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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Ciências Humanas


Instituto de Psicologia
Mestrado em Psicologia

Renata Alves de Paula Monteiro

DO DIREITO À PARTICIPAÇÃO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A CIDADANIA DE


CRIANÇAS E JOVENS NO CONTEMPORÂNEO

Rio de Janeiro

2006
1

Renata Alves de Paula Monteiro

DO DIREITO À PARTICIPAÇÃO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A CIDADANIA DE


CRIANÇAS E JOVENS NO CONTEMPORÂNEO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em Psicologia.

Orientadora: Profª.Drª Lucia Rabello de Castro

Rio de Janeiro

2006
2

M775 MONTEIRO, Renata Alves de Paula.


Do direito à participação: considerações sobre a cidadania de crianças
e jovens no contemporâneo / Renata Alves de Paula Monteiro. - - Rio
de Janeiro: UFRJ, 2006.
116f.
Orientadora: Lucia Rabello de Castro
Dissertação (Mestrado em Psicologia) - - Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2006.
Inclui bibliografia e índice.

1. JUVENTUDE 2.CIDADANIA. 3. PARTICIPAÇÃO POLÍTICA.


4.PARTICIPAÇÃO SOCIAL 5. CULTURA DE CONSUMO.
I. Castro, Lucia Rabello de. II. Título.

CDD 155.5
3

Renata Alves de Paula Monteiro

Do direito à participação: considerações sobre a cidadania de crianças e jovens no


contemporâneo

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em Psicologia.

Aprovada em

______________________________________________________________
Profª. Drª. Lucia Rabello de Castro (Instituto de Psicologia/UFRJ)

_______________________________________________________________
Profª. Drª Esther Maria de Magalhães Arantes (PUC/ RJ)

________________________________________________________________
Profª. Drª. Jaileila de Araújo Menezes (Centro de Educação /UFPE)

Professores suplentes:

________________________________________________________________
Profª. Drª. Jane Correa (Instituto de Psicologia/UFRJ)

________________________________________________________________
Profª. Drª. Luciana Gageiro Coutinho (Instituto de Psicologia/UFRJ)
4

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora e professora Lucia Rabello de Castro, por todo o ensinamento, orientação e
disposição nestes 6 anos de convivência e de uma parceria feliz;

Aos meus pais, apesar de todas as dificuldades, por todo o apoio e compreensão (ou tentativa de
compreensão) durante esta importante fase de minha vida;

À minha irmã, pelo apoio e incentivo incondicionais e pela certeza que tudo dará certo;

À querida Silvia, que apesar de estar enfrentando a sua própria dissertação, esteve sempre
presente dando a ajuda e o apoio tão importantes;

A Amana, Elaine e Sonia, colegas de mestrado, amigas para a vida, com quem compartilho este
momento tão importante de nossas vidas;

Aos meus queridos amigos Paula, José Luis, Roberto, Bernardo e Roberta por todas as risadas e
noitadas tão necessárias;

A Ana e Andréa, fiéis escudeiras, sempre tornando tudo mais fácil;

Aos colegas de trabalho do NIPIAC (os de agora e os de sempre) pela torcida, companheirismo e
parceria em nossas empreitadas;

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio


financeiro durante a realização desta dissertação.
5

RESUMO

MONTEIRO, Renata Alves de Paula. Do direito à participação: considerações sobre a


cidadania de crianças e jovens no contemporâneo. Rio de Janeiro, 2006. Dissertação
(Mestrado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2006

A cidadania constitui, na atualidade, um conceito chave para se pensar a questão da relação da


sociedade e seus membros, a partir de uma concepção tradicional atrelada aos direitos. No
entanto, novas condições e questionamentos do contemporâneo têm promovido um alargamento
dos beneficiários destes direitos em um movimento de reconhecimento de diferenças em
detrimento da universalidade referida à tal condição de cidadão. Esta dissertação tem o objetivo
de contribuir para essa discussão através da problematização da cidadania de crianças e jovens,
entendidos aqui como atores sócio-políticos relevantes. Também visa questionar se este modelo
de cidadania atrelado ao direito não acaba sendo um modelo excludente para esses sujeitos, uma
vez que tem como fundamento uma lógica desenvolvimentista, que contribui para adiar o
reconhecimento da cidadania para um momento ulterior. Para tal, foi realizada uma análise
teórica dos fundamentos históricos do conceito de cidadania, levando em conta a especificidade
do contexto brasileiro; assim como uma análise do seu estatuto no contemporâneo, a partir da
influência de fenômenos como a globalização e a cultura de consumo. A partir desta análise,
verificou-se que a cultura de consumo se apresenta como terreno privilegiado para que crianças e
jovens obtenham reconhecimento como cidadãos, enquanto produtores e consumidores de
cultura. Uma nova concepção de cidadania pode ser pensada atrelada não mais ao direito, mas
sim à idéia de participação, entendida aqui como uma forma mais ampla de participação política
– não só restrita ao voto – e social – como reconhecimento enquanto membro visível e relevante
da sociedade através da agregação de valores –, promovendo assim tensões e discussões na
construção da vida social. A cidadania enquanto participação conduz a um questionamento em
relação à democracia representativa, apontando para outras possibilidades de exercício da
democracia.

Palavras-chave: cidadania; participação; direitos; crianças; jovens; cultura de consumo.


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ABSTRACT

MONTEIRO, Renata Alves de Paula. Do direito à participação: considerações sobre a


cidadania de crianças e jovens no contemporâneo. Rio de Janeiro, 2006. Dissertação
(Mestrado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2006

Citizenship is nowadays a key concept to consider the question of the relation between society
and its members, from a traditional conception related to rights. However, new conditions and
questionings of the contemporary have promoted an enlargement of the beneficiary of these
rights in a movement of recognition of differences to the detriment of the universality regarding
the citizen condition. The objective of this dissertation is to contribute to this discussion through
the problematization of the citizenship of children and youth, considered here as relevant social-
political actors. It also questions if this model of citizenship related to rights doesn’t turn out to
be an exclusive model to these subjects, once it has as presupposition a developmental logic, that
contributes to postpone the recognition of the citizenship to a subsequent moment. In order to do
this, a theoretical analysis of the historical foundations of the concept of citizenship was done,
considering the specificity of the Brazilian context; as well as an analysis of its status in the
contemporary, considering the influence of phenomenon such as the globalization and the culture
of consumption. From this analysis, it was found out that culture of consumption appears as a
fertile soil appropriated by children and youth where they obtain recognition as citizens, as
producers and consumers of culture. A new conception of citizenship can be considered related
no longer to rights but to the idea of participation. Participation is understood here as a ampler
form of political participation – not restricted to vote– and social participation – understood as
recognition as visible and relevant members of society through the aggregation of value –,
therefore promoting tension and discussion in the construction of the social life. Citizenship
considered as participation leads to questionings regarding the representative democracy,
indicating other possibilities of exercise of democracy.

Keywords: citizenship; participation; rights; children; youth; culture of consumption.


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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO p. 07

2 CIDADANIA CLÁSSICA: OS DIREITOS CIVIS, POLÍTICOS p. 16


E SOCIAIS

2.1 Cidadania em sua concepção clássica p. 17

2.2 Da origem às questões atuais da cidadania p. 23

2.3 O (não) lugar da infância e da juventude na cidadania clássica p. 31

3 CIDADANIA À MODA BRASILEIRA: O DIREITO p. 35


SEM PARTICIPAÇÃO

3.1 Breve histórico do longo percurso da cidadania no Brasil p. 36

3.2 As especificidades da cidadania no Brasil: a subversão do direito p. 46

3.3 Participação como condição de cidadania p. 57

4 CONSUMO, CULTURA E POLÍTICA: O SURGIMENTO DE p. 61


UMA NOVA CIDADANIA

4.1 Globalização e consumo: mudanças no cenário contemporâneo p. 62

4.2 O consumo e a cidadania: uma nova inserção social p. 65

5 UMA CIDADANIA POSSÍVEL: A PARTICIPAÇÃO NA p. 80


SOCIEDADE ATRAVÉS DA CULTURA

5.1 Juventude e cultura de consumo p. 84

5.2 A juventude e os movimentos culturais p. 90

5.3 Uma nova cidadania: a participação política e social p. 99

6 CONCLUSÃO p. 106

REFERÊNCIAS p. 112
8

1 INTRODUÇÃO

Pensar a questão da infância e juventude no contemporâneo revela-se uma tarefa

intrigante e desafiadora. Enquanto fragmento do contemporâneo, a infância e a juventude

encontram-se marcada por características deste, tais como individualismos arrebatadores,

consumo exacerbado, velocidade nos meios de comunicação, crescente “tecnificação” das

interações humanas, comunicação de massa, globalização entre outras.

A preocupação de teóricos e profissionais em diversos campos de saber e diferentes áreas

de atuação com questões sobre à infância e juventude encontra-se em grande parte relacionada a

uma preocupação com a criação de condições e possibilidades de desenvolvimento, crescimento,

maturação e preparação destes sujeitos, em uma constante aposta em um sujeito vir-a-ser, a ser

constituído em um tempo futuro. Este tipo de perspectiva é baseada em uma lógica

desenvolvimentista que encontra-se presente na saúde, na educação, na psicologia, na sociologia,

onde estes sujeitos não aparecem como categorias sociais relevantes em si, mas sim como

coadjuvantes de categorias referentes a outro universo, por exemplo, em estudos sobre a família,

sobre a mulher, etc.

Entretanto, parece ganhar força na atualidade uma concepção que passa a ter um olhar

mais focado e específico para a infância e juventude, como uma parte relevante constituinte da

sociedade e não mais como restrita a um “limbo” preparatório.

Atualmente, observamos o surgimento de novas possibilidades para crianças e jovens se

tornarem atores sócio-políticos visíveis. Algumas condições no contemporâneo propiciaram

certas mudanças para que estes sujeitos pudessem aparecer como tal, como por exemplo, o status

de consumidores em potencial. Entretanto, talvez seja possível pensar que a criança enquanto

objeto de estudo, encontra-se ainda marcada por uma posição de “infantilização” e


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familiarização, posição pregnante na Modernidade – onde encontrava-se absorvida dentro de

outras categorias sociais, como a família – e por uma condição de menoridade, mais

característica da contemporaneidade, pois ainda é vigente um olhar que a considera como inapta,

tutelada e inferiorizada.

No que diz respeito à representação social de crianças e jovens no Brasil, o que aparece

como novidade é a expressão “sujeito de direito”. Pinheiro faz um interessante histórico das

representações sociais que crianças e adolescentes tiveram ao longo da história brasileira, que

acabou por desembocar em um “processo de emergência e consolidação de uma nova concepção

da criança e do adolescente, no Brasil, qual seja, a sua representação social como sujeitos de

direito” (2001: 49). Sem dúvida, esta nova concepção representa um avanço no que diz respeito à

maneira de se pensar e tratar a infância e juventude no Brasil. Até então, a análise da história

social brasileira colocava a criança e o adolescente sempre enquanto objeto, seja de assistência,

de controle ou repressão. Segundo a autora “são, portanto, três representações sociais da criança e

do adolescente como objetos – de proteção social; de controle e de disciplina; e de repressão

social” (PINHEIRO, 2001 : 52), que predominaram até o final da década de 70, início de 80,

quando diversas manifestações e movimentos sociais deram início a uma série de mudanças no

processo político e social brasileiro. É neste contexto que surge e se consolida esta nova

representação social da criança e do adolescente: a de sujeito de direito. Neste enfoque, as

práticas em relação à infância e juventude sofrem uma mudança: as práticas assistenciais (de

proteção social; de controle e disciplina; e de repressão) deram lugar a discursos e práticas de

afirmação de defesa, reconhecimento e respeito destes sujeitos “[...] com a consideração e a

importância exigidas pela condição peculiar de pessoas em desenvolvimento e decorrente da

própria condição humana” (PINHEIRO, 2001:58).


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A esta época, em um contexto mundial, temos o estabelecimento da Convenção

Internacional dos Direitos da Criança (1989). Os princípios regentes desses direitos são os de

provisão, proteção e participação, ou seja, estão direcionados no sentido de prover padrões

básicos de alimentação, educação, saúde e segurança para esses sujeitos. A elaboração desta

convenção demonstra uma evolução no que diz respeito à participação, pois a criança passou a

ser considerada não só como objeto, mas também como sujeito, ator e cidadão. Segundo

Wintersberg (1996), esse tratado teve importância ao estender um bom número de direitos às

crianças, mas por sua vez não eliminou todas as formas de discriminação de crianças comparada

aos adultos. Para este autor, no que se refere à questão da participação, a Convenção é, por vezes,

obscura, facilmente recaindo em uma tutela “disfarçada”.

Portanto, embora seja um grande avanço no que diz respeito à representação e ao lugar da

infância e da juventude dentro da sociedade, esta condição de sujeito de direitos não significa

uma condição de cidadão. Ainda é considerada uma diferenciação etária qualitativa e, portanto,

delegado ao adulto a possibilidade de definição de projetos e de tomada de decisões no que diz

respeito à vida de crianças e jovens, uma vez que estes são considerados “pessoas em

desenvolvimento”. Neste sentido, a Constituição Federal de 1988 ao trazer pela primeira vez um

capítulo dedicado exclusivamente à criança e ao adolescente, aos quais é reservada prioridade

absoluta e onde são reconhecidos todos os direitos básicos destes, ressalta sua condição especial

de “pessoa em desenvolvimento” (PINHEIRO, 2001).

No que diz respeito à possibilidade de participação política e à cidadania plena, criou-se

uma expectativa de que exista um patamar a ser alcançado para se ter acesso a essa condição,

patamar este que se encontra marcado por delimitações etárias. A partir desta perspectiva

desenvolvimentista, a infância seria uma etapa de maturação e preparação para o exercício e

vivência do sujeito, sendo que suas atividades estariam restritas ao brincar e estudar como parte
11

desta preparação para o futuro. Para Castro “[...] a lógica desenvolvimentista favoreceu uma

perspectiva de ‘menoridade’ sobre a infância, que põe em questão, ou mesmo reduz seus direitos

civis e políticos” (2001: 22). Desta maneira, acredita-se que existiria um saber a ser alcançado

somente com a maior idade, estando a criança fora do alcance deste saber. No entanto, uma

questão se coloca: trata-se de um saber político a que se tem acesso a partir de uma suposta

“maturação”, ou não seria este saber construído a partir de uma práxis, a partir de sua ação, a qual

tanto adultos e crianças encontram-se submetidos? Penso tratar-se de um processo contínuo de

aprendizagem baseado na experiência do cotidiano que, portanto, não está restrito somente à

infância. Como nos diz Jans, “hoje, crianças e adultos estão se tornando ‘colegas’ na medida que

ambos têm que aprender a dar sentido e forma a suas atividades cidadãs” (2004: 32). Acredito

que esta lógica desenvolvimentista tem sido usada como argumento de exclusão de crianças e

jovens na participação na sociedade, e teve efeitos em como a cidadania é pensada para esses

sujeitos.

Consideramos que uma forma de expressão de cidadania se dá através da participação

enquanto membro nos destinos e na dinâmica da comunidade na qual os sujeitos encontram-se

inseridos. Entendemos portanto que a cidadania deve ser compreendida como um processo mais

dinâmico e não mais restrito a um conjunto padrão de direitos e responsabilidades. A participação

de crianças e jovens apresenta-se como uma forma de inserção destes sujeitos na sociedade, não

mais presa a estratégias e ações adultocêntricas. Uma vez que na contemporaneidade vive-se um

momento onde as posições sociais não são pré-definidas e fixas, encontrando-se passíveis de

mudança, o sujeito se vê obrigado a fazer sua “inscrição” no social. Esta exigência parece se

abater também sobre crianças e jovens, e estes parecem se utilizar desta oportunidade para se

apresentarem como atores sociais com interesses próprios. Temos o exemplo disso no âmbito

privado, no papel diferenciado que crianças e jovens têm assumido na família, – mostrando-se
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mais competentes para certas atividades do que seus pais, como por exemplo, na relação com

aparelhos tecnológicos e em relação a questões de preservação de meio ambiente, de reciclagem,

etc. – assim como no âmbito público, o mercado parece reconhecê-los como consumidores, com

desejos próprios. A partir de padrões de consumo específicos, desenvolvem uma cultura própria,

maneira pela qual obtêm reconhecimento e lugar de participação na sociedade.

A idéia de cidadania como participação parece uma opção para dar conta de um gap entre

cidadãos indivíduos isolados de um lado, e Estado de outro. A cidadania entendida como

participação aparece portanto como opção de um novo modelo de formatação da democracia,

pressupondo a idéia de que a contribuição de diversos pode aumentar a criatividade na solução de

problemas (JANS, 2004). A participação é entendida como condição fundamental para que as

subjetividades políticas possam emergir no contemporâneo.

Subjetividades políticas seriam aquelas, então, propensas à participação que se


traduz numa contínua ação no mundo e na narrativização da experiência. O
aspecto essencial do político na vida humana revela-se pela capacidade humana
de refletir, simbolizar sobre sua própria experiência, o que produz o processo
permanente de se “auto-iniciar”, segundo Arendt, ou seja, de constituir-se
como um sujeito frente ao outro. (CASTRO, 2003 : 11)

Ao se falar em cidadania pode-se adotar diferentes definições para ela. A cidadania pode

ser entendida como conjunto de direitos, conjunto de deveres, como identidade ou como

participação (DELANTY apud JANS, 2004). O sentido da participação é o de se sentir envolvido

e disposto a contribuir na vida da comunidade. No caso de crianças e jovens, é entendendo

cidadania como participação que se torna possível o exercício desta por parte desses sujeitos,

considerando-os meaning-givers1 na sociedade, acabando assim intervindo nesta última. Esta é

1
Capacidade de introduzirem novos sentidos no ambiente do qual participam, no caso a sociedade (Jans, 2004).
13

uma interação complexa na qual ao mesmo tempo em que são determinados pela sociedade,

ajudam a determiná-la.

O espaço da ação política aparece no contemporâneo como espaço esvaziado e

desacreditado, por exemplo, sendo pensado muitas vezes como restrito ao ato de votar. Observa-

se atualmente uma desvalorização e descrédito do significante político, sendo este cada vez mais

marcado por uma denotação depreciativa, talvez devido às atuações vergonhosas e pouco dignas

que temos observado de nossos representantes legislativos e executivos. Cada vez mais nota-se o

individual tendo prioridade frente ao coletivo, e a discussão de práticas e pautas políticas sendo

deixadas para que governantes se ocupem disso. Crianças e jovens encontram-se excluídos tanto

quanto adultos deste lugar, ou talvez ainda mais, uma vez que para os primeiros não se trata de

um desejo de não-participação, mas sim de uma proibição, de uma impossibilidade. Talvez esta

proibição de participação, uma vez internalizada por estes sujeitos, venha a se tornar este desejo

de não-participação na idade adulta.

A lógica desenvolvimentista acabou por promover a exclusão da infância e da juventude

da esfera de participação na sociedade, do exercício da cidadania. Acreditamos que uma

cidadania definida a partir da idéia de direitos acaba por amputar e prejudicar a participação

destes sujeitos na sociedade. Como abordaremos mais adiante, a eles são concedidos apenas os

direitos sociais, principalmente a educação, à serviço desta lógica de preparação dos sujeitos. De

acordo com Jans (2004), a idéia de direitos entra em conflito com a questão da ambivalência

presente hoje ao se falar em infância, seja ela, a existência de um discurso de proteção e tutela,

concomitante a um encorajamento para que sejam autores de suas vidas, de que participem mais

ativamente. Importante frisar que trata-se de uma tensão e não de uma incompatibilidade, pois

crianças e jovens precisam de proteção para que possam ser atores independentes. O desafio está

em encontrar a medida certa nesta tensão.


14

Uma vez que infância e juventude e a condição de vida desses sujeitos encontram-se

numa relação bidirecional de determinação com a sociedade, sendo fundamentalmente

influenciadas – e influenciam – pelas mesmas forças econômicas, políticas e sociais que

constituem o contexto da vida adulta, nada mais justo que a esses sujeitos seja permitido o

exercício de participação nos destinos da sociedade. Crianças e jovens também se apresentam

como um grupo com interesses específicos, daí a importância de que possam ter uma maior

participação na sociedade. Wintersberg (1996) afirma que crianças e jovens ao não terem voz

levam os políticos a prestarem menos atenção a elas e a suas necessidades. É ele também quem

alerta para a importância de lembrar que crianças e jovens representam a geração mais distante

dos políticos, mas por sua vez, também são as que sofrerão por mais tempo as conseqüências das

escolhas políticas de agora.

Esta dissertação é conseqüência de meu percurso como bolsista de iniciação científica e

assistente de pesquisa junto ao Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância

e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC), coordenado pela professora Lucia Rabello de Castro.

O objetivo deste trabalho é abordar a questão da cidadania, suas possibilidades e dificuldades

para a infância e juventude no contemporâneo, enquanto atores sócio-políticos relevantes, e não

em potencial. Pretendo pensar e problematizar até que ponto um modelo clássico de cidadania

apoiada em uma lógica desenvolvimentista tem possibilitado e favorecido a participação de

crianças e jovens na sociedade, considerando que a existência de uma diferença entre crianças,

jovens e adultos não é impossibilitadora para que estes sujeitos participem enquanto cidadãos.

Dessa forma, esta dissertação propõe-se a pensar outras possibilidades e modelos de cidadania

para crianças e jovens que não o modelo clássico, baseado em uma diferenciação etária como

índice de competência.
15

As categorias infância e juventude estão sendo consideradas como um único universo de

análise por não apresentarem diferenças relevantes no que diz respeito ao objetivo desta

dissertação. Como afirma Bourdieu (1984), as divisões entre as idades são arbitrárias e objeto de

luta. A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, por exemplo, considera criança todo ser

humano com menos de 18 anos de idade. O Estatuto da Criança e do Adolescente considera

criança o sujeito com até doze anos de idade incompletos, e desta idade até 18 anos, adolescente.

Já a Organização Internacional da Juventude define juventude tendo como parâmetro a faixa

etária entre 15 e 24 anos, opção esta utilizada na maioria das análises demográficas. No entanto,

muitos têm entendido juventude como um processo e não apenas como uma categoria etária,

processo esse que teria início na infância. A Organização Pan-Americana de Saúde resume

juventude como uma categoria sociológica, que constitui um processo sociocultural demarcado

pela preparação dos indivíduos para assumirem o papel de adulto na sociedade, no plano familiar

e profissional (MINAYO et al., 1999). É justamente esta definição que nos interessa, e que em

nossa opinião os une em um único universo, a que os considera em “preparação”.

A questão da cidadania é trabalhada através da análise teórica de seus fundamentos

históricos e seu estatuto no contemporâneo. Para tanto, no primeiro capítulo procuro apresentar

um pequeno panorama sobre o surgimento do conceito de cidadania moderna ligada à idéia de

direito, atentando para o fato de que essa conceituação se mostra excludente para crianças e

jovens. Nele, também questiono as dificuldades encontradas para se pensar a cidadania dessa

forma, frente às questões do contemporâneo. Em seguida, no segundo capítulo, apresento um

breve histórico sobre o exercício da cidadania no Brasil, ressaltando principalmente como a

importação e a apropriação desse modelo clássico sofreu adaptações à realidade brasileira,

principalmente pela forma de (não) participação da sociedade na conquista e exercício desta. Já

no terceiro capítulo, rumando para o debate sobre uma nova possibilidade de cidadania para
16

crianças e jovens, apresento uma discussão sobre sociedade e cultura de consumo. Finalmente, no

capítulo quatro defendo que é no interior mesmo da cultura de consumo, através de diferentes

manifestações, que crianças e jovens encontram um local de participação, e portanto, de exercício

da cidadania.
17

2 A CIDADANIA CLÁSSICA: OS DIREITOS CIVIS, POLÍTICOS E SOCIAIS

Ao se pensar o indivíduo enquanto elemento constituinte e constituído da sociedade

diversos aspectos de sua existência são levados em consideração: econômico, social, cultural,

político. O enfoque aqui dado será a este último, entendendo este como conseqüência da

existência do sujeito dentro de uma comunidade, de uma coletividade. Dentro deste âmbito do

político, apresento um conceito-chave, muito em voga na atualidade, seja ele, o da cidadania.

Neste capítulo, pretendo problematizar o constructo cidadania enquanto um conjunto

padronizado de direitos, e pensar que sentido tem obtido atualmente frente às características do

contemporâneo.

Segundo Ferreira (2000), a cidadania não existe como um “em-si”, sua existência está

encarnada em um indivíduo, o cidadão. Este realiza a existência da cidadania e esta lhe confere

uma identidade, que identifica o indivíduo na esfera pública. Enquanto função identificatória, a

cidadania pressupõe a existência da igualdade e da diferença e dessa forma, evidencia o não-

cidadão, o marginal. “A cidadania faz a mediação das relações entre os indivíduos identificados,

‘presentificados’ como cidadãos frente ao Estado, os que se incluem na ordem dos direitos e

deveres; ao fazer isto, também identifica os que estão excluídos dessa ordem, os não-cidadãos”

(FERREIRA, 2000 : 20).

