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Karen Ranney
Um cavaleiro em perigo
Suas mãos estavam enfiadas nas mangas largas de seu manto de monge. Mas
sua cabeça não estava inclinada em piedade; em vez disso, seu olhar estava
direcionado para a porta de madeira. Um ano aprisionado havia tornado seu rosto
magro, e o mesmo confinamento agora o deixava impaciente.
O homem que entrou na sala uma hora depois estava vestido com a distinta
túnica branca e a cruz bordada em vermelho dos Pobres Cavaleiros do Templo de
Salomão. Apenas a elite usava tal uniforme; a maioria dos monges guerreiros usava
mantos pretos ou marrons.
A semelhança que ele tinha com Sebastian não era surpreendente. Cada um
tinha os olhos da mãe, e a força do pai.
— É por isso que o mandaram aqui, Gregory? Para que eu lembre de ser
grato por minha sobrevivência? — a voz de Sebastian era uma mera rouquidão de
palavras. Ele não tinha motivo para falar na prisão, isolado como estava dos outros
homens.
Cada um deles sabia que isso seria quase impossível, mesmo para o Lorde
de Langlinais.
Gregory se levantou e foi até a porta. Com a mão no cabo da corda, ele se
virou.
— Por que você fez a cruzada, Sebastian? É uma pergunta que desejo
responder desde que soube que você foi feito prisioneiro do paxá egípcio.
— Não você, Sebastian. Se você não tivesse ganhado tantos torneios, eu teria
pensado que você tem medo de guerra.
— Uma visão sem dúvida defendida com a mesma paixão pelos infiéis —
disse Sebastian secamente.
— É por isso que você está realmente aqui, Gregory? Não para demonstrar
afeto fraternal, mas para obter a resposta a essa pergunta? Como você soube?
— Ela foi a única mãe que você e eu conhecemos. Seu papel como templário
não permite que você se lembre disso, Gregory?
Sebastian ficou sentado olhando para as sombras. Gregory não havia feito a
única pergunta para a qual estava preparado. Não com a verdade, mas com uma
mentira cuidadosamente elaborada.
A omissão o perturbou.
Castelo de Langlinais
Inglaterra, 1251
Suas mãos pareciam geladas, apesar do fato de que o ar estava pesado com
o calor do verão. Que estranho que suas palmas estivessem frias e úmidas ao
mesmo tempo. Julianna enxugou-as disfarçadamente na túnica. O vestido bordado
que ela usava era pesado demais para o clima quente. Um véu estava preso ao
chapeuzinho em seu cabelo solto, a faixa do queixo parecia como se a estivesse
estrangulando.
Ela temeu este dia durante anos. Ela tinha apenas cinco anos quando foi
conduzida pela mão de sua mãe para o lado de seu pai no solar. A sala estava quente
e abafada e lotada de pessoas. Eles falaram palavras que ela mal entendeu, sobre
vassalos e juramentos e territórios e terras. Você entende, Julianna? foi perguntado
a ela. Ela assentiu e disse as palavras conforme as instruções. Então, ela viu o
menino, alto com o cabelo castanho e impaciente batendo o pé. Ele sorriu para ela,
mas ela apenas fez uma careta para ele, então se enfiou atrás das saias de sua mãe
novamente.
Ela não o viu novamente depois que foi conduzida para fora da sala. Só mais
tarde ela soube que era o dia de seu casamento, e o menino, seu marido.
Outro nome foi dado a ela pelas meninas adotadas no convento. Julianna, a
Tímida. Julianna, a Ratinha. — Elas estão com ciúme de sua posição — dissera-lhe
a abadessa. Ignore suas palavras. Não lhes dê atenção. Ela nunca disse à abadessa
que suas provocações soavam com uma verdade inegável. Ela tinha medo do
escuro, não gostava da altura atingida mesmo quando estava de pé sobre um
banquinho, evitava o lago da propriedade do convento. Na jornada para cá, ela
descobriu que cavalos poderiam ser adicionados à lista de coisas que ela escolheria
evitar se pudesse.
O grande salão em Langlinais era facilmente três vezes maior do que a casa
de sua infância e decorado com mais luxo. Ela traçou o contorno pintado de um
bloco de pedra na parede ao lado dela. A ponta do dedo saiu sombreada de
vermelho e ela limpou apressadamente a mão na saia mais uma vez. Sua cabeça
ainda estava baixa, mas ela olhou por baixo dos cílios para ver se suas ações estavam
sendo observadas. Três homens estavam arrumando as mesas, e uma criada
colocara uma grande travessa na mesa principal, mas eles não prestavam atenção
nela.
Parecia que ninguém sabia que ela estava ali. Ela deveria se levantar e
anunciar sua presença? A ideia de chamar a atenção para si era assustadora. Seria
mais adequado simplesmente esperar até que ela fosse saudada. Ela voltou à sua
leitura disfarçada do corredor.
Sua habilidade estava no scriptorium1. Sua alegria ali também. Com a bênção
do marido, ela poderá continuar seu trabalho, neste novo e imponente lar.
A lareira ao lado dela era uma das duas estruturas do grande salão. Elas
foram embutidas nas paredes, as pedras curvando-se sobre a lareira em um amplo
arco. O conforto era evidentemente uma prioridade para seu marido. Os suportes
de ferro na parede estavam cheios de uma profusão de lâmpadas a óleo e velas. A
1 Scriptorium é o espaço onde os livros manuscritos eram produzidos na Europa durante a Idade Média.
***
— Sim, milorde.
Que tipo de mulher concordaria com o acordo que ele estava prestes a fazer?
Uma pergunta para a qual ele não encontrava resposta. Por meses, ele quis evitar
este momento. Tinha atrasado até que fosse perigoso continuar a fazê-lo.
Ele a tinha visto apenas uma vez, por ocasião de seu casamento. Enquanto
seu pai se sentava à escrivaninha assinando os documentos que passariam a ela e
às terras do seu dote para os condes de Langlinais, ela espiou por trás das saias da
mãe, seus olhos verdes brilhantes como uma folha nova. Ela estava com o punho
fechado na boca. Sua mãe deu um tapa na mão dela, mas ela só voltou um
O casamento deles foi uma união realizada por seus pais. O pai dela tinha
sido vassalo do pai dele e sentia-se orgulhoso por aliar sua família, por meio de sua
filha, aos condes Langlinais. Antes de partir em cruzada, ele queria assegurar o
futuro da filha, então a noiva de cinco anos tinha acordado de seu cochilo para se
casar com ele. Sebastian teria feito qualquer coisa por seu pai, inclusive se casar
com uma criança que ele não veria novamente até que ela amadurecesse. A
barganha havia sido feita e os cofres de Langlinais aumentados com as terras do
dote em Merton. Ele achou irônico ter que sacrificar aquelas mesmas terras aos
Templários para pagar uma parte de seu resgate.
Ele não era tão atraente naquela época, apenas um garoto de 12 anos. Os
anos acrescentaram músculos a seus braços e pernas, e altura a seu corpo. Ela o
veria diferente?
Então ele quase riu. Claro que ela veria o quão mudado ele estava. Ele teria
sorte, de fato, se ela não fugisse gritando do castelo.
Outra batida. Sua convocação então para o momento da verdade. Ele abriu
a porta apenas alguns centímetros.
O orador era muito alto e magro, vestido com uma túnica e meias cor de
vinho. Uma mão descansava no punho de uma espada curta presa à cintura com
um cinto de couro. Seu cabelo loiro estava cortado curto, emoldurando um rosto
anguloso e bronzeado, agora definido em linhas severas. Era um rosto que lhe dava,
estranhamente, a impressão de humor. Como se a expressão séria que ele usava
neste momento fosse forçada sobre ele e não seu semblante natural.
Nem sua noiva, nem Julianna, nem dama. Só ela. Simplesmente ela. Isso a
relegou à sua posição exata na vida. A fêmea para seu macho. Ela era apenas uma
embarcação para o marido, cujo desprezo por ela deve ser feroz, de fato, já que ele
nem mesmo a cumprimentou, simplesmente enviou seu mordomo para buscá-la.
Um espectro ficou ali olhando para ela. Uma sombra delineada na luz. Não,
era apenas um homem vestido com um hábito de monge. Mas ele parecia tão alto,
com um peitoral tão largo, que encheu a porta. Na verdade, ele parecia ser mais do
que um mortal.
— Que veio para julgá-la em sua hora final? — Sua voz era baixa, um
estrondo de som. Ele tinha falado, ou ela apenas imaginou as palavras? — O que
você confessaria se eu fosse? Ou seu silêncio indica uma alma pura?
Não era a morte então. A morte não falava com uma voz insinuando ironia.
Ela se sentiu absurdamente fraca, como se seus joelhos quisessem ceder sob seu
corpo.
— Não.
O capuz sombreava seu rosto tão bem que ela não podia ver nenhum indício
de suas feições. Ela apertou as mãos na cintura, forçou-se a respirar fundo, e fez
outra pergunta.
— Um monge?
Sua mão se estendeu e descansou em sua garganta como se para evitar que
seu coração saltasse por ali.
Ela era uma estranha para ele, mas havia uma semelhança com a criança
que ele tinha visto uma vez antes. A forma de seus lábios, a simetria de seu rosto,
a cor de seus olhos, seu cabelo. Mas enquanto a criança o via sem medo, era muito
Encantamento. Ele não deveria sentir isso. Ou uma série de outras emoções,
todas fora de lugar para este momento: perplexidade levedada com uma fatia de
curiosidade e a mais estranha diversão. A mão que segurava cuidadosamente seu
pescoço, polegar e dedos abertos, estava manchada de tinta.
Enquanto ele observava, a pele dela parecia ficar mais branca, tão frágil que
era como se a neve tivesse ganhado vida. Tal palidez destacava o rosado carnudo
de seus lábios, o brilho surpreendente dos olhos cor da sombra da grama na
primavera, seu cabelo cor de uma noite sarracena. Ela piscou algumas vezes,
rapidamente, abriu a boca, e a mão ainda tocando sua garganta como se medisse
as batidas de um coração em luta.
Ele quase estendeu a própria mão, seus dedos se prepararam para sentir a
pele dela antes que ele se lembrasse.
Ele não tinha dúvidas de como ele parecia para ela. Uma visão assustadora
de um monge encapuzado e vestido. Um clérigo na aparência, mas não na alma.
Ele havia deslizado o capuz alguns centímetros na frente de seu rosto, uma sombra
era tudo o que qualquer um poderia ver dele. O resto estava coberto
adequadamente pela lã preta e manoplas feitas de couro. Dificilmente uma visão
para tranquilizá-la, Sebastian.
Mas de alguma forma, ele precisa. Ela precisa concordar, senão o futuro dele
e o de Langlinais estariam em perigo.
***
Silêncio, enquanto ele parecia pesar suas palavras. Ele ficou surpreso com
elas? Ela ficou chocada ao expressar seus pensamentos. Ela não costumava fazê-lo.
Era mais fácil ficar calada. Dessa forma, ela só poderia ser ridicularizada por ser
tímida, não por seus pensamentos.
Sebastian a estudou.
— Você quer que eu finja que não sou mais donzela. — A franqueza de seu
discurso a surpreendeu novamente. Ela não era dada a tal franqueza. Talvez a razão
para isso fosse simplesmente que esta reunião foi muito abrupta, o questionamento
muito estranho, a barganha que ele oferecia estranha e desconcertante.
— Sim — disse ele. Simplesmente isso. Não há mais explicação do que isso.
Apenas sim.
— E se eu não concordar?
Ele estava vestido com sombras, mas ela tinha a impressão de que ele a
estudava de perto.
— Por que você não deveria? Estou lhe oferecendo a liberdade de Langlinais
para fazer o que quiser.
Ela olhou para frente, desejando que não oferecesse uma visão de si mesma
na janela escurecida pela noite. Sua touca branca brilhava, sua pele tão pálida
quanto a touca. Ela desviou o olhar. Precisava pensar nessa barganha que ele
desejava, ao invés de notar-lhe a aparência.
— Quem ousaria fazer-te uma pergunta dessas? Quem iria querer saber se
deitaste ou não com teu marido? Ninguém em Langlinais.
— Não.
Não houve hesitação em sua voz, como se esse plano estivesse sendo
considerado há muito tempo e ele estivesse impaciente pela participação dela nele.
— Sim.
— Ser esposa sem conhecer o marido? — Ela apertou as mãos com força no
colo.
2 Um "homem de letras" era um homem alfabetizado, capaz de ler e escrever, em oposição a um homem
analfabeto em uma época em que a alfabetização era rara e, portanto, altamente valorizada nas camadas
superiores da sociedade.
— Ou voltar ao convento?
— Sim.
Ele não diria mais nada? Dar-lhe-ia alguma razão? Ou ela deveria
simplesmente se contentar com o consentimento dele? Sim e sim e sim.
Suas mãos se torceram, um hábito que ela achava ter superado quando
criança. Ela foi curada com as mãos amarradas atrás das costas. Ela também não
enrolava mais o cabelo no dedo, outro hábito do qual foi desmamada quando uma
das freiras simplesmente cortou o cabelo a uma polegada de seu couro cabeludo.
Ela chorou por uma semana, mas nunca adotou o hábito novamente, nem mesmo
quando seu cabelo finalmente voltou ao comprimento anterior.
Pronto, mais algumas palavras ditas por ele, mas não uma resposta.
Ela olhou para as próprias mãos. Se ela voltasse para as Irmãs da Caridade,
seria para sempre uma esposa sem marido. Ela sabia que nenhum deles poderia
anular o casamento. Para tanto, teriam que provar que eram parentes mais
próximos do que o quarto grau ou que cada um havia se submetido ao casamento
contra seu consentimento. Ambos tinham sido crianças, ansiosas para agradar a
seus pais. Tampouco havia qualquer relação entre eles. Apenas um de serviço; o
pai dela tinha sido um vassalo leal ao dele. No entanto, certamente seu casamento
seria posto de lado se ele não desejasse dormir com ela? Ela não tinha
conhecimento das leis que regiam este tipo de casamento, mas ela duvidava que
sua vida fosse melhorar pela simples dissolução do casamento. Ela simplesmente
se casaria novamente, suas terras e dote seriam restituídos e dados a outro homem.
O fato de ela ter sido casada com o suserano de seu pai significava que o rei teria
que julgar tal coisa. A tímida Julianna, fazendo uma petição ao rei. Onde ela
encontraria coragem?
No convento ela poderia fazer seu trabalho novamente, mas apenas dentro
dos limites das paredes cinzentas, sujeita a um horário regimentado. Em Langlinais
não haveria o badalar de um sino. Ela não teria que acordar antes do amanhecer e
retirar-se ao anoitecer. Ela nunca mais teria que capinar um jardim novamente.
Ela o estudou em silêncio. Quem iria perguntar? Ele havia dito. Na verdade,
ele pode estar certo. Ela nunca poderia ser forçada a buscar o conselho do rei ou a
mentir. Na verdade, uma vida ali poderia ser uma bênção.
— Eu não uso cilício4, e meu traje é apenas para um propósito, mas não para
auto humilhação. Se posso dizer alguma coisa, é que as circunstâncias fizeram isso
comigo. — Ele estremeceu, como se assustado com suas próprias palavras.
— Você não deve fazer isso, sabe — disse ele, sua voz baixa soando quase
gentil. — Você está tentando encontrar explicações onde não pode haver
nenhuma.
— Eu sei. — Suas palavras foram suaves, quase tristes. — E não posso dar
mais explicações, Julianna.
Ela olhou para ele, assustada. Foi a primeira vez que ele pronunciou o nome
dela. Nunca tinha parecido tão adorável antes, uma palavra composta de sílabas
rolantes. Ele fluía de sua boca como um riacho pode desabar sobre pedras redondas
e polidas. Ela corou e desviou o olhar, examinando a câmara tão obviamente
destinada a ser dela. Mas não compartilhada. Sozinha. As mãos de nenhum homem
a tocariam. Só por isso ela não deveria temê-lo, e ainda assim, ele era talvez o
homem mais temível de todos que ela conhecera.
Ele lhe oferecia liberdade. Porém era um mais que um presente, era
salpicado de luz do sol e estendido em uma placa de ouro. Por que ele fazia isso?
Ele era incapaz de gerar um filho? Ela sentiu suas bochechas esquentar. Afinal,
3 Asceta: Pessoa que busca se afastar dos prazeres, dedicando-se a orações, privações e flagelações.Pessoa que leva uma vida
regrada por buscar a perfeição espiritual .
4 Cilício é uma túnica, cinto ou cordão de crina, que se traz sobre a pele para mortificação ou penitência. O termo vem do latim
"cilicinus", que quer dizer "feito de pelo de cabra", ou "cilicium", que quer dizer "tecido áspero ou grosseiro de pelo de cabra" ou
"vestido de gente pobre".
Ela fingiria a união? Um pedido estranho de um noivo que ela não conhecia,
seu marido há tantos anos, mas visto apenas uma vez.
Ele se levantou e foi para o outro lado da janela, no mesmo lado da sala que
o banco em que ela estava sentada. Eles estavam perto o suficiente para se tocar.
Ela havia criado uma imagem rica e detalhada de seu marido. Exceto que ele
havia tornado todos os seus pensamentos estranhamente negros, turvando-os com
a realidade de sua presença. O homem que estava ao lado dela insinuou mistérios
e segredos que ela talvez não desejasse revelar. Havia algo nele que a advertia a não
explorar mais, algo enterrado em suas palavras suaves. Ela sabia, sem testar o
ponto, que ele não responderia mais nenhuma de suas perguntas.
Seria mais seguro voltar ao convento, viver entre as freiras e fazer seu
trabalho. Seria mais sensato prestar atenção a essas correntes que ela sentia no ar,
a insinuação de perigo e a atração de uma voz que a fazia tremer.
Uma mulher baixa com um manto azul-escuro sobre uma túnica amarelo-
claro entrou no quarto minutos depois da partida de Sebastian. Sua imaculada
touca branca acentuava a redondeza de seu rosto, seus amigáveis olhos castanhos
cravados nas rugas.
Julianna não estava acostumada a ter alguém esperando por ela, mas sorriu.
— Gostaria de ter metade desse talento, milady. — Seu olhar era pesaroso.
— Mas então não podemos ser todos pássaros azuis, podemos? Há alguns entre
nós que devem permanecer pardais.
— Langlinais é um lugar lindo, milady. Tenho certeza que você vai gostar
daqui. Ora, nosso senhor é o supervisor mais gentil e generoso. Meu próprio filho
foi autorizado a trabalhar e agora atua como carpinteiro do castelo. — Ela parou
de falar apenas tempo suficiente para perguntar a Julianna qual roupa ela preferia
usar. Julianna apontou.
— Mas temo que esses dias se foram. O senhor não encoraja visitas a
Langlinais. Ele a guarda para si mesmo. Mas você sempre pode encontrá-lo no topo
da torre leste, olhando para nós. — Ela sorriu e balançou a cabeça.
Grazide colocou uma tiara no cabelo e deu um passo para trás para admirar
seu trabalho.
— Mas já era hora de vir para Langlinais, milady. Eu acho, às vezes que ele
é de natureza muito séria. Uma nova noiva é exatamente o que ele precisa. Eu sei
que isso pode parecer estranho, milady, mas ele pode ser muito devoto. Raramente
o vemos, além de vê-lo na torre. Mas eu sei que ele passa muito tempo na capela.
— Você parece uma princesa, milady — disse Grazide. Ela sorriu para ela,
evidentemente satisfeita.
Ela estava vestida para a celebração que seria realizada no grande salão
abaixo. Lá, o Lorde e sua nova Lady receberiam as felicitações dos aldeões, dos
cavaleiros do castelo, daqueles dignitários e convidados para uma ocasião tão
importante como esta. Ele viria para acompanhá-la? Ou ele simplesmente
permitiria que a especulação sobre a ausência deles crescesse? Cantavam-se
baladas luxuriantes sobre Sebastian de Langlinais e sua impaciência para validar
seu casamento?
Julianna olhou para a cama. Qual era a razão que seu marido tinha para não
se deitar com ela?
Desejava, agora, nunca ter lido Ars Amatoria, de Ovídio. Ela dizia a si mesma
que era para se preparar para sua noite de núpcias. Em vez disso, o poema sobre a
arte do amor só aumentara suas perguntas. Assim, também, a outra poesia antiga
que ela havia lido e se maravilhado, que tais palavras pudessem mexer com os
sentidos mesmo depois de tantos anos.
Era um gosto de solidão que ela não esperava. Algo que ela não havia
considerado nessa estranha barganha, afinal.
Teria sido muito mais fácil se ela simplesmente tivesse sido deixada no
convento. Lá, ela tinha permissão para passar uma hora por dia no scriptorium e,
***
Atrás dele, a pequena capela estava vazia e silenciosa. O som de risos além
da porta cravejada de ferro era a mais pura ironia. Uma celebração para honrar a
união do Lorde de Langlinais. Mas eles nunca seriam verdadeiramente unidos.
— Por favor — disse ele. Ninguém lhe respondeu. Não houve resposta. Deus
ficou em silêncio. Assim também, suas criaturas. As corujas que aninhavam nas
proximidades estavam solenes e mudas. Se um rato tivesse feito sua casa na Capela
de Langlinais, sua presença não era notada.
Pelo que ele deveria orar? Pela absolvição do pecado de matar, mesmo que
tenha agido em nome da fé? Pelos pecados da carne? Ou, por uma vez, apreciá-los
com tanto entusiasmo? Talvez ele devesse orar apenas pela morte, esquecimento
rápido e justo. Um fim rápido, como aqueles que ele tinha dado em batalha. Isso
não era nada menos que uma guerra, não era? Um lutou na solitária, com a morte
de um lado e ele do outro, os adversários tão desiguais que o resultado era certo.
Ele sempre foi capaz de manter a morte à distância. A cada dia que passava,
a distância diminuía um fio de cabelo, até que uma manhã ele e a morte ficaram
cara a cara e Sebastian inalou o nada de sua própria respiração.
Era tarde demais para lamentar que não fizera. Tarde demais para desejar
nunca ter visto sua esposa. Ele viu Julianna.
— Por favor — disse ele mais uma vez, e desta vez sua oração não foi por
ele, mas para o bem da jovem que ele chamou para seu lado. Ele desejava protegê-
la de vê-lo, protegê-la do poder dos Templários, protegê-la do mal.
Era uma coisa pequena para pedir, em vista de suas orações maiores.
Espalhado diante dela estava o chifre no qual ela guardava a tinta que já
havia preparado e duas folhas de pergaminho, uma ainda presa à sua maca de
madeira. O original da enciclopédia que ela estava transcrevendo estava aninhado
com reverência em seu colo. Ela havia prometido à abadessa que terminaria seu
trabalho. No baú havia várias bolsas de couro contendo sua tinta, o pó que criava
a cor azul que ela usava para suas iluminações. Ela não tinha vermelho e não podia,
portanto, escrever o nome de Deus, pois só podia ser inscrito em vermelho.
Portanto, ela deixaria as lacunas para a palavra, para que a abadessa pudesse
completar o manuscrito.
A verdadeira luz da grande janela em seu quarto era gloriosa. Sua única
insatisfação era o fato de não ter uma superfície adequada para escrever. A mesa
de um escriba precisava atender a certos requisitos, nenhum dos quais era atendido
pelos poucos móveis da sala. Portanto, ela fez a única coisa que podia para
continuar seu delicado trabalho. Ela se sentou no chão e usou a tampa chata de seu
baú.
A abadessa não teria criticado sua postura, nem o fato de que o caro vestido
bordado que ela usava provavelmente seria danificado pelo piso de madeira áspero.
A abadessa muitas vezes esquecia seu próprio papel em favor de sua querida
ocupação.
— Julianna?
Ela virou a cabeça, seu olhar viajando de suas botas para o topo de seu capuz,
uma jornada relâmpago considerando sua altura.
— Você não me disse que era escriba, Julianna. É por isso que você queria
saber se havia um homem de letras aqui?
— Você defende onde não há necessidade. Mas me diga, por que você estava
sentada no chão?
Nem ela procurou uma depois que olhou para dentro da sala.
Um lembrete, então, da barganha entre eles. Ela olhou para ele, apenas
agora percebendo o quão perto estava. O pequeno oriel 5parecia minúsculo por sua
presença.
Ele a deixou então. Apenas momentos depois, Jerard apareceu com seu baú
e um banquinho de seu quarto. Ainda outra viagem forneceu a ela todos os itens
que ela deixara espalhados no chão.
— Minhas tintas — disse ela, quando ele lhe entregou duas pequenas bolsas
de couro.
— Parece poeira.
— É, até ser misturado com água. Minha tinta favorita é feita com vinho
como ingrediente.
— Sim — ela disse simplesmente. Era seu único talento e sua maior alegria.
O que ela não disse foi que não sabia o que fazer consigo mesma esta manhã.
Ela tinha bombardeado a si mesma por perguntas. Ela deveria deixar seu quarto?
Permanecer dentro dele? Se ela realmente tivesse passado a noite com o marido,
ela estaria mudada de alguma forma que seria visível para os outros? Não havia
ninguém a quem ela pudesse fazer essas perguntas. Só um marido poderia saber, e
ele deixara claro que jamais cumpriria esse papel.
Portanto, presa em seu quarto por um ardil, ela buscou conforto naquelas
coisas familiares e normais.
Ela deixou o oriel e voltou para o quarto. Seu marido estava ali no meio do
quarto, de pé ao lado de sua cama. Quando ela entrou, ele se virou, o negrume de
5 oriel é a janela de que se projeta em uma parede de fachada e, assim, formando uma loggia agregando à sala ...
— Não, Julianna.
Ele puxou os lençóis de sua cama, desalojando a maneira cuidadosa que ela
os havia dobrado, puxando-os apertados. Ela pode ser a Lady de Langlinais, mas
foi ensinada a cuidar de si mesma. Servos eram para os enfermos ou idosos, e não
para ela.
Ele abriu um pequeno frasco e o segurou sobre a cama. Ela observou como
o sangue pontilhava o lençol, ficou em silêncio enquanto encharcava o colchão.
Ela não tinha resposta para isso. Apenas perguntas demais, nenhuma das
quais ele parecia disposto a responder.
Grazide trazia água para o banho matinal e era banida do quarto enquanto
Julianna se vestia. Ela só conseguira que Grazide saísse depois de dias inundada em
rubor. Seu verdadeiro embaraço havia feito o que suas palavras não conseguiram.
Depois que ela se vestia, Grazide entrava novamente no quarto para trançar-lhe o
cabelo. Esta manhã ela estava tão volúvel como sempre.
— Oh, como você está muito bonita, milady — ela se emocionou. — Assim
como uma Lady deve aparecer. Você e o Lorde vão se juntar a nós no jantar desta
noite? — Seu olhar era composto por uma pitada de esperança, o que passava por
sutileza em se tratando de Grazide.
— Bem, talvez ele esteja muito ocupado sendo noivo, milady. — Grazide
inclinou a cabeça e sorriu para ela, um olhar de especulação no rosto.
— Madalena?
— A concubina de seu pai. Uma mulher adorável, ela. E porque ela recusou
a oferta de casamento do velho senhor, eu nunca vou saber.
— Depois que ele morreu, coitado, ela partiu para sua terra natal. — Grazide
inclinou a cabeça até ver o rosto de Julianna. — Ela era francesa, sabe.
— Quem é Gregory?
Grazide riu.
— Bem, posso dizer que vocês dois não tiveram muito tempo para
conversar. Gregory é o único irmão do senhor. Não que não houvesse muitas
Outra afirmação para a qual Julianna não tinha comentários, mas como
sempre, Grazide não parecia esperar por um. Era duvidoso que ela pudesse ter
permanecido em silêncio tempo suficiente para ouvi-lo.
A verdade, porém, era que nunca haveria crianças em Langlinais. Não dela,
pelo menos. Julianna se levantou e dispensou Grazide, os momentos agradáveis da
manhã se dissipando abruptamente como neblina.
Ela entrou no oriel e fechou a porta atrás de si. Este pequeno espaço fornecia
o único conforto para as perguntas que a consumiam.
Julianna descobriu que não era grande coisa fingir-se felizmente casada.
Não havia ninguém, afinal, que ela precisasse convencer. Todos supunham que ela
estava satisfeita por ser a esposa de Sebastian de Langlinais, por estar morando em
um lugar tão bonito. Não havia deveres para ela desempenhar, nenhum ato como
Durante horas ela tinha permissão para fazer o que amava, existindo não
como a última troca de seu pai, pela glória do convento ou pelo uso de um marido
que ela não conhecia.
A abadessa lhe dissera que ela era uma boa aluna. Para agradá-la, Julianna
estudou ainda mais. A abadessa era uma mulher de grande talento, que acreditava
que o conhecimento devia ser partilhado; portanto, Julianna tivera permissão para
ler qualquer um dos manuscritos em poder do convento. Consequentemente, sua
educação tivera pontos fortes e fracos. Ela era muito versada nos poetas e filósofos
latinos, porém menos no pensamento contemporâneo e nada em grego.
Seus dias no oriel eram assim, cheio de memórias que ela nunca esqueceria.
Havia algo vazio em um pergaminho não tocado, o vazio que agitava sua
imaginação. As palavras não haviam sido copiadas, nenhuma iluminura 6 coloria a
página ou atraía o olhar.
6 Iluminura é um tipo de pintura decorativa aplicada às letras capitulares dos códices de pergaminho
medievais. O termo aplica-se igualmente ao conjunto de elementos decorativos e representações imagéticas
executadas nos manuscritos produzidos principalmente nos conventos e abadias da Idade Média.
Logo, sua própria tinta estaria curada o suficiente para começar, a cor
mudando de claro para um azul pálido. Seria persuadido três letras de cada vez a
partir das penas que ela preparou com penas de pato. No pergaminho, primeiro
mostraria azul, depois escureceria gradualmente para preto. Então, as palavras que
ela transcreveu seriam definidas para permanência.
Há quanto tempo ela estava trabalhando? Ela olhou para frente, notando a
vista diante dela pela primeira vez. Colinas ondulantes e um vale nebuloso. De seu
poleiro no oriel, a altura não parecia tão assustadora. Mas era evidente que o dia
estava bem avançado.
Ela piscou, agora ciente da dor entre seus ombros. Graças a Jerard, ela não
sentiu uma pontada de resposta na parte inferior das costas. O banco em que ela
estava sentada tinha sido aparado na altura exata. Ela se levantou e se espreguiçou,
flexionando os dedos.
Então, como fazia todos os dias, avaliou seus suprimentos, notando que suas
penas de junco precisariam ser substituídas em breve; duas delas estavam ficando
desgastadas. Um de seus pergaminhos enrolado no canto, por umidade ou
raspagem imprópria. Ela corrigiria isso amanhã. No entanto, era o suprimento de
Cada dia seria tão doce quanto o que acabou de passar? Nesse caso, ela
poderia suportar bem seu casamento.
Sebastian se levantou e caminhou até a janela em arco que dava para sua
propriedade. Seu quarto era idêntico ao de Julianna, com a única diferença de que
sua janela não era envidraçada nem tão ampla, pois dava para o campo. Seria tolice
gastar tanto dinheiro em algo que poderia ser facilmente destruído na defesa de
Langlinais. Mesmo que o castelo não tenha sofrido um cerco em mais de duzentos
anos, era difícil esquecer que eles viviam em uma época sem lei, em tempos
tumultuados.
Era sua hora favorita do dia. Os pássaros estavam imóveis; era aquela hora
antes do amanhecer quando o céu havia clareado, mas o sol ainda não havia
aparecido no horizonte. Esta manhã a névoa havia desaparecido, deixando para
trás uma claridade no ar que normalmente só era encontrada depois de uma chuva
forte.
Sua casa tinha sido uma estrela-guia, um objetivo no qual ele pensou
durante todos aqueles longos e solitários meses em que esteve preso. Seu pai fora,
sua mãe morta há muito tempo, seu irmão a serviço dos Templários, restava apenas
ele mesmo para guardar e proteger Langlinais.
Ele tinha sido sábio em mandar Jerard de volta para a Inglaterra depois que
ele foi solto. Seu escudeiro transformado em mordomo provou ser tão leal a sua
casa como ele tinha sido a Sebastian. Fora Jerard quem mantivera Langlinais
próspera durante sua prisão. E quando chegou a hora de voltar para casa,
Langlinais sentou-se como um farol branco sobre a paisagem, dando as boas-
vindas a Sebastian como se ele fosse inteiro, forte e digno do título de Lorde.
Ele enfiou as mãos nas mangas, virou-se para o leste para ver o sol começar
sua jornada sobre as colinas de Langlinais. Outro ritual, este. Um que marcava o
teor de seus dias. Ele observava o panorama que se desdobrava com apreciação
renovada a cada manhã.
O povo de Langlinais trazia sua porção para seus celeiros com grande alarde,
a ocasião marcada com solenidade. E ele enviaria Jerard para encontrá-los e
agradecer-lhes em nome de seu Lorde. Eles se lembrariam de quando seu pai os
entretinha com histórias das Cruzadas, quando havia cerveja e vinho tinto em
abundância, quando a ocasião do dízimo era uma cerimônia repleta de música,
dança e alegria.
Seu pai tinha sido um homem feroz, um homem que aumentou a riqueza
da família ganhando inúmeros torneios ao longo dos anos, resgatando as
armaduras e os cavalos ganhos ou simplesmente vendendo-os diretamente. No
entanto, ele também tinha uma reputação de justiça. Casara-se bem, uma mulher
de Poitou, e trouxera para sua casa uma grande sede de dinastia. Mas dos onze
filhos que ele gerou, sete deles filhos, apenas dois estavam vivos quando ele
morreu, e nenhum deles ao lado de sua cama.
Eles não tinham sido criados como de costume. John de Langlinais dissera
certa vez a seus filhos que acreditava ser o único capaz de orientá-los corretamente.
Vocês são jovens leões — ele disse. — Por que eu submeteria um de meus amigos à
sua presença? — Seus deveres sob o olhar atento de seu pai tinham sido pesados,
os dias longos com um duplo propósito. Primeiro, ensinar-lhes todos os deveres
em que precisavam ser proficientes, depois para dar-lhes um gosto de humildade.
Seu pai morrera não só de coração partido, mas também pela idade. Embora
a efígie esculpida em seu túmulo refletisse a aparência habitual de um homem de
trinta e três anos, John de Langlinais tinha sessenta e oito quando morreu.
Ele a observou, grato pela distância entre eles. A brisa matinal rodopiava em
torno de seus tornozelos, girando sua saia alegremente, delineando a forma de suas
pernas sob o tecido. Ela estava pensando em deixá-lo? Sair de Langlinais? Um
pequeno sorriso ridicularizou esse pensamento. Como, Sebastian? Equipada com
uma cesta e nada mais? Sua curiosidade foi despertada, assim que ela abriu o
portão e entrou na floresta.
***
Encontrara uma cesta de manteiga. Não era exatamente o que ela precisava,
mas um exame superficial não revelou nenhuma jarra ou vasilha sobressalente.
Teria que improvisar, mas já estava acostumada a fazer isso. As Irmãs da Caridade
eram um grupo parcimonioso. Tendo levado seus votos a sério, elas não apenas
invejavam o desperdício, mas muitas vezes ficavam sem os suprimentos
rudimentares necessários em um scriptorium. Mas Julianna descobriu que ser
pobre podia ser uma experiência muito valiosa. Ela nunca desperdiçava
pergaminho, e podia preparar pelo menos três cores de tinta. Era um sentimento
bastante inebriante saber que, pelo menos nesses dois casos, ela poderia fazer por
si mesma.
***
Ele disse a si mesmo que era tolice estar aqui. Mas ela não estava dentro da
fortaleza, e ele estava infundido de curiosidade sobre esta mulher que as
circunstâncias fizeram sua esposa. Ele ficou no meio do oriel com os olhos
fechados, farejando o ar como um lobo procurando sua companheira. Rosas. Fraco,
como se a brisa soprasse o cheiro da janela. Mas veio de uma mulher que se
perfumou.
Havia uma pilha de penas, algumas esculpidas e prontas, outras ainda não
curvadas ao ponto necessário. Um pequeno pires continha uma gota de tinta
secando, um chifre e o pó que a produzia. No centro do espaço havia um livro
encadernado em madeira, suas dobradiças de couro desgastadas atestavam não
apenas sua idade, mas também seu uso. Ao lado, um pedaço de pergaminho,
metade da página preenchida, as letras cuidadosamente inscritas.
Aprendera a ler como fazia a maioria das coisas quando menino, com uma
grande demonstração de relutância e uma alegria secreta. Madalena lhe ensinara
latim e grego e seus números, para que ele não precisasse de escriba para escrever
ou ler para ele. Mas, mais do que isso, ela tornara suas aulas interessantes. Ele
descobriu que adorava aprender, gostava de explorar as habilidades de sua própria
mente.
Por que seu pensamento se voltou tão forte em Madalena neste momento?
Por que ela tinha sido uma mulher que gostava de aprender? Ou por que ela teria
sentido o mesmo que ele sentia agora? Impressionado com a habilidade do escritor
que transcrevera as palavras no pergaminho diante dele.
