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A Respiração como Caminho de Cura – Parte 14

O enquadramento exterior das experiências interiores

As experiências analisadas até o momento têm uma dimensão espiritual


mais ou menos clara.
Nas cerimônias religiosas de diferentes culturas a moldura exterior
representa um papel decisivo.
Ritos são encenados, os objetos necessários ao culto são expostos
ricamente e são instalados aposentos especiais.
As ações exteriores acentuam o significado dos âmbitos sutis do ser.
Aos homens arcaicos parecia imprescindível manifestar respeito pelo mundo
espiritual, pois eles acreditavam que só pela entrega podiam conquistar a
benevolência dos deuses.
Conhecemos esse processo de vários âmbitos da vida.
Se convidamos amigos para comer, nós embelezamos a sala.
Criamos um campo em que tanto nós mesmos quanto a nossa visita nos
sintamos bem.
Nossa sensação interior e o espaço externo têm de ser compatíveis, pois só
então pode haver harmonia e o jantar ser bem-sucedido.
De fora quase não se pode constatar se esse campo surge da nossa
sinceridade interior ou se o criamos por cálculo especulativo.
Se fingirmos alguma coisa, surge uma discrepância entre nossas intenções
interiores e as ações exteriores, que se expressará por atos falhos e
"sintomas".
Se formos sinceros interior e exteriormente, todo conhecimento se
manifestará sem falha nos nossos atos exteriores.
Esse é o caminho trilhado pelos místicos.
Eles não têm interesse em falar sobre crença, eles amam sua religiosidade.
O polo oposto do místico é uma pessoa que fala sobre religião e amor ao
próximo sem parar, sem se sentir e agir de acordo.
Sob o domínio anterior da igreja católica, a religião cristã muitas vezes
correu perigo de sufocar-se na pompa exterior e deixar os conteúdos
afundar.
Parecia que a pompa material tinha de disfarçar o vazio interior.
Assim o exterior exagerado servia de álibi para a incredulidade.
Mas sempre é difícil reconhecer se o acontecimento exterior é expressão de
dedicação religiosa ou uma função substituta da mesma.
Mas também pode acontecer o caso inverso.
Nossos melhores e mais sinceros esforços são inúteis quando não recebem
uma moldura externa sustentável.
Não é por causa dos velhos ritos que não estamos mais na situação de usá-
los com relação à nossa vida atual, mas da nossa falta de compreensão do
seu verdadeiro significado.
Tem tão pouco sentido agarrar-se às condições exteriores quanto
desconsiderá-las totalmente.
Nós precisamos lidar de maneira adequada com o mundo exterior e temos a
todo momento levar em conta seu efeito sobre o mundo interior.
Toda vivência meditativa e terapêutica também depende da moldura
exterior.
Esta pode favorecer ou bloquear a experiência.
Todo detalhe tem efeito sobre a decisão e a capacidade de carga desse
campo.
Para entender isso, devemos nos ocupar mais profundamente com o
conceito de campo e de ritual.
As experiências espirituais que surgem no encontro com a respiração
associada dependem essencialmente do campo circundante.
Os fatores que influenciam essas sessões terapêuticas vão de coisas
exteriores banais a âmbitos sutis.
O campo começa já no estado corporal do terapeuta.
Como este fica perto do paciente, mau hálito e cheiro de suor seriam mais
do que perturbadores.
Como todos os órgãos dos sentidos são sensibilizados pela respiração
profunda, deve-se renunciar a perfumes fortes e coisas semelhantes, pois
esses cheiros podem ter um efeito irritante sobre os pacientes.
Um papel igualmente significativo exerce a sintonização do terapeuta.
Esse, como todos os fatores externos, contribui para o campo energético de
uma sessão terapêutica.
Concentração interior e certo preparo dão autoconfiança e se assemelham à
fase de concentração de uma competição esportiva.
Sempre que pessoas se encontram, elas entram em contato umas com as
outras e se comunicam, sendo indiferente se o fazem intencionalmente ou
não.
Tudo o que for e tudo o que não for dito pesa tanto quanto os gestos, a
mímica e outros tipos de comunicação não verbal.
Atenção e respeito são a base de todo encontro terapêutico e dão ao
paciente a segurança de que ele precisa para entrar em contato com
âmbitos mais profundos do ser.
Não devemos entrar atabalhoadamente na psique das pessoas, mas pedir
polidamente para entrar; por isso, a sensibilidade é exigível até nos
mínimos detalhes, sem comprometer em todo caso a também necessária
serenidade.
Sem consciência, sensibilidade e sentimento de tato nós não poderemos
pisar no próprio mundo interior nem no de outra pessoa.
O espaço concreto também representa um papel.
Se as sessões são mantidas numa sala particular ou num aposento
reservado para isso faz uma enorme diferença.
O campo de um aposento se forma mediante os processos energéticos que
acontecem nesse aposento.
Para que esse campo favoreça nossa vivência interior, ele deveria ser usado
exclusivamente para fins terapêuticos ou meditativos.
Muitas tradições espirituais usam defumações para eliminar energias não
desejadas.
À fumaça atribui-se força mágica desde tempos imemoriais.
Sândalo, mirra, incenso e outras substâncias podem ser usados.
Doutrinas orientais e de cura xamânica descrevem muitos rituais de
limpeza.
Estes podem ser usados para limpeza especial de aura e também para
aposentos.

