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CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Ciências
Sociais//Investigación
Cualitativa
en
Ciencias
Sociales//Volume
3
2
Ana
Cristina
Brito
Arcoverde1,
Cristina
Maria
Pinto
Albuquerque
1
Universidade
Federal
de
Pernambuco,
Departamento
de
Serviço
Social;
Bolseira
Capes-‐Brasil,
processo
002835/2015-‐3;
ana.arcoverde@gmail.com
2
Universidade
de
Coimbra,
Faculdade
de
Psicologia
e
de
Ciências
da
Educação;
crisalbuquerque@fpce.uc.pt
Resumo.
No
presente
artigo
pretende-‐se
refletir
sobre
a
relevância
da
avaliação
de
impactos
como
modalidade
de
pesquisa
qualitativa
que
qualifica
fenômenos
contextualizados,
produz
conhecimentos
da
realidade,
entendida
como
síntese
de
múltiplas
determinações
e
apreende
as
mudanças
quantitativas
e
qualitativas
nas
dimensões
objetiva,
substantiva
e
subjectiva.
Para
ilustrar
o
modo
como
tais
mudanças
se
evidenciam
nos
discursos
dos
sujeitos
apresentamos
alguns
dados
resultantes
de
uma
pesquisa
conduzida
no
Estado
de
Pernambuco,
entre
2010
e
2015,
junto
de
trabalhadores
de
organizações
da
economia
solidária.
Os
dados
revelaram
que,
por
meio
de
trabalho
desenvolvido,
se
produziram,
na
perspetiva
dos
trabalhadores
mudanças
objetivas
e
substantivas
em
micro
escala,
mas
poucas
alterações
em
termos
de
consciencialização
política
e
social
ou
mudança
subjetiva.
Palavras-‐chave:
avaliação;
impactos;
pesquisa
qualitativa.
Impact
assessment
as
qualitative
research
and
research
problem:
reflections
and
results
Abstract.
In
this
article,
we
intend
to
reflect
on
the
relevance
of
impact
assessment
as
qualitative
research
that
qualifies
contextualized
phenomena,
produces
knowledge
of
reality,
understood
as
a
synthesis
of
multiple
determinations
and
grasps
the
quantitative
and
qualitative
changes
in
the
objective,
substantive
and
subjective
dimensions.
To
illustrate
how
such
changes
are
evident
in
the
speeches
of
the
subjects
presented
some
data
resulting
from
a
survey
conducted
in
the
state
of
Pernambuco,
between
2010
and
2015,
from
workers
of
the
social
economy
organizations.
The
data
revealed
that,
through
work,
is
produced,
from
the
perspective
of
workers
objective
and
substantive
changes
in
micro
scale,
but
little
change
in
terms
of
political
and
social
awareness
or
subjective
change.
Keywords:
evaluation;
impacts;
qualitative
research.
1 Introdução
519
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Ciências
Sociais//Investigación
Cualitativa
en
Ciencias
Sociales//Volume
3
pesquisa
nas
ciências
sociais,
a
investigação
é
dirigida
pela
questão
colocada
face
à
realidade
investigada.
Esta
questão
é
determinada
pela
teoria
e
determina
a
metodologia
a
ser
utilizada
para
dar
conta
da
apreensão
do
real.
Reforçamos
pois
a
ideia
de
que
não
existe
pesquisa
neutra,
mas
dirigida
pela
questão
construída
a
partir
da
articulação
teoria/realidade.
Em
se
tratando
de
questão
cuja
resolução
implica
avaliação
de
impactos,
como
no
caso
da
investigação
de
mudanças,
a
pesquisa
reflete
os
mesmos
pressupostos.
(Arcoverde,
2013,
p.
181).
As
pesquisas
avaliativas
de
impactos
são
raras
e
complexas
no
domínio
social,
embora
de
extrema
necessidade
no
campo
da
elaboração,
acompanhamento
e
reformatação
de
políticas
públicas
ou
de
práticas
sociais.
A
escassez
de
estudos
decorre
sobretudo
da
dificuldade
de
realização
deste
tipo
de
investigações,
bem
como
dos
recursos
necessários
e
da
previsibilidade
no
campo
do
planejamento
da
política
pública
ou
da
prática
social.
Em
acréscimo,
muitas
vezes
é
indefinido
ou
ambíguo
o
elemento
a
ser
analisado.
