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INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA EICOS
DOUTORADO EM PSICOSSOCIOLOGIA
E ECOLOGIA SOCIAL
Tese apresentada ao
Programa EICOS - Pós-
graduação em
Psicossociologia de
Comunidades e Ecologia
Social do Instituto de
Psicologia na Universidade
Federal do Rio de Janeiro,
como requisito ao grau de
Doutor em Psicossociologia.
ORIENTADORA:
Prof. Cecília de Mello e Souza. Ph.D.
Rio de Janeiro – RJ
Março – 2020
FICHA CATALOGRÁFICA
AGRADECIMENTOS
Escrever os agradecimentos em uma tese que tem por princípio maior o conceito de
interdependência pode ser transformar em um texto maior que a própria tese. São muitos os
seres de vários reinos que nos beneficiaram ao longo desta jornada.
Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) pela
bolsa concedida por dois anos ao longo do doutorado. Agradeço igualmente à Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento concedido
na bolsa de doutorado sanduíche e ao Laboratório de Interação Social da Universidade da
Califórnia, Berkeley por financiar as taxas de admissão.
Agradeço ao Programa EICOS da UFRJ por acreditar no meu potencial em desenvolver esta
pesquisa. Gratidão à empresa que abriu suas portas à pesquisa-ação e aos funcionários que
participaram desta pesquisa.
Em especial, agradecemos à professora orientadora Cecilia de Mello e Souza, além de
compartilhar seus conhecimentos conosco, teve paciência e generosidade ao longo destes
anos com nossas limitações com este trabalho, sendo compreensiva em situações que
transcendiam a questão acadêmica.
Agradecimento ao Professor mentor dos Estados Unidos, Dacher Keltner, por acreditar no
propósito e relevância desta tese e nos aceitar em seu laboratório e grupo de pesquisa, nos
propiciando auxílio na obtenção de assistentes de pesquisa da Universidade da Califórnia.
Gratidão aos jovens que tornaram este trabalho possível, os assistentes de pesquisa da
Universidade da Califórnia Emily Fabian, Jacob Ross, Jonas Spengler, Selma Quist-Møller
e Shavirka Kherde pela observação participante, elaboração dos diários de campo e
discussões entusiásticas após as sessões da ação psicossocial. O mesmo gradecimento é
direcionado à assistente de pesquisa aluna do Instituto de Psicologia da UFRJ, Julia Braga,
por todo apoio na análise de dados e revisão da tese. Sem estes jovens brilhantes, este trabalho
não seria possível no nível de detalhe e qualidade que conseguimos produzir.
Especial gratidão a pessoas que contribuíram para a realização da pesquisa, como David
Whitman que abrilhantou a ação psicossocial com sua palestra sobre sentido e propósito na
vida.
Gratidão à família e aos amigos e amigas que buscaram ajudar com muitas palavras de
incentivo.
Gratidão aos Budas, Mestres e bodhisattvas de todas as eras, por clarearem nossos caminhos.
RESUMO
Esta tese parte do imperativo urgente da sustentabilidade ambiental, social e cultural
de nosso planeta e da premissa que as corporações são importantes agentes no
desenvolvimento sustentável - no caso, insustentável – de nossa sociedade. As corporações
têm sido incapazes de assegurar desenvolvimento sustentável devido à hegemonização de
valores capitalistas neoliberais em um contexto de supressão do Estado, do coletivo e a
emergência cada vez maior do ethos de mercado e do paradigma de crescimento econômico.
Valores como hiper individualismo e ganho/lucro pessoal moldam atualmente o que é
frequentemente considerado como forma racional e benéfica de ser e viver na sociedade.
Defendemos uma ruptura com tal paradigma cultural e buscamos expandir a perspectiva de
vida para além dos valores homogeneizantes e insustentáveis do paradigma capitalista
neoliberal atual por meio de uma pesquisa-ação qualitativa. Assim, desenvolvemos e
implementamos uma ação psicossocial original, eticamente informada, baseada em
mindfulness, valores e nos preceitos Budistas da compaixão e interdependência. Realizamos
em outubro e novembro de 2018 em uma grande empresa de tecnologia da informação na
baía região de São Francisco na Califórnia (EUA) a pesquisa-ação qualitativa com
observação participante, tendo doze participantes de nível executivo – estes entrevistados
antes e após a ação psicossocial - composta por 4 sessões com práticas de meditação baseadas
em mindfulness e compaixão, journaling e outras dinâmicas de grupo. Os registros em diário
de campo de observação participante das sessões e transcrições das entrevistas semi-
estruturadas em profundidade indicam a ação psicossocial fomentou uma emancipação dos
participantes em relação à assimilação apática de valores do sistema capitalista neoliberal e
um movimento em direção a uma maior autenticidade e autocuidado. Uma possibilidade para
uma ação mais responsável no mundo dos participantes passou pela forma como se
relacionam com si mesmos, mudanças em sua visão de mundo e seus modos de viver, ser e
existir em sociedade. Assim, criou-se o espaço necessário para que houvesse um movimento
transversal de conscientização e cuidado ao outro e ao planeta, propiciando uma caminhada
mais alinhada aos princípios sustentáveis. Foram relatados aumentos de habilidades de
mindfulness, clarificação de valores e condutas relacionados a estes, proporcionando uma
melhoria substancial de bem-estar. Adicionalmente, um aumento da consciência de
interdependência influenciou positivamente no desenvolvimento de condutas prossociais e
ambientais. Por fim, este trabalho oferece aos pesquisadores e agentes de mudança social um
protocolo replicável para ambientes corporativos, organizacionais e educacionais.
Ponto de Largada: sobre a relação com si com os outros e a natureza .............. 214
“Você não fez isso, você não fez o que você precisa fazer, você precisa fazer
isso”: a relação com si e percepções de bem-estar ..................................................... 214
Reconexão com si: o início de uma ecologia mental e autocuidado .................. 238
Expansão e reconexão com outro: o início de uma ecologia social e cultural ... 270
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO
Assim, os resultados encontrados nesta tese sugerem forte conexão entre atividades
pedagógicas que impulsionaram a percepção de interdependência, valores e compaixão e
predisposições e condutas que estão positivamente relacionados com sustentabilidade social.
Nesta linha, aqui reside mais uma importante contribuição desta tese: o programa da ação
psicossocial e seu protocolo original – eticamente informado e transdisciplinar - composto
por objetivos e atividades pedagógicas sinérgicas que pode ser replicado futuramente.
Conforme veremos na revisão de literatura, o ensino de sustentabilidade é
essencialmente fragmentado e em sua maioria não possui aspectos afetivos - relacionados a
atitudes e valores - na aprendizagem (Shephard, 2008). Morin (2005) destaca que a
fragmentação do saber apresenta problemas pois não oferece uma conexão entre áreas
distintas, limitando e dificultando a aprendizagem dos envolvidos com o processo de ensino.
Desta forma, o conteúdo teórico do programa abordou conhecimentos oriundos da literatura
de sustentabilidade corporativa (e.g., responsabilidade social e capitalismo consciente), da
psicologia social (e.g.,compaixão; empatia), da psicologia clínica (e.g., mindfulness; valores)
e mesmo o Budismo (e.g, interdependência; mindfulness) denotando seu caráter
transdisciplinar. Adicionalmente, as estratégias pedagógicas do programa da ação
psicossocial atuaram de forma sinérgica, contribuindo não apenas na aprendizagem cognitiva
(i.e., conhecimentos), mas também na aprendizagem afetiva, ou seja, desenvolvimento de
valores e predisposições positivamente relacionados à sustentabilidade, como por exemplo
responsabilidade universal.
Convém destacar que este trabalho contemplou de forma articulada pesquisa, ensino
e extensão, por meio da integração da pós-graduação com a graduação e uma intervenção
com inserção social, por meio da pesquisa-ação desenvolvida. Ao avaliarmos o método
qualitativo empregado, percebemos que as principais contribuições do método estão
divididas em três eixos. Primeiro, a coleta de dados de forma assíncrona e síncrona à ação
psicossocial, por meio de duas técnicas – observação participante e entrevistas em
profundidade – permitiu a obtenção de dados antes, durante e após a ação psicossocial. Isso
permitiu a equipe de pesquisa avaliar e adaptar em tempo hábil a ação psicossocial para
melhor atender aos objetivos de pesquisa, assim como ter dados que permitem compreender
não apenas mudanças antes e depois da intervenção, mais ao longo da ação. Ademais, os
diários de campo de cada encontro permitiram a coleta e análise de dados sobre o feito das
práticas, dinâmicas e apresentações, i.e, a avaliação psicopedagógica da metodologia da ação
psicossocial.
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de informações. Tal influência poderia estender-se à influência política, como também pode
estender e proteger os interesses capitalistas pela disseminação da ideologia que o sustenta
(Tawney, 1950). De fato, para que o capitalismo pudesse florescer, a sociedade deveria ter
um contexto cultural que não apenas o acolhasse, mas o justificasse.
Nesta linha, Max Weber (2004) buscou apresentar sua visão sobre o desenvolvimento
do “espírito” do capitalismo traçando suas origens ao protestantismo calvinista. A
centralidade do protestantismo ascético calvinista não é o dogma da predestinação, mas sim
a crença na necessidade de "comprovação" da salvação, que é, essencialmente, um feito
individual. Tal comprovação de salvação se daria por dois aspectos: os ganhos de capital e
uma conduta diária centrada no controle metódico da vida e centrada no trabalho, inspirada
na concepção de vocação encontrada no Luteranismo. Assim, Weber destaca a valorização
religiosa da ocupação profissional, sem descanso, continuada, sistemática, como o meio
ascético supremo e a um só tempo a comprovação mais segura e visível da regeneração de
um ser humano e da autenticidade de sua fé. Assim, temos um ethos que transformava o
trabalho e a acumulação de dinheiro em um imperativo racional e ético. Desse modo, a ética
protestante garantiu que o “espírito capitalista” se tornasse um fenômeno de massa. Nas
palavras de Weber (2004, p 57):
Os novos capitalistas precisavam ser capazes de exercer cada vez mais pressão sobre
seus trabalhadores para produzir mais por menos, para que pudessem manter os preços de
negociação e aumentar os lucros (Rubin, 1979). Assim, dentro das condições de trabalho
geradas pela revolução industrial, os trabalhadores enfrentavam até dezoito horas por dia nas
fábricas. Aqui vemos as sementes da exploração de mão-de-obra e de insustentabilidade
social dentro das fábricas. Os empregadores procuravam desviar a insatisfação dos
trabalhadores com a natureza de seu trabalho para uma insatisfação mais pessoal que poderia
ser amenizada com bens de consumo e com a reflexão ética sobre o valor do trabalho. Aqui,
temos as origens do sofrimento no trabalho e as explicações individualizantes de suas causas
que autores contemporâneos como Dejours e Bègue (2010) alertam, assim como o consumo
como válvula de escape para nossas aflições.
Beder (2004) destaca que o desenvolvimento das sociedades de consumo que se deu
entre os séculos XIX e XX só foi possível com a erosão dos valores e atitudes tradicionais
de economia e prudência e o deslocamento das pessoas para as grandes cidades. Para
desapontamento de Weber (2004), o consumo passou a ser guiado por paixões mundanas e
trabalho desvinculado de uma vocação tal como encontrado na ética protestante. De fato, o
consumismo começou a ganhar força e muitos estudiosos afirmam que o alcançou sua “era
de ouro” no século XX, em especial a partir das décadas de 1950 e 1960 (Beder, 2004). Beder
(2004) enfatiza que durante esse período, devido à produção em grande quantidade, as
mercadorias ficaram muito menos caras e alguns produtos conseguiram vender em uma
escala muito grande devido a campanhas de marketing eficazes muito mais sofisticadas,
atribuindo ao consumo uma fonte de identidade. Para que o sistema funcionasse, era
necessário produzir mais e logo, aumentar o consumo. Assim, os anunciantes procuravam
redefinir as necessidades das pessoas, incentivar seus desejos e oferecer soluções a elas por
meio de mercadorias produzidas.
Assim, na medida em que temos o deslocamento do locus social e econômico do
sistema familiar para o espaço público e profissional, temos um crescimento também da
complexidade da vida social pré e pós amadurecimento do capitalismo: o movimento de
comunidades para sociedades (Tönnies, 1944), ou ainda, sociedades mais simples para
sociedades mais complexas (Durkheim, 1999), afetando fortemente as relações sociais, a
natureza e força dos vínculos entre os indivíduos e a forma como lidamos com a natureza.
Na passagem do modo de vida rural para o urbano, Tönnies (1944) destaca o
desencadeamento de uma ruptura nos núcleos de sociabilidade como a família, a religião e a
comunidade. Ao olhar para as sociedades ao longo do desenvolvimento do capitalismo,
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Tönnies compreendeu que antes os indivíduos possuíam vínculos mais fortes uns com os
outros, viviam em comunidades onde compartilhavam interesses, valores e uma religião em
comum. Aqui, as comunidades contavam com elevado grau de integração afetiva, coesão,
objetivos, práticas cotidianas e formas de agir e pensar. Na medida em que o capitalismo se
desenvolvia e ocorria o surgimento das grandes cidades, a proximidade e natureza dos
vínculos mudava. Desta forma, quando mais a sociedade se estruturava nas cidades – ou seja,
em torno do mercado e o capitalismo -, mais enfraquecidos eram os círculos de parentesco e
vizinhança como motivos de sentimentos e atividades comunitárias. Isso serviu de base para
Tönnies formular sua teoria da comunidade (Gemeinschaft) e sociedade (Gesellschaft): se na
comunidade os indivíduos permanecem unidos apesar de todas as separações, na sociedade
permaneceriam separados não obstante todas as uniões.
De fato, grande parte do pensamento liberal atual é baseado na perspectiva que a
sociedade é composta pela soma de indivíduos e pela divisão racional do trabalho cada um
tem seu lugar e papel dentro do sistema. Durkhein (1999) explora de forma crítica esta
perspectiva ao destacar que com a divisão racional do trabalho cada pessoa é uma peça de
uma grande engrenagem, na qual cada um tem sua função e é esta última que marca seu lugar
na sociedade, a consciência coletiva tem seu poder de influência reduzido. Neste modelo os
indivíduos se unem ou são solidários não porque se sentem semelhantes ou porque haja
consenso, mas sim porque são interdependentes – utilitariamente - dentro da esfera social.
Este é o conceito de solidariedade orgânica, em oposição à uma solidariedade mecânica
baseada em proximidade, interesses, valores e mesmo religião. Isto ocorreu em função do
crescimento do capitalismo, a divisão racional do trabalho e a emergência das grandes
cidades.
Desta forma, para Durkheim nas grandes sociedades capitalistas, pessoas diferentes
se unem em torno de um propósito econômico. Assim, não há uma maior valorização daquilo
que é coletivo, mas sim do que é individual, o que se trata de um valor essencial para o
desenvolvimento do capitalismo. Weber (2015) descreve esse fenômeno também se
baseando na lógica de racionalidade que permeia o protestantismo calvinista: haveria um
acordo racional por consentimento mútuo que uniria as pessoas. Assim, os membros da
sociedade concordam em participar e respeitar as regras, normas e práticas, porque a
racionalidade diz a eles que eles se beneficiam ao fazê-lo. Quando observamos todas os
crimes, corrupções e escândalos corporativos ou entre indivíduos da sociedade, colocamos
em dúvida se a racionalidade é um fator que garantiria a o respeito às regras e normas.
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crença na tecnologia e na ciência – e não a reinvenção dos modos de ser e viver - são as bases
para a solução de problemas sociais e ambientais ocasionados por estilos de vidas
insustentáveis.
Adicionalmente, o deslocamento do campo para as grandes cidades também acirra o
afastamento da natureza e sua perspectiva como recurso, fato este evidente nas ações
corporativas (Hahn, Pinkse, Preuss, & Figge, 2015) e em nosso processo educacional
(Wamsler et al., 2017). Toda esta reflexão histórica nos ajuda a compreender o estado de
insustentabilidade social e ambiental que vivemos. Como Berger (1973) destaca, a sociedade
impõe ao ser humano seus conceitos, padrões e regras, desde a infância. A obediência se dará
por meio de um controle social e esse controle será exercido em diversas instâncias da vida
do indivíduo, desde o trabalho, como se trabalha, o que consome, o quanto se consume e em
sua, o ser e viver em sociedade. Berger destaca o papel das instituições na socialização dos
indivíduos e como os laços familiares se deslocam para o espaço público e notadamente na
vida moderna, para o espaço corporativo, temos a introjeção de valores e regras dominantes
muito difíceis de serem evitadas. A este destino Berger chamou de determinismo sombrio.
Este termo, por certo, cabe bem a este momento que vivemos como sociedade, muito embora
apresentamos neste trabalho um caminho diferente, com outros valores e que, ainda que
honrem as individualidades, nos oferece um caminho de solidariedade e responsabilidade
coletiva.
desafios e incertezas que pediu por coragem e esperança, virtudes do coração enaltecidas por
Morin.
Quando decidimos realizar este trabalho, estávamos atendendo a um chamado que
ecoa do passado e faz coro com vozes no presente, pedindo por uma nova consciência em
prol de uma sociedade mais sustentável. Atualmente enfrentamos desafios relacionados à
aquecimento global, hiperconsumo, poluição, corrupção pública e corporativa, fome,
pobreza, exclusão social, ameaça à biodiversidade e exploração de mão de obra entre outros
(World Wildlife Fund, 2016) e estes estão à nossa frente pedindo por solução.
Assim, sustentabilidade emerge como um problema complexo, que perpassa áreas
diversas como proteção ambiental, a criação de progresso econômico e assumir
responsabilidade por outros (Brandt et al., 2013; Metcalf & Benn, 2013). O termo está ligado
a uma noção de sobrevivência, de riscos relacionados à nossa forma de viver em sociedade,
tendo no âmago de sua discussão o debate em torno de um desenvolvimento sustentável, ou
seja, o desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer
a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações (WCED, 1987). Apesar dos
esforços de autoridades públicas e membros da sociedade civil em promover um futuro
econômico, social e ambientalmente sustentável para as atuais e futuras gerações, observam-
se modelos econômicos, industriais e culturais que tem nos levado a um estado de
irresponsabilidade organizada, onde estamos desconectados de nós mesmos, dos outros e da
natureza (Scharmer & Kaufer, 2013). Parece haver algo poderoso e pervasivo que nos faz
continuar caminhando em uma direção que sabidamente está causando sofrimentos em níveis
individual, social e ambiental.
Nesta linha, autores alertam para o papel da cultura como aspecto preponderante na
nossa forma de viver (Geertz, 1989), promovendo valores que impactam nas dimensões
econômicas, sociais e ambientais de nossa sociedade (Schumacher, 1997; Sterling, 2010).
Consequentemente, para lidarmos com os problemas relacionados ao desenvolvimento
sustentável, temos que inevitavelmente investigar o ethos (Geertz, 1989) dominante,
inclusive nas corporações.
Notadamente entre os diversos atores sociais, as corporações têm sido reconhecidas
como protagonistas nos danos à sociedade e ao ambiente. Mais ainda, são incapazes de
assegurar desenvolvimento econômico sustentável, apesar de toda a retórica que tem sido
professada por meio dos valores e códigos de ética de muitas empresas e do interesse por
Sustentabilidade Corporativa (SC) e Responsabilidade Social Corporativa (RSC) (Bocken &
Short, 2016; Bocken, Short, Rana, & Evans, 2014) na literatura especializada. Com destaque,
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os danos proporcionados pelas corporações atingem não apenas à sociedade, mas também
aos seus próprios trabalhadores (Dejours, 2007). De fato, há indicadores alarmantes
relacionados à saúde do trabalhador, que apontam para uma incidência cada vez maior de
aflições mentais como esgotamento profissional e depressões nervosas (Ehrenberg, 2016;
Sangar, 2019). Existe, inegavelmente, a necessidade urgente para que as corporações alinhem
suas estratégias com objetivos de desenvolvimento sustentável, promovendo maior
responsabilidade social tanto externa, quanto interna (Leisinger, 2015; Pavlovich & Corner,
2014). Entretanto, o crescimento da literatura sobre o tema não se traduz em soluções efetivas
à questão, sendo em geral baseada em torno mudanças de modelos de gestão e não modelos
culturais, o que evidencia a forte ideologia capitalista em sua produção.
Isto pode explicar por que termos como Responsabilidade Social Corporativa (RSC),
Triple Bottom Line (TBL) e Sustentabilidade Corporativa (SC) são percebidos de forma
ambivalente, contraditória e cautelosa na literatura especializada (Gao & Bansal, 2013; Milne
& Gray, 2013). Tais conceitos parecem ter emergido como respostas às críticas endereçadas
ao status quo industrial e cultural, mais do que uma resposta que enfrente efetivamente os
problemas relacionados à sustentabilidade em nossa sociedade (Kazmi et al., 2015).
Boltanski & Chiapello (2009) cunharam o conceito de “espírito do capitalismo” para explicar
o porquê.
Para estes autores, o capitalismo possui um mecanismo para responder – não
necessariamente de forma efetiva – às críticas direcionadas a si. Assim, o objetivo é assegurar
o comprometimento dos principais atores da sociedade (e.g. empresas, consumidores) aos
valores culturais hegemônicos do sistema. Criou-se uma sofisticada adaptabilidade e
incorporação do sistema às críticas que lhe são direcionadas, justificando e perpetuando o
status quo. Kazmi e colegas (2015) destacam que esse processo ocorre em três níveis: (1)
surgem críticas direcionadas a algum ponto frágil do sistema; (2) algumas críticas
consideradas legítimas são selecionadas e incorporadas, surgindo assim um novo “espírito”
do sistema e; (3) corporações passam a ter uma literatura e práticas alinhadas ao novo
espírito, denotando assim um caráter “efetivo” e não meramente retórico do capitalismo
renovado. Mas esta efetividade não tem sido observada na prática. De fato, não são raros os
casos de escândalos empresariais em indústrias variadas envolvendo, por exemplo,
corrupção, propagação de valores gananciosos, consumismo e danos ao meio ambiente (ver:
Andersen & Kuhn, 2014; Gandini, 2003; Mistrati & Romano, 2010; Morgan, 2015). Assim,
permanece a necessidade de mudanças profundas em nossa forma de se enxergar e abordar
o problema da sustentabilidade.
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Não podemos pensar em mudanças efetivas sem compreendermos onde estas devem
ocorrer. Assim, nos alinhamos a Geertz (1989) que entende o ser humano como atrelado a
uma teia de significados que ele mesmo criou, e reconhece a cultura como estas teias e sua
análise fundamental para entendermos como uma sociedade e seus atores operam. De forma
similar, Senge e colegas (2012) destacam que nosso comportamento e atitudes são moldados
por nossos modelos mentais: crenças, suposições e histórias que carregamos em nossas
mentes de nós mesmos, de outras pessoas, instituições e todos os aspectos do mundo.
Exemplos desses modelos são: (1) o crescimento do PIB é igual ao aumento do bem-estar
nacional; (2) a tecnologia resolverá nossos problemas fundamentais; (3) felicidade está ligada
a consumo; (4) uma vida feliz é uma vida onde os prazeres superam as dores; e (5) a razão
de existência de uma empresa é gerar lucro para acionistas (Laininen, 2018).
Esses modelos mentais dizem respeito à dimensão representativa da cultura,
diretamente relacionada a nossa representação da realidade (D’Andrade, 1984). Segundo Roy
D´Andrade (1984), a cultura não se limita à esta dimensão, mais inclui também a dimensão
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educação é o caminho para nos salvar, esta teria que nos levar a questionar as premissas
tácitas que são a força propulsora de como operamos no mundo. Como exemplo, Schumacher
destaca uma das diferenças fundamentais entre a visão ocidental e a perspectiva budista sobre
bem-estar e padrão de vida:
1
Uma alusão a Francisco de Assis e seus valores de moderação, simplicidade e altruísmo.
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Bruta (Ura, Alkire, Zangmo, & Wangdi, 2012), uma medida multidimensional ligada com
um conjunto de ferramentas de políticas e programas com aplicações práticas calcadas no
desenvolvimento educacional para a Inclusão Social, na preservação e promoção dos valores
culturais, na diminuição da jornada de trabalho na promoção do tempo livre e do lazer e na
resiliência ecológica na base do desenvolvimento sustentável. Este trabalho pode contribuir
para que modelos de vida como da Felicidade Interna Bruta sejam mais palatáveis ao
indivíduo ocidental moderno.
com propósito, no momento presente e sem julgamento” (Kabat-Zinn, 1994: 4), cuja
capacidade pode ser desenvolvida por meio de práticas meditativas específicas, estas
conhecidas como práticas de mindfulness. As práticas de mindfulness disseminadas
atualmente tem como fonte primário o Budismo, tendo como marco na comunidade científica
o trabalho seminal com o objetivo de reduzir o estresse e a dor crônica (Kabat-Zinn, 1982),
embora a prática de meditação seja localizada historicamente anterior ao próprio Budismo
(Bodhi, 2013). Ao longo de três décadas, mindfulness rapidamente alcançou o status de tema
de forte interesse estando associado a melhores níveis de bem-estar (i.e. avaliação de afetos
positivos e satisfação com a vida), clarificação de valores (i.e. balizadores para a tomada de
cisão que fornecem sentido e propósito) e desenvolvimento de compaixão (i.e. propensão a
aliviar o sofrimento alheio) e autocompaixão (i.e. propensão a aliviar o próprio sofrimento).
Não demorou para que as empresas se interessassem pela prática. Em ambientes
corporativos, mindfulness tem sido relacionado a diversos efeitos positivos como redução de
estresse, inovação e desempenho organizacional, autoeficácia relacionada ao trabalho e
performance (Good et al., 2016). Em relação a construtos relacionados à sustentabilidade,
temos estudos que o relacionam a incrementos na tomada de decisão ética (Ruedy &
Schweitzer, 2010; Shapiro, Jazaieri, & Goldin, 2012) assim como na preocupação ecológica
e sustentabilidade (Ericson, Kjønstad, & Anders, 2014; Jacob, Jovic, & Brinkerhoff, 2009).
Em verdade, a influência e benefícios do mindfulness nas habilidades cognitivas, na atitude
e no comportamento de indivíduos possui ampla evidência na literatura científica seja
médica, educacional ou organizacional (e.g., Brown, Ryan, & Creswell, 2007; Good et al.,
2015; O’Donnell, 2015). Ainda assim, há críticas que fazemos coro.
Todo o crescimento do mindfulness não passou despercebido por parte da
comunidade acadêmica – o autor e a orientadora desta tese inclusos - que perceberam a
apropriação de sua prática de forma utilitária e distantes de seus fundamentos éticos e
filosóficos budistas. Assim, pesquisadores sugeriram que a perspectiva dominante da
mindfulness só pode incorporar parcialmente seu potencial benéfico (Shonin & Van Gordon,
2015; Van Gordon, Shonin, Sumich, Sundin, & Griffiths, 2014). A perspectiva dominante
do mindfulness não menciona - pelo menos explicitamente outros elementos fundamentais
em que o mesmo está relacionado como o discernimento ético, a compaixão e a sabedoria
(Purser & Milillo, 2015).
Em uma crítica contundente ao uso de mindfulness em ambientes corporativos, Purser
e Milillo (2015) alertam que uma visão mais ética de mindfulness em empresas oferece o
potencial de ampliar o escopo da prática para críticas e reflexão sobre as causas e condições
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de sofrimento na corporação como um todo. Ao invés de ser visto como uma técnica para a
redução de estresse pessoal, mindfulness deveria melhorar a consciência sobre como
determinadas políticas e práticas corporativas podem ser as causas de sofrimento, estresse e
danos - interna ou externamente, ou seja, tanto para a sociedade como para os próprios
trabalhadores.
Acadêmicos desta vertente mais crítica - denominados como autores da segunda onda
- têm definido mindfulness de forma eticamente informada, como por exemplo "a consciência
plena, direta e ativa em relação aos fenômenos da experiência; espiritual em essência e que
é mantida de um momento para o outro” (Shonin, Gordon, & Griffiths, 2014, p. 389). Assim,
mindfulness não implica apenas estar aberto e aceitar experiências sem julgamentos, mas
também requer ativamente se envolver no momento presente com discernimento. Aqui reside
um ponto central e original deste trabalho: o desenvolvimento em conjunto de mindfulness,
interdependência e compaixão, fazendo com que este trabalho se situe nas denominadas
intervenções de segunda onda, por trabalhares de forma explicita virtudes alinhadas aos
fundamentos éticos budistas. Desta forma, entendemos que a perspectiva budista de
mindfulness está mais alinhada aos nossos objetivos e preocupações em contribuir na
construção de uma sociedade mais responsável e sustentável e deve permear a ação
psicossocial deste trabalho.
2
Por conta do doutorado sanduíche realizado pelo autor da tese, esta pesquisa teve o apoio da
Universidade da Califórnia por meio do diretor da faculdade de psicologia - Dacher Keltner - e de seu
laboratório de interação social.
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Adicionalmente, o diário de campo em conjunto com as entrevistas nos deu uma visão
de processo, não apenas de resultado: pudemos mapear o processo de transformação dos
participantes ao longo das sessões e, ainda, analisar como os recursos pedagógicos usados na
ação psicossocial além das práticas de mindfulness (e.g. journaling; exercício de valores)
foram importantes elementos da experiência dos participantes. Assim, o caráter flexível da
pesquisa, acompanhado da riqueza e profundidade dos dados que metodologia qualitativa
proporcionou, nos permitiu chegar a algumas conclusões sobre as principais contribuições
deste trabalho.
se relacionam com si (e.g. autoconsciência de valores; bem-estar), com os outros (e.g., maior
aproximação da família; preocupação social com o consumo) e maior busca por conexão com
a natureza. Os resultados encontrados sugerem forte conexão entre atividades pedagógicas
que impulsionaram mindfulness, percepção de interdependência e valores e compaixão com
mudanças em visões de mundo e condutas que estão positivamente relacionados com
sustentabilidade. De fato, os dados iniciais indicam uma forte deteriorização da saúde mental
(Dejours, 2007), uma busca por hiperperformance e individualismo (Ehrenberg, 2016;
Fisher, 2009) e soluções “de mercado” e individualizantes – fármacos e outras drogas - para
o anestesiamento de suas aflições (Schmitt, 2017). Por certo, uma visão sobre sucesso e
felicidade baseada nos valores hegemônicos do capitalismo em sua expressão neoliberal
(Anache & Laurencel, 2020; Waters, 2014) parece corroborar com esse quadro.
Nesta linha, os dados após a ação psicossocial indicam que os participantes obtiveram
mudanças na forma como se relacionam com si, como por exemplo um aprofundamento de
autoconsciência, um maior senso de clareza em relação aos seus valores e busca por mais
autocuidado e autocompaixão, se traduzindo em maior bem-estar. Esta investigação e
ecologia do mundo interno cria espaço e a base para ações mais conscientes, sustentáveis em
meio ao mundo. Assim, o mesmo processo de olhar para si, que leva a maior autoconsciência,
pode então ser aplicado para se buscar entender os outros, estabelecer empatia e então, se
pensar e engajar em ações conscientes e compassivas, como redução e reflexão sobre o
impacto do consumo na sociedade. Temos nos relatos dos participantes mudanças nas
relações sociais, como maior empatia nas interações e a busca por reaproximação com
família, mesmo que envolva transferência de cidade. Adicionalmente, vimos surgir a visão
da natureza como fonte de energia pessoal, no sentido de nos energizar e revigorar. Assim,
uma maior conexão do mundo natural começou a surgir.
Assim, devido à natureza complexa dos problemas relacionados à sustentabilidade
que hoje enfrentamos, acreditamos que este trabalho apresenta um caminho que contribui
para mudanças na visão de mundo, predisposições e condutas mais alinhadas aos princípios
do desenvolvimento sustentável. Convém, neste momento, nos aprofundarmos um pouco
mais sobre as razões que me levaram a buscar desenvolver uma ação psicossocial com este
fim.
37
Este trabalho é parte de minha história, resultado direto dos caminhos por onde andei,
experiência que tive e aspirações que cultivei. Desde jovem, sempre me percebi como alguém
com profunda conexão com a natureza – em especial as matas – e alguém com uma mente
com forte inclinação para questões psicológicas e sociais. Na minha juventude, filiei-me ao
PT, em uma busca por sentido e um meio de contribuir positivamente no desenvolvimento
da sociedade. Minha filiação foi quase que concomitante com minha entrada na graduação
de administração de empresas.
Devido a minha colocação no vestibular, ganhei uma bolsa do IBMEC e fui
convidado pela diretoria para estudar lá. Recém-criada em 1995, apenas poucos que não
fossem ricos – como eu - poderiam ter acesso. Com nomes de destaque do cenário de mercado
capitais e na economia brasileira – por exemplo nosso atual ministro da economia, Paulo
Guedes - escolhi, então, estudar nesta faculdade, notadamente neoliberal, à despeito de
minhas inclinações mais à esquerda. Trata-se de uma característica de minha personalidade,
uma propensão a buscar o contraditório e estar aberto a novas descobertas. Assim, pela
manhã e à tarde, eu convivia com amantes da escola austríaca da economia; alguns dias à
noite, me reunia com membros do PT. Assim, fui construindo pontes dentro de mim e
derrubando muros que as ideologias acabam erguendo.
Ao longo da faculdade, minha propensão às ciências sociais e psicológicas se
manifestaram, fazendo com que eu me dedicasse muito em disciplinas como psicologia,
sociologia, filosofia e marketing. Ao me formar, trabalhei por um período no mercado
financeiro e comecei a lecionar marketing na ESPM. Ao longo da minha docência, sempre
vi com olhos críticos muitas das atividades de marketing na sociedade, fazendo com que
minhas aulas fossem diferentes, não apenas pela abordagem mais quantitativa e psicológica,
mas pelo viés crítico. Eu lecionava marketing com uma perspectiva crítica e apontava
caminhos para que os alunos fossem instrumentos de mudança social por meio de sua
atividade profissional. Não era necessário largar o marketing, mas transformar sua atuação.
Como praticante Budista, passei a encarar minha posição de professor como um veículo para
um meio de vida correto, definido pelo Buda como uma forma de se “ganhar” a vida sem
comprometer e prejudicar – e sempre que possível, beneficiar - o planeta, as pessoas e todos
os seres.
Em 2009, criei um grupo de estudos dentro da ESPM chamado Dharma
Organizacional, onde buscávamos estudar e debater uma literatura que não tínhamos espaço
38
no conteúdo programático oficial de marketing, como textos ligados a busca por sentido e
propósito na vida, ecologia, responsabilidade social empresarial e sustentabilidade. Ali,
comecei a testar minhas estratégias pedagógicas para fazer com que os alunos não apenas
entendessem os conceitos, mas também se sensibilizassem com eles.
Em 2012, retornei à faculdade que me formou (IBMEC) como docente. Repeti meu
padrão: aulas de marketing ou teoria geral da administração com forte viés crítico e grupo de
estudo não remunerado fora do horário padrão. Este grupo se transformou em algo maior:
passamos a praticar meditação, além de conversar sobre a atuação das empresas na sociedade.
Assim, criei em 2014 o primeiro – ao nosso saber - projeto formal de meditação mindfulness
em uma escola de negócios, o IBMEC mindful. Por dois anos, mais de 200 alunos passaram
pelo programa. Professores e funcionários também se juntaram a nós. Dessa forma, dei
sequência ao projeto Dharma Organizacional, agora reforçado pelas práticas de meditação
mindfulness. Em paralelo, fui construindo uma carreira relacionada ao coaching. Meus
clientes passaram a ser em sua maioria executivos em busca de alívio para seu estresse e,
também, buscando por novos caminhos profissionais. Assim, fui tendo uma visão tanto
teórica quanto prática dos sofrimentos e danos causados por um modelo de vida com valores
culturais e corporativos insustentáveis. Passei a lecionar mindfulness também nas ruas do Rio
de Janeiro, para população em situação de rua, em conjunto com a ONG Projeto Ruas.
Percebi, tal como nos ensinamentos budistas, que independente de se usarmos terno ou
roupas sujas e rasgadas, se sentarmos em cadeiras de couro ou em calçadas sujas de praças,
todos temos algo em comum: o desejo de ser feliz e sofrimento.
Este projeto de tese é resultado deste caminho. É filho das reuniões clandestinas com
alunos, das passeatas em prol de justiça social, das constantes trilhas na Floresta da Tijuca e
Pedra da Gávea em busca de energia e de reconexão comigo e com a natureza. É uma
proposta que não é de esquerda, nem de direita, nem de centro. É de dentro. De dentro da
mente – aqui incluímos o coração - onde todas as qualidades são cultivadas e fortalecidas.
Mindfulness pode então mudar o mundo? Não sou ingênuo. Mindfulness não pode mudar o
mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Mindfulness só muda as pessoas3.
Você ao ler esta tese agora faz parte do meu caminho. De forma a lhe facilitar a
caminhada, inicialmente apresentamos neste primeiro capítulo, Introdução - o que
3
Com a licença de Mario Quintana
39
desenvolvimento de uma sociedade sustentável, deve estar próximo de suas bases éticas
budistas calcadas em interdependência e compaixão.
No capítulo 4 - Percurso de navegação em águas profundas - o caminho
metodológico da pesquisa é apresentado. Destacamos e descrevemos a pesquisa-ação
qualitativa realizada, os critérios de escolhas dos participantes envolvidos, os procedimentos
de coleta, interpretação e análise dos dados como as entrevistas em profundidade
semiestruturadas e os diários de campo das observações participantes e as justificativas.
Aprofundamos nossas justificativas em relação ao método qualitativo por sua aderência ao
paradigma da complexidade e a riqueza e profundidade de dados que foram produzidos.
Justificamos, ainda, o uso da pesquisa-ação e dentre seus diversos tipos, nossa escolha por
pesquisa em organizações e pesquisa-ação do tipo política e socialmente crítica.
Apresentamos ainda neste capítulo o setting da pesquisa de campo em uma grande empresa
da tecnologia localizada na região de São Francisco nos Estados Unidos, os participantes
envolvidos e a equipe de pesquisa.
O capítulo 5 - O programa da ação psicossocial: atividades, contribuições e
reflexões pedagógicas - apresenta o protocolo da ação psicossocial realizada. Descrevemos
em detalhes sua elaboração, detalhando suas bases conceituais, estratégias pedagógicas e
posicionamento ético. Aqui descrevemos as quatro sessões, seus objetivos e atividades
pedagógicas, assim como os resultados destas. Com uma das principais contribuições deste
trabalho, descrevemos em detalhes o protocolo da ação psicossocial. Destacamos ainda como
a protocolo foi influenciado não apenas pela literatura transdisciplinar, mas pela própria
metodologia qualitativa de inspiração etnográfica que permitiu um diálogo constante entre
coleta de dados, análises das falas nativas e adaptações sempre que pertinentes ao protocolo
na medida ao longo das quatro sessões.
Os efeitos da ação psicossocial nos participantes são apresentados a seguir, no
capítulo 6 - Sustentabilidade começa comigo – que contribui para uma compreensão de
como os processos de transformação dos participantes ocorrem de forma articulada em níveis
mentais, sociais, culturais e ambientais. Assim, apresentamos o processo de transformação
dos participantes, descrevendo como o aumento de autoconsciência trouxe maior reflexão
críticas sobre seus valores, sua forma de ser a agir no mundo. Esta ecologia mental levou a
mudanças na forma como se relacionam com si (e.g., maior autocompaixão e clareza de
valores), com os outros (e.g., maior empatia e responsabilidade) e com a natureza (e.g., maior
busca por conexão com a natureza). As transformações dos participantes foram
compreendidas e possibilitadas por pela própria natureza do método qualitativo aqui
41
situamos no campo trans-, por nos valermos de elementos psicossociológicos para olhar e
entender esta uma problemática reconhecidamente complexa e transdisciplinar.
Como partimos do olhar sobre o problema da sustentabilidade como resultado de
influências socioculturais do momento histórico atual, nos baseamos na perspectiva da
economia política, que se preocupa com a interação de processos políticos e econômicos
dentro de uma sociedade: a distribuição de poder e riqueza entre diferentes grupos e
indivíduos, e os processos que criam, sustentam e transformam esses relacionamentos ao
longo do tempo (Collinson, 2003). Em essência, o campo da economia política está
preocupado com a forma como as forças políticas – e seus processos psicológicos -
influenciam a economia e quem ganha e quem perde força com isso.
O percurso da revisão teórica aqui busca trazer ao leitor a compreensão sobre como
o tema tem evoluiu ao longo de diversos anos e movimentos históricos até chegarmos à sua
43
Governo e Estado Preponderância do mercado como solucionador eficiente dos problemas. Diminuição ao
máximo do Estado, sendo percebido como ineficiente e corrupto.