Música
Uma outra contribuição essencial para o campo energético é o
acompanhamento musical.
Assim que nos entregamos verdadeiramente à música, abrem-se
possibilidades infinitas.
A vibração e o ritmo estão profundamente ligados ao âmbito psíquico da
nossa existência como Joachim Ernst Berendt mostrou de modo muito
impressionante em sua obra de vida.
Assim que nos damos espaço e tempo para vivermos a música de modo
meditativo, ela nos faz vibrar.
Na respiração associada nós usamos essa força para aprofundar a vivência.
Naturalmente não se trata de somente o terapeuta se entregar à música,
mas de o paciente também ter acesso à música do momento.
Os diferentes âmbitos de ser das pessoas obviamente são tocados por
diferentes estilos musicais.
Uma possível divisão também aqui seria num âmbito físico, psíquico e
espiritual.
Dessa base ritmos arcaicos de tambores corresponderiam ao âmbito físico e
aqui, especialmente, à bacia.
É aí que estão as nossas sensações mais originais.
A bacia é a sede do medo mais profundo e sombrio, nela moram também os
impulsos originais como a sexualidade e o instinto de sobrevivência.
Reconhecemos a nossa lida pessoal com esses âmbitos de vida na nossa
disposição de deixar movimento e vida surgirem nesse local.
Muitas vezes as mulheres demonstram mais franqueza na lida com esse
âmbito diurno do que os homens.
Outras culturas podem nos mostrar como essa região do corpo se tornou
distante para nós.
Portanto, não é de admirar que o tambor esteja amplamente disseminado
nesses círculos culturais; ele une vontade de viver, fertilidade e paixão.
A música dessas culturas, como a encontramos isolada na África negra ou
no Caribe, também nos comove.
À medida que a deixamos entrar, e por assim dizer a inspiramos,
possivelmente sem traduzir a energia da música em movimento corporal,
temos a oportunidade de entrar em contato com essa força arquetípica em
âmbitos interiores.
Isso não significa obrigatoriamente que essa música precisa nos agradar.
Uma resistência interior também pode indicar como é importante para nós
entrar em contato com esse tema.
O segundo âmbito musical representa o plano psíquico e emocional da
nossa vida.
Uma grande parte das gerações que vivem hoje de algum modo tem uma
relação com o rock e a música pop.
A primeira paixão talvez esteja ligada a uma música de Elvis Presley.
Se depois de décadas ouvimos essa música no rádio por acaso, as
sensações associadas e a figura do primeiro amor virão à tona.
Se crescemos com música de rock e pop, nosso desenvolvimento interior e
exterior está ligado a essa música.
O crescimento exterior leva ao segundo, o nascimento interior do homem.
O caminho de desenvolvimento interior e exterior simbolicamente se
constitui dos mesmos passos e marcas do caminho.
Por isso, a música, que já acompanhou o nosso desenvolvimento exterior,
pode igualmente bem tornar-se a orientadora no país da alma.
O terceiro âmbito é a região espiritual e é em grande parte coberta pela
música clássica e espiritual.
Esta representa o âmbito energético mais elevado e está em ligação com a
espiritualidade.
Quem tem uma boa relação com a música clássica demonstra com isso a
sua necessidade de conteúdos espirituais.
Mas devemos basicamente evitar avaliar a paixão musical de uma pessoa.
Não é totalmente certo que o fã de música rock pesado seja espiritualmente
menos desenvolvido do que o ouvinte de música clássica.
Pois é possível que o último realmente ouça música clássica para fingir
espiritualidade e que deixou de lado os planos inferiores de seu
desenvolvimento e a música correspondente.
Esse caso pode ocorrer quando o amigo de música clássica tem uma
aversão à música rítmica, com ênfase no corpo.
O mesmo naturalmente vale no sentido inverso.
O fã de rock pesado, que tem horror à música clássica, é muito parecido na
sua estrutura interior ao excêntrico ouvinte de música clássica.
