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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA EICOS
DOUTORADO EM PSICOSSOCIOLOGIA
E ECOLOGIA SOCIAL

UM CAMINHO PARA A SUSTENTABILIDADE:


ANÁLISE DE UMA AÇÃO PSICOSSOCIAL BASEADA
EM MINDFULNESS, COMPAIXÃO E
INTERDEPENDÊNCIA

Rodrigo Pereira Siqueira


Rio de Janeiro - RJ
Março - 2020
UM CAMINHO PARA A SUSTENTABILIDADE:
ANÁLISE DE UMA AÇÃO PSICOSSOCIAL BASEADA
EM MINDFULNESS, COMPAIXÃO E
INTERDEPENDÊNCIA

Rodrigo Pereira Siqueira

Tese apresentada ao
Programa EICOS - Pós-
graduação em
Psicossociologia de
Comunidades e Ecologia
Social do Instituto de
Psicologia na Universidade
Federal do Rio de Janeiro,
como requisito ao grau de
Doutor em Psicossociologia.

ORIENTADORA:
Prof. Cecília de Mello e Souza. Ph.D.

Rio de Janeiro – RJ
Março – 2020
FICHA CATALOGRÁFICA
AGRADECIMENTOS
Escrever os agradecimentos em uma tese que tem por princípio maior o conceito de
interdependência pode ser transformar em um texto maior que a própria tese. São muitos os
seres de vários reinos que nos beneficiaram ao longo desta jornada.
Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) pela
bolsa concedida por dois anos ao longo do doutorado. Agradeço igualmente à Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento concedido
na bolsa de doutorado sanduíche e ao Laboratório de Interação Social da Universidade da
Califórnia, Berkeley por financiar as taxas de admissão.
Agradeço ao Programa EICOS da UFRJ por acreditar no meu potencial em desenvolver esta
pesquisa. Gratidão à empresa que abriu suas portas à pesquisa-ação e aos funcionários que
participaram desta pesquisa.
Em especial, agradecemos à professora orientadora Cecilia de Mello e Souza, além de
compartilhar seus conhecimentos conosco, teve paciência e generosidade ao longo destes
anos com nossas limitações com este trabalho, sendo compreensiva em situações que
transcendiam a questão acadêmica.
Agradecimento ao Professor mentor dos Estados Unidos, Dacher Keltner, por acreditar no
propósito e relevância desta tese e nos aceitar em seu laboratório e grupo de pesquisa, nos
propiciando auxílio na obtenção de assistentes de pesquisa da Universidade da Califórnia.
Gratidão aos jovens que tornaram este trabalho possível, os assistentes de pesquisa da
Universidade da Califórnia Emily Fabian, Jacob Ross, Jonas Spengler, Selma Quist-Møller
e Shavirka Kherde pela observação participante, elaboração dos diários de campo e
discussões entusiásticas após as sessões da ação psicossocial. O mesmo gradecimento é
direcionado à assistente de pesquisa aluna do Instituto de Psicologia da UFRJ, Julia Braga,
por todo apoio na análise de dados e revisão da tese. Sem estes jovens brilhantes, este trabalho
não seria possível no nível de detalhe e qualidade que conseguimos produzir.
Especial gratidão a pessoas que contribuíram para a realização da pesquisa, como David
Whitman que abrilhantou a ação psicossocial com sua palestra sobre sentido e propósito na
vida.
Gratidão à família e aos amigos e amigas que buscaram ajudar com muitas palavras de
incentivo.
Gratidão aos Budas, Mestres e bodhisattvas de todas as eras, por clarearem nossos caminhos.
RESUMO
Esta tese parte do imperativo urgente da sustentabilidade ambiental, social e cultural
de nosso planeta e da premissa que as corporações são importantes agentes no
desenvolvimento sustentável - no caso, insustentável – de nossa sociedade. As corporações
têm sido incapazes de assegurar desenvolvimento sustentável devido à hegemonização de
valores capitalistas neoliberais em um contexto de supressão do Estado, do coletivo e a
emergência cada vez maior do ethos de mercado e do paradigma de crescimento econômico.
Valores como hiper individualismo e ganho/lucro pessoal moldam atualmente o que é
frequentemente considerado como forma racional e benéfica de ser e viver na sociedade.
Defendemos uma ruptura com tal paradigma cultural e buscamos expandir a perspectiva de
vida para além dos valores homogeneizantes e insustentáveis do paradigma capitalista
neoliberal atual por meio de uma pesquisa-ação qualitativa. Assim, desenvolvemos e
implementamos uma ação psicossocial original, eticamente informada, baseada em
mindfulness, valores e nos preceitos Budistas da compaixão e interdependência. Realizamos
em outubro e novembro de 2018 em uma grande empresa de tecnologia da informação na
baía região de São Francisco na Califórnia (EUA) a pesquisa-ação qualitativa com
observação participante, tendo doze participantes de nível executivo – estes entrevistados
antes e após a ação psicossocial - composta por 4 sessões com práticas de meditação baseadas
em mindfulness e compaixão, journaling e outras dinâmicas de grupo. Os registros em diário
de campo de observação participante das sessões e transcrições das entrevistas semi-
estruturadas em profundidade indicam a ação psicossocial fomentou uma emancipação dos
participantes em relação à assimilação apática de valores do sistema capitalista neoliberal e
um movimento em direção a uma maior autenticidade e autocuidado. Uma possibilidade para
uma ação mais responsável no mundo dos participantes passou pela forma como se
relacionam com si mesmos, mudanças em sua visão de mundo e seus modos de viver, ser e
existir em sociedade. Assim, criou-se o espaço necessário para que houvesse um movimento
transversal de conscientização e cuidado ao outro e ao planeta, propiciando uma caminhada
mais alinhada aos princípios sustentáveis. Foram relatados aumentos de habilidades de
mindfulness, clarificação de valores e condutas relacionados a estes, proporcionando uma
melhoria substancial de bem-estar. Adicionalmente, um aumento da consciência de
interdependência influenciou positivamente no desenvolvimento de condutas prossociais e
ambientais. Por fim, este trabalho oferece aos pesquisadores e agentes de mudança social um
protocolo replicável para ambientes corporativos, organizacionais e educacionais.

Palavras-chaves: sustentabilidade, mindfulness, compaixão, interdependência, valores.


ABSTRACT
This doctoral dissertation is based on the urgent imperative of environmental, social
and cultural sustainability of our planet and the premise that corporations are important
agents in the sustainable - in this case, unsustainable - development of our society.
Corporations have been unable to ensure sustainable development due to the hegemonization
of neoliberal capitalist values in a context of suppression of the State, the collective and the
increasing emergence of the market ethos and the paradigm of economic growth. Values
such as hyper individualism and personal gain / profit currently shape what is often
considered a rational and beneficial way of being and living in society. We advocate a rupture
with such a cultural paradigm and aim to expand the perspective of life beyond the
homogenizing and unsustainable values of the current neoliberal capitalist paradigm through
qualitative action research. Thus, we developed and implemented an original, ethically
informed psychosocial action based on mindfulness, values and the Buddhist precepts of
compassion and interdependence. In October and November 2018, we conducted a
qualitative action research with participant observation in a large information technology
company in the San Francisco Bay Area of California (USA), with twelve executive-level
participants who were interviewed before and after the psychosocial action. It consisted of 4
sessions with meditation practices based on mindfulness and compassion, journaling and
other group dynamics. Data from participant observation fieldnotes of the sessions and
transcripts of the semi-structured in-depth interviews indicate the psychosocial action
fostered an emancipation of the participants in relation to the apathetic assimilation of values
of the neoliberal capitalist system and a movement towards greater authenticity and self-care.
Thus, participants became aware of their responsibilities by beginning with self reflection,
changes in their worldview and their ways of living, being and existing in society, more
aligned with sustainable principles. Increase in mindfulness skills, clarification of values and
conduct related to these were reported. In addition, a substantial improvement in well-being
and increased awareness of interdependence was reported, which positively influenced the
increase in social and environmental behaviors. Finally, this dissertation offers researchers
and agents of social change a replicable protocol for corporate, organizational, and
educational settings.

Keywords: sustainability, mindfulness, compassion, interdependence, values.


ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 - Modelo da Ação Psicossocial .................................................................. 34


Figura 2 - Visão geral das relações entre os conceitos de intervenção de mindfulness,
prática de mindfulness, estado de mindfulness e traço de mindfulness. ............................ 105
Figura 3 - Modelo processual da pesquisa-ação .................................................... 135
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Perspectivas em relação à sustentabilidade encontradas na literatura
científica ............................................................................................................................... 59
Tabela 2 - Características de Mindfulness ............................................................. 103
Tabela 3 - Perfil dos participantes .......................................................................... 140
Tabela 4 - Perfil dos assistentes de pesquisa .......................................................... 144
Tabela 5 - Componentes do MBLS em comparação com outras MBI tradicionais157
ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1 - Neoliberalismo e influências psicossociais na sociedade ...................... 44


Quadro 2 - Dimensões de Sustentabilidade Corporativa ......................................... 55
Quadro 3 - Fatores que moldaram a visão de mundo na cultura ocidental .............. 62
Quadro 4 - Visão de mundo e ethos de negócios conscientes para empresas .......... 70
Quadro 5 - Qualidades SELFLESS do Líder Consciente ........................................ 75
Quadro 6 - Competências para a Sustentabilidade ................................................... 79
Quadro 7 - O Caminho Óctuplo: agregados e definições ........................................ 91
Quadro 8 - Os Quatro Fundamentos de Mindfulness .............................................. 94
Quadro 9 - As Quatro Qualidades Incomensuráveis ................................................ 98
Quadro 10 - Dimensões de Mindfulness ................................................................ 104
Quadro 11 - Definições de compaixão em relação aos cinco fatores .................... 110
Quadro 12 - Etapas e principais contribuições ....................................................... 149
Quadro 13 - Especificidades da sessão 1 ............................................................... 172
Quadro 14 - Especificidades da sessão 2 ............................................................... 185
Quadro 15 - Especificidades da sessão 3 ............................................................... 193
Quadro 16 - Especificidades da sessão 4 ............................................................... 202
SUMÁRIO

Capítulo 1 - Introdução ............................................................................................ 13

Onde estamos e para onde vamos?....................................................................... 13

Contextualização histórica: como chegamos aqui?.............................................. 16

Sustentabilidade: sobre complexidade e princípios ............................................. 22

Caminhos para mudança: ecologia em diversos níveis ........................................ 26

Plantar e regar: o cultivo de uma nova consciência ............................................. 29

Ação e Reação: o método da pesquisa-ação de cunho qualitativo ....................... 31

Dentro da semente, dorme uma floresta ............................................................... 33

Meu caminho até aqui .......................................................................................... 37

Construindo o conhecimento: o percurso desta tese ............................................ 38

Capítulo 2: (in)sustentabilidade: uma palavra, muitas dimensões ........................... 41

Sustentabilidade: Um conceito ambíguo e fluido ................................................ 43

Sustentabilidade sob o olhar da economia política: complexidade e caminhos de


ação .............................................................................................................................. 44

Movimentos históricos: como chegamos aqui, parte 1. ................................... 46

Fóruns históricos sobre sustentabilidade: a formalização política da perspectiva


desenvolvimentista ....................................................................................................... 48

Desenvolvimento sustentável e empresas: os similares se atraem ....................... 52

O surgimento do termo Sustentabilidade Corporativa (SC): coincidência


histórica ou estratégia de sobrevivência? ..................................................................... 53

A competição paradigmática por Sustentabilidade Corporativa: quem vence? 53

Críticas à Sustentabilidade Corporativa: insustentabilidade interna e externa 55

Caminhos de mudança: paradigmas, cultura, mentes e corações......................... 58

Sobre a intensidade de mudanças de paradigma .............................................. 58

Sustentabilidade cultural: uma dimensão esquecida ........................................ 60


Impactos da cultura neoliberal trabalho e na saúde mental.............................. 65

Novos modelos de gestão em empresas ........................................................... 69

Mudanças em nível de competências: necessárias, mas não suficientes ......... 78

Como transformar mentes e corações para a Sustentabilidade? .......................... 81

Velhas formas de pensar sobre a sustentabilidade não são suficientes ............ 81

Síntese do capítulo e nosso posicionamento ........................................................ 83

Capítulo 3 - Mindfulness: um interesse exponencial, perspectivas e estudos


interdisciplinares .................................................................................................................. 85

Interesse exponencial na literatura médica, psicológica e organizacional ....... 85

Por que mindfulness? ....................................................................................... 87

Perspectiva Budista: as bases éticas e filosóficas do mindfulness ....................... 88

Contextualização histórica: o surgimento do Dharma ..................................... 88

Mindfulness: definição e propósito .................................................................. 89

Perspectiva dominante: mindfulness é integrado à ciência ocidental ................ 100

Ocidente: mindfulness goes global ................................................................ 100

Mindfulness e Empresas: estudos organizacionais ......................................... 112

Mindfulness e Sustentabilidade: um campo promissor .................................. 116

Mindfulness e construtos positivamente relacionados à sustentabilidade em


estudos não relacionados à sustentabilidade .............................................................. 121

Síntese do capítulo e nosso posicionamento ...................................................... 128

Capítulo 4 - Navegando em águas profundas: o percurso metodológico............... 130

A união entre produzir conhecimento e mudar a realidade: a pesquisa-ação de


cunho qualitativo ............................................................................................................ 131

Tipo de pesquisa e características .................................................................. 131

Justificativas do método qualitativo: abertura, fluidez e profundidade ......... 132

As etapas da pesquisa-ação em detalhes: atividades, técnicas de coleta e análise de


dados da pesquisa ........................................................................................................... 134

Modelo processual das etapas da pesquisa .................................................... 134


Etapa baseline – compreender o ponto de largada ......................................... 141

Etapa da Ação Psicossocial: plantando uma semente .................................... 145

Etapa de Avaliação Final: os resultados alcançados ...................................... 147

Ética em Pesquisa ............................................................................................... 150

Pontos estabelecidos nesta pesquisa como meta de um projeto de pesquisa-ação


ético ............................................................................................................................ 151

Procedimentos de proteção e respeito aos participantes ................................ 151

Síntese do capítulo ............................................................................................. 152

Capítulo 5 - O programa da ação psicossocial: atividades, contribuições e reflexões


pedagógicas ........................................................................................................................ 153

O programa baseado em mindfulness, interdependência e compaixão.............. 154

Criando o protocolo: a sessão prototípica, suas atividades e atividades basilares


........................................................................................................................................ 156

Atividades em detalhes .................................................................................. 158

A experiência do programa: 4 sessões para salvar o mundo (ou avançar neste


sentido) ........................................................................................................................... 170

Sessão 1: Mindfulness e Compaixão.................................................................. 171

Especificidades da Sessão 1 ........................................................................... 172

A sessão em detalhes ...................................................................................... 173

Avaliação da sessão 1..................................................................................... 183

Sessão 2: Interdependência ................................................................................ 184

Especificidades da Sessão 2 ........................................................................... 184

A sessão em detalhes ...................................................................................... 185

Avaliação da sessão 2..................................................................................... 191

Sessão 3: Propósito maior .................................................................................. 192

Especificidades da Sessão 3 ........................................................................... 192

A sessão em detalhes ...................................................................................... 193

Avaliação da sessão 3..................................................................................... 200


Sessão 4: Sobre Liderança Consciente e o resto de nossas vidas ...................... 200

Especificidades da Sessão 4 ........................................................................... 201

A sessão em detalhes ...................................................................................... 202

Avaliação da sessão 4..................................................................................... 210

Avaliação geral do programa ............................................................................. 211

Capítulo 6: Reconexão e expansão - o processo de transformação dos participantes:


com si, com o outro e com a natureza ................................................................................ 213

Ponto de Largada: sobre a relação com si com os outros e a natureza .............. 214

“Você não fez isso, você não fez o que você precisa fazer, você precisa fazer
isso”: a relação com si e percepções de bem-estar ..................................................... 214

“Se for melhorar minha performance, então não há problema”: percepções e


experiências com mindfulness .................................................................................... 221

Os fins justificam os meios (ou não): motivações para participar do programa


.................................................................................................................................... 223

Visão de mundo, predisposições e condutas sobre questões ambientais e sociais:


pensar globalmente, agir (pouco) localmente ............................................................ 228

Relação com os outros: redes de apoio e expectativas ................................... 233

Síntese do ponto de largada: (in)sustentabilidade começa com si ................. 236

Reconexão com si: o início de uma ecologia mental e autocuidado .................. 238

Maior habilidade de Mindfulness ................................................................... 239

Redescobrindo valores e reflexões sobre a vida: ajustes, tensão e dificuldades na


busca do eu autêntico ................................................................................................. 246

Aprendendo a me cuidar: autocompaixão ...................................................... 261

Bem-estar psicológico: “voltando a respirar” ................................................ 266

Síntese sobre o processo de mudança na relação com si: sobre (re)descobrir,


(re)conectar e (re)direcionar ....................................................................................... 268

Expansão e reconexão com outro: o início de uma ecologia social e cultural ... 270

Maior responsabilidade com os outros e a sociedade: uma nova esperança .. 270


Eu mudo, tudo muda - nova relação com a natureza ......................................... 283

Maior responsabilidade com o ambiente........................................................ 283

Síntese: Mudanças na relação com a Natureza .................................................. 287

Reflexões conclusivas sobre o processo vivido pelos participantes .................. 287

Reflexões sobre o percurso metodológico e os resultados relatados: contribuições


em três áreas ................................................................................................................... 289

Três eixos de contribuição ............................................................................. 289

O que um pesquisador positivista aprendeu com esta experiência? Desafios e


Recompensas .............................................................................................................. 290

Síntese sobre reflexões sobre o percurso metodológico ................................ 293

Capítulo 7: Um futuro possível: reflexões conclusivas e caminhos à frente ......... 295

Sobre escolher caminhos ................................................................................ 295

Contribuições do trabalho para uma nova consciência: do programa, método e


pedagogia ................................................................................................................... 297

Emerge a Tese: a Transformação dos Participantes ........................................... 298

Limitações do estudo e recomendações para avanços ................................... 299

Recomendações práticas ................................................................................ 300

Sugestões de Pesquisas Futuras: como podemos avançar o campo de estudos . 302

Por todas as nossas relações! ......................................................................... 303

Referências ............................................................................................................. 306

Apêndice A - MBLS Invitation .............................................................................. 329

Apêndice B – Intervenções da sessão 1 ................................................................. 331

Apêndice C – Exercícios sugeridos para a semana da sessão 1 ............................. 335

Apêndice D – Intervenções da sessão 2 ................................................................. 336

Apêndice E – Exercícios sugeridos para a semana da sessão 2 ............................. 341

Apêndice F – Intervenções da sessão 3 .................................................................. 342

Apêndice G – Exercícios sugeridos para a semana da sessão 3 ............................. 345

Apêndice H – Intervenções da sessão 4 ................................................................. 346


Apêndice I – Exercícios sugeridos para a semana da sessão 4 .............................. 348

Apêndice J - Consentimento informado ................................................................. 349


13

CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO

“What determines whether we as individuals,


teams, institutions, and systems operate from
the state of absencing or the state of
presencing? What is the lever that allows us to
shift from one state to the other? What can we
do to move from madness to mindfulness?”
Otto Scharmer

Onde estamos e para onde vamos?

Esta tese parte do imperativo urgente da sustentabilidade de nosso planeta e da


premissa que as corporações são importantes agentes no desenvolvimento sustentável – ou
insustentável – de nossa sociedade. Por meio da elaboração, implementação e avaliação de
uma ação psicossocial inovadora baseada em mindfulness, no desenvolvimento de uma
consciência de valores, interdependência e compaixão, aspiramos contribuir para mudanças
culturais e condutas em trabalhadores para que possam atuar como agentes de mudança
cultural no contexto corporativo, precipitando uma ruptura com o paradigma cultural
dominante de maximização de lucros às custas da sustentabilidade social e ambiental. Este
trabalho se alinha à perspectiva de que é preciso reinventar o capitalismo, alterando sua lógica
fundamental de maximização de lucro em curto prazo, assim como outros valores
hegemônicos do sistema como hiper individualismo, materialismo e consumismo. Assim,
buscamos contribuir na construção de um presente mais consciente e responsável, condição
base que nos leva a um futuro que não comprometa a sustentabilidade do planeta.
Assim, desenvolvemos e implementamos uma ação psicossocial original, eticamente
informada, baseada em mindfulness e nos preceitos budistas da compaixão e
interdependência. Para fins de ação psicossocial desta pesquisa, muito mais que apenas
induzir mudanças superficiais nos pensamentos, na regulação emocional, nas predisposições
e nas condutas, buscamos estimular uma consciência ética e a reflexão sobre seus valores
(i.e. senso de princípios básicos sobre o que é certo e do errado; Oyserman, 2015), em que
medida viviam uma vida com autenticidade (i.e. que está alinhada aos respectivos valores;
Goldman e Kernis, 2002) e consciente sobre a interdependência entre suas predisposições e
condutas para a sustentabilidade planetária. A aspiração base é que a ação psicossocial
ofereça aos participantes – e posteriormente aos agentes de mudança social que queiram
14

replicar o protocolo - um importante meio de contraponto aos valores culturais neoliberais


capitalistas e como hiperindividualismo e hipercompetição e suas consequências como
consumismo, materialismo e maximização de lucro mesmo às expensas da própria saúde do
trabalhador e da sustentabilidade social e do planetária.
Nesta linha, nos juntamos a visão que o desenvolvimento de processos educacionais
relacionados a sustentabilidade devem fomentar outras visão de mundo e ethos (Laininen,
2018; Senge, P., Cambron-McCabe, N., Lucas, T., Smith, B., Dutton, J., & Kleiner, 2012),
aspectos psicológicos positivos relacionados a responsabilidade universal e compaixão
(Koger, 2015) e maior consciência de interdependência (Sisodia et al., 2018). Para isso,
estratégias de aprendizagem tanto cognitivas quanto afetivas (Shephard, 2008) são
fundamentais. Sabemos, de antemão, que estamos plantando uma semente e que mudanças
culturais não ocorrem rapidamente.
Nossa inquietação primária de pesquisa foi explorar como esta ação psicossocial teria
influência no desenvolvimento de visões de mundo (i.e., modelos de entendimento sobre o
funcionamento do mundo e predisposições e condutas positivamente relacionados à
sustentabilidade (i.e., condutas prossociais e ecológicas). Ao elaborarmos o programa da
ação psicossocial contemplando mindfulness, interdependência, resgate de valores e
desenvolvimento de virtudes como compaixão, superamos as limitações de programas
anteriores baseados em mindfulness por contribuir na compreensão das causas e condições
de danos e sofrimentos em níveis individual e coletivo. Nos baseamos na perspectiva da
economia política (Anderson & M’Gonigle, 2012; e.g. Babic, Fichtner, & Heemskerk, 2017)
que busca entender como a história, a cultura e os costumes afetam um sistema econômico e
este exerce influência na forma como vivemos em sociedade como indivíduos e instituições.
Ao que constatamos ao final de nossa pesquisa, seguindo a lógica do princípio
recursivo de Morin (2005), um padrão disfuncional de viver em sociedade é tanto reflexo
como causa de um padrão disfuncional na relação com si. Assim, argumentamos que o
indivíduo estará mais apto a contribuir para o desenvolvimento de um futuro sustentável -
seja no campo empresarial ou em meio à sociedade - ao adquirir maior autoconsciência,
resgatar seus valores, desenvolver maior percepção de interdependência e virtudes como
compaixão. Neste caminho mais consciente, o programa inovador e transdisciplinar desta
ação psicossocial fomentou uma emancipação dos participantes em relação à assimilação
apática de valores do sistema capitalista neoliberal e um movimento em direção a uma maior
autenticidade.
15

Assim, os resultados encontrados nesta tese sugerem forte conexão entre atividades
pedagógicas que impulsionaram a percepção de interdependência, valores e compaixão e
predisposições e condutas que estão positivamente relacionados com sustentabilidade social.
Nesta linha, aqui reside mais uma importante contribuição desta tese: o programa da ação
psicossocial e seu protocolo original – eticamente informado e transdisciplinar - composto
por objetivos e atividades pedagógicas sinérgicas que pode ser replicado futuramente.
Conforme veremos na revisão de literatura, o ensino de sustentabilidade é
essencialmente fragmentado e em sua maioria não possui aspectos afetivos - relacionados a
atitudes e valores - na aprendizagem (Shephard, 2008). Morin (2005) destaca que a
fragmentação do saber apresenta problemas pois não oferece uma conexão entre áreas
distintas, limitando e dificultando a aprendizagem dos envolvidos com o processo de ensino.
Desta forma, o conteúdo teórico do programa abordou conhecimentos oriundos da literatura
de sustentabilidade corporativa (e.g., responsabilidade social e capitalismo consciente), da
psicologia social (e.g.,compaixão; empatia), da psicologia clínica (e.g., mindfulness; valores)
e mesmo o Budismo (e.g, interdependência; mindfulness) denotando seu caráter
transdisciplinar. Adicionalmente, as estratégias pedagógicas do programa da ação
psicossocial atuaram de forma sinérgica, contribuindo não apenas na aprendizagem cognitiva
(i.e., conhecimentos), mas também na aprendizagem afetiva, ou seja, desenvolvimento de
valores e predisposições positivamente relacionados à sustentabilidade, como por exemplo
responsabilidade universal.
Convém destacar que este trabalho contemplou de forma articulada pesquisa, ensino
e extensão, por meio da integração da pós-graduação com a graduação e uma intervenção
com inserção social, por meio da pesquisa-ação desenvolvida. Ao avaliarmos o método
qualitativo empregado, percebemos que as principais contribuições do método estão
divididas em três eixos. Primeiro, a coleta de dados de forma assíncrona e síncrona à ação
psicossocial, por meio de duas técnicas – observação participante e entrevistas em
profundidade – permitiu a obtenção de dados antes, durante e após a ação psicossocial. Isso
permitiu a equipe de pesquisa avaliar e adaptar em tempo hábil a ação psicossocial para
melhor atender aos objetivos de pesquisa, assim como ter dados que permitem compreender
não apenas mudanças antes e depois da intervenção, mais ao longo da ação. Ademais, os
diários de campo de cada encontro permitiram a coleta e análise de dados sobre o feito das
práticas, dinâmicas e apresentações, i.e, a avaliação psicopedagógica da metodologia da ação
psicossocial.
16

Em segundo lugar, a riqueza e profundidade dos dados gerados: falas,


comportamentos, reações e opiniões em primeira pessoa foram registradas em diário de
campo. Isto permitiu contemplarmos o processo vivido pelos participantes pela perspectiva
deles – em conjunto com as observações de reações e comportamentos ao longo do processo
- fato este abordado como relevante e raro em pesquisas de mindfulness em organizações.
Em terceiro, a observação participante também trouxe uma contribuição pedagógica social
valorosa em dois aspectos: (1) a formação científica de jovens estudantes e (2) mudanças
de visão de mundo, percepções e aspirações profissionais da equipe de pesquisa ao
participarem da ação psicossocial, onde 3 dos 5 alunos redirecionaram seus interesses de
pesquisa para temas relacionados a interdependência e bem-estar em corporações. Assim,
devido à natureza complexa dos problemas relacionados à sustentabilidade que hoje
enfrentamos, acreditamos que este trabalho apresenta um caminho que contribui para uma
ecologia mental, social, cultural e ambiental.
Cabe-nos, neste momento, analisar o contexto histórico a qual a (in)sustentabilidade
social e ambiental se formou é fundamental. Desta forma, olhando para trás, em especial as
origens do capitalismo e seu desdobramento, poderemos compreender onde estamos.

Contextualização histórica: como chegamos aqui?

Quando observamos a situação insustentável do presente, olhar para o passado nos


ajuda a compreender as raízes dos problemas que hoje enfrentamos, aumentando nossas
chances de traçar potenciais caminhos para construirmos um futuro melhor. No início da
década de 1770, as condições econômicas e sociais estavam em vigor para a revolução
industrial ocorrer no mundo.
Alimentada por novas invenções, o sistema original fabril foi transformado, à medida
que a energia da máquina elevava a produtividade a níveis sem precedentes (Murphy, 2010).
Rubin (1979) destaca que seria simplista demais ver a revolução industrial apenas como
resultado da invenção de máquinas que substituíram muitos trabalhadores. As relações
sociais e contexto cultural necessários para a revolução industrial levaram séculos para surgir.
Assim, é importante notar que a propriedade dos meios de produção vai além da propriedade
de fábricas, máquinas e o poder de investir ou reter capital, mas também os meios de
produção de conhecimento. Por exemplo, os capitalistas que possuíam jornais poderiam
exercer grande influência da cadeia produtiva, envolvendo trabalhadores da impressão,
distribuidores e vendedores, mas também o controle sobre o que e como se dá transmissão
17

de informações. Tal influência poderia estender-se à influência política, como também pode
estender e proteger os interesses capitalistas pela disseminação da ideologia que o sustenta
(Tawney, 1950). De fato, para que o capitalismo pudesse florescer, a sociedade deveria ter
um contexto cultural que não apenas o acolhasse, mas o justificasse.
Nesta linha, Max Weber (2004) buscou apresentar sua visão sobre o desenvolvimento
do “espírito” do capitalismo traçando suas origens ao protestantismo calvinista. A
centralidade do protestantismo ascético calvinista não é o dogma da predestinação, mas sim
a crença na necessidade de "comprovação" da salvação, que é, essencialmente, um feito
individual. Tal comprovação de salvação se daria por dois aspectos: os ganhos de capital e
uma conduta diária centrada no controle metódico da vida e centrada no trabalho, inspirada
na concepção de vocação encontrada no Luteranismo. Assim, Weber destaca a valorização
religiosa da ocupação profissional, sem descanso, continuada, sistemática, como o meio
ascético supremo e a um só tempo a comprovação mais segura e visível da regeneração de
um ser humano e da autenticidade de sua fé. Assim, temos um ethos que transformava o
trabalho e a acumulação de dinheiro em um imperativo racional e ético. Desse modo, a ética
protestante garantiu que o “espírito capitalista” se tornasse um fenômeno de massa. Nas
palavras de Weber (2004, p 57):

A forma capitalista de uma economia e o espírito com a qual é conduzida


em geral guardam entre si uma relação de adequação, mas essa dependência
mútua não constitui uma lei. E se apesar de tudo empregamos
provisoriamente aqui a expressão `espírito do capitalismo´ para designar
aquela disposição que nas raias de uma profissão de forma sistemática
ambiciona o ganho, (...) isso se deve à razão histórica de que aquela
disposição encontrou sua forma mais adequada na empresa capitalista, e a
empresa capitalista, por sua vez, encontrou nela sua força motriz espiritual
mais adequada.

Adicionalmente, para Weber, apenas o indivíduo possui uma mente, apenas o


indivíduo pode sentir, ver, realizar e entender, apenas o indivíduo pode adotar valores e fazer
escolhas. Apenas o indivíduo pode agir. Weber aponta que conceitos coletivos como grupos,
nações e estados não agem ou não existem realmente, sendo apenas metáforas utilizadas para
descrever as ações similares ou conjuntas de indivíduos. Esta visão de Weber sobre uma
sociedade ser constituída de indivíduos possui origens que o antecedem. De fato, um dos
principais nomes do capitalismo já no século XVIII advogava em função dos interesses
individuais e dos benefícios que isto acarretaria à sociedade:
18

"Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que


esperamos nosso jantar, mas de sua consideração por seus próprios
interesses. Nós nos dirigimos não a sua humanidade mas a seu auto-
interesse (self-love), e nunca falamo-lhes de nossas próprias necessidades,
mas de suas vantagens" (Smith, 1994, p. 20).

De fato, o individualismo começou a ganhar corpo e forma com o crescimento do


capitalismo. O individualismo refere-se a uma perspectiva na filosofia política que enfatiza
o valor moral do indivíduo, valorizando sua independência e a auto-suficiência e defendendo
que os interesses do indivíduo devem ter precedência sobre o Estado ou um grupo social
(Lukes, 2006). Essa convicção baseia-se no pressuposto de que cada indivíduo é o melhor
juiz de seus próprios interesses e que seu ato de fazer escolhas contribui para o
desenvolvimento de sua personalidade, bem como para o bem-estar da sociedade.
Convém destacar que para Hayek (1984), ao termo individualismo foi imputado ao
sentido de egoísmo, sendo que o autointeresse e egoísmo passaram a ser percebidos como
sinônimos. Hayek argumenta que na linguagem do século XVIII, o autointeresse e interesse
egoísta não seriam o equivalente ao egoísmo hedonista atual relacionado exclusivamente ao
interesse econômico de mais curto prazo. O crescimento da produção no final do século XIX
e no início do século XX exigia mercados consumidores crescentes, o que significou a
necessidade de se expandir a classe consumidora além das classes média e alta para incluir
as classes trabalhadoras e aumentar o consumo nas classes que já existiam. A Revolução
Industrial fez com que as fábricas se localizassem em cidades onde os bens poderiam ser
produzidos em larga escala. Assim, um deslocamento do campo para as fábricas e do tempo
em família para o tempo produtivo nas fábricas começou a ocorrer. Essa abundância de
produtos novos e baratos significava que havia muitos produtos diferentes e com preços
acessíveis para as pessoas comprarem.
Como fruto da grande produção, dois fenômenos aqui surgem: a alienação e o
consumismo. Cherrington (1980) destaca que houve um grande distanciamento das pessoas
e do conhecimento em relação aos meios de produção. Como reflexão, basta analisar o quanto
se conhece dos processos de produção das coisas que compramos: produtos de higiene,
televisores ou carros. Esse desconhecimento foi denominado alienação. Assim, a alienação é
uma dimensão do consumismo, está na base da compra desvinculada da necessidade e do
desconhecimento em relação processo fabril e claro, do impacto deste para o meio ambiente.
Aqui, vemos as sementes da falta de consciência sobre o impacto de nosso consumo no meio
ambiente e mesmo nas condições de trabalho envolvidas.
19

Os novos capitalistas precisavam ser capazes de exercer cada vez mais pressão sobre
seus trabalhadores para produzir mais por menos, para que pudessem manter os preços de
negociação e aumentar os lucros (Rubin, 1979). Assim, dentro das condições de trabalho
geradas pela revolução industrial, os trabalhadores enfrentavam até dezoito horas por dia nas
fábricas. Aqui vemos as sementes da exploração de mão-de-obra e de insustentabilidade
social dentro das fábricas. Os empregadores procuravam desviar a insatisfação dos
trabalhadores com a natureza de seu trabalho para uma insatisfação mais pessoal que poderia
ser amenizada com bens de consumo e com a reflexão ética sobre o valor do trabalho. Aqui,
temos as origens do sofrimento no trabalho e as explicações individualizantes de suas causas
que autores contemporâneos como Dejours e Bègue (2010) alertam, assim como o consumo
como válvula de escape para nossas aflições.
Beder (2004) destaca que o desenvolvimento das sociedades de consumo que se deu
entre os séculos XIX e XX só foi possível com a erosão dos valores e atitudes tradicionais
de economia e prudência e o deslocamento das pessoas para as grandes cidades. Para
desapontamento de Weber (2004), o consumo passou a ser guiado por paixões mundanas e
trabalho desvinculado de uma vocação tal como encontrado na ética protestante. De fato, o
consumismo começou a ganhar força e muitos estudiosos afirmam que o alcançou sua “era
de ouro” no século XX, em especial a partir das décadas de 1950 e 1960 (Beder, 2004). Beder
(2004) enfatiza que durante esse período, devido à produção em grande quantidade, as
mercadorias ficaram muito menos caras e alguns produtos conseguiram vender em uma
escala muito grande devido a campanhas de marketing eficazes muito mais sofisticadas,
atribuindo ao consumo uma fonte de identidade. Para que o sistema funcionasse, era
necessário produzir mais e logo, aumentar o consumo. Assim, os anunciantes procuravam
redefinir as necessidades das pessoas, incentivar seus desejos e oferecer soluções a elas por
meio de mercadorias produzidas.
Assim, na medida em que temos o deslocamento do locus social e econômico do
sistema familiar para o espaço público e profissional, temos um crescimento também da
complexidade da vida social pré e pós amadurecimento do capitalismo: o movimento de
comunidades para sociedades (Tönnies, 1944), ou ainda, sociedades mais simples para
sociedades mais complexas (Durkheim, 1999), afetando fortemente as relações sociais, a
natureza e força dos vínculos entre os indivíduos e a forma como lidamos com a natureza.
Na passagem do modo de vida rural para o urbano, Tönnies (1944) destaca o
desencadeamento de uma ruptura nos núcleos de sociabilidade como a família, a religião e a
comunidade. Ao olhar para as sociedades ao longo do desenvolvimento do capitalismo,
20

Tönnies compreendeu que antes os indivíduos possuíam vínculos mais fortes uns com os
outros, viviam em comunidades onde compartilhavam interesses, valores e uma religião em
comum. Aqui, as comunidades contavam com elevado grau de integração afetiva, coesão,
objetivos, práticas cotidianas e formas de agir e pensar. Na medida em que o capitalismo se
desenvolvia e ocorria o surgimento das grandes cidades, a proximidade e natureza dos
vínculos mudava. Desta forma, quando mais a sociedade se estruturava nas cidades – ou seja,
em torno do mercado e o capitalismo -, mais enfraquecidos eram os círculos de parentesco e
vizinhança como motivos de sentimentos e atividades comunitárias. Isso serviu de base para
Tönnies formular sua teoria da comunidade (Gemeinschaft) e sociedade (Gesellschaft): se na
comunidade os indivíduos permanecem unidos apesar de todas as separações, na sociedade
permaneceriam separados não obstante todas as uniões.
De fato, grande parte do pensamento liberal atual é baseado na perspectiva que a
sociedade é composta pela soma de indivíduos e pela divisão racional do trabalho cada um
tem seu lugar e papel dentro do sistema. Durkhein (1999) explora de forma crítica esta
perspectiva ao destacar que com a divisão racional do trabalho cada pessoa é uma peça de
uma grande engrenagem, na qual cada um tem sua função e é esta última que marca seu lugar
na sociedade, a consciência coletiva tem seu poder de influência reduzido. Neste modelo os
indivíduos se unem ou são solidários não porque se sentem semelhantes ou porque haja
consenso, mas sim porque são interdependentes – utilitariamente - dentro da esfera social.
Este é o conceito de solidariedade orgânica, em oposição à uma solidariedade mecânica
baseada em proximidade, interesses, valores e mesmo religião. Isto ocorreu em função do
crescimento do capitalismo, a divisão racional do trabalho e a emergência das grandes
cidades.
Desta forma, para Durkheim nas grandes sociedades capitalistas, pessoas diferentes
se unem em torno de um propósito econômico. Assim, não há uma maior valorização daquilo
que é coletivo, mas sim do que é individual, o que se trata de um valor essencial para o
desenvolvimento do capitalismo. Weber (2015) descreve esse fenômeno também se
baseando na lógica de racionalidade que permeia o protestantismo calvinista: haveria um
acordo racional por consentimento mútuo que uniria as pessoas. Assim, os membros da
sociedade concordam em participar e respeitar as regras, normas e práticas, porque a
racionalidade diz a eles que eles se beneficiam ao fazê-lo. Quando observamos todas os
crimes, corrupções e escândalos corporativos ou entre indivíduos da sociedade, colocamos
em dúvida se a racionalidade é um fator que garantiria a o respeito às regras e normas.
21

Assim, começamos a compreender a visão racional, econômica e utilitária do


indivíduo em nossa sociedade e o enfraquecimento do coletivo frente ao indivíduo. Se para
Tonnies nas grandes sociedades a solidariedade entre indivíduos é superficial, utilitária e
momentânea, o diagnóstico de Durkheim sobre solidariedade orgânica se assemelha e vai
mais além. Durkheim buscou compreender como a perda de vínculos e referenciais afetava
os indivíduos nas sociedades e chegou ao conceito de anomia.
Durkheim (1973, 1999) entendia que a ruptura com os valores tradicionais e a solidão
em meio à multidão nas sociedades faziam com que os indivíduos tivesses crises de
identidade, sentido e propósito, trazendo um sentimento de se estar participando
inconscientemente dos processos coletivos e sociais podendo causar até mesmo o suicídio.
Uma aflição que nos parece bem atual, onde se substituirmos o termo “participando
inconscientemente” por “vivendo no piloto automático” vai de encontro à pungente e atual
literatura de mindfulness (e.g., Brown, Ryan, & Creswell, 2007; Shapiro, Carlson, Astin, &
Freedman, 2006) que promete mais consciência do momento presente, sentido e redução de
estresse.
Vale destacar que na perspectiva sociológica de Durkheim, o suicídio tinha causas
sistêmicas e não apenas individuais. Com o crescimento do individualismo na sociedade
moderna, o suicídio, suas causas e prevenções passam a ser de responsabilização individual,
negligenciando convenientemente fatores econômicos e sistêmicos (Esposito & Perez, 2014)
Isso ajuda a entender o aumento da prescrição de fármacos (e.g. Schmitt, 2017) ou de
responsabilizações no indivíduo (Waters, 2014) por conta de mortes por suicídio. Isso ajuda
a explicar a sensação de solidão que o autor desta tese viveu por muito tempo em ambientes
corporativos ou rotinas de trabalho intensas que pareciam sem sentido. Uma das explicações
desta anomia vivida por tantos era a perda da relevância da religião, seus valores e visão de
mundo (Durkheim, 1973; Gasparini, 2011). A perda da influência da religião também pode
ser correlacionada com o crescimento do racionalismo capitalista, como veremos a seguir.
Gasparini (2011) destaca que toda a racionalidade pregada no modo de vida
protestante encontrou na ciência um grande aliado. Assim, uma aliança entre o capitalismo e
a ciência foi se formando, tendo o sistema capitalista a sua manutenção garantida através de
especialistas formados pelas ciências. Gasparini destaca que a ciência sustenta o capitalismo
pois concerta as suas falhas, ameniza suas crises, desenvolve novos mercados e inventa novos
produtos ou serviços a serem comercializados. Assim, antes da ascensão do capitalismo e,
por conseguinte da ciência, era a religião quem dava sentido ao mundo, quem ordenava a
sociedade e oferecia uma visão de mundo (e de salvação). Isso ajuda a entender como a
22

crença na tecnologia e na ciência – e não a reinvenção dos modos de ser e viver - são as bases
para a solução de problemas sociais e ambientais ocasionados por estilos de vidas
insustentáveis.
Adicionalmente, o deslocamento do campo para as grandes cidades também acirra o
afastamento da natureza e sua perspectiva como recurso, fato este evidente nas ações
corporativas (Hahn, Pinkse, Preuss, & Figge, 2015) e em nosso processo educacional
(Wamsler et al., 2017). Toda esta reflexão histórica nos ajuda a compreender o estado de
insustentabilidade social e ambiental que vivemos. Como Berger (1973) destaca, a sociedade
impõe ao ser humano seus conceitos, padrões e regras, desde a infância. A obediência se dará
por meio de um controle social e esse controle será exercido em diversas instâncias da vida
do indivíduo, desde o trabalho, como se trabalha, o que consome, o quanto se consume e em
sua, o ser e viver em sociedade. Berger destaca o papel das instituições na socialização dos
indivíduos e como os laços familiares se deslocam para o espaço público e notadamente na
vida moderna, para o espaço corporativo, temos a introjeção de valores e regras dominantes
muito difíceis de serem evitadas. A este destino Berger chamou de determinismo sombrio.
Este termo, por certo, cabe bem a este momento que vivemos como sociedade, muito embora
apresentamos neste trabalho um caminho diferente, com outros valores e que, ainda que
honrem as individualidades, nos oferece um caminho de solidariedade e responsabilidade
coletiva.

Sustentabilidade: sobre complexidade e princípios

Como vimos na contextualização histórica, perpassam não apenas fatores


econômicos, mas sócioculturais. Os desafios que propomos estudar são reconhecidos como
sendo de natureza complexa. Sustentabilidade é vista como um problema complexo e
multidimensional e deve ser pesquisada, ensinada e praticada tendo isto em mente (Lozano,
Lozano, Mulder, Huisingh, & Waas, 2013). São múltiplos fatores que explicam as causas e
condições de sustentabilidade no planeta, em uma empresa ou na vida pessoal. Não perder
de vista esta complexidade, sem perder-se com ela, é fundamental. Assim, o pressuposto
ontológico que nos norteou foi o paradigma da complexidade de Morin (2005), visto que
rejeita respostas simples aos problemas do planeta, multidimensionais por natureza.
Nesta linha, reforçamos que a abordagem central que nos serviu de guia para
compreender a problemática complexa da sustentabilidade foi a lógica da economia política
(Kon, 2007), que aborda os impactos dos sistemas econômicos no modo de ser da
23

sociedade.Desta forma, analisamos a questão da (in)sustentabilidade como intrinsicamente


relacionada às origens e desenvolvimento do sistema capitalista em seu formato neoliberal e
seus valores insalubres para as relações sociais e ambientais e mesmo, para a saúde mental
do indivíduo.
Elucidar nosso pressuposto teórico é fundamental para que o leitor possa
compreender nossa visão de mundo e exercitar empatia conosco. Afinal, toda tese é uma
estória que está sendo contada sob um ponto de vista: o olhar precede o método, sendo como
o pesquisador compreende a natureza do fenômeno estudado. Conforme destaca Morin
(1999), todo conhecimento é uma interpretação de um fenômeno por um espírito/cérebro
numa certa cultura e num determinado tempo. Assim, nesta tese analisamos os fenômenos
observados sob à luz do paradigma da complexidade e é fundamental que o leitor compreenda
seus princípios norteadores.
Ao olharmos para a problemática da sustentabilidade, o princípio holográfico do
paradigma da complexidade (Morin, 1999) contribui para nossa compreensão do fenômeno
por afirmar que não somente a parte está no todo, mas o todo se inscreve na parte. Para Morin
(1999, p. 16) “a sociedade como todo aparece em cada indivíduo, através da linguagem, da
cultura, das normas”. Desta forma, a insustentabilidade da sociedade está presente também
no ser humano. A sociedade é um espelho. Cabe ao ser humano questionar-se, transformar-
se, cuidar-se. Sem isso, incorre no risco de buscar sem lucidez entender e resolver os
problemas do mundo. Já o Princípio do anel recursivo (Morin, 1999), por sua vez, afirma que
os indivíduos produzem a sociedade - nas e através de - suas interações, mas a sociedade,
enquanto todo que emerge, produz a humanidade desses indivíduos fornecendo linguagem,
cultura e valores. Desta forma, as empresas são fruto e ao mesmo tempo, causas e efeito do
modo de ser dos indivíduos que a compõe e da sociedade a qual estão inseridas. Mais uma
vez, cabe aos refletir e questionar crenças, visões de mundo e valores para que possam
modificar modelos sociais e culturais predominantes e os influenciar recursivamente.
Desta forma, na perspectiva de Morin (2005), o pensamento complexo conduz-nos a
uma série de problemas fundamentais do destino humano, que depende, sobretudo, da nossa
capacidade de compreendê-los contextualizando-os, globalizando-os e interligando-os. Mais
ainda, da nossa capacidade de enfrentar a incerteza e de encontrar os meios que nos permitam
navegar em um futuro incerto, tendo como companhias nossa coragem e a nossa esperança.
Essas premissas não apenas nos guiaram intelectualmente no decorrer do trabalho, como nos
inspiraram nos em momentos mais difíceis de sua realização. De fato, este trabalho não é
apenas uma realização intelectual, mas também um empreendimento acompanhado de
24

desafios e incertezas que pediu por coragem e esperança, virtudes do coração enaltecidas por
Morin.
Quando decidimos realizar este trabalho, estávamos atendendo a um chamado que
ecoa do passado e faz coro com vozes no presente, pedindo por uma nova consciência em
prol de uma sociedade mais sustentável. Atualmente enfrentamos desafios relacionados à
aquecimento global, hiperconsumo, poluição, corrupção pública e corporativa, fome,
pobreza, exclusão social, ameaça à biodiversidade e exploração de mão de obra entre outros
(World Wildlife Fund, 2016) e estes estão à nossa frente pedindo por solução.
Assim, sustentabilidade emerge como um problema complexo, que perpassa áreas
diversas como proteção ambiental, a criação de progresso econômico e assumir
responsabilidade por outros (Brandt et al., 2013; Metcalf & Benn, 2013). O termo está ligado
a uma noção de sobrevivência, de riscos relacionados à nossa forma de viver em sociedade,
tendo no âmago de sua discussão o debate em torno de um desenvolvimento sustentável, ou
seja, o desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer
a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações (WCED, 1987). Apesar dos
esforços de autoridades públicas e membros da sociedade civil em promover um futuro
econômico, social e ambientalmente sustentável para as atuais e futuras gerações, observam-
se modelos econômicos, industriais e culturais que tem nos levado a um estado de
irresponsabilidade organizada, onde estamos desconectados de nós mesmos, dos outros e da
natureza (Scharmer & Kaufer, 2013). Parece haver algo poderoso e pervasivo que nos faz
continuar caminhando em uma direção que sabidamente está causando sofrimentos em níveis
individual, social e ambiental.
Nesta linha, autores alertam para o papel da cultura como aspecto preponderante na
nossa forma de viver (Geertz, 1989), promovendo valores que impactam nas dimensões
econômicas, sociais e ambientais de nossa sociedade (Schumacher, 1997; Sterling, 2010).
Consequentemente, para lidarmos com os problemas relacionados ao desenvolvimento
sustentável, temos que inevitavelmente investigar o ethos (Geertz, 1989) dominante,
inclusive nas corporações.
Notadamente entre os diversos atores sociais, as corporações têm sido reconhecidas
como protagonistas nos danos à sociedade e ao ambiente. Mais ainda, são incapazes de
assegurar desenvolvimento econômico sustentável, apesar de toda a retórica que tem sido
professada por meio dos valores e códigos de ética de muitas empresas e do interesse por
Sustentabilidade Corporativa (SC) e Responsabilidade Social Corporativa (RSC) (Bocken &
Short, 2016; Bocken, Short, Rana, & Evans, 2014) na literatura especializada. Com destaque,
25

os danos proporcionados pelas corporações atingem não apenas à sociedade, mas também
aos seus próprios trabalhadores (Dejours, 2007). De fato, há indicadores alarmantes
relacionados à saúde do trabalhador, que apontam para uma incidência cada vez maior de
aflições mentais como esgotamento profissional e depressões nervosas (Ehrenberg, 2016;
Sangar, 2019). Existe, inegavelmente, a necessidade urgente para que as corporações alinhem
suas estratégias com objetivos de desenvolvimento sustentável, promovendo maior
responsabilidade social tanto externa, quanto interna (Leisinger, 2015; Pavlovich & Corner,
2014). Entretanto, o crescimento da literatura sobre o tema não se traduz em soluções efetivas
à questão, sendo em geral baseada em torno mudanças de modelos de gestão e não modelos
culturais, o que evidencia a forte ideologia capitalista em sua produção.
Isto pode explicar por que termos como Responsabilidade Social Corporativa (RSC),
Triple Bottom Line (TBL) e Sustentabilidade Corporativa (SC) são percebidos de forma
ambivalente, contraditória e cautelosa na literatura especializada (Gao & Bansal, 2013; Milne
& Gray, 2013). Tais conceitos parecem ter emergido como respostas às críticas endereçadas
ao status quo industrial e cultural, mais do que uma resposta que enfrente efetivamente os
problemas relacionados à sustentabilidade em nossa sociedade (Kazmi et al., 2015).
Boltanski & Chiapello (2009) cunharam o conceito de “espírito do capitalismo” para explicar
o porquê.
Para estes autores, o capitalismo possui um mecanismo para responder – não
necessariamente de forma efetiva – às críticas direcionadas a si. Assim, o objetivo é assegurar
o comprometimento dos principais atores da sociedade (e.g. empresas, consumidores) aos
valores culturais hegemônicos do sistema. Criou-se uma sofisticada adaptabilidade e
incorporação do sistema às críticas que lhe são direcionadas, justificando e perpetuando o
status quo. Kazmi e colegas (2015) destacam que esse processo ocorre em três níveis: (1)
surgem críticas direcionadas a algum ponto frágil do sistema; (2) algumas críticas
consideradas legítimas são selecionadas e incorporadas, surgindo assim um novo “espírito”
do sistema e; (3) corporações passam a ter uma literatura e práticas alinhadas ao novo
espírito, denotando assim um caráter “efetivo” e não meramente retórico do capitalismo
renovado. Mas esta efetividade não tem sido observada na prática. De fato, não são raros os
casos de escândalos empresariais em indústrias variadas envolvendo, por exemplo,
corrupção, propagação de valores gananciosos, consumismo e danos ao meio ambiente (ver:
Andersen & Kuhn, 2014; Gandini, 2003; Mistrati & Romano, 2010; Morgan, 2015). Assim,
permanece a necessidade de mudanças profundas em nossa forma de se enxergar e abordar
o problema da sustentabilidade.
26

Nesta linha, Siqueira e Pitassi (2016) sugerem que a questão da sustentabilidade é um


fenômeno com diversos níveis e que requer a atuação de três grandes forças para sua
transformação: i) nível macro: políticas governamentais e ações que visem a superação do
status quo; ii) nível corporativo: o desenvolvimento de novos modelos de negócios, de gestão
e relações de trabalho; e iii) nível individual: mudanças cognitivas, atitudinais e
comportamentais.
Estes três níveis devem interagir para mudar o presente paradigma em favor de um
desenvolvimento sustentável. Esta tese explora o último nível (i.e. individual), buscando
impulsionar mudanças culturais, cognitivas e de condutas em indivíduos que atuam em
ambientes corporativos, como uma forma de plantarmos sementes que possam inspirar
mudanças de visão de mundo, de valores, atitudes e comportamentos tanto em suas vidas
pessoais, como nas corporações que trabalham.
Embora o desafio seja complexo, nos alinhamos a autores que acreditam que as
possibilidades para que a humanidade promova profundas mudanças nas relações sociais e
econômicas são reais (Scharmer & Kaufer, 2013). Para isso, temos que semear mudanças na
forma de ser e viver em sociedade que reflitam valores que ofereçam uma resistência aos
valores dominantes atuais.

Caminhos para mudança: ecologia em diversos níveis

Não podemos pensar em mudanças efetivas sem compreendermos onde estas devem
ocorrer. Assim, nos alinhamos a Geertz (1989) que entende o ser humano como atrelado a
uma teia de significados que ele mesmo criou, e reconhece a cultura como estas teias e sua
análise fundamental para entendermos como uma sociedade e seus atores operam. De forma
similar, Senge e colegas (2012) destacam que nosso comportamento e atitudes são moldados
por nossos modelos mentais: crenças, suposições e histórias que carregamos em nossas
mentes de nós mesmos, de outras pessoas, instituições e todos os aspectos do mundo.
Exemplos desses modelos são: (1) o crescimento do PIB é igual ao aumento do bem-estar
nacional; (2) a tecnologia resolverá nossos problemas fundamentais; (3) felicidade está ligada
a consumo; (4) uma vida feliz é uma vida onde os prazeres superam as dores; e (5) a razão
de existência de uma empresa é gerar lucro para acionistas (Laininen, 2018).
Esses modelos mentais dizem respeito à dimensão representativa da cultura,
diretamente relacionada a nossa representação da realidade (D’Andrade, 1984). Segundo Roy
D´Andrade (1984), a cultura não se limita à esta dimensão, mais inclui também a dimensão
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afetiva. As representação e afetos reverberam na dimensão diretiva da cultura, responsável


pela influência nos comportamentos dos indivíduos, na motivação que leva a ação ou inação.
Por fim estas três dimensões se solidificam em um nível mais macro, na dimensão construtiva
da cultura, que diz respeito a institucionalização de representações, afetos, condutas e
normas. Assim, o conceito de cultura de Geertz e D’Andrade permite compreender a
problemática da sustentabilidade de forma mais complexa que limitar-se aos conceitos de
modelos mentais ou representações sociais, apontando a necessidade de intervir em todas as
dimensões da cultura.
Guattari (2000) antecipou o caráter sistêmico e pluralizado da crise ecológica que
vivemos, cuja solução requer uma articulação ético-política – chamada de “Ecosofia” - que
perpassa três registros ecológicos: ecologia mental, o cuidar de nossa subjetividade e nossa
relação com nós mesmos; ecologia social, o modificar e reinventar nosso modo de ser e se
relacionar em sociedade; e ecologia ambiental, nossa forma de ver e ser com a biosfera. Para
este autor, somente assim poderemos impulsionar a reconstrução das modalidades de ser-em-
grupo, tanto em níveis microssociais quanto em escalas institucionais maiores, o que
permitirá que se supere a crise ecológica vigente.
O passo inicial é o resgate da originalidade do ser, uma emancipação dos valores
culturais dominantes que permite uma reflexão crítica sobre seu modo de ser conforme
destaca Guattari: “é imperativo encarar seus efeitos no domínio da ecologia mental, no seio
da vida cotidiana individual, doméstica, conjugal, de vizinhança, de criação e de ética
pessoal” (2000, p.33). Assim, para Guattari (2000) qualquer ação que vise contribuir para a
solução dos problemas relacionados a sustentabilidade deve buscar atingir por mudanças em
níveis mais profundos e abstratos, perpassando nossos modos de lidar com nós mesmos, com
os outros, nossa forma de ver o mundo e encarar os desafios da vida.
De fato, o individualismo contemporâneo, o materialismo e o consumo insustentável
podem refletir um vício cultural (Anache & Laurencel, 2020; Ouriques, 2014) e assim velhas
formas de pensar sobre a sustentabilidade não são suficientes. Portanto os modos de
investigação científica e as formas atuais de ensino parecem inadequadas para enfrentar o
desafio da sustentabilidade (Schumacher, 1997, 2010; Sol & Wals, 2014). Schumacher
(1997) destaca que o volume educacional relacionado à sustentabilidade aumentou e continua
a aumentar, assim como a poluição, o esgotamento de recursos e demais problemas
ecológicos. Isto se alinha às críticas recentes anteriormente abordadas sobre o extenso
volume de publicações relativas à sustentabilidade e sustentabilidade corporativa, mas ainda
assim vemos os problemas sociais e ambientais se agravando. Para Schumacher, se a
28

educação é o caminho para nos salvar, esta teria que nos levar a questionar as premissas
tácitas que são a força propulsora de como operamos no mundo. Como exemplo, Schumacher
destaca uma das diferenças fundamentais entre a visão ocidental e a perspectiva budista sobre
bem-estar e padrão de vida:

[O economista ocidental moderno] está acostumado a medir o "padrão de


vida" pela quantidade de consumo anual, assumindo o tempo todo que um
ser humano que consome mais está "em melhor situação" do que um ser
humano que consome menos. Um economista budista consideraria essa
abordagem excessivamente irracional: como o consumo é apenas um meio
para o bem-estar humano, o objetivo deve ser obter o máximo de bem-estar
com o mínimo de consumo (Schumacher, 2010, p. 35).

As implicações sobre o que é um bom padrão de vida visto acima – apenas um


exemplo entre outras premissas em nossa cultura - têm impacto direto na questão da
sustentabilidade. Nesta linha, fortemente influenciado pelo trabalho de Schumacher, Sterling
(2010) aponta que há urgência por processos educacionais que estimulem o reexame de
suposições e valores, o pensamento crítico e novas formas de se ver e agir no mundo.
Convém destacar que os valores dominantes estão sendo questionados não apenas por
acadêmicos ou religiosos ligados ao Budismo, mas mesmo por lideranças ligadas à religião
dominante do ocidente, o catolicismo. Em junho de 2020 o vaticano liberou a encíclica
Laudato Si – Sobre o Cuidado da Casa Comum (Francis, 2015), onde disserta sobre as causas
e condições de insustentabilidade atual do planeta. Em seu diagnóstico, críticas contundentes
a ganância, ao consumismo, as desigualdades sociais e ao aquecimento global, onde este, tem
sua parcela de influência do homem e seu modelo de vida. De fato, Papa Francisco havia
convocado a juventude – acadêmicos e ativistas – para em março de 2020 se encontrarem em
Assis na Itália, para o evento “A Economia de Francisco1 (Vatican, 2020). O evento, adiado
por conta da pandemia do novo coronavírus, envolveria empreendedores, trabalhadores,
estudiosos e ativistas econômicos, comprometidos em vários níveis com a promoção de uma
prática e cultura econômicas baseadas na comunhão, gratuidade e reciprocidade, oferecendo
e vivendo um estilo de vida alternativo ao dominante no sistema capitalista. É tempo de
questionamentos, reflexões e mudanças de visão de mundo.
Um exemplo representativo de uma alternativa visão de mundo e ethos social e
ambiental pode ser atribuído ao Butão, onde o Budismo exerce forte influência na gestão e
no ethos social. Em oposição ao crescimento econômico e à lógica capitalista de livre
mercado, o Butão possui como indicador central de qualidade de vida a Felicidade Interna

1
Uma alusão a Francisco de Assis e seus valores de moderação, simplicidade e altruísmo.
29

Bruta (Ura, Alkire, Zangmo, & Wangdi, 2012), uma medida multidimensional ligada com
um conjunto de ferramentas de políticas e programas com aplicações práticas calcadas no
desenvolvimento educacional para a Inclusão Social, na preservação e promoção dos valores
culturais, na diminuição da jornada de trabalho na promoção do tempo livre e do lazer e na
resiliência ecológica na base do desenvolvimento sustentável. Este trabalho pode contribuir
para que modelos de vida como da Felicidade Interna Bruta sejam mais palatáveis ao
indivíduo ocidental moderno.

Plantar e regar: o cultivo de uma nova consciência

A relevância deste trabalho está ligada a elaboração de uma ação psicossocial


inovadora que contribua para mudanças no âmago da questão: novas formas enxergar e agir
no mundo fomentando condutas mais alinhadas aos princípios de sustentabilidade nos
indivíduos. A utilização do mindfulness e de conceitos budistas como compaixão e
interdependência oferecem um importante contraponto aos valores e visão de mundo que
permeiam a lógica individualista, separatista, materialista e de competição. O crescimento
dos estudos relacionados a estes temas por parte da comunidade científica mostra que se trata
de um caminho promissor.
Para o Budismo, mindfulness está ligado a uma visão lúcica da realidade, que inclui
a consciência que toda ação afeta todo o universo e o “eu” existe apenas em relação aos
outros. A natureza unificada e interconectada do universo faz com que nossas ações ou
intervenções no mundo material tenham repercussões adversas na natureza, o que
naturalmente, inclui os próprios humanos e outros seres (Daniels, 2010, 2014). Desta forma,
para possamos avançar na direção de um mundo mais justo e sustentável, é necessária uma
mudança de visão de mundo, como exemplo, o individualismo possa ser substituído pela
noção de um “eu” interdependente, fazendo com que compaixão possa ser vista como uma
resposta natural à interdependência que tudo permeia. Assim, “...estar ciente do caráter ético
de suas ações [e suas implicações], a fim de discernir o que poderia ser a resposta mais
habilidosa e compassiva em qualquer situação” (Shonin & Van Gordon, 2015, p. 900) é
resultado direto do desenvolvimento de mindfulness quando eticamente informado e da
percepção da interdependência que a tudo permeia.
Mindfulness está positivamente relacionado a construtos que influenciam na busca
por uma sociedade mais sustentável como autoconsciência e compaixão. Em sua definição
formal, mindfulness é a habilidade cognitiva de “prestar atenção de uma maneira particular:
30

com propósito, no momento presente e sem julgamento” (Kabat-Zinn, 1994: 4), cuja
capacidade pode ser desenvolvida por meio de práticas meditativas específicas, estas
conhecidas como práticas de mindfulness. As práticas de mindfulness disseminadas
atualmente tem como fonte primário o Budismo, tendo como marco na comunidade científica
o trabalho seminal com o objetivo de reduzir o estresse e a dor crônica (Kabat-Zinn, 1982),
embora a prática de meditação seja localizada historicamente anterior ao próprio Budismo
(Bodhi, 2013). Ao longo de três décadas, mindfulness rapidamente alcançou o status de tema
de forte interesse estando associado a melhores níveis de bem-estar (i.e. avaliação de afetos
positivos e satisfação com a vida), clarificação de valores (i.e. balizadores para a tomada de
cisão que fornecem sentido e propósito) e desenvolvimento de compaixão (i.e. propensão a
aliviar o sofrimento alheio) e autocompaixão (i.e. propensão a aliviar o próprio sofrimento).
Não demorou para que as empresas se interessassem pela prática. Em ambientes
corporativos, mindfulness tem sido relacionado a diversos efeitos positivos como redução de
estresse, inovação e desempenho organizacional, autoeficácia relacionada ao trabalho e
performance (Good et al., 2016). Em relação a construtos relacionados à sustentabilidade,
temos estudos que o relacionam a incrementos na tomada de decisão ética (Ruedy &
Schweitzer, 2010; Shapiro, Jazaieri, & Goldin, 2012) assim como na preocupação ecológica
e sustentabilidade (Ericson, Kjønstad, & Anders, 2014; Jacob, Jovic, & Brinkerhoff, 2009).
Em verdade, a influência e benefícios do mindfulness nas habilidades cognitivas, na atitude
e no comportamento de indivíduos possui ampla evidência na literatura científica seja
médica, educacional ou organizacional (e.g., Brown, Ryan, & Creswell, 2007; Good et al.,
2015; O’Donnell, 2015). Ainda assim, há críticas que fazemos coro.
Todo o crescimento do mindfulness não passou despercebido por parte da
comunidade acadêmica – o autor e a orientadora desta tese inclusos - que perceberam a
apropriação de sua prática de forma utilitária e distantes de seus fundamentos éticos e
filosóficos budistas. Assim, pesquisadores sugeriram que a perspectiva dominante da
mindfulness só pode incorporar parcialmente seu potencial benéfico (Shonin & Van Gordon,
2015; Van Gordon, Shonin, Sumich, Sundin, & Griffiths, 2014). A perspectiva dominante
do mindfulness não menciona - pelo menos explicitamente outros elementos fundamentais
em que o mesmo está relacionado como o discernimento ético, a compaixão e a sabedoria
(Purser & Milillo, 2015).
Em uma crítica contundente ao uso de mindfulness em ambientes corporativos, Purser
e Milillo (2015) alertam que uma visão mais ética de mindfulness em empresas oferece o
potencial de ampliar o escopo da prática para críticas e reflexão sobre as causas e condições
31

de sofrimento na corporação como um todo. Ao invés de ser visto como uma técnica para a
redução de estresse pessoal, mindfulness deveria melhorar a consciência sobre como
determinadas políticas e práticas corporativas podem ser as causas de sofrimento, estresse e
danos - interna ou externamente, ou seja, tanto para a sociedade como para os próprios
trabalhadores.
Acadêmicos desta vertente mais crítica - denominados como autores da segunda onda
- têm definido mindfulness de forma eticamente informada, como por exemplo "a consciência
plena, direta e ativa em relação aos fenômenos da experiência; espiritual em essência e que
é mantida de um momento para o outro” (Shonin, Gordon, & Griffiths, 2014, p. 389). Assim,
mindfulness não implica apenas estar aberto e aceitar experiências sem julgamentos, mas
também requer ativamente se envolver no momento presente com discernimento. Aqui reside
um ponto central e original deste trabalho: o desenvolvimento em conjunto de mindfulness,
interdependência e compaixão, fazendo com que este trabalho se situe nas denominadas
intervenções de segunda onda, por trabalhares de forma explicita virtudes alinhadas aos
fundamentos éticos budistas. Desta forma, entendemos que a perspectiva budista de
mindfulness está mais alinhada aos nossos objetivos e preocupações em contribuir na
construção de uma sociedade mais responsável e sustentável e deve permear a ação
psicossocial deste trabalho.

Ação e Reação: o método da pesquisa-ação de cunho qualitativo

Para avaliar os resultados de nossa aspiração à luz do paradigma da complexidade,


nos baseamos no método da pesquisa-ação de cunho qualitativo (McNiff & Whitehead,
2000), buscando focar nas percepções, atitudes e comportamentos dos participantes em
questões positivamente ligadas à sustentabilidade e em suas transformações pessoais.
Assim, para plantar a semente de uma nova consciência no seio do ambiente de
negócios realizamos uma ação psicossocial em uma das maiores empresas de tecnologia do
mundo, na cidade de São Francisco, na Califórnia, tendo como participantes 12 trabalhadores
de nível executivo e 5 alunos da Universidade da Califórnia em Berkeley2 como assistentes
de pesquisa.

2
Por conta do doutorado sanduíche realizado pelo autor da tese, esta pesquisa teve o apoio da
Universidade da Califórnia por meio do diretor da faculdade de psicologia - Dacher Keltner - e de seu
laboratório de interação social.
32

Notadamente, a pesquisa-ação de cunho qualitativo se mostrou adequada neste


estudo, pois favorece ao paradigma da complexidade por incluir incertezas, considerar
subjetividades e não ter a intenção de reduzir o fenômeno ou generalizá-lo (Vasconcelos,
2013). Assim, a abordagem qualitativa oferece à pesquisa uma maior possibilidade de
produzir dados não intencionados previamente e por vermos a natureza humana e seu
processo de transformação como algo complexo, não podendo ser reduzida a uma ou duas
variáveis como usualmente vemos em processos experimentais.
De fato, da mesma forma que sustentabilidade, mindfulness também tem sido
recorrentemente visto como um tema complexo e a literatura alerta que deve ser investigado
cada vez mais sob uma ótica qualitativa, seja no ambiente corporativo ou no contexto clínico
(Choi & Leroy, 2015; Shapiro, Carlson, Astin, & Freedman, 2006). Pesquisadores
corporativos argumentam que dados quantitativos não fornecem uma compreensão
abrangente do uso de mindfulness em ambientes empresariais, pois surveys e experimentos
não capturam os altos e baixos da experiência com meditação (e.g. irritação, impaciência,
sonolência) e introspecção (Choi & Leroy, 2015) dos indivíduos. Mais ainda, maioria das
pesquisas contemporâneas sobre mindfulness é conduzida dentro de paradigmas quantitativos
e que são necessárias investigações na perspectiva em primeira pessoa (Shapiro, Carlson,
Astin, & Freedman, 2006) pois oferecem dados mais profundos que permitam uma
compreensão menos simplista dos fenômenos. Assim, o autor desta tese não hesitou – ainda
que que pese seu caminho até então estritamente positivista - em mergulhar no profundo mar
da metodologia qualitativa.
Como técnicas de coleta e análise de dados, utilizamos a entrevista em profundidade
e a observação participante, esta última realizada tanto pelo facilitador da ação psicossocial
(o autor da tese) e quatro alunos cursando o bacharelado no Departamento de Psicologia e
uma aluna da pós-graduação da Escola de Administração Haas da Universidade da Califórnia
em Berkeley. Em cada sessão da ação psicossocial – foram quatro no total com 4 horas de
duração cada uma - foram produzidos diários de campo onde eram registrados objetivamente
o que se passava em cada momento, assim como as reações dos participantes e nossas
próprias reações ao que ocorria. Estes diários de campo serviram como tema de reunião
semanal da equipe de pesquisa, proporcionando um diálogo constante entre a coleta de dados,
sua análise e a ação psicossocial. Isto permitiu avaliarmos possíveis alterações na ação
psicossocial na medida em que estava sendo conduzida, atendendo a necessidades dos
participantes.
33

Adicionalmente, o diário de campo em conjunto com as entrevistas nos deu uma visão
de processo, não apenas de resultado: pudemos mapear o processo de transformação dos
participantes ao longo das sessões e, ainda, analisar como os recursos pedagógicos usados na
ação psicossocial além das práticas de mindfulness (e.g. journaling; exercício de valores)
foram importantes elementos da experiência dos participantes. Assim, o caráter flexível da
pesquisa, acompanhado da riqueza e profundidade dos dados que metodologia qualitativa
proporcionou, nos permitiu chegar a algumas conclusões sobre as principais contribuições
deste trabalho.

Dentro da semente, dorme uma floresta

A maior descoberta deste trabalho passa pelo reconhecimento do que denominamos


de insustentabilidade estrutural em nossa casa em comum: uma complexa teia de fatores
culturais, sociais, econômicos e individuais interdependentes que perpetuam e fomentam os
modos de ser e viver em sociedade e são incompatíveis com as aspirações do
desenvolvimento sustentável. Neste trabalho postulamos que a insustentabilidade estrutural
é estruturante da forma como os indivíduos vivem e existem em meio a sociedade – alienados
de si, dos outros e da natureza - sendo a causa fundamental para a crise ecológica que
enfrentamos.
Desta forma, o caminhar mais consciente e responsável em meio ao mundo passa pelo
o olhar e consciência sobre si - não como reificação do ego - mas como consciência e
compreensão das causas e condições de seu próprio sofrimento, denotando um processo de
resgate de si para além dos valores e ethos dominantes do sistema que precipitará mudanças
em níveis sociais e ambientais. Este processo abre o espaço para uma maior compreensão
das causas do sofrimento e insustentabilidades em níveis sociais e ambientais. Assim, ao
analisarmos o processo de transformação dos participantes, entendemos que a maior
contribuição deste estudo reside na compreensão que sustentabilidade passa por si, que para
além do autocuidado hedônico, passa pela abertura para o questionamento da forma de
perceber, ser e agir em meio ao mundo (Guattari, 2000; O’Sullivan, 2012) que foram
ensinados dentro do modelo cultural capitalista neoliberal e por novas formas de buscar
sentido e bem-estar na vida. Este processo precipitará mudanças de autoconsciência e de
condutas em relação ao autocuidado que proporcionarão as bases para que mudanças em
condutas sociais e ambientalmente responsáveis ocorram de maneira sustentável. Desta
forma, a ação psicossocial deste estudo buscou oferecer, por meio de estratégias pedagógicas
34

inovadoras, habilidades para que os participantes pudessem se emancipar de modos de ser


insustentáveis – não apenas para a sociedade e para a natureza – mas insustentáveis para si.
Assim, para oferecer reflexões e fomentar valores opostos ao paradigma dominante
neoliberal de hiperindividualismo, separatividade, competição e hiperperformance (Soini &
Birkeland, 2014), realizamos atividades que estimulavam, por exemplo, a reflexão e
reconhecimento dos valores pessoais e em que medida estes estavam sendo negligenciados
e; o reconhecimento da interdependência entre nossas ações individuais e coletivas e o
impacto na sociedade, incluindo a natureza. Esta conclusão expande a literatura atual de
sustentabilidade pois evidencia que as mudanças esperadas em nível social e ambiental para
nossa cada em comum deve perpassar por transformações dos indivíduos em relação à visão
de mundo, ethos operante, assim como também por mudanças como cuidam de sua moradia
imediata: seu corpo, sua psique, sua forma de viver e existir. A Figura 1 ilustra o modelo
conceitual da tese:
Figura 1 - Modelo da Ação Psicossocial

O protocolo da ação psicossocial foi composto de atividades pedagógicas que


trabalhavam aprendizagem em nível cognitivo (i.e. conhecimento, reflexões) assim como em
nível afetivo (i.e. valores, predisposições) de forma sinérgica, obedecendo à recomendação
da literatura especializada que critica fortemente o ensino no campo da sustentabilidade como
35

sendo pouco efetivo por se basear em práticas essencialmente cognitivas, negligenciando


aspectos afetivos da aprendizagem (Shephard, 2008). Em paralelo com as explanações
teóricas, a realização de práticas e exercícios de mindfulness, compaixão, valores e
interdependência perpassaram todas os encontros da ação psicossocial obedecem às
recomendações das intervenções baseadas em mindfulness da segunda geração, onde o
potencial de impacto para além de benefícios individuais e sim coletivos passa pela
incorporação de elementos éticos da tradição Budista, tais como interdependência,
compaixão e autocompaixão.
A aspiração central deste trabalho era influenciar em nível individual os participantes
de forma a desenvolverem uma consciência e reflexões críticas (Ardila, 2008), fundamentais
para compreenderem a insustentabilidade de nossas formas de ser em sociedade, que não
apenas impactam o socius e a natureza, mas nosso próprio bem-estar. Adicionalmente,
resgatar seus valores pessoais genuínos e fomentar condutas positivamente relacionados à
sustentabilidade.
Por valores, entendemos como elementos da vida com os quais nos preocupamos,
fornecendo orientação, sentido e propósito para nossas ações (Hayes, 2016). Oyserman
(2015) destaca que valores são estruturas cognitivas internalizadas que norteiam as escolhas
e condutas, evocando um senso de princípios básicos sobre o que é certo e do errado
descrevendo que condutas as pessoas devem seguir se quiserem agir de acordo com o que é
“certo” ou “valorizado”.
Isso é particularmente relevante neste trabalho pois muitos dos valores hegemônicos
são frutos da cultura dominante neoliberal (e.g, consumismo; materialismo) e como nossa
revisão de literatura aponta, entram em conflito com as aspirações de desenvolvimento
sustentável em nossa sociedade e mesmo com o bem-estar psicológico individual. Neste
ponto, a autenticidade é um dos fatores preditivos de bem-estar individual e reflete a extensão
em que um indivíduo opera alinhado aos seus valores no dia-a-dia (Goldman & Kernis,
2002). Goldman e Kernis (2002) destacam que a autenticidade tem implicações importantes
para o funcionamento e o bem-estar psicológico na medida em que o indivíduo possui
condutas congruentes aos seus valores e desenvolve relações pessoais mais solidárias e
menos utilitárias. Desta forma, foi uma preocupação constante na ação psicossocial oferecer
por meio de suas atividades pedagógicas, espaço para questionamento, clarificação e
alinhamento de condutas aos valores pessoais.
O que se sucedeu foram relatos que demonstram que os trabalhadores puderam e
tiveram meios para questionar suas vidas, visão de mundo e iniciar mudanças na forma como
36

se relacionam com si (e.g. autoconsciência de valores; bem-estar), com os outros (e.g., maior
aproximação da família; preocupação social com o consumo) e maior busca por conexão com
a natureza. Os resultados encontrados sugerem forte conexão entre atividades pedagógicas
que impulsionaram mindfulness, percepção de interdependência e valores e compaixão com
mudanças em visões de mundo e condutas que estão positivamente relacionados com
sustentabilidade. De fato, os dados iniciais indicam uma forte deteriorização da saúde mental
(Dejours, 2007), uma busca por hiperperformance e individualismo (Ehrenberg, 2016;
Fisher, 2009) e soluções “de mercado” e individualizantes – fármacos e outras drogas - para
o anestesiamento de suas aflições (Schmitt, 2017). Por certo, uma visão sobre sucesso e
felicidade baseada nos valores hegemônicos do capitalismo em sua expressão neoliberal
(Anache & Laurencel, 2020; Waters, 2014) parece corroborar com esse quadro.
Nesta linha, os dados após a ação psicossocial indicam que os participantes obtiveram
mudanças na forma como se relacionam com si, como por exemplo um aprofundamento de
autoconsciência, um maior senso de clareza em relação aos seus valores e busca por mais
autocuidado e autocompaixão, se traduzindo em maior bem-estar. Esta investigação e
ecologia do mundo interno cria espaço e a base para ações mais conscientes, sustentáveis em
meio ao mundo. Assim, o mesmo processo de olhar para si, que leva a maior autoconsciência,
pode então ser aplicado para se buscar entender os outros, estabelecer empatia e então, se
pensar e engajar em ações conscientes e compassivas, como redução e reflexão sobre o
impacto do consumo na sociedade. Temos nos relatos dos participantes mudanças nas
relações sociais, como maior empatia nas interações e a busca por reaproximação com
família, mesmo que envolva transferência de cidade. Adicionalmente, vimos surgir a visão
da natureza como fonte de energia pessoal, no sentido de nos energizar e revigorar. Assim,
uma maior conexão do mundo natural começou a surgir.
Assim, devido à natureza complexa dos problemas relacionados à sustentabilidade
que hoje enfrentamos, acreditamos que este trabalho apresenta um caminho que contribui
para mudanças na visão de mundo, predisposições e condutas mais alinhadas aos princípios
do desenvolvimento sustentável. Convém, neste momento, nos aprofundarmos um pouco
mais sobre as razões que me levaram a buscar desenvolver uma ação psicossocial com este
fim.
37

Meu caminho até aqui

Este trabalho é parte de minha história, resultado direto dos caminhos por onde andei,
experiência que tive e aspirações que cultivei. Desde jovem, sempre me percebi como alguém
com profunda conexão com a natureza – em especial as matas – e alguém com uma mente
com forte inclinação para questões psicológicas e sociais. Na minha juventude, filiei-me ao
PT, em uma busca por sentido e um meio de contribuir positivamente no desenvolvimento
da sociedade. Minha filiação foi quase que concomitante com minha entrada na graduação
de administração de empresas.
Devido a minha colocação no vestibular, ganhei uma bolsa do IBMEC e fui
convidado pela diretoria para estudar lá. Recém-criada em 1995, apenas poucos que não
fossem ricos – como eu - poderiam ter acesso. Com nomes de destaque do cenário de mercado
capitais e na economia brasileira – por exemplo nosso atual ministro da economia, Paulo
Guedes - escolhi, então, estudar nesta faculdade, notadamente neoliberal, à despeito de
minhas inclinações mais à esquerda. Trata-se de uma característica de minha personalidade,
uma propensão a buscar o contraditório e estar aberto a novas descobertas. Assim, pela
manhã e à tarde, eu convivia com amantes da escola austríaca da economia; alguns dias à
noite, me reunia com membros do PT. Assim, fui construindo pontes dentro de mim e
derrubando muros que as ideologias acabam erguendo.
Ao longo da faculdade, minha propensão às ciências sociais e psicológicas se
manifestaram, fazendo com que eu me dedicasse muito em disciplinas como psicologia,
sociologia, filosofia e marketing. Ao me formar, trabalhei por um período no mercado
financeiro e comecei a lecionar marketing na ESPM. Ao longo da minha docência, sempre
vi com olhos críticos muitas das atividades de marketing na sociedade, fazendo com que
minhas aulas fossem diferentes, não apenas pela abordagem mais quantitativa e psicológica,
mas pelo viés crítico. Eu lecionava marketing com uma perspectiva crítica e apontava
caminhos para que os alunos fossem instrumentos de mudança social por meio de sua
atividade profissional. Não era necessário largar o marketing, mas transformar sua atuação.
Como praticante Budista, passei a encarar minha posição de professor como um veículo para
um meio de vida correto, definido pelo Buda como uma forma de se “ganhar” a vida sem
comprometer e prejudicar – e sempre que possível, beneficiar - o planeta, as pessoas e todos
os seres.
Em 2009, criei um grupo de estudos dentro da ESPM chamado Dharma
Organizacional, onde buscávamos estudar e debater uma literatura que não tínhamos espaço
38

no conteúdo programático oficial de marketing, como textos ligados a busca por sentido e
propósito na vida, ecologia, responsabilidade social empresarial e sustentabilidade. Ali,
comecei a testar minhas estratégias pedagógicas para fazer com que os alunos não apenas
entendessem os conceitos, mas também se sensibilizassem com eles.
Em 2012, retornei à faculdade que me formou (IBMEC) como docente. Repeti meu
padrão: aulas de marketing ou teoria geral da administração com forte viés crítico e grupo de
estudo não remunerado fora do horário padrão. Este grupo se transformou em algo maior:
passamos a praticar meditação, além de conversar sobre a atuação das empresas na sociedade.
Assim, criei em 2014 o primeiro – ao nosso saber - projeto formal de meditação mindfulness
em uma escola de negócios, o IBMEC mindful. Por dois anos, mais de 200 alunos passaram
pelo programa. Professores e funcionários também se juntaram a nós. Dessa forma, dei
sequência ao projeto Dharma Organizacional, agora reforçado pelas práticas de meditação
mindfulness. Em paralelo, fui construindo uma carreira relacionada ao coaching. Meus
clientes passaram a ser em sua maioria executivos em busca de alívio para seu estresse e,
também, buscando por novos caminhos profissionais. Assim, fui tendo uma visão tanto
teórica quanto prática dos sofrimentos e danos causados por um modelo de vida com valores
culturais e corporativos insustentáveis. Passei a lecionar mindfulness também nas ruas do Rio
de Janeiro, para população em situação de rua, em conjunto com a ONG Projeto Ruas.
Percebi, tal como nos ensinamentos budistas, que independente de se usarmos terno ou
roupas sujas e rasgadas, se sentarmos em cadeiras de couro ou em calçadas sujas de praças,
todos temos algo em comum: o desejo de ser feliz e sofrimento.
Este projeto de tese é resultado deste caminho. É filho das reuniões clandestinas com
alunos, das passeatas em prol de justiça social, das constantes trilhas na Floresta da Tijuca e
Pedra da Gávea em busca de energia e de reconexão comigo e com a natureza. É uma
proposta que não é de esquerda, nem de direita, nem de centro. É de dentro. De dentro da
mente – aqui incluímos o coração - onde todas as qualidades são cultivadas e fortalecidas.
Mindfulness pode então mudar o mundo? Não sou ingênuo. Mindfulness não pode mudar o
mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Mindfulness só muda as pessoas3.

Construindo o conhecimento: o percurso desta tese

Você ao ler esta tese agora faz parte do meu caminho. De forma a lhe facilitar a
caminhada, inicialmente apresentamos neste primeiro capítulo, Introdução - o que

3
Com a licença de Mario Quintana
39

realizamos, os principais resultados e como chegamos a eles, abordando em os pressupostos


ontológicos e epistemológicos desta tese. Na sequência, com a caracterização do problema
abordamos a situação emergencial que nos deparamos atualmente, composta por uma crise
ecológica mental, social, cultural e ambiental que pede por soluções urgentemente, o que
serve de base para justificar a relevância da pesquisa-ação a ser realizada.
O capítulo 2 – (In)sustentabilidade: uma palavra, muitas dimensões - apresenta
o referencial teórico de sustentabilidade onde no s alinhamos com autores que compreendem
a necessidade alterações em níveis culturais, sociais, ambientais e individuais (e.g. Guattari,
2000; Schumacher, 2010) para lidarmos com o imperativo do desenvolvimento sustentável.
Inicialmente, apresentamos nossa abordagem central ao problema da sustentabilidade - a
economia política (political economy) cuja função é analisar o impacto do sistema dominante
sobre as relações e atividades econômicas como o mercado e as relações de trabalho e a
própria visão de mundo dominante na sociedade baseada nos valores capitalistas neoliberais.
Desta forma, avançamos as implicações para sustentabilidade como sua crise e produção
literária, suas polissemias e ambigüidade, o que por si só já é um problema de pesquisa.
Passamos pelos movimentos históricos a até sua incorporação no mundo empresarial.
Seguimos com autores como Guattari (2000) e Dejours (2015) que aprofundam a intrincada
relação entre capitalismo e sustentabilidade interna e externa corporativa e entendem que
mudanças no quadro atual pedem por modificações em nível individual, social, ambiental e
cultural e indicam potenciais - e fundamentais - caminhos de transformação. Por fim,
apresentamos reflexões críticas sobre este campo e nosso posicionamento que é preciso
reinventar o capitalismo e desenvolver valores baseados em interdependência,
responsabilidade universal e compaixão
Na sequência, o capítulo 3 – Mindfulness: um interesse exponencial, perspectivas
e estudos interdisciplinares - apresentamos inicialmente o conceito de mindfulness, sua
origem e diferentes perspectivas, notadamente a Budista e sua ética basilar. Na sequência,
apresentamos a perspectiva dominante baseada no trabalho seminal de Jon Kabat-Zinn
(1982). Similarmente, nos aprofundamos em estudos interdisciplinares que abordam de
forma concomitante mindfulness e sustentabilidade, para ilustrar o potencial que o
mindfulness fornece ao campo da sustentabilidade por desenvolver maior responsabilidade e
consciência das ações. Reflexões críticas sobre estes conceitos são apresentadas tais como a
apropriação destes por parte de interesses capitalistas neoliberais e apresentamos nosso
posicionamento o qual afirmamos que para que o mindfulness possa ser mais efetivo no
40

desenvolvimento de uma sociedade sustentável, deve estar próximo de suas bases éticas
budistas calcadas em interdependência e compaixão.
No capítulo 4 - Percurso de navegação em águas profundas - o caminho
metodológico da pesquisa é apresentado. Destacamos e descrevemos a pesquisa-ação
qualitativa realizada, os critérios de escolhas dos participantes envolvidos, os procedimentos
de coleta, interpretação e análise dos dados como as entrevistas em profundidade
semiestruturadas e os diários de campo das observações participantes e as justificativas.
Aprofundamos nossas justificativas em relação ao método qualitativo por sua aderência ao
paradigma da complexidade e a riqueza e profundidade de dados que foram produzidos.
Justificamos, ainda, o uso da pesquisa-ação e dentre seus diversos tipos, nossa escolha por
pesquisa em organizações e pesquisa-ação do tipo política e socialmente crítica.
Apresentamos ainda neste capítulo o setting da pesquisa de campo em uma grande empresa
da tecnologia localizada na região de São Francisco nos Estados Unidos, os participantes
envolvidos e a equipe de pesquisa.
O capítulo 5 - O programa da ação psicossocial: atividades, contribuições e
reflexões pedagógicas - apresenta o protocolo da ação psicossocial realizada. Descrevemos
em detalhes sua elaboração, detalhando suas bases conceituais, estratégias pedagógicas e
posicionamento ético. Aqui descrevemos as quatro sessões, seus objetivos e atividades
pedagógicas, assim como os resultados destas. Com uma das principais contribuições deste
trabalho, descrevemos em detalhes o protocolo da ação psicossocial. Destacamos ainda como
a protocolo foi influenciado não apenas pela literatura transdisciplinar, mas pela própria
metodologia qualitativa de inspiração etnográfica que permitiu um diálogo constante entre
coleta de dados, análises das falas nativas e adaptações sempre que pertinentes ao protocolo
na medida ao longo das quatro sessões.
Os efeitos da ação psicossocial nos participantes são apresentados a seguir, no
capítulo 6 - Sustentabilidade começa comigo – que contribui para uma compreensão de
como os processos de transformação dos participantes ocorrem de forma articulada em níveis
mentais, sociais, culturais e ambientais. Assim, apresentamos o processo de transformação
dos participantes, descrevendo como o aumento de autoconsciência trouxe maior reflexão
críticas sobre seus valores, sua forma de ser a agir no mundo. Esta ecologia mental levou a
mudanças na forma como se relacionam com si (e.g., maior autocompaixão e clareza de
valores), com os outros (e.g., maior empatia e responsabilidade) e com a natureza (e.g., maior
busca por conexão com a natureza). As transformações dos participantes foram
compreendidas e possibilitadas por pela própria natureza do método qualitativo aqui
41

realizado. Desta forma, uma avaliação sobre a os resultados do uso da metodologia


qualitativa é discutida e contribui para pesquisas futuras de cunho qualitativo relacionadas à
mindfulness, compaixão, consciência de interdependência e sustentabilidade.
Ao final, reflexões conclusivas e sugestões de pesquisa são apresentadas no capítulo
7: Um futuro possível: reflexões e caminhos. Este capítulo sumariza as contribuições desta
pesquisa para o avanço do campo de estudos e prática de mindfulness e sustentabilidade,
apresentando os principais resultados e aprendizados. Como contribuição adicional,
apresentamos sugestões de pesquisas futuras que abordam questões que não era do escopo
desta pesquisa e que emergiram ao analisarmos os dados.

CAPÍTULO 2: (IN)SUSTENTABILIDADE: UMA PALAVRA, MUITAS


DIMENSÕES

Todos os fenômenos aqui são estudados como processos históricos em movimento e


em mudança. Isto nos posiciona de forma inequívoca dentro campo sócio construtivista
histórico (Vygotski, 1930). Ciente do desafio e com a aspiração de contribuir na
concretização de um futuro sustentável, esta seção apresenta os conceitos de sustentabilidade,
suas apropriações, as críticas direcionadas a estas e nosso posicionamento concordante diante
destas. Desta forma, esta seção contribui para a tese por apresentar o contexto de
insustentabilidade que vivemos, rastrear suas origens e explicar seu desenvolvimento
subordinado à evolução do modelo de vida calcado na visão de mundo e valores capitalistas
neoliberais e ao ilustrar seus impactos nas relações humanas, como maior isolamento e menor
solidariedade; nas atividades econômicas, como maior consumo, competição e menor
regulação; e na natureza, como maior expropriação da mesma.
Aqui, olhamos sustentabilidade como resultado de influências socioculturais do
momento histórico atual, sendo portanto, um conceito cujas definições e operacionalizações
foram apropriadas de forma a refletir o interesse atual da racionalidade econômica e cultural
vigente neoliberal (Hahn & Figge, 2011; Hahn, Pinkse, Preuss, & Figge, 2015). Assim,
utilizando da classificação de práticas inter- encontrada em Vasconcelos (2002), nos
42

situamos no campo trans-, por nos valermos de elementos psicossociológicos para olhar e
entender esta uma problemática reconhecidamente complexa e transdisciplinar.
Como partimos do olhar sobre o problema da sustentabilidade como resultado de
influências socioculturais do momento histórico atual, nos baseamos na perspectiva da
economia política, que se preocupa com a interação de processos políticos e econômicos
dentro de uma sociedade: a distribuição de poder e riqueza entre diferentes grupos e
indivíduos, e os processos que criam, sustentam e transformam esses relacionamentos ao
longo do tempo (Collinson, 2003). Em essência, o campo da economia política está
preocupado com a forma como as forças políticas – e seus processos psicológicos -
influenciam a economia e quem ganha e quem perde força com isso.

Em particular, destacamos a perspectiva da economia psicopolítica (Ouriques, 2014),


que segundo destacam Anache e Laurencel (2020), se apoia na busca por construir formas de
re-harmonização das condições de existência nas formas de vida que se mostraram e se
mostram à exaustão decididamente deficientes. A premissa da economia psicopolítica, ao
qual nos alinhamos neste trabalho, é de privilegiar os saberes transdisciplinares e
modificarmos a realidade, por meio do questionamento dos valores hegemômicos neoliberais
capitalistas tais como o hiperindividualismo e a hipercompetição que têm influenciado de
forma perniciosa as atividades não apenas privadas, mas mesmo em nível de governos e
organizações sem fins lucrativos. Assim, todos os autores (e.g. Dejours, 2015; Guattari,
2000; Schmitt, 2017; Schumacher, 1997) que nos auxiliam a compreender a questão da
sustentabilidade em suas mais variadas expressões.

Este trabalho se alinha à perspectiva de que é preciso reinventar o capitalismo,


alterando sua lógica fundamental de maximização de lucro em curto prazo. Nesta linha, nos
juntamos a visão que o desenvolvimento de processos educacionais relacionados a
sustentabilidade devem fomentar diferentes visões de mundo e ethos (Laininen, 2018; Senge,
P., Cambron-McCabe, N., Lucas, T., Smith, B., Dutton, J., & Kleiner, 2012), que fomentem
aspectos psicológicos positivos relacionados a responsabilidade universal e compaixão
(Koger, 2015) e maior consciência de interdependência (Sisodia et al., 2018). Sabemos, de
antemão, que estamos plantando uma semente e que mudanças culturais não ocorrem
rapidamente.

O percurso da revisão teórica aqui busca trazer ao leitor a compreensão sobre como
o tema tem evoluiu ao longo de diversos anos e movimentos históricos até chegarmos à sua
43

perspectiva atual relacionada ao paradigma do “desenvolvimento sustentável”. Em seguida,


apresentamos criticamente nosso posicionamento em relação a este termo, afirmando que se
trata de um termo que evoluiu a partir da influência do sistema capitalista baseado no conceito
e importância dada ao crescimento econômico como base de qualidade de vida para as
sociedades, assim como avançamos o debate em potenciais caminhos de solução com uma
visão de mundo alternativa e ethos alinhados a interdependência e compaixão que perpassam
dimensões culturais, sociais e ambiental – como a literatura revisada já aponta.
Ao final, apontamos como a ação psicossocial que foi empreendida neste trabalho se
alinha à perspectiva do caminho de superação de valores hegemônicos e visão de mundo
(Geertz, 1989) atual, colaborando no desenvolvimento atitudes e comportamentos
positivamente alinhados à uma perspectiva mais ecocêntrica como veremos a seguir.

