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Jacquie D'Alessandro

SÉRIE REGÊNCIA HISTÓRICA, 03


QUASE UM CAVALHEIRO
Disponibilização em Esp: Ellloras Digital
Tradução: YGMR
Revisão: Roberta G.
Revisão Final: Matias Jr.
Formatação: Pudim

Projeto Revisoras Traduções


Por insistência de seu pai, Lady Vitória Wexhall se vê forçada a viajar de Londres ao imóvel
rural do visconde Sutton, na Cornualha, onde não se interessa tanto pelo nobre como por seu irmão
menor, o Dr. Nathan Oliver, um antigo espião. O destino tornou a unir Vitória com o primeiro homem
a quem beijou, faz três anos, antes de que se apagasse do mapa depois do fim turvo de uma de suas
missões.
Mas o reencontro na Cornualha não está livre de dificuldades. Nathan deve recuperar umas
jóias roubadas, para o que Vitória resulta ser uma pista involuntária. Esporeada pela busca das jóias
e do misterioso ladrão, e por causa de uma atração intelectual e física, a relação entre Vitória e
Nathan avança a chamas por uma novela onde abundam os pretendentes de linhagem, os diálogos
faiscantes e a sensualidade de toda uma época.

Nota da Revisora Roberta:


Gostei muito do livro e adorei fazê-lo.

Nota do revisor Matias Jr.


Um bom livro... a autora é detalhista nos diálogos e, gosta de expressar pensamentos e
desejos, os quais os personagens são cativos durante o livro inteiro... praticamente se devoram em
pensamentos e vontades... risos.
A virginal "mulher moderna" tem um censo engraçado de vingança... Ela acredita que, parodiando,
deve dar um tiro no próprio pé para que o mocinho sinta muita dor e sofra bastante... claro que o
exemplo é exagerado.
Mas, o que dizer de uma virgem sem experiência que resolve dar um beijo em um cavalheiro para
depois deixá-lo apaixonado por ela enquanto ela vai embora em direção a um matrimônio planejado
em detalhes? Ela própria ainda não esqueceu o mesmo... É claro que a virgem moderna é muito
curiosa e por isso, existem momentos deliciosos...
Boa leitura e, tenho certeza que será prazerosa.
Prólogo

Cornwall, 1817

Nathan Oliver protegeu contra seu peito a valise de couro gasto cheio de jóias
roubadas e se recostou contra a áspera casca do imenso olmo em na tentativa de
recuperar o fôlego. Uma bota de cano longo em toda regra... Já quase cheguei. Já
quase o obtive, pensou. Só tinha que cruzar o claro iluminado pela luz da lua, entregar
o bota de cano longo ao homem que esperava do outro lado do bosque e tudo teria
terminado. Por fim desfrutaria de segurança econômica durante o resto de seus dias.
Inspirou lenta e profundamente, até que o ar chegou ao fundo de seus ardentes
pulmões, acalmando assim seu pulso acelerado. O coração lhe retumbava no peito, e
não lhe custou perceber seus batimentos do coração nos ouvidos e na boca do
estômago.
Apesar de que todas eram reações já conhecidas, experimentadas durante as
dúzias de vezes que tinha agido assim anteriormente, nesta ocasião as sensações
foram mais acusadas... por motivos que Nathan não duvidou em deixar sem piedade a
um lado.
Maldição, sua consciência escolhia sem dúvida o momento menos conveniente
para lhe censurar. Mesmo assim, e apesar de todos seus esforços por impedir sua
intrusão, as dúvidas e a culpa que lhe tinham acusado desde que tinha aceitado levar
ao final
este encargo em particular, sua consciência continuava lhe perseguindo. Esquece-o.
Assunto encerrado. Te limite a terminar com isto, disse-se.
Com maior cautela, jogou uma olhada atrás da árvore, com todos os sentidos
alerta. A lua se ocultou depois de uma nuvem, lhe sumindo na escuridão. Uma brisa
fresca, prenhe de aromas marinhos, sacudiu as folhas, mesclando-se com o canto
noturno dos grilos e com o de uma coruja próxima. Embora tudo parecesse em calma,
Nathan notou que lhe fechava o estômago, alerta; um instinto que muito bom serviço
lhe tinha feito no passado. Ficou totalmente quieto durante dois minutos mais,
esquadrinhando, aguçando o ouvido, mas não detectou nada estranho. Colocou-se o
vulto sob o braço, assegurando-o melhor contra o corpo, inspirou fundo uma vez mais
e pôs-se a correr.
Quando quase tinha alcançado já o amparo do bosque do outro lado, ouviu-se um
disparo. Nathan se jogou ao chão, dando um doloroso golpe no flanco. ouviu-se um
segundo disparo de pistola em rápida sucessão, seguido por um surpreso grito de dor.
- Cuidado! - exclamou alguém.
Gelou-lhe o sangue nas veias. Demônios tinha reconhecido essa voz.
Levantou-se, apoiando-se nas mãos, e correu para o lugar de onde lhe pareceu
que procedia o grito. Depois de uma curva do atalho, viu no chão uma figura
masculina. Com toda sua atenção posta no homem derrubado, não ouviu o ruído a
suas costas até que foi muito tarde, antes de poder reagir, viu-se empurrado e a
mercê de um golpe que impactou diretamente entre suas omoplatas e lhe fez perder o
equilíbrio. A valise que continha as jóias saiu disparada de suas mãos, mas outra mão,
embainhada em uma luva negra, a pegou. Logo a escura figura se desvaneceu na
escuridão, agarrando firmemente o que segundos antes tinha pertencido a Nathan.
Sem apenas denúncia, esporeado pelas afiadas garras do medo, levantou-se e correu
até o homem que jazia no chão. Caiu de joelhos junto a ele e olhou os olhos
consumidos pela dor de seu melhor amigo.
- Maldito seja, Gordon, que demônios está fazendo aqui? - perguntou com a voz
empanada pelo medo enquanto procedia a lhe efetuar um apressado reconhecimento.
Quando tocou o ombro de Gordon, descobriu nele o pegajoso calor do sangue.
- Estava a ponto de te fazer a mesma pergunta - descobriu Gordon.
- Alcançaram-lhe somente uma vez?
Gordon se estremeceu e logo assentiu com a cabeça.
- Alcançou-me o segundo disparo. Dói como um demônio, mas não é mais que
um arranhão. Não sei se Colin teve tanta sorte. Vi-lhe desabar-se com o primeiro
disparo.
Nathan ficou gelado para ouvir o nome de seu irmão.
- Onde está?
Gordon assinalou à esquerda com um brusco movimento de cabeça. Ao voltar-
se, Nathan viu um par de botas que apareciam debaixo de um arbusto. A visão lhe
sacudiu como um golpe físico e teve que apertar com força as mandíbulas para
reprimir o
agudo Nãããooo! que brotou de sua garganta. tirou-se o lenço com rapidez, aplicou-o à
ferida do Gordon e colocou sobre ela a mão de seu amigo.
- Aperta-o o mais forte que possa.
Então se levantou de um salto e atirou das botas com a maior suavidade, até
que o corpo apareceu no lamacento atalho, ao tempo que em sua cabeça se repetia o
eco de uma única prece: "Não permita que morra.
Não permita que minha cobiça lhe tenha matado".
Assim que Colin emergiu de entre os arbustos, Nathan se ajoelhou a seu lado.
Colin elevou o olhar para ele, soltou um gemido e Nathan por fim deixou escapar o
fôlego que tinha contido. Seu irmão estava vivo. Agora tinha que concentrar-se em lhe
manter assim.
- Pode me ouvir, Colin? Onde lhe acertaram? - disse entre dentes ao tempo que
seus conhecimentos de medicina se abriam passo a navalhadas entre o pânico, lhe
obrigando a manter a calma e a concentrar-se no trabalho que tinha entre mãos.
- Perna - ofegou Colin.
Nathan localizou o sangue e a ferida na coxa de Colin e, depois de um breve
exame, disse secamente:
- Não há ferida que indique a saída da bala. - desatou-se a gravata e aplicou
pressão para conter o fluxo sangüíneo. - Tenho que te tirar a bala o antes possível.
Logo terá que costurar ao Gordon. Devemos voltar para casa. Têm cavalos?
- Não - disse Gordon, diretamente a suas costas. - E que diabo te faz pensar que
vou deixar que me costure?
Nathan lançou um olhar por cima do ombro e viu Gordon de pé, lhe olhando com
fúria. Seu amigo seguia pressionando-a parte superior do braço com a mão, mas
inclusive na penumbra Nathan pôde ver como gotejava o sangue entre seus dedos.
Como
também pôde ver a ira brilhando nos olhos do Gordon.
- Possivelmente porque sou o único médico que há nos arredores e porque
ambos precisam cuidados médicos imediatos.
- Diria que esta noite não exerce somente de médico, Nathan. - O olhar de
Gordon se desviou para Colin. - Já te havia dito que algo sujo se tramava. - Voltou
então para fixar o olhar em Nathan - por que? Maldito seja, por que o tem feito?
A mentira cuidadosamente tecida e alojada na garganta de Nathan que
supostamente devia lhe proteger se desfez como um tecido insuficientemente
confeccionado à vista da derrota acontecida essa noite. Sua mente, normalmente ágil,
sentia-se incapaz de pensar à vista de seu melhor amigo ensangüentado e de seu
irmão vítima de um disparo de pistola. Sem dúvida, Gordon lhe acreditava culpado de
algo... E tinha boas razões para isso. Entretanto, a julgar pelo tom de voz e pelo olhar
glacial de seu amigo, também suspeitava o pior.
Nathan voltou-se lentamente para olhar ao Colin e ficou de pedra. Por muito que
as palavras do Gordon lhe tivessem doído, foi o olhar que alcançou a ver nos olhos de
seu irmão o que lhe golpeou como um murro no estômago. E no coração.
Os olhares de ambos se encontraram, enfrentadas, e as vísceras do Nathan se
encolheram ante a dúvida e a acusação tão eloqüentemente evidentes que viu nos
olhos de Colin.
- Nathan?
Só uma palavra. Mas o modo em que a disse, o olhar que delatavam seus olhos,
bastou para cravar uma estaca no coração de Nathan.

Capítulo 1

A mulher moderna atual não deve sob nenhum conceito permitir que um
cavalheiro se aproveite dela, jogue com seus afetos ou a considere um simples
entretenimento a abandonar depois de um interlúdio de prazer. Se um cavalheiro
cometer o engano de atuar assim, ela deveria responder lhe tratando de um modo
igualmente depreciativo. Uma rusga vingada em seu momento pode, desse modo,
ficar enterrada no passado.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima.


Charles Brihtmore.

- O que é isso que lê com tanta atenção, Vitória?


Sem poder reprimir um sobressalto culpado, lady Vitória Wexhall fechou
bruscamente o magro exemplar forrado em pele do Guia feminino que descansava
sobre seus joelhos e levantou os olhos para fixá-los em tia Delia, que ia sentada frente
a ela na carruagem e durante a última hora, tinha estado cochilando, mas que nesse
instante a olhava com uns olhos violáceos iluminados pela curiosidade.
O calor se apropriou das bochechas de Vitória, que rezou para não revelar-se tão
avermelhada como lhe parecia está-lo. Deixou o livro sobre o assento de veludo cinza
e rapidamente o cobriu sob seu xale de cor verde escura. Sem dúvida tia Delia ficaria
horrorizada se chegava a surpreendê-la lendo o livro cujo explícito e provocador
conteúdo tinha provocado um voltado de escândalo em Londres. E não lhe cabia
dúvida de que a sua tia horrorizaria saber o que planejava levar a cabo assim que
chegassem a Cornwall, graças a ter lido o livro.
- Não é mais que um dos livros que comprei na livraria Wittnower's antes de sair
de Londres. - E antes de que sua tia pudesse seguir questionando-a, acrescentou
apressadamente: - Te encontra melhor depois de sua sesta?
- Sim. - Tia Delia acompanhou sua resposta com uma careta resignada e estirou
o pescoço a um e outro lado. - Embora me alivia saber que por fim chegaremos hoje a
Cornwall e deixaremos de estar confinadas neste carro.
- Estou de acordo contigo.
A viagem de Londres tinha resultado comprido e árduo, uma viagem que Vitória
não teria realizado em circunstâncias normais. Se alguém lhe tivesse sugerido que ia
renunciar por própria vontade à comodidade, ao glamour e ao torvelinho social da
sociedade londrina - sobre tudo no momento em que a temporada estava a ponto de
dar começo - para transladar-se às remotas e incivilizadas terras de Cornwall, lhe teria
dado um ataque de risada. Embora bem certo que pouco podia imaginar que disporia
da oportunidade idônea para vingar-se merecidamente do homem que a tinha
ofendido no passado. Armada com seu exemplar do Guia feminino, que tinha lido com
muita atenção, e com um plano de ataque claramente desenhado, estava preparada.
Mesmo assim, seguia incômoda ante o pouco oportuno da viagem.
- Ainda não posso acreditar que papai tenha insistido em que façamos esta
viagem justo agora. Sem dúvida poderíamos ter esperado umas semanas.
- Com o tempo aprenderá, querida minha, que até os homens mais joviais são,
no fundo, irritantes criaturas.
- Como irritante é o inoportuno desta viagem - disse Vitória.
A irritação que levava borbulhando sob sua pele desde que tinha sido incapaz de
convencer a seu pai para que atrasasse a viagem voltou uma vez mais a superá-la. Por
motivos que não era capaz de decifrar, não tinha conseguido convencer a seu pai, um
homem normalmente indulgente. Quando ficou patente que ele não pensava dar seu
braço a torcer, Vitória por fim tinha acessado a dobrar-se a seu calendário. Não era
sua intenção incomodar nem desiludir indevidamente a seu pai, quem em estranhas
ocasiões lhe pedia algo. E tampouco estava disposta a deixar escapar a ocasião de pôr
em seu lugar o passado, posto que essa seria sem dúvida a última oportunidade. Se
tudo saía segundo o plano de vida que com tanto esmero tinha desenhado, ao ano
seguinte por essas datas seria uma mulher casada e com um futuro assegurado.
Possivelmente inclusive se converteria em mãe.
- Quando penso em todas as veladas que estou perdendo não alcanço a
entender no que estaria pensando papai.
Tia Delia arqueou as sobrancelhas.
- Ah, não? Surpreende-me ouvir falar assim com alguém com uma mente tão
brilhante. Não há dúvida de que seu pai deseja verte casada.
Vitória piscou.
- Sem dúvida. E essa é também minha intenção. Mas esse não pode ser o motivo
de que mande ao Cornwall. Sobre tudo agora. Só no último mês, tanto o barão do
Branripple como o barão do Dravensby iniciaram com papai conversações em relação
ao matrimônio.
Com a temporada a ponto de dar começo em Londres, e com as numerosas
oportunidades de afiançar minha relação com um dos barões que isso supõe, ou
inclusive de conhecer mais cavalheiros casaderos, papai se teria beneficiado muito
mais da situação se eu tivesse ficado na cidade.
- Não se o cavalheiro ao que deseja que conheça está no Cornwall, querida
minha. - Tia Delia franziu os lábios. - Eu gostaria de saber por qual dos Oliver se
decanta seu pai,se pelo barão viúvo ou pelo Colin, seu herdeiro, o visconde do Sutton.
Ou possivelmente seja pelo filho caçula, o doutor Nathan Oliver?
Vitória conseguiu manter-se impassível ante a menção daquele nome.
- Seguro que não se trata de nenhum deles. A lorde Sutton conheci
brevemente... em uma ocasião, já fazem três anos... E quanto ao barão, não acredito
que papai me anime a me casar com um homem tão velho como lorde Rutledge.
- Conforme acredito, o velho lorde Rutledge é um ano mais novo que eu - disse
tia Delia em um tom seco como o pó. antes de que Vitória pudesse desculpar-se por
seu desacerto, sua tia prosseguiu: - Mas se esquece do doutor Oliver.
Oxalá o tivesse feito já... oxalá tivesse podido... mas o farei. depois desta visita,
conseguirei lhe exorcizar de minha mente, pensou.
- Não, não me esqueci dele. É só que não me parece necessário tirar colação seu
nome, posto que nem papai nem eu consideraríamos jamais as possibilidades de um
candidato tão humilde, sobre tudo quando dois barões manifestaram já seu interesse.
- Não recordo te haver ouvido mencionar nem um só pedido de Branripple nem
de Dravensby, querida.
Vitória encolheu os ombros.
- Ambos são cavalheiros distintos e muito cobiçados, procedentes de famílias
muito respeitadas. Qualquer deles seria um excelente partido.
- É bem sabido que ambos pretendem desposar a uma herdeira.
- Como é o caso de muitos outros com nobres títulos e bolsos vazios. Sempre
soube que iriam me querer por minha fortuna. Do mesmo modo que sempre soube
que teria de fazer um bom matrimônio para assegurar minha fortuna.
Nem que dizer tem que não posso contar com que Edward será generoso uma
vez papai já não esteja entre nós.
Vitória reprimiu um suspiro ante a menção de seu irmão mais velho. Por muito
que lhe doesse, era inegável que Edward, que nesse momento se encontrava no
continente fazendo somente Deus sabia o que, era um mulherengo irresponsável,
jogador,
briguento e bêbado que a bom seguro se desfaria dela assim que seu pai falecesse.
Naturalmente, lorde Wexhall a deixaria economicamente acomodada, mas Vitória
desejava formar uma família. Filhos. E uma firme situação na sociedade.
- Não tem a menor preferência entre o Branripple e Dravensby?
- Em realidade não. São de idade e temperamento similares. Tinha planejado
acontecer mais tempo em sua companhia durante a temporada para assim poder me
decidir por um dos dois.
- Então está segura de que te casará com um deles?
- Sim. - Por que não punha-se a voar seu coração ante semelhante perspectiva?
O matrimônio com qualquer desses dois homens se traduziria para ela em uma vida de
luxos na cúspide da sociedade. Sem dúvida sua mente estava preocupada com a
tarefa que se propôs levar a cabo em Cornwall. Seguramente o entusiasmo que devia
sentir por seus pretendentes se faria manifesto assim que completasse seu objetivo.
Tia Delia suspirou.
- Lamento-o muito, querida.
- Que o lamenta? O que é o que lamenta?
- Que não te tenha apaixonado.
- Apaixonada?
Vitória rompeu a rir. Entretanto, inclusive então, uma pontada interna a sacudiu.
Freqüentemente albergava essa classe de estúpidas fantasias, como era próprio da
maioria dessas moças. Não obstante, tinha maturado e, em um alarde de bom tino,
tinha deixado a um lado tamanha estupidez.
- Sabe tão bem como eu que o amor é uma pobre base para o matrimônio -
disse. - Sobre tudo quando há implícitos sobrenomes, títulos, fortunas e propriedades
familiares. O matrimônio de papai e mamãe não esteve apoiado no amor.
- A imagem do rosto de sua mãe se desenhou em sua mente: era a imagem que
Vitória levava no coração, em que aparecia sua mãe sorridente e formosa, antes de
que a enfermidade lhe roubasse primeiro a vitalidade e logo a vida.
- Possivelmente não, mas chegou o dia em que o afeto que sentiam um pelo
outro floresceu até converter-se em amor - disse tia Delia. - Não todos os casais são
tão afortunados. Eu não fui.
Vitória deu um suave apertão à mão de sua tia em uma amostra de compaixão. A
década que tinha durado o matrimônio de sua tia viúva não tinha sido uma época feliz
na vida da senhora.
- Tal como eu o vejo - prosseguiu tia Delia, - a razão de que seu pai insistisse em
que viesse ao Cornwall era ampliar seus horizontes. Que visse outras partes do país,
além de seus lugares prediletos de Londres, Kent e Bath. Que abrisse a mente, e o
coração, a novas experiências e a outras pessoas.
- Suponho que tem razão. Embora não acredito que papai espere me encontrar
um pretendente no Cornwall. Sem dúvida me haveria dito isso.
- Você acredita? Não compartilho sua opinião, querida. Como não demorará para
saber, os homens são freqüentemente criaturas irritantemente reservadas.
Vitória não pôde discuti-lo, sobre tudo no que a seu pai se referia.
- E por que não me ia dizer isso Mesmo assim?, assim que a pergunta escapou
de entre seus lábios, soube a resposta. - Não me diria isso porque sabe que eu jamais
aceitaria viver tão longe da cidade. Tão longe de... - Agitou a mão para abranger com
ela toda um nada verde que tinha ante seus olhos. - longe da civilização. Como eu não
iria viver na cidade durante a temporada? E durante o verão, sem dúvida a não mais
de umas poucas horas de Londres, o suficientemente longe para desfrutar de uma
conveniente tranqüilidade rural, e o bastante perto para gozar do torvelinho social da
cidade, as lojas, e me manter ao dia das últimas modas e das últimas intrigas.
Ergueu as costas contra o respaldo do assento. Podia tia Delia estar certa? De
ser assim, seu pai estava condenado a ser vítima de uma dolorosa decepção, pois por
muito encantados que fossem o barão e o visconde, Vitória nunca aceitaria um
matrimônio que a atasse, por lei, a um homem que pudesse relegá-la - e que sem
dúvida a relegaria aos desolados e remotas paragens do Cornwall. Um calafrio a
percorreu assim que o pensou.
- Lembrança que conhecemos visconde Sutton em Londres faz uns anos - disse
tia Delia. - Um jovem arrumado.
- Sim. - Excepcionalmente arrumado, pensou Vitória. Embora era o irmão caçula
de lorde Sutton quem tanto a tinha perturbado. - Mas, no que me diz respeito, daria
igual a se tratasse do homem mais belo do planeta. Não estou interessada nele.
- Nessa ocasião também conhecemos seu irmão caçula - disse tia Delia,
enrugando a frente. - O doutor Oliver. A primeira vista não custava adivinhar que
brilhava nele a faísca do demônio.
A imagem que Vitória tantos esforços tinha feito por tentar se separar de sua memória
se materializou imediatamente em sua mente. Um jovem alto, de ombros largos e de
cabelo ondulado e castanho, dotado de uns intrigantes e brincalhões olhos de cor
avelã e de um sorriso travesso que inexplicavelmente - e inegavelmente - a tinha
fascinado do instante em que ambos se conheceram em Londres fazia três anos em
casa dos Wexhall. Inclusive nesse instante, o coração pareceu lhe dar um tombo...
sem dúvida o resultado da severa irritação provocada pela simples lembrança do
doutor Oliver.
Com a imagem dele firmemente instalada em sua cabeça, assaltaram-na as
inquietantes lembranças daquela noite vivida fazia já três anos. Vitória acabava de
celebrar então seu décimo oitavo aniversário e se viu avermelhada de segurança
feminina ante sua fabulosamente bem-sucedida primeira temporada, uma segurança a
que tinha dada asas o indisputável interesse que tinha despertado nos olhos do
pecaminosamente atrativo convidado de seu pai. A imaginação de Vitória tinha
catalogado imediatamente ao doutor Oliver como um aventureiro, um dissoluto pirata
que se fugiria com ela e que a levaria a seu navio para beijá-la e... Enfim, não sabia
com total segurança que mais, mas sem dúvida, fora o que fosse, era o mesmo que
avermelhava ferozmente as bochechas de sua camareira a dozela Winifred quando a
jovem mencionava ao Paul, o arrumado lacaio novo.
A imagem de instantânea atração que o doutor Oliver despertou nela tinha sido
embriagadora e assustadora, absolutamente comparável a nada do que lady Vitória
tinha experiente com antecedência, apesar de que francamente a tinha confundido
pois bem era certo que tinha visto outros arrumados cavalheiros antes, inclusive mais
arrumados que o bonito jovem. O próprio irmão do doutor, lorde Sutton, que se
encontrava a menos de três metros de onde ela estava, era sem dúvida o mais
arrumado dos dois, e parecia muito mais cavalheiresco e correto.
Entretanto, ninguém poderia ter negado que Vitória era incapaz de explicar sua
reação ante o doutor Oliver. Havia algo nele, possivelmente fossem seus cabelos, um
pouco muito compridos, ou a gravata ligeiramente enrugada, ou os brilhos travessos
que rondavam seu olhar e as comissuras de seus deliciosos lábios o que tinha
capturado sua fantasia. O que a levou a desejar lhe tocar o cabelo, lhe alisar a gravata
e lhe perguntar o que era o que lhe resultava tão divertido.
Mas era, sobre tudo, sua forma de olhá-la o que lhe tinha acelerado o coração,
lhe produzindo acaloradas pontadas de prazer da cabeça aos pés. Nathan tinha
pousado nela o olhar com uma combinação de cálida diversão e um imperturbável
flerte que arrematava os limites do decoro. E embora Vitória deveria haver-se sentido
horrorizada, o certo é que se mostrou encantada. O doutor Oliver não se parecia com
ninguém nem a nada do que tinha experiente até o momento, e quando lhe sugeriu
que lhe levasse a dar uma volta pela galeria dos retratos, ela tinha aceitado
imediatamente, decidindo que não havia nada de indecoroso nisso. Sua tia e lorde
Sutton estariam na habitação contigüa. A porta que unia ambas as salas estaria
totalmente aberto... Entretanto, assim que esteve a sós com ele, o aprumo que
normalmente caracterizava a Vitória a abandonou. Horrorizada, viu como seus esforços
por impressionar ao doutor Oliver com sua maturidade, seu vestido novo e sua
conversação não chegaram a bom porto. Viu-se tagarelando sem fôlego e dando
amostra de uma incontinência verbal que não era capaz de controlar. Tudo o que tinha
aprendido sobre maneiras pareceu abandoná-la e se limitou a balbuciar, incapaz de
pôr freio a nervosa corrente de palavras que ferviam de seus lábios. Embora a cabeça
lhe ordenava calar, que levantasse o queixo e que se limitasse a obsequiar a seu
acompanhante com um largo e frio olhar, por motivos que não alcançou a
compreender, seus lábios seguiram movendo-se e as palavras derramando-se deles.
Até que por fim ele a silenciou com um beijo.
Uma quebra de onda de calor a abrasou ao recordar aquele beijo aquele incrível
beijo com o que ele a tinha deixado sem fôlego, lhe confundindo os sentidos, lhe
detendo o coração no peito e lhe debilitando os joelhos. Foi um beijo tão breve...
Muito.
Vitória tinha aberto os olhos e se encontrou com o olhar dele e com um sorriso
malicioso em seus lábios.
- Assim funcionou - murmurou então Nathan com um rouco suspiro. Ao ver que
ela ficava muda, ele arqueou uma sobrancelha e disse : - Não tem nada mais que
dizer?
Ela conseguiu sussurrar duas palavras como única resposta:
- Outra vez.
Algo escuro e delicioso tinha aparecido nos olhos do Nathan, quem a deleitou
com um tipo de beijo distinto: uma lenta, profunda e luxuriosa fusão de bocas e
fôlegos, um emparelhamento assombrosamente íntimo de línguas que despertou todas
e
cada uma das terminações nervosas do corpo de Vitória. Pegou-se a ele, ansia de um
desespero e de um desejo que não alcançava a compreender. Tão só alcançava ou
seja que queria mais, que desejava que ele não deixasse de beijá-la. Mas não foi assim
e, com um gemido, ele a tirou dos braços e, retirando os de ao redor de seu pescoço,
separou-a com firmeza dele.
Olharam-se fixamente durante segundos compridos e, apesar de que Vitória se
viu obrigada a interpretar a intensa expressão que leu no rosto dele, tão aturdida
estava que lhe resultou do todo impossível. Logo os lábios do Nathan se curvaram até
esboçar um malicioso sorriso e estendeu os braços para ela. Com um pequeno
movimento de seus dedos largos e fortes, ajustou-lhe o corpo do vestido, que, apesar
de que ela nem sequer tinha reparado nisso, estava assombrosamente torcido, e a
seguir lhe aconteceu a gema do polegar por seus lábios ainda formigando. O doutor
pareceu a ponto de dizer algo quando seu irmão lhe chamou da habitação contigüa.
levou-se então a mão de Vitória à boca e pegou os lábios a seus dedos.
- Um interlúdio de tudo inesperado e prazeiroso, minha senhora - sussurrou,
depois do qual, depois de despedir-se dela com uma piscada dissoluta, saiu
apressadamente da habitação.
Temerosa de enfrentar-se a sua tia antes de recuperar o julgamento, Vitória correu a
sua habitação. De pé, diante de seu espelho de corpo inteiro, ficou perplexa ao ver
nele seu reflexo. O perfeito penteado estava grosseiramente desordenado, o vestido
enrugado, a pele acesa e os lábios vermelhos e inflamados. Entretanto, até sem essas
manifestações externas do apaixonado intercambio com o doutor Oliver, a expressão
de assombro e de descobrimento que iluminava seus olhos a teria delatado
imediatamente.
O sentido comum a ameaçava a horrorizar-se ante seu mais que surpreendente
comportamento, ante as liberdades que lhe tinha concedido ao doutor, mas seu
coração se negou em redondo. Como podia esperar-se dela que pensasse com
claridade quando, pela primeira vez em sua vida, quão único desejava era sentir?
Não tinha permitido a nenhum dos numerosos cavalheiros que tinham tentado
ganhar seu favor durante a temporada que a beijassem. Tinha sonhado com seu
primeiro beijo. Sem dúvida tinha planejado a cena ao detalhe, como o fazia com tudo
na vida: teria lugar nos sóbrios jardins, depois de que o cavalheiro em questão o
tivesse solicitado e tivesse recebido sua permissão. Entretanto, em apenas um instante
todos seus planos se desvaneceram em uma nuvem de vapor. Nem em suas mais
atrevidas fantasias teria ousado conjurar nada semelhante aos incríveis e mágicos
momentos que tinha compartilhado com o doutor Oliver. Não via a hora de voltar a lhe
ver, e depois do que tinham compartilhado, sabia que ele ficaria em contato com ela.
Mas Vitória não tinha estado tão equivocada em toda sua vida. Nunca voltou a
lhe ver nem ou saber dele.
Agora, ao contemplar da janela da carruagem as intermináveis colinas verdes
salpicadas de pequenas casas de campo com seus tetos de palha que marcavam a
presença de uma nova aldeia, Vitória fechou os olhos e se envergonhou em silencio ao
dar-se conta de quão estúpida tinha sido, ante a idiota espera esperançada que tinha
regido sua vida durante as semanas seguintes a aquele encontro. Tinha procurado o
Nathan em cada oportunidade, esperando impaciente dia após dia a chegada do
carteiro, sobressaltando-se cada vez que ouvia o repico da aldrava de bronze contra a
porta principal, anunciando alguma visita. Não caiu ante a verdade a que tão cega
tinha estado até uma manhã à hora do café da manhã, seis semanas depois de que o
doutor Oliver lhe tivesse roubado esse beijo, quando, sem lhe dar maior importância,
mencionou o nome do jovem a seu pai. Com uma só frase, seu pai tinha feito
pedacinhos todas suas esperanças.
O doutor Oliver tinha retornado ao Cornwall a manhã seguinte de sua visita à casa e
não tinha intenção de retornar a Londres.
Vitória recordava ainda a febre de humilhação que a tinha abrasado. Pequena
estúpida tinha sido! Tinha atribuído todos esses ideais românticos e heróicos a um
homem que não era mais que um rufião! Um homem que a tinha beijado até lhe fazer
perder o sentido sem a menor intenção de voltar a falar com ela. Um homem que lhe
tinha roubado seu primeiro beijo, um beijo que até a data não tinha podido apagar de
sua cabeça quando sem dúvida ele nem sequer devia lembrar do encontro.
Era a primeira vez na vida que Vitória se viu tão sumariamente desprezada,
tratada com tanta mesquinharia, e não lhe tinha gostado nem um pouco. Que homem
tão grosseiro e insofrível.
Possivelmente fora um cavalheiro por nascimento, mas não havia dúvida de que sua
educação e sua moral brilhavam claramente por sua ausência, posto que não possuía
um mínimo de maneiras.
Muito bem, quando chegasse a hora de partir do Cornwall, Nathan se lembraria dela.
Tinha sido jovem e impressionável, e ele era o suficientemente experiente para saber
que se estava aproveitando de sua inocência. Tinha jogado com ela de um modo que
sem dúvida Vitória teria esquecido e pelo que poderia haver-se reconhecido culpado
de ter podido lhe esquecer. A ideia da vingança jamais lhe tinha passado pela cabeça
até que, acessando às demandas de seu pai, viu-se obrigada a empreender essa
viagem não desejada, feito ao que se somava a recente aquisição do Guia feminino.
Mesmo assim, graças a ambos os fatores, encarregaria-se de que o doutor Oliver
caísse por fim no esquecimento. O Guia feminino aconselhava vingar a essa classe de
rufiões e enterrá-los no passado ao que pertenciam, e Vitória estava totalmente
decidida a fazê-lo. Flertaria com ele e lhe beijaria tão sem piedade como ele o tinha
feito com ela para logo partir, lhe deixando com lembranças que atormentassem suas
largas e escuras horas entre o crepúsculo e o amanhecer. Retornaria alegremente a
Londres e se casaria com um de seus barões, deixando por completo o episódio com o
doutor Oliver atrás dela. Sim, era um plano excelente.
A voz de tia Delia desviou sua atenção da paisagem.
- Segundo seu pai, o doutor Oliver é um grande médico, afirmação que estou
segura é correta.
- Por que o diz?
Os olhos de sua tia cintilaram.
- Era óbvio que tinha muito boa mão para o trato com os doentes. Seu pai
também mencionou o interesse do doutor Oliver pelos temas científicos.
Vitória logo que conseguiu conter a careta que lutava por lhe esticar os lábios.
Sem dúvida, Nathan desfrutava cravando asas de insetos a plafones e essas coisas. E,
quanto a sua profissão Ora.
Uma prova mais de que não era um autêntico cavalheiro, pois nenhum
cavalheiro que se apreciasse se dedicaria a um ofício.
A carruagem diminuiu a marcha até avançar lentamente, e soou então a voz
ensurdecedora e profunda do chofer:
- Podem ver daqui a panorâmica lateral do Creston Manor, detrás dessas altas
árvores da direita, senhoras. Já só fica seguir este caminho para rodear a propriedade
e chegar à parte dianteira. Estaremos ali em um quarto de hora.
Os cavalos retomaram um passo mais alegre, e Vitória e sua tia estiraram o
pescoço para olhar pela janela. Assim que deixaram atrás as árvores, uma
impressionante casa ensolarada ficou à vista. A fachada de tijolo, despintado até um
delicado rosa pálido, parecia refulgir no suave reflexo da tardia e dourada luz do sol da
tarde. Incrustada entre árvores muito altas e pastos de cor verde esmeralda, Creston
Manor resultava de uma vez imponente e tentador.
Desde sua vantajosa panorâmica lateral, Vitória pôde ver os elegantes jardins e
estábulos convocados na parte posterior, e um reluzente lago de águas azuis na parte
dianteira que refletiam de uma vez as árvores circundantes e a casa, ao tempo que o
austero desenho do edifício ficava claramente suavizado pelas ondulações da água.
Um movimento junto aos estábulos chamou a atenção de Vitória, quem se
inclinou para diante. Havia dois homens junto às portas abertas dos estábulos. Um
deles era um cavalheiro de cabelos escuros com roupa de montar. Parecia estar
falando com o outro, que sem dúvida era um criado, pois não levava camisa e
sujeitava com a mão o que parecia ser um martelo.
O olhar de Vitória ficou preso nas costas nuas do homem que, inclusive da
distância, podia apreciar larga e coberta de uma brilhante capa de suor. Sentiu que o
calor lhe avermelhava as bochechas e, apesar de tentar apartar os olhos, seu olhar,
repentinamente teimoso, negou-se a retirar-se. Embora sem dúvida sua reação se
devesse simplesmente a que se sentia escandalizada. É obvio.
Os serventes da propriedade que sua família tinha no campo jamais se dedicariam ao
cumprimento de suas tarefas semidesnudos.
Não pôde evitar perguntar-se que aspecto teria o homem visto de frente, dado o
cativante que resultava a panorâmica posterior.
Tia Delia levantou seu monóculo.
- Acredito que o cavalheiro do cabelo escuro é lorde Sutton.
Vitória se obrigou a desviar o olhar ao outro homem e assentiu.
- Sim, acredito que assim é.
- E o outro... - Tia Delia se aproximou tanto a janela que quase chegou a pegar
o nariz ao cristal. - Deus do céu, nenhum de meus criados tem semelhante
aspecto.
Basta para que alguém deseje dedicar-se a inventar desculpas para chamar ao
queri do moço sem camisa.
Os lábios de Vitória se franziram levemente ante o escandaloso comentário da
senhora.
- Essa é uma das coisas que mais me gostam de ti, tia Delia. Sempre diz o que
pensa... inclusive quando o que pensa é...
- Atrevido? Querida, é então quando mais divertido resulta expressar o que
alguém pensa.
- Estou segura de que colocará uma camisa antes de entrar na casa - disse
Vitória, ainda tentando bisbilhotar a cena e ocultar a nota de tristeza de sua voz.
- Uma lástima. Embora suponha que tem razão.
A carruagem girou ao chegar à esquina e o homem se perdeu de vista. Assim
que as duas mulheres voltaram a recostar-se contra o respaldo de seus assentos, tia
Delia voltou a falar:
- Arrumado a que esse homem terá deixado um caminho de corações quebrados
a seu passo.
- Imagino que sim - murmurou Vitória, compadecendo-se imediatamente dessas
mulheres, pois sabia perfeitamente como se sentiam. Não obstante, graças ao Guia
feminino e a seu cuidadoso plano, ia encarregar se pessoalmente de que nem seu
coração nem seu orgulho seguissem enterrados na lama.

Capítulo 2

A mulher moderna atual deve admitir que, assim que se imponha, fará frente a
muitas tentações. Às vezes a tentação adota a forma de um apetecível vestido ou de
uma deliciosa confecção, aos que, dependendo de sua situação econômica,
possivelmente deveria resistir. Entretanto, às vezes a tentação adota a forma de um
apetecível e delicioso cavalheiro, em cujo caso não deveria resistir.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima.


Charles Brihtmore.

Nathan cravou outro prego, esmurrando a pequena cabeça de metal com um


ofego satisfeito.
- Dando rédea solta a suas frustrações? - perguntou uma voz grave a suas
costas.
Nathan se esticou ante o comentário de seu irmão. Logo inspirou fundo e se
obrigou a relaxar os ombros, perguntando-se quando o desconforto que se instalou
entre Colin e ele terminaria por dissipar-se. Isso, claro, em caso de que chegasse a
dissipar-se algum dia. Soltou um ofego, sacudiu o prego com um golpe final que
acompanhou com um grunhido e olhou por cima do ombro.
Impecavelmente vestido com seu traje de montar, imaculadamente uniformizado
e gotejando a imagem do perfeito cavalheiro que Nathan tinha deixado de emular fazia
já tempo, seu irmão lhe observava com essa expressão tão habitualmente inescrutável
nele.
Nathan se voltou e agarrou a camisa enrugada que tinha deixado apartada no
chão para secá-la na frente molhada. O sol lhe esquentava as costas nua e agradeceu
a brisa fresca e perfumada que lhe acariciou a pele quente.
- Dando rédea solta as minhas frustrações - repetiu. - Sim, de fato isso é
exatamente.
- A julgar pela quantidade de marteladas que ando ouvindo toda a manhã deve
estar realmente frustrado. - Colin assinalou com o queixo a obra do Nathan. - Um
pequeno curral que estava construindo para os animais.
- Se por acaso não te tinha dado conta, cheguei a casa com um bom número de
animais.
- Teria resultado condenadamente difícil não reparar neles, com todos esses
mugidos, balidos, cacarejos, latidos, miados, grasnidos, grunhidos e que classe de som
é o que faz essa cabra?
- Essa cabra tem um nome. Petunia.
Colin se beliscou a ponte do nariz e negou com a cabeça.
- Me deseja muito virtualmente impossível entender por que te empenha em
manter semelhante coleção de animais, e ainda mais impossível compreender que
necessidade tinha de trazê-los para Cornwall. Mas o que realmente não chego a
entender é o que te levou a condenar a essa pobre besta lhe pondo um nome como o
da Petunia.
- Não fui eu quem o pôs. Foi a senhora Fitzharbinger, a paciente que me deu de
presente isso, quem a chamou Petunia.
- Bem, está claro que a senhora Fitzharbinger não possui o menor sentido do
olfato porque em minha vida cheirei nada menos parecido à fragrância de uma flor
que essa besta imunda.
- Eu em seu caso mediria minhas palavras, Colin. Petunia é muito sensível aos
insultos e muito dada a arremeter contra o traseiro de todo aquele que fala mal dela. -
Lançou um olhar à cabra que, para ouvir seu nome, levantou sua cabeça brava do
canteiro de flores onde ruminava e lhe olhou com seus olhos negros como a obsidiana.
Um revelador molho de flores violetas e de caules aparecia pelas comissuras da boca
da Petunia ao tempo que seu desordenado queixo não deixava de mover-se.
- Sente especial predileção pelas petunias. Desde aí seu nome.
Colin elevou o olhar ao céu.
- Se realmente lhe tivesse dado o nome atendendo a seu manjar favorito,
facilmente poderia havê-la chamado Lenço, Botão, Vitela...
- Sim, adora comer papel.
- Bem o vi esta manhã quando comeu uma nota que tinha deixado no bolso de
meu colete. Momento no qual também perdi um botão. - Dedicou um olhar furioso e
glacial a Petunia. A cabra seguiu mastigando sem alterar-se no mais mínimo.
- O que aconteceu com seu lenço?
Colin entrecerrou os olhos.
- Isso foi ontem. É que esta besta não sabe que é erva. O que supostamente
deve comer?
- De fato, as cabras preferem as moitas, os arbustos, as folhas e as anlagas.
- Diria mas bem que prefere comer-se tudo o que não esteja parecido ao chão. E
a menor oportunidade.
- Possivelmente. Mas não acredita que valoriza suas palavras. Eu em seu lugar
poria a salvo o traseiro. - Nathan arqueou uma sobrancelha . - Sua nota devia ser de
alguma dama. Petúnia mostra um grande apetite pelas cartas de amor.
- Porque também sabe ler, é obvio.
- O certo é que não me surpreenderia descobrir que assim é. Os animais são
muito mais inteligentes do que imaginamos. Tenho descoberto que Reginald pode
diferenciar entre as maçãs e os morangos. Não gosta dos morangos.
- Estou seguro de que Lareiras e o resto dos jardineiros respirarão aliviados
quando se inteirarem da notícia, sobre tudo dado o triste estado das petunias. E qual
dos membros de sua prole é Reginald? O ganso?
- Não, o porco.
Colin desviou o olhar ao lugar onde Reginald estava convexo sobre o flanco na
maior amostra de felicidade porcina, à sombra de um olmo próximo.
- Ah, sim. O porco. Outro presente de um paciente agradecido?
- De fato, foi o pagamento de um paciente agradecido.
- Paciente que sem dúvida acreditou te prover com um festim de porco, presunto
e bacon.
- Provavelmente. Que sorte para o Reginald que eu não goste de muito bacon.
- Nem tampouco a carne de cabeça de gado, a julgar pelo aspecto dessa vaca.
- Margarida. chama-se Margarida. - Nathan assinalou com um movimento de
cabeça ao bovino negro e branco que pastava junto ao Reginald . - Sei que desfruta te
considerando um homem insensível, mas observa-a.
Um olhar desses enormes e líquidos olhos marrons e nem sequer você poderia
pensar nela, como uma simples fonte de leite fresca.
Colin negou com a cabeça.
- Deus do céu, é um claro candidato a dar com seus ossos no manicômio.
Petunia. Margarida - resmungou. - Todos os seus mascotes têm nome de flor?
- Não todas. O nome do mastim é R.B.
- A julgar pelo tamanho do animal, suponho que vem de Rompe Bancos, não?
- Não. De Rompe Botas. Disse divertido.
- Obrigado. - Não houve nenhuma dúvida sobre o tom sarcástico empregado
pelo Colin. - E R.B. é também o pagamento de algum outro paciente agradecido?
- Sim.
- Como suponho que também o são os patos, os gansos, o gato e o cordeiro.
- Correto.
- É consciente de que o dinheiro é a compensação habitual pelos serviços de um
médico?
- Também o recebo. de vez em quando.
- À vista desta coleção de animais, devo supor que muito de vez em quando.
Nathan se encolheu de ombros. Nunca tinha conseguido convencer ao Colin nem
ao pai de ambos de que estava plenamente satisfeito vivendo em uma casa de campo
que podia caber sobradamente no salão do Creston Manor, nem de que seu mal
emparelhados animais eram seus amigos. Sua família. E como tal, necessitava-os ali
para que lhe ajudassem a brigar com o calvário que, conforme suspeitava, esperava-
lhe à volta da esquina.
- Sinto-me pago com acréscimo tendo um teto sobre minha cabeça e mantendo
alimentados a meus amigos peludos e emplumados.
- Muito mais domesticado que nos velhos tempos - disse Colin.
Imediatamente, o muro que se levantava entre ambos e que tinham estado
sorteando da chegada do Nathan no dia anterior não pôde seguir sendo ignorado.
Mesmo assim, Nathan não desejava falar do passado.
- Muito mais, sim. E assim é como eu gosto.
- Esta era sua casa, Nathan. Não tinha por que te haver partido.
Como era possível que umas palavras pronunciadas com tanta doçura pudessem
lhe golpear com semelhante força?
- Ah, não? - Nathan não conseguiu apagar do todo a amargura que impregnava
suas palavras.
Colin lhe observou atentamente durante segundos compridos desde uns olhos
verdes tão semelhantes aos de sua mãe que inspiraram no Nathan uma nova quebra
de onda de lembranças contra os que teve que debater-se. Por fim Colin voltou a
cabeça e fixou o olhar na distância.
- Poderia ter eleito de forma distinta.
- Não vejo como. Embora tivesse querido ficar, papai me tinha ordenado que
partisse.
- Falou presa da raiva. Como você. Após, tem-te escrito várias vezes, te
convidando a voltar para casa.
- Certo. Mas para então eu já me tinha instalado em Little Longstone. - Passou-
se a mão pelos cabelos. - Apesar de que mantemos uma relação civilizada, seguem
existindo certas... asperezas entre papai e eu que não estou seguro de que vão limar
se em algum momento. - Não lhe fez falta acrescentar: "Como as que existem entre
você e eu". As palavras ficaram suspensas entre ambos como uma névoa úmida.
Colin assentiu devagar.
- Tampouco tinha intenção de voltar.
Nathan fixou sem querer o olhar na zona do bosque situada atrás do Colin.
Sacudiu a cabeça com um tenso gesto.
- Não.
- E entretanto, aqui está.
- A carta de lorde Wexhall não me deixou muita escolha.
- Pareceu-me que aproveitaria a oportunidade para limpar seu nome.
- Me acredite se te disser que a oportunidade de fazê-lo é a única razão pela que
estou aqui. - Uma pontada de culpa beliscou ao Nathan quando viu que Colin apertava
a mandíbula, mas lhe pareceu que dizer a verdade sem rodeios era sua melhor opção.
Já havia muitas mentiras entre ambos.
- Evidenciada pelo fato de que faz três anos que não estiveste em casa -
murmurou Colin.
Sim, três anos. Três anos desde que sua vida tinha trocado drasticamente. Três
anos enterrando lembranças e lutando desesperadamente para encontrar a paz.
Por encontrar um lugar onde sentir-se em casa, onde o passado não lhe
espreitasse desde em todos os cantos.
- Tenho-lhes escrito.
- Estranha vez...
- Dediquei todo meu tempo a encontrar um lugar onde me instalar. Onde me
assentar.
- E teve que ser a quinhentos quilômetros daqui.
- Sim. Em um lugar onde ninguém me conhecesse. Onde ninguém estivesse
sabendo dos fatos.
- Partindo assim só conseguiu parecer ainda mais culpado.
- Em qualquer caso, todos me acreditavam culpado, de modo que não vejo que
isso importasse.
Os dois irmãos se dirigiram um largo e apreciativo olhar. Logo Colin disse:
- Surpreendeu-me que atirasse a toalha tão facilmente. Que não lutasse por
limpar seu nome. Nunca foi dos que se rendem.
- Bom, suponho que não me conhecia tão bem como acreditava.
- Isso parece.
- Ou eu a ti. - Outro olhar se cruzou entre ambos e Nathan disse então: - Pelo
menos, a uma distância de quinhentos quilômetros não estou submetido aos olhares
nem às fofocas. Essa é uma das razões pelas que minhas "bestas", como você os
chama, sejam para mim tão importantes. Tem-lhes sem cuidado meu passado. Não
me julgam. Não podem me fazer danos.
- E é assim como desejas viver? Sem sentir nada?
- Evitar o rechaço e a dor não é quão mesmo não sentir nada.
- Passaram três anos, Nathan. Já é hora de que troque.
- Já o tenho feito.
- Falava em términos mais geográficos.
- Repito-te que já o tenho feito. É só que este lugar... ficar aqui é... difícil. - Seu
olhar descendeu até a perna do Colin, que como bem sabia estava salpicada de
cicatrizes. - Tão fácil resultou a ti esquecer?
- É obvio que não. Nem ao Gordon tampouco. Mas nem ele nem eu deixamos
que o ocorrido possa conosco.
Nathan quase se estremeceu para ouvir mencionar aquele nome. Gordon...
barão do Alwyck... vizinho e amigo da infância.
Outro homem que a ponto tinha estado de perder a vida e tinha cicatrizes em
todo o corpo por culpa dessa desastrosa e última missão para a Coroa. "Por minha
culpa..."
- A nenhum dos dois lhes acusou de ter roubado as jóias. Nenhum de vós perdeu
a honra. Nem a reputação. Eu o perdi tudo. Nenhum foi responsável pela voz do
Nathan se apagou e apertou a mandíbula com tanta força que lhe doeram as
gengivas.
- Salvou-me a vida, Nathan. Também ao Gordon.
Um amargo suspiro surgiu das vísceras do Nathan. Sim, tinha reparado com
êxito o dano físico ocasionado, mas tinha fracassado em muitas outras frentes. Frentes
nos que não tinha a menor intenção de pensar, que não desejava reviver. Não tinha
conseguido esquecer a dúvida acusadora que tinha visto nos olhos do Colin. E não era
menos do que merecia.
Decidido a guiar de novo a conversação para temas menos dolorosos, disse:
- Suponho que nossas convidadas chegarão hoje.
Colin lhe olhou durante vários segundos e assentiu devagar, captando a
mensagem com claridade. Excelente. Nathan tinha suportado todas as lembranças que
era capaz de suportar por um dia.
- Sim. espera-se que lady Vitória e sua tia cheguem hoje - assentiu Colin. - Lady
Vitória... Mentiria se dissesse que me lembro muito bem dela. Tão só lembrança de
maneira vaga que era extraordinariamente formosa.
Anos de prática tinham ensinado ao Nathan a manter seus rasgos perfeitamente
impassíveis. Recordava muito bem a lady Vitória.
- A bom seguro não lembra dela porque a vez que estivemos juntos deixou à
menina comigo enquanto você te dedicava a conversar com sua tia, a irmã de lorde
Wexhall.
- Hum, sim. Sem dúvida tem razão. Conforme acredito recordar, lady Delia era
uma personagem do mais divertido.
- Não saberia te dizer - apontou Nathan com um olhar intencionado, - pois fui eu
quem teve que carregar com lady Vitória.
- Carregar, diz? Que curioso. Se mal não recordar, mas bem a requisitou e lhe
pediu que te mostrasse seus espantosos retratos familiares. - Colin assentiu devagar, e
Nathan reconheceu sem dificuldade o brilho nos olhos de seu irmão.
De repente lhe surpreendeu admitir quanto tinha sentido falta desse brilho. -
Lembrança também que apareceu bastante nervoso atrás de você, depois da
conversação com a deliciosa lady Vitória.
Nathan deu uma portada à maré de lembranças que pugnavam por fazer sua
entrada.
- Nada disso. É só que não desfrutei conversando com essa menina altiva. -
Maravilhou-se desapaixonadamente ante a capacidade que ainda possuía de mentir
sem o menor esforço. Sem dúvida havia coisas que não trocavam. Mesmo assim, a dor
surda que sentiu nas vísceras lhe indicou que possivelmente, e depois de tudo, a
mentira sim tinha requerido nessa ocasião certa dose de esforço.
- Conversando? É isso o que estiveram fazendo naquela habitação tenuemente
iluminada da que retornou despenteado por completo? E, aos dezoito anos, Vitória não
era já nenhuma menina - disse Colin, em cujos olhos o brilho parecia haver-se
acentuado.
- Pois te asseguro que se comportou como tal, tagarelando neciamente sobre o
tempo e a moda.
- Bem, agora que cumpriu já os vinte e um, nem sequer você me negará que já
deixou de ser uma menina. E lorde Wexhall a envia aqui. Conforme dizia em sua carta,
espera que dela cuide. Que interessante.
- E como sabe você com tanta precisão o que continha a carta que me enviou
lorde Wexhall?
- Porque a tenho lido.
- Não recordo te haver dado permissão para que o fizesse.
- Estou seguro de que essa era sua intenção. Desde não fosse assim, não a teria
deixado em uma das mesas da biblioteca.
- Asseguro-te que não tenho feito nada semelhante. - Maldito Colin e suas
magníficas habilidades de ladrão. Bem, possivelmente fora ágil com os dedos, mas
sem dúvida não era um perito na leitura de códigos.
Por muito que tivesse estudado em profundidade a missiva de lorde Wexhall,
jamais teria podido decifrar a mensagem secreta que continha. Nathan sentiu uma
pontada de culpa por não ter compartilhado o conteúdo oculto da carta de lorde
Wexhall com seu irmão, mas queria esperar a receber mais informação para fazê-lo.
Não tinha sentido arrastar a seu irmão a uma situação que potencialmente podia
resultar perigosa até saber com exatidão qual era a situação.
Colin agitou a mão em um gesto depreciativo.
- Embora possivelmente fora em uma mesa do salão. Como dizia lorde Wexhall
em sua carta? Ah, sim. "Espero que cuide de Vitória e que te ocupe de que não sofra
nenhum dano" - recitou com voz sonora.
- Me pergunto que classe de dano crê lorde Wexhall que pode sofrer sua filha.
- Provavelmente tema que Vitória se perca e caia por um escarpado. Ou que
gaste em demasia nas lojas do povoado.
Colin arqueou uma sobrancelha de forma mais eloqüente.
- Possivelmente. Mas fixa lhe que se dirige a ti. Em nenhum momento me
menciona. A menina é tua responsabilidade. Naturalmente, se for tão encantadora
como a lembrança, possivelmente poderia me deixar convencer para te ajudar a cuidar
dela.
Nathan culpou ao calor que lhe abrasava nessa estranha tarde de calor.
Demônios, a conversação estava lhe provocando dor de cabeça.
- Excelente. Deixa que te convença. Darei-te cem libras se cuidar dela - lhe
ofereceu Nathan empregando um tom despreocupado totalmente renhido com a
tensão que lhe consumia.
- Não.
- Quinhentas.
- Não.
- Mil libras.
- Nem pensar. - Colin sorriu. - Para começar, e tendo em conta que
habitualmente seus clientes lhe pagam com animais de granja, duvido que tenha mil
libras, e, a diferença de ti, não tenho o menor desejo de que me pague com coisas
que mugem.
Por outro lado, nem por todo o ouro do mundo renunciaria a verte fazer algo que
com tanta claridade detesta, como te ocupar de cuidar de uma mulher a que considera
uma idiota mimada e irritante.
- Ah, sim, os motivos que me levaram a estar três anos longe daqui voltam a cair
sobre mim de um colchão.
- De fato - prosseguiu Colin como se Nathan nada houvesse dito , - darei-te cem
libras, em moeda em curso, se consegue cumprir com seu dever com lady Vitória sem
que te veja brigar com ela.
Acostumado como estava à natureza brincalhona do Colin, Nathan disse:
- Defina "brigar".
- Discutir. Intercâmbio acalorado de palavras. Brigas verbais. Dou por feito que
não cairão em nenhuma mostra de brigas físicas.
- Não tenho intenção de me aproximar de menos de três metros dela - disse
Nathan, convencido de cada uma de suas palavras.
- Provavelmente seja melhor assim. Está solteira, sabia?
Nathan guardou silêncio. Não, não sabia. Embora pouco importasse. Encolheu-se
de ombros.
Em sua mente se desenhou uma imagem de negros e sedosos cabelos, risonhos
olhos azuis e uma boca luxuriosa e deliciosa. Apesar de ser plenamente consciente de
que ela pôs a prova com ele suas artimanhas femininas recentemente cunhadas,
Nathan tinha ficado encantado com semelhante combinação de inocência, flerte e
nervos que ela demonstrou em sua presença, e tinha sido incapaz de resistir à
tentação de lhe roubar um beijo. O certo é que tão só procurava com isso dar com um
modo zombador de pôr fim ao nervoso bate-papo de Vitória, mas o beijo provocou um
incêndio que o aturdiu. As virginais jovens de boa família recém saídas do colégio não
tinham sido nunca prato de seu gosto, e Nathan não tinha contado com sua reação
aquele beijo.
Nem com a dela. Ambas lhe tinham pilhado por surpresa e não era amigo das
surpresas.
Não obstante, aqueles breves instantes roubados tinham ficado no passado e,
como bem sabia, as lembranças e os lamentos estavam melhor enterrados na mais
profunda vala que alguém pudesse encontrar. Durante os últimos três anos se
convenceu de que lady Vitória tinha maturado até converter-se pouco mais que na
típica filha panaca de qualquer nobre, incapaz de manter uma conversação que não
versasse sobre a moda e o tempo.
Uma presunçosa flor de estufa que emprestava a altivez e a maneiras afetados.
Uma mulher que se zangava e fazia panelas para sair-se com a sua... Em soma,
Nathan a tinha catalogado exatamente como a classe de mulher a que não agüentava.
E agora se veria obrigado a suportar sua companhia. A protegê-la. Mas do que?
De quem? E por quanto tempo? Segundo a carta codificada de lorde Wexhall, este
tinha oculto certa informação na bagagem de lady Vitória, informação que responderia
a essas perguntas e que poderia lhe ajudar a resolver o mistério das jóias
desaparecidas que tinham culpado a ele e a sua consciência, durante os últimos três
anos. Recuperar as jóias. E recuperar tudo o que tinha perdido.
- Inclusive embora crê que Vitória corre perigo, resulta estranho que Wexhall
mande a sua filha a Cornwall - disse Colin. - Acredito que o que tenta é afastar ela de
algum pretendente pouco desejável.
Provavelmente tenha a esperança de casar bem à moça, em cujo caso parece
haver eleito a ti como vítima, ejem... Quer dizer, como afortunado.
Nathan se limitou a fixar nele o olhar.
- Impossível. Lorde Wexhall desejaria para sua filha a um herdeiro, não a um
segundo. - E menos que ninguém a um segundo com uma reputação tão manchada
como a minha, pensou. perguntou-se quanto saberia lady Vitória sobre seu passado...
Quanto lhe teria contado seu pai ou se teria sido livre de fofocas em Londres . - E não
imagino a lady Vitória desejando para si nada menos do que isso. - As sobrancelhas do
Nathan se arquearam ao tempo que lançava a seu irmão um olhar especulativo.
- Sim, é certo, possivelmente lorde Wexhall espere livrar-se da menina, em cujo
caso, e sem lugar a dúvida, seria você a vítima desejada, ejem... Quero dizer o
afortunado.
- Mesmo assim, seus desejos apontam a que você seja quem cuida dela. E não
tenho a menor intenção de permitir que me termine endossando isso .
- Dada sua condição de herdeiro e a meu de pobre segundo que se cobra em
animais de granja seus serviços médicos, não me cabe dúvida de que não vou ter a
menor necessidade de endossar-lhe a ninguém. Suspeito que lady Vitória correrá
diretamente em sua direção.
- Não sabe quanto me alegra ser tão ligeiro de pés.
- E não sabe você o afortunado que me sinto de não ser dono do título nem das
propriedades que bem poderiam seduzir a uma herdeira, ou inclusive converter o
matrimônio em algo peremptório, pois não tenho nenhuma necessidade de dar um
herdeiro.
Temo-me que todas as esperanças matrimoniais da família recaem em ti, lorde
Sutton.
- Deveria te casar se o título fora teu.
- A Deus obrigado, não o é.
- Mas o seria se eu não conseguisse dar um herdeiro à família.
- Só se morrer, e parece gozar de uma saúde excelente. se isso trocar,
felizmente sou um médico magnífico e me encarregarei de que viva até a velhice. E
que te case. e tenha muitos filhos. - Nathan sorriu .
- E tudo isso enquanto eu sigo mantendo minha condição de despreocupado
celibato.
- Lembra-te de quando eu te atirava ao lago, irmãozinho ?
- Certamente. Assim aprendi a nadar. - Dedicou ao Colin um intencionado olhar
da cabeça aos pés . - Como verá, já não sou tão pequeno. Lhe veria e lhe desejaria
isso para me atirar agora ao lago.
- Possivelmente. - Colin assentiu, assinalando ao curral com a cabeça. - Te falta
muito para terminar?
- Necessitarei aproximadamente uma hora mais. - Olhou a imaculada camisa
branca do Colin, o colete de brocado, a jaqueta marrom do Devonshire, as calças
abombados e as botas lustrosas. - Suponho que não me daria uma mão com isto?
- Supõe bem. Vou ao Penzance ao encontro de uma dama. Uma dama
encantadora que, a diferença de sua lady Vitória, em nenhum caso mereceria ser
descrita como uma menina altiva.
- Não é minha lady Vitória.
Colin se limitou a rir.
- Estarei de volta a tempo para me reunir com vós para o jantar. - Logo, com um
gesto da mão, entrou no estabulo, deixando ao Nathan lhe olhando fixamente atrás
dele, com um estranho nó na garganta.
Deus, quanto tinha sentido falta do seu irmão. Apesar de que até então em
nenhum momento se permitiu pensá-lo, ver de novo ao Colin havia tornado a
ressuscitá-lo tudo em uma dolorosa quebra de onda. Essas pequenas amostras de
camaradagem que tinham compartilhado antigamente lhe abriam em dois o peito ante
o peso da perda, embora também lhe davam um raio de esperança por quanto
apontavam a que com sua visita possivelmente conseguisse pôr fim às desavenças
com a família.
Agarrou outro prego com um suspiro, colocou-o em seu lugar e o golpeou com
precisão com o martelo. A vibração reverberou em todo seu braço e repetiu a ação
enquanto especulava sobre o que cabia esperar das seguintes semanas.
Quando, três anos atrás, abandonou seu posto ao serviço da Coroa sob uma
escura nuvem de suspeita e com a reputação feita pedacinhos, jurou-se que sob
nenhum conceito voltaria para redil... salvo no caso de poder contar com a
oportunidade de limpar seu nome. Mesmo assim, no momento de fazer-se aquele
juramento não suspeitava que chegaria o dia em que essa oportunidade lhe
apresentaria. Tinha enterrado o passado, construiu-se uma nova vida em um novo
lugar e vivia em paz... Uma grande diferença com a vida que tinha deixado atrás.
Entretanto, quando de repente tinha surgido a oportunidade de poder recuperar as
jóias e de restabelecer sua reputação, os sentimentos que lhe embargavam eram mais
que ambivalentes.
Alguém lhe tinha aconselhado em uma ocasião que tomasse cuidado com o que
desejava porque os desejos podiam fazer-se realidade. Não tinha alcançado a captar
do todo a dimensão do conselho até esse momento.
E ao repentino reverso que acabava de sofrer sua pacífica existência se unia
agora o fato de ter que voltar a ver lady Vitória.
Em qualquer caso, sua relação com ela seria mínima. Não em vão tinha
planejado a situação ao detalhe. faria-se com a informação que a menina levava com
ela e logo, o antes possível, voltaria a mandá-la a Londres.
Com sorte restabeleceria a honra de seu nome, voltaria então para sua tranqüila
casa de campo em Little Longstone e retomaria sua pacífica existência. Sim, sem
dúvida era um plano excelente.

Capítulo 3

A mulher moderna atual deveria em primeiro lugar dar amostra de uma atitude
distante para o cavalheiro ao que deseja apanhar. Os homens desfrutam da caça, do
desafio que supõe para eles ganhar o favor de uma dama. Se está interessado, nen
uma manada de cavalos selvagens lhe impedirá de persegui-la. Entretanto, assim que
esteja firmemente apanhado, deixa de ser necessário e desejável seguir mostrando a
mesma atitude distante.
Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima.
Charles Brightmore.

Depois de ter terminado por fim com o curral, Nathan apresentou a sua coleção
de animais seu novo lar temporário. Deu uns tapinhas de ânimo à sólida redondez do
Reginald e foi recompensado com uma réstia de aspirados grunhidos. Petunia lhe
golpeou com suavidade a coxa e Nathan lhe deu de comer um punhado de suas flores
favoritas.
- Nem te ocorra dizer-lhe ao jardineiro - lhe advertiu, acariciando o pelo ocre da
cabra. depois de assegurar-se de que seus amigos estavam cômodos, Nathan colocou
a camisa e cruzou os canteiros de grama que lhe separavam do Creston Manor.
Tinha os braços e os ombros doloridos e cansados, embora fosse uma sensação
da que desfrutava, pois com ela impedia que sua mente vagasse por zonas que
desejava a todo custo evitar.
Enquanto andava sob a larga e fresca sombra do Creston Manor desenhada pelo
sol minguante, ouviu o inconfundível som de uma voz feminina. À medida que se
aproximava da casa, pôde por fim distinguir com claridade as palavras.
- As chuvas deixaram os caminhos em um estado simplesmente espantoso.
Nathan se deteve junto à esquina da casa. Apoiou as costas contra a fachada de
tijolo e conteve um gemido. Apesar de que tinham acontecido há três anos desde que
a tinha ouvido pela primeira vez, não havia forma possível de confundir essa voz.
Lady Vitória tinha chegado.
O coração do Nathan executou um tombo inusitadamente ridículo e suas
sobrancelhas se uniram imediatamente em um profundo cenho. Que demônios lhe
ocorria? Algo, sem dúvida. Possivelmente fora a falta de sono. Sim, isso devia ser. Pois
não havia outra explicação para uma reação tão idiota. Fechou os olhos e golpeou a
parte posterior da cabeça contra a pedra da parede duas vezes com suavidade,
porque, por muito tentador que resultasse cair inconsciente, não tinha nenhum sentido
prolongar o inevitável. quanto antes descobrisse o que precisava saber sobre ela,
antes poderia enviar a de retorno a Londres.
Baixou o olhar e um sorriso atirou das comissuras de seus lábios. Lady Vitória
sem dúvida se desfaria ao lhe ver com suas calças manchadas, a camisa molhada e
por fora das calças, e as botas gastas. animou-se grandemente. Isso a empurraria a
partir de Cornwall o antes possível. Nathan supôs que devia rodear a casa até a parte
traseira do edifício e trocar-se de roupa, mas dado que Colin e seu pai estavam de
visita no povoadoado, o dever de dar a bem-vinda às convidadas recaía sobre seus
ombros.
Separou-se da parede e voltou para a esquina com passo firme. Um carro bem
equipado, de cor negra lustrosa e que luzia o brasão da família do barão do Wexhall,
deteve-se no caminho curvo que dava acesso à casa. Um par de faxineiras com
aspecto desfalecido, que sem lugar a dúvida eram as criadas das senhoras, esperavam
junto a uma segunda carruagem que transportava mais bagagem. O exterior e as
rodas do carro, profusamente salpicados de barro, davam fé do espantoso estado do
caminho.
Duas filas de cavalos de idêntico cinza esperavam pacientemente enquanto
Langston e a senhora Henshaw, o mordomo e a ama de chaves do Creston Manor,
dirigiam ao serviço nos trabalhos de descarga dos baús.
Enquanto se aproximava, Nathan estudou o grupo com atenção.
Uma mulher que reconheceu como lady Delia, irmã de lorde Wexhall, estava
falando com a senhora Henshaw. Lady Delia, que vestia um casaquinho azul marinho
em cima de um vestido de musselina de cor nata salpicado das rugas que tinha
deixado nele a viagem, e com um chapeuzinho de encaixe, parecia não ter trocado
nada nos últimos três anos, a última vez que ela e Nathan se viram. Vinte anos antes,
teria sido descrita como uma bela mulher.
Nesse momento, e embora a palavra ainda o fazia justiça, sua maturidade exigia
um término mais próximo a "formosa".
Nathan seguiu adiante, estirando o pescoço, e vislumbrou a parte posterior de
um chapeuzinho amarfilado com volantes. Sua proprietária estava quase escondida
entre a turba de criados que perambulavam pela cena. Nesse preciso instante, lady
Delia se apartou a um lado, deixando à vista o perfil de lady Vitória. Nathan diminuiu o
passo e a estudou.
Com um vestido de musselina de um tom rosa pálido e um casaquinho de cor
rosa fúcsia, lady Vitória aparecia banhada em um resplandecente e dourado halo de
sol, como uma delicada flor da primavera. Uma enérgica brisa com aroma de mar,
cortesia do Mount's Bay, ameaçava lhe arrancar o chapeuzinho. A jovem se levou uma
mão coberta por uma luva cor nata para manter em seu lugar a ridícula bagatela, que
supostamente era a última moda francesa. Apesar de seus esforços, vários cachos
escuros emergiram do chapeuzinho e, a mercê da brisa, acariciaram-lhe a bochecha.
Ao Nathan lhe ocorreu a ridícula ideia de compará-la com um retrato do
Gainsborough, capturada como estava pela brisa e o sol e com os rasgos parcialmente
escurecidos pelo chapeuzinho e o braço levantado.
O único que faltava a lady Vitória para completar a imagem era um campo de
flores silvestres. E possivelmente também um cachorrinho pulando a seus pés. Justo
nesse momento, ela se voltou e os olhares de ambos se cruzaram.
Nathan sentiu vacilar seus passos até deter-se por completo ao tempo que sentia
como se tivesse recebido um murro no estômago, algo que já tinha experiente a
primeira vez que tinha pousado o olhar nela, três anos antes. A brisa pegava o vestido
de Vitória a seu corpo até sugerir que a forma curva e feminina que se encaixou tão
perfeitamente na sua sem dúvida seguiria fazendo-o.
Um dourado raio de sol a emoldurava em um halo de resplendor que lhe dava
todo o aspecto de um anjo, embora Nathan recordava vividamente a maldade que
tinha visto dançar em seu sorriso.
Um inconfundível brilho resplandeceu nos olhos de Vitória, seguido por um brilho
de outra coisa que Nathan não obteve a decifrar de tudo mas que apagou qualquer
dúvida de que ela recordasse o apaixonado beijo que ambos tinham compartilhado.
Logo seus rasgos ficaram desprovidos de toda expressão e seus olhos se
encheram de uma fria indiferença que subiu por suas sobrancelhas. Indubitavelmente,
Nathan não tinha deixado uma impressão favorável em lady Vitória.
Embora não estava seguro de que isso lhe resultava mais molesto que divertido
ou viceversa.
O olhar da jovem deu um rápido repasse à roupa do Nathan. A seguir franziu os
lábios com firmeza e arqueou uma sobrancelha, dando amostras de uma eloqüência
que indicava que o aspecto de lhe resultava quase tão atrativo como algo que bem
pudesse ter arrancado do fundo de um de seus delicados sapatos. Excelente. Levava
ali menos de dois minutos e Nathan tinha conseguido alterá-la. Odiava ser o único em
ver-se pego despreparado.
Conteve um sorriso e se adiantou para ela.
- Saudações, senhoras - disse ao unir-se ao grupo. - Me agrada ver que
chegaram sem sofrer nenhum contratempo. tiveram uma viagem agradável?
Lady Delia se levou a olho um adornado monóculo e lhe olhou com atenção.
- É um prazer voltar a lhe ver depois de todos estes anos, doutor Oliver.
- O prazer é meu, lady Delia - disse Nathan, lhe oferecendo um sorriso e uma
formal reverencia.
O olhar afiado de lady Delia não passou por cima o aspecto descuidado do
Nathan.
- Ao parecer foi você vítima de alguma classe de catástrofe.
- Absolutamente. Isto não é mais que o resultado de um projeto junto aos
estábulos que resultou ser um trabalho sujo. Neste momento voltava para casa a fim
de me pôr apresentável para sua chegada, embora temo que já é muito tarde.
- Junto aos estábulos? - Os olhos de lady Delia se abriram de par em par. -
Estava ali faz um quarto de hora? Utilizando um martelo?
- Assim é. De ter sabido que sua chegada era tão iminente...
- Bobagens, querido jovem. Não nos teríamos perdoado que tivesse abandonado
seu projeto por nós. - Lady Delia lhe dedicou um sorriso deslumbrante e acrescentou:
- Me pergunto se recorda da minha sobrinha, lady Vitória...
- É obvio que recordo a lady Vitória. Orgulho-me de não esquecer jamais um
rosto. - Nem um beijo apaixonado, pensou. Voltou-se para ela e se encontrou sendo o
branco do insípido olhar de lady Vitória. Certamente não era essa a cálida bem-vinda
que ele tinha recebido a última vez que se viram. Provavelmente, depois de certa
reflexão, a jovem lhe teria relegado à categoria de rufião por lhe haver roubado aquele
beijo e lamentava não lhe haver esbofeteado.
Bem, perfeito. Isso abreviaria ainda mais suas interações.
Nathan saudou lady Vitória com uma formal reverencia e voltou a erguer-se
quão alto era. Recordava que ela era ligeiramente mais alta que a média, embora bem
era certo que o alto da cabeça da jovem apenas lhe chegava ao ombro. Agora que
estava mais perto dela, pôde apreciar sua cútis perfeita, tão só matizado por um
favorecedor tom rosado. O certo é que a via muito ruborizada. Provavelmente a causa
do excessivo calor lhe reinem no interior da carruagem. Surpreendentemente, e apesar
do que, como ele bem sabia, devia ter sido uma árdua viagem, Vitória não mostrava o
menor indício de cansaço. Não, a via fresca e preciosa. Afetada, dotada de uma fria
elegância e convertida em uma verdadeira dama. Mesmo assim, ao Nathan não teve a
menor duvida de que a moça não demoraria para cair em alguma depressão como a
maioria das senhoras de sua fila e acabaria por recostar-se em todas e cada uma das
tumbonas do Creston Manor à primeira ocasião.
O olhar do Nathan estudou com atenção os olhos de Vitória, reparando em sua
vivida tonalidade azul, que resultava ainda mais destacável pela meia lua riscada pelas
pestanas escuras que os coroavam. A última vez que os tinha visto, esses olhos
estavam semicerrados e velados de pura excitação. E logo estava essa boca tão
luxuriosa e carnuda. Embora tudo no comportamento e no traje de Vitória resultava
perfeitamente afetado, nada tinha de afetado em seus lábios. Nathan recordou
imediatamente o delicioso sabor desses lábios, e quão aveludados os tinha sentido sob
os seus. Nos últimos três anos, a jovem se transformou em uma preciosidade
maiúscula. Mas Nathan já não percebia esse brilho peralta em seus olhos, essa
brincalhona curva em seus lábios, e distraídamente se perguntou qual podia ser a
causa de semelhante mudança. A bom seguro teria decidido acertadamente que beijar
a desconhecidos na galeria não era uma boa idéia. Embora pouco importava a ele.
Não, absolutamente.
Vitória já lhe tinha deixado fora de combate em uma ocasião... não pensava lhe
dar a oportunidade de repeti-lo. Preferia mil vezes a uma mulher singela, afetuosa e
doce que uma dessas belezas presunçosas e quente de estufa.
- Como vai, lady Vitória?
Ela elevou a cabeça e, até apesar da diferença de altura entre ambos, as
engenhou para lhe lançar um olhar depreciativo, como se fora uma princesa e ele o
mais humilde de seus servidores.
- Doutor Oliver... - O olhar de Vitória voltou a percorrer seu sujo traje e enrugou
o nariz, sem dúvida percebendo o ofensivo aroma do Reginald e da Petunia. Quando
os olhares de ambos voltaram a cruzar-se, ela acrescentou:
- Segue você exatamente tal como lhe recordo.
Embora Nathan deveria haver-se sentido insultado ante a insinuação lançada por
ela que apontava a que a última vez que se viram ele estava sujo, desalinhado e
cheirava como um demônio, sentiu-se surpreendentemente divertido pelo comentário.
- Honra-me que você lembre de mim, minha senhora. Nosso encontro foi...
breve.
Ela resmungou algo que soou sospechosamente a "não o suficientemente breve"
e logo disse:
- Esperava que seriam seu irmão ou seu pai quem nos recebesse.
- Nenhum dos dois está em casa neste momento, embora retornarão para jantar
esta noite. Enquanto isso, Langston e a senhora Henshaw o têm tudo preparado para
sua visita.
- Excelente. Nem tem que dizer que estamos ansiosas de poder nos instalar e
nos refrescar um pouco depois da viagem.
- Naturalmente. - Embora, a julgar pelo aspecto de absoluto frescor que
percebeu nela, Nathan não foi capaz sequer de imaginar que necessidade tinha Vitória
de refrescar-se. Estendeu o braço para a casa. - Me Sigam, o peço.
Vitória se sujeitou com a mão a saia do vestido, pôs-se a andar depois do doutor
Oliver e deixou escapar um suspiro de alívio ao não ter que seguir obrigada a olhar
esses intrigantes olhos salpicados de pequenas bolinhas douradas que viam muito, que
sabiam muito; a não ter que ver essa deliciosa boca que com tanto detalhe a tinha
iniciado nas maravilhas da arte de beijar. Diabo, estava extremamente acalorada e
sem dúvida lhe faltava o fôlego, e, por muito que se empenhasse em querer culpar
disso à fadiga provocada pela viagem, o mais extenuante que tinha feito tinha sido
permanecer sentada e sua consciência não lhe permitia dar vida a uma mentira tão
flagrante.
Não. O doutor Oliver era sem dúvida a fonte de seu desconforto, e bem era certo
que não conseguia recordar ter vivido uma situação mais vexatória que essa. Que
demônios lhe ocorria? Esse homem tinha um aspecto espantoso. Sujo. Desalinhado.
Era a completa antítese da imagem do cavalheiro. E cheirava como se tivesse
passado o dia limpando os estábulos e submetido a um árduo trabalho. Sem a
camisa...
O olhar de Vitória se pousou nas costas larga do doutor e imediatamente notou
como uma quebra de onda de calor lhe subia do peito. Sabia por fim o que ocultava
sua camisa suja e enrugada, ou ao menos o que tinha podido ver da distância.
Oxalá essa distância não tivesse sido tão enorme...
Pôs fim a tão perturbadora reflexão antes de que pudesse jogar raiz e lhe encher
a cabeça de imagens que não desejava... imaginar. Ao parecer, desde que tinha lido o
Guia feminino (coisa que tinha feito em meia dúzia de ocasiões) suas reflexões tinham
ido decantando-se cada vez mais para coisas dessa índole. Embora, naturalmente,
essa era a missão do livro: animar às mulheres a trocar o modo em que viam a si
mesmas e também aos homens. Animar à mulher moderna atual a tomar as rédeas de
seu destino e não permitir que este ficasse determinado exclusivamente em função de
seu sexo. Vitória tinha tomado os ensinos do livro muito a peito. E até a data estava
merecidamente orgulhosa de sua atuação. Tinha conseguido impedir que seus lábios
enlouquecessem atacando a outros de forma indiscriminada, embora isso tinha
requerido esforço, pois tinha certa tendência a balbuciar quando ficava nervosa, e,
maldição, esse homem a punha realmente nervosa.
Elevou o queixo e ergueu os ombros. Era uma mulher moderna. E, como tal, uniria sua
fortaleza, não esqueceria em nenhum momento com quem estava lutando, e poria seu
plano em ação. Não era a mesma menina inocente que o doutor Oliver tinha
conhecido fazia três anos. Sua voz interior a advertiu de que, para sua desgraça, ele
seguia sendo o mesmo homem devastadoramente atrativo que ela tinha conhecido.
Mas Vitória podia resistir com facilidade a seus encantos. Sabia muito bem a classe de
rufião que era. E muito em breve lhe faria saber que não era uma mulher com a que
podia jogar a seu desejo. Consolou-a o fato de que se apresentava à batalha bem
armada com seu Guia feminino e com um plano infalível.
O atalho de cascalho rangeu sob seus sapatos, arrancando a de suas reflexões.
Apartou bruscamente o olhar das costas do doutor Oliver para abranger com ela a
majestuosidade do Creston Manor, e não pôde negar o surpreso prazer que
experimentou ante a magnificência da casa. Duas impressionantes escadas de pedra
subiam em graciosa curva, perfilando-se como dois braços em atitude de bem-vinda,
dispostos a abraçar a todo aquele que se aproximasse da imponente porta de
carvalho.
As janelas resplandeciam, refletindo a dourada luz do sol, e as vetustas e muito
altos colunas de tijolo concediam à estrutura uma atmosfera do encanto do velho
mundo que deslumbrou o sentido da proporção de Vitória.
Pousou a mão sobre o negro e brilhante corrimão de ferro forjado e seguiu
escada acima depois dos passos do doutor Oliver. Elevou o olhar e se encontrou lhe
olhando as costas. Terei que estar cega (e ela tinha uma vista excepcionalmente
aguda) para não precaver do modo em que as calças se adaptavam a suas musculosas
pernas. Em como esses músculos se flexionavam com cada degrau. Na firmeza de
seus quadris. Na largura das costas. A fascinante forma de seu traseiro.
Que terrivelmente te exasperem resultava que Nathan tivesse um aspecto tão
maravilhoso por detrás como por diante. Quão incrivelmente irritante que, apesar do
sujo que estava, do suor e de cheirar como se tivesse estado pulando o dia inteiro em
um celeiro sujo, Vitória tivesse que agarrar-se com força ao corrimão para dominar o
entristecedor desejo de estirar a mão e lhe tocar.
E quão absolutamente perturbador e lhe frustrem que o coração lhe tivesse dado
um tombo no peito assim que tinha visto ao Nathan. Exatamente como lhe tinha
ocorrido três anos atrás, a primeira vez que seus olhos tinham reparado nele. Diabo.
Que demônios lhe ocorria? Sem dúvida a comprida viaje lhe tinha diminuído o
julgamento, pois simplesmente o descuidado aspecto do doutor Oliver era já prova
autentica de que seguia sendo tão pouco cavalheiro como o dia em que se viram pela
primeira vez. Bem, assim que se tivesse dado um banho, trocou-se de roupa e tivesse
desfrutado de uma comida quente e de uma boa noite de descanso em uma cama
decente voltaria a recuperar o julgamento.
Mesmo assim, era inegável que o doutor Oliver seguia sendo demoníacamente
atrativo. Possivelmente ainda mais. Por fortuna, Vitória sabia a classe de grosseiro que
era e isso lhe impediria de perder a cabeça. Entretanto, durante os segundos breves
em que ambos se estudaram, tinha notado que havia nele algo distinto... algo em seus
olhos no que não tinha reparado até então. Sombras... de dor, possivelmente. Ou de
segredos. De haver-se tratado de outra pessoa, Vitória se teria compadecido dele.
Bem era certo que uma fissura de compaixão a ponto tinha estado de penetrar
em seu coração antes que a esmagasse como a uma barata. Se o doutor tinha feridas,
sem dúvida as merecia. E, quanto aos segredos... bem, não tinha que o que
preocupar-se.
Também ela tinha os seus.
Levantou o olhar e de novo se deleitou a panorâmica que lhe oferecia as costas
do doutor Oliver. Esquerda, direita, esquerda, direita, flexão, flexão... Céus, quantos
degraus havia? Conseguiu apartar o olhar daquele traseiro exageradamente fascinante
e se deu conta, aliviada, que só ficavam cinco degraus. Quando chegou ao alto da
escada, o doutor Oliver se voltou e se deteve para esperar tia Delia, que executava
sua ascensão a passo mais lento. Vitória também se deteve. notou-se desconcertada
ao ver-se de pé a menos de um metro dele. E o fato de perceber-se desconcertada
não fez a não ser aumentar sua irritação. Como podia ser que, a pesar do aspecto
desalinhado do Nathan, não pudesse apartar os olhos dele? Sem dúvida, de ter sido
ela a que tivesse estado suja e com a roupa enrugada, e de ter cheirado como se
acabasse de derrubar-se em um celeiro, ninguém se teria atrevido jamais a qualificar a
de atrativa.
- Está você bem, lady Vitória? - perguntou o doutor. - A noto sufocada.
Vitória lhe deu de presente uma dessas olhadas distantes e fria que tão
diligentemente tinha estado praticando para a ocasião no espelho de corpo inteiro de
seu quarto.
- Estou perfeitamente bem, doutor Oliver.
- Espero que não se fatigou muito subindo a escada. - A comissura dos lábios do
doutor experimentou uma ligeira sacudida, e Vitória se deu conta de que se estava
burlando dela. Obviamente, considerava-a pouco mais que uma simples flor de estufa.
O muito arrogante...
- É obvio que não. Estou em perfeita forma. De fato, atreveria-me a dizer que
poderia subir esta escada sem perder o fôlego. - Conteve a urgência por tampar a
boca com a mão.
Maldição, sua intenção tinha sido limitar-se a responder com um simples "é obvio
que não".
O doutor arqueou uma sobrancelha escura e pareceu realmente divertido.
- Um gesto que anseio presenciar, minha senhora.
- Falava metaforicamente, doutor Oliver. Posto que sou incapaz de imaginar uma
situação que me obrigasse a correr a nenhum lugar, e menos ainda escada acima,
temo-me que não será você testemunha disso.
- Possivelmente teria que correr se se visse perseguida.
- Por quem? Pelo diabo?
- Possivelmente. Ou pode que por um ardente admirador.
Vitória riu. E não duvidou em aplaudir mentalmente o despreocupado som de
sua risada.
- Nenhum de meus admiradores se comportaria de um modo tão indigno e tão
pouco cavalheiresco. Entretanto, inclusive se, por alguma estranha razão, assim o
fizessem, estou convencida de que correria mais que eles, pois sou muito ágil e rápida
na corrida.
- E se não o desejasse?
- Se não desejasse o que?
- Correr mais que ele?
- Bem, nesse caso suponho que deixaria que...
- Apanhasse-a?
Vitória guardou silêncio ante a intensa expressão que encheu os olhos do doutor,
expressão que nada tinha que ver com o tom alegre e despreocupado que empregava
ao falar. Pegou com firmeza os lábios para conter a corrente de palavras nervosas que
lhe formaram redemoinhos na garganta e notou como o olhar do Nathan pousava em
sua boca. Uma quebra de onda de calor serpenteou em seu interior e teve que tragar
saliva para recuperar a voz.
- Que me apanhasse, possivelmente - concedeu, agradecida de poder responder
com voz baixa. - Que me capturasse, jamais.
- Vá. Isso quase soa a desafio.
Sentiu que a percorria uma sensação. "lhe atormente com um desafio..."
Excelente! O primeiro passo de seu plano estava já em marcha e logo que acabava de
chegar. A esse ritmo, conseguiria seu objetivo em um tempo recorde.
Possivelmente inclusive poderia estar de retorno em Londres antes de que
finalizasse a temporada.
Elevando apenas o queixo, disse:
- Você tome-lhe como prefirir, doutor Oliver.
Fora qual fosse a possível resposta de doutor, ficou silenciada pela chegada de
tia Delia.
- Por aqui, senhoras - murmurou Nathan, as conduzindo ante a porta.
Embora você, doutor Oliver, pode me guiar ao interior da casa, pensou, dê por
seguro que sou eu quem tem intenção de lhe guiar a uma divertida caçada. Logo
desaparecerei alegremente, como o fez você faz agora três anos, disse-se.
Capítulo 4

A mulher moderna atual deve rebelar-se contra a noção de que uma dama está
obrigada a ocultar sua inteligência aos homens. Débito, do mesmo modo, dar boas
vindas ao conhecimento e lutar por aprender algo novo cada dia; desfrutar de sua
inteligência e não mantê-la no segredo. Só um homem estúpido desejaria a uma
mulher estúpida.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore.