Para seu alívio, podemos afirmar que o desenvolvimento sempre ocorre de
baixo para cima.
Por isso, o desenvolvimento musical sempre começa com o tambor e a
dança ao redor do fogo, para se desenvolver da emotividade (por exemplo,
canções que falam ao coração) até o mundo espiritual (clássica).
Na respiração associada, o nosso objetivo deve ser encontrar um caminho,
aproximando-se de diferentes tipos de energia musical, de orientações
musicais na sequência correta.
Provavelmente cada pessoa em algum momento chegaria à música clássica.
Toda orientação musical precisa ser reconhecida e vivida como fase
necessária do desenvolvimento.
Nesse sentido, aquela pessoa que só tolera música clássica, certamente
está na pior situação, pois obviamente deixou de lado os âmbitos inferiores,
o que com frequência resulta na correspondente bacia sem vida.
Se criamos um campo musical, o tipo de música influenciará o âmbito da
experiência.
Esse campo é vivo, é determinado juntamente por todos os elementos
participantes e pode se modificar a qualquer instante.
Por isso, o terapeuta em certa medida precisa ter a capacidade de um bom
disc jockey.
Ele deve ter condições de reagir à mudança de estado de espírito de um
paciente isolado ou — ainda mais difícil — de um grupo, com as variações
da música e, naturalmente, precisa motivar os participantes à profunda
respiração associada por meio da música.
A escolha concreta da música é um tema difícil e, teoricamente, difícil de
administrar.
Assim como as crianças e as sociedades arcaicas começam tamborilando,
do mesmo modo uma sessão de respiração poderia ter uma boa base com a
música correspondente.
Então a música deve ser melódica e, no caso ideal, aumentar de força e
energia até chegar ao auge no processo de respiração, para na terceira e
última fase, a que representa o ponto máximo, passar para música
espiritual tirada das diversas tradições.
Surpreendentemente, as pessoas provenientes do círculo cultural cristão se
harmonizam com mais facilidade com os sons espirituais estranhos, visto
que na própria tradição muitas vezes eles foram corrompidos.
No entanto, com frequência uma sessão profunda de respiração é uma
oportunidade maravilhosa de reencontrar o acesso à própria tradição.
Essencialmente, toda música que tenha a característica de sustentar, liderar
e animar é adequada.
No início da sessão, depois da fase meditativa introdutória, ela deve causar
um efeito ascendente e mais animador, na fase principal deve ser
mantenedora e enérgica e, com isso, mais alta, e na fase final ter um efeito
calmante.
Na fase inicial e final oferecem-se peças instrumentais, pois o canto
facilmente leva as pessoas a acompanharem o texto.
Por outro lado uma voz potente pode ser mantenedora e animadora na fase
intermediária, principalmente as vozes femininas podem levar a âmbitos
emocionais.
Com suas músicas tranquilas, Loreena McKenitt, Enya ou Sarah Brightman
podem comover, ao passo que Mick Jagger, Tina Turner ou Joe Cocker
estimulam energicamente e arrebatam.
O contato direto com música live (ou seja, viva) tem sido preservado,
especialmente em nossas sessões de grupo, há muitos anos.
A proximidade física da música se torna perceptível quando o som de um
tambor enche um aposento.
A música ao vivo, contudo, está associada a muito gasto e, infelizmente, só
é possível com muita dificuldade.
E, com vista ao processo respiratório, preservaram-se bem as músicas de
Claudia Fried e Bruce Werber, como "Trance" [Transe] ou "Wege nach
innen" [Caminhos para o interior] para a introdução, "Trommeln der Welt"
[Tambores do Mundo] para as fases dinâmicas, "Mantras der Welt" [Mantras
do mundo] para o final.
A perfeição técnica da música de alta fidelidade atual pode reproduzir a
música em nível tão elevado que se oferecem muitas possibilidades de
tornar sua energia útil também terapeuticamente.

Continua

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