Ele não tocou em nada, apenas baixou a mão, coberta com uma luva de
couro, até ficar a apenas um centímetro daqueles implementos que Julianna usava
todos os dias. Ele pairava ali como se para absorver o calor de uma mão ausente,
tocar um dedo que pressionaria levemente o pergaminho no dia seguinte.
Um som, não mais alto que uma rajada de vento, parou seu movimento. Ele
respirou silenciosamente, cada sentido alerta para o perigo. Muitos anos foram
dados à sobrevivência para não estar alerta. Mesmo em Langlinais.
O momento era propício para desculpas, para dizer a ela que ele não
pretendia assustá-la ou satisfazer sua curiosidade tão abertamente. Mas suas
palavras foram abafadas por seu próprio sentimento de admiração. Ele não a tinha
imaginado, então, nem feito dela algo que ela não era. Alta demais para ser
considerada delicada, corada demais para ser chamada de bela dama. Ainda assim,
ela o fazia lembrar da primavera. Ou talvez algo mais elementar. Seu cabelo estava
empilhado em tranças em cima de sua cabeça. Ele queria vê-lo cair em seus
ombros, uma massa de cachos de ébano indomáveis.
— Por que você foi para a floresta? — A pergunta escapou de seus lábios
antes que ele percebesse que estava ali, mas a curiosidade era o mais seguro de
todos os sentimentos que ele tinha nesse momento. Seus olhos se arregalaram,
como se ela estivesse surpresa com o conhecimento de seus movimentos. Suas duas
mãos se moveram para agarrar a alça da cesta com força, como se guardasse a laje
de líquen dentro dela.
— Eu estava colhendo galhas de carvalho — disse ela. Sua voz ecoou com
um tremor suave. Tímido? Ou apavorado? Mais como este último. Ele não se
tornou menos assustador com um segundo vislumbre.
Ele se virou para sair. Uma gentileza que fazia a ela. Uma vez, as mulheres
sorriram para ele, o persuadiram em suas camas e ocasionalmente em seus
corações. Ele tinha dado como certa a facilidade com que ele gostava dos esportes
carnais, o prazer absoluto que ele tinha em mitigar sua solidão ocasional na carne
macia e disposta de uma mulher complacente. Ele nunca mais o teria. A memória
teria que servir. Ou como agora, conjectura.
Ele virou. Ela estava olhando para ele, seus olhos verdes arregalados e
brilhantes.
Ela deu um passo em direção a ele, tão lenta e hesitante que ele teve a
chance de se afastar antes que ela se aproximasse. Ele o fez, mesmo condenando a
necessidade disso. Seu rubor lhe disse que ela notou o gesto.
— Deseja conversar comigo? — A ideia era tão nova que ele quis levantar o
queixo dela e ver seu rosto novamente, ler a verdade de seu pedido em seus olhos.
— No entanto, você mostra o mesmo para mim. — Ela olhou para ele,
surpresa. — Meu nome é Sebastian.
Silêncio, enquanto ela estava ali, muda. Ele era muito paciente. Ele deveria
ter saído da sala, mas em vez disso, ele a questionou ainda mais.
— É que não estou acostumada com tanta solidão. — Ela se moveu, então,
um pequeno passo. Não para ele, mas para longe.
Sua expressão era muito aberta, muito vulnerável. Ele queria dizer a ela que
a pergunta não justificava tal olhar de gratidão. Ele ainda não havia decidido se
fazer dela uma companhia seria meramente gentil ou absurdamente tolo.
— O tempo — disse ele, sem pausa. — E política, porque gosto de uma boa
discussão. Lógica e Metafísica de Aristóteles. Averrois e Maimônides, Carlos
Magno, a chocante Eleanor da Aquitânia, ou mesmo Saladino.
Por que ela era tão tímida? O que havia transformado a criança ousada na
mulher tímida? Uma pergunta que ele não deveria ter feito a si mesmo, porque
suavizou sua intenção, baniu sua reserva, o deixou curioso de uma maneira que
não era sensata.
A visão e a verdade estavam tão emaranhadas em sua mente que ele não
conseguia discernir facilmente o que era real e o que era apenas seu desejo secreto.
Mas ela o visitou momentos antes do amanhecer, uma mulher de intenção e
gentileza. Ele nem mesmo durante o sono pensou em mandá-la embora.
Ela se sentou na beirada de sua cama, sua mão fria contra sua testa. Uma
mão tão delicada, seus dedos longos e pontas com unhas suavemente
arredondadas. Havia manchas de tinta em seus dedos, e ela desviou o olhar quando
ele comentou, sorrindo. Ele estendeu a mão e permitiu que sua mão tocasse sua
bochecha, virando sua cabeça para trás para que seu olhar encontrasse o dele.
Mesmo na escuridão, ele podia ver o suave rubor que envolvia suas bochechas, o
leve sorriso nos lábios.
Ela balançou a cabeça, então estendeu a mão para colocá-la em seu peito
como se o reivindicasse como um prêmio. Um gesto possessivo, ao qual ele acedeu
quando colocou sua própria mão sobre a dela, pressionando sua pele como se
quisesse estampar seu toque, sua marca nela.
No caminho dos sonhos, ele podia desejar e isso se tornava realidade. Seu
beijo era o de uma mulher que ansiava por conhecer seu companheiro, mas ainda
era o toque de uma inocente. Sua língua traçou a linha de seus lábios, sua boca
aberta convidando seu ataque. Seu suave murmúrio o encantou, o levou para a
escuridão de seu beijo. Uma poção inebriante, alegria e inocência. Uma bebida
ainda mais viciante, sua habilidade e gentil provocação.
A noite fez dela um delicado esboço de carvão sobre branco, neve e sombra,
apenas levemente agraciado com um rosa pálido de bochechas, mamilos e lábios.
Até seus olhos estavam escuros, brilhando de emoção.
Ela se ajoelhou ao lado dele e empurrou o lençol de seu corpo. Seus dedos
traçaram suas cicatrizes de batalha em protesto suave e unção terna.
A luz que a cercava parecia feita de um raio de luar. Um tom suave, parecia
projetado para Julianna. Seu duende noturno. Ela se inclinou e beijou seu peito, e
ele estremeceu, sua carne nunca antes tão docemente acariciada. Ela deslizou a
mão pelas pernas dele, demorando-se sobre os joelhos. Então, de repente, ela
estava ajoelhada entre suas pernas estendidas, suas mãos correndo do joelho à coxa
— Sebastian. — Sua boca pronunciou seu nome. Ele desejou que ela dissesse
isso repetidamente, ela murmurou tão lindamente. Ela fez do nome dele algo
heroico, uma promessa de honra. Seu pedido de sonho foi concedido e ela se
inclinou mais perto dele, a cascata de ébano de seu cabelo roçando-lhe o rosto em
um toque tão suave como uma teia de aranha, seu nome em seus lábios invocando
paixão.
Ele estava à deriva na nuvem que era ela, docemente dolorido e quase
soluçando de alegria. Ela inalou sua respiração e devolveu-lhe novamente. O
próprio suspiro dela ecoou o dele, mas ela era ele e ele era ela daquele jeito que
acontecia nos sonhos.
Ela era lua branca e sombra escura, uma criatura da noite que veio para
tentá-lo à alegria proibida. Até mesmo o cheiro dela agia sobre sua necessidade,
seus sentidos tão sintonizados com ela que era quase doloroso. Enquanto a ele era
proibido, restringido e negado em seu estado de vigília, neste devaneio abençoado
era-lhe permitido e encorajado.
Ela estava de repente ao redor dele, sobre ele, envolvendo-o, com uma
paixão ardente quase tão consumidora quanto as palavras que ela sussurrava em
seu ouvido, o som de seu nome, um canto de desejo e plenitude em uma respiração.
Seu coração batia tão alto e tão forte que parecia criar um vazio em seu
peito. Seu sangue disparou e sua mente ficou adormecida. Ele conhecia o gosto
dela. O cheiro dela estava em suas narinas, seus gritos suaves soaram em seus
ouvidos. Ele se tornou ela naquele instante, ou talvez fosse simplesmente o
Então, acabou. Não terminou com saciedade, ou mesmo liberação física. Ela
simplesmente desapareceu. Em um momento ela lhe tocara, dando vida a todos
aqueles desejos silenciosos e pensamentos secretos. No seguinte, ela se fora, e ele
acordou abruptamente em um quarto silencioso horas antes do amanhecer. No
entanto, ele ainda podia ouvir sua voz, aquele doce sussurro quando ela
pronunciava seu nome. Parecia descer em espiral para o nada, uma súplica
sussurrada. Ou era o seu próprio choro? Em seu peito havia uma sensação estranha,
quase como um vazio.
Sentou-se na beira da cama, certo de que o sono não voltaria esta noite.
Sua leitura à meia-noite dos números não alterou a soma. Mesmo com uma
boa colheita, ele teria que pedir mais tempo para pagar o saldo de seu resgate.
Podia muito bem ser uma decisão que se mostrasse imprudente. Os Templários
não concediam extensões sem cobrar juros. No entanto, ele escreveu a carta, preso
dentro de sua responsabilidade tão apropriadamente quanto seu corpo.
Se ele abrisse a porta e entrasse, seria uma intrusão tão invasiva quanto a
visita ao oriel. No entanto, ele empurrou a porta, perguntando-se se Grazide
dormia dentro do quarto. Ele ficou na soleira, ouvindo, seus sentidos sintonizados
com a escuridão como se ele fosse uma criatura da noite. Havia apenas os sons
suaves de respiração, uma mão deslizando sobre um lençol durante o sono. Mas
Grazide não estava ali.
Seu cabelo era uma mancha preta em seu travesseiro. Ela estava enrolada de
lado. Um punho descansava contra seus lábios, sua outra mão aberta sobre o
lençol. Enquanto ele observava, a respiração dela parecia prender e soltar, como se
ela se engasgasse em seu sono.
Ele não tinha escolha a não ser convocá-la. Ele havia sido desculpado pela
demora em reivindicar sua noiva pelo simples fato de estar em uma cruzada e,
posteriormente, ter sido capturado e aprisionado. Mas depois que ele voltou para
casa em Langlinais, incitaria a suspeita não ter mandado chamá-la. Do jeito que
estava, quase um ano se passou antes que ele o fizesse.
Ela não tinha ideia de quão vital era seu papel como esposa dele, quão
importante sua decisão de ficar tinha sido para ele.
Anseio.
Eles não deveriam tê-la liberado do convento, não uma inocente como ela.
Suas bochechas eram quase tão rosadas quanto a de um recém-nascido, tão
ingênua, tão ternamente jovem ela era. Doía testemunhar tal pureza, estar na
mesma sala que ela.
Ele não tinha pensado na mulher que usaria como seu peão. No entanto,
agora ele se arrependia de não tê-la levado em consideração. Julianna era jovem
demais para ser usada nesse jogo, inocente demais para se misturar com jogadores
que há muito haviam perdido a ingenuidade e a bondade.
Ela tremeu diante dele. No entanto, ela se manteve firme. Uma mulher
intrigante. Em outro momento. Ou outro lugar. Talvez apenas em seus sonhos,
onde sua paixão tinha rédea solta.
Que tipo de mulher faz tinta ao amanhecer? Quem parece ansioso quando
fala em ferrugem e vinho? Que andava com passos alegres e trazia manchas de
tinta nos dedos. Que cheirava a rosas e perguntava se era a Morte com uma voz
que estremecia. Quem a tocava em sua mente em suas horas de sono.
***
Ela soube que era ele imediatamente. Ele não se misturava às sombras tanto
quanto ordenava. Era apenas o efeito do manto de monge que ele usava, ou ele era
realmente tão grande quanto parecia?
Ela não conseguia se lembrar de uma época em que tivesse ficado com tanto
medo, curiosidade e pena ao mesmo tempo. O medo era fácil de entender. Ela
Quando ela o viu pela primeira vez, ela realmente pensou que ele era a
Morte, meio que esperava que ele estendesse um dedo ossudo pela manga de seu
manto e a acusasse de todos os tipos de transgressões, a maioria das quais ela sem
dúvida cometera. Ela foi criada no convento, mas muito falha para ser tão santa
quanto as irmãs que a ensinaram.
Ela apertou a mão contra o pano que cobria seu seio, sentiu o tremor de seu
coração à medida que diminuía gradualmente. Talvez estivesse despertando
rapidamente de um sonho doce e encantador.
Ela não tinha falado com ele. Ela estava mais familiarizada com a
comunicação solitária da palavra escrita. Talvez se ela tivesse alguém em quem
confiar ao longo dos anos, poderia ter sido mais fácil comentar sobre sua presença,
questioná-lo sobre isso. Vá a Deus com seus cuidados — dissera a abadessa,
dispensando seus desejos de uma amiga com um sorriso compassivo, mas pouca
empatia. Julianna poderia, se soubesse como, perguntar sobre suas viagens na
Terra Santa. Ou abordar mais perguntas que ficaram na ponta de sua língua. Por
que ele não a chamou antes? Por que ele estava vestido como estava? Por que ele
nunca a tocaria?
Ela apertou o travesseiro contra o peito e olhou para o teto. O sono parecia
tão distante quanto as respostas para suas muitas perguntas.
— Devo inferir que uma de suas discussões foi com o Velho Simon?
— Ele estava sempre fazendo isso com meu pai. Meu irmão e eu tínhamos
uma legião de cavaleiros esculpidos pelo Velho Simon . — Ele ergueu os olhos da
figura que analisava. — Enquanto houver postos avançados nas colinas ao redor de
Langlinais, não importa se ele dorme. Deixe-o. Ele é um homem velho, afinal.
Quem mais incorreu em sua ira?
— Isso é necessário?
— Acho que o homem está jogando — disse Jerard com uma torção dos
lábios — removendo a pedra velha e montando seu próprio moinho com ela.
Sebastian sorriu.
— Se não, então pelo menos ele sabe que estamos cientes de seus planos.
— Por todas as suas ameaças, você não faria isso. Nos anos em que estive
fora, não acredito que você tenha banido um único aldeão.
Jerard suspirou.
— Na verdade, milorde, ela está tão focada em seu trabalho quanto você
está no seu. Acho que ser escriba significa muito para ela.
— Foi sua teimosia que o fez testar essa teoria, Jerard. — Ele suavizou suas
palavras com um sorriso.
— Com verdade e honestidade — disse ele. Ele manteve seus braços longe
de seus lados. — Quando você me vê como eu sou, neste exato momento, parece
que eu tenho um segredo a esconder?
— Ainda não aparece, milorde. Não há nada que dê a ela uma razão para
temê-lo.
— Talvez algumas coisas não devam ser pensadas, milorde, mas apenas
postas em prática.
Se ele fosse cuidadoso, ela nunca descobriria seu segredo. E ele sabia muito
bem que nunca poderia tocá-la. Mas iria querer. Ele sabia disso, sendo uma criatura
curiosa, sendo um homem que adorava aprender. Tinha sido ensinado na arte do
amor quando era um menino de treze anos, lido no livro de Albergues “Sobre os
segredos dos homens”, que era dar prazer a uma mulher e levara isso a sério desde
jovem. Ele, é claro, continuou a avaliar sua habilidade ao longo de sua juventude,
marcando suas vitórias em torneios com conquistas de outro tipo, mais feminino.
Seus anos em Paris e na Itália não foram celibatários.
Ele poderia suportar? Isso era ir direto ao ponto. Era uma coisa imprudente
de se fazer, planejar essa tortura. Como ele podia acreditar que estava isento de
necessidade? Fazia muito tempo que não tocava em uma mulher, muito menos em
uma a quem estava ligado por Deus e pela cerimônia. Uma com a pele da cor da
flor mais pálida, cujos lábios eram macios e cheios.
Ele ficou abalado com a aparência dela na manhã em que foi ao seus
aposentos. A luz a rodeava, e ela sentada encapsulada por ela, lendo as palavras
latinas de sua enciclopédia com lábios que se moviam suavemente. Ele não a
tocaria, sua honra e sua alma estariam em perigo se o fizesse. Mas sentar-se perto,
conversar com ela, sentir o cheiro de sua pele e não apenas ter a lembrança dele
pairando no ar, essas coisas pareciam necessárias. Mais ainda, talvez, do que
prudência ou sabedoria.
Ele perguntara qual era seu livro favorito para transcrever, quais suas cores
favoritas. Ela poderia mostrar-lhe como fazia aquelas gloriosas tintas coloridas que
coloriam a capa e as letras maiúsculas. Ele poderia, se fosse corajoso o suficiente,
contar a ela um pouco sobre esses últimos anos, o suficiente para que ela pudesse
sentir o sabor deles, mas não o suficiente para que ela pudesse entender o todo.
Conheceria todas as nuances de sua voz, suave e quase inaudível como era. Ele
poderia vê-la sorrir novamente, ou ouvi-la rir.
Ela rira desde que chegara a Langlinais? Uma criatura tão solene, sua esposa,
com seus sérios olhos verdes e sua boca carnuda pressionada em uma pose afetada.
Ela era uma estudante fervorosa, uma aluna ansiosa. No entanto, ela agia muito
como ele, indiferente e afastado dos outros.
Como ela seria como companheira? E ele era um tolo por querer saber?
Ela levantou a cabeça, piscou algumas vezes e sorriu para o visitante. O oriel
era um lugar tranquilo, mas mesmo assim ela não ouviu Jerard entrar.
— Por isso esperei até que você mexesse a mão — disse ele.
— Passei muitos anos como escudeiro — disse ele. — Tais deveres inspiram
a pessoa a notar coisas que os outros descartam.
Ele sorriu.
— Isso, e lustrar sua armadura e escudo, consertar sua lança, garantir que
seu cavalo não fique manco. Mil deveres que um escudeiro deve cumprir antes que
lhe digam. A punição, caso contrário, não é agradável.
— Milorde tem uma maneira de olhar para você que é pior que um golpe,
Lady Julianna. Eu quase desejei que ele me batesse às vezes. Teria sido mais fácil
do que desapontá-lo.
— Tive uma abadessa que era igual. Ela tinha um jeito de suspirar que fazia
meus ossos doerem o tempo todo.
— Deram-me algo para lhe entregar, Lady Julianna. — Ele entregou a ela
um pequeno cofre de prata, um padrão elaborado inscrito em sua tampa
arredondada. Ela o abriu lentamente, então olhou para seu conteúdo. Era como se
Sebastian quisesse aumentar seu enigma dando a ela este estranho presente.
Jerard olhou para a caixa de limalhas enferrujadas que ela segurava na mão.
Ele deixou o oriel, o que foi bom. Jerard fez o pequeno espaço parecer ainda
menor do que era. Mas então, Sebastian era maior. Mas ela raramente notava como
o quarto parecia nas vezes que ele entrou. Sua atenção era muito distraída pelo
homem.
Ela olhou para o cofre em sua mão. Era pequeno o suficiente para caber na
palma de sua mão. Um presente estranho. Ele havia se lembrado da receita de tinta
dela. Ela fechou a caixa prateada, segurou seus dedos apertados sobre ela. Ele havia
tocado? O calor que ela sentia no metal era dos dedos dele, ou do aperto de seu
próprio aperto?
Relutante, ela voltou ao seu trabalho, colocando a caixa no canto, onde ela
pudesse vê-la facilmente. Ela trabalhou durante a refeição do meio-dia, acenando
para Grazide quando a criada a teria persuadido a ir ao grande salão. Ela estava
determinada a terminar o Q que começou há quase uma semana.
A sala escureceu enquanto ela trabalhava, até que ela percebeu que não era
uma nuvem sobre o sol que obscurecia sua escrita, mas o cair da noite. Ela colocou
a página de pergaminho de lado para que secasse completamente e derramou a
tinta que não havia usado em uma tigela pequena. Tinha escurecido demais para
ser de muita utilidade. Misturar tinta era mais complicado do que simplesmente
juntar alguns ingredientes. Medir quando era a hora certa de usá-lo era tão
importante quanto. Uma tinta pálida desbota muito rápido; um preto demais
comeria o próprio pergaminho.
Ela fechou a porta do oriel, estava caminhando para seu quarto quando
ouviu a voz de Sebastian. Curiosa, ela deixou cair a mão da porta e caminhou até o
final do corredor.
A porta que ela abriu era a entrada da família para a capela. Ela a descobriu
na primeira manhã após sua chegada a Langlinais. Um arco de madeira esculpida
conduzia ao altar, acima dele uma grande janela em forma de flor, suas pétalas
trabalhadas em vidro verde opaco, agora preto com a noite. Sobre o altar coberto
de branco havia duas velas acesas, mas nenhum cálice ou prato. Havia tapeçarias
Ela entrou na capela, puxou a porta meio fechada atrás dela. Quatro pilares
canelados sustentavam o telhado, abobadados e escorados para sustentar sua
inclinação. Ela se moveu para um lado, para que a coluna não obstruísse sua visão
do altar.
Ela nunca tinha ouvido falar de uma oração que implorasse como exigia. “Eu
esperava que alguém chorasse comigo, mas não havia ninguém. Procurei alguém
para me confortar, mas não encontrei ninguém. Conheça os gritos que eu emito”.
Seus lábios ecoaram as palavras do canto latino que ele falava. Momentos
depois, houve outro som, o de um punho batendo na madeira. Ela estremeceu,
assustada. Um juramento, claro e puro como o canto matinal de um pardal, ecoava
na sala reservada para o culto. Ela juntou as mãos no queixo, os nós dos dedos
pressionados contra os lábios secos.
Uma mulher corajosa iria até ele, se ajoelharia ao seu lado. Essa mulher
poderia até perguntar por que ele orava da maneira que fazia, com súplica e
condenação vindo de uma só vez. Ela colocaria seus próprios dedos nos lábios dele
ou se ajoelharia ao lado dele em uma oração ansiosa para implorar perdão por ele.
Amaldiçoar era uma coisa terrível de se fazer em um lugar consagrado a Deus.
Ela pode ansiar por ser uma mulher de coragem destemida, mas a triste
verdade é que ela tinha falhado completamente no papel. Ela deu um passo para
trás como se fosse se pressionar contra a parede.
Um som suave escapou dela. Um suspiro, talvez sua própria oração. Não foi
alto o suficiente para ser ouvido, especialmente por Sebastian, ardente como ele
estava com seus próprios apelos ao céu. No entanto, deve ter sido, porque ele parou
Seus dedos tremeram na borda dos lábios. O silêncio cresceu sobre si, um
momento amadurecendo em dois, depois três.
Uma vez, ela tinha visto uma escultura romana, encontrada quando um
fazendeiro estava arando seu campo. Os aldeões a trouxeram para o convento, na
esperança de que a abadessa pudesse dizer-lhes se tal coisa era valiosa ou se
deveriam destruí-la. A estátua, quase em tamanho natural, era de um jovem vestido
com nada mais do que um capacete alado. Ele estava com uma perna na frente da
outra, uma mão descansando em um quadril, a outra mão atrás das costas,
segurando um pequeno orbe. O rosto era forte, quase insolente. Os lábios curvados
e cheios, o nariz orgulhoso, a testa larga. As maçãs do rosto altas desciam para um
queixo suavizado pela nitidez pela sugestão de fenda. Era o rosto de um homem
que, apesar de sua juventude, estava bem ciente de seu poder.
Ela se preparou de outra forma, pensou que ele estava ferido ou de alguma
forma deformado ou com cicatrizes. Ela não o achava bonito.
Ele havia prometido a ela Langlinais, mas ele a confundiu. Ela ficou com
infinitas perguntas sem respostas. E agora ele estava diante dela sem marca. Outro
mistério, outro enigma.
Ela tirou o gorro, deixou o cabelo na trança. Sua túnica era leve o suficiente
para que ela não sufocasse com o calor. A tarde estava clara e silenciosa, o zumbido
de uma abelha foi o único som que ela ouviu ao sair do grande salão. O Terne fluía
em um movimento rápido abaixo da parede sul, a brisa suave ondulava a água e
esfriava o ar. De onde estava, podia ver a extensão de Langlinais que se curvava em
forma de meia-lua, suas paredes seguindo a ondulação do rio.
Ela conhecera apenas duas casas… aquela em que passara os primeiros cinco
anos de sua vida e o convento. Nenhuma das duas a havia preparado
adequadamente para o castelo de Langlinais. Descobrira nas últimas semanas que
seu quarto dava para o pomar. Sua beleza não era meramente ornamental. Havia
árvores frutíferas; e imensos canteiros de ervas, além de uma lagoa repleta de
peixes. Os jardins de flores ostentavam todos os tipos de flores, a maioria das quais
ela não reconhecia. Mas ela conhecia as papoulas, rosas, heliotrópios e violetas.
O caminho que ela seguiu era feito de pedra trituradas, brilhando marrom-
amarelado ao sol. Uma abelha disparou na frente dela, voou para longe com a
mesma rapidez. O ar estava aquecido até parecer pesado, perfumado pelo cheiro
de flores desabrochando e grama alta. As paredes ao longo do rio estavam cobertas
de líquen verde. Ela se perguntou que cor produziria se fizesse a tinta.
Ela sorriu para si mesma. Mesmo agora, ela não podia deixar de pensar em
seu trabalho, ou em Sebastian.
Ela teve uma amiga no convento por um curto período de tempo. Anne fora
mandada para lá antes de seu casamento, para aprender coisas que as freiras
pudessem lhe ensinar. Ela tinha treze anos e estava destinada a se casar com um
nobre. Ela e Anne compartilharam, por algumas semanas, um dos pequenos
quartos de pedra. Separado do resto do dormitório por um muro de pedra de um
metro de altura, era um lugar seguro para duas garotas risonhas. O suficiente para
que ela e Anne ficassem acordadas, compartilhando seus pensamentos e medos do
casamento.
Elas decidiram que a vida de mulher casada seria uma coisa maravilhosa.
Chegaram ao ponto de conjecturar como seria realmente a noite de núpcias,
imaginando onde havia apenas mistério. Anne, a jovem noiva, já estava casada há
muito tempo, enquanto Julianna ainda não tinha consumado o casamento.
Nem faria.
Ela não entendia. Quantas vezes pensara nisso nas semanas que estivera em
Langlinais? Muitas. Até agora, a extensão de sua vida em Langlinais era a beleza de
poder trabalhar o dia todo em seu minúsculo scriptorium equilibrado por noites
de confusão.
A princípio, ela pensou que seu marido era um daqueles homens que
mortificam a carne como forma de adoração. Então ela pensou que ele deve ter
sido ferido na Terra Santa, ou com muitas cicatrizes. Mas o homem que ela tinha
Então, qual era a razão pela qual ele não desejava uma união verdadeira?
Havia algo nela que ele não gostava?
Era o nascimento dela? É verdade que seu pai não era nobre, mas possuía
propriedades e fora um homem leal aos condes de Langlinais. Ela havia trazido
suas terras de dote para os cofres de Langlinais e a história de uma família anterior
aos normandos. E se o status dela era censurável, então por que Sir John concordou
com o casamento?
Quanto à habilidade, ela tinha apenas uma. Ela olhou para os dedos. Havia
uma mancha escura na lateral do polegar e outra na ponta do dedo indicador.
Independentemente do quanto ela esfregasse as mãos, elas pareciam permanentes.
A Senhora de Langlinais não deveria ser tão desleixada.
Ela poderia mergulhar por horas e horas nos pensamentos dos outros. As
palavras lhe falavam como as notas mais puras, uma melodia feita de discurso. Ela
sentiu que seu dever era importante, transcrever essas observações com diligência,
sem acrescentar suas próprias crenças ou interpretações. Dessa forma, ela
contribuía para o estoque mundial de conhecimento; ela disponibilizava para mais
uma pessoa um aprendizado que não existia antes. Quando ela terminasse e
escrevesse as palavras claramente, na última página, significava mais do que “o
fim”. Era a passagem de uma confiança. Certamente, essa habilidade valia alguma
coisa? Por essa habilidade, ele não poderia isentá-la de quaisquer outras falhas?
De que cor eram seus olhos? Estava escuro demais para ver, e a criança que
ela era não havia notado. E por que, enquanto ela estava se perguntando sobre
Não parecia certo pensar tanto nele, especialmente porque ele a repudiou
com tanta habilidade. Não apenas proibindo de consumar o casamento, mas
afastando-se quando ela poderia tê-lo tocado ou se aproximado demais.
Pela primeira vez, ela queria ser corajosa. Agora, ao que parece, ela queria
mais. Acima de tudo, ela desejava que todas as perguntas que haviam começado
desde o primeiro momento em que vira Langlinais fossem respondidas.
Ela estava no pátio inferior, agora, onde a maior das torres Langlinais
comandava a vista. Chamava-se a torre de Lorde Henry, desde o primeiro conde
que concedeu a propriedade duzentos anos atrás.
— Milady — disse Jerard. A voz dele a assustou, tão extasiada ela estava em
seus próprios pensamentos. Ele evidentemente a seguiu e ficou esperando ao lado
dela, seu rosto solene, seus olhos ostentando aquela vigilância eterna que o
marcava como leal e silencioso. Ela parou.
Tais palavras simples não deveriam fazer sua respiração parar em seu peito.
Mas era a primeira vez que Sebastian a chamava. Ela continuou andando. Jerard
não a pressionou, apenas manteve o ritmo ao seu lado.
Eles passaram pelo portão que separava o meio do pátio inferior. Ela estava
lentamente refazendo seus passos.
A guarita surgiu diante dela. Mais alguns minutos e ela estaria de volta ao
grande salão.
— O que devo dizer a ele, milady? — ele perguntou alguns minutos depois.
— Não, milady. Lá. — Ele apontou, e o olhar dela seguiu seu dedo. Até o
topo da torre leste, onde estava uma figura vestida de preto. Ele os estava
observando? Ele esteve observando-a todo esse tempo?
Jerard não falou enquanto a conduzia a uma porta na base da torre. Ele não
disse nada, mas então, o que ele poderia dizer? Sebastian era seu marido, afinal.
Ele a havia convocado, e ela iria. Os homens iam para a guerra e suportavam a
batalha. As mulheres eram protegidas e mantidas em segurança e, por isso,
esperava-se que fossem obedientes. Era assim que o mundo funcionava.
Seu coração estava batendo tão forte que ela se sentiu tremer. Seus joelhos
tremiam, como se fossem desmoronar a qualquer momento. A coragem inicial
necessária para subir o primeiro círculo de degraus desapareceu rapidamente. No
segundo, ela estava certa de que ia tremer em pedaços. “Desça daí, criança. Você
vai cair para a morte”. Vozes das freiras, de sua infância. Um aviso sinistro que ela
não tinha dúvida se tornaria realidade nos próximos momentos. No terceiro círculo
de degraus, a única coisa que a mantinha subindo era o fato de ser menos
assustador do que começar a descida. Havia, finalmente, um apoio para as mãos.
Não mais do que um tijolo áspero com um sulco desgastado ao longo de seu
comprimento, ela o agarrou e se ergueu a curta distância até o piso de madeira da
torre.
Ele se virou e a observou, mas não se aproximou. Ah, havia uma lição a ser
aprendida então. Ele ainda não queria tocá-la.
Ela levantou a cabeça e olhou para ele. O capuz de monge não fazia nada
para proteger seu rosto da vista. Ou ela simplesmente soube disso agora, que podia
colocar nariz, olhos e boca onde as sombras antes apenas sugeriam feições?
Ele empurrou o capuz para trás, deixando seu rosto banhado pela luz do sol.
Seus olhos eram azuis. Não, não apenas azuis, mas o azul de sua tinta, pouco antes
de mudar para preto. O olhar era solene, mas tal expressão não diminuía sua
beleza. Ou a dele.
Ela desviou o olhar. De seu ponto de vista, os merlões bloqueavam sua visão
do campo, embora ela pudesse ver bem o suficiente pela abertura das ameias. A
melhor visão que tinha era a de seus dedos.
Ela se sentou no chão da torre, enfiando as pernas sob o tecido de sua túnica.
Sentar-se aliviou um pouco seu medo, escondendo a vista.
— Achei que você tinha cicatrizes, Sebastian. E fosse tímido por causa disso.
— Ela falou com o merlão e não com ele. Era mais fácil, de alguma forma.
Seu sorriso era brilhante, mas fugaz. Um momento ali, no outro tinha ido,
seu rosto ficou sombrio.
Seu rosto era forte e imperioso, mas não indelicado. Ele havia feito uma
pergunta para indicar que não tinha intenção de responder à dela. O marido que
ela temia tinha se transformado em um homem bonito que estava sentado à sua
— Ainda me lembro de uma criança que fez uma careta para mim e mostrou
a língua muito grosseiramente.
— Eu, não.
— Oh, você fez — ele disse, sorrindo. — E foi suficiente para eu pensar que
você não era nada tímida. O que aconteceu nos anos seguintes, Julianna?
— A criança que conheci não era rude. Era ousada. Afinal, era o dia do seu
casamento.
Ele não fez perguntas fúteis, mas ficou sentado esperando. Ele parecia saber
que contar essa história em particular era difícil. Ela não repetiu para ninguém
desde que aconteceu. Mesmo agora parecia estranho fazê-lo, como se ela
desobedecesse a alguma ordem celestial.
— Você tinha apenas cinco anos de idade. — Sua voz soou absurdamente
gentil. Ele não devia ser, ou ela não poderia terminar esta história. Ela mal podia
suportar pensar naquela criança.
— Para ele. — Havia um tom de desgosto em sua voz que a fez sorrir. Ela
não era a única criança indesejada e enviada para viver com outras pessoas. Pelo
menos seu pai tinha arranjado seu futuro contraindo um casamento vantajoso.
Mesmo que a ação tenha sido motivada por ambição, ainda a beneficiou.
Ela olhou para ele. Havia uma expressão em seu rosto que não era nada
difícil de ler. Era raiva, e sua presença parecia aquecer seu coração. Ou talvez fosse
o coração daquela garotinha de tantos anos atrás.
— Não me lembro de ter ido lá. Ou mesmo por quê. Tudo o que me lembro
é que estava escuro na torre do sino. Muito, muito escuro.
Ela sorriu.
— Não. — Ela se endireitou. Mesmo agora ela podia ver o chão sob seus pés,
tão longe. Parecia apressar-se para ela. Ela fechou os olhos.
Ele não disse nada diante de sua confissão. Ela olhou para as próprias mãos.
— Em silêncio?
— Não tenho dúvidas de que lhe disseram repetidamente que poderia ter
morrido por suas ações tolas.
Ela assentiu.
— Você teria tanto medo até hoje se tivesse sido parabenizada pela bravura
de seu feito?
— Então o que eu temo não é tanto a realidade de uma coisa, mas suas
consequências? Não é sábio fazer isso?
— Você é muito inteligente para ser tola. Seu bom senso a teria advertido,
não as palavras histéricas dos outros. — Seu rosto se aqueceu com suas palavras.
— Em vez de solidão.
— Sim.
Ele não disse nada sobre isso, apenas estudou-a como se tivesse certeza de
que a posição de suas feições era a mesma do dia anterior, que seu cabelo estava
arrumado da mesma forma. Ele desviou o olhar, assim que ela começou a se
aquecer sob seu olhar.
Ele sorriu, seu olhar voltando para ela. Certamente ela não era a primeira
mulher a suspirar interiormente com o efeito tanto daquele olhar quanto daquele
sorriso simples. Eles não o faziam parecer mais jovem. Em vez disso, eles
adicionavam uma aura de maldade ao seu rosto forte.
— Não. Duvido que algum dia ele falaria mal de você. — Na verdade, Jerard
simplesmente sorria sempre que ela fazia uma pergunta que ele escolhia não
responder, não muito diferente do Senhor de Langlinais.
Ele desviou o olhar, para onde uma estrela primitiva apareceu no horizonte.
Ele piscou, como um gato travesso.
— Mas ele não é de Langlinais. — Ele havia dito isso a ela um dia.
— Talvez na Inglaterra, mas na França ainda são populares. Eles são, afinal,
projetados para treinar um homem para a guerra, embora alguns não sejam
necessariamente uma simulação de guerra. — Um pequeno sorriso curvou seus
— Fui vitorioso desde o meu primeiro torneio, fui arrogante. Uma vez,
resgatei os cavalos que ganhei e não fiquei com nenhum para meu próprio uso.
Consequentemente, eu não tinha nem um cavalo decente para montar, já que o
meu tinha ficado manco. Eu o estava conduzindo, mancando, para o próximo
torneio quando conheci Jerard. Ele estava trabalhando nos estábulos de seu
suserano. Ele tratou meu cavalo tão bem que pude lutar e vencer novamente. —
Ele fez uma pausa, depois continuou. — Comprei sua liberdade com meus ganhos
e fiz dele meu escudeiro.
Ele assentiu.
— Não posso acreditar que foi estritamente o seu cavalo que lhe reclamou
todos esses prêmios.
— Nem todos eram prêmios — disse ele, virando-se mais uma vez para ela.
Evidentemente, ele não queria falar de sua habilidade com espada ou lança. — Uma
vez fui premiado com um peixe, um lúcio7 muito grande. E outra vez, com um
bosque. E em outro torneio ganhei a mão de uma senhora muito simpática com
um nariz muito grande. Eu me esforcei muito para informar ao pai dela que eu
estava casado há muitos anos com uma garota que não via desde os doze anos.