Nathan estava sentado à mesa de mogno da sala de jantar sentindo-se quase


como o filho pródigo. De fato, sentia-se exatamente como o experimento científico do
filho pródigo que morava sob um microscópio com cinco pares de pupilas fixas nele.
Cada vez que olhava a alguém, descobria sobre ele o olhar do comensal em
questão. E enquanto isso tinha que seguir parado como um ganso cevado no formal
traje que exigia o jantar que tinha lugar na sala de jantar.
Assim que a comida tocasse a seu fim, pensava arrancar o cansativo lenço do
pescoço e jogar ao fogo da chaminé o maldito pescoço da camisa. Embora,
naturalmente, primeiro teria que suportar esse interminável e inoportuno jantar.
Um lacaio lhe encheu a taça de vinho e ele tomou um agradecido sorvo, logo
que contendo as vontades de beber a taça inteira em uma sucessão de longos sorvos.
atreveu-se a jogar um olhar a seu redor e notou aliviado que, pela primeira vez desde
que tinha tomado assento, tinha deixado de ser centro de todos os olhares.
Lady Delia, que estava sentada a sua direita, achava-se sumida em uma
animada discussão com seu pai, que a sua vez ocupava a cadeira colocada à direita da
dama, à cabeceira da mesa.
O olhar do Nathan se pousou no trio sentado diante dele: Colin, lady Vitória e
Gordon Remming, quem tinha herdado seu título da última vez que Nathan lhe tinha
visto no curso daquela fatídica noite, três anos antes, e que se converteu no barão do
Alwyck. A cabeça de resplandecentes cabelos dourados do Gordon estava inclinada
muito próxima a lady Vitória, como se a jovem estivesse mostrando alguma pérola de
sabedoria que Gordon não suportasse perder-se. Lady Vitória, sentada entre o Gordon
e
Colin, parecia estar desfrutando imensamente, Sorrindo, conversando e rindo.
Sem dúvida obrigado a que ambos os homens a enchiam de cumpridos e cuidados.
Maldição, qualquer diria que nenhum dos dois tinha visto em sua vida a uma mulher
atrativa.
E tudo isso pela mulher que supostamente ele devia cuidar. Bem, assim que
tivesse completo com o compromisso adquirido com o pai da moça, Colin e Gordon
podiam muito bem ficar com ela.
O olhar do Nathan se fixou então no Gordon, e a culpa e o arrependimento que
tanto se empenhou em enterrar foram catapultados à superfície. Apesar de que a
saudação que Gordon lhe tinha dispensado tinha sido reservado, quando Nathan lhe
tinha estendido a mão, Gordon tinha aceito o gesto, sim bem depois de uma breve
vacilação. E embora Nathan leu com claridade a suspeita que ainda aparecia nos olhos
de seu amigo, o certo é que não tinha esperado menos.
- Vi o curral que construíste - disse seu pai, desviando sua atenção do trio que
seguia rindo ao outro lado da mesa . - Uma obra francamente impressionante.
- Obrigado - respondeu Nathan, surpreso e agradado pela adulação.
- Nem tem que dizer que não precisaria te sujar as mãos desse modo se lhe
pagassem adequadamente por seus serviços.
Nathan se limitou a fazer caso omisso da indireta que acompanhava o completo
de seu pai.
- Eu adoro trabalhar com as mãos. Mantém-me os dedos ágeis.
- Não acredito que agüentem ágeis muito tempo se lhe esmagar isso com um
martelo - disse seu pai, - ou se uma dessas bestas te remói.
- Um curral? - cantarolou lady Delia com os olhos iluminados pela curiosidade. -
Bestas?
- Desde que me instalei em Little Longstone, fui acumulando uma pequena
coleção de animais - explicou Nathan. A conversação que tinha lugar no outro extremo
da mesa cessou e de novo Nathan voltou a sentir o peso de todos os olhares.
Sobre tudo foi especialmente consciente de uns vividos olhos azuis.
- Gatos e cães? - perguntou lady Delia.
- Mas bem porcos e galinhas, embora tenha também um cão...
- Do tamanho de um ponei - interrompeu Colin.
- E um gato...
- Um gatinho ao que já tivemos que resgatar de uma árvore - acrescentou Colin.
- Por não mencionar uma vaca, uma ovelha e um par de patos. Não estou seguro de
quantos gansos há, e tem também uma incorrigível cabra aficionada a comer botões.
A maioria deles têm nomes de flores. São ruidosos, fedorentos, e sentem
especial predileção por perseguir às pessoas pelo jardim... quando não se dedicam a
comer nossos botões ou a mutilar os canteiros de flores... e Nathan os adora como se
fossem seus próprios filhos.
- Obrigado por sua edificante descrição... tio Colin.
Colin negou com a cabeça.
- Nego-me a ser o tio dessa cabra atroz.
- Petunia te tem muito carinho.
Colin saudou o comentário com um olhar glacial.
- Comeu um botão. E também minha correspondência pessoal.
- Isso é só porque te quer - disse Nathan sorrindo. - E não te ouvi te queixar
esta manhã quando te deste um bom festim a base dos ovos cortesia de Narcisista,
Tulipa e Guinevere.
Colin arqueou uma sobrancelha.
- Guinevere? Devo supor que tem também um galo chamado Lancelot?
- Não, mas me parece uma excelente sugestão que penso seguir assim que volte
para o Little Longstone e assim aumentar meu rebanho. Três galinhas produzirão uma
média de dois ovos diários.
Isso significa que para obter seis ovos ao dia, necessitaria...
- Dezoito galinhas - disse lady Vitória. Todos se voltaram a olhá-la mas ela, que
pareceu totalmente alheia a seus olhares de surpresa, seguiu com os olhos fixos em
Nathan. - Devem lhe gostar de muito os ovos, doutor Oliver.
Era sarcasmo o que adornava sua voz? Nathan lhe devolveu um olhar igualmente
firme.
- O certo é que sim, embora nem sequer eu poderia sonhar consumindo a
quantidade de ovos que produziria em um ano.
Lady Vitória piscou duas vezes e disse:
- Quatro mil trezentos e oitenta.
Todos riram entre dentes ante o engenho de que tinha feito ornamento Vitória
lançando uma cifra ao azar... todos salvo tia Delia, quem, como Nathan não demorou
para ver pela extremidade do olho, assentia com gesto aprovador.
Fez um rápido cálculo e qual foi sua surpresa quando se deu conta de que lady
Vitória tinha acertado em seu cálculo.
- Ao ritmo em que Nathan coleciona animais, o mais provável é que reúna todas
essas galinhas antes de que termine o ano - disse Colin, negando com a cabeça.
- E para que poderia você querer tantos ovos, doutor Oliver? - perguntou lady
Vitória.
- Sem dúvida, para atirá-los da janela a inocentes transeuntes - interveio
secamente Colin. - Eu mesmo fui sua vítima em um par de ocasiões quando fomos uns
meninos.
- Que excelente noticia - disse Gordon, sorridente.
- Ainda...
- Vá... - Gordon estalou os dedos. - A notícia não resulta tão excelente. nos diga,
pois, quem é o afortunado cavalheiro com o que não está você comprometida... ainda?
- Lorde Branripple ou lorde Dravensby.
A sobrancelha do Nathan se arqueou.
- Meu deus. Branripple e Dravensby? Mas seguem vivos?
Lady Vitória lhe lançou um olhar assassino.
- Deve referir-se você a seus pais, pois acredito que lorde Branripple é de fato
um ano mais novo que você, doutor Oliver. E lorde Dravensby só uns anos mais velho.
- Ah. De modo que ambos lhe expressaram seu interesse por você, equivoco-
me?
- Ambos se dirigiram a meu pai a respeito, sim.
- Bem, por muito dignos que possam ser ambos os cavalheiros, posto que não
está você prometida - disse Gordon - deveria considerar que há aqui mesmo, em
Cornwall, nobres perfeitamente elegíveis.
Nathan logo que conseguiu reprimir as vontades de pôr os olhos em branco.
Maldição, Gordon poderia muito bem haver dito: "Há nobres perfeitamente elegíveis
aqui mesmo, no Cornwall; aqui mesmo, nesta habitação, sentados a seu lado".
Um favorecedor aquecimento tingiu de cor as bochechas de lady Vitória, e
Nathan decidiu que sabia precisamente como se sentia um gato quando lhe acariciava
de forma equivocada. Justo depois de que lhe tivessem metido em uma banheira cheia
de água.
- Sim - acrescentou Colin, com um inconfundível brilho no olhar, - há aqui
mesmo, no Cornwall, homens perfeitamente elegíveis.
Diabo. Sem dúvida tanto Gordon como Colin deviam ter cansado presas do
feitiço que lady Vitória tinha arranjado. Pequenos idiotas... Embora sem dúvida não lhe
resultaria difícil lhes endossar a lady Vitória. O certo é que a ideia deveria lhe haver
agradado imensamente. Em troca, ao pensá-lo-se viu embargado por uma inquietante
sensação parecida com uma cãibra. De repente se deu conta pela segunda vez no que
ia de dia de que um homem devia tomar cuidado com o que desejava porque seus
desejos podiam cumprir-se.
Agarrou sua taça, centrou toda sua atenção no suave clarete e apartou com
firmeza a um lado a imagem inexplicavelmente irritante do Colin e do Gordon
pugnando pela atenção de lady Vitória. A convidada estava em posse de uma
informação que ele necessitava. Tinha chegado o momento de recuperá-la e
determinar assim o que era exatamente aquilo com o que lutava... evitando, claro
está, a irritante flor de estufa que estava supostamente em perigo.
Quando o jantar tocou ao fim, os presente passaram ao salão para jogar às
cartas e desfrutar dos licores. Depois de assegurar-se de que todos estavam
confortavelmente instalados e ocupados, Nathan alegou uma enxaqueca e se retirou.
Certo é que lhe doía a cabeça depois de ter visto o Gordon e ao Colin disputar o
favor de lady Vitória... e de ter sido testemunha da coquete resposta que a jovem
tinha dispensado a ambos.
Avançou pelo corredor profusamente atapetado, passou por diante de sua
habitação e a transbordou apressadamente.
Quando esteve diante do dormitório de lady Vitória, pegou a orelha à porta.
Satisfeito ao comprovar o silêncio que certificava que a criada da jovem não estava no
interior, entrou na habitação.
Depois de fechar a porta silenciosamente, apoiou as costas contra o painel de
carvalho e deixou vagar o olhar pela estadia. A senhora Henshaw tinha dado a lady
Vitória a habitação azul de convidados que sempre tinha sido a favorita do Nathan,
pois a cor lhe recordava o mar, sobre tudo durante o verão, quando o pálido
aguamarina dos baixios junto à praia adquiria uma tonalidade quase anil junto ao
horizonte.
Apesar de ter chegado à casa fazia só umas horas, lady Vitória havia já dado
clara prova de sua presença na espaçosa estadia. Uma meia dúzia de livros estavam
amontoados sobre a mesinha de noite. Havia um ornamentado joalheiro em cima da
penteadeira de mogno junto a uma lustrosa escova de prata e um delicado vidro de
cristal, sem dúvida cheio de perfume. Nathan inspirou fundo ante a lembrança da
fragrância da jovem, um aroma tentador e esquivo que impregnava ainda o ar e
bastou para invocar uma vivida imagem dela em sua mente. Rosas. Lady Vitória
cheirava a rosas, embora o seu era o mais sutil e delicado dos aromas, como se em
vez de aplicar o perfume se limitou a esfregar as aveludadas pétalas da flor sobre sua
suave pele.
O olhar do doutor Oliver ficou fascinado ao reparar no equipamento feminino
que tinha ante si e, como perdido em um transe, cruzou o tapete Axminster para a
penteadeira. Incapaz de reprimir-se, levantou com supremo cuidado a escova e
devagar, muito devagar, passou a gema do polegar pelas cerdas.
Vários compridos escuros cabelos de Vitória seguiam enredados entre as ásperas
cerdas, e Nathan fixou neles o olhar, recordando imediatamente a sensação de ter
esses lustrosos cachos de cabelo deslizando-se entre seus dedos enquanto sua boca
explorava a dela.
Depois de voltar a deixar a escova em seu lugar, levantou devagar o vidro de cristal.
Assim que retirou a tampa, a delicada essência de lady Vitória lhe encheu os sentidos.
Um gemido subiu por sua garganta e fechou com força os olhos, embora resultou uma
débil defesa contra a intensa lembrança que lhe embargou: voltou a deslizar seus
lábios sobre a suave pele acetinada de Vitória, aspirando esse sutil aroma unicamente
detectavel quando a distância que lhes separava era de apenas uns centímetros.
Desde aquela noite vivida três anos atrás, cada vez que cheirava a rosas pensava
imediatamente nela. Cada maldita e condenada vez.
Para sua maior chateação, não demorou para descobrir que aparentemente a
Inglaterra inteira estava infestada de rosas.
Quando voltou a aspirar uma vez mais o aroma do vidro, não conseguiu reprimir
o gemido. Luxuriosas curvas pegando-se os frágeis dedos de lady Vitória deslizando-se
entre seus cabelos até a nuca... seu sabor delicioso e sedutor contra sua língua...
Depois de resmungar uma obscenidade a que em estranhas ocasiões permitia sair de
seus lábios, Nathan abriu de repente os olhos e voltou a colocar a tampa no vidro.
Deixou o frasco em cima da penteadeira como se queimasse com ele e
rapidamente utilizou seu lenço para desprender-se de qualquer vestígio de fragrância
que pudesse ter ficado impregnada nele como o estavam a lembrança dela e de seu
beijo.
Lançou um olhar carrancudo ao ofensivo vidro e, depois de voltar a guardar o
lenço, retornou resolutamente para o armário disposto a começar a procurar a nota
que, por isso lorde Wexhall lhe tinha escrito, devia estar oculta na bagagem de lady
Vitória. Embora reparou nos dois baús dispostos em um canto, não trocou de rumo.
Wexhall tinha indicado na carta codificada que utilizaria a mala de lady Vitória para
ocultar sua nota.
Ao passar junto à mesinha de noite, Nathan se deteve a olhar os livros, incapaz
de resistir à tentação de descobrir a classe de material de leitura que preferia lady
Vitória. Agarrou os dois exemplares que estavam em cima do montão e leu por cima
os títulos. Carta às mulheres da Inglaterra sobre a injustiça da subordinação mental,
de Mary Robinson, e Reinvindicação dos direitos da mulher, de Mary Wollstonecraft.
Arqueou as sobrancelhas. Além das extenuantes cria novelas da senhora Radcliffe,
pouco era o que tinha esperado encontrar. Ao parecer, lady Vitória albergava certas
tendências intelectualoides. Agarrou os três livros restantes e viu, Sorrindo para seus
adentros, que dois deles eram em efeito cria novelas da senhora Radcliffe, e que o
terceiro era A megera domada do Shakespeare. Enrugou os lábios. Que próprio.
Deixou os livros em seu lugar, intrigado apesar de tudo pelos ecléticos gostos de
lady Vitória quanto a seu material de leitura. Tinha suposto que a jovem não era capaz
de pensar em nada mais profundo que no vestido que ficaria para seu seguinte
compromisso social. Apartando a ideia de sua cabeça, cruzou a estadia para o armário.
Agarrou com firmeza os puxadores de bronze do armário e abriu as portas de
carvalho de um puxão. Imediatamente, seus sentidos ficaram apanhados pela delicada
essência a rosas que desprendia o vestuário de Vitória. Apertou os dentes, disse-se
com voz baixa que detestava as rosas e se ajoelhou. Apartou a um lado o colorido
sortido de vestidos. No canto posterior esquerdo vislumbrou uma mala. Atirou da bolsa
de viagem com painéis laterais de suave pele e a abriu sem demora, esquadrinhando o
bordo superior. Imediatamente viu o ponto em que uns torpes pontos tinham reparado
o forro e suas sobrancelhas se uniram em um cenho imediato. Wexhall devia estar
perdendo faculdades, à vista do trabalho tão incompetente que tinha deixado atrás
dele.
Sem incomodar-se em atuar com cuidado, pois um rasgão sempre podia
explicar-se com facilidade, Nathan arrancou o patamar de cetim marrom e colocou a
mão pela abertura. O detalhado exame do oco aberto no couro da mala resultou de
tudo infrutífero.
Maldição, onde estava a maldita nota? Voltou a apalpar o oco, mas não encontrou
nada. Tirou a mão, frustrado, e a introduziu no interior da mala. Seus dedos
encontraram o que, a julgar pelo tato, devia ser um livro, e rapidamente o tirou da
mala.
Inclinando o magro volume para a luz que projetava o fogo que ardia na
chaminé, leu o título: Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a
satisfação íntima, de Charles Brightmore.
Suas sobrancelhas voltaram a arquear-se. Inclusive vivendo na pequena e
encerrada aldeia do Little Longstone, estava à corrente do escândalo que esse explícito
tratado sobre o comportamento feminino estava provocando. Resultou-lhe fascinante
descobrir um livro como aquele oculto na bagagem de lady Vitória. Fascinante e
excitante.
Folheou o exemplar para assegurar-se de que a nota de lorde Wexhall não
estivesse inserida entre suas páginas, e não lhe surpreendeu descobrir que não era
assim. Voltou a folhear o livro e se deteve quando seu olhar tropeçou com a expressão
"fazer o amor". Abriu o livro pela página e leu com atenção o parágrafo.
A mulher moderna atual tem que ser consciente de que fazer o amor não é algo
que devam desfrutar só os homens e que as mulheres simplesmente tenham que
suportar. Deve ser uma participante ativa. e dizer a seu companheiro quais são seus
desejos.
O que gosta. Não duvidar de que ele estará encantado de agradá-la. E não
temer lhe tocar... sobre tudo do modo em que lhe gostaria que a tocassem. E o
melhor modo de determinar como nós gostamos que nos toquem é nos tocar para
descobrir o que nos resulta prazeiroso. De obrar assim, a mulher moderna atual sem
dúvida diria a seu cavalheiro o que tinha aprendido. Ou melhor ainda, o mostraria.
Uma quebra de onda de calor devorou ao Nathan, e, antes de poder controlar
sua desbocada imaginação, sua mente se encheu de uma fantasia erótica em que
aparecia Vitória nua, de pé diante de um espelho e acariciando devagar seu esbelto
corpo.
Sem deixar de observar seu reflexo no cristal do espelho, ele se aproximava dela
por detrás, deslizava as mãos por sua cintura e subia até as fechar sobre a plenitude
de seus seios. Vitória entreabria as pálpebras e pousava as mãos sobre as dele.
Apoiando-se então contra Nathan, sussurrava: "Deixa que te mostre o que eu
gosto...".
Maldição. Por muito que sacudiu a cabeça para desfazer do feitiço de semelhante
miragem, seus efeitos não desapareceram. Doía-lhe o corpo inteiro e sentia como se
alguém tivesse acendido fogo a suas calças. Com uma exclamação de enfado,
arrancou-se o lenço, que parecia estar lhe estrangulando. Entretanto, isso não era
mais que um ligeiro desconforto em comparação com o estrangulamento que tinha
lugar em suas calças. Voltou a colocar o livro na mala, negando-se a admitir que
Vitória tivesse lido semelhantes palavras. Negando-se a perguntar-se que efeito teriam
tido sobre ela. Não importava. Quão único importava era encontrar a condenada nota
do Wexhall... e, posto que não estava nessa mala, devia haver alguma outra mala. De
novo apartou a um lado os metros de tecido que conformavam os vestidos da jovem e
procurou nos cantos mais recônditos do armário. Tinha que estar aí...
- Não vejo o momento de que me explique o que faz você revistando minha
bagagem, doutor Oliver.

Capítulo 5

A mulher moderna atual sabe que freqüentemente medeia um grande abismo


entre o que deveria e o que deseja fazer. Naturalmente, há ocasiões em que os
ditados do dever exigem atenção preferencial. Não obstante, há outras, em especial
aquelas nas que se acha comprometido um atrativo cavalheiro, em que deveria
esquecer-se da cautela e fazer o que lhe dite o desejo.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore

Vitória se plantou as mãos nos quadris e cravou o olhar no doutor Oliver, que
parecia petrificado e cuja expressão resultava absolutamente indecifrável... embora o
certo é que não detectava nela nem um pouco da culpa que qualquer pessoa decente
teria sentido de ter sido surpreendida em semelhante situação.
Arqueando uma desdenhosa sobrancelha, a jovem disse:
- Não negarei que em mais de uma ocasião desejei lhe ver de joelhos.
Entretanto, em minha imaginação sempre lhe vi ajoelhar-se ante mim... e não ante
minha mala.
Sem apartar o olhar dela, Nathan se levantou lentamente. Em lugar de mostrar
um ápice de vergonha, teve a audácia de saudá-la com uma piscada.
- Vá, assim esteve pensando em mim.
- Asseguro-lhe que sem o menor afeto.
Nathan respondeu ao comentário com uma careta de dor.
- Fere-me você, senhora.
- Não, ainda não. - O olhar de lady Vitória se pousou com inconfundível
eloqüência no atiçador da chaminé. - Embora isso poderia arrumar-se.
Ele negou com a cabeça e estalou a língua.
- Não tinha a menor ideia de que abrigasse você tão violentas tendências, minha
senhora. Quanto a me ajoelhar ante você, temo-me que isso é algo que seus olhos
jamais verão.
- Nunca diga desta água não beberei, doutor Oliver.
Nathan respondeu com um gesto depreciativo.
- Estou convencido de que não é uma grande perda, já que sem dúvida está
você muito acostumada a que os homens desempenhem o papel de seus adoradores
escravos.
Vitória ouviu um som amortecido e se deu conta de que era seu sapato
repicando contra o tapete. Obrigou-se a manter quieto o pé e fixou no doutor seu
olhar mais glacial.
- Meus admiradores não são assunto seu. E não pense nem por um momento
que sua transparente tática para desviar minha atenção de seu ultrajante
comportamento sortiu efeito, Que fazia revolvendo minhas coisas?
- Não estava as revolvendo.
- Ah, não? E como o chamaria você?
- Simplesmente procurava.
- O que é o que procurava?
Por resposta, o insofrível rufião se limitou a lançar um significativo olhar à mala
de lady Vitória, que descansava aos pés de sua proprietária.
- Interessante material de leitura o que esconde em sua bagagem, lady Vitória.
O calor banhou o rosto de Vitória até que não lhe coube dúvida de que se
ruborizou. antes de poder recuperar-se e inflingir o corretivo que Nathan se merecia
com acréscimo, ele lhe adiantou:
- Acreditava que as jovens como você liam só tórridas novelas e poesia panaca -
disse com voz sedosa.
De novo Vitória teve que obrigar-se a manter imóvel o pé, embora esta vez para
não propinar um veloz chute ao Nathan.
- As jovens como eu, diz? Vá, vá... assim não só ladrão, a não ser além
encantador. E, em caso de que não tenha reparado nisso, coisa absolutamente
surpreendente, dado que seus poderes de observação deixam muito que desejar, já
não sou nenhuma jovenzinha. Sou uma mulher.
Algo cintilou nos olhos do Nathan. O olhar do médico caiu aos pés de Vitória e de
ali ascendeu riscando uma lenta e avaliadora leitura como a que nenhum cavalheiro
decente ousaria emprestar a uma dama. Que formigou uma sensação de calidez que
sem dúvida era ultraje se acendeu nos pés de Vitória, e foi abrindo-se caminho corpo
acima conjuntamente com o olhar do Nathan até que quase sentiu o calor nas raízes
de seus cabelos. Quando ele terminou de percorrê-la com os olhos, os olhares de
ambos se encontraram. O brilho aceso que iluminava os olhos do doutor a deixou sem
fôlego.
- Meus poderes de observação estão em perfeito estado, lady Vitória. Entretanto,
terminei já com estes jogos. - Entrecerrou os olhos. - Onde está?
- A que se refere?
- Deixe de fazêr-se tímida. Sabe muito bem do que estou falando. A nota que
leva oculta no forro da mala. A correspondência me pertence. dê-me isso Agora.
- Estendeu a mão com gesto imperioso e ela fechou os dedos sobre o suave
tecido de seu vestido para evitar apartar-se a de um tapa.
- Jamais tinha visto semelhante descaramento. Não só entra às escondidas em
minha habitação...
- A porta estava aberta.
- ... e toca meus objetos pessoais...
- Só muito brevemente.
- ... mas sim me acusa de lhe roubar algo! por que não se levou a nota que
conforme diz é sua propriedade a primeira vez que entrou em minha habitação?
O olhar do Nathan se afiou imediatamente e baixou a mão.
- A primeira vez? Do que me fala?
Vitória pôs os olhos em branco.
- Acreditava que havia dito que se terminaram os jogos. Acaso não me expliquei
com suficiente claridade?
Nathan salvou a distância que lhes separava com uma larga pernada e a agarrou
pelos antebraços.
- Isto não é nenhum jogo. Está-me dizendo que alguém entrou hoje em sua
habitação?
O calor que desprendiam seus dedos pareceu queimá-la através do fino tecido
do vestido. Vitória se liberou de um puxão das mãos do Nathan e deu um passo atrás.
- Sim, isso é precisamente o que estou dizendo. Como se você não soubesse. - A
ira que a embargava quase lhe fez esquecer a sensação de calor que a estampagem
dos dedos do médico tinha deixado nela. Ou quase.
- Me Diga, impõe-se você a todos seus convidados deste modo tão impróprio, ou
sou eu a única afortunada?
- Como sabe que alguém entrou na sua habitação? - perguntou Nathan, fazendo
caso omisso do sarcasmo de lady Vitória, assim como de sua pergunta.
- Tenho o costume de ser muito precisa sobre onde e como deixo meus
pertences. Obviamente alguém havia mexido em minhas coisas, e minha querida
Winifred não teve nada que ver nisso. Supus que teria sido alguma das criadas do
Creston Manor... Até que lhe peguei com as mãos na massa.
- Se suspeitava de alguma das criadas do Creston Manor, por que não deu conta
do incidente?
- Porque não senti falta de nada. Não me pareceu motivo para instigar uma
investigação que sem dúvida terminaria com alguma ação disciplinadora contra alguém
cuja única falta teria sido deixar-se levar pela curiosidade.
Embora a expressão do Nathan não variou, Vitória percebeu nela a surpresa para
ouvir suas palavras. Decidida a tirar o maior partido de sua pequena vantagem, elevou
o queixo.
- Respondi a suas perguntas e exijo a mesma amostra de cortesia por sua
parte... embora suspeite que a palavra "cortesia" e você pouco têm em comum.
- Nem sequer começou ainda a responder a minhas perguntas. - Nathan
assinalou com a cabeça o armário de lady Vitória. - Essa mala... é quão única tem?
- É obvio que não. Tenho uma dúzia.
- Onde estão?
Fingindo dar ao assunto séria consideração, lady Vitória se deu uns pequenos
golpes no queixo e franziu o cenho.
- Duas estão na casa de Londres e três no Wexhall Manor. Ou possivelmente
haja três em Londres e só dois no campo...?
Nathan deixou escapar um som grave que soou como um grunhido.
- Aqui. Tem outras com você aqui, em Cornwall?
Vitória logo que conseguiu reprimir um sorriso ao ver a frustração do médico e abriu
os olhos de par em par em um gesto de fingida inocência.
- OH, não. Esta é quão única trouxe para o Cornwall.
Sem separar dela o olhar, Nathan baixou a mão e procurou atrás dele. Com a
mala aberta contra seu peito, assinalou o forro estragado.
- Como ocorreu isto?
- Sem dúvida isso é algo que deveria me explicar você.
Nathan avançou um passo e Vitória teve que conter-se para não retroceder. Os
olhos dele cintilaram à luz do fogo e um músculo lhe contraiu na bochecha.
- Lady Vitória - disse empregando uma voz enganosamente suave e sedosa, -
está você pondo severamente a prova minha paciência.
- Excelente. Odiaria pensar que sou a única irritada.
Nathan franziu os lábios e Vitória quase pôde lhe ouvir contar até dez.
- Quando cheguei, este forro já estava estragado e tinha sido torpemente
reparado. - Falou devagar, pronunciando cada sílaba com esmerada precisão, como se
estivesse dirigindo a uma menina, um fato que enfureceu ainda mais a Vitória.
- Tem você ideia de como aconteceu isso?
- De fato, sim.
Nathan cravou nela o olhar, esperando a que Vitória elaborasse sua resposta ao
tempo que sua paciência, normalmente tão equilibrada e confiável, aproximava-se
perigosamente a seu tênue fim. Ela seguiu plantada diante dele com o queixo elevado,
as sobrancelhas arqueadas e os lábios franzidos, aparentemente tão impaciente como
o estava ele, coisa que é obvio era do todo impossível, posto que nesse instante
Nathan teria apostado a que era o indivíduo mais impaciente em todo o condenado
país.
E isso não fez a não ser lhe chatear ainda mais, posto que não se considerava
um homem impaciente em nenhuma das facetas de sua vida. Mesmo assim, havia algo
nessa mulher que tirava o pior dele.
Depois de exalar devagar e profundamente, disse em um tom de voz
perfeitamente calmo:
- Me conte o que sabe.
- Temo que não me dou bem responder a ordens imperiosas, doutor Oliver -
objetou Vitória com tom altivo. - Possivelmente se formulasse sua petição de forma
mais cortês...
As palavras de lady Vitória caíram no silêncio, e Nathan se jurou que antes de
que a entrevista tivesse concluído seus dentes teriam ficado reduzidos a simples
pedaços.
- O rogo - conseguiu resmungar.
- Muito melhor assim - disse ela com tom afetado. - Embora não estou segura de
que mereça uma explicação depois de ter insultado como o tem feito minhas
habilidades com a agulha.
- Foi você quem costurou o forro?
- Assim é.
- Quando?
- Esta mesma tarde. - Vitória voltou a guardar silêncio, embora sem dúvida o
que viu refletido no olhar do Nathan a empurrou a prosseguir sem necessidade de
nenhum outro aviso. - Depois de me refrescar da viagem, minha tia e eu saímos a dar
um passeio pelos jardins... que, por certo, são preciosos.
- Obrigado. Prossiga.
- Ejem... Certa cortesia, embora bastante brusca. Como lhe dizia, demos um
passeio pelos jardins. Ao voltar para minha habitação para me preparar para o jantar,
dei-me conta de que alguém tinha estado em minha habitação. As alterações que
observei em minhas coisas eram apenas sutis: uma ruga no edredom, meu frasco de
perfume que não estava exatamente onde eu o tinha posto, a porta do armário
fechada em vez de uns centímetros aberta para ajudar a ventilar os vestidos, a
fechadura do baú aberta.
Se tivesse encontrado manipulada uma só coisa ou só uma parte da habitação,
teria atribuído o acontecido a minha criada, mas havia sinais do ocorrido em toda a
estadia. Encarreguei-me que desfazer e ordenar minha bagagem antes de sair a
passear pelos jardins, de modo que não havia razão alguma para que ninguém tocasse
meu armário nem meu baú.
- Assim levou você a cabo uma investigação para ver se faltava algo.
- Sim. E não senti falta de nada. Nem sequer algum objeto de meu joalheiro.
Entretanto, durante minha procura descobri uma costura rasgada em minha bolsa de
viagem, coisa que me afligiu sobremaneira, pois a bolsa tinha pertencido a minha mãe
e é uma de minhas favoritas. Ao examinar a bolsa com mais detalhe, dava-me conta
de que os pontos eram sem dúvida obra de uma mão extremamente aficionada e não
a de um reputado alfaiate nem a de minha mãe, cuja mão era extremamente
competente com a agulha e o fio. O certo é que senti curiosidade e desfiz os pontos.
Ao terminar, registrei o espaço que havia depois do forro.
- E descobriu uma carta. - Não foi uma pergunta.
- Certo.
"Maldita seja."
- Leu-a? - Tampouco é que importasse, pois naturalmente Wexhall a teria escrito
em código.
- Vamos, doutor Oliver, acredito que aqui a pergunta pertinente é: Como sabia
você que havia uma carta escondida no forro de minha bagagem?
Nathan a observou atentamente durante uns segundos compridos. Maldição,
essa era uma complicação que não necessitava. Nem desejava. Para falar a verdade,
não desejava nem necessitava nada de tudo aquilo. Teria que ter estado em Little
Longstone, atendendo a seus pacientes, cuidando de seus animais, desfrutando da
pacífica existência que tanto trabalho lhe havia dado construir.
Mas aí estava, enfrentando-se a uma autêntica arpía que tinha sua nota e que, a
julgar por sua expressão teimosa, não pensava dar-lhe facilmente.
Meia dúzia de mentiras apareceram em seus lábios, mas de repente se viu
embargado por uma repentina e entristecedora fadiga. Deus, estava cansado de
mentir. E por que ia mentir? O serviço que tinha emprestado à Coroa tinha concluído.
Já não tinha por que seguir fiel a seu juramento de silêncio. Que fácil e liberador
seria simplesmente dizer a verdade.
Sem deixar de observá-la com suma cautela, disse então:
- Sei que a carta estava ali porque ia dirigida a mim.
- E por que uma carta dirigida a você ia estar escondida em minha bolsa de
viagem?
- Porque, como viajava você a Cornwall, era a via mais rápida para fazer me
chegar isso.
- Se isso for certo, por que estava oculta? por que não simplesmente me deu a
nota com instruções para que a entregasse a minha chegada?
- Porque contém informação altamente secreta que só deve ser lida por mim.
- Altamente secreta? Por suas palavras, qualquer diria que se trata de uma
aventura de espiões.
Ao ver que Nathan não fazia nada por negar ou confirmar sua afirmação, Vitória
entrecerrou os olhos e esquadrinhou ao médico.
- Insinúa que é você uma espécie de... espião?
- Não insinúo nada. Afirmo-o.
Ela piscou.
- Que é um espião.
- Que era um espião - a corrigiu Nathan, mantendo-se fiel a sua nova política de
honradez. - Deixei o serviço em ativo faz três anos, embora reincorporaram a ele
temporalmente.
Vitória lhe olhou fixamente durante dez segundos compridos. Logo enrugou os
lábios.
- Deve estar de brincadeira - disse, tentando sem êxito disfarçar sua risada.
- Asseguro-lhe que não - foi enrijecida resposta do Nathan.
Vitória riu sem rodeios.
- Não esperará que eu acredite em um conto como esse.
- De fato, não imagino por que não ia acreditar me.
- Em primeiro lugar, porque está claro que é você duro de ouvido. Onde se viu
um espião com problemas de audição?
- Meus ouvidos estão em perfeito estado.
Vitória deixou escapar um som claramente zombador.
- Entrei na habitação e me aproximei de você, e nem mesmo então se deu conta
de minha presença até que falei.
Maldição. Por culpa de seu condenado Guia e das imagens eróticas que esta lhe
tinha inspirado.
- Estava... ejem... distraído. - E antes de que ela procedesse a enumerar mais
razões, disse: - Faz três anos me vi comprometido em uma missão que fracassou e
que provocou minha demissão. A nota contém informação que poderia me
proporcionar a possibilidade de inverter o fracasso da missão. - E de recuperar o que
perdi, penso eu.
Sem dúvida ainda divertida, Vitória assentiu alentadoramente e fez girar sua
mão.
- Continue, o rogo. Isto é mais entretido que qualquer dessas tórridas novelas
que uma jovenzinha como eu possa ler.
Ao Nathan levou apenas um segundo perguntar-se se até a data tinha conhecido
a alguma mulher mais lhe exasperace e soube sem dúvida nenhuma que não. Com os
olhos entrecerrados, depositou a bolsa de viagem de Vitória no chão e deu um passo
para ela, deleitando-se perversamente na repentina faísca de incerteza que viu brilhar
em seus olhos.
- Quer então o relato tórrido? - perguntou, empregando um tom de voz sedoso. -
Estarei encantado de contar-lhe De uma perspectiva tanto militar como
contrabandística, esta propriedade está situada em um enclave muito privilegiado.
Durante a guerra, fui recrutado pela Coroa para levar a cabo várias missões, que
incluíam espiar aos franceses e recuperar objetos que saíam de contrabando da
Inglaterra. Faz três anos me atribuiu a missão de recuperar uma valise cheia de jóias,
mas a missão não saiu como estava planejado e as jóias se perderam. Deixei o serviço
à Coroa pouco depois. Recentemente saiu à luz nova informação referente ao possível
paradeiro das jóias. Dado que eu era quem estava mais familiarizado com o caso, me
pediu que retornea Cornwall para ajudar a recuperar as jóias. A nova informação em
relação às jóias está na nota que você encontrou uma nota que, como a bom seguro
entenderá, pertence-me. - Cruzou-se de braços, gratificado ao ver que Vitória tinha
deixado de parecer divertida. Entretanto, tampouco parecia de tudo convencida. - E
posto que acredito ter satisfeito sua curiosidade, estaria-lhe extremamente agradecido
se agora me devolvesse a nota.
- De fato, quão único conseguiu é esporear minha curiosidade, doutor Oliver.
- Uma lástima, posto que essa é toda a explicação que estou disposto a lhe dar. -
Estendeu a mão. - Minha carta, o rogo, lady Vitória.
Em vez de aceitar a seu rogo, Vitória começou a passear-se diante dele. Nathan
quase pôde ouvir as engrenagens girando em sua cabeça enquanto considerava tudo o
que lhe havia dito. Com um suspiro de resignação, baixou a mão e a observou. A luz
do fogo a envolvia em um suave e dourado resplendor, refletindo-se em seu reluzente
cabelo. O vestido, uma seda em tom bronze brunido que realçava seus olhos azuis ao
tempo que favorecia sua tez de pele clara, formava redemoinhos ao redor de seus
tornozelos ao girar.
O olhar do Nathan se pousou na delicada curva do esbelto pescoço da jovem,
que tinha ficado tentadoramente ao descoberto pelo recolhido grego que penteava
seus cabelos. surpreendeu-se fascinado pelo ponto onde o pescoço se encontrava com
o suave pendente de seu ombro... por esse delicado terreno baixo situado na união da
base do pescoço e a clavícula. Os dedos e os lábios do médico foram presas de um
repentino desejo de tocá-la ali. De saboreá-la ali. De experimentar a sedosa suavidade
desse ponto vulnerável. De aspirar a esquiva fragrância a rosas que, como bem sabia,
ela teria presa a sua pele.
Vitória se voltou de novo e franziu os lábios, atraindo a atenção do Nathan a sua
rosada carnosidade. Apesar dos três anos transcorridos, Nathan recordava todos e
cada um dos detalhes exatos desses lábios. Sua suave textura. A luxuriosa
carnosidade.
O delicioso sabor. Seu sensual modo de deslizar-se contra sua boca e sua língua.
Tinha beijado a um bom número de mulheres antes de viver esse instante roubado
com lady Vitória, mas aqueles breves minutos com ela na galeria sem dúvida tinham
apagado de sua memória todos os encontros anteriores.
Também tinha beijado a um bom número de mulheres depois daquele instante
roubado com lady Vitória. Para sua profunda confusão e enfado, tinha descoberto que,
por muito agradáveis que outros lábios pudessem lhe parecer e por grato que fora seu
sabor, nenhum lhe tinha provocado as mesmas sensações que os dela. Em nenhum
tinha encontrado esse sabor. Certo era que a necessidade de provar-se que se
equivocava a respeito se converteu em uma espécie de busca... até que tinha
começado a sentir-se como o príncipe do conto da Cinderela, embora com a diferença
de que, em vez de tentar descobrir o pé que encaixava no sapato de cristal, ele
tentava encontrar um par de lábios que se adequassem aos seus como o tinham
conseguido os dela.
O príncipe tinha saído gracioso de sua busca. Desgraçadamente, ele ainda não tinha
sido tão afortunado.
"Possivelmente porque estiveste procurando nos lugares equivocados", sussurrou
sua voz interior. "Beijando às mulheres equivocadas. Possivelmente deveria limitar sua
busca a esta habitação..."
Nathan mandou ao demônio a sua voz interior e se cravou com firmeza os dedos
aos flancos para evitar estender as mãos e agarrar a lady Vitória no momento em que
ela voltava a passear-se por diante dele para logo estreitá-la entre seus braços e beijá-
la. Provar-se desse modo que, efetivamente, tinha-lhe dado muita importância a um
beijo insignificante. Não podia ter sido tão maravilhoso. Sim, sem dúvida tinha dado ao
episódio umas proporções imerecidas. E só havia um modo de comprová-lo.
Mas antes de que Nathan pudesse mover-se, lady Vitória se deteve e se voltou a
lhe olhar.
- Se a história que me contou é certa - anunciou, lhe olhando com essa classe de
suspeita alerta com a que um camundongo observaria a um gato faminto, - meu pai
deve estar comprometido de algum modo.
Maldição. Nathan estava seguro de que Vitória somaria dois mais dois e daria
com o resultado correto. Tinha esperado que não fora assim, confiando em que, como
muitas mulheres de sua posição, teria a cabeça cheia unicamente de intrigas e de
modas.
Estava claro que lady Vitória não era nenhuma estúpida. Apesar de que uma
negação apareceu em seus lábios, não foi capaz de lhe dar voz. Em vez nisso,
surpreendeu-se esperando fascinado o que diria ela a seguir.
Vitória não lhe defraudou e prosseguiu irrefrenavelmente.
- Inclusive embora papai não fora a pessoa que ocultou a nota em minha bolsa,
deve ter estado à corrente de sua existência. Daí que insistisse tanto em que viajasse
a Cornwall. Muita insistência a sua, agora que o penso.
- Negou lentamente com a cabeça ao tempo que em sua frente se desenhava
um cenho cada vez mais pronunciado e seu olhar se pousava nas chamas que
dançavam na chaminé, explicaria muitas coisas... - Murmurou.
Nathan manteve seus rasgos totalmente impassíveis - um talento herdado de seus dias
como espião - e se limitou a observá-la. Depois de quase um minuto de silêncio, o
olhar de Vitória girou até cravar-se nele.
- Meu pai trabalha para a Coroa.
Mais que uma pergunta, suas palavras foram uma afirmação, e Vitória as pronunciou
em um tom totalmente inexpressivo.
Nathan descartou imediatamente qualquer tento de andar-se pelos ramos.
- Sim.
Dos lábios dela escapou um som desprovido do menor indício de humor.
- Agora o vejo tudo muito claro... as reuniões clandestinas em seu estudio a
última hora da noite, suas freqüentes ausências, a expressão preocupada em seus
olhos quando se acreditava alheio a qualquer olhar... - Deixou escapar um comprido
suspiro
e negou com a cabeça. - No fundo eu sabia que não era sincero, que havia algo mais
além do jogo e a frivolidade masculina que empregava como desculpas, mas nunca
quis lhe pressionar.
- A expressão de seu rosto trocou até adotar um ar de profunda dor e essa
expressão desolada estremeceu o coração do Nathan. - Acreditei que tinha uma
amante e que simplesmente se mostrava evasivo e discreto para não ferir minha
sensibilidade.
- Temo-me que o segredo é inerente ao trabalho de qualquer espião.
- O segredo? Quererá dizer você a mentira.
Ao Nathan não custou ver que Vitória se debatia em muitas emoções, tentando
assimilar seus sentimentos, e ver esse debate lhe afetou de um modo ao que não
soube pôr nome. aproximou-se dela e tomou com suavidade dos braços.
- Refiro-me a dizer e a fazer o que for necessário para manter oculto nosso
vínculo com a Coroa e assim poder levar a cabo nosso encargo e proteger os
interesses do país. nos manter a salvo , a nossos amigos e a nossa família.
O olhar de Vitória procurou o dele.
- A noite que veio você a casa a ver meu pai sua visita estava relacionada com a
missão referente às jóias? - perguntou.
Um músculo se contraiu na mandíbula do Nathan.
- Sim.
- Meu pai estava envolto?
Até seu condenado pescoço, pensou Nathan.
- Assim é. - Soltou-a e então, depois de liberar um breve debate consigo mesmo,
decidiu que não tinha sentido não falar claro. - Seu pai coordenava a missão. Ele foi o
encarregado de nos recrutar.
Vitória assimilou suas palavras e disse:
- Então, papai é mais que um simples espião. É um chefe de outros espiões?
- Em efeito.
- E quem, além de você, está incluído nesse "nós" que meu pai recrutou?
- Meu irmão e lorde Alwyck.
Vitória assentiu devagar sem apartar em nenhum momento os olhos dos do
Nathan.
- Então, esta noite, durante o jantar, estive sentada entre dois espiões e diante
de um terceiro.
- Antigos espiões. Sim.
- Também foi seu pai?
- Não.
- Seu mordomo? a ama de chaves? O lacaio?
Uma das comissuras dos lábios do Nathan se curvou ligeiramente para cima.
- Não, que eu saiba.
- Não sabe quanto me alivia sabê-lo. Mas não nos esqueçamos de meu genial e
distraído pai, ao que está claro que não conheço absolutamente. - A voz de Vitória
tremeu ao pronunciar a última palavra e baixou a cabeça para olhar ao chão.
Nathan voltou a experimentar essa sensação de vazio no peito. Pôs um dedo sob
o queixo da jovem e com suavidade a obrigou a levantar a cabeça até que seus
olhares se encontraram de novo.
- O fato de que lhe considere um homem avoado e genial jogava em grande
medida a nosso favor. O trabalho que coordenava salvou a vida de centenas de
soldados britânicos. E, para que pudesse fazê-lo, havia aspectos de sua vida que não
podia compartilhar com você, nem com ninguém.
Vitória tragou saliva, contraindo sua esbelta garganta e com os olhos fecundados
de perguntas.
- Isso o entendo - disse por fim. - O que não entendo é por que lhe enviou esta
nota comigo. por que não enviar a algum de seus espiões? Ou reunir-se com você em
Londres?
Antes de lhe dar uma resposta, Nathan apartou o dedo do queixo de Vitória,
deixando deslizar a gema por sua pele durante uma mínima fração de segundo. Tanta
suavidade... Maldição, que pele tão delicada a de Vitória. Lhe contraíram as mãos ante
a necessidade de voltar a tocá-la. Tão intenso era o desejo que teve que afastar-se
dela para assegurar-se de não ceder à imperiosa necessidade.
Depois de aproximar-se do suporte da chaminé, fixou o olhar no fulgor das
chamas e se sumiu em um breve debate interno. Logo se voltou a olhá-la.
- Seu pai a enviou a Cornwall porque acredita que você está em perigo. Queria
tirá-la de Londres e queria também trazer a informação a Cornwall, de modo que com
uma só viagem viu satisfeitos ambos os encargos.
- Em perigo? - repetiu Vitória, cujo tom expressava de uma vez duvida e
surpresa. - Que classe de perigo? E por que ia ele a pensar algo semelhante?
- Não foi tão específico a respeito, mas sem dúvida acredita que pode sofrer
você algum dano. Quanto ao porquê, atreveria-me a aventurar que ou recebeu alguma
ameaça contra você ou contra ele mesmo e por isso teme que você possa resultar
ferida na disputa. Possivelmente ambas as coisas.
Vitória empalideceu.
- Você acredita que meu pai corre algum perigo?
- Não sei. - Nathan lhe dedicou um olhar significativo. - Estou convencido de que
a carta que me enviou em sua bolsa de viagem contém a resposta a sua pergunta.
- Tenho lido a carta. Não havia nela nenhuma menção a nenhum perigo. O certo
é que só falava de... - Franziu os lábios. depois de uma pausa, disse: - Não
mencionava nenhum perigo.
- Não do modo em que nem você nem nenhum outro profano poderia discerni-
lo. Seu pai me teria escrito em código.
Um comprido e tenso silêncio se abriu entre ambos. Por fim Vitória elevou o
queixo, mostrando uns olhos turvados.
- E se papai resulta ferido... ou algo pior... enquanto eu estou longe dele?
A preocupação que refletiam seus olhos inquietou ao Nathan de um modo que
não se viu capaz de explicar. Quão único sabia é que desejava como nada no mundo
ver desaparecer essa expressão.
- Seu pai é um homem extremamente inteligente e dotado de incontáveis
recursos - disse com voz baixa. - Não tenho a menor duvida de que será mais
preparado que quem quer que se atreva a lhe desafiar.
Um grito afogado emergiu dos lábios de Vitória.
- Não me parece que esteja falando você de meu pai embora seja óbvio que lhe
conhece muito melhor que eu. - Parte da preocupação pareceu desvanecer-se de seu
olhar! substituída agora pela especulação. - Indubitavelmente, é você algo mais que o
singelo médico de povoado que finge ser.
- Nunca fingi ser médico. Sou-o. E condenadamente bom. - Inclinou a cabeça. -
Indubitavelmente, é você algo mais que a panaca herdeira que finge ser.
- Nunca fingi ser uma herdeira. Sou-o. E tampouco fui jamais uma panaca... isso
não é mais que uma amostra de sua arrogância e de suas infundadas hipóteses.
- Quero essa nota, lady Vitória.
- Sim, sei. Que má sorte para você que esteja em meu poder.
- Não posso pretender protegê-la sem estar à corrente do perigo que seu pai
teme iminente.
- Você? Me proteger? - burlou-se Vitória. - Você, que está surdo como uma
taipa? Qual é seu plano para proteger-me? ordenar a suas galinhas e a seus patos que
reduzam a bicadas a todo aquele que ameace minha segurança?
Bom Deus. Em algum momento tinha considerado lady Vitória uma mulher
atrativa? Devia ter perdido o julgamento. Era uma jovem exasperante. E sem dúvida
estava jogando com ele. Maldição, mas se não era mais que uma... Uma exasperante
menina mimada. E sua paciência se encontrava oficialmente ao bordo de seus limites.
Com seu olhar entreabrido firmemente sobre a dela, Nathan perguntou:
- Por que se nega a me devolver a nota?
- Não me neguei a devolver-lhe.
- Então aceitará a minha petição?
- Não... ao menos, não ainda.
- Não sou a classe de homem ao que possa fazer dançar ao som que prefira,
lady Vitória.
- Nunca hei dito que seja esse meu propósito.
- Bem. Embora seja óbvio que algo quer.
- Certo.
- Graças a Deus, não sou propenso a me derrubar para ouvir declarações
surpreendentes. O que é o que quer?
- Quero que me inclua. Quero lhe ajudar.
- Me ajudar a que?
- A levar a cabo a missão que meu pai lhe atribuiu. A recuperar as jóias.
Felizmente, Nathan tinha a mandíbula tensa, do contrário teria ido a estalar se
contra suas botas. Mesmo assim, não conseguiu reprimir uma gargalhada de
incredulidade.
- Nem pensar.
Ela se encolheu de ombros.
- Bem, nesse caso muito me temo que não posso lhe fazer entrega de sua carta.
- Por que ia você a desejar envolver-se em algo que não só não é de sua
incumbência mas sim poderia resultar potencialmente perigoso?
- Tendo em conta que tanto meu pai como eu podemos estar em perigo, e que
essa carta é a razão pela que me despachou até este canto afastado do mundo,
acredito que isso é sem dúvida de minha incumbência. Vejo agora com absoluta
claridade que fui vítima de mentiras e segredos durante mais anos dos que posso
chegar a imaginar. Nego-me a seguir sujeita a eles. - Sua expressão se endureceu,
tornando-se zangada. E resolvida. Duas expressões que poriam a qualquer homem
imediatamente em guarda.
- Sabe você o que se sente ao ser vítima da mentira, doutor Oliver?
Sabia, sim. E não tinha desfrutado da experiência. Inclinou a cabeça ao
reconhecer que Vitória lhe tinha ganho o tanto.
- Mas não pode ser tão estúpida para albergar rancor simplesmente porque seu
pai não lhe disse aquilo que poderia ter comprometido a segurança deste país.
- Não, embora não nego que me sinto como uma estúpida... e ressentida
também... ao me dar conta do pouco que conheço homem com o que me acreditei, ao
que acreditava conhecer e compreender extremamente bem.
Estou, entretanto, muito zangada pelo fato de que não me tenha informado que
podia correr perigo.
- Já o hei dito... sabe cuidar de si mesmo. E de modo mais eficaz se vir livre de
ter que preocupar-se com a segurança de sua filha. Seu pai queria, necessitava, que
você partisse de Londres. Obviamente acreditava que você não o faria se em algum
momento chegava a conhecer a verdade.
- Não me deixou escolha - disse lady Vitória, acesa. - Merecia sabê-lo. Ter a
oportunidade de lhe ajudar. Ser partícipante do autêntico motivo pelo que me enviava
fora da cidade. Saber que possivelmente também eu podia correr perigo. - Soltou um
bufado. - Ao menos assim teria disposto da oportunidade de me preparar. De me pôr
em guarda. Mas, não, em vez disso me acariciou a cabeça e me empurrou ao deserto,
aos cuidados de um homem ao que logo que conheço e ao que faz três anos que não
vejo, como se pelo mero feito de ser mulher estivesse indefesa. - Todo seu
comportamento gotejava teimosa determinação. - Pois bem, cometeu um engano. Sou
uma mulher moderna. Não permitirei que se me à parte a um lado nem que me trate
como se fora uma pobre imbecil. Desenhei um plano, e, a diferença de você e de meu
pai, estou mais que disposta a ser franco e compartilhá-lo com ambos. É um plano
singelo, um plano que inclusive você será capaz de compreender. Tenho sua nota.
A devolverei se aceitar a me incluir em sua missão.
- E se me nego a aceitar?
Um radiante sorriso apareceu nos lábios de lady Vitória.
- Nesse caso, não a devolverei. Vê-o? Já lhe hei dito que é muito singelo.
Nathan se separou da chaminé e se aproximou devagar a ela como um gato
selvagem que espreitasse a sua presa. O sorriso de Vitória se desvaneceu e,
lentamente, separou-se dele. Nathan seguiu avançando ao ritmo de sua retirada,
deslocando-se para encurralá-la no canto exatamente onde a queria, tanto física como
estrategicamente. Vitória deu um novo passo atrás e seus ombros golpearam contra o
ângulo onde as duas paredes se encontravam. Um brilho de surpresa lhe iluminou os
olhos e a seguir ergueu as costas e elevou um pingo mais o queixo, com os olhos
exagerados mas enfrentando-se ao olhar do Nathan sem a menor hesitação. Se
Nathan não tivesse estado tão irritado com ela, teria admirado seu valor ao ver-se
apanhada e lutando por sair graciosa da situação. Vitória podia ser para ele uma
indubitável moléstia, mas não era nenhuma covarde. Uma grande surpresa, pois
Nathan teria apostado que ante a simples menção da palavra "perigo" a teria visto
correr em busca de seus sais.
- Não conseguirá me intimidar para que lhe entregue a nota - disse Vitória,
empregando um tom de voz que não desvelava o menor ápice de temor.
Nathan plantou uma mão em cada uma das duas paredes, encerrando-a no
parêntese de seus braços.
- Nunca tive que intimidar a uma mulher para que me dê o que quero, lady
Vitória.
O olhar dela se pousou em seus braços, posicionados junto a sua cabeça, antes de
voltar para seu rosto.
- Nunca a encontrará.
- Asseguro-lhe que se equivoca.
- Não. Está escondida em um lugar onde jamais poderá localizá-la.
Nathan ocultou sua vitória ante a inadvertida admissão dela de que a nota
seguia intacta e de que não a tinha destruído. Deixou descender lentamente o olhar e
voltou a elevá-la riscando com ela o contorno de suas formas femininas. Quando seu
olhar voltou a encontrar-se com o dela, disse com suavidade:
- Leva-a você em você. A questão é averiguar se a tem metida em uma de suas
ligas, ou se... - Voltou a baixar o olhar para a elevação de pele clara que se elevava do
corpo do vestido cor bronze de Vitória. - Possivelmente a esconde entre seus seios?
A expressão de perplexidade da jovem, somada a seu furioso aquecimento,
confirmou a exatidão da hipótese.
- Jamais tinha sido submetida a um escrutínio tão pouco digno de um cavalheiro
- disse, ofegante como se acabasse de subir apressadamente um lance de escada.
Nathan lhe acariciou devagar a bochecha com a gema do dedo, memorizando a
sedosa textura de sua cálida pele e o som de sua pressurosa respiração.
- Se pensa que vai convencer me de que o rubor carmesim que tinge sua pele é
o simples resultado do ultraje próprio de uma donzela, subestima-me você, lady
Vitória, mas como, sem dúvida, seria um engano.
Vitória tragou saliva.
- É obvio que me sinto ultrajada - reconheceu. - E, já que é óbvio que não se dá
você por informado, recordo-lhe que um cavalheiro pede permissão para tocar a uma
dama.
- Jamais afirmei ser um cavalheiro. - Incapaz de resistir, Nathan acariciou de
novo esse tentador rubor com a gema do polegar antes de voltar a apoiar a mão
contra a parede. - Prefiro pedir perdão depois... sempre que for necessário... que pedir
permissão antes.
- Que cômodo para sua consciência... embora muito me temo que você carece
dela.
- Justamente o contrário. De fato, neste preciso instante é minha consciência a
que me está convidando a lhe perguntar se me daria permissão para que a tocasse.
- É obvio que não.
- Ah, já vê você por que meu método é muito mais preferível.
- Sim... para você.
- Nesse caso, deverei pedir desculpas.
- Negadas.
Nathan soltou um suspiro longamente contido e negou com a cabeça.
- Ao parecer, está você decidida a me negar isso tudo esta noite. - aproximou-se
um passo mais e se inclinou sobre ela de modo que seus lábios ficaram a escassos
centímetros da orelha da jovem. A sutil fragrância de rosas embotou os sentidos e
suas mãos se fecharam contra o papel de seda que cobria as paredes. - Em algum
momento terá que tirar a roupa, minha senhora. E agora acaba de me dar um
magnífico incentivo para me assegurar de estar presente quando o fizer.
Vitória inspirou em ofego. Nathan retirou a cabeça, amaldiçoando a tentadora
fragrância da jovem, agora gravada em sua mente.
- Isso jamais ocorrerá, o asseguro.
- Não diga nunca desta água não beberei.

Capítulo 6

A mulher moderna atual deve ser consciente de que o conhecimento equivale a


poder. portanto, resultará-lhe essencial descobrir quanto possa sobre um cavalheiro,
seja amigo, inimigo ou amante. quanto mais dele saiba, maior será o poder que
poderá exercer na relação e menores sucederão as possibilidades de que dela se
aproveitem.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore.
Com os olhos inchados depois de uma noite agitada resumida em muito pensar,
um perambular exaustivo e pouco sonho, Vitória pediu que lhe subissem a bandeja do
café da manhã à habitação. depois de um ligeiro lanche composto por chá, torradas e
ovos
- nos que cravou um olhar glacial, perguntando-se se procederiam das galinhas
do Nathan, - levantou-se. Não chamou a sua criada, desejosa como estava de ficar a
sós com suas reflexões, e ficou seu traje de montar favorito de cor verde escura.
Depois de certificar-se de que a tão disputada carta estava perfeitamente
escondida, dirigiu-se ao estábulo. Um enérgico passeio a cavalo sempre ajudava a lhe
esclarecer as idéias e a melhorar seu estado de ânimo.
E bem sabia Deus que necessitava ambas as coisas.
E tudo por culpa dele. Desse médico que se fingia espião que a sua vez se fingia
médico. Não era de sentir saudades que Nathan não houvesse tornado a pensar nela
no encontro que tinha tido lugar entre ambos três anos antes. Sem dúvida, tinha uma
mulher em cada cidade, povoado e aldeia. Ela não tinha sido mais que uma diversão
momentânea para um perito rufião. Ao recordar como tinha flertado com ele durante
seu primeiro encontro, Vitória se estremeceu. Indubitavelmente, ele devia haver-se
divertido do lindo. Pois bem, não tinha o menor desejo de voltar a lhe divertir.
Depois de que o doutor Oliver se partiu de sua habitação a noite anterior, Vitória
tinha fechado a porta com chave e tinha colocado uma cadeira contra o puxador para
mais segurança. Logo tinha passado as horas examinando a carta, tentando encontrar
nela algum significado secreto, embora sem êxito. Como ia decifrar se uma carta que
só falava de arte, de museus e do tempo em um relato de perigos e de jóias?
Por fim reconheceu sua derrota quando, presa do cansaço, as palavras
começaram a esfumar-se ante seus olhos. Mesmo assim, voltaria a tentá-lo à volta de
seu passeio, renovada e fresca.
Entretanto, mais lhe frustrem ainda que seu fracasso na hora de decifrar a nota
era o familiar desassossego que a embarcava. Não recordava haver-se sentido tão
bombardeada com sentimentos tão encontrados. Certo era que, até esse viaje em que
tinha descoberto a nota em sua bagagem e logo ao doutor Oliver em sua habitação,
sua vida tinha consistido em uma agradável embora rotineira sucessão de temporadas
na cidade, verões no campo e férias anuais no Bath.
Com a exceção desse único beijo roubado fazia três anos, nada extraordinário
lhe tinha ocorrido jamais e sua vida tinha transcorrido exatamente na direção que ela
mesma se riscou.
Não obstante, tinha nesse momento a sensação de ver-se sacudida a mercê de águas
tormentosas, imersa em um torvelinho de emoções. A preocupação pela segurança de
seu pai estava em clara confrontação com uma sensação de confusão, descrédito e
traição ao ter tido notícia da autêntica natureza de sua vida secreta. Somada à raivosa
tempestade de suas emoções estava a ira contra seu pai por havê-la tratado como a
uma menina. Dúzias de perguntas zumbiam em sua mente, e, Por Deus,
estava decidida a lhe exigir as respostas assim que retornasse a Londres. Quanto
tempo tinha envolto com a Coroa? Tinha-o sabido sua mãe? A bom seguro que não.
Vitória imaginava que uma revelação semelhante teria sido recebida com uma
sessão de sais que bem poderia haver-se prolongado uns quantos meses.
Entretanto, subjacente a todo isso estava o inegável orgulho e excitação que
sentia detrás haver-se imposto e ter feito frente ao doutor Oliver. Os ensinos que tinha
assimilado do Guia feminino lhe tinham sido de grande ajuda e, embora tinha tido que
alterar seus planos para adaptar-se ao novo giro que tinham dado os acontecimentos,
as tinha engenhado para tender um desafio ao doutor Oliver sem deixar de dispor da
oportunidade perfeita para lhe arrancar sua vingança. Ao lhe obriga-lo a
aceitar sua ajuda em sua missão teriam que passar muito tempo juntos e poderia
assim lhe tentar para que voltasse a beijá-la. Então retornaria a Londres, casaria-se
com um dos barões e ocuparia seu lugar na sociedade como sempre tinha planejado.
Esta vez, entretanto, asseguraria-se de que fora um beijo, um encontro, que o
doutor Oliver não esquecesse facilmente.
Durante um breve e angustiante instante no curso da noite anterior, Vitória tinha
acreditado que Nathan desejava beijá-la. O modo em que a tinha mantido contra a
parede... esses braços fortes, esse peito largo e firme ante ela. Tinha sido presa dessa
sensação de cálida vertiginosa que não havia tornado a experimentar desde aquela
noite acontecida três anos antes. O coração lhe tinha pulsado com força, embora não
de medo, mas sim de pura excitação ante sua proximidade. A fragrância limpa que
desprendia o doutor, um aroma de roupa branca, a amido e a algo mais que Vitória
não alcançava a definir mas que lhe resultava agradável e embriagador, tinha-lhe
embotado os sentidos. O corpo do Nathan emanava um calor lhe intoxicante que a
tinha forçado a pegar as costas firmemente contra a parede para evitar aproximar-se
mais a ele e absorver de uma vez esse calor. havia-se sentido total e absolutamente
rodeada por ele, por seu dúctil fortaleça.
Tudo isso, somado a convincente expressão de seu olhar, tinha conseguido
cativá-la muito mais que seus braços.
E o contato de sua pele... A suave carícia do dedo do Nathan sobre seu rosto
aceso a tinha obrigado a esticar os joelhos para não deprimir-se. E essa ultrajante
sugestão de que se despisse diante dele... Uma segunda quebra de onda de calor a
percorreu por inteiro. Isso não ocorrerá jamais, doutor Oliver, disse-se. Embora me
ocuparei pessoalmente de que o deseje.
Chegados a esse ponto, Vitória levava vantagem no trato forjado entre ambos,
como se de um jogo de xadrez no que ela tivesse em xeque ao rei do Nathan se
tratasse. Agora precisava lhe superar estrategicamente e ratificar o xeque antes de
que ele pudesse reagrupar-se e planejar uma defesa. Vitória necessitava informação:
sobre ele e sobre sua faltada missão. A noite anterior tinha mantido os olhos bem
abertos, enchendo-se de uma determinação que até então jamais havia sentido. Não
voltaria
a permitir que ninguém a tratasse como uma menina a que podiam tranqüilizar com
uma carícia na cabeça e mandá-la logo com vento fresco. Lady Vitória Wexhall era
uma mulher moderna e alguém a ter em conta.
"Prepare-se, doutor Oliver. Sua cidadela está a ponto de ser tomada."
Vitória saiu da casa pelo terraço posterior, fiscalizando o terreno desde sua
posição vantajosa enquanto cruzava o espaçoso pátio de pedra. Os jardins se
estendiam até a esquerda: uma série de sebes perfeitamente recortados e de flores
coloridas.
Pareciam como mínimo tão grandes como os jardins do Wexhall Manor... uma
agradável surpresa. Mais ao lado dos jardins se evidenciava uma grande extensão de
verde grama, resplandecente sob um argentino manto de rocio matinal. A grama
deixava passo a umas árvores de grande altura que se elevavam apontando a um céu
ainda salpicado com os traços cada vez mais apagados da alvorada.
deteve-se durante um instante antes de descer os degraus do amplo e curvo terraço.
Uma ligeira brisa brincou com os brincos de cabelo que emolduravam seu rosto, lhe
acariciando a pele com um ar fresco e bem-vindo. Elevou o rosto, fechou os olhos e
inspirou fundo várias vezes. O ar tinha ali um aroma distinto; limpo e fresco como só
podia cheirar o ar do campo, embora com um ligeiro e intrigante toque de forte aroma
a sal procedente do mar. assegurou-se de que o passeio da manhã incluíra uma
panorâmica da água. depois de decidir que o melhor seria sair antes de que outros
habitantes da casa despertassem, a ponto estava de baixar a escada quando um suave
miado a deteve. Quando baixou o olhar, viu um diminuto gatinho que se esfregava
contra a prega de sua saia.
- Vá, olá - cantarolou, agachando-se para arranhar a bola de penugem
acumulado depois das minúsculas orelhas do animal. - O que faz aqui tão só? Onde
está sua mamãe?
Por única resposta o gatinho deixou escapar o miado mais lastimero que Vitória tinha
ouvido em sua vida.
- OH, Deus, isso é muito triste.
Agarrou ao gatinho e o embalou contra seu peito, onde o bichinho rompeu a
ronronar imediatamente.
- Pequeno adulador parece.
Sorriu e acariciou com as gemas dos dedos o suave queixo do gatinho. Era
totalmente negro, salvo pelas patas, de um branco níveo.
- Qualquer diria que te tem cansado em um cubo de pintura - lhe disse entre
risadas. Um ronrono encantado surgiu do diminuto peito do gatinho, que a sua vez
estendeu uma das patas dianteiras sobre a manga de Vitória.
- Me pergunto se for você o pequeno fantasia de diabo que não podia descer da
árvore.
- Sim, assim é - disse uma voz conhecida e grave procedente de um ponto
situado exatamente a suas costas.
Vitória se voltou apressadamente. O doutor Oliver estava a menos de dois
metros dela, cruzado de braços com ar despreocupado. A Vitória o coração deu um
tombo, sem dúvida por causa da inesperada companhia do médico, ao tempo que lhe
encolhia
o estômago... indubitavelmente, por culpa dos ovos. Passeou o olhar por ele,
reparando em seus cabelos desordenados, como se se tivesse penteado as lustrosas
mechas com os dedos, deixando cair vários cachos sobre a frente.
Baixou um pouco mais o olhar e imediatamente ficou fascinada pela camisa, ou para
ser mais exatos pelo modo em que Nathan levava o objeto. Nenhum lenço lhe
adornava o pescoço, lhe permitindo uma visão livre do bronzeado pescoço e uma vista
tentadora do musculoso peito antes de que o tecido branco da camisa lhe frustrasse o
espetáculo. Nathan se tinha arregaçado, deixando à vista uns fortes e musculosos
antebraços e talheres por uma sombra de pêlo negro.
Estava quase tão irresistível com aquela camisa como o tinha estado no dia anterior
sem ela.
Umas calças de cor camelo se ajustavam de tal modo a suas largas e musculosas
pernas que Vitória lamentou não poder deter o tempo durante uns instantes para
gozar da oportunidade de estudar suas fascinantes pernas minuciosamente. As botas
negras eram sem lugar a duvida velhas favoritas, pois se haveria dito que o doutor
tinha percorrido a Inglaterra inteira com elas. Como as tinha engenhado para cruzar
toda a terraço de pedra sem ser ouvido? Devia mover-se como um fantasma. Um
irritante, fastidioso e arrogante fantasma. Mesmo assim, e independentemente do que
outras coisas pudesse pensar dele, Vitória não podia negar que era um homem
atrativo. De um modo grosseiro e absolutamente cavalheiresco. Com um grande
esforço, voltou a elevar a vista. O olhar escrutinadora refletida nos olhos do Nathan
indicava que tinha sido surpreendida lhe observando, e sentiu como uma quebra de
onda de calor lhe acendia o rosto. Agradecia a Deus que os espiões não podiam ler as
mentes.
Nathan a saudou com uma inclinação de cabeça e em certo modo obteve
inclusive pareceu cortês e zombador de uma vez.
- Bom dia, lady Vitória.
Ela inclinou a cabeça dando amostra de seu estilo mais afetado e régio.
- Você dormiu bem?
- Maravilhosamente.
Nathan arqueou uma sobrancelha.
- É certo isso? A julgar pelas sombras que tem sob os olhos, diria-se que esteve
acordada toda a noite, provavelmente tentando decifrar minha carta.
Vitória não teria sabido dizer o que era o que mais a irritava: se a hipótese
irritantemente acertada ou o fato de que o doutor tivesse dado a entender que parecia
cansada.
- OH, obrigado. Sem dúvida não recordo ter sido jamais branco de tão florido
completo.
Em vez de mostrar-se envergonhado, Nathan sorriu, mostrando sua reluzente e
branca dentadura.
- Ia você aos estábulos?
- Sim. Eu gosto de dar um passeio a cavalo pelas manhãs.
- Eu também me dirijo para ali. Vamos juntos? Apesar de nosso encontro de
ontem à noite, estou seguro de que poderemos chegar ao estabulo sem iniciar
nenhuma discussão.
- Sim... sempre que ambos guardemos silêncio.
Cintilou um novo sorriso e Nathan assinalou os degraus com um floreio.
- Vamos?
Dado que aquela era uma perfeita, embora sem dúvida inesperada, oportunidade
para saber mais coisas sobre ele, Vitória assentiu.
- É obvio - disse.
Descenderam a ampla e curva escada e cruzaram logo a grama imaculadamente
talhada. Em vez de guardar silêncio, o doutor Oliver assinalou com a cabeça ao
gatinho que se sumiu em um sonho lhe ronronem.
- Ao parecer, você ganhou uma amiga. Olhe-a, dormindo como um anjo. - Negou
com a cabeça e riu. - A ponto estive que me partir o pescoço enquanto resgatava a
esta diabinha. E você acredita que deu em troca nem a menor amostra de
agradecimento?
- Naturalmente que não - disse Vitória, acariciando o pelo da gatinha com a
gema do dedo. - Lhe arruinou sua diversão. Seguro que fungou o ar e se afastou com
ar ofendido.
Um lento sorriso apareceu nos lábios do doutor e desenhou uma intrigante covinha em
sua bochecha.
- Muito próprio das mulheres - murmurou.
Optando por fazer caso omisso do comentário e evitar assim uma discussão,
Vitória perguntou:
- Como se chama?
- Botas.
Vitória não pôde reprimir um sorriso.
- Botas... O gato com botas... O Chat Botté. Um nome do mais adequado. E um
de meus contos favoritos.
A surpresa cintilou nos olhos do Nathan.
- Também o meu.
Vitória arqueou as sobrancelhas.
- Contos? Um espião aterrador como você?
- Creia-o ou não, fui menino em uma época. O dia de meu oitavo aniversário,
recebi um exemplar das Histoires ou conte du temps passé, avec dê moralités: Conte
do MA mère l'Ouça do Perrault. Imediatamente se converteu em meu livro de
cabeceira.
E segue sendo-o a data de hoje.
- Histórias ou contos de passado com moral: Contos de Mamãe Ganso - traduziu
Vitória. - Seu francês é perfeito.
- Obrigado. Um talento de grande utilidade quando um se dedica a espiar aos
franceses.
- Tenho duas edições recentes do livro, uma em francês e a outra traduzida ao
inglês, que entesouro, embora eu adoraria poder dispor de um original.
- A minha é uma primeira edição.
Vitória se voltou a lhe olhar.
- Uma edição de mil seiscentos e noventa e sete?
- Não tenho notícia de que haja uma primeira edição anterior a esse ano.
- OH, morro de inveja. Levo anos querendo ter uma, mas é impossível encontrá-
la. Possivelmente estaria disposto a vender a sua?
- Temo-me que não.
- E se lhe fizesse uma oferta escandalosa?
Os olhos do Nathan se encheram de uma expressão indecifrável que, conforme
alcançou a supor Vitória, tinha-lhe ajudado enormemente durante sua carreira como
espião, mas que lhe resultou absolutamente molesta.
- Quando diz uma oferta escandalosa se refere a uma grande quantidade de
dinheiro, lady Vitória? Ou escandalosa em um sentido totalmente distinto?
O calor a abrasou até a raiz do cabelo.
- Ao dinheiro, naturalmente.
Nathan negou com a cabeça.
- Não estou interessado em vendê-la por nenhuma quantidade. Foi o último
presente que recebi de minha mãe antes de sua morte. O carinho que tenho a esse
livro nada tem que ver com seu valor pecuniário. - Olhou a Vitória, Isso à surpreende?
- Para falar a verdade, sim. Não acreditava que os homens fossem tão
sentimentais.
- Refere-se aos homens em geral ou a mim em particular?
Vitória se encolheu de ombros.
- A ambos, suponho.
Entre os dois se fez o silêncio e Vitória se surpreendeu inegavelmente curiosa
por conhecer mais sobre esse homem ao que, a julgar pelas palavras que seu próprio
irmão tinha empregado para referir-se a ele, não lhe sobrava o dinheiro e que, apesar
disso, nem se expor vender um livro de grande valor porque tinha sido um presente de
sua mãe. Diabo, quando se tinha proposto descobrir mais sobre ele não tinha
imaginado descobrir nada que resultasse... enfim, agradável.
- Intriga-me que O gato com botas seja seu conto favorito da coleção do Perrault
- disse o doutor Oliver. - Haveria dito que A cinzenta era mais seu estilo.
- Ah, sim? E por que?
- Um arrumado príncipe, um deslumbrante baile... parecem ser as coisas
preferidas pela maioria das damas.
- OH, eu gostei da história, sobre tudo o aspecto mágico da fada madrinha e o
romantismo com que o príncipe empreende a busca da mulher que lhe roubou o
coração. Mas o endiabradamente preparado Gato de botas eu adorei. Sua ingenuidade
me fez desejar que estivesse vivo para poder competir com ele em engenho. Inclusive
tentei lhe fazer um par de botas a meu gato.
- Depois de ter visto não faz muito um claro exemplo de suas habilidades com a
agulha, acredito não me equivocar ao supor que as botas não foram um êxito
entristecedor.
Vitória lhe lançou um olhar zombador.
- Desgraçadamente, não. Embora grande parte da culpa a tem Ranúnculo, que
simplesmente se negou a usa-las.
- Seu gato se chamava Ranúnculo? - Nathan torceu o gesto em uma cômica
expressão.
- Por isso ouvi, é você uma das pessoas menos indicadas para questionar os
nomes dos mascotes alheios.
- Suponho que tem razão, embora, em minha defesa, devo alegar que meu é
somente o nome de Botas e o de meu cão. Outros animais já me chegaram com o
nome posto.
- Sabe muito bem que poderia haver os trocado.
- Gostaria que alguém lhe trocasse o nome?
- Não, embora não sou nenhum animal de granja.
Nathan se levou o índice aos lábios.
- Chist. Eles não sabem que são animais de granja - disse com um sussurro
claramente exagerado. - Acreditam que são dignatarios reais de visita.
Vitória tentou conter um sorriso ante semelhante bobagem.
- Reconheço que entendo sua postura. Eu sou propriedade do Ranúnculo. É ela a
que me permite viver em sua casa.
- Sim, o mesmo ocorreu com Botas em quando a levei a casa. instalou-se em
seguida e se apropriou de minha poltrona favorita. Alguém me disse uma vez que os
cães têm donos e que os gatos têm...
- Serventes - concluiu Vitória entre risadas. - Totalmente certo. Botas foi um
presente?
- Um paciente me ofereceu como pagamento um filhote da última cria de sua
gata. Embora observei atentamente ao grupo inteiro, soube em seguida que esta
pequena diabinha era a escolhida.
Vitória baixou os olhos para olhar a Botas.
- Não me surpreende que tenha sido um amor a primeira vista. É um encanto.
Recorda a meu Ranúnculo.
- Ranúnculo é branca e negra?
- OH, não. É listrada, embora tenha o cabelo de cor dourada.
- Ah, já. Entendo agora que possa lhe recordar a Botas. O parecido é quando
menos surpreendente.
Vitória não pôde evitar a risada ante o tom mordaz empregado por Nathan.
- Referia-me a que ao Ranúnculo adora que a tenham agarrada assim, e fica
dormindo minutos depois de que comece a lhe arranhar detrás das orelhas.
- Isso é algo com o que desfrutam de muitos animais, porque para eles é um
ponto de difícil acesso.
- Me diga, doutor Oliver, por que era O gato com botas seu conto favorito?
- Como você, também eu admirava em grande mesura a inteligência do gato.
Minha parte favorita era quando este convence a seu dono para que se banhe no rio e
lhe esconde a roupa sob a rocha e lhe conta ao rei não só que seu dono se está
afogando, mas sim uns ladrões lhe roubaram a roupa.
Vitória riu entre dentes.
- Pequeno espetáculo para o rei e para sua filha.
- Sem dúvida. E uma forma inteligente de certificar-se de que a andrajosa roupa
de seu dono não fora vista pelos homens do rei. Embora sempre me perguntei se a
princesa se apaixonou pelo dono do gato porque estava muito bonito com as ricas
roupas que o pai de lhe tinha emprestado... ou porque lhe havia visto nu. Vitória
tentou conter uma gargalhada, mas não o obteve de tudo. Levantou o olhar para ele e
viu em seus olhos um brilho de picardia. antes de que pudesse ocorrer-se o uma
resposta adequada, Nathan disse:
- E sempre me hei sentido muito identificado com a moral da história.
Vitória ficou uns segundos pensativa e logo citou:
- "Embora receber uma grande herança encerra uma grande vantagem, a
diligência e a ingenuidade valem mais que a riqueza adquirida de outros."
Nathan pareceu um tanto surpreso ante a recitação de Vitória e não demorou
para assentir.
- Além disso, encaixava à perfeição com minha condição de segundo -
murmurou. - Essas palavras me resultavam... inspiradoras.
Uma estranha sensação, que não conseguiu identificar, percorreu a Vitória. antes
de que pudesse defini-la, Nathan acrescentou:
- Reconheço, entretanto, que a outra moral me resulta muito superficial: que a
roupa, o aspecto e a juventude desempenham um papel importante nos assuntos do
coração.
- Superficial, pode ser - concedeu Vitória, - embora certa. Estou convencida de
que forma parte da natureza humana nos sentir atraídos por aquilo que é belo. No fim
das contas, não só o dono da roupa era decididamente arrumado, mas sim a princesa
aparece descrita como a jovem mais formosa do mundo.
- Certo. Mesmo assim, a beleza está no olho de quem olhe. teria se apaixonado a
princesa do arrumado herói se lhe tivesse visto com sua roupa de homem pobre?
- Não sei. - Um diabo interno a empurrou a acrescentar: - Embora se sua teoria
for certa, a princesa se apaixonou por ele porque o viu nu.
Nathan riu.
- Sim, e isso expõe a seguinte pergunta: Se nos desfizéramos de toda a
impedimenta que proporcionam riqueza e privilégio, deixando somente exposta à
autêntica pessoa, seguiria sendo amada essa pessoa? Admirada? Solicitada? Não
acredito.
- Uma visão muito cínica.
- Não, simplesmente realista. você tome-se mesma como exemplo, lady Vitória.
Seu pai está atualmente estudando ofertas não de um, mas sim de dois barões. Se
qualquer deles ficasse de repente desprovido de sua riqueza, posição e título, seguiria
expondo-a possibilidade de casar-se com ele?
O desafio que apareceu em seu olhar era inconfundível, e uma fissura de irritação
serpenteou pelo corpo de Vitória.
- Lhe escutando, qualquer diria que há algo mau em que uma mulher deseje
fazer um bom matrimônio.
- Absolutamente. Simplesmente estou desafiando a definição de "bom
matrimônio". Tem mais que ver com o título, com a riqueza e com a posição do
candidato ou com seu caráter, honra e integridade?
- Sem dúvida essas coisas não são auto excludentes. pode-se possuir um título e
patrimônio e mesmo assim ser uma pessoa honorável e íntegra.
- Em efeito. Mas se tivesse que escolher entre o um ou o outro... interessante
dilema. Em minha opinião, se a princesa de conto mais formosa do mundo tivesse
visto o dono do gato com seus farrapos e não a tivessem enganado para convencê-la
de que era um homem rico, jamais teria reparado nele.
- Resulta difícil culpar a uma princesa por isso.
- Suponho que sim. Mesmo assim, é o aspecto externo do dono do gato do que
ela se apaixonou... e não do homem em si. Disso se desprende que o conto não faz a
não ser provar que as aparências desempenham um papel importante nas questões do
coração.
Havia algo em seu tom que avivou a curiosidade de Vitória, que de repente se
perguntou se haveria alguma mulher que era proprietária do coração do Nathan. A
ideia a inquietou de um modo que foi incapaz de definir.
Um cenho se desenhou entre suas sobrancelhas. Se o doutor estava
comprometido com alguém, isso poderia arruinar seus planos.
- Entendo que isso significa que quando escolher esposa o fará com uma atadura
nos olhos - apontou alegremente, lhe observando com atenção. - Ou acaso já escolheu
a alguém?
Nathan negou com a cabeça e sorriu.
- Nada de enfaixar os olhos... poderia muito bem escolher um vaso de barro de
gardênias, acreditando que a dama em questão cheirava bem e se mostrava
encantadoramente reservada. E não, não escolhi esposa. Nem sequer sei se me
casarei algum dia.
Dado que não sou o primogênito nem que tampouco tenho necessidade de
encontrar a uma herdeira que me ajude a pagar dívidas de jogo ou coisas
semelhantes, não tenho razão para me casar... salvo por amor.
A pesar do alívio que sentiu ao ser conhecedora de seu status de solteiro, Vitória
arqueou as sobrancelhas.
- Por amor? Jamais teria acreditado que os espiões fossem tão... sentimentais.
- Não sei de onde tira você essas idéias sobre os espiões, lady Vitória. De suas
tórridas novelas, possivelmente? Minha razão tem tanto que ver com a lógica como
com o sentimento. Posto que não tenho necessidade de dar um herdeiro ao
sobrenome nem de engrossar as arcas da família, por que ia expor em empenhar
minha vida a uma mulher a menos que a amasse?
- Que... antiquado.
- Nos elevados círculos que você freqüenta, sim, estou seguro de que o é.
Mesmo assim, é prática bastante comum quando nos separamos do brilho das classes
altas. Além disso, trazem-me sem cuidado os ditados da moda. Nunca me importaram.
Jamais permitirei que as caprichosas regras da sociedade ditem com quem passarei o
resto de minha vida. - Negou com a cabeça. - De fato, compadeço ao Colin por ver-se
submetido às responsabilidades maritais que lhe impõe sua condição de herdeiro.
Eu desfruto de liberdades que ele jamais conhecerá.
Vitória digeriu suas palavras não sem uma boa dose de surpresa. Até a data
jamais se supôs que um filho menor não invejasse ao herdeiro por seu título e sua
posição, antes de poder considerar em profundidade o assunto, entretanto, deu-se
conta de que estavam já perto do estabulo. Seu olhar ficou presa na estrutura que
Nathan tinha levantado ao redor dos estábulos para seus animais. E seus olhos se
abriram de par em par.
Um casal de patos saiu batendo as asas pela porta aberta do recinto. Rebolando,
dirigiram-se para eles. Foram seguidos de uma vaca, um porco enorme e uma cabra...
uma cabra que levava sobre o lombo o que parecia uma pomba. O grupo ao completo
rompeu a trotar. Vitória se deteve olhar. O doutor Oliver seguiu andando e pouco
depois se voltou a olhá-la e pôs-se a rir.
- Daria o que fora por que pudesse ver-se a cara, lady Vitória. Sua expressão
não tem preço.
- Qualquer pessoa diria que vão atacar lhe.
- Absolutamente. Simplesmente me dão o bom dia... com entusiasmo, como se
fora eu quem lhes dá de comer.
Vitória seguiu exatamente onde estava, preferindo observar da distância sem
deixar de embalar a Botas. Observou, perplexa, como o doutor Oliver era "saudado"
pelo grupo de animais. Os patos grasnavam ruidosamente, lhe bicando as botas,
enquanto o porco se esfregava contra suas pernas como um gato. A vaca soltou um
lastimoso mugido e logo lambeu a mão do doutor Oliver com uma língua enorme, uma
cena a que Vitória saudou enrugando o nariz. A cabra empurrou brandamente pelas
costas ao doutor para o estábulo enquanto o pássaro que ia sentado sobre seu lombo,
e que, segundo Vitória pôde apreciar, tratava-se efetivamente de uma pomba
enormemente gorda, arrulhou e cavou suas plumas.
O doutor Oliver os acariciou a todos, lhes falando como se fossem meninos e não
animais... animais que, a julgar pelo forte aroma que flutuou até ela, necessitavam
com urgência um banho.
- Venham - disse Nathan ao grupo, levando-os para Vitória. - Me Permitam que
vos apresente a lady Vitória...
- Isto não é necessário - disse ela apressadamente, retrocedendo e olhando
desconfiada à cabra que mostrava um grande interesse pelas braçadeiras de luto de
encaixe que adornavam seus braços.
O doutor Oliver se deteve e, maldição, a Vitória não aconteceu desapercebido
que se estava divertindo do lindo a gastos dela.
- Depois da impressionante atuação com a que me deleitou ontem à noite,
jamais teria pensado em você como em uma mulher covarde, lady Vitória.
Vitória levantou a cabeça e se viu obrigada a tomar ar pela boca devido ao
espantoso aroma que impregnava o ar.
- Não sou nenhuma covarde. Simplesmente eu não gosto quão animais... pesam
mais que eu. E que têm um aroma tão... peculiar. - Levantou um pouco as botas. - É
só que prefiro os gatos às cabras.
- Gosta dos cães?
- De fato, sim.
- Excelente, pois está a ponto de conhecer o R.B.
- Quais...? Ai!
Vitória deu um tropeção para diante ao ver-se firmemente empurrada pelo
centro mesmo de seu traseiro. Assim que recuperou o equilíbrio, voltou-se de costas
para encontrar-se cara a cara com o cão mais enorme que tinha visto em sua vida.
De cor marrom clara, com manchas mais escuras e um focinho negro e
bochechudo, o monstro se erguia regiamente, observando-a desde uns olhos
separados de cor castanha escura aos que aparecia uma expressão alerta embora com
sorte também amável.
A parte superior da cabeça do gigante lhe chegava ao peito. Vitória se obrigou a
ficar totalmente imóvel enquanto a besta levantava a cabeça para cheirar o ar sem
deixar de mover o focinho.
- Lady Vitória, me permita lhe apresentar ao R.B.
- O que querem dizer as siglas R.B.? - perguntou, caso que a B fazia referência a
"besta" ou a "estrondo".
- Rompe Botas. Considere-se avisada, embora deva dizer que é seu único
defeito.
- En... encantada - murmurou Vitória, retrocedendo devagar uns quantos passos,
alarmada ao ver que R.B. avançava a sua vez com ela. de repente, golpeou-se contra
algo sólido e se deteve. Umas mãos grandes tomaram pelos braços desde atrás e
Vitória foi então consciente de que esse algo sólido contra o que se golpeou era o
muito mesmo doutor Oliver.
- Acreditava que havia dito que gostava dos cães - ouviu dizer à voz ligeiramente
divertida do doutor diretamente junto a sua orelha.
O calor que desprendiam as mãos do Nathan se estendeu por seus braços em
um pasmoso contraste com a sensação invocada pela voz profunda e intensa ao lhe
acariciar o ouvido.
- Eu gosto dos cães - disse Vitória sem apartar em nenhum momento os olhos da
enorme besta que tinha diante. - Mas isto não é um cão. É quase um... urso.
Nathan riu entre dentes e seu quente fôlego acariciou o pescoço de Vitória,
despertando as sensíveis terminações nervosas em sua pele nua. Logo a soltou e se
moveu até ficar de pé a seu lado. Apesar de que tinha deixado de tocá-la, o calor de
suas mãos seguia impresso sobre sua pele e Vitória deu obrigado a que ainda tinha a
Botas em braços, do contrário teria percorrido com os dedos o quente ponto em que
ele a tinha agarrado.
R.B. aproximou-se trotando imediatamente a seu dono, meneando o rabo.
Depois de acariciar a enorme cabeça do cão, o doutor Oliver disse:
- Façamo-lo como corresponde, parece-te, moço? Sente-se. - O cão levantou
uma pata dianteira do tamanho de um prato. - Deseja lhe ser apresentado
formalmente.
Vitória olhou ao cão, receosa.
- É manso?
- Como um cordeiro.
- Desgraçadamente, não tenho a suficiente experiência com os cordeiros para
saber se forem mansos. OH, parecem-no, mas quem me diz que não são umas bestas
gruñonas e irritáveis...
- R.B. é extremamente manso.
- Por seu aspecto, diria que poderia comer-se meu peito como entrada. me diga,
todos seus animais são tão grandes? Não tem nada pequeno?
Nathan estalou a língua.
- Temo-me que não em forma de cão.
Decidida a apagar a careta divertida dessa boca sorridente, Vitória conteve seu
nervosismo e estendeu a mão para estreitar a enorme pata que o animal lhe oferecia.
Assim que a soltou, R.B. voltou a apoiá-la no chão, lhe deixando a mão totalmente
intacta. O certo é que era um formoso animal e que parecia realmente amistoso...
possivelmente um pouco muito, a julgar pelo golpe no traseiro que lhe havia
propinado... embora devido a seu exagerado tamanho resultava intimidatorio.
Uma nova olhada aos animais de granja a tirou de sua imobilidade. depois de
decidir que tinha acumulado suficiente informação no que ia de amanhã, dirigiu-se
lentamente para o estabulo com o olhar fixo no rebanho do doutor Oliver.
- Se me desculpar, vou dar meu passeio matinal.
- Não esquece você algo, lady Vitória?
Deus do céu, a cabra voltava a olhá-la. Acelerou o passo.
- Ejem... não acredito. - Para sua consternação, o doutor Oliver se aproximou
dela com um malicioso sorriso enrugando seu formoso rosto. E como se isso não
resultasse em si bastante alarmante, seu pestilento rebanho não demorou para lhe
seguir.
- Botas - disse ele.
O olhar de Vitória descendeu até o esfolado calçado do Nathan.
- São... preciosas. Necessitam um pouco de brilho, mas...
- Refiro a minha gata, lady Vitória. - Seguiu aproximando-se dela, com seus
animais atrás dele... com exceção da vaca, que se tinha detido a comer um pouco de
erva.
- Ah, Botas - disse ela, detendo-se a contra gosto e sentindo-se como uma
idiota. Baixou os olhos para a pequena adormecida, que seguia docemente enrolada
no vão de seu braço, e foi presa de um arrebatamento de irracional e ridícula posse.
O doutor Oliver se deteve diretamente diante dela e lhe lançou um olhar de total
compreensão.
- Roubam a um o coração, verdade?
- Isso me temo.
Nathan estendeu o braço e com supremo cuidado acomodou à pequena em suas
mãos. Os dedos de Vitória roçaram os seus, lhe acelerando o pulso de um modo
absolutamente ridículo.
Assim que se assegurou de que Botas tinha sido transferida sã e salva, Vitória
apartou as mãos bruscamente. Nathan aconchegou ao diminuto animal contra seu
peito e assinalou com a cabeça o estábulo.
- Vamos?
- Vamos aonde?
- A dar um passeio a cavalo, naturalmente. Tenho que dar de comer aos
animais, mas posso fazê-lo enquanto Hopkins sela a nossos cavalos.
- Não recordo lhe haver estendido um convite para que me acompanhe, doutor
Oliver.
- Um descuido acidental, sem dúvida.
- Para falar a verdade, não. Preferiria montar sozinha.
- Uma verdadeira lástima, pois vou acompanha-la .
- Temo-me que isso é de todo impossível dado que não está presente minha
dama de companhia.
Nathan se limitou a desprezar as palavras de Vitória com um simples gesto da
mão.
- Não tema. Não compartilharemos uma carruagem fechada nem nada parecido, lady
Vitória. Estaremos ao ar livre, cada um em cima de seu cavalo, à vista de todos, isso
se houver alguém a quem lhe importe... um comportamento totalmente respeitável
aqui, no Cornwall. E agora me diga - prosseguiu, empregando um tom declaradamente
coloquial, - pensou em me devolver minha nota?
- Já lhe disse ontem à noite quais eram as condições. Condições que não
variaram. tomou alguma decisão respeito a minha proposta?
- Comuniquei-lhe minha decisão ontem à noite, lady Vitória.
- E não pensa reconsiderá-la?
Nathan negou com a cabeça e sorriu de orelha a orelha.
- Preferiria aguardar a que se despisse.
Vitória apertou os lábios e desejou com todas suas forças poder dissimular o
sarpullido de calor que lhe abrasou o rosto.
- Se me desculpa... - Tentou rodear ao Nathan e seguir seu caminho, mas ele se
moveu a um lado para lhe bloquear o passo.
- Não discutamos - disse ele. - Faz uma manhã deliciosa para dar um passeio a
cavalo. Farei as vezes de encantador anfitrião e lhe mostrarei um atalho que leva a
praia.
- Encantador? - Vitória deixou escapar um bufido transbordante de descrédito. -
Não, obrigado.
- Temo-me que não tem você escolha, lady Vitória. Seu pai me deu instruções
para que a proteja. Posto que se nega a me fazer entrega da nota e, por isso, não
posso saber com exatidão qual é sua preocupação, não me deixa outra opção que a de
segui-la dia e noite. Do amanhecer até o anoitecer. Todos e cada um dos minutos do
dia, desde que desperte - aproximou um passo mais a ela e, com um sorriso,
acrescentou: - até que durma entre seus lençóis de noite.

