando-se se o olhar dela o seguia.

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Capítulo 7

Ele sonhou com ela naquela noite.

A visão e a verdade estavam tão emaranhadas em sua mente que ele não
conseguia discernir facilmente o que era real e o que era apenas seu desejo secreto.
Mas ela o visitou momentos antes do amanhecer, uma mulher de intenção e
gentileza. Ele nem mesmo durante o sono pensou em mandá-la embora.

Ela se sentou na beirada de sua cama, sua mão fria contra sua testa. Uma
mão tão delicada, seus dedos longos e pontas com unhas suavemente
arredondadas. Havia manchas de tinta em seus dedos, e ela desviou o olhar quando
ele comentou, sorrindo. Ele estendeu a mão e permitiu que sua mão tocasse sua
bochecha, virando sua cabeça para trás para que seu olhar encontrasse o dele.
Mesmo na escuridão, ele podia ver o suave rubor que envolvia suas bochechas, o
leve sorriso nos lábios.

— Não fique envergonhada. Minhas cicatrizes te causam desconforto?

Ela balançou a cabeça, então estendeu a mão para colocá-la em seu peito
como se o reivindicasse como um prêmio. Um gesto possessivo, ao qual ele acedeu
quando colocou sua própria mão sobre a dela, pressionando sua pele como se
quisesse estampar seu toque, sua marca nela.

No caminho dos sonhos, ele podia desejar e isso se tornava realidade. Seu
beijo era o de uma mulher que ansiava por conhecer seu companheiro, mas ainda
era o toque de uma inocente. Sua língua traçou a linha de seus lábios, sua boca
aberta convidando seu ataque. Seu suave murmúrio o encantou, o levou para a
escuridão de seu beijo. Uma poção inebriante, alegria e inocência. Uma bebida
ainda mais viciante, sua habilidade e gentil provocação.

A noite fez dela um delicado esboço de carvão sobre branco, neve e sombra,
apenas levemente agraciado com um rosa pálido de bochechas, mamilos e lábios.
Até seus olhos estavam escuros, brilhando de emoção.

Ela se ajoelhou ao lado dele e empurrou o lençol de seu corpo. Seus dedos
traçaram suas cicatrizes de batalha em protesto suave e unção terna.

A luz que a cercava parecia feita de um raio de luar. Um tom suave, parecia
projetado para Julianna. Seu duende noturno. Ela se inclinou e beijou seu peito, e
ele estremeceu, sua carne nunca antes tão docemente acariciada. Ela deslizou a
mão pelas pernas dele, demorando-se sobre os joelhos. Então, de repente, ela
estava ajoelhada entre suas pernas estendidas, suas mãos correndo do joelho à coxa

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em uma provocação deliciosa. Por quase dois anos ele sentiu tanta fome de ser
tocado, como se sua própria pele estivesse faminta por isso. Ela parecia saber disso,
pressionando as palmas das mãos para cima em movimentos longos, arrastando as
costas das mãos para baixo como se estivesse se familiarizando com cada cume,
cada reentrância, cada músculo do corpo dele. Com as duas mãos ela pressionou o
estômago dele, então os dedos o tocaram, enquanto dançavam mais para baixo. Ele
arqueou-se para cima, ansiando pelo toque terno de seus dedos de uma forma que
nunca poderia articular.

— Sebastian. — Sua boca pronunciou seu nome. Ele desejou que ela dissesse
isso repetidamente, ela murmurou tão lindamente. Ela fez do nome dele algo
heroico, uma promessa de honra. Seu pedido de sonho foi concedido e ela se
inclinou mais perto dele, a cascata de ébano de seu cabelo roçando-lhe o rosto em
um toque tão suave como uma teia de aranha, seu nome em seus lábios invocando
paixão.

Ele estava à deriva na nuvem que era ela, docemente dolorido e quase
soluçando de alegria. Ela inalou sua respiração e devolveu-lhe novamente. O
próprio suspiro dela ecoou o dele, mas ela era ele e ele era ela daquele jeito que
acontecia nos sonhos.

Ela era lua branca e sombra escura, uma criatura da noite que veio para
tentá-lo à alegria proibida. Até mesmo o cheiro dela agia sobre sua necessidade,
seus sentidos tão sintonizados com ela que era quase doloroso. Enquanto a ele era
proibido, restringido e negado em seu estado de vigília, neste devaneio abençoado
era-lhe permitido e encorajado.

Suas mãos, talentosas com a espada, com os instrumentos de guerra,


estavam agora imbuídas da graça sem esforço de um amante. Seus dedos
percorreram sua pele, cada toque separado e distinto causando um arrepio em seu
rastro. Agora ela estava sobre ele, sua cabeça arqueada para trás enquanto ele
segurava um seio em sua mão, seu polegar roçando o bico. Ele a trouxe para mais
perto e ela se segurou sobre ele, não mais como uma virgem, mas sedutora. O
gosto de seu mamilo na boca, a carne quente contra sua língua era muito real para
ser criado a partir da névoa de sua necessidade.

Ela estava de repente ao redor dele, sobre ele, envolvendo-o, com uma
paixão ardente quase tão consumidora quanto as palavras que ela sussurrava em
seu ouvido, o som de seu nome, um canto de desejo e plenitude em uma respiração.

Seu coração batia tão alto e tão forte que parecia criar um vazio em seu
peito. Seu sangue disparou e sua mente ficou adormecida. Ele conhecia o gosto
dela. O cheiro dela estava em suas narinas, seus gritos suaves soaram em seus
ouvidos. Ele se tornou ela naquele instante, ou talvez fosse simplesmente o

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caminho dos sonhos, especialmente aqueles devotadamente foram desejados e
perdidos para sempre.

Então, acabou. Não terminou com saciedade, ou mesmo liberação física. Ela
simplesmente desapareceu. Em um momento ela lhe tocara, dando vida a todos
aqueles desejos silenciosos e pensamentos secretos. No seguinte, ela se fora, e ele
acordou abruptamente em um quarto silencioso horas antes do amanhecer. No
entanto, ele ainda podia ouvir sua voz, aquele doce sussurro quando ela
pronunciava seu nome. Parecia descer em espiral para o nada, uma súplica
sussurrada. Ou era o seu próprio choro? Em seu peito havia uma sensação estranha,
quase como um vazio.

Sentou-se na beira da cama, certo de que o sono não voltaria esta noite.

Dirigiu-se à mesa que lhe servia de escrivaninha, sentou-se e estudou as


contas que mantinha tão diligentemente à luz da lamparina. Mantinha-a sempre
acesa, proteção contra momentos como aqueles em que a noite era muito enjoativa
e as paredes muito próximas.

Langlinais ostentava dois administradores. Jerard trabalhava para garantir


que suas ordens fossem seguidas, Sebastian providenciava a compra de
suprimentos e calculava os lucros obtidos de todas as suas propriedades. Ele fez
isso primeiro para se manter ocupado. A maioria dos homens caçava ou passava o
tempo em torneios ou como convidados em vários domínios. Mas ele não podia
mais ser visto entre as pessoas. Sua única segurança estava em Langlinais. O castelo
também não estava aberto a hóspedes casuais e, embora estivesse disposto a
emprestar aos viajantes um lugar no estábulo, nenhum estranho era permitido
dentro do grande salão. Mas não era para afastar o tédio que ele sabia tudo sobre
Langlinais, cada moeda gasta, cada lucro obtido. Era porque ele precisava saber,
em detalhes finitos, o estado das finanças de Langlinais, para melhor tentar salvar
sua casa.

Sua leitura à meia-noite dos números não alterou a soma. Mesmo com uma
boa colheita, ele teria que pedir mais tempo para pagar o saldo de seu resgate.
Podia muito bem ser uma decisão que se mostrasse imprudente. Os Templários
não concediam extensões sem cobrar juros. No entanto, ele escreveu a carta, preso
dentro de sua responsabilidade tão apropriadamente quanto seu corpo.

A noite oscilava em pernas finas. Em momentos como esse, quando não


conseguia dormir, ele normalmente ia ficar no topo da torre leste, carregando uma
tocha para sinalizar que tudo estava bem para os homens armados no pátio e
alinhados nas paredes abaixo. Eles se acostumaram com sua sombra, enquanto ele
ficava sentado ali por horas, sua visão do campo mergulhada na escuridão.

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Mas em vez de ir para a torre, encontrou-se na porta do quarto de Julianna.
Estava muito perto, apenas do outro lado do corredor. E no final do corredor, uma
porta que dava para a capela. Que conveniente, ter o ninho de sua alma tão rápido
à mão. Ele deveria estar ali, não aqui.

Se ele abrisse a porta e entrasse, seria uma intrusão tão invasiva quanto a
visita ao oriel. No entanto, ele empurrou a porta, perguntando-se se Grazide
dormia dentro do quarto. Ele ficou na soleira, ouvindo, seus sentidos sintonizados
com a escuridão como se ele fosse uma criatura da noite. Havia apenas os sons
suaves de respiração, uma mão deslizando sobre um lençol durante o sono. Mas
Grazide não estava ali.

O quarto estava sombreado de azul, por uma lua coberta de nuvens e


cheirava a rosas.

Sebastian estava na ponta da cama, seu olhar sobre Julianna.

Seu cabelo era uma mancha preta em seu travesseiro. Ela estava enrolada de
lado. Um punho descansava contra seus lábios, sua outra mão aberta sobre o
lençol. Enquanto ele observava, a respiração dela parecia prender e soltar, como se
ela se engasgasse em seu sono.

Ele não tinha escolha a não ser convocá-la. Ele havia sido desculpado pela
demora em reivindicar sua noiva pelo simples fato de estar em uma cruzada e,
posteriormente, ter sido capturado e aprisionado. Mas depois que ele voltou para
casa em Langlinais, incitaria a suspeita não ter mandado chamá-la. Do jeito que
estava, quase um ano se passou antes que ele o fizesse.

Ela não tinha ideia de quão vital era seu papel como esposa dele, quão
importante sua decisão de ficar tinha sido para ele.

Ela sorriu. No oriel. Um sorriso pequeno e triste, como o de quem sofre.


Aquele sorriso torceu algo dentro dele, algo enterrado e morto há muito tempo.
Ou pelo menos era o que ele pensava. O sorriso dela, apenas uma curva de lábios,
tinha-o despertado para a vida novamente. Instigou-o a fruição, à conclusão.

Anseio.

Eles não deveriam tê-la liberado do convento, não uma inocente como ela.
Suas bochechas eram quase tão rosadas quanto a de um recém-nascido, tão
ingênua, tão ternamente jovem ela era. Doía testemunhar tal pureza, estar na
mesma sala que ela.

Se ele pudesse pagar o restante do resgate, Langlinais estaria seguramente


em suas mãos. Um dia no futuro ele simplesmente se retiraria do mundo. A

Meu Amado – Karen Ranney


presença de Julianna seria sua salvaguarda. Embora pudessem tirar-lhe Langlinais,
não poderiam arrancá-la dela.

Ele não tinha pensado na mulher que usaria como seu peão. No entanto,
agora ele se arrependia de não tê-la levado em consideração. Julianna era jovem
demais para ser usada nesse jogo, inocente demais para se misturar com jogadores
que há muito haviam perdido a ingenuidade e a bondade.

Ela tremeu diante dele. No entanto, ela se manteve firme. Uma mulher
intrigante. Em outro momento. Ou outro lugar. Talvez apenas em seus sonhos,
onde sua paixão tinha rédea solta.

Que tipo de mulher faz tinta ao amanhecer? Quem parece ansioso quando
fala em ferrugem e vinho? Que andava com passos alegres e trazia manchas de
tinta nos dedos. Que cheirava a rosas e perguntava se era a Morte com uma voz
que estremecia. Quem a tocava em sua mente em suas horas de sono.

Ele desejou nunca tê-la trazido.

***

Julianna esperou até que a porta se fechasse novamente e só então respirou


fundo. Ela dormiu pesadamente toda a sua vida, mas o fez na companhia de outras
garotas. A noite não era tanto um momento de silêncio, mas de sons abafados. Os
roncos da irmã Etherida, os murmúrios sonhadores de uma dorminhoca, o
movimento de um corpo sobre um colchão cheio de feno, um som de desgosto
quando um travesseiro velho e achatado imitando um tijolo em suavidade era
moldado.

As noites em Langlinais eram cheias de silêncio, como se o grande salão e


os aposentos familiares estivessem abafados sob uma nuvem silenciosa. Por esse
motivo, ela se mexia com frequência e descansava menos.

Ela soube que era ele imediatamente. Ele não se misturava às sombras tanto
quanto ordenava. Era apenas o efeito do manto de monge que ele usava, ou ele era
realmente tão grande quanto parecia?

Seu coração ainda batia descontroladamente, um estrondo rítmico não


menos alto que o movimento do oceano até a costa. Ela o tinha visto no trajeto
para o convento tantos anos antes, ficara paralisada com o bater das ondas nas
rochas e o som trovejante do poder do mar. Agora, seu coração parecia o mesmo.

Ela não conseguia se lembrar de uma época em que tivesse ficado com tanto
medo, curiosidade e pena ao mesmo tempo. O medo era fácil de entender. Ela

Meu Amado – Karen Ranney


estava com medo da circunstância. A curiosidade também. Por que ele havia
decretado que o casamento deles fosse tão estranho? E ela sentia pena porque ele
ficava tão obviamente separado dos outros. Mas por quê?

Ele ficou em silêncio, uma figura envolta em um manto de monge negro.


Seu único ornamento era uma corda com nós. Será que ele era real, ou apenas
algum pesadelo do qual ela havia despertado?

Quando ela o viu pela primeira vez, ela realmente pensou que ele era a
Morte, meio que esperava que ele estendesse um dedo ossudo pela manga de seu
manto e a acusasse de todos os tipos de transgressões, a maioria das quais ela sem
dúvida cometera. Ela foi criada no convento, mas muito falha para ser tão santa
quanto as irmãs que a ensinaram.

Uma sugestão de seu rosto apareceu na abertura de seu capuz. Não um


espectro, afinal, mas um homem. Um rosto vestido em graduações de cor, do preto
ao cinza mais despojado. Um nariz forte, uma boca firme, um queixo que parecia
muito teimoso. Ela podia muito bem imaginar aquele rosto coberto com um elmo,
seu corpo vestido não com um hábito de monge, mas com armadura e tabardo,
uma espada erguida.

Ela apertou a mão contra o pano que cobria seu seio, sentiu o tremor de seu
coração à medida que diminuía gradualmente. Talvez estivesse despertando
rapidamente de um sonho doce e encantador.

Ela não tinha falado com ele. Ela estava mais familiarizada com a
comunicação solitária da palavra escrita. Talvez se ela tivesse alguém em quem
confiar ao longo dos anos, poderia ter sido mais fácil comentar sobre sua presença,
questioná-lo sobre isso. Vá a Deus com seus cuidados — dissera a abadessa,
dispensando seus desejos de uma amiga com um sorriso compassivo, mas pouca
empatia. Julianna poderia, se soubesse como, perguntar sobre suas viagens na
Terra Santa. Ou abordar mais perguntas que ficaram na ponta de sua língua. Por
que ele não a chamou antes? Por que ele estava vestido como estava? Por que ele
nunca a tocaria?

Ela apertou o travesseiro contra o peito e olhou para o teto. O sono parecia
tão distante quanto as respostas para suas muitas perguntas.

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Capítulo 8

Sebastian se virou quando a porta se abriu e pegou suas luvas rapidamente.


Jerard conhecia seu segredo, mas Sebastian não desejava espancá-lo com provas
disso todos os dias.

— Você parece zangado, Jerard.

— Passei a maior parte da tarde, milorde, discutindo com dois homens. —


Ele colocou uma pequena figura esculpida sobre a mesa. Sebastian a pegou,
estudou-a cuidadosamente. O velho Simon tinha capturado Julianna
perfeitamente em madeira.

— Devo inferir que uma de suas discussões foi com o Velho Simon?

— O homem é teimoso, milorde. Encontrei-o dormindo novamente. Ele


envia isso para você como um pedido de desculpas por suas ações.

— Ele estava sempre fazendo isso com meu pai. Meu irmão e eu tínhamos
uma legião de cavaleiros esculpidos pelo Velho Simon . — Ele ergueu os olhos da
figura que analisava. — Enquanto houver postos avançados nas colinas ao redor de
Langlinais, não importa se ele dorme. Deixe-o. Ele é um homem velho, afinal.
Quem mais incorreu em sua ira?

— O moleiro. Ele deseja que sua pedra de amolar seja substituída.

— Isso é necessário?

— Acho que o homem está jogando — disse Jerard com uma torção dos
lábios — removendo a pedra velha e montando seu próprio moinho com ela.

Sebastian sorriu.

— Ele é um homem cercado de ambição, então. Aborde-o sobre isso, Jerard.


Diga-lhe que patrocinaremos uma segunda fábrica se ele treinar dois meninos de
Langlinais em seu ofício. Mesmo um homem ambicioso deve ter aprendizes.

Jerard franziu o cenho.

— Você acha que ele vai concordar?

— Se não, então pelo menos ele sabe que estamos cientes de seus planos.

— Prefiro bani-lo, milorde.

— Por todas as suas ameaças, você não faria isso. Nos anos em que estive
fora, não acredito que você tenha banido um único aldeão.

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Uma mancha avermelhada apareceu nas bochechas de Jerard. — Era um
momento de grande incerteza, milorde. Não sabíamos quando, nem mesmo se,
você voltaria para casa. Todos nós trabalhamos juntos.

— Então lembre-se daqueles dias quando aqueles como o moleiro


começarem a aborrecê-lo, Jerard. É por isso que homens que lutaram juntos se
tornam bons amigos. Um objetivo comum ligará até mesmo estranhos.

Jerard suspirou.

— Vou tentar lembrar, milorde.

Sebastian virou-se e olhou pela janela. Fez-se um longo silêncio enquanto


nenhum dos dois falava. Jerard estava ocupado descarregando a bandeja contendo
a refeição do meio-dia de Sebastian. Sebastian, por sua vez, estava à deriva em seus
próprios pensamentos.

— Você acha que é hora de me exilar, Jerard? — Ele virou.

— Não, milorde — disse Jerard, seu olhar encontrando o de Sebastian. —


Ainda não é necessário.

— Sim, mas é mais sábio?

— Por que me pergunta tais coisas, milorde?

— Ela deseja conversar comigo, Jerard. Para compartilhar meus


pensamentos. Minha esposa é tão solitária, você não acha?

— Não sei, milorde. — Um pequeno encolher de ombros enfatizou suas


palavras.

— Ela fez amizade com alguma das mulheres de Langlinais?

— Na verdade, milorde, ela está tão focada em seu trabalho quanto você
está no seu. Acho que ser escriba significa muito para ela.

Sebastian havia determinado o mesmo.

— Você está preocupado que ela fique doente em sua companhia?

— É um dos meus maiores medos, Jerard.

— Não a deixará doente, milorde, senão eu teria sucumbido há muito


tempo. Que mal pode fazer passar algumas horas com ela?

— Foi sua teimosia que o fez testar essa teoria, Jerard. — Ele suavizou suas
palavras com um sorriso.

— Talvez, milorde. — Havia um sorriso de resposta no rosto de Jerard.

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— Pareço diferente para você, Jerard? Diferente de outros homens?

— Não sei como deseja que eu responda, milorde.

— Com verdade e honestidade — disse ele. Ele manteve seus braços longe
de seus lados. — Quando você me vê como eu sou, neste exato momento, parece
que eu tenho um segredo a esconder?

A compreensão veio com um sorriso.

— Ainda não aparece, milorde. Não há nada que dê a ela uma razão para
temê-lo.

— É uma coisa idiota de se contemplar, Jerard. Eu sei isso.

— Talvez algumas coisas não devam ser pensadas, milorde, mas apenas
postas em prática.

—Companheirismo pode ser a pior coisa que a compartilharmos, você sabe.


— Voltou-se para a janela. — Estou gostando dela, Jerard.

Sebastian a observara passear por Langlinais, conversando com as pessoas


que conhecia. Ela não dividia o jantar com ninguém, sentada no estrado com um
pequeno sorriso para quem olhasse em sua direção. A sombria Julianna, que parava
e acariciava todos os cães do castelo e que fez amizade com os gatos que vagavam
por Langlinais.

Seria melhor se ele se escondesse agora? Simplesmente desaparecesse em


sua solidão? Mas ainda não, com certeza. A necessidade não estava ali, ainda.
Melhor agora, Sebastian, antes que sua inclinação passe a ser não ir embora. Antes
que você esteja completamente encantado e intrigado. Já era difícil aceitar seu
futuro. E se isso se tornasse impossível?

O cabelo dela se desprendeu da trança resistente feita à noite. Delicadas


gavinhas emolduravam seu rosto e, na maioria das vezes, havia uma mancha em
sua bochecha, uma indicação de que ela havia trabalhado em sua enciclopédia a
maior parte do dia.

Se ele fosse cuidadoso, ela nunca descobriria seu segredo. E ele sabia muito
bem que nunca poderia tocá-la. Mas iria querer. Ele sabia disso, sendo uma criatura
curiosa, sendo um homem que adorava aprender. Tinha sido ensinado na arte do
amor quando era um menino de treze anos, lido no livro de Albergues “Sobre os
segredos dos homens”, que era dar prazer a uma mulher e levara isso a sério desde
jovem. Ele, é claro, continuou a avaliar sua habilidade ao longo de sua juventude,
marcando suas vitórias em torneios com conquistas de outro tipo, mais feminino.
Seus anos em Paris e na Itália não foram celibatários.

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Ele se pegou querendo saber como soava a risada dela, com o que sonhava,
se ela tinha sagacidade tanto quanto tinha inteligência.

Ele poderia suportar? Isso era ir direto ao ponto. Era uma coisa imprudente
de se fazer, planejar essa tortura. Como ele podia acreditar que estava isento de
necessidade? Fazia muito tempo que não tocava em uma mulher, muito menos em
uma a quem estava ligado por Deus e pela cerimônia. Uma com a pele da cor da
flor mais pálida, cujos lábios eram macios e cheios.

Ele ficou abalado com a aparência dela na manhã em que foi ao seus
aposentos. A luz a rodeava, e ela sentada encapsulada por ela, lendo as palavras
latinas de sua enciclopédia com lábios que se moviam suavemente. Ele não a
tocaria, sua honra e sua alma estariam em perigo se o fizesse. Mas sentar-se perto,
conversar com ela, sentir o cheiro de sua pele e não apenas ter a lembrança dele
pairando no ar, essas coisas pareciam necessárias. Mais ainda, talvez, do que
prudência ou sabedoria.

Ele perguntara qual era seu livro favorito para transcrever, quais suas cores
favoritas. Ela poderia mostrar-lhe como fazia aquelas gloriosas tintas coloridas que
coloriam a capa e as letras maiúsculas. Ele poderia, se fosse corajoso o suficiente,
contar a ela um pouco sobre esses últimos anos, o suficiente para que ela pudesse
sentir o sabor deles, mas não o suficiente para que ela pudesse entender o todo.
Conheceria todas as nuances de sua voz, suave e quase inaudível como era. Ele
poderia vê-la sorrir novamente, ou ouvi-la rir.

Ela rira desde que chegara a Langlinais? Uma criatura tão solene, sua esposa,
com seus sérios olhos verdes e sua boca carnuda pressionada em uma pose afetada.
Ela era uma estudante fervorosa, uma aluna ansiosa. No entanto, ela agia muito
como ele, indiferente e afastado dos outros.

Como ela seria como companheira? E ele era um tolo por querer saber?

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Capítulo 9

— Você não se deixa perturbar muito, não é, milady? — Jerard perguntou.

Ela levantou a cabeça, piscou algumas vezes e sorriu para o visitante. O oriel
era um lugar tranquilo, mas mesmo assim ela não ouviu Jerard entrar.

— Eu sou muito cuidadosa. Essas coisas chamam a atenção.

— Por isso esperei até que você mexesse a mão — disse ele.

— Obrigada. A maioria das pessoas não teria notado.

— Passei muitos anos como escudeiro — disse ele. — Tais deveres inspiram
a pessoa a notar coisas que os outros descartam.

— Para proteger as costas do seu senhor?

Ele sorriu.

— Isso, e lustrar sua armadura e escudo, consertar sua lança, garantir que
seu cavalo não fique manco. Mil deveres que um escudeiro deve cumprir antes que
lhe digam. A punição, caso contrário, não é agradável.

— Você foi açoitado, Jerard?

— Milorde tem uma maneira de olhar para você que é pior que um golpe,
Lady Julianna. Eu quase desejei que ele me batesse às vezes. Teria sido mais fácil
do que desapontá-lo.

— Tive uma abadessa que era igual. Ela tinha um jeito de suspirar que fazia
meus ossos doerem o tempo todo.

Eles trocaram sorrisos conspiratórios.

— Meu marido é um homem cercado de segredos, não é?

— Eu não poderia dizer, milady. — Seu sorriso mudou para aquele


enfurecedor que avisava que ele não diria mais nada.

— Deram-me algo para lhe entregar, Lady Julianna. — Ele entregou a ela
um pequeno cofre de prata, um padrão elaborado inscrito em sua tampa
arredondada. Ela o abriu lentamente, então olhou para seu conteúdo. Era como se
Sebastian quisesse aumentar seu enigma dando a ela este estranho presente.

Jerard olhou para a caixa de limalhas enferrujadas que ela segurava na mão.

— Isso é algo que lhe agrada, milady?

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— Sim — disse ela lentamente. — Acho que sim.

Ele deixou o oriel, o que foi bom. Jerard fez o pequeno espaço parecer ainda
menor do que era. Mas então, Sebastian era maior. Mas ela raramente notava como
o quarto parecia nas vezes que ele entrou. Sua atenção era muito distraída pelo
homem.

Ela olhou para o cofre em sua mão. Era pequeno o suficiente para caber na
palma de sua mão. Um presente estranho. Ele havia se lembrado da receita de tinta
dela. Ela fechou a caixa prateada, segurou seus dedos apertados sobre ela. Ele havia
tocado? O calor que ela sentia no metal era dos dedos dele, ou do aperto de seu
próprio aperto?

Relutante, ela voltou ao seu trabalho, colocando a caixa no canto, onde ela
pudesse vê-la facilmente. Ela trabalhou durante a refeição do meio-dia, acenando
para Grazide quando a criada a teria persuadido a ir ao grande salão. Ela estava
determinada a terminar o Q que começou há quase uma semana.

A sala escureceu enquanto ela trabalhava, até que ela percebeu que não era
uma nuvem sobre o sol que obscurecia sua escrita, mas o cair da noite. Ela colocou
a página de pergaminho de lado para que secasse completamente e derramou a
tinta que não havia usado em uma tigela pequena. Tinha escurecido demais para
ser de muita utilidade. Misturar tinta era mais complicado do que simplesmente
juntar alguns ingredientes. Medir quando era a hora certa de usá-lo era tão
importante quanto. Uma tinta pálida desbota muito rápido; um preto demais
comeria o próprio pergaminho.

Ela fechou a porta do oriel, estava caminhando para seu quarto quando
ouviu a voz de Sebastian. Curiosa, ela deixou cair a mão da porta e caminhou até o
final do corredor.

Ela colocou a palma da mão contra a madeira com faixas de ferro. As


palavras se infiltraram pela porta e em seu coração. Elas a convocaram como o
choro de uma criança no escuro. Intellige clamoren meum. Conheça os gritos que
eu emito.

Ela enganchou o polegar no trinco e empurrou a porta. Ela se abriu


silenciosamente. Como estava tão escuro no corredor, não havia luz que
denunciasse sua presença.

A porta que ela abriu era a entrada da família para a capela. Ela a descobriu
na primeira manhã após sua chegada a Langlinais. Um arco de madeira esculpida
conduzia ao altar, acima dele uma grande janela em forma de flor, suas pétalas
trabalhadas em vidro verde opaco, agora preto com a noite. Sobre o altar coberto
de branco havia duas velas acesas, mas nenhum cálice ou prato. Havia tapeçarias

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nas paredes com cenas bíblicas, um piso de pedra pintado de bordô e coberto de
juncos. Mas os quatro conjuntos de bancos que ficavam atrás do altar em duas
fileiras não eram adornados com almofadas; nem havia qualquer outro sinal de
riqueza.

Ela entrou na capela, puxou a porta meio fechada atrás dela. Quatro pilares
canelados sustentavam o telhado, abobadados e escorados para sustentar sua
inclinação. Ela se moveu para um lado, para que a coluna não obstruísse sua visão
do altar.

Sebastian estava ajoelhado ali, de cabeça baixa. Suas palavras repetidas


várias vezes.

— Sustinui qui sirnul con-tristaretur, et non fuit; consolantem me quaesivi et


non inveni. Intellige clamoren meutn.

Ela nunca tinha ouvido falar de uma oração que implorasse como exigia. “Eu
esperava que alguém chorasse comigo, mas não havia ninguém. Procurei alguém
para me confortar, mas não encontrei ninguém. Conheça os gritos que eu emito”.

Ela não deveria estar ali ouvindo as orações de um homem. Os pensamentos


de uma alma verbalizados. O que ela estava fazendo era invasão do pior tipo, uma
intrusão entre Deus e o suplicante. No entanto, por um longo momento ela não se
moveu, paralisada pela aura de tristeza e desespero que permeava a sala.

Pelo que ele orava?

Seus lábios ecoaram as palavras do canto latino que ele falava. Momentos
depois, houve outro som, o de um punho batendo na madeira. Ela estremeceu,
assustada. Um juramento, claro e puro como o canto matinal de um pardal, ecoava
na sala reservada para o culto. Ela juntou as mãos no queixo, os nós dos dedos
pressionados contra os lábios secos.

Uma mulher corajosa iria até ele, se ajoelharia ao seu lado. Essa mulher
poderia até perguntar por que ele orava da maneira que fazia, com súplica e
condenação vindo de uma só vez. Ela colocaria seus próprios dedos nos lábios dele
ou se ajoelharia ao lado dele em uma oração ansiosa para implorar perdão por ele.
Amaldiçoar era uma coisa terrível de se fazer em um lugar consagrado a Deus.

Ela pode ansiar por ser uma mulher de coragem destemida, mas a triste
verdade é que ela tinha falhado completamente no papel. Ela deu um passo para
trás como se fosse se pressionar contra a parede.

Um som suave escapou dela. Um suspiro, talvez sua própria oração. Não foi
alto o suficiente para ser ouvido, especialmente por Sebastian, ardente como ele
estava com seus próprios apelos ao céu. No entanto, deve ter sido, porque ele parou

Meu Amado – Karen Ranney


de falar. Uma pausa no tempo, em que nada se movia, nenhuma palavra era dita.
Todo o som simplesmente cessou, tudo menos a batida de seu próprio coração e
sua própria respiração mal sentida.

Seus dedos tremeram na borda dos lábios. O silêncio cresceu sobre si, um
momento amadurecendo em dois, depois três.

Sebastian se levantou. Ele se virou, lentamente, como se desejasse que ela


fosse embora antes de olhar. Ao fazê-lo, puxou o capuz para cobrir o rosto
novamente. Não muito rápido. Não rápido o suficiente. Ela o tinha visto.
claramente à luz das velas.

Uma vez, ela tinha visto uma escultura romana, encontrada quando um
fazendeiro estava arando seu campo. Os aldeões a trouxeram para o convento, na
esperança de que a abadessa pudesse dizer-lhes se tal coisa era valiosa ou se
deveriam destruí-la. A estátua, quase em tamanho natural, era de um jovem vestido
com nada mais do que um capacete alado. Ele estava com uma perna na frente da
outra, uma mão descansando em um quadril, a outra mão atrás das costas,
segurando um pequeno orbe. O rosto era forte, quase insolente. Os lábios curvados
e cheios, o nariz orgulhoso, a testa larga. As maçãs do rosto altas desciam para um
queixo suavizado pela nitidez pela sugestão de fenda. Era o rosto de um homem
que, apesar de sua juventude, estava bem ciente de seu poder.

Um rosto não muito diferente do de Sebastian de Langlinais.

Ela se preparou de outra forma, pensou que ele estava ferido ou de alguma
forma deformado ou com cicatrizes. Ela não o achava bonito.

Eles ficaram olhando um para o outro em silêncio.

Ele havia prometido a ela Langlinais, mas ele a confundiu. Ela ficou com
infinitas perguntas sem respostas. E agora ele estava diante dela sem marca. Outro
mistério, outro enigma.

— Vá embora, Julianna — disse ele suavemente, sua voz estranhamente


gentil. — Agora.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 10

Cada momento da vida de Julianna nas Irmãs de Caridade tinha sido


precisamente regulado. Havia sinos para marcar as horas e as ocupações, havia a
súplica suave de uma irmã encarregada de um certo dever, o canto rítmico do latim
como um chamado ao culto.

Esperava-se que ela seguisse as regras da comunidade, embora só fosse


acolhida no convento enquanto aguardava a convocação do marido. Ela era
observada tão de perto quanto qualquer noviça. Todas as características da forma
e do eu que sugeriam desobediência deveriam ser modificadas ou eliminadas. Ela
não era, por exemplo, autorizada a sair dos portões do convento por qualquer
motivo. Tampouco lhe era permitido entrar no jardim simplesmente para apreciar
o perfume das flores crescendo. Sua hora ali era reservada para capinar, não para
ociosidade. Ela conhecera tal regulação de sua vida que era estranho, se não um
pouco desconcertante, experimentar a súbita liberdade de sua posição como a
Senhora de Langlinais.

— Estou com vontade de caminhar — anunciou a Grazide naquela tarde.


Em vez de protestar, a outra mulher simplesmente acenou com a cabeça, sem parar
de conversar com os outros atendentes. Julianna ficou parada no grande salão,
desconcertada. Ela havia reunido seus argumentos por sua privacidade apenas para
que eles fossem desnecessários.

Ela tirou o gorro, deixou o cabelo na trança. Sua túnica era leve o suficiente
para que ela não sufocasse com o calor. A tarde estava clara e silenciosa, o zumbido
de uma abelha foi o único som que ela ouviu ao sair do grande salão. O Terne fluía
em um movimento rápido abaixo da parede sul, a brisa suave ondulava a água e
esfriava o ar. De onde estava, podia ver a extensão de Langlinais que se curvava em
forma de meia-lua, suas paredes seguindo a ondulação do rio.

Ela conhecera apenas duas casas… aquela em que passara os primeiros cinco
anos de sua vida e o convento. Nenhuma das duas a havia preparado
adequadamente para o castelo de Langlinais. Descobrira nas últimas semanas que
seu quarto dava para o pomar. Sua beleza não era meramente ornamental. Havia
árvores frutíferas; e imensos canteiros de ervas, além de uma lagoa repleta de
peixes. Os jardins de flores ostentavam todos os tipos de flores, a maioria das quais
ela não reconhecia. Mas ela conhecia as papoulas, rosas, heliotrópios e violetas.

Ela respirou fundo. O ar estava quente e parecia tingido de cheiros.

Meu Amado – Karen Ranney


Langlinais estava sempre cheia de pessoas que pareciam fazer suas
ocupações com entusiasmo e poucos sinais de preguiça. As moças que tiravam as
ervas daninhas na horta da cozinha , a lavadeira e suas ajudantes, os aprendizes de
ferreiro, os trabalhadores da cozinha, todos pareciam diligentes e cada um deles
tinha um sorriso pronto para ela ao passar, embora não falassem. Não se ouvia uma
palavra cruzada e, se havia crítica, era do tipo que um amigo faz a outro entre
brincadeiras e risadas. Na verdade, o riso era o som predominante no quintal e no
pátio, não o murmúrio de reclamações. Não havia medo, nem tão pouco mau
humor, apenas o som de contentamento e de vez em quando uma música se
juntava e carregava a manhã de verão como a brisa suave sobre o Terne.

O caminho que ela seguiu era feito de pedra trituradas, brilhando marrom-
amarelado ao sol. Uma abelha disparou na frente dela, voou para longe com a
mesma rapidez. O ar estava aquecido até parecer pesado, perfumado pelo cheiro
de flores desabrochando e grama alta. As paredes ao longo do rio estavam cobertas
de líquen verde. Ela se perguntou que cor produziria se fizesse a tinta.

Ela sorriu para si mesma. Mesmo agora, ela não podia deixar de pensar em
seu trabalho, ou em Sebastian.

Ela teve uma amiga no convento por um curto período de tempo. Anne fora
mandada para lá antes de seu casamento, para aprender coisas que as freiras
pudessem lhe ensinar. Ela tinha treze anos e estava destinada a se casar com um
nobre. Ela e Anne compartilharam, por algumas semanas, um dos pequenos
quartos de pedra. Separado do resto do dormitório por um muro de pedra de um
metro de altura, era um lugar seguro para duas garotas risonhas. O suficiente para
que ela e Anne ficassem acordadas, compartilhando seus pensamentos e medos do
casamento.

Elas decidiram que a vida de mulher casada seria uma coisa maravilhosa.
Chegaram ao ponto de conjecturar como seria realmente a noite de núpcias,
imaginando onde havia apenas mistério. Anne, a jovem noiva, já estava casada há
muito tempo, enquanto Julianna ainda não tinha consumado o casamento.

Nem faria.

Ela não entendia. Quantas vezes pensara nisso nas semanas que estivera em
Langlinais? Muitas. Até agora, a extensão de sua vida em Langlinais era a beleza de
poder trabalhar o dia todo em seu minúsculo scriptorium equilibrado por noites
de confusão.

A princípio, ela pensou que seu marido era um daqueles homens que
mortificam a carne como forma de adoração. Então ela pensou que ele deve ter
sido ferido na Terra Santa, ou com muitas cicatrizes. Mas o homem que ela tinha

Meu Amado – Karen Ranney


visto tinha um rosto tão perfeito que ela se sentiu quase envergonhada por estar
em sua presença. Sua própria falta de graça parecia gritar quando ela saiu da capela.

Então, qual era a razão pela qual ele não desejava uma união verdadeira?
Havia algo nela que ele não gostava?

Ela raramente considerava sua aparência. A vaidade não era um atributo no


convento. Contanto que ela estivesse limpa e arrumada, ela era considerada
aceitável. Ela não deveria saber sobre seu corpo, mesmo seu banho deveria ser feito
no escuro, mas ela supôs que era curvilínea em todos os lugares corretos.

Era o nascimento dela? É verdade que seu pai não era nobre, mas possuía
propriedades e fora um homem leal aos condes de Langlinais. Ela havia trazido
suas terras de dote para os cofres de Langlinais e a história de uma família anterior
aos normandos. E se o status dela era censurável, então por que Sir John concordou
com o casamento?

Certamente Sebastian poderia esquecer sua aparência ou seu nascimento e


se concentrar em sua personalidade, em vez disso.

Ela tentou ser gentil, embora na verdade encontrasse refúgio no silêncio


quando não conseguia pensar em uma resposta adequada ou uma palavra
moderada. Ela não era uma curandeira, mas não gostava do sofrimento dos outros
e os ajudava onde podia. Ela procurou a Irmã Beatrice e a ajudou na construção de
gaiolas de vime para seus pássaros feridos. Ela acreditava que era inteligente e não
achava que era de natureza mesquinha. Isso não era suficiente em uma esposa?

Quanto à habilidade, ela tinha apenas uma. Ela olhou para os dedos. Havia
uma mancha escura na lateral do polegar e outra na ponta do dedo indicador.
Independentemente do quanto ela esfregasse as mãos, elas pareciam permanentes.
A Senhora de Langlinais não deveria ser tão desleixada.

Ela poderia mergulhar por horas e horas nos pensamentos dos outros. As
palavras lhe falavam como as notas mais puras, uma melodia feita de discurso. Ela
sentiu que seu dever era importante, transcrever essas observações com diligência,
sem acrescentar suas próprias crenças ou interpretações. Dessa forma, ela
contribuía para o estoque mundial de conhecimento; ela disponibilizava para mais
uma pessoa um aprendizado que não existia antes. Quando ela terminasse e
escrevesse as palavras claramente, na última página, significava mais do que “o
fim”. Era a passagem de uma confiança. Certamente, essa habilidade valia alguma
coisa? Por essa habilidade, ele não poderia isentá-la de quaisquer outras falhas?

De que cor eram seus olhos? Estava escuro demais para ver, e a criança que
ela era não havia notado. E por que, enquanto ela estava se perguntando sobre

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Sebastian, a voz dele soava tão áspera e depois tão suave, como se calejada e polida
de uma só vez? Por que tinha o poder de fazê-la tremer?

Não parecia certo pensar tanto nele, especialmente porque ele a repudiou
com tanta habilidade. Não apenas proibindo de consumar o casamento, mas
afastando-se quando ela poderia tê-lo tocado ou se aproximado demais.

Ela tinha feito a escolha certa ao permanecer em Langlinais? Ao concordar


com este casamento? Que outra escolha ela tinha? Um sussurro de sua consciência
avisou que ela estava muito perto de uma mentira.

Pela primeira vez, ela queria ser corajosa. Agora, ao que parece, ela queria
mais. Acima de tudo, ela desejava que todas as perguntas que haviam começado
desde o primeiro momento em que vira Langlinais fossem respondidas.

Ela estava no pátio inferior, agora, onde a maior das torres Langlinais
comandava a vista. Chamava-se a torre de Lorde Henry, desde o primeiro conde
que concedeu a propriedade duzentos anos atrás.

— Milady — disse Jerard. A voz dele a assustou, tão extasiada ela estava em
seus próprios pensamentos. Ele evidentemente a seguiu e ficou esperando ao lado
dela, seu rosto solene, seus olhos ostentando aquela vigilância eterna que o
marcava como leal e silencioso. Ela parou.

— Milorde pediu que você se junte a ele, Lady Julianna.

Tais palavras simples não deveriam fazer sua respiração parar em seu peito.
Mas era a primeira vez que Sebastian a chamava. Ela continuou andando. Jerard
não a pressionou, apenas manteve o ritmo ao seu lado.

— É um lugar grande, Langlinais. — Jerard sabia que ela estava demorando


para atender a convocação? Parecia que sim pelo pequeno sorriso em seu rosto.

— Quando a fortaleza foi entregue ao primeiro conde, era muito pequena.


— ele disse. — Cada conde acrescentou algo ao castelo, milady. O grande salão e
barbacã foram construídos pelo segundo conde. O próximo terminou a parede que
segue o Terne. Ainda outro acrescentou a capela. O pai do milorde ergueu o teto
do grande salão e acrescentou os aposentos da família.

Eles passaram pelo portão que separava o meio do pátio inferior. Ela estava
lentamente refazendo seus passos.

— E o que os pedreiros estão fazendo agora? — perguntou ela, protegendo


os olhos com uma das mãos enquanto observava um grupo de operários
amontoados ao redor da base da torre norte.

Meu Amado – Karen Ranney


— Há sempre algum tipo de construção em Langlinais, milady. Eles estão
reparando as fundações da torre.

A guarita surgiu diante dela. Mais alguns minutos e ela estaria de volta ao
grande salão.

— O que devo dizer a ele, milady? — ele perguntou alguns minutos depois.

Não havia como adiar mais.

— Eu vou atendê-lo, é claro. Na câmara dele?

— Não, milady. Lá. — Ele apontou, e o olhar dela seguiu seu dedo. Até o
topo da torre leste, onde estava uma figura vestida de preto. Ele os estava
observando? Ele esteve observando-a todo esse tempo?

O medo estremeceu através dela. Misturado com outra emoção.


Antecipação, talvez. Ele a castigaria por entrar na capela? Ou explicaria,
finalmente, por que se vestia com um manto de monge e se escondia?

Jerard não falou enquanto a conduzia a uma porta na base da torre. Ele não
disse nada, mas então, o que ele poderia dizer? Sebastian era seu marido, afinal.
Ele a havia convocado, e ela iria. Os homens iam para a guerra e suportavam a
batalha. As mulheres eram protegidas e mantidas em segurança e, por isso,
esperava-se que fossem obedientes. Era assim que o mundo funcionava.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 11

A porta revelou uma espiral interminável de degraus que levavam ao topo


da torre. Eles não eram largos, e não havia apoio para se segurar, apenas a curva de
blocos de pedra enquanto subiam até o que parecia ser o próprio céu.

Seu coração estava batendo tão forte que ela se sentiu tremer. Seus joelhos
tremiam, como se fossem desmoronar a qualquer momento. A coragem inicial
necessária para subir o primeiro círculo de degraus desapareceu rapidamente. No
segundo, ela estava certa de que ia tremer em pedaços. “Desça daí, criança. Você
vai cair para a morte”. Vozes das freiras, de sua infância. Um aviso sinistro que ela
não tinha dúvida se tornaria realidade nos próximos momentos. No terceiro círculo
de degraus, a única coisa que a mantinha subindo era o fato de ser menos
assustador do que começar a descida. Havia, finalmente, um apoio para as mãos.
Não mais do que um tijolo áspero com um sulco desgastado ao longo de seu
comprimento, ela o agarrou e se ergueu a curta distância até o piso de madeira da
torre.

No topo, Sebastian não estendeu a mão para ajudá-la a se levantar, nem


pareceu notar sua presença. Ela, no entanto, viu a cena ao redor deles e deu um
passo para trás, quase caindo no buraco da escada.

Ele se virou e a observou, mas não se aproximou. Ah, havia uma lição a ser
aprendida então. Ele ainda não queria tocá-la.

— Você está se sentindo mal?

— Não — disse ela, encostando-se no merlão e fechando os olhos. Ela não


fez nenhum movimento para mudar de posição. — Eu não gosto de altura — ela
confessou.

— Então, por que você vem ao topo da torre?

Ela levantou a cabeça e olhou para ele. O capuz de monge não fazia nada
para proteger seu rosto da vista. Ou ela simplesmente soube disso agora, que podia
colocar nariz, olhos e boca onde as sombras antes apenas sugeriam feições?

— Você mandou me chamar.

Ele empurrou o capuz para trás, deixando seu rosto banhado pela luz do sol.
Seus olhos eram azuis. Não, não apenas azuis, mas o azul de sua tinta, pouco antes
de mudar para preto. O olhar era solene, mas tal expressão não diminuía sua
beleza. Ou a dele.

Meu Amado – Karen Ranney


A partir desta posição, ela apenas visualizava a ameia. Sebastian, no entanto,
estava muito perto da borda. Enquanto ela observava, ele se sentou em uma das
ameias, de costas para o campo. O que ele pareceria para qualquer um que o visse?
Um corvo enorme? Uma flâmula? Qualquer coisa menos Sebastian de Langlinais
vestido com um manto de monge. Ele estava alheio ao perigo de seu poleiro?

— Eu não a teria trazido aqui se soubesse de sua antipatia por altura,


Julianna.

Ela desviou o olhar. De seu ponto de vista, os merlões bloqueavam sua visão
do campo, embora ela pudesse ver bem o suficiente pela abertura das ameias. A
melhor visão que tinha era a de seus dedos.

A visão deles não fez seu estômago embrulhar.

— Este é o meu lugar favorito em Langlinais. Talvez porque eu possa ver


todo o domínio daqui. Ou talvez seja por causa do ano que passei encerrado em
uma cela. Há dias em que não suporto o confinamento das paredes.

Ela se sentou no chão da torre, enfiando as pernas sob o tecido de sua túnica.
Sentar-se aliviou um pouco seu medo, escondendo a vista.

O tempo parecia desacelerar enquanto eles olhavam um para o outro. A


visão de seu rosto teve o mesmo efeito, sobre ela, de estar naquela altura. A
maturidade havia acrescentado força ao seu rosto, a delineação de músculos e
ossos. Não havia suavidade ali, nenhum indício de gentileza. O rosto de um
guerreiro. Mas ainda a prendia. Era quase lindo. Seus dedos desejavam traçar a
linha de sua bochecha para ver se era assim definido ou apenas as sombras o
tornavam assim. E seus lábios. Os lábios de um homem deveriam ser tão atraentes?

Ela desviou o olhar, seu rosto esquentando com tais pensamentos.

— Achei que você tinha cicatrizes, Sebastian. E fosse tímido por causa disso.
— Ela falou com o merlão e não com ele. Era mais fácil, de alguma forma.

— Você tem muita curiosidade, Julianna. Fica bem para a posição de um


escriba.

— Mas não para uma esposa? — Ela se virou para olhá-lo.

Seu sorriso era brilhante, mas fugaz. Um momento ali, no outro tinha ido,
seu rosto ficou sombrio.

— Por que você não gosta de altura, Julianna?

Seu rosto era forte e imperioso, mas não indelicado. Ele havia feito uma
pergunta para indicar que não tinha intenção de responder à dela. O marido que
ela temia tinha se transformado em um homem bonito que estava sentado à sua

Meu Amado – Karen Ranney


frente vestido com roupas de monge, um pequeno sorriso brincando em seus
lábios. Ela deveria simplesmente aceitar sua aparência sem explicação? Não
questioná-lo quanto ao estranho casamento ou a razão para isso Parecia que sim,
uma determinação que ela fazia no silêncio que se estendia entre eles.

— É preciso ter um motivo, Sebastian? Algumas pessoas não podem


simplesmente nascer com uma mistura de medos? Um homem pode nascer com
olhos castanhos, outro azul. — Ela traçou a argamassa entre as pedras com um
dedo, sem olhar para ele.

— E alguns são corajosos e outros são covardes?

— Sim — disse ela, assentindo enfaticamente.

— Ainda me lembro de uma criança que fez uma careta para mim e mostrou
a língua muito grosseiramente.

Ela sentiu seu rosto quente.

— Eu, não.

— Oh, você fez — ele disse, sorrindo. — E foi suficiente para eu pensar que
você não era nada tímida. O que aconteceu nos anos seguintes, Julianna?

— Não me lembro de mostrar a língua para você, Sebastian. Eu posso ter


franzido um pouco a testa. — Ela olhou para as mãos. — Eu não fui tão rude.

— A criança que conheci não era rude. Era ousada. Afinal, era o dia do seu
casamento.

Ela encontrou seu olhar, então o desviou.

— Você sabia que existem sessenta e um instrumentos de boas obras? A


abadessa Gertrud me lembrou pelo menos vinte deles. Eu não devia guardar
rancor, nem ceder à raiva. Eu deveria honrar a todos, e pacientemente suportar as
injustiças feitas a mim. Mas com toda a honestidade, Sebastian, achei difícil.

Ele não fez perguntas fúteis, mas ficou sentado esperando. Ele parecia saber
que contar essa história em particular era difícil. Ela não repetiu para ninguém
desde que aconteceu. Mesmo agora parecia estranho fazê-lo, como se ela
desobedecesse a alguma ordem celestial.

— Poucos meses depois de nos casarmos, fui enviada para morar no


convento. Foi escolhido, creio, pela proximidade de Langlinais.

— Você tinha apenas cinco anos de idade. — Sua voz soou absurdamente
gentil. Ele não devia ser, ou ela não poderia terminar esta história. Ela mal podia
suportar pensar naquela criança.

Meu Amado – Karen Ranney


— Minha mãe tinha acabado de morrer, veja, e eu era crescida. Meu pai
queria ir lutar, e meus irmãos foram todos adotados. Provavelmente foi a melhor
coisa.

— Para ele. — Havia um tom de desgosto em sua voz que a fez sorrir. Ela
não era a única criança indesejada e enviada para viver com outras pessoas. Pelo
menos seu pai tinha arranjado seu futuro contraindo um casamento vantajoso.
Mesmo que a ação tenha sido motivada por ambição, ainda a beneficiou.

— Eu era solitária, eu acho, e provavelmente um incômodo para as meninas


mais velhas.

— O que elas fizeram?

— Elas me trancaram na torre do sino.

Ela olhou para ele. Havia uma expressão em seu rosto que não era nada
difícil de ler. Era raiva, e sua presença parecia aquecer seu coração. Ou talvez fosse
o coração daquela garotinha de tantos anos atrás.

— Não me lembro de ter ido lá. Ou mesmo por quê. Tudo o que me lembro
é que estava escuro na torre do sino. Muito, muito escuro.

— Ninguém ouviu seus gritos?

Ela sorriu.

— Fui aconselhada a manter silêncio, Sebastian. Mesmo que eu estivesse


com medo, eu tinha medo de fazer qualquer som.

— Então você se sentou no escuro e esperou.

— Não. — Ela se endireitou. Mesmo agora ela podia ver o chão sob seus pés,
tão longe. Parecia apressar-se para ela. Ela fechou os olhos.

— Eu sabia, sabe, que já tinha passado do jantar, e ninguém tinha me


encontrado ainda. Eu não tinha certeza se alguém viria. Então, eu rastejei para fora
do topo da torre e decidi descer pelo telhado.

Ele não disse nada diante de sua confissão. Ela olhou para as próprias mãos.

— Escorreguei e quase caí, porém minha túnica ficou presa na beirada do


telhado. Fiquei pendurada ali pelo que pareceram horas.

— Em silêncio?

— Você está parecendo a abadessa, Sebastian, quando lhe disseram. Na


verdade, esqueci as advertências sobre o silêncio e gritei muito. O suficiente para
que algumas das irmãs viessem investigar. Todas elas queriam me resgatar, mas eu

Meu Amado – Karen Ranney


estava muito alto. Caí, finalmente, em uma pilha de feno que a Irmã Margaret
dispôs abaixo de mim.

— E não quebrou nenhum osso?

— Talvez não fosse tão alto quanto eu pensava — ela admitiu.

— Mas desde aquele dia você passou a odiar altura e escuridão.

— E cavalos, e água e sem dúvida muitas outras coisas adicionadas a essa


lista — ela confessou.

— No entanto, a criança que subiu naquele telhado foi corajosa e destemida.

— Tola e insensata — ela rebateu.

— Eu me pergunto, Julianna, se foi o medo que lhe marcou, ou o que lhe


ensinaram? Qual teve mais influência?

Ela olhou para ele novamente, assustada.

— Não tenho dúvidas de que lhe disseram repetidamente que poderia ter
morrido por suas ações tolas.

Ela assentiu.

— Você teria tanto medo até hoje se tivesse sido parabenizada pela bravura
de seu feito?

Era um pensamento estranho, um que ela nunca teve antes.

— Então o que eu temo não é tanto a realidade de uma coisa, mas suas
consequências? Não é sábio fazer isso?

— Qualquer coisa pode causar dano, se levado ao extremo. Inclusive medo.

— Você teria me tornado tolamente corajosa. — Ela puxou as pernas por


baixo do sobretudo, apoiou os braços nelas.

— Você é muito inteligente para ser tola. Seu bom senso a teria advertido,
não as palavras histéricas dos outros. — Seu rosto se aqueceu com suas palavras.

— Ou pode ser que eu realmente tenha medo de altura, Sebastian.

— Você perguntou se algumas pessoas não poderiam simplesmente nascer


com medos. Eu acredito que sim. Mas adquiri-los onde antes não existiam me
indica que há treinamento mais do que medo natural.

— É um ponto de reflexão interessante. — Ela apoiou o queixo nos braços


cruzados.

— Eu teria aplaudido sua coragem, e parabenizado pelo esforço.

Meu Amado – Karen Ranney


— Minha estada no convento pode ter sido marcada como um castigo, então
— disse ela, sorrindo para ele.

— Em vez de solidão.

Como ele sabia?

— Sim.

— A abadessa puniu os responsáveis?

— Sempre havia meninas saindo e chegando no convento. Tenho certeza de


que elas não ficaram muito tempo depois disso. Na verdade, eu estava lá há mais
tempo do que a maioria.

Ele não disse nada sobre isso, apenas estudou-a como se tivesse certeza de
que a posição de suas feições era a mesma do dia anterior, que seu cabelo estava
arrumado da mesma forma. Ele desviou o olhar, assim que ela começou a se
aquecer sob seu olhar.

— Eu não queria bisbilhotar quando entrei na capela — disse ela, as palavras


incitadas pela consciência. Ele não havia questionado sua presença ali, mas ela
ainda queria explicar.

Ele sorriu, seu olhar voltando para ela. Certamente ela não era a primeira
mulher a suspirar interiormente com o efeito tanto daquele olhar quanto daquele
sorriso simples. Eles não o faziam parecer mais jovem. Em vez disso, eles
adicionavam uma aura de maldade ao seu rosto forte.

— Não a chamei aqui como castigo, Julianna. Jerard insinuou isso?

— Não. Duvido que algum dia ele falaria mal de você. — Na verdade, Jerard
simplesmente sorria sempre que ela fazia uma pergunta que ele escolhia não
responder, não muito diferente do Senhor de Langlinais.

Ele desviou o olhar, para onde uma estrela primitiva apareceu no horizonte.
Ele piscou, como um gato travesso.

— Ele é — disse ele, — o homem mais leal que já conheci.

— Mas ele não é de Langlinais. — Ele havia dito isso a ela um dia.

— Não — disse Sebastian. — Conheci Jerard em uma das minhas muitas


rodadas de torneios.

— É verdade que o rei Henry excomunga aqueles que participam?

— Talvez na Inglaterra, mas na França ainda são populares. Eles são, afinal,
projetados para treinar um homem para a guerra, embora alguns não sejam
necessariamente uma simulação de guerra. — Um pequeno sorriso curvou seus

Meu Amado – Karen Ranney


lábios. Não era de diversão, mas sim por uma lembrança. Uma lembrança afetuosa,
mas agridoce, surgiu, então rapidamente desapareceu.

— Um cavaleiro marca o início e o fim de cada torneio com a Missa, pois


existe a possibilidade de um homem não sobreviver. Dois conjuntos de cavaleiros
se enfrentam em um prado plano. Então, ao sinal, os dois exércitos atacam um ao
outro. Aqueles que são derrotados são mantidos para resgate. É assim que um
cavaleiro vitorioso ganha cavalos e armaduras.

— Mas você nunca foi derrotado. — Ela sabia disso.

O olhar que ele enviou a ela foi irônico.

— Fui vitorioso desde o meu primeiro torneio, fui arrogante. Uma vez,
resgatei os cavalos que ganhei e não fiquei com nenhum para meu próprio uso.
Consequentemente, eu não tinha nem um cavalo decente para montar, já que o
meu tinha ficado manco. Eu o estava conduzindo, mancando, para o próximo
torneio quando conheci Jerard. Ele estava trabalhando nos estábulos de seu
suserano. Ele tratou meu cavalo tão bem que pude lutar e vencer novamente. —
Ele fez uma pausa, depois continuou. — Comprei sua liberdade com meus ganhos
e fiz dele meu escudeiro.

— Ele era um servo?

Ele assentiu.

— Agora ele é seu mordomo.

— E provou sair-se muito bem nessa função também — disse ele.

— Não posso acreditar que foi estritamente o seu cavalo que lhe reclamou
todos esses prêmios.

As palavras dela pareceram envergonhá-lo. Ele levantou a cabeça e observou


o céu.

— Nem todos eram prêmios — disse ele, virando-se mais uma vez para ela.
Evidentemente, ele não queria falar de sua habilidade com espada ou lança. — Uma
vez fui premiado com um peixe, um lúcio7 muito grande. E outra vez, com um
bosque. E em outro torneio ganhei a mão de uma senhora muito simpática com
um nariz muito grande. Eu me esforcei muito para informar ao pai dela que eu
estava casado há muitos anos com uma garota que não via desde os doze anos.

— Enquanto eu treinava minhas letras nas Irmãs de Caridade, sem saber


que outra desejava meu marido.

7 Lúcio é o nome geral dado aos peixes de água doce do género Esox, A sua cor é tipicamente cinzento-esverdeado
podendo apresentar pintas, sempre de padrão diferente de indivíduo para indivíduo.

Meu Amado – Karen Ranney


— Ah, acho que ela não me desejava. Ela estava concentrada em outro, um
cavaleiro alemão com uma cabeça enorme e um nariz quase tão grande.

Eles sorriram um para o outro, contentes no momento, ambos cientes do


perigo que haviam contornado ao falar de juramentos, infâncias e honra. Foi um
momento tão doce quanto aquele em que ele a parabenizou por sua coragem.

Por causa disso, ela fez outra pergunta. — Por que você nunca vai lá fora? A
menos que esteja escuro, ou amanheça e não haja ninguém por perto?

— Você faz seu próprio perfume? — Havia alguns tópicos que ele não
abordaria apesar de sua repentina facilidade um com o outro.

— Não — disse ela, confusa com o grau de mágoa que sentia. Com a
brusquidão. Era como se ela fosse uma criança e alguém lhe oferecesse uma
guloseima, depois a pegasse de volta assim que ela a pegasse. Não, Julianna, você
não pode tê-lo. Você não o merece.

Não estrague este momento, Julianna, desejando algo que você não pode ter.
Aceite o que você tem e torne-o suficiente. Por essa lógica ela se sustentou durante
toda a sua infância, durante aqueles longos anos em que seu pai não veio. Só para
saber mais tarde que ele havia morrido dois anos antes e ninguém havia pensado
em informá-la.

— Tenho um grande estoque dele em meus baús. A abadessa me enviou


como presente de noiva.

A visão de seu meio sorriso fez algo doer em seu peito, alguma emoção até
então desconhecida, composta de mágoa e uma sensação de sua própria
fragilidade. Ela se sentiu quase leve como um pergaminho naquele momento,
capaz de ser sacudida pela brisa suave que levantou a ponta do pano. Tudo por
causa de um sorriso.

— Sou eu? — Ela inclinou o queixo para cima, e o observou atentamente.


Esperando que a resposta, quando viesse, fosse gentil. — Eu sou a razão pela qual
você não deseja um casamento adequado?

Ele pareceu surpreso por um momento, antes de suas feições se


estabelecerem em linhas severas.

— Ouvi muita estupidez em minha vida, especialmente durante meus anos


como estudante. Mas eu esperava mais de você. — Ela ouviu a aspereza de seu tom,
viu o balançar da cabeça como se negasse a pergunta.

— Por que você esperava mais de mim? — Ela olhou para ele, curiosidade
genuína no rosto. — Você não me conhece. Até esta tarde, mal tínhamos falado.

Meu Amado – Karen Ranney


Você não tinha como avaliar a maneira como eu penso. Por que eu não acreditaria
no que vejo?

— Porque você é uma mulher inteligente. Porque eu vi você traçar seus


dedos sobre as palavras como se fossem ouro. Como você respeita as tradições do
scriptorium, honre o aprendizado que sua habilidade promoverá.

Ela se mexeu, puxando as pernas como se estivesse se envolvendo em uma


bola apertada.

— Ainda assim, você não fez nada para alterar minha percepção.
Simplesmente anunciou como algo errado.

— Não, então. — As palavras foram suaves e ternas. — Isso a tranquiliza?


Não, Julianna, minhas ações não têm nada a ver com você.

Mais uma vez, ela experimentou a sensação de que estava sendo atraída para
o encantamento. Não era sua aparência, ou o mistério que o cercava que a seduzia.
Era o todo dele. Sebastian de Langlinais.

A criança que ela tinha sido, que tinha sido corajosa, ousada e destemida,
sorriu e riu por trás de sua mão.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 12

Julianna pousou a pena de junco. Hoje ela estava colorindo uma grande área
da inicial maiúscula, e o trabalho não exigia a delicadeza de uma de suas preciosas
penas de pato. Na verdade, o trabalho estava indo devagar, porque ela não
conseguia se concentrar. Muitas vezes, seu olhar era capturado pela caixa prateada
no canto de seu espaço de trabalho.

Ela olhou para uma página até perceber que permitiu que uma gota de tinta
manchasse a superfície. Pelo menos o pergaminho estava em branco. O resto da
manhã foi gasto aplicando pedra-pomes na área e esfregando até que estivesse
finalmente limpa.

Normalmente, as horas passavam e ela mal percebia. No entanto, agora, o


tempo parecia desacelerar a um ritmo que ela nunca sentiu antes, como se cada
movimento levasse o dobro do tempo para ser concluído.

Ontem surgiu em sua mente assim que ela deixou a torre. Eles passaram
horas conversando sobre coisas que contornavam as bordas de sua estranha união.
Mas ela não havia feito mais nenhuma das perguntas que estavam na vanguarda
de sua mente, sabendo que ele não as responderia.

Abaixo dela, os criados trabalhavam em suas tarefas, supervisionados não


por ela, mas sob o olhar atento de Jerard. A lavadeira lavava as toalhas de mesa e
os lençóis, o cozinheiro cozinhava a carne no caldeirão do pátio, o ferreiro
trabalhava na enorme forja. Os penicos foram esvaziados, os juncos substituídos,
os cavalos alimentados e o chão varrido. Todas essas coisas necessárias.

Julianna se viu ouvindo os sons do castelo, tornando-se tão hábil em


discerni-los que podia ouvir o ranger de uma dobradiça e saber que era a porta da
estábulo sendo aberta. Ela podia ouvir uma de suas criadas escovando os lençóis
em seu quarto, podia ouvir as risadas suaves entre a cozinheira e a ajudante.

Mas onde estava Sebastian? Que ocupação o intrigava, o mantinha tão


calado durante o dia? Se ele não era um asceta preso à mortificação da carne, então
por que se vestir com um hábito de monge e se esconder do mundo? Ela nunca o
tinha visto no pátio, nem no campo inclinado, nem montou um dos cavalos que
ela tinha visto pastando nos campos distantes. Será que ele dormia quando o sol
nascia e ficava acordado a noite toda? Qual era o grande segredo que mantinha
Sebastian quase prisioneiro dentro de seu castelo e aprisionava Langlinais?