7 Lúcio é o nome geral dado aos peixes de água doce do género Esox, A sua cor é tipicamente cinzento-esverdeado
podendo apresentar pintas, sempre de padrão diferente de indivíduo para indivíduo.
Por causa disso, ela fez outra pergunta. — Por que você nunca vai lá fora? A
menos que esteja escuro, ou amanheça e não haja ninguém por perto?
— Você faz seu próprio perfume? — Havia alguns tópicos que ele não
abordaria apesar de sua repentina facilidade um com o outro.
— Não — disse ela, confusa com o grau de mágoa que sentia. Com a
brusquidão. Era como se ela fosse uma criança e alguém lhe oferecesse uma
guloseima, depois a pegasse de volta assim que ela a pegasse. Não, Julianna, você
não pode tê-lo. Você não o merece.
Não estrague este momento, Julianna, desejando algo que você não pode ter.
Aceite o que você tem e torne-o suficiente. Por essa lógica ela se sustentou durante
toda a sua infância, durante aqueles longos anos em que seu pai não veio. Só para
saber mais tarde que ele havia morrido dois anos antes e ninguém havia pensado
em informá-la.
A visão de seu meio sorriso fez algo doer em seu peito, alguma emoção até
então desconhecida, composta de mágoa e uma sensação de sua própria
fragilidade. Ela se sentiu quase leve como um pergaminho naquele momento,
capaz de ser sacudida pela brisa suave que levantou a ponta do pano. Tudo por
causa de um sorriso.
— Por que você esperava mais de mim? — Ela olhou para ele, curiosidade
genuína no rosto. — Você não me conhece. Até esta tarde, mal tínhamos falado.
— Ainda assim, você não fez nada para alterar minha percepção.
Simplesmente anunciou como algo errado.
Mais uma vez, ela experimentou a sensação de que estava sendo atraída para
o encantamento. Não era sua aparência, ou o mistério que o cercava que a seduzia.
Era o todo dele. Sebastian de Langlinais.
A criança que ela tinha sido, que tinha sido corajosa, ousada e destemida,
sorriu e riu por trás de sua mão.
Julianna pousou a pena de junco. Hoje ela estava colorindo uma grande área
da inicial maiúscula, e o trabalho não exigia a delicadeza de uma de suas preciosas
penas de pato. Na verdade, o trabalho estava indo devagar, porque ela não
conseguia se concentrar. Muitas vezes, seu olhar era capturado pela caixa prateada
no canto de seu espaço de trabalho.
Ela olhou para uma página até perceber que permitiu que uma gota de tinta
manchasse a superfície. Pelo menos o pergaminho estava em branco. O resto da
manhã foi gasto aplicando pedra-pomes na área e esfregando até que estivesse
finalmente limpa.
Ontem surgiu em sua mente assim que ela deixou a torre. Eles passaram
horas conversando sobre coisas que contornavam as bordas de sua estranha união.
Mas ela não havia feito mais nenhuma das perguntas que estavam na vanguarda
de sua mente, sabendo que ele não as responderia.
Sua curiosidade era tolice. A quem ela iria perguntar? Não ao próprio
Senhor de Langlinais. Era como se ele fosse uma ilha com fosso, separado e afastado
Ela se virou e ele estava ali. Ela não se sobressaltou nem vacilou com sua
aparição repentina. Era como se de alguma forma ela soubesse que ele viria, como
a árvore antecipa o pouso de um pássaro em seus galhos, ou a terra um coelho
escavador. Um pequeno sorriso curvou seus lábios em tais noções sem sentido.
Sebastian, Conde de Langlinais, não era nem pássaro nem coelho. Mais uma
sombra, talvez, uma que caísse onde deveria, como deveria, apesar da colocação
do sol ou da nuvem.
Ele entrou no pequeno oriel, ainda mais íntimo por sua presença.
Mas ela não disse nada, nem se moveu para o lado quando ele se aproximou,
compelido pelo pequeno tamanho da sala. Seus dedos tremiam enquanto ele estava
atrás dela, observando, mas não disse nada. Eles tremeram quando ela abriu o
pequeno chifre que continha sua tinta preparada, e despejou um pouco em uma
tigela rasa.
— Por que a tinta é clara? — Ele sussurrou ao lado de seu ouvido, e por força
de uma vontade que ela não sabia que possuía não estremeceu . Não que isso a
— Mas você faz tudo isso, faz tinta e prepara seu pergaminho também?
— E muita sorte — disse ela, olhando para as mãos. Seus dedos estavam
posicionados na borda do espaço de trabalho. Ela precisa pegar uma de suas penas
e começar seu trabalho. A enciclopédia não vai terminar se ela não começar.
— Boa sorte?
— Sim — ela disse suavemente, sua voz quase tão gentil quanto a dele.
Afinal, não havia necessidade de gritar um com o outro. Eles estavam a apenas um
pé de distância. O tamanho do oriel não permitia que ficassem mais afastados.
— Uma gota de tinta, um toque muito forte na pena, uma mão que dá
cãibras. Todas essas coisas podem arruinar um trabalho de meses.
Ela olhou para seu manuscrito. A página estava imaculada como se nunca
tivesse derramado tinta sobre ela. Ela aprendera, ao longo dos anos, a mascarar os
efeitos de seus próprios erros tão bem que os outros escribas a procuravam quando
precisavam que algo fosse apagado. Certa vez ela reclamou com a abadessa que não
parecia justo ser tão proficiente com erros, para o que a abadessa simplesmente
sorriu e decretou que cada um de nós reconhece seus próprios erros muito melhor
do que qualquer outra pessoa.
Ela levantou a cabeça e olhou pela janela longa e estreita que lhe mostrava
o mundo. Ela não precisou virar a cabeça para saber que ele a estava observando,
estudando-a como ela aprendeu aqueles livros que ela iria transcrever mais tarde.
Irmãos, não sejam negligentes em suas traduções, mas de mente alerta e coração
disposto. Uma advertência que ela repetia para si mesma todas as manhãs antes de
pegar sua pena.
— Sim — disse ela. — Não é um livro muito longo. Mas seu autor é bastante
verboso e tem muito a dizer sobre todos os tipos de plantas. Mas não há ilustrações,
pelas quais sou grata. Não sou boa artista.
— Você não se dá crédito suficiente, Julianna. Isso é outra coisa que você
teve que aprender, essa auto humilhação? — Seu sorriso roubou as palavras de seu
aguilhão.
Ela sorriu.
— Ela nunca fez isso — Julianna disse baixinho. — Aprendi a aceitar o que
me disseram.
— Você aceita tudo que aprende, Julianna? Você nunca questiona aquelas
coisas que você vê, ouve e sabe? O que aconteceria se você descobrisse uma
verdade que transformasse tudo o que você conhece em mentira?
Ele assentiu.
— Verdade?
— Você sabe o que eu acho que a maioria das pessoas fariam? — ele
perguntou, seu sorriso sumindo. — Acho que diriam que ainda era azul. Que
aqueles que o chamavam de verde estavam errados.
Ela esperava que ele respondesse com uma risada, mas em vez disso, ele
disse: — Não sei, Julianna.
Ele se virou para ir. Quando ele hesitou na porta, ela estendeu uma mão
como se quisesse evitar sua partida. Ele se afastou do toque dela, um repúdio tão
8 Monstros com aparência feminina e eram conhecidas por terem o poder de transformar em pedra aqueles que olhassem
Ela assentiu.
Ele não disse mais nada, apenas fechou a porta atrás de si, deixando-a
sozinha.
Courcy, França
Nos últimos dois anos, ele começou a notar os pontos fortes da Ordem, bem
como suas vulnerabilidades. O que ele viu foi uma organização cujo propósito
estava rapidamente se tornando obsoleto. A razão para o surgimento dos
Templários há cem anos foi para prover o homem comum em seu caminho em
adoração aos santuários cristãos. Agora a Ordem estava sendo usada como nada
mais do que uma força unida contra os inimigos do papado ou para descobrir
hereges dentro da cristandade.
Para perdurar, sua missão deve mudar. Eles deveriam esculpir um futuro
para si que estivesse mais de acordo com seu poder. Uma visão que a maioria dos
líderes dos Templários infelizmente não compartilhava.
Cinquenta anos antes, o Livro dos Juízes havia sido traduzido para o
discurso do dia, para que os irmãos pudessem entender a cavalaria dos tempos
bíblicos, especialmente a conquista da Terra Santa por Josué. Gregory tinha ouvido
alguns irmãos se referirem ao homem à sua frente como o novo Joshua. Phillipe
d'Aubry era o Marechal, um homem próximo ao topo da hierarquia da Ordem,
próximo o suficiente do Mestre para ser considerado seu sucessor.
— Suspeito que sim — disse Gregory. — Ele mesmo me disse que estava na
fortaleza cátara pouco depois do fim do cerco.
— Você sabe, é claro, que esses cátaros não entregaram nada e não
confessaram uma palavra. Eles marcharam para o fogo cantando canções de
alegria. — O olhar de Phillipe era de especulação gentil.
— Você acredita que seu irmão tem o tesouro, Gregory? Que sua viagem a
Montvichet era para recuperá-lo? Que ele o encontrou quando ninguém mais o
fez?
— Sim, Marechal.
— Ele tem menos de três meses para pagar o restante do resgate, mais os
juros do empréstimo. Recebi notícias dele de que não é capaz de fazê-lo, mesmo
que Langlinais produza uma colheita abundante.
Gregory assentiu.
Phillipe juntou os dedos, olhou além de seu convidado para a parede oposta,
como se o tesouro dos cátaros estivesse ali.
Seu sorriso era tão agradável quanto o tom de voz usado para se dirigir a ele.
Gregory não era enganado por tal gentileza. Uma mente rápida estava por trás da
voz suave.
— Um líder sábio o manteria por perto, para melhor conhecer sua mente.
Ou bani-lo de sua presença para que você não contamine seus pensamentos.
Era para seu benefício que ela se contentasse em Langlinais, mas ele não lhe
dissera isso. Tampouco explicara que um dia, talvez em breve, ela teria apenas seu
trabalho para manter como companhia. Ele estaria recuado atrás de uma porta
trancada.
Se ele não tivesse nada além de companheirismo verbal, que fosse inteiro e
completo. Deixe-a falar e saiba que nada que ela disser será ridicularizado. Deixe-
a trair todos os seus segredos. Que ela se sinta segura neste lugar, para que não
haja necessidade de medo, nenhuma razão para tremer em sua presença. E quando
ele não estiver mais com ela, que ela se lembre desses momentos com carinho e
um sorriso. Ela pode até vir aqui de novo, sentar-se no mesmo lugar e lembrar dele
e de suas palavras.
***
Ele a desconcertou por sua própria presença. Foi por isso que ela se
machucou durante a refeição? Não, foi a razão pela qual ela não pensou em nada
além dele por semanas.
— Ovídio?
Ela disse.
— “No entanto, eu vou nascer, a parte mais fina de mim, acima das estrelas
imortal, e meu nome nunca morrerá.”
— Sua abadessa é uma mulher rara para permitir que você estudasse Ovídio.
— Voltou para as sombras novamente.
— Duvido que a abadessa soubesse. Mas nunca se pode ter certeza. Ela
parecia saber de tudo. — Ela suspirou. — Suspeito que ela não teria gostado de
saber que li Catulo9. — Ela olhou para ele. — Você leu? Suas obras?
Ela abriu os olhos e foi só então que viu o objeto pousado no canto do tecido.
Era um cilindro fino não maior que um punhado de penas, encimado por uma caixa
quadrada da largura de dois dedos. Era feito de ouro, esculpido e decorado de
9Catulo foi um poeta lírico latino Caius Valerius Catullus, que viveu entre 87 e 54 a. C. Autor muito apreciado, teve grande influência
na obra de outros escritores latinos.
Quando ele falou, sua voz era tão quente quanto o metal que ela acariciava.
— Recebi apenas dois presentes em minha vida — disse ela, as palavras não
ditas facilmente, mas necessárias. — Ambos vieram de você.
— Os maridos não são obrigados dessa maneira? Você é minha esposa. Você
concorda com a crença de que só posso lhe conceder o que está em uma lista? —
Houve uma pausa antes de ele começar a falar novamente. — Acho que consigo
me lembrar desse inventário de itens aceitáveis. Um lenço, uma faixa para o cabelo,
uma coroa de ouro ou prata, um alfinete, um espelho, um cinto, uma bolsa, uma
borla, um pente, mangas, luvas, um anel, um compacto, um quadro, um lavatório,
uma bandeira, mas apenas como lembrança.
Ela estava tão confusa com a suavidade de sua voz quanto com a lista que
ele entoou.
***
— Você não trabalhou hoje — disse ele. Tal declaração a trairia de que ele a
havia procurado no oriel? Ou que ele se castigou por fazer isso? Além daquela
última visita, quando ele chegou perto demais de contar a ela um dos segredos que
ele guardava, ele não retornou ao seu minúsculo scriptorium.
— Minha mão estava com cãibras. Temo ser culpada de entusiasmo em vez
de moderação. Mas nunca antes tive tanta liberdade. — Seu sorriso era pesaroso,
sua diversão dirigida a si mesma.
Ele desejou, apenas uma vez, que ele pudesse tocá-la. Beijar a parte interna
de seu pulso e descobrir se aquele foi o local onde ela colocou seu perfume de rosas.
Ou tocar sua têmpora, ou a cavidade na base de seu pescoço. Seus seios jaziam sob
a capa, cobertos de seu olhar, mas não de seu conhecimento. Ele conhecia a forma
deles, os havia estudado nas sombras da torre.
Ele desejou tanto a companhia dela um dia que não pôde esperar até o
anoitecer, mas foi para o quarto dela como um cachorrinho apaixonado. Ele
removeu a tampa de seu perfume de rosas e inalou profundamente, como se sua
essência tivesse sido capturada dentro da garrafa.
Ele nunca seria capaz de testar seus sonhos quanto à forma e curvas dela.
Às vezes, o desejo era tão forte e tão alucinante que ele cerrava as mãos para
impedi-las de alcançá-la. Mesmo neste momento, enquanto ela estava sentada
sorrindo para ele, ele ansiava por alisar a mão sob sua roupa, sentir o movimento
de suas pernas. Ele queria deitá-la sobre o pano, apagar a lamparina e amá-la à luz
das estrelas complacentes.
Esta noite ele trouxe o tabuleiro de xadrez para a torre. Brilhava à luz de um
sol poente, suas peças de ouro e prata tão inestimáveis quanto qualquer um dos
tesouros de Langlinais. Estava entre os últimos. Em breve, ele também se juntaria
a todos os outros objetos preciosos coletados ao longo de uma série de vidas,
vendidos para pagar o restante de seu resgate.
Eles não falaram até longos momentos depois, quando ele capturou sua
primeira peça, uma ação que fez uma carranca aparecer entre suas sobrancelhas.
Ela disse.
— Fiquei intrigado com seus argumentos, ainda mais pela forma como seus
professores os ouviam. Foi um aprendizado que eu nunca tinha experimentado
antes, uma disputa que se tornou a essência da minha verdadeira educação.
Ela se recostou na parede, cruzou as mãos no colo e sorriu para ele de forma
encorajadora. Ele sorriu para sua própria ânsia de contar a ela tudo o que
descobriu.
Ele sorriu.
— O que mais ela lhe disse? — Não havia raiva em sua voz. Grazide fizera
parte de sua infância. Sua propensão para contar isso não continha rancor ou
maldade. Ela era simplesmente interessada nas pessoas e expressava isso através
da fala. Houve época, aliás, em que era simplesmente mais fácil transmitir alguma
informação a Grazide, sabendo que rapidamente encontraria o seu caminho
através do castelo. Ela também gostava muito dele, e talvez fosse por isso que ele a
designara como assistente de sua esposa. Ele ainda era um homem, apesar de seu
futuro, e desejava ser bem retratado. A ironia desse pensamento não lhe escapou.
— Sebastian?
A voz dela o chamou de seu devaneio. Ele se virou e olhou para ela.
Como ele responderia a ela? Com conhecimento suficiente para saciar sua
curiosidade? Ou com mais, para insinuar o homem abaixo? Eu queria que ela
soubesse a verdade, mas não completamente.
Ele esperou, mas ela não fez nenhum comentário. Seu convento a havia
isolado bem, então.
— Eles estão. Ou, se algum deles ainda vive, esconde-se do mundo. — Ele
bateu os dedos contra a pedra.
— E Madalena? — Sua voz era tão suave, quase um sussurro. Ela sabia a
resposta antes que ele falasse, ele tinha certeza.
Ele só conseguiu balançar a cabeça. Ela pareceu perceber que ele não falaria
dessa memória. As imagens do horror estavam quase borradas, retornando apenas
raramente em sonhos.
— Ela era uma mulher alta com um queixo saliente e uma boca grande que
estava sempre sorrindo. Seu cabelo era grisalho desde minhas primeiras
lembranças, e sua voz soava como se ela cantasse as palavras. — Sorriu para
Julianna, depois voltou a estudar o horizonte. — Ela não era nada graciosa, sendo
muito angulosa com membros grandes, mas andava como se fosse dona da terra e
de tudo sobre ela. Me deu sua amizade primeiro, depois seu carinho. Ao longo dos
anos, aprendi a apreciá-la e depois ser apreciado. — Ele olhou para ela novamente.
— Ela teria gostado de você, Julianna. E aprovado sua diligência.
— Muita diligência, temo eu. — Ela estendeu a mão direita. Três de seus
dedos pareciam estar curvados sobre si mesmos. Ele desejou poder pegar a mão
dela entre as suas e esfregá-la até que não estivesse mais apertada.
Ela olhou para ele, o cenho franzido na testa acentuado pela sombra
projetada pela lamparina.
Ela se levantou e chegou muito perto. Tão perto que ele podia sentir o cheiro
dela, sentir seu calor.
— Não me toque, Julianna. Nunca. — Ele deveria ter gritado a ordem para
ela, mas obviamente seu sussurro rouco foi suficiente. Ela deixou cair a mão e se
afastou. À luz do lampião ele podia ver a surpresa dela. Melhor ela questionar sua
raiva do que ser afligida como ele estava.
O pergaminho dobrado que ela deu a ele era uma mensagem para Sebastian.
Curta e privada consistia em apenas duas frases. Eu aceito seus requisitos,
Sebastian. Você virá até mim? Ela nunca estenderia a mão para tocá-lo novamente.
Nem faria outra pergunta a ele. Se ao menos ele continuasse com suas conversas.
Ela sentia muita falta delas. Não… ela sentia falta dele. Todas as noites ela voltava
para a torre e esperava que ele aparecesse. Mas ele não voltou.
Grazide pendurou a roupa no baú alto. Dentro havia mais belos tecidos
transformados em roupas encantadoras, sapatos de couro macio bordados com
flores delicadas, toques e faixas de linho branco no queixo.
— Obrigada, Grazide.
A sombra na parede era grande demais para ser dela. Então se moveu,
mesmo enquanto ela permanecia imóvel.
Ela não conseguia olhar para ele. Suas mãos trêmulas alisaram o pano e
depois o colocaram sobre seus seios nus. Um insignificante gesto para esconder
Ela balançou a cabeça. Na verdade, ela não sabia se podia falar. Ela se sentou
nua diante dele, cobrindo apenas as sombras suaves e trêmulas.
Ele não disse mais nada. Não havia nenhum som na sala, exceto pela gota
de água deslizando da borda de volta para a bacia. Sua audição parecia aguçada o
suficiente para ouvir, e notar a aspereza da respiração de Sebastian.
Ele era seu marido. Este momento provava isso. Sua entrada em seu quarto
não precisava ser anunciada. Nem a porta nem a inclinação dela podiam impedi-
lo.
O calor de sua pele parecia aquecer o pano úmido que se estendia sobre seu
peito. Ela desviou a cabeça, fechou os olhos, esperou que ele saísse do quarto. No
final da renúncia. Ele viria, ela tinha certeza. Ele a recusou como sua esposa. Ela
esperou em silêncio que ele a repudiasse como mulher.
Ela não sabia se ele a achava graciosa. No entanto, desde que ela o viu, desde
que ele sorriu para ela, ela se preocupou com seu próprio rosto e forma. Ela queria
que ele a olhasse como se estivesse cativado. O mesmo que ela sentia por ele. Ela
queria ver suas mãos, ter seus dedos entrelaçados com os dele. E os lábios dele em
sua testa, para que pudesse esfriar sua pele, e em seu pescoço, onde sua carne
estava especialmente quente. E se não fosse muito chocante, na curva de seu
ombro.
Ele ainda não falou. Ele ficou mudo de aversão? Ou ele estava envergonhado
por ela não ter se coberto com a toalha que estava a apenas alguns centímetros de
seus dedos? Ou ele estava chocado que ela não protestasse contra sua aparência,
embora ela tremesse no silêncio?
Em vez disso, ele se aproximou, um roçar de ar contra suas pernas nuas lhe
disse isso. Ele estava atrás dela agora, uma figura imóvel e silenciosa. Ela podia vê-
lo em sua mente tão perfeitamente como se ela tivesse aberto os olhos, sua figura
vestida de escuro e silenciosa, uma mão enluvada estendida e segurando a
lâmpada. Seu lindo rosto estaria escondido nas sombras. Aqueles olhos que tanto
espelhavam o céu noturno, que emoção eles expressavam?
Ele não disse nada, mas a luz vacilou novamente. Ele se inclinou mais perto?
Isso era o calor de sua respiração em suas costas ou ela só tinha imaginado? Ela
endireitou a cabeça, sentiu outra sensação fraca em sua pele. Não, isso certamente
deve ser imaginação. Ele nunca se aventurou tão perto. Um brilho repentino sob
suas pálpebras. Ela os abriu um pouco para espiar através de seus cílios. Ele havia
colocado a lamparina no banco ao lado dela. Ela fechou os olhos novamente. Onde
ele estava?
Seus lábios estavam cheios, e o pulso batia em seu pescoço tão alto quanto
os sinos do convento. Havia outros lugares onde a sensação era igualmente
desconcertante. Seus seios doíam. Sua pele estava apertada. O pano, secando em
sua pele aquecida, parecia abrasivo.
Um passo suave a alertou de sua localização. Ele estava na frente dela agora.
Ele se ajoelhou? Foi essa a explicação para o som que ela ouviu? Ela não conseguiu
abrir os olhos desta vez, suas pálpebras estavam fundidas, sua respiração
alimentada por carvões aquecidos em seu estômago.
Ele a estava observando? Ele olhava para ela sentada ali, nua, exceto por um
pano sobre os seios? Seus joelhos estavam pressionados juntos, suas mãos
descansavam na parte superior das coxas. Ela estava imóvel, mas seu sangue estava
correndo.
— Julianna.
Ela não queria responder. Ele iria puxá-la deste lugar secreto, forçá-la a abrir
os olhos, a encarar o que ela estava fazendo. Ela queria permanecer neste meio
mundo, seduzindo sem uma palavra, convidando-o a tocá-la sem súplica. À deriva
na sensação que aumentava a cada momento que passava. Imaginação aliada à
curiosidade.
— Retire o pano.
—Enquanto ela esperava diante de mim, suas roupas caíram de seu corpo,
nenhuma mancha apareceu. Que ombros, que braços, que coxas são dela, essa beleza
juvenil. A forma de seus seios é adequada para minhas mãos. Não há nada que não
seja digno de elogios sobre ela. Como desejo pressioná-la contra mim.
Ele assentiu.
Uma de suas grandes mãos, coberta com sua luva eterna, estendeu-se,
aproximou-se. Ela quase podia sentir o calor de sua mão através do couro. Sua
palma se curvou como se para imitar a forma do seio que iria segurar no momento
Ela doía, magoada com a dor deste momento. Ela queria que ele a tocasse,
queria suas mãos em seu corpo. Por favor, Sebastian. Palavras que foram ditas em
seu coração, em sua mente. Instintivamente, ela sabia que ele era a resposta para
essa dor que ela sentia, sua mão sobre ela aliviaria esse desejo.
Ela estendeu as mãos para ele, palmas para cima, um sinal de rendição.
Ele olhou para as mãos dela por um longo momento, então seus olhos se
ergueram até encontrar o olhar dela.
Ele não falou, mas ela ainda podia sentir o calor de sua mão, mesmo através
do couro de sua luva. Permaneceu a uma polegada de seu corpo. Ela fechou os
olhos novamente.
— Se sim, você conseguiu seu objetivo — ele perguntou, sua voz áspera. —
Você sabe o quanto eu quero lhe tocar, eu me pergunto? Você sabe como a visão
do seu corpo me excita? Não? Claro que você não sabe. Você é uma inocente, não
é? Então, inocente Julianna, gostaria de saber o que desejo fazer neste momento?
Ela olhou por baixo de seus cílios para ele. Ele parou.
— Eu acho que é. Você leu poesia de amor em segredo. As palavras que você
leu deixaram-na com fome, Julianna? Quer algo que você nunca teve?
Seu sangue parecia em chamas, sua pele muito apertada para seu corpo.
Suas mãos estavam apertadas agora em seus joelhos. Novamente, a sensação de
que sua respiração roçava sua pele. Ou era a mão dele de novo, suspensa sobre o
corpo dela? Por que ele não a tocava?
— Eles são meus dedos agora, assim como seu corpo é meu. Você queria
esse momento, Julianna. Então experimente.
Ela estremeceu com a nota em sua voz. Nem cruel, nem punitiva, mas firme.
O tom de um guerreiro, não tolerando recusa. Ainda assim, ela não falou para
protestar contra sua suposição, não lhe disse que sua presença aqui era apenas um
acidente. Em vez disso, ela se sentiu presa na teia de suas palavras, em transe,
ruborizada. Imaginando.
— Agora pegue sua mão e coloque-a em seu ombro. — Ela o fez, embalando
a palma da mão direita contra o bulbo do ombro esquerdo. — Toque sua pele,
Julianna, a suave inclinação de seu braço.
Seus dedos deslizaram lentamente até o pulso. Sua mão estava a apenas um
centímetro da dela na lenta descida, como se desejasse absorver o que ela estava
sentindo, tocá-la sem fazê-lo.
Ela assentiu.
— Julianna. — Ele falou o nome dela como se fosse uma oração, uma suave
invocação de som. Ela estremeceu ao som disso, inclinou a cabeça.
Ela sentiu como se seu coração estivesse acelerado, como se ela tivesse
corrido para encontrá-lo. Mas ela permaneceu presa ao banco pela presença dele,
pelo timbre suave de sua voz e uma sensação de estar enfeitiçada. Não, não é
feitiçaria, mas necessidade. Uma necessidade desesperada de saber o que vem
depois disso, o que fez os poetas cantarem de êxtase e felicidade.
— Você tem seios lindos, Julianna. — Sua voz não passava de um rosnado
áspero. — Esfregue os polegares nos mamilos, Julianna.
Sua cabeça caiu para trás, seus olhos se fecharam, mas ela fez o que ele disse.
Seus dedos pareciam abrasivos contra sua carne sensível. Seus seios se apertaram,
a pele formigando em resposta. Sua respiração veio em suaves e indefesos gostos
que combinavam com a cadência de sua respiração em seu ouvido.
— Diga-me.
— Sim — ela disse, sua voz um leve sussurro de som. Mesmo assim, era
quase impossível falar.
Jerard estava encostado em um cajado quase tão alto quanto ele. Como
mordomo de Sebastian, ele deveria usá-lo como um distintivo de sua autoridade.
Em vez disso, isso o fazia se sentir estranho. Ele nunca atacaria um homem
desarmado. Muitos anos sob o domínio do governo de outro homem o deixaram
com um desgosto permanente por isso. No entanto, ele estava muito ciente de que
todos tinham um mestre, até mesmo o Papa. O que diferia era o grau de poder que
se exercia ao tentar cumprir as ordens de um mestre.
No entanto, tão oneroso quanto este dever, ele não desejava que a passagem
do tempo aumentasse. Se ele pudesse ter abrandado, ele o faria. Ele até se
perguntou se havia feitiços que ele pudesse usar para fazer isso, não se importando
com a troca de sua alma mortal pela saúde de Sebastian. Além disso, a felicidade
seria algo grande demais para desejar?
Ele usou a manga para enxugar o suor dos olhos, mantendo um sorriso
amigável no rosto para que os aldeões não acreditassem que ele estava irritado ou
chateado. Os aldeões de Langlinais tinham um respeito muito grande por seu
senhor, e ele, como representante de Sebastian, tinha que guardar sua expressão.
Esta colheita pode muito bem pagar o resto do resgate de Sebastian. Então,
Langlinais poderia mais uma vez se tornar o rico domínio que havia sido.
Julianna teve o cuidado de não falar daqueles momentos em que Sebastian olhava
pela janela, como mal parecia ouvi-lo quando trazia notícias dos aldeões, dos
habitantes de Langlinais. Ele não contou a ela como seu senhor teve o cuidado de
não perguntar por ela, uma omissão tão óbvia que traia seu interesse.
Ele agia como mensageiro e observador, mas estava muito ciente de que sua
união estava tão condenada quanto qualquer outra que ele já tinha visto.
Ele não acreditava ser possível sentir mais dor por Sebastian do que quando
soube de sua aflição. Agora, ele sabia que havia apenas graus de angústia. Seu
amigo e senhor estava decidido a seu destino, sua aceitação duramente
conquistada e difícil de testemunhar. Agora, parecia que a batalha deveria ser
iniciada mais uma vez.
***
Ela havia passado a maior parte de sua vida isolada do mundo exterior,
embora qualquer um que conhecesse a vida no convento não pudesse dizer que tal
existência protegesse alguém da praticidade. As freiras das Irmãs de Caridade
trabalhavam duro e se orgulhavam da diligência de seus trabalhos. Elas
respeitavam tanto o trabalho duro quanto a inteligência. Ela era a única escriba
não isenta do trabalho nos jardins e nos campos por causa de seu trabalho no
Como ela olhava para a tarefa diante de si agora? Não seu trabalho, mas sua
vida?
Ela não via Sebastian há quase uma semana, desde aquela noite em que ele
foi ao seu quarto. Memórias daqueles momentos viviam com ela agora, e ela podia
se lembrar de cada palavra que ele disse a ela. Principalmente as ditas no final.
“Não vai acontecer, Julianna.” Ela sentiu como se tivesse empurrado Sebastian para
longe, primeiro com sua curiosidade, depois com sua libertinagem. Tinha sido um
acidente de tempo, ele entrando em seu quarto dessa maneira. No entanto, ela não
se cobriu, ou explicou, ou pediu que ele fosse embora.
Havia até uma diferença na maneira como ela trabalhava. Suas letras eram
tão corretas, sua escrita tão precisa quanto qualquer outro bom escriba, mas suas
ilustrações eram mais pungentes. Uma jovem estava sentada na janela da letra R,
os pés pendurados na trave, o olhar pensativo. Nem um sorriso para ser visto.
Nenhum olhar cativante em seu rosto.
Julianna olhou pela janela para nuvens distantes. Uma tempestade de verão
se aproximava. O vento açoitava seu cabelo, como se a persuadisse a sair deste
lugar.
***
Ele estava excitado e com raiva, emoções gêmeas que não funcionavam bem
em conjunto. Sebastian queria que ela o desejasse. Tudo o que ele conseguiu foi
sentir um pouco de vergonha por seu tratamento com ela. A culpa, no entanto, não
Ela ficou acordada a noite inteira como ele? Seu corpo estava inquieto e
ansioso pelo dele? Seus sonhos com ela tinham sido selvagens, mas suas visões
noturnas dela não tinham aliviado sua necessidade diurna.
Era como se uma voz celestial enumerasse todas as coisas que ele nunca iria
desfrutar. Aqui, o perfume das rosas, para que se possa cheirá-lo e recordar a
fragilidade dos seus pulsos, ou maravilhar-se com o seu pescoço suave e
perfumado. Aqui, o som da risada dela, para que você se lembre da alegria que ela
lhe fez sentir com um simples sorriso. Aqui, o conteúdo de sua mente, para que
você possa se perguntar o que mais ela sabia e como raciocinava. Que você possa
perceber que ela foi a companheira de seus dias, aquela alma única permitida pelo
próprio céu para ser seu par. Aqui, a visão mais desejada, Julianna nua, banhada
por uma luz suave. Julianna, com os olhos fechados e a respiração acelerada, a pele
tão delicada e clara. Os dedos dos pés dela estavam enrolados no chão. A visão
deles agitou seu coração como seu corpo agitou seus lombos. Aqui, as sombras a
enfeitando, suas curvas , a doçura dos mamilos apertados cor de rosa na luz. Sua
noiva, intocada e carente. Seus lábios se abrem para falar seu nome, seus olhos
fechados para esconder seu medo.
Querido Deus, ele queria tocá-la. Apenas com a ponta de um dedo, para ver
se seu seio tremeria ao seu toque. Ele tinha imaginado isso, ou seus mamilos
incharam enquanto ele observava, alongando, fazendo beicinho? Um breve beijo
de bênção tremeu em seus lábios e foi recusado apenas pela maior das vontades.
Ele queria roçar sua mão contra as costas dela, a curva de seu ombro, o
comprimento de suas pernas.
Mas não era para ser. Sua ignorância era uma bênção. Seu conhecimento,
uma maldição.
Mesmo enquanto ele a observava andar abaixo dele, ele sabia disso. Por um
momento, ele pensou que ela era apenas uma visão formada por seu desejo.
Durante dias, ele não saiu de seu quarto por medo de vê-la. Agora ela estava ali,
seu cabelo brilhando ao sol, a brisa brincando alegremente entre suas saias.
Ela andou muito perto do muro de contenção. O pensamento era como uma
faca apontada para sua garganta.
Ele mal piscou enquanto a observava, como se sua vigilância diminuísse seu
perigo.
Ele a advertiu em sua mente, tão inútil quanto chamá-la. Ela não podia ouvir
seu grito mais do que ela podia ouvir seus pensamentos, o que a ordenava a recuar
da borda.
Não havia ninguém perto dela. As pessoas do pátio estavam atentas aos seus
deveres e não ao paradeiro da Senhora de Langlinais.
O rio tinha sua própria voz, efetivamente abafando qualquer outro som até
que tudo que Julianna podia ouvir era o rugido da água em movimento rápido. O
Terne inundava de vez em quando, disseram-lhe, como se estivesse provando que
não podia ser aproveitado. Certa vez, até o pátio inferior ficou submerso.
Ela não conseguia ouvir nenhum som acima do rugido do rio. Ela gritou, sua
garganta arranhada de terror enquanto ficava suspensa sobre o rio. Mas seus gritos
eram silenciosos. Nem mesmo o estrondo do chão desmoronando acima dela podia
ser ouvido sobre as águas impetuosas do Terne.
Ela não sabia nadar. A água agitada parecia se aproximar cada vez mais à
medida que ela caia. O desconforto em sua cintura estava aumentando. Ela tinha
sido pega em um afloramento de rocha? Deve ser. Não, ela estava se movendo,
lentamente sendo puxada pela corrente que formava seu cinto. Suas mãos se
estenderam e arranharam a lateral do banco. Seus dedos afundaram no solo, as
palmas de suas mãos pressionando contra a rocha e a raiz em uma tentativa
aterrorizada de se erguer em segurança.
Uma pedra rolou da terra acima, quase atingindo-a. Então outra. A chuva
de solo pulverulento foi o único aviso que ela teve. Uma laje do muro de contenção
caiu de cima, batendo nela, um canto da pedra pesada roçando seus braços e mãos
enquanto ela cobria a cabeça. O impacto a surpreendeu. Por longos momentos ela
balançou fracamente contra a terra, respirando o cheiro dela, ouvindo o cair das
rochas enquanto elas caíam pesadamente no rio. A dor estava em toda parte,
porém suas mãos estavam em chamas. Sua mão direita parecia estranha, e a flexão
de seus dedos provocou um grito surpreso de dor. A esquerda estava gravemente
cortada e sangrando profusamente.
Sebastian inclinou-se sobre o aterro, gritando algo para ela. Ela não podia
ouvi-lo. O som da água correndo era muito alto. Ele se inclinou precariamente
sobre a margem erodida, apenas seu aperto impedindo-a de cair.
Ela usou a mão esquerda como uma garra, triturando a terra em busca de
apoio.
Sebastian continuou a puxá-la pelo cinto e pela túnica até que ela estivesse
a um metro e meio da beira do precipício. O aperto doloroso de sua cintura
finalmente aliviou, mas suas mãos estavam em chamas de dor. Ela estava deitada
contra o chão, terra abençoada sob suas costas, sem fôlego. Ela olhou para cima
para ver a glória do céu azul.
O esforço para confortá-lo não alterou seu olhar nem fez com que seus olhos
suavizassem sua expressão. O olhar dela seguiu o dele. A mão esquerda dela
agarrou o antebraço dele com força, os dedos da direita encostaram levemente na
pele nua dele.