Proponho aqui problematizar a concepção de cidadania clássica, padronizada e estática

restrita à idéia de direitos, uma vez que esta se apresenta como excludente para crianças e jovens.

Pretendo também apresentar um mapeamento mais detalhado do que vem a ser este conceito de

cidadania, suas origens e sua condição na atualidade.


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2. 1 Cidadania em sua concepção clássica

Cidadania, em sua concepção clássica, é tida como construção coletiva


vinculada à participação dos membros de uma determinada sociedade em suas
decisões, garantindo-se direitos e deveres iguais, sem privilégios de uns sobre
os outros. A cidadania se traduz em princípios éticos de liberdade, dignidade,
respeito às diferenças, justiça, equidade e solidariedade. (MINAYO et al.,
1999: 16)

Tradicionalmente, a cidadania é entendida como um conjunto de direitos e deveres que

um sujeito possui para com a sociedade da qual faz parte. Esta cidadania está relacionada à idéia

de um status, de um posicionamento jurídico-legal perante o Estado. De maneira geral, podemos

apontar as seguintes características constitutivas da cidadania moderna: a universalidade, a

territorialização, a individualização (vínculo direto entre indivíduo e o Estado) e a índole estatal-

nacional (LAVALLE, 2003).

Começaremos por recorrer a Marshall (2002), autor que trabalhou o conceito de cidadania

situando-o na Inglaterra do final do século XIX, com o surgimento dos direitos – civil, político e

social – que segundo ele, constituem esta cidadania.

Marshall (2002) apresenta de certa forma uma divisão histórica do surgimento destes

direitos. Para Carvalho, esta divisão dos direitos é também lógica, pois foi só com o exercício do

direito civil, da liberdade civil, que foi possível a reivindicação do direito político, de

participação, e só participando é que foi possível a luta por direitos sociais ou o direito “à

participação na riqueza coletiva” (CARVALHO, 2004).

Os direitos definidos por Marshall são o direito civil, o direito político e o direito social.

Partindo desse pressuposto de se desdobrar a cidadania em direitos civis, políticos e sociais, “o

cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos três direitos. Cidadãos incompletos seriam os que

possuíssem apenas alguns direitos. Os que não se beneficiassem de nenhum dos direitos seriam
19

não-cidadãos” (CARVALHO, 2004 : 9). Os direitos civis podem ser definidos basicamente como

os direitos necessários à liberdade individual e são expressos por liberdade de ir e vir, liberdade

de imprensa, liberdade de pensamento e fé, direito à propriedade privada e direito à justiça. Este

último corresponde ao direito de defender e afirmar todos os direitos em termos de igualdade com

os outros pelo devido encaminhamento processual. As instituições da sociedade responsáveis

pelos direitos civis são os tribunais de justiça.

O surgimento dos direitos civis teria se dado no século XVIII, e seria a base dos demais

direitos, pois sua constituição tem a ver com o estabelecimento do reino do direito, o direito

básico, o direito de liberdade. Segundo Trevelyan, “sobre aquela fundação sólida, construíram-se

todas as reformas subseqüentes” (apud MARSHALL, 2002 : 13). Portanto, o direito à liberdade

teria sido a base pois,

[...] a história dos direitos civis em seu período de formação é caracterizada


pela adição gradativa de novos direitos a um status já existente e que pertencia
a todos os membros adultos da comunidade ou talvez se devesse dizer a todos
os homens [...]. Esse caráter democrático ou universal do status se originou
naturalmente do fato de que era essencialmente o status de liberdade e, na
Inglaterra do século XVII, todos os homens eram livres. (MARSHALL, 2002
:15)

A importância deste primeiro direito para a cidadania pode ser observada ainda em outra

afirmação de Marshall: “Nas cidades, os termos ‘liberdade’ e ‘cidadania’ eram semelhantes.

Quando a liberdade se tornou universal, a cidadania se transformou de uma instância local numa

nacional” (MARSHALL, 2002 : 15).

No setor econômico, o direito civil básico é o direito de trabalhar. Até então prevalecia

uma distinção onde certas ocupações eram reservadas a certas classes sociais e aos habitantes da

cidade. “O reconhecimento do direito acarretava a aceitação formal de uma mudança de atitude


20

fundamental” (MARSHALL, 2002 :13). Estas restrições passaram a ser uma ofensa à liberdade

do súdito e uma ameaça à prosperidade da nação.

O direito político diz respeito ao direito de participar no exercício do poder político, como

eleito ou eleitor. O Parlamento e os Conselhos de Governo local seriam suas principais

instituições. Segundo Marshall, o século XIX foi o período formativo dos direitos políticos. Estes

só puderam surgir uma vez que os direitos civis ligados ao status de liberdade já haviam

conquistado um status geral de cidadania e “[...] consistiu não na criação de novos direitos para

enriquecer o status já gozado por todos, mas na doação de velhos direitos a novos setores da

população” (2002 : 15).

No século XVIII, os direitos políticos encontravam-se ainda deficientes em sua

distribuição para os padrões da cidadania democrática. O direito de voto era ainda restrito a

determinados grupos. Embora no século XIX os direitos políticos não estivessem incluídos nos

direitos da cidadania, esta não estava vazia de significado político.

Não conferia um direito, mas reconhecia uma capacidade. Nenhum cidadão são
e respeitador da lei era impedido, devido ao status pessoal, de votar. Era livre
para receber remuneração, adquirir propriedade de alugar uma casa e para
gozar quaisquer direitos políticos que estivessem associados a esses feitos
econômicos. (MARSHALL, 2002 : 16)

Enquanto a sociedade capitalista do século XIX tratava os direitos políticos como um

produto secundário dos direitos civis, no século XX, abandona-se essa posição e se associa

direito político à cidadania como tal, não sendo o último apenas complemento do primeiro. Um

exemplo disso é a instituição do sufrágio universal, quando o que se é levado em conta para votar

é o status pessoal de cidadão e não a condição econômica.


21

O surgimento dos direitos sociais se dá por último, no século XX. Até então, direitos

sociais e direitos políticos encontravam-se entrelaçados. A participação nas comunidades locais e

associações funcionais constituiu a fonte original dos direitos sociais.

O direito social seria “tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar

econômico e segurança, ao direito de participar, por completo, da herança social” (MARSHALL,

2002: 7). Os direitos sociais seriam direitos “positivos”, pretensões a determinados bens –

educação, segurança, saúde – em oposição aos direitos civis e políticos tradicionais, chamados de

“negativos”, pois são considerados geralmente como uma tolerância negativa por parte dos

outros, e não uma ação positiva (ESPADA, 1999). São chamados também de direitos sociais de

cidadania ou direitos de segunda geração. Inicialmente estaria ligado ao sistema educacional e

serviços sociais.

No contexto inglês, Marshall aponta que no momento mesmo de passagem para a nova

ordem (Modernidade), há uma cisão da cidadania na qual os direitos sociais se aliaram à velha

ordem – relação de proteção do senhor feudal para com seus servos – e os direitos civis à nova

ordem – que tem como pressuposto a universalidade . A partir de algumas leis que são criadas, as

reivindicações dos mais pobres não são consideradas como uma parte integrante de seus direitos

de cidadão, mas como uma alternativa a eles – como reivindicações que poderiam ser atendidas

somente se deixassem inteiramente de ser cidadãos. Como exemplo, os indigentes abriam mão do

direito civil da liberdade pessoal devido ao internamento e eram obrigados a abrir mão de

quaisquer direitos políticos. Da mesma forma, mulheres e crianças eram protegidas porque não

eram considerados cidadãos. Medidas de proteção ao trabalhador eram tidas como uma afronta ao

direito civil de efetuar um contrato de trabalho livre. O direito social aparece então como forma

de controle, em troca das aquisições protetivas, a pessoa assistida deve se comportar a partir de
22

uma determinada norma. No caso do trabalhador, funcionou como uma forma de controle social,

como controle de suas reivindicações.

A educação é o que primeiro se configura enquanto direito social. Carvalho (2004) aponta

que, no entanto, ela se encontra fora desta seqüência histórica de direitos, pois tem sido

considerada historicamente como um pré-requisito para a existência dos demais direitos.

Nos países em que a cidadania se desenvolveu com mais rapidez, inclusive na


Inglaterra, por uma razão ou outra a educação popular foi introduzida. Foi ela
que permitiu às pessoas tomarem conhecimento de seus direitos e se
organizarem para lutar por eles. A ausência de uma população educada tem
sido sempre um dos principais obstáculos à construção da cidadania civil e
política. (CARVALHO, 2004 : 11)

Para Marshall, a educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania, e,

quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, este está somente cumprindo as

exigências da cidadania, tentando estimular o desenvolvimento de cidadãos em formação.

Segundo ele, “o direito à educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da

educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva [grifo meu]. Basicamente, deveria

ser considerado não como o direito da criança freqüentar a escola, mas como direito do cidadão

adulto ter sido educado” (MARSHALL, 2002:20).

A educação se torna então obrigatória, combinando um direito individual a um dever

público de exercer o direito. Será que esse dever público se impõe simplesmente em benefício do

indivíduo? Para Marshall, não. A democracia política precisava de um eleitorado educado e a

ciência de técnicos e trabalhadores qualificados. “O dever de auto-aperfeiçoamento e de auto-

civilização é, portanto, um dever social e não somente individual porque o bom funcionamento

da sociedade depende da educação de seus membros” (MARSHALL, 2002 : 21). Assim, o


23

desenvolvimento da educação primária pública no século XIX é entendido como um passo

decisivo em prol do estabelecimento dos direitos sociais da cidadania no século XX.

Portanto, Marshall entende que “a cidadania é um status concedido àqueles que são

membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com

respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status” (2002: 24).

Algumas críticas em relação a essa concepção de cidadania de Marshall podem ser feitas,

como a generalização a partir do caso inglês, a simplificação da emergência dos direitos nas

sociedades modernas em três subconjuntos homogêneos, o suposto evolucionismo e linearidade

em relação ao surgimento dos direitos, dentre outras (LAVALLE, 2003).

Mas não é somente enquanto status, enquanto conceito jurídico que a cidadania pode ser

pensada no contemporâneo. Turner (1993) propõe a discussão do conceito de cidadania enquanto

conceito sociológico e não enquanto noção política ou jurídica. Para ele, a cidadania poderia ser

definida como um “conjunto de práticas (jurídicas, políticas, econômicas e culturais) que define a

pessoa como um membro competente da sociedade, e como conseqüência molda o fluxo de

recursos para as pessoas e grupos sociais” (TURNER, 1993 : 2). O interessante de sua proposta é

que ao dar ênfase à idéia de práticas para definir a cidadania, evita definí-la de forma jurídica e

como status, como somente uma coleção de direitos e deveres. Dessa forma, imprime um caráter

dinâmico ao conceito, uma vez que essas práticas estariam passíveis de mudanças, a partir das

condições sócio-históricas.

A conceituação proposta por Turner também enfatiza o problema da distribuição desigual

de recursos, situando a cidadania no debate sobre desigualdade e sobre classe social, uma vez que

o conjunto de práticas de cidadania vai definir o fluxo de recursos para a sociedade, por exemplo,

através de medidas compensatórias de direitos sociais, como o auxílio-desemprego.

Conseqüentemente, cidadania estaria referida ao conteúdo dos direitos e deveres sociais, à forma
24

desses direitos e deveres, às forças sociais que produzem estas práticas e com os vários arranjos

pelos quais estes benefícios são distribuídos a diferentes setores da sociedade.

Entendida assim, a cidadania diz respeito essencialmente à natureza da filiação social

dentro de coletividades políticas modernas. Dessa forma, a cidadania desloca-se de uma

conceituação mais estática para uma mais dinâmica, podendo incluir crianças e jovens como um

dos diferentes setores da sociedade, uma vez que está sujeita a forças sociais e mudanças

históricas.

2.2 Da origem às questões atuais da cidadania

O surgimento seqüencial dos direitos de que fala Marshall sugere que a idéia de cidadania

é um fenômeno histórico. Enquanto tal, ela se desenvolveu de forma diferente em cada lugar. Até

então, este capítulo apresentou o modelo inglês descrito por Marshall, mas este foi apenas um

entre outros. No Brasil, o surgimento da cidadania se deu de forma diferente, pois “aqui não se

aplica o modelo inglês” (CARVALHO, 2004 : 11). Que diferenças seriam essas? Para Carvalho,

ao contrário do modelo inglês, houve aqui uma maior ênfase aos direitos sociais, em relação aos

outros; além de entre nós, o direito social ter precedido os demais na seqüência de surgimentos.

“Como havia lógica na seqüência inglesa, uma alteração dessa lógica afeta a natureza da

cidadania. Quando falamos de um cidadão inglês, ou norte-americano, e de um cidadão

brasileiro, não estamos falando exatamente da mesma coisa” (CARVALHO, 2004 :12).

Segundo Marshall (2002), os direitos – civis, políticos e sociais – encontravam-se

fundidos num só na Antiguidade, sendo que na passagem para a Modernidade ocorre um

processo de diferenciação entre estes, principalmente entre os direitos civis e políticos. Em

relação aos direitos sociais, esses se relacionavam ao status do indivíduo dentro da sociedade, o
25

que determinava o tipo de justiça que este receberia e que participação teria nos afazeres da

comunidade a qual pertencia. Para Marshall, este status não era de cidadania. Era, na sociedade

feudal, a marca distintiva de classe e a medida de desigualdade. “Não havia nenhum código

uniforme de direitos e deveres com os quais todos os homens – nobres e plebeus, livres e servos –

eram investidos em virtude da sua participação na sociedade. Não havia, nesse sentido, nenhum

princípio sobre a igualdade dos cidadãos para contrastar com o princípio da desigualdade de

classes” (MARSHALL, 2002:10). A cidadania moderna é de âmbito nacional, pressupondo a

existência de um Estado-nação, e trata justamente do vínculo entre o indivíduo e o Estado, numa

relação de direitos e deveres para com este, através de um contrato social.

Logo, é somente no momento da passagem do feudalismo para a formação dos Estados-

nação que foi possível o surgimento da cidadania. Este surgimento ocorreu através de um

processo duplo, de fusão e separação. Nos diz Marshall (2002) que esta fusão foi geográfica –

com a própria formação dos Estados-nação – e a separação funcional – com a criação de

instituições independentes, como tribunais e parlamentos. Este duplo processo acarretou como

conseqüência, que cada uma destas instituições passassem a seguir um caminho com princípios

próprios, e estas passaram a ter um caráter nacional e especializado, não mais restrito e ligado de

forma mais íntima à vida dos grupos sociais de caráter local.

Na Idade Média, a participação era mais um dever do que um direito. Mas com o processo

de fusão e separação, fez-se necessário que o mecanismo de acesso às instituições responsáveis

pela cidadania fosse remontado, provocando um distanciamento e um agenciamento através de

dispositivos intermediários para usufruir destes direitos. Como se passasse a haver na

Modernidade uma mediação entre o indivíduo e o Estado. “Todo esse aparato se combinava para

decidir não simplesmente que direitos eram reconhecidos em princípio, mas, também, até que
26

ponto os direitos reconhecidos em princípio podiam ser usufruídos na prática” (MARSHALL,

2002 :11).

A cidadania foi responsável pelo processo de integração, ou melhor, por uma mudança do

sentimento de pertença e filiação comunitária tradicionais para a “[...] constituição e vinculação a

uma comunidade política regida por princípios universais e por mecanismos públicos de

produção de legitimidade. A cidadania constituiu a cristalização institucional desses novos

expedientes de solidariedade abstrata e generalizada” (LAVALLE, 2003:75). As sociedades pré-

feudais eram unidas por um sentimento e recrutadas por uma ficção (parentesco ou mito de uma

descendência comum). “A cidadania exige um elo de natureza diferente, um sentimento direto de

participação numa comunidade baseado numa lealdade a uma civilização que é um patrimônio

comum. Compreende a lealdade de homens livres, imbuídos de direitos e protegidos por uma lei

comum” (MARSHALL, 2002 : 33).

Esta lei comum tem um papel importante enquanto cerne de uma coletividade e teria a

função de fixar regras para o jogo social e de dar conta dos conflitos, devendo ser encarada como

um princípio de organização política e social. Para Locke, esta lei comum se traduz em um pacto

de desigualdade, em relação ao Estado, uma vez que ele é o responsável por constituir e assegurar

a lei, além de estabelecer e manter a igualdade civil entre os cidadãos.A ausência dessa diferença

em relação a uma autoridade soberana, segundo ele, levaria à luta, à morte, uma vez que cada um

iria tentar se realizar individualmente, mesmo que às custas do próximo. Graças ao Estado, a essa

assimetria social, a paz e a realização de interesses particulares seriam garantidas em troca da

subordinação (FERREIRA, 2000). É no Estado que se institui a autoridade civil do qual emanam

direitos, deveres, justiça e moralidade social. Segundo Châtelet, neste contexto surge a figura dos

legisladores que tinham a função de “[...] definir os enunciados fundamentais conhecidos de

todos, determinando com precisão a participação de cada um na defesa e na gestão das questões
27

comuns da cidade, as instâncias de onde devem provir as decisões que envolvem os membros da

coletividade, a arbitragem dos conflitos e a punição dos crimes e dos delitos” (1985: 14). A

importância desta lei comum também é afirmada por Aristóteles: “Os cidadãos não tem outro

senhor além da lei, e essa tem como função garantir a liberdade de todos e realizar a justiça [...]

distribuindo a cada cidadão ‘o igual pelo igual’ e o ‘desigual pelo desigual’” (apud CHÂTELET,

1985: 21).

Neste processo de integração das sociedades em cidades, estas tiveram um papel

importante para o surgimento da cidadania, pois é na polis que um homem pode “viver como

convém que um homem viva”. Aristóteles em “A Política” opõe cidade a outras formas de

agrupamento – família e aldeia – cujo objetivo é a sobrevivência de seus membros. A cidade,

diferentemente, enquanto comunidade consciente, possibilita ao homem realizar a virtude de sua

essência, seja ela, a de ser “um animal que possui o logos”, ou seja, a capacidade de falar e

refletir sobre seus atos. “Somente ela permite à coletividade instaurar uma ordem justa, e, ao

indivíduo, viver de tal modo que atinja a satisfação legítima – sob o império das leis [...]”

(CHÂTELET, 1985 : 15). A cidade possibilita aos homens passar sua vida na esfera pública. O

surgimento dela propiciou ao cidadão duas ordens de existência: idion – o que lhe é próprio e

koinon – o que é comum.

A cidade é a “unidade de uma multiplicidade” sendo composta por indivíduos que são

distintos uns dos outros mas iguais perante à lei. O que esta lei garante é a liberdade dos

cidadãos, condição prévia de toda organização justa.

Como foi mencionado anteriormente, a maneira como se constituiu o Estado-nação

condicionou a construção da cidadania. No momento, há um pensamento comum que aponta uma

crise do Estado-nação e que fenômenos como globalização, internacionalização do sistema

capitalista, criação de blocos econômicos e políticos criando um Estado multinacional têm


28

causado uma mudança das identidades nacionais existentes. Encontramo-nos em um momento de

re-configuração política na Europa Oriental e na antiga União Soviética (onde as várias nações se

transformaram em novos Estados-nação), o que tem levantado questões sobre a relação entre

nacionalismo, identidade política e participação cidadã. A criação da Comunidade Européia

também traz questões importantes sobre o estatuto da cidadania, em relação, por exemplo, às

minorias oriundas de migração de outros países. Na medida que os indivíduos se movimentam

para fora do Estado nacional, em processos desvinculados de cidadania nacional – por exemplo,

trabalhadores ilegais – precisam de uma condição cidadã, que deve assumir uma conotação

transnacional. O que podemos dizer em relação à soberania nacional de um país, quando

acompanhamos hoje em dia o Iraque como objeto de intervenção de uma organização

internacional ou mais especificamente de um outro país, os Estados Unidos?

Portanto, penso que a cidadania na contemporaneidade estaria sofrendo os efeitos deste

novo panorama e passando por um processo de modificação. Dentre as mudanças causadoras

dessa crise da cidadania estão a vulnerabilidade financeira e migratória das fronteiras nacionais,

os processos de integração econômica internacional, a conseqüente cessão parcial de soberania, e

a redefinição do papel do Estado. Além disso, podemos citar fatores referentes à diferenciação

social e mudanças sócio-culturais (desencanto da política, novos princípios de representatividade,

proliferação da política da diferença, etc) (LAVALLE, 2003).

Estes problemas de nacionalismo e identidade política não são modernos. Como nos diz

Turner (1993) em vários aspectos, estes problemas espelham problemas anteriores como o do

Império Otomano. No entanto, atualmente as fronteiras tradicionais do Estado-nação na Europa e

de todo o mundo têm sido profundamente desafiadas pelo desenvolvimento global na

organização das sociedades modernas. Turner (1993) apresenta duas questões que estariam re-

modelando a cidadania enquanto conceito e plataforma política: o fenômeno da globalização e a


29

relação entre seres humanos e natureza na atualidade, problematizando a relação corpo humano e

pertencimento social, através de questões como posse do corpo humano, clonagem, posição da

mulher na sociedade, dentre outras .

O processo de globalização introduz novas tensões nas instituições de cidadania uma vez

que as formas tradicionais de cidadania estão baseadas no Estado-nação. Segundo Avritzer, a

globalização ao estender para fora do marco do Estado nacional os processos produtivos, as

formas de acesso à comunicação, os movimentos de indivíduos e de mercadorias, coloca um

problema: “[...] por um lado, coloca em crise, ainda que não dissolva categorias concretas, tais

como trabalho concreto, interação face-a-face e comunidade entre outros. Por outro, implica em

uma extensão da forma de operação de categorias abstratas” (2003:30), ou seja, a amplitude e

cobertura de direitos. Como nos diz Carvalho (2004), a luta pelos direitos sempre se deu dentro

das fronteiras geográficas e políticas do Estado-nação, tratando-se de uma luta nacional travada

por um cidadão também nacional. Portanto, a relação das pessoas com o Estado e com a nação

tinha a ver com a construção da cidadania. Segundo Carvalho, “as pessoas se tornavam cidadãs à

medida que passavam a se sentir parte de uma nação e de um Estado” (2004: 12). A identificação

a uma nação se dava através de fatores como religião, língua, lutas e guerras contra inimigos

comuns. A crise do poder do Estado traz conseqüências, sobretudo para os direitos políticos e

sociais. Se o poder do Estado encontra-se hoje reduzido como ele pode garantir para os sujeitos

direitos sociais, liberdade, justiça, etc? Qual a relevância do direito de participar dele? Com as

finanças estatais afetadas pela ampliação da competição internacional como ficam os gastos com

os direitos sociais? E afinal de contas, em um contexto cada vez mais globalizado, multicultural e

plural, quem é realmente este cidadão que tem direito de usufruir desses direitos se ele não é mais

somente nacional?
30

Outra questão que nos deparamos em relação à cidadania no contemporâneo é a de que

agora temos essa identidade nacional dando lugar a uma identidade que se propõe mais global, a

de uma identidade humana. Como nos traz Ignatieff (1995) a noção de comunidade passa por

mudanças que a tem tornado cada vez mais global. Uma nova política vigente desde o pós-guerra

considera o sujeito humano universal como um sujeito de doutrina de direitos humanos

universais. Nesta política, que inclui organizações como a Anistia Internacional e Organizações

das Nações Unidas, as responsabilidades do cidadão devem ceder ante à obrigação enquanto ser

humano. Quando um homem está sendo torturado em outra jurisdição, não se pode mais recorrer

a uma diferença de cidadania como argumento para se abster de um protesto contra. Assim

acontece nas políticas de proteção ambiental, a intervenção é agora global, uma vez que as

ameaças ao ambiente são agora globais. A poluição de um lugar se torna chuva ácida em outro.

Armas feitas no laboratório de um país podem matar todos no planeta. “Se estamos nos tornando

cidadãos do mundo é porque as ameaças às nossas vidas não estão restritas apenas às fronteiras

do Estado-nação” (IGNATIEFF, 1995 : 76).

