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Porto Alegre
2020
MESTRADO EM PSICOLOGIA
GÊNERO
Porto Alegre
Março, 2020
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MESTRADO EM PSICOLOGIA
Porto Alegre
Março, 2020
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AGRADECIMENTOS
RESUMO EXPANDIDO
O presente estudo se destina a explorar demandas, desafios e vivências no acesso à saúde por
pessoas não binárias. Para tanto, conceitos como gênero, sexo, binaridade e não binaridade
são contextualizados e posteriormente relacionados ao acesso a saúde. Segundo Laqueur
(1992), até o século XVIII estudiosos entendiam a diferença sexual como categoria única,
denominada “modelo de sexo único”, onde a genitália feminina era nada mais do que a
genitália masculina interiorizada. Por volta de 1800, os estudos começaram a focar nas
diferenças entre os sexos, no “modelo de sexo duplo”, com homens e mulheres
compreendidos de forma distinta. Esse novo modelo se mostrou passível de influências
políticas e econômicas. De acordo com Souza e Carrieri (2010), as categorias de feminino e
masculino, além de construídas por relações de poder historicamente fundamentadas, não são
naturais e não existem a priori. O entendimento acerca da distinção entre os sexos masculino
e feminino entra em consonância com o que se entende como “binarismo” ou “pensamento
binário” (Cloke & Johnston, 2005). Conforme os autores, a lógica binária se dá para além da
simplificação do que é complexo, servindo também como forma de se compreender enquanto
indivíduo, a partir da identificação e/ou negação com determinadas prerrogativas de vida.
Esse tensionamento entre identificação e negação, também se constrói pela dinâmica binária,
que apesar de útil, se mostra limitante ao impossibilitar a existência de identidades que
ultrapassam o binário. Para compreender teoricamente identidades que transcendem a
binaridade do gênero, a Teoria Queer é trazida nesse estudo, problematizando binaridade
como verdade pré-estabelecida. Segundo Butler (2007) e Miskowci (2012), a Teoria Queer se
dá como uma nova política de gênero, transcendendo os movimentos baseados em identidades
e rompendo com a própria noção do gênero. Quando a lógica binária é aplicada ao contexto
da saúde, evidencia-se a insuficiência para abarcar a multiplicidade humana. No presente
estudo, as cinco participantes da pesquisa relataram suas experiências enquanto pessoas não
binárias ao acessarem serviços de saúde. De acordo com os relatos, o despreparo profissional
culmina na precarização do atendimento em saúde, corroborando com os estudos de Rider et.
al. (2017), onde pessoas transgênero e em não conformidade de gênero apresentaram maior
dificuldade no acesso de cuidados em saúde, comparadas a pessoas cisgênero. As formas de
enfrentamento de processos discriminatórios se mostraram tão semelhantes quanto únicas,
demonstrando desafios compartilhados entre as entrevistadas, bem como recursos internos
diferentes. A evitação de revitimizações no contexto da saúde, foi unânime entre as
participantes. Todavia, a resposta para tal evitação se mostrou variável em cada entrevista,
incorporando desde automedicação ou cuidado por pares até uma alta apropriação de termos e
direitos da população LGBTQI+. Em resposta a escassez de estudos no tema e ao profundo
desconhecimento profissional sobre demandas não binárias, cabe apontar recentes estudos em
atendimentos afirmativos LGBTQI+. Segundo Coleman et. al. (2019), a World Professional
Association for Transgender Health (WPATH), seria um dos principais protocolos de
atendimento em saúde LGBTQI+, ao promover altos padrões de assistência, por meio do
desenvolvimento das Normas de Atenção à saúde das pessoas Trans e com Variabilidade de
Gênero. Assim como a WPATH, a American Counseling Association´s (2010) sugere
competências profissionais, voltadas para profissionais conselheiros, para aconselhamento
com população transgênero. Ainda assim, tanto a American Counseling Association´s quanto
a WPATH, reconhecem a necessidade de estudos que trabalhem as diferenças entre as
diversas identidades de gênero, incluindo identidades não binárias e gênero queer. Com isso, a
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SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS..............................................................................................................5
RESUMO EXPANDIDO..........................................................................................................6
SUMÁRIO...............................................................................................................................10
APRESENTAÇÃO..................................................................................................................11
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.........................................................................................13
ARTIGO EMPÍRICO.............................................................................................................26
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................54
REFERÊNCIAS......................................................................................................................55
ANEXOS..................................................................................................................................58
Anexo F- Carta de
responsabilidade......................................................................................64
Anexo G- Descrição da
equipe................................................................................................65
APRESENTAÇÃO
Minha trajetória em Estudos de Gênero teve início com a primeira disciplina que
cursei na graduação em Psicologia, com a professora Marlene Neves Strey. Ao longo das
aulas, aprendi sobre Gênero, Feminismo e Psicologia Social. Desde então, me interessei pelo
tema e logo em seguida comecei a buscar formas de me aprofundar no assunto. Além disso,
devo acrescentar o interesse em Estudos de Gênero e questões LGBT, devido a aprendizados
obtidos através de amizades enriquecedoras, as quais através de suas experiências,
expandiram meu olhar sobre esses temas e me motivaram a perceber o mundo para além das
normas sociais estabelecidas.
O presente estudo se caracteriza como uma pesquisa exploratória com viés qualitativo,
sobre o tema da não binaridade e o acesso à saúde por pessoas não binárias. Através de
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Por fim, consegui passar na prova do Mestrado e iniciei de fato o trabalho em pesquisa
sobre questões de gênero. O tema da não binaridade veio à tona principalmente através do
convívio e amizade com pessoas trans que, pelo debate frequente sobre tais pautas, geraram
motivação para compreender melhor a visão social binária. Ao longo dos dois anos de
Mestrado, pude me aprofundar nos temas e ainda conhecer outras tantas possibilidades de
refletir sobre gênero, relações de poder, interseccionalidade e até mesmo, estudos
relacionados a família, história e política. Esses temas foram levantados a partir do estudo em
disciplinas eletivas de outros cursos, como Serviço Social, com a professora Isabel Bellini e
colegas, além da disciplina de estágio docente, realizada com o professor (e meu orientador)
Angelo Brandelli Costa, onde pude experienciar tanto aulas quanto palestras sobre temas
múltiplos que se relacionam com o trabalho em Psicologia Social. Tais experiências,
proporcionaram um enriquecimento no estudo sobre gênero, bem como expandiram
possibilidades de ênfases e abordagens no tema, alimentando ainda mais motivação para
seguir na pesquisa.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
crença do sexo masculino enquanto superior e mais vigoroso do que o sexo feminino (Butler,
2007).