Capítulo 7

A mulher moderna atual deveria aplicar as singelas regras da pesca à captura de


seu cavalheiro. Primeiro, dotar o anzol de uma ceva tentadora, como um vestido
decotado. Logo, desdobrar seu poder de fascinação na forma de uma conversação
coquete e de olhadas sugestivas. Recolher à presa roçando "acidentalmente" seu
corpo com o dele e, ato seguido, lhe atrair à borda e lhe deixar sem fôlego com um
beijo sensual, lento e profundo.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore.

Nathan observou como o aquecimento tingia de rubor a branca e suave cútis de


lady Vitória e teve que obrigar-se a não alargar a mão para tocar essa cor que lhe
enfeitiçava. Os olhos azuis dela se fecharam, indignados, ao tempo que se
encolerizava pelo inadequado comentário do doutor. Vitória era a viva imagem de um
fogo de artifício a ponto de explodir.
- Se tal disposição não lhe satisfizer, minha senhora, não tem mais que me
entregar a nota. Do contrário, temo-me que me verei obrigado a ser para você como o
verde para a alface, ou o amarelo para o narcisista; como o vermelho para o tomate
ou o...
- Acredito que captei a mensagem. - Lady Vitória franziu os lábios e Nathan se
surpreendeu cravando o olhar na boca da jovem, antecipando-se ao momento em que
relaxaria a pressão e os lábios recuperariam de novo sua carnuda voluptuosidade .
- Sem dúvida você acredita que fazendo-se pesado, gesto absolutamente difícil,
por certo, sua constante companhia me resultará tão absolutamente odiosa que
terminarei por entregar feliz a nota.
- Esse é meu maior desejo, sim.
- Em tal caso me subestima você, a mim e minha determinação.
- Ao contrário, dou-me conta de quão teimosa é.
- Há uma grande diferença entre a determinação e a teimosia.
- Estou seguro de que assim acredita. E estaria encantado de poder ouvir sua
teoria sobre a questão durante nosso passeio. - Arqueou as sobrancelhas. - E eu que
acreditava que desejaria desfrutar de minha companhia para assegurar-se com isso
que não estou revistando sua habitação durante sua ausência. - Percorreu com o olhar
a figura de Vitória. A seguir voltou a olhá-la aos olhos e em seus lábios se desenhou
um lento sorriso. - A menos, claro, que tema que possa encontrar a nota em sua
pessoa.
Vitória elevou o queixo dando amostra dessa atitude obstinada, afetada, altiva e
depreciativa que, por alguma estúpida razão, ele encontrava intensamente excitante.
- É obvio que não.
- Excelente. Então está decidido. me siga. - Dirigiu-se ao estabulo e Vitória se
apressou atrás dele. Observando a de canto de olho, Nathan conteve um sorriso ante
os olhares furtivos que ela ia lançando por cima do ombro a seus animais, que
seguiam diretamente detrás deles.
Entraram no estabulo e Nathan gritou:
- Hopkins, está você aqui?
- Aqui estou - respondeu uma voz apagada. A porta do primeiro estábulo situado
à esquerda se abriu de par em par e um homem robusto com um aceso arbusto de
cabelo vermelho e barba da mesma cor se abriu passo a golpe de ombro pela
portinhola com um cubo grande em cada mão.
- Bom dia, minha senhora, doutor Nathan. - Levantou os cubos no ar. - A ponto
estava de encher as manjedouras de sua prole. As galinhas deixaram um presente de
três formosos ovos.
Nathan sorriu.
- Obrigado, Hopkins. Leve-os a cozinha e que a cozinheira os prepare.
- Obrigado. - Jogou um olhar entrecerrados à cabra, o porco, a vaca e os patos
que rondavam junto à porta. - Vamos, fora daqui. Já chega a comida. - Olhou então
ao Nathan. - Necessitará que lhe sele os cavalos, doutor Nathan?
- Se se encarregar você de dar de comer aos animais, eu me encarrego de selar
aos cavalos para lady Vitória e para mim.
Hopkins saudou a proposta assentindo com a cabeça e saiu, seguido muito de
perto pelo rebanho. Assim que desapareceu, sua voz voltou a penetrar no interior da
quadra.
- Separa-se de meu traseiro esse maldito focinho, maldita besta impaciente.
Fingindo não ter ouvido nada, Nathan disse:
- Me permita que acomode a Botas. - Deixou a gatinha dormindo no primeiro
estábulo e fechou a porta com fecho. Ao voltar, perguntou a lady Vitória: - É você uma
boa amazona?
- Sim.
- Bem. Acredito que Mel será uma boa montaria para você. É enérgica, embora
muito doce. - Abriu a marcha até o último estábulo, onde a égua, batizada por sua
crina de cor dourada claro, relinchou ao lhe ver.
- É preciosa - exclamou lady Vitória quando ele tirou a égua do estábulo. Nathan
a viu então acariciar o pescoço e o aveludado focinho do animal.
Enquanto lady Vitória e Mel se conheciam, ele selou à égua com uma cadeira de
mulher ao tempo que ouvia vitória sussurrar ao cavalo palavras suaves e aduladoras.
Selou depois para ele a Meia-noite, um castrado purasangre negro.
Depois de acomodar a lady Vitória em sua cadeira, Nathan montou de um salto a
lombos de Meia-noite e abriu a marcha ao exterior. Curioso por saber se ela era em
realidade uma amazona experimentada, não demorou para empreender um enérgico
trote para o imenso bosque de olmos situado no extremo mais afastado dos canteiros
de grama, evitando a propósito a direção oposta, onde as tormentosas lembranças da
noite acontecida três anos antes esperavam para abater-se sobre ele em desumana
emboscada.
Quando se aproximavam já às árvores, Nathan afrouxou o passo, vagando
devagar pelos atalhos impregnados de aroma de madeira, salpicados dos primeiros
raios do pálido sol da manhã. Os pássaros gorjeavam, as folhas rangiam sob os cascos
dos animais
e uma suave brisa marinha lhe enchia os sentidos. Desde todas direções lhe
assaltavam as lembranças.
Tinha cavalgado, caminhado e deslocado por esses caminhos inumeráveis vezes
durante sua juventude, e inclusive, apesar de tão prolongada ausência, tinha a
sensação de não haver partido dali nunca.
Não sabia com segurança quanto tempo levavam avançando em silêncio quando
ela disse:
- A paisagem é preciosa. Visita freqüentemente Creston Manor?
Nathan se perguntou se Vitória teria visto um pouco refletido em seu rosto que a
tivesse levado a fazer essa pergunta.
- Fazia três anos que não vinha.
Vitória arqueou as sobrancelhas.
- Quer dizer desde sua última missão?
- Sim.
- Por que não retornou após?
Nathan se voltou e a olhou diretamente aos olhos. O sol cintilava no castanho
escuro dos cachos que emolduravam o rosto de lady Vitória, lançando ao ar reflexos
cor canela. Seu traje de montar de cor verde escura harmonizava com sua branca
cútis.
E os lábios... diabo, os lábios pareciam forjados em um par de pêssegos
carnudos e suculentos. Possivelmente havê-la acompanhado em seu passeio a cavalo
não tinha sido a fim de contas uma boa idéia.
- Lorde Nathan? por que não retornou após?
Demônios, tinha perdido por completo do fio da conversação. expôs-se durante um
instante se lhe dizer a verdade e pensou que por que não ia fazê-lo. Em qualquer
caso, pouco importava a opinião que ela tivesse dele.
- Depois de que fracassasse a missão, tive uma discussão com meu pai e com
meu irmão. O melhor para todos os implicados era que eu partisse.
O olhar de Vitória procurou o seu e disse então docemente:
- Deve ter sido muito duro para você.
Sem dúvida era quão último Nathan esperava ouvir dos lábios dela. Tinha
esperado notá-la curiosa, zombadora, possivelmente entremetida. Em troca, tinha-lhe
devotado sua compaixão, como se entendesse o peso dessa separação. Semelhante
reação o confundiu. E lhe inquietou. Não tinha o menor desejo de descobrir nada
agradável nela.
- Suponho que a volta terá despertado em você muitas lembranças - disse ela,
de novo lhe desarmando com sua estranha capacidade para compreender
precisamente o que ele estava pensando.
- Sim. O atalho pelo que passamos agora foi sempre meu favorito. bifurca-se
dentro do meio quilômetro. O caminho da direita leva a praia e o da esquerda a um
pequeno lago privado encravado no extremo mais afastado da propriedade.
- Assim que este lugar em particular está infestado de lembranças felizes?
Nathan assentiu devagar ao tempo que um sorriso tironeaba de seus lábios
enquanto alguns dessas lembranças voltavam a desenhar-se em sua mente.
- Sim, assim é.
- Por que não compartilha alguns comigo?
Nathan lhe lançou um olhar. A expressão de lady Vitória revelava tão só
interesse.
- É você consciente de que, se conversarmos, corremos o risco de discutir?
- Não conversaremos - respondeu ela com um sorriso. - Pode falar você e eu me
limitarei a escutar as histórias de sua malograda juventude. me diga, por que era este
seu canto favorito?
Nathan vacilou vãos segundos antes de responder, deixando que o ambiente que
destilava o entorno lhe infundisse um halo de nostalgia. O gorjeio dos pássaros, as
imensas árvores que lhes proporcionavam ondulantes laços de sombra e dourados
raios de sol. O aroma da terra úmida, o ar limpo, e sempre esse forte aroma de mar
que o fazia pensar em sua casa e nos seus.
- Meus dois cantos favoritos da propriedade são o lago e o mar. Todos os dias,
independentemente do clima, percorria este atalho, decidindo durante o trajeto que
porção de água visitaria esse dia. - Riu ao recordá-lo-a decisão era realmente agônica.
- Por que agônica? por que não simplesmente resolver o dilema alternando destinos
diariamente? Ou melhor ainda, visitando ambos?
- Excelentes sugestões. Entretanto, nunca me pareceu viável visitar os dois, pois não
sou amigo das pressas, e assim que chegava a uma das localizações odiava partir, de
modo que era muito o que tinha que considerar na hora de escolher meu destino
diário. O clima, sem ir mais longe.
- O que tinha que ver o clima com sua escolha?
- Sempre escolhia a rota por volta do mar se havia tormenta. O espetáculo das
ondas rompendo contra a borda, o rugido das águas agitadas salpicando os
acidentados escarpados me encantava. Também escolhia o caminho que levava ao
mar diretamente depois de uma tormenta, pois a borda sempre mostrava uma nova
seleção de despojos a observar e de conchas que agarrar.
- Eu adoro colecionar conchas - disse lady Vitória com os olhos brilhantes. - As
guardo em um enorme vaso de cristal no Wexhall Manor, e acrescento mais todos os
anos depois de nossas férias no Bath.
- Nesse caso, sem dúvida desfrutará da praia que temos aqui.
- Devo entender então que optava pela rota que leva ao lago nos dias de bom
tempo?
- Normalmente sim, pois eu gosto de nadar no lago. Às vezes vinha só,
desfrutando da solidão de flutuar na água, olhando o céu e vendo acontecer as
nuvens. Entretanto, quase sempre Colin, Gordon e eu íamos juntos, metidos em
alguma travessura, jogando aos piratas ou a algo pelo estilo.
- Gordon... se refere a lorde Alwyck?
- Sim. Conhecemo-nos desde que fomos meninos - disse. E fomos inseparáveis,
pensou. Nathan apartou essa ideia de sua cabeça e prosseguiu: - Naturalmente, as
quartas-feiras estavam sempre dedicadas ao lago, independentemente do dia que
fizesse.
- Por que?
- Porque é o dia em que Hopkins se banha no lago. Escondiamo-nos na borda e
esperávamos a que se inundasse todo na água para lhe roubar a roupa.
Vitória abriu muito os olhos e se levou os dedos enluvados aos lábios para ocultar seu
sorriso.
- E lhe faziam isso ao pobre homem todas as quartas-feiras?
- Sem falta.
- E ele não tomava represálias?
- OH, é claro que sim. Aquilo se converteu em uma batalha por saber quem era
mais engenhoso. Hopkins começou a esconder sua roupa em lugares distintos e nós a
encontrávamos. Ele se levava uma muda adicional, mas também caímos na conta
disso.
Escondia uma toalha entre os arbustos e nós dávamos com ela. Sempre lhe
deixávamos a roupa no estábulo, pulcramente dobrada, com uma nota que dizia: "Até
a semana que vem, o Ladrão Que Te Deixa Com O Traseiro Ao Ar". - Um sorriso
apareceu nos lábios do Nathan.
- Quando estava em nossa companhia, Hopkins fingia que não sabia que fomos
nós os responsáveis pelos roubos. Mas nos ocultávamos nos bosques e lhe
observávamos sair do lago, jorrando, lançando maldições e juramentos, prometendo
vingança contra aqueles "jovens vândalos"... embora o tom das palavras que utilizava
era decididamente mais elevado que isso e certamente não eram palavras que eu vá
repetir ante uma dama.
Lady Vitória tentou mostrar-se severo, mas a diversão que revelava seu olhar
não deixava lugar a dúvidas.
- E pôde alguma vez Hopkins com vocês?
- OH, é claro que sim. Uma vez nos encheu as botas com esterco de cavalo. -
Fez uma careta e pôs-se a rir. - Jamais esquecerei a expressão que apareceu no rosto
do Colin quando colocou o pé em sua bota. Em outra ocasião, Hopkins se largou com
nossa roupa, algo que não posso dizer que não nos tivéssemos bem castigo. E embora
quase conseguimos entrar em casa pela porta de serviço sem ser vistos, infelizmente
nos tropeçamos com duas criadas que nesse momento se dirigiam às habitações a
trocar a roupa de cama. E quando digo tropeçamos, quero dizer que literalmente
tropeçamos com elas. Lençóis e capas de travesseiros pelos ares, uns meninos nus e
ruborizados, e um par de criadas boquiabertas e ofegantes. E, para terminar de piorar
as coisas, meu pai se cruzou conosco... Foi todo um espetáculo. Recebemos um bom
puxão de orelhas por parte de meu pai, que além nos proibiu voltar a nadar no lago.
- E fizeram conta?
- É obvio que não. - Sorriu de orelha a orelha. - O que tem isso de divertido? -
Atirou das rédeas de Meia-noite até detê-lo por completo e assinalou: - Aí está a
bifurcação. Que direção escolhe?
Ao ver que Vitória se levava o dedo a seus lábios franzidos e meditava sua
resposta, Nathan disse:
- Agora entende você a agonia que supõe tal decisão. Imagine, se puder, que
suas duas lojas favoritas de Londres tivessem decidido dar de presente sua
mercadoria, mas só durante uma tarde, e à mesma hora. A qual escolheria ir?
- Não escolheria nem a uma nem a outra. Iria a uma das duas e enviaria à outra
a um criado que atuasse em meu nome.
Nathan não pôde conter a risada.
- Mas se perderia a excitação de poder escolher os objetos pessoalmente.
- Certo, mas teria os objetos das duas lojas - afirmou com um sorriso. - E, dado
que hoje é quarta-feira, que não desejo interromper o banho rotineiro do Hopkins
prefiro a praia e poder agarrar algumas conchas.
Nathan saudou sua escolha com uma profunda reverência.
- Como deseja.
Iniciaram a descida pelo atalho que não demorou para estreitar-se, lhes
obrigando a avançar em fila. Nathan abria a marcha, permitindo que as visões do
passado fluíram a seu redor. Aqueles eram os atalhos de sua infância, fecundados de
incontáveis lembranças, conspirando agora para ressuscitar a dor surda da saudade
que acreditava finalmente enterrada. Em um esforço por manter essa emoção a raia,
disse:
- Aí diante está o mar. - Manteve a Meia-noite ao passo, incrementando assim a
sensação de antecipação, conhecedor como o era da deliciosa vista que lhes esperava.
Assim que chegou ao final da curva que desenhava o atalho, atirou das rédeas
de Meia-noite e fez um alto no caminho ao tempo que quão panorâmica oferecia à
vista o ponto estratégico onde se encontravam lhe golpeava sem compaixão. Um céu
cerúleo, salpicado de nuvens com penugens e fundidas no horizonte com a água
salpicada de sol e do branco das cristas das ondas,cujo azul se debulhava da safira
mais profunda ao mais pálido celeste nas zonas menos profundas da praia que se
abria sob seus pés.
Os escuros escarpados se elevavam majestáticos, a um tempo misteriosos e
austeros, e, como bem sabia Nathan, um tesouro escondido de esconderijos para os
contrabandistas.
Uma brisa enérgica e salgada lhe refrescou a pele. Nathan elevou o rosto,
fechando brevemente os olhos e inspirando fundo o aroma que sempre lhe tinha
proporcionado uma sensação de paz e um desejo de aventura. Os chiados das
gaivotas captaram sua atenção e, ao abrir de novo os olhos, viu um grupo de aves
cinzas e brancas flutuando ao vento, suspensas durante vários segundos com as asas
completamente estendidas antes de lançar-se em picado para capturar um bocado no
mar.
- OH, Deus isto é espetacular.
Nathan se voltou a olhar a lady Vitória, cujos olhos brilhavam, sumidos em
agradado assombro, enquanto seu olhar esquadrinhava lentamente o panorama que
se estendia ante ela. Pensou nesse instante que os olhos de Vitória eram do mesmo
tom de azul identicamente intrigante que o da linha onde o céu e o mar se
encontravam. Viu-a elevar o rosto para o sol, fechar os olhos e inspirar fundo,
exatamente como ele acabava de fazer. Logo ela voltou a abrir os olhos e lhe olhou
com expressão perplexa.
- Não sei com certeza o que esperava ver - disse quase sem fôlego. - Mas
certamente não era... isto.
Nathan a olhou fascinado, enquanto um sorriso aparecia lentamente ao precioso
rosto de lady Vitória. Era preciosa até quando franzia o cenho, mas seu sorriso lhe
enfeitiçava por completo. O mesmo arrebatamento de atração que tinha experiente a
primeira vez que tinha posto os olhos nela voltou a lhe sacudir com pasmosa força.
- Jamais tinha visto nada semelhante - disse ela com voz franca, riscando um
amplo arco com a mão. - A absoluta beleza das cores, a majestade dos escarpados e
do mar desde esta altura... absolutamente magnífico. Deveria me haver preparado
para o que estava a ponto de ver, pois a vista me deixou sem fôlego.
O olhar do Nathan ficou brevemente suspensa nos lábios úmidos da jovem.
- Sou da opinião que há coisas para as que não podemos nos preparar, lady Vitória.
Simplesmente... Ocorrem. E nos deixam sem fôlego. - obrigou-se a fixar de novo o
olhar em seus olhos. - Apesar das incontáveis vezes que girei por essa curva e
vi esta mesma panorâmica, cada vez fico maravilhado do que tenho ante meus olhos.
E não só porque seja formoso, mas sim porque é de tudo inesperado.
Ela assentiu devagar.
- Sim, isso o descreve à perfeição. Ante um espetáculo assim não posso por
menos que lamentar não ter trazido comigo minhas aquarelas, embora esta é sem
dúvida uma cena cuja espectacularidade e vibrantes cores são mais adequadas para
óleo.
- Você pinta?
Uma mancha rosada lhe tingiu as bochechas, como se acabassem de receber a
pincelada de um pintor invisível.
- Temo-me que não o faço bem, embora desfrute enormemente do passatempo.
Nunca tentei pintar ao óleo, mas trouxe para o Cornwall minhas aquarelas.
- Nesse caso, deve tentar plasmar esta cena antes de sua volta a Londres.
O olhar de Vitória se deslocou para a extensão de areia dourada que tinham debaixo.
- Como se acessa à praia?
- Há um atalho a um pouco mais de um quilômetro daqui. me siga.
Vitória esteve a ponto de dizer algo e apartou logo a contra gosto o olhar da
vista panorâmica para centrar sua atenção no atalho que se abria ante ela. Seus olhos
ficaram entretanto presos nas largas costas do doutor Oliver. A camisa de algodão
branco se esticava sobre a extensão de pele dourada e lustrosos músculos que tão
vividamente recordava ter visto no dia anterior da janela da carruagem. Os raios de sol
atravessavam por entre as folhas e os ramos das árvores, brilhando entre as escuras
mechas de seus cabelos. Dirigia seus arreios com mão perita, e um calafrio de alarme
a percorreu por inteiro ante o espetáculo dessas poderosas pernas escarranchado
sobre a cadeira. Sua forma de mover-se... da fluida facilidade com a que montava até
seu andar suave e quase juvenil... a obrigaram a tragar saliva a fim de aliviar a
repentina secura que lhe atendia a garganta.
Céus, o velho doutor Peabody, que tinha sido o médico da família durante anos,
não tinha esse aspecto nem se movia assim. Não, movia-se pela casa com a graça de
um elefante.
Entretanto, não havia nada de desagradável no doutor Oliver. Com grande esforço,
lady Vitória separou dele o olhar, concentrando-se na beleza do entorno, o som das
gaivotas e da espuma, a enérgica frescura do ar cheio de aroma de mar, os tons do
azul salpicado de branco entre as árvores. Mesmo assim, olhasse onde olhar, era
plenamente consciente da presença do Nathan no lombo do seu cavalo diante dela, e
se perguntou no que estaria pensando ele.
Seguiram avançando durante um quarto de hora antes de que Nathan se
detivera e desmontasse perto de um pequeno lago.
- O atalho que leva a praia está aí diante. Podemos deixar aqui aos cavalos para
que bebam e descansem enquanto nós exploramos.
Meia-noite se dirigiu imediatamente a beber ao lago enquanto o doutor Oliver se
aproximava de Vitória. Quando chegou junto a Mel, levantou os braços sem dizer uma
palavra para ajudá-la a desmontar.
O coração de Vitória executou em seu peito a mais ridícula das cambalhotas ante
a que não pôde reprimir uma recriminação interna. Vários tinham sido os cavalheiros
que a tinham ajudado a desmontar no passado sem provocar nela reação semelhante.
Não obstante, o fato de pensar nas enormes mãos de doutor Oliver agarrando-a
pela cintura, um homem cujas mãos a tinham acariciado em uma ocasião de um modo
que tinha deixado patente que não era do todo um cavalheiro, turvou-a de tal maneira
que
não pôde por menos que reconhecer que a excitava.
Apesar de que seu lado mais sensato a advertia de que não devia permitir sob
nenhum conceito que Nathan se aproximasse menos de um metro dela, nada pôde
fazer contra o poder entristecedor de seu emergente eu mais ousado, que tanto
desejava seu toque.
Olhou ao Nathan das alturas e leu facilmente a diversão e o desafio impresso nos
olhos do médico.
- Não mordo, lady Vitória. Ao menos, não muito freqüentemente.
- Todo um alívio, sem dúvida - respondeu ela despreocupadamente. -
Entretanto, está você seguro de que eu tampouco mordo, doutor Oliver?
Os olhos do Nathan pareceram obscurecer-se e seu olhar descendeu
brandamente até a boca da jovem.
- Conforme acredito recordar. Mesmo assim, é um risco que estou disposto a
correr.
O significado de suas palavras não deixava lugar a falsas interpretações e Vitória
logo que pode resistir ao impulso de abanar-se com sua mão enluvada. Sem dúvida
ele recordava o beijo que tinham compartilhado, provavelmente com mais detalhe do
que ela tinha suspeitado. Bem, se essa informação era certa, excelente. Isso não faria
a não ser ajudar a sua causa, algo que tinha perdido de vista durante uns instantes.
Vitória estendeu as mãos para baixo até as apoiar nos ombros do médico. Ele a
tirou da cintura e a baixou ao chão, embora não com a rapidez e a eficácia que já
tinham que mostrado antes outros cavalheiros. Não. Vitória se viu descendendo ao
chão entre suas mãos com uma deliberada falta depressa que arrastou seu talhe com
o passar do musculoso peito do doutor. A picardia e algo mais, algo que lhe acelerou o
coração, cintilou nos olhos do Nathan. Quando seus pés por fim tocaram o chão,
Vitória sentiu o rosto aceso e a respiração entrecortada.
Em vez de soltá-la, as mãos do médico se esticaram ao redor da cintura de
Vitória, cujos dedos responderam flexionando-se sobre seus largos ombros. A jovem
inspirou bruscamente e sua cabeça se encheu com a fragrância dele: roupa limpa, pele
cálida pelo sol, tudo isso misturado com um ligeiro aroma de sândalo.
Apenas uns centímetros separavam seus corpos. A última vez que Vitória tinha
estado tão perto dele, a habitação se achava sumida na penumbra. Entretanto essa
manhã os envolvia um vigamento de laços de sol.
Vitória elevou o olhar e admirou as bolinhas de escuro dourado que salpicavam
os olhos do Nathan, uns olhos que, inclusive desde tão perto, seguiam resultando
enloquecedoramente inescrutáveis. Reparou então no fino matagal de rugas que se
estendiam do extremo de seus olhos, como se Nathan fora um homem habituado à
risada. A textura dourada da pele, brandamente barbeada, esticava-se sobre as maçãs
do rosto e sobre o firme queixo. E além disso estava a boca...
Seus lábios, como todo o resto nele, tinham-na fascinado do momento em que
os tinha visto. Supostamente não havia homens santos com bocas tão formosas como
aquela. Os lábios do Nathan pareciam de uma vez firmes e suaves, tão capazes de
uma vez de proferir bruscas ordens como de ceder docemente. Possivelmente a
resposta estivesse na linha precisa e perfeita do lábio superior, que contrastava de
forma inesperada com a sensual carnosidade do inferior. Era sem dúvida uma boca
que exigia atenção, e Vitória sabia que não podia ser a única mulher que sentisse
semelhante fascinação por ela. Como bem recordava, Nathan sabia utilizar essa boca.
E de repente descobriu que desejava que ele a beijasse de novo. Desejava saber
se a magia que tinha experimentado três anos antes tinha sido real ou só um produto
de sua hiperativa e juvenil imaginação. Tinha chegado ao Cornwall armada com a
intenção de compartilhar com ele outro beijo, mas em nenhum momento lhe tinha
passado pela cabeça a possibilidade de chegar realmente a desejar lhe beijar por outra
razão que não fora a vingança. Um cenho se desenhou entre suas sobrancelhas.
Diabo, desejar ao Nathan, em qualquer de seus variantes, não formava
absolutamente parte de seu plano. Era ele quem devia desejá-la.
Desviou bruscamente sua atenção para cima e os olhares de ambos se
encontraram. Vitória gemeu para si. Obviamente, ele a tinha surpreendido lhe
olhando. Se por acaso isso fora pouco, pior ainda foi a ausência do menor sinal de
desejo nos olhos dele.
Não, Nathan se limitava a olhá-la com uma expressão de absoluto desinteresse.
Definitivamente, As coisas não apontavam bem para seu plano de vingança.
A julgar pelo pouco disposto a ser seduzido que viu o Nathan, Vitória
compreendeu que não era o momento ótimo para tentar atuar. Bem, não importava.
Teria muitas oportunidades durante sua visita, embora não podia negar que lhe
irritava ver que ele tinha conseguido turvar a desse modo enquanto que sua
proximidade obviamente não tinha conseguido afetar nem um ápice ao doutor. Retirou
as mãos dos ombros do Nathan e retrocedeu vários passos, mais molesta ainda ao
notar que os joelhos quase
não a sujeitavam. As mãos dele se retiraram de sua cintura e, apesar de que tinha
deixado de tocá-la, Vitória teria jurado que seguia sentindo os rastros de suas mãos no
talhe.
Vários segundos de silêncio se alargaram entre ambos e Nathan se esclareceu
garganta antes de falar.
- Seguimos até a praia?
- Por favor.
Vitória pôs-se a andar junto a ele, e teve que admitir a contra gosto que Nathan era a
personificação mesma da cortesia, pois lhe ofereceu a mão ali onde o atalho se
levantava um pouco, apartou os ramos do caminho para que ela pudesse passar sem
sofrer dano algum e até a tirou do braço ao vê-la tropeçar em uma ocasião. Greve
dizer que estava na obrigação de agarrá-la, dado que era o único culpado de seu
tropeço. Se Vitória tivesse estado concentrada no atalho em vez de havê-lo estado em
como seu ombro roçava o braço do médico, nunca teria perdido pé.
Entretanto, qualquer expressão de enfado resultou de todo impossível assim que
se aproximaram da praia. Uma franja de areia dourada se estendeu ante seus olhos, e
imediatamente a embargou o desejo de estender os braços e pôr-se a correr sobre
seus intactos grãos. A brisa marinha lhe sacudiu o chapéu e Vitória se levou uma mão
à cabeça.
- Uma causa perdida, sem dúvida - disse o doutor Oliver, assinalando o chapéu
com o queixo. - Estamos a ponto de abandonar o amparo das árvores e o vento
pode soprar com força.
Vitória seguiu com a mão firmemente presa à cabeça ao tempo que entravam na
areia. Ao ver que o vento parecia ter remetido, baixou a mão. Quase imediatamente
uma rajada impregnada em sal lhe arrebatou o chapéu da cabeça.
- OH!
O doutor Oliver lhe dedicou um breve sorriso e disse com voz clara:
- Já o havia dito. - Logo pôs-se a correr para a água em busca do chapéu
fugitivo. Ver o Nathan cruzando a areia à carreira a encheu com o entristecedor desejo
de lhe imitar. agarrou as saias e atirou delas até as sujeitar por cima dos tornozelos, e
pôs-se a correr atrás dele.
As botas de cano longo de pele que se pôs para montar se afundaram na branda
areia, freando seu progresso, mas o vento lhe açoitou o cabelo e o vestido, o sol
brilhava nas águas celestes e o aroma de salgado frescor lhe encheu os pulmões, lhe
insuflando uma vertiginosa sensação de liberdade em nada comparável a nenhuma
sensação conhecida. Uma gargalhada encantada escapou de seus lábios, logo outra, e
correu mais depressa, levantando arcos de grãos de areia dourada a seu passo.
Seguiu correndo para a água enquanto via como o doutor Oliver se agachava em duas
ocasiões a agarrar seu chapéu, embora ambas as tentativas fossem em vão, até que
por fim conseguiu fazer-se com o esquivo objeto por um de seus largos laços de cetim
de cor verde escura. Nathan a viu correr para o quando estava sacudindo a areia do
chapéu. parou-se a olhá-la enquanto ela seguia aproximando-se. Vitória se deteve
escassos metros dele, rendo sufocada pela carreira.
- Assim recuperou meu chapéu - disse, falando em entrecortados ofegos ao
tempo que a respiração lhe inflamava o peito. - Obrigado.
Nathan lhe fez entrega do chapéu.
- De nada. Embora eu o teria dado. Não havia necessidade de que se esgotasse
desse modo.
- Não estou esgotada. Estou cheia de energia! - Vitória abriu de todo os braços e
girou sobre si mesmo varias vezes. - Nunca tinha estado em um lugar tão revigorante
como esta praia. Diría que a energia vibra no ar.
Entretanto, de algum modo me sinto... serena. - Fez um gesto depreciativo com
a mão e pôs-se a rir. - Temo não poder explicar exatamente como me sinto.
Ele a envolveu na intensidade de seu olhar.
- Não é necessário que o faça, pois entendo à perfeição o que diz. É um lugar
que inspira excitação e que infunde paz na alma.
- Sim! Isso é exatamente.
Um lento sorriso que curvou os lábios do Nathan acelerou o coração de Vitória
de um modo totalmente distinto a como o tinha feito sua improvisada carreira. sentiu-
se enfeitiçada pelo olhar do médico, cativada pelo modo em que a brisa lhe alvoroçava
o cabelo e por como a luz do sol lhe banhava em um halo de calidez dourada.
Conseguiu obrigar-se a baixar o olhar e a paralisou reparar em como a brisa pegava a
camisa de algodão a seu peito e a seu torso, oferecendo um zombador espiono de sua
silhueta masculina que resultava de uma vez absolutamente exagerado e quase
insuficiente.
Decidida a não voltar a ver-se surpreendida olhando, Vitória voltou a cabeça e
seus olhos tropeçaram com uma concha na areia. Rapidamente se tirou as luvas e se
agachou.
- Meu primeiro tesouro - disse ao levantar-se, sustentando nas mãos a delicada e
nacarada concha branca.
- Preciosa - murmurou Nathan.
Olhou-lhe e pôde ver que ele não olhava a concha a não ser a ela com essa
mesma expressão inescrutável. O que poderia apagar essa expressão de seus olhos e
encher os de um pouco facilmente decifrável como... o desejo?
Embora não estava segura de ter a resposta a essa pergunta, deu-se conta de
repente de que ardia em desejos por encontrá-la.

Capítulo 8

A mulher moderna atual deve dominar a arte do beijo, sobre tudo o beijo de
saudação e o de despedida. o de saudação porque marca o tom de seu encontro com
um cavalheiro, essencial quando se trata de seduzi-lo e fasciná-lo.
E o beijo de despedida porque ela deseja lhe deixar com algo no que pensar...
quer dizer, nela.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima.


Charles Brightmore

Depois de atar os laços do chapéu e formar com ele um improvisado cesto,


Vitória depositou nele sua concha e o pendurou do ombro como se de uma bolsa se
tratasse. Ato seguido, viu outra concha a uns metros dela. equilibrou-se sobre o
tesouro, exclamando ao ter em suas mãos o incomum achado.
- Nunca tinha visto conchas semelhantes - disse, agarrando várias mais.
- E ainda não chegamos ao melhor lugar que oferece a praia - apontou o doutor
Oliver.
Vitória se protegeu os olhos do sol com uma mão de dedos talheres de areia e,
ainda agachada, olhou ao Nathan.
- Não irá dizer me que há um lugar melhor que este?
Nathan riu.
- Do mesmo modo que, como dono que sou de dois patos, posso dar fé de que
grasnam. Freqüentemente, a primeira hora da manhã, quando menos gosta de ouvi-
los. - Estendeu-lhe a mão. - Vamos.
Ensinarei-lhe o lugar mágico e poderá ir segurando seu chapéu durante o
caminho.
Vitória depositou sua mão na dele e lhe permitiu ajudá-la a ficar em pé. As
palmas de ambos os só se tocaram durante vários segundos antes de que ele a
soltasse, mas o impacto do contato reverberou por todo seu corpo. A mão do Nathan
era grande,
forte e cálida. Vitória tinha podido detectar nela a áspera dureza dos calos da palma,
uma intrigante textura que até então jamais havia sentido, pois nenhum dos
cavalheiros de seu círculo teria construído jamais um curral para animais nem
tampouco teria montado sem luvas.
Apesar de que avançavam devagar, pois Vitória se agachava cada poucos
segundos a agarrar outra concha, embora ela não tivesse estado acrescentando peças
a sua coleção, tampouco teria podido apressar-se mais. O fragor das ondas ao romper
contra a areia e contra os escarpados oferecia um hipnótico marco ao dramático
cenário que lhes rodeava. Depois de recrear-se no som durante vários minutos, Vitória
disse por fim:
- Posso lhe fazer uma pergunta?
- Sim, embora, a julgar por seu tom, tenho que supor que se trata de um
assunto que possivelmente suscite uma discussão... Uma lástima, pois até o momento
tudo estava saindo estupendamente.
- Não, não se trata de uma discussão. Entretanto, trata-se de uma questão...
pessoal.
- Ah. Bem, pergunte e eu farei o possível por satisfazer sua curiosidade.
- Antes há dito que quando sua missão fracassou, teve um enfrentamento com
seu pai e com seu irmão e que o melhor para os implicados foi que partisse.
Nathan olhou à frente e um músculo lhe contraiu na mandíbula.
- Sim. - voltou-se a olhá-la e seus olhos se cravaram nos dela. - Suponho que o
que quer saber é o que foi o que provocou nossa separação.
- Não lhe negarei que sinto certa curiosidade, embora o que em realidade me
perguntava era se sua volta significa que as diferenças entre vocês ficaram resolvidas.
- Ao ver que ele se limitava a olhá-la, Vitória caiu em seu odioso costume de balbuciar
quando se sentia desconcertada. - Só me perguntava isso porque sei muito bem quão
doloroso pode resultar a ruptura dos laços familiares. Minha mãe rompeu os vínculos
com sua irmã e eu fui testemunha de primeira mão de quão daninha a situação foi
para ambas antes de que mamãe morresse. Simplesmente esperava que sua situação
tivesse ficado resolvida.
Pronunciou as palavras apressadamente e teve que apertar fisicamente os lábios
para pôr fim à corrente que ameaçava transbordar.
Um cenho atirou das sobrancelhas do Nathan para baixo, que de novo se voltou
e olhou à frente.
- A ferida segue aberta, embora todos manobramos cuidadosamente a seu
redor, como se se tratasse de um montão de algo que tivéssemos limpo dos estábulos
e não desejássemos pisar. Não sei com certeza se chegará a sanar algum dia.
Custa reparar a confiança, uma vez rota. E as palavras, uma vez soltas, não
podem já ignorar-se.
- Certo, mas há um grande poder no perdão, tanto para quem o outorga como
para quem o recebe.
- Nesse caso, espero que algum dia meu irmão e meu pai cheguem a me
perdoar.
"Perdoar-lhe por que", quis perguntar Vitória. Mesmo assim, conseguiu conter-se
e abrigou a esperança de que lhe oferecesse a informação voluntariamente. Passou
quase um minuto de silêncio entre os dois antes de que Nathan voltasse a falar.
- O fracasso dessa missão segue pesando sobre meus ombros. Colin e Gordon
receberam disparos e estiveram a ponto de morrer. As jóias desapareceram.
Acreditaram que tinha sido eu quem tinha traído a missão a fim de ficar com as jóias.
- Quem acreditou?
- Todos os que importavam. - As palavras do Nathan soaram amargas. - Embora
não chegou a provar-se nada contra mim, os rumores foram muito daninhos.
- Fez-o você?
Nathan se voltou a olhá-la e Vitória se viu de repente paralisada pelo intenso
escrutínio do doutor.
- Acredita que o fiz?
- Apenas lhe conheço o suficiente para saber se for certo.
- E eu apenas a conheço o suficiente para reconhecer ter cometido um crime.
Vitória assentiu devagar, consciente de não lhe haver ouvido proclamar sua
inocência.
- Assim que a nota de meu pai contém informação sobre essas jóias, informação
que ou poderia lhe reunir com sua bota de cano longo obtido de um modo
supostamente pouco lícito... cujo valor intuo abundante...
- Um autêntico tesouro - concedeu Nathan.
- ... ou lhe proporcionar um modo de limpar seu nome de toda suspeita... uma
possibilidade igualmente valiosa.
Nathan arqueou uma sobrancelha.
- Ou melhor ainda: possivelmente seja um modo de levar a cabo ambas as
tarefas.
- Dado que meu pai lhe enviou essa informação, parece-me evidente que lhe
considera inocente.
- Ah, sim? Uma dedução farto ingênua, lady Vitória. É igualmente possível que
tenha outros motivos.
- Como por exemplo?
- Como que tenha planejado me estender uma armadilha. Ou possivelmente
queira recuperar as jóias para seu próprio benefício econômico ou político.
Nathan leu claramente a indignação que avermelhou as bochechas de Vitória,
pois antes de que ela falasse, acrescentou:
- Não se trata de nenhuma acusação, nem sequer uma sugestão. Limito-me
simplesmente a sublinhar que as coisas não sempre são o que parecem e que
freqüentemente há mais de uma explicação ou motivo para qualquer circunstância.
- Isso empresta a desculpas, coisa que me faz pensar em algum método mais
que conveniente para justificar qualquer indiscrição passada.
Em vez de mostrar-se ofendido, um brilho malvado apareceu nos olhos do
Nathan.
- Sem dúvida algo do que todos somos culpados em algum momento ou outro
de nossa vida. Até você, lady Vitória.
- Não tenho feito nada pelo que tenha que expressar minhas desculpas.
- Alguma vez? Uma mulher formosa como você? OH, vamos. Seguro que em
alguma velada algum impertinente rufião ficou fascinado por seus encantos e a
convenceu para que lhe concedesse um beijo. - Golpeou-se o queixo com o dedo.
- Hum. Possivelmente seus pretendentes, lorde Bransby ou Dravenripple?
- Branripple e Dravensby - lhe corrigiu Vitória com uma voz fria que nada tinha
em comum com a quebra de onda de vergonha que sentiu subir por seu pescoço. - E
isso não é assunto seu.
- E seguro que depois - prosseguiu Nathan, fazendo caso omisso do tom glacial
da jovem - justificou seu comportamento recorrendo a qualquer desculpa em vez de
aceitar o verdadeiro motivo de sua forma de atuar.
- E qual poderia ser esse motivo?
- Que encontrou tão atrativo ao cavalheiro em questão como ele a você. Que
sentia tanta curiosidade por conhecer o sabor e o contato de seu beijo como ele por
conhecer o seu.
Vitória freqüentemente amaldiçoava sua incapacidade para pensar em uma resposta
adequada até horas ou dias depois do fato que a merecia, embora nunca tanto como
nesse momento. A vergonha lhe ardeu nas bochechas, pois era plenamente consciente
de que ele se referia ao apaixonado beijo que tinham compartilhado. E o fato de que
ele tivesse adivinhado com semelhante certeza que ela não tinha duvidado na hora de
desculpar seu escandaloso comportamento não fez a não ser confundi-la ainda mais.
Nathan se deteve agarrar da areia uma pequena concha perfeitamente formada
que sustentou em alto para proceder a seu exame.
- Quer que a acrescentemos a sua coleção?
Aproveitando a oportunidade para trocar de tema, Vitória estendeu seu chapéu.
- É preciosa - disse. - Obrigado.
- Algo pelo que me recordar - disse ele, depositando o tesouro no chapéu.
Quão último Vitória desejava era ser possuidora de algo que lhe recordasse ao
doutor Oliver quando seu único propósito ao ir ao Cornwall era lhe apagar de sua
memória. Embora é obvio não tinha a menor intenção de lhe fazer participante de suas
intenções. Em vez disso, olhou o imenso escarpado de rocha que se elevava ante eles.
- Já quase chegamos ao final da praia - observou. - Estamos perto desse lugar
mágico que mencionou?
- Sim. De fato, está situado diretamente sobre nós.
- O escarpado?
Em vez de responder, Nathan sorriu e lhe estendeu a mão.
- Vamos. Deixe que lhe mostre a magia.
Incapaz de resistir ao intrigante convite, Vitória colocou sua mão na dele. Os
dedos largos e fortes do médico se fecharam sobre os seus, lhe ocasionando um
quente formigamento braço acima. Quando, um instante depois, aproximaram-se do
proeminente escarpado rochoso, tudo pareceu indicar que Nathan pretendia entrar
diretamente na tosca superfície da rocha. Para assombro de Vitória, levou-a a interior
de uma estreita greta inteligentemente dissimulada na pedra, tão estreita que tiveram
que avançar de lado para poder percorrê-la.
- Com cuidado - disse ele, movendo-se devagar. - Em alguns lugares as rochas
podem estar afiadas.
Vitória seguiu seu exemplo, detendo-se cuidadosamente sobre a areia
condensada, evitando roçar contra a rocha negra e escarpada. O ar no estreito
passadiço era frio e quieto e, quanto mais entravam na greta, menor era a intensidade
da luz.
O som das ondas remeteu até ficar reduzido a um eco longínquo. O passadiço se
alargou o suficiente para lhes permitir caminhar em fila de um, mas então foram
engolidos por uma total escuridão.
Embora Nathan ia a não mais de meio metro por diante dela, Vitória não podia
lhe ver.
O médico deve ter sentido sua apreensão porque sussurrou: - Não se alarme. Já
quase chegamos. Vitória notou que dobravam uma esquina e, aliviada, vislumbrou
ante eles o que parecia um pálido retalho de luz. Dobraram uma segunda esquina e de
repente se encontrou em uma caverna circular de aproximadamente uns quatro
metros de diâmetro. Um pálido halo de luz iluminava fracamente a zona, e Vitória
levantou os olhos. Um pequeno fragmento de céu azul ficava visível através de uma
abertura retangular na pedra a muitos, muitos metros por cima de sua cabeça.
- Que lugar é este? - perguntou, deixando o chapéu no chão e girando devagar
sobre si mesmo.
- Um de meus lugares prediletos. Descobri-o por acaso quando era menino
durante uma de minhas eternas explorações. Batizei-a a Cova de Cristal.
- Por que a Cova de Cristal? Não vejo nenhum cristal.
- Isso é somente porque obviamente uma nuvem tampa o sol. Passe o dedo pela
parede.
Estranha petição, embora Vitória passou ligeiramente a gema de um dedo pela
tosca superfície da rocha. Tomou a mão e a aproximou dos lábios. - Saboreie-o - disse
com voz baixa.
Uma petição ainda mais peculiar. Entretanto, sem apartar os olhos dos dele,
Vitória se levou a língua a gema do dedo.
- Salgado - disse.
Nathan assentiu.
- Esta caverna se enche de água com a maré alta... algo que descobri da pior
maneira e que quase não vivi para contar. Mas é assim durante a maré baixa. Quando
o sol incide nos cristais de sal seca acumulados...
Sua voz emudeceu no momento em que um resplandecente raio de sol iluminou
a cova. Vitória conteve uma exclamação quando de repente as escuras paredes
cintilaram em muitas faíscas de luz.
- É como estar rodeada de resplandecentes diamantes - disse, encantada e
maravilhada ante o espetáculo. De novo girou devagar sobre si mesmo. - Jamais tinha
visto algo semelhante. É... deslumbrante.
- Sim. Quase tinha esquecido até que ponto.
Vitória deixou de girar e lhe olhou. Então ficou imóvel quando descobriu que
Nathan também a olhava. O coração lhe deu um desses ridículos tombos que parecia
executar cada vez que se encontrava junto a ele.
- Suponho que seu irmão, lorde Alwyck, e você viveram aqui muitas aventuras.
Nathan negou com a cabeça.
- Nunca lhes falei deste lugar. - Apoiou os ombros contra a parede e a olhou com
uma enigmática expressão. - Jamais havia trazido aqui a ninguém. até agora.
Suas suaves palavras pareceram ressonar nas deslumbrantes paredes. Apoiado contra
a rocha, em sombrio contraste contra os deslumbrantes cristais, parecia escuro,
ligeiramente perigoso... muito semelhante ao dissoluto pirata no que lhe tinha
imaginado convertido em uma ocasião... e extremamente delicioso. O coração lhe
pulsava com tanta força contra o peito que se maravilhou de que o som não
reverberasse contra as deslumbrantes paredes.
- Suponho então que deveria me adular o fato de que tenha me trazido com
você - disse Vitória, orgulhosa do tom despreocupado que tinha conseguido empregar.
Mesmo assim, a curiosidade a levou a perguntar: - por que o tem feito?
Nathan observou brilhar o mar de brilhos de luz ao redor de Vitória, envolvendo-
a em laços de faíscas, e qualquer boa intenção que pudesse ter albergado lhe
abandonou nesse mesmo instante. Parecia uma princesa banhada em diamantes, com
seus
sedosos cachos em gloriosa desordem por obra do vento e esses lábios carnudos
brilhando à luz, lhe tentando como o canto de uma sereia. separou-se da parede com
um ligeiro empurrão e se aproximou dela devagar.
- Poderia lhe dar um bom número de motivos plausíveis, como que desejava
desempenhar o papel de cortês anfitrião e que acreditei que gostaria. Ou que de
repente me embargou um irresistível desejo de visitar a cova e, como não podia deixá-
la
só na praia, a trouxe comigo. E, apesar de que ambos os motivos são certos, se os
empregasse como resposta, estaria desculpando meu comportamento em lugar de
admitir o verdadeiro motivo.
Quando apenas lhes separava meio metro, Nathan estendeu o braço e tomou a mão
de Vitória, cujos olhos se dilataram ligeiramente, embora não fez gesto de lhe deter.
Pelo contrário, umedeceu-se os lábios com a ponta da língua, sem dúvida em um
gesto inconsciente, embora bastou para lançar uma corrente de calor líquido a
entreperna do médico. Demônios, poucas possibilidades tinha Nathan de ser imune ao
beijo de Vitória se ela conseguia provocar nele tão dolorosa excitação antes inclusive
de que os lábios de ambos se unissem.
- Qual é o verdadeiro motivo? - sussurrou Vitória.
- Está segura de que deseja sabê-lo? - E, ao vê-la assentir, disse: - Sinto
curiosidade por saber se o beijo que compartilhamos em seu momento resultaria tão
delicioso em uma segunda ocasião. - Colocou então a mão dela sobre seu peito, justo
sobre o ponto onde seu coração palpitava como se acabasse de correr em uma
carreira, tomou brandamente da cintura e a atraiu lentamente para ele. Quando entre
ambos houve apenas uns centímetros, perguntou: - Está disposta a admitir que deseja
o mesmo?
Nathan ficou totalmente imóvel, esperando uma resposta, perguntando-se se
Vitória faria alarde do mesmo valor que já tinha mostrado a noite anterior ou se, pelo
contrário, ocultaria-se depois de uma falsa cortina de reserva afetada .
Vitória se apoiou contra ele, levantou a cabeça e sussurrou:
- Desejo o mesmo.
"Graças a Deus." Nathan obteve com muita dificuldade reprimir o desejo
primitivo e quase entristecedor de atrai-la bruscamente para ele e devorá-la, e se
limitou a inclinar lentamente a cabeça por volta desses lábios tentadores que tanto lhe
tinham atormentado durante incontáveis horas. Por fim descobriria se simplesmente
tinha imaginado quão maravilhoso tinha sido o beijo compartilhado em um passado já
remoto.
Roçou com suavidade os lábios de Vitória com os seus em uma tentadora e
suave carícia. Ela deixou escapar um ofego afogado e Nathan voltou a lhe acariciar os
lábios com os seus, tentador, procurando, saboreando. Percorreu o carnudo lábio
inferior com a ponta da língua, um convite que ela aceitou abrindo ligeiramente a
boca. Com um gemido que não conseguiu conter, estreitou-a com força contra ele e
prendeu sua boca a de Vitória. Soube sem demora o que tinha passado pela cabeça do
príncipe do conto da Cinderela quando por fim deu com o pé que encaixava no
sapatinho de cristal: "Já era hora, demônios".
O desejo lhe abrasou com a intensidade de uma labareda e, como a última vez
que tinha estreitado a essa mulher em seus braços e a tinha beijado, perdeu toda
noção do tempo e do espaço. Não havia nada mais que ela, o apetitoso sabor dessa
boca sedosa, o erótico roçar de seus lábios, o cetim de seus cabelos deslizando-se
entre seus dedos, o delicado aroma a rosas que desprendia sua pele, o luxurioso
contato de suas femininas curvas unindo-se a ele, a excitante sensação de suas mãos
deslizando-se acima e abaixo por suas costas.
Maldição, Nathan se sentia livre. Desesperado. Em certo modo, isso lhe teria
horrorizado se tivesse tido algum controle sobre sua reação ante ela. A última vez que
a tinha tido entre seus braços, tinha sido perfeitamente consciente de que seu irmão e
a tia de Vitória estavam na habitação contigüa. Mas naquele momento ali não havia
ninguém mais...
Atirando dela para ele, retrocedeu uns passos até que seus ombros golpearam
contra a parede. Com um profundo gemido, separou as pernas, plantou firmemente as
botas na areia e a encaixou contra o ângulo de suas coxas.
Perdido... Nathan estava total, absolutamente perdido. Não tinha conhecido a
nenhuma mulher que lhe fizesse sentir-se desse modo, em que encontrar um sabor
semelhante. Mesmo assim, não se tratava unicamente de como Vitória encaixava
perfeitamente em seus braços nem de seu delicioso sabor o que lhe afetava de forma
tão intensa. Era também a ardente resposta dela a seu beijo, a seu contato. Não pôde
a não ser pôr em dúvida suas possibilidades de resistir aos encantos de Vitória sob
nenhum conceito, mas ante o fato de que lhe beijasse e lhe tocasse com um ardor
comparável ao seu não pôde por menos que cair de joelhos a seus pés.
Vitória deixou escapar um gemido e se moveu inquieta contra ele, e as mãos do
Nathan perambularam por suas costas até cobrir a tentadora curva de suas nádegas.
Colocou-a então com maior firmeza contra ele e devagar se esfregou contra ela.
A ereção que sentiu lhe fez saber então que corria um perigo real de perder o
controle. Desesperado por acalmar o ritmo das coisas antes de desprestigiar-se como
não o tinha feito desde que era um menino, embora de uma vez incapaz de pôr freio a
essa loucura, conseguiu encontrar a fortaleza para abandonar as delícias sedosas da
boca de Vitória e deslizar os lábios por sua suave bochecha primeiro, e pela linha do
queixo depois.
Entretanto, não encontrou nisso nenhum alívio, pois a pele de lady Vitória
embotou seus sentidos com a esquiva fragrância das rosas. Passou a ponta da língua
pela delicada concha da orelha da jovem, absorvendo seu brusco ofego, que não
demorou para fundir-se em um rouco gemido quando os dentes do doutor lhe
mordiscaram o lóbulo com suavidade. Roçou-lhe a pele sensível oculta depois da
orelha, e Vitória arqueou o pescoço para lhe permitir melhor acesso ao tempo que
suas mãos se posavam sobre seus ombros e sobre seu peito. Nathan roçou com a
língua o palpitante oco situado na base do pescoço, absorvendo o frenético palpitar.
Basta... Tinha que deter-se... mas todo pensamento relutantemente racional que
tivesse podido albergar se desvaneceu quando ela fechou os punhos ao redor de seus
cabelos e atirou de sua cabeça para cima.
- Outra vez - sussurrou contra sua boca. Mais que uma súplica foi uma ordem,
mas uma ordem presa de impaciência. Se Nathan tivesse sido capaz disso, teria rido
ante uma ordem tão autocrática como aquela, que era quão mesma Vitória tinha
empregado três anos antes. Naquele tempo, Nathan não se negou a cumpri-la, e
estava plenamente seguro de que tampouco poderia negar-se nesse momento.
As bocas de ambos se fundiram em um beijo profundo e exuberante, ao tempo
que a língua dele acariciava em clara imitação do ato que seu corpo desejava
compartilhar com ela. Uma avidez selvagem, comparável a nada do que tinha
experiente até então, percorreu-lhe suas veias. Suas mãos se deslizaram pelas costas
de Vitória para lhe cobrir logo os seios. O turgente mamilo lhe roçou a mão através do
tecido do vestido de montar, um tecido que sem dúvida tinha que desaparecer. Nathan
lhe tirou o corpete de encaixe e deslizou então os dedos pelos acetinados
promontórios de seus inflamados seios. Maldição, que suavidade. A cálida pele de
Vitória tremeu sob suas mãos, e seus dedos se introduziram sob a borda do corpo do
vestido.
Vitória se retirou para trás, interrompendo o beijo.
- O que... faz? - ofegou contra seus lábios.
Perguntas? Esperava que fosse capaz de responder suas perguntas? Os dedos do
Nathan lhe acariciaram o mamilo e deixou escapar um gemido.
- O que faz?
Nathan teve que tragar saliva para encontrar a voz.
- Parece-me óbvio.
Por toda resposta, Vitória o propinou um empurrão, desfez-se de seu abraço e
retrocedeu vários passos. Ofegante, com o cabelo revolto e o sutiã torcido,
avermelhada e com os lábios úmidos e inchados, parecia excitada como se acabasse
de separar-se dos braços de seu amante. Até que olhou ao Nathan aos olhos. Então foi
a personificação da cintilante fúria a ponto de lhe fulminar ali mesmo com o poder do
raio.
- Sim, é óbvio - disse com uns olhos que cuspiam raiva ao tempo que se
sujeitava o sutiã. - Está procurando sua carta.
Capítulo 9

A mulher moderna atual, em sua busca da satisfação íntima, sem dúvida


encontrará a um cavalheiro que seja capaz de excitá-la e de lhe debilitar os joelhos
com um simples olhar. Embora é sempre maravilhoso dar com um homem assim, ela
deverá manter-se em guarda em todo momento pois ele, fazendo uso da atração que
suscita nela, exercerá um grande poder.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima.Charles


Brightmore.

Nathan a olhou fixamente, perplexo, durante vários segundos ao tempo que uma
sucessão de ofegos entrecortados escapava de seus lábios. Logo meneou a cabeça e
riu.
- Demônios. Isso é exatamente o que deveria ter estado fazendo. Por desgraça,
não me tinha ocorrido.
Vitória lhe lançou um olhar fulminante.
- Não esperará que creia algo assim de um perito espião.
- Depois de três anos sem utilizar minhas habilidades como espião, temo-me que
as tenho um pouco oxidadas. E subestima você o poder de seus encantos. Em nenhum
momento pensei na carta - disse, mas pensou que de todos os modos não teria podido
pensar nela. Maldição, inclusive se Vitória lhe tivesse pedido que lhe dissesse seu
nome, teria tido sérios problemas para recordá-lo. Inspirou fundo e mexeu os cabelos
com mãos ainda não muito firmes. - Entretanto, e já que o menciona, desejaria que
me devolvesse minha nota. - Deu-se um pequeno impulso para separar-se da parede e
se aproximou dela.
Vitória abriu expressivamente os olhos, embora imediatamente seguinte ergueu
os ombros, elevou o queixo e se manteve firme. Quando apenas lhes separava meio
metro, Nathan alargou o braço e acariciou com suavidade a bochecha acesa da jovem
com o anverso dos dedos.
- Por favor, Vitória... - O nome dela se deslizou por sua língua, e Nathan soube
então que depois do que acabavam de compartilhar, jamais desejaria dirigir-se a ela
formalmente. - Me Dê a nota. depois de tudo o que te contei hoje, sem dúvida te dá
conta de que para mim é importante.
Vitória piscou e entrecerrou os olhos.
- Doutor Oliver...
- Nathan. Acredito que deveríamos deixar a um lado tanta formalidade, não te
parece?
- Nathan... não saberia dizer se está sendo sincero ou simplesmente te burla de
mim. Bem é sabido que os espiões são muito habilidosos.
- Não negarei que posso ser muito hábil quando a ocasião o requer. Mas neste
caso sou sincero.
Vitória lhe observou durante vários segundos.
- Quero te dar a nota - disse, - mas insisto em fazê-lo segundo minhas
condições. Quero ajudar na busca das jóias. - Apartando-se dele, passeou-se até os
estreitos limites da cova e se deteve lhe olhar. Seus rasgos seguiram revelando-se
resolutos, mas seus olhos... esses enormes olhos azuis que ao Nathan recordavam ao
mar... lhe suplicaram. - Nathan, apesar de ter sido mimada e consentida toda minha
vida, ultimamente me trata como se não fora mais que um objeto decorativo. Sou de
uma vez
admirada e ignorada. Os homens me ouvem quando falo, mas não me escutam. Tem
ideia de quão frustrante que isso pode chegar a ser? E embora quase sempre me
engenhei isso para reprimir estes sentimentos, ultimamente...
Deixou escapar um comprido suspiro e sua atitude fanfarrona pareceu minguar
visivelmente.
- Ultimamente experimentei uma inquietante e desconhecida sensação de
descontente que me obriga a deixar de aceitar aquilo que não é de meu agrado. As
coisas que não me parecem justas. E estes sentimentos chegaram a um ponto crítico
com o descobrimento da ocupação secreta de meu pai. Durante anos ele levou uma
vida de aventura enquanto me mentia e relegava a uma existência tão excitante como
ver secar uma gota de pintura. - Baixou o queixo e olhou ao chão.
- Até que me trouxeste para esta cova, o momento mais excitante de minha vida
foi o dia em que me beijou na galeria.
Essa admissão, logo que sussurrada, estampou-se contra Nathan com a força de
um murro no peito. Esticou os dedos que seguiam sob o queixo de Vitória,
apressando-a a levantá-lo brandamente até que os olhares de ambos se encontraram.
Para seu alarme e desconforto, os olhos dela brilhavam, chorosos.
- Não irás chorar, verdade?
- É obvio que não. Não sou nenhuma chorona.
- Bem. Porque não sou a classe de homem que se deixe persuadir pelas lágrimas
femininas. - Sua consciência lhe sacudiu em pleno traseiro ao ser testemunha de
semelhante mentira. Maldição, se Vitória lhe houvesse renhido, exigindo sair-se com a
sua, ele poderia haver-se enfrentado a ela, mas essa amostra de vulnerabilidade o
deixou desarmado. É obvio, antes morto que permitir que ela o notasse.
Uma faísca de raiva cintilou nos olhos de Vitória, que se se separou dele.
- E eu não sou a classe de mulher que recorre às falsas lágrimas e a enrolar com elas
a um homem para que me dê o que quero.
- Não. Já vejo que é mais das que preferem espancar a um homem com suas
exigências.
- Simplesmente estou farta de que me trate como a uma panaca cabeça oca por
ser mulher.
- Não me parece uma panaca cabeça oca. E mais, estou convencido de que é
inclusive muito esperta.
Vitória pareceu recuperar-se.
- Bem... obrigado. Muito esperta para te dar a nota sem que acesse a respeitar
minhas condições.
- De acordo.
- Não penso transigir nisto.
- Muito bem.
- E não pense nem por um momento em que serei vítima de... - Lhe olhou com
os olhos entreabertos. - Como diz?
- Que aceito suas condições.
- Que ajudarei na busca das jóias?
- Em troca de minha carta. Sim. Entretanto, também eu tenho minhas condições.
- Que são...?
- Posto que tenho experiência nestes assuntos e você não a tem, espero que
siga meu conselho.
- Sempre que aceitar a não desprezar minhas idéias categoricamente, parece-me
aceitável. Algo mais?
- Sim. Existe a possibilidade de que haja algum perigo implícito em todo este
assunto. Seu pai te enviou aqui por razões de segurança e é meu dever me ocupar de
que nada te ocorra. Insisto em que me dê sua palavra de que não correrá nenhum
risco nem te aventurará sozinha em nenhum momento.
Vitória assentiu.
- Não tenho o menor desejo de correr nenhum perigo. Tem minha palavra.
Então... chegamos a um acordo?
- Sim. Bom, salvo pelo último detalhe.
- A que te refere? - perguntou Vitória com um tom prenhe de receio.
- Devemos selar nosso acordo como o fazem todos os espiões.
- Ah, muito bem. - Estendeu-lhe a mão.
- Com um beijo.
Ela retirou bruscamente a mão e entrecerrou os olhos sem deixar de lhe olhar.
- Que bobagem é esta?
- Os espiões selam seus acordos com um beijo. - Quando Nathan deu um passo
para ela e Vitória retrocedeu apressadamente, ele estalou a língua. - Fizemos aqui,
apenas uns segundos depois de nosso acordo, e já o está descumprindo, Vitória.
Acordamos que, como o perito em questões relacionadas com a espionagem sou
eu, seguiria meu conselho. - Deu outro passo para ela, ao que Vitória respondeu com
outro passo atrás.
- E eu estarei encantada de seguir seu conselho quando deixar de me soltar
semelhantes bobagens. Um beijo para selar um acordo, diz? E agora suponho que
esperará que creia que selou acordos com meu pai, seu irmão e com lorde Alwyck com
um beijo.
Outro passo adiante por parte do Nathan, outro passo atrás por parte dela.
- É obvio que não. Os homens espiões se estreitam a mão empregando um
código secreto. Só os acordos entre os espiões e as espiões se selam com beijos. Está
tudo escrito no Manual Oficial do Espião.
- O Manual Oficial do Espião? - Vitória soltou um bufido de incredulidade. - Está
de brincadeira.
- Falo totalmente a sério. Como saberá, a espionagem conta com regras muito
precisas, e têm que estar escritas em alguma parte. Desde aí a existência do manual.
- E tem um exemplar?
- É obvio.
- Ensinará-me isso?
Nathan sorriu e deu outro passo para ela.
- Minha querida Vitória, estaria encantado de te ensinar algo que deseje ver.
Vitória tragou saliva, retrocedeu um passo mais e suas costas foi dar contra a
resplandecente parede. Elevou o queixo.
- Tenho a sensação de que isso de "selar o acordo com um beijo" não é mais
que uma manobra para voltar a deslizar sua mão no interior de meu sutiã.
- Embora reconheça que a ideia não deixa de resultar tentadora, demonstrarei-te
minha sinceridade. - Nathan voltou a dar um passo adiante, detendo-se quando
apenas lhes separavam uns centímetros. Alargou então os braços, e, devagar, pousou
as mãos na parede de pedra a ambos os lados da cabeça de Vitória. - O vê? Nem
sequer te tocarei. Minhas mãos seguirão exatamente onde estão. E agora, podemos
selar nosso acordo?
Vitória seguiu com as costas presas à tosca parede de pedra, e tentou
desesperadamente reunir a indignação que deveria estar sentindo contra ele por ter
tornado a enganá-la assim uma segunda vez. Entretanto, em vez de indignação, um
profundo desejo e um estremecimento puramente femininos a sacudiram. Tinha
passado menos de uma hora desde que se perguntou como seriam os olhos do Nathan
cheios de desejo? Bem, pois já sabia. Brilhavam com uma combinação de avidez e de
excitação ante a que sentiu como se suas saias tivessem aceso fogo. Apesar de que
ele não a tocava, podia sentir o calor que emanava de todo seu ser. Cheirar sua cálida
pele, a sutil fragrância do sândalo, do algodão engomado, todo isso misturado com a
fresca e úmida brisa marinha. Ainda tinha que recuperar do último beijo devastador do
Nathan. O certo é que não estava do todo segura de que as pernas a sustentaram com
um segundo beijo. Mas sem dúvida a mulher moderna atual desejaria descobri-lo...
A cabeça morena do Nathan descendeu sobre a dela. Os olhos de Vitória se
fecharam e pegou seus punhos fechados contra a parede, preparando-se para a
frenética investida.
Investida que nunca chegou. Em vez disso, Nathan depositou uns beijos ligeiros
e aéreos, tão suaves como asas de mariposa, em sua frente. Na têmpora e nos lábios.
Nas pálpebras fechadas, na linha do queixo, nas comissuras da boca. O quente fôlego
do Nathan, perfumado com algo especiado que a Vitória recordou à canela, acariciou-
lhe a pele com o mesmo toque suave que seus lábios. Quando a boca dele roçou com
suavidade a sua, o coração de Vitória palpitava já com tanta força que pôde inclusive
sentir o frenético pulsar por todo o corpo... Nas têmporas. Na base do pescoço. Entre
as pernas.
Ansiosa de pura impaciência, Vitória se preparou para a exigente investida do
beijo do Nathan, mas ele voltou a surpreendê-la logo que lhe roçando os lábios. Foi
um contato lento e suave, seguido de um pausado roçar de sua língua ao longo de seu
lábio inferior. Os lábios de Vitória se abriram e Nathan a beijou lenta e brandamente,
com uma total falta de pressa que a derreteu e a enlouqueceu de uma vez. O corpo
dela desejava sentir-se um com o do Nathan. Sentir suas mãos deslizando-se sobre ela
e passar a sua vez as seu sobre ele. O calor a alagou, concentrando-se no ventre.
Juntou as trementes pernas em um esforço por aliviar a lhe formiguem pressão que se
abria passo entre suas coxas, embora a fricção não fez a não ser frustrá-la ainda mais.
Desejava, necessitava mais. Entretanto, assim que deslizou a mão ao redor da
cintura do Nathan para atrai-lo para ela, ele deu um passo atrás. Um gemido de
protesto surgiu dos lábios de Vitória e suas mãos caíram inertes a seus flancos.
Agradeceu a sólida parede que protegia suas costas e que lhe impediu de
deslizar-se à areia.
Vitória abriu com supremo esforço os olhos e reparou, presa de um
arrebatamento de despeito, que Nathan não estava absolutamente alterado, quando
ela se sentia totalmente fora de si. Enquanto seguia apoiada contra a parede, tentando
recuperar o fôlego e acalmar seu pulso enlouquecido, Nathan recolheu do chão seu
lenço de seda. Sem lhe pedir permissão, colocou-lhe o delicado lenço de encaixe de
loira ao pescoço, notando-lhe com dedos ágeis à parte superior do vestido. Depois lhe
ajustou o sutiã com um destro puxão, dando amostra de uma facilidade sem dúvida
fruto da prática que indicava que estava muito familiarizado com os mesentérios do
vestuário das damas. Uma quebra de onda de calor a percorreu por inteiro, e Vitória
se perguntou se Nathan se mostraria tão perito na hora de despir a uma mulher.
Nathan pousou de novo nela um olhar inescrutável.
- Nosso acordo ficou selado, Vitória. Minha nota, rogo-lhe isso.
Vitória não teve mais remédio que apertar com firmeza os lábios ante a voz
áspera e profunda que Nathan empregou para pronunciar seu nome a fim de conter-se
e não lhe pedir que voltasse a pronunciá-lo.
- Darei-lhe isso assim que voltemos para a casa.
Uma sobrancelha escura se arqueou bruscamente.
- Se for sua modéstia a que tenta proteger, permite que te recorde que estou já
familiarizado com o que oculta seu sutiã.
O fogo abrasou as bochechas de Vitória. Mesmo assim, agradeceu as palavras do
Nathan, pois viu nelas um aviso mais que necessitado de que aquele homem arrogante
era um perigo para sua paz interior.
- A nota não está escondida em meu sutiã. Darei-lhe isso quando chegarmos ao
Creston Manor.
Nathan a observou com atenção durante vários segundos, e Vitória respondeu
ao seu escrutinador olhar com uma frieza semelhante. Por fim, ele assentiu.
- Muito bem. Nesse caso, voltemos.
Nathan agarrou o chapéu cheio de conchas de Vitória, o acomodou sob o braço e
lhe estendeu a mão.Sem pronunciar palavra, ela deslizou sua mão na dele e lhe
permitiu tirar a da cova. Em quando emergiram do estreito passadiço escondido entre
as rochas,
Nathan a soltou e Vitória se desfez da absurda sensação de decepção que a
invadia. Não havia motivo para sentir-se desiludida. Em realidade, deveria estar
eufórica. Fazia menos de vinte e quatro horas que tinha chegado ao Cornwall e já
tinha conseguido seu objetivo: dar ao Nathan um beijo que ele demoraria para
esquecer. Não obstante, tinha que fazer frente ao feito indiscutivelmente molesto de
que também lhe tinha dado um beijo que ela demoraria para esquecer.
Diabo, isso não tinha entrado em seus planos.
Foi então consciente de outra molesta consideração. Realmente lhe tinha dado
um beijo que ele demoraria para esquecer? Apesar de que não havia a menor duvida
de que ele se mostrou fisicamente excitado ante o encontro, como podia estar segura
de que não esqueceria aquele beijo passados cinco minutos? Possivelmente já o
teria esquecido.
Olhou ao Nathan com a extremidade do olho enquanto cruzavam a praia e
apertou os lábios com firmeza em uma combinação de vergonha e de enfado. Ele
caminhava tranqüilamente a seu lado como se não tivesse nenhuma preocupação,
com o rosto voltado para o sol e o vento lhe alvoroçando os escuros cabelos. Nathan
se agachou e agarrou da areia uma concha pequena de perfeito madrepérola. Um
sorriso apareceu nas comissuras de seus lábios. Parecia de uma vez imperturbado,
despreocupado e sem dúvida absolutamente dedicado a lhe dar voltas ao momento
que tinham acontecido juntos na cova.
Incapaz de reprimir seus desejos por saber, Vitória disse:
- Posso te perguntar o que está pensando?
Nathan se esfregou a mão contra o estômago.
- Perguntava-me o que a cozinheira terá preparado para o almoço. Espero que
seja abundante. Estou morto de fome.
Comida. O muito cretino estava pensando em comida. Apertando a mandíbula
para proibir-se assim lhe fazer qualquer outra pergunta cuja resposta não estivesse
disposta para ouvir, Vitória seguiu em silencio durante o resto do caminho de volta à
casa.
Quando se aproximavam do estabulo, viu lorde Sutton e a lorde Alwyck de pé na
ampla entrada. Ambos a olhavam atentamente, e Vitória reparou no desastre em que
deviam ter ficado convertidos seus cabelos por causa da enérgica brisa.
"E dos largos dedos das mãos do Nathan", acrescentou sua ladina voz interior.
"Ora." O vento lhe tinha desfeito o penteado muito antes que Nathan a tocasse.
O certo é que lhe estava agradecida ao vento racheado pois sem ele não teria tido
nenhuma outra explicação que justificasse seu aspecto despenteado.
Sentado escarranchado sobre Meia-noite, Nathan observava em que modo seu
irmão e Gordon olhavam aproximar-se de Vitória e decidiu que não gostava do que
via. Gordon a olhava como se Vitória fora um deleitável confeito e ele tivesse adquirido
de repente uma grande afeição aos doces. A expressão do Colin era igualmente
absorta. Por isso viu, ao Nathan não coube dúvida de que nenhum dos dois homens
manifestaria a menor objeção ante a possibilidade de assumir sua obrigação de
proteger a
Vitória. Uma sensação decididamente desagradável, que, conforme se disse, não
era outra coisa que fome, atendeu-lhe as vísceras.
A mandíbula do Nathan se esticou ao ver que Vitória logo que tinha tido tempo
de refrear a Mel quando Gordon a saudava já com um amplo sorriso.
- Que atrativa está você, lady Vitória.
Ela riu.
- É você galante em excesso ou espantosamente míope, lorde Alwyck, pois bem
sei que devo estar horrível. O vento que soprava na praia me arrebatou o chapéu e
temo que também o penteado.
- Pois eu tenho uma visão perfeita - disse Colin, unindo-se a eles e Sorrindo a
Vitória, - e estou de acordo com lorde Alwyck. Está você muito atrativa. desfrutou de
sua visita à praia?
- Muito. A paisagem era impressionante e enchi meu chapéu com as conchas
mais preciosas.
- Eu também desfrutei do passeio - disse Nathan secamente, aproximando de
Meia-noite à arreios de Vitória.
- Mas onde está sua acompanhante, lady Vitória? - perguntou Gordon, lançando
ao Nathan um olhar desaprovador.
- Desde quando se requer a presença de uma acompanhante para dar um
passeio a cavalo a plena luz do dia? - interrompeu Nathan, olhando ao Gordon com
uma expressão fria com a que lhe desafiava a sugerir que lady Vitória ou ele podiam
ter atuado de um modo inadequado. - O rigoroso passeio a cavalo e o não menos
rigoroso passeio pela praia teriam resultado sem dúvida exaustivos para lady Delia.
Gordon e Colin voltaram a depositar toda sua atenção em Vitória. Gordon a
ajudou a desmontar e Nathan reparou, esticando-se, em que as mãos de seu amigo
permaneciam na cintura dela umas décimas de segundo mais do estritamente
necessário.
E em que um favorecedor rubor tingia, como resultado, as bochechas de Vitória.
Nathan desceu do cavalo de um salto. Colin, que sujeitava as rédeas de Mel, as
entregou como se fosse um moço de estabulo. Aborrecido como não recordava havê-lo
estado até então, Nathan conduziu aos dois cavalos à quadra, seguido ao sombrio
interior pelo som da risada de Vitória, que nesse momento desfrutava dos
cuidados de seus dois novos admiradores. Tudo fazia pensar que teria que arrebatar-
lhe ao Colin e ao Gordon para levar a de retorno à casa a procurar sua nota. De
repente lhe ocorreu que se Colin tivesse acompanhado a Vitória à cova, com toda
probabilidade os talentosos dedos de seu irmão poderiam a essas alturas havê-la
liberado da nota, embora, maldição,
a idéia do Colin pondo as mãos em cima de Vitória não lhe assentou nada bem.
- Desfrutou do passeio, senhor Nathan? - perguntou Hopkins, aproximando-se de
lhe saudar desde o quarto das ferramentas agrícolas.
- Foi... estimulante. E intrigante, pensou com estremecimento. E dolorosamente
excitante, acrescentou para si.
- Assim estimulante, né? - Hopkins assentiu pensativo. - Um passeio em
companhia de uma mulher formosa está acostumado sê-lo. - Assinalou com a cabeça
para a entrada onde Colin, Gordon e Vitória estavam concentrados em uma animada
conversação.
- Ao parecer há certa competição por sua atenção.
Os ombros do Nathan se esticaram.
- Eu não participo da competição por seus favores.
- Naturalmente que não. Ela só tem olhos para você.
A cabeça do Nathan se voltou bruscamente para olhar ao Hopkins.
- A que se refere?
Sem dúvida sua voz tinha divulgado mais afiada do que pretendia, pois Hopkins
lhe olhava entre doído e surpreso.
- Desculpe, senhor Nathan. Não era minha intenção lhe faltar ao respeito. É só
que você e eu estávamos acostumados a nos falar sem rodeios.
Nathan se passou uma mão pelo cabelo e em silêncio amaldiçoou sua
desconsideração. Hopkins levava com a família desde antes de que ele nascesse, e ele
sempre tinha tido a aquele homem bondoso que adorava os cavalos por um amigo.
- Até podemos falar sem rodeios - disse Nathan, fechando a mão sobre o ombro
do ancião. - Me perdoe. É que suas palavras me surpreenderam.
Hopkins aceitou as desculpas com um movimento de cabeça e disse:
- Sou eu o surpreso. Normalmente é você um grande observador. Não reparou
em como o olha?
- De fato, sim. Como se queria me trespassar em um espeto e me assar a fogo
lento.
- Sim, esse era precisamente o olhar - disse Hopkins com uma risada. - Está
louca por você, me acredite. - Olhou ao Nathan com olhos entrecerrados. - Me
pergunto se ela se deu conta de como a olhe você.
- Como se queria colocá-la na primeira carruagem que saia do Cornwall?
- Não. Como se fosse um pêssego amadurecido que desejasse arrancar da
árvore. E dar um banquete com ele.
Maldição, quando havia se tornado tão condenadamente transparente? antes de
que pudesse articular uma negativa, Hopkins riu entre dentes.
- E tampouco me parece você muito feliz a respeito. E não me negue isso. Sou
capaz de lhe ler as intenções desde que era um menino. - Entreabriu os olhos,
voltando o olhar lúcido a saída, agora vazia. - Uma boa potranca essa lady Vitória.
Enérgica... isso se vê. E boa amazona. Embora não deixa de ser uma jovenzinha
malcriada de Londres... para nada o tipo de dama que a você estava acostumado a lhe
gostar de. E algo me diz que você tampouco é a classe de homem no que ela
normalmente se fixa.
- Ah, sim? E que classe de homem sou eu?
- É mais a classe de homem que não é. Não é um desses presunçosos e
elegantes londrinos que passeiam seu nariz franzido de festa em festa. Você é um
homem decente e trabalhador. Não pretendo ofender à dama, mas duvido muito que
tenha cuidados o duas vezes a alguém de tão baixa condição como posso ser um
médico. Compreensível. Embora o esteja fazendo agora. - Hopkins observou ao
Nathan. - E você lhe devolve o olhar.
- Parece ter adivinhado muito em muito pouco tempo - disse Nathan.
Hopkins se encolheu de ombros.
- Está em minha natureza observar às pessoas.
Antes de que Nathan pudesse articular outra resposta se ouviu uma comoção
que provinha do exterior, seguida de um forte grito que sem dúvida alguma procedia
de Vitória.
- OH! O que faz? Basta!
Nathan correu para as portas com o Hopkins pego a seus talões. Ao sair, deteve-
se de repente e abrangeu com o olhar o espetáculo que tinha ante seus olhos. Gordon
e Colin, com aspecto pesaroso, estavam ajoelhados junto a Vitória, que se tinha
agachado e se agarrava a prega do vestido. Seu rosto estava por completo desprovido
de cor. Os três olhavam fixamente a Petunia, que estava de pé junto a eles e cujo
barbado queixo se movia de atrás adiante enquanto mastigava.
Nathan se adiantou a grandes pernadas e se agachou junto a Vitória, alarmado
ante sua palidez. Tirou-a dos braços.
- Está bem? O que ocorreu?
- Esta cabra idiota tua é o que ocorreu - disse Gordon, cujo tom de voz gotejava
irritação. - Não só o animal deu a lady Vitória um susto de morte, mas sim lhe tem
feito um buraco em seu traje de montar. Este animal é uma ameaça.
Poderia havê-la mordido.
O olhar do Nathan se desviou para a Petunia, que moveu o rabo e a seguir se
afastou tranqüilamente para o curral. Nathan voltou então para concentrar sua
atenção em Vitória e disse:
- Não te tem feito mal, verdade?
Quando ela respondeu negando com a cabeça, ele ficou em pé e a ajudou a
levantar-se.
- Rogo-te que aceite minhas desculpas. Petunia é famosa por mordiscar o que
não deve. Assegurarei-me de que lhe arrumem o traje de montar. E, se não ser
possível, encarregarei-me de que lhe dêem um novo.
- Não é meu traje de montar o que me preocupa - disse ela com um fio de voz.
Elevou o olhar para ele com olhos compungidos. - É sua nota.
- O que acontece minha nota?
- Sua cabra acaba de comer-lhe.
Capítulo 10

A mulher moderna atual não deveria sob nenhum conceito desperdiçar a


oportunidade de ver um espécime masculino superior, sobre tudo se este se encontra
em certo estado de nudez. Se deve enfrentar-se a semelhante golpe de boa fortuna,
não deveria permitir que a modéstia a levasse a esbanjar tão venturoso giro dos
acontecimentos. Deve, pois, desfrutar do momento, aproveitar a ocasião ao máximo e
preparar-se para o que possa vir a seguir.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima.