Sua curiosidade era tolice. A quem ela iria perguntar? Não ao próprio
Senhor de Langlinais. Era como se ele fosse uma ilha com fosso, separado e afastado

Meu Amado – Karen Ranney


de todas as outras pessoas com quem entrava em contato. Ela duvidava que ele
divulgasse as razões de sua reticência e isolamento. Jerard? Ele apenas sorria para
ela e não respondia suas perguntas. Grazide? Não. Ela precisava parecer feliz com
seu casamento.

Ela estendeu a mão e pegou o cofre de prata, segurando-o em sua mão.


Mesmo agora, ainda estava quente.

Resolutamente, ela largou o cofre e pegou o junco novamente, os hábitos de


uma vida inteira de serviço difíceis de descartar. Ela examinou a palheta enquanto
a desgastava e aparava a ponta com a pequena adaga que carregava na cintura. Não
foi projetada para proteger nem para comer, apenas com o propósito de aparar seus
espinhos e cortar o pergaminho no tamanho certo. A abadessa a presenteou com
ela no dia em que chegou a notícia de que seu marido tinha ido em uma cruzada.
Na época, ela não tinha pensado no atraso. Agora, ela se perguntava o que teria
acontecido se Sebastian a tivesse convocado antes de partir para a Terra Santa.
Teria sido diferente do homem que era agora? Teria ele vestido uma túnica preta e
orado com tanta eloquência?

Suas especulações não tinham importância. Ele não havia a convocado, e


desejar não mudaria o passado. Ainda assim, ela não podia deixar de tentar
organizar todas as esquisitices das últimas semanas. Ela desejava
desesperadamente por respostas, e não havia nenhuma.

— Julianna, você nunca terá sucesso se não começar — disse a si mesma.

— Uma advertência digna.

Ela se virou e ele estava ali. Ela não se sobressaltou nem vacilou com sua
aparição repentina. Era como se de alguma forma ela soubesse que ele viria, como
a árvore antecipa o pouso de um pássaro em seus galhos, ou a terra um coelho
escavador. Um pequeno sorriso curvou seus lábios em tais noções sem sentido.
Sebastian, Conde de Langlinais, não era nem pássaro nem coelho. Mais uma
sombra, talvez, uma que caísse onde deveria, como deveria, apesar da colocação
do sol ou da nuvem.

Ele entrou no pequeno oriel, ainda mais íntimo por sua presença.

Mas ela não disse nada, nem se moveu para o lado quando ele se aproximou,
compelido pelo pequeno tamanho da sala. Seus dedos tremiam enquanto ele estava
atrás dela, observando, mas não disse nada. Eles tremeram quando ela abriu o
pequeno chifre que continha sua tinta preparada, e despejou um pouco em uma
tigela rasa.

— Por que a tinta é clara? — Ele sussurrou ao lado de seu ouvido, e por força
de uma vontade que ela não sabia que possuía não estremeceu . Não que isso a

Meu Amado – Karen Ranney


assustasse; isso não. Não era mais substancial do que uma brisa suave, um toque
de som com apenas um toque de emoção.

— Escurecerá quanto mais tempo estiver exposto ao ar — disse ela,


concentrando sua mente nas coisas necessárias que ela deveria fazer em seguida.
— Ou posso mudar a cor adicionando alguns flocos de ferrugem.

Ela se virou e olhou para ele.

— Eu nunca lhe agradeci pelo meu presente, Sebastian.

— Uma coisa insignificante.

O sorriso dele e o dela pareciam estranhamente emparelhados.

Ele falou novamente, o momento se foi.

— É comum ser encarregado da tarefa de fabricante de tinta, bem como de


escriba?

— A abadessa gostava de dizer que um bom operário conhece suas


ferramentas. Eu mesmo acho que foi uma forma de nos fazer aprender o que
precisávamos saber. Fazíamos mais do que copiar texto. Aprendemos a fazer letras
iniciais e outros floreios adicionais principalmente em miniaturistas ou rubricas.
Muito raramente uma pessoa faz todas as três tarefas.

— Mas você faz tudo isso, faz tinta e prepara seu pergaminho também?

— Fui uma das duas leigas que a abadessa permitiu a entrada no


scriptorium. Eu estava disposta a fazer tudo para provar que era digna.

— Requer paciência, o trabalho que você faz.

— E muita sorte — disse ela, olhando para as mãos. Seus dedos estavam
posicionados na borda do espaço de trabalho. Ela precisa pegar uma de suas penas
e começar seu trabalho. A enciclopédia não vai terminar se ela não começar.

— Boa sorte?

— Sim — ela disse suavemente, sua voz quase tão gentil quanto a dele.
Afinal, não havia necessidade de gritar um com o outro. Eles estavam a apenas um
pé de distância. O tamanho do oriel não permitia que ficassem mais afastados.

Seus dedos tremeram e ela apertou mais a superfície de trabalho. A madeira,


aplainada e esfregada com óleo, parecia sólida, envelhecida.

Ela falou, aliviando as palavras através da constrição em sua garganta.

— Uma gota de tinta, um toque muito forte na pena, uma mão que dá
cãibras. Todas essas coisas podem arruinar um trabalho de meses.

Meu Amado – Karen Ranney


Ele chegou muito perto, perto o suficiente para que seu roupão roçasse no
cotovelo dela. Ambos tomaram cientes do toque ao mesmo tempo. Sua respiração
retraída motivou um movimento rápido. Um passo para longe e ele não estava mais
tão perto.

— E isso aconteceu com você?

— Eu tenho minha parcela de experiência em esfregar uma página até que


limpe — ela disse, sorrindo para suas mãos. — É a impaciência que é meu maior
pecado, receio.

Ela olhou para seu manuscrito. A página estava imaculada como se nunca
tivesse derramado tinta sobre ela. Ela aprendera, ao longo dos anos, a mascarar os
efeitos de seus próprios erros tão bem que os outros escribas a procuravam quando
precisavam que algo fosse apagado. Certa vez ela reclamou com a abadessa que não
parecia justo ser tão proficiente com erros, para o que a abadessa simplesmente
sorriu e decretou que cada um de nós reconhece seus próprios erros muito melhor
do que qualquer outra pessoa.

Ela levantou a cabeça e olhou pela janela longa e estreita que lhe mostrava
o mundo. Ela não precisou virar a cabeça para saber que ele a estava observando,
estudando-a como ela aprendeu aqueles livros que ela iria transcrever mais tarde.
Irmãos, não sejam negligentes em suas traduções, mas de mente alerta e coração
disposto. Uma advertência que ela repetia para si mesma todas as manhãs antes de
pegar sua pena.

Ele cuidadosamente virou uma página da enciclopédia.

— É isso que você está transcrevendo?

— Sim — disse ela. — Não é um livro muito longo. Mas seu autor é bastante
verboso e tem muito a dizer sobre todos os tipos de plantas. Mas não há ilustrações,
pelas quais sou grata. Não sou boa artista.

— No entanto, seus glifos são encantadores. — Ele traçou um dedo


enluvado no ar acima do Q.

— Um talento elementar, receio.

— Você não se dá crédito suficiente, Julianna. Isso é outra coisa que você
teve que aprender, essa auto humilhação? — Seu sorriso roubou as palavras de seu
aguilhão.

— Não, mas a verdade. Conheço bem minhas habilidades ou a falta delas. A


abadessa esperava muito de todos nós. Aut disce aut dicede.

Meu Amado – Karen Ranney


— Ou aprende ou vai embora? E eu aqui pensando que meu pai era um
severo capataz. Sua abadessa parece uma górgona8.

Ela sorriu.

— Não. Eu gostava bastante dela. Acho que a deixei confusa, no entanto. Eu


realmente acredito que ela estava sempre esperando que eu fosse alguém diferente
do que eu sou.

— Talvez ela estivesse esperando a criança ousada emergir novamente.

— Ela nunca fez isso — Julianna disse baixinho. — Aprendi a aceitar o que
me disseram.

— Você aceita tudo que aprende, Julianna? Você nunca questiona aquelas
coisas que você vê, ouve e sabe? O que aconteceria se você descobrisse uma
verdade que transformasse tudo o que você conhece em mentira?

Ela olhou para ele e sorriu novamente.

— Que o céu é verde e a grama é azul?

Ele assentiu.

— Verdade?

— E se você acordasse amanhã de manhã e visse que o céu estava verde?


Que sempre foi verde, mesmo quando você pensava que era azul. O que você faria?

Ela pensou por um momento.

— Não sei. Provavelmente me questionaria primeiro, para ver se eu tinha


visto corretamente. Então, gostaria de saber por que as pessoas não me contaram.
E porque primeiro eu tinha aprendido que era azul.

— Você sabe o que eu acho que a maioria das pessoas fariam? — ele
perguntou, seu sorriso sumindo. — Acho que diriam que ainda era azul. Que
aqueles que o chamavam de verde estavam errados.

— O céu é verde, Sebastian?

Ela esperava que ele respondesse com uma risada, mas em vez disso, ele
disse: — Não sei, Julianna.

Ele se virou para ir. Quando ele hesitou na porta, ela estendeu uma mão
como se quisesse evitar sua partida. Ele se afastou do toque dela, um repúdio tão

8 Monstros com aparência feminina e eram conhecidas por terem o poder de transformar em pedra aqueles que olhassem

diretamente para o seu rosto.

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revelador quanto o anterior. Mas seu olhar era gentil e suas palavras
surpreendentes.

— Estou na torre quase todas as noites. Gostaria de sua companhia. Se vier,


falaremos de Saladino e Aristóteles — prometeu. —, ou podemos jogar xadrez, se
preferir. Jerard acha que meu jogo é muito lento, mas eu prefiro considerar todos
os aspectos de cada movimento.

Ela sorriu, persuadida por suas palavras suaves.

— Quando você fala do jogo, parece tão esperançoso quanto um jovem


arteiro que deseja que acreditem em sua história seja acreditada. Confesso que sou
nova nisso, mas gosto de xadrez.

— Você virá novamente ao topo da minha torre, Julianna?

Ela assentiu.

Ele não disse mais nada, apenas fechou a porta atrás de si, deixando-a
sozinha.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 13

Courcy, França

Gregory de Langlinais havia sido elevado aos Capítulos Gerais dos


Templários por duas razões: sua capacidade de criar ordem mesmo em meio ao
caos e sua crença quase suicida em suas próprias habilidades no campo de batalha.

Sua nova posição era a de um representante itinerante cuja habilidade era


determinar e então resolver as deficiências administrativas de cada preceptoria.
Não era uma posição tão estranha para um ex-comandante de cavaleiros quanto
parecia. O cargo exigia um homem que não se intimidasse facilmente, que pudesse
dar ordens e esperar que fossem obedecidas sem questionamentos.

Nos últimos dois anos, ele começou a notar os pontos fortes da Ordem, bem
como suas vulnerabilidades. O que ele viu foi uma organização cujo propósito
estava rapidamente se tornando obsoleto. A razão para o surgimento dos
Templários há cem anos foi para prover o homem comum em seu caminho em
adoração aos santuários cristãos. Agora a Ordem estava sendo usada como nada
mais do que uma força unida contra os inimigos do papado ou para descobrir
hereges dentro da cristandade.

Para perdurar, sua missão deve mudar. Eles deveriam esculpir um futuro
para si que estivesse mais de acordo com seu poder. Uma visão que a maioria dos
líderes dos Templários infelizmente não compartilhava.

No entanto, um dos homens que compartilhava essa visão estava sentado


em frente a ele agora. Era bem possível que um dia ele pudesse ser Mestre da
Ordem por causa dessa percepção, e porque ele incorporava todos os ideais
exemplares de um cavaleiro Templário.

Cinquenta anos antes, o Livro dos Juízes havia sido traduzido para o
discurso do dia, para que os irmãos pudessem entender a cavalaria dos tempos
bíblicos, especialmente a conquista da Terra Santa por Josué. Gregory tinha ouvido
alguns irmãos se referirem ao homem à sua frente como o novo Joshua. Phillipe
d'Aubry era o Marechal, um homem próximo ao topo da hierarquia da Ordem,
próximo o suficiente do Mestre para ser considerado seu sucessor.

D'Aubry era o único homem que sabia de todas as correspondências que


corriam rotineiramente. Ele podia enumerar cada um dos muitos empréstimos dos
Templários e ocultava rotineiramente os juros que ganhavam. A Ordem, à primeira
vista, não traiu seu juramento de pobreza. Tampouco desejavam ser considerados

Meu Amado – Karen Ranney


agiotas. A verdadeira riqueza da Ordem estava escondida na posse de suas
inúmeras propriedades em toda a Europa.

— Tem certeza que ele sabe? — Philippe perguntou.

— Suspeito que sim — disse Gregory. — Ele mesmo me disse que estava na
fortaleza cátara pouco depois do fim do cerco.

Um olhar de interesse cruzou as feições de Phillipe.

— Fala-se de você, Gregory. Que você se esforça para aprender até as


verdades ocultas.

Gregory inclinou a cabeça, nem confirmando nem negando.

— Pode não haver nada neste tesouro, Gregory.

Ele formulou sua resposta com cuidado.

— Onde há rumores de duração suficiente, Marechal, geralmente há alguma


verdade.

— Você sabe, é claro, que esses cátaros não entregaram nada e não
confessaram uma palavra. Eles marcharam para o fogo cantando canções de
alegria. — O olhar de Phillipe era de especulação gentil.

— Ainda se fala que eles estavam de posse de relíquias da fé.

— Você foi um daqueles que se infiltrou em suas fileiras?

— Não. Mas eu tenho conhecimento do que aconteceu. — Os Templários


enviaram alguns de seus irmãos para se juntarem aos cátaros, alegando uma
conversão religiosa, a fim de determinar se os rumores de um grande tesouro eram
verdadeiros. Os homens voltaram para confirmar que os cátaros, de fato, possuíam
um tesouro. Sua existência foi estabelecida, mas não sua substância.

— Você acredita que seu irmão tem o tesouro, Gregory? Que sua viagem a
Montvichet era para recuperá-lo? Que ele o encontrou quando ninguém mais o
fez?

— Sim, Marechal.

Phillipe se recostou na cadeira e passou a ponta do dedo na xícara de barro


à sua frente.

— O que você propõe?

— Ele tem menos de três meses para pagar o restante do resgate, mais os
juros do empréstimo. Recebi notícias dele de que não é capaz de fazê-lo, mesmo
que Langlinais produza uma colheita abundante.

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— Então por que ele não nos ofereceu antes?

— Talvez tenha faltado motivação suficiente para isso, Marechal. Ou


acreditava que poderia pagar o empréstimo.

— Então você ofereceria uma troca a Sebastian de Langlinais? O libertaria


de sua obrigação pelo tesouro dos cátaros?

Gregory assentiu.

Phillipe juntou os dedos, olhou além de seu convidado para a parede oposta,
como se o tesouro dos cátaros estivesse ali.

— Se for verdade — murmurou ele —, podemos ser os guardiões das


verdadeiras relíquias.

— Poder além dos nossos maiores pensamentos.

— Para que você usaria esse grande poder, Gregory?

Seu sorriso era tão agradável quanto o tom de voz usado para se dirigir a ele.
Gregory não era enganado por tal gentileza. Uma mente rápida estava por trás da
voz suave.

— Para atuar como garantia de passagem segura. Exigir feudos em


recompensa, a manutenção das fortalezas na Síria latina.

— Você quer que mudemos nossa função?

— O mundo está mudando, Marechal, e para sobreviver, devemos mudar


com ele.

— Mas você nos faria reis, Gregory.

— O direito divino de governar, Marechal, tornou-se possível em quase


todos os países por empréstimos dos Templários.

— Acho que você é um homem perigoso, Gregory. Ou um ambicioso.

— Se nosso papel for ampliado, Marechal, a Ordem exigirá homens de


habilidade.

— E você se vê ocupando tal cargo?

Gregory inclinou a cabeça, permitiu-se sorrir, mas apenas levemente.

— Só se eu provar ser digno, Marechal.

— Um líder sábio o manteria por perto, para melhor conhecer sua mente.
Ou bani-lo de sua presença para que você não contamine seus pensamentos.

— Devo ir embora, Marechal?

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O olhar dado a ele era de especulação.

— Passemos primeiro ao assunto de seu irmão, Gregory. Vamos ver se não


deixamos escapar o tesouro dos cátaros.

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Capítulo 14

Sebastian afastou o capuz de monge da cabeça, ergueu o rosto para a brisa


suave e respirou fundo, os olhos fechados como se quisesse saborear a sensação
mais plenamente. Langlinais. O ar estava perfumado com o cheiro de flores e ervas.

Esfregou as mãos enluvadas no rosto. Preferia estar descalço. Uma maneira


de repudiar tudo o que ele foi, tudo o que ele fez. O homem que tinha sido tinha o
cabelo curto, a barba cheia. O homem que ele era agora estava barbeado e com o
cabelo mais comprido.

Por duas semanas eles se encontraram na torre, Julianna vencendo seu


medo de altura enquanto ele ignorava seus instintos que pediam mais cautela. A
noite iluminada por tochas formava um amortecedor contra o resto do mundo, que
permitia a confissão. Ela havia falado das garotas que conhecera no convento, as
várias freiras que ajudaram a criá-la. Ele aprendeu sobre as influências que a
guiaram e seu amor secreto pela poesia. Falara dos habitantes de Langlinais e da
história do castelo. Palavras curtas e comuns que criaram uma ponte entre eles.

Mas um momento em particular ainda permanecia em sua memória, porque


ditava qual seria o futuro deles.

— Um de nossos soldados pode ser enviado ao convento, Julianna, para


entregar sua enciclopédia — dissera quando ela comentou que seu trabalho estava
quase terminado. — Talvez — acrescentou — a abadessa tenha algo mais que ela
deseja que você transcreva.

Ela olhou para ele com os olhos arregalados.

— Você não se oporia, então, se eu continuasse meu trabalho?

Em sua voz ele ouviu o medo de sua resposta.

— Daria prazer a você, Julianna?

— Sim, Sebastian. — Ela sorriu brilhantemente, e ele se lembrou de seus


sonhos com ela. Não por causa de sua felicidade, mas por causa da pontada de
desejo que sentiu ao vê-la.

Era para seu benefício que ela se contentasse em Langlinais, mas ele não lhe
dissera isso. Tampouco explicara que um dia, talvez em breve, ela teria apenas seu
trabalho para manter como companhia. Ele estaria recuado atrás de uma porta
trancada.

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Um som de passos o tirou de seu devaneio. Ela estava vindo. Ele sorriu com
sua ansiedade.

O desespero não era um adversário visível. Ele penetrou como umidade em


uma masmorra. Gotas lentas, uma de cada vez, até que um dia o lugar fica úmido
e mofado. Assim foi com ele. Ele não tinha percebido o quão perto estava do fim
de sua corda até alcançá-la. Ele precisava vê-la, o som dela, o cheiro dela demais.
Ela o manteve são e tornou esta meia-vida suportável.

Se ele não tivesse nada além de companheirismo verbal, que fosse inteiro e
completo. Deixe-a falar e saiba que nada que ela disser será ridicularizado. Deixe-
a trair todos os seus segredos. Que ela se sinta segura neste lugar, para que não
haja necessidade de medo, nenhuma razão para tremer em sua presença. E quando
ele não estiver mais com ela, que ela se lembre desses momentos com carinho e
um sorriso. Ela pode até vir aqui de novo, sentar-se no mesmo lugar e lembrar dele
e de suas palavras.

Por tais coisas será um homem lembrado.

***

O céu estava tingido de lilás, aquela estranha mistura de azul acinzentado e


roxo. O ar tinha um cheiro doce até que ela percebeu que o cheiro não era
carregado pela brisa suave da noite, mas pelas flores que adornavam o pano que
Sebastian havia espalhado no chão. Um travesseiro estava encostado na pedra, na
mesma posição em que ela havia descansado na noite anterior.

Sebastian estava sentado no lado oposto do pano, suas costas contra a


parede curva. Ele a observava enquanto ela se libertava e sacudia as saias. Ela não
tinha sido capaz de decidir qual de suas muitas túnicas usar, e o tremor em seus
membros desmentiu o ar de despreocupação que ela tentava assumir enquanto se
sentava no pano.

Ele a desconcertou por sua própria presença. Foi por isso que ela se
machucou durante a refeição? Não, foi a razão pela qual ela não pensou em nada
além dele por semanas.

Uma lamparina a óleo no centro do pano estava acesa contra a escuridão


invasora. Ela passou um dedo na borda do reservatório profundo de óleo. A
lâmpada era feita de metal, moldada em um padrão ornamentado que ela nunca
tinha visto antes, com uma alça em forma de boca de dragão. A cauda formava a
luz enquanto o corpo do dragão se curvava em um círculo para formar a tigela.

Meu Amado – Karen Ranney


A noite havia caído sobre eles, fiapos de nuvens se abrindo para dar-lhes
uma visão do céu. Parecia pressioná-los, tão perto que ela poderia estender a mão
e agarrar um pedaço brilhante dele em seus punhos. Ela inclinou a cabeça até que
tudo o que podia ver era o céu noturno e as estrelas acima dela.

— “As manchas ficam escondidas à noite e todas as falhas são perdoadas.”

O olhar dele seguiu o dela.

— Ovídio?

Ela disse.

— “No entanto, eu vou nascer, a parte mais fina de mim, acima das estrelas
imortal, e meu nome nunca morrerá.”

Eles trocaram um olhar conspiratório. Um que os estudiosos compartilham,


ou aqueles com interesses semelhantes.

— Sua abadessa é uma mulher rara para permitir que você estudasse Ovídio.
— Voltou para as sombras novamente.

Ela sorriu, ainda olhando para o céu noturno.

— Duvido que a abadessa soubesse. Mas nunca se pode ter certeza. Ela
parecia saber de tudo. — Ela suspirou. — Suspeito que ela não teria gostado de
saber que li Catulo9. — Ela olhou para ele. — Você leu? Suas obras?

Ele balançou a cabeça.

— A abadessa havia recebido recentemente um pergaminho com sua poesia.


Eu também nunca tinha ouvido falar dele, mas ele parecia ser capaz de expressar
seus sentimentos tão profundamente. “Lingua sed torpet, sonitu suopte tintinant
aures, getnina et teguntur lumina nocte.” — Palavras escritas pelo poeta que
pareciam apropriadas para este momento.

— Minha língua está paralisada, o som do meu corpo ressoa em meus


ouvidos, meus olhos se fecham na escuridão. — Sua voz traduziu as palavras
suavemente.

Seus olhos se fecharam. Afirmação sem uma palavra dita.

— Você não disse se gosta do seu dom.

Ela abriu os olhos e foi só então que viu o objeto pousado no canto do tecido.
Era um cilindro fino não maior que um punhado de penas, encimado por uma caixa
quadrada da largura de dois dedos. Era feito de ouro, esculpido e decorado de

9Catulo foi um poeta lírico latino Caius Valerius Catullus, que viveu entre 87 e 54 a. C. Autor muito apreciado, teve grande influência
na obra de outros escritores latinos.

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forma elaborada. Ela o pegou e estudou a escrita. Uma palavra repetida várias
vezes… al-'alim. O longo tubo quadrado estava vazio, mas ela adivinhou seu uso
imediatamente. Seguraria uma pena de bom tamanho. A pequena câmara estava
equipada com uma tampa que se abria em pequenas dobradiças, e dentro havia um
frasco de vidro para tinta. Um bocado de algum material pegajoso afixado na
abertura impediria que a tinta derramasse.

— É para um escriba viajante. Você pode usá-lo preso ao seu cinto.

Seus dedos traçaram a escrita, seus dedos acariciando as palavras estranhas


como se para encontrar segurança dentro da curva delas.

— O que significa a inscrição?

Quando ele falou, sua voz era tão quente quanto o metal que ela acariciava.

— O erudito — disse ele.

— São palavras sarracenas? — Ela franziu a testa enquanto as traçava


novamente.

— São. Isso importa para você, Julianna?

— Você não os odeia?

— Eu odeio meus carcereiros. Mas eu aprecio seus estudiosos e homens de


letras. Eles não são iguais. E descobri que o ódio é um hábito que prefiro evitar, se
puder escolher.

Ela segurou o conjunto de ouro entre as mãos, os dedos enrolados em torno


dele como se para evitar que ele fosse arrebatado.

— Recebi apenas dois presentes em minha vida — disse ela, as palavras não
ditas facilmente, mas necessárias. — Ambos vieram de você.

— Os maridos não são obrigados dessa maneira? Você é minha esposa. Você
concorda com a crença de que só posso lhe conceder o que está em uma lista? —
Houve uma pausa antes de ele começar a falar novamente. — Acho que consigo
me lembrar desse inventário de itens aceitáveis. Um lenço, uma faixa para o cabelo,
uma coroa de ouro ou prata, um alfinete, um espelho, um cinto, uma bolsa, uma
borla, um pente, mangas, luvas, um anel, um compacto, um quadro, um lavatório,
uma bandeira, mas apenas como lembrança.

Ela estava tão confusa com a suavidade de sua voz quanto com a lista que
ele entoou.

— Um cavaleiro da corte lhe concederia todas essas coisas — disse ele. —


Mas não sou mais um cavaleiro da corte.

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Ele a encantou, este homem que falava tão eloquentemente. Ele a fascinava
como nada em sua vida jamais o fizera. Não era simplesmente a roupa que ele
escolheu usar. Nem, na verdade, era a suave melodia de sua voz. Eram essas coisas
e mais, seu próprio anseio e curiosidade também.

***

— Você não trabalhou hoje — disse ele. Tal declaração a trairia de que ele a
havia procurado no oriel? Ou que ele se castigou por fazer isso? Além daquela
última visita, quando ele chegou perto demais de contar a ela um dos segredos que
ele guardava, ele não retornou ao seu minúsculo scriptorium.

Ela balançou a cabeça.

— Minha mão estava com cãibras. Temo ser culpada de entusiasmo em vez
de moderação. Mas nunca antes tive tanta liberdade. — Seu sorriso era pesaroso,
sua diversão dirigida a si mesma.

Ele desejou, apenas uma vez, que ele pudesse tocá-la. Beijar a parte interna
de seu pulso e descobrir se aquele foi o local onde ela colocou seu perfume de rosas.
Ou tocar sua têmpora, ou a cavidade na base de seu pescoço. Seus seios jaziam sob
a capa, cobertos de seu olhar, mas não de seu conhecimento. Ele conhecia a forma
deles, os havia estudado nas sombras da torre.

Ele desejou tanto a companhia dela um dia que não pôde esperar até o
anoitecer, mas foi para o quarto dela como um cachorrinho apaixonado. Ele
removeu a tampa de seu perfume de rosas e inalou profundamente, como se sua
essência tivesse sido capturada dentro da garrafa.

Ele nunca seria capaz de testar seus sonhos quanto à forma e curvas dela.
Às vezes, o desejo era tão forte e tão alucinante que ele cerrava as mãos para
impedi-las de alcançá-la. Mesmo neste momento, enquanto ela estava sentada
sorrindo para ele, ele ansiava por alisar a mão sob sua roupa, sentir o movimento
de suas pernas. Ele queria deitá-la sobre o pano, apagar a lamparina e amá-la à luz
das estrelas complacentes.

Ele reconheceu a profundidade de sua loucura mesmo quando a abraçou.


Ele começou a imaginar todos os tipos de coisas maravilhosas, nenhuma delas real.
Ele tinha visto Julianna em meio a um bosque, seu sorriso tão ofuscante que não
importava se o sol se escondia atrás de uma nuvem. Julianna, com a mão na dele,
a cabeça encostada no ombro dele, a barriga inchada com o filho dele. Julianna, de
pé em seu quarto, a camisa encharcada aos pés, a pele dourada pelo sol da aurora,
os longos cabelos negros uma nuvem sedosa atrás da qual seus seios brincavam.

Meu Amado – Karen Ranney


Não havia motivo para esperança, mas ela se soltou como uma rolha no
oceano. Mas cada vez que isso acontecia, ele se forçava a encarar o futuro como
seria e não como ele desejava que fosse. Tal tenacidade da verdade era
extremamente dolorosa.

Ele ainda a assustava? Talvez ele a assustasse Ou se não, ela certamente


tinha dúvidas sobre sua aparência. Um homem normal não aparecia vestido com
manto de monge e silêncio. Se ele tivesse sido despido de suas roupas, e o motivo
disso, ele ainda poderia tê-la aterrorizado. Ele era todas aquelas coisas que uma
garota criada no convento foi criada para temer. Licencioso e viril, homem e
guerreiro, marido e senhor. Tudo isso e muito mais. Reze a Deus para que ela nunca
aprenda quanto mais.

Esta noite ele trouxe o tabuleiro de xadrez para a torre. Brilhava à luz de um
sol poente, suas peças de ouro e prata tão inestimáveis quanto qualquer um dos
tesouros de Langlinais. Estava entre os últimos. Em breve, ele também se juntaria
a todos os outros objetos preciosos coletados ao longo de uma série de vidas,
vendidos para pagar o restante de seu resgate.

Sua exclamação de prazer foi o pagamento suficiente para seu esforço.


Sentou-se como uma criança, com excesso de entusiasmo, enfiou as pernas e as
saias debaixo dela e, ao aceno dele, começou seu primeiro movimento.

Eles não falaram até longos momentos depois, quando ele capturou sua
primeira peça, uma ação que fez uma carranca aparecer entre suas sobrancelhas.

— Conte-me sobre um dia típico no convento — disse ele.

Ela olhou para cima, seus olhos brilhando.

— Não é uma história excitante, Sebastian. Acordava às quatro da manhã e


passava duas horas orando. Em seguida, a refeição da manhã, seguida de trabalho
no jardim. Eu não tinha talento para cultivar coisas, então decidi capinar. Depois
da refeição do meio-dia e das orações, era autorizada a entrar no scriptorium, onde
trabalhava por uma hora. Depois, ajudava a ensinar os alunos mais novos e cumpria
os deveres que me eram designados. Em seguida, silêncio por uma hora antes de
dormir.

— A regra de Bento, então.

Ela disse.

— Uma parte de sono, uma parte de oração e uma parte de trabalho


intelectual e manual. — Ao seu olhar, ela sorriu. — Você vê? Não era nada
emocionante. A melhor coisa que aconteceu foi o ano em que me foi permitido
copiar as obras de Virgílio, César e Cícero.

Meu Amado – Karen Ranney


— E roubar um momento com Ovídio ou Catulo.

Suas bochechas coraram novamente, e seu olhar parecia procurar o céu.

Uma hora depois, ele ganhou o jogo de xadrez. E ficou agradavelmente


surpreso ao descobrir que era mais difícil do que ele imaginava. Por um curto
período, ele debateu se deveria ou não permitir que ela ganhasse, então decidiu
que ela era habilidosa o suficiente para descobrir se ele mudasse de estratégia de
repente. Mas o nível de seu jogo tornou o jogo interessante. Quando ele mencionou
isso, ela apenas apertou os lábios e prometeu ganhar da próxima vez. Ele não
duvidava que ela o faria. Mesmo à luz da lamparina, seus olhos brilhavam com o
desafio. A timidez tinha sido enterrada sob a competição. Ela também não era
diferente ao falar de seu trabalho.

Ela olhou para ele.

— Grazide me disse que você estudou em Paris.

— Acidente de percurso — disse ele. — Eu estava comemorando uma


rodada de vitórias em torneios, não esperando estar envolvido em debate.

Ela parecia em transe, mas a extensão de suas viagens resumia-se em ir ao


convento e depois a Langlinais.

— Eu me peguei observando os pedreiros na lie de la Cité't Eles estavam


construindo uma catedral, Notre Dame. — Ele sorriu. — Você sabia que um templo
de Júpiter ficava no mesmo lugar?

Ela balançou a cabeça.

— Eles estavam trabalhando no que chamavam de Galeria dos Reis. Vinte e


oito estátuas de governantes de Israel e Judá, Julianna, todas do tamanho de um
homem. — Uma vez, ele sonhou em importar alguns desses homens talentosos
para Langlinais com o objetivo de adicionar mais ornamentação à fachada do
castelo. Talvez fosse algo que interessasse a Julianna no futuro. — Ouvi um grupo
de pessoas gritando, e virei a esquina para descobrir uma multidão de jovens. Eles
estavam gritando com seu professor, que estava lá sorrindo para eles como se fosse
um pai orgulhoso. — Mesmo agora, ele conseguia se lembrar daquele momento,
da confusão que o tomou e da perplexidade que se seguiu.

— Fiquei intrigado com seus argumentos, ainda mais pela forma como seus
professores os ouviam. Foi um aprendizado que eu nunca tinha experimentado
antes, uma disputa que se tornou a essência da minha verdadeira educação.

Ela se recostou na parede, cruzou as mãos no colo e sorriu para ele de forma
encorajadora. Ele sorriu para sua própria ânsia de contar a ela tudo o que
descobriu.

Meu Amado – Karen Ranney


— Passei muitos meses lá. Se eu apresentasse uma ideia, esperava-se que
também a defendesse. O pensamento lógico era mais importante que a emoção. A
curiosidade era considerada uma característica valiosa.

— O que o trouxe para casa se você gostou tanto?

Ele sorriu.

— Já era tempo. Passei alguns anos em Paris e na Itália, intercalando meus


estudos com torneios. Eu era o herdeiro de meu pai e era necessário em Langlinais.

— No entanto, você foi embora de novo.

— Grazide outra vez? — Sebastian perguntou ironicamente.

Ela assentiu com a cabeça.

— O que mais ela lhe disse? — Não havia raiva em sua voz. Grazide fizera
parte de sua infância. Sua propensão para contar isso não continha rancor ou
maldade. Ela era simplesmente interessada nas pessoas e expressava isso através
da fala. Houve época, aliás, em que era simplesmente mais fácil transmitir alguma
informação a Grazide, sabendo que rapidamente encontraria o seu caminho
através do castelo. Ela também gostava muito dele, e talvez fosse por isso que ele a
designara como assistente de sua esposa. Ele ainda era um homem, apesar de seu
futuro, e desejava ser bem retratado. A ironia desse pensamento não lhe escapou.

— Ela disse que você tem um irmão.

— E você quer saber por que eu nunca falei dele.

— Ou de Madalena. Ela também falou dela. — A lamparina a óleo projetava


sombras que a envolvem como uma amiga bem conhecida. Ela parecia bem neste
momento, nesta pose.

Ele se levantou e caminhou até a borda da torre, olhando para o campo à


sua frente. A vista estava encoberta e coberta de escuridão. O passado estava se
aproximando novamente. A cada dia batia nele com mais força do que no anterior.
Ele era uma criatura não apenas do presente, mas daqueles dias perdidos e seu
futuro.

— Sebastian?

A voz dela o chamou de seu devaneio. Ele se virou e olhou para ela.

— Eu disse algo errado?

Como ele responderia a ela? Com conhecimento suficiente para saciar sua
curiosidade? Ou com mais, para insinuar o homem abaixo? Eu queria que ela
soubesse a verdade, mas não completamente.

Meu Amado – Karen Ranney


Sentou-se na ameia da torre, com as costas apoiadas na pedra. Seu olhar
estava fixo, não no campo que conhecia tão bem, mas em dias que preferia não
recordar com frequência. Por que agora? Porque havia tantos segredos entre eles
que ele revelaria essas verdades se pudesse.

— Madalena era a concubina de meu pai, Julianna, era muito amada.


Langlinais foi sua casa até que meu pai morreu, e depois ela saiu daqui. Ela se
tornou uma cátara.

Ele esperou, mas ela não fez nenhum comentário. Seu convento a havia
isolado bem, então.

— Os cátaros não aceitaram todos os princípios da Igreja; portanto, foram


rotulados de infidelis ou não fiéis. Hereges.

— Você fala deles como se estivessem mortos.

— Eles estão. Ou, se algum deles ainda vive, esconde-se do mundo. — Ele
bateu os dedos contra a pedra.

— E Madalena? — Sua voz era tão suave, quase um sussurro. Ela sabia a
resposta antes que ele falasse, ele tinha certeza.

Ele só conseguiu balançar a cabeça. Ela pareceu perceber que ele não falaria
dessa memória. As imagens do horror estavam quase borradas, retornando apenas
raramente em sonhos.

— Você a amava muito, não é?

A imagem de Madalena foi evocada em um instante.

— Ela era uma mulher alta com um queixo saliente e uma boca grande que
estava sempre sorrindo. Seu cabelo era grisalho desde minhas primeiras
lembranças, e sua voz soava como se ela cantasse as palavras. — Sorriu para
Julianna, depois voltou a estudar o horizonte. — Ela não era nada graciosa, sendo
muito angulosa com membros grandes, mas andava como se fosse dona da terra e
de tudo sobre ela. Me deu sua amizade primeiro, depois seu carinho. Ao longo dos
anos, aprendi a apreciá-la e depois ser apreciado. — Ele olhou para ela novamente.
— Ela teria gostado de você, Julianna. E aprovado sua diligência.

Ela sorriu para ele, então olhou para suas mãos.

— Muita diligência, temo eu. — Ela estendeu a mão direita. Três de seus
dedos pareciam estar curvados sobre si mesmos. Ele desejou poder pegar a mão
dela entre as suas e esfregá-la até que não estivesse mais apertada.

— Ela parece uma mulher maravilhosa, Sebastian.

— Você não tem lembranças de sua mãe?

Meu Amado – Karen Ranney


— Só me lembro que ela cheirava a flores, e tinha braços quentes e macios.
Não consigo nem me lembrar da voz dela. Eu tinha um anel que era dela, mas
desapareceu há alguns anos. Se eu o perdi ou se foi tirado de mim. Eu nunca soube.

Eles ficaram em silêncio por um momento, cada um com pensamentos


semelhantes para o outro. Uma empatia silenciosa, parecia de alguma forma ligá-
los.

— E seu irmão? — ela perguntou suavemente alguns momentos depois. —


Isso é outra lembrança triste?

— Não, triste — disse ele. —, mas definitiva. Gregory serve com os


Templários. Sua dedicação é para com eles. Nascemos dos mesmos pais, criados da
mesma maneira. Ele foi meu primeiro adversário. Eu pratiquei esgrima contra ele.
Uma vez ele foi meu amigo, mas agora somos estranhos. — Ele inclinou o braço
contra a alvenaria. — Soube que ele havia feito votos, se tornado Templário, depois
se tornou assessor do Senescal. Gregory é ambicioso. Até onde isso vai levá-lo é
desconhecido.

— Havia uma comunidade de Cavaleiros Templários localizada não muito


longe do convento.

— Eles têm muitas dessas participações em todo o país, algumas dedicadas


a hospitais, outras para servir de habitação. Aquela perto de você é onde eles
treinam seus cavaleiros ingleses.

Ela olhou para ele, o cenho franzido na testa acentuado pela sombra
projetada pela lamparina.

— Como você sabe dessas coisas, Sebastian?

— Tenho o dever de aprender o máximo possível sobre eles. Há aqueles


entre os Templários que desejam a glória, não de Deus, mas da Ordem. Por isso
trairão mulheres e crianças e chamarão isso de fé. — Ele se levantou, imaginando
se ele estremecia à beira de um precipício ao lhe dar essa verdade. — Eu sei porque
eles me fizeram sua testemunha.

Ela silenciosamente colocou todas as peças de volta onde elas pertenciam


no tabuleiro. Sua deliberação era tal que ele sabia que ela mal estava se
concentrando em sua tarefa.

Ela se levantou e chegou muito perto. Tão perto que ele podia sentir o cheiro
dela, sentir seu calor.

— Vai me dizer, Sebastian? — Sua voz estava cheia de compaixão.

Meu Amado – Karen Ranney


Ela estendeu uma mão. Muito perto, ela estava a apenas alguns centímetros
dele. Ele se encolheu e recuou. Ele deu um passo para trás, mais perto da borda da
ameia. Se necessário, ele pularia da torre em vez de que ela o tocasse.

— Não me toque, Julianna. Nunca. — Ele deveria ter gritado a ordem para
ela, mas obviamente seu sussurro rouco foi suficiente. Ela deixou cair a mão e se
afastou. À luz do lampião ele podia ver a surpresa dela. Melhor ela questionar sua
raiva do que ser afligida como ele estava.

Ele não podia, de repente, esperar para fugir.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 15

— Meu marido está bem?

Julianna apertou as mãos no colo, certa de que a resposta seria afirmativa.


Simplesmente deve ser, pois Jerard assentiu. Esta noite ele se sentou ao lado dela
no estrado, fazendo companhia enquanto ela comia. Era a primeira vez que o fazia.
O zumbido de vozes ao redor deles encorajava a conversa, mas ela estava tão pouco
inclinada a falar quanto a comer.

A etiqueta exigia certo conjunto de boas maneiras à mesa, e Jerard era o


companheiro perfeito, suas unhas e mãos escrupulosamente limpas. Ele não
palitava os dentes com a faca, nem usava os utensílios compartilhados apenas para
comer. Ele era gracioso e cortês e tão silencioso quanto ela. Talvez ele soubesse que
seria inútil tentar seduzi-la de seu humor.

Os caçadores mantinham o castelo com carne, as roças forneciam vegetais


como cebola, repolho, alho-poró, ervilha e feijão. Mas, não havia luxos à mesa.
Havia poucas especiarias, embora houvesse mostarda em abundância. Nada de
pães de açúcar, a comida era adoçada com mel. Nem arroz, nem amêndoas, nem
passas. Talvez um dia, tal descuido possa importar o suficiente para questioná-lo.
Por enquanto, havia uma omissão mais premente em sua vida.

— Não o vi a semana toda — disse ela, esperando que Jerard contribuísse


com as informações que ela precisava. Sebastian estava doente? Ou ela de alguma
forma o enfureceu?

O olhar de soslaio de Jerard indicou que não valeria a pena interrogá-lo


mais. Ele não falaria.

— Você vai transmitir esta nota para ele?

O pergaminho dobrado que ela deu a ele era uma mensagem para Sebastian.
Curta e privada consistia em apenas duas frases. Eu aceito seus requisitos,
Sebastian. Você virá até mim? Ela nunca estenderia a mão para tocá-lo novamente.
Nem faria outra pergunta a ele. Se ao menos ele continuasse com suas conversas.
Ela sentia muita falta delas. Não… ela sentia falta dele. Todas as noites ela voltava
para a torre e esperava que ele aparecesse. Mas ele não voltou.

O resto da refeição passou lentamente. Depois que ela saiu da mesa,


Julianna foi novamente para o topo da torre. Ela ficou sentada ali por quase uma
hora até que ficou óbvio que Sebastian também não viria naquela noite.

Meu Amado – Karen Ranney


Ela se retirou para seu quarto e ficou em silêncio enquanto Grazide a
ajudava a tirar o sobretudo. A roupa era realmente linda, uma das roupas mais
lindas que ela já usou. De tecido dourado com franjas, era adornado com um
padrão de diamante azul e bordado com trança de ouro e usado sobre uma longa
túnica de azul mais profundo. Ela o tinha usado esta noite na esperança de que
Sebastian concordasse em vê-la. Esperando parecer bonita para ele.

Grazide pendurou a roupa no baú alto. Dentro havia mais belos tecidos
transformados em roupas encantadoras, sapatos de couro macio bordados com
flores delicadas, toques e faixas de linho branco no queixo.

Não lhe faltava nada. Exceto um marido.

Grazide soltou as tranças e escovou os cabelos, mantendo a tagarelice


sempre presente. Ela zumbiu sobre ela e ao redor dela, mas Julianna não prestou
atenção às palavras. Quando seu cabelo estava arrumado na trança solta para
dormir, ela se levantou.

— Há algo que eu possa fazer por você, milady? — Grazide perguntou.

Julianna balançou a cabeça.

— Deixei água para o seu banho no banco, e um pedaço de toalha. O


sabonete novo acabou, mas queima a pele, milady, então eu tomaria cuidado.

Ela sorriu, forçando um sorriso.

— Obrigada, Grazide.

Finalmente, Grazide saiu da sala.

Julianna tirou o resto da roupa, sentou-se nua no banco e começou a tomar


banho. Ela mergulhou um pano na bacia de água. Aqui, em seu quarto, havia
apenas o som da água caindo sobre suas mãos enquanto ela se lavava. O leve ranger
de uma dobradiça foi todo o aviso que ela teve de que não estava sozinha.

Momentos se passaram como horas. O banco em que ela estava sentada, a


bacia de água fria, a lamparina a óleo bruxuleante, o pano agora enrolado em uma
bola com uma mão, todas essas coisas foram anotadas como se ela fizesse um
inventário em sua mente.

A sombra na parede era grande demais para ser dela. Então se moveu,
mesmo enquanto ela permanecia imóvel.

— Perdoe-me — Sebastian disse suavemente. — Eu deveria ter me


anunciado.

Ela não conseguia olhar para ele. Suas mãos trêmulas alisaram o pano e
depois o colocaram sobre seus seios nus. Um insignificante gesto para esconder

Meu Amado – Karen Ranney


uma pequena parte dela de seu olhar. Por que ela não se movia mais rapidamente?
Seus dedos pareciam muito lentos em seus movimentos, como se estivessem
brincando com o próprio tempo.

— Você me mandou um bilhete, Julianna. Para me atrair aqui?

Ela balançou a cabeça. Na verdade, ela não sabia se podia falar. Ela se sentou
nua diante dele, cobrindo apenas as sombras suaves e trêmulas.

Ele não disse mais nada. Não havia nenhum som na sala, exceto pela gota
de água deslizando da borda de volta para a bacia. Sua audição parecia aguçada o
suficiente para ouvir, e notar a aspereza da respiração de Sebastian.

A luz vacilou, como se sua mão tremesse enquanto segurava a lamparina.


Suas mãos flutuaram no ar, incertas quanto à viagem ou destino, então pararam
contra suas coxas nuas. Ela não falou, no entanto, não implorou que ele se
apresentasse ou a deixasse.

Ela inclinou a cabeça, as mãos em punhos. Sua própria respiração estava


muito rápida.

Ele era seu marido. Este momento provava isso. Sua entrada em seu quarto
não precisava ser anunciada. Nem a porta nem a inclinação dela podiam impedi-
lo.

O calor de sua pele parecia aquecer o pano úmido que se estendia sobre seu
peito. Ela desviou a cabeça, fechou os olhos, esperou que ele saísse do quarto. No
final da renúncia. Ele viria, ela tinha certeza. Ele a recusou como sua esposa. Ela
esperou em silêncio que ele a repudiasse como mulher.

Ela não sabia se ele a achava graciosa. No entanto, desde que ela o viu, desde
que ele sorriu para ela, ela se preocupou com seu próprio rosto e forma. Ela queria
que ele a olhasse como se estivesse cativado. O mesmo que ela sentia por ele. Ela
queria ver suas mãos, ter seus dedos entrelaçados com os dele. E os lábios dele em
sua testa, para que pudesse esfriar sua pele, e em seu pescoço, onde sua carne
estava especialmente quente. E se não fosse muito chocante, na curva de seu
ombro.

Ela queria, principalmente, ser bonita para ele.

Ele ainda não falou. Ele ficou mudo de aversão? Ou ele estava envergonhado
por ela não ter se coberto com a toalha que estava a apenas alguns centímetros de
seus dedos? Ou ele estava chocado que ela não protestasse contra sua aparência,
embora ela tremesse no silêncio?

— Perdoe-me — disse ele.

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Por que ele pedia perdão por algo que era seu direito? Ou seu cavalheirismo
se estendia até esta sala? Tanta graça. Tanta bondade. Ela não queria nenhum dos
dois. Não, isso não era verdade. Sua bondade a acolchoou, a fez sorrir quando não
estava com ele. Sua consideração a havia desmamado da solidão. Ele a presenteou
com esquisitices, coisas tão singulares que ela sabia que ele havia pensado nela na
seleção.

Por favor, Sebastian, não vá. Amaldiçoe-me por um pecador, chame-me de


prostituta, mas não me deixe. Ela respirou suavemente, ouvindo o deslizar suave
da porta se fechando.

Em vez disso, ele se aproximou, um roçar de ar contra suas pernas nuas lhe
disse isso. Ele estava atrás dela agora, uma figura imóvel e silenciosa. Ela podia vê-
lo em sua mente tão perfeitamente como se ela tivesse aberto os olhos, sua figura
vestida de escuro e silenciosa, uma mão enluvada estendida e segurando a
lâmpada. Seu lindo rosto estaria escondido nas sombras. Aqueles olhos que tanto
espelhavam o céu noturno, que emoção eles expressavam?

Ele não disse nada, mas a luz vacilou novamente. Ele se inclinou mais perto?
Isso era o calor de sua respiração em suas costas ou ela só tinha imaginado? Ela
endireitou a cabeça, sentiu outra sensação fraca em sua pele. Não, isso certamente
deve ser imaginação. Ele nunca se aventurou tão perto. Um brilho repentino sob
suas pálpebras. Ela os abriu um pouco para espiar através de seus cílios. Ele havia
colocado a lamparina no banco ao lado dela. Ela fechou os olhos novamente. Onde
ele estava?

Seus lábios estavam cheios, e o pulso batia em seu pescoço tão alto quanto
os sinos do convento. Havia outros lugares onde a sensação era igualmente
desconcertante. Seus seios doíam. Sua pele estava apertada. O pano, secando em
sua pele aquecida, parecia abrasivo.

Um passo suave a alertou de sua localização. Ele estava na frente dela agora.
Ele se ajoelhou? Foi essa a explicação para o som que ela ouviu? Ela não conseguiu
abrir os olhos desta vez, suas pálpebras estavam fundidas, sua respiração
alimentada por carvões aquecidos em seu estômago.

Ele a estava observando? Ele olhava para ela sentada ali, nua, exceto por um
pano sobre os seios? Seus joelhos estavam pressionados juntos, suas mãos
descansavam na parte superior das coxas. Ela estava imóvel, mas seu sangue estava
correndo.

— Julianna.

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Seu nome parecia ter saído de seus lábios. Um sussurro, nada mais. O som
que uma brisa pode fazer ao dançar entre os galhos de uma árvore. Um suspiro de
tempestade sobre a terra.

Ela não queria responder. Ele iria puxá-la deste lugar secreto, forçá-la a abrir
os olhos, a encarar o que ela estava fazendo. Ela queria permanecer neste meio
mundo, seduzindo sem uma palavra, convidando-o a tocá-la sem súplica. À deriva
na sensação que aumentava a cada momento que passava. Imaginação aliada à
curiosidade.

Por favor, Sebastian, toque-me.

— Julianna. — Outra convocação, em uma voz que se tornara áspera. Ainda


assim, ela não abriu os olhos.

— O que? — Ela lambeu os lábios como se quisesse esfriar seu calor.

— Retire o pano.

O tempo parou. Assim, também, sua respiração. Sua mão se esticou e se


achatou contra o pano de secagem. Então seus dedos se arrastaram até a borda,
agarraram-na e lentamente a retiraram. Sua pele estava fria onde estava, e seus
mamilos endureceram no frio súbito e surpreendente. No entanto, era como se o
calor entrasse em seu corpo ao mesmo tempo.

Ela abriu os olhos para encontrar o olhar dele.

Ele se ajoelhou na frente dela, sua cabeça descoberta. Seus olhos a


estudaram, e onde quer que tocassem ela sentia como se uma pequena chama
tivesse sido acesa. Sua boca estava comprimida em uma linha fina, seu rosto
parecia mais severo do que ela já tinha visto. O rosto de um asceta, o semblante de
um guerreiro. Ela fechou os olhos novamente.

—Enquanto ela esperava diante de mim, suas roupas caíram de seu corpo,
nenhuma mancha apareceu. Que ombros, que braços, que coxas são dela, essa beleza
juvenil. A forma de seus seios é adequada para minhas mãos. Não há nada que não
seja digno de elogios sobre ela. Como desejo pressioná-la contra mim.

Os olhos dela se abriram.

— Ovídio? — A palavra passou pela constrição da garganta dela.

Ele assentiu.

Uma de suas grandes mãos, coberta com sua luva eterna, estendeu-se,
aproximou-se. Ela quase podia sentir o calor de sua mão através do couro. Sua
palma se curvou como se para imitar a forma do seio que iria segurar no momento

Meu Amado – Karen Ranney


seguinte. Em vez disso, ele hesitou um centímetro de sua pele. Sua mão tremeu.
Ela olhou para cima então, para encontrar seus olhos.

— Sebastian. — Um fio de som. Nem advertência nem pergunta, mas sim


um apelo.

Ela doía, magoada com a dor deste momento. Ela queria que ele a tocasse,
queria suas mãos em seu corpo. Por favor, Sebastian. Palavras que foram ditas em
seu coração, em sua mente. Instintivamente, ela sabia que ele era a resposta para
essa dor que ela sentia, sua mão sobre ela aliviaria esse desejo.

Ela estendeu as mãos para ele, palmas para cima, um sinal de rendição.

Ele olhou para as mãos dela por um longo momento, então seus olhos se
ergueram até encontrar o olhar dela.

Do grande salão vinham os sons de alegria. Riso e canto. Vozes dispostas em


harmonia, em gozo estridente. Eles não tinham ideia de que sua alegria era o
contraponto a esse momento de silêncio, esticado tão fino que ela quase podia ver
através do tempo. Seu peito doía; ela mal conseguia respirar, e quando o fez sua
respiração estava muito quente, como se seu corpo fosse um inferno.

Ele não falou, mas ela ainda podia sentir o calor de sua mão, mesmo através
do couro de sua luva. Permaneceu a uma polegada de seu corpo. Ela fechou os
olhos novamente.

— Você me atraiu aqui para me tentar, Julianna?

Seu rosto se aqueceu com o pensamento.

— Se sim, você conseguiu seu objetivo — ele perguntou, sua voz áspera. —
Você sabe o quanto eu quero lhe tocar, eu me pergunto? Você sabe como a visão
do seu corpo me excita? Não? Claro que você não sabe. Você é uma inocente, não
é? Então, inocente Julianna, gostaria de saber o que desejo fazer neste momento?

Seus olhos se abriram, depois se fecharam rapidamente.

— Eu a beijaria primeiro, Julianna. Acho que você gostaria de beijar. Seu


lábio inferior, especialmente, parece quase cheio demais para sua boca. Essas coisas
às vezes são uma indicação de uma natureza apaixonada. É a sua, eu me pergunto?

Ela olhou por baixo de seus cílios para ele. Ele parou.

— Eu acho que é. Você leu poesia de amor em segredo. As palavras que você
leu deixaram-na com fome, Julianna? Quer algo que você nunca teve?

Ele se moveu, circulando o banco.

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— Você se tornaria adepta de beijar muito rapidamente. Eu aprenderia o
formato de seus lábios, os sons que você faz enquanto eu aprofundo o beijo.
Adorável Julianna, apaixonada Julianna.

Seus lábios pareciam estranhamente estranhos, como se estivessem sendo


beijados. Mas não simplesmente com paixão. Com raiva. Estava ali em suas
palavras, no tom de sua voz.

— Eu tocaria em você, Julianna, nos ombros, no pescoço. Beijar-lhe-ia ali,


onde a sua pele é macia e o seu pulso bate forte. E na sua têmpora. — Sua voz
mudou. Ele estava atrás dela agora. Ele se inclinou e sussurrou em seu ouvido,
como se as palavras fossem muito íntimas para serem ouvidas mesmo pelas
sombras. — Eu tocaria seus seios, Julianna, acariciaria esses seus lindos mamilos.
Meus dedos fariam seu sangue pular.

Seu sangue parecia em chamas, sua pele muito apertada para seu corpo.
Suas mãos estavam apertadas agora em seus joelhos. Novamente, a sensação de
que sua respiração roçava sua pele. Ou era a mão dele de novo, suspensa sobre o
corpo dela? Por que ele não a tocava?

— Pressione os dedos contra os lábios, Julianna.

Ela hesitou por um momento, então seguiu suas instruções.

— Eles são meus dedos agora, assim como seu corpo é meu. Você queria
esse momento, Julianna. Então experimente.

Ela estremeceu com a nota em sua voz. Nem cruel, nem punitiva, mas firme.
O tom de um guerreiro, não tolerando recusa. Ainda assim, ela não falou para
protestar contra sua suposição, não lhe disse que sua presença aqui era apenas um
acidente. Em vez disso, ela se sentiu presa na teia de suas palavras, em transe,
ruborizada. Imaginando.

— Estou traçando seus lábios com os dedos, Julianna. — Cegamente, ela


seguiu seu comando tácito.

— Agora pegue sua mão e coloque-a em seu ombro. — Ela o fez, embalando
a palma da mão direita contra o bulbo do ombro esquerdo. — Toque sua pele,
Julianna, a suave inclinação de seu braço.

Seus dedos deslizaram lentamente até o pulso. Sua mão estava a apenas um
centímetro da dela na lenta descida, como se desejasse absorver o que ela estava
sentindo, tocá-la sem fazê-lo.

— Você pode me sentir?

Ela assentiu.

Meu Amado – Karen Ranney


Seu corpo parecia estar chorando, crescendo; aquecido e úmido. A voz dele
se aproximou, soprou em seu ouvido, um murmúrio de feiticeiro baixo,
convincente e estranhamente excitante.

— Você está tremendo, Julianna. Você está com medo?

Ela balançou a cabeça.

A poesia latina que ela lera falava de paixão, do desespero de um amante, de


emoções poderosas, todas misturadas. Até este momento ela não tinha entendido.
Até que ela ouviu a voz de Sebastian cheia de raiva e necessidade, até que ela sentiu
sua própria aquiescência trêmula a ações que certamente deveriam ser proibidas,
ela não sabia que podia sentir todas essas emoções ao mesmo tempo. Antecipação
e ansiedade.

Seu corpo estava em chamas. Meus sentidos estão enraizados na tortura


eterna. As palavras de Catulo pareciam muito apropriadas.

— Julianna. — Ele falou o nome dela como se fosse uma oração, uma suave
invocação de som. Ela estremeceu ao som disso, inclinou a cabeça.

— Coloque as mãos sob os seios. Eu quero lhe tocar ali.

Ela sentiu como se seu coração estivesse acelerado, como se ela tivesse
corrido para encontrá-lo. Mas ela permaneceu presa ao banco pela presença dele,
pelo timbre suave de sua voz e uma sensação de estar enfeitiçada. Não, não é
feitiçaria, mas necessidade. Uma necessidade desesperada de saber o que vem
depois disso, o que fez os poetas cantarem de êxtase e felicidade.

Suas palmas embalaram seus seios, levantando-os. Ela nunca havia se


tocado por prazer. A sensação a fez começar.

— Você tem seios lindos, Julianna. — Sua voz não passava de um rosnado
áspero. — Esfregue os polegares nos mamilos, Julianna.

Sua cabeça caiu para trás, seus olhos se fecharam, mas ela fez o que ele disse.
Seus dedos pareciam abrasivos contra sua carne sensível. Seus seios se apertaram,
a pele formigando em resposta. Sua respiração veio em suaves e indefesos gostos
que combinavam com a cadência de sua respiração em seu ouvido.

— Você me sente tocando você?

Ela assentiu, uma vez.

— Diga-me.

— Sim — ela disse, sua voz um leve sussurro de som. Mesmo assim, era
quase impossível falar.

Meu Amado – Karen Ranney


Ela se sentia vazia, dolorida. Muito perto da sabedoria, muito longe das
respostas que ela procurava.

— Eu quero você, Julianna. Eu quero estar dentro de você.

Calor inundou suas bochechas, mas ela não se moveu.

— Eu lhe esticaria suavemente para que você se encaixasse na minha forma.


Eu quero sentir seus quadris se moverem, seu corpo subir ao meu. Eu quero lhe
encher, Julianna. Eu quero ouvir você gritar em meus braços.

Seus seios estavam quentes, seus polegares pararam enquanto as batidas de


seu coração pareciam bater mais alto em resposta às palavras dele.

— Mas não vai acontecer, Julianna. — Sua voz veio de longe.

Só quando ela ouviu a porta bater ela abriu os olhos.

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Capítulo 16

Jerard estava encostado em um cajado quase tão alto quanto ele. Como
mordomo de Sebastian, ele deveria usá-lo como um distintivo de sua autoridade.
Em vez disso, isso o fazia se sentir estranho. Ele nunca atacaria um homem
desarmado. Muitos anos sob o domínio do governo de outro homem o deixaram
com um desgosto permanente por isso. No entanto, ele estava muito ciente de que
todos tinham um mestre, até mesmo o Papa. O que diferia era o grau de poder que
se exercia ao tentar cumprir as ordens de um mestre.

Como mordomo de Sebastian, ele tinha autoridade demais. Sebastian


confiava nele na medida em que era possível roubá-lo impunemente, enganá-lo
sem medo de ser pego. Não que ele fosse. Devia a Sebastian sua vida e seu futuro.
Quando Sebastian o tirou da servidão e perguntou o que ele mais queria ser, ele
gaguejou alguma resposta em resposta. Só mais tarde percebeu que havia dito:

— Liberdade! — Sebastian tinha feito isso se tornar realidade.

A colheita chegaria em breve, e essa ocupação de ficar no final do campo


fingindo estar examinando o trabalho dos aldeões terminaria. Os dias não podiam
chegar rápido o suficiente.

No entanto, tão oneroso quanto este dever, ele não desejava que a passagem
do tempo aumentasse. Se ele pudesse ter abrandado, ele o faria. Ele até se
perguntou se havia feitiços que ele pudesse usar para fazer isso, não se importando
com a troca de sua alma mortal pela saúde de Sebastian. Além disso, a felicidade
seria algo grande demais para desejar?

Ele usou a manga para enxugar o suor dos olhos, mantendo um sorriso
amigável no rosto para que os aldeões não acreditassem que ele estava irritado ou
chateado. Os aldeões de Langlinais tinham um respeito muito grande por seu
senhor, e ele, como representante de Sebastian, tinha que guardar sua expressão.

Esta colheita pode muito bem pagar o resto do resgate de Sebastian. Então,
Langlinais poderia mais uma vez se tornar o rico domínio que havia sido.

No entanto, a riqueza não era um precursor da felicidade. Assim como ter


uma linda jovem noiva não era garantia de felicidade conjugal. Jerard estava ciente
das correntes que giravam em torno de Sebastian e Julianna. Eles foram cada um
tão cuidadoso para não mencionar o outro. No entanto, quando ele levava notícias
entre eles sobre o outro, nenhum o advertia para não falar. Em vez disso, o
comportamento deles era o mesmo. Vigilante, atento, silencioso, como se tentasse
ouvir além de suas palavras. Como se estivessem criando uma imagem do outro

Meu Amado – Karen Ranney


em suas mentes e fizessem a imagem se mover, falar e agir de acordo com as
palavras que ele pronunciava.

Contou a Sebastian do retorno de Julianna aos manuscritos, de sua


diligência. Ele falou de como ela não parou enquanto o sol estava no céu, das duas
vezes que suas mãos ficaram com tantas cãibras que ela havia pedido a ele para
buscar um pouco de creme em seus baús. Mas por causa da reação de Sebastian a
essa informação, o silêncio e a rigidez de seus ombros enquanto ele estava em sua
janela inspecionando suas terras, ele não disse a Sebastian como ela não conseguiu
abrir a garrafa. Tampouco havia falado sobre como ela não estava comendo bem,
apesar de como ele tentou tentá-la no jantar, como seu olhar parecia voar para a
cadeira vazia do Lorde uma e outra vez.

Julianna teve o cuidado de não falar daqueles momentos em que Sebastian olhava
pela janela, como mal parecia ouvi-lo quando trazia notícias dos aldeões, dos
habitantes de Langlinais. Ele não contou a ela como seu senhor teve o cuidado de
não perguntar por ela, uma omissão tão óbvia que traia seu interesse.

Ele agia como mensageiro e observador, mas estava muito ciente de que sua
união estava tão condenada quanto qualquer outra que ele já tinha visto.

Ele não acreditava ser possível sentir mais dor por Sebastian do que quando
soube de sua aflição. Agora, ele sabia que havia apenas graus de angústia. Seu
amigo e senhor estava decidido a seu destino, sua aceitação duramente
conquistada e difícil de testemunhar. Agora, parecia que a batalha deveria ser
iniciada mais uma vez.

O senhor de Langlinais poderia se sentir sozinho em seu inferno, mas Jerard


o acompanharia de bom grado, assim como desde aquele dia na França. Um preço
pequeno o suficiente para o homem, apenas seis anos mais velho, que o resgatou
da fome, da mutilação, que ignorou seu nascimento humilde e lhe deu a chance de
se tornar escudeiro e depois mordomo. Ele protegeria Sebastian com sua vida. E
guardaria seu segredo com a mesma dedicação.

***

Ela havia passado a maior parte de sua vida isolada do mundo exterior,
embora qualquer um que conhecesse a vida no convento não pudesse dizer que tal
existência protegesse alguém da praticidade. As freiras das Irmãs de Caridade
trabalhavam duro e se orgulhavam da diligência de seus trabalhos. Elas
respeitavam tanto o trabalho duro quanto a inteligência. Ela era a única escriba
não isenta do trabalho nos jardins e nos campos por causa de seu trabalho no

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scriptorium. A abadessa dissera que ela tendia a mergulhar demais no trabalho e
era necessário mudar de ritmo para encarar qualquer tarefa com clareza.