Sustentabilidade: Um conceito ambíguo e fluido

À medida que a Revolução Industrial avançava no cenário mundial a partir do século


XVIII, transformando nossas formas de ser e viver em sociedade, o progresso humano
também estava ligado ao crescimento e avanço econômico. O crescimento sem precedentes
durante as décadas de 1950 e 1960 estimulou expectativas de crescimento econômico
ilimitado e riqueza cada vez maior, amparados por uma complexa teia de fatores culturais,
sociais, econômicos e individuais interdependentes que perpetuam e fomentam os modos de
ser e viver em sociedade e são incompatíveis com as aspirações do desenvolvimento
sustentável.
Isso nos levou a um cenário de degradação ambiental, social e ecológica atual,
clamando por solução imediata (World Wildlife Fund, 2016). No âmago dos debates
relacionados à sobrevivência e modo de ser em nosso planeta, o campo teórico e prático
denominado “sustentabilidade” é reconhecido como interdisciplinar, permeado de ideologias
e percepções de mundo distintas, transcendendo o debate ambiental, passando pela questão
social e mesmo subjetiva, pedindo dos diversos atores da sociedade uma reflexão crítica
sobre o modo de funcionamento da sociedade contemporânea (Irving, 2014). Mais ainda, nos
alinhamos às críticas ao conceito hegemônico de desenvolvimento sustentável (WCED,
1987), trazendo à lume sua essência ideológica que cria um ilusório alinhamento entre o
modelo neoliberal capitalista e a questão ecológica, seja esta social ou ambiental.
44

Sustentabilidade sob o olhar da economia política: complexidade e caminhos de ação

Reconhecida como um problema complexo e transdisciplinar (Brandt et al., 2013), o


conceito de sustentabilidade está ligado a uma noção de sobrevivência, de riscos relacionados
à nossa forma de viver em sociedade, tendo no âmago de sua discussão o debate em torno de
um “desenvolvimento sustentável”, ou seja, o desenvolvimento capaz de suprir as
necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das
futuras gerações, tal como definido em 1987 no documento “Nosso Futuro em Comum”
elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (do inglês,
World Commission on Environment and Development – WCED) (Keeble, 1988). Desde então
o “desenvolvimento sustentável” venceu a batalha ideológica sobre como deveria ser o
propósito orientador da ação política e econômica internacional relacionada a
sustentabilidade. A economia política nos ajuda a compreender por qual razão
“desenvolvimento sustentável” é o paradigma atual no campo da sustentabilidade.
Nesta linha, o capitalismo em sua forma neoliberal pode ser geralmente descrito
como um conjunto político e intelectual cuja agenda é promover a lógica de mercado como
o mecanismo mais eficiente para organizar virtualmente todos os aspectos da vida humana /
social (Esposito & Perez, 2014). Esposito e Perez (2014) destacam valores de mercado que
incluem, entre outros, individualismo, consumismo e ganho/lucro pessoal, moldam
atualmente o que é frequentemente considerado como formas racionais, responsáveis e
produtivas de ser e viver na sociedade. Assim, consistentes com tais valores, os indivíduos
de uma sociedade neoliberal são considerados normais e funcionais apenas quando
demonstram vontade de competir com os outros pelas coisas que precisam ou desejam e
quando assumem "responsabilidade pessoal" por seus próprios problemas. O quadro 1 a
seguir ilustra algumas das consequências do modelo capitalista em nossa organização social
a partir da análise de Mathews (2019) e Waters (2014):
Quadro 1 - Neoliberalismo e influências psicossociais na sociedade

Governo e Estado Preponderância do mercado como solucionador eficiente dos problemas. Diminuição ao
máximo do Estado, sendo percebido como ineficiente e corrupto.
45

Individual e Individualismo supera o coletivismo. O indivíduo é responsável por si e por seu destino e
Coletivo ser autointeressado é beneficial para o todo.

Natureza Recurso a ser explorado e passível de mercantilização.

Felicidade Fruto de condições econômicas que viabilizam o consumo de bens e serviços.

Fonte: Adaptado de Matthews, 2019; Waters, 2014.

Desta forma, vemos um papel cada vez maior do mercado como solucionador dos
problemas e sua lógica de funcionamento livre como o ethos ideal de funcionamento de uma
sociedade. Nesta linha, o cenário que nos deparamos é de supressão do Estado, cada vez mais
enfraquecido em seu papel regulatório e protetor e as corporações reforçando sua autoridade
em nível global (Babic, Fichtner, & Heemskerk, 2017; May, 2015). As consequências estão
visíveis no âmbito social, ambiental e mesmo da saúde individual dos membros da sociedade,
as quais citamos alguns a seguir.
No que se refere às corporações, estas estão cada vez mais assumindo o papel de
solucionadoras dos males da sociedade, relegando o Estado papel de não regular e mais ainda,
incentivar suas atuações, sendo que muitas vezes as protegendo de crimes sociais e
ambientais (ver: Spencer & Fitzgerald, 2013; Waters, 2014). Surpreendentemente, insistimos
ainda em propagar a lógica do livre mercado a despeito dos constantes desastres ambientais
e sociais causados pelas empresas e os alertas dados pela literatura que esta cultura vigente
neoliberal é o fundamento responsável pela problemática da sustentabilidade (Hahn & Figge,
2011) e que seus esforços em Responsabilidade Social e Ambiental são em grande parte
articulações de má-fé, mascarando a operação de um capitalismo global voraz (May, 2015) .
Como exemplo do efeito pernicioso da lógica neoliberal na saúde mental coletiva,
além dos alarmantes dados de depressão e ansiedade (World Health Organisation, 2010), as
explicações biológicas individualizantes dominam as compreensões da saúde mental,
infundindo a prática profissional e a conscientização pública. Exemplo é teoria dos
desequilíbrios químicos no cérebro - com foco na operação de neurotransmissores como
serotonina e dopamina - que conquistou a consciência popular e acadêmica apesar de
46

permanecer amplamente questionada (Waters, 2014). O individuo é responsabilizado por sua


condição e a resposta capitalista vem da indústria farmacêutica. As influências vão além.
Mesmo a felicidade também passa a estar subjugada ao padrão capitalista, atribuída
a paradigmas econômicos relacionados a poder de compra e a uma lógica individualistas,
apesar do alerta já feito que ser feliz se trata de um esforço coletivo e não materialista (Brown
& Kasser, 2005b; World Economic Forum, 2015). Isso explica como estudos emergentes
sobre Felicidade, que têm por objetivo investigar os fatores por trás da felicidade das pessoas,
usando não apenas conceitos e ferramentas da economia, mas de outras áreas sociais,
especialmente, da psicologia (Anache & Laurencel, 2020), não encontra lugar de destaque no
campo acadêmico e principalmente, midiático. Temas como PIB passam a ser centrais para se
determinar o bem-estar nacional (Ryff, 1989; World Economic Forum, 2015), levando
indivíduos, sociedades e governos a perseguirem o desenvolvimento econômico como base para
uma sociedade mais justa e feliz, negligenciando outras dimensões de uma vida mais feliz
como exemplo a abordagem de Sen (2000) onde a expansão da liberdade dos indivíduos é
vista como o principal fim e o principal meio do desenvolvimento econômico como base para
uma sociedade mais justa e feliz. Logo, precisamos de outros indicadores que possam traduzir
melhor o que de fato torna uma sociedade – ou indivíduo – feliz.
Desta forma, mesmo quando falamos em sustentabilidade, não perdemos de vista a
influência do sistema capitalista neoliberal nos modos de se ver o mundo e o ethos que passa
a imperar. Tais influências abrangem inclusive a agenda de debates governamentais sobre o
tema sustentabilidade, o que nos levará ao conceito de desenvolvimento sustentável como
veremos a seguir.

Movimentos históricos: como chegamos aqui, parte 1.

Como ponto de largada se mostra relevante destacar os movimentos históricos ligados


à sustentabilidade e como os estudos da área iniciaram. Ao ser considerado que as
transformações decorrentes do capitalismo causam danos no meio ambiente, o movimento
se desenvolveu por meio de duas grandes vertentes: a dos preservacionistas e
conservacionistas; em oposição aos preceitos desenvolvimentistas (Oravec, 1984).
O movimento Preservacionista considera que a interferência humana é
essencialmente nociva ao meio ambiente. Para esta corrente, os animais, plantas e
ecossistemas teriam um valor em si mesmos, independentemente da utilidade que pudessem
ter para o ser humano. Assim, denota-se um caráter ecocêntrico, onde a natureza tem um
valor intrínseco, não sendo assim objeto de uso e exploração dos interesses do ser humano
47

(Farhi Neto, 2006). Dessa forma, visa a preservação de áreas naturais, lançando mão de um
conjunto de métodos, procedimentos e ações que visam garantir a proteção e integridade de
espécies, habitats e ecossistemas.
O Conservacionismo, por sua vez, percebe a natureza como útil e passível de ser
explorada pelo ser humano. Esta corrente atribui aos recursos naturais seu uso racional, pois
em sua concepção, a natureza é lenta e o processo de manejo pode torná-la eficiente. Assim,
essa corrente considera o ser humano capaz de utilizar os recursos naturais de forma
controlada e equilibrada, sendo que estas ideias foram precursoras do conceito de
desenvolvimento sustentável (Farhi Neto, 2006). Estes dois movimentos iniciais deram base
para que outras vertentes, como a ecologia profunda, a ecologia social, a ecologia marxista e
desenvolvimento sustentável, pudessem existir.
A Ecologia Profunda, por exemplo, segue uma linha preservacionista, numa tomada
de consciência ecológica profunda, que entende que o ser humano deve utilizar a natureza
apenas para seus processos vitais, e isso não dá o direito de utilizá-la com uma finalidade, ou
como forma de obtenção de lucro ou vantagens (Nelson, 2008). Esta visão crítica diretamente
a visão antropocêntrica. Adeptos desta corrente (e.g., Fritjof Capra) dão grande importância
aos princípios éticos que devem reger as relações ser humano-natureza. Esta perspectiva
possui traz um ponto que consideramos muito importante: a crítica ao antropocentrismo. Nos
alinhamos a este ponto, sendo os seres vivos sencientes e as demais formas de vida preciosas
à tradição budista que vamos basear o arcabouço ético da ação psicossocial deste trabalho.
A Ecologia Social segue também uma linha preservacionista ecocêntrica, numa visão
de que a degradação da natureza está diretamente ligada ao sistema capitalista (Bookchin,
1965). Assim, sustenta a ideia em que os problemas ecológicos atuais estão arraigados e
profundamente assentados em problemas sociais, particularmente no domínio dos sistemas
políticos e sociais hierarquizados, que resultaram uma aceitação não-crítica de valores
capitalistas como hipercompetição e hiperconsumo. Tal perspectiva nos parece muito
pertinentes quando analisamos a situação atuial sob a ótima da economia política.
O Eco-Socialismo ou Eco-Marxismo segue uma linha conservacionista, onde baseia
sua visão no fato que no capitalismo, a natureza ou é objeto de consumo ou meio de produção
(Freitas, Nélsis, & Nunes, 2012). Seus proponentes afirmam que o modo de produção
capitalista está gerando um conjunto de contradições ecológicas, transformando a poluição
industrial e a rarefação de recursos em novos campos de acumulação e, no espaço político,
transfere o peso das degradações para os países periféricos e para as classes subalternas (ver
documentário: Gandini, (2003). Por certo, este trabalho se alinha a uma visão ecocêntrica e
48

entende que mudanças nas dimensões sociais e ambientais só são alcançadas se houver em
paralelo reflexões críticas em torno dos valores hegemônicos e visão de mundo.
A seguir, abordaremos os fóruns que foram realizados até a emergência do paradigma
dominante de desenvolvimento sustentável.

Fóruns históricos sobre sustentabilidade: a formalização política da perspectiva


desenvolvimentista

Movimentos, fóruns e relatórios antecederam o documento “Nosso Futuro em


Comum”. Todos os problemas que hoje defrontamos foram criados ao longo de um passado
imprudente. Há relativo consenso de que as discussões envolvendo os recursos ambientais e
a maneira como lidamos com a natureza entraram na pauta de reivindicações da agenda
pública internacional a partir da década de 1960 (Dresner, 2012).
A palavra desenvolvimento sempre assumiu um caráter positivista, transmitindo uma
noção de que desenvolvimento econômico representaria a construção do futuro melhor. Esta
visão influenciou diretamente a teoria clássica de administração de empresas, onde se crê que
a razão social de uma empresa é gerar valor para seus acionistas e proprietários, e isso ocorre
por meio de seu crescimento econômico. Entretanto, entre os anos 60 e 80, desastres
ambientais (e.g., vazamento de petróleo da Exxon Valdez na América do Norte), crises
econômicas (e.g., escassez de energia) e rupturas no pensamento científico (e.g., crescimento
da teoria de sistemas), fez emergir uma visão holística dos eventos naturais e sociais e uma
crescente crítica ao modelo desenvolvimentista hegemônico da segunda metade do século
XX (Leff, 2001). Começam a surgir os fóruns para debater de maneira mais estruturada e
intencional a questão da sustentabilidade.
O primeiro passo foi dado pelo Clube de Roma, uma associação de cientistas
políticos e empresários preocupados com questões globais criada em 1968 na Academia dei
Lincei – a Academia de Leonardo da Vinci –, em Roma. Sua intenção primordial era estudar
e propor soluções para os complexos problemas decorrentes da crescente pressão que a
explosão demográfica já exercia sobre o delicado equilíbrio dos ecossistemas do planeta e
sobre os recursos não-renováveis. Desta forma, em 1968, as Nações Unidas convocaram a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano a ser realizada em junho
de 1972, em Estocolmo, na Suécia. Em 1972, foi publicado o documento “Os limites do
crescimento” (Meadows, Meadows, Randers, & William W. Behrens III, 1972), antecedendo
a conferência proposta pela ONU. Tal relatório foi baseado em um complexo modelo
49

matemático e ilustrava que, se continuassem, a longo prazo, as mesmas taxas de crescimento


demográfico, industrialização e utilização de recursos naturais, inevitáveis efeitos
catastróficos ocorreriam já no próximo século. Tal estudo era uma ruptura paradigmática com
a visão dominante de que não havia limites para o crescimento e que a ideia de que a natureza
é forte o bastante para suportar os distúrbios causados pelo ser humano e os danos são
geralmente reversíveis. Assim, business as usual não seria mais possível.
Em 1972, foi realizada a Conferência sobre o Meio Ambiente Humano, ocorrida
em Estocolmo. Como resultados concretos da conferência, foi aprovada a Declaração de
Estocolmo. A Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente afirma que, nos países em
desenvolvimento a maioria dos problemas ambientais é motivada pelo subdesenvolvimento.
No seu Princípio nº 1, expressa a convicção de que o ser humano tem o direito fundamental
à liberdade, à igualdade e a adequadas condições de vida em ambiente que lhe permita viver
com dignidade e bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente
para as gerações atuais e futuras (UNESCO, 1972). Era a semente do desenvolvimento
sustentável tal como conhecemos hoje.
Em 1973, surge pela primeira vez uma alternativa à concepção clássica de
desenvolvimento. Liderado por Mesarovic e Pestel, foi apresentado o Segundo Relatório
do Clube de Roma, denominado Momento de Decisão – Mankind at the Turning Point.
Neste, estes subdividiram o planeta em 10 regiões homogêneas – em relação ao consumo de
materiais e energia – e foram propostos vários cenários alternativos que analisavam,
inclusive, os efeitos do retardamento da tomada de decisões. O relatório afirmava que não
podemos mais esperar que as mudanças se produzam espontaneamente e por acaso. Cabe-
lhes tomar a iniciativa das transformações necessárias, a fim de que elas permaneçam nos
limites suportáveis e que não sejam impostas maciça e brutalmente, a partir do exterior. Em
vez do crescimento zero proposto no relatório anterior, foi proposto que para se evitar uma
situação insustentável, deveria existir a elaboração de uma estratégia cooperativa em escala
global, chamada de Crescimento Orgânico.
Somente em 1980 o termo desenvolvimento sustentável surge formalmente na
publicação living resource conservation for sustainable development. Elaborada pela
International Union for Conservation of Nature and Natural Resources (IUCN), em conjunto
com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o World Wildlife
Fund (WWF), a Food and Agriculture Organization (FAO) e a United Nations Educacional,
Scientific and Cultural Organization (UNESCO). O documento afirma que para o
desenvolvimento ser sustentável, este deve considerar deve-se considerar aspectos referentes
50

às dimensões social, ecológica, econômica, e os trade offs envolvidos em médio e longo


prazo na utilização de recursos vivos e não vivos.
Em 1983, a ONU indicou a então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem
Brundtland, para chefiar a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
que deveria aprofundar propostas mundiais na área ambiental. Quatro anos depois, em 1987,
a comissão apresentou o documento Nosso Futuro Comum, mais conhecido o Relatório
Brundtland (WCED, 1987), consagrando o termo desenvolvimento sustentável e que serve
de referência para a maioria dos estudos sobre o tema. De acordo com o relatório,
desenvolvimento sustentável é:

Desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a


exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do
desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e
reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e
aspirações humanas (WCED, 1987, p. 8).
O relatório apresenta os seguintes requisitos para a concretização do desenvolvimento
sustentável (WCED, 1987): (1) um sistema político que assegure a participação efetiva nos
processos de decisão; (2) um sistema econômico que forneça soluções para as tensões
produzidas pelo desenvolvimento desarmônico; (3) um sistema produtivo que respeite a
obrigação de preservar a base ecológica para o desenvolvimento; (4) um sistema tecnológico
que estimule padrões sustentáveis de comércio e financiamento; (5) um sistema internacional
que estimule padrões sustentáveis de comércio e financiamento e; (6) um sistema
administrativo flexível e autocorretivo. Assim, o relatório destaca que o desenvolvimento
sustentável é um esforço de diversos atores sociais (e.g. agências internacionais; Estados;
Empresas), com responsabilidades e possibilidades para influenciar e alcançar os objetivos
de um desenvolvimento que atenda às necessidades e aspirações humanas, sem comprometer
as gerações futuras.
Mebratu (1998) destaca que ainda que seja um avanço importante na busca por um
futuro possível, o documento possui um vício cultural em sua origem, este propagado e
reproduzido pelas nações em desenvolvimento, sendo sua definição ambígua (e.g. o que é
necessidade?) e limitada (e.g. antropocêntrica), apresentando questionamentos e respostas
divergentes dependendo do grupo de atores sociais e suas aspirações e interesses quanto à
sua causa e potenciais soluções.
Em 1992, avanços nesse entendimento foram obtidos. Foi realizada a Conferência
da Organização das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED,
do inglês UN Conference on Environment and Development), a Rio92, na cidade do Rio de
51

Janeiro, cujo objetivo central era identificar os princípios de ação para o alcance do
desenvolvimento sustentável e tinha como pauta a interdependência entre desenvolvimento
econômico e as transformações do meio ambiente. Esta conferência permitiu vários avanços
cruciais como a Rio Declaration, que reafirmava a Declaração da Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo em 16 de junho de 1972, e
buscava avançar a partir dela, com o objetivo de estabelecer uma nova e justa parceria global
mediante a criação de novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores-chaves da
sociedade e os indivíduos. Adicionalmente, foi elaborado o documento “Agenda 21”, que
utilizou-se o termo agenda com o objetivo de dar um sentido de intenções, desejos de
mudanças para um modelo que equilibre o ambiente e a justiça social de todas as nações,
sendo, essencialmente, um instrumento de planejamento para a construção de sociedades
sustentáveis, conciliando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência
econômica (Mebratu, 1998). Outras conferências foram realizadas pela ONU com o objetivo
de discutir diversos temas inerentes ao desenvolvimento sustentável após a Rio92.
A Cúpula do Milênio em Nova York (2000) e a Rio+10 em Joanesburgo (2002). A
Cúpula do Milênio teve como resultado elaboração o estabelecimento deum plano de metas
e ação buscando o desenvolvimento sustentável conhecido como Metas do Milênio
(Millennium Development Goals), cujo prazo de atingimento seria 2015. Dentre as metas,
temos a erradicação da fome e da miséria, qualidade de vida e respeito ao meio ambiente e
igualdade entre sexos e valorização da mulher. Por sua vez, em 2002 a Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável de Joanesburgo, também conhecida como Rio+10, discutiu os
avanços em relação ao planejado na Rio-92 e rever as metas propostas pela Agenda 21, que
pouco progrediram. Um dos resultados mais significativos desta conferência foi a
constatação de que não é possível que decisões sejam tomadas em função de interesses
políticos e econômicos de países dominantes ou interesses de grandes empresas,
evidenciando a necessidade de maior participação da sociedade civil e suas organizações,
sejam ambientalistas ou sociais (Sequinel, 2002). O esforço em tornar nosso futuro possível
levou a sociedade a refletir sobre que tipo de visão de futuro em comum queremos.
Assim, vimos a ocorrência da Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro,
com o objetivo de definir a agenda de desenvolvimento sustentável para as próximas décadas.
A Rio+20 marcou os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) e teve como produto final o documento “O Futuro
que Queremos” (United Nations, 2012). Na sequência, em setembro de 2015, foram
52

divulgados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (United Nations, 2015).


Processo este iniciado em 2013, a partir da Conferência Rio+20, os ODS têm por objetivo
guiar políticas nacionais e atividades de cooperação internacional nos próximos quinze anos,
visando a concretização dos anseios relacionados à sustentabilidade.
Os ODS são dezessete objetivos que perpassam áreas como justiça social (e.g.
Objetivo 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; Objetivo 2.
Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a
agricultura sustentável), desenvolvimento econômico (e.g. Objetivo 8. Promover o
crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e
trabalho decente para todos; Objetivo 9. Construir infraestruturas resilientes, promover a
industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação) e responsabilidade ambiental
(e.g. Objetivo 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; Objetivo 13.
Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e os seus impactos.

Desenvolvimento sustentável e empresas: os similares se atraem

O termo Sustentabilidade Corporativa (SC) emergiu a partir do Relatório Brundtland


(1988), refletindo a incorporação do ambiente acadêmico empresarial do conceito de
Desenvolvimento Sustentável (DS). Atualmente, reflete um conceito guarda-chuva que
engloba outros conceitos correlatos, como Responsabilidade Social Corporativa (RSC)
(Lourenço, Branco, Curto, & Eugénio, 2012). De fato, o chamado para que as empresas
assumam tal responsabilidade não é recente (ver: Shrivastava, 1995), tanto que as
corporações são amplamente reconhecidas como atores fundamentais para a ocorrência do
desenvolvimento sustentável em nossa sociedade (Bansal, 2002). Entretanto, há crenças
sobre a razão de existência das empresas que são um contraponto a este chamado.
Desde a seminal assertiva que a responsabilidade social das empresas é aumentar os
lucros (Friedman, 1970), temos observado, em que pese às críticas e suspeitas, um
movimento no campo dos negócios em incorporar os anseios relacionados ao
desenvolvimento sustentável, o que fez que houvesse uma pletora de práticas, termos,
princípios, abordagens e conceitos relacionados (para revisão, ver: Glavic & Lukman, 2007).
De fato, na medida em que o campo teórico e prático de sustentabilidade amadureceu,
diversos termos, conceitos, definições, indicadores e abordagens surgiram. Todos estes estão
inseridos dentro de dois macros conceitos chaves que abarcam todos os demais:
Sustentabilidade Corporativa (SC) e Responsabilidade Social Corportativa (RSC). De forma
53

geral, ambos conceitos se referem a atividades empresariais que uma empresa realiza
voluntariamente, incluindo aspectos sociais e ambientais além do aspecto econômico.

O surgimento do termo Sustentabilidade Corporativa (SC): coincidência histórica ou


estratégia de sobrevivência?

Montiel (2008) realizou uma vasta revisão destes conceitos, buscando compreender
suas origens, interseções e evoluções, demonstrou a dificuldade e ambiguidade que marcam
a definição de RSC, o desenvolvimento das pesquisas relacionadas à Performance Social
Corporativa (i.e., corporate social performance; CSP), até ao surgimento e emergência dos
trabalhos relacionados à SC. No que se refere a definição mais usual de RSC, a da Carroll
(1991, p. 500) se destaca, onde temos que

a responsabilidade social dos negócios engloba aspectos econômicos,


legais, éticos e expectativas públicas que uma sociedade possui em relação
às empresas em determinada época.
O período de maior incidência de pesquisas relacionadas à RSC ocorre nas décadas
de 70 e 80. Após esse período, houve um aumento de pesquisas relacionadas à Performance
Social Corporativa, onde ganha destaque a definição de CSP onde se trata dos processos
relacionados à atividades corporativas na sociedade e seus resultados, incluindo seus
impactos, políticas e programas (Wood, 1991). Assim, CSP pode ser vista como um construto
multidimensional, em que a atividade empresarial é vista como um processo composto por
entradas, processamento e saídas, impactando diversos públicos, sendo assim uma
abordagem direcionada aos stakeholders, perspectiva esta que apresenta como vício original
uma perspectiva financeira instrumental (ver: Cornell & Shapiro, 1987). Além disso,
Montiel destaca que a partir da ocorrência do relatório elaborado pela WCDE em que se
apresenta a definição de desenvolvimento sustentável (Keeble, 1988), observou-se o
surgimento de pesquisas utilizando o termo Sustentabilidade Corporativa (corporate
sustainability; CS). Estava assim formalizado no meio acadêmico o casamento entre
desenvolvimento sustentável e corporações.

A competição paradigmática por Sustentabilidade Corporativa: quem vence?

Nesta linha, Montiel destaca que as definições de CS podem ser divididas em duas
abordagens, em que (1) se há maior predominância a dimensão ambiental e (2) outra onde
CS é vista de forma tridimensional, incluindo aspectos interdependentes: econômicos, sociais
e ambientais, reconhecida como a triple bottom line (TBL)(Elkington, 1998).
54

Essencialmente, a abordagem TBL, que se apresenta como paradigma atual de pesquisa em


CS, afirma que para que uma empresa possa sobreviver por longo tempo ela deve enfatizar
nas três dimensões de sustentabilidade e não apenas na visão estreita e de curto prazo voltada
para aspectos econômicos. Mais ainda, as empresas devem se engajar em parcerias com
demais stakeholders (e.g. governo, ongs, fornecedores) na implementação da
sustentabilidade (Bansal, 2002; Elkington, 1998). Assim, na definição de Bansal (2002,
2005) de CS, as responsabilidades sociais, ambientais e econômicas são complementares -
os três elementos devem ser integrados para alcançar a perfeição (ou seja, a sustentabilidade).
Nesta linha, Bansal (2005) propõe algumas operacionalizações das dimensões da CS:
A dimensão ambiental pode ser operacionalizada através de três sub-princípios: proteção
ambiental, ecoeficiência e administração de produtos. A dimensão social: as empresas devem
identificar os seus stakeholders (internos e externos) e oferecer soluções economicamente
viáveis para garantir que a qualidade de vida não seja comprometida pelo desenvolvimento
das empresas. A dimensão econômica: para operacionalizar o princípio econômico, as
empresas devem ajustar sua orientação, desde a maximização de lucros até a otimização de
lucros sob as restrições impostas pelos princípios de equidade ambiental e social.
Nesse sentido, as organizações precisam distinguir que o sucesso é medido não
apenas pelo desempenho financeiro, mas, também por realizações ambientais e sociais,
harmonizando os interesses econômicos com questões sociais e ambientais. O quadro 1
identifica de acordo com a revisão de literatura empreendida por Kuzma e colegas (2017) os
componentes da operacionalização de CS:
55

Quadro 2 - Dimensões de Sustentabilidade Corporativa

Dimensão Descrição

A viabilidade econômica é o argumento central do desenvolvimento sustentável, uma


Econômica vez que é por meio da circulação de riquezas e da geração de lucros que são providos
os empregos e proporciona-se à comunidade a possibilidade de melhoria de suas
condições de vida.

Remete ao estímulo da igualdade e à participação de todos os grupos sociais na


construção e manutenção do equilíbrio do sistema, compartilhando direitos e
Social
responsabilidades. analisado sob o prisma das empresas, refere-se às atitudes
organizacionais em relação aos próprios colaboradores, fornecedores, contratados e
consumidores, além de impactos na sociedade em geral, para além de seus domínios.

Refere-se ao uso racional dos recursos naturais, como energia e materiais, bem como à
preservação e à recomposição dos espaços naturais. Sob a perspectiva dos impactos de
Ambiental
suas operações e produtos sobre os sistemas naturais vivos e não vivos, objetiva reduzir
os impactos negativos e amplificar os positivos. Portanto, a responsabilidade sobre o
espaço natural compreende preocupações além do simples cumprimento da lei.

Fonte: Adaptado de Kuzma, Doliveira, & Silva, 2017.

A literatura parece convergir para a ideia em que as empresas que negligenciam suas
responsabilidades sociais e ambientais provavelmente enfrentaram consequências negativas
que podem afetar diretamente o valor econômico da empresa (Brammer & Pavelin, 2006).
Entretanto, há dúvidas se essa pressuposição de fato não vale seu custo.

Críticas à Sustentabilidade Corporativa: insustentabilidade interna e externa

Apesar de todo o crescimento da literatura referente à Sustentabilidade Corporativa


(SC) e Responsabilidade Social Corporativa (RSC), permanece o questionamento se as
empresas contribuindo para uma sociedade sustentável. Parece haver algo de insustentável
na Sustentabilidade Corporativa, pois há o alerta que as iniciativas de sustentabilidade e
relatórios de indicadores de performance social e ambiental podem nos levar para mais longe
56

ainda da sustentabilidade (Milne & Gray, 2013). De fato, não são raros os casos de escândalos
empresariais envolvendo empresas de indústrias diferentes envolvendo exploração de mão
de obra, corrupção, propagação de valores consumistas e danos ao meio ambiente (ver:
Andersen & Kuhn, 2014; Gandini, 2003; Mistrati & Romano, 2010; Morgan, 2015).
Em um relatório recente sobre sustentabilidade corporativa, 90% dos executivos
consideram a sustentabilidade como importante, mas apenas 60% das empresas possuem uma
estratégia de sustentabilidade e, 86% dos entrevistados concordaram que os conselhos de
administração deveriam desempenhar um papel importante nos esforços de sustentabilidade
da empresa, mas apenas 48 % dizem que seus CEOs estão envolvidos, e menos (30%)
concordaram que seus esforços de sustentabilidade tinham uma supervisão forte no nível do
conselho (Kiron et al., 2017). Este resultado ilustra que o engajamento da cúpula em
direcionar as empresas para a adoção de práticas sustentáveis é maior no discurso que na
prática. De fato, na literatura há o reconhecimento que as corporações têm sido incapazes de
assegurar desenvolvimento sustentável (Bocken & Short, 2016; Bocken, Short, Rana, &
Evans, 2014) tanto externamente quanto internamente.
De forma notável, a responsabilidade social interna das empresas – ou seja,
direcionada para seus colaboradores - não é algo tão debatido quanto a responsabilidade
social externa na literatura (Aguilera et al., 2014), mesmo apesar de pesquisas que sugerem
que as iniciativas internas de responsabilidade social podem favorecer a reputação como
empregador e atrair melhores talentos (Brammer & Pavelin, 2006). A responsabilidade social
interna preocupa-se com os colaboradores e, geralmente, são representadas por atividades
que se vinculam diretamente às condições físicas e psicológicas de trabalho nas quais os
funcionários se encontram na organização (Turker, 2009), como condições de trabalho,
cultura organizacional, assistência social e investimentos em desenvolvimento profissional.
Em suma, as políticas e práticas da área de Recursos Humanos que impactaram diretamente
na saúde e bem-estar global do trabalhador. Saúde e bem-estar são fundamentais para a
sustentação da vida, sendo uma das metas de desenvolvimento sustentável da ONU (World
Health Organization, 1986), pois indivíduos com sua saúde debilitada, vida em risco ou em
sofrimento psicológico tão pouco fazem parte de um modelo sustentável de vida.
Nesta linha, os dados mundiais também são um alerta. Há indicadores alarmantes
relacionados à saúde do trabalhador, que apontam para uma incidência cada vez maior de
aflições mentais como esgotamento profissional e depressões nervosas (Ehrenberg, 2016;
Sangar, 2019). Como vemos, a sustentabilidade corporativa apresenta desafios tanto internos
quanto externos. A literatura parece convergir para uma causa.
57

Lucro econômico é prioridade: instrumentalidade das dimensões social e ambiental

Hahn e Figge (2011) destacam que a operacionalização de SC baseada no TBL possui


um vício em sua origem. Há uma predominância do aspecto econômico sobre os aspectos
sociais e ambientais. Assim, para os autores, permanece um notável viés instrumental de
maximização de lucro na operacionalização da sustentabilidade corporativa, sendo que:

apenas repensando e ampliando a noção de lucratividade corporativa para


além do estreito foco em retorno sob o capital investido pode o mundo
corporativo verdadeiramente contribuir para o desenvolvimento
sustentável. (p. 342)

Em outras palavras, questões sociais - internas ou externas - e ambientais entram em


questão se constituírem uma restrição ou uma oportunidade para o sucesso do negócio.
Assim, as abordagens em relação à SC têm em comum o fato de usarem os ambientes sociais
e ambientais como meios, denotando assim, uma instrumentalidade intrínseca na
operacionalização da SC. Os autores citam os numerosos trabalhos que existem na literatura
advogando sustentabilidade para as corporações, devido aos benefícios econômicos dela
advindos. O trabalho de Margolis e Walsh (2003), por exemplo, encontrou em 127 estudos
publicados relacionando performance financeira com resultados sociais ou ambientais da
empresa. Destes 127 estudos, apenas 22 (17%) usaram resultados sociais como variável
dependente. Isto significa de forma inequívoca a prioridade: resultados financeiros.
Em uma abordagem psicológica, Ghobadian e colegas (2015) destacam que a falta de
orientação das empresas para aspectos sociais e ambientais é um resultado direto de uma
cultura que privilegia a aquisição (i.e., dinheiro, status, posses). Assim, a questão teleológica
do uso de SC em suas estratégias vem à lume: a quem SC serve, se a sociedade ou à empresa,
ou ambas e em que medida e condições. Desta forma, quando há uma definição de SC como
uma abordagem de negócios que visa criar valor em longo prazo para os stakeholders por
meio do aproveitamento de oportunidades e do gerenciamento de riscos provenientes das
dimensões social e ambiental, o viés instrumental fica evidente. De fato, há na literatura
evidência de que assuntos relacionados à SC/RSC são vistos como um problema a ser
gerenciado e que as empresas não devem se engajar no tema, a não ser que vejam isso como
uma forma de maximizar seus lucros (Waldman & Siegel, 2008).
Para que as empresas possam de fato alinhar suas operações às necessidades de
sustentabilidade, é necessário reconhecer que o comportamento das organizações, em
especial das empresas, precisa passar por um processo de reflexão e mudança cultural,
atendendo não somente aos interesses de lucro das empresas, mas às demandas existentes em
58

níveis sociais e ambientais (Kuzma et al., 2017). Em verdade, o paradigma que vivemos pode
estimular mudanças ou perpetuar desastres.

Caminhos de mudança: paradigmas, cultura, mentes e corações

Apesar dos esforços de autoridades públicas e membros da sociedade civil em


promover um futuro econômico, social e ambientalmente sustentável para o nosso planeta e
para as atuais e futuras gerações, estes formalizados em acordos internacionais anteriormente
destacados (e.g. United Nations, 2012, 2015), observam-se modelos econômicos, sociais e
industriais que tem nos levado a um estado de irresponsabilidade organizada, onde estamos
desconectados de nós mesmos, dos outros e da natureza (Scharmer & Kaufer, 2013), em meio
a um ambiente cada vez mais complexo, volátil, ambíguo e imprevisível em que a
humanidade se defronta com desafios relacionados à sua sustentabilidade (Hall & Rowland,
2016; Lang et al., 2012).

Sobre a intensidade de mudanças de paradigma

Neste ponto, em relação a intensidade de mudança de paradigma necessária para a


solução dos problemas relacionados à sustentabilidade, Siqueira & Pitassi (2016) ilustraram
quatro principais perspectivas recentes encontradas na literatura que são desdobramentos das
perspectivas conservacionista, preservacionista e desenvolvimentista na Tabela 1:
59

Tabela 1 - Perspectivas em relação à sustentabilidade encontradas na literatura científica


Perspectivas em relação à sustentabilidade encontradas na literatura científica
Intensidade da mudança Argumento Central Referência

Mudança de paradigma Erradicar o sistema capitalista em favor de uma Leff (2004)


nova utopia, pois a lógica do mercado é
incompatível com a epistemologia guiada pelo
conhecimento ambiental.

Transformação radical Reinventar o capitalismo, alterando sua lógica Boons et al. (2013)
fundamental de maximização de lucro em curto
prazo, estratégias direcionadas para o consumo
e, como como resultado, exclusão social e
pobreza.
Adaptação reativa Ainda sob as regras do capitalismo, o governo e Lamming et al. (1999, p.
a sociedade, ao invés de corporações, seriam as 182)
forças direcionadoras, pois desenvolvimento
social não é o “negócio” dos negócios.

Solução neoclássica Corporações estão mais preparadas para Porter & Kramer (2011)
promover princípios sustentáveis porque elas
possuem os recursos e a capacidade gerencial
para tal.

Fonte: Siqueira, R. P., & Pitassi, C. (2016).

A insistência na escolha por soluções neoclássicas como mencionadas por Porter e


Kramer (2011) pode ser explicada por Boltanski & Chiapello (2005) quando abordam por
meio de seu conceito intitulado “espírito do capitalismo”, a capacidade do sistema em
absorver críticas e responder às críticas dominantes em cada época direcionadas a si. Assim,
o objetivo é assegurar o comprometimento dos principais atores da sociedade (e.g.
capitalistas e assalariados) ao sistema. Dessa forma, criam-se estratégias para justificar o
status quo, encontrar formas de reduzir tais críticas e as incorporar ao seu paradigma. Kazmi
e colegas (2015) destacam que esse processo ocorre em três níveis: (1) surgem críticas
direcionadas a algum ponto frágil do sistema; (2) as críticas consideradas legitimas e com
potencial de serem efetivamente resolvidas pelo sistema - por meio de uma renovação e não
pela sua radical transformação- são selecionadas e incorporadas, surgindo assim um novo
“espírito” do Sistema e; (3) as corporações passam a ter uma literatura e práticas alinhadas
ao novo espírito, denotando assim um caráter efetivo e não meramente retórico do
capitalismo renovado.
Isso remete à perspectiva ecosófica de Guattari (1990), onde a produção de
subjetividade é matéria-prima do sistema capitalista, denominado por ele de capitalismo
60

mundial integrado. A hegemonização dos valores capitalistas na subjetividade do indivíduo


só é possível quando uma série atores sociais como a academia, a escola, a mídia e as
empresas moldam a subjetividade do indivíduo para se apropriar dos valores capitalistas.
Então, por mais que o sistema não atenda as condições de segurança e justiça, há ainda um
potencial de vir a ser, de poder se concretizar. Isso explica por que as perspectivas
neoclássicas e reativas são difíceis de serem substituídas por opções mais disruptivas com o
modo capitalista de ser (e.g., ecologia profunda; eco-marxismo). Isso se verifica no próprio
discurso da literatura acadêmica que relaciona sustentabilidade e empresas, onde se observa
a correlação entre o momento histórico que acompanha os ciclos de entendimento sobre o
que é e como se obtém desenvolvimento sustentável (e.g., Relatório Brundtland) e a produção
de conceitos relacionados a sustentabilidade (e.g., Sustentabilidade Corporativa).
Assim, para que as empresas possam de fato alinhar suas operações às necessidades
de sustentabilidade, é necessário reconhecer que o comportamento das organizações, em
especial das empresas, precisa passar por um processo de reflexão e mudança, atendendo não
somente aos interesses de lucro das empresas, mas às demandas existentes em níveis sociais
e ambientais (Kuzma et al., 2017). Assim, mudanças culturais atitudes, comportamentos e,
consequentemente, estratégias de mercado são necessárias. Desta forma, convém
aprofundarmos um pouco sobre esta dimensão negligenciada do modelo TBL: a
sustentabilidade cultural.

Sustentabilidade cultural: uma dimensão esquecida

Todo o cenário que encontramos de insustentabilidade pode ser mais compreendido


a partir da análise da cultura em que ele ocorre. Neste sentido, Soini e Dirkeland (2014)
destacam que a cultura tem recebido um interesse crescente entre os estudiosos de forma a
considerarem a cultura como um aspecto do desenvolvimento sustentável, e até mesmo como
um quarto pilar. Entretanto, alertam os autores:

a dimensão cultural da sustentabilidade não precisa ser entendida como um


quarto pilar separado. A cultura também pode ser vista como o fundamento
ou condição necessária para atender aos objetivos do desenvolvimento
sustentável em primeiro lugar ou como uma perspectiva pela qual os
entendimentos sociais, econômicos e ambientais aparecem (2014, p. 215).

Nesta linha, Haas (2011) destaca que a sustentabilidade cultural se refere à alteração
dos modos de viver da sociedade, a transformação da maneira de pensar e agir, o despertar
da consciência ambiental, alcançando desta forma uma forma de ser a agir em sociedade que
61

seja de fato sustentável. Para aprofundar esta discussão, discutiremos em maior detalhe o
conceito de cultura e sua relação com sustentabilidade.

Como a cultura impacta a sustentabilidade: sobre visão de mundo e ethos


Neste trabalho nos alinhamos a perspectiva do antropólogo Clifford Geertz (1989),
onde cultura é definida como as teias de significados que o ser humano teceu e nas quais ele
enxerga seu mundo, sempre procurando seu significado. Desta forma, essa teia orienta a
existência humana e consequentemente, sua ação no mundo.
Geertz (1989) aprofunda sua análise quando fala sobre visão de mundo e ethos. Para
o autor, visão de mundo se trata de um sistema explicativo que o ser humano usa para
interpretar o mundo. Assim, a visão de mundo de um povo é o quadro que elabora das coisas,
ou seja, seu conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade. O ethos diz respeito ao ideal,
modelo, estética, ética e valores. Assim, o ethos de um povo é o caráter e a qualidade de sua
vida, sua moral, sua disposição e a atitude em relação a ele mesmo e ao seu mundo. Para o
Geertz:

...o ethos de um grupo torna-se intelectualmente razoável porque demonstra


representar um tipo de vida idealmente adaptado ao estado de coisas atual
que a visão de mundo descreve, enquanto essa visão de mundo torna-se
emocionalmente convincente por ser apresentada como uma imagem de um
estado de coisas verdadeiro, especialmente bem-arrumado para acomodar
tal tipo de vida.(1989, p. 67)

Em uma abordagem multidimensional de cultura, Roy D´Andrade (1984) destaca quatro


sistemas de significado cultural abordados consistem conjuntos de conhecimentos que
servem quatro funções principais: (a) dimensão construtiva, cuja função é criar ou construir
literalmente o que consideramos real no mundo; (b) dimensão representativa, cuja função é
fornecer representações coletivas e individuais dessa realidade; (c) dimensão diretiva, cuja
função é dirigir/influenciar nossa ação no mundo; e a (d) dimensão evocativa, cuja função é
evocar atitudes e sentimentos. Para D´Andrade, a cultura é uma força motivadora e
orientadora do comportamento. Como ele observa:

Em geral, as funções diretivas da maioria dos sistemas de significado


cultural são altamente superdeterminadas...no sentido de que sanções
sociais, mais pressão por conformidade, mais recompensa direta intrínseca,
mais valores são todos prováveis. Agir em conjunto para promover um
sistema de significado particular em sua força diretiva. (D’Andrade, 1984,
p. 209)

De forma similar, o filósofo e acadêmico da educação Peter Senge e seus colegas


(2012) destacam que nosso comportamento e atitudes são moldados por nossos modelos
62

mentais: crenças, suposições e histórias que carregamos em nossas mentes de nós mesmos,
de outras pessoas, instituições e todos os aspectos do mundo. Exemplos desses modelos
amplamente internalizados na sociedade capitalista neoliberal são: (1) o crescimento do PIB
é igual ao aumento do bem-estar nacional, (2) a tecnologia resolverá nossos problemas
fundamentais, (3) felicidade está ligada a consumo e (4) uma vida feliz é uma vida onde os
prazeres superam as dores e (5) a razão de existência de uma empresa é gerar lucro para
acionistas.
Estes pontos acima foram destacados por nós por terem intima relação com nossa
tese: estes modelos acima fazem parte de uma teia de significados pertinente à cultura
capitalista neoliberal e em nossa visão, fundamentais na construção do quadro de
insustentabilidade que vivemos.
Na busca por compreender como visões de mundo impactam na questão da
sustentabilidade, Laininen, (2018) sintetiza os fatores que moldaram o entendimento
metafísico e a visão de mundo na cultura ocidental:

Quadro 3 - Fatores que moldaram a visão de mundo na cultura ocidental


- Visão de mundo atomista e mecanicista
Visão filosófica e científica do
- Concepção fragmentada, positivista e reducionista de conhecimentos e
mundo
ciências
Forma de organizações e - Formação de sociedades e organizações baseadas nas concepções acima
sociedades mencionadas (sociedade da era industrial)
- Concepção do ser humano como mestre e domador da natureza
Relação entre seres humanos e - Concepção de hierarquia entre economia, bem-estar e sustentabilidade
natureza ecológica (prioridades: 1. economia, 2. bem-estar, 3. sustentabilidade
ecológica)
- Concepção materialista do bem-estar
- O tecno-otimismo como base para a solução problemas econômicos, de
Concepção de bem-estar e
bem-estar e ambientais
economia
- Paradigma do crescimento econômico

- Concepção de seres humanos como consumidores


- Concepção de seres humanos como maximizadores de
sua utilidade / valor pessoal (e que isso leva automaticamente ao bem
Concepção de humanidade comum)
- Sociedade competitiva
- Individualismo

- Concepção de que a mente e o pensamento humanos são um sistema


Concepção de mente e pensamento racional e cognitivo fechado, consciente e puro

Fonte: Adaptado de Laininen (2018, p. 173)


Esses modelos mentais estão relacionados com as dimensões representativa e
construtiva da cultura, que segundo Roy D´Andrade (1984) reverberam na dimensão diretiva
da cultura, responsável pela influência nos comportamentos dos indivíduos. Como exemplo,
63

culto vigente a uma hiper performance e competição no contexto corporativo (Ehrenberg,


2016) tem levado muitos executivos a não somente a depressão nervosa, como a buscar
formas artificiais de aumentar sua performance (Klayman, 2018), mesmo ilicitamente. A
razão pode ser explicada pela cultura vigente, onde os seres humanos estão sendo reduzidos
ao seu valor econômico, ou seja, a um indicador de seu capital humano, sua capacidade de
gerar “valor” para o sistema (W. Brown, 2011). Assim, está no ethos corporativo um hiper
desempenho, nem que para isso seja necessário o uso de drogas lícitas ou ilícitas. Por certo,
tais comportamentos acabam por impactar diretamente na problemática da sustentabilidade,
primeiro individual, depois, social e planetária.
Logo, qualquer esforço de entender e poder mudar nossa situação atual relacionada a
sustentabilidade passa necessariamente por estudar a cultura e suas dimensões onde ela está
inserida. Nesta linha, o trabalho de Guattari traz bastante esclarecimento sobre os dias atuais
e como nossa cultura está moldada pela lógica neoliberal, impactando a forma como nos
relacionamos com nós mesmos, com os outros e com a natureza.

Impactos da cultura neoliberal na relação com si, com o outro e o planeta: a perspectiva de
três ecologias
Guattari (2000) se une a outros autores que advogam a relação interdependente
entre cultura, psique, o socios e o meio ambiente, tendo como principal objeto de crítica o
que ele chamou de Capitalismo Mundial Integrado (CMI). Por meio de uma série de
instrumentos econômicos, jurídicos, técnico-científicos, o paradigma neoliberal levou o
mundo à beira – se não o já estamos vivendo - do desastre ecológico. Para reverter os efeitos
danosos do CMI, mais efetivo que reformas, leis, decretos ou programas burocráticos, seriam
a promoção de práticas inovadoras centradas no respeito à singularidade e no trabalho de
produção de valores que sejam dissonantes da produção homogeneizante do CMI. Para
Guattari (2000), o objeto de ação do CMI seria um só bloco: produtivo-econômico-subjetivo.
Para o psicanalista francês, a crescente deterioração das relações humanas com o
socius, a psique e a natureza, é resultado de uma certa incompreensão e passividade em
relação a essas questões como um todo. Assim, para Guattari, vivemos uma crise que não
será solucionada sem uma articulação dos três registros ecológicos: mental, social e
ambiental. Este é o princípio conhecido como Ecosofia, cuja esta articulação Guattari (2000,
p. 28) explica: “uma articulação ético-político – a que chamo ecosofia – entre os três registros
ecológicos é que poderia esclarecer conveniente tais questões”.
64

A ecologia mental se refere a subjetividade humana, a ecologia social às relações


sociais e a ecologia ambiental aos aspectos da biosfera. A ecologia, então, é vista como
multidimensional, não sendo territórios distintos, mas sim interdependentes e transversais.
Assim, pensar transversalmente é responder a emergências políticas, sociais e ecológicas e
desestabilizar estruturas de pensamento e instituições que buscam manter as distinções firmes
entre o social, o político e o ambiental (Spencer & Fitzgerald, 2013) e mesmo o subjetivo.
No estudo de caso de Spencer e Fitzgerald (2013), os autores usam as três ecologias
para explicar os danos sociais, ambientais e mentais cometidos pelas empresas. Neste artigo,
os autores examinam estas três ecologias no que diz respeito ao derramamento de óleo da BP
no Golfo do México, e ilustram como o Estado por meio de suas instituições se mostrou
inerte para defender as áreas mais prejudicadas com o derramamento de óleo: a natureza, a
comunidade pesqueira e os próprios trabalhadores.
Para Guattari (2000), sem transformações no campo mental, no plano das
subjetividades haverá apenas medidas ilusórias relativas ao meio material. Na visão de
Guattari, a subjetividade se refere a relação de si consigo mesmo e com as outras coisas do
mundo, os modos de existir, de ver mundo, de encarar os desafios da vida, de se vestir, de
falar, de amar e de sentir.
No ambiente capitalista, o ser não é apenas consumidor de produtos e serviços, mas
também de subjetividades: “o capitalismo se apodera dos seres humanos por dentro”
(Guattari, 1977, p. 205). Assim, mudanças em nível ambiental e social pedem mudanças na
esfera mental – que passa por um emancipar dos valores do sistema – denominada assim uma
ecologia mental. Guattari explica:

A ordem capitalística produz os modos das relações humanas até em suas


representações inconscientes: os modos como se trabalha, como se é
ensinado, como se ama, como se fala etc. Ela fabrica a relação com a
natureza, com os fatos, com o movimento, com o corpo, com a alimentação,
com o presente, com o passado e com o futuro- em suma, ela fabrica a
relação do homem com o mundo e consigo mesmo.(GUATTARI e
ROLNIK, 1996, p.42)

A ecologia mental pede uma reinvenção da relação da pessoa com si, com os outros
e com a vida, sendo levada a procurar antídotos para as manipulações da opinião pela
publicidade e a uniformização de subjetividades (Guattari, 2000). Assim, ecologia mental,
para Guattari, pode ser um processo individual, mas também coletivo, pois subjetividade para
Guattari não é pertencente ao indivíduo, assim como ecologia mental é em essência, uma
reciclagem dos valores culturais hegemônicos capitalistas. A esse processo Guattari
denomina de singularização.
65

De fato, autores da economia psicopolítica já alertam que há por parte das instituições,
na sociedade capitalista, uma tentativa de eliminação da criação, do pensamento dissidente e
da produção desejante como forma de promoção de valores de ordem capitalísticas
(Ouriques, 2014). É preciso, a partir da compreensão de que a subjetividade é constantemente
produzida coletivamente, lutar por novos campos de possibilidades, inventando no cotidiano
novos modos de existência, novas relações consigo mesmo e com o mundo.
Desta forma, a hegemonização dos valores capitalistas neoliberais só é possível
quando uma série atores sociais como a academia, a escola, a mídia e as empresas
influenciam a todos para se apropriar dos seus valores, o que têm trazido ao campo do
trabalho muito sofrimento como abordaremos a seguir.

Impactos da cultura neoliberal trabalho e na saúde mental

No que se refere às corporações, há danos sendo realizados também internamente,


denunciando irresponsabilidade social interna. Entretanto, nos alinhamos à visão de autores
(e.g. Dejours, 2007; Waters, 2014) que não reduzem as fontes deste dano interno no modelo
de gestão das empresas, mas sim igualmente aos valores capitalistas neoliberais propagados.
Assim, consistentes com tais valores, Schmitt (2017) destaca que os individuos em uma
sociedade neoliberal são considerados normais e funcionais apenas quando demonstram
vontade de competir com os outros pelas coisas que precisam ou desejam e quando assumem
"responsabilidade pessoal" por seus próprios problemas.
Como exemplo desta lógica pervasiva em andamento, Waters (2014) traz o mais
marcante sintoma de sofrimento dentro de empresas: o suicídio. Em julho de 2012, Didier
Lombard, ex-chefe da France Télécom (2005–2010) foi colocado sob investigação judicial
por acusações de bullying no local de trabalho no caso de mais de oitenta suicídios e
tentativas de suicídio em sua empresa. Em um julgamento criminal histórico, Lombard foi
acusado não de atacar pessoalmente indivíduos, mas de perseguir práticas de gestão em toda
a empresa com base em "assédio moral" ou assédio psicológico. Como esperado, os chefes
da France Télécom apresentaram uma narrativa que individualizava as causas do suicídio e
as explicou em relação às vulnerabilidades pessoais ou psicológicas dos indivíduos
envolvidos. Como destacado por Schmitt (2017), esse processo de individualizar algo
também é de natureza sistêmica, ou ainda, psicossocial, é uma lógica neoliberal.
66

Esse tipo de estratégia enganosa – por vezes via publicidade ou demais veículos de
comunicação com o público - é por excelência o que Guattari (2000) chama de produção de
subjetividade do Capitalismo Mundial Integrado (CMI): estamos sendo manipulados
mentalmente, tendo nossas subjetividades agenciadas a favor de crenças e valores
relacionados ao capitalismo neoliberal. Como destacam Esposito e Perez (2014), condições
de ansiedade e depressão (entre outras, como os suicídios) são tratadas como doenças
independentes e individualizadas, em vez de serem subprodutos de uma sociedade neoliberal,
onde a ênfase o lucro, individualismo, competição e produtividade corrói a saúde mental,
laços sociais e promove a alienação.
Nesta linha, Fisher (2009) alertou para o que considera a naturalização dos transtornos
mentais como uma das maneiras de manter status quo neoliberal, fazendo com que doenças,
como ansiedade, depressão e esgotamento, sejam fatores do indivíduo, desviando a atenção
de suas causas sistêmicas:

Em vez de tratar como responsabilidade de indivíduos resolver seus


próprios problemas psicológicos, isto é, de aceitar a vasta privatização do
estresse que ocorreu nos últimos trinta anos, precisamos perguntar: como
se tornou aceitável que tantas pessoas, e especialmente tantos jovens, estão
doentes? A ‘praga da saúde mental' em sociedades capitalistas sugeriria
que, em vez de ser a único sistema social funciona, o capitalismo é
inerentemente disfuncional e que o custo dele parecer funcionar é muito
alto (Fisher, 2009, p. 19)

Números oficiais da OMS sustentam a urgência da questão. De acordo com a OMS,


o ambiente de trabalho e a organização do trabalho podem ter um impacto significativo na
saúde mental dos trabalhadores. A OMS define saúde mental como um estado de bem-estar
no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse
rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade (World Health Organisation,
2010).
Bem-estar, por sua vez, não é a mera ausência de alguma doença mental. Bem-estar
humano é um conceito multidimensional explicado por diversos fatores como saúde física,
afetos positivos, autoaceitação, relações positivas com outros, maior autonomia, senso de
controle da vida, sendo de propósito e crescimento pessoal (Ryff, 1989). A questão é que a
busca por bem-estar é determinada pela nossa visão sobre suas causas e condições. Daí,
dentro de um modelo de valores capitalistas, a perspectiva hedônica tende a ser o paradigma
dominante: temos mais bem-estar na medida em que temos mais prazer do que dor (Ryan &
Deci, 2001) e isso tem nos levado a uma busca incessante por conquistar as condições deste
paradigma de vida feliz.
67

De fato, dados recentes da OMS indicam que globalmente cerca de 264 milhões de
pessoas sofrem de depressão, uma das principais causas de incapacidade no trabalho, com
muitas dessas pessoas também sofrendo de sintomas de ansiedade. O bullying e o assédio são
causas comumente relatadas de estresse relacionado ao trabalho pelos trabalhadores e
apresentam riscos à saúde dos trabalhadores. Além disso, vinte e três milhões sofrem
sintomas de esquizofrenia, enquanto aproximadamente oitocentos mil indivíduos cometem
suicídio a cada ano (World Health Organisation, 2019). Há pelo menos uma década a
instituição tem se preocupado com a crescente e alarmante debilidade mental dos
trabalhadores, definida como “um estado de bem-estar no qual um indivíduo percebe suas
próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos, pode trabalhar produtivamente
e é capaz de contribuir para sua comunidade” (World Health Organization, 2018). O
ambiente psicossocial do trabalho inclui a cultura organizacional, bem como atitudes,
valores, crenças e práticas diárias na empresa que afetam o bem-estar físico e mental dos
funcionários. Este ambiente está fortemente ligado ao presente estudo, já que nos alinhamos
a autores que abordam como as subjetividades foram agenciadas para se adequar ao modelo
neoliberal (e.g. Dejours, 2007; Fisher, 2009) e este agenciamento é a causa primária de
diversas fontes de sofrimento para os trabalhadores. Argumentamos acima que além da
cultura organizacional, há a produção coletiva psicossocial de valores neoliberais.
Nesta linha, seguindo a perspectiva que capitalismo neoliberal e seus valores
hegemônicos têm levado a uma situação de insustentabilidade geral, Dejours (2007, 2015) é
um dos principais autores que se aprofundam no impacto do agenciamento neoliberal da
subjetividade humano e seu impacto na saúde do trabalhador. Dejours, professor do Centre
National des Arts et Métiers, em Paris, é o expoente do que ele nomeou como Psicodinâmica
do Trabalho, uma das derivações da Psicopatologia do Trabalho, que tem sua origem na
metade do século XX, na França. Para Dejours, o trabalho é central no funcionamento
psíquico do ser implicaria restabelecer uma relação, sendo o trabalhar seria uma condição
transcendental de manifestação absoluta da vida. Em suas palavras:

“o trabalho é aquilo que implica, do ponto de vista humano, o fato de


trabalhar: gestos, saber-fazer, um engajamento do corpo, a mobilização da
inteligência, a capacidade de refletir, de interpretar e de reagir às situações;
é o poder de sentir, de pensar e de inventar, etc. Em outros termos, para o
clínico, o trabalho não é em primeira instância a relação salarial ou o
emprego; é o “trabalhar”, isto é, um certo modo de engajamento da
personalidade para responder a uma tarefa delimitada por pressões
(materiais e sociais).” (Dejours, 2007, p. 28).
68

Dejours (2015) afirma que as relações de trabalho muito frequentemente despojam o


trabalhador de sua subjetividade, excluindo o sujeito e fazendo do homem uma vítima do seu
trabalho. Nesta linha, destaca que o sofrimento no trabalho pode ser compreendido como
uma constante luta entre bem-estar e aflição, vivências de prazer e/ou de sofrimento no
trabalho. Assim, a organização do trabalho exerce sobre o homem uma ação cujo impacto
está também no aparelho psíquico, que é caracterizado pela liberdade de imaginação e
expressão dos desejos inconscientes do trabalhador. Em determinado contexto, emerge um
sofrimento que pode ser atribuído ao contraste entre uma história individual, portadora de
projetos, de esperanças e de desejos e uma organização do trabalho que os ignora. Por vezes,
tal sofrimento pode ser extremo levando como abordamos anteriormente ao suicídio (Dejours
& Bègue, 2010; Waters, 2014).
Em uma analogia com o teatro, Dejours (2015) diz que o sofrimento pode ser
compreendido no que chama de “teatro do trabalho”: os “personagens” (e.g. chefes,
empregados, supervisores), “enredo” (e.g. estrutura de poder e hierarquia, valores), “o
cenário” (e.g. o macroambiente, o desemprego, as incertezas) e “espectadores” (e.g. família,
amigos). Tal peça se desenrola diariamente e se constituiu, de certa forma, uma difícil e
desconfortável prisão, pois as pressões sociais são muito fortes para que o personagem seja
protagonista e vitorioso. Assim, esse “teatro do trabalho” passa a se converter em um drama
da vida real, de maior ou menor intensidade de sofrimento, dependendo do conjunto
“personagem, enredo, cenário, plateia”. Este conjunto não parece ser propício a um outro
desenvolvimento que não um drama, pois como alertam Vasconcelos e Faria (2008), as
práticas de saúde mental nas organizações, coexistem com uma pressão por produtividade e
performance crescente, num ambiente extremamente competitivo onde o indivíduo deve
estar sempre pronto para mudar, se reinventar e se adaptar – ou ainda, superar - às demandas
do mercado.
Desta forma, a ação psicossocial aqui proposta está em linha com este modelo, indo
além de uma intervenção de alívio de aflições ou bem-estar individual momentâneo, sendo
uma oportunidade de ressignificação de valores e de autoconsciência dos funcionários,
permitindo uma ecologia mental que os liberte de encenar uma peça teatral dramática usando
da analogia de Dejours (2007). Assim, para que as empresas possam de fato alinhar suas
operações às necessidades de sustentabilidade – interna ou externa - é necessário reconhecer
que precisam passar por um processo de reflexão e mudança cultural, atendendo não somente
aos interesses de lucro das empresas, mas às demandas existentes em níveis sociais e
69

ambientais (Kuzma et al., 2017). Tal reflexão deve inevitavelmente se refletir em novas
abordagens de gestão.

Novos modelos de gestão em empresas

Mudanças em visões de mundo, predisposições, condutas em gestores e,


consequentemente, novos modelos de gestão e estratégias de mercado são necessários. Neste
sentido, algumas iniciativas têm buscado avançar no sentido de contribuir com a criação de
uma cultura mais consciente no meio empresarial. De particular interesse deste trabalho,
vamos aprofundar um pouco sobre o movimento do capitalismo consciente que representa
uma ruptura em relação à lógica de maximização de lucro das empresas, à hipercompeticção
predatória e à visão ultilitária de funcionários às expensas da sustentabilidade social – interna
e externa - e ambiental.

O Capitalismo Consciente
Uma teoria que embora recente tem ganhado notoriedade é a doutrina do Capitalismo
Consciente (Mackey & Sisodia, 2013; Sisodia, Henry, & Eckschmidt, 2018). Esta doutrina
serviu de inspiração para duas das sessões da ação psicossocial, referentes a propósito maior
de uma empresa e de um indivíduo na vida e no desenvolvimento de qualidades necessárioas
para que estes indivíduos possam ser lideranças – aqui entendida como um processo de
influência - em seus meios para princípios alinhados à sustentabilidade. O capitalismo
conciente é uma proposta baseada em um novo modelo de gestão que reflete os princípios e
valores que são críticos às visões de mundo e valores do modelo capitalista neoliberal.
O capitalismo consciente foi criado dentro do campo da administração como uma
forma de redirecionar às empresas a uma lógica de interdependência, ética e compaixão e
não de lucro como fator primordial. Esta teoria parte da premissa que o nível de consciência
dos indivíduos que compõe uma empresa deve possuir propósitos mais elevados além do
lucro, além de escolherem direcionar suas vidas e empresas para a criação e
compartilhamento de valor – não apenas econômico, mas valores humanos - para outros
públicos além da própria empresa.
Para elucidar em que forma o Capitalismo Consciente se diferencia das práticas de
negócios atuais, o quadro abaixo ilustra a elementos da visão de mundo e ethos de empresas
que operam sobre a perspectiva do Capitalismo Consciente de acordo com Sisodia (2009).
70

Quadro 4 - Visão de mundo e ethos de negócios conscientes para empresas

Sobre o propósito de As empresas têm um propósito maior do que simplesmente a maximização de


existência lucros ou retornos dos acionistas.

Eles são gerenciados para o benefício de todas as partes interessadas. Os líderes


Sobre o relacionamento
da empresa procuram otimizar a saúde de todo o "ecossistema", reconhecendo a
com stakeholders
conexão e a interdependência de todas as partes interessadas internas e externas.

A sociedade é vista como a principal parte interessada; as empresas se vêem


como existentes para promover o bem-estar da sociedade como um todo. Eles são
Sobre a relação com a
motivados por um desejo genuíno de ajudar a resolver grandes problemas sociais
sociedade
em parceria com governos, outras empresas e organizações não governamentais
(ONGs).

Eles tratam o meio ambiente como uma parte crucial e assumem responsabilidade
Sobre a relação com o meio
pelo seu impacto ambiental total. No mínimo, seu objetivo é "não causar danos" à
ambiente
Terra; idealmente, eles procuram ter um impacto positivo no meio ambiente.

Eles abordam o mercado com um modelo de "pirâmide inteira" que busca elevar,
Sobre mercado
em vez de ignorar (ou pior, explorar) as áreas mais pobres da sociedade.

O lucro é visto como o resultado natural de fazer as coisas certas, não o foco de
todas as atividades da empresa. Eles entendem que, quando uma empresa declara
seus objetivos em termos de maximização de lucro, ela faz com que todas as
Sobre o lucro
partes interessadas procurem maximizar seus próprios lucros, dando o mínimo
possível e aproveitando o máximo possível. O desempenho do sistema deteriora-
se rapidamente e os lucros logo evaporam.

Fonte: Adaptado a partir de Sisodia (2009)

Nesta linha, Sisodia (2009) esclarece algumas relações e diferenças do capitalismo


consciente em relação a empresas que buscam a responsabilidade social empresarial (RSE).
Segundo o autor, tais empresas geralmente enxertam em um departamento de RSE que busca
aliviar alguns dos efeitos negativos da forma delas operaram. Mais ainda, elas não têm um
objetivo maior que o lucro, e geralmente são dirigidas principalmente da perspectiva dos
acionistas. Empresas conscientes, por sua vez, começam com a premissa de que a sociedade
como um todo é uma parte importante, mesmo a principal parte interessada dos negócios.
Sisodia (2009) aprofunda sua análise e relaciona o capitalismo consciente a
sabedorias orientais milenares. Segundo o autor, os princípios do capitalismo consciente são
muito semelhantes aos preceitos éticos e morais para viver e trabalhar escritos há milhares
de anos na literatura atemporal védica da Índia. Como por exemplo, a contemplação de um
propósito mais elevado, o esforço na realização de ações corretas e a percepção de
interdependência de todos os seres sencientes. De fato, tais preceitos são muito similares à
71

ética e visão de mundo budista, principalmente em relação a busca de um meio de vida


correto e a percepção de interdependência (Laumakis, 2008). Para fins desta pesquisa, isto
está alinhado com nossa visão de desenvolver uma ação psicossocial baseada na ética e visão
de mundo budista que inspire mudanças de visão de mundo e de ethos no ambiente
empresarial. Vamos nos aprofundar em seus princípios norteadores.

Princípios do Capitalismo Consciente


O Capitalismo Consciente tem quatro princípios, ou pilares, que têm por objetivo
proporcionar um novo ethos e propósito para as empresas (Fyke & Buzzanell, 2013): líderes
conscientes; uma cultura consciente; uma orientação para os stakeholders; e um propósito
maior, também chamado de propósito elevado, que transcende a maximização do lucro.
O´Toole e Vogel (2011) destacam que as empresas que se alinham ao movimento
Capitalismo Consciente sejam encontradas em diferentes indústrias e manifestem diferentes
práticas de gestão, todas parecem apresentar estes pilares em comum. O quadro 4 ilustra os
quatro pilares e seus significados:

Quadro 5 - Pilares do Capitalismo Consciente


Pilar Definição
Reconhecendo que toda empresa tem um propósito que inclui, mas vai além, do lucro. Ao
ter um Propósito Maior, calcado em uma missão que beneficie da sociedade e valores
Propósito Maior
centrais compartilhados; a empresa se unifica, e eleva, ao mesmo tempo, seus níveis de
motivação, desempenho e compromisso ético.
Empresas conscientes reconhecem a interdependência entre todos os stakeholders e estes
Integração de para que o sistema seja saudável devem compartilhar de um mesmo senso de propósito
Stakeholders elevado e valores humanos centrais compartilhados.
São líderes com alto nível de inteligência espiritual e emocional. Possuem uma
Liderança
inteligência sistêmica mais apurada, com uma compreensão profunda da
Consciente
interdependência.
Esta comporta valores como transparência, confiança, responsabilidade, integridade,
Cultura consciente
justiça, crescimento pessoal, amor e cuidado.
Fonte: adaptado de Mackey e Sisodia (2013).

Vamos discutir seus pilares em mais detalhes a seguir.

Pilar 1: Propósito maior


Este é o pilar central que serve de influência paradigmática para todos os demais, pois
ao começar na definição de um propósito, este energiza e inspira todos os envolvidos a
72

alcançá-lo (Sisodia, 2016). Assim, para seus proponentes, o propósito de uma empresa deve
preceder a formulação de estratégias e políticas corporativas e precisa endereçar questões
fundamentais relacionadas ao que significa ser humano, estando diretamente relacionado
com o impacto que as pessoas – e empresas - querem fazer no mundo (Mackey & Sisodia,
2013). Mais ainda, Fyke e Vogel (2013) destacam que propósito de uma empresa deve ser
criado para atingir níveis mais elevados de consciência sobre maneiras pelas quais ela pode
contribuir para o bem maior.
De fato, quando vamos em busca de uma definição formal deste princípio,
encontramos apenas um elemento em comum: ele não é o lucro, mas o leva em consideração
(Sisodia et al., 2018). O´Toole e Vogel (2011, p. 61) esclarecem este princípio:

Os lucros são vistos como o meio para um fim maior, mas não como o fim
principal de um negócio. Embora a rentabilidade a longo prazo seja vista
como necessária e desejável, os lucros a curto prazo não são alcançados à
custa de considerações éticas e ambientais ou de valores humanos mais
altos, como o respeito pelos indivíduos.

Esta visão sobre o propósito de uma empresa é particularmente interessante para os


problemas que abordamos anteriormente, visto que um dos maiores obstáculos à
concretização da sustentabilidade corporativa abordados anteriormente é justamente a
perspectiva prioritária e instrumental do lucro (Bansal, 2002). Mais ainda, esta perspectiva
oferece um contraponto direto à perspectiva dominante de lucro como a principal
responsabilidade de uma empresa (Friedman, 1970). Isso é particularmente importante para
este trabalho, visto que um dos desafios que enfrentamos para lidar com o imperativo da
sustentabilidade é alterar os paradigmas industriais atuais.

Pilar 2: Orientação para stakeholders

Um contraponto ao ethos empresarial usual que surge como consequência do


princípio propósito elevado é a orientação para todas as partes interessadas (stakeholders),
não para acionista apenas (shareholders). Assim, as empresas devem reconhecer a natureza
interdependente da vida e de forma consciente e intencional, criar valor para todas as partes
impactadas, como clientes, empregados, fornecedores entre outros (Sisodia et al., 2018). Nas
palavras de O´Toole e Vogel (2011, p. 61):

As empresas comprometem-se a atender às necessidades legítimas de todos


os grupos constituintes (ou partes interessadas) de todas as suas
organizações - incluindo funcionários, clientes, acionistas, fornecedores,
revendedores, comunidades anfitriãs e o ambiente natural.
73

Uma mudança de visão sobre a natureza interdependente entre as partes é parte dessa
perspectiva. A relação foi esclarecida por Sisodia (2009), onde muda-se a mentalidade de
perdas e ganhos para a busca consciente de um ponto onde todos podem ganhar, pois se um
está perdendo, todos no sistema estão. Desta forma, buscar relacionamentos positivos e
mutualmente benéficos para todas as partes envolvidas passa a ser o ethos de negócios
conscientes. Como exemplo, Frémeaux (2017) destaca que empresas que operam sobre o
modelo do capitalismo consciente possuem empregados mais satisfeitos, engajados e leais,
proporcionando clientes também mais leais e satisfeitos.

Pilar 3: Cultura Consciente


Existe um entendimento na literatura em relação ao papel da cultura organizacional
na determinação da sustentabilidade e conceitos relacionados, como responsabilidade social
corporativa (Miska, Szőcs, & Schiffinger, 2018). Não existe um consenso sobre como definir
cultura organizacional, mas existem alguns pontos em comum nas diversas abordagens.
Kilmann et al. (1985, p. 5) definiram a cultura corporativa como “as filosofias, ideologias,
valores, suposições, crenças, expectativas, atitudes e normas compartilhadas" que unem uma
organização. Em comum com todas estas definições, a dimensão diretiva (D’Andrade, 1984)
que oferece um caminho de ação aos membros da cultura.
Neste sentido, os proponentes do Capitalismo Consciente cientes da importância da
cultura de uma empresa na forma de agir dela, estabelecem a cultura consciente como um
pilar que tem por função reforçar constantemente o Propósito Maior da empresa e o ethos
anteriormente abordado. Nas palavras de seus principais proponentes, a maioria das empresas
possui o medo e níveis insalubres de estresse (Sisodia et al., 2018). Para estes, empresas
conscientes intencionalmente promovem uma cultura de confiança, autenticidade,
transparência e genuíno cuidado, o que envolve bondade e compaixão.
No que se refere a ação psicossocial deste trabalho, tais valores culturais estão de
acordo com nossas aspirações, pois representam uma nova forma de se pensar e gerenciar a
cultura corporativa. Goetz, Keltner e Simon-Timothy (2010, p. 305) definem compaixão
"como o sentimento que surge ao testemunhar o sofrimento de outra pessoa e que motiva um
desejo subsequente de ajudar". Assim, existem estudos que abordam o tema compaixão em
ambientes empresariais. Nesta linha, a compaixão é exibida nas organizações quando os
membros da organização expressam carinho e preocupação pelos outros e são motivados a
aliviar seus sofrimentos (George, 2014). Desta forma, uma organização compassiva está em
sintonia com as necessidades das partes envolvidas e com o alívio de seu sofrimento.
74

Para desenvolvermos uma cultura, precisamos de pessoas que influenciam o sistema


de significados e valores nas empresas. Conscientizar as empresas dessas formas de ser e agir
requer ação por parte da liderança. Este é o último pilar do Capitalismo Consciente e possui
notável influência no desenvolvimento da ação psicossocial deste trabalho.

Pilar 4: Líderes Conscientes


A literatura apresenta bastante interesse no papel dos líderes no desenvolvimento de
empresas mais responsáveis (Du, Swaen, Lindgreen, & Sen, 2013; Ferdig, 2007; Mostovicz,
Kakabadse, & Kakabadse, 2011). Os indivíduos nas organizações que são responsáveis por
estabelecer direção, estimular mudanças, desenvolver a cultura e inspirar uma visão a todos,
os líderes, podem exercer um efeito multiplicador em suas organizações. Nas palavras de
Pearce & Stahl (2015, p. 84): “o imperativo atual que enfrentamos é criar um mundo mais
sustentável e responsável, e isso começa com liderança”. Por líderes corporativos
compreende-se indivíduos com poder social dentro de corporações, ou seja, eles têm a
capacidade de influenciar os comportamentos dos outros (Avolio, Walumbwa, & Weber,
2009). Assim, este trabalho se alinha aos estudos que centram na natureza humana a causa
da irresponsabilidade ou responsabilidade (Money, Pain, & Hillenbrand, 2016), assim como
a potencial solução para esta questão.
Embora o reconhecimento da importância do papel dos líderes em formatar os valores
de um negócio já tenha sido abordado há quase duas décadas (e.g. Ciulla, 1999), percebe-se
na última década um crescimento no interesse acadêmico, com estudos teóricos e empíricos
abordando o papel da liderança no alinhamento de estratégias com objetivos relacionados à
Responsabilidade Corporativa Social e Sustentabilidade Corporativa (e.g. Du et al., 2013;
Mostovicz et al., 2011; Pearce & Stahl, 2015; Wu, Kwan, Yim, Chiu, & He, 2014), discurso
este acompanhado por altos executivos (e.g. Manwani, 2013). Desta forma, temos a
percepção que a liderança influencia o comportamento dos demais membros. De acordo com
o instituto Ethos:

Uma empresa é uma comunidade que apresenta uma característica muito


importante: é hierárquica, cujo poder decisório está nas mãos de seus
administradores. Isto significa que o comportamento das pessoas que
trabalham na empresa é, em grande medida, influenciado pelas
determinações e pelo exemplo da alta hierarquia. (Ethos, 2017, p. 15)
Como também são fundamentais na implantação de práticas e políticas social e
ambientalmente responsáveis nas empresas:

Se a alta direção não aderir integralmente ao conjunto de estipulações


morais do CE [Código de Ética], os demais profissionais da empresa não
75

terão motivação para fazê-lo. Isto não significa que a tarefa de implantar
um CE se resume ao exemplo vindo de cima. Quando se pretende mudar
comportamentos, uma atitude passiva não costuma dar resultados. Além do
exemplo, é necessário o acompanhamento, a avaliação, a cobrança, a
recompensa e os estímulos positivos. (Ethos, 2017, p. 17)

Os proponentes do Capitalismo Consciente estão alinhados e reservam à liderança


um papel fundamental no desenvolvimento e manutenção de uma cultura consciente dentro
da empresa, condição sine qua non para seu ethos fundamental. Uma liderança consciente
possui algumas características marcantes. Para seus autores, uma liderança consciente: É uma
liderança completamente humana; integra o masculino e o feminino, o coração e a mente (...)
mescla os sistemas e eficiência ocidentais com a sabedoria e efetividade oriental (Sisodia et
al., 2018, p. 237). Para que estas características possam surgir, algumas qualidades devem
ser desenvolvidas e estão sintetizada no acrônimo em inglês SELFLESS (Sisodia et al.,
2018): Força (Strength); Energia (Energy); Orientação de longo prazo (Long term
orientation); Flexibilidade (Flexibility), Amor e Cuidado (Love and Care); Inteligência
Emocional (Emotional Intelligence); Inteligência Sistêmica (Systems Intelligence) e
Inteligência Espiritual (Spiritual Intelligence). O quadro 5 apresenta as características de
cada qualidade SELFLESS.

Quadro 5 - Qualidades SELFLESS do Líder Consciente


Fibra moral, confiança e coragem de agir a partir de
Força
suas convicções e valores.
Sua fonte de energia física, metal e espiritual vem do
Energia alinhamento com um propósito maior e ação correta
na vida
Estão em busca de realizar algo significativo e sua
Orientação de longo prazo perspectiva vai além de seu tempo como líder e
mesmo seu tempo de vida
Capacidade de adaptação e ação correta a cada
Flexibilidade
situação que se apresenta
Manifestar amor, cuidado e compaixão como meios
Amor e Cuidado de se transformar o mundo (onde estiverem) para
melhor
Habilidade de autoconhecimento e capacidade de
Inteligência Emocional
entender outros, que envolve autocuidado e empatia.
Entendem o mundo como um grande sistema,
Inteligência Sistêmica
interdependente com causas e efeitos
Possuem acesso aos seus valores, propósitos e
Inteligência Espiritual motivações mais essenciais e a capacidade de
discernir certo de errado.
Fonte: adaptado de Sisodia et al (2018)

De fato, liderança consciente traz diversas qualidades consideradas importantes


anteriormente para líderes de acordo com a literatura, como inteligência emocional e
76

inteligência sistêmica (Metcalf & Benn, 2013). Nesta linha, a literatura indica que qualquer
um que busque alinhar sua vida e sua empresa na compreensão e na direção de princípios
sustentáveis, quer ocupe cargos formais de liderança ou não, se qualifica como uma liderança
sustentável (Ferdig, 2007). Assim, pode-se perguntar questionar sobre o que é necessário
então para que um líder possa efetivamente influenciar positivamente as empresas para a
sustentabilidade. Ferdig (2007) explora esta questão argumentando que estes indivíduos
devem estar conscientes de suas escolhas e comportamentos que influenciam o equilíbrio dos
sistemas sociais, ecológicos e econômicos da Terra, depois expandir essa consciência através
de conversas que possam levar a ações conjuntas gradativamente.
Um dos conceitos relacionados a liderança consciente que se mostra um avanço em
relação à literatura foi o de inteligência espiritual (King & DeCicco, 2009) que está
diretamente ligada a maior senso de valores, propósito e percepção de interdependência. Para
estes autores, a inteligência espiritual está ligada a quatro componentes principais: (1)
pensamento existencial crítico: a capacidade de contemplar criticamente o significado, o
propósito e outras questões existenciais ou metafísicas; (2) produção de sentido pessoal:
capacidade de construir sentido e propósito pessoal em todas as experiências físicas e
mentais, (3) percepção transcendental: a capacidade de perceber as dimensões transcendentes
do eu, dos outros e do mundo físico (por exemplo, interdependência); e (4) expansão do
estado consciente: capaz de experenciar sensações de interdependência e unidade entre todos
os seres. Tais quesitos são, por certo, um contraponto a visão materialista e
hiperindividualista do capitalismo em sua vertente neoliberal.
Sisodia (2009) destaca que empresas que praticam o capitalismo consciente
incorporam a ideia de que lucro e prosperidade andam de mãos dadas com justiça social e
administração ambiental. Mais ainda, operaram com uma visão de sistemas, reconhecendo a
conexão e interdependência de todas as partes interessadas. Esta visão de mundo se traduz,
desta forma, que o capitalismo consciente tem por ethos buscar resultados positivos para a
empresa, seus públicos imediatos e mesmo a sociedade como um todo (Sisodia, 2016).
Referenciando com a tabela 1 onde apontamos diferentes taxonomias para o grau de
intensidade de mudanças de paradigma para lidar com os desafios de sustentabilidade, o
Capitalismo Consciente se enquadra ao nosso ver como transformação radical. As razões são
expostas a seguir.
Em oposição ao pensamento basilar de Friedman – em que a maior responsabilidade
e contribuição social de uma empresa era gerar lucro para seus acionistas - esta linha teórica
advoga que as corporações devem ser mais conscientes com relação aos problemas sociais,
77

ambientais e econômicos que permeiam a sociedade (Mackey & Sisodia, 2013). Assim, nesse
sentido o capitalismo emerge como um caminho a ser trilhado a partir do princípio de que o
capitalismo, como sistema estabelecido, precisa ser reavaliado, de modo a reconstruí-lo de
forma mais humana (Fyke & Buzzanell, 2013). Como definição formal de capitalismo
consciente, em Mackey & Sisodia (2013, pag 32) temos:

O Capitalismo Consciente é um paradigma evolutivo para negócios que


simultaneamente criam múltiplos tipos de valor e bem-estar para todos os
interessados: financeiros, intelectuais, físicos, ecológicos, sociais,
culturais, emocionais, éticos e até mesmo espirituais [...]. Capitalismo
Consciente não é sobre ser virtuoso ou fazer o bem por fazer o bem. É uma
forma de pensar sobre negócios que é mais consciente sobre o seu propósito
maior, seu impacto no mundo e a relação que tem com seus vários
stakeholders.
O Capitalismo Consciente é preocupa-se com a ética nos negócios e, para seus
proponentes, as questões éticas de negócios são melhor resolvidas por meio do aumento do
nível de consciência dos indivíduos que compõe a empresa, a começar por seus líderes, que
de forma intencional influenciariam positivamente todo o sistema (Mackey, 2011; Mackey
& Sisodia, 2013). De fato, O´Toole e Vogel (2011) destacam que as práticas associadas ao
capitalismo consciente visam solucionar os problemas do capitalismo corporativo atualmente
praticadas. Estas, largamente influenciadas pelos valores capitalistas neoliberais dominantes.
Logo, não é de surpreender que o Capitalismo Consciente tenha atraído a atenção de muitos
líderes empresariais e acadêmicos pela perspectiva de integrar maior responsabilidade social
nas principais práticas de negócios.

Inspirados, mas com cautela


Desta forma, o movimento do capitalismo consciente ainda que pese as cautelas
levantadas na literatura em relação ao seu otimismo quanto à adoção de seus princípios no
seio empresarial e seus potenciais resultados (Fyke & Buzzanell, 2013; O’Toole & Vogel,
2011; Wang, 2013) este modelo apresenta em seus princípios mudanças centrais na visão de
mundo e no ethos empresarial que servem de inspiração para a ação psicossocial deste
trabalho como o desenvolvimento de compaixão e maior percepção de interdependência.
Adicionalmente, a literatura dominante já aponta algumas destas qualidades como
competências importantes no desenvolvimento de empresas mais sustentáveis. Desta forma,
vamos realizar um olhar específico sobre tais competências a seguir.
78

Mudanças em nível de competências: necessárias, mas não suficientes

A literatura também aponta que a SC pode ser desenvolvida mediante o


desenvolvimento de competências, sendo estas voltadas para agregar valor à organização, ao
indivíduo, à sociedade e ao meio ambiente. Algumas destas estão relacionadas as qualidades
de uma liderança consciente, como inteligência sistêmica e emocional.
Nesta linha, Wiek e colegas (2011) procuraram delinear algumas das principais
competências para uma maior educação de sustentabilidade: competência de pensamento
sistêmico (ou seja, a capacidade de analisar coletivamente sistemas complexos em diferentes
domínios, como econômico, social, ambiental e em diferentes escalas, local, global,
individual e grupal); Competência antecipatória (ou seja, a capacidade de analisar, avaliar e
criar coletivamente "imagens" do futuro relacionadas à sustentabilidade); Competência
normativa (ou seja, a capacidade de colecionar, especificar, aplicar, conciliar e negociar
valores, princípios, metas e metas de sustentabilidade, com base em conceitos de justiça,
equidade, integridade social e ecológica e ética) e competência interpessoal (ou seja, a
capacidade de motivar, habilitar e facilitar a pesquisa de sustentabilidade colaborativa e
participativa e resolução de problemas). O quadro 6 apresenta um resumo detalhado das
competências para a sustentabilidade, com suas características e definições:
79

Quadro 6 - Competências para a Sustentabilidade

Competência para a
Definição/característica
sustentabilidade

Capacidade de analisar coletivamente sistemas complexos em diferentes


domínios (sociedade, meio ambiente, economia etc.) e em diferentes escalas
Pensamento sistêmico (local a global), considerando-se, assim, feedback e outras recursos
relacionados com questões de sustentabilidade e quadros de resolução de
problemas sustentáveis.

Capacidade de, coletivamente, analisar e avaliar o cenário futuro relacionado


Preventiva com questões de sustentabilidade e de cenários de resolução de problemas de
sustentabilidade.

Capacidade de especificar, aplicar, conciliar e negociar valores de


sustentabilidade, princípios, objetivos e metas. Essa capacidade permite,
Normativa primeiro, avaliar coletivamente a sustentabilidade dos estados atuais e/ou
futuros de sistemas organizacionais e, em seguida, criar coletivamente as
visões de sustentabilidade para esses sistemas.

Capacidade de implementar intervenções, transições e estratégias de


Estratégica
governança de transformação em direção à sustentabilidade.

Capacidade de motivar, possibilitar e facilitar a colaboração e a pesquisa sobre


Interpessoal
sustentabilidade participativa e resolução de problemas.

Fonte: adaptado de Kuzma, Doliveira, & Silva (2017, p. 435).

Kuzma e colegas (2017) destacam que o pensamento sistêmico envolve a capacidade


de analisar sistemas complexos inclui compreender e verificar empiricamente, articulando
sua estrutura, os principais componentes e sua dinâmica. Esta capacidade de analisar se
baseia no conhecimento sistêmico adquirido, incluindo conceitos como estrutura, função,
80

relações de causa e efeito, mas também percepções, decisões e leis. A competência


preventiva envolve analisar cenários futuros inclui ser capaz de compreender e articular sua
estrutura; a capacidade de avaliar se refere às habilidades comparativas que se relacionam
com o “estado da arte” integrando habilidades criativas e construtivas. A competência
normativa baseia-se no conhecimento adquirido normativo, incluindo conceitos de justiça,
equidade, integridade socioecológica e ética. Essas habilidades são adaptadas para abordar
questões-chave da sustentabilidade socioecológica, incluindo integridade e equidade
organizacional.
A competência estratégica requer uma compreensão profunda de conceitos
estratégicos, como intencionalidade, inércia sistêmica, dependências de caminho, barreiras,
transportadoras, alianças etc.; conhecimento sobre viabilidade, eficácia, eficiência de
intervenções sistêmicas, bem como o potencial de consequências não intencionais.
Adicionalmente, os estrategistas devem abraçar as tensões que a causa traz, buscando os
diferentes aspectos relacionados à sustentabilidade simultaneamente, mesmo que
contraditórios eventualmente. Esta visão integrativa, em oposição à visão instrumental,
emerge atualmente na literatura pedindo aos estrategistas maior capacidade em aceitar e lidar
com contradições, paradoxos e ambiguidades e a consequente tensão que isto traz (Hahn et
al., 2015). Desta forma, os atores corporativos responsáveis devem estar preparados para
lidar com toda a complexidade, ambiguidade e incerteza que o desafio traz.
Do ponto de vista comportamental, a competência interpessoal inclui habilidades de
comunicação, tomada de decisão e de negociação, colaboração, liderança, pluralista e
pensamento cultural, e empatia. A capacidade de compreender, aceitar e fomentar a
diversidade entre culturas, grupos sociais, comunidades e indivíduos é reconhecida como um
componente-chave dessa competência.
Na visão do autor deste trabalho, tais capacidades não necessariamente se traduzem
em ações efetivas, visto que capacidade (skill) não é atitude, ou seja, uma predisposição
favorável a agir de determinada forma (Eagly, 2007). Desta forma, precisamos de mudanças
psicológicas mais profundas, tal como abordadas pelos proponentes do Capitalismo
Conscientes (Sisodia et al., 2018), mudanças na mente e no coração.
Neste sentido, um dos caminhos apontados para que as empresas possam de fato
evoluir na incorporação dos princípios sustentáveis em seus negócios e criar um novo
propósito, é o desenvolvimento de aspectos psicológicos positivos relacionados à motivação
humana como defesa do planeta, senso de conexão uns com os outros e educação continua
sobre questões relacionadas à responsabilidade (Money, Pain, & Hillenbrand, 2016), pois
81

traços atitudinais internos – não apenas capacidades - positivamente relacionados à ética, ao


comportamento pro-social e pró-ambiental são fundamentais para a construção de empresas
e toda uma sociedade mais sustentável. A questão é como educar as pessoas em atitudes e
valores que opostos aos valores hegemônicos da sociedade.

Como transformar mentes e corações para a Sustentabilidade?

Como este trabalho buscou elaborar uma ação psicossocial que auxiliasse no
desenvolvimento visões de mundo, valores e condutas em executivos na aspiração que
possam se alinhar a princípios sustentáveis e influenciar as empresas a terem novas visões de
mundo e de ethos, convém analisar o que a literatura traz sobre como desenvolver pessoas
para a sustentabilidade. A literatura revisada aponta para a inefetividade das abordagens
pedagógicas dominantes, centradas no modelo cognitivo e pouco nas dimensões afetivas – o
campo dos valores e intençãoes – da aprendizagem. Isso será fundamental para
compreendermos como poderemos fazer com que a ação psicossocial seja mais que um
conteúdo transdisciplinar, uma experiência transformadora para seus participantes.

Velhas formas de pensar sobre a sustentabilidade não são suficientes

Analisando em conjunto as competências e atitudes anteriormente descritas, vemos


que uma ação direcionada a um futuro sustentável pede por novas formas de se pensar, de se
sentir e de agir. Sterling (2010) destaca que problema de nossos sistemas educacionais pode
não estar no ensino de competências futuras, mas na visão de mundo predominante em nossa
sociedade. Assim, o objetivo implícito da educação é transmitir essa visão de mundo e nosso
sistema de valores para a próxima geração, para que eles possam se tornar "bons cidadãos" e
guardiões do sistema.
Portanto, estratégias de resolução de problemas, modos de investigação científica e
formas atuais de ensino e sustentabilidade, parecem inadequadas para enfrentar o desafio da
sustentabilidade (Sol & Wals, 2014). Assim, novas formas de ensino, pesquisa e
aprendizagem são necessárias.

Educando para a Sustentabilidade: mais que desenvolver, transformar


Nesta linha, Senge et al. (2012) descreve a tarefa da educação seria desenvolver nas
pessoas a cultura de amanhã, e não uma melhor cultura de ontem. De forma análoga, Sterling
(2010) explica as atuais formas de pensar, perceber e fazer precisam mudar em resposta a
82

condições sistêmicas críticas de incerteza, complexidade e insustentabilidade, pois velhos


paradigmas são a raiz dessas condições. Assim, qualquer mudança efetiva em direção a um
futuro sustentável, perpassa mudanças de visão de mundo, de ethos e atitudes e então,
comportamentos. Ao analisar os alertas dos autores mencionados, entendemos que
precisamos de uma educação para a sustentabilidade que mais que instruir e desenvolver,
transforme as pessoas. Nesta linha, O’Sullivan (2002) comentam que uma aprendizagem
transformadora envolve uma profunda mudança estrutural nas premissas básicas de
pensamento, dos sentimentos e ações. Trata-se de uma mudança de consciência que altera de
maneira dramática e permanente nosso modo de ser no mundo. Assim, usando a taxonomia
de Geertz (1989) e D´Andrade (1984), esta transformação envolve mudanças de visão de
mundo, de ethos e da dimensão diretiva da cultura, evocando atitudes e comportamentos mais
sustentáveis.
Neste sentido, Sterling (2010) considera a falta desta abordagem como o principal
motivo da ineficiência da educação ambiental e social. Para o autor, o problema é
parcialmente sistêmico: nossos sistemas educacionais atuais são baseados em paradigmas
culturais com concepções fixas visões de mundo e valores. Quando levamos isso a um
contexto corporativo, por certo este fato se torna mais relevante como a literatura abordada
alerta. Sterling entende esta aprendizagem transformativa como uma qualidade de
aprendizado que altera profundamente visões de mundo, valores e crenças de que
inevitavelmente geram uma sensibilidade e um senso de responsabilidade ética mais
elevados.
Nesta linha, se referindo especificamente às questões de sustentabilidade, Senge e
colegas (2012) alertam que a identificação de padrões, tendências e estruturas sistêmicas por
trás dos problemas e fenômenos é fundamental e para encontrar soluções. No entanto, nossa
visão de mundo limita nossa capacidade de entender adequadamente o que se passa e como
agir diante disso. Grupos, organizações e sociedades desenvolvem modelos mentais
compartilhados que moldam nosso pensamento e comportamento. Exemplos desses modelos
são "um bom cidadão é um bom consumidor" e "o crescimento do PIB é igual ao aumento
do bem-estar nacional" conforme visto anteriormente. Esses modelos mentais têm um poder
enorme em moldar nosso comportamento individual e o comportamento das sociedades,
permanecem não testados e não examinados sem um esforço consciente para fazê-lo e
limitam nossa capacidade de mudar.
Novas formas de ensino e aprendizagem são necessárias. Até o momento, nos
detemos sobre o conteúdo do processo educacional relacionado a sustentabilidade.
83

Entretanto, a forma como o conteúdo é entregue determina diretamente o sucesso de sua


assimilação e posterior aplicação (Lozano, Lozano, Mulder, Huisingh, & Waas, 2013). Neste
sentido, quando analisados o processo educacional a partir de seus objetivos de
aprendizagem, a literatura aponta para duas dimensões proeminentes: cognitiva e afetiva.
Em uma revisão sobre objetivos de aprendizagem, Anderson e colegas (2001)
descrevem o domínio cognitivo da aprendizagem se refere ao que sabemos, entendemos e
como descrevemos, compreendemos, aplicamos, analisamos, sintetizamos e avaliamos esse
conhecimento. Já o domínio afetivo se refere aos nossos valores, atitudes e comportamentos.
Inclui, aqui, demonstrar atitudes ou valores apropriados a situações particulares e a
disposição de revisar julgamentos e mudar comportamentos à luz de novas evidências.
Neste sentido, Shephard (2008) alerta que educar para a sustentabilidade envolve
conhecimentos, habilidades e resultados afetivos, e mais ainda, os educadores,
principalmente os de nível superior, tradicionalmente se concentram no domínio cognitivo
da aprendizagem. Desta forma há um chamado na literatura para estratégias pedagógicas
relacionadas a resultados relacionados ao campo afetivo. A razão se deve ao fato que estudar
sobre compaixão, não desenvolve compaixão; estudar sobre bem-estar, não desenvolve bem-
estar; estudar sobre inteligência emocional, não desenvolve inteligência emocional.
Assim, fica o alerta que o modelo de desenvolvimento de competências usual não é
suficiente e que estratégias pedagógicas que envolvam elementos cognitivos (i.e., relativo a
conhecimentos e habilidades) e afetivos (i.e., relativo a atitudes e valores) são fundamentais.
Por certo, a ação psicossocial deste trabalho equilibra estes dois elementos, apresentando
conceitos e modelos, mas também experiências e reflexões que mais que competências,
envolve o desenvolvimento de virtudes.