45
Individual e Individualismo supera o coletivismo. O indivíduo é responsável por si e por seu destino e
Coletivo ser autointeressado é beneficial para o todo.
Desta forma, vemos um papel cada vez maior do mercado como solucionador dos
problemas e sua lógica de funcionamento livre como o ethos ideal de funcionamento de uma
sociedade. Nesta linha, o cenário que nos deparamos é de supressão do Estado, cada vez mais
enfraquecido em seu papel regulatório e protetor e as corporações reforçando sua autoridade
em nível global (Babic, Fichtner, & Heemskerk, 2017; May, 2015). As consequências estão
visíveis no âmbito social, ambiental e mesmo da saúde individual dos membros da sociedade,
as quais citamos alguns a seguir.
No que se refere às corporações, estas estão cada vez mais assumindo o papel de
solucionadoras dos males da sociedade, relegando o Estado papel de não regular e mais ainda,
incentivar suas atuações, sendo que muitas vezes as protegendo de crimes sociais e
ambientais (ver: Spencer & Fitzgerald, 2013; Waters, 2014). Surpreendentemente, insistimos
ainda em propagar a lógica do livre mercado a despeito dos constantes desastres ambientais
e sociais causados pelas empresas e os alertas dados pela literatura que esta cultura vigente
neoliberal é o fundamento responsável pela problemática da sustentabilidade (Hahn & Figge,
2011) e que seus esforços em Responsabilidade Social e Ambiental são em grande parte
articulações de má-fé, mascarando a operação de um capitalismo global voraz (May, 2015) .
Como exemplo do efeito pernicioso da lógica neoliberal na saúde mental coletiva,
além dos alarmantes dados de depressão e ansiedade (World Health Organisation, 2010), as
explicações biológicas individualizantes dominam as compreensões da saúde mental,
infundindo a prática profissional e a conscientização pública. Exemplo é teoria dos
desequilíbrios químicos no cérebro - com foco na operação de neurotransmissores como
serotonina e dopamina - que conquistou a consciência popular e acadêmica apesar de
46
(Farhi Neto, 2006). Dessa forma, visa a preservação de áreas naturais, lançando mão de um
conjunto de métodos, procedimentos e ações que visam garantir a proteção e integridade de
espécies, habitats e ecossistemas.
O Conservacionismo, por sua vez, percebe a natureza como útil e passível de ser
explorada pelo ser humano. Esta corrente atribui aos recursos naturais seu uso racional, pois
em sua concepção, a natureza é lenta e o processo de manejo pode torná-la eficiente. Assim,
essa corrente considera o ser humano capaz de utilizar os recursos naturais de forma
controlada e equilibrada, sendo que estas ideias foram precursoras do conceito de
desenvolvimento sustentável (Farhi Neto, 2006). Estes dois movimentos iniciais deram base
para que outras vertentes, como a ecologia profunda, a ecologia social, a ecologia marxista e
desenvolvimento sustentável, pudessem existir.
A Ecologia Profunda, por exemplo, segue uma linha preservacionista, numa tomada
de consciência ecológica profunda, que entende que o ser humano deve utilizar a natureza
apenas para seus processos vitais, e isso não dá o direito de utilizá-la com uma finalidade, ou
como forma de obtenção de lucro ou vantagens (Nelson, 2008). Esta visão crítica diretamente
a visão antropocêntrica. Adeptos desta corrente (e.g., Fritjof Capra) dão grande importância
aos princípios éticos que devem reger as relações ser humano-natureza. Esta perspectiva
possui traz um ponto que consideramos muito importante: a crítica ao antropocentrismo. Nos
alinhamos a este ponto, sendo os seres vivos sencientes e as demais formas de vida preciosas
à tradição budista que vamos basear o arcabouço ético da ação psicossocial deste trabalho.
A Ecologia Social segue também uma linha preservacionista ecocêntrica, numa visão
de que a degradação da natureza está diretamente ligada ao sistema capitalista (Bookchin,
1965). Assim, sustenta a ideia em que os problemas ecológicos atuais estão arraigados e
profundamente assentados em problemas sociais, particularmente no domínio dos sistemas
políticos e sociais hierarquizados, que resultaram uma aceitação não-crítica de valores
capitalistas como hipercompetição e hiperconsumo. Tal perspectiva nos parece muito
pertinentes quando analisamos a situação atuial sob a ótima da economia política.
O Eco-Socialismo ou Eco-Marxismo segue uma linha conservacionista, onde baseia
sua visão no fato que no capitalismo, a natureza ou é objeto de consumo ou meio de produção
(Freitas, Nélsis, & Nunes, 2012). Seus proponentes afirmam que o modo de produção
capitalista está gerando um conjunto de contradições ecológicas, transformando a poluição
industrial e a rarefação de recursos em novos campos de acumulação e, no espaço político,
transfere o peso das degradações para os países periféricos e para as classes subalternas (ver
documentário: Gandini, (2003). Por certo, este trabalho se alinha a uma visão ecocêntrica e
48
entende que mudanças nas dimensões sociais e ambientais só são alcançadas se houver em
paralelo reflexões críticas em torno dos valores hegemônicos e visão de mundo.
A seguir, abordaremos os fóruns que foram realizados até a emergência do paradigma
dominante de desenvolvimento sustentável.
Janeiro, cujo objetivo central era identificar os princípios de ação para o alcance do
desenvolvimento sustentável e tinha como pauta a interdependência entre desenvolvimento
econômico e as transformações do meio ambiente. Esta conferência permitiu vários avanços
cruciais como a Rio Declaration, que reafirmava a Declaração da Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo em 16 de junho de 1972, e
buscava avançar a partir dela, com o objetivo de estabelecer uma nova e justa parceria global
mediante a criação de novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores-chaves da
sociedade e os indivíduos. Adicionalmente, foi elaborado o documento “Agenda 21”, que
utilizou-se o termo agenda com o objetivo de dar um sentido de intenções, desejos de
mudanças para um modelo que equilibre o ambiente e a justiça social de todas as nações,
sendo, essencialmente, um instrumento de planejamento para a construção de sociedades
sustentáveis, conciliando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência
econômica (Mebratu, 1998). Outras conferências foram realizadas pela ONU com o objetivo
de discutir diversos temas inerentes ao desenvolvimento sustentável após a Rio92.
A Cúpula do Milênio em Nova York (2000) e a Rio+10 em Joanesburgo (2002). A
Cúpula do Milênio teve como resultado elaboração o estabelecimento deum plano de metas
e ação buscando o desenvolvimento sustentável conhecido como Metas do Milênio
(Millennium Development Goals), cujo prazo de atingimento seria 2015. Dentre as metas,
temos a erradicação da fome e da miséria, qualidade de vida e respeito ao meio ambiente e
igualdade entre sexos e valorização da mulher. Por sua vez, em 2002 a Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável de Joanesburgo, também conhecida como Rio+10, discutiu os
avanços em relação ao planejado na Rio-92 e rever as metas propostas pela Agenda 21, que
pouco progrediram. Um dos resultados mais significativos desta conferência foi a
constatação de que não é possível que decisões sejam tomadas em função de interesses
políticos e econômicos de países dominantes ou interesses de grandes empresas,
evidenciando a necessidade de maior participação da sociedade civil e suas organizações,
sejam ambientalistas ou sociais (Sequinel, 2002). O esforço em tornar nosso futuro possível
levou a sociedade a refletir sobre que tipo de visão de futuro em comum queremos.
Assim, vimos a ocorrência da Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro,
com o objetivo de definir a agenda de desenvolvimento sustentável para as próximas décadas.
A Rio+20 marcou os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) e teve como produto final o documento “O Futuro
que Queremos” (United Nations, 2012). Na sequência, em setembro de 2015, foram
52
geral, ambos conceitos se referem a atividades empresariais que uma empresa realiza
voluntariamente, incluindo aspectos sociais e ambientais além do aspecto econômico.
Montiel (2008) realizou uma vasta revisão destes conceitos, buscando compreender
suas origens, interseções e evoluções, demonstrou a dificuldade e ambiguidade que marcam
a definição de RSC, o desenvolvimento das pesquisas relacionadas à Performance Social
Corporativa (i.e., corporate social performance; CSP), até ao surgimento e emergência dos
trabalhos relacionados à SC. No que se refere a definição mais usual de RSC, a da Carroll
(1991, p. 500) se destaca, onde temos que
Nesta linha, Montiel destaca que as definições de CS podem ser divididas em duas
abordagens, em que (1) se há maior predominância a dimensão ambiental e (2) outra onde
CS é vista de forma tridimensional, incluindo aspectos interdependentes: econômicos, sociais
e ambientais, reconhecida como a triple bottom line (TBL)(Elkington, 1998).
54
Dimensão Descrição
Refere-se ao uso racional dos recursos naturais, como energia e materiais, bem como à
preservação e à recomposição dos espaços naturais. Sob a perspectiva dos impactos de
Ambiental
suas operações e produtos sobre os sistemas naturais vivos e não vivos, objetiva reduzir
os impactos negativos e amplificar os positivos. Portanto, a responsabilidade sobre o
espaço natural compreende preocupações além do simples cumprimento da lei.
A literatura parece convergir para a ideia em que as empresas que negligenciam suas
responsabilidades sociais e ambientais provavelmente enfrentaram consequências negativas
que podem afetar diretamente o valor econômico da empresa (Brammer & Pavelin, 2006).
Entretanto, há dúvidas se essa pressuposição de fato não vale seu custo.
ainda da sustentabilidade (Milne & Gray, 2013). De fato, não são raros os casos de escândalos
empresariais envolvendo empresas de indústrias diferentes envolvendo exploração de mão
de obra, corrupção, propagação de valores consumistas e danos ao meio ambiente (ver:
Andersen & Kuhn, 2014; Gandini, 2003; Mistrati & Romano, 2010; Morgan, 2015).
Em um relatório recente sobre sustentabilidade corporativa, 90% dos executivos
consideram a sustentabilidade como importante, mas apenas 60% das empresas possuem uma
estratégia de sustentabilidade e, 86% dos entrevistados concordaram que os conselhos de
administração deveriam desempenhar um papel importante nos esforços de sustentabilidade
da empresa, mas apenas 48 % dizem que seus CEOs estão envolvidos, e menos (30%)
concordaram que seus esforços de sustentabilidade tinham uma supervisão forte no nível do
conselho (Kiron et al., 2017). Este resultado ilustra que o engajamento da cúpula em
direcionar as empresas para a adoção de práticas sustentáveis é maior no discurso que na
prática. De fato, na literatura há o reconhecimento que as corporações têm sido incapazes de
assegurar desenvolvimento sustentável (Bocken & Short, 2016; Bocken, Short, Rana, &
Evans, 2014) tanto externamente quanto internamente.
De forma notável, a responsabilidade social interna das empresas – ou seja,
direcionada para seus colaboradores - não é algo tão debatido quanto a responsabilidade
social externa na literatura (Aguilera et al., 2014), mesmo apesar de pesquisas que sugerem
que as iniciativas internas de responsabilidade social podem favorecer a reputação como
empregador e atrair melhores talentos (Brammer & Pavelin, 2006). A responsabilidade social
interna preocupa-se com os colaboradores e, geralmente, são representadas por atividades
que se vinculam diretamente às condições físicas e psicológicas de trabalho nas quais os
funcionários se encontram na organização (Turker, 2009), como condições de trabalho,
cultura organizacional, assistência social e investimentos em desenvolvimento profissional.
Em suma, as políticas e práticas da área de Recursos Humanos que impactaram diretamente
na saúde e bem-estar global do trabalhador. Saúde e bem-estar são fundamentais para a
sustentação da vida, sendo uma das metas de desenvolvimento sustentável da ONU (World
Health Organization, 1986), pois indivíduos com sua saúde debilitada, vida em risco ou em
sofrimento psicológico tão pouco fazem parte de um modelo sustentável de vida.
Nesta linha, os dados mundiais também são um alerta. Há indicadores alarmantes
relacionados à saúde do trabalhador, que apontam para uma incidência cada vez maior de
aflições mentais como esgotamento profissional e depressões nervosas (Ehrenberg, 2016;
Sangar, 2019). Como vemos, a sustentabilidade corporativa apresenta desafios tanto internos
quanto externos. A literatura parece convergir para uma causa.
57
níveis sociais e ambientais (Kuzma et al., 2017). Em verdade, o paradigma que vivemos pode
estimular mudanças ou perpetuar desastres.
Transformação radical Reinventar o capitalismo, alterando sua lógica Boons et al. (2013)
fundamental de maximização de lucro em curto
prazo, estratégias direcionadas para o consumo
e, como como resultado, exclusão social e
pobreza.
Adaptação reativa Ainda sob as regras do capitalismo, o governo e Lamming et al. (1999, p.
a sociedade, ao invés de corporações, seriam as 182)
forças direcionadoras, pois desenvolvimento
social não é o “negócio” dos negócios.
Solução neoclássica Corporações estão mais preparadas para Porter & Kramer (2011)
promover princípios sustentáveis porque elas
possuem os recursos e a capacidade gerencial
para tal.
Nesta linha, Haas (2011) destaca que a sustentabilidade cultural se refere à alteração
dos modos de viver da sociedade, a transformação da maneira de pensar e agir, o despertar
da consciência ambiental, alcançando desta forma uma forma de ser a agir em sociedade que
61
seja de fato sustentável. Para aprofundar esta discussão, discutiremos em maior detalhe o
conceito de cultura e sua relação com sustentabilidade.
mentais: crenças, suposições e histórias que carregamos em nossas mentes de nós mesmos,
de outras pessoas, instituições e todos os aspectos do mundo. Exemplos desses modelos
amplamente internalizados na sociedade capitalista neoliberal são: (1) o crescimento do PIB
é igual ao aumento do bem-estar nacional, (2) a tecnologia resolverá nossos problemas
fundamentais, (3) felicidade está ligada a consumo e (4) uma vida feliz é uma vida onde os
prazeres superam as dores e (5) a razão de existência de uma empresa é gerar lucro para
acionistas.
Estes pontos acima foram destacados por nós por terem intima relação com nossa
tese: estes modelos acima fazem parte de uma teia de significados pertinente à cultura
capitalista neoliberal e em nossa visão, fundamentais na construção do quadro de
insustentabilidade que vivemos.
Na busca por compreender como visões de mundo impactam na questão da
sustentabilidade, Laininen, (2018) sintetiza os fatores que moldaram o entendimento
metafísico e a visão de mundo na cultura ocidental:
Impactos da cultura neoliberal na relação com si, com o outro e o planeta: a perspectiva de
três ecologias
Guattari (2000) se une a outros autores que advogam a relação interdependente
entre cultura, psique, o socios e o meio ambiente, tendo como principal objeto de crítica o
que ele chamou de Capitalismo Mundial Integrado (CMI). Por meio de uma série de
instrumentos econômicos, jurídicos, técnico-científicos, o paradigma neoliberal levou o
mundo à beira – se não o já estamos vivendo - do desastre ecológico. Para reverter os efeitos
danosos do CMI, mais efetivo que reformas, leis, decretos ou programas burocráticos, seriam
a promoção de práticas inovadoras centradas no respeito à singularidade e no trabalho de
produção de valores que sejam dissonantes da produção homogeneizante do CMI. Para
Guattari (2000), o objeto de ação do CMI seria um só bloco: produtivo-econômico-subjetivo.
Para o psicanalista francês, a crescente deterioração das relações humanas com o
socius, a psique e a natureza, é resultado de uma certa incompreensão e passividade em
relação a essas questões como um todo. Assim, para Guattari, vivemos uma crise que não
será solucionada sem uma articulação dos três registros ecológicos: mental, social e
ambiental. Este é o princípio conhecido como Ecosofia, cuja esta articulação Guattari (2000,
p. 28) explica: “uma articulação ético-político – a que chamo ecosofia – entre os três registros
ecológicos é que poderia esclarecer conveniente tais questões”.
64
A ecologia mental pede uma reinvenção da relação da pessoa com si, com os outros
e com a vida, sendo levada a procurar antídotos para as manipulações da opinião pela
publicidade e a uniformização de subjetividades (Guattari, 2000). Assim, ecologia mental,
para Guattari, pode ser um processo individual, mas também coletivo, pois subjetividade para
Guattari não é pertencente ao indivíduo, assim como ecologia mental é em essência, uma
reciclagem dos valores culturais hegemônicos capitalistas. A esse processo Guattari
denomina de singularização.
65
De fato, autores da economia psicopolítica já alertam que há por parte das instituições,
na sociedade capitalista, uma tentativa de eliminação da criação, do pensamento dissidente e
da produção desejante como forma de promoção de valores de ordem capitalísticas
(Ouriques, 2014). É preciso, a partir da compreensão de que a subjetividade é constantemente
produzida coletivamente, lutar por novos campos de possibilidades, inventando no cotidiano
novos modos de existência, novas relações consigo mesmo e com o mundo.
Desta forma, a hegemonização dos valores capitalistas neoliberais só é possível
quando uma série atores sociais como a academia, a escola, a mídia e as empresas
influenciam a todos para se apropriar dos seus valores, o que têm trazido ao campo do
trabalho muito sofrimento como abordaremos a seguir.
Esse tipo de estratégia enganosa – por vezes via publicidade ou demais veículos de
comunicação com o público - é por excelência o que Guattari (2000) chama de produção de
subjetividade do Capitalismo Mundial Integrado (CMI): estamos sendo manipulados
mentalmente, tendo nossas subjetividades agenciadas a favor de crenças e valores
relacionados ao capitalismo neoliberal. Como destacam Esposito e Perez (2014), condições
de ansiedade e depressão (entre outras, como os suicídios) são tratadas como doenças
independentes e individualizadas, em vez de serem subprodutos de uma sociedade neoliberal,
onde a ênfase o lucro, individualismo, competição e produtividade corrói a saúde mental,
laços sociais e promove a alienação.
Nesta linha, Fisher (2009) alertou para o que considera a naturalização dos transtornos
mentais como uma das maneiras de manter status quo neoliberal, fazendo com que doenças,
como ansiedade, depressão e esgotamento, sejam fatores do indivíduo, desviando a atenção
de suas causas sistêmicas:
De fato, dados recentes da OMS indicam que globalmente cerca de 264 milhões de
pessoas sofrem de depressão, uma das principais causas de incapacidade no trabalho, com
muitas dessas pessoas também sofrendo de sintomas de ansiedade. O bullying e o assédio são
causas comumente relatadas de estresse relacionado ao trabalho pelos trabalhadores e
apresentam riscos à saúde dos trabalhadores. Além disso, vinte e três milhões sofrem
sintomas de esquizofrenia, enquanto aproximadamente oitocentos mil indivíduos cometem
suicídio a cada ano (World Health Organisation, 2019). Há pelo menos uma década a
instituição tem se preocupado com a crescente e alarmante debilidade mental dos
trabalhadores, definida como “um estado de bem-estar no qual um indivíduo percebe suas
próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos, pode trabalhar produtivamente
e é capaz de contribuir para sua comunidade” (World Health Organization, 2018). O
ambiente psicossocial do trabalho inclui a cultura organizacional, bem como atitudes,
valores, crenças e práticas diárias na empresa que afetam o bem-estar físico e mental dos
funcionários. Este ambiente está fortemente ligado ao presente estudo, já que nos alinhamos
a autores que abordam como as subjetividades foram agenciadas para se adequar ao modelo
neoliberal (e.g. Dejours, 2007; Fisher, 2009) e este agenciamento é a causa primária de
diversas fontes de sofrimento para os trabalhadores. Argumentamos acima que além da
cultura organizacional, há a produção coletiva psicossocial de valores neoliberais.
Nesta linha, seguindo a perspectiva que capitalismo neoliberal e seus valores
hegemônicos têm levado a uma situação de insustentabilidade geral, Dejours (2007, 2015) é
um dos principais autores que se aprofundam no impacto do agenciamento neoliberal da
subjetividade humano e seu impacto na saúde do trabalhador. Dejours, professor do Centre
National des Arts et Métiers, em Paris, é o expoente do que ele nomeou como Psicodinâmica
do Trabalho, uma das derivações da Psicopatologia do Trabalho, que tem sua origem na
metade do século XX, na França. Para Dejours, o trabalho é central no funcionamento
psíquico do ser implicaria restabelecer uma relação, sendo o trabalhar seria uma condição
transcendental de manifestação absoluta da vida. Em suas palavras:
ambientais (Kuzma et al., 2017). Tal reflexão deve inevitavelmente se refletir em novas
abordagens de gestão.
O Capitalismo Consciente
Uma teoria que embora recente tem ganhado notoriedade é a doutrina do Capitalismo
Consciente (Mackey & Sisodia, 2013; Sisodia, Henry, & Eckschmidt, 2018). Esta doutrina
serviu de inspiração para duas das sessões da ação psicossocial, referentes a propósito maior
de uma empresa e de um indivíduo na vida e no desenvolvimento de qualidades necessárioas
para que estes indivíduos possam ser lideranças – aqui entendida como um processo de
influência - em seus meios para princípios alinhados à sustentabilidade. O capitalismo
conciente é uma proposta baseada em um novo modelo de gestão que reflete os princípios e
valores que são críticos às visões de mundo e valores do modelo capitalista neoliberal.
O capitalismo consciente foi criado dentro do campo da administração como uma
forma de redirecionar às empresas a uma lógica de interdependência, ética e compaixão e
não de lucro como fator primordial. Esta teoria parte da premissa que o nível de consciência
dos indivíduos que compõe uma empresa deve possuir propósitos mais elevados além do
lucro, além de escolherem direcionar suas vidas e empresas para a criação e
compartilhamento de valor – não apenas econômico, mas valores humanos - para outros
públicos além da própria empresa.
Para elucidar em que forma o Capitalismo Consciente se diferencia das práticas de
negócios atuais, o quadro abaixo ilustra a elementos da visão de mundo e ethos de empresas
que operam sobre a perspectiva do Capitalismo Consciente de acordo com Sisodia (2009).
70
Eles tratam o meio ambiente como uma parte crucial e assumem responsabilidade
Sobre a relação com o meio
pelo seu impacto ambiental total. No mínimo, seu objetivo é "não causar danos" à
ambiente
Terra; idealmente, eles procuram ter um impacto positivo no meio ambiente.
Eles abordam o mercado com um modelo de "pirâmide inteira" que busca elevar,
Sobre mercado
em vez de ignorar (ou pior, explorar) as áreas mais pobres da sociedade.
O lucro é visto como o resultado natural de fazer as coisas certas, não o foco de
todas as atividades da empresa. Eles entendem que, quando uma empresa declara
seus objetivos em termos de maximização de lucro, ela faz com que todas as
Sobre o lucro
partes interessadas procurem maximizar seus próprios lucros, dando o mínimo
possível e aproveitando o máximo possível. O desempenho do sistema deteriora-
se rapidamente e os lucros logo evaporam.
alcançá-lo (Sisodia, 2016). Assim, para seus proponentes, o propósito de uma empresa deve
preceder a formulação de estratégias e políticas corporativas e precisa endereçar questões
fundamentais relacionadas ao que significa ser humano, estando diretamente relacionado
com o impacto que as pessoas – e empresas - querem fazer no mundo (Mackey & Sisodia,
2013). Mais ainda, Fyke e Vogel (2013) destacam que propósito de uma empresa deve ser
criado para atingir níveis mais elevados de consciência sobre maneiras pelas quais ela pode
contribuir para o bem maior.
De fato, quando vamos em busca de uma definição formal deste princípio,
encontramos apenas um elemento em comum: ele não é o lucro, mas o leva em consideração
(Sisodia et al., 2018). O´Toole e Vogel (2011, p. 61) esclarecem este princípio:
Os lucros são vistos como o meio para um fim maior, mas não como o fim
principal de um negócio. Embora a rentabilidade a longo prazo seja vista
como necessária e desejável, os lucros a curto prazo não são alcançados à
custa de considerações éticas e ambientais ou de valores humanos mais
altos, como o respeito pelos indivíduos.
Uma mudança de visão sobre a natureza interdependente entre as partes é parte dessa
perspectiva. A relação foi esclarecida por Sisodia (2009), onde muda-se a mentalidade de
perdas e ganhos para a busca consciente de um ponto onde todos podem ganhar, pois se um
está perdendo, todos no sistema estão. Desta forma, buscar relacionamentos positivos e
mutualmente benéficos para todas as partes envolvidas passa a ser o ethos de negócios
conscientes. Como exemplo, Frémeaux (2017) destaca que empresas que operam sobre o
modelo do capitalismo consciente possuem empregados mais satisfeitos, engajados e leais,
proporcionando clientes também mais leais e satisfeitos.
terão motivação para fazê-lo. Isto não significa que a tarefa de implantar
um CE se resume ao exemplo vindo de cima. Quando se pretende mudar
comportamentos, uma atitude passiva não costuma dar resultados. Além do
exemplo, é necessário o acompanhamento, a avaliação, a cobrança, a
recompensa e os estímulos positivos. (Ethos, 2017, p. 17)
inteligência sistêmica (Metcalf & Benn, 2013). Nesta linha, a literatura indica que qualquer
um que busque alinhar sua vida e sua empresa na compreensão e na direção de princípios
sustentáveis, quer ocupe cargos formais de liderança ou não, se qualifica como uma liderança
sustentável (Ferdig, 2007). Assim, pode-se perguntar questionar sobre o que é necessário
então para que um líder possa efetivamente influenciar positivamente as empresas para a
sustentabilidade. Ferdig (2007) explora esta questão argumentando que estes indivíduos
devem estar conscientes de suas escolhas e comportamentos que influenciam o equilíbrio dos
sistemas sociais, ecológicos e econômicos da Terra, depois expandir essa consciência através
de conversas que possam levar a ações conjuntas gradativamente.
Um dos conceitos relacionados a liderança consciente que se mostra um avanço em
relação à literatura foi o de inteligência espiritual (King & DeCicco, 2009) que está
diretamente ligada a maior senso de valores, propósito e percepção de interdependência. Para
estes autores, a inteligência espiritual está ligada a quatro componentes principais: (1)
pensamento existencial crítico: a capacidade de contemplar criticamente o significado, o
propósito e outras questões existenciais ou metafísicas; (2) produção de sentido pessoal:
capacidade de construir sentido e propósito pessoal em todas as experiências físicas e
mentais, (3) percepção transcendental: a capacidade de perceber as dimensões transcendentes
do eu, dos outros e do mundo físico (por exemplo, interdependência); e (4) expansão do
estado consciente: capaz de experenciar sensações de interdependência e unidade entre todos
os seres. Tais quesitos são, por certo, um contraponto a visão materialista e
hiperindividualista do capitalismo em sua vertente neoliberal.
Sisodia (2009) destaca que empresas que praticam o capitalismo consciente
incorporam a ideia de que lucro e prosperidade andam de mãos dadas com justiça social e
administração ambiental. Mais ainda, operaram com uma visão de sistemas, reconhecendo a
conexão e interdependência de todas as partes interessadas. Esta visão de mundo se traduz,
desta forma, que o capitalismo consciente tem por ethos buscar resultados positivos para a
empresa, seus públicos imediatos e mesmo a sociedade como um todo (Sisodia, 2016).
Referenciando com a tabela 1 onde apontamos diferentes taxonomias para o grau de
intensidade de mudanças de paradigma para lidar com os desafios de sustentabilidade, o
Capitalismo Consciente se enquadra ao nosso ver como transformação radical. As razões são
expostas a seguir.
Em oposição ao pensamento basilar de Friedman – em que a maior responsabilidade
e contribuição social de uma empresa era gerar lucro para seus acionistas - esta linha teórica
advoga que as corporações devem ser mais conscientes com relação aos problemas sociais,
77
ambientais e econômicos que permeiam a sociedade (Mackey & Sisodia, 2013). Assim, nesse
sentido o capitalismo emerge como um caminho a ser trilhado a partir do princípio de que o
capitalismo, como sistema estabelecido, precisa ser reavaliado, de modo a reconstruí-lo de
forma mais humana (Fyke & Buzzanell, 2013). Como definição formal de capitalismo
consciente, em Mackey & Sisodia (2013, pag 32) temos:
Competência para a
Definição/característica
sustentabilidade
Como este trabalho buscou elaborar uma ação psicossocial que auxiliasse no
desenvolvimento visões de mundo, valores e condutas em executivos na aspiração que
possam se alinhar a princípios sustentáveis e influenciar as empresas a terem novas visões de
mundo e de ethos, convém analisar o que a literatura traz sobre como desenvolver pessoas
para a sustentabilidade. A literatura revisada aponta para a inefetividade das abordagens
pedagógicas dominantes, centradas no modelo cognitivo e pouco nas dimensões afetivas – o
campo dos valores e intençãoes – da aprendizagem. Isso será fundamental para
compreendermos como poderemos fazer com que a ação psicossocial seja mais que um
conteúdo transdisciplinar, uma experiência transformadora para seus participantes.
apesar de toda a retórica que tem sido professada por meio dos valores e códigos de ética de
muitas empresas.
Assim, neste trabalho no alinhamos a autores que entendem que mudanças em níveis
sociais e ambientais pedem por mudanças da esfera mental e cultural e devemos questionar
valores culturais hegemônicos (Guattari, 2000; Laininen, 2018; Sterling, 2010). Também nos
alinhamos a autores que veem as empresas como protagonistas e reforçadoras destes modelos
de visão de mundo, ethos e práticas insustentáveis (Hahn & Figge, 2011; Scharmer & Kaufer,
2013; Sisodia et al., 2018). Nesta linha, nos juntamos a visão que o desenvolvimento de
processos educacionais relacionados a sustentabilidade devem fomentar diferentes visões de
mundo e ethos (Laininen, 2018; Senge, P., Cambron-McCabe, N., Lucas, T., Smith, B.,
Dutton, J., & Kleiner, 2012), que fomentem aspectos psicológicos positivos relacionados a
responsabilidade universal e compaixão (Koger, 2015) e maior consciência de
interdependência (Sisodia et al., 2018). Para isso, estratégias de aprendizagem tanto
cognitivas quanto afetivas (Shephard, 2008) são fundamentais.
Neste ponto, vale destacar que para os proponentes do Capitalismo Consciente, a
construção de uma liderança consciente passa pelo desenvolvimento de um senso de
propósito elevado, pelo cultivo de sabedoria, maior consciência de interdependência e
virtudes como compaixão (Sisodia, 2012). Como meio de desenvolvimento destas virtudes e
sabedoria, Mackey e Sisodia (2013) a meditação budista vipassana - que serviu de base para
o desenvolvimento das práticas seculares de mindfulness – seria um caminho. O próximo
capítulo aprofunda esta discussão.
85
Este capítulo contribui para a tese por apresentar em detalhes o arcabouço ético,
filosófico e científico relacionado a mindfulness. Adicionalmente, discutimos sua relação
com construtos de interesse desta pesquisa, como autoconsciência, autocompaixão,
compaixão e atitudes e comportamentos sustentáveis.
De fato, dentre as diversas aplicações possíveis do mindfulness, o uso ligado à
sustentabilidade parece ser promissor. Nosso argumento se baseia no fato do mindfulness ser
crescentemente empregado no campo científico e clínico, sendo sistematicamente
relacionado a características psicológicas positivas do desenvolvimento humano (Brown,
Ryan, & Creswell, 2007; Williams & Kabat-Zinn, 2011a) que são positivamente associadas
à sustentabilidade, como maior comportamento ético e desenvolvimento de compaixão.
De acordo com a figura 1, pode-se perceber que apesar das pesquisas em mindfulness
ocorreram há cerca de 40 anos, a quantidade de publicações sobre o tema nos últimos 5 anos
é mais expressiva que a quantidade acumulada nas primeiras três décadas. Ao nos
aprofundarmos nos estudos relativos aos mindfulness, tal expressivo crescimento começa a
ser compreendido.
Os principais pontos de interesse deste projeto residem nos estudos que evidenciam
uma correlação entre o aumento do nível de mindfulness e o aumento de habilidade
cognitivas, atitudes e comportamentos ligados à sustentabilidade. As bases conceituais e
filosóficas do mindfulness de acordo com a perspectiva budista – tradição que influenciou o
primeiro protocolo clinico desenvolvido (Amaro, 2015; Kabat-Zinn, 2011) - precisam ser
compreendidas e nos ajudam a entender como seu desenvolvimento pode nos ajudar a plantar
sementes em indivíduos que podem influenciar futuramente corporações – onde estiverem –
para um caminho mais responsável e sustentável.
Desta forma, a perspectiva budista ilustra todo o arcabouço ético e filosófico,
envolvendo a prática e seu cultivo como habilidade mental, ilustrando sua relação com a
ética, a compaixão e mesmo percepção de interdependência, conceitos centrais na tradição
budista (Wallace & Bodhi, 2006). Sendo assim, fundamental para sustentar nosso argumento
central que mindfulness pode ajudar no desenvolvimento de um futuro sustentável.
Assim, apresentar (e cultivar) o mindfulness sob a perspectiva budista é um caminho
coerente e recomendado4. Nesta linha, compaixão e interdependência são dois conceitos
correlacionados à mindfulness nos ensinamentos budistas e são abordados. Tais conceitos
foram escolhidos pois possuem relação direta com sustentabilidade: compaixão é nossa
capacidade de reconhecer, se importar e ter a intenção de agir para aliviar o sofrimento, não
apenas de humanos, mas também de não humanos. Interdependência, por sua vez, é a visão
sistêmica que nos fornece a sabedoria que cada ação tem uma consequência, não apenas em
nós, mas no todo (Karmapa, 2018). É o reconhecimento que estamos continuamente
interagindo com o mundo ao nosso redor, em uma teia de causas e consequências.
4
Destaca-se que não pretendemos afirmar que tais virtudes sejam originadas ou pertencentes apenas
ao Budismo. Reconhecemos que compaixão, interdependência e o agir consciente faz parte de outras tradições
como o hinduísmo (Lopes, 2013; Nandan & Ahmed Jangubhai, 2013), mas focamos nosso estudo na tradição
Budista por sua histórica e documentada influência no desenvolvimento das práticas e protocolos de
mindfulness na ciência ocidental.
88
5
Nos círculos das tradições mahayana e vajrayana, a bodhichitta (Bodhi: iluminação; Citta: mente) é
aspiração de alcançar a purificação para benefício de todos os seres, não apenas para si mesmo.
6
Dukkha é usualmente traduzido como sofrimento, mas uma melhor forma de entendimento é
compreendê-lo como insatisfatoriedade. (Analayo, 2014; Bodhi, 2011).
89
um estado possível em que um ser desenvolveu todas as qualidades positivas, tendo amplo
domínio de virtude e sabedoria. No coração destes ensinamentos, reside um sistema de
treinamento da mente que busca levar ao insight sobre a natureza da existência e a superação
do sofrimento: a prática meditativa de mindfulness (Bodhi, 2011; Thera, 2014). O cultivo de
mindfulness como qualidade mental possui papel fundamental neste caminho de cessação do
sofrimento.
Destaca-se, entretanto, que a prática da meditação é anterior ao Budismo e o que
temos de novo a partir do Buda não é a meditação em si, mas suas técnicas e didática (Bodhi,
2011; J. Williams & Kabat-Zinn, 2011). Assim, nos aprofundamos a seguir na definição do
mindfulness de acordo com seu propósito e bases éticas dentro da perspectiva Budista.
Destaca-se mais uma vez que o Nobre Caminho Óctuplo é uma divisão conceitual de
algo intrinsicamente indivisível, uma vez que os fatores são interdependentes. Mindfulness
atua, por exemplo, em conjunto com a visão correta, a capacidade de entender o sofrimento
e as causas do sofrimento, e com o esforço correto, o esforço em abandonar o que causa
sofrimento (Thānissaro, 2008). Assim, de acordo com N. Thera:
Nesta linha, Keown (2019) alega que a ética budista é estruturalmente semelhante à
ética aristotélica da virtude, porque ambos os sistemas são orientados para um objetivo
supremo que é entendido como o aperfeiçoamento da natureza humana. No Budismo, o
caminho para alcançar esse objetivo é por meio do cultivo de virtudes morais e intelectuais
que estão estruturadas pelo nobre caminho óctuplo. Hursthouse & Pettigrove (2018)
destacam que uma virtude é uma excelente característica do caráter, um traço bem enraizado
em seu possuidor que o faz sentir, desejar, escolher, agir e reagir de certas formas
consideradas virtuosas. Assim, a ética da virtude busca uma transformação do ser por meio
do desenvolvimento de hábitos corretos ao longo do tempo, para que padrões negativos de
comportamento sejam gradualmente substituídos por positivos e benéficos. Desta forma, o
7
Livre tradução dos autores. Em inglês, mindfulness possui as formas de advérbio (mindfully) e
adjetivo (mindful).
93
agir corretamente não é simplesmente obedecer a certos tipos de regras, mas antes de tudo
ser ou se tornar um certo tipo de pessoa.
Desta forma, o mindfulness existe como condição sine qua non para a obtenção de
sabedoria, eliminando a ignorância (avijja) e, por fim, proporcionando a cessação do
sofrimento. Logo, se esta forma de consciência lúcida direcionada ao presente puder ser
sustentada momento a momento, ocorre uma profunda alteração nos processos cognitivos,
com implicações para a forma como entendemos a experiência corrente, ocasionando insights
sobre a natureza do sofrimento e consequentemente, maior conduta virtuosa em nossa vida
diária (Nhat Hạnh, 2001). O meio para se desenvolver e fortalecer esta consciência lúcida se
dá formalmente por meio da prática de meditação.
Meditação em pali é bhavana, que significa desenvolver, cultivar. A prática formal,
ou seja, a meditação propriamente dita, fundamenta-se principalmente no discurso (em pali;
Sutta) do Buda chamado Satipatthana Sutta (MN10). O termo satipatthana é um composto
94
entre as palavras sati e upatthana, que pode ser entendido “como um processo, um modo de
estabelecer (upatthana) atenção plena (sati)” (Thānissaro, 2003, p. 1). As instruções para a
prática formal progridem da observação e investigação de experiências rudimentares, até as
experiências mais refinadas e abstratas.
A prática se dá por quatro fundamentos, chamados de satiphattanas (Analayo, 2014),
descritos de forma breve a seguir: (1) mindfulness do corpo: consciência da respiração, de
partes e de movimentos do corpo, assim como da compreensão de sua natureza transitória;
(2) mindfulness das sensações: a consciência e discriminação de sensações dolorosas, neutras
e/ou agradáveis, assim como a consciência de seu surgimento, seu ápice e desaparecimento;
(3) mindfulness da mente: consciência e discriminação dos pensamentos e estados mentais,
consciência do surgimento, do ápice e desaparecimento destes estados, bem como a distinção
ética destes estados em benéficos e não-benéficos; e, por último, (4) mindfulness dos
dhammas8. Neste último, o Buda incluiu uma lista de objetos de meditação, os quais
compreendem categorias de seus ensinamentos (e.g. as quatro nobres verdades), para serem
investigados por meio da percepção direta da experiência. O quadro 8 ilustra os fundamentos
de mindfulness na perspectiva budista:
Quadro 8 - Os Quatro Fundamentos de Mindfulness
Satipatthana Definição e propósito
Corpo
Consciência da respiração, de partes e de movimentos do corpo.
(kayanupassana)
Consciência e discriminação de sensações dolorosas, neutras e/ou
Sensações
agradáveis, assim como a consciência de seu surgir, seu ápice e
(vedananupassana)
desaparecer.
Mente Consciência e discriminação dos pensamentos e estados mentais, assim
(Cittanupassana) como a consciência do surgir, do ápice e desaparecer destes estados.
Dhammas Uma lista de objetos de meditação que são categorias de ensinamentos
(Dhammanupassana) fundamentais de sua doutrina.
Fonte: Adaptado de Analayo (2014)
8
Usualmente traduzido como “objetos da mente”, não é tradução mais adequada visto que os outros
satiphattanas também surgem como objetos da mente (ver: Analayo, 2014, p. 183).
95
sensações, sendo nele ser possível, por meio de investigação hábil, apreender toda sabedoria
dos ensinamentos do Dharma. Convém notar que a literatura científica já traz a relevância do
corpo – e sua integração e concepção como parte indissolúvel da consciência – para melhor
compreensão de nós mesmos (Muniz, Santorum, & França, 2018; M. Williams & Penman,
2011).