Como ela olhava para a tarefa diante de si agora? Não seu trabalho, mas sua
vida?

Ela não via Sebastian há quase uma semana, desde aquela noite em que ele
foi ao seu quarto. Memórias daqueles momentos viviam com ela agora, e ela podia
se lembrar de cada palavra que ele disse a ela. Principalmente as ditas no final.
“Não vai acontecer, Julianna.” Ela sentiu como se tivesse empurrado Sebastian para
longe, primeiro com sua curiosidade, depois com sua libertinagem. Tinha sido um
acidente de tempo, ele entrando em seu quarto dessa maneira. No entanto, ela não
se cobriu, ou explicou, ou pediu que ele fosse embora.

Às vezes, Julianna se perguntava se sentia mais do que as outras pessoas.


Houve momentos em que ela simplesmente queria chorar por horas, a dor em seu
coração era tão grande. Ou, às vezes, ela queria chorar porque estava tão feliz. O
sentimento tão fortemente a marcava como uma mulher fraca? Ela deveria guardar
suas emoções com mais cuidado?

Havia até uma diferença na maneira como ela trabalhava. Suas letras eram
tão corretas, sua escrita tão precisa quanto qualquer outro bom escriba, mas suas
ilustrações eram mais pungentes. Uma jovem estava sentada na janela da letra R,
os pés pendurados na trave, o olhar pensativo. Nem um sorriso para ser visto.
Nenhum olhar cativante em seu rosto.

Julianna olhou pela janela para nuvens distantes. Uma tempestade de verão
se aproximava. O vento açoitava seu cabelo, como se a persuadisse a sair deste
lugar.

Ela guardou a folha de pergaminho para secar, derramou a tinta restante em


seu recipiente e verificou se as penas estavam gastas. Então, convencida de que
tudo estava como deveria ser, ela se levantou e saiu do oriel, fechando a porta
firmemente atrás dela.

Talvez se ela mudasse de ambiente, ela também pudesse parar de pensar em


Sebastian.

***

Ele estava excitado e com raiva, emoções gêmeas que não funcionavam bem
em conjunto. Sebastian queria que ela o desejasse. Tudo o que ele conseguiu foi
sentir um pouco de vergonha por seu tratamento com ela. A culpa, no entanto, não

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baniu sua necessidade. Era mais forte do que antes, assim como cada pensamento
dela parecia mais vívido. Julianna. Até o ar parecia respirar seu nome.

Ela ficou acordada a noite inteira como ele? Seu corpo estava inquieto e
ansioso pelo dele? Seus sonhos com ela tinham sido selvagens, mas suas visões
noturnas dela não tinham aliviado sua necessidade diurna.

Ele era um homem, condenado a morrer pelas circunstâncias e destino. Não,


porém, antes de receber uma visão de sua vida como poderia ter sido.

Era como se uma voz celestial enumerasse todas as coisas que ele nunca iria
desfrutar. Aqui, o perfume das rosas, para que se possa cheirá-lo e recordar a
fragilidade dos seus pulsos, ou maravilhar-se com o seu pescoço suave e
perfumado. Aqui, o som da risada dela, para que você se lembre da alegria que ela
lhe fez sentir com um simples sorriso. Aqui, o conteúdo de sua mente, para que
você possa se perguntar o que mais ela sabia e como raciocinava. Que você possa
perceber que ela foi a companheira de seus dias, aquela alma única permitida pelo
próprio céu para ser seu par. Aqui, a visão mais desejada, Julianna nua, banhada
por uma luz suave. Julianna, com os olhos fechados e a respiração acelerada, a pele
tão delicada e clara. Os dedos dos pés dela estavam enrolados no chão. A visão
deles agitou seu coração como seu corpo agitou seus lombos. Aqui, as sombras a
enfeitando, suas curvas , a doçura dos mamilos apertados cor de rosa na luz. Sua
noiva, intocada e carente. Seus lábios se abrem para falar seu nome, seus olhos
fechados para esconder seu medo.

Querido Deus, ele queria tocá-la. Apenas com a ponta de um dedo, para ver
se seu seio tremeria ao seu toque. Ele tinha imaginado isso, ou seus mamilos
incharam enquanto ele observava, alongando, fazendo beicinho? Um breve beijo
de bênção tremeu em seus lábios e foi recusado apenas pela maior das vontades.
Ele queria roçar sua mão contra as costas dela, a curva de seu ombro, o
comprimento de suas pernas.

O casamento deles pode ter sido um presente, uma partilha de mentes


formadas da mesma forma, de interesses fortemente semelhantes. E paixões? Ele
só podia imaginar, alimentar seus sonhos quentes com suspiros imaginados e
membros envoltos em torno dele com admiração. Suas noites poderiam ter sido
passadas em flertes, treinamento suave enquanto ele ensinava a ela o que o
agradava e aprendia o que a fazia chorar de alegria. Ele poderia tê-la encontrado
durante o dia, passar o braço em volta de seus ombros, se abaixar para lhe dar um
beijo no nariz, acariciar aquele ponto atrás da orelha que ele desejava tocar. Ou,
seus dedos poderiam ter percorrido seu cabelo em deleite, gloriando-se com o
toque. Ele poderia ter parado e, independentemente dos que o cercassem, a
envolvido em seus braços, sua bochecha pressionada contra seu cabelo, seus olhos
fechados para que lágrimas de contentamento não vazassem de seus olhos e o

Meu Amado – Karen Ranney


envergonhassem. Ela teria se aninhado perto, sua cabeça encaixando naquele
ponto próximo ao ombro dele aparentemente formado para ela.

Mas não era para ser. Sua ignorância era uma bênção. Seu conhecimento,
uma maldição.

Mesmo enquanto ele a observava andar abaixo dele, ele sabia disso. Por um
momento, ele pensou que ela era apenas uma visão formada por seu desejo.
Durante dias, ele não saiu de seu quarto por medo de vê-la. Agora ela estava ali,
seu cabelo brilhando ao sol, a brisa brincando alegremente entre suas saias.

Ela andou muito perto do muro de contenção. O pensamento era como uma
faca apontada para sua garganta.

Langlinais abraçava os contornos do Terne como um amante ciumento. O


castelo atravessava o rio em um ponto, as águas agitadas passando diretamente
abaixo do piso inferior, acessível por uma série de degraus cobertos de musgo.
Antes que o rio passasse sob o castelo, porém, ele descia vários metros. A descida
era marcada por um muro baixo de pedra, desmoronado em um ponto onde a
enchente da primavera passada fez o rio transbordar em suas margens. Terminadas
as reparações da torre norte, os pedreiros receberam ordens para substituir o
comprimento da parede.

Todos os habitantes de Langlinais sabiam muito bem contornar a área com


cuidado. Todos sabiam que não era seguro. Todos, claro, menos Julianna, que
raramente se aventurava tão longe.

Ele mal piscou enquanto a observava, como se sua vigilância diminuísse seu
perigo.

Ela se abaixou para pegar algo do caminho, examinou-o com cuidado e


depois o enfiou na pequena bolsa presa ao seu cinto.

Ele a advertiu em sua mente, tão inútil quanto chamá-la. Ela não podia ouvir
seu grito mais do que ela podia ouvir seus pensamentos, o que a ordenava a recuar
da borda.

Ela se virou e observou o rio em fascinação aparentemente extasiada. As


águas eram rápidas, uma nascente molhada havia elevado o nível do rio. Alto o
suficiente para que, se o solo sob a parede estivesse erodido, o perigo fosse pior. Se
a terra desmoronasse, Julianna seria lançada nas águas velozes.

Não havia ninguém perto dela. As pessoas do pátio estavam atentas aos seus
deveres e não ao paradeiro da Senhora de Langlinais.

Droga, onde estava Jerard? Nos campos, supervisionando a última colheita,


um dever sobre o qual ele havia comentado apenas naquela manhã.

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Ela deu um passo mais perto da borda, atraída por algo que chamou sua
atenção.

Ele começou a correr.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 17

O rio tinha sua própria voz, efetivamente abafando qualquer outro som até
que tudo que Julianna podia ouvir era o rugido da água em movimento rápido. O
Terne inundava de vez em quando, disseram-lhe, como se estivesse provando que
não podia ser aproveitado. Certa vez, até o pátio inferior ficou submerso.

Ela ficou na margem do rio, observando a água ondular.

As semanas passadas mudaram-na, alteraram de uma maneira indecifrável.


Como ela poderia viver uma vida dessa maneira, constantemente desejando mais
de seu casamento quando foi lhe informado desde o início que nada aconteceria?

Sentia-se uma mulher diferente daquela que chegara a Langlinais. A mulher


que estava aqui agora não era a mulher que concordou com tal união. Aquela
mulher contentara-se com o próprio trabalho, com a passagem dos dias marcados
apenas pela conclusão de uma passagem difícil ou de uma carta iluminada. Esta
mulher queria um casamento verdadeiro com o Senhor de Langlinais. Ela queria
que ele falasse com ela como tinha feito nas noites na torre, que falasse com ela
sobre seus sonhos, seu passado, sobre os anos vindouros. Ela queria que ele
confiasse nela e lhe concedesse o segredo que o tornava inviolável e sozinho.

O som do rio a confortou de uma maneira estranha, a correnteza em


movimento rápido um canto da natureza. A água era outro de seus medos. Você
não deve se aproximar do lago, criança. Você pode se afogar. Será que ela estava se
testando agora ao andar mais perto da beira do banco como tinha se testado
quando se sentou nua diante de Sebastian?

Em um momento ela estava parada ali. No próximo, a terra desmoronou a


seus pés e ela estava caindo no ar. Do nada parecia. Um puxão repentino em seu
cinto interrompeu seu voo, então apertou até que ela sentiu como se estivesse
sendo cortada em duas.

Ela não conseguia ouvir nenhum som acima do rugido do rio. Ela gritou, sua
garganta arranhada de terror enquanto ficava suspensa sobre o rio. Mas seus gritos
eram silenciosos. Nem mesmo o estrondo do chão desmoronando acima dela podia
ser ouvido sobre as águas impetuosas do Terne.

Ela olhou para baixo, seus olhos se arregalando na distância impossível


abaixo, na torrente de água abaixo dela. Naquele instante, as memórias da infância
se fundiram, fizeram com que ela tivesse cinco anos novamente, deram-lhe o
desamparo e o terror de uma criança. Ela ia cair para a morte. Sua boca estava
aberta, mas a visão da queda abaixo dela silenciou seus gritos completamente. A

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margem desmoronou ainda mais, pequenas pedras e raízes caindo sobre ela
enquanto a constrição em sua cintura aumentava.

Ela não sabia nadar. A água agitada parecia se aproximar cada vez mais à
medida que ela caia. O desconforto em sua cintura estava aumentando. Ela tinha
sido pega em um afloramento de rocha? Deve ser. Não, ela estava se movendo,
lentamente sendo puxada pela corrente que formava seu cinto. Suas mãos se
estenderam e arranharam a lateral do banco. Seus dedos afundaram no solo, as
palmas de suas mãos pressionando contra a rocha e a raiz em uma tentativa
aterrorizada de se erguer em segurança.

Uma pedra rolou da terra acima, quase atingindo-a. Então outra. A chuva
de solo pulverulento foi o único aviso que ela teve. Uma laje do muro de contenção
caiu de cima, batendo nela, um canto da pedra pesada roçando seus braços e mãos
enquanto ela cobria a cabeça. O impacto a surpreendeu. Por longos momentos ela
balançou fracamente contra a terra, respirando o cheiro dela, ouvindo o cair das
rochas enquanto elas caíam pesadamente no rio. A dor estava em toda parte,
porém suas mãos estavam em chamas. Sua mão direita parecia estranha, e a flexão
de seus dedos provocou um grito surpreso de dor. A esquerda estava gravemente
cortada e sangrando profusamente.

Sebastian inclinou-se sobre o aterro, gritando algo para ela. Ela não podia
ouvi-lo. O som da água correndo era muito alto. Ele se inclinou precariamente
sobre a margem erodida, apenas seu aperto impedindo-a de cair.

Ela usou a mão esquerda como uma garra, triturando a terra em busca de
apoio.

Uma polegada e depois outra. Um pé, então. Minutos longos, lentos e


agonizantes depois, a gola de sua túnica foi esticada enquanto Sebastian a puxava
pela margem.

— Julianna! — O nome dela foi lançado no ar como uma canção de


sobrevivência. Seus joelhos tocaram a terra firme e só então ela fez um som.
Pequenos gritos comoventes que uma gatinha poderia fazer, um medo desesperado
agitando-se dentro dela, exigindo reconhecimento.

Sebastian continuou a puxá-la pelo cinto e pela túnica até que ela estivesse
a um metro e meio da beira do precipício. O aperto doloroso de sua cintura
finalmente aliviou, mas suas mãos estavam em chamas de dor. Ela estava deitada
contra o chão, terra abençoada sob suas costas, sem fôlego. Ela olhou para cima
para ver a glória do céu azul.

E o olhar de horror de Sebastian.

Era difícil falar, mas ela sentiu a necessidade de tranquilizá-lo.

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— Você salvou minha vida, Sebastian — disse ela, finalmente, depois de
recuperar o fôlego.

O esforço para confortá-lo não alterou seu olhar nem fez com que seus olhos
suavizassem sua expressão. O olhar dela seguiu o dele. A mão esquerda dela
agarrou o antebraço dele com força, os dedos da direita encostaram levemente na
pele nua dele.

— Deus misericordioso — ele sussurrou.

***

Suas mãos enluvadas levantaram ternamente os dedos de sua pele. Sua mão
direita estava inchada; Ele se perguntou se estava quebrada. Ambas as mãos
estavam muito rasgadas. Sua sobrevivência lhe custou caro. Muito caro.

— Sebastian? — Seu silêncio a preocupou. Ele podia ouvir em sua voz.

Seus olhos tinham o poder de desmanchá-lo. Ela estava chorando? Por


favor, não a deixe chorar. Agora não.

O rugido do trovão avisou da tempestade que se aproximava. Os pássaros


que empoleiravam-se nas ameias do castelo estavam silenciosos, a brisa que
antecedia a chuva estava carregada de lágrimas da natureza.

— Sebastian?

Seus olhos estavam cheios de confusão. Havia vários arranhões em sua


bochecha e uma mancha vermelha na testa, onde havia roçado uma das pedras em
seu caminho até a margem. O momento mais terrível de sua vida foi quando ela de
repente desapareceu de vista. Não, talvez o momento mais terrível ainda estivesse
por vir. Ele não respondeu sua pergunta não feita, se sentia curiosamente
entorpecido neste momento. Tinha sido tão cuidadoso, tão terrivelmente
cuidadoso. Nem uma vez a tocou, nunca permitiu que ela chegasse perto. Ele tinha
visto o olhar em seu rosto quando ele se afastou de repente, colocou distância entre
eles. Ele se trancou em sua honra, amarrou-se com moderação, e tudo isso foi em
vão.

Agora, ela teria que saber.

— Você vem comigo, Julianna? — As palavras foram forçadas de seus lábios.

Ela sorriu trêmula, mas ficou de joelhos, então se levantou. Seu povo se
afastou dele, o olhar em seu rosto evidentemente tão severo que transformou seus
sussurros.

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Ele poderia ficar em silêncio, não dizer a ela. Mas essa ideia era abominável.
Poupá-lo-ia de sua repulsa, mas a que custo? Ele poderia muito bem render sua
honra, sua palavra, todos os juramentos que ele fez como cavaleiro.

Quando ele alcançou a forja, ele se abaixou sob o teto baixo e deu um passo
para o lado dela. A cabana estava aberta dos dois lados, algo necessário, já que o
fogo nunca se extinguia. Caso contrário, a estrutura seria muito quente para
trabalhar.

Ele recorreu ao ferreiro.

— Deixe-nos — disse ele, e o ferreiro e seus dois aprendizes desapareceram


tão rápido quanto vapor da cuba de resfriamento. Ele se virou para a multidão com
a mesma exigência, e eles não ficaram tão silenciosos, embora tenham se
dispersado com a mesma rapidez. Desdobrando as abas em cada extremidade da
estrutura, ele envolveu os dois em calor e privacidade.

Ele ficou olhando para Julianna, saboreando esses momentos de silêncio.


Seu rosto, tão machucado, ainda assim, era adorável. Sua boca tremendo em um
sorriso tímido. Ela não disse nada desde aquele momento em que ele tirou as mãos
de seus braços. Mas as perguntas permaneceram em seus olhos.

Como ele contava a ela?

Ele não sorria há anos, mas aquelas noites na torre devolveram-lhe isso. Não
conseguia somar uma coluna de números sem parar para pensar nela. Mesmo o
movimento de seus próprios dedos em torno de uma pena trouxera à sua mente
seus movimentos deliberados enquanto ela trabalhava no oriel. Ele vasculhou
todos os manuscritos e pergaminhos que possuía, procurando comentários nas
margens, aprendendo sobre as personalidades dos monges, ou talvez das freiras,
que os haviam transcrito no passado distante. Tampouco seu encantamento por
ela se limitava àquelas coisas da mente e do espírito. Ele a quisera desde o
momento em que a viu, trêmula e inocente.

Um rubor apareceu em suas bochechas. Uma semana atrás, ela se sentou


nua diante dele, persuadida ao desejo apenas por suas palavras. Ela corou então, e
seus lábios se abriram um pouco. Outro momento semelhante nunca mais
aconteceria, e ele não duvidava que ela logo desejaria que aquele fosse apagado de
sua memória.

Ela ficou em silêncio, sua Julianna. Nestes últimos momentos ele poderia
chamá-la assim. Nesses momentos insignificantes, e aqueles que ela lhe dera tão
ingenuamente, seria o que ele recordaria quando estivesse sozinho. Todos os
momentos dela sorrindo, todas as vezes que ele tinha ouvido sua voz suave, todas

Meu Amado – Karen Ranney


as lembranças que ele tinha dela teriam que durar até o dia em que ele morresse,
gritando a Deus pela libertação final.

Mas não a dela. Não a dela.

Ele se ajoelhou a seus pés, inclinou a cabeça. Em uma postura semelhante à


de seu título de cavaleiro, ou homenagem ao seu suserano. Há muito ganhara as
esporas e o rei estava longe, mas não conhecia ninguém mais digno de seu respeito
do que Julianna. Ela enfrentou seu próprio medo e aceitara sua companhia. Apesar
de sentir medo, ela tinha ido até ele e, por algumas noites, tornou sua vida normal.

Ele não podia suportar isso. Seu coração batia com firmeza, golpes resolutos.
Sua mente clamava no mesmo ritmo acelerado. Isso precisa ser feito. Por ela. Isso
deve ser feito.

— Eu avisei para nunca me tocar — disse ele, as palavras soando duras e


cruas. — Você nunca se perguntou por quê?

Sua mão esquerda se moveu até que descansou em sua cabeça. Uma bênção
de toque. Ele fechou os olhos, sabendo que seria a última vez que ela o tocava.

Foi o momento mais profundo de sua vida. O mais difícil.

— Sim. — ela disse simplesmente. — Sempre — acrescentou ela.

Ele olhou para ela e depois para longe. Ela ficou esperando, paciente como
só Julianna poderia ser, envolta em silêncio e compostura. Ele queria ouvi-la rir,
queria ver alegria em seu rosto. Nem cautela, nem repulsa. Mas o que ele diria só
invocaria medo. Repugnância. Desgosto.

As palavras eram quase impossíveis. Ele se forçou a encontrar o olhar dela,


a olhar em seus olhos verdes, mesmo enquanto proferia as palavras que os
separariam para sempre. Ele lhe daria a verdade, dura e frágil como era.

— Sou leproso, Julianna.

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Capítulo 18

O mundo cambaleou, insurgente e aquecido. Julianna o encarou. Em seu


rosto havia um olhar que ela nunca tinha visto antes. Como se ele antecipasse as
feridas que suas palavras lhe trariam. Ele esperava que ela o repudiasse? Era
evidente que sim. Ele se ajoelhou diante dela, silencioso sob seu toque, mas
separado em espírito.

Sou leproso.

Era justo que a tempestade caísse sobre eles. Primeiro, o cheiro da chuva,
depois o vento, soprando contra as abas da lona da forja, fazendo sua túnica girar
em torno de seus tornozelos. Em instantes, eles foram encapsulados na escuridão,
a boca aberta do fogo fazendo a pequena cabana parecer a entrada do inferno. Um
pensamento apropriado para este lugar e aquelas palavras.

Ela podia ouvir os guinchos enquanto a lavadeira e sua ajudante corriam


para recolher seus lençóis secos. O cozinheiro amaldiçoou a chuva, uma porta foi
fechada. Risos, depois silêncio, enquanto toda Langlinais parecia amontoada sob a
tempestade.

Se ela fechasse os olhos, quase podia acreditar que o trovão, grandes ondas
estrondosas, estavam acontecendo dentro de sua cabeça. Mas ela não fechou os
olhos, simplesmente ficou ali absorvendo a tempestade como se fosse uma espécie
de penitência.

Julianna, entre. Você quer ser atingida por um raio? Estranho que ela
percebesse que as vozes estavam temerosas, mais do que a criança Julianna.

Sua mão deslizou até que descansou sobre o ombro de Sebastian. Uma
viagem feita na dor. Sua mão latejava. Ela precisaria embrulhá-la. Mas como ela
trataria sua alma? Que curativo ela poderia colocar nele?

Ele não se afastou do toque dela, apenas fechou os olhos. Mas ela não
deveria tocá-lo, deveria? Não havia palavras no seu passado para guiá-la. Sem
advertências. Apenas as precauções de sua própria mente. Mas guerreou com seu
coração e seu coração venceu. Sua mão permaneceu onde estava.

A tempestade estava diretamente acima deles agora. Um flash iluminou a


cabana, o brilho repentino derramando sobre eles. Um trovão seguiu
instantaneamente, estremecendo pelo chão, através de seu próprio corpo. A terra
sob seus pés parecia tremer como uma besta gigante ganhando vida após séculos
de sono.

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— Intellige clamoren meum. — Ela poderia invocar as mesmas palavras
agora, no mesmo tom de desespero.

— Julianna?

Ela piscou e olhou para ele. Seus olhos, aqueles lindos olhos azuis escuros
estavam cheios de… o quê? Sua mão esquerda se moveu do ombro para a bochecha.
As costas de seus pobres dedos machucados e rasgados estavam dormentes, mas
podiam sentir seu rosto. Ela esperava que fosse eriçada ao seu toque, mas sua pele
era macia. Ela traçou a linha de uma sobrancelha, sorriu enquanto ela se arqueava
sob seu toque. Como ele era absolutamente lindo, como uma pedra rara, polida até
brilhar. Uma grande pedra obsidiana.

Era dor que ela via em seus olhos. Ela finalmente reconheceu.

— Julianna, você me ouviu?

— Sim, Sebastian, eu ouvi. — A voz dela soou estranha até para ela. Pareceu-
lhe assim? Ela suspeitava que sim, pelo olhar de preocupação em seu rosto.

Ela estava à deriva em pensamentos, como se fossem borboletas girando em


sua cabeça, mas nenhum deles permaneceria parado tempo suficiente para fazer
sentido. Sebastian. Durante toda a vida desejara ter alguém em quem confiar, com
quem rir, com quem conversar, e seu desejo lhe fora concedido na forma desse
marido. Ele tinha sido seu amigo e o amante que ela tinha pensado, sonhado. Uma
vez, ela o temeu, vestido com as cores da noite e insinuando mistério. Onde estava
o medo dela agora? Expurgado, drenado. Ela não podia sentir nada além de dor
neste momento, não apenas o desconforto físico de suas mãos, mas uma angústia
mais profunda, uma do espírito.

— Eu não gostaria que algo assim acontecesse com você, Julianna.

Ela estava aqui, mas não estava. Ela estava diante de Sebastian, atenta às
suas palavras.

Eu sou leproso.

Oh meu Deus, tudo fazia sentido agora. Tudo isso. Ele se afastou dela
porque não queria contaminá-la. Não me toque, Julianna. Nunca. Um aviso. Mas
ela não prestou atenção, foi acidental. Ela não pretendia tocá-lo.

Sem problema. Ou esperanças.

Algo morreu dentro dela. Algo brilhante e reluzente e novo. Esperança?


Parece que sim. Talvez ela estivesse fingindo o tempo todo que tal ordem poderia
ser mudada. Que ela pudesse entender sua objeção a um casamento verdadeiro e

Meu Amado – Karen Ranney


abrandá-lo de alguma forma. Nesse caso, essa noção estremeceu e sucumbiu a uma
morte final e sangrenta.

Eu sou leproso. As palavras ecoaram em sua mente, como se os corredores


do convento estivessem acostumados a devolver sons. Ela tinha visto um leproso
apenas uma vez. E tinha sido algo lamentável, com as mãos reduzidas a tocos
pútridos, o rosto enegrecido e fortemente enfaixado.

Não, não Sebastian. Por favor.

— Há quem acredite ser possível prevenir a doença pelo fogo — disse-lhe


Sebastian agora.

Ela olhou para ele novamente, começando a se conscientizar de suas


palavras.

— Você queimaria minhas mãos, Sebastian? — Ela olhou para elas. Ela não
podia mais sentir sua mão direita. Inchada quase duas vezes seu tamanho, parecia
quase azul. Que estranho que parecia pertencer a outra pessoa, não a ela.

— Eu faria qualquer coisa para evitar que sofresses como sofro, Julianna.

Por que ela disse com tanta seriedade? Com tal dor? Outra coisa que eles
compartilhavam, ao que parecia.

Ela era outra pessoa além de si mesma naquele momento, alguém que sentia
um frio absurdo, embora a forja fosse um inferno. O latejar de sua mão era feroz,
a dor mediu suas palavras, racionou-a para aqueles que ela podia falar rápida e
facilmente. Ele queria queimar suas mãos. Ela olhou-as, imaginou-as descarnadas,
chamuscadas e em carne viva, os ossos emergindo de suas mangas. Isso a deixaria
segura, disse ele. Visualizou-a cinzenta, a pele enrugada .

Ela piscou e se concentrou nele ajoelhado diante dela. Sebastian, o bravo e


nobre cavaleiro, o marido que nunca seria seu companheiro. Ela tinha conseguido
o que queria, não tinha? Todas as respostas para todas as perguntas.

— Não, Sebastian — ela disse baixinho, e se rendeu à escuridão.

***

Ela caiu, inconsciente, a seus pés.

Jerard a carregou pelo pátio varrido pela chuva enquanto Sebastian a seguia.

Ela o prendeu efetivamente com sua negação, lançou-o ao local com uma
palavra. Não. Não havia cura para ela agora, apenas uma eternidade observando e

Meu Amado – Karen Ranney


esperando e esperando que ela não apresentasse os mesmos sintomas. O medo se
espalhou como uma erva daninha que crescia rapidamente por ele.

Uma lança de relâmpago iluminou o céu novamente, uma saudação


irregular e onipotente.

A chuva lhe banhava o rosto enquanto ele olhava para cima, como se fosse
encontrar Deus no céu negro acima de Langlinais. Sebastian fechou os olhos, sentiu
o golpe pungente do vento. A selvageria sem adornos dessa tempestade era tão
elementar para ele quanto uma oração. Talvez fosse a forma de adoração da
natureza.

Sua própria oração era simples, não pedindo perdão, mas pelas mãos de
Julianna. E principalmente por sua proteção contra a lepra que tanto mudou sua
vida. Ele não queria para Julianna o que foi prometido para ele.

Um médico egípcio proferiu sua sentença de morte com uma voz cheia de
repulsa. Daquele dia em diante, ele foi isolado dos outros prisioneiros, levado a
uma cela que mal era grande o suficiente para acomodá-lo. Lá ele permaneceu, à
deriva em um horror que lembrava todas as ocasiões em sua vida em que ele viu
um dos intocáveis, os pobres destroços cambaleantes que foram contaminados e
evitados por sua doença.

A Igreja raciocinou que somente os pecadores contraíam lepra, que era uma
punição por pensamentos ou atos lascivos. Ele nunca foi capaz de identificar
nenhum de seus pecados tão grande o suficiente para torná-lo um dos mortos-
vivos. Sua pior transgressão era ter uma mente questionadora, que perguntava por
que era permitido matar em nome da fé e ainda assim ser proibido de outra forma.
Por que a Igreja, fundada nos princípios da caridade e do amor, aprovava a tortura
para extrair uma confissão? Mas por que, se lhe foi dada uma mente capaz de se
perguntar, ele deveria ser punido por isso? Certamente Deus não concederia ao
homem uma habilidade que não deveria ser usada?

Não havia escolhas então… nenhuma vasta gama de opções entre o bem e o
mal. Ele estaria rendido às profundezas do inferno, queimando vermelho sangue
contra a escuridão da condenação eterna. Ou erguido em uma carruagem dourada,
sua jornada acompanhada por vozes seráficas. Não havia marcadores tão
cuidadosos agora. Ele não era nem pecador abjeto, nem perfeito, mas em algum
lugar no meio disso.

O trovão rosnou em concordância.

Ele estava no pátio, pernas apoiadas, punhos estendidos para o próprio céu.

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Julianna. Era o som de um vento na tempestade. E não foi até que ele sentiu
a crueza de sua própria garganta que Sebastian percebeu que tinha gritado seu
nome.

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Capítulo 19

— Enviarei a Irmã Agnes com você — disse a abadessa. — Ela tem um dom
de cura.

— Meu senhor ficará grato por sua ajuda — disse Jerard.

O jovem fez uma reverência e ela sorriu. Duas vezes, ela lhe disse que não
precisava de deferência e duas vezes ele o fez, mas esqueceu na mesma hora. Ela o
assustara, ela sabia. Não por causa da influência que sua família exercia… razão
suficiente em seus anos seculares…, mas porque ela era a abadessa das Irmãs de
Caridade, um posto que ocupava por quase vinte anos e tinha esperanças de manter
até sua morte.

Ela nasceu Gertrud de Bachian, veio para as Irmãs de Caridade inicialmente


como uma noviça incerta sobre seu futuro ou sua devoção. Trinta anos depois, ela
tinha certeza de ambos. Ela encontrou no convento um lugar que precisava de seus
talentos, e em suas alunas as filhas que ela nunca teria.

Nem todas as meninas sob seus cuidados estavam dispostas a aceitar a


orientação que ela lhes dava. No entanto, com cada menina que o fazia, ela tinha
um apreço pelo aprendizado, uma sede de conhecimento. Com cada um ela tinha
sido rigorosa e para cada uma ela tinha dado carinho. Mas o maior legado que ela
deu às filhas adotivas das Irmãs de Caridade era o dom do autoconhecimento.
Antes de deixarem o convento, cada uma delas conhecia sua maior bênção e como
compartilhá-la com o mundo.

Algumas possuíam habilidades de cura, algumas a capacidade de tornar um


jardim verde e exuberante. Algumas eram dotadas de gênio organizacional e suas
propriedades seriam administradas habilmente. Também, havia algumas que eram
abençoadas com o dom do riso e pouco mais, mas o mundo poderia ser iluminado
pelo humor, ela raciocinou. Às vezes, havia uma garota especial que passava seu
tempo nas Irmãs de Caridade. Sua aptidão era tal que até Gertrud ficara
maravilhada. Alguns anos atrás, tinha sido Anne Nursia. Ela, gentil Anne, recebeu
a habilidade de criar imagens de beleza inimaginável a partir do mais humilde dos
materiais. Com cada menina, a abadessa sentia um alívio e uma tristeza paradoxais
quando deixavam as Irmãs de Caridade.

Julianna tinha sido um de seus fracassos mais miseráveis. Gertrud nunca foi
capaz de discernir a verdadeira bênção da garota. Julianna tinha teimosia e estava
determinada a aprender as habilidades necessárias em um scriptorium. Foi essa
vontade forte, mais do que habilidade natural, que fez dela um sucesso naquilo.

Meu Amado – Karen Ranney


Ela não se divertia facilmente, mas sorria quando persuadida. Gertrud sabia que
ela seria castelã de Langlinais com graça e compostura, mas seria mais por causa
de seu treinamento do que por inclinação. Ela era muito quieta, muito reservada,
uma nascente batida ou um riacho represado. Um mistério, essa garota, sempre
foi.

No entanto, ela não hesitou em enviar ajuda para ela no momento em que
soube do acidente. Por tais boas ações eram conhecidas as Irmãs de Caridade.

Gertrud afastou-se da grade que a separava dos visitantes e falou com uma
noviça que esperava por orientação. Irmã Agnes seria convocada e, juntamente
com sua caixa de unguentos, poções e outras decocções de natureza medicinal,
enviada a Langlinais.

— O que está sendo feito por ela agora? — ela perguntou ao jovem.

— Não sei, abadessa, fui imediatamente enviado a você. Mas meu senhor
suspeita que sua mão direita esteja quebrada. Está muito inchada.

Ela passou as mãos na frente de seu hábito.

— Não tenho talento para essas coisas, mas a Irmã Agnes tem.

— Obrigado, abadessa.

Ela acenou para que ele se afastasse, virou-se e foi em busca da irmã
curadora.

***

Ainda estava chovendo. A umidade cobria o vidro, fazendo parecer que o


quarto era uma caverna aquosa. A luz oscilava no chão, até o ar parecia nebuloso.

— Achei muito corajoso o que você fez, milorde. Todo mundo viu — disse
Grazide. Ele se virou e olhou para ela. Seu sorriso torceu algo dentro dele. Ele
apenas hesitou na resposta.

— Suas pobres mãos. — Grazide sentou-se na beira da cama. Julianna estava


deitada sob o lençol, as mãos do lado de fora, dobradas no pulso. Muito parecido
com uma efígie para sua paz de espírito.

Ele não podia tocá-la para endurecer seus ossos e Grazide não sabia como.
Ele procurou em sua memória alguém em Langlinais com o grau de habilidade
necessário para ajudar Julianna.

Meu Amado – Karen Ranney


— Mandei Jerard para o convento — disse ele, oferecendo a explicação como
desculpa para sua inação. Suas palavras pareceram satisfazê-la, uma ocorrência
surpreendente.

Ele raramente falava com Grazide, ou qualquer de seu povo, há meses. No


entanto, seu interesse não era por ele, era pelo bem-estar de Julianna. Tal lealdade
para com sua esposa só aumentou sua afeição por Grazide.

Eles a observaram juntos por quase uma hora até que ele pediu que ela o
deixasse sozinho com sua esposa. Ela concordou sem mais conversa, um silêncio
raro e oportuno de sua parte.

Julianna suspirou, virou a cabeça. Sebastian a observou cuidadosamente


para assegurar-se de que não era apenas uma ilusão de sua parte.

Ele caminhou até o final da cama, os braços ao lado do corpo. Durante a


última hora, raramente desviado o olhar dela, tornando-se tão sintonizado com a
frequência e natureza de sua respiração que ele esperou pela próxima respiração.
Ele se perguntou se ela sonhava enquanto estava insensível. Ela vagava pelos
corredores de um pesadelo induzido pela dor? Seu cabelo preto estava espalhado
sobre o travesseiro, seu rosto muito pálido. Havia escuridão sob seus olhos, uma
suave contusão em sua carne que o fez querer acariciar sua pele com o dedo, dar
um beijo ali.

Sonhos tolos. Ainda mais insano, o desejo de se inclinar sobre ela e afastar
o cabelo do rosto, colocar um pano frio sobre a testa. Sussurrar para ela que tudo
ficaria bem. Ele rezou para que ficasse.

Ela abriu os olhos naquele momento. Pareciam cansados, os brancos


tingidos de rosa, como se a dor os tivesse colorido durante o sono. Ele se sentiu
como no momento em que seu pai o nomeou cavaleiro. Não havia ódio no olhar
de Julianna. Em vez disso, seus olhos pareciam conceder-lhe uma visão de sua
alma. E nesse espírito generoso havia compreensão, compaixão, calor.

Certamente ele estava enganado. Talvez só visse essas coisas porque


precisava do perdão dela, porque sua alma ansiava por isso. Ele tinha escondido
tantas coisas dela. Como ela podia ser tão aberta em suas emoções? Será que ela
estava simplesmente confusa?

Ele teria dito alguma coisa, mas nesse momento Julianna sorriu. Não um
sorriso largo, mas um suave levantar de lábios pálidos. Sua visão vacilou como se a
visse através do vidro da janela reluzente de chuva.

Então o sorriso desapareceu lentamente. Em seu lugar havia um sulco acima


de sua testa. E uma curiosidade surpreendente.

Meu Amado – Karen Ranney


— Por que você não me contou?

— Como se diz uma coisa dessas para uma noiva?

Tudo o que fizera fora para proteger Langlinais e a si mesmo. Os Templários


queriam Langlinais para si, e a Igreja o teria despojado do castelo de bom grado.
Todo o futuro de Langlinais se equilibrava em um delicado fulcro. Por causa dela,
porque ela ficou, ele baniu o medo. Agora, havia apenas os Templários para se
preocupar.

Ele se virou, determinado a dar-lhe honestidade, pelo menos.

— Você teria ficado se soubesse?

Ela pareceu considerar por um momento.

— Não sei.

— Sim — disse ele. — Você teria corrido gritando pela porta.

Seu leve sorriso pareceu iluminar algum lugar escuro dentro dele.

— Você mandou me chamar apenas para que ninguém questionasse por que
eu ainda estava no convento depois do seu retorno?

Ele sempre considerou-a inteligente. Ele sorriu com a evidência disso.

— Era um dos meus maiores medos. A Igreja poderia ter enviado um clérigo
para investigar. — Aquele representante, se soubesse da doença de Sebastian, tinha
o poder de bani-lo de sua casa. Os leprosos não podiam possuir propriedades.

— Mas isso era só uma parte — disse ele, admitindo toda a verdade. — Eu
queria cuidar do futuro da minha casa e das pessoas daqui — disse ele. — Minha
esposa poderia segurar Langlinais, protegê-la da apreensão mesmo que a Igreja
tentasse tirá-la de mim.

— Como isso aconteceu com você, Sebastian?

— Isso importa? Há mil respostas para essa pergunta — disse ele — e todas
dependem de quem você perguntar. Água ruim ou leite de cabra ou a luz de uma
certa lua. — Desviou o olhar. — No momento em que fui libertado da prisão, eu
sabia o meu destino. Um que eu impediria de ocorrer a você.

— Ao me queimar.

Ele desviou o olhar. — Se isso fosse protegê-la. Eu teria feito.

— Não há outra maneira?

— Se houvesse, eu teria encontrado. Eu fiz um estudo de tais coisas.

Meu Amado – Karen Ranney


— E não tem cura, Sebastian? — A suavidade nos olhos dela foi sua ruína.
A tristeza em sua voz o fez querer se afastar. Mas ele não o fez. Ele ficou onde
estava, olhando para ela. Ele havia considerado a cena na forja a mais profunda de
sua vida? Ele não tinha previsto este momento, com o sorriso sombrio de Julianna
e seus olhos verdes insinuando lágrimas não derramadas.

— Nenhuma — disse ele. Em uma palavra, ele contou todas as suas leituras,
todas as suas pesquisas e todas as noites em que ele usou sua educação para tentar
encontrar uma maneira de se curar.

— Não há nada que possamos fazer, não é, Sebastian? Nada mesmo.

Não parecia ser uma pergunta que precisava de uma resposta.

***

Jerard voltou das Irmãs de Caridade antes do esperado. A abadessa fizera


mais do que mandar unguentos para Julianna; ela havia enviado a irmã Agnes, que
deveria ter um toque de cura.

Sebastian não hesitou quando a freira baixinha e roliça entrou apressada na


câmara, com a mandíbula em um ângulo que avisava a qualquer espectador que
ela estava determinada a ver o sucesso em sua missão. Ele teria feito qualquer coisa
naquele momento para poupar a dor de Julianna, e se a presença de uma religiosa
ajudasse, ele não se importaria que isso o colocasse perto do perigo. A freira
poderia, se soubesse de sua condição, bani-lo para um leprosário tão habilmente
quanto qualquer frade ou padre. Mas já não importava. Seu tempo de liberdade
estava quase no fim. Sua reclusão duraria o resto de sua vida. Pelo menos durante
estes últimos dias, ele podia assegurar-se do bem-estar de Julianna.

Irmã Agnes apontou para o banco com um dedo, e Jerard o moveu para o
lado da cama, então saiu do quarto para buscar a água morna que ela pediu. A freira
colocou sua caixa sobre o banco, depois se sentou, examinando com ternura as
mãos de Julianna. Julianna apenas fechou os olhos com a sondagem da freira, os
lábios apertados. Quase tão apertado quanto os punhos de Sebastian.

Jerard chegou com a água e foi imediatamente enviado em outra missão,


desta vez para buscar uma taça de vinho.

— Não preciso perguntar se isso lhe dói — disse Irmã Agnes, quando
Julianna se engasgou. — Não tenho dúvidas de que você quebrou alguns ossos da
mão, criança. — A freira finalmente soltou as mãos e, enfiando a mão dentro de
sua caixa, tirou um pote tampado.

Meu Amado – Karen Ranney


Ela aplicou as sanguessugas na mão direita de Julianna.

— O inchaço impede qualquer tratamento adicional — explicou ela,


enquanto Sebastian se aproximava da beirada da cama. Depois que as sanguessugas
incharam e caíram lentamente, ela ergueu as mãos de Julianna pelos pulsos,
colocando-as delicadamente em uma panela de água na qual despejou uma mistura
perfumada que cheirava a flores.

Quando ela as removeu, ela borrifou um pó amarelo sobre os cortes da mão


esquerda e começou a enfaixá-lo rapidamente.

— Vou avisá-la, criança, este próximo será doloroso para você.

Sebastian se aproximou, olhando para Julianna. Seu rosto estava muito


pálido, mas ela sorriu para seu olhar.

Sentou-se na beirada da cama em frente à freira militante baixinha.

— Procurei em minha biblioteca por esse seu Catulo10 e não encontrei nada
dele — disse a Julianna, na esperança de tirar sua mente da dor que viria.

— Duvido que seja muito conhecido, Sebastian — disse ela, mantendo os


olhos fixos nele. Irmã Agnes dobrou um dedo e os cílios de Julianna se fecharam.
Um suspiro, não mais que uma respiração, era toda a evidência da dor que ela
estava sentindo.

— Eu quebrei minha perna uma vez — disse ele. Como distração, foi uma
oferta insignificante, mas ela abriu os olhos mais uma vez, sorrindo para ele
novamente.

Ele queria inclinar o queixo dela para cima e dar um beijo em seus lábios.
Um suave em recompensa por sua bravura, pelo olhar em seus olhos. Sem aversão
ou repulsa, mas com afeição e carinho e algo muito profundamente confortável
para nomear.

— Grazide me disse que você era uma criança selvagem, Sebastian. Que
quebrar sua perna mudou você. — As duas últimas palavras foram quase ofegantes.
Ela mordeu o lábio quando a freira pressionou um osso de volta no lugar.

Ele não achava possível, mas ela ficou ainda mais pálida. Voltou-se para a
irmã Agnes.

— Não há nada que você possa fazer para poupá-la da dor?

Ela franziu a testa. — É Deus quem cura, eu só ajudo a Ele. — A freira olhou
incisivamente para sua roupa, como se o fato de vesti-la o impedisse de fazer uma

10 Caio Valério Catulo foi um sofisticado e controverso poeta romano durante o final do período republicano.

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pergunta tão idiota. Mas ela não perguntou por que o senhor de Langlinais estava
vestido com a rústica roupagem de lã de um monge.

— Então você não pode ajudá-la com mais gentileza? — Ele franziu a testa
para ela e ela franziu a testa de volta.

— Ela está sendo gentil, Sebastian — disse Julianna. — Conte-me como você
quebrou a perna. É uma história melhor do que como eu quase caí no rio? — Seu
sorriso era irônico, seu coração parecia se expandir enquanto ele a observava.

— Eu estava me escondendo de Gregory — disse ele. — Estávamos jogando


algum jogo, sem dúvida alguma reencenação das Guerras Púnicas. Eu estava
posicionado na defensiva perfeita, esperando que ele atacasse.

— Na torre norte — acrescentou Julianna.

Ele disse.

— Só que Gregory estava esperando que eu o atacasse. Ele nunca veio.


Cansei de esperar por ele e decidi procurar outra posição estratégica. Mas dei os
passos rápido demais e me encontrei no fundo deles.

— O comportamento imprudente muitas vezes leva a consequências


precipitadas — a irmã Agnes contribuiu.

Ele teria dito algo à freira se Julianna não tivesse gritado. Não um som de
garganta cheia, mas quase como se ela tivesse começado a fazê-lo.

— Faça algo pela dor dela! — exigiu, virando-se para a freira.

— Não posso fazer nada pela dor até alinhar os ossos da mão dela. Quer que
eu a deixe aleijada?

Eles se encararam. Sebastian reconheceu que era uma batalha de vontades,


mas ela disse as palavras adequadas para silenciá-lo. Julianna precisa usar as mãos;
era a única coisa que lhe restava. Seu trabalho, e Langlinais.

— Grazide disse que você mudou então. Tinha medo de ficar manco? — A
voz de Julianna era um tênue fio de som.

Ele se virou e a encarou novamente, agradecido por seus olhos estarem


fechados. Melhor não ver a ruína de sua mão. Mesmo agora, ele se encolheu ao vê-
la. Ele tinha visto feridas piores, tinha sofrido lesões mais graves. Exceto que
parecia diferente quando era a mão e a dor dela.

— Eu tinha sonhos de ser o maior cavaleiro de toda a Inglaterra.

— Mesmo assim, arrogante — murmurou Irmã Agnes.

Meu Amado – Karen Ranney


— Você não pode se apressar? — Seu temperamento estava sendo contido
apenas por força de vontade.

— Há lugares onde os ossos de sua mão perfuraram a pele. É importante


que eles sejam empurrados de volta suavemente. É um trabalho delicado e leva
algum tempo. — Seu tom era surpreendentemente suave, mas seu olhar não. Ele
castigava com um olhar.

— Ela está com dor. — Voltou-se para olhar Julianna, sem nunca perceber
quando a freira o avaliou com outro olhar, mais longo.

— Meu pai amarrou sua espada na minha perna, me dizendo que eu


decidiria qual seria meu futuro. Ou eu curaria tão reto e tão forte quanto aquela
espada, ou seria manco e essa seria a única associação que eu teria com isso. Eu
estava determinado a me curar, e assim o fiz.

Seu sorriso pálido era sua única indicação de que ela o tinha ouvido.

— Onde está essa espada?

— Herdei-a com a morte do meu pai e levei-a numa cruzada comigo.

Muito tempo depois, a mão de Julianna estava enfaixada. Irmã Agnes lavou
o rosto, ergueu a cabeça e a fez beber um gole de uma infusão que ela misturou
com uma taça de vinho. Então a força de sua não negligenciável vontade se voltou
contra ele.

— Ela vai dormir agora. E senhor ou não, maridos não são necessários neste
lugar. Não agora, e não até eu chamar.

Ela foi até a porta, abriu-a e ficou ali, desafiando-o. O olhar dela o desafiou
a protestar contra seu banimento. Seus olhos se estreitaram quando ele hesitou.

Ele olhou para Julianna, que jazia com os olhos fechados, o rosto pálido.

— Quer que eu fique, Julianna?

Ela sorriu suavemente, mas não abriu os olhos.

— Não, Sebastian.

Ele se levantou, estranhamente desapontado.

— Sebastian?

Ela estava olhando para ele agora, seu olhar tão firme como antes, embora
apenas um pouco mais cansado. Como se a dor tivesse devorado sua compostura e
sua contenção.

— Sim, Julianna?

Meu Amado – Karen Ranney


— Obrigada.

Palavras simples, mas que pareciam importantes. Ele disse para ela. Dentro
de momentos, ele se viu do outro lado da porta.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 20

— Por favor, diga à abadessa o quanto apreciei seus cuidados, irmã — disse
Julianna alguns dias depois.

— Apenas cumpri meu dever, Julianna. — Irmã Agnes ergueu os olhos de


arrumar sua caixa para suavizar as palavras com um pequeno sorriso. — Agora cabe
a você garantir que meu trabalho não tenha sido em vão. Você deve tirar as
bandagens da mão esquerda duas vezes por dia, Julianna, e colocar outra camada
de unguento na mão antes de fazer o curativo novamente.

Julianna olhou para as mãos enfaixadas. Cada dedo separado estava coberto
por um pedaço de linho para que parecessem grandes e disformes. A dor deles
havia diminuído um pouco, ou talvez ela simplesmente tivesse se acostumado a
isso.

— Quanto à sua mão direita, Julianna, não tenho como saber se voltará a
escrever. Em algumas semanas, você pode remover as bandagens, mas eu daria
muito mais tempo do que isso antes de tentar forçar seus dedos a segurar uma
pena.

Julianna sorriu.

Irmã Agnes veio e ficou ao lado da cama.

— As próximas semanas serão muito difíceis. Mas eu a conheço desde que


você era uma criança pequena, e eu sei que você é uma garota teimosa. Essa
teimosia lhe servirá bem agora.

Julianna sorriu.

— Irmã, há cura para a lepra? — Ela arriscou perguntar à freira. Talvez tenha
sido o olhar da outra mulher, uma compaixão sempre presente, que a fez fazer isso.

Irmã Agnes virou-se e continuou a empacotar itens em sua pequena caixa


de madeira. Ela segurava o mais precioso de seus instrumentos de cura, frascos de
ervas preciosas e unguentos feitos de receitas que ela estava ansiosa para
compartilhar. A cura, ela gostava de dizer, era uma daquelas artes que é melhorada
pela contribuição. Ela ia responder? Ou fingir que a pergunta não tinha sido feita?

— Não conheço ninguém que tenha sobrevivido a isso — disse ela, por fim,
sem olhar para Julianna. — São uns pobres coitados, verdade seja dita. Mas há
coisas que podem ser feitas para trazer-lhes conforto. Isso — disse ela, colocando
um pequeno pote de cerâmica tampado na cama ao lado de Julianna — amolece a
pele e é conhecido por aliviar a dor da doença.

Meu Amado – Karen Ranney


Julianna colocou a mão enfaixada em cima do frasco.

— Não permita que seu bom coração o aplique, salve a si mesma. Você
nunca deve tocar em um deles. — Sua voz era suave, seu olhar direto. — Se há
alguém em Langlinais com tal maldição, Julianna, é melhor que seja levado daqui.

Julianna baixou os olhos para as mãos. Ele queria queimá-la ao invés de que
ela sofresse o mesmo destino que o dele. No entanto, mesmo a freira mais
carinhosa o baniria. Ela forçou um sorriso em seu rosto.

— Obrigada, irmã — disse ela baixinho, erguendo o olhar para a outra


mulher. — Eu cuidarei disso.

— Não há necessidade de agradecimentos, Julianna — disse Irmã Agnes. —


Acrescentarei o penitente às minhas orações. Há alguma palavra que você queira
transmitir à abadessa?

— Só que quando eu recuperar o uso das mãos ficarei feliz em continuar


meu trabalho.

— O que Deus quiser. Talvez seu tempo seja gasto mais com os filhos que
você vai gerar.

Julianna esboçou um sorriso. Havia segredos suficientes derramados esta


manhã. Ela não diria a Irmã Agnes que parecia que seu destino estava apontado
em uma direção diferente, mas de que maneira ela não tinha certeza. Se ela não
pudesse trabalhar, e nunca fosse uma esposa, então qual era o seu propósito?

Outra pergunta que deve ser respondida eventualmente.

***

Sebastian estava no oriel. Ainda estava perfumada com rosas. Ele virou
cuidadosamente as páginas que Julianna havia inscrito com tanto cuidado. Ela já
havia as unido em folhas opostas, ou páginas individuais, para que ficassem em
ordem numérica adequada. O quatérnio, o livro que contém cinco seções de
páginas, seria enviado com a irmã Agnes à abadessa pela manhã.

Ele leu os colofões, aquelas notas de rodapé que indicavam as


personalidades dos escribas tão agudamente. Nenhuma era tão comovente quanto
a mensagem que ela havia escrito na última página. Fiz as cartas da maneira mais
adequada e perfeita que pude e tentei copiar sem erros. Foi uma tentativa minha de
entender o sentido do que copiei e concentrar minha mente errante nessa tarefa.

O que havia ocupado seus pensamentos?

Meu Amado – Karen Ranney


— Milorde? — Ele se virou ao som da voz de Jerard.

— Chegou uma mensagem para você, milorde. Um Templário a trouxe. —


Jerard estendeu a missiva, um selo de cera na face dela. Sebastian a pegou, um
sentimento não muito diferente do destino se apoderando dele.

Ele quebrou o selo e examinou a carta. Dobrando-a novamente, ele passou


por Jerard e caminhou pelo corredor, Jerard o seguiu. Ele abriu a porta de seu
quarto e tentou se forçar a ficar calmo. Mas a raiva parecia se agitar dentro dele
como um redemoinho.

Uma vez dentro de seu quarto, ele empurrou a carta para Jerard, esperou
até que o mordomo lesse as palavras.

— Como podem recusar uma prorrogação, milorde? — Havia descrença


junto com raiva no rosto de seu mordomo.

— Facilmente, Jerard — disse ele. — Eles querem outra coisa de mim.

Inscrita na mão de Gregory estava a resposta ao seu pedido de mais tempo


para pagar seu resgate. À primeira vista, a carta era uma expressão fraternal de
preocupação por Sebastian não poder fazer o último pagamento do empréstimo.
Gregory fazia uma sugestão de como ele poderia convencer os Templários a quitar
a dívida. Tudo o que Sebastian precisava fazer era entregar qualquer coisa que
pudesse ter tirado de Montvichet.

— Eles querem o tesouro cátaro em troca de Langlinais. — O tesouro não


era segredo para Jerard. Seu mordomo estivera com ele em Montvichet. Mas a
verdadeira natureza do legado cátaro era apenas do conhecimento de Sebastian.
Ele havia jurado mantê-lo escondido e permitir que morresse consigo. A carta, no
entanto, alterou seus desejos.

Jerard colocou a carta sobre a mesa como se estivesse contaminada.

— Conheço meu irmão muito bem, Jerard. Ele fica mais feliz quando está
mergulhado em intrigas. — Sebastian caminhou até a mesa e olhou para a carta.
Ele quase podia ver Gregory se concentrando nas palavras exatas. Informação
suficiente para alarmar, mas não o suficiente para revelar a intenção dos
Templários.

— O que você vai fazer, milorde?

Ele não podia se dar ao luxo de ignorar a ameaça velada. Tinha mais do que
seu próprio futuro para se preocupar, mais do que um castelo para proteger. Ele
tinha Julianna e os habitantes de Langlinais para vigiar. Tocou ociosamente a
pequena figura esculpida de Julianna dada a ele pelo Velho Simon.

Meu Amado – Karen Ranney


Eles queriam o tesouro dos cátaros.

Os Templários não administrariam Langlinais, mas a ocupariam. Tomariam


o castelo como outra de suas propriedades, povoariam com monges-guerreiros.
Seu povo seria banido, os aldeões afastados. Algumas das famílias poderiam traçar
sua linha de volta ao tempo de seu ancestral normando. E Julianna? O que eles
fariam com sua esposa? Expulsá-la-iam? O bem-estar dela, o de seu povo, não
importaria para os Templários.

Mesmo que pudesse pagar o restante do resgate, não duvidava de que


haveria outro pretexto sob o qual ameaçariam Langlinais. Alguns juros que ele não
havia considerado, alguma multa cobrada. Sua fome pelo tesouro superava
qualquer outra consideração, mesmo a de justiça.

Só havia uma coisa a ser feita. Ele considerou como poderia oferecer aos
Templários exatamente o que eles queriam, e proteger tanto sua esposa quanto sua
casa.

— Eles vão conseguir exatamente o que esperam, Jerard — disse ele. — Leve
uma mensagem para o Velho Simon, em meu nome, pela manhã. Há um trabalho
que preciso que ele execute. — Disse as palavras que colocariam seu plano em ação,
então observou Jerard sair da sala.

As emoções que sentia agora o surpreendiam. Alívio e raiva. O alívio era


mais difícil de decifrar. Teria em suas raízes o fato de que ele sabia que seu plano
poderia funcionar? Ele entendia o porquê de estar com raiva. Os Templários
haviam roubado o último de seu tempo com Julianna.

Ele puxou o manto sobre a cabeça, revelando a liberdade de suas dobras


confinantes. Sua pele esfolou onde a lã a arranhou. Ele se inspecionou, como fazia
todos os dias, medindo o progresso de sua doença como uma mãe pode registrar o
crescimento de uma criança. Não havia carinho nisso, no entanto, nenhum toque
de bondade que uma mãe pudesse invocar. Sua condição estava progredindo, assim
como ele temia. Ele ainda não tinha perdido a sensação em seus membros, uma
bênção ou uma maldição, ele não sabia qual. Isso significava que ele não estava
declinando tão rapidamente quanto poderia. Ou poderia significar que seriam
muitos longos e dolorosos anos até que ele morresse.

Até então, ele deveria proteger aqueles sob seus cuidados. Primeiro, dando
aos Templários o que eles achavam que ele tinha. Em segundo lugar, garantindo
que deixassem Julianna e Langlinais em paz.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 21

— Não é como se tivéssemos contrariado sua ajuda, milady. — Grazide


prendeu a ponta da trança de Julianna com um pequeno pedaço de fita azul. —
Também não duvido que seja uma boa alma, sendo freira e tudo. Mas ela me baniu
do seu quarto e mandou embora todos os ajudantes. — Grazide fungou.

— Tenho certeza que ela não quis ser avassaladora, Grazide. É que a irmã
Agnes sempre foi um pouco teimosa.

— Insistente. Mandona. Arrogante. — Tal concisão de fala era diferente de


Grazide.

Julianna sorriu para ela, esperando alisar as penas eriçadas da outra mulher.

— Então ela me disse que éramos um bando de ímpios, não tendo um


capelão presente em Langlinais. E ela disse que a cozinheira não usava verduras
suficientes e que nossa carne não estava bem salgada.

— Desculpe se ela foi antipática, Grazide.

A atendente retirou a túnica do armário. Tinha sido despojada de suas


mangas, para melhor acomodar as bandagens nas mãos de Julianna.

Grazide olhou para cima.

— Não cabe a você pedir desculpas, milady, mas a ela. O fato de ser freira
não isenta um corpo da grosseria, não é?

Julianna balançou a cabeça. Essas disputas normalmente ocorriam quando


duas mulheres fortes recebiam a mesma tarefa e uma parecia ser melhor nisso do
que a outra.

Certa vez, uma grande rajada de vento arrancou o telhado do refeitório. Ela
ajudou na limpeza do convento e descobriu que as árvores mais jovens e frágeis
haviam sobrevivido, enquanto os carvalhos mais fortes e robustos haviam sido
arrancados. A lição não passou despercebida para ela. Às vezes, aquele que se dobra
voluntariamente é aquele que permanece de pé depois que a tempestade passa. Ela
descobriu, no entanto, que era mais comum para uma pessoa esperar que a outra
se dobrasse do que voluntariamente se render. Era evidente que Grazide sentia o
mesmo.

— Duvido que a vejamos novamente — disse ela, em um esforço para


aplacar sua atendente. — Jerard a levou de volta ao convento. — Junto com o

Meu Amado – Karen Ranney


volume recém-copiado da enciclopédia. Julianna se perguntou se algum dia
voltaria a fazer tal trabalho.

— Não em breve, milady. Ela nos deu um sermão, ela falou tudo sobre como
deveríamos cuidar de você e fazer a pomada para suas mãos. Nos manteve lá por
uma hora repetindo várias vezes, até que eu pensei em estrangulá-la. — Havia uma
expressão estranha no rosto de Grazide como se ela acabasse de perceber suas
palavras e agora se perguntasse o castigo celestial por querer estrangular uma
freira.

— Sinto muito, Grazide — disse ela novamente. Irmã Agnes tinha partido
naquela manhã, talvez amanhã, a raiva da outra mulher tivesse abrandado.

Grazide pendurou a túnica sobre a cabeça de Julianna. A roupa volumosa


servia como traje de noite, sua trama fina disfarçando um pouco de seu corpo. A
modéstia, no entanto, era suplantada pela necessidade. Ela podia fazer poucas
coisas por si mesma agora, especialmente com as mãos enfaixadas tão forte.

— Não que não tenhamos o que fazer — resmungou Grazide — com todos
os preparativos para a viagem do milorde. Doze homens, ele e Jerard para
fornecermos provisões.

— Jornada?

Grazide se endireitou, cruzou as mãos na cintura, franziu a testa.

— Não me diga que você não tem conhecimento da coisa, milady.

Julianna balançou a cabeça.

— Ele está indo para a França. Ele e Jerard, com uma tropa de nossos
soldados.

— Quando?

— Em uma semana ou menos.

Ela se levantou, permitindo que Grazide arrumasse as dobras de sua túnica


ao redor dela. Suas mãos foram mantidas acima da cintura, para minimizar a dor.
Irmã Agnes tinha deixado um gole para ela beber se ficasse insuportável, mas a
cada dia a dor parecia diminuir.

O que ela sentiu neste momento foi outro tipo de dor. Por que ele não lhe
contou? E por que ele estava indo embora?

***

Meu Amado – Karen Ranney


Não houve batida na porta. Simplesmente foi aberta. Ele olhou para a
interrupção, pensando que era Jerard. Seu mordomo era seu único visitante. Até a
tagarela Grazide se convencera desde cedo de que ele não precisava de nenhum de
seus cuidados. Não importa que ela tenha limpado seu nariz e dado um tapa em
seu traseiro quando ele era um menino. Ninguém mais ousaria invadir sua
privacidade. Portanto, foi com surpresa que viu Julianna deslizar para dentro do
quarto. Entre suas mãos enfaixadas havia uma jarra coberta. Ela a baixou
suavemente para o banco. Ele franziu a testa. Ela não deveria estar carregando
coisas.

Ela não olhou em seus olhos, não pediu perdão pela interrupção,
simplesmente sentou-se ao lado da jarra, os olhos fixos nas chamas que saltavam
nos dias mais frios. Ele sabia, naquele estranho sentido que o dominava em
assuntos que se relacionavam com ela, que seu comportamento era estudado e
calmo apenas por vontade. Não a via há dois dias, havia se retirado de seu quarto
e de sua visão. Olhar para ele só poderia lembrá-la do que ele era. Tinha desfrutado,
por algumas horas pelo menos, de sua aceitação. Ele não queria ver aquela emoção
transformada em repulsa. Mas parecia que seria tratado com algum sentimento
forte. Ela estremeceu com isso.

— Julianna.

— Sebastian — ela disse, e ele se perguntou fugazmente se ela estava


zombando dele.

Ele se sentou na outra ponta do banco e olhou para frente, assim como ela.
Às vezes, era melhor não enfrentar o adversário, mas cortar de lado. Ele esperou o
golpe.

Ela se virou e olhou para a jarra de barro no banco.

— Prometa que vai usar isso, Sebastian.

— O que é isso?

— Algo que a Irmã Agnes diz que vai aliviar o seu desconforto. Você deve
espalhá-lo em sua pele uma vez por dia.

— O que é isso? Língua de morcego? Besouros do chão?

Ela deu de ombros. — Não sei. Isso importa? Se isso lhe ajuda, você se
importa?

Ele não disse a ela que não havia poções, unguentos, unguentos feitos que
aliviassem seu desconforto futuro. Ele abriu o pote de barro. Cheirava a menta,
semelhante à preparação que a Irmã Agnes tinha usado nas mãos.

Meu Amado – Karen Ranney


— Prometa-me.

Ele tinha dado a ela muito menos do que ela merecia, ele poderia dar-lhe
isso. Ele assentiu.

— Grazide diz que você está indo embora. — Não foi uma pergunta. Ambas
as mãos repousaram sobre suas pernas. Fortemente enfaixadas, pareciam tacos
brancos.

Ele assentiu, concentrando seu olhar no chão. Ele notou que as madeiras
estavam empenando em um ponto.

— Aonde você vai, Sebastian? E por quê? Pretende me dizer alguma coisa?
Devo aspirar a ser como Hildegard de Bingen? Ela foi consultada como profeta,
sabe. Pense em todas as conversas que poderíamos ter sem que falasse. Eu poderia
pensar na pergunta e você simplesmente poderia pensar na resposta.

Seus lábios se curvaram com essa evidência de sua irritação. Era a primeira
vez que a via com raiva.

Ela se levantou e caminhou a curta distância até onde ele estava sentado, de
frente para ele. Ela não era uma mulher baixa, mas ele era um homem alto. Se ele
tivesse se levantado, o topo da cabeça dela teria chegado ao ombro dele. Com ele
sentado, ela era apenas um pouco mais alta que ele, o suficiente para olhá-lo
imperiosamente. O suficiente para que seu queixo se inclinasse em um ângulo que
teria sido considerado real se ele não o tivesse visto tremer um pouco.

Sua túnica era de linho, finamente trabalhada e transparente demais para


este momento. Por baixo, ele podia ver seu lindo corpo, o volume dos seios, a curva
da perna. Ele não precisava vê-la para conhecer cada centímetro de sua pele. Ele
poderia facilmente lembrar como ela parecia, nua, no brilho das lâmpadas. Tais
lembranças se repetiam em sua mente todas as noites. Ele desviou o olhar.