Charles Brightmore.

Com o estômago encolhido de incredulidade e de medo, Vitória viu que Nathan


entreabria os olhos. Esperou lhe ouvir gritar, embora ele se limitou a falar com uma
calma silente e glacial.
- Como diz?
Vitória tragou saliva.
- Sua nota. A comeu. Sua cabra.
- Por favor, me diga que é uma brincadeira de mau gosto.
- É de mau gosto, sim. Mas também é verdade.
Nathan baixou o olhar, cravando-a na desfia mancha da barra de cor verde
escura que Vitória seguia agarrando ainda entre seus brancos nódulos.
- Lhe tinha costurado isso à barra.
- Sim.
Nathan lhe atravessou os olhos com o olhar, fulminando-a.
- Fez-me acreditar que a tinha na casa.
- Nunca disse isso. O que pinjente é que lhe devolveria isso assim que
chegássemos.
- E por que não te limitou a me devolver isso na praia?
Conhecendo sua mão com a agulha, não acredito que tivesse sido muito difícil
descosturar um par de torpes pontos.
Vitória deixou cair sua quebrada barra, plantou-se as mãos na cintura e
entrecerrou os olhos para cravar nele o olhar.
- Se certas pessoas não tivessem necessidade de me ocultar seus segredos nem
de esconder cartas em minha bagagem, e se outros não se negassem a deixar que
lhes ajudasse...
- Se referir a seu pai e a mim...
- É obvio que refiro a meu pai e a ti. Se não fossem tão cabeça duras, não me
teria visto na necessidade de me costurar a nota à barra. Onde, por certo, estava
perfeitamente a salvo, até que sua cabra a comeu.
- Assim é culpa minha que a nota tenha desaparecido?
Vitória elevou o queixo.
- Em parte sim. Embora esteja disposta a assumir parte da culpa.
- Quão incrivelmente generoso de sua parte.
Antes de que Vitória pudesse responder a sua sarcástica resposta, lorde Alwyck
interveio.
- Pode alguém me explicar do que estão falando? Que nota?
Nathan lançou a Vitória um olhar de advertência, mas ela a passou por cima e
voltou sua atenção a lorde Alwyck.
- Meu pai escondeu uma nota para o doutor Nathan em minha bagagem.
Desgraçadamente para ele, encontrei-a antes de que ele pudesse resgatá-la. Mais
infelizmente ainda para ele, sua cabra acaba de comer a nota da barra de minha saia,
onde eu a tinha escondido.
Lorde Alwyck lançou ao Nathan um olhar penetrante.
- Por que te enviava Wexhall uma nota secreta? - Ao ver que a única resposta do
Nathan era um olhar fixo e inescrutável, lorde Alwyck disse devagar: - Sua volta aqui...
uma nota disto Wexhall tem algo que ver com as jóias.
- As palavras soaram aacusação. - Por que não me havia isso dito?
O olhar do Nathan não vacilou nem um ápice.
- Se Wexhall tivesse querido que soubessem, haveria-lhes isso dito. Ou
possivelmente eu mesmo lhes haveria isso dito, dependendo das instruções que me
desse na nota. Mas agora que esta desapareceu, suponho que não saberemos. Ao
menos até que possa me pôr em contato com ele para lhe contar o ocorrido. - Voltou
o olhar para Vitória. - O qual, grave dizer, supõe um atraso do mais inconveniente.
Lorde Alwyck se dirigiu a lorde Sutton.
- Estava você à corrente disto, Colin?
Lorde Sutton assentiu.
- Sim. lhe tinha pensado contar isso durante o passeio a cavalo de hoje. - voltou-
se para o Nathan. - Gordon estava em todo seu direito se soubesse.
- Nunca hei dito o contrário. Entretanto, teria preferido dispor de toda a
informação contida na carta do Wexhall antes de dizer nada a ninguém.
- Ao parecer, te segue dando bem guardar secretos - disse lorde Alwyck ao
Nathan. Embora sua voz soou calma a Vitória resultou evidente que estava muito
zangado. - Não tinha nenhum direito a me manter à margem.
Nathan arqueou uma sobrancelha.
- E que mais dá a ti? Não foi sua reputação a que se viu prejudicada.
- Possivelmente porque recebi um disparo durante a fracassada última missão.
Ou acaso já o esqueceste?
Um silêncio presso de tensão encheu o ar. Vitória apertou os lábios com firmeza
para não soltar qualquer balbuceio nervoso com o que encher o vazio. Um músculo se
contraiu na mandíbula do Nathan, e Vitória reparou em que tinha as mãos apertadas.
- Não, não o esqueci - disse o doutor em um tom terminante. voltou-se a olhar a
Vitória, que a sua vez ficou imóvel ao ver a expressão absolutamente sombria que
delatavam os olhos do Nathan. Uma cortina pareceu então cair sobre sua expressão,
deixando uma completa inexpressividade ali onde segundos antes tinham arroxeado a
tristeza, as penas e a dor.
- Leste a nota, examinou-a, não é certo? - perguntou-lhe ele secamente.
- Sim.
- Bem. Agora virá comigo à casa e escreverá tudo o que seja capaz de recordar
enquanto eu escrevo uma carta a seu pai. Agora.
- Sem esperar uma resposta nem incomodando-se em dedicar um fugaz olhar a
seu irmão ou a lorde Alwyck, Nathan deu meia volta e se dirigiu a grandes pernadas
para a casa.
Lorde Alwyck balbuciou algo que incluía as palavras "grosseiro" e "autocrático" e
logo disse em voz alta:
- Ao parecer, necessita você companhia até a casa, lady Vitória. Concede-me a
honra?
Vitória apartou a contra gosto a vista das costas em retirada do Nathan e
reparou em que a ira seguia refletindo-se nos olhos de lorde Alwyck, ao tempo que
lorde Sutton olhava a seu irmão com expressão turvada.
- Obrigado, mas não desejo atrasar seu passeio. Se me desculparem... - Se
afastou apressadamente antes de que algum dos dois cavalheiros pudesse detê-la.
Caminhando o mais depressa que pôde sem chegar a pôr-se a correr, Vitória
tentou acalmar suas confusas emoções antes de voltar a enfrentar-se ao Nathan. Por
uma parte, sentia-se espantosamente culpada de que seus atos tivessem levado a
destruição da nota. Pela outra, consumia-a uma sensação de irritação contra
Nathan pelo modo ditatorial em que lhe tinha proferido suas ordens. Deus do céu,
esse homem a estava beijando fazia nada...
Atalhou imediatamente esse pensamento. Não era o momento de recordar
aquele beijo. Um beijo paralizador, glorioso e deslumbrante...
Basta. Mais tarde. Pensaria nisso mais tarde. Nesse instante estava molesta com
ele pelas ordens que tinha ousado lhe proferir como se fora um general e ela um
simples soldado de infantaria. Entretanto, temperando seu enfado estava o profundo
arrebatamento de compaixão que lhe tinha chegado ao mais profundo de seu ser
quando tinha sido testemunha direta do brilho de desolação que tinha aparecido nos
olhos do Nathan. A profundidade da crua dor que tinha visto neles a tinha sacudido,
afligindo-a com a necessidade de lhe estreitar entre seus braços e lhe oferecer consolo
daquilo que tinha sido o motivo desse olhar. Como se explicava que desejasse de uma
vez lhe abraçar e lhe prender? O homem agitava suas emoções como ninguém o tinha
feito até então. E Vitória estava plenamente convencida de que a sensação não
gostava do mais mínimo.
Ao entrar na casa pelas grandes cristaleiras que davam a terraço, um lacaio saiu
a seu encontro.
- O doutor Nathan lhe pede, por favor, que se encontre com ele na biblioteca,
minha senhora. - esclareceu-se garganta. - Tinha especial interesse em que fizesse
insistência na palavra "por favor".
Vitória não pôde evitar que seus lábios esboçassem um sorriso.
- Obrigado.
- Há dito que sem dúvida desejaria você trocar-se antes, e que ele mandaria que
lhe servissem o almoço em sua habitação.
Vitória não conseguiu ocultar sua surpresa ante semelhante amostra de
consideração. É obvio que estava decidida a trocar-se de roupa antes de reunir-se com
ele, embora um almoço em privado resultava perfeitamente bem-vindo.
- Por favor, diga ao doutor Oliver que me reunirei com ele assim que tenha
almoçado e esteja apresentável.
- Sim, minha senhora.
Vitória se dirigiu apressadamente a sua habitação Quando se olhou no espelho
de corpo inteiro, lhe escapou um gemido.Deus do céu, tinha o cabelo como um ninho
de pássaros Embora o descuidado aspecto de seu penteado não a aturdiu tanto como
seu rosto.
Um fino véu rosado lhe tingia as bochechas, e a ponta do nariz, conseqüência de
não haver usado o chapéu em um dia tão ensolarado, coisa que sem dúvida se
traduziria em umas quantas sardas. Seus olhos lhe desejaram muito imensos e...
brilhantes.
E os lábios... aproximou-se um pouco mais ao espelho e com gesto vacilante se
levou até eles as gemas dos dedos.
Só havia um modo de descrever sua boca avermelhada e inflamada: uma boca
profusamente beijada. Seus olhos se fecharam e, no curso de um palpite, os
pensamentos que tinha tentado reprimir invadiram sua mente.
O modo vertiginoso em que ele a tinha abraçado e a tinha acariciado, a
estremecedora dureza do corpo do Nathan unindo-se a ela, a deliciosa sensação de
passar as mãos por aquele forte torso e as não menos fortes costas.
Apesar de tudo o que tinha aprendido do Guia feminino jamais tinha chegado a
imaginar o que tinha compartilhado com o Nathan na cova. Ele havia dito que sentia
curiosidade por saber se uma segunda vez podia resultar melhor que a primeira.
Vitória não acreditava possível que a magia a que ele a tinha introduzido três
anos antes pudesse ver-se superada. Mas assim tinha sido. E, Deus do céu, quanto
tinha desejado que o não parasse.
Ergueu as costas e lançou um olhar carrancudo a seu reflexo.
- Tome cuidado com este homem e não o subestime - sussurrou à mulher de
olhos dilatados que a olhava do outro lado. O plano consistia em voltar-se inesquecível
para ele... e não ao contrário. Se Nathan e ela foram dar-se outro beijo, Vitória
se asseguraria de que fora sob suas condições.
Uma vez tomada essa decisão, optou por não chamar a Winifred, sabendo como
sabia que aquela boba de olhar escrutinadora notaria imediatamente seu estado
agitado e seus lábios inflamados pelos beijos. Em vez disso, simplesmente se tirou o
traje de montar, utilizou a bacia para se refrescar e procedeu a desembaraçar o
cabelo. depois de penteá-los rebeldes cachos em um singelo recolhido grego, ficou seu
vestido de dia de musselina celeste, seu favorito. Acabava de introduzir os pés nas
chinelas a jogo quando bateram na porta. Assim que deu ordem de passar, uma
sorridente e jovem criada entrou na habitação com uma bandeja de prata que deixou
sobre a mesa de cerejeira situada junto à cama. Um aroma tentador flutuou das
tampas que cobriam os pratos e o estômago de Vitória rugiu de antecipação.
- Cheira fantasticamente.
- É uma das especialidades da cozinheira, minha senhora. Um suculento e
abundante guisado feito com um sortido de frutos do mar da zona. A cozinheira o
preparou especialmente para o doutor Nathan porque é seu prato favorito.
Tendo em conta que Nathan se negava em redondo a comer-se aos animais que
lhe davam de presente como forma de pagamento, a Vitória não surpreendeu que seu
prato favorito fora o pescado. Assim que a criada se retirou, afundou a colher na rica
mescla e extraiu um pouco de caldo com uma pequena porção de esmiuçado pescado
branco. Teve que conter-se para não pôr os olhos em branco de puro êxtase. Jamais
tinha provado nada mais delicioso. Dois brandos pãezinhos acompanhavam o guisado
e
Vitória os empregou para dar conta dos restos do saboroso almoço. Sem dúvida
o mar e o ar salgado afetavam seu apetite, pois não recordava ter desfrutado tanto de
uma comida. Tanto era assim, que olhou a terrina vazia e suspirou, desolada.
Deixando a um lado o guardanapo de linho, dirigiu-se ao vestíbulo, de onde
Langston a acompanhou à biblioteca.
ficou junto à entrada e deixou vagar o olhar pela habitação perfeitamente
mobiliada. O sol entrava em torrentes pelas enormes janelas que ocupavam a metade
central, da parede posterior e o cristal reluzente estava flanqueado por estantes de
madeira escura repletas de volúmes forrados em couro. Havia um escritório enorme,
situado diante das janelas para aproveitar a luz natural. Outra parede estofada de
estanterías cobria os sete metros que separavam o chão do teto, fazendo as delícias
de Vitória e enchendo-a com a necessidade de explorar a maravilhosa habitação. O
alegre resplendor que ardia no ralo de uma imensa chaminé de mármore ocupava a
parede oposta e banhava a sala em um agradável calor.
Um tapete Axminster em tons azuis e marrons cobria o chão e confortáveis
grupos de cadeiras exageradamente amaciadas se repartiam pela habitação.
O sofá de brocado colocado em ângulo diante da chaminé convidava a
acomodar-se nele com um livro favorito.
Vitória inspirou fundo e brevemente fechou os olhos ante as tão conhecidas e
queridas fragrâncias do couro, pergaminho velho e cera de abelha. Quando os abriu,
deu-se conta de que estava sozinha. Onde estava Nathan?
Cruzou a estadia para a chaminé, decidida a sentar-se enquanto esperava. Ao
sortear o sofá, deteve-se em seco. R.B., o mastim do Nathan, estava convexo de
flanco sobre o tapete junto a lareira. Seu corpo ocupava por completo a longitude da
chaminé ao tempo que seu focinho não deixava de emitir roncos caninos. O que
havia dito Nathan que significavam as iniciais R.B.? Rompe Botas? Régia Besta lhe
resultou mais acertado dada a visão que tinha ante seus olhos. Jamais tinha visto um
cão de semelhantes proporções .
Justo nesse instante, o focinho do animal se contraiu, como se tivesse percebido
o aroma de algo. Seus olhos se abriram de repente, e céus, para um animal desse
tamanho, moveu-se com surpreendente rapidez, ficando em pé em questão de
segundos sem deixar de olhá-la fixamente... Vitória esperou que não estivesse vendo
nela a uma saborosa chuleta de porco.
- Bom menino - murmurou Vitória, dando um cauteloso passo atrás. - É um bom
cão. Volta a dormir.
Mas R.B. aproximou-se lentamente a ela. Vitória recordou ter ouvido em alguma
lição recebida durante a infância que não se devia pôr-se a correr ante um cão porque
com isso só se conseguia que ele pusessem-se a correr detrás de ti, e, rezando
para que Nathan se expressou corretamente ao dizer que se tratava de uma
besta mansa, optou por ficar totalmente imóvel. R.B. deteve-se diante dela. depois de
olisquear atentamente seu vestido, sentou-se sobre seus quartos traseiros e levantou
uma de suas enormes patas dianteiras para ela.
Vitória piscou.
- Assim quer que nos demos a mão? Mas, bem já nos apresentaram.
Claramente isso ao R.B. trazia-lhe sem cuidado, pois seguia com a pata
levantada. Rezando para que aquele gesto não anunciasse a intenção do cão de lhe
arrancar o braço de uma dentada, Vitória estendeu a mão hesitantemente e lhe tirou
da pata.
Assim que o soltou, R.B. levantou-se e lhe deu um pequeno empurrão no quadril
com o focinho. Logo pegou seu nariz frio e úmido ao braço de Vitória e lhe lambeu o
anverso da mão com uma língua mais larga que seu sapato.
Vitória acariciou a cabeça do animal com gesto indeciso e logo lhe arranhou
detrás das escuras orelhas. Com isso provocou um imediato meneio de cauda que
ameaçou varrer o vaso Stafford que havia sobre uma mesinha auxiliar.
- Ah, assim é isto o que você gosta de - murmurou Vitória, que continuou
arranhando enquanto sorteava ao animal para sentar-se no sofá em um esforço por
conservar a integridade do vaso.
R.B. seguiu-a e, assim que Vitória tomou assento começou a lhe arranhar depois
das orelhas com ambas as mãos. Ela sentada e ele erguido, estavam virtualmente à
mesma altura. Vitória lhe arranhou então vigorosamente e riu ao ser testemunha da
entusiasta reação do cão. A cauda do R.B. ia de um lado ao outro, a língua lhe
pendurava entre os dentes e um ofego de pura felicidade rugia em sua garganta.
- Vá, vá... assim que o cão enorme e feroz é pura aparência - exclamou entre
risadas, passando a arranhar o cabelo duro e tosco do grosso pescoço do R.B.. - No
fundo, não é mais que um doce cachorrinho.
R.B. grunhiu e soltou logo um gemido, como dizendo: "Por fim... alguém que me
entende!".
Tão absorta estava Vitória acariciando ao cão que não se deu conta de que já
não estava sozinha até que uma voz cuja gravidade lhe resultou claramente familiar
disse:
- Já vejo que tem feito um novo amigo.
Vitória se voltou. Nathan estava na entrada da biblioteca com um ombro
despreocupadamente apoiado contra o marco da porta e cruzado de braços. Olhava-a
com essa expressão indecifrável tão habitual nele.
- Fala-me ou ao cão? - perguntou Vitória, sem deixar de acariciar ao R.B. Suas
palavras pareceram surgir ligeiramente faltas de fôlego... naturalmente, devido ao
exercício de suas carícias.
- A ti, embora sem dúvida minha afirmação poderia ser aplicável a qualquer dos
dois. - Separou-se da entrada empurrando-se contra o marco e caminhou para Vitória.
- Gosta.
Vitória lhe lançou um olhar picasse.
- Não sei do que te surpreende.
- Pois, de fato, estou-o.
- Vá, obrigado. Não recordo ter ouvido um completo mais encantador.
Sinceramente.
- Pois pretendia sê-lo. R.B. está acostumado a ser mais reservado com os
desconhecidos.
- Possivelmente porque os desconhecidos tendem a mostrar-se reservados com
ele? Seu tamanho resulta, quando menos, intimidatorio, se por acaso o tinha
esquecido.
- Suponho que tem razão. Espero que seja consciente de que, a partir de agora,
R.B. quererá que lhe arranhe sempre que te veja. De fato, apostaria a que poderia
estar assim um par de semanas.
- Um par de semanas? - Vitória sorriu. - E logo o que?
- OH, logo se voltaria muito desagradável e provavelmente te afligiria com
úmidas lambidas. - Nathan se deteve junto ao sofá e alargou a mão para acariciar o
lombo do R.B.. - Você gosta de tanta atenção, né, menino?
R.B. soltou um latido.
- Isso quer dizer que sim - traduziu Nathan. Seu olhar se deslizou sobre Vitória e
um calor que nada tinha que ver com as enérgicas carícias que prodigalizava ao cão
lhe subiu do peito. - Vejo que trocaste de roupa. E que te penteaste.
- Pareceu-me o mais aconselhável. Do contrário, possivelmente R.B. teria estado
tentado me enterrar no jardim. Tal como estava, acredito que o penoso estado de
meus cabelos por pouco lhe custa cinco anos de vida a seu lacaio.
- Absolutamente. Todo mundo tem esse aspecto depois de um dia ventoso na
praia.
Vitória decidiu não comentar que o vento não parecia lhe haver afetado
absolutamente. Ao contrário, tinha um aspecto absolutamente masculino e
devastadoramente atrativo. Como um alto pirata de tosca beleza, com o cabelo revolto
pelo ar do mar.
Vitória reparou em que também ele se trocou de roupa e que luzia uma camisa
limpa de linho e umas calças de cor azul marinho. Uma vez mais, Nathan tinha
renunciado ao lenço, e o olhar de Vitória foi fixar se em seu poderoso e bronzeado
pescoço.
O traje do Nathan estava totalmente passado de moda... Sem dúvida, em alguns
círculos o qualificaria de escandaloso. Mesmo assim, Vitória não podia negar que
adorava sobremaneira esse tentador espiono de sua pele.
- Por certo, seu cabelo não me parecia espantoso.
A voz do Nathan a tirou abruptamente da ensimismada contemplação de seu
pescoço, e seu olhar voou em ascendente para lhe ver estudando seu cabelo. Uma
quebra de onda de calor a sobressaltou e uma risada tremente se abriu passo entre
seus lábios.
- Tem razão. Horripilante possivelmente seja uma descrição mais adequada.
Nathan negou com a cabeça.
- Não. Não é essa a palavra que eu empregaria.
Vitória inspirou exageradamente.
- De acordo, dou-me por vencida. Qual é a palavra que utilizaria?
O olhar do Nathan se encontrou com o dela.
- Delicioso.
Essa simples palavra, pronunciada com suavidade, aturdiu-a. Antes inclusive de
que pudesse pensar em uma resposta, Nathan deu ao R.B. uma firme carícia última e
ficou em pé.
Continuando, dirigindo-se a grandes pernadas ao escritório, disse:
- Preparei-te papel vitela, uma pluma e tinta.
- Gra... obrigado - respondeu Vitória, mantendo sua atenção no cão enquanto
tentava recuperar o aprumo que Nathan tinha conseguido lhe arrebatar de um
colchão. - E obrigado também pelo almoço que ordenaste que me servissem em minha
habitação.
- Você gostou do guisado?
- Estava delicioso. Engoli-o com vergonhoso deleite.
- Não tem por que te sentir envergonhada comigo, Vitória. Nunca.
Ante essas palavras pronunciadas com voz rouca o olhar dela se elevou de
repente até que os olhos de ambos se encontraram.
- O mar e a brisa marinha tendem a abrir o apetite - disse ele. - Pessoalmente,
admiro às mulheres que não temem satisfazer seu apetite.
de repente, Vitória já não estava tão segura de que estivessem falando de
comida. E, sem dúvida, em dois dias de prazo poderia ocorrer-se alguma resposta
engenhosa. Nesse momento, entretanto, sua mente se manteve tercamente em
branco.
- Suponho que é muito pedir que recorde tudo o que possa do conteúdo da
carta, verdade?
"Carta?" Vitória piscou e voltou em si, esclarecendo-a garganta.
- De fato, e dado que a estudei detalhadamente, acredito-me capaz de
reproduzi-la com bastante exatidão.
- Excelente. Começamos pois?
- É obvio.
Depois de arranhar por última vez a seu novo amigo, Vitória se levantou e
cruzou a biblioteca para o escritório. Não pôde evitar um sorriso ao ver o R.B. trotar
atrás de seus tornozelos.
- Nunca tinha visto um escritório tão grande - disse, passando os dedos pela
suave superfície de nogueira e os acessórios de bronze gentil que adornavam a borda
do móvel. - De fato, parecem dois escritórios unidos por diante.
- É isso, precisamente. chama-se escritório associado e está pensado para que
duas pessoas trabalhem olhando-se. É muito prático para meu pai quando repassa as
contas com seu secretário.
Nathan retirou uma cadeira de couro marrom. Vitória se sentou e murmurou um
"obrigado" enquanto lhe empurrava a cadeira para o escritório, sendo em todo
momento consciente da proximidade do médico. Com uma mão do Nathan no respaldo
da cadeira e a outra no braço de couro, Vitória se sentiu rodeada por ele. Voltou a
cabeça com a clara intenção de indicar que estava comodamente instalada e se
encontrou olhando diretamente à parte dianteira das calças do Nathan, que estavam a
menos do meio metro dela.
"OH, Deus." Cravou neles os olhos, transposta, ao tempo que seu ávido olhar
ficava fascinada pelas musculosas pernas e por seu...
"OH, Deus, Deus, Deus..."
O calor a invadiu como se tivesse aceso fogo em seu vestido, e sua imaginação
se desatou, totalmente descontrolada. Apesar de que o Guia havia descrito
detalhadamente o que essas calças cobriam, Vitória não alcançava a desenhá-lo de
tudo em sua mente. E aí, literalmente diante de seus olhos, estava o que claramente
se adivinhava como um perfeito exemplo. Quanto lamentou que aquelas malditas
calças lhe frustrassem o espetáculo...
- Está preparada, Vitória?
Ela elevou bruscamente o queixo e se encontrou com o Nathan que a observava
com um olhar especulativo, um olhar com a que ele delatava ser plenamente
consciente de que ela tinha estado comendo com seus olhos... o que cobriam suas
calças. Mais calor, esta vez fruto da vergonha, lhe amontoou no rosto.
- Preparada? - repetiu ela, horrorizada ao perceber o débil chiado ao que tinha
ficado reduzido sua voz.
- Para reproduzir minha nota... a menos que haja alguma outra atividade a que
prefira te dedicar.
Embora seu tom de voz era a personificação mesma da inocência, seus olhos
brilhavam de tal modo que provocaram nela um abrasador rubor que a cobriu até as
reveste dos sapatos.
- Reproduzir. Nota. Isso. - Tomou a pluma como se se tratasse de uma corda de
salvamento lançada a uma vítima que se estivesse afogando e agachou a cabeça sobre
o papel vitela.
Nathan deixou escapar um som que soou muito parecido a uma gargalhada
disfarçada de tosse e ela apertou com firmeza os lábios a fim de controlar a quebra de
onda de balbuceios nervosos que lhe acumularam na garganta. Deus do céu, aquilo
jamais funcionaria. Que diabo lhe ocorria? sentia-se como se estivesse cambaleando
sobre uma cornija escorregadia, a ponto de perder o equilíbrio e cair ao vazio. Jamais
se havia sentido tão falta de aprumo. Dado que não tinha o menor problema na hora
de falar com outros cavalheiros, sem dúvida seu incomum comportamento era culpa
dele. Bem, quanto antes completasse o trabalho que tinha ante ela, antes poderia
afastar-se da inquietante companhia do Nathan.
Não obstante, assim que a ideia cruzou sua mente, Vitória se deu conta de que a
mera possibilidade de separar-se de sua companhia não a tranqüilizava no mais
mínimo. Mas bem a deixava... desolada. Deus do céu, tinha perdido o julgamento.
Não se atreveu a dar voz a essas preocupações por temor a ser confinada a um
manicômio.
Espionando desde debaixo de suas pestanas, viu o Nathan sentado em uma
cadeira de couro idêntica à sua no lado oposto do escritório. Separavam-lhes apenas
um metro e meio de lustrosa nogueira, sem dúvida salvaguarda suficiente, e mesmo
assim
ela seguia dolorosamente consciente de que só tinha que estirar um pouco o
braço para lhe tocar as mãos.
Suas mãos... Para uma mulher que até então nunca tinha reparado
especialmente nas mãos de um homem, viu-se de repente fascinada pelas do Nathan.
Grandes e de compridos dedos, pareciam capazes, firmes e fortes. Vitória imaginou
que deviam ser as mãos perfeitas para um médico. O sol lhes tinha bronzeado a pele e
de uma vez tinha esclarecido a fina capa de pêlo que as cobria, tingindo a de um
dourado leonado. Embora não pudesse lhe ver as Palmas, sabia que mostravam as
durezas próprias
do trabalho físico, coisa que não deveria lhe haver resultado atrativa, embora a
verdade fora bem distinta. Apesar de seu tamanho e de sua força, Vitória sabia que as
mãos do Nathan podiam ser tenras... magicamente tenras, como bem o tinha
demonstrado ao lhe passar lentamente os dedos pelo cabelo. Ao lhe roçar os lábios
com as gemas. E, mesmo assim, podiam também ser exigentes... excitantemente
exigentes, como o tinha demonstrado quando a tinha sujeito firmemente contra ele,
explorando suas curvas e...
Deus do céu, a mente de Vitória havia tornado a enlouquecer. Voltando de novo
para concentrar sua atenção no marfileño papel vitela em branco, inundou a ponta da
pluma no pequeno receptáculo de tinta anil e se obrigou a centrando-se na carta que
com tanto detalhe tinha estudado a noite anterior. A saudação se desenhou em sua
cabeça: "A meu grande amigo Nathan"... E ficou então mãos à obra. Fez alguma
pausa ocasionalmente, fechando os olhos para invocar a imagem da carta quando
alguma palavra se empenhava em evitá-la. Não demorou para dar-se conta de que
Nathan esfregava sua pluma contra seu próprio papel vitela.
Nathan deixou de escrever sua carta ao pai de Vitória para refletir sobre a
seguinte frase. Entretanto, qualquer palavra que pudesse haver lhe ocorrido se
desvaneceu de sua mente assim que dirigiu o olhar para Vitória que, sentada ao outro
extremo do escritório, tinha os olhos fechados e franzia o cenho. O olhar do Nathan
ficou presa no modo em que ela se beliscava o lábio inferior entre os dentes, e
imediatamente recordou o enfeitiçado contato dessa boca carnuda a sua. Quando a
língua de Vitória apareceu para umedecer os lábios, ele se surpreendeu imitando o
gesto, rememorando vividamente o luxurioso sabor dela e lamentando profundamente
que aquele maldito escritório lhes separasse. Mesmo assim, só tinha que estirar o
braço para lhe tocar as mãos, e de repente se encontrou chiando os dentes em um
esforço por não fazê-lo.
Quando se havia sentido tão atraído pelas mãos de uma mulher? A verdade era
que nunca. Sem dúvida a obsessão que as de Vitória despertavam nele roçava o
ridículo. Eram as mãos brancas e delicadas de uma aristocrata consentida. Mas essa
pele pálida, esses finos dedos, fascinavam-lhe, e não teve que procurar muito para dar
com a razão. devia-se a que sabia muito bem quão tenras podiam ser essas mãos,
quão dolorosamente trementes quando lhe havia meio doido com gesto vacilante. E
quão incrível era a sensação que essas mãos tinham provocado nele ao lhe acariciar a
pele. E o aroma de rosas que desprendiam.
E quão impaciente podiam chegar a mostrar-se de puro desejo, fechando-se
sobre seu cabelo quando Vitória voltava a lhe pedir que a beijasse.
Vitória voltou para sua escritura e Nathan se sentiu incapaz de fazer nada salvo
olhá-la, irracionalmente fascinado pela visão desses dedos obstinados à pluma.
Quando seus olhos vagaram pela mão dela, reparou em uma fina cicatriz logo que
insinuada junto ao punho. Sem poder conter-se, estirou o braço e acariciou com a
gema do dedo o diminuto sinal. Vitória ficou imóvel e levantou bruscamente a cabeça.
Os olhos de ambos se encontraram e uma sombra rosada tingiu as bochechas da
jovem.
Nathan decidiu que o tom daquele rubor era do mais apropriado para a pele de
Vitória, pois ela cheirava exatamente a essa flor.
Voltou a percorrer a cicatriz com o dedo.
- Como fez isso?
O olhar de Vitória descendeu até o lugar onde o dedo do Nathan a acariciava e
também ele baixou os olhos. A mão pálida, fina e suave da jovem contrastava
cruamente com a pele mais tosca e escura dele. Demônios, o fato de ver-se tocando-a
excitou até o extremo de ter que trocar de posição na cadeira.
- Cortei-me - murmurou Vitória com voz rouca.
- Como? Quando? - perguntou ele, acariciando-a devagar.
- Tinha... tinha doze anos - respondeu ela, e Nathan decidiu então que adorava
o modo suspirado de sua resposta. - Estava cavando no barro e desenterrei uma pedra
afiada que me cortou a mão.
- Cavando no barro? Assim que você gosta da jardinagem?
- Sim, mas não estava plantando nada quando me fiz esta ferida.
- O que estava fazendo? Procurando um tesouro enterrado?
- Não. Estava fazendo um bolo de barro.
Nathan apartou o olhar das mãos de ambos para olhá-la aos olhos.
- Um bolo de barro?
- Sim.
- Por bolo de barro devo entender um bolo feito de barro?
- Dificilmente poderia ser um bolo de maçã e mel.
- E o que podia saber a filha de um barão sobre bolos de barro?
Vitória levantou o queixo.
- De fato, muito, posto que estava acostumado a fazê-los com freqüência. O
barro dos jardins inferiores do Wexhall Manor era muito superior ao dos jardins
superiores. Entretanto, a terra que estava junto ao lago era a melhor.
Nathan meneou a cabeça.
- Não posso imaginar jogando no barro e te sujando. por que o fazia?
Vitória vacilou um instante.
- Eu adorava os bolos que preparava nossa cozinheira e queria aprender a assá-
los - disse. - Mas mamãe me proibiu entrar nas cozinhas. Assim não ficava outro
remédio que fingir.
- Não lhe permitiam entrar nas cozinhas mas sim jogar com o barro?
- Não. A mamãe teria dado uma vertigem se estivesse informada. De fato, o dia
que me fiz o corte que me deixou esta cicatriz, inteirou-se. depois de que me
enfaixassem adequadamente, mamãe me deu um interminável sermão sobre o correto
decoro que corresponde às jovens damas parte do qual é que nunca, nunca, preparam
bolos de barro.
- E voltou a fazer algum?
Os lábios de Vitória se contraíram e uma sombra travessa aflorou em seus olhos.
- Hum... Não estou segura de que me convenha responder a essa pergunta.
- Por que?
- Porque possivelmente te escandalize. Além disso, odiaria jogar por terra a
elevada opinião que tem de mim como a jovem e delicada flor de estufa e filha de
barão que jamais se dignaria a sujar as mãos com o barro.
- Depois das coisas que vi em minha profissão, asseguro-te que já nada pode me
escandalizar. E posto que já conseguiste imprimir algumas mudanças no conceito que
tenho de ti, em nada te prejudicará imprimir um mais.
- Muito bem. Sim. Preparei mais bolos de barro. Muitos mais. Mamãe nunca se
inteirou, e essas horas nas que fingi ser a melhor pastelera de toda a Inglaterra foram
as mais felizes de minha infância.
A imagem de Vitória preparando suas delícias culinárias de barro se desenhou na
mente do Nathan, provocando uma cálida sensação a que não soube dar nome.
- E aprendeu a preparar um bolo de verdade?
Vitória soltou uma risada.
- Não. Não era mais que um estúpido desejo de infância.
Nathan a observou com atenção durante uns segundos.
- Justo quando acredito ter adivinhado a classe de pessoa que é - disse, -
descubro algo novo sobre ti, como por exemplo sua afeição aos bolos de barro, que...
- Fez uma pausa e pensou: "eu adoro. Enfeitiça-me e me seduz. Intriga-me e me
fascina".
Mas só disse: - Me surpreende.
- O mesmo poderia dizer eu de ti... salvo pelos bolos de barro, naturalmente. A
menos que também você gostasse.
- Temo-me que não. E não é que não desfrutasse me sujando assim que tinha
ocasião, mas ao me criar junto ao mar, o meus foram sempre os castelos de areia.
O interesse apareceu nos olhos de Vitória.
- Castelos de areia? A classe de castelos nos que viveriam as princesas?
- Santo Deus, não. A classe de castelo em que moravam os valentes guerreiros
enquanto se preparavam para a batalha. - Olhou ao teto com um gesto de exagerada
exasperação masculina. - Princesas... Que o céu nos atira.
- Bom, pois se eu construíra um castelo de areia - disse Vitória com um altivo
sorriso, - seria para uma princesa.
Nathan não pôde reprimir um sorriso.
- Não me surpreende, tendo em conta o menina que em ocasiões chega a ser.
- Suponho que isso é algo que não posso evitar, pois, apesar de que seu grande
poder de observação parece não ter reparado nisso, sou uma menina. - Meneou a
cabeça e estalou a língua.
- Para ser um espião, resulta surpreendentemente pouco observador.
Vitória baixou o olhar e Nathan fixou a suas nas mãos dela. Seu dedo seguia
acariciando brandamente a leve cicatriz. Nesse instante não havia nada que desejasse
mais que levantar a mão de Vitória e aproximar essa pequena marca a seus lábios.
Um pouco realmente estranho lhe ocorreu à zona ao redor de seu coração, uma
débil sensação que lhe levou a pensar que possivelmente as amarras que o sujeitavam
no interior do peito se deslocaram. Maldição, naturalmente que se deu conta de que
Vitória era uma menina. No preciso instante em que, três anos antes, tinha posto seus
olhos nela. Mas tinha passado o tempo e ela tinha deixado de ser uma menina para
converter-se em uma mulher. Uma formosa e desejável mulher.
E todas e cada uma das terminações nervosas e células de seu corpo eram
dolorosa e estridentemente conscientes disso.
Vitória se esclareceu garganta e retirou brandamente sua mão da do Nathan
para inundar a ponta da pluma na tinta.
- Diz que desejas que te escreva uma réplica de sua carta, doutor Oliver, e
mesmo assim não faz a não ser distrair minha atenção. Será melhor que volte para a
tarefa que me ocupa. - Inclinou a cabeça sobre o papel vitela.
Que ele a tinha distraído? Demônios, mas se era ela a única fonte de distração.
- Nathan - disse ele então com um leve tom de irritação na voz.
Ela elevou o olhar, embora só levantou os olhos.
- Como diz?
- Chamaste-me doutor Oliver. Prefiro que me chame simplesmente Nathan.
Ela assentiu.
- Muito bem. E agora posso voltar para a tarefa que me impuseste?
- Sim - respondeu ele, presa de um inexplicável enfado.
Vitória se aplicou a sua tarefa escrita, e Nathan se obrigou a fazer o próprio e a
fingir que não sabia que ela estava o bastante perto para que pudesse tocá-la.

Capítulo 11

A mulher moderna atual, dado que à maioria dos cavalheiros gostam do jogo, deveria
aproveitar ou procurar oportunidade para lançar uma aposta a seu cavalheiro com
uma recompensa para o ganhador... recompensa que não será nunca dinheiro. Não,
um beijo é sem dúvida um prêmio muito mais sedutor. Desse modo, não só ganham
as duas partes, mas sim o beijo poderia levar a recompensas incluso ainda mais
interessantes.
Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles
Brightmore.

Depois de reler por última vez a nota que tinha escrito, e satisfeita ao comprovar
que a tinha reproduzido ao pé da letra, Vitória deixou a pluma sobre a mesa e elevou
os olhos para descobrir sobre ela o intenso olhar do Nathan.
- Terminei - disse, odiando o ofegante tom que sua voz não soube ocultar.
Deslizou o papel vitela para o Nathan, quem alargou a mão e fez girar a página para
poder lê-la.
- Quão exato te parece que é? - perguntou, esquadrinhando as palavras.
- Estou segura de que é uma cópia exata. Ontem à noite li o original dúzias de
vezes, examinando atentamente cada frase. Pude memorizar as palavras porque seu
emprego me resultou... incomum. Forçado. Desde não ter sabido que a carta era de
meu pai, jamais teria podido acreditá-lo. Freqüentemente lhe ajudava a responder sua
correspondência social, e jamais tenho lido nada semelhante a essa carta. - Franziu o
cenho. - E o conteúdo era muito estranho.
Apesar de que papai não tem o menor interesse na arte, não pára de falar de um
quadro. Se me der outra folha de papel vitela tentarei duplicar para ti o desenho que
aparecia esboçado no extremo inferior da nota.
Nathan levantou bruscamente a cabeça.
- Um desenho?
- Sim. Supostamente se trata de uma reprodução do quadro sobre o que
escreve. A julgar por seu esboço, o quadro resulta absolutamente espantoso.
- Por que não me havia isso dito até agora?
- Porque não me tinha perguntado isso.
Resmungando algo entre dentes que soou escassamente adulador, Nathan abriu
uma das gavetas do escritório e a seguir empurrou para ela uma nova folha de papel
vitela.
- Obrigado - disse Vitória remilgadamente, depois do qual pôs mãos à obra.
Meia hora mais tarde, e depois de muita reflexão, concentração e trabalho duro,
voltou a empurrar o papel vitela por cima da mesa para ele.
- Aqui está.
Nathan girou a folha e a olhou, carrancudo.
- Que demônios se supõe que é isto?
- Suponho que é a paisagem que ele acreditava que possivelmente te
interessava adquirir, embora o certo é que não alcanço a imaginar por que foi você a
querer um quadro tão horrível que consiste simplesmente em um montão de ganchos
de ferro desordenados.
Nathan elevou os olhos e a imobilizou com o olhar.
- Era exatamente assim? O mesmo tamanho, o mesmo número de ganchos de
ferro, todos de idêntica longitude?
- É o mais parecido ao que lembrança. Temo-me que não sou boa pintora.
- Por dizê-lo de algum modo, se me permitir o comentário.
Vitória lhe lançou um penetrante olhar.
- Embora fora o muito mesmo DaVinci, temo-me que não emprestei tanta
atenção ao desenho como ao conteúdo da carta. Reconhece o quadro?
- Não, embora não é de surpreender. Sem dúvida o que seu pai desenhou, sob a
aparência de um quadro, era um mapa que presumivelmente assinalaria a localização
das jóias.
- Sério? - Uma sensação de excitação a percorreu da cabeça aos pés. - O supõe
simplesmente porque os mapas ocultos são a classe de coisas que empregam os
espiões, ou sabe com certeza?
- Os mapas ocultos são nossa especialidade, por seu posto - disse Nathan com
tom seco, - mas sei a ciência certa a partir do que pude decifrar da carta de seu pai.
Ela se inclinou sobre o escritório.
- Decifraste a nota? Tão rápido? Como o conseguiste? Ensinará-me como o tem
feito? O que diz?
Os lábios do Nathan se contraíram ante semelhante bateria de perguntas.
- Sim, decifrei-a. E o tenho feito tão depressa não só porque a decodificação era
meu ponto forte, mas sim porque além disso sou de um brilhantismo insobrepassavel.
- Hum. Sinto te dizer que a palavra "insobrepassavel" não existe, doutor
Brilhante.
Nathan desprezou o comentário com um gesto da mão.
- Pois deveria existir. Quanto a te ensinar como o tenho feito, temo-me que não
vai ser possível, porque o Manual Oficial do Espião assinala claramente que um espião
não pode, sob nenhum conceito, por muito enrolado, torturado ou beijado que seja,
revelar nenhum dos códigos empregados pela Coroa.
- Enrolado, torturado ou beijado?
Nathan deixou escapar um profundo suspiro.
- Tudo isso forma parte de nossa linha de atuação, asseguro-lhe isso. Quanto ao
que dizia a nota... - Sua voz se apagou e sua expressão se tornou sóbria.
- O que acontece? - perguntou Vitória ao tempo que uma sensação de temor lhe
percorria as costas.
Por resposta, Nathan empurrou para ela uma folha de papel vitela.
- Aqui tem a mensagem decodificada. Vitória atirou da nota para ela e leu as
palavras puramente escritas.
Finalmente localizado Baylor. Os franceses lhe encontraram primeiro, estava
quase morto. Deu informação inesperada sobre as jóias. Essa mesma noite fui vítima
de um intento de ataque. Acredito que este esforço está relacionado com outro caso.
Estou bem, mas quero que Vitória se mantenha longe de mim por sua
segurança. Encomendo-lhe isso. Não permita que parta até que receba indicações a
respeito. Este é o mapa esboçado pelo Baylor. Conforme disse, uma formação rochosa
em sua propriedade
indicava a localização das jóias. Encontra as jóias, faz me chegar isso e
limparemos seu nome de toda suspeita. Vê com cuidado, e cuida de minha filha.
O coração de Vitória palpitou em lentos e dolorosos batimentos do coração e
levantou os olhos para ele.
- Sabe se meu pai está realmente ileso? - perguntou, orgulhosa ao reparar na
firmeza de sua voz.
Nathan a observou durante uns segundos antes de responder.
- Realmente? Não. Assegura estar bem, e conheço seu pai, Vitória. De todos os
homens que conheço é sem dúvida o que conta com mais recursos. Com os anos
conseguiu abortar vários ataques arranjados contra ele.
Vitória chegou a sentir que o sangue lhe retirava do rosto.
- Se o que pretende é me tranqüilizar sobre sua segurança, não me parece que
seja este o modo mais acertado.
- Estou sendo sincero contigo. Seu pai sabe cuidar de si mesmo. Dado que na
nota não indica que esteja ferido, estou seguro de que não o está.
- Como sei eu que é isto exatamente o que meu pai codificou na nota? Que não
aconteceste nada por alto?
O olhar do Nathan pareceu atravessá-la.
- Não tem forma se soubesse. Se segue empenhada em me ajudar, suponho que
simplesmente terá que confiar em mim.
Confiar nele? Em um espião? Um homem que ganhava a vida contando
elaboradas mentiras? Um homem que sem dúvida estava procurando o modo de
encontrar sua valise de jóias sem ela? Um homem que podia afetar adversamente seu
auto controle com um simples olhar? Que se tinha mostrado capaz de aproveitar do
fato de poder estar a sós com ela? Estaria louca se decidia confiar nele. Mesmo
assim... havia no Nathan algo que lhe inspirava confiança e fé. E, quanto ao feito de
estar a sós com ela, o certo é que sua consciência lhe exigia reconhecer que se
aproveitou da situação tanto como ele. E, ao parecer, seu pai considerava o Nathan
um homem digno de confiança. Do contrário jamais a teria deixado a seu cuidado.
O intenso olhar do Nathan a sufocou e baixou o olhar para a nota.
- Como diabo decifraste esta mensagem a partir da carta de papai?
- Já lhe hei isso dito: sou de um brilhantismo insobrepassavel.
- Quererá dizer que nada ultrapassa a seu brilhantismo.
- Exatamente, obrigado.
- Quem é o tal Baylor?
- Um homem a salário, e o certo é que não lhe preocupava muito quem lhe
contratasse... se nós ou os franceses. Jogava em ambos os lados e dava sua
informação ao melhor pagante. Era um dos homens mais habilidosos e com menos
escrúpulos com os que me tenha podido encontrar em minha vida. Quando deixei de
emprestar meus serviços à Coroa, Baylor era procurado tanto pelos franceses como
pelos ingleses.
- Como conseguiu informação sobre as jóias? Poderia ter estado comprometido
em seu desaparecimento?
Nathan se encolheu de ombros.
- É possível. Embora Baylor era como um rato, ocultando-se entre as gretas,
descobrindo dados e vendendo-os depois às partes interessadas. Possivelmente desse
com a informação acidentalmente e tentasse vendê-la quando seu pai o encontrou.
Vitória olhou o desenho que ela mesma tinha feito.
- Não se parece com nenhum mapa que tenha visto.
- Não pode recordar nada mais?
Vitória negou devagar com a cabeça.
- Não. Acreditava que era um quadro de fibras de erva, embora segundo a nota
decifrada, é uma formação rochosa.
- Sim, mas qual? Há dúzias delas neste imóvel.
- Por onde começamos então?
- Desenharei um mapa quadriculado da propriedade e registraremos zona por
zona. E não te permito que fale disto. Com ninguém.
Vitória arqueou as sobrancelhas para ouvir o tom peremptório empregado pelo
Nathan.
- Nem com seu irmão nem com lorde Alwyck?
- Com ninguém.
- Mas por que? Já estão à corrente da existência da nota. E sabem que também
eu sei de sua existência.
- Porque assim o pediu seu pai. - Assinalou duas palavras escritas no extremo
inferior da nota. - "Vê com cuidado" era um código secreto entre seu pai e eu.
Significa que não deve falar do assunto com ninguém. - Seu olhar se cravou no dela.
- Infelizmente, e dado o estado das circunstâncias, você já está à corrente, algo
com o que seu pai não estaria absolutamente agradado, estou seguro.
Nem que dizer tem que também estou seguro de que não lhe faria nenhuma
ilusão inteirar-se de que desde sua chegada ao Cornwall incorreste ao seqüestro e à
chantagem.
- Jamais tenho feito nada semelhante!
- Ah, não? E como chamaria o feito de reter minha carta como refém e me exigir
que aceitasse sua ajuda antes de aceitar a me devolver isso
Recusando-se a morder a isca, Victoria perguntou:
- Desde não havê-lo feito, teria voltado para ver-me relegada a um canto com
uma indulgente carícia na cabeça. Como mulher moderna que sou, nego-me a que me
siga tratando assim.
- Umas palavras de saboroso valor, sem dúvida. Entretanto, possivelmente
deseje não as haver pronunciado quando retornar a Londres. Duvido muito que a seus
potenciais prometidos lhes faça a menor graça as ouvir.
De fato, arrumado a que a perspectiva de tomar por esposa a uma mulher
moderna os leve além da caçada.
Negando-se a morder o anzol, Vitória perguntou:
- Por que supõe que papai exige manter o assunto em segredo, inclusive ante
seu irmão e lorde Alwyck?
Uma curiosa expressão apareceu no rosto do Nathan.
- Não tenho a menor ideia do que pode ter em mente, Possivelmente suspeite de
que alguém desta zona, incluído meu irmão ou Gordon, ou possivelmente ambos,
estiveram de algum modo implicados no desaparecimento das jóias.
Vitória lhe olhou fixamente.
- De verdade acredita que estiveram implicados?
- Não. - A palavra surgiu abruptamente, e Nathan se mexeu os cabelos. - Não -
repetiu, esta vez empregando um tom mais suave, - embora o que realmente importa
é que não devo falar disto com ninguém, de modo que agora deve me prometer que
tampouco você o fará.
- E se lorde Sutton ou lorde Alwyck me perguntam isso especificamente?
- Hum. Sim, isso poderia representar um problema. Será melhor que evite sua
companhia no possível. Uma lástima, sobretudo tendo em conta que ambos parecem
encantados contigo.
Vitória não soube dizer se Nathan falava em brincadeira ou a sério.
- Evitar a companhia de dois homens arrumados e bons partidos, sobre tudo
quando ambos, como bem diz, parecem encantados comigo? Devo confessar que a
ideia não me entusiasma o mais mínimo. E, embora me entusiasmasse, dado que sou
uma convidada em casa de sua família e que lorde Alwyck é claramente um visitante
freqüente, não vejo como poderia evitar os completamente.
- Pois se lhe perguntam, troca de tema - disse Nathan com tom irascível. - Finge
ter enxaqueca. Ou uma vertigem. te leve a mão à frente e pede com voz débil que lhe
tragam seus sais.
Que homem tão insofrível. OH, apesar de ser indubitavelmente atrativo e muito
versado na arte do beijo, resultava de tudo insofrível.
Antes de que Vitória pudesse lhe informar de que não era mulher com tendência
a sofrer enxaquecas nem vertigens, ouviram vozes que chegavam do corredor.
- Conto com sua palavra de que não mencionará nada disto, Vitória. - A voz do
Nathan era uma ordem grave e profunda.
- Muito bem. Dê meus lábios por selados.
O olhar dele descendeu então até a boca de Vitória.
- Isso seria um desperdício imperdoável - murmurou com voz tão firme que
Vitória nem sequer esteve segura de lhe haver ouvido pronunciar essas palavras. antes
de poder decidir-se, Nathan recolheu os papéis e os retirou do escritório.
Segundos depois uma sorridente tia Delia apareceu a toda vela pela entrada da
biblioteca, seguida pelo pai do Nathan.
- Não posso acreditar que o duque dissesse tão escandalosa...
As animadas palavras de tia Delia ficaram bruscamente interrompidas quando a
senhora viu o Nathan e a Vitória.
- Aqui estavam - disse, dirigindo-se diretamente para o escritório. - Trago
esplêndidas notícias.
Isso explicaria a pátina rosácea que tingia suas bochechas, o brilho de seus olhos
e seu amplo sorriso. Não havia nada que fizesse tanto as delícias da senhora como
revelar boas notícias.
- Enquanto lorde Rutledge e eu retornávamos de nosso pequeno passeio pelo
jardim, encontramo-nos com lorde Alwyck, que voltava para seu imóvel - disse tia
Delia. - Convidou a todos para jantar esta noite ao Alwyck Hall. Não é maravilhoso?
Tem que te pôr seu vestido agua-marina, Vitória. Deve fazer o possível por estar
esplêndida, e essa cor te sinta exquisitamente. - Voltou-se a olhar ao Nathan. -
Deveria ver o bem que lhe sinta a cor agua-marina, doutor Oliver.
É um espetáculo digno de contemplar-se.
O calor acendeu as bochechas de Vitória. Deus do céu, que diabo estava dizendo
tia Delia?
- Contarei as horas - disse Nathan solenemente, - embora esteja seguro de que
a lady Vitória todas as cores ficam bem. Como a você, lady Delia.
Um som que só pôde ser descrito como uma risada infantil proveio de tia Delia e
Vitória olhou a sua tia, perplexa.
- OH, obrigado, doutor Oliver.
O pai do Nathan se esclareceu garganta.
- Falando de roupa... - Arqueou uma sobrancelha desaprovatoria ao ver a
ausência de jaqueta e de lenço no traje de Nathan.
Nathan retirou sua cadeira e se levantou.
- Se me desculparem, tenho certa correspondência que...
- E também um lenço - entoou seu pai.
- ... que atender. Verei-lhes esta noite. - Depois de executar uma leve
reverencia, dirigiu-se a grandes pernadas para a porta com os papéis vitela dobrados
em uma mão.
"Esta noite?" Vitória lhe viu partir com a carta e o mapa e se perguntou o que
planejaria fazer Nathan exatamente até então. depois de jantar, Nathan se instalou no
salão do Gordon e tentou concentrar-se no tabuleiro de xadrez com incrustações que
estava colocado entre seu pai e ele, embora sua atenção não conseguia apartar-se
daquilo que o tinha atraído durante
toda a interminável velada.
Vitória.
A tortura tinha dado começo fazia três horas e dezessete minutos... assim que a
tinha visto baixar a escada para o vestíbulo onde ele estava, somente, esperando a
que o resto do grupo se reunisse ali para transladar-se ao imóvel do Gordon.
Com um vestido de musselina de cor agua-marina claro de mangas curtas e
ablusadas e um decote baixo e quadrado, seus brilhantes cachos recolhidos com uma
cinta e dispostos em um favorecedor coque grego,
Vitória descendia devagar e elegantemente a escada como deslizando-se sobre o
ar, como uma arrebatadora ninfa marinha de um quadro do Boticelli. Era precisamente
o que sua tia tinha anunciado. Um espetáculo digno de contemplar-se.
Os olhares de ambos se encontraram, e Vitória vacilou na escada com uma mão
enluvada colocada com elegância no corrimão de carvalho enquanto se levava a outra
mão ao estomago, como em um intento por acalmar um repentino estremecimento.
Era essa sensação similar a desconcertante emoção que o estômago do Nathan
tinha sofrido ao vê-la?
Apesar de que ele jamais se considerou um homem extravagante, teria jurado
que nesse instante algo passou entre os dois. Algo quente e íntimo, e certamente por
sua parte transbordante de um desejo que não era capaz de explicar nem de negar.
Viu-a inspirar devagar e fundo ao tempo que fixava o olhar no delicado oco
perfilado na base do pescoço de Vitória, que pareceu pronunciar-se quando ela
inspirou... esse pequeno fragmento de pele vulnerável que, como bem sabia, era ao
tato como uma amostra de veludo e estava impregnado com o leve aroma das rosas.
Vitória piscou várias vezes, rompendo o feitiço que parecia lhes haver enfeitiçado.
Reemprendeu então a descida, mas quando ainda não tinha dado dois passos,
Colin falou brandamente com as costas do Nathan.
- Deliciosa, verdade?
Nathan se obrigou a manter uma postura despreocupada, mas não se
incomodou em voltar a cabeça. Não tinha o menor desejo de ver a crua admiração
que, como sabia, devia ser mais que evidente no olhar do Colin.
E se negou a dar a seu irmão a oportunidade de ver o desejo que, conforme
suspeitava, ainda aparecia em seus olhos.
- Deliciosa - murmurou, manifestando assim seu acordo, pois era inútil negar
uma obviedade semelhante.
- Lástima que tenha esses pretendentes em Londres - sussurrou Colin. -
Naturalmente, eu não permitiria que isso supusera nenhum obstáculo.
Nathan se voltou para ouvir aquilo. Colin tinha o olhar fixo no alto da escada e
em seu rosto havia uma expressão de absorta fascinação.
- Um obstáculo para que? - perguntou Nathan com os dentes apertados.
- Para ir depois do que desejo. - Apartou os olhos de Vitória e cravou o olhar no
Nathan. - E me assegurar de que o consigo. - Dito isso, rodeou ao Nathan e se dirigiu
ao pé da escada.
E estendendo a mão a Vitória, que a ponto estava já de chegar ao último
degrau, disse-lhe: - Lady Vitória, esta você preciosa.
A noite não tinha tido um começo prometedor.
A tortura tinha contínuo logo durante o trajeto em sua carruagem para o imóvel
do Gordon. Vitória ia sentada entre sua tia e Colin, enquanto que Nathan e seu pai
tinham ocupado os assentos situados diante do trio. Colin se passou a viagem
entretendo ao grupo com uma história a que Nathan não tinha emprestado a menor
atenção, com exceção de que ao parecer era bastante graciosa, a julgar pelas risadas
que provocava. Não, estava muito ocupado tentando, sem êxito, evitar reparar nos
sorrisos que
Vitória dispensava ao Colin. Sua risada melódica provocada por algum
comentário de seu irmão. A forma em que a perna do Colin se pegava contra a dela
nos íntimos limites da carruagem. O modo em que o ombro de seu irmão roçava o de
Vitória com cada buraco do caminho.
Ao Nathan o estômago lhe tinha encolhido presa de uma desagradável sensação
que tão só podia chamar-se pelo nome que a definia: ciúmes. Fazia tempo que não
experimentava essa emoção, e não lhe alegrou notar que nesse momento serpenteava
por ele.
E o que mais lhe desagradou era que fora seu irmão quem lhe inspirasse aqueles
sentimentos de inveja. Embora não podia negar que Colin e ele tinham competido às
vezes durante a infância e a adolescência, como acostumava passar entre irmãos,
estranhas
eram as ocasiões em que o tinham feito por algo que não fora uma carreira a
cavalo ou uma partida de backgammon, pois os interesses de ambos eram muito
distintos. Jamais tinham competido por ganhar o favor de uma mulher, já que os
gostos dos dois diferiam também enormemente nesse âmbito. Colin sempre tinha
preferido às mulheres aristocráticas, enquanto que os gostos do Nathan se
decantavam mais por mulheres que não se davam ares de damas de alta sociedade.
Atraíam-lhe mulheres cujos interesses foram além da moda, as intrigas e o tempo. O
certo é que sempre tinha preferido acontecer a noite com uma feúcha sabichona que
perder o tempo falando de naderías com a mulher mais formosa do salão.
Até então, ou isso parecia.
Vitória, com a destacada posição que ocupava na sociedade e o que isso
suportava, sua roupa cara, sua beleza e os numerosos pretendentes que sem dúvida
comiam de suas mãos, era o modelo exatamente oposto ao da classe de mulher que
ele preferia.
Mesmo assim, Nathan não podia apartar os olhos dela. Não conseguia reprimir a
lembrança de havê-la beijado. De havê-la meio doido. Não conseguia controlar a
profunda quebra de onda de desejo e de luxúria que Vitória inspirava nele.
A tortura não tinha remetido nem um ápice durante o jantar. De fato, tinha
piorado com a adição do Gordon, que se mostrava indubitavelmente embevecido com
Vitória. E certo era que também ela parecia extremamente adulada por seu olhar.
Enquanto Vitória se desfrutava no halo de cuidados com o que tanto Colin como
Gordon a afligiam, o pai do Nathan e lady Delia mantinham uma animada discussão,
deixando ao Nathan uma boa margem de tempo para observar a todos os presente e
desfrutar de uma comida que supunha deliciosa mas que lhe tinha sabor de serrín.
E, naturalmente, a tortura tinha prosseguido quando, depois da interminável
janta, o grupo se retirou ao salão de jogos. Apesar de que Nathan tinha estado
enormemente tentado de elucubrar uma desculpa para partir, depois que Vitória, sua
tia,
Colin e Gordon decidiram jogar whist o pai do Nathan lhe tinha convidado a
tomar um brandy e a jogar com ele uma partida de xadrez. Dada a tensão existe entre
ambos, o convite tinha agradado e surpreso Nathan, que não tinha duvidado em
aceitá-la.
E, embora não estava de humor para jogar xadrez, o brandy lhe havia atojado
extremamente bem-vindo, como também a oportunidade de limar possivelmente o
desconforto que existia entre seu pai e ele.
Não obstante, nesse momento, desfrutando já de seu segundo brandy, e apesar
de que tinha o olhar fixo no tabuleiro de xadrez, toda sua atenção seguia posta no
grupo que compartilhava risadas no outro extremo do salão. Nathan renunciou a
qualquer esperança de poder concentrar-se no jogo e moveu sua torre.
A julgar pelas sobrancelhas arqueadas de seu pai, intuiu que acabava de
cometer uma estupidez, coisa que ficou farto provada segundos depois, quando seu
pai disse:
- Parece ter perdido seus dotes para este jogo Nathan.
- Ejem... não, absolutamente. Estou planejando uma elaborada armadilha da que
não escapará.
A dúvida ficou patente no rosto de seu pai. Outro estalo de gargalhadas chegou
do extremo oposto da sala e o olhar do Nathan se deslocou de forma involuntária ao
alegres jogadores de whist. Assim que voltou a fixar os olhos na desastrosa partida
que seguia liberando sobre o tabuleiro se precaveu de que a atenção de seu pai seguia
fixa na outra ponta da sala, acompanhada de uma expressão abertamente
especulativo.
- Uma mulher admirável - disse seu pai com voz baixa.
Nathan ficou imóvel e a seguir quase não consigo controlar o premente desejo
de pôr os olhos em branco. Ao parecer, Vitória tinha feito uma conquista mais. O que
condenada maravilha.
- Admirável? - repetiu com fingida indiferença. - Eu a encontro bastante... lenta.
- Uma vez mais, lutou contra o desejo de olhar ao teto, esta vez para ver se um raio o
partia em dois por ter solto uma mentira tão revoltante.
Surpreendida-a olhar de seu pai se pousou nele durante apenas uma piscada e
voltou então para deslocar-se para o outro extremo da sala.
- Não sabia que tivesse acontecido tanto tempo em sua companhia para ter
podido te formar semelhante opinião.
Por isso fazia referência a sua tranqüilidade mental, Nathan tinha passado muito
tempo em companhia de Vitória, e antes de que a visita dela ao Cornwall concluíra, ia
ver-se obrigado a passar ainda muito mais. E, maldição, não via o momento.
- Não é necessário passar dias ou semanas com uma pessoa para nos formar
uma opinião sobre ela, papai. As primeiras impressões tendem a ser bastante
acertadas. - Um cenho atirou de sua frente para baixo ao tomar consciência de que
sua primeira impressão de Vitória tinha sido que lhe resultava absolutamente...
encantadora. Muito inocente para ele, muito aristocrática, e mesmo assim
encantadora.
- Estou totalmente de acordo contigo - disse seu pai, assentindo.
Nathan se obrigou a sair de seu ensimismamento.
- Está de acordo? Com o que?
- Com o que acaba de dizer. Que não é necessário conhecer muito a alguém
para saber que se trata de um ser... especial.
- Eu hei dito isso? - Deus do céu, tinha que deixar de tomar brandy.
Imediatamente.
- Possivelmente não tenha empregado essas palavras precisas, mas essa é a
idéia, sim.
- Pode que não seja necessário passar muito tempo com a pessoa em questão,
mas certamente sim o é ao menos ter com ela uma conversação em privado, papai.
- Uma vez mais, estou de acordo contigo. Esta manhã tivemos uma agradável
conversa no jardim, e de novo tornamos a tê-la durante o chá. Não recordo quando foi
a última vez em que me senti tão deliciosamente entretido.
As sobrancelhas do Nathan se arquearam ainda mais.
- Acreditava que tinha acontecido a manhã com lady Delia no jardim.
- E assim é. Como te hei dito, é uma mulher admirável.
Nathan piscou.
- Lady Delia te parece uma mulher admirável?
Seu pai lhe dedicou um estranho olhar.
- Sim. Que diabo acreditava que estava dizendo? Acaso não só perdeste suas
faculdades no jogo do xadrez mas também o ouvido?
Não, mas estava claro que as faculdades mentais do Nathan não estavam
funcionando como deveriam.
- Acreditava que referia a lady Vitória - resmungou.
Seu pai cravou nele um duro olhar que prolongou durante vários segundos.
- Entendo. Terá que estar cego para não reparar em que lady Vitória é formosa.
- Nunca hei dito que não o fora.
- Não. O que há dito é que é lenta. Não me parece isso. E acredito que não me
equivoco ao pensar que nem você nem seu irmão nem Alwyck a encontram
desagradável. - Observou atentamente ao Nathan por cima do bordo de sua taça de
cristal.
- Não me parece que seja a classe de mulher que estava acostumado a te atrair.
Maldição, quando se tinha convertido em um livro que seu pai pudesse ler tão
detalhadamente?
- Não sabia que "lenta" fora sinônimo de "atrativa" - disse Nathan, conservando
o mesmo tom despreocupado.
- Normalmente não o é. Entretanto, às vezes... - a voz de seu pai se apagou e
logo acrescentou: - Uma mulher de sua classe é uma partida muito mais conveniente
para o Colin. Ou para o Alwyck.
A amargura que tinha estado contendo durante anos torceu os lábios do Nathan.
- Em lugar de sê-lo para um filho menor desprovido de titulo que não é mais que
um pobre médico de povoado de duvidosa reputação. Estou absolutamente de acordo
contigo.
O olhar de seu pai se endureceu.
- Não tenho a menor objeção no que respeita à profissão de sua escolha. Sem
dúvida, ser médico é uma carreira respeitável para um homem de sua posição e muito
mais preferível que ver como arrisca sua vida e a de seu irmão como espião.
Entretanto, nem aprovo nem compreendo as decisões que tomaste no que
concerne aonde e como vive e ao modo em que te partiu do Cornwall.
Nathan arqueou uma sobrancelha.
- Little Longstone é um lugar tranqüilo e encantador...
- Onde a gente te paga com animais de curral e onde vive em um barraco.
- Casa de campo. É uma casa de campo. E não todo mundo me paga com
animais de curral. E, se por acaso já o esqueceste, fui daqui porque você me ordenou
que me partisse.
Um silêncio cheio de tensão seguiu as palavras limpamente pronunciadas pelo
Nathan. Um músculo se contraiu na mandíbula de seu pai, que replicou com voz baixa:
- Não nos enganemos, Nathan. Por parte de ambos se disseram palavras iradas.
Sim, pedi-te que fosse, mas ambos sabemos que é a classe de homem que jamais
faria nada que não desejasse fazer.
- Também sou a classe de homem que não fica onde não é bem recebido.
- Reconhece-o. Queria ir. E fugir da insustentável situação que tinha provocado
com seus atos. Possivelmente te disse que te partisse do Creston Manor, mas a de
fugir foi uma decisão inteiramente tua.
Um rubor incômodo acendeu o rosto do Nathan.
- Jamais fugi de nada em toda minha vida.
- Sei. Daí que me resultasse, e que ainda me resulte, tão desconcertante que o
fizesse nessa ocasião. Embora sua situação era difícil, em vez de lutar pelo que queria
optou por ir.
- Fui em busca do que queria. Pelo que necessitava. Um lugar tranqüilo. Um
lugar onde ninguém murmurasse a minhas costas nem me olhasse com dúvida nem
suspeita.
Outro estalo de risadas atraiu a atenção do Nathan para o extremo oposto da
habitação. Vitória sorria ao Gordon nesse momento de um modo que fez que Nathan
chiasse os dentes. Quando conseguiu voltar a centrar a atenção de seu pai, encontrou-
se de repente sendo o centro de um irado olhar.
- Se acredita que uma mulher como lady Vitória optará pela rusticidade com a
que vive quando poderia ser condessa e ser proprietária de tudo isto - disse o pai do
Nathan, abrangendo com um gesto toda a estadia,
- temo-me que está destinado a mais completa decepção.
- Dado que estou de acordo em que não só sou uma escolha em nada adequada
para uma dama como ela, mas sim além sim que uma menina rica e malcriada como
lady Vitória seria para mim uma desastrosa escolha, não temo sofrer a menor
decepção.
E agora que isso ficou claro, retomamos a partida?
- É obvio. - O pai do Nathan alargou o braço e moveu seu bispo. - Cheque mate.
Nathan cravou o olhar no tabuleiro e se deu conta de que acabavam de lhe
derrotar. Voltou a olhar para o extremo oposto da habitação e seu olhar se cruzou com
a de Vitória, quem lhe observava por cima de suas cartas. Nathan sentiu o impacto
desses olhos como se acabasse receber um murro por surpresa, e temeu ter sido
derrotado em mais de uma frente.

Capítulo 12

A mulher moderna atual deve ser consciente da importância que tem a moda em sua
busca da satisfação íntima. Há ocasiões nas que deve luzir um elegante vestido de
baile, outras nas que é conveniente que se cubra somente com um negligé e outras
nas que não deve levar nada absolutamente...

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


BRIGHTMORE.