Síntese do capítulo e nosso posicionamento

Este capítulo abordou como o conceito de sustentabilidade – na sociedade, nas


empresas, nas mentes e corações – então interligados por uma teia de significados que
podemos chamar de cultura. Assim, todos os problemas e suas potenciais soluções devem ser
vistas à luz dessa teia de significados que fornece uma função diretiva de extremo poder em
nossos comportamentos.
Este trabalho se alinha à perspectiva de que é preciso reinventar o capitalismo,
alterando sua lógica fundamental de maximização de lucro em curto prazo. Concordamos
que as corporações têm sido incapazes de assegurar desenvolvimento econômico sustentável,
84

apesar de toda a retórica que tem sido professada por meio dos valores e códigos de ética de
muitas empresas.
Assim, neste trabalho no alinhamos a autores que entendem que mudanças em níveis
sociais e ambientais pedem por mudanças da esfera mental e cultural e devemos questionar
valores culturais hegemônicos (Guattari, 2000; Laininen, 2018; Sterling, 2010). Também nos
alinhamos a autores que veem as empresas como protagonistas e reforçadoras destes modelos
de visão de mundo, ethos e práticas insustentáveis (Hahn & Figge, 2011; Scharmer & Kaufer,
2013; Sisodia et al., 2018). Nesta linha, nos juntamos a visão que o desenvolvimento de
processos educacionais relacionados a sustentabilidade devem fomentar diferentes visões de
mundo e ethos (Laininen, 2018; Senge, P., Cambron-McCabe, N., Lucas, T., Smith, B.,
Dutton, J., & Kleiner, 2012), que fomentem aspectos psicológicos positivos relacionados a
responsabilidade universal e compaixão (Koger, 2015) e maior consciência de
interdependência (Sisodia et al., 2018). Para isso, estratégias de aprendizagem tanto
cognitivas quanto afetivas (Shephard, 2008) são fundamentais.
Neste ponto, vale destacar que para os proponentes do Capitalismo Consciente, a
construção de uma liderança consciente passa pelo desenvolvimento de um senso de
propósito elevado, pelo cultivo de sabedoria, maior consciência de interdependência e
virtudes como compaixão (Sisodia, 2012). Como meio de desenvolvimento destas virtudes e
sabedoria, Mackey e Sisodia (2013) a meditação budista vipassana - que serviu de base para
o desenvolvimento das práticas seculares de mindfulness – seria um caminho. O próximo
capítulo aprofunda esta discussão.
85

CAPÍTULO 3 - MINDFULNESS: UM INTERESSE EXPONENCIAL,


PERSPECTIVAS E ESTUDOS INTERDISCIPLINARES

Este capítulo contribui para a tese por apresentar em detalhes o arcabouço ético,
filosófico e científico relacionado a mindfulness. Adicionalmente, discutimos sua relação
com construtos de interesse desta pesquisa, como autoconsciência, autocompaixão,
compaixão e atitudes e comportamentos sustentáveis.
De fato, dentre as diversas aplicações possíveis do mindfulness, o uso ligado à
sustentabilidade parece ser promissor. Nosso argumento se baseia no fato do mindfulness ser
crescentemente empregado no campo científico e clínico, sendo sistematicamente
relacionado a características psicológicas positivas do desenvolvimento humano (Brown,
Ryan, & Creswell, 2007; Williams & Kabat-Zinn, 2011a) que são positivamente associadas
à sustentabilidade, como maior comportamento ético e desenvolvimento de compaixão.

Interesse exponencial na literatura médica, psicológica e organizacional

Mindfulness é um conceito que tem sido crescentemente empregado no campo


científico e clínico, tendo duas escolas de pensamentos que emergiram de forma
independente no campo científico na década de 70, sendo sistematicamente relacionado a
características psicológicas positivas do desenvolvimento humano (K. W. Brown et al.,
2007b). Entretanto, o termo já possuía lugar de destaque no Budismo, sendo considerado
uma habilidade central para o desenvolvimento espiritual na literatura canônica desta tradição
há cerca de 2500 anos (Bodhi, 2011). Assim, devido ao fato deste termo poder representar
conceitos e aplicações que derivam de epistemologias diferentes (mesmo que seus sentidos
e propósitos pareçam similares), é necessário inicialmente fazer uma breve descrição e
mapeamento dos seus possíveis significados e usos.
Por conta de sua semântica, a palavra mindfulness tem sido empregada no âmbito
acadêmico em dois contextos principais: 1) como tradução de conceitos e práticas
meditativas, tanto orientais, como ocidentais; e 2) como um construto psicológico, o qual
pode, ou não, estar relacionado ao contexto da prática meditativa (Reppold & Menezes,
2016). No âmbito dos conceitos e práticas meditativas, o uso da palavra mindfulness remonta
à tradição Budista (Bodhi, 2011; Siegel, Germer, & Olendzki, 2009). Devido à sua semântica,
mindfulness foi a palavra escolhida para traduzir aquilo que o Budismo originalmente
descreve como a qualidade mental que se busca desenvolver por meio de um sistema de
práticas. Posteriormente, a “meditação mindfulness” passou a ser adaptada e incorporada
86

como ferramenta de tratamentos complementares de saúde. Um marco deste processo foi a


criação do Programa de Redução do Estresse Baseado em Mindfulness (Mindfulness-Based
Stress Reduction Program - MBSR), em que a meditação mindfulness e outras práticas e
preceitos de origem Budista formaram a base da proposta terapêutica (Kabat-Zinn, 1982).
De fato, observa-se um exponencial aumento no interesse pelo assunto na última
década (K. W. Brown et al., 2007b; Grossman, 2015; J. Williams & Kabat-Zinn, 2011), qual
perpassa diferentes temas e áreas do conhecimento, tal como psicologia cognitiva (ex.:
Moore & Malinowski, 2009; Ostafin & Kassman, 2012), psicologia clínica (ex.: Baer, 2003;
Williams et al., 2014), neurociências (ex.: Lutz et al., 2009; Tang, Hölzel, & Posner, 2015),
sustentabilidade (Ericson, Kjønstad, & Anders, 2014; Siqueira & Pitassi, 2016), ética (ex.:
Ruedy & Schweitzer, 2010; Shapiro, Jazaieri, & Goldin, 2012) e organizações (ex.: Choi &
Leroy, 2015; Weick & Sutcliffe, 2006). No âmbito educacional, há ampla sustentação
empírica que a prática de mindfulness proporciona condições favoráveis ao processo de
ensino-aprendizagem, como maior atenção sustentada e flexibilidade cognitiva, fatores
fundamentais para uma melhor compreensão, reflexão e assimilação de conteúdo (para
revisão, ver: Felver & Jennings, 2016). O avanço do interesse nas pesquisas relacionadas ao
mindfulness pode ser visualizado na figura 1, a partir do registro de publicações na área desde
os anos 80:
Figura 2 - Publicações sobre Mindfulness por ano 1980 – 2019

Fonte: AMRA (2019)


87

De acordo com a figura 1, pode-se perceber que apesar das pesquisas em mindfulness
ocorreram há cerca de 40 anos, a quantidade de publicações sobre o tema nos últimos 5 anos
é mais expressiva que a quantidade acumulada nas primeiras três décadas. Ao nos
aprofundarmos nos estudos relativos aos mindfulness, tal expressivo crescimento começa a
ser compreendido.

Por que mindfulness?

Os principais pontos de interesse deste projeto residem nos estudos que evidenciam
uma correlação entre o aumento do nível de mindfulness e o aumento de habilidade
cognitivas, atitudes e comportamentos ligados à sustentabilidade. As bases conceituais e
filosóficas do mindfulness de acordo com a perspectiva budista – tradição que influenciou o
primeiro protocolo clinico desenvolvido (Amaro, 2015; Kabat-Zinn, 2011) - precisam ser
compreendidas e nos ajudam a entender como seu desenvolvimento pode nos ajudar a plantar
sementes em indivíduos que podem influenciar futuramente corporações – onde estiverem –
para um caminho mais responsável e sustentável.
Desta forma, a perspectiva budista ilustra todo o arcabouço ético e filosófico,
envolvendo a prática e seu cultivo como habilidade mental, ilustrando sua relação com a
ética, a compaixão e mesmo percepção de interdependência, conceitos centrais na tradição
budista (Wallace & Bodhi, 2006). Sendo assim, fundamental para sustentar nosso argumento
central que mindfulness pode ajudar no desenvolvimento de um futuro sustentável.
Assim, apresentar (e cultivar) o mindfulness sob a perspectiva budista é um caminho
coerente e recomendado4. Nesta linha, compaixão e interdependência são dois conceitos
correlacionados à mindfulness nos ensinamentos budistas e são abordados. Tais conceitos
foram escolhidos pois possuem relação direta com sustentabilidade: compaixão é nossa
capacidade de reconhecer, se importar e ter a intenção de agir para aliviar o sofrimento, não
apenas de humanos, mas também de não humanos. Interdependência, por sua vez, é a visão
sistêmica que nos fornece a sabedoria que cada ação tem uma consequência, não apenas em
nós, mas no todo (Karmapa, 2018). É o reconhecimento que estamos continuamente
interagindo com o mundo ao nosso redor, em uma teia de causas e consequências.

4
Destaca-se que não pretendemos afirmar que tais virtudes sejam originadas ou pertencentes apenas
ao Budismo. Reconhecemos que compaixão, interdependência e o agir consciente faz parte de outras tradições
como o hinduísmo (Lopes, 2013; Nandan & Ahmed Jangubhai, 2013), mas focamos nosso estudo na tradição
Budista por sua histórica e documentada influência no desenvolvimento das práticas e protocolos de
mindfulness na ciência ocidental.
88

Em seguida, apresentamos os estudos mais recentes – em especial aqueles que


possuem relação direta com esta pesquisa - assim como as similaridades e diferenças entre
as perspectivas de mindfulness budista e dominante. Por fim, apresentamos uma discussão
sobre as principais críticas do uso de mindfulness em empresas, visando nos afastar de formas
inadequadas de apropriação do termo e da prática que não estejam alinhados à sua raiz ética
e assim, sem potencial de contribuir para que as empresas sejam atores sociais relevantes e
benéficos nos anseios relacionados à sustentabilidade. Ao final da leitura, realizamos uma
breve síntese sobre os pontos mais importantes e como esta revisão de literatura influenciou
as escolhas metodológicas tomadas.

Perspectiva Budista: as bases éticas e filosóficas do mindfulness

Começamos por apresentar uma contextualização histórica do Budismo antes de nos


aprofundarmos no mindfulness em si. Na sequência, abordamos o norte ético Budista e
empreendemos um diálogo com perspectivas éticas ocidentais.

Contextualização histórica: o surgimento do Dharma

O Buda (significa: “o iluminado”) histórico, personificado por Siddhartha Gautama,


deixou um conjunto vasto e profundo de ensinamentos há 2500 anos que passam desde
condutas virtuosas, ações meritórias, a prática do bondade amorosa e compaixão e insights
sobre a natureza da existência (Bodhi, 2011; Wallace & Bodhi, 2006) e métodos de
treinamento da mente (ex.: MN10).
Os ensinamentos Budistas (em pali, Dhamma; em sânscrito: Dharma, ambos com
“D” maiúsculo) são um conjunto de princípios e práticas que visam auxiliar o ser humano
em sua busca por felicidade e na cessação definitiva do sofrimento5 (Bodhi, 2011). Na ótica
Budista, o sofrimento – chamado de dukkha6 - pode ser cessado definitivamente ainda em
vida. Nas palavras do Buda, “tanto antes, como agora, eu declaro somente o sofrimento e a
cessação do sofrimento” (SN22.86, p. 3). Desta forma, o Budismo é essencialmente um
conjunto de ensinamentos para o fim do sofrimento e para a iluminação (Thānissaro, 2012),

5
Nos círculos das tradições mahayana e vajrayana, a bodhichitta (Bodhi: iluminação; Citta: mente) é
aspiração de alcançar a purificação para benefício de todos os seres, não apenas para si mesmo.

6
Dukkha é usualmente traduzido como sofrimento, mas uma melhor forma de entendimento é
compreendê-lo como insatisfatoriedade. (Analayo, 2014; Bodhi, 2011).
89

um estado possível em que um ser desenvolveu todas as qualidades positivas, tendo amplo
domínio de virtude e sabedoria. No coração destes ensinamentos, reside um sistema de
treinamento da mente que busca levar ao insight sobre a natureza da existência e a superação
do sofrimento: a prática meditativa de mindfulness (Bodhi, 2011; Thera, 2014). O cultivo de
mindfulness como qualidade mental possui papel fundamental neste caminho de cessação do
sofrimento.
Destaca-se, entretanto, que a prática da meditação é anterior ao Budismo e o que
temos de novo a partir do Buda não é a meditação em si, mas suas técnicas e didática (Bodhi,
2011; J. Williams & Kabat-Zinn, 2011). Assim, nos aprofundamos a seguir na definição do
mindfulness de acordo com seu propósito e bases éticas dentro da perspectiva Budista.

Mindfulness: definição e propósito

Mindfulness é a palavra em inglês (em português: atenção plena) escolhida para


traduzir Sati, palavra em pali, o idioma falado nos tempos do Buda. Sati está relacionada
etmologicamente ao verbo sarati, cuja tradução seria lembrar, recordar, sendo que em
diversos momentos dos ensinamentos, ela foi utilizada com este significado, como por
exemplo, recordar-se das instruções de meditação (Bodhi, 2011). Entretanto, este recordar-
se não está ligado apenas a eventos passados e, no contexto dos ensinamentos budistas, está
mais ligado a lembrar-se de retornar ao presente, voltar-se à consciência da experiência
presente (Gethin, 2011).
Dissertar sobre a perspectiva budista do mindfulness é um desafio, visto que o
Budismo se trata de um complexo sistema ético e filosófico composto que desde seu
surgimento na Índia e posterior disseminação para o leste e sul da Ásia se desdobrou em
diferentes escolas e tradições, como o Theravada, Mahayana e Vajrayana (Dorjee, 2010;
Laumakis, 2008). Outrossim, Dunne (2011) alerta que a tradição budista não é monolítica,
apresentando grande variedade em suas filosofias, técnicas de meditação e demais
características.
É ponto comum nas diversas tradições budistas que mindfulness é cultivado como
uma ferramenta para observar como a mente cria sofrimento momento a momento, sendo
praticado para desenvolver insight (vipassanā) e sabedoria (pañña) e não um fim em si
mesmo. Bodhi (2011) define mindfulness como a consciência lúcida (lucid awareness) de
cada evento que se apresenta no campo da experiência. Isto porque no Cânone Pali – coleção
de textos que constitui a base doutrinária do Budismo – mindfulness atua em conjunto com
90

duas faculdades mentais: clara compreensão dos fenômenos (sampajañña) e "ardência"


(atapi). Thānissaro (2013) esclarece que estas duas qualidades significam, respectivamente,
a capacidade de estar plenamente consciente do que se passa em nossa mente e do que está
sendo feito e; ser diligente no processo de desenvolver estados mentais benéficos (i.e. que
não causam sofrimento a nós e aos outros) e afastar-se do que não é benéfico. Nesta linha,
Murphy (2016) destaca que mindfulness, na perspectiva Budista, envolve um processo de
discernimento ético e o uso de senso crítico para desenvolvermos estados benéficos da mente
(e.g. amor; compaixão), assim como esforço equilibrado para removermos estados
prejudiciais (e.g. raiva; apego).
Para Bodhi (2011), trata-se de adotar uma postura particular em relação à experiência
presente, estabelecer uma consciência lúcida (lucid awareness) da experiência presente. Isso
significa lembrar de prestar atenção ao que está ocorrendo em sua experiência imediata com
cuidado e discernimento (Wallace & Bodhi, 2006). Assim, o mindfulness, mais do que estar
atento ao presente, é também estar atento ao propósito que se busca através da prática e de
seu cultivo. Dessa forma, os pensamentos, as emoções e o comportamento passam a ser
regulados por esta aspiração (Kudesia & Nyima, 2015). Em um contexto de sustentabilidade,
manter-se consciente das ações, de seu propósito e de suas consequências pode ser um passo
importante para que os indivíduos possam se preocupar e reavaliar o quanto suas ações e as
práticas pessoais ou empresariais podem ou não ser sustentáveis. De fato, mindfulness dentro
do contexto de ensinamentos budistas tem intima relação com diversos aspectos relacionados
a sustentabilidade, em especial dentro do contexto do caminho óctuplo, um dos ensinamentos
basilares da tradição budista.

O Nobre Caminho Óctuplo: um caminho para a extinção do sofrimento


Analayo (2014) sugere que podemos compreender mindfulness como qualidade
mental a partir de ensinamentos centrais da tradição budista. Mindfulness também é abordado
no contexto da quarta nobre verdade, o caminho de extinção do sofrimento, conhecido como
o nobre caminho óctuplo. As quatro nobres verdades (Acesso ao Insight, 2006a) é um dos
ensinamentos fundamentais do Budismo e compartilhado por todas as escolas. Trata-se de
uma formulação pragmática sobre a existência, a causa, a finitude e o caminho de cessação
do sofrimento (dukkha): 1. Sofrimento existe; 2. Ele tem uma causa 3. É possível cessar o
sofrimento; 4. O caminho óctuplo é o meio de cessá-lo. Assim, para o Budismo, “o
sofrimento deve ser compreendido, a sua causa abandonada, a sua cessação realizada e o
caminho para a cessação desenvolvido” (Thānissaro, 2005, p. 2).
91

Dukkha é usualmente traduzido como sofrimento, mas a melhor forma de entender a


palavra é compreendê-la como insatisfatoriedade que a tudo permeia (Analayo, 2014; Acesso
ao Insight, 2006b). Contrariamente à visão de mundo e ethos predominante, o Budismo não
aponta o consumo ou materialismo como meios para cessação do sofrimento ou conformto
material como sinais de salvação.
No ensinamento sobre o caminho da cessação do sofrimento, Mindfulness faz parte
no caminho óctuplo do agregado do treinamento mental, composto de esforço correto,
atenção plena correta (mindfulness) e concentração correta. Os outros seis fatores do caminho
óctuplo formam o agregado da virtude ou moralidade (em pali, sila): fala correta, ação correta
e meio de vida correto. O terceiro agregado é sabedoria (em pali, paññā), composta de visão
correta e pensamento correto.
Tais agregados são interdependentes e não podem ser desenvolvidos separadamente
(Analayo, 2014; Thānissaro, 2012), mas sua explanação feita pelo Buda foi feita dessa forma
como meio hábil para que possamos compreender melhor o ensinamento e gradualmente
trilharmos o caminho. Mindfulness, neste contexto, é recorrentemente apresentada como
samma sati, ou seja, sati correto. Tal distinção é fundamental para se discernir sati como um
fator mental de sati como caminho de cessação de sofrimento. O quadro 7 ilustra o caminho
óctuplo, seus agregados e definições.
Quadro 7 - O Caminho Óctuplo: agregados e definições
Agregado Fator Definição
Uma forma de entender a vida, com a clara compreensão do
Visão Correta sofrimento, sua origem, sua cessação possível e do caminho
que conduz à cessação do sofrimento.
Sabedoria
É o pensamento livre de cobiça, de raiva e ignorância. Pode
Pensamento Correto ser visto como a ferramenta que nos ajuda a aplicar o
Entendimento Correto à nossa vida.
É a fala livre de mentira, de malícia, falada no momento
Fala Correta apropriado, que contém a verdade, que é falada de forma
hábil e para trazer benefício.
Bons hábitos de alimentação e sono, exercício e repouso
adequados; Abster-se de destruir a vida, abster-se de tomar
Ação Correta
Virtude aquilo que não for dado, abster-se da conduta sexual
imprópria.
Um modo de vida equilibrado e que não cause mal a si e a
outros seres. Inclui ter uma profissão que não esteja em
Meio de vida Correto
desacordo com os ensinamentos, ou seja, que esteja
desalinhado do Entendimento Correto.
É o esforço em abandonar estados prejudiciais na mente e as
causas de estados prejudiciais futuros; é o esforço em cultivar
Esforço Correto
estados mentais benéficos que tenham surgido e criar
condições para estados benéficos futuros.
Concentração
Permanecer consciente dos fenômenos, livre de desejos e
aversão, de forma a evitar atos insanos e realizar atos
Atenção Plena Correta
benéficos, e para poder contemplar a natureza verdadeira de
todas as coisas.
92

Desenvolver a capacidade de estabelecer foco mental e de


sustentá-la. Em um nível mais profundo, é a unificação na
Concentração Correta
mente dos sete fatores anteriores enquanto se mantém focado
em um objeto.
Fonte: Adaptado de Insight (2006).

Destaca-se mais uma vez que o Nobre Caminho Óctuplo é uma divisão conceitual de
algo intrinsicamente indivisível, uma vez que os fatores são interdependentes. Mindfulness
atua, por exemplo, em conjunto com a visão correta, a capacidade de entender o sofrimento
e as causas do sofrimento, e com o esforço correto, o esforço em abandonar o que causa
sofrimento (Thānissaro, 2008). Assim, de acordo com N. Thera:

(Sati) É chamada de “correta” porque mantém a mente livre de falsas


influências; porque é a base tanto quanto parte e parcela da visão correta;
porque ela nos ensina a fazer a coisa certa da forma certa, e porque serve
como o propósito correto apontado pelo Buda: a extinção do sofrimento.
(2014, p. 11)
Percebe-se que há um componente ético derivado do estado mindful direcionado ao
momento presente, que deve ser aplicado também na vida diária, não apenas na prática
meditativa. Gunaratana exemplifica:

Quando praticamos mindfulness, antes de falar nós nos perguntamos: estas


palavras são verdadeiras e benéficas a mim e aos outros? Elas trarão paz,
ou criarão problemas? Quando nós pensamos com atenção plena7, nós
perguntamos: este pensamento me torna calmo e feliz, ou aflito e receoso?
Antes de agirmos, nós perguntamos: essa ação trará sofrimento a mim e aos
outros? Estar com mindfulness nos dá a oportunidade de escolher: eu quero
alegria e contentamento ou sofrimento e preocupação? (2012, p.2).

Nesta linha, Keown (2019) alega que a ética budista é estruturalmente semelhante à
ética aristotélica da virtude, porque ambos os sistemas são orientados para um objetivo
supremo que é entendido como o aperfeiçoamento da natureza humana. No Budismo, o
caminho para alcançar esse objetivo é por meio do cultivo de virtudes morais e intelectuais
que estão estruturadas pelo nobre caminho óctuplo. Hursthouse & Pettigrove (2018)
destacam que uma virtude é uma excelente característica do caráter, um traço bem enraizado
em seu possuidor que o faz sentir, desejar, escolher, agir e reagir de certas formas
consideradas virtuosas. Assim, a ética da virtude busca uma transformação do ser por meio
do desenvolvimento de hábitos corretos ao longo do tempo, para que padrões negativos de
comportamento sejam gradualmente substituídos por positivos e benéficos. Desta forma, o

7
Livre tradução dos autores. Em inglês, mindfulness possui as formas de advérbio (mindfully) e
adjetivo (mindful).
93

agir corretamente não é simplesmente obedecer a certos tipos de regras, mas antes de tudo
ser ou se tornar um certo tipo de pessoa.

A relação com sustentabilidade é imediata. Na medida em que se desenvolve o


mindfulness, mais consciente – ou ao menos preocupado - o indivíduo estaria mais consciente
do efeito de suas condutas em si e nos outros. Mais além, do impacto de seu trabalho na
sociedade e no planeta (i.e., meio de vida correto). Espera-se, na medida em que se
desenvolve mindfulness (i.e., samma sati), maior desenvolvimento de condutas corretas e o
exercício de um meio de vida ético e benéfico a si e ao todo.

Mindfulness e seu desenvolvimento


Bodhi (2011) esclarece que mindfulness não é uma habilidade mental espontânea e
que deve ser cultivada. Quando propriamente cultivado e desenvolvido por meio de sua
prática correspondente, ele nos leva a discernir estados hábeis e saudáveis da mente, daqueles
que são prejudiciais para si mesmo e para os outros. Os termos usados em pali para denotar
as qualidades dos estados mentais são kusala e akusala (Olendzki, 2011). Santikaro (2000,
p. 2) esclarece:

Kusala é desenvolver aquilo que é saudável tal como a tolerância, amor,


bondade, compaixão e todas as demais qualidades benéficas e hábeis,
akusala é o oposto de tudo isso. Assim, ao investigar você pode usar essa
ideia simples de observar aquilo que surge: é benéfico ou prejudicial? É
algo que nos mantém aprisionados ao sofrimento, ou é algo que leva à
libertação do sofrimento? É algo que nos auxilia a soltarmos das nossas
tendências egoístas e assim por diante?

Desta forma, o mindfulness existe como condição sine qua non para a obtenção de
sabedoria, eliminando a ignorância (avijja) e, por fim, proporcionando a cessação do
sofrimento. Logo, se esta forma de consciência lúcida direcionada ao presente puder ser
sustentada momento a momento, ocorre uma profunda alteração nos processos cognitivos,
com implicações para a forma como entendemos a experiência corrente, ocasionando insights
sobre a natureza do sofrimento e consequentemente, maior conduta virtuosa em nossa vida
diária (Nhat Hạnh, 2001). O meio para se desenvolver e fortalecer esta consciência lúcida se
dá formalmente por meio da prática de meditação.
Meditação em pali é bhavana, que significa desenvolver, cultivar. A prática formal,
ou seja, a meditação propriamente dita, fundamenta-se principalmente no discurso (em pali;
Sutta) do Buda chamado Satipatthana Sutta (MN10). O termo satipatthana é um composto
94

entre as palavras sati e upatthana, que pode ser entendido “como um processo, um modo de
estabelecer (upatthana) atenção plena (sati)” (Thānissaro, 2003, p. 1). As instruções para a
prática formal progridem da observação e investigação de experiências rudimentares, até as
experiências mais refinadas e abstratas.
A prática se dá por quatro fundamentos, chamados de satiphattanas (Analayo, 2014),
descritos de forma breve a seguir: (1) mindfulness do corpo: consciência da respiração, de
partes e de movimentos do corpo, assim como da compreensão de sua natureza transitória;
(2) mindfulness das sensações: a consciência e discriminação de sensações dolorosas, neutras
e/ou agradáveis, assim como a consciência de seu surgimento, seu ápice e desaparecimento;
(3) mindfulness da mente: consciência e discriminação dos pensamentos e estados mentais,
consciência do surgimento, do ápice e desaparecimento destes estados, bem como a distinção
ética destes estados em benéficos e não-benéficos; e, por último, (4) mindfulness dos
dhammas8. Neste último, o Buda incluiu uma lista de objetos de meditação, os quais
compreendem categorias de seus ensinamentos (e.g. as quatro nobres verdades), para serem
investigados por meio da percepção direta da experiência. O quadro 8 ilustra os fundamentos
de mindfulness na perspectiva budista:
Quadro 8 - Os Quatro Fundamentos de Mindfulness
Satipatthana Definição e propósito
Corpo
Consciência da respiração, de partes e de movimentos do corpo.
(kayanupassana)
Consciência e discriminação de sensações dolorosas, neutras e/ou
Sensações
agradáveis, assim como a consciência de seu surgir, seu ápice e
(vedananupassana)
desaparecer.
Mente Consciência e discriminação dos pensamentos e estados mentais, assim
(Cittanupassana) como a consciência do surgir, do ápice e desaparecer destes estados.
Dhammas Uma lista de objetos de meditação que são categorias de ensinamentos
(Dhammanupassana) fundamentais de sua doutrina.
Fonte: Adaptado de Analayo (2014)

Thānissaro (2003) esclarece que todos os fundamentos podem estar centrados em um


fundamento, como no corpo. Assim, com diligência, atenção plena e clara compreensão, a
prática dos fundamentos propicia o desenvolvimento de insights sobre a natureza dos
fenômenos observados, proporcionando mudanças profundas em sua cognição, emoções e
conduta, pavimentando o caminho para a liberação definitiva do sofrimento. É interessante
notar como o primeiro fundamento parte do corpo, antes dos pensamentos e sentimentos. De
fato, muitas escolas budistas restringem à prática de vipassana apenas ao corpo e suas

8
Usualmente traduzido como “objetos da mente”, não é tradução mais adequada visto que os outros
satiphattanas também surgem como objetos da mente (ver: Analayo, 2014, p. 183).
95

sensações, sendo nele ser possível, por meio de investigação hábil, apreender toda sabedoria
dos ensinamentos do Dharma. Convém notar que a literatura científica já traz a relevância do
corpo – e sua integração e concepção como parte indissolúvel da consciência – para melhor
compreensão de nós mesmos (Muniz, Santorum, & França, 2018; M. Williams & Penman,
2011).
Bodhi (2011) explica que na técnica, o fator mental mindfulness deve estar sempre
associado a outras duas qualidades mentais: (1) clara compreensão, que implica em uma
capacidade de compreender de forma clara sobre o que se observa ,o que se faz e suas
potenciais consequências, ou seja, uma sabedoria incipiente; (2) diligência, que implica em
dedicar uma energia equilibrada à prática e a retornar ao objeto de contemplação assim que
ele for perdido, assim como buscar manter uma postura mental livre de desejos e aversões ao
que se apresenta, a equanimidade. A diligência mantém o praticante persistindo na prática e
em retornar sistematicamente ao seu objeto de atenção, assim como em cultivar qualidades
mentais positivas em relação ao objeto. Estas três qualidades associadas foram definidas pelo
Buda como atenção apropriada.
Assim, de forma gradativa, o cultivo de mindfulness, compreendido como uma
qualidade mental desenvolvida por meio de sua prática meditativa correspondente, serve ao
propósito de transformar a mente, reduzindo estados mentais não saudáveis (p.e., excesso de
aversão ou apego) e fortalecendo estados mentais saudáveis (p.e., amor e compaixão)
(Olendzki, 2011). De fato, de acordo com textos da tradição, a prática de mindfulness tem
íntima relação com o desenvolvimento de metta/bondade amorosa e compaixão (B. H.
Gunaratana, 2001) e outras qualidade saudáveis, como alegria empática e equanimidade. .
Mais ainda, enfatiza-se que a prática do mindfulness não atuaria apenas no alívio de
emoções desagradáveis, mas sobretudo na erradicação de sua causa, promovendo mudanças
profundas, tanto nos processos cognitivos, quanto no entendimento sobre a vida e,
consequentemente, na conduta diária (Analayo, 2014; Kudesia & Nyima, 2015). Em outras
palavras, a prática de mindfulness quando eticamente e filosoficamente baseadas nos
ensinamentos budistas, modificariam a visão de mundo, o ethos e os comportamentos.

Um Dharma verde: contribuições potenciais


Neste sentido, trazemos à lume a contribuição de Schumacher para o campo do
conhecimento da sustentabilidade por questionar visões de mundo bem solidificadas, em
especial no campo da economia. Schumacher (1997) destaca que os economistas podem
inadvertidamente ter uma “cegueira metafísica”, assumindo que suas teorias são verdades
96

absolutas e invariáveis. O Budismo possui visões de mundo bem distintas da lógica ocidental
que poderiam ajudar a remediar a situação insustentável que nos encontramos.
Um primeiro ponto de contraponto é trazido por Schumacher (1997) quando afirma
que a economia ocidental mede qualidade de vida essencialmente pela quantidade de
consumo anual, assumindo que uma pessoa que consome mais está em melhor situação do
que uma pessoa que consome menos. Esta visão, de fato, é constatada na revisão de Laininem
(2018) conforme visto no capítulo de (in) sustentabilidade.
Para Schumacher, um economista budista consideraria essa abordagem irracional,
pois como o consumo é apenas um meio para o bem-estar humano, o objetivo deve ser obter
o máximo de bem-estar com o mínimo de consumo. Assim, do ponto de vista budista, o
padrão ideal de consumo é alcançar um alto nível de satisfação por meio de uma baixa taxa
de consumo de material.
Em uma análise sobre Quatro Nobres Verdades do Budismo e sua relação com
sustentabilidade, Weldford apud Zsolnai (2011) as ilustra tipificando a problemática do
desenvolvimento sustentável: (1) primeira nobre verdade: há sofrimento. Isso tem que ser
compreendido. Com o crescente secularismo e dissociação da natureza e do meio ambiente,
e os crescentes níveis de expectativas dentro e fora do trabalho, as pessoas estão ficando
menos satisfeitas com a vida e os estilos de vida que adotam; (2) Segunda nobre verdade: a
causa do sofrimento é o desejo. O desejo não controlado deve ser abandonado. Níveis
elevados de insatisfação têm implicações no consumismo: primeiro, há a percepção errônea
de que a compra de bens nos fará felizes (Schumacher, 2010) e, segundo, porque estamos
cada vez mais insatisfeitos e, portanto, infelizes ou estressados, somos incapazes de lidar com
as mudanças necessárias (3) Terceira nobre verdade: a cessação do sofrimento é a cessação
do desejo. Isso tem que ser realizado. Ao tomar consciência de que existe uma raiz para o
mal-estar social, sabemos que existe uma maneira de impedir essa complacência para iniciar
um caminho para a sustentabilidade; (4) quarta nobre verdade: o caminho para a cessação do
desejo é o caminho óctuplo: para parar de fazer o que nos deixa insatisfeitos, temos que
perceber a causa dessa insatisfação e continuar tentando nos comportar de maneira mais
sustentável. O Budismo nos mostra que isso é difícil e requer compromisso e prática
contínuos de meditação e desenvolvimento de virtudes.
De fato, no coração do Budismo está a virtude da moderação (Laumakis, 2008). Nesta
linha, Payutto (1992) afirma que de acordo com a abordagem budista, a atividade econômica
deve ser controlada pela qualificação que é direcionada à obtenção do bem-estar, e não à
“satisfação máxima” buscada pelo pensamento econômico dominante. No modelo
97

econômico convencional, desejos ilimitados são controlados pela escassez, mas no modelo
budista eles são controlados por uma apreciação da moderação e pelo objetivo do verdadeiro
bem-estar. O saldo resultante eliminará naturalmente os efeitos nocivos da atividade
econômica não controlada fruto de um consumo excessivo.
De fato, o desenvolvimento de mindfulness como vimos deveria trazer nossa
consciência ao presente e nos fazer refletir antes de qualquer ação. Assim, Payutto (1992)
avança sua discussão lembrando que sempre que usamos coisas, deveríamos dedicar tempo
para refletir sobre seu verdadeiro objetivo, em vez de usá-las sem maior reflexão
(mindfulness). Ao refletir dessa maneira, podemos evitar o consumo negligente e, assim,
danoso.
Em outra premissa diferente da cultura vigente, o Budismo não aceita a suposição da
superioridade do ser humano em relação a outras espécies. Em verdade, Story (2009, p. 8)
destaca:

O Budismo leva em consideração a capacidade latente do animal de afeto,


heroísmo e auto-sacrifício. Existe no Budismo um senso de parentesco com
tudo que vive... E isso não é uma questão de sentimento, mas está enraizado
na concepção budista de vida. É uma parte essencial de uma filosofia
grandiosa e abrangente que não negligencia nenhum aspecto da
experiência, mas estende a conceito de evolução pessoal para todas as
formas de consciência vida.
Assim, o ser humano deve observar bondade e compaixão pelas criaturas naturais.
Isso, obviamente, traria importantes benefícios para a sustentabilidade visto que a indústria
de maior responsabilidade em prejuízos ambientais é a pecuária (ver: Andersen & Kuhn,
2014). Uma grande lição de interdependência reside aqui: mais bondade e compaixão
direcionados aos animais proporcionaria profundos benefícios aos humanos.
Isso nos leva a refletir na interdependência, um ensinamento central do Budismo
(Karmapa, 2018). No Budismo, todas as coisas, incluindo plantas, seres humanos, outros
animais e objetos inanimados, estão unidos. Nas palavras de Van Gordon (2018, p. 1655):

Nós inter-existimos com a natureza (e todos os outros fenômenos) na


medida em que é impossível atribuir limites. Nossas mentes e corpos estão
incorporados ao mundo natural, de modo que, quando inspiramos, a
natureza respira conosco e, quando expiramos, a natureza também respira.
Nós somos da natureza da natureza; existe em nós e nós existimos nela.
Nesta linha, Zsolnai (2011) destaca que a interdependência entre as três esferas da
existência humana (indivíduo, sociedade, natureza) também incorpora os princípios da ordem
natural e da causalidade cármica que (1) justificam a centralidade da compaixão na visão
budista do mundo e (2) destacar a importância de uma reflexão cuidadosa sobre as
98

consequências a longo prazo e a intenção por trás da produção, consumo e outras ações
humanas.
Zsolnai (2011) descreve que interdependência explica a “racionalidade” da
compaixão, uma vez que toda ação afeta todo o universo e o “eu” existe apenas em relação
aos outros, assim ações que exploram o social ou o mundo natural tem repercussões negativas
em si. A natureza unificada e interconectada do universo sugere que ações ou intervenções
“violentas” que “consomem” o mundo material têm repercussões adversas na natureza
interconectada, que naturalmente inclui humanos. Logo, Zsolnai destaca que para que um
mundo justo e sustentável seja realizado, é necessária uma mudança ontológica: o
individualismo do capitalismo deve ser substituído pela noção de um “eu” interdependente.
Outro ponto relacionado ao conceito de interdependência e sustentabilidade são as
quatro qualidades incomensuráveis (Nhat Hạnh, 2001): Amor ou bondade-amorosa (metta);
Compaixão (karuna); Alegria simpática (mudita); e Equanimidade (upekkha). O quadro 9
ilustra seus significados:
Quadro 9 - As Quatro Qualidades Incomensuráveis
Qualidades Características
Desejar que os seres compreendam as causas da felicidade
Amor (pali: metta)
e sejam felizes
Desejar que os seres compreendam as causas do sofrimento
Compaixão (pali: karuna)
e fiquem livres do sofrimento
Reconhecer as verdadeiras qualidades alheias e alegrar-se
Alegria empática (pali: mudita)
com elas, assim como alegrar-se pela felicidade alheia
Equanimidade (pali: upekkha). Desejar que todos os seres sejam igualmente beneficiados
Fonte: Adaptado de Nyanaponika (2013)
Thera (2004) destaca que estas essas quatro atitudes são incomensuráveis porque são
o caminho ideal para os seres vivos. Elas fornecem, de fato, a resposta para todas as situações
decorrentes do contato social. Por exemplo, são as grandes pacificadoras em conflitos sociais
e as grandes curadoras de feridas sofridas na luta pela existência. Eles nivelam barreiras
sociais, constroem comunidades harmoniosas, revivem a alegria e a esperança há muito
abandonadas e promovem a irmandade humana contra as forças do egoísmo. Entretanto, tal
como mindfulness, devem ser cultivadas. Para este fim, Thera sugere que temos que usar
essas quatro qualidades não apenas como princípios de conduta e objetos de reflexão, mas
também como sujeitos da meditação metódica.
O Budismo oferece seu método de desenvolvimento por meio da prática meditativa
por meio da prática Brahma-vihara-bhavana (Nyanaponika, 2013), que foi secularizada e de
certa forma, parcialmente alterada pela ciência ocidental. Sob a alcunha de meditação da
99

compaixão (Weng et al., 2013), esta prática meditativa é parcialmente realizada, focando
apenas nas qualidades de Amor e Compaixão.
De fato, o Budismo traz mais algumas importantes contribuições para o campo da
sustentabilidade. Uma das funções de mindfulness é nos lembrar de prestar atenção ao que
está ocorrendo em sua experiência imediata com cuidado e discernimento (Wallace & Bodhi,
2006). As ações danosas e benéficas direcionadas a nós mesmos devem ser analisadas
também sob esta ótica. Para a tradição budista, nós também somos objetivo de contemplação
e dignos de nossa bondade amorosa e compaixão, não apenas os outros.
De fato, o crescimento da literatura científica ocidental relacionada a autocompaixão
foi essencialmente influenciada pelo Budismo. Neff (2003) afirma que se baseou em
acadêmicos budistas para desenvolver sua teoria de autocompaixão. Dessa maneira, Neff
(2003) esclarece que autocompaixão não denota um interesse próprio narcísico, mas sim um
construto tridimensional onde autogentileza e cuidado, mindfulness e um senso de
humanidade compartilhada estão juntos.
Mestres budistas constantemente destacam a relevância de autocompaixão para que
se possa efetivamente ser compassivo no mundo. Nesta linha, Trungpa (2015) destaca que
grande parte do caos existente no mundo decorre do fato de que as pessoas não têm apreço
por si mesmas:

Como nunca desenvolveram compreensão ou gentileza para com elas


próprias, não são capazes de experimentar harmonia ou paz em si mesmas
e, por isso, o que projetam para os outros é também desarmônico e confuso.
(...) Esse tipo de gentileza e de gosto por nós mesmos é algo muito
necessário. É a base para que ajudemos a nós mesmos e aos outros”
(Trungpa, 2015, p. 51)
Igualmente, Jinpa (2015) destaca que a compaixão é um sentimento de preocupação
que surge quando somos confrontados com o sofrimento alheio e nos sentimos motivados a
ver esse sofrimento aliviado, mas se não estivermos operando dentro de uma mentalidade de
compaixão fundamental por nossas próprias lutas, então não desenvolveremos recursos
adequados dentro de nós mesmos para podermos dar mais aos outros. Na mesma linha, Palmo
(2018) destaca:

O que realmente precisamos fazer é começar a olhar dentro de nossa


confusão. Aí podemos ver a confusão nos outros. À medida que níveis mais
e mais profundos de nossa psique se abrem, isso naturalmente libera nossa
compaixão inata. Temos clareza e compaixão dentro de nós, essa é a
natureza de nossa mente (Palmo, 2018, p. 127).

Nas palavras do 14º Dalai Lama (Gyatso, 2003), para alguém desenvolver compaixão
genuína para com os outros, primeiro ele ou ela deve ter um base sobre a qual cultivar
100

compaixão, e essa base é a capacidade de conectar-se aos próprios sentimentos e cuidar do


próprio bem-estar. Para Lama, cuidar dos outros exige cuidar de si mesmo. Importante frisar
que para o Budismo, uma ação compassiva não está separada de sabedoria, visto que apenas
o desejo de aliviar o sofrimento não é suficiente para que a ação seja compassiva. É preciso
compreender as causas do sofrimento e compreender a causas da felicidade, ou seja, o
entendimento correto que possibilita a ação correta de acordo com o caminho óctuplo. Para
efeitos de sustentabilidade, isso é fundamental, visto que entendermos em nós e nos outros
as causas do sofrimento (e.g., apego a valores insustentáveis; visão de mundo equivocada) é
fundamental para não apenas aliviarmos “estresse”, mas erradicarmos sofrimentos mais
profundos e pervasivos em nós e nos outros.
Como conclusão, o cultivo de uma visão Budista do mindfulness constitui um
processo éticamente direcionado e imerso em outros ensinamentos da visão de mundo e ethos
budista, firmemente orientado para o desenvolvimento de qualidades saudáveis da mente e
uma postura ética em relação a si mesmo, outras criaturas e ao nosso ambiente (Grossman,
2015). Quando uma intervenção de mindfulness dentro do ambiente corporativo não o
apresenta desta forma, pode reforçar todo o status quo, sendo assim contraproducente, danosa
e logo, antiética.
Com a disseminação do Budismo no Ocidente, o termo mindfulness passou a ser
utilizado para descrever algumas práticas de meditação desta tradição, surgindo a expressão
“meditação mindfulness” (Gunaratana, 2012). Posteriormente, a “meditação mindfulness”
passou a ser adaptada e incorporada de forma secular como ferramenta de tratamentos
complementares de saúde, dando origem à perspectiva dominante na ciência ocidental.

Perspectiva dominante: mindfulness é integrado à ciência ocidental

Ocidente: mindfulness goes global

Como visto, o conceito de mindfulness na literatura científica está firmemente


baseado na psicologia budista (Brown, Ryan e Creswell, 2007; Siegel, Germer e Olendzki,
2009) e tem sido usado como um termo abrangente na literatura psicológica. Mindfulness
pode referir-se a um conjunto de práticas meditativas específicas e / ou seus resultados, isto
é, um estado momentâneo de consciência (i.e., estado de mindfulness) ou um traço
psicológico relativamente estável (i.e., traço de mindfulness ou mindfulness disposicional)
101

relacionado a uma forma particular de estar atento ao momento presente. Em palavras mais
simples, você pode praticar meditações do tipo mindfulness, para você ser mindful (i.e.,
qualidade de quem apresenta a qualidade mental mindfulness).
Assim, mindfulness é tanto uma prática quanto um resultado (Kiken, Garland, Bluth,
Palsson, & Gaylord, 2015; Shapiro, 2009). Como prática, envolve o treinamento sistemático
da atenção, levando à não identificação com o que está sendo experimentado, seja a
respiração, as sensações corporais, ou processos de pensamento ou emoções (Chambers,
Gullone, & Allen, 2009). Seguindo a definição de Lutz et al (2008:02) meditação pode ser
definida como:
“um grupo de complexas estratégias de regulação emocional e atencional
desenvolvidas para vários fins, incluindo o cultivo do bem-estar e do
equilíbrio emocional”

Meditação é uma prática que precede o mindfulness, tendo suas origens datadas
muitos antes do surgimento do Budismo, ligada à práticas espirituais que visavam o desperat
da consciência e uma vida mais austera (Turci Junior, 2020). Como estado psicológico, a
definição mais referenciada é “prestar atenção de um modo particular: propositalmente, no
momento presente, sem julgamentos” (Kabat-Zinn, 1994, p. 4). Esta definição tornou-se a
mais influente na pesquisa dominante sobre mindfulness.

MBSR: o marco das MBIs


O marco da introdução do mindfulness nos estudos científicos foi a criação do
Programa de Redução do Estresse Baseado em Mindfulness (Mindfulness-Based Stress
Reduction Program - MBSR), em que a meditação mindfulness e outras práticas e preceitos
de origem Budista formaram a base e o fundamento de toda a proposta terapêutica (Kabat-
Zinn, 1982). John Kabat-Zinn teve sua trajetória marcada pela prática pessoal do Budismo,
o que influenciou a criação, em 1979, do “Programa de Redução de Estresse e Relaxamento”.
A intenção de John Kabat-Zinn foi desenvolver o MBSR a partir de sua própria prática do
Dharma, com o objetivo de estabelecer uma ponte entre as epistemologias da ciência médica,
psicológica e Budista (Kabat-Zinn, 2011).

Cresce o interesse: definições alternativas


No intuito de poder sistematizar a investigação científica de mindfulness, estudiosos
do tema vêm explorando possíveis definições operacionais para a mesma. Por exemplo,
Bishop e colaboradores (2004) propuseram uma definição operacional em que a prática de
102

mindfulness é concebida a partir de dois aspectos fundamentais: autorregulação atencional e


orientação para a experiência presente. Shapiro e colaboradores (2006) propuseram uma
operacionalização Aliciarçada em três componentes: intenção, atenção e atitude.
A intenção é o motivo pelo qual a pessoa busca a prática de mindfulness: o cuidado
da sua saúde e do seu bem-estar (Kabat-Zinn, 2013). A atenção envolve a observação,
momento a momento, da experiência interna e externa. Na prática formal de meditação
mindfulness no contexto do MBSR, busca-se desenvolver a capacidade de manter a atenção
estável por longos períodos de tempo em um objeto (i.e. atenção sustentada), a capacidade
de desengajar a atenção da distração e retornar o foco ao momento presente e, ainda, de
inibição cognitiva, ou seja, desvincular-se de um processamento elaborativo autorreferencial
de pensamentos, emoções e sensações que emergem na consciência (Shapiro, Carlson, Astin
e Freedman, 2006). A atitude refere-se à qualidade de como ocorre o prestar atenção. Kabat-
Zinn (2013) descreve algumas atitudes essenciais, entre elas: adotar uma postura de
testemunha imparcial em relação às experiências (i.e. não julgar); curiosidade e abertura (i.e.
mente de principiante) e; ser receptivo a qualquer emoção ou pensamento que emergir, não
impondo ideias de como a experiência deveria ser no momento (i.e. aceitação).
De forma análoga, Brown, Ryan e Creswell (2007b) definem mindfulness como a
consciência “clara” (clear awareness) da experiência interna e externa, de forma não
conceitual e não discriminatória, com a capacidade de flexibilidade da atenção entre
consciência (awareness) e atenção (attention). Assim, a autorregulação da atenção
promovida em mindfulness envolve tanto a atenção focada (focused attention), utilizada
inicialmente para estabilizar a atenção, assim como o monitoramento aberto (open
awareness), na qual o foco da prática passa a ser a observação dos estímulos que surgem na
consciência. O desenvolvimento deste estado de autoconsciência - uma consciência
autodirigida, que conota tomar a si mesmo e / ou suas experiências como um objeto de
atenção - introduz um espaço entre o que é percebido e a resposta comportamental. Dessa
forma o mindfulness possibilita que a pessoa responda às situações internas e externas de sua
vida de forma mais consciente, menos automatizada (Bishop et al., 2004).
A tabela 2 abaixo foi baseada na revisão de literatura de Brown, Ryan e Creswell
(2007) e ilustra as principais características do mindfulness:
103

Tabela 2 - Características de Mindfulness


Caracteristicas Definição Referências
Analayo (2014); Brown and
Uma atenção “crua” e consciência “limpa” da Ryan (2003); Gunaratana
Clareza de consciência realidade interna e externa de um indivíduo. (2011); Thera (2014); Kabat-
Zinn (2003).

A compreensão de que a realidade é não-


conceitual; O modo mindful de processamento Brown and Ryan (2003);
Tomar consciência de
de estímulos ocorre sem categorizações, Gunaratana (2011); Kabat-
forma não-conceitual e
comparações e avaliações imediatas e é não Zinn (2003).
não-discriminatória
auto referenciado.

Como uma lente focal, pode-se ir de uma Analayo (2014); Guranatana


Flexibilidade de perspectiva mais ampla (open awareness) para (2011); Goldstein (2013); Lutz
consciência e atenção uma mais focada (focused attention). et al. (2008).

Envolve a busca da totalidade dos fatos e o


Postura empírica e adiamento de julgamentos sobre o que se Goldstein (2013); Gunaratana
vivencial perante a apresenta, além da participação alerta no (2011).
realidade processo em andamento da vida.

A noção de presença e a lembrança de voltar à Analayo (2014); Brown and


consciência ao momento presente. Estar no Ryan (2003); Goldstein
Consciência orientada
presente é conceitualmente diferente de viver (2013); Gunaratana (2011);
para o presente.
para o presente. Thera (2014); Kabat-Zinn
(2003).

Ter a capacidade de se manter continuamente


Estabilidade ou consciente da realidade presente. Mindfulness é Analayo (2014); Brown and
continuidade de atenção e uma capacidade inerente ao organismo Ryan (2003); Gunaratana
consciência humano, mas não está desenvolvida em todos. (2011); Thera (2014).

Fonte: Siqueira, R. P., & Pitassi, C. (2016).

Essas características estão de acordo com a pesquisa de Baer e colaboradores (2008),


ao sugerir que cinco habilidades compõem o conceito de mindfulness skills: observar,
descrever, agir com consciência, não-julgamento da experiência interior e não reatividade à
experiência interior, cujas habilidades podem ser medidas com a escala Five Facet
Mindfulness Questionnaire FFMQ (para uma revisão de escalas, ver: Sauer et al., 2013). O
quadro 10 sintetiza as dimensões:
104

Quadro 10 - Dimensões de Mindfulness


Dimensão Descrição
Observar Diz respeito a nossa capacidade de perceber, notar o que se apresenta na
experiência presente, tanto interna (i.e. pensamentos, sentimentos e
sensações), quanto externa (e.g. sons, imagens, aromas).
Descrever Ilustra nossa capacidade colocar em palavras nossa experiência presente.
Agir com consciência Estar atento à ação em andamento no momento presente. O posto de estar
no piloto automático
Não julgamento à Adotar uma postura menos automática e avaliativa em relação aos nossos
experiência interna pensamentos, emoções e sensações
Não reatividade à A habilidade de permitir que pensamentos, sentimentos e sensações venham
experiência interna e vão, sem nos apegar e nem nos deixarmos levar por eles.

Fonte: Adaptado de Baer et al (2008).

A emergência das MBIs: as intervenções baseadas em mindfulness


A crescente incorporação da meditação mindfulness na “mainstream science” e a
disseminação do MBSR fomentaram o surgimento subsequente de diversas modalidades de
intervenções baseadas em mindfulness, conhecidas como Mindfulness-Based Interventions –
MBIs (para uma revisão das intervenções, ver: Creswell, 2017), que visam promover uma
maior atenção e consciência da experiência do momento presente e produzir aumentos no
traço de mindfulness. Neste contexto, as terminologias mindfulness skills (habilidades de
mindfulness), dispositional mindfulness (mindfulness disposicional) e trait mindfulness (traço
de mindfulness) são utilizadas com o mesmo fim.
Estas definições operacionais e seus respectivos instrumentos de avaliação vêm sendo
utilizados de duas formas principais: para identificar se a prática de meditação e outras
práticas contemplativas de fato promovem o desenvolvimento destas habilidades; para
investigar se algumas pessoas podem ser naturalmente mais propensas a apresentar ou a
recorrer a estas capacidades, independente da experiência com meditação e/ou práticas afins
(para uma revisão, ver: Quaglia, Braun, Freeman, Mcdaniel, & Brown, 2016).
Assim, quanto maior o traço de mindfulness, maior a possibilidade de o indivíduo
manifestar estas habilidades em com maior frequência, duração e intensidade. Siegel, Germer
e Olendzky (2009:8) esclarecem: “assim como podemos melhorar nosso desempenho físico
por meio da prática regular de exercício físico, nós podemos desenvolver mindfulness por
meio de práticas mentais deliberadas”. Ou seja, meditações baseadas em mindfulness. Por
meditação, Luz et al (2008:02) definem como “um grupo de complexas estratégias de
regulação emocional e atencional desenvolvidas para vários fins, incluindo o cultivo do bem-
estar e do equilíbrio emocional”.
105

Dessa forma, o propósito das intervenções é facilitar o estado de mindfulness, ou seja,


uma consciência aberta, receptiva para o que está surgindo no momento atual, de modo que,
através da prática sistemática, os participantes possam apresentar com maior duração,
frequência e intensidade este estado, passando assim a desenvolver o traço de mindfulness,
isto é, uma predisposição psicológica de apresentar o estado de mindfulness (Jamieson &
Tuckey, 2017). A figura 2 ilustra o processo:
Figura 2 - Visão geral das relações entre os conceitos de intervenção de mindfulness, prática
de mindfulness, estado de mindfulness e traço de mindfulness.

Fonte: Jamieson & Tuckey (2017, p. 2)

Embora não haja consenso sobre quanto tempo uma MBI deva possuir, há um acordo
de que os benefícios a longo prazo só podem ser alcançados se os participantes continuarem
a praticar regularmente e incorporá-la em sua vida cotidiana. Em outras palavras, mindfulness
não pode ser entregue aos outros, outrossim, deve ser praticado e cultivado por aqueles que
procuram mudanças duradouras em sua forma de ser e agir.
O desenvolvimento de várias MBIs derivadas do MBSR (e.g. MBCT; Teasdale,
Segal, & Williams, 1995) levou a uma série de estudos - incluindo ensaios clínicos
randomizados (RCTs) - relatando resultados na cognitivos, afetivos, comportamentais e, em
certa medida, interpessoais9 (para revisão, ver: Creswell, 2017). Uma vez que o estado de
mindfulness tenha se estabilizado, e sua prática sistemática tenha se transformado em hábito,
o aprimoramento de habilidades e efeitos salutares é esperado.

9
Descreveremos em detalhes alguns estudos e sesu resultados quando apresentarmos o modelo teórico
da tese.
106

Esses resultados positivos levaram ao uso de MBIs no local de trabalho, facilitando


muitos aspectos da saúde e bem-estar dos funcionários (Good et al., 2016; Jamieson &
Tuckey, 2017). Por exemplo, embora a pesquisa de mindfulness seja nova na literatura sobre
liderança, seus resultados são promissores (Good et al., 2016). De fato, mindfulness tem sido
referenciado como uma habilidade fundamental que pode ajudar os líderes a enfrentarem o
desafio dos problemas adaptativos, promovendo melhor controle do estresse e menos
emoções reativas, melhorando a tomada de decisão. Além disso, como o treinamento em
mindfulness leva a uma capacidade aprimorada de flexibilidade cognitiva, os líderes com
maior característica de mindfulness provavelmente experimentarão uma maior capacidade de
criatividade, adaptabilidade e inovação (Hunter & Chaskalson, 2013).

Críticas à perspectiva dominante: o movimento da segunda geração de MBI´s


Apesar das descobertas positivas do uso de MBIs no campo clínico, psicológico e
organizacional, recentemente estudiosos sugeriram que a perspectiva dominante da
mindfulness só pode incorporar parcialmente o potencial total do mindfulness (E. Shonin &
Van Gordon, 2015; Van Gordon, Shonin, Sumich, Sundin, & Griffiths, 2014). A perspectiva
dominante do mindfulness não menciona - pelo menos explicitamente - outros elementos
fundamentais em que o mesmo está enraizado, como o discernimento ético, a compaixão e a
sabedoria (Purser & Milillo, 2015). Críticos afirmam que a perspectiva dominante da
mindfulness só pode incorporar parcialmente o potencial total do mindfulness em, por essa
razão, os esforços para definir e aplicar mindfulness de uma maneira mais congruente com
os ensinamentos budistas emergiram (E. Shonin & Van Gordon, 2015; Van Gordon et al.,
2014). Uma definição proposta que capta os aspectos do mindfulness como uma prática, um
estado e uma habilidade eticamente direcionada é o tipo de consciência que surge através da
intenção de se prestar atenção de uma maneira aberta, receptiva e com discernimento ao que
está surgindo no momento presente (Shapiro & Carlson, 2009). Embora reconheçamos que
esta definição pela questão do discernimento traz um avanço em relação à definição padrão
adotada por pelas MBIs, nos alinhamos a definição de consciência lúcida (lucid awareness)
proposta por Bodhi (2011) é a mais adequada, por abordar dentro do conceito de lucidez
aspectos éticos do mindfulness como interdependência e compaixão.
Mais recentemente, acadêmicos definiram mindfulness como "o processo de envolver
uma consciência plena, direta e ativa em relação aos fenômenos da experiência; espiritual em
essência e que é mantida de um momento para o outro” (E. Shonin, Gordon, & Griffiths,
2014, p. 389). O termo consciência ativa deve enfatizar que mindfulness não implica apenas
107

estar aberto e aceitar experiências, mas também requer ativamente se envolver no momento
presente e usar sabedoria discriminatória, isto é, estar ciente do caráter ético de suas ações, a
fim de discernir o que poderia ser a resposta mais habilidosa e compassiva em qualquer
situação (E. Shonin & Van Gordon, 2015, p. 900).
Esses estudiosos são parte da chamada segunda geração de intervenções baseadas em
mindfulness, onde algumas das principais características é a transformação pessoal do
praticante e a inclusão de práticas de meditação para a transformação espiritual visando
beneficiar não só o praticante, mas também todos seres conscientes (Singh et al., 2014; Van
Gordon, Shonin, & Griffiths, 2015). Um exemplo deste tipo de MBI é o meditation
awareness training (MAT), que incorpora práticas que visam cultivar cidadania, consciência
ética, generosidade e compaixão (E. Shonin & Van Gordon, 2015). Por certo, desenvolver
em executivos a capacidade de estar consciente ao momento presente, momento a momento,
com discernimento e com uma atitude ativa, generosa e compassiva é de interesse para nossas
aspirações de construção de uma sociedade sustentável.

A emergência dos primos ricos: compaixão e empatia


Como abordado em nossa descrição da perspectiva budista, um construto de profunda
conexão com mindfulness e de interesse neste trabalho é compaixão, que envolve o
reconhecimento do sofrimento, o se importar com ele e estar disposto a agir para aliviá-lo
(para revisão, ver: Strauss et al., 2016). Compaixão (karuna, em pali), dentro da psicologia
budista, é uma das quatro qualidades incomensuráveis (i.e. amor, compaixão, alegria e
equanimidade), tidas como quatro atitudes “sublimes”, porque são o caminho certo ou ideal
de conduta para os seres vivos (Nyanaponika, 2013).
Nesta linha, a atitude compassiva deve ser um dos principais resultados do
mindfulness (Grossman, 2015; Purser & Milillo, 2015) e a prática de mindfulness é
frequentemente usada como uma fase preliminar para se estabelecer a concentração
necessária para as práticas de bondade amorosa (loving-kindness meditation; LKM) e de
compaixão (compassion meditation; CM), tanto no contexto budista como na prática secular.
LKM e CM são exercícios de meditação orientados para o fortalecimento de bondade e da
compaixão para si e para os outros (Hofmann, Grossman, & Hinton, 2011), inclusive seres
sencientes não humanos no âmbito budista (Nhat Hanh, 2015).
Na literatura psicológica, compaixão tem recebido cada vez mais atenção (Roeser &
Eccles, 2015), estando relacionada, por exemplo, a maior preocupação com o sofrimento
alheio, a atitudes e comportamentos prossociais e mesmo pro-ambientais (Goetz, Keltner, &
108

Simon-Thomas, 2010; Pfattheicher, Sassenrath, & Schindler, 2015). Em um nível individual,


a compaixão tanto favorece maior sensibilidade e resposta ao sofrimento alheio (Condon,
Desbordes, Miller, & DeSteno, 2013), maior comportamento altruístico (Weng et al., 2013),
assim como também maior atitude pró-ambiental (Pfattheicher et al., 2015). Em um nível
organizacional, a compaixão pode ser expressa de várias formas, como voluntariado
corporativo, comportamento organizacional pró-social, responsabilidade social e ambiental
entre outros (George, 2014).
Um conceito correlato à compaixão e mindfulness é empatia, geralmente definida
como um traço afetivo (empatia afetiva; a capacidade de experimentar as emoções do outro)
e/ou uma capacidade cognitiva (empatia cognitiva; a capacidade de compreender as emoções
de outro) (Jolliffe & Farrington, 2006). Mais recentemente, Carré e colegas (2013) revisaram
a estrutura bifatorial da empatia, encontrando três dimensões, quais sejam: (1) empatia
cognitiva, que envolve a capacidade de compreender os afetos de outra pessoa, preservando
o distinção entre o eu e o outro (perspectiva emocional); (2) contágio emocional, que envolve
um processo automático de replicar a emoção de outra pessoa e de avaliar rapidamente a
natureza da emoção, ou seja, e se é positiva ou negativa, agradável ou aversiva; e (3)
desconexão emocional, uma dimensão regulatória que envolve a autoproteção contra o
sofrimento, a dor e o impacto emocional, sendo assim uma capacidade de regulação
emocional. Baixos níveis de empatia estão associados a comportamentos anti-sociais, como
violência e crueldade e níveis mais altos de empatia estão associados ao comportamento pró-
social, como oferecer apoio a um outro ser humano. Neste ponto, a literatura aponta embora
a empatia seja crucial para interações positivas, o compartilhamento excessivo de outras
emoções negativas pode ser desadaptativo (Klimecki, Leiberg, Ricard, & Singer, 2013) e
constituir uma fonte de burnout ou esgotamento (Bloom, 2017; Kestenberg, 2010). Neste
ponto, Bloom (2017) advoga que compaixão no sentido de valorizar outras pessoas e se
preocupar com seu bem-estar, mas sem necessariamente sentir sua dor - pode ter todas as
vantagens da empatia e poucas de suas fraquezas.
Se por um lado, a empatia afetiva tem relação com a capacidade de sentir o que o
outro sente, a empatia cognitiva é a capacidade de discernir estados emocionais dos outros
sem sofrer contágio emocional. Por sua utilidade funcional, esta última pode ser uma
ferramenta valiosa para insights em contextos organizacionais, por exemplo. Infelizmente, a
empatia cognitiva também pode estar subjacente às personalidades manipulativas. Nesta
linha, três dos principais tipos de personalidade socialmente aversivos, quais sejam,
psicopatia, narcisismo e maquiavelismo, são todos caracterizados por déficits na empatia
109

afetiva, mas não em empatia cognitiva (Blair, 2005; Wai & Tiliopoulos, 2012). Em um
contexto organizacional onde a cultura privilegia a maximização do lucro em detrimento de
questões sociais ou ambientais, indivíduos com fortes traços de personalidade disfuncionais
podem se sobressair. Isso pode explicar como muitos indivíduos com tais traços são
encontrados em ambientes corporativos e buscam posições de liderança nas corporações
(Boddy, Ladyshewsky, Richard, & Galvin, 2010; Goldman, 2006), causando imensos danos
à sociedade e ao planeta quando bem sucedidos em seus intentos.
Estudos empíricos têm relacionado à prática de mindfulness com maiores níveis de
empatia (Dekeyser, Raes, Leijssen, Leysen, & Dewulf, 2008; Winning & Boag, 2015) e na
literatura psicológica e budista, há um reconhecimento explícito que a compaixão exige
empatia e, portanto, parecem ver a empatia como um elemento essencial da compaixão.
Mesmo assim, eles sugerem que a compaixão tem componentes adicionais além da empatia
(Strauss et al., 2016). Em particular, o desejo de agir para aliviar o sofrimento é visto como
uma característica central da compaixão, mas não da empatia. Adicionalmente, considerando
que a compaixão é sentida especificamente em resposta ao sofrimento, a empatia pode se
aplicar a uma gama mais ampla de situações, por exemplo, pode-se sentir empatia com a
raiva, o medo ou a alegria de outra pessoa (Pommier, Neff, & Tóth-Király, 2020; Singer &
Klimecki, 2014). Desta forma, em um contexto empresarial, líderes que demonstram cobiça
por melhor performance financeira a qualquer custo podem encontrar amparo na empatia de
outros líderes e seguidores com traços internos similares, causando uma influência
perniciosa, e não virtuosa, às dimensões sociais e ambientais da sustentabilidade corporativa.
Em sua revisão de literatura sobre compaixão, Strauss e colegas (2016) propuseram
uma definição operacional de compaixão composta de 5 partes: 1) Reconhecer o sofrimento;
2) Compreender a universalidade do sofrimento na experiência humana; 3) Sentir empatia
pela pessoa que sofre e se conectar com sua angústia (ressonância emocional); 4) Tolerar
sentimentos desconfortáveis despertados a partir do sofrimento alheio (e.g, aflição, medo),
permanecendo aberta e receptiva; e 5) Motivação para agir / agir para aliviar o sofrimento. O
quadro 11 ilustra diversas definições encontradas sobre compaixão em relação a estas cinco
dimensões:
110

Quadro 11 - Definições de compaixão em relação aos cinco fatores


Reconhecimento do Compreender a Ressonância
sofrimento universalidade do Emocional
sofrimento
1. “Ser movido pelo sofrimento do outro e querer ajudar” (Lazarus, 1991, p. 289) ✓(implícito) ✓
.
2. “Uma abertura ao sofrimento dos outros com o compromisso de aliviá-lo” (Dalai ✓(implícito) ✓ ✓
Lama, 1995). As conceituações budistas também destacam os componentes
cognitivos (por exemplo, a capacidade de imaginar e raciocinar sobre as
experiências de uma pessoa) e abordam aqueles que sofrem com a tolerância e
o não julgamento
3.“Ser tocado pelo sofrimento dos outros, abrindo a consciência para a dor e não ✓ (explicitamente ✓
evitando ou desconectando-se, de modo que surjam sentimentos de bondade declarado)
para com os outros e o desejo de aliviar seu sofrimento. Envolve também
oferecer compreensão sem julgamento para aqueles que falham ou cometem
erros” (Neff, 2003a, p. 86-87)
4. Compaixão consiste em três facetas: perceber, sentir e responder (Kanov et al., ✓ (explicitamente ✓
2006). declarado)

5. “Uma profunda consciência do sofrimento do outro, aliada ao desejo de aliviá-lo” ✓ (explicitamente ✓


(Gilbert, 2009, p. 13). Compaixão consiste em seis "atributos": Sensibilidade, declarado)
Simpatia, Empatia, Motivação / Cuidado, Tolerância à Angústia e Não-
Julgamento.
6. “O sentimento que surge em testemunhar o sofrimento do outro e que ✓ (explicitamente ✓
motiva um desejo subsequente de ajudar” (Goetz et al., 2010, p. 351). declarado)
7. “Uma orientação da mente que reconhece a dor e a universalidade da ✓ (explicitamente ✓ ✓
dor na experiência humana e a capacidade de enfrentá-la com gentileza, declarado)
empatia, equanimidade e paciência” (Feldman & Kuyken, 2011, p. 145).

8. A compaixão envolve três elementos: bondade, atenção plena e humanidade ✓(implícito) ✓ ✓


comum (Pommier, 2011).

Legenda: Algumas definições de compaixão explicitamente incluem um elemento de "reconhecer o


sofrimento", enquanto em outras, isso está implícito. Os autores indicam se "reconhecer o sofrimento" é
explicitamente declarado ou implícito da seguinte maneira: ✓ (explicitamente declarado) e ✓ (implícito).
Fonte: Strauss et al. (2016, p. 18)
111

Em todas essas definições, a compaixão é vista como a consciência do sofrimento de


alguém, e sendo tocado por ele, agindo ou sentindo-se motivado a ajudar. De fato, espera-se
que traços compassivos em um indivíduo aumentem a possibilidade de que suas atitudes,
decisões e comportamentos estejam alinhados com maior consciência social e ambiental,
além de compreender seu próprio sofrimento diante da experiência organizacional, buscando
aliviar o sofrimento, seja do outro, seja o próprio.

Autocompaixão e autocuidado: a ciência ocidental encontra (mais uma vez) o Budismo


Esse autocuidado está relacionado a outro conceito correlato a compaixão: a
autocompaixão, definida como “ser tocado e estar aberto ao próprio sofrimento, não evitando
ou desconectando-se dele, gerando o desejo de aliviar o sofrimento e curar-se com bondade”
(Neff, 2003a, p. 86). Vários estudos descobriram que a autocompaixão é um poderoso
preditor de saúde, sendo, por exemplo, negativamente correlacionada à autocrítica, ansiedade
e ruminação, sendo positivamente correlacionada com satisfação de vida e conexão social
(Neff, 2003a).
De uma perspectiva budista, como vimos, a autocompaixão é uma resposta ao
sofrimento pessoal com sabedoria, gentileza e atenção plena (mindfulness), que se estende
além do eu e alcança todos os outros que estão sofrendo (Reyes, 2012). Conforme visto na
literatura, a compaixão e a autocompaixão envolvem uma atitude sem julgamento à dor,
inadequações e fracassos de si e dos outros, de modo que a própria experiência de sofrimento,
ou a alheia, seja vista como parte da experiência humana compartilhada por todos. Isso não
significa, entretanto, que não haja algum tipo de reflexão sobre as causas e condições do
sofrimento.
No Budismo, a compaixão é vista não apenas como uma resposta emocional, mas
também como uma resposta baseada na razão e na sabedoria, que está enraizada em um
quadro ético preocupado com a intenção de libertar os outros do sofrimento (Strauss et al.,
2016). Consonante – e influenciada pelo Budismo – a revisão de Reyes (2012) indica que a
literatura psicológica ocidental destaca aspectos de sabedoria atribuídos à compaixão e
autocompaixão, quais sejam: 1. Sabedoria discriminativa, que abarca a capacidade de avaliar
o comportamento de uma pessoa – ou o próprio - entendendo os fatores positivos e negativos
que influenciam as ações da pessoa; 2. Sabedoria reflexiva, que é a capacidade de ver os
eventos de forma realista e desenvolver entendimento sobre comportamentos pessoais que
podem contribuir para o sofrimento ou felicidade; 3. Sabedoria afetiva, que envolve o
desenvolvimento de uma atitude de não julgamento ao sofrimento alheio o próprio, e a
112

percepção de que uma atitude de julgamento resulta em uma desconexão de si mesmo e dos
outros. Assim, compaixão, autocompaixão e sabedoria formam uma trindade indissolúvel, se
não sob pena de não se manifestarem em uma qualidade benéfica ou sustentável.
Isso significa que em um contexto de sustentabilidade, cabe ao indivíduo perceber
onde que há sofrimento, buscar compreender as causas e condições que o geram e o
sustentam, inclusive sua responsabilidade nisto, para que assim possa - com sabedoria e
compaixão – agir para a redução do sofrimento gerado seja em si, na sociedade ou mesmo na
natureza.
Logo, o cultivo da compaixão, em paralelo ao cultivo do mindfulness, surge como
importante elemento para o desenvolvimento de líderes e liderados mais conscientes e
compassivos (Hougaard & Carter, 2018), e assim, mais hábeis e dispostos a influenciar as
organizações para uma direção mais ética e sustentável.

Mindfulness e Empresas: estudos organizacionais

Recentemente, mindfulness ganhou maior visibilidade também na literatura não-


científica, com uma grande quantidade de cursos, livros, sites e consultores promovendo
saúde para pessoas e performance para empresas. Na tentativa de aproveitar esta onda,
grandes empresas Google, General Mills and Aetna adotaram programas de mindfulness
(Gelles, 2012; Macaro & Baggini, 2015). De fato, a Google possui seu próprio protocolo –
Search Inside Yourself (Tan, 2014) – posicionado para lideranças e associado ao
desenvolvimento de inteligência emocional.
Como vemos, mindfulness é um campo de estudo promissor no campo
organizacional, em especial no atual ambiente de negócios, usualmente denominado como
VUCA, um acrônimo em inglês para volatilidade (volatility), incerteza (uncertainty),
complexidade (complexity) e ambiguidade (ambiguity)(Bennett & Lemoine, 2014).
Permeado de desafios adaptativos, fruto das incertezas econômicas, disrupções tecnológias,
globalização e pressões de públicos diversos. Assim, executivos com determinadas
habilidades cognitivas, emocionais e interpessoais (e.g. criatividade; flexibilidade cognitiva;
inteligência emocional; gestão do estresse) possuem maior chance de prosperar no ambiente
de negócios atual (Brendel, Hankerson, Byun, & Cunningham, 2016; Hall & Rowland, 2016;
Hunter & Chaskalson, 2013).
Mais recentemente, uma intervenção desenhada exclusivamente para ambiente
empresarial os dados preliminares sugerem reduções significativas no em burnout e estresse
113

percebido, e melhorias no bem-estar percebido durante o período de intervenção em


comparação com o período pré-intervenção (Kersemaekers et al., 2018). Neste contexto, o
mindfulness surge como alternativa promissora no apoio ao desenvolvimento destas
habilidades, pois estudos empíricos indicam que o mindfulness está associado a uma maior
regulação emocional (Chambers et al., 2009) e negativamente relacionada a resultados
disfuncionais, como ansiedade, depressão e afetos negativos (e.g. Brendel et al., 2016; Roche,
Haar, & Luthans, 2014) e no desenvolvimento de capacidades de colaboração, resiliência e
de liderar em meio à complexidade (Reitz, Chaskalson, Olivier, & Waller, 2016).
Por exemplo, Hunter e Chaskalson (2013) destacam que líderes atualmente navegam
em águas desconhecidas, onde antigos modelos e premissas não mais norteiam as decisões.
Como resultado, indivíduos e organizações são chamados a encarar e se ajustar de forma
efetiva à “eventos cada vez mais discordantes, imprevisíveis e extremos. Os autores
argumentam que mindfulness é um meio efetivo e poderoso de ajuda aos líderes para lidar
com os desafios adaptativos da era atual. Um desafio adaptativo é diferente de um desafio
técnico, pois o problema e a solução podem não ser reconhecidos e compreendidos com os
atuais esquemas. Assim, “desafios adaptativos pedem aos líderes para crescerem na direção
de formas mais sofisticadas de ver, pensar, agir e relacionar” (p. 04). Assim, desafios
adaptativos não podem se basear em soluções, modelos de compreensão anteriores. Para os
autores, quando líderes aplicam tais modelos, se veem imobilizados, estressados e frustrados
com a falta de progresso nas soluções demandadas. Mindfulness podem proporcionar aos
líderes uma forma prática de aumentarem sua atenção e consciência, elevando seus potenciais
para uma ação adaptativa e maior autogestão.
Nesta linha, Reb e colegas (2014) realizaram dois estudos e descobriram que, para os
funcionários que trabalham em empregos emocionalmente exigentes, mindfulness promove
a satisfação no trabalho e ajuda a prevenir o esgotamento em termos de exaustão emocional.
Os resultados mostraram que o estado de mindfulness está inversamente relacionada com o
esgotamento emocional dos funcionários e positivamente relacionado à satisfação no
trabalho.
Brendel e colegas (2016), após uma extensa revisão de literatura perpassando as áreas
de desenvolvimento de liderança e mindfulness, encontraram cinco qualidades pessoais que
possuem relação direta com o complexo ambiente de negócios atual e são presentes nestas
duas áreas: criatividade, resiliência, tolerância à ambiguidade, gestão do estresse e redução
de ansiedade. Tais qualidades seriam fundamentais aos líderes para lidarem com as múltiplas
demandas que o ambiente organizacional atual traz. Em uma abordagem semi-experimental,
114

com participantes sendo efetivamente líderes organizacionais, os pesquisadores encontraram


que comparada a uma abordagem cognitiva-comportamental de desenvolvimento de
liderança (e.g. curso de liderança), uma sessão semanal de mindfulness de 45 minutos
apresentou redução significativa no estresse percebido, no traço de ansiedade e, com
destaque, uma melhora na regulação focal, fundamental para transformar ideias criativas em
realidade apesar de riscos e dificuldades. Adicionalmente, a redução no traço de ansiedade
se mostrou negativamente correlacionada com a geração de ideias novas e insights. Embora
os índices de tolerância à ambiguidade e resiliência não tenham se mostrado
significativamente correlacionados, os autores alertam que os resultados sugerem que isto
provavelmente se deve ao fato de a prática ocorrer apenas uma vez por semana, pois a direção
da alteração foi positiva.
Adicionalmente, um trabalho similar desenvolvido por outra equipe de pesquisadores
apresentou resultados promissores. Reitz e colegas avaliaram (2016), por meio de um
desenho experimental, o impacto de um programa de liderança baseado em mindfulness com
duração de oito semanas na habilidade de colaboração, resiliência e capacidade de liderança
na complexidade com líderes seniores. Os resultados indicaram que o programa, acrescido
da prática diária de 10 minutos de mindfulness, levou a melhoria na colaboração, resiliência
e capacidade de liderança em tempos complexos (Reitz et al., 2016). Conduzido por dois
profissionais, um professor de mindfulness com 40 anos de experiência e significativa
experiência de docência em ambientes organizacionais e de liderança; e outro professor com
prática pessoal diária de mindfulness e extensiva experiência na facilitação de programas de
desenvolvimento de liderança, consistia de 3 encontros a cada duas semanas com duração
aproximada de 4 horas, com um dia inteiro extra no final.
As práticas foram derivadas de protocolos já previamente validados (MBSR e
MBCT) e sempre foram seguidas de ensinamentos sobre liderança organizacional. Cada
sessão possui conteúdo diferente, mas atende o seguinte roteiro: instruções iniciais; prática
de meditações mindfulness e feedback dos participantes; discussões sobre a aplicação em
contextos de liderança; feedback sobre a prática realizada em casa e definição de novas
práticas para casa.
Assim, os autores apresentam uma base inicial para uma teoria de liderança mindful,
composta de 2 habilidades primárias que facilitam outras: a capacidade de observar os
próprios pensamentos, sentimentos e sensações no momento e permitir uma atitude de
aceitação e curiosidade. Entre estas duas habilidades, cria-se um espaço de ação para os
líderes, em oposição à reação ao que se apresenta. Assim, este espaço, por sua vez, possibilita
115

“uma série de habilidades cognitivas e emocionais como foco, regulação emocional, empatia,
adaptabilidade e perceber algo sob uma perspectiva diferente, que são vitais para uma
liderança bem sucedida atualmente” (Reitz et al., 2016, p. 5).
Reitz e colegas alertam que o mindfulness, entretanto, não deve ser visto como um
remédio de efeito rápido, pois os resultados encontrados mostram que, quanto mais os
participantes se engajavam em práticas em casa, mais o efeito se mostrava significativo.
Assim, os autores enfatizam que a prática sustentada de ao menos 10 minutos por dia ao
longo de oito semanas é fundamental para que estes efeitos se verifiquem. Recentemente,
através de uma perspectiva neurológica, Pless e colegas argumentam que a prática da
mindfulness pode ter efeitos positivos significativos na tomada de decisões éticas nas
organizações (Pless, Sabatella, & Maak, 2017).
É relevante mencionar um estudo empírico que descobriu que a liderança ética exerce
mais influência ética nos liderados na medida em que este possui maior nível de mindfulness
(Eisenbeiss & van Knippenberg, 2015). Isto sugere que para que a influência da liderança
nas políticas e estratégias corporativas para a sustentabilidade seja mais efetiva, o
treinamento de mindfulness deve ser oferecido a toda a equipe do líder, ou ao menos, esta
deva ser composta por membros com maior traço de mindfulness. Desta forma, fica claro que
programas de mindfulness que tenham por campo alvo as organizações e como efeito
desejado influenciar positivamente as empresas em uma direção mais sustentável, devem
buscar não somente líderes, mas membros de empresas que estejam predispostos a
desenvolver maior traço de mindfulness.

MBI´s de segunda geração e organizações


Estudos com MBIs da segunda geração já foram conduzidos em contextos
organizacionais. Há estudo que reportou melhorias significativas no bem-estar psicológico e
no traço de mindfulness em relação aos grupos de controle, revelando uma maior capacidade
de regulação emocional com problemas de estresse e ansiedade (Van Gordon et al., 2014).
Além disso, em um ensaio controlado randomizado usando o mesmo protocolo (MAT), o
treinamento de mindfulness levou a melhorias no estresse relacionado ao trabalho,
habilidades de adaptação e bem-estar psicológico dos gerentes (E. Shonin & Van Gordon,
2015).
Apesar do crescimento e validação de resultados positivos, a prática de mindfulness
na perspectiva budista serve como a base para alterações profundas nos processos cognitivos,
emocionais e comportamentais, transformando a mente, proporcionando as condições para o
116

comportamento ético e ocorrência de insight e sabedoria, beneficiando não apenas a si


mesmo, mas também aos demais e, consequentemente, à sociedade. O mindfulness dentro do
contexto do ensinamento budista não se trata, portanto, de uma habilidade atencional
direcionada ao presente ou prática meditativa voltada exclusivamente para o alívio de
sintomas emocionais desagradáveis, sem uma agenda ética, seja em nível individual ou
social.
É importante esclarecer que muitos acadêmicos budistas veem a adaptação ou
secularização de práticas e ensinamentos budistas com o fim de aliviar o sofrimento, seja em
qual nível for, como um objetivo válido e com méritos (ex.: Bodhi, 2011). Apesar deste
aspecto, há reservas em membros da tradição e por parte da comunidade acadêmica. Em
geral, os questionamentos estão centrados na forma utilitária e descontextualizada de sua
ética original, na diluição dos ensinamentos do Buda em técnicas e ensinamentos cujas
consequências podem ser opostas àquelas inicialmente intencionadas ou mesmo no intento
de afastar ou “obscurecer” as práticas atuais de suas raízes no Dharma, os ensinamentos do
Buda (ver: Purser, 2015a; Shonin, Van Gordon, & Griffiths, 2013). Dessa forma,
questionamentos são colocados e reflexões são necessárias, não apenas para proteger os
ensinamentos, mas também aqueles que os estão recebendo sob outra roupagem. Desta
forma, Wamler e colegas (2017) destacam que embora ainda com poucos trabalhos empíricos
que abordem diretamente mindfulness e sustentabilidade, o campo se mostra promissor, com
vasto potencial a ser explorado.

Mindfulness e Sustentabilidade: um campo promissor

A potencial relação entre mindfulness e sustentabilidade ocorre devido aos


comprovados efeitos do treinamento em mindfulness no indivíduo, que podem ser divididos
em cognitivos, afetivos, atitudinais e comportamentais. Em uma sociedade materialista, onde
a produção de subjetividades alinhadas aos interesses industriais de produção e consumo
tendem a ser a regra (Guattari, 2000), é razoável inferir que indivíduos com maior
autoconsciência de valores, reflexão crítica seu comportamento, autorregularão, empatia e
compaixão podem apresentar atitudes e comportamentos ecologicamente sustentáveis
(Ericson et al., 2014). Como o mindfulness possui impacto no desenvolvimento de tais
predisposições (K. W. Brown et al., 2007b; Creswell, 2017), alguns estudos já relacionam o
mindfulness com habilidades, atitudes e comportamentos ligados à sustentabilidade.
117

O campo de estudo que relaciona mindfulness com sustentabilidade está em seu


estágio inicial, perpassando temas como consumo responsável (e.g. Stanszus et al., 2017),
comportamento sustentável (e.g. Amel et al., 2009) e inovações sustentáveis (e.g. Siqueira &
Pitassi, 2016). Embora ainda com poucos trabalhos empíricos que abordem diretamente
mindfulness e sustentabilidade, o campo se mostra promissor, com vasto potencial a ser
explorado (Wamsler et al., 2017). Vamos abordar alguns destes trabalhos interdisciplinares.
Estudos empíricos interdisciplinares entre mindfulness e sustentabilidade
Em recentes trabalhos, Wamsler e colegas (2018; 2017) identificaram evidências
cientificas que o mindfulness influencia positivamente dimensões atitudinais e de
comportamento diretamente ligadas ao campo da sustentabilidade, tais como: (1) bem-estar;
(2) o desenvolvimento de valores centrais não-materialistas; (3) consumo e comportamento
sustentável; (4) Conexão com a natureza; (5) senso de justiça; (6) ativismo social e (7)
respostas deliberadas, flexíveis e adaptativas. De fato, Hensley (2020) argumenta que a
inclusão de mindfulness no currículo e na pedagogia do ensino superior pode ajudar os alunos
a reconceber o papel de humanos no planeta, cultivando reflexão e criatividade para enfrentar
os grandes desafios associados à sustentabilidade.
De fato, a relação entre mindfulness e bem-estar recebeu consideráveis contribuições
e corroborações empíricas, com pesquisas apontando forte correlação positiva em aumentos
no traço de mindfulness a melhorias de bem-estar subjetivo e psicológico. Vale destacar que
pesquisadores conceituam bem-estar em duas vertentes: bem-estar subjetivo (Subjetive well
being - SWB) e bem-estar psicológico (Psychological well being - PWB). Embora SWB e
PWB sejam frequentemente usados de forma intercambiável, eles são derivados de tradições
separadas: hedonismo e eudaimonia (Ryan & Deci, 2001). Bem-estar subjetivo está
associado a afetos positivos e maior satisfação com a vida (Diener, Lucas, & Oishi, 2012),
fortemente influenciado pela perspectiva hedonista de bem-estar, ou seja, a associada a busca
por prazer e evitação da dor. Já a perspectiva de PWB é derivado da Eudaimonia de
Aristóteles. Ryff (1989, 2013) argumenta que Aristóteles estava preocupado principalmente
com autorrealização e desenvolvimento de virtude, maximizando as disposições e talentos
individuais para esses fins. Assim, dimensões de bem-estar que medem o PWB incluem
autoaceitação positiva, boa qualidade de relações com os outros, crescimento pessoal, sentido
e propósito na vida e autonomia. Vale destacar que em nítida correlação negativa com bem-
estar psicológico, temos o conceito de anomia (Durkheim, 1973, 1999), um senso de falta de
direção e sentido, comum em sociedades complexas e que muitas vezes é anestesiado via
consumismo.
118

Vários estudos examinaram as respectivas conceituações de bem-estar de forma


independente, descobrindo que mindfulnes está positivamente correlacionado à SWB
(Brown e Kasser 2005; Brown et al. 2009; Kong et al. 2014; Schutte e Malouff 2011) e PWB
(Baer et al. 2008; Carmody e Baer 2008; Hollis-Walker e Colosimo 2011; Howell et al. 2008;
Van Gordon et al. 2013) por toda a literatura. Como mindfulness pode contribuir para uma
melhoria no SWB, temos uma tendência a reduzir nosso consumo como válvula de escape
para as aflições, fato este comum em sociedades capitalistas (Morgan, 2015).
Adicionalmente, como mindfulness pode auxiliar em um maior senso de propósito e
consciência de valores (Shapiro et al., 2006), ele também contribui para o aumento de bem-
estar psicológico.
Um dos estudos pioneiros com uma amostra de entrevistados rurais revelou que o
nível de mindfulness de uma pessoa (ou seja, mindfulness espontâneo) tem um
relacionamento independente e significativo com um comportamento sustentável e bem-estar
pessoal (Brinkerhoff and Jacob, 1999). O mesmo grupo de pesquisadores forneceu suporte
científico para a influência positiva da mindfulness cultivada através da meditação
mindfulness (MM) sobre o bem-estar subjetivo e o comportamento sustentável (Jacob, Jovic,
& Brinkerhoff, 2009). Os autores testaram a relação de hipótese entre comportamento
ecologicamente sustentável (ESB) e bem-estar subjetivo (SWB). A pesquisa aponta para o
potencial da meditação mindfulness para desempenhar um papel proeminente na explicação
de variância no SWB, sugerindo que a prática da meditação mindfulness serve como um elo
entre o comportamento sustentável e o bem-estar pessoal. Por vezes, bem-estar individual e
sustentabilidade são frequentemente retratados como atividades conflitantes, visto a visão de
mundo predominante antropocêntrica, consumista e materialista como base para bem-estar e
felicidade (Laininen, 2018). Brown e Kasser (2005) apresentaram evidências adicionais para
a correlação entre o nível mindfulness, preocupação ecológica e bem-estar subjetivo. Os
autores relataram (p.360):

Essas análises sustentam nossas proposições de que pessoas felizes vivem


de maneiras mais ecologicamente responsáveis porque estão mais
conscientes de sua experiência interna e comportamentos.

Ericson et al. (2014) encontraram que como o mindfulness promove maior bem-estar,
empatia, compaixão e consciência de valores, ele consequentemente promove
comportamento sustentável. Tal descoberta levou os autores a sugerirem que a promoção da
prática de mindfulness em escolas e organizações pode ser a chave para uma sociedade mais
sustentável. Consonante com tal achado, alguns estudos demonstram que o comportamento
119

prossocial está ligado a comportamentos sustentáveis (e.g. Pfattheicher, Sassenrath, &


Schindler, 2015; Steg, Perlaviciute, van der Werff, & Lurvink, 2014). Nesta linha, Barber e
Deale (2013) afirmam que indivíduos com maior mindfulness disposicional são mais
preocupados com outros e a sociedade como um todo, e assim, buscam por produtos e
serviços com maiores benefícios emocionais e ambientais. Barbaro e Pickett (2016), por sua
vez, encontraram que mindfulness é significativamente associado com comportamento pró-
ambiental.
Outro estudo que objetivou explorar a conexão entre mindfulness e comportamento
sustentável descobriu que agir com consciência, uma dimensão do mindfulness, foi
significativamente positivamente correlacionada com o comportamento sustentável (Amel et
al., 2009). Os autores mediram 100 adultos atendendo a uma exposição de sustentabilidade
em dois fatores: agir com consciência e observar sensações. Atuar com consciência foi
significativamente correlacionado positivamente com o comportamento sustentável, o que
sugere que a maior conscientização é fundamental para decisões sustentáveis. Isso é
consistente com o trabalho anterior que mostra que os indivíduos conscientes prestam
atenção e refletem sobre os impactos ambientais de seus comportamentos (Brown & Kasser,
2005a).
Geiger, Otto, & Schrader (2018) apresentarem evidência sobre a relação entre
mindfulness e comportamento ecológico. Os resultados sugerem que o aumento do
comportamento ecológico de pessoas com mais mindfulness é uma consequência indireta do
aumento do comportamento saudável. A razão se deve pelo fato do aumento de consciência
experiência presente favorece estilos de vida mais saudáveis, os quais, por sua vez, se
relacionam ao aumento do comportamento ecológico. Ainda, Geiger e colegas sugerem que
uma combinação de experiências de mindfulness e natureza pode ser uma maneira eficaz de
aumentar os efeitos positivos à saúde e, ao mesmo tempo, promover o comportamento
ecológico.
O protocolo Binka: foco em consumo
O potencial do mindfulness como elemento amplificador de atitudes sustentáveis, ou
em outras palavras, de uma aprendizagem afetiva e não apenas cognitiva relacionada à
sustentabilidade, fez com que ocorresse o desenvolvimento de intervenções baseadas em
mindfulness com fins sustentáveis (e.g. Stanszus et al., 2017). Stanszus e colegas
desenvolveram um programa baseado em mindfulness – BiNKA – acrônimo em alemão para
“educação para o consumo sustentável por meio de treinamento em mindfulness”, cujo
objetivo é promover tanto uma atitude favorável quanto o consumo sustentável nos
120

participantes. Tendo como base o modelo MBSR, o treinamento é composto


majoritariamente de práticas de mindfulness (e.g. respiração consciente; escaneamento
corporal; movimento consciente; amor compassivo) acrescidas de conteúdo informacional
relacionado ao consumo sustentável, tendo 8 semanas de duração, sessões semanais de 90
minutos e uma sessão adicional de 4 horas dedicada inteiramente à prática de mindfulness.
O currículo do programa BiNKA está dividido em: Sessão 1: Introdução: o que é
Mindfulness?; Sessão 2. Obstáculos e desafios à prática; Sessão 3. (In)Satisfação e outras
similaridades; Sessão 4. Inteligência Emocional e estar consciente sobre o que se sente;
Sessão 5. Desejos, Necessidades e estar aberto à vida; Sessão 6. Compaixão e Gentileza para
si e para os outros +1 dia de Mindfulness (descobrir o silêncio em conjunto); Sessão 7.
Consumo Mindful, Ter e Ser; Sessão 8. Um mundo mindful de dentro para fora.
Em termos gerais, as sessões obedecem ao seguinte roteiro: prática de consciência
aberta e instruções; meditação mindfulness guiada, prática de movimento consciente;
feedback informal em duplas ou trios; troca (insight talks) entre o professor e participantes,
abordando a relação da prática com o tema da sessão; práticas aplicadas de mindfulness;
discussões em grupo sobre a prática e definição de trabalho de casa, usualmente a prática de
20 minutos de meditação formal mindfulness, a elaboração de um diário sobre sua
experiência e uma prática informal de mindfulness (e.g. mindful shopping).
Os idealizadores do programa sustentam que a opção por priorizar no treinamento a
prática de mindfulness e não o viés cognitivo e informacional usual dos cursos de consumo
sustentável é devido ao fato de a prática regular de mindfulness estimular a aprendizagem
afetiva e a introspecção necessárias, desencadeando mudanças nas atitudes e
comportamentos que se sustentam em longo prazo. Assim, a prática de mindfulness no
protocolo BiNKA é protagonista, mas os elementos cognitivos, ou seja, o conteúdo
informacional conceitual e factual relacionado ao consumo sustentável está presente e serve
como base para reflexão e introspecção, formando assim um círculo hermenêutico de
aprendizagem tanto cognitiva quanto afetiva. Por fim, os autores destacam que uma agenda
futura para o desenvolvimento de MBIs no campo do consumo sustentável deve abordar de
forma mais explicita a questão dos valores e da ética, diretamente ligado a preocupação do
bem-estar dos outros, estando assim consonante com os propósitos de sua origem (Bodhi,
2011; Grossman, 2015), sob o risco do mindfulness ficar confinado a mudanças individuais
e não ter todo seu potencial explorado como catalisador de mudanças políticas, sociais e
econômicas.
121

Para que tais mudanças ocorram em níveis mais amplos que o campo individual,
como por exemplo no campo organizacional, termos executivos organizacionais como
população-alvo de protocolos de mindfulness é crucial. Nesse sentido, alguns estudos já
foram realizados e, embora ainda esteja em seu início, alguns resultados mostram-se
promissores.