É Turner (1993) ainda quem problematiza mais um aspecto da cidadania. Segundo ele, se

considerarmos o contexto contemporâneo enquanto marcado pelo pluralismo, é problemático

fazer a equivalência cidadania e igualdade (sameness). Alguns críticos atribuem a essa cidadania

um caráter de universalismo, ao qual vários tipos de particularidades devem ser subordinadas,

sendo o caso por exemplo das minorias culturais, como as minorias de raça. Segundo Lavalle

(2003), essas identidades portadoras de necessidades específicas e de reivindicações

diferenciadas, não são atendidas pela universalidade, uma vez que este status está caracterizado

por um pressuposto normativo (homem, adulto, branco, ocidental...) que avalia simbolicamente o

reconhecimento de direitos iguais para os membros da comunidade política em detrimento da

diferença.
31

No plano da emergência das singularidades como reclamos políticos


legítimos, ou seja, dos avanços da política da diferença – para dizê-lo com
fórmula cunhada recentemente, mas bastante difundida – , tornou-se operação
comum denunciar os excessos do universalismo da cidadania como categoria
sociopolítica moderna, atentando para a problemática de sua (in)adequação às
complexas dinâmicas da diferenciação cultural contemporânea. (LAVALLE,
2003:84)

Devemos atentar para o fato de igualdade não significar a equalização de diferenças, o que

seria melhor definido pelo conceito de identidade, pois a igualdade pressupõe a existência da

diferença (BUTLER, LACLAU & LADDAGA, 1997). Igualdade no que diz respeito à cidadania

refere-se a ser igual em alguns aspectos, no caso ser cidadão. A igualdade teria que ter um

potencial integrador significando a equalização da desigualdade, mas sem promover a

homogeneização da diferença, a despeito da exigência universalizante do status da cidadania. Se

a cidadania puder se desenvolver em um contexto onde diferença, diferenciação e pluralismo

sejam tolerados, então a cidadania não assumirá um caráter repressivo ou coercivo para esta

diferença. Até porque, não parece haver mais exigências de supressão da diferença como

condição de estabilização do Estado, pelo contrário, é a consolidação do Estado que parece

possibilitar a renegociação em novos termos da questão da diferença (LAVALLE, 2003). Em um

mundo cada vez mais global, a cidadania terá que se desenvolver de maneira a aceitar tanto a

globalização das relações sociais quanto a crescente diferenciação dos sistemas sociais.
32

2.3 O (não) lugar da infância e juventude na cidadania clássica

Vimos, ao longo deste capítulo, que a cidadania clássica, baseada em direitos e no

pertencimento a um Estado-nação, tem enfrentado inúmeros questionamentos, e passa por re-

configurações em função de mudanças no contemporâneo. Em relação à infância e à juventude,

observamos que a condição de tutelado, neste modelo de cidadania apoiado em uma perspectiva

desenvolvimentista, pode acabar anulando a participação de crianças e jovens enquanto cidadãos.

Como já foi visto anteriormente, a concepção de “sujeito de direito” tem se tornado uma

idéia forte ao se pensar a infância e juventude e tem produzido efeitos de medidas de proteção

como a criação do Estatuto da Criança e Adolescência, de conselhos tutelares, e de organizações

não-governamentais cada vez mais voltadas ao atendimento desta população. No entanto, este

“sujeito de direito”, parece a meu ver, estar estrita e exclusivamente atrelado aos direitos sociais

ou direitos compensatórios, ignorando completamente os demais. Dessa forma, quando se fala em

infância e juventude, há uma forte tendência em se proteger e disponibilizar o acesso aos direitos

sociais, mas uma despreocupação em se pensar e incluir os demais direitos, ou mais gravemente,

uma exigência de se abrir mão deles.

A cidadania de crianças e jovens foi incorporada muito recentemente às prioridades da

agenda de políticas públicas. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma conseqüência

de mudanças no que diz respeito à representação social de criança e adolescente, colocando o

Brasil na vanguarda no que se refere à legislação sobre a infância e juventude. No entanto,

observa-se hoje um fosso entre a existência da lei e sua execução, sem falar que mesmo garantido

a esses sujeitos todos os direitos inerentes à pessoa humana, a questão relacionada a participação

política fica esquecida perante a perspectiva desenvolvimentista adotada (MONTEIRO, 2003).

Cabe aqui questionar, assim como Wintersberg (1996), o argumento de que crianças

seriam “imaturas” e por isso não poderiam desfrutar de direitos políticos. Para ele, trata-se de
33

uma mera convenção social, a idade determinada para o exercício do direito político é arbitrária.

Prova disso está no histórico de idades regulamentadas para votar no Brasil, que já foi 25 anos e

no momento é 16 anos.

Em relação a essa prevalência dos direitos sociais em detrimento dos demais podemos nos

perguntar: Será que essa também não é a exigência feita à crianças e jovens? Ser tutelado é não

ser cidadão? Nesta questão presentifica-se a ambivalência em torno da infância, uma convocação

à participação e uma necessidade de proteção. Mas ao contrário, como vimos com Marshall, a

participação nas comunidades e associações constituiu a fonte original dos direitos sociais, e não

uma posição de passividade e anulamento.

A educação como direito social básico corrobora a perspectiva desenvolvimentista e

adultocêntrica da cidadania moderna pois seu objetivo está em “durante a infância moldar o

adulto em perspectiva”. Wintersberg (1996) aponta que o trabalho escolar não é considerado

como um investimento das crianças na sociedade, mas sim o contrário. Ele inclusive apresenta

uma metáfora interessante: a escola seria uma fábrica onde o material bruto (crianças) é

transformado por trabalhadores (professores) em produtos, no caso adultos. Temos aí a lógica

desenvolvimentista presente nesta concepção de cidadania. Dessa forma, só em relação aos

direitos sociais é dado um lugar a crianças e jovens.

Este pensamento alinha-se à idéia de “socialização” de sujeitos crianças e jovens através

da educação. Creio que Marshall estivesse influenciado pelo pensamento rousseaniano para quem

a formação de cidadãos passa pela instrução. “Formar o cidadão não é tarefa para um dia, e para

contar com eles quando homens, é preciso instruí-los ainda crianças” (FERREIRA, 2000 :134).

Mas de que instrução se trata? A passagem da não-cidadania para a cidadania estaria

condicionada ao domínio da leitura, da escrita e da matemática? Esses instrumentais são sem

dúvida importantes para participação em sociedade, mas seriam determinantes para se produzir
34

um cidadão? Penso que se trata de uma outra aprendizagem, ao qual crianças, jovens e adultos

estão submetidos em um processo constante de vivenciar e experienciar a participação na

sociedade, envolvendo processos não só racionais mas também subjetivos como o pertencimento

e identificação a um coletivo.

Hoje muito se fala em cidadania, principalmente do ponto de vista de aquisição


de direitos. A mentalidade de “ter direitos e poder reivindicá-los” pode reforçar
uma perspectiva que negligencia o princípio construcionista, histórico e não
natural de qualquer direito, portanto, de que é no bojo da interlocução com o(s)
outro(s) que se constroem continuamente as direções [...] de uma sociedade.
(CASTRO, 2004:229)

Dentre os principais princípios éticos de cidadania estão o princípio da justiça e da

solidariedade. O direito está mais ligado à justiça, ao posicionamento jurídico-legal, sendo

portanto, uma categoria mais abstrata do que a solidariedade, que é a dimensão social, o conjunto

de práticas que definem a dinâmica da cidadania, relacionada à filiação social. Portanto, ao se

deslocar desta posição “naturalizada” do direito, abri-se caminho para pensar em uma outra

dimensão, a solidariedade. A cidadania clássica, definida pelos direitos, contribuiu em um

primeiro momento para o surgimento de uma solidariedade mais ampla, na passagem do

feudalismo para o Estado-nação, mas acabou ficando restrita a uma solidariedade abstrata e

distante das práticas e experiências cotidianas

Apesar de solidariedade ser associada de maneira quase exclusiva aos chamados direitos

sociais da cidadania, trata-se de uma dimensão importante da condição de cidadão, a dimensão

comunitária. Deve-se haver um equilíbrio entre o princípio da justiça (direito) e entre o princípio

da solidariedade (dimensão social).

[...] embora a noção de direitos seja uma categoria relacional, isto é, uma
categoria cuja aplicação supõe necessariamente uma situação de interação que
envolva pelo menos duas partes e um contexto determinado, no Ocidente tem
35

havido uma tendência à absolutização dessa noção, onde freqüentemente se ouve


falar nos direitos de cidadania como se estes fossem intrínsecos à pessoa do
cidadão ou do indivíduo, enquanto sujeito normativo das instituições.
(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1996:67)

Ainda trabalhando o aspecto histórico de cidadania, nos debruçaremos agora sobre o

contexto histórico brasileiro, tentando pensar como este modelo de cidadania inicial – baseado no

modelo inglês – foi assimilado no Brasil e que transformações sofreu neste processo.
36

3 CIDADANIA À MODA BRASILEIRA: O DIREITO SEM PARTICIPAÇÃO

Ao se falar de cidadania para a infância e juventude é interessante pensar em como o

Brasil é um país “jovem” no que diz respeito ao exercício e às práticas democráticas. Em sua

história, o Brasil é marcado por longos períodos não-democráticos: monarquia, república militar,

Estado Novo e ditadura militar. A participação do povo de forma mais efetiva se deu muito

recentemente, após o fim de 20 anos de ditadura militar, a partir de 1985. E é junto a essa

ascensão que entra em voga a palavra cidadania, assim como o surgimento e o aumento da

participação da sociedade civil através de movimentos sociais, associações e organizações não-

governamentais.

Uma vez que a maneira como se constitui o Estado-nação condiciona a construção da

cidadania, podemos fazer um paralelo à questão trabalhada nesta dissertação, e veremos que no

que diz respeito à cidadania no Brasil, o país enquanto um país “jovem”, quando no início de sua

“vida”, foi privado de participar, sendo a população tutelada como objeto de “assistência,

controle e repressão”, assim como crianças e jovens.

Para Carvalho (2004), como já foi dito anteriormente, a cidadania desenvolve-se dentro

do fenômeno histórico Estado-nação. E para Marshall (2002), o surgimento seqüencial dos

direitos sugere que a idéia de cidadania é um fenômeno histórico. Enquanto tal, ela se

desenvolveu de forma diferente em cada lugar. Como já observamos anteriormente, no Brasil,

este surgimento se deu de forma diferente, ao contrário do modelo inglês, havendo aqui uma

maior ênfase aos direitos sociais, em relação aos outros; além de entre nós, o social ter precedido

os demais na seqüência de surgimentos. Portanto, autores como Carvalho (2004), Velho (1981),
37

Santos (1994) e Sales (1994) mostram como a cidadania, a partir de nosso contexto sócio-

histórico, assumiu especificidades.

Tentarei aqui explorar que diferenças o contexto sócio-histórico do surgimento da

cidadania propiciou e que efeitos trouxe para a maneira como ela é vivida e experienciada no

Brasil. Para tal, Carvalho (2004) nos guiará durante o percurso do “longo caminho” pelo qual a

cidadania em nosso país já percorreu.

3. 1 Breve histórico do longo percurso da cidadania no Brasil

O caminhar da cidadania no Brasil se deu a passos lentos. Por exemplo, no período de

nossa independência (1822) ao final da Primeira República (1930), a única alteração em relação à

cidadania foi a abolição da escravidão, em 1888. Segundo Carvalho (2004), o Brasil herdou uma

tradição cívica pouco encorajadora. À época da independência costuma-se dizer que a sociedade

brasileira não era composta de cidadãos, mas sim de uma população analfabeta, de uma

sociedade escravocrata, de uma economia monocultora e latifundiária, e de um Estado

absolutista. “Escravidão e grande propriedade não constituíam ambiente favorável à formação de

futuros cidadãos. Os escravos não eram cidadãos, não tinham os direitos civis básicos à

integridade física, à liberdade e, em casos extremos, à própria vida [...]” (CARVALHO,

2004:21). Entre os pólos escravos e senhores, existia uma pequena população livre, mas que não

tinha condições para o exercício dos direitos civis. Os senhores tampouco eram cidadãos, faltava-

lhes “[...] o próprio sentido da cidadania, a noção da igualdade de todos perante a lei”

(CARVALHO, 2004: 21).

Basicamente, no Brasil Colônia não havia sociedade política, não havia cidadãos. A

justiça estava nas mãos do poder pessoal dos senhores, não havia um poder público de verdade,
38

que pudesse ser a garantia da igualdade de todos perante a lei, uma vez que havia um

compromisso entre poder privado e Estado. “Os direitos civis beneficiavam a poucos, os direitos

políticos a pouquíssimos, dos direitos sociais ainda não se falava [...]” (CARVALHO, 2004:24).

Até o final do período colonial, a maioria da população encontrava-se excluída. A própria

independência se deu através de uma negociação entre a elite nacional, a coroa portuguesa e a

Inglaterra. Neste episódio a participação popular foi quase inexistente, restrita à manifestação de

apoio aos líderes. Após a independência houve iniciativas de se melhorar este quadro com a

regulamentação dos direitos políticos na Constituição outorgada de 1824. No entanto, os

“cidadãos” eram pessoas que tinham vivido até então como “não-cidadãos”. Eram em sua

maioria analfabetos, não possuíam noção de governo representativo. Muitos votavam obrigados,

em função da luta pelo domínio político local, e não como exercício de um direito. O voto era um

ato de obediência ou lealdade a um chefe local. Dessa época consta a existência de figuras como

cabalista, fósforo e capanga eleitoral2.

A Primeira República ficou conhecida como “República dos Coronéis”, onde o coronel

era o chefe político local. Este período foi marcado pela aliança desses chefes locais com os

presidentes dos estados, e desses com o presidente da República. Devido a isso, esta primeira

etapa da República foi marcada por eleições fraudulentas, o que fortalecia o argumento dos que

queriam restringir o voto popular. Carvalho (2004), entretanto, aponta equívocos nesse

pensamento. Para ele, tratava-se de um equívoco achar que a população saída do “limbo” colonial

pudesse de uma hora para outra se comportar como “cidadãos atenienses”. O processo de

aprendizado democrático é lento e gradual. Assim, era um equívoco “[...] achar que o

2
Cabalista era o que fornecia uma prova, no caso uma testemunha ou apenas o juramento, sobre a renda legal do
maior número de pessoas para que elas pudessem votar em seu chefe. Nesta época o direito ao voto estava atrelado à
renda pessoal. O fósforo era a pessoa que se fazia passar pelo votante verdadeiro. O fósforo votava várias vezes, em
locais diferentes, representando diversos votantes. Convencia de que era o votante através de sua retórica. O capanga
eleitoral tinha a função de proteger os partidários e ameaçar e amedrontar os adversários (Carvalho, 2004).
39

aprendizado dos direitos políticos pudesse ser feito por outra maneira que não sua prática

continuada[...]” (CARVALHO, 2004:44). A interrupção do aprendizado só poderia levar ao

retardamento da incorporação dos cidadãos à vida política.

Neste período, Carvalho (2004) aponta a importância da Guerra do Paraguai na criação de

uma identidade nacional. Como guerra, foi a primeira vez que havia um estrangeiro inimigo a ser

combatido e diferentemente da Independência, houve voluntários se juntando à causa, ocorrendo

a valorização, pela primeira vez na história, dos símbolos nacionais como o hino e a bandeira e

composição de canções e poesias de espírito patriótico.

Em nossa história, destacam-se três obstáculos para o desenvolvimento da cidadania civil:

a escravidão – que ia de encontro aos valores da liberdade individual, base dos direitos civis3 – , a

grande propriedade – que trouxe junto a figura do coronel acima da lei e legislador de uma lei

própria, ao qual toda uma horda estava submetida4 – e um Estado comprometido com o poder

privado.

Louis Couty, biólogo francês, publicou em 1881 um livro intitulado A escravidão no

Brasil, no qual afirmava que “O Brasil não tem povo”. Ele se referia ao que seria um contingente

de 6 milhões de pessoas não instruída, sem capacidade de julgar, sem aptidão cívica; encurralada

entre 2 milhões e meio de escravos, índios excluídos e 200.000 proprietários de terra,

profissionais liberais e dirigentes. Esses 6 milhões não constituíam para ele um povo

politicamente organizado, uma opinião pública ativa, um eleitorado amplo e esclarecido.

Carvalho (2004), no entanto, defende que essa opinião adota uma concepção de cidadania

estrita e formal, que supõe que a manifestação política adequada é aquela que se dá no sistema

3
Chama atenção como o argumento para a abolição da escravatura foi completamente diferente no Brasil e nos
Estados Unidos. Enquanto lá se apelava para a liberdade como direito inalienável, aqui usava-se o argumento da
razão nacional, ou seja, a escravidão enquanto obstáculo à formação de uma verdadeira nação, deveria ser findada.
4
Um exemplo claro está na máxima dos coronéis vigente à época: “Para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei”.
40

legal, sobretudo através do voto. “Parece-me, no entanto, que uma interpretação mais correta da

vida política de países como Brasil exige levar em conta outras modalidades de participação,

menos formalizadas, externas aos mecanismos legais de representação” (CARVALHO, 2004:67).

A população achava com freqüência outras maneiras de se manifestar embora através de

movimentos reativos e não propositivos, como rebeliões e revoltas populares5. “[...] apesar de não

participar da política oficial, de não votar, ou de não ter consciência clara do sentido do voto, a

população tinha alguma noção sobre direitos dos cidadãos e deveres do Estado” (CARVALHO,

2004:75). Havia aí, para ele, nesses rebeldes, um esboço de cidadão.

A Revolução de 30 foi o momento mais marcante da história política do Brasil desde a

Independência. No período de 1930 a 1937 houve ensaios de participação política, através da

mobilização de vários estados da federação, envolvendo vários grupos sociais como operários,

classe média, militares, oligarquias, industriais. Multiplicaram-se os sindicatos e outras

associações de classe; surgiram partidos políticos e movimentos políticos nacionais de massa.

Neste contexto, ocorreu a Revolta Constitucionalista, a mais importante guerra civil brasileira do

século XX.

No período de 1937 a 1945 – conhecido como Era Vargas – houve um recuo e estagnação

dos direitos políticos; em contrapartida, os direitos sociais tiveram um avanço com, por exemplo,

a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e da Consolidação das Leis do

Trabalho. A CLT que incluía criação de benefícios como aposentadoria, pensão, seguro, férias,

salário-mínimo; e a legislação social foram introduzidas com pouca ou nula participação política

e num período de precária vigência de direitos civis. Introduzida dessa forma, comprometeu o

5
Destacam-se neste período Revolta dos Cabanos (1832), Balaiada (1838), Cabanagem (1835) e revoltas de cunho
mais urbano como a de 1880 no Rio de Janeiro, onde por causa do aumento de um vintém no preço das passagens do
transporte urbano, 5 mil pessoas se reuniram em praça público para protestar. A revolta urbana mais importante
aconteceu em 1904 e ficou conhecida como Revolta da Vacina.
41

desenvolvimento de uma cidadania ativa, como veremos mais adiante. Tratava-se de uma política

social como privilégio e não como direito, pois o sistema excluía algumas categorias, como

domésticas e trabalhadores rurais, que ainda representavam a maioria da população brasileira. A

interferência do Estado se dava de forma ambígua, pois se por um lado protegia com a legislação

trabalhista, constrangia com a legislação sindical.

O governo invertera a ordem do surgimento dos direitos descrita por Marshall,


introduzira o direito social antes da expansão dos direitos políticos. Os
trabalhadores foram incorporados à sociedade por virtude das leis sociais e não
da sua ação sindical e política independente. Não por acaso, as leis de 1939 e
1943 proibiam as greves. (CARVALHO, 2004:124)

Este populismo de Getúlio Vargas sacrificava os direitos políticos em prol dos direitos

sociais, e caracterizava-se por uma relação ambígua entre cidadãos e governo. “Era avanço na

cidadania, na medida em que trazia as massas para a política. Mas, em contrapartida, colocava os

cidadãos em posição de dependência perante os líderes, aos quais votavam lealdade pessoal pelos

benefícios que eles de fato ou supostamente lhes tinham distribuído” (CARVALHO, 2004:126).

Já no período de 1945 a 1964 foi a vez dos direitos políticos. A eleição de 1945, com a

derrocada de Vargas, pode-se dizer que foi a primeira experiência realmente democrática do país.

Manteve as conquistas sociais e garantiu os tradicionais direitos civis e políticos.

Entretanto, após um novo governo de Vargas, o desenvolvimentismo de Juscelino

Kubitscheck, a renúncia de Jânio Quadros e a pressão sobre João Goulart, essa primeira

experiência democrática acabou terminando com o golpe militar. Durante o curto governo de

João Goulart, experimentou-se uma grande mobilização política por parte tanto da esquerda

quanto da direita; com a participação de trabalhadores, empresários, estudantes, Igreja,

campesinato e militares. Somente em 1963, os trabalhadores rurais que tinham ficado à margem,
42

sem nenhum dos direitos, emergiram na cena política e social do país através das Ligas

Camponesas e do fortalecimento do sindicalismo rural. “Apesar das limitações, a partir de 1945 a

participação do povo na política cresceu significativamente, tanto pelo lado das eleições como da

ação política organizada em partidos, sindicatos, ligas camponesas e outras associações [...]6”

(CARVALHO, 2004:146).

Assim como em 1937, o rápido aumento da participação política levou em 1964 a uma

reação defensiva e a uma ditadura, em que direitos civis e políticos foram restringidos. Os Atos

Institucionais (AI) foram os instrumentos legais de repressão dos direitos civis e políticos usados

neste período. Basicamente, eles cassaram direitos políticos de várias lideranças políticas e

sindicais, assim como de militares e intelectuais; aboliram a eleição direta para presidente;

dissolveram os partidos políticos criados a partir de 1945 e com o mais radical deles – AI 5 –o

Congresso foi fechado, passando o presidente general Costa e Silva a governar de forma

ditatorial.

A censura à imprensa eliminou a liberdade de opinião. Não havia liberdade de reunião; os

partidos eram regulados e controlados pelo governo, era proibida a greve, a justiça militar julgava

crimes civis, a inviolabilidade do lar e da correspondência não existia, e o próprio direito à vida

era desrespeitado. Importante ressaltar o papel da juventude neste período enquanto protagonistas

de contestação a esse regime. Veremos em um capítulo posterior, como a partir da proibição de

participação política, os jovens se mobilizaram através de manifestações culturais.

Carvalho (2004) aponta uma ambigüidade presente neste momento em que o eleitorado

cresceu sistematicamente7. “O que significava para esses milhões de cidadãos adquirir o direito

político de votar ao mesmo tempo em que vários outros direitos políticos e civis lhes eram

6
Números de votantes em 1930 foi igual a 1,8 milhão de habitantes (5,6%). Em 1960, votaram 12,5 milhões de
habitantes (18%).
7
Eleitorado em 1960 era formado por 12,5 milhões de eleitores, já em 1982 este número era de 48,7 milhões.
43

negados? O ato de votar poderia, nestas circunstâncias, ser visto como o exercício de um direito

político?” (CARVALHO, 2004:167). Podemos tentar uma linha de raciocínio que nos levaria a

pensar se este tipo de comportamento político não estaria tendo efeito em como o exercício do

voto é visto até hoje, como algo desvalorizado e vazio de sentido.

Assim como Getúlio Vargas, os militares também investiram na expansão dos direitos

sociais. Universalizaram a previdência social com a criação do Instituto Nacional de Previdência

Social (INPS) – com a inclusão de empregados domésticos e rurais e trabalhadores autônomos –

além da criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

No que diz respeito à cidadania, para Carvalho (2004), o governo militar manteve o

direito do voto, combinado a um esvaziamento de seu sentido, junto a uma expansão dos direitos

sociais, em um momento de restrição de direitos civis e políticos.

O chamado processo de “abertura” teve início em 1978 com a revogação do AI 5, que

permitiu o fim da censura prévia e a volta dos primeiros exilados políticos. Vale ressaltar que

apesar de todas as proibições impostas aos direitos civis e políticos, o período da “abertura” foi

um momento de grande mobilização da sociedade civil, e talvez possamos falar que seja o

momento de seu surgimento, como a entendemos hoje. Houve a explosão do movimento sindical,

organizados de baixo para cima com a liderança dos operários e sem a intervenção do Estado,

como era na época de Getúlio Vargas. A Igreja, através da sua teologia da libertação, também

participou na luta pela defesa dos direitos humanos e através de trabalhos com a população

marginalizada das periferias.

Surgiram também nesta época os movimentos sociais urbanos, que visavam tratar dos

problemas concretos da vida cotidiana, através de associações comunitárias nas favelas ou

associações de moradores de classe média. Para Carvalho (2004), esses movimentos

representaram o despertar da consciência de direitos e serviram para o treinamento de lideranças


44

políticas. Foram exemplos dessa mobilização a expansão de associações de profissionais de

classe média, a participação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Associação Brasileira

de Imprensa (ABI) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “Menos

organizados, mas não menos eficientes na ação oposicionista, foram os artistas e intelectuais.

Apesar da censura, compositores e músicos foram particularmente eficazes graças a sua grande

popularidade” (CARVALHO, 2004:187). O auge da mobilização popular foi a Diretas Já, em

1984. A pressão popular foi decisiva para a eleição de Tancredo Neves, que tinha 69% da

preferência da população.

Pode-se dizer que o autoritarismo brasileiro pós-30 sempre procurou compensar a falta de

liberdade política através do paternalismo social, isto é, funcionando o poder executivo como

dispensador de benefícios sociais. No entanto, no governo militar a eficácia da tática foi menor,

pois havia uma mobilização política anterior ao golpe e o cenário externo não favorecia este tipo

de prática. O crédito do governo esgotou-se com o fim do “milagre” econômico. O crescimento

das cidades durante o período militar criou condições para mobilização e organização social. A

queda do governo militar contou com maior participação popular do que a queda do Estado

Novo.