A manhã seguinte, Vitória saiu cedo de sua habitação com passo firme e um
plano claramente definido em sua cabeça: encontrar ao Nathan e assegurar-se de que
não escapasse como o tinha feito da biblioteca na tarde anterior e do salão de lorde
Alwyck ao cair a noite. Não tinha tido ocasião de falar com ele em privado desde
que o dia antes Nathan tinha abandonado a biblioteca com as notas e o mapa, uma
situação sem dúvida molesta. O coração lhe tinha dado um tombo no peito e tinha
notado como lhe encolhia o estômago quando a noite prévia tinha visto o Nathan de
pé no vestíbulo antes de que o grupo saísse para o Alwyck Hall. E, sem dúvida, não
pelo arrumado e dissolutamente bonito que lhe tinha visto vestido de noite, nem
tampouco por causa do olhar aceso e absorvente que tinha visto refletida em seus
olhos. Não, era porque podia desfrutar de um momento a sós com ele para descobrir o
que tinha estado fazendo durante toda a tarde. Sim, esse era o único motivo.
Mas então tinha aparecido lorde Sutton, seguido rapidamente por sua tia e pelo
pai do Nathan. A oportunidade não se apresentou nem durante o multitudinario trajeto
em carruagem nem tampouco durante o jantar ou a sessão de jogos que tinha tido
lugar no salão, e durante todo o tempo ela não tinha deixado de fingir seu entusiasmo
ante os cuidados que lhe prodigalizavam tanto lorde Alwyck como lorde Sutton,
quando o que em realidade desejava era levar-se ao Nathan a algum quarto apartado
e lhe beijar. Quer dizer, lhe interrogar.
Nathan se tinha retirado da residência de lorde Alwyck antes que o resto do
grupo, alegando um princípio de enxaqueca e afirmando que preferia voltar para casa
andando pois um pouco de ar fresco normalmente lhe aliviava em ocasiões assim.
Uma quebra de onda de compaixão percorreu a Vitória ao conhecer a notícia
como se tivesse visto o Nathan realmente desço de ânimo, e se perguntou se a
conversação do médico com seu pai tinha sido a causa de sua indisposição. Sua
compaixão,
não obstante não demorou para converter-se em suspeita. Possivelmente a
repentina enxaqueca não tinha sido mais que uma desculpa e Nathan planeja dedicar
a noite à busca das jóias. Perfeitamente podia estar fazendo-o naquele mesmo
instante. Sem ela.
O muito condenado. Vitória avançou pisando em forte pelo corredor e entrou em
sala de jantar. Então se deteve em seco. Ou possivelmente Nathan estava na sala de
jantar tomando o café da manhã uns ovos e lendo o London Teme.
Nathan sustentou o garfo no ar e arqueou uma sobrancelha.
- Ah, é você, Vitória. Para ouvir esses passos acreditei que possivelmente
estávamos sofrendo uma invasão de soldados em plena marcha.
OH, que gracioso. Que grande senso de humor. E que irritante que necessitasse
como pouco uma semana para dar com uma réplica afiada com a que rebater o
comentário.
E mais irritante ainda era ser consciente de que Nathan estava simplesmente
divino. Com uma camisa branca imaculada que adornava um lenço atado com evidente
precipitação colete de cor nata e uma jaqueta marrom do Devonshire que não ocultava
algumas rugas; não deveria ter estado tão... perfeito. Sobre tudo porque se haveria
dito que se penteou limitando-se a passar-se seus impaciente dedos pelo cabelo.
Hum... de que cor eram as calças? Vitória se surpreendeu ficando nas pontas dos pés
em um esforço por dar resposta a essa pergunta, mas a mesa de mogno lhe impediu a
vista. Provavelmente bege, decidiu, imaginando as musculosas pernas do Nathan
embutidas no tecido cor nata. Apartando a imagem de sua mente, voltou a apoiar os
talões no chão de parquet.
- Ao parecer somos os únicos madrugadores - disse Nathan. Assinalou com o
queixo ao aparador coberto de esquentadores de prata. - Por favor, te sirva. Prefere
café ou chá?
- Café, obrigado. - Assim que pronunciou as palavras, um jovem lacaio se
adiantou para lhe servir a bebida. depois de encher o prato com ovos, presunto em
finas fatias e uma esponjosa madalena ante a que lhe fez a boca água, sentou-se
diante do Nathan.
- Dormiste bem? - perguntou ele, levando a taça de porcelana aos lábios.
- Muito bem - mentiu Vitória. Tinha passado uma noite espantosa, preocupada,
dando voltas na cama e perguntando umas vezes se Nathan estaria procurando as
jóias sem ela e outras recordando o sabor de seu beijo, o contato de seu forte corpo
contra ela, envolvendo-a. Em um momento de desespero tinha jogado mão do Guia
feminino que guardava ainda em sua bolsa de viagem, mas o livro tinha resultado
muito explícito sexualmente para lhe servir de alguma distração.
O certo é que as sensuais palavras do Guia não tinham feito mais que esporear
sua já ardente imaginação.
- E você? dormiste bem?
- Não.
- Ah, não? por que razão? - disse, embora em realidade pensou: Estaria por aí
escondido nos bosques procurando as jóias, não é assim, Senhor dos Espiões?
- De verdade quer sabê-lo, Vitória?
Algo nessa pergunta sedosamente formulada e no firme olhar com a que Nathan
a tinha desarmado sacudiu com a reverberação de uma advertência as terminações
nervosas de Vitória. Arrancou uma pequena parte de bolacha e levantou a cabeça.
- Sim.
Nathan dedicou uma leve inclinação ao lacaio, lhe ordenando que os deixasse a
sós. Quando a porta se fechou depois do jovem, o médico se inclinou para diante,
apoiando-se sobre os antebraços e embalando a delicada taça de porcelana entre suas
grandes mãos.
- Não dormi bem esta noite porque tinha a cabeça muito ocupada.
- Então estava aqui? Na casa?
- Naturalmente. Onde se não ia a... - Se interrompeu bruscamente e recostou as
costas contra o respaldo da cadeira. - Já entendo. Acreditava que tinha saído e andava
por aí registrando os bosques, à busca das jóias sem ti.
As palavras do Nathan refletiram com tanta exatidão os pensamentos de Vitória
que um rubor culpado apareceu em seu rosto.
- Acaso não é ocultar-se nos bosques o que melhor fazem os espiões?
- Embora não te negarei que é algo que me dá bem, não é o que faço melhor.
- E o que é o que faz melhor?
Nathan baixou o olhar até a boca dela e esboçou um sorriso malicioso.
- Ah, interessante pergunta onde as haja. Está segura de que quer conhecer a
resposta, Vitória?
Uma rajada de calor a invadiu por completo e os dedos dos pés lhe encolheram
nos sapatos. Que Deus a assistisse. Sim, queria conhecê-la. Desesperadamente. Sobre
tudo ao ver que o brilho que aparecia nos olhos do Nathan lhe augurando que sua
resposta a deixaria a bom seguro sem fôlego. Embora não serviria de nada fazer
saber. Sem dúvida, a melhor forma de lutar com ele era lhe seguir o jogo. Olhou-lhe
diretamente aos olhos e perguntou com extrema suavidade:
- Está-te oferecendo a me dizer isso Nathan?
- Sempre responde a uma pergunta com outra pergunta?
- E você?
Nathan riu.
- Às vezes. Normalmente quando tento ganhar tempo. É isso o que está
fazendo?
- Certamente que não - respondeu ela com uma careta desdenhosa.
- Quanto ao que faço melhor, lhe eu adoraria dizer isso E ainda mais eu adoraria
te oferecer uma demonstração.
Céus... Outra quebra de onda de calor a envolveu. Vitória intento recorrer a sua
expressão mais afetada, embora não soube com certeza se tinha saído graciosa do
intento pois era difícil parecer afetada enquanto um amontoado de imagens sexuais
lhe dançavam na cabeça.
- Aqui? Na sala de jantar?
- Não é, certamente, o lugar mais tradicional, mas se for esse seu desejo, estou
disposto a me saltar qualquer convencionalismo.
Um bufido muito pouco próprio de uma dama escapou de entre seus lábios.
- Você? Disposto a te saltar os convencionalismos? Graças a Deus que não estou
acostumada a sofrer vertigens freqüentemente, do contrário uma afirmação
semelhante me teria afetado sobremaneira.
Nathan agitou a mão em um gesto magnânimo.
- Não se preocupe se sucumbir à emoção. Recorda que sendo médico, poderia
fazer que recuperasse o conhecimento imediatamente.
- Imediatamente? Então é a prática da medicina o que melhor te dá.
Um sorriso que só podia ser descrita como picasse apareceu nos lábios do
Nathan.
- Não. A prática da medicina é o que faço quando não estou fazendo o que
melhor me dá.
"Ai, Deus." Não podia ser que se refira a... Mas, OH, sim, a julgar por esse
sorriso travesso, estava claro que assim era. Apesar dos conhecimentos que tinha
adquirido lendo o Guia, Vitória se sentiu de repente tristemente falta de preparação
para continuar com a conversação. Em um esforço por recuperar o controle, adotou o
gélido tom de voz com o que sempre conseguia pôr às pessoas em seu lugar.
- Que encantado de sua parte! E agora me diga, qual é o plano para hoje?
- O plano?
- Para localizar as jóias.
- Não tenho a menor ideia.
Vitória deixou o garfo no prato.
- Que não tem a menor ideia, diz? depois de ter estado toda a noite lhe dando
voltas?
- O que te faz pensar que refletir sobre a localização das jóias é o que encheu
meus pensamentos durante a noite?
- Porque assim deveria ter sido. Se eu tivesse estado toda a noite acordada sem
dúvida teria sido isso o que teria ocupado meus pensamentos. - Sua consciência deu
um coice e soltou um chiado de indignação. Mentirosa! estiveste de tudo acordada e
tanto os mapas como as jóias foram o último que te passou pela cabeça!, disse-se. de
repente ficou imóvel. Acaso era possível que Nathan tivesse sido vítima das mesmas
reflexões sensuais que lhe tinham roubado o sonho a ela? De ser assim...
Ufff... Que calor fazia na sala de jantar. Quase não pôde evitar abanar-se com o
guardanapo de algodão.
- Nesse caso, é de tudo desafortunado para nossos planos de busca que tenha
dormido tão bem - disse Nathan com voz seca. - Apesar de que estudei ao detalhe o
desenho e a carta, não pude descobrir nada mais. Também desenhei o mapa
quadriculado da propriedade. Sugiro que comecemos pelo canto situado mais ao
nordeste e que atuemos ali. Na carta cifrada que ontem enviei a seu pai em que lhe
explicava que tinha perdido a nota...
- Quererá dizer que sua cabra comeu a nota.
- ... pedi-lhe que me enviasse outro desenho. Desgraçadamente, e dadas as
distâncias implícitas, quando a nota chegue a Londres e recebamos uma resposta,
terão passado pelo menos duas semanas. Esperava poder ter solucionado este assunto
para então.
- E assim poder voltar para sua casa em... como se chamava? Little Longstone?
- Sim. - Nathan terminou seu café. - Estou seguro de que também você tem
vontades de que este assunto resolva e poder retornar a Londres. A suas festas, a
suas compras e a seus pretendentes.
De modo que possa escolher marido e planejar umas extravagantes bodas.
- Sim, isso é exatamente o que desejo - disse Vitória. Um cenho se desenhou
entre suas sobrancelhas ao perceber a sensação de vazio que de repente lhe estendeu
o estômago. Elevou ligeiramente o queixo. - Te Ouvindo, qualquer diria que há algo de
mau nisso.
- Absolutamente. Se for isso o que quer... - alegou, encolhendo-se de ombros.
Uma quebra de onda de calor subiu pelas bochechas de Vitória.
Como as tinha engenhado Nathan para fazer que se sentisse tão... oca? Tão
superficial? Todas as jovens sonhavam com festas elegantes, saindo às compras, com
pretendentes e com suas próprias bodas... ou não era assim? Certamente, era o caso
de todas as moças de seu entorno.
Entretanto, antes de poder informar disso ao Nathan, ele perguntou:
- Me diga, interrogaram-lhe ontem à noite meu irmão ou Gordon sobre sua
réplica da nota?
- Sim. De fato, ambos o fizeram. depois de que te partisse.
- Estavam os três juntos?
- Não. Lorde Alwyck me perguntou isso quando ficamos um momento a sós.
Os olhos do Nathan se entrecerraram.
- E como chegaram a ficar uns instantes a sós?
Sentindo-se totalmente em controle da conversação Vitória tomou outro bocado
de ovos antes de responder.
- Levou-me a visitar a sala de música.
- Onde estavam os outros durante essa visita?
- Minha tia e seu pai estavam jogando uma partida do Backgammon. Seu irmão
tinha saído ao terraço.
- O que foi que o Gordon te perguntou?
- Até que ponto tinha sido capaz de recordar o conteúdo da nota e até onde
tinha sido você capaz de decifrá-la.
- E sua resposta?
- Como te prometi, não revelei nada. Adotei o papel da mulher esquecida, boba
e dada à risada fácil.
- Acreditou-te?
- Sem dúvida. A bom seguro está acostumado a essa classe de mulheres.
- E meu irmão? Devo assumir que também te viu a sós com ele?
- Brevemente. Quando retornamos aqui, ao vir para a casa. Utilizei o mesmo
ardil com ele.
- Sua reação?
Vitória o pensou durante vários segundos e logo disse:
- Não me cabe dúvida de que também ele me acreditou. Embora deva dizer que
de uma vez me pareceu bastante... aliviado. Não fará falta que te diga que agora
ambos os cavalheiros me têm por uma cabeça de chorlito.
- Ao contrário. Estou seguro de que lhe têm por uma mulher femininamente
encantadora.
- E por uma cabeça de chorlito - resmungou. - Te interrogaram também a ti?
- Sim. Disse-lhes que, como é uma esquecida, boba e risonha cabeça de chorlito,
qualquer investigação ficava posposta até que receba notícias de seu pai.
Depois de decidir que nada do que pudesse dizer resultaria agradável, Vitória
dedicou toda sua atenção ao café da manhã. Depois de lubrificar generosamente sua
bolacha com geléia, deu-lhe uma dentada, mastigou e fechou os olhos, extasiada.
- É a geléia mais deliciosa que provei em minha vida - proclamou, - e é todo um
completo, pois me considero uma grande perita no tema.
Seguiu comendo em silencio durante um instante. Então ouviu o Nathan rir entre
dentes.
- Vejo que não só é gulosa, mas sim além disso tem bom apetite.
O calor lhe avermelhou as bochechas ao precaver-se de que se deixou levar por
um impulso. Normalmente tomava o café da manhã sozinha, pois seu pai estava
acostumado a dormir até tarde, daí que estivesse habituada a copiosas comidas...
algo que uma dama não devia fazer diante de um cavalheiro.
- Temo-me que sim.
- Não tem do que te envergonhar. Não era uma crítica. O certo é que te
observar comer me resulta muito... estimulante. Inspirou-me uma idéia.
O garfo carregado de presunto se deteve a meio caminho entre o prato e os
lábios de Vitória, que olhou ao Nathan desde seu extremo da mesa. Ele a observava
com um olhar especulativo nos olhos enquanto se golpeava devagar os lábios com a
gema do índice. Apesar de que Vitória não sabia com certeza qual era a ideia que tinha
inspirado nele, o aspecto dos lábios do Nathan, tão suaves e firmes sob seu dedo, sem
dúvida inspiravam nela uma idéia. De fato, várias.
- Que classe de idéia? - perguntou, amaldiçoando-se por dentro para ouvir-se tão
falta de fôlego.
- Um pequenic. Direi-lhe à cozinheira que nos prepare uma comida que
possamos nos levar conosco para que assim não nos vejamos obrigados a interromper
nossa busca voltando a comer a casa. O que te parece?
Passar uma manhã e uma tarde explorando o campo em busca de uma valise de
jóias roubadas com um homem ante o que todo seu ser se estremecia e tremia ao
uníssono? Com um homem que a excitava, frustrava-a e a desafiava como nenhum
homem o tinha feito jamais? Lhe desejou muito estimulante Excitante. E, OH,
definitivamente tentador. Sua mente não demorou para lhe enviar uma condenatória
mensagem de cautela ante a possibilidade de voltar a estar a sós com ele, mas seu
coração silenciou imediatamente qualquer objeção. Vitória desejava uma oportunidade
para voltar a lhe beijar... sob suas condições... e o acabava de oferecer-lhe Nathan.
E, a julgar pela breve conversação que tinha tido com tia Delia a noite anterior
antes de retirar-se a seus aposentos, sem dúvida não tinha que preocupar-se de que a
senhora pusesse a menor objeção a que saísse a passear a cavalo a sós com o
Nathan.
O certo é que sua tia a tinha apressado, dizendo "Céus, querida, desfruta deste
tempo delicioso enquanto possa. Que eu não goste de montar a cavalo não significa
que você deva prescindir disso. Aqui as coisas são muito menos formais que em
Londres.
Os passeios a cavalo pelo campo a plena luz do dia são perfeitamente
respeitáveis".
- Parece-me perfeitamente aceitável.
- Excelente. Disporei-o tudo com a cozinheira enquanto sobe a te pôr o traje de
montar. Encontraremo-nos em... te parece dentro de meia hora no estabulo?
- Perfeito.
Nathan se levou o guardanapo à boca e se levantou. Depois de uma ligeira
reverência, saiu da habitação e Vitória deixou escapar um comprido e feminino
suspiro.
As calças do Nathan eram certamente de cor nata. E... ficavam
maravilhosamente.
Nathan estava sentado em um tamborete de madeira na enorme cozinha,
mastigando uma bolacha ainda quente e vendo como a cozinheira ia colocando as
coisas na gasta alforja de couro marrom que ele tinha descido de sua habitação. de
repente lhe embargaram lembranças de outras ocasiões em que tinha estado sentado
também nesse mesmo lugar, desfrutando de algum doce recém assado. Durante sua
infância, a cozinha tinha sido um de seus lugares favoritos aos que escapar, não só
devido às
deliciosas guloseimas que ali conseguia, mas também à excitação do proibido...
pois nem ele nem Colin tinham permição de visitar a cozinha. Conforme tinha
decretado seu pai, essa classe de visitas eram do mais impróprio.
Entretanto, como era precisamente na cozinha onde estavam todos os doces,
nem Colin nem ele faziam o menor caso a esse ditado.
- Como nos velhos tempos, né, doutor Nathan? - disse a cozinheira com um
sorriso de orelha a orelha que dividia em dois seus jubilosos rasgos e as redondas
bochechas tintas de rosa pelo calor da cozinha.
Nathan sorriu a sua vez. A cozinheira se chamava Gertrude, embora durante os
vinte e cinco anos que levava a frente da cozinha do Creston Manor a tinham batizado
com o simples apodo da Cozinheira.
- Isso mesmo pensava eu. - Nathan inspirou fundo. - Hum. Estou convencido de
que este é o lugar que melhor cheira de toda a Inglaterra.
Não houve dúvida do prazer que experimentou a Cozinheira ante o comentário.
- É obvio que o é. E deveria lhe dar vergonha haver-se ausentado durante tanto
tempo. Mas agora tornou e lhes preparei, a você e a sua jovem dama, um autêntico
festim.
- Não é minha jovem dama - disse ele, ignorando o incômodo formigamento que
essas duas palavras tinham provocado nele. - É simplesmente uma convidada. A que
gosta de comer. E muito.
- OH, mas essas são as melhores damas, doutor Nathan. As que não têm
reparos em comer diante de outros e as que não as dão de nada. Não suporto a essas
damas que logo que tocam a comida na sala de jantar e se cevam em sua habitação. -
Agitou a mão e enrugou o nariz. - Ora. Umas falsas, isso é o que são. Sempre se pode
saber a classe de mulher com a que se trata por sua forma de comer. Diz que a tal
lady Vitória tem bom apetite? Nesse caso, faria bem ficando com ela, lembre-se do
que lhe digo.
- Diria que não é uma mulher com a que alguém possa "ficar".
A Cozinheira assentiu, dando amostras de uma compreensão imediata.
- Teimosa a dama, né?
- Muito. E de forte caráter.
- Bênções ambas, sem dúvida. Seguro que se cansaria logo de uma moça que
estivesse sempre de acordo com você.
- Possivelmente. Embora não me desagradaria que estivesse de acordo comigo
alguma vez - resmungou.
A Cozinheira riu.
- Vá, assim que lhe tem aborrecido...
- Porque é exageradamente irritante. - E acrescentou para si: além de preciosa.
E divertida. E encantadora. E desejável.
A Cozinheira riu entre dentes e meneou a cabeça.
- Isso é exatamente o que pensávamos meu William e eu um do outro ao
princípio. Não sabíamos se nos esmurrar ou nos beijar. E posso dizer com toda
sinceridade que, nos vinte e três anos que levamos juntos, nenhum dos dois se
aborreceu jamais.
- E me alegro por você - disse Nathan, agarrando um pano com o que limpar os
dedos. - Mas, como já lhe hei dito, lady Vitória não é minha dama. De fato, quanto
antes se vá do Cornwall, melhor para mim.
A Cozinheira se encolheu de ombros, embora a especulação que apareceu em
seus perspicazes olhos escuros não deixou lugar a dúvidas.
- Naturalmente, quem a não ser você para saber o que é o que mais lhe convém.
- Fechou a lapela da alforja e empurrou o vulto para o Nathan. - Aqui tem. E espero
que me devolva isso vazia.
Nathan levantou a alforja e fingiu cambalear-se por causa de seu peso.
- Vazia? Isto poderia nos levar uma semana inteira.
- Duvido-o muito. Ao parecer, montar a cavalo sempre abre o apetite.
A voz e a expressão da Cozinheira eram a personificação da inocência, mas
Nathan a conhecia o suficiente para saber que inocência era precisamente o que não
havia nelas, dedicou-lhe um fingido cenho, que ela ignorou alegremente.
- Obrigado por nos preparar a comida - disse, pendurando-o alforje ao ombro e
dirigindo-se para a porta.
- De nada. Que tenha uma tarde agradável.
- Duvido-o - grunhiu Nathan pelo baixo ao sair. - Embora ao menos não passarei
fome.
Cruzou a grama a grandes pernadas para o estabulo com o cenho franzido.
Maldição, não estava de bom aspecto, e a sensação não gostou de nada. A vida que
levava no Little Longstone era tranqüila. A que levava desde que tinha chegado ao
Cornwall era... exatamente o oposto a tranqüila. Sentia como se atirassem dele em
meia dúzia de direções. Apesar de que sua sensatez questionava a sabedoria que
encerrava a decisão de passar o dia com Vitória, o coração lhe acelerava no peito ante
semelhante
perspectiva. Embora era plenamente consciente de que não devia desejá-la, o
certo é que assim era, preso de um crescente desespero que ameaçava afligir seu
sentido comum. A pesar do fato de que as possibilidades de dar com as jóias e limpar
com isso seu nome eram escassas, seguia sentindo-se obrigado a tentá-lo. E, embora
uma parte dele desejasse fervorosamente retornar ao Little Longstone, não podia
negar que tinha sentido falta de Creston Manor.
Não tinha sido consciente em que medida lhe afetaria ver-se de novo perto do
mar, dos escarpados e as covas. Nem do arrebatamento de nostalgia que a visita
provocaria nele.
Sacudindo-se de cima essas reflexões, olhou à frente para o estabulo. Sua
surpresa foi maiúscula ao ver vitória junto ao curral dos animais, de costas a ele.
Quando, meia hora antes, Nathan tinha sugerido que se encontrassem no estabulo,
não lhe tinha ocorrido que Vitória não só iria à entrevista pontualmente, mas sim
o faria antes da hora acordada. Como de costume, o coração lhe acelerou
ridiculamente no peito. Seus passos fizeram o próprio.
Vitória se voltou nesse momento e os passos do Nathan vacilaram ao ver que
não estava sozinha. Não, estava com a Petunia. E Vitória e sua cabra pareciam estar
encetadas em um esforço de guerra por causa do que parecia ser um fragmento de
material branco. Sem dúvida se tratava do lenço de Vitória. depois de ter tido várias
brigas dessa ordem com a Petunia, Nathan bem sabia qual das duas sairia vitoriosa do
lance, e certamente não seria a mulher que tentava arrancar um recorte de tecido de
uma cabra claramente decidida a não dar-lhe oportunidade alguma.
Pôs-se a correr ao ver que nem Vitória nem Petunia retrocediam em seu
empenho. Ao aproximar-se, Nathan ouviu vitória bufar e soprar pelo esforço.
- Outra vez não - disse entre dentes, atirando para trás. - Me roubou a nota mas
não penso deixar que me roube meu lenço favorito. por que não pode comer arbustos
como as cabras normais?
Nathan deixou a alforja no chão e se aproximou. Assim que Petunia o viu, soltou
o tecido que tinha entre os dentes e saiu trotando para ele, sem dúvida à espera de
uma guloseima ainda mais apetecível. Felizmente, com isso soltou o lenço de Vitória.
Mas, por desgraça, também soltou a Vitória. Com um grito de surpresa, Vitória
cambaleou para trás e caiu ao chão, aterrissando sonoramente sobre seu traseiro.
Nathan pôs-se a correr para ela e se agachou, apoiando um joelho no chão junto
a ela.
- Está bem?
Vitória se voltou a lhe olhar. Tinha as bochechas tintas de carmesim e a pele
brilhante a causa do esforço. Lhe tinha inclinado o chapéu e um comprido fio moreno
lhe dividia a frente em dois, lhe tampando a ponte do nariz. Ofegos entrecortados se
abriam passo entre seus lábios entreabertos. O triunfo resplandecia em seus olhos.
- Ganhei. - Levantou a mão enluvada, que agarrava um enrugado e não muito
limpo lenço de linho ao que lhe faltava uma parte de encaixe em um dos bordos.
Aliviado ao ver que obviamente ela estava bem, Nathan disse:
- Não estou seguro de poder declarar vencedora a jovem despenteada do
chapéu inclinado que está sentada sobre seu traseiro na lama. Mesmo assim, inclino-
me ante sua valoração da situação.
Vitória soprou para cima para apartar o cacho que lhe tampava o nariz, mas o
sedoso cacho de cabelo voltou a posar-se exatamente no mesmo lugar.
- O importante não é quem esteja no chão, já que o ganhador é quem ostenta o
bota de cano longo de guerra. - Agitou o punho no que tinha o lenço agarrado para
fazer insistência em sua declaração.
- Tem-te feito mal?
- Só tenho o orgulho ferido. - Lançou um olhar afligido a seu punho fechado. -
Embora me temo que meu lenço está gravemente ferido gravemente.
- Que diabo estava fazendo?
Ela se voltou a lhe olhar e arqueou uma sobrancelha.
- Acaso não era evidente? Tentava resgatar minha propriedade desta
quadrúpede ladra de lenços.
- E como conseguiu agarrá-lo, me pode explicar isso?
- Aproximou-se de mim sigilosamente por detrás. Estava dando de comer a seus
patos quando notei que algo me empurrava. Assim que me tornei, sua cabra se estava
comendo meu lenço.
- E diz que um animal que pesa ao menos sessenta quilogramas se aproximou de
ti sigilosamente?
Vitória levantou o queixo e lhe lançou um olhar altivo.
- É surpreendentemente sigilosa para seu tamanho.
- Por que estava dando de comer aos patos? Acreditava que você não gostava
das... Como chamou a meus animais? Ah, sim, bestas de curral.
- Nunca hei dito que eu não goste dos patos. O que pinjente foi que eu não
gostava quão animais pesam mais que eu. Como verá, seus patos são menores que
eu.
- De onde tiraste o pão?
- Da sala de jantar.
- Entendo. Ou seja, que dedica a surrupiar comida da casa de minha família para
logo tentar enrolar a meus patos com material roubado.
Um inconfundível rubor culpado tingiu as bochechas de Vitória, e Nathan sentiu
que algo trocava em seu interior ao dar-se conta de que ela tinha tentado ganhar a
amizade de seus patos.
Entretanto, em lugar de parecer abatida, ela elevou ainda mais o queixo e lhe
olhou diretamente aos olhos sem alterar-se.
- Embora sem dúvida poderia encontrar um modo mais delicado de descrever o
acontecido, em uma palavra, sim, isso é exatamente o que ocorreu. E quero que saiba
que os patos e eu nos estávamos levando fantasticamente bem até que eu-sei-quem
se aproximou de mim sigilosamente.
Ao vê-la assim, tão despenteada e indignada, Nathan teve que apertar os lábios
para reprimir um sorriso. Os olhos de Vitória se entrecerraram imediatamente.
- Não te estará rindo, verdade?
Nathan tossiu para dissimular uma gargalhada.
- É obvio que não.
- Porque, se fosse assim, muito me temo que um gesto semelhante falaria muito
mal de ti. Espantosamente.
- Ah, sim? E o que faria? me empurrar ao chão sobre meu traseiro? me esmagar
com seu lenço desprovido de encaixe?
- Ambas são possibilidades muito tentadoras. Não obstante, não devem revelar-
se jamais os planos de vingança, especialmente à pessoa a que se deseja converter
em destinatário dela. Seguro que isso é algo que todo espião sabe.
- OH, sim. Acredito que se menciona no Manual Oficial do Espião.
Depois de resmungar algo que soou sospechosamente parecido a "que homem
tão exasperante", Vitória lhe lançou um olhar irado que resultou grandemente menos
intensa devido ao cacho que lhe dividia o nariz, e tentou levantar-se. Nathan ficou em
pé e lhe ofereceu a mão, mas ela a apartou a um lado. Assim que esteve de pé,
plantou-se o punho fechado na cintura e levantou o outro braço para assinalar com
um dedo imperioso a Petunia, que estava sentada, perfeitamente relaxada, sob um
bosque
de olmos próximo.
- Essa cabra é uma ameaça.
- De fato, é muito doce. Seu único defeito é que tem uma curiosidade insaciável.
- E que tristemente carece por completo de critério no que às guloseimas se
refere.
- Sim, isso também.
Vitória se fixou na roupa do Nathan.
- Como é que não parece te faltar nenhum botão e que não tem a marca de
nenhuma dentada em sua roupa?
- Aprendi muito depressa, assim que perdi não um a não ser dois botões do
colete, que embora a Petunia gosta das guloseimas que tenham algo que ver com a
roupa, adora as cenouras e as maçãs. O Manual Oficial do Espião explica com
claridade que resulta mais fácil lutar com nossos inimigos quando lhes oferecemos o
que desejam.
- Quer dizer, que protegeste sua roupa com...
- Cenouras e maçãs. Sim.
Vitória se sacudiu uma mancha de pó que o deslucía a saia.
- Poderia ter mencionado esse útil detalhe um pouco antes.
- Não me tinha perguntado isso até agora. Além disso, não me tinha ocorrido
que fosses chegar ao estabulo antes de mim.
- Queria me assegurar de que não tentaria sair às escondidas sem mim.
As palavras de Vitória tiveram sobre ele o efeito de uma jarra de água fria e os
ombros do Nathan se esticaram.
- Fizemos um trato. Sou um homem de palavra - disse com voz glacial.
O silêncio se estendeu entre ambos. Vitória levantou a mão, ocultou-se o cacho
rebelde sob o chapéu e observou atentamente ao Nathan.
- Nesse caso, suponho que te devo desculpas.
Ele se limitou a inclinar a cabeça e a esperar.
Seguiu um novo silêncio. Por fim, Vitória disse:
- Não estou nada contente com o estado de meu lenço.
Ele a olhou fixamente, perplexo, e meneou a cabeça.
- Vá, foi a pior desculpa que me ofereceram alguma vez.
- O que quer dizer? reconheci que te devia uma desculpa.
- De fato, o que há dito é que "supunha" que me devia isso.
- Exato. Que mais quer?
- Uma desculpa não pronunciada não é tal, Vitória. - Nathan se cruzou de braços
e arqueou as sobrancelhas.
Uma vez mais, Vitória lhe estudou durante segundos compridos com uma
estranha expressão no rosto. Logo se esclareceu garganta.
- Sinto muito, Nathan. Fizemos um trato e não me deste nenhum motivo para
que duvide de que é um homem de palavra. - Pegou firmemente os lábios e ele não
pôde conter uma gargalhada.
- A ponto estiveste que te afogar para não acrescentar as palavras "até agora",
verdade?
- Requereu certo esforço, é certo.
- Bom, aceito suas desculpas. E, em honra à justiça, ofereço-te as minhas. Sinto
que minha cabra te tenha destroçado o lenço. Já sei que é um pobre substituto, mas...
- Se levou a mão ao colete, tirou um quadrado dobrado de linho e o apresentou a
Vitória com um floreio . - Por favor, aceita o meu em seu lugar.
- Isto não é necessário...
- Mesmo assim, insisto - disse ele, depositando o lenço na mão dela. - E demos
obrigado de que Petunia não te tenha mordiscado os sapatos em vez do lenço, pois
muito me temo que meus são muito grandes para lhe oferecer isso como recâmbio.
Os lábios de Vitória se contraíram.
- Hum. Sim. Sobre tudo tendo em conta que já tem um mascote que, como seu
nome indica, caracteriza-se por destroçar o calçado. - Meteu-se o lenço do Nathan e o
seu, quebrado como estava, no bolso do traje de montar e lhe estendeu a mão. -
Trégua?
Nathan estreitou sua mão. Entretanto, um instante depois, um diabo interior lhe
impulsionou a levar a mão de Vitória aos lábios. Mesmo assim, não teve bastante
roçando com os lábios os dedos enluvados da jovem, de modo que fez girar a mão
para deixar à vista o magro punho do braço nu que ficava ao descoberto entre a luva
e a manga de sua jaqueta de montar. Mantendo o olhar cravado no dela, pousou os
lábios no suave ponto de sua pálida pele. E imediatamente o lamentou.
Um momento oscilou e o aroma das rosas jogou com seus sentidos, lhe
enchendo imediatamente de uma premente necessidade de afundar o rosto na suave
pele de Vitória e inspirá-la por completo. Mas foi a reação que observou nela o que lhe
obrigou a conter um gemido do mais puro desejo. Um fugaz ofego seguido de uma
larga e lenta exalação. Olhos que se abriam ligeiramente para entrecerrarse um
instante depois. A ponta da língua umedecendo uns lábios ligeiramente separados.
Vitória parecia
avivada, excitada e... demônios, o efeito que essa mulher tinha sobre ele era
totalmente absurdo. Tinha conseguido lhe pôr de joelhos ante ela com um simples
olhar. Que Deus lhe assistisse se em algum momento decidisse lhe seduzir
deliberadamente.
Maldição, teria que havê-la deixado seguir zangada com ele, ter tentado manter
por todos os meios a pequena distância que havia entre ambos. Lhe teria resultado
muito mais fácil resistir a ela se Vitória tivesse insistido em não lhe falar.
Em não lhe desafiar. Em não lhe olhar com esses enormes olhos azuis. Mas não,
tinha aceito sua oferta de trégua quando o que em realidade teria que ter feito era
insistir para que ela se cobrisse com um saco de juta.
E agora estava a ponto de desfrutar de sua companhia toda uma tarde. Uma
tarde durante a qual se veria obrigado a visitar o lugar onde tinha vivido a pior noite
de sua vida. Que Deus lhe assistisse. Nathan não estava seguro do que mais lhe
atemorizava... se pensar no começo da tarde ou em seu final.

Capítulo 13

A mulher moderna atual merece experimentar uma grande paixão em sua vida, mas
desgraçadamente não todas as mulheres têm a bênção de encontrar a alguém que
inspire nelas tamanho desejo. Se por fortuna conhecem homem que faça palpitar seu
coração, tremer seus joelhos e estremecer-se todo seu ser, não deveriam permitir que
nada se interpor em seu caminho e lhes impedisse de desfrutar à mãos cheia da
felicidade.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore.

Nathan ordenou a Meia-noite afrouxar o passo quando se aproximaram da curva


do atalho bordeado de árvores.
- É este o lugar? - perguntou Vitória, que avançava junto a ele a lombos de Mel.
- Justo ao dobrar a curva. - Inspirou fundo e se preparou para o que estava por
vir, embora não fez nada por deter a investida. Assim que dobrou a curva, assaltaram-
lhe as lembranças que tanto tinha lutado por se separar de sua cabeça, pondo cerco
às fortificações que com tanto esmero tinha levantado para proteger-se da culpa, do
remorso e da autocondena que tinham ameaçado lhe consumindo do mais profundo
de seu ser.
Embora de um bom princípio era consciente de que teria que voltar a visitar esse
lugar, tinha esperado, rogado, que as imagens se desvaneceram. Entretanto, lhe
cravaram como uma faca no ventre.
Atirou das rédeas de Meia-noite até deter o cavalo e baixou o olhar ao ponto
exato onde tinha encontrado ao Gordon, deslocando-se logo até o sebe de que tinha
tirado o Colin. Fechou com força os olhos. Por sua mente desfilaram vividas imagens e
talhos de dor que arderam como uma chicotada, abrindo ainda mais as cicatrizes do
arrependimento que já marcavam sua pele. Lhe esticou o peito e a garganta e,
abrindo os olhos, esquadrinhou o terreno.
A chuva caída durante os últimos três anos tinha apagado qualquer resto do
sangue do Colin e do Gordon. Quanto lamentava não ter podido limpar assim sua
memória.
Sentiu que lhe tocavam o braço e voltou a cabeça. Vitória tinha posado sua mão
enluvada sobre sua manga e lhe olhava com uma expressão de inconfundível
preocupação.
- Está bem, Nathan?
Não. Não estou bem, pensou. Tinha perdido tudo que lhe importava. Exatamente
ali. E ele era o único culpado.
- Sim. Estou bem.
- Tem mau aspecto.
Nathan forçou um esboço de sorriso.
- Obrigado, embora deva te advertir que palavras tão adoçadas revistam subir à
cabeça.
Nem um leve indício de diversão iluminou os rasgos de Vitória enquanto seu
olhar estudava o dele durante o que lhe desejou muito uma eternidade. Por fim disse
com voz baixa:
- Resulta-te doloroso estar aqui.
Nathan se viu obrigado a tragar o som desgraçado que sentiu subir por sua
garganta e assentiu, sem confiar muito em sua própria voz.
- Quer me contar o que ocorreu?
Um imediato "não" esteve a ponto de sair de lábios do Nathan, mas a compaixão
que enchia a voz e os olhos de Vitória pôde com ele. de repente não lhe ocorreu um
só motivo convincente para não contar-lhe - Por que?
- A partir de certos dados que me facilitou um informador, levei-me a valise das
jóias de um navio ancorado no Mount's Bay.
- Como lhe levou isso?
Nathan se encolheu de ombros.
- Digamos simplesmente que sou bom nadador e que me dirijo bem com a faca.
- Os olhos de Vitória se abriram de par em par, mas antes de que pudesse seguir lhe
interrogando, ele prosseguiu. - Essa noite devia fazer aqui entrega das jóias, mas
quando cheguei ouvi disparos. Descobri ao Gordon ferido no atalho. Quando me
aproximei dele, golpearam-me pelas costas e soltei as jóias. antes de que pudesse
recuperar o sentido, meu assaltante as agarrou e desapareceu no bosque.
- Não saiu atrás dele?
- Não.
- Por que?
Outra lembrança prenhe de culpa lhe golpeou com um visceral murro.
- Porque me pareceu mais importante comprovar que Gordon estivesse vivo.
Logo me dava conta de que também ao Colin tinham disparado.
- A quem se supunha que devia lhe entregar as jóias?
Nathan vacilou. Jamais o havia dito a ninguém, apesar de que não estava já na
obrigação de permanecer em silêncio. Entretanto, e embora o instinto lhe aconselhava
manter a informação em segredo, também lhe dizia que podia confiar nessa mulher.
E que ela estava no direito de saber.
- Terá que me dar sua palavra de que jamais repetirá o que estou a ponto de te
dizer.
- Muito bem.
- Supostamente, devia entregar as jóias a seu pai.
A mão de Vitória se separou lentamente de sua manga e franziu o cenho.
- A meu pai? - repetiu com tom confundido. - Não entendo. Estava aqui? No
Cornwall?
- Sim. Quando ouvi os disparos, o primeiro que pensei foi que tinham atacado a
seu pai. Entretanto, qual foi minha surpresa quando vi que eram Gordon e Colin os
que estavam feridos.
- Por que?
- Porque não sabiam nada sobre a missão. Quão únicos estávamos à corrente
dela fomos seu pai e eu. Até o dia de hoje, nem Gordon nem Colin sabem que era seu
pai a pessoa com a que eu devia me encontrar, e quero que isso siga assim. Ao
menos,
por agora.
- Mas por que não lhes incluiu na missão? E, se não o estavam, o que faziam
aqui essa noite?
- Seu pai estava a cargo da missão e só queria implicar a uma operação. Quanto
a por que me escolheu em vez do Colin ou ao Gordon, foi simplesmente uma questão
de dinheiro. oferecia-se uma grande recompensa pela recuperação das jóias.
Por sua condição de herdeiros, Colin e Gordon tinham a vida resolvida. Eu, em
troca, não podia dizer o mesmo. Ao me atribuir a missão, seu pai me ofereceu a
oportunidade de aceitar a uma situação de segurança econômica.
- Já... vejo - disse ela, embora sem dúvida ainda lhe rondavam algumas
perguntas. - O que passou com meu pai essa noite? Também ele resultou ferido?
- Naturalmente eu estava muito preocupado por ele. Assim que acabei de curar
ao Colin e ao Gordon, recebi uma mensagem codificada de seu pai no que me
informava que tinha sido assaltado pouco depois de ter saído da estalagem onde se
alojava e no que
me perguntava o que tinha ocorrido. Escrevi-lhe uma explicação, a que ele
respondeu me dizendo que tinha decidido retornar a Londres e em que me dava
instruções de que dissesse o menos possível ao Colin e ao Gordon sobre a missão, ao
tempo que insistia em que não mencionasse sua implicação no ocorrido. Consegui
evitar as perguntas do Colin e do Gordon enquanto lhes curava as feridas, embora
sabia que não poderia seguir as evitando durante muito tempo. Quando finalmente
exigiram respostas,
minhas vagas explicações não conseguiram lhes satisfazer. Quase imediatamente
estalaram os rumores sobre as jóias desaparecidas e minha implicação no caso, sem
dúvida graças aos retalhos de conversação ouvidos pelo serviço.Quão seguinte soube
foi que me interrogava oficialmente. Apesar de que nunca se conseguiu provar nada
contra mim, foram muito poucos os que me consideravam inocente. Cada dia que
passava surgiam novas intrigas. Olhadelas e os sussurros me seguiam pelo povoado. E
também em casa.
- Sua família te acreditou culpado?
- Embora nem Colin nem meu pai chegaram em nenhum momento a me acusar
abertamente, tampouco proclamaram minha inocência. Até um cego teria podido ler a
sombra de dúvida que velava seus olhos. - A imagem do Colin que tinha ficado
gravada em sua mente e a de seu amigo lhe olhando com os olhos fecundados de
dúvida e de suspeita cintilaram em sua mente, provocando imediatamente uma afiada
pontada de dor. Nathan piscou em um afã por desfazer da lembrança e prosseguiu:
- Quanto ao Gordon, meu melhor amigo, acusou-me abertamente.
- Tinha alguma prova que te inculpasse?
- Nenhuma. Não havia nenhuma. Tão só insinuações e mera especulação,
embora muito me temo que isso é algo que pode resultar igualmente daninho. Ao
Gordon, entre outros, pareceu-lhe muito conveniente que eu tivesse sido o único em
escapar do incidente ileso.
- Como respondeu a semelhante acusação?
- Não respondi. Era óbvio que nada do que eu pudesse dizer lhe convenceria de
seu engano. - E, maldição, quanto tinha doído isso. Quase tanto como que o próprio
Colin duvidasse dele. Voltou a centrar sua atenção em Vitória e quase pôde ver girar
os mecanismos de sua mente. Quanto demoraria para lhe perguntar se também seu
pai lhe acreditava culpado?
Quanto em ser consciente das implicações que supunha o fato de que se ele e
seu pai eram as únicas duas pessoas que estavam à corrente da missão, e ele não era
culpado...?
- Diz que nem seu irmão nem seu pai proclamaram sua inocência. Proclamou-a
você?
Nathan apartou os olhos dos dela e jogou um olhar à espessura do bosque.
- Disse-lhes que não tinha traído a meu país, embora minhas palavras caíram em
ouvidos surdos. Colín se sentia enganado e suspeitava de meu contínuo secretismo.
Meu pai, perplexo ao descobrir que seus filhos tinham estado trabalhando para a
Coroa, acusou-me de ser o responsável pela ferida do Colin. Conforme disse,
Colin podia ter morrido. Como se eu não soubesse. Como se isso não fora a me
corruêr a consciência durante o resto de minha vida. Teve lugar uma terrível
discussão.
Disseram-se palavras zangadas e hirientes. Eles se sentiam traídos e enganados,
e eu me sentia... - Sua voz se apagou.
- Como se sentia? - perguntou Vitória com suavidade.
- Culpado. Preso do remorso. Destroçado. Meu pai me ordenou que me fora e
assim o fiz.
- Deve ter sido muito doloroso.
Nathan se voltou a olhá-la, procurando em seu rosto algum indicio de
condenação. Entretanto, nele tão só pôde detectar um véu de compaixão. De algum
modo, isso lhe fez sentir-se ainda pior que se Vitória lhe tivesse dedicado um olhar de
censura.
- Por não dizer... mais. depois de ir daqui para ali durante dois anos, descobri
por fim Little Longstone. Ali todos me aceitam simplesmente como o doutor Nathan
Oliver. Ninguém está à corrente da elevada posição de minha família, de meu passado
de espião nem de minha manchada reputação. Dedico-me em corpo e alma à
profissão que amo e vivo como sempre quis fazê-lo. Do modo que sempre me tem
feito sentir mais cômodo. Com toda simplicidade. E pacificamente.
- Pacificamente possivelmente, embora não esteja realmente em paz.
Apesar de que uma imediata negação apareceu em lábios do Nathan, as palavras
morreram ante a cálida compaixão e a gentil ternura que soube ler no olhar de Vitória.
- Posso vê-lo em seus olhos, Nathan - disse ela com renovada suavidade. - As
sombras. A dor. Assim que voltei a verte soube que não foi o mesmo homem que
conheci faz três anos.
Maldição, como as engenhava essa mulher para deslizar-se atrás de seu guarda
desse modo? Vitória o fazia sentir-se... vulnerável. Indefeso. E isso não gostava.
- Estou seguro de que o diz no melhor dos sentidos - disse Nathan em um tom
seco como o cascalho.
- O que quero dizer é que em seguida soube que algo te tinha trocado. Agora sei
o que é. E o sinto por ti.
- Porque te resultei encantador a primeira vez que nos vimos.
Embora havia uma inconfundível dose de sarcasmo nas palavras do Nathan,
Vitória lhe surpreendeu respondendo em um tom de extrema seriedade:
- Sim. - Então sorriu. - Embora sem dúvida isso deveu lhe resultar óbvio a um
professor da espionagem como você. Acredito recordar que também de mim você
gostou.
Deus, sim, é obvio. Ao Nathan tinha gostado do aspecto de Vitória. O brilho de
seus olhos. Seu sedutor sorriso. Essa doce inocência mesclada com malícia revestida
de delicada beleza. Seu encantador falatório nervoso, que lhe tinha levado a silenciá-la
com um beijo. E também seu deleitável sabor. Seu delicioso contato e o aroma não
menos agradável. Nada nem ninguém tinham conseguido lhe acender o sangue nem
lhe afetar tão profundamente nem antes nem após.
- Sim, Vitória - respondeu com voz baixa. - Gostei. - Deus do céu, ainda gostava.
E muito se temia que muito.
Um rubor tingido de rosa manchou as bochechas de Vitória e ele agarrou com
firmeza as rédeas de Meia-noite para evitar sucumbir à tentação de tocá-la.
- Não sei se soube que... essa noite... foi meu primeiro beijo - disse ela.
Nathan sentiu que algo se expandia em seu interior.
- Não, não sabia com segurança, embora deva confessar que o suspeitava.
As bochechas de Vitória se ruborizaram ainda mais e seu olhar terminou
apartando-se do dele.
- Minha inexperiência deve te haver aborrecido.
Nathan não pôde fazer mais que cravar nela o olhar. Devia estar de brincadeira.
lhe aborrecer? Oxalá. Entretanto, o rubor e a vergonha que evidenciava Vitória eram
um claro indicador de que falava a sério. Enquanto que o sentido comum lhe dizia que
o mais sensato era deixar acreditar o que quisesse, sua consciência não lhe permitiu
que Vitória abrigasse um mal-entendido tão intolerável. Estendeu a mão e apoiou as
gemas de dois de seus dedos sob o queixo dela. Inclusive esse ínfimo contato com a
suave pele de Vitória provocou nele uma quebra de onda de calor. Quando os olhares
de ambos se encontraram, Nathan disse com extrema delicadeza:
- Não me aborreceu, Vitória. Esteve... - Se deteve e quis acrescentar:
Embriagou-me. Enfeitiçou-me. eu adorei. Cativou-me. Converteu-te em alguém
irrevogavelmente inesquecível com só um beijo, mas só disse: - Esteve encantadora.
Nathan juraria ter visto um brilho de alívio nesses olhos que eram do mesmo
vivido azul que o do mar. O indicio de um sorriso tremeu nos lábios de Vitória.
- Possivelmente também eu poderia dizer o mesmo de ti.
- Poderia dizê-lo... ou o diz? - Apesar de seu tom ligeiramente zombador, Nathan
foi de repente consciente do muito que desejava a resposta a sua pergunta.
- Está seguro de que quer ouvir a resposta, Nathan? - perguntou ela
empregando um tom igualmente zombador e imitando a pergunta que lhe tinha feito
em mais de uma ocasião.
Nathan retirou os dedos de debaixo do queixo de Vitória e sorriu.
- De fato, sendo como sou um professor da espionagem, conheço a resposta.
Sua entusiasta reação foi boa prova de que nosso encontro te resultou tão delicioso
como a mim.
Vitória inclinou a cabeça em um gesto de assentimento e se encolheu de
ombros.
- Aprendi que os homens experientes na arte de beijar revistam estar
acostumados a receber entusiastas respostas.
Nathan entrecerrou os olhos, embora ela não o percebeu porque se tornou a
olhar a um par de pássaros que cantarolavam em um ramo próximo. Que demônios
tinha querido dizer Vitória com isso? Um espasmo de ciúmes, abrasador e inegável,
atravessou-o.
Que sentido tinha sequer perguntar-lhe Obviamente, só havia uma forma de que
Vitória tivesse obtido semelhante informação: beijando. A Homens. Homens que não
eram ele.
Maldição. A noite anterior Nathan tinha sofrido horas de insônia, atormentado
por idéias dessa índole. Bom, toda a noite não. Tinha dedicado parte dela a permitir-se
desfrutar de fantasias eróticas nas que se imaginava tocando-a, beijando-a, lhe
fazendo amor de uma dúzia de formas distintas, explorando cada centímetro de sua
pele suave e fragrante com as mãos, a boca e a língua. Entretanto, outra parte da
noite lhe viu sumido em um intento por se separar de sua mente imagens
atormentadoras dela compartilhando essas intimidades com outro homem. Quando
voltasse para Londres, Vitória escolheria marido. Um de seus malditos barões. Ou pior
ainda, ao Gordon ou ao Colin, ambos claramente atraídos por ela. Não obstante, o
verdadeiro problema era a dolorosa, crescente e extremamente desafortunada atração
que ela despertava nele.
Vitória se voltou a lhe olhar.
- Meu pai te considerou inocente?
- Isso disse.
Ela assentiu devagar.
- Se te servir de algo, eu sim acredito em sua inocência.
O coração voltou a lhe dar no peito um de seus ridículos tombos e, com essas
simples palavras, Vitória conseguiu tocar alguma fibra no mais fundo de seu ser. A fé
que ela mostrava nele não teria que lhe haver servido de nada. Não queria que lhe
servisse de nada. Embora... a realidade era muito distinta.
- Obrigado.
- Também acredito que meu pai é inocente - prosseguiu ela, dando clara
evidência que compreendia perfeitamente o que supunha considerar o Nathan
inocente de um ato como aquele. - Tem que haver outra explicação. E estou decidida
a encontrá-la.
A resposta está nas jóias. Bem, por onde iniciamos a busca?
- Sim - concedeu Nathan, embora estava começando a suspeitar que já tinha
encontrado um tesouro cuja existência nem sequer tinha imaginado.
Depois de quase três horas registrando sem êxito uma dúzia de formações
rochosas cravadas no setor do quadriculado em que tinham dividido o mapa do imóvel,
chegaram a um murmurante caminho.
- Este caminho marca a fronteira norte da propriedade - disse Nathan. - Sugiro
que paremos a comer aqui e deixemos beber e descansar aos cavalos.
- De acordo - respondeu ela com a esperança de não soar tão agradecida como
se sentia em realidade. Cansada, dolorida, faminta e sedenta, estava mais que
desejosa de poder desfrutar de um descanso.
Nathan desceu do cavalo, agarrou a alforja de couro gasto onde levava a comida
do picnic e deu a Meia-noite uma suave palmada na garupa. O castrado se dirigiu
imediatamente para o caminho. Nathan se aproximou então a Vitória e lhe estendeu
os braços para ajudá-la. Ela sentiu um comichão no estômago, mas o contato com o
Nathan foi totalmente impessoal e assim que seus pés tocaram o chão, ele a soltou,
deixando-a incomodamente desiludida.
A verdade é que ele tinha estado virtualmente calado durante as últimas três
horas.
Vitória se levou as mãos à zona lombar, arqueou as costas para estirar os
músculos e não pôde evitar uma careta de dor. Nathan levantou o olhar de onde se
agachou junto à alforja.
- Deveria ter sugerido que parassemos antes - disse com tom de desculpa. - Por
que não há dito nada?
- E que me acuse de ser uma presunçosa flor de estufa? Não, obrigado. E não só
isso, mas sim estávamos tão cômodos em nosso silêncio que não me pareceu
oportuno interromper tão exemplar concórdia. Além disso, não queria deixar de
procurar.
Temos muito terreno por cobrir. - Olhou a seu redor, abrangendo com seu gesto
as altas árvores e a vasta paisagem. - Não tinha imaginado que seria tanto.
- É um imóvel enorme. - Nathan tirou duas maçãs da alforja e as lançou com
cuidado. - Por que não dá uma guloseima a Mel e a Meia-noite enquanto eu organizo o
picnic?
- De acordo.
Maçãs em mão, Vitória se dirigiu à borda do caminho, onde os dois cavalos
seguiam bebendo a água cristalina. Enquanto esperava a que terminassem, tirou-se as
luvas de montar e fiscalizou os arredores. O sol cintilava em franjas de ouro entre as
folhas enquanto nuvens esponjosas flutuavam preguiçosamente contra uma cortina de
fundo de um azul deslumbrante. Um exuberante verde, salpicado de pinceladas de
coloridas flores silvestres e de rochas desiguais, beirava as duas bordas do caminho.
O suave murmúrio da água ao correr sobre as rochas polidas por obra do tempo
proporcionava uma música de fundo ao gorjeio dos pássaros e ao ranger das folhas
provocado por uma brisa o suficientemente fresca para oferecer alívio do calor do sol
sem traduzir-se em frio. Vitória inspirou fundo, desfrutando do débil aroma do mar que
impregnava o ar incluso apesar de que não estavam perto da borda.
Mel levantou a cabeça e Vitória deu à égua a guloseima que tinha para ela. Meia-
noite a empurrou brandamente, sem dúvida reclamando a mesma atenção. Com uma
gargalhada, Vitória o premiou com sua maçã e lhe concedeu uma idêntica ração de
carícias e de sussurros. Assim que concluiu sua tarefa, lavou-se as mãos na água
gelada e voltou até onde estava Nathan.
Ele se achava de pé à sombra de um olmo enorme junto a uma colorida manta
sobre a que tinha disposto uma enorme quantidade de comida. Saudou-a com uma
exagerada reverência e sorriu.
- Seu almoço espera, minha senhora.
- Céus - disse Vitória, avançando para ele enquanto estudava a variedade de
queijos e de bolos, carnes e bolachas, fruta e pão. - Como coube tudo isto em uma
alforja?
- A Cozinheira é perita em empacotar a comida.
Vitória baixou o olhar para a manta e não conseguiu conter a risada.
- Aqui há comida suficiente para meia dúzia de pessoas. Esperamos convidados?
- Não. Estaremos você e eu somente.
Vitória levantou bruscamente a cabeça e os olhares de ambos se encontraram.
Sim, sem dúvida estavam os dois somente. O coração lhe deu um tombo.
- A Cozinheira me informou que temos que nos acabar com tudo. E que não
podemos voltar até que não fique nenhum miolo.
Deus do céu, isso podia levar... horas. O coração voltou a lhe dar um tombo.
Inspirou fundo, tentando conservar a calma, e sorriu.
- Nesse caso, será melhor que comecemos.
Vitória se aproximou da manta, tomou assento no lugar que lhe indicou e se
acomodou as saias ao redor. Nathan se sentou a seu lado, cruzou as largas pernas e
procedeu a lhe preparar um prato farto de comida. Depois de preparar-se também um
para ele, encheu de cidra dois copos de estanho. Logo sustentou um dos copos em
alto e cravou em Vitória um olhar que ela não soube decifrar mas que lhe provocou
uma quebra de onda de calor.
- Brindo porque encontremos o que procuramos.
- Sim - murmurou ela, tocando o copo do Nathan com o seu. Tomou um sorvo
agradecido ao tempo que sua garganta, ressecada e abrasada, dava a bem-vinda ao
frescor da cidra. A comida tinha um aspecto delicioso e, posto que estava faminta,
atacou-a com deleite. Não lhe custou reparar em que Nathan fez o mesmo, e durante
vários minutos se dedicaram unicamente a comer, rodeados da sombra salpicada de
bolinhas de sol e dos sons que enchiam o ar.
Depois de servir-se outra grossa fatia de pão, Nathan inspirou fundo e exaltou.
- Deus, como eu gosto deste aroma. Este pequeno retalho de mar que impregna
sempre o ar. Apesar do muito que adoro Little Longstone, não cheira assim. E
tampouco Londres. - Olhou-a e lhe percorreu um exagerado calafrio. - Como suporta
acontecer ali tanto tempo?
- Estão as lojas.
Nathan meneou a cabeça.
- Multidões.
- As festas fabulosas.
- Tediosa conversação com lentos desconhecidos.
- A ópera.
- Gente que entoa canções indecifráveis em idiomas que não compreendo.
Vitória riu.
- Temo-me que teremos que admitir nosso desacordo. E você? Como suporta
acontecer a vida enterrado no campo? Não te resulta desolador?
- Não. É um lugar tranqüilo.
- Não há emoção.
- É aprazível.
- Não há ruas como Regent ou Bond Street.
- Graças a Deus.
- É solitário.
Nathan guardou silêncio enquanto um ligeiro cenho aparecia entre suas
sobrancelhas.
- Às vezes - disse com voz baixa. - Mas tenho meus livros, meus animais e meus
pacientes.
- Não há nenhuma mulher esperando ansiosa sua volta? - Lançou a pergunta
com uma despreocupação que estava em total contraste com o forte tamborilar que
sentia no coração.
- Ninguém. - Uma das esquinas de sua boca se curvou para cima. - Ao menos
que eu saiba. Possivelmente tenha várias admiradoras secretas que suspiram por mim
enquanto falamos. - Meteu-se uma parte de queijo na boca. depois de tragar-lhe
disse:
- Imagino que Branripple e Dravensby esperam ansiosos sua volta a Londres.
Deus do céu, a ponto esteve de perguntar aos quais se referia antes de que a
voz interior lhe recordasse bem a tempo: "Seus barões. Um dos quais vais desposar".
Estariam esperando ansiosos sua volta? Com toda probabilidade estariam
ocupados assistindo ao torvelinho de festas associadas com a temporada. E nas que,
dada sua idoneidade, seriam objetivo de primeira ordem de uma panda de jovens
casadoiras.
Que não duvidariam em lhes adular. E flertar com eles. E dançar com eles.
Possivelmente inclusive compartilhar com eles seus beijos. Perspectiva que...
Não o incomodava no mais mínimo.
Franziu o cenho. Sem dúvida semelhante possibilidade teria que havê-la
incomodado. Teria que sentir algo ao pensar em outra mulher capturando a atenção
do Branripple ou do Dravensby. Algum indicio de preocupação. Uma pontada de
enfado. De ciúmes. Mesmo assim, o que sentia era... nada.
Mas então se voltou a olhar ao Nathan, quem a olhava a sua vez com acesa
intensidade, e de repente sentiu algo. Uma crepitante quebra de onda de algo que lhe
encolheu os dedos dos pés nos botas de cano longo de montar. E, nesse instante, um
brilho cegador lhe abriu violentamente os olhos a uma verdade até então velada e
soube que o simples feito de imaginar a outra mulher beijando a esse homem encolhia
o estômago. Lhe dava vontade de romper algo. De esbofetear com força à outra
mulher até
que os lábios que tinham ousado beijar ao Nathan lhe caíssem da cara. Ao chão.
Onde pudesse então esmagá-los no barro com o salto do sapato.
- Está bem, Vitória? Por sua expressão se diria que está... furiosa.
Vitória piscou em um afã por desfazer-se da imagem de uma mulher
esbofeteada e sem lábios, e arremeteu contra as garras do ciúmes, tão inegáveis como
confusas. Que diabo lhe ocorria?
- Estou bem - disse, tomando um apressado sorvo de cidra.
- Bem. - Nathan deixou a um lado seu prato vazio e se deu um tapinha no
estômago. - Delicioso. Mas agora é quando vem a melhor parte de um picnic.
- A sobremesa?
- Melhor ainda. - Nathan tirou a jaqueta, dobrou-a, embora não com muito
esmero, e a seguir deitou de barriga para cima, utilizando a massa de roupa como
improvisado travesseiro. - Ahhh... - O profundo suspiro de satisfação se abriu passo
entre seus lábios e seus olhos se fecharam.
Vitória seguiu sentada totalmente imóvel e fixou nele o olhar. Bom, totalmente
imóvel com exceção das pupilas, que percorreram o corpo do Nathan comendo-lhe
com os olhos e submetendo-o a uma exaustiva... supervisão. Os raios de sol
iluminavam as brunidas mechas de seus desordenados cabelos, sumindo seu rosto em
um intrigante desenho de luz dourada e sombras fumegantes. O níveo algodão, no
que a jaqueta tinha perfilado suas rugas, esticava-se sobre seu poderoso peito e seus
largos ombros.
As mãos descansavam sobre o abdômen e os largos dedos se entrelaçavam
relaxadamente justo em cima da cintura de suas calças de cor nata. Ah, sim... essas
calças que abraçavam suas musculosas pernas daquele modo absolutamente
fascinante e arrebatador.
As calças desapareciam justo debaixo dos joelhos em umas botas de montar
negras e gastas. A imagem de absoluto relaxamento se completava com seus lóbulos
cruzados.
Deus do céu, tinha acreditado acaso que estava bem? Devia ter perdido o
julgamento. O homem estava ajeitado diante dela, disposto a sua vista como um
banquete. Um banquete do que Vitória desejava desesperadamente comer e beber.
Quando, exatamente, tornou-se tão fascinante o corpo masculino? Sem dúvida a
culpa a tinham as explícitas descrições da anatomia do homem que apareciam no Guia
feminino. Embora é certo que Vitória sempre tinha feito ornamento de uma
curiosidade natural, nunca havia sentido nada igual. Nem Branripple nem tampouco
Dravensby tinham inspirado jamais nela essa se desesperada compulsão por tocar. Por
explorar. Por lhes tirar a roupa.
Sem poder apartar seus fascinados olhos dele, teve que tragar saliva duas vezes
para encontrar a voz.
- O que... o que está fazendo?
- Desfrutar da última fase do picnic.
- Não me parece que te jogar uma sesta aqui seja uma boa idéia, Nathan. -
Céus, garota afetada parecia. Quanto gostaria de poder sentir-se assim de afetada, e
deixar de sentir-se como um pêssego excessivamente amadurecido a ponto de
arrebentar
contra a excessiva tensão de sua pele.
- Não estou me jogando uma sesta. Estou-me relaxando. Deveria prová-lo. É
muito bom para a digestão.
- Estou perfeitamente relaxada, obrigado.-Sim. E se os mentirosos estalassem
em chamas, ficaria incinerada ali mesmo. Uma massa de palavras nervosas se
prenderam na garganta e Vitória soube que estava a ponto de começar a balbuciar.
- Me Diga, por que decidiu ser médico? - As palavras saíram de seus lábios em
um ofegante reguero, embora suspirou aliviada por dentro ao ver que pelo menos
tinham sentido.
- Sempre me atraiu poder curar, inclusive quando era menino. Pássaros com as
asas rotas, cães com as patas despedaçadas, esse tipo de coisas. Isso, combinado com
meu amor pela ciência e minha curiosidade pelos mecanismos do corpo humano.
Nunca tive a menor duvida do caminho que seguiria.
Vitória tinha observado, sumida em uma espécie de transe, como a formosa
boca do Nathan formava cada palavra e sentiu como seus dedos formigavam com a
entristecedora necessidade de lhe tocar os lábios.
Para evitar sucumbir à tentação, levantou os joelhos, abraçou-se com força as
pernas e entrelaçou os dedos. Bem. salvou-se da tentação de ficar em ridículo.
- E se não tivesse sido médico? Que profissão teria eleito?
- Pescador.
- Esta brincando.
- O que tem de mau ser pescador?
- Nada. É somente que não me parece... - Sua voz se apagou e de repente se
sentiu estúpida.
- Não te parece o que?
- Uma ocupação própria de um cavalheiro.
- Possivelmente tenha razão. Mesmo assim, é um trabalho honrado. E sem
dúvida mais útil que as cavalheirescas ocupações do jogo e da caça da raposa. Embora
o certo é que sempre fixei minhas próprias normas. Nunca entendi por que devia
passar
a vida fazendo coisas que eu não gostava simplesmente porque isso era o que se
esperava de mim. Acredito que teria sido um bom pescador. Mount's Bay é uma
excelente zona de pesca e oferece amparo incluso quando o mar se enfurece, coisa
que está acostumado a ocorrer com freqüência. Embora sempre gostei de pescar, em
qualquer época do ano, o verão era sem dúvida o melhor momento. Todos os meses
de julho esperava ansioso a excitação anual que trazia consigo a grande pesca da
sardinha.
- O que é isso?
- A sardinha do Cornwall, um peixe local. Os homens lançam enormes jogue a
rede desde seus navios, formando um imenso círculo ao redor do grupo de peixes, que
recebe o nome de banco. O procedimento bem poderia comparar-se ao modo em que
as ovelhas
são conduzidas as redis. Dúzias de pessoas, entre quem me incluía, esperávamos
na borda, onde atirávamos das tremendas redes cheias de milhares de peixes até a
praia. Logo amontoávamos esses milhares de peixes em qualquer contêiner, cesta e
cubo de que dispuséramos. Resultava estimulante e exaustivo, e era sem dúvida o
evento mais esperado da temporada.
- O que fazia durante o resto do verão?
- Passear pelas praias. Colecionar conchas. Fazer vandalismos com o Colin.
Estudar as estrelas. Desfrutar dos picnics. Agarrar caranguejos e lagostas.
- Agarrava-as você?
- Sim. - Olhou-a às escondidas com um só olho e sorriu. - Estranha era a vez que
chegavam por seu próprio pé aos pratos do jantar, sabe?
Vitória sorriu a sua vez e em sua mente se materializou uma imagem: a de um
jovem bonito e despenteado, com a pele dourada pelo sol, agarrando caranguejos,
caminhando pela areia com o cabelo a mercê da enérgica brisa do mar. A imagem
ficou então substituída pela de si mesma jovem, e o contraste lhe resultou quando
menos dilacerador.
- Enquanto você dedicava a todas essas coisas, eu aprendia a dançar, a bordar e
a falar francês. Você passava o tempo aqui, junto ao mar, enquanto eu me criava em
Londres. Nossa casa de campo fica a três horas de viagem da cidade. Você desfrutava
da companhia de seu irmão enquanto o meu se teria deixado matar antes de passar
tempo comigo. Você te criou sabendo que queria ser médico enquanto eu cresci
sabendo que teria que fazer um bom matrimônio para assegurar meu futuro. Quão
distintas
foram nossas vidas.
- Não me cabe dúvida de que tanto seu pai como seu irmão se encarregarão de
assegurar seu futuro.
- Meu pai velará por minha segurança econômica, mas desgraçadamente não
posso depender de que meu irmão possa fazer nada por mim. E inclusive se ele
pudesse, eu quero ter uma família. Filhos.
Nathan rodou até ficar convexo de flanco, apoiou o peso da parte superior do
corpo no antebraço e a olhou com uns olhos cheios de seriedade.
- Se pudesse ter sido algo distinto à filha de um barão, o que te teria gostado de
ser?
- Um homem - respondeu Vitória sem o menor indício de dúvida.
Tinha esperado que sua resposta fizesse sorrir ao Nathan. Entretanto, o olhar
dele permaneceu firme e sério.
- Que classe de homem? Um barão? Um duque? Um rei?
- Tão só... um homem. Para poder escolher. Para que meu destino não estivesse
determinado por meu sexo. Para que também eu pudesse escolher se quero ser
médico, pescador ou espião. Não tem nem ideia de quão afortunado é.
O olhar do Nathan se tornou pensativo. Logo, assentiu devagar.
- Nunca me tinha exposto isso assim. Como foi sua infância?
Vitória apoiou o queixo em seus joelhos dobrados e meditou sua resposta.
Ninguém lhe tinha perguntado antes nada semelhante.
- Solitária. Tranqüila. Sobre tudo a partir da morte de minha mãe. Desde não ter
amado tão profundamente a leitura, possivelmente teria me tornado louca. Não sabe
quanto te invejo por ter um irmão com o que pode falar. Com o que compartilhar
coisas.
Edward é dez anos mais velho que eu. A julgar por todo o tempo que passamos
juntos, facilmente poderia ter sido filha única.
- Não posso nem imaginar minha vida sem o Colin. Embora, devido à diferença
de interesses que nos define (Colin acredita que a ciência é sinônimo de tortura e
preferiria deixar-se cortar a cabeça antes que estudar latim, por não falar do fato
de que teve que aprender as responsabilidades que suporta o título), também eu
passei grande parte de meu tempo só. - Observou-a durante vários segundos e disse:
- Parece que possivelmente inclusive cheguemos a ter algo em comum.
Vitória fingiu escandalizar-se.
- Que impróprio. Embora deva te dizer que nunca quis ser pescador.
- Melhor. Essas toscas redes não fariam mais que arruinar suas suaves mãos. -
Seu olhar se deslizou até as mãos dela, que seguiam relajadamente entrelaçadas ao
redor de suas pernas. Vitória sentiu que os dedos lhe esticavam involuntariamente.
Foi então quando Nathan voltou a elevar os olhos até os dela. - Devo te dizer,
Vitória, que embora entenda os motivos que possam te levar a desejar ser um homem,
alegra-me sobremaneira que não o seja.
- E por que? Acaso teme que ganhasse no bilhar?
- Absolutamente. Sou um jogador de bilhar insobrepasavelmente excelente.
- Acreditava que estávamos de acordo em que "insobrepasavelmente" não era
uma palavra.
- Eu acreditava o contrário. Mas dá igual. O motivo por que me alegra que não
seja um homem é que, se fosse, não poderia fazer isto...
Estendeu o braço e lhe acariciou o dorso da mão com a gema do dedo, lhe
cortando o fôlego. Os dedos de Vitória se soltaram e tomou a mão com suavidade e a
levou aos lábios.
- Nem tampouco isto - sussurrou, ao tempo que seu quente fôlego lhe acariciava
a pele. Beijou com infinita suavidade o dorso das gemas dos dedos de Vitória.
Como era possível que com todo o ar que lhes rodeava os pulmões de Vitória
tivessem deixado de funcionar? antes de que pudesse encontrar uma resposta, lhe
soltou a mão e se incorporou até ficar sentado. Seu rosto estava apenas ao meio
metro do dela e o calor que brilhava em seus olhos a fascinou. O aroma de sândalo
misturado com o sutil aroma da nata de barbear burlou seus sentidos, alagando a de
um insuportável desejo de tocar com os lábios a pele pulcramente raspada do Nathan,
que tão cálida e firme lhe desejava muito.
- Certamente, nem me passaria pela cabeça fazer isto.
Estendeu de novo a mão e acariciou a bochecha de Vitória com a gema do
polegar para examinar cuidadosamente seus cabelos com os dedos, lhe acariciando a
nuca até pegar a palma à parte posterior da cabeça. De algum modo, um ofego deveu
abrir-se passo dos pulmões de Vitória, porque soltou um comprido suspiro de prazer.
Nathan se inclinou para frente e atirou brandamente dela para ele até que
apenas um suspiro separou os lábios de ambos.
- E isto seria totalmente impensável. - Sua boca revoou sobre a dela, uma, duas
vezes, em um inicio de carícia que não fez mais que incitá-la. Entretanto, em vez de
satisfazê-la, Nathan se abriu passo a beijos brandamente sobre seu queixo, roçando-a
apenas. Sua língua brincou com o lóbulo da orelha, provocando um imediato ofego, e
seus quentes lábios se aproximaram então à pele sensível de detrás da orelha. -
Rosas... - Suspirou, ao tempo que essa singela palavra provocava uma descarga de
calafrios que percorreu as costas de Vitória. - Como é que sempre cheira tão
maravilhosamente a rosas?
Os olhos de Vitória se entrecerraram e estirou o pescoço para facilitar ao Nathan
o acesso a ele.
- Meu banho. Aromatizo-o com água de rosas.
Nathan se tornou para trás e ela quase não conseguiu reprimir um gemido de
clara decepção. Abriu com esforço os olhos e ficou imóvel ao ver o fogo que ardia nos
olhos dele.
- Então cheira a rosas... por todo o corpo.
Não era uma pergunta, a não ser uma afirmação formulada de uma voz rouca e
áspera que sufocou um gemido. Qualquer que fora a resposta que Vitória tinha
esperado dar se evaporou quando as gemas dos dedos do Nathan riscaram
brandamente seus rasgos.
O fogo que acendia o olhar dele se mesclava com uma expressão desconcertada,
como se estivesse tentando resolver um misterioso quebra-cabeças.
- Seguro que lhe dizem ao menos uma dúzia de vezes ao dia quão formosa é.
Uma risada breve e ofegante escapou dos lábios de Vitória.
- Não acredita. Embora não negarei que me disseram isso alguma vez.
- Alguém lhe há dito isso hoje?
- até agora não.
O lábio de Nathan lhe roçou o lábio inferior.
- É formosa.
- Obrigado. Embora...
- O que? Prefere que empregue a palavra deliciosa? Se for assim, será um prazer
te agradar.
- Não. É somente que... em realidade não significa nada.
- A que te refere?
- A ser formosa. Ou, ao menos, não deveria.
- O que quer dizer?
- Que não é algo sobre o que a pessoa tenha nenhum controle. Certamente, não
me parece um grande lucro... como o é ser médico. Não requereu nenhum esforço
nem nenhum talento especial por minha parte. Não é algo que te converta em decente
nem em amável. Mesmo assim, ao parecer é a razão pela que mais me admira.
Possivelmente a única. Bom, isso e a fortuna de minha família... embora tampouco
isso é algo sobre o que eu tenha o menor controle, e tampouco um completo. Não
requer nenhum esforço nem nenhum talento especial.
A expressão do Nathan se tornou ainda mais desconcertada.
- Surpreende-me te ouvir falar assim. Imaginava que lhe dava uma grande
importância à beleza.
Vitória suspirou para seus adentros ante sua irrefreável tendência ao falatório. É
que não aprenderia alguma vez a manter a boca fechada? Entretanto, e tendo
chegado tão longe, não viu razão alguma para não prosseguir.
- Não negarei que desfruto da roupa bonita e que eu gosto de estar formosa, o
qual suponho é uma sorte, pois, dada minha posição, é o que se espera de mim.
Entretanto, levo no coração uma imagem de minha mãe... Minha mãe, que era tão
formosa que poucos eram os que obtinham não fixar nela o olhar. E, entretanto,
apesar de toda sua beleza, não foi realmente feliz.
À mente de Vitória acudiu a imagem morena e imponente de sua mãe rindo
alegremente diante de seus convidados e chorando depois em sua habitação.
- Depois que eu nasci, teve dois abortos. As duas perdas a sumiram em um halo
de melancolia do que jamais se recuperou. Quando morreu, logo que tinha completo
quarenta anos. E ainda era formosa. Mas para que lhe serve? Quanto a mim, eu
somente desejava poder desfrutar de minha mãe. Pouco me importava que fora
formosa ou uma bruxa. Teria dado tudo o que tinha, toda minha suposta "beleza" por
um dia mais com ela. Por um mais de seus escassos sorrisos. - Um véu aquoso
apareceu em seus olhos e piscou para eliminá-lo. Deixou escapar um suspiro coibido. -
Suponho que o que quero dizer é que a beleza exterior é totalmente... inútil.
Nathan a olhava com uma peculiar expressão no rosto, como se fora a primeira
vez que a via, e Vitória sentiu que a percorria uma quebra de onda de vergonha. Deus
do céu, de novo se tinha ido da língua.
- Segue me surpreendendo, Vitória - disse ele devagar, procurando-a com o
olhar. - E não creio que eu goste muito das surpresas.
Ela piscou e entrecerrou os olhos.
- Então, obrigado. Asseguro-te que não recordo ter ouvido jamais palavras tão
gratas.
Nathan meneou a cabeça como em um intento por limpar-se.
- Sinto muito. Não pretendia que soasse assim. - Estendeu de novo a mão e lhe
apartou um cacho da bochecha. - Me perdoa?
Vitória viu evaporar-se sua irritação com a mesma rapidez com a que tinha aceso
nela. Nathan parecia muito sincero, e mostrava uma expressão decididamente séria e
grave, embora... desconcertada. Se havia uma mulher em algum canto do reino capaz
de resistir a sua tenra petição, sem dúvida essa mulher não era ela.
- Perdoado - sussurrou.
O olhar do Nathan pousou em seus lábios e o corpo de Vitória se acelerou,
impaciente, ante a iminência de outro beijo. Em vez de beijá-la, ele se levantou de
repente.
- É hora de voltar.
Vitória olhou ao chão para que ele não pudesse ver a decepção que a
embargava. Seu sentido comum aplaudiu a decisão. Obviamente, nada tinha de
prudente seguir sentada em uma manta de picnic, compartilhando beijos e
confidências. O coração, não obstante, desejava passar ali o resto do dia.
Embora esses sentimentos não formassem parte de seu plano, não sabia como
freá-los. Tinham passado somente dois dias desde que tinha acreditado que podia
partir dali, livre do Nathan e intacta atrás de seu encontro? Sim. E aí estava, depois de
tão pouco tempo, definitivamente afetada e sentindo já algo que pouco tinha que ver
com a liberdade. Se Nathan era capaz de desbaratar seus planos em tão só dois dias,
o que seria capaz de fazer em duas semanas?
Santo Deus. Não soube decidir se aquela possibilidade a aterrava mais que a
entusiasmava.
Capítulo 14

A mulher moderna atual deve compreender que os homens freqüentemente dizem


uma coisa e pensam outra. Por exemplo: "Você gostaria de me acompanhar a dar um
passeio à luz da lua?" significa: "Quero te beijar". Entretanto, quando um homem diz
"Quero te beijar", não há possibilidade de confundir o significado de suas palavras. A
única questão por elucidar é se a dama desejará lhe corresponder.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore.