— Devo ficar aqui, então, Sebastian? Para chorar por você? Ansiar? E um
dia, cairei nos braços de outro homem e ele me consolará, e você dormirá seu sono
de mártir, contente por seus planos terem sido cumpridos?

Se a solidão fosse grande demais para suportar, e ela tivesse um amante, o


mundo não a condenaria por isso. Ele se esquivou da ideia, sua mente contornando
a imagem repentina e rápida de Julianna sendo beijada, Julianna com o rosto
vermelho de admiração nos braços de outro homem. Ele não conseguia pensar
nisso sem sentir as pontas gêmeas de raiva e tristeza.

Seus olhos pareceram se aprofundar, o verde deles visto através de um


brilho de lágrimas. Ele não disse nada quando ela se virou e caminhou em direção
à porta.

Meu Amado – Karen Ranney


— Adeus, Sebastian. Vá com Deus. — Por que ela parecia muito mais
delicada do que no passado? Como se ela não fosse mais do que um espectro, uma
fraca representação de si mesma.

— Não posso levar você comigo.

— Por que, Sebastian?

Ele se levantou e a encarou, afastou o capuz de sua cabeça. Como ele odiava
essa roupa, a necessidade de cobrir-se, esta mortalha. Enterrando-o vivo,
proclamando a distância necessária entre eles.

— Porque é perigoso.

Ela assentiu. Ela aceitou sua explicação, mas não a entendeu. E ela não iria
até que ele explicasse tudo.

Em vez de fazê-lo, ele fez outra pergunta, uma que fez com que seus olhos
se arregalassem.

— Que concessões você faria, Julianna? Naquela noite, encontrei-a em seu


quarto. Você escreveu que aceitaria. O que você quis dizer?

Ela olhou para o chão e, por um longo momento, ele não achou que ela fosse
responder. Sua voz, quando veio, era baixa.

— Eu não faria mais perguntas e nunca tocaria em você.

Silêncio, enquanto ele se perguntava como responder.

— Eu não o atraí para lá da maneira que você pensa, Sebastian.

Outra declaração à qual ele não poderia fazer nenhum comentário.

— As circunstâncias não mudaram muito, Julianna. Exceto que agora você


sabe os motivos.

O sorriso dela era doce, mas ele notou que a expressão não se refletia em
seus olhos.

— Vou postular minha própria pergunta para você, Sebastian. — Ela


levantou as mãos enfaixadas. — O que acontece se você estiver deixando uma
leprosa em Langlinais?

***

Sua carranca era uma nuvem de trovoada que avisava de uma tempestade.
Ela se recostou no batente da porta e o observou. Seu rosto assumiu uma cor

Meu Amado – Karen Ranney


avermelhada e duas vezes ele abriu a boca para falar e duas vezes a fechou com a
mesma rapidez. Suas mãos enluvadas se fecharam em punhos.

— Você não pode vir comigo.

A calma era o único recurso para sua raiva. Ela não tinha sido justa, talvez
jogando com seus medos para com ela. Mas ele esperava que ela permanecesse
aqui, mansa e aceitando qualquer destino decretado para ela? Ela tinha feito isso
uma vez, e recebeu um casamento que nunca seria uma união. Ela não faria isso
novamente.

Julianna, você deve ser de natureza tranquila, para não desagradar os outros.
Ela forçou a voz para longe.

— A abadessa me castigava muitas vezes, Sebastian. Ela disse que uma vez
que eu tivesse um pensamento entre os dentes, eu não permitiria que ele escapasse
até que eu o preocupasse até a morte. Acredito que ela até se referiu a um rato em
sua descrição de tal tenacidade, embora eu possa ter me enganado.

— Achei que você fosse mais conhecida pela timidez de sua natureza. —
Sua sobrancelha se ergueu, sua boca parecia inclinada a fazê-lo também. No
entanto, nenhum dos gestos parecia divertido.

— Os dois traços de caráter podem existir lado a lado. Devo confessar meu
medo de ser deixada para trás e de viajar com você?

— Esse comentário deveria me convencer?

— Não — ela disse suavemente. — Este sim. Leve-me com você, Sebastian.
Por favor.

Ele parecia estudá-la, desde a expressão em seus olhos até as bandagens em


suas mãos. O que ele estava pensando? Ela não sabia.

— Para Montvichet, então — disse ele, finalmente. — Longe, mas não tanto.

Ela assentiu e não disse mais nada enquanto fechava a porta atrás de si.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 22

O pátio do meio estava cheio de homens armados montados em seus


cavalos. A maior parte de Langlinais estava lá para se despedir, apesar de seu
destino ser secreto, e a própria natureza de sua jornada oculta.

Julianna permaneceu no degrau mais alto. Mal passava do amanhecer e o


céu começava a clarear. Um ar de expectativa parecia dominar o castelo e seu povo.
Tinha sido assim quando Sebastian deixou Langlinais para sua rodada de torneios?

Ela procurou encontrá-lo entre os homens da moagem, procurou seu


distinto manto preto. Ele estava longe de ser encontrado.

Grazide borbulhava ao lado dela.

— Já viu homens tão bons, milady? E todos eles nascidos e criados em


Langlinais. Ora, eu conheço a maioria deles desde quando eram bebês. E eu mesmo
banhei seus traseiros. Aquele — disse ela, apontando para um homem ruivo parado
ao lado de Jerard —, era o melhor amigo do meu Ned na infância. Sua irmã agora
é minha querida filha. Mas isso é o suficiente para mim. Devemos colocá-la em seu
caminho. Vou sentir sua falta, minha querida. Adeus, e Deus lhe guarde até nos
encontrarmos novamente.

Julianna se inclinou e aceitou o abraço de sua atendente, retribuindo na


mesma medida. Na verdade, ela se afeiçoara a Grazide. De fato, era impossível não
gostar da mulher loquaz.

Ela se endireitou e sorriu, olhando além de Grazide para o pátio lotado. Foi
então que ela o viu.

Houve poucas vezes em que sua respiração foi tirada. Julianna podia contar
três ocasiões em que ficou sem palavras diante dos acontecimentos. A ocasião em
que conheceu Sebastian pela primeira vez foi uma delas; o dia em que ela conheceu
seu segredo. E então, este momento.

— Oh, olhe, milady, é ele. E montado em Faeren também. Ele não é uma
visão?

O pátio estava iluminado por brilhantes raios alaranjados de um sol que


nascia lentamente. Um cavalo ébano, sua rédea e arreios adornados com prata, sua
sela pontilhada com inserções de prata, dançava na luz. Seu cavaleiro o controlou
sem esforço, até sorriu com a exuberância de quem foi negado um prazer por muito
tempo. Seu sorriso brilhou ao sol da manhã tão brilhante quanto a armadura que
ele usava, cota de malha prateada que se estendia do pescoço ao pulso até o

Meu Amado – Karen Ranney


tornozelo, encimada por uma túnica carmesim sem mangas. Seu cinturão de
espada estava fortemente bordado em vermelho e prata, e a arma que segurava
trazia um rubi embutido no centro de seu punho.

Sebastian de Langlinais.

Este era o homem que cavalgara para a batalha, o cavaleiro que ganhara
tantos torneios. Um jovem guerreiro com cabelos castanhos desgrenhados que
pareciam dourados e vermelhos ao sol. Um homem que ela nunca tinha visto antes.
Ele riu e ela sentiu seu coração cair na ponta dos pés ao vê-lo desse jeito. Nenhum
monge envolto em piedade, nenhum homem severamente determinado ao
isolamento. Um vislumbre, talvez, do homem que viveu lado a lado com seu
espírito, aquele que roubou seu coração mesmo quando invadiu sua mente.

Jerard o chamou, e Sebastian respondeu com uma resposta risonha. As


palavras que falavam eram inconsequentes, o significado desnecessário. O feitiço
que a encantou ficou mais forte. Naquele momento, Sebastian deixou Faeren à
rédea solta, e o cavalo pareceu voar. Faeren tornou-se uma criatura alada, criada
de mitos e magia. Julianna sentiu como se estivesse testemunhando um evento que
não aconteceria novamente, que Sebastian e Faeren representavam tudo o que
havia de bom, nobre e bom no mundo, mas que sua nobreza e propósito brilhante
eram mal compreendidos e destinados a desaparecer.

Não era, ela pensou, enquanto os observava correndo pelo portão norte,
necessário para um homem ser puro e virtuoso. Era o suficiente para ele desejar
ser. Os cavaleiros que viajaram em cruzada o fizeram com uma intenção honrosa
e, portanto, alcançaram seu objetivo no momento em que deixaram o lar para trás.
Não era tão importante reconquistar Jerusalém como desejar-se homens melhores.
No entanto, mesmo agora, os homens lutavam e morriam pela posse de um pedaço
de terra, para tomar o controle sem entender que era o melhoramento de si mesmo
que devia ser mais procurado.

Seria esse pensamento uma heresia?

Um brilho de luz do sol atingiu a cota de malha de Sebastian, um flash de


luz em momento. Ele freou Faeren, parou na colina olhando para Langlinais, uma
figura fraca com a mão erguida. Um pensamento estranho, que a fez dar alguns
passos à frente, como se pudesse alcançá-lo e tocá-lo. Era como se eles estivessem
mais próximos agora do que jamais estiveram antes. Separados pela distância, mas
não pela inclinação. Ela podia sentir seus pensamentos ou eram apenas ecos de
seus próprios desejos? Eles a esbofetearam como se fossem borboletas na brisa da
primavera.

Volte para mim, Sebastian.

Meu Amado – Karen Ranney


Não tenha medo, Julianna.

Eu estarei com você.

Para todo sempre.

Ela queria chorar. Em vez disso, ela segurou apertado a memória deste
momento, e jurou lembrar para sempre a visão dele, inteiro e feliz.

— Milady?

Ela piscou, arrancada de seu devaneio pela preocupação de Grazide. Jerard


estava ao lado dela. Há quanto tempo eles a observavam?

Jerard curvou-se e a precedeu até a carroça em que ela deveria viajar. Ela se
virou e se despediu de Grazide novamente, então entrou.

Ela não olhou na direção de Sebastian novamente.

***

Ocorreu a Sebastian que manter Julianna com ele poderia ser a melhor
maneira de protegê-la. Ele esperava que houvesse traição à frente, mas era preciso
um sonho, uma visão distorcida de espadas cortando e cavalos gritando para ele
perceber que deixá-la para trás a exporia a mais perigo do que levá-la consigo.

O gênio dos Templários estava nas manobras políticas. Seria mais fácil para
eles usar Julianna como refém para forçá-lo a entregar o tesouro cátaro do que sitiar
Langlinais ou capturá-la e torturá-la.

Não que ele achasse que ela ficaria para trás, mesmo que ele decidisse viajar
sem ela. Havia raiva em seu rosto e uma teimosia surpreendente. Ele não ficaria
surpreso se ela tivesse anunciado que o seguiria independentemente de sua
decisão. Mas não havia necessidade disso.

Ela vasculhou a vontade dele com sua pergunta: E se você deixar uma leprosa
em Langlinais? Era um medo muito real. Mas essa era a única razão pela qual ele
decidiu levá-la? Ou era porque ele apreciava o tempo que passava com ela? Ele
sabia a resposta mesmo enquanto amaldiçoava sua própria tolice.

Até chegarem à costa, Julianna poderia viajar em uma carroça que lhe
oferecesse algum conforto. Depois disso, ela precisaria cavalgar com Jerard, a
condição de suas mãos impossibilitando que ela segurasse as rédeas de sua própria
montaria.

Meu Amado – Karen Ranney


Pelos seus cálculos, levariam algumas semanas para chegar a Montvichet. E
cada milha de sua jornada seria ansiosamente observada, ele tinha certeza.

Ele olhou para onde os cavalos estavam, para além de onde Jerard estava
falando com outro dos soldados. Havia apenas doze deles nesta jornada. Um
número pequeno o suficiente para embarcar em uma missão de tal perigo. Ele fez
o sinal para montar, e as esposas foram beijadas e as crianças abraçadas.

Os soldados mais confiáveis foram deixados para guardar Langlinais. Um


jovem que havia sido selecionado para treinar com Jerard recebeu a tarefa de
contabilizar as colheitas, um dever que ele parecia aterrorizado em assumir. Ele se
despediu do povo de Langlinais com um aceno e um sorriso. Sebastian saiu do pátio
e atravessou os portões de Langlinais.

Ele olhou para trás uma vez, para olhar Langlinais uma última vez. Ela
brilhava branca na luz do amanhecer. Sua casa. Ele tinha saído daqui uma vez para
Montvichet, e sua vida mudou para sempre. O que essa peregrinação lhe traria?
Ele se virou, concentrado não em todas as suas inúmeras preocupações, mas na
jornada à frente, para um lugar que ele nunca quis ver de novo, mesmo em seus
sonhos.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 23

— Por que Montvichet? — Julianna perguntou.

Ele virou a cabeça, pensando que era hora da pergunta finalmente chegar.
Eles pararam para a refeição do meio-dia, e ela se sentou ao lado dele.

Ele partiu um pedaço de seu pão. Toda a sua comida era mantida
cuidadosamente separada, uma precaução que parecia aconselhável. Ele mastigou
preguiçosamente enquanto se concentrava em sua resposta.

Ele ergueu uma perna, apoiou o pulso nela e olhou para Langlinais na
direção de casa.

— Há algo lá que eu acho que preciso. — Foi a resposta mais fácil.

Fomos traídos e estamos morrendo. O cerco durou muitos meses e


não podemos sobreviver por muito mais tempo. No amor que eu lhe
dei, eu lhe imploro que venha.
As palavras que Madalena lhe escrevera estavam gravadas em sua memória.
Ele não tinha chegado a tempo de salvá-la. Para salvar qualquer um deles. No
entanto, ele descobriu que ela não o havia convocado para ser resgatada, mas para
outro propósito.

Sua vida mudou a partir daquele dia. Suas crenças, sacrossantas e imutáveis,
foram desafiadas. Ainda hoje, ele não sabia se aceitava o que havia encontrado, ou
simplesmente reconhecia seu potencial de destruição.

Julianna não disse mais nada, mas havia uma pequena carranca em seu
rosto. Ela estava descontente com sua resposta? Ela estava olhando além dele, para
a visão do Terne se curvando como uma cobra prateada à distância. A terra caia no
vale Langlinais. Apesar de um belo dia claro, uma névoa parecia proteger o vale,
silenciando as cores até que tudo se misturasse, uma harmonia de matizes da
natureza. A coloração verde-escura das árvores foi emprestada pela grama alta,
passada para a cobertura do solo sob os enormes carvalhos. Era como se o mundo
fosse visto através de um véu de gaze. Um coro de pássaros cantou em saudação,
uma doce melodia que sinalizava o fim do verão.

Mechas de cabelo em suas têmporas estavam eriçadas pela brisa de verão.


Um toque de sol tingiu a ponta de seu nariz delicadamente de rosa. Tornou-se cada
vez mais difícil olhar para ela. Sua própria mortalidade competia com seu desejo,
e havia dias em que ele brincava demais com a ideia de tocá-la. Se apenas para
pressionar a mão contra sua bochecha. Sua pior natureza o insultava, falava

Meu Amado – Karen Ranney


palavras de tentação em seu ouvido. O que iria doer? Ela já o havia tocado, afinal.
Ele forçou o pensamento de sua mente.

— Você não parece ter medo de altura daqui, Julianna.

— Na verdade, estou cansada de ter medo, Sebastian. O medo não me deu


nada além de mais medo. Subi ao topo de uma torre e quase caí em um rio. Talvez
tenham sido essas experiências que me fizeram corajosa. — Julianna virou a cabeça
e sorriu para ele.

Ela estendeu as mãos diante de si. Ela viajava sem acompanhantes. A


jornada deles ditava o máximo de velocidade e sigilo possível. Ele a viu
desembrulhar as bandagens mais cedo, manteve-se imóvel para não vacilar quando
a mão dela emergiu. Alguns dos cortes maiores sempre deixavam cicatrizes, mas
não apresentavam sinais de putrefação. Ele queria ajudá-la a alisar a pomada sobre
os cortes, mas é claro que não podia. Em vez disso, ele viu como Jerard a ajudava,
amarrando sua mão novamente com linho fresco.

— Você pode usar a mão esquerda, Julianna, se a direita não for flexível o
suficiente para segurar uma pena.

Ela lhe enviou um sorriso rápido.

— Há quem pense que as pessoas que usam a mão esquerda são criaturas
do demônio, Sebastian. Você não leu o versículo? “Então dirá também aos que
estiverem à esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado
para o diabo e seus anjos.”

— Você concorda com esse pensamento?

Ela não falou, apenas olhou para suas mãos. Quando ela levantou a cabeça
e olhou para ele, seu rosto estava sombrio.

— Nada do que eu pensei parece certo, Sebastian.

Se ela questionasse suas crenças antes, o que ele diria a ela só aumentaria
sua confusão. Por que ele de repente achou importante fazer isso? Porque ele
queria que alguém soubesse o que Montvichet significava para ele. E quem melhor
do que uma mulher que sorria para ele e em cujos olhos havia uma medida de
tristeza igual à dele?

— Montvichet é uma fortaleza cátara — disse ele. — Pelo menos foi antes
de um cerco quase nivelá-la. É um lugar como nenhum outro que eu já vi. Está no
alto da montanha mais alta da região. A única maneira de alcançá-la é uma estrada
sinuosa e, em seguida, uma ponte de madeira.

— Parece que poderia ter resistido a um cerco, Sebastian.

Meu Amado – Karen Ranney


— Ela resistiu. — Ele jogou os pedaços restantes de pão para os pássaros
reunidos e observou enquanto dois brigavam por um pedaço de crosta. — Por
quase dois anos. Um cruzado inglês chamado De Rutger recebeu a bênção do Papa
para subjugar os cátaros11. Duvido que De Rutger estivesse tão interessado no fato
de serem hereges quanto nos rumores do tesouro que os cátaros possuíam. Ele
montou quatro catapultas na base da colina e começou o cerco.

Ele olhou para longe. Ele havia testemunhado brutalidade e horror no


campo de batalha e, de certa forma, estava acostumado a isso. Mas a carnificina em
Montvichet foi diferente. Tinha sido menos uma disputa religiosa do que uma cena
de crueldade indescritível.

— Os aldeões que não eram cátaros se renderam quase imediatamente, mas


o cerco durou quase dois anos. Eles tinham água do poço e conseguiam comida
suficiente para sobreviver.

Ela se virou para observá-lo, as mãos apoiadas nos joelhos.

— Os homens renderam-se, finalmente, para poupar as mulheres e as


crianças. Elas tiveram a oportunidade de se retratar de sua religião. Eles não. — Ele
manteve a voz propositalmente sem emoção. — As mulheres e crianças cátaras
foram brindadas com a visão dos homens sendo queimados vivos na fogueira. A
localização de Montvichet tornava quase impossível evitar tal espetáculo.

Ele a ouviu suspirar.

— Mas isso não é o pior de tudo — disse ele, sabendo que deveria parar.
Sabendo que ele não iria. — As mulheres resistiram ao cerco por mais seis meses.
Finalmente, as paredes foram rompidas e invadidas. Trezentas mulheres e crianças
desceram aquela montanha, Julianna. Elas nem sequer tiveram a oportunidade de
retratar-se. Elas foram simplesmente amontoadas em um círculo e suas roupas
incendiadas.

— Foi isso que você quis dizer, quando disse que os Templários fizeram você
testemunhar? — Sua voz era um sussurro nu, tão fraco que o zumbido de uma
abelha próxima era mais alto.

Ele se virou para olhar para ela.

— De Rutger viajou com os guardas Templários12 — disse ele sombriamente.


— Seu cerco de Montvichet não poderia ter sido realizado sem a cumplicidade da

11O catarismo foi um movimento cristão de ascese extrema na Europa Ocidental entre os anos de 1100 e 1200, que teve suas raízes
no movimento pauliciano na Armênia e no bogomilismo na Bulgária, que tiveram influências dos seguidores de Paulo de
Samósata. Wikipédia
12Os Cavaleiros Templários eram membros de uma ordem religiosa e militar, fundada em 1120 durante as Cruzadas. Como eram
religiosos, os templários faziam voto de pobreza, castidade e obediência. Mas como também tinham uma missão militar, faziam o
voto de proteger os peregrinos que se dirigiam à Jerusalém.

Meu Amado – Karen Ranney


Ordem. Além disso, é prudente suspeitar de qualquer grupo com tal pujança. O
poder se alimenta de si mesmo. Um homem pode esconder sua sede ali. Eu sei que
meu irmão o faz.

Ele olhou para a vista, imaginando se poderia dizer o resto. Ele nunca tinha
falado sobre isso.

— Cheguei um dia depois. — A praça estava solenemente silenciosa. Os


aldeões não se aventuravam a sair de suas casas, e os atacantes de Montvichet
haviam desaparecido com o amanhecer, como se tivessem vergonha de serem
vistos à luz de um novo dia. Apenas as cinzas fumegantes e as formas enegrecidas
ainda amontoadas atestavam o horror de sua ação.

— Por que você foi lá, Sebastian?

— Fui convocado por Madalena.

Ele olhou para ela. Suas mãos enfaixadas estavam em sua boca como se para
abafar um suspiro. Mesmo agora, ele desejava confortá-la, mas não podia. Não
havia nada que ele pudesse dizer para aliviar o horror da verdade.

— Tenho dois ódios permanentes, Julianna. Uma é a estupidez. Aqueles que


não aprenderão apesar de sua capacidade de fazê-lo. E a outra é a crueldade
deliberada. Eu vi ambos em Montvichet.

— Foi assim que ela morreu, Sebastian? — O rosto dela ficou mais pálido?

Ele sorriu.

— Disseram-me que ela liderou a marcha montanha abaixo. — Ele quase


podia vê-la, seus cabelos ao vento, escuros, mas iluminados por mechas prateadas
como liderou desde que a conhecia. Seu rosto estaria composto, aquele sorriso
brincando em seus lábios. Seus olhos estariam brilhando, e haveria firmeza e
determinação em seus passos.

Ele se levantou, chamou Jerard para ajudar Julianna a se levantar. O


descanso deles acabou. Assim, também, suas lembranças do passado.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 24

Courcy, França

A Ordem era considerada de igualdade. No entanto, havia limites para o


quão igual um homem podia ser. Uma ideia estranha de se ter no meio de tantos
irmãos santos. pensou Gregory.

Os sargentos estavam sentados em uma mesa, os escudeiros em outra e os


cavaleiros em outra. Um irmão que havia deixado o Commandary à noite estava
sendo forçado a comer do chão como punição. Havia regras para cada
comportamento e uma penalidade para cada ofensa.

O jantar, servido ao meio-dia, era bem servido. A comida era abundante e


incluía carne ao contrário das dietas encontradas em outras ordens monásticas. Os
Templários tinham regras rígidas contra o jejum. Os guerreiros não lutavam bem
se adoecessem pela austeridade.

Quando ele fez o juramento de um Templário pela primeira vez, ele ficou
surpreso ao saber que havia relativamente poucos cavaleiros na Ordem. A maioria
dos monges-guerreiros eram sargentos, mas muitos irmãos serviam como
auxiliares para apoiar aqueles que pegavam em armas.

O jantar era normalmente feito em silêncio, enquanto os escritos da Igreja


eram lidos. Nesta ocasião, no entanto, Gregory estava determinado a falar. Ele
aceitaria sua punição, mas a informação que possuía era muito importante para
manter por mais duas horas.

Ele esperou até que o Marechal se sentasse à sua frente e fosse servido por
um irmão. Ele bebeu bastante da cerveja e pousou a caneca. Ele assentiu apenas
uma vez, e o Marechal ergueu uma sobrancelha prateada.

— Ele está em movimento.

Um sorriso apenas acentuou a expressão amável no rosto de Phillipe. Mas


ele não quebrou o silêncio do jantar.

— Minhas fontes me dizem que Sebastian está indo para o sul.

A elevação de uma sobrancelha sinalizou uma pergunta. Gregory respondeu


com um sorriso.

— Em direção à França. É meu palpite que ele pretende viajar para


Montvichet.

Meu Amado – Karen Ranney


***

A carroça em que ela viajava não era mais do que uma caixa de madeira com
uma porta. A única abertura estava no teto, o que significava que ela era o alvo do
sol quente do verão. Havia apenas um benefício, e era que os céus estavam claros.
Nenhuma chuva apareceu. A carroça se tornaria uma cisterna na tempestade. No
final do primeiro dia, Julianna decidiu que os assentos de madeira dura eram
marginalmente preferíveis a estar a cavalo. No final do segundo, ela percebeu que
estava incorreta. Um cavalo era uma bênção sob certas condições. Outra lição a
aprender.

Alguma desculpa sempre era encontrada para parar com frequência. Ou os


cavalos eram testados para claudicação, ou a roda da carroça parecia bamba, ou
Sebastian declarava que precisava de tempo para descansar do calor. Mas cada vez
que sua mão era tratada e enfaixada novamente, ela notava que a viagem
recomeçava sem demora.

Ela mencionou isso a Jerard no terceiro dia, mas ele apenas sorriu, seu
silêncio diante de suas perguntas não era tanto um sinal de sua lealdade agora, mas
uma fonte de irritação.

Normalmente, eles teriam encontrado abrigo em um dos mosteiros, ou


buscado acomodação dos senhores em uma das fortalezas. Mas por causa da
condição de Sebastian, eles não ousaram. Em vez disso, ao anoitecer eles se
dirigiram para a floresta, colocaram guardas para manter uma vigilância rotativa
enquanto o resto deles dormia na base das árvores. Julianna dormiu em sua
carroça, mais uma vez agradecida por não chover.

Sebastian parecia estar sempre vasculhando o campo, prestando atenção no


topo das colinas e nas fortalezas muradas de dois castelos. O que ele procurava?

Quanto mais ela tinha tempo para pensar sobre as precauções de Sebastian,
mais elas faziam sentido. Não havia capelão para celebrar missa em Langlinais pela
mesma razão que a aldeia não tinha padre. A Igreja muitas vezes apreendia a
propriedade daqueles com a doença, expulsava-os, excomungava-os. Antes disso,
porém, entoavam uma missa especial para render o aflito um dos mortos-vivos.

Aconteceria com ele? A Missa de Separação era uma coisa terrível. Ela só
tinha ouvido falar sobre isso, nunca tinha testemunhado. O penitente era levado a
um cemitério, onde era forçado a ficar em uma cova aberta. Um altar, não mais que
uma tábua sustentada por dois cavaletes, era colocado à sua frente. Enquanto ele
estava ali, com o rosto coberto por um véu preto, todas as restrições de sua nova
vida eram lidas para ele, todas as coisas agora proibidas.

Meu Amado – Karen Ranney


Tal coisa aconteceria com Sebastian se a Igreja descobrisse seu segredo. Não
admira que ele estivesse tão desesperado para que ela concordasse com sua
barganha. Langlinais seria tanto sua casa quanto sua prisão. Um dia ele
simplesmente entraria em seu quarto e nunca mais sairia dele.

Por que, então, ela não o temia? Ou realmente se preocupava com a doença
que até agora pode estar limitando sua vida? Talvez porque fosse difícil acreditar
que Sebastian algum dia seria humilhado. Mesmo agora, enquanto ele estava
diante dela, ela não conseguia reconciliar este homem forte com o pobre mendigo
a quem ela havia dado um pedaço de pão. Quanto ao seu próprio destino, talvez
ela estivesse cheia de um otimismo ingênuo. Havia coisas piores do que
compartilhar a vida com Sebastian.

Eles tinham chegado um ao outro como estranhos. Casados por palavras.


Ela aprendera sobre ele como aprenderia com um manuscrito difícil de ler, as letras
obscurecidas ou desbotadas por uma tinta imperfeita. Lá estava a visão dele, uma
vez assustadora, agora compreensível. Então, a essência dele. Um homem que
rezava com palavras que ecoavam com tormento. Intellige clamoren meum.
Entenda os meus gritos .

Ele havia falado com emoção sobre Madalena. Em sua voz não havia censura
por suas crenças, nenhuma condenação por sua fé. Só tristeza e mágoa. Como
alguém suportava testemunhar uma coisa dessas? E perder alguém que você amava
dessa maneira, não era de admirar que Sebastian achasse difícil falar de Madalena.

O convento das Irmãs de Caridade era composto por um grupo diversificado


de mulheres. Eles foram atraídos pela fé e pelo desejo de aliviar o sofrimento do
mundo ao seu redor. Julianna nunca as tinha visto rejeitar quem precisasse de
ajuda, seja na pessoa de um recém-nascido ou de uma mulher expulsa de casa por
adultério. Ela não sabia nada de intolerância. Até o padre, que discutia com a
abadessa com tanta veemência, tinha sido mais uma figura de diversão do que de
censura.

É por isso que Sebastian nunca havia desafiado o trabalho dela? Por que ele
tinha aprendido os horrores da intolerância? Por que ele foi capaz de delinear seu
ódio pelos sarracenos? Ele condenava seus carcereiros, mas não os homens
eruditos. Uma pergunta simplesmente abria outra, como uma caixa dentro de uma
caixa. Mas era assim desde o início. Toda vez que ela acreditava ter o conhecimento
de que precisava, o mundo mudava e mudava, tornando-se sombrio novamente.

Ela se sentou, os joelhos dobrados, a mão direita apoiada sobre eles. Ela
havia comido alguns pedaços de pão e queijo e agora esperava que Jerard
terminasse sua própria refeição para que sua mão esquerda pudesse ser enfaixada
novamente.

Meu Amado – Karen Ranney


Logo começariam sua jornada através do Canal para a França. As ondas
eram turbulentas, coloridas do cinza das sombras profundas. O oceano parecia se
estender para sempre, apenas escurecendo no horizonte.

Sebastian estava ao lado de um carvalho batido pelo tempo. Uma


tempestade quase o arrancou e ele estava empoleirado na encosta da colina, um
marco esguio e sem folhas. À toa, ele quebrou uma parte de um pequeno galho,
quebrando-o em segmentos menores enquanto observava o oceano diante deles.
Ele tinha o hábito de fazer essas coisas, ocupando as mãos enquanto permanecia
em silêncio. Algumas folhas resistentes agarravam-se tenazmente a um galho, e
havia sinais de novo crescimento nos ramos superiores. Ela teve o pensamento
mais estranho de que Sebastian não era diferente daquela árvore, quase destruída
pelas circunstâncias, mas ainda lutando pela sobrevivência.

Jerard caminhou até a colina em que ela estava sentada. Em suas mãos ele
segurava uma jarra de barro que continha o unguento que Irmã Agnes havia
preparado, e um conjunto de linho limpo. Ela estendeu a mão e ele aplicou a
pomada e começou a amarrá-la novamente com um toque de especialista.

— Você está ficando adepto disso — disse ela, sorrindo.

— Fui escudeiro, milady. Isso me ensinou a cuidar de feridas.

— Sebastian foi ferido muitas vezes?

Por um momento ela pensou que ele não falaria, que permaneceria tão
cuidadosamente calado como sempre fora.

— Na verdade, milady, não com muita frequência. Mas ele me enviou para
ajudar os outros. Uma vez que estávamos na Terra Santa, qualquer homem com
habilidade em curar se fazia necessário.

— Nenhum de vocês fala desses dias, Jerard. Por quê?

Ele encolheu os ombros.

— É um momento que pesa muito para mim. — Ele deu um passo para trás,
ao concluir o enfaixamento. Ele olhou para o chão. — Você não sabe como ele veio
a ser como é, não é?

Ela balançou a cabeça.

Seu rosto corou. Ele estendeu as mãos, colocou-as sob os cotovelos dela e a
ajudou a se levantar. Ela se viu andando ao lado dele, descendo a estrada para que
ficassem longe dos outros.

— Fomos capturados e feitos prisioneiros pelos sarracenos, milady — disse


ele, com a voz baixa, as palavras vindo rápidas. — Não fui nobre, nem cavaleiro. Eu

Meu Amado – Karen Ranney


não tinha valor, mas os sarracenos tinham seus próprios planos para mim.
Sebastian me resgatou. Ele me salvou de me tornar um castrado usando o dinheiro
do torneio que ele ganhou ao longo dos anos para comprar minha liberdade.

Ela colocou a mão enfaixada no braço dele. Mesmo tão isoladas quanto as
Irmãs de Caridade, elas ouviram histórias de práticas tão horríveis como a
castração. — Mas você não pode se culpar, Jerard, por ele estar aflito.

— Se ele não tivesse ficado na prisão por todo esse tempo, milady, é possível
que ele nunca tivesse adoecido.

— Como ele foi finalmente libertado?

— Não sobrou dinheiro para pagar o próprio resgate, milady. Os Templários


organizaram sua libertação, mas não até um ano inteiro depois. Exigiram
Langlinais caso ele não pudesse pagar o empréstimo. Agora eles querem ainda
mais. — Seu olhar era sombrio, seus olhos se estreitaram.

— O que eles querem, Jerard?

Por um momento, ele pareceu assustado, como se só agora percebesse que


havia falado demais. Mas a lealdade era evidentemente contrabalançada com sua
preocupação óbvia, e a verdade prevaleceu.

— Eles querem o tesouro dos cátaros, milady. E eu acho que eles não
hesitariam em matá-lo para obtê-lo.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 25

Ela deveria ter mais medo. Mas então, quase caiu para a morte no Terne. As
águas impetuosas do rio a prepararam bem para a majestade do oceano. Ou talvez
o que disse a Sebastian fosse mais verdade do que bravata. Realmente estava
cansada de ter medo. Ela foi escoltada até um pequeno banco que ocupava a maior
parte da parte traseira da embarcação. Seu barco era pequeno, equipado com dois
mastros amarrados com lona pesada. As velas batiam furiosamente ao vento como
uma velha galinha assustada.

A travessia seria feita em frota, os cavalos sendo transportados no primeiro


barco, metade dos soldados os acompanhando. O terceiro barco levaria os
suprimentos e o restante dos homens. Sebastian, Jerard e ela estavam a bordo do
segundo. A carroça, por ser muito pesada, foi deixada na margem, para ser
devolvida pelo seu cocheiro a Langlinais.

Assim que saíram do pequeno cais, Julianna fechou os olhos, decidida a não
olhar para o céu cinza e as ondas salpicadas de branco. Não foi por medo que ela
fez isso, mas um desejo sincero de não ter comido sua refeição do meio-dia de pão
e queijo.

O baque pesado de passos a alertou. Ela abriu os olhos e encontrou


Sebastian sentado ao lado dela.

— Você está meio cinza, Julianna. Esta é a sua primeira vez no oceano?

Ela assentiu com a cabeça, assim como o barco balançava com as ondas,
parecendo ganhar mais impulso para os lados do que para a frente. Seus olhos se
arregalaram com a sensação.

— Está tudo bem, Julianna — disse ele com um sorriso. — O Canal tem um
temperamento, mas a travessia não vai demorar tanto. Você verá que o tempo
passa rápido.

— Você já viajou muito no oceano, Sebastian?

— A maioria dos meus torneios foi na França, então tenho um


conhecimento superficial do Canal. E, claro, minha viagem à Terra Santa foi feita
sobre a água. O Mediterrâneo é muito mais bonito, possuindo grandes gamas de
cores.

Julianna ficou quieta por um momento.

— A sua doença é a razão pela qual você nunca falou do seu tempo na
cruzada, Sebastian?

Meu Amado – Karen Ranney


— A viagem não foi repleta de glória, Julianna, mas sim de desastres. Houve
muita discussão profunda, mas pouca liderança. No final, fomos superados e
dominados. Talvez a razão pela qual eu não fale sobre isso seja mais devido à minha
raiva por ter sido capturado. Fiquei envergonhado porque meu orgulho como
cavaleiro foi ferido. — ele olhou para ela. — Por que você está sorrindo?

— Você salvou minha vida e a de Jerard. Acho que você se julga muito
duramente.

— Fui ensinado a lutar e vencer, Julianna. A rendição é um anátema para


mim.

Mesmo agora ele lutava. Outro inimigo desta vez, ainda mais mortal.

Ela olhou para o céu que estava ficando mais escuro com a tempestade ou a
noite, ela não sabia qual. Um olhar de soslaio mostrou que ele estava observando-
a, com a expressão de seu rosto sombria, sem nenhum traço de sorriso em seus
lábios.

— Existe alguém que você ama? — ele perguntou.

A pergunta a surpreendeu tanto que ela virou a cabeça e olhou para ele.

— Sebastian, morei no convento a maior parte da minha vida.

— Não havia nenhum jardineiro, ou visitante que você gostasse?

Ela sorriu.

— Irmã Helena teria agredido qualquer um que se aventurasse no jardim


sem a permissão dela, e o único visitante que me lembro era o padre. Ele era velho
e tinha apenas dois de seus dentes, e era dotado de uma natureza muito briguenta.
Ele e a abadessa passavam a maior parte do tempo juntos discutindo sobre os
méritos da mente de uma mulher. Ele acreditava que uma mulher não deveria ser
uma bibliotecária. A abadessa mostrava-lhe a prova da renda que nosso trabalho
gerava, mas fora isso o ignorava.

— Nenhuma das meninas tem irmãos?

Ela deu de ombros.

— Umas poucas. Mas não me apresentaram. Eu já era casada.

— E, portanto, intocável? Então, você se tornou uma pária como eu.

— Talvez por isso fomos reunidos, Sebastian. Somos caras metades.

— Mediação divina? Duvido, Julianna. Uma vez você me perguntou se eu


era a Morte, Julianna. Eu sou, para você.

Meu Amado – Karen Ranney


— Foi uma pergunta boba de uma garota boba.

— Mas também de alguém mais sábio, que se senta ao meu lado e fala de
coisas que é melhor não dizer.

— Sobre combinarmos bastante? — Ela se virou, encarou o mar aberto.


Talvez tivesse sido melhor nunca tê-lo conhecido, mas ela não podia imaginar tal
coisa agora. Ele era tão parte de sua vida, de seus pensamentos, que era como se
ele sempre estivesse estado lá.

O vento aumentou; as ondas pareciam mais altas. Ela olhou para o


horizonte, olhou para longe como se houvesse palavras escritas ali, onde o mar
escurecia e o céu começava. Seu cabelo voou para longe de seu rosto, algumas
mechas se soltando da trança.

— Eu nunca conheci o amor. Não do jeito que você fala. Eu costumava me


perguntar sobre isso. Se era tão poderoso quanto todos os poetas faziam parecer.
Os homens realmente se sacrificavam por amor, as mulheres desejavam morrer por
isso? Até eu conhecer você, eu não achava que isso fosse possível.

Ele estava tão quieto que ela se perguntou se ele a tinha ouvido. Ele a
repreenderia por falar essas palavras? Ele a deixaria?

Por um longo momento, ele não respondeu. Quando o fez, suas palavras
vieram suavemente.

— Você não deve me amar, Julianna.

Ela assentiu.

— Eu sabia que você diria isso, Sebastian. Uma pessoa sábia o faria. Talvez
eu devesse até me sentir assim. Mas como impedir as ondas? Pode ser tão fácil.

Ela virou-se para encará-lo. Suas bochechas estavam avermelhadas pelo


calor que ela sentiu subindo por seu corpo. Era como se uma chama a queimasse,
espalhada de algum lugar dentro dela.

— Por que você me perguntou se eu amava alguém?

Ele não se afastou dela, mas pareceu procurar alguma verdade em seus
olhos.

— Porque eu queria saber se você ainda pode ser feliz. Se havia alguém que
pudesse lhe trazer alegria quando eu não estiver mais por perto.

Ela não conseguiu falar. Palavras eram coisas insignificantes contra essa dor
repentina. Ela estendeu uma mão para tocá-lo, mas ele se afastou.

Meu Amado – Karen Ranney


Ele se virou para ela. O céu escureceu atrás dele, um pano de fundo para sua
raiva repentina e surpreendente.

— Você acha o perigo menor porque uma vez você me tocou, Julianna? Você
se considera isenta disso? Eu pensei o mesmo, uma vez. Mas não despreze meus
medos recusando-se a aceitá-los. Você não é uma simplória.

— Talvez eu seja uma simplória, afinal. Não tenho medo de você, Sebastian.
Como posso ter medo de um homem que salvou minha vida? Quem se recusa a me
tocar para não me prejudicar? Eu sei que deveria estar com medo, mas tudo o que
posso sentir é admiração, Sebastian, por ter você como meu marido, meu grande e
nobre cavaleiro.

Ele estava consciente de Jerard observando-os. Caso contrário, Sebastian


pensou que poderia se interessar pelo céu como um cão raivoso. Ele inclinou a
cabeça e respirou fundo para lavar os restos de sua raiva, para se acalmar. Levantou
a mão em algum movimento antes de se lembrar. Não usava manopla, se deu um
descanso do calor e desconforto delas.

Ela olhou para a mão dele, paralisada. Sua pele estava manchada, as
manchas grossas e escamosas. Tinha escurecido ao longo dos meses até ficar
marrom escuro. Ela não disse nada, mas também não recuou horrorizada. Poderia
ter sido mais fácil se ela tivesse. Em vez disso, ele viu compaixão em seus olhos.

— Você usa o unguento que a Irmã Agnes preparou? — Sua voz soou calma.

Ele admirava sua contenção. Não duvidava que a maioria das mulheres teria
gritado e fugido dele. A maioria das mulheres nunca teria ficado em sua
companhia, muito menos dizendo o quanto queriam tocá-lo. Por favor, deixe que a
visão de sua doença realize o que suas palavras não fizeram, induza-a a compreender
plenamente seu destino e a aceitá-lo. Caso contrário, era um tormento que ela
prometeu em sua ânsia e inocência.

— Quando me lembro — respondeu ele.

— Então vou lembrá-lo, Sebastian. — Ele quase sorriu para ela então, seu
queixo inclinado para ele, a teimosia que ela havia insinuado mais uma vez
revelada.

Ela guardava muito em seu coração, sentia muito profundamente. Ela


amaria tão ferozmente, com obstinação e determinação. Uma mulher de muitas
facetas, todas brilhantes e iluminadas. Em outro momento, talvez, elas teriam sido
inestimáveis. Agora, elas prometiam apenas trazer dor a ambos.

Ele suspeitava desde que ela soubera de sua doença que ela não
compreendia completamente o horror disso. Ela era capaz de permanecer em um

Meu Amado – Karen Ranney


quartinho dia após dia concentrada nas palavras, na execução de uma tarefa. Tal
pessoa criava mundos em sua imaginação. Alguém que era capaz de ser uma
visionária vivia dentro de seus pensamentos. Os pensamentos podem ser moldados
e reorganizados, mas não podem substituir a verdade. Ela podia não estar ciente
disso, mas ele não duvidava que ela tivesse esperança para ele, e embora a
esperança fosse uma coisa boa e preciosa, era um fardo se ajudasse a evitar os fatos
de uma questão. Quando se desvanecesse, quando começasse a acreditar, não seria
fácil para ela. Ele sabia disso por experiência.

Ele desejou, no entanto, poder dizer a ela, sem causar dor, o quanto ele
apreciava esses momentos com ela. Ele perguntou se ela amava outro e prendeu a
respiração aguardando sua resposta. Ela ofereceu um pedaço de si mesma, uma
concessão sem esforço de seu próprio passado. Uma criança solitária, uma garota
esperando por sua vida. Não era de admirar que ela tivesse concordado tão
facilmente com a barganha. As condições eram tais que sua vida não havia mudado.
Ela ainda estava esperando pela vida.

Ele se levantou e finalmente a deixou, nunca tendo encontrado as palavras


para dizer que a faria temer o que deveria ser temido.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 26

Um Templário era obrigado a obedecer estrita obediência ao seu


comandante. Sua palavra exigia submissão absoluta. Após a investidura na Ordem,
um homem tinha que jurar obedecer ao Mestre do Templo e a qualquer oficial seu
superior. Um irmão pode ser preso, exilado ou expulso dos Templários por usar
sua própria iniciativa. Disciplina estrita, obediência, fé absoluta, tudo isso estava
presente nos irmãos que cercavam Gregory.

Gregory não se dirigia a eles, não explicava o objetivo de sua expedição. Não
era necessário nem exigido.

Fanáticos eram bons soldados, pensou Gregory, enquanto a coluna, de duas


de largura, partia de Courcy. Todos esses irmãos franceses haviam servido na Terra
Santa, haviam adquirido experiência lutando contra os sarracenos.

Ele os treinou duro nas últimas semanas, mesmo sendo dispensado de


nonas e vésperas por causa disso. Nas completas da noite anterior, ele lhes deu suas
instruções, e esta manhã, ao amanhecer, não havia um irmão faltando na série de
homens montados. À meia-noite, ele estava acordado e assistiu às matinas, suas
próprias orações tomando forma sobre as palavras familiares.

Seus vigias o informaram que havia apenas quatorze acompanhando


Sebastian, treze soldados e uma mulher. A presença da mulher o assustou. Seu
irmão, como herdeiro, havia se casado quando jovem desajeitado. Ela era sua
noiva? Em uma viagem tão perigosa? Ele não conseguia conciliar esse
conhecimento com o Sebastian de sua infância. Um menino cuidadoso que havia
procurado o ataque com muita frequência para se surpreender. Dos dois, ele tinha
sido o mais impulsivo, usando sua lança de tal maneira que o derrubava, ou às
vezes golpeando com força demais com sua espada embotada que ele ficava
desequilibrado pelo peso dela.

Que estranho que o menino outrora impulsivo se juntasse aos Templários,


facilmente fizesse um voto de “preservar a castidade, os bons costumes e os bons
costumes da Ordem”. — Havia outros votos que ele jurara com a mesma
serenidade, como não possuir propriedades, nunca permitir que os cristãos fossem
assassinados, ampliar o reino de Jerusalém e não deixar a Ordem sem permissão.

Sua resposta ao pedido de Sebastian por mais tempo para pagar seu resgate
tinha dado frutos, ao que parece. Era evidente que Sebastian sabia do tesouro, ou
não voltaria agora para Montvichet. Ele evidentemente o havia escondido bem o

Meu Amado – Karen Ranney


suficiente para que a busca inicial de De Rutger e uma posterior pelos irmãos
Templários não tivessem descoberto sua existência.

O fato de seu irmão estar a caminho da fortaleza cátara era, à primeira vista,
a aceitação de sua barganha. Mas Sebastian o surpreendeu por ter estado em
Montvichet logo após o fim do cerco, e novamente indo em cruzada. Uma dica de
cautela pode ser sábia agora. Talvez não conhecesse o homem que se tornara o
Senhor de Langlinais. Era uma boa possibilidade que suas lembranças de Sebastian
fossem apenas isso, apenas lembranças. O homem que seu irmão se tornara
poderia revelar-se perigoso.

Uma simples palavra ao ouvido de um nobre francês acabaria com o


problema da comitiva de Sebastian. O próprio Sebastian não poderia ser
machucado até que chegasse a Montvichet. De preferência sozinho.

O que quer que aconteça depois seria a vontade de Deus.

***

— Sinto-me tão bem guardada quanto uma princesa — disse ela às costas
de Jerard.

Seu poleiro atrás de Jerard não era oneroso. Ele tinha colocado as mãos dela
em sua cintura com bastante indiferença para que ela não ficasse constrangida, e
além de agarrar seus pulsos de vez em quando, quando o terreno ficava mais
íngreme, não a tocava. Era, por mais precário que fosse, um poleiro, do qual ela
podia ver, e o ar, embora quente, não era sufocante como na carroça.

— Como assim, milady?

— Não é ruim o suficiente que eu tenha que incomodá-lo com minha


presença, mas ter todos esses homens me vigiando parece um pouco cauteloso.

— Estas estradas não são seguras, milady. Milorde a protegerá o melhor que
puder.

— Estou tão bem guardada que mal consigo respirar, Jerard.

Não havia resposta para isso, mas ela não esperava uma.

— Onde estamos, Jerard?

Sua pequena frota havia ancorado em uma vila de pescadores alguns dias
antes, e desde então eles estavam a cavalo, viajando mais fundo na França.

— Bretanha, milady.

Meu Amado – Karen Ranney


Sua educação consistia em aprender a ser tanto castelã quanto escriba. Ela
teve pouca exposição a atlas, embora já tivesse visto um esboço da Inglaterra.
Portanto, Julianna estava tão inconsciente quanto antes de sua localização e, de
fato, a localização de Montvichet.

Sebastian parecia esperar problemas, medidos pela espada que usava. Ela
balançava ao seu lado com facilidade, parecendo não perturbá-la em nada. No
entanto, brilhava ao sol como se quisesse chamar a atenção para si mesmo, um
instrumento de morte brilhando intensamente e sem remorso.

Ela pretendia perguntar a Sebastian sobre o tesouro, mas o pensamento


fugiu de sua mente. Em vez disso, seus sentidos foram cativados e seu coração
tocado. Então, ela se forçou a não estremecer quando viu a mão dele.

Chorar não ajudaria.

Ela fixou seu olhar nele cavalgando a frente deles. Ele não usava elmo. Não
por causa do calor, ela suspeitava, mas por causa da liberdade. Outros homens
poderiam ter se irritado com a cota de malha, mas Sebastian a usava sem reclamar.
Era, sem dúvida, menos oneroso para ele do que o manto de monge que ele usara
por tanto tempo.

Ela não estava se saindo tão bem. Sua touca de linho era um simples toque,
mas a tira do queixo irritava sua pele. No segundo dia na França, ela o havia
descartado. Suas mangas bordadas estavam muito quentes para este tempo, então
ela pediu a Jerard para apará-las no terceiro dia. Tudo o que estava intacto era sua
túnica sem mangas, mas estava suja com a poeira levantada pelos cavalos. Ela se
sentia como se estivesse coberta de terra, podia até sentir o gosto dela em sua
comida e água.

No entanto, Sebastian sorria durante sua jornada.

— Estamos fazendo boas distâncias a cada dia, milady — disse Jerard. —


Estaremos em Montvichet dentro de uma semana.

Jerard tinha se tornado sua única fonte de informação nos últimos dias.
Durante o dia os soldados não tinham necessidade de conversar com ela, embora
à noite trocassem algumas palavras. Quanto mais eles viajavam, mais distante
Sebastian parecia ficar, no entanto. Ele raramente falava com ela e enviava
mensagens através de Jerard. Era como se sua armadura tivesse se tornado um
dispositivo de proteção inadequado, então ele usou a distância para aumentar seu
isolamento também. Suas noites de conversa talvez nunca tivessem acontecido. Ou
talvez tenham sido momentos de ilusão, algo que ela apenas sonhara.

***

Meu Amado – Karen Ranney


Cada dia ele a observava montar atrás de Jerard e cada dia ele queria atacar
seu vassalo. Ela sorria em agradecimento, ou dizia algumas palavras, seus lábios se
movendo silenciosamente. Ele não queria ouvir, ouvir o teor de seu discurso, a
suavidade de sua voz. Não queria ouvi-la falar palavras de gratidão a nenhum
homem além dele.

Minha.

Uma onda de algo feroz e raivoso passou por ele. Era antigo, faminto e
enlouquecido. Era semelhante à sede de sangue, aquela necessidade de matar ou
ser morto, que o atacou no campo de batalha.

Minha.

Ela não pertencia a ninguém além dele. Sua bochecha rosada era dele para
embalar em sua palma, seu cabelo para ser afastado por seus dedos. Seu pé para
ser apoiado, seu braço para ser segurado por ele sozinho. O fato de que ele tenha a
tocado apenas uma vez era uma piada cruel, o fato de que ele ainda podia sentir a
marca de sua mão era um presente. A raiva surpreendente que ele sentiu foi
desencadeada pela visão dela pressionada contra outro homem. Uma vez, ela
adormeceu, sua bochecha descansando contra as costas de Jerard. Ele quase matou
seu escudeiro.

Durante os últimos dias, ele a viu ficar mais confortável com Jerard, com os
outros homens. Sua trança estava sempre arrumada pela manhã, mas à noite estava
pendurada por uma fita, mechas de cabelo escapando para descansar contra sua
bochecha. Ela aparara as mangas para que não ficassem tão compridas e parara de
usar o gorro. O pior foi quando ela parou de usar suas mangas. Nesse calor ela teria
sido uma tola em não descartá-las, mas ainda assim, isso significava que havia uma
camada a menos de tecido entre ela e Jerard.

Ele se considerava um homem forte, cercado de paixões, é verdade, mas


sempre as mantinha contidas. Guardava sua raiva para o torneio ou o campo de
batalha. Sua luxúria passava com uma mulher disposta.

Ele exigia de si mesmo contenção e força e até agora sempre foi capaz de
cumprir com essas grandes expectativas. No entanto, esperava-se que ele se
abstivesse de uma mulher que era sua esposa. Nunca poderia segurá-la em seus
braços, nunca beijá-la, nunca inalar seu cheiro. Ver como outros homens eram os
destinatários de seus sorrisos e seus pequenos, mas ternos favores.

Ele preferiria ser superado em número pelos sarracenos.

Por incrível que pareça, era mais fácil estar perto dela quando ele estava
vestido com suas roupas de monge. Talvez porque isso o lembrasse tão
prontamente e constantemente de sua situação. Houve momentos, em sua

Meu Amado – Karen Ranney


armadura, que ele esqueceu por horas, quando se acreditava inteiro e o outro
apenas uma pretensão.

Um brilho chamou sua atenção na encosta distante. O sol brilhando em


uma pedra ou na armadura de um Templário? O pensamento foi um castigo
suficiente para concentrar sua energia na tarefa em mãos… a de levá-los em
segurança para Montvichet. Imaginar sua esposa em várias poses, nua em sua
cama, não garantiria isso. Na verdade, seria melhor se ele não pensasse nela.

Um pensamento que ele teve apenas um momento para ponderar antes de


ser atacado.

***

A primeira indicação que Julianna teve de que algo estava errado foi a
maldição de Jerard. Ele jurou fluentemente e com grande emoção.

— O que foi, Jerard? — Ele não respondeu à pergunta dela, apenas esporeou
seu cavalo sem avisar.

Ele deslizou da sela antes que ela pudesse questionar suas ações. Foi então
que ela olhou para cima e viu Sebastian cercado por homens blindados, assim como
ele.

Ela colocou uma mão enfaixada sobre a boca.

Os soldados postados atrás deles correram para frente, posicionando-se ao


redor de Julianna. Nenhuma palavra foi dita, mas todos eles se moveram
rapidamente e com certeza infalível no lugar. Jerard puxou sua espada, moveu-se
para ficar na frente de seu cavalo. Até Julianna, que não tinha experiência com
guerra, sabia que tal postura era defensiva. Parecia que ela deveria ser protegida.

Os homens que os atacaram eram jovens e bem montados e possuíam


armamento pelo menos igual à enorme espada de Sebastian. Eles estavam vestidos
para a batalha, mas não unidos por ela. Não havia flâmulas comuns, nem túnicas
para combinar. Havia pelo menos vinte deles e apenas Sebastian e seis de seus
homens, os outros ficaram para trás para protegê-la.

Algo estranho estava acontecendo. Os homens que cercaram Sebastian não


levantaram suas espadas para atingi-lo. Faeren deu um comando de joelho,
Sebastian se lançou para frente, o golpe de sua lâmina encontrou e segurou por
outra espada. Mas isso foi tudo. Não houve nenhum golpe em resposta.
Contiveram-no, mas não o machucaram.

Meu Amado – Karen Ranney


Não houve tal misericórdia dada aos seus homens. Eles lutaram bravamente,
embora estivessem em menor número.

— Jerard, você não vai ajudá-los?

Ela teve que gritar para ser ouvida. O silêncio da tarde fora suplantado pelos
sons da batalha, o tinido de aço contra aço, um juramento, um grito.

— Devo protegê-la, milady. — Ele não olhou na direção dela enquanto


falava, sua atenção cravada na cena da batalha, assim como a dela.

— Então solte o resto dos nossos homens. — Essa demanda se perdeu nos
sons da batalha, ou então Jerard a ignorou.

O cavalo de Jerard deu um passo para o lado, ansioso por estar na briga ou
assustado com ela. Jerard permaneceu onde estava, postado na cabeça de seu
cavalo, uma mão segurando as rédeas com força, a outra com a espada empunhada,
pronto para protegê-la.

Cinco homens se separaram do grupo maior que cercava Sebastian e


correram em direção a eles. Um homem foi morto pela falange dos guardas; Jerard
enfiou sua espada no peito de outro enquanto se inclinava para cortá-lo. Os outros
três conseguiram ferir alguns de seus homens, desmontar outro.

Não foi até alguns momentos depois que Julianna percebeu que o local da
batalha havia mudado. Ela estava no centro dela. As espadas estavam erguidas, os
rostos dos homens estavam suados e corados, seus olhos exibindo uma espécie de
deleite enlouquecido.

Ela não conseguia fechar os olhos, paralisada pela visão do sangue pingando
de uma lâmina brilhante. Uma mão coberta de cota de malha ergueu a espada bem
alto no ar. Chegou mais perto. Mais perto ainda até que lentamente arqueou em
direção a ela. Ela assistiu com um horror doentio e se perguntou por que ela deveria
encontrar a morte dessa maneira, em uma estrada na França. Por qual motivo ela
deveria ser morta? Não mais importante do que ela simplesmente estava aqui.

Foi quando ela o viu. Faeren deve ter sido equipado com asas. De que outra
forma ele poderia ter chegado ao seu lado tão rapidamente? Em um momento, ela
estava olhando para a morte, no próximo, o rosto contorcido de seu marido, cuja
fúria o transformou em um estranho assassino. Seu rosto estava corado, seus olhos
semicerrados, um som rouco emergiu de sua garganta, um grito nascido de uma
raiva selvagem.

Ele lutou para se livrar do círculo de homens que o cercava? Se ela não
tivesse observado a maneira como ele lutava, ela poderia ter pensado que era
impossível. Mas alguns segundos depois ela não duvidou. Com um golpe, ele

Meu Amado – Karen Ranney


derrubou o homem mais próximo a ela. O atacante gorgolejou, cuspindo sangue
ao cair do cavalo. Então a espada de Sebastian foi cravada nas costas do atacante
que a ameaçou. Ele estava tão perto que a ponta da espada do homem cortou sua
túnica quando ele caiu.

O olhar de Sebastian capturou o dela facilmente, já que seus olhos nunca se


desviaram dele. Era como se a batalha tivesse desacelerado, o momento
estranhamente parado no tempo. Mais uma vez, ela teve a estranha sensação de
que eles falavam sem palavras. A preocupação com cada um foi transmitida de
relance; garantia de cada um foi enviada de volta.

Então acabou.

O braço de Sebastian foi cortado, repetidamente, seu sorriso era feroz e


assustador. Ele não usava escudo, não usava capacete, era o menos protegido e, no
entanto, a figura mais assustadora na estrada feita no campo de batalha. Ele lutou
como um homem para quem perder era uma impossibilidade. Mas era possível
morrer nesta tarde ensolarada em uma estrada poeirenta na França. Os homens a
seus pés atestavam isso.

Ela aprendeu algo mais sobre sua natureza naqueles longos minutos
enquanto o observava lutar. Ela deveria ter orado pelas almas daqueles homens, ou
para entender por que eles foram atacados sem provocação. Mas no fundo de seu
coração, Julianna sabia que não desejava perdão nem compreensão para eles. Ela
queria que Sebastian vencesse, para dominá-los. Ela queria que cada um deles
sofresse por tentar matá-lo.

Outro pecado a ser expurgado de sua alma. Mas no final da batalha,


enquanto Sebastian estava sentado ali observando a carnificina, com o cabelo
molhado de suor, sua respiração acelerada, ela não pôde deixar de ficar orgulhosa.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 27

— Você não deveria estar carregando coisas, Julianna.

— Sebastian, minha mão esquerda está se recuperando bem. Na verdade, as


bandagens provavelmente devem ser removidas em breve. E se você notar, eu não
estou usando minha mão direita.

Ela se inclinou e colocou o jarro de água ao lado dele. Seus homens feridos
jaziam ao lado de uma pequena elevação. Eles não sofreram baixas, ao contrário
dos homens que os atacaram. Mas havia vários pequenos cortes e outras feridas
que se não fossem cuidadas, poderiam causar problemas. Mesmo agora, Jerard
estava tratando de um ferimento no braço de aparência desagradável. Aliás,
Julianna achava que nunca tinha visto tanto sangue na vida. Ela desviou o olhar
rapidamente.

Sebastian ficou de pé, curvado para que só ela pudesse ouvi-lo sussurrar.

— Se você sair, ele poderá gritar, milady esposa. Mas com você aqui, ele deve
fingir ser corajoso. — Ela olhou para o homem que jazia no chão diante dela. Seu
olhar estava fixo no céu noturno.

O fogo queimando forte no meio do acampamento fez seu estômago revirar.

— Você vai usar fogo para selar a ferida dele, não vai, Sebastian? — O olhar
dela não deixou o dele.

Ele assentiu.

— E os outros homens, estão gravemente feridos?

— Alguns cortes que vão cicatrizar e algumas contusões que vão


desaparecer. Eles estão acostumados com isso.

O que não foi é que ela não estava.

— Você vai mandá-lo para casa, Sebastian?

— Não. Ele estará mais seguro conosco do que sozinho.

Ela se afastou e ele a seguiu.

— Ele sobreviverá, Julianna — disse com voz terna. — Ele vai se gabar de
sua cicatriz em poucos dias.

Meu Amado – Karen Ranney


— Você fala dessas coisas com facilidade, Sebastian. Você luta contra
bandidos enquanto eu fico enojada com a visão de sangue. Você é muito mais
corajoso do que eu.

Ele sorriu para ela. — Eu deveria ser, Julianna. E duvido que fossem
bandidos. Eles estavam muito bem equipados, para começar.

— Eles foram enviados para nos atacar, Sebastian?

Ele pareceu surpreso.

— O que lhe faz pensar assim?

— Você examina as colinas e observa os vales com muita seriedade,


Sebastian. É como se você esperasse problemas.

— É prudente fazer isso, Julianna. Eles não podiam ser mais do que um
grupo de jovens cavaleiros descontentes. A França está fervendo desde que seu rei
partiu em cruzada. A dissensão é comum onde não há um líder claro.

— Você acredita que é quem eles eram?

— Não. — A palavra a gelou. Então, ele também acreditava que outra pessoa
estava envolvida nesse ataque repentino e inesperado.

— Você não sofreu machucados, Sebastian? Não tem feridas?

— Um arranhão em meus dedos onde uma lâmina cortou minha luva, mas
isso é tudo. Agradeço a preocupação da esposa.

— É pouco; Eu não fiz nada além de ficar parada.

Seu sorriso se alargou.

— E você se sente culpada por isso?

— Não — ela confessou. — Pelo menos eu não gritei. Foi uma grande
tentação. — Ela olhou para ele, protegendo os olhos dos raios de um sol poente
com uma mão enfaixada. — Você lutou muito bem, Sebastian.

— Foi o que me ensinaram a fazer, milady. Proteger o que é meu.

Ele parece um deus. Ele parece, se assim for, o deus superior, que fica cara
a cara comigo e observa as palavras que fluem da minha boca. As palavras de Catulo
eram heréticas. Ela estava coletando um buquê de tais pensamentos. Mas ela já
havia sido punida habilmente. A doença que os separava, que os mantinha
separados para sempre, era uma forma madura do inferno. Penitência suficiente
para seus pensamentos.

Meu Amado – Karen Ranney


Ela o observou enquanto ele se virava. Em um momento, ele estava ao lado
de Jerard, trocando palavras com o homem ferido.

Ela não tinha certeza de que ela sabia sobre o amor. Ela tinha ouvido as
baladas e lido os filósofos e poetas. Ela amava a Deus e amava seus pais. Mas o que
ela sentia por Sebastian era diferente do que ela tinha ouvido, lido e sentido no
passado.

Havia um lugar no meio de seu peito que parecia oco e dolorido. Parecia se
expandir quando ela o via, quando ele se aproximava. Seus olhos facilmente
sentiam a picada das lágrimas. Seu sangue acelerava como se quisesse acompanhar
seus pensamentos. Ela havia sido proibida de tocá-lo, mas se sentia mais próxima
dele do que de qualquer outra pessoa. Ele a atraia com suas palavras, a humilhava
com provas de sua honra e sacrifício.

O sol estava atrás deles, o brilho de sua descida presenteando o céu com
listras laranja e vermelhas. A armadura de Sebastian parecia estar em chamas. Seu
rosto estava sombreado por uma barba de alguns dias. Seus olhos pareciam
cansados, cansados do horizonte. Seu cabelo castanho estava salpicado com a
poeira eterna das estradas quentes de verão, e sua túnica precisava ser escovada.

O mundo pode vê-lo como um cavaleiro estranho, que se vestiu em silêncio


e tristeza. Mas ela o conhecia pelo que ele era, um homem de grandes dimensões,
que sofria e ansiava, que via a vida com olhos de tolerância e aceitação. Ela
conhecia sua lealdade e sua proteção aos mais fracos.

Não havia homem mais honrado do que aquele que estava ali, a cabeça
descoberta à luz do sol poente, a mão no punho da espada. Ou um que ela amava
tanto.

***

— Lady Julianna? — Uma mão gentil em seu ombro a acordou. O céu estava
escuro, mas ela não tinha ideia se era meia-noite ou uma hora antes do amanhecer.
Ela bocejou e abriu os olhos, sorrindo para Jerard.