Mindfulness e construtos positivamente relacionados à sustentabilidade em estudos não


relacionados à sustentabilidade

Neste tópico vamos explorar estudos foram do eixo interdisciplinar mindfulness-


sustentabilidade que relacionam mindfulness com outros construtos que são relevantes para
sustentabilidade. Em especial, vamos focar em estudos que tragam resultados que seriam de
particular benefício para uma população alvo-corporativa. Assim, nossa revisão passa por
efeitos do desenvolvimento de mindfulness em habilidades cognitivas (e.g., autoregulação),
bem-estar (e.g., bem-estar psicológico), atitudes e comportamentos prosociais (e.g.,
compaixão). Ao final, espera-se que o leitor tenha uma compreensão abrangente do potencial
promissor do mindfulness em relação a sustentabilidade.
Mindfulness e habilidades cognitivas: mais que razão, valores também
O cultivo gradual do mindfulness por meio de sua prática sistemática deve resultar no
aprimoramento das habilidades cognitivas. Habilidades cognitivas são habilidades mentais
necessárias para se realizar qualquer tarefa, desde as mais simples até as mais complexas
(Chiesa, Calati, & Serretti, 2011). Como exemplo, duas habilidades cognitivas de interesse
particular para este trabalho são as funções executivas e pensamento crítico. As funções
executivas incluem várias habilidades, como resolução de problemas, planejamento, tomada
de decisão, autorregulação e atenção (Ardila, 2008). O pensamento crítico refere-se à
capacidade de analisar e avaliar evidências ou argumentar racionalmente com a consciência
e a inibição de heurísticas e vieses (West, Toplak, & Stanovich, 2008). Essas duas habilidades
são necessárias para enfrentar com mais habilidade os desafios que a sustentabilidade
apresenta: resolver problemas complexos, lidar com situações complexas e incertas, pensar
criativamente, pensar estrategicamente e tomar decisões refletindo sobre seus
comportamentos e seus efeitos sobre os outros em vários níveis.
Evidências empíricas sugerem que o treinamento de mindfulness afeta positivamente
as funções executivas, como maior autoconsciência, a capacidade de voluntariamente
direcionar a atenção para si e seus processos mentais e emocionais (Vago & Silbersweig,
122

2012); a atenção (e.g. Kozasa et al., 2012; Lutz et al., 2009); a flexibilidade cognitiva, isto é,
a capacidade de adaptar estratégias de raciocínio para acomodar condições novas e
inesperadas (Moore & Malinowski, 2009); a redução da rigidez cognitiva, ou seja,
dificuldade em substituir crenças e modelos de pensamento antigos por novos (Greenberg,
Reiner, & Meiran, 2010) e criatividade e resolução de problemas por insight (Berkovich-
Ohana, Glicksohn, Ben-Soussan, & Goldstein, 2016; Ostafin & Kassman, 2012).
O pensamento crítico é crucial para uma pessoa entender de forma crítica como seu
comportamento e tomada de decisão podem estar sob a influência de visões de mundo e ethos
(Geertz, 2008) que possam refletir valores culturais que não são sustentáveis (por exemplo,
lógica instrumental de sustentabilidade) e que devem ser alterados. Nesta linha, um estudo
indica que mindfulness disposicional parece facilitar o pensamento crítico (Noone, Bunting,
& Hogan, 2016). Associado a uma maior flexibilidade cognitiva e menor rigidez cognitiva
que mindfulness facilita como encontrados em estudos empíricos anteriores, este efeito pode
se potencializar.
Neste ponto, podemos questionar se o impacto seria maior se o mindfulness fosse
praticado de forma mais congruente com o Budismo e, logo, de forma deliberada abordasse
questões éticas, sabedoria, compaixão e engajamento social. Isso porque há estudos que veem
o pensamento crítico não apenas em termos de capacidade cognitiva, mas também
relacionados a um componente atitudinal, ou seja, uma predisposição para analisar algo
criticamente10.
Adicionalmente, mindfulness pode levar a incrementos nas áreas do cérebro que são
responsáveis pela autorregularão, tomada de decisão, regulação emocional, empatia e
compaixão. Em um estudo longitudinal controlado, Hölzel e colegas (2011) investigaram
alterações pré-pós intervenção na concentração de massa cinzenta cerebral, atribuível à
participação em um programa MBSR. Os resultados apresentam aumentos no córtex
cingulado posterior, na junção temporo-parietal e no cerebelo no grupo MBSR em
comparação com o grupo de controle. Isto sugere que a participação no MBSR está associada
a mudanças na concentração da massa cinzenta nas regiões cerebrais envolvidas nos
processos de aprendizagem e memória, regulação emocional, processamento auto-referencial
e tomada de perspectiva.
Nesta linha, Karelaia e Reb (2015) sugerem que o mindfulness facilita a consciência
sobre quando uma decisão deveria ou poderia ser feita, aumenta a conscientização objetiva,

10
Para uma revisão, sugerimos ver Lai (2011)
123

melhora a consistência da decisão com os valores fundamentais de cada pessoa, reduz o viés
de custos irrecuperáveis e ajuda a reconhecer desafios éticos das decisões. Adicionalmente,
o mindfulness levariam indivíduo a receber melhor a incerteza e lidar com ela de forma
produtiva, o que é fundamental em desafios complexos como a sustentabilidade. Mindfulness
pode ir muito além de reduzir sintomas aflitivos e comportamentos improdutivos,
contribuindo com a construção de uma vida com mais sentido e propósito.
Essa ênfase na aplicação de mindfulness à mudança de comportamento é conceituada
Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) como ação baseada em valores. De fato, a
relação entre mindfulness e valores tem sido recorrentemente avaliada na literatura. A ACT
é baseada em mindfulness e tem por objetivo desenvolver em indivíduos a capacidade de
entrar em contato mais plenamente com o momento presente como um ser humano
consciente, e de mudar ou persistir em comportamentos que estão de acordo com seus valores
(Hayes et al., 2006). Trata-se, essencialmente, de uma forma de terapia comportamental que
combina habilidades de mindfulness (e.g, orientação para o presente e aceitação) com a
clarificação de valores e o alinhamento de seu comportamento a estes.
Dentro do modelo da ACT, a definição de direções valiosas de vida baseadas em
valores do indivíduo e o estabelecimento de comportamentos intencionais associados a estes
valores são parte formal de seu protocolo (Hayes, Villatte, Levin, & Hildebrandt, 2011),
sendo fundamental para uma vida com mais autenticidade. A autenticidade reflete a extensão
em que um indivíduo opera alinhado aos seus valores no dia-a-dia (Goldman & Kernis,
2002). Goldman e Kernis (2002) destacam que a autenticidade como múltiplos processos
inter-relacionados que têm implicações importantes para o funcionamento e o bem-estar
psicológico, como autoconsciência e ações congruentes aos valores e preferências.
De fato, mindfulness tem sido reconhecido como positivamente associado a
clarificação de valores (Shapiro, Carlson, Astin, & Freedman, 2006; Shapiro, Jazaieri, &
Goldin, 2012b) e na medida em que o comportamento se torna mais alinhado aos valores que
o indivíduo possui, traz um senso de autenticidade e propósito (Leroy, Anseel, Dimitrova, &
Sels, 2013), impactando no bem-estar psicológico (Christie, Atkins, & Donald, 2017). Se em
uma MBI - como na ação psicossocial desta tese - clarificar valores esquecidos e fomentar
valores não materialistas, poderemos estar contribuindo em atitudes e comportamentos
sociais e ecologicamente responsáveis (Brown & Kasser, 2005a) e ao mesmo tempo em
maior percepção de bem-estar psicológico.
A sociedade atual demanda dos indivíduos – em especial o público corporativo -
habilidades de gestão de estresse, ansiedade e depressão sem precedentes. Em relação às
124

habilidades de regulação emocional, há estudos empíricos metodologicamente robustos que


sugerem que o treinamento mindfulness está correlacionado positivamente com a regulação
emocional e a redução dos efeitos negativos (Chambers et al., 2009; Goodall, Trejnowska, &
Darling, 2012; Lyvers, Makin, Toms, Thorberg, & Samios, 2014; Vago & Silbersweig, 2012;
Xu, Purdon, Seli, & Smilek, 2017) e negativamente relacionado a resultados disfuncionais,
como ansiedade, depressão e afeto negativo (e.g. Brendel et al., 2016; Roche, Haar, &
Luthans, 2014). Os executivos precisam gerenciar suas emoções, pois como mencionado
anteriormente, a literatura de sustentabilidade corporativa sugere que desenvolver a
capacidade de lidar com as próprias emoções é fundamental para atender adequadamente às
crescentes demandas ambíguas e complexas que a sustentabilidade traz ao ambiente
corporativo (Hahn & Figge, 2011; Metcalf & Benn, 2013). Mais ainda, no âmbito pessoal,
as pessoas precisam lidar com suas emoções para ter um funcionamento psicológico saudável
e bem-estar psicológico tem sido visto como positivamente associado a bem-estar planetário
se valores humanos estiverem presentes (Jacob et al., 2009).
O mecanismo básico que atua na regulação emocional é a desfusão cognitiva -
também conhecida como descentramento - definida como a habilidade de reduzir não se
identificar com pensamentos, emoções e sensações, de forma que pensamentos sejam
experimentados apenas como pensamentos, emoções são apenas emoções e sensações
corporais são apenas sensações corporais; e a aceitação pensamentos, emoções e sensações
sem tentativa de criar oposição a eles (Hayes et al., 2006; Shapiro et al., 2006). Como
consequência de maior clareza de valores e habilidades de regulação emocional e atencional
no presente, mindfulness tem sido recorrentemente associado a maior bem-estar psicológico
(K. W. Brown, 2003; Veage et al., 2014) e sentido e propósito de vida (Allan, Bott, & Suh,
2015).
Estudos empíricos em ambiente corporativo também apontam evidências que o
mindfulness está associado a uma maior regulação emocional e está negativamente
relacionada a emoções disfuncionais, como ansiedade, depressão e afeto negativo (Brendel
et al., 2016; Roche, Haar, & Luthans, 2014). Além disso, promove as capacidades de
colaboração, resiliência e liderança em complexidade (Reitz et al., 2016). Um estudo
relacionado ao MAT, protocolo pertencente à segunda geração de intervenções baseadas em
mindfulness, mostrou melhorias significativas no bem-estar psicológico e no mindfulness
disposicional em relação ao grupo de controle, revelando maior capacidade de regulação
emocional com questões de estresse, ansiedade e baixo humor (Van Gordon et al., 2014).
Além disso, em um estudo controlado randomizado usando o mesmo protocolo (MAT), o
125

treinamento levou a melhorias no estresse relacionado ao trabalho, habilidades de


enfrentamento e bem-estar psicológico dos gerentes (E. Shonin & Van Gordon, 2015).
Adicionalmente, Reb e colegas (2014) realizaram dois estudos e constataram que, para os
funcionários que trabalham em empregos altamente exigentes, tanto o estado quanto o traço
de mindfulness estavam inversamente relacionados ao esgotamento emocional dos
funcionários e positivamente relacionados à satisfação no trabalho. Dados os níveis de
estresse e in(sanidade) mental que observados no contexto corporativo, a capacidade de
regular as próprias emoções pode ser um importante elemento de autocuidado e
autocompaixão (Richardson et al., 2016), elementos fundamentais para uma ação mais
consciente no mundo. Tomados em conjunto os estudos acima, podemos verificar como as
habilidades de mindfulness tem um impacto positivo no bem-estar e saúde mental.

Mindfulness e atitudes e comportamentos positivamente relacionados com a sustentabilidade


A revisão da literatura sobre mindfulness relacionada à sustentabilidade feita por
Ericson e colegas (2014) sugere que a promoção da prática de mindfulness em escolas e locais
de trabalho poderia facilitar atitudes e comportamentos mais sustentáveis. Da mesma forma,
Wamsler e colegas (2017) concluíram que o mindfulness pode contribuir para a compreensão
e concretização da sustentabilidade. Convém neste ponto definirmos o que seriam atitudes e
comportamentos positivamente relacionados à sustentabilidade.
Nesta tese adotamos a definição de atitude como uma predisposição avaliativa -
cognitiva e afetiva - em relação a um objeto (Bohner & Dickel, 2011). Como exemplo, uma
atitude positivamente relacionada à sustentabilidade seria ter a predisposição em considerar
as origens dos produtos antes de comprá-los. Comportamentos prossociais são ações
voluntárias que visem consequências positivas, tendo como motivação básica beneficiar o
outro, sem influências ou pressões externas (Eisenberger, 1992). Obviamente, tais
comportamentos pedem por atitudes favoráveis assim como habilidades para que sejam
benéficos. Por exemplo, empatia é importante para compreender que há sofrimento.
Compaixão é fundamental para que haja o impulso e o comportamento de aliviar o
sofrimento.
Em busca de uma definição formal de comportamentos ecologicamente responsáveis
ou sustentáveis, encontramos com uma dificuldade de consenso na literatura. Desta forma,
nos baseamos em uma definição mais geral que engloba o tipo de comportamento que no
mínimo não prejudica o ambiente natural e compromete as necessidades de sobrevivência de
gerações atuais e futuras (Amel et al., 2009; Kaiser, 1998). Nesse ponto, um dos temas mais
126

promissores para a aplicação do mindfulness está relacionado à tomada de decisões éticas e


à compaixão. Muitas decisões antiéticas decorrem de falta de consciência, compaixão ou
autorregulação. Assim, podemos assumir que mindfulness tem um papel importante a
desempenhar no desenvolvimento de indivíduos mais éticos.
De fato, há acadêmicos que defendem há tempos que os valores morais e a ética
empresarial podem ser ensinados (portanto, aprendidos) através da mindfulness (Hyland,
2013; Lampe, Diego, & Engleman-Lampe, 2012). Nesta linha, encontramos estudos
empíricos que demonstram conexões importantes entre mindfulness, raciocínio moral e
tomada de decisão ética (Pandey, Chandwani, & Navare, 2018; Ruedy & Schweitzer, 2010;
Shapiro et al., 2012a; Small & Lew, 2019). Recentemente Small e Lew (2019) em um estudo
empírico encontraram evidências que mindfulness é preditor de responsabilidade moral
(sentir-se responsável pelos outros), um importante componente não-racionalista da tomada
de decisão ética. Na mesma linha, Orazi, Chen, & Chan (2019) em quatro estudos
experimentais, relatam evidências causais dos efeitos do mindfulness sobre comportamentos
éticos, incluindo a escolha de produtos socialmente responsáveis, doações de caridade e
voluntariado.
Ruedy e Schweitzer realizaram dois estudos: o primeiro demonstrou que, em
comparação com os indivíduos com baixa consciência, indivíduos com maior consciência
informam que são mais propensos a agir de forma ética, são mais propensos a valorizar o
respeito dos padrões éticos e são mais propensos a usar uma abordagem baseada em
princípios para a tomada de decisões éticas. No segundo estudo, eles testaram essa relação
com uma medida comportamental do comportamento antiético, e descobriram que, entre
aqueles que trapaceavam, os indivíduos de alto mindfulness trapaceavam menos. Portanto, o
mindfulness parece estar correlacionado com o comportamento ético. Seguindo o caminho
de Ruedy e Schweitzer, Shapiro e colegas exploraram se o treinamento na prática de atenção
efetiva realmente impacta o raciocínio moral e a tomada de decisões éticas. Em um único
estudo de projeto de grupo, eles examinaram o efeito do MBSR e a quantidade de prática de
meditação durante o protocolo sobre raciocínio moral e tomada de decisão ética, atenção
plena, emoção e bem-estar. O resultado após dois meses mostrou que o MBSR resultou em
melhorias no raciocínio moral e na tomada de decisão ética, regulação da emoção e bem-
estar subjetivo.
Pless e colegas argumentaram, a partir de uma perspectiva neurológica, que a prática
de mindfulness pode ter efeitos positivos significativos na tomada de decisões éticas nas
organizações (Pless et al., 2017). Nesta linha, recentemente Small e Lew (2019) em um
127

estudo empírico encontraram evidências que mindfulness é preditor de responsabilidade


moral (sentir-se responsável pelos outros), um importante componente não-racionalista da
tomada de decisão ética.
Contudo, Além disso, alguns estudiosos têm defendido que os valores morais e a ética
nos negócios podem ser ensinados (portanto aprendidos) através do mindfulness (Hyland,
2013; Lampe et al., 2012). Por certo, mindfulness parece contribuir neste aspecto.
Compaixão, como mencionada anteriormente, tem intima relação com
comportamento social e ambientalmente responsável e com maior preocupação com o
sofrimento alheio e propensão em agir para aliviar o sofrimento (Condon et al., 2013;
Pfattheicher et al., 2015). Nesta linha, as meditações de bondade-amorosa (LKM) e da
compaixão (CM) são realizadas com o intento de se cultivar tal qualidade ética nos
indivíduos. Há evidências empíricas que ligam a meditação da bondade-amorosa (LKM) e
da compaixão (CM) com o aumento de comportamento prossocial (for review, see: Bankard,
2015; Hofmann et al., 2011) e altruísmo (Weng et al., 2013). Por exemplo, um estudo
descobriu que uma breve meditação de bondade-amorosa e compaixão reduziu o preconceito
contra pessoas sem-teto (Parks, Birtel, & Crisp, 2014). É plausível perguntar se a meditação
mindfulness sozinha afeta a compaixão e outros comportamentos prossociais. Dois estudos
descobriram que o treinamento de mindfulness diminuiu o viés inconsciente contra negros e
pessoas idosas (Lueke & Gibson, 2015) e redução na discriminação (Lueke & Gibson, 2016).
Jamielson et. al (2016) citam três estudos usando variantes de MBSR que não encontraram
impacto na compaixão. Na direção oposta, um estudo descobriu que o treinamento em
mindfulness pode impactar positivamente a resposta compassiva, mesmo sem as práticas
LKM ou CM (e.g. Lim, Condon, & De Steno, 2015).
Outro estudo comparando duas práticas diferentes (MM vs CM) em relação a uma
lista de espera descobriu que a meditação aumentou diretamente a resposta compassiva, mas
os participantes que praticavam MM eram tão propensos a auxiliar a pessoa em sofrimento
quanto os praticantes de CM (Condon et al., 2013). A hipótese é que as intervenções de CM
afetam os resultados através de mecanismos de afetos positivos, enquanto que as intervenções
de mindfulness afetem os resultados através do aumento de habilidade metacognitiva (i.e.,
autoconsciência) e mecanismos de descentramento (i.e., desfusão cognitiva), que envolve a
observação de experiências internas a partir de uma perspectiva mais objetiva em terceira
pessoa (Creswell, 2017; Shapiro et al., 2006). Essas descobertas sobre MM e as práticas
relacionadas LKM e CM parecem oferecer um caminho promissor para o desenvolvimento
de indivíduos mais responsáveis e compassivos.
128

Autocompaixão também tem ganho cada vez mais atenção da literatura psicológica
(Neff, 2003a). De fato, estudos indicam que autocompaixão tem uma associação positiva
significativa com medidas de felicidade, otimismo e afeto positivo (Neff, Rude, &
Kirkpatrick, 2007). Mais ainda, Neff (2003) afirma que a autocompaixão é uma força humana
importante, pois invoca qualidades de bondade, equanimidade e sentimentos de
interconexão. De fato, a pesquisadora destaca que autocompaixão também tem sido
associada a uma maior conexão social, compaixão pelos outros, preocupação empática e
altruísmo. Por certo, estes são construtos de especial interesse para o campo da
responsabilidade social.
Outro caminho potencial para se estimular maior senso de interdependência com a
natureza pode ser o uso de práticas de mindfulness em meio a natureza (Van Gordon et al.,
2018). Autores tem apontado que o simples fato de se estar na natureza já melhora a sensação
de bem-estar e maior impacto sensorial das experiências na natureza, promovido pelo
mindfulness, pode fortalecer a conexão com a natureza (Howell, Dopko, Passmore, & Buro,
2011) contribuindo para comportamento ecologicamente responsáveis.

Síntese do capítulo e nosso posicionamento

Este capítulo abordou como o conceito de mindfulness apresentando duas principais


perspectivas: a budista e a perspectiva dominante na literatura, assim como uma perspectiva
que busca ainda de forma secularizada, conciliar as duas visões, a chamada segunda geração
de intervenções em mindfulness. Para fins de ação psicossocial desta pesquisa, muito mais
que apenas induzir mudanças superficiais nos pensamentos, na regulação emocional, nas
atitudes e no comportamento, buscamos estimular uma consciência ética e a reflexão sobre a
ligação entre suas ações e as consequências para a sustentabilidade. Assim, queremos
oferecer uma oportunidade de reflexão crítica e de desenvolvimentos de virtudes para que os
valores neoliberais sejam questionados.
Nesta linha, nos alinhamos à visão que quanto mais a intervenção combinar as
dimensões cognitivas (e.g., autoconsciência; consciência de interdependência) com
qualidades éticas (e.g., compaixão, bondade-amorosa), espera-se que mais os indivíduos
tendam a agir de forma compassiva, ética e pró-social (Amaro, 2015; Grossman, 2015). A
revisão de literatura realizada revela que o treinamento de mindfulness pode desenvolver
respostas mais hábeis e positivamente relacionadas com sustentabilidade.
129

Em seu trabalho, Jamielson e Tuckey (2017) sugeriram que as intervenções de


mindfulness são úteis no nível individual, mas é improvável que resolvam problemas no nível
organizacional. Entretanto, concentrar-se nos potenciais líderes que estão ao longo da
organização, pode maximizar o efeito sobre o nível organizacional, visto que a liderança é
um processo de influência social capaz de agir sobre grandes grupos e que não depende
exclusivamente da posição que ocupa (Brendel et al., 2016; Ferdig, 2007; Keltner, Gruenfeld,
& Anderson, 2003; Reb, Narayanan, & Chaturvedi, 2014). Portanto, aqueles que não estão
em posições formais de autoridade na empresa, mas que têm motivação, perfil e propensão a
liderar, devem ser considerados também.
Adicionalmente, é útil lembrar que um estudo empírico descobriu que um líder ético
exerce mais influência positiva no comportamento dos liderados na medida em que estes
possuem maior nível de mindfulness (Eisenbeiss & van Knippenberg, 2015). Isto sugere que
para que a influência da liderança nas políticas e estratégias corporativas para a
sustentabilidade seja mais efetiva, o treinamento de mindfulness deve ser oferecido a toda a
equipe do líder, ou ao menos, esta deva ser composta por membros com maior traço de
mindfulness. Desta forma, fica claro que programas de mindfulness que tenham por campo
alvo as organizações e como efeitos desejado influenciar positivamente as empresas em uma
direção mais sustentável, devem buscar não somente líderes, mas membros de empresas que
estejam predispostos a desenvolver maior traço de mindfulness.
Nos alinhamos a pesquisadores como Bernal e colegas (2018) que as empresas
precisam efetivamente desenvolver uma consciência da importância dos objetivos sociais e
ambientais, além dos econômicos. Para conseguir isso, utilizando um pensamento análogo
ao de Guattari (2000), é fundamental uma ecologia de valores e cultura. Ao tomarmos em
conjunto toda literatura analisada, nossa aspiração está fortemente alinhado ao
posicionamento de autores que: a) posicionam-se em favor da superação do paradigma
cultural industrial vigente em prol de um modelo mais sustentável (e.g. Bocken & Short,
2016; Scharmer & Kaufer, 2013); b) entendem que a maneira de pensar, sentir e agir de uma
sociedade está diretamente ligada à cultura e modelos mentais dominantes (e.g., Geertz,
1957; Senge, 1990); c) entendem que mudanças em escalas social e ambiental devem ser
acompanhadas de mudanças na esfera mental e cultural (e.g. Amel, Manning, & Scott, 2009;
Guattari, 2000); d) reconhecem a necessidade e urgência de maior efetividade das práticas
de Responsabilidade Social Corporativa e/ou de Sustentabilidade Corporativa, tanto
internamente quanto externamente (e.g. Hahn, Pinkse, Preuss, & Figge, 2014; Kazmi et al.,
2015); e) destacam a necessidade de um processo educacional que proporcione mudanças de
130

maneira estrutural e permanente nosso modo de ver e ser no mundo (e.g., O’Sullivan, E.,
Morrell, M., & O’Connor, 2002; Schumacher, 1997; Sterling, 2010) e; f) entendem
mindfulness não apenas como uma técnica para alívio de emoções aflitivas da vida moderna,
mas como uma habilidade que proporciona mudanças de consciência, trazendo maior
discernimento para compreendermos qual a resposta mais responsável e compassiva no
momento presente.
Desta forma, partimos para o percurso metodológico embasados pela literatura que
corrobora o desenvolvimento de ações baseadas em mindfulness, em especial se associadas
a interdependência e a virtude de compaixão como veículo para transformações pessoais que
podem precipitar mudanças em escalas maiores no ambiente corporativo.

CAPÍTULO 4 - NAVEGANDO EM ÁGUAS PROFUNDAS: O


PERCURSO METODOLÓGICO

Este capítulo contribui para a tese por apresentar em detalhes o percurso


metodológico utilizado na pesquisa. Desta forma, detalhamos e justificamos o uso de
pesquisa-ação de cunho qualitativo e sua pertinência em relação ao pressuposto ontológico
que nos norteou – o paradigma da complexidade (Morin, 2005) - assim como ao objetivo de
pesquisa que nos propusemos. Notadamente, da mesma forma que o paradigma da
complexidade rejeita respostas simples aos problemas do planeta, multidimensionais por
natureza, a abordagem qualitativa se mostra pertinente para investigar fenômenos complexos
como sustentabilidade e processos de transformações cognitivas, atitudinais e
131

comportamentais de indivíduos que ocorram por meio de uma ação psicossocial baseada em
mindfulness, interdependência e compaixão.

A união entre produzir conhecimento e mudar a realidade: a pesquisa-ação


de cunho qualitativo

Tipo de pesquisa e características

Como o objetivo principal da pesquisa é avaliar o potencial de uma ação psicossocial


baseada em mindfulness, interdependência e compaixão na cognição, habilidades
emocionais, atitudes e comportamentos positivamente relacionados à sustentabilidade, a
escolha do método de pesquisa-ação de cunho qualitativo nesta pesquisa obedece às
características de seu objeto de estudo. Assim, o tipo de pesquisa a ser realizado é a pesquisa-
ação (Lewin, 1946) e dentre seus diversos tipos, a pesquisa em organizações (McNiff &
Whitehead, 2000; Thiollent, 2009). Além disso, a pesquisa-ação é reconhecida como um
método de pesquisa qualitativo que produz conhecimento profundo e prático, com um
propósito: mudança social (Brydon-Miller, Greenwood, & Maguire, 2003; Touboulic &
Walker, 2016). Assim, o método se mostra alinhado a nossa aspiração básica: contribuir para
o desenvolvimento de um futuro mais sustentável.
Nesta linha, Thiollent (2009) define a pesquisa-ação como um tipo de investigação
social com base empírica, que consiste essencialmente em relacionar pesquisa e ação em um
processo no qual os atores e pesquisadores se envolvem, participando de modo cooperativo
na elucidação da realidade em que estão inseridos, não só identificando os problemas
coletivos como também buscando e experimentando soluções em situação real. Mais ainda,
há influência do pesquisador sobre o objeto e vice-versa, assim, o pesquisador desempenha
um papel ativo no questionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na
avaliação das ações desencadeadas pelos grupos envolvidos na pesquisa em função dos
problemas (Thiollent, 2009). Assim, por pesquisa-ação, a entendemos como:
um processo participante e democrático, preocupado em
desenvolver conhecimento prático na busca de propósitos humanos
valorosos, baseado em uma visão de mundo participativa que nós
acreditamos está emergindo neste momento histórico. [A pesquisa ação]
busca trazer em conjunto ação e reflexão, teoria e prática, com a
participação de outros, na busca por soluções práticas a questões urgentes
para as pessoas, e mais genericamente relacionadas à prosperidade de
indivíduos e suas comunidades. (Reason & Bradbury, 2008, p. 1)
132

A pesquisa-ação rejeita a noção de uma abordagem objetiva e livre de valores de


geração de conhecimento em favor de uma prática explicitamente socialmente engajada
(Brydon-Miller, Greenwood, & Maguire, 2003). Assim, há compromisso com a prática,
sendo uma ação consciente política exercida pelo sujeito que realiza a pesquisa, que é por
sua vez, um ser essencialmente político, em que suas ações possuem um contexto político
(Demo, 1989). Notadamente, o autor da tese conforme descrição de seus antecedentes vem
buscando proporcionar reflexões críticas sobre a sociedade e seus valores desde antes da
realização desta pesquisa.
Adicionalmente, este trabalho está alinhado ao pensamento que a pesquisa-ação
tanto deve articular o pensamento crítico e o instrumental (Tripp, 2005), assim, buscamos
neste projeto o compromisso com melhoria e mudança na forma como os participantes da
ação psicossocial lidam com questões relacionadas à sustentabilidade, sem contudo, esperar
solucionar por completo a questão da sustentabilidade – planetária ou corporativa - pois se
trata de um problema complexo e fora do escopo de resolução com uma ação psicossocial.
Outro sim, estamos plantando sementes, contribuindo na mudança do contexto atual. Assim,
para atender a este objetivo, a pesquisa-ação é usada para conduzir pesquisas enquanto meio
para produzir mudanças. Desta forma, podemos situar este trabalho como uma pesquisa-ação
política e socialmente crítica (Grundy, 1982; Tripp, 2005), visto que está buscando contribuir
na construção de uma sustentabilidade cultural, em uma ecologia mental nos participantes
que possa levar a mudanças sociais e ambientais. Logo, estamos nos engajando em trabalhar
para mudar o status quo, denotando assim uma ação política. De fato, a literatura de
sustentabilidade e de mindfulness tem pedido por pesquisas de cunho qualitativo. Nesta linha,
sustentabilidade é vista como um problema complexo e multidimensional (Lozano et al.,
2013) e deve ser pesquisado, ensinado e praticado tendo isto em mente.
Da mesma forma, mindfulness também tem sido recorrentemente visto como um tema
complexo e que e que seu desenvolvimento e efeitos deve ser investigado sob uma ótica
qualitativa, seja no ambiente corporativo ou no contexto clínico (Choi & Leroy, 2015;
Shapiro et al., 2006). As justificativas deste chamado na literatura por pesquisas de cunho
qualitativo exploraremos a seguir.

Justificativas do método qualitativo: abertura, fluidez e profundidade

Justifica-se o uso de metodologia qualitativa e pesquisa-ação por uma série de razões.


Primeiro, este método favorece ao paradigma da complexidade, por não se limitar a variáveis
133

específicas, incluir incertezas, considerar subjetividades e não ter a intenção de reduzir o


fenômeno ou generalizá-lo (Vasconcelos, 2013). Desta forma, a pesquisa-ação é um método
dinâmico e capaz de capturar e de se ajustar a mudanças ao longo do processo de pesquisa.
Isso pode trazer ao pesquisador importantes insights sobre o objeto de estudo e, assim, ajustar
a ação tendo como base a evolução informações que surgiram ao longo da pesquisa (Tripp,
2005). Isso explica porque em uma pesquisa-ação os elementos que a constituem (e.g.
protocolo da ação, roteiros) são concluídos ao longo da pesquisa de campo em si, na medida
em que o pesquisador vai se familiarizando com a empresa objeto de estudo (Thiollent, 2009;
Thiollent & Silva, 2007). De fato, um dos pontos principais que a metodologia ofereceu foi
ter a esta flexibilidade e fluidez na elaboração e condução da ação psicossocial que um
método experimental intervencionista usual não nos permitiria.
Desta forma, Creswell (2013) destaca que esta natureza aberta, fluida e dinâmica
permite ao pesquisador estudar o que se apresenta, surgindo ao longo do processo questões
que inicialmente podem não terem sido antecipadas, intencionadas ou questionados pela
equipe de pesquisa. Isto permite ao pesquisador uma avaliação não apenas do resultado da
ação, mas do processo da ação.
Mais além, uma abordagem qualitativa permite aos participantes expressar suas
percepções, atitudes e comportamentos relacionadas à temática, assim como a emergência de
temas a serem trabalhados posteriormente. Isso possibilita a compreender o fenômeno
observado a partir de sua própria experiência e voz do nativo (Geertz, 1989), o que também
faz com que possam emergir questões que não foram previamente mapeados ou esperados,
reforçando assim o potencial de se produzir relevante e aumentando a possibilidade de
resultados da ação psicossocial (Thiollent & Silva, 2007). Como se trata de uma ação política,
nossa aspiração foi elaborar e implementar a ação psicossocial baseada em mindfulness,
interdependência e compaixão que desenvolva cognições, habilidades, atitudes e
comportamentos dos participantes positivamente relacionadas à sustentabilidade. Espera-se
– ainda que não seja o objeto de análise desta pesquisa - que possam influenciar a cultura, as
políticas e práticas corporativas neste sentido.
Em linha com esta visão, a literatura de mindfulness alerta que estudos qualitativos
podem esclarecer como os programas de mindfulness são vivenciados pela perspectiva dos
participantes, fornecendo dados que elucidem o que eles mesmos vivenciam como aspectos
úteis ou não desses programas, podendo gerar perguntas a serem exploradas em pesquisas
futuras (J. D. Creswell, 2017).
134

Adicionalmente, dados quantitativos tendem a apresentar uma visão reducionista dos


fenômenos, o que por si só já seria um fato em oposição ao nosso pressuposto ontológico, o
paradigma da complexidade. De fato, a literatura de mindfulness diz alerta que surveys e
experimentos podem não capturar nuances, variações, os altos e baixos da experiência com
meditação (e.g. irritação, impaciência, sonolência), que são importantes elementos da
experiência dos participantes e podem impactar diretamente nos resultados almejados (Choi
& Leroy, 2015). Assim, o fato de a experiência com meditação comportar uma variedade de
sensações, emoções e pensamentos que podem ser mais bem compreendidos por meio de
uma abordagem qualitativa (Menezes & Dell’Aglio, 2009; Van Gordon et al., 2014). Mais
ainda, fatores diversos podem impactar diretamente na pesquisa, como por exemplo, a cultura
da empresa, da indústria e as pressões vividas pelos participantes dentro de um ambiente
corporativo ou mesmo fora dele. Assim, o uso de pesquisa qualitativa se mostra mais
adequada para capturar tais nuances do que as escalas quantitativas (Brand & Slater, 2003;
E. Shonin & Van Gordon, 2015). De fato, o uso de uma abordagem qualitativa de inspiração
etnográfica nas fases de coleta e análise de dados permitiu capturar nuances e impressões que
enriqueceram as análises de uma forma que escalas quantitativas não poderiam como
veremos mais adiante. Vamos a seguir, explorar em detalhes as etapas da pesquisa,
apresentando suas atividades e justificativas.

As etapas da pesquisa-ação em detalhes: atividades, técnicas de coleta e


análise de dados da pesquisa

A operacionalização da pesquisa será descrita de forma a compreendermos o processo


de construção do conhecimento aqui realizado. Descreveremos em linha cronológica as
etapas, atividades realizadas e suas justificativas. O que temos é um quadro rico e dinâmico
que envolveu uma equipe multidisciplinar e multicultural que se aventurou pelo mar de água
corrente e profunda da pesquisa qualitativa.

Modelo processual das etapas da pesquisa

Foram realizadas 4 etapas ao longo da pesquisa, quais sejam: (1) Etapa Exploratória;
(2) Etapa de Coleta de Dados e Pesquisa Baseline; (3) Etapa da Ação Psicossocial, com a
aplicação do programa baseado em mindfulness, interdependência e compaixão; e a (4) Etapa
135

de Avaliação Final. A Figura 3 ilustra em uma linha do tempo a sequência e principais


atividades de cada fase:

Figura 3 - Modelo processual da pesquisa-ação

Etapa Exploratória: conhecendo e viabilizando a ação


A Fase Exploratória contempla a (1) seleção e comprometimento da empresa, (2) a
comunicação interna aos potenciais participantes, (3) a seleção dos participantes, assim como
o (4) planejamento da logística operacional envolvida, como reserva de local e recursos
necessários e a pesquisa bibliográfica, que de forma transversal nos acompanhou ao longo
das etapas da pesquisa. A etapa exploratória é fundamental pois visa garantir a viabilidade
técnica-metodológica e operacional da pesquisa.
136

A empresa: seleção e comprometimento


A escolha da empresa obedeceu a alguns critérios objetivos. O primeiro critério seria
a localização na baía de São Francisco e Vale do Silício. Por conta do doutorado sanduíche
na Universidade da Califórnia em Berkeley no período de realização da pesquisa, seria
necessário que fosse nesta região geográfica. De acordo com o porte, para atender aos nossos
interesses de pesquisa, o critério de escolha da empresa deve privilegiar empresas de médio
a grande porte, com fim lucrativo e ter funcionários suficientes para que possam influenciar
e serem influenciados por outros membros da empresa. Precisamos de empresas com fins
lucrativos, denominadas corporações, pois estas sofrem maior pressão para gerar lucro, sendo
assim, o espaço ideal para que um executivo possa vivenciar toda pressão e ambiguidade
relacionada à dinâmica lucratividade-sustentabilidade e seus impactos na sociedade
conforme visto na literatura. Adicionalmente, buscamos empresas que estejam abertas a
receber pesquisas acadêmicas e com práticas de mindfulness, o que na região de São
Francisco não seria problema devido a disseminação do mindfulness na região. Convém
destacar que tivemos muita dificuldade de encontrar empresas no Rio de Janeiro para realizar
a pesquisa. As razões alegadas estavam relacionadas a agenda de executivos.
A empresa11 escolhida atendia a todos estes critérios e foi selecionada devido à
proximidade do autor da tese com funcionários. Em verdade, a executiva que apoiou a
realização da pesquisa ação dentro da empresa era cliente de coaching do autor da tese na
época. A empresa é uma multinacional de serviços online e aplicativos dos Estados Unidos,
em Mountain View, Condado de Santa Clara no estado da Califórnia, com mais de 10.000
funcionários de diversas nacionalidades, sendo uma das marcas mais valiosas do mundo
avaliada em centenas de bilhões de dólares.
Sua cultura organizacional é considerada uma força motriz que impulsiona a empresa
a continuar sua liderança nos setores de tecnologia da informação e publicidade online, a
empresa motiva os funcionários a compartilhar informações com o objetivo de apoiar a
inovação, o que permite à empresa manter sua competitividade em relação a outras. De fato,
análises documentais sobre a cultura corporativa da empresa identificam que toda a cultura é
voltada para aumentar o potencial de inovação em melhorar o desempenho dos funcionários.
Sua inovação está concentrada no desenvolvimento uma série de serviços, plataformas e
aplicativos baseados na internet.

11
Por questões de confidencialidade o nome da empresa será omitido.
137

De fato, a empresa é reconhecida por ser uma das pioneiras no uso de mindfulness,
tendo desenvolvimento internamente seu próprio protocolo, que é anualmente replicado para
centenas de funcionários ao redor do mundo. Entretanto, nem tudo que reluz, é ouro. Apesar
de toda a mítica, convém destacar que no período de realização da ação psicossocial, em
novembro de 2018, funcionários da empresa espalhados pelo mundo realizaram uma greve
contra o assédio sexual e o tratamento desigual dado às mulheres e outras minorias. O
movimento apresentou uma pauta com cinco pontos: fim da arbitragem forçada em casos de
assédio ou discriminação para os atuais e futuros funcionários; compromisso de acabar com
a desigualdade nos salários e nas oportunidades; divulgação de relatórios de transparência
sobre casos de assédio sexual; criação de um mecanismo claro, uniforme e global para o
relato de casos de assédio, de forma segura e anônima; e a elevação do diretor de diversidade
e inclusão para que ele responda diretamente ao CEO e faça recomendações ao conselho
diretor, além da abertura de uma cadeira para os funcionários neste conselho. Por certo, o
setting da pesquisa oferecia abertura e, também, bastante ambiguidade.
Os participantes: recrutamento e seleção
Uma vez selecionada a empresa, foi feito recrutamento e a seleção dos
participantes da pesquisa. O recrutamento para participar do programa da ação
psicossocial foi feito em parceria com a ex-cliente de coaching e atual executiva da empresa.
Foi elaborado um chamado (ver Apêndice A) que foi disponibilizado na intranet da empresa,
onde os executivos da empresa se informam sobre oportunidades de treinamento e
desenvolvimento. O texto foi disponibilizado em julho de 2018 e um fato curioso ocorreu. A
executiva disponibilizou a chamada para o programa na área de acesso internacional, e em
cerca de 6 horas tivemos pouco mais de 100 pessoas interessadas. Outra chamada foi feita
informando que o programa seria disponibilizado na região de São Francisco apenas.
Assim, tivemos ao todo 32 pessoas interessadas em participar. Em seguida, iniciamos
o processo de seleção, que deveria obedecer a alguns critérios. Para participar do programa,
o funcionário deveria ser contratado formal – não terceirizado - em tempo integral da
empresa. O objetivo era termos participantes que conhecessem e trabalhassem sob a cultura
da empresa. Adicionalmente, era importante possuir uma autoidentificação como líder
potencial, não precisando ser líder formal. Como almejávamos que após o programa os
participantes pudessem influenciar cultura, as políticas e práticas da empresa de forma a
estarem alinhadas à sustentabilidade, este traço atitudinal seria importante.
De fato, a autopercepção do indivíduo como líder tem sido abordada como base para
sua função e uma propensão à exercer tal influência (Derue, Ashford, Ashford, & Derue,
138

2016; Marchiondo, Myers, & Kopelman, 2015). Outro critério seria a disponibilidade de
presença física nos 4 encontros nos dias, horários e locais indicados, o que entendemos ser
muito importante para os resultados almejados da ação.
Foi criado um formulário online onde estas informações foram disponibilizadas e
pedíamos informações sociodemográficas, culturais, profissionais relativas à ocupação atual
e dados comportamentais relacionados à prática de mindfulness, meditação ou alguma
prática/rotina religiosa ou espiritual. Este formulário também continha o TCLE (Ver
apêndice J), onde o candidato se informava sobre o programa e assentia seu consentimento
livre e informado em participar em caso de ser selecionado. Assim, realizamos a pré-seleção
dos participantes e partimos para o agendamento de entrevistas. Com esses formulários foi
possível construir uma imagem prévia dos participantes.
De fato, todos os inscritos estavam no perfil desejado, entretanto, ao final, muitos
começaram a cancelar sua participação no programa por incompatibilidade de agendas
devido a extenuante rotina de seus trabalhos. Nesta etapa – ao longo de um mês - dos 32
iniciais, 18 desistiram. Ao buscarmos realizar as entrevistas anteriores ao programa, tivemos
quatro novas perdas pelos mesmos motivos. Ao final, o grupo tinha 14 participantes. Três
que surgiram na semana da ação e não realizaram entrevistas prévias e a própria executiva
patrocinadora do programa, que não participa das análises do processo de transformação por
estar participando do processo de coaching com o facilitador. Em seu processo de coaching,
muitas das atividades da ação psicossocial eram realizadas e isto poderia enviesar os
resultados. Não conseguimos também realizar entrevistas pré nem pós programa com um dos
participantes, desta forma decidimos não o incluir - assim como a executiva que viabilizou a
realização do programa na empresa - na avaliação de resultados. Ao final, o grupo analisado
teve 12 participantes, destes, 2 não realizaram entrevistas prévias.
Por meio das entrevistas e fichas de inscrição foi possível mapear o grupo 12
participantes, todos são (ou eram) trabalhadores da em tempo integral em diferentes setores
e funções; também são de estados e países diferentes (cinco nascidos nos EUA, seis em outros
países e uma não relata). A maioria deles se declarou tendo crescido em famílias de classe
média alta - dois classe média baixa e uma da trabalhadora; possuía uma renda média ou alta;
trabalhava entre quarenta e sessenta e cinco horas semanais; e eram funcionários da empresa
há no mínimo dois anos e meio. Todos eles possuem terceiro grau completo, sendo que cinco
finalizaram mestrado (destes, quatro são mulheres e apenas um homem). Suas idades variam
entre 25 e 45 anos à época da intervenção. A Tabela sintetiza o perfil sociodemográfico,
educacional e ocupacional:
139
140

Tabela 3 - Perfil dos participantes


Pseudo Estado Tempo
Idade Sexo Etnia Formação Cargo
nome civil (anos)
Timothy 40 Homem Casado Branco Negócios Chefe de Indústria 13
vietnamita/
Talisha 27 Mulher Solteira Negócios Gerente de projeto 4
asiática
Mountain Ciência da Engenheiro de
Vihaan 31 Homem Casado 7.5
View Computação Software
Alicia 32 Mulher Noiva Chinesa Biologia Gerente de programa 6
Branco/ Gerente de Processos
Adriano 35 Homem Casado Engenheiro 3
hispânico Globais
Gerente de
Anjali 47 Mulher Solteira Sul-asiática Engenheira 6
Distribuição
Análise de
Claudia 27 Mulher Solteira Latina Negócios 4
Marketing

Bangladesh Gerente Técnico de


Sai 31 Homem Solteiro Engenheiro 4
/Canada Programas

Engenheira de
Indira 29 Mulher Solteira Sul-asiática Engenheira 2.5
Software
Maria n.i. Mulher Solteira Asiática Matemática Analista de negócios 4
Gerente de Compras
Mark 31 Homem Solteiro Branco Física 3
Estratégicas
Susan 29 Mulher Solteira Branca Negócios Gestora de projeto 3

Como descrito na tabela, o grupo é composto majoritariamente de pessoas com


formação na área de exatas ou de negócios, sendo a única exceção uma participante da área
biológica. Suas Etnias são variadas, sendo majoritariamente composta de caucasianos e
asiáticos. A maioria (8) é solteira e 9 se reportam a uma pessoa no espaço de trabalho e quatro
possuem cargo de liderança formal com em média 4 pessoas reportando a eles. Entretanto,
seus níveis hierárquicos não atingem nível de diretoria, o que por si só os torna incapazes de
formularem políticas em suas áreas de atuação.
As funções dos participantes eram múltiplas e diversificadas. Timothy coordena uma
equipe de vendas, sendo o participante com maior tempo de empresa e nível hierárquico;
Talisha organiza sistemas de projetos e sistemas; Vihaan lideram um grupo de engenheiros
na criação de softwares; Alicia maneja crédito para um programa de nuvem; Adriano maneja
operações de faturamento para diversos produtos; Anjali maneja os maiores sócios de
distribuição; Claudia trabalha com vendas; Sai trabalha como líder técnico para novos
produtos de integração; Indira engenheira de software; Maria é analista de dados; Mark
141

trabalha com inteligência de negócios e Susan maneja qualidade para um produto da empresa.
Todos têm mais de 3 anos na empresa, à exceção de Indira que possui dois anos e meio.
Uma vez selecionados os participantes, começamos a agendar as entrevistas e a cuidar
de toda a logística operacional da ação, como a reserva das salas – que sempre ocorreram na
sede principal da empresa no centro de São Francisco – e demais recursos como microfone,
computador, projetor. Todos estes foram disponibilizados gratuitamente pela empresa. As
comunicações com os participantes referentes ao programa (e.g., locais das sessões;
lembretes) eram realizadas internamente pela executiva patrocinadora da ação psicossocial
sob a orientação do facilitador do programa.

Etapa baseline – compreender o ponto de largada

Esta fase se deu imediatamente antes da ação social e contribuiu para


compreendermos o contexto dos participantes, alinhar o protótipo do programa a estas
informações iniciais e estruturarmos a equipe de pesquisa nos EUA para a realização da ação
psicossocial. Assim, esta etapa possui quatro atividades centrais: (1) a análise do perfil dos
participantes de acordo com o formulário online, (2) a realização das entrevistas em
profundidade com os participantes, (3) a finalização prototípica das sessões do programa da
ação psicossocial e (4) o recrutamento, seleção e treinamento dos assistentes de pesquisa da
Universidade da Califórnia. Esta fase é importante para termos uma compreensão mais
profunda da situação e desenhar o contorno do programa de forma a aumentar o potencial de
resultados esperados. Este procedimento é recomendado no uso de pesquisa-ação em
organizações, visto que cada intervenção é única e não tem o objetivo, embora possa servir
como base, de ser replicada em outros estudos de casos (Thiollent, 2009). Abordamos cada
atividade em detalhes a seguir.

Análise do perfil dos participantes de acordo com o formulário online


Esta atividade contribuiu para compreender em maiores detalhes o perfil dos
participantes, fundamental para a elaboração do roteiro de pesquisa a ser realizado com os
participantes. Aqui, buscamos compreender suas ocupações, influências religiosas e
comportamentos relacionados a meditação e mindfulness. Também, buscamos entender o que
buscavam no programa, o que seria importante para entendermos a razão que os levava até a
ação psicossocial. Em mindfulness, muitos dos resultados atingidos tem relação com a
142

motivação inicial (Shapiro, 2009). Desta forma, essa análise mais profunda serviria para
formular hipóteses a serem exploradas posteriormente nas entrevistas em profundidade.
Entrevistas em profundidade: mergulhando na realidade dos participantes pela perspectiva
deles
Esta atividade contribuiu para termos um contato inicial com os participantes e suas
visões de mundo, ethos, o que buscavam e como se sentiam à época imediatamente anterior
a ação psicossocial. O método de coleta de dados primário nesta etapa foi composto por
entrevista semiestruturada em profundidade (Vasconcelos, 2013) e o método de análise dos
dados primários foi a análise de conteúdo (Brand & Slater, 2003). A entrevista foi usada para
avaliar aquilo que queríamos influenciar: suas visões de mundo, habilidades cognitivas, suas
atitudes, comportamentos positivamente relacionados à sustentabilidade. Neste ponto,
convém destacar as dificuldades vividas nesta etapa. Dos 12 participantes que comporiam a
análise final dos resultados, foi possível a realização com 10 destes. Destes 6 não puderam
dar mais que 30 minutos de seu tempo e nenhum mais que 45 minutos para a realização de
entrevistas. Tivemos constantemente a sensação em que as entrevistas eram percebidas como
um inconveniente necessário para que pudessem participar do programa, muito embora todos
tenham sido bastante educados em todo o processo - para que pudessem participar do
programa.
Como se trata essencialmente de uma abordagem qualitativa (J. W. Creswell, 2013;
Demo, 1989), o uso de métodos de interpretação dos dados privilegia a capacidade de
interpretar de forma mais profunda e aberta os dados coletados e assim é possível justificar
o uso de Análise de Conteúdo (AC) nesta pesquisa. Adicionalmente, a AC é recomendada
em casos de pesquisa-ação em organizações (Thiollent, 1996, 2009) pelo fato da mesma
apresentar diversas vantagens quais sejam: (a) Possui flexibilidade e independência de teorias
ou epistemologias permitindo ser aplicada, ao mesmo tempo, a uma vasta gama de
abordagens teóricas; (b) É um método relativamente rápido e de fácil compreensão,
facilitando que os resultados possam acessíveis ao público geral; (c) É um método útil para
trabalhar dentro do paradigma de pesquisa participativa e da complexidade, pois consegue
resumir de forma útil as principais características de um grande conjunto de dados e ainda
oferecer uma descrição robusta dos mesmos; (d) A Análise de Conteúdo também consegue
destacar semelhanças e diferenças em todo o conjunto de dados, além de poder gerar ideias
inesperadas, permitir interpretações sociais e psicológicas dos dados e ser útil para produzir
análises adequadas para contribuir no desenvolvimento de ações.
143

A sessão prototípica12
A sessão prototípica é um detalhamento genérico de todas as sessões da ação
psicossocial (são 4 no total), como uma planta baixa de onde estas foram construídas com
pequenas adaptações. Esta descrição preliminar contribuiu para o entendimento de cada
sessão em maior profundidade, visto que estas possuem um formato similar, possuindo cerca
de 15 atividades pedagógicas que visam desde acolhimento aos participantes até o momento
final da sessão (Drop out), onde buscávamos estimular a intenção de nos dias seguintes
buscarmos colocar em prática os aprendizados ali vividos.
Recrutamento e seleção de assistentes de pesquisa
Como se trata de uma pesquisa qualitativa de inspiração etnográfica, a próxima etapa
seria recrutar e selecionar assistentes de pesquisa para auxiliar na transcrição das entrevistas
realizadas assim como na elaboração e análise dos diários de campo que seriam produzidos
a cada sessão. Como o autor da tese estava fazendo seu doutorado sanduiche na Universidade
da Califórnia, em Berkeley, seu orientador local, professor Dacher Keltner, disponibilizou
cinco alunos para auxiliar na pesquisa.
O recrutamento dos assistentes de pesquisa se deu em duas etapas: anúncio feito pelo
autor da tese durante a aula Human Happiness ministrada pelo professor Dacher Keltner,
onde foi explicado o objetivo da pesquisa, seu local, datas e viés qualitativo. Para se inscrever
e participar da seleção, os estudantes deveriam preencher um formulário online (apêndice X)
que solicitava informações sociodemográficas, educacionais e, também, a motivação para se
participar da pesquisa. 39 alunos se inscreveram demonstrando interesse em participar. O
critério de seleção acordado com a orientadora baseada no Brasil e o orientador nos EUA foi
buscar diversidade na equipe de gênero, etnicidade e a motivação em participar relacionada
a identificação com a aspiração da pesquisa. Acreditamos que alinhamento de valores e de
propósito é importante para o bom andamento de trabalho, pois influência em nosso
engajamento e qualidade do trabalho. Os assistentes selecionados e suas informações
acadêmicas e sociodemográficas foram reunidas na tabela 4:

12
Descrição em maior detalhes do programa no capítulo seguinte
144

Tabela 4 - Perfil dos assistentes de pesquisa


Dados Sharvika Selma Emily Jonas Jacob

Sexo Mulher Mulher Mulher Homem Homem

Idade (anos) 23 25 20 21 24
Sul-
Etnia Branca Branca Branco Judeu
asiática
Identificaçã Dinamarques American Americano/Jude
Indiana Alemão
o identitária a a u
Religião Hindu Protestante Nenhuma Protestante Em busca
Pós-
Grau em Graduaçã
graduaçã Graduação Graduação Graduação
andamento o
o
Ciências da
Major Psicologi Estudos
Psicologia Psicologia Organizaçã
(atual) a interdisciplinares
o

Como a tabela mostra, três deles se identificam como mulher e dois como homem.
Suas idades variam entre 20 e 25 anos, suas etnias são variadas e religiões também. Além
disso, entre eles, três tinham sua “major” em psicologia e dois estava na intersecção desta
com a economia e sociologia. Dois eram alunos de graduação, uma de pós-graduação e dois
alunos visitantes de graduação. Todos estavam bastante engajados em participar do
programa. Em seus relatos é possível perceber que a união na pesquisa de Mindfulness,
sustentabilidade e lideranças no meio corporativo foi o que mais os instigou. Além disso,
todos apontam como acreditavam que a experiência em uma pesquisa como a descrita aqui
lhes seria benéfica no futuro acadêmico e profissional. Ademais, os assistentes contaram
desejar aumentar seu contato com mindfulness.
A experiência prévia deles era variada, alguns já haviam participado de pesquisas
acadêmicas qualitativas e outros não. Por outro lado, todos tinham alguma experiência quanto
a práticas meditativas (Emily é instrutora de Yoga, por exemplo) e no ambiente corporativo
(Sharvika e Jonas). Assim sendo, todos os assistentes contribuíram com o que já sabiam e o
que também aprenderam durante a pesquisa e com o facilitador. Suas funções consistiam em
anotar o que ocorria durante as sessões nos diários de campo e contribuir com observação
participante; relatando suas impressões, sensações, emoções e pensamentos relevantes para
a pesquisa. Dentro disso se incluía as falas dos participantes e do facilitador bem como o que
eles percebiam sutilmente como reações corporais dos mesmos e de si próprios.
145

Treinamento dos assistentes de pesquisa


Esta atividade envolveu o treinamento dos assistentes de pesquisa no método de
observação participante, visto que estes participariam da ação psicossocial elaborando diários
de campo. A observação participante é fundamental para que a pesquisa tenha dados
referentes ao processo da ação psicossocial, não apenas uma visão de resultado (J. Creswell,
2013). Assim, os assistentes de pesquisa registram em seus diários de campo o
comportamento e falas do facilitador, falas e reações dos participantes a cada atividade ação
psicossocial e suas próprias reações ao que se passa para posterior análise. Isso está alinhado
com Lévi-Strauss (1975) que destaca que em uma ciência onde o pesquisador é da mesma
natureza que seu objeto de estudo, o pesquisador acaba se tornando objeto de sua própria
investigação e tudo que ocorre deve ser registrado e analisado. De fato, a observação
participante e os diários de campo requereram treinamento para que sua elaboração fosse
metodologicamente adequada.
Assim, por meio de vídeo conferência, os assistentes de pesquisa e o autor da tese
foram treinados pela orientadora deste trabalho na condução da observação participante e na
elaboração de diários de campo para que pudéssemos na etapa da realização da ação
psicossocial produzir dados abrangentes, profundos e metodologicamente robustos.

Etapa da Ação Psicossocial: plantando uma semente

Esta etapa contempla o período de realização da ação psicossocial, as elaborações dos


diários de campo em cada sessão e as reuniões semanais após cada sessão para análise dos
dados gerados e reflexões sobre potenciais alterações da sessão seguinte. A elaboração e
condução da ação psicossocial foi fortemente influenciada pelo paradigma da complexidade
e pelo caráter flexível que uma pesquisa de caráter qualitativo traz. Como veremos, uma
busca por interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e flexibilidade nos norteou e contribuiu
para a originalidade do programa e seus resultados. Aqui, apresentamos de forma sintética
como se deu esta etapa.
A ação psicossocial: transdisciplinar e fluida
Entre outubro e novembro de 2018, ao longo de 5 semanas, foi realizada a ação
psicossocial intitulada momentaneamente como Mindfulness Based Leadership for
Sustainability (MBLS). Com 4 sessões temáticas, trata-se uma intervenção secular,
transdisciplinar, inspirada na ética budista e realizada em grupo com encontros semanais de
aproximadamente 4 horas. O conteúdo do programa da ação psicossocial e suas estratégias
146

pedagógicas foram construídos com elementos de diferentes áreas do conhecimento como


sustentabilidade, capitalismo consciente, Budismo, psicologia social e psicologia clínica.
Assim, os temas das sessões eram respectivamente: (1) mindfulness e compaixão; (2)
interdependência; (3) propósito maior e (4) liderança consciente.
Essa característica interdisciplinar – uma das bases em que o pensamento complexo
se sustenta - se mostra justificável. Conforme visto na literatura, o ensino de sustentabilidade
é essencialmente fragmentado e não possui em sua maioria aspectos afetivos na
aprendizagem (Shephard, 2008) e tão pouco literatura de outras áreas como psicologia social,
clínica ou positiva (Koger, 2015). A fragmentação do saber apresenta problemas pois não
oferece uma conexão entre áreas distintas, limitando e dificultando a aprendizagem dos
envolvidos com o processo de ensino.
Adicionalmente, o uso de diferentes saberes não oriundos da ciência – como o
Budismo e ensinamentos nativos norte-americanos sobre Interdependência – denota o caráter
transdisciplinar do programa. Se a interdisciplinaridade é a interação que existe entre duas
ou mais disciplinas, a transdisciplinaridade propõe transcender o universo fechado da ciência,
dando destaque à multiplicidade dos modos de conhecimento (Almeida Filho, 1997).
Pedagogicamente, o programa buscou não apenas transmitir conhecimentos, mas
também proporcionar experiências educacionais que inspirassem aspectos afetivos (i.e.,
atitudes e valores) da aprendizagem. Assim, o programa superou limitações encontradas em
programas anteriores por contemplar aspectos éticos budistas – por meio de estratégias
pedagógicas cognitivas e afetivas - que foram negligenciados ou abordados sem maior ênfase
anteriormente.
Reuniões semanais e discussão com base na observação participante realizada
A cada sessão da ação psicossocial, o facilitador e os assistentes de pesquisa se
reuniram para analisar como foi o andamento da sessão e os diários de campo produzidos.
Desta forma, a observação participante possibilita avaliar transformações em nível individual
com a profundidade e fornecer insights sessão a sessão (Lewis, 2011), permitindo a alterar o
próprio andamento de ação psicossocial, trazendo um caráter mais fluido ao programa (J.
Creswell, 2013; Thiollent, 2009). Por certo, isso não seria possível por meio de uma
abordagem quantitativa experimental usual. Encerradas as sessões e reuniões com os
assistentes de pesquisa, inicia-se a etapa final da pesquisa.
147

Etapa de Avaliação Final: os resultados alcançados

Esta etapa contribui para avaliar os resultados gerais alcançados com a ação psicossocial,
assim como compreendermos os aprendizados obtidos com o uso da pesquisa ação de cunho
qualitativo. Assim, realizamos (1) entrevistas em profundidade semiestruturadas com os
participantes; (2) seleção de uma nova assistente de pesquisa baseada no Brasil e (3) análise
dos dados dos materiais gerados ao longo de toda a pesquisa (e.g., entrevistas transcritas e
diários de campo), contemplando 3 macro registros de resultados relativos: (a) ao programa
da ação psicossocial, tendo como foco seu formato, conteúdo e efetividade das atividades
pedagógicas; (b) ao processo de transformação dos participantes, focando em suas mudanças
de cognitivas, emocionais, atitudinais e comportamentais positivamente relacionadas à
sustentabilidade e; (c) à metodologia qualitativa empregada, focando na sua pertinência e
influência nos resultados anteriormente descritos. A seguir, em detalhes as principais
atividades desta fase.
Entrevistas em profundidade semiestruturadas com os participantes
As entrevistas em profundidade foram realizadas 60 dias após o fim da ação
psicossocial e serviram para investigar não apenas as potenciais mudanças ocorridas nas
cognições, habilidades, atitudes e comportamentos relacionados à sustentabilidade, mas
também o que os diários de campo apontavam a partir das reações e falas dos participantes
ao longo das sessões. Assim, como o facilitador e entrevistador eram a mesma pessoa,
buscava-se aprofundar e verificar questionamentos levantadas ao longo da ação assim como
nas reuniões semanais da etapa anterior e leituras dos diários de campo. Conforme
levantamento realizado na literatura, grande parte das pesquisas em mindfulness em empresas
peca por se concentrar em mapear respostas logo após o fim do programa. Isso gera distorção,
pois o estado de mindfulness está estimulado e pode não refletir a realidade algum tempo
depois. Como pretendemos com a ação desenvolver mudanças duradouras nos participantes,
buscaremos avaliar após o fim do programa seus os efeitos em dois momentos: no último dia
com a aplicação de um questionário com perguntas abertas e dois meses depois com novas
entrevistas semiestruturadas em profundidade. As pesquisas foram conduzidas
majoritariamente em janeiro de 2019, sendo duas pesquisas realizadas em fevereiro (Indira e
Sai).
Seleção de uma nova assistente de pesquisa baseada no Brasil
Em março de 2019, com o autor da tese já de volta ao Brasil, iniciamos a seleção de
novo assistente de pesquisa, como um projeto de iniciação científica à um aluno da graduação
148

do curso de psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sua função seria auxiliar
na análise da vasta quantidade de dados produzidos, participando principalmente na
codificação e categorização de dados. Como a maioria dos dados produzidos foram em língua
inglesa, o critério de seleção envolvia o domínio de leitura neste idioma, assim como
disponibilidade de 20h semanais e já ter cursado a disciplina de metodologia da pesquisa com
a orientadora da tese.
A aluna selecionada participou da seleção escrevendo uma carta de intenção e
posteriormente uma entrevista com o autor da tese e a orientadora. Ela se identifica como
mulher, tem 23 anos, de etnia indígena, negra e branca. Não possuía prática em pesquisa
qualitativa, mas o formato trans/interdisciplinar em mindfulness, sustentabilidade e saúde
integral a motivou para participar como assistente de pesquisa.
A Análise de Dados
Uma vez selecionada a assistente de pesquisa, deu-se início o processo de análise de
dados. Como mencionados anteriormente, a técnica de análise de dados conduzida foi a
Análise de Conteúdo com viés qualitativo (J. Creswell, 2013; Thiollent, 2009) seja para as
entrevistas realizadas na etapa baseline quanto para as entrevistas realizadas nesta etapa.
Adicionalmente, os diários de campo também foram analisados sob a ótica da Análise de
Conteúdo.

O procedimento operacional obedeceu à recomendação da literatura (Hsieh &


Shannon, 2005) referente à análise de Conteúdo, onde: (1) Realiza-se a leitura geral do
material coletado (entrevistas e diários campo). Após a transcrição e leituras das entrevistas
e dos diários de campos, fomos anotando – o autor e a assistente de pesquisa brasileira -
ideias e tópicos que denotem temas de interesse à pesquisa; (2) Realizamos a codificação
para formulação de categorias de análise, com base no referencial teórico utilizado nas
entrevistas transcritas e as organizávamos em uma planilha de excel, mantendo um diário de
codificação. Definimos códigos mais específicos com base na revisão de literatura e mesmo
criando também novos códigos / temas específicos que emergem dos dados; 4) Realizamos
um recorte do material, em unidades de registro (palavras, frases, parágrafos) comparáveis e
com o mesmo conteúdo semântico, por exemplo, o que se refere a habilidades de mindfulness
(e.g. autoconsciência, autorregulação), separando categorias de resultados; 5) Assim,
estabelecemos de categorias que se diferenciam, tematicamente, nas unidades de registro.
Nesta fase, a formulação dessas categorias segue os princípios da exclusão mútua (entre
categorias) e da homogeneidade (dentro das categorias), levando em consideração o
149

referencial teórico. Em seguida, passamos para o 6) agrupamento das unidades de registro


em categorias comuns e o agrupamento progressivo em códigos, categorias e resultados;

Após elaborarmos as categorias, resultados mais relevantes encontrados, buscamos


fazer uma contemplação em perspectiva dos dados encontrados seguindo orientação dada
pela mentora deste projeto. Em verdade, por meio de práticas de mindfulness, contemplando
nossa experiência pessoal como interventor e entrevistador deste presente trabalho,
visualizamos todos os passos vividos neste projeto e uma imagem mental se forma, como se
os próprios participantes se reencontrando com si.

Esta imagem nos intrigou e nos ver mais que deduzir, sentir que era um reencontro
com as partes de si esquecidas. Adicionalmente, uma orientação fundamental nos ajudou a
olhar os dados além dos detalhes e sim em perspectiva. Ao posicionar todas as categorias e
resultados em perspectiva, percebemos que poderíamos didaticamente visualizar nossos
resultados como pertencentes a três grandes registros, tal como perspectivas abordadas por
autores budistas (e.g. Palmo, 2018) e autores da psicossociologia (e.g. Guattari, 2000) em
que transformações em níveis sociais e ambientais pedem um olhar na forma como nos
relacionamos com nós mesmos, os dados emergiram ao nosso entendimento como uma
interdependência entre a forma como nos relacionamos com nós, os outros e a natureza.
Metodologicamente, para análise das falas dos participantes, as categorias de análise são os
processos de transformação vividos: a nova relação consigo, com os outros e com a natureza,
pois tudo isso é em essência um processo de resgate de si que de forma transversal influencia
o âmbito social e ambiental. Ao final, realizamos a 7) inferência e interpretação, respaldadas
no referencial teórico que nos baseamos nesta tese, de onde percebemos a interação e
interdependência entre os registros relação com si, com o outro e com a natureza.

Síntese das Etapas e Contribuições


O quadro 12 sintetiza as principais contribuições de cada etapa.
Quadro 12 - Etapas e principais contribuições
Etapas e
Contribuições
duração

Viabilizou a pesquisa e sensibilizou a empresa em torno da questão;


Exploratória Recrutamento e seleção dos participantes
Ajustes logísticos e operacionais para a realização da pesquisa na empresa;
150

Permitiu compreender a visão de mundo, ethos e crenças, além de estados emocionais


antes da realização da ação;
Baseline Mapeou os motivos para os participantes se submeterem ao programa;
Permitiu mapear habilidades cognitivas, emocionais, atitudes e comportamentos
relacionados à sustentabilidade antes da ação;
Permitiu desenvolver o protótipo do programa;

Aplicou um programa inovador que permitiu desenvolver habilidades cognitivas,


Ação e
emocionais, atitudes e comportamentos relacionados à sustentabilidade;
Avaliação
Possibilitou devido ao método empregado mais dinamicidade e fluidez no processo de
do processo
pesquisa

Avaliou os efeitos da ação nas mudanças nas habilidades cognitivas, emocionais, atitudes
e comportamentos relacionados à sustentabilidade dos participantes, contribuindo para o
campo teórico de mindfulness e sustentabilidade;
Avaliou a efetividade e aplicação do programa, possibilitando a oferta de sugestões de
Avaliação Final
adaptações e pesquisas futuras;
Avaliou a pertinência do método qualitativo empregado, concluindo sua adequação,
influência nos resultados atingidos nos participantes e as contribuições para os envolvidos
na pesquisa e para o campo.

Desta forma, o percurso metodológico da pesquisa se desenhou obedecendo as


principais recomendações da literatura referente à mindfulness, sustentabilidade e pesquisa
qualitativa. Outrossim, a questão ética não foi esquecida e destacamos a seguir os
procedimentos tomados.

Ética em Pesquisa

Vasconcelos (2002) destaca que a ética em pesquisa exige avaliar previamente os


possíveis riscos e benefícios do projeto para todos os atores envolvidos. De fato, a
participação em uma pesquisa-ação apresenta sérias questões éticas, pois os participantes
podem ser prejudicados devido ao caráter sensível do tema de pesquisa, envolvendo aspectos
éticos organizacionais. Assim, deve-se estabelecer medidas para assegurar que os atingidos
não estejam sendo enganados, manipulados ou explorados (Tripp, 2005). Mais ainda, deve-
se abandonar a ideia de mudar unilateralmente os comportamentos dos outros. São os
próprios atores que decidem se querem ou não mudar. No plano ético, é permitido ao
pesquisador-ator auxiliar ou facilitar uma mudança somente se houver consentimento dos
atores diretamente implicados (Thiollent & Silva, 2007). Assim, vamos seguir alguns
procedimentos recomendados pela literatura para um projeto de pesquisa-ação ético.
151

Pontos estabelecidos nesta pesquisa como meta de um projeto de pesquisa-ação ético

Em um esforço para assegurar uma conduta ética na pesquisa-ação, elencamos pontos


a serem estabelecidos como meta de um projeto de pesquisa-ação de acordo com a literatura
(Tripp, 2005; Vasconcelos, 2013): 1 - trate de tópicos de interesse mútuo; 2 - baseie-se num
compromisso compartilhado de realização da pesquisa; 3 - permita que todos os envolvidos
participem ativamente do modo que desejarem; 4 – proteja os participantes; 5 - produza uma
relação de custo-benefício igualmente benéfica para todos os participantes; 6 - estabeleça
procedimentos de inclusão para a decisão sobre questões de justiça entre os participantes.
Desta forma, buscamos atender a cada um desses pontos, passando por compreender
necessidades específicas de cada participante e ajudar no que estivesse ao alcance. Por
exemplo, após a conclusão da ação foi realizado o envio de textos com temas de interesse
solicitados por alguns participantes (e.g., liderança espiritual, Timothy; sentido de vida,
Adriano). Facilitamos o acesso ao programa mesmo daqueles que não poderiam assistir todas
as sessões por questões profissionais. Como exemplo, foi oferecida e realizada uma sessão
extra para abordar conteúdo das sessões que perderam. Adicionalmente, como interventores,
nos colocamos disponíveis para atender os participantes em caso de qualquer desconforto ou
aflição que possam ocorrer.
Convém destacar que na elaboração do Consentimento Livre e Informado (apêndice
J) a ser assinado por todos os participantes antes da participação do programa, estes foram
avisados que práticas de mindfulness e mesmo os temas que seriam abordados poderiam
trazer algum desconforto por trazer reflexões sobre a forma como lidam com si, com os
outros e com a natureza. Este procedimento está alinhado a recentes recomendações sobre o
viés ético em intervenções baseadas em mindfulness em empresas (Davis, 2015). Ainda,
realizamos procedimentos para proteger e respeitar a liberdade de ação e confidencialidade
dos dados relativos aos participantes que detalhamos a seguir.

Procedimentos de proteção e respeito aos participantes

Resguardamos o direito de cada participante de expor suas opiniões de forma segura,


sem que ele possa sofrer qualquer retaliação. Para isso, toda a documentação que possa
identificar o participante será codificada e não será compartilhada com nenhuma pessoa que
não integre a equipe de pesquisa. A entrevista foi gravada, mas os nomes dos depoentes não
são divulgados. Cada participante pôde não responder a alguma pergunta caso não queria, ou
solicitar para não gravar qualquer resposta. Da mesma forma, ao longo do programa, os
152

participantes eram livres realizar as atividades que se sentissem à vontade. Adicionalmente,


nenhum funcionário da empresa, de qualquer nível hierárquico, terá acesso à entrevista ou
qualquer outro dado coletado. Os resultados da pesquisa serão divulgados sem identificação
dos participantes e da empresa.

Síntese do capítulo

Neste capítulo, detalhamos o percurso metodológico desta pesquisa assim como as


preocupações éticas envolvidas. Atendendo ao chamado na literatura de mindfulness e
sustentabilidade, assim como buscando adequação ao paradigma da complexidade de Edgar
Morin (2005), a pesquisa ação de cunho qualitativo e os procedimentos de coleta e análise
de dados de inspiração etnográfica se mostram epistemologicamente adequados para a
complexidade que a investigação desta pesquisa possui.
O programa baseado em mindfulness, interdependência e compaixão realizado neste
trabalho será detalhado a seguir, em conjunto com a avaliação dos resultados, aprendizados
e principais contribuições dele para esta tese.
153

CAPÍTULO 5 - O PROGRAMA DA AÇÃO PSICOSSOCIAL:


ATIVIDADES, CONTRIBUIÇÕES E REFLEXÕES PEDAGÓGICAS

“The essence of education…is the transmission


of values, but values do not help us to pick our
way through life unless they have become our
own, a part, so to say, of our mental make-up.
This means that they are more than mere
formulae or dogmatic assertions: that we think
and feel with them, that they are the very
instruments through which we look at,
interpret, and experience the world”.
E.F. Schumacher

Este capítulo apresenta o programa utilizado na ação psicossocial e seus principais


resultados em relação à sua estrutura e atividades pedagógicas. Nossa decisão de apresentar
o protocolo em conjunto com os principais aprendizados obtidos com sua implementação
visa facilitar ao leitor compreender os objetivos de cada sessão e suas atividades, assim como
seus principais resultados obtidos do ponto de vista pedagógico. Desta forma, nesta sessão
daremos ênfase a descrição do programa e seus resultados do ponto de vista estrutural e
pedagógico. Efeitos atitudinais, cognitivos, afetivos e comportamentais dos participantes são
abordados em detalhes no capítulo de resultados.
Os resultados do programa apontam que a duração de 4 semanas, o uso de estratégias
pedagógicas que sinergicamente trabalham aprendizagem cognitiva, afetiva e
comportamental proporcionaram ganhos pedagógicos em relação aos temas abordados,
principalmente mindfulness, valores e interdependência. Adicionalmente, o caráter flexível
do programa favoreceu a inserção ou adaptação de atividades e abordagens didáticas que
favoreceriam os objetivos de aprendizagem. Esta adaptação só foi possível devido aos diários
de campo que era produzidos e as reuniões semanais da equipe de pesquisa, que de forma
ágil, avaliava as impressões das sessões e comportamentos de todos os envolvidos e
buscávamos aproveitar o aprendizado desta análise para adaptar a próxima sessão.
Desta forma, este capítulo se desenvolve por meio da apresentação dos dados gerais
do programa tal como planejado: seu objetivo principal, duração e público-alvo. Na
sequência, apresentamos seu norteamento ético, as temáticas abordadas e sua contribuição
154

original. Em seguida, descrevemos a estrutura da sessão prototípica, suas atividades e


objetivos. Esta sessão prototípica é a base de onde as sessões efetivas foram elaboradas e
posteriormente, adaptadas. Ela representa as principais atividades que são comuns a todas as
sessões.
Por fim, adentramos em detalhes em cada sessão apresentando seus objetivos
principais, sua temática, atividades e estratégias pedagógicas planejadas e efetivamente
realizadas para ao final, abordarmos os resultados observados em cada sessão. Apresentamos
também o contexto em que o programa começou, com o adiamento de uma semana por
questões de saúde do facilitador e a manutenção da data inicial proposta para que os
participantes e os assistentes de pesquisa pudessem se conhecer.

O programa baseado em mindfulness, interdependência e compaixão

O programa de 4 sessões intitulado Mindfulness Based Leadership for Sustainability


(MBLS)13 é uma intervenção secular, transdisciplinar, inspirada na tradição budista ética,
realizada em grupo com sessões semanais de 4 horas. Focado no público organizacional, seu
objetivo é estimular profissionais a desenvolver traços de lideranças para a sustentabilidade
(Ferdig, 2007), ou seja, indivíduos que independente de terem cargos formais ou não de
liderança, estejam dispostos a direcionar suas próprias vidas e influenciarem as organizações
que trabalhem para uma direção mais responsável e sustentável social e ambientalmente.
O MBLS não é um protocolo budista, mas sim baseado na origem budista da prática
de mindfulness e sua relação ética com outros conceitos centrais desta tradição religiosa,
como compaixão e interdependência (Nhat Hanh, 2001). Um posicionamento religioso pode
facilmente tornar aqueles que não se identificam como "budistas" cautelosos em se engajar
em práticas similares. Rótulos podem criar barreiras à participação e isto, definitivamente,
não é do interesse do programa, e acima de tudo, da sociedade e do planeta. Assim, espera-
se contribuir no desenvolvimento de habilidades cognitivas, atitudes e comportamentos que
sejam positivamente relacionados com sustentabilidade corporativa e, consequentemente, na
responsabilidade social e ambiental de organizações.
As sessões são temáticas e foram elaborados de acordo com a literatura revisada de
sustentabilidade, capitalismo consciente, Budismo e mindfulness (e.g., Sisodia, 2012;
Wallace & Bodhi, 2006). Desta forma, os temas de cada encontro no protocolo MBLS são:

13
Nome provisório
155

1. Mindfulness e Compaixão; 2. Interdependência; 3. Propósito Elevado; 4 Liderança


Consciente.
Os temas servem de base para as exposições dialogadas do facilitador, para o
journaling da sessão e as reflexões em grupo. O objetivo das exposições temáticas é
proporcionar as bases conceituais e filosóficas que vão estimular reflexões críticas,
sensibilizar os participantes em relação à sua visão e ação no mundo, em especial na sua
forma de atuar na vida pessoal e profissional. Gradativamente, espera-se desenvolver
indivíduos capazes de: (1) reconhecer questões relacionadas à sustentabilidade e
responsabilidade universal; (2) analisá-las de forma crítica; e (3) estarem dispostos a
direcionar suas vidas pessoais e influenciar sua organização para um caminho mais
consciente e sustentável.
As duas sessões iniciais apresentam as bases éticas do protocolo de acordo com a
literatura budista. Assim, inicialmente apresentamos mindfulness no contexto do caminho
óctuplo, sendo assim relacionado à perspectiva de mindfulness encontrada nas MBIs de
segunda geração (e.g., Van Gordon et al., 2014) e alinhada aos chamados dos principais
críticos por programas de mindfulness eticamente informados e que resgatem a ética e
filosofia originais budistas (e.g., Purser & Milillo, 2015) em empresas. Como buscamos
desenvolver nos participantes habilidades, atitudes e comportamentos positivamente
relacionados à sustentabilidade, apresentar o mindfulness sobre este aspecto é um caminho
coerente e recomendado pela literatura citada. Na sequência, compaixão e interdependência
são abordados. Tais conceitos foram escolhidos pois possuem relação direta com
sustentabilidade. Compaixão é nossa capacidade de reconhecer, se importar e ter a intenção
de agir para aliviar o sofrimento, não apenas de humanos, mas também de não humanos
(Goetz et al., 2010).
Interdependência é a visão sistêmica que nos fornece a sabedoria que cada ação tem
uma consequência, não apenas em nós, mas no todo. É o reconhecimento que estamos
continuamente interagindo com o mundo ao nosso redor, em uma troca mútua (Karmapa,
2018). Assim, estimular a atenção plena dos participantes de oportunidades, momento a
momento, de serem compassivos, éticos e responsáveis social e ambientalmente é em
essência o mindfulness eticamente de acordo com a perspectiva budista.
As duas sessões seguintes abordam temas específicos de Sustentabilidade
Corporativa e os quatro pilares do Capitalismo Consciente (i.e., Cultura Consciente;
Orientação para Stakeholders; Propósito elevado; e Liderança Consciente), com ênfase para
os pilares Propósito Maior e Liderança Consciente. Os quatro pilares do Capitalismo
156

Consciente foram escolhidos como meios hábeis de se apresentar perspectivas e condutas de


negócios que, de forma prática, visam colaborar para a concretização de uma sustentabilidade
econômica, social e ambiental. Estes pilares têm sido reconhecidos na literatura como uma
evolução aos pensamentos tradicionais de sustentabilidade e responsabilidade social
empresarial por apresentar mudanças e caminhos na forma como as empresas devem
conduzir seus negócios para que sejam mais éticas, conscientes e benéficas para a sociedade
e ao planeta (Mackey & Sisodia, 2013; Sisodia, 2012).
Os proponentes do Capitalismo Consciente acreditam que o desenvolvimento de
lideranças conscientes e éticas são o pilar catalisador e fomentador dos outros três pilares.
Assim, esse é o tema da última sessão, que tem com o principal objetivo o gerar o embodiment
da intenção de ser uma liderança para a sustentabilidade. Esta interação sinérgica entre
conceitos éticos budistas e temas relacionados a responsabilidade social e ambiental é uma
característica original deste programa e responde a diversas críticas realizadas a protocolos
de mindfulness em empresas que não questionam e potencialmente reforçam o status quo.
A seguir, descrevemos a sessão prototípica que representa a base onde as sessões
foram criadas, descrevendo suas atividades, atividades pedagógicas existentes, duração e
objetivos almejados. Os resultados apontam que pensar a sessão prototípica antes da
elaboração das sessões facilitou o planejamento das sessões, sua padronização (mas não seu
engessamento) e adaptação.

Criando o protocolo: a sessão prototípica, suas atividades e atividades


basilares

A sessão prototípica é um detalhamento genérico de todas as atividades, como um


roteiro semiestruturado onde as sessões foram construídas com pequenas adaptações. Esta
descrição preliminar contribui para o entendimento dos encontros em maior profundidade,
visto que estes possuem um formato similar. É comum a percepção que um protocolo baseado
em mindfulness seja composto majoritariamente ou exclusivamente de práticas de
mindfulness. Mas isso não procede. O protocolo aqui descrito possui práticas de mindfulness
em meio a outras atividades pedagógicas, como o journaling e exposições teóricas.
De fato, em comum a todas as sessões, quatro práticas de meditação: primeira, uma
breve meditação – Meditação do espaço de 3 minutos - para induzir o estado de mindfulness
para a sessão; a segunda, a meditação que os participantes praticaram em casa durante a
semana e que foi ensinada na sessão anterior; a terceira, introduzindo a nova meditação que
157

eles vão praticar em casa na próxima semana e; quarta, a prática da compaixão e bondade
amorosa.
Todas as sessões também possuem atividades pedagógicas sinérgicas que visam gerar
aprendizagem cognitiva, afetiva e comportamental relacionadas a sustentabilidade e
responsabilidade universal nos participantes. Este programa se alinha ao chamado da
literatura educacional em sustentabilidade que pede por estratégias pedagógicas afetivas e
experenciais (Shephard, 2008) e por experiências educacionais que proporcionem mudanças
em modelos mentais dos participantes (Sterling, 2010). Assim, as práticas de mindfulness e
compaixão que proporcionariam o estado cognitivo e afetivo ideal para os temas e atividades
da sessão que contrapõem as concepções dominantes da atual cultura ocidental.
Tais atividades pedagógicas visam desde acolhimento aos participantes, preparo para
o início da sessão (Drop In), estabelecimento da motivação para a sessão, exposição temática
e journaling sempre ligado ao tema da sessão. No momento final da sessão (Drop out), onde
buscávamos estimular a intenção de nos dias seguintes buscarmos colocar em prática os
aprendizados ali vividos. A tabela 5 ilustra as principais características do programa em
relação às MBIs tradicionais:
Tabela 5 - Componentes do MBLS em comparação com outras MBI tradicionais
Componentes principais MBLS MBIs típicas (e.g MBSR)
Média/duração típica 4 semanas 8 semanas
Grupo baseado Sim Sim
Secularizado Sim Sim
Média total de horas de intervenção 16 horas Aprox. 31
Retiro de um dia Não Sim
Meditações de alegria empática, loving- Sim, em todas as sessões Não explicitamente
kindness, compaixão e equanimidade
Ensinamentos em autoconsciência ética Sim, em todas as sessões Não
generosidade, alegria empática, compaixão
etc. Sim Não
Clarificação de Valores Sim Não
Journalings Sim Não
Meditações relacionadas a seres sencientes e Sim Não
ambiente natural

A tabela 5 ilustra como o programa deste trabalho se diferencia de programas de


mindfulness usuais. Como principais diferenças, temos o uso de meditações eticamente
baseadas como as quatro qualidades incomensuráveis; a expansão do escopo nas meditações
de compaixão a todos os seres do planeta e não apenas a humanos, como forma de estimular
atitudes e comportamentos mais responsáveis e empáticos em relação a seres não humanos;
o uso de estratégias pedagógicas diversas como o journaling para reforçar atitudes e estimular
158

comportamentos relacionados aos temas vistos nas sessões e a busca por clarificação de
valores autênticos nos participantes.

Atividades em detalhes

A seguir, avançamos com uma descrição detalhada das atividades, seus objetivos,
duração e resultados gerais observados ao longo das 4 sessões. Após esta descrição genérica,
aprofundaremos as discussões mostrando as intervenções específicas de cada sessão, assim
como seus resultados obtidos.
Drop In
Todas as sessões começam pela atividade chamada de Drop In. Esta atividade tem
por objetivos: a. gerar um sentimento de boas-vindas nos participantes; b. Incentivar a
conscientização dos participantes sobre seu estado emocional; e c. Definir a atitude correta
nos participantes para todas as atividades da reunião. Para que estes objetivos sejam
alcançados, as atividades realizadas são o acolhimento aos que chegam, este sendo realizado
pelo facilitador e pelos assistentes de pesquisa. Após o início da sessão, o facilitador faz um
breve questionamento de como os participantes estão se sentindo e os convida a receber com
abertura e gentileza qualquer emoção que ali estiver. Na sequência, estimula aos participantes
que busquem ter uma atitude de abertura, presença e gentileza em relação a si e aos outros
participantes. Se trata, essencialmente, de começar a estimular de forma verbal o contrato
pedagógico entre os participantes: uma atitude adequada (i.e., estado de presença, com
abertura, gentileza e curiosidade) para que a sessão possa transcorrer de maneira cordial,
funcional e objetiva.
De forma geral, esta atividade funcionou muito bem em todas as sessões e
parecia determinar o tom atitudinal da sessão. Como os participantes vinham de um dia de
trabalho corporativo – com todas as pressões, preocupações e entregas a serem realizadas –
era fundamental criar um momento de transição entre o que foi e o que viria, trazendo assim
maior estado de presença para a sessão. Para reforçar o estado de presença, abertura e
gentileza à sessão, a próxima atividade tinha importância fundamental.
Motivação consciente
A atividade seguinte intitulada motivação consciente tem por objetivo estimular uma
atitude adequada nos participantes para todas as atividades da reunião composta de abertura,
gentileza e de uma intenção consciente sobre o que buscamos ali: nos desenvolver e sermos
159

uma força para um bem maior. Esta atividade possui dois momentos principais: a meditação
do espaço de três minutos e o estabelecimento da intenção para o dia.
Na primeira atividade o facilitador começava por convidar a todos a praticarem a
meditação do espaço de três minutos (M. Williams & Penman, 2011). Esta prática é derivada
do MBCT e explora mudanças de consciência, trabalhando tanto a atenção focada quando a
mais ampla. Cada passo do Espaço de Respiração de Três Minutos tem aproximadamente
um minuto de duração, seguindo este protocolo: (1) Fechar os olhos, estabelecer uma postura
com a coluna ereta e fechar os olhos. Com gentileza, atender ao que se apresenta, isto é,
convidar o indivíduo a participar amplamente da experiência, notando-a, com abertura e sem
julgamentos: Quais são os pensamentos que se apresentam? Que emoções estão ocorrendo?
Quais sensações físicas estão presentes? (2) No segundo minuto, o segundo passo restringe
o campo de atenção a um foco único, a respiração: direcione sua atenção agora às sensações
físicas da respiração; 3) Atenda ao corpo, onde amplia-se a atenção novamente para incluir
o corpo como um todo e todas as sensações que estão presentes: inclua o corpo como um
todo e expanda a atenção para perceber as características presentes no ambiente, como sons
e temperatura.
Esta prática serve para se induzir o estado de mindfulness de forma breve, assim,
permitindo que nesse momento possamos gerar a intenção para o dia. Poucos segundos após
completar três minutos, inicia o segundo momento desta atividade: instruiu aos participantes
a se perguntarem silenciosamente o que buscam ali e os convida a estabelecerem uma
intenção de desenvolver em si uma atitude de abertura e gentileza a sessão, a si e a todos os
presentes. O facilitador usava um timer e um sino para controlar o tempo das atividades e da
meditação e a transição para o estabelecimento da intenção. Esta atividade possui ao todo
cerca de 5 minutos de duração. Apesar da brevidade, é de extrema importância e o facilitador
deve ter a experiência e sensibilidade para sentir se esta atividade deve ser prolongada em
caso de necessidade.
Esta atividade se mostrou fundamental para reforçar a atitude gerada na fase de
acolhimento e para possibilitar uma melhor transição entro o dia de trabalho e a sessão da
semana. Estabelecer uma intenção consciente é uma prática budista antes de qualquer prática
religiosa, em especial nas práticas de meditação (Nhat Hanh, 2017). Uma intenção é um
princípio norteador de como você deseja ser, viver e aparecer no mundo, seja durante
meditação ou em qualquer área da sua vida.
Trazer esta prática para o programa se mostrou muito acertado pois estimulava uma
das principais características do desenvolvimento de mindfulness: agir com consciência sobre
160

o propósito da ação e refletir sobre sua provável consequência. Estabelecer uma intenção
funciona como uma bússola que nos guia e nos alerta quando nos desviamos da rota e isto
servia a cada encontro para estimular a atitude para o desenvolvimento das qualidades que
tema central de cada encontro pedia. Com o estado de mindfulness e a intenção para o dia
elaborada, o facilitador está apto a contextualizar a sessão do dia, estabelecendo uma relação
lógica da sessão com a sessão anterior e com o objetivo do protocolo.
Contextualização
Esta atividade em torno de 10 minutos e tem por objetivo contextualizar a sessão do
dia, seu tema e práticas que são abordadas com a sessão anterior, com a próxima sessão e
com todo o programa. Assim, evitamos o risco de que as sessões sejam entendidas de forma
fragmentada e descontextualizada, um dos maiores problemas educacionais de nossa época
que dificuldade a aprendizagem (Morin, 2011). Desta forma, o facilitador apresenta o dia e
seu tema central em contexto, estabelecendo uma relação lógica com o programa todo.
Como exemplo, interdependência se relaciona com mindfulness e compaixão na
medida em que quanto maior for nosso estado de mindfulness e propensão à compaixão, mas
conscientes estaremos do impacto que causamos na sociedade e nos sensibilizamos com a
oportunidade de beneficiar os seres e não causar sofrimento. Para isso, o facilitador usa a
projeção de um slide onde mostra os encontros, suas datas e os temas específicos de cada
encontro. Assim, em todos os encontros os participantes veem os temas de cada sessão a sua
relação com todos os outros.
Esta atividade se mostrou muito benéfica e mantinha a atenção dos participantes e
dos assistentes de pesquisa ao contexto maior do programa e não apenas ao dia da sessão.
Em verdade, uma das percepções que tivemos foi que contextualizar a sessão trazia maior
percepção de relevância da mesma, pois mostrava como ela era uma evolução da sessão
anterior e serviria de base para a próxima sessão.
O próximo passo do programa é avaliar como foi a semana anterior14 em relação às
práticas de meditação e outras ações conscientes. Se as práticas de meditação não estão sendo
feitas, o desenvolvimento dos participantes e os ganhos atitudinais e comportamentais
advindos do maior nível de traço de mindfulness fica comprometido.