Os avanços dos direitos sociais e a retomada dos direitos políticos não resultaram em

avanços dos direitos civis. Pelo contrário, foram os que mais sofreram durante governos

militares. Com a “abertura” estes direitos foram restituídos, mas continuaram restritos aos mais

ricos e mais educados. As populações marginalizadas encontravam-se privadas não só de serviços

urbanos, mas também de serviços de segurança e de justiça.

Após a euforia com as Diretas Já, veio a frustração e o desencanto com o governo de José

Sarney e com o Congresso devido aos escândalos de corrupção. A redemocratização – Nova

República – teve início com a Constituição Cidadã de 1988 e a primeira eleição direta para
45

presidente desde 1960, em 1989. Fernando Collor de Mello apareceu então como uma figura

messiânica para a população, e representou um novo começo para a democracia no país, mas que

devido à falta de governabilidade e à corrupção, sofreu o primeiro impedimento da história do

país. Houve uma grande mobilização popular, principalmente da juventude das grandes cidades, e

através da pressão popular conseguiu seu afastamento, por uma via democrática. Para Carvalho,

“o impedimento foi sem dúvida uma vitória cívica importante. Na história do Brasil e da América

Latina, a regra para afastar presidentes indesejados tem sido revoluções e golpes de Estado”

(CARVALHO, 2004:205). Este acontecimento foi inédito, pois deu aos cidadãos a sensação de

que podiam exercer algum controle sobre os governantes.

Apesar da Constituição de 1988 ter legitimado um aumento dos direitos sociais, na prática

reina ainda uma crescente desigualdade social e racial. Em relação aos direitos civis, foram

recuperados e inovou-se ao caracterizar racismo como crime inafiançável e imprescritível, assim

como a tortura. A partir da constituição foram criados a Lei da Defesa do Consumidor (1990) e

os Juizados Especiais de Pequenas Causas Cíveis e Criminais (1995), o que representou uma

justiça mais acessível para uma maior parcela da população. “No entanto, pode-se dizer que dos

direitos que compõem a vida, no Brasil são ainda os civis que apresentam as maiores deficiências

em termos de seu conhecimento, extensão e garantias” (CARVALHO, 2004:210). Basta

analisarmos a situação de segurança individual, integridade física e acesso à justiça para a

maioria da população brasileira.

Como já foi frisado anteriormente, a inversão lógica e cronológica no Brasil da seqüência

de direitos de Marshall, talvez explique as nossas dificuldades no exercício da cidadania.

Aqui, primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão


dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se
tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também
bizarra. A maior expansão do direito do voto deu-se em outro período
46

ditatorial, em que os órgãos de representação política foram transformados em


peça decorativa do regime. Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a base
da seqüência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da população.
(CARVALHO, 2004:219-220)

Para Carvalho (2004), a seqüência inglesa reforçava a democracia pois as liberdades civis

eram garantidas por um Judiciário independente do Estado, e a partir delas, os direitos políticos

expandiram-se consolidados pelos partidos e pelo Legislativo. E através dos partidos e do

Congresso, votaram-se os direitos sociais. A base eram as liberdades civis e a participação

política que tinha o objetivo de garanti-las. Os direitos sociais eram considerados muitas vezes

incompatíveis com os demais. “A proteção do Estado a certas pessoas parecia uma quebra da

igualdade de todos perante a lei, numa interferência na liberdade de trabalho e na livre

competição” (CARVALHO, 2004:220). O auxílio do Estado acabava retirando a independência

necessária de quem poderia votar.

Não é que exista uma única fórmula para a construção da cidadania, mas caminhos

diferentes afetam o resultado, o tipo de cidadão e de democracia. Em nosso caso, teríamos como

conseqüência a excessiva valorização do Poder Executivo, que aparece como ramo mais

importante do poder, e que por sua vez, assume um papel paternalista, de distribuição de

empregos e favores. Nessa mentalidade, não há função para o sistema representativo, trata-se de

uma cultura orientada mais para o Estado do que para a representação dos membros que

compõem a comunidade. Carvalho (2004) a denomina “estadania”. Tivemos ao longo da nossa

história figuras messiânicas, representantes dessa estadania, como Getúlio Vargas – pai dos

pobres - Jânio Quadros e Fernando Collor – caçador de marajás.

Em contrapartida, há uma desvalorização do Legislativo, que é percebido como lento

mecanismo democrático de decisão. Além disso, em nossa cultura política, prevalece uma visão

corporativista dos interesses coletivos. Os benefícios sociais não eram direitos de todos, mas fruto
47

de negociação de cada categoria. Na Constituinte de 1988, cada grupo “defendeu o seu”. “O

papel dos legisladores reduz-se, para a maioria dos votantes, ao de intermediários de favores

pessoais perante o Executivo” (CARVALHO, 2004:223). O eleitor vota no deputado em troca de

promessas, o deputado apóia o governo em troca de cargos e verbas.

3.2 As especificidades da cidadania no Brasil: a subversão do direito

A partir deste histórico, nos debruçaremos agora sobre alguns autores que pensaram o tipo

de cidadania criada no Brasil, e que traços dessa relação um tanto perversa com os direitos

permanece em nossa sociedade.

No capítulo “Violência e Cidadania” de seu livro “Individualismo e Cultura: notas para

uma antropologia da sociedade contemporânea”, Velho (1981) fala sobre a relação de

solidariedade entre as representações da sociedade brasileira e a problemática da violência, mas

aborda de forma tangencial a questão da cidadania, interesse desta dissertação. Recorrendo a

nossas raízes históricas, afirma que as razões para a fragilidade da noção de cidadania em nosso

país estariam baseadas na conjunção da existência de uma hierarquia enquanto valor, apresentada

no processo de nossa colonização baseada na plantation8.

Esta relação baseada na plantation, típica da época colonial brasileira, aproximava-se de

um sistema holístico, de castas, o que impedia o desenvolvimento de uma ideologia

individualista; e a ação do Estado enquanto ator central, onipresente, seria limite do sujeito moral

e político. Em outras palavras, a posição herdada na sociedade, seja de coronel, seja de escravo,

desresponsabilizava ambas as partes de sua implicação na sociedade, ao mesmo tempo em que o

8
A plantation representa a estrutura da produção colonial e tinha como características a grande propriedade, a
monocultura e a escravidão.
48

Estado era o ator central, não garantidor de direitos, mas sim de privilégios a poucos. Em nossa

origem a cidadania esteve marcada por uma desigualdade, por uma hierarquia de cidadãos.

Embora na lei tenhamos, de um modo geral definidos direitos e liberdades


extensivos a todos os membros da sociedade brasileira, na prática temos
cidadãos, de primeira, segunda e terceira classes e mesmo não-cidadãos, isto é,
indivíduos sem voz, sem espaço e sem nenhum respaldo real nas instituições
vigentes. (CARVALHO, 1981: 146)

Velho (1981) alerta que para nós o exercício da cidadania sempre foi constantemente

identificado à subversão, pois a demanda de cidadania exige automaticamente a alteração destes

lugares marcados pela tradição holística, influência presente na sociedade brasileira. “A

ambigüidade hierarquia-individualismo e o autoritarismo do Estado combinam-se para impedir o

florescimento da noção de cidadania” (VELHO, 1981: 148). Introjetamos valores hierarquizantes

e remetemos o controle da vida ao Estado, aceitando sua tutela. Associações independentes de

bairro, reivindicações, sindicatos, greves eram vistos com desconfiança, até o período da ditadura

militar.

Sales (1994) em seu interessante estudo sobre as raízes da desigualdade social na cultura

política brasileira, chega à formulação do conceito de cidadania concedida. Esta cidadania

concedida seria baseada na relação mando/subserviência, que segundo a autora, foi a relação que

marcou toda a classe pobre livre com os senhores de terra, que em troca da obediência, seria a

provedora desses indivíduos, tornando-os dependente de favores. Cabe uma ressalva feita por

Lopes de que não só as classes propriamente pobres, mas outras partes da sociedade, como

“camadas médias urbanas, [...] agregados das casas-grande, partícipes da casa e mesa do senhor,

estavam – é escusado dizer – imersos naquela cultura de favor” (1994:40).


49

Neste modelo, a cidadania é entendida como dádiva e não como direito, ou seja, ela

substitui os direitos básicos de cidadania. Para Sales (1994), a cultura política da dádiva

sobreviveu aos engenhos coloniais, à abolição da escravatura, foi pregnante no coronelismo e nos

mecanismos de clientelismo que marcaram a República Velha e chegou aos dias de hoje.

Podemos também identificar esta cultura no regime populista, onde procura-se um messias,

salvador da pátria, pai. O herói não é o cidadão-comum portador de ideais e projetos da

coletividade, mas sim aquele que mostra ter condições necessárias para resolver os nossos

problemas, satisfazer nossas necessidades (FERREIRA, 2000). Procura-se no político o que se

procura no senhor de engenho: bom orador, “fazedor da paz” e generoso provedor de sua gente.

Portanto para Sales, “a cidadania concedida, que está na gênese da construção de nossa

cidadania, está vinculada contraditoriamente, à não-cidadania do homem livre e pobre, o qual

dependia dos favores do senhor territorial, que detinha o monopólio privado do mando, para

poder usufruir dos direitos elementares de cidadania civil” (1994 : 27). Assim, a cultura política

brasileira é sedimentada na cultura do mando e da subserviência o que leva a uma cultura política

da dádiva. Esta cultura implica necessariamente em um provedor forte, que em nosso caso foi

expresso como o latifúndio, e mais tarde se atualizou na figura do Estado. Mas esse caráter

provedor não está nas características propriamente econômicas, mas sim nas características

sociais, “nas marcas de prestígio e poder do senhor rural”. Esse seria uma figura altamente

ambivalente em nossa história, pois embora fosse ele que controlasse os aparelhos de justiça, os

delegados de polícia e as instituições municipais, é essa figura também a fonte de amparo para o

homem comum perante todos esses controles. Portanto, tinha uma função tutelar para com os

homens livres e pobres. O poder do senhor de engenho não estava necessariamente na posse de

escravos, mas sim no contingente de “agregados”, que tinham para com ele relações de trabalho,

de dependência, de vida, uma vez que sua própria sobrevivência física e social passava por ele. O
50

“favor” era, portanto, a mediação fundamental entre a classe dos proprietários de terras e os

“homens livres”.

Daí vinham as características dessa cidadania concedida. “[...] os direitos individuais, a

liberdade, a pessoa, o lar, os bens dos homens pobres só estão garantidos, seguros, defendidos,

quando têm para ampará-los o braço possante de um caudilho local” (SALES, 1994:29). A

cidadania concedida estaria na gênese da construção de nossa cidadania presente, sendo

importante notar que os primeiros direitos civis – liberdade individual, justiça, direito à

propriedade – foram outorgados ao homem livre, mediante a concessão dos senhores de engenho.

Logo, a dominação por parte do senhor de engenho era experimentada como uma dádiva,

como algo positivo e desejado, uma vez que só isso asseguraria os direitos.

Os direitos básicos à vida, à liberdade individual, à justiça, à propriedade, ao


trabalho; todos os direitos civis, enfim, para o nosso homem livre e pobre que
vivia na órbita do domínio territorial, eram direitos que lhe chegavam como
uma dádiva do senhor de terras. (SALES, 1994:31)

Esse tipo de relação, que funda uma cidadania apenas concedida como dádiva ao homem

livre e pobre sofreu mudanças mas permanece até os dias de hoje. Podemos ver uma atualização

dela, por exemplo, na relação patrão – empregado, onde para este último o patrão o sustenta, sem

falar que no contexto rural creio que este tipo de relação ainda seja pregnante.

Ferreira (2000) defende que a dificuldade no desenvolvimento de uma democracia

verdadeiramente representativa está que “a nossa República, em suas origens, contou com um

poder paralelo ao Estado, o poder dos antigos ‘coronéis’, remanescentes dos antigos senhores de

engenho ou ricos comerciantes. O coronelismo instituiu-se como uma política de compromissos,

na forma de uma pirâmide que vai da massa de eleitores ao governo central” (FERREIRA,
51

2000:205). No entanto, o compromisso não é uma parceria, mas sim uma forma de controle, não

visa à universalidade, mas sim privilégios a pequenos grupos.

Na passagem do século XIX para o século XX, ao abolir-se a escravidão e implantar-se a

República, o domínio do liberalismo enquanto doutrina em pouco ou nada contribuiu para a

instauração dos direitos elementares de cidadania em nosso país (SALES, 1994 : 32). Na verdade,

este liberalismo “caboclo” juntou-se a um individualismo, ou melhor, privatismo conservador das

oligarquias da Primeira República. Logo, a cidadania continuou tão concedida quanto antes. A

troca de favores passou a se dar agora também entre o poder público, fortalecido, e os senhores

de terra, chefes locais. Seria um compromisso, resultando num “[...] sistema de reciprocidade em

que de um lado estão os chefes municipais e os coronéis com seus currais eleitorais, e, de outro, a

situação política dominante do Estado, que dispõe do erário, dos empregos, dos favores e da força

policial” (SALES, 1994:33). A subserviência da população em troca de favores é que assegurava

aos coronéis os favores do poder público. É isso o que resiste desde então, o compromisso entre o

poder público, poder centralizado, e o poder local, que resiste graças aos favores nas formas de

dádivas.

Uma atualização da cidadania concedida em um período mais recente da história

brasileira está na cidadania regulada, formulada por Santos (1994). Com esta conceituação de

cidadania, vemos mais uma vez a afirmação de um conceito de cidadania no contexto brasileiro

marcado pela iniciativa e prevalência do direito social; a necessidade de um provedor forte, no

caso o Estado; assim como uma manutenção de uma hierarquização, não mais escravo x senhor,

mas sim trabalhador regulamentado x trabalhador não-regulamentado.

Santos define cidadania regulada como “[...] conceito de cidadania cujas raízes

encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação

ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificação ocupacional é definido por norma legal”
52

(1994: 68). De forma mais simples, são considerados cidadãos somente os membros da

comunidade que ocupem posições profissionais reconhecidas e definidas em lei.

A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas profissões


e/ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante ampliações do escopo dos
direitos associados a estas profissões, antes que por expansão dos valores
inerentes ao conceito de membro da comunidade. A cidadania está embutida na
profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa
no processo produtivo, tal como reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos,
assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece. (SANTOS, 1994:68)

Esta cidadania se aproximaria à cidadania que nomeei de “às avessas”, formulada por Da

Matta (1991), que veremos mais adiante; uma vez que ela é reconhecida e definida por uma lei

outorgada pelo Estado e está ligada a um sistema de estratificação, no caso ocupacional, e não a

um código de valores políticos. Como resultado, temos a distinção de certas categorias

ocupacionais que passaram a ter mais direitos que outras. Se a cidadania de Da Matta (1991),

funciona a partir das relações pessoais, a cidadania regulada de Santos (1994) existe somente para

os trabalhadores cujas ocupações são reconhecidas e regulamentadas pelo Estado. Lembremos

que está intimamente ligada aos direitos sociais, a benefícios como férias, aumento, etc.

De maneira parecida, Ferreira (2000) ao discutir a cidadania liberal no imaginário social

brasileiro fala de uma fraca cultura política, fruto da colonização e de relações patrimonialistas de

poder que aniquilam idéias de autonomia, liberdade e cidadania. Segundo ela, “na medida em que

o Estado subordinou a sociedade civil com relações de poder paternalizadas, a vida política

favoreceu a formação de um imaginário social avesso aos ‘princípios liberais’” (FERREIRA,

2000:201).

“A regulamentação das profissões, a carteira profissional e o sindicato público definem,

assim, os três parâmetros no interior dos quais passa a definir-se a cidadania. Os direitos dos

cidadãos são decorrência dos direitos das profissões e as profissões só existem via
53

regulamentação estatal” (SANTOS, 1994: 69). Assim, a associação cidadania e ocupação faz com

que o mercado informal busque a regulamentação de suas ocupações pelo Estado e mostra até

que ponto esta cidadania regulada teve efeitos na ordem social brasileira e na cultura cívica do

país. A carteira profissional tornou-se uma certidão de nascimento cívico, um instrumento

jurídico do contrato Estado e cidadania regulada. Podemos pensar que no caso dos jovens pobres,

que ao contrário dos jovens ricos, não possuem uma relação pessoal que lhes assegure seu status

de cidadão, a busca por um emprego de “carteira assinada” seja tão importante. O

reconhecimento social passa a ser feito por categorias profissionais e a entrada na arena política

via regulamentação das ocupações. “Se era certo que o Estado devia satisfação aos cidadãos, era

este mesmo Estado quem definia quem era e quem não era cidadão, via profissão” (SANTOS,

1994: 70).

A regulação da cidadania, segundo Santos (1994), implicou em uma discriminação na

distribuição dos benefícios previdenciários, pois quem mais contribuía, mais benefícios podia

demandar. Isso levou a conflitos sociais, uma luta para conseguir este reconhecimento

ocupacional e profissional, e para quem já possuía benefícios, a luta estava em conseguir

melhorar sua posição. O controle dos institutos mais poderosos por parte de algumas categorias

tornava-se um recurso político, pois as leis de sindicalização, de proteção estavam ligadas ao

Ministério do Trabalho.

Os efeitos são inúmeros e sérios em nossa cultura cívica. Santos (1994) alerta que essa

política social compensatória, parece ocorrer no Brasil, em períodos de depressão e recessão

econômica associados à governos autoritários. No caso, à ditadura de Getúlio Vargas e à década

pós-66, durante a ditadura militar.


54

Nesta conexão, a experiência brasileira se aproximaria da estratégia


bismarckiana de tentar obter a aquiescência política do operariado industrial
em troca do reconhecimento de alguns de seus direitos civis. Igualmente
importante, o preço político pago pela sociedade, em seu conjunto, foi nos dois
períodos, bastante elevado. (SANTOS, 1994 : 89)

O preço político pago pela sociedade brasileira foi, na ditadura Vargas, o estabelecimento

de uma relação poder público e sociedade pela extensão regulada da cidadania; e na ditadura

militar, o recesso da cidadania política, isto é, o não reconhecimento do direito ou da capacidade

da sociedade governar-se a si própria.

Da Matta (1991) também elabora uma abordagem interessante ao se questionar que

especificidades teria a cidadania no Brasil. Ele defende que ao se falar em cidadania, considera-se

muito apenas sua definição moral, jurídica e política e deixa-se em segundo plano, ou até mesmo,

ignora-se que ela comporta uma dimensão sociológica. Isto evidencia que não se trata de algo

natural, aprende-se a ser cidadão. Esta “institucionalização política do conceito” passou a ser

tomado como natural, como essência e não papel social.

Segundo Da Matta (1991), a sociedade brasileira é uma sociedade onde a relação pessoal

desempenha um papel crítico na concepção da dinâmica social e, portanto causaria um confronto

com a noção de cidadania clássica, que implica um indivíduo, e acima de tudo regras universais.

A pretensão da cidadania seria a de ser um papel que pretende-se contaminador, uma

identidade social informada pela dimensão política e que deve operar e prevalecer em qualquer

esfera da vida. Como membro de uma nação, não é possível a singularidade, a

complementaridade em termos de outra identidade. O papel do cidadão exclui todas as

complementaridades sociais tradicionais como sexo, idade, cor. Para Da Matta, “como cidadão,

assim, não posso me definir usando meu componente etário ou sexual, já que eu me apresentar

como um ‘homem de 47 anos’ posso produzir um efeito contrário à universalização que o papel
55

de indivíduo e de cidadão promete” (1991: 74). Para que isso ocorra, no entanto, é necessário que

este papel social “cidadão-indivíduo” opere num meio social homogêneo que garanta seu

reconhecimento.

Logo, a cidadania viria para criar uma identidade social de caráter nivelador e igualitário,

onde os direitos são iguais para todos os “homens”. Abandonaria-se, portanto, o singular e o

local, relações e complementaridades.

No entanto, Da Matta (1991) em seu estudo mostra como no Brasil ocorre uma subversão,

uma perversão desta noção de cidadania, pois a relação pessoal – justamente o singular, a

complementaridade – e não o indivíduo é o que define o cidadão e seus direitos. Como nos diz

Cardoso de Oliveira, “aqui, para que se encontre reconhecimento ou consideração, a pessoa deve

possuir uma identidade específica ou substantiva e facilmente comunicável, qualquer que esta

venha a ser” (1996:80).

Assim como Carvalho (2004), para Da Matta (1991) situações históricas e sociais

diferentes engendram práticas sociais diferentes. Enquanto na Europa Ocidental e nos Estados

Unidos a noção de cidadania veio para acabar com privilégios e leis particulares para nobreza e

clero, leis essas que cristalizavam hierarquias locais e diferenciações, portanto para estabelecer o

universal; no Brasil ela veio para reforçar justamente estas hierarquias e diferenciações, como

escravo x senhor, patrão x empregado, rico x pobre. A origem da cidadania em nosso país estaria

em um Estado colonial que operava a partir de instituições e leis que ele mesmo criava, daí a

importância da hierarquia para a definição do papel das instituições e dos indivíduos. Isso está

relacionado à questão do surgimento dos direitos sociais em primeiro lugar no Brasil. Devido a

nossa herança ibérica as leis universais não foram criadas para a liberação da atividade

econômica ou política – como no caso de França, Inglaterra e Alemanha – mas sim por uma

questão de “justiça”, como medida corretiva e compensatória do Estado.


56

A subversão da cidadania está em que ser submetido às leis impessoais e universais no

Brasil, acarreta uma inferiorização do indivíduo, pois elas “[...] servem sistematicamente para

diferenciá-lo e explorá-lo impiedosamente, tornando-o um igual para baixo, numa nítida

perversão do ideário político liberal” (DA MATTA, 1991:79). Nesta, que poderíamos chamar de

cidadania às avessas ou relacional, criam-se hierarquias inesperadas e “aristocratas por acidente”.

Dessa forma, a noção de cidadania no Brasil não é estática mas dinâmica, passível de

desvio para baixo ou para cima, que impede de assumir integralmente seu significado político

universalista e nivelador.

No Brasil, a cidadania seria um produto de um individualismo visto como algo negativo e

contrário às leis que definem e emanam da totalidade. Já nos Estados Unidos, o individualismo é

positivizado e soma-se a um esforço de totalidade. No Brasil, a comunidade significa relações,

pessoas, famílias, grupos de amigos. Nos Estados Unidos, a comunidade é simplesmente um

conjunto de indivíduos ou cidadãos.

Sendo assim, nos Estados Unidos o indivíduo isolado conta com uma unidade
positiva do ponto de vista moral e político; mas aqui no Brasil, o indivíduo
isolado e sem relações, a entidade política indivisa, é considerado como
altamente negativo, revelando apenas a solidão de alguém que, sem ter
vínculos, é um ser humano marginal em relação aos outros membros da
comunidade. (DA MATTA, 1991 : 84)

O indivíduo que não possui ligação com alguém ou algo importante, é tratado como

inferior. Para ser cidadão é preciso dizer a frase mágica: Sabe com quem está falando? Esta serve

para que se consiga um tipo de conduta e papel que contraria a lei geral ou pelo menos permite

seu amaciamento. Logo, “é a relação que explica a perversão e a variação de cidadania, deixando

perceber o que ocorre no caso das diversas categorias ocupacionais no Brasil, onde elas formam
57

uma nítida hierarquia em termos de sua proximidade do poder, ou melhor, daquilo que representa

o centro do poder” (DA MATTA, 1991:85).

Dessa forma, a palavra “cidadão” assume uma conotação negativa no Brasil, para marcar

a posição de alguém que está em desvantagem ou inferioridade. Aqui o tratamento

universalizante e impessoal é usado para não resolver e ou dificultar a solução. A solução está no

reconhecimento da relação (filho de quem, amigo de alguém) que humaniza e hierarquiza as

pessoas implicadas na situação. A relação pessoal cria um fora da lei que humaniza e resgata da

condição de universalidade enquanto que a cidadania implica em anonimato e inferioridade.

Logo, ser cidadão no Brasil implica em abrir mão de suas relações, o que pode ser até mesmo

perigoso.

Ferreira (2000), assim como Da Matta (1991), ressalta o estilo político estabelecido sobre

a ordem da pessoalidade. Exemplo disso seria nossa famosa “malandragem”, uma interação

“natural” entre a ordem e a desordem, entre o legal e o ilegal, entre o favor e o direito.

Para Da Matta (1991), a rua seria o lugar da impessoalidade, das leis, do universal, em

contraposição ao lugar da casa, lugar da pessoalidade, da relação, da particularidade. Este

esquema brasileiro cria uma diferenciação: na rua temos sub-cidadãos e em casa super-cidadãos.

Nas situações da vida cotidiana o brasileiro pode “sentir-se em casa” ou “estar na sarjeta da rua”

independente do lugar em que esteja.