***
Suas mãos enluvadas levantaram ternamente os dedos de sua pele. Sua mão
direita estava inchada; Ele se perguntou se estava quebrada. Ambas as mãos
estavam muito rasgadas. Sua sobrevivência lhe custou caro. Muito caro.
— Sebastian?
Ela sorriu trêmula, mas ficou de joelhos, então se levantou. Seu povo se
afastou dele, o olhar em seu rosto evidentemente tão severo que transformou seus
sussurros.
Quando ele alcançou a forja, ele se abaixou sob o teto baixo e deu um passo
para o lado dela. A cabana estava aberta dos dois lados, algo necessário, já que o
fogo nunca se extinguia. Caso contrário, a estrutura seria muito quente para
trabalhar.
Ele não sorria há anos, mas aquelas noites na torre devolveram-lhe isso. Não
conseguia somar uma coluna de números sem parar para pensar nela. Mesmo o
movimento de seus próprios dedos em torno de uma pena trouxera à sua mente
seus movimentos deliberados enquanto ela trabalhava no oriel. Ele vasculhou
todos os manuscritos e pergaminhos que possuía, procurando comentários nas
margens, aprendendo sobre as personalidades dos monges, ou talvez das freiras,
que os haviam transcrito no passado distante. Tampouco seu encantamento por
ela se limitava àquelas coisas da mente e do espírito. Ele a quisera desde o
momento em que a viu, trêmula e inocente.
Ela ficou em silêncio, sua Julianna. Nestes últimos momentos ele poderia
chamá-la assim. Nesses momentos insignificantes, e aqueles que ela lhe dera tão
ingenuamente, seria o que ele recordaria quando estivesse sozinho. Todos os
momentos dela sorrindo, todas as vezes que ele tinha ouvido sua voz suave, todas
Ele não podia suportar isso. Seu coração batia com firmeza, golpes resolutos.
Sua mente clamava no mesmo ritmo acelerado. Isso precisa ser feito. Por ela. Isso
deve ser feito.
Sua mão esquerda se moveu até que descansou em sua cabeça. Uma bênção
de toque. Ele fechou os olhos, sabendo que seria a última vez que ela o tocava.
Ele olhou para ela e depois para longe. Ela ficou esperando, paciente como
só Julianna poderia ser, envolta em silêncio e compostura. Ele queria ouvi-la rir,
queria ver alegria em seu rosto. Nem cautela, nem repulsa. Mas o que ele diria só
invocaria medo. Repugnância. Desgosto.
Sou leproso.
Era justo que a tempestade caísse sobre eles. Primeiro, o cheiro da chuva,
depois o vento, soprando contra as abas da lona da forja, fazendo sua túnica girar
em torno de seus tornozelos. Em instantes, eles foram encapsulados na escuridão,
a boca aberta do fogo fazendo a pequena cabana parecer a entrada do inferno. Um
pensamento apropriado para este lugar e aquelas palavras.
Se ela fechasse os olhos, quase podia acreditar que o trovão, grandes ondas
estrondosas, estavam acontecendo dentro de sua cabeça. Mas ela não fechou os
olhos, simplesmente ficou ali absorvendo a tempestade como se fosse uma espécie
de penitência.
Julianna, entre. Você quer ser atingida por um raio? Estranho que ela
percebesse que as vozes estavam temerosas, mais do que a criança Julianna.
Sua mão deslizou até que descansou sobre o ombro de Sebastian. Uma
viagem feita na dor. Sua mão latejava. Ela precisaria embrulhá-la. Mas como ela
trataria sua alma? Que curativo ela poderia colocar nele?
Ele não se afastou do toque dela, apenas fechou os olhos. Mas ela não
deveria tocá-lo, deveria? Não havia palavras no seu passado para guiá-la. Sem
advertências. Apenas as precauções de sua própria mente. Mas guerreou com seu
coração e seu coração venceu. Sua mão permaneceu onde estava.
— Julianna?
Ela piscou e olhou para ele. Seus olhos, aqueles lindos olhos azuis escuros
estavam cheios de… o quê? Sua mão esquerda se moveu do ombro para a bochecha.
As costas de seus pobres dedos machucados e rasgados estavam dormentes, mas
podiam sentir seu rosto. Ela esperava que fosse eriçada ao seu toque, mas sua pele
era macia. Ela traçou a linha de uma sobrancelha, sorriu enquanto ela se arqueava
sob seu toque. Como ele era absolutamente lindo, como uma pedra rara, polida até
brilhar. Uma grande pedra obsidiana.
Era dor que ela via em seus olhos. Ela finalmente reconheceu.
— Sim, Sebastian, eu ouvi. — A voz dela soou estranha até para ela. Pareceu-
lhe assim? Ela suspeitava que sim, pelo olhar de preocupação em seu rosto.
Ela estava aqui, mas não estava. Ela estava diante de Sebastian, atenta às
suas palavras.
Eu sou leproso.
Oh meu Deus, tudo fazia sentido agora. Tudo isso. Ele se afastou dela
porque não queria contaminá-la. Não me toque, Julianna. Nunca. Um aviso. Mas
ela não prestou atenção, foi acidental. Ela não pretendia tocá-lo.
— Você queimaria minhas mãos, Sebastian? — Ela olhou para elas. Ela não
podia mais sentir sua mão direita. Inchada quase duas vezes seu tamanho, parecia
quase azul. Que estranho que parecia pertencer a outra pessoa, não a ela.
— Eu faria qualquer coisa para evitar que sofresses como sofro, Julianna.
Por que ela disse com tanta seriedade? Com tal dor? Outra coisa que eles
compartilhavam, ao que parecia.
Ela era outra pessoa além de si mesma naquele momento, alguém que sentia
um frio absurdo, embora a forja fosse um inferno. O latejar de sua mão era feroz,
a dor mediu suas palavras, racionou-a para aqueles que ela podia falar rápida e
facilmente. Ele queria queimar suas mãos. Ela olhou-as, imaginou-as descarnadas,
chamuscadas e em carne viva, os ossos emergindo de suas mangas. Isso a deixaria
segura, disse ele. Visualizou-a cinzenta, a pele enrugada .
***
Jerard a carregou pelo pátio varrido pela chuva enquanto Sebastian a seguia.
Ela o prendeu efetivamente com sua negação, lançou-o ao local com uma
palavra. Não. Não havia cura para ela agora, apenas uma eternidade observando e
A chuva lhe banhava o rosto enquanto ele olhava para cima, como se fosse
encontrar Deus no céu negro acima de Langlinais. Sebastian fechou os olhos, sentiu
o golpe pungente do vento. A selvageria sem adornos dessa tempestade era tão
elementar para ele quanto uma oração. Talvez fosse a forma de adoração da
natureza.
Sua própria oração era simples, não pedindo perdão, mas pelas mãos de
Julianna. E principalmente por sua proteção contra a lepra que tanto mudou sua
vida. Ele não queria para Julianna o que foi prometido para ele.
Um médico egípcio proferiu sua sentença de morte com uma voz cheia de
repulsa. Daquele dia em diante, ele foi isolado dos outros prisioneiros, levado a
uma cela que mal era grande o suficiente para acomodá-lo. Lá ele permaneceu, à
deriva em um horror que lembrava todas as ocasiões em sua vida em que ele viu
um dos intocáveis, os pobres destroços cambaleantes que foram contaminados e
evitados por sua doença.
A Igreja raciocinou que somente os pecadores contraíam lepra, que era uma
punição por pensamentos ou atos lascivos. Ele nunca foi capaz de identificar
nenhum de seus pecados tão grande o suficiente para torná-lo um dos mortos-
vivos. Sua pior transgressão era ter uma mente questionadora, que perguntava por
que era permitido matar em nome da fé e ainda assim ser proibido de outra forma.
Por que a Igreja, fundada nos princípios da caridade e do amor, aprovava a tortura
para extrair uma confissão? Mas por que, se lhe foi dada uma mente capaz de se
perguntar, ele deveria ser punido por isso? Certamente Deus não concederia ao
homem uma habilidade que não deveria ser usada?
Não havia escolhas então… nenhuma vasta gama de opções entre o bem e o
mal. Ele estaria rendido às profundezas do inferno, queimando vermelho sangue
contra a escuridão da condenação eterna. Ou erguido em uma carruagem dourada,
sua jornada acompanhada por vozes seráficas. Não havia marcadores tão
cuidadosos agora. Ele não era nem pecador abjeto, nem perfeito, mas em algum
lugar no meio disso.
Ele estava no pátio, pernas apoiadas, punhos estendidos para o próprio céu.
— Enviarei a Irmã Agnes com você — disse a abadessa. — Ela tem um dom
de cura.
O jovem fez uma reverência e ela sorriu. Duas vezes, ela lhe disse que não
precisava de deferência e duas vezes ele o fez, mas esqueceu na mesma hora. Ela o
assustara, ela sabia. Não por causa da influência que sua família exercia… razão
suficiente em seus anos seculares…, mas porque ela era a abadessa das Irmãs de
Caridade, um posto que ocupava por quase vinte anos e tinha esperanças de manter
até sua morte.
Julianna tinha sido um de seus fracassos mais miseráveis. Gertrud nunca foi
capaz de discernir a verdadeira bênção da garota. Julianna tinha teimosia e estava
determinada a aprender as habilidades necessárias em um scriptorium. Foi essa
vontade forte, mais do que habilidade natural, que fez dela um sucesso naquilo.
No entanto, ela não hesitou em enviar ajuda para ela no momento em que
soube do acidente. Por tais boas ações eram conhecidas as Irmãs de Caridade.
Gertrud afastou-se da grade que a separava dos visitantes e falou com uma
noviça que esperava por orientação. Irmã Agnes seria convocada e, juntamente
com sua caixa de unguentos, poções e outras decocções de natureza medicinal,
enviada a Langlinais.
— O que está sendo feito por ela agora? — ela perguntou ao jovem.
— Não sei, abadessa, fui imediatamente enviado a você. Mas meu senhor
suspeita que sua mão direita esteja quebrada. Está muito inchada.
— Não tenho talento para essas coisas, mas a Irmã Agnes tem.
— Obrigado, abadessa.
Ela acenou para que ele se afastasse, virou-se e foi em busca da irmã
curadora.
***
— Achei muito corajoso o que você fez, milorde. Todo mundo viu — disse
Grazide. Ele se virou e olhou para ela. Seu sorriso torceu algo dentro dele. Ele
apenas hesitou na resposta.
Ele não podia tocá-la para endurecer seus ossos e Grazide não sabia como.
Ele procurou em sua memória alguém em Langlinais com o grau de habilidade
necessário para ajudar Julianna.
Eles a observaram juntos por quase uma hora até que ele pediu que ela o
deixasse sozinho com sua esposa. Ela concordou sem mais conversa, um silêncio
raro e oportuno de sua parte.
Sonhos tolos. Ainda mais insano, o desejo de se inclinar sobre ela e afastar
o cabelo do rosto, colocar um pano frio sobre a testa. Sussurrar para ela que tudo
ficaria bem. Ele rezou para que ficasse.
Ele teria dito alguma coisa, mas nesse momento Julianna sorriu. Não um
sorriso largo, mas um suave levantar de lábios pálidos. Sua visão vacilou como se a
visse através do vidro da janela reluzente de chuva.
— Não sei.
Seu leve sorriso pareceu iluminar algum lugar escuro dentro dele.
— Você mandou me chamar apenas para que ninguém questionasse por que
eu ainda estava no convento depois do seu retorno?
— Era um dos meus maiores medos. A Igreja poderia ter enviado um clérigo
para investigar. — Aquele representante, se soubesse da doença de Sebastian, tinha
o poder de bani-lo de sua casa. Os leprosos não podiam possuir propriedades.
— Mas isso era só uma parte — disse ele, admitindo toda a verdade. — Eu
queria cuidar do futuro da minha casa e das pessoas daqui — disse ele. — Minha
esposa poderia segurar Langlinais, protegê-la da apreensão mesmo que a Igreja
tentasse tirá-la de mim.
— Isso importa? Há mil respostas para essa pergunta — disse ele — e todas
dependem de quem você perguntar. Água ruim ou leite de cabra ou a luz de uma
certa lua. — Desviou o olhar. — No momento em que fui libertado da prisão, eu
sabia o meu destino. Um que eu impediria de ocorrer a você.
— Ao me queimar.
— Nenhuma — disse ele. Em uma palavra, ele contou todas as suas leituras,
todas as suas pesquisas e todas as noites em que ele usou sua educação para tentar
encontrar uma maneira de se curar.
***
Irmã Agnes apontou para o banco com um dedo, e Jerard o moveu para o
lado da cama, então saiu do quarto para buscar a água morna que ela pediu. A freira
colocou sua caixa sobre o banco, depois se sentou, examinando com ternura as
mãos de Julianna. Julianna apenas fechou os olhos com a sondagem da freira, os
lábios apertados. Quase tão apertado quanto os punhos de Sebastian.
— Não preciso perguntar se isso lhe dói — disse Irmã Agnes, quando
Julianna se engasgou. — Não tenho dúvidas de que você quebrou alguns ossos da
mão, criança. — A freira finalmente soltou as mãos e, enfiando a mão dentro de
sua caixa, tirou um pote tampado.
— Procurei em minha biblioteca por esse seu Catulo10 e não encontrei nada
dele — disse a Julianna, na esperança de tirar sua mente da dor que viria.
— Eu quebrei minha perna uma vez — disse ele. Como distração, foi uma
oferta insignificante, mas ela abriu os olhos mais uma vez, sorrindo para ele
novamente.
Ele queria inclinar o queixo dela para cima e dar um beijo em seus lábios.
Um suave em recompensa por sua bravura, pelo olhar em seus olhos. Sem aversão
ou repulsa, mas com afeição e carinho e algo muito profundamente confortável
para nomear.
— Grazide me disse que você era uma criança selvagem, Sebastian. Que
quebrar sua perna mudou você. — As duas últimas palavras foram quase ofegantes.
Ela mordeu o lábio quando a freira pressionou um osso de volta no lugar.
Ele não achava possível, mas ela ficou ainda mais pálida. Voltou-se para a
irmã Agnes.
Ela franziu a testa. — É Deus quem cura, eu só ajudo a Ele. — A freira olhou
incisivamente para sua roupa, como se o fato de vesti-la o impedisse de fazer uma
10 Caio Valério Catulo foi um sofisticado e controverso poeta romano durante o final do período republicano.
— Então você não pode ajudá-la com mais gentileza? — Ele franziu a testa
para ela e ela franziu a testa de volta.
— Ela está sendo gentil, Sebastian — disse Julianna. — Conte-me como você
quebrou a perna. É uma história melhor do que como eu quase caí no rio? — Seu
sorriso era irônico, seu coração parecia se expandir enquanto ele a observava.
Ele disse.
Ele teria dito algo à freira se Julianna não tivesse gritado. Não um som de
garganta cheia, mas quase como se ela tivesse começado a fazê-lo.
— Não posso fazer nada pela dor até alinhar os ossos da mão dela. Quer que
eu a deixe aleijada?
— Grazide disse que você mudou então. Tinha medo de ficar manco? — A
voz de Julianna era um tênue fio de som.
— Ela está com dor. — Voltou-se para olhar Julianna, sem nunca perceber
quando a freira o avaliou com outro olhar, mais longo.
Seu sorriso pálido era sua única indicação de que ela o tinha ouvido.
Muito tempo depois, a mão de Julianna estava enfaixada. Irmã Agnes lavou
o rosto, ergueu a cabeça e a fez beber um gole de uma infusão que ela misturou
com uma taça de vinho. Então a força de sua não negligenciável vontade se voltou
contra ele.
— Ela vai dormir agora. E senhor ou não, maridos não são necessários neste
lugar. Não agora, e não até eu chamar.
Ela foi até a porta, abriu-a e ficou ali, desafiando-o. O olhar dela o desafiou
a protestar contra seu banimento. Seus olhos se estreitaram quando ele hesitou.
Ele olhou para Julianna, que jazia com os olhos fechados, o rosto pálido.
— Não, Sebastian.
— Sebastian?
Ela estava olhando para ele agora, seu olhar tão firme como antes, embora
apenas um pouco mais cansado. Como se a dor tivesse devorado sua compostura e
sua contenção.
— Sim, Julianna?
Palavras simples, mas que pareciam importantes. Ele disse para ela. Dentro
de momentos, ele se viu do outro lado da porta.
— Por favor, diga à abadessa o quanto apreciei seus cuidados, irmã — disse
Julianna alguns dias depois.
Julianna olhou para as mãos enfaixadas. Cada dedo separado estava coberto
por um pedaço de linho para que parecessem grandes e disformes. A dor deles
havia diminuído um pouco, ou talvez ela simplesmente tivesse se acostumado a
isso.
— Quanto à sua mão direita, Julianna, não tenho como saber se voltará a
escrever. Em algumas semanas, você pode remover as bandagens, mas eu daria
muito mais tempo do que isso antes de tentar forçar seus dedos a segurar uma
pena.
Julianna sorriu.
Julianna sorriu.
— Irmã, há cura para a lepra? — Ela arriscou perguntar à freira. Talvez tenha
sido o olhar da outra mulher, uma compaixão sempre presente, que a fez fazer isso.
— Não conheço ninguém que tenha sobrevivido a isso — disse ela, por fim,
sem olhar para Julianna. — São uns pobres coitados, verdade seja dita. Mas há
coisas que podem ser feitas para trazer-lhes conforto. Isso — disse ela, colocando
um pequeno pote de cerâmica tampado na cama ao lado de Julianna — amolece a
pele e é conhecido por aliviar a dor da doença.
— Não permita que seu bom coração o aplique, salve a si mesma. Você
nunca deve tocar em um deles. — Sua voz era suave, seu olhar direto. — Se há
alguém em Langlinais com tal maldição, Julianna, é melhor que seja levado daqui.
Julianna baixou os olhos para as mãos. Ele queria queimá-la ao invés de que
ela sofresse o mesmo destino que o dele. No entanto, mesmo a freira mais
carinhosa o baniria. Ela forçou um sorriso em seu rosto.
— O que Deus quiser. Talvez seu tempo seja gasto mais com os filhos que
você vai gerar.
***
Sebastian estava no oriel. Ainda estava perfumada com rosas. Ele virou
cuidadosamente as páginas que Julianna havia inscrito com tanto cuidado. Ela já
havia as unido em folhas opostas, ou páginas individuais, para que ficassem em
ordem numérica adequada. O quatérnio, o livro que contém cinco seções de
páginas, seria enviado com a irmã Agnes à abadessa pela manhã.
Uma vez dentro de seu quarto, ele empurrou a carta para Jerard, esperou
até que o mordomo lesse as palavras.
— Conheço meu irmão muito bem, Jerard. Ele fica mais feliz quando está
mergulhado em intrigas. — Sebastian caminhou até a mesa e olhou para a carta.
Ele quase podia ver Gregory se concentrando nas palavras exatas. Informação
suficiente para alarmar, mas não o suficiente para revelar a intenção dos
Templários.
Ele não podia se dar ao luxo de ignorar a ameaça velada. Tinha mais do que
seu próprio futuro para se preocupar, mais do que um castelo para proteger. Ele
tinha Julianna e os habitantes de Langlinais para vigiar. Tocou ociosamente a
pequena figura esculpida de Julianna dada a ele pelo Velho Simon.
Só havia uma coisa a ser feita. Ele considerou como poderia oferecer aos
Templários exatamente o que eles queriam, e proteger tanto sua esposa quanto sua
casa.
— Eles vão conseguir exatamente o que esperam, Jerard — disse ele. — Leve
uma mensagem para o Velho Simon, em meu nome, pela manhã. Há um trabalho
que preciso que ele execute. — Disse as palavras que colocariam seu plano em ação,
então observou Jerard sair da sala.
Até então, ele deveria proteger aqueles sob seus cuidados. Primeiro, dando
aos Templários o que eles achavam que ele tinha. Em segundo lugar, garantindo
que deixassem Julianna e Langlinais em paz.
— Tenho certeza que ela não quis ser avassaladora, Grazide. É que a irmã
Agnes sempre foi um pouco teimosa.
Julianna sorriu para ela, esperando alisar as penas eriçadas da outra mulher.
— Não cabe a você pedir desculpas, milady, mas a ela. O fato de ser freira
não isenta um corpo da grosseria, não é?
Certa vez, uma grande rajada de vento arrancou o telhado do refeitório. Ela
ajudou na limpeza do convento e descobriu que as árvores mais jovens e frágeis
haviam sobrevivido, enquanto os carvalhos mais fortes e robustos haviam sido
arrancados. A lição não passou despercebida para ela. Às vezes, aquele que se dobra
voluntariamente é aquele que permanece de pé depois que a tempestade passa. Ela
descobriu, no entanto, que era mais comum para uma pessoa esperar que a outra
se dobrasse do que voluntariamente se render. Era evidente que Grazide sentia o
mesmo.
— Não em breve, milady. Ela nos deu um sermão, ela falou tudo sobre como
deveríamos cuidar de você e fazer a pomada para suas mãos. Nos manteve lá por
uma hora repetindo várias vezes, até que eu pensei em estrangulá-la. — Havia uma
expressão estranha no rosto de Grazide como se ela acabasse de perceber suas
palavras e agora se perguntasse o castigo celestial por querer estrangular uma
freira.
— Sinto muito, Grazide — disse ela novamente. Irmã Agnes tinha partido
naquela manhã, talvez amanhã, a raiva da outra mulher tivesse abrandado.
— Não que não tenhamos o que fazer — resmungou Grazide — com todos
os preparativos para a viagem do milorde. Doze homens, ele e Jerard para
fornecermos provisões.
— Jornada?
— Ele está indo para a França. Ele e Jerard, com uma tropa de nossos
soldados.
— Quando?
O que ela sentiu neste momento foi outro tipo de dor. Por que ele não lhe
contou? E por que ele estava indo embora?
***
Ela não olhou em seus olhos, não pediu perdão pela interrupção,
simplesmente sentou-se ao lado da jarra, os olhos fixos nas chamas que saltavam
nos dias mais frios. Ele sabia, naquele estranho sentido que o dominava em
assuntos que se relacionavam com ela, que seu comportamento era estudado e
calmo apenas por vontade. Não a via há dois dias, havia se retirado de seu quarto
e de sua visão. Olhar para ele só poderia lembrá-la do que ele era. Tinha desfrutado,
por algumas horas pelo menos, de sua aceitação. Ele não queria ver aquela emoção
transformada em repulsa. Mas parecia que seria tratado com algum sentimento
forte. Ela estremeceu com isso.
— Julianna.
Ele se sentou na outra ponta do banco e olhou para frente, assim como ela.
Às vezes, era melhor não enfrentar o adversário, mas cortar de lado. Ele esperou o
golpe.
— O que é isso?
— Algo que a Irmã Agnes diz que vai aliviar o seu desconforto. Você deve
espalhá-lo em sua pele uma vez por dia.
Ela deu de ombros. — Não sei. Isso importa? Se isso lhe ajuda, você se
importa?
Ele não disse a ela que não havia poções, unguentos, unguentos feitos que
aliviassem seu desconforto futuro. Ele abriu o pote de barro. Cheirava a menta,
semelhante à preparação que a Irmã Agnes tinha usado nas mãos.
Ele tinha dado a ela muito menos do que ela merecia, ele poderia dar-lhe
isso. Ele assentiu.
— Grazide diz que você está indo embora. — Não foi uma pergunta. Ambas
as mãos repousaram sobre suas pernas. Fortemente enfaixadas, pareciam tacos
brancos.
Ele assentiu, concentrando seu olhar no chão. Ele notou que as madeiras
estavam empenando em um ponto.
— Aonde você vai, Sebastian? E por quê? Pretende me dizer alguma coisa?
Devo aspirar a ser como Hildegard de Bingen? Ela foi consultada como profeta,
sabe. Pense em todas as conversas que poderíamos ter sem que falasse. Eu poderia
pensar na pergunta e você simplesmente poderia pensar na resposta.
Seus lábios se curvaram com essa evidência de sua irritação. Era a primeira
vez que a via com raiva.
Ela se levantou e caminhou a curta distância até onde ele estava sentado, de
frente para ele. Ela não era uma mulher baixa, mas ele era um homem alto. Se ele
tivesse se levantado, o topo da cabeça dela teria chegado ao ombro dele. Com ele
sentado, ela era apenas um pouco mais alta que ele, o suficiente para olhá-lo
imperiosamente. O suficiente para que seu queixo se inclinasse em um ângulo que
teria sido considerado real se ele não o tivesse visto tremer um pouco.
— Devo ficar aqui, então, Sebastian? Para chorar por você? Ansiar? E um
dia, cairei nos braços de outro homem e ele me consolará, e você dormirá seu sono
de mártir, contente por seus planos terem sido cumpridos?
Ele se levantou e a encarou, afastou o capuz de sua cabeça. Como ele odiava
essa roupa, a necessidade de cobrir-se, esta mortalha. Enterrando-o vivo,
proclamando a distância necessária entre eles.
— Porque é perigoso.
Ela assentiu. Ela aceitou sua explicação, mas não a entendeu. E ela não iria
até que ele explicasse tudo.
Em vez de fazê-lo, ele fez outra pergunta, uma que fez com que seus olhos
se arregalassem.
Ela olhou para o chão e, por um longo momento, ele não achou que ela fosse
responder. Sua voz, quando veio, era baixa.
O sorriso dela era doce, mas ele notou que a expressão não se refletia em
seus olhos.
***
Sua carranca era uma nuvem de trovoada que avisava de uma tempestade.
Ela se recostou no batente da porta e o observou. Seu rosto assumiu uma cor
A calma era o único recurso para sua raiva. Ela não tinha sido justa, talvez
jogando com seus medos para com ela. Mas ele esperava que ela permanecesse
aqui, mansa e aceitando qualquer destino decretado para ela? Ela tinha feito isso
uma vez, e recebeu um casamento que nunca seria uma união. Ela não faria isso
novamente.
Julianna, você deve ser de natureza tranquila, para não desagradar os outros.
Ela forçou a voz para longe.
— A abadessa me castigava muitas vezes, Sebastian. Ela disse que uma vez
que eu tivesse um pensamento entre os dentes, eu não permitiria que ele escapasse
até que eu o preocupasse até a morte. Acredito que ela até se referiu a um rato em
sua descrição de tal tenacidade, embora eu possa ter me enganado.
— Achei que você fosse mais conhecida pela timidez de sua natureza. —
Sua sobrancelha se ergueu, sua boca parecia inclinada a fazê-lo também. No
entanto, nenhum dos gestos parecia divertido.
— Os dois traços de caráter podem existir lado a lado. Devo confessar meu
medo de ser deixada para trás e de viajar com você?
— Não — ela disse suavemente. — Este sim. Leve-me com você, Sebastian.
Por favor.
— Para Montvichet, então — disse ele, finalmente. — Longe, mas não tanto.
Ela assentiu e não disse mais nada enquanto fechava a porta atrás de si.
Ela se endireitou e sorriu, olhando além de Grazide para o pátio lotado. Foi
então que ela o viu.
Houve poucas vezes em que sua respiração foi tirada. Julianna podia contar
três ocasiões em que ficou sem palavras diante dos acontecimentos. A ocasião em
que conheceu Sebastian pela primeira vez foi uma delas; o dia em que ela conheceu
seu segredo. E então, este momento.
— Oh, olhe, milady, é ele. E montado em Faeren também. Ele não é uma
visão?
Sebastian de Langlinais.
Este era o homem que cavalgara para a batalha, o cavaleiro que ganhara
tantos torneios. Um jovem guerreiro com cabelos castanhos desgrenhados que
pareciam dourados e vermelhos ao sol. Um homem que ela nunca tinha visto antes.
Ele riu e ela sentiu seu coração cair na ponta dos pés ao vê-lo desse jeito. Nenhum
monge envolto em piedade, nenhum homem severamente determinado ao
isolamento. Um vislumbre, talvez, do homem que viveu lado a lado com seu
espírito, aquele que roubou seu coração mesmo quando invadiu sua mente.
Não era, ela pensou, enquanto os observava correndo pelo portão norte,
necessário para um homem ser puro e virtuoso. Era o suficiente para ele desejar
ser. Os cavaleiros que viajaram em cruzada o fizeram com uma intenção honrosa
e, portanto, alcançaram seu objetivo no momento em que deixaram o lar para trás.
Não era tão importante reconquistar Jerusalém como desejar-se homens melhores.
No entanto, mesmo agora, os homens lutavam e morriam pela posse de um pedaço
de terra, para tomar o controle sem entender que era o melhoramento de si mesmo
que devia ser mais procurado.
Ela queria chorar. Em vez disso, ela segurou apertado a memória deste
momento, e jurou lembrar para sempre a visão dele, inteiro e feliz.
— Milady?
Jerard curvou-se e a precedeu até a carroça em que ela deveria viajar. Ela se
virou e se despediu de Grazide novamente, então entrou.
***
Ocorreu a Sebastian que manter Julianna com ele poderia ser a melhor
maneira de protegê-la. Ele esperava que houvesse traição à frente, mas era preciso
um sonho, uma visão distorcida de espadas cortando e cavalos gritando para ele
perceber que deixá-la para trás a exporia a mais perigo do que levá-la consigo.
O gênio dos Templários estava nas manobras políticas. Seria mais fácil para
eles usar Julianna como refém para forçá-lo a entregar o tesouro cátaro do que sitiar
Langlinais ou capturá-la e torturá-la.
Não que ele achasse que ela ficaria para trás, mesmo que ele decidisse viajar
sem ela. Havia raiva em seu rosto e uma teimosia surpreendente. Ele não ficaria
surpreso se ela tivesse anunciado que o seguiria independentemente de sua
decisão. Mas não havia necessidade disso.
Ela vasculhou a vontade dele com sua pergunta: E se você deixar uma leprosa
em Langlinais? Era um medo muito real. Mas essa era a única razão pela qual ele
decidiu levá-la? Ou era porque ele apreciava o tempo que passava com ela? Ele
sabia a resposta mesmo enquanto amaldiçoava sua própria tolice.
Até chegarem à costa, Julianna poderia viajar em uma carroça que lhe
oferecesse algum conforto. Depois disso, ela precisaria cavalgar com Jerard, a
condição de suas mãos impossibilitando que ela segurasse as rédeas de sua própria
montaria.
Ele olhou para onde os cavalos estavam, para além de onde Jerard estava
falando com outro dos soldados. Havia apenas doze deles nesta jornada. Um
número pequeno o suficiente para embarcar em uma missão de tal perigo. Ele fez
o sinal para montar, e as esposas foram beijadas e as crianças abraçadas.
Ele olhou para trás uma vez, para olhar Langlinais uma última vez. Ela
brilhava branca na luz do amanhecer. Sua casa. Ele tinha saído daqui uma vez para
Montvichet, e sua vida mudou para sempre. O que essa peregrinação lhe traria?
Ele se virou, concentrado não em todas as suas inúmeras preocupações, mas na
jornada à frente, para um lugar que ele nunca quis ver de novo, mesmo em seus
sonhos.
Ele virou a cabeça, pensando que era hora da pergunta finalmente chegar.
Eles pararam para a refeição do meio-dia, e ela se sentou ao lado dele.
Ele partiu um pedaço de seu pão. Toda a sua comida era mantida
cuidadosamente separada, uma precaução que parecia aconselhável. Ele mastigou
preguiçosamente enquanto se concentrava em sua resposta.
Ele ergueu uma perna, apoiou o pulso nela e olhou para Langlinais na
direção de casa.
Sua vida mudou a partir daquele dia. Suas crenças, sacrossantas e imutáveis,
foram desafiadas. Ainda hoje, ele não sabia se aceitava o que havia encontrado, ou
simplesmente reconhecia seu potencial de destruição.
Julianna não disse mais nada, mas havia uma pequena carranca em seu
rosto. Ela estava descontente com sua resposta? Ela estava olhando além dele, para
a visão do Terne se curvando como uma cobra prateada à distância. A terra caia no
vale Langlinais. Apesar de um belo dia claro, uma névoa parecia proteger o vale,
silenciando as cores até que tudo se misturasse, uma harmonia de matizes da
natureza. A coloração verde-escura das árvores foi emprestada pela grama alta,
passada para a cobertura do solo sob os enormes carvalhos. Era como se o mundo
fosse visto através de um véu de gaze. Um coro de pássaros cantou em saudação,
uma doce melodia que sinalizava o fim do verão.
— Você pode usar a mão esquerda, Julianna, se a direita não for flexível o
suficiente para segurar uma pena.
— Há quem pense que as pessoas que usam a mão esquerda são criaturas
do demônio, Sebastian. Você não leu o versículo? “Então dirá também aos que
estiverem à esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado
para o diabo e seus anjos.”
Ela não falou, apenas olhou para suas mãos. Quando ela levantou a cabeça
e olhou para ele, seu rosto estava sombrio.
Se ela questionasse suas crenças antes, o que ele diria a ela só aumentaria
sua confusão. Por que ele de repente achou importante fazer isso? Porque ele
queria que alguém soubesse o que Montvichet significava para ele. E quem melhor
do que uma mulher que sorria para ele e em cujos olhos havia uma medida de
tristeza igual à dele?
— Montvichet é uma fortaleza cátara — disse ele. — Pelo menos foi antes
de um cerco quase nivelá-la. É um lugar como nenhum outro que eu já vi. Está no
alto da montanha mais alta da região. A única maneira de alcançá-la é uma estrada
sinuosa e, em seguida, uma ponte de madeira.
— Mas isso não é o pior de tudo — disse ele, sabendo que deveria parar.
Sabendo que ele não iria. — As mulheres resistiram ao cerco por mais seis meses.
Finalmente, as paredes foram rompidas e invadidas. Trezentas mulheres e crianças
desceram aquela montanha, Julianna. Elas nem sequer tiveram a oportunidade de
retratar-se. Elas foram simplesmente amontoadas em um círculo e suas roupas
incendiadas.
— Foi isso que você quis dizer, quando disse que os Templários fizeram você
testemunhar? — Sua voz era um sussurro nu, tão fraco que o zumbido de uma
abelha próxima era mais alto.
11O catarismo foi um movimento cristão de ascese extrema na Europa Ocidental entre os anos de 1100 e 1200, que teve suas raízes
no movimento pauliciano na Armênia e no bogomilismo na Bulgária, que tiveram influências dos seguidores de Paulo de
Samósata. Wikipédia
12Os Cavaleiros Templários eram membros de uma ordem religiosa e militar, fundada em 1120 durante as Cruzadas. Como eram
religiosos, os templários faziam voto de pobreza, castidade e obediência. Mas como também tinham uma missão militar, faziam o
voto de proteger os peregrinos que se dirigiam à Jerusalém.
Ele olhou para a vista, imaginando se poderia dizer o resto. Ele nunca tinha
falado sobre isso.
Ele olhou para ela. Suas mãos enfaixadas estavam em sua boca como se para
abafar um suspiro. Mesmo agora, ele desejava confortá-la, mas não podia. Não
havia nada que ele pudesse dizer para aliviar o horror da verdade.
— Foi assim que ela morreu, Sebastian? — O rosto dela ficou mais pálido?
Ele sorriu.
Courcy, França
Quando ele fez o juramento de um Templário pela primeira vez, ele ficou
surpreso ao saber que havia relativamente poucos cavaleiros na Ordem. A maioria
dos monges-guerreiros eram sargentos, mas muitos irmãos serviam como
auxiliares para apoiar aqueles que pegavam em armas.
Ele esperou até que o Marechal se sentasse à sua frente e fosse servido por
um irmão. Ele bebeu bastante da cerveja e pousou a caneca. Ele assentiu apenas
uma vez, e o Marechal ergueu uma sobrancelha prateada.
A carroça em que ela viajava não era mais do que uma caixa de madeira com
uma porta. A única abertura estava no teto, o que significava que ela era o alvo do
sol quente do verão. Havia apenas um benefício, e era que os céus estavam claros.
Nenhuma chuva apareceu. A carroça se tornaria uma cisterna na tempestade. No
final do primeiro dia, Julianna decidiu que os assentos de madeira dura eram
marginalmente preferíveis a estar a cavalo. No final do segundo, ela percebeu que
estava incorreta. Um cavalo era uma bênção sob certas condições. Outra lição a
aprender.
Ela mencionou isso a Jerard no terceiro dia, mas ele apenas sorriu, seu
silêncio diante de suas perguntas não era tanto um sinal de sua lealdade agora, mas
uma fonte de irritação.
Quanto mais ela tinha tempo para pensar sobre as precauções de Sebastian,
mais elas faziam sentido. Não havia capelão para celebrar missa em Langlinais pela
mesma razão que a aldeia não tinha padre. A Igreja muitas vezes apreendia a
propriedade daqueles com a doença, expulsava-os, excomungava-os. Antes disso,
porém, entoavam uma missa especial para render o aflito um dos mortos-vivos.
Aconteceria com ele? A Missa de Separação era uma coisa terrível. Ela só
tinha ouvido falar sobre isso, nunca tinha testemunhado. O penitente era levado a
um cemitério, onde era forçado a ficar em uma cova aberta. Um altar, não mais que
uma tábua sustentada por dois cavaletes, era colocado à sua frente. Enquanto ele
estava ali, com o rosto coberto por um véu preto, todas as restrições de sua nova
vida eram lidas para ele, todas as coisas agora proibidas.