14
No caso de ser a sessão 2, 3 ou 4. A Sessão 1 tem suas especificidades e são detalhadas mais adiante
da descrição da sessão 1.
161

Pequenas vitórias
Esta atividade tem a duração estimada de 15 minutos e tem por objetivo avaliar como
foi a frequência das práticas de mindfulness realizadas na semana anterior, assim como cada
participante as vivenciou e se foram percebidas mudanças em alguma habilidade (e.g.,
concentração), atitude ou comportamento. Todas estas informações devem estar registradas
no diário de prática online deles. Assim, são instruídos previamente a trazer este material
para os encontros.
Outro objetivo desta atividade é gerar apoio mútuo e engajamento com as práticas.
Os participantes são divididos em duplas ou trios seguindo para que possam conversar entre
si. Este compartilhar da experiência da semana anterior visa gerar empatia e suporte,
repercutindo em engajamento, visto que na sessão posterior provavelmente os que não
realizaram todas as práticas possam se sentir mais motivados e hábeis a praticar a partir da
experiência bem-sucedida de outros membros. Desta forma, estas perguntas são feitas pelo
instrutor para nortear as trocas em grupo: Quantas vezes você meditou?; Como você se sentiu
durante a prática ?; O que surgiu durante a prática?; Como você reagiu a isso?; O que você
fez para superar obstáculos?; As práticas influenciaram sua vida pessoal e profissional?
Você notou algo novo em sua atitude ou comportamento ao longo da semana?
É importante frisar que o nome desta atividade foi propositalmente chamado de
pequenas vitórias (small wins). A experiência anterior em outros workshops do facilitador
fez com que percebesse que celebrar pequenas mudanças traz mais motivação ao processo
de mudança e isto encontra embasamento na literatura (Duhigg & Mantovani, 2012; Maurer
& Hirschman, 2013). Como essencialmente estamos falando de uma mudança de hábito,
pequenas mudanças constantes trazem benefícios imensos em médio e longo prazo e isso
merece ser celebrado e compartilhado. Desta forma, era importante destacar que não fazer as
práticas diariamente não poderia ser motivo de desmotivação e sim o foco deveria ser o que
foi feito e como podemos fazer melhor da próxima vez.
Após 9 minutos de conversa em grupo, os participantes são convidados a compartilhar
para a sala os principais pontos de destaque da conversa, devendo focar sua explanação em
pontos em comum e insights que tiveram ao ouvir os colegas. Nesse compartilhar público
cada dupla ou trio deveria escolher um porta-voz e destacar pontos de similaridade entre eles
ou qualquer informação que julguem relevantes e benéficas trazer ao plenário.
De fato, nas sessões 2, 3 e 4 esta atividade foi fundamental para que os participantes
possam conhecer e reconhecer na dificuldade alheia de se engajar com disciplina na prática
de mindfulness ao longo da semana anterior um pouco de sua própria dificuldade. Este fato
162

trouxe uma sensação de comunidade e natureza em comum. Um ponto negativo foi perceber
que o diário online de registros de práticas (ver apêndice X) não foi utilizado pela maior
parte. Neste ponto, temos poucos registros, pois apenas 4 participantes registraram
informações e nenhum registrou informações referentes às quatro semanas.
Outro importante aprendizado é que além das meditações - que muitos destacaram
terem dificuldade de fazer diariamente - parte do comportamento na vida pessoal e de
trabalho era compartilhado. Neste ponto, mudanças já começaram a ser percebidas em nível
pessoal e principalmente relacionadas ao autocuidado, especificamente relacionadas a
priorizar coisas e dar mais espaço na vida para elementos de outras áreas da vida além do
aspecto profissional. Importante destacar que os diários de campo ilustram que as discussões
em grupo eram entusiasmadas e que no momento do compartilhamento em plenário muitos
participantes faziam anotações sobre a experiência compartilhada de outros grupos. De fato,
esta atividade foi superior a 15 minutos tendo durado 25 minutos na segunda sessão, 20
minutos no terceiro e 20 minutos na quarta sessão. Este comportamento ilustrava um
engajamento em relação ao processo e interesse na experiência alheia.
Uma vez que todos estavam agora cientes sobre como foi a experiência da semana
anterior dos participantes, na sequência mais uma vez nos dedicávamos à prática da semana
anterior. Assim, iniciávamos a primeira meditação mais longa e formal da sessão.
Práticas de Mindfulness da semana anterior
A sequência natural é, após a discussão, praticar mais uma vez. Desta forma, esta
atividade visa: a. Fortalecer o estado de mindfulness; b. Melhorar a prática dos participantes;
c. Desenvolver habilidades cognitivas e emocionais que servirão de base para d. Promover
atitudes e comportamentos sustentáveis.
Tais objetivos visam desenvolver atitudes e comportamentos positivamente
relacionados à sustentabilidade e proporcionar impacto positivo nas habilidades cognitivas e
emocionais dos participantes. O protocolo de condução destas práticas segue o padrão o
mesmo padrão de meditação guiada usada na semana anterior segundo o modelo intenção,
atitude e atenção (Shapiro, Carlson, Astin, & Freedman, 2006): no início, a intenção para a
prática será lembrada e ao longo desta, o facilitador destaca a necessidade de uma atitude de
abertura, não julgamento e curiosidade às sensações, emoções e pensamentos que surgem e
vão. Assim, a cada encontro, a meditação principal da sessão anterior era praticada mais uma
vez na sessão posterior.
Os resultados apontam que esta atividade se seguia de forma bastante natural às
discussões e traziam aos participantes uma curiosidade à prática devido a terem ouvido e
163

compreendido as dificuldades e impactos que a prática teve nos outros participantes. Assim,
uma atitude de maior abertura havia sido estimulada para que possamos mais uma vez
práticas e reforçar os músculos da atenção plena.
Como de costume, após uma prática de mindfulness abrir espaço para feedbacks é
muito benéfico para o esclarecimento e dúvidas e eventuais insights que os praticantes
queiram realizar. Desta forma, a próxima atividade proporciona mais uma vez esta
oportunidade.
Feedbacks sobre a prática da semana anterior
Esta atividade tem a duração prevista de até 10 minutos e depende fundamentalmente
do engajamento do grupo. O objetivo é mais uma vez esclarecer dúvidas e apontar meios
hábeis para que os participantes possam evoluir na sua prática pessoal. Assim, espera-se
esclarecer dúvidas sobre a prática e gerar encorajamento, aperfeiçoando as habilidades na
meditação dos participantes, melhorando sua autoconsciência e, também, a consciência das
dificuldades comuns que surgem a todos ao longo da prática.
O protocolo se dá desta forma: o facilitador separa o grupo em duplas ou trios para
mais uma vez – por 5 minutos - os participantes compartilharem como foi a experiência.
Após a formação das duplas ou trios, o instrutor realiza algumas perguntas para servirem de
guia para a troca: Como foi a prática? O que surgiu? Você notou quando se afastou? Como
você respondeu a isso? Você manteve uma atitude de curiosidade? Abertura? Não
julgamento? Após a troca, os participantes são convidados a compartilhar sua experiência e
insights com o grupo.
Os resultados indicam que esta atividade tende a reproduzir feedbacks dados na fase
de pequenas vitórias, trazendo redundância. Como os feedbacks da prática já ocorreram na
sessão anterior quando ela foi realizada na primeira vez e na atividade de pequenas vitórias,
esta atividade foi excluída nos encontros 3 e 4 proporcionando mais tempo para outras fases
que demonstraram mais engajamento nos participantes como a atividade de pequenas
vitórias.
Intervalo
O primeiro intervalo tem a duração de até 10 minutos possui como objetivo
proporcionar um pequeno descanso, atualização nos participantes quanto a eventuais
comunicações por ser um dia útil de trabalho e ida a banheiros caso necessário. O facilitador
orienta os participantes a permanecerem conscientes (mindful) e presentes o quanto possível,
evitando se dispersar e que deveriam estar de volta em 10 minutos.
164

De fato, este momento de mostrou muito útil para que os participantes se atualizassem
e claro, buscassem se alimentar ou ir ao banheiro. Como são executivos em um dia de
trabalho, a primeira reação usualmente era pegar nos celulares e checarem seus caixas de
mensagens. O tempo de 10 minutos era sempre seguido por todos, o que não foi surpresa por
ser um grupo corporativo e habituado a trabalhar com prazos. O próximo passo da sessão
seria o tema central e era importante que todos estivessem atentos e presentes.
Tema da Sessão
Esta atividade tem 30 minutos estimados e tem como objetivos fornecer as bases
conceituais e filosóficas do tema do dia por meio de exposição dialogada do facilitador e
também de forma vivencial, trazendo alguma experiência ao participante para que melhor
possa apreender – cognitiva e afetivamente - o conceito da sessão e sua relação com os
conceitos vistos nos outros encontros. Assim, buscamos reforçar cognições, atitudes e
mudanças de comportamento positivamente relacionadas à sustentabilidade. Neste momento
o uso de projeção de slides ou vídeos com conceitos e reflexões sobre o tema servem de
auxílio didático.
O protocolo desta atividade segue um modelo educacional que tendo a trazer mais
resultados cognitivos e afetivos. Começamos pela meditação do espaço de três minutos
descrita anteriormente. Esta prática serve para voltar a consciência ao momento presente e
induzir um estado de mindfulness para uma atividade posterior: a teorização e exercício
relacionados, com cerca de 25 minutos de duração. Os temas e exercícios aqui usados são
específicos de cada sessão e detalharemos as especificidades mais adiante. O comum a esta
atividade em todos os encontros é o protocolo: meditação de 3 minutos, exposição dialogada
contextualizando o tema com o programa e um exercício mais vivencial que aplique o que
foi visto.
Os resultados apontam que esta atividade é de fundamental importante e o facilitador
tem que possuir não apenas domínio conceitual dos temas, mas didática para contextualizá-
los e aplicá-los por meio de um exercício prático. Esta experiência visa gerar um aprendizado
que vai além do cognitivo, trazendo o que se chama de aprendizagem afetiva, impactando na
atitude dos participantes (Stanszus et al., 2017). Como os participantes estão sensibilizados
pela exposição e experiência prática, os participantes terão a oportunidade de registrar suas
sensações, pensamentos e emoções em um exercício de journaling.
Journaling
A prática de journaling tem em torno de 12 minutos de duração e almeja levar os
profissionais a entrarem um nível mais profundo de reflexão e identificar ações concretas a
165

serem realizadas de acordo com o tema abordado (Hubbs & Brand, 2010). São questões que
estimulam inicialmente a reflexão dos participantes sobre sua condição atual (crenças,
atitudes e comportamentos) em relação ao tema visto, mas também visam estimular seu
engajamento em relação ao tema. Assim, todo journaling é sempre finalizado abrindo espaço
para que ele possa elaborar alguma ação a ser realizada em sua vida pessoal e profissional.
Obviamente, a cada encontro o journaling é diferente e será descrito mais adiante no
detalhamento dos encontros.
Algumas instruções são dadas aos participantes e são comuns a todos os encontros:
(a) O journaling é um processo pessoal. Suas anotações são privadas; (b) O participante
deverá escrever e não bloquear o fluxo da escrita. Assim, será enfatizado que estes devem
apenas começar a escrever, independente de se ter uma ideia fechada sobre o que responder;
(c) São apresentadas questões e terão um tempo de 3 minutos para responder a cada uma
delas. Aqui, o instrutor deve avaliar se a maioria está pronta para passar para a próxima
questão e pode decidir seguir para a próxima ou esperar; (d) Uma batida de sino sinaliza que
a primeira questão será apresentada e que podem iniciar o journaling; (e) Uma nova batida
após 3 minutos ocorre, sinalizando que a segunda questão será apresentada e assim se faz até
finalizar o exercício; (e) Duas batidas consecutivas ao final indicam o fim do journaling; (f)
Após as duas batidas, os participantes podem reler as anotações, fazer novas anotações ou
apenas ficar em silêncio por 3 minutos consciente de suas sensações, pensamentos e emoções
com abertura, curiosidade e não julgamento.
Os resultados apontam que esta atividade foi uma das mais marcantes de todo o
protocolo na perspectiva dos participantes e também dos assistentes de pesquisa. Os
assistentes de pesquisa foram convidados a participar tal como foram das meditações por
dois motivos: se beneficiarem das reflexões e não serem um ponto de tensão observando os
participantes neste momento, gerando potencial distração e prejudicando os resultados. De
fato, na avaliação geral do protocolo 4 dos 12 participantes apontaram que gostariam de
continuar a fazer journaling após o fim do programa. Em conversas com os participantes, os
assistentes de pesquisa apontaram que todos eles avaliaram esta prática como benéfica e que
proporcionava importantes insights sobre si e ajudavam a criar ações coerentes com as
reflexões que tiveram.
Após a finalização do exercício, seguimos para a próxima atividade: a conversa
consciente. Esta atividade se dava de forma fluida pois agora a intenção é que mais uma vez,
os participantes possam reconhecer nos outros características comuns a si.
166

Conversa Consciente
A prática de conversa consciente (Tan, 2014) visa treinar a atenção empática e nossa
capacidade de fala consciente, além de permitir aos participantes compreender a realidade do
outro a partir da narrativa do outro. Assim, o objetivo desta atividade é estimular atitudes e
comportamentos positivamente relacionados à sustentabilidade (e.g., empatia,
autoconsciência) a partir da experiência compartilhada do outro.
Esta atividade segue este protocolo: consiste em dividir o grupo em trios, onde cada
um vai compartilhar o que julgar pertinente e construtivo a partir da prática do journaling.
Quando alguém estiver em sua hora de falar, o outro se coloca aberto ao que é falado,
adotando uma atenção gentil e oferecendo a quem fala a dádiva de sua atenção plena (mindful
listening) sem interrupção. Em seguida, os papeis são trocados e ao final, uma livre troca
entre os interlocutores acontece (free-flow conversation). Após o tempo estipulado para esta
tarefa (25 minutos), o instrutor convida os trios a compartilharem com o grupo seu
aprendizado com o plenário.
Os resultados apontam que esta atividade mais uma vez se mostra muito benéfica pois
os participantes se beneficiaram de algumas formas: (a) puderam compartilhar elementos que
julgaram relevantes e muitas vezes se colocaram de forma vulnerável perante outros
participantes; (b) puderam perceber inseguranças e reflexões relevantes nos outros
participantes mais uma vez trazendo a eles a reflexão de uma natureza humana em comum,
fundamental para o desenvolvimento de autocompaixão (Germer & Neff, 2013); (c ) puderam
conhecer algumas ações que outros participantes elaboraram a partir do journaling e se
inspirar nelas; e (d) ao compartilharem algumas ações relacionadas ao tema que elaboraram
para serem realizadas, criavam um compromisso público mesmo que para um grupo pequeno
de as realizar. O próximo passo é compartilhar em plenário o que conversarem nos trios. Este
passo mais uma vez reforça a troca entre participantes, só que agora em maior escala.
Discussão em Grupo
Esta atividade possui até 15 minutos e visa estimular a reflexão em grupo, de forma
aberta, sem julgamentos, sobre a experiência da conversa consciente e do journaling. Assim,
encoraja-se a escuta empática e consciente entre os participantes, o aprendizado uns com os
outros e o fortalecimento do senso de confiança e comunidade no grupo. O facilitador
estimula a discussão por meio destas perguntas: Que insights ocorreram com o journaling?
E na conversa consciente? A partir das respostas, o instrutor conduz a discussão de forma a
trazer aprendizados relacionados ao papel de incorporarem os aprendizados e ações que
surgirem em suas vidas pessoais e profissionais.
167

Esta atividade apresenta resultados interessantes: na medida em que os encontros


foram ocorrendo, mais engajamento ocorreu. Isso ilustra uma dinâmica comum em grupos
organizacionais: na medida em que a confiança aumenta entre os participantes, maior tende
a ser o ambiente de segurança psicológica para se manifestarem e se exporem (Good et al.,
2015). Outro ponto de destaque é esta parte traz à tona para todo o grupo pontos sensíveis
discutidos e compartilhados apenas no grupo menor (dupla ou trio), como no caso em que
trouxe amplas – e tensas - discussões sobre a dificuldade de se colocar em prática ações
relacionadas a sustentabilidade em especial no ambiente corporativo15. Sem dúvida, uma
atividade muito relevante do protocolo e os facilitadores devem ter o controle de direcionar
a discussão para o tema da sessão de forma propositiva, pois a discussão tende a ficar nas
dificuldades e problemas e não nas soluções. O passo seguinte é um novo intervalo – mais
breve – que marca o início das atividades finais da sessão.
Segundo intervalo
Segue o mesmo padrão do anterior, só que possui apenas 5 minutos de duração.
Mostrou-se estar no momento adequado pois as discussões em grupo tenderam por vezes a
agitarem o grupo. Nesta linha, servia de importante pausa que permitia uma transição para a
segunda prática mais longa de mindfulness, a prática que os participantes deveriam fazer ao
longo da semana.
Prática de Mindfulness para a semana
Ao retornar no intervalo, são apresentadas as práticas de mindfulness a serem
realizadas em casa ou trabalho ao longo da próxima semana e esta atividade tem a duração
de 15 minutos. Os objetivos desta atividade são: a. Fortalecer o estado de atenção plena; b.
Desenvolver habilidades de regulação atencional e emocional; c. Impulsionar atitudes e
comportamentos éticos e compassivos. A sequência das atividades segue sempre este
protocolo: Prática do Espaço de Respiração de três minutos; Explicação teórica da prática da
semana (e.g., Atenção Plena à Respiração; encontro 0216) e então, meditação guiada
propriamente dita por cerca de 12 minutos. Ao final, o facilitador reforçava a necessidade de
se praticar ao longo da semana, destacando três pontos principais: A constância da prática é
que leva a resultados efetivos; O que praticamos se fortalece; e que registrar no diário online
as práticas era por si só uma prática de awareness.

15
Abordaremos em detalhes na discussão da Sessão 2 – Interdependência.
16
Para cada sessão, havia uma ou até duas práticas diferentes. O protocolo de condução destas práticas
está detalhado no tópico relacionada a esta atividade no detalhamento do que se sucedeu em cada dia.
168

A cada encontro um conjunto diferente de técnicas é abordado e sempre baseado nas


meditações formais presentes nos protocolos MBCT e MBSR (Jamieson & Tuckey, 2017).
A ordem das práticas que foi escolhida – meditações focadas no corpo para então meditações
de monitoramento aberto - segue o modelo utilizado MBCT por sua validação já amplamente
conhecida em ambientes clínicos e corporativos e pela experiência do facilitador na condução
destas práticas.
Esta atividade apresentou um desafio pois o momento caminhava para o fim da sessão
e muitos participantes – inclusive o facilitador e seus assistentes de pesquisa - estavam
cansados. Mas sua importância é fundamental para os objetivos do programa e os relatos do
diário de campo mostram que os participantes se engajavam nas práticas. Como usual, após
as práticas era aberto um espaço para a discussão sobre como foi a experiência meditativa.
Feedbacks sobre a prática
Esta atividade segue o mesmo padrão da atividade 6: tem a duração prevista de até
10 minutos e depende fundamentalmente do engajamento do grupo. O objetivo é esclarecer
dúvidas e apontar meios hábeis para que os participantes possam evoluir na sua prática
pessoal ao longo da semana. A diferença é que neste momento não formávamos duplas ou
tris e partíamos para uma discussão em plenário. Entendemos que mais uma vez mudar as
pessoas de lugar e criar uma atividade intermediária em um momento que já caminha para i
final da sessão poderia adicionar um esforço mental e menos dispêndio de tempo que não
compensariam. Da mesma forma, o facilitador disponibiliza algumas perguntas para
estimular a discussão em grupo: Como foi? O que surgiu? Você notou quando se afastou?
Como você respondeu a isso? Você manteve uma atitude de curiosidade? Abertura? Não
julgamento?
Assim, os participantes são convidados a compartilhar sua experiência e insights com
o grupo. Espera-se esclarecer dúvidas sobre a prática e gerar encorajamento, aperfeiçoando
as habilidades na meditação dos participantes. Ao avaliar esta atividade, vimos que ela se
mostrou bem importante para compreendermos dificuldades teóricas ou práticas. Um ponto
interessante é que os participantes questionavam de que forma determinada prática poderia
impactar no potencial criativo, na concentração e na produtividade. Nitidamente são efeitos
de interesse para o meio corporativo e o facilitador deve possuir o domínio de especificidades
de técnicas de mindfulness e seus efeitos específicos. A capacidade de responder com
segurança a tais perguntas foi fundamental de acordo com relatos do diário de campo para
que se gerar credibilidade e confiança no grupo.
169

Uma vez que a prática da semana foi instruída e praticada, seguíamos para outra
prática formal intimamente relacionada a mindfulness dentro de uma perspectiva budista: a
meditação da compaixão.

Meditação da Compaixão e Bondade-Amorosa


Esta atividade possui cerca de 10 minutos e iria ser inicialmente conjunta com a
atividade anterior, mas logo no primeiro dia – durante a realização do curso – o facilitador
sentiu a necessidade de separá-la por dois motivos: daria maior relevância e visibilidade a ela
e seria mais fácil didaticamente explicar tecnicamente seu processo. Trata-se de um dos
pontos altos da sessão e tem por objetivo desenvolver atitudes e comportamentos éticos e
compassivos. Esta meditação está presente em todas as sessões, possuindo pequenas
alterações de uma sessão a outra: gradualmente os participantes vão ampliando seu escopo
de compaixão para incluir seres que possuem uma relação neutra, seres que possuem uma
relação difícil e então seres não humanos como animais e elementos da natureza.
Esta prática faz parte do “dever de casa” que os participantes deveriam praticar ao
longo da semana. Os resultados desta atividade apontam que os participantes tiveram muita
dificuldade em praticá-la, especialmente quando envolvia entes neutros, com relação
conflituosa e quando tinham que direcionar a si mesmos. Isso se alinha com a literatura que
aponta estas dificuldades como comuns (Jazaieri et al., 2013; Neff, 2003a). Um desafio que
viria a trazer um importante insight: a dificuldade de autocompaixão vai se refletir na
dificuldade de compaixão por seres que não fazem parte do conjunto das relações mais
felizes. O que mais chamou a atenção é que no caso de autocompaixão e relações
conflituosas, a sensação de ansiedade e aflição foi reportada por Anjali, Talisha e Indira. Três
dos participantes – Timothy, Adrian e Claudia - relataram terem se identificado muito com a
prática e que gostariam de a continuar praticando. Há um relato de Claudia no diário de
campo da sessão 4 que essa meditação gerava ondas de amorosidade na sala, um ripple effect
em todos.
Esta prática abria espaço – dentro da mente e do coração - para a atividade seguinte,
que consistia na última atividade da sessão. Era fundamental estimular nos participantes esses
sentimentos de amor e compaixão a si e aos outros para que pudessem ter mais propensão a
realizar as práticas e ações elaboradas anteriormente no journaling.
Drop out
Esta atividade possui cerca de 5 minutos e tem por objetivo fazer um fechamento do
dia, reforçar a necessidade de prática diária, da manutenção de se manter um diário sobre
170

suas experiências e reflexões, além de reforçar com o grupo a intenção de se tornar um líder
para a sustentabilidade. Destaque que neste momento todos estão ainda com o efeito induzido
da meditação da compaixão.
Passo a passo, o facilitador segue este padrão: (a) Forma um círculo com o grupo e
todos de pé. O círculo simboliza comunidade, inclusão e nivelamento; (b) agradece a todos
pela presença e por buscarem a melhor atitude ao longo do dia; (c) explicar sobre a
necessidade da prática diária para uma transformação interna duradoura; (d) avisar que as
atividades para a semana são enviadas por e-mail e da importância da manutenção do diário
de pratica (online); (e) o facilitador reforça a intenção dos participantes de voltarem suas
vidas pessoais e profissionais para uma direção mais responsável, compassiva e sustentável;
(f) O facilitador pede a cada um para em sequência expressasse em uma palavra o que sente
no coração; (h) Libera a classe.
Resultados desta atividade apontam que este foi um dos momentos mais marcantes
para os participantes e com alta carga emocional. A formação do círculo de fato influenciou
positivamente o grupo e nos relatos dos participantes há alguns que destacam este momento
como “mágico”. De fato, as palavras que surgiam foram um bom termômetro para se
perceber o estado emocional dos participantes e a construção de confiança em um grupo.
Como avaliação geral das atividades, a elaboração prévia da sessão prototípica trouxe mais
planejamento sem engessar o programa, pois tivemos a flexibilidade de adaptar atividades e
durações para o melhor andamento do processo.

A experiência do programa: 4 sessões para salvar o mundo (ou avançar neste


sentido)

Neste tópico, vamos analisar o programa focando nas atividades pedagógicas acima
listadas por meio da percepção dos participantes, dos assistentes de pesquisa e do próprio
facilitador. O que vemos é um grupo em formação, inicialmente cético quanto ao programa
que ao final das quatro sessões, mostraram-se mais integrados e até saudosos, ávidos por um
segundo programa.
Os resultados apontam que na medida em que o programa era conduzido, uma
confiança maior foi sendo gerada tanto nos participantes, quanto nos assistentes de pesquisa
e mesmo no facilitador em relação a qualidade do mesmo e aos resultados. Uma montanha
russa de emoções, reflexões e adaptações, diferenciando todo o processo de um método
experimental tão comum em pesquisas intervencionistas.
171

Nesta linha, o progresso das sessões ocorreu cercado de incertezas e desafios, que
foram acolhidos com a flexibilidade e abertura que uma pesquisa social de base qualitativa
nos convida. A incerteza – um dos pressupostos epistemológicos relevantes no
desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa de inspiração etnográfica - nos acompanhou
do início ao fim e podemos destacar três fatores principais: (1) a própria rotina profissional
dos participantes, que ora precisaram viajar a trabalho se ausentando de algumas sessões ou
se atrasar; (2) a saúde do facilitador, que enfrentava o desafio de lidar com uma bactéria que
insistia em abatê-lo moral e fisicamente, levando a perda de 6 quilos em um mês e a
necessidade de postergar o programa por uma semana17; (3) as reações dos participantes ao
andamento do programa, que sendo registradas pelos assistentes de pesquisa e mesmo pelo
facilitador, levariam a alterações no protocolo inicial pensado para a ação social.
Vamos agora detalhar os pontos principais de cada sessão, destacando as
especificidades de cada sessão e as percepções sobre os resultados de cada sessão no ponto
de vista de dinâmicas e estratégias pedagógicas utilizadas.

Sessão 1: Mindfulness e Compaixão18

A primeira sessão ocorreu após o seu adiamento em uma semana no dia no dia 17 de
outubro de 2018 das 16 às 20 horas na sede principal da empresa em San Francisco. A
debilidade física do facilitador era visível, pois houve uma perda de 6 quilos em relação ao
período das entrevistas que ocorrera 30 dias antes. De fato, até a sessão 2, o facilitador lidava
com a questão de saúde e para esta sessão, teve que suspender 24 horas antes a medicação
para dor pois afetava sua capacidade cognitiva por ser um opioide.
A sessão ocorreu em uma das salas de treinamento na sede da empresa no centro de
San Francisco. A sala é confortável, ampla, aproximadamente com 50 metros quadrados e
composta por 5 mesas com 6 cadeiras cada uma. A temperatura é baixa e existem muitos
dispositivos tecnológicos, como projetores, acesso à internet, microfone e iluminação
adaptável. Como norma da empresa, não é permitido captar imagens ou sons dos
treinamentos.

17
Isto levou a um evento de confraternização entre os participantes na data original de início do
programa. Este evento teve duração de 1 hora e foi chamado como sessão 0 – meet and greet. Não havia um
protocolo para isto visto que o cancelamento foi decidido 24 horas antes da primeira sessão. Entretanto, este
encontro foi importante para que os assistentes de pesquisa conhecessem o local e alguns dos participantes e já
treinassem a redação dos diários de campo.
18
Para conhecer as intervenções em detalhes e exercícios sugeridos para a semana seguinte à sessão
1, ver Apêndices B e C.
172

Um dos participantes, Steve, chegou na hora e perguntou se poderia participar pois


ficara interessado ao ver a chamada do programa poucos dias antes. Permitimos sua
participação, mas não conseguimos obter sua entrevista preliminar nem a pós programa,
assim seu nome não foi considerado para fins de pesquisa. Da mesma forma, Susan e Timothy
entraram em contado dois dias antes perguntando se poderiam participar. Preencheram os
formulários de inscrição, mas também não conseguimos entrevistá-los antes do programa.
Felizmente, conseguimos realizar entrevistas com estes dois após o programa.
Os resultados em relação às atividades e o andamento da sessão apontam que a sessão
transcorreu de forma bastante positiva – em que pese a saúde do facilitador - tendo o
protocolo funcionado muito bem. A flexibilidade em mudar as atividades planejadas foi
importante para acomodar estados de ânimo e dinâmicas pedagógicas ao longo da sessão. A
atitude e comportamento dos participantes foi um ponto igualmente positivo: o grupo se
mostrou engajado e respeitoso ao longo da sessão, parecendo ter particular interesse na
história pessoal do facilitador, cuja experiência profissional – e aflições relacionadas – é
similar a dos participantes.
De fato, um vínculo forte foi estabelecido entre o facilitador e alguns dos
participantes, sendo esta aflição em relação à carreira o ponto de identificação inicial entre
estes. Do ponto de vista pedagógico, ficou claro que o conceito de mindfulness como
qualidade mental não era claro assim como o potencial impacto de seu desenvolvimento na
questão da sustentabilidade.

Especificidades da Sessão 1

Tal como descrito anteriormente, esta sessão tinha por objetivo central apresentar os
fundamentos teóricos do programa, levando uma visão eticamente informada de mindfulness
em conjunto com compaixão, além de trabalhar a questão dos valores pessoais como base
para uma vida mais autêntica e consciente. O quadro 13 apresenta as principais
especificidades desta sessão na ordem cronológica de suas ocorrências da sessão:
Quadro 13 - Especificidades da sessão 1
Atividades Especificidades Objetivos

Fomentar uma visão eticamente informada


Tema da sessão Mindfulness e Compaixão de mindfulness e interdependente com
compaixão.

Atenção ao corpo e a
Desenvolver o estado de mindfulness e
Práticas de Mindfulness respiração e
habilidades de regulação atencional e
emocional
173

Levar os participantes a um processo de


Perguntas que estimulam autorreflexão, permitindo entrarem um
Journaling reflexões sobre valores e nível mais profundo de reflexão sobre
momento de vida suas vidas e identificar ações concretas a
serem realizadas

Baseado no modelo da ACT


Promover clarificação de valores e alinhar
Exercício de Valores de direções valiosas e ações
comportamentos a estes
de compromisso

Prática de Bondade amorosa e Cultivar as virtudes de amor e compaixão


Prática de Compaixão compaixão incluindo a si e a si, aos outros e gradualmente, a seres
pessoas neutras. fora do círculo de relacionamentos.

Detalhamos a seguir as atividades, resultados e aprendizados da sessão.

A sessão em detalhes

Drop in: boas-vindas e contrato pedagógico


A sessão iniciou às 4:10pm e diferente das sessões seguintes, esta sessão por ser a
primeira pediu por uma atividade inicial de boas vindas de maior duração onde tive que me
apresentar a todos os presentes, pedir aos assistentes de pesquisa que se apresentassem e a
cada um dos participantes que fizessem o mesmo, de forma breve.
Esta atividade gerou um sentimento de boas-vindas e incentivou a familiaridade e a
confiança dos participantes no professor e nos assistentes de pesquisa. Na sequência, eu falei
sobre a necessidade de termos gentileza – com si e os outros -, abertura e curiosidade ao
longo do programa. Era um contrato pedagógico inicial que consistia basicamente em uma
atitude esperada de todos ao longo do programa. Este contrato pedagógico seria lembrado no
início de cada sessão seguinte.
Esta atividade se mostrou muito benéfica pois ditou o tom da sessão e permitiu uma
maior aproximação dos participantes com o grupo de pesquisa em especial o facilitador. Eu
me apresentei por meio de minha história no ambiente corporativo, minhas conquistas no
meio e ainda assim, uma sensação de falta de sentido e insatisfação recorrente, que levou a
minha transição para um profissional de desenvolvimento humano, que buscava contribuir
para mudanças positivas de modelos mentais e atitudes de pessoas em relação às suas vidas
e atuação no mundo. Adicionalmente, destaquei que por mais que eu atuasse em empresas,
eu também atuava nas ruas, como parceiro de uma Ong (Projeto Ruas) e guiava sessões de
mindfulness e compaixão para população de rua. Os registros do diário de campo apontam
174

que muitos participantes neste momento assentiam, sorriam e ouviam atentamente. Minha
intenção era mostrar que há sofrimento, use terno ou roupa esfarrapada. Há sofrimento e isso
faz parte da existência e há meios hábeis para compreender como lidar com isso e vamos
juntos explorar esta questão: o sofrimento em nós, nos outros e no planeta.
Na sequência, buscamos mostrar que ao longo do programa, nossa atitude impactará
diretamente o que vamos obter dele. Gentileza a si e aos outros, gratidão a si e aos outros por
proporcionarem aquele momento e abertura ao que se apresentar. Assim, esta gentileza,
aceitação e curiosidade ao momento presente já seriam uma prática de mindfulness. Eu senti,
como facilitador, que o grupo começava a confiar em mim e na minha genuína intenção de
oferecer um programa que possa ser benéfico a eles. O processo educacional já começava a
nascer, por meio de uma atitude positiva em relação ao facilitador, sua equipe e ao momento
presente.
Os aprendizados com esta atividade são claros: uma primeira impressão positiva pode
trazer confiança e confiança gera abertura e engajamento. De fato, uma das principais
pesquisas relacionadas a equipes de alto desempenho indica que a construção de segurança
psicológica proporciona mais aprendizado e engajamento (Good et al., 2015). Nossa
avaliação que essa primeira atividade do programa foi muito positiva, e fundamental para
pavimentar o caminho das atividades e sessões seguintes.

Estabelecendo motivação consciente


A segunda atividade era estabelecer uma intenção consciente para a sessão, tal
como explicado na sessão prototípica. Aqui a contextualização sobre porque isso é
importante foi fundamental e para isso usamos de nossa própria experiência pessoal. Os
registros do diário de campo da sessão 1 dos assistentes de pesquisa mostram que eu abri esta
atividade com esta frase:

“Acredito que o negócio mais importante da nossa vida é a nossa própria


vida. Se você não lidera sua vida, alguém está assumindo o comando por
você. A essência de mindfulness é estar consciente sobre o momento
presente, suas motivações e ações. Minha motivação aqui é oferecer um
programa que o ajude a estar consciente das experiências cotidianas, da
maneira como você lidera, seja sua equipe ou sua própria vida e como você
está impactando a si e ao mundo. É por isso que em todos os encontros eu
vou pedir que você esteja consciente de sua motivação estar aqui, isso vai
determinar diretamente o que você vai obter”.

Os resultados apontam que os participantes estavam ouvindo atentamente e meu


registro de diário de campo indica que eu senti que o conceito de liderar a própria vida fez
175

muito sentido aos participantes e buscava levar a uma reflexão: se não estamos conscientes
sobre o porquê fazemos o que fazemos, quem está liderando nossas vidas? Aqui, mais uma
vez, abrimos espaço para um dos maiores resultados obtidos deste programa: reflexões de
direções de vida e de valores.

Contextualização
A atividade seguinte buscava - como destacado anteriormente - mostrar como o
programa estava desenhado e como as sessões se encadeavam. Assim, uma linha do tempo
com as sessões, seus temas e suas datas. Fundamental nesta atividade mostrar como
mindfulness se relaciona com os outros construtos e possui benefícios não apenas individuais,
mas sociais e ambientais.
Esta atividade foi replicada em todas as sessões e serviu para enfatizar que
mindfulness nos ajuda não apenas a reduzir o estresse, mas a caminhar pela vida mais
alinhada aos nossos valores, a liderar com sabedoria e, espera-se, com compaixão. O nível
de atenção foi alto e os participantes reagiram bem a este momento.
Tema da sessão: Mindfulness e Compaixão
O tema da sessão 1 foi, então, apresentar e aprofundar o conceito de mindfulness e
compaixão. Aqui focamos em alguns pontos importantes: mostrar que mindfulness não é
apenas uma prática de meditação, mas também seu resultado; apresentar a diferença entre
estado de mindfulness e traço de mindfulness; mostrar a importância da prática para o
desenvolvimento do traço de mindfulness que irá nos proporcionar os efeitos mais
duradouros. A mensagem principal é: mindfulness deve ser cultivado. Assim, os resultados
deste cultivo que se dá por meio das práticas de mindfulness nos proporcionam alterações de
visão de mundo, de ser e agir com nós mesmos e os outros.
A perspectiva de mindfulness apresentada nesta atividade se alinha a autores que
veem mindfulness como um elemento eticamente baseado em responsabilidade e
discernimento (Shapiro et al., 2006) e relacionado a compaixão. Assim, ficava claro o
posicionamento ético filosófico do programa e o distanciamento de uma perspectiva de
mindfulness apenas como técnica para relaxamento e redução de estresse. Importante
destacar que para Steve, isso causou estranhamento, tendo ele se manifestado e perguntado:
“Então a intenção de se fazer mindfulness não é aliviar o estresse?”. Facilitadores que
planejem oferecer programas de mindfulness mais alinhados a segunda geração (Van Gordon,
Shonin, & Griffiths, 2015) devem estar preparados para este tipo de estranhamento. A
resposta dada ao questionamento usou de uma citação de um professor Bill George da
176

Harvard Business Review onde mostra a relação entre mindfulness, valores e ação no
mundo19 e abriria espaço para uma discussão mais aprofundada sobre valores mais à frente
na sessão.
Não nos aprofundamos neste momento em compaixão como era a ideia original, pois
achamos que seria melhor deixar sua teorização para antes do momento de sua prática, nos
momentos finais da sessão. Esta decisão se mostrou acertada pois criou espaço para uma
maior discussão sobre a relação (e importância) entre prática de mindfulness, estado de
mindfulness e traço de mindfulness. Aqui, discutimos em detalhes os fundamentos da prática
de mindfulness que permeiam todas as variações de práticas: estabelecer uma intenção
consciente para a prática, escolher um foco atencional, perceber que se distraiu, aceitar e
permitir que seja assim, voltar ao objeto de atenção.
Um ponto que ficou claro e trouxe surpresa é que ver mindfulness como uma
qualidade mental mais estável (traço) ou momentânea (estado) resultado da prática era algo
pouco compreendido. Assim, ficou claro que para a maior parte dos participantes,
mindfulness era predominantemente visto como uma prática de meditação que proporciona
alguns efeitos, entre eles, redução de estresse majoritariamente.
Prática Guiada de Mindfulness: Atenção ao corpo e a respiração
A atividade seguinte surge de forma natural, a primeira prática formal: Atenção ao
corpo e a respiração por cerca de dez minutos. Esta é usualmente a primeira prática formal
utilizada em programas de mindfulness (Williams & Penman, 2015) por apresentar elementos
mais tangíveis para se focar a atenção. O diário de campo de Jonas aponta que esta prática
foi bem-sucedida e o estado de mindfulness foi induzido:

“Depois de um minuto, quase parece que estamos em uma catedral e


ninguém tem permissão para falar. Parece que todos ainda estão na
mentalidade consciente de apreciar o ambiente”.

Para avaliarmos dificuldades e percepções dos praticantes, partimos para a atividade


de feedbacks da prática.

Feedbacks da prática
Interrompemos o silêncio seguindo o protocolo, pedindo que se dividam em grupos.
Três grupos foram formados com cerca de 4 integrantes em cada um deles e cada um tinha 2

19
“Quando você está atento, está ciente de sua presença e de como afeta outras pessoas. Você
reconhece as implicações de suas ações a longo prazo. Isso impede que você entre em uma vida que o afasta de
seus valores”.
177

minutos para falar sobre a prática. Instruímos que compartilhassem o que sentiam ser
confortável e que quando um está falando, o outros permanece em silêncio com atenção
plena. As perguntas norteadoras para a discussão foram: Como foi? Você notou quando
divagou?; Como você respondeu a isso?; Você manteve uma atitude de curiosidade?
Abertura? Não julgamento?
Esta atividade trouxe alguns aprendizados sobre o grupo e sobre a forma como lidam
com a própria tentativa de se manter o foco sobre algo. Corroborando a literatura, os
participantes compartilharam que a prática trouxe um relaxamento e suas tentativas de
estabelecerem um foco e perceberem sua mente divagar (Kabat-Zinn & Nhat Hanh, 2009).
Entretanto, o diário de campo da sessão traz Claudia compartilhando como há dificuldade de
lidar com esse fato e isto transcende o momento da prática de meditação:

“Foi como uma pausa de qualquer atividade física e mental ... o começo
foi mais calmo e estável na segunda parte, eu pude ver pensamentos que
eu estava tendo durante o dia e provocou um sentimento de culpa ... Em
um momento que era para ser mim. Quanto mais tentamos focar, não
apenas nessa prática, mas na vida há um sentimento de culpa por não ser
capaz de focar."

Essa ideia do sentimento de culpa é muito importante, pois parece vir de uma
expectativa de se manter padrões quase inexequíveis de performance, muito comum em
ambientes corporativos. Aqui, já vemos sementes de aflição que permeiam muitos momentos
e transcendem a prática de meditação. Este padrão de expectativas se mostrou muito comum
entre os participantes. Conforme visto na literatura de qualidade de vida no trabalho
(Ehrenberg, 2016; Sangar, 2019) sugere, este é um dos temas recorrentes apontados como
causas de ansiedade e estresse. Importante registrar que quando os participantes falavam
sobre a divagação da mente, usualmente abordam que a divagação está relacionada ao
trabalho, como a pressão de tarefas a fazer e objetivos a alcançar, corroborando esta
tendência.
Após 10 minutos, peço ao grupo que compartilhassem em plenário agora suas
impressões. Muitos participantes tiveram um discurso em comum: dificuldade de sustentar a
atenção, um sentimento de frustração com isso e como a mente divaga para questões
relacionadas ao trabalho. O engajamento da discussão foi alto e a conclusão foi que ela foi
fundamental para termos alguns aprendizados e reflexões.
A dificuldade de se ter uma atitude ao próprio divagar da mente pode ser sintoma de
uma dificuldade em não atingir padrões de performance, o que para a cultura vigente no
mundo corporativo, faz muito sentido. Outro ponto compartilhado entre quatro dos
178

participantes é que tinham feito antes o programa Search Inside Yourself (Tan, 2012),
regularmente oferecido pela empresa e que o programa um mês após o término não tinha
surtido grande efeito. De fato, já terem participado de um programa de mindfulness antes não
significa que tenham necessariamente compreendido as bases teóricas do tema como
percebemos na atividade anterior, nem tampouco desenvolvido ou ao menos, sustentado as
habilidades de mindfulness como aceitação e não julgamento. Isso pode ser reflexo de algo
maior, não restrito a capacidade cognitiva, mas ao próprio modelo mental, crenças sobre
como se deve ser e agir. Surgiu, aqui, um alerta ao facilitador: autocompaixão seria, e foi,
um tema com resistência.
Esta atividade durou mais que o planejado – cerca de 20 minutos – e interromper
antes seria um equívoco. De extremo valor para percebermos o nível das habilidades de
mindfulness, assim como crenças subjacentes dos participantes que de certa forma nos
fornecem informações que não foram capturadas na fase de entrevistas pré-programa.
Journaling
Esta atividade foi iniciada mostrou que o formato de se fazer uma escrita reflexiva
relacionada ao tema do dia, logo após uma prática de mindfulness, se mostrou acertada.
Seguindo o protocolo, inicialmente guiamos a meditação do espaço de 3 minutos para induzir
o estado de mindfulness e possibilitar mais abertura e presença ao exercício. As perguntas 1
e 2 vêm de minha prática de coaching e buscam gerar uma reflexão sobre sua vida atual tendo
como ponto de vista um momento em que seus valores mais genuínos ainda estivessem
menos influenciados pela cultura. As perguntas 3 e 4 são da teoria U (Scharmer & Kaufer,
2013) e visam aprofundar esta reflexão e trazer maior autoconsciência; as perguntas 5 e 6
criei para estimular reflexões e engajamento relacionadas a mindfulness. Todas estas questões
são usadas na prática profissional do facilitador de coaching há 5 anos.
Os resultados apontam que os participantes se engajaram no exercício e a leitura dos
diários de campo indica que todos os assistentes perceberam – assim como o facilitador –
que o ambiente ficou tenso a partir das questões 2 e 3, notadamente. Isso é bem comum em
minha prática profissional, especialmente ao lidar com clientes executivos. Outro ponto diz
respeito a última questão, onde convido os participantes a pensar em ações concretas que
estimulariam mais mindfulness em suas vidas. Dois diários de campo registram que as
pessoas não escrevem continuamente para esta pergunta em geral em comparação com
algumas das perguntas anteriores. Parece haver aqui, uma dificuldade de se traduzir intenções
em ações. A próxima atividade serve para elucidar estes questionamentos.
179

Conversa consciente e Discussão em grupo


Três grupos foram formados e as instruções são para compartilhar sua experiência,
mas apenas o que achar relevante, pois conforme nas instruções a prática de journaling é um
exercício privado saber que você será analisado ou avaliado a partir desta escrita já interfere
na veracidade da própria escrita (Hubbs & Brand, 2010). Da mesma forma, cada integrante
terá 3 minutos para falar e todos os outros ouvem com atenção plena sem interromper. O
tempo total desta atividade é de 15 minutos. Mais uma vez, os resultados apontam que esta
atividade de conversa consciente é valiosa na obtenção de insights sobre como os
participantes estão se sentindo e como as questões são recebidas. Como exemplo, a fala de
Andrés destaca o impacto que a pergunta 2 exerceu:

“Eu realmente gostei da pergunta de 10 anos… Isso foi realmente


interessante. Não tinha pensado nisso antes. É mais fácil encontrar coisas
que desapontariam do que orgulho (...) mas mesmo assim você segue
fazendo coisas que no fundo, sentem não fazerem sentido”

De fato, André falava por muitos. Embora tenham grandes empregos e todos os
considerem "bem-sucedidos", muitos deles não pareciam felizes ou expressavam forte
felicidade em seus empregos, mas sim estresse e decepção por si mesmos. A questão sobre o
que significa ser mindful também tomou bastante tempo das discussões de acordo com os
registros do diário de campo. Vários participantes disseram que esta pergunta foi difícil, pois
agora viam mindfulness como algo maior que apenas estar consciente se julgamento ao
momento presente. Nas palavras de Timothy:

“Mindfulness é ter o reconhecimento do que está acontecendo com você e


o que você deve fazer com isso”.

Esta frase se soma a frase anterior de André e mostra que mindfulness como uma
qualidade mental de consciência com discernimento orientada para o momento presente – e
todos os aspectos de sua vida – começam a serem compartilhados.
A próxima atividade, a discussão em grupo, revelou novos elementos que mostrou
aderência ao que foi observado na conversa consciente. Mark traz uma contribuição que me
sacudiu por dentro e nos fez ter um primeiro insight da tese:

“Eu tive um insight que surgiu depois deste exercício. Eu meio que notei
uma desconexão entre minhas frustrações e meus valores, o que eu amo,
gosto. Nada do que eu disse lá estava ligado às minhas frustrações, o que
me faz questionar minhas frustrações e se elas são derivadas internamente
ou externamente. Estou realmente frustrado? Ou a sociedade está me
dizendo que devo estar?”
180

Mark estava se questionando se suas frustrações eram realmente suas, ou foram


estimuladas externamente. Esse é um início de questionamento de direção de vida, de
questionamento de ethos pessoal. Um início de resgate de sua psique. Da mesma forma,
Talisha se disse engasgada com o questionamento sobre como ela se veria com 10 anos de
idade:

“Se meu eu de 10 anos ficaria desapontada comigo? Eu me engasguei com


esta questão. Não saber se eu valorizo o que estou fazendo dia após dia me
emocionou”

Assim, podemos apontar que o journaling trouxe de forma inequívoca a questão dos
valores e reflexão de vida. Isso está bem alinhado com a literatura educacional que aborda
esta ferramenta como estratégia pedagógica que fomenta maior autoconsciência e reflexão
(Miller, 2017). As atividades correlacionadas de conversa consciente e discussão em grupo
serviram para elucidar estes pontos relevantes para a pesquisa, mas também para
proporcionar aos participantes um senso de comunidade e de dúvidas e aflições
compartilhadas. Como a discussão em grupo girou em torno do tema valores e o grupo estava
energizado, eu senti que era correto alterar o protocolo inicial e antecipar a próxima
intervenção: o exercício de valores. Essa flexibilidade é fundamental para que o programa
flua de maneira a atender não a um protocolo, mas aos objetivos de pesquisa e aspirações do
pesquisador.
Exercício Valores em Ação
O exercício de valores estava inicialmente planejado para ser a última atividade da
sessão, mas foi antecipado pela força com que o tema surgiu. Este exercício possui 20
minutos e teve por objetivo deste exercício ajudar a clarificar valores e alinhar a conduta de
acordo com eles. A grande contribuição deste exercício foi relacionar valores à mindfulness:
estar consciente de como você está guiando sua vida, do sentido deste caminho e efetuar
correções de rota resultado de maior consciência.
Os resultados apontam que esta intervenção foi uma das mais benéficas. Ela foi
utilizada não apenas na sessão 1, mas também na última sessão 4 e a aplicação em dois
momentos foi recebida de forma muito positiva pelos participantes. Nesta primeira sessão,
serviu para relacionar mindfulness a valores e uma vida com sentido e na clarificação de
valores dos participantes. O registro do diário de campo de uma das assistentes (Selma) traz
uma informação relevante: o facilitador fez o exercício junto com os participantes e isto foi
bem percebido:
181

“Achei isso muito positivo e surpreendente. Isso o fez chegar ao mesmo


nível que os participantes, sendo um deles também e mostrando que mesmo
ele como instrutor de mindfulness, ainda se beneficia com esses exercícios.
O que prova ainda mais seu ponto de vista, de que mindfulness é uma
prática contínua. Isso o fez parecer menos como um professor pregando
para eles e mais como sendo um deles, um de nós”.

De fato, após muitos anos de experiência aplicando este exercício, minha sensação é
exatamente esta: se mostrarmos que percebemos benefícios aos participantes por meio de
nosso próprio engajamento, isso os estimula. Todos realizaram o exercício com atenção e
pareciam muito pensativos. Devido ao adiantado da hora, não pude fazer uma rodada de
feedbacks sobre o exercício, mas esta seria uma ação que recomendaria aos pesquisadores.
Nas próximas sessões eu voltaria a explorar este exercício. Os resultados encontrados
posteriormente no registro de campo da sessão 4 e nas entrevistas demonstram o quanto esta
intervenção foi bem-sucedida por cumprir seu objetivo de clarificar valores e estimular ações
alinhadas a estes.
Após o exercício fiz um novo intervalo de 5 minutos que não constava no protocolo.
Eu inseri este intervalo pois estava muito cansado e com forte dor no dente e por instantes
senti tontura. Foi a oportunidade para tomar o antibiótico e também um analgésico antes de
conduzir a sessão para seus momentos finais.

Prática de Compaixão: foco em autocompaixão e compaixão a entes queridos


A teorização sobre compaixão se deu nesse momento, seguida de sua prática. Esta
atividade durou cerca de 30 minutos e foi uma mudança ao inicialmente planejado, já que a
teorização de compaixão seria dada em conjunto com a explanação de mindfulness. De fato,
falamos de compaixão na atividade da explanação de mindfulness, mas a maior parte da teoria
ficou para este momento.
Como facilitador, vejo que foi uma decisão acertada. A proximidade da teoria com a
prática tronou o conceito mais inteligível. A definição formal de compaixão que usamos foi
“uma abertura para o sofrimento do outro com o desejo de aliviá-lo” (Strauss et al., 2016).
Aqui, a meditação guiada atendeu às instruções usuais da prática no Budismo, onde
gradualmente vamos incluindo mais pessoas e elementos como foco de nossa compaixão.
Adicionalmente, apresentamos o conceito de autocompaixão, pois nós também somos e
devemos ser escopo de nossa compaixão. A definição apresentada foi de “perceber e ser
tocado pelo próprio sofrimento, gerando o desejo de aliviá-lo” (K. D. Neff, 2003).
182

A prática foi iniciada após 12 minutos de exposição teórica sobre a conexão


mindfulness, compaixão e autocompaixão. Os resultados apontam que o grupo se engajou na
prática e foi tocado por ela. Os diários de campo dos assistentes de pesquisa relatam que esta
meditação causam um profundo impacto no ambiente. Conforme Jacob relata em seu diário
de campo da sessão:

“O exercício final foi a meditação da compaixão e bondade amorosa, que


causou uma enorme mudança no tom da sala. Até este ponto, os
participantes eram muito analíticos e talvez até pouco emocionalmente
envolvidos. Mas a meditação da compaixão colocou todos em uma
mentalidade diferente visível aos olhos”.

Nesta prática eu não segui o movimento completo de se estender a compaixão a todos


os seres, inclusive pessoas que temos relações difíceis. Minha experiência me mostra que na
medida em que as pessoas se sentem mais bondosas, compassivas e conscientes de si, elas
estarão mais abertas a estender esta amorosidade e compaixão a desafetos também. A
pergunta de Anjali ao final da prática mostrou ser uma decisão acertada:

“Então, no último exercício, você seguiu a ordem que você explicou. Mas
você pulou os desafetos. Fiquei ansiosa quando você estava chegando
nessa parte e quando você a pulou, percebi minha ansiedade.”

De fato, Anjali demonstra muita dificuldade com autocompaixão ao longo do


programa e sua ansiedade demonstra também o quanto sua compaixão a desafetos possui
bloqueios. Neste momento, o fato de ter trazido esta consciência a ela já é uma vitória e se
ela foi a única a se manifestar, é improvável que seja a única a sentir esta sensação.
Drop out
Movendo para o fim, o clima do grupo era de amorosidade e bondade. Neste
momento, quebramos o protocolo. Não queríamos estimular a razão e sim a emoção. Pedi a
todos se poderia ler o poema Love after Love (Walcott, 2013) como encerramento da sessão.
Todos anuíram e muitos sorriram com o pedido.
Imediatamente após a leitura do poema, solicitei a todos que se levantassem e
formassem um círculo. Todos fizeram e pedi a cada um que se olhassem mais uma vez nos
olhos e compartilhassem uma palavra ao final da sessão se representassem o que estavam
sentindo. Os registros do diário de campo mostram que este momento final como “mágico”
(Selma) e as palavras ditas foram: conexão, humildade, arrepio, reflexivo, conectado,
relaxado, feliz, consciente, grato, grata, empolgado, responsabilidade. Não temos o registro
183

de todas as palavras dos diários de campo. As palavras sugerem que a primeira sessão foi
bem recebido e estava proporcionando algum benefício aos presentes.

Avaliação da sessão 1

A primeira sessão foi muito bem-sucedido e o roteiro semi-estruturado do protocolo


foi alterado pelo facilitador para atender ao melhor andamento da sessão. Por certo, controlar
melhor o tempo nas discussões e calibrar o momento do intervalo é fundamental, pois
devemos levar em conta o estado de ânimo do grupo.
As meditações de mindfulness e de compaixão foram bem complementares pois a
primeira é mais cognitiva e a segunda mais relacionada ao cultivo da virtude de amor e
compaixão e ambas cumpriram bem seus propósitos, assim como a intervenção do journaling
e de valores. As atividades de conversa consciente e discussão em grupo foram fundamentais
para levantarmos informações relevantes sobre o processo de transformação cognitiva,
atitudinal e comportamental dos participantes. Em que pese o estado de saúde do facilitador,
os participantes e assistentes de pesquisa não demonstraram explicitamente perceber alguma
deficiência ao longo do processo.
O diário de campo dos assistentes registra que os participantes eram pessoas
diferentes ao sair do que quando entraram no início da sessão. Estes pareciam mais relaxados,
estavam sorrindo e estavam muito mais conectado uns aos outras, interagindo de forma mais
amistosa e menos protocolar. O diário de Selma registra que:

“Até a mulher que na semana passada expressou ceticismo em relação ao


curso (Anjali) e que saiu da sala logo que a reunião terminou, também
estava sorrindo, relaxada e participando no final. Ela não parecia mais
tão bossy e parecia muito mais presente na sala”.

De fato, é avaliação de toda equipe que a sessão correu (muito) bem e os alunos
assistentes estavam muito entusiasmados ao final. Infelizmente na parte final o facilitador
estava com forte cansaço e esgotado fisicamente. Suas dores no dente estavam aumentando
substancialmente. Não escondemos dos participantes que não estava nas minhas melhores
condições pelo contrário, usei como elemento instrutivo para mostrar que não temos controle
de tudo, mas fazemos o nosso melhor.
A atmosfera foi muito cordial. A avaliação da equipe de pesquisa foi que os
participantes eram respeitosos e os alunos estavam tentando registrar o máximo que podiam.
Minha frustração maior é a saúde do facilitador. Dor, perda de peso e de energia. Como não
deixar isso afetar negativamente é o desafio. Uma reflexão pessoal no diário de campo do
184

facilitador foi que deveria mostrar de forma honesta minha vulnerabilidade e o quanto esse
programa deveria ser de todos e não “dele”.
Na avaliação da equipe de pesquisa, a sessão cumpriu seu propósito ao posicionar
mindfulness como uma qualidade mental que pode ser desenvolvida com a prática e que está
diretamente ligada a uma vida mais responsável, significativa e valorosa. A próxima sessão
trataria de interdependência e esta relação mais uma vez seria abordada de maneira mais
experencial e com a intervenção mais comentada por todos os participantes como a mais
marcante de todo o programa.

Sessão 2: Interdependência20

Esta sessão ocorreu no dia 24 de outubro, uma semana após a primeira sessão, no
mesmo local. Havia dez pessoas presentes e os demais informaram que devido à viagem de
trabalho não poderiam estar presentes. Seu objetivo é estimular a atenção plena dos
participantes sobre interdependência. Interdependência é a visão sistêmica que nos fornece a
sabedoria que cada ação tem uma consequência, não apenas em nós, mas no todo e que, por
isso, estamos todos interconectados. É o reconhecimento que estamos continuamente
interagindo com o mundo ao nosso redor, em uma troca mútua (Karmapa, 2018). Assim, esta
sessão se une à anterior no intuito de estimular a atenção plena dos participantes de
oportunidades, momento a momento, de serem compassivos, éticos e responsáveis social e
ambientalmente. As análises dos registros de campo dos assistentes de pesquisa indicam ao
longo da sessão havia uma certa tensão no ar, justamente por trazer à discussão de forma
mais explicita questões sensíveis relacionadas a responsabilidade social, ambiental e
universal.
A seguir, detalhamos suas especificidades.

Especificidades da Sessão 2

A exposição teórica sobre interdependência foi baseada na literatura de


Sustentabilidade, responsabilidade social e ambiental (Glavic & Lukman, 2007), em
conjunto com conhecimentos da tradição Budista (Karmapa, 2018), que tem o conceito de
interdependência universal como central em sua visão de mundo. Como apoio à discussão

20
Para conhecer as intervenções em detalhes e exercícios sugeridos para a semana seguinte à sessão
2, ver Apêndices D e E.
185

teórica, esta sessão trouxe a intervenção mais marcante na perspectiva dos participantes de
todo o programa: o exercício do chocolate que contribuiu para uma maior percepção de
interdependência entre as ações de empresas e mesmo ações individuais e responsabilidade
social. O quadro 14 apresenta as principais especificidades desta sessão na ordem cronológica
de suas ocorrências da sessão:

Quadro 14 - Especificidades da sessão 2


Atividades Especificidades Objetivos
Trazer reflexões e questionamentos
alternativos à visão de mundo de
Tema da sessão Interdependência
separatividade, fomentando maior
percepção de interdependência.
Demonstrar o conceito de
Vivência teórico e
interdependência e estimular valores e
experencial sobre
Exercício Chocolate comportamentos relacionados a
interdependência e
sustentabilidade social e responsabilidade
responsabilidade social
universal.
Estimular o estado de mindfulness e trazer
Escaneamento corporal
Práticas de Mindfulness maior consciência sobre o corpo e
e movimendo consciente
sensações
Baseado nas quatro
qualidades incomensuráveis
Promover reflexões de interdependência e
Journaling do Budismo (i.e, Amor,
responsabilidade universal.
Compaixão, Alegria empática
e Equanimidade)

Prática de Bondade amorosa e Cultivar as virtudes de amor e compaixão


Prática de Compaixão compaixão incluindo pessoas a si, aos outros e gradualmente, a seres
em vulnerabilidade. fora do círculo de relacionamentos.

Detalhamos a seguir as atividades, resultados e aprendizados da sessão.

A sessão em detalhes

Drop In
A sessão iniciou às 16h10, logo após a chegada de todos que confirmaram. Esta
atividade inicial é breve e serviu de acolhimento inicial a todos. O grupo de participantes
assim como o grupo de pesquisa já sabiam seus papeis e como proceder, demonstrando um
comportamento espontâneo. Após a pergunta inicial sobre como se sentiam e respostas curtas
e breves e protocolares, partimos para estabelecer a motivação para a sessão.
Estabelecendo motivação consciente
Esta atividade foi iniciada com a prática de meditação do espaço de respiração de 3
minutos. Isso facilitou o estado de mindfulness e preparou a mentalidade correta para
186

estabelecer a motivação. O estabelecimento foi bem-sucedido e seguiu o protocolo


anteriormente descrito. Todos os participantes se mostraram engajados com o processo, até
mesmo os assistentes de pesquisa se concentraram para estabelecer uma intenção e isso não
foi pedido a eles, o que foi uma boa surpresa, demonstrando que o grupo está alinhado.
Contextualização
A contextualização foi feita destacando a relação em mindfulness, compaixão e
interdependência. O grupo de participantes ouvia com atenção e esta atividade se mostrou
bastante importante para que todos pudessem ter em mente como as sessões se relacionam
umas com as outras, evitando assim uma fragmentação do que ocorria e perda de contexto.
Neste ponto, foi importante frisar que a prática de mindfulness reforça em nós a capacidade
de se estar consciente da interdependência e assim, de agir com mais responsabilidade e
compaixão no mundo. O destaque para a necessidade da prática abriu espaço para iniciarmos
a próxima atividade.
Pequenas vitórias
Tal como descrita na sessão prototípica, o objetivo desta atividade é avaliar como foi
a frequência das práticas e ações conscientes realizadas na semana anterior, assim como cada
participante as vivenciou e se foram percebidas mudanças em alguma habilidade (e.g.,
concentração), atitude ou comportamento. Mais ainda, busca-se gerar apoio mútuo e
engajamento com as práticas já que os participantes compartilham entre si e depois em
plenário.
Apresentamos as questões21 a serem debatidas em grupo antes de discutirmos em
plenário como foi a semana. Foram formados dois grupos – um de 5 e outro de 4 participantes
e cada grupo teve respectivamente 3 e 2 assistentes de pesquisa tomando notas. Esta atividade
foi muito importante para que a equipe de pesquisa pudesse ter na perspectiva em primeira
pessoa da experiência das participantes em relação a evolução das práticas e pudemos
perceber que os participantes tiveram grande dificuldade em meditar no ambiente de trabalho.
O fato de compartilharem entre si estas dificuldades e verem comunalidades em suas
experiências é um importante fator para se gerar autocompaixão (Neff, 2003a).
Ao abrirmos para a discussão em plenário, estes efeitos se reforçam: Claudia
compartilha que em seu grupo todos os participantes tinham dificuldade de priorizar tarefas
e ter tempo para fazer coisas que eram importantes para si. Neste momento, Anjali e Talisha

21
Meditou? Com que frequência? Que prática? como a prática afetou sua vida pessoal e profissional
(se houver); Qualquer ação consciente que você tenha realizado e seus efeitos sobre você e outras pessoas
187

que era de outro grupo, anuíram demonstrando que se identificaram com a fala. Esta atividade
também contribui para os resultados obtidos pois serve de oportunidade para que o facilitador
posso colaborar a partir das experiências dos participantes. Por exemplo, foi questionado por
mim neste momento se caso houvesse tempo disponível, eles se permitiriam desfrutá-lo. Os
participantes ficaram calados e alguns sorriram, entendendo que potencialmente haveria
culpa ao fazê-lo.
Prática de Mindfulness da semana anterior: atenção ao corpo e a respiração
A Prática de Atenção à Respiração foi realizada pelos participantes com respeito e
engajamento. Os registros dos diários de campo indicam que o grupo de presentes se mostrou
receptivo à prática, permanecendo em silêncio e com poucos movimentos corporais.
Algumas expressões de cochilo iminente como no caso de Sai, Vihaan e Anjali denotam algo
comum: cansaço do dia de trabalho. Não realizamos feedbacks da prática pois a atividade
seguinte - exposição sobre interdependência - iria demandar mais tempo que o usual.
Tema da sessão: Interdependência
A teorização sobre interdependência é uma das mais complexas parte do
programa e é composta por exposição dialogada liderada pelo facilitador com o apoio de um
exercício conceitual e vivencial sobre interdependência, responsabilidade social e
universal22. sobre o tema da reunião, que foi considerado pelos participantes como a atividade
pedagógica mais marcante do programa. A exposição teórica foi baseada na literatura de
Sustentabilidade, responsabilidade social e ambiental, em conjunto com conhecimentos das
tradições budista e nativo norte americana, que tem o conceito de interdependência universal
como central em sua visão de mundo. Assim, a conceituação deu início com a
compartilhamento da própria experiencia pessoal do facilitador de 10 anos com índios
nativos norte-americanos das tradições Lakota (Sioux) e Cheyenne. Os diários de campo
indicam que todas as vezes que o facilitador trazia exemplos pessoais, a atenção do grupo
ficava maior. Assim, a partir do caminho de vida do facilitador, as explicações teóricas se
seguiam.
As explicações teóricas sobre desenvolvimento sustentável e lideranças para a
sustentabilidade foram dadas após a apresentação das visões Budista e Lakota sobre
interdependência. A intenção aqui é mostram um conhecimento pregresso, milenar, onde
questões relacionadas à sustentabilidade já eram abordadas como parte de uma visão de
mundo destas tradições.

22
Ver intervenções da Sessão 2 – Dinâmica do chocolate no apêndice.
188

As explicações conceituais são importantes, mas a aprendizagem que iria ocorrer com
o exercício do chocolate seria o ponto alto da sessão. O exercício do chocolate foi então
conduzido como meio hábil de se mostrar a interdependência e ao mesmo tempo, como a
responsabilidade social e universal estão naturalmente interligadas com a interdependência.
A prática da alimentação consciente (mindful eating) é muito comum em programas de
mindfulness e se trata de saborear com atenção plena os alimentos, de forma devagar e com
atenção plena aos 5 sentidos e não apenas ao paladar (Williams & Penman, 2015). Neste
exercício do chocolate, porém, realizamos o que eu considero ser alimentação consciente
autêntica: temos atenção plena aos 5 sentidos, mas também consciência sobre os impactos
deste alimento em nós, na sociedade e no planeta.
Os diários de campo registram que ao longo do exercício, a atmosfera foi ficando
mais “tensa” e isso de fato está alinhado com minha experiência com este exercício,
principalmente após a segunda parte do exercício, tal como fala de Vihaan na discussão em
grupo demonstra:

“O chocolate era o que era, mas depois de assistir o vídeo, não era mais o
mesmo”.

O mesmo chocolate, com um gosto diferente: o gosto da responsabilidade, ou talvez,


culpa. Entrevistas posteriores ao programa mostraram que cinco dos dez participantes que
participaram mencionaram o exercício diretamente. Claudia, por exemplo, o menciona como
uma referência à forma de compreender interdependência em diversos contextos:

“Ele é muito aplicável, ele pode estar muito presente em tudo o que a gente
faz. E eu não sei, eu acho que eu me percebo não como alguém que vive no
mundo, mas como uma parte que compõe o mundo. ((acha graça)) E eu
acho que isso mostra... ele pelo menos para mim conseguiu ser muito
experiencial e ele me fez perceber algo que eu possa aplicar para tudo”.

Já Susan descreve como foi o exercício para ela e sua potência em lhe levar a pensar
sobre os impactos negativos de suas ações:

“Então, na primeira vez em que comemos [o chocolate] e tentamos pensar


em tudo o que aconteceu [para o chocolate chegar até eles], eu estava
pensando nas pessoas que o fabricaram, nos que fabricaram as máquinas
para que produziram...nos fazendeiros e isso e aquilo, e assim, pensava
neles de uma maneira positiva e era como uau, eles estão fazendo tudo isso
e provavelmente nem pensam nisso. Mas na alegria o produto deles traz
para outras pessoas, sabe? Mas depois da segunda parte, foi como, oh! eu
estava sempre pensando nos aspectos positivos e não necessariamente nos
impactos negativos de minhas ações”.
189

Os resultados demonstram emoções das mais diversas foram levantadas e


interdependência foi experienciada, não apenas entendida conceitualmente. Na discussão em
grupo, alguns participantes relataram sentimentos como culpa, sobrecarga e impotência de
se controlar os resultados de suas ações. Claudia questionou sobre o papel na cultura e das
religiões em limitar a percepção (e relevância) de interpendência. Em nossa percepção, o
preço a se pagar por uma expansão de consciência imediata pode ser desconforto, então é
esperado que os participantes de alguma forma se apresentem um tanto desconfortáveis. De
fato, que este exercício trouxe maior consciência de interdependência, atitudes e
comportamentos positivos ligados as responsabilidades social, ambiental e universal e
mesmo reflexão crítica sobre a visão de mundo que estão inseridos.
Journaling
O journaling da sessão contribuiu para reforçar as atitudes geradas com a exercício
do chocolate e estimular comportamentos positivamente relacionados a sustentabilidade e
responsabilidade universal. Seguimos o protocolo padrão de começar pela meditação de 3
minutos e na sequência, apresentamos as instruções protocolares de forma breve sobre
journaling e suas perguntas.
Os diários de campo apontam que todos os participantes buscaram responder aos
questionamentos, mas apresentaram particular dificuldades em formular suas respostas. Isso
foi observado, por exemplo, no diário de campo desta sessão de Selma:

Durante o journaling, também parecia que as pessoas tinham mais


dificuldade em descobrir o que escrever. As pessoas não escreviam de
forma tão contínua e tensa quanto na última vez, mas, em geral, faziam
muitas pausas, refletiam, pareciam sérias.

Os resultados apontam que mais uma vez, o journaling foi um importante apoio ao
processo pedagógico, estimulando reflexões sobre interdependência e comportamentos
positivamente relacionados ao tema como observado nas entrevistas após o programa e
mesmo nas conversas conscientes e discussão em grupo, atividades na sequência do
journaling.
Conversa consciente e Discussão em grupo
Mais uma vez, as práticas de conversa consciente e discussão em grupo que se
seguiram ao journaling se mostraram muito úteis para fins de pesquisa, pois permitem a
equipe registrar nos diários de campo as falas e reações dos participantes e também para que
os participantes pudessem compartilhar ente si, reforçando o vínculo como grupo e também
seres humanos com dúvidas e dificuldades similares. Como exemplo, Talisha destaca que
190

aumentou sua capacidade de perceber o quanto é dependente de outras pessoas que produzem
os produtos e serviços que ela precisa para viver. Isso, por certo, denota maior percepção de
interdependência.
Prática de Mindfulness para a semana: Escaneamento Corporal e Movimento Consciente
As práticas desta sessão foram o escaneamanto corporal e o movimento consciente.
Os participantes se mostraram – como das outras vezes – respeitosos e engajados ao longo
das duas práticas. Houve um fato novo nesta prática: pela primeira vez uma das meditações
foi conduzida por uma das assistentes de pesquisa, que é professora certificada de Yoga.
Estas práticas, com duração em torno de 8 minutos cada, contribuem para aumentar
a consciência corporal e assim, das próprias emoções e sensações. Muitas vezes em
ambientes corporativos aprendemos a isolar as sensações e emoções de nossa atenção e
assim, aumentamos uma ruptura interna com elementos tão importantes da psique. Após as
práticas eu mostrei o vídeo Mike & Abbie (Tectonic, 2018)23 ao grupo que inicialmente
estava previsto de ser mostrado ao logo da explanação sobre interdependência. Como a
discussão do chocolate foi densa, decidi mostrar ao final da sessão como um link para a
próxima sessão. Este filme aborda como adotar cachorros de rua pode transformar nossas
vidas, trazendo à lume a questão da interdependência e compaixão. Os participantes
receberam o filme com bastante atenção e alguns se mostraram emocionados. Assim,
partimos para a meditação da compaixão e para o encerramento da sessão.
Prática de Compaixão: foco em autocompaixão e compaixão a pessoas em vulnerabilidade

A última intervenção contribuiu para estimular as virtudes de amor e compaixão para


pessoas de forma do círculo amoroso usual. Como o tema da sessão é interdependência e o
exercício do chocolate apresentou um grupo em extrema vulnerabilidade e negligenciado, a
meditação da compaixão iria trabalhar com tais grupos também. Os diários de campo
registraram um ambiente muito emotivo e denso. De fato, ao evocar na meditação crianças
em situação de trabalho escravo, animais em vulnerabilidades, trazemos aos músculos da
compaixão um foco que aprendemos a não enxergar.
Ao encerrar a meditação, reforçamos a necessidade de praticarmos e buscarmos ações
mais conscientes ao longo da semana. Antes de dispensar o grupo, foi solicitado a todos que
falassem uma palavra que representasse como se sentiam. As palavras que surgiram foram
conexão, responsabilidade (2 vezes), amor, compaixão, reflexão (3) e orgulho.

23
Disponível em https://mutualrescue.org/film/mike-abbie/
191

Avaliação da sessão 2

Todos os assistentes de pesquisa concordaram que esta sessão foi – a partir do


exercício do chocolate – tensa. De fato, esta sessão trouxe pela primeira vez uma atividade
impactante do ponto de vista afetivo: o exercício do chocolate. De fato, Jonas destacou em
seu diário de campo um importante insight pedagógico: os exercícios reais de
interdependência (filme de chocolate e cachorro) pareceram mais poderosos que a exposição
teórica. De fato, temos a impressão de que são os exercícios que criam a atmosfera de reflexão
mais profunda sobre os temas, mas não recomendamos seu uso sem o apoio da explanação
teórica sobre os temas. É um processo sinérgico e interdependente.
Jacob em seu diário de campo registra que existiu um aumento do nível de conforto
do grupo em relação ao programa. Houve também mais espaço para os participantes
discutirem e fazerem perguntas nesta sessão, o que levou a um melhor envolvimento e a
conversas interpessoais mais enriquecedoras. Dado o quão bem conhecidos e compreendidos
são os benefícios da conexão interpessoal com a felicidade, este é um bom sinal para o nível
de impacto no horizonte deste seminário. Quanto mais os participantes se envolvem, mais
eles tendem a tirar proveito da experiência.
Emily em seu diário aborda a questão dos relatos pessoais que o facilitador faz e como
isso gera conexão com o grupo. Em suas palavras:

Eu admiro sua [do facilitador] vulnerabilidade e gosto muito de ouvir suas


histórias. Eu acho que ele compartilhar faz com que todos percebam que
ele também é uma pessoa normal. Para ensinar, ele compartilha histórias
sobre sua jornada com mindfulness e como é realmente impossível de se
cobrar a perfeição. Acho que isso torna mais viável para essas pessoas,
porque o caminho de Rodrigo se relaciona com seus estados atuais.

Um ponto a se destacar que deixou toda a equipe, por assim dizer, frustrada foi a
sensação de impotência que os participantes demonstraram em mudar a cultura ou mesmo
impactar de maneira significante o mundo com suas ações individuais. De certa forma, essa
percepção serviu de base para mudar o protocolo inicial da próxima sessão e trazer uma
reflexão que vá de encontro a esta crença.
192

Sessão 3: Propósito maior24

Esta sessão ocorreu no dia 30 de outubro, em uma sala muito maior e bem mais
espaçosa. Havia 12 pessoas presentes, sendo que 2 participantes – Alicia e Talisha - não
puderam comparecer por motivos profissionais. Os resultados indicam que esta sessão
contribuiu no desenvolvimento de uma maior reflexão sobre valores, sentido e propósito. Ter
um palestrante externo falando sobre como ressignificou sua vida e ajudou a construir uma
organização com fins sociais trouxe importantes reflexões nos participantes sobre dois
pontos: (1) alinhamento de valores e carreira profissional e (2) propósito maior de uma
organização, com ou sem fins lucrativos.
As análises dos registros de campo dos assistentes de pesquisa indicam ao longo da
sessão havia um clima muito positivo e leve, contrastando com a tensão da sessão anterior
quando o programa trouxe (incômodas) reflexões sobre a atuação de empresas, fornecedores,
parceiros e consumidores em relação à sustentabilidade social.

Especificidades da Sessão 3

A sessão 3 contribuiu por gerar reflexões sobre o propósito de organizações e da


própria vida dos participantes, assim como aprofundar a percepção de interdependência
envolvendo outros seres do mundo natural, como os animais. Esta sessão é baseada na
literatura crítica sobre propósito de uma empresa (Mackey & Sisodia, 2013; Scharmer &
Kaufer, 2013) em oposição foco ao lucro como propósito maior (Friedman, 1970) e também
na abordagem da psicologia positiva, social e budista sobre sentido e propósito pessoal
relacionado especialmente à trabalho (Rosso, Dekas, & Wrzesniewski, 2010; Stirling, 2014).
Assim, esta sessão contribuiu para que o participante possa questionar de forma
interdependente o sentido e propósito tanto da empresa quanto de sua vida profissional e
pessoal.
Para auxiliar nesta discussão esta sessão teve um convidado: David Whitman, um dos
fundadores de uma ONG chamada Mutual Rescue. A Mutual Rescue é uma iniciativa
nacional de bem-estar animal criada em 2015 por Carol Novello e David Whitman, sob os
auspícios da Humane Society Silicon Valley, um dos principais centros comunitários de
animais nos Estados Unidos. O conceito central da Mutual Rescue é que ajudar os animais

24
Para conhecer as intervenções em detalhes e exercícios sugeridos para a semana seguinte à sessão
3, ver Apêndices F e G.
193

também ajuda as pessoas. Assim, eles produziram diversos filmes onde mostram pessoas
ressignificando e dando propósito a suas vidas a partir da adoção de animais. Desta forma, o
conceito de interdependência passa a ser contemplado sobre o ponto de vista de
redirecionamentos de vidas – humanas e não humanas – a partir da interdependência entre
estes seres. O quadro 15 apresenta as principais especificidades desta sessão na ordem
cronológica de suas ocorrências da sessão:
Quadro 15 - Especificidades da sessão 3
Atividades Especificidades Objetivos
Trazer reflexões e questionamentos
alternativos ao ethos dominante no meio
Tema da sessão Propósito Maior
empresarial e na vida pessoal sobre o
propósito de existência.
Estimular a reflexão sobre como podemos
Uma palestra sobre encontrar sentido e um propósito maior
Palestra significado, propósito e em nossas vidas e maior emparia e
interdependência percepção de interdependência ente
humanos e animais.
Estimular o estado de mindfulness e trazer
Mindfulness de Pensamentos maior consciência sobre os pensamentos e
Práticas de Mindfulness
e Sons sua natureza abstrata e impermanente.

Estimular os participantes a acessar níveis


mais profundos de autoconhecimento e
Journaling Journaling da Teoria U conectar esse conhecimento a ações
concretas relacionadas a sentido e
propósito.
Cultivar as virtudes de amor e compaixão
Prática de Bondade amorosa e a si, aos outros e gradualmente, a seres
Prática de Compaixão
compaixão incluindo animais. sencientes não humanos.

Estimular os participantes a pensar no


Questões de engajamento
propósito do que fazem e no propósito da
relacionadas a
Segundo journaling própria empresa e se engajar em
responsabilidade social e
comportamentos que possam contribuir
ambiental.
para o bem comum.

Detalhamos a seguir as atividades, resultados e aprendizados da sessão.

A sessão em detalhes

Drop In
Esta atividade inicial serviu de acolhimento inicial a todos e seguiu o mesmo
protocolo anterior. Tal como na sessão anterior, todo o grupo – participantes e assistentes de
pesquisa – já desempenham bem seus papeis. Os assistentes de pesquisa já se posicionam
adequadamente nas extremidades da sala e os participantes já silenciam seus celulares e
preparam seus cadernos para anotações.
194

Estabelecendo motivação consciente


Esta atividade foi iniciada com a prática de meditação do espaço de respiração de 3
minutos. Isso facilitou o estado de mindfulness e preparou a mentalidade correta para
estabelecer a motivação. Entretanto, na reunião semanal ao analisarmos o diário de campo
da sessão 2, verificamos que quando falamos sobre interdependência, responsabilidade social
pessoal e empresarial, o conceito de “sem poder para fazer diferença” surgiu em relação à
capacidade dos participantes de mudarem uma cultura empresarial ou a realidade do mundo.
Isso fez com que no início desta sessão criássemos um espaço para refletir no valor das ações
individuais para se fazer grandes mudança. O Brasil havia tido sua eleição há poucos dias e
nos motivou a usar o exemplo de eleição como lição: meu voto individual tem nulo efeito se
olhado isolado do todo, mas o somatório de diversos votos individuais faz a diferença. Assim,
nossa responsabilidade então é agir de acordo com o que acreditamos ser valoroso.
Dessa forma, logo após a meditação dos 3 minutos abordamos essa questão de forma
explicita trazendo este exemplo e todos. Em seguida, apresentamos duas questões para
reflexão de cada um: a. Que diferença faria se houvesse mais pessoas no mundo como você?
b. Como seria o mundo se fosse preenchido com pessoas como você? O objetivo é gerar a
reflexão se o foco deve ser no resultado individual de nossas ações ou no que achamos
correto. Mas se pensarmos em que tipo de pessoas eu queremos ser, isso pode trazer mais
sentido e propósito. Assim, estamos alinhados com nosso norte conceitual de sermos
baseados em valores e menos em resultados. Ao analisar os diários de campo da sessão 3, a
reflexão inicial sobre o valor das ações individuais – mesmo que aparentemente pequenas e
sem efeito – causam bastante reflexão e foi recebida de forma muito positiva pelo grupo,
inclusive nos assistentes de pesquisa.
Essa reflexão também serviu de ponte para o estabelecimento da motivação da sessão.
Foi enfatizado neste momento pelo facilitador que desconhecíamos o resultado deste
programa, mas sabíamos que estava em sintonia com nossos valores e nosso propósito, que
era, por sinal, o tema central da sessão. Assim, foi pedido a todos para fecharem os olhos e
pensarem nas razões de estarem ali. De fato, o estabelecimento da motivação foi bem-
sucedido e seguiu o protocolo anteriormente descrito. Todos os participantes se mostraram
engajados com o processo, até mesmo os assistentes de pesquisa, mais uma vez, se
concentraram para estabelecer a motivação.
Contextualização
A contextualização foi feita destacando a relação em mindfulness, compaixão,
interdependência e propósito. O grupo de participantes ouvia com interesse e esta atividade,
195

mais uma vez, se mostrou bastante importante para que todos pudessem ter em mente como
as sessões se relacionam umas com as outras. Neste ponto, foi importante frisar que a prática
de mindfulness reforça em nós a capacidade de se estar consciente da interdependência e
assim, de agir com mais responsabilidade, mas também propósito no mundo. Da mesma
forma dentro de um contexto empresarial, enfatizamos esta reflexão: quanto mais conscientes
estivermos na tomada de decisão, mais conscientes estaremos sobre as consequências destas.
Adicionalmente, se estas decisões estão ou não alinhadas com o propósito maior da empresa.
Como enfatizamos que a prática de mindfulness é que nos trará mais estado de presença e
consciência no dia a dia, foi a oportunidade para iniciarmos a próxima atividade.
Prática de Mindfulness da semana anterior
Contrariamente à sessão anterior, fizemos a opção de partir para a prática da semana
anterior. O motivo é simples: o grupo estava energizado, o palestrante do dia acabara de
chegar e seria ótimo seguirmos com uma prática que contribuísse com mais movimento e
interação, mesmo que seja de olhares. A Prática de movimentos conscientes foi realizada
pelos participantes com respeito e engajamento, sendo guiada pela assistente de pesquisa
Emily, tal como na sessão anterior. Os registros dos diários de campo indicam que o grupo
de presentes se mostrou receptivo mais uma vez à prática, em verdade sorridentes e
obedecendo todas as diretrizes dadas pela instrutora.
Um ponto que vale destacar é a própria reação da instrutora, que registra ter se sentido
mais calma e autêntica que na primeira vez. Adicionalmente, ela registra o quanto que a
oportunidade de liderar a prática no programa a fez feliz e mais consciente ainda de seu
propósito em estar levando a prática do yoga e seus fundamentos para mais pessoas.
permanecendo em silêncio e com poucos movimentos corporais. Isso é particularmente
importante visto que a sessão do dia tem por temática Propósito Maior.
Pequenas vitórias
A próxima atividade foi pequenas vitórias, onde se avalia como foi a frequência das
práticas e ações conscientes realizadas na semana anterior. O grupo foi dividido em 3 grupos
menores e seguindo o protocolo, foram instruídos a refletir sobre as práticas e ações
conscientes realizadas na semana anterior relacionadas a mindfulness, compaixão e
interdependência.
De fato, esta atividade se mostrou muito benéfica pois permite à equipe de pesquisa
perceber evoluções em relações a cognições, atitudes e comportamentos relacionados à
sustentabilidade. Como exemplos extraídos da análise dos diários de campo, pôde-se mapear
que três integrantes passaram a estabelecer intenções conscientes para seus dias logo ao
196

amanhecer; três comentaram sobre estarem mais engajados na prática de mindfulness; dois
comentaram sobre habilidades de escuta e não reatividade no ambiente de trabalho e três
relataram ações relacionadas a sustentabilidade ambiental. Um deles, está buscando
influenciar seus colegas no ambiente de trabalho a terem um dia sem carne e a evitar copos
de plástico. Enquanto Mark já apresentava uma predisposição para comportamento
sustentável ambientalmente, ele comenta que estes pensamentos e intenção estão mais
presentes que costumavam estar antes do programa. Isto sugere que o programa tem
reforçado as atitudes anteriores.
Os participantes demonstram estarem bem mais confortáveis em compartilhar suas
experiências e os próprios assistentes de pesquisa passaram a compartilhar igualmente de que
forma os conceitos e práticas vistos no programa estavam sendo incorporados por eles. A
sensação é que o grupo de participantes e assistentes de pesquisa estão mais conectados que
inicialmente, como se os participantes os tivessem adotados como parte legítima e não
inconveniente do processo. Terminada a atividade de compartilhar as pequenas vitórias,
seguimos para a exposição e diálogo sobre o tema da sessão.
Tema da sessão: Propósito Maior (em empresas e na vida)
A teorização sobre Propósito Maior contribui para o programa por trazer reflexões e
questionamentos sobre o ethos dominante no meio empresarial e mesmo na vida pessoal, em
especial relacionada a sentido e propósito do trabalho. Assim, questionamentos sobre qual a
missão de uma empresa e qual o propósito de suas vidas é trazido à lume. Esta atividade foi
composta por exposição dialogada liderada pelo facilitador com o apoio da palestra do
convidado David Whitman.
A exposição teórica foi baseada na literatura de Capitalismo Consciente, em especial
o pilar Propósito Maior (Mackey & Sisodia, 2013) por oferecer um contraponto à visão que
o propósito de uma empresa é maximizar o lucro, assim como na literatura sobre sentido e
propósito no trabalho, tanto na visão da psicologia positiva quanto na tradição budista (Dik
et al., 2014; Stirling, 2014), por oferecer uma visão que um trabalho com sentido está além
das questões materiais envolvidas, mas de outros fatores como o impacto deste no mundo.
A conceituação começou por uma provocação, quando trouxemos a famosa frase de
Milton Friedman, prêmio Nobel de Economia de 1976, onde afirma que as empresas
pertencem aos acionistas e sua missão é provê-los com o máximo lucro possível (Friedman,
1970). Trazer esta citação é importante para ilustrar o ethos reinante, para que na sequência,
pudéssemos questioná-lo. Para isso, trouxemos a reflexão dada pelo professor onde
argumenta que precisamos de glóbulos vermelhos para viver, mas o objetivo da vida é mais
197

do que produzir glóbulos vermelhos e da mesma forma que o objetivo dos negócios é mais
do que simplesmente gerar lucros (Mackey & Sisodia, 2013). A partir deste argumento, a
teorização sobre Propósito de uma empresa e propósito de uma vida se seguiu seguindo os
toda a literatura do tema Propósito Maior de acordo com a perspectiva do Capitalismo
Consciente, tal como discutido na revisão de literatura.
Para reforçar o aprendizado e a ecologia mental e cultural que visávamos, o
convidado palestrou sobre sua própria história pessoal e busca por sentido e propósito e como
isso se deu por meio da fundação da Mutual Rescue. Após contar sua história de desafios e
superações. Em sua fala, David apresenta o vídeo de curta duração Eric & Peety25 (2016),
produzido pela Mutual Rescue, que mostra como a adoção de um animal ressignificou e deu
direção à vida de um humano. Assim, trouxemos mais uma vez elementos cognitivos e
afetivos para o processo educacional de nosso programa. A análise do diário mostra que ao
final do filma, os participantes batem palmas e alguns estavam emocionados. A exposição
do tema da sessão cumpriu sua função, trazendo reflexões e inspirando comportamentos
altruísticos. Como exemplo, três participantes se aproximaram e quiseram saber como ajudar
a Mutual Rescue a ter mais projeção em mecanismos de busca e visualizações na internet. Na
sequência, após um intervalo de 10 minutos, para reforçar a inspiração que as reflexões
teóricas e o testemunho pessoal do convidado trouxeram iniciamos o journaling do dia.
Journaling
O journaling da sessão contribuiu para reforçar as atitudes geradas com o tema da
sessão e aprofundar as reflexões sobre propósito e estimular comportamentos positivamente
relacionados à propósito de vida. Baseado na teoria U (Scharmer & Kaufer, 2013), tem por
objetivo facilitar aos participantes acessar níveis mais profundos de autoconhecimento e
conectar esse conhecimento a ações concretas relacionadas a sentido e propósito de vida.
Seguimos o protocolo padrão de começar pela meditação de 3 minutos e na sequência,
apresentamos as instruções protocolares de forma breve sobre journaling e suas perguntas.
Este foi o journaling mais longo de todo o programa. Os resultados apontam que mais uma
vez, o journaling foi um importante apoio ao processo pedagógico, estimulando reflexões
sobre seus momentos e os ajudando refletir sobre direções significativas de vida e como lidar
com as aflições do momento. Como exemplo, a fala de Adriano:

25
Disponível no youtube.
198

Pensando no que meu eu morrendo me diria - apenas vá em frente! Não se


estresse com essas coisas, elas não importam no final. Me deu esperança,
coloca as coisas em perspectiva.

De fato, como relatos indicam, estimular as pessoas a visualizarem, pensarem e


refletirem sobre a morte fez emergir um senso de valores e prioridades a serem seguidas. Este
resultado, aliado às práticas de mindfulness que nos estimulam a estarmos mais presentes e
agir com consciência, trouxe um efeito sinérgico: a consciência da finitude da vida aumenta
a predisposição em se viver de forma mais autêntica, responsável e engajada. Convém
destacar no Budismo existe uma importante meditação sobre a morte (Bhikkhu, 1997), onde
é praticada como meio hábil para refletir sobre a finitude e impermanência da vida.

Conversa consciente e Discussão em Grupo


Mais uma vez, as práticas de conversa consciente e discussão em grupo que se
seguiram ao journaling se mostraram muito úteis para fins de pesquisa, pois permitem a
equipe registrar nos diários de campo as falas e reações dos participantes que servem como
dados a serem avaliados futuramente. Mais ainda, também para que os participantes
pudessem compartilhar ente si. De fato, um dos principais aprendizados foi que quando um
participante começa a falar, os outros se identificam e se sentem mais a vontade de falar
também. Isso mostra que estas duas atividades são muito importantes em reforçar o vínculo
deles como grupo, mas também seres humanos com dúvidas e aflições comuns.
Prática de Mindfulness para a semana: Atenção plena a pensamentos e sons
A prática desta sessão foi Atenção Plena a pensamentos e sons(M. Williams &
Penman, 2011). Os participantes se mostraram engajados e particularmente interessados
quando a explanação abordou que esta prática tinha dois efeitos reportados pela ciência:
maior potencial de desfusão dos pensamentos, levando a maior regulação emocional e maior
potencial de pensamentos criativos (Capurso, Fabbro, & Crescentini, 2014; Lippelt,
Hommel, & Colzato, 2014). Esta prática – com duração aproxima da de 10 minutos -
contribuiu para que os participantes pudessem gradualmente perceber as semelhanças entre
som e pensamento. Ambos são enormemente potentes e desencadeiam respostas mentais e
emocionais que se não soubermos lidar habilmente, podem nos fazer reagir de forma
inadequada. A essência aqui é desenvolver a capacidade de perceber pensamentos como
pensamentos apenas, não como a verdade ou um fato.
199

Um ponto interessante foi que aproveitamos esta prática para em meio a ela, falar
pensamentos e crenças que os próprios participantes trouxeram ao longo das sessões até aqui,
como: “não posso fazer nada”, “minha ação é muito pequena”, “meu voto não faz diferença”;
“Minha carreira é um fracasso”; “Estou perdida”. Na sequência de cada pensamento, era
falado “pensamento, apenas um pensamento”, “vem e vai”. A intenção era minar a força dos
pensamentos sobre serem impotentes ou fracassados, contribuindo para desenvolverem o
espaço necessário para que novas atitudes e crenças relacionadas a responsabilidade
individual, social, ambiental e universal possam surgir. Assim, partimos para a meditação da
compaixão e na sequência, um segundo journaling antes do encerramento da sessão.

Prática de Compaixão
Esta atividade contribuiu para reforçar as virtudes de amor e compaixão para pessoas
de forma do círculo amoroso usual assim como animais, aproveitando o tema que foi traduzi
na palestra do convidado. Os diários de campo registraram um ambiente leve e muito
agradável. Ao encerrar a meditação, reforçamos a necessidade de praticarmos e buscarmos
ações mais conscientes ao longo da semana para nós e para todos os seres.
Drop out
Antes de dispensar o grupo, foi solicitado a todos que fizessem um último journaling
com três questões que estimularam os participantes a pensar no propósito do que fazem e no
propósito da própria empresa. Mais ainda, estimulava atitudes e comportamentos ligados a
sustentabilidade e responsabilidade universal. São elas: (1) Como seu trabalho contribui para
um bem maior? (2) O que você poderia fazer para aumentar a conscientização - em você e
em seus colegas de trabalho - sobre o propósito maior da sua empresa?; (2) Se você se
comprometesse a fazer algo bom para o bem comum, o que você poderia fazer nos próximos
3 ou 4 dias? Quem poderia ajudá-la(o)?
A intenção era aproveitar os sentimentos de compaixão estimulados para inspirar os
participantes na elaboração de ações conscientes sustentáveis e compassivas. Os
participantes responderam com paciência e atenção, o que foi bastante positivo. Assim que
cada um terminava, estava liberado para ir embora. Assim, estava criado o espaço para a
última sessão ao qual tivemos que relacionar mindfulness, compaixão, interdependência,
propósito maior e o convite para sermos líderes conscientes em nossas vidas dali em diante.
200

Avaliação da sessão 3

Ao analisarmos os diários de campo individuais, vemos que a sessão transcorreu na


opinião de todos de forma muito leve, emotiva e positiva, contrastando com o ambiente tenso
da sessão 2. Outro ponto de destaque é que o grupo de participantes falou mais e interagiu
mais entre si. Para os assistentes de pesquisa, isso é tanto reflexo do nível de segurança
psicológica que foi criado ao longo do programa que pode ser explicado pela habilidade do
facilitador de se conectar com cada um deles. Selma em seu diário de campo comenta:

Eu senti que as discussões em grupo eram mais dinâmicas e interativas. As


pessoas faziam perguntas e comentavam o que as pessoas
compartilhavam; portanto, era mais uma conversa ou diálogo que o
compartilhamento de uma pessoa, a outra escuta em silêncio. Sinto que
isso é resultado de as pessoas se sentirem mais seguras e relaxadas umas
com as outras.

Jacob apresenta percepção similar e tenta explicar a razão em seu diário de campo:

Os participantes foram visivelmente mais falantes e engajados nesta


sessão. Embora eu pense que isso também seja em grande parte devido ao
aumento do nível de conforto depois de várias sessões. (...) Fiquei bastante
impressionado com a capacidade dele [facilitador] de realmente se
conectar intimamente com os participantes. Eu acho que faz toda a
diferença no ambiente criado.

Emily apresenta percepção similar e atribui às estórias pessoais que geram


identificação, o que ela já havia apontado na sessão anterior:

Por causa de suas experiências na vida, ele [facilitador] pode realmente


se conectar com os participantes e é claro que ele criou um ambiente muito
seguro e confiável para todos.

Estas percepções reforçam a ideia anterior em que mais compartilhamentos de


estórias pessoais é bastante recomendável, visto que estimulam uma conexão mais profunda
com os participantes. Eles podem se identificar e se relacionar com estas suas experiências,
e isso pode ajudá-los em suas próprias vidas. Isto por certo foi levado à termo na última
sessão do programa.

Sessão 4: Sobre Liderança Consciente e o resto de nossas vidas26

A última sessão ocorreu no dia 7 de novembro de 2018 e havia 10 pessoas presentes,


sendo que os demais não puderam comparecer por motivos profissionais e avisaram com

26
Para conhecer as intervenções em detalhes e exercícios sugeridos para a semana seguinte à sessão
4, ver Apêndices H e I.
201

antecedência. Os resultados indicam que esta sessão contribuiu ao fechar o programa


abordando todos os pontos anteriores – Mindfulness, Compaixão, Interdependência,
Propósito Maior – e os referenciando com dois conceitos que personificariam tais temas:
liderança consciente (Mackey & Sisodia, 2013) e liderança para a sustentabilidade (Ferdig,
2007) foi acertada.
As análises dos registros de campo dos assistentes de pesquisa indicam que os
participantes receberam com muito interesse a sessão e ao longo da sessão havia um clima
muito positivo e leve, algo que saudosista, em virtude do fim iminente do programa. Vamos
abordar em detalhes suas atividades e resultados.

Especificidades da Sessão 4

A sessão 4 contribuiu por gerar reflexões sobre como os participantes poderiam se


inspirar em conceitos de liderança que personificam os temas vistos anteriormente e
poderiam buscar, ao menos em suas vidas pessoais, serem líderes de suas próprias vidas e
buscarem serem uma influência compassiva e responsável onde estiverem. Em última
análise, personificar o conceito de mindfulness visto na sessão 1: Estar consciente, momento
a momento, de oportunidades de ser compassivo, ético e responsável com si, com os outros
e com a natureza.
Esta sessão é baseada na literatura sobre liderança consciente (Mackey & Sisodia,
2013), a qual uma das marcas é ter forte consciência de interdependência, de seus valores, de
seu senso de propósito e a aspiração de agir com bondade e compaixão e, ainda, lideranças
para a sustentabilidade (Ferdig, 2007), líderes (independentemente de ocuparem ou não
posições de liderança formais) que buscam alinhar suas vidas e negócios com os princípios
da sustentabilidade.
Esta sessão não visava categorizar ou mensurar em que medida os participantes
tinham ou não tais características, mas inspirá-los ao mostrar modelos teóricos de liderança
que personificam os temas vistos ao longo do programa. Assim, esta sessão contribuiu para
que o participante pudesse concluir o programa com um modelo ideal de liderança que
viveria o ethos que o programa defende. O quadro 16 apresenta as principais especificidades
desta sessão na ordem cronológica de suas ocorrências da sessão:
202

Quadro 16 - Especificidades da sessão 4


Atividades Especificidades Objetivos

Estimular atitudes e comportamentos de


Tema da sessão Lideranças Conscientes lideranças conscientes que personificam o
ethos visto ao longo do programa.

Baseado no modelo da ACT


Reforçar a clarificação de valores e
Exercício de Valores de direções valiosas e ações
alinhar comportamentos a estes
de compromisso
Estimular os participantes a evoluírem sua
Questões relacionadas a autorreflexão e se conectarem com um
Journaling
liderança consciente chamado interno para comportamentos
valorosos.
Estimular o estado de mindfulness e maior
Práticas de Mindfulness Mindfulness ao outro empatia e senso de conexão em relação a
outras pessoas
Estimular atitudes e comportamentos
Segundo Journaling Questões relacionadas ligados a sustentabilidade e
responsabilidade universal.
Estimular o estado de mindfulness e maior
Práticas de Mindfulness Mindfulness às plantas empatia e senso de conexão em relação a
elementos do ambiente natural.
Cultivar as virtudes de amor e compaixão
Prática de Bondade amorosa e
a si e aos outros ali como forma de
Prática de Compaixão compaixão para si e uns aos
reforçar as atitudes compassivas geradas
outros ali presente.
em todo o programa.