Esta forma de cidadania baseada na relação busca a exceção, assim “a lei não está errada,

ela só não deve se aplicar a mim”. Segundo Da Matta, “[...] contra a lei universal, eu me defendo

e faço valer minha vontade e minhas razões não utilizando outra lei universal, mas uma relação

pessoal’ (1991: 91).


58

Portanto, podemos afirmar que se no discurso político dirgi-se ao cidadão, a um ideário

liberal-universalista, as práticas políticas são feitas por pessoas, são pautadas e guiadas pelas

relações pessoais.

Ao se privatizar a política temos a conseqüência de ao se resolver a demanda da sociedade

na esfera do privado, “[...] sem ultrapassar o nível da camaradagem e do favor, ela deixa escapar

a forma política de fazê-lo” (FERREIRA, 2000:212). Neste contexto, o conflito não leva à

reivindicação e sim à conciliação, transforma um direito racional em um favor irracional.

3.3 Participação como condição de cidadania

A cidadania no Brasil acabou assumindo características que não propiciaram uma

participação, uma identificação ou sentido de pertencimento. A cidadania regulada, a cidadania

concedida e a cidadania às avessas, todas possuem como característica a iniciativa e prevalência

do direito social, a necessidade de um provedor forte, na maioria das vezes o Estado, e a

existência de uma hierarquização – ao contrário do princípio da universalidade da cidadania –

seja entre senhor x escravo, trabalhador regulamentado x não-regulamentado, patrão x empregado

ou conhecido x desconhecido.

A cidadania no Brasil como vimos, acabou se configurando como um acordo, um favor,

um privilégio e não um direito. O desenvolvimento desta se deu, ao contrário do modelo inglês,

sem a participação direta da sociedade, a partir de uma relação sempre tutelada – pelo senhor ou

pelo Estado. Relação tutelada essa que nos remete a questão principal dessa dissertação, seja ela,

a da posição tutelada da infância e da juventude como impossibilitadora da identidade de cidadão.

Além disso, a série mando/subserviência que no Brasil foi encenada nas figuras senhor/escravo

pode ser o que temos afirmado se configurar a relação adulto/criança e jovem.


59

Também a prevalência dos direitos sociais em nossa história serviu como não-cidadania,

onde por se ter, ou para se ter este direito, abria-se mão dos demais. Novamente, é como a

participação de crianças, onde a tensão sempre tende para a proteção e provisão, em detrimento

da participação.Vimos isso em diferentes momentos de nossa história (governo Vargas, ditadura

militar) onde a “proteção” através dos direitos sociais teve como contrapartida a perda da

“participação”, mais estritamente de direitos civis e políticos.

A partir deste pequeno panorama, pode-se concluir que a cidadania sem a participação

social e política efetiva mostra-se precária, ou somente válida e existente na “letra da lei”.

Observamos por exemplo, a importância da participação efetiva da sociedade no processo de

“abertura”, que podemos localizar como surgimento da sociedade civil, que veremos adiante,

deu-se principalmente através de cultura. A participação política stricto senso parece estar

ancorada na participação social, ou seja, a existência no social é instituinte da existência política,

o instituído.

Isso faz ressonância para a questão aqui tratada da cidadania de crianças e jovens, na

medida em que este exercício de cidadania só poderia ser aprimorado, este saber político só

poderia ser alcançado a partir da contínua prática. O atraso em permitir a participação de crianças

e jovens também só pode levar ao retardamento da incorporação destes sujeitos à vida política.

Assim, podemos dizer que uma cidadania sem a participação, torna-se um conceito vazio

de sentido. Ao longo da história, a cidadania sempre veio de cima para baixo, sendo concedida,

regulada e não fruto de lutas e de conquistas pelo exercício dela. A própria origem dos direitos se

dava no modelo inglês a partir da associação e participação na comunidade. As implicações disso

vemos em quando a sociedade se viu convocada a exercer seu direito – quando começou a ter o

direito ao voto – não soube como. Esta distância (=não participação) reflete-se na falta de prática,

o que por sua vez, reforça opiniões de que o “povo não quer nada”.
60

A cidadania clássica enfrenta dificuldades na atualidade, não só ao ser desafiada em sua

condição universalizante e eliminadora de diferença, como na impossibilidade de sua sustentação

de igualdade e universalidade, que no Brasil foi deturpada na forma de um individualismo. Por

isso, deve-se questionar a adoção de uma concepção de cidadania estrita e formal, que supõe que

a manifestação política adequada é aquela que se dá no sistema legal, sobretudo através do voto.

Por esses motivos, outras modalidades de participação, menos instituídas devem ser levadas em

conta. Carvalho (2004) apontou que mesmo quando o voto não era (bem) exercido, outras

maneiras de participação surgiram, através de revoltas e rebeliões na época do Império ou de

manifestações sociais e culturais durante a ditadura militar.

O princípio da solidariedade no Brasil transformou-se em privilégio, há um desequilíbrio

entre os princípios de justiça e solidariedade, nos quais a falta de respeito aos direitos do

indivíduo ou do cidadão comum é contrastada com a propensão ao favorecimento de algumas

pessoas que se mostram “especialmente dignas de consideração”. Falta justiça no acesso aos

direitos, mas sobra solidariedade, ou como fala Da Matta (1991), relação pessoal. Se no Brasil

temos um desequilíbrio em relação à solidariedade, nos Estados Unidos a balança pende para o

individualismo e a idéia de justiça.

A essa relação direito e participação, talvez possamos aproximar a outra relação concreto

e abstrato, usada nas ciências sociais por Marx e Weber. Esses autores sempre consideraram a

cidadania como uma categoria relacionada às formas de vida concretas dos indivíduos e das

comunidades (AVRITZER, 2002). Como concreto, era entendido a comunidade, como forma real

de vida estabelecida pelos indivíduos, assim como formas de solidariedade éticas de comunidades

específicas e participação; enquanto abstrato seriam as categorias impostas pelo Estado e pelo

direito. Dessa forma, podemos dizer que se esta relação concreto e abstrato são complementares e

dependentes, a defesa da dimensão de participação promove um resgate da dimensão concreta da


61

cidadania. As bases para cidadania estão na própria dimensão do concreto, ou seja, nas práticas

dos atores sociais e nas formas de ação coletiva disponíveis.


62

4 CONSUMO, CULTURA E POLÍTICA: O SURGIMENTO DE UMA NOVA


CIDADANIA

A discussão deste trabalho caminhou até o momento no sentido de mostrar como a

cidadania clássica, atrelada à idéia de direitos, passa por questionamentos e re-formulações em

função das mudanças ocorridas no contemporâneo. Além disso, no que diz respeito à crianças e

jovens, esta cidadania apresenta-se excludente uma vez que parece apoiada em uma lógica

desenvolvimentista, considerando-os como não-cidadãos, ou no máximo, como tendo acesso

somente ao direito social – educação – mais como um dever de preparação ou como uma relação

tutelada. Vimos também, como, aproximando-se de nosso universo, o contexto brasileiro, esta

cidadania sofreu mais mutações e além de excludente, demonstrou-se deturpada em seus

princípios mais básicos, onde a relação de direito nunca atuou como intermediador entre o

indivíduo e o Estado, tendo como conseqüência uma cultura política em descrédito, tanto para

adultos quanto para crianças e jovens.

Como foi discutido anteriormente, uma outra forma de se conceituar a cidadania pode se

dar a partir da participação. A hipótese a ser desenvolvida nesta dissertação é que a cidadania

como participação, diferentemente da cidadania entendida como conjunto de direitos, fornece um

estatuto de cidadão para crianças e jovens. A participação possível seria feita no contexto da

cultura do consumo, cultura da sociedade contemporânea, pois esta apresenta-se como

possibilitadora de lugar na sociedade para crianças e jovens. Para tal, discutiremos o que vem a

ser esta cultura ou sociedade de consumo e como o consumo possibilita elementos para o

exercício da cidadania. O objetivo do capítulo não é dar conta de uma teorização da sociedade ou

cultura de consumo, mas sim trazer aspectos interessantes dessa discussão para se pensar a

função do consumo como dimensão de cidadania.


63

4.1 Globalização e consumo: mudanças no cenário contemporâneo

Para se abordar a relação entre cidadania e consumo creio ser importante nos debruçarmos

sobre o papel da globalização e sua implicação com o consumo, já que este fenômeno da

globalização trouxe mudanças profundas para a atividade de consumo. Esta discussão é trazida

aqui, não só por este fenômeno contemporâneo promover mudanças na atividade de consumo,

como também pelas implicações na reformulação do Estado-nação, e da relação da sociedade

para com este.

A globalização é entendida por Santos (2000) como ápice do processo de

internacionalização do mundo capitalista. O processo de internacionalização é diferente do de

globalização no sentido de que no primeiro, há fronteiras entre bens materiais e simbólicos entre

sociedades, enquanto que no último, o que se produz no mundo está em todo lugar e é difícil

saber o que é próprio de cada sociedade ou cultura.

A globalização não pode ser definida apenas como a existência de um novo sistema de

técnicas de informação, fruto do avanço da ciência do fim do século XX, é também resultado das

ações que asseguram a emergência de um mercado dito global. Para Santos (2000), neste

contexto ocorreria a emergência de uma dupla tirania – dinheiro e informação – base do sistema

ideológico que legitima as ações mais características da época atual e formam um novo ethos de

relações sociais e interpessoais. Este novo ethos seria marcado por um retrocesso da noção de

bem público e de solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento das funções sociais e

políticas do Estado, enquanto se amplia o papel político das empresas na regulação da vida social.

“Fala-se, também, de uma humanidade desterritorializada, uma de suas características sendo o

desfalecimento das fronteiras com o imperativo da globalização, e a essa idéia dever-se-ia uma

outra: a da existência, já agora, de uma cidadania universal” (SANTOS, 2000 : 42).


64

Já Vieira (2001) apresenta o processo de globalização como causador do enfraquecimento

dos Estados nacionais, que perdem a capacidade de formular políticas nacionais autônomas

devido à influência do mercado. O problema para ele é que a cidadania está ligada ao Estado

nacional, que por sua vez, encontra-se enfraquecido. A idéia de cidadania clássica ligada ao

território, à nação, não combina com o ideal de uma “democracia cosmopolita” da atualidade,

onde as fronteiras e os limites são cada vez mais frágeis e que supõe uma diversidade de

identidades de gênero, raça, língua, entre outras.

Canclini (1995) focaliza sua questão sobre a globalização na oposição “próprio” – produto

nacional – e “alheio” – produto de outro lugar, que segundo ele, deixa de existir com a

globalização. Os objetos não são mais nacionais ou estrangeiros. Os objetos são agora

multinacionais devido à fragmentação do processo de produção que pode se dar em diversos

lugares, até mesmo simultaneamente. A partir da existência desses objetos multinacionais não se

pode mais definir uma identidade nacional. “Os objetos perdem a relação de fidelidade com os

territórios originários. A cultura é um processo de montagem multinacional, [...] uma colagem de

traços que qualquer cidadão de qualquer país, religião e ideologia pode ter e utilizar”

(CANCLINI, 1995 : 17).

Portanto, a globalização pode ser entendida como a passagem de identidades modernas –

territoriais, monolinguísticas com regiões e etnias delimitadas dentro de um espaço nação – para

identidades pós-modernas – transterritoriais e multilinguísticas, subordinados à lógica dos

mercados. Trata-se de uma cidadania que sofre a perda dos referenciais jurídico-políticos da

nação, onde os passaportes se tornam transnacionais (por exemplo, no caso da Comunidade

Européia) e que comporta novas formas de pertencimento, cujas redes se entrelaçam com as de

consumo, já que as identidades são mais definidas pelo consumo do que por outras categorias

como nacionalidade ou língua. Dentre as mudanças socioculturais oriundas da globalização,


65

Canclini (1995) apresenta como principais a transferência relativa ao exercício do poder público

de órgãos locais e nacionais para empresas transnacionais; a reelaboração do “próprio”; uma

redefinição do senso de pertencimento e identidade, cada vez menos por lealdades locais ou

nacionais e mais em consumidores transnacionais ou desterritorializada de consumidores e uma

passagem do cidadão como representante de uma opinião pública ao cidadão interessado em

desfrutar uma certa qualidade de vida.

Este pertencimento através do que se consome, ou seja, através da identificação a valores

e objetos de consumo em comum, tem deixado de ser nacional e se tornado cada vez mais

transnacional, devido aos processos de globalização. Para Canclini (1995), vivemos um momento

de heterogeneidades, de fragmentação. Os códigos compartilhados são cada vez menos os de

etnia, classe ou nação. Uma nação hoje é melhor definida como uma “[...]comunidade

hermenêutica de consumidores, cujos hábitos tradicionais fazem com que se relacione de um

modo peculiar com os objetos e a informação circulante nas redes internacionais” (CANCLINI,

1995 : 62). O autor dá o exemplo de comunidades internacionais de consumidores, como por

exemplo, o de consumidores de música, onde encontramos consumidores do mundo todo, de um

determinado tipo de música.

O fenômeno da globalização, portanto, a partir do que pudemos observar também no

primeiro capítulo, causa uma re-configuração de diversas categorias sócio-históricas no

contemporâneo, dentre elas, a cidadania, uma vez que vem abalar as estruturas nas quais estão

baseadas o Estado-nação. Dessa forma, o consumo parece então assumir um lugar destacado

enquanto processo de pertencimento e identificação, contribuindo para uma re-formulação da

noção de cidadania.
66

4.2 O consumo e a cidadania: uma nova inserção social

No contexto do fenômeno da globalização na contemporaneidade, Santos (2000) aponta

uma outra perspectiva de cidadania. Para ele, a lógica do consumo exacerbada acaba por

delimitar o consumidor como um novo paradigma de cidadão, uma vez que vive-se cercado por

um sistema ideológico construído em função do consumo, motor tanto de ações públicas quanto

privadas. No entanto, essa lógica de consumo, para Santos (2000), restringe a possibilidade de

cidadania àqueles que não se encontram inseridos nesta lógica. Penso que existam

impossibilitados de participar de forma mais ativa no consumo, mas todos, enquanto membros de

uma sociedade de consumo, encontram-se referidos a ela na maneira de pensar, desejar e

participar enquanto membros, ou seja, têm sua subjetividade marcada por ela. No momento em

que valores referenciais tradicionais da sociedade – como nação, religião, política – parecem não

mais servir como referências, o consumo enquanto cultura parece assumir esta função. Como

afirma Khel, “na sociedade pautada pela indústria cultural, as identificações se constituem por

meio das imagens industrializadas. Poucos são aqueles capazes de consumir todos os produtos

que se oferecem [...] mas a ‘imagem’[...] difundida pela publicidade e pela televisão, oferece-se à

identificação de todas as classes sociais” (2004:93).

Parece haver um consenso entre os autores (SAID, 2003; CANCLINI, 1995; SANTOS,

2000; VIEIRA, 2001) na contextualização da cidadania relacionada ao consumo como presente a

partir do avanço do capitalismo, e como profundamente relacionada ao fenômeno da

globalização, fruto deste projeto. No entanto, ao falarem desta relação consumo e cidadania,

alguns autores se posicionam de forma mais otimista, apresentando o consumo como

possibilitadora de uma forma de cidadania (CANCLINI, 1995; CASTRO, 1998) enquanto outros

tendem a problematizar mais esta relação e suas conseqüências (SANTOS, 2000).


67

Há uma discussão interessante em relação ao consumo enquanto modalidade de

participação política entre Santos (2000) e Canclini (1995). Enquanto o primeiro problematiza a

entrada do consumo na seara política, o segundo defende o consumo como alternativa à atividade

política tradicional. Alinhamo-nos aqui com Canclini (1995) e outros autores no sentido de

encontrar na atividade de consumo uma nova forma de participação cidadã, uma vez que mesmo

podendo ser excludente devido à questão do dinheiro, do poder ou não consumir, atualmente

aparece, como um novo modo de subjetivação ao qual todos encontram-se referidos,

principalmente crianças e jovens.

Neste sentido, acompanhamos a proposta de Castro (1998) de que crianças e jovens

estariam hoje vivendo sob a égide de uma sociedade de consumo que tem efeitos na produção

desses sujeitos, ao estarem sendo constituídos por condições históricas, políticas e culturais

diferentes. Segundo a autora, “[...] o estabelecimento do que se chama cultura do consumo a

partir da segunda metade deste século modificou a inserção social dos sujeitos, já que a lógica do

consumo se sobrepôs à centralidade da produção, enquanto ação coletiva e estruturação

dominante das formações sociais modernas” (CASTRO, 1998 : 57).

A sociedade contemporânea de maneira geral tem sido definida por muitos como

sociedade de consumo, consumo entendido como de mercadorias supérfluas. No entanto, o

consumo de necessidades básicas ou de supérfluos é uma atividade presente não só na sociedade

contemporânea mas que pode ser vista na Modernidade (BARBOSA, 2004; COSTA, 2004).

Nos séculos XVII e XVIII, [...] o grosso da atividade industrial não visava à
fabricação de bens de capital, como se poderia pensar, mas à de bens
supérfluos, como ‘brinquedos, botões, alfinetes, cadarços, espelhos, broches,
cartas de baralho, bonecas, palitos, etc.’, todos itens rotulados pelos políticos
[...] como frivolidades. (COSTA, 2004:142)
68

Creio que resistências frente à idéia de se pensar o consumo como relacionado à cidadania

são oriundas de uma conceituação de consumo associada a uma moralidade e crítica social em

sua análise. Como alerta Barbosa, “a conseqüência [da associação] automática e inconsciente

entre consumo, ostentação e abundância foi e ainda é o permanente envolvimento da sociedade

de consumo e do consumo com debates de cunho moral e moralizante sobre os seus respectivos

efeitos nas sociedades contemporâneas” (2004:12). Estende-se uma crítica moral às

desigualdades produzidas pelo capitalismo a uma crítica moralizante sobre o consumo. Bauman,

por exemplo, é um dos autores que compartilham desse pensamento. Para ele, o consumo está

desvinculado de qualquer função pragmática ou instrumental, seria “autopropulsor” e estaria

direcionado para o prazer (BARBOSA, 2004). No entanto, podemos pensar se não há uma

avaliação utópica de épocas anteriores, e até questionar se algum grau de hedonismo sempre

esteve presente no consumo, assim como pensar se este seria realmente o único motivo para se

consumir. Como nos diz Costa, “a imagem do burguês indiferente ao Bem Comum e obcecado

pelo consumo de objetos é uma idéia feita que não sobrevive ao testemunho da história. Nem o

hábito de comprar mercadorias, nem a ambição da felicidade interior se revelaram contrárias à

experiência de realização emocional e de propósitos éticos” (2004:159).

A crítica ao consumo aparece também na interpretação da Escola de Frankfurt sobre a

idéia de indústria cultural. Segundo a Escola de Frankfurt, o consumo causa uma transformação

da cultura em mercadoria, uma submissão dos “consumidores culturais” à lógica do mercado, a

redução dos valores da alta cultura aos mais baixos denominadores e uma ausência de padrões e

instituições que estejam investidos de autoridade para discriminar e hierarquizar a produção

cultural (FEATHERSTONE, 2005). Nessa abordagem intelectualista da cultura, superestima-se o

poder das imagens culturais na produção de mudanças sociais com a necessidade de crenças
69

integradoras para sustentar ou produzir mudanças sociais, em detrimento dos modos como a

cultura é usada e encerrada no nível implícito e “inferior” nas práticas cotidianas.

O movimento do pós-modernismo trouxe como inovação pensar a cultura não mais

restrita somente às “artes” mas sim como uma produção cultural mais ampla, também nas esferas

da ciência, do direito e da moralidade. Uma das principais mudanças da cultura pós-moderna está

na corrosão entre cultura de massa e alta-cultura. A importância da cultura estaria na emergência

de novas técnicas de produção e reprodução cultural, que transformam as experiências e práticas

cotidianas (FEATHERSTONE, 1995).

O que gostaria de ressaltar é que parece haver uma estreita relação entre consumo e

cultura, um viés o qual muitos autores têm pensado enquanto lugar importante de participação de

crianças e jovens. Através desta relação, valores são colocados em circulação, inclusive por estes

sujeitos. Um exemplo disso é o lugar idealizado e almejado que a cultura juvenil ou adolescente

tem ocupado em nossa sociedade atualmente. Kehl (2004) nos conta que este prestígio é recente,

adolescentes saíram de uma obscuridade dos discursos acadêmicos, médicos e morais e

transformaram-se em uma faixa da população privilegiada e invejada. A indústria cultural,

principalmente através do consumo, foi a maior responsável por isso, uma vez que os valores e

objetos de consumo da juventude tornaram-se emblemas da atualidade.

Para Canclini (1995) mudanças na maneira de consumir alteram as possibilidades e as

formas de exercer a cidadania. O consumo cultural aparece como dimensão da cidadania na

medida em que os objetos culturais, enquanto objetos materiais, ajudam a estabelecer o sentido e

as práticas da sociedade, dos acontecimentos. Com a degradação da política tradicional parecem

surgir outros modos de participação e inserção social. Para ele, as pessoas quando interpeladas

como cidadãs são convocadas enquanto consumidoras.


70

[...] muitas das perguntas próprias dos cidadãos – a que lugar pertenço e que
direitos isso me dá, como posso me informar, quem representa meus interesses
– recebem sua resposta mais através do consumo privado de bens e meios de
comunicação de massa do que nas regras abstratas da democracia [...] .
(CANCLINI, 1995:13)

O crescimento das tecnologias audiovisuais de comunicação irrompeu as massas

populares na esfera pública e foram deslocando o desempenho da cidadania em direção às

práticas de consumo. Foram estabelecidas outras maneiras de se informar, de entender as

comunidades a que se pertence, de conceber e exercer os direitos.

“Desiludidos com as burocracias estatais, partidárias e sindicais, o público recorre à rádio e à

televisão para conseguir o que as instituições cidadãs não proporcionam: serviços, justiça,

reparações ou simples atenção” (CANCLINI, 1995:26).

Talvez pudéssemos ir além e afirmar que novas formas de participação coletiva hoje

estejam marcadas pelo consumo, trazendo novas características ao político. Dentre essas novas

características podemos citar uma nova configuração do espaço público, uma mudança no

distanciamento espaço-temporal, a tensão entre regulação e emancipação, os novos campos de

seara política, etc (AVRITZER, 2002). A separação privado-público pensada por Arendt não

parece mais condizer com o que acontece hoje. Uma sala de uma casa pode ser mais pública do

que uma praça, e o consumo, que estaria ligado ao oikos, ao privado, aparece como algo público,

como lógica do coletivo. Dessa forma, como nos diz Canclini (1995), as identidades não são mais

definidas por essências a-históricas, mas configuradas no consumo. Dependem daquilo que se

possui, ou daquilo que se pode chegar a consumir. Estas identidades se tornam instáveis, pois

estes bens dos quais dependem se transformam muito rápido, característica da

contemporaneidade.
71

Para dar conta da suposta degradação do político, Canclini (1995) sugere que se concentre

no núcleo daquilo que na política é relação social: o exercício da cidadania. Defende a cidadania

vinculada ao consumo, pois é através da prática desta atividade que pertencemos, fazemos parte

de redes sociais. Para ele, “[...] quando selecionamos os bens e nos apropriamos dele, definimos

o que consideramos publicamente valioso, bem como os modos com que nos integramos e nos

distinguimos na sociedade, com que combinamos o pragmátivo e o aprazível” (CANCLINI,

1995:21).

[...] ser cidadão não tem a ver apenas com os direitos reconhecidos pelos
aparelhos estatais para os que nasceram em um território, mas também com as
práticas sociais e culturais que dão sentido de pertencimento, e fazem com que
se sintam diferentes os que possuem uma mesma língua, formas semelhantes
de organização e de satisfação das necessidades. (CANCLINI, 1995:22)

É interessante esta nova forma de definir quem é o cidadão, pois desloca-se de uma

definição jurídica para uma definição social, através de práticas sociais e culturais onde crianças

e jovens podem encontrar um lugar de participação enquanto cidadãos.

Featherstone (2005) ao discutir os modos de consumo refere-se a uma lógica de consumo

que sinaliza para formas socialmente estruturadas, pelas quais as mercadorias são usadas para

demarcar relações sociais, usadas para comunicar e diferenciar socialmente as práticas e

estratégias de consumo de diferentes segmentos sociais e suas implicações para formação de

hábitos, identidades e diferenciações. No entanto, como bem ressalta Barbosa (2004), o uso da

cultura material – objetos e mercadorias – como diferenciadores ou comunicadores sociais é um

processo utilizado em todas as sociedades, não só a de consumo.

Os véus dos tuaregues, uma noiva indiana ou ocidental no dia da celebração do


seu casamento são monumentos ao uso da cultura material para fins simbólicos,
não só para utilizá-la como um sistema de comunicação, como para discriminar,
excluir e/ou incluir pessoas em determinados grupos, status e contextos.
(BARBOSA, 2004).
72

No entanto, penso que a diferenciação, apesar de toda desigualdade social e toda ênfase

dado ao luxo e à “boa vida” na atualidade seria menos exclusiva do que de uma sociedade de

classe, mais rígida onde um pária “nunca” poderá ascender à condição de brâmane.