Sebastian ficou olhando para ela, com os braços cruzados na frente dele. Ela
transferiu seu sorriso para ele. Amanhecer, então. Hora de retomar a jornada.

Ela bocejou amplamente, se conteve e colocou as mãos sobre a boca.

— Você sabe, eu tive o sonho mais estranho — ela disse um momento


depois. — Tudo sobre árvores que falavam e flores que cantavam. Eles falaram
comigo em versos.

Meu Amado – Karen Ranney


— É isso que a batalha faz com você, Julianna? — Havia diversão em seu
tom. — Talvez você esteja se tornando uma profetisa como Hildegard de Bingen.

— Você está me provocando, Sebastian?

— Você parece muito espantada com a perspectiva, Julianna.

Ela sorriu para ele, abafando outro bocejo.

— Eu costumava admirar suas visões. Ela foi consultada por reis, você sabia?
Eu li uma parte de seu Scivias uma vez. A abadessa tem uma cópia.

— Por que você se admira com as visões dela? — Ainda havia aquele tom de
suave diversão em sua voz.

— Não parece ser um talento para uma freira, só isso.

— Mais como uma feiticeira?

— Ou uma maga. — Ela inclinou a cabeça e olhou para ele. Jerard havia os
deixado, os soldados estavam a alguma distância. Eles estavam, no momento,
sozinhos.

— O que você precisa em Montvichet, Sebastian? É o tesouro?

— Você recolheu essa informação de Jerard?

Ela assentiu.

— É o que os Templários estão exigindo em troca de Langlinais.

— Em vez de seu resgate?

— Não posso deixar de me perguntar se ele foi inflado apenas para esse fim.
— Ele estudou a linha do céu onde clareou com a chegada do amanhecer.

— Faria sentido eles terem fomentado o ataque contra nós, Sebastian.


Especialmente porque eles não queriam que você se machucasse. — Ela olhou para
ele, desejando que ele se sentasse ao lado dela, sabendo que não.

— Você notou isso também? — Ele sorriu. — Talvez não seja sábio ter uma
esposa tão inteligente.

— Você é um herege, Sebastian? — Ela fez essa pergunta a ele por causa de
seus próprios pensamentos recentes?

Seu sorriso se alargou.

— Uma pergunta estranha para fazer a um cruzado.

— Acho que você vê o mundo de um lugar diferente de mim — disse ela. —


Nem superior nem inferior, simplesmente diferente. Você não odeia todos os

Meu Amado – Karen Ranney


sarracenos, e eu vi sua dor pelo destino dos cátaros. Você questiona os Templários,
enquanto a maioria das pessoas os admira. Há alguns que o castigariam por sua
tolerância e outros por suas dúvidas. Foi sua educação em Paris que fez você pensar
como pensa?

— No entanto, é você quem questiona as freiras com visões — disse ele com
um sorriso.

Ela retribuiu o sorriso.

— Bem, então talvez sejamos mais compatíveis do que pensávamos.

— Uma tragédia maior se for assim.

— É, Sebastian? Ou um sinal de que eu deveria estar sempre com você?

— Estamos casados desde criança, Julianna. Toda a sua vida foi gasta em
preparação para ligá-la à minha. Eu sou um hábito para você, nada mais. Um
refúgio, talvez, para a solidão do convento.

A risada dela pareceu assustá-lo. — Ah, Sebastian, passei quatorze anos me


preparando para a miséria. Eu temia nosso casamento, era eternamente grata por
aqueles anos em que você fez uma cruzada. O dia em que soube de sua convocação
foi o pior da minha vida.

Ela o surpreendeu, ela poderia dizer.

— Eu nunca tinha pensado que você temia o dia em que eu mandaria


chamá-la.

— Foi a nossa união que me assustou Sebastian, mas só encontrei alegria


com você.

— Alegria? Mesmo com o que você sabe, você pode dizer uma coisa dessas?

Ela assentiu.

— Você sabia que a palavra herege vem do grego hairetikos, que significa
capaz de escolher?

Foi uma tentativa tão desajeitada de mudar de assunto que ela só conseguiu
sorrir para ele.

— Talvez não seja sábio ter um marido que estudou nas grandes
universidades.

Ele sorriu de volta para ela.

Meu Amado – Karen Ranney


— Os homens, Sebastian. Eles estão bem o suficiente para viajar? — Ela
ouviu os gritos abafados do homem que foi queimado na noite anterior, e se
perguntou sobre sua coragem. Ela não teria sido tão corajosa.

— Na verdade, eles ficariam insultados com a noção de que não estão.

— Você não vai me contar sobre o tesouro, vai?

— Um pouco, talvez. Madalena me deixou uma mensagem — disse ele. —


Aos cuidados de um aldeão idoso. Ele chorou durante todo o tempo em que esteve
comigo. Evidentemente, Madalena era tão gentil e amável com esse velho quanto
sempre fora comigo. Eu deveria ir ao quarto dela e encontrar uma pequena cesta.
Era um presente, não para mim, mas para eu fazer o que quisesse. Demorei dois
dias para encontrar a cesta, mas ainda não decidi o que fazer com ela.

— O que havia dentro?

— Para essa resposta você deve esperar até chegarmos a Montvichet — disse
ele, sorrindo.

— E depois disso, Sebastian?

Ele desviou o olhar.

— Depois disso, Sebastian? — ela repetiu. As batidas de seu coração


acompanhavam cada palavra.

Ela olhou para ele. Mais uma vez, ela teve a sensação de que eles falavam
sem palavras. Palavras que podem ser imprevidentes para falar, mas eram sentidas
independentemente. Declarações de emoção que aquela circunstância tornara
impossíveis. Amor e saudade tão fortes que quase podiam ser sentidas no ar entre
eles.

Você estará para sempre em meu coração onde quer que eu esteja.

Não me deixe, Sebastian.

Devo, Julianna.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 28

Sebastian foi solícito daquele dia em diante, mas raramente olhava para ela.
Onde antes ela o achava distante, agora era como se ele estivesse se separando
fisicamente não apenas dela, mas de todos eles. Ele realmente decidiu não voltar
para Langlinais? Ela não sabia quando o pensamento lhe ocorreu. Ela não podia
medir o momento, ou segurar a hora. Mas ela sentiu isso, um conhecimento forte
e seguro como se ele já tivesse dito adeus.

Você não deve me amar, Julianna.

Era esse o motivo? Por que ele desejava poupar sua dor? Ele estava
preparando-a. Era um conhecimento intrínseco, contra o qual ela lutava mesmo
quando o reconhecia. O momento era incerto, o dia era desconhecido, mas um dia
em breve ele simplesmente desapareceria de sua vida.

Montvichet era seu destino. Além disso, ela não sabia. Ele não havia falado
sobre o que faria depois de adquirir o tesouro, se viajaria para os Templários ou
faria com que Jerard o tomasse para ele. Ele a levaria para casa em Langlinais e
depois desapareceria?

No entanto, por mais que ela pudesse reconhecer o fato de sua partida, seu
coração não podia suportar o custo. Ela amparou a dor, ordenou que a porta fosse
fechada e trancada naquela hora exata em que ele a deixou.

Ela o observava agora enquanto ele estava sentado do outro lado do


acampamento, olhando para longe, procurando a linha impenetrável da floresta ou
examinando o céu noturno.

— Posso servi-la, milady?

Julianna se assustou, tão envolvida em seu estudo de Sebastian que não


ouviu Jerard se aproximar.

Ela assentiu, estendendo a mão esquerda. Ela só usava o curativo quando


aplicava a pomada agora. Ela estava se curando bem, as linhas afiadas em sua carne
se unindo. Ela pode não ser tão afortunada com sua mão de escrita.

A caça era abundante nesta viagem, a lebre assada que lhe ofereciam agora
tão bem cozida quanto qualquer outra que ela pudesse ter comido nas cozinhas de
Langlinais.

Jerard estava na frente dela, olhando para algo atrás dela. A expressão em
seu rosto estava iluminada pelo fogo, e sugeria repulsa ou desgosto.

Meu Amado – Karen Ranney


— O que você está olhando, Jerard? — Ela olhou por cima do ombro, mas
apenas a escuridão encontrou seu olhar.

Ele não voltou sua atenção para ela quando respondeu, apenas permaneceu
olhando para o topo da montanha.

— Montvichet, milady.

— Aquela é Montvichet? — Seu coração parecia despencar até os dedos dos


pés quando ela levantou a cabeça, seus olhos varrendo a altura da montanha.

Jerard assentiu. Ele virou os olhos para ela.

— Eu odeio aquele lugar, milady. É um dos meus fantasmas e tristeza.

Ela não tinha palavras em resposta, surpresa com a profundidade do


sentimento em sua voz. Ela raramente tinha visto Jerard sair de sua habitual
equanimidade agradável.

— Você estava lá, então? Com Sebastian?

Ele assentiu.

— As lembranças, milady, permanecem comigo até agora.

Seus olhos pareciam assombrados enquanto ele olhava para o cume da


montanha.

***

A aproximação a Montvichet era íngreme e sinuosa. A distância até o vale


abaixo parecia ser ampliada pelo fato de haver uma queda abrupta de um lado da
estrada e um penhasco do outro.

Os cavalos pareciam nervosos enquanto Jerard os conduzia até o cume, as


rédeas de Faeren apertadas em sua mão direita enquanto a esquerda segurava a
liderança de sua própria montaria.

As oliveiras atrofiadas ficavam menores à medida que subiam. O lago ao


longe com sua margem vermelha de cor estranha, as azinheiras com suas folhas
verde-escuras e brancas… todos pareciam pequenas réplicas do mundo real.

Julianna caminhou com uma mão sobre a rocha escarpada. Mas ela não
parecia assustada. Ela não havia dito a ele que estava cansada de ter medo? Ela
estava sentada silenciosa e pálida enquanto os homens morriam ao seu redor. E
então o surpreendeu com sua própria avaliação de das circunstâncias. Uma trama

Meu Amado – Karen Ranney


Templária e suas próprias observações sub-reptícias… nenhuma dessas coisas havia
escapado a ela.

Ele fechou sua mente para o pensamento de que sua coragem seria
necessária com força total nos próximos anos. O povo de Langlinais precisaria dela.

O topo da montanha se partiu, como se uma enorme espada tivesse partido


a pedra em duas. Montvichet estava situada na maior dessas duas seções, acessível
apenas por uma ponte suspensa de madeira que balançava sobre o desfiladeiro. Ela
havia sido deixada intacta durante o cerco, De Rutger percebendo que precisaria
atravessar a divisão de alguma forma. A aldeia, pouco mais do que algumas cabanas
de taipa, ficava do outro lado da montanha e era acessível por um ramal da estrada,
pelo qual haviam tomado. Sebastian enviou Jerard e alguns dos homens até lá para
verificarem o que pudessem.

Sebastian atravessou a ponte de madeira, Julianna atrás dele. Ele a ouviu


ofegar, mas não se virou para tranquilizá-la. Fazer isso seria colocar a ponte para
balançar. Uma vez que ele estava do outro lado, no entanto, ele se virou e sorriu de
forma tranquilizadora. Seu rosto estava pálido, mas seu sorriso estava ancorado no
lugar enquanto ela atravessava.

Ele caminhou em direção ao portão, Julianna ao seu lado, e entrou na


fortaleza dos cátaros.

***

Montvichet era esculpida na própria montanha, seus maciços blocos de


pedra tingidos de amarelo por natureza, esbranquiçados pelo brilho do sol do final
de agosto. A fortaleza agora jazia como os ossos de um grande animal, arrancados.
As muralhas foram rompidas durante o cerco; os portões estavam no chão. O
refeitório ficava no canto à sua direita, as outras salas públicas alinhadas na frente.
Os quartos de dormir se estendiam ao longo da parede esquerda. Cada câmara
havia sido pilhada.

Uma vez, ali havia um antigo forte, mas há muito se desintegrou em pó. No
entanto, os azuis e verdes brilhantes de um piso de mosaico em meio ao ar de
deserção e ruína era uma provocação estranha, como se dissesse que todas as coisas
Romanas de alguma forma iriam suportar.

Sebastian tinha encontrado a mesma coisa cinco anos atrás. Naquela época,
ele estava contente com seu lugar no mundo, não reconhecendo sua própria
arrogância e ignorância. Agora ele olhava para aquele homem e maravilhou-se com
as bênçãos que ele teve e nunca percebeu. Ele havia perdido seus irmãos, mas

Meu Amado – Karen Ranney


permanecia saudável. Ele ganhou todos os torneios em que participou, enquanto
outros homens perderam suas fortunas. Ele nasceu livre e nobre, autorizado a
aprender com as maiores mentes. Ele se achava mundano cinco anos atrás. No
entanto, aquele jovem tinha se inflado com sua própria importância, e a única coisa
que ele realmente conhecia era a profundidade de sua própria idiotice. Ele tinha
sido tão pomposo quanto um galo, tão inexperiente quanto um pintinho.

Os ecos daquele homem permaneceram, mas apenas no arrependimento


que sentia.

Cinco anos se passaram para ele, mas em Montvichet, era como se o tempo
não tivesse passado. A poeira sobre a pedra do pátio era mais espessa, mas
imperturbável. Mais algumas pedras desmoronaram das paredes, quase
imperceptíveis entre a maior destruição. No entanto, algumas trepadeiras
resistentes ainda se entrelaçavam entre as rochas, e de algum lugar próximo vinha
o canto de um pássaro. E uma brisa suave tirou o calor do ar e o perfumou.

O silêncio era de espera, como se a fortaleza no topo da montanha tivesse


se acalmado e se tornado imóvel no tempo, antecipando o momento perfeito no
futuro para despertar. Se os fantasmas falassem aqui, suas vozes seriam melódicas
e facilmente confundidas com um carrilhão que o vento poderia bater suavemente
contra um sino.

Ele quase estendeu a mão para Julianna antes de se lembrar, tão intensa era
a necessidade de trazê-la para frente, como se a apresentasse a todas as almas que
nunca conhecera. Para buscar dessas pessoas mortas há muito tempo uma bênção
para esta mulher, para que ela pudesse ser poupada de qualquer dor por ele.

— Sebastian?

A voz de Julianna o chamou de volta ao presente. Ela se aproximou dele.

— Quase se pode ouvir uma música. — Ela inclinou a cabeça como se


estivesse ouvindo. — Ou o riso das crianças.

Então, ela sentiu isso também. Como se fosse possível vislumbrar algo se ele
virasse a cabeça rápido o suficiente. Pensamentos tolos.

Os soldados que não acompanharam Jerard entraram no pátio com cautela,


apesar do ar de abandono. Eles revistaram cada quarto, com as espadas apontadas
para cima, até determinarem que Montvichet estava realmente deserta.

Do outro lado da montanha, os cavalos estavam sendo preparados para a


travessia da ponte. Faeren se opôs a ser liderado por alguém que não fosse Jerard
ou Sebastian. Ele não gostava do som de seus cascos batendo nos troncos que
compunham a ponte, e empinou uma vez. Por um momento congelado no tempo,

Meu Amado – Karen Ranney


parecia que o enorme cavalo iria mergulhar de lado no desfiladeiro, levando
consigo o homem que segurava suas rédeas.

Sebastian se virou e caminhou rapidamente até a beirada da ponte,


estendendo a mão enluvada. Ele estava longe demais para agarrar as rédeas do
cavalo e duvidava que a ponte pudesse suportar o peso de dois homens e seu cavalo.
Mas Faeren se firmou quando o chamou, caminhando em direção ao som de sua
voz. Ele estava farto de rebelião, ao que parecia, uma vez que chegou a Sebastian,
e seguiu docilmente seu cavaleiro até o pátio.

— Você é talvez a primeira criatura de quatro patas a ver este lugar — disse
ele, estendendo a mão e acariciando o nariz largo de Faeren com carinho.

Julianna parou um pouco atrás dele.

— Por que você o trouxe aqui?

— Um bom cavaleiro nunca fica sem seu cavalo.

— Especialmente se ele estiver sendo seguido por Templários.

— Aí está — disse ele, sorrindo para ela.

Faeren bufou e Julianna recuou.

— Você é sábio por ser cauteloso com ele. Ele é velho e perverso. — Faeren
deu uma patada no chão naquele momento, arrancando uma risada de Sebastian.

— Ele está com você há muito tempo?

— Desde Chipre. Minha própria montaria foi morta debaixo de mim pouco
antes de ser capturado. Encontrei Faeren lá, um pária como eu. — Seu sorriso
iluminou suas palavras. — Ninguém podia controlá-lo, e eu desejava
desesperadamente ir para casa. Juntos fizemos uma barganha, não foi, Faeren? —
Ele acariciou o focinho de Faeren, então conduziu o cavalo para o lado do pátio
onde havia mais sombra.

Jerard se aproximou pelo portão, um sorriso no rosto.

— Milorde, o poço não foi envenenado. As laterais foram derrubadas, mas


a água tem um gosto doce.

— Eu confio que você testou isso em um sapo, Jerard, e não em você?

As bochechas de Jerard ficaram da cor de bronze.

— Ainda há algumas pessoas na aldeia, milorde. A informação veio deles.

— Veja se eles são tão generosos com sua comida quanto com suas
informações. — Ele puxou um pequeno saco de cordão de debaixo da túnica e

Meu Amado – Karen Ranney


entregou a Jerard. Quando seu escudeiro se virou, ele o chamou. O jovem virou-se
e esperou.

— Pague-os bem, Jerard. O povo de Montvichet foi mal utilizado.

— Sim, milorde.

Sebastian se virou, encontrou o sorriso de Julianna. Ele não deveria estar tão
curioso, mas os olhos dela brilharam alegremente.

— O que a diverte?

— Você o trata como um pai faria.

— Ele é meu escudeiro. Como você quer que eu o trate?

— Como você faz em Langlinais. Ele é seu mordomo lá, com toda a
autoridade que você deu a ele. Ele a usa bem.

— Eu não fiz isso agora? — Ele franziu a testa enquanto procurava a figura
de Jerard partindo.

— Não. Seu comportamento mudou com suas roupas. Você não é mais o
monge que se esconde daqueles que podem descobrir. Você é o cavaleiro que tem
certeza de sua destreza na batalha. E o pobre Jerard voltou a ser seu humilde
escudeiro.

— Pobre Jerard? — ele perguntou, as palavras muito altas para o momento.


Ele desconsiderou isso e o fato de que vários de seus homens se viraram para olhar
para ele. Quando ela se tornou tão ferozmente protetora com ele?

Suas palavras não serviram para nada além de paralisá-la com alegria. Ele
amava a risada dela, valorizava-a porque era tão rara.

Ela sabia o quão linda era? Ela não sabia, senão ela teria ostentado esses
atributos da mesma forma que as mulheres aprendiam desde o berço. Mesmo agora
ela estava linda, mesmo com o cabelo coberto com a poeira sempre presente. Seus
olhos pareciam cansados, e havia uma mancha rosada em seu nariz onde o sol tinha
sido muito cruel.

Doía-lhe olhar para ela.

Se ele fosse sábio, ele a teria mandado de volta para o convento quando a
viu pela primeira vez. No instante em que ele reconheceu que esta mulher com
dedos trêmulos e queixo teimoso era mais do que parecia. Ele deveria tê-la banido
de sua vida naquela época, ou desaparecido. Como ele poderia saber, na noite em
que a viu pela primeira vez, que ela viria a significar muito mais para ele do que
Langlinais jamais significou? Se havia algo pelo qual ele estava disposto a morrer,
não era a fé, nem Langlinais, mas Julianna.

Meu Amado – Karen Ranney


Ele tinha percebido isso durante a viagem.

Tão facilmente que ocorreu sem que ele soubesse. Ou talvez tenha
acontecido naquela noite inesquecível em seu quarto, quando ele expressou seus
verdadeiros pensamentos, sabendo que nunca faria isso novamente. Talvez todo
esse tempo ele estivesse apenas testando sua honra ou sua determinação.

Seu presente final para ela seria uma revelação. Sua vida com ela tinha sido
cheia de segredos. Ele queria um fim para isso agora. Ele contaria a ela o máximo
que pudesse sobre o tesouro cátaro. E então iria embora.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 29

Sebastian a deixou alguns momentos depois, tendo designado um dos


soldados para prover seu conforto. Ela sorriu em agradecimento quando ele se
ofereceu para arrumar um estrado na sombra, mas recusou. Ela não queria ter que
se sentar e parecer composta quando não estava.

A incerteza a deixara perturbada, a percepção de que ela não tinha ideia do


que aconteceria daquele dia em diante. Durante os últimos dias de sua viagem até
aqui, parecia que o tempo que passaram juntos era medido em dias. Agora, era
como se restassem apenas algumas horas. Ela queria, desesperadamente, conter o
sol para que as sombras não se movessem, virar a ampulheta para começar de novo.

Como ela suportaria a vida sem ele? Ela ficou ereta, cabeça baixa, olhos
baixos. Postura do convento. Haveria tempo suficiente para se perguntar sobre sua
capacidade de suportar. Agora não era o momento. Não quando Sebastian ainda
estava com ela.

Ela se encontrou em uma porta fechada, empurrou-a lentamente.


Montvichet podia não ser habitada, mas ainda havia um ar de ocupação naquela
sala, como se as pessoas tivessem saído apenas por um momento e voltassem em
breve.

A câmara foi construída com a mesma pedra amarela que o restante da


fortaleza. O telhado estava intacto, exceto por uma grande parte perto da porta. A
natureza interveio disfarçada de uma planta rasteira que cobria a abertura. Julianna
entrou na sala, encantada. Seis escrivaninhas, altas e inclinadas para maior
facilidade de trabalho, estavam dispostas em intervalos espaçados por toda a sala,
colocadas onde pudessem ser tocadas pela maior fonte de luz. Vinha das pequenas
aberturas no telhado, janelas de vidro grosso não mais largas que sua mão. No sol
da tarde, eles brilhavam como a luz do sol em uma poça de água.

Uma mesa colocada contra uma parede funcionava como uma área de
trabalho comum. Pedras pesadas pesavam nas páginas do pergaminho, esperando
o momento em que seriam necessárias. Uma seleção de penas, nenhuma delas
ainda cortada, estava em preparação para a mão de um escriba. Recipientes de pele
de cabra continham o que Julianna suspeitava ser tinta em pó. Havia uma
variedade de facas, lâminas e navalhas, réguas, regula, lúnula, normas, agulha e
linha para consertar pergaminho se rasgado, e uma dúzia de potes cobertos
variados, um dos quais continha uma cola seca de cheiro particularmente odioso.
Mas aqui não havia páginas terminadas, diplomae ou folia completa.

Meu Amado – Karen Ranney


Ela caminhou até uma das mesas. O espaço de trabalho do escriba era feito
de madeira, uma vez polida com óleo. Manchas escuras em sua superfície
indicavam onde a tinta havia caído de uma pena, ou talvez encharcado uma página.

No final da sala havia uma série de pequenas aberturas verticais. Ela se


curvou e olhou através de uma e sentiu o ar em movimento rápido contra seu rosto.
Um sorriso tocou seus lábios. Eles tinham pensado em tudo. As aberturas
permitiam que a brisa entrasse e resfriasse a sala, mas seu desenho evitaria
qualquer deslocamento da obra.

Um scriptorium, arrumado e esperando, mesmo depois de cinco anos.

Ela se sentou em um dos bancos, achando-o surpreendentemente


confortável. O sol descia sobre a superfície da escrivaninha, como se uma tocha
tivesse sido acesa acima dela. Ela lentamente desenrolou suas bandagens, tomando
cuidado para enrolar as tiras de linho enquanto as removia.

Sua mão esquerda estava quase curada. Mas a aparência de sua direita a fez
estremecer. Havia linhas vermelhas por todo o topo, lugares onde os ossos se
projetavam da pele. Não estava mais inchada, e a cor havia retornado, mas ela mal
conseguia dobrar os dedos. Ela virou as mãos, olhou para as palmas.

Ela tocou o braço de Sebastian, sentiu a força e os músculos dele. Enfiou os


dedos na espessura de seu cabelo, tocou seu rosto. Que estranho que ela pudesse
sentir essas sensações mesmo agora, como se a memória delas estivesse para
sempre embutida em sua carne.

Ele se ajoelhou na frente dela, seus olhos profundos com alguma emoção
não identificável. Ela sabia o nome agora. Desespero, como ela nunca desejara
conhecer. Angústia da alma. Dor e saudade tão duras e reais que se tornaram quase
sólidas. Iria brilhar carmesim, este anseio. Ou branco como uma nuvem desbotada.
Quase invisível, mas com sua sombra sempre permanecendo. Ela sabia, porque
sentia o mesmo.

Ela sempre gostou de ler a escrita dos outros, sentia que aqueles filósofos e
santos mortos há muito tempo falavam com ela através de seus pensamentos. Ela
sabia por que aquela ligação tinha sido tão importante, agora. Isso lhe trouxe uma
sensação de conexão com o mundo que imitava companheirismo.

Ela tinha simplesmente sido solitária toda a sua vida? Parecia-lhe agora que
as ocupações de sua mente e a habilidade de suas mãos tinham substituído algo
que ela sentia falta e nunca conheceu. O riso fácil e cadenciado de duas pessoas
que compartilhavam um pensamento, o sorriso conspiratório que unia as palavras.
A capacidade de procurar e encontrar o rosto de alguém que pode aliviar uma
solidão momentânea, aliviar uma dor temporária.

Meu Amado – Karen Ranney


Não havia voz em suas páginas para perguntar se ela estava bem, para buscar
seus pensamentos ou reações. Nenhum sorriso entre as letras laboriosamente
elaboradas. Não havia discurso, nem palavras ásperas ou súplicas. Nenhuma voz
que baixava ou sussurrava frases que intrigavam, chamavam e emocionavam,
aquele sangue quente e carne umedecida. Ela nunca olharia para uma folia e
sentiria a admiração que vinha de assistir Sebastian, seu belo guerreiro, um
cavaleiro feito de força e tristeza.

Ela saiu do banco e foi até a mesa, pegando uma das penas cátaras. Só
quando voltou à mesa tentou segurá-la com a mão direita. Com alguma dor, seus
dedos se curvariam, mas não com força suficiente para segurar a pena. Ela caiu com
um pequeno clique na superfície da mesa.

O trabalho de um escriba exigia o toque mais delicado. Talvez com o tempo,


ela pudesse escrever novamente. Era algo que ela devia acreditar, porque sem essa
habilidade ela não tinha nada.

Uma lágrima caiu em suas mãos e, surpreendentemente, doeu.

A tristeza que ela sentia não era por ela mesma. Ela entendeu, finalmente, a
enormidade do destino de Sebastian. Será que tal conhecimento foi motivado pela
quietude deste lugar? Ou teria nascido na certeza de que só faltavam horas para
eles? Ela apertou os olhos fechados contra o pensamento das horríveis mudanças
físicas que viriam para ele.

Era errado pedir a Deus para mover o tempo? Seria um desperdício fazer
uma oração implorando a Ele que permitisse que ela viesse a conhecer Sebastian
antes que tal coisa acontecesse com ele? Por favor, apenas um momento a tempo
de beijar seus lábios, ou ser envolvida em seus braços. Deixe-o me tocar de alegria.
Uma vez. Por favor. Ela inclinou a cabeça e fechou os olhos, indiferente as lágrimas
que molhavam suas mãos, pequenas gotas de sensação aguda. Ou se isso for errado,
poupe-o de alguma forma. Tire isso dele, Deus. Ele não é um santo ou um pecador
tão grande.

Sua dor foi silenciosa, um momento não planejado. O scriptorium, um lugar


de reflexão silenciosa e esforço estudioso, era um lugar estranho para testemunhar
tal emoção. Mas então, os pensamentos e palavras de inúmeras mentes foram lidos
ali, e depois transcritos em pergaminho. Palavras concebidas na paixão
permanecem com o passar dos anos, aquelas que falam dos sentidos, de alegria e
desespero e adoração. O tempo dispensa o mundano, mas preza os do coração.

A sala parecia suspirar em compreensão, ou compaixão silenciosa. Como se


fosse um ser senciente e capaz de tais coisas.

Meu Amado – Karen Ranney


***

Sebastian removeu suas manoplas uma vez que ficou sozinho, desejou
poder se livrar de sua armadura. Mas conforto era algo egoísta de se desejar,
especialmente nesta busca em particular. Ele olhou para suas mãos, bloqueando a
visão delas.

Ele conhecia bem o caminho que tomou, tinha percorrido apenas uma vez
na realidade, mas muitas vezes em sua memória. Ele respirou fundo enquanto se
aproximava da área.

O fedor havia se dissipado há muito tempo, flutuando no ar da montanha.


O círculo que uma vez foi queimado na terra foi substituído por grama alta. Só ele
e alguns outros aldeões sabiam que havia um túmulo cátaro ali. Apenas uma lápide
dava testemunho mudo de seu martírio, um pequeno frontão de pedra com um
círculo cinzelado como única inscrição. Sua presença ali hoje não era para garantir
que ela tivesse sido erguida como ele havia ordenado, no entanto. Sentiu
necessidade de estar naquele local, talvez para honrar a memória da mulher que
fora sua mãe e amiga. Talvez para buscar a aprovação do plano que ele havia
elaborado em Langlinais. Ou talvez buscar a coragem de implementá-lo, sabendo
da responsabilidade que assumiu para fazê-lo.

Ele sabia pouco sobre a religião cátara, apenas o que tinha lido nos
pergaminhos que encontrara. Ele não sabia se havia uma oração apropriada para
este tempo ou este lugar, ou mesmo se eles gostariam que fosse feita por eles.

Madalena sorriria com a confusão dele, talvez até batesse levemente na


cabeça dele, como costumava fazer quando ele estava sendo castigado. Ele desejou
poder ouvir a voz dela na brisa suave que fluía pela grama. Desejou, também, que
ela pudesse lhe oferecer conselhos daquele seu jeito pragmático.

Ele estaria se colocando contra os Templários e contra a fé que o havia


abrigado. O silêncio do local trabalhou em sua mente, arrastando seus
pensamentos. Parecia que ali, como em nenhum outro lugar, ele poderia confessar
a profundidade de suas emoções. Medo pelo destino de Julianna. Ele a observou
com cuidado, deu a Jerard a tarefa de fazê-lo também, caso suas mãos começassem
a mostrar sintomas como os dele.

Ele podia admitir, agora, que estava com medo do que o futuro lhe prometia.
Ele apareceu diante dele com garras estendidas, ansioso e esperando para agarrá-
lo até que ele sangrasse. Ele só podia imaginar os meses e anos à frente, mas
enquanto sua mente o fazia com tanta frequência, seu coração o impelia a pensar
apenas no passado. Lembre-se das coisas que lhe trouxeram alegria. Lembre-se de
quando você era menino e corria pelo pátio de Langlinais, ou desafiava Gregory a

Meu Amado – Karen Ranney


subir na árvore mais alta. Lembre-se do momento de sua nomeação, quando o
golpe de seu pai, tão poderoso que o derrubou no chão, também foi acompanhado
por sua rica risada. Lembre-se de todos aqueles momentos em que você foi
vitorioso na batalha. Todos aqueles dias de estudo, quando sua mente disparava e
seu coração batia tão alto ao ouvir a fala dos outros imitando seus próprios
pensamentos. Lembre-se de Julianna.

As lembranças surgiram em sua mente com a rapidez de um relâmpago,


Julianna, mordendo o lábio inferior enquanto se concentrava na formação perfeita
de uma carta. Julianna, parada em silêncio e imóvel diante dele, enquanto ele se
ajoelhava e lhe confessava. Julianna, rindo, sorrindo, sombria, triste.

Desejava ser como a maioria dos homens, nobre e infundido de honra. E,


como todos os homens, ele sabia que nem sempre teria sucesso. Mas ele deve
cumprir esses deveres que estabeleceu para si mesmo, para proteger Julianna e
Langlinais. Primeiro, oferecendo aos Templários o que eles achavam que ele tinha,
para que o maior segredo dos cátaros pudesse ser mantido escondido.

E segundo, despedir-se de Julianna. O momento que ele temia finalmente


chegou. Ele soube na manhã em que deixou Langlinais que tal decisão poderia ser
tomada. A esperança dela era forte demais para o desespero dele. Ela olhou para
ele com os olhos bem abertos em aceitação, com uma fome em seu olhar e um
sorriso em seus lábios. Ele a deixaria triste ao invés de enojada de horror ao vê-lo.
Esta despedida devia ser rápida e tão indolor para ela quanto ele poderia fazer. Era
o suficiente para que as lembranças dela durassem o resto de sua vida. Devis ser o
suficiente.

Ele não pode falhar.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 30

— Vejo que encontrou o scriptorium — disse Sebastian.

Ele estava emoldurado pelo sol poente, um homem em seu auge. Ela sabia
que era vital, para ela, guardar a visão dele na memória. Chegaria um momento,
talvez quando ela fosse uma velha, idosa, em que não seria capaz de se lembrar.
Era o que aconteceu com os rostos de seus pais. Eles só eram lembrados através de
um cheiro, uma voz, uma pitada de riso. Sebastian existiria apenas como um jovem
guerreiro, uma visão turva pela ação do tempo, da distância e da dor.

Ela estudou seu rosto avidamente, gravando-o em sua mente do jeito que
ela fazia com uma passagem que ela amava e desejava memorizar. Seu lábio inferior
era mais cheio que o superior. Sua boca, sem sorrir como agora. Seu queixo
terminava em um ângulo reto e cinzelado. Seus olhos ela sempre se lembraria. Eles
eram um pouco inclinados para baixo nas extremidades. O que dava-lhe um olhar
sonolento, ou travesso quando visto de uma certa maneira. Na maioria das vezes,
no entanto, ela era cativada por sua cor, tão escura que parecia não ser azul, mas
preta.

Ela desviou o olhar, antes que ele notasse que as lágrimas voltaram a seus
olhos.

— É um lugar maravilhoso. — disse ela, olhando ao redor como se já não


tivesse estudado cada objeto da sala. — Você acha que eles permitiam que as
mulheres fossem escribas?

— Não sei — disse ele, entrando na sala. — Elas eram líderes. Por que não
escribas?

Ao ver seu olhar assustado, ele sorriu.

— Madalena se tornou uma perfecti, eu entendo. Uma perfeita —


acrescentou antes que ela pudesse perguntar — era considerada digna de passar
pela cerimônia cátara de purificação.

Ele chegou ao lado dela, olhou para suas mãos. Ela não havia trocado as
bandagens. Ele descansou a mão ao lado dela na mesa do escriba. A dele era muito
maior, os elos da corrente de prata terminando em seu pulso brilhando à luz do
sol. Seus dedos levantados, seu polegar esticado mais perto. Apenas uma polegada
separava as duas mãos, mas a distância podia ser medida em milhas. A ponte entre
eles, invisível mas forte, era construída a partir do vínculo entre suas mentes e o
fato de que suas almas se sentiam entrelaçadas.

Meu Amado – Karen Ranney


— Senhor — disse Jerard, na porta. Ficou claro por sua expressão que ele
não queria interromper.

Sebastian deu um passo para trás e fez sinal para ele entrar.

Jerard entrou na sala silenciosa, seus passos eram o único som. Entre as
mãos ele segurava um baú de madeira, seu topo arredondado elaboradamente
esculpido. Ele deu um passo à frente e entregou a Sebastian com uma pequena
reverência.

Ele teria recuado então, não fosse o fato de que Sebastian o chamou de volta.

— Ajude sua senhora com as bandagens — disse ele, sua voz rouca, o
comando quase cortante. Ele caminhou até a mesa que continha os instrumentos
do escriba e colocou o baú sobre ela, de costas para a sala.

Ela olhou para ele, para a postura que ele mantinha, imaginando se esses
momentos eram tão difíceis para ele quanto eram para ela. Deviam ser, caso
contrário sua voz não teria sido tão rouca, suas ordens tão severas. Ele não era um
homem indelicado.

Jerard se curvou diante dela, envolvendo suas mãos rapidamente.

— Não devo buscar o bálsamo, milady?

— Meu marido não usa o dele, por que eu deveria?

Sebastian se virou.

— Fui fiel como um cão com essa gordura de cheiro vil, senhora esposa —
interveio ele.

— Cheira a menta, Sebastian — disse ela, com um sorriso suave e


repreendedor nos lábios.

— E eu também. Não tenho cheiro doce, Jerard?

Ele parecia divertido com o olhar no rosto de Jerard. Ele cedeu, finalmente,
e acenou para ele ir embora.

Com as bandagens amarradas, Julianna desceu do banquinho, caminhou até


a mesa onde estava o baú. Tinha o comprimento de dois palmos e a largura de um.
A tampa era arredondada, o topo ligado ao fundo por três delicadas dobradiças de
couro. Em vez de abri-lo, porém, ele o colocou debaixo da mesa e se virou para ela.
Ele caminhou até a porta, segurou-a aberta, virou-se e sorriu para ela.

— Você gostaria de ver o tesouro cátaro, Julianna?

Ela assentiu, surpresa, e o seguiu em silêncio.

Meu Amado – Karen Ranney


Havia uma série de quartos fora do corredor principal, evidentemente
quartos de dormir por seu design simples e conteúdo esparso. Sebastian entrou no
último à esquerda, ficou olhando ao redor. Como em todos, exceto no scriptorium,
havia sinais de desordem. A estrutura de madeira da cama estava virada, a única
mesinha estava com uma perna quebrada. Um jarro e uma bacia estavam
espalhados no chão, quebrados. Uma janela em arco esculpida na pedra permitia
que a luz do sol entrasse no quarto. Sobre tudo havia uma espessa camada de
poeira, os sinais de invasão e busca preservados para sempre.

— Como você sabe que ainda está aqui? — ela perguntou, olhando em volta.

O sorriso dele a surpreendeu.

— Está aqui, senão Langlinais não teria sido ameaçada. Parece que eles
procuraram bem, mas estavam fadados ao fracasso. Só descobri o segredo por
sorte.

Ele caminhou até a parede oposta, contou as pedras grandes, depois desceu.
Ele pressionou a segunda no nível de sua cintura. Ele girou facilmente como se
estivesse apoiado em um fulcro. Julianna olhou para dentro e notou a barra de ferro
que se projetava do chão. Deve caber no buraco na base da pedra.

Sebastian desapareceu atrás da pedra por um momento, então voltou


carregando uma cesta bem tecida e coberta. Ele sorriu quando viu o rosto dela.

— Seus olhos estão grandes como luas, Julianna.

— Devo confessar que nunca vi nada parecido com uma porta secreta —
disse ela.

— Venha aqui e olhe mais de perto. — Ela espiou dentro do pequeno espaço.
Havia espaço suficiente para duas pessoas ficarem de pé.

— Não há duplicata dele nas outras câmaras de dormir. Talvez esse nicho
datasse da fortaleza anterior, e os cátaros simplesmente se aproveitaram dele para
esconder o tesouro. Cumpriu o seu propósito. Estava aqui há cinco anos, e está aqui
agora.

Ele colocou a cesta no chão, então se ajoelhou na frente dela. Ele abriu o
fecho da tampa com cuidado, como faria com um bebê recém-nascido. Não, ela
pensou, observando-o. Não com gentileza, mas reverência. Este, então, era o
tesouro dos cátaros. Nem ouro, nem prata. Mas o conteúdo de uma cesta que
poderia ser encontrada na cabana de um camponês.

Um raio de sol criou uma aura ao redor de Sebastian enquanto ele baixava
a tampa para o chão. Nenhum deles falou, um silêncio estranho e assustador.
Julianna quase podia sentir a ausência de som, como se a brisa tivesse parado

Meu Amado – Karen Ranney


naquele momento, ou os pássaros que aninhavam no telhado de Montvichet
segurassem seus cantos para a descoberta.

Ela se ajoelhou em frente a ele, sua mão esquerda embalando a direita. Sua
respiração estava apertada, seu coração batia forte e furiosamente. De repente, ela
não sabia se desejava saber o que ele lhe mostraria. O que poderia ser tão precioso
que justificasse tantas mortes, tanto sigilo?

Havia um pano dobrado no topo da cesta. Um aroma de especiarias flutuou


dele quando Sebastian gentilmente o colocou em cima da tampa. Em seguida,
havia vários pequenos cacos de madeira, um dos quais se desfez em seus dedos.
Colocou-o ao lado dos outros, com a mesma reverência com que manuseava o
outro objeto. Os pergaminhos, no entanto, enchiam a maior parte da cesta. Parecia
haver centenas deles, empilhados na vertical para não serem esmagados pelo peso
do pano ou da madeira.

— De todas as coisas que mais me lembro sobre Madalena, é sua busca pelo
conhecimento — disse Sebastian. Ele olhou para ela. — Você me lembrou muito
dela no começo.

— E agora? — perguntou ela, o tesouro dos cátaros suplantado por outro


mistério, mais pessoal.

— Agora, você é simplesmente Julianna — disse ele, sorrindo. Ele olhou


para a cesta. — Madalena foi quem me ensinou a valorizar o aprendizado.
Enquanto meu pai fortalecia meus músculos, Madalena trabalhava em minha
mente. — Ele colocou a palma da mão enluvada sobre os cacos de madeira e a
removeu um momento depois, como se estivesse ciente do olhar dela.

— O tesouro dos cátaros é o conhecimento, antes de tudo — disse ele,


tocando as pontas dos pergaminhos. — Há obras aqui detalhando todos os tipos
de animais e plantas junto com os escritos de grandes homens.

Ele olhou para a tampa da cesta e as coisas estranhas que ele havia arrumado
ali. Ele parecia relutante em continuar. O silêncio aumentou, assim como a
sensação de que havia mais aqui do que ela entendia.

— Mas eles não eram tolos — continuou ele finalmente — e sabiam o


quanto eram desprezados por suas crenças. Assim, os cátaros se esforçaram para
se proteger da melhor maneira possível. Eles enviaram seus emissários por todo o
mundo para reunir o que pudessem encontrar e trazer de volta para Montvichet.

Ele olhou para ela, seu rosto sombrio em face de sua confusão.

— Eles deixaram para trás um raciocínio detalhado por trás de suas ações.
Você vai encontrá-lo entre os pergaminhos posteriores. Eles estavam sendo

Meu Amado – Karen Ranney


perseguidos pela Igreja; portanto, foi contra eles que os cátaros se esforçaram para
se proteger. Eles buscavam o que era sagrado para a Igreja.

Ela sentiu uma mistura de horror e alegria ao perceber o que estava diante
dela.

— As relíquias da fé — ela sussurrou. Sua mão esquerda se estendeu,


tremendo sobre os pedaços de madeira, o pano dobrado cheirando a especiarias
ricas. Ela queria desesperadamente tocá-los, mas estava com muito medo. Ela
puxou a mão para trás, olhou para Sebastian sem palavras.

Ele assentiu.

— A verdadeira cruz e o sudário. Eles os mantinham como proteção contra


a perseguição.

— E é por isso que os Templários os querem? — Ela franziu a testa.

— Não, por causa do poder, Julianna — disse ele. — Você não pode imaginar
o poder que eles poderiam acumular se fossem guardiões da verdadeira cruz e do
sudário de Cristo?

— Mais do que a Igreja? — ela sussurrou.

Seu sorriso tinha uma expressão enigmática temperada com zombaria. —


Há rumores até agora de que pretendem reivindicar a França. Suas ambições são
tão grandes quanto sua riqueza. Alguns substituiriam o Papa se não fosse por outra
razão que não a de conter os Templários. Você pode ter certeza de que ele não sabe
de suas demandas.

— No entanto, você não pode solicitar a ajuda da Igreja, por causa de sua
doença.

— É verdade — disse ele, colocando as relíquias delicadamente de volta na


cesta.

— Mas o que vai acontecer agora, Sebastian?

— Agora damos aos Templários exatamente o que eles esperam.

***

Eles voltaram ao scriptorium em silêncio, Sebastian carregando a cesta. Ela


queria fazer-lhe uma centena de perguntas, sendo a mais importante como ele
podia desconfiar dos Templários tão fervorosamente e ainda assim entregar o

Meu Amado – Karen Ranney


tesouro a eles. Parecia uma traição a tudo porque os cátaros morreram, e
especialmente Madalena, já que foi ela quem chamou Sebastian para Montvichet.

O que Sebastian estava planejando?

Sebastian permaneceu em silêncio enquanto colocava a cesta no chão e


pegava o baú. Ele cuidadosamente abriu, então se virou para ver a reação dela.

Dentro, aninhado em uma cama de feno, havia um cálice. Ele o pegou com
cuidado, estendendo-o para ela ver. Ela tinha certeza de que era o objeto mais
bonito que ela já tinha visto. Não era de ouro maciço, mas construído com
pequenas janelas de vidro de um tom carmesim tão profundamente colorido que
parecia quase roxo. Sobre a borda evertida da taça, e sobre a haste, havia uma fina
linha dourada que engrossava para se assemelhar a uma videira cravejada de
espinhos. Na tigela do cálice havia uma figura gravada de um homem vestido com
uma longa túnica, o rosto barbudo, as mãos estendidas. Raios de sol emanavam de
trás do homem, de seus pulsos.

Dentro do relicário havia uma pequena taça de madeira.

Ela podia sentir o calor de sua respiração quando Sebastian levantou o


cálice. A luz do sol acima parecia encontrar o cálice dourado, estendendo raios de
fogo carmesim ao redor da sala.

— Você já se perguntou o que é o tesouro cátaro, Julianna. — Baixou o


cálice, devolvendo-o ao baú. — Os Templários também. Este cálice satisfará seus
anseios e aplacará sua curiosidade. — Ele colocou a mão em cima do cálice. —
Sangraal — ele disse suavemente, suas palavras quase afogadas sob o tumulto de
seu coração.

— O Santo Graal — ela sussurrou. — É verdade?

— Não — disse ele, balançando a cabeça. — O relicário foi-me dado por um


velho, em troca de um serviço que lhe fiz. Não demorou muito para que eu fosse
solto. Ele havia sido atacado por bandidos, e eu pude ajudá-lo. — Ele abaixou a
tampa do baú. — A viagem para casa foi perigosa para mim. Eu não queria me
envolver, por medo de que minha doença fosse descoberta. Mas ele não era páreo
para os quatro homens que pretendiam roubá-lo. — Ele se lembrava bem daquele
dia, e da imensa gratidão do mercador que insistira em recompensá-lo.

Sua mão traçou os entalhes do baú.

— Eu penso nisso como uma lembrança dos meus dias na Terra Santa, algo
que ajudou a tirar o mau cheiro da prisão das minhas narinas. Eu esperava mantê-
lo em Langlinais, mas agora serve a um propósito maior, aplacar os Templários. O
suficiente para que eles não procurem mais.

Meu Amado – Karen Ranney


Colocou o baú embaixo da mesa e virou-se para Julianna.

— Você me achou capaz de entregar o tesouro aos Templários?

— Não. Mas fiquei pensando no seu plano. — Seu sorriso parecia


recompensar sua honestidade e sua lealdade. — O que você vai fazer com isso,
Sebastian?

— Enviar o tesouro de volta para Langlinais com você.

Pronto, tinha chegado então. O conhecimento que ela suspeitava no fundo


de seu coração. O mesmo conhecimento que ela temia. Seu sorriso parecia
infinitamente triste, seus olhos sombrios.

As palavras que ela falou foram difíceis. A verdade de suas vidas tinha sido
lançada contra ela tão rapidamente que ela podia sentir a dor alojada em seu peito.

— Você não vai voltar?

Ele balançou a cabeça, seu olhar nunca a deixando.

— Será melhor se eu não fizer isso.

— O que você vai fazer, Sebastian? Aonde você irá?

Ela queria saber. Ela precisava saber, como se esse conhecimento de alguma
forma tornasse isso mais fácil de suportar.

— Serei o que sou, Julianna.

Leproso.

Ele estava condenado a vagar sem rumo. As pessoas não seriam gentis com
ele, e até mesmo um cavaleiro precisava de um toque de gentileza de vez em
quando. Eles fugiriam dele, cautelosos por causa de seu tamanho, aterrorizados
por causa do que ele representava. Ninguém iria tocá-lo. Ninguém o tocava agora,
e aqui estava ele, distante como sempre.

A Missa de Separação seria pronunciada sobre ele. Ela teve que transcrever
uma vez, e as palavras pareciam gravadas no ar diante dela.

“Eu te proíbo de entrar na igreja ou mosteiro, feira, moinho,


mercado ou companhia de pessoas. Proíbo-te de sair de tua morada
sem a roupa de leproso para que te reconheças e nunca andes
descalço. Eu te proíbo de lavar as mãos ou qualquer coisa sobre você
no córrego ou na fonte sempre que for beber. Eu o proíbo de tocar
em qualquer coisa que você negocie ou compre até que alguém lhe
dê. Eu o proíbo de viver com qualquer mulher que não seja sua.”

Meu Amado – Karen Ranney


Não sua. Mas ela era de Sebastian. Ela era dele, mas ele nunca seria capaz
de reivindicá-la. Às vezes, ela achava que ele estava prestes a tocá-la, estender a
mão e permitir que seu dedo tocasse sua bochecha, ou pegasse sua mão, ou tocasse
seu ombro. Mas ele sempre se retraía, sempre fechava a mão em punho e desviava
o olhar.

— Você pode encontrar um santuário em Langlinais, Sebastian. — Seu olhar


encontrou o dele. Em seu olhar estavam todas as palavras que ela não podia dizer
a ele, palavras proibidas pela própria natureza de sua coragem. Mas em sua mente,
ela implorava para ele ficar.

— Uma vez você planejou ficar lá — disse ela, com a voz trêmula apesar de
sua determinação. — Não haveria ninguém para perturbar sua paz.

— Não, Julianna. Porque estar com você seria trazer-lhe perigo. — Sua voz
baixou até que não passou de um sussurro suave, não mais substancial que uma
pitada de brisa. — Porque estar com você me traria angústia.

Suas palavras soaram verdadeiras.

Ela olhou para o chão, envergonhada por sua fraqueza.

— Eu não posso suportar isso Sebastian, perder você. Achei que eu fosse
corajosa o suficiente. Eu realmente achei. Mas acho que serei covarde. — Ela olhou
para ele, piscando para conter as lágrimas. Isso ela poderia oferecer a ele.

— E não posso facilitar seu caminho, Julianna — disse ele com ternura. —
Se eu pudesse, mudaria o mundo por você. Eu me curaria e viria até você como um
homem inteiro. Mas isso são sonhos, Julianna, e nós não somos sonhadores. — Seu
tom era resoluto, cada palavra tão forte e quebradiça como se tivesse sido lascada
de pedra. Mas sua voz terminou em um suspiro trêmulo, como se tivesse feito com
coragem. Foi o que a impediu de alcançá-lo.

— Somos realistas, Julianna — disse ele, sem desviar o olhar dela. Será que
ele estamparia a memória dela em suas pálpebras tão fervorosamente quanto ela
fez com ele? Este momento era doloroso e duro, mas seria um daqueles que ela se
lembraria para o resto de sua vida. Porque era certo que ele não cederia. A
determinação estava em seu rosto, em seus sombrios e lindos olhos azuis, na
firmeza de sua boca.

— Somos realistas — repetiu ele — e o mundo não é como gostaríamos que


fosse.

Não. Não, meu querido amor, não é.

Mas ela não disse nada quando Sebastian saiu da sala.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 31

Todas as noites de sua jornada ela dormira no chão cercada pelo soldados .
Sebastian sempre permaneceu a uma distância de chamada. Alguns dias as chuvas
suaves os encharcaram e eles procuraram abrigo em lugares mais substanciais
como uma caverna ou um bosque. Mas, na maioria das vezes, não foi difícil
encontrar descanso.

Aqui em Montvichet, onde havia um quarto arrumado para seu uso e uma
cama, ela não conseguia dormir. Ela não conseguia nem mesmo se deitar no
colchão de palha fina. Em vez disso, ela pensava constantemente nas pessoas que
moravam ali. Como suportaram o luto por aqueles que amavam?

Ela se levantou e vestiu suas roupas, encontrou seu caminho na escuridão


até o corredor e de lá para o pátio.

Sebastian virou-se com a aproximação dela. A luz da lua fluía pelo pátio,
suficientemente bem para que ela pudesse ver os cavalos do outro lado, e entre
eles, as figuras adormecidas dos soldados. Mesmo assim, ele segurava uma espécie
de tocha, uma tigela curva que segurava uma vela, e ao redor dela, um pedaço de
pergaminho oleado que ampliava a luz, difundindo-a. Ela tinha visto uma coisa
dessas em algumas das ilustrações dos livros que ela copiou, mas nunca
pessoalmente.

Ela estendeu a mão e tocou a sombra, sua curiosidade satisfeita quando


notou que os pequenos grampos seguravam o pergaminho com segurança longe
da chama da vela, em um ângulo curvo. Só então ela olhou para cima para pegar
seu sorriso, ecoado na noite profunda de seus olhos.

— Você não conseguiu dormir?

Ela balançou a cabeça.

Os cavalos moviam-se inquietos do outro lado. Alguém murmurou. Um


ronco, um gorgolejo, uma tosse, eram todos sons normais para ela depois de
semanas viajando com esses homens. Ela sabia o nomes de alguns e alguns detalhes
sobre suas vidas. Quem já esteve em cruzada, quem servira ao pai de Sebastian, a
localização de uma namorada, o número de filhos, esses detalhes sobre a vida de
uma pessoa que é compartilhada com outra.

Ela deu um passo à frente, olhou para baixo na escuridão. Em vez da


paisagem sombreada pela lua, parecia que o vale estava em chamas com tochas.
Pequenos pontos de luz cercavam um acampamento maior.

Meu Amado – Karen Ranney


— Eles foram mais rápidos do que eu previa — disse Sebastian, sem desviar
os olhos da cena.

— Quem são eles?

— Templários. — Ele virou as costas para eles, ficou de frente para o pátio.
— Quem mais?

— O que eles vão fazer, Sebastian?

Ele olhou por cima do ombro para ela.

— Não tenho dúvidas de que desejam nos desafiar. Eles conhecem nossa
força e sabem que não somos páreo para o números deles.

— Mas não fizemos nada para que eles quisessem nos desafiar, Sebastian.

Seu sorriso estava estranhamente iluminado pela lamparina a óleo.

— Não é necessário ser inocente, para ficar entre os Templários e algo que
eles querem.

As tochas pareciam piscar para ela.

— Eles vão sitiar Montvichet novamente?

Ele inclinou a cabeça para trás e olhou para o céu. Era uma lua cheia,
amarela e brilhante. — Eu duvido. Não poderia resistir a outro. Eles têm apenas
que passar pelos portões abertos.

— Então o que vamos fazer, Sebastian?

— Esperar até de manhã. É tudo o que podemos fazer.

***

— Quanto tempo você acha que eles levaram para construir este lugar? —
Julianna olhou em volta para a fortaleza escurecida. Ela se sentou no chão de pedra,
com as costas contra a parede. Sebastian sentou-se ao lado dela. A lua cheia sobre
eles, as estrelas brilhantes como olhos minúsculos piscando acima, o ar perfumado
com uma leve brisa que carregava o cheiro de pinho.

— Depende de quem você quer dizer — disse Sebastian. — Acho que os


romanos vieram primeiro, ou talvez tenham construído sua fortaleza sobre outra
estrutura anterior.

— As pessoas sempre procuraram proteção, então?

Meu Amado – Karen Ranney


— De uma forma ou de outra. — Sua voz era baixa, soava como um trovão
abafado. Isso havia a fascinado desde o início.

Ela mordeu um pedaço de queijo.

— Isso é muito bom, não é?

— Muito bom — disse ele, com um sorriso na voz.

— O convento tinha cabra, mas não fazíamos queijo. A abadessa achava que
era um luxo que podíamos prescindir.

— Ela parece uma mulher muito prática.

— Ela é.

Silêncio enquanto Julianna tentava pensar em outro assunto de conversa.


Ela nunca teve dificuldade em falar com ele antes, mas esta noite solene era
diferente. Havia uma escassez de assuntos que não tocavam, de alguma forma, em
suas vidas. Eles já haviam dito tudo o que poderia ser dito sobre futuros. O dele era
imutável. Nem seus desejos nem suas esperanças poderiam alterá-lo. Ela poderia
implorar para que ele a levasse consigo, mas tais palavras apenas estragariam sua
despedida; elas não iriam influenciar Sebastian. Então ela falou com ele sobre as
questões mundanas e simples trocadas entre conhecidos casuais. Todo o tempo
desejando perguntar aquelas que não podiam ser expressas. Por que e como e onde,
mas o mais importante, quando ele a deixaria?

— Como você acha que eles trouxeram as madeiras para cá?

Ele inclinou a cabeça para trás como se estivesse contando as vigas que
sustentavam o teto dos quartos de dormir.

— Suspeito que as levaram de carroça. Ou talvez eles simplesmente as


tenham arrastado.

Ela bocejou, um gesto inesperado. Sebastian virou-se para ela na escuridão.

— Você deveria dormir, Julianna.

Ela lutou contra o sono a noite toda, desejando passar essas horas até o
amanhecer ao lado dele. Cada momento que compartilhavam era como uma conta
preciosa coletada e amarrada em um cordão. Mas o silêncio conspirava contra ela,
junto com o cansaço da viagem.

Ela deitou a cabeça para trás contra a pedra, saboreando a proximidade dele.
Eles se sentaram a apenas um palmo de distância. Muito cedo, ela se sentiu caindo
no sono. Sua voz falou com ela, um suave sussurro de palavras.

Meu Amado – Karen Ranney


— Dorme, Julianna. Estarei aqui ao seu lado. — Permissão e proteção, tudo
em um.

Os sonhos a assombravam. Não os habitantes de Montvichet, mortos há


muito tempo, ou os Templários que esperavam no vale o amanhecer que ela temia.
Eram de Sebastian, suas palavras e sorrisos e gargalhadas. Suas mãos a tocaram,
seus lábios encontraram os dela em um beijo que queimou enquanto curava.
Intellige clamoren meum. Meus dedos fariam seu sangue pular. Ela acordou com
seu próprio choro suave. Um som de saudade.

O amanhecer veio rápido demais.

Sebastian não estava ao lado dela, mas ela não o procurou. Em vez disso, ela
encontrou o caminho para o banheiro dos cátaros. Quando ela o viu pela primeira
vez, ela se maravilhou que eles tivessem inventado tal câmara. Uma cisterna no
telhado, ambas ainda intactas, continha água que era canalizada para uma bacia
para se lavar. Langlinais tinha tal inovação, mas os cátaros a refinaram. Um cano
levava a uma grande banheira de pedra. A remoção de um tampão de madeira no
fundo da pedra liberava a água, que então escorria pelo chão de pedra da câmara e
descia pelo buraco da latrina.

Ela passou mais tempo do que o habitual em suas abluções matinais. Ela
colocou um pano macio e molhado sobre os olhos até que a dor diminuiu. As
lágrimas os fizeram inchar, e ela passou muito tempo chorando ontem. Ela trocou
de roupa por uma túnica amarela macia que não usava antes. Ela escovou o cabelo
vigorosamente e o deixou solto. Seu último ato foi embrulhar as mãos o melhor
que pôde. Ela precisaria da ajuda de Jerard para amarrar as pontas das bandagens
em seus pulsos.

Ela hesitou na porta da câmara de banho. Parte dela desejava permanecer


neste quarto, ou se entrincheirar em outra parte de Montvichet.

A única vez que o mundo foi realmente gentil foi quando ela se enfiou em
seu trabalho e permaneceu lá, à deriva em pensamentos de mentes grandes e
eruditas. Ela tinha, como um rato em sua toca, se sentido segura desde que não
espiasse de seu buraco. Mas a vida era vivida em lugares como Langlinais entre os
sons de cantos e risos. Era vivida, enfim, em cada dia. Seja qual for o local, seja qual
for a circunstância.

Ela saiu do quarto, fechando a porta suavemente atrás de si.

O que ela sentiu antes de vir para Langlinais? Que emoções ela
experimentou? Era como se aquela garota existisse em um limbo atemporal,
esperando até o primeiro vislumbre de Langlinais antes de sentir qualquer coisa

Meu Amado – Karen Ranney


além de medo. No entanto, havia uma gama completa de emoções para escolher,
todas elas concedidas por Sebastian.

Talvez ela não soubesse o que era o amor. Mas ela sabia o que era saudade.
Era o que ela sentiria no momento em que Sebastian a deixasse.

***

Ele observou enquanto ela entrava no pátio. O sol banhava a rocha amarela
de Montvichet com uma luz dourada, fazendo a pedra brilhar. O brilho cercou
Julianna como se aprovasse sua aparência. Ela sorriu, uma expressão que ele
guardou em sua memória para mais tarde. Por enquanto, tinha o poder de fazê-lo
olhar para ela e saborear a imagem de como ela parecia, seu cabelo preto brilhando,
suas bochechas rosadas e lábios suavemente curvados. Uma pontada de dor
deslizou facilmente por sua alma. O preço a pagar, então, por conhecê-la e amá-la.

Ela havia amadurecido nas últimas semanas. Seu sorriso ainda era hesitante,
mas sempre fora raro. Mas em seus olhos havia um olhar que não existia antes,
uma antecipação, não de excitação, mas de dor. Era como se ela tivesse dito a si
mesma que deveria ser cautelosa, mas ainda retinha inocência suficiente para
mantê-la sob controle.

Seu cabelo preto foi deixado solto, permitido cair pelas costas. O único
adorno que ela usava era um pequeno aro de ouro na testa. Ela usava uma meia
túnica que cabia em seus ombros e caía atrás dela. As suaves dobras amarelas
pareciam acentuar a escuridão de seus cabelos, como se em sua pessoa a noite
encontrasse o amanhecer.

Quando ele se encantou por ela? No primeiro encontro, é claro. “Você é a


Morte?” ela havia perguntado.

Sua noiva virgem. De todas as coisas que ele lamentou em sua vida, não era
que eles não tivessem se casado. Era que ele nunca lhe desse alegria, nunca a
levasse ao êxtase.

Talvez um dia ela encontrasse alguém para amar, se casasse novamente.


Uma união de verdade e não simplesmente no nome. Haveria sorrisos novamente
em Langlinais, e risos ali. Talvez ela nomeasse um de seus filhos com o nome dele,
um sinal de seu carinho e lembrança. Pode ser que haja irmãos para jogar
novamente na ponte como ele e Gregory tinham feito.

Ele desejou para ela tudo o que ele nunca tinha lhe dado.

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A mulher que o recebeu nesta madrugada não era a mesma com quem ele
se casou. Por esta mulher ele abriria mão de sua casa sem um pingo de
preocupação. Ela, ele sabia, seria capaz de manter Langlinais, prover o bem-estar
de todos aqueles que viessem a depender dela. Em seus olhos ele podia ver uma
sugestão daquela mulher por vir. Uma mulher sábia, que ficava na torre leste com
frequência e enfrentava o mundo. Ela pensaria nele?

Essa era a fonte da dor que ele sentia. Que ele não seria capaz de
compartilhar cada um de seus dias, que ele nunca veria as mudanças que o tempo
traria para ela.

Ele viu seu choque, seu recuo, soube no momento em que ela percebeu o
que ele usava. Nem armadura, nem manto de monge, mas o uniforme do leproso.
Era de lã marrom avermelhada com um L carmesim bordado nas costas e na frente.
Distinto e assustador.

Foi a primeira vez que ele ficou assim diante do mundo. Mesmo agora, tinha
gosto de inferno.

Seus soldados não sabiam se tal vestimenta era brincadeira ou um ardil para
enganar os Templários. Afinal, eles viajaram com ele por semanas e não viram que
ele estava doente. Mas as pessoas percebem o que desejam e muitas vezes ignoram
o que não querem ver. Ele não duvidava que depois desta manhã eles se benzeriam
enquanto amaldiçoavam seu nome.

Ele se perguntou o que os Templários fariam. Ele levaria o cálice para eles,
e esperaria que tal gesto protegesse Julianna e seus homens do ataque. Então, uma
vez que ele tivesse certeza de sua segurança, ele desapareceria. Não importava seu
destino, apenas que fosse o mais longe de Langlinais que pudesse viajar.

Jerard trouxe-lhe Faeren, mas ele balançou a cabeça. Ele montaria um dos
outros cavalos para o exílio. Faeren retornaria a Langlinais e viveria o resto de sua
vida em paz. Era pouco apreço pela lealdade e habilidade com que o cavalo o
servira.

Julianna caminhou em direção a ele, a cabeça erguida, o rosto inexpressivo.


Seus olhos eram profundas poças de verde. Lágrimas silenciosas caíram por seu
rosto. Ela nem parecia ciente delas.

— Precisa ser tão cedo, Sebastian?

— O que o tempo pode nos trazer, Julianna? — ele perguntou gentilmente.


— Não chore, milady. Dê-me estes últimos momentos com você sem tristeza.

Suas palavras a silenciaram, mas não detiveram suas lágrimas. Ela sabia que
apenas pela maior das vontades ele seria capaz de se afastar dela?

Meu Amado – Karen Ranney


— Os cátaros acreditavam que a alma vive novamente — disse ele
suavemente. — Que nossos corpos são apenas vasos a serem descartados depois de
uma vida. Talvez um dia nos encontremos novamente, minha Julianna. Em um
lugar onde eu possa tocá-la, onde eu possa envolvê-la em meus braços.