Detalhamos a seguir as atividades, resultados e aprendizados da sessão.

A sessão em detalhes

Drop In
Esta atividade, como usual, serviu de acolhimento inicial a todos e seguiu o mesmo
protocolo anterior. Aqui um dado: havia dois pequenos vasos de plantas (alecrim ou salvia)
em cada mesa da sala aguardando os participantes e assistentes de pesquisa. Na medida em
que foram chegando, se mostravam positivamente surpresos. Todos se mostram bem
dispostos e respondem positivamente aos questionamentos usuais desta parte da sessão.
Estabelecendo motivação consciente
Antes de iniciar com a meditação de 3 minutos, destacamos que estávamos muito
felizes em estar ali e era nossa última sessão e que falaríamos sobre modelos de lideranças
que personificam os conceitos que vimos anteriormente. Minha motivação em estar alí era
poder compartilhar um pouco destes modelos e ajudá-los a, se assim o desejarem, caminhar
nesta direção.
Essa reflexão também serviu de ponte para o estabelecimento da motivação da sessão.
Assim, iniciamos com a prática de meditação do espaço de respiração de 3 minutos como o
203

protocolo estabelecido. Ao entendimento da equipe de pesquisa, todos os participantes se


mostraram respeitosos e concentrados - até mesmo os assistentes de pesquisa - o que
demonstra que esta atividade de fato é muito importante para o andamento da sessão.
Contextualização
A contextualização foi feita destacando a relação em mindfulness, compaixão,
interdependência, propósito e o conceito de liderança consciente. O grupo de participantes
ouviu com interesse. O tema liderança parece particularmente de interesse. Liderança
consciente, em especial, mais ainda devido ao caráter do programa. Uma vez
contextualizado, partimos para a próxima atividade.
Prática de Mindfulness da semana anterior
A Prática de pensamentos e sons foi realizada e guiada pelo facilitador. Os registros
dos diários de campo indicam que o grupo se mostrou mais uma vez engajado à prática. Ao
pedirmos os feedbacks da prática, esta meditação despertou interesse pois na exposição
teórica dela na semana anterior foi falado sobe sua relação com criatividade. Alguns
participantes perguntaram o porquê ao passo que respondemos prontamente.
Um ponto que destacamos aos participantes é que ao longo do programa eles viram
muitas técnicas diferentes e que é pode ser benéfico não ter uma atitude superficial em relação
às técnicas e buscar se profundar em ao menos uma delas. Muitas vezes buscamos por
novidades – sempre em busca de algo novo - sem amadurecer verdadeiramente em uma
técnica. Ainda consciente que estórias pessoais parecem chamar a atenção, foi enfatizado que
minhas práticas mais usuais eram atenção plena ao corpo, meditação de 3 minutos e
meditação da compaixão. Jonas em seu diário de campo da sessão, registra:

“Eu achei uma observação muito interessante. Essa ideia de que as


pessoas vão pular de solução em solução procurando a solução mais fácil,
sem realmente fazer o trabalho de se aperfeiçoar na prática”.

Na sequência, passamos para a próxima atividade, pequenas vitórias.


Pequenas vitórias
O grupo foi dividido em 3 grupos menores e seguindo o protocolo, foram instruídos
a refletir sobre as práticas e ações conscientes realizadas na semana anterior relacionadas a
mindfulness, compaixão, interdependência e propósito. Com os exemplos extraídos da
análise dos diários de campo, mais uma vez pudemos mapear ações influenciadas pelo
programa, como o uso de técnicas de mindfulness vistas no programa para fins de regulação
emocional e ações relacionadas a consumo sustentável. Como exemplo, Anjali cita que a
204

meditação da semana passada – sons e pensamentos – a ajudou a questionar a veracidade de


seus pensamentos ajudando a regular suas emoções.
Conforme visto anteriormente, os participantes demonstram estar confortáveis em
compartilhar suas experiências uns com os outros. Terminada a atividade de compartilhar as
pequenas vitórias, seguimos para a exposição e diálogo sobre o tema da sessão.

Tema da sessão: Lideranças Conscientes


A teorização sobre liderança consciente contribui para que o participante pudesse
concluir o programa com um modelo ideal de liderança que viveria o ethos que o programa
defende.
Assim, questionamentos sobre o que é ser um líder e como ser um líder consciente e
para a sustentabilidade em nossas vidas profissionais e pessoais foram o mote central. Nesta
linha, a exposição teórica foi Esta sessão é baseada na literatura sobre liderança consciente
(Mackey & Sisodia, 2013), a qual uma das marcas é ter forte consciência de
interdependência, de seus valores, de seu senso de propósito e a aspiração de agir com
bondade e compaixão e, ainda, lideranças para a sustentabilidade (Ferdig, 2007), líderes
(independentemente de ocuparem ou não posições de liderança formais) que buscam alinhar
suas vidas e negócios com os princípios da sustentabilidade.
Um dos temas que mais despertou a atenção foi o detalhamento dos traços de um líder
consciente: habilidade de mindfulness desenvolvida, forte senso de valores e propósito, alta
percepção de interdependência e motivação bondosa e compassiva no agir. (Mackey &
Sisodia, 2013). De fato, era a personificação de todo o conteúdo visto ao longo do programa.
A conceituação se iniciou com esta minha fala de acordo com o diário de campo da sessão 4
da assistente Selma:

Temos falado sobre o resultado de nossa própria ação. Toda ação conta.
É por isso que estou sempre buscando pequenas vitórias com você. Se você
em sua própria vida está comprometido a viver sua própria vida de
maneira sustentável ou compassiva, mesmo em pequenas coisas, isso pode
levar à liderança sustentável. Como líder consciente, seu trabalho não é
correr por aí tentando salvar o mundo. Seu trabalho é ir para dentro, fazer
o trabalho interior que permite que você apareça como o seu eu mais
autêntico (...), que por sua vez inspirará outras pessoas a fazerem o
mesmo”.

Na sequência, pergunto ao grupo o que era necessário para ser um líder consciente.
Claudia imediatamente responde: compreender interdependência! Jonas anota em seu diário
de campo:
205

“A referência à segunda sessão leva-me a acreditar que a ideia [de


interdependência] começou a surgir das sessões anteriores. Isso é bom
para o impacto do curso”.

De fato, o tema interdependência surgiria mais à frente na teorização sobre liderança


consciente mais uma vez. Esta atividade foi uma das mais longas teorizações de todo o curso,
mas ainda assim, a atenção dos participantes foi intensa e participativa. Um dos conceitos
apresentados relacionados a liderança consciente foi o de inteligência espiritual (King &
DeCicco, 2009) visto na revisão teórica. Como esta inteligência está diretamente ligada a
maior senso de valores e propósito, foi a oportunidade para trazermos mais uma vez o
exercício de valores.

Exercício de Valores em Ação


O exercício de valores foi mais uma vez aplicado teve por objetivo aprofundar a
clarificação de valores e alinhar o comportamento de acordo com eles. Desta forma,
solicitamos que todos por dez minutos realizassem o exercício e depois, em grupo,
conversassem entre (conversa consciente) si por 8 minutos buscando compartilhar como foi
realizar pela segunda vez o exercício. Em seguida, compartilhassem com a sala inteira
(discussão em sala) as similaridades observadas e o que achassem relevante.
Nossa motivação em aplicar o mesmo exercício pela segunda vez foi evitar a atitude
usual de procurar novidades sem realmente aprofundar o que já temos à nossa disposição e
nos pede mais reflexão. Ao analisarmos os diários de campo desta sessão, Jonas e Emily
anotam que todos estão fazendo o exercício de maneira muito concentrada.
Ao final de dez minutos, solicitamos aos participantes que se organizassem em 3
grupos para compartilhar como foi a experiência de realizar novamente, um mês depois, o
mesmo exercício. Isso foi fundamental para que a equipe de pesquisa pudesse capturar tais
impressões e nos trazer importantes aprendizados: os participantes elaboraram direções
valiosas mais realistas e mesmo em menor quantidade. Já em relação às ações de
compromisso ligadas aos valores, estas foram mais exequíveis e simples. Nossa decisão de
realizar o exercício mais uma vez foi benéfica e muito bem recebida. Indira conversando com
seu grupo afirma:

"Acho incrível que tenhamos escrito antes. Para mim, quero continuar
fazendo isso ... não quero parar depois que o workshop parar ... saúde ...
estar atenta está ajudando a me manter super calma, sou mais capaz de
responder do que reagir. Eu tenho que continuar fazendo isso depois do
programa [journaling e meditação]”
206

Outro ponto que surgiu foi que conceito de pequenas vitórias havia sido assimilado.
Como exemplo, o assistente de pesquisa Jacob anota em seu diário de campo da sessão 4 em
relação ao participante Adriano:

Acho que a observação de Adriano de focar em três áreas da vida ser mais
útil a lista inteira é muito válida. Isso permite um foco mais especificado.
Além disso, parece que existem soluções bem pensadas aqui e uma atenção
contínua à mudança de caminhos, que eu acho que será muito significativo
para Andrés. Da última vez, ele teve muitos outros objetivos, mas acabou
não realizando nenhum deles. É por isso que ele diz que pode ser melhor
realizar metas tangíveis.

Esse foi um padrão comum. De fato, após os participantes serem solicitados a


compartilhar similaridades encontradas entre seu grupo com todo a sala, Adriano destaca:

"Estávamos mais confiantes em nossa capacidade de fazer as coisas ...


Para mim, para ser sincero, foi porque eu defini as mais simples".

Nesta linha, Alicia, comenta:

“Eu tenho uma experiência semelhante. Para mim, eu apenas foquei em


vitórias menores. Para minhas ações comprometidas, eu apenas me
concentrei em fazer uma pequena mudança em direção a essa direção
significativa. Quer estar mais conectado à minha família. Deixo de lado,
pelo menos tente mandar mensagens uma vez por semana com uma foto,
em vez de ir para Ohio. Eu apenas me concentrei em dividi-lo em partes
menores que eram mais viáveis".

Neste momento, Jacob assinala em seu diário de campo:

“Ótimo. Metas mais simples são importantes porque são mais fáceis de
manter e alcançar e estabelecem as bases para sucessos no futuro, porque
permitem que o criador de metas veja que as metas estabelecidas podem
ser alcançadas. Começar pequeno é uma ótima maneira de ver o progresso
no futuro”.

Estes relatos ilustram uma percepção geral do grupo de pesquisa posteriormente


confirmadas nas entrevistas após o programa que trazer novamente este exercício foi uma
decisão muito benéfica aos participantes.

Journaling
O journaling da sessão contribuiu para reforçar as atitudes geradas com o tema da
sessão e o exercício anterior, aprofundando as reflexões sobre propósito e estimulando
comportamentos positivamente relacionados a esta reflexão. Seguimos o protocolo padrão
207

de começar pela meditação de 3 minutos e na sequência, apresentamos as instruções


protocolares de forma breve sobre journaling e suas duas perguntas: (1) O que está em seu
coração agora é ... e; (2) A vida está chamando você agora para ...
Emily em seu diário de campo registra:

Acho que essas foram as perguntas mais profundas que nos foram feitas
até agora e acho que ele preparou o grupo muito bem para isso. Todo
mundo leva um tempo para responder e, quando terminamos, Rodrigo nos
pede para levantar e encontrar um parceiro.

De fato, como o comentário acima indica, buscamos colocar estas perguntas por achar
que os participantes na sessão 4 teriam avançado gradualmente em sua jornada de
autoconhecimento e ecologia mental. Além disso, como Emily destaca este journaling abriria
espaço para a próxima atividade, a prática de mindfulness ao outro.

Mindfulness ao outro
Esta atividade foi uma das mais marcantes do programa e busca trazer maior empatia, senso
de conexão e percepção de interdependência. Foi utilizada na sessão 4 pois o grupo já estaria
mais preparado para ela. Ficar em gente a outra pessoa, olhando nos olhos e em silêncio,
buscando sentir – não pensar sobre a pessoa – foi de acordo com relatos poderoso. Todos os
participantes foram corajosos e participaram desta prática verdadeiramente. No diário de
campo, vemos que mesmo os assistentes de pesquisa – que também participaram da prática
- foram impactados. Emily descreve:

Eu tive uma experiência realmente poderosa com Rodrigo e estava


pensando na minha cabeça que ele nem percebia o quão forte ele é. Eu
estava pensando que ele é incrivelmente inspirador, e eu sou muito grata
por ele, eu também estava pensando que ele me ensinou muito neste
programa. Ao pensar nesses pensamentos, Rodrigo diz algo como "você
está vendo as qualidades da pessoa, então você as tem. Você vê o que tem.
Uau!

Adicionalmente, Jacob registra como a presença acompanhada de mindfulness pode


efetuar mudanças em nossas percepções e mesmo na forma como nos apresentamos:

O exercício realmente foi caloroso. Parecia que havia confiança lá, e um


certo nível de conforto. Eu acho que o mais profundo foi com Anjali. Havia
um olhar querido e doce em seus olhos que não tinha antes. Ela costuma
ter um jeito ímpar de ser e parecia que tinha se derretido completamente.

Selma em seu diário relata como foi a experiência para si:

Eu acho que este exercício desarmou muitos. Foi muito poderoso e muito
bonito. Eu realmente gostei da presença que ele cria entre você e essa
208

outra pessoa, e o quanto você pode sentir com a presença e o contato visual
da pessoa, sem precisar falar. Alguns estavam muito sorridentes, como
Alicia, Jacob, Emily e Jonas, e outros sorriam menos, como Steve. Mas eu
realmente apreciei a presença que ele criou, realmente senti como um
contato entre duas pessoas totalmente normais. Sem hierarquias, sem
status, apenas presença. Foi bonito!

Estes relatos trazem intima relação com a perspectiva budista sobre a prática de
mindfulness. O mestre budista Thich Nhat Hanh (2001) destaca que o primeiro milagre
(palavra do autor) da atenção plena seria entrar em contado profundo com o que está presente,
seja um céu azul ou mesmo uma pessoa. O segundo seria fazer com que o outro também
esteja presente, como um ripple effect. Um outro milagre seria a compreensão, passamos a
compreender com a mente e o coração o momento e nosso objeto de atenção.
Como nota pessoal, em meu diário de campo havia o registro – bem vivo em minha
mente até hoje – de Talisha me olhando com os olhos repletos de lágrima, bastante
emocionada. Sem emitir som, ela mexe os lábios de forma que foi possível fazer a leitura da
palavra “obrigado”. De fato, sentia o mesmo por todos eles e ao encerrar este exercício
agradeci a todos pela abertura e coragem.

Conversa consciente e Discussão em Grupo


Na sequência, convidei a todos para escolher uma dupla e compartilhar como foi a
experiência e se quisessem, o que achassem relevante referente às duas questões do
journaling anterior. Os relatos de diário de campo mostram os participantes e assistentes de
pesquisas – que também participaram – compartilharam com muita abertura e buscavam
ouvir com empatia e atenção, reforçando conexões. Em seu diário da sessão, Jonas relata:

Eu sinto que a troca com Anjali realmente criou uma conexão entre nós.
Foi a primeira vez que tive a impressão de que realmente nos beneficiamos
mutuamente. Também é digno de nota que Anjali, quando estava indo
embora da sessão, me olhou nos olhos e repetiu que estava agradecida.
Pareceu-me que isso significava muito. Portanto, acredito que ela também
foi tocada pela conversa.

Os relatos apontam que esta atividade foi muito benéfica e criou o ambiente para a
próxima atividade, o segundo journaling da sessão.

Segundo journaling
Essa prática contribuiu ao estimular os participantes a refletirem nos temas
relacionados a exposição teórica da sessão. Mais ainda, visa estimular atitudes e
comportamentos ligados a sustentabilidade e responsabilidade universal. As questões
209

apresentadas foram: “Como você pode servir melhor ao bem comum na vida e no trabalho?”
e “Se você assumisse o projeto de se tornar mais consciente, quais os primeiros passos
práticos que você daria nos próximos 3 a 4 dias?
Não houve espaço para discussão em grupo devido a hora e realizamos um pequeno
intervalo antes da próxima atividade.

Prática de Mindfulness com as plantas


Esta prática estimulou os participantes a se conectarem em níveis mais profundos
com elementos do ambiente natural, usando as plantas trazidas para a sessão como meio
hábil. Ao estudar os diários de campo da sessão, vemos que ela evocou interessantes reações
dos participantes e assistentes de pesquisa.
Um ponto interessante foi perceber o desconforto inicial. No meu diário de campo da
sessão, temos:

Percebo que, no começo, muitos deles estavam desconfortáveis, não


estavam acostumados à ideia de interagir com uma planta. Então, um por
um, seguindo aos outros, pegaram a planta e começaram a interagir

Entretanto, a prática começa a surtir efeitos. Em seu diário, Jonas relata:

Fiquei impressionado com a intensidade das sensações de interagir com a


planta (toque, olfato, paladar). Fico muito mais consciente de sua presença
e de coisas menores que eu não havia notado antes (por exemplo, que a
sujeira em suas folhas não é granulada, mas tem pequeninas pedras).
Embora eu não sentisse sua 'vida' como Rodrigo disse, eu estava
dolorosamente consciente de ter que tirar sua folha para provar a planta.
Perguntei-me questionando se eu tinha permissão [dela] em prejudicá-la
apenas para senti-la.

Jonas sempre se mostrou com dificuldade em olhar as situações com mais sentimento
e menos análises objetivas. Este relato é um avanço neste sentido. Seu questionamento sobre
a ética de ferir a planta é notável.
Depois de cerca de 5 a 7 minutos, pedimos aos participantes para responderem duas
perguntas: (1) Qual é a mensagem da planta para você? e; (2) Como a natureza pode ajudá-
lo a se tornar mais consciente?
Em seu diário, Emily relata sua reação:

Eu pensei, uau, isso é incrível. O que a planta está me dizendo? Que eu


deveria ter como objetivo experimentar toda a vida assim. Eu deveria
mergulhar na vida como se fosse um presente.
210

Não há relatos desta parte em relação aos participantes pois partimos para o fim da
sessão e do programa.

Drop out
Foi pedido a todos que ficassem com as plantas que receberam durante o exercício.
Na sequência, mostro um voto a todos o leio em voz alta:

Consciente do sofrimento e da injustiça, eu estou trabalhando para criar


um mundo mais justo, pacífico e sustentável. Prometo, para o benefício de
todos, praticar o autocuidado, a atenção plena, a cura e a alegria. Prometo
não me esgotar.

Como fizemos anteriormente, pedimos a todos para se levantarem e realizarem um


círculo, fecharem seus olhos e sentissem tudo que vivemos juntos ali. Ao final, quando
estivessem prontos, cada um poderia compartilhar uma palavra. O facilitador seria o
primeiro.
Ficamos assim por uns segundo e falo:

“Cantognake. É uma palavra lakota que significa “coloque e guarde em


seu coração”. Eu sempre vou manter esse momento no meu coração”.

Foi um momento muito forte para todos os envolvidos. Em seu diário de campo,
Selma registra:

“Meus sentimentos logo após: WOW!! LINDO! Eu sentia arrepios no


círculo. ME sentia muito conectada a todos. As pessoas estavam indefesas,
humanas, calmas, honestas. Nós nos abraçamos e nos agradecemos uns
aos outros. Pude ver que Rodrigo estava comovido, emocionado. O
máximo que eu já o vi até agora. Foi criado um espaço tão bonito”.

Assim encerramos o programa, com todos levando suas plantas, se abraçando e


agradecendo uns aos outros. Antes de irem embora, foi solicitado a todos que preenchessem
uma avaliação anônima do programa e de sua experiência. Estes resultados são apresentados
na sequência da avaliação global da sessão.

Avaliação da sessão 4

Ao analisarmos os diários de campo individuais, vemos que a sessão transcorreu bem


e esta foi a sessão mais marcante de todas. Em seu diário de campo, Emily relata:

Esta sessão foi a mais forte e profunda de todas, e acho que todos fizeram
algumas mudanças para melhorar suas vidas. A primeira metade da
211

reunião foi menos intensa, mas houve uma transformação completa com o
passar da noite.

A primeira metade foi mais teórica, de fato. Isso reforça as percepções anteriores que
a energia do grupo sobe na medida em que há interações e exercícios vivenciais. Jacob em
seu diário adiciona:

Quando todos fizemos contato visual dentro do círculo, ficou claro para
mim que as barreiras que nos separavam quando começamos [o
programa] caíram em grande parte e pudemos nos conectar. Acredito que
isso é indicativo do poder da prática de mindfulness, e também das de
bondade amorosa em conectar as pessoas e permitir que elas vejam o bem
uma na outra. Eu acho que isso terá impactos profundos no futuro nas
habilidades de liderança dos participantes.

Estes relatos reforçam a ideia anterior de que a cada sessão, os participantes e


assistentes de pesquisa foram se conectando com si mesmos e com os outros presentes. Nossa
percepção é que a última sessão de fato concluiu bem toda a mensagem e intenção do
programa.

Avaliação geral do programa

O programa apresentou um conjunto de estratégias pedagógicas que atuam de forma


sinérgica – trabalhando tanto cognição como o aspecto afetivo – potencializando a
experiência educacional dos participantes e mesmo dos assistentes de pesquisa. Algumas
reflexões merecem destaque.
A meditação de compaixão surge como um elemento que atua em nível afetivo tanto
para si – autocompaixão - quanto para outros. Este é um elemento original em programas
relacionados à sustentabilidade e que atua como suporte no processo de ecologia mental e
autocuidado dos participantes. Outra prática pedagógica que ganhou destaque na perspectiva
dos participantes foi a reflexão de valores e ações de compromisso. Ambas atuam de forma
sinérgica: uma gera o afeto a si e a atitude de autocuidado, enquanto outra atua em nível
cognitivo (clarificação de valores) e comportamental (ações de compromisso).
Um dos exercícios mais marcantes usados - o exercício do chocolate – envolve
elementos cognitivos e, sobretudo, afetivos. A experiência desta pesquisa nos mostra que o
conceito de interdependência foi – não apenas compreendido – mas sentido, impactando na
atitude dos participantes e na empatia pelos participantes da cadeia produtiva. Tivemos uma
nítida sensibilização à questão da responsabilidade universal. Por vezes, tentamos chegar ao
212

coração pela mente. Este exercício nos mostra que o caminho inverso é possível e programas
futuros podem se beneficiar desta abordagem.
Outro exercício usado que segundo relatos dos participantes foi marcante foi o uso de
journalings. Como destaque o journaling que remetia ao leito de morte na sessão 3. Estimular
as pessoas a visualizarem, pensarem e refletirem sobre a morte fez emergir um senso de
valores e prioridades a serem seguidas. Este resultado, aliado às práticas de mindfulness que
nos estimulam a estarmos mais presentes e agir com consciência, trouxe um efeito sinérgico:
a consciência da finitude da vida aumenta a predisposição em se viver de forma mais
autêntica, responsável e engajada o momento presente.
Outra prática descrita como marcante, o exercício mindfulness do outro realizado na
sessão 4, olhando e sendo olhado nos olhos de outras pessoas, trouxe um importante
aprendizado: as pessoas voltam a se ver como pessoas, fomentando empatia e um senso de
conexão, mesmo – e talvez por isso - sendo realizado em silêncio. Apenas a atenção plena
com sua atitude de abertura e gentileza diante do outro fizeram com que os participantes
reportassem terem se conectado uns aos outros de uma forma muito particular, percebendo
por trás dos olhos a existência de seres humanos com emoções e anseios.
A atividade “pequenas vitórias” foi muito importante para que os participantes
pudessem aprender uns com os outros e desenvolver uma atitude de pequenos passos. É
visível como esta atividade possibilitou maior senso de comunalidade entre os participantes
e mesmo apoio mútuo. Mais ainda, do ponto de vista de pesquisa, esta atividade se mostrou
muito benéfica pois permite à equipe de pesquisa perceber evoluções em relações a
cognições, atitudes e comportamentos relacionados à sustentabilidade.
Conclui-se, portanto, que uma grande contribuição deste trabalho é o programa. Ao
elaborarmos um programa baseado em mindfulness eticamente informado, centrado no
conceito de interdependência, no resgate de valores autênticos dos indivíduos e no
desenvolvimento de compaixão, superam-se as limitações de programas anteriores por
buscar não somente aliviar aflições da vida moderna, mas aprofundar a compreensão das
potenciais causas de danos e sofrimento em nós, na sociedade e no planeta. Cabe-nos a
seguir, compreender como este formato impactou a forma como os participantes vivem em
relação a si, aos outros e a natureza.
213

CAPÍTULO 6: RECONEXÃO E EXPANSÃO - O PROCESSO DE


TRANSFORMAÇÃO DOS PARTICIPANTES: COM SI, COM O
OUTRO E COM A NATUREZA

“No one is really working for peace unless she


or he is working primarily for the restoration of
wisdom.”
E. F. Schumacher

Este capítulo contribui para a tese por mergulhar nos resultados do programa tendo
como objeto focal os participantes e suas visões de mundo (i.e., modelos para entendimento
do mundo; Geertz, 1989); seu bem-estar psicológico (i.e., incidência afetos positivos e relatos
de estima e senso de propósito; Ryff, 1989); consciência e reflexão crítica (Chiesa, Calati, &
Serretti, 2011), predisposições (Bohner & Dickel, 2011) e condutas prossociais e
sustentáveis27 (i.e., ações voluntárias voltadas para o bem-estar social e do ambiente natural,
incluindo as gerações presentes e futuras; Amel, Manning, & Scott, 2009; Eisenberger,
1992).
Apresentamos análises, reflexões e reações que evidenciam um processo – em que
pese as diferenças individuais - de redescoberta e transformação dos presentes na relação
com si, com o outro e com a natureza. Como resultado central, a constatação que o caminhar
mais consciente e sustentável em meio ao mundo pede em um olhar e cuidado sobre si, não
como reificação do ego, mas como um resgaste de sua própria psique, uma ecologia mental
que permite o questionamento da forma de ver, ser e agir em meio ao mundo. Em suma, ao
olhar para si e trabalhar em si, estamos mais aptos a olhar o meio e agir de forma mais
responsável, sustentável e mesmo compassiva.
Para sustentar nossa tese, apresentamos incialmente o contexto que os participantes
se encontravam antes do programa da ação psicossocial. Esta linha base demonstra que,
embora os participantes sejam pessoas pertencentes à elite intelectual e financeira dos
Estados Unidos e que construíram uma carreira de sucesso em uma das mais admiradas
empresas de tecnologia do mundo, nada disso foi capaz de anestesiar suas aflições, dúvidas
e questionamentos sobre o caminho a seguir em suas vidas. Em verdade, como os dados

27
Estamos cientes que os seres humanos fazem parte do ambiente natural, mas aqui para fins de
categorização vamos dividir o ambiente social como englobando a relação com outras pessoas e ambiente
natural como sendo relacionado à reino animal, reinos minerais e vegetal.
214

demonstram, o próprio contexto parece favorecer suas aflições: estão imersos em um oceano
cultural onde a visão de mundo, o ethos e os valores hegemônicos de individualismo,
competição, hiper performance parecem os apartar de si mesmos e do meio social e natural,
reforçando suas angústias. Na sequência, apresentamos os relatos que ilustram mudanças ou
o reforço nas atitudes e comportamentos positivamente ligados à sustentabilidade após o
programa da ação psicossocial tendo como ótica a relação com si, com os outros e com a
natureza.

Ponto de Largada: sobre a relação com si com os outros e a natureza

Assim, começaremos por detalhar nossa análise de resultados abordando este ponto
de largada: suas visões de mundo, valores e relações que os participantes possuem com si,
com os outros e com a natureza antes do início do programa da ação psicossocial. O quadro
geral que encontramos foi de bem-estar psicológico prejudicado, desconexão dos verdadeiros
valores e preocupações sociais e ambientais que não conseguem se materializar em ações.
Adicionalmente, fica claro a existência de valores hegemônicos e visões de mundo típicas no
contexto capitalista neoliberal: individualismo, foco em hiper performance, pouca visão
sobre interdependência e muita identificação com a carreira.
Os participantes se motivaram a participar do programa principalmente para melhorar
suas carreiras e lidar com mais harmonia com o trabalho. Assim sendo, começaremos a
descrevê-los por suas visões para si mesmos e seu bem-estar subjetivo.

“Você não fez isso, você não fez o que você precisa fazer, você precisa fazer isso”: a
relação com si e percepções de bem-estar

Todos os doze participantes do programa relataram dificuldades de lidar com seu


bem-estar. Desses participantes, sete relataram alto nível de estresse, insônia, ansiedade e
mesmo baixa autoestima. Anjali, por exemplo, ao questionada sobre como se sente em
relação a como ela se relacionada com o mundo as pessoas e a natureza, responde em sua
entrevista anterior ao programa da ação psicossocial:

“Não posso apontar nada, que eu possa dizer que me orgulho. Não, acho
que não posso. Eu não sei como articular isso. Eu acho que é uma pergunta
justa, mas não sei como. Eu não consigo pensar nisso. Não há nada que eu
possa dizer: sou excepcional nisso ou certamente orgulhoso disso ... não”.
215

Por meio deste relato é possível melhor observar a dificuldade de autoaceitação que
ela demostrou ao longo do programa. De fato, em sua segunda entrevista, Anjali comenta
que antes do programa, ela sequer conseguia entender o que é ser gentil com si e
autocompaixão. Todavia, é importante ressaltar que a fala aponta gravidade na forma de ver
a si mesma, possível baixa autoestima e com isso, um quadro de bem-estar debilitado. Além
dela, Adriano também exemplifica esta questão em sua entrevista anterior ao programa:

“Tenho péssimos padrões de sono, como resultado disso, então não tenho
espaço mental, estou constantemente pensando em coisas que preciso
fazer, como questões em situações de trabalho no trabalho, pessoas,
situações que acontecer. Acho que estou acostumado e o que acontece é
que geralmente consigo dormir, se não for, apenas tomo alguma coisa
[remédio ou álcool]. E o que acontece talvez, duas vezes por semana, eu
acorde por volta das 1 e 2 da manhã e minha mente imediatamente comece
com algo como você não fez isso, você não fez o que você precisa fazer,
você precisa fazer isso e depois não consigo voltar a dormir”.

Nesta linha, Indira aponta em sua primeira entrevista o ciclo aflitivo que se
encontrava e seus poucos recursos para lidar com isso:

... Acho que no ano passado percebi que minha saúde mental estava
realmente piorando. Eu costumava meditar muito quando estava na
graduação. Então eu fui para a faculdade, era uma pressão muito alta e
muitas coisas estavam acontecendo. Eu esqueci totalmente desse aspecto
da minha vida. Então eu fiz o meu primeiro trabalho e naquela época eu já
estava realmente naquele funil de fazer as coisas e não pensar nas coisas.

Então, no ano passado, no começo do ano, eu priorizava minha saúde


mental, porque está realmente se tornando um grande problema. Você
atrai as coisas erradas, como você atrai as pessoas erradas se estiver em
um mau espaço mental. Se algo está me incomodando, apenas tiro um
tempo e tento pensar e entender por que estou me sentindo mal com isso,
então é assim que cuido da minha saúde mental.

Estes relatos vão de encontro a revisão de literatura onde relacionamos os impactos


do neoliberalismo e da solução individualista para o problema da saúde mental e do
incremento de performance (Schmitt, 2017). De fato, a maioria dos participantes afirmou
explicitamente estar com seu bem-estar prejudicado e isto será um fator importante para
avaliarmos em que medida o programa os beneficiou. Talisha foi outra participante que na
entrevista anterior ao programa conta como não estava cuidando de si, vivendo no
“automático”, se acostumando com a insustentabilidade das suas ações e prejudicando sua
saúde:

"As expectativas aumentaram, a demanda aumentou, e minha agenda


diária é de cem por cento de trabalho. Então, acho que vivo e respiro
216

trabalho e minhas expectativas sobre mim também aumentam. Então, eu


me incluo no que você mencionou é que você acha que o mundo está indo?
Como a direção errada, sim. Eu acho que não estamos atentos ao que
realmente importa no final do dia, que são as pessoas ao nosso redor,
nosso próprio bem-estar. Preocupamo-nos com outras expectativas, as
expectativas dos outros um pouco mais do que nós."

Importante destacar que os participantes por vezes parecem ter falta de consciência
sobre o próprio estado, como uma negligência ou inabilidade de autocuidado, com uma forte
priorização da performance sobre o próprio bem-estar. Nesta linha, em sua segunda
entrevista, Talisha relata ter percebido seu distanciamento entre a forma como levava sua
vida e seus verdadeiros valores, mostrando como antes do programa ela estava desconectada
de questões tão importantes para si:

“Desde que o programa terminou, eu percebi que havia me dedicado em


excesso na minha carreira e, também, na quantidade de tempo que investia
no trabalho. E essa foi a primeira vez que eu percebi que em toda a minha
vida eu provavelmente estava trabalhando demais. Também me ocorreu
que talvez a única razão pela qual eu estava trabalhando tão duro fosse
porque não reconhecia meus valores, todas as outras coisas em minha vida
que estavam ocorrendo e a quantidade de atenção que eu precisava para
dar”.

Na mesma linha, Marina relata em sua segunda entrevista que esqueceu de várias
coisas importantes a si, pois após o programa decidiu reinvestir seu tempo em atividades que
julgavam valorosas e estavam esquecidas pois a carreira parece ser o principal foco e aquilo
que não serve como carreira de acordo com no caso, os pais, potencialmente pode ser
percebido como não válido:

“E também participei de cursos de culinária. Isso foi algo realmente


importante para mim enquanto crescia, mas eu simplesmente deixei pra lá
completamente. Era algo que era muito, muito apaixonada. E depois que
meus pais me disseram que eu não poderia fazer carreira com isso, deixei
para lá. Agora eu decidi voltar para a cozinha, preparar muitos pratos.”

De fato, a literatura aponta para o predomínio de valores culturais que transcendem o


ambiente corporativo, sendo pervasivos na cultura atual, como hiper performance e
competição/comparação com o outro que acarretam ansiedade e depressão nervosa
(Ehrenberg, 2016) e que o trabalho passa a ser identitário e dominar as preocupações
217

cotidianas (Dejours, 2015). Mark relata em sua segunda entrevista como antes do programa
tinha dificuldades de priorizar tarefas e se sentia sempre assoberbado, prejudicando sua vida
social: O programa me ajudou a priorizar o que é importante. Não loto mais a minha agenda
e hoje me permito fazer escolhas que antes não fazia...estou mais ativo, vendo mais e
conversando mais com amigos também... "

Talisha igualmente priorizava questões de trabalho constantemente. Na análise do


diário de campo da sessão 4, temos um importante relato. Inicialmente no exercício de
valores realizado na sessão 1, suas ações de compromisso estavam relacionadas às suas metas
corporativas, mas depois se volta às suas necessidades de autocuidado, seu bem-estar. Isso é
demonstrado nos diários de campo por meio de falas de engajamento superficial que se
transmutaram engajamento profundo e autoconsciente. Ela destaca:

“Este programa me fez perceber quanto tempo eu estava dedicando ao


trabalho em vez de apenas em mim. E isso foi um grande despertar. Então,
desta vez, quando coloquei meus valores em ação, disse que estou feliz em
sair. Lembro-me da última vez que escrevi todos os meus valores [sessão
1], o trabalho veio primeiro. Mas não é com isso que realmente me
importo. Tipo, eu digo que valorizo a família, mas nunca liguei. Eu vi um
delta muito grande entre o que eu queria e o que eu fazia28.”

O exemplo de Talisha simboliza algo pervasivo a todos: como o trabalho se tornou o


ponto central do ethos de suas identidades. Ela estava sobrecarregada em seu trabalho,
afastada de seus valores e sem tempo nem ao menos para se dar conta disso, também é válido
ressaltar que é uma das duas participantes a trabalhar 60 horas semanais. De fato, estes são
comportamentos típicos da geração “hustle” (Griffith, 2019) onde o vício no trabalho e na
hiper performance que supera expectativas se tornou um estilo de vida, mesmo que às custas
da própria felicidade e bem-estar. Talisha relata em sua primeira entrevista:

“Saindo da faculdade, esse foi meu primeiro emprego. (...) eu deveria estar
agradecida e muito orgulhosa, mas, ao mesmo tempo, não estou feliz. Bem,
eu não sou a mais sustentável ou mais consciente, mas é tudo uma questão
de expectativas e de tentar atender a essas expectativas não apenas de mim,
mas do que os gerentes colocam na minha frente”.

Os efeitos perniciosos dos valores neoliberais em nossas vidas abordados em nossa


revisão de literatura podem ser vistos neste depoimento a seguir dado por Talisha após o fim

28
Atualização: convém destacar neste momento – primeira semana de fevereiro de 2020 – Talisha
pediu sua segunda licença no trabalho e está com seus pais – asiáticos – cuidando deles em meio ao surto do
coronavirus.
218

do programa. Este depoimento retrata um pouco de todos os participantes e, também, um


pouco da realidade que o próprio autor deste trabalho já vivenciou:

Por dois anos, fui professora assistente. Tornei-me o exemplo e modelo


para estudantes de negócios. Comecei a correr maratonas. Eu comecei a
cozinhar, a ensinar, a fazer as coisas que Talisha queria fazer. Eu vivia
uma vida humilde e me sentia virtuosa. Então a ganância veio. A empresa
divulgou seus números de diversidade em 2014 e eu disse a William (meu
mentor) que faria parte dessa solução - para contribuir nesse ponto. Eu me
estimulei para ser a melhor, para ser o # 1 em tudo o que fiz e consegui.
Eu fiz isso, mas estava tão infeliz. Eu me perdi ... e ficou cada vez pior. O
trabalho se tornou meu ponto alto ... minha droga ... meu "espaço seguro".
Tornou-se minha identificação. Tornou-se minha validação.

Outro ponto largamente destacado na literatura: o trabalho se tornou identitário e essa


é uma das maiores seduções: o autovalor está ligado ao valor que se têm para o trabalho
(Dewa, Lesage, Goering, & Craveen, 2004). Talisha continua:

Durante meses, eu não sentia. Eu não dormia. Eu parei de sonhar. Eu


estava cansada. Eu parei de trabalhar com os alunos. Eu parei de meditar.
Eu parei de cozinhar. Eu senti como se estivesse morrendo, mas escolhi
acordar e aparecer todos os dias [no trabalho]. No fundo, eu queria sair,
mas a segurança do emprego me mantinha lá. Minha felicidade foi uma
fachada. Não pude mostrar a ninguém, porque temi que isso mostrasse que
eu era fraca. E ... senti que ninguém conseguia entender o nível de dor que
estava carregando. De muitas maneiras, optei por minha própria miséria
e culpei o mundo. Eu senti depressão pela primeira vez. Eu ... não sabia
por que estava fazendo isso, mas seguia fazendo. Ganhei mais dinheiro do
que poderia imaginar. Eu era a melhor no meu trabalho. Eu já tinha tudo,
mas estava infeliz.

Aqui vemos o projeto neoliberal de sucesso falir. Todas as ideias de felicidade e bem
estar propagadas e que influenciam nossas mentes e corações parecem cair por terra quando
efetivamente as conquistamos e mensuramos o preço que pagamos. De fato, a literatura
mostra que tal conduta é motivado por uma visão de mundo que o próprio sistema nos fez
acreditar (Anache & Laurencel, 2020; Dejours, 2007). Talisha segue:

Eu já tinha tudo, mas estava infeliz. Então, um dia, seu programa [desta
tese] apareceu na minha caixa de entrada. Comecei a frequentar com
pouca intenção, ainda que com o objetivo de terminar o curso. Eu não
sabia então, mas essa seria a escolha que mudaria minha vida. Durante
esse curso, eu trabalhava 60 horas por semana. Não estava dormindo. Não
fazia nada que Talisha realmente queria fazer. Eu chorava depois de cada
aula porque sabia onde queria estar ... só não sabia como chegaria lá. E
não pedi ajuda por meu próprio orgulho.
219

Vemos neste relato os valores sendo aliciados e esquecidos e a deteriorização de nossa


saúde mental (Dejours, 2007), a busca por hiperperformance e extrema competitividade
(Ehrenberg, 2016; Fisher, 2009) assim como a busca por soluções mercantis e
individualizantes para o anestesiamento do sofrimento (Schmitt, 2017) e uma visão sobre
felicidade baseada nos valores hegemônicos do capitalismo neoliberal (Anache & Laurencel,
2020; Waters, 2014). Talisha após o fim do programa, começa a revelar o que não havia
revelado antes em sua primeira entrevista. Muito provavelmente fruto da confiança
estabelecida com o instrutor do programa e com o seu próprio fortalecimento emocional.
De forma similar embora, Sai é um dos participantes que estava com o bem-estar
comprometido. De fato, sua rotina insustentável fica clara neste depoimento anterior ao
programa:

“Trabalhar se tornou um problema muito grande. Eu coloquei isso à frente


da minha própria física e mental. (...) meu nível de estresse estava subindo.
Eu não estava indo para a academia. Então, eu comecei a abusar do
álcool. Esses vícios começaram a se tornar parte disso. E meus padrões de
comportamento estavam sintonizados com isso. Estou aqui como parte de
meu processo de trabalhar nestas questões"

Tais relatos infelizmente não surpreendem, visto que uma das tendências mundiais
no ambiente corporativo é justamente o aumento de problemas relacionados à saúde mental
do trabalhador (Sangar, 2019). De fato, Sai foi um dos participantes que relatou
explicitamente estar em busca de uma nova forma de lidar com sua saúde. Muito embora
ainda não tenha meios hábeis e sistemáticos para fazê-lo. O diário de campo da sessão 3, traz
este relato de Sai: “Estou tentando acordar de manhã e não apenas olhando para o meu
telefone e pulando da cama.
Isto indica que antes, ele seguia um padrão comum à maior parte dos participantes de
viver no piloto automático, com pequenos momentos de consciência. Entretanto, na
contramão da maioria, apenas dois participantes relataram na entrevista pré-programa
estarem efetivamente cuidando de sua saúde. Mark, por exemplo, destaca que já alguns meios
hábeis de autocuidado:

“Eu mantenho um diário. Não em qualquer ocasião regular, mas apenas


de vez em quando eu sinto que "meu Deus" melhor escrever meus
pensamentos um pouco agora, ou quando estou estressado, isso
geralmente ajuda "

Claudia também relata sobre o tema:


220

“Nos dias em que pratico ioga ou nas semanas em que faço minha sessão
de terapia, minha tomada de decisão e a maneira como vejo os problemas
são realmente diferentes, e me sinto mais leal a isso, no que acredito e
como acho que as coisas deveriam ser.”

Nem todos cuidam de sua saúde de forma tão hábil. Relatos de uso de álcool,
comprimidos para dormir, comprimidos para permanecer focado, drogas recém-lícitas foram
relatadas explicitamente por 4 dos 12 participantes. Nesta linha, o depoimento de Adriano
ilustra esse tipo de conduta. Quando questionado sobre como ele cuida de si, Adriano relata:

“você quer que eu seja completamente honesto? Hum, então quando estou
realmente estressada, fumo maconha. Então é isso, meu (mau hábito?),
Faço isso há ... há muito tempo. Esse é um dos meus mecanismos de
enfrentamento. Isso me relaxa, pelo menos na maioria das vezes. Outras
vezes, apenas aumenta sua mente, trabalhando, trabalhando nas coisas
que você precisa fazer. Então é geralmente o que eu faço. Volto do
trabalho, brinco com minha filha, a levo para o parque, depois a coloco
para dormir e depois fumo, saio sozinho, dou uma volta. Também comecei
a fumar tabaco”.

Em sua segunda entrevista, Talisha relata que não foi totalmente honesta em sua
primeira entrevista omitindo fatos quanto ao seu bem-estar antes do programa. O seguinte
relato ilustra como a questão do sono e mesmo crises de ansiedade a perturbavam antes do
programa:

Eu era incapaz de dormir sem acordar para ter um ataque de pânico por
volta das 2:00 da manhã todos os dias. Eu estava dizendo aos meus colegas
de trabalho que era como se você estivesse gripado todas as noites. Você
acorda e então está suando a cama inteira. E eu tive isso por cerca de dois
a dois meses e meio. E foi por causa do volume de trabalho que eu estava
colocando em mim mesmo e as expectativas que eu estabeleci para mim
não eram realmente realistas.”

Talisha, Adriano e outros cinco participantes viviam o que Dejours (2015) destaca
como um drama corporativo, encenando um modo de ser e viver patológico que tende a ser
percebido como normal e de responsabilidade individual. Adicionalmente, o caráter cada vez
mais velado do sofrimento faz com que muitos percebam seu sofrimento como algo apenas
seu e não sistêmico. Alicia destaca em sua segunda entrevista que antes do programa, não
percebia de maneira clara essa comunalidade de sofrimento: “Isso me ajudou a perceber que
não sou a única [com aflições] todo mundo tem lutas semelhantes.”

Este relato sugere que o grupo de participantes parece participar deste drama
organizacional, onde se não todos, mas a maioria, representa seu papel diariamente e buscam
221

cada um a sua maneira lidar com suaas angústia. Como visto na literatura, bem-estar é um
conceito multidimensional explicado por diversos fatores como saúde física, afetos positivos,
autoaceitação, relações positivas com outros, maior autonomia, senso de controle da vida,
sendo de propósito e crescimento pessoal (Ryff, 1989). Por vezes, bem-estar individual e
sustentabilidade são frequentemente retratados como atividades conflitantes, visto a visão de
mundo predominante antropocêntrica, consumista e materialista como base para bem-estar
(Laininen, 2018). Entretanto, saúde e bem-estar são fundamentais para a sustentação da vida,
sendo uma das metas de desenvolvimento sustentável da ONU (World Health Organization,
1986), pois indivíduos com sua saúde debilitada, vida em risco ou em sofrimento psicológico
tão pouco fazem parte de um modelo sustentável de vida.
Assim, destaca-se que o panorama geral de bem-estar encontrado foi bem negativo,
indo de encontro aos estudos relacionados à psicopatologia no trabalho (Dejours, 2015;
Zambroni-de-Souza & Da Silva Araújo, 2012). Surpreende, visto que grande parte já havia
entrado com contato com mindfulness previamente. Neste ponto, vale aprofundar um pouco
sobre as experiências prévias e como se relacionam com as práticas de mindfulness. Esse
contexto vai nos ajudar a compreender suas motivações em participarem do programa
oferecido nesta pesquisa e a entender em que extensão e profundidade obtiveram o que
esperavam.

“Se for melhorar minha performance, então não há problema”: percepções e


experiências com mindfulness

Como esperado, a cultura que estão inseridos impacta de forma pervasiva a maneira
como os participantes vivem e buscam soluções para suas aflições e questionamentos. Nesse
sentido, sua experiência prévia com meditação traduz este cenário. Todos já conheciam -
ainda que não de forma bem compreendida - o que é mindfulness e praticaram meditação em
algum momento de suas vidas. Entre eles, cinco relataram já praticar meditação. A frequência
dessa prática variou de cinco a uma vez na semana com no mínimo de 10 minutos por prática;
cinco deles contam que praticavam meditação raramente; um não praticava e uma não
informou. Apenas um deles relatou não ter recebido instrução formal em meditação. Esses
dados demonstram como os participantes já buscavam se aproximar do mindfulness.
De fato, seis participantes entraram em contato com mindfulness em um curso
desenvolvido pela própria empresa. O programa é oferecido pela empresa regularmente e se
posiciona como um programa que desenvolve inteligência emocional por meio de
222

mindfulness para líderes. É bem visto pelos funcionários (que se sentem acolhidos pela
empresa) e o programa é oferecido diversas vezes por ano, sempre com lista de espera.
Entretanto, apesar do entusiasmo com que o programa é buscado internamente, não
parece ser bem-sucedido ao criar uma cultura de meditação internamente, de bem-estar ou
mesmo de diversidade e inclusão. Uma fala de Alicia em sua entrevista anterior exemplifica
o que está sendo discutido:

“...Sentir como nós, humm. nós dizemos que somos diversos e inclusivos,
mas não discutimos isso abertamente. Hum, mesmo em termos de
mindfulness, temos salas de meditação aqui onde as pessoas podem
meditar, mas não temos realmente uma prática, uma cultura de como fazer
isso regularmente. Essas são apenas algumas coisas que eu acho que nos
beneficiariam”

Este fato coloca em questionamento a percepção de que a empresa é um mar de


funcionários felizes, contemplativos e fortemente identificados com meditação como
retratado usualmente em reportagens. Nesta linha, Anjali explicitamente criticou a forma
como mindfulness estava se popularizando e se tornou a palavra da moda:

“Essa tendência de mindfulness vem e vai. Se tornou a palavra da moda e


agora é comer de forma consciente, cozinhar ao menos 4 vezes na semana,
meditar...não sabemos ao certo como usá-lo nas negociações...eu não sei
se esse programa vai mesmo me ajudar”.

Indira adiciona um ponto à crítica de Anjali. Em sua opinião, houve um crescimento


nos últimos dois anos, mas as pessoas realmente não sabem o que é mindfulness. A executiva
destaca:

“Mindfulness ainda é visto como algo muito separado e individual, algo


que você faz sozinho. Eu queria pedir a um colega de trabalho que medite
comigo e que isso não seja estranho”.

Ao que parece, a prática apesar de ser bem divulgada, não é bem difundida ou mesmo
compreendida. Este dado foi muito importante pois reforçou a necessidade de ao longo das
sessões da ação psicossocial enfatizarmos mindfulness como uma qualidade mental que você
desenvolve com o tempo e a acompanha em todos os momentos.
Em adição à análise, os programas de mindfulness fortalecem a busca de técnicas para
melhorar o desempenho profissional que se organiza em última instância quase em uma nova
forma de imagem mitológica: o ser humano empreendedor e gestor de si (Ehrenberg, 2016).
A prática se torna, assim, um recurso e um bem de consumo.
A fala de Indira acima reintera a solidão do herói corporativo, sempre precisando
encontrar um jeito de dar conta de tudo, sempre em dívida, sempre preso em problemas
223

particulares e sem enxergar o coletivo. De acordo Ehrenberg (2016) cresce à importância


dada a atenção e a autogestão na cena contemporânea corporativa, ao mesmo tempo em que
o culto da performance e da eficiência tem se generalizado e a figura do executivo se
transformado em um dos mais poderosos modelos subjetivos de nossos tempos.
Vale enfatizar que este modelo subjetivo representa o ethos (Geertz, 1957, 1989)
estético e aspiracional de grande parte da geração corporativa e está implícito nos relatos dos
participantes. Este modelo é tão forte que aquilo que contribui para o aumento de
performance é aceitável e desejável. Como exemplo, o diário de campo da sessão 2 de Jonas
e Selma indica que quando ocorreu a discussão sobre valores pessoais e o uso do tempo, os
participantes relataram querer ter mais tempo livre para si. Neste momento, o facilitador (o
autor desta tese) questionou se caso tivessem tempo livre, se permitiriam desfrutá-lo. A
resposta de Claudia ilustra esta lógica:

“Eu acho que depende. Eu acho que preciso de uma desculpa firme para
encontrar tempo para mim mesma, que eu preciso para me ajudar a lidar
com a culpa ... se você meditar, trabalhará melhor, ok, então eu vou
meditar.”

Não surpreende que nos EUA e especialmente contexto do Vale do Silício, o uso de
Adderall (tanto ele quanto a Ritalina são medicamentos designados ao tratamento de TDAH)
está cada vez mais difundido e aceito socialmente (Klayman, 2018). Como vimos na revisão
teórica, a razão pode ser explicada pela cultura vigente, onde os seres humanos estão sendo
reduzidos ao seu valor econômico, ou seja, a um indicador de seu capital humano, sua
capacidade de gerar “valor” para o sistema (W. Brown, 2011). Relacionando esse mito aos
programas de mindfulness, percebe-se como um ensinamento milenar como mindfulness
pode ter a mesma função da ritalina ou do adderall, como uma técnica que ajuda o novo herói
em sua jornada (ou em muitos casos, sobrevivência).
Compreender como os participantes se relacionam com a prática de mindfulness nos
ajuda a compreender para que fim ela serve no ethos contemporâneo. Como passo lógico
seguinte, vamos explorar as motivações relatadas em participar do programa da ação
psicossocial desta tese.

Os fins justificam os meios (ou não): motivações para participar do programa

Para avançarmos na contextualização dos participantes é imprescindível destacar suas


motivações para participarem do programa da ação psicossocial. Ao analisarmos em conjunto
as fichas de inscrição e as entrevistas realizadas antes do programa, constatamos que todos
224

eles tinham motivações autocentradas, variando nas categorias de melhora de bem-estar,


aplicações ao trabalho e neste, desenvolver habilidades úteis à função de liderança.
Dentro desses domínios autocentrados, Adriano, Alicia e Vihaan abordam
diretamente manejo de estresse e como o trabalho lhes desgasta. Adriano comenta:

“Eu estou muito interessado em novas maneiras de incorporar mindfulness


no espaço corporativo. Eu luto muito com o estresse no mundo corporativo
e acredito que poderíamos torná-lo um ambiente melhor. Eu quero
aprender estratégias para lidar com o estresse”.

Outros quatro participantes abordam terem aprendido de técnicas de mindfulness para


melhora na sua saúde integral, mas que após pequenos avanços, retornam ao seu estado
inicial como a fala de Anjali descreve: “Eu acho que seria uma ótima oportunidade para
aprender mais sobre a prática da meditação. Tomei algumas aulas e, após um período inicial
de melhora, volto aos modos antigos. Preciso melhorar.”

Além disso, oito dos doze participantes relataram buscar técnicas para melhorar a
atenção e poder se manter mais no presente, mesmo fora do ambiente de trabalho. Talisha,
por exemplo, diz: “Espero que eu encontre não apenas técnicas de meditação, mas também
um arsenal de ideias diferentes de como potencialmente ter mais atenção, seja no local de
trabalho, não no local de trabalho"

Vihaan ilustra bem em sua segunda entrevista como passou a incorporar uma das
atividades vistas no programa para lidar melhor com as demandas de trabalho. Seu relato
ilustra que carecia de meios hábeis para manejar o estresse diário:

“Uma das coisas que se tornou mais parte da vida normal é o [diário], de
vez em quando eu basicamente sento por alguns minutos para anotar meus
pensamentos sobre um problema específico, uma tarefa específica que está
em mãos. E isso ajuda a obter um nível de clareza que eu não tinha e, além
disso, você basicamente tem um próximo passo acionável para trabalhar,
o que ajuda muitas vezes com o estresse e outras coisas.”

A busca por desenvolver habilidades atencionais e de manejo de estresse não


surpreende visto que mindfulness é, como vimos, uma técnica de regulação atencional. Nesta
linha, o contexto atual repleto de estímulos cria uma riqueza de informação que cria pobreza
de atenção, e com ela a necessidade de alocar a atenção de maneira eficiente em meio à
abundância de fontes de informação disponíveis (Davenport & Beck, 2001). Como são
cobrados – externa e internamente – por alta produtividade e estão imersos a cada vez mais
225

estímulos competindo pela atenção, é natural que esta seja uma preocupação comum.
De fato, ao analisarmos os seguintes relatos vemos como antes do programa os
participantes possuem muitas dificuldades de autoconsciência, reverberando em outros
pontos como a forma como interagiam com outras pessoas, no trabalho ou mesmo fora delas.
Os relatos a seguir ilustram dificuldades e habilidades de mindfulness tais como estar
presente, agir com mais consciência e não-reatividade (R. Baer et al., 2008). Como quadro
geral, uma tendência ao piloto automático, um esquecimento do que é valoroso para cada um
e o impacto negativo nas interações. Como exemplo, Anjali relata em sua segunda entrevista
sua dificuldade em controlar suas reações:

“Essa era a outra coisa que eu queria desenvolver, é reagir versus


responder. Agora estou mais consciente de meus pensamentos e emoções e
como me afetam”

Um ponto comum a estar mais presente e autoconsciente é percebemos em nós nossas


dificuldades em interações. Nesta linha, podemos inferir a dificuldade de Anjali em
interações quando na segunda entrevista aponta que isto tem mudado após o programa: Eu
diria que a outra mudança que fiz [após o programa], estou tentando não ser tão fechada
quando encontro pessoas, e tentando ser um pouco mais aberta, o que é uma luta para mim.

Veremos mais adiante que esta postura, ainda que resistente, irá apresentar melhoras.
Em outro relato, Talisha relata o desenvolvimento de novas estratégias de regulação
emocional em sua segunda entrevista, o que nos ajuda a inferir sua dificuldade antes do
programa: “Depois do programa, decidi que não vou me comunicar se estiver com raiva
porque não estou em um estado em que sou capaz de realmente comunicar meus sentimentos.
Aqui outra participante que relata problemas de comunicação e interação no trabalho
é Indira, que em sua primeira entrevista comenta:

Acho que quero aprender a ser assertiva, acho que com meus colegas de
equipe é algo em que quero trabalhar. Não apenas os colegas de equipe,
mas basicamente em uma configuração profissional, como você pode ser
mais franco quanto às suas preocupações, mas ainda ser capaz de manter
uma boa amizade. Acho que ainda não estou lá. Sinto que, se discordo de
alguém, não sou capaz de olhar para aquela pessoa nos olhos dele, sabe
...sorrir para ela, o que está errado. Eu deveria ser capaz de fazer isso.

Na mesma linha, Susan destaca em sua entrevista após o programa que está pensando
mais antes de agir no ambiente de trabalho, denotando dificuldades de autoconsciência e
autorregulação antes do programa:
226

“estou mais consciente, pensando mais nas coisas antes de falar [do que
antes do programa]. Assim como nas reuniões e na vida pessoal e
profissional, quando alguém diz alguma coisa, em vez de apenas reagir
imediatamente, eu tomo um momento e faço uma pausa para pensar sobre
isso.

Similarmente, podemos inferir a dificuldade de Adriano em estar presente física e


mentalmente com sua filha e com outras pessoas de sua relação pessoal. Ao ser questionado
o que mudou após o programa em sua segunda entrevista, Adriano relata:

“E, com a minha filha, por exemplo, eu consegui estar mais presente com
ela, em vez de constantemente, tentar estar em outro lugar quando estou
com ela. Também com os amigos, acho que consegui me conectar um
pouco mais com eles”

Vihaan traz em sua motivação ao mesmo tempo duas expectativas relacionadas ao


trabalho, uma que colabora para sua efetividade como líder (escuta consciente) e outra – em
menor importância em seu relato - para se “desapegar” do trabalho:

“Eu provavelmente preferiria se houvesse algumas sugestões em termos de


como você passa por relacionamentos interpessoais e algo do tipo de
escuta atenta. Você acha que será capaz de ajudar nisso? Provavelmente
será um ponto importante para mim. Então o segundo é qualquer coisa que
provavelmente lide com o desapego do trabalho, sempre que necessário.”

A fala de Vihaan é emblemática pois ilustra duas expectativas que parecem


contraditórias. Ao mesmo tempo que quer estar mais presente no trabalho pois meio de escuta
atenta, quer ter a habilidade de se afastar psicologicamente do mesmo. Há implicitamente
uma busca por separação de duas áreas da vida. As falas anteriores demonstram como o foco
dos participantes estava no espaço de trabalho, seja de forma utilitária ou mesmo para se
proteger dele.
Ainda dentro das motivações autocentradas, os participantes apontam – ainda que em
menor grau - o interesse em participar no programa por abordar liderança. Sete dos doze
participantes relatam esse interesse, como vemos na fala de Maria: “Quero trazer mindfulness
para o trabalho para se tornar uma líder mais eficaz”. Ela aponta que de forma usual se
percebe muito desconectada do momento presente e por vezes sente ansiedade em reuniões
e com a possibilidade de falar em público, o que, para ela, é um problema já que tem
pretensões relacionadas a liderança de equipe. Indira, por sua vez, também tem expectativas
relacionadas à liderança pois deseja ser promovida:
227

“Espero poder ser promovida, subir a escada [corporativa], então eu


adoraria entender o aspecto de liderança também, mas realmente não sei
o que esperar em relação a isto.”

Com isso, compreende-se que os relatos anteriores tiveram um elemento de


desenvolvimento de carreira e depois uma função terapêutica, ambas se entrelaçando no
autocuidado que procuram em meio às suas demandas de trabalho. Outro elemento percebido
entre as motivações dos participantes – embora em menor escala - era de lideranças
conscientes.
Embora seis participantes tenham apontado como motivação o desenvolvimento de
aspectos ligados a liderança, apenas Timothy e Claudia abordam a intenção de serem
lideranças conscientes. Como vimos, lideranças conscientes são preocupadas com seu
impacto no mundo, privilegiando aspectos de responsabilidade universal, atuando no coletivo
de trabalho buscando promover uma cultura sustentável, Timothy destaca essa forma de
liderança no formulário: “Lidero diversas iniciativas culturais e de bem-estar da equipe e
estou interessado em aprender mais sobre aspectos práticos de liderança de grupos que
apoiem saúde e bem-estar por meio do programa”

Bem como Claudia, que aprofunda a análise:

“Vejo uma lacuna entre liderança consciente e envolvimento com


mindfulness, e o impacto é crítico para a segurança psicológica
Recentemente, cobri a licença paternidade do meu gerente e percebi que
leituras e práticas de Yoga me permitiram realizar melhor o trabalho.
Quero entender melhor os fatos que contribuíram para isso, a fim de fazê-
lo de forma mais sistemática e advogar por isso.”

Tais falas exemplificam como alguns participantes já compreendiam lideranças


conscientes como uma forma de melhorar relações sociais no espaço de trabalho e o próprio
espaço de trabalho e estavam inclinados a fazê-lo. Mais ainda, apenas um participante
menciona diretamente motivações ligadas a compaixão, sobre como lidamos em sociedade
com outros para além do trabalho. Nas palavras de Sai: “Estou buscando expandir meus
horizontes e usar mindfulness, compaixão e gratidão de maneira positiva em meu papel no
trabalho e na sociedade.”
Convém destacar que a chamada interna para o programa destacava como objetivo
desenvolver líderes (independentemente de ocuparem ou não posições de liderança formais)
para a sustentabilidade, líderes que buscam alinhar suas vidas pessoais e profissionais com
os princípios de sustentabilidade, compaixão e ética. Como apenas um participante fez
menção direta a compaixão, compreender em que medida os problemas relacionados à
228

sustentabilidade social e ambiental relevantes e como se relacionavam com tais questões traz
esclarecimentos importantes neste sentido.

Visão de mundo, predisposições e condutas sobre questões ambientais e sociais: pensar


globalmente, agir (pouco) localmente

As predisposições e condutas dos participantes quanto aos problemas que


enfrentamos relacionados a sustentabilidade também são importantes para analisar os
resultados obtidos no programa e servem de explicação para o panorama geral encontrado
antes do programa. Todos os participantes que realizaram entrevistas prévias ao programa da
ação psicossocial relataram em algum nível preocupação com a insustentabilidade que
vivemos e o futuro do planeta. Não existe, portanto, falta de consciência sobre os problemas.
Claudia, por exemplo, relata sua percepção que a urgência de práticas sustentáveis surgiu a
partir do momento que o mundo percebeu que chegou a um limite:

“Acho que estávamos testando o limite, como crescimento econômico


versus crescimento sustentável, e podemos apenas saber onde estão os
limites quando tentamos. Então, acredito que temos um futuro melhor que
tenha mais consciência do que é certo e errado, mas só podemos ver esse
futuro melhor porque tentamos sacrificar o planeta e nossos valores de
determinadas maneiras”

Este depoimento parece assumir uma certa ignorância da sociedade – por isso
estávamos testando - quanto aos danos que nossa forma de ser e agir no mundo causa ao
planeta, ao mesmo tempo em que agora temos um futuro melhor justamente porque quase o
comprometemos. De certa forma, parece haver de forma implícita uma visão de
instrumentalidade e controle do ser humano em relação à natureza. Existe, portanto, pouca
ou nenhuma reflexão sobre interdependência. Na fala de Susan na entrevista após o
programa, a executiva relata como está mais consciente da interdependência e de seu efeito
no mundo: “Estou mais consciente do lixo que estou gerando, dos tipos de alimentos que
estou comendo, de como minha reação mesmo que eu não esteja dizendo nada, afeta outras
pessoas”
Já Talisha e Adriano colocam em suas entrevistas como notam a falta de interesse
coletivo – e mesmo em si - em agir efetivamente para cuidar da natureza. Talisha comenta:

“Ambiente natural? Meus sentimentos em relação a isso? Bem, eu me


preocupo com isso com frequência porque sei que estamos chegando ao
ponto em que o aquecimento global é uma questão importante, mas (...)
nós meio que colocamos em segundo plano. Então, eu me preocupo que
isso não esteja indo na melhor direção. Meu relacionamento com ele agora
229

é encontrar todas as coisas pelas quais eu possa agradecer,


especificamente no mundo ao meu redor e também na natureza.”

Talisha demonstra uma atitude de preocupação em relação à questão ecológica, mas


não demonstra na fala alguma conduta efetivo em relação à questão. A maioria dos
participantes segue esta linha, demonstrando não considerarem seu papel nas mudanças que
desejam. Vihaan, por exemplo, conta sobre sua falta de conhecimento sobre sustentabilidade:
“Ainda não li muito nesse campo. De certa forma, quando se trata de vida selvagem ou
conservação, é só eu que leio muitos jornais. Mas, no que diz respeito a esse aspecto
específico, não o sigo tanto.”

Sua fala ilustra o que Claudia critica em sua entrevista:

“Nós sempre culpamos o estado, empresas... mas nós, como indivíduos,


também não estamos fazendo nossa parte, então eu acho que é uma
combinação de preocupações muito práticas de como nossa economia
será, mas também como, se estou dizendo isso e é totalmente contra o que
acredito, como tento ser uma pessoa diferente e influenciar as pessoas à
minha volta”

Essa percepção de responsabilidade e de influência no meio é central para esta tese e


faz parte de nossa aspiração estimular esta conduta. Indira faz parte do grupo que valoriza,
mas não se engaja tanto em aprofundar sua relação com a natureza ou em condutas
sustentáveis. Como vemos em sua primeira entrevista: “Eu amo fazer caminhadas, então eu gosto
desse aspecto da natureza. Não tenho tanto tempo para passar com a natureza quanto gostaria e me dedicar
mais a questões sustentáveis”
Adriano, similarmente, destaca em sua primeira entrevista não apenas o quanto
valoriza, mas o quanto não age de acordo: “Eu gosto muito de ir à natureza. Eu não faço
muito isso. Eu adoraria fazer mais. Eu adoraria viver em algum lugar mais pacífico”

Anjali destaca em sua primeira entrevista que ter mais contato com a natureza é algo
que gostaria de voltar a realizar: “Hoje em dia, praticamente não tenho feito muitas dessas
coisas que costumava fazer ... das quais sinto falta ... mas tento sair para correr de vez em
quando. Provavelmente esse é um aspecto que me falta um pouco.”
Alicia se mostra com uma atitude muito favorável a questões relacionadas a ecologia
e responsabilidade social. Como vemos em sua primeira entrevista, Alicia relata que se
tivesse um negócio, ele seria ecologicamente responsável:
230

Eu me certificaria que seja ecológico, sustentável e ambientalmente


amigável, que usássemos energia renovável, mas sei que ainda é muito
caro. Hum, eu me certificaria de seguir práticas legais, como se houvesse
uma fábrica na China ou algo como você sabe, eu me certificaria de que
não há trabalho infantil ou algo acontecendo. Mas sim, seria uma
prioridade na minha empresa.

Entretanto, tal relato também em sua primeira entrevista sugere que antes do
programa não está tão conectada à natureza e mesmo ao entorno:

Eu acho que estar na área de tecnologia e estar na área da baía por tanto
tempo quanto você gosta, você começa a perder apreço pelo seu entorno,
pela cidade e pela natureza e, portanto, eu gostaria de ter motivação para
apreciar mais.

Positivamente, veremos mais adiante que Alicia fez importantes mudanças em sua
forma como se relaciona com a natureza. Mais uma vez, ao que parece existe um modo de
ser e agir que tende ao piloto automático e afeta a todos os participantes. O que os impedia
antes do programa de viver de forma mais alinhada ao que reconhecem ser benéfico e
valoroso é um fator psicossocial e temos que resistir ao impulso de individualizar a
responsabilidade. Como a literatura adverte, muitos problemas relacionados a nossa forma
de viver e agir em sociedade e mesmo conosco tem causas sistêmicas, relacionadas à cultura
vigente neoliberal e sendo produzidos e reforçados constantemente (Ouriques, 2014; Schmitt,
2017). Este efeito vai se repercutindo na forma como vivem suas vidas, na forma como lidam
com seus próprios valores (negligenciados) e vão se absorvendo pelas demandas cotidianas,
notadamente relacionadas preponderantemente ao trabalho.
De fato, mesmo com os relatos anteriores sobre aquecimento global e
sustentabilidade, apenas Alicia – com reciclagem - se juntam a Mark e Claudia que
demonstram condutas prévias ao programa relacionados à sustentabilidade e como veremos,
tal predisposição e conduta após o programa da ação psicossocial foram fortalecidos.
Mark relata sua forma de diminuir impacto no meio ambiente:

“Eu diria que sou muito assim, quase não tenho lixo, quase tudo que tenho
é reciclável. Os poucos exemplos são quando eu compro algo que vem em
sacos plástico..., mas, às vezes, evito comprar esses materiais”

Essa fala demonstra como sua preocupação se materializa na vida prática,


reverberando na esfera do consumo. De fato, Claudia, por meio do veganismo, Alicia por
meio de reciclagens e também busca contribuir de forma mais efetiva na sustentabilidade
ambiental. Neste exemplo, Claudia demonstra esse engajamento de com suas ações
231

individuais e coerência com o que acha importante, por mais que isso seja difícil e para além
de si mesma:

“Se eu quero comer carne, se eu quero que o mundo inteiro coma carne,
isso significa que não haverá mais natureza. Se quero que a natureza
exista, isso significa que não devo comer mais carne. Então já faz um
tempo, acho que tenho 10 anos sem carne e 3 anos totalmente vegana”.

Em relação a questões sociais, todos os participantes demonstraram preocupações em


nível social. De forma análoga, Claudia demonstra crítica e preocupações acerca do cenário
político mundial de polarização e extremismo:

“Isso está me mantendo acordada à noite. De um lado, estou feliz por estar
aqui [São Francisco], mas sim, isso está me preocupando, com as eleições
chegando na próxima semana, mas não apenas no lugar em que chegamos
a um lugar no Brasil que é um lugar de ódio e polaridade que você precisa
escolher um lado e tem que ser contra o outro lado e não há empatia
naquele lugar, ninguém está tentando entender como pensam os outros, e
isso é realmente de partir o coração.”

Na época das entrevistas, estávamos perto das eleições presidenciais no Brasil. Em


sua fala, Claudia demonstrava já possuir uma inclinação à empatia, por se importar com o
que acontecia e por achar que deveríamos nos colocar no lugar de outras pessoas para buscar
entender porque pensam o que pensam. De fato, ao longo do programa essa característica vai
ficar mais evidente.
Talisha - que é filha de imigrantes - traz uma preocupação que vai de encontro a falta
de empatia, denotando uma percepção de separatismo entre as pessoas, principalmente
aquelas que estão fora de nosso grupo social imediato:

“Acho que não apenas não estamos pensando um sobre o outro, como
pensamos em quem está ganhando ou perdendo. Acho que não pensamos
em nosso ser social ou em nossa rede como sendo um. No final do dia,
quando temos outras pessoas de fora da Califórnia ou mesmo dos Estados
Unidos, sempre pensamos em nós mesmos primeiro.”

Ainda no âmbito de grupos sociais, Indira fala sobre as vitórias e desafios do


movimento feminista, um tópico que ela demonstra particular interesse. Não surpreende: por
ser uma mulher indiana, jovem e bem sucedida em um dos ambientes mais competitivos do
planeta, suas semelhantes estão inseridas em uma cultura onde as mulheres lutam ainda para
direitos básicos igualitários:
232

“Com todos os testemunhos agora nas notícias sobre o empoderamento


das mulheres e tudo mais... Isso realmente me faz pensar muito, que mesmo
depois de tantos anos temos que falar sobre essas coisas e precisamos fazê-
lo, ainda não estamos desenvolvidos o suficiente para dar aos dois sexos
direitos iguais. Isso é ridículo, certo? Isso é algo que me incomoda, porque
sou da Índia e sei que muita discriminação de gênero acontece em casa.
Eu realmente quero ajudar mulheres e especialmente meninas”

Maria também se mostra bem sensível a questão de inclusão. Única mulher em uma
equipe de engenheiros, afirma ouvir constantemente piadas sexistas no trabalho, além de se
sentir incomodada com o fato de não haver negros ou latinos em sua área. Por essas
preocupações e desejos de mundo equânime é possível notar que os alguns dos participantes
já trazem em suas vivências atitudes favoráveis à responsabilidade social e ambiental.
Mark avança na crítica e menciona como há questões sistêmicas em ação,
influenciando o status quo. Sua fala exemplifica essa visão de mundo e suas causas,
abordando a indústria cultural e perpetuação de normativas:

“E é como se um deles sozinho não levasse a questões culturais sistêmicas,


mas quando seus programas de TV, mídia, filmes, músicas e livros agem
em conjunto. Ali se educa como se vive, o que se persegue. Então, acho que
o maior problema são os problemas sistêmicos. Acho que isso contribui
para perpetuar o estado das coisas…”

Entretanto, em sua segunda entrevista Mark deixa claro que ainda não exercia algum
comportamento de influência em seu local de trabalho, o que veio a mudar após a ação
psicossocial como veremos mais adiante.
Ir contra desigualdades, ambição corporativa e demandas questionáveis requer muito
engajamento pessoal e dependendo do contexto, não é suficiente mesmo para pequenas
mudanças. Durante o programa, após o journaling da sessão 2, os participantes foram
convidados a escrever sobre como poderiam honrar a interdependência em suas vidas no
ambiente de trabalho na próxima semana. Uma discussão dos participantes Anjali, Adriano,
Vihaan presente no diário de campo da sessão 2 traz importantes reflexões:

“Anjali: Sempre trabalhei na venda de produtos. Vendo este documentário


[utilizado no exercício do chocolate] ...comecei a pensar em tudo; meus
sapatos, minhas roupas. Realmente não se limita cacau e chocolate. É tudo.
Portanto, como consumidora - que impacto podemos ter ... para responder
à pergunta, comecei a me sentir oprimida e desamparada.
Adriano: “Definitivamente temos que mudar isso ..., mas tenho apenas
um sentimento de impotência”
Vihaan: “também poderia ser o papel plástico para o chocolate. Certas
coisas você tem influência e outras estão além da nossa influência.”
233

Esse relato demonstra como os participantes não consideram que poderiam mudar
algo efetivamente, embora Adriano reconheça de forma enfática a necessidade que isso
precisa ser mudado. Também demonstra aceitação à frustração e sentimento de impotência,
ao passo que Vihaan destaca que o poder de influência é limitado. Nota-se, uma visão além
de fatalista, individualista, pois em nenhum momento são cogitadas iniciativas coletivas para
que haja maior poder de influência.

Sai, o único a mencionar diretamente compaixão como parte de sua motivação em


participar do programa, segue a mesma linha faz uma crítica a forma ao papel da indústria
tecnológica e sua contribuição na disseminação de valores culturais hegemônicos que
influenciam o comportamento dos indivíduos na sociedade:

“Nós desempenhamos um papel importante nisso. E a tecnologia agora foi


capaz de reforçar esses ciclos de pensamento [valores hegemônicos]. E o
capitalismo, você sabe, desempenha um papel nisso. Você incentiva, você
sabe, esse tipo de comportamento, no qual você quer que as pessoas sejam
constantemente estimuladas”

Estas falas trazem à lume um dos principais pontos de Guattari (2000) onde traz o
capitalismo mundial integrado e sua indústria cultural disseminando seus valores e normas
como o ethos dominante. Assim, para Guattari a busca por originalidade como o um passo
inicial de emancipação dos valores do sistema, sendo urgente encarar seus efeitos no domínio
da ecologia mental, no seio da vida cotidiana individual, tanto pessoal quanto profissional.
Se atuar nos problemas do mundo parece ser algo abstrato demais, compreender a
forma como os participantes então lidam com seu mundo mais próximo, suas relações sociais
pessoais e profissionais, nos ajuda a mergulhar um pouco mais fundo no contexto dos
participantes. O quadro que encontramos parece guardar semelhanças com os relatos
anteriores.

Relação com os outros: redes de apoio e expectativas

Para além das preocupações sociais e ambientais descritas, a forma como lidam com
pessoas em seu círculo mais próximo é abordada a seguir. Da mesma forma, o padrão pouco
consciência e no piloto automático, sem maior reflexão crítica sobre se como estão vivendo
é de fato o que gostariam de estar vivendo se manifestou. Os dados aqui apontam para redes
de apoio significativas, mas não vivenciadas e isto irá ajudar na compreensão dos resultados
sobre valores que falaremos mais adiante.
234

Dos participantes que realizaram a entrevista antes do programa, apenas um relata


dificuldades de relacionamento com a família. Sai aponta as demandas a serem
correspondidas como um estressor:

“Então, eu me esforcei por um bom tempo. Eu venho de uma família de


grandes expectativas. Minha irmã é médica. Meu pai é uma das pessoas
mais inteligentes de Bangladesh. A educação é uma prioridade, o trabalho
é uma prioridade.”

Por outro lado, lhe é importante o resgate de sua ancestralidade para compreensão e
relação para consigo:

“Eu sou um highperformer, ok. Então, eu sempre coloquei trabalho acima


de mim mesmo por um bom tempo. A família é muito importante para mim.
Estou aprendendo sobre minha epigenética. Aprendendo sobre como fui
criado. As culturas de onde meus pais foram criados. Aprender sobre
trauma intergeracional foi muito importante para mim. Aprender sobre a
dor do meu passado tem sido importante. Eu a negligenciei por um longo
tempo. Fugi de muita dor na minha vida.”

Sua fala aponta as dificuldades que enfrentou, mas sua abertura para
autoconhecimento e o valor que dá a família (e às expectativas da família em relação a ele) e
estar no programa faz parte desse processo. Adriano fala sobre isso também ao descrever sua
filha e esposa:

“Então, com minha filha, ela é minha vida ... Acho que ela traz à tona
sentimentos que ninguém fez antes. Sabe, é natural que eu não tenha que
me esforçar para estar com ela, apenas sou atraído por ela, sabe? Com
minha esposa, eu a amo. Estamos juntos há muito tempo.”

De fato, a maioria absoluta dos participantes – 10 em 12 - apontaram explicitamente


suas famílias como valores importantes e pontos de apoio e referência, sendo desejo para
alguns se aproximarem mais e terem um contato mais frequente com suas famílias, mas de
alguma forma, estão sempre postergando e devido às prioridades de suas ocupadas agendas.
Exemplo deste fato é de Indira, onde em sua segunda entrevista aponta que havia um
distanciamento:

“Mas com esses exercícios [do programa], percebi que estar perto da
minha família é uma parte muito grande de minha felicidade”.

Claudia e Susan são duas participantes que ilustram bem como os valores estavam
sendo negligenciados e não havia resolução antes do programa para se agir neste sentido.
235

Claudia conta em sua entrevista após o programa como passou a perceber que o contato com
sua família é primordial a ela, fato que ela não havia relatado em sua primeira entrevista
denotando que neste momento antes do programa ela não tinha tanta reflexão sobre este valor.
Susan, conforme diário de campo da sessão 3, destaca como a clarificação de valores
foi um amadurecimento ocorrido ao longo do programa, indicando ausência de maior
consciência ou reflexão sobre o que é valoroso para si antes de participar do programa:

“[Em grupo] conversamos sobre como, na primeira semana do programa,


exercitamos os valores. Era uma questão difícil naquele momento”.

De fato, Susan na entrevista posterior ao programa relata que estava vivendo no lado
oposto do país, longe de suas referências familiares, suas redes de suporte afetivo e que não
agia em relação a isto:

“Era algo que eu pensava antes do programa, mas não agia. Então eu
pensei: "Eu realmente não gosto de morar aqui, devo voltar para a costa
leste".

Quanto às relações no trabalho, todos os participantes as descrevem como


harmônicas, mas alguns relatam conflitos. Mark é um dos participantes que conta de ótima
relação:

"Eu saí de férias com vários colegas. Algo que não posso dizer que já fiz
em outros lugares [locais de trabalho]. Então, honestamente, muitos dos
meus melhores amigos estão aqui”.

Ainda no âmbito do trabalho, na entrevista após o programa, Thimoty destaca sua


mudança e deixa implícito o viés pragmático e por vezes não empático que possuía no
trabalho:

“Em vez de ser pragmático, estou sendo muito mais, acho que ligado a
inteligência espiritual que você falou. Ajudando-os a pensar um pouco
mais sobre a inteligência espiritual”.

Ademais, ao serem perguntados sobre como se relacionam com pessoas que


desconhecem, como em espaços públicos, a maioria dos participantes relata (8 participantes)
sobre cordialidade e gentileza. Sai comenta sobre isso:

“Então, acho que sempre há um fio comum no qual você pode construir
uma base com alguém. Seja essa uma cidade que você foi, seja uma comida
comum, agora estou descobrindo apenas emoções comuns [risos]. Você
sabe, eu nunca tinha visto isso antes. Eu estava olhando para pessoas,
236

lugares e coisas. Mas agora estou descobrindo que existem coisas


essenciais, apenas humanas, que são muito comuns. (risos)”.

Sua fala demonstra não julgamento e abertura por outros e também, uma certa
empatia. Sai foi o único a mencionar compaixão por outros como uma das expectativas com
o programa e tal fala já mostra um pouco do caminho de abertura e conexão com outras
pessoas que ele estava tomando.

Síntese do ponto de largada: (in)sustentabilidade começa com si

Os relatos permitem decodificar alguns dos elementos de suas visões de mundo e


como estão se relacionando com si e com o mundo a sua volta. Existe uma assimilação da
cultura dominante, ao mesmo tempo que uma insatisfação com ela. Como esses exemplos
demonstram, essa atitude em relação aos problemas do mundo não necessariamente significa
transformá-la em comportamento.
Além disso, muitas das preocupações dos participantes dizem respeito a questões
sistêmicas, enraizadas na cultura ocidental e agravadas pela forma individualista liberal
(Laininen, 2018), especialmente fortalecida pelo ethos do Vale do Silício toda a dimensão
diretiva de cultura (D’Andrade, 1984) lá existente. Mais ainda, o fato das atitudes dos
participantes e não se refletirem em comportamentos pode ser compreendido como um
encapsulamento em si mesmo, fenômeno condizente a apatia individualista necessária para
manutenção estruturas de poder vigentes. Somado a isto, destaca-se que muitas das crenças
e modelos mentais que sustentam esse modo de ser em sociedade (e.g., Individualismo) não
são questionados de forma objetiva (O’Sullivan, E., Morrell, M., & O’Connor, 2002), o que
colabora mais uma vez para o quadro insustentável em níveis individual e social.
Como foi dito, todos os participantes relataram percepções de insustentabilidade; não
paridade nos seus valores e o trabalho e alguma percepção sobre questões ligadas à
responsabilidade social. Sete deles demonstravam dificuldades de autocompaixão; e todos
apresentavam dificuldades em priorizar seu bem-estar e ainda responder as imensas
demandas de trabalho. Isso se traduz no dado de apenas dois deles relataram ações de
autocuidado.
Todos já conhecerem mindfulness poderia ter facilitado o programa. Entretanto, como
mesmo com esse conhecimento, sete deles estavam com bem-estar e saúde mental bem
comprometidos e com habilidades de mindfulness pouco desenvolvidas. Muitos não
conheciam a prática de mindfulness profundamente; apresentar fundamentos profundos da
filosofia budista, principalmente interdependência e autocompaixão foi primário. Essa base
237

de ensinamentos - como demonstrado - era parte da metodologia da pesquisa e sua


importância foi enfatizada. Para assim, auxiliar na modificação da visão de mindfulness como
um conjunto de técnicas para apaziguarem as condições de trabalho que vivem.
Ademais, essas percepções condizem com as motivações descritas para participarem
do programa. Mesmo os participantes que relataram busca de melhora de bem-estar
psicológico, o foco se direcionava para o espaço de trabalho e a melhorar suas competências
profissionais e performance neste ambiente. Em suma, 8 deles desejavam melhora
atencional; cinco, incrementar capacidade de liderança; cinco, gestão de estresse no trabalho.
No que diz respeito a sustentabilidade ambiental, a maioria demonstrou uma atitude
favorável, mas não demonstrava comportamentos relacionados. Como explicitado acima,
apenas Mark, Claudia, Alicia explicitamente realizavam comportamentos sustentáveis em
seu cotidiano. Portanto, a clarificação e infusão de valores sustentáveis que o programa da
ação social se propõe se torna ainda mais pertinente visto suas preocupações. Nenhuma
iniciativa coletiva por parte deles nas questões sociais ou ambientais que valorizam foi
relatava.
As preocupações sociais e ambientais que relataram, a consciência de estarem com
seu bem-estar psicológico prejudicado e ainda assim, a ausência de condutas congruentes
com tais relatos tais à lume uma certa apatia ou inabilidade de sair deste ciclo danoso a si e
a outros. Destaca-se a para Roy D´Andrade (1984), isso não surpreende, pelo contrário, pois
para o autor as funções diretivas da cultura exercem muito poder na conduta dos indivíduos.
Ainda assim, mesmo estando enraizadas em questões sistêmicas da organização de trabalho,
priorizar performance e não se envolver socialmente passa por escolhas individuais.
Para possíveis modificações, como são apoiados ou não por seus entes queridos é
relevante. Apenas um participante relata dificuldades com relações na família - estas sendo
descritas como um ponto de apoio importante por eles, porém como vimos muitos relatam
dificuldade de conciliar a vida familiar com a estilo de vida. Isso vêm a auxiliar a melhora
no bem-estar debilitado da maioria e na busca por formas lidar com seu autocuidado, tanto
durante o processo do programa como na continuidade após.
De certa forma, os resultados aqui encontrados estão alinhados com as advertências
da literatura sobre a cultura ocidental e corporativa, seus valores e efeitos em nossa forma de
ser e operar no mundo (W. Brown, 2011; Laininen, 2018). Como o programa da ação
psicossocial visava oferecer contraponto a estes valores hegemônicos, abordamos a seguir
em que medida formos bem sucedidos com nossa aspiração.
238

Reconexão com si: o início de uma ecologia mental e autocuidado

Os dados apontam um aumento de habilidades ligadas ao desenvolvimento de


mindfulness, como maior autoconsciência, notadamente relatadas como um dos maiores
problemas vivenciados pelos participantes antes do programa da ação psicossocial.
Consequentemente, maior capacidade de lidar habilmente com os próprios pensamentos,
emoções e condutas.
Em segundo plano, uma redescobertas de valores pessoais que foram esquecidos e
negligenciados, trazendo uma busca por um caminhar mais autêntico. Este processo de
autoconsciência e autocuidado fornece a base para resultados posteriores ligados a forma
como lidam com os outros e mesmo com a natureza, como um ripple effect positivo e
recursivo: o caminhar mais consciente e sustentável em meio ao mundo pede em paralelo um
olhar e cuidado sobre si, não como reificação do ego, mas como um resgaste de sua própria
psique, uma ecologia mental que permite o questionamento de nossa forma de ver, ser e agir
em meio ao mundo.
De fato, os relatos a seguir apontam que o programa da ação psicossocial não apenas
auxiliou na melhoria de bem-estar, mas possibilitou uma maior reflexão sobre as causas e
condições que sustentam - ainda que em parte - suas aflições. Estas não são causadas apenas
pela rotina e pressões de trabalho, mas também por um caminho de vida que não está alinhado
com seus valores pessoais. Isto aumenta em curto prazo a tensão interna pois percebem
estarem presos a um modelo de vida que os ensinaram a perseguir e de certa forma, foram
bem-sucedidos nisto. Isso explica, como veremos, por que alguns participantes começaram
a traçar meios mais “radicais” de lidar com esta situação, como por exemplo, pedir licença
profissional após o fim do programa para repensar a vida ou mesmo solicitar mudança de
cidade para ficar mais perto da família. Desta forma, vemos um dos efeitos “negativos” do
mindfulness relatado: a angústia de se perceber em uma situação de sofrimento e a dificuldade
de lidar pragmaticamente com isso.
Não deve haver desapontamento pelos dados apontarem para uma busca de alívio do
sofrimento em si prioritariamente. Destaca-se que a literatura budista comumente alerta que
isso é fundamental em um processo de responsabilidade universal, pois se não há compaixão
por nós mesmos, não seremos capazes de ter compaixão pelos outros (Palmo, 2018). De fato,
diversos depoimentos de participantes caminham nesta direção.
Adicionalmente, a literatura psicossocial corrobora uma necessidade de ecologia
mental para que posamos avançar na ecologia social e ambiental. Nesta linha, nossa
239

inspiração em compreender o fenômeno observado nesta pesquisa tem como base autores
que contemplam a intrincada relação entre psique (e.g., modelos mentais, crenças, atitudes),
sociedade, cultura e ambiente. Como exemplo, Felix Guattari (2000) postula que mudanças
em esferas ambiental e social não estão desconectadas de mudanças na esfera mental, ou seja,
de uma ecologia mental. Assim, a subjetividade humana, nossa cultura, as relações sociais e
o meio ambiente estão intimamente interconectados. Na medida em que os participantes
começam a entrar em contato não apenas com seu sofrimento, mas também com as causas e
condições que o geram, começam a serem mais hábeis ao lidar com o sofrimento em si e fora
de si.
Assim sendo, começamos nossa análise pelo aprofundamento nos detalhes das
mudanças cognitivas, atitudinais e comportamentais dos participantes em relação a si, para
na sequência abordarmos tais mudanças na relação com o outro e com a natureza.

Maior habilidade de Mindfulness

Os resultados a seguir demonstram que os participantes se beneficiaram com o


programa ao desenvolverem maior autoconsciência, regulação emocional, não reatividade e
maior estado de presença. Estes fatores são importantes para este trabalho pois possuem
relação com bem-estar, relacionamentos interpessoais e um agir com mais consciência em
meio ao mundo, traços associados positivamente relacionados com sustentabilidade (K.
Brown, Ryan, & Creswell, 2007; Wamsler et al., 2017). Abordamos em maior detalhes estes
resultados.
“Agora estou mais consciente de meus pensamentos e emoções”: o aumento de
autoconsciência
Autoconsciência é uma das habilidades mais destacadas pela literatura de
mindfulness, sendo chave para o desenvolvimento de outras habilidades salutares na relação
que temos com nós mesmos e com o mundo a nossa volta (Vago & Silbersweig, 2012). É o
primeiro movimento de observação de si, seus pensamentos, afetos e condutas.
Nas entrevistas realizadas após o programa, todos os participantes relataram aumento
de autoconsciência. Timothy em sua entrevista após o programa, é questionado se percebe
mudanças em si, ao que responde:

Estou muito mais consciente das coisas ruins que estou fazendo e estou
tentando fazer ativamente pequenos ajustes para chegar onde preciso
estar. E reconhecendo que as coisas nas quais confiei no passado, sejam
saudáveis ou não, fui muito inflexível na maneira como me envolvi com
elas.
240

No exemplo, autoconsciência está em reconhecer seu momento e as condutas do


passado. Mais ainda, demonstra um começo de reflexão e questionamento sobre coisas que
foram valorizadas no passado. É, por assim dizer, nos inspirando em Guattari (2000) o início
de um processo de ecologia mental. Já Maria, menciona em sua entrevista após o programa
um aspecto relacionado a regulação atencional (foco), mas também maior consciência de
seus pensamentos e emoções:

Oh. Sim. Mais foco. Eu também acho que definitivamente o meu melhor é
estar mais consciente e estar mais em contato com o que estou sentindo.
Muitas vezes, acho que não entendia o que estava sentindo, então é difícil
articulá-las. Então, isso é estar mais consciente de mim mesma.”

Nem todos os participantes aumentaram sua autoconsciência facilmente. Anjali, por


exemplo, foi uma participante que relatou sua dificuldade no processo o que não acontece
por um fator simples, mas por diversos e complexos - esse tema será mais esclarecido na
seção sobre autocompaixão. Ainda assim, ela deixa clara sua percepção de si modificada,
mais uma vez colaborando para a demonstrar o programa lhes auxiliou nisso. Anjali diz:

“Aquele segundo. Eu não consegui ser muito mais gentil, mas tenho mais
consciência. Tipo, vamos lá, relaxe. E então, apenas a consciência de como
isso é ou o que isso faz com a minha psique. Sim, então a autoconsciência
existe um pouco mais.”

Aumento de autoconsciência foi a primeira categoria de análise criada e o ponto de


partida para outras habilidades cognitivas como a desfusão cognitiva e regulação emocional,
responsáveis diretas por melhoras no bem-estar dos participantes.
“Eu dou um passo para trás e tudo bem sentir estas emoções”: desfusão cognitiva e
aceitação
Todos os participantes relatam como conseguiram melhor lidar suas emoções e
pensamentos bem como analisá-los de forma a lidar com eles. Mark foi um exemplo que
relata em sua entrevista após o programa esse processo ao dizer:

“Eu estou tentando, você sabe, às vezes, dar um passo atrás e parecer:
“tudo bem”, parte disso isso são emoções, vamos, você sabe, se acalmar.
Eu acho, você sabe, alguns dos apenas, você sabe, fortalecer esses
músculos. Só através da prática, acho que é um benefício real.”

Outro exemplo é a fala de Anjali em sua segunda entrevista:


241

“Agora estou mais consciente de meus pensamentos e emoções. Como


mencionei antes, acho que muitos dos exercícios foram úteis e, novamente,
ser capaz de perceber alguma coisa, ser capaz de rotular as coisas, ajudar
a se afastar, observar em perspectiva alguns dos sentimentos, foi realmente
útil”

Este processo encontra eco na literatura e está associado aos conceitos de desfusão
cognitiva, a habilidade de reduzir não se identificar com pensamentos, emoções e sensações,
de forma que pensamentos sejam experimentados apenas como pensamentos, emoções são
apenas emoções e sensações corporais são apenas sensações corporais; e a aceitação
pensamentos, emoções e sensações sem tentativa de criar oposição a eles (Hayes, Luoma,
Bond, Masuda, & Lillis, 2006; Shapiro et al., 2006). Além dos exemplos destacados, um
relato interessante do uso da prática para se (des)identificar dos pensamentos, emoções e
sensações foi o de Anjali:

“Na semana passada eu tive que, bem, me ofereci para voltar à minha
escola de negócios para um evento de voluntariado. Se você olhar para a
minha turma, existem muitos CEOS, vice-presidentes seniores que se
formaram na minha turma. Mas eu meio que estou onde estou. Havia muita
ansiedade, mais autoinfligida do que não. Entrei em contato com um
professor, que era meu professor favorito. Ele arrumou um tempo para
mim e eu fiquei ansiosa por vê-lo (medo de ser julgada como mal
sucedida). Eu estava em um avião e estava trancado. Eu pratiquei meus
exercícios de respiração. Houve um exercício: é verdade? Então, acabei
de fazer esse exercício: isso é verdade? Isso é realidade? Tenho que me
encontrar com meu professor e ele era adorável. Suas perguntas eram mais
sobre sou feliz, sou saudável. Os alunos, você percebe que eles estão em
sua própria mentalidade, eles não se importam com você, eles só querem
um emprego. [os participantes riem] Isso foi bom, fez com que se sentisse
menos ansiosa.”

Como resultado, a capacidade de lidar de forma mais hábil com o conteúdo interno
estão positivamente associados a uma maior capacidade de regular as próprias emoções
(Chambers, Gullone, & Allen, 2009). Os relatos a seguir confirmam esta correlação.