Nas sociedades tradicionais – como a sociedade de corte francesa – status e estilo de vida

eram variáveis dependentes entre si e independentes de renda. “Isto quer dizer que a posição

social de uma pessoa determinava o seu estilo de vida, independentemente da sua renda, ou seja,

das condições objetivas que esta pessoa possuía para mantê-lo e menos ainda do seu desejo

pessoal de querer fazê-lo ou não, sob pena de ser excluído da sociedade de corte” (BARBOSA,

2004:20). Esta relação de dependência entre status e estilo de vida e de independência em relação

à renda é inteiramente rompida na sociedade contemporânea de mercado. Nesta, a noção de

liberdade de escolha e autonomia na decisão de como queremos viver prevalecem, desde que se

tenha como arcar por essas escolhas. Portanto, se na atualidade, argumenta-se que há uma

exclusão baseada na condição social, na desigualdade social, antes não deixava de haver

exclusão, só que o parâmetro era outro. Além disso, trata-se de uma exclusão na atualidade que a

meu ver, se dá de outra maneira, pois como o consumo é o do signo e não da mercadoria em si,

um jovem rico pode usar um tênis de “marca”, assim como o jovem pobre, que pode lançar mão

de uma cópia da “marca”.

Os produtos similares e ‘piratas’ permitem que estilos de vida sejam


construídos e desconstruídos e lançados ao mercado e utilizados por pessoas
cujas rendas certamente não são compatíveis com o uso de muitos deles nas
suas respectivas versões originais. (BARBOSA, 2004:22-23)

O consumo enquanto prática social e cultural possui um papel importante no exercício da

cidadania. O consumo serviria como novo paradigma da cidadania, pois “serve para pensar”. O

consumo seria o momento do ciclo de produção e reprodução social, lugar em que se completa o
73

processo iniciado com a geração de produtos, onde se realiza a expansão do capital e se reproduz

a força de trabalho. Não se trata de necessidade ou gastos. No consumo não se trata somente de

uma racionalidade econômica, mas também de uma racionalidade sociopolítica interativa

expressa nas demandas e movimentos de consumidores. Dessa forma, o pertencimento baseado

no consumo ordena politicamente a sociedade. Parece-me que Santos (2000) ao criticar o

consumo enquanto possibilidade política parece estar considerando somente a dimensão

econômica e contando com uma alienação do sujeito à ideologia do consumo, o que levaria a um

apagamento do cidadão, causado por um imperativo do discurso da técnica e da informação que

produziriam um pensamento único.

Ao defender o consumo como forma de participação – cidadania – de crianças e jovens no

contemporâneo, na verdade estou reconhecendo que o consumo é central no processo de

reprodução social de qualquer sociedade, ou seja; todo e qualquer ato de consumo é

essencialmente cultural. Através de atividades cotidianas como beber, comer e vestir, mediações

entre significados e a vida social são estabelecidas e afetam identidades, relações e instituições

sociais, como a cidadania. Portanto, trata-se de não reduzirmos a atividade de consumo somente à

esfera de produção. Um argumento para tal está em, por exemplo, dizermos que ao contrário do

que se pensava até pouco tempo, uma revolução do consumo precedeu a Revolução Industrial, ou

seja, a industrialização só pôde ocorre em bases capitalistas a partir da existência prévia de uma

demanda (BARBOSA, 2004). Como bem ressalta Costa, há que se distinguir a intenção de quem

quer lucrar – produtor/vendedor – da intenção de quem compra, pois o “[...] comprador da

mercadoria não interpreta o valor do que adquire da mesma maneira que o produtor/vendedor”

(2004:159). Ao se comprar pode-se querer atingir outros objetivos que não o lucro. Pensar a

questão da cultura de consumo é não mais considerar o consumo enquanto derivado da produção

(FEATHERSTONE, 1995). Uma ocasião em que o consumo torna-se uma atividade cidadã
74

importante de se ressaltar seria o consumo político, onde o consumidor faz do seu consumo um

ato político e percebe seu poder influenciador e transformador. Um exemplo deste consumo está

nas questões ligadas ao meio ambiente, através de boicote de alguns produtos que contribuam

para a poluição e degradação do meio ambiente.

Appadurai (1986) entende o consumo em sua dimensão de demanda, sendo esta um

aspecto da economia global política de sociedades. Trata-se de uma função de uma variedade de

práticas e classificações sociais, e não uma emanação misteriosa de necessidades humanas, uma

resposta mecânica à manipulação social ou restrição de um desejo voraz e universal por objetos

disponíveis. Logo, “Demanda é [...] a expressão econômica da lógica política de consumo e logo

sua base deve ser procurada nesta lógica” (APPADURAI, 1986 : 31).

Em seu estudo sobre a relação mercantil e a política, Appadurai (1986) aponta que há uma

intersecção complexa de fatores temporais, culturais e sociais, e não só econômicos, em jogo no

consumo. Propõe assim uma nova perspectiva para a circulação de mercadorias na vida social.

Para ele, ao se falar em consumo não se trata somente de economia, pois há uma dimensão

política na troca econômica, pois é esta troca que cria o valor incorporado nas mercadorias. A

política está justamente na ligação troca e valor. Recorrendo a Simmel, Appadurai (1986) afirma

que a troca não é um sub-produto da valorização mútua dos objetos, mas sim sua fonte. É na sua

qualidade de ser passível de troca que reside seu valor.

O consumo carrega um caráter social, pois trata-se de mercadoria, algo feito para a troca,

ou seja, socializável. Ao se falar de consumo, não estamos falando simplesmente de coisas, mas

sim de mercadoria. A mercadoria, diferentemente de um produto, carrega um valor produzido

pelo homem, um valor social. “[...] mercadoria são coisas com um tipo particular de potencial

social, distinguíveis de ‘produtos’, ‘objetos’, ‘coisas’, ‘artefatos’, e outras coisas – mas somente
75

em alguns aspectos e a partir de um certo ponto de vista” (APPADURAI, 1986 : 6). Ao estarem

em circulação, podem provocar mudanças sociais e políticas.

Da mesma forma pensa Canclini (1995). Afirma categoricamente que as mercadorias

servem para pensar e ordenar politicamente cada sociedade, pois “o consumo é um processo em

que os desejos se transformam em demandas e em atos socialmente regulados” (CANCLINI,

1995:59). O desejo de possuir não atua como algo irracional ou independente da cultura coletiva

a que se pertence. Trata-se de uma relação dialética, de sobredeterminação do desejo individual e

da cultura coletiva. O consumo não é algo totalmente privado, atomizado e passivo, mas sim

“eminentemente social, correlativo e ativo” (APPADURAI, 1986 : 31).

O que torna a sociedade contemporânea marcada pelo consumo é que agora trata-se de um

consumo específico, consumo de um signo – commodity sign. Featherstone (1995) enfatiza que a

cultura do consumidor, de consumo de signos, é central para o entendimento da sociedade

contemporânea, uma vez que os bens materiais funcionam como comunicadores e os princípios

de mercado – compra, venda, troca – operam no interior das esferas dos estilos de vida, bens

culturais e mercadorias.A sociedade de consumo é uma sociedade onde não só há a existência de

uma economia de mercado, como também do ponto de vista cultural, tem o consumo como

principal forma de reprodução e diferenciação social. “Os objetos e as mercadorias são utilizados

como signos culturais de forma livre pelas pessoas para produzirem efeitos expressivos em um

determinado contexto” (BARBOSA, 2004:23). Segundo Eagleton, “no mundo pós-moderno,

cultura e vida social estão novamente alinhados, agora na forma da estética de commodity,

espetacularização da política, consumo de um estilo de vida, centralidade da imagem, e a

integração final da cultura na produção de commodity” (2000:30).

Na sociedade de consumo, o signo é a mercadoria, ou seja, há um descolamento do valor

de uso do valor de troca. A mercadoria e sua associação é exclusiva – eu diria muitas vezes –
76

com o aspecto simbólico (BAUDRILLARD apud FEATHERSTONE, 2005). No entanto,

Baudrillard dá ênfase há uma manipulação dos signos por parte da mídia, propaganda e

marketing. A meu ver, a associação simbólica pode ser feita independente da manipulação e de

forma espontânea pelo sujeito. Ou como sugere Costa (2004), a partir da hipótese ecológica da

motivação psicológica – onde a relação do organismo humano com seu ambiente é o pano de

fundo para expressão da vida emocional – o sentido que o objeto pode vir a ter depende da

relação sujeito-mundo. Para ele, o problema do consumo está em uma transformação da moral

sentimental em moral das sensações, do entretenimento onde os objetos, ao invés de

corporificarem ideais éticos, passaram a serem consumidos para auto-absorção no próprio corpo,

tornaram-se descartáveis, pois não herdam mais o sentido moral e emocional que já tiveram. Não

são os objetos que teriam uma natureza alienante, mas nossos ideais de felicidade que mudaram.

Já Sennett (apud COSTA, 2004) traz uma interessante discussão sobre a função dos

objetos na sociedade. Para ele, a cultura da intimidade, surgida no século XVIII e XIX, ao trazer

dificuldades no relacionamento entre os homens, criou a necessidade de objetos externos para se

estar no mundo. “As crenças emocionais [...] encontraram na apropriação dos objetos um meio de

se exteriorizar no mundo” (COSTA, 2004:154). A construção da personalidade, em ser único, ser

distinto, implicava em materializar caráter e gostos em objetos que poucos ou ninguém possuía.

O núcleo da personalidade para Sennett dividia-se tanto no interior sentimental quanto nos

objetos comprados e exibidos. Tratava-se de um “modo de produção material das crenças

emocionais” (COSTA, 2004:155). Isto parece-me um momento típico da adolescência, quando

mais que nunca, lança-se mão de objetos para a construção e afirmação da identidade. Podemos

ver hoje em dia, como o engajamento de jovens em campanhas e mobilizações sociais, na maioria

das vezes, necessita de um substrato material, seja uma camiseta ou uma pulseira. Há aí a

associação do aspecto hedonista a uma função pragmática e social. O hábito de comprar não é
77

incongruente à realização emocional e à propósitos éticos. Dessa forma, os objetos operam a

transição entre o potencial biológico e a manifestação cultural, o fato emocional não teria como

se tornar visível, entendível, partilhável por todos. Esta realização concreta ou material pode ser

uma flor, no contexto de uma relação amorosa, ou o uso de papel reciclável na defesa de uma

causa.

No consumo trata-se de uma relação dialética onde não só se envia como também se

recebe mensagens. Os jovens introduzem na cultura seus valores através de seus desejos,

costumes e práticas; ao mesmo tempo que consomem o que a cultura disponibiliza. Slater (apud

BARBOSA, 2004) afirma que a cultura do consumo implica que os valores relacionados à

atividade de consumo transbordem para outras áreas até então certificadas por outros critérios,

como por exemplo, a cidadania.

A cultura de consumo, no que diz respeito à crianças e jovens, possibilita um status mais

igualitário através da identidade de consumidor. Como nos diz Castro, o consumo “[...]

desmontou a visão de que as crianças deveriam esperar por um tempo ulterior para se integrarem

na dinâmica social, empurrando, assim, as crianças e jovens para o cenário social tornando-os

consumidores” (1998: 59). Enquanto consumidores, crianças e jovens são reconhecidos

socialmente como novos atores no cenário da cultura contemporânea. A dimensão política do

consumo, neste caso, está justamente na integração de novos atores sociais ao fazer coletivo da

cultura. “Como consumidoras, as crianças adquirem um tipo de cidadania que as faz iguais aos

demais, que também são apenas consumidores em potencial” (CASTRO, 1998: 60). O consumo

gera reconhecimento e visibilidade no presente, e substitui a “socialização” através da educação,

que aposta em um cidadão a posteriori.

Enquanto consumidores, crianças e jovens assumem um novo valor dentro da sociedade,

em uma posição não só de objeto de tutela, nem de sujeito de direitos, mas de ator e participante.
78

Ao falarmos de uma cultura de consumo, cabe uma discussão sobre as implicações e

relações entre cultura e política. Afinal, a proposta é pensar uma cidadania a partir de uma via

cultural, embora cidadania esteja mais tradicionalmente ligada ao âmbito do político. Há, no

entanto, uma certa ressalva em se fazer aproximações entre essas duas dimensões. O principal

questionamento sobre a intersecção entre esses dois campos reside, segundo Eagleton (2000), na

idéia de que a política é o campo do conflito, das lutas, dos antagonismos; enquanto a cultura

teria como objetivo e condição a abolição e resolução desse conflito, em um nível imaginário.

Na modernidade, a cultura era entendida como um empecilho, um obstáculo para políticas

emancipatórias, uma vez que reinava a doutrina da igualdade, e não havia lugar para a diferença.

Cultura e sociedade eram excluídas da política e da economia, pois estes eram “value-free” e a-

culturais e a-sociais. Na atualidade, não se pode afirmar isso, pois “somente em uma sociedade

cuja existência cotidiana fosse seca de valores, poderia a cultura chegar a excluir a reprodução

material [...]” (EAGLETON, 2000:38).

No entanto, neste mesmo autor, podemos encontrar a seguinte afirmação “cultura é um

tipo de pedagogia ética que nos formata para a cidadania política liberando o ideal ou self

coletivo em nós [...]” (EAGLETON, 2000:7). Ou ainda, a defesa de que a melhor preparação para

independência política é o exercício da cultura apontando uma relação direta entre política e

cultura. A idéia de que uma humanidade produziria uma cultura que então estabeleceria uma

política é falsa, apóia-se na idéia de preparação. Na verdade, a política é que controlaria uma

cultura a fim de promover uma versão particular de humanidade. Portanto, vemos que uma

separação absoluta destes dois campos é impossível.

Ao falarmos aqui de uma cultura de consumo, e mais especificamente, de uma cultura de

consumo própria de crianças e jovens, estamos assumindo o sentido de cultura a partir das

indicações de Raymond Williams: cultura como modo de vida e como estética (EAGLETON,
79

2000). A título de conceituação, cultura poderia ser definida como um “complexo de valores,

costumes, crenças e práticas que constituem o modo de vida de um grupo específico”

(EAGLETON, 2000:34). A cultura como modo de vida considera uma diversidade de existências

em diferentes contextos (nações diferentes, dentro de uma mesma nação, momentos diferentes), o

que ao contrário de uma idéia de cultura normativa universal, torna-se âmbito de disputa e

conflito entre essas diferenças. Já a cultura como estética, apresentada principalmente pelos pós-

modernistas, teria a condição de ser moeda mesmo de embate político enquanto expressão de

signo, significado, valor, identidade de um determinado grupo. “Na Bósnia ou Belfast, cultura

não é o que se coloca para escutar, é pelo o quê você mata” (EAGLETON, 2000: 38).

Eagleton afirma que a cultura “[...] é um antídoto para a política moderando sua visão

fanática e seu apelo de equilíbrio, mantendo a mente sinceramente despoluída [...]” (2000:17). No

entanto, ele mesmo irá se contradizer ao afirmar que por permitir diferentes modos de vida,

diferentes manifestações estéticas, ela se torna partidária, logo conflituosa, e não totalizante.

É ele também quem nos diz que a cultura é uma força política, pois fornece os termos nos

quais um grupo pode procurar e almejar sua emancipação política. Pode ser definida como um

sistema de significação através do qual uma ordem social é comunicada, reproduzida,

experienciada e explorada. Ela provém uma estrutura simbólica para aspectos importantes ao

pertencimento (língua, herança, valores compartilhados) que assumem a estrutura de unidade

social. A cultura, enquanto força política, “[...] pode transfigurar a mesma ordem social do qual é

produtora” (EAGLETON, 2000:22).Trazemos aqui um exemplo em nossa história, onde a

interação entre crianças e mulheres negras responsáveis por seu cuidado, promoveram uma re-
80

invenção da linguagem dos costumes e dos hábitos até então, contribuindo assim para uma re-

invenção do social e do cultural (CASTRO, 2005)9.

A linguagem infantil também aqui se amoleceu ao contato da criança com a


ama negra. Algumas palavras, ainda hoje duras ou acres quando pronunciadas
pelos portugueses, se amaciaram no Brasil por influência da boca africana.
[...] A linguagem infantil brasileira, e mesmo a portuguesa, tem um sabor
quase africano: cacá, pipi, bumbum, tentem, neném, tatá, papá, papato, mim,
au-au, cocô, dindinho, bimbinha. Amolecimento que se deu em grande parte
pela ação da ama negra junto à criança; do escravo preto junto ao filho do
senhor branco. [...] E não só a língua infantil se abrandou desse jeito mas a
linguagem em geral, a fala séria, solene, da gente grande, toda ela sofreu no
Brasil, ao contato do senhor com o escravo, um amolecimento de resultado às
vezes delicioso para o ouvido. (FREYRE, 2005:414-415)

A cultura visa não a crítica da vida, mas sim a crítica a uma forma de vida dominante ou

majoritária por uma forma de vida periférica. Assim, a criança e o jovem através da cultura de

consumo contribuem para a construção de uma comunidade política, a partir da diferença que

representam, e colocam em perspectiva o adulto (CASTRO, 2004), ou seja, a subjetividade adulta

que objetivou uma forma de vida universalizante é des-construída a partir da afirmação de

diferenças como a de idade, de gênero, etc.

9
Aula ministrada em 31 de agosto de 2005.
81

5 UMA CIDADANIA POSSÍVEL: A PARTICIPAÇÃO NA SOCIEDADE

ATRAVÉS DA CULTURA

“O mundo da política é representado como algo


distante e misterioso ao qual não têm acesso, não
fazendo parte de suas vidas. Há uma consciência de que
são tomadas decisões que os afetam, mas em relação às
quais nada pode ser feito”.
Velho, 1981: 140

Estamos falando de crianças? Jovens? Não, adultos em pleno ano de 68!

Fala-se muito sobre a pouca participação e desinteresse dos jovens em relação à política.

Sobre a época da ditadura militar, um tempo de grande agitação e mobilização política, Velho

(1981) realizou um estudo sobre a classe média, e que embora não tivesse esse objetivo, acabou

colhendo dados relativos a representações e comportamentos políticos dessa classe social. Este

estudo revela um grande desinteresse dos adultos então pelo o quê normalmente se entende por

política. Este desinteresse refletia-se, por exemplo, no meio de comunicação mais utilizado por

essa classe, a televisão, no qual os assuntos que mais agradavam eram sempre relativos à futebol,

noticiário policial e colunas sociais, sem falar em novelas e programa do Chacrinha.

Como vimos até o momento, a participação política da sociedade brasileira,

principalmente no que diz respeito ao exercício dos direitos de cidadania, apresentou-se

problemática e somente a partir do final dos anos 80, mostrou-se mais organizada e efetiva.

Assim, crianças e jovens somente recentemente encontraram um capital social – uma herança de

participação e mobilização – que pudesse influenciar seus níveis de participação. Segundo

Ferreira, “[...] a maior ou menor existência de capital social, a profundidade da “crise” da

representação política e a sua relação com o nível de mobilização política dos cidadãos ou a
82

tradição cívica das sociedades” (2005:46-47) influem na compreensão dos níveis de participação

dos jovens.

Vimos como foi estabelecida uma relação “tutelada” entre a sociedade e o Estado, onde o

exercício pleno dos três direitos dificilmente aconteceu e como, ainda mais, o direito à

participação política ou à herança social não foi conquistado, reivindicado, mas sim “concedido”

ou “regulado”. Como traz Carvalho (2004), a prevalência e precedência do direito social acabou

reforçando essa tutela pois as reivindicações sociais obrigava os cidadãos a abrir mão da

condição própria de cidadania. Para ser protegido, deveria deixar-se de ser cidadão.

Se a cidadania é uma identidade que identifica o indivíduo na comunidade política e como

vimos no capítulo anterior, o consumo – a cultura de consumo, mais especificamente – identifica

e torna possível a presença de crianças e jovens nesta comunidade, neste capítulo buscou-se

aprofundar esta articulação de como a cultura de consumo parece ser o pano de fundo sobre o

qual pôde ser desenvolvida a participação política e social de crianças e jovens. Ao fazer isso, a

cultura de consumo favorece a identificação e pertencimento destes sujeitos, condições da

cidadania. A participação política está sendo entendida aqui não como restrita às identidades

eleito e eleitor, mas como manifestação e participação nos destinos da sociedade. A importância

da participação social por sua vez está na presentificação destes sujeitos enquanto um grupo

social relevante.

Partiu-se do pressuposto de que a participação social funciona como um avalizador de

competência social, que por sua vez, avalizaria a competência política. A competência social é

entendida não no sentido técnico, mas sim enquanto autorização e reconhecimento de

possibilidade de se realizar algo. Logo, participa somente quem se acha apto a participar e tem

sua participação reconhecida. Para Bourdieu, “ter competência significa ter o direito e o dever de
83

ocupar-se de algo” (1984:254). O que está por trás de uma competência política é uma

competência social, um autorizar-se.

Isto não quer dizer que a competência técnica não existe, sim que a propensão a
adquirir o que se chama de competência técnica aumenta à medida que cresce a
competência social, quer dizer, à medida que alguém tem maior
reconhecimento social como digno de adquirir esta competência [...].
(BOURDIEU, 1984:254-255)

Em outras palavras, são aceitos como tecnicamente competentes os que são socialmente

designados como competentes, e basta designar alguém como competente para causar uma

propensão a adquirir a competência técnica. Através da participação na cultura, crianças e jovens

começam a serem vistos como competentes socialmente, condição para que se tornem

competentes tecnicamente, no caso do exercício mais estrito da atividade política.

De outra forma, podemos falar do sentimento de ser cidadão como sendo um sentimento

de pertencimento e de competência. “[...] ser um cidadão não é simplesmente crescer para ser um

adulto competente socialmente, e então simplesmente sair para o mundo do dia-a-dia para

assumir seus direitos e deveres enquanto cidadão”. (SHOTTER, 1993:115). Psicologicamente, o

que parece importante é a maneira pela qual o posicionamento de alguém, não somente dá origem

a sentimentos que motivam e guiam na luta para ser cidadão, mas também, dá (ou não) acesso a

fontes ontológicas necessárias para estar apto a participar corretamente nesta luta.

A participação cidadã de que trata esta dissertação seria definida como uma forma mais

ampla de participação política e social, tendo a cultura como facilitadora de seu desenvolvimento

e expressão. A participação política não estaria mais restrita ao voto, que está longe de esgotar as

formas de representação e intervenção pelas quais pode se dar essa participação, mas sim definida

como manifestação e participação nos destinos da sociedade e podendo assumir diversas formas

como abaixo assinado, contato com um político, consumo político, entre outros. A participação
84

social aqui considerada trata do reconhecimento e autorização – portanto de competência – de

participação enquanto membro visível e relevante da sociedade, que se dá na agregação de

valores através dessa participação, promovendo tensões e discussões na construção da vida

social.

A cultura atua assim como local de manifestação dessa participação, sendo, portanto, “[...]

meio de concorrência pela atenção pública, entendendo esta como o mecanismo intermediário

que liga a opinião pública ao sistema político representativo” (CASTRO & CORREA, 2005:17).

Assim, a influência nos processos decisórios pode ser indireta, pela criação de alternativas de

expressão e presença, e não apenas pela inserção formal e instituída de representação política.

Logo, ao se abordar a participação de crianças e jovens, coloca-se em questão a

democracia representativa, pois essa forma de participação aponta para outras vias de

democracia, ligada, por exemplo, à cultura, ao consumo político, etc. A manifestação cultural

como modo de falar político possível tem mais efeitos na prática e não fica restringida ao

domínio da lei.

Se fizermos uma pequena incursão em nossa história veremos que o jovem de alguma

forma, esteve envolvido e participando tendo a cultura – principalmente de consumo – como

canal de veiculação de suas idéias e pensamentos. Podemos pensar na importância que o

consumo teve como canal de comunicação e expressão de valores dos jovens, como maior

possibilidade de participação. Podemos ir mais longe e nos perguntar se a juventude e a

sociedade de consumo não seriam fenômenos interligados, se a juventude como entendemos hoje

não está relacionada ao consumo.


85

5.1 Juventude e cultura de consumo

Se a infância tem seu “surgimento”, enquanto categoria específica tal como hoje a

conhecemos, como um mundo independente ao mundo adulto, na passagem da sociedade

tradicional para a sociedade moderna – século XVII –, podemos talvez afirmar que a

adolescência aconteceu muito mais tarde, no início dos anos 50 – século XX – com o surgimento,

e a partir da sociedade de consumo.

Calligaris (2000), através de um olhar psicanalítico sobre a cultura, apresenta a idéia de

que a adolescência seria um mito inventado no começo do século XX, que vingou, sobretudo no

pós-2a guerra mundial. Anteriormente, até existia como faixa etária, mas não enquanto grupo

social. “Esse fenômeno [adolescência] é novo, quase especificamente contemporâneo. É com a

modernidade tardia que essa moratória se instaura, se prolonga e se torna enfim mais uma idade

da vida” (CALLIGARIS, 2000:16).