É
de
destacar,
a
este
respeito,
a
confusão
que
por
vezes
existe
entre
efeito
e
impacto.
É
importante
efetivamente
distinguir
estes
conceitos
no
sentido
de
evitar
problemas
na
construção
do
objeto,
dos
instrumentos
e
técnicas
e
na
operacionalização
da
investigação.
Assim,
o
impacto
“expressa
mudanças
efetivas
e
/ou
significativas
na
vida
das
pessoas
em
decorrência
de
determinada
intervenção”,
experiência
ou
prática
social
(Roche,
2003,
p37).
Por
outras
palavras,
é
a
consequência
dos
efeitos
de
uma
política
ou
prática
social,
expressando
o
âmbito
do
quantum
e
do
modo
como
foram
concretizadas
as
mudanças
em
relação
à
população
usuária
da
política
ou
participante
da
prática
social.
O
impacto,
concebido
como
mudança,
pode
assim
ser
problematizado
e
investigado
em
unidades
individuais,
grupais
e
aglomerados
societários
(Cohen;
Franco,
1999).
Deste
modo,
quando
a
problemática
de
pesquisa
construída
e
a
ser
desvendada
tem
por
objetivo
conhecer,
analisar,
avaliar
a
determinação
das
mudanças
efetivas
decorrentes
de
uma
intervenção
ou
política
(e
que
não
existiriam
sem
ela),
a
avaliação
de
impactos
é
um
dos
procedimentos
com
potencial
a
ser
seguido.
De
entre
as
perspetivas
teóricas
pode-‐se
verificar
a
prevalência
da
direção
positivista
ou
da
direção
subjetivista
de
avaliação
ao
problematizar-‐se
a
substância
do
fenómeno
ou
do
real,
ou
o
real
do
fenómeno
na
subjetividade
e
consciência
do
sujeito,
ou
seja,
problematiza-‐se
a
realidade
a
avaliar
com
foco
nas
mutações
visíveis
e
atribuídas
a
processos
sociais
vividos
e
apreendidos,
pelos
próprios
sujeitos,
de
forma
objetiva
e
individualizada.
Assim,
a
avaliação,
ora
focaliza
a
análise
de
momentos
isolados
da
política
pública
com
prioridade
para
a
mensuração
de
resultados,
utilizando
o
quantitativo
no
processo
de
produção
de
conhecimento,
ora
privilegia
aspetos
relacionados
com
os
sentidos
e
significados
atribuídos
pelos
sujeitos
envolvidos
às
políticas
em
avaliação.
Quaisquer
que
sejam
os
focos
naquela
direção,
desconsideram-‐se
os
elementos
contextuais
presentes
na
política,
ou
que
são
determinantes
do
objeto
da
avaliação,
ainda
mais
quando
esse
objeto
são
as
mudanças.
Para
uma
avaliação
que
construa
o
seu
objeto
em
termos
de
quantificação/qualificação
da
mudança
operada
na
política,
ou
por
uma
política
pública
junto
à
população
torna-‐se
necessária
uma
teoria
que
contribua
para
problematizar
o
real,
ou
que
leve
em
conta
a
historicidade
como
categoria
imprescindível
à
contextualização
das
políticas
ou
práticas
sociais
desenvolvidas.
Uma
concepção
totalizante
da
avaliação,
e
em
particular
na
avaliação
dos
impactos,
considera
conjuntamente
todos
os
momentos
que
constituem
a
política
a
ser
avaliada.
(Carvalho,
1998,
p.88).
Avaliar
mudanças
é
desafio
complexo,
mas
estimulante
para
uma
investigação
de
natureza
mista
-‐
quantitativa
e
qualitativa
–
como
a
que
iremos
apresentar
de
seguida.
520
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Ciências
Sociais//Investigación
Cualitativa
en
Ciencias
Sociales//Volume
3
De
2010
até
2015,
foi
realizado,
no
âmbito
do
Núcleo
de
Estudos
e
Pesquisas
ARCUS
da
Universidade
Federal
de
Pernambuco,
um
estudo
em
139
municípios
pernambucanos.
Este
estudo
construiu
como
objeto
de
investigação
as
mudanças
operadas
pelo
trabalho
em
unidades
económicas
coletivas.