Um estudo realizado por Franco (2015) buscou uma compreensão sobre um possível
início do pensamento binário na sociedade a partir de entendimentos geográficos, filosóficos e
históricos. Segundo a autora, o uso de elementos opositores para explicar o universo e a
existência humana teve início com o pensamento moderno, através do qual passava a se
entender o espaço como quantificável, homogêneo e, portanto, passível de matematização e
controle. Refere, portanto, que esse entendimento acerca do pensamento moderno veio a
compreender espaço e lugar enquanto polos opositores, dando início a um modelo de
pensamento entendido como binário e que veio a ser empregado nas mais variadas instâncias
da realidade humana.
Tendo como exemplo tais concepções sobre possíveis referências acerca do raciocínio
binário na sociedade, é possível compreender que a categorização binária da realidade pode
ter utilidade, seja através da simplificação de complexidades do contexto social, seja através
de um auto reconhecimento de si enquanto indivíduo na sociedade ou por tantas outras
possibilidades de uso do pensamento binário para a humanidade. Todavia, tal entendimento
torna-se facilmente capaz de limitar outras tantas prerrogativas e possibilidades de ser e existir
no mundo enquanto indivíduo, como por exemplo, no caso de pessoas não binárias, as quais
não se sentem contempladas pelos polos masculino/feminino e expressam suas identidades de
múltiplas formas, tanto entre quanto além do binário de gênero. Além disso, uma percepção
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binária não somente limita toda uma forma de raciocínio, no momento em que enrijece formas
de existir e de perceber a realidade, como também se mostra, como bem expõe Cloke e
Johnston (2005), perigosa, no momento em que acaba corroborando para a superioridade de
um polo em detrimento da exclusão ou desvalorização do outro.
Dessa forma, no momento em que se conclui que a binaridade pode abarcar com uma
forma de pensamento limitante e se estendeu ao longo de séculos enquanto uma verdade
absoluta, torna-se necessário um olhar e uma atenção para as verdades e realidades até então
invisibilizadas, as quais não estariam incluídas no plano binário. Para tanto, no presente
estudo serão abordadas questões relacionadas à gêneros que não se entendem pertencendo aos
polos homem e mulher ou as atribuições construídas culturalmente sobre masculino ou
feminino na sociedade.
perante o que seria masculino e feminino. Uma das principais afirmações que a autora busca
fazer é justamente sobre o entendimento de que rotular alguém como homem ou mulher é
uma decisão social. Segundo a autora, podemos nos utilizar da ciência para tomar decisões
acerca do que é ser homem ou mulher, porém apenas nossas crenças sobre gênero são capazes
de realmente definir nosso sexo. Além disso, antes de mais nada, são exatamente as nossas
crenças sobre o gênero que irão afetar aquilo que a ciência irá produzir sobre o próprio sexo.
Em 1972 os sexólogos John Money e Anke Erhardt popularizaram a ideia de que sexo
e gênero seriam categorias separadas, alegando que sexo tratava de questões anatômicas e
fisiológicas, enquanto o gênero seria uma convicção e uma percepção interna sobre sua
própria identidade enquanto homem ou mulher, agregando ainda expressões aprendidas
socialmente sobre tais convicções (Sterling, 2000). Seguindo o pensamento da autora, a
segunda onda do feminismo, também ajudou a propagar tal ideia, sobre sexo e gênero serem
distintos. A pauta levantada defendia sexo como determinante biológico e diferencial
reprodutivo entre homens e mulheres, enquanto o gênero viria a romper com essencialismos
culturais, como a possibilidade de meninos irem melhor, por exemplo na disciplina de
matemática, não ser um fato relacionado à áreas do cérebro diferentes, mas sim a estímulos e
oportunidades oferecidas aos meninos, diferentes do que era ofertado às meninas em situações
e idades semelhantes.
O caso da atleta Maria Patiño, trazido como exemplo na obra de Sterling (2000),
aborda a situação vivenciada pela mesma, na qual ela foi expulsa dos jogos olímpicos da
Espanha no ano de 1961, ao não ter passado nas provas de verificação de gênero. A atleta
apresentava constructos de feminilidade em sua aparência física inclusive, além de sua própria
identificação com o gênero feminino, porém foi verificado em tais testes, que ela possuía um
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cromossomo Y em seu código genético e essa constatação passou a dizer mais sobre seu
gênero do que a sua própria identificação e fisionomia. Esse caso além de gerar um forte
questionamento sobre as definições do que é ser homem e do que é ser mulher em nossa
sociedade, levanta reflexões sobre o quanto verdades estanques são construídas e
estabelecidas sob justificativas biológicas.
Além disso, Sterling (2000) faz ainda outro questionamento, ao lançar perguntas sobre
qual seria o motivo de nos importarmos com corpos que não seguem uma norma binária
estabelecida como “normal” dentro de ditames médicos. Qual seria a razão para indivíduos
nascidos com genitália “ambígua”, como pessoas intersex, terem seus corpos mutilados e
“selecionados” pela família e pela medicina sobre qual sexo binário (pênis ou vagina,
determinados e incorporados aos gêneros masculino e feminino, respectivamente) deve ser
mantido. O que, segundo a autora, teria uma resposta pontual: o motivo para tais
preocupações seria justamente manter divisões de gênero, controlando os corpos que estariam
tão desregrados que poderiam ultrapassar os limites do gênero binário e ameaçar tal dinâmica.
De acordo com Machado et. al. (2015), a Organização Mundial da Saúde (OMS)
divulgou uma declaração interinstitucional, composta por inúmeras entidades, afirmando que
pessoas intersexuais podiam ser submetidas ao que foi chamado de procedimentos de
normalização sexual, tanto em bebês quanto em crianças, sendo que alguns casos poderiam
resultar em total ou parcial incapacitação reprodutiva. Cabe ressaltar que pessoas interssex
podem sentir-se plenamente felizes e completas ao se identificar fora do binarismo social
imposto, sendo os referidos procedimentos implementados muito mais em prol de uma
normalização e de uma expectativa social binária do que exatamente em prol de um bem estar
de pessoas interssex. Tal declaração da OMS levantou a importância de existirem mais
pesquisas sobre o tema, assim como sobre o bem-estar físico e psicológico posterior a pessoas
intersex que foram submetidas a intervenções cirúrgicas prematuramente. Essa pauta entra em
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consonância com a obra de Sterling (200), ao colocar sob perspectiva o recorrente abuso e
violência a que pessoas são submetidas com o propósito de serem “encaixadas” dentro de uma
normatividade sexual binária.