Este “aparecimento” da adolescência aconteceu com o surgimento do individualismo,

onde a morte se tornou uma experiência individual, não mais submetida e continuada na vida da

comunidade, na medida em que esta continuava a existir. Assim, crianças e adolescentes se

tornam a consolação, a promessa de continuação de existência. Numa cultura, agora

individualizada, não há mais lugares pré-estabelecidos que o sujeito ao nascer vem a ocupar

numa rede social. Agora, espera-se que se construa e invente um lugar para si, uma posição

diferente ao reservado pela tradição.

A infância é uma invenção moderna, a idéia de um tempo de vida distinto da idade adulta,

miticamente feliz, protegido pelo amor dos pais e, não definido simplesmente pela espera

apressada de se tornar adulto. Graças às crianças e aos jovens, a insatisfação torna-se suportável

pois os pais e os adultos estendem a elas o sentido e a expectativa de suas vidas. “A infância

preenche a função cultural essencial de tornar a modernidade suportável” (CALLIGARIS,


86

2000:65). Podemos pensar que esta proibição de participação para crianças e jovens venha da

necessidade de preservar esse lugar mítico de felicidade e de irresponsabilidade dos adolescentes.

Quanto mais a infância se afasta de um simples consolo estético, quanto mais é


encarregada de preparar o futuro, ou seja, de se preparar para alcançar um
(impossível) sucesso que faltou aos adultos, tanto mais ela se prolonga. Isso
inevitavelmente, força a invenção da adolescência, que é um derivado
contemporâneo da infância moderna. (CALLIGARIS, 2000:67)

A adolescência seria um momento da busca pelo “reconhecimento que a sociedade parece

temporariamente negar” (CALLIGARIS, 2000:14), de luta contra a moratória imposta, onde

talvez o corpo e o espírito estejam prontos, mas não sejam reconhecidos como tal. Daí ser

marcada por um rótulo de rebeldia, como maneira de se obter reconhecimento. “O adolescente,

na procura de reconhecimento, é culturalmente seduzido a se engajar por caminhos tortuosos

onde, paradoxalmente, ele se marginaliza logo no momento em que viria a se integrar. Pois o que

lhe é proposto é tentar, ou melhor, forçar, sua integração justamente se opondo às regras da

comunidade” (CALLIGARIS, 2004:33). Logo, talvez esta seja a explicação para que até pouco

tempo prevalecesse duas tendências interpretativas para a juventude, vista como delinqüente ou

revolucionária.

O que na infância é proibição, torna-se uma promessa na adolescência que funciona como

espelho. Para Calligaris (2000), a semelhança física com o adolescente ajuda a manter estes

sujeitos protegidos pois a felicidade seria “mais gratificante”, mais próxima pois trata-se de um

ideal não só comparativo mas também identificatório. O adolescente seria a imagem do adulto,

gozando felizmente, sem impedimentos, sem os deveres. Se a adolescência “é o ideal coletivo

que espreita qualquer cultura que recusa a tradição e idealiza liberdade, independência,

insubordinação, etc” (CALLIGARIS, 2000:73) por que permiti-los participar e acabar com esse

lugar? A partir desta identificação a um ideal adolescente baseado em uma imagem de felicidade,
87

promessa, liberdade, gozo, irresponsabilidades; talvez haja por parte dos adultos um esforço em

manter este ideal identificatório preservado de todos os “dissabores” da vida adulta.

As reflexões sobre quem é o “jovem” e sobre suas manifestações intensificaram-se na

década de 50. Os motivos dessa preocupação em conhecer o jovem estão relacionados à relativa

autonomia que estes conseguiram em relação aos pais, o alongamento do período escolar e o

adiamento da entrada na vida adulta e no mundo do emprego.

Este fenômeno do surgimento da juventude aconteceu concomitantemente ao

desenvolvimento e crescimento da sociedade de consumo, da cultura de consumo.

A chamada cultura de massa foi decorrência da industrialização em larga escala ocorrida

no final do século XIX, que acabou atingindo também os elementos da cultura, criando o que

passou a se chamar “indústria cultural”. A cultura de massa não está restrita a um grupo social

específico, pois é transmitida de maneira generalizada. Com o desenvolvimento da tecnologia, os

meios de comunicação (cinema, rádio, TV, disco, fotografia, etc) passaram a alcançar um número

cada vez maior de pessoas sendo caracterizada agora como cultura de massa. “O que temos,

então, é a formação de um enorme mercado de consumidores em potencial, atraídos pelos

produtos oferecidos pela indústria cultural. Em mercado, constitui, na verdade, a chamada

‘sociedade de consumo’” (BRANDÃO & DUARTE, 1990:11).

Para Heller (1988), ao contrário das previsões mais pessimistas, a cultura de consumo não

trouxe uma padronização de gostos como na cultura de classe10, mas sim uma enorme

pluralização de gostos, práticas, prazeres e necessidades.

10
Para a autora, antes da Modernidade e do surgimento da divisão de trabalho moderna, a cultura era sub-dividida
em uma cultura superior – da aristocracia – e uma cultura inferior – camponesa – , cada uma com regras, padrões e
elementos particulares, que não admitiam a entrada de novos elementos (Heller, 1988).
88

Em vez de tornar-se o Grande Manipulador, os meios de comunicação se


tornaram mais um catálogo de gostos altamente individualizados. E, o que é
mais importante, os diferentes padrões de consumo foram embutidos numa
variedade de estilos de vida, “a cada um segundo sua preferência”, e, claro, nos
meios existentes para satisfazer essa preferência. (HELLER, 1988:142)

As noções de cultura sempre foram temporalizadas, assim como historicizadas. Logo, a

cultura de que estamos falando, como veículo de participação para os jovens, sempre foi

temporalizada e contextualizada no consumo. Por isso, principalmente após a 2a Guerra Mundial,

as “formas de vida e padrões culturais podiam agora ser escolhidos em toda liberdade, sobretudo

pela nova geração, e hábitos culturais antes exclusivamente ligados a classes começaram então a

ficar ao alcance de todos” (HELLER, 1988:134).

O que até então era definido por Heller (1988) como cultura de classe, passa a ser algo

mais flexível, onde elementos de outros lugares em escala global passam a ser assimilados

também. O surgimento da cultura jovem, portanto foi possível com o declínio da cultura de classe

e com surgimento da sociedade de consumo.

Desde o seu surgimento, há uma contribuição importante do jovem junto à sociedade de

consumo, pois o jovem representa o ideal cultural contemporâneo, ideal de liberdade,

reconhecido nele pelos adultos. Talvez tornando-se este ideal os jovens tenham conseguido

participar da forma mais concreta na sociedade pois ao adquirirem um valor ganharam

visibilidade e relevância. “Tudo leva a fazer da adolescência um ideal social. É até bem possível

que a adolescência surja na Modernidade como ideal necessário” (CALLIGARIS, 2000:57).

O consumo tem papel importante na participação de jovens. Ao mesmo tempo em que é

cooptado pelo consumo, o que pode ser visto como algo negativo, como uma submissão a uma

cultura de massa; o jovem se manifesta. Algo – uma idéia, um ideal, um produto, uma maneira de

se expressar, de vestir – é apresentado por um sujeito ou por um grupo, que então é absorvido
89

pelo consumo. Logo, o jovem através da moda, por exemplo, introduz seus valores na sociedade.

A juventude antes de ser mercadoria para consumo, é idéia, valor, e por ser absorvida pelo

consumo, consegue difundir essa idéia e valor. Um exemplo disso está nas novas pesquisas de

marketing, no qual empresas coolhunting, são voltadas para a captação de tendências de consumo

em meio à cultura jovem. Esta caçada ao cool11 visa descobrir quais, dentre a milhares de coisas

que estão acontecendo na cultura jovem, serão mais importantes no sentido de constituírem

tendências para o consumo.

Os meios de comunicação, cuja principal função era fomentar o consumismo, acabaram

provocando atitudes críticas por parte da juventude. “[...] o jovem, a partir da criação e do

consumo de determinados produtos culturais, vem ocasionando, ao longo dessas décadas,

mudanças no comportamento social, introduzindo novas concepções de vida e de valores que

tornaram possível à sociedade refletir sobre uma nova realidade histórica” (BRANDÃO &

DUARTE, 1990:8).

A sociedade de consumo forneceu um espaço no qual os jovens não só obtiveram o

reconhecimento, como também possibilidade de participação na sociedade, através da introdução

e valorização de sua identidade, seus valores e estilos de vida. “Mas interessam ao mercado

também pela influência que exercem sobre a decisão e a consolidação de modas, que

transformam os modelos de consumo de muitos adultos” (CALLIGARIS, 2000:59). Ou seja,

através do consumo ocorre uma verdadeira reviravolta onde o modelo adolescente reconhecido

pelo adulto – de liberdade, juventude e novidade – torna-se o almejado por ele. Até os anos 50, o

ideal, principalmente estético dos adolescentes era a idade adulta. Antes dos anos 50, não havia

oposição jovem x não-jovem. Existia o “homenzinho” (CARMO, 2001) que buscava se vestir

como um adulto.

11
Maneiro, legal.
90

Para Brandão & Duarte (1990), os jovens representam os principais articuladores dos

movimentos de transformação social das últimas décadas, configurando-se como novos atores

sócio-históricos com novo discurso e nova prática social. A chamada “cultura da juventude” teve

sua origem nos anos 50 e seria definida por um sistema próprio de valores, dentro e fora dos

Estados Unidos, reflexo da expansão do capitalismo em busca de novos mercados consumidores.

A população jovem norte-americana sofreu um aumento considerável no pós-guerra

devido à explosão demográfica e à expansão econômica. Neste contexto, surgiu uma cultura

própria da juventude, reflexo de comportamentos de questionamento e revolta aos valores morais

– considerados arcaicos e preconceituosos – da sociedade até então.

A partir dos anos 60 – neste contexto – a juventude passou a apresentar críticas mais

contundentes à sociedade moderna, “[...] não só negando os seus valores, mas tentando criar e

vivenciar um estilo de vida alternativo e coletivo, contra o consumismo, a industrialização

indiscriminada, o preconceito racial, as guerras, etc” (BRANDÃO & DUARTE, 1990:12).

Mesmo se opondo à industrialização da cultura, é através da indústria cultural que esses

movimentos jovens acabam se expandindo e se deixando assimilar. Ao mesmo tempo,

introduzem para discussão na sociedade temas e questões como drogas, sexo, racismo, ecologia,

pacifismo e outros, e evidenciam o aspecto transformador da cultura jovem.

Portanto, a expansão da sociedade de consumo, que originou a cultura de consumo, que a

partir do que venho apresentando, pode ser definida como sinônimo de uma cultura da juventude,

os jovens puderam encontrar um novo posicionamento na sociedade, deixando de serem pseudo-

adultos e podendo participar da sociedade, tornando-se importantes protagonistas de movimentos

e mudanças sociais.
91

5.2 A juventude e os movimentos culturais

Brandão & Duarte (1990) também contextualizam o surgimento de uma cultura jovem

nos anos 50, mais especificamente nos Estados Unidos. O pós-guerra americano fez com que o

país experienciasse um grande desenvolvimento e crescimento econômico, e conseqüentemente,

um impulso do consumismo. Com a necessidade de busca de um mercado externo, a cultura de

consumo foi amplamente difundida, tornando-se o principal influenciador da cultura mundial

pós-guerra. Com isso, a partir de 1950, essa sociedade possibilitou o surgimento de uma cultura

jovem, fazendo com que grande parte da indústria cultural fosse dirigida à juventude norte-

americana através de revistas, filmes, discos, etc. O mercado voltou-se então para esta emergente

cultura jovem.

Neste momento, surge o rock and roll que trazia uma mensagem contestadora e

revolucionária.

Segundo alguns autores, o rock and roll funcionou como uma inversão
psicológica na relação dominador (branco)/dominado (negro) que prevalecia na
sociedade norte-americana. A cultura promovida pela juventude, a partir do
rock and roll, seria uma forma de os jovens de classe média branca se
colocarem como oprimidos em relação à sociedade estabelecida por seus pais,
assumindo, mesmo que inconscientemente, certos valores da cultura negra
como bandeira. (BRANDÃO & DUARTE, 1990:20-21)

O rock and roll foi um canal de expressão para os movimentos jovens no final da década

de 60 e que mudou os valores de toda a sociedade. Sua importância pode ser apontada no

surgimento e expansão de uma música negra para um mercado nacional, de maioria branca, que

refletiu a luta pela afirmação dos direitos civis dos negros durante a década de 60. Vale ressaltar

que somente em 1964, foi decretada a Lei dos Direitos Civis, que tornou ilegal a discriminação

racial nos Estados Unidos. O rock and roll chegou ao Brasil via cinema, e encontrou uma

receptividade em uma juventude recém-urbanizada e desenvolvimentista.


92

O Brasil foi um dos países influenciado pela difusão da cultura americana na década de

50. Com o governo de Juscelino Kubitscheck houve a acentuação da influência estrangeira e a

implementação da política desenvolvimentista, o que levou a um crescimento das classes médias

urbanas e à expansão dos veículos de comunicação de massa, principalmente a televisão. Isso

contribuiu para a influência da cultura estrangeira, que foi incorporada pela classe média e

propiciou novos movimentos culturais – como o “concretismo” e a Bossa Nova – com um

público mais jovem, que reverteu o modo de fazer música da época.

A radicalização dos movimentos jovens se deu com a “contracultura”. A contracultura

postulava idéias e agia de modo oposto aos valores apregoados por uma sociedade considerada

por ela como “moralista, racista e tecnocrata”.

O ponto alto deste movimento ocorreu na França e ficou conhecido como Maio de 68.

Consistiu de protestos estudantis que acabaram desencadeando uma greve geral de 10 milhões de

trabalhadores, com paralisação de toda vida social francesa. Essas manifestações demonstraram

que as entidades organizadas (partidos, sindicatos, etc) não detinham o monopólio da iniciativa

política. Nesta época, houve até a criação, nos Estados Unidos, de um Partido Internacional da

Juventude (YIP) que reivindicava, dentre outras coisas, a legalização da maconha e o direito de

voto para maiores de 12 anos e restrito a maiores de 50 anos. Estudantes em vários países do

mundo destacaram-se na luta e na rebelião com ideais revolucionários e contestavam a sociedade,

colocando em questão a cultura, costumes, sexualidade, moral e estética. “Tratava-se, assim, de

uma contestação de ordem política, existencial e psicológica” (CARMO, 2001:76). Mais

especificamente no Brasil, lutava-se contra a reforma educacional e posteriormente contra a

ditadura.

Com a contracultura, houve um alargamento da área de influência dos jovens da cultura

para a política, onde os processos de contracultura foram assimilados. “[...] o final da década de
93

60, a nível mundial, foi realmente um tempo de muita agitação, esperança e inovação nas formas

de participação política dos jovens, que emergiam como a principal força transformadora da

sociedade moderna” (BRANDÃO & DUARTE, 1990:57). “Diferentemente da prática política

dos partidos tradicionais, deu-se início a uma nova forma de contestação e mobilização social.

Consolidava-se cada vez com mais vigor a transformação da juventude, como grupo etário, num

foco de contestação radical” (CARMO, 2001:51). A contracultura influenciou o movimento

feminista e na atualidade influencia inúmeros outros movimentos, como o de defesa dos direitos

de homossexuais e os de cunho ecológico.

Um movimento reivindicava a ampliação da experiência humana a áreas tabu


(e promoveu o “radical” culto das drogas, causando indizível dano); outro,
famílias maiores; ainda outros defendiam a volta da simplicidade da vida rural;
e outros ainda apoiavam a liberação sexual ou gay. Alguns movimentos
levantaram objetivos políticos concretos, enquanto outros se envolviam em
teatro experimental, happenings, educação permissiva ou a defesa do slogan
“Pequeno é belo”. É praticamente impossível relacionar todas as questões e
práticas nas quais a segunda onda do movimento cultural abriu trilhas na
percepção e auto-percepção da moderna civilização. (HELLER, 1988:138)

No Brasil, vemos o fortalecimento da UNE e seu Centro Popular de Cultura (CPC), que

desenvolvia uma cultura engajada de atitude conscientizadora junto às classes populares.

O CPC estava interessado em “salvar” as classes trabalhadoras da sua condição


de oprimida, através de um projeto cultural que influenciaria profundamente
toda uma geração, que na época se constituía basicamente do público estudantil
universitário e secundário do país. Parte significativa dos jovens da classe
média brasileira via nessa forma de engajamento político a possibilidade da
construção de uma sociedade revolucionária. (CARMO, 2001:64)

O movimento estudantil após 64 representou o desejo de compartilhar experiências e de

participar de algum modo dos acontecimentos políticos do país, e levou alguns jovens a se

mobilizarem em grêmios estudantis e centros acadêmicos.


94

Com os sindicatos amordaçados pelas intervenções e a imposição de apenas


dois partidos políticos – Aliança Renovadora Nacional (Arena) e Movimento
Democrático Brasileiro (MDB) – consentidos pelo regime, foram os estudantes
universitários que saíram à frente das manifestações políticas contra a ditadura
militar12. (CARMO, 2001:83)

A UNE, na ilegalidade desde 64, liderava os protestos, através de greves e passeatas nos

quais se protestava contra a falta de liberdade e contra a política educacional do governo Castello

Branco, que queria transformar as universidades públicas em fundações privadas com cobrança

de mensalidades.

Mesmo movimentos jovens como a Jovem Guarda, apesar da ingenuidade aparente,

através de suas letras representaram as primeiras manifestações que abordavam o corpo como

fonte de prazer, o amor, o namoro, os beijos, considerados então elementos de transgressão dos

valores moralizantes da época. Além dele, movimentos culturais como o Cinema Novo e o

Tropicalismo, que fundiu elementos tradicionais da música popular brasileira com a modernidade

da vida urbana e sua cultura de consumo, tiveram destaque e importância.

Após este momento de maior efervescência e agitação, nos anos 70 aparece o fenômeno

da discoteca, que ao contrário dos movimentos anteriores, tinha uma relação bastante distante das

questões políticas. No entanto, a reação veio com o movimento punk, caracterizado por uma

postura autocrítica, e altamente crítica em relação à sociedade. Seu surgimento foi conseqüência

da crise econômica pela a qual o mundo ocidental passava neste momento com o aumento do

petróleo, recessão, desemprego, terrorismo, desequilíbrio ecológico. Frente à situação

desesperadora e sem perspectiva da juventude, o punk tinha como lema: “Faça você mesmo!”,

exercido no surgimento das revistas de fanzine, nas gravações independentes, nas roupas criadas

por eles mesmos.

12
Em 1970, 56% dos 500 presos políticos eram estudantes ou haviam sido da juventude revolucionária (Carmo,
2001).
95

No Brasil, o movimento punk aconteceu mais tarde, no final dos anos 70 e início dos anos

80, e pela primeira vez, foi um movimento que teve origem e se desenvolveu na juventude pobre,

suburbana e de periferia. Aqui, caracterizou-se pela reação à recessão econômica de 82 e ao

marasmo cultural então vigente. A princípio, configurou-se como um movimento de contestação

de jovens das classes trabalhadoras marginalizadas. Continha denúncias de exploração das

classes trabalhadoras, desemprego, exclusão social, repressão da polícia. Para Carmo (2001) não

se tratou de uma cópia importada, mas sim de uma identificação – com o discurso de revolta

inglês – adaptada a nossa realidade. “Ser membro do movimento significava ‘pertencer’ a algo,

ser alguém, ter a oportunidade de fazer amigos, de compartilhar diversões comuns, de expressar

algo que envolvesse criação cultural” (CARMO, 2001:147). O jovem então, com sua morbidez e

seu sentimento de vazio existencial, era sintomático de uma época marcada pela recessão,

desemprego e desespero.

Se o rock representou a identificação ao negro americano oprimido, nos anos 70 o reggae

ganha força com os jovens londrinos da classe operária identificados à situação de miséria da

população do Terceiro Mundo. Talvez hoje no Brasil, observamos este mesmo fenômeno na

identificação da classe média com o discurso do funk e do rap.

Para Heller (1988), os movimentos culturais a partir dos anos 80 consistiam em uma

geração pós-moderna, onde a mensagem era vale tudo. “ ‘Vale Tudo’ pode ser lido da seguinte

maneira: Você pode se rebelar contra qualquer coisa que queira, mas deixe-me rebelar contra a

coisa determinada que eu quero. Ou alternativamente, deixe-me rebelar contra nada, porque eu

me sinto completamente à vontade”. (HELLER, 1988: 139). Isso caracteriza bastante os

movimentos de hoje, mais individualistas e realistas. Diz ainda que não é que fosse uma geração

apolítica, apenas não defendia qualquer tipo de política particular. Heller (1988) valoriza esta
96

geração como sendo a da vitória do relativismo cultural, uma “onda” que comporta todos os tipos

de movimentos artísticos, políticos e culturais. Vale a saúde, sexo, ecologia, paz, política...

Apesar do consumismo e dos discursos conservadores, os jovens da década de 80

defenderam algumas coisas como a preservação do meio ambiente e o desarmamento nuclear.

Para muitos autores não houve movimentos contraculturais. Houve movimentos pacifistas, anti-

armamentistas e ecologistas, eventos em prol de causas mundiais como USA for África, Live

Aid, Free Mandela concert.

Nos anos 80, o rock nacional, através de bandas como Ultraje a Rigor, Legião Urbana,

Ira!, tornou-se um dos principais meios de crítica do jovem brasileiro em relação à triste realidade

social. “Rebelando-se contra tudo e contra todos, o jovem procurou criar uma cultura própria,

alternativa e ligada ao cotidiano, do seu jeito, fora dos padrões estabelecidos pela sociedade”

(BRANDÃO & DUARTE, 1990:110).

Desde 1968, a percepção predominante sobre os jovens era de apatia e individualismo. Os

anos 90 se caracterizaram enquanto época de grandes mudanças no mundo e de otimismo em

relação à política no Brasil, com a eleição do primeiro presidente civil em quase 30 anos. Mas o

então presidente da república eleito, Fernando Collor de Mello evolveu-se em uma rede de

corrupção, que acaba levando-o ao impedimento. Este acontecimento apesar de um sentimento de

frustração muito grande, desilusão e descrença generalizada acabou causando uma mobilização

da sociedade, principalmente através dos estudantes que saíram em passeatas de protesto pela

“ética na política” nas principais capitais do país.

A importância desses jovens e ao mesmo tempo diferencial em relação aos jovens dos

anos 60, foi principalmente o de serem atores privilegiados em uma ampla mobilização da

sociedade civil e política contra o governo, e não uma oposição Estado militar e movimento

estudantil. Este movimento foi um dos mais relevantes movimentos de organização e


97

manifestação da sociedade civil. Não foi um movimento que poderíamos chamar de independente

ou espontâneo, mas não se deve cair no ceticismo de atribuir o fenômeno somente à manipulação

pela mídia ou partidos. Apesar dessa suposta manipulação, foi também uma experiência

importante, indicativa de mudanças estruturais e culturais, tanto na vida e perspectiva dos jovens,

quanto na organização social e política da sociedade brasileira (MISCHE, 1997).

Carmo (2001) alerta para o perigo da retroação, de tentar ver “um 68 em 92”. Eram outros

jovens que não queriam rupturas radicais, não pensavam em abandonar tudo por uma causa,

como nos anos 60 e 70. Se nos anos 60, havia uma juventude cheia de certezas, atrevida,

revolucionária, os jovens dos anos 90 eram cheios de dúvidas, buscavam mudanças sem

revolução. Como bem colocou Zuenir Ventura, eram conservadores sem serem reacionários;

narcisistas, mas não egoístas (CARMO, 2001). Até porque o mundo é outro, não há mais

indicadores de certo e errado, bom e mau, tão concretos. “A visão pós-moderna associa-se à

idéia do fim das ideologias. Na atualidade, não se fala mais em grandes movimentos. A revolução

que está sendo travada é molecular. Os jovens de hoje não são tão preocupados em partir para

grandes projetos de transformação social” (CARMO, 2001:261).

Carmo (2001) cita Abramo em uma entrevista concedida à época, na qual ela defende que

a geração anos 90 não seria mais apática ou despolitizada do que a dos anos 60 e 70, mas sim,

que os métodos de ação empregados hoje seriam diferentes. Assim como talvez possa ser dito

que a política é diferente. Segundo Abramo, “[...] o enorme e crescente interesse dos jovens pela

cultura pode ser uma forma de participação social” (apud CARMO, 2001:170).

Emergiram na década de 90 diversos movimentos culturais, que na sua maioria tinham os

jovens como atores. Segundo Iulianelli (2003),

Há que se destacar que a década de 1980 privilegiou o segmento infantil na


indústria cultural, criando uma série de programas televisivos voltados para a
98

criação de consumidores mirins. A esses consumidores mirins era oferecida


uma musicalidade que incluía, desde o início, os novos movimentos.
Certamente, há uma interação dessa formação cultural midiática com esses
movimentos. (IULIANELLI, 2003: 57)

Zuenir Ventura também afirma que os caras-pintadas foram uma geração anos 90, não a

geração, talvez a mais visível. Temos uma outra juventude, os jovens pobres, que passaram a

aparecer de outra forma.