Por
outras
palavras,
pretendia-‐se
avaliar
os
impactos,
objetivos,
substantivos
e
subjetivos,
decorrentes
do
início
da
atividade
laboral
de
trabalhores,
no
quadro
de
organizações
da
economia
solidária.
Para
tal,
foi
aplicado
aos
trabalhadores
e
colaboradores
da
organização
um
inquérito
que
permitiu
revelar
e
avaliar
a
dimensão
objetiva
das
mudanças
ocorridas,
pós
integração
laboral
(em
diversas
dimensões:
habitação,
saúde,
proteção
social,
bem-‐estar,
dentre
outras),
e
um
conjunto
de
entrevistas
semiestruturadas
(662),
junto
à
amostra
representativa
de
unidades
económicas,
seus
dirigentes
e
trabalhadores,
que
permitiram
evidenciar
a
dimensão
substantiva,
subjetiva
e
simbólica
dessas
mesmas
mudanças.
O
universo
de
1.917
empreendimento
foi
construído
por
pesquisa
junto
aos
órgãos
de
registro
dessas
mesmas
unidades
de
trabalho
coletivo,
e
a
amostra
retirada
por
procedimento
estatístico.
Uma
estrutura
de
indicadores
de
impactos
económicos,
sociais,
ideológicos
e
políticos,
e
suas
dimensões
foi
elaborada
coletivamente
e
dela
produzidos
os
instrumentos
de
coleta
dos
dados,
a
saber:
entrevista
semiestruturada
testada
e
aperfeiçoada.
O
desvelamento
da
realidade
foi
orientado
pela
questão
central:
o
trabalho
coletivo
potencializa
mudanças
nas
dimensões
objetiva,
substantiva
e
subjetiva,
na
consciência
e
na
prática
política
dos
trabalhadores?
Assim,
em
torno
da
categoria
central
da
“mudança”
e
das
suas
dimensões
foram
construídos
os
instrumentos
de
coleta
de
dados,
orientados
por
unidades
de
contexto
e
foram
construídas
subcategorias,
que
dirigiram
a
investigação,
a
saber,
a
conceção
sobre
o
trabalho,
como
atividade
transformadora
da
natureza
em
bens
e
do
próprio
homem,
a
ideologia,
como
visão
de
mundo
que
se
expressa
em
toda
atividade
humana,
e
a
consciencialização
política.
Os
dados
foram
tratados
com
o
suporte
de
dois
softwares,
o
SPSS
(dados
objetivos)
e
o
SPHINX
(dados
qualitativos).
Uma
grelha
mais
refinada
para
apreender
e
analisar
os
dados
relativos
às
unidades
de
registro
-‐
participação,
empoderamento
e
politização
–
foi
necessária
e
construída
após
a
coleta
de
dados.
Aos
dados
classificados,
por
natureza
e
categorias,
foi
aplicada
a
análise
de
conteúdo
(Bardin,
2004).
Como
já
foi
referido
o
estudo
pretendia
sobretudo
problematizar
que
mudanças
são
moldadas
pelo
trabalho
na
consciência
do
trabalhador,
sob
determinações
contextuais.
A
vivência
do
coletivo
tem
potencial
transformador,
mas,
no
caso,
restrito
às
condições
objetivas
(desenvolvimento
das
forças
produtivas
no
território,
relações
de
produção)
e
subjetivas
(consciência)
do
trabalho
realizado
pelos
trabalhadores
em
seus
contextos.
Um
dos
aspetos
mais
complexos
no
âmbito
de
estudos
de
avaliação
de
impactos
é
precisamente
a
apreensão
da
dimensão
subjetiva
dos
mesmos
e,
de
forma
subjacente,
a
determinação
daquilo
que
decorre
do
fator
em
avaliação
e
que
não
teria
ocorrido
sem
a
intervenção
do
mesmo.
O
cruzamento
com
os
dados
objetivos
das
mudanças,
antes
e
depois
do
trabalho,
constitui-‐se
por
isso
como
um
eixo
essencial
de
análise.
Neste
âmbito,
a
definição
de
indicadores
é
uma
etapa
decisiva.
Os
indicadores
considerados
no
estudo
foram
econômicos,
sociais
e
ético-‐políticos,
e
foram
desdobrados
em
sub
indicadores
(como
renda,
custos,
saúde,
alimentação,
participação,
empoderamento,
etc.)
mais
próximos
do
real.