Bodhi (2011) explica que na técnica, o fator mental mindfulness deve estar sempre
associado a outras duas qualidades mentais: (1) clara compreensão, que implica em uma
capacidade de compreender de forma clara sobre o que se observa ,o que se faz e suas
potenciais consequências, ou seja, uma sabedoria incipiente; (2) diligência, que implica em
dedicar uma energia equilibrada à prática e a retornar ao objeto de contemplação assim que
ele for perdido, assim como buscar manter uma postura mental livre de desejos e aversões ao
que se apresenta, a equanimidade. A diligência mantém o praticante persistindo na prática e
em retornar sistematicamente ao seu objeto de atenção, assim como em cultivar qualidades
mentais positivas em relação ao objeto. Estas três qualidades associadas foram definidas pelo
Buda como atenção apropriada.
Assim, de forma gradativa, o cultivo de mindfulness, compreendido como uma
qualidade mental desenvolvida por meio de sua prática meditativa correspondente, serve ao
propósito de transformar a mente, reduzindo estados mentais não saudáveis (p.e., excesso de
aversão ou apego) e fortalecendo estados mentais saudáveis (p.e., amor e compaixão)
(Olendzki, 2011). De fato, de acordo com textos da tradição, a prática de mindfulness tem
íntima relação com o desenvolvimento de metta/bondade amorosa e compaixão (B. H.
Gunaratana, 2001) e outras qualidade saudáveis, como alegria empática e equanimidade. .
Mais ainda, enfatiza-se que a prática do mindfulness não atuaria apenas no alívio de
emoções desagradáveis, mas sobretudo na erradicação de sua causa, promovendo mudanças
profundas, tanto nos processos cognitivos, quanto no entendimento sobre a vida e,
consequentemente, na conduta diária (Analayo, 2014; Kudesia & Nyima, 2015). Em outras
palavras, a prática de mindfulness quando eticamente e filosoficamente baseadas nos
ensinamentos budistas, modificariam a visão de mundo, o ethos e os comportamentos.
absolutas e invariáveis. O Budismo possui visões de mundo bem distintas da lógica ocidental
que poderiam ajudar a remediar a situação insustentável que nos encontramos.
Um primeiro ponto de contraponto é trazido por Schumacher (1997) quando afirma
que a economia ocidental mede qualidade de vida essencialmente pela quantidade de
consumo anual, assumindo que uma pessoa que consome mais está em melhor situação do
que uma pessoa que consome menos. Esta visão, de fato, é constatada na revisão de Laininem
(2018) conforme visto no capítulo de (in) sustentabilidade.
Para Schumacher, um economista budista consideraria essa abordagem irracional,
pois como o consumo é apenas um meio para o bem-estar humano, o objetivo deve ser obter
o máximo de bem-estar com o mínimo de consumo. Assim, do ponto de vista budista, o
padrão ideal de consumo é alcançar um alto nível de satisfação por meio de uma baixa taxa
de consumo de material.
Em uma análise sobre Quatro Nobres Verdades do Budismo e sua relação com
sustentabilidade, Weldford apud Zsolnai (2011) as ilustra tipificando a problemática do
desenvolvimento sustentável: (1) primeira nobre verdade: há sofrimento. Isso tem que ser
compreendido. Com o crescente secularismo e dissociação da natureza e do meio ambiente,
e os crescentes níveis de expectativas dentro e fora do trabalho, as pessoas estão ficando
menos satisfeitas com a vida e os estilos de vida que adotam; (2) Segunda nobre verdade: a
causa do sofrimento é o desejo. O desejo não controlado deve ser abandonado. Níveis
elevados de insatisfação têm implicações no consumismo: primeiro, há a percepção errônea
de que a compra de bens nos fará felizes (Schumacher, 2010) e, segundo, porque estamos
cada vez mais insatisfeitos e, portanto, infelizes ou estressados, somos incapazes de lidar com
as mudanças necessárias (3) Terceira nobre verdade: a cessação do sofrimento é a cessação
do desejo. Isso tem que ser realizado. Ao tomar consciência de que existe uma raiz para o
mal-estar social, sabemos que existe uma maneira de impedir essa complacência para iniciar
um caminho para a sustentabilidade; (4) quarta nobre verdade: o caminho para a cessação do
desejo é o caminho óctuplo: para parar de fazer o que nos deixa insatisfeitos, temos que
perceber a causa dessa insatisfação e continuar tentando nos comportar de maneira mais
sustentável. O Budismo nos mostra que isso é difícil e requer compromisso e prática
contínuos de meditação e desenvolvimento de virtudes.
De fato, no coração do Budismo está a virtude da moderação (Laumakis, 2008). Nesta
linha, Payutto (1992) afirma que de acordo com a abordagem budista, a atividade econômica
deve ser controlada pela qualificação que é direcionada à obtenção do bem-estar, e não à
“satisfação máxima” buscada pelo pensamento econômico dominante. No modelo
97
econômico convencional, desejos ilimitados são controlados pela escassez, mas no modelo
budista eles são controlados por uma apreciação da moderação e pelo objetivo do verdadeiro
bem-estar. O saldo resultante eliminará naturalmente os efeitos nocivos da atividade
econômica não controlada fruto de um consumo excessivo.
De fato, o desenvolvimento de mindfulness como vimos deveria trazer nossa
consciência ao presente e nos fazer refletir antes de qualquer ação. Assim, Payutto (1992)
avança sua discussão lembrando que sempre que usamos coisas, deveríamos dedicar tempo
para refletir sobre seu verdadeiro objetivo, em vez de usá-las sem maior reflexão
(mindfulness). Ao refletir dessa maneira, podemos evitar o consumo negligente e, assim,
danoso.
Em outra premissa diferente da cultura vigente, o Budismo não aceita a suposição da
superioridade do ser humano em relação a outras espécies. Em verdade, Story (2009, p. 8)
destaca:
consequências a longo prazo e a intenção por trás da produção, consumo e outras ações
humanas.
Zsolnai (2011) descreve que interdependência explica a “racionalidade” da
compaixão, uma vez que toda ação afeta todo o universo e o “eu” existe apenas em relação
aos outros, assim ações que exploram o social ou o mundo natural tem repercussões negativas
em si. A natureza unificada e interconectada do universo sugere que ações ou intervenções
“violentas” que “consomem” o mundo material têm repercussões adversas na natureza
interconectada, que naturalmente inclui humanos. Logo, Zsolnai destaca que para que um
mundo justo e sustentável seja realizado, é necessária uma mudança ontológica: o
individualismo do capitalismo deve ser substituído pela noção de um “eu” interdependente.
Outro ponto relacionado ao conceito de interdependência e sustentabilidade são as
quatro qualidades incomensuráveis (Nhat Hạnh, 2001): Amor ou bondade-amorosa (metta);
Compaixão (karuna); Alegria simpática (mudita); e Equanimidade (upekkha). O quadro 9
ilustra seus significados:
Quadro 9 - As Quatro Qualidades Incomensuráveis
Qualidades Características
Desejar que os seres compreendam as causas da felicidade
Amor (pali: metta)
e sejam felizes
Desejar que os seres compreendam as causas do sofrimento
Compaixão (pali: karuna)
e fiquem livres do sofrimento
Reconhecer as verdadeiras qualidades alheias e alegrar-se
Alegria empática (pali: mudita)
com elas, assim como alegrar-se pela felicidade alheia
Equanimidade (pali: upekkha). Desejar que todos os seres sejam igualmente beneficiados
Fonte: Adaptado de Nyanaponika (2013)
Thera (2004) destaca que estas essas quatro atitudes são incomensuráveis porque são
o caminho ideal para os seres vivos. Elas fornecem, de fato, a resposta para todas as situações
decorrentes do contato social. Por exemplo, são as grandes pacificadoras em conflitos sociais
e as grandes curadoras de feridas sofridas na luta pela existência. Eles nivelam barreiras
sociais, constroem comunidades harmoniosas, revivem a alegria e a esperança há muito
abandonadas e promovem a irmandade humana contra as forças do egoísmo. Entretanto, tal
como mindfulness, devem ser cultivadas. Para este fim, Thera sugere que temos que usar
essas quatro qualidades não apenas como princípios de conduta e objetos de reflexão, mas
também como sujeitos da meditação metódica.
O Budismo oferece seu método de desenvolvimento por meio da prática meditativa
por meio da prática Brahma-vihara-bhavana (Nyanaponika, 2013), que foi secularizada e de
certa forma, parcialmente alterada pela ciência ocidental. Sob a alcunha de meditação da
99
compaixão (Weng et al., 2013), esta prática meditativa é parcialmente realizada, focando
apenas nas qualidades de Amor e Compaixão.
De fato, o Budismo traz mais algumas importantes contribuições para o campo da
sustentabilidade. Uma das funções de mindfulness é nos lembrar de prestar atenção ao que
está ocorrendo em sua experiência imediata com cuidado e discernimento (Wallace & Bodhi,
2006). As ações danosas e benéficas direcionadas a nós mesmos devem ser analisadas
também sob esta ótica. Para a tradição budista, nós também somos objetivo de contemplação
e dignos de nossa bondade amorosa e compaixão, não apenas os outros.
De fato, o crescimento da literatura científica ocidental relacionada a autocompaixão
foi essencialmente influenciada pelo Budismo. Neff (2003) afirma que se baseou em
acadêmicos budistas para desenvolver sua teoria de autocompaixão. Dessa maneira, Neff
(2003) esclarece que autocompaixão não denota um interesse próprio narcísico, mas sim um
construto tridimensional onde autogentileza e cuidado, mindfulness e um senso de
humanidade compartilhada estão juntos.
Mestres budistas constantemente destacam a relevância de autocompaixão para que
se possa efetivamente ser compassivo no mundo. Nesta linha, Trungpa (2015) destaca que
grande parte do caos existente no mundo decorre do fato de que as pessoas não têm apreço
por si mesmas:
Nas palavras do 14º Dalai Lama (Gyatso, 2003), para alguém desenvolver compaixão
genuína para com os outros, primeiro ele ou ela deve ter um base sobre a qual cultivar
100
relacionado a uma forma particular de estar atento ao momento presente. Em palavras mais
simples, você pode praticar meditações do tipo mindfulness, para você ser mindful (i.e.,
qualidade de quem apresenta a qualidade mental mindfulness).
Assim, mindfulness é tanto uma prática quanto um resultado (Kiken, Garland, Bluth,
Palsson, & Gaylord, 2015; Shapiro, 2009). Como prática, envolve o treinamento sistemático
da atenção, levando à não identificação com o que está sendo experimentado, seja a
respiração, as sensações corporais, ou processos de pensamento ou emoções (Chambers,
Gullone, & Allen, 2009). Seguindo a definição de Lutz et al (2008:02) meditação pode ser
definida como:
“um grupo de complexas estratégias de regulação emocional e atencional
desenvolvidas para vários fins, incluindo o cultivo do bem-estar e do
equilíbrio emocional”
Meditação é uma prática que precede o mindfulness, tendo suas origens datadas
muitos antes do surgimento do Budismo, ligada à práticas espirituais que visavam o desperat
da consciência e uma vida mais austera (Turci Junior, 2020). Como estado psicológico, a
definição mais referenciada é “prestar atenção de um modo particular: propositalmente, no
momento presente, sem julgamentos” (Kabat-Zinn, 1994, p. 4). Esta definição tornou-se a
mais influente na pesquisa dominante sobre mindfulness.
Embora não haja consenso sobre quanto tempo uma MBI deva possuir, há um acordo
de que os benefícios a longo prazo só podem ser alcançados se os participantes continuarem
a praticar regularmente e incorporá-la em sua vida cotidiana. Em outras palavras, mindfulness
não pode ser entregue aos outros, outrossim, deve ser praticado e cultivado por aqueles que
procuram mudanças duradouras em sua forma de ser e agir.
O desenvolvimento de várias MBIs derivadas do MBSR (e.g. MBCT; Teasdale,
Segal, & Williams, 1995) levou a uma série de estudos - incluindo ensaios clínicos
randomizados (RCTs) - relatando resultados na cognitivos, afetivos, comportamentais e, em
certa medida, interpessoais9 (para revisão, ver: Creswell, 2017). Uma vez que o estado de
mindfulness tenha se estabilizado, e sua prática sistemática tenha se transformado em hábito,
o aprimoramento de habilidades e efeitos salutares é esperado.
9
Descreveremos em detalhes alguns estudos e sesu resultados quando apresentarmos o modelo teórico
da tese.
106
estar aberto e aceitar experiências, mas também requer ativamente se envolver no momento
presente e usar sabedoria discriminatória, isto é, estar ciente do caráter ético de suas ações, a
fim de discernir o que poderia ser a resposta mais habilidosa e compassiva em qualquer
situação (E. Shonin & Van Gordon, 2015, p. 900).
Esses estudiosos são parte da chamada segunda geração de intervenções baseadas em
mindfulness, onde algumas das principais características é a transformação pessoal do
praticante e a inclusão de práticas de meditação para a transformação espiritual visando
beneficiar não só o praticante, mas também todos seres conscientes (Singh et al., 2014; Van
Gordon, Shonin, & Griffiths, 2015). Um exemplo deste tipo de MBI é o meditation
awareness training (MAT), que incorpora práticas que visam cultivar cidadania, consciência
ética, generosidade e compaixão (E. Shonin & Van Gordon, 2015). Por certo, desenvolver
em executivos a capacidade de estar consciente ao momento presente, momento a momento,
com discernimento e com uma atitude ativa, generosa e compassiva é de interesse para nossas
aspirações de construção de uma sociedade sustentável.
afetiva, mas não em empatia cognitiva (Blair, 2005; Wai & Tiliopoulos, 2012). Em um
contexto organizacional onde a cultura privilegia a maximização do lucro em detrimento de
questões sociais ou ambientais, indivíduos com fortes traços de personalidade disfuncionais
podem se sobressair. Isso pode explicar como muitos indivíduos com tais traços são
encontrados em ambientes corporativos e buscam posições de liderança nas corporações
(Boddy, Ladyshewsky, Richard, & Galvin, 2010; Goldman, 2006), causando imensos danos
à sociedade e ao planeta quando bem sucedidos em seus intentos.
Estudos empíricos têm relacionado à prática de mindfulness com maiores níveis de
empatia (Dekeyser, Raes, Leijssen, Leysen, & Dewulf, 2008; Winning & Boag, 2015) e na
literatura psicológica e budista, há um reconhecimento explícito que a compaixão exige
empatia e, portanto, parecem ver a empatia como um elemento essencial da compaixão.
Mesmo assim, eles sugerem que a compaixão tem componentes adicionais além da empatia
(Strauss et al., 2016). Em particular, o desejo de agir para aliviar o sofrimento é visto como
uma característica central da compaixão, mas não da empatia. Adicionalmente, considerando
que a compaixão é sentida especificamente em resposta ao sofrimento, a empatia pode se
aplicar a uma gama mais ampla de situações, por exemplo, pode-se sentir empatia com a
raiva, o medo ou a alegria de outra pessoa (Pommier, Neff, & Tóth-Király, 2020; Singer &
Klimecki, 2014). Desta forma, em um contexto empresarial, líderes que demonstram cobiça
por melhor performance financeira a qualquer custo podem encontrar amparo na empatia de
outros líderes e seguidores com traços internos similares, causando uma influência
perniciosa, e não virtuosa, às dimensões sociais e ambientais da sustentabilidade corporativa.
Em sua revisão de literatura sobre compaixão, Strauss e colegas (2016) propuseram
uma definição operacional de compaixão composta de 5 partes: 1) Reconhecer o sofrimento;
2) Compreender a universalidade do sofrimento na experiência humana; 3) Sentir empatia
pela pessoa que sofre e se conectar com sua angústia (ressonância emocional); 4) Tolerar
sentimentos desconfortáveis despertados a partir do sofrimento alheio (e.g, aflição, medo),
permanecendo aberta e receptiva; e 5) Motivação para agir / agir para aliviar o sofrimento. O
quadro 11 ilustra diversas definições encontradas sobre compaixão em relação a estas cinco
dimensões:
110
percepção de que uma atitude de julgamento resulta em uma desconexão de si mesmo e dos
outros. Assim, compaixão, autocompaixão e sabedoria formam uma trindade indissolúvel, se
não sob pena de não se manifestarem em uma qualidade benéfica ou sustentável.
Isso significa que em um contexto de sustentabilidade, cabe ao indivíduo perceber
onde que há sofrimento, buscar compreender as causas e condições que o geram e o
sustentam, inclusive sua responsabilidade nisto, para que assim possa - com sabedoria e
compaixão – agir para a redução do sofrimento gerado seja em si, na sociedade ou mesmo na
natureza.
Logo, o cultivo da compaixão, em paralelo ao cultivo do mindfulness, surge como
importante elemento para o desenvolvimento de líderes e liderados mais conscientes e
compassivos (Hougaard & Carter, 2018), e assim, mais hábeis e dispostos a influenciar as
organizações para uma direção mais ética e sustentável.
“uma série de habilidades cognitivas e emocionais como foco, regulação emocional, empatia,
adaptabilidade e perceber algo sob uma perspectiva diferente, que são vitais para uma
liderança bem sucedida atualmente” (Reitz et al., 2016, p. 5).
Reitz e colegas alertam que o mindfulness, entretanto, não deve ser visto como um
remédio de efeito rápido, pois os resultados encontrados mostram que, quanto mais os
participantes se engajavam em práticas em casa, mais o efeito se mostrava significativo.
Assim, os autores enfatizam que a prática sustentada de ao menos 10 minutos por dia ao
longo de oito semanas é fundamental para que estes efeitos se verifiquem. Recentemente,
através de uma perspectiva neurológica, Pless e colegas argumentam que a prática da
mindfulness pode ter efeitos positivos significativos na tomada de decisões éticas nas
organizações (Pless, Sabatella, & Maak, 2017).
É relevante mencionar um estudo empírico que descobriu que a liderança ética exerce
mais influência ética nos liderados na medida em que este possui maior nível de mindfulness
(Eisenbeiss & van Knippenberg, 2015). Isto sugere que para que a influência da liderança
nas políticas e estratégias corporativas para a sustentabilidade seja mais efetiva, o
treinamento de mindfulness deve ser oferecido a toda a equipe do líder, ou ao menos, esta
deva ser composta por membros com maior traço de mindfulness. Desta forma, fica claro que
programas de mindfulness que tenham por campo alvo as organizações e como efeito
desejado influenciar positivamente as empresas em uma direção mais sustentável, devem
buscar não somente líderes, mas membros de empresas que estejam predispostos a
desenvolver maior traço de mindfulness.
Ericson et al. (2014) encontraram que como o mindfulness promove maior bem-estar,
empatia, compaixão e consciência de valores, ele consequentemente promove
comportamento sustentável. Tal descoberta levou os autores a sugerirem que a promoção da
prática de mindfulness em escolas e organizações pode ser a chave para uma sociedade mais
sustentável. Consonante com tal achado, alguns estudos demonstram que o comportamento
119
Para que tais mudanças ocorram em níveis mais amplos que o campo individual,
como por exemplo no campo organizacional, termos executivos organizacionais como
população-alvo de protocolos de mindfulness é crucial. Nesse sentido, alguns estudos já
foram realizados e, embora ainda esteja em seu início, alguns resultados mostram-se
promissores.
2012); a atenção (e.g. Kozasa et al., 2012; Lutz et al., 2009); a flexibilidade cognitiva, isto é,
a capacidade de adaptar estratégias de raciocínio para acomodar condições novas e
inesperadas (Moore & Malinowski, 2009); a redução da rigidez cognitiva, ou seja,
dificuldade em substituir crenças e modelos de pensamento antigos por novos (Greenberg,
Reiner, & Meiran, 2010) e criatividade e resolução de problemas por insight (Berkovich-
Ohana, Glicksohn, Ben-Soussan, & Goldstein, 2016; Ostafin & Kassman, 2012).
O pensamento crítico é crucial para uma pessoa entender de forma crítica como seu
comportamento e tomada de decisão podem estar sob a influência de visões de mundo e ethos
(Geertz, 2008) que possam refletir valores culturais que não são sustentáveis (por exemplo,
lógica instrumental de sustentabilidade) e que devem ser alterados. Nesta linha, um estudo
indica que mindfulness disposicional parece facilitar o pensamento crítico (Noone, Bunting,
& Hogan, 2016). Associado a uma maior flexibilidade cognitiva e menor rigidez cognitiva
que mindfulness facilita como encontrados em estudos empíricos anteriores, este efeito pode
se potencializar.
Neste ponto, podemos questionar se o impacto seria maior se o mindfulness fosse
praticado de forma mais congruente com o Budismo e, logo, de forma deliberada abordasse
questões éticas, sabedoria, compaixão e engajamento social. Isso porque há estudos que veem
o pensamento crítico não apenas em termos de capacidade cognitiva, mas também
relacionados a um componente atitudinal, ou seja, uma predisposição para analisar algo
criticamente10.
Adicionalmente, mindfulness pode levar a incrementos nas áreas do cérebro que são
responsáveis pela autorregularão, tomada de decisão, regulação emocional, empatia e
compaixão. Em um estudo longitudinal controlado, Hölzel e colegas (2011) investigaram
alterações pré-pós intervenção na concentração de massa cinzenta cerebral, atribuível à
participação em um programa MBSR. Os resultados apresentam aumentos no córtex
cingulado posterior, na junção temporo-parietal e no cerebelo no grupo MBSR em
comparação com o grupo de controle. Isto sugere que a participação no MBSR está associada
a mudanças na concentração da massa cinzenta nas regiões cerebrais envolvidas nos
processos de aprendizagem e memória, regulação emocional, processamento auto-referencial
e tomada de perspectiva.
Nesta linha, Karelaia e Reb (2015) sugerem que o mindfulness facilita a consciência
sobre quando uma decisão deveria ou poderia ser feita, aumenta a conscientização objetiva,
10
Para uma revisão, sugerimos ver Lai (2011)
123
melhora a consistência da decisão com os valores fundamentais de cada pessoa, reduz o viés
de custos irrecuperáveis e ajuda a reconhecer desafios éticos das decisões. Adicionalmente,
o mindfulness levariam indivíduo a receber melhor a incerteza e lidar com ela de forma
produtiva, o que é fundamental em desafios complexos como a sustentabilidade. Mindfulness
pode ir muito além de reduzir sintomas aflitivos e comportamentos improdutivos,
contribuindo com a construção de uma vida com mais sentido e propósito.
Essa ênfase na aplicação de mindfulness à mudança de comportamento é conceituada
Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) como ação baseada em valores. De fato, a
relação entre mindfulness e valores tem sido recorrentemente avaliada na literatura. A ACT
é baseada em mindfulness e tem por objetivo desenvolver em indivíduos a capacidade de
entrar em contato mais plenamente com o momento presente como um ser humano
consciente, e de mudar ou persistir em comportamentos que estão de acordo com seus valores
(Hayes et al., 2006). Trata-se, essencialmente, de uma forma de terapia comportamental que
combina habilidades de mindfulness (e.g, orientação para o presente e aceitação) com a
clarificação de valores e o alinhamento de seu comportamento a estes.
Dentro do modelo da ACT, a definição de direções valiosas de vida baseadas em
valores do indivíduo e o estabelecimento de comportamentos intencionais associados a estes
valores são parte formal de seu protocolo (Hayes, Villatte, Levin, & Hildebrandt, 2011),
sendo fundamental para uma vida com mais autenticidade. A autenticidade reflete a extensão
em que um indivíduo opera alinhado aos seus valores no dia-a-dia (Goldman & Kernis,
2002). Goldman e Kernis (2002) destacam que a autenticidade como múltiplos processos
inter-relacionados que têm implicações importantes para o funcionamento e o bem-estar
psicológico, como autoconsciência e ações congruentes aos valores e preferências.
De fato, mindfulness tem sido reconhecido como positivamente associado a
clarificação de valores (Shapiro, Carlson, Astin, & Freedman, 2006; Shapiro, Jazaieri, &
Goldin, 2012b) e na medida em que o comportamento se torna mais alinhado aos valores que
o indivíduo possui, traz um senso de autenticidade e propósito (Leroy, Anseel, Dimitrova, &
Sels, 2013), impactando no bem-estar psicológico (Christie, Atkins, & Donald, 2017). Se em
uma MBI - como na ação psicossocial desta tese - clarificar valores esquecidos e fomentar
valores não materialistas, poderemos estar contribuindo em atitudes e comportamentos
sociais e ecologicamente responsáveis (Brown & Kasser, 2005a) e ao mesmo tempo em
maior percepção de bem-estar psicológico.
A sociedade atual demanda dos indivíduos – em especial o público corporativo -
habilidades de gestão de estresse, ansiedade e depressão sem precedentes. Em relação às
124
Autocompaixão também tem ganho cada vez mais atenção da literatura psicológica
(Neff, 2003a). De fato, estudos indicam que autocompaixão tem uma associação positiva
significativa com medidas de felicidade, otimismo e afeto positivo (Neff, Rude, &
Kirkpatrick, 2007). Mais ainda, Neff (2003) afirma que a autocompaixão é uma força humana
importante, pois invoca qualidades de bondade, equanimidade e sentimentos de
interconexão. De fato, a pesquisadora destaca que autocompaixão também tem sido
associada a uma maior conexão social, compaixão pelos outros, preocupação empática e
altruísmo. Por certo, estes são construtos de especial interesse para o campo da
responsabilidade social.
Outro caminho potencial para se estimular maior senso de interdependência com a
natureza pode ser o uso de práticas de mindfulness em meio a natureza (Van Gordon et al.,
2018). Autores tem apontado que o simples fato de se estar na natureza já melhora a sensação
de bem-estar e maior impacto sensorial das experiências na natureza, promovido pelo
mindfulness, pode fortalecer a conexão com a natureza (Howell, Dopko, Passmore, & Buro,
2011) contribuindo para comportamento ecologicamente responsáveis.
maneira estrutural e permanente nosso modo de ver e ser no mundo (e.g., O’Sullivan, E.,
Morrell, M., & O’Connor, 2002; Schumacher, 1997; Sterling, 2010) e; f) entendem
mindfulness não apenas como uma técnica para alívio de emoções aflitivas da vida moderna,
mas como uma habilidade que proporciona mudanças de consciência, trazendo maior
discernimento para compreendermos qual a resposta mais responsável e compassiva no
momento presente.
Desta forma, partimos para o percurso metodológico embasados pela literatura que
corrobora o desenvolvimento de ações baseadas em mindfulness, em especial se associadas
a interdependência e a virtude de compaixão como veículo para transformações pessoais que
podem precipitar mudanças em escalas maiores no ambiente corporativo.
comportamentais de indivíduos que ocorram por meio de uma ação psicossocial baseada em
mindfulness, interdependência e compaixão.
Foram realizadas 4 etapas ao longo da pesquisa, quais sejam: (1) Etapa Exploratória;
(2) Etapa de Coleta de Dados e Pesquisa Baseline; (3) Etapa da Ação Psicossocial, com a
aplicação do programa baseado em mindfulness, interdependência e compaixão; e a (4) Etapa
135
11
Por questões de confidencialidade o nome da empresa será omitido.
137
De fato, a empresa é reconhecida por ser uma das pioneiras no uso de mindfulness,
tendo desenvolvimento internamente seu próprio protocolo, que é anualmente replicado para
centenas de funcionários ao redor do mundo. Entretanto, nem tudo que reluz, é ouro. Apesar
de toda a mítica, convém destacar que no período de realização da ação psicossocial, em
novembro de 2018, funcionários da empresa espalhados pelo mundo realizaram uma greve
contra o assédio sexual e o tratamento desigual dado às mulheres e outras minorias. O
movimento apresentou uma pauta com cinco pontos: fim da arbitragem forçada em casos de
assédio ou discriminação para os atuais e futuros funcionários; compromisso de acabar com
a desigualdade nos salários e nas oportunidades; divulgação de relatórios de transparência
sobre casos de assédio sexual; criação de um mecanismo claro, uniforme e global para o
relato de casos de assédio, de forma segura e anônima; e a elevação do diretor de diversidade
e inclusão para que ele responda diretamente ao CEO e faça recomendações ao conselho
diretor, além da abertura de uma cadeira para os funcionários neste conselho. Por certo, o
setting da pesquisa oferecia abertura e, também, bastante ambiguidade.
Os participantes: recrutamento e seleção
Uma vez selecionada a empresa, foi feito recrutamento e a seleção dos
participantes da pesquisa. O recrutamento para participar do programa da ação
psicossocial foi feito em parceria com a ex-cliente de coaching e atual executiva da empresa.
Foi elaborado um chamado (ver Apêndice A) que foi disponibilizado na intranet da empresa,
onde os executivos da empresa se informam sobre oportunidades de treinamento e
desenvolvimento. O texto foi disponibilizado em julho de 2018 e um fato curioso ocorreu. A
executiva disponibilizou a chamada para o programa na área de acesso internacional, e em
cerca de 6 horas tivemos pouco mais de 100 pessoas interessadas. Outra chamada foi feita
informando que o programa seria disponibilizado na região de São Francisco apenas.
Assim, tivemos ao todo 32 pessoas interessadas em participar. Em seguida, iniciamos
o processo de seleção, que deveria obedecer a alguns critérios. Para participar do programa,
o funcionário deveria ser contratado formal – não terceirizado - em tempo integral da
empresa. O objetivo era termos participantes que conhecessem e trabalhassem sob a cultura
da empresa. Adicionalmente, era importante possuir uma autoidentificação como líder
potencial, não precisando ser líder formal. Como almejávamos que após o programa os
participantes pudessem influenciar cultura, as políticas e práticas da empresa de forma a
estarem alinhadas à sustentabilidade, este traço atitudinal seria importante.
De fato, a autopercepção do indivíduo como líder tem sido abordada como base para
sua função e uma propensão à exercer tal influência (Derue, Ashford, Ashford, & Derue,
138
2016; Marchiondo, Myers, & Kopelman, 2015). Outro critério seria a disponibilidade de
presença física nos 4 encontros nos dias, horários e locais indicados, o que entendemos ser
muito importante para os resultados almejados da ação.
Foi criado um formulário online onde estas informações foram disponibilizadas e
pedíamos informações sociodemográficas, culturais, profissionais relativas à ocupação atual
e dados comportamentais relacionados à prática de mindfulness, meditação ou alguma
prática/rotina religiosa ou espiritual. Este formulário também continha o TCLE (Ver
apêndice J), onde o candidato se informava sobre o programa e assentia seu consentimento
livre e informado em participar em caso de ser selecionado. Assim, realizamos a pré-seleção
dos participantes e partimos para o agendamento de entrevistas. Com esses formulários foi
possível construir uma imagem prévia dos participantes.
De fato, todos os inscritos estavam no perfil desejado, entretanto, ao final, muitos
começaram a cancelar sua participação no programa por incompatibilidade de agendas
devido a extenuante rotina de seus trabalhos. Nesta etapa – ao longo de um mês - dos 32
iniciais, 18 desistiram. Ao buscarmos realizar as entrevistas anteriores ao programa, tivemos
quatro novas perdas pelos mesmos motivos. Ao final, o grupo tinha 14 participantes. Três
que surgiram na semana da ação e não realizaram entrevistas prévias e a própria executiva
patrocinadora do programa, que não participa das análises do processo de transformação por
estar participando do processo de coaching com o facilitador. Em seu processo de coaching,
muitas das atividades da ação psicossocial eram realizadas e isto poderia enviesar os
resultados. Não conseguimos também realizar entrevistas pré nem pós programa com um dos
participantes, desta forma decidimos não o incluir - assim como a executiva que viabilizou a
realização do programa na empresa - na avaliação de resultados. Ao final, o grupo analisado
teve 12 participantes, destes, 2 não realizaram entrevistas prévias.
Por meio das entrevistas e fichas de inscrição foi possível mapear o grupo 12
participantes, todos são (ou eram) trabalhadores da em tempo integral em diferentes setores
e funções; também são de estados e países diferentes (cinco nascidos nos EUA, seis em outros
países e uma não relata). A maioria deles se declarou tendo crescido em famílias de classe
média alta - dois classe média baixa e uma da trabalhadora; possuía uma renda média ou alta;
trabalhava entre quarenta e sessenta e cinco horas semanais; e eram funcionários da empresa
há no mínimo dois anos e meio. Todos eles possuem terceiro grau completo, sendo que cinco
finalizaram mestrado (destes, quatro são mulheres e apenas um homem). Suas idades variam
entre 25 e 45 anos à época da intervenção. A Tabela sintetiza o perfil sociodemográfico,
educacional e ocupacional:
139
140
Engenheira de
Indira 29 Mulher Solteira Sul-asiática Engenheira 2.5
Software
Maria n.i. Mulher Solteira Asiática Matemática Analista de negócios 4
Gerente de Compras
Mark 31 Homem Solteiro Branco Física 3
Estratégicas
Susan 29 Mulher Solteira Branca Negócios Gestora de projeto 3
trabalha com inteligência de negócios e Susan maneja qualidade para um produto da empresa.
Todos têm mais de 3 anos na empresa, à exceção de Indira que possui dois anos e meio.
Uma vez selecionados os participantes, começamos a agendar as entrevistas e a cuidar
de toda a logística operacional da ação, como a reserva das salas – que sempre ocorreram na
sede principal da empresa no centro de São Francisco – e demais recursos como microfone,
computador, projetor. Todos estes foram disponibilizados gratuitamente pela empresa. As
comunicações com os participantes referentes ao programa (e.g., locais das sessões;
lembretes) eram realizadas internamente pela executiva patrocinadora da ação psicossocial
sob a orientação do facilitador do programa.
motivação inicial (Shapiro, 2009). Desta forma, essa análise mais profunda serviria para
formular hipóteses a serem exploradas posteriormente nas entrevistas em profundidade.
Entrevistas em profundidade: mergulhando na realidade dos participantes pela perspectiva
deles
Esta atividade contribuiu para termos um contato inicial com os participantes e suas
visões de mundo, ethos, o que buscavam e como se sentiam à época imediatamente anterior
a ação psicossocial. O método de coleta de dados primário nesta etapa foi composto por
entrevista semiestruturada em profundidade (Vasconcelos, 2013) e o método de análise dos
dados primários foi a análise de conteúdo (Brand & Slater, 2003). A entrevista foi usada para
avaliar aquilo que queríamos influenciar: suas visões de mundo, habilidades cognitivas, suas
atitudes, comportamentos positivamente relacionados à sustentabilidade. Neste ponto,
convém destacar as dificuldades vividas nesta etapa. Dos 12 participantes que comporiam a
análise final dos resultados, foi possível a realização com 10 destes. Destes 6 não puderam
dar mais que 30 minutos de seu tempo e nenhum mais que 45 minutos para a realização de
entrevistas. Tivemos constantemente a sensação em que as entrevistas eram percebidas como
um inconveniente necessário para que pudessem participar do programa, muito embora todos
tenham sido bastante educados em todo o processo - para que pudessem participar do
programa.
Como se trata essencialmente de uma abordagem qualitativa (J. W. Creswell, 2013;
Demo, 1989), o uso de métodos de interpretação dos dados privilegia a capacidade de
interpretar de forma mais profunda e aberta os dados coletados e assim é possível justificar
o uso de Análise de Conteúdo (AC) nesta pesquisa. Adicionalmente, a AC é recomendada
em casos de pesquisa-ação em organizações (Thiollent, 1996, 2009) pelo fato da mesma
apresentar diversas vantagens quais sejam: (a) Possui flexibilidade e independência de teorias
ou epistemologias permitindo ser aplicada, ao mesmo tempo, a uma vasta gama de
abordagens teóricas; (b) É um método relativamente rápido e de fácil compreensão,
facilitando que os resultados possam acessíveis ao público geral; (c) É um método útil para
trabalhar dentro do paradigma de pesquisa participativa e da complexidade, pois consegue
resumir de forma útil as principais características de um grande conjunto de dados e ainda
oferecer uma descrição robusta dos mesmos; (d) A Análise de Conteúdo também consegue
destacar semelhanças e diferenças em todo o conjunto de dados, além de poder gerar ideias
inesperadas, permitir interpretações sociais e psicológicas dos dados e ser útil para produzir
análises adequadas para contribuir no desenvolvimento de ações.
143
A sessão prototípica12
A sessão prototípica é um detalhamento genérico de todas as sessões da ação
psicossocial (são 4 no total), como uma planta baixa de onde estas foram construídas com
pequenas adaptações. Esta descrição preliminar contribuiu para o entendimento de cada
sessão em maior profundidade, visto que estas possuem um formato similar, possuindo cerca
de 15 atividades pedagógicas que visam desde acolhimento aos participantes até o momento
final da sessão (Drop out), onde buscávamos estimular a intenção de nos dias seguintes
buscarmos colocar em prática os aprendizados ali vividos.
Recrutamento e seleção de assistentes de pesquisa
Como se trata de uma pesquisa qualitativa de inspiração etnográfica, a próxima etapa
seria recrutar e selecionar assistentes de pesquisa para auxiliar na transcrição das entrevistas
realizadas assim como na elaboração e análise dos diários de campo que seriam produzidos
a cada sessão. Como o autor da tese estava fazendo seu doutorado sanduiche na Universidade
da Califórnia, em Berkeley, seu orientador local, professor Dacher Keltner, disponibilizou
cinco alunos para auxiliar na pesquisa.
O recrutamento dos assistentes de pesquisa se deu em duas etapas: anúncio feito pelo
autor da tese durante a aula Human Happiness ministrada pelo professor Dacher Keltner,
onde foi explicado o objetivo da pesquisa, seu local, datas e viés qualitativo. Para se inscrever
e participar da seleção, os estudantes deveriam preencher um formulário online (apêndice X)
que solicitava informações sociodemográficas, educacionais e, também, a motivação para se
participar da pesquisa. 39 alunos se inscreveram demonstrando interesse em participar. O
critério de seleção acordado com a orientadora baseada no Brasil e o orientador nos EUA foi
buscar diversidade na equipe de gênero, etnicidade e a motivação em participar relacionada
a identificação com a aspiração da pesquisa. Acreditamos que alinhamento de valores e de
propósito é importante para o bom andamento de trabalho, pois influência em nosso
engajamento e qualidade do trabalho. Os assistentes selecionados e suas informações
acadêmicas e sociodemográficas foram reunidas na tabela 4:
12
Descrição em maior detalhes do programa no capítulo seguinte
144
Idade (anos) 23 25 20 21 24
Sul-
Etnia Branca Branca Branco Judeu
asiática
Identificaçã Dinamarques American Americano/Jude
Indiana Alemão
o identitária a a u
Religião Hindu Protestante Nenhuma Protestante Em busca
Pós-
Grau em Graduaçã
graduaçã Graduação Graduação Graduação
andamento o
o
Ciências da
Major Psicologi Estudos
Psicologia Psicologia Organizaçã
(atual) a interdisciplinares
o
Como a tabela mostra, três deles se identificam como mulher e dois como homem.
Suas idades variam entre 20 e 25 anos, suas etnias são variadas e religiões também. Além
disso, entre eles, três tinham sua “major” em psicologia e dois estava na intersecção desta
com a economia e sociologia. Dois eram alunos de graduação, uma de pós-graduação e dois
alunos visitantes de graduação. Todos estavam bastante engajados em participar do
programa. Em seus relatos é possível perceber que a união na pesquisa de Mindfulness,
sustentabilidade e lideranças no meio corporativo foi o que mais os instigou. Além disso,
todos apontam como acreditavam que a experiência em uma pesquisa como a descrita aqui
lhes seria benéfica no futuro acadêmico e profissional. Ademais, os assistentes contaram
desejar aumentar seu contato com mindfulness.
A experiência prévia deles era variada, alguns já haviam participado de pesquisas
acadêmicas qualitativas e outros não. Por outro lado, todos tinham alguma experiência quanto
a práticas meditativas (Emily é instrutora de Yoga, por exemplo) e no ambiente corporativo
(Sharvika e Jonas). Assim sendo, todos os assistentes contribuíram com o que já sabiam e o
que também aprenderam durante a pesquisa e com o facilitador. Suas funções consistiam em
anotar o que ocorria durante as sessões nos diários de campo e contribuir com observação
participante; relatando suas impressões, sensações, emoções e pensamentos relevantes para
a pesquisa. Dentro disso se incluía as falas dos participantes e do facilitador bem como o que
eles percebiam sutilmente como reações corporais dos mesmos e de si próprios.
145
Esta etapa contribui para avaliar os resultados gerais alcançados com a ação psicossocial,
assim como compreendermos os aprendizados obtidos com o uso da pesquisa ação de cunho
qualitativo. Assim, realizamos (1) entrevistas em profundidade semiestruturadas com os
participantes; (2) seleção de uma nova assistente de pesquisa baseada no Brasil e (3) análise
dos dados dos materiais gerados ao longo de toda a pesquisa (e.g., entrevistas transcritas e
diários de campo), contemplando 3 macro registros de resultados relativos: (a) ao programa
da ação psicossocial, tendo como foco seu formato, conteúdo e efetividade das atividades
pedagógicas; (b) ao processo de transformação dos participantes, focando em suas mudanças
de cognitivas, emocionais, atitudinais e comportamentais positivamente relacionadas à
sustentabilidade e; (c) à metodologia qualitativa empregada, focando na sua pertinência e
influência nos resultados anteriormente descritos. A seguir, em detalhes as principais
atividades desta fase.