Por que, então, ela não o temia? Ou realmente se preocupava com a doença
que até agora pode estar limitando sua vida? Talvez porque fosse difícil acreditar
que Sebastian algum dia seria humilhado. Mesmo agora, enquanto ele estava
diante dela, ela não conseguia reconciliar este homem forte com o pobre mendigo
a quem ela havia dado um pedaço de pão. Quanto ao seu próprio destino, talvez
ela estivesse cheia de um otimismo ingênuo. Havia coisas piores do que
compartilhar a vida com Sebastian.
Ele havia falado com emoção sobre Madalena. Em sua voz não havia censura
por suas crenças, nenhuma condenação por sua fé. Só tristeza e mágoa. Como
alguém suportava testemunhar uma coisa dessas? E perder alguém que você amava
dessa maneira, não era de admirar que Sebastian achasse difícil falar de Madalena.
É por isso que Sebastian nunca havia desafiado o trabalho dela? Por que ele
tinha aprendido os horrores da intolerância? Por que ele foi capaz de delinear seu
ódio pelos sarracenos? Ele condenava seus carcereiros, mas não os homens
eruditos. Uma pergunta simplesmente abria outra, como uma caixa dentro de uma
caixa. Mas era assim desde o início. Toda vez que ela acreditava ter o conhecimento
de que precisava, o mundo mudava e mudava, tornando-se sombrio novamente.
Ela se sentou, os joelhos dobrados, a mão direita apoiada sobre eles. Ela
havia comido alguns pedaços de pão e queijo e agora esperava que Jerard
terminasse sua própria refeição para que sua mão esquerda pudesse ser enfaixada
novamente.
Jerard caminhou até a colina em que ela estava sentada. Em suas mãos ele
segurava uma jarra de barro que continha o unguento que Irmã Agnes havia
preparado, e um conjunto de linho limpo. Ela estendeu a mão e ele aplicou a
pomada e começou a amarrá-la novamente com um toque de especialista.
Por um momento ela pensou que ele não falaria, que permaneceria tão
cuidadosamente calado como sempre fora.
— Na verdade, milady, não com muita frequência. Mas ele me enviou para
ajudar os outros. Uma vez que estávamos na Terra Santa, qualquer homem com
habilidade em curar se fazia necessário.
— É um momento que pesa muito para mim. — Ele deu um passo para trás,
ao concluir o enfaixamento. Ele olhou para o chão. — Você não sabe como ele veio
a ser como é, não é?
Seu rosto corou. Ele estendeu as mãos, colocou-as sob os cotovelos dela e a
ajudou a se levantar. Ela se viu andando ao lado dele, descendo a estrada para que
ficassem longe dos outros.
Ela colocou a mão enfaixada no braço dele. Mesmo tão isoladas quanto as
Irmãs de Caridade, elas ouviram histórias de práticas tão horríveis como a
castração. — Mas você não pode se culpar, Jerard, por ele estar aflito.
— Se ele não tivesse ficado na prisão por todo esse tempo, milady, é possível
que ele nunca tivesse adoecido.
— Eles querem o tesouro dos cátaros, milady. E eu acho que eles não
hesitariam em matá-lo para obtê-lo.
Ela deveria ter mais medo. Mas então, quase caiu para a morte no Terne. As
águas impetuosas do rio a prepararam bem para a majestade do oceano. Ou talvez
o que disse a Sebastian fosse mais verdade do que bravata. Realmente estava
cansada de ter medo. Ela foi escoltada até um pequeno banco que ocupava a maior
parte da parte traseira da embarcação. Seu barco era pequeno, equipado com dois
mastros amarrados com lona pesada. As velas batiam furiosamente ao vento como
uma velha galinha assustada.
Assim que saíram do pequeno cais, Julianna fechou os olhos, decidida a não
olhar para o céu cinza e as ondas salpicadas de branco. Não foi por medo que ela
fez isso, mas um desejo sincero de não ter comido sua refeição do meio-dia de pão
e queijo.
— Você está meio cinza, Julianna. Esta é a sua primeira vez no oceano?
Ela assentiu com a cabeça, assim como o barco balançava com as ondas,
parecendo ganhar mais impulso para os lados do que para a frente. Seus olhos se
arregalaram com a sensação.
— Está tudo bem, Julianna — disse ele com um sorriso. — O Canal tem um
temperamento, mas a travessia não vai demorar tanto. Você verá que o tempo
passa rápido.
— A sua doença é a razão pela qual você nunca falou do seu tempo na
cruzada, Sebastian?
— Você salvou minha vida e a de Jerard. Acho que você se julga muito
duramente.
Mesmo agora ele lutava. Outro inimigo desta vez, ainda mais mortal.
Ela olhou para o céu que estava ficando mais escuro com a tempestade ou a
noite, ela não sabia qual. Um olhar de soslaio mostrou que ele estava observando-
a, com a expressão de seu rosto sombria, sem nenhum traço de sorriso em seus
lábios.
A pergunta a surpreendeu tanto que ela virou a cabeça e olhou para ele.
Ela sorriu.
— Mas também de alguém mais sábio, que se senta ao meu lado e fala de
coisas que é melhor não dizer.
Ele estava tão quieto que ela se perguntou se ele a tinha ouvido. Ele a
repreenderia por falar essas palavras? Ele a deixaria?
Por um longo momento, ele não respondeu. Quando o fez, suas palavras
vieram suavemente.
Ela assentiu.
— Eu sabia que você diria isso, Sebastian. Uma pessoa sábia o faria. Talvez
eu devesse até me sentir assim. Mas como impedir as ondas? Pode ser tão fácil.
Ele não se afastou dela, mas pareceu procurar alguma verdade em seus
olhos.
— Porque eu queria saber se você ainda pode ser feliz. Se havia alguém que
pudesse lhe trazer alegria quando eu não estiver mais por perto.
Ela não conseguiu falar. Palavras eram coisas insignificantes contra essa dor
repentina. Ela estendeu uma mão para tocá-lo, mas ele se afastou.
— Você acha o perigo menor porque uma vez você me tocou, Julianna? Você
se considera isenta disso? Eu pensei o mesmo, uma vez. Mas não despreze meus
medos recusando-se a aceitá-los. Você não é uma simplória.
— Talvez eu seja uma simplória, afinal. Não tenho medo de você, Sebastian.
Como posso ter medo de um homem que salvou minha vida? Quem se recusa a me
tocar para não me prejudicar? Eu sei que deveria estar com medo, mas tudo o que
posso sentir é admiração, Sebastian, por ter você como meu marido, meu grande e
nobre cavaleiro.
Ela olhou para a mão dele, paralisada. Sua pele estava manchada, as
manchas grossas e escamosas. Tinha escurecido ao longo dos meses até ficar
marrom escuro. Ela não disse nada, mas também não recuou horrorizada. Poderia
ter sido mais fácil se ela tivesse. Em vez disso, ele viu compaixão em seus olhos.
— Você usa o unguento que a Irmã Agnes preparou? — Sua voz soou calma.
Ele admirava sua contenção. Não duvidava que a maioria das mulheres teria
gritado e fugido dele. A maioria das mulheres nunca teria ficado em sua
companhia, muito menos dizendo o quanto queriam tocá-lo. Por favor, deixe que a
visão de sua doença realize o que suas palavras não fizeram, induza-a a compreender
plenamente seu destino e a aceitá-lo. Caso contrário, era um tormento que ela
prometeu em sua ânsia e inocência.
— Então vou lembrá-lo, Sebastian. — Ele quase sorriu para ela então, seu
queixo inclinado para ele, a teimosia que ela havia insinuado mais uma vez
revelada.
Ele suspeitava desde que ela soubera de sua doença que ela não
compreendia completamente o horror disso. Ela era capaz de permanecer em um
Ele desejou, no entanto, poder dizer a ela, sem causar dor, o quanto ele
apreciava esses momentos com ela. Ele perguntou se ela amava outro e prendeu a
respiração aguardando sua resposta. Ela ofereceu um pedaço de si mesma, uma
concessão sem esforço de seu próprio passado. Uma criança solitária, uma garota
esperando por sua vida. Não era de admirar que ela tivesse concordado tão
facilmente com a barganha. As condições eram tais que sua vida não havia mudado.
Ela ainda estava esperando pela vida.
Gregory não se dirigia a eles, não explicava o objetivo de sua expedição. Não
era necessário nem exigido.
Sua resposta ao pedido de Sebastian por mais tempo para pagar seu resgate
tinha dado frutos, ao que parece. Era evidente que Sebastian sabia do tesouro, ou
não voltaria agora para Montvichet. Ele evidentemente o havia escondido bem o
O fato de seu irmão estar a caminho da fortaleza cátara era, à primeira vista,
a aceitação de sua barganha. Mas Sebastian o surpreendeu por ter estado em
Montvichet logo após o fim do cerco, e novamente indo em cruzada. Uma dica de
cautela pode ser sábia agora. Talvez não conhecesse o homem que se tornara o
Senhor de Langlinais. Era uma boa possibilidade que suas lembranças de Sebastian
fossem apenas isso, apenas lembranças. O homem que seu irmão se tornara
poderia revelar-se perigoso.
***
— Sinto-me tão bem guardada quanto uma princesa — disse ela às costas
de Jerard.
Seu poleiro atrás de Jerard não era oneroso. Ele tinha colocado as mãos dela
em sua cintura com bastante indiferença para que ela não ficasse constrangida, e
além de agarrar seus pulsos de vez em quando, quando o terreno ficava mais
íngreme, não a tocava. Era, por mais precário que fosse, um poleiro, do qual ela
podia ver, e o ar, embora quente, não era sufocante como na carroça.
— Estas estradas não são seguras, milady. Milorde a protegerá o melhor que
puder.
Não havia resposta para isso, mas ela não esperava uma.
Sua pequena frota havia ancorado em uma vila de pescadores alguns dias
antes, e desde então eles estavam a cavalo, viajando mais fundo na França.
— Bretanha, milady.
Sebastian parecia esperar problemas, medidos pela espada que usava. Ela
balançava ao seu lado com facilidade, parecendo não perturbá-la em nada. No
entanto, brilhava ao sol como se quisesse chamar a atenção para si mesmo, um
instrumento de morte brilhando intensamente e sem remorso.
Ela fixou seu olhar nele cavalgando a frente deles. Ele não usava elmo. Não
por causa do calor, ela suspeitava, mas por causa da liberdade. Outros homens
poderiam ter se irritado com a cota de malha, mas Sebastian a usava sem reclamar.
Era, sem dúvida, menos oneroso para ele do que o manto de monge que ele usara
por tanto tempo.
Ela não estava se saindo tão bem. Sua touca de linho era um simples toque,
mas a tira do queixo irritava sua pele. No segundo dia na França, ela o havia
descartado. Suas mangas bordadas estavam muito quentes para este tempo, então
ela pediu a Jerard para apará-las no terceiro dia. Tudo o que estava intacto era sua
túnica sem mangas, mas estava suja com a poeira levantada pelos cavalos. Ela se
sentia como se estivesse coberta de terra, podia até sentir o gosto dela em sua
comida e água.
Jerard tinha se tornado sua única fonte de informação nos últimos dias.
Durante o dia os soldados não tinham necessidade de conversar com ela, embora
à noite trocassem algumas palavras. Quanto mais eles viajavam, mais distante
Sebastian parecia ficar, no entanto. Ele raramente falava com ela e enviava
mensagens através de Jerard. Era como se sua armadura tivesse se tornado um
dispositivo de proteção inadequado, então ele usou a distância para aumentar seu
isolamento também. Suas noites de conversa talvez nunca tivessem acontecido. Ou
talvez tenham sido momentos de ilusão, algo que ela apenas sonhara.
***
Minha.
Uma onda de algo feroz e raivoso passou por ele. Era antigo, faminto e
enlouquecido. Era semelhante à sede de sangue, aquela necessidade de matar ou
ser morto, que o atacou no campo de batalha.
Minha.
Ela não pertencia a ninguém além dele. Sua bochecha rosada era dele para
embalar em sua palma, seu cabelo para ser afastado por seus dedos. Seu pé para
ser apoiado, seu braço para ser segurado por ele sozinho. O fato de que ele tenha a
tocado apenas uma vez era uma piada cruel, o fato de que ele ainda podia sentir a
marca de sua mão era um presente. A raiva surpreendente que ele sentiu foi
desencadeada pela visão dela pressionada contra outro homem. Uma vez, ela
adormeceu, sua bochecha descansando contra as costas de Jerard. Ele quase matou
seu escudeiro.
Durante os últimos dias, ele a viu ficar mais confortável com Jerard, com os
outros homens. Sua trança estava sempre arrumada pela manhã, mas à noite estava
pendurada por uma fita, mechas de cabelo escapando para descansar contra sua
bochecha. Ela aparara as mangas para que não ficassem tão compridas e parara de
usar o gorro. O pior foi quando ela parou de usar suas mangas. Nesse calor ela teria
sido uma tola em não descartá-las, mas ainda assim, isso significava que havia uma
camada a menos de tecido entre ela e Jerard.
Ele exigia de si mesmo contenção e força e até agora sempre foi capaz de
cumprir com essas grandes expectativas. No entanto, esperava-se que ele se
abstivesse de uma mulher que era sua esposa. Nunca poderia segurá-la em seus
braços, nunca beijá-la, nunca inalar seu cheiro. Ver como outros homens eram os
destinatários de seus sorrisos e seus pequenos, mas ternos favores.
Por incrível que pareça, era mais fácil estar perto dela quando ele estava
vestido com suas roupas de monge. Talvez porque isso o lembrasse tão
prontamente e constantemente de sua situação. Houve momentos, em sua
***
A primeira indicação que Julianna teve de que algo estava errado foi a
maldição de Jerard. Ele jurou fluentemente e com grande emoção.
— O que foi, Jerard? — Ele não respondeu à pergunta dela, apenas esporeou
seu cavalo sem avisar.
Ele deslizou da sela antes que ela pudesse questionar suas ações. Foi então
que ela olhou para cima e viu Sebastian cercado por homens blindados, assim como
ele.
Ela teve que gritar para ser ouvida. O silêncio da tarde fora suplantado pelos
sons da batalha, o tinido de aço contra aço, um juramento, um grito.
— Então solte o resto dos nossos homens. — Essa demanda se perdeu nos
sons da batalha, ou então Jerard a ignorou.
O cavalo de Jerard deu um passo para o lado, ansioso por estar na briga ou
assustado com ela. Jerard permaneceu onde estava, postado na cabeça de seu
cavalo, uma mão segurando as rédeas com força, a outra com a espada empunhada,
pronto para protegê-la.
Não foi até alguns momentos depois que Julianna percebeu que o local da
batalha havia mudado. Ela estava no centro dela. As espadas estavam erguidas, os
rostos dos homens estavam suados e corados, seus olhos exibindo uma espécie de
deleite enlouquecido.
Ela não conseguia fechar os olhos, paralisada pela visão do sangue pingando
de uma lâmina brilhante. Uma mão coberta de cota de malha ergueu a espada bem
alto no ar. Chegou mais perto. Mais perto ainda até que lentamente arqueou em
direção a ela. Ela assistiu com um horror doentio e se perguntou por que ela deveria
encontrar a morte dessa maneira, em uma estrada na França. Por qual motivo ela
deveria ser morta? Não mais importante do que ela simplesmente estava aqui.
Foi quando ela o viu. Faeren deve ter sido equipado com asas. De que outra
forma ele poderia ter chegado ao seu lado tão rapidamente? Em um momento, ela
estava olhando para a morte, no próximo, o rosto contorcido de seu marido, cuja
fúria o transformou em um estranho assassino. Seu rosto estava corado, seus olhos
semicerrados, um som rouco emergiu de sua garganta, um grito nascido de uma
raiva selvagem.
Ele lutou para se livrar do círculo de homens que o cercava? Se ela não
tivesse observado a maneira como ele lutava, ela poderia ter pensado que era
impossível. Mas alguns segundos depois ela não duvidou. Com um golpe, ele
Então acabou.
Ela aprendeu algo mais sobre sua natureza naqueles longos minutos
enquanto o observava lutar. Ela deveria ter orado pelas almas daqueles homens, ou
para entender por que eles foram atacados sem provocação. Mas no fundo de seu
coração, Julianna sabia que não desejava perdão nem compreensão para eles. Ela
queria que Sebastian vencesse, para dominá-los. Ela queria que cada um deles
sofresse por tentar matá-lo.
Ela se inclinou e colocou o jarro de água ao lado dele. Seus homens feridos
jaziam ao lado de uma pequena elevação. Eles não sofreram baixas, ao contrário
dos homens que os atacaram. Mas havia vários pequenos cortes e outras feridas
que se não fossem cuidadas, poderiam causar problemas. Mesmo agora, Jerard
estava tratando de um ferimento no braço de aparência desagradável. Aliás,
Julianna achava que nunca tinha visto tanto sangue na vida. Ela desviou o olhar
rapidamente.
Sebastian ficou de pé, curvado para que só ela pudesse ouvi-lo sussurrar.
— Se você sair, ele poderá gritar, milady esposa. Mas com você aqui, ele deve
fingir ser corajoso. — Ela olhou para o homem que jazia no chão diante dela. Seu
olhar estava fixo no céu noturno.
— Você vai usar fogo para selar a ferida dele, não vai, Sebastian? — O olhar
dela não deixou o dele.
Ele assentiu.
— Ele sobreviverá, Julianna — disse com voz terna. — Ele vai se gabar de
sua cicatriz em poucos dias.
Ele sorriu para ela. — Eu deveria ser, Julianna. E duvido que fossem
bandidos. Eles estavam muito bem equipados, para começar.
— É prudente fazer isso, Julianna. Eles não podiam ser mais do que um
grupo de jovens cavaleiros descontentes. A França está fervendo desde que seu rei
partiu em cruzada. A dissensão é comum onde não há um líder claro.
— Não. — A palavra a gelou. Então, ele também acreditava que outra pessoa
estava envolvida nesse ataque repentino e inesperado.
— Um arranhão em meus dedos onde uma lâmina cortou minha luva, mas
isso é tudo. Agradeço a preocupação da esposa.
— Não — ela confessou. — Pelo menos eu não gritei. Foi uma grande
tentação. — Ela olhou para ele, protegendo os olhos dos raios de um sol poente
com uma mão enfaixada. — Você lutou muito bem, Sebastian.
Ele parece um deus. Ele parece, se assim for, o deus superior, que fica cara
a cara comigo e observa as palavras que fluem da minha boca. As palavras de Catulo
eram heréticas. Ela estava coletando um buquê de tais pensamentos. Mas ela já
havia sido punida habilmente. A doença que os separava, que os mantinha
separados para sempre, era uma forma madura do inferno. Penitência suficiente
para seus pensamentos.
Ela não tinha certeza de que ela sabia sobre o amor. Ela tinha ouvido as
baladas e lido os filósofos e poetas. Ela amava a Deus e amava seus pais. Mas o que
ela sentia por Sebastian era diferente do que ela tinha ouvido, lido e sentido no
passado.
Havia um lugar no meio de seu peito que parecia oco e dolorido. Parecia se
expandir quando ela o via, quando ele se aproximava. Seus olhos facilmente
sentiam a picada das lágrimas. Seu sangue acelerava como se quisesse acompanhar
seus pensamentos. Ela havia sido proibida de tocá-lo, mas se sentia mais próxima
dele do que de qualquer outra pessoa. Ele a atraia com suas palavras, a humilhava
com provas de sua honra e sacrifício.
O sol estava atrás deles, o brilho de sua descida presenteando o céu com
listras laranja e vermelhas. A armadura de Sebastian parecia estar em chamas. Seu
rosto estava sombreado por uma barba de alguns dias. Seus olhos pareciam
cansados, cansados do horizonte. Seu cabelo castanho estava salpicado com a
poeira eterna das estradas quentes de verão, e sua túnica precisava ser escovada.
Não havia homem mais honrado do que aquele que estava ali, a cabeça
descoberta à luz do sol poente, a mão no punho da espada. Ou um que ela amava
tanto.
***
— Lady Julianna? — Uma mão gentil em seu ombro a acordou. O céu estava
escuro, mas ela não tinha ideia se era meia-noite ou uma hora antes do amanhecer.
Ela bocejou e abriu os olhos, sorrindo para Jerard.
Sebastian ficou olhando para ela, com os braços cruzados na frente dele. Ela
transferiu seu sorriso para ele. Amanhecer, então. Hora de retomar a jornada.
— Eu costumava admirar suas visões. Ela foi consultada por reis, você sabia?
Eu li uma parte de seu Scivias uma vez. A abadessa tem uma cópia.
— Por que você se admira com as visões dela? — Ainda havia aquele tom de
suave diversão em sua voz.
— Ou uma maga. — Ela inclinou a cabeça e olhou para ele. Jerard havia os
deixado, os soldados estavam a alguma distância. Eles estavam, no momento,
sozinhos.
Ela assentiu.
— Não posso deixar de me perguntar se ele foi inflado apenas para esse fim.
— Ele estudou a linha do céu onde clareou com a chegada do amanhecer.
— Você notou isso também? — Ele sorriu. — Talvez não seja sábio ter uma
esposa tão inteligente.
— Você é um herege, Sebastian? — Ela fez essa pergunta a ele por causa de
seus próprios pensamentos recentes?
— No entanto, é você quem questiona as freiras com visões — disse ele com
um sorriso.
— Estamos casados desde criança, Julianna. Toda a sua vida foi gasta em
preparação para ligá-la à minha. Eu sou um hábito para você, nada mais. Um
refúgio, talvez, para a solidão do convento.
— Alegria? Mesmo com o que você sabe, você pode dizer uma coisa dessas?
Ela assentiu.
— Você sabia que a palavra herege vem do grego hairetikos, que significa
capaz de escolher?
Foi uma tentativa tão desajeitada de mudar de assunto que ela só conseguiu
sorrir para ele.
— Talvez não seja sábio ter um marido que estudou nas grandes
universidades.
— Para essa resposta você deve esperar até chegarmos a Montvichet — disse
ele, sorrindo.
Ela olhou para ele. Mais uma vez, ela teve a sensação de que eles falavam
sem palavras. Palavras que podem ser imprevidentes para falar, mas eram sentidas
independentemente. Declarações de emoção que aquela circunstância tornara
impossíveis. Amor e saudade tão fortes que quase podiam ser sentidas no ar entre
eles.
Você estará para sempre em meu coração onde quer que eu esteja.
Devo, Julianna.
Sebastian foi solícito daquele dia em diante, mas raramente olhava para ela.
Onde antes ela o achava distante, agora era como se ele estivesse se separando
fisicamente não apenas dela, mas de todos eles. Ele realmente decidiu não voltar
para Langlinais? Ela não sabia quando o pensamento lhe ocorreu. Ela não podia
medir o momento, ou segurar a hora. Mas ela sentiu isso, um conhecimento forte
e seguro como se ele já tivesse dito adeus.
Era esse o motivo? Por que ele desejava poupar sua dor? Ele estava
preparando-a. Era um conhecimento intrínseco, contra o qual ela lutava mesmo
quando o reconhecia. O momento era incerto, o dia era desconhecido, mas um dia
em breve ele simplesmente desapareceria de sua vida.
Montvichet era seu destino. Além disso, ela não sabia. Ele não havia falado
sobre o que faria depois de adquirir o tesouro, se viajaria para os Templários ou
faria com que Jerard o tomasse para ele. Ele a levaria para casa em Langlinais e
depois desapareceria?
No entanto, por mais que ela pudesse reconhecer o fato de sua partida, seu
coração não podia suportar o custo. Ela amparou a dor, ordenou que a porta fosse
fechada e trancada naquela hora exata em que ele a deixou.
A caça era abundante nesta viagem, a lebre assada que lhe ofereciam agora
tão bem cozida quanto qualquer outra que ela pudesse ter comido nas cozinhas de
Langlinais.
Jerard estava na frente dela, olhando para algo atrás dela. A expressão em
seu rosto estava iluminada pelo fogo, e sugeria repulsa ou desgosto.
Ele não voltou sua atenção para ela quando respondeu, apenas permaneceu
olhando para o topo da montanha.
— Montvichet, milady.
Ele assentiu.
***
Julianna caminhou com uma mão sobre a rocha escarpada. Mas ela não
parecia assustada. Ela não havia dito a ele que estava cansada de ter medo? Ela
estava sentada silenciosa e pálida enquanto os homens morriam ao seu redor. E
então o surpreendeu com sua própria avaliação de das circunstâncias. Uma trama
Ele fechou sua mente para o pensamento de que sua coragem seria
necessária com força total nos próximos anos. O povo de Langlinais precisaria dela.
***
Uma vez, ali havia um antigo forte, mas há muito se desintegrou em pó. No
entanto, os azuis e verdes brilhantes de um piso de mosaico em meio ao ar de
deserção e ruína era uma provocação estranha, como se dissesse que todas as coisas
Romanas de alguma forma iriam suportar.
Sebastian tinha encontrado a mesma coisa cinco anos atrás. Naquela época,
ele estava contente com seu lugar no mundo, não reconhecendo sua própria
arrogância e ignorância. Agora ele olhava para aquele homem e maravilhou-se com
as bênçãos que ele teve e nunca percebeu. Ele havia perdido seus irmãos, mas
Cinco anos se passaram para ele, mas em Montvichet, era como se o tempo
não tivesse passado. A poeira sobre a pedra do pátio era mais espessa, mas
imperturbável. Mais algumas pedras desmoronaram das paredes, quase
imperceptíveis entre a maior destruição. No entanto, algumas trepadeiras
resistentes ainda se entrelaçavam entre as rochas, e de algum lugar próximo vinha
o canto de um pássaro. E uma brisa suave tirou o calor do ar e o perfumou.
Ele quase estendeu a mão para Julianna antes de se lembrar, tão intensa era
a necessidade de trazê-la para frente, como se a apresentasse a todas as almas que
nunca conhecera. Para buscar dessas pessoas mortas há muito tempo uma bênção
para esta mulher, para que ela pudesse ser poupada de qualquer dor por ele.
— Sebastian?
Então, ela sentiu isso também. Como se fosse possível vislumbrar algo se ele
virasse a cabeça rápido o suficiente. Pensamentos tolos.
— Você é talvez a primeira criatura de quatro patas a ver este lugar — disse
ele, estendendo a mão e acariciando o nariz largo de Faeren com carinho.
— Você é sábio por ser cauteloso com ele. Ele é velho e perverso. — Faeren
deu uma patada no chão naquele momento, arrancando uma risada de Sebastian.
— Desde Chipre. Minha própria montaria foi morta debaixo de mim pouco
antes de ser capturado. Encontrei Faeren lá, um pária como eu. — Seu sorriso
iluminou suas palavras. — Ninguém podia controlá-lo, e eu desejava
desesperadamente ir para casa. Juntos fizemos uma barganha, não foi, Faeren? —
Ele acariciou o focinho de Faeren, então conduziu o cavalo para o lado do pátio
onde havia mais sombra.
— Veja se eles são tão generosos com sua comida quanto com suas
informações. — Ele puxou um pequeno saco de cordão de debaixo da túnica e
— Sim, milorde.
Sebastian se virou, encontrou o sorriso de Julianna. Ele não deveria estar tão
curioso, mas os olhos dela brilharam alegremente.
— O que a diverte?
— Como você faz em Langlinais. Ele é seu mordomo lá, com toda a
autoridade que você deu a ele. Ele a usa bem.
— Eu não fiz isso agora? — Ele franziu a testa enquanto procurava a figura
de Jerard partindo.
— Não. Seu comportamento mudou com suas roupas. Você não é mais o
monge que se esconde daqueles que podem descobrir. Você é o cavaleiro que tem
certeza de sua destreza na batalha. E o pobre Jerard voltou a ser seu humilde
escudeiro.
Suas palavras não serviram para nada além de paralisá-la com alegria. Ele
amava a risada dela, valorizava-a porque era tão rara.
Ela sabia o quão linda era? Ela não sabia, senão ela teria ostentado esses
atributos da mesma forma que as mulheres aprendiam desde o berço. Mesmo agora
ela estava linda, mesmo com o cabelo coberto com a poeira sempre presente. Seus
olhos pareciam cansados, e havia uma mancha rosada em seu nariz onde o sol tinha
sido muito cruel.
Se ele fosse sábio, ele a teria mandado de volta para o convento quando a
viu pela primeira vez. No instante em que ele reconheceu que esta mulher com
dedos trêmulos e queixo teimoso era mais do que parecia. Ele deveria tê-la banido
de sua vida naquela época, ou desaparecido. Como ele poderia saber, na noite em
que a viu pela primeira vez, que ela viria a significar muito mais para ele do que
Langlinais jamais significou? Se havia algo pelo qual ele estava disposto a morrer,
não era a fé, nem Langlinais, mas Julianna.
Tão facilmente que ocorreu sem que ele soubesse. Ou talvez tenha
acontecido naquela noite inesquecível em seu quarto, quando ele expressou seus
verdadeiros pensamentos, sabendo que nunca faria isso novamente. Talvez todo
esse tempo ele estivesse apenas testando sua honra ou sua determinação.
Seu presente final para ela seria uma revelação. Sua vida com ela tinha sido
cheia de segredos. Ele queria um fim para isso agora. Ele contaria a ela o máximo
que pudesse sobre o tesouro cátaro. E então iria embora.
Como ela suportaria a vida sem ele? Ela ficou ereta, cabeça baixa, olhos
baixos. Postura do convento. Haveria tempo suficiente para se perguntar sobre sua
capacidade de suportar. Agora não era o momento. Não quando Sebastian ainda
estava com ela.
Uma mesa colocada contra uma parede funcionava como uma área de
trabalho comum. Pedras pesadas pesavam nas páginas do pergaminho, esperando
o momento em que seriam necessárias. Uma seleção de penas, nenhuma delas
ainda cortada, estava em preparação para a mão de um escriba. Recipientes de pele
de cabra continham o que Julianna suspeitava ser tinta em pó. Havia uma
variedade de facas, lâminas e navalhas, réguas, regula, lúnula, normas, agulha e
linha para consertar pergaminho se rasgado, e uma dúzia de potes cobertos
variados, um dos quais continha uma cola seca de cheiro particularmente odioso.
Mas aqui não havia páginas terminadas, diplomae ou folia completa.
Sua mão esquerda estava quase curada. Mas a aparência de sua direita a fez
estremecer. Havia linhas vermelhas por todo o topo, lugares onde os ossos se
projetavam da pele. Não estava mais inchada, e a cor havia retornado, mas ela mal
conseguia dobrar os dedos. Ela virou as mãos, olhou para as palmas.
Ele se ajoelhou na frente dela, seus olhos profundos com alguma emoção
não identificável. Ela sabia o nome agora. Desespero, como ela nunca desejara
conhecer. Angústia da alma. Dor e saudade tão duras e reais que se tornaram quase
sólidas. Iria brilhar carmesim, este anseio. Ou branco como uma nuvem desbotada.
Quase invisível, mas com sua sombra sempre permanecendo. Ela sabia, porque
sentia o mesmo.
Ela sempre gostou de ler a escrita dos outros, sentia que aqueles filósofos e
santos mortos há muito tempo falavam com ela através de seus pensamentos. Ela
sabia por que aquela ligação tinha sido tão importante, agora. Isso lhe trouxe uma
sensação de conexão com o mundo que imitava companheirismo.
Ela tinha simplesmente sido solitária toda a sua vida? Parecia-lhe agora que
as ocupações de sua mente e a habilidade de suas mãos tinham substituído algo
que ela sentia falta e nunca conheceu. O riso fácil e cadenciado de duas pessoas
que compartilhavam um pensamento, o sorriso conspiratório que unia as palavras.
A capacidade de procurar e encontrar o rosto de alguém que pode aliviar uma
solidão momentânea, aliviar uma dor temporária.
Ela saiu do banco e foi até a mesa, pegando uma das penas cátaras. Só
quando voltou à mesa tentou segurá-la com a mão direita. Com alguma dor, seus
dedos se curvariam, mas não com força suficiente para segurar a pena. Ela caiu com
um pequeno clique na superfície da mesa.
A tristeza que ela sentia não era por ela mesma. Ela entendeu, finalmente, a
enormidade do destino de Sebastian. Será que tal conhecimento foi motivado pela
quietude deste lugar? Ou teria nascido na certeza de que só faltavam horas para
eles? Ela apertou os olhos fechados contra o pensamento das horríveis mudanças
físicas que viriam para ele.
Era errado pedir a Deus para mover o tempo? Seria um desperdício fazer
uma oração implorando a Ele que permitisse que ela viesse a conhecer Sebastian
antes que tal coisa acontecesse com ele? Por favor, apenas um momento a tempo
de beijar seus lábios, ou ser envolvida em seus braços. Deixe-o me tocar de alegria.
Uma vez. Por favor. Ela inclinou a cabeça e fechou os olhos, indiferente as lágrimas
que molhavam suas mãos, pequenas gotas de sensação aguda. Ou se isso for errado,
poupe-o de alguma forma. Tire isso dele, Deus. Ele não é um santo ou um pecador
tão grande.
Sebastian removeu suas manoplas uma vez que ficou sozinho, desejou
poder se livrar de sua armadura. Mas conforto era algo egoísta de se desejar,
especialmente nesta busca em particular. Ele olhou para suas mãos, bloqueando a
visão delas.
Ele conhecia bem o caminho que tomou, tinha percorrido apenas uma vez
na realidade, mas muitas vezes em sua memória. Ele respirou fundo enquanto se
aproximava da área.
Ele sabia pouco sobre a religião cátara, apenas o que tinha lido nos
pergaminhos que encontrara. Ele não sabia se havia uma oração apropriada para
este tempo ou este lugar, ou mesmo se eles gostariam que fosse feita por eles.
Ele podia admitir, agora, que estava com medo do que o futuro lhe prometia.
Ele apareceu diante dele com garras estendidas, ansioso e esperando para agarrá-
lo até que ele sangrasse. Ele só podia imaginar os meses e anos à frente, mas
enquanto sua mente o fazia com tanta frequência, seu coração o impelia a pensar
apenas no passado. Lembre-se das coisas que lhe trouxeram alegria. Lembre-se de
quando você era menino e corria pelo pátio de Langlinais, ou desafiava Gregory a
Ele estava emoldurado pelo sol poente, um homem em seu auge. Ela sabia
que era vital, para ela, guardar a visão dele na memória. Chegaria um momento,
talvez quando ela fosse uma velha, idosa, em que não seria capaz de se lembrar.
Era o que aconteceu com os rostos de seus pais. Eles só eram lembrados através de
um cheiro, uma voz, uma pitada de riso. Sebastian existiria apenas como um jovem
guerreiro, uma visão turva pela ação do tempo, da distância e da dor.
Ela estudou seu rosto avidamente, gravando-o em sua mente do jeito que
ela fazia com uma passagem que ela amava e desejava memorizar. Seu lábio inferior
era mais cheio que o superior. Sua boca, sem sorrir como agora. Seu queixo
terminava em um ângulo reto e cinzelado. Seus olhos ela sempre se lembraria. Eles
eram um pouco inclinados para baixo nas extremidades. O que dava-lhe um olhar
sonolento, ou travesso quando visto de uma certa maneira. Na maioria das vezes,
no entanto, ela era cativada por sua cor, tão escura que parecia não ser azul, mas
preta.
Ela desviou o olhar, antes que ele notasse que as lágrimas voltaram a seus
olhos.
— Não sei — disse ele, entrando na sala. — Elas eram líderes. Por que não
escribas?
Ele chegou ao lado dela, olhou para suas mãos. Ela não havia trocado as
bandagens. Ele descansou a mão ao lado dela na mesa do escriba. A dele era muito
maior, os elos da corrente de prata terminando em seu pulso brilhando à luz do
sol. Seus dedos levantados, seu polegar esticado mais perto. Apenas uma polegada
separava as duas mãos, mas a distância podia ser medida em milhas. A ponte entre
eles, invisível mas forte, era construída a partir do vínculo entre suas mentes e o
fato de que suas almas se sentiam entrelaçadas.
Sebastian deu um passo para trás e fez sinal para ele entrar.
Jerard entrou na sala silenciosa, seus passos eram o único som. Entre as
mãos ele segurava um baú de madeira, seu topo arredondado elaboradamente
esculpido. Ele deu um passo à frente e entregou a Sebastian com uma pequena
reverência.
Ele teria recuado então, não fosse o fato de que Sebastian o chamou de volta.
— Ajude sua senhora com as bandagens — disse ele, sua voz rouca, o
comando quase cortante. Ele caminhou até a mesa que continha os instrumentos
do escriba e colocou o baú sobre ela, de costas para a sala.
Ela olhou para ele, para a postura que ele mantinha, imaginando se esses
momentos eram tão difíceis para ele quanto eram para ela. Deviam ser, caso
contrário sua voz não teria sido tão rouca, suas ordens tão severas. Ele não era um
homem indelicado.
Sebastian se virou.