“Lido melhor com minhas emoções”: regulação emocional


Somando-se aos pontos associados a aumento de habilidade de mindfulness está a
regulação emocional, o processo de modular um ou mais aspectos de uma experiência e/ou
resposta emocional (Chambers et al., 2009). Dez participantes relataram diretamente
melhora, principalmente no que diz respeito a abertura ao momento presente e às suas
242

emoções. Claudia aborda o tema relacionando à sua carreira, em como está conscientemente
lidando olhando os fatos com mais objetividade desde o fim do programa:

“o que eu estou tentando no meu trabalho desde o fim do programa, para


navegar sem dor, (...) algo que é novo, é tentar ter muito foco no que está
na minha frente e muita consciência de que não é onde eu quero estar em
1 ano”

Este relato tem intima relação com o processo de desfusão cognitiva, que permite
olhar a situação com mais objetividade e perspectiva. Outros relatam sobre como estão
lidando com suas relações pessoais; diminuindo sofrimento e comunicando o que sentem;
percebendo suas emoções e o que podem fazer para lidar com elas. No diário de campo da
sessão 4, Adriano relata sobre o tema:

“Novidade: fui para yoga fui à semana passada e fui na segunda-feira. Foi
bom, me ajudou a relaxar. Se fico sobrecarregado ou tenho fortes emoções,
tento fazer uma pausa e perceber o que está acontecendo, em perspectiva
... isso ajudou”

Esse relato de Adriano traz duas ações. Uma conduta nova relacionado ao Yoga e sua
habilidade de perceber como se sente e examinar em perspectiva o que passa. Esse processo
é bem relatado na literatura como um processo de regulação emocional adaptativo. Isso é
muito positivo visto que na entrevista anterior ao programa sua forma de lidar com os
desafios do cotidiano muitas vezes incluíam pílulas ou maconha.
Em outro exemplo, Talisha relata o desenvolvimento de novas estratégias de
regulação emocional em sua segunda entrevista:

“Depois do programa, decidi que não vou me comunicar se estiver com


raiva porque não estou em um estado em que sou capaz de realmente
comunicar meus sentimentos. Então, eu dei um passo para trás e na
verdade demorei algumas horas e fiz uma meditação, só uma meditação
comigo, e também fiz uma meditação de três minutos. E dentro dessa
meditação, eu percebi, bem, era apenas uma questão comunicação
simples. É mais uma conversa sobre como ele se sentiu e como eu me senti,
então me aproximei de maneira diferente. E nos sentamos e tivemos uma
conversa civilizada sobre como nos sentimos e depois deixamos a situação
sem uma resolução.”

Nesta linha, Claudia no diário de campo da Sessão 4 relata:


“Eu acho que a semana passada foi super interessante porque eu tinha
muita coisa envolvida e muita frustração com os outros... Ser capaz de
aceitar de onde vinha essa frustração foi útil. Parece normal, mas para
mim foi um grande exercício ser generosa, agradecida e ver o melhor”
243

Como consequência de uma melhor forma de lidar com suas emoções e dificuldades,
a não reatividade surge como resultado expressivo do programa.
“Penso mais antes de agir”: maior autorregulação e não reatividade
Como esperado, apenas um dos participantes não relatou diretamente nas entrevistas
pós programa menor reatividade à experiência interna (R. Baer et al., 2008) e maior
autorregulação, nossa capacidade de capacidade de gerenciar ou alterar efetivamente as
respostas e os impulsos (Vago & Silbersweig, 2012). De fato, a literatura aponta tais fatores
como positivamente relacionados ao desenvolvimento de mindfulness (Shapiro, 2009). Como
exemplo, Susan menciona na entrevista após o programa no contexto do ambiente de
trabalho:

“Sim, eu diria que, embora não esteja necessariamente praticando


meditação, estou pensando mais nas coisas antes de falar [do que antes do
programa]. Assim como nas reuniões e na vida pessoal e profissional,
quando alguém diz alguma coisa, em vez de apenas reagir imediatamente,
eu tomo um momento e faço uma pausa para pensar sobre isso. E isso é
algo que eu quero continuar trabalhando e desenvolvendo.”

Uma comparação interessante com ao relato acima vem de uma fala sua encontrada
no diário de campo da sessão 3:

“Então, saí quinta-feira [sessão 2] e, na segunda-feira, fiz reuniões


individuais com a equipe e identifiquei um funcionário que cria distúrbios
para a equipe. Eu tive uma conversa completa com ela na quarta-feira
sobre isso. Eu pensei que ela entendeu e estava tudo bem, no dia seguinte
recebi uma mensagem de outro membro da equipe que ela o insultou na
frente dos outros. Eu tirei um momento antes de responder ontem. Eu
aprecio que tentei não reagir. Isso é uma vitória”.

O diário de campo da sessão 1 ilustra que Susan disse que um de seus objetivos era
aprender a não reagir, mas sim responder calmamente aos desafios. Pelos diários de campo
nota-se sua evolução nesse aspecto; Susan conseguiu aprender a cultivar essa habilidade
principalmente no espaço de trabalho, o que culmina na fala da entrevista acima. Indira, na
sessão 4 também demonstra evolução neste objetivo e entusiasmo em continuar com as
práticas:

“Para mim, quero continuar fazendo isso ... não quero parar depois que o
programa parar estar mindful está ajudando a me manter super calma, sou
mais capaz de responder do que reagir agora do que antes. Eu tenho que
continuar fazendo isso, continuar meditando, quero continuar fazendo isso
depois do programa”
244

Felizmente, em sua segunda entrevista, Indira - que tinha como uma das expectativas
ter melhores interações no ambiente de trabalho - comenta evoluções neste sentido:

Eu acho que realmente me colocou um hábito de tomar um momento antes


de reagir. Então eu responderia em vez de reagir. Então, eu ainda tento
fazer isso e percebi que isso se tornou um hábito. Então isso é bom.

Ou seja, mesmo que não tenha sido possível captar nas entrevistas anteriores ao
programa o quanto eram reativas, os relatos apontam de certa forma avanços neste sentido.
Já Mark aborda menor reatividade por outro ângulo durante a entrevista após o programa.
Sua reação imediata ao entrar em discussões ou mesmo simples trocas de opiniões com
colegas era o silêncio. Agora, ele é mais assertivo: “Então é, quero dizer, pode parecer pateta,
mas eu me sinto mais confortável e confiante para poder comunicar isso a outras pessoas, eu
consideraria um benefício.”
Uma das participantes, Anjali, expos sua dificuldade em não reatividade durante a
entrevista antes do programa como vimos. Entretanto, também menciona intenção em não
reagir e percebe que muitas vezes não consegue fazê-lo. Isso demonstra autoconsciência, mas
também a dificuldade em traduzir a intenção em conduta. Entretanto, na entrevista posterior
ao programa, Anjali relata avanços:

“Essa era a outra coisa que eu queria desenvolver, é que reagir versus
responder. Isso é algo da sua aula [do programa]. Realmente importante
criar o espaço para que você possa ter uma resposta versus uma reação.
Decidi que vou definir as intenções no início [intenções conscientes antes
de interações] e estarei mais atenta a isso.”

Outro ponto relacionado ao desenvolvimento de habilidade mindfulness é a melhoria


na regulação da atenção e uma maior orientação para o presente, o que possibilita essa
autorregulação. Esta, uma característica necessária para que habilidade seja alcançada e se
torne um traço na vida da/do praticante. Para ilustrar isso, as falas da participante Alicia são
interessantes de se destacar. Em fato, maior consciência ao momento presente foi vista no
diário da sessão 2, onde Alicia demonstrava estar buscando mais momentos de atenção plena
ao momento e de introspecção:
245

“Eu tentei mudar a maneira de ir pra casa dessa maneira. Eu meio que fui,
em vez de pegar o último ônibus para casa, andei para casa [...] me fez
apreciar o meu entorno, apreciar minha vizinhança, em vez de apenas
olhar para uma tela [..] “ajudou meu bem-estar, saí pra correr pela
primeira vez em várias semanas então definitivamente aumentou minha
saúde Acho que estou aqui [local de trabalho] há tanto tempo que perdi
um pouco o brilho”

Importante lembrar que este relato da sessão dois mostra um efeito direto da sessão
1, cujo tema foi mindfulness e o journaling estimulava os participantes a buscar formas de
estarem mais conscientes do presente. Na quarta sessão, Alicia relata ampliação desse estado
de presença:

“Eu sei que já faz algumas semanas [ela diz que esteve no Havaí no fim de
semana passado] meio que fiquei tranquila e fiz uma caminhada de 8 km
sozinha. Aquele foi realmente um momento relaxante, eu aprecio meu
ambiente e não conversei com ninguém. Quando cheguei ao topo e disse:
eu deveria fazer mais disso. (...) Ao voltar, parei na mesa de apoio a
deficientes no almoço e fiz uma doação”

Seu exemplo demonstra como o desenvolvimento de mindfulness pode despertar


atenção não apenas para si mesma, mas para o mundo. Aqui, entretanto, tem algo relevante
a ser explorado. Ao final, ela decide parar num posto de doações para deficientes e realizar
uma doação. Não temos dados anteriores que ilustrem esta conduta como padrão, ela nada
reportou em sua primeira entrevista. O que a literatura aponta como vimos, entretanto, é que
maior mindfulness pode trazer maior sensibilidade ao entorno e condutas compassivas. Isso
será mais aprofundado na seção sobre a relação dos participantes com outras pessoas.
Além dela, Adriano conta na sua segunda entrevista seu esforço em estar presente
física e mentalmente com sua filha, deixando outros estímulos de lado:

“E, com a minha filha, por exemplo, eu consegui estar mais presente com
ela, em vez de constantemente, tentar estar em outro lugar quando estou
com ela. Também com os amigos, acho que consegui me conectar um
pouco mais com eles, estar com eles quando com eles.... Eu não os vejo
com tanta frequência, então isso foi bom.”

Mais uma vez, vemos que o desenvolvimento de uma maior habilidade de regulação
atencional e maior orientação para o presente pode nos ajudar a regular a conduta de forma
consciente e relacionada ao que consideramos importante. Adriano em sua primeira
entrevista relata que estar com a família é importante, porém considerava este um ponto de
melhoria. No relato acima, Andrés por meio de sua regulação atencional buscava de fato estar
246

presente. Estes relatos acima já ilustram algumas mudanças na forma como os participantes
se relacionavam com outras pessoas – em especial as pessoas ou causas relevantes - fruto
direto de uma maior clareza sobre o que é realmente importante para si.
Reflexões conclusivas sobre Mindfulness: abertura e presença ao momento
Os resultados encontrados sobre o desenvolvimento de habilidade de mindfulness
apontam como os participantes do programa iniciaram o cultivo dessa habilidade. Conforme
destacado pela literatura, o desenvolvimento de mindfulness traz benefícios salutares como
os anteriormente descritos, mas seu desenvolvimento pede por alguma dimensão de esforço.
Conforme visto no referencial teórico, o desenvolvimento de habilidades de mindfulness está
relacionado a maior observação da experiência do momento presente, agir com mais
consciência, aceitação do que se apresenta, não julgamento e não-reatividade (R. Baer et al.,
2008), estando associado a diversos benefícios como maior autoconsciência, regulação
emocional, aumento de bem-estar e mesmo condutas mais responsáveis (Shapiro, Carlson,
Astin, & Freedman, 2006).
Mindfulness não é uma habilidade que se desenvolve rapidamente, necessitando de
esforço e disciplina, mas também autogentileza. O programa ajudou no primeiro passo, em
colocar a semente no solo; mas a colheita varia para cada um. Mais ainda, é possível notar a
influência do desenvolvimento de habilidade de mindfulness no que concerne o olhar para
suas próprias vidas e seus valores – um reflexo direto de se estar mais consciente sobre si e
sobre como está agindo - como abordaremos a seguir.

Redescobrindo valores e reflexões sobre a vida: ajustes, tensão e dificuldades na busca


do eu autêntico

Valores é um tema central no programa e está associado elementos da vida com


os quais nos preocupamos que nos motivam a participar de determinadas atividades,
fornecendo orientação, significado e propósito para nossas ações (Hayes et al., 2006). Os
resultados apontam para uma maior clarificação de valores, uma maior capacidade de alinhar
a conduta a estes valores e mesmo maior capacidade em lidar com as dificuldades de não
conseguir ajustar em curto prazo suas vidas aos valores redescobertos. Por certo, as atividades
pedagógicas do programa (e.g., práticas de mindfulness; exercício de valores; journaling) –
e a sinergia entre elas - foram fundamentais para esta realização. A seguir apresentamos estes
resultados.
247

“Eu sempre fui uma doer, mas era melhor ter sido uma doer com propósito”: Sobre clareza
de Valores e busca de congruência

Ao longo do programa, diversas atividades pedagógicas foram especialmente


devotadas ao tema, buscando clarificar o que seria importante para cada um deles, o que os
apartava desses valores e assim, estimular ações coerentes com os valores (re)descobertos.
De fato, os resultados apontam que todos os participantes conseguiram alcançar maior clareza
de seus valores. Por exemplo, conforme relatado anteriormente, Claudia nos contou em sua
entrevista pós programa como passou a perceber que o contato com sua família é primordial.
Atualmente, em fevereiro de 2020, Claudia nos informa por mensagem de celular que havia
pedido para trabalhar no Brasil.
De fato, tal fato começa a denotar valores opostos à jornada do herói corporativo. Por
certo, oferecer aos participantes atividades que estimulavam a clarificação de valores em
mais de um momento no programa fez com que estes amadurecessem suas reflexões. Como
exemplo, o diário de campo da sessão 3 destaca esta fala de Adriano:

“Estou tentando entender o que valorizo, e não seguir a tendência. Eu


tenho pensado muito sobre o propósito, por isso também conversei muito
com minha esposa para ver o que é importante para mim. Tenho avançado
neste sentido”

De fato, esta busca de Adriano por propósito vem desde antes do programa –
conforme relatado em sua primeira entrevista e o programa reforçou esta atitude. Maria
avança em sua reflexão sobre o que é valoroso no journaling sobre o leito de morte realizado
na sessão 3: “A pergunta sobre o fim da vida foi um tapa na cara ... Quando você for velho,
vai realmente olhar para trás sobre o trabalho que fez ou para a cidade que gostaria de estar
e que nunca esteve?”
Implícito neste questionamento está a reflexão sobre prioridades na vida e como o
trabalho tomou conta de suas vidas e identidades. Susan, conforme diário de campo da sessão
3, destaca como a clarificação de valores foi um amadurecimento ocorrido ao longo do
programa. A evolução se deve ao fato de o programa estimular pequenas vitórias, onde
mudanças sustentáveis devem ser realizadas continuamente e de forma marginal. À exemplo
disso, no diário de campo da sessão 4, Adriano: “Estávamos mais confiantes em nossa
capacidade de fazer as coisas… Para mim, para ser sincero, foi porque eu defini ações as
mais simples comparadas à primeira sessão”
248

Alicia, no diário de campo da mesma sessão diz:


“Eu tenho uma experiência semelhante. Para mim, eu apenas foquei em
vitórias menores. Para minhas ações de compromisso, eu apenas me
concentrei em fazer uma pequena mudança em direção a essa direção
significativa. Quero estar mais conectada à minha família. Pelo menos
tento mandar mensagens uma vez por semana com uma foto, já que ir a
Ohio não seria possível. Eu apenas me concentrei em dividi-lo em partes
menores que eram mais viáveis".

No diário de campo da sessão 4, Anjali relata uma definição de direção valiosa quanto
a sua abordagem de cuidado consigo mesma:

“Quando o fiz pela primeira vez [o exercício de valores], senti que havia
escrito demais, mesmo que ele [Rodrigo] tenha dito para preencher apenas
três ou quatro [valores]. Eu fiz a maioria deles. Mas desta vez eu realmente
fiz apenas dois ou três. Eles eram pequenos para começar, mas agora
ainda menores. Uma delas é: continuo dizendo que apoio muitas pessoas
diferentes a desempenharem seu papel. Mas agora estou apenas evitando.
Meu objetivo é ser útil e solidária, mas ultimamente não tenho sido, eu
me sobrecarregava."

Sua fala traz dois insights importantes: a instrução dada no exercício de valores na
primeira semana era para focarem em apenas 3 áreas de suas vidas que eles mais sentissem
necessidade. Anjali deixa claro – e não estava sozinha nisto – que tentou responder a todas
as doze áreas do exercício. Até aqui a cultura de hiper performance se manifesta. Outro
aspecto foi sua autoconsciência ao perceber que ajudar a todos estava sendo prejudicial a ela.
Na literatura de empatia, temos evidências de burn out ligados a processos empáticos
e compassivos (Kestenberg, 2010; Singer & Klimecki, 2014). Assim, este relato sugere uma
necessidade de autoconsciência e autocuidado como premissas para um agir no mundo mais
compassivo e mesmo saudável. Tal como Tenzin Gyatso (2016) adverte, cuidar dos outros
requer cuidar de si mesmo. Os exemplos mostram como foi relevante para os participantes
buscar conhecer o que lhes importava, o que desejavam e perceber a si. As reflexões se
localizam em diversas áreas de suas vidas, como por exemplo, alguns participantes notaram
a relevância de estar mais em contato com suas famílias – Susan na entrevista posterior ao
programa estava vivendo no lado oposto do país, longe de suas referências familiares, suas
redes de suporte afetivo:

“Era algo que eu pensava antes do programa, mas não agia. Então eu
pensei: "Eu realmente não gosto de morar aqui, devo voltar para a costa
leste". Mas foi praticamente o mais longe chegou. Mas então, acho que foi
a sessão três, quando foi como: "Onde você quer estar nos próximos cinco
anos e que ações você pode tomar agora para chegar lá?" Era como, "Oh,
como eu deveria fazer algo sobre isso agora, certo?"
249

O relato acima ilustra uma atitude intensificada em relação a uma direção mais alinha
a seus valores. Mark, por exemplo, entendeu que um de seus valores diz respeito a como ele
se relaciona com as pessoas, onde fica implícito que valoriza gentileza e paciência nas
relações interpessoais. Assim, começa a mostrar uma maior atitude em ajustar sua conduta
nesta direção:

“E eu diria que estou me esforçando mais para tentar ignorar isso e, assim,
ajudar e ser amigável e envolvente. E você sabe que aceita isso, sabe que
nunca vai se dar bem com todo mundo 100% e tudo bem. Mas você ainda
pode ser gentil e amigável, e todas essas coisas e, portanto, eu diria que é
provavelmente onde eu notei a maior mudança em mim, tentando colocar
mais esforço nas pessoas com as quais eu possa ter problemas.”

A clarificação de valores também se deu em valores ligados ao trabalho. O programa


os ajudou em pôr em perspectiva o trabalho, tal como o exemplo de Maria em que ressalta
como percebeu que o que fazia não tinha alinhamento com o que realmente era importante
para si: “Acho que, focando apenas nos meus valores, percebi que as metas do projeto não
estavam alinhadas com os meus valores, o que é uma grande revelação.”

Além disso, ela também relata na entrevista após o programa como de fato chegou a
agir neste sentido:

Comecei a conversar com o meu gerente para trocar de projeto, o que


parece um pouco mais alinhado com o que eu valorizo. Meu projeto
anterior foi focado em receita e não estou tão interessada em aumentar a
receita para quem quer que seja. E então vou experimentar um novo
projeto mais focado na melhoria da experiência do usuário”

É interessante como uma analista de dados, que estava em uma função restrita a
aumentar a receita de sua área, agora quer impactar de maneira positiva o usuário do produto
de sua empresa. Ao que parece, é um início de um movimento de foco no lucro para foco nas
pessoas. Claudia em sua segunda entrevista também relatou desconforto em relação ao seu
trabalho e uma busca por um sentido que justifique o que faz de forma recente:

“E apesar disso, cada vez mais eu sinto que eu estou procurando clareza
na minha contribuição, clareza na minha entrega. Eu acho que isso para
mim traz um sentimento de conquista, de significado. Tipo, se eu sei qual é
o meu papel eu sei qual é o meu impacto. Enfim, eu acho que isso tem sido
também uma descoberta recente.”

Suas falas colocam em questionamento o sentido de seus trabalhos para si e suas


posições quanto a ele e implicitamente em suas falas, o programa teve impacto neste sentido.
250

Portanto, demonstram abertura para maior alinhamento entre suas carreiras e seus valores.
Por exemplo, Claudia relatou uma reavaliação do que seria valioso neste momento de sua
vida:

“Minha direção valiosa sempre foi [antes do programa] relacionada a


empoderar pessoas e criar oportunidade econômica, principalmente via
microfinanças. Era minha paixão. E cada vez mais eu me sinto me
distanciando do que é minha resposta padrão de direção valiosa. E ao
mesmo tempo eu me vejo me aproximando de uma direção valiosa que está
muito mais ligada à minha vida pessoal.”

Quando questionada sobre essa direção valorosa mais voltada a si e como isso se
sucedeu, Claudia relata um processo de autoconsciência, empatia e compaixão:

“Só depois eu comecei a entender que não tem como olhar para o outro
sem olhar para você. Esse processo de olhar para mim foi muito importante
para conseguir olhar para fora. Eu comecei a explorar a mim e
compreender limites e como me posicionar no mundo. Diante disso,
comecei a desenvolver empatia, buscando entender de onde cada um vem,
as batalhas que cada um compra...E isso tem relação por exemplo com o
caso do carrefour29, onde o vigia atacou o cachorro. Quem ataca tem um
quê de vítima, pois viver com esta carga, esse ódio, faz da pessoa sua
primeira vítima. Um ataque é pontual, mas um sentimento desse você se
torna seu criador e isso é muito prejudicial para você mesmo, as vezes até
mais do que pro outro".

Essa fala tem amplo respaldo quando nos baseamos em textos budistas. Tenzim
Palmo (2018) destaca que o que realmente precisamos fazer é começar a olhar dentro de
nossa confusão e isso é a base para ver a confusão nos outros. À medida que níveis mais e
mais profundos de nossa psique se abrem, isso naturalmente libera nossa compaixão inata.
Assim, podemos agir em meio ao mundo mais habilmente.
Claudia conta em sua entrevista após o programa como passou a perceber que o
contato com sua família é primordial a ela, fato que ela não havia relatado em sua primeira
entrevista denotando que neste momento antes do programa ela não tinha tanta reflexão sobre
este valor:

“Eu nunca achei que fosse escolher ou recusar um trabalho por questão
de localização. E hoje, para mim, tenho uma direção significativa: bem-

29
No momento da realização das entrevistas – janeiro de 2019 – havia ocorrido em dezembro de 2018
um incidente no qual um cachorro foi morto por um segurança em uma loja do Carrefour e foi tema de uma
onda de protestos no Brasil.
251

estar, qualidade de vida, meu tempo em casa, pensando no futuro, uma


família que quero construir e minha presença com essa família.”

Adicionalmente, Adriano, Timothy, Maria, Alicia, Susan e Indira também passaram


pelo mesmo processo. Susan, Indira e Talisha em suas entrevistas após o programa se referem
às suas famílias. Susan conta:

“Então, estou trabalhando para me aproximar da família e dos amigos,


que é um dos meus valores, mas aqui [em San Francisco] eu não tenho
família e tenho apenas alguns amigos. Então, eu estou tentando focar
nisso.”

Indira, da mesma forma, destaca que os exercícios ao longo do programa trouxeram


maior clareza e a decisão de alinhar sua vida a estes valores:

“Agora estou tomando medidas proativas para voltar à Índia, para poder
ser feliz depois de voltar e não me arrepender de voltar. Então, estou
planejando minha vida de acordo com essa mudança. É uma coisa
realmente importante e não devo colocar isso em segundo plano.”

Além desses relatos nas entrevistas, ao longo do programa os participantes foram


trabalhando para a definição de suas direções valiosas, cada um a seu tempo e forma. No
diário de campo da sessão 4, Adriano pontua:

“Três valores ou coisas em que quero focar escolhi o trabalho, escolhi a


saúde e o bem-estar e a espiritualidade. Para o trabalho, quero encontrar
algo que goste. Esse é realmente o meu objetivo. Saúde e bem-estar Quero
reduzir a ansiedade e o estresse da minha vida. Isso é basicamente maus
hábitos de pensamento, inclinando-se para expectativas imaginárias etc.
Espiritualidade, quero aprofundar minha prática de meditação, acho que
dedicar mais tempo à consciência espiritual e acho que me concentrar mais
nisso. Estou meditando por um tempo agora, mas posso ficar três dias sem
fazer isso, por isso quero ser mais disciplinado sobre isso "

De fato, Adriano mais de um ano depois da ação psicossocial ainda mantém contato
com o facilitador e autor da tese compartilhando mais práticas meditativas e vice-versa. Uma
estimulação dialógica que demonstra autonomia e implicação. Comparado aos relatos
encontrados na etapa de baseline da pesquisa, esta busca por saúde, bem-estar e
espiritualidade é um forte contraste ao uso de maconha e sedativos de antes.
Outra participante que é possível visualizar grande diferença entre a primeira vez que
realizou o exercício de valores (Sessão 1) e a última (Sessão 4) é Talisha. Seus relatos
registrados em diários de campo reforçam a diferença mencionada quanto a clarificação e
definição de direções valiosas, assim como o engajamento dela com o programa:
252

“Então, a diferença que eu encontrei nesse exercício em relação ao inicial


foi que a direção permaneceu a mesma. No entanto, a ação de
compromisso é mais viável. Realmente realista. Um exemplo é a ação de
compromisso inicial era reavaliar meus OKRs30 e agora a ação é pedir
afastamento do trabalho. Na verdade, percebi o que precisava. E como eu
estava confortável, no começo do programa eu não estava muito
comprometida...”

Durante o programa Talisha se percebeu, compreendendo que estava comprometendo


sua saúde e conseguiu tomar a decisão de tirar uma licença do trabalho, como exemplificado
nas falas acima do diário de campo. Isso não foi fácil para ela, como conta na entrevista pós:

"E depois do programa fui percebendo que eu ia fazer uma pausa, eu


reconheci como eu estava com medo de desistir de apenas ser capaz de
trabalhar"

Grifo nosso. Forte contraste com os relatos de Talisha na etapa de linha base da
pesquisa. Mais uma vez, vemos como a identidade de ser executiva que trabalha de forma
incansável era o centro de seu ethos de vida. Sua decisão corajosa ajudou a ver como estava
apartada dos valores que a pouco identificou como seus, como seu trabalho não estava
fazendo sentido e a impulsionar a buscar outras direções para si.

“Sim, as últimas duas semanas foram muito, muito estranhas, acho que é
tempo para mim, porque nunca não trabalhei tanto na minha vida adulta.
E eu participei de duas atividades que eram muito, muito significativas
para mim e decidi prosseguir para essas atividades.”

A autoconsciência que desenvolveu e o tempo que se permitiu lhe ajudaram a notar


sua relação com trabalho e a enorme cobrança que depositava sobre si mesma. Assim, ao
lidar consigo e buscar mergulhar cada vez mais em seus valores e agir de acordo com eles,
de acordo consigo mesma:

30
OKR (Objectives and Key Results) é uma metodologia de gestão muito utilizada por empresas no
vale do Silício. De modo simplificado, pode se dizer que é uma fórmula para definir metas sendo como “Eu
vou” (Objetivo) “medido por” (conjunto de resultados-chave).
253

"Sim, eu tenho, de maneiras pequenas e depois que eu parei, eu diria que


tudo o que estou fazendo é essencial para mim, tem valor para mim e é, eu
acho, Talisha de certa forma”.

De fato, Talisha fez o que na última sessão do programa relatou: pediu licença. Todo
esse processo de reflexão e questionamento parece estar acompanhado de insights
importantes que de certa forma podem refletir o estado de desconexão com si que é pervasivo
a muitos trabalhadores. Essa lógica de produtividade e performance incessante é um
fenômeno social da estrutura capitalista contemporânea neoliberal (Ehrenberg, 2016;
Griffith, 2019). O seguinte relato de Talisha em sua segunda entrevista avalia qual foi o
principal benefício que o programa lhe proporcionou, simboliza esta questão:

“Eu sempre fui uma “fazedora” [tradução livre: doer], mas devo ser uma
“fazedora” com um propósito, uma “fazedora” autêntica, e não apenas
uma “fazedora”. Então, dando um passo para trás e percebendo que
realmente começa comigo. Sim, foi o meu maior ganho [do programa]”.

O que Talisha descreveu sobre si no programa é compartilhado por outros, sua


melhora talvez possa também ser replicada e em uma escala micropolítica, favorecer
mudanças mais abrangentes de organização de trabalho para uma sociedade sustentável. O
caso de Talisha - além de outros relatos destacados - deixa claro que os participantes
aprenderam a elaborar direções valiosas e ações de compromisso de forma mais realista e
autêntica, oferecendo assim uma resistência aos valores dominantes, mas esse processo é
dolorido. De nossa parte, como interventores e pesquisadores, nos mantivemos acessíveis e
na medida do possível, companheiros neste processo de resgate de si.
Todas as falas ilustram como os exercícios e ensinamentos ajudaram os participantes
a questionar caminhos e resgatar seus valores esquecidos. Isso foi feito em pequenas parcelas,
como uma instrução direta de abordar pequenas questões de suas vidas e assim compartilhar
pequenas vitórias. Entretanto conseguir chegar a alterar condutas, há muitos estagnados é
uma realização mais complexa. Ajustar o gesto a palavra, como disse o príncipe Hamlet de
Shakespeare, é uma busca diária que os participantes relataram como difícil, mas felizmente
em pequena escala todos contaram estar fazendo. Susan buscou formas concretas de estar
mais próxima geograficamente de sua família. Uma mudança significativa e que necessitava
de sua implicação para ser feita visto que se tratava do seu local de trabalho:

“Então comecei a procurar um emprego na costa leste para me aproximar


da minha família. Não encontrei nada, nada realmente começou a dar
certo. Estou esperando até janeiro para ver se mais empregos são
publicados, mas também fiz essa semana, conversando com meu chefe
sobre potencialmente ser capaz de desempenhar minha função atual. A
costa leste.”
254

Isso também é visualizado nos diários de campo. Adriano, na sessão dois relata:
“então um dos valores era estar mais próximo da minha família [...] “Minha mãe estava
visitando na semana passada, então tentei estar mais perto dela, tendo conversas mais
significativas”
Similarmente, Anjali busca fazer coisas benéficas e importantes a si apesar das
dificuldades:

"Eu tive uma insônia muito ruim esta semana. No passado, quando isso
aconteceu, eu me permiti pular minha rotina de ginástica para algo
importante para mim. Dessa vez eu não fiz isso. Quero dizer, poder ir à
academia foi muito relevante para mim, porque foi uma semana difícil.”

Além desses exemplos, Indira na Sessão 4 relata que:

“Uma coisa que percebi foi que não tenho nem uma foto da minha família
e amigos em minha casa, por isso não me senti em casa e sinto muitas
saudades de casa .... Então, imprimi fotos deles e pendurei nas paredes….
Agora me sinto bem e feliz. Eu tenho sido mais social recentemente ... Foi
em uma das minhas visões que eu queria um melhor relacionamento [...]”

Sua fala demonstra como o processo ligado a clareza de valores se estruturou para
ações simples, mas que lhe acalentam e consegue unir valores a ações. Adicionalmente, seu
exemplo se manteve após o programa como relatou na entrevista pós programa:

“Ao contrário, nesse período difícil, eu costumava fazer tanto aquele


exercício para minha mãe e meu pai, porque eu sempre estava muito
preocupada com a maneira como eles estavam lidando com isso. Mas, em
vez de ficar preocupada e ficar doente com isso, prefiro fazer exercícios de
mindfulness e apenas emitir bondade de amor por eles e torcer para que
eles cheguem a eles e que os cure. E isso me ajudou e espero que tenha
ajudado. Mas você sabe, eu sentada aqui e me preocupando com isso não
teria ajudado ninguém, então sim”.

Sua fala sintetiza a implicação em ações simples ligadas aos valores recém
descobertos ou lembrados. Aponta desenvolvimento de autoconsciência e aceitação. Como
consequência, mudanças drásticas ou não, todos os participantes relataram definições de
direções valiosas alinhadas aos seus valores e a busca por congruência.
255

Walk the talk e o poder da intenção consciente: “estou em direção a um resultado que é
holisticamente saudável para mim?”

Uma das estratégias dos participantes para que haja para maior congruência entre
condutas e valores aprendida no programa foi elaborar intenções conscientes para o dia. De
fato, alguns participantes destacam que estabelecimento de intenções conscientes para o dia
como uma forma de estar relembrando essa integração, de fazê-la parte das suas atividades
diárias. Como vimos na literatura, uma intenção pode ser traduzida como algo a ser atingido.
Trata-se estabelecer uma atitude para o dia, uma direção valorosa. Durante o programa esta
prática foi estimulada como forma de se manterem conscientes sobre suas ações e colaborar
para que estas estejam alinhadas aos seus valores e aspirações genuínas. De fato, já estavam
desenvolvendo esses hábitos, como demonstrado nas falas dos diários de campo. O diário de
campo da sessão 3, traz este relato de Sai:

“Estou tentando acordar de manhã e não apenas olhando para o meu


telefone e pulando da cama. Eu o usei três dias nesta semana -
normalmente uso o aplicativo Headspace. Eu fiz aula de meditação e 15-
20min. aqui e ali. Uma boa semana, mindful, fiz caminhadas que me
parecem meditativas. Eu também tenho tentado comer minha comida
devagar - isso é diferente "

No mesmo diário de campo da sessão 3, Indira menciona:

“Passei alguns minutos na cama depois de acordar pensando em uma


intenção positiva para o dia [...] depois de me arrumar [...] fiz alguns
exercícios respiratórios [...] isso me ajudou a obter um pouco de energia
para o dia e estar calma especialmente com conflitos”

No diário de campo da Sessão 4, é possível perceber como os participantes não


estavam apenas realizando práticas meditativas, mas tentando desenvolver hábitos. À
exemplo disso é interessante relembrar a fala de Indira na seção acima e compará-la com o
que disse na Sessão 3 à fala abaixo que consta no diário de campo da sessão 4:

“Estou tentando fazer o exercício de 3 minutos de mindfulness depois que


eu acordo de manhã…. Isso me ajuda a observar minha respiração, ficar
atento e começar meu dia devagar, em vez de pular no chuveiro para me
arrumar…. Tem sido útil.

Essas comparações denotam continuidade. Outro participante que se pode notar


continuidade em práticas intencionais é Vihaan. Nos diários de campo ele relata uma situação
256

onde pela primeira vez usou de intencionalidade e consciência em seu trabalho e como isso
lhe otimizou a reunião:

“Para mim, alterou o processo de pensamento durante as reuniões. Ontem,


tive uma experiência diferente, tendo uma reunião prontamente
estruturada; em uma hora e meia, tivemos muito mais progresso e tivemos
decisões muito mais tangíveis”.

Na entrevista pós programa Vihaan descreve continuar estabelecendo intenções


conscientes para o dia, buscando maior organização e intencionalidade na vida diária.
Engenheiro, sempre valorizou uma vida metódica. Similarmente, Maria, Claudia e Indira
também relataram na entrevista pós programa estarem estabelecendo intenções conscientes,
ainda que cada uma delas a realizou de forma diferente. Os exemplos de Indira e Vihaan já
foram descritos acima, mas Claudia a relaciona a mindful eating e Maria por sua vez, relata
em sua segunda entrevista a algo que ainda não se configura como hábito:

"Sim. Tento ficar mais atenta quando acordo. Eu costumava pegar meu
telefone de manhã e começar a verificar todos os meus e-mails, mensagens
de texto, sites, tudo. Agora estou me controlando mais. Estou mais
consciente de mim e levo um momento para definir minha intenção para o
dia”

De forma indireta, Timothy em sua entrevista após o programa também ressalta o


estabelecimento de intenções conscientes como parte do seu dia a dia. Para ele não se
transcreve como um exercício, mas sim um objetivo de união de valores acerca do espaço de
trabalho, e as demandas do mesmo:

“Acho que é exatamente como passo meu tempo. Como estou investindo
em mim mesmo, me tornando intencional e proposital no que faço e
conduzindo a um resultado que é por design e holisticamente saudável para
mim? Tentando ser muito mais atencioso em todas as reuniões em que
participo: qual é a intenção dessa reunião? O que estou tentando fazer as
pessoas sentirem? O que preciso fazer para me colocar no estado físico e
mental correto, a fim de poder dar isso à equipe?”

As comparações feitas quanto ao processo de estabelecimento de ações congruentes


aos valores, como demonstrado tanto durante quanto após o programa demonstra a
importância de se estabelecer intenções conscientes para o dia, assim como o estabelecimento
de ações compatíveis com a realidade de cada um. Entretanto, para este processo foi
especialmente difícil e doloroso para alguns dos participantes.
Priorizar e criar o espaço é realmente difícil: dificuldades e tensões na busca por coerência
257

Tomar decisões como a de Talisha – se afastar do trabalho - nem sempre é possível


para todos, seus contextos são diferentes. De fato, a literatura esclarece que ter maior clareza
sobre os valores é um passo inicial, mas ter a coragem e mesmo a capacidade de seguir traz
desafios maiores (Hayes et al., 2011). A maioria dos participantes relatou dificuldades em
colocar em prática seus valores - vale ressaltar que mesmo com as dificuldades todos
conseguem em certa medida maior alinhamento – e diversas questões contribuem para isso,
mas uma que está na ponta oposta para ajudar no processo é o compromisso.
Por exemplo, Adriano conseguiu perceber a importância de sua família no tempo e
qualidade deste junto dos que ama. Não é o único valor e direção para ele, deseja se sentir
feliz no trabalho, o que não acontecia. Entretanto, para poder passar tempo com sua filha
precisa de um emprego, horas mais flexíveis. A discrepância entre o que percebe que deveria
fazer e o que gostaria de fazer foi aumentada pelo programa e isso gerou uma tensão em
alguns dos participantes. Não é uma opção deixar o trabalho, mesmo sendo consumido por
ele. Por outro lado, o que lhe é possível é encontrar outra forma de lidar com essa situação.
Seu relato na segunda entrevista contou isso, como estava tentando sentir mais prazer no que
faz e não responder indiscriminadamente a todas as demandas que lhe chegam. Na entrevista
posterior ao programa fala sobre isso:

“Então, eu realmente me preocupo com minha paz de espírito. Então, eu


tenho que fazer as coisas de acordo. E é difícil, especialmente trabalhando,
porque não é isso que se espera, certo, muitas circunstâncias. Algo que
você tem que fazer, que ninguém vai forçar você a fazer. Algo que você
precisa se esforçar para fazer por si mesmo.”

Nessa fala ele também coloca outro ponto interessante, o compromisso com si
mesmo. De fato, os participantes perceberam a relevância de se direcionar pelos valores
(re)descobertos, mas isso não retira a dificuldade de efetivamente fazê-lo, levando a uma
tensão entre estes estados. O que esta pesquisa demonstrou é que a autoconsciência de seus
valores contribui na mudança, lhes ajuda a encontrar sentido em suas vidas e a tomar
pequenos passos de encontro aos seus valores.
Claudia exemplifica isso em uma de suas falas na entrevista pós:

“E o que eu sinto que foi aumentado com o programa, é, que hoje eu estou
com mais dificuldade de navegar, é o lado de como trazer isso, conectar
isso com o meu trabalho. Se eu parto do princípio de responsabilidade,
isso me ajuda muito, que é a questão da arquitetura de escolha.”.
258

Adicionalmente, Claudia traz a questão da responsabilidade, a palavra que ela usou


ao terminar o programa no círculo final. Aqui, ela mostra que seu ethos começa a girar em
torno de um senso de responsabilidade com os outros: o valor “responsabilidade” passa a ser
uma bússola a guiar o caminho. Convém destacar que em sua primeira entrevista, ela já
demonstrava uma atitude empática desenvolvida. O programa, como veremos mais adiante,
parece ter reforçado esta atitude. Já Timothy, na entrevista após o programa comenta sua
dificuldade com um tanto de culpa em não estar conseguindo agir como gostaria quanto aos
seus valores:

“Priorizar e criar o espaço é realmente difícil. Muito parecido com os


entes queridos, eu sei que isso era uma prioridade naquele momento e
gostaria de falar sobre o quão importante é a liderança baseada em
mindfulness e como é importante entender isso, mas minhas ações não
refletem necessariamente minha crença no quão importante este programa
foi”

Em outro momento da entrevista, ele novamente levanta essa culpa porém com a
clareza de que no momento estar mais próximo de seus entes queridos não lhe é prioridade,
apenas quando ele é lembrado (seja durante o programa como mencionou na fala acima)
pelos familiares que os mesmos retornam a ser prioridades:

“Honestamente, no momento, meus clientes, meu chefe, minha equipe são


os que mais ouço e, como resultado, esses são os que mais estou
respondendo. Quando minha irmã me liga ou meu pai me liga, isso é um
lembrete, e então me sinto culpado, e então começo a agir.”

Sua fala levanta a questão sobre dificuldade de priorizar, seja a si mesmo, suas
relações ou a saúde. Por certo, Timothy não está sozinho nesta dificuldade de priorização.
Outro ponto relatado foi o término do programa: Susan e Anjali falaram que durante o
programa estavam mais atentas aos seus princípios e conseguindo agir de acordo com eles, o
que não conseguiram manter com a mesma intensidade após o programa.
Elas ressaltam como as sessões acontecendo estimulavam; a presença dos outros
participantes e os “check ins” semanais ajudaram a manter disciplina e rotina. Em uma
perspectiva gestáltica, falam sobre manter os valores como figura, não apenas fundo em suas
vidas.
À exemplo disso, Susan comenta na entrevista pós:

“Tem sido meio difícil de manter após o curso. Porque durante o curso,
259

realizamos check-ins semanais, estamos nos vendo, você é um pouco mais


responsável. Então, vejo que quando não estou necessariamente
conversando com outras pessoas, não é assim, ou sobre isso, não é um
assunto meu e não tenho sido assim, ou seguindo as práticas. Então, eu
aprendi muitas coisas ótimas, mas ainda tenho problemas para continuá-
las.”

Em sua fala é percebido a dificuldade em mudança de condutas, no compromisso


consigo mesma e de autonomia. Sobre isto, uma fala de Anjali em sua segunda entrevista
exemplifica essa mesma dificuldade: “Eu tenho tentado manter alguns dos princípios em
mente, mas às vezes quando há mais distância entre o programa, e você acaba se afastando,
mas eu tenho tentado”.
Estas falas levam a análises mais amplas, sobre a estrutura do ambiente empresarial
e dificuldade de cuidar de si mesmos. Timothy comenta sobre o tema em sua entrevista
posterior ao programa:

“Estava falando sobre como falamos sobre a importância dos entes


queridos e, no entanto, nossos comportamentos não representam esses
sentimentos. Dizemos que são a coisa mais importante, mas não estamos
dando tempo para falar com eles. Estamos gastando mais tempo com
dispositivos. O tempo de uso do dispositivo triplicou nos últimos dois anos.
Todas essas são realidades conflitantes que eu tenho, onde você tem os
ideais e os sentimentos que têm, mas a realidade é que você não está se
comportando de uma maneira que reflete isso. Além disso, existe uma certa
pressão social e profissional para ignorar o que você realmente quer fazer,
ou realmente sabe que deve fazer por sua própria saúde e bem-estar, a fim
de atender às demandas do mercado competitivo que é o ambiente de
trabalho atual.”

Sua fala é clara e a maioria dos participantes percebem as dificuldades de


cumprimento de demandas em seus trabalhos e remetem diretamente à perspectiva da força,
por meio de sanções e recompensas, que a dimensão diretiva da vida impõe aos indivíduos
(D’Andrade, 1984). Percebem a (in)sustentabilidade desses padrões aos quais estão sujeitos,
e por sua vez, ainda se sujeitam. Retornando a Timothy, ele relata como se sentiu frustrado
no primeiro momento do programa, como estava em “piloto automático” respondendo à sua
carga de trabalho e quase desistiu pois lhe parecia perda de tempo. Todavia, conscientemente
optou por ficar, sabia que seria importante para ele:

“Sentei-me e fiquei frustrado. Eu tinha coisas para fazer. Eu sabia que era
importante, mas esse curso não era o momento certo para minha agenda.
Acho que no primeiro minuto, talvez, houve uma tensão interna muito
grande em mim, pensei que isso [o programa] seria uma perda de tempo.
260

Eu deveria estar priorizando outras coisas. Então reconheci que fiz uma
escolha consciente de participar deste treinamento, e estava fisicamente
presente, então, em vez de lutar contra isso, por que não desistir e ver o
que acontece?”

Vale destacar que Timothy chegou atrasado à primeira sessão e não teve tempo
disponível para realizar sua primeira entrevista. Timothy não apenas seguiu até o final, mas
arrumou tempo para se encontrar comigo em uma sessão extra que ofereci a quem faltou
algumas das sessões. Ao final do programa, foi um dos mais entusiastas com o programa,
convidando ao autor da tese para palestrar para outros membros da empresa de seu mesmo
nível hierárquico.
Reflexões conclusivas sobre valores: ecologia mental em andamento
Nos baseando nos relatos dos participantes, os resultados da pesquisa no que concerne
a valores foi positivo vista a correlação entre clarificação, estabelecimento de direção valiosa
e busca de coerência entre valores e condutas. Estes relataram conseguir se encaminhar para
isso, de formas diferentes e de acordo com o que era possível para cada um. Isso demonstra
a relevância do programa e do uso de mindfulness como ferramenta para percepção de
valores.
Um dos pontos importantes foi o resgate de seus valores pessoais que iam contra os
valores hegemônicos capitalistas neoliberais atuais. Mesmo que os movimentos tenham sido
em geral relacionados a questões pessoais (e.g., carreira; saúde) ou relacionadas a seus entes
queridos (e.g., família) e não relacionados diretamente a predisposições e condutas
sustentáveis, isso não deve ser visto com pesar.
O pensamento ecosófico de Guattari (2000) afirma que as mudanças sociais e
ambientais necessárias não estão desvinculadas de mudanças na esfera mental. O que
simboliza algo promissor nos resultados acima foi o início de uma emancipação dos
participantes em relação à assimilação apática de valores do sistema e um movimento em
direção a uma maior autenticidade. Segundo Guattari (2000, Pag. 55), originalidade é um
passo inicial de emancipação dos valores do sistema e característico de uma ecologia mental
em andamento:

A reconquista de um grau de autonomia criativa num campo particular


invoca outras reconquistas em outros campos. Assim, toda uma catálise da
retomada de confiança da humanidade em si mesma está para ser forjada
passo a passo e, às vezes, a partir dos meios os mais minúsculos.
261

Assim, repensar caminhos de vida, resgatar valores esquecidos pode ser o início de
um efeito dominó positivo em suas vidas e nas vidas que são impactadas por suas vidas.
Entretanto, dificuldades foram encontradas por eles, mais ou menos enraizadas em suas
vivências, o comprometimento para consigo facilitou ou dificultou mudanças, de forma que
é relevante analisar os resultados sobre autocompaixão encontrados para melhor esclarecer
essas dificuldades.

Aprendendo a me cuidar: autocompaixão

Conforme visto na literatura, autocompaixão é um construto relacionado a perceber,


se importar e buscar aliviar o próprio sofrimento, estando relacionado positivamente à
felicidade, conexão social, afetos positivos entre outros (Neff et al., 2007). Os dados aqui
encontrados estão alinhados com a literatura e sugerem que compaixão a si é um desafio,
algo talvez mais desafiador que compaixão por outros. Oferecer-se gentileza e não
julgamento para muitos é um processo difícil e dolorido.
“Pequenas coisas que causarão grandes impactos”: primeiros passos
Relatos dos participantes durante o programa demonstram com clareza como
começaram a desenvolver autogentileza - a tendência de ser atencioso e compreensivo
consigo mesmo - uma das dimensões relacionadas à autocompaixão (Neff, 2003a). Foi
observado que, mesmo com dificuldades e diferenças de intensidade, todos os participantes
nas entrevistas após o programa apresentam maior gentileza e autocuidado consigo mesmos.
No diário de campo da sessão 3, Anjali começa a demonstrar maior autogentileza na própria
prática de mindfulness:

"Eu estava realmente fazendo as meditações...e descobri que não estava


funcionando, não me concentrava corretamente. Então, eu tentei ser gentil
com isso e dizer ok, é prática, calma, como ele disse [o facilitador do
programa] o que você pratica fortalece.”

Isso é muito positivo, visto que Anjali sempre se mostrou muito crítica e julgadora
consigo mesma. Mark, por sua vez, no diário de campo da sessão 4 destaca que voltou a
frequentar aulas de ginástica na empresa:“voltei a tirar proveito das classes aqui. Costumava
fazer, mas parei porque tinha uma agenda cheia. Vou me permitir mais.”
262

Alicia em sua segunda entrevista conta que passou a acender velas em sua casa como
uma prática de autogentileza e o impacto desse momento em seu bem-estar:

“Também comecei a acender velas em casa, e percebo que olhar para o


fogo, a chama e a vela são realmente muito relaxantes e quase
hipnotizantes, e o cheiro e o cheiro da vela realmente me fazem bem, isso
é muito legal e eu posso me afastar das coisas.”

Já Talisha retoma a questão do uso do tempo com atividades que nota lhe fazerem
bem e lhe permitem focar em si: "Quando faço ioga, na verdade, isso é mais um alívio. Acho
que se pratico ioga, deixo de lado todos os outros pensamentos, menos eu. Esse é apenas um
tempo para mim. Eu preciso olhar para mim."
Seu exemplo, surpreende ainda mais se analisado em comparação com a entrevista
prévia ao programa:

“Acho que reconheço que estou estressada, e sei que estou estressada, e
digo: "Sim, entendi. Estou estressada, mas preciso fazer isso. Eu meio que
defini uma necessidade que realmente não existe. Não acho que me trate
muito bem.”

Talisha estava consciente de como não estava se cuidando, do seu excesso de trabalho,
mas não estava tendo uma postura ativa de autocuidado. Uma de suas falas diz que quer
trabalhar em sua felicidade, sem bem-estar, mas ainda não estava acontecendo. A palavra
acontecer é interessante pois sugere que isso não estaria sobre seu controle. O exemplo de
Talisha, além de mostrar gentileza consigo mesma demonstra como os participantes
relataram tentativas de aliviar seu próprio sofrimento buscando formas de lidar com situações
que sabidamente não lhe faziam bem. Timothy, por exemplo, conta em na entrevista após o
programa como o programa ajudou a projetar hábitos mais saudáveis e práticas que
auxiliaram seu bem-estar:

“[Durante o programa] Comecei a pensar de maneira mais abrangente


sobre como lidar com a vida e com os maiores desafios que eu tinha. Coisas
que estavam acontecendo em casa, coisas que estavam acontecendo em
minha própria saúde e bem-estar, minha dieta, minha rotina de exercícios.
Foi apenas um processo muito mais holístico e muito mais saudável. Isso
me colocou na trajetória certa pelas sessões”.

Para aqueles que demonstraram maior capacidade de autocompaixão,


demonstraram mais energia para buscar seu bem-estar. Timothy menciona após o programa:

"Da forma como estava era insustentável. Então, novas rotinas de treinos,
rotinas alimentares, fui criando espaço para ler ou refletir. Agora estou
encontrando maneiras de infundi-las em outras áreas. Em vez de estar no
meu telefone no ônibus, tomo 10, 15 minutos para ficar consciente, refletir,
descomprimir e não enfrentar uma lista de tarefas. Embora não seja uma
263

mudança dramática, estou tentando infundir de forma pequena coisas que


causarão grandes impactos.”

Na entrevista após o programa, Adriano exemplifica autogentileza e não julgamento


em não se culpar por priorizar coisas importantes para seu bem-estar: "Então, eu tenho
deliberadamente fazendo isso. Como há coisas que preciso fazer importantes para mim,
outras terão que esperar. Não vou me sentir culpado por isso, só não vou fazê-lo agora."
Sua estratégia é priorizar e não buscar mais a hiper performance e cobrança excessiva
de antes. Já Claudia claramente expressa o efeito do programa e seu engajamento na prática
e nas reflexões como meio de autocuidado: “Eu acho que se eu não tivesse passado por esse
programa e continuasse carregando comigo a meditação e os conceitos que a gente
explorou, eu estaria cultivando em mim um pouco mais de frustração e ranço.”
Outro exemplo é o de Alicia, onde na sua segunda entrevista menciona a importância
de separar um tempo para reflexão e cuidado consigo independente das demandas externas.

“(...) eu realmente gostei de como tínhamos um bom tempo no final do dia


para meditar e refletir, e acho que o principal argumento para mim foi que
você precisa agendar um horário, não importa o quão ocupado esteja, para
refletir, questionar, respirar e pensar no quadro geral de sua vida..”

Esta fala de Alicia traz alguns pontos importantes sobre autocompaixão. Como a
revisão de literatura indicou, autocompaixão traz componentes de sabedoria discriminativa
(i.e., a capacidade de avaliar a própria conduta) e sabedoria reflexiva (i.e., a capacidade de
ver os eventos de forma realista e desenvolver entendimento sobre condutas pessoais que
podem contribuir para o sofrimento vivido). Assim, criar espaço para não apenas se cuidar,
mas refletir sobre as causas e condições do próprio sofrimento é fundamental.
Vihaan também demonstra reflexão neste sentido. Tais resultados começaram a
acontecer durante o programa por conta dos questionamentos que as atividades pedagógicas
estimulavam. No diário de campo da Sessão 4, Vihaan relata:

“Para mim, tem sido levar algumas horas da semana para pensar sobre o
que está acontecendo na minha vida, tenho 2 horas de carro, o tempo de
viagem, o tempo para saber o que está funcionando, o que não está
funcionando, o que é que eu tem que fazer diferente”.

A fala de Alicia e Vihaan se juntam a de outros participantes que denotaram ter


investido mais tempo para reavaliar e olhar os caminhos de vida. Isto possui intima relação
com a perspectiva de Trungpa (2015), que afirma que olhar para si e se questionar é um ato
264

de autocuidado, um tipo de gentileza e de gosto por si como algo muito necessário, sendo a
base para que ajudemos a nós mesmos e aos outros.

Dificuldades com autocompaixão: melhorando, mas há um caminho pela frente


Entretanto, esses resultados não significam que foram alcançados facilmente. Muitos
relataram nas entrevistas após o programa suas dificuldades com autocompaixão. Anjali,
Maria, Talisha, Claudia, Susan, Indira, Sai, Timothy e Adriano (9 no total de 12 participantes)
contam sobre isso.
Sai é emblemático neste sentido. Seus depoimentos ilustram pontos importantes
relacionado a autocompaixão (ou melhor, a ausência dela): desgaste emocional por pensar
muitos nos outros; um estilo de vida centrado no trabalho que negligencia a própria saúde e
ainda, dificuldades de se colocar como receptor da própria compaixão. No diário de campo
da sessão 2, Sai relata: “Eu deveria cuidar da minha vida. Durante toda a minha vida, eu
tentava me lembrar dos sentimentos de outras pessoas, mas às vezes fazia isso às custas de
mim mesmo.”
Esta fala está diretamente ao fato que muita empatia pode cegar o indivíduo às suas
próprias necessidades. Empatia exige prestar atenção às necessidades de outras pessoas sem
sacrificar as próprias, e autoconsciência é fundamental neste processo (Böckler, Herrmann,
Trautwein, Holmes, & Singer, 2017; Singer & Klimecki, 2014), sob o risco de em sua
ausência enfrentar dificuldades emocionais (Kestenberg, 2010). Uma de causa potencial
desta manifestação empática inábil, pode estar relacionada a pouca capacidade de
autocompaixão. No diário de campo da sessão 3, Sai expõe mais uma face de sua dificuldade
com autocompaixão:
“Sai: Eu oro pelas pessoas todos os dias e tenho uma lista de coisas que
oro por elas: Desejo que estejam bem, que tenham felicidade... isso
aumentou recentemente [com o programa].
Selma: Você ora por você?
Sai: Não oro por mim, apenas pelos outros.”

Este relato ilustra de forma explicita uma dificuldade de compaixão a si tão profunda
e enraizada que nem é percebida. Por outro lado, no diário de campo da última sessão, Sai
expõe que: “Eu fiz um retiro de ioga neste fim de semana. 8 horas por dia. Isso foi novo,
muito intenso. Era sábado e domingo. (...) Estou me saindo melhor em cuidar de mim, está
sendo difícil, mas estou melhorando”
265

Este dado aponta que o programa pode estar estimulando seu autocuidado.
Interessante que Sai questiona o efeito do programa em si. No diário de campo da sessão 4,
Sai comenta em grupo:

“Vocês acham que as coisas que acontecem aqui [programa] fazem algo
em nós no nível subconsciente? Porque eu liguei para minha mãe, eu não
faço muito isso. Liguei para ela diretamente, não para o meu pai, para
quem eu normalmente ligo..., mas de repente eu fiz, sem pensar muito”.

Talvez o ato de Sai possa ser explicado pelo fato de se permitir se cuidar mais e isto
evocou em si maior autoconsciência, entrando em maior contato com seus valores e
sentimentos anestesiados com entes mais queridos. De fato, a literatura afirma que
autocompaixão invoca qualidades de bondade e sentimentos de interconexão, estando
associada a uma maior conexão social (Neff, 2003b). No que diz respeito a sustentabilidade,
tais traços são fundamentais, em especial para avanços no campo social.
Tendo em mente os relatos acima de Sai, cabe ressaltar que suas dificuldades são
imensas e ele conseguir compartilhar estes relatos em grupo é um avanço. Isto sugere efeitos
positivos do programa. De fato, todos os participantes que relataram dificuldades de
autocompaixão lançam um olhar otimista para essa dificuldade, como algo em progresso e
que estão dispostos a mudar. Da mesma forma, Anjali relata na entrevista pós ação
psicossocial que passou a entender o que significa ser mais gentil consigo mesma, o que para
ela é notável:
"Eu acho que no passado, eu ouvia com um chefe, um amigo ou até um
namorado dizer: Você precisa ser mais gentil consigo". Eu reagia tipo, eu
nem sei o que isso significa. Mas agora sinto que compreendo muito mais
esse conceito. Acho que talvez o próximo passo seja começar a executar
um pouco mais.”
A fala de Anjali se une a outros depoimentos que estão relacionados a autogentileza,
a busca por reduzir o próprio sofrimento e menos autojulgamento, evidenciando o aumento
de autocompaixão e autocuidado nos participantes do programa. Como mencionado na
contextualização dos resultados, cabe um olhar estendido para a participante Anjali.
Aqui foram demonstrados diversos exemplos de dificuldade de autocompaixão,
julgamento excessivo e demandas incompatíveis com a realidade, e nela, particularmente,
tais traços parecem ser mais resistentes. Para Anjali, ser gentil e cuidadosa consigo é muito
difícil, por vez que está começando a compreender o que isto significa. Importante ressaltar
também que ela é a participante mais velha, viveu dificuldades em seu trabalho por ser
mulher atuando em tecnologia em uma geração diferente das demais. No entanto, ela
266

descrever essa evolução na entrevista pós programa é extremamente positivo. Demonstra


autoconsciência e verbalização dessas questões. Seus resultados de autocompaixão são muito
positivos se observados por esta ótica.

Reflexões conclusivas sobre autocompaixão: base para um funcionamento psicológico


saudável
Todos os participantes demonstraram melhoras nos seus níveis de autocompaixão,
com melhorias nos traços de autogentileza e menor autojulgamento. Notadamente, para a
literatura budista, trata-se de um traço fundamental para responsabilidade social e ambiental,
pois nas palavras do Dalai Lama (Gyatso, 2003; Jinpa, 2015) para que alguém possa
desenvolver compaixão genuína pelos outros, primeiro ele ou ela deve ter uma base sobre a
qual cultivar compaixão, e essa base é a capacidade de se conectar aos próprios sentimentos
e avançar na compreensão das causas e condições de seu próprio sofrimento.
Na literatura científica ocidental, alguns efeitos estão positivamente relacionados a
maior autocompaixão, como aumento de bem-estar e maior senso de conexão social e mesmo
gentileza direcionada a outros (Neff, 2003a). Alinhado a esta visão, há sólida evidência que
o programa contribuiu no bem-estar e no desenvolvimento de afetos positivos e
consequentemente, na própria saúde dos participantes.

Bem-estar psicológico: “voltando a respirar”

Como vimos na revisão de literatura, o bem-estar individual e sustentabilidade


possuem uma relação problemática e são frequentemente retratados como atividades
conflitantes, visto a visão de mundo predominante antropocêntrica, consumista e materialista
como base para bem-estar e felicidade (Laininen, 2018). Entretanto, saúde e bem-estar são
fundamentais para a sustentação da vida, sendo uma das metas de desenvolvimento
sustentável da ONU (World Health Organization, 1986), pois indivíduos com sua saúde
debilitada, vida em risco ou em sofrimento psicológico tão pouco fazem parte de um modelo
sustentável de vida.
“Pela primeira vez em cerca de dois meses eu consegui dormir”: mais afetos positivos
Os resultados aqui encontrados sugerem que o programa elevou os níveis de bem-
estar de todos os 12 participantes, não pela promoção de valores culturais hegemônicos, mas
pelo questionamento sobre as causas e condições de sofrimento de nossa forma de ser e viver
267

em sociedade e das mudanças realizadas pelos participantes decorrentes deste


questionamento.
Na entrevista pós programa, Talisha relata que pediu licença do trabalho e que isto
uma melhor compreensão do contexto que se encontrava e dos efeitos de sua decisão para
seu bem-estar:

“E então, depois que eu sai de licença, esta é minha segunda semana, então
eu diria que cerca de oito dias depois, eu estava contando ao meu
namorado, eu estava contando aos meus colegas de trabalho que pela
primeira vez em cerca de dois meses eu consegui realmente dormir.

Mais uma vez, vemos o imperativo da hiper performance (Ehrenberg, 2016) e seus
efeitos danosos na saúde mental e mesmo física. Contudo, destacamos que o caminho de
resgate de sua saúde e bem-estar não foram apenas práticas de mindfulness para alívio
momentâneo de suas aflições, mas sim o questionamento sobre os valores e seu estilo de vida
e a reconexão com atividades que eram importantes para ela31.
O movimento de Talisha e de outros participantes em direção de uma vida mais
significativa por meio do alinhamento com seus valores está associada a melhores níveis de
bem-estar (Christie et al., 2017; Hayes et al., 2006) e é central na Terapia de Aceitação
Compromisso como discutido no capítulo de literatura.
De forma similar, outros participantes relataram menos estresse e ansiedade
após o programa. Adriano, por exemplo, diminui estresse em sua vida tanto por causa de sua
habilidade desenvolvida de ver as coisas em perspectiva – nitidamente relacionada a
regulação emocional e desfusão cognitiva - como pelo alinhamento de sua vida a valores
autênticos:

“Eu estou em geral menos estressado. Consegui me descolar um pouco


mais do trabalho, o que é ótimo. Eu acho que consegui ter uma perspectiva,
dar um passo atrás, e apenas olhar as coisas de uma perspectiva diferente,
pra poder priorizar as coisas. Portanto, olhar em perspectiva também foi
útil para reduzir o estresse”.

Outro exemplo é Mark, que com as práticas meditativas e escrita reflexiva


também se sentiu mais tranquilo:“Ultimamente tenho me sentido mais calmo e relaxado,
menos ansioso. Então, eu imagino, você sabe, [as práticas de journaling do programa]
certamente um fator do porquê estar me sentindo assim.

31
Talisha informa em janeiro de 2020 que atualmente está se dedicando internamente a projetos de
igualdade de gênero.
268

De fato, a literatura que examina a relação entre mindfulness e bem-estar afirma que
maior mindfulness resulta em mais bem-estar não apenas pela melhora de habilidades
cognitivas que impactam em regulação emocional, mas devido a uma postura mais consciente
e alinhada com aquilo que lhe é importante (i.e., valores) (K. W. Brown et al., 2007b). Mark
em seu relato ilustra este ponto, visto que ele mencionou o quanto buscava ser mais gentil,
presente e paciente nas relações interpessoais. Adicionalmente, percebe-se o efeito sinérgico
das práticas de mindfulness e os exercícios de valores realizados no programa como
fundamentais para melhoria no bem-estar dos participantes.

Reflexões conclusivas sobre bem-estar: quando bem-estar individual não ameaça o bem-
estar planetário
Um ponto de avanço em relação ao um mundo mais sustentável é que tais incrementos
de bem-estar não estavam relacionados a fatores que são um contraponto ao bem-estar
planetário. Como vimos, os diferentes níveis de bem-estar que foram encontrados reafirmam
a visão de ecologia mental do programa de pesquisa, onde os participantes notaram
importância de cuidar de si, desenvolverem autocompaixão e questionar valores e
direcionamentos de vida.
De fato, Brown & Kasser (2005) demonstraram que pessoas felizes vivem de forma
ecologicamente responsável quando esses indivíduos são orientados por valores
“intrínsecos” (i.e., orientação para crescimento pessoal, busca de autenticidade,
relacionamentos e envolvimento com comunidade) e não valores "extrínsecos" (i.e.,
orientados para sucesso financeiro, imagem e popularidade) e são mais conscientes de sua
experiência interior e de suas condutas, o que é um resultado direto do desenvolvimento de
mindfulness. Para avançarmos nesta questão, vamos abordar como as transformações vividas
pelos participantes em relação as relações com os outros e a natureza. Antes, contudo,
convém sumarizar os resultados encontrados até o momento.

Síntese sobre o processo de mudança na relação com si: sobre (re)descobrir,


(re)conectar e (re)direcionar

Quando olhamos esse primeiro bloco de resultados relativo a mudanças dos


participantes do programa na relação com si, vemos que houve mudanças positivas em
aspectos visões de mundo, valores e condutas que são positivamente ligados à
269

sustentabilidade. Reavaliando suas vidas em diversos níveis e em áreas diferentes, os


participantes reciclaram crenças, suposições e modos de ser.
O desenvolvimento de habilidades de mindfulness levou a ganhos em habilidades
cognitivas como maior autoconsciência, maior abertura ao presente e habilidades de
regulação emocional, o que facilitou respostas mais hábeis e conscientes na experiência
diária. Estar mais consciente da experiência presente e ainda, reconhecer pensamentos como
pensamentos, emoções como emoções e sensações como sensações trouxe maior habilidade
para regular melhor as emoções e responder mais habilmente a situações do cotidiano, em
especial às mais estressantes.
Houve também a re(descoberta) de valores genuínos, questionamentos sobre
caminhos de vida e uma busca - ainda que pesem as dificuldades de se efetivar – de um
(re)direcionamento de vida coerente com tais valores. Certamente exercícios utilizados ao
longo do programa (e.g., Valores em Ação; Journaling) que estimularam a clarificação de
valores e ações coerentes com estes foram fundamentais, entretanto, não podemos isolar este
grupo de resultados do desenvolvimento de mindfulness.
A literatura aponta que maior traço de mindfulness possibilita respostas mais
conscientes à experiência pressente, o que inclui a capacidade conectar com seus verdadeiros
valores e escolher conscientemente condutas congruentes com tais valores (K. W. Brown,
2003; Shapiro et al., 2006). Reconhecer seus valores genuínos e buscar (re)direcionar suas
vidas é um passo importante para um maior senso de sentido e propósito, e
consequentemente, maior bem-estar e a saúde integral dos participantes, premissa de
sustentabilidade.
Outro resultado de extrema relevância para esta pesquisa foi o aumento – ainda que
cada um em grau e forma diferente - de autocompaixão dos participantes. Essa (re)conexão
com si, esse olhar mais reflexivo e gentil a si é considerado na literatura budista como a base
para uma ação compassiva no mundo. Adicionalmente, a literatura científica ocidental a
associa maiores traços de equanimidade e sentimentos de interconexão (Neff, 2003b), que
são características importantes quando pensamos em responsabilidade e justiça social.
Como resultado direto dos elementos acima, houve aumento de bem-estar. Os relatos
dos participantes reafirmam as mudanças que estavam fazendo em si, os direcionamentos e
caminhos escolhidos para tentar construir uma vida mais de acordo com o que desejam.
Também demonstram predisposição em repensar modelos de vida e paradigmas de cuidado
e saúde. De forma alinhada com a literatura, o desenvolvimento de mindfulness está
relacionado com aumentos de bem-estar psicológico por causa de uma postura mais aberta,
270

objetiva, flexível e não reativa em relação à experiência interior (K. W. Brown, 2003; K. W.
Brown et al., 2007a), assim como uma clarificação de valores e a busca por alinhar a vida
com tais valores com maior senso de sentido e propósito e bem-estar (Hayes, 2016).
Desta forma, percebe-se que houve um aumento de bem-estar mais alinhado a
perspectiva de bem-estar não hedônico, baseado no maior alinhamento de valores e condutas,
autocompaixão por meio de maior autogentileza e autocuidado e uma busca por mais sentido
e propósito (Ryff, 1989). Esta dimensão de bem-estar segundo vimos na literatura não é, em
princípio, conflitante com o bem-estar planetário. Pelo contrário, podem ser positivamente
relacionadas se os valores cultivados forem de natureza menos materialista e mais espiritual.
Como nosso pressuposto teórico se baseia no paradigma da complexidade e seus
princípios, acreditamos que a insustentabilidade da sociedade está presente também no ser
humano, sendo um assim espelho. Cabe ao ser humano primariamente olhar para si,
transformar a si, cuidar de si. Sem isso, incorre no risco de buscar inabilmente resolver os
problemas do mundo. Os relatos discutidos neste bloco de resultados indicam que este
processo se iniciou. A seguir, veremos os desdobramentos nas relações com os outros – tanto
no espaço pessoal quanto profissional - e com a natureza.

Expansão e reconexão com outro: o início de uma ecologia social e cultural

Esta seção aborda em que medida os participantes vivenciaram mudanças em sua


forma de ver o mundo e de se relacionar com outros. Mudanças ocorrem em diversos níveis
e é esperado que reflexões em nível individual levem os participantes a ressignificar, refletir,
redirecionar também como agem em relação aos outros. Entendemos que os resultados que
são apresentados são promissores neste sentido por apresentarem predisposições e condutas
alinhadas à construção de uma sociedade mais consciente, responsável e assim, sustentável.

Maior responsabilidade com os outros e a sociedade: uma nova esperança

Todos os participantes relatam terem adquirido mais consciência e reflexão sobre suas
ações e como estão impactando o mundo. Existe um feixe de efeitos relacionados a forma
como os participantes foram impactados pelo programa que se referem diretamente a visão
de mundo, valores e condutas entos que estão positivamente relacionados à sustentabilidade,
como maior percepção de interdependência, empatia e compaixão.
Nota-se maior incidência de empatia, compaixão e condutas prossociais na esfera
pessoal que no contexto de trabalho, mas não em grande diferença. De forma promissora,
271

algumas iniciativas de liderança consciente foram verificadas com potencial de em médio e


longo prazo influenciarem a cultura corporativa no âmbito da unidade de negócios pertinente
à iniciativa. Para explorarmos em detalhes estas mudanças, começaremos pelo que
consideramos ser a base de onde as outras mudanças residem: uma maior percepção de
interdependência dentro de suas visões de mundo.

“Realmente único e útil para eu ver minha vida de uma forma visão holística”: percepção
de interdependência no tecido social
O conceito central do programa de nossa ação psicossocial foi interdependência,
consciência de implicação de todos por todos, de tudo por tudo. No programa
interdependência foi o tema central da sessão 2, onde foi realizado o exercício do chocolate,
o exercício mais comentado pelos participantes.
Claudia comenta em sua entrevista após o programa:

"Eu acho que o principal que ficou comigo do programa foi até o que eu
compartilhei em algumas sessões, foi a noção de interdependência e de
como os meus pensamentos, as minhas ações têm que estar conectadas com
o que eu tenho que construir. Não só interdependência do que é externa,
mas também do que é interna: do que eu penso, do que eu falo, do que eu
sinto e das ações que eu tomo. Eu tenho estado bem, eu sinto que entrei
num nível de consciência que eu não tinha. E eu acho que isso traz uma
forma diferente como eu abordo e percebo coisas corriqueiras, assim, do
dia a dia mesmo."

De fato, todos os participantes mencionam aumento na compreensão e consciência


sobre interdependência ao longo das entrevistas. Comparada a sua fala na entrevista anterior
ao programa, Claudia não parece mais estar tão à vontade quanto sua perspectiva que os seres
humanos estavam testando os limites do planeta como parte de um processo natural de
crescimento e busca de conhecimento sobre até onde podemos ir com nossos modelos
econômicos e formas de ser. Já Susan relata sobre percepção de interdependência integrando
também autoconsciência:

“Estou mais consciente do lixo que estou gerando, dos tipos de alimentos
que estou comendo, de como minha reação mesmo que eu não esteja
dizendo nada, afeta outras pessoas. E era isso que eu queria com [com o
programa], estar mais consciente, mais presente e mais, qual é a o mundo
que estou criando?”

A fala de Susan denota que a maior consciência de interdependência traz reflexões


sobre sua forma de ser em diversas áreas distintas - como no consumo de alimentos e nas
interações e o impacto à sua volta. De fato, Susan destacou que um dos principais
272

aprendizados que teve com o exercício do chocolate foi despertá-la para o efeito negativo
silencioso de suas ações. Maria, por sua vez, destaca como o entendimento de
interdependência despertou nela maior atenção na vida diária e mesmo alterando sua forma
de consumo:

“Sim. Isso foi realmente poderoso para mim. [consciência de


interdependência] Por isso, tento saber o máximo que posso antes de
comprar algo sobre como o produto foi fabricado. Onde é feito? [como foi
o trabalho] Então isso definitivamente mudou para mim. Eu compraria o
que fosse conveniente e agora não me importo de pagar mais, desde que
seja mais, é dinheiro indo para as pessoas certas que eu apoio.”

Aqui, vemos uma predisposição e condutas alteradas, visto que isso definitivamente
mudou para ela. Corroborando o aumento de consciência de interdependência nos
participantes, Sai em sua segunda entrevista exemplifica como ultimamente tem
contemplado toda a cadeia produtiva relacionado à sua alimentação durante o ato de se
alimentar:

“Ultimamente, quando tenho algo na frente do meu prato, olho para a


comida e penso na cadeia de situações ou cenários ou eventos que
ocorreram para trazer a comida para a minha mesa. E basicamente penso
nessa cadeia de pessoas e coisas que me trouxeram.”

Alicia em sua segunda entrevista destaca que após o exercício do chocolate, sua
consciência de interdependência aumentou e, ao mesmo tempo, isto tem lhe estimulado a
notar coisas que não consumava e a ver as coisas – inclusive sua própria vida – com outra
perspectiva:

“Lembro-me do exercício do chocolate de maneira muito distinta, como


algo que me fez perceber que não deveria me preocupar com minha vida,
e sim, me fez perceber que tenho mais do que penso que tenho. (...) Reflito
mais quando eu como, quando tenho tempo para mim mesma ou quando
estou andando pela cidade, fico olhando as folhas das árvores, olhando a
arquitetura dos prédios e percebendo as coisas que ignorei no passado”.

Os relatos de Alicia e Sai denotam alterações nas predisposições e condutas devido


aos advérbios temporais usados, indica um importante efeito desta nova visão de mundo –
interdependente - na forma como agora agem. Indira, por sua vez, em sua segunda entrevista
traz reflexões relativas à interdependência no contexto de relações dentro do trabalho:
273

“Então a interdependência tem relação com algumas coisas...é sobre dar


e receber e voltar para a minha equipe anterior foi uma grande parte disso.
Eu sei que vou ser interdependente com minha equipe e preciso confiar na
equipe completamente. O aspecto da relação humana é importante porque
algumas vezes, especialmente como uma engenheira, você acha que os
problemas técnicos são o mais importante, mas perceber que são as
pessoas que movem tudo...grande diferença”

Ainda assim, estar consciente da interdependência pode não ser suficiente para
estimular mudanças de condutas. Ao longo das sessões, entretanto, buscamos meios de
aprofundar esta discussão e estimular formas de vivermos de maneira que honrasse a visão
de mundo como interdependente. Para avaliar em que medida esse aumento de
interdependência se traduz em outras condutas relacionadas à sustentabilidade – seja social
ou ambiental – vamos explorar mais resultados.

“O exercício de não ignorar o que eu não sei, não ignorar o que eu não vejo e me colocar
no lugar do outro”: sobre empatia, compaixão e responsabilidade
Ao analisar os resultados, quatro participantes relataram mudanças recentes em sua
forma de perceber e agir que denotam aumento de empatia. Compreendendo empatia como
uma habilidade dividida entre cognitiva e emocional, os participantes relatam sobre ambas
sendo que a cognitiva foi mais presente. Ao final do programa, Claudia relata a situação do
Carrefour que simboliza empatia cognitiva:

“O caso recente do cachorro no Carrefour...eu vi todo mundo muito em


cima do segurança, crucificando o segurança que tomou aquela atitude e
eu me senti um peixe fora d'água, porque meu sentimento era contrário, na
verdade era de empatia por alguém que não tinha a consciência do que
estava fazendo e que sofria uma rejeição a todo um país que estava
levantando uma bandeira por um cachorro que foi morto pelo simples fato
de eles terem visto o cachorro sendo morto”.

Sua fala denota a busca de estabelecer uma perspectiva de ver a situação do lugar do
segurança. Em situações mais próximas dos participantes e relacionadas a situações de
trabalho, também há exemplos. À exemplo disso, questionada sobre se percebeu alguma
mudança em si desde o fim do programa, Alicia comenta:
“Eu tenho vindo trabalhar com uma mente renovada e, você sabe, tenho
buscado tratar meus colegas de trabalho com respeito e ser honesta, e meio
que, ouvir primeiro quando eu me comunicar. Eu trabalho muito em torno
de grupos de afinidade aqui, e tento ser o mais inclusiva possível, tento ver
pontos de vista de todos os ângulos diferentes, como em reuniões e outras
coisas”.
274

Concluímos que Alicia teve um incremento em sua predisposição positiva em relação


aos colegas de trabalho e tem apresentada conduta prossocial mais intenso, como pela busca
de mais empatia e escuta consciente no ambiente de trabalho.
Mark por sua vez, demonstra incremento na empatia – ao menos cognitiva - quando
relata em sua segunda entrevista que cada vez mais se interessa por ouvir diferentes
experiência de vida. Nesta atitude de entender como sentem ele faz uma alusão – não como
causalidade - a dinâmica do programa que estimulava trocas entre os participantes:

“Foi interessante ouvir como diferentes partes da empresa estão


enfrentando diferentes tipos de ação. Coisas que eu acho chatas, eles não
precisam lidar e coisas que eles acham chatas, eu não tenho que lidar.
Cada vez mais, me interesso por ouvir diferentes experiências de vida,
diferentes soluções que são identificadas”.

O fato do programa se basear em mindfulness, interdependência e compaixão e


também por possuir atividades pedagógicas que estimulassem a troca entre participantes
pode ser uma das razões para este aumento de empatia. Alicia é outra que demonstra ter
crescido em empatia e mesmo autocompaixão devido às trocas que existiram ao longo do
programa: “o compartilhar e ouvir outras pessoas compartilhando lutas e histórias muito
semelhantes ao redor da mesa, ao redor do grupo. Isso me ajudou a perceber que não sou a
única...todo mundo tem lutas semelhantes.”
De fato, empatia em relação aos outros também pode levar a maior autocompaixão,
ao menos na dimensão relativa a comunalidade da experiência de sofrimento humano - pois
percebemos que compartilhamos muitas aflições (Neff et al., 2007). Por meio de
comparações das entrevistas pré e pós programa é possível visualizar que grande parte dos
participantes possuíam alguma dificuldade empática e de autocompaixão; mas nas entrevistas
pós isso foi fortalecido. Talisha, por exemplo, na entrevista posterior ao programa demonstra
maior atitude em ouvir conscientemente:

“É estranho dizer isso, mas eu ouço mais. Aproveito o tempo para apenas
ouvir. Eu nem interrompo ninguém durante o que eles querem dizer, mesmo
que eu concorde ou discorde, eu apenas fico sentada e deixo que eles falem.
Sim, então é uma maneira completamente diferente de como eu já me
comuniquei.” [...]”.

Em comparação à sua primeira entrevista, é uma grande mudança atitudinal e


comportamental. Talisha relatou na entrevista prévia ao programa questões de dificuldade de
empatia com outros:
275

"Eu acho que as pessoas têm grandes expectativas do que elas sentem que
merecem. Eles sentem que são mais merecedores do que realmente são. As
pessoas compartilham opiniões e no final do dia é apenas uma opinião.
Mas acho que sim, acho que meus sentimentos em relação aos outros agora
são que as pessoas estão ficando um pouco mais sensíveis a seus próprios
sentimentos pessoais.”

A fala de Claudia retratada no diário de campo da sessão 4 traz também exemplo de


empatia e um impacto no seu bem-estar:

“A semana passada foi super interessante. Muita coisa acontecendo,


muitas frustrações com os outros. Perceber que eles também estão
frustrados me ajudou. Grande exercício começar a assumir boas intenções
dele [um fornecedor] e isso me trouxe bem mais tranquilidade”

De fato, a literatura empírica e teórica sugere melhorias no funcionamento


psicológico - incluindo bem-estar - se empatia e compaixão estiverem acompanhadas de
autocompaixão e autoconsciência (Böckler et al., 2017; Richardson et al., 2016), caso
contrário o indivíduo pode ter esgotamentos emocionais ou simplesmente agir de forma
inábil para ajudar a outra pessoa. Claudia na sessão 4 comentou sobre como ela fica
estressada, ansiosa e irritada ao lidar com fornecedores e queria reduzir isso. Uma maneira
de fazer isso era, além das práticas, refletir e perceber que a pessoa também está estressada e
que potencialmente não tem más intenções. Segundo Claudia, na segunda entrevista ela relata
que isso veio das práticas de compaixão, onde recorrentemente era repetido que todos tem
algo em comum, querem ser felizes e evitarem a dor. Perceber isso a fez se sentir mais calma
– menos ameaçada - e ela podia pensar melhor, negociar melhor e tomar melhores decisões.
Mais uma vez, o esforço em sair de seu mundo de interesse e ir até a realidade do
outro, estabeleceu pontes de entendimento, contribuindo para a redução de afetos negativos
e reverberando em seu bem-estar. Vale lembrar que Claudia havia relatado que sua busca por
autoconsciência e autocuidado foi fundamental para que ela pudesse estabelecer empatia com
outras pessoas de forma mais consciente.
Neste sentido, Indira também destaca que as práticas de compaixão realizadas no
programa tiveram forte influência em como se sente e como gostaria de se sentir em relação
às pessoas:

“Acho que está ligado a questão de interdependência também...Aqueles


exercícios costumavam me encher de felicidade. Então eu acho que isso faz
você perceber que na verdade você tem um recurso infinito amor e bondade
276

e não há ninguém que o impeça de dar às pessoas...Então, por que não


viver sua vida assim, em vez de emitir emoções negativas?”

De fato, Indira tem usado a meditação como um meio hábil de lidar com aflições.
Mais ainda, sua fala sugere implicitamente que a meditação da compaixão pode de fato ajudar
seus pais, mesmo à distância:

“Por vezes me preocupo com meus pais...ao invés de ficar preocupada e


mal com isso, prefiro fazer os exercícios de mindfulness e apenas emitir
bondade-amorosa e compaixão para eles, e espero que cheguem a eles. E
isso me ajudou e espero que tenha ajudado. Mas você sabe, eu sentada
aqui e me preocupando apenas não teria ajudado ninguém”

Esta aspiração que realizar a prática pode impactar seus pais pode denotar uma
consciência de interdependência mais radical (e vemos isso como positivo, não negativo).
Outro participante que relata o uso da meditação da compaixão como um meio de auxiliar
um ente querido foi Timothy. Este relato foi observado no diário de campo da sessão 3,
quando Timothy compartilhava em seu grupo ações mais conscientes e compassivas que
tinha realizado na semana anterior. Timothy destacou que sua esposa e ele, em menor escala,
tinham problemas de insônia. Ao compartilhar a prática da compaixão com sua esposa – um
ato por si só compassivo - ambos se sentiram melhor:

“Esse foi um momento muito impactante em ajudá-la a se centrar


novamente [por meio de meditação]. Isso permitiu que tivéssemos base
emocional e física adequada para o resto do dia, o que causou uma
melhora de ânimo em nós dois”.

Timothy traz mais informação sobre como o programa lhe forneceu ferramentas para
ser mais hábil em ajudar sua esposa. Vale destacar que Timothy nunca tinha realizado curso
algum de meditação anteriormente. Concomitantemente, percebe-se que ele explora o uso
das práticas com sua esposa por achar um ambiente mais seguro e assim, pode avaliar os
resultados:

“Isso aconteceu várias vezes em que ela acordava no meio da noite, pude
ver que ela está realmente estressada. Então, a auxílio a fazer uma pausa
e concentrar-se em seus pensamentos e sentimentos, sua respiração, e
apenas começar a realmente explorar como ela está se sentindo, seja física
ou emocionalmente, como uma maneira de ajudar a obter alguma
perspectiva sobre seja o que for que a esteja desafiando naquele
momento”.

Timothy reafirma na entrevista após o programa autoconsciência, além de empatia e


atitudes compassivas também em relação a colegas de trabalho:
277

“Embora reconheça que agora estou em um padrão insustentável, também


tenho consciência de que tenho três membros da equipe que são mulheres,
são mães, então há outro tipo de pressão social sobre elas para estarem
cada vez mais presentes para os filhos quando não estão no espaço de
trabalho”

Como não pudemos realizar entrevista com Timothy antes do programa, não sabemos
se isto já era uma atitude anterior ao programa, mas seu relato sobre pragmatismo na
comunicação que destacamos na etapa de ponto de largada indica evolução neste aspecto
com seus colegas de trabalho. De forma análoga, Mark relata o fato de estar compartilhando
os exercícios e reflexões vistos no programa com colegas de trabalho: “Tenho mais
familiaridade e me sinto mais confortável com o tema [mindfulness] e acho que eu estou
mais disposto a ser um advogado da prática internamente".
Anjali, por sua vez, relata uma conduta que a fez se sentir orgulhosa:

“Me sinto orgulhosa de mim mesma. A filha de uma de minhas melhores


amigas estava passando por um momento difícil ontem e estava agindo de
forma agressiva, ela precisava se sentir no controle e precisava expressar
essa raiva. Então, eu contei a ela todas as coisas sobre ela nos últimos três
ou quatro anos que me fizeram me sentir orgulho dela e eu a notei se
acalmar”.

Sua fala não somente expressa empatia e uma atitude compassiva como também uma
mudança na forma como se vê: se sentiu orgulhosa de si ao ajudar a filha da amiga. Para ela,
com suas dificuldades de autocompaixão, se sentir orgulhosa de si ao fim do programa é um
grande resultado, ainda mais quando lembramos que antes do programa ela disse não ter nada
a se sentir orgulhosa de si (apesar de ser uma executiva do vale do silício). Ao que parece, o
programa ajudou a perceber desigualdades sociais, senti-las (literalmente) amargas em sua
boa e estar consciente de suas ações para reduzir impacto. Este efeito pode convergir em
condutas compassivas.
Alicia fala sobre percepção de interdependência de uma forma que se conecta com as
questões sociais e sua relação com a indústria do chocolate, denotando empatia:

“Sim, isso é algo que você, no fundo provavelmente sabe que está
acontecendo ou sabe que existem partes do mundo que estão vivendo dessa
maneira, mas se você não reservar um tempo para realmente observar ou
assistir aos vídeos sobre o que está acontecendo com aqueles que estão
colhendo cacau, isso realmente não afeta você.”

Além destes relatos colhidos nos diários de campo, na entrevista pós programa, Mark
em suas falas traz o fato de estar compartilhando os exercícios e reflexões vistos no programa
278

com colegas de trabalho: “Tenho mais familiaridade e me sinto mais confortável com o tema
[mindfulness] e acho que eu estou mais disposto a ser um advogado da prática internamente"

Timothy reafirma empatia e atitudes compassivas também em relação a colegas de


trabalho:

“Embora reconheça que agora estou em um padrão insustentável, também


tenho consciência de que tenho três membros da equipe que são mulheres,
são mães, então há outro tipo de pressão social sobre elas para estarem
cada vez mais presentes para os filhos quando não estão no espaço de
trabalho”

Como vemos, os participantes relataram condutas compassivas principalmente em


relação a seus colegas de trabalho, visto que a maioria também clarificou valores acerca do
trabalho e relações sociais há coerência em suas ações compassivas focarem nesse aspecto
da vida. Como resultado de maior consciência de interdependência, empatia e compaixão,
podemos esperar que em alguma medida haja mudanças na ética social.
Uma fala de Claudia exemplifica como alguns participantes, por meio dos conceitos
aprendidos, compreendiam ética social:

“Eu estou percebendo o que eu quero carregar comigo e o que eu não


posso – não posso não, sempre posso – mas o que eu não quero deixar de
fazer. Que é o exercício de não ignorar o que eu não sei, não ignorar o que
eu não vejo. Me colocar no lugar do outro, tipo, para mim eu senti que foi
muito saudável, me fez muito bem ter empatia ao segurança”.

Maria também exemplifica em sua fala sobre preocupação com população em


situação de moradia na rua:

“Muitas coisas surgiram recentemente para mim que realmente chamaram


a atenção para os sem-teto e todo o problema na área da baía [de San
Francisco]. Entretanto, eu ainda não sei como agir ou fazer. Como
traduzir isso em ação, mas é algo em que estou pensando constantemente”.

Esse relato reforça a predisposição de Maria em ter empatia por pessoas situações em
vulnerabilidade. Na entrevista anterior ao programa, Maria afirmava que buscava ser
compassiva com pessoas de rua, respeitando-os e se possível, dando alguma comida. Ao que
parece, o programa pode ter reforçado esta predisposição ou trazido mais à sua consciência
esta questão, visto que ela reporta maior orientação da atenção ao momento presente, assim,
podendo perceber mais claramente o sofrimento à sua volta. Apesar de não saber o que fazer
279

em relação às pessoas de rua, Maria aponta para mudanças em sua forma de consumir como
esforço de se tornar mais responsável socialmente: “Eu compraria o que fosse conveniente e
agora não me importo de pagar mais, desde que seja mais, é dinheiro indo para as pessoas
certas que eu apoio.”
Já Talisha relata sobre como a forma de se relacionar com outras pessoas – no trabalho
e fora delas - que constantemente estava relacionada a competição, está sendo reciclada:“Eu
poderia estar fazendo algo mais do que ver, eu acho, a vida de outras pessoas e sentir que
deveria ser capaz de competir contra elas. É sempre como aquele sentimento de
competição.”
O relato de Talisha denota uma reflexão crítica quanto a um dos valores dominantes
em nossa cultura, a competição. Isso é muito importante pois processos de mudanças
sustentáveis pedem por questionamentos e reflexões sobre as premissas e valores que
sustentam a forma de ser da sociedade. Aqui, temos o questionamento de uma das concepções
sobre sociedade ideal: competitividade (Laininen, 2018). Quando interdependência e
compaixão começam a emergir como uma nova concepção de mundo, valores e crenças
antigas começam a serem questionadas. Ainda assim, há dificuldades e todo processo de
mudança requer tempo e por que não, autocompaixão também.

“Sobrecarregados e desamparados” (mas há esperança): dificuldades responsabilidade


social e uma semente de liderança consciente plantada
Da mesma forma que os resultados apontaram dificuldades na coerência de valores e
ações e em autocompaixão, a mesma dificuldade se manifesta na busca por uma maior
responsabilidade social. Os participantes que tiveram mais dificuldade com esse tema foram
os que nas entrevistas anteriores ao programa já relataram dificuldades em relação a questões
sociais. Adriano, Sai e Vihaan foram participantes que nas entrevistas anteriores ao programa
relataram preocupações com a forma de organização social e principalmente preocupações
com o meio ambiente. Entretanto, eles relataram na entrevista após o programa uma aceitação
dessas preocupações e afastamento de suas vidas pessoais, não considerando “problemas”
deles ou não sendo possível se devotar às questões no momento em que viviam:

"Existem sete bilhões de pessoas no mundo e todo mundo tem seu próprio
conjunto de pontos de vista e opiniões e, como resultado, haverá coisas
acontecendo no mundo com as quais você concorda ou pode não
concordar. Poderia ser relacionado às relações comerciais entre os países.
Ou pode estar relacionado ao aquecimento global. Pode estar relacionado
a várias outras coisas que estão acontecendo. Você tem influência sobre
alguns aspectos dele. Você não tem influência sobre partes significativas
280

dele. Como resultado, é mais sobre como você faz as pazes com isso e vive
sua vida."

Aqui percebemos a visão fatalista e, ainda, menos radical sobre interdependência.


Adicionalmente, outros seguem esta visão. Adriano após o programa relata: "Para ser
honesto, não tanto. Novamente, é o mesmo no tipo de exercício. Tem estado na minha mente
ultimamente. Como tentar fazer alguma coisa. Mas eu não fiz nada".
Quando elabora sobre as razões de não ter conseguido traduzir as preocupações em
ações, Adriano comenta:

“As pessoas em ambientes corporativos são frequentemente muito


estressadas. Portanto, mesmo que suas intenções inerentes possam ser
ajudar os outros, primeiro eles precisam se ajudar a lidar com o estresse.
Alguns podem nem perceber isso, mas depois de aprender algumas das
técnicas, as pessoas podem ver os benefícios por si mesmas”.

Esta fala se junta a de outros participantes – como a de Claudia que diz que o processo
de olhar para si foi muito importante para conseguir olhar para fora - que remetem uma certa
interdependência entre autoconsciência, autocuidado e maior capacidade de cuidar das
questões do mundo. Neste sentido, levar responsabilidade social para o trabalho pode ser uma
tarefa mais complexa ainda.
Ir contra desigualdades, ambição corporativa e demandas questionáveis requer muito
engajamento pessoal e dependendo do contexto, não é suficiente nem para pequenas
mudanças. Conforme apontado no diário de campo da sessão 2 (reproduzido na seção de
dados da etapa baseline), o diálogo entre Anjali, Adriano e Vihaan denota uma visão de pouca
influência e desamparo. Anjali é chefe formal, mas não atua na esfera de compras que teria
maior impacto em sustentabilidade. Ou talvez pela razão explicada por Adriano, sob estarem
tão ocupados com seus próprios problemas. Nota-se, nesta linha, uma ausência de
movimentos coletivos por parte dos participantes para se reverter esse processo, como buscar
ajuda mútua. Nossa visão é que no ambiente onde o individualismo e o mito do herói
corporativo imperam, buscar iniciativas coletivas não é a inclinação usual. Assim, Vihaan
diz que não há como ter influência em tudo, denotando uma perspectiva mais individual e
fatalista. Este diálogo ocorreu na sessão 2, sendo que na sessão 3 buscamos trazer o exemplo
dos votos em uma eleição para minimizar esta crença que ações individuais não têm impacto.
Claudia em sua entrevista após o programa relata sua vontade de dar um sentido e
propósito ao que faz, e mais uma vez, traz para si uma autorresponsabilidade de se fazer algo
no seu próprio ambiente de trabalho:
281

“E eu acho que esse senso de responsabilidade tirou um pouco dessa culpa


dos outros e agora é comigo “ah, porque eu estou num ambiente que
ninguém percebe como homens e mulheres estão sendo tratadas
diferentes”. Sim, isso existe, e estou aqui, o que eu consigo fazer para
mudar disso?”

Essa autorresponsabilidade de Claudia e a busca por poder influenciar de maneira


responsável o ambiente possui relação com traços de liderança para a sustentabilidade e
lideranças conscientes. Ainda assim, a despeito de sua atitude ética, percebe-se que o
caminho central é o da ação individual, sem cogitar movimentos em rede, coletivos.
Ainda assim, ao analisarmos os relatos dos participantes, vemos que algumas
sementes foram plantadas. Alicia, Maria, Indira e Talisha indiretamente abordam como estão
mais ligadas a valores como bondade-amorosa, compaixão, autocompaixão e
responsabilidade social. Porém, Timothy aborda o tema liderança consciente e inteligência
espiritual, conceitos vistos na sessão 4. O diário de campo da sessão 3 ilustra que Timothy
demonstrava ter traços de liderança consciente por estar levando as práticas do programa para
sua equipe: “Eu tenho ajudado outras pessoas a desescalar emoções compartilhando as
práticas deste programa, como rotular emoções, e realmente obter perspectiva
compartilhando esse momento com elas”.
E sua entrevista após o programa, Timothy fala sobre sua aspiração e interesse em se
aprofundar em inteligência espiritual e em compartilhar conceitos e perspectivas vistas no
programa:

“Agora, o que estou fazendo é usar as técnicas meditativas que você nos
guiou no programa para focar mais em como eles [membros de sua equipe]
pensam e sentem, e quais são suas reações. Em vez de ser pragmático,
estou sendo muito mais, acho que ligado a inteligência espiritual que você
falou. Ajudando-os a pensar um pouco mais sobre a inteligência
espiritual”.