— Então que venha rápido, Sebastian — disse ela, com a voz trêmula em
meio às lágrimas. — Não em cem anos ou mil, mas em breve. Eu seguirei meu
caminho pela eternidade procurando por você.

Ele deu o sinal e Jerard deu um passo à frente, entregando-lhe as rédeas de


sua montaria. Amarrou o cálice na sela. Ele não montou, pois o cavalo precisaria
ser conduzido pela ponte. Estava quase no portão antes de se virar. Com uma voz
destinada a levar, uma declaração feita para ser ouvida para que todos os homens
de Langlinais a ouvissem e a repetissem, disse ele: — Certa vez, perguntaram a
Aristóteles a definição de amigo. Ele respondeu que era uma única alma habitando
em dois corpos. O que é o amor? Eu acho que é o mesmo. Seja minha alma, minha
querida Julianna.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 32

— Que tocante, irmão.

Sebastian olhou para o som daquela voz. Uma rápida procura o levou à fonte
dela. Gregory estava não no portão principal de Montvichet, mas na muralha em
ruínas ao norte. Evidentemente ele havia escalado a muralha assim como os
invasores finais haviam feito, encerrando o cerco.

Um momento depois, a ponte estava repleta de sargentos templários


vestidos com mantos marrons e pretos. Eles encheram o pátio, prendendo seus
homens contra a parede com suas espadas. Eles não tiveram escolha a não ser
depor suas espadas.

Não foi o alarme que Sebastian sentiu, mas uma sensação de condenação do
destino. Que fosse seu irmão que o enfrentasse não era tão irônico quanto o
esperado. Ele estava certo, então, ao pensar que Gregory estava por trás desse
estratagema. Um leve aceno de cabeça foi seu único reconhecimento.

Seu irmão parecia bem. Eles eram de uma altura e constituição semelhantes.
Apenas dezoito meses os separaram no nascimento. A idade sentava igualmente
em qualquer um deles. Os últimos dois anos evidentemente caíram bem para
Gregory, uma observação que foi recebida apenas com um sorriso por parte de
Sebastian.

— Fiquei surpreso, Sebastian, ao descobrir que você estava vindo para este
lugar amaldiçoado. Eu meio que esperava que o tesouro estivesse guardado em
Langlinais. Mas você deixou Montvichet para a Terra Santa, não foi? Você não teria
tempo suficiente para descartá-lo de outra forma.

— Não pensei em fazer isso, Gregory. Na verdade, sem sua ameaça, ele teria
permanecido aqui para sempre. Não era meu para tomá-lo.

— Como soa justo, Sebastian.

— Rotule-me como quiser, Gregory. Não julgo um homem por suas


palavras, mas por suas ações. — Ele se aproximou de seu irmão. — Foi sua traição
que esteve por trás do ataque contra nós? — Sua voz era baixa o suficiente para
não ser ouvida pelos outros. Indução para a confissão de Gregory? Se sim, ficou
desapontado.

— Você foi atacado, Sebastian? Mas você sabe que as estradas não são
seguras.

Meu Amado – Karen Ranney


— E ainda mais perigosas por você, não tenho dúvidas. Como conseguiu a
cooperação deles, Gregory? Tortura ou ouro?

Gregory apenas sorriu.

— Você tem o tesouro? — Havia uma expressão de tamanha satisfação no


rosto do irmão que Sebastian sentiu-se tentado a golpeá-lo. Mas essa ação seria
idiota, especialmente porque eles estavam cercados por Templários e suas espadas
desembainhadas.

— Eu a entregarei apenas sob certas condições.

— Você dificilmente está em condições de oferecer condições, Sebastian —


disse Gregory, em tom de diversão.

— Solte a mulher e meus homens, e o tesouro será seu.

Gregory sorriu, olhando para trás.

— É tarde demais para barganhar, Sebastian. O tesouro foi encontrado.

Sebastian se virou. O baú que estava amarrado à sela de seu cavalo havia
sido cortado. Um sargento se ajoelhou na frente dele, seus dedos tremendo
enquanto ele levantava a tampa.

Gregory passou por ele e extraiu a taça. Ele estendeu a mão, ergueu-a
triunfante, tão orgulhosamente quanto um rei faria com um cetro. Os Templários
ficaram maravilhados com a visão do cálice. Ele a ergueu para que a luz do sol
fluísse através do vidro. Ela banhava as pedras de Montvichet com um brilho
carmesim.

Para Sebastian, parecia muito com sangue.

Gregory guardou o cálice com reverência, enfiou o baú debaixo do braço.

— O Santo Graal, Sebastian. Um tesouro, de fato. Se você fosse menos


amante dos hereges, poderia muito bem ser recompensado por tal prêmio.

— Vou permitir-lhe a glória, Gregory — disse ele, sua atenção em Julianna.


Uma das espadas do Templário pressionava contra ela, prendendo-a na parede. No
entanto, ela não parecia tão medrosa quanto deveria. Em vez disso, sua esposa
parecia zangada.

— Que ardil é esse, Sebastian? — Gregory deu um pequeno sorriso


enquanto o avaliava, como se estivesse percebendo agora a estranha túnica que ele
usava. — Eu o louvo pela originalidade de seu engano. Você pensou em passar por
nós, então?

Meu Amado – Karen Ranney


— Sem ardil, Gregory — disse ele, sua atenção relutantemente desviada de
Julianna. — A verdade, talvez, intragável e crua.

— Um leproso? — Houve escárnio na pergunta. Talvez até descrença.

Sebastian caminhou em direção a seu irmão, seu próprio sorriso firmemente


ancorado. Os sargentos templários recuaram e se afastaram dele quando ele o fez.
Evidentemente, eles não acharam que era um truque. Ele tirou as luvas lentamente,
observando a expressão no rosto de Gregory mudar conforme ele se aproximava. A
diversão rapidamente se transformou em repulsa. Gregory levantou a mão, então
deu um passo para trás.

Sebastian começou a desfazer os cadarços que prendiam a gola de seu


manto de leproso. Ele se abriu, permitindo uma visão de seu peito, e as feridas
escuras ali.

— Não é necessário, Sebastian, não preciso de mais provas. — O rosto de


Gregory ficou pálido.

— Você está se perguntando agora, Gregory, se você me tocou. Se nossa


respiração foi compartilhada, ou se você pode contrair tamanho horror
simplesmente por ser meu irmão. Vamos testar? — Sebastian deu um passo à
frente, mas seu caminho foi bloqueado pela ponta afiada da espada de Gregory.

Ele riu, e o som, amargo e áspero, ecoou pelo pátio.

— O que, sem orações para mim, irmão? Nenhum desejo para que eu
restaure minha saúde? Você sabia que costumava ser um sinal de boa sorte cruzar
o caminho de um leproso? Você acha que será abençoado, Gregory? Ou
amaldiçoado?

— Você é o amaldiçoado, Sebastian.

— Sou? Você sonha com crianças cátaras, Gregory?

— Elas eram hereges.

— Você disse isso a si mesmo quando os viu queimar até a morte?

Gregory franziu a testa.

— Você se considera seguro para proferir essas acusações porque você é


meu irmão?

— Eu não vejo você me cortando com tantas testemunhas presentes.

— Uma flecha pode vir de qualquer lugar, Sebastian.

— Estou morrendo, Gregory. Mate-me ou não. Isso não importa. Só lhe peço
uma coisa, que poupe a mulher e meus homens.

Meu Amado – Karen Ranney


— Se eu não poupar?

— Então vou implorar — disse Sebastian simplesmente.

— Reúna-os — disse Gregory aos homens à sua frente, sua atenção nunca
se desviando de Sebastian.

Dois homens agarraram os braços de Julianna, mas ela se soltou, apenas


para ser contida novamente com a mesma facilidade. Eles arrastaram-na até o
portão.

— Não! — ela gritou. Seus pés arranharam o pátio de pedra enquanto ela
era puxada para frente. Então, impacientes com sua resistência, dois dos irmãos
Templários ergueram-na e transportaram-na para a ponte.

A princípio Sebastian não acreditou no que ela estava dizendo. Então, a


palavra atingiu seu coração com a força de uma pedra.

— Eu sou leprosa! — Sua declaração ecoou na calmaria repentina do pátio.

Ela foi jogada no chão de pedra.

— Não, Julianna! — Ele deu um passo à frente apenas para ser bloqueado
pela espada de Gregory apontada para sua garganta.

— Eu sou leprosa! — Ela se ajoelhou, exibiu as mãos enfaixadas como se


fosse uma prova. Os homens mais próximos dela caíram para trás, pressionados
contra a parede para evitar seu toque.

— Eu sou leprosa! — gritou ela, pela terceira vez. Não havia hesitação em
sua voz, mas seus lábios tremiam, seu rosto estava pálido. Ainda assim, havia
determinação em seus olhos. Agora, ele testemunhou a força sempre sugerida, a
determinação sempre prometida.

Ela ficou de pé, suas mãos erguidas como se suas ataduras cobrissem feridas
horríveis demais para serem vistas.

— Prove — disse Gregory, sua espada movendo-se de Sebastian para


apontar em sua direção.

— Você quer que eu desembrulhe minhas mãos? — Ela parecia atordoada.

— Você precisa de ajuda? — Ele olhou ao redor do pátio. — Quem vai ajudar
esta mulher a desnudar as mãos?

Ninguém se apresentou. O toque de um leproso poderia matar.

— Jerard — Sebastian chamou, — ajude minha senhora.

Meu Amado – Karen Ranney


Jerard deu um passo à frente, curvou-se diante dela. Julianna parecia aflita,
como se não pudesse acreditar na profundidade de sua traição.

— Não, Jerard — ela disse suavemente. Ele não falou, nem olhou para o
rosto dela enquanto pegava suas mãos.

Ela olhou para Sebastian.

— Por favor, Sebastian. — Ele sabia o que ela queria. Estar com ele,
compartilhar sua angústia. Passar as noites e os dias juntos em um inferno
abençoado composto de alegria e terror. Ele não podia vê-la morrer na frente dele,
e não lhe daria o fardo de sua morte. Jerard iria desembrulhar suas mãos e provar
que ela não estava doente e ao fazê-lo a salvaria do destino que ela impulsivamente
decretara para si mesma.

Ele balançou a cabeça e em seu gesto, ela sorriu. Era um sorriso fora do
tempo ou do lugar, nada adequado para este momento de perigo. Era suave e se
espalhava como se ela começasse a sentir uma grande alegria.

Ele deveria ter previsto que ela faria. Mas ele não previu.

Ela deu um passo à frente, roçando Jerard quando ele a teria contido. Ela
ignorou a espada que deslizou em sua túnica como se não fosse mais substancial
do que uma teia de aranha. Ela não parecia ouvir o murmúrio dos outros, a ordem
de Gregory, nem mesmo o grito de Sebastian para Jerard. Ela se moveu entre os
homens treinados para a guerra e eles se separaram para ela, silenciados não por
sua doença, mas pelo olhar em seus olhos e pelo sorriso que ela usava.

Ele pensou que ela não era diferente de Madalena, sua abadessa, Hildegard
de Bingen, mulheres inteligentes e determinadas. Ela estava possuída de tudo isso
e muito mais, ou talvez fosse simplesmente a coragem em seu rosto que silenciou
os homens no pátio e os manteve mudos enquanto a observavam.

Ela finalmente o alcançou, seu sorriso delicado e trêmulo, seus olhos cheios
de suavidade, como se ela chorasse novamente, mas as lágrimas ainda não tivessem
caído.

— Hairetikos. Você me disse uma vez que significava escolher. Eu escolho


você, Sebastian. — ela murmurou. Ela o assustou, colocando a mão em sua
bochecha. Ele sentiu o áspero do linho de suas bandagens, inalou o cheiro dela.
Não mais rosas, mas outra coisa. O cheiro da primavera, talvez.

Então ela ficou na ponta dos pés, colocou as mãos enfaixadas em volta do
pescoço dele. O choque o manteve imóvel por um momento, então, quando ele a
teria afastado, ela abaixou a cabeça dele e pressionou os lábios contra os dele.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 33

Eu o proíbo de viver com qualquer mulher que não seja sua. As palavras
surgiram através dela com o poder de uma oração.

Ela não se achava corajosa o suficiente. Mas não foi a coragem que a ajudou
a atravessar o pátio até Sebastian, foram as primeiras palavras dele para ela. Ela
tinha realmente sido ensinada a temer? Julianna, você pode perder a visão com tão
pouca luz. Não toque nessa planta, Julianna, vai lhe dar uma erupção que vai
cicatrizar sua pele. Não chegue perto desse cachorro, Julianna. Ele pode lhe
morder. Ela reconhecia, agora, que os cuidados das freiras eram porque ela era a
Noiva Langlinais e, como tal, deveria ser cuidada e protegida. Mas ela pegou suas
palavras e transformou-as em seus temores, e tremeu com a vida.

Ela não tinha mais medo. Então, ela se afastou dele, o gosto de sua boca
ainda em seus lábios e sorriu.

— O que você fez, Julianna? — Seu sussurro foi agonizante.

Ela ouviu o barulho ao seu redor, cavalos sendo conduzidos, as maldições


abafadas enquanto seus soldados eram conduzidos à ponta da espada através do
portão. Ela não se importou com isso, ou com a pontada de dor em seu ombro
quando ela foi empurrada para longe de Sebastian. Tudo o que ela sabia era que
eles não seriam separados agora.

A espada de Gregory penetrou em sua pele, o suficiente para que Julianna


se virasse e o encarasse.

Olhos sombrios de Sebastian franziram a testa para ela.

— Você é uma leprosa ou uma mulher tola. Você se importa tanto com ele,
então?

— Você se importa tão pouco? — ela perguntou.

— Solte-a, Gregory — interveio Sebastian. — Ela não é leprosa.

— Mesmo que ela não seja, suas ações agora a mancharam também. —
Gregory a estudou. — Você queria que fosse assim. Por quê?

Sebastian se moveu, ficando entre ela e Gregory.

— Se você quer Langlinais, é sua, Gregory. Pegue. Mas solte-a.

— Você trocaria seu direito de primogenitura pela liberdade desta mulher?

— Sim — Sebastian disse brevemente.

Meu Amado – Karen Ranney


— No entanto, esse não era o acordo. — Gregory sinalizou para um sargento
que se adiantou. Gregory falou com ele e um momento depois, ele voltou, com um
documento na mão. Ele o colocou no chão na frente de Sebastian.

— Langlinais é sua, irmão. Não que isso vá lhe fazer bem. Mas somos
homens de Deus, Sebastian, nossa palavra é digna de confiança.

Sebastian não disse nada a este pronunciamento. Foi a ironia final,


especialmente falada ali, em Montvichet.

— Vou queimar a ponte, Sebastian. Um movimento sábio para aprisionar


leprosos. Há aqueles que lhe matariam se pudessem.

— Entre eles você.

Um pequeno sorriso brincou nos lábios de Gregory.

— Eu não sou nenhum Caim. Não tenho rancor por você, Sebastian. Na
verdade, só posso sentir pena do seu destino. Eu não entendo, no entanto, por que
você deseja negociar o Santo Graal por um domínio. Nem porque você se
importaria tanto quando está obviamente morrendo.

— Langlinais voltará para minha esposa, Gregory. Ela se beneficiará dessa


barganha. — O tom de Sebastian pareceu avisar Julianna para ficar calada.

— Então, você pegou uma concubina como nosso pai. — Gregory estudou
Julianna, mas não fez mais comentários.

No portão, ele se virou, olhou mais uma vez para seu irmão. Parecia que ele
iria dizer mais alguma coisa, mas ele se virou e atravessou a ponte.

Momentos depois, o cheiro de madeira queimada pairava como uma nuvem


sobre Montvichet.

***

No momento em que os Templários se foram, Sebastian correu para o lado


do pátio, desalojando as vigas que estavam no chão de pedra. Uma abertura
quadrada revelou uma série de degraus de pedra que desciam na escuridão.

Ele se abaixou na abertura, procurando um apoio para a mão. Não havia


nenhum. Ele segurou os dois braços estendidos para sentir a parede. Os degraus
estavam cobertos de musgo e ele sabia que devia haver uma nascente subterrânea
por perto. Isso explicaria o poço atrás do refeitório.

Meu Amado – Karen Ranney


A descida foi difícil. Dois dos degraus estavam inclinados para baixo e
pareciam desaparecer. Ele deveria ter pensado em trazer uma lamparina ou tocha
com ele. No momento em que ele estava a um terço do caminho, ele comtemplou
a escuridão. Ele se amaldiçoou por sua falta de visão e voltou para o pátio. Reverter
seus passos era menos difícil do que descer na escuridão. Encontrou uma tocha,
cortou o cabo, acendeu-a e voltou para a escuridão sombria do túnel.

No fundo, Sebastian encontrou o que esperava. Cinco anos atrás, ele e Jerard
haviam investigado a abertura do vale. Ele havia sido bloqueado por grandes pedras
de construção, levando-o a acreditar que era por esse método que os cátaros
morreram de fome em sua fortaleza.

Ele enxugou o suor da testa com as costas da mão. O ar ali era fétido, a
umidade brilhava nas pedras à sua frente. Quanto tempo levaria para abrir
caminho pelo túnel? O tempo olhava para ele das sombras enquanto a tocha
piscava.

Eles tinham um suprimento abundante de alimentos comprados dos


aldeões. Os sargentos de Gregory não haviam pensado em levar os suprimentos
ainda não carregados nos cavalos de carga. Eles seriam capazes de sobreviver por
um tempo.

Ele se curvou e enfiou a tocha em uma fenda de pedra entre um degrau e a


parede, então tirou o manto de leproso de seu corpo. Ele se concentraria em apenas
uma tarefa, a de salvar Julianna.

***

A descida ao fundo do vale poderia ter sido feita em melhor hora. Não eram
os prisioneiros que os atrapalhavam tanto quanto os cavalos. O cavalo de passo
alto de seu irmão era o mais recalcitrante de todos, e Gregory perguntou aos
prisioneiros quem entre eles era o responsável por cuidar do animal e foi levado ao
escudeiro. Ele soltou o homem para que pudesse levar Faeren para fora da
montanha.

Os homens que ele mantinha cativos eram todos de sua terra natal, uma
casa que ele não via há oito anos. Ele não sentia falta, mas não podia deixar de se
perguntar se esses homens o conheceram quando ele era menino. Ele havia
treinado com alguns deles, bebido com eles? Uma estranha ironia que talvez
estivesse mais perto deles do que as tropas que comandava.

Ele poderia matá-los agora, ou libertá-los para que voltassem para casa. Ele
escolheu o último curso. Uma coisa era arranjar uma emboscada por um terceiro,

Meu Amado – Karen Ranney


outra era explicar o assassinato de treze homens desarmados. O que, afinal, eles
tinham visto? Um leproso e sua mulher presos em Montvichet. O Santo Graal
sendo dado aos Cavaleiros Templários. Nada que levasse à vergonha ou desgraça.

Em seu acampamento, os Templários montaram em seus próprios cavalos,


mas ainda lideravam os homens, com as mãos amarradas na frente deles. Todos,
exceto o escudeiro que liderava o Faeren de olhos arregalados. Só Sebastian
acalmaria seu medo do cavalo, pensou Gregory.

O baú que embalava o cálice estava afixado em sua sela. Não estaria longe
dele até que chegassem a Courcy. Ele colocou a mão sobre o peito com reverência.
Não era apenas a fé que o impressionava, era a sensação de poder que sentia neste
momento. Por tal ato, ele poderia se tornar Mestre da Ordem. Eles haviam viajado
duas horas antes que ele erguesse a mão em sinal de parada. Ele voltou para onde
os prisioneiros estavam, ombros caídos. Ele olhou além deles, para a montanha que
abrigava Montvichet. Estava longe o suficiente. Ele mesmo cortou suas amarras.

— Vocês estão livre para ir. Avante, mas não de volta a Montvichet. — Seus
murmúrios reunidos pareciam concordar.

Quando chegou ao escudeiro, ele o estudou.

— Você vai continuar? Ou voltar para ele?

O homem não lhe respondeu, apenas olhou em silêncio para a frente.

— Ele está condenado, você sabe.

Pronto, esse comentário suscitou alguma resposta. Havia fúria nos olhos do
homem.

— Voltarei, Templário.

— Que tipo de homem é meu irmão, escudeiro, para exigir tal lealdade de
você? Dela? — Ele gesticulou em direção à montanha.

Nenhuma resposta, mas ele realmente não esperava uma. Gregory se virou
e foi embora.

— Um homem de honra.

Ele virou. O olhar do escudeiro era afiado, não mais dirigido ao cenário, mas
diretamente a ele. — Ele é um homem de grande honra, Templário. Você deveria
se considerar afortunado por ser seu irmão. — Por um longo momento, os dois
homens se encararam. Templário e escudeiro.

— Diga a ele, escudeiro, se você olhar para o rosto dele novamente, que eu
não estive em Montvichet. Que eu não sabia nada da traição que os destruiu. Mas
diga isso a ele também. Que, se eu estivesse lá, teria cumprido bem o meu dever.

Meu Amado – Karen Ranney


Gregory voltou para seu cavalo e montou novamente, uma mão sobre o
cálice como se quisesse assegurar-se de que era real. Ele fez o sinal para os
cavaleiros saírem.

Ele não olhou para trás.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 34

Minutos se passaram, e ainda assim Sebastian não voltou. Era como se o


chão o tivesse engolido inteiro. Julianna pegou o documento dos Templários e
caminhou até a beira do poço. Não havia sequer um ponto de luz para iluminar os
degraus. Ela chamou o nome dele uma vez, e ouviu uma resposta fraca, mas ela
não conseguiu decifrar. Bastava saber que ele estava bem.

Nada restou da ponte que atravessava o desfiladeiro. Nem cinzas, nem


brasas. Nem mesmo um pedaço de corda à direita. Tudo tinha caído no abismo.
Julianna parou no portão e mediu a distância até o outro lado da montanha, então
se perguntou por que ela se deu ao trabalho de fazê-lo. Ela não conseguia segurar
uma corda e era absurdo pensar em pulá-la.

Ela se retirou para o scriptorium, sua atenção atraída pela cesta de relíquias
abaixo da mesa. Ela deveria levá-los de volta ao seu esconderijo? Que estranho que
a cesta se parecesse com milhares de outras, igualmente inocentes e inócuas, mas
ela sabia agora que os Templários matariam por tais símbolos de fé. No entanto, se
fosse realmente fé, por que eles exigiriam tal prova?

Sebastian não disse nada a ela depois que ela o beijou. Apenas negociou por
sua vida dando tudo o que tinha. No entanto, quando os Templários partiram, nem
uma palavra trocaram, nem um olhar. Era como se ela não existisse mais.

Lentamente, ela começou a desenrolar as bandagens que prendiam seus


dedos. Em instantes, ela os tinha exposto ao sol que entrava pelas pequenas janelas
do teto. Esta manhã, ela começou a banhá-los, e em vez de desconforto, ela só
sentiu alívio da coceira eterna. Era como se suas mãos se curassem enquanto seu
coração se partia. Ela descobriu que quanto mais movia os dedos, mais fácil ficava.
Portanto, ela não via sentido em substituir o enfaixamento de linho novamente.

Um ruído a alertou. Sebastian estava ali. Ele ainda usava o uniforme de


leproso, mas seu rosto estava úmido de suor, seu cabelo molhado. Seu rosto estava
definido em linhas severas.

— Gostaria que você tivesse permanecido tímida, Julianna — disse ele. —


No entanto, você decidiu se tornar uma oponente tão assustadora quanto qualquer
outro que eu encontrei em um campo de batalha. Sob seus tremores repousa uma
vontade de ferro, por mais equivocada que esteja. Você desafia o destino e zomba
dos Templários e se declara leprosa com a mesma crença em sua impunidade.

Ela colocou as mãos, uma sobre a outra, na cintura para que não a traíssem
com tremores.

Meu Amado – Karen Ranney


— A vida às vezes é perigosa, Sebastian. Não posso escolher como vou viver
a minha?

— Você poderia ter vivido em paz em Langlinais.

Ela balançou a cabeça.

— Por qual motivo eu teria mantido sua propriedade, Sebastian? Para quem
eu a guardaria? Nossa criança?

— Para você, Julianna. Para sua própria paz e felicidade.

— Não serei feliz sem você, Sebastian. — Ela inclinou o queixo para cima.

— Você terá que aprender a ser, Julianna.

— Nós compartilhamos nossas respirações, Sebastian. Eu beijei você.

— Você acha que eu não lembro?

Se ele estivesse perto, ela pensou que poderia ter sentido o calor de sua raiva,
parecia queimar tão quente. Foi-se o homem compreensivo e com olhar piedoso,
e ficou o guerreiro com tristeza no olhar. Este era o anjo vingador, que segurava
uma flecha que relampejava em sua mão.

— Vou lhe ver livre deste lugar, Julianna. Eu a verei inteira e viva e cheia de
vida. Eu não vou vê-la morrer na frente dos meus olhos. Uma vez antes de você me
tocar, e nós somos apenas afortunados que nada aconteceu. Mas desta vez, você
foi longe demais, ousou demais. Apesar do que você deseja e do que você faz, eu
não vou deixar isso lhe tocar. Este é o meu voto.

Ela não falou, simplesmente foi até ele. Suas mãos, nuas e sem adornos,
alcançaram as dele. Não foi até que ela o tocou que ela percebeu que ele não usava
luvas.

Seus olhos se encontraram.

Ele afastou a mão lentamente.

— Não vou deixar que você seja mártir, Julianna.

— Não me julgue, Sebastian. Não me mande embora nem me expulse. Fiz o


que tinha que fazer porque escolhi não deixar você.

Ela poderia lutar contra a ignorância escrevendo as palavras de grandes


pensadores, aumentando o estoque de conhecimento do mundo. Mas ela não podia
lutar contra a vontade de Sebastian. Isso era entre eles, um baluarte contra
qualquer apelo que ela pudesse proferir.

— Essa nunca será uma escolha para você, Julianna.

Meu Amado – Karen Ranney


Ele deu um passo para trás e saiu da sala sem dizer outra palavra.

***

Jerard praguejou enquanto Faeren tentava dar uma mordida em seu


traseiro.

— Sorte sua que meu senhor o tenha em afeição — disse ele, olhando para
o cavalo. Sua própria montaria, de temperamento mais calmo, olhou para cima
quase em diversão. Ele amarrou os dois muito perto, mas esperou pela traição dos
Templários e queria ser capaz de escapar rapidamente.

Ele havia retornado a Montvichet como Gregory havia provocado, mas não
tentou encontrar uma maneira de atravessar o desfiladeiro. Mesmo que pudesse
ter construído alguns meios, duvidava que Lady Julianna pudesse tê-los usado. Em
vez disso, ele veio para o túnel que ele e Sebastian tinham descoberto, e começou
a limpá-lo das rochas e pedras que o bloqueavam.

Ele não esperava ser libertado. Por que Gregory fez isso? A princípio, ele
pensou que era porque o Templário se arrependia de deixar seu irmão abandonado
no topo de Montvichet. Então, Jerard percebeu que era simplesmente melhor para
Gregory dispor de testemunhas de suas ações. Outra maneira seria matá-los. A
maneira mais fácil, no entanto, foi mandá-los para a Inglaterra. Cada um de seus
companheiros de armas deve ter feito exatamente isso. Eles haviam desaparecido
como a névoa da manhã. E eles não perderiam tempo em contar ao povo de
Langlinais o destino que seu senhor sofreu.

O futuro que Jerard uma vez temeu estava ali.

Ele se lembraria para sempre daquele momento em que Lady Julianna o


olhou como se ele a estivesse traindo. Queria pedir-lhe perdão, mas sua primeira
lealdade sempre, sempre seria, para Sebastian. Ainda assim, ele reconhecia
coragem quando a viu e queria elogiá-la de alguma forma, tanto por isso quanto
pela expressão em seus olhos quando ela olhou para seu senhor. Amor, tinha
chegado a ambos.

Ele não tinha ignorado a irritação de Sebastian durante toda a viagem. Tinha
mostrado de uma centena de maneiras diferentes. Outro homem poderia ter
pensado que era puramente ciúme, mas Jerard sabia que o desespero também
estava presente. Ele se inclinou para puxar outra pedra da abertura. As tropas de
De Rutger encheram bem o túnel deste lado. Só esperava que não estivesse
bloqueado até o topo.

Meu Amado – Karen Ranney


Isso tornaria o trabalho à frente difícil, mas seria realizado. Sobre isso, ele
fez seu juramento.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 35

Sebastian a evitou pelo resto do dia e por dois dias depois. Por três dias ele
conseguiu escapar de estar no mesmo quarto com ela. Ele trabalhava no túnel,
saindo tarde da noite e recomeçando ao amanhecer. Ela se perguntou se ele comia,
então encontrou evidências disso na sala reservada para preparar as refeições
cátaras. Se dormiu, foi em um dos quartos de dormir; ele nunca mais se juntou a
ela no pátio.

Se pretendia feri-la, ele conseguiu. No entanto, apesar de todos os seus


protestos, de toda a sua lógica, de todo o seu sacrifício, Sebastian nunca disse as
palavras que a teriam dissuadido de acompanhá-lo ao exílio. “Eu não quero você.”
Ela sempre foi capaz de ver a insinuação de solidão em seus olhos. Ou talvez fosse
apenas o reflexo de si.

Ela passava o tempo em tarefas que ocupavam as horas. Ela se banhou na


grande banheira de pedra. A sensação era estranha, a de água sedosa e pedra
áspera. Ela organizou os aposentos vazios, como se estivesse em um pedido de
desculpas silencioso a todas aquelas pessoas cujas vidas haviam sido vividas com
tanta ordem nesses aposentos. Uma manhã, ela encontrou uma pequena boneca
debaixo de uma cama virada. A boneca ostentava um corpo de penugem macia,
um rosto que trazia um sorriso doce. Em sua bochecha havia uma mancha
brilhante esfregada, como se fosse acariciada com frequência. Julianna a colocou
delicadamente sobre um travesseiro como se sua dona fosse voltar logo e precisar
dela para dormir.

Uma ou duas vezes ela pensou ter ouvido o sussurro de vozes. Ela quase
podia acreditar que, se permanecesse perfeitamente imóvel, poderia escutar
conversas, sorrir ao som de risadas.

A maior parte de seu tempo, no entanto, era gasto no scriptorium. Ela havia
retirado as relíquias da cesta com as mãos trêmulas. Seu espanto e admiração eram
tais que ela mal podia suportar tocá-los. Mais de mil e duzentos anos se passaram
desde que esses objetos foram usados, mas ainda havia uma aura de santidade
sobre eles. Ela extraiu alguns pergaminhos para ocupá-la antes de devolver os
objetos preciosos ao seu lugar.

Sebastian tinha razão ao dizer que o primeiro tesouro dos cátaros era o
conhecimento. Havia uma coleção de bestiários, cada um descrevendo animais
estranhos que ela nunca tinha visto. Os contos foram acompanhados por uma série
de desenhos. Uma mostrava um animal enorme com um apêndice flácido na frente
dele como uma quinta perna. Outro, uma fera malhada com pescoço alongado e

Meu Amado – Karen Ranney


cabeça triangular. Havia uma série de pergaminhos intitulados Speculum
Divinorum e uma prática que parecia ser um texto sobre remédios. Alguns
pergaminhos eram preenchidos com o conhecimento sobre as plantas, quase uma
enciclopédia de desenhos com legendas abaixo das ilustrações. Alguns
pergaminhos estavam em grego que ela não conseguia ler, mas a maioria estava em
latim.

Ela se viu cativada, encantada, as palavras arrancando-a de sua miséria


como nada mais poderia. Horas se passaram enquanto ela lia, seus olhos se
arregalando em algumas passagens, seu sorriso se alargando em outras.
Evidentemente, escribas de muito tempo atrás deixaram colofões pessoais nas
margens, assim como ela. Alguns deles a divertiam. “Está frio hoje. É natural, é
inverno. Estou me sentindo meio sem graça hoje, não sei o que há de errado
comigo.” Mas seu favorito era a autocensura de um escriba cujos sentimentos
ecoaram os dela em muitas ocasiões. “Aquele que não sabe escrever supõe que não
é trabalho, mas embora apenas três dedos escrevam, todo o corpo trabalha.”
Quantas vezes ela sentiu dor da cabeça aos pés por estar debruçada sobre a mesa
o dia todo?

Naquele dia, quando ela saiu do scriptorium no final da tarde, Sebastian


estava no pátio. Ele parou na parede em ruínas, olhando para o vale. Por causa do
ângulo íngreme, a estrada não era visível dali. Nem podiam ver além do denso
crescimento das árvores.

A seus passos, ele se virou. Por um momento ele ficou tenso, e ela pensou
que ele poderia aproveitar qualquer desculpa para sair. Ela não iria implorar para
ele ficar. Não foi o orgulho que a fez hesitar, mas apenas a certeza de que pedir a
ele que cedesse apenas firmaria sua determinação de permanecer distante. Ele
estava determinado a libertá-la de Montvichet e de si mesmo.

Ela olhou para o L vermelho nas costas e no peito dele. Amado (Loved),
talvez. Seu senhor. Ela alisou os dedos contra a inicial, sentindo o calor do corpo
dele através do tecido macio. Era um tecido mais grosseiro do que o manto de
monge, mas muito mais macio. A mão dela pressionou as costas dele, e ele se
afastou.

Um longo momento depois, ela se moveu para ficar ao lado dele, aliviada
quando ele não se moveu ou se afastou ainda mais dela.

— O que acontecerá com Jerard e os outros?

— Eu não sei.

— Ainda assim, você queria que eu fosse com ele.

Meu Amado – Karen Ranney


— Não. Eu só selecionei o menor dos males que me foram dados. — Ele
olhou para frente.

— Ah, Sebastian, como você pode pensar algo assim?

— Eu vi a prova disso na minha carne, Julianna.

— Você nunca pensou que poderia não ter sido uma decisão sábia a que
você tomou, Sebastian?

— Não — disse ele, virando-se para ela. — Quantas horas você imagina que
eu pensei sobre isso? Semanas, Julianna. Isso é muito tempo.

— Não há nada que eu possa dizer, não é?

— Não. — Ele se virou.

— Você encontrou uma maneira de sair daqui, não é? Aquele poço.

Ele olhou para ela.

— Leva a uma série de túneis, um dos quais termina na base da montanha.


Os cátaros o chamavam de Portão do Céu.

— Por que não o usaram para escapar?

— Montvichet era o santuário deles. Para onde iriam? O Portão do Céu era
para aqueles que escolheram se juntar a eles. Mas eles nunca pensaram em sair. No
entanto, o túnel está bloqueado e deve ser limpo.

— Você vai voltar lá embaixo, não é?

Ele assentiu.

— Vou descer ao próprio inferno se isso significa libertá-la deste lugar.

— Existe alguma maneira que eu possa ajudá-lo?

Ele olhou para ela.

— Eu não confio em você para não empilhar as pedras de volta no lugar no


momento em que eu virar as costas. — Uma curva de seus lábios a surpreendeu,
persuadindo seu próprio sorriso .

— Eu tenho lido os pergaminhos deles.

Ele olhou para ela bruscamente.

— Estou impressionado com a coleção de textos.

— Alguns são muito antigos.

Meu Amado – Karen Ranney


— Ainda não os li — disse ela, e suas palavras pareceram tranquilizá-lo de
alguma forma.

O sol da tarde parecia mais baixo no céu. Desde que deixaram Langlinais, as
estações mudaram. O outono estava aqui. Em Langlinais, a colheita já estaria feita.
O que Grazide encontraria para ocupar seus dias? Como o castelo apareceria
quando a natureza se preparasse para o inverno?

Perguntas que podem parecer fúteis. Eles podem ficar presos aqui pelo resto
de suas vidas. Não, até uma pedra desmoronaria diante da vontade de Sebastian.

Ela fez outra pergunta que estava em sua mente há dias.

— O que os Templários farão com o cálice?

Ele encolheu os ombros.

— Permitirão que se espalhe o boato de que eles detêm o Graal, não tenho
dúvidas. Pode até haver uma guerra de vontades entre a Igreja e a Ordem. Quem
sair vitorioso obterá mais poder.

— Ninguém nunca saberá que é um ícone falso?

Ele sorriu.

— O passado está cheio de mentiras, Julianna. Os bardos querem que você


acredite que Deus manteve o sol ainda no céu para que Carlos Magno pudesse se
vingar daqueles que mataram seu sobrinho em batalha. O teste é separar a verdade
da mentira.

— Essa é sua vingança contra os Templários, Sebastian?

Seu sorriso desapareceu.

— Não tenho motivos para me vingar, Julianna. Na verdade, eles me fizeram


um favor ao me libertar da prisão, mesmo que houvesse outros motivos por trás
disso. Se eu estiver vingando alguém, é Madalena.

Suas mãos se apoiaram na parede, os dedos roçaram uma pedra


desmoronada.

Foi preciso determinação e perseverança para resistir ao cerco que destruiu


este muro. Ela não pôde deixar de se perguntar como tinha sido. Ela olhou para o
vale, cativada por um estranho desejo de saber daqueles momentos. Onde as
catapultas teriam sido colocadas? Como as mulheres acalmaram seus filhos? Eles
ouviram os sons dos pedregulhos pouco antes de baterem nas pedras?

Ela olhou para baixo distraidamente, seus pensamentos sobre aquelas


mulheres e seus últimos dias. Como deve ter sido para elas?

Meu Amado – Karen Ranney


Seu olhar foi atraído de volta para as mãos de Sebastian. Algo estava errado.

A princípio, ela pensou que era o fato de Sebastian ter descoberto as mãos.
Ele não o fazia tão facilmente, mesmo agora. Ele provavelmente havia descartado
as manoplas depois de sair do túnel. O calor e a umidade resultante deviam tornar
as luvas desconfortáveis para ele. Mas não era o fato de suas mãos estarem nuas,
ou mesmo que o sol da tarde iluminasse sua doença de forma tão cruel. Era porque
não havia lesões nas mãos de Sebastian. Elas não tinham apenas desvanecido ou
mudado de caráter. Os dedos que descansavam contra a pedra em ruínas estavam
bronzeados e livres de doenças. As feridas não foram meramente alteradas, elas se
foram.

A descrença queimou em seu peito, seguida imediatamente por um


pequeno refrão de esperança. Parecia crescer, até que cantou em seus próprios
ossos. Por favor, que seja verdade. A necessidade de guardar este momento, mantê-
lo seguro e inviolável, a levou a sussurrar.

— Sebastian, olhe para sua mão.

Ele olhou para baixo, então permaneceu imóvel como se sua carne tivesse
se tornado rocha. Uma eternidade de momentos depois, ele colocou a mão
esquerda ao lado da direita, estendeu as duas mãos à sua frente. Elas estavam
trêmulas.

Ele abaixou-as, seu olhar agora no horizonte distante.

Ele não tinha nenhuma expressão, mas havia um raiar de algo que ela nunca
tinha visto em seus olhos.

Finalmente ele se virou, caminhou com passos lentos e medidos, como se


estivesse cego e tateando o caminho, até o centro do pátio. Ele viu suas mãos por
todas as questões de sombra e luz, mantendo-as estendidas, no alto. Ambas as
palmas foram traçadas com os dedos da mão oposta. Então, ele as segurou mais
perto de seu rosto como se não tivesse certeza do que via. Finalmente, ele as
abaixou para os lados e ficou ali por um longo momento, a cabeça baixa.

Quando ele se moveu, foi para apertar as mãos na gola do manto de leproso,
abrindo-o centímetro por centímetro, rasgando a roupa com força deliberada. O
material se separou, preso ao seu corpo apenas nos ombros. Ele os rolou e caiu no
chão.

Ele passou as mãos sobre sua carne como se para testá-la. Ele estava peludo
como um dos animais improváveis do bestiário, mas não havia nenhuma mancha
em seu peito. Seus dedos flexionaram e correram do estômago para as coxas. Ele
se inclinou e tocou os próprios pés, cada dedo separado, então se levantou
novamente com a mesma rapidez.

Meu Amado – Karen Ranney


Fechou os olhos, respirou fundo e trêmulo, depois os abriu novamente e fez
sua pesquisa mais uma vez. Ele esfregou as palmas das mãos com força contra as
coxas, joelhos e peito, como se quisesse soltar a pele que escondia a doença de sua
vista. Mas não havia falha nenhuma, nenhuma marca além daquela feita pela
guerra.

Ela sentiu lágrimas caírem em cascata sobre seus cílios, caírem


silenciosamente na pedra do pátio.

Enquanto ela observava, ele caiu de joelhos sob o sol branco e brilhante da
tarde. Suas mãos estavam firmemente cerradas, descansando em suas coxas. Sua
cabeça não estava curvada, mas arqueada para trás, como se buscasse a face de
Deus no dia claro e sem nuvens. Só então ela percebeu que grandes
estremecimentos o sacudiam.

Sebastian de Langlinais estava chorando.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 36

Ela se ajoelhou diante dele, sua túnica roçando seus joelhos nus.

Era como se mil velas aparecessem atrás de seus olhos, pareciam tão
brilhantes. Alegria… pura e radiante.

Ela estendeu os dedos que tremiam e tocou sua bochecha, a gota de suas
lágrimas em seu rosto. Ele não se encolheu nem se afastou. Seus dedos traçaram
da bochecha ao nariz, da têmpora à mandíbula, uma terna bênção de adoração. Ele
inclinou a cabeça, gentilmente segurou ambas as palmas das mãos dela contra seu
rosto como se para encorajá-la a conhecê-lo, a textura de sua pele, o calor de sua
carne. Como se ela lhe desse vida com sua carícia.

Quanto tempo eles permaneceram ajoelhados olhando um para o outro, ela


não sabia. A pedra deveria ter abrasado seus joelhos, o sol deveria ter queimado
sua pele. Em vez disso, o momento era atemporal, uma bolha perfeita suspensa
acima de um mundo silencioso. O nascimento e a morte são muitas vezes
acompanhados do mesmo assombro, como se esses momentos fossem uma
homenagem muda ao próprio espírito da vida. Como se algumas emoções
possuíssem tanto poder que desafiassem a capacidade do homem de transmiti-lo.

—Milagre — era uma palavra muito pequena. Ela sussurrou baixinho,


quebrando o silêncio. Ele não falou, apenas traçou os dedos sobre os lábios dela
enquanto ela falava novamente. Ela fechou os olhos, sentiu os dedos dele em suas
pálpebras tão delicados como uma borboleta. Ele roçou seus cílios, enxugou as
lágrimas de sua bochecha. Ela abriu os olhos para observá-lo, com o coração muito
cheio para um momento desses. Parecia que iria rachar e cair na pedra árida de
Montvichet.

Ele havia sido desviado para quartos escuros e túnicas pretas, mas agora
ajoelhava-se nu e desavergonhado na frente dela na claridade e brancura do dia.
Um guerreiro, cujos dedos tremiam ao tocar seus lábios.

As mãos dele seguraram o rosto dela, os dedos dela tocaram o peito dele,
trêmulos como os dele.

— Julianna.

Ela fechou os olhos ao som de sua voz, sentiu o toque suave de seus lábios
na sua testa. Outra lágrima caiu em seu rosto.

Suas mãos se estenderam para tocar-lhe os pulsos, para roçar as costas de


suas mãos. Ela ansiava por tocá-lo por tanto tempo que se sentiu hesitante com a

Meu Amado – Karen Ranney


liberdade que lhe estava sendo dada tão inesperadamente. Ela queria traçar suas
mãos onde as dele estiveram, sobre os planos e cavidades perfeitas de seu corpo.
Não em descrença severa, mas em espanto atordoado. Nunca havia testemunhado
um milagre antes. O que as freiras, Irmãs de Caridade, lhe ensinaram eram menos
atos de fé do que de necessidade prática. A paciência era uma grande mestra, a
diligência era sua própria recompensa, a generosidade era anulada se o presente
fosse dado com o pensamento de retribuição. Ela aprimorara suas habilidades em
escrever e fazer tinta. Estudou latim e tornou-se perita em decifrar a escrita difícil
de escribas de outra época. Transcrevia, raspava e preparava pergaminhos, fazia
tinta em cores diferentes. Aprendera a manter registros, a fazer velas, sabão e a
supervisionar os criados. Mas ela nunca tinha aprendido sobre milagres.

— Não devemos rezar, Sebastian? — ela sussurrou.

— Eu estou.

Suas palavras eram tão suaves que flutuavam na confusão de sua mente
como penas. Ela olhou para o rosto dele. Tão amado, tão lindo. Agora igualado pela
perfeição de seu corpo de guerreiro.

— Ouvi suas preces uma vez — ela confessou. Seus dedos cravaram-se no
cabelo em suas têmporas, fazendo estragos em sua trança. — Eu não queria ouvir.
Eu nunca esqueci as palavras que você disse, ou quão triste sua voz soou.

— Terei uma vida inteira para pensar em orações mais felizes.

— Teremos isso, você acha?

— Sim — disse ele com ternura. —, pois nos foi concedido o mundo, sem
ao menos desejarmos um grão de areia.

— Milorde? — O eco fraco da voz de Jerard veio de repente e


inesperadamente.

Sebastian sorriu, levantou-se e caminhou até o poço da escada. Ela o ouviu


gritar, mas não entendeu suas palavras. Em vez disso, ela estava paralisada com a
beleza dele. Não havia constrangimento em sua pose, nenhum constrangimento
em sua nudez. Mais uma vez ela lembrou da estátua que os aldeões desenterraram.

Ele voltou para o lado dela, e estendeu-lhe a mão. Era a primeira vez que o
fazia. Ela colocou os dedos contra a palma dele. Ela se uniu a este homem quando
tinha cinco anos, passou incontáveis anos como sua noiva. Mas até este momento,
quando ele a ajudou a ficar de pé, ela nunca se sentiu verdadeiramente unida.
Nunca, casada.

— Parece que temos duas bênçãos neste dia — disse ele, olhando para ela.

Meu Amado – Karen Ranney


Ela assentiu, confusa com o mistério e os milagres e a maravilha dele.

***

Na mão esquerda ela segurava a cesta de palha que continha o tesouro


cátaro. À direita, a bolsa com cordão que continha suas roupas, o pequeno estoque
de comida. Ela também havia levado algumas bolsas de tinta cátara para que
pudesse estudá-las com mais calma. Sebastian estava a poucos metros abaixo dela,
sua mão estendida para ajudá-la a descer os primeiros degraus. Entregou a cesta e
a bolsa para ele, deu um passo para trás da abertura.

Ela não lhe deu nenhuma explicação, foi para o centro do pátio, para o lugar
onde Sebastian se ajoelhara apenas uma hora antes. Se virou em um círculo lento,
seu rosto sem sorrisos. Ela quase podia ouvir suas vozes, sons de vida, agora
silenciados para sempre. Em sua mente, podia vê-los, assim como podia ver
Madalena, uma mulher de grande coração que era amada até agora.

Ela havia pensado tanto em ir para o exílio com Sebastian que se assustou
ao perceber que eles voltariam para Langlinais. Lá, eles fariam seus futuros, não se
escondendo no terror, mas vivendo abertamente. Duvidava que este lugar fosse
lembrado. Ou se acontecesse, o cerco de Montvichet não seria lembrado. Não
haveria ninguém para saber o que tinham passado, o que acontecera com aquelas
mulheres nos seis meses horríveis que enfrentaram De Rutger em oposição
obstinada.

— Eu nunca vou esquecer — disse ela baixinho, sua voz ecoando no silêncio
assombroso do pátio. Parecia que o silêncio sorria.

Ela virou-se, e Sebastian ficou ali, observando-a. Sua cota de malha brilhava
à luz do sol da tarde quando ele se aproximou dela. Ele estendeu as mãos e
envolveu as dela nas suas. Ele as trouxe aos lábios e beijou suavemente as pontas
dos dedos.

Ela ficou sem palavras diante do olhar dele. Havia amor nos olhos de
Sebastian.

***

Sebastian chamou mais uma vez, e desta vez, a resposta foi alta e forte.

Um momento depois, a última pedra foi empurrada para o lado. Sebastian


saiu do túnel, seguido por Julianna, seus olhos piscando na luz do dia.

Meu Amado – Karen Ranney


Ele apertou a mão no braço de Jerard. A expressão no rosto do jovem era
difícil de decifrar. Era composta de surpresa, então espanto quando seu olhar
baixou para a mão de Sebastian.

— Milorde, você está curado — disse ele com admiração.

— É verdade — disse Sebastian, assentindo.

Jerard segurou a mão contra o coração e caiu de joelhos.

— Um milagre, milorde.

— Guarde sua reverência para os santos, Jerard. Não sou, como você bem
sabe, nenhum santo. — Ele olhou em volta. — Onde estão o resto dos meus
homens?

Jerard parecia cabisbaixo, como se tivesse falhado em uma tarefa simples.


— Eles não ficaram, milorde. Eles estavam assustados. Eu trouxe dois dos cavalos,
no entanto.

— Diga-me que um deles é Faeren e pensarei que você é o abençoado.

Ao aceno de cabeça de seu vassalo, Sebastian sorriu.

— Muito bem, Jerard. Mas, você sempre foi um homem fiel. — Ele o estudou
por um momento. — Milady esposa me lembrou que este é um dever há muito
esquecido. Perdoe-me por isso, Jerard, e por negar a cerimônia que você merece.

Jerard parecia atordoado enquanto permanecia ajoelhado na frente dele.

Em vez de uma nova espada, que teria preparado assim que chegassem em
casa, Sebastian estendeu a sua.

— Abençoo esta espada, para que seja uma defesa para as igrejas, viúvas e
órfãos, e para todos os servos de Deus.

Ele olhou para Jerard. Era um momento estranho para se divertir, mas ele o
fez, fermentado como estava com carinho.

— Agora você diz: “Bendito seja o Senhor Deus que forma minhas mãos para
a batalha e meus dedos para a guerra.”

Jerard repetiu as palavras com uma voz clara e forte.

— Você serve como meu vassalo, Jerard, me dando sua lealdade e sua vida?

— Sim, milorde — As palavras foram ditas com clareza, sem hesitação.

— Eu faço o mesmo juramento. Assim como você jura sua lealdade a mim,
a minha também é para você.

Meu Amado – Karen Ranney


Sebastian se inclinou e colocou o punho de sua espada na mão direita de
Jerard, pegou de volta. Então, em vez de esbofeteá-lo na bochecha, ele acertou o
fio da espada contra o pescoço de Jerard.

— Então levante-se, Sir Jerard de Langlinais, e assuma seus deveres como


cavaleiro.

Ele recolocou sua espada, então se virou quando Jerard se levantou e


estendeu a mão para Julianna, que sorriu para ele.

— Agora, vamos para casa.

Palavras que ele nunca pensou que diria.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 37

— É magnífico — sussurrou o Marechal.

O cálice estava diante deles em uma pequena mesa. Um raio de sol iluminou
a habilidade do ourives que havia criado o relicário. Dentro repousava o copo de
madeira. O Marechal o tocou, seus dedos trêmulos enquanto descansavam sobre a
borda.

— Seu irmão? Ele renunciou a tal coisa tão facilmente? — Seu olhar pareceu
espetar Gregory.

— Em troca de Langlinais, Marechal.

— Ele é um tolo, então. Teríamos entregado todos os nossos feudos ingleses


por este tesouro. — Ele acariciou a borda da taça.

Gregory não lhe disse que Sebastian estava disposto a entregar sua casa pela
segurança de uma mulher. E ela, por sua vez, tinha dado sua vida por ele. Um
sacrifício que ele não entendia.

Mesmo quando ele havia prometido sua vida aos Templários, respondido às
perguntas que lhe foram feitas, ele não acreditava tanto na causa deles quanto em
si mesmo. Você defende a fé, você é legítimo e de família cavalheiresca, você é
solteiro ou está em ordens sagradas? Você está livre de dívidas, de corpo sadio e
não usou coerção para ser admitido na Ordem? Ele respondeu com as respostas
corretas, foi levado a um juramento de obedecer aos Mestres do Templo e seus
superiores.

Um juramento fácil de fazer, um que um cavaleiro faria ao seu suserano.


Eles não perguntaram a ele se ele acreditava na santidade da Ordem mais do que
em suas próprias habilidades, ou se ele acreditava ser mais inteligente e mais
talentoso do que a maioria dos homens que tentaram liderá-lo em batalha.

— Seu irmão, ele vai falar disso com alguém? — A mão de Phillipe
descansou na xícara como se ele conseguisse consolo simplesmente por tocá-la.
Gregory sentira o mesmo na viagem de volta a Courcy.

— O que importa, Marechal, se ele fizer isso? Temos o Graal. Não desejamos
que tal coisa seja conhecida?

— Mas não da maneira como a obtivemos. Não queremos a Ordem


associada aos cátaros, Gregory. Não deveríamos enviar nossos irmãos a casa dele
em segredo? Para garantir que ele não conte a história?

Meu Amado – Karen Ranney


Era a oportunidade perfeita para dizer ao Marechal que seu irmão não
falaria com ninguém. Que ele estava preso em uma montanha, assim como os
cátaros, mas que sua morte não seria tão rápida, embora pudesse ser tão
agonizante.

— Não, Marechal. Sebastian manteve o segredo por cinco anos, ele não vai
falar sobre isso agora. Além disso, Langlinais é fortemente fortificada, e a atenção
que chamaríamos para nós mesmos com tal ação seria em nosso detrimento. —
Pronto, Sebastian, com tais palavras protegi sua viúva. Minha consciência está
apaziguada.

Phillipe se levantou, recolocou o cálice em sua caixa. — Muito bem.


Prepare-se para uma viagem, Gregory.

Gregory curvou-se. Ele não questionou seu destino. Fazer isso seria mostrar
curiosidade, e tais coisas eram consideradas faltas que interferiam na verdadeira
obediência. Não que o seu fosse um caráter de complacência. No entanto, era
melhor parecer assim, por causa de seus objetivos futuros.

— Levaremos o Graal para Chipre, Gregory. Ao Mestre da Ordem.

D'Aubry sorriu e pôs a mão nas costas de Gregory. Um sinal certo de louvor.
Gregory não pôde deixar de se perguntar por que isso o irritava. Talvez porque
soubesse que tinha sido ele quem conseguira o Graal e, no entanto, os elogios por
tais feitos seriam compartilhados com o Marechal. D'Aubry patrocinou as ações
que empreendeu, mas permaneceu nas sombras, pronto para negar qualquer
conhecimento das atividades de Gregory caso algo desse errado.

Uma questão de tempo, isso era tudo. Ele garantiria que aqueles no poder
perceberiam quem realmente obteve o Graal.

— Vou me preparar para a viagem — disse ele, e inclinou a cabeça.

***

Meu Amado – Karen Ranney


Julianna se sentou embalada contra ele em Faeren. Sua sela com o pomo e
a patilha levantados foi trocada pela de Jerard. Preferiria entregar a proteção contra
ser desmontado para poder segurar Julianna a seu lado. As rédeas de Faeren
estavam enroladas em sua mão direita, enquanto seu braço esquerdo rodeava-lhe
a cintura.

Ele a queria para sempre, ao que parece. Agora, ele só sentia uma
necessidade tão grande que media os quilômetros até Langlinais em respirações
individuais.

Ele se ressentiu da habilidade sem esforço de Jerard de tocá-la durante a


viagem para Montvichet, porque sabia que ele mesmo nunca seria capaz de fazê-
lo. O momento em que ele olhou para sua pele e percebeu que tinha sido curado
não foi apenas de oração. Também havia sido composto de exaltação, do
conhecimento de que ele poderia ser um homem novamente.

Mas não parecia certo ser poupado em um momento e se tornar um javali


no cio no próximo. A fortaleza assombrada não tinha sido o lugar para torná-la sua
esposa de verdade. Nem em sua jornada, sozinha e desprotegida. Ele não desejava
um acasalamento furtivo com Jerard de guarda.

Era o suficiente, mas apenas um pouco, para deitar-se ao lado dela à noite.
Às vezes ele a observava enquanto ela dormia. Uma vez, ele se debruçou sobre ela,
sua boca a apenas uma respiração da dela. A atração dela tinha sido suficiente para
mantê-lo acordado a maior parte da noite.

De manhã, às vezes ele acordava para encontrá-la em seus braços, como se


tivessem se unido durante o sono, um procurando o outro. Na luz do amanhecer,
ele tirou a roupa para que seu corpo fosse inspecionado, observando a reação dela
com o canto do olho. No começo ela mal olhava para ele. Agora, ela parecia devorá-
lo com os olhos. Ela nunca soube que sua própria respiração ficou apertada
enquanto um rubor se aprofundava. Ele sempre se virava, porém, antes que ela
pudesse ver como sua aparência o afetava.

Ela se inclinou contra ele agora, baixou a cabeça e roçou um beijo contra
sua têmpora. Sua respiração engatou. Assim, também, a batida de seu coração.
Julianna. Um sopro de um pensamento, um eco de sua necessidade.

Ela deu um tapinha nele, um gesto que ela havia começado nos últimos dias,
um pequeno tapinha suave no braço ou no joelho, como se para se assegurar de
que tinha permissão de fazê-lo.

Concentrou-se na distância a percorrer, em vez das curvas suaves de


Julianna encostadas nele. Esse caminho prometia apenas uma jornada de
desconforto agudo.

Meu Amado – Karen Ranney


Jerard gritou, apontando para um vale arborizado. Um riacho se curvava
entre colinas suavemente onduladas, escondido sob um bosque de árvores. Ele
levantou a mão em reconhecimento. Eles descansariam ali para a refeição do meio-
dia.

***

Todas as manhãs e todas as noites Sebastian se despia de sua túnica e


armadura e pedia que Jerard o examinasse em busca de evidências de doença. Certa
vez, Julianna os encontrou desprevenidos, e embora ela tenha se virado e se
afastado rapidamente, ela manteve a forma do corpo dele em sua mente. Essa
imagem foi adicionada à cena em Montvichet, quando ele ficou nu ao sol.

Quando ela permitia que seus pensamentos se concentrassem nele, ela se


lembraria de suas fortes coxas, peito e braços, e todas as outras áreas que a
fascinavam. Ela queria colocar as mãos nele, acariciar seu peito, coxa e aquele lugar
que provocava sua ignorância.

Ela queria beijar sua pele.

Sua respiração ficou apertada no peito enquanto seu coração parecia


desacelerar e seu sangue pulsar.

O homem que antes temera contaminá-la agora a marcava com outra


doença. Um dos pensamentos e desejos e calor que quase a fazia desejar que ele
não a tocasse novamente. Uma palma sobre seu ombro fazia querer curvar o rosto
para ele. Um aperto de mão a incitava a beijar seus dedos. Um dedo percorrendo
sua nuca causava arrepios por todo o corpo.

Ela o pegava olhando para ela algumas vezes, o olhar em seus olhos ao
mesmo tempo feroz e calorosamente terno. Mas ele nunca a beijou, e seus toques
gentis não eram mais intrusivos do que um soprar de uma brisa. Eles seduziam;
eles não assustavam.

Havia poucos momentos em que ela ficava livre de pensamentos sobre ele.
Em seu sono, ela ficava na ponta dos pés e puxava a cabeça dele para um beijo,
sentindo o calor de seus lábios, lembrando o sabor de seu único beijo. De alguma
forma, nesse estado de sonho, ela não era inexperiente e ignorante, mas saciada e
segura, uma mulher, uma libertina. Não uma garota. Ela colocava as mãos grandes
sobre seus seios e suspirava com a sensação, virava-se em seu abraço quando ele
traçava os contornos de seus quadris e barriga. Ela tinha sido arrebatada pelo
pensamento de expor seu corpo ao toque dele, e se lembrava, muitas vezes, da noite
em que ela se sentou nua na frente dele.

Meu Amado – Karen Ranney


De manhã, ela acordaria e se encontraria em seus braços. Um sorriso roçaria
seus lábios, e ele olharia em seus olhos como se quisesse ver sua alma. Ele era tão
carinhoso com ela que às vezes ela desejava poder dizer a ele que não precisava de
tal cuidado. Mas se ela tivesse encontrado coragem para dizer essas palavras, ela
também poderia ter dito a ele que estava cansada de ser uma donzela. Ela desejava
ser uma esposa.

Ela conhecia o homem que vivia nas sombras, que sussurrava palavras
desesperadas em oração. Ela tinha entendido o senhor que tinha sido o juiz e
supervisor de seu domínio, o estudante, o homem possuidor de sutil charme e
inteligência. Ela respeitava o homem poderoso, tinha sido o destinatário de sua
vontade. Ela sentia pena e compaixão, medo e amor por ele ter que vestir-se de
preto como um monge, temor e respeito pelo guerreiro.

Mas este homem seduzia, acenava e atormentava.

Ele desmontou primeiro, depois estendeu os braços para ela. Sem hesitar,
ela caiu em seu abraço.

Enquanto ela estava na frente dele, sua mão se estendeu por vontade própria
e tocou-lhe o peito. Ela não usava as bandagens desde Montvichet, e seus dedos,
dez lugares separados que mediam a sensação, subiam do centro da túnica até os
ombros.

Levaria ambas as mãos para medir a largura de seu braço. Sua cota de malha
estava quente contra seus dedos. Ela desejou poder novamente colocar a palma da
mão sobre o emaranhado de cabelos encaracolados em seu peito.

Em vez disso, Sebastian deu um passo para trás, sua respiração tão acelerada
quanto a dela.

Antes que ela pudesse questioná-lo, ele se foi, caminhando para onde Jerard
estava colocando sua refeição.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 38

Julianna seguiu o riacho até ele se curvar sob algumas pedras grandes e
desaparecer. Ela levantou as saias, cruzou cuidadosamente as pedras cobertas de
musgo. Ali se sentou e esperou. Inspecionou as mãos à luz do sol. Ela sempre teria
cicatrizes, mas conseguiu recuperar algum uso de sua mão direita. Um dia, talvez
em breve voltaria a pegar uma pena novamente.

— Não é prudente simplesmente fastar-se assim, Julianna — disse


Sebastian, com o cenho franzido.

Ela olhou para cima, despreocupada. — Eu sabia que você iria me encontrar.

— Você podia ter sido atacada.

— Por coelhos e esquilos? — Ela sorriu para ele, mas o próprio sorriso dele
não se libertou. Em vez disso, ele ficou em silêncio do outro lado do riacho. Um
cavaleiro poderoso com um rosto de pedra.

Agora era a hora de temê-lo.

Ela não podia invocar tal emoção, não quando estava farta de outro
sentimento mais poderoso. Amor. Parecia surgir através dela ao vê-lo.

Ela se levantou, abaixou-se e agarrou a bainha de seu manto, puxou-o sobre


a cabeça.

Ainda assim, ele não se moveu. Por favor, Sebastian, não me rejeite. Levou
toda a sua coragem para atraí-lo desta forma, e ainda mais para fazer o que ela
planejava a seguir.

Nenhuma nuvem marcava a pureza imaculada do céu azul. Nada se movia


na paisagem a não ser o balanço suave das folhas nas árvores, o riacho que corria a
seus pés. Cada um deles permaneceu em silêncio, Adão vestido com armadura e
Eva se despindo.

Ela se inclinou e tirou os sapatos, parou diante dele como nunca antes,
vestida com nada mais substancial do que sua túnica fina. Não, uma vez antes ela
se sentou nua enquanto ele assistia. Uma vez antes, ela tremeu sob seu olhar.

— O que você está fazendo, Julianna? — A paixão de seu olhar foi


acompanhada pela ternura em sua voz.

— Este momento demorou a chegar, Sebastian.

— Demorou? — Ele não se moveu em direção a ela.

Meu Amado – Karen Ranney


Ela tirou a túnica com um movimento rápido como se estivesse se
atrevendo. Um momento mais e ela ficou nua diante dele.

— Julianna — ele começou, sua carranca se aprofundando.

— Não — ela o interrompeu. A mão dela subiu como se para afastar


fisicamente suas palavras. — Não me castigue, Sebastian. Não me diga que não sei
como me sinto, ou que não tenho escolha. É você quem está sem escolha neste
assunto.

Ele se levantou e olhou para ela, estudando-a na luz do sol que fluía sobre
ela. De repente, ele pulou sobre os degraus cobertos de musgo, em direção a ela
sobre o riacho. Suas mãos circularam-lhe a cintura e ela ficou suspensa acima dele,
sua risada ecoando por toda clareira encantada. Ela apoiou as mãos em seus
ombros e olhou para o rosto amado.

— Para onde foi minha tímida Julianna? — ele perguntou, seus lábios
curvados em um sorriso, o brilho de seus olhos insinuando outras emoções além
do humor.

— Ela se foi para sempre — ela confessou, combinando o sorriso dele com
o dela. — Você vai sentir falta dela?

— Na verdade eu nunca a vi. Só ouvi falar de sua existência. A mulher que


conheço pergunta se sou a Morte e diz ao mundo que é leprosa para ficar comigo.
E agora se desnuda e me diz que sou negligente em meu dever de marido.

— Ah, Sebastian — disse ela com ternura, com o coração transbordando —


você não sabe que foi você que me fez corajosa?

Ele olhou para ela, a ferocidade em seu rosto era a de um guerreiro. A


ternura que ela sentiu abruptamente se transformou em outra coisa. Essa emoção
não era suave ou gentil… era alimentada por um calor que corria por ela e queimava
onde tocava.