Afinando
mais
ainda,
os
impactos
económicos
foram
considerados
de
natureza
quantitativa,
os
sociais
de
natureza
qualitativa
e
os
ideo-‐políticos
de
natureza
subjetiva.
Do
mesmo
modo
foram
definidas
as
dimensões
dos
impactos
ou
mudanças,
a
saber,
dimensão
objetiva,
substantiva
e
subjetiva,
correspondendo
a
cada
conjunto
de
indicadores.
Os
resultados
da
investigação
permitiram
caracterizar
perfis
distintos
das
unidades
económicas
–
cooperativas
de
produção,
de
serviços,
e
de
financiamento,
associações
de
trabalhadores,
de
produtores
e
empregadores,
organizações
variadas
de
trabalho
em
grupos,
dentre
outros,
e
qualificar
as
mudanças.
Assim,
em
termos
muito
genéricos,
na
dimensão
económica
ou
objetiva
foi
521
>>Atas
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>>Investigação
Qualitativa
em
Ciências
Sociais//Investigación
Cualitativa
en
Ciencias
Sociales//Volume
3
identificada
uma
melhoria
ou
acesso
a
uma
pequena
renda
pessoal,
na
dimensão
social
ou
substantiva,
o
acesso
a
bens
e
serviços
com
melhoria
do
bem-‐estar,
e
na
dimensão
ideo-‐política
ou
subjetiva
a
pesquisa
revelou
impactos/mudanças
na
consciência
de
si,
com
ampliação
da
participação
em
outros
espaços
de
convivência
e
diálogo,
apropriação
de
conhecimentos
sobre
si
e
participação
em
organizações
de
luta
por
direitos
pessoais
e
sociais.
Um
aspeto
extremamente
frágil
ou
inexistente
foi
o
da
«consciência
de
classe
para
si»,
nos
termos
de
Kosik
(1970).
Verificou-‐se
pois
que
se
mudanças
existiram
no
âmbito
económico,
e
até
mais
ampliadas
no
quadro
social,
as
mudanças
subjetivas
proporcionadas
pelo
trabalho
coletivo
foram
restritas
e/ou
frágeis.
Isto
pode
ser
explicado
pelas
condições
objetivas
e
subjetivas
de
realização
do
trabalho
e
pelos
elementos
contextuais
da
cultura
política
local.
O
«patrimonialismo»,
o
«coronelismo»
e
o
clientelismo
na
política,
herdados
de
outrora,
ainda
se
fazem
presentes
no
cotidiano
das
populações
e
dos
trabalhadores
nos
territórios
estudados.
O
que
reafirmou
o
pressuposto
teórico
de
base,
ou
seja:
o
trabalho
é
potencializador
de
ideias,
no
caso,
ideias
plurais
moldando
as
consciências
de
si,
e
ao
mesmo
tempo
limitando
a
classe
para
si
face
à
cultura
política
local.
Alguns
entrevistados
reconhecem
no
trabalho
coletivo
seu
potencial
transformador,
mas
outros
o
negam.
A
vivência
do
coletivo
nem
sempre
é
orgânica
em
torno
das
demandas
e
necessidades
de
sobrevivência.
A
trajetória
de
trabalho
dos
entrevistados
mostrou-‐se
também
particulamente
heterogênea:
trabalho
assalariado–desemprego-‐trabalho
em
cooperativas,
reforma-‐trabalho
em
cooperativas
ou
associações,
sem
trabalho-‐trabalho
em
cooperativas
ou
associações,
dentre
outras.
4 Conclusões
522
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Ciências
Sociais//Investigación
Cualitativa
en
Ciencias
Sociales//Volume
3
Referências
Cardoso,
A.
L.
(1998).
Indicadores
sociais
e
políticas
públicas:
algumas
notas
críticas.
Rio
de
Janeiro:
Proposta.
N.
77,
p.42-‐53,
jun./ago.
Cohen, E. Franco, R. (1999). Avaliação de projetos sociais. São Paulo: Vozes.
Kosik, K. (1970). Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Martinelli, M. L. (2003). Pesquisa qualitativa: um instigante desafio. São Paulo: Veras.
Roche,
C.
(2002).
Avaliação
de
impacto
dos
trabalhos
de
Ongs:
aprendendo
a
valorizar
as
mudanças.
São
Paulo:
Cortez.
523