O movimento Queer enquanto teoria e política, surgiu como uma crítica ao contexto
sexual contemporâneo e emergiu possivelmente de ideias da contracultura e de três principais
movimentos sociais da década de 1960, chamados de “novos” devido a não estarem
associados ao movimento de luta operária relacionado as ideias marxistas (Miskowci, 2012).
Esses novos principais movimentos foram: o movimento pelos direitos civis da população
negra do sul dos Estados Unidos, o movimento feminista da chamada “segunda onda” e o que
foi denominado na época como movimento homossexual.
consequências políticas jamais superadas, também afetou a sociedade como um todo no que
diz respeito à sexualidade, aos afetos e a forma das pessoas se relacionarem.
Segundo Louro (2001), a apropriação do termo queer se deu a partir de uma vertente
dos movimentos homossexuais, para os quais queer significava ir contra qualquer processo de
normalização. Aponta que o alvo de crítica da Teoria Queer se dá diretamente contra a
heteronormatividade compulsória da sociedade, a qual transpõe as relações simplesmente
heterossexuais, se estendendo para a crítica a normalização e estabilidade propostas também
pela política identitária do movimento homossexual dominante. Com isso, essas pessoas
excluídas do padrão social de “adequação”, entendidos como Queer aqueles considerados
“bichas”, “estranhos”, “abjetos”, tomaram para si o termo, ressignificando-o e o tornando
pauta de sua luta em prol de reconhecimento das diferenças. Cabe ainda acrescentar, como
forma de reflexão, que apesar da lógica da Teoria Queer buscar romper com a própria ideia de
gênero e com todo processo de normalização ou enrijecimento identitário, algumas pessoas
podem se identificar como Genderqueer, apropriando-se do termo e possivelmente criando
uma espécie de paradoxo, onde a própria identificação do gênero com o termo Queer nega ou
ressignifica a Teoria em si.
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A Teoria Queer não fala sobre homossexualidade apenas, mas sim sobre aquilo que é
abjeto. De acordo com Miskowci (2012), o termo “abjeto” denota aquilo e aquela/aquele
temido e recusado com repugnância, visto que sua própria existência ameaçaria uma visão
homogênea e estável de comunidade. Por isso, é importante ressaltar que a Teoria Queer
ultrapassa e transcende a própria luta homossexual, ao ter como paradigma não mais a simples
aceitação de um novo grupo de pessoas dentro da lógica heteronormativa. A Teoria Queer
denuncia a existência dessa lógica, além de explicitar a diferença e colocar o próprio “queer”
como tão necessário e passível de ser percebido a partir dos conceitos de cidadã/cidadão
quanto as pessoas implicadas dentro da norma vigente.
identitário precisa ser percebido de forma mais atenta, pois a pauta Queer busca justamente
romper com a lógica identitária. Ressalta que a nova política de gênero, ou seja, a política
Queer, foca no questionamento sobre as demandas que criam os próprios sujeitos e as
identidades por sua vez.
Essa busca por uma quebra de paradigma se baseia em duas principais premissas
associadas à dinâmicas de poder, sendo uma relacionada ao poder enquanto algo que opera
pela repressão, e outra entendendo o poder como mecanismos sociais disciplinadores. Tal
forma de refletir, conforme o autor aponta, advém de pensamentos do filósofo Michel
Foucault, que expressa essa lógica através de sua obra “Vigiar e punir” (Foucault, 1991).
Com isso, em sua obra, o filósofo explica que na dinâmica do poder repressivo, os sujeitos
lutam por liberdade, enquanto na dinâmica do poder como mecanismo disciplinar, se luta pela
desconstrução de normas e convenções sociais que constituem os próprios sujeitos.
De acordo com Judith Butler, apontada como uma das mais destacadas teóricas queer
(Louro, 2001), as sociedades constroem normas e padrões estabelecidas como verdades que,
para serem naturalizadas e se manterem existindo, precisam ser constantemente repetidas e
reiteradas. Todavia, de acordo com a filósofa, os corpos jamais se conformam completamente
com tais normas impostas e, por esse motivo essas normas regulatórias precisam ser
constantemente repetidas. Ao tomar emprestado o conceito de “performatividade” da
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linguística, Butler (1999) afirma que a linguagem, por ser generificada, ao se referir aos
corpos ou ao sexo, não apenas constata ou descreve esses corpos, mas no próprio instante em
que nomeia está também construindo aquilo que está nomeando, produzindo corpos e sujeitos
assim que são nomeados. Todavia, pontua ainda, que essa linguagem, ao criar aquilo que
nomeia constitui um processo limitado desde o início, visto que os sujeitos não decidem sobre
o sexo que irão ou não assumir na vida adulta, visto que essa definição é forçadamente
imposta no momento do nascimento.
A Teoria Queer veio, portanto, buscar repensar e flexibilizar noções sobre pautas
identitárias, empregando uma nova forma de pensar a cultura em que se vive, propondo uma
análise aprofundada sobre as dinâmicas de poder na sociedade e não somente agregando uma
nova pauta identitária à maneira heterossexista hegemônica da cultura atual. Tal perspectiva
sobre a Teoria Queer é pontuada pelo filósofo Miskowci, em sua obra intitulada “Teoria
Queer: um aprendizado pelas diferenças” de 2012, na qual é defendida a ideia de que a teoria
queer veio a romper com a própria noção de identidade. Todavia, apesar da relevância
acadêmica que tal filósofo agrega no debate sobre o tema, existem outras prerrogativas que
defendem que algumas pessoas podem ver no pensamento queer uma nova forma de construir
e perceber sua identidade.
problemáticas até então desconsideradas dentro dos movimentos, desde profissionais do sexo,
pessoas transexuais, travestis e até mesmo pessoas que poderiam ser consideradas enquanto
pertencentes à cultura hegemônica, mas que não concordavam ou não se sentiam
contempladas pela mesma, passaram a ganhar espaço e visibilidade.