Entrevistas em profundidade semiestruturadas com os participantes
As entrevistas em profundidade foram realizadas 60 dias após o fim da ação
psicossocial e serviram para investigar não apenas as potenciais mudanças ocorridas nas
cognições, habilidades, atitudes e comportamentos relacionados à sustentabilidade, mas
também o que os diários de campo apontavam a partir das reações e falas dos participantes
ao longo das sessões. Assim, como o facilitador e entrevistador eram a mesma pessoa,
buscava-se aprofundar e verificar questionamentos levantadas ao longo da ação assim como
nas reuniões semanais da etapa anterior e leituras dos diários de campo. Conforme
levantamento realizado na literatura, grande parte das pesquisas em mindfulness em empresas
peca por se concentrar em mapear respostas logo após o fim do programa. Isso gera distorção,
pois o estado de mindfulness está estimulado e pode não refletir a realidade algum tempo
depois. Como pretendemos com a ação desenvolver mudanças duradouras nos participantes,
buscaremos avaliar após o fim do programa seus os efeitos em dois momentos: no último dia
com a aplicação de um questionário com perguntas abertas e dois meses depois com novas
entrevistas semiestruturadas em profundidade. As pesquisas foram conduzidas
majoritariamente em janeiro de 2019, sendo duas pesquisas realizadas em fevereiro (Indira e
Sai).
Seleção de uma nova assistente de pesquisa baseada no Brasil
Em março de 2019, com o autor da tese já de volta ao Brasil, iniciamos a seleção de
novo assistente de pesquisa, como um projeto de iniciação científica à um aluno da graduação
148
do curso de psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sua função seria auxiliar
na análise da vasta quantidade de dados produzidos, participando principalmente na
codificação e categorização de dados. Como a maioria dos dados produzidos foram em língua
inglesa, o critério de seleção envolvia o domínio de leitura neste idioma, assim como
disponibilidade de 20h semanais e já ter cursado a disciplina de metodologia da pesquisa com
a orientadora da tese.
A aluna selecionada participou da seleção escrevendo uma carta de intenção e
posteriormente uma entrevista com o autor da tese e a orientadora. Ela se identifica como
mulher, tem 23 anos, de etnia indígena, negra e branca. Não possuía prática em pesquisa
qualitativa, mas o formato trans/interdisciplinar em mindfulness, sustentabilidade e saúde
integral a motivou para participar como assistente de pesquisa.
A Análise de Dados
Uma vez selecionada a assistente de pesquisa, deu-se início o processo de análise de
dados. Como mencionados anteriormente, a técnica de análise de dados conduzida foi a
Análise de Conteúdo com viés qualitativo (J. Creswell, 2013; Thiollent, 2009) seja para as
entrevistas realizadas na etapa baseline quanto para as entrevistas realizadas nesta etapa.
Adicionalmente, os diários de campo também foram analisados sob a ótica da Análise de
Conteúdo.
Esta imagem nos intrigou e nos ver mais que deduzir, sentir que era um reencontro
com as partes de si esquecidas. Adicionalmente, uma orientação fundamental nos ajudou a
olhar os dados além dos detalhes e sim em perspectiva. Ao posicionar todas as categorias e
resultados em perspectiva, percebemos que poderíamos didaticamente visualizar nossos
resultados como pertencentes a três grandes registros, tal como perspectivas abordadas por
autores budistas (e.g. Palmo, 2018) e autores da psicossociologia (e.g. Guattari, 2000) em
que transformações em níveis sociais e ambientais pedem um olhar na forma como nos
relacionamos com nós mesmos, os dados emergiram ao nosso entendimento como uma
interdependência entre a forma como nos relacionamos com nós, os outros e a natureza.
Metodologicamente, para análise das falas dos participantes, as categorias de análise são os
processos de transformação vividos: a nova relação consigo, com os outros e com a natureza,
pois tudo isso é em essência um processo de resgate de si que de forma transversal influencia
o âmbito social e ambiental. Ao final, realizamos a 7) inferência e interpretação, respaldadas
no referencial teórico que nos baseamos nesta tese, de onde percebemos a interação e
interdependência entre os registros relação com si, com o outro e com a natureza.
Avaliou os efeitos da ação nas mudanças nas habilidades cognitivas, emocionais, atitudes
e comportamentos relacionados à sustentabilidade dos participantes, contribuindo para o
campo teórico de mindfulness e sustentabilidade;
Avaliou a efetividade e aplicação do programa, possibilitando a oferta de sugestões de
Avaliação Final
adaptações e pesquisas futuras;
Avaliou a pertinência do método qualitativo empregado, concluindo sua adequação,
influência nos resultados atingidos nos participantes e as contribuições para os envolvidos
na pesquisa e para o campo.
Ética em Pesquisa
Síntese do capítulo
13
Nome provisório
155
eles vão praticar em casa na próxima semana e; quarta, a prática da compaixão e bondade
amorosa.
Todas as sessões também possuem atividades pedagógicas sinérgicas que visam gerar
aprendizagem cognitiva, afetiva e comportamental relacionadas a sustentabilidade e
responsabilidade universal nos participantes. Este programa se alinha ao chamado da
literatura educacional em sustentabilidade que pede por estratégias pedagógicas afetivas e
experenciais (Shephard, 2008) e por experiências educacionais que proporcionem mudanças
em modelos mentais dos participantes (Sterling, 2010). Assim, as práticas de mindfulness e
compaixão que proporcionariam o estado cognitivo e afetivo ideal para os temas e atividades
da sessão que contrapõem as concepções dominantes da atual cultura ocidental.
Tais atividades pedagógicas visam desde acolhimento aos participantes, preparo para
o início da sessão (Drop In), estabelecimento da motivação para a sessão, exposição temática
e journaling sempre ligado ao tema da sessão. No momento final da sessão (Drop out), onde
buscávamos estimular a intenção de nos dias seguintes buscarmos colocar em prática os
aprendizados ali vividos. A tabela 5 ilustra as principais características do programa em
relação às MBIs tradicionais:
Tabela 5 - Componentes do MBLS em comparação com outras MBI tradicionais
Componentes principais MBLS MBIs típicas (e.g MBSR)
Média/duração típica 4 semanas 8 semanas
Grupo baseado Sim Sim
Secularizado Sim Sim
Média total de horas de intervenção 16 horas Aprox. 31
Retiro de um dia Não Sim
Meditações de alegria empática, loving- Sim, em todas as sessões Não explicitamente
kindness, compaixão e equanimidade
Ensinamentos em autoconsciência ética Sim, em todas as sessões Não
generosidade, alegria empática, compaixão
etc. Sim Não
Clarificação de Valores Sim Não
Journalings Sim Não
Meditações relacionadas a seres sencientes e Sim Não
ambiente natural
comportamentos relacionados aos temas vistos nas sessões e a busca por clarificação de
valores autênticos nos participantes.
Atividades em detalhes
A seguir, avançamos com uma descrição detalhada das atividades, seus objetivos,
duração e resultados gerais observados ao longo das 4 sessões. Após esta descrição genérica,
aprofundaremos as discussões mostrando as intervenções específicas de cada sessão, assim
como seus resultados obtidos.
Drop In
Todas as sessões começam pela atividade chamada de Drop In. Esta atividade tem
por objetivos: a. gerar um sentimento de boas-vindas nos participantes; b. Incentivar a
conscientização dos participantes sobre seu estado emocional; e c. Definir a atitude correta
nos participantes para todas as atividades da reunião. Para que estes objetivos sejam
alcançados, as atividades realizadas são o acolhimento aos que chegam, este sendo realizado
pelo facilitador e pelos assistentes de pesquisa. Após o início da sessão, o facilitador faz um
breve questionamento de como os participantes estão se sentindo e os convida a receber com
abertura e gentileza qualquer emoção que ali estiver. Na sequência, estimula aos participantes
que busquem ter uma atitude de abertura, presença e gentileza em relação a si e aos outros
participantes. Se trata, essencialmente, de começar a estimular de forma verbal o contrato
pedagógico entre os participantes: uma atitude adequada (i.e., estado de presença, com
abertura, gentileza e curiosidade) para que a sessão possa transcorrer de maneira cordial,
funcional e objetiva.
De forma geral, esta atividade funcionou muito bem em todas as sessões e
parecia determinar o tom atitudinal da sessão. Como os participantes vinham de um dia de
trabalho corporativo – com todas as pressões, preocupações e entregas a serem realizadas –
era fundamental criar um momento de transição entre o que foi e o que viria, trazendo assim
maior estado de presença para a sessão. Para reforçar o estado de presença, abertura e
gentileza à sessão, a próxima atividade tinha importância fundamental.
Motivação consciente
A atividade seguinte intitulada motivação consciente tem por objetivo estimular uma
atitude adequada nos participantes para todas as atividades da reunião composta de abertura,
gentileza e de uma intenção consciente sobre o que buscamos ali: nos desenvolver e sermos
159
uma força para um bem maior. Esta atividade possui dois momentos principais: a meditação
do espaço de três minutos e o estabelecimento da intenção para o dia.
Na primeira atividade o facilitador começava por convidar a todos a praticarem a
meditação do espaço de três minutos (M. Williams & Penman, 2011). Esta prática é derivada
do MBCT e explora mudanças de consciência, trabalhando tanto a atenção focada quando a
mais ampla. Cada passo do Espaço de Respiração de Três Minutos tem aproximadamente
um minuto de duração, seguindo este protocolo: (1) Fechar os olhos, estabelecer uma postura
com a coluna ereta e fechar os olhos. Com gentileza, atender ao que se apresenta, isto é,
convidar o indivíduo a participar amplamente da experiência, notando-a, com abertura e sem
julgamentos: Quais são os pensamentos que se apresentam? Que emoções estão ocorrendo?
Quais sensações físicas estão presentes? (2) No segundo minuto, o segundo passo restringe
o campo de atenção a um foco único, a respiração: direcione sua atenção agora às sensações
físicas da respiração; 3) Atenda ao corpo, onde amplia-se a atenção novamente para incluir
o corpo como um todo e todas as sensações que estão presentes: inclua o corpo como um
todo e expanda a atenção para perceber as características presentes no ambiente, como sons
e temperatura.
Esta prática serve para se induzir o estado de mindfulness de forma breve, assim,
permitindo que nesse momento possamos gerar a intenção para o dia. Poucos segundos após
completar três minutos, inicia o segundo momento desta atividade: instruiu aos participantes
a se perguntarem silenciosamente o que buscam ali e os convida a estabelecerem uma
intenção de desenvolver em si uma atitude de abertura e gentileza a sessão, a si e a todos os
presentes. O facilitador usava um timer e um sino para controlar o tempo das atividades e da
meditação e a transição para o estabelecimento da intenção. Esta atividade possui ao todo
cerca de 5 minutos de duração. Apesar da brevidade, é de extrema importância e o facilitador
deve ter a experiência e sensibilidade para sentir se esta atividade deve ser prolongada em
caso de necessidade.
Esta atividade se mostrou fundamental para reforçar a atitude gerada na fase de
acolhimento e para possibilitar uma melhor transição entro o dia de trabalho e a sessão da
semana. Estabelecer uma intenção consciente é uma prática budista antes de qualquer prática
religiosa, em especial nas práticas de meditação (Nhat Hanh, 2017). Uma intenção é um
princípio norteador de como você deseja ser, viver e aparecer no mundo, seja durante
meditação ou em qualquer área da sua vida.
Trazer esta prática para o programa se mostrou muito acertado pois estimulava uma
das principais características do desenvolvimento de mindfulness: agir com consciência sobre
160
o propósito da ação e refletir sobre sua provável consequência. Estabelecer uma intenção
funciona como uma bússola que nos guia e nos alerta quando nos desviamos da rota e isto
servia a cada encontro para estimular a atitude para o desenvolvimento das qualidades que
tema central de cada encontro pedia. Com o estado de mindfulness e a intenção para o dia
elaborada, o facilitador está apto a contextualizar a sessão do dia, estabelecendo uma relação
lógica da sessão com a sessão anterior e com o objetivo do protocolo.
Contextualização
Esta atividade em torno de 10 minutos e tem por objetivo contextualizar a sessão do
dia, seu tema e práticas que são abordadas com a sessão anterior, com a próxima sessão e
com todo o programa. Assim, evitamos o risco de que as sessões sejam entendidas de forma
fragmentada e descontextualizada, um dos maiores problemas educacionais de nossa época
que dificuldade a aprendizagem (Morin, 2011). Desta forma, o facilitador apresenta o dia e
seu tema central em contexto, estabelecendo uma relação lógica com o programa todo.
Como exemplo, interdependência se relaciona com mindfulness e compaixão na
medida em que quanto maior for nosso estado de mindfulness e propensão à compaixão, mas
conscientes estaremos do impacto que causamos na sociedade e nos sensibilizamos com a
oportunidade de beneficiar os seres e não causar sofrimento. Para isso, o facilitador usa a
projeção de um slide onde mostra os encontros, suas datas e os temas específicos de cada
encontro. Assim, em todos os encontros os participantes veem os temas de cada sessão a sua
relação com todos os outros.
Esta atividade se mostrou muito benéfica e mantinha a atenção dos participantes e
dos assistentes de pesquisa ao contexto maior do programa e não apenas ao dia da sessão.
Em verdade, uma das percepções que tivemos foi que contextualizar a sessão trazia maior
percepção de relevância da mesma, pois mostrava como ela era uma evolução da sessão
anterior e serviria de base para a próxima sessão.
O próximo passo do programa é avaliar como foi a semana anterior14 em relação às
práticas de meditação e outras ações conscientes. Se as práticas de meditação não estão sendo
feitas, o desenvolvimento dos participantes e os ganhos atitudinais e comportamentais
advindos do maior nível de traço de mindfulness fica comprometido.
14
No caso de ser a sessão 2, 3 ou 4. A Sessão 1 tem suas especificidades e são detalhadas mais adiante
da descrição da sessão 1.
161
Pequenas vitórias
Esta atividade tem a duração estimada de 15 minutos e tem por objetivo avaliar como
foi a frequência das práticas de mindfulness realizadas na semana anterior, assim como cada
participante as vivenciou e se foram percebidas mudanças em alguma habilidade (e.g.,
concentração), atitude ou comportamento. Todas estas informações devem estar registradas
no diário de prática online deles. Assim, são instruídos previamente a trazer este material
para os encontros.
Outro objetivo desta atividade é gerar apoio mútuo e engajamento com as práticas.
Os participantes são divididos em duplas ou trios seguindo para que possam conversar entre
si. Este compartilhar da experiência da semana anterior visa gerar empatia e suporte,
repercutindo em engajamento, visto que na sessão posterior provavelmente os que não
realizaram todas as práticas possam se sentir mais motivados e hábeis a praticar a partir da
experiência bem-sucedida de outros membros. Desta forma, estas perguntas são feitas pelo
instrutor para nortear as trocas em grupo: Quantas vezes você meditou?; Como você se sentiu
durante a prática ?; O que surgiu durante a prática?; Como você reagiu a isso?; O que você
fez para superar obstáculos?; As práticas influenciaram sua vida pessoal e profissional?
Você notou algo novo em sua atitude ou comportamento ao longo da semana?
É importante frisar que o nome desta atividade foi propositalmente chamado de
pequenas vitórias (small wins). A experiência anterior em outros workshops do facilitador
fez com que percebesse que celebrar pequenas mudanças traz mais motivação ao processo
de mudança e isto encontra embasamento na literatura (Duhigg & Mantovani, 2012; Maurer
& Hirschman, 2013). Como essencialmente estamos falando de uma mudança de hábito,
pequenas mudanças constantes trazem benefícios imensos em médio e longo prazo e isso
merece ser celebrado e compartilhado. Desta forma, era importante destacar que não fazer as
práticas diariamente não poderia ser motivo de desmotivação e sim o foco deveria ser o que
foi feito e como podemos fazer melhor da próxima vez.
Após 9 minutos de conversa em grupo, os participantes são convidados a compartilhar
para a sala os principais pontos de destaque da conversa, devendo focar sua explanação em
pontos em comum e insights que tiveram ao ouvir os colegas. Nesse compartilhar público
cada dupla ou trio deveria escolher um porta-voz e destacar pontos de similaridade entre eles
ou qualquer informação que julguem relevantes e benéficas trazer ao plenário.
De fato, nas sessões 2, 3 e 4 esta atividade foi fundamental para que os participantes
possam conhecer e reconhecer na dificuldade alheia de se engajar com disciplina na prática
de mindfulness ao longo da semana anterior um pouco de sua própria dificuldade. Este fato
162
trouxe uma sensação de comunidade e natureza em comum. Um ponto negativo foi perceber
que o diário online de registros de práticas (ver apêndice X) não foi utilizado pela maior
parte. Neste ponto, temos poucos registros, pois apenas 4 participantes registraram
informações e nenhum registrou informações referentes às quatro semanas.
Outro importante aprendizado é que além das meditações - que muitos destacaram
terem dificuldade de fazer diariamente - parte do comportamento na vida pessoal e de
trabalho era compartilhado. Neste ponto, mudanças já começaram a ser percebidas em nível
pessoal e principalmente relacionadas ao autocuidado, especificamente relacionadas a
priorizar coisas e dar mais espaço na vida para elementos de outras áreas da vida além do
aspecto profissional. Importante destacar que os diários de campo ilustram que as discussões
em grupo eram entusiasmadas e que no momento do compartilhamento em plenário muitos
participantes faziam anotações sobre a experiência compartilhada de outros grupos. De fato,
esta atividade foi superior a 15 minutos tendo durado 25 minutos na segunda sessão, 20
minutos no terceiro e 20 minutos na quarta sessão. Este comportamento ilustrava um
engajamento em relação ao processo e interesse na experiência alheia.
Uma vez que todos estavam agora cientes sobre como foi a experiência da semana
anterior dos participantes, na sequência mais uma vez nos dedicávamos à prática da semana
anterior. Assim, iniciávamos a primeira meditação mais longa e formal da sessão.
Práticas de Mindfulness da semana anterior
A sequência natural é, após a discussão, praticar mais uma vez. Desta forma, esta
atividade visa: a. Fortalecer o estado de mindfulness; b. Melhorar a prática dos participantes;
c. Desenvolver habilidades cognitivas e emocionais que servirão de base para d. Promover
atitudes e comportamentos sustentáveis.
Tais objetivos visam desenvolver atitudes e comportamentos positivamente
relacionados à sustentabilidade e proporcionar impacto positivo nas habilidades cognitivas e
emocionais dos participantes. O protocolo de condução destas práticas segue o padrão o
mesmo padrão de meditação guiada usada na semana anterior segundo o modelo intenção,
atitude e atenção (Shapiro, Carlson, Astin, & Freedman, 2006): no início, a intenção para a
prática será lembrada e ao longo desta, o facilitador destaca a necessidade de uma atitude de
abertura, não julgamento e curiosidade às sensações, emoções e pensamentos que surgem e
vão. Assim, a cada encontro, a meditação principal da sessão anterior era praticada mais uma
vez na sessão posterior.
Os resultados apontam que esta atividade se seguia de forma bastante natural às
discussões e traziam aos participantes uma curiosidade à prática devido a terem ouvido e
163
compreendido as dificuldades e impactos que a prática teve nos outros participantes. Assim,
uma atitude de maior abertura havia sido estimulada para que possamos mais uma vez
práticas e reforçar os músculos da atenção plena.
Como de costume, após uma prática de mindfulness abrir espaço para feedbacks é
muito benéfico para o esclarecimento e dúvidas e eventuais insights que os praticantes
queiram realizar. Desta forma, a próxima atividade proporciona mais uma vez esta
oportunidade.
Feedbacks sobre a prática da semana anterior
Esta atividade tem a duração prevista de até 10 minutos e depende fundamentalmente
do engajamento do grupo. O objetivo é mais uma vez esclarecer dúvidas e apontar meios
hábeis para que os participantes possam evoluir na sua prática pessoal. Assim, espera-se
esclarecer dúvidas sobre a prática e gerar encorajamento, aperfeiçoando as habilidades na
meditação dos participantes, melhorando sua autoconsciência e, também, a consciência das
dificuldades comuns que surgem a todos ao longo da prática.
O protocolo se dá desta forma: o facilitador separa o grupo em duplas ou trios para
mais uma vez – por 5 minutos - os participantes compartilharem como foi a experiência.
Após a formação das duplas ou trios, o instrutor realiza algumas perguntas para servirem de
guia para a troca: Como foi a prática? O que surgiu? Você notou quando se afastou? Como
você respondeu a isso? Você manteve uma atitude de curiosidade? Abertura? Não
julgamento? Após a troca, os participantes são convidados a compartilhar sua experiência e
insights com o grupo.
Os resultados indicam que esta atividade tende a reproduzir feedbacks dados na fase
de pequenas vitórias, trazendo redundância. Como os feedbacks da prática já ocorreram na
sessão anterior quando ela foi realizada na primeira vez e na atividade de pequenas vitórias,
esta atividade foi excluída nos encontros 3 e 4 proporcionando mais tempo para outras fases
que demonstraram mais engajamento nos participantes como a atividade de pequenas
vitórias.
Intervalo
O primeiro intervalo tem a duração de até 10 minutos possui como objetivo
proporcionar um pequeno descanso, atualização nos participantes quanto a eventuais
comunicações por ser um dia útil de trabalho e ida a banheiros caso necessário. O facilitador
orienta os participantes a permanecerem conscientes (mindful) e presentes o quanto possível,
evitando se dispersar e que deveriam estar de volta em 10 minutos.
164
De fato, este momento de mostrou muito útil para que os participantes se atualizassem
e claro, buscassem se alimentar ou ir ao banheiro. Como são executivos em um dia de
trabalho, a primeira reação usualmente era pegar nos celulares e checarem seus caixas de
mensagens. O tempo de 10 minutos era sempre seguido por todos, o que não foi surpresa por
ser um grupo corporativo e habituado a trabalhar com prazos. O próximo passo da sessão
seria o tema central e era importante que todos estivessem atentos e presentes.
Tema da Sessão
Esta atividade tem 30 minutos estimados e tem como objetivos fornecer as bases
conceituais e filosóficas do tema do dia por meio de exposição dialogada do facilitador e
também de forma vivencial, trazendo alguma experiência ao participante para que melhor
possa apreender – cognitiva e afetivamente - o conceito da sessão e sua relação com os
conceitos vistos nos outros encontros. Assim, buscamos reforçar cognições, atitudes e
mudanças de comportamento positivamente relacionadas à sustentabilidade. Neste momento
o uso de projeção de slides ou vídeos com conceitos e reflexões sobre o tema servem de
auxílio didático.
O protocolo desta atividade segue um modelo educacional que tendo a trazer mais
resultados cognitivos e afetivos. Começamos pela meditação do espaço de três minutos
descrita anteriormente. Esta prática serve para voltar a consciência ao momento presente e
induzir um estado de mindfulness para uma atividade posterior: a teorização e exercício
relacionados, com cerca de 25 minutos de duração. Os temas e exercícios aqui usados são
específicos de cada sessão e detalharemos as especificidades mais adiante. O comum a esta
atividade em todos os encontros é o protocolo: meditação de 3 minutos, exposição dialogada
contextualizando o tema com o programa e um exercício mais vivencial que aplique o que
foi visto.
Os resultados apontam que esta atividade é de fundamental importante e o facilitador
tem que possuir não apenas domínio conceitual dos temas, mas didática para contextualizá-
los e aplicá-los por meio de um exercício prático. Esta experiência visa gerar um aprendizado
que vai além do cognitivo, trazendo o que se chama de aprendizagem afetiva, impactando na
atitude dos participantes (Stanszus et al., 2017). Como os participantes estão sensibilizados
pela exposição e experiência prática, os participantes terão a oportunidade de registrar suas
sensações, pensamentos e emoções em um exercício de journaling.
Journaling
A prática de journaling tem em torno de 12 minutos de duração e almeja levar os
profissionais a entrarem um nível mais profundo de reflexão e identificar ações concretas a
165
serem realizadas de acordo com o tema abordado (Hubbs & Brand, 2010). São questões que
estimulam inicialmente a reflexão dos participantes sobre sua condição atual (crenças,
atitudes e comportamentos) em relação ao tema visto, mas também visam estimular seu
engajamento em relação ao tema. Assim, todo journaling é sempre finalizado abrindo espaço
para que ele possa elaborar alguma ação a ser realizada em sua vida pessoal e profissional.
Obviamente, a cada encontro o journaling é diferente e será descrito mais adiante no
detalhamento dos encontros.
Algumas instruções são dadas aos participantes e são comuns a todos os encontros:
(a) O journaling é um processo pessoal. Suas anotações são privadas; (b) O participante
deverá escrever e não bloquear o fluxo da escrita. Assim, será enfatizado que estes devem
apenas começar a escrever, independente de se ter uma ideia fechada sobre o que responder;
(c) São apresentadas questões e terão um tempo de 3 minutos para responder a cada uma
delas. Aqui, o instrutor deve avaliar se a maioria está pronta para passar para a próxima
questão e pode decidir seguir para a próxima ou esperar; (d) Uma batida de sino sinaliza que
a primeira questão será apresentada e que podem iniciar o journaling; (e) Uma nova batida
após 3 minutos ocorre, sinalizando que a segunda questão será apresentada e assim se faz até
finalizar o exercício; (e) Duas batidas consecutivas ao final indicam o fim do journaling; (f)
Após as duas batidas, os participantes podem reler as anotações, fazer novas anotações ou
apenas ficar em silêncio por 3 minutos consciente de suas sensações, pensamentos e emoções
com abertura, curiosidade e não julgamento.
Os resultados apontam que esta atividade foi uma das mais marcantes de todo o
protocolo na perspectiva dos participantes e também dos assistentes de pesquisa. Os
assistentes de pesquisa foram convidados a participar tal como foram das meditações por
dois motivos: se beneficiarem das reflexões e não serem um ponto de tensão observando os
participantes neste momento, gerando potencial distração e prejudicando os resultados. De
fato, na avaliação geral do protocolo 4 dos 12 participantes apontaram que gostariam de
continuar a fazer journaling após o fim do programa. Em conversas com os participantes, os
assistentes de pesquisa apontaram que todos eles avaliaram esta prática como benéfica e que
proporcionava importantes insights sobre si e ajudavam a criar ações coerentes com as
reflexões que tiveram.
Após a finalização do exercício, seguimos para a próxima atividade: a conversa
consciente. Esta atividade se dava de forma fluida pois agora a intenção é que mais uma vez,
os participantes possam reconhecer nos outros características comuns a si.
166
Conversa Consciente
A prática de conversa consciente (Tan, 2014) visa treinar a atenção empática e nossa
capacidade de fala consciente, além de permitir aos participantes compreender a realidade do
outro a partir da narrativa do outro. Assim, o objetivo desta atividade é estimular atitudes e
comportamentos positivamente relacionados à sustentabilidade (e.g., empatia,
autoconsciência) a partir da experiência compartilhada do outro.
Esta atividade segue este protocolo: consiste em dividir o grupo em trios, onde cada
um vai compartilhar o que julgar pertinente e construtivo a partir da prática do journaling.
Quando alguém estiver em sua hora de falar, o outro se coloca aberto ao que é falado,
adotando uma atenção gentil e oferecendo a quem fala a dádiva de sua atenção plena (mindful
listening) sem interrupção. Em seguida, os papeis são trocados e ao final, uma livre troca
entre os interlocutores acontece (free-flow conversation). Após o tempo estipulado para esta
tarefa (25 minutos), o instrutor convida os trios a compartilharem com o grupo seu
aprendizado com o plenário.
Os resultados apontam que esta atividade mais uma vez se mostra muito benéfica pois
os participantes se beneficiaram de algumas formas: (a) puderam compartilhar elementos que
julgaram relevantes e muitas vezes se colocaram de forma vulnerável perante outros
participantes; (b) puderam perceber inseguranças e reflexões relevantes nos outros
participantes mais uma vez trazendo a eles a reflexão de uma natureza humana em comum,
fundamental para o desenvolvimento de autocompaixão (Germer & Neff, 2013); (c ) puderam
conhecer algumas ações que outros participantes elaboraram a partir do journaling e se
inspirar nelas; e (d) ao compartilharem algumas ações relacionadas ao tema que elaboraram
para serem realizadas, criavam um compromisso público mesmo que para um grupo pequeno
de as realizar. O próximo passo é compartilhar em plenário o que conversarem nos trios. Este
passo mais uma vez reforça a troca entre participantes, só que agora em maior escala.
Discussão em Grupo
Esta atividade possui até 15 minutos e visa estimular a reflexão em grupo, de forma
aberta, sem julgamentos, sobre a experiência da conversa consciente e do journaling. Assim,
encoraja-se a escuta empática e consciente entre os participantes, o aprendizado uns com os
outros e o fortalecimento do senso de confiança e comunidade no grupo. O facilitador
estimula a discussão por meio destas perguntas: Que insights ocorreram com o journaling?
E na conversa consciente? A partir das respostas, o instrutor conduz a discussão de forma a
trazer aprendizados relacionados ao papel de incorporarem os aprendizados e ações que
surgirem em suas vidas pessoais e profissionais.
167
15
Abordaremos em detalhes na discussão da Sessão 2 – Interdependência.
16
Para cada sessão, havia uma ou até duas práticas diferentes. O protocolo de condução destas práticas
está detalhado no tópico relacionada a esta atividade no detalhamento do que se sucedeu em cada dia.
168
Uma vez que a prática da semana foi instruída e praticada, seguíamos para outra
prática formal intimamente relacionada a mindfulness dentro de uma perspectiva budista: a
meditação da compaixão.
suas experiências e reflexões, além de reforçar com o grupo a intenção de se tornar um líder
para a sustentabilidade. Destaque que neste momento todos estão ainda com o efeito induzido
da meditação da compaixão.
Passo a passo, o facilitador segue este padrão: (a) Forma um círculo com o grupo e
todos de pé. O círculo simboliza comunidade, inclusão e nivelamento; (b) agradece a todos
pela presença e por buscarem a melhor atitude ao longo do dia; (c) explicar sobre a
necessidade da prática diária para uma transformação interna duradoura; (d) avisar que as
atividades para a semana são enviadas por e-mail e da importância da manutenção do diário
de pratica (online); (e) o facilitador reforça a intenção dos participantes de voltarem suas
vidas pessoais e profissionais para uma direção mais responsável, compassiva e sustentável;
(f) O facilitador pede a cada um para em sequência expressasse em uma palavra o que sente
no coração; (h) Libera a classe.
Resultados desta atividade apontam que este foi um dos momentos mais marcantes
para os participantes e com alta carga emocional. A formação do círculo de fato influenciou
positivamente o grupo e nos relatos dos participantes há alguns que destacam este momento
como “mágico”. De fato, as palavras que surgiam foram um bom termômetro para se
perceber o estado emocional dos participantes e a construção de confiança em um grupo.
Como avaliação geral das atividades, a elaboração prévia da sessão prototípica trouxe mais
planejamento sem engessar o programa, pois tivemos a flexibilidade de adaptar atividades e
durações para o melhor andamento do processo.
Neste tópico, vamos analisar o programa focando nas atividades pedagógicas acima
listadas por meio da percepção dos participantes, dos assistentes de pesquisa e do próprio
facilitador. O que vemos é um grupo em formação, inicialmente cético quanto ao programa
que ao final das quatro sessões, mostraram-se mais integrados e até saudosos, ávidos por um
segundo programa.
Os resultados apontam que na medida em que o programa era conduzido, uma
confiança maior foi sendo gerada tanto nos participantes, quanto nos assistentes de pesquisa
e mesmo no facilitador em relação a qualidade do mesmo e aos resultados. Uma montanha
russa de emoções, reflexões e adaptações, diferenciando todo o processo de um método
experimental tão comum em pesquisas intervencionistas.
171
Nesta linha, o progresso das sessões ocorreu cercado de incertezas e desafios, que
foram acolhidos com a flexibilidade e abertura que uma pesquisa social de base qualitativa
nos convida. A incerteza – um dos pressupostos epistemológicos relevantes no
desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa de inspiração etnográfica - nos acompanhou
do início ao fim e podemos destacar três fatores principais: (1) a própria rotina profissional
dos participantes, que ora precisaram viajar a trabalho se ausentando de algumas sessões ou
se atrasar; (2) a saúde do facilitador, que enfrentava o desafio de lidar com uma bactéria que
insistia em abatê-lo moral e fisicamente, levando a perda de 6 quilos em um mês e a
necessidade de postergar o programa por uma semana17; (3) as reações dos participantes ao
andamento do programa, que sendo registradas pelos assistentes de pesquisa e mesmo pelo
facilitador, levariam a alterações no protocolo inicial pensado para a ação social.
Vamos agora detalhar os pontos principais de cada sessão, destacando as
especificidades de cada sessão e as percepções sobre os resultados de cada sessão no ponto
de vista de dinâmicas e estratégias pedagógicas utilizadas.
A primeira sessão ocorreu após o seu adiamento em uma semana no dia no dia 17 de
outubro de 2018 das 16 às 20 horas na sede principal da empresa em San Francisco. A
debilidade física do facilitador era visível, pois houve uma perda de 6 quilos em relação ao
período das entrevistas que ocorrera 30 dias antes. De fato, até a sessão 2, o facilitador lidava
com a questão de saúde e para esta sessão, teve que suspender 24 horas antes a medicação
para dor pois afetava sua capacidade cognitiva por ser um opioide.
A sessão ocorreu em uma das salas de treinamento na sede da empresa no centro de
San Francisco. A sala é confortável, ampla, aproximadamente com 50 metros quadrados e
composta por 5 mesas com 6 cadeiras cada uma. A temperatura é baixa e existem muitos
dispositivos tecnológicos, como projetores, acesso à internet, microfone e iluminação
adaptável. Como norma da empresa, não é permitido captar imagens ou sons dos
treinamentos.
17
Isto levou a um evento de confraternização entre os participantes na data original de início do
programa. Este evento teve duração de 1 hora e foi chamado como sessão 0 – meet and greet. Não havia um
protocolo para isto visto que o cancelamento foi decidido 24 horas antes da primeira sessão. Entretanto, este
encontro foi importante para que os assistentes de pesquisa conhecessem o local e alguns dos participantes e já
treinassem a redação dos diários de campo.
18
Para conhecer as intervenções em detalhes e exercícios sugeridos para a semana seguinte à sessão
1, ver Apêndices B e C.
172
Especificidades da Sessão 1
Tal como descrito anteriormente, esta sessão tinha por objetivo central apresentar os
fundamentos teóricos do programa, levando uma visão eticamente informada de mindfulness
em conjunto com compaixão, além de trabalhar a questão dos valores pessoais como base
para uma vida mais autêntica e consciente. O quadro 13 apresenta as principais
especificidades desta sessão na ordem cronológica de suas ocorrências da sessão:
Quadro 13 - Especificidades da sessão 1
Atividades Especificidades Objetivos
Atenção ao corpo e a
Desenvolver o estado de mindfulness e
Práticas de Mindfulness respiração e
habilidades de regulação atencional e
emocional
173
A sessão em detalhes
que muitos participantes neste momento assentiam, sorriam e ouviam atentamente. Minha
intenção era mostrar que há sofrimento, use terno ou roupa esfarrapada. Há sofrimento e isso
faz parte da existência e há meios hábeis para compreender como lidar com isso e vamos
juntos explorar esta questão: o sofrimento em nós, nos outros e no planeta.
Na sequência, buscamos mostrar que ao longo do programa, nossa atitude impactará
diretamente o que vamos obter dele. Gentileza a si e aos outros, gratidão a si e aos outros por
proporcionarem aquele momento e abertura ao que se apresentar. Assim, esta gentileza,
aceitação e curiosidade ao momento presente já seriam uma prática de mindfulness. Eu senti,
como facilitador, que o grupo começava a confiar em mim e na minha genuína intenção de
oferecer um programa que possa ser benéfico a eles. O processo educacional já começava a
nascer, por meio de uma atitude positiva em relação ao facilitador, sua equipe e ao momento
presente.
Os aprendizados com esta atividade são claros: uma primeira impressão positiva pode
trazer confiança e confiança gera abertura e engajamento. De fato, uma das principais
pesquisas relacionadas a equipes de alto desempenho indica que a construção de segurança
psicológica proporciona mais aprendizado e engajamento (Good et al., 2015). Nossa
avaliação que essa primeira atividade do programa foi muito positiva, e fundamental para
pavimentar o caminho das atividades e sessões seguintes.
muito sentido aos participantes e buscava levar a uma reflexão: se não estamos conscientes
sobre o porquê fazemos o que fazemos, quem está liderando nossas vidas? Aqui, mais uma
vez, abrimos espaço para um dos maiores resultados obtidos deste programa: reflexões de
direções de vida e de valores.
Contextualização
A atividade seguinte buscava - como destacado anteriormente - mostrar como o
programa estava desenhado e como as sessões se encadeavam. Assim, uma linha do tempo
com as sessões, seus temas e suas datas. Fundamental nesta atividade mostrar como
mindfulness se relaciona com os outros construtos e possui benefícios não apenas individuais,
mas sociais e ambientais.
Esta atividade foi replicada em todas as sessões e serviu para enfatizar que
mindfulness nos ajuda não apenas a reduzir o estresse, mas a caminhar pela vida mais
alinhada aos nossos valores, a liderar com sabedoria e, espera-se, com compaixão. O nível
de atenção foi alto e os participantes reagiram bem a este momento.
Tema da sessão: Mindfulness e Compaixão
O tema da sessão 1 foi, então, apresentar e aprofundar o conceito de mindfulness e
compaixão. Aqui focamos em alguns pontos importantes: mostrar que mindfulness não é
apenas uma prática de meditação, mas também seu resultado; apresentar a diferença entre
estado de mindfulness e traço de mindfulness; mostrar a importância da prática para o
desenvolvimento do traço de mindfulness que irá nos proporcionar os efeitos mais
duradouros. A mensagem principal é: mindfulness deve ser cultivado. Assim, os resultados
deste cultivo que se dá por meio das práticas de mindfulness nos proporcionam alterações de
visão de mundo, de ser e agir com nós mesmos e os outros.
A perspectiva de mindfulness apresentada nesta atividade se alinha a autores que
veem mindfulness como um elemento eticamente baseado em responsabilidade e
discernimento (Shapiro et al., 2006) e relacionado a compaixão. Assim, ficava claro o
posicionamento ético filosófico do programa e o distanciamento de uma perspectiva de
mindfulness apenas como técnica para relaxamento e redução de estresse. Importante
destacar que para Steve, isso causou estranhamento, tendo ele se manifestado e perguntado:
“Então a intenção de se fazer mindfulness não é aliviar o estresse?”. Facilitadores que
planejem oferecer programas de mindfulness mais alinhados a segunda geração (Van Gordon,
Shonin, & Griffiths, 2015) devem estar preparados para este tipo de estranhamento. A
resposta dada ao questionamento usou de uma citação de um professor Bill George da
176
Harvard Business Review onde mostra a relação entre mindfulness, valores e ação no
mundo19 e abriria espaço para uma discussão mais aprofundada sobre valores mais à frente
na sessão.
Não nos aprofundamos neste momento em compaixão como era a ideia original, pois
achamos que seria melhor deixar sua teorização para antes do momento de sua prática, nos
momentos finais da sessão. Esta decisão se mostrou acertada pois criou espaço para uma
maior discussão sobre a relação (e importância) entre prática de mindfulness, estado de
mindfulness e traço de mindfulness. Aqui, discutimos em detalhes os fundamentos da prática
de mindfulness que permeiam todas as variações de práticas: estabelecer uma intenção
consciente para a prática, escolher um foco atencional, perceber que se distraiu, aceitar e
permitir que seja assim, voltar ao objeto de atenção.
Um ponto que ficou claro e trouxe surpresa é que ver mindfulness como uma
qualidade mental mais estável (traço) ou momentânea (estado) resultado da prática era algo
pouco compreendido. Assim, ficou claro que para a maior parte dos participantes,
mindfulness era predominantemente visto como uma prática de meditação que proporciona
alguns efeitos, entre eles, redução de estresse majoritariamente.
Prática Guiada de Mindfulness: Atenção ao corpo e a respiração
A atividade seguinte surge de forma natural, a primeira prática formal: Atenção ao
corpo e a respiração por cerca de dez minutos. Esta é usualmente a primeira prática formal
utilizada em programas de mindfulness (Williams & Penman, 2015) por apresentar elementos
mais tangíveis para se focar a atenção. O diário de campo de Jonas aponta que esta prática
foi bem-sucedida e o estado de mindfulness foi induzido:
Feedbacks da prática
Interrompemos o silêncio seguindo o protocolo, pedindo que se dividam em grupos.