— Fui fiel como um cão com essa gordura de cheiro vil, senhora esposa —
interveio ele.
Ele parecia divertido com o olhar no rosto de Jerard. Ele cedeu, finalmente,
e acenou para ele ir embora.
— Como você sabe que ainda está aqui? — ela perguntou, olhando em volta.
— Está aqui, senão Langlinais não teria sido ameaçada. Parece que eles
procuraram bem, mas estavam fadados ao fracasso. Só descobri o segredo por
sorte.
Ele caminhou até a parede oposta, contou as pedras grandes, depois desceu.
Ele pressionou a segunda no nível de sua cintura. Ele girou facilmente como se
estivesse apoiado em um fulcro. Julianna olhou para dentro e notou a barra de ferro
que se projetava do chão. Deve caber no buraco na base da pedra.
— Devo confessar que nunca vi nada parecido com uma porta secreta —
disse ela.
— Venha aqui e olhe mais de perto. — Ela espiou dentro do pequeno espaço.
Havia espaço suficiente para duas pessoas ficarem de pé.
— Não há duplicata dele nas outras câmaras de dormir. Talvez esse nicho
datasse da fortaleza anterior, e os cátaros simplesmente se aproveitaram dele para
esconder o tesouro. Cumpriu o seu propósito. Estava aqui há cinco anos, e está aqui
agora.
Ele colocou a cesta no chão, então se ajoelhou na frente dela. Ele abriu o
fecho da tampa com cuidado, como faria com um bebê recém-nascido. Não, ela
pensou, observando-o. Não com gentileza, mas reverência. Este, então, era o
tesouro dos cátaros. Nem ouro, nem prata. Mas o conteúdo de uma cesta que
poderia ser encontrada na cabana de um camponês.
Um raio de sol criou uma aura ao redor de Sebastian enquanto ele baixava
a tampa para o chão. Nenhum deles falou, um silêncio estranho e assustador.
Julianna quase podia sentir a ausência de som, como se a brisa tivesse parado
Ela se ajoelhou em frente a ele, sua mão esquerda embalando a direita. Sua
respiração estava apertada, seu coração batia forte e furiosamente. De repente, ela
não sabia se desejava saber o que ele lhe mostraria. O que poderia ser tão precioso
que justificasse tantas mortes, tanto sigilo?
— De todas as coisas que mais me lembro sobre Madalena, é sua busca pelo
conhecimento — disse Sebastian. Ele olhou para ela. — Você me lembrou muito
dela no começo.
Ele olhou para a tampa da cesta e as coisas estranhas que ele havia arrumado
ali. Ele parecia relutante em continuar. O silêncio aumentou, assim como a
sensação de que havia mais aqui do que ela entendia.
Ele olhou para ela, seu rosto sombrio em face de sua confusão.
— Eles deixaram para trás um raciocínio detalhado por trás de suas ações.
Você vai encontrá-lo entre os pergaminhos posteriores. Eles estavam sendo
Ela sentiu uma mistura de horror e alegria ao perceber o que estava diante
dela.
Ele assentiu.
— Não, por causa do poder, Julianna — disse ele. — Você não pode imaginar
o poder que eles poderiam acumular se fossem guardiões da verdadeira cruz e do
sudário de Cristo?
— No entanto, você não pode solicitar a ajuda da Igreja, por causa de sua
doença.
***
Dentro, aninhado em uma cama de feno, havia um cálice. Ele o pegou com
cuidado, estendendo-o para ela ver. Ela tinha certeza de que era o objeto mais
bonito que ela já tinha visto. Não era de ouro maciço, mas construído com
pequenas janelas de vidro de um tom carmesim tão profundamente colorido que
parecia quase roxo. Sobre a borda evertida da taça, e sobre a haste, havia uma fina
linha dourada que engrossava para se assemelhar a uma videira cravejada de
espinhos. Na tigela do cálice havia uma figura gravada de um homem vestido com
uma longa túnica, o rosto barbudo, as mãos estendidas. Raios de sol emanavam de
trás do homem, de seus pulsos.
— Eu penso nisso como uma lembrança dos meus dias na Terra Santa, algo
que ajudou a tirar o mau cheiro da prisão das minhas narinas. Eu esperava mantê-
lo em Langlinais, mas agora serve a um propósito maior, aplacar os Templários. O
suficiente para que eles não procurem mais.
As palavras que ela falou foram difíceis. A verdade de suas vidas tinha sido
lançada contra ela tão rapidamente que ela podia sentir a dor alojada em seu peito.
Ela queria saber. Ela precisava saber, como se esse conhecimento de alguma
forma tornasse isso mais fácil de suportar.
Leproso.
Ele estava condenado a vagar sem rumo. As pessoas não seriam gentis com
ele, e até mesmo um cavaleiro precisava de um toque de gentileza de vez em
quando. Eles fugiriam dele, cautelosos por causa de seu tamanho, aterrorizados
por causa do que ele representava. Ninguém iria tocá-lo. Ninguém o tocava agora,
e aqui estava ele, distante como sempre.
A Missa de Separação seria pronunciada sobre ele. Ela teve que transcrever
uma vez, e as palavras pareciam gravadas no ar diante dela.
— Uma vez você planejou ficar lá — disse ela, com a voz trêmula apesar de
sua determinação. — Não haveria ninguém para perturbar sua paz.
— Não, Julianna. Porque estar com você seria trazer-lhe perigo. — Sua voz
baixou até que não passou de um sussurro suave, não mais substancial que uma
pitada de brisa. — Porque estar com você me traria angústia.
— Eu não posso suportar isso Sebastian, perder você. Achei que eu fosse
corajosa o suficiente. Eu realmente achei. Mas acho que serei covarde. — Ela olhou
para ele, piscando para conter as lágrimas. Isso ela poderia oferecer a ele.
— E não posso facilitar seu caminho, Julianna — disse ele com ternura. —
Se eu pudesse, mudaria o mundo por você. Eu me curaria e viria até você como um
homem inteiro. Mas isso são sonhos, Julianna, e nós não somos sonhadores. — Seu
tom era resoluto, cada palavra tão forte e quebradiça como se tivesse sido lascada
de pedra. Mas sua voz terminou em um suspiro trêmulo, como se tivesse feito com
coragem. Foi o que a impediu de alcançá-lo.
— Somos realistas, Julianna — disse ele, sem desviar o olhar dela. Será que
ele estamparia a memória dela em suas pálpebras tão fervorosamente quanto ela
fez com ele? Este momento era doloroso e duro, mas seria um daqueles que ela se
lembraria para o resto de sua vida. Porque era certo que ele não cederia. A
determinação estava em seu rosto, em seus sombrios e lindos olhos azuis, na
firmeza de sua boca.
Todas as noites de sua jornada ela dormira no chão cercada pelo soldados .
Sebastian sempre permaneceu a uma distância de chamada. Alguns dias as chuvas
suaves os encharcaram e eles procuraram abrigo em lugares mais substanciais
como uma caverna ou um bosque. Mas, na maioria das vezes, não foi difícil
encontrar descanso.
Aqui em Montvichet, onde havia um quarto arrumado para seu uso e uma
cama, ela não conseguia dormir. Ela não conseguia nem mesmo se deitar no
colchão de palha fina. Em vez disso, ela pensava constantemente nas pessoas que
moravam ali. Como suportaram o luto por aqueles que amavam?
Sebastian virou-se com a aproximação dela. A luz da lua fluía pelo pátio,
suficientemente bem para que ela pudesse ver os cavalos do outro lado, e entre
eles, as figuras adormecidas dos soldados. Mesmo assim, ele segurava uma espécie
de tocha, uma tigela curva que segurava uma vela, e ao redor dela, um pedaço de
pergaminho oleado que ampliava a luz, difundindo-a. Ela tinha visto uma coisa
dessas em algumas das ilustrações dos livros que ela copiou, mas nunca
pessoalmente.
— Templários. — Ele virou as costas para eles, ficou de frente para o pátio.
— Quem mais?
— Não tenho dúvidas de que desejam nos desafiar. Eles conhecem nossa
força e sabem que não somos páreo para o números deles.
— Mas não fizemos nada para que eles quisessem nos desafiar, Sebastian.
— Não é necessário ser inocente, para ficar entre os Templários e algo que
eles querem.
Ele inclinou a cabeça para trás e olhou para o céu. Era uma lua cheia,
amarela e brilhante. — Eu duvido. Não poderia resistir a outro. Eles têm apenas
que passar pelos portões abertos.
***
— Quanto tempo você acha que eles levaram para construir este lugar? —
Julianna olhou em volta para a fortaleza escurecida. Ela se sentou no chão de pedra,
com as costas contra a parede. Sebastian sentou-se ao lado dela. A lua cheia sobre
eles, as estrelas brilhantes como olhos minúsculos piscando acima, o ar perfumado
com uma leve brisa que carregava o cheiro de pinho.
— O convento tinha cabra, mas não fazíamos queijo. A abadessa achava que
era um luxo que podíamos prescindir.
— Ela é.
Ele inclinou a cabeça para trás como se estivesse contando as vigas que
sustentavam o teto dos quartos de dormir.
Ela lutou contra o sono a noite toda, desejando passar essas horas até o
amanhecer ao lado dele. Cada momento que compartilhavam era como uma conta
preciosa coletada e amarrada em um cordão. Mas o silêncio conspirava contra ela,
junto com o cansaço da viagem.
Ela deitou a cabeça para trás contra a pedra, saboreando a proximidade dele.
Eles se sentaram a apenas um palmo de distância. Muito cedo, ela se sentiu caindo
no sono. Sua voz falou com ela, um suave sussurro de palavras.
Sebastian não estava ao lado dela, mas ela não o procurou. Em vez disso, ela
encontrou o caminho para o banheiro dos cátaros. Quando ela o viu pela primeira
vez, ela se maravilhou que eles tivessem inventado tal câmara. Uma cisterna no
telhado, ambas ainda intactas, continha água que era canalizada para uma bacia
para se lavar. Langlinais tinha tal inovação, mas os cátaros a refinaram. Um cano
levava a uma grande banheira de pedra. A remoção de um tampão de madeira no
fundo da pedra liberava a água, que então escorria pelo chão de pedra da câmara e
descia pelo buraco da latrina.
Ela passou mais tempo do que o habitual em suas abluções matinais. Ela
colocou um pano macio e molhado sobre os olhos até que a dor diminuiu. As
lágrimas os fizeram inchar, e ela passou muito tempo chorando ontem. Ela trocou
de roupa por uma túnica amarela macia que não usava antes. Ela escovou o cabelo
vigorosamente e o deixou solto. Seu último ato foi embrulhar as mãos o melhor
que pôde. Ela precisaria da ajuda de Jerard para amarrar as pontas das bandagens
em seus pulsos.
A única vez que o mundo foi realmente gentil foi quando ela se enfiou em
seu trabalho e permaneceu lá, à deriva em pensamentos de mentes grandes e
eruditas. Ela tinha, como um rato em sua toca, se sentido segura desde que não
espiasse de seu buraco. Mas a vida era vivida em lugares como Langlinais entre os
sons de cantos e risos. Era vivida, enfim, em cada dia. Seja qual for o local, seja qual
for a circunstância.
O que ela sentiu antes de vir para Langlinais? Que emoções ela
experimentou? Era como se aquela garota existisse em um limbo atemporal,
esperando até o primeiro vislumbre de Langlinais antes de sentir qualquer coisa
Talvez ela não soubesse o que era o amor. Mas ela sabia o que era saudade.
Era o que ela sentiria no momento em que Sebastian a deixasse.
***
Ele observou enquanto ela entrava no pátio. O sol banhava a rocha amarela
de Montvichet com uma luz dourada, fazendo a pedra brilhar. O brilho cercou
Julianna como se aprovasse sua aparência. Ela sorriu, uma expressão que ele
guardou em sua memória para mais tarde. Por enquanto, tinha o poder de fazê-lo
olhar para ela e saborear a imagem de como ela parecia, seu cabelo preto brilhando,
suas bochechas rosadas e lábios suavemente curvados. Uma pontada de dor
deslizou facilmente por sua alma. O preço a pagar, então, por conhecê-la e amá-la.
Ela havia amadurecido nas últimas semanas. Seu sorriso ainda era hesitante,
mas sempre fora raro. Mas em seus olhos havia um olhar que não existia antes,
uma antecipação, não de excitação, mas de dor. Era como se ela tivesse dito a si
mesma que deveria ser cautelosa, mas ainda retinha inocência suficiente para
mantê-la sob controle.
Seu cabelo preto foi deixado solto, permitido cair pelas costas. O único
adorno que ela usava era um pequeno aro de ouro na testa. Ela usava uma meia
túnica que cabia em seus ombros e caía atrás dela. As suaves dobras amarelas
pareciam acentuar a escuridão de seus cabelos, como se em sua pessoa a noite
encontrasse o amanhecer.
Sua noiva virgem. De todas as coisas que ele lamentou em sua vida, não era
que eles não tivessem se casado. Era que ele nunca lhe desse alegria, nunca a
levasse ao êxtase.
Ele desejou para ela tudo o que ele nunca tinha lhe dado.
Essa era a fonte da dor que ele sentia. Que ele não seria capaz de
compartilhar cada um de seus dias, que ele nunca veria as mudanças que o tempo
traria para ela.
Ele viu seu choque, seu recuo, soube no momento em que ela percebeu o
que ele usava. Nem armadura, nem manto de monge, mas o uniforme do leproso.
Era de lã marrom avermelhada com um L carmesim bordado nas costas e na frente.
Distinto e assustador.
Foi a primeira vez que ele ficou assim diante do mundo. Mesmo agora, tinha
gosto de inferno.
Seus soldados não sabiam se tal vestimenta era brincadeira ou um ardil para
enganar os Templários. Afinal, eles viajaram com ele por semanas e não viram que
ele estava doente. Mas as pessoas percebem o que desejam e muitas vezes ignoram
o que não querem ver. Ele não duvidava que depois desta manhã eles se benzeriam
enquanto amaldiçoavam seu nome.
Ele se perguntou o que os Templários fariam. Ele levaria o cálice para eles,
e esperaria que tal gesto protegesse Julianna e seus homens do ataque. Então, uma
vez que ele tivesse certeza de sua segurança, ele desapareceria. Não importava seu
destino, apenas que fosse o mais longe de Langlinais que pudesse viajar.
Jerard trouxe-lhe Faeren, mas ele balançou a cabeça. Ele montaria um dos
outros cavalos para o exílio. Faeren retornaria a Langlinais e viveria o resto de sua
vida em paz. Era pouco apreço pela lealdade e habilidade com que o cavalo o
servira.
Suas palavras a silenciaram, mas não detiveram suas lágrimas. Ela sabia que
apenas pela maior das vontades ele seria capaz de se afastar dela?
— Então que venha rápido, Sebastian — disse ela, com a voz trêmula em
meio às lágrimas. — Não em cem anos ou mil, mas em breve. Eu seguirei meu
caminho pela eternidade procurando por você.
Sebastian olhou para o som daquela voz. Uma rápida procura o levou à fonte
dela. Gregory estava não no portão principal de Montvichet, mas na muralha em
ruínas ao norte. Evidentemente ele havia escalado a muralha assim como os
invasores finais haviam feito, encerrando o cerco.
Não foi o alarme que Sebastian sentiu, mas uma sensação de condenação do
destino. Que fosse seu irmão que o enfrentasse não era tão irônico quanto o
esperado. Ele estava certo, então, ao pensar que Gregory estava por trás desse
estratagema. Um leve aceno de cabeça foi seu único reconhecimento.
Seu irmão parecia bem. Eles eram de uma altura e constituição semelhantes.
Apenas dezoito meses os separaram no nascimento. A idade sentava igualmente
em qualquer um deles. Os últimos dois anos evidentemente caíram bem para
Gregory, uma observação que foi recebida apenas com um sorriso por parte de
Sebastian.
— Fiquei surpreso, Sebastian, ao descobrir que você estava vindo para este
lugar amaldiçoado. Eu meio que esperava que o tesouro estivesse guardado em
Langlinais. Mas você deixou Montvichet para a Terra Santa, não foi? Você não teria
tempo suficiente para descartá-lo de outra forma.
— Não pensei em fazer isso, Gregory. Na verdade, sem sua ameaça, ele teria
permanecido aqui para sempre. Não era meu para tomá-lo.
— Você foi atacado, Sebastian? Mas você sabe que as estradas não são
seguras.
Sebastian se virou. O baú que estava amarrado à sela de seu cavalo havia
sido cortado. Um sargento se ajoelhou na frente dele, seus dedos tremendo
enquanto ele levantava a tampa.
Gregory passou por ele e extraiu a taça. Ele estendeu a mão, ergueu-a
triunfante, tão orgulhosamente quanto um rei faria com um cetro. Os Templários
ficaram maravilhados com a visão do cálice. Ele a ergueu para que a luz do sol
fluísse através do vidro. Ela banhava as pedras de Montvichet com um brilho
carmesim.
— O que, sem orações para mim, irmão? Nenhum desejo para que eu
restaure minha saúde? Você sabia que costumava ser um sinal de boa sorte cruzar
o caminho de um leproso? Você acha que será abençoado, Gregory? Ou
amaldiçoado?
— Estou morrendo, Gregory. Mate-me ou não. Isso não importa. Só lhe peço
uma coisa, que poupe a mulher e meus homens.
— Reúna-os — disse Gregory aos homens à sua frente, sua atenção nunca
se desviando de Sebastian.
— Não! — ela gritou. Seus pés arranharam o pátio de pedra enquanto ela
era puxada para frente. Então, impacientes com sua resistência, dois dos irmãos
Templários ergueram-na e transportaram-na para a ponte.
— Não, Julianna! — Ele deu um passo à frente apenas para ser bloqueado
pela espada de Gregory apontada para sua garganta.
— Eu sou leprosa! — gritou ela, pela terceira vez. Não havia hesitação em
sua voz, mas seus lábios tremiam, seu rosto estava pálido. Ainda assim, havia
determinação em seus olhos. Agora, ele testemunhou a força sempre sugerida, a
determinação sempre prometida.
Ela ficou de pé, suas mãos erguidas como se suas ataduras cobrissem feridas
horríveis demais para serem vistas.
— Você precisa de ajuda? — Ele olhou ao redor do pátio. — Quem vai ajudar
esta mulher a desnudar as mãos?
— Não, Jerard — ela disse suavemente. Ele não falou, nem olhou para o
rosto dela enquanto pegava suas mãos.
— Por favor, Sebastian. — Ele sabia o que ela queria. Estar com ele,
compartilhar sua angústia. Passar as noites e os dias juntos em um inferno
abençoado composto de alegria e terror. Ele não podia vê-la morrer na frente dele,
e não lhe daria o fardo de sua morte. Jerard iria desembrulhar suas mãos e provar
que ela não estava doente e ao fazê-lo a salvaria do destino que ela impulsivamente
decretara para si mesma.
Ele balançou a cabeça e em seu gesto, ela sorriu. Era um sorriso fora do
tempo ou do lugar, nada adequado para este momento de perigo. Era suave e se
espalhava como se ela começasse a sentir uma grande alegria.
Ele deveria ter previsto que ela faria. Mas ele não previu.
Ela deu um passo à frente, roçando Jerard quando ele a teria contido. Ela
ignorou a espada que deslizou em sua túnica como se não fosse mais substancial
do que uma teia de aranha. Ela não parecia ouvir o murmúrio dos outros, a ordem
de Gregory, nem mesmo o grito de Sebastian para Jerard. Ela se moveu entre os
homens treinados para a guerra e eles se separaram para ela, silenciados não por
sua doença, mas pelo olhar em seus olhos e pelo sorriso que ela usava.
Ele pensou que ela não era diferente de Madalena, sua abadessa, Hildegard
de Bingen, mulheres inteligentes e determinadas. Ela estava possuída de tudo isso
e muito mais, ou talvez fosse simplesmente a coragem em seu rosto que silenciou
os homens no pátio e os manteve mudos enquanto a observavam.
Ela finalmente o alcançou, seu sorriso delicado e trêmulo, seus olhos cheios
de suavidade, como se ela chorasse novamente, mas as lágrimas ainda não tivessem
caído.
Então ela ficou na ponta dos pés, colocou as mãos enfaixadas em volta do
pescoço dele. O choque o manteve imóvel por um momento, então, quando ele a
teria afastado, ela abaixou a cabeça dele e pressionou os lábios contra os dele.
Eu o proíbo de viver com qualquer mulher que não seja sua. As palavras
surgiram através dela com o poder de uma oração.
Ela não se achava corajosa o suficiente. Mas não foi a coragem que a ajudou
a atravessar o pátio até Sebastian, foram as primeiras palavras dele para ela. Ela
tinha realmente sido ensinada a temer? Julianna, você pode perder a visão com tão
pouca luz. Não toque nessa planta, Julianna, vai lhe dar uma erupção que vai
cicatrizar sua pele. Não chegue perto desse cachorro, Julianna. Ele pode lhe
morder. Ela reconhecia, agora, que os cuidados das freiras eram porque ela era a
Noiva Langlinais e, como tal, deveria ser cuidada e protegida. Mas ela pegou suas
palavras e transformou-as em seus temores, e tremeu com a vida.
Ela não tinha mais medo. Então, ela se afastou dele, o gosto de sua boca
ainda em seus lábios e sorriu.
— Você é uma leprosa ou uma mulher tola. Você se importa tanto com ele,
então?
— Mesmo que ela não seja, suas ações agora a mancharam também. —
Gregory a estudou. — Você queria que fosse assim. Por quê?
— Langlinais é sua, irmão. Não que isso vá lhe fazer bem. Mas somos
homens de Deus, Sebastian, nossa palavra é digna de confiança.
— Eu não sou nenhum Caim. Não tenho rancor por você, Sebastian. Na
verdade, só posso sentir pena do seu destino. Eu não entendo, no entanto, por que
você deseja negociar o Santo Graal por um domínio. Nem porque você se
importaria tanto quando está obviamente morrendo.
— Então, você pegou uma concubina como nosso pai. — Gregory estudou
Julianna, mas não fez mais comentários.
No portão, ele se virou, olhou mais uma vez para seu irmão. Parecia que ele
iria dizer mais alguma coisa, mas ele se virou e atravessou a ponte.
***
No fundo, Sebastian encontrou o que esperava. Cinco anos atrás, ele e Jerard
haviam investigado a abertura do vale. Ele havia sido bloqueado por grandes pedras
de construção, levando-o a acreditar que era por esse método que os cátaros
morreram de fome em sua fortaleza.
Ele enxugou o suor da testa com as costas da mão. O ar ali era fétido, a
umidade brilhava nas pedras à sua frente. Quanto tempo levaria para abrir
caminho pelo túnel? O tempo olhava para ele das sombras enquanto a tocha
piscava.
***
A descida ao fundo do vale poderia ter sido feita em melhor hora. Não eram
os prisioneiros que os atrapalhavam tanto quanto os cavalos. O cavalo de passo
alto de seu irmão era o mais recalcitrante de todos, e Gregory perguntou aos
prisioneiros quem entre eles era o responsável por cuidar do animal e foi levado ao
escudeiro. Ele soltou o homem para que pudesse levar Faeren para fora da
montanha.
Os homens que ele mantinha cativos eram todos de sua terra natal, uma
casa que ele não via há oito anos. Ele não sentia falta, mas não podia deixar de se
perguntar se esses homens o conheceram quando ele era menino. Ele havia
treinado com alguns deles, bebido com eles? Uma estranha ironia que talvez
estivesse mais perto deles do que as tropas que comandava.
Ele poderia matá-los agora, ou libertá-los para que voltassem para casa. Ele
escolheu o último curso. Uma coisa era arranjar uma emboscada por um terceiro,
O baú que embalava o cálice estava afixado em sua sela. Não estaria longe
dele até que chegassem a Courcy. Ele colocou a mão sobre o peito com reverência.
Não era apenas a fé que o impressionava, era a sensação de poder que sentia neste
momento. Por tal ato, ele poderia se tornar Mestre da Ordem. Eles haviam viajado
duas horas antes que ele erguesse a mão em sinal de parada. Ele voltou para onde
os prisioneiros estavam, ombros caídos. Ele olhou além deles, para a montanha que
abrigava Montvichet. Estava longe o suficiente. Ele mesmo cortou suas amarras.
— Vocês estão livre para ir. Avante, mas não de volta a Montvichet. — Seus
murmúrios reunidos pareciam concordar.
Pronto, esse comentário suscitou alguma resposta. Havia fúria nos olhos do
homem.
— Voltarei, Templário.
— Que tipo de homem é meu irmão, escudeiro, para exigir tal lealdade de
você? Dela? — Ele gesticulou em direção à montanha.
Nenhuma resposta, mas ele realmente não esperava uma. Gregory se virou
e foi embora.
— Um homem de honra.
Ele virou. O olhar do escudeiro era afiado, não mais dirigido ao cenário, mas
diretamente a ele. — Ele é um homem de grande honra, Templário. Você deveria
se considerar afortunado por ser seu irmão. — Por um longo momento, os dois
homens se encararam. Templário e escudeiro.
— Diga a ele, escudeiro, se você olhar para o rosto dele novamente, que eu
não estive em Montvichet. Que eu não sabia nada da traição que os destruiu. Mas
diga isso a ele também. Que, se eu estivesse lá, teria cumprido bem o meu dever.
Ela se retirou para o scriptorium, sua atenção atraída pela cesta de relíquias
abaixo da mesa. Ela deveria levá-los de volta ao seu esconderijo? Que estranho que
a cesta se parecesse com milhares de outras, igualmente inocentes e inócuas, mas
ela sabia agora que os Templários matariam por tais símbolos de fé. No entanto, se
fosse realmente fé, por que eles exigiriam tal prova?
Sebastian não disse nada a ela depois que ela o beijou. Apenas negociou por
sua vida dando tudo o que tinha. No entanto, quando os Templários partiram, nem
uma palavra trocaram, nem um olhar. Era como se ela não existisse mais.
Ela colocou as mãos, uma sobre a outra, na cintura para que não a traíssem
com tremores.
— Por qual motivo eu teria mantido sua propriedade, Sebastian? Para quem
eu a guardaria? Nossa criança?
— Não serei feliz sem você, Sebastian. — Ela inclinou o queixo para cima.
Se ele estivesse perto, ela pensou que poderia ter sentido o calor de sua raiva,
parecia queimar tão quente. Foi-se o homem compreensivo e com olhar piedoso,
e ficou o guerreiro com tristeza no olhar. Este era o anjo vingador, que segurava
uma flecha que relampejava em sua mão.
— Vou lhe ver livre deste lugar, Julianna. Eu a verei inteira e viva e cheia de
vida. Eu não vou vê-la morrer na frente dos meus olhos. Uma vez antes de você me
tocar, e nós somos apenas afortunados que nada aconteceu. Mas desta vez, você
foi longe demais, ousou demais. Apesar do que você deseja e do que você faz, eu
não vou deixar isso lhe tocar. Este é o meu voto.
Ela não falou, simplesmente foi até ele. Suas mãos, nuas e sem adornos,
alcançaram as dele. Não foi até que ela o tocou que ela percebeu que ele não usava
luvas.
***
— Sorte sua que meu senhor o tenha em afeição — disse ele, olhando para
o cavalo. Sua própria montaria, de temperamento mais calmo, olhou para cima
quase em diversão. Ele amarrou os dois muito perto, mas esperou pela traição dos
Templários e queria ser capaz de escapar rapidamente.
Ele havia retornado a Montvichet como Gregory havia provocado, mas não
tentou encontrar uma maneira de atravessar o desfiladeiro. Mesmo que pudesse
ter construído alguns meios, duvidava que Lady Julianna pudesse tê-los usado. Em
vez disso, ele veio para o túnel que ele e Sebastian tinham descoberto, e começou
a limpá-lo das rochas e pedras que o bloqueavam.
Ele não esperava ser libertado. Por que Gregory fez isso? A princípio, ele
pensou que era porque o Templário se arrependia de deixar seu irmão abandonado
no topo de Montvichet. Então, Jerard percebeu que era simplesmente melhor para
Gregory dispor de testemunhas de suas ações. Outra maneira seria matá-los. A
maneira mais fácil, no entanto, foi mandá-los para a Inglaterra. Cada um de seus
companheiros de armas deve ter feito exatamente isso. Eles haviam desaparecido
como a névoa da manhã. E eles não perderiam tempo em contar ao povo de
Langlinais o destino que seu senhor sofreu.
Ele não tinha ignorado a irritação de Sebastian durante toda a viagem. Tinha
mostrado de uma centena de maneiras diferentes. Outro homem poderia ter
pensado que era puramente ciúme, mas Jerard sabia que o desespero também
estava presente. Ele se inclinou para puxar outra pedra da abertura. As tropas de
De Rutger encheram bem o túnel deste lado. Só esperava que não estivesse
bloqueado até o topo.
Sebastian a evitou pelo resto do dia e por dois dias depois. Por três dias ele
conseguiu escapar de estar no mesmo quarto com ela. Ele trabalhava no túnel,
saindo tarde da noite e recomeçando ao amanhecer. Ela se perguntou se ele comia,
então encontrou evidências disso na sala reservada para preparar as refeições
cátaras. Se dormiu, foi em um dos quartos de dormir; ele nunca mais se juntou a
ela no pátio.
Uma ou duas vezes ela pensou ter ouvido o sussurro de vozes. Ela quase
podia acreditar que, se permanecesse perfeitamente imóvel, poderia escutar
conversas, sorrir ao som de risadas.
A maior parte de seu tempo, no entanto, era gasto no scriptorium. Ela havia
retirado as relíquias da cesta com as mãos trêmulas. Seu espanto e admiração eram
tais que ela mal podia suportar tocá-los. Mais de mil e duzentos anos se passaram
desde que esses objetos foram usados, mas ainda havia uma aura de santidade
sobre eles. Ela extraiu alguns pergaminhos para ocupá-la antes de devolver os
objetos preciosos ao seu lugar.
Sebastian tinha razão ao dizer que o primeiro tesouro dos cátaros era o
conhecimento. Havia uma coleção de bestiários, cada um descrevendo animais
estranhos que ela nunca tinha visto. Os contos foram acompanhados por uma série
de desenhos. Uma mostrava um animal enorme com um apêndice flácido na frente
dele como uma quinta perna. Outro, uma fera malhada com pescoço alongado e
A seus passos, ele se virou. Por um momento ele ficou tenso, e ela pensou
que ele poderia aproveitar qualquer desculpa para sair. Ela não iria implorar para
ele ficar. Não foi o orgulho que a fez hesitar, mas apenas a certeza de que pedir a
ele que cedesse apenas firmaria sua determinação de permanecer distante. Ele
estava determinado a libertá-la de Montvichet e de si mesmo.
Ela olhou para o L vermelho nas costas e no peito dele. Amado (Loved),
talvez. Seu senhor. Ela alisou os dedos contra a inicial, sentindo o calor do corpo
dele através do tecido macio. Era um tecido mais grosseiro do que o manto de
monge, mas muito mais macio. A mão dela pressionou as costas dele, e ele se
afastou.
Um longo momento depois, ela se moveu para ficar ao lado dele, aliviada
quando ele não se moveu ou se afastou ainda mais dela.
— Eu não sei.
— Você nunca pensou que poderia não ter sido uma decisão sábia a que
você tomou, Sebastian?
— Não — disse ele, virando-se para ela. — Quantas horas você imagina que
eu pensei sobre isso? Semanas, Julianna. Isso é muito tempo.
— Montvichet era o santuário deles. Para onde iriam? O Portão do Céu era
para aqueles que escolheram se juntar a eles. Mas eles nunca pensaram em sair. No
entanto, o túnel está bloqueado e deve ser limpo.
Ele assentiu.
O sol da tarde parecia mais baixo no céu. Desde que deixaram Langlinais, as
estações mudaram. O outono estava aqui. Em Langlinais, a colheita já estaria feita.
O que Grazide encontraria para ocupar seus dias? Como o castelo apareceria
quando a natureza se preparasse para o inverno?
Perguntas que podem parecer fúteis. Eles podem ficar presos aqui pelo resto
de suas vidas. Não, até uma pedra desmoronaria diante da vontade de Sebastian.
— Permitirão que se espalhe o boato de que eles detêm o Graal, não tenho
dúvidas. Pode até haver uma guerra de vontades entre a Igreja e a Ordem. Quem
sair vitorioso obterá mais poder.
Ele sorriu.
A princípio, ela pensou que era o fato de Sebastian ter descoberto as mãos.
Ele não o fazia tão facilmente, mesmo agora. Ele provavelmente havia descartado
as manoplas depois de sair do túnel. O calor e a umidade resultante deviam tornar
as luvas desconfortáveis para ele. Mas não era o fato de suas mãos estarem nuas,
ou mesmo que o sol da tarde iluminasse sua doença de forma tão cruel. Era porque
não havia lesões nas mãos de Sebastian. Elas não tinham apenas desvanecido ou
mudado de caráter. Os dedos que descansavam contra a pedra em ruínas estavam
bronzeados e livres de doenças. As feridas não foram meramente alteradas, elas se
foram.
Ele olhou para baixo, então permaneceu imóvel como se sua carne tivesse
se tornado rocha. Uma eternidade de momentos depois, ele colocou a mão
esquerda ao lado da direita, estendeu as duas mãos à sua frente. Elas estavam
trêmulas.
Ele não tinha nenhuma expressão, mas havia um raiar de algo que ela nunca
tinha visto em seus olhos.
Quando ele se moveu, foi para apertar as mãos na gola do manto de leproso,
abrindo-o centímetro por centímetro, rasgando a roupa com força deliberada. O
material se separou, preso ao seu corpo apenas nos ombros. Ele os rolou e caiu no
chão.
Ele passou as mãos sobre sua carne como se para testá-la. Ele estava peludo
como um dos animais improváveis do bestiário, mas não havia nenhuma mancha
em seu peito. Seus dedos flexionaram e correram do estômago para as coxas. Ele
se inclinou e tocou os próprios pés, cada dedo separado, então se levantou
novamente com a mesma rapidez.
Enquanto ela observava, ele caiu de joelhos sob o sol branco e brilhante da
tarde. Suas mãos estavam firmemente cerradas, descansando em suas coxas. Sua
cabeça não estava curvada, mas arqueada para trás, como se buscasse a face de
Deus no dia claro e sem nuvens. Só então ela percebeu que grandes
estremecimentos o sacudiam.
Ela se ajoelhou diante dele, sua túnica roçando seus joelhos nus.
Era como se mil velas aparecessem atrás de seus olhos, pareciam tão
brilhantes. Alegria… pura e radiante.
Ela estendeu os dedos que tremiam e tocou sua bochecha, a gota de suas
lágrimas em seu rosto. Ele não se encolheu nem se afastou. Seus dedos traçaram
da bochecha ao nariz, da têmpora à mandíbula, uma terna bênção de adoração. Ele
inclinou a cabeça, gentilmente segurou ambas as palmas das mãos dela contra seu
rosto como se para encorajá-la a conhecê-lo, a textura de sua pele, o calor de sua
carne. Como se ela lhe desse vida com sua carícia.
Ele havia sido desviado para quartos escuros e túnicas pretas, mas agora
ajoelhava-se nu e desavergonhado na frente dela na claridade e brancura do dia.
Um guerreiro, cujos dedos tremiam ao tocar seus lábios.
As mãos dele seguraram o rosto dela, os dedos dela tocaram o peito dele,
trêmulos como os dele.
— Julianna.
Ela fechou os olhos ao som de sua voz, sentiu o toque suave de seus lábios
na sua testa. Outra lágrima caiu em seu rosto.
— Eu estou.
Suas palavras eram tão suaves que flutuavam na confusão de sua mente
como penas. Ela olhou para o rosto dele. Tão amado, tão lindo. Agora igualado pela
perfeição de seu corpo de guerreiro.
— Ouvi suas preces uma vez — ela confessou. Seus dedos cravaram-se no
cabelo em suas têmporas, fazendo estragos em sua trança. — Eu não queria ouvir.
Eu nunca esqueci as palavras que você disse, ou quão triste sua voz soou.
— Sim — disse ele com ternura. —, pois nos foi concedido o mundo, sem
ao menos desejarmos um grão de areia.
Ele voltou para o lado dela, e estendeu-lhe a mão. Era a primeira vez que o
fazia. Ela colocou os dedos contra a palma dele. Ela se uniu a este homem quando
tinha cinco anos, passou incontáveis anos como sua noiva. Mas até este momento,
quando ele a ajudou a ficar de pé, ela nunca se sentiu verdadeiramente unida.
Nunca, casada.
— Parece que temos duas bênçãos neste dia — disse ele, olhando para ela.
***
Ela não lhe deu nenhuma explicação, foi para o centro do pátio, para o lugar
onde Sebastian se ajoelhara apenas uma hora antes. Se virou em um círculo lento,
seu rosto sem sorrisos. Ela quase podia ouvir suas vozes, sons de vida, agora
silenciados para sempre. Em sua mente, podia vê-los, assim como podia ver
Madalena, uma mulher de grande coração que era amada até agora.