Além disso, para Miskowci a Teoria Queer foi elaborada e iniciada por teóricas e
teóricos feministas, ao contrário dos chamados estudos gays, realizados por homens que não
liam nem dialogavam com o feminismo. Dessa forma, a Teoria Queer se construiu através de
pilares que conversavam com o feminismo e, inclusive, possivelmente vieram a ampliar e
tornar mais complexo o alcance e significado da própria Teoria Feminista. Essa possível
ampliação da Teoria Feminista através da Teoria Queer se deu por alguns fatores, conforme
pontua Miskolci (2012), tendo em vista que a Teoria Queer começou a entender “gênero”
como constructo social e cultural, bem como as definições de feminino e masculino também
como construções possíveis independentemente do sexo designado ao nascer. Conforme o
autor muito bem explicita, o gênero estaria relacionado a nada mais do que normas e
convenções culturais que variam de acordo com o tempo e a própria sociedade.
De acordo com Richards et. al. (2016), muitas pessoas não binárias relatam usar sua
nomenclatura de sexo designado ao nascer, por questões burocráticas, devido ao fato de
muitos sistemas, incluindo sistemas de saúde e círculos sociais, serem organizados apenas a
partir de gêneros binários. Tal situação se reflete nas mais variadas instâncias, inclusive
dentro do próprio meio de pesquisa, onde pessoas não-binárias acabam entrando em
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categorias de análise definidas por exemplo como “outros”, presentes em questionários que
comumente utilizam as categorias binárias homem e mulher.
De acordo com pesquisa realizada por Costa (2015), onde pessoas não-binárias foram
entrevistadas sobre seu acesso à saúde e cuidados relacionados a afirmação de gênero, um
percentual alarmante de participantes afirmou não serem capazes de encontrar profissionais
médicos qualificados que prescrevessem hormônios para eles. Com isso, conforme tal
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De acordo com Cruz (2014), o estigma e a discriminação podem ter origem não
somente através de eventos diretos e experiências negativas passadas, mas também a partir de
detalhes do atendimento médico, desde tratamentos de transcrições, até diagnósticos formais e
na própria linguagem médica usada para descrever o grupo diverso de pessoas em não
conformidade de gênero. Para Cruz (2014), dentre as principais barreiras enfrentadas por
pessoas não binárias no acesso à saúde estão: as características do sistema de prestação de
cuidados de saúde, características da população, política atual de saúde, tipo e qualidade do
atendimento e percepções do paciente. O autor expõe ainda, que fatores como, ser jovem,
identificar-se como transexual e sofrer discriminação econômica, são preditores de violência,
entendida como discriminação direta. De acordo com Costa (2015), esses fatores elencados
também se configuram como elementos que acentuam as barreiras de acesso à saúde por
pessoas não binárias, visto que experiências discriminatórias diretas, como violência, podem
aumentar a expectativa de discriminação.
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ARTIGO EMPÍRICO
Cuidados em saúde na população não-binária: Um estudo exploratório com identidades que
transcendem a binaridade de gênero
Resumo
Este estudo visa apresentar os resultados de uma pesquisa conduzida no Estado do Rio Grande do Sul,
onde foi explorada a perspectiva de 5 pessoas autodeclaradas com gênero não binário em seu acesso à
saúde. Através de entrevistas com perguntas abertas, investigou-se como se dá o seu acesso à saúde,
explorando tanto possíveis aspectos positivos quanto as barreiras e os desafios enfrentados. As pessoas
participantes do estudo foram convidadas para realizar as entrevistas a partir de uma amostra de
conveniência e da técnica de snow ball. Os dados da pesquisa foram analisados a partir da Análise
Temática. A partir dos padrões encontrados foram levantadas 3 categorias principais, sendo elas:
1. Acesso binário, 2. Despreparo profissional e 3. Micropolíticas de enfrentamento. Dentro das
categorias levantadas, o desconhecimento sobre o tema da não binaridade, motivado por uma estrutura
social binária, se mostrou como um dos principais temas apontados nas entrevistas. Esse
desconhecimento sobre a não binaridade, culmina num despreparo profissional, fator trazido em
unanimidade pelas participantes da pesquisa. Com base nessas prerrogativas, algumas micropolíticas
de enfrentamento puderam ser percebidas como preponderantes ao longo dos discursos das
entrevistadas, sendo estas desde evitação da revitimização em contextos de saúde, passando por auto
medicação e/ou cuidado por pares, até alto nível de conhecimento de suas demandas e direitos de
pessoas trans, não binárias e LGBTQI+.
Palavras chave: não binaridade; gênero; acesso à saúde.
Abstract
This study aims to present the results of a research conducted on the State of Rio Grande do Sul,
where was explored the perspective of five people selfdeclarated with non binary gender, on your own
access to health services. Through interviews with open questions, was investigated how is your
access to health services, exploring possible positive aspects as well as the barriers and the challenges
encountered. Base on that goal, I sought to explore the perception of the people interviewed regarding
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the non-binary theme, gathering information about the advances and challenges in the process of
searching for health resources. The participants of the study were being invited for to perform the
intervews from a convenience sample and from snow ball technique, where some people can go
indicating another. The datas of research was analised from the Thematic Analises that, according to
Braun & Clarke (2008), aims indentify, analyse and report patterns or themes within the surveyed
data. From the found patterns were raised three main categories, which are: 1. Unprepared
professional; 2. Binary access and 3. Coping micropolitics.
Keywords: non-binary, gender; access to health.
Resumen
Este estudio tiene como objetivo presentar los resultados de una investigación realizada en el estado de
Rio Grande do Sul, donde se exploró la perspectiva de 5 personas autodeclaradas con género no
binario en su acceso a la salud. A través de entrevistas con preguntas abiertas, investigo cómo se
explora su acceso a la salud, explorando posibles aspectos positivos, así como las barreras y desafíos
que enfrentan. Con base en este objetivo, traté de explorar la percepción de las personas entrevistadas
con respecto al tema no binario, recopilando información sobre los avances y desafíos en el proceso de
búsqueda de recursos de salud. Los participantes del estudio fueron invitados a realizar entrevistas a
partir de una muestra de conveniencia y una técnica de bola de nieve, donde una persona puede ir
indicando a otra. Los datos de la investigación se analizaron a partir del Análisis temático que, según
Braun y Clarke (2008), tiene como objetivo identificar, analizar e informar patrones o temas dentro de
los datos encuestados. De los patrones encontrados se plantearon 3 categorías principales, que son: 1.
Falta de preparación profesional, 2. Acceso binario y 3. Micropolítica de afrontamiento.
Palabras clave: no binario; género; acceso a la salud.