Três grupos foram formados com cerca de 4 integrantes em cada um deles e cada um tinha 2
19
“Quando você está atento, está ciente de sua presença e de como afeta outras pessoas. Você
reconhece as implicações de suas ações a longo prazo. Isso impede que você entre em uma vida que o afasta de
seus valores”.
177
minutos para falar sobre a prática. Instruímos que compartilhassem o que sentiam ser
confortável e que quando um está falando, o outros permanece em silêncio com atenção
plena. As perguntas norteadoras para a discussão foram: Como foi? Você notou quando
divagou?; Como você respondeu a isso?; Você manteve uma atitude de curiosidade?
Abertura? Não julgamento?
Esta atividade trouxe alguns aprendizados sobre o grupo e sobre a forma como lidam
com a própria tentativa de se manter o foco sobre algo. Corroborando a literatura, os
participantes compartilharam que a prática trouxe um relaxamento e suas tentativas de
estabelecerem um foco e perceberem sua mente divagar (Kabat-Zinn & Nhat Hanh, 2009).
Entretanto, o diário de campo da sessão traz Claudia compartilhando como há dificuldade de
lidar com esse fato e isto transcende o momento da prática de meditação:
“Foi como uma pausa de qualquer atividade física e mental ... o começo
foi mais calmo e estável na segunda parte, eu pude ver pensamentos que
eu estava tendo durante o dia e provocou um sentimento de culpa ... Em
um momento que era para ser mim. Quanto mais tentamos focar, não
apenas nessa prática, mas na vida há um sentimento de culpa por não ser
capaz de focar."
Essa ideia do sentimento de culpa é muito importante, pois parece vir de uma
expectativa de se manter padrões quase inexequíveis de performance, muito comum em
ambientes corporativos. Aqui, já vemos sementes de aflição que permeiam muitos momentos
e transcendem a prática de meditação. Este padrão de expectativas se mostrou muito comum
entre os participantes. Conforme visto na literatura de qualidade de vida no trabalho
(Ehrenberg, 2016; Sangar, 2019) sugere, este é um dos temas recorrentes apontados como
causas de ansiedade e estresse. Importante registrar que quando os participantes falavam
sobre a divagação da mente, usualmente abordam que a divagação está relacionada ao
trabalho, como a pressão de tarefas a fazer e objetivos a alcançar, corroborando esta
tendência.
Após 10 minutos, peço ao grupo que compartilhassem em plenário agora suas
impressões. Muitos participantes tiveram um discurso em comum: dificuldade de sustentar a
atenção, um sentimento de frustração com isso e como a mente divaga para questões
relacionadas ao trabalho. O engajamento da discussão foi alto e a conclusão foi que ela foi
fundamental para termos alguns aprendizados e reflexões.
A dificuldade de se ter uma atitude ao próprio divagar da mente pode ser sintoma de
uma dificuldade em não atingir padrões de performance, o que para a cultura vigente no
mundo corporativo, faz muito sentido. Outro ponto compartilhado entre quatro dos
178
participantes é que tinham feito antes o programa Search Inside Yourself (Tan, 2012),
regularmente oferecido pela empresa e que o programa um mês após o término não tinha
surtido grande efeito. De fato, já terem participado de um programa de mindfulness antes não
significa que tenham necessariamente compreendido as bases teóricas do tema como
percebemos na atividade anterior, nem tampouco desenvolvido ou ao menos, sustentado as
habilidades de mindfulness como aceitação e não julgamento. Isso pode ser reflexo de algo
maior, não restrito a capacidade cognitiva, mas ao próprio modelo mental, crenças sobre
como se deve ser e agir. Surgiu, aqui, um alerta ao facilitador: autocompaixão seria, e foi,
um tema com resistência.
Esta atividade durou mais que o planejado – cerca de 20 minutos – e interromper
antes seria um equívoco. De extremo valor para percebermos o nível das habilidades de
mindfulness, assim como crenças subjacentes dos participantes que de certa forma nos
fornecem informações que não foram capturadas na fase de entrevistas pré-programa.
Journaling
Esta atividade foi iniciada mostrou que o formato de se fazer uma escrita reflexiva
relacionada ao tema do dia, logo após uma prática de mindfulness, se mostrou acertada.
Seguindo o protocolo, inicialmente guiamos a meditação do espaço de 3 minutos para induzir
o estado de mindfulness e possibilitar mais abertura e presença ao exercício. As perguntas 1
e 2 vêm de minha prática de coaching e buscam gerar uma reflexão sobre sua vida atual tendo
como ponto de vista um momento em que seus valores mais genuínos ainda estivessem
menos influenciados pela cultura. As perguntas 3 e 4 são da teoria U (Scharmer & Kaufer,
2013) e visam aprofundar esta reflexão e trazer maior autoconsciência; as perguntas 5 e 6
criei para estimular reflexões e engajamento relacionadas a mindfulness. Todas estas questões
são usadas na prática profissional do facilitador de coaching há 5 anos.
Os resultados apontam que os participantes se engajaram no exercício e a leitura dos
diários de campo indica que todos os assistentes perceberam – assim como o facilitador –
que o ambiente ficou tenso a partir das questões 2 e 3, notadamente. Isso é bem comum em
minha prática profissional, especialmente ao lidar com clientes executivos. Outro ponto diz
respeito a última questão, onde convido os participantes a pensar em ações concretas que
estimulariam mais mindfulness em suas vidas. Dois diários de campo registram que as
pessoas não escrevem continuamente para esta pergunta em geral em comparação com
algumas das perguntas anteriores. Parece haver aqui, uma dificuldade de se traduzir intenções
em ações. A próxima atividade serve para elucidar estes questionamentos.
179
De fato, André falava por muitos. Embora tenham grandes empregos e todos os
considerem "bem-sucedidos", muitos deles não pareciam felizes ou expressavam forte
felicidade em seus empregos, mas sim estresse e decepção por si mesmos. A questão sobre o
que significa ser mindful também tomou bastante tempo das discussões de acordo com os
registros do diário de campo. Vários participantes disseram que esta pergunta foi difícil, pois
agora viam mindfulness como algo maior que apenas estar consciente se julgamento ao
momento presente. Nas palavras de Timothy:
Esta frase se soma a frase anterior de André e mostra que mindfulness como uma
qualidade mental de consciência com discernimento orientada para o momento presente – e
todos os aspectos de sua vida – começam a serem compartilhados.
A próxima atividade, a discussão em grupo, revelou novos elementos que mostrou
aderência ao que foi observado na conversa consciente. Mark traz uma contribuição que me
sacudiu por dentro e nos fez ter um primeiro insight da tese:
“Eu tive um insight que surgiu depois deste exercício. Eu meio que notei
uma desconexão entre minhas frustrações e meus valores, o que eu amo,
gosto. Nada do que eu disse lá estava ligado às minhas frustrações, o que
me faz questionar minhas frustrações e se elas são derivadas internamente
ou externamente. Estou realmente frustrado? Ou a sociedade está me
dizendo que devo estar?”
180
Assim, podemos apontar que o journaling trouxe de forma inequívoca a questão dos
valores e reflexão de vida. Isso está bem alinhado com a literatura educacional que aborda
esta ferramenta como estratégia pedagógica que fomenta maior autoconsciência e reflexão
(Miller, 2017). As atividades correlacionadas de conversa consciente e discussão em grupo
serviram para elucidar estes pontos relevantes para a pesquisa, mas também para
proporcionar aos participantes um senso de comunidade e de dúvidas e aflições
compartilhadas. Como a discussão em grupo girou em torno do tema valores e o grupo estava
energizado, eu senti que era correto alterar o protocolo inicial e antecipar a próxima
intervenção: o exercício de valores. Essa flexibilidade é fundamental para que o programa
flua de maneira a atender não a um protocolo, mas aos objetivos de pesquisa e aspirações do
pesquisador.
Exercício Valores em Ação
O exercício de valores estava inicialmente planejado para ser a última atividade da
sessão, mas foi antecipado pela força com que o tema surgiu. Este exercício possui 20
minutos e teve por objetivo deste exercício ajudar a clarificar valores e alinhar a conduta de
acordo com eles. A grande contribuição deste exercício foi relacionar valores à mindfulness:
estar consciente de como você está guiando sua vida, do sentido deste caminho e efetuar
correções de rota resultado de maior consciência.
Os resultados apontam que esta intervenção foi uma das mais benéficas. Ela foi
utilizada não apenas na sessão 1, mas também na última sessão 4 e a aplicação em dois
momentos foi recebida de forma muito positiva pelos participantes. Nesta primeira sessão,
serviu para relacionar mindfulness a valores e uma vida com sentido e na clarificação de
valores dos participantes. O registro do diário de campo de uma das assistentes (Selma) traz
uma informação relevante: o facilitador fez o exercício junto com os participantes e isto foi
bem percebido:
181
De fato, após muitos anos de experiência aplicando este exercício, minha sensação é
exatamente esta: se mostrarmos que percebemos benefícios aos participantes por meio de
nosso próprio engajamento, isso os estimula. Todos realizaram o exercício com atenção e
pareciam muito pensativos. Devido ao adiantado da hora, não pude fazer uma rodada de
feedbacks sobre o exercício, mas esta seria uma ação que recomendaria aos pesquisadores.
Nas próximas sessões eu voltaria a explorar este exercício. Os resultados encontrados
posteriormente no registro de campo da sessão 4 e nas entrevistas demonstram o quanto esta
intervenção foi bem-sucedida por cumprir seu objetivo de clarificar valores e estimular ações
alinhadas a estes.
Após o exercício fiz um novo intervalo de 5 minutos que não constava no protocolo.
Eu inseri este intervalo pois estava muito cansado e com forte dor no dente e por instantes
senti tontura. Foi a oportunidade para tomar o antibiótico e também um analgésico antes de
conduzir a sessão para seus momentos finais.
“Então, no último exercício, você seguiu a ordem que você explicou. Mas
você pulou os desafetos. Fiquei ansiosa quando você estava chegando
nessa parte e quando você a pulou, percebi minha ansiedade.”
de todas as palavras dos diários de campo. As palavras sugerem que a primeira sessão foi
bem recebido e estava proporcionando algum benefício aos presentes.
Avaliação da sessão 1
De fato, é avaliação de toda equipe que a sessão correu (muito) bem e os alunos
assistentes estavam muito entusiasmados ao final. Infelizmente na parte final o facilitador
estava com forte cansaço e esgotado fisicamente. Suas dores no dente estavam aumentando
substancialmente. Não escondemos dos participantes que não estava nas minhas melhores
condições pelo contrário, usei como elemento instrutivo para mostrar que não temos controle
de tudo, mas fazemos o nosso melhor.
A atmosfera foi muito cordial. A avaliação da equipe de pesquisa foi que os
participantes eram respeitosos e os alunos estavam tentando registrar o máximo que podiam.
Minha frustração maior é a saúde do facilitador. Dor, perda de peso e de energia. Como não
deixar isso afetar negativamente é o desafio. Uma reflexão pessoal no diário de campo do
184
facilitador foi que deveria mostrar de forma honesta minha vulnerabilidade e o quanto esse
programa deveria ser de todos e não “dele”.
Na avaliação da equipe de pesquisa, a sessão cumpriu seu propósito ao posicionar
mindfulness como uma qualidade mental que pode ser desenvolvida com a prática e que está
diretamente ligada a uma vida mais responsável, significativa e valorosa. A próxima sessão
trataria de interdependência e esta relação mais uma vez seria abordada de maneira mais
experencial e com a intervenção mais comentada por todos os participantes como a mais
marcante de todo o programa.
Sessão 2: Interdependência20
Esta sessão ocorreu no dia 24 de outubro, uma semana após a primeira sessão, no
mesmo local. Havia dez pessoas presentes e os demais informaram que devido à viagem de
trabalho não poderiam estar presentes. Seu objetivo é estimular a atenção plena dos
participantes sobre interdependência. Interdependência é a visão sistêmica que nos fornece a
sabedoria que cada ação tem uma consequência, não apenas em nós, mas no todo e que, por
isso, estamos todos interconectados. É o reconhecimento que estamos continuamente
interagindo com o mundo ao nosso redor, em uma troca mútua (Karmapa, 2018). Assim, esta
sessão se une à anterior no intuito de estimular a atenção plena dos participantes de
oportunidades, momento a momento, de serem compassivos, éticos e responsáveis social e
ambientalmente. As análises dos registros de campo dos assistentes de pesquisa indicam ao
longo da sessão havia uma certa tensão no ar, justamente por trazer à discussão de forma
mais explicita questões sensíveis relacionadas a responsabilidade social, ambiental e
universal.
A seguir, detalhamos suas especificidades.
Especificidades da Sessão 2
20
Para conhecer as intervenções em detalhes e exercícios sugeridos para a semana seguinte à sessão
2, ver Apêndices D e E.
185
teórica, esta sessão trouxe a intervenção mais marcante na perspectiva dos participantes de
todo o programa: o exercício do chocolate que contribuiu para uma maior percepção de
interdependência entre as ações de empresas e mesmo ações individuais e responsabilidade
social. O quadro 14 apresenta as principais especificidades desta sessão na ordem cronológica
de suas ocorrências da sessão:
A sessão em detalhes
Drop In
A sessão iniciou às 16h10, logo após a chegada de todos que confirmaram. Esta
atividade inicial é breve e serviu de acolhimento inicial a todos. O grupo de participantes
assim como o grupo de pesquisa já sabiam seus papeis e como proceder, demonstrando um
comportamento espontâneo. Após a pergunta inicial sobre como se sentiam e respostas curtas
e breves e protocolares, partimos para estabelecer a motivação para a sessão.
Estabelecendo motivação consciente
Esta atividade foi iniciada com a prática de meditação do espaço de respiração de 3
minutos. Isso facilitou o estado de mindfulness e preparou a mentalidade correta para
186
21
Meditou? Com que frequência? Que prática? como a prática afetou sua vida pessoal e profissional
(se houver); Qualquer ação consciente que você tenha realizado e seus efeitos sobre você e outras pessoas
187
que era de outro grupo, anuíram demonstrando que se identificaram com a fala. Esta atividade
também contribui para os resultados obtidos pois serve de oportunidade para que o facilitador
posso colaborar a partir das experiências dos participantes. Por exemplo, foi questionado por
mim neste momento se caso houvesse tempo disponível, eles se permitiriam desfrutá-lo. Os
participantes ficaram calados e alguns sorriram, entendendo que potencialmente haveria
culpa ao fazê-lo.
Prática de Mindfulness da semana anterior: atenção ao corpo e a respiração
A Prática de Atenção à Respiração foi realizada pelos participantes com respeito e
engajamento. Os registros dos diários de campo indicam que o grupo de presentes se mostrou
receptivo à prática, permanecendo em silêncio e com poucos movimentos corporais.
Algumas expressões de cochilo iminente como no caso de Sai, Vihaan e Anjali denotam algo
comum: cansaço do dia de trabalho. Não realizamos feedbacks da prática pois a atividade
seguinte - exposição sobre interdependência - iria demandar mais tempo que o usual.
Tema da sessão: Interdependência
A teorização sobre interdependência é uma das mais complexas parte do
programa e é composta por exposição dialogada liderada pelo facilitador com o apoio de um
exercício conceitual e vivencial sobre interdependência, responsabilidade social e
universal22. sobre o tema da reunião, que foi considerado pelos participantes como a atividade
pedagógica mais marcante do programa. A exposição teórica foi baseada na literatura de
Sustentabilidade, responsabilidade social e ambiental, em conjunto com conhecimentos das
tradições budista e nativo norte americana, que tem o conceito de interdependência universal
como central em sua visão de mundo. Assim, a conceituação deu início com a
compartilhamento da própria experiencia pessoal do facilitador de 10 anos com índios
nativos norte-americanos das tradições Lakota (Sioux) e Cheyenne. Os diários de campo
indicam que todas as vezes que o facilitador trazia exemplos pessoais, a atenção do grupo
ficava maior. Assim, a partir do caminho de vida do facilitador, as explicações teóricas se
seguiam.
As explicações teóricas sobre desenvolvimento sustentável e lideranças para a
sustentabilidade foram dadas após a apresentação das visões Budista e Lakota sobre
interdependência. A intenção aqui é mostram um conhecimento pregresso, milenar, onde
questões relacionadas à sustentabilidade já eram abordadas como parte de uma visão de
mundo destas tradições.
22
Ver intervenções da Sessão 2 – Dinâmica do chocolate no apêndice.
188
As explicações conceituais são importantes, mas a aprendizagem que iria ocorrer com
o exercício do chocolate seria o ponto alto da sessão. O exercício do chocolate foi então
conduzido como meio hábil de se mostrar a interdependência e ao mesmo tempo, como a
responsabilidade social e universal estão naturalmente interligadas com a interdependência.
A prática da alimentação consciente (mindful eating) é muito comum em programas de
mindfulness e se trata de saborear com atenção plena os alimentos, de forma devagar e com
atenção plena aos 5 sentidos e não apenas ao paladar (Williams & Penman, 2015). Neste
exercício do chocolate, porém, realizamos o que eu considero ser alimentação consciente
autêntica: temos atenção plena aos 5 sentidos, mas também consciência sobre os impactos
deste alimento em nós, na sociedade e no planeta.
Os diários de campo registram que ao longo do exercício, a atmosfera foi ficando
mais “tensa” e isso de fato está alinhado com minha experiência com este exercício,
principalmente após a segunda parte do exercício, tal como fala de Vihaan na discussão em
grupo demonstra:
“O chocolate era o que era, mas depois de assistir o vídeo, não era mais o
mesmo”.
“Ele é muito aplicável, ele pode estar muito presente em tudo o que a gente
faz. E eu não sei, eu acho que eu me percebo não como alguém que vive no
mundo, mas como uma parte que compõe o mundo. ((acha graça)) E eu
acho que isso mostra... ele pelo menos para mim conseguiu ser muito
experiencial e ele me fez perceber algo que eu possa aplicar para tudo”.
Já Susan descreve como foi o exercício para ela e sua potência em lhe levar a pensar
sobre os impactos negativos de suas ações:
Os resultados apontam que mais uma vez, o journaling foi um importante apoio ao
processo pedagógico, estimulando reflexões sobre interdependência e comportamentos
positivamente relacionados ao tema como observado nas entrevistas após o programa e
mesmo nas conversas conscientes e discussão em grupo, atividades na sequência do
journaling.
Conversa consciente e Discussão em grupo
Mais uma vez, as práticas de conversa consciente e discussão em grupo que se
seguiram ao journaling se mostraram muito úteis para fins de pesquisa, pois permitem a
equipe registrar nos diários de campo as falas e reações dos participantes e também para que
os participantes pudessem compartilhar ente si, reforçando o vínculo como grupo e também
seres humanos com dúvidas e dificuldades similares. Como exemplo, Talisha destaca que
190
aumentou sua capacidade de perceber o quanto é dependente de outras pessoas que produzem
os produtos e serviços que ela precisa para viver. Isso, por certo, denota maior percepção de
interdependência.
Prática de Mindfulness para a semana: Escaneamento Corporal e Movimento Consciente
As práticas desta sessão foram o escaneamanto corporal e o movimento consciente.
Os participantes se mostraram – como das outras vezes – respeitosos e engajados ao longo
das duas práticas. Houve um fato novo nesta prática: pela primeira vez uma das meditações
foi conduzida por uma das assistentes de pesquisa, que é professora certificada de Yoga.
Estas práticas, com duração em torno de 8 minutos cada, contribuem para aumentar
a consciência corporal e assim, das próprias emoções e sensações. Muitas vezes em
ambientes corporativos aprendemos a isolar as sensações e emoções de nossa atenção e
assim, aumentamos uma ruptura interna com elementos tão importantes da psique. Após as
práticas eu mostrei o vídeo Mike & Abbie (Tectonic, 2018)23 ao grupo que inicialmente
estava previsto de ser mostrado ao logo da explanação sobre interdependência. Como a
discussão do chocolate foi densa, decidi mostrar ao final da sessão como um link para a
próxima sessão. Este filme aborda como adotar cachorros de rua pode transformar nossas
vidas, trazendo à lume a questão da interdependência e compaixão. Os participantes
receberam o filme com bastante atenção e alguns se mostraram emocionados. Assim,
partimos para a meditação da compaixão e para o encerramento da sessão.
Prática de Compaixão: foco em autocompaixão e compaixão a pessoas em vulnerabilidade
23
Disponível em https://mutualrescue.org/film/mike-abbie/
191
Avaliação da sessão 2
Um ponto a se destacar que deixou toda a equipe, por assim dizer, frustrada foi a
sensação de impotência que os participantes demonstraram em mudar a cultura ou mesmo
impactar de maneira significante o mundo com suas ações individuais. De certa forma, essa
percepção serviu de base para mudar o protocolo inicial da próxima sessão e trazer uma
reflexão que vá de encontro a esta crença.
192
Esta sessão ocorreu no dia 30 de outubro, em uma sala muito maior e bem mais
espaçosa. Havia 12 pessoas presentes, sendo que 2 participantes – Alicia e Talisha - não
puderam comparecer por motivos profissionais. Os resultados indicam que esta sessão
contribuiu no desenvolvimento de uma maior reflexão sobre valores, sentido e propósito. Ter
um palestrante externo falando sobre como ressignificou sua vida e ajudou a construir uma
organização com fins sociais trouxe importantes reflexões nos participantes sobre dois
pontos: (1) alinhamento de valores e carreira profissional e (2) propósito maior de uma
organização, com ou sem fins lucrativos.
As análises dos registros de campo dos assistentes de pesquisa indicam ao longo da
sessão havia um clima muito positivo e leve, contrastando com a tensão da sessão anterior
quando o programa trouxe (incômodas) reflexões sobre a atuação de empresas, fornecedores,
parceiros e consumidores em relação à sustentabilidade social.
Especificidades da Sessão 3
24
Para conhecer as intervenções em detalhes e exercícios sugeridos para a semana seguinte à sessão
3, ver Apêndices F e G.
193
também ajuda as pessoas. Assim, eles produziram diversos filmes onde mostram pessoas
ressignificando e dando propósito a suas vidas a partir da adoção de animais. Desta forma, o
conceito de interdependência passa a ser contemplado sobre o ponto de vista de
redirecionamentos de vidas – humanas e não humanas – a partir da interdependência entre
estes seres. O quadro 15 apresenta as principais especificidades desta sessão na ordem
cronológica de suas ocorrências da sessão:
Quadro 15 - Especificidades da sessão 3
Atividades Especificidades Objetivos
Trazer reflexões e questionamentos
alternativos ao ethos dominante no meio
Tema da sessão Propósito Maior
empresarial e na vida pessoal sobre o
propósito de existência.
Estimular a reflexão sobre como podemos
Uma palestra sobre encontrar sentido e um propósito maior
Palestra significado, propósito e em nossas vidas e maior emparia e
interdependência percepção de interdependência ente
humanos e animais.
Estimular o estado de mindfulness e trazer
Mindfulness de Pensamentos maior consciência sobre os pensamentos e
Práticas de Mindfulness
e Sons sua natureza abstrata e impermanente.
A sessão em detalhes
Drop In
Esta atividade inicial serviu de acolhimento inicial a todos e seguiu o mesmo
protocolo anterior. Tal como na sessão anterior, todo o grupo – participantes e assistentes de
pesquisa – já desempenham bem seus papeis. Os assistentes de pesquisa já se posicionam
adequadamente nas extremidades da sala e os participantes já silenciam seus celulares e
preparam seus cadernos para anotações.
194
mais uma vez, se mostrou bastante importante para que todos pudessem ter em mente como
as sessões se relacionam umas com as outras. Neste ponto, foi importante frisar que a prática
de mindfulness reforça em nós a capacidade de se estar consciente da interdependência e
assim, de agir com mais responsabilidade, mas também propósito no mundo. Da mesma
forma dentro de um contexto empresarial, enfatizamos esta reflexão: quanto mais conscientes
estivermos na tomada de decisão, mais conscientes estaremos sobre as consequências destas.
Adicionalmente, se estas decisões estão ou não alinhadas com o propósito maior da empresa.
Como enfatizamos que a prática de mindfulness é que nos trará mais estado de presença e
consciência no dia a dia, foi a oportunidade para iniciarmos a próxima atividade.
Prática de Mindfulness da semana anterior
Contrariamente à sessão anterior, fizemos a opção de partir para a prática da semana
anterior. O motivo é simples: o grupo estava energizado, o palestrante do dia acabara de
chegar e seria ótimo seguirmos com uma prática que contribuísse com mais movimento e
interação, mesmo que seja de olhares. A Prática de movimentos conscientes foi realizada
pelos participantes com respeito e engajamento, sendo guiada pela assistente de pesquisa
Emily, tal como na sessão anterior. Os registros dos diários de campo indicam que o grupo
de presentes se mostrou receptivo mais uma vez à prática, em verdade sorridentes e
obedecendo todas as diretrizes dadas pela instrutora.
Um ponto que vale destacar é a própria reação da instrutora, que registra ter se sentido
mais calma e autêntica que na primeira vez. Adicionalmente, ela registra o quanto que a
oportunidade de liderar a prática no programa a fez feliz e mais consciente ainda de seu
propósito em estar levando a prática do yoga e seus fundamentos para mais pessoas.
permanecendo em silêncio e com poucos movimentos corporais. Isso é particularmente
importante visto que a sessão do dia tem por temática Propósito Maior.
Pequenas vitórias
A próxima atividade foi pequenas vitórias, onde se avalia como foi a frequência das
práticas e ações conscientes realizadas na semana anterior. O grupo foi dividido em 3 grupos
menores e seguindo o protocolo, foram instruídos a refletir sobre as práticas e ações
conscientes realizadas na semana anterior relacionadas a mindfulness, compaixão e
interdependência.
De fato, esta atividade se mostrou muito benéfica pois permite à equipe de pesquisa
perceber evoluções em relações a cognições, atitudes e comportamentos relacionados à
sustentabilidade. Como exemplos extraídos da análise dos diários de campo, pôde-se mapear
que três integrantes passaram a estabelecer intenções conscientes para seus dias logo ao
196
amanhecer; três comentaram sobre estarem mais engajados na prática de mindfulness; dois
comentaram sobre habilidades de escuta e não reatividade no ambiente de trabalho e três
relataram ações relacionadas a sustentabilidade ambiental. Um deles, está buscando
influenciar seus colegas no ambiente de trabalho a terem um dia sem carne e a evitar copos
de plástico. Enquanto Mark já apresentava uma predisposição para comportamento
sustentável ambientalmente, ele comenta que estes pensamentos e intenção estão mais
presentes que costumavam estar antes do programa. Isto sugere que o programa tem
reforçado as atitudes anteriores.
Os participantes demonstram estarem bem mais confortáveis em compartilhar suas
experiências e os próprios assistentes de pesquisa passaram a compartilhar igualmente de que
forma os conceitos e práticas vistos no programa estavam sendo incorporados por eles. A
sensação é que o grupo de participantes e assistentes de pesquisa estão mais conectados que
inicialmente, como se os participantes os tivessem adotados como parte legítima e não
inconveniente do processo. Terminada a atividade de compartilhar as pequenas vitórias,
seguimos para a exposição e diálogo sobre o tema da sessão.
Tema da sessão: Propósito Maior (em empresas e na vida)
A teorização sobre Propósito Maior contribui para o programa por trazer reflexões e
questionamentos sobre o ethos dominante no meio empresarial e mesmo na vida pessoal, em
especial relacionada a sentido e propósito do trabalho. Assim, questionamentos sobre qual a
missão de uma empresa e qual o propósito de suas vidas é trazido à lume. Esta atividade foi
composta por exposição dialogada liderada pelo facilitador com o apoio da palestra do
convidado David Whitman.
A exposição teórica foi baseada na literatura de Capitalismo Consciente, em especial
o pilar Propósito Maior (Mackey & Sisodia, 2013) por oferecer um contraponto à visão que
o propósito de uma empresa é maximizar o lucro, assim como na literatura sobre sentido e
propósito no trabalho, tanto na visão da psicologia positiva quanto na tradição budista (Dik
et al., 2014; Stirling, 2014), por oferecer uma visão que um trabalho com sentido está além
das questões materiais envolvidas, mas de outros fatores como o impacto deste no mundo.
A conceituação começou por uma provocação, quando trouxemos a famosa frase de
Milton Friedman, prêmio Nobel de Economia de 1976, onde afirma que as empresas
pertencem aos acionistas e sua missão é provê-los com o máximo lucro possível (Friedman,
1970). Trazer esta citação é importante para ilustrar o ethos reinante, para que na sequência,
pudéssemos questioná-lo. Para isso, trouxemos a reflexão dada pelo professor onde
argumenta que precisamos de glóbulos vermelhos para viver, mas o objetivo da vida é mais
197
do que produzir glóbulos vermelhos e da mesma forma que o objetivo dos negócios é mais
do que simplesmente gerar lucros (Mackey & Sisodia, 2013). A partir deste argumento, a
teorização sobre Propósito de uma empresa e propósito de uma vida se seguiu seguindo os
toda a literatura do tema Propósito Maior de acordo com a perspectiva do Capitalismo
Consciente, tal como discutido na revisão de literatura.
Para reforçar o aprendizado e a ecologia mental e cultural que visávamos, o
convidado palestrou sobre sua própria história pessoal e busca por sentido e propósito e como
isso se deu por meio da fundação da Mutual Rescue. Após contar sua história de desafios e
superações. Em sua fala, David apresenta o vídeo de curta duração Eric & Peety25 (2016),
produzido pela Mutual Rescue, que mostra como a adoção de um animal ressignificou e deu
direção à vida de um humano. Assim, trouxemos mais uma vez elementos cognitivos e
afetivos para o processo educacional de nosso programa. A análise do diário mostra que ao
final do filma, os participantes batem palmas e alguns estavam emocionados. A exposição
do tema da sessão cumpriu sua função, trazendo reflexões e inspirando comportamentos
altruísticos. Como exemplo, três participantes se aproximaram e quiseram saber como ajudar
a Mutual Rescue a ter mais projeção em mecanismos de busca e visualizações na internet. Na
sequência, após um intervalo de 10 minutos, para reforçar a inspiração que as reflexões
teóricas e o testemunho pessoal do convidado trouxeram iniciamos o journaling do dia.
Journaling
O journaling da sessão contribuiu para reforçar as atitudes geradas com o tema da
sessão e aprofundar as reflexões sobre propósito e estimular comportamentos positivamente
relacionados à propósito de vida. Baseado na teoria U (Scharmer & Kaufer, 2013), tem por
objetivo facilitar aos participantes acessar níveis mais profundos de autoconhecimento e
conectar esse conhecimento a ações concretas relacionadas a sentido e propósito de vida.
Seguimos o protocolo padrão de começar pela meditação de 3 minutos e na sequência,
apresentamos as instruções protocolares de forma breve sobre journaling e suas perguntas.
Este foi o journaling mais longo de todo o programa. Os resultados apontam que mais uma
vez, o journaling foi um importante apoio ao processo pedagógico, estimulando reflexões
sobre seus momentos e os ajudando refletir sobre direções significativas de vida e como lidar
com as aflições do momento. Como exemplo, a fala de Adriano:
25
Disponível no youtube.
198
Um ponto interessante foi que aproveitamos esta prática para em meio a ela, falar
pensamentos e crenças que os próprios participantes trouxeram ao longo das sessões até aqui,
como: “não posso fazer nada”, “minha ação é muito pequena”, “meu voto não faz diferença”;
“Minha carreira é um fracasso”; “Estou perdida”. Na sequência de cada pensamento, era
falado “pensamento, apenas um pensamento”, “vem e vai”. A intenção era minar a força dos
pensamentos sobre serem impotentes ou fracassados, contribuindo para desenvolverem o
espaço necessário para que novas atitudes e crenças relacionadas a responsabilidade
individual, social, ambiental e universal possam surgir. Assim, partimos para a meditação da
compaixão e na sequência, um segundo journaling antes do encerramento da sessão.
Prática de Compaixão
Esta atividade contribuiu para reforçar as virtudes de amor e compaixão para pessoas
de forma do círculo amoroso usual assim como animais, aproveitando o tema que foi traduzi
na palestra do convidado. Os diários de campo registraram um ambiente leve e muito
agradável. Ao encerrar a meditação, reforçamos a necessidade de praticarmos e buscarmos
ações mais conscientes ao longo da semana para nós e para todos os seres.
Drop out
Antes de dispensar o grupo, foi solicitado a todos que fizessem um último journaling
com três questões que estimularam os participantes a pensar no propósito do que fazem e no
propósito da própria empresa. Mais ainda, estimulava atitudes e comportamentos ligados a
sustentabilidade e responsabilidade universal. São elas: (1) Como seu trabalho contribui para
um bem maior? (2) O que você poderia fazer para aumentar a conscientização - em você e
em seus colegas de trabalho - sobre o propósito maior da sua empresa?; (2) Se você se
comprometesse a fazer algo bom para o bem comum, o que você poderia fazer nos próximos
3 ou 4 dias? Quem poderia ajudá-la(o)?
A intenção era aproveitar os sentimentos de compaixão estimulados para inspirar os
participantes na elaboração de ações conscientes sustentáveis e compassivas. Os
participantes responderam com paciência e atenção, o que foi bastante positivo. Assim que
cada um terminava, estava liberado para ir embora. Assim, estava criado o espaço para a
última sessão ao qual tivemos que relacionar mindfulness, compaixão, interdependência,
propósito maior e o convite para sermos líderes conscientes em nossas vidas dali em diante.
200
Avaliação da sessão 3
Jacob apresenta percepção similar e tenta explicar a razão em seu diário de campo:
26
Para conhecer as intervenções em detalhes e exercícios sugeridos para a semana seguinte à sessão
4, ver Apêndices H e I.
201
Especificidades da Sessão 4
A sessão em detalhes
Drop In
Esta atividade, como usual, serviu de acolhimento inicial a todos e seguiu o mesmo
protocolo anterior. Aqui um dado: havia dois pequenos vasos de plantas (alecrim ou salvia)
em cada mesa da sala aguardando os participantes e assistentes de pesquisa. Na medida em
que foram chegando, se mostravam positivamente surpresos. Todos se mostram bem
dispostos e respondem positivamente aos questionamentos usuais desta parte da sessão.
Estabelecendo motivação consciente
Antes de iniciar com a meditação de 3 minutos, destacamos que estávamos muito
felizes em estar ali e era nossa última sessão e que falaríamos sobre modelos de lideranças
que personificam os conceitos que vimos anteriormente. Minha motivação em estar alí era
poder compartilhar um pouco destes modelos e ajudá-los a, se assim o desejarem, caminhar
nesta direção.
Essa reflexão também serviu de ponte para o estabelecimento da motivação da sessão.
Assim, iniciamos com a prática de meditação do espaço de respiração de 3 minutos como o
203
Temos falado sobre o resultado de nossa própria ação. Toda ação conta.
É por isso que estou sempre buscando pequenas vitórias com você. Se você
em sua própria vida está comprometido a viver sua própria vida de
maneira sustentável ou compassiva, mesmo em pequenas coisas, isso pode
levar à liderança sustentável. Como líder consciente, seu trabalho não é
correr por aí tentando salvar o mundo. Seu trabalho é ir para dentro, fazer
o trabalho interior que permite que você apareça como o seu eu mais
autêntico (...), que por sua vez inspirará outras pessoas a fazerem o
mesmo”.
Na sequência, pergunto ao grupo o que era necessário para ser um líder consciente.
Claudia imediatamente responde: compreender interdependência! Jonas anota em seu diário
de campo:
205
"Acho incrível que tenhamos escrito antes. Para mim, quero continuar
fazendo isso ... não quero parar depois que o workshop parar ... saúde ...
estar atenta está ajudando a me manter super calma, sou mais capaz de
responder do que reagir. Eu tenho que continuar fazendo isso depois do
programa [journaling e meditação]”
206
Outro ponto que surgiu foi que conceito de pequenas vitórias havia sido assimilado.
Como exemplo, o assistente de pesquisa Jacob anota em seu diário de campo da sessão 4 em
relação ao participante Adriano:
Acho que a observação de Adriano de focar em três áreas da vida ser mais
útil a lista inteira é muito válida. Isso permite um foco mais especificado.
Além disso, parece que existem soluções bem pensadas aqui e uma atenção
contínua à mudança de caminhos, que eu acho que será muito significativo
para Andrés. Da última vez, ele teve muitos outros objetivos, mas acabou
não realizando nenhum deles. É por isso que ele diz que pode ser melhor
realizar metas tangíveis.
“Ótimo. Metas mais simples são importantes porque são mais fáceis de
manter e alcançar e estabelecem as bases para sucessos no futuro, porque
permitem que o criador de metas veja que as metas estabelecidas podem
ser alcançadas. Começar pequeno é uma ótima maneira de ver o progresso
no futuro”.
Journaling
O journaling da sessão contribuiu para reforçar as atitudes geradas com o tema da
sessão e o exercício anterior, aprofundando as reflexões sobre propósito e estimulando
comportamentos positivamente relacionados a esta reflexão. Seguimos o protocolo padrão
207
Acho que essas foram as perguntas mais profundas que nos foram feitas
até agora e acho que ele preparou o grupo muito bem para isso. Todo
mundo leva um tempo para responder e, quando terminamos, Rodrigo nos
pede para levantar e encontrar um parceiro.
De fato, como o comentário acima indica, buscamos colocar estas perguntas por achar
que os participantes na sessão 4 teriam avançado gradualmente em sua jornada de
autoconhecimento e ecologia mental. Além disso, como Emily destaca este journaling abriria
espaço para a próxima atividade, a prática de mindfulness ao outro.
Mindfulness ao outro
Esta atividade foi uma das mais marcantes do programa e busca trazer maior empatia, senso
de conexão e percepção de interdependência. Foi utilizada na sessão 4 pois o grupo já estaria
mais preparado para ela. Ficar em gente a outra pessoa, olhando nos olhos e em silêncio,
buscando sentir – não pensar sobre a pessoa – foi de acordo com relatos poderoso. Todos os
participantes foram corajosos e participaram desta prática verdadeiramente. No diário de
campo, vemos que mesmo os assistentes de pesquisa – que também participaram da prática
- foram impactados. Emily descreve:
Eu acho que este exercício desarmou muitos. Foi muito poderoso e muito
bonito. Eu realmente gostei da presença que ele cria entre você e essa
208
outra pessoa, e o quanto você pode sentir com a presença e o contato visual
da pessoa, sem precisar falar. Alguns estavam muito sorridentes, como
Alicia, Jacob, Emily e Jonas, e outros sorriam menos, como Steve. Mas eu
realmente apreciei a presença que ele criou, realmente senti como um
contato entre duas pessoas totalmente normais. Sem hierarquias, sem
status, apenas presença. Foi bonito!
Estes relatos trazem intima relação com a perspectiva budista sobre a prática de
mindfulness. O mestre budista Thich Nhat Hanh (2001) destaca que o primeiro milagre
(palavra do autor) da atenção plena seria entrar em contado profundo com o que está presente,
seja um céu azul ou mesmo uma pessoa. O segundo seria fazer com que o outro também
esteja presente, como um ripple effect. Um outro milagre seria a compreensão, passamos a
compreender com a mente e o coração o momento e nosso objeto de atenção.
Como nota pessoal, em meu diário de campo havia o registro – bem vivo em minha
mente até hoje – de Talisha me olhando com os olhos repletos de lágrima, bastante
emocionada. Sem emitir som, ela mexe os lábios de forma que foi possível fazer a leitura da
palavra “obrigado”. De fato, sentia o mesmo por todos eles e ao encerrar este exercício
agradeci a todos pela abertura e coragem.
Eu sinto que a troca com Anjali realmente criou uma conexão entre nós.
Foi a primeira vez que tive a impressão de que realmente nos beneficiamos
mutuamente. Também é digno de nota que Anjali, quando estava indo
embora da sessão, me olhou nos olhos e repetiu que estava agradecida.
Pareceu-me que isso significava muito. Portanto, acredito que ela também
foi tocada pela conversa.
Os relatos apontam que esta atividade foi muito benéfica e criou o ambiente para a
próxima atividade, o segundo journaling da sessão.
Segundo journaling
Essa prática contribuiu ao estimular os participantes a refletirem nos temas
relacionados a exposição teórica da sessão. Mais ainda, visa estimular atitudes e
comportamentos ligados a sustentabilidade e responsabilidade universal. As questões
209
apresentadas foram: “Como você pode servir melhor ao bem comum na vida e no trabalho?”
e “Se você assumisse o projeto de se tornar mais consciente, quais os primeiros passos
práticos que você daria nos próximos 3 a 4 dias?