Ela havia pensado tanto em ir para o exílio com Sebastian que se assustou
ao perceber que eles voltariam para Langlinais. Lá, eles fariam seus futuros, não se
escondendo no terror, mas vivendo abertamente. Duvidava que este lugar fosse
lembrado. Ou se acontecesse, o cerco de Montvichet não seria lembrado. Não
haveria ninguém para saber o que tinham passado, o que acontecera com aquelas
mulheres nos seis meses horríveis que enfrentaram De Rutger em oposição
obstinada.
— Eu nunca vou esquecer — disse ela baixinho, sua voz ecoando no silêncio
assombroso do pátio. Parecia que o silêncio sorria.
Ela virou-se, e Sebastian ficou ali, observando-a. Sua cota de malha brilhava
à luz do sol da tarde quando ele se aproximou dela. Ele estendeu as mãos e
envolveu as dela nas suas. Ele as trouxe aos lábios e beijou suavemente as pontas
dos dedos.
Ela ficou sem palavras diante do olhar dele. Havia amor nos olhos de
Sebastian.
***
Sebastian chamou mais uma vez, e desta vez, a resposta foi alta e forte.
— Um milagre, milorde.
— Guarde sua reverência para os santos, Jerard. Não sou, como você bem
sabe, nenhum santo. — Ele olhou em volta. — Onde estão o resto dos meus
homens?
— Muito bem, Jerard. Mas, você sempre foi um homem fiel. — Ele o estudou
por um momento. — Milady esposa me lembrou que este é um dever há muito
esquecido. Perdoe-me por isso, Jerard, e por negar a cerimônia que você merece.
Em vez de uma nova espada, que teria preparado assim que chegassem em
casa, Sebastian estendeu a sua.
— Abençoo esta espada, para que seja uma defesa para as igrejas, viúvas e
órfãos, e para todos os servos de Deus.
Ele olhou para Jerard. Era um momento estranho para se divertir, mas ele o
fez, fermentado como estava com carinho.
— Agora você diz: “Bendito seja o Senhor Deus que forma minhas mãos para
a batalha e meus dedos para a guerra.”
— Você serve como meu vassalo, Jerard, me dando sua lealdade e sua vida?
— Eu faço o mesmo juramento. Assim como você jura sua lealdade a mim,
a minha também é para você.
O cálice estava diante deles em uma pequena mesa. Um raio de sol iluminou
a habilidade do ourives que havia criado o relicário. Dentro repousava o copo de
madeira. O Marechal o tocou, seus dedos trêmulos enquanto descansavam sobre a
borda.
— Seu irmão? Ele renunciou a tal coisa tão facilmente? — Seu olhar pareceu
espetar Gregory.
Gregory não lhe disse que Sebastian estava disposto a entregar sua casa pela
segurança de uma mulher. E ela, por sua vez, tinha dado sua vida por ele. Um
sacrifício que ele não entendia.
Mesmo quando ele havia prometido sua vida aos Templários, respondido às
perguntas que lhe foram feitas, ele não acreditava tanto na causa deles quanto em
si mesmo. Você defende a fé, você é legítimo e de família cavalheiresca, você é
solteiro ou está em ordens sagradas? Você está livre de dívidas, de corpo sadio e
não usou coerção para ser admitido na Ordem? Ele respondeu com as respostas
corretas, foi levado a um juramento de obedecer aos Mestres do Templo e seus
superiores.
— Seu irmão, ele vai falar disso com alguém? — A mão de Phillipe
descansou na xícara como se ele conseguisse consolo simplesmente por tocá-la.
Gregory sentira o mesmo na viagem de volta a Courcy.
— O que importa, Marechal, se ele fizer isso? Temos o Graal. Não desejamos
que tal coisa seja conhecida?
— Não, Marechal. Sebastian manteve o segredo por cinco anos, ele não vai
falar sobre isso agora. Além disso, Langlinais é fortemente fortificada, e a atenção
que chamaríamos para nós mesmos com tal ação seria em nosso detrimento. —
Pronto, Sebastian, com tais palavras protegi sua viúva. Minha consciência está
apaziguada.
Gregory curvou-se. Ele não questionou seu destino. Fazer isso seria mostrar
curiosidade, e tais coisas eram consideradas faltas que interferiam na verdadeira
obediência. Não que o seu fosse um caráter de complacência. No entanto, era
melhor parecer assim, por causa de seus objetivos futuros.
D'Aubry sorriu e pôs a mão nas costas de Gregory. Um sinal certo de louvor.
Gregory não pôde deixar de se perguntar por que isso o irritava. Talvez porque
soubesse que tinha sido ele quem conseguira o Graal e, no entanto, os elogios por
tais feitos seriam compartilhados com o Marechal. D'Aubry patrocinou as ações
que empreendeu, mas permaneceu nas sombras, pronto para negar qualquer
conhecimento das atividades de Gregory caso algo desse errado.
Uma questão de tempo, isso era tudo. Ele garantiria que aqueles no poder
perceberiam quem realmente obteve o Graal.
***
Ele a queria para sempre, ao que parece. Agora, ele só sentia uma
necessidade tão grande que media os quilômetros até Langlinais em respirações
individuais.
Era o suficiente, mas apenas um pouco, para deitar-se ao lado dela à noite.
Às vezes ele a observava enquanto ela dormia. Uma vez, ele se debruçou sobre ela,
sua boca a apenas uma respiração da dela. A atração dela tinha sido suficiente para
mantê-lo acordado a maior parte da noite.
Ela se inclinou contra ele agora, baixou a cabeça e roçou um beijo contra
sua têmpora. Sua respiração engatou. Assim, também, a batida de seu coração.
Julianna. Um sopro de um pensamento, um eco de sua necessidade.
Ela deu um tapinha nele, um gesto que ela havia começado nos últimos dias,
um pequeno tapinha suave no braço ou no joelho, como se para se assegurar de
que tinha permissão de fazê-lo.
***
Ela o pegava olhando para ela algumas vezes, o olhar em seus olhos ao
mesmo tempo feroz e calorosamente terno. Mas ele nunca a beijou, e seus toques
gentis não eram mais intrusivos do que um soprar de uma brisa. Eles seduziam;
eles não assustavam.
Havia poucos momentos em que ela ficava livre de pensamentos sobre ele.
Em seu sono, ela ficava na ponta dos pés e puxava a cabeça dele para um beijo,
sentindo o calor de seus lábios, lembrando o sabor de seu único beijo. De alguma
forma, nesse estado de sonho, ela não era inexperiente e ignorante, mas saciada e
segura, uma mulher, uma libertina. Não uma garota. Ela colocava as mãos grandes
sobre seus seios e suspirava com a sensação, virava-se em seu abraço quando ele
traçava os contornos de seus quadris e barriga. Ela tinha sido arrebatada pelo
pensamento de expor seu corpo ao toque dele, e se lembrava, muitas vezes, da noite
em que ela se sentou nua na frente dele.
Ela conhecia o homem que vivia nas sombras, que sussurrava palavras
desesperadas em oração. Ela tinha entendido o senhor que tinha sido o juiz e
supervisor de seu domínio, o estudante, o homem possuidor de sutil charme e
inteligência. Ela respeitava o homem poderoso, tinha sido o destinatário de sua
vontade. Ela sentia pena e compaixão, medo e amor por ele ter que vestir-se de
preto como um monge, temor e respeito pelo guerreiro.
Ele desmontou primeiro, depois estendeu os braços para ela. Sem hesitar,
ela caiu em seu abraço.
Enquanto ela estava na frente dele, sua mão se estendeu por vontade própria
e tocou-lhe o peito. Ela não usava as bandagens desde Montvichet, e seus dedos,
dez lugares separados que mediam a sensação, subiam do centro da túnica até os
ombros.
Levaria ambas as mãos para medir a largura de seu braço. Sua cota de malha
estava quente contra seus dedos. Ela desejou poder novamente colocar a palma da
mão sobre o emaranhado de cabelos encaracolados em seu peito.
Em vez disso, Sebastian deu um passo para trás, sua respiração tão acelerada
quanto a dela.
Antes que ela pudesse questioná-lo, ele se foi, caminhando para onde Jerard
estava colocando sua refeição.
Julianna seguiu o riacho até ele se curvar sob algumas pedras grandes e
desaparecer. Ela levantou as saias, cruzou cuidadosamente as pedras cobertas de
musgo. Ali se sentou e esperou. Inspecionou as mãos à luz do sol. Ela sempre teria
cicatrizes, mas conseguiu recuperar algum uso de sua mão direita. Um dia, talvez
em breve voltaria a pegar uma pena novamente.
Ela olhou para cima, despreocupada. — Eu sabia que você iria me encontrar.
— Por coelhos e esquilos? — Ela sorriu para ele, mas o próprio sorriso dele
não se libertou. Em vez disso, ele ficou em silêncio do outro lado do riacho. Um
cavaleiro poderoso com um rosto de pedra.
Ela não podia invocar tal emoção, não quando estava farta de outro
sentimento mais poderoso. Amor. Parecia surgir através dela ao vê-lo.
Ainda assim, ele não se moveu. Por favor, Sebastian, não me rejeite. Levou
toda a sua coragem para atraí-lo desta forma, e ainda mais para fazer o que ela
planejava a seguir.
Ela se inclinou e tirou os sapatos, parou diante dele como nunca antes,
vestida com nada mais substancial do que sua túnica fina. Não, uma vez antes ela
se sentou nua enquanto ele assistia. Uma vez antes, ela tremeu sob seu olhar.
Ele se levantou e olhou para ela, estudando-a na luz do sol que fluía sobre
ela. De repente, ele pulou sobre os degraus cobertos de musgo, em direção a ela
sobre o riacho. Suas mãos circularam-lhe a cintura e ela ficou suspensa acima dele,
sua risada ecoando por toda clareira encantada. Ela apoiou as mãos em seus
ombros e olhou para o rosto amado.
— Para onde foi minha tímida Julianna? — ele perguntou, seus lábios
curvados em um sorriso, o brilho de seus olhos insinuando outras emoções além
do humor.
— Ela se foi para sempre — ela confessou, combinando o sorriso dele com
o dela. — Você vai sentir falta dela?
Ele colocou a testa entre os seios dela. Ela podia sentir o calor de sua
respiração em sua pele, a abrasão do bigode em suas bochechas. Um beijo suave
no declive de seu seio provocou um gemido entre seus lábios. Ele ainda a mantinha
suspensa. Desamparada e impotente, não era o que ela queria ser.
Ela sentiu uma onda de calor tão puro que rivalizava com o fogo.
Ele enfiou os dedos em seu cabelo, suas mãos grandes e largas segurando
firme a cabeça dela. Seu beijo era tudo que ele havia prometido e muito mais,
talentoso, atraente e intrusivo. A língua dele empurrou em sua boca, sedutora e
proibida. Ele a treinou para recebê-lo, aprofundou o beijo até que ela viu estrelas
atrás de suas pálpebras. Ela pensou que podia estar choramingando, mas isso
também pode ter sido apenas mais uma sensação no turbilhão do momento.
Ele se afastou, tempo suficiente para puxar a túnica sobre a cabeça. Ela
choveu beijos sobre seu peito coberto pela cota de malha, ficou na ponta dos pés
para beijar-lhe o pescoço, estendeu a mão e puxou sua cabeça para baixo
ferozmente quando ele demorou muito.
Ele tirou a camisa de sua cota de malha, depois as calças, jogou as roupas
pesadas para o outro lado do riacho. O resto de sua roupa foi removido com a
mesma rapidez, e ele parou diante dela, nu.
Seu corpo musculoso estava tenso, sua pele lustrosa. Um homem em seu
auge. Em seus braços haviam músculos desenvolvidos por empunhar uma espada,
suas coxas tão poderosas por horas de cavalgada. Seu corpo tinha sido afiado como
uma arma de batalha, suas cicatrizes atestavam a habilidade de seus oponentes.
Uma marca fina corria de suas costas para subir e terminar sob seu braço. Outra
cortava do joelho à coxa.
Ela estava errada; ele não era como a estátua que os aldeões haviam
encontrado. Havia uma parte dele que era muito, muito maior. Ela deixou escapar
uma respiração, uma exalação suave de admiração. Estendeu a mão e o tocou. E
soltou um suave gemido. Ele enrolou os dedos em torno de sua mão, colocando-a
de volta em sua carne novamente. A cor marcava suas maçãs do rosto salientes, e
sua respiração era quase tão rápida quanto a dela. Ela observou rosto enquanto sua
mão deslizava sobre ele, seus olhares travados e fundidos pelo fogo.
Suas mãos se estenderam e o puxaram ainda mais para perto. Mais. Ela
queria mais. Como se ele a tivesse ouvido, ele segurou seu traseiro e a levantou
para ele, a boca ainda presa em seu seio.
Sua pele estava quente, cada parte dele tão aquecida que ela pensou que
poderia se queimar ao tocá-lo. Mas ela estava irracional, indiferente. Ela segurou
em seus ombros com unhas afiadas pela necessidade. Ela ficou na ponta dos pés,
empurrando-se para mais perto dele, a masculinidade moendo no entalhe de suas
coxas.
Ele a pegou e a carregou para onde o musgo era mais espesso, deitou-a no
chão aquecido pelo sol. Seu olhar nunca o deixou. Seu guerreiro. Ele estava
iluminado pelo sol, e parecia eclipsá-lo. Ela estendeu a mão para puxá-lo para ela
com mãos gananciosas.
Ele a preparou para seu toque semanas atrás, falando palavras que fizeram
seu sangue disparar. Ele invadiu sua mente com desejo, preparando-a para este
momento. Mas nada, nem palavras, nem ações, poderia tê-la avisado disso, desse
desespero voraz que se tornou tudo o que ela era e tudo o que ela seria.
Suas unhas arranharam a pele dele. Ela queria absorvê-lo, agarrá-lo sob suas
unhas, inalar sua respiração. Tornar-se ele, se necessário. Ela estava frenética por
esse sentimento, à deriva. O bulbo de seus ombros, o ângulo do cotovelo, seus
pulsos grossos e mãos poderosas, seu peito largo, eram todos alvos para o toque
dela. Ela choveu beijos sobre ele, mordiscando seu pescoço forte, seu ombro.
Ele abriu-lhe as pernas e se ajoelhou entre elas. Ela olhou para cima e
encontrou seu olhar. Seu olhar era afiado, o azul de seus olhos queimando como o
núcleo de uma chama.
Então ela estava sendo invadida por ele, esticada exatamente como ele havia
avisado uma vez. Moldado para se familiarizar com ele. Ela queria gritar. Não era
suficiente. A cabeça larga de seu falo estava dentro dela, mas não o suficiente. Ela
queria mais.
Ele a beijou, um beijo arrebatador que a inflamou ainda mais. Ela estava
pegando fogo, e ele estava sendo muito cuidadoso.
Ela arqueou para cima, de repente empalando-se nele. Ela gemeu com a
sensação que o movimento provocou, pela pressão dolorosa e muito mais. Isso só
intensificou a dor que ela sentia, não fazia nada para aliviá-la.
Então ele entrou totalmente nela, e ela gritou. Só por um momento, a dor
foi mais do que ela podia suportar. Ele murmurou palavras destinadas a confortar,
mas não era calmante o que ela queria. Apenas algo que permanecia mal
escondido. Algo próximo e quase alcançado.
Ele se abaixou e puxou mais as pernas dela, afundou nela ainda mais. Ela
apertou os lábios no gemido que teria feito. Ele a separou ainda mais, estendeu a
mão para roçar os dedos sobre a junção de suas coxas, até que tocou um lugar tão
sensível e inchado que ela quase gritou novamente. Não de dor, mas de prazer.
Acabe com isso. Era uma súplica e uma necessidade. Ela não podia viver sem ele e
não sabia quanto mais poderia suportar. Ele usou seus dedos para afastar as dobras
de sua carne, expor aquele ponto a seus golpes. Desta vez, quando ele surgiu dentro
dela, ela o sentiu lá também, cada carícia forçando-a a avançar para a loucura.
Ela se machucou com isso. Machucada de dor e desejo. Ela estava chorando,
e suas unhas estavam rasgando-o. Sua respiração veio ofegante, mas o tormento
continuou, a dor enterrada no centro de seu corpo. Ela sentiu como se estivesse
sendo saqueada. Sitiada.
Sua voz era áspera, suas palavras muito difíceis de entender. Suas mãos se
agitaram em seus ombros, houve um som como um suspiro ou um gemido que
veio de seus lábios. Outro grito, exigindo desta vez.
Seus quadris arquearam para cima, seus pés plantaram-se no chão e lhe
deram força. Os braços dela envolveram o pescoço dele, todos os outros
pensamentos esquecidos, exceto esse acasalamento, esse ato, essa fome. Ela
pressionou-se contra ele, convidando sua invasão, incitando-a. E então aconteceu.
Seu beijo tanto a incitou quanto a confortou, a ligou a ele e a deixou voar.
Então, justo quando ela pensou que não aguentaria mais, Sebastian empurrou
contra ela uma última vez, seu corpo tremendo, um gemido baixo e áspero
acompanhando sua liberação.
***
— Eu machuquei você.
Ela estava deitada em cima dele, sua bochecha pressionada contra o peito
dele. Ela levantou a cabeça para olhar para ele. Seu rosto estava corado, mas seus
olhos encontraram os dele com firmeza.
— Talvez seja bom nosso acasalamento ter atrasado — disse ele, enfiando
os dedos no cabelo da têmpora dela. — Eu não teria resistido às suas lisonjas se nos
conhecêssemos antes.
Ela deslizou para cima em seu peito, colocou a testa contra seu pescoço.
Suspirou contra sua pele. Seus lábios se curvaram em um sorriso.
Divertia-o muito que a mulher que quase o matara com sua paixão agora se
refugiasse atrás do silêncio.
Ela levantou a cabeça e franziu a testa para ele. Havia um olhar feroz em
seus olhos que ele tinha visto apenas raramente. Seu sorriso veio à tona.
Ele apenas esfregou o local e continuou a sorrir para ela. Ela balançou a
cabeça e afundou contra o peito dele, ainda em silêncio.
— Julianna — disse ele com ternura. Ela se mexeu e teria inclinado a cabeça
para cima novamente, mas a mão dele foi para a parte de trás de sua cabeça como
se para mantê-la presa contra ele.
Era estranho regressar a Langlinais desta forma. Não de luto ou tristeza pelo
destino de seu senhor, mas com Sebastian curado e seu próprio futuro brilhante.
Embora fosse verdade que seu sorriso diminuía de tempos em tempos, no geral, o
Senhor de Langlinais era um homem mudado. Não era simplesmente a ausência
de sua doença que o tornara assim, suspeitava Jerard. Era Lady Julianna.
Jerard viveu em torno da luxúria toda a sua vida. Quando criança, ele dormia
em um quarto com outras vinte pessoas. Suas noites muitas vezes foram
interrompidas pela passagem de um homem para sua esposa, uma mulher para seu
companheiro. O ato não era feito em segredo. Seu próprio pai tinha feito de sua
mãe uma prostituta por luxúria. Foi apenas em Langlinais que ele conseguiu
alguma privacidade para desfrutar de seu próprio esporte.
Ele havia gostado dos esportes carnais com várias mulheres ao longo de sua
vida, algumas delas moravam em Langlinais. Ele não era tão formidável quanto seu
senhor, igualava-o em altura, mas não era tão largo no peito ou nos braços. Seus
olhos, no entanto, pareciam ser uma fonte de admiração para as mulheres que
conhecia, já que eram de um tom estranho comparado ao ouro. Ele gostava de
mulheres, gostava de como elas se moviam, cheiravam, e talvez tenha sido essa
apreciação que chamou sua atenção.
A risada suave do senhor de Langlinais e sua esposa o fez lembrar de que ele
havia sido celibatário nesta jornada, um feito nada difícil se um homem estava
preocupado com a própria sobrevivência. Ainda assim, as risadas, as palavras
provocantes e os beijos secretos o lembraram do que o esperava em casa. Ele
testemunhou a forma como Sebastian tinha observado Lady Julianna quando ela
não estava olhando, um olhar feroz e protetor não mascarando seu desespero.
Podia ser luxúria que fluía entre eles agora, mas tinha se originado de uma fonte
de amor.
***
— Fique aqui com minha esposa — disse ele, virando-se para Jerard.
Ele caminhou até a portão. O velho Simon estava ali, seus olhos remelentos
abertos e fixos, como se ele visse um fantasma. O velho já foi corpulento, mas os
anos haviam tirado-lhe a carne e deixado sua pele flácida como uma lembrança de
sua circunferência. Agora seu rosto tremia quando ele se movia, seus olhos escuros
em uma moldura de aparente tristeza. Mas nada poderia estar mais longe da
verdade. O velho Simon desfrutava da alegria noturna em Langlinais e, mais
especialmente, do vinho de Langlinais.
Sebastian sempre gostou do velho, apesar do fato de que muitas vezes ele
falhava em seu posto no portão. Sempre havia guardas nas colinas que levavam ao
vale de Langlinais. Por essa razão, Sebastian permitiu que ele mantivesse seu posto,
apesar de muitas vezes passar as horas do dia dormindo.
— Nenhum estranho?
Ele voltou para onde Julianna e Jerard estavam. Ele tirou primeiro sua
espada , entregou a Jerard que a pegou sem questionar. Em seguida, ele tirou a
túnica, depois a cota de malha, a longa camisa de cota de malha até a coxa. Ele
usava um gambeson13 fino por baixo, e isso também ele removeu.
— Sebastian?
Julianna estava olhando para ele com a mesma expressão no rosto que o
Velho Simon tinha.
— E você está se despindo da camisa, Sebastian, para provar que não tem
aflição?
13O gambeson é um tipo de vestimenta acolchoada utilizada pelos soldados durante a Idade Média como uma
forma de proteção em batalha. Podia ser vestido independentemente, como uma armadura, ou junto de outra
forma de proteção (malha, couraça, etc.).
Ele riu, encantado. De todas as vezes para expressar ciúmes, esta foi talvez
a mais estranha.
— Acham que sou leproso, Julianna. Duvido que suas mentes estejam cheias
de outras ideias.
— Mas você teria se tornado uma por minha causa, senhora esposa. Sou eu
quem deve banir qualquer conversa.
Foi sem dúvida uma estranha procissão que fizeram dentro dos portões de
Langlinais. Ele com o peito descoberto para provar ao seu povo que não trazia
perigo ou doença para sua casa, Jerard recém-criado cavaleiro e orgulhoso. E
Julianna suas bochechas uma papoula brilhante, seu olhar fixo nas mulheres que
passavam como se as queimasse com seu olhar.
Ele ainda não havia decidido se deveria destruí-lo, enterrá-lo para que não
visse a luz do dia por toda a eternidade ou fizesse sua presença conhecida. Tudo o
que ele sabia era que poderia ser um mito, mas se não fosse, talvez fosse o
documento mais perigoso da história do mundo.
O convento das Irmãs de Caridade era um lugar lúgubre, pensou Jerard. Mas
a sua pedra cinzenta era animada pelo verde da relva que a rodeava, mesmo a esta
altura do ano. A primeira vez que ele veio aqui, ele tinha visto jardins exuberantes
dentro dos altos portões de ferro. Ele tinha sido enviado ao convento para buscar
algo que acalmasse as mãos de Julianna e foi presenteado com a irmã Agnes. Ela
tinha sido uma companheira de viagem incomum. Apesar da pressa da viagem, a
freira comentara sobre cada planta, arbusto e árvore, e suas propriedades
medicinais, entre o convento e Langlinais.
Ele estava agora no portão, esperando a abadessa. Ele notou os jardins, não
tão abundantes em flores como antes, mas bem cuidados como se esperassem o
inverno com paciência.
— As mãos dela?
— Ela costumava ser uma garota teimosa — disse ela, sorrindo. — Diga-me,
ela está feliz em Langlinais?
Havia uma abertura quadrada na grade do portão. Por ali, ele passou o baú
a abadessa.
Ela assentiu, franzindo a testa, sua atenção não nele, mas no baú.
Ele caminhou até a árvore e sentou-se embaixo dela, levantando uma perna.
A terra era esculpida em colinas e vales rasos, mas ele quase podia ver Langlinais.
***
Gertrud colocou a arca sobre uma mesa na pequena câmara que usava. Ela
era uma pessoa curiosa, essa era uma emoção que ela experimentava todos os dias
em sua vida. Havia muito sobre o mundo para não sentir algum interesse por ele,
mesmo que fosse apenas por entender porque que as abelhas eram mais atraídas
por um certo tipo de flor do que por outro. Ela sentia o mesmo neste momento ao
levantar a tampa do baú de madeira simples e extrair a carta. Ela deixou a parte
superior da arca aberta, preocupada agora mais com a correspondência do Senhor
de Langlinais do que com o conteúdo da arca. Ela examinou sua carta rapidamente.
Depois de algumas frases expressando sua esperança de que ela estivesse bem e
que o convento prosperasse, ele continuou. Sua próxima frase a fez sorrir, e ela
prometeu ajudá-lo da maneira que pudesse. No entanto, sua diversão não era uma
preparação para o corpo da carta.
“Eu obtive os itens no baú e, embora haja alguma dúvida sobre sua
validade, acredito que sejam genuínos. Mantê-los em Langlinais e
escondê-los do mundo seria um ato de orgulho. Julianna falou de
você muitas vezes e com carinho, e eu mesmo testemunhei sua
generosidade de espírito ao enviar a Irmã Agnes em nosso auxílio.
Acredito, portanto, que não poderia haver melhor árbitro quanto ao
destino desses objetos sagrados. Existe aqueles que usariam, o que
você tem agora, para obter poder em vez de reforçar a fé. Por isso,
peço que retire Langlinais de qualquer correspondência sobre esses
assuntos e que não fale de como obteve o sudário ou esses pedaços
da verdadeira cruz.”
Gertrud colocou a carta de lado e enfiou a mão na arca com as mãos
trêmulas. Ela ficou ali olhando para o pano sob seus dedos por longos momentos.
Tempo em que ela não conseguia pensar, estava enterrada sob reverência e medo.
De fato, o Senhor de Langlinais estava certo. Sob suas mãos estava o maior
tipo de poder, desejado pelos reis e cobiçado pelos bispos. No entanto, havia
também o potencial para o bem nesse baú, o fortalecimento da crença, o
enaltecimento da fé. O convento das Irmãs de Caridade parecia um lugar pequeno
Ela fechou o baú com reverência, depois o levou para a capela. Ficaria ali até
que ela tivesse tempo de pensar nesses assuntos. Talvez ela recebesse alguma
orientação divina sobre para onde as relíquias deveriam ser enviadas. Ou talvez
devessem ficar aqui, num pequeno convento de mulheres dedicadas às boas obras
e ao dever alegre. Só o tempo diria.
***
Uma hora depois, uma jovem vestida com roupas de noviça trouxe a Jerard
um grande cofre. Ela também estendeu um pequeno pacote embrulhado.
***
Não era todo dia que o grande Marechal visitava seu mosteiro, muito menos
carregando uma relíquia sagrada. Momentos foram gastos admirando o Graal, e
agora repousava sobre a mesa na câmara destinada ao uso do Marechal. O sol
atingiu o relicário e o fez brilhar em ouro e vermelho. Mas o sol também iluminou
a pequena taça de madeira tão ternamente colocada dentro da taça de ouro. Ele se
perguntou se alguns de seus companheiros monges estavam prestes a cair de
joelhos em adoração ao vê-lo.
Ainda assim, ele sabia que era uma farsa. Quando ele a viu pela primeira vez
na luz, ele soube o que Sebastian tinha feito. O relicário talvez fosse valioso, mas
agora ele duvidava até mesmo de sua idade ou autenticidade.
Seu irmão havia enganado os Cavaleiros Templários. Ele tinha feito chacota
de homens que faziam os reis tremerem. A temeridade de tal ação o atordoou e
surpreendeu.
Por que Sebastian fez isso? A resposta era tão simples quanto o ato
audacioso. Para proteger Langlinais. Ele tinha dado a seu irmão a oportunidade
perfeita, tinha jogado em suas mãos. Ao sugerir que Sebastian poderia querer
trocar o que havia encontrado em Montvichet pela segurança de sua casa, ele quase
encorajou Sebastian a fazer tal coisa. Nesse momento, uma nuvem obscureceu o
sol, e o brilho avermelhado tornou-se difuso como se o próprio céu tivesse ouvido
seu pensamento.
Era uma ironia do tipo mais puro. Seu avanço viria, não por seus próprios
méritos ou bravura, mas por causa do engano de Sebastian. Ele passou a maior
parte de sua vida adulta tentando subir na hierarquia dos Templários. E agora ele
estaria se misturando com os mais altos cargos do poder por causa de algo que não
era real.
Talvez não fosse sábio questionar um milagre. Mas ele se viu fazendo isso.
Ele passou o último ano se preparando para a própria morte, nas últimas semanas
havia chegado a um acordo com seu exílio. As pessoas teriam fugido ao vê-lo, ao
som de seu badalo. Portas teriam se fechado, criancinhas seriam empurradas de
seu caminho. No entanto, em um momento, seu futuro havia mudado. Um milagre.
No entanto, ele não podia deixar de estudar suas mãos, esfregar a pele de seu peito,
se perguntar por que ele tinha sido tão abençoado.
Ele não era um modelo de fidalguia. Ele sabia disso muito bem. Ele
desprezava o que havia acontecido com os cátaros, enquanto um verdadeiro
cavaleiro teria defendido os atos da Igreja mesmo em pensamento. Ele ofereceu um
cálice falso aos Templários sabendo que seria reverenciado como uma relíquia. Ele
estava disposto a negociar o que sabia para salvar aqueles que amava e Langlinais.
E ele trouxe o perigo para casa com ele na forma de uma cesta de palha. Ele não
era um cavaleiro verdadeiro e nobre.
Foi porque ele tocou nas relíquias? Elas tinham poder além de sua existência
como prova de sua fé? Ou era o fato de que ele não usava o manto de lã, mas sua
armadura? Havia apenas uma maneira de testar isso, mas ele não podia suportar a
ideia de usar o traje do monge novamente. Ou teria sido o unguento que a Irmã
Agnes dera a Julianna? Ele tinha sido fiel em usar a preparação. Poderia possuir
algumas propriedades não conhecidas anteriormente? Ou, talvez o mais difícil de
suportar, e se aquele médico que o viu pela primeira vez e o rotulou de leproso não
fosse verdadeiramente versado em conhecimento? E se ele simplesmente estivesse
enganado?
Nesse momento, Julianna se virou e sorriu para ele. Suas jovens aprendizes
se derreteram com a aparência dele. Eram tímidas, e ele estava mais acostumado a
induzir medo do que agrado. Além disso, ele não tinha paciência para essas coisas
que o separavam de sua esposa.
Ela sorriu.
— É água, Sebastian.
— Eu vou?
— Bem, depois que o couro for cozido nele. Também cheira bem. — Ela
sorriu brilhantemente para ele.
Seu cabelo estava torto, mechas úmidas grudadas em suas têmporas. Seus
olhos estavam brilhantes de entusiasmo, suas bochechas coradas. Ele nem tentou
esconder seu encantamento.
— Por que devo manter meus olhos fechados? — ela perguntou enquanto
ele a conduzia para o quarto que um dia foi dela. Ele não respondeu, simplesmente
a empurrou para o centro da sala.
— Eu sei que você está praticando — ele disse gentilmente. — para um dia
em que poderá escrever novamente. E quando você fizer isso, precisará de um
ambiente melhor.
Ele se recostou na parede, cruzou os braços, tão fascinado quanto ela. Não
pelos presentes, mas pela reação dela.
A caixa era esmaltada, seus cantos arredondados. Ela removeu o topo com
cautela. Uma fina folha de pergaminho estava no topo. Um suspiro de admiração
escapou-lhe.
Ela olhou para ele, em seu rosto o olhar que ele desejava poder manter para
sempre. Assombro e alegria, ambos contidos em seus olhos e sua expressão de
admiração.
— Como você soube, Sebastian? Como você ficou sabendo que eu sempre
quis trabalhar com ouro?
— Então você vai aprender — disse ele, seu sorriso vindo de dentro. Ela
parecia tão séria, tão sincera. O que importava se ela desperdiçasse algumas folhas
de ouro? Ele teria dado sua vida por ela.
— Você não viu o restante — disse ele, as palavras tendo que viajar ao redor
da pedra em sua garganta para serem pronunciadas.
Ela olhou dentro da bandeja. Havia cinco bolsas de couro com cordão, cada
uma delas contendo um pó diferente.
— Orquídea?
— Permita-me o prazer, então — disse ele, virando o rosto dela contra seu
peito.
O dia estava claro, o tempo bom, a colheita havia chegado e não havia
Templários no horizonte. Ele havia agradado sua esposa.
15 Orpimento é um mineral amarelo e o brilho dourado, povos antigos o utilizavam como pigmento de tintas.
16Códice é composto de folhas dobradas costuradas ao longo de uma aresta. É originário do século I e é considerado o precursor
do livro. Distingue-se de outros veículos de escrita, como o Rolo e a tábua de argila.
— Então deduzo que meu marido está praticando com seus escudeiros?
— Não, é um dia muito úmido e cru para isso. Não faço ideia de onde ele
está, milady. Na verdade, eu pensei que ele estava com você. Sem dúvida ele está
com os pedreiros ou mexendo naquela porta especial. — Não era segredo em
Langlinais que Sebastian havia explicado sobre a porta secreta dos cátaros para
seus pedreiros em um esforço para duplicá-la.
— Mas para o caso de estar aqui escondida, milady, trouxe-lhe algo para
comer. Um pouco de pão e queijo e uma boa cerveja Langlinais. Isso vai forrar seu
útero e torná-lo fértil.
— Você fica sentada nesta câmara por muitas horas. Você precisa de algo
diferente de sua leitura.
— Por que eu acho que você não está sendo totalmente sincero, Sebastian?
Suspeito que deseje uma revanche da partida de xadrez que jogamos ontem.
Sua carranca atual imitava a que ele tinha usado o dia todo ontem.
— Sou um homem melhor que isso, Julianna. Além disso, foi apenas uma
vez.
— De fato?
Ele circulou a mesa, puxou-a do banco. Ela caiu em seus braços. Ele se
inclinou e, em um movimento que a assustou, soltou seu cinto, então agarrou a
bainha de sua roupa e puxou a túnica sobre sua cabeça.
Ela se engasgou.
— Sebastian, Grazide… — Isso foi o que ela conseguiu antes que os lábios
dele se fechassem sobre os dela.
Ele deu um passo para trás e se atrapalhou com as penas dela, selecionando
uma que tinha sido recentemente afiada. Seus dedos beliscaram uma dobra do
linho de sua túnica; a pena perfurou o material facilmente. Ele inseriu um dedo e
lentamente puxou o tecido até que havia um espaço de mais de um palmo. Seus
olhos se arregalaram quando os dedos dele tocaram sua pele. Um suspiro escapou
dela quando uma palma quente cobriu um seio aquecido.
— Você não pode me culpar, Julianna. Tenho uma mulher que me escraviza
como Circe17.
Sua cabeça caiu para trás enquanto os dedos dele acariciavam sua carne.
Com as duas mãos ele rasgou o material de sua túnica até a bainha. Outro
puxão rápido e rasgou. A túnica estava pendurada em seus ombros, e ele estendeu
a mão pelas dobras, as palmas das mãos varrendo sua pele.
— Você sabia que eu costumava sonhar com você? — ele perguntou, sua
atenção voltada para o rubor que envolvia seus seios. Um dedo brincava com um
mamilo, como se o encorajasse a alongar.
Ele sorriu.
Ela balançou a cabeça, fechou os olhos quando seu dedo com ponta de ouro
roçou suavemente entre seus seios, cobrindo sua pele.
— Você nunca foi tímida em meus braços, Julianna. É seu desejo ser assim
agora?
17Circe deusa feiticeira na mitologia grega, tinha uma natureza dualista: era deusa da Lua Nova, do amor físico, dos encantamentos
e sonhos que revelavam o futuro, mas também das vinganças, maldições e da magia negra.
— Ah, mas essa é minha Julianna nua. Desprovida de roupas ela é uma
sereia. Vestida, ela é tímida e quieta. — Ele se inclinou para capturar a boca dela
com a sua. Um beijo quente e carnal, atraindo-a para a febre. Como acontecia cada
vez que ele a tocava.
Ele estendeu as mãos para os ombros dela. Seu polegar com ponta de ouro
roçou seu pescoço, deixando um rastro brilhante.
— Então faça comigo o que quiser, Julianna. Enquanto isso, vou satisfazer
um sonho que tive.
— Você encheu minhas noites desde que veio para Langlinais. — Seus dedos
se curvaram ao redor do seio dela. Ele inclinou a cabeça e beijou o ombro onde
estava a outra mão, então arrastou os lábios pelo seio.
Um tremor pareceu deslizar sobre sua pele ao toque dele. Sua respiração
acelerou.
Ele a beijou novamente, roçando sua boca com suaves carícias. Pequenas
manchas de ouro brilhavam em sua boca e ela estendeu a mão e traçou sua língua
sobre aqueles lábios, limpando-os.