Introdução
O presente estudo visa explorar as demandas e barreiras enfrentadas no acesso à saúde
por pessoas que se identificam como não binárias em relação ao gênero. Para tanto são
abordados e desenvolvidos os conceitos de sexo, gênero, binaridade e não binaridade, para
então adentrar o tema do acesso à saúde e dos enfrentamentos decorrentes. No desenrolar do
estudo a Teoria Queer é trazida como base de entendimento sobre aquelas e aqueles que
transcendem o próprio gênero. Por fim, o aporte e contextualização teóricos são elencados
com estudos sobre os avanços e as barreiras que pessoas não binárias vem a enfrentar com
relação ao seu acesso à saúde.
Todavia, pelo fato de tais nomenclaturas serem vastas, e de fato bastante únicas, além
do termo “não-binário” ser ainda o mais utilizado para definir tais identidades e expressões,
tornou-se necessário nesse estudo fazer a escolha de usar esse termo para realizar a pesquisa.
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Contudo, tal escolha se deu somente devido a real dificuldade em realizar uma pesquisa sem
ter uma terminologia única para o estudo. Além disso, de acordo com Vincent (2016), o termo
“não-binário” pode funcionar como uma expressão “guarda-chuva”, englobando uma ampla
gama de identificações possíveis e conceituações individuais. Por fim, o uso da expressão
“não-binário” foi empregado com o devido entendimento sobre sua limitação terminológica e
com o respeito pelas demais definições diversas de atribuições de gênero.
Método
Delineamento da Pesquisa
Participantes do Estudo
O estudo contou com cinco participantes autodeclaradas com gênero não-binário, residentes
da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul e utilitárias de sistema de saúde público ou
privado. A busca por tais participantes se deu através de uma amostra de conveniência e da
técnica snow ball, onde uma pessoa pode indicar outra de sua rede. As idades das pessoas
entrevistadas variaram entre 23 e 38 anos, sendo que todas se identificavam com gênero não
binário. Quando citadas no presente estudo, receberam nomes fictícios escolhidos pela própria
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pesquisadora de forma aleatória, como Renata, Dóris, Eloísa, Charlote e Erick, no intuito de
manter o sigilo e a privacidade das mesmas.
As entrevistas foram realizadas durante apenas um encontro com cada participante, estando
contextualizadas em um local condizente a atividade e com tempo suficiente para que o
instrumento fosse possível de ser respondido com qualidade. Após o processo de transcrição e
análise das entrevistas, houve a possibilidade de retomar entrevistas que fossem percebidas
como necessárias de uma análise mais aprofundada.
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Resultado e Discussão
Após a análise das entrevistas, entrelaçada com o aporte teórico realizado, foi possível
chegar a três categorias temáticas que auxiliaram a organizar teoricamente os temas
levantados, sendo estas: Acesso Binário; Despreparo Profissional e Micropolíticas de
Enfrentamento. As categorias levantadas foram separadas de acordo com os assuntos mais
abordados pelas pessoas entrevistadas, colocando em pauta a relevância e a ênfase trazida
pelas participantes, bem como a relação com os temas da não binaridade e do acesso à saúde.
A primeira categoria, chamada de Acesso Binário, se destina a contextualizar e compreender a
forma como se dá o acesso à saúde pautado dentro de uma lógica social binária. Nessa
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Acesso Binário
Somente por volta de 1800, teóricos começaram a focar seus estudos nas diferenças
entre os sexos feminino e masculino de maneira enfática, destoando e contrapondo fortemente
o pensamento sobre o “sexo único”, afirmado até então. É a partir do Renascimento que o
modelo de sexo único começa a sofrer um enfraquecimento, dando lugar a um novo modelo
que enfatizava a existência de dois sexos distintos, começando a instituir uma diferença
radical entre homens e mulheres (Rohden, 2003). Essa nova percepção sobre a sexualidade
humana, a partir das diferenças, foi chamada de “modelo de sexo duplo” (Laqueur, 1992). De
acordo com Laqueur (1992), a partir dessa concepção de modelo do sexo duplo, as distinções
entre homens e mulheres passaram a instaurar e estabelecer a norma da dicotomia homem e
mulher, atribuindo interesses sociais e políticos a tais diferenças.
construção social perante o que seria masculino e feminino. A autora traz ainda uma
importante reflexão sobre o ocorrido, ao expor que, são exatamente as nossas crenças sobre o
gênero que irão afetar aquilo que a ciência irá produzir sobre o próprio sexo.
O exemplo trazido por Sterling, condiz com uma das entrevistas realizadas no presente
estudo, onde a participante de pesquisa chamada aqui como Erick, relata sobre suas
experiências de vida enquanto pessoa interssex e identificada com gênero não binário. Erick
manifesta se perceber como uma pessoa não binária, não se sentindo pertencente a um polo de
gênero em definitivo, contudo sentindo-se atualmente mais confortável com pronomes de
tratamento femininos. No decorrer da entrevista, Erick aponta questões relacionadas ao
desconhecimento social sobre o termo “interssex” e a constante leitura binária da sociedade
sobre os corpos, bem como a discriminação sofrida por aqueles que não estariam inseridos
dentro dessa lógica, sendo melhor descrita em sua fala:
A fala de Erick, trazida acima, elucida muito bem a discussão levantada sobre o
quanto o chamado sexo biológico ou designado seria um fator construído socialmente, assim
como o gênero. Tal reflexão é trazida também na obra de Sterling (2000), ao analisar que,
quanto mais se buscam definições biológicas do que é ser homem ou ser mulher, mais se
constata a inundação de caracteres sociais e culturais envolvidos nesse processo. Essa
percepção entra em consonância com os pensamentos de Butler (2007), a qual entende que
sexo nada mais é do que o próprio gênero, no momento em que tentamos localizar nos corpos
a binaridade social. A filósofa pontua, portanto, que “talvez o sexo sempre tenha sido o
gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero se revela absolutamente nenhuma”
(Butler, 2007).
Esse rompimento com a lógica binária e com o próprio entendimento sobre gênero e
sexo como categorias rígidas da existência humana, pode ser muito bem representado através
da Teoria Queer. De acordo com Miskowci (2012), a Teoria Queer se dá como uma nova
política de gênero, concordando com o pensamento da filósofa Judith Butler que afirma sobre
a Teoria Queer transcender os movimentos baseados em questões identitárias. A Teoria Queer
teria se originado a partir de três principais movimentos da contracultura na década de 1960,
sendo eles: o movimento pelos direitos civis da população negra do sul dos Estados Unidos, o
movimento feminista da chamada “segunda onda” e o que foi denominado na época como
movimento homossexual (Miskowci, 2012). Segundo Louro (2001), a apropriação do termo
queer se deu a partir de uma vertente dos movimentos homossexuais, para os quais queer
significava ir contra qualquer processo de normalização.