Não houve espaço para discussão em grupo devido a hora e realizamos um pequeno
intervalo antes da próxima atividade.
Jonas sempre se mostrou com dificuldade em olhar as situações com mais sentimento
e menos análises objetivas. Este relato é um avanço neste sentido. Seu questionamento sobre
a ética de ferir a planta é notável.
Depois de cerca de 5 a 7 minutos, pedimos aos participantes para responderem duas
perguntas: (1) Qual é a mensagem da planta para você? e; (2) Como a natureza pode ajudá-
lo a se tornar mais consciente?
Em seu diário, Emily relata sua reação:
Não há relatos desta parte em relação aos participantes pois partimos para o fim da
sessão e do programa.
Drop out
Foi pedido a todos que ficassem com as plantas que receberam durante o exercício.
Na sequência, mostro um voto a todos o leio em voz alta:
Foi um momento muito forte para todos os envolvidos. Em seu diário de campo,
Selma registra:
Avaliação da sessão 4
Esta sessão foi a mais forte e profunda de todas, e acho que todos fizeram
algumas mudanças para melhorar suas vidas. A primeira metade da
211
reunião foi menos intensa, mas houve uma transformação completa com o
passar da noite.
A primeira metade foi mais teórica, de fato. Isso reforça as percepções anteriores que
a energia do grupo sobe na medida em que há interações e exercícios vivenciais. Jacob em
seu diário adiciona:
Quando todos fizemos contato visual dentro do círculo, ficou claro para
mim que as barreiras que nos separavam quando começamos [o
programa] caíram em grande parte e pudemos nos conectar. Acredito que
isso é indicativo do poder da prática de mindfulness, e também das de
bondade amorosa em conectar as pessoas e permitir que elas vejam o bem
uma na outra. Eu acho que isso terá impactos profundos no futuro nas
habilidades de liderança dos participantes.
coração pela mente. Este exercício nos mostra que o caminho inverso é possível e programas
futuros podem se beneficiar desta abordagem.
Outro exercício usado que segundo relatos dos participantes foi marcante foi o uso de
journalings. Como destaque o journaling que remetia ao leito de morte na sessão 3. Estimular
as pessoas a visualizarem, pensarem e refletirem sobre a morte fez emergir um senso de
valores e prioridades a serem seguidas. Este resultado, aliado às práticas de mindfulness que
nos estimulam a estarmos mais presentes e agir com consciência, trouxe um efeito sinérgico:
a consciência da finitude da vida aumenta a predisposição em se viver de forma mais
autêntica, responsável e engajada o momento presente.
Outra prática descrita como marcante, o exercício mindfulness do outro realizado na
sessão 4, olhando e sendo olhado nos olhos de outras pessoas, trouxe um importante
aprendizado: as pessoas voltam a se ver como pessoas, fomentando empatia e um senso de
conexão, mesmo – e talvez por isso - sendo realizado em silêncio. Apenas a atenção plena
com sua atitude de abertura e gentileza diante do outro fizeram com que os participantes
reportassem terem se conectado uns aos outros de uma forma muito particular, percebendo
por trás dos olhos a existência de seres humanos com emoções e anseios.
A atividade “pequenas vitórias” foi muito importante para que os participantes
pudessem aprender uns com os outros e desenvolver uma atitude de pequenos passos. É
visível como esta atividade possibilitou maior senso de comunalidade entre os participantes
e mesmo apoio mútuo. Mais ainda, do ponto de vista de pesquisa, esta atividade se mostrou
muito benéfica pois permite à equipe de pesquisa perceber evoluções em relações a
cognições, atitudes e comportamentos relacionados à sustentabilidade.
Conclui-se, portanto, que uma grande contribuição deste trabalho é o programa. Ao
elaborarmos um programa baseado em mindfulness eticamente informado, centrado no
conceito de interdependência, no resgate de valores autênticos dos indivíduos e no
desenvolvimento de compaixão, superam-se as limitações de programas anteriores por
buscar não somente aliviar aflições da vida moderna, mas aprofundar a compreensão das
potenciais causas de danos e sofrimento em nós, na sociedade e no planeta. Cabe-nos a
seguir, compreender como este formato impactou a forma como os participantes vivem em
relação a si, aos outros e a natureza.
213
Este capítulo contribui para a tese por mergulhar nos resultados do programa tendo
como objeto focal os participantes e suas visões de mundo (i.e., modelos para entendimento
do mundo; Geertz, 1989); seu bem-estar psicológico (i.e., incidência afetos positivos e relatos
de estima e senso de propósito; Ryff, 1989); consciência e reflexão crítica (Chiesa, Calati, &
Serretti, 2011), predisposições (Bohner & Dickel, 2011) e condutas prossociais e
sustentáveis27 (i.e., ações voluntárias voltadas para o bem-estar social e do ambiente natural,
incluindo as gerações presentes e futuras; Amel, Manning, & Scott, 2009; Eisenberger,
1992).
Apresentamos análises, reflexões e reações que evidenciam um processo – em que
pese as diferenças individuais - de redescoberta e transformação dos presentes na relação
com si, com o outro e com a natureza. Como resultado central, a constatação que o caminhar
mais consciente e sustentável em meio ao mundo pede em um olhar e cuidado sobre si, não
como reificação do ego, mas como um resgaste de sua própria psique, uma ecologia mental
que permite o questionamento da forma de ver, ser e agir em meio ao mundo. Em suma, ao
olhar para si e trabalhar em si, estamos mais aptos a olhar o meio e agir de forma mais
responsável, sustentável e mesmo compassiva.
Para sustentar nossa tese, apresentamos incialmente o contexto que os participantes
se encontravam antes do programa da ação psicossocial. Esta linha base demonstra que,
embora os participantes sejam pessoas pertencentes à elite intelectual e financeira dos
Estados Unidos e que construíram uma carreira de sucesso em uma das mais admiradas
empresas de tecnologia do mundo, nada disso foi capaz de anestesiar suas aflições, dúvidas
e questionamentos sobre o caminho a seguir em suas vidas. Em verdade, como os dados
27
Estamos cientes que os seres humanos fazem parte do ambiente natural, mas aqui para fins de
categorização vamos dividir o ambiente social como englobando a relação com outras pessoas e ambiente
natural como sendo relacionado à reino animal, reinos minerais e vegetal.
214
demonstram, o próprio contexto parece favorecer suas aflições: estão imersos em um oceano
cultural onde a visão de mundo, o ethos e os valores hegemônicos de individualismo,
competição, hiper performance parecem os apartar de si mesmos e do meio social e natural,
reforçando suas angústias. Na sequência, apresentamos os relatos que ilustram mudanças ou
o reforço nas atitudes e comportamentos positivamente ligados à sustentabilidade após o
programa da ação psicossocial tendo como ótica a relação com si, com os outros e com a
natureza.
Assim, começaremos por detalhar nossa análise de resultados abordando este ponto
de largada: suas visões de mundo, valores e relações que os participantes possuem com si,
com os outros e com a natureza antes do início do programa da ação psicossocial. O quadro
geral que encontramos foi de bem-estar psicológico prejudicado, desconexão dos verdadeiros
valores e preocupações sociais e ambientais que não conseguem se materializar em ações.
Adicionalmente, fica claro a existência de valores hegemônicos e visões de mundo típicas no
contexto capitalista neoliberal: individualismo, foco em hiper performance, pouca visão
sobre interdependência e muita identificação com a carreira.
Os participantes se motivaram a participar do programa principalmente para melhorar
suas carreiras e lidar com mais harmonia com o trabalho. Assim sendo, começaremos a
descrevê-los por suas visões para si mesmos e seu bem-estar subjetivo.
“Você não fez isso, você não fez o que você precisa fazer, você precisa fazer isso”: a
relação com si e percepções de bem-estar
“Não posso apontar nada, que eu possa dizer que me orgulho. Não, acho
que não posso. Eu não sei como articular isso. Eu acho que é uma pergunta
justa, mas não sei como. Eu não consigo pensar nisso. Não há nada que eu
possa dizer: sou excepcional nisso ou certamente orgulhoso disso ... não”.
215
Por meio deste relato é possível melhor observar a dificuldade de autoaceitação que
ela demostrou ao longo do programa. De fato, em sua segunda entrevista, Anjali comenta
que antes do programa, ela sequer conseguia entender o que é ser gentil com si e
autocompaixão. Todavia, é importante ressaltar que a fala aponta gravidade na forma de ver
a si mesma, possível baixa autoestima e com isso, um quadro de bem-estar debilitado. Além
dela, Adriano também exemplifica esta questão em sua entrevista anterior ao programa:
“Tenho péssimos padrões de sono, como resultado disso, então não tenho
espaço mental, estou constantemente pensando em coisas que preciso
fazer, como questões em situações de trabalho no trabalho, pessoas,
situações que acontecer. Acho que estou acostumado e o que acontece é
que geralmente consigo dormir, se não for, apenas tomo alguma coisa
[remédio ou álcool]. E o que acontece talvez, duas vezes por semana, eu
acorde por volta das 1 e 2 da manhã e minha mente imediatamente comece
com algo como você não fez isso, você não fez o que você precisa fazer,
você precisa fazer isso e depois não consigo voltar a dormir”.
Nesta linha, Indira aponta em sua primeira entrevista o ciclo aflitivo que se
encontrava e seus poucos recursos para lidar com isso:
... Acho que no ano passado percebi que minha saúde mental estava
realmente piorando. Eu costumava meditar muito quando estava na
graduação. Então eu fui para a faculdade, era uma pressão muito alta e
muitas coisas estavam acontecendo. Eu esqueci totalmente desse aspecto
da minha vida. Então eu fiz o meu primeiro trabalho e naquela época eu já
estava realmente naquele funil de fazer as coisas e não pensar nas coisas.
Importante destacar que os participantes por vezes parecem ter falta de consciência
sobre o próprio estado, como uma negligência ou inabilidade de autocuidado, com uma forte
priorização da performance sobre o próprio bem-estar. Nesta linha, em sua segunda
entrevista, Talisha relata ter percebido seu distanciamento entre a forma como levava sua
vida e seus verdadeiros valores, mostrando como antes do programa ela estava desconectada
de questões tão importantes para si:
Na mesma linha, Marina relata em sua segunda entrevista que esqueceu de várias
coisas importantes a si, pois após o programa decidiu reinvestir seu tempo em atividades que
julgavam valorosas e estavam esquecidas pois a carreira parece ser o principal foco e aquilo
que não serve como carreira de acordo com no caso, os pais, potencialmente pode ser
percebido como não válido:
cotidianas (Dejours, 2015). Mark relata em sua segunda entrevista como antes do programa
tinha dificuldades de priorizar tarefas e se sentia sempre assoberbado, prejudicando sua vida
social: O programa me ajudou a priorizar o que é importante. Não loto mais a minha agenda
e hoje me permito fazer escolhas que antes não fazia...estou mais ativo, vendo mais e
conversando mais com amigos também... "
“Saindo da faculdade, esse foi meu primeiro emprego. (...) eu deveria estar
agradecida e muito orgulhosa, mas, ao mesmo tempo, não estou feliz. Bem,
eu não sou a mais sustentável ou mais consciente, mas é tudo uma questão
de expectativas e de tentar atender a essas expectativas não apenas de mim,
mas do que os gerentes colocam na minha frente”.
28
Atualização: convém destacar neste momento – primeira semana de fevereiro de 2020 – Talisha
pediu sua segunda licença no trabalho e está com seus pais – asiáticos – cuidando deles em meio ao surto do
coronavirus.
218
Aqui vemos o projeto neoliberal de sucesso falir. Todas as ideias de felicidade e bem
estar propagadas e que influenciam nossas mentes e corações parecem cair por terra quando
efetivamente as conquistamos e mensuramos o preço que pagamos. De fato, a literatura
mostra que tal conduta é motivado por uma visão de mundo que o próprio sistema nos fez
acreditar (Anache & Laurencel, 2020; Dejours, 2007). Talisha segue:
Eu já tinha tudo, mas estava infeliz. Então, um dia, seu programa [desta
tese] apareceu na minha caixa de entrada. Comecei a frequentar com
pouca intenção, ainda que com o objetivo de terminar o curso. Eu não
sabia então, mas essa seria a escolha que mudaria minha vida. Durante
esse curso, eu trabalhava 60 horas por semana. Não estava dormindo. Não
fazia nada que Talisha realmente queria fazer. Eu chorava depois de cada
aula porque sabia onde queria estar ... só não sabia como chegaria lá. E
não pedi ajuda por meu próprio orgulho.
219
Tais relatos infelizmente não surpreendem, visto que uma das tendências mundiais
no ambiente corporativo é justamente o aumento de problemas relacionados à saúde mental
do trabalhador (Sangar, 2019). De fato, Sai foi um dos participantes que relatou
explicitamente estar em busca de uma nova forma de lidar com sua saúde. Muito embora
ainda não tenha meios hábeis e sistemáticos para fazê-lo. O diário de campo da sessão 3, traz
este relato de Sai: “Estou tentando acordar de manhã e não apenas olhando para o meu
telefone e pulando da cama.
Isto indica que antes, ele seguia um padrão comum à maior parte dos participantes de
viver no piloto automático, com pequenos momentos de consciência. Entretanto, na
contramão da maioria, apenas dois participantes relataram na entrevista pré-programa
estarem efetivamente cuidando de sua saúde. Mark, por exemplo, destaca que já alguns meios
hábeis de autocuidado:
“Nos dias em que pratico ioga ou nas semanas em que faço minha sessão
de terapia, minha tomada de decisão e a maneira como vejo os problemas
são realmente diferentes, e me sinto mais leal a isso, no que acredito e
como acho que as coisas deveriam ser.”
Nem todos cuidam de sua saúde de forma tão hábil. Relatos de uso de álcool,
comprimidos para dormir, comprimidos para permanecer focado, drogas recém-lícitas foram
relatadas explicitamente por 4 dos 12 participantes. Nesta linha, o depoimento de Adriano
ilustra esse tipo de conduta. Quando questionado sobre como ele cuida de si, Adriano relata:
“você quer que eu seja completamente honesto? Hum, então quando estou
realmente estressada, fumo maconha. Então é isso, meu (mau hábito?),
Faço isso há ... há muito tempo. Esse é um dos meus mecanismos de
enfrentamento. Isso me relaxa, pelo menos na maioria das vezes. Outras
vezes, apenas aumenta sua mente, trabalhando, trabalhando nas coisas
que você precisa fazer. Então é geralmente o que eu faço. Volto do
trabalho, brinco com minha filha, a levo para o parque, depois a coloco
para dormir e depois fumo, saio sozinho, dou uma volta. Também comecei
a fumar tabaco”.
Em sua segunda entrevista, Talisha relata que não foi totalmente honesta em sua
primeira entrevista omitindo fatos quanto ao seu bem-estar antes do programa. O seguinte
relato ilustra como a questão do sono e mesmo crises de ansiedade a perturbavam antes do
programa:
Eu era incapaz de dormir sem acordar para ter um ataque de pânico por
volta das 2:00 da manhã todos os dias. Eu estava dizendo aos meus colegas
de trabalho que era como se você estivesse gripado todas as noites. Você
acorda e então está suando a cama inteira. E eu tive isso por cerca de dois
a dois meses e meio. E foi por causa do volume de trabalho que eu estava
colocando em mim mesmo e as expectativas que eu estabeleci para mim
não eram realmente realistas.”
Talisha, Adriano e outros cinco participantes viviam o que Dejours (2015) destaca
como um drama corporativo, encenando um modo de ser e viver patológico que tende a ser
percebido como normal e de responsabilidade individual. Adicionalmente, o caráter cada vez
mais velado do sofrimento faz com que muitos percebam seu sofrimento como algo apenas
seu e não sistêmico. Alicia destaca em sua segunda entrevista que antes do programa, não
percebia de maneira clara essa comunalidade de sofrimento: “Isso me ajudou a perceber que
não sou a única [com aflições] todo mundo tem lutas semelhantes.”
Este relato sugere que o grupo de participantes parece participar deste drama
organizacional, onde se não todos, mas a maioria, representa seu papel diariamente e buscam
221
cada um a sua maneira lidar com suaas angústia. Como visto na literatura, bem-estar é um
conceito multidimensional explicado por diversos fatores como saúde física, afetos positivos,
autoaceitação, relações positivas com outros, maior autonomia, senso de controle da vida,
sendo de propósito e crescimento pessoal (Ryff, 1989). Por vezes, bem-estar individual e
sustentabilidade são frequentemente retratados como atividades conflitantes, visto a visão de
mundo predominante antropocêntrica, consumista e materialista como base para bem-estar
(Laininen, 2018). Entretanto, saúde e bem-estar são fundamentais para a sustentação da vida,
sendo uma das metas de desenvolvimento sustentável da ONU (World Health Organization,
1986), pois indivíduos com sua saúde debilitada, vida em risco ou em sofrimento psicológico
tão pouco fazem parte de um modelo sustentável de vida.
Assim, destaca-se que o panorama geral de bem-estar encontrado foi bem negativo,
indo de encontro aos estudos relacionados à psicopatologia no trabalho (Dejours, 2015;
Zambroni-de-Souza & Da Silva Araújo, 2012). Surpreende, visto que grande parte já havia
entrado com contato com mindfulness previamente. Neste ponto, vale aprofundar um pouco
sobre as experiências prévias e como se relacionam com as práticas de mindfulness. Esse
contexto vai nos ajudar a compreender suas motivações em participarem do programa
oferecido nesta pesquisa e a entender em que extensão e profundidade obtiveram o que
esperavam.
Como esperado, a cultura que estão inseridos impacta de forma pervasiva a maneira
como os participantes vivem e buscam soluções para suas aflições e questionamentos. Nesse
sentido, sua experiência prévia com meditação traduz este cenário. Todos já conheciam -
ainda que não de forma bem compreendida - o que é mindfulness e praticaram meditação em
algum momento de suas vidas. Entre eles, cinco relataram já praticar meditação. A frequência
dessa prática variou de cinco a uma vez na semana com no mínimo de 10 minutos por prática;
cinco deles contam que praticavam meditação raramente; um não praticava e uma não
informou. Apenas um deles relatou não ter recebido instrução formal em meditação. Esses
dados demonstram como os participantes já buscavam se aproximar do mindfulness.
De fato, seis participantes entraram em contato com mindfulness em um curso
desenvolvido pela própria empresa. O programa é oferecido pela empresa regularmente e se
posiciona como um programa que desenvolve inteligência emocional por meio de
222
mindfulness para líderes. É bem visto pelos funcionários (que se sentem acolhidos pela
empresa) e o programa é oferecido diversas vezes por ano, sempre com lista de espera.
Entretanto, apesar do entusiasmo com que o programa é buscado internamente, não
parece ser bem-sucedido ao criar uma cultura de meditação internamente, de bem-estar ou
mesmo de diversidade e inclusão. Uma fala de Alicia em sua entrevista anterior exemplifica
o que está sendo discutido:
“...Sentir como nós, humm. nós dizemos que somos diversos e inclusivos,
mas não discutimos isso abertamente. Hum, mesmo em termos de
mindfulness, temos salas de meditação aqui onde as pessoas podem
meditar, mas não temos realmente uma prática, uma cultura de como fazer
isso regularmente. Essas são apenas algumas coisas que eu acho que nos
beneficiariam”
Ao que parece, a prática apesar de ser bem divulgada, não é bem difundida ou mesmo
compreendida. Este dado foi muito importante pois reforçou a necessidade de ao longo das
sessões da ação psicossocial enfatizarmos mindfulness como uma qualidade mental que você
desenvolve com o tempo e a acompanha em todos os momentos.
Em adição à análise, os programas de mindfulness fortalecem a busca de técnicas para
melhorar o desempenho profissional que se organiza em última instância quase em uma nova
forma de imagem mitológica: o ser humano empreendedor e gestor de si (Ehrenberg, 2016).
A prática se torna, assim, um recurso e um bem de consumo.
A fala de Indira acima reintera a solidão do herói corporativo, sempre precisando
encontrar um jeito de dar conta de tudo, sempre em dívida, sempre preso em problemas
223
“Eu acho que depende. Eu acho que preciso de uma desculpa firme para
encontrar tempo para mim mesma, que eu preciso para me ajudar a lidar
com a culpa ... se você meditar, trabalhará melhor, ok, então eu vou
meditar.”
Não surpreende que nos EUA e especialmente contexto do Vale do Silício, o uso de
Adderall (tanto ele quanto a Ritalina são medicamentos designados ao tratamento de TDAH)
está cada vez mais difundido e aceito socialmente (Klayman, 2018). Como vimos na revisão
teórica, a razão pode ser explicada pela cultura vigente, onde os seres humanos estão sendo
reduzidos ao seu valor econômico, ou seja, a um indicador de seu capital humano, sua
capacidade de gerar “valor” para o sistema (W. Brown, 2011). Relacionando esse mito aos
programas de mindfulness, percebe-se como um ensinamento milenar como mindfulness
pode ter a mesma função da ritalina ou do adderall, como uma técnica que ajuda o novo herói
em sua jornada (ou em muitos casos, sobrevivência).
Compreender como os participantes se relacionam com a prática de mindfulness nos
ajuda a compreender para que fim ela serve no ethos contemporâneo. Como passo lógico
seguinte, vamos explorar as motivações relatadas em participar do programa da ação
psicossocial desta tese.
Além disso, oito dos doze participantes relataram buscar técnicas para melhorar a
atenção e poder se manter mais no presente, mesmo fora do ambiente de trabalho. Talisha,
por exemplo, diz: “Espero que eu encontre não apenas técnicas de meditação, mas também
um arsenal de ideias diferentes de como potencialmente ter mais atenção, seja no local de
trabalho, não no local de trabalho"
Vihaan ilustra bem em sua segunda entrevista como passou a incorporar uma das
atividades vistas no programa para lidar melhor com as demandas de trabalho. Seu relato
ilustra que carecia de meios hábeis para manejar o estresse diário:
“Uma das coisas que se tornou mais parte da vida normal é o [diário], de
vez em quando eu basicamente sento por alguns minutos para anotar meus
pensamentos sobre um problema específico, uma tarefa específica que está
em mãos. E isso ajuda a obter um nível de clareza que eu não tinha e, além
disso, você basicamente tem um próximo passo acionável para trabalhar,
o que ajuda muitas vezes com o estresse e outras coisas.”
estímulos competindo pela atenção, é natural que esta seja uma preocupação comum.
De fato, ao analisarmos os seguintes relatos vemos como antes do programa os
participantes possuem muitas dificuldades de autoconsciência, reverberando em outros
pontos como a forma como interagiam com outras pessoas, no trabalho ou mesmo fora delas.
Os relatos a seguir ilustram dificuldades e habilidades de mindfulness tais como estar
presente, agir com mais consciência e não-reatividade (R. Baer et al., 2008). Como quadro
geral, uma tendência ao piloto automático, um esquecimento do que é valoroso para cada um
e o impacto negativo nas interações. Como exemplo, Anjali relata em sua segunda entrevista
sua dificuldade em controlar suas reações:
Veremos mais adiante que esta postura, ainda que resistente, irá apresentar melhoras.
Em outro relato, Talisha relata o desenvolvimento de novas estratégias de regulação
emocional em sua segunda entrevista, o que nos ajuda a inferir sua dificuldade antes do
programa: “Depois do programa, decidi que não vou me comunicar se estiver com raiva
porque não estou em um estado em que sou capaz de realmente comunicar meus sentimentos.
Aqui outra participante que relata problemas de comunicação e interação no trabalho
é Indira, que em sua primeira entrevista comenta:
Acho que quero aprender a ser assertiva, acho que com meus colegas de
equipe é algo em que quero trabalhar. Não apenas os colegas de equipe,
mas basicamente em uma configuração profissional, como você pode ser
mais franco quanto às suas preocupações, mas ainda ser capaz de manter
uma boa amizade. Acho que ainda não estou lá. Sinto que, se discordo de
alguém, não sou capaz de olhar para aquela pessoa nos olhos dele, sabe
...sorrir para ela, o que está errado. Eu deveria ser capaz de fazer isso.
Na mesma linha, Susan destaca em sua entrevista após o programa que está pensando
mais antes de agir no ambiente de trabalho, denotando dificuldades de autoconsciência e
autorregulação antes do programa:
226
“estou mais consciente, pensando mais nas coisas antes de falar [do que
antes do programa]. Assim como nas reuniões e na vida pessoal e
profissional, quando alguém diz alguma coisa, em vez de apenas reagir
imediatamente, eu tomo um momento e faço uma pausa para pensar sobre
isso.
“E, com a minha filha, por exemplo, eu consegui estar mais presente com
ela, em vez de constantemente, tentar estar em outro lugar quando estou
com ela. Também com os amigos, acho que consegui me conectar um
pouco mais com eles”
sustentabilidade social e ambiental relevantes e como se relacionavam com tais questões traz
esclarecimentos importantes neste sentido.
Este depoimento parece assumir uma certa ignorância da sociedade – por isso
estávamos testando - quanto aos danos que nossa forma de ser e agir no mundo causa ao
planeta, ao mesmo tempo em que agora temos um futuro melhor justamente porque quase o
comprometemos. De certa forma, parece haver de forma implícita uma visão de
instrumentalidade e controle do ser humano em relação à natureza. Existe, portanto, pouca
ou nenhuma reflexão sobre interdependência. Na fala de Susan na entrevista após o
programa, a executiva relata como está mais consciente da interdependência e de seu efeito
no mundo: “Estou mais consciente do lixo que estou gerando, dos tipos de alimentos que
estou comendo, de como minha reação mesmo que eu não esteja dizendo nada, afeta outras
pessoas”
Já Talisha e Adriano colocam em suas entrevistas como notam a falta de interesse
coletivo – e mesmo em si - em agir efetivamente para cuidar da natureza. Talisha comenta:
Anjali destaca em sua primeira entrevista que ter mais contato com a natureza é algo
que gostaria de voltar a realizar: “Hoje em dia, praticamente não tenho feito muitas dessas
coisas que costumava fazer ... das quais sinto falta ... mas tento sair para correr de vez em
quando. Provavelmente esse é um aspecto que me falta um pouco.”
Alicia se mostra com uma atitude muito favorável a questões relacionadas a ecologia
e responsabilidade social. Como vemos em sua primeira entrevista, Alicia relata que se
tivesse um negócio, ele seria ecologicamente responsável:
230
Entretanto, tal relato também em sua primeira entrevista sugere que antes do
programa não está tão conectada à natureza e mesmo ao entorno:
Eu acho que estar na área de tecnologia e estar na área da baía por tanto
tempo quanto você gosta, você começa a perder apreço pelo seu entorno,
pela cidade e pela natureza e, portanto, eu gostaria de ter motivação para
apreciar mais.
Positivamente, veremos mais adiante que Alicia fez importantes mudanças em sua
forma como se relaciona com a natureza. Mais uma vez, ao que parece existe um modo de
ser e agir que tende ao piloto automático e afeta a todos os participantes. O que os impedia
antes do programa de viver de forma mais alinhada ao que reconhecem ser benéfico e
valoroso é um fator psicossocial e temos que resistir ao impulso de individualizar a
responsabilidade. Como a literatura adverte, muitos problemas relacionados a nossa forma
de viver e agir em sociedade e mesmo conosco tem causas sistêmicas, relacionadas à cultura
vigente neoliberal e sendo produzidos e reforçados constantemente (Ouriques, 2014; Schmitt,
2017). Este efeito vai se repercutindo na forma como vivem suas vidas, na forma como lidam
com seus próprios valores (negligenciados) e vão se absorvendo pelas demandas cotidianas,
notadamente relacionadas preponderantemente ao trabalho.
De fato, mesmo com os relatos anteriores sobre aquecimento global e
sustentabilidade, apenas Alicia – com reciclagem - se juntam a Mark e Claudia que
demonstram condutas prévias ao programa relacionados à sustentabilidade e como veremos,
tal predisposição e conduta após o programa da ação psicossocial foram fortalecidos.
Mark relata sua forma de diminuir impacto no meio ambiente:
“Eu diria que sou muito assim, quase não tenho lixo, quase tudo que tenho
é reciclável. Os poucos exemplos são quando eu compro algo que vem em
sacos plástico..., mas, às vezes, evito comprar esses materiais”
individuais e coerência com o que acha importante, por mais que isso seja difícil e para além
de si mesma:
“Se eu quero comer carne, se eu quero que o mundo inteiro coma carne,
isso significa que não haverá mais natureza. Se quero que a natureza
exista, isso significa que não devo comer mais carne. Então já faz um
tempo, acho que tenho 10 anos sem carne e 3 anos totalmente vegana”.
“Isso está me mantendo acordada à noite. De um lado, estou feliz por estar
aqui [São Francisco], mas sim, isso está me preocupando, com as eleições
chegando na próxima semana, mas não apenas no lugar em que chegamos
a um lugar no Brasil que é um lugar de ódio e polaridade que você precisa
escolher um lado e tem que ser contra o outro lado e não há empatia
naquele lugar, ninguém está tentando entender como pensam os outros, e
isso é realmente de partir o coração.”
“Acho que não apenas não estamos pensando um sobre o outro, como
pensamos em quem está ganhando ou perdendo. Acho que não pensamos
em nosso ser social ou em nossa rede como sendo um. No final do dia,
quando temos outras pessoas de fora da Califórnia ou mesmo dos Estados
Unidos, sempre pensamos em nós mesmos primeiro.”
Maria também se mostra bem sensível a questão de inclusão. Única mulher em uma
equipe de engenheiros, afirma ouvir constantemente piadas sexistas no trabalho, além de se
sentir incomodada com o fato de não haver negros ou latinos em sua área. Por essas
preocupações e desejos de mundo equânime é possível notar que os alguns dos participantes
já trazem em suas vivências atitudes favoráveis à responsabilidade social e ambiental.
Mark avança na crítica e menciona como há questões sistêmicas em ação,
influenciando o status quo. Sua fala exemplifica essa visão de mundo e suas causas,
abordando a indústria cultural e perpetuação de normativas:
Entretanto, em sua segunda entrevista Mark deixa claro que ainda não exercia algum
comportamento de influência em seu local de trabalho, o que veio a mudar após a ação
psicossocial como veremos mais adiante.
Ir contra desigualdades, ambição corporativa e demandas questionáveis requer muito
engajamento pessoal e dependendo do contexto, não é suficiente mesmo para pequenas
mudanças. Durante o programa, após o journaling da sessão 2, os participantes foram
convidados a escrever sobre como poderiam honrar a interdependência em suas vidas no
ambiente de trabalho na próxima semana. Uma discussão dos participantes Anjali, Adriano,
Vihaan presente no diário de campo da sessão 2 traz importantes reflexões:
Esse relato demonstra como os participantes não consideram que poderiam mudar
algo efetivamente, embora Adriano reconheça de forma enfática a necessidade que isso
precisa ser mudado. Também demonstra aceitação à frustração e sentimento de impotência,
ao passo que Vihaan destaca que o poder de influência é limitado. Nota-se, uma visão além
de fatalista, individualista, pois em nenhum momento são cogitadas iniciativas coletivas para
que haja maior poder de influência.
Estas falas trazem à lume um dos principais pontos de Guattari (2000) onde traz o
capitalismo mundial integrado e sua indústria cultural disseminando seus valores e normas
como o ethos dominante. Assim, para Guattari a busca por originalidade como o um passo
inicial de emancipação dos valores do sistema, sendo urgente encarar seus efeitos no domínio
da ecologia mental, no seio da vida cotidiana individual, tanto pessoal quanto profissional.
Se atuar nos problemas do mundo parece ser algo abstrato demais, compreender a
forma como os participantes então lidam com seu mundo mais próximo, suas relações sociais
pessoais e profissionais, nos ajuda a mergulhar um pouco mais fundo no contexto dos
participantes. O quadro que encontramos parece guardar semelhanças com os relatos
anteriores.
Para além das preocupações sociais e ambientais descritas, a forma como lidam com
pessoas em seu círculo mais próximo é abordada a seguir. Da mesma forma, o padrão pouco
consciência e no piloto automático, sem maior reflexão crítica sobre se como estão vivendo
é de fato o que gostariam de estar vivendo se manifestou. Os dados aqui apontam para redes
de apoio significativas, mas não vivenciadas e isto irá ajudar na compreensão dos resultados
sobre valores que falaremos mais adiante.
234
Por outro lado, lhe é importante o resgate de sua ancestralidade para compreensão e
relação para consigo:
Sua fala aponta as dificuldades que enfrentou, mas sua abertura para
autoconhecimento e o valor que dá a família (e às expectativas da família em relação a ele) e
estar no programa faz parte desse processo. Adriano fala sobre isso também ao descrever sua
filha e esposa:
“Então, com minha filha, ela é minha vida ... Acho que ela traz à tona
sentimentos que ninguém fez antes. Sabe, é natural que eu não tenha que
me esforçar para estar com ela, apenas sou atraído por ela, sabe? Com
minha esposa, eu a amo. Estamos juntos há muito tempo.”
“Mas com esses exercícios [do programa], percebi que estar perto da
minha família é uma parte muito grande de minha felicidade”.
Claudia e Susan são duas participantes que ilustram bem como os valores estavam
sendo negligenciados e não havia resolução antes do programa para se agir neste sentido.
235
Claudia conta em sua entrevista após o programa como passou a perceber que o contato com
sua família é primordial a ela, fato que ela não havia relatado em sua primeira entrevista
denotando que neste momento antes do programa ela não tinha tanta reflexão sobre este valor.
Susan, conforme diário de campo da sessão 3, destaca como a clarificação de valores
foi um amadurecimento ocorrido ao longo do programa, indicando ausência de maior
consciência ou reflexão sobre o que é valoroso para si antes de participar do programa:
De fato, Susan na entrevista posterior ao programa relata que estava vivendo no lado
oposto do país, longe de suas referências familiares, suas redes de suporte afetivo e que não
agia em relação a isto:
“Era algo que eu pensava antes do programa, mas não agia. Então eu
pensei: "Eu realmente não gosto de morar aqui, devo voltar para a costa
leste".
"Eu saí de férias com vários colegas. Algo que não posso dizer que já fiz
em outros lugares [locais de trabalho]. Então, honestamente, muitos dos
meus melhores amigos estão aqui”.
“Em vez de ser pragmático, estou sendo muito mais, acho que ligado a
inteligência espiritual que você falou. Ajudando-os a pensar um pouco
mais sobre a inteligência espiritual”.
“Então, acho que sempre há um fio comum no qual você pode construir
uma base com alguém. Seja essa uma cidade que você foi, seja uma comida
comum, agora estou descobrindo apenas emoções comuns [risos]. Você
sabe, eu nunca tinha visto isso antes. Eu estava olhando para pessoas,
236
Sua fala demonstra não julgamento e abertura por outros e também, uma certa
empatia. Sai foi o único a mencionar compaixão por outros como uma das expectativas com
o programa e tal fala já mostra um pouco do caminho de abertura e conexão com outras
pessoas que ele estava tomando.
inspiração em compreender o fenômeno observado nesta pesquisa tem como base autores
que contemplam a intrincada relação entre psique (e.g., modelos mentais, crenças, atitudes),
sociedade, cultura e ambiente. Como exemplo, Felix Guattari (2000) postula que mudanças
em esferas ambiental e social não estão desconectadas de mudanças na esfera mental, ou seja,
de uma ecologia mental. Assim, a subjetividade humana, nossa cultura, as relações sociais e
o meio ambiente estão intimamente interconectados. Na medida em que os participantes
começam a entrar em contato não apenas com seu sofrimento, mas também com as causas e
condições que o geram, começam a serem mais hábeis ao lidar com o sofrimento em si e fora
de si.
Assim sendo, começamos nossa análise pelo aprofundamento nos detalhes das
mudanças cognitivas, atitudinais e comportamentais dos participantes em relação a si, para
na sequência abordarmos tais mudanças na relação com o outro e com a natureza.
Estou muito mais consciente das coisas ruins que estou fazendo e estou
tentando fazer ativamente pequenos ajustes para chegar onde preciso
estar. E reconhecendo que as coisas nas quais confiei no passado, sejam
saudáveis ou não, fui muito inflexível na maneira como me envolvi com
elas.
240
Oh. Sim. Mais foco. Eu também acho que definitivamente o meu melhor é
estar mais consciente e estar mais em contato com o que estou sentindo.
Muitas vezes, acho que não entendia o que estava sentindo, então é difícil
articulá-las. Então, isso é estar mais consciente de mim mesma.”
“Aquele segundo. Eu não consegui ser muito mais gentil, mas tenho mais
consciência. Tipo, vamos lá, relaxe. E então, apenas a consciência de como
isso é ou o que isso faz com a minha psique. Sim, então a autoconsciência
existe um pouco mais.”
“Eu estou tentando, você sabe, às vezes, dar um passo atrás e parecer:
“tudo bem”, parte disso isso são emoções, vamos, você sabe, se acalmar.
Eu acho, você sabe, alguns dos apenas, você sabe, fortalecer esses
músculos. Só através da prática, acho que é um benefício real.”
Este processo encontra eco na literatura e está associado aos conceitos de desfusão
cognitiva, a habilidade de reduzir não se identificar com pensamentos, emoções e sensações,
de forma que pensamentos sejam experimentados apenas como pensamentos, emoções são
apenas emoções e sensações corporais são apenas sensações corporais; e a aceitação
pensamentos, emoções e sensações sem tentativa de criar oposição a eles (Hayes, Luoma,
Bond, Masuda, & Lillis, 2006; Shapiro et al., 2006). Além dos exemplos destacados, um
relato interessante do uso da prática para se (des)identificar dos pensamentos, emoções e
sensações foi o de Anjali:
“Na semana passada eu tive que, bem, me ofereci para voltar à minha
escola de negócios para um evento de voluntariado. Se você olhar para a
minha turma, existem muitos CEOS, vice-presidentes seniores que se
formaram na minha turma. Mas eu meio que estou onde estou. Havia muita
ansiedade, mais autoinfligida do que não. Entrei em contato com um
professor, que era meu professor favorito. Ele arrumou um tempo para
mim e eu fiquei ansiosa por vê-lo (medo de ser julgada como mal
sucedida). Eu estava em um avião e estava trancado. Eu pratiquei meus
exercícios de respiração. Houve um exercício: é verdade? Então, acabei
de fazer esse exercício: isso é verdade? Isso é realidade? Tenho que me
encontrar com meu professor e ele era adorável. Suas perguntas eram mais
sobre sou feliz, sou saudável. Os alunos, você percebe que eles estão em
sua própria mentalidade, eles não se importam com você, eles só querem
um emprego. [os participantes riem] Isso foi bom, fez com que se sentisse
menos ansiosa.”
Como resultado, a capacidade de lidar de forma mais hábil com o conteúdo interno
estão positivamente associados a uma maior capacidade de regular as próprias emoções
(Chambers, Gullone, & Allen, 2009). Os relatos a seguir confirmam esta correlação.
emoções. Claudia aborda o tema relacionando à sua carreira, em como está conscientemente
lidando olhando os fatos com mais objetividade desde o fim do programa:
Este relato tem intima relação com o processo de desfusão cognitiva, que permite
olhar a situação com mais objetividade e perspectiva. Outros relatam sobre como estão
lidando com suas relações pessoais; diminuindo sofrimento e comunicando o que sentem;
percebendo suas emoções e o que podem fazer para lidar com elas. No diário de campo da
sessão 4, Adriano relata sobre o tema:
“Novidade: fui para yoga fui à semana passada e fui na segunda-feira. Foi
bom, me ajudou a relaxar. Se fico sobrecarregado ou tenho fortes emoções,
tento fazer uma pausa e perceber o que está acontecendo, em perspectiva
... isso ajudou”
Esse relato de Adriano traz duas ações. Uma conduta nova relacionado ao Yoga e sua
habilidade de perceber como se sente e examinar em perspectiva o que passa. Esse processo
é bem relatado na literatura como um processo de regulação emocional adaptativo. Isso é
muito positivo visto que na entrevista anterior ao programa sua forma de lidar com os
desafios do cotidiano muitas vezes incluíam pílulas ou maconha.
Em outro exemplo, Talisha relata o desenvolvimento de novas estratégias de
regulação emocional em sua segunda entrevista:
Como consequência de uma melhor forma de lidar com suas emoções e dificuldades,
a não reatividade surge como resultado expressivo do programa.