18 Ovídio foi um mitólogo, escritor e poeta romano. É considerado, por muitos estudiosos, um dos maiores poetas do final do século
I a.C. e início do século I d.C. Sua principal obra é A Arte de Amar. Muitas de suas obras são excelentes fontes para o estudo e
entendimento da mitologia romana.
— A visão em meus sonhos é uma pobre réplica sua, Julianna — disse ele,
com a voz áspera.
Ela se ajoelhou diante dele no chão, recolhendo sua túnica arruinada para
servir de colchão. Foi ela quem pegou a mão dele e o incitou a se aproximar dela,
com o decoro e a timidez esquecidos. Ele a beijou, abrindo caminho para um
vórtice de escuridão e desejo. Ele tirou a túnica e ela o beijou novamente. Cada
peça sucessiva de roupa que ele removia era marcada e recompensada por um beijo
acalorado. Ele a deitou, em seguida, enfiou os dedos com pontas de ouro em seu
cabelo, segurando-a imóvel enquanto saqueava sua boca.
Um suspiro suave e indefeso escapou dela. Ela fechou os olhos enquanto ele
a pintava com uma respiração e o toque requintadamente delicado da ponta do
dedo. Ela abriu as pernas, acolhendo-o e sem uma palavra ele continuou a acariciá-
la suavemente. Seus dedos eram gentis, porém exigentes. Ela abriu os olhos e o
encontrou sorrindo para ela.
— Sim.
— Por favor, Sebastian. — Sua respiração estava vindo muito rápida, havia
aquela sensação de fogo em sua corrente sanguínea, um peso entre suas coxas, uma
antecipação muito intensa para ser suportada por muito tempo.
— Agora?
— Sim. — ele suspirou suavemente, mas não a penetrou. Em vez disso, sua
boca desceu para conceder o mais íntimo dos beijos. Um golpe de língua intrusiva
a jogou no vazio branco. Ela o chamou ele se levantou e a abraçou com força, estava
ali quando terminou e ela ficou inteira novamente.
Ela estremeceu, mas não de medo. Os soluços dela o desarmaram; seu voo
sem esforço para o êxtase o envolveu em orgulho. Ela se desfez em seus braços, e
isso o encantou.
Ele havia casado com ela quando ainda era um menino. Não a conheceu até
poucos meses atrás, mas nesse tempo ela mudou sua vida, tornou-a mais brilhante.
Lhe trouxe alegria, aceitação e curiosidade. Ele teria a amado, ou foi necessário o
conhecimento de sua própria mortalidade para transformá-lo do jovem que tinha
sido em um homem digno de Julianna? Ele teria visto além de sua beleza para a
alma dela? Será que ele sabia que quando ela ria era quase com uma nota de
surpresa, como se o som a tivesse surpreendido? Teria visto o quão é apaixonada
por seu trabalho?
Ela havia chorado pelas mulheres e crianças cátaras, com uma generosidade
de espírito que ele testemunhara e que o humilhara. Ele teria apreciado, o homem
nele que não tinha sido testado, a mulher que ela era, que amava profundamente,
sem restrições? Ou talvez essas perguntas não fossem importantes, afinal. Ela
estava ali e ele também, inteiro e imaculado.
— Não — ela disse, a voz sombria. Surpreso, ele levantou a cabeça e olhou
para ela.
— Não tanto quanto quando você está em mim, Sebastian. — Seus olhos
brilhavam, o rosto corado, e havia um pequeno sorriso brincando em seus lábios.
Alguma vez ele acreditou que ela seria capaz de dizer tais palavras para ele, ou que
seu olhar seria cheio de protestos? Tímida Julianna? Será que realmente existiu?
Ela o empurrou de costas e o segurou ali, uma palma colocada em seu peito.
A caixa aberta novamente. Ela lambeu dois dedos e os pressionou contra a folha de
ouro que agarrou-se a seus dedos.
Ele queria estar nela, mas diminuiu o passo, curioso para saber o que ela
faria. Ela colocou o ouro entre suas coxas, sobre sua carne ereta e tensa. Ele fechou
os olhos ao sentir os dedos dela roçando contra ele, cobrindo-o exatamente como
tinha feito com ela. A hesitação do toque o fez abrir os olhos novamente.
Ela parecia estudá-lo, examinar seu adorno tão de perto quanto faria com
um de seus manuscritos. Ele levantou a cabeça e olhou para si mesmo. Ele brilhava
como um ídolo.
— Não sou substancialmente maior que uma pena? — Seu sorriso liberou
um pouco da felicidade boba que sentia.
— Você escreve lindos poemas de amor, Sebastian. — Seu sorriso com ponta
de ouro era provocante e cheio de promessas.
Ela voltou para sua tarefa, e ele foi presenteado com a sensação mais
estranha de lábios sorridentes roçando sua carne.
Ela ondulava debaixo dele roçando os seios contra seu peito, quadris e coxas
arqueadas, um toque provocante.
Ele olhou para ela, congelado em admiração pela visão. Ela estava com os
olhos fechados, e o rosto corado. Em sua bochecha, o começo de uma trilha
brilhante que levava às generosas curvas de seus seios. Seus mamilos estavam
inchados e tingidos de dourado, suas coxas abertas brilhavam com ouro.
Ele tentou se conter, fazer o momento durar, tornar sua união ainda mais
fervorosa e desejada. Mas em algum lugar entre as palavras desse pensamento se
arrastou outro… ele precisava estar nela agora ou morreria.
Ele se moveu para trás, ajoelhando-se, e puxou-a para ele, as pernas dela
curvando-se ao redor de seus quadris. A posição o empurrou mais fundo nela, e ela
estava lisa e pronta para ele.
Quando ela gritou de alegria, ele cobriu seus lábios com os dele, para manter
seu som de êxtase em segredo junto ao dele. Logo ele se juntou a ela, seus lábios
apertados sobre um grito que exigia ser ouvido. Ele estava perdido na sensação
dela, à deriva nas ondulações que uniam seus corpos e uniam as extremidades
cruas de suas almas.
Mais tarde, muito tempo depois, ele se abaixou no chão, puxando-a para
perto. A cabeça dela estava virada contra seu ombro, e o braço sobre seu peito. Ele
acariciou a mão em sua barriga, arrastou os dedos empoeirados de ouro aos seios
trêmulos. Ambos estavam fracos demais para se mover.
Ela respirou as palavras em sua pele. — Não me sentirei tão culpada agora
se desperdiçar uma ou duas folhas de ouro.
Ela estava com frio, embora o quarto estivesse quente. O frio vinha de
dentro dela e tinha apenas algumas horas. Julianna desceu do banco e subiu as
escadas em espiral até o topo da torre. Ela agora podia ficar nas ameias e saborear
a vista. O vento do outono varreu sua saia em torno de seus tornozelos, afastou o
cabelo de seu rosto. Langlinais estava banhada pela luz de um sol de fim de tarde,
o brilho alaranjado dando às pedras um tom amarelado. De algum lugar veio o som
de uma risada, uma brincadeira compartilhada, uma piada obscena.
Os habitantes de Langlinais não pareciam se importar que ele não fosse mais
tão devoto. Ele ria muito, e um sorriso estava quase constantemente em seu rosto.
Passava um bom tempo entre os aldeões, ajudava-os a redigir uma carta, convidava
alguns membros das guildas em crescimento para fazer suas casas ali. Acolhia os
rapazes mais pobres para treinamento e havia prometido a eles cargos como
escudeiros e eventual título de cavaleiro se eles se mostrassem dignos. Não que ele
não visse a linha entre a nobreza e a servidão. Era como se ele a movesse sutilmente
de vez em quando, permitindo que os inclinados avançassem como quisessem.
Parecia deleitar-se com a força de seus membros, com o fato de poder viajar
para o exterior sem estar vestido com uma túnica oculta. Os soldados, com os quais
ele praticava, estavam ansiosos para demonstrar sua própria habilidade, mas era
óbvio quem seria o vencedor. Havia, no entanto, ainda momentos em que ele ficava
quieto demais, quando parecia preso em pensamentos. Muitas vezes, ele ficava na
torre e olhava para o sul, como se esperasse que o exército dos Templários invadisse
sua terra. Era um fato triste que eles sempre precisassem estar preparados para a
agitação. E, talvez, para os Templários.
Amado.
Sebastian sabia, é claro. Ele tinha isso. Este era o verdadeiro segredo, o
verdadeiro tesouro. Não as relíquias. Mas o documento que ela tinha lido com os
olhos arregalados e incrédulos.
Ela fechou os olhos, forçou uma respiração profunda. Seria essa a razão de
De Rutger estar tão desesperado para matar os cátaros? Não pelo tesouro, nem
porque fossem hereges, mas pelo que acreditavam? Nesse caso, o mesmo perigo foi
transportado para Langlinais. Ela estremeceu, um movimento mais da mente do
que do corpo. Oolhou para o pátio de exercícios. Sebastian não estava mais ali.
Com um sentimento que ela veio a aceitar, sabia que ele estava vindo até ela. Ele a
tinha visto no topo da torre? Sabia, de alguma forma, o que ela tinha encontrado?
Ela não lia grego. Não havia ninguém no convento para encontrar tempo ou
conhecimento para ensiná-la. A outra língua que ela também não conhecia, uma
série de letras curvas e envolventes, bonitas em sua arregimentação. Ela supôs que
deveria ser hebraico.
Ela nem se atreveu a colocar os dedos no pergaminho. Era tão frágil que um
pedaço se desprendeu em seus dedos. Quantos anos tinha? Mil anos? Menos?
Mais?
Foi por isso que os escribas cátaros os copiaram, por causa de sua
fragilidade? Ou por que a maior parte do mundo eclesiástico sabia ler latim?
Ele estendeu a mão para ela e por um momento ela não pensou em nada. Só
que sua boca desceu até a dela, o frio de seus lábios rapidamente se transformando
em calor.
Ele se afastou, olhou além dela para os pergaminhos que estavam abertos
sobre sua mesa, para o códice sob sua mão esquerda.
Ele assentiu.
19 palimpsesto é pergaminho cujo texto primitivo foi raspado, para dar lugar a outro .
Ele sorriu.
— Os Templários ou a Igreja?
— Minha fé não foi abalada, Sebastian. A fé é uma crença que não se baseia
em provas. Ela existe por conta própria, fica por conta própria.
— Elas não estão lá, Julianna. — Ao seu olhar, ele sorriu. — Tirei-as do cofre.
Sua abadessa já as tem há algumas semanas. Elas pertencem ao mundo, não a nós.
Eventualmente, tenho certeza, elas encontrarão o caminho que as levarão a ser de
conhecimento da humanidade.
Ele sorriu.
— Acho que eles sabiam que era tarde demais. Por que entregar seu tesouro
quando tinham certeza de que seriam mortos? Lembre-se, naquela época, os
homens já haviam sido queimados na fogueira.
— Foi por isso que Madalena mandou chamar você, para que o segredo fosse
preservado?
Suas mãos estavam apoiadas em seus quadris. Ele havia tirado as luvas, mas
por outro lado ainda permanecia blindado. Sua espada balançou facilmente contra
seu corpo. Ele estava confortável com isso, à vontade com o fato de que poderia
trazer a morte com uma fatia dele.
Ele olhou para o parágrafo que ela havia estudado por tanto tempo. O início
de uma linhagem de quase mil anos, um registro cuidadosamente escrito de
nascimentos, casamentos e mortes que terminaram duzentos anos antes. —
Encontrei o códice primeiro. Estava em cima da cesta, como se Madalena quisesse
que eu o descobrisse. Lembro-me do momento em que li estas palavras.
Ele sorriu.
— Ou esconda-os novamente.
— Você quer que eu confesse? Muito bem. — Ele caminhou até as aberturas
na parede, agora fechadas para impedir a entrada do vento de outono. Ainda não
estava frio o suficiente para utilizar a lareira enorme que aqueceria a sala no
inverno. — Por muito tempo, pensei que iria simplesmente extrair as relíquias e
deixar os pergaminhos em Montvichet. Mas pouco antes de deixarmos a fortaleza,
mudei de ideia novamente. Eu também desejo usar o tesouro cátaro. — Ele olhou
por cima do ombro para ela. — Não tenho os motivos mais puros, Julianna. Embora
valorize o conhecimento, não é por isso que eu manteria os pergaminhos seguros.
Farei o que for preciso para proteger e garantir o bem-estar daqueles que se
confiam aos meus cuidados. Um indício de seu conteúdo fornecerá essa proteção
caso a Igreja ou a Ordem cheguem a Langlinais.
***
Julianna tinha o códice nas mãos. Ela o tinha lido quatro vezes depois que
ela e Sebastian decidiram esconder os pergaminhos novamente.
Era difícil passar de um mundo para outro. Jerard havia passado de servo a
cavaleiro, distinção concedida por sua lealdade. Ela havia progredido de inculta
para escriba, apenas por causa de uma vontade férrea. Ela estava se colocando em
perigo agora, passando de fiel a herege, recusando-se a destruir tal obra?
Sebastian não era o único preocupado com a segurança deles. Ela não viveria
sem ele, não podia suportar a ideia de que ele pudesse estar em perigo. Ela ia fazer
sua parte para protegê-lo e ao povo de Langlinais.
Mais uma vez, as palavras que ela sussurrou para Sebastian no pátio de
Montvichet vieram à mente. Hairetikos significa escolher. Mais uma vez ela fazia
uma escolha. Só o futuro determinaria se era a certa.
20 Codicilo é a manifestação de última vontade, não um testamento mas de forma escrita, onde a pessoa pode estabelecer
disposições para serem cumpridas após a sua morte, que sejam referentes ao seu funeral, doações de pequenas quantias em
dinheiro, bens pessoais moveis, roupas ou objetos de pequeno valor.
A grande janela verde da capela havia sido substituída por uma obra de arte
em vitral. O artesão que havia feito a janela vinha de uma família de homens assim,
seu avô e seu pai haviam trabalhado em uma catedral na França. Representava um
monge ajoelhado diante de um sol escaldante. No chão ao lado dele havia uma
espada e uma cesta coberta. Seria o único registro público do milagre de Langlinais
e o segredo que guardariam para sempre. A colocação da janela havia sido
terminada no dia anterior, e o odor de chumbo e barro era quase tão forte quanto
a cera das velas. O dia de inverno fez pouco para iluminar o quarto, e sua luz
brilhante acrescentou um ar sobrenatural.
Sebastian ergueu a espada até que a luz da vela banhasse a lâmina, então a
colocou diante do irmão Thomas.
— Abençoe esta espada — ele entoou, — para que seja uma defesa para
igrejas, viúvas e órfãos, e para todos os servos de Deus contra a fúria dos pagãos.
Ordeno-lhe, Sir Jerard, que desempenhe seus deveres com fidelidade e devoção.
Você vai fazer isso?
Jerard assentiu.
Sebastian sorriu, então sussurrou para ele se levantar. Ele deu um passo à
frente, cingiu o cinto da espada ao redor da cintura de Jerard.
***
Sebastian fechou a porta atrás de Jerard. Abaixo deles havia sons de alegria,
como os habitantes de Langlinais celebravam. Julianna permaneceu no grande
salão, uma anfitriã relutante, mas radiante. Os dois homens estavam agora
sozinhos, como muitas vezes estiveram em outros tempos, dias que pareciam
cinzentos agora em retrospecto.
— Você me serviu bem ao longo dos anos — disse Sebastian, seu sorriso não
tão fácil quanto ele desejaria.
Sebastian sorriu. O jovem que vira pela primeira vez na França se tornara
um homem leal e humilde. Muito humilde neste momento, no entanto.
— Não prometa tão facilmente. A benção que lhe peço não será fácil.
Ele se moveu para o outro lado da sala onde uma pequena mesa e duas
cadeiras foram colocadas, sentou-se e acenou para Jerard na cadeira adjacente.
— Quero que você deixe Langlinais — disse ele, e diante do olhar aflito de
seu vassalo, seu próprio sorriso sumiu.
— Você conhece os pergaminhos cátaros — disse ele — mas não sabe o que
eles contêm. — Durante a hora seguinte, ele explicou seu conteúdo, respondendo
às perguntas de Jerard com o máximo de conhecimento que tinha. Era justo, o
homem que os possuísse também tivesse conhecimento do perigo.
— Sim, milorde, eu aceito. E meus filhos e minhas filhas. Será sua herança
guardar os pergaminhos.
— Não, milorde.
— Pense bem, Jerard. Se você fizer isso, ela pode ir com você com minhas
bênçãos. E um dote, para ajudar vocês dois.
— Não, milorde.
— Não, milorde. A mulher que eu tomaria como esposa deve ser instruída
e leal. Ela será inteligente e corajosa, e terá o coração mais bondoso.
— Você acabou de descrever minha esposa — disse ele, forçando seu tom a
ser calmo.
— Eu vou sentir sua falta, meu amigo. Lembre-se disso também. E agora, é
hora de se juntar aos outros. Tenho certeza de que o Velho Simon já começou sua
própria celebração.
— Que barulho é esse? — Ela olhou para o teto do grande salão. Sebastian
estendeu sua taça para ela em vez de responder. Ela balançou a cabeça.
O vinho Langlinais era famoso por sua potência. Não era um produto do
castelo, apenas decantado e temperado até que o amargor ficasse suave e a doçura
fosse o sabor residual persistente. A receita era um segredo bem guardado dos
cervejeiros, que também eram responsáveis por uma cerveja igualmente aceitável.
— Você não ouviu isso, Sebastian? — Ela se levantou e teria saído do estrado
para investigar se ele não a empurrasse gentilmente para trás na cadeira.
Ele fez um gesto com uma das mãos e um bardo se aproximou e se curvou
sobre a mesa, depois sentou-se em um banquinho de frente para os outros
comensais. Ele tocava preguiçosamente as cinco cordas de um alaúde de braço
curto, enquanto contava sua versão de uma canção de gesta 22de Carlos Magno e
seus doze grandes pares. Cada pessoa no salão parecia intrigada com sua história.
Exceto Julianna, que ainda estava curiosa sobre os barulhos que ouvira, e por
Sebastian, que estava realizando atos que normalmente não são atribuídos a
cavaleiros.
Sua mão direita segurava uma taça, a esquerda estava amassando o material
de seu manto bordado e túnica. Os dedos de repente em sua pele nua.
22Canção de gesta era um conjunto de poemas épicos surgidos no despertar da literatura francesa, entre os séculos XI e XIII.
Quase sempre concentrando a ação nos feitos ilustres de Carlos Magno (século VIII).
— Você está com uma expressão estranha no rosto, senhora esposa — disse
ele, seu sussurro não mais alto do que uma respiração contra o ouvido dela. — Está
com fome?
Ela balançou a cabeça de um lado para o outro. Até sua voz tinha poder,
fazia parecer que o ar estava mais quente e mais espesso ao redor deles. Como se
ela mal pudesse respirar.
— Tem certeza? Você parece quase faminta. Venha — disse ele, levantando-
se e estendendo a mão para ela. — Sorria suas desculpas por desistir do nosso
banquete tão cedo, milady esposa.
Ela o fez, sem questionar a necessidade que fluía ao redor de ambos. Toque-
me. Toque-me. Parecia uma música que ela cantava em sua mente, uma que ele
parecia ouvir com a mesma facilidade.
***
Ele a conduziu pelo andar que mantinha seu quarto. Tinha sido mais fácil
do que ela pensava compartilhar uma cama. Ele era tão grande, no entanto, que
várias vezes durante a noite ela acordava com ele apertando-a até a borda. A ponta
de um dedo era o suficiente para desalojá-lo, e ele rolaria para o lado da cama. Às
vezes, no entanto, seus olhos se abriam ao toque dela quando ele acordava
instantaneamente. Então a alcançava e o pensamento de dormir desaparecia de
suas mentes.
No topo da torre leste, ele a puxou para seus braços, sua boca cobrindo a
dela antes que ela pudesse falar. Ele tinha um jeito de beijá-la que lhe roubava o
fôlego. Tudo o que ela tinha consciência naqueles momentos era de Sebastian e
sua boca talentosa. Ele choveu beijos em seu rosto, a respiração áspera, o aperto
em seu cabelo nada gentil. Ele se afastou, traçou a forma de seu rosto com os dedos.
Uma onda de calor fluiu através dela com suas palavras. Ele colocou ambas
as mãos na cintura dela, então virou-a em seus braços para que ela ficasse de costas
para ele. Puxando-a para perto dele, ele passou um braço em volta da cintura dela,
com a outra mão soltou o cabelo dela. Caiu como uma nuvem em volta dos ombros,
a mão dele segurou-lhe um seio — Eu costumava me perguntar se seus seios eram
tão pálidos quanto o resto de sua pele, se eles pareciam montes nevados com
pontas de delicadas rosa . — Ele deslizou o polegar sobre o seio, quando atingiu o
pico e subiu em harmonia com seu toque, ele riu baixinho. — Então eu descobri
uma noite que eles eram, suaves e branco como a neve.
Ela estendeu a mão e arqueou-a para trás de si, até tocar o rosto dele. Ele
beijou-lhe os dedos, depois se inclinou para dar um pequeno beijo em sua têmpora.
Os dedos dela se enroscaram no cabelo dele.
— Achei que ia morrer, queria tanto que você me tocasse. — Uma confissão
suave. Era a primeira vez que falavam daquela noite em que ele interrompeu seu
banho.
Ele a virou em seus braços e se inclinou para tocar seus lábios em seu
pescoço.
Ele levantou a cabeça, a respiração tão rápida quanto a dela. Ela apertou a
testa contra o peito dele. Ele moveu uma de das mãos dela para colocar sobre ele.
Ela o sentiu duro e pesado contra sua palma. Se já não tivesse acontecido, ela teria
certeza de que o ato era impossível. Não era de admirar, então, que ela se sentisse
esticada e cheia dele quando ele a penetrou.
Seus dedos começaram uma lenta exploração de sua carne. Ela já tinha
descoberto que podia fazê-lo tremer, ou com a respiração baixa e trêmula.
***
Ele era um homem bem versado em seu poder. Um guerreiro deve conhecer
seus pontos fortes, trabalhar para eliminar suas fraquezas. Por que, então, ele se
sentia como um menino inexperiente quando ela sorria para ele, ou se deitava em
seus braços? Talvez o que ele sentia neste momento não fosse luxúria, ele pensou,
olhando para ela. Amor? Uma palavra muito pequena, um pensamento muito
Ele mal podia esperar para tocá-la, então a última costura de sua túnica foi
rasgada em vez de desamarrada. Ela estava deitada, nua, suas vestes espalhadas ao
seu redor como um contraste para sua beleza. O luar a banhava em um brilho, deu
uma curva misteriosa em seus lábios, um brilho chamativo em seus olhos.
Parecia certo e apropriado que eles se reunissem aqui, neste lugar que era o
cenário de seu maior anseio. Quantas noites ele se sentou e a observou e sentiu
uma dor física que não podia doer mais?
Para a sombra daquele homem, ele se inclinou e beijou seu seio, saboreando
a rigidez de um mamilo. Porque aquele homem desejava saber, sonhava com essas
coisas, ele a puxou entre os lábios, ouviu seu suspiro suave enquanto roçava sua
carne delicada com os dentes.
O homem que ele tinha sido ajoelhado ao lado dele, um fantasma de desejo
e necessidade. Ele ouviu os comandos em sua cabeça, a insistência, e acariciou com
as mãos o corpo de Julianna. Ele conhecia sua carne tão bem quanto conhecia a
sua própria. A reentrância onde a cintura encontrava o quadril era especialmente
sensível para ela. Os dedos dos pés dela se curvavam quando ele roçava o topo
deles. A respiração dela parava quando os dedos dele traçavam uma coxa e depois,
até a junção. Em vez de se segurar firme, suas pernas se abriam, um convite sem
palavras.
Ele se despiu da túnica, do cinturão, da calça estampada. Logo ficou nu, sua
figura envolta em sombras enquanto a noite caía sobre eles como poeira.
— Quero ouvir seus gritos — disse ele, observando-a. — Quero você carente
e faminta, Julianna.
Ele balançou com ela, as estocadas rasas e rápidas. Ela arqueou o corpo para
tomar mais dele. Pôs as mãos em garras nos braços dele. Ele alcançou debaixo dela
com um braço, empurrou sua roupa sob ela, então se levantou novamente. O
ângulo de seu corpo agora o trazia mais perto do centro dela. Novamente, ele
balançou, sua necessidade um aríete, seus dedos uma chave.
Pequenos sons emergiam de seus lábios, gemidos ou súplicas, ele não sabia.
Ele se abaixou, começou a fazer movimentos mais longos, retirando-se quase
inteiramente, então empurrando para as profundezas dela.
Ele estava muito perto de quebrar em seus braços. Sua respiração veio em
suspiros, a necessidade o percorreu em ondas trêmulas. Ele se abaixou e rolou até
que ela estava em cima dele, seus corpos ainda unidos.
Unhas deslizaram sobre seu peito, sua cabeça arqueada para trás enquanto seu
corpo inteiro parecia estremecer.
Ela alargou as pernas, encaixou-se mais nele. Como ele nunca havia
descoberto que o êxtase podia beirar o tormento?
Ela arqueou-se uma última vez, a demanda em seu aperto tão implacável
quanto a dele tinha sido. Suas unhas quase perfuraram sua pele. Ele a sentiu
estremecer ao redor dele, enquanto seu corpo incitava o dele a completar.
Levou quase o dia inteiro para formar uma escada tosca. Depois de vários
testes para garantir que aguentaria seu peso, ele a colocou sobre o desfiladeiro. Ele
jogou sua espada no portão de Montvichet, então rastejou lentamente por sua
escada.
Uma vez lá, ele puxou a escada para a segurança e a deixou encostada em
uma parede de pedra. Ele se inclinou para recuperar sua espada, os homens
caminharam lentamente para o pátio.
Ele segurava a espada a sua frente, baluarte contra o que ele poderia
encontrar. Mas havia algumas coisas contra as quais uma espada não seria
proteção. Sussurros, suaves e fracos, o som do choro de uma criança. Era o vento,
a brisa suave que soprava em Montvichet. Mesmo enquanto dizia isso a si mesmo,
ele duvidava da verdade.
Ele andou por cada quarto de dormir, notou como tudo parecia limpo e
arrumado. Uma boneca repousava sobre um travesseiro e ele desviou o olhar. O
refeitório estava vazio, não havia sinal de comida ou mesmo ocupação recente.
Finalmente, ele caminhou pelo scriptorium. A poeira ali não era tão espessa quanto
em outros lugares, e parecia que a mesa ao lado da sala já havia sido limpa e usada.
Ele voltou para o pátio, sua confusão se aprofundando. Sebastian não estava
ali. Nem a mulher.
Quando ele viu a abertura, ele caminhou em direção a ela, seu sorriso
crescendo mais a cada passo. Ele desceu os degraus curvos lentamente, tateando o
caminho na escuridão. No meio do caminho, a fraca luz do sol iluminou o caminho.
Ele refez seus passos, caminhou até o portão e jogou sua escada improvisada
no desfiladeiro. Este lugar não precisava de intrusão, nem de visitantes casuais. De
fato, se ele pudesse cobri-lo com poeira e bloquear sua existência do mundo, ele o
teria feito. Havia indícios de coisas que ele não entendia e um ar de tristeza que
ameaçava penetrar em seus ossos.
Se ele fingisse que o Graal era real, sua própria carreira avançaria e a honra
dos Templários aumentaria. Só ele e Sebastian saberiam que o Graal que eles
reverenciavam era uma falsa relíquia. E quem acreditaria em Sebastian, um amante
de hereges, sobre a palavra de um Templário? Ele levou menos de um momento
para chegar a essa conclusão, e a decisão, uma vez pronta, arrancou um largo
sorriso dele.
***
Havia tanto nojo no rosto de Sebastian que Julianna riu. Ele franziu o cenho
para a diversão dela, então raspou outro fel do alto do tronco da árvore.
— Pelo menos você não me pede para ajudá-la a raspar suas peles. Já fez
isso? — Havia tal expressão de repugnância em seu rosto que os lábios dela
tremeram de diversão. Quem diria que o grande cavaleiro Sebastian de Langlinais
não tinha estômago para certas coisas?
Ela assentiu.
— Mas estes são insetos. — Ele fez uma careta para a bagunça em sua mão
e balançou os dedos sobre a cesta.
Era uma barganha entre eles. Ela superaria sua antipatia pelas cavalariças e
pássaros, e ele a ajudaria a pegar alguns galhos de carvalho das árvores.
— Devemos — disse ele, sorrindo para ela. Ele agarrou um galho e se jogou
na árvore. — Quer se juntar a mim, milady esposa? É um bom ramo robusto. —
Ele descansou contra o tronco, uma perna alinhada ao longo do galho, a outra
pendurada. Seu sorriso era contagiante, seu convite muito tentador para resistir.
Ela colocou a cesta no chão, estendeu a mão esquerda para ele e encontrou um
ponto de apoio no grande tronco do carvalho. Sebastian simplesmente a puxou
para o lugar, agarrando sua cintura e segurando-a firme até que ela estivesse na
posição.
Ela virou a cabeça para olhar para ele. Havia um sorriso juvenil em seu rosto,
e seus olhos pareciam escuros com malícia. Ela balançou a cabeça e desviou o olhar
dele. — Vou dizer ao Jerard para não deixar a água muito quente. Que juntos vamos
aquecê-lo — disse com voz persuasiva.
Ele a puxou para o seu lado, curvou-se e beijou-a no nariz, um gesto terno
que a surpreendeu. Ela sorriu para ele.
A voz dele mudou tão rapidamente de divertida para sombria que ela sabia
que a pergunta era séria. Ela estendeu a mão e colocou a mão na manga dele.
— É por isso que você é tão generoso comigo? Por que você me dá coisas
como tinta rara e um scriptorium e constrói uma câmara de banho?
— Eu os respeito agora.
— Vou?
— Você deve confiar em mim nessas coisas. Você não se importa de sentar-
se em uma árvore, não é? Apesar do seu medo de altura?
Ela olhou para o chão sob seus pés. Na verdade, eles não estavam tão altos.
— Abandonei meus medos, Sebastian. Acho que você estava certo o tempo
todo. Acho que ter medo é algo que aprendi.
Ela fez uma careta para ele. A risada dele a fez franzir a testa.
— Venha comigo falcoar — disse ele em sua voz mais persuasiva. — seu
amor pelo esporte pode crescer. Pelo menos, você deve tentar. — Ele sorriu
novamente, e o lugar no peito dela que antes era oco se expandiu novamente com
amor. — Desejo compartilhar minha vida com você, minhas alegrias, meus
interesses.
— Julianna?
Ela olhou para ele. — Muito bem, Sebastian, mas antes de irmos brincar
com seus preciosos pássaros, minha cesta inteira deve estar cheia de fel.
***
Alguns momentos depois, ela encontrou o que precisava. A pedra era mais
grossa atrás do primeiro lance de escadas. O espaço entre a alvenaria nova e a pedra
antiga era largo o suficiente para esconder o baú que ela segurava. Dentro havia
sua própria versão do códice, com anotações sobre como o original havia sido
encontrado e a história do cálice. Ela se ajoelhou e o encaixou no lugar, então alisou
a argamassa onde seus dedos haviam descansado.
Grazide franziu a testa para ela ao entrar no grande salão. — Milady, você
está com frio, e essas coisas não são boas para você. Venha para o calor e tome sua
— Não que eu queira saber, milady, mas estou preocupada com o seu bem-
estar. O que você faz é problema seu, é claro, mas quando milorde me pergunta
com tanta frequência, me sinto tola por não saber.
Ela não era mais a garota que se sentara no grande salão com medo de seu
futuro. Julianna, a Tímida, Julianna, a Ratinha, foi substituída por uma mulher que
se conhecia bem. Ela adorava seu trabalho, e sempre seria grata pela capacidade de
continuá-lo. Mas não era mais tudo o que ela era, não seria mais a única maneira
de medir sua vida.
Em vez disso, havia Langlinais e as pessoas que ela conhecia e amava. Ali
estava o futuro, promissor apesar das ameaças que enfrentavam. Mas acima de
tudo, havia Sebastian.
Ela sentiu uma onda de amor pelo homem que estava sentado olhando para
ela, um pequeno sorriso brincando em sua boca. Ele era nobre não apenas pelo
nascimento, mas pela honra. Não foi uma bandeira ou uma série de torneios
vencidos que o tornaram um grande homem. Mas seu caráter, sua nobreza.
Sebastian tinha sacrificado sua liberdade para que um vassalo pudesse escapar,
tinha planejado o exílio em vez de colocá-la em perigo, estava disposto a abrir mão
de seu direito de primogenitura para protegê-la.
— E eu disse a ele que tenho certeza de que você não estava perto do rio,
milady, mas nós olhamos pelo pátio superior e não a encontramos.
Julianna virou-se e sorriu para sua atendente. Seu tom era suave, as palavras
curiosas.
— Para onde ele irá, Sebastian? — Julianna estava ao seu lado no topo da
torre leste, observando Jerard cavalgando pelo portão de Langlinais. Ele cavalgava
devagar, apesar do tempo frio, olhando ao seu redor frequentemente como se
quisesse gravar em sua memória a visão da casa que ele conhecera nos últimos sete
anos. O velho Simon estava no portão, estendeu a mão para colocá-la sobre o
próprio joelho, então deu um passo para trás e o observou, como todos eles faziam,
passar pelo portão.
Ela puxou sua mão libertando-a da dele, deu um passo para trás. Ele
pensaria que suas ações eram desleais? Ela saberia no momento seguinte.
— Não, Sebastian.
— Isso é tudo o que importa para você, que eu possa ter pegado seu dinheiro
ou sido adúltera?
— Copiei os pergaminhos.
Ele desviou o olhar dela, olhou para o norte, na direção que Jerard deveria
seguir.
— Por que você não pensou em todos esses argumentos antes de decidirmos
enviar os pergaminhos com Jerard?
— Não era uma opção que eu tinha considerado — disse ele, pegando sua
mão direita. — Você foi capaz de fazer isso? Sem dor?
Havia cicatrizes em suas mãos. Ela não podia negar sua existência; ela
sempre as suportaria. Nem ela tinha tanta força em seus dedos como antes, mas
isso não era algo que ela mencionaria a ele.
— Estou mais lenta do que antes — ela admitiu. — mas não foi tão difícil.
Mesmo que fosse, eu teria completado. — Ela ficou de pé diante dele, olhou para
ele diretamente. — Eu não vou lhe machucar, Sebastian.
— Minha feroz Julianna — disse ele, levando os dedos dela aos lábios e
roçando um beijo sobre eles. — Quando você entrou em minha vida — ele disse
suavemente. — eu rezei por sua segurança, para que você pudesse ser guardada
contra os Templários e de mim. Eu sou um cavaleiro, treinado para a guerra, e
ainda assim você ficaria entre mim e o mal.
Ele tocou sua bochecha com a ponta do dedo. — Não tenho certeza se
concordo com o que você fez, Julianna, mas aprecio a razão por trás de suas ações.
Se existe um verdadeiro milagre na minha vida, é você.
— Eu tenho feito isso sem parar — ele admitiu, olhando para ela. Seus olhos,
aqueles lindos olhos azuis, pareceram escurecer enquanto ele a estudava. — Eu me
pergunto se tal coisa aconteceu porque eu toquei nas relíquias. Ou foi o sol na
minha pele pela primeira vez em anos? Ou o unguento da Irmã Agnes? Ou talvez
porque eu tivesse usado minha armadura, em vez daquele manto amaldiçoado?
Ele pegou a mão dela novamente, virou-a, curvou-se e deu um beijo em sua
palma. Seu sorriso mudou de natureza, parecia conter apenas a mais pura alegria.
— Então viverei cada dia e abençoarei nossa libertação, seja qual for a causa.
Ele estendeu o braço ao redor dela, colocou sua bochecha na coroa de seu
cabelo. O momento foi silencioso, os pensamentos cada um notavelmente
semelhantes. Talvez não fosse importante avaliar um milagre, marcá-lo, registrá-
lo e prová-lo. Talvez a maior maravilha tenha sido o toque de uma mão na amizade
e a alegria de um coração. Eles pertenciam um ao outro, e o fato de estarem unidos
nos braços um do outro era prova suficiente de que às vezes acontecem eventos
que desafiam a explicação. Em mente, corpo e espírito estavam unidos e o seriam,
talvez, até que o tempo deixasse de medir a passagem das décadas e o início dos
séculos.
“Você minha vida, prometa que esse nosso amor que compartilhamos
durará para sempre. Grandes deuses, façam com que esta verdade seja dita,
e dita com sinceridade e do fundo de um coração amoroso, para que nos seja
concedido continuar por toda a nossa vida este tratado de amizade
inviolável.
Catulo
84-54 AC”
Uma das primeiras escribas conhecidas foi Ende, que auxiliou na preparação
de uma obra espanhola da visão de São João, o Divino, em 789. A documentação
23 Misógino Indivíduo que sente repulsa, horror ou aversão a mulheres.Quem tem repulsão pelo contato sexual com mulheres.