No Brasil, nos anos 90, a música de protesto aparece de outra forma, com outra origem e

outro discurso. Se na década de 60 sua origem estava em universitários classe média, e tinha

como objetivo conscientizar o povo; na década de 90 surge a partir da juventude pobre da

periferia, e retrata as dificuldades de seu dia-a-dia. Sobre a questão da juventude pobre, acredito

que uma ambivalência se constitui frente à cultura de consumo. Por um lado, a partir de sua

condição sócio-econômica, estes sujeitos encontram-se excluídos. Por outro lado, como estamos

observando, é esta cultura que dá lugar para sua manifestação e para que seu discurso torne-se

visível. Empresto a noção de escalas trabalhada por Castro, onde “[...] as escalas são construídas

a partir de negociações sociais[...]” (2004:103) e ouso afirmar que novas escalas são criadas com

a cultura de consumo, com a aproximação feita, no caso entre juventude pobre e juventude rica,

através do mercado de bens e serviços. Vemos por exemplo, como forçam sua inclusão através

da identificação da classe média, principalmente ao funk e ao rap. A distância entre o

playboyzinho e o jovem marginalizado acaba diminuindo, o primeiro tem a possibilidade de

escutar o protesto do segundo. Se não podemos notar mudanças num plano imediato e mais

concreto, também não podemos afirmar que não haja efeitos do contato com esse discurso, num

plano mais inconsciente e dos afetos. Além disso, cabe ressaltar que participando enquanto

produtores da sociedade de consumo, estes sujeitos encontram uma maneira de terem acesso à

herança social, incluída nos seus direitos mas não assegurada na prática.
99

Segundo Mische, “a diversificação da experiência da juventude, especialmente com a

extensão da ‘cultura jovem’ para jovens trabalhadores e das periferias, é confirmada por estudos

recentes sobre os jovens brasileiros durante a modernização conservadora dos anos 80”

(1997:143). A identidade jovem era até então muito cristalizada no ser estudante. A partir de

então, outras significações, outras redes acabam estendendo a identidade jovem para uma parcela

maior da sociedade, principalmente por identidades ligadas ao consumo e aos estilos culturais,

assim como à escola, ao trabalho, etc.

O funk tem sua origem nos anos 70, enquanto manifestação cultural suburbana.

Inicialmente defendia a afirmação de identidade e valores negro, como por exemplo, o “orgulho

negro”. Sua origem está diretamente ligada à black music. Aos poucos, foi perdendo seu caráter

de consciência racial e ao se abrasileirar assumiu um caráter mais social, onde o pobre fala de sua

vida, seus valores, gostos e dificuldades.

Já o rap – rhythm and poetry – é uma adaptação do canto falado da África Ocidental.

Enquanto gênero musical tem seu surgimento nos anos 60, com jovens adolescentes pobres nos

bairros negros e latinos de Nova Iorque. Enquanto cultura marginal traz temas sobre o cotidiano

das comunidades negras desfavorecidas e a linguagem e rituais das ruas. Além da música, a moda

também foi sua grande divulgadora. A palavra de ordem era “atitude”, que seria uma “[...]

postura íntegra de consciência social e racial, ser coerente com seus princípios e ideais”

(CARMO, 2001:180). As mensagens cantadas pelos MCs – mestres de cerimônia – eram sobre a

comunidade, e não sobre suas vidas íntimas. Interessante notar como ao se difundir pelo mundo,

sempre foi adotado por grupos de excluídos. Se nos Estados Unidos foi pelos negros e latinos

pobres, na Alemanha foi por imigrantes e filhos de imigrantes turcos, na França por argelinos, em

Portugal por angolanos e no Brasil pelos jovens pobres, principalmente nordestinos e negros. Daí
100

o surgimento de grupos como Pavilhão 9, Racionais MCs, que o utilizam como veículo de

expressão dos marginalizados para falar da miséria, da violência urbana, do racismo.

5.2 Uma nova cidadania: a participação política e social

Frente à crise da representação política e à perda de credibilidade das personalidades e

instituições, podemos então afirmar que os jovens, através da participação social e cultural,

aparecem como propositores de uma mudança na participação política, na emergência de novas

formas de cidadania e na diversificação dos modos de ação política. Se o voto tem uma

importância simbólica, de passagem para a entrada no mundo adulto, como defende Müxel

(1997), ele por si só, se não acompanhado de outras práticas e vivências perde importância e

valor. O voto por si só não é sinônimo de ação política ou participação cidadã. Um exemplo disso

está na primeira eleição após a Constituição de 1988, onde o voto foi estendido para todos os

maiores de 16 anos, e somente metade dos jovens esperados tirou seu título de eleitor. Como

vimos, anterior a essa competência técnica, deve existir uma competência social, ou seja, o

reconhecimento de que se está apto a adquirir esta competência técnica, no caso, política.

Através da participação social, através da atuação cultural, crianças e jovens puderam

apresentar-se como competentes socialmente, como atores relevantes sendo que suas práticas

tiveram repercussão na sociedade como um todo, com a disseminação de seus valores e com

conseqüências nas práticas de maneira geral (ecologia, preconceito, sexualidade, consumo, moda,

língua,etc.). A cultura se mostra assim como importante na sociedade. A partir do pós-

modernismo 13 houve uma “prodigiosa expansão da cultura por todo o domínio social, a ponto de

13
Pós-modernismo marco de mudanças culturais fundamentais Em sua origem, pós-modernismo significava a
perda da historicidade e o fim da "grande narrativa" - o que no campo estético significou o fim de uma tradição de
101

se poder dizer que tudo em nossa vida social [...] tornou-se cultural” (JAMESON apud

FEATHERSTONE, 1995:26).

[...] cultura, não importando sua definição, agora existe em uma


posição de dominação no mundo onde a televisão e a imagem
visual tornaram-se meio principal através do qual a indústria de
comunicação de massa trabalha, e onde ao lado deste mapa do
mundo, suas fronteiras e limites foram redefinidas por
corporações internacionais, para quem a produção de cultura e
informação é a “lógica do capital tardio” (MCROBBIE,
1994b:177-178).

Se Jamenson está certo, “[...] parece que são os jovens que são os maiores responsáveis

pela manutenção deste nível elevado de produção. Isto coloca jovens, e a aparente facilidade com

a qual participam nesta forma de produção cultural informal, em uma posição mais crucial ainda”

(MCROBBIE, 1994b:179). Muitas dessas produções simbólicas podem então ser interpretadas

como a voz de jovens e a nova subjetividade que circunstâncias sociais em mudança produzem.

Não é mais o caso de levar em conta o argumento tradicional de que a cultura jovem seria

produzida de alguma forma em condições de pureza, e que suas expressões seriam autênticas

num primeiro momento, pelo menos não contaminadas por uma cultura comercial ambiciosa.

Este argumento foi substituído por um entendimento mais amplo das dinâmicas entre cultura,

mídia de massa, comércio e Estado. Os produtos que emergem de espaços para expressão,

descoberto por jovens dentro e fora de instituições que regulam e controlam seus movimentos e

experiências, podem ainda parecer trivial e sem importância se julgados da perspectiva de

política sobre juventude tradicional. Mas a proliferação de tipos de cabelo e músicas, de eventos e

rituais, de modas e revistas, de imagens e artigos, e a velocidade no qual isso tudo acontece,

representa exatamente um “turn to culture”.

mudança e ruptura, o apagamento da fronteira entre alta cultura e da cultura de massa e a prática da apropriação e da
citação de obras do passado.
102

Esta importância está que ao assumir um viés político, a cultura jovem torna possível a

produção ativa de novos e inesperados significados sociais. O material estético e simbólico

parece ser desenvolvido em o que parece ser um frenesi de produção cultural. Isto parece para

muitos autores como McRobbie um verdadeiro engajamento com o social. “Cultura jovem, no

formato que tenha, faz um investimento na sociedade. É neste sentido que é político”

(MCROBBIE, 1994a:156).

Um exemplo disso está na forte impressão que os jovens continuam a deixar na paisagem

urbana, contribuindo diretamente para nossa experiência da realidade social. “Eles apresentam

uma versão particular da realidade, e funcionam como textos sociais fortes, sinais de resposta que

indicam um registro ativo de mudanças sociais amplas sobre as quais tais agrupamentos de outra

forma não possuem controle nenhum” (MCROBBIE, 1994a:160). Como traz Pais (2005), a

cidadania só se cumpre globalmente quando é localmente exercida. Uma cidadania abstrata e

estática, formatada a partir da concepção de direito, dá lugar a uma cidadania fluida e empática

expressa e exercida na cultura, no domínio da vida cotidiana sem constrangimentos institucionais.

Essa fluidez é um atributo dessa paisagem urbana e é encontrada na performatividade dos jovens

nela (skaters, grafite, estudantes “zoando” pela rua). Os jovens enquanto marginais “[...] são

produtores de resistência, de criatividade, de formas “reativas” de cidadania cultural que se

rebelam contra formas arcaicas de cidadania imposta” (PAIS, 2005:123).

Em relação ao consumo, para alguns teóricos comprar e vender e participar enquanto

consumidores representava somente o momento de difusão, o ponto no qual a força de resistência

é incorporada ou “recuperada” de volta na sociedade através do processo de comoditificação,

tornando-se assim a cultura despolitizada e palatável para o consumo popular. McRobbie (1994)

faz uma crítica a esse tipo de pensamento, acusando-o de um “romantismo de autenticidade”,

onde a cultura jovem seria contaminada por “aproveitadores” que forçariam sua entrada nesta
103

cultura em busca de lucro. Segundo ela, seria um modelo que dividiria uma cultura jovem “pura”

de um mundo exterior contaminado, ansioso para transformar qualquer coisa que tivesse ao

alcance de suas mãos em um item vendável. O punk, por exemplo, usou a mídia – predatória,

facilmente explorável e aberta – para publicidade. Para McRobbie, as revistas, músicas, roupas

fazem mais do que publicizar esta cultura pois também fornecem a oportunidade de aprender e

compartilhar habilidades, de praticá-las, de ganhar dinheiro, e mais importante, uma maneira de

alcançar subjetividade social e, portanto identidade através da experiência cultural.

Isso leva a uma experiência de empoderamento dos jovens, principalmente jovens pobres,

uma vez que cria outras oportunidades de carreira e profissão, assim como lhes dá lugar no

social.

O conceito de empoderamento inclui participação, direitos e responsabilidades,


capacidade de realização e integração social. Empoderar os jovens sugere
conferir poder aos jovens como indivíduos ou membros de organizações
juvenis, comunidades e corpos nacionais e internacionais. Então, isso está
diretamente relacionado com a oportunidade de tomar decisões que afetem as
suas vidas [...]. (IULIANELLI, 2003:64)

Empoderar nada mais é do que considerar o jovem agente ativo de transformações e

desenvolvimento, em vez de meros objetos passivos. Justamente isso é encontrado através da

cultura e do consumo, um lugar com um status de cidadão que lhes é negado. “[...] uma das

atrações de cultura está precisamente em oferecer uma subjetividade forte através de significados

coletivos que emergem das combinações distintas de signos, símbolos, objetos, estilos e outros

“textos de significado” (MCROBBIE, 1994a: 174).

A produção, compra e venda estão integralmente conectadas a cadeias mais longas de

sistemas de significado e valor. Roupas usadas e a ética de reciclagem, por exemplo, não apenas

produzem imagens “retros” nas ruas, elas também fornecem um contraponto à moda cara.
104

A importância desempenhada pelo papel da produção cultural está não só em oferecer

uma imagem mais ativa do envolvimento de jovens, mas também encorajar uma dimensão mais

longitudinal que conecta estar em uma cultura com o que acontece ao redor (MCROBBIE,

1994a). Também o elemento estético da cultura jovem, particularmente a interação criativa entre

música, dança, moda e outras formas, ajuda a promover um deslocamento de ser consumidor para

ser produtor.

Nesta nova forma de exercício da cidadania, a participação se torna cada vez mais

orientada por ações pontuais e objetivadas, de acordo com interesses específicos de certos grupos.

A participação agora visa atacar por meios “concretos”, os “verdadeiros” problemas, os do dia-a-

dia e também os que dizem respeito à sociedade em escala planetária. Segundo Müxel (1997),

não se trata de mudar o mundo, mas de tão somente melhorar as coisas. A idéia de associação,

mais do que de filiação partidária, ganha força, como engajamento mais fraternal, onde se tem

um controle mais direto sobre a realidade dos problemas, um laço mais estreito com os atores

envolvidos e maior eficácia de suas ações.

A participação político-partidária parece, enquanto atividade política convencional, agora

parece dar lugar a outras formas de participação como uma forma mais legítima de atuar e

promover mudanças sociais (CASTRO, 2004).

As organizações sociais são pautadas por ações sociais de intervenção direta, desprovidas

de relações estatais. Segundo Iulianelli (2003), as práticas desenvolvidas são de afirmação de

direitos e participação, ao mesmo tempo, de criação e ação cultural. Como afirma Müxel (1997),

outros recursos podem ser usados para alimentar e substituir a atividade política, como por

exemplo, a arte e a cultura.

Podemos dizer que um aspecto importante dos movimentos culturais de juventude está em

questionar e encontrar caminhos que fizessem a sociedade rever determinados valores e refletir
105

sobre questões até então ignoradas ou superficialmente discutidas, como drogas, sexo, racismo,

ecologia, pacifismo, etc. Problemas, dúvidas, incertezas e soluções de hoje são fruto da

participação do jovem ao longo da história. No plano político, mostraram que revolução não se

faz apenas através de confrontos armados e partidos políticos, mas também através de idéias,

críticas, protesto. A produção cultural, via cultura de consumo, aparece como principal campo de

manifestação. Da revolução nos costumes que fizeram, vivenciamos seus resultados até hoje.

Portanto, hoje a juventude encontrou e expandiu seu lugar de participação, de cidadania,

enquanto produtora e consumidora de cultura e projetos de transformação social de inúmeras

formas: rádios e jornais comunitários, fanzines, produção de vídeos, dança de rua, coral,

alfabetização, teatro popular, partidos políticos, grêmios, movimentos ecológicos, contra a

violência, contra a fome, pela cidadania, etc. Como pensa Novaes (2002), é através de atividades

culturais e sociais que os jovens podem trazer para a discussão pública a questão dos sentimentos

e contribuir para mudanças de mentalidade.

Trata-se de compreender os efeitos políticos dessas formas de fazer política que


não se caracterizam por um discurso político articulado como o das gerações
passadas. Porém, é preciso reconhecer, elas colocam em cena novos
protagonistas locais que até então eram apenas coadjuvantes ou “aprendizes”
da linguagem política ilustrada. (NOVAES, 2002:54)

Assim, essa forma de fazer política, embora não formatada enquanto ações coordenadas

organizadas e instituídas no enquadramento das convenções sociais, representam formas “lavares

de participação” que apontam para uma renovação e redefinição da cidadania enquanto dinâmica

social.
106

6 CONCLUSÃO

A presente dissertação teve como objetivo principal pensar de que maneira crianças e

jovens podem, na atualidade, exercer sua cidadania enquanto atores sócio-políticos relevantes.

Esta questão partiu da idéia de que uma concepção clássica de cidadania, atrelada principalmente

à noção de direitos, encontra-se em concordância com um modelo desenvolvimentista e, portanto,

apresenta-se como excludente para esses sujeitos. No que diz respeito ao exercício da cidadania,

criou-se uma expectativa de que existiria um patamar a ser alcançado para se ter acesso aos

direitos civis e políticos, patamar este que se encontra marcado por delimitações etárias. Dessa

forma, infância e juventude são consideradas enquanto etapas de preparação e maturação do

sujeito, sendo, portanto, restrita sua participação na sociedade. O que se pretendeu apontar aqui

foi que a existência de diferenças entre crianças e jovens, e adultos, não é impossibilitadora para

que estes sujeitos possam exercer sua cidadania, através de uma nova concepção.

A discussão sobre o conceito de cidadania apresentado por Marshall foi abordada, uma

vez que esta conceituação – baseada no modelo histórico inglês e definido a partir de três

direitos: direito civil, direito político e direito social – assumiu a maneira privilegiada de se

definir cidadania. Nessa análise, observou-se como crianças e jovens acabaram excluídos do

acesso a esses direitos, sendo permitido a eles somente o acesso ao direito social, principalmente

à educação. Na verdade, mais do que um direito, a educação é considerada como um dever, uma

vez que esperava-se dessa forma que o indivíduo preparasse sua entrada em cena como cidadão.

Este pensamento apóia-se em uma estratégia desenvolvimentista que considera crianças e jovens

como sujeitos em preparação, sujeitos “vir-a-ser”. Constatou-se como este tipo de relação reforça

uma tutela, pois muitas vezes para dispor do direito social deve-se abrir mão dos demais direitos.
107

Constatou-se que esta cidadania baseada no direito encontra-se em um momento de

questionamento por ter sua origem no surgimento do Estado-nação. Atualmente, a crise do

Estado-nação e fenômenos como a globalização e a sociedade de consumo reforçam uma tensão

em relação a esse tipo de cidadania. Logo, podemos pensar que a cidadania na

contemporaneidade estaria sofrendo os efeitos desta nova re-configuração mundial, e portanto,

passando por um processo de re-definição de seus pressupostos e fundamentos. A luta por

direitos sempre esteve restrita ao território nacional, no entanto, as fronteiras que definem esse

território encontram-se cada vez mais dissolvidas e ampliadas para o contexto mundial ou

transnacional.

Um outro aspecto importante observado no que diz respeito à cidadania hoje está

relacionado à discussão sobre a diferença em oposição à universalidade. Uma cidadania baseada

no direito tem como pressuposto uma universalidade, ou seja, a idéia de que a partir da existência

de um sujeito universal os direitos são definidos e acessíveis a todos que cumpram o padrão

definido como universal, sendo portanto, iguais perante a lei. Esta suposta universalidade acaba

muitas vezes ocorrendo no erro de pensar a igualdade como uma identidade. Dessa forma,

minorias e particularidades, dentre as quais podemos colocar crianças e jovens, teriam que estar

subordinadas a essa identidade hegemônica, no caso aqui abordado, à identidade adulta. Fica o

alerta de que não se trata de equalizar diferenças, a igualdade no acesso aos direitos deve ser um

potencial integrador e não uma condição de homogeneização.

Se o surgimento da cidadania esteve originalmente voltado para o Estado-nação e o

contexto geográfico, social e político de seu surgimento, nos voltamos para uma abordagem do

caso brasileiro, o contexto em questão. Ao longo deste trabalho, constatou-se como o direito ao

ser apropriado a partir das características sócio-históricas brasileiras acabou por sofrer uma

subversão, tornando-se, em diferentes versões, uma dádiva, um favor ou até mesmo um


108

empecilho. Diversos autores apresentam diferentes maneiras de se pensar a cidadania no Brasil,

mas como dado importante todos parecem apontar para, como em nosso caso, os direitos eram

vistos como dádivas, foram concedidos, uma vez que foram outorgados, sem a participação da

sociedade, conquistados sem lutas. Prevalece no contexto brasileiro o direito social sobre os

demais, uma relação tutelada da sociedade para com o Estado, e ao contrário da existência de

uma universalidade, vigora uma hierarquização atualizada das mais diferentes maneiras (escravo

x senhor, patrão x empregado, etc).

Assim, o direito acabou se configurando como um acordo, um favor, um privilégio. Pôde-

se então fazer um paralelo com a questão principal desta dissertação, de maneira que constatou-se

que o país “jovem”, assim como crianças e jovens, foi prejudicado em sua cidadania, uma vez

que da mesma forma que para esses sujeitos, direitos sociais foram privilegiados e a participação

impedida. Além disso, observou-se que a interrupção do “aprendizado” do exercício político só

pode levar ao retardamento da incorporação dos cidadãos à vida política. Observamos isso em

nossa história e o mesmo parece ocorrer com crianças e jovens. Um resultado importante

observado, portanto, foi que a cidadania sem participação torna-se um conceito vazio.

A análise da participação como conceito-chave nos levou em nossa investigação à cultura

de consumo. A cultura de consumo, enquanto cultura da sociedade contemporânea, aparece como

terreno privilegiado onde crianças e jovens através de manifestações culturais e de consumo

aparecem como atores relevantes, e portanto, reconhecidos enquanto cidadãos. Este

reconhecimento enquanto cidadão se dá tanto enquanto consumidor em potencial, estando esta

potencialidade colocada tanto para crianças e jovens quanto para adultos, e também na

possibilidade de introdução de valores, símbolos e significados na sociedade. Vimos também

como um papel de produtor também é possível através do consumo tendo uma função de

empoderamento destes sujeitos. O consumo surge no contemporâneo como prática de


109

pertencimento e de identificação dos sujeitos no mundo, uma vez que marcadores da

modernidade – como nacionalidade, língua, religião – não parecem mais cumprir esta função. O

consumo aponta que não só através de direitos, mas também através de práticas sociais e culturais

podemos nos definir como cidadãos. O consumo está sendo encarado como uma nova forma de

ação coletiva, de cidadania, como central no processo de reprodução social e cultural, logo, não

reduzido à esfera econômica.

O cenário da cultura de consumo apareceu, portanto, como um pano de fundo onde todos

são levados em consideração, uma vez que independente de sua condição econômica, todos

encontram-se identificados a ela e possuem sua subjetividade constituída nesta interlocução. Na

relação cultura e consumo, crianças e jovens podem colocar em circulação seus valores e dessa

forma participar mais ativamente, contribuindo nas tensões, discussões e destinos da sociedade.

Concomitantemente a essa ascensão da cultura de consumo, observou-se o surgimento de

uma cultura jovem. Constatou-se como a primeira pareceu ser condição para o surgimento da

segunda, promovendo a emergência de um modelo jovem, simbolizado através de gostos e

objetos de consumo. Assim, percebeu-se que através de manifestações e movimentos culturais,

expressadas muitas vezes pela via do consumo, crianças e jovens puderam contribuir e participar

na sociedade, tendo muitas vezes papel decisivo.

A cidadania possível para crianças e jovens passa a ser a de uma cidadania definida pela

participação. A participação aparece como uma modalidade de exercício político menos formal,

externo aos mecanismos legais de representação. Se no início deste trabalho, foi afirmado que a

importância da participação está na produção de subjetividades políticas, entendida como a

contínua ação e narrativização, a cultura de consumo parece funcionar como um mediador para

essa ação-participação. A participação aqui implica em uma dupla articulação entre participação

política – não mais restrita ao voto e levando em conta inúmeras outras formas de expressão
110

como abaixo-assinado, protestos, etc – e a participação social – que envolve um reconhecimento

enquanto membro competente. Nesta articulação, a participação social funciona como um

avalizador de reconhecimento, favorecendo a possibilidade de uma participação política.

Portanto, é preciso fazer-se visível e reconhecido para poder participar de forma mais estrita. Isso

foi possível através da participação social ou cultural. A cultura foi o mediador para o

reconhecimento de uma competência social, como foi visto, requisito para a ação política e/ou

social.

Ao se abordar a participação de crianças e jovens, observou-se que a democracia

representativa tradicional pode ser repensada, pois essa forma de participação aponta para outras

vias democráticas, ligadas por exemplo, à cultura, ao consumo. A cidadania clássica, ligada ao

direito, pertence talvez a um modelo de discussão democrática que como vimos tende a silenciar

ou desvalorizar algumas pessoas ou grupos. A participação pela cultura nos remete a uma

democracia mais inclusiva, no sentido em que o processo deliberatório distancia-se de padrões

mais rígidos, no caso adultocêntricos, exigentes de uma retórica rebuscada para uma

argumentação no qual diferenças culturais, sociais e principalmente etárias, não são empecilhos

mas sim recursos para se alcançar o entendimento.

Portanto, uma forma de cidadania mais dinâmica, não mais restrita a um conjunto padrão

de direitos e responsabilidades, e que permite a inscrição de crianças e jovens se dá através da

participação na sociedade. Assim, a participação como cidadania, apresenta-se como uma forma

de inserção de crianças e jovens na sociedade, não mais presa a estratégias e conceitos

desenvolvimentistas. Através da participação social, através da atuação cultural, crianças e jovens

podem ser reconhecidos socialmente, como atores relevantes, sendo que suas práticas têm

repercussão na sociedade como um todo, com a disseminação de seus valores e com

conseqüências nas práticas de maneira geral.


111

Como continuação e aprofundamento deste trabalho podemos seguir, como apresentado

no artigo 17 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, a indicação de que crianças e

jovens têm o direito de saber e comentar o que está sendo pesquisado sobre eles. Portanto, nosso

questionamento se dirigiria a saber desses sujeitos o que eles entendem como sendo participação

e cidadania, e se reconhecem nesta participação um exercício de cidadania


112

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