Ele colocou a testa entre os seios dela. Ela podia sentir o calor de sua
respiração em sua pele, a abrasão do bigode em suas bochechas. Um beijo suave
no declive de seu seio provocou um gemido entre seus lábios. Ele ainda a mantinha
suspensa. Desamparada e impotente, não era o que ela queria ser.

Seus lábios provocaram um mamilo tenso logo antes de mordê-lo, então o


chupou com força. Seu peito se arrepiou com uma sensação que corria como um
cordão de fogo através de seu corpo. As palmas das mãos dela apoiaram a cabeça
dele; seu suspiro suave era tanto consciência quanto encorajamento.

Meu Amado – Karen Ranney


Ele desceu-a lentamente, seus seios nus roçando-lhe o rosto, então seu
peito, raspando suavemente cota de malha. Ele estava blindado e ela nua. O
contraste era surpreendente.

Ela sentiu uma onda de calor tão puro que rivalizava com o fogo.

Seus dedos se atrapalharam com a túnica, deslizando sobre os elos


finamente trabalhados de sua cota de malha. Ela queria senti-lo, tocar-lhe a pele.
Frustrada, ela bateu as mãos contra o peito dele. Seu sorriso explodiu em uma
risada.

Ele enfiou os dedos em seu cabelo, suas mãos grandes e largas segurando
firme a cabeça dela. Seu beijo era tudo que ele havia prometido e muito mais,
talentoso, atraente e intrusivo. A língua dele empurrou em sua boca, sedutora e
proibida. Ele a treinou para recebê-lo, aprofundou o beijo até que ela viu estrelas
atrás de suas pálpebras. Ela pensou que podia estar choramingando, mas isso
também pode ter sido apenas mais uma sensação no turbilhão do momento.

Ele se afastou, tempo suficiente para puxar a túnica sobre a cabeça. Ela
choveu beijos sobre seu peito coberto pela cota de malha, ficou na ponta dos pés
para beijar-lhe o pescoço, estendeu a mão e puxou sua cabeça para baixo
ferozmente quando ele demorou muito.

Ela engoliu o sorriso dele, transformando-o em um gemido gutural.


Mordeu-lhe os lábios, entrelaçou sua língua com a dele, e inalou o ar que ele
exalou.

Ele tirou a camisa de sua cota de malha, depois as calças, jogou as roupas
pesadas para o outro lado do riacho. O resto de sua roupa foi removido com a
mesma rapidez, e ele parou diante dela, nu.

Seu corpo musculoso estava tenso, sua pele lustrosa. Um homem em seu
auge. Em seus braços haviam músculos desenvolvidos por empunhar uma espada,
suas coxas tão poderosas por horas de cavalgada. Seu corpo tinha sido afiado como
uma arma de batalha, suas cicatrizes atestavam a habilidade de seus oponentes.
Uma marca fina corria de suas costas para subir e terminar sob seu braço. Outra
cortava do joelho à coxa.

Ela estava errada; ele não era como a estátua que os aldeões haviam
encontrado. Havia uma parte dele que era muito, muito maior. Ela deixou escapar
uma respiração, uma exalação suave de admiração. Estendeu a mão e o tocou. E
soltou um suave gemido. Ele enrolou os dedos em torno de sua mão, colocando-a
de volta em sua carne novamente. A cor marcava suas maçãs do rosto salientes, e
sua respiração era quase tão rápida quanto a dela. Ela observou rosto enquanto sua
mão deslizava sobre ele, seus olhares travados e fundidos pelo fogo.

Meu Amado – Karen Ranney


E se eu fosse você, nosso sangue bateria igual, nossas respirações em sintonia,
nossas paixões altas, nosso amor compartilhado em mente e carne. Quem disse isso?
Ou foi um pensamento formado naquele momento? Ela não conseguia se lembrar,
não podia.

Ele a puxou contra todo o comprimento de seu corpo. Seus mamilos


roçaram o peito peludo, a sensação tão aguda que era quase dolorosa. Seus seios
pareciam inchar, doloridos por serem tocados. Ela puxou a cabeça dele para baixo,
guiou os lábios para seu mamilo.

Ele obedeceu imediatamente, chupando-a, suas bochechas afundando. Ela


jogou a cabeça para trás, suas respirações vindo em rajadas ofegantes. Seus dedos
agarraram seu cabelo, mantendo-o no lugar.

Suas mãos se estenderam e o puxaram ainda mais para perto. Mais. Ela
queria mais. Como se ele a tivesse ouvido, ele segurou seu traseiro e a levantou
para ele, a boca ainda presa em seu seio.

Sua pele estava quente, cada parte dele tão aquecida que ela pensou que
poderia se queimar ao tocá-lo. Mas ela estava irracional, indiferente. Ela segurou
em seus ombros com unhas afiadas pela necessidade. Ela ficou na ponta dos pés,
empurrando-se para mais perto dele, a masculinidade moendo no entalhe de suas
coxas.

Ela não conseguia respirar, estava encapsulada em uma névoa de paixão,


mais forte do que qualquer coisa que ela já tinha lido ou sonhado que pudesse
existir. Ela iria morrer por causa disso, ela sabia, assim como ela estava ciente de
que sua respiração estava dolorosamente rápida, seu sangue agitado.

Ele a pegou e a carregou para onde o musgo era mais espesso, deitou-a no
chão aquecido pelo sol. Seu olhar nunca o deixou. Seu guerreiro. Ele estava
iluminado pelo sol, e parecia eclipsá-lo. Ela estendeu a mão para puxá-lo para ela
com mãos gananciosas.

Ele a preparou para seu toque semanas atrás, falando palavras que fizeram
seu sangue disparar. Ele invadiu sua mente com desejo, preparando-a para este
momento. Mas nada, nem palavras, nem ações, poderia tê-la avisado disso, desse
desespero voraz que se tornou tudo o que ela era e tudo o que ela seria.

Suas unhas arranharam a pele dele. Ela queria absorvê-lo, agarrá-lo sob suas
unhas, inalar sua respiração. Tornar-se ele, se necessário. Ela estava frenética por
esse sentimento, à deriva. O bulbo de seus ombros, o ângulo do cotovelo, seus
pulsos grossos e mãos poderosas, seu peito largo, eram todos alvos para o toque
dela. Ela choveu beijos sobre ele, mordiscando seu pescoço forte, seu ombro.

Meu Amado – Karen Ranney


Sebastian parecia igualmente febril. Ele roçou os dentes ao longo da parte
inferior de seus seios, acariciou as mãos do pulso ao ombro, do tornozelo ao
quadril. Seus beijos eram coisas selvagens que tinham gosto de calor.

Ele abriu-lhe as pernas e se ajoelhou entre elas. Ela olhou para cima e
encontrou seu olhar. Seu olhar era afiado, o azul de seus olhos queimando como o
núcleo de uma chama.

Então ela estava sendo invadida por ele, esticada exatamente como ele havia
avisado uma vez. Moldado para se familiarizar com ele. Ela queria gritar. Não era
suficiente. A cabeça larga de seu falo estava dentro dela, mas não o suficiente. Ela
queria mais.

Ele a beijou, um beijo arrebatador que a inflamou ainda mais. Ela estava
pegando fogo, e ele estava sendo muito cuidadoso.

Ela arqueou para cima, de repente empalando-se nele. Ela gemeu com a
sensação que o movimento provocou, pela pressão dolorosa e muito mais. Isso só
intensificou a dor que ela sentia, não fazia nada para aliviá-la.

Então ele entrou totalmente nela, e ela gritou. Só por um momento, a dor
foi mais do que ela podia suportar. Ele murmurou palavras destinadas a confortar,
mas não era calmante o que ela queria. Apenas algo que permanecia mal
escondido. Algo próximo e quase alcançado.

Ele se abaixou e puxou mais as pernas dela, afundou nela ainda mais. Ela
apertou os lábios no gemido que teria feito. Ele a separou ainda mais, estendeu a
mão para roçar os dedos sobre a junção de suas coxas, até que tocou um lugar tão
sensível e inchado que ela quase gritou novamente. Não de dor, mas de prazer.
Acabe com isso. Era uma súplica e uma necessidade. Ela não podia viver sem ele e
não sabia quanto mais poderia suportar. Ele usou seus dedos para afastar as dobras
de sua carne, expor aquele ponto a seus golpes. Desta vez, quando ele surgiu dentro
dela, ela o sentiu lá também, cada carícia forçando-a a avançar para a loucura.

A necessidade impotente sacudiu. Seus sentidos só podiam medir as batidas


de seu coração e o corpo dele esmurrando o dela. Ele invadiu e exigiu, esticando-
a, alargando-a para seu uso. Foi um ato de possessão, masculino, faminto e vivo.

Ela se machucou com isso. Machucada de dor e desejo. Ela estava chorando,
e suas unhas estavam rasgando-o. Sua respiração veio ofegante, mas o tormento
continuou, a dor enterrada no centro de seu corpo. Ela sentiu como se estivesse
sendo saqueada. Sitiada.

Suas mãos agarraram os braços de Sebastian. Sua pele estava escorregadia


de suor.

Meu Amado – Karen Ranney


— Julianna. — Seu nome foi repetido várias vezes; tornou-se uma cadência
que media o bombeamento de seus quadris.

Ela se sentiu sendo dilacerada. A dor machucava e queimava no centro dela.


Mas havia outra sensação também. Começou entre suas coxas, onde os golpes de
Sebastian batiam impiedosamente contra sua carne, irradiando de seus quadris,
barriga e joelhos. Alargou-se ainda mais para abranger os ombros, os pés, as palmas
das mãos. Era uma estrela gigante em chamas de cor vermelha e brilhante, na qual
ela não teve escolha a não ser entrar em colapso. Era parte dela, ou ela era parte
disso, e a única coisa que a ancorava na terra era Sebastian.

Sua voz era áspera, suas palavras muito difíceis de entender. Suas mãos se
agitaram em seus ombros, houve um som como um suspiro ou um gemido que
veio de seus lábios. Outro grito, exigindo desta vez.

Seus quadris arquearam para cima, seus pés plantaram-se no chão e lhe
deram força. Os braços dela envolveram o pescoço dele, todos os outros
pensamentos esquecidos, exceto esse acasalamento, esse ato, essa fome. Ela
pressionou-se contra ele, convidando sua invasão, incitando-a. E então aconteceu.

O mundo ficou branco.

Seu corpo estremeceu de novo e de novo. Espasmos arruinaram-na


enquanto seus quadris arqueavam do chão. Ela não via nada, não ouvia nada, só
podia sentir a onda de prazer tão intensa que forçou um gemido baixo e gutural
entre seus lábios cerrados. A sensação continuou por tanto tempo que ela se tornou
apenas sensação, apenas física, choramingando seu prazer como um animal
perdido no acasalamento.

Seu beijo tanto a incitou quanto a confortou, a ligou a ele e a deixou voar.
Então, justo quando ela pensou que não aguentaria mais, Sebastian empurrou
contra ela uma última vez, seu corpo tremendo, um gemido baixo e áspero
acompanhando sua liberação.

***

— Eu machuquei você.

Ela estava deitada em cima dele, sua bochecha pressionada contra o peito
dele. Ela levantou a cabeça para olhar para ele. Seu rosto estava corado, mas seus
olhos encontraram os dele com firmeza.

— Não — disse ela, balançando a cabeça fracamente.

— Você tem certeza?

Meu Amado – Karen Ranney


Um pequeno sorriso pairou sobre seus lábios.

— Sim, Sebastian. Muita certeza. — O rubor dela pareceu se aprofundar


enquanto ele observava.

— Talvez seja bom nosso acasalamento ter atrasado — disse ele, enfiando
os dedos no cabelo da têmpora dela. — Eu não teria resistido às suas lisonjas se nos
conhecêssemos antes.

Ela deslizou para cima em seu peito, colocou a testa contra seu pescoço.
Suspirou contra sua pele. Seus lábios se curvaram em um sorriso.

— Não diga que você ficou tímida novamente, milady esposa.

Divertia-o muito que a mulher que quase o matara com sua paixão agora se
refugiasse atrás do silêncio.

— Os coelhos e os esquilos sem dúvida se assustaram com seus gritos —


disse ele, escondendo o sorriso com grande esforço.

Ela levantou a cabeça e franziu a testa para ele. Havia um olhar feroz em
seus olhos que ele tinha visto apenas raramente. Seu sorriso veio à tona.

Ela estreitou os olhos para ele, então deliberadamente puxou um dos


cabelos em seu peito.

Ele apenas esfregou o local e continuou a sorrir para ela. Ela balançou a
cabeça e afundou contra o peito dele, ainda em silêncio.

— Julianna — disse ele com ternura. Ela se mexeu e teria inclinado a cabeça
para cima novamente, mas a mão dele foi para a parte de trás de sua cabeça como
se para mantê-la presa contra ele.

— Só Julianna — disse ele. Ele estendeu os braços ao redor dela, segurou-a


com tanta força que um sussurro não poderia separá-los. O sol os banhava de luz,
o guerreiro e sua mulher. Ela não se mexeu, nem ele, simplesmente contente em
sentir a magia deste momento.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 39

Jerard ouviu suas risadas e manteve os olhos estoicamente no chão. Ele


cometeu o erro de olhar para cima uma vez e viu seu senhor beijando sua esposa,
e Lady Julianna respondendo com entusiasmo.

Ele se sentiu curiosamente envergonhado. Havia um olhar tão radiante no


rosto de Lady Julianna, e tão profundamente satisfeito no de seu senhor que não
foi difícil determinar o que havia causado o atraso. Fazia muito tempo que ele havia
empacotado sua refeição do meio-dia e se sentado contra uma árvore, sabendo que
este local seria seu local de descanso para esta noite.

Era estranho regressar a Langlinais desta forma. Não de luto ou tristeza pelo
destino de seu senhor, mas com Sebastian curado e seu próprio futuro brilhante.
Embora fosse verdade que seu sorriso diminuía de tempos em tempos, no geral, o
Senhor de Langlinais era um homem mudado. Não era simplesmente a ausência
de sua doença que o tornara assim, suspeitava Jerard. Era Lady Julianna.

Jerard viveu em torno da luxúria toda a sua vida. Quando criança, ele dormia
em um quarto com outras vinte pessoas. Suas noites muitas vezes foram
interrompidas pela passagem de um homem para sua esposa, uma mulher para seu
companheiro. O ato não era feito em segredo. Seu próprio pai tinha feito de sua
mãe uma prostituta por luxúria. Foi apenas em Langlinais que ele conseguiu
alguma privacidade para desfrutar de seu próprio esporte.

Ele havia gostado dos esportes carnais com várias mulheres ao longo de sua
vida, algumas delas moravam em Langlinais. Ele não era tão formidável quanto seu
senhor, igualava-o em altura, mas não era tão largo no peito ou nos braços. Seus
olhos, no entanto, pareciam ser uma fonte de admiração para as mulheres que
conhecia, já que eram de um tom estranho comparado ao ouro. Ele gostava de
mulheres, gostava de como elas se moviam, cheiravam, e talvez tenha sido essa
apreciação que chamou sua atenção.

A risada suave do senhor de Langlinais e sua esposa o fez lembrar de que ele
havia sido celibatário nesta jornada, um feito nada difícil se um homem estava
preocupado com a própria sobrevivência. Ainda assim, as risadas, as palavras
provocantes e os beijos secretos o lembraram do que o esperava em casa. Ele
testemunhou a forma como Sebastian tinha observado Lady Julianna quando ela
não estava olhando, um olhar feroz e protetor não mascarando seu desespero.
Podia ser luxúria que fluía entre eles agora, mas tinha se originado de uma fonte
de amor.

Meu Amado – Karen Ranney


Seu próprio futuro estava mais certo do que antes. Permaneceria em
Langlinais, não como um ex-servo a serviço de seu senhor, mas como um cavaleiro.
Um membro de um grupo de elite de guerreiros. Ele nunca pensou em se tornar
um cavaleiro; seu nascimento fornecia um obstáculo enorme para que fosse tão
honrado. Nem seus anos lutando ao lado de Sebastian na cruzada provaram que
ele era digno de tal feito. Havia lutado tão bem quanto qualquer homem, mas sem
a destreza ou a graça sobrenatural de seu senhor. No entanto, Sebastian de
Langlinais o havia nomeado cavaleiro, estabelecendo-o como um homem de
importância. Sir Jerard de Langlinais.

Ele sorriu amplamente e ignorou cuidadosamente o casal.

***

A viagem de regresso a Langlinais tornou-se mais lenta devido aos cuidados


que tiveram. Não havia nenhum contingente estrondoso de homens armados em
torno deles. Mas não foram abordados na viagem de volta, fato que só levou
Sebastian a ter certeza quanto à origem do primeiro ataque. Embora Gregory não
tivesse admitido, ele tinha visto a boa mão de seu irmão organizando aquela
emboscada. Ele nunca o perdoaria por uma razão muito simples: Julianna poderia
ter sido morta.

A aparição de Langlinais no vale arborizado abaixo deles lembrou a


Sebastian algo que ele havia esquecido anteriormente. Este regresso a casa poderia
muito bem determinar a qualidade do resto da sua vida. Langlinais não era apenas
uma estrutura; a essência de sua casa era seu povo. O moleiro cuja arrogância ele
temperava, Grazide que falava demais, mas que tinha um coração bondoso e gentil,
o Velho Simão que o havia saudado todos os dias de sua vida. O cozinheiro, o
armeiro, o curtidor e os meninos que ele treinava para ofícios. Todas essas pessoas
e outras mais constituíam sua casa, sua boa vontade ajudava sua causa, sua saúde
e bem-estar importavam para ele. Seu povo precisa ter certeza de que tudo estava
bem, que ele estava livre de doenças e não lhes traria nenhum dano.

Quando chegaram ao portão, ele desmontou, estendeu os braços para


Julianna.

— Fique aqui com minha esposa — disse ele, virando-se para Jerard.

Meu Amado – Karen Ranney


— O que você vai fazer, Sebastian?

— Espere aqui, Julianna — disse ele ao invés de responder.

Ele caminhou até a portão. O velho Simon estava ali, seus olhos remelentos
abertos e fixos, como se ele visse um fantasma. O velho já foi corpulento, mas os
anos haviam tirado-lhe a carne e deixado sua pele flácida como uma lembrança de
sua circunferência. Agora seu rosto tremia quando ele se movia, seus olhos escuros
em uma moldura de aparente tristeza. Mas nada poderia estar mais longe da
verdade. O velho Simon desfrutava da alegria noturna em Langlinais e, mais
especialmente, do vinho de Langlinais.

Sebastian sempre gostou do velho, apesar do fato de que muitas vezes ele
falhava em seu posto no portão. Sempre havia guardas nas colinas que levavam ao
vale de Langlinais. Por essa razão, Sebastian permitiu que ele mantivesse seu posto,
apesar de muitas vezes passar as horas do dia dormindo.

— Alguém passou por esses portões, Simon?

— Apenas aqueles que tinham negócios em Langlinais, milorde.

— Nenhum estranho?

Ele balançou a cabeça, e suas bochechas balançaram.

Então nenhum Templário tinha vindo. Era a primeira de suas preocupações.


A outra pode ser mais difícil de aliviar.

Ele voltou para onde Julianna e Jerard estavam. Ele tirou primeiro sua
espada , entregou a Jerard que a pegou sem questionar. Em seguida, ele tirou a
túnica, depois a cota de malha, a longa camisa de cota de malha até a coxa. Ele
usava um gambeson13 fino por baixo, e isso também ele removeu.

— Sebastian?

Julianna estava olhando para ele com a mesma expressão no rosto que o
Velho Simon tinha.

Jerard, no entanto, acenou para ele, entendendo perfeitamente.

— Os soldados de Langlinais, milady — disse a Julianna. — Sem dúvida


voltaram com notícias do estado do milorde.

— E você está se despindo da camisa, Sebastian, para provar que não tem
aflição?

13O gambeson é um tipo de vestimenta acolchoada utilizada pelos soldados durante a Idade Média como uma
forma de proteção em batalha. Podia ser vestido independentemente, como uma armadura, ou junto de outra
forma de proteção (malha, couraça, etc.).

Meu Amado – Karen Ranney


— Você pode pensar em uma maneira melhor?

— Sua palavra não bastaria? — Havia a expressão mais peculiar em seu


rosto. Ele sorriu para o rubor que cobria sua bochecha, então roçou seus lábios
contra elas, como se quisesse testar seu calor.

— Não quero que rumores nos acompanhem no futuro, Julianna.

— Mas você deve se mostrar para todas as mulheres do castelo?

Ele riu, encantado. De todas as vezes para expressar ciúmes, esta foi talvez
a mais estranha.

— Acham que sou leproso, Julianna. Duvido que suas mentes estejam cheias
de outras ideias.

— Então não devo fazer o mesmo? Afinal, eu me declarei leprosa diante de


todos eles.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Mas você teria se tornado uma por minha causa, senhora esposa. Sou eu
quem deve banir qualquer conversa.

Ele fez sinal para o Velho Simon abrir o portão.

Foi sem dúvida uma estranha procissão que fizeram dentro dos portões de
Langlinais. Ele com o peito descoberto para provar ao seu povo que não trazia
perigo ou doença para sua casa, Jerard recém-criado cavaleiro e orgulhoso. E
Julianna suas bochechas uma papoula brilhante, seu olhar fixo nas mulheres que
passavam como se as queimasse com seu olhar.

A cesta de Montvichet balançou contra a sela de Jerard, um lembrete de seu


perigo. O que Julianna diria quando descobrisse o verdadeiro segredo dos cátaros?
Afinal, não são as relíquias.

Ele ainda não havia decidido se deveria destruí-lo, enterrá-lo para que não
visse a luz do dia por toda a eternidade ou fizesse sua presença conhecida. Tudo o
que ele sabia era que poderia ser um mito, mas se não fosse, talvez fosse o
documento mais perigoso da história do mundo.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 40

O convento das Irmãs de Caridade era um lugar lúgubre, pensou Jerard. Mas
a sua pedra cinzenta era animada pelo verde da relva que a rodeava, mesmo a esta
altura do ano. A primeira vez que ele veio aqui, ele tinha visto jardins exuberantes
dentro dos altos portões de ferro. Ele tinha sido enviado ao convento para buscar
algo que acalmasse as mãos de Julianna e foi presenteado com a irmã Agnes. Ela
tinha sido uma companheira de viagem incomum. Apesar da pressa da viagem, a
freira comentara sobre cada planta, arbusto e árvore, e suas propriedades
medicinais, entre o convento e Langlinais.

Ele estava agora no portão, esperando a abadessa. Ele notou os jardins, não
tão abundantes em flores como antes, mas bem cuidados como se esperassem o
inverno com paciência.

Um sino soou, o murmúrio das sandálias roçando no chão uma convocação


para a adoração. Uma hora se passou, e ele ainda estava esperando.

Finalmente, a abadessa veio ao portão, sua forma angular atestava a escassez


de rações no convento ou sua própria forma de disciplina.

Ela o cumprimentou com reserva até se lembrar dele. Então, as linhas de


seu rosto se aprofundaram em preocupação.

— Julianna? Ela está bem?

— Sim, abadessa. Ela está bem.

— As mãos dela?

— Elas estão curando. Ela está praticando a escrita todos os dias. É um


esforço para ela, eu acho, mas ela não vai desistir.

— Ela costumava ser uma garota teimosa — disse ela, sorrindo. — Diga-me,
ela está feliz em Langlinais?

— Sim — disse ele simplesmente.

Lady Julianna cantarolava e sorria o tempo todo. Às vezes, ao caminhar pelo


pátio, ela dançava um pouco, levantando as saias e pulando como uma criança. E
seu senhor, Jerard sorriu, curvando-se para pegar o baú que ele colocou
reverentemente no chão. Sebastian era como um menino até os ouvidos em luxúria
e amor.

Havia uma abertura quadrada na grade do portão. Por ali, ele passou o baú
a abadessa.

Meu Amado – Karen Ranney


— Há uma missiva dentro que explicará tudo, abadessa. Se não se importa,
eu vou me sentar e esperar. — Ele apontou para uma árvore que oferecia sombra.

Ela assentiu, franzindo a testa, sua atenção não nele, mas no baú.

Ele caminhou até a árvore e sentou-se embaixo dela, levantando uma perna.
A terra era esculpida em colinas e vales rasos, mas ele quase podia ver Langlinais.

***

Gertrud colocou a arca sobre uma mesa na pequena câmara que usava. Ela
era uma pessoa curiosa, essa era uma emoção que ela experimentava todos os dias
em sua vida. Havia muito sobre o mundo para não sentir algum interesse por ele,
mesmo que fosse apenas por entender porque que as abelhas eram mais atraídas
por um certo tipo de flor do que por outro. Ela sentia o mesmo neste momento ao
levantar a tampa do baú de madeira simples e extrair a carta. Ela deixou a parte
superior da arca aberta, preocupada agora mais com a correspondência do Senhor
de Langlinais do que com o conteúdo da arca. Ela examinou sua carta rapidamente.
Depois de algumas frases expressando sua esperança de que ela estivesse bem e
que o convento prosperasse, ele continuou. Sua próxima frase a fez sorrir, e ela
prometeu ajudá-lo da maneira que pudesse. No entanto, sua diversão não era uma
preparação para o corpo da carta.

“Eu obtive os itens no baú e, embora haja alguma dúvida sobre sua
validade, acredito que sejam genuínos. Mantê-los em Langlinais e
escondê-los do mundo seria um ato de orgulho. Julianna falou de
você muitas vezes e com carinho, e eu mesmo testemunhei sua
generosidade de espírito ao enviar a Irmã Agnes em nosso auxílio.
Acredito, portanto, que não poderia haver melhor árbitro quanto ao
destino desses objetos sagrados. Existe aqueles que usariam, o que
você tem agora, para obter poder em vez de reforçar a fé. Por isso,
peço que retire Langlinais de qualquer correspondência sobre esses
assuntos e que não fale de como obteve o sudário ou esses pedaços
da verdadeira cruz.”
Gertrud colocou a carta de lado e enfiou a mão na arca com as mãos
trêmulas. Ela ficou ali olhando para o pano sob seus dedos por longos momentos.
Tempo em que ela não conseguia pensar, estava enterrada sob reverência e medo.

De fato, o Senhor de Langlinais estava certo. Sob suas mãos estava o maior
tipo de poder, desejado pelos reis e cobiçado pelos bispos. No entanto, havia
também o potencial para o bem nesse baú, o fortalecimento da crença, o
enaltecimento da fé. O convento das Irmãs de Caridade parecia um lugar pequeno

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e humilde para essas coisas. Essas relíquias pertenciam ao mundo. Mas quem iria
guardá-las e mantê-las sagradas em nome de toda a humanidade?

Ela fechou o baú com reverência, depois o levou para a capela. Ficaria ali até
que ela tivesse tempo de pensar nesses assuntos. Talvez ela recebesse alguma
orientação divina sobre para onde as relíquias deveriam ser enviadas. Ou talvez
devessem ficar aqui, num pequeno convento de mulheres dedicadas às boas obras
e ao dever alegre. Só o tempo diria.

***

Uma hora depois, uma jovem vestida com roupas de noviça trouxe a Jerard
um grande cofre. Ela também estendeu um pequeno pacote embrulhado.

— Comida para sua viagem, senhor. E vinho, para sua sede.

Ele pegou os dois, sorrindo em agradecimento.

— Devo dizer-lhe que a abadessa agradece a você e aos de Langlinais. Ela


envia suas orações com você, e diz que atenderá aos seus pedidos. Ela também
queria que eu lhe dissesse que rezaria para que você fosse abençoado para sempre.

— Já sou — disse ele, ainda sorrindo, depois virou o cavalo na direção de


Langlinais.

***

Gregory manteve seu rosto inexpressivo. Anos sendo subserviente vieram


caiam bem agora. Seu sorriso era agradável, seus olhos baixos. Não havia nada na
colocação de suas mãos para mostrar que elas tremiam, nada em seu olhar para
trair sua súbita diversão horrorizada.

O Marechal estava ficando eloquente em algum ponto com alguns dos


irmãos. Eles, como sempre, estavam ouvindo com muita atenção, acenando com a
cabeça quando apropriado.

Não era todo dia que o grande Marechal visitava seu mosteiro, muito menos
carregando uma relíquia sagrada. Momentos foram gastos admirando o Graal, e
agora repousava sobre a mesa na câmara destinada ao uso do Marechal. O sol
atingiu o relicário e o fez brilhar em ouro e vermelho. Mas o sol também iluminou
a pequena taça de madeira tão ternamente colocada dentro da taça de ouro. Ele se
perguntou se alguns de seus companheiros monges estavam prestes a cair de
joelhos em adoração ao vê-lo.

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Ele mesmo não conseguia tirar os olhos da taça. Não, como um observador
casual poderia pensar, porque se sentiu humilde por estar em sua presença, mas
porque de repente estava absolutamente certo de que era um magnífico exemplo
de duplicidade.

Em Langlinais havia um homem que esculpia todo tipo de coisas. Ele e


Sebastian tinham brincado com os cavaleiros esculpidos do Velho Simon em
inúmeras batalhas simuladas no chão do grande salão. O velho, porém, tinha o
hábito de cavar um lugar para descansar a lâmina de sua faca para saber onde
estava depois de uma noite de bebida. Muitos de seus cavaleiros de madeira tinham
sofrido tais feridas.

Havia uma ranhura semelhante na taça de madeira aninhada no relicário.


Era quase fraca demais para ser notada, ou poderia ser facilmente explicada por
sua idade avançada. Mesmo um objeto tão venerado como o Graal, poderia ter sido
marcado acidentalmente. Ou, talvez, tenha sido assim desde o início, uma simples
taça de carpinteiro esculpida rapidamente para ser útil, sem pensar na
ornamentação ou na falta dela.

Ainda assim, ele sabia que era uma farsa. Quando ele a viu pela primeira vez
na luz, ele soube o que Sebastian tinha feito. O relicário talvez fosse valioso, mas
agora ele duvidava até mesmo de sua idade ou autenticidade.

Seu irmão havia enganado os Cavaleiros Templários. Ele tinha feito chacota
de homens que faziam os reis tremerem. A temeridade de tal ação o atordoou e
surpreendeu.

Por que Sebastian fez isso? A resposta era tão simples quanto o ato
audacioso. Para proteger Langlinais. Ele tinha dado a seu irmão a oportunidade
perfeita, tinha jogado em suas mãos. Ao sugerir que Sebastian poderia querer
trocar o que havia encontrado em Montvichet pela segurança de sua casa, ele quase
encorajou Sebastian a fazer tal coisa. Nesse momento, uma nuvem obscureceu o
sol, e o brilho avermelhado tornou-se difuso como se o próprio céu tivesse ouvido
seu pensamento.

Dentro de alguns dias, ele e o Marechal partiriam para o Chipre, onde o


Santo Graal seria levado por segurança. O poder dos Templários só poderia crescer
com o conhecimento de que eles eram os guardiões do Graal.

Era uma ironia do tipo mais puro. Seu avanço viria, não por seus próprios
méritos ou bravura, mas por causa do engano de Sebastian. Ele passou a maior
parte de sua vida adulta tentando subir na hierarquia dos Templários. E agora ele
estaria se misturando com os mais altos cargos do poder por causa de algo que não
era real.

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De repente, ele soube o que tinha que fazer.

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Capítulo 41

Sebastian a encontrou, não em seu quarto onde se poderia esperar encontrar


uma esposa, ou no oriel onde ela passava tanto tempo, mas no pátio. Ele parou e a
observou. Ela estava curvada diante de um grande caldeirão, mexendo algo com
um galho quase tão alto quanto ela e explicando seriamente algo para duas jovens
que estavam na frente dela. Ele se perguntou se ela sabia que era inspiração para
as mulheres de Langlinais. Ela era a Senhora deles, versada em coisas estranhas a
eles.

O conhecimento de quanto ele a amava veio como um golpe feroz em seu


peito. Não, foi uma má escolha de palavra. Esse sentimento que ele tinha por
Julianna era muito maior do que qualquer coisa que um poeta pudesse dizer.

Eu sou dela da cabeça aos pés. Para todo sempre.

Ele nunca tinha previsto este momento, de caminhar pelo pátio de


Langlinais inteiro livre de doenças. Ele havia buscado coragem para si, para que
pudesse ser corajoso o suficiente para aceitar qual fosse seu destino. Mas ele nem
uma vez acreditou que fosse possível alterá-lo.

Talvez não fosse sábio questionar um milagre. Mas ele se viu fazendo isso.
Ele passou o último ano se preparando para a própria morte, nas últimas semanas
havia chegado a um acordo com seu exílio. As pessoas teriam fugido ao vê-lo, ao
som de seu badalo. Portas teriam se fechado, criancinhas seriam empurradas de
seu caminho. No entanto, em um momento, seu futuro havia mudado. Um milagre.
No entanto, ele não podia deixar de estudar suas mãos, esfregar a pele de seu peito,
se perguntar por que ele tinha sido tão abençoado.

O futuro se estendia diante dele em branco e sem escritas. Nunca sequer


sonhei antes deste momento. Talvez fosse uma ponta de medo o que ele sentia ao
olhar para o vazio a sua frente. Ele havia se preparado tão diligentemente para a
morte, agora ele precisava se preparar para a vida.

Ele procurou obedecer aos mandamentos do fidalgo… não fazer parte da


traição, honrar todas as mulheres e estar pronto para ajudá-las na medida de seu
poder. E ele tinha, até o início de sua doença, cuidado da sua Igreja, ouvido missa
todos os dias e ele ainda jejuava todas as sextas-feiras. Ele tentou ser justo, ser justo
em sua vida. Mas ele havia pecado, atos pelos quais pedira perdão. As virtudes
cavalheirescas como generosidade, compaixão, espírito livre, e franca cortesia eram
mais difíceis de alcançar. Daria aos pobres e protegeria Julianna com a vida. Sua
compaixão estava reservada para os mais fracos e menos capazes de se defender.

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Mas seu espírito não era livre, e o segredo que guardava dentro de si impedia uma
natureza franca.

Ele não era um modelo de fidalguia. Ele sabia disso muito bem. Ele
desprezava o que havia acontecido com os cátaros, enquanto um verdadeiro
cavaleiro teria defendido os atos da Igreja mesmo em pensamento. Ele ofereceu um
cálice falso aos Templários sabendo que seria reverenciado como uma relíquia. Ele
estava disposto a negociar o que sabia para salvar aqueles que amava e Langlinais.
E ele trouxe o perigo para casa com ele na forma de uma cesta de palha. Ele não
era um cavaleiro verdadeiro e nobre.

Por que, então, ele foi poupado?

Foi porque ele tocou nas relíquias? Elas tinham poder além de sua existência
como prova de sua fé? Ou era o fato de que ele não usava o manto de lã, mas sua
armadura? Havia apenas uma maneira de testar isso, mas ele não podia suportar a
ideia de usar o traje do monge novamente. Ou teria sido o unguento que a Irmã
Agnes dera a Julianna? Ele tinha sido fiel em usar a preparação. Poderia possuir
algumas propriedades não conhecidas anteriormente? Ou, talvez o mais difícil de
suportar, e se aquele médico que o viu pela primeira vez e o rotulou de leproso não
fosse verdadeiramente versado em conhecimento? E se ele simplesmente estivesse
enganado?

Ele estava simplesmente condenado para sempre a se perguntar? Aceitar


sem questionar? Um sorriso cruzou seu rosto quando lhe ocorreu que acabara de
definir o verdadeiro significado de um milagre.

Nesse momento, Julianna se virou e sorriu para ele. Suas jovens aprendizes
se derreteram com a aparência dele. Eram tímidas, e ele estava mais acostumado a
induzir medo do que agrado. Além disso, ele não tinha paciência para essas coisas
que o separavam de sua esposa.

Ele se aproximou do caldeirão, parado apenas por um odor nocivo. Ele


cheirou. — O que é esse fedor?

— É a preparação que uso para o meu pergaminho — disse ela.

— Por que tem um cheiro tão odioso?

Ela sorriu.

— Você não quer saber, Sebastian.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— É água, Sebastian.

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— Água? — Ele olhou para o caldeirão, um que ele reconheceu da coleção
do ferreiro. O conteúdo era amarelo pálido e espumoso. Por um momento ele ficou
sem palavras. Parecia que a maior parte do castelo havia despejado seus penicos
noturnos na vasilha. Ele se virou e levantou uma sobrancelha para sua esposa
sorridente.

— Bem, não é qualquer água — ela confessou.

— Por que você usaria uma coisa dessas?

— Ajuda a tirar os últimos pelos do couro, Sebastian.

— Então, vamos ter esse odor por quantos dias?

— Alguns — ela confessou. —, mas você vai se acostumar com isso.

— Eu vou?

— Bem, depois que o couro for cozido nele. Também cheira bem. — Ela
sorriu brilhantemente para ele.

Seu cabelo estava torto, mechas úmidas grudadas em suas têmporas. Seus
olhos estavam brilhantes de entusiasmo, suas bochechas coradas. Ele nem tentou
esconder seu encantamento.

— Você estaria disposta a se afastar um momento de suas tarefas vis?

Enquanto ele observava, a cor de suas bochechas se aprofundou. Ele riu,


puxou-a para seus braços e a beijou até que suas orelhas ficaram escarlates. Não
falou mais, apenas agarrou a mão dela e a puxou com ele, acenando para os rostos
sorridentes pelos quais eles passavam. Ele sabia muito bem o que eles pensavam, e
tinha planos para isso também, mas primeiro queria dar a ela sua surpresa.

— Por que devo manter meus olhos fechados? — ela perguntou enquanto
ele a conduzia para o quarto que um dia foi dela. Ele não respondeu, simplesmente
a empurrou para o centro da sala.

— Eu sei que você está praticando — ele disse gentilmente. — para um dia
em que poderá escrever novamente. E quando você fizer isso, precisará de um
ambiente melhor.

Seu antigo quarto havia sido convertido em um scriptorium, mas não em


qualquer lugar onde um escriba pudesse trabalhar. Esta sala era iluminada pelos
raios do sol, capturados de prismas montados no teto. Mas essa não era a única
maravilha cátara que foi copiada. A janela que outrora dava para a horta foi
substituída por uma série de aberturas para permitir a entrada de ar fresco na sala.
Mas onde as de Montvichet estavam abertas permanentemente, estas tinham
pequenas persianas que podiam fechar durante o tempo frio.

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A escrivaninha, no entanto, era a maior inovação. Em vez de ser
simplesmente uma superfície lisa sobre a qual ela poderia escrever, a estrutura era
formada em três partes, uma unidade central e duas áreas laterais de mesma altura.

Devagar, ela deu a volta, então se sentou no banco acolchoado e olhou em


volta. À sua direita havia um lugar para guardar suas tintas em pó. À esquerda, uma
longa prateleira para pergaminho em branco. A superfície da mesa principal estava
dividida, um lado para o pergaminho que ela estava copiando, o outro para o
original, ambos levemente inclinados. Havia dois buracos esculpidos no topo e
dentro desses reservatórios gêmeos feitos de vidro. Um seguraria a tinta que ela
misturava para o dia, o outro suas penas.

Em cima da escrivaninha havia um grande cofre. Ela olhou para ele


interrogativamente, mas ele apenas sorriu. Ela lentamente abriu a tampa. Dentro
havia uma bandeja, separada em seções. Ela levantou a bandeja e colocou de lado.
O corpo do cofre era preenchido com uma caixa quadrada. Ele não disse nada ao
olhar dela, apenas balançou a cabeça.

Ele se recostou na parede, cruzou os braços, tão fascinado quanto ela. Não
pelos presentes, mas pela reação dela.

A caixa era esmaltada, seus cantos arredondados. Ela removeu o topo com
cautela. Uma fina folha de pergaminho estava no topo. Um suspiro de admiração
escapou-lhe.

— A pele de Goldbeater — ela sussurrou com admiração. Sob a membrana


fina e endurecida havia mais de cem folhas de ouro batido.

Ela olhou para ele, em seu rosto o olhar que ele desejava poder manter para
sempre. Assombro e alegria, ambos contidos em seus olhos e sua expressão de
admiração.

— Como você soube, Sebastian? Como você ficou sabendo que eu sempre
quis trabalhar com ouro?

— Sua abadessa providenciou. Pedi-lhe que me enviasse tudo o que um


escriba sonharia em ter.

— Mas nunca trabalhei com ouro, Sebastian. Eu posso desperdiçar um


pouco disso.

— Então você vai aprender — disse ele, seu sorriso vindo de dentro. Ela
parecia tão séria, tão sincera. O que importava se ela desperdiçasse algumas folhas
de ouro? Ele teria dado sua vida por ela.

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— Foi uma boa colheita, Julianna. E meu resgate está cumprido. Não me
diga que você vai se transformar em uma esposa irritante, me dizendo onde gastar
meu dinheiro?

Ela balançou a cabeça, seus olhos enevoados.

— Você não viu o restante — disse ele, as palavras tendo que viajar ao redor
da pedra em sua garganta para serem pronunciadas.

Ela olhou dentro da bandeja. Havia cinco bolsas de couro com cordão, cada
uma delas contendo um pó diferente.

— Vermelhão — ela sussurrou enquanto abria o primeiro. Ela olhou para


ele. — Sebastian, você sabe o quanto isso é caro? Apenas a abadessa tinha
permissão para usá-lo.

Ele ergueu uma sobrancelha. Ela sorriu e voltou para a bandeja.

— Lápis e orquídea, azurita14 e orpimento15 — disse ela, depois de abrir


todos eles.

— Que cores produzem?

— O lápis e a azurita são azuis, os mais belos tons de azul. E o orpimento é


amarelo. O vermelhão, é claro, é escarlate.

— Orquídea?

— Roxo — ela disse suavemente. Seus dedos tocaram a bandeja, e quando


ela finalmente se virou para ele, seu sorriso era radiante.

— Eu te fiz feliz? — ele perguntou, e deu um passo em direção a ela, puxou-


a do banco para seus braços.

— Oh Sebastian, eu sou feliz mesmo quando você não faz nada.

— Permita-me o prazer, então — disse ele, virando o rosto dela contra seu
peito.

O dia estava claro, o tempo bom, a colheita havia chegado e não havia
Templários no horizonte. Ele havia agradado sua esposa.

14 Azurita é um mineral do grupo dos carbonatos.

15 Orpimento é um mineral amarelo e o brilho dourado, povos antigos o utilizavam como pigmento de tintas.

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Ele fechou os olhos. Um homem deveria se contentar com um dia assim.
Mas então, havia os pergaminhos e o códice 16 que pulsava sua presença mais alto a
cada dia como uma entidade viva.

16Códice é composto de folhas dobradas costuradas ao longo de uma aresta. É originário do século I e é considerado o precursor
do livro. Distingue-se de outros veículos de escrita, como o Rolo e a tábua de argila.

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Capítulo 42

— Eu suspeitava disso, milady — disse Grazide. Ela entrou no scriptorium


carregando uma bandeja. Bateu a porta com o traseiro, franziu a testa para
Julianna. — Quando não vejo você ou o senhor na mesa do meio-dia, sei que é uma
de duas coisas. Ou você colocou na cabeça fazer um herdeiro para Langlinais, e
está na hora também. — Julianna podia sentir seu rosto em chamas. — Ou ele está
no pátio inclinado e você está neste lugar.

— Então deduzo que meu marido está praticando com seus escudeiros?

Grazide pousou a bandeja na ala da escrivaninha de Julianna.

— Não, é um dia muito úmido e cru para isso. Não faço ideia de onde ele
está, milady. Na verdade, eu pensei que ele estava com você. Sem dúvida ele está
com os pedreiros ou mexendo naquela porta especial. — Não era segredo em
Langlinais que Sebastian havia explicado sobre a porta secreta dos cátaros para
seus pedreiros em um esforço para duplicá-la.

— Mas para o caso de estar aqui escondida, milady, trouxe-lhe algo para
comer. Um pouco de pão e queijo e uma boa cerveja Langlinais. Isso vai forrar seu
útero e torná-lo fértil.

Julianna piscou para ela, mas obedientemente pegou a taça da bandeja.


Sebastian riu da ideia de que ela sempre foi tímida, elogiava sua ferocidade
ocasional, mas diante de Grazide ela ainda se sentia tão indefesa quanto uma
criança. Agora sua atendente estava diante dela, batendo o pé e franzindo a testa
para ela, de modo que Julianna não teve escolha a não ser arrancar um pedaço do
pão e começar a mordiscar. Julianna suspirou, embora silenciosamente. Cada dia
se aproximava mais o momento de ela voltar a ser capaz de formar suas letras.
Tanto que ela ansiava por praticar. Mesmo agora conseguia segurar uma pena no
ângulo certo, e ela tinha sido capaz de desenhar um glifo, embora fosse mais
desajeitado do que seu esforço habitual. Mas talvez a trégua tornasse a escrita mais
fácil quando ela voltasse à sua tarefa.

— Achei que a encontraria aqui — disse Sebastian enquanto abria a porta.


— Eu não construí isso para ser sua gaiola, Julianna. — Grazide sorriu com
aprovação ao comentário antes de sair da sala. Julianna apenas revirou os olhos e
continuou comendo.

— Você fica sentada nesta câmara por muitas horas. Você precisa de algo
diferente de sua leitura.

Meu Amado – Karen Ranney


Ela estreitou os olhos para ele.

— Por que eu acho que você não está sendo totalmente sincero, Sebastian?
Suspeito que deseje uma revanche da partida de xadrez que jogamos ontem.

Ele sorriu levemente.

— Se você tiver tempo.

— Você não gosta quando eu ganho.

Sua carranca atual imitava a que ele tinha usado o dia todo ontem.

— Sou um homem melhor que isso, Julianna. Além disso, foi apenas uma
vez.

— Então por que você foi embora quando eu ganhei?

— Jerard precisava do meu conselho.

Seu sorriso não podia mais ser escondido.

Ele se aproximou, inclinando-se sobre o prato dela. Ela segurou um pouco


de queijo contra os lábios dele e sua mordida abrangeu tanto a comida quanto uma
porção de seus dedos.

Ela riu e puxou a mão.

— Você tem o início da autocracia em sua natureza, Sebastian — disse ela


suavemente.

— De fato?

Ele circulou a mesa, puxou-a do banco. Ela caiu em seus braços. Ele se
inclinou e, em um movimento que a assustou, soltou seu cinto, então agarrou a
bainha de sua roupa e puxou a túnica sobre sua cabeça.

Ela se engasgou.

— Sebastian, Grazide… — Isso foi o que ela conseguiu antes que os lábios
dele se fechassem sobre os dela.

— Autocracia? — ele murmurou quando ela emergiu do beijo. — Talvez


você tenha razão, Julianna. Estou me sentindo despótico no momento.

Ele deu um passo para trás e se atrapalhou com as penas dela, selecionando
uma que tinha sido recentemente afiada. Seus dedos beliscaram uma dobra do
linho de sua túnica; a pena perfurou o material facilmente. Ele inseriu um dedo e
lentamente puxou o tecido até que havia um espaço de mais de um palmo. Seus
olhos se arregalaram quando os dedos dele tocaram sua pele. Um suspiro escapou
dela quando uma palma quente cobriu um seio aquecido.

Meu Amado – Karen Ranney


— Xadrez não, então — ela disse baixinho — mas outro jogo.

— Você não pode me culpar, Julianna. Tenho uma mulher que me escraviza
como Circe17.

Sua cabeça caiu para trás enquanto os dedos dele acariciavam sua carne.

Com as duas mãos ele rasgou o material de sua túnica até a bainha. Outro
puxão rápido e rasgou. A túnica estava pendurada em seus ombros, e ele estendeu
a mão pelas dobras, as palmas das mãos varrendo sua pele.

— Você sabia que eu costumava sonhar com você? — ele perguntou, sua
atenção voltada para o rubor que envolvia seus seios. Um dedo brincava com um
mamilo, como se o encorajasse a alongar.

Ela balançou a cabeça. Suas mãos agarraram seus braços.

— Não devemos nos retirar para o nosso quarto, Sebastian?

Ele sorriu.

— Mime-se, Julianna. Você nunca desejou ser impertinente?

— Apenas as crianças são impertinentes — disse ela. Os olhos dela o


observaram, arregalados quando ele pegou a caixa esmaltada e abriu lentamente.
Ele a segurou a apenas uma polegada de seu corpo, se inclinou e soprou
suavemente. Uma folha de ouro esvoaçou do interior para ser pega em sua palma
aberta. Ele colocou a folha de ouro levemente martelado em seu peito. Uma
respiração suave foi o suficiente para o ouro se estilhaçar, a poeira brilhante
banhando sua pele. Um toque de um dedo o espalhou da curva inclinada ao
mamilo, tornando-o coral e dourado.

— Você não é mais criança, milady esposa.

Ela balançou a cabeça, fechou os olhos quando seu dedo com ponta de ouro
roçou suavemente entre seus seios, cobrindo sua pele.

— Sebastian, eu realmente acredito que devemos nos retirar para o nosso


quarto.

— Você nunca foi tímida em meus braços, Julianna. É seu desejo ser assim
agora?

Ela abriu os olhos.

17Circe deusa feiticeira na mitologia grega, tinha uma natureza dualista: era deusa da Lua Nova, do amor físico, dos encantamentos
e sonhos que revelavam o futuro, mas também das vinganças, maldições e da magia negra.

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— Fizemos amor em quase todos os quartos de Langlinais, Sebastian. Uma
esposa tímida não faria isso.

— Ah, mas essa é minha Julianna nua. Desprovida de roupas ela é uma
sereia. Vestida, ela é tímida e quieta. — Ele se inclinou para capturar a boca dela
com a sua. Um beijo quente e carnal, atraindo-a para a febre. Como acontecia cada
vez que ele a tocava.

— Talvez ela esteja apenas conspirando em silêncio — disse ela, afastando-


se dele, um pequeno sorriso erguendo os lábios. Ela pegou a mão dele e apertou
contra o peito. Seu sorriso se alargou. — Talvez ela esteja lendo Ovídio18
novamente e pensando em todo tipo de coisas que ela poderia fazer com um
marido que é um cavaleiro, mas possui um sorriso malicioso e mãos talentosas.

Ele estendeu as mãos para os ombros dela. Seu polegar com ponta de ouro
roçou seu pescoço, deixando um rastro brilhante.

— Então faça comigo o que quiser, Julianna. Enquanto isso, vou satisfazer
um sonho que tive.

— Você sonhou comigo? — Suas palavras pareciam acaloradas, mas ele


tinha aquela capacidade de comovê-la, de envolvê-la em pensamentos que eram
somente dele, de envolvê-la em paixão. Ela às vezes ficava sem fôlego
simplesmente ao lembrar como se sentia quando ele a penetrava, seu corpo o
acolhendo, relaxando para ele.

— Você encheu minhas noites desde que veio para Langlinais. — Seus dedos
se curvaram ao redor do seio dela. Ele inclinou a cabeça e beijou o ombro onde
estava a outra mão, então arrastou os lábios pelo seio.

Um tremor pareceu deslizar sobre sua pele ao toque dele. Sua respiração
acelerou.

— Quente e atraente. — Com a língua provou a pele brilhante entre os seios.


A palma roçou um mamilo que estava quente e arrepiado. O polegar roçando nela
enquanto ele beijava delicadamente o lado de seu pescoço.

Ele a beijou novamente, roçando sua boca com suaves carícias. Pequenas
manchas de ouro brilhavam em sua boca e ela estendeu a mão e traçou sua língua
sobre aqueles lábios, limpando-os.

18 Ovídio foi um mitólogo, escritor e poeta romano. É considerado, por muitos estudiosos, um dos maiores poetas do final do século
I a.C. e início do século I d.C. Sua principal obra é A Arte de Amar. Muitas de suas obras são excelentes fontes para o estudo e
entendimento da mitologia romana.

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Ela puxou a túnica arruinada de seus ombros, ficou nua diante dele. Seu
sorriso parecia ousado. Seus olhos pareceram escurecer quando ele olhou para ela,
mas ela não se moveu para se cobrir.

— A visão em meus sonhos é uma pobre réplica sua, Julianna — disse ele,
com a voz áspera.

Ela se ajoelhou diante dele no chão, recolhendo sua túnica arruinada para
servir de colchão. Foi ela quem pegou a mão dele e o incitou a se aproximar dela,
com o decoro e a timidez esquecidos. Ele a beijou, abrindo caminho para um
vórtice de escuridão e desejo. Ele tirou a túnica e ela o beijou novamente. Cada
peça sucessiva de roupa que ele removia era marcada e recompensada por um beijo
acalorado. Ele a deitou, em seguida, enfiou os dedos com pontas de ouro em seu
cabelo, segurando-a imóvel enquanto saqueava sua boca.

Ela se manteve quieta, sua respiração capturada em um suspiro quando ele


se sentou, pegou a caixa esmaltada e a abriu. Um sopro deslocou outra folha de
ouro, que tremulando caiu na barriga de Julianna. Ele afastou-a com os dedos, com
a palma acariciou a curva de seu quadril, então parou na junção de suas coxas. Ele
a observou quando um toque suave de dois de seus dedos dourados roçou o pó
dourado sobre os cachos delicados, tocou-a intimamente.

Um suspiro suave e indefeso escapou dela. Ela fechou os olhos enquanto ele
a pintava com uma respiração e o toque requintadamente delicado da ponta do
dedo. Ela abriu as pernas, acolhendo-o e sem uma palavra ele continuou a acariciá-
la suavemente. Seus dedos eram gentis, porém exigentes. Ela abriu os olhos e o
encontrou sorrindo para ela.

A paixão estava crescendo, o momento logo ali quando o mundo ficou


aquecido e branco ela se quebrou em cem pedaços. Ela nunca sentiu isso sem ele.

— Não. — Sua cabeça se moveu de um lado para o outro.

Seu pequeno sorriso era perversamente encantador, mas resoluto.

— Sim.

— Por favor, Sebastian. — Sua respiração estava vindo muito rápida, havia
aquela sensação de fogo em sua corrente sanguínea, um peso entre suas coxas, uma
antecipação muito intensa para ser suportada por muito tempo.

— Agora?

— Sim. — ele suspirou suavemente, mas não a penetrou. Em vez disso, sua
boca desceu para conceder o mais íntimo dos beijos. Um golpe de língua intrusiva
a jogou no vazio branco. Ela o chamou ele se levantou e a abraçou com força, estava
ali quando terminou e ela ficou inteira novamente.

Meu Amado – Karen Ranney


***

Ela estremeceu, mas não de medo. Os soluços dela o desarmaram; seu voo
sem esforço para o êxtase o envolveu em orgulho. Ela se desfez em seus braços, e
isso o encantou.

Ele havia casado com ela quando ainda era um menino. Não a conheceu até
poucos meses atrás, mas nesse tempo ela mudou sua vida, tornou-a mais brilhante.
Lhe trouxe alegria, aceitação e curiosidade. Ele teria a amado, ou foi necessário o
conhecimento de sua própria mortalidade para transformá-lo do jovem que tinha
sido em um homem digno de Julianna? Ele teria visto além de sua beleza para a
alma dela? Será que ele sabia que quando ela ria era quase com uma nota de
surpresa, como se o som a tivesse surpreendido? Teria visto o quão é apaixonada
por seu trabalho?

Ela havia chorado pelas mulheres e crianças cátaras, com uma generosidade
de espírito que ele testemunhara e que o humilhara. Ele teria apreciado, o homem
nele que não tinha sido testado, a mulher que ela era, que amava profundamente,
sem restrições? Ou talvez essas perguntas não fossem importantes, afinal. Ela
estava ali e ele também, inteiro e imaculado.

— Você está satisfeita, Julianna?

— Não — ela disse, a voz sombria. Surpreso, ele levantou a cabeça e olhou
para ela.

— Não tanto quanto quando você está em mim, Sebastian. — Seus olhos
brilhavam, o rosto corado, e havia um pequeno sorriso brincando em seus lábios.
Alguma vez ele acreditou que ela seria capaz de dizer tais palavras para ele, ou que
seu olhar seria cheio de protestos? Tímida Julianna? Será que realmente existiu?

Ela o empurrou de costas e o segurou ali, uma palma colocada em seu peito.
A caixa aberta novamente. Ela lambeu dois dedos e os pressionou contra a folha de
ouro que agarrou-se a seus dedos.

Ele queria estar nela, mas diminuiu o passo, curioso para saber o que ela
faria. Ela colocou o ouro entre suas coxas, sobre sua carne ereta e tensa. Ele fechou
os olhos ao sentir os dedos dela roçando contra ele, cobrindo-o exatamente como
tinha feito com ela. A hesitação do toque o fez abrir os olhos novamente.

Ela parecia estudá-lo, examinar seu adorno tão de perto quanto faria com
um de seus manuscritos. Ele levantou a cabeça e olhou para si mesmo. Ele brilhava
como um ídolo.

Ela curvou os dedos em volta dele, apertando-o levemente.

Meu Amado – Karen Ranney


— Tive o pensamento mais estranho, Sebastian — disse ela, seus dedos
deslizando em deliciosa tortura sobre sua carne. — Seu falo não é diferente de uma
pena, eu acho. — Seu sorriso suave e ousado o assustou. Assim, também, a bolha
de riso em seu peito. O momento parecia tão cheio de paixão que o humor era uma
emoção estranha de se sentir. Mas ele sufocou de volta, e trouxe sobriedade em vez
disso.

— Não sou substancialmente maior que uma pena? — Seu sorriso liberou
um pouco da felicidade boba que sentia.

Ela baixou a cabeça e o beijo suave e íntimo baniu qualquer humor. Um


gemido sem palavras ocupou seu espaço.

— Você escreve lindos poemas de amor, Sebastian. — Seu sorriso com ponta
de ouro era provocante e cheio de promessas.

— Se isso for resultado de suas leituras, minha senhora esposa, enviarei à


abadessa — disse ele, as palavras empurradas através de uma nuvem de requintada
agonia — e implorar-lhe-ei que me envie mais alguns de seus textos mais
audaciosos.

Ela voltou para sua tarefa, e ele foi presenteado com a sensação mais
estranha de lábios sorridentes roçando sua carne.

Ele se levantou e a virou de costas, pairando sobre ela.

Ela ondulava debaixo dele roçando os seios contra seu peito, quadris e coxas
arqueadas, um toque provocante.

Ele olhou para ela, congelado em admiração pela visão. Ela estava com os
olhos fechados, e o rosto corado. Em sua bochecha, o começo de uma trilha
brilhante que levava às generosas curvas de seus seios. Seus mamilos estavam
inchados e tingidos de dourado, suas coxas abertas brilhavam com ouro.

Ele tentou se conter, fazer o momento durar, tornar sua união ainda mais
fervorosa e desejada. Mas em algum lugar entre as palavras desse pensamento se
arrastou outro… ele precisava estar nela agora ou morreria.

Ele se moveu para trás, ajoelhando-se, e puxou-a para ele, as pernas dela
curvando-se ao redor de seus quadris. A posição o empurrou mais fundo nela, e ela
estava lisa e pronta para ele.

Os braços dela envolveram o pescoço dele enquanto ela se pendurava nele.


Ela choramingou, não tanto em angústia quanto em desejo. Suas mãos
pressionaram os quadris enquanto ele se levantava embaixo dela.

Meu Amado – Karen Ranney


Ele cobriu seus seios com beijos, ungiu seu pescoço com mordidas suaves,
soprou em seu ouvido palavras que ele uma vez pensou com tanta ferocidade.

— Minha, Julianna. Você é minha.

Seu murmúrio inarticulado era suficiente para apaziguar a possessividade


súbita e feroz.

Quando ela gritou de alegria, ele cobriu seus lábios com os dele, para manter
seu som de êxtase em segredo junto ao dele. Logo ele se juntou a ela, seus lábios
apertados sobre um grito que exigia ser ouvido. Ele estava perdido na sensação
dela, à deriva nas ondulações que uniam seus corpos e uniam as extremidades
cruas de suas almas.

Mais tarde, muito tempo depois, ele se abaixou no chão, puxando-a para
perto. A cabeça dela estava virada contra seu ombro, e o braço sobre seu peito. Ele
acariciou a mão em sua barriga, arrastou os dedos empoeirados de ouro aos seios
trêmulos. Ambos estavam fracos demais para se mover.

Ela respirou as palavras em sua pele. — Não me sentirei tão culpada agora
se desperdiçar uma ou duas folhas de ouro.

Sua risada renasceu novamente e ecoou por toda a sala.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 43

Ela estava com frio, embora o quarto estivesse quente. O frio vinha de
dentro dela e tinha apenas algumas horas. Julianna desceu do banco e subiu as
escadas em espiral até o topo da torre. Ela agora podia ficar nas ameias e saborear
a vista. O vento do outono varreu sua saia em torno de seus tornozelos, afastou o
cabelo de seu rosto. Langlinais estava banhada pela luz de um sol de fim de tarde,
o brilho alaranjado dando às pedras um tom amarelado. De algum lugar veio o som
de uma risada, uma brincadeira compartilhada, uma piada obscena.

Sebastian estava no pátio de exercícios, treinando alguns de seus pretensos


cavaleiros. Ele estava usando o pobre Jerard como uma lição prática. Jerard era
forte e alto, mas não era páreo para seu senhor em força ou largura. O que tornava
Jerard valioso não era tanto sua habilidade com a espada, mas sua lealdade.

As habilidades da mente de Sebastian a encantavam, seu humor a


surpreendia. Sua força de vontade a humilhava. Quando ele a tocava, todos os
pensamentos, exceto os voltados a ele, voavam de sua cabeça. Ela morreria por ele.
Mas ele não tinha pedido a ela. Em vez disso, ele havia desafiado sua mente e
encantado seu corpo. Sebastian de Langlinais não era um homem comum.

Os habitantes de Langlinais não pareciam se importar que ele não fosse mais
tão devoto. Ele ria muito, e um sorriso estava quase constantemente em seu rosto.
Passava um bom tempo entre os aldeões, ajudava-os a redigir uma carta, convidava
alguns membros das guildas em crescimento para fazer suas casas ali. Acolhia os
rapazes mais pobres para treinamento e havia prometido a eles cargos como
escudeiros e eventual título de cavaleiro se eles se mostrassem dignos. Não que ele
não visse a linha entre a nobreza e a servidão. Era como se ele a movesse sutilmente
de vez em quando, permitindo que os inclinados avançassem como quisessem.

Parecia deleitar-se com a força de seus membros, com o fato de poder viajar
para o exterior sem estar vestido com uma túnica oculta. Os soldados, com os quais
ele praticava, estavam ansiosos para demonstrar sua própria habilidade, mas era
óbvio quem seria o vencedor. Havia, no entanto, ainda momentos em que ele ficava
quieto demais, quando parecia preso em pensamentos. Muitas vezes, ele ficava na
torre e olhava para o sul, como se esperasse que o exército dos Templários invadisse
sua terra. Era um fato triste que eles sempre precisassem estar preparados para a
agitação. E, talvez, para os Templários.

A arrogância emergiu de seu desespero, e ninguém além dela tinha coragem


de dizer-lhe quando estava sendo autoritário. Ele levantava a sobrancelha e parecia

Meu Amado – Karen Ranney


muito nobre em tais ocasiões, e ela tremia, mas não de medo. Ao contrário, com o
quanto ela o amava. O sentimento, ela sabia, que ecoava tão fortemente nele.

Havia momentos em que ela simplesmente o observava. Às vezes, ele estava


no meio de uma conversa e olhava para cima como se sentisse que ela o estudava.
Ele a encontrava imediatamente, seus olhares se encontrando entre a multidão que
os cercavam. Havia uma expressão em seu rosto que ela tinha certeza de que usava,
uma de espanto e admiração que tal coisa tivesse acontecido com eles. E nessas
ocasiões, ela pensava, como antes, que talvez fosse possível falar com ele por
telepatia.

Amado.

Ele olhou para cima, como se a tivesse ouvido.

Sebastian sabia, é claro. Ele tinha isso. Este era o verdadeiro segredo, o
verdadeiro tesouro. Não as relíquias. Mas o documento que ela tinha lido com os
olhos arregalados e incrédulos.

Ela fechou os olhos, forçou uma respiração profunda. Seria essa a razão de
De Rutger estar tão desesperado para matar os cátaros? Não pelo tesouro, nem
porque fossem hereges, mas pelo que acreditavam? Nesse caso, o mesmo perigo foi
transportado para Langlinais. Ela estremeceu, um movimento mais da mente do
que do corpo. Oolhou para o pátio de exercícios. Sebastian não estava mais ali.
Com um sentimento que ela veio a aceitar, sabia que ele estava vindo até ela. Ele a
tinha visto no topo da torre? Sabia, de alguma forma, o que ela tinha encontrado?

Ela voltou para o scriptorium, sentou-se novamente em sua mesa. O códice


permaneceu em sua mesa, a tampa de madeira fechada. Ela o encontrou, enterrado
sob os pergaminhos, fechou-o com força quando leu a explicação de uma longa
lista de nomes. Ela abriu o livro novamente, leu as palavras latinas que iniciavam o
trabalho.

“Oh leitor, perdoe-me no amor espiritual, e perdoe a ousadia daquele que


escreveu, e transforme seus erros em bem místico.” Um colofão que ela já lera antes,
um sentimento frequentemente adotado por escribas conscienciosos.