Para Louro (2001), a principal crítica levantada pela Teoria Queer seria a
heteronormatividade compulsória da sociedade, como definições impostas sobre os corpos ao
nascer. De maneira esclarecedora, cabe compreender “hetoronormatividade” como a
presunção da heterossexualidade como padrão para definir o que seria um comportamento
sexual normal, bem como as diferenças entre masculino-feminino e normas de gênero
correspondentes, como naturais e essencialmente imutáveis em relações humanas tidas como
normais (APA, 2018). Dito isso, aquelas pessoas que ultrapassam essa noção de
heteronormatividade, excluídas do padrão social de “adequação”, seriam chamados
pejorativamente pela expressão Queer, com conotação de xingamento. Dessa forma, como
expressão de resistência, aqueles considerados “bichas”, “estranhos”, “abjetos”, tomaram para
35
Segundo Rider, et. al. (2017), pessoas transgênero e em não conformidade de gênero,
tem maior dificuldade em acessar e receber cuidados em saúde, em comparação a pessoas
cisgênero. De acordo com as autoras, através de um estudo que comparava as relações de
saúde entre estudantes em não conformidade de gênero e estudantes cisgêneros, esses
primeiros relatavam um estado de saúde significativamente pior, com taxas de exames
preventivos mais baixas e maior número de necessidade de atendimento à enfermaria do que
seus pares cisgêneros. Conforme encontrado na última referência ao National Transgender
Discrimination Survey, referenciado em 2010, ainda que o acesso à saúde seja um direito
humano fundamental, vem sendo regularmente negado a pessoas transgênero e em não
conformidade de gênero. Além disso, pessoas transgênero e em não conformidade de gênero
frequentemente experienciam discriminação, desde desrespeito até abusos, violências e outras
formas de opressão ao acessar cuidados em saúde (Grant et. al., 2010).
grupo de pessoas como inseridas na categoria de abjetas, cabe concluir que estas passam a ser
entendidas e tratadas como elas mesmas sendo abjetas, ou seja, incompreensíveis, inexistentes
e, como bem define Junior (2012), fora das categorias de pensamento socialmente inteligíveis.
Tal reflexão fica muito bem retratada através das falas das participantes de pesquisa, ao
explicitarem o desconhecimento de profissionais sobre suas demandas quando as mesmas
fogem dos padrões binários de atendimento.
sua fala. Doris critica em sua entrevista, além dessa percepção pobremente binária acerca do
tratamento direcionado ao paciente, a necessidade da exigência de laudo psicológico por
profissionais da saúde, como forma de comprovar através de um profissional da saúde mental
o que está sendo dito pelo ou pela paciente. Essa crítica é ilustrada através de sua fala, onde
Doris diz:
Despreparo profissional
os autores, a invisibilidade de pessoas não-binárias em pesquisas faz com que elas se tornem
também invisíveis na cultura de forma mais ampla.
eu percebo no meu caso, é uma desinformação assim... Como o número de pessoas intersexo
é bem baixo, tem muito médico que nunca viu, nunca lidou com uma pessoa intersexo, então
eles não tem muito padrão assim, pra saber o que fazer contigo...”. Em sua fala, a
participante de pesquisa denota uma compreensão sobre o fato de profissionais da saúde não
terem conhecimento sobre suas demandas. Erick aponta principalmente a desinformação
profissional sobre suas necessidades e dúvidas enquanto paciente.
Relata sobre sua vivência no limiar entre os polos binários de gênero, no decorrer de
seu processo entre uso e parada de hormonização. Erick aborda o fato de atualmente ter uma
expressão de gênero entendida dentro de uma lógica do feminino. Todavia, reporta que,
mesmo quando não apresenta nenhuma expressão de gênero definida, acaba sendo
classificada dentro de parâmetros binários. Menciona que, por possuir atualmente uma
passabilidade feminina, acaba sendo tratada segundo esse referido papel de gênero tanto pela
classe médica quanto pela sociedade em geral, ainda que não se perceba dessa maneira.
A participante de pesquisa Renata traz em sua entrevista relatos sobre tais dificuldades
em encontrar profissionais de saúde que estejam preparados para atender demandas não
binárias, mencionando que não somente profissionais médicos ou enfermeiros demonstram
essa limitação no atendimento em saúde, mas também profissionais da Psicologia. Em sua
fala: “(...) aquele posto pra mim, era muito ruim de estar lá e ter que ficar explicando o óbvio
pra Psicóloga. É um retrabalho. Parece que eu atendia ela”, Renata explicita a extrema falta
de preparo da profissional que lhe atendia e o quanto isso acabava sendo exaustivo para ela
enquanto paciente. Nesse contexto, Renata trazia sobre o fato de suas demandas, dúvidas e
questionamentos sobre sua identidade e sexualidade, serem tratadas pela profissional dentro
de uma lógica patologizante. Com isso, novamente se invertia a dinâmica do cuidado, tento a
paciente que explicar para quem lhe atendia sobre os processos não binários e sobre como ela
deveria ser tratada.
A fala de Doris levanta ainda o fato do profissional de saúde não somente duvidar do
paciente, como o próprio tratamento desse depender do quanto a/o médica/o irá acreditar e
validar as suas demandas. Essa situação, reflete sobre o papel autoritário representado na
figura médica. De acordo com Johnson (2018), o envolvimento individual com a autoridade
médica pode ser tão empoderador quanto restritivo na vida de pessoas trans. Essa
ambiguidade, segundo o autor, se dá devido a fatores potencialmente negativos e positivos ao
mesmo tempo, como o processo de medicalização poder servir como uma espécie de controle
social, ao colocar a/o profissional de saúde em lugar de autoridade e a/o paciente em lugar de
suscetibilidade, ao mesmo tempo que, positivamente, pode legitimar e dar credibilidade a
cuidados em saúde e tratamentos até então invalidados.