“Penso mais antes de agir”: maior autorregulação e não reatividade
Como esperado, apenas um dos participantes não relatou diretamente nas entrevistas
pós programa menor reatividade à experiência interna (R. Baer et al., 2008) e maior
autorregulação, nossa capacidade de capacidade de gerenciar ou alterar efetivamente as
respostas e os impulsos (Vago & Silbersweig, 2012). De fato, a literatura aponta tais fatores
como positivamente relacionados ao desenvolvimento de mindfulness (Shapiro, 2009). Como
exemplo, Susan menciona na entrevista após o programa no contexto do ambiente de
trabalho:
Uma comparação interessante com ao relato acima vem de uma fala sua encontrada
no diário de campo da sessão 3:
O diário de campo da sessão 1 ilustra que Susan disse que um de seus objetivos era
aprender a não reagir, mas sim responder calmamente aos desafios. Pelos diários de campo
nota-se sua evolução nesse aspecto; Susan conseguiu aprender a cultivar essa habilidade
principalmente no espaço de trabalho, o que culmina na fala da entrevista acima. Indira, na
sessão 4 também demonstra evolução neste objetivo e entusiasmo em continuar com as
práticas:
“Para mim, quero continuar fazendo isso ... não quero parar depois que o
programa parar estar mindful está ajudando a me manter super calma, sou
mais capaz de responder do que reagir agora do que antes. Eu tenho que
continuar fazendo isso, continuar meditando, quero continuar fazendo isso
depois do programa”
244
Felizmente, em sua segunda entrevista, Indira - que tinha como uma das expectativas
ter melhores interações no ambiente de trabalho - comenta evoluções neste sentido:
Ou seja, mesmo que não tenha sido possível captar nas entrevistas anteriores ao
programa o quanto eram reativas, os relatos apontam de certa forma avanços neste sentido.
Já Mark aborda menor reatividade por outro ângulo durante a entrevista após o programa.
Sua reação imediata ao entrar em discussões ou mesmo simples trocas de opiniões com
colegas era o silêncio. Agora, ele é mais assertivo: “Então é, quero dizer, pode parecer pateta,
mas eu me sinto mais confortável e confiante para poder comunicar isso a outras pessoas, eu
consideraria um benefício.”
Uma das participantes, Anjali, expos sua dificuldade em não reatividade durante a
entrevista antes do programa como vimos. Entretanto, também menciona intenção em não
reagir e percebe que muitas vezes não consegue fazê-lo. Isso demonstra autoconsciência, mas
também a dificuldade em traduzir a intenção em conduta. Entretanto, na entrevista posterior
ao programa, Anjali relata avanços:
“Essa era a outra coisa que eu queria desenvolver, é que reagir versus
responder. Isso é algo da sua aula [do programa]. Realmente importante
criar o espaço para que você possa ter uma resposta versus uma reação.
Decidi que vou definir as intenções no início [intenções conscientes antes
de interações] e estarei mais atenta a isso.”
“Eu tentei mudar a maneira de ir pra casa dessa maneira. Eu meio que fui,
em vez de pegar o último ônibus para casa, andei para casa [...] me fez
apreciar o meu entorno, apreciar minha vizinhança, em vez de apenas
olhar para uma tela [..] “ajudou meu bem-estar, saí pra correr pela
primeira vez em várias semanas então definitivamente aumentou minha
saúde Acho que estou aqui [local de trabalho] há tanto tempo que perdi
um pouco o brilho”
Importante lembrar que este relato da sessão dois mostra um efeito direto da sessão
1, cujo tema foi mindfulness e o journaling estimulava os participantes a buscar formas de
estarem mais conscientes do presente. Na quarta sessão, Alicia relata ampliação desse estado
de presença:
“Eu sei que já faz algumas semanas [ela diz que esteve no Havaí no fim de
semana passado] meio que fiquei tranquila e fiz uma caminhada de 8 km
sozinha. Aquele foi realmente um momento relaxante, eu aprecio meu
ambiente e não conversei com ninguém. Quando cheguei ao topo e disse:
eu deveria fazer mais disso. (...) Ao voltar, parei na mesa de apoio a
deficientes no almoço e fiz uma doação”
“E, com a minha filha, por exemplo, eu consegui estar mais presente com
ela, em vez de constantemente, tentar estar em outro lugar quando estou
com ela. Também com os amigos, acho que consegui me conectar um
pouco mais com eles, estar com eles quando com eles.... Eu não os vejo
com tanta frequência, então isso foi bom.”
Mais uma vez, vemos que o desenvolvimento de uma maior habilidade de regulação
atencional e maior orientação para o presente pode nos ajudar a regular a conduta de forma
consciente e relacionada ao que consideramos importante. Adriano em sua primeira
entrevista relata que estar com a família é importante, porém considerava este um ponto de
melhoria. No relato acima, Andrés por meio de sua regulação atencional buscava de fato estar
246
presente. Estes relatos acima já ilustram algumas mudanças na forma como os participantes
se relacionavam com outras pessoas – em especial as pessoas ou causas relevantes - fruto
direto de uma maior clareza sobre o que é realmente importante para si.
Reflexões conclusivas sobre Mindfulness: abertura e presença ao momento
Os resultados encontrados sobre o desenvolvimento de habilidade de mindfulness
apontam como os participantes do programa iniciaram o cultivo dessa habilidade. Conforme
destacado pela literatura, o desenvolvimento de mindfulness traz benefícios salutares como
os anteriormente descritos, mas seu desenvolvimento pede por alguma dimensão de esforço.
Conforme visto no referencial teórico, o desenvolvimento de habilidades de mindfulness está
relacionado a maior observação da experiência do momento presente, agir com mais
consciência, aceitação do que se apresenta, não julgamento e não-reatividade (R. Baer et al.,
2008), estando associado a diversos benefícios como maior autoconsciência, regulação
emocional, aumento de bem-estar e mesmo condutas mais responsáveis (Shapiro, Carlson,
Astin, & Freedman, 2006).
Mindfulness não é uma habilidade que se desenvolve rapidamente, necessitando de
esforço e disciplina, mas também autogentileza. O programa ajudou no primeiro passo, em
colocar a semente no solo; mas a colheita varia para cada um. Mais ainda, é possível notar a
influência do desenvolvimento de habilidade de mindfulness no que concerne o olhar para
suas próprias vidas e seus valores – um reflexo direto de se estar mais consciente sobre si e
sobre como está agindo - como abordaremos a seguir.
“Eu sempre fui uma doer, mas era melhor ter sido uma doer com propósito”: Sobre clareza
de Valores e busca de congruência
De fato, esta busca de Adriano por propósito vem desde antes do programa –
conforme relatado em sua primeira entrevista e o programa reforçou esta atitude. Maria
avança em sua reflexão sobre o que é valoroso no journaling sobre o leito de morte realizado
na sessão 3: “A pergunta sobre o fim da vida foi um tapa na cara ... Quando você for velho,
vai realmente olhar para trás sobre o trabalho que fez ou para a cidade que gostaria de estar
e que nunca esteve?”
Implícito neste questionamento está a reflexão sobre prioridades na vida e como o
trabalho tomou conta de suas vidas e identidades. Susan, conforme diário de campo da sessão
3, destaca como a clarificação de valores foi um amadurecimento ocorrido ao longo do
programa. A evolução se deve ao fato de o programa estimular pequenas vitórias, onde
mudanças sustentáveis devem ser realizadas continuamente e de forma marginal. À exemplo
disso, no diário de campo da sessão 4, Adriano: “Estávamos mais confiantes em nossa
capacidade de fazer as coisas… Para mim, para ser sincero, foi porque eu defini ações as
mais simples comparadas à primeira sessão”
248
No diário de campo da sessão 4, Anjali relata uma definição de direção valiosa quanto
a sua abordagem de cuidado consigo mesma:
“Quando o fiz pela primeira vez [o exercício de valores], senti que havia
escrito demais, mesmo que ele [Rodrigo] tenha dito para preencher apenas
três ou quatro [valores]. Eu fiz a maioria deles. Mas desta vez eu realmente
fiz apenas dois ou três. Eles eram pequenos para começar, mas agora
ainda menores. Uma delas é: continuo dizendo que apoio muitas pessoas
diferentes a desempenharem seu papel. Mas agora estou apenas evitando.
Meu objetivo é ser útil e solidária, mas ultimamente não tenho sido, eu
me sobrecarregava."
Sua fala traz dois insights importantes: a instrução dada no exercício de valores na
primeira semana era para focarem em apenas 3 áreas de suas vidas que eles mais sentissem
necessidade. Anjali deixa claro – e não estava sozinha nisto – que tentou responder a todas
as doze áreas do exercício. Até aqui a cultura de hiper performance se manifesta. Outro
aspecto foi sua autoconsciência ao perceber que ajudar a todos estava sendo prejudicial a ela.
Na literatura de empatia, temos evidências de burn out ligados a processos empáticos
e compassivos (Kestenberg, 2010; Singer & Klimecki, 2014). Assim, este relato sugere uma
necessidade de autoconsciência e autocuidado como premissas para um agir no mundo mais
compassivo e mesmo saudável. Tal como Tenzin Gyatso (2016) adverte, cuidar dos outros
requer cuidar de si mesmo. Os exemplos mostram como foi relevante para os participantes
buscar conhecer o que lhes importava, o que desejavam e perceber a si. As reflexões se
localizam em diversas áreas de suas vidas, como por exemplo, alguns participantes notaram
a relevância de estar mais em contato com suas famílias – Susan na entrevista posterior ao
programa estava vivendo no lado oposto do país, longe de suas referências familiares, suas
redes de suporte afetivo:
“Era algo que eu pensava antes do programa, mas não agia. Então eu
pensei: "Eu realmente não gosto de morar aqui, devo voltar para a costa
leste". Mas foi praticamente o mais longe chegou. Mas então, acho que foi
a sessão três, quando foi como: "Onde você quer estar nos próximos cinco
anos e que ações você pode tomar agora para chegar lá?" Era como, "Oh,
como eu deveria fazer algo sobre isso agora, certo?"
249
O relato acima ilustra uma atitude intensificada em relação a uma direção mais alinha
a seus valores. Mark, por exemplo, entendeu que um de seus valores diz respeito a como ele
se relaciona com as pessoas, onde fica implícito que valoriza gentileza e paciência nas
relações interpessoais. Assim, começa a mostrar uma maior atitude em ajustar sua conduta
nesta direção:
“E eu diria que estou me esforçando mais para tentar ignorar isso e, assim,
ajudar e ser amigável e envolvente. E você sabe que aceita isso, sabe que
nunca vai se dar bem com todo mundo 100% e tudo bem. Mas você ainda
pode ser gentil e amigável, e todas essas coisas e, portanto, eu diria que é
provavelmente onde eu notei a maior mudança em mim, tentando colocar
mais esforço nas pessoas com as quais eu possa ter problemas.”
Além disso, ela também relata na entrevista após o programa como de fato chegou a
agir neste sentido:
É interessante como uma analista de dados, que estava em uma função restrita a
aumentar a receita de sua área, agora quer impactar de maneira positiva o usuário do produto
de sua empresa. Ao que parece, é um início de um movimento de foco no lucro para foco nas
pessoas. Claudia em sua segunda entrevista também relatou desconforto em relação ao seu
trabalho e uma busca por um sentido que justifique o que faz de forma recente:
“E apesar disso, cada vez mais eu sinto que eu estou procurando clareza
na minha contribuição, clareza na minha entrega. Eu acho que isso para
mim traz um sentimento de conquista, de significado. Tipo, se eu sei qual é
o meu papel eu sei qual é o meu impacto. Enfim, eu acho que isso tem sido
também uma descoberta recente.”
Portanto, demonstram abertura para maior alinhamento entre suas carreiras e seus valores.
Por exemplo, Claudia relatou uma reavaliação do que seria valioso neste momento de sua
vida:
Quando questionada sobre essa direção valorosa mais voltada a si e como isso se
sucedeu, Claudia relata um processo de autoconsciência, empatia e compaixão:
“Só depois eu comecei a entender que não tem como olhar para o outro
sem olhar para você. Esse processo de olhar para mim foi muito importante
para conseguir olhar para fora. Eu comecei a explorar a mim e
compreender limites e como me posicionar no mundo. Diante disso,
comecei a desenvolver empatia, buscando entender de onde cada um vem,
as batalhas que cada um compra...E isso tem relação por exemplo com o
caso do carrefour29, onde o vigia atacou o cachorro. Quem ataca tem um
quê de vítima, pois viver com esta carga, esse ódio, faz da pessoa sua
primeira vítima. Um ataque é pontual, mas um sentimento desse você se
torna seu criador e isso é muito prejudicial para você mesmo, as vezes até
mais do que pro outro".
Essa fala tem amplo respaldo quando nos baseamos em textos budistas. Tenzim
Palmo (2018) destaca que o que realmente precisamos fazer é começar a olhar dentro de
nossa confusão e isso é a base para ver a confusão nos outros. À medida que níveis mais e
mais profundos de nossa psique se abrem, isso naturalmente libera nossa compaixão inata.
Assim, podemos agir em meio ao mundo mais habilmente.
Claudia conta em sua entrevista após o programa como passou a perceber que o
contato com sua família é primordial a ela, fato que ela não havia relatado em sua primeira
entrevista denotando que neste momento antes do programa ela não tinha tanta reflexão sobre
este valor:
“Eu nunca achei que fosse escolher ou recusar um trabalho por questão
de localização. E hoje, para mim, tenho uma direção significativa: bem-
29
No momento da realização das entrevistas – janeiro de 2019 – havia ocorrido em dezembro de 2018
um incidente no qual um cachorro foi morto por um segurança em uma loja do Carrefour e foi tema de uma
onda de protestos no Brasil.
251
“Agora estou tomando medidas proativas para voltar à Índia, para poder
ser feliz depois de voltar e não me arrepender de voltar. Então, estou
planejando minha vida de acordo com essa mudança. É uma coisa
realmente importante e não devo colocar isso em segundo plano.”
De fato, Adriano mais de um ano depois da ação psicossocial ainda mantém contato
com o facilitador e autor da tese compartilhando mais práticas meditativas e vice-versa. Uma
estimulação dialógica que demonstra autonomia e implicação. Comparado aos relatos
encontrados na etapa de baseline da pesquisa, esta busca por saúde, bem-estar e
espiritualidade é um forte contraste ao uso de maconha e sedativos de antes.
Outra participante que é possível visualizar grande diferença entre a primeira vez que
realizou o exercício de valores (Sessão 1) e a última (Sessão 4) é Talisha. Seus relatos
registrados em diários de campo reforçam a diferença mencionada quanto a clarificação e
definição de direções valiosas, assim como o engajamento dela com o programa:
252
Grifo nosso. Forte contraste com os relatos de Talisha na etapa de linha base da
pesquisa. Mais uma vez, vemos como a identidade de ser executiva que trabalha de forma
incansável era o centro de seu ethos de vida. Sua decisão corajosa ajudou a ver como estava
apartada dos valores que a pouco identificou como seus, como seu trabalho não estava
fazendo sentido e a impulsionar a buscar outras direções para si.
“Sim, as últimas duas semanas foram muito, muito estranhas, acho que é
tempo para mim, porque nunca não trabalhei tanto na minha vida adulta.
E eu participei de duas atividades que eram muito, muito significativas
para mim e decidi prosseguir para essas atividades.”
30
OKR (Objectives and Key Results) é uma metodologia de gestão muito utilizada por empresas no
vale do Silício. De modo simplificado, pode se dizer que é uma fórmula para definir metas sendo como “Eu
vou” (Objetivo) “medido por” (conjunto de resultados-chave).
253
De fato, Talisha fez o que na última sessão do programa relatou: pediu licença. Todo
esse processo de reflexão e questionamento parece estar acompanhado de insights
importantes que de certa forma podem refletir o estado de desconexão com si que é pervasivo
a muitos trabalhadores. Essa lógica de produtividade e performance incessante é um
fenômeno social da estrutura capitalista contemporânea neoliberal (Ehrenberg, 2016;
Griffith, 2019). O seguinte relato de Talisha em sua segunda entrevista avalia qual foi o
principal benefício que o programa lhe proporcionou, simboliza esta questão:
“Eu sempre fui uma “fazedora” [tradução livre: doer], mas devo ser uma
“fazedora” com um propósito, uma “fazedora” autêntica, e não apenas
uma “fazedora”. Então, dando um passo para trás e percebendo que
realmente começa comigo. Sim, foi o meu maior ganho [do programa]”.
Isso também é visualizado nos diários de campo. Adriano, na sessão dois relata:
“então um dos valores era estar mais próximo da minha família [...] “Minha mãe estava
visitando na semana passada, então tentei estar mais perto dela, tendo conversas mais
significativas”
Similarmente, Anjali busca fazer coisas benéficas e importantes a si apesar das
dificuldades:
"Eu tive uma insônia muito ruim esta semana. No passado, quando isso
aconteceu, eu me permiti pular minha rotina de ginástica para algo
importante para mim. Dessa vez eu não fiz isso. Quero dizer, poder ir à
academia foi muito relevante para mim, porque foi uma semana difícil.”
“Uma coisa que percebi foi que não tenho nem uma foto da minha família
e amigos em minha casa, por isso não me senti em casa e sinto muitas
saudades de casa .... Então, imprimi fotos deles e pendurei nas paredes….
Agora me sinto bem e feliz. Eu tenho sido mais social recentemente ... Foi
em uma das minhas visões que eu queria um melhor relacionamento [...]”
Sua fala demonstra como o processo ligado a clareza de valores se estruturou para
ações simples, mas que lhe acalentam e consegue unir valores a ações. Adicionalmente, seu
exemplo se manteve após o programa como relatou na entrevista pós programa:
Sua fala sintetiza a implicação em ações simples ligadas aos valores recém
descobertos ou lembrados. Aponta desenvolvimento de autoconsciência e aceitação. Como
consequência, mudanças drásticas ou não, todos os participantes relataram definições de
direções valiosas alinhadas aos seus valores e a busca por congruência.
255
Walk the talk e o poder da intenção consciente: “estou em direção a um resultado que é
holisticamente saudável para mim?”
Uma das estratégias dos participantes para que haja para maior congruência entre
condutas e valores aprendida no programa foi elaborar intenções conscientes para o dia. De
fato, alguns participantes destacam que estabelecimento de intenções conscientes para o dia
como uma forma de estar relembrando essa integração, de fazê-la parte das suas atividades
diárias. Como vimos na literatura, uma intenção pode ser traduzida como algo a ser atingido.
Trata-se estabelecer uma atitude para o dia, uma direção valorosa. Durante o programa esta
prática foi estimulada como forma de se manterem conscientes sobre suas ações e colaborar
para que estas estejam alinhadas aos seus valores e aspirações genuínas. De fato, já estavam
desenvolvendo esses hábitos, como demonstrado nas falas dos diários de campo. O diário de
campo da sessão 3, traz este relato de Sai:
onde pela primeira vez usou de intencionalidade e consciência em seu trabalho e como isso
lhe otimizou a reunião:
"Sim. Tento ficar mais atenta quando acordo. Eu costumava pegar meu
telefone de manhã e começar a verificar todos os meus e-mails, mensagens
de texto, sites, tudo. Agora estou me controlando mais. Estou mais
consciente de mim e levo um momento para definir minha intenção para o
dia”
“Acho que é exatamente como passo meu tempo. Como estou investindo
em mim mesmo, me tornando intencional e proposital no que faço e
conduzindo a um resultado que é por design e holisticamente saudável para
mim? Tentando ser muito mais atencioso em todas as reuniões em que
participo: qual é a intenção dessa reunião? O que estou tentando fazer as
pessoas sentirem? O que preciso fazer para me colocar no estado físico e
mental correto, a fim de poder dar isso à equipe?”
Nessa fala ele também coloca outro ponto interessante, o compromisso com si
mesmo. De fato, os participantes perceberam a relevância de se direcionar pelos valores
(re)descobertos, mas isso não retira a dificuldade de efetivamente fazê-lo, levando a uma
tensão entre estes estados. O que esta pesquisa demonstrou é que a autoconsciência de seus
valores contribui na mudança, lhes ajuda a encontrar sentido em suas vidas e a tomar
pequenos passos de encontro aos seus valores.
Claudia exemplifica isso em uma de suas falas na entrevista pós:
“E o que eu sinto que foi aumentado com o programa, é, que hoje eu estou
com mais dificuldade de navegar, é o lado de como trazer isso, conectar
isso com o meu trabalho. Se eu parto do princípio de responsabilidade,
isso me ajuda muito, que é a questão da arquitetura de escolha.”.
258
Em outro momento da entrevista, ele novamente levanta essa culpa porém com a
clareza de que no momento estar mais próximo de seus entes queridos não lhe é prioridade,
apenas quando ele é lembrado (seja durante o programa como mencionou na fala acima)
pelos familiares que os mesmos retornam a ser prioridades:
Sua fala levanta a questão sobre dificuldade de priorizar, seja a si mesmo, suas
relações ou a saúde. Por certo, Timothy não está sozinho nesta dificuldade de priorização.
Outro ponto relatado foi o término do programa: Susan e Anjali falaram que durante o
programa estavam mais atentas aos seus princípios e conseguindo agir de acordo com eles, o
que não conseguiram manter com a mesma intensidade após o programa.
Elas ressaltam como as sessões acontecendo estimulavam; a presença dos outros
participantes e os “check ins” semanais ajudaram a manter disciplina e rotina. Em uma
perspectiva gestáltica, falam sobre manter os valores como figura, não apenas fundo em suas
vidas.
À exemplo disso, Susan comenta na entrevista pós:
“Tem sido meio difícil de manter após o curso. Porque durante o curso,
259
“Sentei-me e fiquei frustrado. Eu tinha coisas para fazer. Eu sabia que era
importante, mas esse curso não era o momento certo para minha agenda.
Acho que no primeiro minuto, talvez, houve uma tensão interna muito
grande em mim, pensei que isso [o programa] seria uma perda de tempo.
260
Eu deveria estar priorizando outras coisas. Então reconheci que fiz uma
escolha consciente de participar deste treinamento, e estava fisicamente
presente, então, em vez de lutar contra isso, por que não desistir e ver o
que acontece?”
Vale destacar que Timothy chegou atrasado à primeira sessão e não teve tempo
disponível para realizar sua primeira entrevista. Timothy não apenas seguiu até o final, mas
arrumou tempo para se encontrar comigo em uma sessão extra que ofereci a quem faltou
algumas das sessões. Ao final do programa, foi um dos mais entusiastas com o programa,
convidando ao autor da tese para palestrar para outros membros da empresa de seu mesmo
nível hierárquico.
Reflexões conclusivas sobre valores: ecologia mental em andamento
Nos baseando nos relatos dos participantes, os resultados da pesquisa no que concerne
a valores foi positivo vista a correlação entre clarificação, estabelecimento de direção valiosa
e busca de coerência entre valores e condutas. Estes relataram conseguir se encaminhar para
isso, de formas diferentes e de acordo com o que era possível para cada um. Isso demonstra
a relevância do programa e do uso de mindfulness como ferramenta para percepção de
valores.
Um dos pontos importantes foi o resgate de seus valores pessoais que iam contra os
valores hegemônicos capitalistas neoliberais atuais. Mesmo que os movimentos tenham sido
em geral relacionados a questões pessoais (e.g., carreira; saúde) ou relacionadas a seus entes
queridos (e.g., família) e não relacionados diretamente a predisposições e condutas
sustentáveis, isso não deve ser visto com pesar.
O pensamento ecosófico de Guattari (2000) afirma que as mudanças sociais e
ambientais necessárias não estão desvinculadas de mudanças na esfera mental. O que
simboliza algo promissor nos resultados acima foi o início de uma emancipação dos
participantes em relação à assimilação apática de valores do sistema e um movimento em
direção a uma maior autenticidade. Segundo Guattari (2000, Pag. 55), originalidade é um
passo inicial de emancipação dos valores do sistema e característico de uma ecologia mental
em andamento:
Assim, repensar caminhos de vida, resgatar valores esquecidos pode ser o início de
um efeito dominó positivo em suas vidas e nas vidas que são impactadas por suas vidas.
Entretanto, dificuldades foram encontradas por eles, mais ou menos enraizadas em suas
vivências, o comprometimento para consigo facilitou ou dificultou mudanças, de forma que
é relevante analisar os resultados sobre autocompaixão encontrados para melhor esclarecer
essas dificuldades.
Isso é muito positivo, visto que Anjali sempre se mostrou muito crítica e julgadora
consigo mesma. Mark, por sua vez, no diário de campo da sessão 4 destaca que voltou a
frequentar aulas de ginástica na empresa:“voltei a tirar proveito das classes aqui. Costumava
fazer, mas parei porque tinha uma agenda cheia. Vou me permitir mais.”
262
Alicia em sua segunda entrevista conta que passou a acender velas em sua casa como
uma prática de autogentileza e o impacto desse momento em seu bem-estar:
Já Talisha retoma a questão do uso do tempo com atividades que nota lhe fazerem
bem e lhe permitem focar em si: "Quando faço ioga, na verdade, isso é mais um alívio. Acho
que se pratico ioga, deixo de lado todos os outros pensamentos, menos eu. Esse é apenas um
tempo para mim. Eu preciso olhar para mim."
Seu exemplo, surpreende ainda mais se analisado em comparação com a entrevista
prévia ao programa:
“Acho que reconheço que estou estressada, e sei que estou estressada, e
digo: "Sim, entendi. Estou estressada, mas preciso fazer isso. Eu meio que
defini uma necessidade que realmente não existe. Não acho que me trate
muito bem.”
Talisha estava consciente de como não estava se cuidando, do seu excesso de trabalho,
mas não estava tendo uma postura ativa de autocuidado. Uma de suas falas diz que quer
trabalhar em sua felicidade, sem bem-estar, mas ainda não estava acontecendo. A palavra
acontecer é interessante pois sugere que isso não estaria sobre seu controle. O exemplo de
Talisha, além de mostrar gentileza consigo mesma demonstra como os participantes
relataram tentativas de aliviar seu próprio sofrimento buscando formas de lidar com situações
que sabidamente não lhe faziam bem. Timothy, por exemplo, conta em na entrevista após o
programa como o programa ajudou a projetar hábitos mais saudáveis e práticas que
auxiliaram seu bem-estar:
"Da forma como estava era insustentável. Então, novas rotinas de treinos,
rotinas alimentares, fui criando espaço para ler ou refletir. Agora estou
encontrando maneiras de infundi-las em outras áreas. Em vez de estar no
meu telefone no ônibus, tomo 10, 15 minutos para ficar consciente, refletir,
descomprimir e não enfrentar uma lista de tarefas. Embora não seja uma
263
Esta fala de Alicia traz alguns pontos importantes sobre autocompaixão. Como a
revisão de literatura indicou, autocompaixão traz componentes de sabedoria discriminativa
(i.e., a capacidade de avaliar a própria conduta) e sabedoria reflexiva (i.e., a capacidade de
ver os eventos de forma realista e desenvolver entendimento sobre condutas pessoais que
podem contribuir para o sofrimento vivido). Assim, criar espaço para não apenas se cuidar,
mas refletir sobre as causas e condições do próprio sofrimento é fundamental.
Vihaan também demonstra reflexão neste sentido. Tais resultados começaram a
acontecer durante o programa por conta dos questionamentos que as atividades pedagógicas
estimulavam. No diário de campo da Sessão 4, Vihaan relata:
“Para mim, tem sido levar algumas horas da semana para pensar sobre o
que está acontecendo na minha vida, tenho 2 horas de carro, o tempo de
viagem, o tempo para saber o que está funcionando, o que não está
funcionando, o que é que eu tem que fazer diferente”.
de autocuidado, um tipo de gentileza e de gosto por si como algo muito necessário, sendo a
base para que ajudemos a nós mesmos e aos outros.
Este relato ilustra de forma explicita uma dificuldade de compaixão a si tão profunda
e enraizada que nem é percebida. Por outro lado, no diário de campo da última sessão, Sai
expõe que: “Eu fiz um retiro de ioga neste fim de semana. 8 horas por dia. Isso foi novo,
muito intenso. Era sábado e domingo. (...) Estou me saindo melhor em cuidar de mim, está
sendo difícil, mas estou melhorando”
265
Este dado aponta que o programa pode estar estimulando seu autocuidado.
Interessante que Sai questiona o efeito do programa em si. No diário de campo da sessão 4,
Sai comenta em grupo:
“Vocês acham que as coisas que acontecem aqui [programa] fazem algo
em nós no nível subconsciente? Porque eu liguei para minha mãe, eu não
faço muito isso. Liguei para ela diretamente, não para o meu pai, para
quem eu normalmente ligo..., mas de repente eu fiz, sem pensar muito”.
Talvez o ato de Sai possa ser explicado pelo fato de se permitir se cuidar mais e isto
evocou em si maior autoconsciência, entrando em maior contato com seus valores e
sentimentos anestesiados com entes mais queridos. De fato, a literatura afirma que
autocompaixão invoca qualidades de bondade e sentimentos de interconexão, estando
associada a uma maior conexão social (Neff, 2003b). No que diz respeito a sustentabilidade,
tais traços são fundamentais, em especial para avanços no campo social.
Tendo em mente os relatos acima de Sai, cabe ressaltar que suas dificuldades são
imensas e ele conseguir compartilhar estes relatos em grupo é um avanço. Isto sugere efeitos
positivos do programa. De fato, todos os participantes que relataram dificuldades de
autocompaixão lançam um olhar otimista para essa dificuldade, como algo em progresso e
que estão dispostos a mudar. Da mesma forma, Anjali relata na entrevista pós ação
psicossocial que passou a entender o que significa ser mais gentil consigo mesma, o que para
ela é notável:
"Eu acho que no passado, eu ouvia com um chefe, um amigo ou até um
namorado dizer: Você precisa ser mais gentil consigo". Eu reagia tipo, eu
nem sei o que isso significa. Mas agora sinto que compreendo muito mais
esse conceito. Acho que talvez o próximo passo seja começar a executar
um pouco mais.”
A fala de Anjali se une a outros depoimentos que estão relacionados a autogentileza,
a busca por reduzir o próprio sofrimento e menos autojulgamento, evidenciando o aumento
de autocompaixão e autocuidado nos participantes do programa. Como mencionado na
contextualização dos resultados, cabe um olhar estendido para a participante Anjali.
Aqui foram demonstrados diversos exemplos de dificuldade de autocompaixão,
julgamento excessivo e demandas incompatíveis com a realidade, e nela, particularmente,
tais traços parecem ser mais resistentes. Para Anjali, ser gentil e cuidadosa consigo é muito
difícil, por vez que está começando a compreender o que isto significa. Importante ressaltar
também que ela é a participante mais velha, viveu dificuldades em seu trabalho por ser
mulher atuando em tecnologia em uma geração diferente das demais. No entanto, ela
266
“E então, depois que eu sai de licença, esta é minha segunda semana, então
eu diria que cerca de oito dias depois, eu estava contando ao meu
namorado, eu estava contando aos meus colegas de trabalho que pela
primeira vez em cerca de dois meses eu consegui realmente dormir.
Mais uma vez, vemos o imperativo da hiper performance (Ehrenberg, 2016) e seus
efeitos danosos na saúde mental e mesmo física. Contudo, destacamos que o caminho de
resgate de sua saúde e bem-estar não foram apenas práticas de mindfulness para alívio
momentâneo de suas aflições, mas sim o questionamento sobre os valores e seu estilo de vida
e a reconexão com atividades que eram importantes para ela31.
O movimento de Talisha e de outros participantes em direção de uma vida mais
significativa por meio do alinhamento com seus valores está associada a melhores níveis de
bem-estar (Christie et al., 2017; Hayes et al., 2006) e é central na Terapia de Aceitação
Compromisso como discutido no capítulo de literatura.
De forma similar, outros participantes relataram menos estresse e ansiedade
após o programa. Adriano, por exemplo, diminui estresse em sua vida tanto por causa de sua
habilidade desenvolvida de ver as coisas em perspectiva – nitidamente relacionada a
regulação emocional e desfusão cognitiva - como pelo alinhamento de sua vida a valores
autênticos:
31
Talisha informa em janeiro de 2020 que atualmente está se dedicando internamente a projetos de
igualdade de gênero.
268
De fato, a literatura que examina a relação entre mindfulness e bem-estar afirma que
maior mindfulness resulta em mais bem-estar não apenas pela melhora de habilidades
cognitivas que impactam em regulação emocional, mas devido a uma postura mais consciente
e alinhada com aquilo que lhe é importante (i.e., valores) (K. W. Brown et al., 2007b). Mark
em seu relato ilustra este ponto, visto que ele mencionou o quanto buscava ser mais gentil,
presente e paciente nas relações interpessoais. Adicionalmente, percebe-se o efeito sinérgico
das práticas de mindfulness e os exercícios de valores realizados no programa como
fundamentais para melhoria no bem-estar dos participantes.
Reflexões conclusivas sobre bem-estar: quando bem-estar individual não ameaça o bem-
estar planetário
Um ponto de avanço em relação ao um mundo mais sustentável é que tais incrementos
de bem-estar não estavam relacionados a fatores que são um contraponto ao bem-estar
planetário. Como vimos, os diferentes níveis de bem-estar que foram encontrados reafirmam
a visão de ecologia mental do programa de pesquisa, onde os participantes notaram
importância de cuidar de si, desenvolverem autocompaixão e questionar valores e
direcionamentos de vida.
De fato, Brown & Kasser (2005) demonstraram que pessoas felizes vivem de forma
ecologicamente responsável quando esses indivíduos são orientados por valores
“intrínsecos” (i.e., orientação para crescimento pessoal, busca de autenticidade,
relacionamentos e envolvimento com comunidade) e não valores "extrínsecos" (i.e.,
orientados para sucesso financeiro, imagem e popularidade) e são mais conscientes de sua
experiência interior e de suas condutas, o que é um resultado direto do desenvolvimento de
mindfulness. Para avançarmos nesta questão, vamos abordar como as transformações vividas
pelos participantes em relação as relações com os outros e a natureza. Antes, contudo,
convém sumarizar os resultados encontrados até o momento.
objetiva, flexível e não reativa em relação à experiência interior (K. W. Brown, 2003; K. W.
Brown et al., 2007a), assim como uma clarificação de valores e a busca por alinhar a vida
com tais valores com maior senso de sentido e propósito e bem-estar (Hayes, 2016).
Desta forma, percebe-se que houve um aumento de bem-estar mais alinhado a
perspectiva de bem-estar não hedônico, baseado no maior alinhamento de valores e condutas,
autocompaixão por meio de maior autogentileza e autocuidado e uma busca por mais sentido
e propósito (Ryff, 1989). Esta dimensão de bem-estar segundo vimos na literatura não é, em
princípio, conflitante com o bem-estar planetário. Pelo contrário, podem ser positivamente
relacionadas se os valores cultivados forem de natureza menos materialista e mais espiritual.
Como nosso pressuposto teórico se baseia no paradigma da complexidade e seus
princípios, acreditamos que a insustentabilidade da sociedade está presente também no ser
humano, sendo um assim espelho. Cabe ao ser humano primariamente olhar para si,
transformar a si, cuidar de si. Sem isso, incorre no risco de buscar inabilmente resolver os
problemas do mundo. Os relatos discutidos neste bloco de resultados indicam que este
processo se iniciou. A seguir, veremos os desdobramentos nas relações com os outros – tanto
no espaço pessoal quanto profissional - e com a natureza.
Todos os participantes relatam terem adquirido mais consciência e reflexão sobre suas
ações e como estão impactando o mundo. Existe um feixe de efeitos relacionados a forma
como os participantes foram impactados pelo programa que se referem diretamente a visão
de mundo, valores e condutas entos que estão positivamente relacionados à sustentabilidade,
como maior percepção de interdependência, empatia e compaixão.
Nota-se maior incidência de empatia, compaixão e condutas prossociais na esfera
pessoal que no contexto de trabalho, mas não em grande diferença. De forma promissora,
271
“Realmente único e útil para eu ver minha vida de uma forma visão holística”: percepção
de interdependência no tecido social
O conceito central do programa de nossa ação psicossocial foi interdependência,
consciência de implicação de todos por todos, de tudo por tudo. No programa
interdependência foi o tema central da sessão 2, onde foi realizado o exercício do chocolate,
o exercício mais comentado pelos participantes.
Claudia comenta em sua entrevista após o programa:
"Eu acho que o principal que ficou comigo do programa foi até o que eu
compartilhei em algumas sessões, foi a noção de interdependência e de
como os meus pensamentos, as minhas ações têm que estar conectadas com
o que eu tenho que construir. Não só interdependência do que é externa,
mas também do que é interna: do que eu penso, do que eu falo, do que eu
sinto e das ações que eu tomo. Eu tenho estado bem, eu sinto que entrei
num nível de consciência que eu não tinha. E eu acho que isso traz uma
forma diferente como eu abordo e percebo coisas corriqueiras, assim, do
dia a dia mesmo."
“Estou mais consciente do lixo que estou gerando, dos tipos de alimentos
que estou comendo, de como minha reação mesmo que eu não esteja
dizendo nada, afeta outras pessoas. E era isso que eu queria com [com o
programa], estar mais consciente, mais presente e mais, qual é a o mundo
que estou criando?”
aprendizados que teve com o exercício do chocolate foi despertá-la para o efeito negativo
silencioso de suas ações. Maria, por sua vez, destaca como o entendimento de
interdependência despertou nela maior atenção na vida diária e mesmo alterando sua forma
de consumo:
Aqui, vemos uma predisposição e condutas alteradas, visto que isso definitivamente
mudou para ela. Corroborando o aumento de consciência de interdependência nos
participantes, Sai em sua segunda entrevista exemplifica como ultimamente tem
contemplado toda a cadeia produtiva relacionado à sua alimentação durante o ato de se
alimentar:
Alicia em sua segunda entrevista destaca que após o exercício do chocolate, sua
consciência de interdependência aumentou e, ao mesmo tempo, isto tem lhe estimulado a
notar coisas que não consumava e a ver as coisas – inclusive sua própria vida – com outra
perspectiva:
Ainda assim, estar consciente da interdependência pode não ser suficiente para
estimular mudanças de condutas. Ao longo das sessões, entretanto, buscamos meios de
aprofundar esta discussão e estimular formas de vivermos de maneira que honrasse a visão
de mundo como interdependente. Para avaliar em que medida esse aumento de
interdependência se traduz em outras condutas relacionadas à sustentabilidade – seja social
ou ambiental – vamos explorar mais resultados.
“O exercício de não ignorar o que eu não sei, não ignorar o que eu não vejo e me colocar
no lugar do outro”: sobre empatia, compaixão e responsabilidade
Ao analisar os resultados, quatro participantes relataram mudanças recentes em sua
forma de perceber e agir que denotam aumento de empatia. Compreendendo empatia como
uma habilidade dividida entre cognitiva e emocional, os participantes relatam sobre ambas
sendo que a cognitiva foi mais presente. Ao final do programa, Claudia relata a situação do
Carrefour que simboliza empatia cognitiva:
Sua fala denota a busca de estabelecer uma perspectiva de ver a situação do lugar do
segurança. Em situações mais próximas dos participantes e relacionadas a situações de
trabalho, também há exemplos. À exemplo disso, questionada sobre se percebeu alguma
mudança em si desde o fim do programa, Alicia comenta:
“Eu tenho vindo trabalhar com uma mente renovada e, você sabe, tenho
buscado tratar meus colegas de trabalho com respeito e ser honesta, e meio
que, ouvir primeiro quando eu me comunicar. Eu trabalho muito em torno
de grupos de afinidade aqui, e tento ser o mais inclusiva possível, tento ver
pontos de vista de todos os ângulos diferentes, como em reuniões e outras
coisas”.
274
“É estranho dizer isso, mas eu ouço mais. Aproveito o tempo para apenas
ouvir. Eu nem interrompo ninguém durante o que eles querem dizer, mesmo
que eu concorde ou discorde, eu apenas fico sentada e deixo que eles falem.
Sim, então é uma maneira completamente diferente de como eu já me
comuniquei.” [...]”.
"Eu acho que as pessoas têm grandes expectativas do que elas sentem que
merecem. Eles sentem que são mais merecedores do que realmente são. As
pessoas compartilham opiniões e no final do dia é apenas uma opinião.
Mas acho que sim, acho que meus sentimentos em relação aos outros agora
são que as pessoas estão ficando um pouco mais sensíveis a seus próprios
sentimentos pessoais.”
De fato, Indira tem usado a meditação como um meio hábil de lidar com aflições.
Mais ainda, sua fala sugere implicitamente que a meditação da compaixão pode de fato ajudar
seus pais, mesmo à distância:
Esta aspiração que realizar a prática pode impactar seus pais pode denotar uma
consciência de interdependência mais radical (e vemos isso como positivo, não negativo).