Consideramos isto um resultado muito positivo, pois pode trazer mudanças em


escalas maiores dentro da empresa. Timothy entre todos os participantes do programa é o de
maior nível hierárquico - líder de indústria na empresa – e um dos poucos a nunca ter recebido
aulas de mindfulness anteriormente. Ao final do programa, buscou aprofundar no
conhecimento, solicitando mais material sobre inteligência espiritual, um dos temas
abordados na sessão 4. Entre suas iniciativas após o programa, ele faz um convite:

“Inteligência espiritual é algo sobre o qual comecei a falar um pouco mais


em reuniões de equipe, apenas como conceito. Acho que foi uma conversa
realmente interessante que você e eu tivemos na última sessão, que é a
evolução do local de trabalho e os tipos de recursos e mentalidades que
282

queremos priorizar. (...) Eu tenho reuniões de equipe, e se você estiver


disposto a participar de uma reunião de equipe e levar esse conhecimento
para minha equipe, isso seria incrível!32”

Mais adiante, relata outra ação que estava planejando e na possibilidade de também
ter a presença do autor da tese:

“Uma outra abordagem de maior escala é que teremos um offsite meeting


33
externo vertical. Como temos seis equipes na vertical, uma equipe é
composta por oito. Nossa vertical é de 50 pessoas, e estou planejando isso.
Esperamos fazê-lo no final de março ou meados de abril. Pode haver uma
oportunidade de colaborar lá, sobre como podemos plantar parte da
sabedoria e ideias vistas no programa”.

Estas iniciativas demonstram o potencial que Timothy possui para exercer forte
impacto positivo na empresa. Analisando os resultados em conjunto, percebemos que 9 em
12 participantes terminaram o programa com incrementos claros em predisposições e
condutas prossociais, como busca de empatia, compaixão e responsabilidade social, ainda
que pesem as dificuldades de se operacionalizar isso no ambiente de trabalho e suas
diferenças individuais.

Síntese sobe maior responsabilidade com os outros e a sociedade: uma nova esperança
Seja em buscar escutar mais, buscar se colocar no lugar de outros, repensar o
consumo, relembrar pessoas de coisas boas que elas já fizeram ou planejar iniciativas de
projetos que possam mudar a mentalidade dentro da empresa, temos exemplos de empatia,
compaixão, atitudes prossociais que indicam um efeito positivo do programa em habilidades,
predisposições e condutas positivamente relacionados a sustentabilidade.
Neste ponto, a consciência de interdependência surge como potencial variável que
potencializa tais mudanças. Pelos relatos dos participantes, o conceito foi recorrentemente
resgatado em diferentes contextos como influência nas atitudes e condutas relatados.
Outro ponto de destaque é que, ainda que vindo de poucos, os resultados apontam
iniciativas relacionadas à liderança que privilegiam mudanças no status quo e a promoção de
valores diferentes dos hegemônicos que são responsáveis por um quadro de
insustentabilidade tanto interna quanto externa às empresas, representando uma promoção de
sustentabilidade cultural, uma das aspirações desta pesquisa. Tal resultado promissor faz

32
Por questões de agenda não conseguimos concretizar minha visita.
33
Termo usual para encontro externo de equipe. Prática comum em empresas grandes com orçamento.
Em geral se trata de um evento de planejamento onde o corpo executivo se reúne e elabora estratégias para o
próximo período. Não pude pois já havia retornado ao Brasil.
283

questionar o efeito do programa se mais participantes tivessem poder formal dentro da


empresa. quanto a lideranças conscientes demonstra abertura dos participantes a essa forma
de enxergar e exercer sua liderança. Adicionalmente, é importante destacar que apenas um
deles estava em cargo formal de liderança e exercê-la de forma consciente e positiva passou
a ser prioridade para o executivo. Tal resultado vai de encontro com as aspirações desta
pesquisa.
Um ponto singular é a relação entre autorresponsabilidade, autoconsciência e
autocompaixão com seus irmãos “do lado de fora”: responsabilidade social, empatia e
compaixão. Corroborando a literatura budista, os relatos aqui encontrados sugerem – ainda
que estejamos cientes que o método de pesquisa não nos permite concluir a força e a natureza
da influência - que tais construtos possuem relação positiva significante.
Isso nos leva mais uma vez a refletir sobre a consciência de interdependência como
um dos conceitos potencialmente mediadores dessa relação: se tudo está interconectado e
minha percepção da teia de causas e efeitos é maior, como ajo e como sinto impacta o mundo
e como o mundo age e se sente impacta a mim. Agora avançamos nos resultados da pesquisa
apresentando de que forma a relação com a natureza passou por mudanças e analisar em que
medida estes resultados dialogam com os resultados anteriores.

Eu mudo, tudo muda - nova relação com a natureza

Nesta seção abordamos em que medida temos mudanças nas visões de mundo,
habilidades, predisposições e dos participantes relacionados a sustentabilidade ambiental.
Seguindo a lógica de que que mudanças em nível pessoal, social, cultural e ambiental são
interdependentes (Guattari, 2000; Morin, 1999), o quadro geral dos resultados sugere mais
uma vez uma intrincada relação entre a percepção de interdependência e a maneira como
passam a ser relacionar com o ambiente natural.
Em que pese as diferenças individuais, há mudanças visíveis em relação à
predisposição, como querer se envolver mais em atividades próximas a natureza, assim como
em condutas, como buscarem mais contato com a natureza e repensar o consumo de forma
que se torne mais responsável ecologicamente.

Maior responsabilidade com o ambiente

Seguindo na visão de mudanças pessoais alterando relações, estendendo para as


relações com a natureza, um dos pontos de destaque foi mais uma vez o conceito de
284

interdependência surgindo como elemento catalisador de mudanças de relação. da pesquisa


foi analisado partindo do conceito de interdependência e como ela se manifesta em diversos
níveis, incluindo em na relação com a natureza.
Dos participantes entrevistados após o programa, seis deles relatam condutas
ambientalmente responsáveis; destes seis participantes, apenas quatro (Alicia, Talisha,
Claudia e Mark) relacionaram diretamente interdependência à responsabilidade ambiental.
Mark, por exemplo, diz:

“Gostaria de voltar a mencionar as mudanças climáticas e, você sabe, é


um problema enorme e vai levar milhões de pessoas se esforçando. Mas
quero dizer, ainda posso fazer algo todos os dias que terá um impacto e se
mais e mais pessoas fizerem isso todos os dias, isso pode, isso pode
aumentar”.

Sua fala exemplifica como percebe impacto em sua forma de agir e assume
responsabilidade quanto suas ações para cuidar do meio ambiente. Isso parece ter ido
reforçado pelo programa como veremos em ouro relato. Outra participante que demonstra
em sua entrevista após o programa uma atitude positiva em relação a estar em meio à natureza
é Talisha:

"Estando na natureza me permite que todos os meus sentimentos diminuam


acalmem, mas isso me faz perceber que tudo o que fazemos no trabalho é
arbitrário. Tudo o que eu fazia no trabalho era meio arbitrário...Há muito
mais fora dos limites do nosso apartamento e do nosso trabalho. Eu não
percebo isso e meio que esqueço. Por causa, eu acho, de quanto de
trabalho colocamos em nós mesmos."

Não temos dados anteriores que mostrem que Talisha sentia essa conexão com
natureza. Por sua vez, Claudia relata que o conceito de interdependência a levou a reflexões
sobre diversas ações e seus impactos e a responsabilidade que isto deve envolver:

“Então eu acho que se a gente extrapola isso para um conceito de mundo


você se torna muito mais responsável pelo espaço que você ocupa, pelos
recursos que você usa, pelas pessoas que você interage, pela mensagem
que você passa, pelo o que você consome, pelo o que você gera.”

Essa atitude favorárel de Claudia pode ou não se traduzir em condutas. Para


analisarmos em que medida isto se sucedeu, avançamos nos relatos abaixo.

“Isso me forçou a pensar não apenas no trabalho, mas no meio ambiente e no meu impacto
no meio ambiente”: condutas sustentáveis
285

Entre esses seis participantes que mencionam responsabilidade ambiental. De fato,


desde a sessão 3, o diário de campo indica que Mark tem procurado cada vez mais ser
sustentável e avalia que estas questões têm estado mais fortes em sua mente:

“Fiz questão de tentar encontrar, embora não tenha conseguido desta vez
(olha para a xícara de café nas mãos), canecas em vez de garrafas de
plástico ou até copos recicláveis, mas não garrafas de plástico. No almoço,
evitei carne por causa das mudanças climáticas. Parece um pouco ridículo,
mas acho que tudo funciona e venho tentando fazer mais e mais. Isso tem
estado mais em minha mente do que o normal.”

Mark deixa em sua segunda entrevista, mostra que passou a influenciar seu local de
trabalho:

“É como buscando nas pequenas coisas algo a se fazer. Usando canecas


recicláveis em vez de copos de plástico. ... você sabe que um material
reutilizável é ainda melhor. Então, eu tenho feito bastante coisa
relacionada à sustentabilidade aqui no escritório e, também incentivado
colegas a fazer o mesmo também recentemente.”

Mark já apresentava tendências pró-ambientais desde as entrevistas antes da ação


psicossocial e este relato sugere que programa reforçou sua atitude inicial. Por sua vez,
Alicia, fala em maior consciência e esforço neste sentido:

"Com o meio ambiente, tenho tido mais consciência de reciclar e


compostagem e fazendo um esforço para descer as escadas até o andar
inferior, mesmo morando no último andar, para reciclar, adubar e esvaziar
o lixo."

De fato, Alicia relata que as atividades do programa tiveram impacto direto em sua
reflexão sobre sua relação com a natureza:

"Fizemos o exercício com as ervas, e acho que com os exercícios de


meditação e journaling me forçaram a pensar não apenas no trabalho, mas
no meio ambiente e no meu impacto no meio ambiente."

Portanto, é possível avaliar como positivo e modesto o impacto da ação psicossocial


no que se refere a condutas ambientalmente sustentáveis, visto que a quantidade de
participantes que de fato relataram condutas neste sentido não é expressivo. Entretanto,
acreditamos que analisar o resultado pela quantidade de participantes não é a melhor análise.
Os relatos de Claudia e Alicia mostram mudanças reais em suas atitudes e comportamentos
e celebramos estas mudanças como relevantes.
286

“Na natureza, sinto que estou recarregada e pronta novamente”: reconexão com a natureza
Alguns participantes, relataram como passaram a perceber a natureza e sua conexão
com ela. Alicia segue sua descrição sobre as mudanças que ocorreram em sua relação com a
natureza, agora abordando sobre honrá-la e apreciá-la de forma que tenha até replantado a
planta – fato que ela diz ser novo - que foi usada na sessão 4. Em sua entrevista após o
programa, relata: “Isso tem a ver com apenas reapreciar a área da baía e a beleza da
natureza ao nosso redor...além disso, eu comi o alecrim que você nos deu no final da aula,
e eu replantei para que ele pudesse continuar crescendo”.
A forma como Alicia descreve sua relação com a natureza não foi replicada por
muitos, o que demonstra a percepção de interdependência necessita ser ainda mais presente,
capilar, para que mais resultados como esses cresçam. Adicionalmente, o diário de campo da
sessão 4 aponta que ao realizar o exercício de valores, Sai destacou: “Eu poderia dedicar
algum dinheiro apenas para o bem-estar, por exemplo, comprando plantas! Coisas que eu
pensei que não precisava, mas que acho que poderiam ser realmente boas”.
Seu relato é interessante pois sugere que comprar plantas – em essência, tê-las por
perto - estaria relacionado a aumentar seu bem-estar. Além disso, é válido lembrar que na
sessão 4 todas as mesas tinham vasos de plantas compradas pelo facilitador pois seriam
usadas na meditação no final da sessão. Mais adiante, Sai continua: “Eu também pensei que
poderia ser legal plantar algumas árvores! Depois do incêndio34, você sabe, só para
espalhar algumas sementes, não pode ser tão difícil assim?”
Sua fala sutilmente demonstra preocupação ambiental e honra a natureza ao desejar
plantar uma árvore. No entanto, alguns colocam em suas entrevistas a importância de
reconexão com a natureza quanto a prática de esportes ao ar livre (e.g. Vihaan, Indira,
Timothy, Susan, Anjali). Isso demonstra possível aumento da sensação de se energizar com
a natureza. Adicionalmente, alguns participantes (Claudia, Susan, Alicia) relatam práticas
que podem auxiliar nessa conexão e mesmo na contemplação da interdependência. Claudia,
por exemplo, descreve quando praticou:

"A parte sensorial, de tato, de cheiro, de como a gente ignora o processo


de crescimento, a gente ignora a chegada no supermercado. Está muito
conectado com interdependência. A gente ignora tudo o que está por trás.
E esses dias eu estava em casa sozinha, aí eu falei, “hoje eu vou fazer um
mindful eating”. Tirei celular, tirei tudo, “eu vou perceber cada sabor”, e
eu botei a sálvia. E foi muito legal, eu nunca tinha percebido o sabor de
sálvia".

34
Grande incêndio que atingiu o estado da Califórnia nos meses de setembro e outubro de 2018.
287

Quanto a mostrar formas de lidar com sustentabilidade e a importância de pequenas


ações, vimos relatos que indicam progresso. Vale ressaltar que os participantes são todos
funcionários da de uma grande empresa repleta de práticas e símbolos relacionados à
sustentabilidade, portanto, muitas práticas como reciclagem e compostagem já faziam parte
da vida maioria deles. O estado da California também é considerado modelo em diversas
iniciativas de sustentabilidade. O que é muito distinto contexto corporativo e cultural
brasileiro.

Síntese: Mudanças na relação com a Natureza

Em suma, no que diz respeito à responsabilidade ambiental, os resultados indicam


como o aumento da consciência da interdependência parece ter influenciado alguns, mas não
para todos. Sumarizando pôde-se constatar que cinco participantes não engajados
previamente ao programa passaram a se engajar em práticas sustentáveis. Três que já traziam
sustentabilidade como um valor desde antes do programa amplificaram suas ações e
trouxeram como figura a importância da natureza. dois participantes se engajam em ações
não somente individuais, mas coletivas para sustentabilidade e duas abordam sobre
“religare” com a natureza, mencionam de forma de conexão com o cosmos e
restabelecimento de energia.
Os participantes que deixaram claramente antes do programa que sustentabilidade
não era um valor relevante (Vihaan, Sai, Adriano e Anjali), apenas uma preocupação genérica
nada relataram em sua forma de perceber a natureza e agirem com responsabilidade
ambiental. Já Anjali é uma participante que teve diversas dificuldades em compaixão e
autocompaixão e sua percepção de interdependência não abrangeu natureza, mas sim as
relações e integrações sociais.

Reflexões conclusivas sobre o processo vivido pelos participantes

Neste capítulo foram apresentados os resultados da pesquisa de campo, que aponta


para uma correlação e interdependência entre as três categorias de mudanças: a relação com
si, com os outros e com a natureza. Isto nos leva a constatação da relação positiva entre o
caminhar mais consciente e sustentável em meio ao mundo e o olhar e cuidado sobre si - não
como reificação do ego - mas como mudanças de visão de mundo que propiciam uma nova
288

compreensão das causas e condições de seu próprio sofrimento e a busca mais hábil em se
afastar destas causas e condições.
Aqui vimos que habilidades cognitivas como maior habilidade de mindfulness,
clareza de valores e de autocompaixão reverberam em melhorias de bem-estar. Em que pese
diferenças individuais, os relatos apresentam mudanças substanciais na relação com si, em
especial maior grau de autoconsciência, clarificação e direcionamento de vida em torno de
valores autênticos e maior autocompaixão. No entanto, muitos ainda caminham na direção
de serem mais autocompassivos e de conseguirem no dia a dia estarem mais alinhados aos
valores (re) descobertos.
Da mesma forma, mudanças na relação com o outro são visíveis, especialmente onde
a consciência de interdependência alterou a visão de mundo de participantes como Alicia,
Claudia, Susan, Indira, Maria e em menor grau, Talisha e Sai. Ainda nesta categoria, maior
predisposição por condutas prossociais parece ser pautada no desenvolvimento de maior
consciência de interdependência.
Apontou-se também que as práticas e atividades do programa foram recorrentemente
mencionadas e compartilhadas pelos participantes com outras pessoas, seja no âmbito pessoal
como no âmbito profissional. Assim, os resultados encontrados nesta tese sugerem forte
conexão entre atividades pedagógicas que impulsionaram a percepção de interdependência,
valores e compaixão e predisposições e condutas que estão positivamente relacionados com
sustentabilidade social.
Foram apresentadas dificuldades e os dilemas que os participantes vivenciam na
busca por se tentarem incorporar mais condutas responsáveis socialmente em suas rotinas e
espaços de vivência. Em sua última classe de resultados, vemos que a relação com a natureza
também sofreu modificações, principalmente para aqueles que previamente já demonstravam
certa inclinação a isto. Neste ponto, vimos que condutas mais sustentáveis relacionados a
reciclagem e consumo responsável e maior senso de conexão com a natureza foram os
resultados mais relevantes na categoria.
Assim, ao analisarmos o processo de transformação dos participantes entendemos que
a maior contribuição deste estudo reside na compreensão que sustentabilidade pede por
mudanças transversais, perpassando a si e a sociedade, sendo uma abertura para o
questionamento de nossa forma de perceber, ser e agir em meio ao mundo, uma ecologia
mental que que vai inevitavelmente reverberar nas esferas social e ambiental. Desta forma,
um padrão disfuncional de viver em sociedade é também reflexo de um padrão disfuncional
na relação com si. Assim, argumentamos que o indivíduo e a coletividade estarão mais aptos
289

a contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade sustentável - seja no campo


empresarial ou em meio à sociedade - ao adquirir maior autoconsciência, reciclar sua visão
de mundo, resgatar de seus valores genuínos e desenvolver e maior percepção
interdependência. Assim, será criado o espaço para que mudanças nas esferas social e
ambiental possam florescer

Reflexões sobre o percurso metodológico e os resultados relatados:


contribuições em três áreas

Entendemos ser relevante detalhar como a metodologia foi determinante para o para
os resultados alcançados. Esta seção contribui para a tese por apresentar aprendizados que
podem colaborar com pesquisadores que se identifiquem com a mesma abordagem
qualitativa em trabalhos futuros. Os resultados anteriormente abordados foram não apenas
decodificados, mas construídos e alcançados por meio de uma opção metodológica
qualitativa calcada em um paradigma da complexidade de Edgar Morin (2005). Em nossa
análise, a escolha do método qualitativo se mostrou pertinente e, mais que isso, fundamental
para a pesquisa.

Três eixos de contribuição

Ao avaliarmos o método qualitativo empregado, percebemos que as principais


contribuições do método estão divididas em três eixos. Primeiro, a coleta de dados de forma
assíncrona e síncrona à ação psicossocial: a coleta da de dados por meio de duas técnicas
– observação participante e entrevistas em profundidade – permitiu a coleta de dados de
antes, durante e após a ação psicossocial. Isso permitiu a equipe de pesquisa avaliar e adaptar
em tempo hábil a ação psicossocial para melhor atender aos objetivos de pesquisa, assim
como ter dados que permitem compreender não apenas mudanças antes e depois da
intervenção, mais ao longo da ação. Assim, pudemos ver as diferentes percepções,
predisposições e condutas dos participantes – antes e depois da ação - mas também seu
processo de transformação ao longo das sessões.
Em segundo, a riqueza e profundidade dos dados gerados: falas, condutas, reações
e opiniões em primeira pessoa foram registradas. Isto permitiu contemplarmos o processo
vivido pelos participantes pela perspectiva deles – em conjunto com as observações de
reações e condutas ao longo do processo - fato este abordado como relevante e raro em
pesquisas de mindfulness em organizações.
290

Em terceiro, a observação participante também trouxe uma contribuição pedagógica


social valorosa em dois aspectos: (1) a formação científica de jovens estudantes e (2)
mudanças de visão de mundo, percepções e aspirações profissionais ao participarem da ação
psicossocial.
A seguir, vamos discorrer os aprendizados obtidos. Espera-se ao final da leitura desta
seção que outros pesquisadores que se interessam pelo método qualitativo possam se
encorajar e se beneficiar em pesquisas futuras.

O que um pesquisador positivista aprendeu com esta experiência? Desafios e


Recompensas

O procedimento de coleta e análise de dados se mostrou tão desafiador quanto


instigante e pertinente, trazendo muitas surpresas e adaptações (internas e externas). Este
diálogo constante de coleta de dados, ação psicossocial e análise de dados trouxe fluidez e
desafios à equipe de pesquisa, em especial ao autor da tese, cujos métodos de coleta e análise
de dados sempre foram escalas e estatística multivariada. Abandonar modelos mentais é algo
que pede esforço, tempo e paciência com si e isto foi um dos maiores desafios ao autor.
Esforço recompensado, alguns aprendizados e lições são descritas a seguir.

Aprendizado 1: Observação participante é extremamente importante


A primeira lição diz respeito à observação participante e nos ensinou que os diários
de campo produzidos funcionaram como importante elemento para se avaliar não apenas os
resultados da ação psicossocial, mas também o próprio andamento do processo educacional
da ação psicossocial no momento que estava em curso, permitindo alterações na ação ao
longo da etapa de sua aplicação. A riqueza de dados como reações, interações e condutas dos
participantes - bem como dos assistentes de pesquisa e autor - ao longo das sessões do
programa nos proporcionou dados que analisados em conjunto com as entrevistas nos
forneceu um panorama mais amplo e profundo sobre os praticantes e o programa.

Para efeito de compreensão, um insight comum registrado por três dos cinco
assistentes de pesquisa em seus diários de campo da sessão 1 apontavam que os participantes
reagiam de forma positiva demonstrando curiosidade e atenção quando o facilitador
compartilhava trechos de sua história pessoal corporativa ou estratégias que usava para lidar
com as dificuldades de manter uma prática meditativa diária. Isso influenciou o programa,
pois o facilitador incorporou mais exemplos pessoais aos temas que eram abordados.
291

Por certo, um dos principais aprendizados foi que o treinamento e seleção de


assistentes de pesquisa, assim como a elaboração em padrões corretos para a pesquisa de
inspiração etnográfica é fundamental. Um dos pontos de desafio desta pesquisa residiu neste
ponto, pois tanto o autor quanto os assistentes de pesquisa não tinham experiência
significativa na elaboração de diários de campo. Assim, o que foi feito para se mitigar tal
ponto foi o acompanhamento constante da orientadora que é pesquisadora sênior no método,
proporcionando orientação e treinamentos sobre a redação de diários de campo à toda equipe
de pesquisa. Assim, para pesquisas futuras, recomendamos com ênfase que este aspecto seja
tomado com a devida importância. É fundamental para pesquisadores não oriundos deste
método passarem por treinamento adequado de forma que assim possam aproveitar todos os
benefícios que este instrumento de pesquisa proporciona.

Aprendizado 2: Entrevistas em profundidade e diários de campo se complementam


Por sua vez, as entrevistas em profundidade serviram para investigar não apenas as
questões de pesquisa, mas também o que os diários de campo já apontavam a partir das
reações e falas dos participantes ao longo das sessões. Nesta linha, pudemos aprofundar
questões, perceber reações e aprofundar relações com os participantes. Como exemplo,
pudemos perceber mudanças nas posturas nas entrevistas antes e após o programa,
certamente em função da confiança estabelecida entre o facilitador e os participantes. Maria
se negou a deixar a entrevista ser gravada na primeira etapa, mas anuiu com visível
contentamento com a gravação pós programa. Talisha revelou novos dados –
importantíssimos e centrais para a tese - que omitiu na primeira entrevista e foram sendo
reveladas ao longo dos diários de campo e confirmadas na segunda entrevista.

Aqui o desafio operacional residiu em agendar as entrevistas com todos os


participantes antes e depois do programa. Devido ao fato de serem executivos extremamente
ocupados, o autor teve muita dificuldade de agendar as entrevistas e não houve um caso em
que os participantes puderam oferecer mais que 45 minutos. Desta forma, recomenda-se para
pesquisadores atenção especial a este ponto, visto que podem se perder participantes – como
foi o caso dessa pesquisa – pelo não alinhamento de agendas para as entrevistas.

Aprendizado 3: Ao mergulhar em águas profundas, leve tanque de oxigênio e lanterna


A análise dos dados vastos e profundos trouxe igualmente desafios e recompensas.
Aqui, os fatores críticos de sucesso são a organização das codificações e sua posterior
292

interpretação à luz dos pressupostos de visão de mundo do paradigma da complexidade e no


referencial teórico utilizado. Para isso, contar com assistentes de pesquisa treinados e
engajados foi fundamental e fez com que esse trabalho fosse concluído. Analisar dados
qualitativos foi um desafio muito grande, especialmente devido às nuances, vastidão e
complexidade dos dados que para o autor, devido ao seu background quantitativo, vivenciou
muita dificuldade de adaptação.
Neste ponto, convém destacar que a dificuldade não se restringiu apenas na coleta dos
dados, mas também na forma de se olhar e categorizar os dados: o paradigma experimental
se mostrava a todo momento como uma lente que insistia em interferir na análise dos dados,
fazendo com que o autor não vislumbrasse um quadro maior que contasse uma história mais
fidedigna dos resultados. De fato, contar uma assistente de pesquisa e com uma orientadora
sênior no método reduziu esta limitação e permitiu que as codificações fossem interpretadas
de forma a visualizar um quadro maior e a interação em suas partes, o que fez revelar o
coração da tese.

Aprendizado 4: Ripple effect - ecologia da mente (e do coração) em jovens estudantes


Um fato usualmente negligenciado por pesquisas é o impacto dela nos pesquisadores.
O fato de nosso método envolver observação participante, fez com que 5 jovens alunos
participassem da ação psicossocial. Em adição aos conhecimentos obtidos pelos treinamentos
sobre o paradigma da complexidade, observação participantes e elaboração de diários de
campo, podemos citar o impacto em suas mentes (aqui incluímos o coração) e caminhos de
vida. De fato, a observação participante pediu de cada um deles atenção plena a todos os
momentos, com as qualidades de abertura, envolvimento, não julgamento e mesmo
autoconsciência, para compreenderem como estavam se sentindo a cada fato observado.
Assim, os assistentes de pesquisa não saíram imunes ao coquetel mindfulness,
interdependência, compaixão e seres humanos sendo corajosos e vulneráveis, em outras
palavras, sendo verdadeiramente humanos.
Jacob – que desejava ser executivo - mudou sua linha de pesquisa na UC Berkeley
para saúde no trabalho e pretende trabalhar com pesquisa e consultoria organizacional na
área de saúde do trabalho. Sua aspiração é “contribuir na construção de um ambiente de
trabalho mais humano e compassivo”. Selma desenvolveu – inspirada no conceito de
interdependência visto no programa da ação psicossocial - um projeto de pesquisa e foi aceita
no mestrado na Universidade da Califórnia em Los Angeles. Atualmente, pesquisa na área
de neurobiologia integrativa com o Dr. Daniel Siegel – famoso pesquisador e autor bestseller
293

por duas vezes nos EUA - tendo por objetivo encontrar maneiras de desenvolver nas pessoas
uma percepção de “Eu” (Self) mais unido e interconectado no mundo. Emily relata que o
programa a fez estar segura de seu caminho como professora da Yoga como parte de seu
propósito de vida. Deseja, no futuro, levar a prática para empresas. Por último, Jonas, que
em comum com o autor da tese tem um background formal em métodos quantitativos e
formação em graduação relacionada à administração de empresas.
Em seu diário de campo da última sessão, seu último parágrafo traz estas palavras
que evitaremos analisá-las, por acreditarmos que sua mensagem será mais compreendida se
for sentida:
“No final do programa, quando estávamos em círculo dizendo as palavras
finais, eu me senti muito conectado com essas pessoas. Na verdade, até
senti uma tristeza por ser a última vez que os verei. Mesmo que eu não
tenha interagido intensamente com a maioria deles. O fato de estar sentado
na mesma sala, fazendo os mesmos exercícios e provavelmente sentindo os
mesmos sentimentos me deu uma sensação de familiaridade com eles.
Também sou muito grato porque este workshop me ajudou a reativar meu
lado mais humano. Normalmente sou alguém que concentra a atenção em
sistemas, objetivos e etapas para alcançar esses objetivos. Dessa vez,
descobri o quanto é importante se sentir humano. Reconhecer que outros
são humanos (e não apenas partes de um sistema). É algo que eu perdi
muito. E agora percebo o quanto estava sentindo falta disso”.

Este relato aponta como a visão de mundo mecanicista permeia as escolas de negócios
atualmente. Entretanto, também ilustra como o programa baseado em atividades cognitivas
e afetivas pode estimular a reflexão crítica e proporcionar um novo olhar para os futuros
gestores. Há esperança!

Síntese sobre reflexões sobre o percurso metodológico

A metodologia foi determinante não apenas para uma geração de dados vastos e
profundos, como para os próprios efeitos relatados. Desta forma, nossa tese se sustenta no
paradigma que abraçamos para compreender a natureza dos fenômenos observados e nos
procedimentos de coleta e análise de dados baseados no método qualitativo. A fluidez e
profundidade do método, aliada a visão de mundo que o paradigma da complexidade nos
proporciona, permitiu a produção de um conhecimento que não tem a intenção de simplificar
relações entre variáveis ou se tornar generalizável, mas sim estabelecer um potencial caminho
– como os resultados sugerem - para lidar com o desafio da construção de planeta sustentável.
A seguir, o capítulo final. Nele apresentamos as reflexões conclusivas do trabalho,
assim como sugestões de pesquisas futuras e de melhores práticas para replicação do
programa – mesmo fora do ambiente organizacional - da ação psicossocial realizada nesta
294

pesquisa. Nossa aspiração é proporcionar meios de que novos programas possam avançar
onde não pudemos ou conseguimos.
295

CAPÍTULO 7: UM FUTURO POSSÍVEL: REFLEXÕES


CONCLUSIVAS E CAMINHOS À FRENTE

“Compreender é saber como seguir adiante”


Ludwig Wittgenstein

Sobre escolher caminhos

Os problemas que hoje enfrentamos são complexos e transdisciplinares e pedem,


assim, soluções e diálogos não só de instituições, corporações e pessoas, mas também de
diversos campos do conhecimento. O cenário que nos deparamos é de supressão do Estado,
do coletivo e a emergência cada vez maior do ethos de mercado. Valores como
individualismo, materialismo e ganho/lucro pessoal moldam atualmente o que é
frequentemente considerado como forma racional, responsável e benéfica de ser e viver na
sociedade. O atual modelo cultural incentiva rupturas: ruptura em relação a nós mesmos,
ruptura entre nós e rupturas com a natureza e mesmo rupturas entre campos do conhecimento,
contribuindo para um quadro de aflições pervasivas em nível individual, social e ambiental.
Ainda assim, permanece a insistência em conviver e persistir com paradigmas culturais,
estilos de vida e modelos econômicos que esgotam os recursos naturais, ameaçam a
biodiversidade planeta, e excluem enormes contingentes da população do acesso aos
benefícios econômicos e sociais provenientes dos avanços tecnológicos (Gilding, 2011;
World Wildlife Fund, 2016). No centro deste debate, as corporações surgem como entidades
protagonistas de um sistema insustentável.
Alinhado à perspectiva atribuída a Albert Einstein em que “nenhum problema será
resolvido no mesmo nível de consciência que o criou”, precisamos de uma nova visão de
mundo (inclui-se aqui, qualidades do coração) para lidar com tais desafios. Contribuir para a
sustentabilidade em nosso planeta é uma tarefa semeada no presente, não apenas nas mentes,
mas também nos corações dos indivíduos. Assim, inspirados pela perspectiva de autores que
alertam que mudanças em escalas social e ambiental devem ser acompanhadas de mudanças
na esfera mental e cultural, argumentamos que o indivíduo estará mais apto a contribuir para
o desenvolvimento de um futuro sustentável na medida em que adquire maior
autoconsciência, questiona valores, recicla sua visão de mundo e desenvolve maior
percepção interdependência, empatia e compaixão. Neste caminho, mindfulness – se e
somente quando eticamente informado – surge como um caminho de se fomentar maior
296

autoconsciência e reflexão crítica sobre o atuar no mundo, proporcionando uma ecologia


mental que reverbera nas esferas social e ambiental.
Entretanto, vimos que uma das principais críticas destinadas aos programas baseados
em mindfulness refere-se ao seu afastamento do arcabouço ético e de virtudes como sabedoria
e compaixão. Na visão secularizada da perspectiva dominante, mindfulness é comumente
propagado como uma técnica para redução de estresse ou aflições da sociedade moderna.
Não é de se surpreender que a motivação mais comum dos participantes em participar do
programa foi aprender – ou rever – técnicas para reduzir estresse e lidar com suas aflições.
Assim, os programas de mindfulness que focam neste objetivo não abordam as causas e
condições de dano e sofrimento, limitando-se a técnicas de alívio de estresse e relaxamento.
Assim, de tempos em tempos, só resta aos participantes retornar – mais uma vez – a um
programa de mindfulness.
Diversos autores alertam que precisamos de uma visão de mindfulness mais alinhada
às suas origens, ou seja, uma habilidade que nos permite ter mais consciência de como
estamos construindo sofrimento e dano a nós mesmos e aos outros (e.g. Bodhi, 2011;
Thānissaro, 2012). Nesta linha, autores organizacionais avançam a crítica abordando os fins
pelos quais mindfulness tem sido usado em empresas, usualmente focados em aumento de
performance e engajamento, servindo assim como uma estratégia de manutenção do status
quo corporativo de maximização de produtividade e muitas vezes perpetuando um ciclo
interminável de esgotamento profissional e busca de alívio momentâneo para suas aflições.
Assim, a literatura adverte que um programa de mindfulness em empresas deveria
servir para aumentar a consciência dos participantes sobre como políticas e práticas
corporativas podem ser as causas de sofrimento, estresse e dano tanto internamente quanto
externamente, assim como em suas próprias vidas pessoais (Purser & Milillo, 2015; R. Purser
& Ng, 2016; Van Gordon, Shonin, Lomas, & Griffiths, 2016). Desta forma, fica clara a
necessidade do desenvolvimento de programas de mindfulness com objetivos que
transcendem alívios pontuais de aflições cotidianas e buscam aprofundar a compreensão das
causas de sofrimento e danos em nós, na sociedade e no planeta. Esta pesquisa buscou seguir
essa direção.
297

Contribuições do trabalho para uma nova consciência: do programa, método e


pedagogia

Este trabalho apresenta contribuições para o campo em quatro níveis: o protocolo da


ação psicossocial, a metodologia de pesquisa, em duas dimensões pedagógicas: as estratégias
educacionais e os públicos impactados pela pedagogia.

O programa: união mindfulness, interdependência e compaixão


A primeira grande contribuição deste trabalho foi elaborar uma ação psicossocial
inovadora que atenda a este chamado. Ao elaborarmos um programa baseado em mindfulness
eticamente informado, centrado no conceito de interdependência e no desenvolvimento de
compaixão, superam-se as limitações de programas anteriores por buscar não somente aliviar
aflições da vida moderna, mas aprofundar a reflexão sobre as causas de danos e sofrimento
em nós, na sociedade e no planeta. Entretanto, esta compreensão não basta para a
transformação. Precisamos sensibilizar e fomentar atitudes positivas em relação à
sustentabilidade, como uma maior responsabilidade universal, incluindo a si, outros seres e
a natureza.

Falar à mente e ao coração: da contribuição das estratégias pedagógicas


A literatura indica que educadores que visam proporcionar mudanças positivas
relacionadas à sustentabilidade podem se beneficiar de estratégias pedagógicas que
influenciam na aprendizagem afetiva dos participantes como meio para o desenvolvimento
de atitudes prossociais e ambientais (Shephard, 2008). Assim, o conjunto de estratégias
pedagógicas utilizadas colaboraram para os resultados do processo de transformação dos
participantes por atuarem de forma sinérgica aspectos cognitivos e afetivos.

O método: contribuições e pertinência ao paradigma da complexidade


Tais resultados foram obtidos e analisados por meio da metodologia qualitativa, tendo
como paradigma fundamental o pensamento complexo de Morin (2001) que rejeita respostas
simples aos problemas multifatoriais do planeta. Assim, entendemos que a abordagem
qualitativa contribuiu na investigação e alcance dos resultados alcançados por se preocupar
com uma compreensão mais profunda e menos simplista da realidade, além de proporcionar
um diálogo constante entre coleta dos dados, sua análise e a ação psicossocial.
298

Tais pressupostos teóricos e norteamento epistemológico influenciaram toda a


pesquisa, passando pela formulação do problema, coleta, análise e interpretação de dados por
meio de observação participante e entrevistas em profundidade. Mesmo a elaboração da ação
psicossocial que privilegiou diferentes saberes e foi flexível de forma a acomodar mudanças
e mesmo dados não intencionados previamente. De fato, a flexibilidade e dinamicidade que
o método forneceu à pesquisa foi fundamental para as mudanças ocorridas em visões de
mundo, habilidades predisposições e condutas dos participantes que sumarizamos a seguir.

Emerge a Tese: a Transformação dos Participantes

Observando-se os resultados em conjunto, emergiu um quadro em que vemos que


sustentabilidade é um processo que passa tanto por si quanto pela atuação com o mundo
externo. Em uma escala individual, os dados desta pesquisa indicam que os participantes
obtiveram um aprofundamento de autoconsciência, um maior senso de clareza em relação
aos valores autênticos e um agir de forma consistente com eles e a busca por mais
autocuidado e autocompaixão. Com uma autoconsciência mais profunda, é mais provável
que respondamos com consciência, em vez de reagir automaticamente, e saibamos o que
realmente nos é importante, quando devemos parar, nos resgatar e resguardar nossa saúde
mental, emocional e, para aqueles que se importam, espiritual. Sustentabilidade passa pelo
indivíduo: tornar a vida sustentável fisicamente, emocionalmente, financeiramente,
mentalmente e espiritualmente.
Esta investigação e ecologia do mundo interno cria espaço e a base para ações mais
conscientes, sustentáveis em meio ao mundo. A lógica por trás é que o mesmo processo de
olhar para si, que leva a maior autoconsciência, pode então ser aplicado para se buscar
entender os outros, estabelecer empatia e então, se pensar e engajar em ações conscientes e
compassivas.
Isso nos leva a um segundo nível de resultados encontrados: maior consciência de
interdependência, atitudes empáticas e compassivas e a busca por comportamentos mais
prossociais e sustentáveis. Como exemplos: compartilhar práticas de mindfulness e
compaixão no ambiente familiar e de trabalho; reavaliar compras de determinados produtos
devido a sua cadeia produtiva envolver crianças ou situações desgastantes de trabalho; e a
busca em conjunto com outros participantes sobre como auxiliar uma ONG que cuida de
animais a obter maior visibilidade em sites de busca e redes sociais.
299

Há uma terceira categoria de resultados relacionada ao relacionamento com a


natureza. Os dados encontrados sugerem, ainda que modestos quando se olha toda a
necessidade que temos em mudar a forma como nos relacionamos com a natureza, uma maior
preocupação em relação ao consumo, como por exemplo, redução da alimentação de carne,
a busca por redução de consumo de plástico e incentivo de reciclagem no ambiente de
trabalho. Adicionalmente, uma maior visão da natureza como fonte de energia, no sentido de
nos energizar e revigorar. Assim, uma maior conexão do mundo natural começou a surgir.
Entretanto, os resultados encontrados não podem ser olhados sem nos atentarmos a
algumas das limitações do trabalho que abordaremos a seguir. Analisar tais limitações vão
subsidiar as sugestões práticas que faremos na sequência assim como as sugestões de
pesquisas futuras.

Limitações do estudo e recomendações para avanços

É sabido que pesquisas de base qualitativa não têm o design e a pretensão de se


generalizar os achados e nunca foi nossa pretensão tal generalização. Logo, os resultados
aqui reportados devem ser recebidos e interpretados sob o contexto da cultura corporativa do
Vale do Silício na Califórnia, na empresa e dos participantes. Outro ponto referente ao
método é a limitação de interpretação de dados que deriva de sua própria profundidade.
Estamos analisando uma pesquisa que aborda meditação e ainda estamos caminhando
no uso de método de investigação e treinamento da mente. Estamos em um terreno onde a
subjetividade alcança níveis profundos e devemos estar conscientes disso para evitar
distorções da interpretação dos resultados. Para isso, reduzimos as subjetividades na
interpretação dos dados por meio de rigor e clareza na categorização de dados qualitativos,
da equipe de apoio e a orientação e mentoria de uma pesquisadora sênior no método.
Quanto ao programa, uma das principais limitações foi a duração. Quatro semanas
não é bastante tempo para salvar o mundo. Ironia à parte, sementes foram plantadas. Sabemos
que mais tempo proporciona um aprofundamento nas práticas e discussões. Contudo, o
próprio ambiente corporativo e seu ritmo de trabalho impediu uma ação mais longa.
Tampouco houve a possibilidade de um acompanhamento e apoio posterior ou da construção
de um grupo de apoio entre os participantes.
Outra limitação foi a dificuldade de se buscar iniciativas coletivas dentro do processo.
Alguns fatores contribuem para isso: os participantes trabalhavam em áreas diferentes da
empresa e mesmo em prédios e cidades diferentes. Isso trouxe uma complexidade logística a
300

estes se reunirem. Ainda assim, o maior impeditivo em nossa visão foi a própria rotina
sobrecarregada de trabalho para que se houvesse tempo de se formular algum
empreendimento coletivo. Isso, por si só, já é um dado relevante que aponta como o
paradigma neoliberal é pervasivo em diversos pontos de nossas vidas e dificulta alguma
emancipação do sistema.
Um ponto que vale destacar é que poucos participantes tinham papéis formais de
liderança. Se por um lado, este ponto pode ser percebido como uma limitação pois se
tivéssemos mais participantes em níveis hierárquicos mais altos, potencialmente estes teriam
mais oportunidades e meios formais de influenciar suas equipes de trabalho e talvez a cultura,
políticas e práticas corporativas. Mas esta tese não tinha como avaliar os efeitos na empresa
nem a curto prazo. Ademais, vale salientar que estudos comprovam que liderados com maior
nível de mindfulness podem ser elementos de mudanças organizacionais e melhor ponto de
apoio para líderes com viés ético (e.g. Eisenbeiss & van Knippenberg, 2015). Assim,
mudanças individuais na base têm relevância na transformação cultural corporativa e devem
ser incentivadas.
O fato de idioma inglês ser a segunda língua do facilitador pode ser visto como uma
limitação. Por não ser nativo, não tem a mesma habilidade de comunicação que possui em
língua portuguesa. Apesar dos melhores esforços, por vezes houve dificuldade de se
comunicar em plenitude, especialmente quando a comunicação envolvia compartilhar
experiências tão subjetivas, sutis e repletas de sentido que permeiam às práticas
contemplativas, às reflexões sobre visão de mundo e experiências de vida.
Assim, a partir das evidências encontradas neste trabalho e de suas limitações,
podemos sugerir alguns caminhos para programas de mindfulness e mesmo para a educação
em sustentabilidade. Longe de assumir que tais sugestões são uma prescrição normativa,
outrossim, estimulamos que sejam recebidas com abertura e curiosidade.

Recomendações práticas

Os aprendizados com os resultados e a análise do protocolo usado no programa nos


permitem propor sugestões práticas para facilitadores e pesquisadores de programas de
mindfulness - em organizações com ou sem fins lucrativos, instituições de ensino ou mesmo
para público final - que visam auxiliar na transformação coletiva na direção de uma sociedade
mais sustentável. Assim, seguem sugestões referentes aos facilitadores, ao conteúdo e arena
para programas de mindfulness com este propósito.
301

Quanto ao público-alvo do programa


O programa elaborado e implementado nesta pesquisa pode ser replicado em
empresas, mas também em instituições de ensino superior, como em cursos de administração
de empresas. Neste ponto, o conteúdo programático não necessita de alteração, facilitando
sua replicação. Outra possibilidade seria direcioná-lo para pessoas físicas em busca de
sentido e propósito em vida por meio da clarificação de valores e congruência com estes.
Neste caso, a sessão 4 pode ser adaptada tendo como perspectiva o desenvolvimento de
liderança de sua própria vida, não liderança corporativa.

Quanto aos facilitadores: walk the talk


Os facilitadores devem investir na compreensão das causas e condições de seu próprio
sofrimento. Da mesma forma que os participantes estarão mais aptos a agir no alívio do
sofrimento em meio ao mundo a partir de sua própria lucidez e autocuidado, os instrutores
estarão mais aptos a auxiliar os participantes a partir de sua própria lucidez e autocuidado. A
partir disto, os facilitadores devem incentivar e proporcionar meios de reflexão e alívio das
sobre as causas e condições dos sofrimentos em nível individual que os participantes
vivenciam, não apenas oferecer técnicas baseadas em mindfulness para alívio de estresse e
afetos negativos. Foi observado que os participantes avaliam o instrutor não apenas por seus
conhecimentos, mas também por seu alinhamento com os ensinamentos. Como parte
fundamental de um processo educacional não é apenas transmitir conhecimentos, mas
também inspirar valores e atitudes, a postura e condução de vida do instrutor vão apoiar o
conteúdo transmitido.

Quanto ao conteúdo e pedagogia do programa


Facilitadores e pesquisadores se beneficiarão ao usar construtos relacionados à
mindfulness, como interdependência e compaixão. Isto potencializa efeitos relacionados a
um agir mais prossocial e sustentável, assim como contribuem para uma assimilação mais
integral do que é de fato ter mindfulness na vida. Em paralelo, o uso de estratégias
pedagógicas diversas e sinérgicas que colaborem para aprendizagem não apenas cognitiva,
mas também afetiva, são fundamentais pois uma educação efetiva é uma educação que não
apenas informa, mas semeia valores.

A força do grupo
302

Os participantes se beneficiarão ao compartilhar pequenas vitórias, como a realização


de práticas de mindfulness e compaixão. Hoje aplicativos de meditação (e.g., lojong35;
headspace) que facilitam o compartilhamento de práticas realizadas. Existe um efeito
motivacional de se receber práticas feitas por outras pessoas e ao compartilhar as próprias
práticas para outras pessoas.

Saia da sala de aula


Aos facilitadores, um ponto que pode avançar esta pesquisa seriam práticas
pedagógicas e encontros em meio à natureza. Pesquisas apontam que mindfulness em contato
com a natureza pode trazer benefícios em relação a predisposição ecológica(Barbaro &
Pickett, 2016; Howell, Dopko, Passmore, & Buro, 2011) . Buscamos levar plantas para nosso
programa e esta prática não se mostrou sem valor como os relatos apontam. Certamente,
práticas fora do ambiente corporativo ou acadêmico - que não foram viáveis neste programa
- são sugeridas para programas futuros.

Sugestões de Pesquisas Futuras: como podemos avançar o campo de


estudos

Embora este estudo forneça insights importantes, pesquisas posteriores podem


aprofundar os achados deste trabalho buscando compreender questões que não estavam nos
objetivos deste trabalho. Uma linha de pesquisa que pode ser aprofundada está relacionada a
relação entre autocuidado, autocompaixão e compaixão. Neste sentido, avaliar
empiricamente a relação entre autocompaixão e compaixão é um caminho potencialmente
benéfico, pois há perguntas em aberto. Por exemplo, em que medida esses construtos estão
correlacionados? Seria a autocompaixão uma variável moderadora de mais qualidade da ação
compassiva? Não existe pesquisa – pelo menos ao nosso conhecimento - que responda
diretamente a esta questão.
Outra linha de investigação seria se programas de mindfulness e compaixão
realizados integralmente ou parcialmente em contato com a natureza possuem maior impacto
nas atitudes e comportamentos sustentáveis dos participantes. Pelo aprendizado que tivemos
com o exercício das plantas, praticar mindfulness e mesmo compaixão em meio à natureza

35
Este aplicativo possui meditações guiadas em português e espanhol.
303

poderia potencializar os sentimentos de conexão e responsabilidade com os elementos


naturais, a fauna e flora.
Estudos comparativos também são cruciais para entender qual contexto ou pré-
condições poderiam melhor apoiar mindfulness, compaixão e sua relação com atitudes e
comportamentos relacionados a sustentabilidade, em especial no meio corporativo. Líderes
desempenham um papel importante na elaboração e implementação de estratégias
corporativas. Um programa contendo apenas líderes corporativos seria importante para
avaliar o impacto do programa nas atitudes e comportamento dos líderes e sua influência na
cultura corporativa e no desenvolvimento de políticas e práticas positivamente relacionadas
à sustentabilidade.
Mais ainda, pesquisas são necessárias para investigar as possíveis correlações entre
programas de mindfulness, visões de mundo e atitudes e comportamentos sustentáveis. Este
estudo foi conduzido na região do Vale do Silício, na Califórnia, em uma grande empresa de
tecnologia que representa para muitos o modelo de sucesso e de carreira que se pode almejar.
As visões de mundo permeiam as subjetividades e explicam grande parte do que se acredita
ser uma vida bem-sucedida, o que traz felicidade, qual nossa relação com a natureza e com
os outros. Analisar especificamente como visões de mundo moderam os efeitos de um
programa de mindfulness nas atitudes e comportamentos sociais e ambientais trará avanços
ao campo.
Neste sentido, um dos conceitos centrais deste trabalho - interdependência - pode ser
melhor investigado. Qual a natureza e em que medida, caso haja, a consciência de
interdependência atua como variável moderadora ou mediadora em comportamentos
compassivos e/ou responsáveis social e ambientalmente? Os dados encontrados aqui
sugerem correlação positiva entre maior consciência de interdependência e comportamentos
mais responsáveis e mesmo compassivos.
Por fim, não foi possível neste momento realizar uma avaliação mais a longo prazo,
mas entendemos ser fundamental pesquisas longitudinais seriam muito importantes para se
avaliar até que pondo as mudanças reportadas se mantiveram e em que medida estas puderam
– ou não – influenciar práticas e políticas corporativas.

Por todas as nossas relações!

Por fim, recorremos mais uma vez a um pensamento deixado por Einstein. Einstein
escreveu (citado no The New York Times, 29 de março de 1972) que a ilusão de separação
304

que persiste na sociedade ocidental é um tipo de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos
desejos pessoais e nossa bondade para algumas pessoas mais próximas a nós. Assim:
“...nossa tarefa deve ser nos libertar dessa prisão, ampliando nosso círculo de compaixão
para abraçar todas as criaturas vivas e toda a natureza em sua beleza”. Esperamos que este
trabalho possa ser mais uma semente que contribui no avanço conceitual e prático desta
busca.
Aho, mitakuye oyassin! 36

36
“All My Relations” (Trad.: Por todas as nossas relações!) - uma saudação do povo Lakota (Sioux),
refletindo sua visão de mundo de unidade, interconexão e harmonia com todos os seres: pessoas, animais,
plantas, ventos, rochas e rios.
305
306

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(Laszlo Zsolnai, Ed.). https://doi.org/10.1007/978-90-481-9310-3
329

APÊNDICE A - MBLS INVITATION

The 4-week Mindfulness Based Leadership for Sustainability (MBLS) program is a


secular intervention inspired by Buddhist ethics, totally devoid of religious connotation, held
in a group on weekly meetings of approximately 4 hours. Its goal is to develop leaders for
sustainability, that is, leaders (whether or not they hold formal leadership positions) who seek
to align their lives and businesses with the principles of sustainability, compassion, and
ethics.
Our aspiration is to collaborate to build a more compassionate and sustainable society,
and we understand that organizations have a fundamental role in this process. Therefore,
working together with leaders - current and future - is paramount for the construction of more
conscious, responsible and sustainable companies.
In every meeting, we will have meditations and activities that aim to foster leaders´
cognitive, emotional, attitudes and behaviors that are positively related to sustainability. In
each session, we begin and end by establishing an intention to be active forces for a greater
good, seeking not to cause suffering and whenever possible to benefit humans, animals and
the nature. This practice is believed to be fundamental in sustaining participants' right
motivation, engagement, and commitment to meditation practice. As usual in mindfulness
programs, each session also includes interactive exercises (e.g., empathic listening, mindful
conversation) so that participants can share their reflections, experiences, and get to know
each other, building a sense of community and safety.
Overview of Meetings
The meetings are thematic and were elaborated according to the revised literature on
sustainability, leadership and mindfulness. In this way, the themes of each meeting in the
MBLS protocol are: 1. Mindfulness and Compassion; 2. Interdependence; 3. Higher Purpose
and Conscious Culture; 4. Conscious Leadership.
The purpose of the themes is to provide the conceptual and philosophical bases that
will stimulate critical reflections and to sensitize and actions. Gradually, it is hoped to
develop abilities and attitudes capable of: (1) recognizing issues related to sustainability; (2)
to analyze them critically; (3) deal with your own thoughts and emotions skillfully; and (4)
to align their lives and influence their organization with the principles of sustainability,
compassion, and ethics.
Commitment
The participants' profile should be composed of employees who are in some formal
position of leadership or have a leadership potential and intention. In order to evaluate the
results of the program, it is essential to have the participants' engagement. As a participant
will be asked to:
1. Provide an individual 60 minutes interview to understand your motivation to participate in
the program, your previous meditation experience, and how you perceive, feel, and act on
general and corporate sustainability;
2. Participation in all 4 meetings (once per week), with an open heart, and commitment to
meditation practices both in the meetings and at home as well.
3. A final individual 60 minutes interview to assess the impact of the program in the participant
perspective in relation to his / her cognitive, emotional, attitudinal and behavioral skills
related to corporate sustainability.
The results will be used for academic purposes and no participant will be identified.
Participants and a representative of the company will be asked to sign a Term of
Commitment, subject to the above issues. This is a Ph.D. research in a transdisciplinary area
of psychology, leadership, and sustainability. I hope you can join me on my intention to be
330

a force for greater good. If you have any question, please contact me:
rod.dharma@gmail.com
Rodrigo P. Siqueira
331

APÊNDICE B – INTERVENÇÕES DA SESSÃO 1

Meditação Atenção ao corpo e a respiração


Duração: 10 minutos
Objetivo: Fortalecer o estado de mindfulness e desenvolver habilidades de regulação
atencional e emocional
Quando: Usado após a instrução teórica sobre mindfulness.
Instruções usadas para meditação:
1. Intenção: Estabeleça uma intenção consciente para sua prática. Por que você está
aqui? Por que isso é importante? Depois de estabelecer a intenção, veja-a como uma
aspiração e não como um resultado a ser obtido. Nutra uma atitude de gentileza e abertura ao
que se apresentar ao longo da prática.
2. Coloque-se em uma posição confortável, sentado em uma cadeira. É melhor usar
uma cadeira firme e com encosto reto, para que você possa sentar-se longe das costas da
cadeira e a coluna vertebral possa se sustentar.
3. Deixe suas costas adotarem uma postura ereta e digna; nem rígido nem tenso, mas
confortável. Permita que seus olhos se fechem se isso parecer confortável. Caso contrário,
abaixe o olhar para que ele caia, sem foco, alguns metros à sua frente.
4. Traga a sua consciência para as sensações físicas, concentrando sua atenção nas
sensações do toque no corpo onde ele está em contato. Passe alguns momentos explorando
essas sensações.
5. Agora, concentrando sua atenção nos pés, começando pelos dedos dos pés, expanda
os 'holofotes da atenção', para absorver as solas dos pés, os calcanhares e a parte superior dos
pés, até que você esteja atendendo a todo e qualquer as sensações físicas das quais você se
torna consciente nos dois pés, momento a momento. Passe alguns momentos cuidando dos
pés dessa maneira, observando como as sensações surgem e se dissolvem na consciência. Se
não houver sensações nessa região do corpo, basta registrar um espaço em branco. Isso está
perfeitamente bem - você não está tentando fazer as sensações acontecerem - você está
simplesmente registrando o que já está aqui quando comparecer.
6. Agora, expanda sua atenção para observar o resto das pernas por alguns instantes,
depois o tronco (da pélvis e quadris até os ombros); depois o braço esquerdo; depois o braço
direito; depois o pescoço e a cabeça.
7. Passe um ou dois minutos com a consciência em todo o corpo. Veja se é possível
permitir que seu corpo e suas sensações sejam exatamente como você as encontra. Explore
como é deixar de lado a tendência de querer que as coisas sejam de certa maneira. Mesmo
um breve momento de ver como as coisas são - sem querer mudar nada - pode ser
profundamente nutritivo.
8. Agora, lentamente, abra os olhos quando estiver pronto.
O espaço respiratório de 3 minutos
Duração: 3 minutos
Objetivo: induzir o estado de mindfulness.
Quando: Usado no início das sessões antes de se estabelecer a intenção consciente, antes dos
journalings e em momentos que o facilitador possa perceber que é necessário.
Existem três etapas:
1. Observar ao que é: Direcione sua atenção ao momento presente. O que você
observa? Que sensações estão presentes? Sons? Observe a tudo sem se prender em nada e
sem a necessidade de alterar o que está sendo observado.
2. Concentre-se na respiração: Com gentileza, restringe o campo de atenção a um
único foco, sua respiração.
332

3. Amplie para todo seu corpo. O terceiro passo amplia a atenção novamente para
incluir o corpo como um todo e quaisquer sensações presentes.
No espaço de cerca de 3 minutos, passamos de uma atenção mais ampla para focada
e cada passo do espaço respiratório de três minutos tem aproximadamente um minuto de
duração.
Journaling
Duração: 15 minutos
Objetivo: levar os participantes a um processo de autorreflexão, permitindo entrarem um
nível mais profundo de reflexão e identificar ações concretas a serem realizadas de acordo
com o tema abordado.
Quando: Após os feedbacks da prática de mindfulness.
Processo de aplicação:
Etapa 1: Instruções sobre o journaling direcionados aos participantes:
O journaling é um processo pessoal. Suas anotações são privadas; (b) O participante deverá
escrever e não bloquear o fluxo da escrita. Assim, foi enfatizado que estes deviam apenas
começar a escrever, independente de se ter uma ideia fechada sobre o que responder; (c) São
apresentadas quatro questões, com um tempo de 3 minutos para responder a cada uma delas;
(d) Uma batida de sino (ou equivalente) sinaliza que a primeira questão será apresentada e
que podem iniciar o journaling; (e) Uma nova batida após 3 minutos ocorre, sinalizando que
a segunda questão será apresentada e assim até finalizar as quatro questões; (e) Duas batidas
consecutivas indicam o fim do journaling; (f) Após as duas batidas, os participantes podem
reler as anotações, fazer novas anotações ou apenas ficar em silêncio por 3 minutos.
Etapa 2: Meditação do espaço de 3 minutos para induzir mindfulness.
Etapa 3: Questões:
● Qual é a verdade sobre você hoje que faria você, aos 10 anos, orgulhoso de si?
● Qual é a verdade sobre você hoje que faria você, aos 10 anos, se decepcionar?
● O que em sua vida atual, pessoal ou profissional, lhe causa mais frustração?
● Qual é a sua fonte mais vital de energia? O que você ama?
● O que significa estar mindful para você?
● Se você se comprometesse a ter mais mindfulness nesta semana, que passos práticos você
daria nos próximos dias?

Valores em Ação
Objetivo: Clarificar valores e alinhar comportamentos a estes. Isso é também atenção plena:
como você está guiando sua vida e o sentido deste caminho.
Duração: 15 a 20 minutos.
Quando: utilizado na primeira e última sessão, após feedbacks das práticas de mindfulness.
Aplicação.
O facilitador apresenta as etapas aos participantes:
Etapa 1 – Direção Valiosa
A primeira parte consiste em refletir sobre o que você valoriza em cada área de sua vida. Em
outras palavras, o que você acha que seria uma direção valiosa em determinada área de sua
vida. Por exemplo, você pode valorizar um relacionamento amoroso com companheirismo e
transparência. Construir uma relação assim seria uma direção valiosa a ser tomada. Você
também pode valorizar relações familiares próximas, amistosas e de apoio mútuo. Aqui, o
importante é pedir aos participantes que foquem em duas ou três área de sua vida no máximo
neste momento. A tendência é querer abraçar várias frentes e isto não é benéfico.
Refletir sobre seus valores e transcrevê-los na forma de uma direção valiosa é
importante, mas não suficiente. Desta forma, você precisa ter ações de compromisso com
aquilo que é realmente importante para você.
333

Etapa 2 – Ações de Compromisso


O que trará a sua vida mais sentido e propósito é a coerência entre o que você valoriza
e como você se comporta. A segunda parte deste exercício busca esta coerência. Seguindo o
exemplo anterior, você pode ver mais seus familiares e buscar estar presente nestes encontros,
de forma amistosa e aberta. Longe da presença física, você pode se comprometer a entrar em
contato sempre que possível, ou seja, se fazer presente, mesmo longe.
Ações coerentes com a direção valiosa que você traçou farão com sua vida tenha mais
sentido. Você pode revisitar este exercício sempre que desejar, buscando privilegiar a área
de sua vida que mais lhe chama por atenção no momento. Esse é um trabalho de uma vida
inteira, mas trazer consciência a este processo pode nos ajudar a ver com mais clareza onde
estamos sendo coerentes ou não com nossos valores.

Meditação da Compaixão e Bondade Amorosa


Objetivo: cultivar as virtudes de amor e compaixão a si, aos outros e gradualmente,
a todos os seres.
Duração: 12 minutos
Quando: ao final de cada sessão
Instruções dadas pelo facilitador:
“Por favor, acomode-se em uma posição confortável e relaxe.
Respire fundo e solte. Por alguns momentos, concentre-se na respiração e limpe a
mente de preocupações. Observe quando você está inspirando ... e expirando. Permita-se
experimentar e estar ciente das sensações da respiração.
Imagine alguém que está perto de você, alguém por quem você sente uma grande
quantidade de amor. Observe como esse amor se manifesta em seu coração.
Observe as sensações ao redor do seu coração. Talvez você sinta uma sensação de
abertura e ternura. Continue respirando e concentre-se nesses sentimentos ao visualizar sua
amada. Ao mesmo tempo, me acompanhe silenciosamente nestas frases:
Que você seja feliz.
Que você tenha saúde
Que você esteja livre do sofrimento.
Que você sinta alegria.
Que você seja feliz.
Que você esteja livre do sofrimento.

"Assim como desejamos que o sofrimento de nosso ente querido termine,


desejamos que nosso próprio sofrimento termine. Também podemos imaginar nossa própria
dor e sofrimento nos deixando, para que possamos experimentar a felicidade.”
Que eu possa me libertar do sofrimento.
Que eu tenha alegria e felicidade.
Que eu possa me libertar do sofrimento.
Que eu tenha alegria e felicidade.
Que eu tenha saúde
Que eu possa compreender os padrões de pensamentos, sentimentos e
comportamentos que me trazem felicidade e quais padrões de pensamentos, sentimentos e
comportamentos me trazem sofrimento.

“Você merece seu amor e compaixão (…) você está aqui… você está fazendo algo
valioso para você. Você fez isso por você."
“Imagine alguém nesta sala. Um colega que, assim como você, decide vir, aliviar o
próprio sofrimento. Leve essa sensação bondade para ele ou ela”
334

Que você seja feliz.


Que você tenha saúde
Que você esteja livre do sofrimento.
Que você sinta alegria.
Que você seja feliz.
Que você esteja livre do sofrimento.

“Veja se é possível pensar em algum estranho, uma pessoa neutra que você possa
ter conhecido ou esbarrado hoje ou nesses dias. Assim como você, ele ou ela quer ser feliz
e se livrar de sofrimento”
Que você seja feliz.
Que você tenha saúde
Que você esteja livre do sofrimento.
Que você sinta alegria.
Que você seja feliz.
Que você esteja livre do sofrimento.

“Agora veja se é possível pensar em todo o grupo aqui que você conheceu hoje.
Assim como você, querem ser felizes e se livrar do sofrimento”
Que você seja feliz.
Que você tenha saúde
Que você esteja livre do sofrimento.
Que você sinta alegria.
Que você seja feliz.
Que você esteja livre do sofrimento.
Após 1 minuto, encerrar:
"Quando estiver pronto, abra os olhos ..."
Fim da prática.
335

APÊNDICE C – EXERCÍCIOS SUGERIDOS PARA A SEMANA DA


SESSÃO 1

Formal Mindfulness Practices


Explore practicing the breath and body meditation daily. Being with your breath each day
helps stabilize the mind and helps you to see what unfolds when you focus your full
awareness on just one thing at a time. Remember the fundamentals: set an intention, notice,
allow things to be, don´t be carried away, and recenter.
Try Loving-Kindness Meditation and acts of generosity. Explore including yourself, your
loved ones, members of your work life, and neutral persons.
Practice the 3-Minute Breathing Space. The breathing space provides a way to step out of
automatic pilot mode and reconnect with the present moment. 3 steps: Attend to what is.
Attend to your Breath. Attend to your Body.

Informal Mindfulness Practices


When you first wake up in the morning, before you get out of bed, bring your
attention to your breath for a couple of minutes. Explore. The first moments of your day can
influence how you are going to show up during the day. The intention is to begin the day
breaking the autopilot mode that usually starts since this very first moment.
Choose one routine activity in your daily life and make a deliberate effort to bring moment-
to-moment awareness to that activity each time you do it. Examples include brushing your
teeth, shopping, showering, walking in the office, washing dishes, etc.

Mindful Actions
Be mindful of daily opportunities to embody the mindfulness and compassion, including self-
compassion, whether at work or personal life. The Values and Action exercise and the
journaling possibly have provided you with ideas of mindful actions.

WHAT YOU PRACTICE GROWS STRONGER


336

APÊNDICE D – INTERVENÇÕES DA SESSÃO 2

Meditação Atenção plena à respiração


Duração: 10 minutos
Objetivo: Fortalecer o estado de mindfulness e desenvolver habilidades de regulação
atencional e emocional
Quando: Usado antes da instrução teórica sobre interdependência e se refere à prática da
semana anterior.
Instruções usadas para meditação:
1. Intenção: Estabeleça uma intenção consciente para sua prática. Por que você está
aqui? Por que isso é importante? Depois de estabelecer a intenção, veja-a como uma
aspiração e não como um resultado a ser obtido. Nutra uma atitude de gentileza e abertura ao
que se apresentar ao longo da prática.
2. Coloque-se em uma posição confortável, sentado em uma cadeira. É melhor usar
uma cadeira firme e com encosto reto, para que você possa sentar-se longe das costas da
cadeira e a coluna vertebral possa se sustentar.
3. Deixe suas costas adotarem uma postura ereta e digna; nem rígido nem tenso, mas
confortável. Permita que seus olhos se fechem se isso parecer confortável. Caso contrário,
abaixe o olhar para que ele caia, sem foco, alguns metros à sua frente.
4. Traga a sua consciência para as sensações físicas, concentrando sua atenção nas
sensações do toque no corpo, onde ele está em contato com o chão e com o que estiver
sentado. Passe alguns momentos explorando essas sensações.
Mudando o foco da atenção para a respiração
5. Agora, traga sua consciência para a respiração enquanto ela se move para dentro e
para fora do corpo no abdômen. Observe os padrões variáveis das sensações físicas nessa
região do corpo, à medida que a respiração entra e sai. Pode ajudar a colocar sua mão aqui
por algumas respirações e sentir o abdômen subindo e descendo.
6. Você pode perceber sensações leves de alongamento à medida que o abdômen se
eleva suavemente a cada inspiração, e sensações diferentes à medida que o abdômen cai a
cada expiração.
Onde está sua mente agora?
(Após um minuto)
Onde está sua mente agora?
(Após um minuto)
Não se julgue se você se perceber divagando…
7. Não há necessidade de tentar controlar a respiração de qualquer maneira -
simplesmente deixe a respiração respirar por si mesma. Mais cedo ou mais tarde, sua atenção
se desviará da respiração. Apenas traga-a de volta.
8. Ok, quando estiver pronto, abra suavemente os olhos, mova o pescoço, ombros,
braços, pés, mãos”
O espaço respiratório de 3 minutos
Duração: 3 minutos
Objetivo: induzir o estado de mindfulness.
Quando: Usado no início das sessões antes de se estabelecer a intenção consciente,
antes dos journalings e em momentos que o facilitador possa perceber que é necessário.
Existem três etapas:
1. Observar ao que é: Direcione sua atenção ao momento presente. O que você
observa? Que sensações estão presentes? Sons? Observe a tudo sem se prender em nada e
sem a necessidade de alterar o que está sendo observado.
337

2. Concentre-se na respiração: Com gentileza, restringe o campo de atenção a um


único foco, sua respiração.
3. Amplie para todo seu corpo. O terceiro passo amplia a atenção novamente para
incluir o corpo como um todo e quaisquer sensações presentes.
No espaço de cerca de 3 minutos, passamos de uma atenção mais ampla para focada
e cada passo do espaço respiratório de três minutos tem aproximadamente um minuto de
duração.
Exercício do Chocolate
Duração: 30 minutos
Objetivo: demonstrar o conceito de interdependência e estimular valores relacionados
a sustentabilidade social e responsabilidade universal. Esta experiência visa gerar um
aprendizado transcende cognitivo, trazendo o que se chama de aprendizagem afetiva,
impactando na atitude e valores dos participantes (Stanszus et al., 2017).
Quando: Usado em meio à exposição teórica sobre interdependência.
1. O instrutor iniciará a explanação de maneira usual, com uma definição do termo
interdependência, tendo como base a visão budista do mesmo (Karmapa, 2018). Em seguida,
fala-se sobre a definição usual de Sustentabilidade Corporativa e as dimensões envolvidas:
econômica, social e ambiental. Como recurso pedagógico, usaremos o exemplo do chocolate
e sua cadeia produtiva37, cuja cadeia produtiva é alvo de crítica quanto ao uso do trabalho
escravo infantil (Mistrati & Romano, 2010). Este fato não será incialmente informado.
2. O instrutor convidará os participantes a comerem de forma mindful apenas metade
de um chocolate, estimulando a percepção de sabores, aromas, sensações, tal como no
exercício realizado com uva passa usualmente em programas de mindfulness. Em seguida,
será solicitado que cada participante escrevam uma lista de todos os stakeholders38
responsáveis por este alimento chegar até a sua boca.
3. Após esta etapa concluída, pedimos que os participantes olhem com atenção a lista
em seus cadernos. Assim, induziremos à atenção plena ao produto (chocolate) e depois, aos
stakeholders, o que é por si uma reflexão racional sobre interdependência. Após a listagem,
é esperado que seja autorizado comer a outra metade, mas isso só será feito após ser mostrado
parte do documentário “o lado negro do chocolate” (Mistrati & Romano, 2010). Grande parte
dos participantes desconhece as questões de trabalho infantil e será raro listarem crianças
como stakeholders, ao menos na cadeia produtiva.
4. Após terem visto o documentário e percebido o sofrimento e exploração de trabalho
escravo infantil existente na cadeia produtiva e a discutível responsabilidade social das
grandes empresas envolvidas, os participantes são autorizados a comer a outra metade.
Grande parte dos participantes desconhece as questões de trabalho infantil e será raro listarem
crianças como stakeholders, ao menos na cadeia produtiva.
5. Neste momento, o instrutor irá pedir aos participantes para comer a outra metade,
com atenção plena, e que escrevam potenciais mudanças em sensações, pensamentos e
emoções. Na sequência, o instrutor estimula os participantes a atualizarem a lista previamente
escrita e convida a todos a tentar sentir compaixão por estes que trabalham de forma escrava
na plantação e colheita de cacau. Permanecemos assim por 1 minuto em silêncio.
6. O instrutor encerra o exercício e abre para discussão, perguntando: Mudou o sabor
da segunda metade? Tiveram alguns insights? Quem gostaria de compartilhar como se
sentiu?

37
Este formato de aula foi elaborado pelo autor da teste e é conduzida por ele há cerca de 9 anos.
Reprodução da aula permitida (e incentivada).
38
Stakeholder é uma pessoa ou um grupo, que legitima as ações de uma organização e que tem um
papel direto ou indireto na gestão e resultados dessa mesma organização. Desta forma, um stakeholder pode ser
afetado positivamente ou negativamente, dependendo das suas políticas e forma de atuação.
338

Desta forma, o ciclo mindfulness, compaixão e interdependência é abordado, assim


como a desiquilibrada equação de sustentabilidade econômica, social e ambiental.

Journaling
Duração: 15 minutos
Objetivo: promover reflexões de interdependência e responsabilidade universal. Este
journaling foi baseado nas quatro qualidades incomensuráveis do Budismo (Nhat Hạnh,
2001). A intenção era envolvê-los em reflexões sobre a interdependência do “eu” em relação
a outros (nós inter-somos) e como a felicidade e o sofrimento dos outros nos impactam.
Quando: Após o intervalo que ocorre após a discussão sobre o exercício do chocolate.
Processo de aplicação:
Etapa 1: Instruções formais e protocolares sobre o journaling direcionados aos
participantes39:
Etapa 2: Meditação do espaço de 3 minutos para induzir atenção plena.
Etapa 3: Questões:
● Como você se apresenta a alguém? O que você fala sobre você?
● Você se sente grato por algo? O quê?
● Você se sente grato por alguém?
● Quem podem ser seus principais apoiadores e parceiros no trabalho? E na vida pessoal?
● Quando foi a última vez que você se sentiu feliz por algo de bom que aconteceu com
alguém que não seja você? Como foi?
● Quando foi a última vez que você se sentiu triste por algo de ruim que aconteceu com
alguém que não seja você? Como foi?
● Se você estiver mais atento à interdependência, você se comportaria de maneira diferente
no trabalho? Se sim, como?
● Se você estiver mais atento à interdependência, você se comportaria de maneira diferente
na vida pessoal? Se sim, como?

Meditações para a semana


Meditação 1: Escaneamento corporal
Duração: 15 minutos
Objetivo: Estimular o estado de mindfulness usando como objeto focal as sensações
do corpo.
Quando: Depois da discussão em grupo sobre o journaling e da exposição teórica
sobre esta prática.
Instruções: “A meditação Body Scan ajuda você a explorar a diferença entre pensar
em uma sensação e experimentá-la diretamente. Muitos de nós gastamos tanto tempo vivendo
"em nossas mentes" que quase esquecemos o mundo vivenciado diretamente por nossos
sentidos "
Script básico:
1. Sente-se em uma cadeira ou deite-se, sentindo-se à vontade, Permita que seus olhos
se fechem suavemente.
2. Reserve alguns momentos para entrar em contato com o movimento da respiração
e as sensações no corpo.
3. Quando estiver pronto, traga sua consciência para as sensações físicas em seu
corpo, especialmente para as sensações de toque ou pressão, onde seu corpo faz contato com
a cadeira ou a cama. Em cada expiração, deixe-se levar, afundar um pouco mais na cadeira
ou na cama.

39
São as mesmas da sessão 1. O que muda aqui são as perguntas.
339

3. Lembre-se da intenção desta prática. Seu objetivo não é se sentir diferente, relaxado
ou calmo. isso pode acontecer ou não. Em vez disso, a intenção da prática é, da melhor
maneira possível, trazer consciência de todas as sensações que você detectar, ao concentrar
sua atenção em cada parte do corpo.
4. Agora, traga sua consciência para as sensações físicas no abdome inferior, tomando
consciência das mudanças de padrões de sensações na parede abdominal à medida que inspira
e expira. Dedique alguns minutos para sentir as sensações ao inspirar e expirar.
5. Depois de se conectar com as sensações no abdômen, traga o foco da atenção
consciência para o pé esquerdo e nos dedos do pé esquerdo. Concentre-se em cada um dos
dedos do pé esquerdo, trazendo uma curiosidade suave para investigar a qualidade das
sensações.
8. Agora permita que a consciência se expanda até o tornozelo...
9. Continue a trazer consciência e uma curiosidade suave às sensações físicas em cada
parte do resto do corpo por sua vez - na parte superior esquerda da perna, dedos do pé direito,
pé direito, perna direita, área pélvica, costas, abdômen, peito, dedos, mãos, braços, ombros,
pescoço, cabeça e rosto. Em cada área, da melhor maneira possível, traga o mesmo nível
detalhado de consciência e gentil curiosidade às sensações corporais presentes.
11. A mente inevitavelmente se afastará do corpo de tempos em tempos. Isso é
totalmente normal. É o que as mentes fazem. Quando você perceber, reconheça-o
gentilmente, observando onde a mente foi para, e então gentilmente retorne sua atenção para
a parte do corpo que você pretendia focar.
12. Após escanear todo o corpo, apenas relaxe por alguns momentos e observe as
sensações surgindo, indo e vindo, impermanentes.
Meditação 2: Movimento consciente
Duração: 10 minutos
Objetivo: Estimular o estado de mindfulness e trazer maior consciência corporal
usando como objeto focal as sensações do corpo em movimento.
Quando: Depois da prática de escaneamento corporal.
Instruções básicas:
1. Comece com uma posição atenta.
Basta ficar em pé com os pés afastados na largura dos quadris. Permita que seus
joelhos fiquem levemente soltos. Mantenha os ombros para trás e para baixo e o peito aberto
confortavelmente. Deixe os braços pendurados nas laterais do corpo.
2. Sinta sensações em seu corpo.
Observe a sensação de sua própria respiração. Sinta o peso do seu corpo sobre seus
pés. Fique atento às áreas do seu corpo que se sentem tensas ou desconfortáveis sem tentar
relaxá-las.
3. Mova os braços para cima e para baixo.
Quando estiver pronto, mova os braços para cima à sua frente enquanto inspira e
recua novamente ao expirar. Observe as sensações físicas em seus braços e mãos enquanto
faz isso cerca de dez vezes.
4. Gire os ombros.
Gire os ombros lentamente várias vezes nas duas direções. Sinta qualquer tensão que
possa estar lá. Ao mesmo tempo, sinta sua respiração, se puder.
5. Gire suavemente a cabeça de um lado para o outro.
Tenha cuidado com este e faça-o lentamente. Abaixe delicadamente a orelha esquerda
em direção ao ombro esquerdo. Em seguida, gire a cabeça à sua frente e deixe a orelha direita
se mover em direção ao ombro direito antes de voltar ao centro novamente.
6. Agite os braços e as pernas.
340

Você pode terminar agitando os braços e as pernas com delicadeza por cerca de meio
minuto e depois sentar-se novamente e sentir as sensações por todo o corpo.
7. A meditação termina.
Meditação da Compaixão e Bondade Amorosa
Objetivo: cultivar as virtudes de amor e compaixão a si, aos outros e gradualmente, a
todos os seres. Aqui trazemos à mente as crianças vistas no vídeo e também animais.
Duração: 12 minutos
Quando: ao final da sessão
Instruções dadas pelo facilitador:
341

APÊNDICE E – EXERCÍCIOS SUGERIDOS PARA A SEMANA DA


SESSÃO 2

Formal Mindfulness Practices


Explore practicing the Body Scan and Mindful Movements alternatively daily. The Body
Scan explore the difference between thinking about a sensation and experiencing and
balances the tendency to “live in our heads.” The Mindful Movements help the mind to
continue the process of reintegrating with the body and offers an opportunity to explore
limits and discomfort. When you stretch, you eventually reach a limit, beyond which the
discomfort becomes too intense. Be aware how you if you react or respond.
Try Loving-kindness Meditation. Explore including yourself, your loved ones, members of
your work life, and neutral persons, and animals.
Practice the 3-Minute Breathing Space. The breathing space provides a way to step out of
automatic pilot mode and reconnect with the present moment.

Informal Mindfulness Practices


When you first wake up in the morning, before you get out of bed, bring your
attention to your breath for a couple of minutes. Explore. The first moments of your day can
influence how you are going to show up during the day. The intention is to begin the day
breaking the autopilot mode that usually starts since this very first moment.
Choose one routine activity in your daily life and make a deliberate effort to bring moment-
to-moment awareness to that activity each time you do it.

Mindful Actions
Be mindful of daily opportunities to embody the mindfulness of interdependence. What can
you do in order to honor interdependence?

WHAT YOU PRACTICE GROWS STRONGER


342

APÊNDICE F – INTERVENÇÕES DA SESSÃO 3

O espaço respiratório de 3 minutos


Duração: 3 minutos
Objetivo: induzir de forma breve o estado de mindfulness.
Quando: Usado no início das sessões antes de se estabelecer a intenção consciente, antes dos
journalings e em momentos que o facilitador possa perceber que é necessário.
Segue o mesmo protocolo descrito nas sessões anteriores.

Prática da semana anterior


Meditações para a semana
Meditação 2: Movimento consciente
Duração: 10 minutos
Objetivo: Estimular o estado de mindfulness e trazer maior consciência corporal usando como
objeto focal as sensações do corpo em movimento.
Quando: Logo após o estabelecimento da motivação consciente
Segue o mesmo protocolo da sessão anterior

Primeiro Journaling
Duração: 15 minutos
Objetivo: Essa prática permite aos participantes acessar níveis mais profundos de
autoconhecimento e conectar esse conhecimento a ações concretas relacionadas a sentido,
propósito de vida. As questões deste exercício foram extraídas do journaling da Teoria U
(Scharmer & Kaufer, 2013).
Quando: Após o intervalo que ocorre após a discussão sobre Propósito Maior.
Processo de aplicação:
Etapa 1: Instruções formais e protocolares sobre o journaling direcionados aos
participantes40:
Etapa 2: Meditação do espaço de 3 minutos para induzir atenção plena.
Etapa 3: Questões:
1. Observe-se de cima (como se estivesse em um helicóptero). O que você está fazendo?
O que você está tentando fazer nesta etapa de sua jornada profissional e pessoal?
2. Imagine que você poderia avançar rapidamente até os últimos momentos da sua vida.
Agora, lembre-se da jornada de sua vida como um todo. O que você gostaria de ver naquele
momento? Como você gostaria de ser lembrada(o)?
3. A partir desse local (futuro), olhe para a sua situação atual. Que conselho você daria
a si mesma(o)?
4. Retorno ao presente: Que visão você tem de você e de seu trabalho pelos próximos
3-5 anos? O que você deseja criar para a sua vida?
5. O que você teria que deixar de lado para tornar sua visão realidade? Qual é sua old
skin (comportamentos, crenças, processos de pensamento etc.) que você precisa eliminar?
6. Quem pode ajudá-la(o) a tornar sua visão uma realidade? Quem podem ser seus
principais auxiliares e parceiros?
7. Se você assumisse o projeto de tornar sua visão realidade, que primeiros passos
práticos você daria nos próximos 3 a 4 dias?

Meditações para a semana

40
São as mesmas da sessão 1. O que muda aqui são as perguntas.
343

Meditação Atenção Plena aos Pensamentos e Sons


Duração: 10 minutos
Objetivo: Estimular o estado de mindfulness e trazer maior consciência sobre a similaridade
entre sons e pensamentos e sua natureza abstrata e impermanente.
Quando: Depois da discussão sobre o primeiro journaling.
Instruções básicas:
Encontre uma posição sentada, na qual a coluna possa se sustentar, com as costas retas, mas
não rígidas.
1. Sente-se com os ombros relaxados, cabeça e pescoço equilibrados.
2. Volte sua atenção para os movimentos da respiração no corpo por alguns minutos, até que
você se sinta razoavelmente calmo. Em seguida, expanda sua atenção para absorver o corpo
como um todo, como se todo o corpo estivesse respirando, ajudando você a estar ciente de
todas as sensações no corpo.
3. Passe alguns momentos praticando assim.
4. Agora, quando estiver pronto, permita que o foco de sua atenção mude das sensações do
corpo para a audição - aberto aos sons à medida que surgem.
5. Não há necessidade de procurar sons ou ouvir sons específicos. Em vez disso, da melhor
maneira possível, permaneça aberto, para que você seja receptivo à percepção dos sons de
todas as direções à medida que surgem - sons próximos, sons distantes, sons na frente, atrás,
para o lado, acima ou abaixo.
6. Da melhor maneira possível, esteja ciente dos sons simplesmente como sons, como
sensações cruas. Observe a tendência de todos nós rotularmos os sons assim que eles forem
recebidos (carro, trem, voz, ar condicionado, rádio) e veja se é possível simplesmente
observar essa rotulagem e depois focar novamente, além e abaixo da etiqueta, em as
sensações cruas dos próprios sons (incluindo os sons dos sons).
7. Você pode achar que está pensando nos sons. Veja se é possível se reconectar com a
consciência direta de suas qualidades sensoriais (padrões de tom, timbre, volume e duração),
em vez de seus significados, implicações ou histórias sobre eles.
8. Sempre que notar que sua consciência não está mais focada nos sons, reconheça
suavemente para onde a mente se deslocou e, em seguida, volte a atentar para os sons à
medida que surgem e passam de momento a momento.
9.Em seguida, depois de focar nos sons por quatro ou cinco minutos, liberte sua consciência
dos sons.
10. Agora mude seu foco de atenção para que seus pensamentos estejam no centro da
consciência - vendo-os da melhor maneira possível, como eventos na mente.
11. Assim como nos sons, onde você estava percebendo o surgimento, persistência e
desaparecimento, agora, da melhor maneira possível, observe os pensamentos que surgem na
mente, percebendo quando eles surgem, visto que permanecem no espaço da mente. mente
(como nuvens se movendo no céu da mente). Eventualmente, veja se você consegue detectar
o momento em que eles se dissolvem.

Meditação da Compaixão e Bondade Amorosa


Objetivo: cultivar as virtudes de amor e compaixão a si, aos outros e gradualmente, a todos
os seres. Aqui trazemos à mente os animais devido a palestra realizada.
Duração: 12 minutos
Quando: ao final da sessão
Seguiu o mesmo protocolo da sessão anterior.

Segundo Journaling
Duração: 15 minutos
344

Objetivo: Essa prática visa estimular os participantes a pensar no propósito do que fazem e
no propósito da própria empresa. Mais ainda, visa estimular atitudes e comportamentos
ligados a sustentabilidade e responsabilidade universal.
Quando: Após a prática de compaixão
Processo de aplicação:
Etapa 1: Instruções formais e protocolares sobre o journaling direcionados aos
participantes41:
Etapa 2: Questões:
1. Como seu trabalho contribui para um bem maior? O que você poderia fazer para
aumentar a conscientização - em você e em seus colegas de trabalho - sobre o propósito maior
da sua empresa?
2. Se você se comprometesse a fazer algo bom para o bem comum, o que você poderia
fazer nos próximos 3 ou 4 dias? Quem poderia ajudá-la(o)?

41
São as mesmas da sessão 1. O que muda aqui são as perguntas.
345

APÊNDICE G – EXERCÍCIOS SUGERIDOS PARA A SEMANA DA


SESSÃO 3

Formal Mindfulness Practices


Explore Thoughts and Sounds meditation and one of the last techniques (breathing, body
scan or Mindful movement) alternatively daily. The Thoughts and Sounds meditation will
enhance your ability to see your thoughts as mental events that come and go, just like sounds.
This helps you to take a "decentered" stance to your thoughts and feelings, and allows you to
respond rather than react.
Loving-kindness Meditation. Explore in addition to yourself, your loved ones, members of
your work life, neutral persons, and animals, including persons that you might have some
difficult relationship. Just like you, he or she wants to be happy and free from suffering. Just
like you, he or she loves and is loved by someone. Explore...
Practice the 3-Minute Breathing Space. The breathing space provides a way to step out of
automatic pilot mode and reconnect with the present moment.

Informal Mindfulness Practices


Choose one routine activity in your daily life and make a deliberate effort to bring moment-
to-moment awareness to that activity each time you do it.

Mindful Actions
The journaling on session 3 invites you to take on the project of bringing your vision and
intention into reality, you have written practical steps to take till the end of this week. Small
steps toward.
Also, there are two engaging questions to explore:
What could you do to raise awareness - in you and workmates - of the higher purpose of your
work?
If you were supposed to make something for the common good, what could you do in the
next 3 or 4 days? Who would like to help you?

WHAT YOU PRACTICE GROWS STRONGER


346

APÊNDICE H – INTERVENÇÕES DA SESSÃO 4

O espaço respiratório de 3 minutos


Duração: 3 minutos
Objetivo: induzir de forma breve o estado de mindfulness.
Quando: Usado no início das sessões antes de se estabelecer a intenção consciente, antes dos
journalings e em momentos que o facilitador possa perceber que é necessário.
Segue o mesmo protocolo descrito nas sessões anteriores.

Prática da semana anterior: Pensamentos e Sons


Duração: 10 minutos
Objetivo: Estimular o estado de mindfulness e trazer maior consciência sobre a natureza
abstrata e impermanente dos pensamentos.
Quando: Logo após o estabelecimento da motivação consciente
Segue o mesmo protocolo da sessão anterior

Valores em Ação
Objetivo: Clarificar valores e alinhar comportamentos a estes. Isso é também atenção plena:
como você está guiando sua vida e o sentido deste caminho.
Duração: 10 minutos.
Quando: utilizado em meio a teorização sobre liderança consciente.
Aplicação segue o mesmo protocolo destacada na sessão 1.

Primeiro Journaling
Duração: 6 minutos
Objetivo: Essa prática estimula os participantes a evoluírem sua autorreflexão e se
conectarem com um chamado interno para comportamentos valorosos. Estas questões são
usadas na prática de coaching do facilitador.
Quando: Após o intervalo que ocorre após a discussão sobre Propósito Maior.
Processo de aplicação:
Etapa 1: Instruções formais e protocolares sobre o journaling direcionados aos
participantes42:
Etapa 2: Meditação do espaço de 3 minutos para induzir atenção plena.
Etapa 3: Questões:
8. O que está em seu coração agora é ...
9. A vida está chamando você agora para ...

Prática de Mindfulness ao outro


Duração: 10 minutos
Objetivo: Estimular o estado de mindfulness e trazer maior consciência sobre a presença de
outro ser, fomentando empatia e senso de conexão.
Quando: Depois da discussão sobre o primeiro journaling.
Instruções básicas:
O facilitador deve participar também.
Cada pessoa escolhe um companheiro ou companheira para começar.
As pessoas ficam de frente umas às outras.
Olhos nos olhos, esteja lá, sinta a outra pessoa.
Pratique presença.

42
347

Durante o exercício, o facilitador pode falar à classe algo que sua intuição diz para falar.
Exemplo: Pode sentir alguma virtude que esta pessoa possui? O que seus olhos falam sobre
ela?
A cada 45 segundos em média, troca-se de parceiro ou parceira.
Finaliza após todos ou a maioria ter se encarado.

Segundo Journaling
Duração: 6 minutos
Objetivo: Essa prática visa estimular os participantes a refletirem nos temas relacionados a
exposição teórica da sessão. Mais ainda, visa estimular atitudes e comportamentos ligados a
sustentabilidade e responsabilidade universal.
Quando: Após a prática de conversa consciente
Processo de aplicação:
Etapa 1: Instruções formais e protocolares sobre o journaling direcionados aos participantes:
Etapa 2: Questões: “Como você pode servir melhor na vida e no trabalho?” e “Se você
assumisse o projeto de se tornar mais consciente, quais os primeiros passos práticos que você
daria nos próximos 3 a 4 dias?

Mindfulness às plantas
Duração: 10 minutos
Objetivo: Essa prática visa estimular os participantes a se conectarem em níveis mais
profundos com elementos do ambiente natural.
Quando: Após o segundo journaling
Processo de aplicação:
Etapa 1: Pegar as plantas disponíveis na mesa.
Etapa 2: guiar a meditação
O facilitador deve encorajar a tocar, cheirar, provar a planta se o participante quiser.
Basicamente, agora estamos oferecendo nossa presença às plantas e notando sua presença
também. Examiná-la como se nunca tivéssemos visto uma planta antes.
Deve observá-las e buscar sentir se elas têm vida, como se sentem e se possível, buscar lhes
emitir a mesma bondade-amorosa das meditações de compaixão.
Etapa 3: Depois de 5 a 7 minutos, pedir aos participantes para responderem duas perguntas:
Pergunta 1, Qual é a mensagem da planta para você?
Pergunta 2: Como a natureza pode ajudá-lo a se tornar mais consciente?
348

APÊNDICE I – EXERCÍCIOS SUGERIDOS PARA A SEMANA DA


SESSÃO 4

Formal Mindfulness Practices


Try to deepen your practice on one or two techniques. For example, you may want to
explore more often the sounds and thoughts meditation along with the 3-minute breathing
space. One thing that research shows is that what you practice grows stronger! Therefore,
develop your mindfulness practice and stick with it.
Explore Loving-kindness Meditation. Cultivate the seeds of warmth and kindness
towards yourself, others humans, and living beings. See what happens.

Informal Mindfulness Practices


Choose one routine activity in your daily life and make a deliberate effort to bring
moment-to-moment awareness to that activity each time you do it.

Mindful Actions
The journaling on session 4 invites you to take on the project of becoming more
conscious and responsible. You have written in the session practical steps to take. Small
steps, always. This is your life, the most important endeavor you will ever have. Make it
meaningful and conscious!

WHAT YOU PRACTICE GROWS STRONGER


349

APÊNDICE J - CONSENTIMENTO INFORMADO

CONSENT TO PARTICIPATE IN RESEARCH


Mindfulness-based Leadership for Sustainability Program

Introduction

My name is Rodrigo Siqueira. I am a visiting student researcher at the


Berkeley Social Interaction Laboratory and the Greater Good Science
Center coordinated by professor Dacher Keltner, at UC Berkeley, and a
PhD candidate in the EICOS Program of the Institute of Psychology of the
Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ). I am conducting dissertation
research on mindfulness, under the supervision of my faculty advisor,
Cecilia de Mello e Souza, Ph.D., professor at the Institute of Psychology at
UFRJ. You are being invited to participate in this study because you have
signed up for the MBLS program.

Purpose

The purpose of this study is to explore the potential of a mindfulness-


based program to foster corporate leaders` skills, attitudes, and
behaviours that are positively related to sustainability.

Procedures

The program involves:

Attending four meetings, on the following dates: Wednesday Oct


10th; Wednesday Oct 17th; Tuesday Oct 30th; Tuesday Nov 6th,
from 4pm to 8pm.

Exploring daily mindfulness practices, formally and informally, as


homework and registering your meditation practice online.

During the main part of the study:

If you are available for all four meetings and interested in participating
after reading the information below, then fill out the form below. If you
are selected during the research screening phase, and you choose to
continue, this is what will happen next:

You will be interviewed (60 minutes), before and after the program, about
your current perceptions, coping strategies, behaviours, and attitudes about
corporate sustainability. The interview will be recorded, transcribed and
then the audio will be destroyed.

You will participate in each meeting, which consists of theoretical


presentations, videos, meditation practices, journaling exercises, dyads,
triads, and group discussions.
350

The research team consists of the instructor and five UC Berkeley


undergrads. They will be taking notes for research purposes.

Benefits

You will receive instruction on meditation techniques that aim to foster


mindfulness and compassion. If the protocol used during these meetings
produces positive effects on participants, it can be used in other
companies and benefit others.

Risks/Discomforts

Some of the interview questions may make you uncomfortable or upset,


but you are free to decline to answer any questions. Just say so.

During the meetings, some of the group discussion may make you
uncomfortable or upset, but you are free to remain silent or leave the group
at any time.

During the meetings, some of the meditation practices or themes may


make you uncomfortable or upset, but you are free to stop the practice at
any time.

Confidentiality

To secure confidentiality, only three people will have access to the complete database:

Rodrigo Siqueira, conducting researcher, Cecilia de Mello, Faculty


Advisor at UFRJ, and Dacher Keltner, Faculty advisor at UC Berkeley.
Student researchers will only have access to the data they are collecting,
transcribing and coding.

All data will be protected by password.

Participants’ names will be deleted and substituted by codes in all data.


Publications, oral presentations of research and the dissertation will
contain pseudonyms. Other information that can identify you to people
who know you will be omitted or changed. In order to participate in this
study, participants will commit to keeping group discussions confidential.
However, we cannot guarantee that everyone will always honor this
agreement.

*Group discussion – special considerations:

We will keep the information provided during the group discussions


confidential and encourage all participants to do likewise. Students
taking notes are instructed not to share this information outside the
research team. Data collected will be stored and identified with codes
from the moment it is recorded.
351

Compensation

You will not be paid for taking part in this study.

Rights

Participation in research is completely voluntary. You have the right to


decline to participate or to withdraw at any point in this study without
penalty.

Questions

If you have any questions or concerns about this study, you may
contact Rodrigo Siqueira at rod.dharma@gmail.com or (415) 609-
5348. Cecilia de Mello e Souza, the research coordinator, can be
contacted at cdemelloesouza@gmail.com or +55 24 99997-0727.

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