Três horas depois de sua volta ao Creston Manor, e detrás ter deixado a Vitória
no salão com sua tia, Nathan seguia passeando-se pelos limites de sua habitação com
as idéias misturadas como uma meada de linho totalmente atada. Teria que ter estado
concentrando-se em tentar averiguar onde podiam estar escondidas as jóias. De fato,
teria que ter saído para as buscar. Mesmo assim, tinha dado sua palavra de que não
efetuaria nenhuma busca sem Vitória, e passar mais tempo com ela não era nesse
momento uma boa idéia. Menos ainda quando sua capacidade de autocontrole estava
quase a ponto de lhe jogar uma má passada. Maldição, Vitória tinha aceso fogo nele.
Simplesmente sentando-se em uma manta.
Vê-la comer tinha sido um exercício de tortura. Tinha requerido de um
monumental esforço para não apartar a um lado a comida e simplesmente estreitá-la
entre seus braços.
Nathan tinha acreditado que estender-se de barriga para cima e fechar os olhos
para não lhe vê-la seria de alguma ajuda, mas ao reclinar-se tão só tinha conseguido
desejar com todo seu ser atirar dela e tombá-la sobre seu corpo estirado.
Mexeu os cabelos e deixou escapar um comprido suspiro. Demônios, é obvio que
tinha conhecido antes o desejo, mas esse... esse doloroso desejo por ela, a intensa
paixão que Vitória inspirava nele, não podia comparar-se a nada do que tinha
experiente até então. Sempre se tinha considerado um homem dotado de uma grande
capacidade de autocontrole, delicadeza e paciência. Mas de algum modo Vitória lhe
despojava dessas três qualidades. Não queria beijá-la, não. O que desejava era
devorá-la.
Não queria lhe baixar o vestido dos ombros, mas sim desejava arrancar-lhe do
corpo. Com os dentes. Não queria seduzi-la lentamente. O que em realidade desejava
era empurrá-la contra a parede mais próxima e simplesmente fundir-se com ela.
Fazer-lhe amor tórrida, suadamente, escandalosa e abrasadoramente. Logo, voltá-la
de costas e começar de novo.
Se Vitória tivesse chegado ou seja a metade das coisas que desejava lhe fazer,
fazer com ela, quase com toda probabilidade jamais conseguiria recuperar-se da
comoção.
Quando a necessidade de sentir as mãos sobre ela, de beijá-la, houve-se por fim
convertido em algo insuportável, Nathan se tinha rendido ao desejo embora tinha feito
impetuosos esforços por conter-se e apenas a havia meio doido.
Embora tinha saído gracioso do transe, o esforço lhe tinha passado fatura.Apesar
de que tinha desejado desesperadamente seguir com ela junto ao caminho e prolongar
a excursão, conhecia suas limitações e bem sabia que as tinha alcançado com
acréscimo.
Uma carícia mais ou um beijo mais teriam derrubado o tênue controle que ainda
exercia sobre seus atos.
Deteve-se junto à janela, abrangendo com o olhar a vasta extensão de grama,
as árvores imensas e a língua de águas azuis e coroadas de pequenas orlas brancas
visíveis na distância. Essa vista sempre lhe tinha acalmado. Mas já não.
Sentia tensos os nervos e os músculos, e uma sensação de frustração como não
a tinha sentido em sua vida rondava por seu ser. E, maldição, todo isso era culpa de
Vitória.
Soltou um gemido e se passou as mãos pela cara. Acaso tinha acreditado que
podia resistir a ela? Sim.E possivelmente poderia havê-lo conseguido se a atração que
sentia para ela não tivesse passado de um pouco meramente físico. Ao menos tinha
abrigado
a esperança de poder manter-se firme ante os encantos de uma mulher que era
somente formosa. E a oportunidade era sem dúvida maior se a mulher em questão
resultava ser superficial, oca e fastidiosa, como tinha suposto que ocorreria com
Vitória.
Mas como resistir ao encanto de uma mulher que não era somente formosa, mas
sim dava amostra de tantas outras facetas que ele encontrava irresistíveis? Tinha-a
desejado do momento em que a tinha visto, mas cada instante que tinha passado em
sua companhia revelava outra inesperada faceta de sua personalidade que não fazia
mais que aumentar a fome que a jovem despertava nele.
Vitória tinha demonstrado não ter medo a lhe fazer frente. Era uma mulher
divertida. Engenhosa. Inteligente. Tinha-lhe devotado sua compaixão, sua amabilidade
e compreensão. Acreditava-lhe inocente do delito que lhe imputava. Tinha tentado
ganhar a amizade de seus patos. Gostava de sua gata. Seu cão. E seu cão e sua gata
lhe tinham tomado carinho. Apesar de todas suas posses, tinha sofrido a solidão, e o
fato de que tivesse sido capaz de renunciar a todas essas posses, e a sua beleza,
por poder acontecer um dia mais com sua mãe...
Maldição, em nenhum momento tinha esperado encontrar nela uma mulher...
vulnerável. Não tinha imaginado que Vitória pudesse lhe tocar o coração. Não tinha
desejado afeiçoar-se assim com ela. Sentindo o coração acelerado, o estômago
encolhido e a mente adormecida. Uma mulher que jamais seria dele. Uma mulher que,
em questão de semanas, prometeria-se a outro homem.
- Agh! - apertou-se as pálpebras com a base das mãos para apartar a tortuosa
imagem em que ela levantava o rosto para receber o beijo de outro homem. Basta.
Precisava desterrar a de sua mente. Apagar o sabor, o aroma e o contato de Vitória.
Tinha que começar a concentrar-se nas coisas nas que deveria estar pensando.
As jóias. Para assim poder dar com elas ou convencer-se de que não havia a menor
esperança das encontrar e recolher suas coisas e a seus animais e voltar para sua
tranqüila vida.
Um banho. Um comprido e revigorante banho na água fria lhe devolveria o
julgamento e esfriaria esse ardor indesejado.
Aliviado ao saber-se possuidor de um plano, saiu apressadamente de sua
habitação. Ao entrar no vestíbulo, perguntou ao Langston em voz baixa:
- Onde estão todos?
- Seu irmão se foi ao Penzance e deu instruções de que não lhe esperem até
tarde - informou o mordomo com voz baixa. - Seu pai, lady Vitória e lady Delia tomam
o chá no terraço.
Excelente. Podia evitar facilmente o terraço.
- Se alguém lhe perguntar, não me viu. Estarei de volta para o jantar.
- Sim, doutor Nathan.
Com um suspiro de alívio, saiu da casa.
Vitória removeu um torrão de açúcar em sua terceira xícara de chá; e assentiu
com ar ausente ao que dizia tia Delia. E não é que importasse muito que não estivesse
emprestando atenção à conversação sobre uma festa a que tia Delia e lorde Rutledge
tinham assistido quase uma década antes, pois estava convencida de que sua
presença tinha ficado pouco menos que esquecida. Não se tinha produzido uma só
interrupção em animado falatório que tinha lugar entre sua tia e lorde Rutledge desde
que uma
hora antes se sentaram a tomar o chá. Tinha pensado em desculpar-se e
abandonar a mesa, mas não podia resistir ao delicioso clima dessa magnífica tarde. E,
se pelo contrário, optava por permanecer na casa, teria que as ver-se a sós com seus
pensamentos... uma perspectiva que não desejava contemplar. Haveria tempo de
sobra para isso durante a larga noite que a esperava.
Além disso, produzia-lhe um imenso prazer ver sua tia tão animada e
desfrutando desse modo. Havia alguns homens com os que tia Delia ia ao ópera de
vez em quando, jamais lhe faltavam casais em um baile, mas não deixava de insistir
em que se tratava de homens aos que a unia uma larga amizade.
Vitória nunca tinha visto ruborizar-se a sua tia. Um favorecedor rubor tingia o
rosto da senhora ao tempo que ria de algo que lorde Rutledge, quem sem dúvida
também desfrutava da conversação, havia dito.
Um apagado repico nas lajes situadas atrás dela chamou a atenção de Vitória,
que se voltou imediatamente. R.B., com a cabeça regiamente elevada, cruzava
trotando o terraço em direção a ela. Ao chegar a seu lado, estampou-lhe brandamente
sua
enorme cabeça contra a coxa. Com uma discreta risada, arranhou-lhe detrás das
orelhas enquanto o animal levantava o focinho e farejava o ar.
- Cheira a bolachas, verdade? - murmurou.
O olhar entusiasta que apareceu nos inteligentes olhos escuros do R.B. indicou
claramente que assim era. Vitória rompeu sua bolacha e lhe ofereceu uma parte ao
cão, que, depois de dar conta da guloseima, apoiou a cabeça em seus joelhos e lhe
dedicou um olhar de absoluta adoração.
- Hum. Suponho que devo pensar que semelhante atenção é fruto da gratidão,
embora algo me faz suspeitar que se deve a que quer mais.
Por resposta, R.B. quadrou-se, lambeu-se o focinho e lançou um olhar de súplica
à bolacha que ficava no prato.
- E suponho que esperas que compartilhe minha última bolacha contigo.
R.B. deixou-se cair sobre seu traseiro e levantou a pata direita.
Vitória se pôs-se a rir.
- Essa parece ser sua resposta para tudo. Felizmente para ti, resulta irresistível. -
Partiu então a bolacha em várias partes e, quando acabava já de oferecer ao R.B. o
último, alcançou a ver um brilho branco com a extremidade do olho. Ao voltar tirou o
chapéu a um homem que entrava nos bosques situados depois dos estábulos. Embora
a figura desapareceu em questão de segundos, não havia a menor duvida de que se
tratava do Nathan. Vitória se levantou da cadeira como se tivesse sido lançada
com uma catapulta.
- Céus, está bem, Vitória?
Apartou os olhos do ponto onde o bosque se tragou ao Nathan para olhar a sua
tia.
- Sim, estou bem. Assustou-me uma... uma abelha. - Agitou os braços no ar para
resultar mais convincente. - Já se foi. Embora agora que estou de pé, acredito que irei
dar um passeio, se não se importam.
- Claro que não, querida - disse tia Delia.
- Absolutamente. Desfruta desta deliciosa tarde - disse lorde Rutledge com um
sorriso. - Embora o sol não demorará para baixar. Não esqueça de retornar antes de
que se faça de noite.
Depois de lhes assegurar de que assim o faria, não duvidou um segundo mais.
Ao recordar sua promessa de não vagar por aí sozinha, assobiou brandamente ao R.B.
para que a acompanhasse. O cão não demorou para pôr-se a caminhar junto a ela, e
Vitória cruzou o terraço com passo decidido como um navio navegando a toda
vela, resolvida a averiguar o que era o que Nathan se trazia entre mãos. OH, sim,
possivelmente estivesse simplesmente dando um inocente passeio pelo bosque, mas o
certo é que tinha observado algo decididamente furtivo em sua atitude. Tinha-lhe visto
apressar-se cabisbaixo, como se não desejasse ser visto. Embora não pensava voltar a
lhe acusar de estar procurando as jóias só sem ter provas para isso, estava decidida a
levar a cabo certo trabalho de espionagem a sós para assegurar-se de que essa
prova não existisse.
Dedicou ao R.B. um desolado sorriso.
- Reza para que seu dono não ande por aí escondido, procurando o tesouro sem
mim, porque do contrário... - Sua voz se apagou ao não ser capaz de pensar em um
castigo o suficientemente extremo. - Do contrário, terá demonstrado ser um
mentiroso.
Desonroso. Um homem sem integridade que não mantém sua palavra.
Mesmo assim, possivelmente isso fora o melhor. Se Nathan demonstrava ser
desonroso, com isso mataria a indesejada atração que sentia por ele. Jamais poderia
albergar uma atração semelhante por um homem de pobre caráter, por muito
arrumado ou encantador que fora. Acelerou o passo.
- Vamos, R.B. Descubramos o que é o que trama o grande espião.
Quando, minutos mais tarde, entraram no bosque, Vitória avançou
apressadamente pelo atalho perfeitamente delimitado. Assim que se aproximaram da
bifurcação, diminuiu a marcha e olhou ao R.B.
- Tem ideia de por onde foi?
R.B. farejou o ar e tomou então o atalho que levava ao lago. Com os lábios
firmemente apertados em uma única linha inexorável, Vitória seguiu ao cão,
esquadrinhando a direita e esquerda, olhando, escutando. Mas nada pôde ver salvo as
árvores e a folhagem; nada ouviu salvo o gorjeio dos pássaros e o ranger das folhas a
mercê da brisa sobre sua cabeça. As largas sombras caíam sobre o atalho, perfiladas
pelos raios cada vez mais pálidos, anunciando a volta do iminente crepúsculo.
Quando se aproximavam de uma curva do caminho, R.B. pôs-se a correr e
desapareceu pela curva. Segundos mais tarde, Vitória ouviu um claro rangido
procedente da maleza.
- R.B. - sussurrou, elevando a voz tudo o que foi capaz. Aonde diabo tinha saído
correndo assim o cão? Provavelmente atraz de um coelho ou um esquilo. Ou
possivelmente teria encontrado ao Nathan? Maldição, não tinha o menor desejo de ser
descoberta por ele, pois era ela a que supostamente estava exercendo o trabalho de
espião. Obviamente, se ele a encontrava, sempre podia dizer que tinha saído a dar um
passeio com o cão. O qual era totalmente certo.
Ao dobrar a curva viu um estreito atalho que se desviava à direita. Posto que
essa era a direção em que tinha ouvido afastar-se ao R.B., seguiu o atalho, tentando
pisar com cuidado para passar o mais inadvertida possível. Um minuto mais tarde
pôde vislumbrar o lago entre as árvores. O atalho girava bruscamente à esquerda e,
ao seguir seu traçado, Vitória tropeçou de repente com o R.B. que estava sentado com
a língua fora e agitando a cauda junto a uma estranha massa escura. Desejou com
todas suas forças que não se tratasse dos restos de algum pobre animal que o cão
acabasse de caçar.
- Assim estava aqui - murmurou, aproximando-se com soma cautela, inclinando-
se para diante e estudando sospechosamente a massa de estranho contorno que não
mostrava o menor sinal de vida. O medo lhe encolheu o estômago. - Por favor, que
não seja um coelho. Nenhum esquilo. Nenhum...
Bota.
Endireitou-se como uma marionete atirada por dois fios. Aproximando-se um
pouco mais à massa para investigar, descobriu que não se tratava somente de uma
bota, mas sim de um par delas. Colocadas em cima de um montão de roupa
torpemente dobrada.
Não havia dúvida de quem pertencia. Podia reconhecer as botas gastas do
Nathan e suas calças nata em qualquer parte. E se tinha a roupa ali, isso queria dizer
que ele estava...
Nu.
Céus... Se sentiu devorada por uma rajada de calor. Nathan lhe tinha falado do
muito que desfrutava nadando no lago. Obviamente era isso o que estaria fazendo,
pois Vitória duvidava muito que estivesse procurando as jóias...
Nu.
Agachou-se e olhou o lago entre a densa folhagem. A água era como uma
lâmina de cristal azul que absorvia os brilhantes reflexos laranjas e vermelhos do sol
poente em sua antiga superfície. Não havia nem rastro dele. Maldição!
Ejem... excelente. Poderia sair dali sem ser vista. Seu olhar voltou a posar-se no
montão de roupa e franziu os lábios. Hum...
Jogou um rápido olhar a seu redor, certificando-se de que estava efetivamente
sozinha, e voltou a olhar a roupa, que parecia lhe sussurrar: "me leve, me leve".
OH, mas não podia fazê-lo. Ou sim? A voz de um duendezinho em seu interior
lhe dizia que é obvio podia. Nathan estava acostumado a essa classe de jogos...
incluso tinha confessado que se divertiu com eles durante sua infância. Quando diabo
ia Vitória dispor de novo de semelhante oportunidade? Nunca. Virtualmente rindo de
júbilo, recolheu a toda pressa a massa de roupa e ficou em pé. Depois de jogar
um último olhar ao lago para certificar-se de que Nathan não se aproximava da
borda, deu meia volta. E ficou gelada.
Nathan estava de pé ante ela. Nathan empapado, com a pele brilhante e finos
fios de água deslizando-se por seu corpo para o chão...
Deus... Do... Céu.
"lhe olhe à cara. lhe olhe à cara." Mas seu desobediente olhar não lhe fez o
menor caso, mas sim ficou fascinadamente presa em seu torso com o estupefato zelo
de um ladrão que se tropeçou inesperadamente com um saco cheio de dinheiro.
Pérolas
de umidade serpenteavam pelo músculo do peito do Nathan, aferrando-se ao
escuro arbusto de pêlo que se estreitava até desenhar uma sedosa cinta ao tempo que
dividia em dois o musculoso abdômen... para logo alargar-se e embalar seu...
Deus... Do... Céu.
Vitória tão só podia olhar e agradecer de ter a mandíbula presa ao rosto, do
contrário a teria visto cair ao chão ante seus pés. Deus santo. Nathan era... magnífico.
Apesar de que não tinha com quem lhe comparar, não havia dúvida de que estava
delicioso e... generosamente formado. Sem dúvida, o resto de seus membros - seus
braços e pernas- eram igualmente deliciosos, coisa que não demoraria para verificar
assim que suas pupilas recordassem como mover-se. perguntou-se bobamente se o
Manual
Oficial do Espião fazia referência a essa situação: ladra de roupa paralisada,
reduzida a uma massa lhe babem e insensata com um par de pupilas
monstruosamente estáticas ante a visão de um delicioso e magnífico homem nu.
- Vá. Quase como no gato com botas, não te parece?
O som de sua voz profunda e divertida arrancou a Vitória de seu estupor. Elevou
bruscamente o olhar para encontrar-se com o dele. Um brilho pícaro dançava nos
olhos do Nathan. Com toda probabilidade a Vitória lhe ocorreria uma réplica
engenhosa em um prazo de um ou dois anos. Possivelmente em três ou quatro. Nesse
instante tão só foi capaz de articular o único som que lhe veio à cabeça.
- Humm?
- O gato com botas. O conto. Com a única diferença de que não há aqui um rei
que possa me oferecer sua capa. Só você. - Arqueou uma sobrancelha escura. -
Suponho que não estará disposta a te tirar o vestido.
Santo Deus, nada lhe teria gostado mais. Sobre tudo tendo em conta o calor que
fazia ali. Tinha a sensação de estar assando-se por dentro. O bom julgamento,
entretanto, prevaleceu e Vitória elevou o queixo.
- É obvio que não. - Diabo, de verdade era sua voz esse estridente som?
- Nem sequer em altares do bom espírito esportivo? Certamente, um gesto assim
equilibraria as condições do jogo, não te parece?
- Não vejo que o fato de estar os dois nus igualasse as condições do jogo.
- Ah, não? Bom, estaria encantado de lhe ensinar isso
- Acredito ter visto... - ia dizer: "Muito menos do que quereria", mas se limitou a
acrescentar: - O bastante, obrigado.
- Possivelmente poderia explicar o que está fazendo aqui. Deu-me sua palavra de
que não vagaria por aí sozinha.
- Não estava sozinha. Acompanhava-me R. B.... - Emudeceu ao dar-se conta de
que o cão não estava já a seu lado. Jogou um rápido olhar a seu redor, mas não
houve forma de dar com ele. Ora. Maldito desertor. Já podia voltar a lhe pedir uma
bolacha.
- Que estava aqui faz um momento, asseguro-lhe isso. Em qualquer caso, sabia
que não estaria sozinha assim que te encontrasse.
Um sorriso que só teria podido ser descrita como de um lobo curvou os lábios do
Nathan.
- Assim vieste a me buscar. Adula-me sabê-lo. Acaso esperava tomar um banho
comigo?
- É obvio que não. Vi-te entrar às escondidas no bosque e...
- E, uma vez mais, tornaste a suspeitar que saía a procurar as jóias sem ti?
Outra quebra de onda de calor, nessa ocasião induzida pela culpa, subiu por seu
pescoço.
- Não exatamente. foi mais um desejo de provar que não tinha saído para as
buscar sem mim.
- Ah, bem. Como verá, assim é.
- Certo. Estava nadando. Não está fria a água nesta época do ano?
- De fato, está muito fria.
- Você gosta da água fria?
- Absolutamente.
- Então por que nadava?
- Está segura de que quer ouvir a resposta?
Santo Deus, não estava segura de nada, e menos ainda de por que seguia aí de
pé como se a tivessem atarraxado ao chão e não deixava de conversar com ele
enquanto Nathan seguia nu. E molhado. E nu.
Tragou saliva.
- Por que me pergunta continuamente se quero ouvir as respostas a minhas
perguntas?
- Porque suspeito que em realidade não quer. Ou que não está preparada para
as ouvir. E quando digo respostas refiro às respostas sinceras e sem adornos, e não às
tolices adoçadas que seus aristocráticos amigos lhe ofereceriam.
- Asseguro-te que estou perfeitamente preparada para ouvir a resposta por que
estava nadando.
- Muito bem. Não podia deixar de pensar em ti. A ideia de te tocar, de te beijar,
de fazer o amor contigo estava me deixando louco. Pareceu-me que um mergulho de
cabeça na água fria do lago conseguiria acalmar meu ardor.
Embora, como já haveria visto, não foi assim. - Baixou intencionadamente os
olhos e o olhar de Vitória seguiu o seu.
Deus... Do... Céu.
- Está-te ruborizando, Vitória.
O olhar dela voltou a cravar-se no seu.
- Ah, sim? Sim, suponho que assim é. É que nunca... tinha visto um homem nu.
- E por que ia isso a te envergonhar? Se houver alguém nesta festa improvisada
que deveria estar envergonhado, sem dúvida teria que ser a pessoa que está nua.
- Está envergonhado?
- Não. Não é vergonha o que sinto. Obviamente.
"Obviamente."
- Bom, alegra-me ouvir isso. Porque, por isso vejo, não há nada do que... hum...
deva te envergonhar.
- Obrigado. Tampouco você. Já te hei dito que não tem do que te envergonhar
comigo, Vitória.
Sim, isso lhe havia dito. Entretanto, a vergonha que a embargava nada tinha que
ver com a reação do Nathan e sim muito com a sua própria. Com o fato de que, em
vez de voltar-se de costas, não pudesse deixar de lhe olhar. Era tanto o que desejava
lhe tocar que chegava inclusive a tremer. O que sentiria ao posar suas mãos
nessa formosa pele de homem? Seus lábios? Embora sempre se considerou uma dama
dos pés à cabeça, não havia nada que a qualificasse do contrário no que desejava
fazer ao
Nathan. Nem no que desejava que ele fizesse a ela.
Sentiu a pele tensa e quente sob o vestido, que de repente lhe encontrou muito
exageradamente restritivo, lhe constrangendo a respiração até que tão só pôde
respirar em leves ofegos. Os mamilos lhe endureceram, convertidos já em ofegantes
pontas, e a carne escondida entre as coxas se tornou pesada, palpitando ao uníssono
com seu acelerado coração.
- Está bem, Vitória?
Ela se umedeceu os lábios.
- Está-o você?
- Uma vez mais, volta a responder a uma pergunta com outra.
- Coisa que não estou acostumada a fazer habitualmente. Você tem a culpa. Faz-
me... - Pegou com firmeza os lábios para sossegar o fluxo de palavras.
Nathan deu um passo para ela e Vitória sentiu que o coração lhe dava um
tombo.
- Faço-te o que?
Tremer. Desejar. Desejar coisas que não deveria, pensou Vitória.
- Dizer coisas que em outras circunstâncias jamais diria. E fazer coisas que não
estou acostumada a fazer - disse, em troca.
- Possivelmente isso seja bom. Possivelmente esteja descobrindo aspectos novos
de sua natureza. Ou mostrando traços que até agora tinha mantido ocultos, consciente
ou inconscientemente.
- E por que ia fazer algo semelhante?
- Por muitas razões. As rígidas normas da sociedade. Porque suas experiências
passadas não lhe proporcionaram a suficiente liberdade para que conheça sua
autêntica natureza. Daí que faça o que se espera de ti e não o que deseja seu coração.
Dizer o que pensa e atuar seguindo o ditado de seus impulsos pode resultar
muito liberador.
- Não podemos ir por aí dizendo ou fazendo o que gosta.
- Não muito freqüentemente - concedeu Nathan, - e não com todo mundo. Mas
às vezes... às vezes sim podemos. - Deu um passo mais para ela. - Quero que se sinta
livre para me dizer o que quiser. - Outro passo. - Ou para que faça o que goste.
Uma meia dúzia de coisas que Vitória desejava lhe fazer se formaram
redemoinhos imediatamente em sua cabeça, lhe acendendo ainda mais o rosto. O
olhar do Nathan se passeou por suas ardentes bochechas e um brilho malicioso
apareceu em seu olhar.
- Há alguma possibilidade de que me faça uma oferta similar, minha senhora?
"Sim, por favor."
- Não, obrigado.
- Vá, que... desilusão. Mas mantenho minha oferta. - Deu três passos adiante. A
distância que lhes separava era já de apenas meio metro. - Uma das coisas que
aprendi a admirar por ti é seu valor. Não há nada que temer. Este lugar é
absolutamente privado. me diga pois, Vitória... o que é o que quer?
Deus santo, Nathan a levava a querer tantas coisas... Embora o certo era que
todas elas bem podiam resumir-se em uma.
- Quero te tocar.
As palavras fluíram de seus lábios em um apressado corrente. Sem a menor
vacilação, lhe tirou das mãos o esquecido montão de roupa que ela seguia aferrando
contra seu peito e o jogou a um lado. antes de que Vitória tivesse sequer oportunidade
de tomar fôlego, ele a agarrou os braços e lhe colocou as mãos no centro de seu
peito.
- Pois me toque.
O fogo que viu arder nos olhos do Nathan dissolveu por completo seus
pensamentos, fundindo sua modéstia e prendendo seu valor. O calor lhe abrasou as
palmas e baixou o olhar a suas mãos, pálidas contra o dourado bronzeado da pele do
Nathan.
Lhe soltou então os braços, relaxando as mãos contra os flancos, e Vitória
estirou os dedos para roçá-lo. Temperado. Nathan estava muito temperado. E firme.
Suave. Como o cetim quente sobre o ferro.
Devagar, estendeu de todo as palmas, esmagando as gotas de água que
seguiam ainda presas da pele do Nathan, ao tempo que o sedoso e áspero pêlo do
peito lhe enredava entre os dedos.
- Palpita-te o coração - sussurrou Vitória. "Quase tão depressa e com tanta força
como o meu."
- Não deveriam te surpreender.
Vitória negou com a cabeça. Ou ao menos isso acreditou. Essa era sua intenção,
mas cada grama de sua atenção estava posto no processo de ver como suas mãos
voltavam a deslizar-se sobre o peito do Nathan. A respiração acelerada dele era prova
manifesta de que desfrutava com isso, animando-a para que se dirigisse com maior
audácia. Deslizando suas mãos para cima, seguiu a linha de seus largos ombros para
baixar logo por seus poderosos braços até os cotovelos.
- É muito forte - murmurou.
Nathan deixou escapar um som rouco e carente de humor.
- Normalmente, estaria de acordo contigo - disse com voz profunda, áspera e
estridente de uma vez. - Neste momento, entretanto, tenho a armadura
decididamente... ahhh... - As gemas dos dedos de Vitória lhe roçaram os mamilos. -
Trincada.
Os músculos do Nathan se contraíram sob o suave contato de seus dedos e uma
quebra de onda de satisfação feminina como não tinha conhecido até então a
percorreu. Encorajada, fascinada e transfigurada, Vitória deslizou devagar as mãos em
descida, absorvendo a textura de seu abdômen liso e musculoso e o calafrio que
percorreu ao Nathan. Deslocou então as mãos para os flancos, acariciando primeiro o
v que desenhava sua cintura e depois os quadris até que não pôde seguir baixando
sem dobrar seus rígidos joelhos e posar as mãos naquelas coxas cobertas de áspero
pêlo. A masculinidade do Nathan se elevava entre ambos. Fascinante. Sedutora.
Nathan parecia ter deixado de respirar e Vitória elevou o olhar.
A crua intensidade que viu nos olhos dele a deixou perplexa. Qualquer dúvida
que pudesse ter albergado sobre se afetava ao Nathan tão profundamente como ele a
afetava a ela se desvaneceu com esse simples olhar. Sem apartar os olhos dos dele,
acariciou a dureza de sua excitação com o dorso dos dedos.
Os olhos do Nathan se fecharam de repente, e lhe dilataram as aletas do nariz
ao tempo que inspirava bruscamente. De novo, Vitória lhe roçou com os dedos,
maravilhada ao notar a calidez de sua dureza. Esta vez, Nathan a recompensou com
um gemido apenas perceptível. Com sua própria respiração marcando uma série de
irregulares ofegos entre seus lábios, Vitória baixou o olhar e se observou enquanto
acariciava a dura extensão do Nathan, primeiro com uma mão e depois com as duas,
ao tempo que os gemidos dele se voltavam mais e mais guturais com cada carícia de
seus dedos sobre sua carne quente e suave. Ele mantinha as mãos fechadas em uma
massa de nódulos brancos contra os flancos, e Vitória pôde lhe ver flexionar os
músculos das pernas, os braços, os ombros, o queixo e o pescoço, tensos pelo esforço
que empregava em tentar seguir imóvel. Enfeitiçada, envolveu a firme dureza dele
com os dedos e a apertou com suavidade.
- Vitória... - Seu nome se dissolveu em um suave gemido. Ela voltou a apertar e
roçou então com a gema do polegar a aveludada cabeça inflamada de seu membro. -
Basta. - A palavra foi apenas um gemido torturado que pareceu chegar arrancado da
garganta do Nathan. Agarrou os braços de Vitória e apartou suas mãos dele. - Maldita
seja, basta. Não posso mais. Antes de que ela tivesse sequer oportunidade de tomar
fôlego, Nathan a atraiu bruscamente contra ele e uniu sua boca à dela. Mesmo assim,
nenhum fôlego teria sido o suficientemente profundo, nenhuma preparação suficiente,
para a investida daquele beijo. Se durante o picnic Nathan apenas a havia meio doido,
agora parecia tocá-la por toda parte, da cabeça aos pés, estreitando-a com tanta força
entre seus braços que Vitória pôde sentir seu calor e sua força através da roupa e até
os muito mesmos pés. Nathan a beijava como se quisesse devorá-la, e ela se aferrava
a seus ombros, disposta, ansiosa, desesperada por ser devorada, deleitando-se em
cada matiz dessa língua que não deixava de explorar sua boca com enfebrecida e
apaixonada perfeição.
Com um gemido de puro prazer, Vitória lhe rodeou o pescoço com os braços e se
aferrou a ele com força. Ele voltou a beijá-la uma e outra vez em um arrebatamento
de lábios, fôlego e línguas, reduzindo a um minúsculo bote à deriva em uma tormenta
feroz, tentando desesperadamente manter-se flutuando no mar de sensações no que
se inundava.
Totalmente perdida, Vitória se aferrou ainda mais a ele, afundando os dedos em
seu cabelo ainda molhado, pegando os ofegantes seios contra seu peito, a ponto de
estalar, em chamas. Necessitada. Sumida em um torvelinho de desejo.
Retorceu-se contra ele e Nathan trocou então o tempo, suavizando o frenético e
enlouquecido intercâmbio até transformá-lo em uma profunda e lânguida sedução que
a sumiu ainda mais no vórtice de necessidade vertiginosa em que bracejava. As mãos
do Nathan se moveram livremente pelas costas dela, percorrendo seus flancos até lhe
acariciar os seios. Vitória arqueou as costas entre suas palmas, uma silenciosa súplica
a que ele respondeu imediatamente. Uma cálida mão se introduziu em seu sutiã.
Os dedos do Nathan, seus dedos mágicos, acariciaram primeiro um ofegante
mamilo, logo o outro, lhe lançando uma descarga de fogo diretamente ao útero.
Nathan abandonou então os lábios de Vitória e seguiu lhe beijando o pescoço ao
tempo que apartava as mãos do sutiã e as deslizava costas abaixo. Quando o ar frio
lhe acariciou as pernas ardentes, Vitória foi consciente de que lhe tinha levantado a
saia, formando redemoinhos ao redor da cintura. Com tão só sua roupa interior entre
ambos, Nathan insinuou um joelho entre as suas, e Vitória separou gostosamente
ainda mais as pernas, procurando pegar sua ofegante carne feminina contra ele.
Agarrando-a com firmeza pelas nádegas e gravando o calor que desprendiam
suas palmas na pele de Vitória através do fino tecido da roupa interior, Nathan atirou
dela para cima, apressando-a a que se pegasse mais a ele e guiando seus quadris em
lentos círculos contra a dureza de sua coxa.
Vitória deixou cair a cabeça para trás e um prolongado suspiro de puro prazer
vibrou em sua garganta. Era vagamente consciente de que Nathan lhe beijava o
pescoço, das mãos dele sobre seus ombros nus, pois toda sua atenção estava posta na
carne que palpitava enfebrecidamente entre suas pernas. Nas incríveis sensações que
a percorriam com cada círculo que perfilavam seus quadris das peritas mãos do
Nathan. Ele acelerou o ritmo e a respiração de Vitória se tornou entrecortada, abrupta,
ao tempo que seus quadris se ondulavam, pegando-se ainda mais a ele, com maior
desespero, procurando alívio, movendo-se cada vez mais perto do precipício de algo...
algo... E então foi como se saltasse do bordo do abismo e se inundasse em um
torvelinho de sensações. Um espasmo de prazer a percorreu, lhe arrancando um grito
de surpresa dos lábios que se fundiu em um profundo grunhido ao tempo que os
tremores diminuíam e remetiam por fim. Débil e presa de uma frouxidão deliciosa e
desarticulada, inclinou-se para diante, agradecida ao sentir o suporte dos fortes braços
do Nathan a seu redor. Fechou os olhos, apoiou a frente na curva onde se
encontravam o pescoço e o ombro dele, e deixou escapar um profundo suspiro. A
cabeça lhe encheu do aroma de sua pele de homem, um aroma quente, delicioso e
excitante que Vitória só poderia haver descrito como embriagador. Um aroma que
jamais esqueceria.
Quando sua respiração recuperou o ritmo habitual e se sentiu capaz de mover-
se, levantou a cabeça. Cravou então o olhar nos sérios olhos castanhos salpicados de
bolinhas douradas do Nathan. Deus santo, o que esse homem lhe tinha feito sentir...
Vitória tinha lido sobre o prazer no Guia feminino, mas a descrição não fazia
absolutamente justiça ao que acabava de experimentar. E Nathan lhe tinha
proporcionado todo esse agradar sem nem sequer tocá-la intimamente. Que diabo
haveria sentido se ele a houvesse preenchido? Quão mais incrível podia ser?
Sentiu uma premente necessidade de dizer algo, de dar fé do que acabava de
lhe ocorrer, mas foi de tudo incapaz de pensar em nenhuma palavra que fizesse justiça
à ocasião. Sem dúvida, em uma ou duas semanas conseguiria pensar em algo
brilhante, mas nesse momento o único que lhe ocorreu dizer foi:
- Nathan.
A expressão dele se suavizou e a sombra de um sorriso apareceu em seus lábios.
- Vitória. - Com infinita suavidade lhe aconteceu um cacho rebelde atraz da
orelha. - Está bem?
Ela fechou brevemente os olhos e soltou um prolongado e feminino suspiro.
- Sinto-me... fantasticamente. Salvo pelos joelhos. Acredito que me desloquei
isso.
O sorriso cintilou nos lábios do Nathan, que roçou os dela com a gema do
polegar.
- Não te terei feito mal?
- Não. - Pousou sua mão na bochecha dele. - Me enfeitiçaste. Roubaste-me o
fôlego.
- Como o tem feito você com o meu. me enfeitiçando também. - Depois de lhe
depositar um breve beijo na ponta do nariz, disse: - vou vestir me e assim poderemos
ver o que ocorre a esses joelhos.
Soltou-a com suavidade e as saias que ela ainda tinha recolhidas ao redor da
cintura caíram sobre suas pernas como baixa o pano de fundo sobre o cenário ao
término da ópera. Quando Nathan foi recolher sua roupa, Vitória soube que devia
voltar-se de costas para lhe conceder um pouco de privacidade, mas foi de tudo
incapaz de apartar o olhar dele. E embora indubitavelmente teria que haver sentido
algum remorso, ou um espiono de vergonha, tão só sentiu júbilo. Se algo lamentava,
era unicamente que o interlúdio tivesse concluído.
Enquanto via como Nathan colocava as calças, não pôde evitar reparar em seu
estado de excitação mantida. Para esclarecer a garganta, disse:
- Permitiste-me uma grande liberdade com seu corpo.
- Foi um verdadeiro prazer.
- Também para mim.
Nathan se encolheu de ombros em sua camisa e sorriu.
- Me alegro.
- Mas você... hum... não te tomaste o mesmo grau de liberdades comigo.
- Um esforço que me há flanco um sentido, asseguro-lhe isso.
- Posso te perguntar por que... tem feito semelhante esforço?
Nathan deixou bruscamente de grampeá-la camisa e seu olhar pareceu afiar-se
de repente.
- Está-me perguntando o por que não fiz amor contigo?
O calor tingiu as bochechas de Vitória.
- Pergunto-me por que não me acariciou como eu o tenho feito contigo.
- É a mesma pergunta. Porque se te houvesse acariciado desse modo, sem
dúvida teríamos feito amor.
- E não era isso o que queria.
Nathan arqueou as sobrancelhas.
- Ao contrário. Acredito que resultou dolorosamente evidente que sim. Se não fiz
amor foi unicamente por consideração para ti, não para mim. - E deixando a camisa
desabotoada, apagou a distância que lhes separava. Estreitando-a com suavidade
entre seus braços, buscou-a com o olhar. - Vitória, não esqueça que se fizermos amor,
eu nada arrisco, enquanto que você arrisca tudo. Independentemente do que possa
pensar de mim, não sou homem dado a obter prazer sem pensar nas conseqüências
de meus atos.
E, se quiser que te seja totalmente sincero, o momento dá ponderar essas
premissas não é quando um se encontra sexualmente excitado nem durante a
complacência posterior agradar. - Flexionou os dedos sobre os braços dela.
- Algo me ocorre quando te toco... - Meneou a cabeça. - Demônios... algo me
ocorre quando estou na mesma habitação que você. Diminui minha capacidade de
autocontrole. Meu bom julgamento.
Um arrepio percorreu a Vitória ante essa confissão.
- Não tem sentido negar que padeço dessa mesma "coisa" que você.
Qualquer fantasia de que sua concessão agradaria ao Nathan se desvaneceu ao
ver a expressão turvada que apareceu nos olhos dele.
- Nesse caso, muito é o que tem que ter em conta. E o melhor será que
retornemos a casa agora mesmo.
Soltou-a e se retirou uns passos para terminar de vestir-se. Sobressaltada,
Vitória se deu conta de que se feito muito tarde ao ver as sombras do iminente
crepúsculo convertidas em um manto cinza cada vez mais escuro sob a densa
folhagem das árvores.
Alisou as rugas do vestido e reparou o melhor que pôde o desastre que as mãos
do Nathan tinham causado a seus cabelos. Quando ambos terminaram, lhe estendeu o
braço com um cortês floreio, indicando assim devia lhe preceder pelo estreito atalho
que levava de retorno ao caminho principal. Entretanto, quando ela passou por diante
dele, ele alargou o braço e tomou a mão, levando-lhe aos lábios. Embora o ligeiro
beijo que depositou sobre o dorso dos dedos de Vitória poderia ter sido qualificado de
decente, nada tinha que decente no travesso brilho que apareceu em seus olhos.
- Para que saiba, Vitória - disse ao tempo que seu quente fôlego lhe acariciava a
pele, - independentemente do que outras decisões possam tomar-se, que tenho
intenção de me vingar pela doce tortura que suportei esta tarde em suas mãos.
E que o farei quando menos lhe espere isso.
Ufff. Santo Deus, tinha que levar consigo um balde de água para apagar as
chamas que esse homem prendia nela. Nathan pôs-se a andar pelo estreito atalho,
esperando claramente que lhe seguisse, tarefa absolutamente fácil quando acabava de
reduzir sua mente e seus joelhos a gelatina com semelhante declaração. Entretanto, a
crescente escuridão a arrancou de seu estupor e saiu correndo atrás dele. O atalho
virou e, assim que torceu a curva, viu o Nathan esperando-a no caminho.
O olhar de Vitória se concentrou em seu rosto e pôs-se a andar para ele. Ora.
Obviamente, ele acreditava que podia ir por aí soltando afirmações provocadoras como
essa e afastar-se tranqüilamente. Bem, já lhe ensinaria ela...
- Vitória!
Vitória ouviu o grito de aviso do Nathan no preciso instante em que um braço
musculoso a agarrava por detrás, imobilizando-a contra um duro torso. Viu o brilho
prateado de uma faca justa quando sentiu que lhe pegavam a folha ao pescoço.
Capítulo 15

A mulher moderna atual em sua busca da satisfação e da aventura íntima pode ver-se
em uma situação considerada perigosa. Nesse caso, deve manter a calma e seguir
centrada em seu objetivo: conseguir sair de dita situação. Se falharem todos os
intentos diplomáticos, uma patada no lugar oportuno está acostumado a obter os
resultados esperados.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore.

- Um som, um só movimento - grunhiu o homem junto ao ouvido de Vitória- e


terá selado seu próprio destino.
Aterrada, Vitória pegou os lábios e retrocedeu em sua resistência enquanto
procurava o Nathan com o olhar.
Nathan pôs-se a andar para diante mas se deteve em seco quando o homem
apertou ainda mais a folha da faca contra o pescoço de Vitória. Seus olhos se posaram
nos dela e lhe lançou um olhar com a que lhe indicava claramente que devia escutar
ao louco que brandía a faca.
- Um passo mais e a degolo - ameaçou o homem em um tom que conseguiu
deslizar uma chicotada de medo pelas costas de Vitória.
- Solte-a - disse Nathan com uma voz glacial e acerada que Vitória jamais tinha
ouvido de seus lábios.
- Será um prazer lhe agradar, assim que consiga o que quero.
- Darei-lhe o que deseje. Assim que a solte.
- Temo-me que não funcionam assim as coisas, posto que sou eu quem sustenta
a faca contra seu pescoço. Por certo, falando de facas, quero que agarre o que leva na
bota, devagar e com cuidado, e o jogue aos arbustos. Se fizer algum movimento
rápido, doutor, a dama sofrerá por isso.
- Sabe quem sou - afirmou Nathan com voz letal.
- Quem é e quem era. - Atirou de Vitória, pegando-a ainda mais a ele. - Faça o
que lhe digo.
Apenas capaz de respirar com a folha da faca tão pega ao pescoço, Vitória
observou como Nathan, sem apartar nem um segundo o olhar do rosto do homem,
tirava lentamente uma faca de sua bota e o lançava sobre os arbustos.
- Agora, solte-a.
- Assim que me entregue a carta.
- Que carta?
Com um simples giro de seu braço, o homem roçou a folha da faca a pele
situada sob o queixo de Vitória, que não pôde conter um ofego. Uma cálida umidade
descendeu por seu pescoço e lhe nublou a vista assim que foi consciente de que se
tratava
de seu próprio sangue.
- Sua estúpida pergunta deixou uma cicatriz na dama. Se fizer outra, custará-lhe
uma orelha. Se afirmar não ter o que procuro, perderá a vida. Entendido?
Uma breve pausa.
- Sim - disse Nathan.
- Quero a carta que estava na bolsa da dama. Agora. Dê-me isso devagar e com
cuidado, e partirei.
Santo Deus. Ia morrer. Nathan não levava a carta em cima. Vitória sabia que ele
tentaria salvá-la, mas o que podia fazer sem uma arma e sem a carta? Sua vida estava
a ponto determinar. Ali. Nesse preciso instante. Em mãos desse homem horrível.
Que provavelmente também mataria ao Nathan. Assim que foi consciente disso,
um terror espantoso lhe obscureceu a visão.
- Como sei que a soltará quando lhe der o que quer?
- Suponho que terá que confiar em minha palavra. - A malvada gargalhada que
Vitória ouviu junto a sua orelha lhe pôs a pele de galinha. - Não se preocupe, doutor.
Minha palavra vale tanto como a sua. Honra entre ladrões, já me entende.
Vitória tomou a que sem dúvida seria sua última baforada de ar enquanto via
que Nathan voltava a agachar-se lentamente, esta vez para tirar-se da bota um
pedaço de papel vitela dobrado. Percorreu-a uma sacudida de pura comoção. A carta.
Levava-a em cima. sentiu-se alagada por um halo de esperança, que não
demorou para apartar a um lado o terror que momentaneamente a tinha paralisado.
Entretanto, Vitória estava segura de que Nathan não pensava lhe dar a carta, o
mapa, a esse rufião. Em qualquer momento utilizaria alguma de suas engenhosas
táticas de espião para desarmar e capturar ao ladrão. Não obstante, viu-lhe
incorporar-se e estender o braço com a nota entre o polegar e o índice.
- Atire me grunhiu isso o rufião. - Quero vê-la cair justo a meus pés, do
contrário, a dama pagará por isso.
A nota voou pelos ares. Com o queixo apontando ao céu, Vitória não pôde ver
onde aterrissou a carta, embora dado que seu pescoço seguia intacto, deu por feito
que a pontaria do Nathan tinha sido a esperada.
- Agora deite-se no chão, de barriga para baixo - ordenou o homem ao Nathan.
Muito bem. Em qualquer momento Nathan empregaria qualquer de seus truques
de espião para lhes salvar e desarmar ao homem. Vitória manteve o olhar fixo em seu
rosto, esperando alguma sorte de sinal, alguma indicação do que Nathan queria que
fizesse, mas os olhos dele em nenhum momento se separaram do homem que a
sujeitava. Vitória seguiu lhe observando com todos os sentidos alerta. Nathan deitou
sobre o atalho de barro como lhe tinha ordenado.
- As mãos detrás da cabeça, doutor.
Nathan entrelaçou as mãos detrás da cabeça.
Um arranque de fúria como não recordava ter experiente até então estalou em
Vitória. Maldição, aquele tipo ia se sair com a sua!
- E agora, minha dama - disse o rufião, lhe jogando seu fôlego quente ao ouvido,
- quero vê-la caminhar até onde está o doutor e deitar-se de barriga para baixo com
as mãos detrás da cabeça, exatamente como ele.
Se fizer o menor ruído ou qualquer outra coisa lhe cravarei a folha desta faca
entre os omoplatas. E ao doutor também.
Jamais se havia sentido tão impotente nem cheia de raiva em toda sua vida.
Apesar de que desejava com todas suas vontades chiar e lutar, temeu que o homem
cumprisse com sua ameaça. Nas pontas dos pés como estava, nem sequer podia dar
um mínimo impulso para proporcionar um bom pisão. Mas algo dentro de si a
empurrava a atuar. Possivelmente se pudesse lhe tirar a nota do bolso ao ladrão
poderia dar assim ao Nathan a oportunidade de fazer algo.
Em um cego intento por consegui-lo, deu um chute para o lado.
Mas nesse preciso instante o ladrão a soltou, apartando a dele com um violento
empurrão. Vitória se cambaleou para diante, e se pisou na barra do vestido com a
bota de cano longo.
Com um involuntário chiado, caiu bruscamente sobre seus joelhos e aterrissou
sobre o ventre com um contundente golpe que lhe arrebatou o ar dos pulmões.
Logo que tinha podido dar-se conta do ocorrido quando umas mãos tomaram
com suavidade dos ombros e a voltaram de barriga para cima. Viu ante si o rosto do
Nathan, cuja expressão era a viva imagem da preocupação.
- Vitória - sussurrou cheio de preocupação enquanto seu olhar lhe estudava
atentamente o pescoço e se tirava a camisa de um puxão. Ela se levou os dedos ao
ponto de dor e percebeu nas gemas uma substância quente e pegajosa.
- Estou sangrando.
- Sim, sei. Preciso ver quanto.
- Onde está...
- Foi-se.
- Mas tem...
- Chist... Isso não importa. Não se preocupe.
- Mas deve...
- Cuidar de ti. Não fale. Agora volta um pouco a cabeça para aqui... Isso é. -
Sentiu que Nathan lhe limpava o dolorido pescoço com algo suave... devia ser sua
camisa.
- O corte é pequeno - lhe ouviu dizer com uma voz calma em que acreditou
adivinhar um toque de alívio. - vou aplicar lhe pressão para deter o sangue. Fica
aquieta e te relaxe.
Ficou quieta, embora a possibilidade de relaxar-se lhe desejou muito um
autêntico mistério, e viu que Nathan dobrava uma parte de sua camisa que logo
aplicou com firmeza à pele situada justo debaixo de seu queixo. Enquanto sustentava
o tecido com uma mão, concentrou-se no resto de seu corpo, examinando os
arranhões que Vitória tinha nas palmas das mãos e lhe levantando as saias para
explorar com grande delicadeza seus doloridos joelhos. Logo lhe fez um exame geral,
apertando aqui e ali, lhe perguntando se isto ou aquilo lhe doía. Essa era uma faceta
dele que Vitória não conhecia... a profissional. A forma de tocá-la era sem dúvida a de
um médico a seu paciente: tenra, hábil e impessoal.
- Nada sério - lhe informou Nathan com um tranqüilizador sorriso. - Estará
dolorido durante alguns dias, embora tenha um bálsamo que te ajudará. - Pousou o
olhar no pescoço de Vitória. - E agora joguemos outro olhar a esse corte.
Depois de reduzir lentamente a pressão que exercia sobre a ferida, retirou a
improvisada vendagem.
- Já quase deixou que sangrar. - Voltou a dobrar a camisa e de novo colocou o
tecido contra o pescoço de Vitória. Logo tomou a mão e a pôs sobre a bandagem. - Se
sente o bastante forte para pressionar aqui?
- É obvio. Não sou a presunçosa flor de estufa que acredita. - Embora tinha
pretendido parecer firme em sua resposta, viu envergonhada que lhe tremia o lábio
inferior ao tempo que uma quente umidade se abria passo atrás de seus olhos.
O sorriso que Nathan lhe dedicou não fez mais que piorar a sensação.
- Minha querida Vitória, é a moça mais valente que conheci.
- Tentei-o...
- Estiveste maravilhosa.
Uma imensa lágrima ficou presa de suas pestanas, lhe velando a visão e
deslizando-se pouco depois por sua bochecha.
- Não sei o que me passa. Não sou dessa classe de mulheres choronas. - Outra
lágrima escorregou por sua bochecha e Vitória sorveu. - De verdade, não o sou.
Nathan lhe secou as lágrimas com dedos tenros.
- Não sei, carinho. É uma jaqueta. Mas até os guerreiros sorvem as lágrimas
depois da batalha.
- De verdade?
- Naturalmente. - E dito isto, levantou-a em braços.
- O que... o que faz?
- Te levar para casa. - Nathan pôs-se a andar energicamente pelo atalho. - Te
agarre bem.
Vitória lhe rodeou o pescoço com o braço que tinha livre, posando a mão sobre
sua pele cálida e nua.
- Posso andar. - acreditava-se obrigada a protestar.
- Sei. Mas me sinto melhor se te levar nos braços, assim me agrade. Por favor.
- Bom, se me pedir isso por favor... - Suspirou e se aconchegou ainda mais
contra ele, repousando a bochecha sobre seu forte e quente ombro. Entrecerrou então
os olhos e de repente sentiu como se todas suas forças se evaporassem, deixando-a
exausta.
Embora não tanto como para lhe impedir de fazer uma pergunta. - Esse homem
te conhecia. Conhecia- você a ele?
- Não.
- Como supõe que estava à corrente da existência da carta?
- Não sei. E, para te ser justo, neste momento me preocupa mais me assegurar
de que esteja bem que me perguntar sobre o maldito bastardo que te feriu. Podemos
falar disso assim que te tenha tratado e esteja a salvo e comodamente instalada junto
ao fogo da chaminé. por agora, te limite a te concentrar em manter a pressão sobre
esse corte.
Vitória logo que reparou no emprego pouco cavalheiresco de semelhante
amostra de linguagem obscena em boca do Nathan mas estava tão esgotada que
decidiu acontecê-lo por alto.
Quando chegaram à casa, foram recebidos por um perplexo Langston. depois de
tranqüilizar ao escandalizado mordomo e lhe assegurar que Vitória não estava ferida
de gravidade, Nathan disse sem mais rodeios:
- Necessito que levem imediatamente a minha habitação água quente, tiras de
algodão limpo e uma garrafa de brandy. - Dito isso, subiu a escada.
- A sua habitação? - disse Vitória com um sussurro escandalizado. - Não pode me
levar a sua habitação.
- Sim, é claro que posso. Ali é onde tenho meu instrumental médico e não penso
te deixar sozinha para ir busca-lo.
- Poderia perfeitamente ficar sozinha durante uns instantes. Não me passaria
nada.
- Não me cabe dúvida. Mas possivelmente a mim sim. E não tem sentido discutir
pois já chegamos.
Nathan empurrou com um joelho a porta, que deixou totalmente aberto a
propósito por respeito ao decoro. E não é que lhe preocupasse muito as normas de
comportamento social, mas não queria causar nenhuma preocupação gratuita a
Vitória.
Depois de cruzar apressadamente o tapete Axminster marrom, dirigiu-se à cama,
depositando-a brandamente sobre o edredom.
- Mantén a pressão sobre a ferida um pouco mais - disse, sem alterar um ápice a
expressão do rosto enquanto tocava com os dedos a mão de Vitória, que seguia
apertando o pescoço com sua camisa dobrada. A camisa do Nathan, tinta com as
manchas
carmesins do sangue de Vitória. - Vou procurar minha maleta e lavar as mãos.
Nathan se dirigiu à bacia de cerâmica colocada no canto junto ao enorme
armário de cerejeira onde guardava sua maleta de trabalho. Apesar de que odiava a
ideia de apartar os olhos de Vitória durante um segundo, deu-lhe as costas enquanto
vertia a água na bacia e se esfregava as mãos com sabão. Deus bem sabia que
necessitava uns segundos para acalmar-se.
Maldição, por muitos anos que vivesse, jamais esqueceria a espantosa imagem
de Vitória com essa faca contra o pescoço. A única vez que havia sentido um temor
semelhante tinha sido quando tinha encontrado ao Gordon e ao Colín feridos pelos
disparos.
E nem sequer esse episódio podia comparar-se com o espantoso terror que lhe
tinha embargado ao ver esse louco aparecer de um nada, separando-se das sombras
situadas detrás de Vitória, e esse brilho de aço mortal ao sujeitá-la.
O sangue de Vitória deslizando-se por seu pescoço até lhe manchar o vestido.
Era culpa dele, demônios. afastou-se muito para poder protegê-la. por que a
tinha perdido de vista embora tivesse sido um só instante? Acreditava que ela estava
exatamente detrás dele. Quando havia se tornado e tinha descoberto que não era
assim, teria que ter retornado a procurá-la. Mas a tinha visto um instante depois,
andando para ele, e a tinha visto aproximar-se, adorando sua forma de mover-se.
Adorando sua imagem. E então a comoção provocada por essa sombra em
movimento...
Fechou com suavidade os olhos para desfazer-se da nauseabunda imagem.
Depois. Já se enfrentaria a ela depois, junto com a retribuição que pensava lhe
reservar a aquele bastardo quando desse com ele. E estava decidido a lhe encontrar.
Embora nesse momento, o que Vitória precisava era um médico.
Ouviu que batiam na porta e viu entrar no Langston com uma enorme bandeja
em que levava um balde de água fumegante, tiras de algodão e brandy.
- Na mesinha de noite, doutor Nathan?
- Sim. - E, enquanto se secava as mãos, perguntou: - Onde está lady Delia?
- No salão, com seu pai.
- Bem. Não desejo lhes alarmar, sobre tudo vendo a natureza pouco
preocupante das feridas de lady Vitória. Deme um quarto de hora para que lhe limpe e
lhe cubra os cortes e baixarei a contar-lhe pessoalmente.
- Sim, doutor Nathan. - Langston se esclareceu garganta. - Possivelmente deseje
porr uma camisa antes de fazê-lo.
Perplexo, Nathan baixou o olhar para seu peito nu.
- Boa idéia. Obrigado.
Com uma leve reverencia, o mordomo saiu da habitação deixando a porta
totalmente aberta. Nathan abriu o armário, tirou sua maleta de médico com uma mão
e uma camisa dobrada e posta com a outra. Logo cruzou a estadia para a cama. Fixou
então o olhar no pálido semblante de Vitória e lhe encolheu o peito ante o que viram
seus olhos. Fazendo provisão de todo seu aprumo profissional, deixou a maleta no
chão junto à cama e dedicou a Vitória seu melhor sorriso de médico.
- Como te encontra? - perguntou, encolhendo-se de ombros dentro da camisa.
- Um pouco dolorida - admitiu Vitória com um pálido sorriso. - E sedenta.
Depois de meter-se apressadamente nas mangas da camisa, serviu-lhe um
generoso dedo de brandy.
Logo apoiou um quadril no bordo da cama e lhe aproximou o copo aos lábios.
- Beba isto.
Vitória obedeceu e enrugou o nariz.
- Urg ! Que asqueroso.
- De fato, e a julgar pelo refinado gosto de meu pai no que faz referência ao
brandy e a que encontrei... hum... várias caixas do melhor Napoleón, suspeito que é
um brandy excelente.
Vitória arqueou uma sobrancelha.
- Encontrado, diz? E onde encontra umas caixas de brandy francês?
Nathan se encolheu de ombros e adotou sua expressão mais inocente.
- OH, aqui e ali.
- Hum. Bom, se isto for o melhor que conseguiu fazer Napoleón, não é de sentir
saudades que lhe desterrassem.
Uma gargalhada retumbou na garganta do Nathan. Nela encontrou um alívio
mais que bem-vindo à tensão que lhe embargava.
- Pode ser que não seja de seu gosto, mas te ajudará a acalmar a dor, assim
bebe.
Vitória lhe lançou um potente olhar, mas obedeceu. Quando o copo esteve vazio,
disse:
- Esta espantosa porcaria me vai abrir um buraco no estômago.
- Que sorte a tua que seja médico e possa te curar.
- Você e só você é o causador do problema por me haver obrigado a tomá-lo.
- Que não se diga que não ponho solução às aflições que causo. - Deixou a um
lado o copo vazio e umedeceu um punhado de tiras de algodão na água fumegante. -
E agora, se pode cooperar e me deixar fazer meu trabalho, agradecerei-lhe isso de
coração.
Vitória lhe olhou com uma repentina combinação de suspeita e de ansiedade.
- Quanto me agradecerá isso?
- O suficiente para ordenar que lhe tragam uma bandeja com o jantar e lhe
preparem um banho relaxante em sua habitação. O que te pareceria isso?
- Delicioso. É somente que...
Nathan extraiu a água das tiras de algodão.
- O que?
- Não confio muito nos médicos. - As palavras saíram em turba de entre seus
lábios.
Nathan assentiu com gesto sério.
- OH, eu tampouco. São uma turma de velhos malvados com as mãos frias que
se dedicam a manusear exatamente ali onde mais dói.
- Exato!
- Pois te considere afortunada de que eu não seja nem velho nem malvado, de
que não tenha nunca as mãos frias e que antes me atiraria ao Támesis que te fazer
danos.
Embora a tensão que a atendia pareceu desvanecer-se ligeiramente de seus
olhos, Vitória ainda parecia nervosa.
- Não estou muito segura de que isso soe muito reconfortante, especialmente
dada sua óbvia predileção por chapinhar na água.
- Na água do lago, sim. Na do rio Támesis? Certamente que não. - Com
suavidade, retirou a mão de Vitória do tecido sujo que seguia pressionando contra seu
pescoço. - O que foi que aconteceu com minha valente e bela do bosque?
- Possivelmente ela não seja tão valente como acreditava.
- Bobagens. É a personificação do valor. - Enquanto falava, Nathan lavou
brandamente o sangue seco, aliviado ao ver que a ferida tinha deixado por completo
de sangrar.
- E tem minha permissão para me esmurrar com a licoreira se no curso de
minhas obrigações a desgosto de algum modo.
- De acordo.
- Muito de acordo, intuo. Entretanto, nem te ocorra me esmurrar até que tenha
concluído com minhas obrigações. Agora me conte o que pensa sobre o rufião que
fugiu com nossa nota.
- Fugido, diz? - exclamou Vitória. - Não sei se esse é o termo que melhor
descreve o ocorrido. Pareceu-me que lhe deste a nota com muito gosto. - Seu tom de
voz soou ligeiramente acusador.
- Sem dúvida. Vendo que sua faca bem podia te haver talhado o pescoço em
questão de segundos, pareceu-me a melhor opção. - Depois de lhe aplicar um bálsamo
ao corte, Nathan centrou sua atenção nas arranhadas mãos de Vitória.
- Não sabia que levasse a carta em cima.
- Queria mantê-la a salvo.
Vitória deixou escapar um bufido pouco próprio de uma dama.
- Pois está claro que teria que ter eleito um lugar distinto.
Nathan arqueou uma sobrancelha e lhe deu ligeiros toques nas Palmas.
- Está zangada comigo?
- De verdade quer sabê-lo?
- É obvio.
- Bem, pois sim, estou-o. Ou, ao menos, decepcionada. Não fez nada por deter
aquele homem! Acreditava que os espiões conheciam toda sorte de truques e de
manobras para desarmar a seus rivais e ser mais preparados que eles.
Entretanto, limitou te a fazer o que ele te pediu e agora o mapa esta em seu
poder.
- E sua cabeça segue sobre seus ombros. Qual das duas opções acredita que é
mais importante para mim?
Vitória se mostrou castigada imediatamente.
- Não quero que tome por uma ingrata. Simplesmente me preocupa que possa
encontrar as jóias antes que nós.
- Não acredito que isso ocorra. Ao menos, não com a carta e com o mapa que
tem.
- O que quer dizer?
- Que a carta e que o mapa que obram em seu poder enviarão ao que o Manual
Oficial do Espião chama afetuosamente "A caça do ganso selvagem". - Lhe subiu as
saias para lhe lavar os joelhos.
- Mas... como?
- Escrevi uma carta falsa com informação equivocada. Desenhei um mapa
também falso no que retratei as ilhas do Scilly, situadas a quarenta e cinco quilômetros
da costa do Lands End.
- Nathan encolheu seus ombros, deveria lhe manter o bastan te afastado daqui
até que concluamos nossa investigação com a nota e o mapa autênticos, que, por
certo, estão a boa cobrança.
Vitória cravou nele o olhar, claramente perplexa, e sua expressão trocou então,
tingindo-se de uma mescla de admiração e humilhação.
- OH - disse com um fio de voz. - Ao parecer, devo-te uma desculpa.
- Bom, se de verdade o acredita necessário...
- OH, sim. - Levantando os olhos para ele, disse com voz suave: - O sinto,
Nathan. Deveria ter sabido que é de um brilhantismo..."insobrepasavel".
- Hum. Sim, deveria havê-lo sabido. - Sorriu e deu uma ligeira massagem ao
ungüento que acabava de lhe aplicar sobre a palma da mão.
- Sinto-me como uma autêntica estúpida. Se tropecei foi porque tentei lhe
arrebatar a nota de um chute. Acreditei que isso te daria a oportunidade de recuperar
sua faca ou de lhe reduzir de algum modo. Não sabia que o tinha tudo sob controle.
Nathan logo que pôde conter a gargalhada amarga que sentiu subir por sua
garganta. Sob controle? Não se havia sentido tão impotente em toda sua vida.
- Claro que poderia me haver contado o da nota no estratagema da bota - disse
Vitória. - Mesmo assim, salvou-me a vida. - Levou-se a mão do Nathan aos lábios e lhe
beijou os nódulos. - Meu herói. Obrigado.
Lhe acariciou brandamente o queixo com as gemas dos dedos.
- De nada. Alegra-me saber que não está desiludida ao ver que venci ao inimigo
com o cérebro em vez de fazê-lo com a força física. Mas, te lembre do que te digo:
Quando voltar a ver esse bastardo, pagará muito caro te haver machucado, te
haver feito mal.
Vitória sentiu que a percorria um calafrio.
- Espero não voltar a lhe ver. Jamais tinha passado tanto medo.
"Assim alguma vez tinha acontecido tanto medo? Pois já somos dois." Nathan
voltou a lhe baixar as saias para lhe cobrir os joelhos.
- Terminei com os curativos. Como te encontra?
- Terminaste? Já? - Vitória flexionou as mãos, dobrou os joelhos e meneou o
queixo. - Me sinto muito melhor.
- Excelente.
Embora Vitória entrecerrou os olhos, um brilho divertido apareceu em seu olhar.
- Enganaste-me.
Nathan adotou uma inocente expressão escandalizada.
- Eu?
- Distraíste-me dos seus curativos me fazendo falar.
- Isso tenho feito? Devo te confiar que não parece necessitar que lhe apressem
muito para te animar a falar.
- Hum. Muito preparado. E efetivo. Minha tia me havia dito que lhe parecia que
tem boa mão com os doentes. Não deveria ter posto em dúvida sua opinião, pois
sempre resultou que o mais acertada em suas afirmações.
- Nesse caso, dou-lhes as graças a ambas pelo completo - disse
despreocupadamente. - Quanto ao resto de seu tratamento, deixaremos que o
bálsamo que te apliquei vá penetrando na pele as próximas duas horas, durante as
quais ficará deitada e jantará.
Logo poderá desfrutar do banho quente que te prometi, depois do qual voltarei a
te aplicar o bálsamo. Ato seguido te irás dormir. De acordo?
- Sim, doutor.
- Excelente. Uma paciente dócil.
- Nada disso. Simplesmente finjo sê-lo para corresponder a sua amabilidade.
- Entendo. - Nathan retirou seus úteis e fechou com firmeza a maleta. Feito isso,
estendeu a mão para a licoreira com o brandy.
Vitória negou com a cabeça.
- OH, não. Outra vez não. Não penso voltar a provar essa asquerosa beberagem.
- Não tem do que preocupar-se. Este copo é para mim.
serviu-se dois dedos e os bebeu de um só gole. Fechou então os olhos, saboreou
o fogo que se abriu passo até seu estômago e permitiu que seus tensos músculos se
relaxassem. Quando voltou a abrir os olhos, deixou o copo a um lado. Sujeitou com
suavidade a Vitória pelos ombros e a olhou fixamente aos olhos.
- Agora que minhas obrigações como médico concluíram, quero que saiba que
não tem que me devolver nenhuma gentileza. O fato de que tenha resultado ferida é
única e exclusivamente culpa minha.
- Nada disso...
- Totalmente culpa minha, Vitória. Seu pai te enviou aqui para que te proteja.
Hoje falhei, mas te dou minha palavra de que não voltarei a fazê-lo.
O olhar de Vitória se adoçou e aproximou a palma da mão à bochecha do
Nathan.
- Não falhaste, Nathan.
- O fato de que esteja na cama prova o contrário. Do mesmo modo que este
episódio prova que há alguém desesperado por encontrar essas jóias. E que fará algo
por sair-se com a sua. - Pôs a mão sobre a dela e voltou levemente a cabeça para lhe
beijar a palma irritada. - Me Prometa que não sairá da casa sozinha. - Apesar de que
não era sua intenção soar tão severo, ainda sentia lhe espreite o temor que lhe tinha
atendido.
- Prometo-lhe isso.
Nathan assentiu e se levantou da cama.
- Vou contar lhes a sua tia e a meu pai o ocorrido. Logo direi a sua tia que suba
a verte para que te acomode em sua habitação e te ajude a te trocar.
E, como não pôde evitá-lo, inclinou-se sobre ela e lhe roçou a fronte com os
lábios. Saiu então da habitação. Enquanto avançava pelo corredor, apertou os lábios,
perfilando com eles um triste sorriso. Embora não sabia quem era o responsável pelo
ocorrido, a diferença do acontecido três anos atrás, esta vez não tinha intenção de
abandonar. Esta vez conseguiria respostas. E o responsável pagaria pelo que tinha
feito.

Capítulo 16

A mulher moderna atual deveria procurar suas próprias experiências vitais em


qualquer oportunidade, embora sempre é aconselhável escutar às demais mulheres
que, graças a seu próprio arrojo, obtiveram conhecimento sobre tais questões íntimas.
Um tempo dedicado a conversar com essas mulheres que estão versadas sobre tais
temas pode resultar reconfortante e instrutivo, e oferecerá uma guia de grande
utilidade.
Além disso, sempre é mais divertido poder dispor de uma companheira de travessuras.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore.

Vitória deixou a um lado a bandeja do jantar e recostou as costas contra os


travesseiros com um suspiro satisfeito.
- A sopa de pescado estava deliciosa.
Sorriu a sua tia, quem, depois de ajudá-la a acomodar-se e a por uma camisola
de algodão limpo, também tinha ordenado que lhe subissem uma bandeja com o
jantar.
- Acredita que a cozinheira estaria disposta a nos dar a receita?
- Bom, se não nos der isso ela, sem dúvida o doutor Oliver poderá tirar-lhe,
Observou a Vitória por cima do bordo de sua taça de vinho. - Deixa que te diga que de
ter sido outro quem me tivesse dado a notícia de sua espantosa experiência, a bom
seguro teria desacordado. Entretanto, o doutor Oliver tem... algo especial. É um
homem muito seguro de si mesmo. E tranqüilizador.
- Sim, é-o. - E muitas outras coisas, pensou. Coisas que a excitavam e a
deleitavam. Embora a confundiam e a inquietavam de uma vez.
- É tão condenadamente atrativo... - Prosseguiu tia Delia. - E forte. Mas se te
trouxe nos braços à casa! - Fingiu abanar-se com o guardanapo. - Certamente, é de
um vigor admirável. E se preocupa muito por ti, Vitória.
Uma quebra de onda de calor subiu ao rosto de Vitória do pescoço de sua
camisola.
- Naturalmente que estava preocupado. É médico. preocupa-se com todos seus
pacientes.
Tia Delia deixou sua taça de chá no prato com um decidido tinido.
- Minha querida menina, leva todo o jantar evitando com grande destreza falar
do doutor Oliver, e já é hora de que deixe de fazê-lo. - Tinha os olhos cheios de
preocupação. - Querida, se de verdade acredita que suas insônias são simplesmente
os de um médico por seu paciente, sem dúvida necessita algum reconstituinte mais
forte. Não me cabe dúvida de que te dá conta de que sente uma forte atração por ti. E
até um cego poderia ver que você sente o mesmo por ele.
Vitória se estremeceu ante seu mais que evidente transparência.
- Dado o arrumado que é, estou segura de que muitas mulheres lhe
encontrariam atrativo.
- Sim. Mas é você a única que me preocupa. - Tia Delia se levantou da poltrona
e se acomodou no bordo da cama de Vitória. - Te vejo preocupada. por que não me
conta o que te tem assim?
Vitória se agarrou no edredom. A necessidade de compartilhar com alguém a
plenitude de sentimentos encontrados entre os que se debatia a afligia. Mas não podia
confiar a sua tia a sensual natureza desses sentimentos, de seu encontro com o
Nathan.
Não podia compartilhar os escandalosos desejos, a torridez, as necessidades que
ele inspirava nela. Sua pobre tia se deprimiria ante semelhante escândalo. Pior ainda,
uma admissão dessa natureza sem dúvida significaria que sua tia não lhe permitiria
desfrutar de um só instante mais a sós com o Nathan. Enquanto que sua voz interior
lhe dizia que isso era o mais conveniente, seu coração se mostrava em desacordo.
Além disso, como podia esperar compartilhar algo que nem sequer ela compreendia?
Forçou pois um sorriso e disse:
- Agradeço seu oferecimento, tia Delia, mas estou bem.
- Entendo. Acredita que desfalecerei do susto, embora te asseguro que está
muito equivocada. - Pôs uma mão cúmplice sobre a de Vitória. - Entendo
completamente, querida. Sempre te gostou de planejá-lo tudo. Mas se até quando foi
menina planejava suas festas, e de jovenzinha fazia o mesmo com sua roupa até o
último detalhe. Planejava os dez próximos livros que pensava ler.Durante a
temporada, planejaste com absoluta precisão a que festas desejava assistir e que
cavalheiro preferia para cada baile.
Planejaste exatamente o tipo de homem com o que deveria te casar e sabe
exatamente a classe de aliança de casamento que quer... planos que tem intenção de
pôr em marcha assim que chegue a Londres. Veio ao Cornwall com um plano definido
em mente suportar durante o menor tempo possível esta visita em que seu pai tanto
tinha insistido, para logo retornar a Londres e decidir que marido tomar. E agora está
completamente perdida porque o devastador atrativo do doutor Oliver e as
inesperadas emoções que inspira em ti desbarataram todos seus detalhados planos.
A descrição que tinha feito sua tia da situação era tão certeira que Vitória tão só
pôde cravar nela o olhar.
- Como sabia tudo isso?
- Por dois motivos. Em primeiro lugar, porque minha intuição é (e o digo com a
maior das modéstias) formidável. E, em segundo lugar, porque você e eu somos muito
parecidas, e porque assim é precisamente como eu reagiria em sua situação.
Acredito que está começando a entender que o problema de fazer planos é que
carecem de espontaneidade.
- Eu não gosto da espontaneidade.
- Ao contrário. Acredito que, muito a seu pesar, está descobrindo que você
adora. Simplesmente acredita que você não gosta porque até agora a desconhecia. É
quase como dizer que você não gosta do bolo de arándanos quando jamais o
provaste.
- Seu olhar estudou o de Vitória durante vários segundos. - Nem Branripple nem
Dravensby lhe afetam deste modo.
Não tinha sentido negá-lo. Em realidade, era um alívio poder reconhecê-lo.
- Não. E não entendo por que. Os dois são arrumados. E sem dúvida são muito
mais adequados para mim que o doutor Oliver.
As sobrancelhas de tia Delia se arquearam bruscamente.
- Ah, sim?
- É obvio. Lorde Branripple e lorde Dravensby não só são candidatos socialmente
superiores, mas sim tenho com eles muitas coisas em comum.
- Sério? E não lhe parecem... aborrecidos?
Mortalmente aborrecidos, como bem se dava conta Vitória. Entretanto, em vez
de ajudar, a conversação estava começando a confundi-la ainda mais.
- Não entendo. Acreditava que te ouviria advogar contra um homem como o
doutor Oliver.
- Contra um homem afetuoso e bonito que está claramente encantado de ti e
que faz brilhar faíscas em seus olhos?
- Um homem que não possui nenhum título. Que vive em uma humilde casa de
campo, que ganha modestamente a vida e que evita a alta sociedade.
- Nada do qual o converte em inadequado, querida. Pode que não seja o
herdeiro, mas mesmo assim é filho de barão.
- E o que passa com a segurança de meu futuro? Umas bodas com o Branripple
ou com o Dravensby me converteria em condessa. Garantiria minha posição social. As
decisões que tome agora afetarão ao resto de minha vida.
- Muito certo. - Tia Delia lhe apertou carinhosamente a mão. - Embora deva sem
dúvida saber que seu pai jamais te deixaria na miséria.
- Papai espera que faça um bom matrimônio.
- É obvio. Mas quando diz "bom matrimônio" se refere a que quer verte feliz. -
Sua tia respirou fundo e prosseguiu. - E o que me diz de lorde Sutton e de lorde
Alwyck? Tem a um visconde e a um barão ao alcance da mão e está claro, depois das
duas noites que passamos em sua companhia, que ambos lhe encontram
extremamente atrativa. Custaria-me Deus e ajuda ter que decidir qual dos dois é mais
arrumado, pois ambos os são extraordinariamente bonitos.
- Sim, é certo. - Mas ante nenhum dos dois o coração lhe dava um tombo nem
lhe detinha o pulso. Nenhum despertava nela o desejo de estar perto dele para não
perder um só de seus sorrisos nenhuma só palavra de seus lábios. Com nenhum sentia
esse formigo nos dedos de puras vontades de lhe tocar. Nathan provocava nela todas
essas coisas simplesmente... sendo ele mesmo. - Mas tanto suas propriedades como
suas vidas estão aqui, no Cornwall. E, apesar de que isto não resultou ser o espantoso
lugar que eu tinha imaginado, jamais poderia viver tão longe da cidade. Da civilização.
Além disso, apenas lhes conheço, enquanto que faz anos que desfruto da companhia
do Branripple e do Dravensby.
- Tampouco faz muito que conhece doutor Oliver - disse tia Delia com voz fica, -
o qual não faz mais que provar que a duração de uma relação não é uma medida
precisa com a que mesurar nossos sentimentos. - Desviou o olhar para o fogo da
chaminé e a seus olhos apareceu a recordação. - Às vezes, uma pessoa que acabamos
de conhecer pode prender uma faísca, um desejo e um desejo que alguém ao que
conhecemos há anos jamais gostou muito.
Piscou duas vezes, pareceu então voltar em si e se voltou a olhar a Vitória.
- Estou convencida de que tanto Branripple como Dravensby seriam uns maridos
corteses e aceitáveis que lhe dariam poucas preocupações. Mas escuta seu coração,
Vitória. A vida pode resultar recatada e aborrecida ou pode pelo contrário ser uma
magnífica aventura. A vida com um homem recatado e aborrecido não será mais que
isso. Por outro lado, a vida com alguém que dá asas a seu coração... - Soltou um
suspiro sonhador como Vitória jamais tinha ouvido sair de seus lábios. - Essa vida
poderia ser uma gloriosa aventura.
- Possivelmente. Mas temos que comer enquanto desfrutamos dessa magnífica
aventura.
- Certo. Embora não é necessário desfrutar da melhor das cozinhas diariamente
para satisfazer o apetite.
- Não basta nos sentirmos fisicamente atraídas por alguém. Não tenho nada em
comum com o doutor Oliver.
- Ah, não? Seu pai me falou muito dele, e, a julgar pelo que me há dito, têm um
bom número de interesses similares.
- Como por exemplo?
- O amor pela leitura. A paixão pelo conhecimento. A afeição pelos contos de
fadas. A ambos vocês gostam dos animais.
Vitória pôs os olhos em branco.
- Nathan não tem animais normais como o resto da gente.
Sua tia se encolheu de ombros.
- Não é um homem como o resto da gente. Os dois são inteligentes, e está claro
que ele reconhece esse rasgo em ti e que o admira. Uma mulher lista sem dúvida
impressionaria a um homem como o doutor Oliver.
- Possivelmente não deseje lhe impressionar.
- Ora. Qualquer mulher com um mínimo de fôlego em seus pulmões desejaria
impressionar a um homem tão divino como ele. Quer saber o que penso?
Embora não estava segura, Vitória assentiu.
- É obvio.
- Acredito que tem medo de lhe impressionar. Que está tentando manter certa
distância entre ele e você, manter em pé as barricadas que conseguiste levantar entre
ambos.
- Sem dúvida, dada nossa situação, é o melhor. Quando retornar a Londres, vou
escolher a outro homem como marido. E não sou a classe de mulher que o doutor
Oliver deseja. Tem-me por uma presunçosa flor de estufa.
- Possivelmente não deseje te desejar, mas sem dúvida te deseja com todo seu
ser. - Tia Delia franziu os lábios e esquadrinhou a sua sobrinha durante vários
segundos. Então, o que pareceu uma faísca de satisfação cintilou em seus olhos. - Te
beijou.
O fogo abrasou as bochechas de Vitória. antes de que pudesse dar uma
resposta, sua tia disse energicamente:
- Já vejo que sim. E que sabe beijar a uma mulher.
Divertida ante semelhante amostra de franqueza por parte de sua tia, Vitória
negou com a cabeça.
- Não te escandaliza? Nem te surpreende?
- Querida, o que me surpreenderia é que não o tivesse feito. E, francamente,
seria uma verdadeira desilusão. Seria uma autêntica pena que um homem não fora fiel
à promessa que se anuncia nesse malicioso brilho que aparece em seus olhos – Mas
nesse instante seu olhar se tornou penetrante. - E agora sua curiosidade feminina
despertou.
Vitória se mordeu o lábio inferior e assentiu, separando-se de sua mente a
imagem de um Nathan molhado e nu.
- Muito me temo que de tudo.
- Confessou-te seus sentimentos por ti?
- Não.
- Tendo em conta que é um homem de absoluta franqueza, está claro então que
está tão confundido como você.
- Certamente porque não há nenhum sentimento de que falar.
Tia Delia desprezou as palavras com um gesto da mão.
- Está apaixonado por uma mulher que sem dúvida nada tem em comum com a
classe de mulher a que está acostumado.
Na mente de Vitória surgiu uma imagem... do Nathan nu, excitado, baixando a
cabeça para beijar a uma mulher. Uma mulher que não era ela. Sentiu que a
atravessava uma abrasadora pontada de ciúmes.
Um lento sorriso curvou os lábios de tia Delia.
- Isso deve lhe incomodar muitíssimo. E a ideia de que vás casar te com outro...
não acredito que lhe faça nenhuma graça - Seu sorriso se desvaneceu e cravou os
olhos em Vitória. - A questão é: o que pensa fazer com esta atração? Que plano tem?
Plano? Não tinha nenhum. Seus planos de vingança de dar um beijo ao Nathan
que o atormentasse e partir sem mais lhe desejavam muito ridiculamente inocentes. E
isso a deixava, pela primeira vez desde que tinha uso de razão, sem um plano.
Converteu-se em uma pluma à deriva em um mar enfurecido, lançada de um
lugar a outro, sumida no abandono e sem destino à vista.
Vitória se esclareceu garganta.
- Temo-me que ainda não tenha feito nenhum plano. O certo é que me sinto...
bastante perdida.
Tia Delia assentiu, pensativa.
- Creia-o ou não, Vitória, também eu me vi em circunstâncias idênticas. E tem
razão: as decisões que tome agora afetarão ao resto de sua vida. Por isso é
imprescindível que escolha acertadamente. - Levantou-se.
- Tenho uma coisa em minha habitação que quero te mostrar. Voltarei dentro de
um momento.
Saiu da habitação. Vitória nem sequer tinha começado a assimilar o assombroso
giro que a conversação com sua tia tinha experiente nem as coisas inesperadas que tia
Delia lhe havia dito quando a dama retornou com uma bolsa marrom fechada com um
cordão borlado.
- O que é isso? - perguntou Vitória enquanto a senhora voltava a tomar assento
no bordo da cama. Como resposta, sua tia desatou o laço do cordão e introduziu a
mão na bolsa. Tirou do interior um ornado anel de ouro com diamantes incrustados.
- Minha aliança de casamento.
Vitória reconheceu a peça, embora fazia anos que não a via.
- Já não o leva.
- Tirei-me isso o dia que morreu Geoffrey, e após não tornei a me pôr isso.
A compaixão se apropriou de Vitória ante o tom pouco expressivo de sua tia. Tio
Geoffrey tinha sido um homem sério e carente de senso de humor, com debilidade
pela bebida e segundo se rumoreaba, também pelos bordéis.
Tia Delia em estranhas ocasiões lhe mencionava.
Vitória olhou o anel que sua tia sustentava na palma de sua mão. Supôs que a
algumas mulheres teria gostado, dado seu óbvio valor, embora não era para nada uma
peça de seu gosto.
- Por que me ensina isso?
- Porque quero te explicar o que representa para mim. É um símbolo
contraditório que encarna tudo o que acreditei desejar e tudo o que cheguei a
deplorar. Quando volto a vista atrás, quando me dou conta do absolutamente inocente
que fui me casar com o Geoffrey... - Meneou a cabeça. - Não sabia nada de nada.
Nada do mundo. E, como não demorei para descobrir, nada sobre mim. Era do todo
inocente, e quando acessei a um matrimônio que, conforme me pareceu, respondia a
meus interesses, acreditei
que minha inocência me seria de grande ajuda.
Olhou a Vitória dando amostras de experiência e de tristeza em seus olhos azuis.
- Mas não, de nada me serve. Quando agora penso em matrimônio, o único que
me ocorre é: "Se tivesse sabido então o que sei agora...".
- O que? - perguntou por fim Vitória em voz baixa ao ver que o silêncio se
prolongava, interrompido tão só pelo tictac do relógio colocado no suporte da
chaminé. Conteve o fôlego, temerosa de dizer algo mais, de romper com suas palavras
a atmosfera de intimidade e que sua tia decidisse não compartilhar com ela essas
confidências profundamente pessoais.
A expressão de sua tia deixou de ser rude para tornar-se feroz.
- Não teria eleito como o fiz, Vitória. Teria optado por escutar o ditado de meu
coração, de minha alma, e determinar assim quais eram meus verdadeiros desejos...
não só os que acreditava entesourar unicamente porque meus planos, meus gostos,
jamais se tinham visto desafiados. Então, quando tivesse decidido o que queria na
verdade, o que realmente era importante para mim e para minha felicidade, teria
eleito em função do que desejava. E não do que outros esperavam de mim. Em função
do que me agradaria ...e só a mim. E, independentemente da batalha que escolhesse
lutar, me teria assegurado de ir bem armada e de saber o que podia esperar. Thomas
Gray propunha em sua poesia a ideia de que "a ignorância é a sorte", ao que
simplesmente posso responder que esse homem era um estúpido. No que a mim
respeita, a falta de conhecimento não é nenhuma fonte de sorte... a não ser o caldo
de cultivo do desastre. - Entregou a bolsa de seda a Vitória. - Quero que lhe fique.
Confusa e curiosa, Vitória colocou a mão na bolsa e tirou dela um livro magro.
Olhou-o durante uns segundos e ficou imóvel. Não estava segura de se lhe
surpreendia mais que sua tia tivesse aquele exemplar ou que tivesse decidido dar-lhe
Passou uns dedos vacilantes pelas discretas letras douradas da coberta de couro
marrom. Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima,
do Charles Brightmore.
- Conhece-o, naturalmente - disse tia Delia. - Quem não. É a fofoca de Londres
há meses. E com razão, pois seu provocador conselho vai muito além do que qualquer
qualificaria de decente. Mas oferece instruções e informação que me teria encantado
ter a minha disposição quando era jovem. Está cheio de informação que quero que
tenha, Vitória. Que precisa ter. Para que não cometa os mesmos enganos que eu
cometi. Para que disponha do conhecimento necessário que te permita escolher
sabiamente.
Essa viaje ao Cornwall proporcionou a possibilidade de aprender sobre ti mesma,
longe dos olhos curiosos da sociedade. É uma oportunidade que me teria encantado
ter e que me nego em redondo a te negar.
Vitória apartou o olhar do livro e levantou o olhar. Os olhos azuis de tia Delia
estavam cheios de amor e de preocupação. E entendeu nesse momento por que sua
tia não se mostrou mais diligente em suas tarefas de acompanhante.
Sem uma só palavra, colocou o livro na bolsa de seda e o devolveu a sua tia.
- Não posso aceitá-lo.
O rubor tingiu as bochechas de tia Delia.
- Escandalizei-te. Sinto muito. É somente que...
- Porque não poderia sob nenhum conceito te privar de seu exemplar quando já
tenho o meu. - esclareceu-se garganta. - Um exemplar que hei releído em várias
ocasiões.
Tia Delia piscou e rapidamente recuperou o aprumo.
Dedicou a Vitória um amável sorriso cheio de uma amostra tal de compreensão
que a jovem sentiu ao vê-la um nó na garganta.
- Então, vive sua aventura, querida. Desfruta de sua vida ao máximo. Não deixe
que seu sexo determine seu destino. Deixa melhor que a mão deste te acaricie. Deixa
algo à sorte. Segue os ditados de seu coração, a ver aonde lhe conduzem Sempre
contará com meu apoio incondicional. - Levou-se a peito a bolsa de seda que continha
o livro e uma expressão decidida se apoderou de seus rasgos. - Segue a seu coração -
reitero em voz baixa. - É o que penso fazer eu.
- A que te refere?
- A que quero ouvir cantar meu coração e minha alma. Mereço viver uma grande
paixão, a felicidade que me negou em minha juventude, e se tiver a oportunidade, não
deixarei que nada me impeça de fazê-lo. Também você te merece essa paixão e essa
felicidade, querida.
Vitória logo que podia acreditar o que ouvia. Não podia ser que tia Delia
estivesse sugerindo que... Embora sem dúvida dava a sensação de que a estivesse
animando a que...
Tomasse ao Nathan como amante.
Céus. A simples ideia a envolveu em uma quebra de onda de calor que ameaçou
convertendo em cinzas suas boas intenções. Não tinha permitido que essa
possibilidade tomasse forma em sua mente por temor a que a enrolasse. Mas nesse
momento sentiu
a ideia firmemente arraigada. E crescendo a um ritmo alarmante.
Bateram na porta e ambas se sobressaltaram.
- Entre - disse Vitória.
A porta se abriu para revelar a presença do Nathan. O coração de Vitória
começou a pulsar a um ritmo distinto. Mais potente, mais rápido. O olhar dele a
percorreu, intensa, penetrante, deixando-a sem fôlego. Com umas calças negras,
camisa branca e colete de cor marfim, tinha um aspecto forte e masculino. E
absolutamente arrumado. Um arbusto de cabelo escuro que como ela bem sabia era
como a seda entre os dedos lhe caía sobre a frente, coisa que teria resultado infantil
em outro homem.
Mas é que nada no ser que naquele instante cruzava a habitação poderia ter sido
descrito como infantil.
- Boa noite, senhoras - disse, as abrangendo a ambas com o olhar. A seguir sua
atenção se centrou exclusivamente em Vitória. - Como te encontra?
Sem fôlego, pensou Vitória. E tudo por tua culpa.
- Muito melhor - disse em troca. - O jantar estava delicioso.
Nathan sorriu.
- Me alegro de que te tenha gostado. Confesso que esta não é uma visita de
ordem estritamente social... Estou aqui em qualidade de seu médico.
Tia Delia ficou em pé.
- Devo partir ?
- Absolutamente. Sua presença servirá como distração para minha paciente, que
expressou uma clara aversão aos médicos. Por favor, prossigam com sua conversação.
O olhar de Vitória voou até a de sua tia, em cujos olhos viu brilhar uma risada e
uma picardia de tudo inconfundíveis.
- Muito bem. Do que estávamos falando, Vitória? - Adotou uma expressão
confundida e se golpeou levemente o queixo com o dedo. - Ah, sim. Dos livros que
temos lido ultimamente. Qual era o título que acabava de me recomendar?
Vitória tossiu para dissimular o estalo de risada escandalizada que sentiu subir
por sua garganta. Céus, quando se tinha convertido tia Delia em semelhante mulher?
Rezando para que o calor que notava nas bochechas não resultasse tão visível como
ela o sentia, respondeu com tom repressivo:
- Hamlet.
Tia Delia foi a cara mesma do desconcerto.
- Está segura? Acreditava que havia dito...
- Hamlet - a interrompeu Vitória apressadamente, debatendo-se entre o horror e
a diversão. - Hamlet, sem dúvida.
Tia Delia piscou depois das largas costas do Nathan.
- E eu que acreditava que era O sonho de uma noite de verão.
Nathan levantou uma das mãos de Vitória e examinou com suavidade a palma
arranhada.
- Assim é disso do que falam as damas quando estão sozinhas? - perguntou com
voz divertida. - De Shakespeare?
- Sim - se apressou a responder Vitória antes de que tia Delia pudesse fazer
nada por apagar o travesso brilho que tinha aparecido em seus olhos.
Nathan sorriu.
- E eu que acreditava que falavam de homens.
- Shakespeare era um homem - disse Vitória com aspereza, tentando ser valente
e fazer caso omisso do formigamento de prazer que o contato com o Nathan invocava
nela enquanto lhe elevava a cabeça para lhe examinar o corte.
- Refiro aos homens vivos, aos que respiram.
- OH, também falamos deles - exclamou tia Delia.
- Entre outras coisas - disse Vitória lançando a sua tia um olhar contido.
- Meu pai e eu as sentimos falta durante o jantar - disse Nathan, apartando o
edredom e lhe levantando a camisola o suficiente para lhe examinar os joelhos. Sua
forma de tocá-la e seu comportamento eram de tudo impessoais, mas não havia nada
de impessoal no calor que o toque de suas mãos prendia na pele de Vitória.
- Seu irmão não jantou com vocês? - perguntou Vitória, espantada ao reparar em
quão ofegante soou sua voz ao falar.
- Não. foi-se ao Penzance esta manhã cedo e não voltará até tarde. - Baixou-lhe
a camisola e voltou a tampá-la com o lençol. Logo se levantou e lhe sorriu. - Seus
golpes, os cortes e os arranhões têm bom aspecto. E já recuperaste a cor.
- Seu olhar tocou as bochechas de Vitória e lhe enrugou o cenho. - De fato,
encontro-te bastante acalorada.
Estendeu a mão para pousá-la sobre sua testa. Deus do céu como podia lhe
dizer ela que tocando-a não conseguiria outra coisa que acalorá-la ainda mais?
- Não tem febre - disse Nathan, inconfundivelmente aliviado, retirando a mão.
- Encontro-me bem. De verdade. Acredito que o bálsamo que me puseste
acalmou a dor.
- Bem. Mesmo assim, amanhã seguirá um pouco dolorida. Embora um banho
quente ajudará a diminuir a dor. - Seu olhar perambulou pela habitação até a grande
banheira de latão que dois lacaios tinham colocado fazia um momento junto à
chaminé.
- Mandarei que subam a água. E quando tiver terminado de te banhar, deverá te
deitar. Precisa descansar.
Voltou-se para tia Delia.
- Posso acompanhá-la abaixo, lady Delia? Meu pai está no salão e espera poder
contar com alguém para sua partida de backgammon. - Inclinou-se sobre ela e disse
com um teatral sussurro: - Não gosta de jogar contra mim porque sempre ganho.
- Também eu estaria encantada de ganhar - disse tia Delia entre risadas.
inclinou-se a sua vez sobre Vitória e lhe deu um beijo na bochecha. - Pensa no que te
hei dito, querida - lhe sussurrou ao ouvido.
Nathan acompanhou à tia de Vitória até a porta. antes de fechá-la detrás de si,
voltou-se e seus olhos procuraram os dela. Um largo olhar se cruzou entre ambos e
Vitória ouviu palpitar seu coração ao tempo que se perguntava o que poderia estar
pensando Nathan. Algo brilhou nos olhos dele quando o disse em voz baixa:
- Desfruta do banho.
Ato seguido, desapareceu.
Embora resultou do todo impossível lhe esquecer.