Outro participante que relata o uso da meditação da compaixão como um meio de auxiliar
um ente querido foi Timothy. Este relato foi observado no diário de campo da sessão 3,
quando Timothy compartilhava em seu grupo ações mais conscientes e compassivas que
tinha realizado na semana anterior. Timothy destacou que sua esposa e ele, em menor escala,
tinham problemas de insônia. Ao compartilhar a prática da compaixão com sua esposa – um
ato por si só compassivo - ambos se sentiram melhor:
Timothy traz mais informação sobre como o programa lhe forneceu ferramentas para
ser mais hábil em ajudar sua esposa. Vale destacar que Timothy nunca tinha realizado curso
algum de meditação anteriormente. Concomitantemente, percebe-se que ele explora o uso
das práticas com sua esposa por achar um ambiente mais seguro e assim, pode avaliar os
resultados:
“Isso aconteceu várias vezes em que ela acordava no meio da noite, pude
ver que ela está realmente estressada. Então, a auxílio a fazer uma pausa
e concentrar-se em seus pensamentos e sentimentos, sua respiração, e
apenas começar a realmente explorar como ela está se sentindo, seja física
ou emocionalmente, como uma maneira de ajudar a obter alguma
perspectiva sobre seja o que for que a esteja desafiando naquele
momento”.
Como não pudemos realizar entrevista com Timothy antes do programa, não sabemos
se isto já era uma atitude anterior ao programa, mas seu relato sobre pragmatismo na
comunicação que destacamos na etapa de ponto de largada indica evolução neste aspecto
com seus colegas de trabalho. De forma análoga, Mark relata o fato de estar compartilhando
os exercícios e reflexões vistos no programa com colegas de trabalho: “Tenho mais
familiaridade e me sinto mais confortável com o tema [mindfulness] e acho que eu estou
mais disposto a ser um advogado da prática internamente".
Anjali, por sua vez, relata uma conduta que a fez se sentir orgulhosa:
Sua fala não somente expressa empatia e uma atitude compassiva como também uma
mudança na forma como se vê: se sentiu orgulhosa de si ao ajudar a filha da amiga. Para ela,
com suas dificuldades de autocompaixão, se sentir orgulhosa de si ao fim do programa é um
grande resultado, ainda mais quando lembramos que antes do programa ela disse não ter nada
a se sentir orgulhosa de si (apesar de ser uma executiva do vale do silício). Ao que parece, o
programa ajudou a perceber desigualdades sociais, senti-las (literalmente) amargas em sua
boa e estar consciente de suas ações para reduzir impacto. Este efeito pode convergir em
condutas compassivas.
Alicia fala sobre percepção de interdependência de uma forma que se conecta com as
questões sociais e sua relação com a indústria do chocolate, denotando empatia:
“Sim, isso é algo que você, no fundo provavelmente sabe que está
acontecendo ou sabe que existem partes do mundo que estão vivendo dessa
maneira, mas se você não reservar um tempo para realmente observar ou
assistir aos vídeos sobre o que está acontecendo com aqueles que estão
colhendo cacau, isso realmente não afeta você.”
Além destes relatos colhidos nos diários de campo, na entrevista pós programa, Mark
em suas falas traz o fato de estar compartilhando os exercícios e reflexões vistos no programa
278
com colegas de trabalho: “Tenho mais familiaridade e me sinto mais confortável com o tema
[mindfulness] e acho que eu estou mais disposto a ser um advogado da prática internamente"
Esse relato reforça a predisposição de Maria em ter empatia por pessoas situações em
vulnerabilidade. Na entrevista anterior ao programa, Maria afirmava que buscava ser
compassiva com pessoas de rua, respeitando-os e se possível, dando alguma comida. Ao que
parece, o programa pode ter reforçado esta predisposição ou trazido mais à sua consciência
esta questão, visto que ela reporta maior orientação da atenção ao momento presente, assim,
podendo perceber mais claramente o sofrimento à sua volta. Apesar de não saber o que fazer
279
em relação às pessoas de rua, Maria aponta para mudanças em sua forma de consumir como
esforço de se tornar mais responsável socialmente: “Eu compraria o que fosse conveniente e
agora não me importo de pagar mais, desde que seja mais, é dinheiro indo para as pessoas
certas que eu apoio.”
Já Talisha relata sobre como a forma de se relacionar com outras pessoas – no trabalho
e fora delas - que constantemente estava relacionada a competição, está sendo reciclada:“Eu
poderia estar fazendo algo mais do que ver, eu acho, a vida de outras pessoas e sentir que
deveria ser capaz de competir contra elas. É sempre como aquele sentimento de
competição.”
O relato de Talisha denota uma reflexão crítica quanto a um dos valores dominantes
em nossa cultura, a competição. Isso é muito importante pois processos de mudanças
sustentáveis pedem por questionamentos e reflexões sobre as premissas e valores que
sustentam a forma de ser da sociedade. Aqui, temos o questionamento de uma das concepções
sobre sociedade ideal: competitividade (Laininen, 2018). Quando interdependência e
compaixão começam a emergir como uma nova concepção de mundo, valores e crenças
antigas começam a serem questionadas. Ainda assim, há dificuldades e todo processo de
mudança requer tempo e por que não, autocompaixão também.
"Existem sete bilhões de pessoas no mundo e todo mundo tem seu próprio
conjunto de pontos de vista e opiniões e, como resultado, haverá coisas
acontecendo no mundo com as quais você concorda ou pode não
concordar. Poderia ser relacionado às relações comerciais entre os países.
Ou pode estar relacionado ao aquecimento global. Pode estar relacionado
a várias outras coisas que estão acontecendo. Você tem influência sobre
alguns aspectos dele. Você não tem influência sobre partes significativas
280
dele. Como resultado, é mais sobre como você faz as pazes com isso e vive
sua vida."
Esta fala se junta a de outros participantes – como a de Claudia que diz que o processo
de olhar para si foi muito importante para conseguir olhar para fora - que remetem uma certa
interdependência entre autoconsciência, autocuidado e maior capacidade de cuidar das
questões do mundo. Neste sentido, levar responsabilidade social para o trabalho pode ser uma
tarefa mais complexa ainda.
Ir contra desigualdades, ambição corporativa e demandas questionáveis requer muito
engajamento pessoal e dependendo do contexto, não é suficiente nem para pequenas
mudanças. Conforme apontado no diário de campo da sessão 2 (reproduzido na seção de
dados da etapa baseline), o diálogo entre Anjali, Adriano e Vihaan denota uma visão de pouca
influência e desamparo. Anjali é chefe formal, mas não atua na esfera de compras que teria
maior impacto em sustentabilidade. Ou talvez pela razão explicada por Adriano, sob estarem
tão ocupados com seus próprios problemas. Nota-se, nesta linha, uma ausência de
movimentos coletivos por parte dos participantes para se reverter esse processo, como buscar
ajuda mútua. Nossa visão é que no ambiente onde o individualismo e o mito do herói
corporativo imperam, buscar iniciativas coletivas não é a inclinação usual. Assim, Vihaan
diz que não há como ter influência em tudo, denotando uma perspectiva mais individual e
fatalista. Este diálogo ocorreu na sessão 2, sendo que na sessão 3 buscamos trazer o exemplo
dos votos em uma eleição para minimizar esta crença que ações individuais não têm impacto.
Claudia em sua entrevista após o programa relata sua vontade de dar um sentido e
propósito ao que faz, e mais uma vez, traz para si uma autorresponsabilidade de se fazer algo
no seu próprio ambiente de trabalho:
281
“Agora, o que estou fazendo é usar as técnicas meditativas que você nos
guiou no programa para focar mais em como eles [membros de sua equipe]
pensam e sentem, e quais são suas reações. Em vez de ser pragmático,
estou sendo muito mais, acho que ligado a inteligência espiritual que você
falou. Ajudando-os a pensar um pouco mais sobre a inteligência
espiritual”.
Mais adiante, relata outra ação que estava planejando e na possibilidade de também
ter a presença do autor da tese:
Estas iniciativas demonstram o potencial que Timothy possui para exercer forte
impacto positivo na empresa. Analisando os resultados em conjunto, percebemos que 9 em
12 participantes terminaram o programa com incrementos claros em predisposições e
condutas prossociais, como busca de empatia, compaixão e responsabilidade social, ainda
que pesem as dificuldades de se operacionalizar isso no ambiente de trabalho e suas
diferenças individuais.
Síntese sobe maior responsabilidade com os outros e a sociedade: uma nova esperança
Seja em buscar escutar mais, buscar se colocar no lugar de outros, repensar o
consumo, relembrar pessoas de coisas boas que elas já fizeram ou planejar iniciativas de
projetos que possam mudar a mentalidade dentro da empresa, temos exemplos de empatia,
compaixão, atitudes prossociais que indicam um efeito positivo do programa em habilidades,
predisposições e condutas positivamente relacionados a sustentabilidade.
Neste ponto, a consciência de interdependência surge como potencial variável que
potencializa tais mudanças. Pelos relatos dos participantes, o conceito foi recorrentemente
resgatado em diferentes contextos como influência nas atitudes e condutas relatados.
Outro ponto de destaque é que, ainda que vindo de poucos, os resultados apontam
iniciativas relacionadas à liderança que privilegiam mudanças no status quo e a promoção de
valores diferentes dos hegemônicos que são responsáveis por um quadro de
insustentabilidade tanto interna quanto externa às empresas, representando uma promoção de
sustentabilidade cultural, uma das aspirações desta pesquisa. Tal resultado promissor faz
32
Por questões de agenda não conseguimos concretizar minha visita.
33
Termo usual para encontro externo de equipe. Prática comum em empresas grandes com orçamento.
Em geral se trata de um evento de planejamento onde o corpo executivo se reúne e elabora estratégias para o
próximo período. Não pude pois já havia retornado ao Brasil.
283
Nesta seção abordamos em que medida temos mudanças nas visões de mundo,
habilidades, predisposições e dos participantes relacionados a sustentabilidade ambiental.
Seguindo a lógica de que que mudanças em nível pessoal, social, cultural e ambiental são
interdependentes (Guattari, 2000; Morin, 1999), o quadro geral dos resultados sugere mais
uma vez uma intrincada relação entre a percepção de interdependência e a maneira como
passam a ser relacionar com o ambiente natural.
Em que pese as diferenças individuais, há mudanças visíveis em relação à
predisposição, como querer se envolver mais em atividades próximas a natureza, assim como
em condutas, como buscarem mais contato com a natureza e repensar o consumo de forma
que se torne mais responsável ecologicamente.
Sua fala exemplifica como percebe impacto em sua forma de agir e assume
responsabilidade quanto suas ações para cuidar do meio ambiente. Isso parece ter ido
reforçado pelo programa como veremos em ouro relato. Outra participante que demonstra
em sua entrevista após o programa uma atitude positiva em relação a estar em meio à natureza
é Talisha:
Não temos dados anteriores que mostrem que Talisha sentia essa conexão com
natureza. Por sua vez, Claudia relata que o conceito de interdependência a levou a reflexões
sobre diversas ações e seus impactos e a responsabilidade que isto deve envolver:
“Isso me forçou a pensar não apenas no trabalho, mas no meio ambiente e no meu impacto
no meio ambiente”: condutas sustentáveis
285
“Fiz questão de tentar encontrar, embora não tenha conseguido desta vez
(olha para a xícara de café nas mãos), canecas em vez de garrafas de
plástico ou até copos recicláveis, mas não garrafas de plástico. No almoço,
evitei carne por causa das mudanças climáticas. Parece um pouco ridículo,
mas acho que tudo funciona e venho tentando fazer mais e mais. Isso tem
estado mais em minha mente do que o normal.”
Mark deixa em sua segunda entrevista, mostra que passou a influenciar seu local de
trabalho:
De fato, Alicia relata que as atividades do programa tiveram impacto direto em sua
reflexão sobre sua relação com a natureza:
“Na natureza, sinto que estou recarregada e pronta novamente”: reconexão com a natureza
Alguns participantes, relataram como passaram a perceber a natureza e sua conexão
com ela. Alicia segue sua descrição sobre as mudanças que ocorreram em sua relação com a
natureza, agora abordando sobre honrá-la e apreciá-la de forma que tenha até replantado a
planta – fato que ela diz ser novo - que foi usada na sessão 4. Em sua entrevista após o
programa, relata: “Isso tem a ver com apenas reapreciar a área da baía e a beleza da
natureza ao nosso redor...além disso, eu comi o alecrim que você nos deu no final da aula,
e eu replantei para que ele pudesse continuar crescendo”.
A forma como Alicia descreve sua relação com a natureza não foi replicada por
muitos, o que demonstra a percepção de interdependência necessita ser ainda mais presente,
capilar, para que mais resultados como esses cresçam. Adicionalmente, o diário de campo da
sessão 4 aponta que ao realizar o exercício de valores, Sai destacou: “Eu poderia dedicar
algum dinheiro apenas para o bem-estar, por exemplo, comprando plantas! Coisas que eu
pensei que não precisava, mas que acho que poderiam ser realmente boas”.
Seu relato é interessante pois sugere que comprar plantas – em essência, tê-las por
perto - estaria relacionado a aumentar seu bem-estar. Além disso, é válido lembrar que na
sessão 4 todas as mesas tinham vasos de plantas compradas pelo facilitador pois seriam
usadas na meditação no final da sessão. Mais adiante, Sai continua: “Eu também pensei que
poderia ser legal plantar algumas árvores! Depois do incêndio34, você sabe, só para
espalhar algumas sementes, não pode ser tão difícil assim?”
Sua fala sutilmente demonstra preocupação ambiental e honra a natureza ao desejar
plantar uma árvore. No entanto, alguns colocam em suas entrevistas a importância de
reconexão com a natureza quanto a prática de esportes ao ar livre (e.g. Vihaan, Indira,
Timothy, Susan, Anjali). Isso demonstra possível aumento da sensação de se energizar com
a natureza. Adicionalmente, alguns participantes (Claudia, Susan, Alicia) relatam práticas
que podem auxiliar nessa conexão e mesmo na contemplação da interdependência. Claudia,
por exemplo, descreve quando praticou:
34
Grande incêndio que atingiu o estado da Califórnia nos meses de setembro e outubro de 2018.
287
compreensão das causas e condições de seu próprio sofrimento e a busca mais hábil em se
afastar destas causas e condições.
Aqui vimos que habilidades cognitivas como maior habilidade de mindfulness,
clareza de valores e de autocompaixão reverberam em melhorias de bem-estar. Em que pese
diferenças individuais, os relatos apresentam mudanças substanciais na relação com si, em
especial maior grau de autoconsciência, clarificação e direcionamento de vida em torno de
valores autênticos e maior autocompaixão. No entanto, muitos ainda caminham na direção
de serem mais autocompassivos e de conseguirem no dia a dia estarem mais alinhados aos
valores (re) descobertos.
Da mesma forma, mudanças na relação com o outro são visíveis, especialmente onde
a consciência de interdependência alterou a visão de mundo de participantes como Alicia,
Claudia, Susan, Indira, Maria e em menor grau, Talisha e Sai. Ainda nesta categoria, maior
predisposição por condutas prossociais parece ser pautada no desenvolvimento de maior
consciência de interdependência.
Apontou-se também que as práticas e atividades do programa foram recorrentemente
mencionadas e compartilhadas pelos participantes com outras pessoas, seja no âmbito pessoal
como no âmbito profissional. Assim, os resultados encontrados nesta tese sugerem forte
conexão entre atividades pedagógicas que impulsionaram a percepção de interdependência,
valores e compaixão e predisposições e condutas que estão positivamente relacionados com
sustentabilidade social.
Foram apresentadas dificuldades e os dilemas que os participantes vivenciam na
busca por se tentarem incorporar mais condutas responsáveis socialmente em suas rotinas e
espaços de vivência. Em sua última classe de resultados, vemos que a relação com a natureza
também sofreu modificações, principalmente para aqueles que previamente já demonstravam
certa inclinação a isto. Neste ponto, vimos que condutas mais sustentáveis relacionados a
reciclagem e consumo responsável e maior senso de conexão com a natureza foram os
resultados mais relevantes na categoria.
Assim, ao analisarmos o processo de transformação dos participantes entendemos que
a maior contribuição deste estudo reside na compreensão que sustentabilidade pede por
mudanças transversais, perpassando a si e a sociedade, sendo uma abertura para o
questionamento de nossa forma de perceber, ser e agir em meio ao mundo, uma ecologia
mental que que vai inevitavelmente reverberar nas esferas social e ambiental. Desta forma,
um padrão disfuncional de viver em sociedade é também reflexo de um padrão disfuncional
na relação com si. Assim, argumentamos que o indivíduo e a coletividade estarão mais aptos
289
Entendemos ser relevante detalhar como a metodologia foi determinante para o para
os resultados alcançados. Esta seção contribui para a tese por apresentar aprendizados que
podem colaborar com pesquisadores que se identifiquem com a mesma abordagem
qualitativa em trabalhos futuros. Os resultados anteriormente abordados foram não apenas
decodificados, mas construídos e alcançados por meio de uma opção metodológica
qualitativa calcada em um paradigma da complexidade de Edgar Morin (2005). Em nossa
análise, a escolha do método qualitativo se mostrou pertinente e, mais que isso, fundamental
para a pesquisa.
Para efeito de compreensão, um insight comum registrado por três dos cinco
assistentes de pesquisa em seus diários de campo da sessão 1 apontavam que os participantes
reagiam de forma positiva demonstrando curiosidade e atenção quando o facilitador
compartilhava trechos de sua história pessoal corporativa ou estratégias que usava para lidar
com as dificuldades de manter uma prática meditativa diária. Isso influenciou o programa,
pois o facilitador incorporou mais exemplos pessoais aos temas que eram abordados.
291
por duas vezes nos EUA - tendo por objetivo encontrar maneiras de desenvolver nas pessoas
uma percepção de “Eu” (Self) mais unido e interconectado no mundo. Emily relata que o
programa a fez estar segura de seu caminho como professora da Yoga como parte de seu
propósito de vida. Deseja, no futuro, levar a prática para empresas. Por último, Jonas, que
em comum com o autor da tese tem um background formal em métodos quantitativos e
formação em graduação relacionada à administração de empresas.
Em seu diário de campo da última sessão, seu último parágrafo traz estas palavras
que evitaremos analisá-las, por acreditarmos que sua mensagem será mais compreendida se
for sentida:
“No final do programa, quando estávamos em círculo dizendo as palavras
finais, eu me senti muito conectado com essas pessoas. Na verdade, até
senti uma tristeza por ser a última vez que os verei. Mesmo que eu não
tenha interagido intensamente com a maioria deles. O fato de estar sentado
na mesma sala, fazendo os mesmos exercícios e provavelmente sentindo os
mesmos sentimentos me deu uma sensação de familiaridade com eles.
Também sou muito grato porque este workshop me ajudou a reativar meu
lado mais humano. Normalmente sou alguém que concentra a atenção em
sistemas, objetivos e etapas para alcançar esses objetivos. Dessa vez,
descobri o quanto é importante se sentir humano. Reconhecer que outros
são humanos (e não apenas partes de um sistema). É algo que eu perdi
muito. E agora percebo o quanto estava sentindo falta disso”.
Este relato aponta como a visão de mundo mecanicista permeia as escolas de negócios
atualmente. Entretanto, também ilustra como o programa baseado em atividades cognitivas
e afetivas pode estimular a reflexão crítica e proporcionar um novo olhar para os futuros
gestores. Há esperança!
A metodologia foi determinante não apenas para uma geração de dados vastos e
profundos, como para os próprios efeitos relatados. Desta forma, nossa tese se sustenta no
paradigma que abraçamos para compreender a natureza dos fenômenos observados e nos
procedimentos de coleta e análise de dados baseados no método qualitativo. A fluidez e
profundidade do método, aliada a visão de mundo que o paradigma da complexidade nos
proporciona, permitiu a produção de um conhecimento que não tem a intenção de simplificar
relações entre variáveis ou se tornar generalizável, mas sim estabelecer um potencial caminho
– como os resultados sugerem - para lidar com o desafio da construção de planeta sustentável.
A seguir, o capítulo final. Nele apresentamos as reflexões conclusivas do trabalho,
assim como sugestões de pesquisas futuras e de melhores práticas para replicação do
programa – mesmo fora do ambiente organizacional - da ação psicossocial realizada nesta
294
pesquisa. Nossa aspiração é proporcionar meios de que novos programas possam avançar
onde não pudemos ou conseguimos.
295
estes se reunirem. Ainda assim, o maior impeditivo em nossa visão foi a própria rotina
sobrecarregada de trabalho para que se houvesse tempo de se formular algum
empreendimento coletivo. Isso, por si só, já é um dado relevante que aponta como o
paradigma neoliberal é pervasivo em diversos pontos de nossas vidas e dificulta alguma
emancipação do sistema.
Um ponto que vale destacar é que poucos participantes tinham papéis formais de
liderança. Se por um lado, este ponto pode ser percebido como uma limitação pois se
tivéssemos mais participantes em níveis hierárquicos mais altos, potencialmente estes teriam
mais oportunidades e meios formais de influenciar suas equipes de trabalho e talvez a cultura,
políticas e práticas corporativas. Mas esta tese não tinha como avaliar os efeitos na empresa
nem a curto prazo. Ademais, vale salientar que estudos comprovam que liderados com maior
nível de mindfulness podem ser elementos de mudanças organizacionais e melhor ponto de
apoio para líderes com viés ético (e.g. Eisenbeiss & van Knippenberg, 2015). Assim,
mudanças individuais na base têm relevância na transformação cultural corporativa e devem
ser incentivadas.
O fato de idioma inglês ser a segunda língua do facilitador pode ser visto como uma
limitação. Por não ser nativo, não tem a mesma habilidade de comunicação que possui em
língua portuguesa. Apesar dos melhores esforços, por vezes houve dificuldade de se
comunicar em plenitude, especialmente quando a comunicação envolvia compartilhar
experiências tão subjetivas, sutis e repletas de sentido que permeiam às práticas
contemplativas, às reflexões sobre visão de mundo e experiências de vida.
Assim, a partir das evidências encontradas neste trabalho e de suas limitações,
podemos sugerir alguns caminhos para programas de mindfulness e mesmo para a educação
em sustentabilidade. Longe de assumir que tais sugestões são uma prescrição normativa,
outrossim, estimulamos que sejam recebidas com abertura e curiosidade.
Recomendações práticas
A força do grupo
302
35
Este aplicativo possui meditações guiadas em português e espanhol.
303
Por fim, recorremos mais uma vez a um pensamento deixado por Einstein. Einstein
escreveu (citado no The New York Times, 29 de março de 1972) que a ilusão de separação
304
que persiste na sociedade ocidental é um tipo de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos
desejos pessoais e nossa bondade para algumas pessoas mais próximas a nós. Assim:
“...nossa tarefa deve ser nos libertar dessa prisão, ampliando nosso círculo de compaixão
para abraçar todas as criaturas vivas e toda a natureza em sua beleza”. Esperamos que este
trabalho possa ser mais uma semente que contribui no avanço conceitual e prático desta
busca.
Aho, mitakuye oyassin! 36
36
“All My Relations” (Trad.: Por todas as nossas relações!) - uma saudação do povo Lakota (Sioux),
refletindo sua visão de mundo de unidade, interconexão e harmonia com todos os seres: pessoas, animais,
plantas, ventos, rochas e rios.
305
306
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329
a force for greater good. If you have any question, please contact me:
rod.dharma@gmail.com
Rodrigo P. Siqueira
331
3. Amplie para todo seu corpo. O terceiro passo amplia a atenção novamente para
incluir o corpo como um todo e quaisquer sensações presentes.
No espaço de cerca de 3 minutos, passamos de uma atenção mais ampla para focada
e cada passo do espaço respiratório de três minutos tem aproximadamente um minuto de
duração.
Journaling
Duração: 15 minutos
Objetivo: levar os participantes a um processo de autorreflexão, permitindo entrarem um
nível mais profundo de reflexão e identificar ações concretas a serem realizadas de acordo
com o tema abordado.
Quando: Após os feedbacks da prática de mindfulness.
Processo de aplicação:
Etapa 1: Instruções sobre o journaling direcionados aos participantes:
O journaling é um processo pessoal. Suas anotações são privadas; (b) O participante deverá
escrever e não bloquear o fluxo da escrita. Assim, foi enfatizado que estes deviam apenas
começar a escrever, independente de se ter uma ideia fechada sobre o que responder; (c) São
apresentadas quatro questões, com um tempo de 3 minutos para responder a cada uma delas;
(d) Uma batida de sino (ou equivalente) sinaliza que a primeira questão será apresentada e
que podem iniciar o journaling; (e) Uma nova batida após 3 minutos ocorre, sinalizando que
a segunda questão será apresentada e assim até finalizar as quatro questões; (e) Duas batidas
consecutivas indicam o fim do journaling; (f) Após as duas batidas, os participantes podem
reler as anotações, fazer novas anotações ou apenas ficar em silêncio por 3 minutos.
Etapa 2: Meditação do espaço de 3 minutos para induzir mindfulness.
Etapa 3: Questões:
● Qual é a verdade sobre você hoje que faria você, aos 10 anos, orgulhoso de si?
● Qual é a verdade sobre você hoje que faria você, aos 10 anos, se decepcionar?
● O que em sua vida atual, pessoal ou profissional, lhe causa mais frustração?
● Qual é a sua fonte mais vital de energia? O que você ama?
● O que significa estar mindful para você?
● Se você se comprometesse a ter mais mindfulness nesta semana, que passos práticos você
daria nos próximos dias?
Valores em Ação
Objetivo: Clarificar valores e alinhar comportamentos a estes. Isso é também atenção plena:
como você está guiando sua vida e o sentido deste caminho.
Duração: 15 a 20 minutos.
Quando: utilizado na primeira e última sessão, após feedbacks das práticas de mindfulness.
Aplicação.
O facilitador apresenta as etapas aos participantes:
Etapa 1 – Direção Valiosa
A primeira parte consiste em refletir sobre o que você valoriza em cada área de sua vida. Em
outras palavras, o que você acha que seria uma direção valiosa em determinada área de sua
vida. Por exemplo, você pode valorizar um relacionamento amoroso com companheirismo e
transparência. Construir uma relação assim seria uma direção valiosa a ser tomada. Você
também pode valorizar relações familiares próximas, amistosas e de apoio mútuo. Aqui, o
importante é pedir aos participantes que foquem em duas ou três área de sua vida no máximo
neste momento. A tendência é querer abraçar várias frentes e isto não é benéfico.
Refletir sobre seus valores e transcrevê-los na forma de uma direção valiosa é
importante, mas não suficiente. Desta forma, você precisa ter ações de compromisso com
aquilo que é realmente importante para você.
333
“Você merece seu amor e compaixão (…) você está aqui… você está fazendo algo
valioso para você. Você fez isso por você."
“Imagine alguém nesta sala. Um colega que, assim como você, decide vir, aliviar o
próprio sofrimento. Leve essa sensação bondade para ele ou ela”
334
“Veja se é possível pensar em algum estranho, uma pessoa neutra que você possa
ter conhecido ou esbarrado hoje ou nesses dias. Assim como você, ele ou ela quer ser feliz
e se livrar de sofrimento”
Que você seja feliz.
Que você tenha saúde
Que você esteja livre do sofrimento.
Que você sinta alegria.
Que você seja feliz.
Que você esteja livre do sofrimento.
“Agora veja se é possível pensar em todo o grupo aqui que você conheceu hoje.
Assim como você, querem ser felizes e se livrar do sofrimento”
Que você seja feliz.
Que você tenha saúde
Que você esteja livre do sofrimento.
Que você sinta alegria.
Que você seja feliz.
Que você esteja livre do sofrimento.
Após 1 minuto, encerrar:
"Quando estiver pronto, abra os olhos ..."
Fim da prática.
335
Mindful Actions
Be mindful of daily opportunities to embody the mindfulness and compassion, including self-
compassion, whether at work or personal life. The Values and Action exercise and the
journaling possibly have provided you with ideas of mindful actions.
37
Este formato de aula foi elaborado pelo autor da teste e é conduzida por ele há cerca de 9 anos.
Reprodução da aula permitida (e incentivada).
38
Stakeholder é uma pessoa ou um grupo, que legitima as ações de uma organização e que tem um
papel direto ou indireto na gestão e resultados dessa mesma organização. Desta forma, um stakeholder pode ser
afetado positivamente ou negativamente, dependendo das suas políticas e forma de atuação.
338
Journaling
Duração: 15 minutos
Objetivo: promover reflexões de interdependência e responsabilidade universal. Este
journaling foi baseado nas quatro qualidades incomensuráveis do Budismo (Nhat Hạnh,
2001). A intenção era envolvê-los em reflexões sobre a interdependência do “eu” em relação
a outros (nós inter-somos) e como a felicidade e o sofrimento dos outros nos impactam.
Quando: Após o intervalo que ocorre após a discussão sobre o exercício do chocolate.
Processo de aplicação:
Etapa 1: Instruções formais e protocolares sobre o journaling direcionados aos
participantes39:
Etapa 2: Meditação do espaço de 3 minutos para induzir atenção plena.
Etapa 3: Questões:
● Como você se apresenta a alguém? O que você fala sobre você?
● Você se sente grato por algo? O quê?
● Você se sente grato por alguém?
● Quem podem ser seus principais apoiadores e parceiros no trabalho? E na vida pessoal?
● Quando foi a última vez que você se sentiu feliz por algo de bom que aconteceu com
alguém que não seja você? Como foi?
● Quando foi a última vez que você se sentiu triste por algo de ruim que aconteceu com
alguém que não seja você? Como foi?
● Se você estiver mais atento à interdependência, você se comportaria de maneira diferente
no trabalho? Se sim, como?
● Se você estiver mais atento à interdependência, você se comportaria de maneira diferente
na vida pessoal? Se sim, como?
39
São as mesmas da sessão 1. O que muda aqui são as perguntas.
339
3. Lembre-se da intenção desta prática. Seu objetivo não é se sentir diferente, relaxado
ou calmo. isso pode acontecer ou não. Em vez disso, a intenção da prática é, da melhor
maneira possível, trazer consciência de todas as sensações que você detectar, ao concentrar
sua atenção em cada parte do corpo.
4. Agora, traga sua consciência para as sensações físicas no abdome inferior, tomando
consciência das mudanças de padrões de sensações na parede abdominal à medida que inspira
e expira. Dedique alguns minutos para sentir as sensações ao inspirar e expirar.
5. Depois de se conectar com as sensações no abdômen, traga o foco da atenção
consciência para o pé esquerdo e nos dedos do pé esquerdo. Concentre-se em cada um dos
dedos do pé esquerdo, trazendo uma curiosidade suave para investigar a qualidade das
sensações.
8. Agora permita que a consciência se expanda até o tornozelo...
9. Continue a trazer consciência e uma curiosidade suave às sensações físicas em cada
parte do resto do corpo por sua vez - na parte superior esquerda da perna, dedos do pé direito,
pé direito, perna direita, área pélvica, costas, abdômen, peito, dedos, mãos, braços, ombros,
pescoço, cabeça e rosto. Em cada área, da melhor maneira possível, traga o mesmo nível
detalhado de consciência e gentil curiosidade às sensações corporais presentes.
11. A mente inevitavelmente se afastará do corpo de tempos em tempos. Isso é
totalmente normal. É o que as mentes fazem. Quando você perceber, reconheça-o
gentilmente, observando onde a mente foi para, e então gentilmente retorne sua atenção para
a parte do corpo que você pretendia focar.
12. Após escanear todo o corpo, apenas relaxe por alguns momentos e observe as
sensações surgindo, indo e vindo, impermanentes.
Meditação 2: Movimento consciente
Duração: 10 minutos
Objetivo: Estimular o estado de mindfulness e trazer maior consciência corporal
usando como objeto focal as sensações do corpo em movimento.
Quando: Depois da prática de escaneamento corporal.
Instruções básicas:
1. Comece com uma posição atenta.
Basta ficar em pé com os pés afastados na largura dos quadris. Permita que seus
joelhos fiquem levemente soltos. Mantenha os ombros para trás e para baixo e o peito aberto
confortavelmente. Deixe os braços pendurados nas laterais do corpo.
2. Sinta sensações em seu corpo.
Observe a sensação de sua própria respiração. Sinta o peso do seu corpo sobre seus
pés. Fique atento às áreas do seu corpo que se sentem tensas ou desconfortáveis sem tentar
relaxá-las.
3. Mova os braços para cima e para baixo.
Quando estiver pronto, mova os braços para cima à sua frente enquanto inspira e
recua novamente ao expirar. Observe as sensações físicas em seus braços e mãos enquanto
faz isso cerca de dez vezes.
4. Gire os ombros.
Gire os ombros lentamente várias vezes nas duas direções. Sinta qualquer tensão que
possa estar lá. Ao mesmo tempo, sinta sua respiração, se puder.
5. Gire suavemente a cabeça de um lado para o outro.
Tenha cuidado com este e faça-o lentamente. Abaixe delicadamente a orelha esquerda
em direção ao ombro esquerdo. Em seguida, gire a cabeça à sua frente e deixe a orelha direita
se mover em direção ao ombro direito antes de voltar ao centro novamente.
6. Agite os braços e as pernas.
340
Você pode terminar agitando os braços e as pernas com delicadeza por cerca de meio
minuto e depois sentar-se novamente e sentir as sensações por todo o corpo.
7. A meditação termina.
Meditação da Compaixão e Bondade Amorosa
Objetivo: cultivar as virtudes de amor e compaixão a si, aos outros e gradualmente, a
todos os seres. Aqui trazemos à mente as crianças vistas no vídeo e também animais.
Duração: 12 minutos
Quando: ao final da sessão
Instruções dadas pelo facilitador:
341
Mindful Actions
Be mindful of daily opportunities to embody the mindfulness of interdependence. What can
you do in order to honor interdependence?
Primeiro Journaling
Duração: 15 minutos
Objetivo: Essa prática permite aos participantes acessar níveis mais profundos de
autoconhecimento e conectar esse conhecimento a ações concretas relacionadas a sentido,
propósito de vida. As questões deste exercício foram extraídas do journaling da Teoria U
(Scharmer & Kaufer, 2013).
Quando: Após o intervalo que ocorre após a discussão sobre Propósito Maior.
Processo de aplicação:
Etapa 1: Instruções formais e protocolares sobre o journaling direcionados aos
participantes40:
Etapa 2: Meditação do espaço de 3 minutos para induzir atenção plena.
Etapa 3: Questões:
1. Observe-se de cima (como se estivesse em um helicóptero). O que você está fazendo?
O que você está tentando fazer nesta etapa de sua jornada profissional e pessoal?
2. Imagine que você poderia avançar rapidamente até os últimos momentos da sua vida.
Agora, lembre-se da jornada de sua vida como um todo. O que você gostaria de ver naquele
momento? Como você gostaria de ser lembrada(o)?
3. A partir desse local (futuro), olhe para a sua situação atual. Que conselho você daria
a si mesma(o)?
4. Retorno ao presente: Que visão você tem de você e de seu trabalho pelos próximos
3-5 anos? O que você deseja criar para a sua vida?
5. O que você teria que deixar de lado para tornar sua visão realidade? Qual é sua old
skin (comportamentos, crenças, processos de pensamento etc.) que você precisa eliminar?
6. Quem pode ajudá-la(o) a tornar sua visão uma realidade? Quem podem ser seus
principais auxiliares e parceiros?
7. Se você assumisse o projeto de tornar sua visão realidade, que primeiros passos
práticos você daria nos próximos 3 a 4 dias?
40
São as mesmas da sessão 1. O que muda aqui são as perguntas.
343
Segundo Journaling
Duração: 15 minutos
344
Objetivo: Essa prática visa estimular os participantes a pensar no propósito do que fazem e
no propósito da própria empresa. Mais ainda, visa estimular atitudes e comportamentos
ligados a sustentabilidade e responsabilidade universal.
Quando: Após a prática de compaixão
Processo de aplicação:
Etapa 1: Instruções formais e protocolares sobre o journaling direcionados aos
participantes41:
Etapa 2: Questões:
1. Como seu trabalho contribui para um bem maior? O que você poderia fazer para
aumentar a conscientização - em você e em seus colegas de trabalho - sobre o propósito maior
da sua empresa?
2. Se você se comprometesse a fazer algo bom para o bem comum, o que você poderia
fazer nos próximos 3 ou 4 dias? Quem poderia ajudá-la(o)?
41
São as mesmas da sessão 1. O que muda aqui são as perguntas.
345
Mindful Actions
The journaling on session 3 invites you to take on the project of bringing your vision and
intention into reality, you have written practical steps to take till the end of this week. Small
steps toward.
Also, there are two engaging questions to explore:
What could you do to raise awareness - in you and workmates - of the higher purpose of your
work?
If you were supposed to make something for the common good, what could you do in the
next 3 or 4 days? Who would like to help you?
Valores em Ação
Objetivo: Clarificar valores e alinhar comportamentos a estes. Isso é também atenção plena:
como você está guiando sua vida e o sentido deste caminho.
Duração: 10 minutos.
Quando: utilizado em meio a teorização sobre liderança consciente.
Aplicação segue o mesmo protocolo destacada na sessão 1.
Primeiro Journaling
Duração: 6 minutos
Objetivo: Essa prática estimula os participantes a evoluírem sua autorreflexão e se
conectarem com um chamado interno para comportamentos valorosos. Estas questões são
usadas na prática de coaching do facilitador.
Quando: Após o intervalo que ocorre após a discussão sobre Propósito Maior.
Processo de aplicação:
Etapa 1: Instruções formais e protocolares sobre o journaling direcionados aos
participantes42:
Etapa 2: Meditação do espaço de 3 minutos para induzir atenção plena.
Etapa 3: Questões:
8. O que está em seu coração agora é ...
9. A vida está chamando você agora para ...
42
347
Durante o exercício, o facilitador pode falar à classe algo que sua intuição diz para falar.
Exemplo: Pode sentir alguma virtude que esta pessoa possui? O que seus olhos falam sobre
ela?
A cada 45 segundos em média, troca-se de parceiro ou parceira.
Finaliza após todos ou a maioria ter se encarado.
Segundo Journaling
Duração: 6 minutos
Objetivo: Essa prática visa estimular os participantes a refletirem nos temas relacionados a
exposição teórica da sessão. Mais ainda, visa estimular atitudes e comportamentos ligados a
sustentabilidade e responsabilidade universal.
Quando: Após a prática de conversa consciente
Processo de aplicação:
Etapa 1: Instruções formais e protocolares sobre o journaling direcionados aos participantes:
Etapa 2: Questões: “Como você pode servir melhor na vida e no trabalho?” e “Se você
assumisse o projeto de se tornar mais consciente, quais os primeiros passos práticos que você
daria nos próximos 3 a 4 dias?
Mindfulness às plantas
Duração: 10 minutos
Objetivo: Essa prática visa estimular os participantes a se conectarem em níveis mais
profundos com elementos do ambiente natural.
Quando: Após o segundo journaling
Processo de aplicação:
Etapa 1: Pegar as plantas disponíveis na mesa.
Etapa 2: guiar a meditação
O facilitador deve encorajar a tocar, cheirar, provar a planta se o participante quiser.
Basicamente, agora estamos oferecendo nossa presença às plantas e notando sua presença
também. Examiná-la como se nunca tivéssemos visto uma planta antes.
Deve observá-las e buscar sentir se elas têm vida, como se sentem e se possível, buscar lhes
emitir a mesma bondade-amorosa das meditações de compaixão.
Etapa 3: Depois de 5 a 7 minutos, pedir aos participantes para responderem duas perguntas:
Pergunta 1, Qual é a mensagem da planta para você?
Pergunta 2: Como a natureza pode ajudá-lo a se tornar mais consciente?
348
Mindful Actions
The journaling on session 4 invites you to take on the project of becoming more
conscious and responsible. You have written in the session practical steps to take. Small
steps, always. This is your life, the most important endeavor you will ever have. Make it
meaningful and conscious!
Introduction
Purpose
Procedures
If you are available for all four meetings and interested in participating
after reading the information below, then fill out the form below. If you
are selected during the research screening phase, and you choose to
continue, this is what will happen next:
You will be interviewed (60 minutes), before and after the program, about
your current perceptions, coping strategies, behaviours, and attitudes about
corporate sustainability. The interview will be recorded, transcribed and
then the audio will be destroyed.
Benefits
Risks/Discomforts
During the meetings, some of the group discussion may make you
uncomfortable or upset, but you are free to remain silent or leave the group
at any time.
Confidentiality
To secure confidentiality, only three people will have access to the complete database:
Compensation
Rights
Questions
If you have any questions or concerns about this study, you may
contact Rodrigo Siqueira at rod.dharma@gmail.com or (415) 609-
5348. Cecilia de Mello e Souza, the research coordinator, can be
contacted at cdemelloesouza@gmail.com or +55 24 99997-0727.