cuidado por conta própria ou através de pares, devido à grande dificuldade em encontrar
profissionais de saúde preparados para suprir suas necessidades em saúde. Essa política de
automedicação ou cuidado por pares, devido ao despreparo no atendimento em saúde para
pessoas não binárias, torna-se comprometedora para tal população, devido aos riscos gerados
pela falta de cuidado qualificado (Lykens et. al., 2018). Nesse aspecto, cabe ressaltar a fala da
participante Charlote*, onde a mesma refere sua evitação em buscar recursos em saúde devido
ao fato de ser uma pessoa não binária e a situações de discriminação relatadas por pessoas
próximas a si:
De acordo com Cruz (2014), o estigma e a discriminação podem ter origem não
somente através de eventos diretos e experiências negativas passadas, mas também a partir de
detalhes do atendimento médico, desde tratamentos e prescrições, até diagnósticos formais e
na própria linguagem médica usada para descrever o grupo diverso de pessoas em não
conformidade de gênero. Para Cruz (2014), dentre as principais barreiras enfrentadas por
pessoas não binárias no acesso à saúde estão: as características do sistema de prestação de
cuidados de saúde, características da população, política atual de saúde, tipo e qualidade do
atendimento e percepções do paciente. O autor expõe ainda, que fatores como, ser jovem,
identificar-se como transexual e sofrer discriminação econômica, são preditores de violência,
entendida como discriminação direta. Tais fatores, de acordo com Costa (2015), se
configuram também como elementos que acentuam as barreiras de acesso à saúde por pessoas
43
não binárias, visto que experiências discriminatórias diretas, como violência, podem aumentar
a expectativa de discriminação.
Micropolíticas de Enfrentamento
No presente estudo, ao longo das entrevistas realizadas, foi possível constatar uma
importante necessidade de enfrentamento das participantes contra uma sociedade que
invalida, deslegitima e violenta identidades que ultrapassam a lógica binária de existência.
Essas necessidades de enfrentamento, foram identificadas como micropolíticas, mostrando as
estratégias utilizadas para lidar com os desafios que se apresentam tanto no contexto do
acesso à saúde, quanto no cotidiano de pessoas que se identificam como não-binárias. As
micropolíticas de enfrentamento trazidas nesse estudo, abordam estratégias encontradas pelas
pessoas entrevistadas que podem ser tanto funcionais quanto prejudiciais na busca de cuidado
ou autocuidado em saúde. Algumas das estratégias reportadas pelas participantes da pesquisa
podem ser entendidas da seguinte forma: evitação na busca de atendimento em saúde,
automedicação e cuidado por pares, conhecimento teórico aprofundado sobre si e busca por
rede de apoio.
esse estado de vulnerabilidade emocional, Renata explica que na época do ocorrido não teve
ânimo nem para buscar atendimento em saúde, nem para realizar denúncias de discriminações
sofridas. Tais situações podem ser encontradas em sua fala, ao referir o porquê de já ter
evitado buscar atendimentos em saúde, bem como não ter denunciado discriminações
sofridas:
A fala da participante Renata, entra em consonância com aos dados apontados por
James et. al. (2016) no relatório de 2015 da U.S. Transgender Survey, evidenciando o fato de
pessoas não binárias sofrerem alto risco de suicídio, experienciarem mais doenças
psicológicas e apresentarem altos níveis de depressão e ansiedade. Esses dados podem ser
também compreendidos pelo conceito de estresse de minorias, cunhado por Ilan Meyer como
“estresse excessivo ao qual indivíduos de categorias sociais estigmatizadas são expostos,
como resultado de sua posição social, geralmente enquanto minorias” (Meyer, 2003, p. 675).
No estudo de Kyle et. al. (2019), o conceito de estresse de minorias foi trabalhado em
conjunto com os estudos de estresse vivenciado por pessoas Trans e de Gênero Diverso
(TGD). Ao comparar os estressores vivenciados por TGD´s com estressores vivenciados por
LGBT´s, constatou que se tratava de problemáticas diferentes, sendo a cisnormatividade um
aspecto que influenciava em tal diferença. De modo esclarecedor, cabe conceituar que o termo
“cisnormatividade” seria a suposição de que todos se identificam com o gênero atribuído ao
nascer, além da desvalorização de experiências ou perspectivas não cisgêneros em favor das
experiências cisgêneros, através de comportamentos, atitudes e microagressões (American
Psychological Association, 2015). O conceito de cisnormatividade, portanto, se introduz
como um elemento diferencial ao colocar as discriminações relacionadas ao gênero como uma
extensão do modelo de estresse de minorias.
45
A fala de Renata demonstra tanto aquilo que lhe é imposto e esperado socialmente,
dentro dessa dita lógica binária, cis e heteronormativa, quanto a sua maneira de resistir e
ultrapassar tais imposições. Refere, inclusive, sobre sentir tais expectativas sociais como
dentro de um caráter de violência e limitação perante as impossibilidades atribuídas a pessoas
não binárias em sua construção de identidade, permeando as mais variadas instâncias do seu
cotidiano. Essas impossibilidades limitantes de um cotidiano saudável e fluído, se solidificam
e se mostram presentes através de processos discriminatórios contra a população não binária.
De acordo com Bauer et. al. (2014), em pesquisa realizada em Ontário, Canadá, com
408 pessoas trans e em não conformidade de gênero, 21% da amostra entrevistada relatou ter
evitado o atendimento de emergência devido a percepções e experiências anteriores de
discriminação ou maus cuidados devido ao seu status de pessoa trans. Os dados da pesquisa
mostram ainda, que 52% da amostra relatou experiências negativas em seu acesso à
departamentos de emergência em saúde, devido a sua expressão de gênero. Os estudos de
Rodriguez et. al. (2016), mostraram resultados relacionados as associações entre
reconhecibilidade da identidade trans com a discriminação acometida sobre os mesmos. O estudo
mostrou associações significativas de discriminação em contextos de saúde com pessoas que são
sempre reconhecidas pela sua identidade trans, ao ultrapassarem a dinâmica social binária e
cisnormativa. Como afirmado por Moyer (2019), quanto menos alinhado aos papéis,
expressões e expectativas binárias, mais propenso se está a sofrer discriminação.
suas necessidades em saúde e às de pessoas próximas a si, passa a fazer com que ela comece a
evitar revitimizações, culminando na antecipação da discriminação. De acordo com Moyer
(2019), os indivíduos tendem a desenvolver antecipações e aversões ao estigma com o passar
do tempo. Segundo a autora, pesquisas recentes vêm apontando uma maior probabilidade de
evitação na procura por serviços em saúde, desde adiamento de cuidados médicos necessários,
até assistência médica preventiva ou de rotina, em decorrência de experiências passadas de
recusas de atendimento e/ou maus-tratos verbais e físicos por prestadores de serviços em
saúde.