O códice era uma série de páginas de pergaminho encadernadas e contidas


em uma capa de madeira. O prefácio afirmava que eram as traduções latinas dos
mais antigos dos pergaminhos, aqueles escritos em grego e hebraico. Esses mesmos
pergaminhos eram mantidos em um cofre lacrado em sua câmara. Somente na
última semana eles estiveram próximos, permanecendo no scriptorium para que
ela pudesse estudá-los.

Meu Amado – Karen Ranney


O pergaminho à sua frente era um dos mais antigos dos mais de cem
originais enfiados na cesta. Em algum lugar em seu passado, o pergaminho ficou
molhado e, consequentemente, ficou rígido nos cantos.

Ela não lia grego. Não havia ninguém no convento para encontrar tempo ou
conhecimento para ensiná-la. A outra língua que ela também não conhecia, uma
série de letras curvas e envolventes, bonitas em sua arregimentação. Ela supôs que
deveria ser hebraico.

Ela nem se atreveu a colocar os dedos no pergaminho. Era tão frágil que um
pedaço se desprendeu em seus dedos. Quantos anos tinha? Mil anos? Menos?
Mais?

Foi por isso que os escribas cátaros os copiaram, por causa de sua
fragilidade? Ou por que a maior parte do mundo eclesiástico sabia ler latim?

Um dos pergaminhos consistia em uma escrita que se sobrepunha à escrita


original, um palimpsesto19. Quanto mais nova a tinta, mais fácil era removê-la. Ela
mesma reutilizava o pergaminho simplesmente limpando a tinta com uma esponja,
depois molhando a superfície com cuidado, deixando-a secar, depois raspando-a
suavemente. Esse mesmo procedimento não funcionava tão bem com tinta velha,
porque tinha a chance de comer o pergaminho. Parecia que este pergaminho havia
sido salvo não por causa das palavras escritas mais tarde, mas por causa do texto
anterior não completamente obliterado.

Ela levantou a cabeça e Sebastian estava ali, coberto de poeira, o cabelo


molhado de suor contra sua cabeça, o capacete de alguma forma descartado no
espaço ao lado dela.

Ele estendeu a mão para ela e por um momento ela não pensou em nada. Só
que sua boca desceu até a dela, o frio de seus lábios rapidamente se transformando
em calor.

Ele se afastou, olhou além dela para os pergaminhos que estavam abertos
sobre sua mesa, para o códice sob sua mão esquerda.

— Você encontrou, então.

Ela olhou para ele sem surpresa.

— Você sabia que eu encontraria.

Ele assentiu.

— Você acredita no que leu? — ele perguntou.

19 palimpsesto é pergaminho cujo texto primitivo foi raspado, para dar lugar a outro .

Meu Amado – Karen Ranney


— Uma vez você me perguntou o que eu faria se percebesse que o céu estava
verde. Que sempre foi verde, mesmo quando eu pensava que era azul. Este é o meu
céu verde, Sebastian?

Ele sorriu.

— Sim. Eu mantive o segredo por muitos anos. Eu escovei a beira do perigo


fazendo essa pergunta.

— Mas a linhagem de Cristo, Sebastian. — Ela gentilmente tocou a borda


do pergaminho. O choque que ela sentiu inicialmente se transformou em
dormência.

— Pelo que eu entendo sobre sua religião, os cátaros acreditavam que o


homem é intrinsecamente mau. E assim, Cristo como homem, nunca poderia ser
divino. Tal princípio de fé os colocou em um curso de oposição à Igreja. Você
acredita nisso?

— Não, mas duvido que importe o que você ou eu acreditamos, Julianna —


disse ele. — Os cátaros acreditavam, e fizeram um grande esforço para provar que
Cristo se casou e que sua esposa e filho escaparam de Jerusalém. Eles acreditam
terem traçado a linhagem quase até os dias atuais.

— Por que você não me contou antes, Sebastian?

Seu sorriso era terno.

— Esses pergaminhos podem abalar os alicerces do mundo como o


conhecemos, Julianna. Até mesmo um pequeno indício de sua existência será
suficiente para nos trazer perigo. Não desejo para você o destino dos cátaros.

— Então por que está me dizendo agora?

— Porque você, Julianna — disse ele, o sorriso sumindo, um olhar sombrio


substituindo-o. — é minha esposa. Porque você merece saber do perigo que eu
trouxe para Langlinais. Porque se algo acontecer comigo, você precisa estar
preparada. E pela maior razão de todas: já houve muita decepção em nossa vida.
Não quero que haja mais segredos entre nós.

— Você acha que eles sabem sobre os pergaminhos?

— Os Templários ou a Igreja?

— Qualquer um. Ambos.

— Duvido que os Templários saibam, senão não teriam aceitado o cálice


com tanta facilidade. Quanto à Igreja, tenho minhas suspeitas, mas nenhuma
prova.

Meu Amado – Karen Ranney


— Você fez a cruzada para encontrar sua fé, Sebastian?

— Talvez — disse ele, passando o dedo pelo fundo do pergaminho curvo. —


Isso quebrou a sua, Julianna? Ou apenas fez você ter mais certeza do que nunca de
que o que você acredita é verdade?

Ela pensou na pergunta dele:

— Minha fé não foi abalada, Sebastian. A fé é uma crença que não se baseia
em provas. Ela existe por conta própria, fica por conta própria.

— No entanto, as pessoas procuram objetos — disse ele — para reforçar


essa fé. Pedaços da verdadeira cruz, a mortalha de Cristo.

— Relíquias que permanecem em nossa câmara.

— Elas não estão lá, Julianna. — Ao seu olhar, ele sorriu. — Tirei-as do cofre.
Sua abadessa já as tem há algumas semanas. Elas pertencem ao mundo, não a nós.
Eventualmente, tenho certeza, elas encontrarão o caminho que as levarão a ser de
conhecimento da humanidade.

— Por que não enviá-las ao Papa?

— E alimentar a batalha que está se formando, Julianna? Não, sua abadessa


tomará a decisão quando chegar a hora. Não tenho dúvidas de que ela escolherá o
lugar apropriado para as relíquias.

— E os pergaminhos, Sebastian? Qual o lugar deles?

— De onde eles vieram?

Sua pergunta a surpreendeu.

— Duvido que os cátaros os tenham criado. Suspeito, que em suas viagens


para obter relíquias, que eles tropeçaram em sua existência. Seus escribas
compilaram o códice, mas os pergaminhos são muito mais antigos. Onde eles se
originaram?

Ela balançou a cabeça.

— Não há nada além de perguntas, não é, Sebastian?

Ele sorriu.

— Mais perguntas do que respostas, Julianna. Os cátaros teriam todos os


motivos para fomentar um mito, especialmente porque ele corresponde tão
precisamente às suas próprias crenças. Ou talvez eles os considerassem
verdadeiros. Meu palpite é que o que quer que eles acreditassem, planejavam usá-
lo para desacreditar ou até confundir a Igreja.

Meu Amado – Karen Ranney


— Por que não trocaram os pergaminhos pela própria segurança?

— Acho que eles sabiam que era tarde demais. Por que entregar seu tesouro
quando tinham certeza de que seriam mortos? Lembre-se, naquela época, os
homens já haviam sido queimados na fogueira.

— Foi por isso que Madalena mandou chamar você, para que o segredo fosse
preservado?

— Eu me fiz essa mesma pergunta durante todo o período que passei na


prisão. — Ele sorriu, uma expressão estranha para o momento. — Por que ela
confiou seu segredo para mim? Mesmo depois de um ano, eu não estou mais perto
de uma resposta.

— Talvez ela soubesse que você valorizava o conhecimento, Sebastian. E


que você não era tão intolerante com aqueles que pensavam diferente.

Suas mãos estavam apoiadas em seus quadris. Ele havia tirado as luvas, mas
por outro lado ainda permanecia blindado. Sua espada balançou facilmente contra
seu corpo. Ele estava confortável com isso, à vontade com o fato de que poderia
trazer a morte com uma fatia dele.

— Sou tão falho quanto qualquer homem, Julianna. Mas a morte de


Madalena me fez desejar que tal ato não se repetisse. E talvez eu não pudesse
destruí-los por causa dela.

Ele olhou para o parágrafo que ela havia estudado por tanto tempo. O início
de uma linhagem de quase mil anos, um registro cuidadosamente escrito de
nascimentos, casamentos e mortes que terminaram duzentos anos antes. —
Encontrei o códice primeiro. Estava em cima da cesta, como se Madalena quisesse
que eu o descobrisse. Lembro-me do momento em que li estas palavras.

Ela olhou para a mesa.

— O que fazemos com eles, Sebastian?

Ele sorriu.

— As escolhas ocorrem com a mesma facilidade com que ocorreram


comigo. Se os enviarmos à Igreja em segredo, temos que estar preparados para
nunca saber as respostas. Se enviarmos aos Templários eles podem ser usados para
alimentar seu poder. Destrua-os.

— Ou esconda-os novamente.

— O que seria uma covardia, talvez.

—Ou talvez, seja sábio.

Meu Amado – Karen Ranney


— Seria minha escolha — disse ele sombriamente.

— É por isso que você os manteve em Montvichet, não é?

— Não consegui pensar em lugar melhor. Uma fortaleza abandonada não é


um lugar onde se espera encontrar um tesouro.

— Então por que não os deixamos lá, Sebastian?

— Você quer que eu confesse? Muito bem. — Ele caminhou até as aberturas
na parede, agora fechadas para impedir a entrada do vento de outono. Ainda não
estava frio o suficiente para utilizar a lareira enorme que aqueceria a sala no
inverno. — Por muito tempo, pensei que iria simplesmente extrair as relíquias e
deixar os pergaminhos em Montvichet. Mas pouco antes de deixarmos a fortaleza,
mudei de ideia novamente. Eu também desejo usar o tesouro cátaro. — Ele olhou
por cima do ombro para ela. — Não tenho os motivos mais puros, Julianna. Embora
valorize o conhecimento, não é por isso que eu manteria os pergaminhos seguros.
Farei o que for preciso para proteger e garantir o bem-estar daqueles que se
confiam aos meus cuidados. Um indício de seu conteúdo fornecerá essa proteção
caso a Igreja ou a Ordem cheguem a Langlinais.

— Eles virão, Sebastian?

— Mais uma pergunta que não posso responder — disse ele.

***

Julianna tinha o códice nas mãos. Ela o tinha lido quatro vezes depois que
ela e Sebastian decidiram esconder os pergaminhos novamente.

Um documento perigoso, que os colocava em perigo.

Ela vivia em um mundo de divisões. Nobre e servo. Fiel e herege. Escriba e


ignorante. Linhas desenhadas para separar um homem do outro. Ela, ela mesma,
sentiu a mordida daquele delineamento cuidadoso. Você é uma mulher, fraca de
espírito. Você não pode ter sucesso em um trabalho tão bom. — Palavras ditas a
ela pelo padre que visitava o convento com frequência e questionava sua habilidade
como escriba.

Era difícil passar de um mundo para outro. Jerard havia passado de servo a
cavaleiro, distinção concedida por sua lealdade. Ela havia progredido de inculta
para escriba, apenas por causa de uma vontade férrea. Ela estava se colocando em
perigo agora, passando de fiel a herege, recusando-se a destruir tal obra?

Meu Amado – Karen Ranney


Muitos dos textos latinos que ela transcreveu foram escritos por homens
que adoravam deuses e deusas. No entanto, seu trabalho havia sido diligentemente
preservado através dos tempos. Por quê? Eles também não eram hereges?

Sebastian não era o único preocupado com a segurança deles. Ela não viveria
sem ele, não podia suportar a ideia de que ele pudesse estar em perigo. Ela ia fazer
sua parte para protegê-lo e ao povo de Langlinais.

Mais uma vez, as palavras que ela sussurrou para Sebastian no pátio de
Montvichet vieram à mente. Hairetikos significa escolher. Mais uma vez ela fazia
uma escolha. Só o futuro determinaria se era a certa.

Ela pousou o códice e gentilmente flexionou os dedos. O trabalho levaria


mais tempo do que no passado, mas ela seria cuidadosa e diligente como os
escribas cátaros. Nenhuma palavra seria omitida e, além da explicação dos
pergaminhos, ela acrescentaria um codicilo 20 próprio. Ela contaria a história das
verdadeiras relíquias, do cálice dos Templários e do ardil perpetrado para proteger
tanto o tesouro dos cátaros quanto o castelo de Langlinais.

20 Codicilo é a manifestação de última vontade, não um testamento mas de forma escrita, onde a pessoa pode estabelecer
disposições para serem cumpridas após a sua morte, que sejam referentes ao seu funeral, doações de pequenas quantias em
dinheiro, bens pessoais moveis, roupas ou objetos de pequeno valor.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 44

A grande janela verde da capela havia sido substituída por uma obra de arte
em vitral. O artesão que havia feito a janela vinha de uma família de homens assim,
seu avô e seu pai haviam trabalhado em uma catedral na França. Representava um
monge ajoelhado diante de um sol escaldante. No chão ao lado dele havia uma
espada e uma cesta coberta. Seria o único registro público do milagre de Langlinais
e o segredo que guardariam para sempre. A colocação da janela havia sido
terminada no dia anterior, e o odor de chumbo e barro era quase tão forte quanto
a cera das velas. O dia de inverno fez pouco para iluminar o quarto, e sua luz
brilhante acrescentou um ar sobrenatural.

Um retábulo21 de forma tripartida, estava aberto, sua imagem recém-


pintada era a do Jardim do Éden. De um lado estava a imagem da tentação de Eva.
Do outro, a cena de Adão e Eva sendo expulsos do jardim. Mas foi o painel do meio
que atraiu seu olhar. Mostrava Adão e Eva de joelhos em devoção a Deus. Ambos
estavam sorrindo, como se tivessem sido recebidos de volta ao jardim. Quando foi
colocado sobre o altar, Julianna ficou surpresa, depois envergonhada ao notar a
semelhança de Adão e Eva com Sebastian e ela. Sebastian torceu o nariz para a
Igreja de maneira sutil.

A capela estava lotada, as pessoas ali se reuniram a pedido de Sebastian. Era


para ser uma surpresa para Jerard, uma bênção da espada que Sebastian havia
mandado preparar para ele. Toda a população de Langlinais estava ciente dessa
honra, assim como tinha sido o presente de Sebastian de seu scriptorium. Como
haviam feito com ela, eles se esforçaram muito para desviar sua atenção do que era
óbvio. Ontem, o ferreiro havia terminado a espada, resultado do martelar
constante noite e dia por quase duas semanas para que a arma ficasse pronta.

Um homem vestido com trajes negro de monge estava de um lado do altar.


O irmão Thomas era novo na aldeia, novo em Langlinais. Ele tinha olhos azuis
sábios para alguém tão jovem, e um sorriso que Julianna duvidava que algum dia
fosse afinado em censura. Ele avançou, sua cabeça tonsurada descoberta em um
movimento de mão sobre o capuz.

Julianna se lembrou da primeira vez que viu Sebastian, escondido na


escuridão de tal vestimenta, isolado na solidão. Ela colocou a mão na dele e ele
pareceu entender, porque apertou-a com força.

21 Retábulo: Obra de arte de pedra ou madeira esculpida, de encontro ao altar.

Meu Amado – Karen Ranney


Jerard deu um passo à frente, o olhar em seu rosto era de cautela.
Evidentemente, eles tiveram sucesso em manter esse evento em segredo. Sebastian
recuperou a espada escondida atrás de um pilar. Uma esmeralda do tamanho de
uma unha do polegar estava incrustada em seu punho, e abaixo dela a palavra trewe
gravada no metal. Fidedigno. Era mais do que uma descrição adequada para Jerard.

Jerard se ajoelhou, o olhar em seu rosto era de descrença.

Sebastian ergueu a espada até que a luz da vela banhasse a lâmina, então a
colocou diante do irmão Thomas.

— Abençoe esta espada — ele entoou, — para que seja uma defesa para
igrejas, viúvas e órfãos, e para todos os servos de Deus contra a fúria dos pagãos.
Ordeno-lhe, Sir Jerard, que desempenhe seus deveres com fidelidade e devoção.
Você vai fazer isso?

Jerard assentiu.

Sebastian sorriu, então sussurrou para ele se levantar. Ele deu um passo à
frente, cingiu o cinto da espada ao redor da cintura de Jerard.

— Use-a com honra, Jerard.

— Eu a protegerei, milorde. Com a minha vida.

Seu voto sinalizou o fim do silêncio reverente.

***

Sebastian fechou a porta atrás de Jerard. Abaixo deles havia sons de alegria,
como os habitantes de Langlinais celebravam. Julianna permaneceu no grande
salão, uma anfitriã relutante, mas radiante. Os dois homens estavam agora
sozinhos, como muitas vezes estiveram em outros tempos, dias que pareciam
cinzentos agora em retrospecto.

— Você me serviu bem ao longo dos anos — disse Sebastian, seu sorriso não
tão fácil quanto ele desejaria.

Jerard caiu de joelhos diante dele.

— Milorde, estou sobrecarregado. Conferir-me o título de cavaleiro quando


eu sou apenas um servo bastardo é uma grande honra. Mas dar-me esta espada
magnífica é demais.

Sebastian sorriu. O jovem que vira pela primeira vez na França se tornara
um homem leal e humilde. Muito humilde neste momento, no entanto.

Meu Amado – Karen Ranney


— Como eu disse, você me serviu bem, Jerard. — Ele bateu a mão no ombro
de seu vassalo. — Por sua causa, Langlinais permaneceu próspera e seu povo feliz
durante minha prisão. Você guardou o segredo da minha doença e foi meu amigo
quando o mundo teria me evitado. Eu não me importo com o seu nascimento. Você
é um homem de Langlinais e, como tal, será conhecido para sempre.

Jerard olhou para o chão de madeira.

— Mas preciso que demonstre sua lealdade mais uma vez.

Ele olhou para cima.

— Qualquer coisa, milorde.

Sebastian ficou sério.

— Não prometa tão facilmente. A benção que lhe peço não será fácil.

Ele se moveu para o outro lado da sala onde uma pequena mesa e duas
cadeiras foram colocadas, sentou-se e acenou para Jerard na cadeira adjacente.

— Quero que você deixe Langlinais — disse ele, e diante do olhar aflito de
seu vassalo, seu próprio sorriso sumiu.

— Fiz alguma coisa para ofender, milorde?

— Pelo contrário, Jerard, você é o único homem a quem eu poderia confiar


esta tarefa. — Seus dedos tamborilaram na beirada da mesa.

— Você conhece os pergaminhos cátaros — disse ele — mas não sabe o que
eles contêm. — Durante a hora seguinte, ele explicou seu conteúdo, respondendo
às perguntas de Jerard com o máximo de conhecimento que tinha. Era justo, o
homem que os possuísse também tivesse conhecimento do perigo.

— Você é apenas a terceira pessoa viva a saber o segredo — disse Sebastian.


— Tal conhecimento pode ser perigoso para você. Não faça pouco caso disso,
Jerard.

O outro homem parecia atordoado.

— Tenho terras ao norte daqui. — A única propriedade além de Langlinais


que ele ficou depois de pagar o resgate aos Templários, mas ele não disse isso a
Jerard. — Construa seu próprio castelo sobre ele, crie seu próprio domínio. Leve os
pergaminhos para lá e guarde-os. É uma tarefa sagrada que você assume agora,
Jerard. Mais importante do que ser meu vassalo ou meu amigo. Você aceita?

Jerard limpou a garganta duas vezes antes que as palavras surgissem.

— Sim, milorde, eu aceito. E meus filhos e minhas filhas. Será sua herança
guardar os pergaminhos.

Meu Amado – Karen Ranney


— Há alguém em Langlinais que você deseja que vá com você? Uma mulher
que você possa tomar como esposa?

Jerard balançou a cabeça.

— Não, milorde.

— Pense bem, Jerard. Se você fizer isso, ela pode ir com você com minhas
bênçãos. E um dote, para ajudar vocês dois.

— Não, milorde.

Silêncio, enquanto Sebastian pesava a resposta de Jerard. — Nós sempre


brincamos sobre suas proezas com as mulheres. Não há nenhuma entre suas
conquistas com as quais você se casaria?

— Não, milorde. A mulher que eu tomaria como esposa deve ser instruída
e leal. Ela será inteligente e corajosa, e terá o coração mais bondoso.

Sebastian ergueu uma sobrancelha.

— Você acabou de descrever minha esposa — disse ele, forçando seu tom a
ser calmo.

O rosto de Jerard empalideceu, então tão rapidamente seu rosto ficou


bronzeado.

— Não, senhor — disse ele. — Eu a reverencio como milady.

— Cuide para que sempre seja assim.

Ele se levantou, apertou o ombro de Jerard.

— Eu vou sentir sua falta, meu amigo. Lembre-se disso também. E agora, é
hora de se juntar aos outros. Tenho certeza de que o Velho Simon já começou sua
própria celebração.

Meu Amado – Karen Ranney


Capítulo 45

— Que barulho é esse? — Ela olhou para o teto do grande salão. Sebastian
estendeu sua taça para ela em vez de responder. Ela balançou a cabeça.

O vinho Langlinais era famoso por sua potência. Não era um produto do
castelo, apenas decantado e temperado até que o amargor ficasse suave e a doçura
fosse o sabor residual persistente. A receita era um segredo bem guardado dos
cervejeiros, que também eram responsáveis por uma cerveja igualmente aceitável.

A noite havia sido reservada para a celebração. As frutas dos pomares


haviam sido colhidas, e lenha, frutos das faias e nozes colhidas nas florestas de
Langlinais. Durante dias, o ar estava pesado com a poeira da debulha do trigo.
Preparações normais para o inverno.

Mas não era só a colheita que se celebrava, mas a elevação de um deles.


Jerard chegara quase adulto a Langlinais, mas servira bem, fora um mordomo justo.
Não era todo dia que um homem nascido servo podia ascender ao posto de
cavaleiro e ser presenteado com três cavalos e uma espada magnífica.

Um baque alto sacudiu o teto novamente, mas nenhuma pessoa no Salão


pareceu notar, a não ser ela.

— Você não ouviu isso, Sebastian? — Ela se levantou e teria saído do estrado
para investigar se ele não a empurrasse gentilmente para trás na cadeira.

Ele fez um gesto com uma das mãos e um bardo se aproximou e se curvou
sobre a mesa, depois sentou-se em um banquinho de frente para os outros
comensais. Ele tocava preguiçosamente as cinco cordas de um alaúde de braço
curto, enquanto contava sua versão de uma canção de gesta 22de Carlos Magno e
seus doze grandes pares. Cada pessoa no salão parecia intrigada com sua história.
Exceto Julianna, que ainda estava curiosa sobre os barulhos que ouvira, e por
Sebastian, que estava realizando atos que normalmente não são atribuídos a
cavaleiros.

— O que você está escondendo de mim desta vez, Sebastian?

Sua mão direita segurava uma taça, a esquerda estava amassando o material
de seu manto bordado e túnica. Os dedos de repente em sua pele nua.

— Sebastian! — O sussurro dela não pareceu perturbá-lo nem um pouco e,


como advertência, foi inútil. Sua expressão era a de um homem satisfeito com sua

22Canção de gesta era um conjunto de poemas épicos surgidos no despertar da literatura francesa, entre os séculos XI e XIII.
Quase sempre concentrando a ação nos feitos ilustres de Carlos Magno (século VIII).

Meu Amado – Karen Ranney


sorte; um pequeno sorriso brincou em sua boca como se estivesse muito satisfeito
com a história que estava ouvindo. Uma mecha de cabelo estava desalojada em sua
testa, dando-lhe uma aparência jovem, quase travessa. Mas foi o olhar em seus
olhos que avisou-lhe que ela não teria sucesso em dissuadi-lo de suas ações.
Tinham uma expressão preguiçosa, quase sonolenta, que ele usava com frequência.
Não o olhar de um predador, mas o de um homem que deseja dormir com sua
esposa. Ela podia sentir sua pele quente. Se ela era lasciva por desejar tanto seu
toque, então que assim fosse.

— Você está com uma expressão estranha no rosto, senhora esposa — disse
ele, seu sussurro não mais alto do que uma respiração contra o ouvido dela. — Está
com fome?

Ela balançou a cabeça de um lado para o outro. Até sua voz tinha poder,
fazia parecer que o ar estava mais quente e mais espesso ao redor deles. Como se
ela mal pudesse respirar.

— Tem certeza? Você parece quase faminta. Venha — disse ele, levantando-
se e estendendo a mão para ela. — Sorria suas desculpas por desistir do nosso
banquete tão cedo, milady esposa.

Ela o fez, sem questionar a necessidade que fluía ao redor de ambos. Toque-
me. Toque-me. Parecia uma música que ela cantava em sua mente, uma que ele
parecia ouvir com a mesma facilidade.

***

Ele a conduziu pelo andar que mantinha seu quarto. Tinha sido mais fácil
do que ela pensava compartilhar uma cama. Ele era tão grande, no entanto, que
várias vezes durante a noite ela acordava com ele apertando-a até a borda. A ponta
de um dedo era o suficiente para desalojá-lo, e ele rolaria para o lado da cama. Às
vezes, no entanto, seus olhos se abriam ao toque dela quando ele acordava
instantaneamente. Então a alcançava e o pensamento de dormir desaparecia de
suas mentes.

No topo da torre leste, ele a puxou para seus braços, sua boca cobrindo a
dela antes que ela pudesse falar. Ele tinha um jeito de beijá-la que lhe roubava o
fôlego. Tudo o que ela tinha consciência naqueles momentos era de Sebastian e
sua boca talentosa. Ele choveu beijos em seu rosto, a respiração áspera, o aperto
em seu cabelo nada gentil. Ele se afastou, traçou a forma de seu rosto com os dedos.

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Mesmo agora ela se maravilhava com o toque da pele dele contra a dela, sem
barreiras entre eles.

— Eu costumava sentar e lhe observar aqui, Julianna, e me perguntar como


seria tocar em você.

Uma onda de calor fluiu através dela com suas palavras. Ele colocou ambas
as mãos na cintura dela, então virou-a em seus braços para que ela ficasse de costas
para ele. Puxando-a para perto dele, ele passou um braço em volta da cintura dela,
com a outra mão soltou o cabelo dela. Caiu como uma nuvem em volta dos ombros,
a mão dele segurou-lhe um seio — Eu costumava me perguntar se seus seios eram
tão pálidos quanto o resto de sua pele, se eles pareciam montes nevados com
pontas de delicadas rosa . — Ele deslizou o polegar sobre o seio, quando atingiu o
pico e subiu em harmonia com seu toque, ele riu baixinho. — Então eu descobri
uma noite que eles eram, suaves e branco como a neve.

Ela estendeu a mão e arqueou-a para trás de si, até tocar o rosto dele. Ele
beijou-lhe os dedos, depois se inclinou para dar um pequeno beijo em sua têmpora.
Os dedos dela se enroscaram no cabelo dele.

— Achei que ia morrer, queria tanto que você me tocasse. — Uma confissão
suave. Era a primeira vez que falavam daquela noite em que ele interrompeu seu
banho.

— Cheguei muito perto disso.

Ele a virou em seus braços e se inclinou para tocar seus lábios em seu
pescoço.

— Você tem gosto de rosas, Julianna.

Ele levantou a cabeça, a respiração tão rápida quanto a dela. Ela apertou a
testa contra o peito dele. Ele moveu uma de das mãos dela para colocar sobre ele.
Ela o sentiu duro e pesado contra sua palma. Se já não tivesse acontecido, ela teria
certeza de que o ato era impossível. Não era de admirar, então, que ela se sentisse
esticada e cheia dele quando ele a penetrou.

Seus dedos começaram uma lenta exploração de sua carne. Ela já tinha
descoberto que podia fazê-lo tremer, ou com a respiração baixa e trêmula.

Ele a deitou no chão de madeira da torre, um caramanchão improvável para


seu encontro. Mas as chuvas tinham vindo mais cedo, e o ar tinha um cheiro fresco
e limpo. Não havia poeira e, como às vezes acontece, a noite parecia mais clara
depois da tempestade. Ela olhou para cima e viu mil luzes piscando, como tochas
vistas à distância. Mas nenhum fogo no céu poderia capturar sua atenção uma vez
que Sebastian estava ao lado dela.

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Ele se apoiou em um cotovelo e, um por um, foi despindo suas roupas,
rasgando as costuras das mangas ajustadas quando não podiam ser facilmente
removidas. Ela não se incomodou em protestar; ninguém contradiz um cruzado. A
luz da lua criava sombras em seu rosto, tornando-o bonito de uma forma austera.
Ela trouxe a mão para descansar contra sua bochecha. Ele parou em sua campanha
determinada.

— O que foi, Julianna? — Ele virou a cabeça, concedeu um beijo suave no


centro de sua palma.

— Eu guardarei esse momento para sempre, Sebastian. Até o fim dos


tempos. — As palavras vieram de algum lugar dentro dela, um local secreto
mantido escondido e vulnerável. Seu sorriso era branco resplandecente ao luar, seu
beijo era um convite para se perder novamente em seu abraço, ser atraída pela
paixão mais uma vez.

***

Ele só esperava desviar sua atenção do barulho que os pedreiros estavam


fazendo. Foi bastante fácil quando seu scriptorium foi construído; ele
simplesmente a manteve ocupada no pátio ou em seu quarto. Mas o oriel estava
sendo convertido em uma sala de banho, completa com um banho de pedra
semelhante ao de Montvichet.

Uma porção de pensamentos divertidos passaram por sua mente com o


olhar dela e ele se viu caindo na luxúria com bastante rapidez. Tão profundamente
que ele não se importou se sorrisos seguiram sua saída, ou se teceram comentários
obscenos sobre eles.

Ele era um homem bem versado em seu poder. Um guerreiro deve conhecer
seus pontos fortes, trabalhar para eliminar suas fraquezas. Por que, então, ele se
sentia como um menino inexperiente quando ela sorria para ele, ou se deitava em
seus braços? Talvez o que ele sentia neste momento não fosse luxúria, ele pensou,
olhando para ela. Amor? Uma palavra muito pequena, um pensamento muito

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insignificante. Ele sabia que se sentiria assim por essa mulher pelo resto de sua
vida, e talvez até a eternidade.

Ele mal podia esperar para tocá-la, então a última costura de sua túnica foi
rasgada em vez de desamarrada. Ela estava deitada, nua, suas vestes espalhadas ao
seu redor como um contraste para sua beleza. O luar a banhava em um brilho, deu
uma curva misteriosa em seus lábios, um brilho chamativo em seus olhos.

Parecia certo e apropriado que eles se reunissem aqui, neste lugar que era o
cenário de seu maior anseio. Quantas noites ele se sentou e a observou e sentiu
uma dor física que não podia doer mais?

Para a sombra daquele homem, ele se inclinou e beijou seu seio, saboreando
a rigidez de um mamilo. Porque aquele homem desejava saber, sonhava com essas
coisas, ele a puxou entre os lábios, ouviu seu suspiro suave enquanto roçava sua
carne delicada com os dentes.

O homem que ele tinha sido ajoelhado ao lado dele, um fantasma de desejo
e necessidade. Ele ouviu os comandos em sua cabeça, a insistência, e acariciou com
as mãos o corpo de Julianna. Ele conhecia sua carne tão bem quanto conhecia a
sua própria. A reentrância onde a cintura encontrava o quadril era especialmente
sensível para ela. Os dedos dos pés dela se curvavam quando ele roçava o topo
deles. A respiração dela parava quando os dedos dele traçavam uma coxa e depois,
até a junção. Em vez de se segurar firme, suas pernas se abriam, um convite sem
palavras.

Ele se despiu da túnica, do cinturão, da calça estampada. Logo ficou nu, sua
figura envolta em sombras enquanto a noite caía sobre eles como poeira.

Seus dedos pareciam extremamente talentosos neste momento, imbuídos


de instinto ou talvez persuasão do homem que ele tinha sido, que passara muitas
horas imaginando exatamente uma ocasião. Ele a tocou suavemente, com a
contenção nascida dos desejos. Com os lábios cobriu os seios, pescoço, braços. Ele
a amou com sua boca, sua pele ungida com beijos e suspiros, como se sua
respiração não pudesse ser profunda ou rápida o suficiente.

Ela agarrou os braços dele, as mãos estendidas, a cabeça girando de um lado


para o outro. Ansiedade e protesto, tudo junto. Ele a sentiu, inchada e molhada, e
a tocou suavemente, depois com carícias mais insistentes.

— Doce Julianna — disse ele, contra os lábios dela.

O cerco foi esquecido, a necessidade primordial. Ele deslizou nas


profundezas dela, ouviu a respiração trêmula. Ele se inclinou para trás, apoiado
apenas pelos joelhos, colocou a palma da mão sobre ela, logo acima de onde eles

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se juntavam. Pressionou suavemente, enquanto ela arqueava debaixo dele. Então,
novamente, quando um soluço suave emergiu de seus lábios.

— Quero ouvir seus gritos — disse ele, observando-a. — Quero você carente
e faminta, Julianna.

Ele balançou com ela, as estocadas rasas e rápidas. Ela arqueou o corpo para
tomar mais dele. Pôs as mãos em garras nos braços dele. Ele alcançou debaixo dela
com um braço, empurrou sua roupa sob ela, então se levantou novamente. O
ângulo de seu corpo agora o trazia mais perto do centro dela. Novamente, ele
balançou, sua necessidade um aríete, seus dedos uma chave.

Pequenos sons emergiam de seus lábios, gemidos ou súplicas, ele não sabia.
Ele se abaixou, começou a fazer movimentos mais longos, retirando-se quase
inteiramente, então empurrando para as profundezas dela.

Seus olhos se abriram, o olhar neles impotente, querendo.

Ele reconheceu abruptamente o significado daquele momento. Ele poderia


dar-lhe paixão, mas porque ele a conquistou. Ele não queria Julianna submissa.

Ele estava muito perto de quebrar em seus braços. Sua respiração veio em
suspiros, a necessidade o percorreu em ondas trêmulas. Ele se abaixou e rolou até
que ela estava em cima dele, seus corpos ainda unidos.

— Leve-me com você, Julianna — sussurrou.

Unhas deslizaram sobre seu peito, sua cabeça arqueada para trás enquanto seu
corpo inteiro parecia estremecer.

— Sebastian. — Seu nome, um suspiro.

Ele segurou-lhe com as mãos os quadris, erguendo-a, baixando contra ele.


Uma lição que ela aprendeu rapidamente. O movimento seguinte foi o dela,
enquanto apoiava os joelhos no chão, levantava-se e brincava com ele. A sensação
era demais, empurrando-o para mais perto da borda.

— Leve-me, Julianna — ele mordeu. Depois fechou os olhos, seu corpo


exigindo que ele subisse ainda mais fundo nela, terminasse com isso. Sua mente
pedia contenção. Ele não sabia qual iria vencer: carne ou intelecto.

Ela alargou as pernas, encaixou-se mais nele. Como ele nunca havia
descoberto que o êxtase podia beirar o tormento?

Ela arqueou-se uma última vez, a demanda em seu aperto tão implacável
quanto a dele tinha sido. Suas unhas quase perfuraram sua pele. Ele a sentiu
estremecer ao redor dele, enquanto seu corpo incitava o dele a completar.

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Finalmente, seu choro anunciou sua libertação. Era tão forte que chegava a
doer, mas ao invés disso, cheio de alegria. Um momento mais e ela caiu sobre ele,
seu beijo engolindo seu gemido enquanto ela o acompanhava em êxtase.

O homem que ele tinha sido, fantasmagórico e solitário, desapareceu para


sempre, sua carne apaziguada e sua alma completa.

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Capítulo 46

Um dos benefícios de sua nova posição como assessor do Marechal era a


possibilidade de se ausentar da irmandade nos negócios de D'Aubry. Mas o retorno
de Gregory a Montvichet não foi por conta do Marechal, mas por conta própria.
Ele queria descobrir a verdade sobre o Graal, e a única pessoa que poderia
fundamentar suas suspeitas era seu irmão.

Ele parou do outro lado da montanha, gritou do outro lado do desfiladeiro:

— Sebastian! — O som do nome de seu irmão ricocheteou de volta para ele.


Ou ele se recusava a responder, ou estava muito enfraquecido pela falta de comida
e água.

Levou quase o dia inteiro para formar uma escada tosca. Depois de vários
testes para garantir que aguentaria seu peso, ele a colocou sobre o desfiladeiro. Ele
jogou sua espada no portão de Montvichet, então rastejou lentamente por sua
escada.

Uma vez lá, ele puxou a escada para a segurança e a deixou encostada em
uma parede de pedra. Ele se inclinou para recuperar sua espada, os homens
caminharam lentamente para o pátio.

— Irmão! — Nenhuma resposta, apenas o som de asas batendo quando um


pássaro foi perturbado de seu ninho.

Ele segurava a espada a sua frente, baluarte contra o que ele poderia
encontrar. Mas havia algumas coisas contra as quais uma espada não seria
proteção. Sussurros, suaves e fracos, o som do choro de uma criança. Era o vento,
a brisa suave que soprava em Montvichet. Mesmo enquanto dizia isso a si mesmo,
ele duvidava da verdade.

Ele andou por cada quarto de dormir, notou como tudo parecia limpo e
arrumado. Uma boneca repousava sobre um travesseiro e ele desviou o olhar. O
refeitório estava vazio, não havia sinal de comida ou mesmo ocupação recente.
Finalmente, ele caminhou pelo scriptorium. A poeira ali não era tão espessa quanto
em outros lugares, e parecia que a mesa ao lado da sala já havia sido limpa e usada.

Ele voltou para o pátio, sua confusão se aprofundando. Sebastian não estava
ali. Nem a mulher.

Quando ele viu a abertura, ele caminhou em direção a ela, seu sorriso
crescendo mais a cada passo. Ele desceu os degraus curvos lentamente, tateando o
caminho na escuridão. No meio do caminho, a fraca luz do sol iluminou o caminho.

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Alguns momentos depois, ele emergiu no fundo, perto do local onde havia deixado
o cavalo amarrado.

Ele refez seus passos, caminhou até o portão e jogou sua escada improvisada
no desfiladeiro. Este lugar não precisava de intrusão, nem de visitantes casuais. De
fato, se ele pudesse cobri-lo com poeira e bloquear sua existência do mundo, ele o
teria feito. Havia indícios de coisas que ele não entendia e um ar de tristeza que
ameaçava penetrar em seus ossos.

Ele se virou e foi para os degraus escondidos novamente. Antes de descer,


ele se virou e olhou ao redor. Ele estava grato por não ter participado do cerco de
Montvichet.

A túnica e a doença do leproso eram outra das mentiras de Sebastian? Ele


sentiu uma admiração relutante pela inteligência de seu irmão. Ele havia enganado
todos eles.

Ele deveria enviar homens para a Inglaterra para forçar a verdade de


Sebastian? Se ele fizesse isso, outros descobririam que ele havia sido enganado. Ele
não tinha nada a ganhar dizendo a verdade. Em vez disso, ele seria motivo de
chacota. Não, pior. Ele seria enviado em uma rodada interminável de inspeções
novamente, fazendo uma contagem de ovelhas e vacas e ensinando aos irmãos
monásticos sobre como manter melhor os registros.

Se ele fingisse que o Graal era real, sua própria carreira avançaria e a honra
dos Templários aumentaria. Só ele e Sebastian saberiam que o Graal que eles
reverenciavam era uma falsa relíquia. E quem acreditaria em Sebastian, um amante
de hereges, sobre a palavra de um Templário? Ele levou menos de um momento
para chegar a essa conclusão, e a decisão, uma vez pronta, arrancou um largo
sorriso dele.

Gregory desceu os degraus e desapareceu de vista.

A brisa começou a soprar, pegando poeira e lançando-a no ar, agitando os


pedaços de folhas secas e agitando os caules e flores de plantas tardias que cresciam
no telhado e entre as pedras.

De algum lugar veio o som de uma risada, um eco fraco e reminiscente.


Então havia apenas silêncio envolvendo Montvichet novamente.

***

Havia tanto nojo no rosto de Sebastian que Julianna riu. Ele franziu o cenho
para a diversão dela, então raspou outro fel do alto do tronco da árvore.

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— Você não precisa comê-los, Sebastian — disse ela.

— Pelo menos você não me pede para ajudá-la a raspar suas peles. Já fez
isso? — Havia tal expressão de repugnância em seu rosto que os lábios dela
tremeram de diversão. Quem diria que o grande cavaleiro Sebastian de Langlinais
não tinha estômago para certas coisas?

Ela assentiu.

— Deve haver uma maneira melhor de fazer pergaminho. E tinta. Nem


consigo entender por que isso precisa ser feito com tanta frequência.

Ela deu de ombros. — Estraga, Sebastian, igual ao vinho.

— Mas estes são insetos. — Ele fez uma careta para a bagunça em sua mão
e balançou os dedos sobre a cesta.

Sua risada ecoou pela madeira.

— Veremos o quanto você rirá quando formos falcoar esta tarde.

Era uma barganha entre eles. Ela superaria sua antipatia pelas cavalariças e
pássaros, e ele a ajudaria a pegar alguns galhos de carvalho das árvores.

— Devemos? — Julianna havia jurado evitar as cavalariças, um prédio


separado construído com portas em arco alto e fendas arejadas que o faziam
parecer maior do que era. Ela nunca tinha estado por perto caçando pássaros antes,
mas os gerifaltes, os grandes falcões euroasiático, os falcões eurafricanos, todos
usados para arrancar patos e gansos do céu pareciam criaturas ferozes e raivosas.
Havia dois falcoeiros presentes, um velho e seu aprendiz, que passaram mais de
uma hora apresentando-a a todos os seus pupilos e explicando seus vários estágios
de treinamento. Embora ela sorrisse e agradecesse a eles por suas informações, ela
estava grata por deixar o prédio.

— Devemos — disse ele, sorrindo para ela. Ele agarrou um galho e se jogou
na árvore. — Quer se juntar a mim, milady esposa? É um bom ramo robusto. —
Ele descansou contra o tronco, uma perna alinhada ao longo do galho, a outra
pendurada. Seu sorriso era contagiante, seu convite muito tentador para resistir.
Ela colocou a cesta no chão, estendeu a mão esquerda para ele e encontrou um
ponto de apoio no grande tronco do carvalho. Sebastian simplesmente a puxou
para o lugar, agarrando sua cintura e segurando-a firme até que ela estivesse na
posição.

Ela se sentou no galho, as pernas balançando diante dela. Uma postura


inadequada para uma castelã de um grande castelo, certamente. Mas o Senhor de
Langlinais estava sentado ao lado dela, enrolando preguiçosamente a ponta de sua
trança.

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— O que Ned está construindo, Sebastian? — Ela observou o carpinteiro,
sua esposa e seu filho recolherem galhos do chão da floresta.

— Nada. Ele está juntando a madeira para fazer carvão.'

Ela franziu a testa, perplexa.

— Por que um carpinteiro precisa de carvão?

— Ele fornece ao ferreiro e, em troca, o ferreiro mantém suas ferramentas


afiadas. Não há nada em nosso domínio que não esteja ligado de alguma forma,
Julianna. — Ele se acomodou no entalhe da árvore, olhando para a vista diante
deles. Os galhos desnudos dos grandes carvalhos permitiam-lhes ver a vista
arrebatadora de Langlinais, o pátio superior, a primeira curva do rio, as três torres
altas. — A mó é mantida afiada pelo povo de Langlinais, e o moleiro, por sua vez,
cobra apenas uma pequena taxa para moer o trigo que lhe trazem. O tecelão
fornece tecidos de boa qualidade para o castelo e, em troca, seu tear é mantido em
bom estado pelo carpinteiro. Cada pessoa tem um dever, e cada dever leva a outra
pessoa. Mesmo que um homem não tenha nenhum ofício, ele é colocado para
trabalhar em telhados de palha, espalhando esterco ou caiando as paredes do
castelo.

— E o Senhor de Langlinais? Que dever ele tem?

Ele sorriu para ela, balançou as pernas ao lado dela.

— Talvez o mais oneroso e difícil. Agradar sua senhora. Minha obrigação


atual, além de colher insetos, é convencê-la a compartilhar nossa nova câmara de
banho.

Ela virou a cabeça para olhar para ele. Havia um sorriso juvenil em seu rosto,
e seus olhos pareciam escuros com malícia. Ela balançou a cabeça e desviou o olhar
dele. — Vou dizer ao Jerard para não deixar a água muito quente. Que juntos vamos
aquecê-lo — disse com voz persuasiva.

Ela estendeu a mão e beliscou sua coxa.

Ele apenas riu.

— Você é um homem luxurioso, Sebastian de Langlinais. Eu vejo isso agora.


Talvez até um sátiro. — Sua carranca fingida fez luz de suas palavras.

Ele a puxou para o seu lado, curvou-se e beijou-a no nariz, um gesto terno
que a surpreendeu. Ela sorriu para ele.

— Você está feliz, milady esposa?

A voz dele mudou tão rapidamente de divertida para sombria que ela sabia
que a pergunta era séria. Ela estendeu a mão e colocou a mão na manga dele.

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— Não vejo como alguém possa ser mais feliz do que eu.

Ele parecia estudá-la à luz da tarde.

— Lembro-me uma vez, em Montvichet, de pensar que nunca mais


conseguiria ver seu sorriso ou ouvir sua risada.

— É por isso que você é tão generoso comigo? Por que você me dá coisas
como tinta rara e um scriptorium e constrói uma câmara de banho?

— Para ver você sorrir? Qualquer presente é uma despesa insignificante.

— Tamanha generosidade vai me dispensar das cavalariças? — ela


perguntou, seu sorriso retornando.

Ele balançou a cabeça.

— Você passará a respeitar os pássaros, Julianna.

— Eu os respeito agora.

— Então você vai gostar de falcão.

— Vou?

— Você deve confiar em mim nessas coisas. Você não se importa de sentar-
se em uma árvore, não é? Apesar do seu medo de altura?

Ela olhou para o chão sob seus pés. Na verdade, eles não estavam tão altos.

— Abandonei meus medos, Sebastian. Acho que você estava certo o tempo
todo. Acho que ter medo é algo que aprendi.

— Eu sou um homem sábio — ele disse presunçosamente.

Ela fez uma careta para ele. A risada dele a fez franzir a testa.

— Aí está ela, a criança que eu conheci. — Seus dedos emolduraram seu


queixo enquanto ele virava seu rosto para um lado e depois para o outro. — Eu
sabia que ela viria de novo se eu fosse paciente.

— Ela cresceu, Sebastian, e agora possui um marido arrogante e de cabeça


alta.

— Venha comigo falcoar — disse ele em sua voz mais persuasiva. — seu
amor pelo esporte pode crescer. Pelo menos, você deve tentar. — Ele sorriu
novamente, e o lugar no peito dela que antes era oco se expandiu novamente com
amor. — Desejo compartilhar minha vida com você, minhas alegrias, meus
interesses.

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Ela desviou o olhar. Havia algumas coisas que eles não podiam
compartilhar. Não agora, ainda não. Ela sentiu uma medida de culpa por não
confiar nele. Ele havia dito que não queria mais segredos entre eles. Mas esse
segredo precisava ser mantido escondido por mais um ou dois dias. Isso é tudo que
ela precisava, e então ela contaria tudo a ele.

— Julianna?

Ela olhou para ele. — Muito bem, Sebastian, mas antes de irmos brincar
com seus preciosos pássaros, minha cesta inteira deve estar cheia de fel.

Seu olhar de desgosto a divertiu enquanto a ajudava a descer do galho.

***

Julianna evitou a presença do mestre pedreiro, um homem sóbrio com um


rosto que parecia talhado como a pedra que esculpia. Ela contornou a torre norte,
entrando pela porta agora emoldurada em madeira. Durante meses o pedreiro e
seus ajudantes estavam escorando a torre norte. Agora a estrutura, uma vez usada
para armazenar armamento, estava vazia.

Os trabalhadores, como o resto do povo de Langlinais, compartilhavam a


refeição do meio-dia no grande salão. Ela precisa se apressar. A qualquer momento,
Sebastian estaria procurando por ela para se juntar a ele no estrado. Hoje Jerard
deixaria Langlinais para sempre, e ela deveria estar lá para se despedir dele.

Mas primeiro, ela devia encontrar o local perfeito.

Uma forma de corrigir os danos causados pela enchente foi demolir


completamente a torre e reconstruí-la, um empreendimento caro. Outra
alternativa teria sido permitir que a torre permanecesse vazia, mas mesmo isso não
era aceitável, pois eventualmente a estrutura poderia tombar. A maneira mais fácil
de resolver o problema das fundações em ruínas era construir uma parede interna.
Seria como enfiar uma pena dentro da outra, fortalecendo ambas.

Alguns momentos depois, ela encontrou o que precisava. A pedra era mais
grossa atrás do primeiro lance de escadas. O espaço entre a alvenaria nova e a pedra
antiga era largo o suficiente para esconder o baú que ela segurava. Dentro havia
sua própria versão do códice, com anotações sobre como o original havia sido
encontrado e a história do cálice. Ela se ajoelhou e o encaixou no lugar, então alisou
a argamassa onde seus dedos haviam descansado.

Grazide franziu a testa para ela ao entrar no grande salão. — Milady, você
está com frio, e essas coisas não são boas para você. Venha para o calor e tome sua

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cerveja. Eu disse ao milorde que você estava no castelo, mas não sabia seu destino
nem seu propósito, e ele não parou de me perguntar neste quarto de hora.

Ela tirou o gorro do queixo, entregou-o a Grazide, que o pegou, depois


estendeu a mão para arrumar a trança de Julianna.

— Não que eu queira saber, milady, mas estou preocupada com o seu bem-
estar. O que você faz é problema seu, é claro, mas quando milorde me pergunta
com tanta frequência, me sinto tola por não saber.

Julianna caminhou ao lado de Grazide, em direção ao estrado. Sebastian


estava sentado ali, seu olhar fixo nela. Ela se aqueceu com o olhar dele. Eles
dormiram pouco na noite passada, as horas dedicadas ao riso e ao amor. Seu sorriso
repentino a lembrou disso.

Ela não era mais a garota que se sentara no grande salão com medo de seu
futuro. Julianna, a Tímida, Julianna, a Ratinha, foi substituída por uma mulher que
se conhecia bem. Ela adorava seu trabalho, e sempre seria grata pela capacidade de
continuá-lo. Mas não era mais tudo o que ela era, não seria mais a única maneira
de medir sua vida.

Em vez disso, havia Langlinais e as pessoas que ela conhecia e amava. Ali
estava o futuro, promissor apesar das ameaças que enfrentavam. Mas acima de
tudo, havia Sebastian.

Ela sentiu uma onda de amor pelo homem que estava sentado olhando para
ela, um pequeno sorriso brincando em sua boca. Ele era nobre não apenas pelo
nascimento, mas pela honra. Não foi uma bandeira ou uma série de torneios
vencidos que o tornaram um grande homem. Mas seu caráter, sua nobreza.
Sebastian tinha sacrificado sua liberdade para que um vassalo pudesse escapar,
tinha planejado o exílio em vez de colocá-la em perigo, estava disposto a abrir mão
de seu direito de primogenitura para protegê-la.

Ela teria feito qualquer coisa por ele.

— E eu disse a ele que tenho certeza de que você não estava perto do rio,
milady, mas nós olhamos pelo pátio superior e não a encontramos.

Julianna virou-se e sorriu para sua atendente. Seu tom era suave, as palavras
curiosas.

— Grazide, você nunca, nunca se cala?

A mulher mais baixa pareceu surpresa, mas apenas momentaneamente. —


Meu marido costumava me perguntar a mesma coisa, milady. Ora, ele às vezes se
sentava e olhava para o fogo enquanto eu falava com ele, sem dizer uma palavra.
Pode ser que ele não estivesse na mesma sala, por tudo que eu vi seu corpo. Até o

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dia em que morreu, ele parecia exatamente assim. Houve momentos em que eu
fiquei desesperada por uma resposta. — O resto de suas palavras se desvaneceu em
um monólogo desconexo.

Do outro lado da mesa, ela e Sebastian trocaram um olhar divertido.


Evidentemente, havia algumas coisas que nunca mudariam, apesar de quão
corajosa ela tenha se tornado.

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Capítulo 47

— Para onde ele irá, Sebastian? — Julianna estava ao seu lado no topo da
torre leste, observando Jerard cavalgando pelo portão de Langlinais. Ele cavalgava
devagar, apesar do tempo frio, olhando ao seu redor frequentemente como se
quisesse gravar em sua memória a visão da casa que ele conhecera nos últimos sete
anos. O velho Simon estava no portão, estendeu a mão para colocá-la sobre o
próprio joelho, então deu um passo para trás e o observou, como todos eles faziam,
passar pelo portão.

Julianna sentiu lágrimas em seus olhos. Sebastian segurou a mão dela na


dele, seus dedos entrelaçados. — Dei-lhe propriedades a norte daqui. Um pedaço
de terra que ganhei em um torneio e ia entregar aos Templários.

— Eu vou sentir falta dele.

— Lealdade é uma virtude muito defendida, mas difícil de encontrar. Ele é


o mais fiel dos cavaleiros — disse Sebastian, observando Jerard se virar e sumir de
vista.

Ela puxou sua mão libertando-a da dele, deu um passo para trás. Ele
pensaria que suas ações eram desleais? Ela saberia no momento seguinte.

— Fiz algo, Sebastian, que você não aprovará.

Ele se virou e olhou para ela, seus lábios curvados em um sorriso.

— Você já se deitou com outro?

Ela franziu a testa, então balançou a cabeça.

— Roubou meu dinheiro?

— Não, Sebastian.

— Então o que você fez?

— Isso é tudo o que importa para você, que eu possa ter pegado seu dinheiro
ou sido adúltera?

— Na verdade — disse ele, estendendo um braço ao redor da cintura dela


— o dinheiro não me preocupa tanto quanto o outro. Eu deveria odiar passar meus
dias ajoelhado diante do altar orando por perdão.

— Por que você faria isso, Sebastian?

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— Porque eu teria que matá-lo, milady. — Ele se inclinou, beijou a ponta do
nariz dela. — Seus olhos estão tão arregalados, Julianna. Você não achou que eu
guardaria aqueles que amo?

— Se eu sentisse o mesmo, você seria tão compreensivo?

— O que é que você fez? — Seu sorriso não havia diminuído.

— Copiei os pergaminhos.

Em seu silêncio, ela modificou sua declaração.

— Na verdade, apenas o códice.

Ele desviou o olhar dela, olhou para o norte, na direção que Jerard deveria
seguir.

— Por que, Julianna? — Ele falou ao longe. Ele estava descontente?

— Porque algo pode acontecer com Jerard. Ou os pergaminhos podem ser


destruídos. Ou podemos estar sitiados e precisar deles por perto para barganhar.

Ele se virou e olhou para ela.

— Por que você não pensou em todos esses argumentos antes de decidirmos
enviar os pergaminhos com Jerard?

— Não é melhor ter uma cópia, Sebastian? Pelas mesmas razões?

— Não era uma opção que eu tinha considerado — disse ele, pegando sua
mão direita. — Você foi capaz de fazer isso? Sem dor?

Havia cicatrizes em suas mãos. Ela não podia negar sua existência; ela
sempre as suportaria. Nem ela tinha tanta força em seus dedos como antes, mas
isso não era algo que ela mencionaria a ele.

— Estou mais lenta do que antes — ela admitiu. — mas não foi tão difícil.
Mesmo que fosse, eu teria completado. — Ela ficou de pé diante dele, olhou para
ele diretamente. — Eu não vou lhe machucar, Sebastian.

— Minha feroz Julianna — disse ele, levando os dedos dela aos lábios e
roçando um beijo sobre eles. — Quando você entrou em minha vida — ele disse
suavemente. — eu rezei por sua segurança, para que você pudesse ser guardada
contra os Templários e de mim. Eu sou um cavaleiro, treinado para a guerra, e
ainda assim você ficaria entre mim e o mal.

Ele tocou sua bochecha com a ponta do dedo. — Não tenho certeza se
concordo com o que você fez, Julianna, mas aprecio a razão por trás de suas ações.
Se existe um verdadeiro milagre na minha vida, é você.

Meu Amado – Karen Ranney


— Sebastian, como você pode dizer isso? Você foi poupado do exílio e de
uma morte em vida.

— E se eu não tivesse lepra? — ele perguntou baixinho. — E se o médico


que me examinou e me declarou leproso estivesse errado?

— Você questionaria a natureza de um milagre, Sebastian?

— Eu tenho feito isso sem parar — ele admitiu, olhando para ela. Seus olhos,
aqueles lindos olhos azuis, pareceram escurecer enquanto ele a estudava. — Eu me
pergunto se tal coisa aconteceu porque eu toquei nas relíquias. Ou foi o sol na
minha pele pela primeira vez em anos? Ou o unguento da Irmã Agnes? Ou talvez
porque eu tivesse usado minha armadura, em vez daquele manto amaldiçoado?

— É importante para você saber, Sebastian? E se você nunca souber? — Sua


mão esquerda segurou o lado de seu rosto.

Ele pegou a mão dela novamente, virou-a, curvou-se e deu um beijo em sua
palma. Seu sorriso mudou de natureza, parecia conter apenas a mais pura alegria.

— Então viverei cada dia e abençoarei nossa libertação, seja qual for a causa.

Ele estendeu o braço ao redor dela, colocou sua bochecha na coroa de seu
cabelo. O momento foi silencioso, os pensamentos cada um notavelmente
semelhantes. Talvez não fosse importante avaliar um milagre, marcá-lo, registrá-
lo e prová-lo. Talvez a maior maravilha tenha sido o toque de uma mão na amizade
e a alegria de um coração. Eles pertenciam um ao outro, e o fato de estarem unidos
nos braços um do outro era prova suficiente de que às vezes acontecem eventos
que desafiam a explicação. Em mente, corpo e espírito estavam unidos e o seriam,
talvez, até que o tempo deixasse de medir a passagem das décadas e o início dos
séculos.

“Você minha vida, prometa que esse nosso amor que compartilhamos
durará para sempre. Grandes deuses, façam com que esta verdade seja dita,
e dita com sinceridade e do fundo de um coração amoroso, para que nos seja
concedido continuar por toda a nossa vida este tratado de amizade
inviolável.

Catulo

84-54 AC”

Meu Amado – Karen Ranney


Epílogo

Gertrud recebeu a missiva com um misto de curiosidade e alarme. O Senhor


de Langlinais desejava que as relíquias fossem devolvidas, então? Ela se acostumou
a tê-las no convento nos últimos meses, se familiarizou com o sentimento de
admiração que sentia ao vê-las, extraiu um grande conforto de sua presença.

Ela abriu a carta com alguma apreensão, mas sorriu ao lê-la.

“Espero que esteja bem e que o presente que apresentamos ao


convento não lhe tenha trazido problemas.
Obrigado por me ajudar a me fornecer tintas para o
scriptorium de minha amada esposa. Ela os usou habilmente.
Meu propósito ao escrever para você é incumbir o convento
de fornecer à minha esposa algumas roupas de cores ricas e
detalhes finos. Algo para combinar com sua beleza e realçar
a cor de seus olhos, mas com mangas curtas e soltas para que
ela possa continuar trabalhando no scriptorium sem que elas
fiquem manchadas de tinta.
Gostaria, também, de um conjunto de roupas de batizado
para nosso filho.
Mas o mais importante, eu imploro sua paciência em enviar
a Irmã Agnes para nós novamente, desta vez em agosto.
Nosso filho deve nascer durante esse mês, e desejo que minha
esposa tenha alguém versado nas artes da cura para estar
com ela em seu trabalho de parto. Por favor, assegure à irmã
Agnes que a ajudarei de todas as maneiras que puder, até o
ponto de permanecer em silêncio. Mas, por favor, prepare a
boa irmã com o conhecimento de que não serei separado de
minha esposa sob nenhuma condição.”
Gertrud sorriu. Talvez o mistério de Julianna estivesse finalmente resolvido.
O talento da menina pode estar no scriptorium, mas sua maior bênção era a
capacidade de amar. Isso ficou evidente no tom desta carta. O senhor de Langlinais
obviamente estava profundamente apaixonado por sua esposa.

As duas últimas frases da carta a divertiram. Ela leu novamente.

“Haveria algum manuscrito de Ovídio que você poderia me enviar


para minha biblioteca? Ou alguma obra de um poeta chamado
Catulo?”

Meu Amado – Karen Ranney


Ela dobrou a carta, levantou-se e caminhou pelo corredor silencioso, seu
destino era o grande e ensolarado solar onde as irmãs que bordavam essas coisas.
Ela entregaria a encomenda e então providenciaria para que os volumes fossem
enviados ao Senhor de Langlinais. Ela sorriu novamente, certa de que ambas as
tarefas agradariam marido e mulher.

Meu Amado – Karen Ranney


Posfácio

A história é cheia de mentiras. O boato é muitas vezes convertido em fato


com apenas o tempo como sua validação.

Portanto, onde havia rumores, suposições ou conjecturas, eu brinquei com


“e se” porque a ficção permite a interpretação. É tão historicamente preciso quanto
posso fazê-lo dentro da estrutura de minha imaginação.

Os cátaros, também conhecidos como movimento albigense, foram reais.


Havia várias seitas da religião, cada uma variando em sua interpretação da crença
aceita, provavelmente não muito diferente das denominações protestantes que
conhecemos hoje. O cerco contra os cátaros e seu destino final foram infelizmente
reais. E embora Montvichet seja fictício, existem modelos históricos como
Queribus e Minerve. Embora houvesse rumores de envolvimento dos Templários
na traição que condenou as mulheres e crianças cátaras, isso não pode ser provado
como verdadeiro ou falso. Portanto, deve permanecer um daqueles mistérios das
eras, juntamente com as insinuações persistentes de que os Templários realmente
possuíam o Santo Graal.

Os Pobres Cavaleiros da Ordem do Templo de Salomão… os Cavaleiros


Templários… são frequentemente apresentados como sendo heroicamente
cavaleiros. Acredito que eles eram um grupo de homens devotados e devotos cujos
líderes perderam de vista o objetivo de sua ambição. Eles eram em sua maioria
misóginos23, poucos deles eram realmente cavaleiros, e poucos sabiam ler. A
expressão “pode beber como um templário” tinha raízes na verdade. Mas eles foram
grandes lutadores e ajudaram a estabelecer os sistemas bancários, monetários e de
crédito que conhecemos hoje. Talvez a aura quase lendária que ainda os cerca se
deva principalmente à forma como foram presos na sexta-feira, dia 13 e a Ordem
sistematicamente erradicada.

Hildegard de Bingen realmente viveu. Abadessa alemã, ela era consultada


como profetisa pelos chefes de estado. Além de suas visões, ela era conhecida por
suas composições musicais como Ordo Virtutum (escrita antes de 1158), um dos
primeiros exemplos de uma peça de moralidade, por suas obras poéticas e seus
estudos sobre história natural e medicina.

Uma das primeiras escribas conhecidas foi Ende, que auxiliou na preparação
de uma obra espanhola da visão de São João, o Divino, em 789. A documentação

23 Misógino Indivíduo que sente repulsa, horror ou aversão a mulheres.Quem tem repulsão pelo contato sexual com mulheres.

Meu Amado – Karen Ranney


do século IX lista uma série de manuscritos atribuídos a escribas, seu trabalho feito
principalmente em conventos.

A hanseníase não era facilmente diagnosticada na Idade Média e muitas


vezes era confundida com eczema, psoríase, escrófula, câncer de pele e até alergias.
Portanto, as pessoas poderiam ser… e foram… condenadas a ser um dos mortos-
vivos quando suas condições eram relativamente menores. A Missa de Separação
também foi, lamentavelmente, real.

Quaisquer erros na tradução da poesia de Catulo são meus.

É impossível escrever um livro com o pano de fundo histórico da Idade


Média sem considerar o impacto da Igreja. Nenhuma faceta da vida medieval
estava livre de sua influência. Os conventos e mosteiros que pontilhavam a
paisagem medieval conseguiram o que não poderia ter sido realizado por reis ou
imperadores. Ao ensinar as mesmas palavras e práticas em todo o mundo, a Igreja
uniu as pessoas, deu-lhes um conjunto de crenças. Somente a fé havia unido a
Europa. Mas era vital que os fundamentos dessa fé fossem considerados para
sempre sacrossantos e invioláveis e não abertos à interpretação. Setecentos anos
depois, no entanto, sou capaz de fazê-lo.

Meu Amado – Karen Ranney


Sobre a Autora

Karen Ranney é uma escritora que teve o privilégio de ter


alcançado as listas dos mais vendidos do New York Times e do USA
Today.

Embora ela tenha escrito principalmente romance histórico,


também escreveu suspense romântico contemporâneo, mistério de
assassinato, e está se divertindo muito escrevendo sobre uma vampira
que está sendo desafiada por seu novo estado de ser. (The Montgomery
Chronicles: The Fertile Vampire and The Reluctant Goddess em 12 de
março de 2015.)
Acredita na força do indivíduo, na magnificência do espírito
humano, e sempre busca o positivo em qualquer situação. Escreve sobre
pessoas que foram desafiadas pela própria vida, mas que venceram no
final.

Meu Amado – Karen Ranney

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