Capítulo 17

A mulher moderna atual que dita tomar as rédeas do destino e lhe dizer ao branco de
seus afetos "Te desejo" (e, sem dúvida, lhe apressa daqui a que dê semelhante passo)
será melhor que esteja muito segura disso, porque é muito pouco provável que o
cavalheiro decline seu convite.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore.
Com a graça felina que tão bem lhe tinha servido durante seu serviço à Coroa,
Nathan se soltou do batente da habitação em desuso situada justo em cima do
dormitório de Vitória. Aterrissou brandamente no balcão da jovem, escondeu-se
rapidamente nas sombras, ali onde não chegava a luz da lua, e espionou pelas janelas.
E ficou paralisado ante a visão que apareceu ante seus olhos.
Vitória reclinada na banheira de latão, com sua silhueta velada pelo halo dourado
do crepitante fogo que ardia na chaminé. recolheu-se o escuro e brilhante cabelo
sobre a cabeça em uma amostra de artística desordem enquanto vários cachos de
cabelo caíam sobre seu pescoço e suas bochechas. Cachos de vapor se elevavam
desenhando espirais a seu redor, perlándole os maçãs do rosto com seu úmido calor.
Sustentava um livro ante os olhos e parecia profundamente absorta na leitura
enquanto não deixava de mordiscar o lábio inferior. Ao tempo que ele a observava, um
intrigante sorriso que pareceu cheio de secretos curvou os lábios de Vitória, e Nathan
se surpreendeu desejando que fossem imagens dele as que estivessem inspirando
semelhante expressão.
Vitória fechou devagar o livro e o deixou na pequena mesinha redonda colocada
junto à banheira para dar capacidade um par de grossas e níveas toalhas. Então, suas
pálpebras se fecharam.
Com uma facilidade resultante da prática constante, Nathan abriu as janelas sem
fazer o menor ruído e entrou sigilosamente na habitação levando na mão uma rosa
vermelha de comprimento longo. Quando chegou junto à banheira, baixou o olhar.
A cabeça de Vitória repousava contra a borda de latão, deixando à vista seu
pescoço úmido e elegante. O olhar do Nathan ficou fascinada pelo vermelho sinal onde
a faca a tinha roçado e lhe esticou a mandíbula. Apartou a atenção do corte e
prosseguiu com seu exame. A água fumegante lambia os ombros de Vitória, formando
pequenos lagos nas delicadas concavidades desenhadas pela clavícula. Sob a
superfície da água, que se balançava brandamente com a respiração de Vitória,
brilhavam uns seios
generosos coroados de uns mamilos rosados. O olhar do Nathan passeou pelo
ventre da jovem, pelo triângulo de escuros cachos emoldurado no vértice de suas
coxas e ao longo da linha de suas contornadas pernas. Dado que a banheira media
menos que ela, para compensar a falta de espaço Vitória tinha apoiado seus finos
tornozelos cruzados no lado oposto, deixando ao ar as panturrilhas e os pés. Tinha uns
pés pequenos, com uma impigem claramente pronunciada que os dedos do Nathan
desejaram acariciar.
- Desfrutando do banho, Vitória?
Ela abriu os olhos de repente e conteve o fôlego. A água se derramou por uma
das laterais da banheira quando seus pés se inundaram sob a superfície ao tempo que
fechava as pernas e se cruzava de braços.
- O que... o que está fazendo aqui?
- vim ver se estava desfrutando do banho - respondeu, lhe estendendo a rosa. -
Para ti.
O olhar sobressaltado de Vitória se pousou primeiro nele e logo na rosa que lhe
oferecia. Ao fim alargou a mão e tomou a rosa pelo caule, levando o casulo ao rosto e
afundando o nariz em suas aveludadas pétalas. lhe olhando por cima da flor, estudou
o traje do Nathan.
- Por que te vestiste de negro?
- Para evitar que, enquanto baixava a seu balcão, qualquer que pudesse estar à
espreita pudesse detectar minha presença.
Vitória se voltou a olhar de repente as janelas. Logo voltou a fixar nele o olhar.
Apesar de que seguia parecendo perplexa, o brilho de interesse que revelavam seus
olhos era de tudo indisputável.
- Entraste aqui pelo balcão? Como?
- Saltando da janela do piso de acima.
Vitória o olhou com os olhos exagerados.
- Não terá sido capaz.
- É claro que sim.
- Mas te tornaste louco? Se te tivesse caído poderia ter ficado ferido muito
gravemente.
- Quase com toda probabilidade teria perdido a vida - a corrigiu com uma grave
inclinação de cabeça. - Mas tenho a grande fortuna de gozar de um perfeito equilíbrio.
- Alguma vez ouviste falar da palavra "porta"?
- Muito previsível, sobre tudo tendo em conta que desejava ter a meu favor o
fator surpresa. Além disso, corria maior risco de ser descoberto se entrava em sua
habitação do corredor. E se me tivesse encontrado a porta fechada com chave?
Embora poderia ter feito saltar a fechadura, arriscava-me a ser descoberto. Tampouco
gostava de chamar, pois de havê-lo feito teria que ter saído da banheira e te cobrir
para abrir a porta. Nesse caso, não teria podido verte na banheira, e, minha querida
Vitória, permite que te diga que é uma visão da que jamais me perdoaria não ter
podido desfrutar.
Uma sombra carmesim que rivalizou imediatamente com a cor da rosa que
Nathan lhe tinha agradável tingiu as bochechas de Vitória.
- Por isso saltaste a meu balcão de uma janela.
Nathan se encolheu de ombros.
- Assim somos os espiões. Embora reconheça que não tenho ferida em nenhuma
parte do corpo, temo-me que perdi um pouco a prática com a manobra.
- E diz que vieste para me examinar os arranhões?
- Não exatamente.
Nathan cruzou a habitação e ao chegar à porta fez girar a chave na fechadura. O
suave estalo pareceu reverberar no ar. Enquanto retornava devagar até ela, enrolou-se
as mangas até os cotovelos ao tempo que a via lhe observar atentamente e se fixava
no receio e no estado claramente alerta que mexia em seus olhos. Quando chegou à
banheira, ajoelhou-se e apoiou os antebraços na borda. Com as pontas dos dedos
removeu brandamente a água.
- É obvio, estaria encantado de lhe examinar as feridas - disse, cravando um
fascinado olhar no dela. - Entretanto, e em altares do jogo limpo, devo te advertir que
não vim em qualidade de médico mas sim de homem. Um homem decidido a...
- Sua voz se apagou e baixou a mão até passar lentamente a gema do dedo
sobre a delicada linha da clavícula de Vitória.
Lhe olhou com os olhos muito abertos e brilhantes.
- A que? - perguntou com voz ofegante. - A me seduzir?
- A te seduzir - repetiu ele devagar, saboreando a palavra como o teria feito com
um delicado e delicioso clarete. - Me parece uma ideia excitante e tentadora. Uma
ideia que sem dúvida terei em conta. A próxima vez.
A confusão cintilou nos olhos dela.
- A próxima vez?
- Sim. - Conseguiu encaixar a expressão de seu rosto em uma máscara de pesar.
- Por muito agradável que possa desejar muito a ideia de te seduzir, temo-me que esta
visita responde tão só a minha vontade de vingança.
E, sem lhe dar oportunidade de que respondesse, levantou-se e levou com gesto
suave e apressado as toalhas de Vitória da mesinha anexa. Logo se dirigiu ao extremo
mais afastado da habitação, junto à chaminé, onde Vitória não pudesse lhe alcançar, e
apoiou despreocupadamente os ombros no suporte de mármore branco.
Vitória apartou o olhar da mesinha vazia para pousar nas toalhas que ele
sustentava nas mãos. Logo varreu a habitação com o olhar. Viu a camisola e o salto de
cama aos pés do leito. O mais próximo que tinha para tampar-se eram as toalhas que
estavam em poder do Nathan. Olhou-lhe e franziu os lábios.
- Já entendo - disse, assentindo. - Esta é sua vingança pelo que ocorreu no lago.
Vi-te nu e molhado, e agora quer me ver nua e molhada.
- É o justo. E te adverti que tomaria minha vingança. Embora o fato de me ver
nu e molhado não é quão único ocorreu no lago. - Um lento sorriso apareceu em seus
lábios. - E tenho intenção de tomar minhas represálias por isso.
Sentiu-se profundamente gratificado pela inconfundível chispada de interesse
que viu perfilar-se no olhar de Vitória. Sem pôr fim ao contato visual entre ambos,
Vitória se inclinou para diante, apoiou os braços cruzados na borda da banheira e
apoiou o queixo sobre suas mãos entrelaçadas.
- E se dito não vou sair da banheira?
- Em algum momento terá que fazê-lo. - Nathan sorriu e cruzou os pés. - Estou
disposto a esperar o que fizer falta.
- Hum. E se me nego?
- Nesse caso, suponho que me verei obrigado a me colocar na banheira contigo.
- De verdade o faria?
- É um convite?
Os lábios de Vitória se contraíram.
- Não. É uma pergunta. Estou sopesando minhas opções e necessito uma
resposta.
- É esse caso, minha resposta é "sim", faria-o. Sem duvidá-lo.
- Entendo. Bom, necessitarei um instante para meditá-lo. Para decidir o que
fazer.
- Tome o tempo que precise - disse Nathan com um magnânimo gesto. agachou-
se para deixar as toalhas ao bordo do tapete colocado junto a lareira e se deu conta
então de que com elas se levou o livro de Vitória. Agarrou-o de cima do montão de
toalhas, leu o título e arqueou as sobrancelhas.
- Ah, a infame Guia feminino - disse, incorporando-se. Abriu uma página ao azar
e leu:
A mulher moderna atual pode seduzir de incontáveis forma ao cavalheiro ao que
deseja. Tão só a refreia sua própria imaginação. Ela poderia lhe sugerir um passeio à
luz da lua com a intenção de perder-se com ele por um atalho privado procurando
uma entrevista ao ar livre. Ele não poderá resistir a uma nota, anônima mas
perfumada com sua fragrância, em que ela somente terá escrito uma hora e um lugar.
Nathan levantou os olhos e assentiu com gesto aprovador.
- Sim, qualquer desses estratagemas funcionaria à perfeição comigo. Continúo?
- Se quiser. Acredito que a seguinte sugestão convida a que a dama acaricie
discretamente a seu cavalheiro por cima das calças.
Nathan voltou a baixar o olhar e leu em silêncio as duas linhas seguintes.
- Assim é. - Não conseguiu decidir se a escolha do material de leitura de Vitória
lhe intrigava ou lhe inquietava. Pareceu-lhe extremamente excitante a ideia de que ela
utilizasse com ele qualquer conhecimento obtida graças à leitura do livro.
Mas a ideia de que o utilizasse com outro homem se traduziu imediatamente em
um abrasador ataque de ciúmes. Fechou o livro e o deixou em cima do suporte,
reparando em que lhe observava com uma expressão inescrutável.
- O que está pensando?
- De verdade quer sabê-lo?
- Sim.
- Pergunto-me como lhe as engenhas para conseguir me excitar deste modo
estando a quase dez metros daqui e além disso inundada na água.
Antes que Nathan pudesse decidir o que era o que mais lhe surpreendia, se a
resposta de Vitória ou a voz velada com a que tinha liberado sua confissão, ela
abortou qualquer esperança de que pudesse dizer algo levantando-se devagar na
banheira.
A água se deslizou sobre seu corpo em uma brilhante cascata envolta em ouro
pelo resplendor procedente do fogo da chaminé. O olhar do Nathan serpenteou ao
longo de todo seu corpo e o desejo lhe golpeou com toda sua força.
Teve que tragar saliva duas vezes para encontrar a voz.
- Não estou seguro de se "te levantar de um lago fumegante como uma
encantadora ninfa da água" aparece em seu Guia feminino como método de sedução,
mas se for assim, felicito-te, pois conseguiste representá-lo com autêntica maestria.
- Não, não está na lista, mas escreverei uma anotação na margem.
Saiu elegantemente da banheira e se aproximou muito devagar a ele, ondulando
com suavidade os quadris, lhe enfeitiçando com cada passo e com esse olhar entre
descarada e tímida que brilhava em seus olhos. Cada uma das células do Nathan
desejou estreitá-la contra ele, esmagá-la contra seu corpo com todo o tórrido ardor de
um menino iniciante. Inspirou devagar e fundo para acalmar os ensurdecedores
batimentos do coração que lhe golpeavam no peito, embora com isso só obteve que o
delicado aroma a rosas de Vitória lhe embotasse os sentidos.
- Acreditava que havia dito que devia me deitar - sussurrou ela. - Que preciso
descansar.
- E assim é. Embora ainda não. - Seu olhar se moveu por ela com uma avidez
que lutou com todas suas armas por mitigar. Os olhos de ambos se encontraram e o
coração do Nathan se encolheu ante a excitação que pôde ver nos dela.
Um toque de acanhamento, sim, mas sua Vitória não era nenhuma covarde.
"Sua Vitória..."
Perigosas e inquietantes palavras. Pois Vitória não lhe pertencia. Jamais seria sua
durante mais de uns poucos momentos roubados. Embora sim o era durante os breves
e roubados segundos que tinha ante ele, de modo que decidiu preocupar-se disso
mais adiante.
- "A vingança é doce", afirma o provérbio - disse com um rouco sussurro. -
Vejamos se for certo.
Tomando a da mão, conduziu-a até o canto mais afastado da estadia, detendo-
se ante o espelho ovalado de corpo inteiro. colocou-se entre ela e o espelho, e lhe
acariciou a suave e ruborizada bochecha com os dedos.
- Quero te tocar, Vitória. - Inclusive enquanto pronunciava essas palavras,
surpreendeu-lhe reparar em que essa selvagem e urgente turbulência que rugia em
seu interior era algo mais que um simples "desejo" de tocá-la. Era uma necessidade.
Que ia além de tudo o que até então tinha experiente.
Rodeou-a até ficar diretamente diante dela.
- Quero ver como me toca - disse. E pensou: Para que possa ver o muito que te
desejo. Para que eu possa ver que me deseja.
Vitória ficou totalmente imóvel, logo que atrevendo-se a respirar enquanto se
observava, nua, e ao Nathan de pé atrás dela. A visão a escandalizou e a excitou ao
mesmo tempo. Fez um movimento inconsciente para cobrir-se, mas tomou as mãos
desde atrás e meneou a cabeça.
- Não - sussurrou contra sua têmpora. - Não te oculte de mim. Nem de ti.
Um rubor integral a envolveu e teve que esticar os joelhos para manter o
equilíbrio. Tinha estado nua diante do espelho de sua habitação antes em numerosas
ocasiões, estudando seu corpo, acariciando-o com mãos inexperientes e ardente
curiosidade.
Como seria a sensação de que um homem a tocasse? E não um homem
qualquer. Esse homem. Que tinha cativado sua imaginação desde a primeira vez que
se fixou nele, três anos atrás. O coração lhe deu um tombo de pura ansiedade ante a
iminente possibilidade de descobrir a resposta a essa pergunta.
Nathan levantou as mãos e com infinita suavidade foi lhe tirando as forquilhas do
cabelo, as deixando cair sobre o tapete. Seu desordenado arbusto de cachos se
liberou, caindo sobre as mãos do Nathan e sobre seus ombros, lhe cobrindo em
cascata as costas até a cintura. Agarrando-a delicadamente dos antebraços, Nathan se
inclinou para diante e afundou o rosto em seu cabelo.
- Rosas - murmurou.
De algum modo Vitória conseguiu encontrar a voz.
- É meu aroma favorito.
O olhar do Nathan se cravou no dela no espelho.
- Agora também é o meu.
A calidez das mãos dele sobre sua pele, o calor de seu corpo, envolveram-na
como uma capa de veludo. Com o coração desbocado e pequenos ofegos
entrecortados dando forma a sua respiração, debateu-se por manter certo semblante
de calma externa, embora seus esforços resultaram de tudo inúteis. Deus santo, a
forma em que Nathan a olhava... nenhum homem a tinha cuidadoso jamais desse
modo. Supunha que isso se devia a que passava seu tempo rodeada da sociedade
cortês, e não havia nada de cortês no desejo intensamente carnal que refulgia nos
olhos do Nathan.
Vestido completamente de negro e com o rosto sumido em muito crudos
contrastes de luzes e sombras a causa do fogo da chaminé, Nathan era a viva imagem
do intrépido pirata em cujo personagem lhe tinha imaginado: devastadoramente
atrativo, absolutamente masculino e tão só um pouco perigoso. Santo Deus. Não podia
esperar a ver, a sentir, o que era o que ele planejava fazer a seguir.
Nathan lhe apartou o cabelo com uma mão, revelando sua nuca, enquanto
deslizava a outra ao redor da cintura e atirava com suavidade dela para ele, salvando
assim qualquer distância que tivesse podido existir entre ambos. Seu corpo tocou o
dela do ombro ao joelho ao tempo que a dura rugosidade de sua ereção se abria
passo contra suas nádegas. O calor emanava dele, infundindo nela uma quebra de
onda de calidez. Inclinou então a cabeça e a beijou na nuca.
Vitória viu, transposta, como as gemas dos dedos do Nathan se posavam em seu
pescoço para deslizar-se imediatamente para baixo, inundando-se no leve oco da base
do pescoço, que se estremecia, desvelando seu pulso acelerado. Nathan logo que
acabava de começar e ela estava já perdida.
Nathan lhe pôs as palmas nos ombros e deslizou suas mãos até as dela,
entrelaçando os dedos de ambos. Logo levantou as mãos de Vitória, passando-lhe por
detrás do pescoço.
- Não as mova - disse com a voz como um sussurro de tosco veludo. Vitória
obedeceu, entrelaçando os dedos depois da nuca e agradecida de poder ter algo ao
que agarrar-se.
Ele pousou seus quentes lábios contra sua têmpora e muito devagar deslizou os
dedos por seus braços levantados. Um milhão de prazeirosos formigamentos lhe
percorreram a pele, levando-a a jogar atrás a cabeça até apoiá-la contra o ombro dele,
observando como suas inteligentes mãos de dedos largos, tão escuras contra sua pele
muito mais pálida, embarcavam-se em uma exploração agonizantemente lenta, como
se desejasse memorizar cada poro, cada lunar, criando nela um desejo insuportável.
Colocou uma mão no peito de Vitória e lhe sussurrou contra a têmpora:
- Palpita-te o coração.
A Vitória não custou recordar que eram as mesmas palavras que havia dito a ele.
- Não deveria te surpreender - disse, imitando a resposta que lhe tinha dado.
Até apesar de que percebeu o sorriso do Nathan, sua atenção seguia fascinada
pela visão e o contato de suas mãos, que tinham começado a deslizar-se para baixo,
lhe roçando apenas os seios. Conteve o fôlego e fechou os olhos.
- Não feche os olhos - disse Nathan, lhe roçando a orelha com a calidez de seu
fôlego. - Quero que veja quão formosa é.
Vitória viu como as grandes mãos dele se fechavam sobre seus seios, brincando
com seus mamilos até convertê-los em dois pontos de puro desejo, fazendo girar
lentamente os excitados bicos entre os dedos. Um comprido ronrono de prazer vibrou
em sua garganta. Soltando-as mãos, passou os dedos pelo sedoso, abundante e
escuro cabelo do Nathan. Logo arqueou as costas, oferecendo-se ainda mais, um
convite da que ele imediatamente se aproveitou.
Os lábios do Nathan se passearam por seu pescoço, alternando preguiçosos
beijos com aveludados investe propinados com a língua. Sem dúvida todas suas
carícias eram lânguidas e indolentes, em surpreendente contraste com o afiado desejo
que a
percorria.
- Nathan... - Ofegou seu nome acompanhando o de um prolongado suspiro e se
retorceu contra ele, impaciente, ávida. Nathan conteve bruscamente o fôlego e se
pegou ainda mais contra as costas dela, lhe encaixando a erguida longitude de sua
ereção mais firmemente entre as nádegas.
- Paciência, meu amor - lhe sussurrou ao ouvido.
Enquanto com uma mão seguia lhe acariciando os seios, a outra continuava sua
arrebatadora descida pelo ventre dela, aprendendo a curva de sua cintura, rodeando-a
para afundar-se instantes depois no sensível oco de seu umbigo. E mais abaixo, até
que as gemas dos dedos roçaram o triângulo de cachos escuros emoldurado pelo
vértice de suas coxas.
- Separa as pernas, Vitória.
Vitória obedeceu e viu, sem fôlego e fascinada, como os dedos dele se
inundavam ainda mais abaixo até acariciar suas dobras femininas. Embora esse
primeiro contato a paralisou, depois foi como se as comportas da sensação se
abrissem, saturando-a na consciência de seu próprio corpo ao tempo que seus
músculos se empenhavam em aproximar-se mais a ele e seus quadris se ondulavam
contra sua mão. Os dedos do Nathan se deslizaram sobre um ponto exquisitamente
sensível lhe arrancando um profundo gemido das profundidades da garganta. Vitória
não reconheceu à mulher do espelho que a olhava desde umas pálpebras
semicerrados sob o peso de desejo e cuja pálida pele estava rodeava por uns fortes,
nodosos e dourados antebraços e por uns dedos implacáveis e mágicos. A mulher
parecia luxuriosa e carnal. Voluptuosa Travessa.
Os dedos do Nathan se inundaram ainda mais, acariciando-a com um movimento
lento e circular que ameaçou voltando-a louca.
- Já te disse - começou ele com um rouco sussurro contra seu pescoço - que
jamais me veria me ajoelhar ante ti. Recorda-o?
Deus santo, não esperaria que fora capaz de responder a nenhuma pergunta
nesse estado?
- Sim - conseguiu responder. A afirmação concluiu com um ofegante sussurro de
prazer.
- Disse: "Não diga nunca desta água não beberei", e tinha razão.
Apartou as mãos do corpo de Vitória e um gemido de protesto surgiu das
profundidades da garganta dela. Mas o gemido se transformou em choramingação
quando Nathan se colocou diante dela. Os lábios de ambos se encontraram em um
luxurioso beijo
de bocas abertas e as línguas se uniram enquanto as mãos dele baixavam
primeiro pelas costas dela e se fechavam depois sobre seus seios. Depois de
interromper o beijo, os lábios do Nathan riscaram um rastro abrasador pelo pescoço
de
Vitória para descer logo até seus seios Envolveu um mamilo no aveludado calor
de sua boca, um delicioso puxão que despertou um estremecimento de resposta nas
profundidades do útero de Vitória.
Inundada em sensações, aferrou-se aos ombros do Nathan, procurando uma
âncora, e deixou cair a cabeça lánguidamente para trás.
Depois de dispensar idêntica atenção ao outro seio, Nathan caiu lentamente de
joelhos enquanto sua língua ia riscando uma linha pelo centro do ventre de Vitória até
afundar-se no umbigo. abriu-se passo pelo estômago a beijos, e Vitória lhe ouviu
inspirar fundo e dizer com um fio de voz:
- Rosas.
As mãos do Nathan lhe rodearam os tornozelos e ascenderam devagar por suas
pernas, lhe acariciando as coxas, fechando-se sobre as nádegas, lhe amassando
brandamente a carne. Foi depositando beijos sobre o abdômen em claro descida até
que seus lábios e sua língua a acariciaram como já o tinham feito seus dedos. As mãos
de Vitória se fecharam sobre seus ombros, cada vez mais conforme a debilidade se
apropriava de seus joelhos. Deixou escapar um ofego ante a inesperada pontada de
prazer que a envolveu. Nathan introduziu o ombro entre as coxas dela e os separou.
As pernas de Vitória tremeram, mas as fortes mãos dele a sujeitaram pelo traseiro,
apressando-a para que movesse os quadris contra ele. O prazer alcançou uma cota
insuportável e então estalou, arrancando um grito dos lábios de Vitória ao tempo que
uma sacudida de tremores a envolvia. À medida que os estremecimentos foram
desaparecendo, deixaram-na sem forças, saciada, satisfeita e presa de uma total
frouxidão.
Sem dizer uma palavra, Nathan se levantou e tomou em braços. Levou-a a cama
e a depositou no leito, ricocheteando ligeiramente ao deixá-la sobre a roupa de cama
já desdobrada. Vitória lhe olhou, esperando encontrar picardia em seu olhar, mas
Nathan a olhava com olhos muito sérios. depois de cobri-la com o lençol, acomodou o
quadril sobre o colchão e lhe sujeitou um cacho detrás da orelha com dedos que a
Vitória não pareceram muito firmes.
- A vingança é sem dúvida doce - murmurou Nathan.
A Vitória o coração deu um tombo. Houve algo no tom de voz dele, no modo de
cobri-la, que parecia anunciar sua intenção de pôr fim ao interlúdio. Armando-se de
valor, disse:
- Embora sem dúvida inconclusa.
Algo brilhou nos olhos do Nathan.
- Desejas continuar?
- Você não?
- Está respondendo a uma pergunta com outra pergunta, pensaste nisso?
- Profundamente. E não quando estava, como você diria, sexualmente excitada
nem me deleitando na complacência posterior ao prazer.
- Expuseste-te as possíveis conseqüências?
- Sim. Em circunstâncias normais, possivelmente não aceitaria a começar um
romance. Entretanto, aqui existem fatores atenuantes.
- Como por exemplo?
- A localização. Resultaria difícil manter a discrição em Londres, mas aqui
ninguém me conhece. Não tenho a menor intenção de retornar, e tampouco acredito
que nenhum de meus conhecidos da alta sociedade esteja na zona.
- Se nos descobrissem, nenhuma distância bastaria para te proteger do
escândalo. Além disso, está a questão da gravidez.
- Existem métodos para acautelar que isso ocorra - disse Vitória. - Sem dúvida,
sendo médico deve sabê-lo.
- É obvio que sei. - Entrecerrou os olhos. - Embora não sabia que você também
soubesse.
- Extraí uma enorme quantidade de conhecimento de minhas leituras do Guia
feminino.
- Ah, sim, o Guia feminino. Ao parecer, é uma inesgotável fonte de informação.
Devo admitir que o fragmento que tenho lido me pareceu realmente excitante.
- Não é somente isso - disse Vitória, presa do impulso de defender o livro que
tanto significava para ela. - Proporciona informação a mulheres que de outro modo
quase com toda probabilidade se veriam privadas dela.
- Como a de como tocar a um homem? Ou lhe seduzir?
Vitória elevou o queixo.
- Sim, entre outras coisas.
- Hum. Em qualquer caso, acredito que devo ao autor uma nota de
agradecimento. Entretanto, há outras coisas a considerar. Embora aqui não chegasse a
tirar o chapéu um romance agora, o fato de que te visse envolta nele não passaria
desapercebido em sua noite de bodas, e as conseqüências seriam previsivelmente
negativas, pois suspeito que nem ao Branripple nem ao Dravensby faria muita graça
descobrir que sua esposa tinha tido um amante.
- O Guia feminino sugere várias formas para pôr solução a essa situação, uma
situação que, por certo, conforme afirma o autor, não é assunto do cavalheiro. Nem
que dizer tem que não se espera dos cavalheiros que cheguem vírgens ao matrimônio.
- Possivelmente não. Mas sou todo curiosidade. Como sugere o autor lutar com a
situação?
- Minha escolha pessoal é o entusiasmo. O Guia afirma que se a noiva se mostrar
como uma participante ativa e disposta na atividade amorosa da noite de bodas em
vez de limitar-se a ser um corpo inerte, o noivo ficará tão encantado que não terá o
aprumo suficiente para perguntar os... ejem... detalhe.
Embora a expressão do Nathan era de tudo ilegível, um músculo se contraiu em
seu queixo.
- Compreendo - disse com tom neutro.
- Além disso, não entendo por que se preocupa o que possa ocorrer em minha
noite de bodas.
Algo cintilou nos olhos dele, embora desapareceu antes de que Vitória pudesse
chegar a decifrá-lo.
- Preocupa-me porque não quero que sofra. Não.
Um cenho se desenhou entre as sobrancelhas de Vitória.
- Obrigado. Aprecio seu interesse, mas...
- Mas o que?
Vitória soltou um bufido.
- Bom, para ser um homem que afirma me desejar, vejo-te frustrantemente
reticente a te converter em meu amante. E, por desgraça, em minhas numerosas
leituras do Guia feminino, ou lembrança que se faça menção a como lutar com um
cavalo pouco disposto.
- Pouco disposto? - Os olhos do Nathan se obscureceram e se levantou.
Cravando a à cama com o olhar, se Quito lentamente Minha camisa querida Vitória,
asseguro-te que minha disposição é plena. Tão só queria me assegurar de que foi
perfeitamente consciente do que te espera.
Terminou de tirar a camisa e a deixou cair descuidadamente ao chão. O olhar
dela se passeou por seu peito, posando-se por fim nos sedosos cachos de pêlo escuro
que se estreitavam até perfilar a faixa de ébano que dividia em dois o peito e o ventre
plano e musculoso. A ereção do Nathan ficava claramente perfilada baixo os ajustadas
calças. OH, Deus. Não havia nada nesse homem que denotasse a mais mínima falta de
disposição.
- E o que é o que me espera? - perguntou Vitória, notando que lhe acelerava o
pulso.
- Um amante que não estará satisfeito simplesmente te tendo uma vez.
Desejarei que nosso romance continue durante o tempo de sua estadia no Cornwall.
- Entendo. - Vitória se incorporou, apartando o lençol a um lado e rodando até
ficar de joelhos. Alargou então a mão e riscou com a gema do dedo esse arbusto de
cabelo que tanto a fascinava. - Nesse caso, e em nome do jogo limpo, será melhor que
também eu te advirta de que estará tomando a uma amante que não se contentará te
possuindo uma vez. Espero também que nosso romance prossiga durante o tempo que
dure minha estadia no Cornwall.
Riscou com o dedo a franja de pele situada justo em cima da cintura da calça.
Os músculos do Nathan se arrepiaram sob o suave contato da gema.
- Um infortúnio que me comprometo a suportar com um sorriso.
- Naturalmente, se não acredita ser o bastante resistente... Uma sobrancelha
escura se arqueou de repente.
- Dúvidas de meu vigor?
- Se responder que sim, demonstrará-me quão equivocada estou?
- Temo-me que isso me obrigaria a estar à altura das circunstâncias.
- Sim - disse Vitória, sem o menor indício de vacilação.

Capítulo 18

A mulher moderna atual deveria escolher a um cavalheiro que seja um amante


generoso e considerado, um homem que lhe garanta prazer. É igualmente importante
que ela se ocupe também de dar agradar a ele. E que seja consciente de que com isso
não fará mais que aumentar o próprio.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore.

Nathan não vacilou um segundo. Já sentia como se levasse esperando toda a


vida para estreitá-la pele contra pele. Os trinta segundos que demorou para despojar
do resto da roupa foram um autêntico exercício de frustração, um parêntese
interminável no que suas mãos não deixavam de tremer e seus dedos de avançar a
provas. Não recordava haver-se visto nunca tão pouco dono de si. Totalmente incapaz
de controlar suas paixões.

Assim que se tirou as calças, reuniu-se com Vitória na cama, empurrando-a de


barriga para cima contra o colchão e cobrindo-a com seu corpo. Absorvendo a
deliciosa sensação de tê-la debaixo, afundou os dedos no cetim de seus cabelos e a
beijou devagar e profundamente, ao tempo que sua língua procurava a entrada à
tórrida seda de sua boca. Seu autocontrole, que minguava por segundos, recebeu um
golpe a traição quando lhe rodeou o pescoço com os braços e recebeu a exigente
investida de sua língua com idêntica reação.

O desejo bombeou em seu interior e lutou por recuperar o controle de si mesmo


do que aquela mulher lhe despojava com um somente olhar. Com seu simples contato.
Devagar. Tinha que atuar devagar a primeira vez. Mas, maldição, quase lhe resultava
impossível com o sabor dela na boca, sentindo-a retorcer-se sob seu peso. Lhe esticou
o corpo e sua ereção, premente contra o brando ventre de Vitória, endureceu-se,
alerta. Com um agônico gemido, retirou-se para trás e se ajoelhou entre as coxas

dela.

Vitória estendeu as mãos para ele, mas Nathan meneou a cabeça, incapaz de
articular palavra. Engastando as mãos sob as coxas dela, levantou-lhe os joelhos e lhe
separou as pernas de par em par. A visão de seu sexo reluzente arrancou um
entrecortado gemido de sua tensa garganta. Alargou a mão e brincou com as dobras
sedosas, aveludados e inflamados. Vitória esticou os músculos das pernas, mas Nathan
a acariciou brandamente, excitando-a. Quando os quadris dela começaram a mover-se
em círculos, silenciosamente suplicantes, Nathan introduziu primeiro um e depois dois
dedos em seu interior. Encontrou-a fechada. Úmida e quente. E a ponto. E, que Deus
lhe assistisse, não podia esperar mais.

Descendeu com seu corpo sobre o dela, apoiando todo seu peso nos antebraços,
e olhando-a enquanto a penetrava lentamente. Lhe olhava com seus olhos azuis
fecundados de fascinação e um ligeiro espiono de ansiedade.

- Me dê as mãos - disse ele com a voz rouca de desejo.

Vitória deslizou suas mãos nas do Nathan, quem as agarrou com força,
entrelaçando seus dedos aos dela. Logo, sem apartar o olhar dela, Nathan a penetrou.
Os olhos de Vitória se abriram ainda mais e seus dedos se fecharam sobre os
dele. Nathan lutou então por ficar quieto.

- Tenho-te feito mal?

Vitória negou lentamente com a cabeça. O sedoso calor úmido de seu corpo
envolveu ao Nathan em um punho aveludado e ele teve que apertar os dentes contra
a quebra de onda de prazer, contra a desesperada necessidade de investi-la.

O meio minuto que transcorreu lhe desejou muito um século inteiro. Logo, as
pálpebras de Vitória se fecharam e seus lábios se abriram em um ofegante suspiro.

- Seu corpo sobre o meu... na minha... é uma sensação... deliciosa.

Elevou os quadris, adaptando-se ainda mais ao Nathan, cuja guerra por manter o
controle sobre seus atos ficou perdida imediatamente. Com um gemido, retirou-se de
quase tudo do corpo de Vitória para entrar devagar nela. Uma vez. E outra. Uma e
outra vez, mais e mais rápido, sentindo que a respiração lhe rasgava os pulmões ao
tempo que o desejo lhe esporeava com talões cada vez mais afiados. Vitória fechou os
olhos e arqueou as costas, levantando os quadris para responder a cada investida.

Sua respiração se voltou entrecortada e suas mãos se fecharam ainda mais


sobre as dele. Soltou um grito e Nathan sentiu que o clímax a envolvia, palpitando a
seu ao redor. Assim que notou que se relaxava debaixo dele, saiu dela e afundou o
rosto na cálida curva de seu pescoço, ao tempo que sua ereção ficava estreitamente
pressionada entre ambos os corpos. Sua descarga lhe sacudiu por inteiro, lhe
arrancando o nome de Vitória da garganta em um ronco gutural.

Durante vários segundos de prolongado silêncio, Nathan se manteve totalmente


imóvel, aspirando a delicada fragrância a rosas mesclada com o almíscar de sua
excitação. Logo levantou a cabeça e olhou o formoso rosto de Vitória. Tinha a pele
ruborizada com a complacência do prazer, os lábios úmidos inflamados e vermelhos
atrás dos apaixonados beijos, os olhos alagados do descobrimento sexual. Vitória
retirou a mão da sua, cujos dedos se relaxaram já de tudo, e a levou até a bochecha
do Nathan.

Um tímido sorriso tremeu em seus lábios. Logo sussurrou:

- Nathan.

Uma calidez, uma ternura como jamais tinha conhecido caiu sobre ele como uma
emboscada. Sem apartar o olhar dela, beijou-lhe com suavidade a palma arranhada.

- Vitória.

O sorriso de Vitória floresceu de tudo ao tempo que fechava os olhos e se


tombava debaixo dele. O olhar do Nathan seguiu a elegante linha de sua bochecha e
se gelou ao ver o sinal vermelho que deslucía a pálida pele sob o queixo. Em sua
mente estalou

uma imagem: a faca contra esse pescoço, lhe roçando a pele. Poderiam havê-la
matado. Poderia havê-la perdido. Uma sensação de fúria e de perda ardeu em seu
interior, deixando em sua esteira uma única consciência que refulgiu com inegável
claridade.

Amava-a.

A compreensão dessa verdade lhe golpeou como um murro na têmpora e


meneou a cabeça como em um afã por desfazer-se dessa idéia. Entretanto, agora que
a ideia tinha enraizado em sua mente, já não havia forma de sossegá-la.

Maldição. Não podia ser tão estúpido. Apaixonar-se por uma mulher que era de
tudo inadequada para ele. Uma mulher que planejava escolher logo marido... um
homem que jamais seria ele. Vitória desejava a um dandi com um título, dinheiro,
propriedades e amante da vida na cidade. A classe de homem que a acompanhasse à
ópera e às festas e que pudesse permitir-se cobrir a de jóias. E esse homem sem
dúvida não era ele.
OH, e não é que fora um homem pobre. Embora tampouco era rico, nem
aspirava a sê-lo. Três anos antes lhe tinha importado o dinheiro tanto como para
arriscá-lo tudo, e o resultado lhe havia flanco muito caro. A ponto tinha estado de
perder ao Colin e ao Gordon. Agora sua riqueza se traduzia na vida modesta e
tranqüila que levava no Little Longstone. O mundo de Vitória existia em uma órbita
situada muito por cima da sua, mais à frente, uma órbita que em nenhum ponto
entroncava com a própria.

Mesmo assim, as palavras seguiam reverberando em sua mente e em seu


coração: "A amo".

Maldita seja... A amava. Amava seu engenho e seu encanto. Seu sorriso e sua
determinação. Seu valor, inteligência e amabilidade. O modo em que lhe desafiava.
Como o fazia sentir-se. Tinha-lhe cativado no mesmo instante em que a tinha visto
três anos antes e após não tinha feito mais que tentar convencer-se de que só era
uma presunçosa flor de estufa. Que a química que tinha sentido entre os dois tinha
sido unicamente um produto de sua imaginação. E agora, apenas dois dias depois,
Vitória tinha

dado ao traste com todas suas percepções, demonstrando não só que havia nela
muito mais do que ele acreditava, mas sim a química que ele tinha imaginado entre
ambos não tinha sido um engano. Se podia causar nele esse efeito em tão só uns dias,
que estragos poderia lhe causar em umas semanas?

Santo Deus. Isso não teria que ter ocorrido. Supostamente, teria que haver-se
apaixonado por uma recatada jovem de campo que desfrutasse das mesmas coisas
que ele, de seu mesmo estilo de vida modesto. Não de uma jovenzinha de classe alta
acostumada a brilhar no resplandecente mundo que ele detestava. Uma mulher que
voltaria para sua elegante vida de Londres e lhe deixaria com pouco mais que algumas
lembranças e um coração partido.
Certamente tinha perdido o julgamento de forma temporária. animou-se ante a
idéia. Sim, uma aberração, a isso se reduzia toda essa loucura. A um capricho
poscoital que se desvaneceria assim que pusesse um pouco de distância entre ambos.

- Nathan... está bem?

A suave voz de Vitória lhe arrancou de improviso de suas reflexões. Olhava-lhe


com uma expressão confusa e preocupada.

"Não."

- Sim, estou bem. - Nada mais longe. E você é a única culpada, pensou.
separou-se dela e se aproximou da lareira a grandes pernadas para agarrar as toalhas
esquecidas. asseou-se no lavabo, lhe dando as costas. Separavam-lhes uns metros.

Nathan inspirou fundo, aliviado ao sentir que recuperava o autocontrole.


Excelente. Como tinha suspeitado, quão único precisava era pôr um pouco de distância
entre ambos. Como se podia esperar dele que pensasse adequadamente tendo-a nua
debaixo?

Não, não podia. Embora por fim sim o obtenho. isso distração era ela. Uma
formosa distração com aroma de rosas. Alagou-lhe uma quebra de onda de alívio. A
Deus obrigado, tudo estava de novo em ordem.

Depois de escorrer o excesso de água da toalha, voltou-se. Seus olhos se


encontraram com os de Vitória, que lhe olhavam do outro extremo da habitação, e o
alívio e suposta ordem se desvaneceram como uma nuvem de fumaça em um
vendaval.

Amava-a.

Maldição.

Dando amostras de uma calma que não sentia, voltou para a cama com a toalha
umedecida. Apoiou um quadril no colchão e limpou brandamente a prova da esgotada
paixão que ambos tinham compartilhado. Obrigou-se a concentrar-se no trabalho,
evitando em todo momento olhar a Vitória por medo de que ela lesse em seus olhos
seus sentimentos, a que descobrisse o que seu coração desejava proclamar mas não
podia: "Amo-te".

Uma grega de aborrecimento consigo mesmo se abriu nele. Demônios, durante


os anos que tinha emprestado seus serviços à Coroa, converteu-se em um perito na
arte da mentira. Tinha aprendido a ocultar suas emoções depois de uma máscara
inexcrutavel .

Não seria difícil voltar a fazer uso dessas habilidades. "Já não é esse homem",
sussurrou sua voz interior. Não, não o era. E tampouco desejava sê-lo. Entretanto,
durante o tempo que se prolongasse sua estadia no Cornwall, teria que fingir sê-lo.

Deixando a um lado a toalha usada, cobriu a Vitória com o lençol. Só quando a


pálida e nua beleza dela ficou por fim coberta se atreveu a olhá-la. E sentiu paralisar-
se seu interior.

Vitória tinha os olhos muito abertos de puro desconsolo e cheios de lágrimas não
vertidas. Tremia-lhe o lábio inferior; uma visão que golpeou ao Nathan em pleno
coração.

- Desgostei-te - sussurrou.

Nathan entrelaçou brandamente os dedos, lhes impedindo de mover-se com


gesto nervoso sobre o edredom e se amaldiçoou por ter causado em Vitória uma
impressão equivocada.

- Não, Deus. Não.

Vitória levantou a cabeça daquele modo que lhe resultava tão atraente. Não
obstante, nem sequer essa amostra de valor pôde ocultar a dor e a confusão que
apareceram em seu olhar.
- Não estou cega, Nathan. Se tiver feito algo que te tenha decepcionado, quero
que me diga isso.

- Nada - disse ele, levando-se suas mãos aos lábios e pousando no dorso de
seus dedos um fervente beijo. - O juro. Se algo tiver feito foi me agradar muito. -
obrigou-se a esboçar um sorriso torcido. - Me deslocaste por completo, querida, coisa

que, temo-me, surpreendeu-me.

Parte da preocupação se desvaneceu dos olhos de Vitória com um indicio de


compreensão.

- E você não gosta das surpresas.

- Confesso que me resultam... inquietantes. Embora, neste caso em particular,


encontrei-a encantadora.

O alívio que embargou a Vitória não deixou lugar a dúvidas.

- Poderia dizer o mesmo.

- Poderia... ou o diz? - brincou.

Ela riu e sentiu como se o sol aparecesse depois das nuvens.

- Não te parece uma vergonha oferta por um complemento?

Nathan soltou um suspiro exageradamente vitimista.

- Estou disposto a escutar qualquer elogio com o que deseje me dar de presente
o ouvido.

- Muito bem. Acredito que por fim sei o que é o que faz melhor.

- Ah, sim?

- Sim. E eu adoraria que voltasse a me mostrar isso .

Nathan fez girar a mão de Vitória e lhe beijou a palma.

- E se te dissesse que ainda não te mostrei o que melhor faço?


Uma quebra de onda de calor lhe percorreu ao ver que os olhos de Vitória se
obscureciam, dilatando-se. Ela se sentou na cama e o lençol que a cobria se deslizou
sobre o leito, revelando seus seios.

- Nesse caso, estou mais que ansiosa por descobrir o que é o que melhor faz.

Nathan alargou a mão e esfregou com os dedos os rosados mamilos de Vitória,


vendo como se endureciam ao tempo que seu corpo experimentava o mesmo
arrebatamento de desejo.

- Sei com certeza o que você melhor faz, Vitória.

Vitória arqueou as costas sob o poder de sua mão e suspirou.

- E o que é?

- Cativa simplesmente entrando em uma habitação. Fascina... com suas


inesperadas facetas. Enfeitiça... com um simples sorriso. Seduz... com pouco mais que
um olhar.

- Isso são quatro coisas - disse ela com um ofegante suspiro.

- E sobressai em todas elas.

Vitória lhe passou os dedos pelo cabelo e atirou de sua cabeça para ela.

- Me beije - disse com certo tom de impaciência na voz.

Contendo um sorriso, Nathan lhe permitiu que atirasse dele para ela. Esfregou
seus lábios contra os de Vitória e riscou a carnosidade de seu lábio inferior com a
língua.

- É muito exigente, sabe?

- Decidi que resulta muito mais efetivo que ser recatada.

Imediatamente Nathan recordou o primeiro beijo que tinham compartilhado e as


impaciente palavras que Vitória lhe havia devolvido como resposta: "Outra vez".
- Mas alguma vez foi recatada?

Vitória se inclinou para trás e uma expressão confusa apareceu em seus traços.

- Não sei. O que sei é que isso é o que se espera de mim. Embora reconheça
que eu gosto de... me mostrar exigente quando a situação o requer. antes de que
começasse a fazê-lo, quão único conseguia eram uns tapinhas na cabeça e relegada
ao canto como um objeto de adorno. - Seu olhar ficou presa na boca do Nathan e se
inclinou então para diante. - Outra vez.

- Será um prazer. - Mas inclusive quando seus lábios se fundiam com os de


Vitória e a empurrava de novo contra o colchão e cobria seu corpo com o seu, Nathan
soube que o prazer que compartilhariam nos dias vindouros lhe deixaria com a dor de
um coração quebrado.

Capítulo 19

A mulher moderna atual que se encontre em uma situação em que deva escolher
entre dois ou mais cavalheiros provavelmente se debaterá entre a natureza prática de
sua mente e a natureza emocional de seu coração. Em tais casos, deveria perguntar-
se se for melhor escolher em função às considerações sociais e econômicas ou seguir
os ditados de seu coração.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore.

Vitória correu pelo corredor para sua habitação, cheia de uma vertiginosa e
excitante sensação de antecipação. Seguindo um acordo prévio, Nathan se tinha
retirado pouco depois de jantar enquanto ela ficava um quarto de hora mais no salão
com tia Delia e com o pai do Nathan, depois do qual também ela se retirou a sua
habitação. Entretanto, o sonho não tinha capacidade em seus planos.
Nathan... De verdade tinha transcorrido uma semana inteira desde a primeira
noite em que ele tinha ido a sua habitação? Parecia que o tempo tivesse pirado... um
tempo que, apesar de não ter sido testemunho do achado das jóias, tinha resultado
pleno no resto dos sentidos como Vitória jamais se teria atrevido a sonhar.
Fazendo uso do mapa quadriculado que Nathan tinha desenhado, passavam os
dias inspecionando sistematicamente cada área, explorando dúzias de afloramentos de
rochas, registrando gretas e pequenas covas, procurando uma forma que se
assemelhasse à imagem que Vitória tinha perfilado. À medida que cada um dos
quadrados do mapa ficava eliminado, as esperanças de Vitória de conseguir dar com a
valise oculta se desvaneciam pouco a pouco. Para dificultar ainda mais seus intentos,
não tinham recebido ainda nenhuma resposta por parte de seu pai à carta do Nathan,
embora tendo em conta a distância que separa Cornwall de Londres, não era de sentir
saudades.
Nathan em nenhum momento se afastava de seu lado durante as saídas, sempre
receando de que pudessem voltar a ser vítimas de um ataque. Tinha insistido em
ocultar uma pequena pistola na bolsa das ferramentas, que continha os martelos e os
cinzéis, para assegurar o amparo de Vitória. O otimismo de ambos não demorou para
renovar-se ao não sofrer nenhum outro incidente violento, lhes levando a pensar que o
rufião que tinha roubado a nota e o mapa falsos estava longe de ali, sem dúvida
depois
da pista equivocada, e ainda não tinha chegado a deduzir que se achava sobre
uma informação errônea.
Essas horas dedicadas à busca das jóias foram também horas que Vitória passou
junto ao Nathan. Rindo, aprendendo, falando, descobrindo novas facetas dele e
também de si mesma. Vitória lhe levou aos jardins e lhe ensinou a fazer bolos de
barro...
Logo conduziu a um escuro canto da estufa e jogou a ser uma travessa moça
com ele. Nathan a levou a praia e lhe ensinou a fazer castelos de areia... e a conduziu
logo à Cova de Cristal e se transformou com ela em seu travesso amante. Levou-a a
dar uma volta em expulse pelo lago e lhe ensinou a remar. Vitória aprendeu não só a
dirigir os remos, mas também que ficar de pé em um bote pequeno não era uma sábia
decisão se o que pretendia era evitar que a embarcação derrubasse. Isso a levou
diretamente a descobrir que a gélida temperatura da água fica gloriosamente
esquecida quando se faz o amor em um lago... e que se recorda imediatamente assim
que o calor da paixão se desvanece.
Nathan lhe ensinou a agarrar caranguejos, beijou-lhe o dedo quando um lhe
beliscou com suas pinzas e aplaudiu quando Vitória conseguiu agarrar uma dúzia de
combativos crustáceos sem a ajuda de ninguém. Orgulhosos, fizeram entrega do bota
de cano longo à Cozinheira, que os preparou para o jantar essa mesma noite, uma
comida que compartilharam com tia Delia e com o pai do Nathan, que claramente se
levava à perfeição. Durante os últimos sete dias, tinham estado os quatro sós
compartilhando as comidas e retirando-se ao salão ao finalizar o jantar. O irmão do
Nathan não tinha retornado de sua viagem ao Penzance e tinha enviado uma nota
dizendo que os negócios requeriam sua presença. Lorde Alwyck, por sua parte, não
lhes havia devolvido a visita.
Uma manhã, para deleite de Vitória, Nathan a levou a cozinha e a ajudou a fazer
realidade seu sonho de infância, conseguindo que a Cozinheira lhe ensinasse a assar
um bolo.Vitória o queimou por fora, mas Nathan o comeu de todos os modos,
declarando-o delicioso. Essa noite, depois do jantar, enquanto sua tia e lorde Rutledge
jogavam backgammon, Nathan a conduziu ao salão do bilhar e a ensinou a jogar... ou,
melhor dizendo, tentou-o, pois Vitória resultou ser inútil para o jogo, pelo que ela
culpou ao feito de que seu instrutor a voltava louca. Logo se retiraram ao salão de
música, onde ela tentou ensinar ao Nathan a interpretar um tema no pianoforte. Para
ser um homem com umas mãos tão hábeis carecia da menor aptidão para a música...
embora sim possuía uma habilidade incrível para entrar por debaixo de sua saia.
Entretanto, e embora Vitória se deleitava com os descobrimentos e delícias
sensuais que compartilhavam, desfrutava igualmente da companhia do Nathan quando
se limitavam a fazer juntos um pouco tão excitante como podia ser tomar o chá. O que
mais a cativava era o modo em que ele se dirigia a ela. Sua forma de escutá-la. Como
procurava sua opinião sobre um amplo espectro de questões. O fato de que não a
fizesse sentir uma estúpida se havia algo que ela não sabia, e a intensa atenção que
lhe emprestava quando ocorria o contrário. O carinho que demonstrava quando
brincava com ela, quando a desafiava, quando a animava a expor-se coisas às que até
então tinha emprestado pouca atenção, como a política.
Nathan a fascinava com suas teorias pessoais sobre medicina e sobre a cura,
muitas das quais estavam em direta oposição aos métodos aceitos na época.
passavam-se as horas debatendo sobre as obras do Shakespeare e Chaucer, a poesia
do Byron e a Ilíada do Homero. Cada dia que passava pareciam estar mais unidos, e
Vitória se dava conta de que, além de ser seu amante, Nathan também era seu amigo.
Um amigo que podia lhe acender o sangue com um simples olhar.
E estavam além disso as sete noites gloriosas que tinha passado nos braços dele.
Fazendo o amor, explorando o um o corpo do outro, desfrutando das inumeráveis
intimidades que compartilham os amantes. Às vezes, amavam-se executando uma
dança suave e lenta; outras, entregavam-se a uma rauda e furiosa carreira. Nathan a
ajudou a descobrir o que a agradava e a apressou para que também ela descobrisse o
que lhe gostava, embora pelo que ela pôde ver, ele era fácil de agradar. Nesse
instante, percorrendo apressadamente os últimos passos que a separavam de sua
habitação, onde sabia que ele a esperava já, o coração lhe deu um tombo no peito ao
antecipar as delícias sensuais que augurava a noite.
Ofegante por causa de uma combinação de seu passo apressado e da ideia do
que a esperava, abriu a porta de sua habitação. ficou de pedra na soleira ante a visão
que abrangeram seus olhos. Como se estivesse sumida em um profundo transe,
apoiou-se contra o painel de mogno e cravou o olhar ante o espetáculo que tinha
diante. A habitação estava coberta de rosas. Dúzias de casulos que foram do branco
mais puro até o mais intenso escarlate derramando-se de uma terrina de prata
colocado na cômoda.
Um rastro de pétalas levava da porta ao centro da habitação, onde o atalho se
dividia em duas bifurcações. Uma terminava junto à chaminé, onde esperavam uma
manta salpicada de pétalas e uma cesta de picnic. A outra girava para a cama, cujo
edredom marfim estava salpicado a sua vez de casulos de um tom carmesim. Nathan
estava de pé justo na origem de ambas, com uma só rosa de comprimento longo na
mão.
O olhar que Vitória adivinhou em seus olhos, essa embriagadora concentração de
calor, de desejo e necessidade, deixou-a sem fôlego. Aproximou-se dele lentamente,
detendo-se quando apenas meio metro lhes separava. Nathan estendeu para ela a
mão e lhe acariciou o queixo com as aveludadas pétalas da flor.
- Ofereço-te uma escolha, Vitória - disse com voz baixa e olhos sérios, cravando
nos dela um intenso olhar. - Qual quer?
- Os dois - respondeu ela sem a menor vacilação.
A manhã seguinte, Vitória estava de pé frente à janela de sua habitação, olhando
ao jardim e às extensões de grama banhadas em um difuso halo do primeiro sol da
manhã. Tinha chovido quase toda a noite, mas o céu azul, salpicado de com penugens
nuvens brancas, prometia um dia de bom tempo. Um dia de aventura, ao tempo que a
busca das jóias seguia seu curso. Outro dia glorioso que aconteceria Nathan.
Seus olhos se fecharam brandamente e recordou a noite anterior. Como, depois
de responder ao Nathan que elegia os dois atalhos, ele a tinha agradado
imediatamente, levantando a em seus fortes braços e levando-a à cama, onde se
tinham amado em um selvagem frenesi, como se levassem meses sem tocar-se. Logo,
depois de um ligeiro lanche a base de pão, vinho e queijo, faziam o amor devagar e
luxuriosamente na manta, diante do fogo.
A lembrança se desvaneceu e Vitória abriu os olhos. Baixando o olhar para o sol
que brilhava na erva coberta de rocio, fez-se a pergunta que invadia sua mente com
crescente freqüência à medida que passavam os dias: Como ia dizer adeus ao Nathan
quando chegasse o momento de partir e voltar para sua vida cotidiana? E, como lhe
ocorria cada vez, a mera ideia lhe provocou um nó na garganta e um estranho e
incômodo vazio no peito. Pois bem, como tinha feito até então, apartou a pergunta de
sua
cabeça. Quando chegasse o momento de partir, simplesmente... partiria. E
seguiria adiante com sua vida. Do mesmo modo que ele o faria com a sua.
Separou-se da janela e seu olhar se passeou pela habitação até a cama para
ficar presa na rosa vermelha que ele tinha deixado sobre o travesseiro junto à sua.
Qual foi seu desconsolo quando sentiu que a umidade lhe velava os olhos. Uma
formosa flor de mão de um homem formoso que, muito se temia, estava começando a
significar muito para ela. Um homem que, apesar de todos seus esforços por lhe
manter a uma distância emocional apropriada, estava abrindo-se passo para seu
coração.
Quando despertou essa manhã, estava sozinha e qualquer evidência de seu
sensual picnic salpicado de pétalas tinha desaparecido salvo por aquele solitário
casulo.
Caminhou até a cama, agarrou a rosa e afundou o nariz em seu suave centro.
Uma vez mais, vividas imagens da noite anterior monopolizaram sua mente. Nathan
abatendo-se sobre ela, fundo nas profundidades de seu corpo; logo ela escarranchado
sobre ele, as mãos do Nathan por toda parte enquanto faziam o amor no refúgio
perfumado com o aroma a rosas que ele tinha criado para ela. Vitória não poderia
jamais separar o aroma de rosas das sensuais imagens, o qual resultava problemático,
pois não recordava um só dia desde que era menina em que não se envolto na
fragrância de sua flor favorita.
Embora não ia preocupar se por isso nesse momento. Já teria tempo para
encerrar sob chave suas lembranças quando o interlúdio concluíra. Até então,
consideraria que cada dia era um presente e desfrutaria ao máximo de sua apaixonada
aventura.
Com essa ideia em mente, atirou da aldrava para avisar ao Winifred. Logo se
dirigiu ao armário para escolher o vestido que ficaria. Mas antes de escolher, tirou o
exemplar do Guia feminino da bolsa de viagem e, com delicioso cuidado, introduziu
entre suas páginas a rosa que Nathan lhe tinha deixado.
Depois de esvaziar um saco de despojos da cozinha na manjedoura do estábulo,
para deleite de Margarida, Reginald e Petunia, Nathan agarrou os ovos que suas
galinhas tinham posto essa manhã. Os deu ao Hopkins, que, com uma leve inclinação
de agradecimento, cruzou a grama para a cozinha com seu prêmio. Logo, com o R.B.
pego aos talões, Nathan percorreu a escassa distância que lhe separava do bosque de
olmos situado junto ao estábulo, o canto favorito de sua infância. sentou-se no chão,
apoiou-se contra a tosca casca do firme tronco, estirou as pernas e as cruzou ante si.
R.B. deixou-se cair a seu lado, apoiou a enorme cabeça sobre suas botas e soltou um
suspiro de satisfação canina.
- Nem te ocorra converter as botas em um de seus lanches - disse Nathan,
arranhando ao cão depois das orelhas. - São meu par favorito.
R.B. dedicou-lhe um olhar de recriminação, como dizendo que jamais faria algo
assim com as botas favoritas do Nathan... embora qualquer outro par não correria a
mesma sorte.
Voltando a apoiar as costas contra a árvore, Nathan se recreou na tranqüila
serenidade da primeira hora da manhã e viu seus animais desfrutar de sua comida.
Quanto lamentava que seus pensamentos não fossem tão serenos como aquele
entorno...
Reginald saiu do estábulo e, assim que viu o Nathan sentado sob a árvore, o
porco se aproximou trotando para ele. R.B. levantou a cabeça e, depois de que os dois
animais, totalmente acostumados à presença do outro, tiveram intercambiado um
amistoso farejo de fôlegos, Reginald se deixou cair também ao outro lado do Nathan e
apoiou a cabeça sobre seu joelho.
- Ao parecer, esta manhã estamos sozinhos - disse Nathan. - Nada de mulheres.
- Soltou um suspiro. - Me Faça um favor, meus bons meninos, e não se apaixonem.
Mas, ao menos, se forem lhes apaixonar, lhes assegure de fazer o de alguém a quem
poderia ter. - R.B. lambeu-se as patas e lhe lançou um olhar desolado. Nathan
assentiu, agradecido ante a óbvia amostra de compaixão canina. - Sim, assim é
precisamente como me sinto. Seria como se te apaixonasse por uma gata em vez de
apaixonam por uma cadela, R.B. Claro que poderia amar à gata, mas com isso só
conseguiria sofrer. São muito distintos, vivem em dois mundos muito diferentes para
que funcione. me acredite se te disser que te apaixonar é um enfado. além de que te
destroça o coração.
- Bom dia, Nathan - disse uma voz conhecida nas suas costas.
Nathan se voltou e viu aproximar-se de seu pai da casa.
- Bom dia, pai.
- Sabia que te encontraria aqui.
Durante a última semana, parte da tensão que existia entre ambos se dissipou.
Naturalmente, Nathan acreditava que isso se devia a que em nenhum momento
tinham estado a sós. A presença de lady Delia e de lady Vitória durante as refeições,
os jogos de sobremesa e a conversação tinham ajudado indubitavelmente a derreter
um pouco o gelo.
- Buscava-me?
- Sim. Importa-te se me sento contigo?
- Absolutamente. R.B., Reginald e eu estávamos tendo uma pequena
conversação entre homens.
Seu pai assentiu.
- Sempre você gostou de falar com seus mascotes.
Lorde Rutledge fiscalizou a zona que rodeava a árvore com expressão
carrancuda e tirou um níveo lenço do bolso, que depositou no chão. Nathan viu, entre
perplexo e divertido, como seu pai acomodava com muito tato o traseiro sobre o
quadrado de algodão. A operação requereu certo movimento, mas finalmente
encontrou o que obviamente lhe pareceu um lugar confortável e apoiou as costas
contra a árvore.
Depois de vários segundos de agradável silêncio, lorde Rutledge perguntou:
- Vais continuar hoje com a busca das jóias? - Nathan tinha informado
concisamente a seu pai de que albergava a esperança de recuperar a valise perdida.
- Imediatamente depois do café da manhã, sim.
- Ofereceria-te minha ajuda - disse seu pai, ao parecer incômodo, - mas não
posso deixar a lady Delia só todo o dia, como tampouco me parece adequado
submetê-la a saídas tão árduas.
- Entendo-o perfeitamente. - De fato, Nathan agradecia a decisão de seu pai,
pois não tinha o menor desejo de incluir a ninguém nessas preciosas horas que
passava a sós com Vitória.
- Naturalmente, que lady Vitória te acompanhe sem a presença de sua
acompanhante...
- Prometi a seu pai que a protegeria. Não posso fazê-lo se esta presa aqui.
- Suponho que não. E, além disso, estão ao ar livre... não é como se estivessem
juntos em uma carruagem fechada.
- Exato. - Nathan reparou em que seu pai não tinha sugerido que Vitória ficasse
em casa com ele e com a tia dela, coisa que despertou sua curiosidade, lhe levando a
perguntar-se o que era exatamente o que faziam durante as horas que Vitória e ele se
ausentavam da casa. deu-se conta de que pareciam levar-se muito bem.
- Que planos tem para hoje? - perguntou a seu pai.
- Prometi a Delia... quero dizer, a lady Delia... uma visita ao Penzance.
- Uma excursão da que sem dúvida desfrutará. É uma mulher encantadora.
Inteligente. Divertida e vivaz.
Com a extremidade do olho percebeu que uma sombra avermelhada tingia o
rosto de seu pai.
- Sim. É tudo isso. Atreveria-me a dizer que sua sobrinha se parece muito a ela
nesses aspectos.
- Estou de acordo contigo. - Certo, Vitória era tudo isso e muito mais. Uma
mulher pouco comum. Extraordinária. Que em nada se parecia com ninguém. Todos
os dias, Nathan aprendia algo novo sobre ela, e cada nova faceta dela que descobria
servia tão só para aumentar o amor e a admiração que lhe professava. Demônios, mas
se até suas faltas lhe desejavam muito atrativas. Seu modo de balbuciar quando ficava
nervosa. Sua veia teimosa. Seu modo de insistir em voltar a contar os relatos mais
escuros do Shakespeare para lhes dar um final de conto de fadas. De nada servia que
lhe recordasse que os títulos eram A tragédia do Hamlet e A tragédia do Romeo e
Julieta. Todas as coisas que faziam dela uma mulher imperfeita obtinham em certo
modo fazê-la parecer ainda mais perfeita.
O silêncio se alargou entre ambos até que seu pai disse:
- Quê-la.
- Construímos uma boa amizade.
- Seus sentimentos são mais profundos que os que pode dar capacidade uma
simples amizade, Nathan.
- O que te faz dizer isso?
- Já não sou exatamente um menino. E me dou conta de como a miras.
Nathan se obrigou a responder com um despreocupado encolhimento de
ombros.
- Se meus sentimentos forem mais profundos, não vejo que isso seja tua coisa.
Sou mais que capaz de seguir meu próprio conselho.
- E isso é precisamente o que me preocupa.
- Por que? Acaso teme que me comporte como um idiota? - perguntou, incapaz
de dissimular o pouco de amargura que continham suas palavras.
- Não. O que temo é que lhe rompam o coração. É uma dor como nenhum outro
e um destino que não desejo a nenhum homem, e menos que a ninguém a meu filho.
Um pesado silêncio os engoliu durante vários segundos enquanto Nathan lutava
por ocultar sua surpresa ante as palavras de seu pai. Ao parecer, não teve o êxito que
esperava pois seu pai acrescentou com delicadeza:
- Já vejo que acredita que não sei do que falo, mas te asseguro que falo por
experiência própria. - Voltou-se a olhar brevemente aos jardins e em seguida olhou ao
Nathan de novo.
- Se acredita que a morte de sua mãe não me rompeu o coração, está muito
equivocado. Amava-a com toda minha alma. Cativou-me do primeiro instante em que
a vi.
Um sentimento que, graças a Vitória, Nathan podia compreender à perfeição.
- Muito me temo que quando mamãe morreu eu estava tão imerso em minha
própria dor que logo que reparei em sua perda. Sinto muito.
Seu pai assentiu.
- O que quero te dizer é que um coração quebrado é uma dor que não pode
comparar-se a nenhum outro. Por isso te animo a que faça o que cria necessário para
que isso não te ocorra.
A confusão assaltou ao Nathan. Jamais tinha tido uma conversação remotamente
semelhante a essa com seu pai, e o certo é que estava de todo confundido. Por fim
disse, com supremo cuidado:
- Está sugerindo que se existisse uma mulher a que eu amasse, deveria
considerar a possibilidade de fazê-la partícipe de meus sentimentos?
- Demônios, Nathan, como dá mais voltas ao assunto terminará fazendo piruetas
na grama. Tenho uma idade em que já não estou para perder o tempo. Não te sugiro
nada sobre nenhuma hipotética mulher. Digo-te, claramente, que se amas a lady
Vitória, o diga.
As sobrancelhas do Nathan se arquearam bruscamente.
- Não é o mesmo homem que faz uma semana afirmava que meu irmão, Gordon
ou esses dois dandis de Londres... ou, demônios, qualquer que tenha um título e uma
propriedade... eram melhores partidos para ela?
- De fato, não. Não sou o mesmo homem que faz uma semana.
- O que quer dizer isso?
- Isso quer dizer que durante a semana passada cheguei a importantes e, se
tiver que te ser franco, inesperadas conclusões sobre mim. Sobre minha vida. E sobre
o que quero. Pela primeira vez em muito tempo me sinto... estimulado. Rejuvenescido.
E, de repente, Nathan se deu conta de que havia visto certas provas do que seu
pai acabava de lhe dizer durante a última semana. Seu pai lhe tinha parecido mais
depravado. Ria, sorria e contava histórias divertidas, e Nathan tinha desfrutado vendo
remeter o mal-estar que existia entre ambos. Embora tinha sido consciente das
mudanças, com a atenção centrada como a tinha em Vitória, não se tinha detido a
pensar neles.
- A que atribui este rejuvenescimento?
- A uma grande dose de introspecção, que é o resultado da amizade que cerquei
com lady Delia. Ter de novo a gente em casa me levou a me dar conta de quão só
estive, e desfrutei enormemente tendo a alguém de minha idade com quem falar. Lady
Delia conhece todo mundo, e resulta que temos em comum um bom número de
amizades. Você sabe que não estou ao corrente do que acontece na cidade, e lady
Delia me pôs em dia das vidas das pessoas que não vi e das que não sei nada há
anos.
Fiquei-me perplexo ao saber quantos de meus pares que conheço, de minha
idade ou mais jovens, não gozam de boa saúde. Ou morreram.
O pai do Nathan meneou a cabeça.
- Tenho que reconhecer que isso me deu uma arrepiante consciência de minha
própria mortalidade e me levou a apreciar o que tenho, incluída minha saúde. A vida é
muito preciosa e muito curta para desperdiçar as oportunidades que nos oferece.
Ou para permitir que os enganos fiquem sem corrigir.
Inspirou fundo e prosseguiu:
- Quero terminar de uma vez com as diferenças que nos separam, Nathan. Dou-
me conta agora de que nunca te permiti que me desse uma explicação por seus atos a
noite em que dispararam ao Colin e Gordon. Em vez disso, não fiz mais que te lançar
perguntas e acusações. Em minha defesa tão só posso dizer que estava emocionado, e
não só pelos disparos a não ser ao descobrir que meus filhos eram espiões da Coroa.
Não mostrei nenhuma fé em ti e, embora não sempre estivemos de acordo,
sabendo a classe de homem que foi, jamais teria que ter pensado que atuaria de
forma desonrosa.
Essas palavras pronunciadas com voz calma impactaram ao Nathan com força, e,
pela primeira vez em três anos, a dor e a sensação de traição que lhe tinham
constrangido o coração pareceram relaxar-se. Olhou a seu pai, que lhe observou com
olhos graves e prosseguiu:
- Tentei me desculpar por carta, mas reconheço que foi um esforço pouco
entusiasta. Assim agora, até apesar de que tenham acontecido três anos do ocorrido,
quero te manifestar minha mais sincera desculpa e pedir seu perdão. - Estendeu-lhe a
mão.
Um nó se alojou na garganta do Nathan, e tragou saliva para desfazê-lo.
Também ele alargou o braço e estreitou com firmeza a mão de seu pai.
- Eu também te devo uma desculpa, pai, por ter permitido que a brecha que se
abriu entre nós se alargou como o tem feito. Não negarei que foi um golpe tremendo
me dar conta de que meu pai, meu irmão e meu melhor amigo duvidavam de mim.
Nesse momento, estava de pés e mãos atados por um juramento de silêncio e
não podia dar nenhuma explicação.
- Não deveria ter necessitado nenhuma.
A admissão temperou qualquer resto de frieza que Nathan pudesse ter
albergado.
- Temo-me que o orgulho me impediu de te oferecer alguma explicação depois
de minha volta... um engano de julgamento que eu gostaria de corrigir se desejas me
escutar.
- Eu adoraria.
Depois de tomar uma tonificante baforada de ar, Nathan repetiu a mesma
história que lhe tinha contado a Vitória.
- A ironia de tudo isso - concluiu - é que pretendia que as jóias fossem minha
última missão... a que me ofereceria segurança econômica. Em vez disso, arrebatou-
me tudo o que me era mais querido... minha reputação, minha família, minha casa.
- Não tinha nenhuma necessidade de sair a procurar por aí a segurança
econômica, Nathan. Te teria dado todo o dinheiro que me tivesse pedido.
- Sim, sei. E, embora valorise sua generosidade, eu não gosto que me dêem de
presente nada. Prefiro ganhar as coisas.
- Um aspecto de seu caráter que jamais compreendi - disse seu pai, meneando a
cabeça. - Se alguma vez necessitar algo...
- Direi-lhe isso. me acredite, não tenho o menor desejo de viver na pobreza, e
embora saiba que acredita que vivo nessas condições, asseguro-te que não é assim.
Possivelmente minha casa não seja um magnífico palácio, mas vivo muito
comodamente.
E, apesar da ocasional compensação não monetária que aceito por meus
serviços, estou bem pago.
- O que ocorrerá se não encontrar as jóias?
- Não terei mais remédio que seguir com minha vida. Mas estou decidido às
encontrar. Faz três anos não fiquei a lutar por limpar meu nome. Esta vez não penso
me dar por vencido tão facilmente. Alguém traiu a missão, e quero saber quem foi.
Alguém lhe tem feito mal a Vitória, e quero saber quem foi. Quero recuperar as
jóias e devolver-lhe à Coroa para apagar assim a marca que pesa sobre minha
reputação. - Fechou os dedos sobre o ombro de seu pai.
- Mas, aconteça o que acontecer, saber que me acredita inocente de qualquer
ação desonesta significa muito para mim.
- Que lástima que Colin não esteja aqui para este encontro - disse seu pai.
- Sim, é-o - disse Nathan pensativo.
- O instinto me diz que não demorará para voltar. O mais seguro é que seu
"negócio" seja uma beleza cheia de curvas da que logo se cansará.
- Sim, certamente tem razão - disse Nathan. Desgraçadamente, não era isso o
que lhe dizia seu instinto.
A última hora dessa mesma tarde, depois de outro fracassado registro de uma
nova e escarpada formação rochosa, Nathan se apoiou contra o tronco de um
majestoso olmo, consultou o mapa quadriculado e riscou um X sobre outro quadrado.
Tão só ficavam cinco mais. Teriam que registrar as cinco zonas restantes... ou
possivelmente encontrassem as jóias ao dia seguinte? Ou ao seguinte? Inclusive
embora resultasse necessário registrar os cinco quadrados, Nathan sentia ainda sobre
ele a pressão do tempo. Assim que a busca tocasse a seu fim, já fora depois de ter
encontrado as jóias ou admitindo a derrota, seu tempo no Cornwall teria concluído.
Sem dúvida teria notícias do pai de Vitória durante a semana seguinte em
relação a sua carta, com sorte lhe proporcionando informação adicional que poderia
lhe ser de ajuda na busca das jóias.
Embora lhe pediria também lorde Wexhall que enviasse a sua filha de volta a
Londres?
Olhasse-o como o olhasse, sentia que seus mágicos momentos com Vitória
tinham as horas contadas, como os grãos de areia que inexoravelmente penetravam
entre seus punhos fechados.
Depois de voltar a dobrar o mapa e meter-lhe na bota, olhou a Vitória, que nesse
momento estava agachada a escassos três metros dele, agarrando um pequeno buquê
de flores silvestres de cor violeta. O sol ficou aceso em seus cabelos, lançando
ardentes reflexos desde suas sedosas mechas. Demônios, que formosa era. E quanto a
amava.Não menos do que a desejava. O conselho que lhe tinha dado seu pai
reverberou em sua cabeça e se deu conta de que tinha razão. Tinha que lhe dizer a
Vitória o que sentia.
Mas como? Quando? "Espera", advertiu-lhe sua voz interior. "lhe dê mais tempo.
É óbvio que sente algo por ti... possivelmente se apaixonará por ti." De seus lábios
escapou um som carente do menor indício de humor.
Ou possivelmente Vitória lhe partiria o coração em pedaços.
Vitória se levantou e lhe olhou. O desejo que embargava ao Nathan devia ficar
refletido em seus olhos porque um calor semelhante ardeu no olhar dela. Com um
sorriso de sereia brincando em seus lábios, aproximou-se devagar a ele.
- Parece pensativo - disse.
- Simplesmente admirava as vistas.
O olhar de Vitória lhe percorreu com descaramento, pousando-se sem rodeios
entre suas pernas antes de voltar a encontrar-se com o dele.
- Sim, as vistas são fascinantes.
Nathan se tragou a gargalhada arrependida que sentiu subir por sua garganta ao
ser consciente da facilidade com que Vitória lhe excitava. Ela se deteve a meio metro
dele e lhe estendeu o ramo.
- Para ti - disse.
Emocionado ante a simplicidade do gesto, aceitou as flores, roçando os dedos
dela com os seus.
- Nunca me tinham oferecido flores.
Ela sorriu.
- Nem eu as tinha oferecido. Já sei que parecem pálidas em comparação com as
magníficas rosas que me deu, mas...
- Não, não é certo. O que importa não é a classe de flores que recebe, a não ser
quem lhe dê isso. - Acariciou a suave bochecha de Vitória com os lábios. - Obrigado.
- De nada.
- De fato, também eu tenho um presente para ti. Agora já volto.
Deu-se impulso contra a árvore para apartar-se dela e se dirigiu ao lugar onde
tinham amarrado a Meia-noite e a Mel, à sombra de um enorme salgueiro chorão.
depois de pôr suas flores na cadeira de Meia-noite, tirou uma pequena bolsa de couro
e voltou a reunir-se com Vitória.
- Para ti - disse, lhe dando o pequeno presente.
O prazer surpreso que viu em Vitória foi de tudo evidente.
- O que é?
- Só há uma forma de saber.
Nathan a viu atirar do cordão que fechava a bolsa e depositar o conteúdo na
palma de sua mão. Era um fino cordão de veludo negro com uma nacarada concha
marinha. de repente, assaltou-lhe a dúvida.
Que diabo estava fazendo, lhe dando algo de tão pouco valor quando Vitória
estava acostumada e merecia as jóias mais caras e extravagantes?
Vitória estudou a concha durante vários segundos.
- Reconheço esta concha. Encontrou-a junto à borda o primeiro dia que me
levou a praia. - Apartou o olhar do pendente para pousá-lo em Nathan. - O primeiro
dia que me mostrou a Cova de Cristal.
- Sim - respondeu ele, incapaz de ocultar sua agradada surpresa ao ver que ela o
recordava. - Como o soubeste?
Uma inconfundível ternura encheu os olhos de Vitória antes de responder.
- Nathan, não acredito que vá esquecer jamais nada do que ocorreu esse dia. - E
depois de deixar no chão a bolsa de couro, levantou os braços e se passou o cordão
de veludo pela cabeça. Logo sustentou a delicada concha ao sol e a examinou.
- Como conseguiste que brilhe tanto?
- Com uma dúzia de capas de laca transparente. Dá-lhe brilho e a fortalece. -
Esclareceu-se garganta. - Queria que tivesse algo que te recordasse o tempo que
aconteceste aqui. Já sei que não é muito, mas...
Vitória lhe tocou os lábios com os dedos, silenciando suas palavras.
- Equivoca-te, Nathan. Este pendente é... precioso. E valioso. Em todos os
sentidos. Como o homem que me deu de presente isso. Obrigado. Sempre o
entesourarei.
Tomou a mão e retrocedeu uns passos, atirando com suavidade dela até que
suas costas voltou a descansar contra o tronco. Separou então as pernas e a atraiu
lentamente para ele até que ela apoiou o corpo contra o vértice de suas coxas.
- Alegra-me que você goste dele - disse, inclinando a cabeça para tocar com os
lábios o sensível suspiro de pele impregnada do aroma de rosas situada justo detrás
da orelha de Vitória.
Um delicado calafrio a percorreu e seus braços se fecharam ao redor do pescoço
do Nathan. Inclinando-se para trás para lhe olhar, envolta como estava no círculo de
seus braços, disse:
- Falando do que nós gostamos de... acredito que a minha tia gosta de seu pai.
- Excelentes notícias, pois acredito que a meu pai gosta de sua tia. - Passou os
dedos pela aveludada bochecha de Vitória. - E acredito que o seu filho gosta de sua
sobrinha.
Vitória arqueou as sobrancelhas.
- Ah, sim? A que filho te refere? Tem dois.
Nathan sabia que Vitória brincava. Mesmo assim, sentiu ciúmes.
- Referia a mim .
- Ah. Assim que gosta, hum...? Significa isso que ele, quer que sejam amigos?
- Não.
- Não? por que não?
- Porque os amigos não fazem isto. - Nathan pousou as Palmas sobre seus seios,
lhe excitando os mamilos através do delicado tecido do traje de montar. - Nem isto. -
Inclinando-se para diante, beijou-a ardentemente no pescoço.
Vitória deixou cair lânguidamente para trás a cabeça, de seus lábios escapou um
suspiro cheio de prazer. Colocou então sua mão entre as pernas do Nathan e acariciou
com a palma sua ereção, lhe arrancando um gemido.
- Suspeito que os amigos tampouco fazem isto? - perguntou com voz velada.
Os dedos do Nathan pusseram mãos à obra e começaram a lhe desabotoar os
botões do vestido.
- Não estou seguro... volta a fazê-lo e lhe direi isso.
Vitória lhe acariciou de novo e a seguir deixou que as gemas de seus dedos
brincassem com sua ereção.
- Não - disse Nathan com um rouco gemido. - Tampouco fazem isso.
- Nem sequer se forem amigos íntimos?
- Nem sequer. - Terminou de lhe desabotoar os botões e lhe baixou o vestido e a
camisa pelos braços em um só gesto.
- O que outra coisa não fazem os amigos?
Nathan passou a preguiçosa gema de um de seus dedos ao redor do endurecido
mamilo de Vitória.
- Está segura de que quer sabê-lo?
- Sim.
A palavra concluiu em um laio de prazer quando Nathan agachou a cabeça e se
levou o mamilo à boca. Vitória inspirou seu nome e toda a frustração reprimida que
provocava nele o fato de desejá-la tanto, de amar a uma mulher a que temia não
poder
ter jamais, estalou, lhe alagando com um desespero como jamais a havia
sentido. Baixou-lhe o vestido, a camisa e a roupa interior sem olhares por debaixo dos
quadris e simplesmente a levantou e chutou os objetos a um lado, deixando-a só com
as meias e os botas de cano longo de montar. Com os ofegos bombeando desde seus
pulmões como foles, passou-lhe uma mão por debaixo da coxa e lhe levantou a perna
por cima de seu próprio quadril enquanto deslizava a outra mão pelas costas nuas
primeiro e pelas redondas nádegas depois, para baixar mais ainda e acariciar em cheio
as dobras de seu sexo. Comprovar que Vitória estava já úmida, lhe arrebatou os
últimos vestígios de autocontrole.
Beijou-a profundamente ao tempo que deslizava dois dedos em seu úmido calor
enquanto a acariciava com a língua, seguindo o mesmo ritmo suave que marcavam
seus dedos dentro dela. Os braços de Vitória se fecharam ainda mais ao redor de seu
pescoço, e Nathan a sentiu pegar-se com mais força a ele. Interrompeu então o beijo,
lhe acariciando implacavelmente o corpo e vendo como o prazer a afligia enquanto
palpitava ao redor de seus dedos.
Assim que os tremores de Vitória remeteram, tomou em braços e a sentou sobre
o vestido que tinha ficado no chão. Caiu de joelhos entre as coxas abertas dela,
desabotoou-se as calças com mãos impaciente e trementes e liberou sua ereção.
Agora, maldição. Necessitava-a agora. sentou-se sobre os tornozelos, agarrou-a com
firmeza dos quadris e a colocou em cima dele sobre suas coxas. Vitória se aferrou a
seus ombros e se deslizou para baixo ao tempo que ele investia para cima. Nathan
tentou ir devagar e saborear assim a deliciosa entrada ao aveludado calor dela,
desfrutando do erótico apertão que imprimia sobre ele o estreito espaço de Vitória,
mas a lentidão estava além de suas possibilidades. Agarrando a dos quadris como se
da volta de um banco se tratasse, apertou os dentes e investiu forte, depressa,
enquanto o suor o molhava a frente. E, como suas investidas, a descarga lhe chegou
com força e depressa. Com um gemido gutural que pareceu mais doloroso que
prazeiroso, retirou-se dela e a esmagou contra ele, afundando a cabeça no quente e
fragrante vale que desenhavam seus seios. Assim que a neblina induzida pela paixão
se desvaneceu de sua mente uma quebra de onda de culpa arremeteu contra ele.
Maldição, que demônios lhe tinha ocorrido? Jamais perdia o controle desse modo.
Tinha-a tomado sem tão sequer pensar no prazer dela. Levantou a cabeça, disposto a
desculpar-se e a lhe pedir perdão, mas a encontrou lhe olhando com uma expressão
acesa, saciada e sonolenta.
- OH... Deus - a ouviu sussurrar, apoiando a fronte sobre a dele. - Justo quando
acredito que por fim tenho descoberto o que é o que faz melhor, demonstra-me que
estou equivocada.
Aliviado ao ver que ela havia sentido tanto prazer como ele, depositou um beijo
em seu nariz.
- Ainda não o tem descoberto.
- OH... Deus - voltou a suspirar. Baixou os olhos e se olhou os seios nus
apertados contra o peito do Nathan. - Suspeito que os amigos tampouco fazem isto?
- Somos amigos, Vitória? - Embora Nathan lançou a pergunta à ligeira,
surpreendeu-se tenso em espera da resposta.
- Eu gostaria de pensar que sim.
- Bom, nesse caso, suponho que os amigos sim fazem isto.
- Hum. Quanto acredita que dois amigos demorariam para voltar a fazer isto?
Nathan sorriu.
- Averigüemo-lo.

Capítulo 20

A mulher moderna atual que esteja em situação de ter que pôr fim a um
romance, deverá fazer o de uma maneira limpa e rápida. Por descontado, isso é algo
que se consegue mais facilmente se seu coração não está comprometido no lance.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore.

Mais tarde, essa mesma noite, Nathan passeava uma e outra vez pelos limites de
sua habitação. Quando se aproximou da chaminé, jogou um olhar ao relógio colocado
em cima do suporte. Tinha passado menos de um minuto da última vez que tinha
arrojado um olhar assassino a aquele relógio esmaltado, o qual significava que não só
seu cenho mais potente não bastava para que o tempo passasse mais depressa, mas
sim ainda tinha que sofrer durante outro quarto de hora para que chegasse a meia-
noite.
Até que saísse de sua habitação e se reunisse com Vitória na dela.
Passando-as mãos pelo cabelo, voltou dando grandes pernadas à janela ao
tempo que a seda da camisola batia as asas contra suas pernas nuas. Em que
demônios tinha estado pensando quando se mostrou de acordo em esperar até a
meia-noite para reunir-se
com ela? retirou-se fazia vinte minutos, deixando a Vitória, a lady Delia e a seu
pai no salão. Tinha-lhe levado uns bons dez minutos despir-se, lavar-se e ficar com o
roupão. A partir de então tinha começado a passear-se pela habitação, frustrado ante
sua falta de sangue-frio, pois até o momento se teve sempre por um homem muito
paciente. Mas não havia nada de paciente na necessidade, nesse desejo de estar junto
a ela, tocando-a, que cravava suas garras nele.
Deteve-se na janela e olhou ao jardim banhado em um halo prateado de luz de
lua. Quando a ponto estava de voltar-se, um movimento captou sua atenção.
Enquanto seguia observando a cena, uma figura vestida de escuro com uma bolsa ao
ombro emergiu
das sombras e se afastou sigilosamente pela grama para a espessura do bosque.
Durante um instante, a lua brilhou diretamente sobre a figura e Nathan ficou de uma
peça ao reconhecê-la. Segundos mais tarde, a escuridão se tragou a silhueta furtiva e
Nathan, com a mente transformada em um torvelinho de perguntas, seguiu com o
olhar fixo no lugar onde a figura tinha desaparecido.
Que demônios tramava Colin?
Não tinha sentido sair atrás dele... jamais conseguiria dar com seu irmão no
bosque com essa escuridão. Entretanto, isso não significava que não tivesse intenção
de procurar respostas. Agarrou o abajur de azeite da mesinha, saiu da habitação e
pôs-se a andar pelo corredor. Quando chegou à habitação do Colin, entrou e fechou a
porta detrás de si.
Sustentou o abajur em alto e se passeou devagar pela habitação às escuras,
fiscalizando a zona com olhos atentos. Pouco era o que tinha trocado da última vez
que Nathan tinha visto a habitação, três anos atrás. Os mesmos móveis de madeira de
cerejeira, o mesmo tapete Axminster de desenhos em tons verdes escuros e os
mesmos cortinados de pesado veludo. A primeira vista, tudo parecia em perfeita
ordem, mas em uma segunda inspeção Nathan se deu conta de que um dos extremos
do tapete situado diante do lar estava ligeiramente enrugado, uma falta que a criada
em nenhum caso teria deixado de corrigir.
Aproximou-se da mesa redonda de mogno que estava junto ao armário, onde viu
uma licoreira de brandy e uma taça de cristal sobre uma bandeja de prata. levou-se a
taça ao nariz e inspirou. O aroma de potente licor seguia ainda impregnando o cristal.
Sustentou então a taça contra a luz e percebeu as gotas de pálido ouro que
ficavam no fundo. Um rápido estimulante para sua carreira pela grama, Colin?,
pensou.
Cruzou a estadia até as janelas e reparou com um triste sorriso em que estavam
fechadas por dentro.
- Mas se for todo um perito em fechar as portas pelo outro lado - murmurou. - E
nas abrir, claro, pois suspeito que não terá entrado alegremente pela porta principal e
terá subido até aqui pela escada.
Abriu as janelas e saiu ao balcão. dirigiu-se à balaustrada de pedra e levantou a
lanterna para examinar atentamente a pedra. Diretamente no centro do corrimão
encontrou o que procurava: partes de fibra de corda.
- Agora sei como entraste... mas o que procurava?
Baixou o abajur e varreu com o olhar o balcão de pedra até detê-la no pálido
objeto que tinha junto aos pés. agachou-se e agarrou o marfim da folha de papel
vitela dobrado. Uma sensação de espanto lhe percorreu ao tempo que desdobrava
lentamente o papel com a esperança de não ver o que suspeitava que estava a
ponto de contemplar. Segundos mais tarde, suas piores suspeitas ficaram confirmadas.
Era a carta e o mapa falsos que Nathan tinha desenhado em seu momento. Os
mesmos que lhe tinham roubado.
Demônios. Preso do mais absoluto desassossego, retornou apressadamente a
sua própria habitação. Depois de entrar nela, dirigiu-se ao armário e agarrou o par de
botas de montar que tinha no canto mais afastado da porta. Fez girar com destreza o
tornozelo na bota esquerda e apalpou o compartimento oculto. Como tinha suspeitado,
estava vazio.
- Roubaram-me a carta e o mapa - disse Nathan assim que fechou detrás de si a
porta da habitação de Vitória. - Também nosso mapa quadriculado.
Vitória cravou o olhar na expressão séria do Nathan e o coração lhe encolheu ao
ser partícipe da notícia.
- Quando?
- Deve ter sido esta noite durante o jantar. - Se mexeu os cabelos. - Deveria
havê-lo suspeitado, teria que ter imaginado que faria algo assim, mas não queria
acreditar que pudesse ser tão estúpido.
- Quem?
Vitória ficou imóvel ante o olhar torturado que viu nos olhos do Nathan.
- Colin - respondeu ele com a voz impregnada de angústia. - Esteve aqui. Esta
noite. Vi-lhe na grama, indo para o bosque. Quando registrei sua habitação, encontrei
isto.
Vitória agarrou o papel vitela que lhe oferecia e franziu o cenho ao ver as
palavras e o desenho que não conseguiu reconhecer.
- O que é isto?
- O mapa e a nota falsos que nos roubaram.
Vitória sentiu que lhe exageravam os olhos ao ser consciente do que aquilo
queria dizer.
- Isso significa que Colin...
- Está comprometido. Só há duas maneiras de que tenha podido fazer-se com a
nota. Uma, que contratasse a aquele bastardo para que a roubasse. Ou dois que a
roubasse a aquele bastardo.
Vitória esquadrinhou seu olhar.
- E qual você acredita que é a acertada?
- Que Colin a roubou a nosso ladrão - disse sem duvidá-lo. - Meu irmão, entre
seus múltiplos talentos, é um formidável ladrão. Muito útil durante nossa época de
espiões. E, ao parecer, ainda o é.
Vitória dava voltas a aqueles retalhos de informação enquanto seguia olhando o
papel vitela.
- Quer dizer, que acredita - disse devagar - que Colin se cruzou com nosso
ladrão, roubou-lhe a carta e o mapa e esteve após tentando encontrar as jóias...
embora empregando para isso a informação incorreta...
- Levantou os olhos e seu olhar e o do Nathan se encontraram. - Agora não só
tem a carta e o mapa autênticos, e por conseguinte a informação correta, mas
também nosso mapa quadriculado no que aparecem assinaladas todas as zonas que já
temos coberto.
Os traços tensos do Nathan se relaxaram um pouco e uma inconfundível
admiração brilhou em seus olhos. Estendeu o braço, tomou a mão de Vitória e a levou
aos lábios, depositando um quente beijo em seus dedos.
- Minha querida Vitória, hei-te dito alguma vez que adoro sua capacidade para te
abrir passo entre a névoa mais espessa e ir diretamente à medula da questão?
Vitória conteve o fôlego ao ver a intensidade que fervia no olhar dele e negou
com a cabeça.
- Não acredito te haver ouvido mencioná-lo.
- Pois dá-o por mencionado. - Depois de depositar outro breve beijo em seus
dedos, soltou-lhe a mão e começou a passear-se diante dela.
Vitória lhe observou em silencio durante um minuto inteiro. Era tanta a
preocupação que viu na expressão do Nathan que não pôde por menos que sofrer por
ele. A seguinte vez que ele passou por diante dela, estendeu a mão e a pôs no braço,
lhe detendo.
- Está pensando que Colin teve algo que ver com o fracasso da missão faz três
anos - disse com delicadeza. Apertou-lhe brandamente o braço em um gesto de
compaixão. - O sinto.
Nathan negou com a cabeça, ligeiramente surpreso.
- De fato, não, não é isso o que penso. Quaisquer que sejam as faltas que Colin
possa cometer, é um homem de honra e integridade. Desgraçadamente, também tem
tendência a ser muito audaz. O que acredito é que, de algum modo, inteirou-se da
verdade sobre o que ocorreu faz três anos e, em vez de me contar isso decidiu
solucionar as coisas sem ajuda de ninguém.
- Mas por que não lhe ia explicar isso por que não contar com sua ajuda?
Um músculo se contraiu na mandíbula do Nathan.
- Tão só posso me aventurar a imaginar, mas diria que é porque faz três anos
duvidou de mim. Acredito que, durante estes últimos três anos, por muito que ele
queria acreditar em minha inocência de qualquer maldade, seguia mantendo essa
sombra de dúvida. Quando descobriu o que de verdade tinha ocorrido, e se deu conta
de que eu não tinha traído a missão... - Deixou escapar um comprido suspiro. - Estou
seguro de que lhe pôde o sentimento de culpa. lhe conhecendo como lhe conheço,
acredito que está atuando por conta própria respondendo a uma espécie de
penitencia autoimposta. É uma forma de me compensar por sua falta de fé em mim.
Quer encontrar as jóias, descobrir ao traidor e limpar meu nome.
Vitória escrutinou seu olhar.
- Isso é o que sente porque é isso exatamente o que você faria por ele.
- Sim. Faria-o.
- Logo que conheço seu irmão, de modo que em qualidade de observadora
objetiva me sinto na necessidade de apontar que, embora poderia estar no certo... é
igualmente possível que esteja equivocado. Pode ser que Colin seja o responsável por
todo o
ocorrido.
- Cabe a possibilidade de que tenha razão, mas não me equivoco. E isso significa
que Colin poderia estar em um grave perigo. - Tirou-a da mão e a conduziu para o
escritório de coberta inclinada de mogno situado junto à janela. - Vou reproduzir a
carta decifrada e o quadriculado, e quero que você volte a desenhar o mapa. Logo os
estudaremos até que descubramos o que nos escapou. Até que averigüemos qual é o
melhor lugar onde procurar. O instinto me adverte de que não temos muito tempo.
Não acredito que possamos registrar os cinco quadriculados que ainda ficam no
mapa.
Durante os trinta minutos seguintes, o único som que se ouviu na habitação,
além do crepitar da madeira que ardia na chaminé, era o rasgar das plumas sobre o
papel vitela. Vitória ocupou as duas horas seguintes em estudar em detalhe a série de
ganchos de ferro que tinha desenhado. Pareciam um autêntico galimatías. Fez girar
devagar o papel vitela, olhando as linhas desde todos os ângulos até que lhe irritaram
os olhos.
- Tentei uma dúzia de códigos distintos, mas não consigo decifrar nada mais -
disse Nathan com a voz carregada de frustração. - Encontraste algo no mapa?
- Não... embora acabe de ocorrer-me uma idéia. - Vitória ergueu ainda mais as
costas e olhou fixamente as linhas. - Até agora têm dado por feito que, pelas palavras
"formação rochosa" que aparecem na carta, este desenho descrevia a formação
particular em que estavam escondidas as jóias. Mas e se em realidade descreve
outra coisa?
- Como o que?
- Não sei. Possivelmente um montículo coberto de vegetação na costa?
Nathan aproximou sua cadeira a dela e olhou o desenho com atenção.
- Em tal caso, ou passamos por cima as jóias ou a informação do Baylor era
errônea. - Deslizou para eles o mapa quadriculado que tinha reproduzido e assinalou
as zonas ainda inexploradas. - Todos os setores restantes estão situados no interior,
muito afastados do mar. Embora acredite que possivelmente tenha razão quando diz
que pode que isto não seja um desenho que reflita a formação rochosa em si.
Ambos estudaram as linhas com atenção, e Vitória murmurou:
- E se se trata de uma série de caminhos, ou de atalhos?
Nathan assentiu e assinalou logo um ponto onde as linhas se encontravam.
- Poderiam ser três caminhos que convergissem aqui.
Vitória lhe olhou com uma crescente sensação de excitação.
- Conhece algum lugar assim na propriedade? Onde convirjam três caminhos
junto a uma formação rochosa?
Nathan se levantou e se passeou pela habitação com as sobrancelhas unidas em
um profundo cenho. Obrigando-se a guardar silenciou para não interromper seus
pensamentos, Vitória quase podia ver como giravam as porcas em sua cabeça
enquanto ele esquadrinhava mentalmente a vasta extensão de terreno do imóvel.
- Perto da zona situada mais ao norte - resmungou Nathan. Ato seguido, meneou
a cabeça. - Não, ali não há rochas. - Deteve-se junto ao escritório e voltou a estudar o
mapa quadriculado. - Há tantos caminhos... - Sacudiu a cabeça em uma clara amostra
de frustração. - Mas não me ocorre nada. Teria que pensá-lo com atenção... - Se
deteve de repente e voltou a vista aos ganchos de ferro que Vitória tinha desenhado. -
Água - disse. - Não são caminhos de barro, a não ser água. Caminhos.
- Repetiu a palavra "caminhos" em meia dúzia de ocasiões, cada vez mais e mais
excitado. Logo assinalou no mapa quadriculado um dos setores que ainda não tinham
registrado e que cobria o extremo noroeste mais afastado do imóvel.
- Aqui. Há três caminhos que convergem aqui. Isto assinala a fronteira entre a
propriedade de minha família e o imóvel do Alwyck.
- Há alguma formação rochosa ali?
O olhar do Nathan procurou a de Vitória.
- Estão as ruínas de uma pequena casa de campo de pedra. Apenas três paredes
semidestruidas, sem cubro... Por Deus, acredito que tem que ser aqui! - O entusiasmo
que revelava sua voz e seus olhos era de tudo inconfundível.
Tomou o rosto de Vitória entre suas mãos e lhe plantou nos lábios um beijo
veloz e apaixonado para logo soltar uma gargalhada breve e triunfal. - É um gênio.
- Eu? Mas se o tem descoberto você.
- Mas você me deu a ideia. A inspiração. - Acariciou-lhe as bochechas com as
gemas dos polegares. - Diria que fazemos uma equipe "insobrepassavelmente"
maravilhoso.
Houve algo em seu tom de voz, na repentina seriedade de seu olhar, que
prendeu em Vitória uma completa quebra de onda de calor, lhe roubando todo
pensamento. Demoraria uma semana em dar com uma resposta à altura do
comentário, mas pelo instante se limitou a assentir. "A semana seguinte o mais
provável é que esteja de retorno em Londres", sussurrou-lhe sua voz interior. Ante
aquele indesejado aviso, todo seu corpo se esticou.
Esclareceu-se garganta.
- Saímos imediatamente para a casa abandonada ou prefere esperar ao
amanhecer?
Nathan franziu o cenho.
- Vitória, quero que fique aqui.
Ela retrocedeu e as mãos do Nathan se separaram de suas bochechas. Vitória se
plantou as mãos na cintura e lhe lançou um olhar irado.
- Que fique aqui? Enquanto você recupera as jóias? Temo-me que não.
Ele estendeu os braços para ela, mas Vitória voltou a dar um passo atrás,
esquivando suas mãos.
- Vitória, preciso estar seguro de que está a salvo...
- E eu preciso saber que você também o está.
- Agora que nem a carta nem o mapa autênticos estão em minhas mãos, poderia
passar algo. Não me arriscarei a te pôr em uma situação potencialmente perigosa. -
Esta vez, quando estendeu as mãos para ela, tomou pelos ombros. - Depois do
ocorrido com aquele bastardo da faca... - Fechou brevemente os olhos com força e
tragou saliva. - Seu pai me encarregou que te protegesse e não penso voltar a falhar.
Vitória elevou as mãos e as fechou ao redor dos fortes antebraços do Nathan.
- Não falhou a primeira vez, Nathan. No que a mim respeita, onde mais a salvo
estou é contigo. cheguei até aqui na busca e me nego a que me impeça de seguir nela
até seu final. fomos companheiros desde o começo e seguiremos sendo-o. Além disso,
se procurarmos juntos, terminaremos muito antes. - Ao ver que Nathan estava a ponto
de seguir discutindo, acrescentou: - E será melhor que esteja de acordo, porque do
contrário me limitarei a te seguir.
De modo que a única questão que fica por resolver é se acredita que é melhor
que saiamos agora e efetuemos nossa busca ao amparo da escuridão ou que
esperemos até o amanhecer.
- Surpreende-me que acesse a me deixar a mim essa decisão - resmungou
Nathan em um tom aborrecido.
Vitória baixou o olhar com atitude recatada.
- Tem muito mais experiência nisto que eu.
- Certo. Precisamente por isso...
- Escolherá quando é o momento mais adequado para que ambos
empreendamos a busca.
Um músculo se contraiu na bochecha do Nathan.
- Sempre foste tão teimosa?
- Acredito que sim, embora até recentemente o mantive em segredo.
- Pois acredito que deveria havê-lo mantido oculto um pouco mais.
- Não é certo. Disse-me que era positivo descobrir novos aspectos de minha
natureza. Lembro-me perfeitamente de que disse que minhas experiências passadas
não me permitiram a liberdade suficiente para conhecer minha autêntica natureza.
Que sempre tenho feito o que se esperava de mim, em vez do que meu coração
desejava. Que expressar minha vontade, ser fiel a meus impulsos, pode resultar muito
liberador. E que deveria ser livre de te dizer tudo o que goste.
Nathan resmungou algo, e Vitória, quem acreditou entender que dizia: "...
pedras sobre meu próprio telhado, mordeu-se o interior das bochechas para não sorrir
ante a expressão desgostada que viu nele.
- Sob nenhum conceito te afastará de mim.
- Juro-o, Nathan. E não esqueçamos incluir a pequena pistola na bolsa das
ferramentas. Não duvidaria em utilizá-la se se dá a ocasião - disse, rezando para que
suas palavras fossem certas.
As palavras de Vitória não animaram ao Nathan tanto como ela tinha imaginado.
O certo é que o cenho do Natan se perfilou ainda mais.
- Mas possivelmente não esteja a tempo de agarrar a pistola, e não quero que a
leve em cima. Pode que díspares a alguém.
- E não seria essa a idéia?
- Refiro a ti. Ou a mim.
- OH. Nesse caso me limitarei a encher minha bolsa de pedras e a ter à mão.
Nathan se beliscou a ponte do nariz e meneou a cabeça.
- Uma bolsa? Cheia de pedras?
Vitória elevou o queixo.
- Sim. Seguro que diz algo disso em seu Manual Oficial do Espião.
- Asseguro-te que não.
- Pois deveria. Uma bolsa é pequena e de fácil manejo, e não parece uma arma.
E não duvidarei nem um instante em esmurrar a qualquer rufião, me acredite. -
Arqueou uma sobrancelha. - Espero que, não me obrigue a começar por ti.
Acreditou ouvir chiar os dentes do Nathan de puro enfado.
- Sairemos ao amanhecer - disse ele com uma voz semelhante a um grunhido.
- Essa teria sido também minha escolha.
- Que maravilha que esta noite possamos nos pôr de acordo em algo.
- Arrumado a que poderíamos nos pôr de acordo em algo mais.
- Não esteja tão segura. Não posso dizer que esteja de bom humor.
Vitória lhe rodeou o pescoço com os braços. Ficando nas pontas dos pés, pegou-
se a ele e lhe mordeu levemente a um lado do pescoço.
- Arrumado a que poderíamos nos pôr de acordo em que há formas mais
interessantes de passar as horas antes do amanhecer que nos dedicando a discutir.
Não te parece?
As mãos do Nathan se deslizaram ao redor de sua cintura ao tempo que o calor
que desprendiam suas palmas lhe esquentavam a pele através do fino cetim da
camisola.
- Não sei. - Um gemido surdo rugiu em sua garganta quando Vitória começou a
lhe mordiscar o lóbulo da orelha. - Vou necessitar que me convença um pouco mais.
Vitória deslizou uma mão por seu peito, passando pelo abdômen e descendendo
ainda mais até tocasse descaradamente sobre o roupão de seda. Nathan inspirou
brevemente enquanto seus olhos brilhavam como um par de braseiros.
- Melhor que discutir? - sussurrou Vitória, acariciando a prolongada dureza de
seu membro.
- Estou convencido - respondeu Nathan, esmagando-a contra seu corpo.
Saíram da casa em silêncio justo quando as primeiras pinceladas malvas tingiam
o céu. Com o coração lhe palpitando de ansiedade, Vitória avançava apressadamente
junto ao Nathan, que a levava da mão em um gesto quente e reconfortante.
Na outra mão, ela levava sua bolsa de veludo azul marinho... cheio de pedras.
- Prefiro caminhar que agarrar os cavalos - disse Nathan com voz baixa no
momento em que deixavam a um lado os estábulos, permitirá examinar mais
facilmente a zona que rodeia as ruínas sem nos arriscar a que nos descubram.
Vitória assentiu em sinal de acordo e se concentrou logo no atalho que tinha
diante. moveram-se apressadamente, passando junto ao lago e seguindo depois por
um caminho que se desviava à direita. Vitória estimou que teria passado uma meia
hora até que Nathan diminuiu a marcha. Uma áspera pátina de cinza marcava o céu, e
o ar fresco e pesado anunciava a chegada da chuva, cada vez mais próxima. Pôde
ouvir o gorgoteo da água sobre as rochas, indicando um caminho próximo.
Nathan atirou dela e a ocultou depois de um olmo imenso. lhe rodeando os
ombros firmemente com o braço, assinalou.
- As ruínas - lhe sussurrou ao ouvido.
Ao olhar com atenção entre as árvores, Vitória viu o trio semidestruido de
paredes sem teto. Notou a tensão do Nathan e soube que todos e cada um de seus
sentidos estavam alerta enquanto seu olhar esquadrinhava cuidadosamente a zona.
Por fim, claramente satisfeito e convencido de que estavam sóss, guiou-a para a
casa.
Entraram na casa formada pelos três muros da ruína. Nathan fiscalizou
lentamente a zona e assinalou então os restos da chaminé situada no muro central.
- Comecemos por aqui - disse, tirando os cinzéis e martelos da bolsa das
ferramentas. - As pedras estão colocadas em um desenho mais irregular, com o qual
resulta mais fácil dissimular que alguma esteja fora de seu lugar. - Deu-lhe as
ferramentas a Vitória com um sorriso desolado. - Você começa pela direita e eu me
ocuparei da esquerda... e boa sorte.
Durante mais de uma hora, os únicos sons além dos habituais gorjeios dos
pássaros e do murmúrio do caminho foram os estalos dos martelos ao golpear os
cinzéis. Uma densa névoa cinza saturava o ar, lhes empapando a roupa. Vitória
reparou em que Nathan tinha deixado de martelar e lhe olhou. tornou-se de costas à
chaminé. Seu olhar, entrecerrada e alerta, esquadrinhava a zona que lhes rodeava. A
Vitória lhe encolheu o estômago ao ver a tensa expressão em seu rosto.
- Ocorre algo?
- Não. É somente que eu não gosto desta névoa tão espessa. Não acredito que a
chuva tarde em cair. Uma ou duas horas como muito.
- Não me dá medo me molhar, Nathan.
Ele a olhou e esboçou um pequeno sorriso.
- Sei, minha valente menina. Mas a chuva nos voltaria vulneráveis. Facilitaria que
qualquer nos surpreendesse.
- Bom, nesse caso, encontremos as jóias de uma vez e saiamos daqui antes que
o façam.
Sem esperar a resposta do Nathan, voltou-se de cara à chaminé. Um quarto de
hora mais tarde, ajoelhada no chão, deu com o cinzel em um fragmento de argamassa
que rodeava uma pedra colocada perto do chão e o gesso se desfez de forma distinta
de como o tinha feito até então.
- Nathan - disse com um sussurro excitado. - Acredito que encontrei algo. A
argamassa que rodeia esta pedra me parece mais branda.
Nathan se ajoelhou junto a ela e olhou a pedra que lhe indicava.
- E a argamassa tem uma cor ligeiramente distinta - observou ele.
Juntos cinzelaram a zona que rodeava a pedra. Quando por fim a afrouxaram,
Nathan colocou os dedos nas estreitas aberturas laterais e atirou, movendo a pedra
adiante e atrás, acima e abaixo. Devagar, muito devagar, foi atirando da pesada pedra
para ele até que caiu ao chão com um golpe surdo. Introduziu então a mão na escura
abertura e Vitória conteve o fôlego. Quando Nathan tirou a mão, sustentava uma
valise de couro gasto e coberta de barro.
Vitória, que tinha contido até então a respiração, deixou escapar um ofego
sobressaltado.
- Estão as jóias dentro?
Nathan abriu a valise e as cabeças de ambos se toparam ao olhar o conteúdo.
Nem sequer a névoa cinza podia deslucir seu reluzente brilho. Introduzindo nela uma
mão vacilante, Vitória tirou com gesto reverente o primeiro objeto que encontraram
seus dedos: um delicioso colar de pérolas. Voltou então para introduzir a mão e sacou
um colar de esmeraldas enredado com um bracelete de safiras.
Inclinou a mão para que as jóias voltassem a deslizar-se ao interior da valise e
se voltou a olhar ao Nathan.
- Embora o estou vendo com meus próprios olhos, não posso acreditá-lo.
- Eu tampouco. Mas já nos ocuparemos disso mais tarde. - Fechou a valise e a
colocou debaixo do braço. - Recolhamos nossas coisas e nos larguemos daqui.
Enquanto Nathan colocava a toda pressa os martelos e os cinzéis na bolsa das
ferramentas, Vitória procurava sua bolsa cheia de pedras no chão. Localizou-a a uns
metros dela. Quando estava a ponto de ir a por ele, uma voz situada a suas costas
disse:
- Vitória.
Antes que pudesse nem sequer piscar, viu-se empurrada detrás do Nathan, que
sustentava sua pequena pistola diante dele.
- Detenha, Nathan - gritou Vitória, lhe rodeando apressadamente. - Pai - disse,
olhando presa de uma absoluta perplexidade ao homem de cabelos cinzas que estava
de pé a uns seis metros dela. E antes de poder proferir um só som mais, um disparo
rasgou o ar.
Vitória viu horrorizada como seu pai se desabava de barriga para baixo no chão.
Capítulo 21

A mulher moderna atual deve ser consciente de que não todos os romances têm
um final feliz.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore.

Apesar de que Nathan era plenamente consciente de que Vitória saía correndo
para onde estava seu pai e caía de joelhos junto a ele, sua atenção estava totalmente
concentrada na zona boscosa situada ao outro lado da casa em ruínas. Alertou-lhe um
leve movimento procedente atrás do grosso tronco de uma árvore. Ajoelhou-se então
para converter-se em um alvo mais dificultoso e apontou à árvore com a pistola.
- Não te levante, Vitória - lhe ordenou com voz baixa.
- Solta a arma, Nathan. - A ordem procedia de algum ponto situado atrás da
árvore. Durante um instante, Nathan ficou gelado para ouvir essa voz conhecida.
Logo um fulgurante arrebatamento de ira lhe percorreu da cabeça aos pés.
"Bastardo..." antes de que pudesse dar uma resposta, a voz prosseguiu: - Tenho uma
pistola com a que estou apontando à cabeça de Vitoria . Se ela se mover, a Mato.
Se não seguir minhas indicações ao pé da letra, matá-la-ei. Agora deixa a pistola
no chão e empurra-a longe de ti.
O olhar do Nathan se pousou em Vitória, quem nesse momento apertava a ferida
que sangrava de seu pai com a prega de seu vestido. Olhou ao Nathan com olhos
úmidos e horrorizados.
- Mantén toda a pressão que possa sobre a ferida - disse Nathan falando em voz
baixa e firme, - mas não te mova.
Devagar, para não dar em nenhum momento a sensação de estar atuando com
brutalidade, Nathan deixou a pistola no chão e a apartou logo a um lado.
- Bem - disse a voz. - Agora faz a mesma coisa com a faca que leva na bota. E
não te incomode em fingir que não o leva, sobre tudo porque fui eu quem lhe deu de
presente isso. Por seu aniversário, faz cinco anos, se mal não recordar.
Nathan se tirou a faca da bota e o apartou também a um lado.
- Agora te levante e te ponha as mãos sobre a cabeça.
Nathan permaneceu imóvel como uma estátua ao tempo que seu olhar abrasava
ao homem que emergiu de atrás da árvore. Com uma pistola em uma mão e o outro
sobre o punho de uma faca embainhada e metido na cintura das calças, Gordon se
aproximou.
- Muito amável de sua parte encontrar as jóias por mim, Nathan - disse Gordon
empregando um tom coloquial ao tempo que seu olhar terminava deslizando-se até a
valise de couro gasto que estava aos pés do Nathan.
- Sabia que se te seguia, cedo ou tarde me levaria até as jóias. Não pode nem
imaginar quão dificultoso resultou tentar as encontrar durante os últimos três anos.
Ao Nathan a cabeça dava voltas. Maldição, necessitava tempo, uma distração.
Entretanto, se existia alguma esperança de poder salvar a lorde Wexhall, não podia
andar-se com evasivas durante muito tempo.
- Traiu-nos faz três anos - disse Nathan com uma careta de desprezo. - Por que?
por que te arriscar quando já o tinha tudo?
Um ódio feroz ardeu nos olhos do Gordon.
- Tudo? Não tinha nada. Meu pai tinha dilapidado nas mesas de jogo toda minha
herança, salvo as propriedades do legado. Deixou-me meia dúzia de casas que eu não
podia manter e que tampouco podia vender devido às obrigações implícitas no legado.
Necessitava dinheiro, muito dinheiro, e urgentemente.
- Meu irmão poderia ter morrido por culpa de sua cobiça.
Gordon fez uma careta.
- Supostamente, seu irmão deveria ter morrido. E supostamente eu somente
teria que ter recebido um mero arranhão.
Nathan compreendeu então e entrecerrou os olhos.
- E supostamente eu teria que ter resultado ileso, fazendo cair sobre mim todo o
peso da culpa. Quanto pagou ao Baylor para que traísse a missão?
- Muito. E o maldito bastardo o jogou tudo a perder. largou-se com meu dinheiro
e com as jóias. Assim que me recuperei da ferida de bala, busquei-lhe por toda parte.
E quando já tinha perdido a esperança de lhe encontrar, a ele ou às jóias, apareceu
você. Assim que me inteirei de que Wexhall enviava a sua filha ao Cornwall, soube que
algo estava em marcha.
- Foi você quem revistou as pertences de lady Vitória.
- Sim. Desgraçadamente, não encontrei o que procurava.
- E foi você quem contratou a aquele rufião que nos roubou nos bosques.
Gordon riu entre dentes.
- Que inteligente de sua parte levar em cima uma nota falsa, Nathan.
Inteligente, mas exageradamente molesto. Desperdicei toda uma semana indo depois
das pistas falsas.
O olhar do Nathan se desviou brevemente para Vitória, quem lhe olhava com
olhos solenes.
- O bastardo ao que contratou a ponto esteve de matar a lady Vitória.
Infelizmente, Gordon não seguiu a direção de seu olhar, tal e como Nathan tinha
esperado.
- Se isso te faz sentir melhor, deve saber que nunca voltará a fazer mal a
ninguém.
- Tira-me um tremendo peso de cima - murmurou Nathan. - Não é possível que
espere te sair com a tua.
- Ao contrário. Estou convencido de que assim será. Ninguém contradirá a
palavra do barão do Alwyck.
- Eu o farei.
Um desagradável sorriso curvou os lábios do Gordon.
- Os homens mortos não podem contar histórias, Nathan. Agora me dê as jóias.
- Se for me matar de todos os modos, por que deveria fazê-lo?
- Porque se fizer o que te digo, deixarei viver a seu pai. Se não, temo-me que lhe
espera um trágico acidente. Agora agarra as jóias muito devagar e me atira isso
Depois, volta a te pôr as mãos sobre a cabeça.
Terá uma só oportunidade de executar um suave e certeiro lançamento que
chegue às mãos sem problemas. Se fracassas no intento, lady Vitória terá exaltado seu
último fôlego.
Nathan agarrou do chão a valise de couro e a lançou agilmente ao Gordon, quem
a apanhou com a mão que tinha livre. Levantou a valise acima e abaixo várias vezes,
comprovando seu peso, e um lento sorriso lhe curvou os lábios.
- Por fim - disse. - E agora...
- Não havia necessidade de disparar a lorde Wexhall - se apressou a dizer
Nathan, agarrando as mãos sobre a cabeça.
Um olhar de absoluto enfado apareceu nos rasgos do Gordon.
- Tem exatamente o que se merece. Sabe Deus o que estaria fazendo hoje aqui.
te buscando, sem dúvida. Dos três, você sempre foi seu favorito. Nunca compreendi
por que. Nunca compreendi por que deu a ti a oportunidade de recuperar as jóias.
Nathan se encolheu de ombros.
- Porque acreditou que eu necessitava o dinheiro. De ter estado à corrente de
suas dificuldades econômicas, estou seguro de que te teria dado a ti essa
oportunidade.
- Agora já não importa. Tenho as jóias.
Nathan baixou o olhar.
- Hum, sim. Sim, é certo. - Deu uma ligeira patada a um lado com a ponta da
bota.
Gordon baixou também o olhar e seus olhos ficaram presos na suja bolsa de
veludo azul que Nathan tinha junto à bota.
- O que é isso?
- Nada - respondeu, apressando-se um pouco muito na resposta.
Um ofego escapou de lábios de Vitória.
- Não, Nathan - disse em um laio apenas audível. - Essas não.
Os olhos do Gordon se entrecerraram sobre o Nathan.
- Assim me ocultando algo, Nathan?
- Não.
- Outra bolsa de gemas?
- Estas pedras são minhas - disse Vitória com voz tremente.
- Que ambiciosa é você, lady Vitória - disse Gordon, estalando a língua. colocou-
se a valise de couro sob o braço e assinalou à bolsa de veludo azul. - Também me levo
essas, Nathan. Devagar e com suavidade, como antes.
Nathan dobrou lentamente os joelhos, estirando o braço para o chão sem
apartar em nenhum momento o olhar do Gordon. Quando se levantou, um horripilante
alarido de angústia saiu dos lábios de Vitória. Distraído durante um décimo de
segundo, o olhar do Gordon se desviou para ela. Isso foi tudo o que Nathan
necessitava. Com a velocidade do raio, lançou a bolsa de veludo azul cheio de pedras
contra Gordon. Pesada-a bolsa lhe acertou na têmpora com um repugnante golpe
surdo e Gordon se desabou.
Nathan pôs-se a correr, arrancando o lenço do pescoço.
- Mantem a pressão sobre a ferida, Vitória. Agora mesmo vou.
Atou com força as mãos do Gordon a suas costas com o lenço se por acaso
recuperasse a consciência. Logo, depois de lhe tirar a pistola, voltou-se para Vitória e
seu pai.
- Está bem? - perguntou a Vitória, ajoelhando-se a seu lado.
- Eu sim. Mas papai...
- Me deixe ver. - Nathan apartou com suavidade as mãos com as que Vitória
seguia pressionando o ombro de seu pai. - Necessito que me traga minha faca. Logo
quero que recolha as jóias e nossas ferramentas.
Vitória, embora cambaleando-se, levantou-se rapidamente e segundos depois
retornou com a faca do Nathan, que colocou a seu pai de barriga para cima e tomou o
pulso. Forte e firme. Utilizou a faca para rasgar a jaqueta e a manga da camisa
ensangüentadas. Examinou a seguir a ferida lhe gotejem que tinha no ombro e deixou
escapar um suspiro de alívio.
- É uma ferida superficial. - Olhou o calombo violáceo que lorde Wexhall tinha na
fronte. - Ao parecer perdeu o conhecimento ao golpear a cabeça contra o chão.
- Ficará bem? - perguntou Vitória, ajoelhando-se a seu lado com os braços
cheios dos pertences de ambos.
- Sim. A ferida não é mais que um simples arranhão, e tem a cabeça mais dura
que conheço. Suspeito que vai ter uma espantosa enxaqueca durante as próximas
vinte e quatro ou quarenta e oito horas.
Como dando fé a suas palavras, Wexhall soltou um gemido. Vitória e Nathan
baixaram o olhar.
- Ohhh, tenho uma espantosa dor de cabeça - murmurou lorde Wexhall. - Piscou
várias vezes e tentou depois esboçar um sorriso a sua filha. - Vitória - sussurrou.
- Estou aqui, papai - disse ela com voz contida.
Nathan ouviu então o som de cascos de cavalos. Voltou a empunhar a arma e
apareceu a olhar pela esquina do muro semidestruido. Segundos mais tarde, Colin
apareceu no lombo de seu cavalo, seguido por um homem ao que Nathan identificou
como o magistrado local.
- Chego muito tarde? - perguntou seu irmão, desmontando antes inclusive de ter
detido de todo seu cavalo.
Nathan sorriu.
- Bem a tempo.
Várias horas depois, Vitória estava de pé junto à cama de seu pai, tomando a
mão. Lorde Wexhall, apoiado em um montão de amaciados travesseiros, lançava
olhadas assassinas ao grupo que estava ao redor da cama.
- Agradeceria-lhes que deixassem de me olhar assim - grunhiu. - Estou
perfeitamente. - Mais que suas palavras, foi a impaciência contida em sua voz a que
permitiu a Vitória assegurar-se de que dizia a verdade. - Se não me acreditam,
perguntem a
meu médico - prosseguiu, assinalando ao Nathan com o queixo. - Me banharam
e enfaixou como a uma múmia, e me hão dito que tenho que me jogar uma sesta.
Minhas feridas só parecem graves por culpa destas malditas bandagens que me
puseram.
Uma tipóia para o braço, ataduras de algodão ao redor da cabeça... miúda
ridicularia. Mas se só tenho um arranhão no ombro e um golpe na cabeça.
- Pois me parece que com as ataduras está imponentemente bonito - brincou
Vitória. - E de tudo... indefeso.
- Justo como eu gosto que me vejam - grunhiu seu pai.
- Te considere afortunado, não seja que me veja tentada a te dar seu castigo por
haver oculto a sua filha sua vida secreta de espião.
- Ou a sua irmã - se queixou tia Delia.
- Vitória, Delia, não podia em nenhum dos casos lhes contar algo assim. Era
imperativo que minha identidade permanecesse no mais absoluto dos segredos. -
Suspirou. - Naturalmente, agora já sabem tudo. E isso me faz pensar que vou
aposentar me.
- Entendo que não pudesse contá-lo, papai - disse Vitória, inclinando-se para lhe
beijar a bochecha. - Estou muito orgulhosa de ti.
A cor tingiu as pálidas bochechas de lorde Wexhall.
- Obrigado, querida. E eu de ti. Nenhum pai poderia desejar uma filha melhor. -
Quando tia Delia se esclareceu garganta, o pai de Vitória acrescentou
apressadamente: - Nenhuma irmã melhor.
Todos riram entre dentes e o pai do Nathan disse:
- Bom, eu pessoalmente estou ansioso por saber exatamente como ocorreu tudo
isto.
- Acredito que possivelmente deveria começar Colin - disse Nathan. - Me
interessa sobremaneira saber os detalhes de como encontrou isto. - Tirou uma folha
de amarfilado papel vitela do bolso do colete e tentou com ela a seu irmão.
As sobrancelhas de lorde Sutton se arquearam bruscamente.
- Onde encontraste isto?
- No balcão de sua habitação. Deveu perdê-lo durante sua visita noturna de
ontem à noite.
Um olhar envergonhado cruzou o rosto de lorde Sutton. Logo sorriu.
- Pequeno descuido por minha parte.
- Sim. A quem o roubou?
Nathan e seu irmão intercambiaram um largo olhar. Logo lorde Sutton disse,
baixando a voz:
- Alguma vez duvidaste que o tenha roubado a alguém? Alguma vez acreditaste
que ordenei que lhe roubassem isso a ti?
- Não.
- Sua fé em mim é mais do que mereço.
- Não estou de acordo, mas poderemos discutir isso depois. Agora, me diga: a
quem o roubou?
- A um tipo chamado Osear Dempsy. Faz uma semana estive em um botequim
do Penzance onde ouvi um bruto sentado à mesa contigüa que fanfarroneava de ter
roubado a um "médico e a uma dama" um mapa do tesouro que planejava vender por
um bom preço.
Por ser o cavalheiro incrivelmente inteligente que sou, suspeitei que se referia ao
Nathan e a lady Vitória. Convidei ao tipo a várias rondas, deixei que me contasse a
história de como os tinha encurralado nos bosques e de como tinha feito à jovem um
pequeno corte com sua faca como lembrança. Durante o relato, decidi lhe liberar de
seu mal adquirido bota de cano longo. Ausentei-me brevemente, atribuindo minha
ausência a... hum... necessidades pessoais, e rapidamente copiei a nota e o mapa.
Quando voltei a me reunir com ele, voltei a lhe colocar a nota no bolso sem que
se desse conta.
- Muito engenhoso - murmurou Nathan.
- Isso me pareceu. Tinha intenção de seguir ao Dempsy para ver a quem vendia
a carta e o mapa, mas desgraçadamente estalou um desses alvoroços típicos dos
botequins e no barulho perdi ao tipo. Virtualmente não me ausentei do botequim
durante
os quatro dias seguintes, mas o homem jamais retornou.
- Está morto - disse Nathan com uma voz fria e monótona. - Gordon lhe matou.
Provavelmente nem dez segundos depois de que o tipo lhe desse a carta. - Olhou a
seu irmão. - Por que não foi para mim com esta informação?
Lorde Sutton se enfrentou ao olhar de seu irmão.
- Assim que me inteirei de que de verdade foi você a quem Dempsy tinha
roubado e lady Vitória a quem tinha ferido, dava-me conta de que tinha cometido um
engano terrível ao duvidar de ti. por que foste contratar a alguém para que te
roubasse?
E soube, sem dúvida nenhuma, que jamais faria nada que pudesse pôr em
perigo a lady Vitória. Decidi então que tinha que reparar a terrível injustiça que tinha
cometido contigo.
Nathan olhou a Vitória, que assentiu. Tinha estado de oudo acertado sobre os
motivos que tinham levado a seu irmão a atuar como o tinha feito.
- Prossegue - disse Nathan.
- Quando decidi que Dempsy não ia voltar, a partir da informação que encontrei
na carta e no mapa que tinha copiado, agarrei um navio que me levou às ilhas do
Scilly e fiz ali algumas investigações, embora sem resultado. Surpreendeu-me
encontrar ali ao Gordon, sobre tudo sabendo como sei que se enjoa quando viaja por
mar e que odeia o trajeto às ilhas. Conversamos, mas o encontrei evasivo e, é obvio,
também eu o estive. Ele retornou ao Penzance comigo e, embora nos despedimos
amigavelmente,
tinha levantado minhas suspeitas. Decidi retornar a casa ontem à noite e me
dedicar a escutar um pouco em segredo a ver do que me inteirava. Queria saber se
tinha encontrado as jóias ou se estava perto de obtê-lo.
- Sem dúvida se inteirou de algo que te levou a registrar minha habitação - disse
Nathan.
- Sim. Ouvi-te mencionar o mapa quadriculado. Quando o descobri no talão de
sua bota (um bom esconderijo, por certo), junto com a carta e o mapa, soube que
tinha estado depois da pista equivocada.
- O que havia na bolsa que levava quando saiu às escondidas da casa? -
perguntou Nathan.
Lorde Sutton sorriu de brinca a orelha.
- Roupa extra.
- Hum. E o que ocorreu depois de que escutasse em segredo e de que roubasse
meus pertences?
- Voltei para a estalagem do Penzance e me passei toda a noite estudando esse
desenho, embora não consegui descobrir onde procurar. Mas então o destino decidiu
atuar na pessoa de lorde Wexhall. Esta manhã, justo depois de tomar o café da
manhã,
entrou passeando-se na sala de jantar. surpreendeu-se tanto de ver-me como eu
de lhe ver ele.
O pai de Vitória retomou então o relato.
- Cheguei ontem à noite ao Penzance com a ideia de bisbilhotar pela zona antes
de me dar a conhecer.
- Quem foi espião... - disse Nathan com um sorriso.
O pai de Vitória sorriu.
- Sim, é difícil trocar os velhos hábitos. Em qualquer caso, depois de uma breve
discussão, Sutton me falou de seu plano para recuperar as jóias e limpar o nome do
Nathan. Tirei então a réplica do mapa que tinha escondido na bagagem de Vitória...
- Levantou o olhar para ela e esboçou um sorriso envergonhado. - O sinto,
querida minha. - Depois de esclarecer a garganta, prosseguiu: - Sutton me mostrou a
carta, o mapa e o quadriculado que se levou da habitação do Nathan. Em seguida
ficou claro que, por alguma razão, seu mapa era indubitavelmente distinto do meu.
O olhar do Nathan se cravou em Vitória, por cujo rosto ascendeu uma quebra de
onda de calor.
- Já te disse que não era boa pintora - disse em defesa própria. - E foi sua cabra
a que se comeu o original.
- Uma cabra? - perguntou seu pai, arqueando uma sobrancelha.
- Explicarei-lhe isso depois - disse Vitória. - Prossegue.
- Sutton estudou meu mapa - prosseguiu seu pai - e o do Nathan. Com o
desenho adequado, não lhe levou muito tempo adivinhar que o bosque descrevia três
caminhos. E que conhecia esse lugar que ainda não tinha sido marcado no mapa
quadriculado.
Comparamos idéias e teorias e nos demos conta de que, posto que nem ele nem
eu tínhamos traído a missão e nenhum dos dois acreditávamos que Nathan o tivesse
feito, só ficava uma pessoa que pudesse ter sido capaz... Gordon.
- Assim que nos demos conta, passamos à ação - disse lorde Sutton. - Viemos a
cavalo para lhes dizer ao Nathan e a lady Vitória o que sabíamos, mas já não estavam
aqui. Compreendemos que deviam estar procurando as jóias e, dado que ao parecer
tinham saído da casa muito cedo, supusemos que provavelmente teriam descoberto o
lugar correto onde procurar. Como não sabíamos onde estava Gordon e tínhamos que
encontrar em seguida a lady Vitória e ao Nathan para lhes avisar, lorde Wexhall e eu
nos separamos. Eu fui ao Alwyck Manor para me enfrentar ao Gordon e indiquei a
lorde Wexhall como chegar às ruínas situadas junto ao caminho. Ao ver que Gordon
não estava em casa, fui imediatamente a procurar o magistrado e dali às ruínas.
Quando quase tínhamos chegado às ruínas, ouvimos um alarido espantoso e
assustador. - Olhou a Vitória e lhe piscou um olho. - Bom trabalho.
- Obrigado. - Vitória se voltou a olhar ao Nathan. - E um destro lançamento de
minha bolsa cheia de pedras.
Com um olhar envergonhado, Nathan inclinou a cabeça em sinal de
agradecimento.
- Encarregarei-me pessoalmente de escrever um aplique ao capítulo de "armas
úteis" do Manual Oficial do Espião. Sem dúvida é um gênio. - Tossiu modestamente. -
Embora deva reconhecer que tenho uma pontaria "insobrepasavelmente" excelente.
- Estou de acordo. E não se merecia menos. Já lhe disse que essas pedras eram
minhas.
Nathan lhe sorriu.
- Certo é. E devo te felicitar por sua magnífica representação. Entendeu meu
ardil à perfeição.
- Onde está agora lorde Alwyck? - perguntou tia Delia.
- O magistrado o levou - disse Nathan. - Não voltará a ver a luz fora da cela de
um cárcere. - Olhou ao pai de Vitória. - E agora, posto que já sabe você tudo, e como
médico, devo insistir em que descanse.
- Está bem... - disse o pai de Vitória a contra gosto. - Estou de acordo em que
preciso descansar, sobre tudo se quero partir amanhã.
Suas palavras pareceram aspirar todo o ar da habitação.
- Amanhã? - repetiu fracamente Vitória.
- Amanhã? - disseram ao uníssono tia Delia e lorde Rutledge.
- Amanhã - repetiu com firmeza lorde Wexhall. - Meu médico me deu permissão
para viajar.
O olhar de Vitória voou para o Nathan, quem a olhou com uma expressão de
tudo indecifrável.
- É isso certo? - perguntou. - De verdade pode viajar em seu estado? Estou
segura de que seria melhor que esperássemos um pouco.
- Eu também opino que seria melhor - disse Nathan, - mas suas feridas são tão
superficiais que viajar não lhe suporá nenhum perigo.
- Tenho que voltar para Londres quanto antes e entregar as jóias a Sua
Majestade - disse lorde Wexhall. Alternou seu olhar entre Vitória e tia Delia. - Sairemos
imediatamente depois de tomar o café da manhã, de acordo?
- De acordo - sussurrou tia Delia.
Incapaz de confiar em sua própria voz, Vitória se limitou a assentir.
- Bem, agora que isso está já decidido - disse Nathan - devo lhes pedir a todos
que saiam para que meu paciente possa descansar.
- Desejaria falar em privado com minha filha, Nathan.
Os olhares do Nathan e de Vitória se cruzaram e, uma vez mais, ela foi incapaz
de lhe ler o pensamento.
- É obvio. - Nathan foi o último em sair da habitação, e fechou devagar a porta
detrás de si.
Lorde Wexhall voltou a cabeça sobre o travesseiro e estudou o olhar de sua filha.
- Desfrutaste de sua estadia aqui?
Imediatamente, o calor alagou as bochechas de Vitória.
- Sim.
- Apesar de que não o esperava.
- Para te ser justa, não. Mas me levei uma agradável surpresa.
- Isso suspeitava. Sempre vai bem trocar de ares antes de tomar decisões
importantes.
- Decisões importantes?
- Como por exemplo, com quem te casar. Vi o Branripple e ao Dravensby a noite
antes de sair de Londres. Ambos me pediram que te desse lembranças.
Lorde Branripple e lorde Dravensby. Deus do céu, fazia dias que não se lembrava
deles.
- Parece ter forjado uma grande amizade com o Nathan - disse seu pai.
Vitória o observou com atenção, mas os olhos de lorde Wexhall eram tão
inocentes como seu tom de voz.
- Sim.
- Me alegro. É um dos melhores homens que conheço. E também um dos mais
valentes. De um grande brilhantismo na hora de decifrar códigos. Impressionou-me a
primeira vez que me fixei nele.
"Sei exatamente ao que te refere", pensou Vitória.
- Foi muito amável comigo - disse em troca, encolhendo-se por dentro ante
palavras tão absolutamente insuficientes.
- E o que me diz de seu irmão, lorde Sutton? Outro grande homem. Tem a
presença de um cavalheiro e as mãos de um ladrão. Excelente combinação para um
espião.
- Lorde Sutton esteve ausente durante grande parte de minha visita, mas
desfrutei que sua companhia enquanto estava aqui.
- Bem, me alegro. Sei que não queria vir, querida, mas sabia que te faria bem. -
Deu-lhe uns tapinhas na mão. - Um pai sempre sabe o que é melhor nesta ordem de
coisas.
antes de que ela pudesse perguntar a que se referia lorde Wexhall com "esta
ordem de coisas", ele acrescentou:
- Me alegro de que tenha desfrutado de sua visita, embora imagine que estará
ansiosa por retornar a Londres. Voltar para a temporada e te concentrar em considerar
as ofertas de matrimônio.
- Eu... Sim, naturalmente.
- Arrumado a que verei minha filha casada antes do fim do mês.
A Vitória o estômago deu um tombo. Incapaz de dar voz a seu acordo, limitou-se
a assentir.
- Excelente. Bom, que durma bem, querida. Verei-te durante o café da manhã.
Sentindo-se como aturdida, Vitória se inclinou e beijou a bochecha de seu pai.
Depois de lhe dar boa noite, saiu da habitação.
Dirigiu-se apressadamente a seu dormitório, acelerando o passo até que pôs-se
a correr pelo corredor. Depois de fechar detrás de si a porta, apoiou as costas contra o
painel de carvalho. Com o peito constrangido e respirando laboriosamente, fechou os
olhos.
Partia ao dia seguinte. Para voltar para sua vida de Londres. A seus
pretendentes. A suas veladas e às lojas. A escolher marido. Teria que estar cheia de
felicidade. De impaciência. De alívio. Em troca, sentia-se presa de uma horrível
sensação de perda. Um sentimento de espanto doentio. Uma dor desesperada ante o
que teve que levá-la mão ao ponto repentinamente oco onde estava acostumado a
morar seu coração.
As confusas emoções que buliam a fogo lento sob a superfície que tinha
ignorado sem piedade e que tinha afastado a um lado durante a última semana a
oprimiram com uma intensidade tão entristecedora que Vitória não pôde seguir as
ignorando.
A sensação de desolação que a embargou nada tinha que ver com onde estava,
a não ser com a ideia de partir. E de deixar ao Nathan.
Tira-a de consciência de que não desejava partir desse lugar onde se negou a ir
de forma tão veemente a aturdiu. E imediatamente tropeçou com a verdade que seu
coração não podia seguir negando.
Apaixonou-se pelo Nathan.

Capítulo 22

A mulher moderna atual deveria abster-se de tomar decisões que poderiam


alterar o curso de sua vida "no calor do momento". Deveria mediar distâncias e dar-se
sobrada oportunidade de ponderar a situação cuidadosamente desde todos os ângulos
para tomar assim uma decisão que não lamentasse mais adiante.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore.

Essa noite a hora do jantar resultou para Vitória sombria e tensa, embora não
estava segura de se o era em realidade ou de se simplesmente era um reflexo de seu
próprio estado de ânimo. Certamente, houve pouco bate-papo. Só lorde Sutton parecia
animado, e não demorou para guardar silêncio ao ver que todos seus intentos de
cercar conversação ficavam em nada. Assim que o interminável jantar terminou,
Vitória se retirou com a desculpa de que tinha que acabar de fazer a bagagem.
Poucos instantes depois de chegar a seu quarto, bateram na porta. Seria
Nathan? Com o coração em um punho, disse:
- Entre.
Mas era sua criada que ia a ajudá-la.
Quando tudo, exceto a camisola e a roupa que levaria o dia seguinte, esteve
metido nas malas, Winifred partiu. Vitória se aproximou da janela e olhou à grama
iluminada pelo halo branco da lua. Seus dedos se fecharam sobre a concha laqueada
que pendurava de seu pescoço. Não tinha tido oportunidade de falar em privado com
o Nathan, embora sem dúvida ele iria vê-la essa noite. Sua última noite.
Chamaram brandamente à porta e o coração lhe deu um tombo. Cruzou a
estadia quase à carreira e abriu a porta de um puxão. Tia Delia estava no corredor.
- Posso falar contigo, Vitória?
- É obvio - disse com uma pontada de culpa pela desilusão que logo que pôde
ocultar. - Por favor, entre. - Depois de fechar a porta, perguntou: - Está bem?
Parece... acalorada.
- Estou bem. Absolutamente. Maravilhosamente bem.E sem dúvida estou
acalorada. De pura felicidade. - Estendeu os braços e tomou a Vitória das mãos. -
Quero que seja a primeira que saiba, carinho. Lorde Rutledge me pediu que me case
com ele e aceitei.
Vitória olhou a sua tia presa de um estado de total perplexidade.
- Eu... não sei o que dizer.
- Dava que te alegra por mim. Dava que me deseja anos de felicidade.
- E assim é. É obvio que assim é. É somente que estou surpreendida. Não faz
muito que lhes conhecem.
- Certo, mas sei tudo o que preciso saber. Sei que é honorável e gentil. Generoso
e carinhoso. Faz-me rir. Ama-me. E eu lhe amo. É tudo o que não tive em meu
primeiro marido, e dou obrigado por poder desfrutar desta oportunidade de felicidade
e de companheirismo a estas alturas de minha vida. - Apertou as mãos de Vitória. -
Possivelmente pareça que recentemente que nos conhecemos, mas, querida minha, o
coração só necessita de um batimento do coração para saber o que quer.
Vitória sentiu que lhe velavam os olhos e estreitou a sua tia em um quente
abraço.
- Querida tia Delia. Estou encantada pelos dois. - Separando-se dela, perguntou
então: - Decidistes já a data?
- Sim. dentro de um mês. Aqui, na paróquia do Rutledge.
- Mas isso supõe que terá que viajar muitíssimo... - Suas palavras se apagaram
quando de repente compreendeu. - Fica. Não vem comigo e com papai amanhã.
- Não. Quero ficar aqui. me familiarizar mais com esta encantadora casa, esta
pitoresca zona que vai converter se em meu novo lar.
Vitória piscou.
- Mas o que passa com seu amor pelos acontecimentos sociais e por Londres?
Com a vida que tem ali?
Tia Delia pôs-se a rir.
- Não te aflija, querida. Rutledge acessou a passar a temporada na cidade se
esse for meu desejo. - Sua expressão se tornou cavilosa. - E, quanto a meu amor
pelos acontecimentos sociais e por Londres, tão só te direi que meu amor pelo
Rutledge excede com muito qualquer apego que possa sentir pela vida da cidade. -
Jogou a Vitória um olhar penetrante. - Falaste com o doutor Oliver esta noite?
- Não em privado. - Para sua vergonha, umas lágrimas ardentes tentaram abrir-
se passo atrás de seus olhos. - Não sei como vou despedir me dele - sussurrou.
Uma sombra de preocupação tingiu os olhos de sua tia.
- O coração te dirá o que deve lhe dizer, Vitória. O que deve fazer. Escuta sua
voz. - Pareceu querer dizer algo mais, mas se limitou a beijar apressadamente a Vitória
na bochecha. - Agora devo te deixar, querida minha. Verei-te pela manhã antes de sua
partida. - E, sem mais explicação, saiu da habitação.
Vitória ficou onde estava com o olhar cravado na porta fechada. Uma miríade de
emoções a embargou por surpresa, golpeando-a com tanta força que teve que
aproximar-se cambaleando-se até o assento mais próximo, um sofá de zaraza
exageradamente fofo colocado diante da chaminé, no que se deixou cair com um
gesto pouco digno de uma dama.
O anúncio da decisão de tia Delia de casar-se com lorde Rutledge a tinha
deixado perplexa. Literalmente sem fôlego. Aturdida. Feliz. Mas debaixo de tudo isso,
havia algo mais. Algo que temia observar com muita atenção porque lhe desejava
muito sospechosamente parecido à...
Inveja.
Soou um único golpe na porta. antes de que pudesse animar-se a responder, a
porta se abriu e Nathan entrou na habitação. Os olhares de ambos se encontraram e a
garganta de Vitória se inflamou de emoção. Santo Deus, amava-lhe tanto que chegava
a doer.
Como tinha permitido que isso ocorresse? Havia alguma possibilidade de que ele
sentisse o mesmo por ela? Jamais o havia dito. Embora que mais dava se o fazia?
Vista-las de ambos eram drasticamente distintas.
Mas e se Nathan se apaixonou por ela? E se tinha intenção de lhe pedir em
matrimônio como o tinha feito lorde Rutledge com sua tia? A mera possibilidade
provocou nela uma sensação que foi incapaz de definir. Era regozijo? Ou medo?
Nada de tudo isso - nem Nathan, nem haver-se apaixonado por ele - formava
parte de seus planos. Como podia expor-se renunciar a tudo o que levava a vida
inteira planejando por um simples romance de uma semana?
Um romance surto de uma faísca que prendeu faz já três anos, sussurrou
ladinamente sua voz interior. Embora possivelmente não tinha do que preocupar-se.
Nathan não havia dito que a amava. Nem que a desejasse além do que já tinham
compartilhado.
De ter sido capaz, teria se rido de sua própria vaidade. Aí estava ela, preocupada
com uma proposta que ele não parecia ter a menor intenção de lhe fazer, Mesmo
assim, se ela se engasgava com tão só lhe olhar, como ia ser capaz de despedir-se
dele ao dia seguinte?
Depois de fechar com chave a porta detrás de si, Nathan se aproximou devagar
a ela com o olhar preso da sua. Levava em uma mão um pacote envolto e na outra
uma rosa. Rodeou o sofá, sentou-se junto a ela e deixou o pacote no chão. Ofereceu-
lhe a rosa.
- Para ti.
Vitória tocou as aveludadas pétalas.
- Obrigado.
- Passei a ver seu pai. Está bem. Excelentemente, se julgarmos a saúde segundo
o nível de queixa emitidas pelo paciente.
Ela sorriu fracamente.
- Odeia estar inativo.
- Ah, sim? Não me tinha dado conta. Também hei hábil com meu pai e com sua
tia. Deram-lhe a notícia?
- Sim.
Nathan esquadrinhou o rosto de Vitória.
- Não está contente?
- Sim, claro que o estou. Ninguém merece mais a felicidade que tia Delia. É
somente que...
- O que?
Que invejo sua felicidade. E seu valor, pensou dizer.
- Que estou surpreendida - concluiu de forma pouco convincente. - Você não?
- De fato, não. Tive com meu pai uma conversação a que me deixou bem claro
que amava profundamente a tia. Alegra-me lhe ver tão feliz. lhes ver ambos tão
felizes. - Seu olhar escrutinou o dela. - Quando tenho aberto a porta, parecido-me te
notar pensativa. No que estava pensando?
- Está seguro de que quer sabê-lo?
Um leve sorriso apareceu em lábios do Nathan.
- Sim.
- Perguntava-me como ia despedir me de ti.
O olhar dele se tornou preocupado.
- Me ocorre o mesmo.
Vitória teve que apertar os lábios para não pergunta se tinha dado com alguma
solução. Nathan se agachou a agarrar o pacote que tinha deixado no chão e o deu.
- Depois de muito pensá-lo, decidi que esta é a melhor despedida que podia te
oferecer.
Vitória deixou a rosa sobre a mesinha de mogno, colocou-se o pacote sobre os
joelhos e com supremo cuidado desembrulhou as capas de papel tisú. Quando baixou
o olhar e viu o livro que encerrava o pacote, ficou sem fôlego. Com absoluta
reverência, acariciou o título com a gema do dedo.
- Historie ou conte du temps passé, avec dê moralités Conte do MA mère l'Ouça -
sussurrou. - Contos de mamãe Ganso. Abriu o exemplar pela primeira página e viu o
ano de publicação: mil seiscentos e noventa e sete. - É uma primeira edição - disse,
maravilhada. - Onde o encontraste?
- Não tive que procurar muito longe, pois estava em meu baú de viagem. É meu
exemplar.
Vitória levantou bruscamente a cabeça e deixou de admirar o livro para fixar nele
os olhos.
- O exemplar que me disse que não venderia jamais, oferecessem-lhe o que lhe
oferecessem? O último presente que recebeu de sua mãe antes de sua morte?
- Sim.
O coração de Vitória iniciou um lento e pesado pulsado.
- Por que foste dar de presente me algo que é tão valioso para ti?
- Queria que tivesse algo que te recordasse para mim.
A diminuta chama de uma esperança ridícula e impossível que albergava em seu
interior e que tinha estado lutando por seguir presa se extinguiu de repente. Sem
dúvida Nathan tinha intenção de despedir-se dela.
Deveria alegrar-se. Sentir alívio. Era o melhor. E, sem dúvida, assim que
deixasse de sentir-se tão enervada e aturdida, sentiria todas essas coisas.
"Queria que tivesse algo que te recordasse para mim." Deus santo, como se
existisse a mais mínima possibilidade de que algum dia chegasse a lhe esquecer.
- Eu não... não sei o que dizer.
- Você gosta?
Olhou aos olhos, esses olhos tão sérios, tão formosos, e sentiu que um soluço se
abria passo por sua garganta. Tentou dissimulá-lo com uma gargalhada, mas o esforço
fracassou miseravelmente, e para sua vergonha, umas lágrimas quentes puxaram por
sair de seus olhos.
- Eu adoro - disse. Embora calou: "E te amo. E desejo desesperadamente que
não fora assim, porque nada no mundo me doeu nunca tanto".
Devia dizer-lhe que seu coração não tinha outro dono e que lhe partia em
pedaços ante a ideia de separar-se dele? "Não!", chiou sua voz interior, e se deu conta
de que pareceria uma estúpida se optava por confessar seu amor a um homem
claramente decidido a lhe dizer adeus.
Piscou para conter as lágrimas, ergueu as costas e sorriu.
- Obrigado, Nathan. Sempre o entesourarei.
- Me alegro. Posto que não posso te dar o final de um conto de fadas que
sempre planejou, ao menos queria te dar o conto de fadas.
- Voltarei a verte? - perguntou com voz tremente convertida em pouco mais que
um mero sussurro.
Nathan emoldurou o rosto de Vitória entre suas mãos e a olhou com olhos
sérios. Por fim disse:
- Não sei. Isso depende do... destino. Quão único posso te dizer é que tão só fica
esta noite juntos. E que quero que seja inesquecível.
Nathan se inclinou para diante e com extrema suavidade roçou os lábios com os
seus. Quando começou a tornar-se para trás de novo, uma sensação de desespero
como nunca tinha sentido até então alagou a Vitória. Rodeio o pescoço do Nathan com
os braços e atirou dele para ela.
- Outra vez - sussurrou contra sua boca. - Outra vez.
E, como o fizesse três anos antes, a primeira vez que Vitória lhe fez essa
demanda, ele a agradou.
E quando, a manhã seguinte, Vitória despertou estava sozinha.
- Encontra-te bem, Vitória?
A voz de seu pai penetrou a neblina de desespero que a envolvia. Apartou o
olhar da janela da carruagem que, com cada uma das voltas de suas rodas, afastava-a
mais e mais do Nathan.
- Estou... - Ao fixar o olhar nos olhos cheios de preocupação de seu pai não foi
capaz de mentir e de que estava bem. - Cansada. - Deus bem sabia que era certo.
Seu pai franziu o cenho e moveu a mandíbula adiante e atrás, como estava
acostumado a fazê-lo sempre que tentava decifrar algo. Oferecendo-lhe o melhor de
seus sorrisos, dadas as circunstâncias, Vitória voltou a olhar pela janela.
Quanto tempo fazia que tinham saído do Creston Manor? Uma hora? Parecia
toda uma vida. E, por muito que quisesse a seu pai, teria desejado com toda sua alma
poder estar sozinha. Para chorar o fim de seu romance na intimidade.
Para verter as lágrimas que apareciam em seus olhos. Para sustentar contra seu
coração o livro que Nathan lhe tinha oferecido.
Deus santo, como era possível sentir tanta dor quando se sentia tão
absolutamente morta por dentro? Suas pálpebras se fecharam e imediatamente uma
dúzia de imagens se formaram redemoinhos em sua mente: Nathan dançando. Rindo.
Fazendo-lhe o amor.
Dizendo-lhe adeus junto à carruagem essa mesma manhã como se não fossem
mais que simples conhecidos...
- Maldição. Está chorando. Basta já.
Vitória abriu de repente os olhos ante as acesas palavras de seu pai. Sua
vergonha foi grande assim que se deu conta de que as lágrimas se deslizaram
silenciosamente por suas bochechas.
Antes de poder agarrar seu lenço, seu pai lhe pôs o seu na sua mão. Logo, com
um cenho feroz, levou-se a mão ao bolso do colete e tirou uma folha dobrada de papel
vitela.
- Deram-me instruções de que não te entregue isto até depois de nossa chegada
a Londres, mas como de fato não cheguei a dar minha palavra de que esperaria, não
vou fazer.
- Sustentou o papel vitela no ar, que estava selado com uma gota de lacre
vermelho.
- Quem te deu instruções?
- Nathan. Deu-me isso ontem à noite e me pediu que o guardasse até que
estivéssemos de novo instalados em Londres. Para te dar tempo a pensar. E refletir.
Sobre o que quer.
Mas até um cego se daria conta de que está desconsolada e de que tem o
coração partido, e não suporto seguir sendo testemunha disso um minuto mais.
Se existir a menor possibilidade de que o que te tenha escrito pode te fazer
sentir melhor, arrisco-me a lhe contrariar.
Vitória estendeu uma mão tremente e agarrou o papel vitela. Depois de romper
o selo, desdobrou devagar o grosso papel amarfilado e, com o coração acelerado, leu
as palavras pulcramente rabiscadas:

Minha querida Vitória:


Hei aqui um relato que deveria ser incluído nos Contos de Mamãe Ganso, titulado
"O homem normal que amava a uma princesa".
Era uma vez um homem normal que vivia em uma pequena casa de campo. O
homem passava seus dias convencido de que gozava de uma vida agradável e
satisfatória até que um dia conheceu uma formosa princesa da cidade a que roubou
um beijo. Assim que o fez, lamentou-o porque desde esse momento nenhum outro
beijo salvo os dela lhe encheriam, o qual era um mau assunto porque os homens tão
normais como ele não têm nada que oferecer às princesas. A lembrança desse beijo
viveu no coração do homem, ardendo como uma chama que não conseguia extinguir.
Então, três anos depois, voltou a ver a princesa. Estava até mais formosa do que ele
recordava. Mas, para então, a princesa estava destinada a contrair matrimônio com
um rico príncipe.
Entretanto, embora sabia que uma princesa jamais se casaria com um homem
normal e embora sabia que lhe partiriam o coração, o homem não pôde evitar
apaixonar-se por ela, pois não era somente formosa, mas também carinhosa e
proprietária de um grande coração. E valente. Leal. Inteligente. E o fazia rir. Pois bem,
apesar de que era muito normal para uma princesa, o homem teve que tentar ganhar
seu amor, pois não podia renunciar a ela sem lutar pelo que desejava.
E assim lhe ofereceu quão único tinha: seu coração. Sua devoção. Sua honra e
seu respeito. E todo seu amor. E depois rezou para que a moral da história fora que
inclusive um homem normal pode conquistar a uma princesa com as riquezas do amor.
Meu coração é teu, agora e sempre.

NATHAN.

A Vitória lhe velou a visão e piscou para conter as lágrimas que se abatiam já
sobre suas pestanas. Então levantou os olhos para olhar a seu pai, que a observava
com uma expressão interrogante.
- E bem? - perguntou.
uma espécie de som entre a risada e o pranto brotou dela.
- Que a carruagem dê meia volta.
Nathan estava de pé na borda com o olhar perdido nas brancas coroas das
ondas que batiam incansavelmente contra as rochas e a areia.O vento aumentava,
advertindo de uma tormenta próxima, e o sombrio céu cinza era a viva imagem de seu
estado de ânimo.
De verdade tinham acontecido tão só duas horas desde que ela partiu? Só cento
e vinte breves minutos do momento em que havia sentido como se lhe rasgassem a
alma? Maldição. Sentia o coração vazio. Como se o único que seguisse nele com vida
fossem os pulmões e doíam.
passou-se as mãos pela cara. Maldição, fazia o correto deixando-a partir. Embora
com isso não conseguia que doesse menos.
- Nathan.
voltou-se bruscamente para ouvir a voz de Vitória e cravou nela o olhar, mudo
de assombro. Estava a pouco mais de três metros de onde ele se encontrava,
sustentando contra seu peito uma folha de marfim papel vitela dobrado com seu selo
de lacre vermelho. Mas foi o olhar que viu em seus olhos o que de uma vez lhe
paralisou e desatou uma quebra de onda de esperança que lhe percorreu da cabeça
aos pés. Um olhar cheio de tanto desejo e amor que Nathan temeu piscar se por acaso
com isso descobria que estava vivendo uma alucinação.
Sem poder sequer mover-se, viu-a aproximar-se. Quando apenas lhes
separavam uns centímetros, Vitória estendeu a mão e pousou a palma contra sua
bochecha.
- Não há absolutamente nada de normal em ti, Nathan - disse com um tremente
sussurro. - É extraordinário em todos os sentidos. E sei do momento em que te vi, faz
três anos.
Ele voltou a cara e lhe beijou a palma, logo tomou a mão e a estreitou entre as
suas.
- Seu pai te deu a nota.
Sem soltar o papel vitela, Vitória lhe rodeou o pescoço com os braços.
- Poderá lhe agradecer depois.
- Queria te dar tempo para que pudesse pensar...
- Tive o tempo suficiente. Não tenho feito mais que pensar. Sei o que quero.
- E o que é?
- Está seguro de que quer sabê-lo?
- Completamente.
- A ti - sussurrou, sem apartar o olhar do dele. - A ti.
Todos os espaços de seu interior, que menos de um minuto antes Nathan havia
sentido tão desolados e vazios, encheram-se até transbordar. Tomou as mãos de
Vitória, retirou-as de seu pescoço e as sustentou entre as suas.
- Uma vez te disse que só me casaria por amor.
- Recordo-o.
Apoiou um joelho no chão diante dela.
- Te case comigo.
A Vitória começou a lhe tremer o queixo ao tempo que sentia que lhe
umedeciam os olhos. As lágrimas escorregaram silenciosamente por suas bochechas
até cair sobre as mãos entrelaçadas de ambos.
Nathan se levantou e se apalpou freneticamente o colete em busca de seu lenço.
Por fim encontrou o pequeno quadrado de algodão branco e secou suas bochechas
molhadas.
- Não chore. Deus, por favor, não chore. Não posso suportá-lo. - Amaldiçoou em
voz baixa e seguiu lhe secando as bochechas, pois nada parecia capaz de conter suas
lágrimas. Finalmente, rendeu-se e se limitou a acariciar com os polegares as
bochechas molhadas. - Não sou um homem rico, mas farei tudo o que esteja em
minha mão por me assegurar de que vivas sempre comodamente - prometeu, com a
esperança de que suas palavras a confortassem. - Aconteceremos parte do tempo em
Londres. Encherá-me de orgulho te acompanhar à ópera, até apesar de que estou
seguro de que "ópera" é o término em latim que designa "morte por obra de música
ininteligível". Assistirei a todas quão veladas deseje e te farei o amor na carruagem
durante o trajeto de volta a casa. E voltarei a fazê-lo quando chegarmos. Não tenho
muito que oferecer, mas o que tenha lhe ofereço isso. E te amarei todos os dias
enquanto viva.
Vitória olhou aos olhos e viu neles tudo o que jamais tinha sido consciente de
que queria. Provavelmente demoraria uma semana em dar com uma resposta
brilhante às preciosas palavras do Nathan, mas de momento se contentou dando voz a
seu coração.
- Dei-me conta de que não importa onde esteja, sempre que estiver contigo. E
até cheguei a tomar carinho a sua coleção de animais. Adoro ao R.B. e a Botas, e
estou segura de que Petunia e eu poderemos chegar a um acordo sobre o que pode
comer e o
que não. - Piscou para conter uma nova quebra de onda de lágrimas. - Eu
também te amo. Muito. Seria para mim uma honra ser sua esposa.
- Graças a Deus - murmurou Nathan, atraindo-a para ele. Seus lábios capturaram
os dela em um comprido, profundo e luxurioso beijo ao que Vitória se entregou com
todo seu ser.
Quando ele por fim levantou a cabeça, Vitória disse com voz entrecortada:
- Sabe? Chego ao matrimônio com um dote.
- Ah, sim? Tinha-o esquecido.
E esse, decidiu Vitória, foi o presente mais maravilhoso que uma mulher que
sempre tinha sabido que se casariam com ela por seu dinheiro podia ter recebido.

Epílogo

Embora bem é certo que a mulher moderna atual deveria abster-se de tomar
decisões que poderiam alterar o curso de sua vida "no calor do momento", deveria
também reconhecer que algumas decisões não requerem ser meditadas porque existe
claramente para elas uma só resposta.

Guia feminino para a consecução da felicidade pessoal e a satisfação íntima. Charles


Brightmore.

Seis semanas depois.

Nathan estava de pé ante o altar da pequena paróquia a que sua família tinha
assistido durante gerações enquanto olhava como sua formosa noiva caminhava
lentamente para ele. Com um singelo vestido azul celeste de modesto pescoço
quadrado e mangas abusadas, levando um ramo de rosas de cor bolo, Vitória lhe
deixou sem fôlego. Quando chegou a seu lado, Nathan sorriu.
- Está preciosa - sussurrou.
- Você também - lhe sussurrou ela a sua vez, acompanhando suas palavras com
um sorriso.
O vigário se esclareceu garganta e lhes olhou, carrancudo. A cerimônia
prosseguiu sem incidentes até que o sacerdote disse:
- Se algum dos presente sabe de alguma razão pela que estas duas pessoas não
possam unir-se em santo matrimônio, que fale agora ou que se cale para sempre.
Nathan pigarreou.
- Tenho que dizer algo.
As sobrancelhas do vigário se arquearam até quase lhe tocar o nascimento do
cabelo.
- Ah, sim?
- Sim. - Voltou-se a olhar a Vitória. - Tenho que te dizer algo.
Vitória empalideceu.
- Deus santo - sussurrou. - Não pode ser nada bom.
- Parece-me óbvio que está totalmente convencida de levar esta cerimônia a sua
conclusão - disse.
- Esses eram meus planos, sim.
- Excelente. Nesse caso, e desejoso de fazer uma autêntica revelação antes de
que sejamos oficialmente marido e mulher, quero que saiba que... hum... já não sou
um homem de possibilidades modestas.
- O que quer dizer?
- O que quero dizer é que Sua Majestade me deu uma grande recompensa pela
devolução das jóias.
- Quão grande?
Nathan se inclinou para ela e lhe sussurrou ao ouvido:
- Cem mil libras. - separou-se dela, desfrutando de seu olhar absolutamente
emocionado. - E além disso está a casa.
- A casa? - repetiu Vitória fracamente.
- No Kent. A umas três horas de Londres. Segundo Sua Majestade, trata-se de
um imóvel modesto. Provavelmente de não mais de trinta habitações. Muito espaço
para suas veladas e muitos hectares para meus animais.
Olhou-lhe, boquiaberta.
- Quanto tempo faz que sabe?
- Seu pai me há isso dito faz apenas uns momentos... justo antes de que te
acompanhasse até o altar.
A boca de Vitória se abriu e se fechou duas vezes sem que dela saísse som
algum. Por fim, disse:
- Faz seis minutos que tiveste notícia deste dinheiro caido do céu?
- Aproximadamente.
- E não me há isso dito?
Nathan se encolheu de ombros e sorriu.
- Queria estar seguro de que não te casava comigo por meu dinheiro.
Vitória não disse nada durante vários segundos e a seguir soltou uma breve
gargalhada.
- Devo reconhecer que é uma notícia "insobrepasavelmente" boa.
- Não existe a palavra "insobrepasavelmente".
- Agora sim. - E então começou a falar tão depressa que ele logo que pôde
entendê-la. Arriscou-se a lançar um olhar ao vigário, que parecia estar a ponto de
sofrer uma apoplexia.
- Vitória - sussurrou Nathan. Ao ver que ela não interrompia seu falatório, fez-a
calar do único modo que conhecia. Estreitando-a entre seus braços, beijou-a.
- Deus do céu - exclamou o vigário com voz indignada. - Ainda não! Ainda não
lhes declarei marido e mulher!
Nathan interrompeu o beijo e se voltou a olhar ao homem de rosto escarlate.
- Me acredita, padre, se não a tivesse beijado, jamais teria tido a oportunidade
de fazê-lo.
Voltou então sua atenção a Vitória, que parecia acalorada e satisfeita com seus
beijos.
- Céus - disse, - beijaste-me para me fazer calar... assim é como começamos.
- Certo.
- E agora suponho que isto marca o fim do cortejo.
Nathan se levou a mão enluvada de Vitória à boca e depositou um beijo em seus
dedos.
- Não, meu amor. Em todos os sentidos, este é somente o princípio.

FIM

RESENHA BIBLIOGRÁFICA
JACQUIE D'ALESSANDRO
Jacquie se criou no Long Island (Estados Unidos). Educou-se em um ambiente familiar,
no que seus pais alimentaram nela sua paixão pela leitura. Sua irmã também lhe
emprestava seus livros do Nancy Drew. Mais tarde, adquiriu certa predileção
pelas novelas de corte sentimental e aventuras.
Depois de graduarse casou com o Joe, e o matrimônio que teve um filho, Christopher,
aliás "Júnior", com quem residem junto a seu gato em Atlanta, estado da Georgia.
A princípios dos 90, o casal adquiriu um computador, por isso se animou a escrever
todas as histórias que passavam por sua mente, e lógicamente se decantou pelo
gênero romântico.
Conseguiu publicar seu primeiro livro em 1999. Escreve tanto novelas situadas na
Regência como contos atuais para o Harlequín. Proprietária de um estilo elegante não
isento de certo toque humorístico, e com um hábil domínio da técnica narrativa,
Jacquie é uma das autoras mais sobressalentes do gênero. Também pode destacar-se
que em suas novelas abordou temas como os maus entendimentos às mulheres.

QUASE UM CAVALHEIRO

A instâncias de seu pai, Lady Vitória Wexhall se vê forçada a viajar de Londres ao


imóvel rural do visconde Sutton, no Cornualles, onde não se interessa tanto pelo nobre
como por seu irmão menor, o doutor Nathan Oliver, um antigo espião.
O destino tornou a unir a Vitória com o primeiro homem a quem beijou, faz três anos,
antes de que desaparecesse do mapa depois do fim turvo de uma de suas missões.
Esporeada pela busca de umas jóias roubadas e a perseguição do ladrão, a relação
entre
Vitória e Nathan avança a chamas por uma novela onde abundam os pretendentes de
linhagem, os diálogos incisivos e a sensualidade da Regência.

SÉRIE REGÊNCIA HISTÓRICA


1. Maldição de Amor.
2. Um amor Escondido
3. Quase um Cavalheiro
4. Um romance impossível
Título original: Not Tire ao Gentleman
Primeira edição: janeiro, 2008
(c) 2005, Jacquie D'Alessandro
(c) 2008 Random House Mondadori, S. A.
Travessera da Gràcia, 47-49. 08021 Barcelona
(c) 2008, Alicia do Fresno, pela tradução

Printed in Spain - Impresso na Espanha


ISBN: 978-84-8346-542-4 (vol. 64/3)
Depósito legal: B. 49.575

JACQUIE D'ALESSANDRO - QUASE UM CAVALHEIRO

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