Devido a evitação na busca por atendimento em saúde, Charlote reporta ter encontrado
auxílio para suas demandas através de amizades e pessoas conhecidas que saberiam trata-la
com cuidado e empatia. Nesse processo de automedicação, Charlote reporta que ao longo de
seis meses contou com a ajuda de uma amiga trans para a aplicação de injeções em seu
tratamento hormonal. Através de um processo de resistência e enfrentamento, Charlote
demonstra em seu relato, preencher a lacuna de conhecimento sobre demandas não binárias
que profissionais da saúde deveriam suprir. Essa falha no atendimento profissional
qualificado, portanto, acaba gerando tais processos de enfrentamento, contudo, ainda que em
forma de resistência, comportamentos de automedicação ou tratamento com pares podem
colocar em risco a saúde de pessoas não binárias.
O reconhecimento dessa falha, bem como o risco em saúde gerado pela mesma, foi um
dos incentivos que culminaram na criação da Associação Mundial Profissional para a Saúde
Transgênero, traduzido do inglês World Professional Association for Transgender Health
(WPATH). Essa iniciativa se trata de uma associação profissional, multidisciplinar e
internacional que tem como missão promover cuidado, educação, pesquisa, advocacia e
políticas públicas baseadas em evidências, além de respeito pela saúde transsexual e
transgênero (Coleman et. al., 2012). De acordo com as/os autoras/es, uma das principais
funções da WPATH é promover os mais altos padrões de assistência à saúde para indivíduos,
por meio do desenvolvimento das Normas de Atenção (NDA) à saúde das pessoas Trans e
com Variabilidade de Gênero. Baseadas na melhor informação científica disponível e no
consenso profissional especializado, as NDA objetivam fornecer orientação clínica segura e
eficaz para profissionais da saúde, afim de gerar conforto, saúde, bem-estar psicológico e
realização pessoal para pessoas trans e em variabilidade de gênero. Essa assistência pode
incluir cuidados de saúde primários, atendimento ginecológico e urológico, opções
48
De acordo com Rider et. al. (2019), um dos principais valores do GALA seria
justamente o que chamaram de “moving beyond the binary”, traduzido como “movendo-se
além do binário”. Segundo os autores, essa ideia de mover-se para além da binaridade, parte
do pressuposto que, todo o trabalho em saúde trans de alguma forma possui um histórico
impregnado por suposições de gênero heteronormativas, cisnormativas e de aplicação binária.
A abordagem afirmativa de gênero apresenta cinco elementos chave para um atendimento de
qualidade em demandas de gênero, sendo esses: (1) Construindo resiliência; (2)
Desenvolvimento da alfabetização em gênero; (3) Indo além do binário; (4) Promovendo
sexualidade positiva e (5) Facilitando conexões empoderadas para intervenções médicas (se
assim desejar) (Rider et. al., 2019). Esses elementos podem servir como modelos de
referência para atendimentos com abordagem afirmativa de gênero.
Cada uma das cinco pessoas entrevistadas trouxe seus apontamentos específicos sobre
tais mudanças ou melhorias necessárias no atendimento da população não binárias pelos
serviços de saúde. Dessa forma, a participante Erick levantou a importância de se incluir nas
demandas de atendimento em saúde, pessoas interssex, não binárias ou simplesmente aquelas
que desejam realizar somente alguns processos de sua transição e identificação em particular.
A participante Eloísa menciona a necessidade de um maior preparo profissional sobre
demandas de gênero e sexualidade, evitando que pacientes tenham que inverter o papel de
cuidado, suprindo as lacunas de conhecimento que deveriam ser preenchidas pelos
profissionais de saúde. Em contrapartida, a entrevistada Renata, trouxe ideias criativas de
como lidar com tais lacunas de conhecimento, sugerindo que pessoas trans e não binárias
fossem chamadas a falar para profissionais em serviços de saúde, gerando representatividade
direta. Além disso, sugeriu que fossem propostos cursos de formação em atualização sobre
gênero e sexualidade para tais profissionais de saúde em exposições dinâmicas, através arte,
como teatro, vídeos ou músicas.
Conclusão
A evitação na busca por cuidados em saúde pode ser entendida como efeito da
antecipação da discriminação e esta, por sua vez, denuncia o fator desencadeante desse
processo, o despreparo profissional no atendimento de demandas que fogem do viés binário
no cuidado em saúde. Dessa forma, o despreparo profissional pode ser percebido como um
dos motivos que acarretam na elaboração de micropolíticas de enfrentamento por pessoas que
ultrapassam a lógica binária. O entendimento dessa lógica binária como um processo de
construção cultural e histórica, portanto, se mostra como o fator primário na busca por um
atendimento e um acesso à saúde capazes de suprir demandas múltiplas, que transcendam a
percepção binária do gênero.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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ao longo do projeto em consonância com as falas trazidas pelas participantes entrevistadas.
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Tan, K. K. H., Treharne, G. J., Ellis, S. J., Schmidt, J. M. & Veale, J. F. (2019). Gender Minority
Stress: A Critical Review. Journal of Homosexuality.
Testa, R. J., Habarth, J., Peta, J. & Balsam, K. (2015). Development of the Gender Minority Stress and
Resilience Measure. First publiched online on Center for LGBTQ Evidence-Based Applied Research,
Palo Alto University.Walter Bockting, Department of Psychiatry, Columbia University.
Yin, R. K. (2016). Pesquisa qualitativa do início ao fim. Métodos de pesquisa. Editora: Penso.
Primeira Edição.
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ANEXOS
Nome:
Idade:
Escolaridade:
Trabalha, estuda ou realiza alguma atividade profissional?
Onde mora?
Sexo designado ao nascer:
Você se identifica com algum gênero?
Se sim, com qual seria?
Tem companheira(o) fixa(o)?
Se sim, há quanto tempo?
Que serviço de saúde você costuma fazer uso? Convênios, SUS ou ambos?
Quais modalidades de serviço você costuma buscar atendimento com mais frequência?
Em que locais de atendimento você costuma consultar, desde hospitais, clínicas, UBS, outros?
Você se sente `confortável quando precisa buscar atendimento sem saúde?
Já esteve ou vivenciou situações que lhe deixaram desconfortável?
Se sim, você se sentiria à vontade para me contar um pouco sobre essa experiência?
Se sim, quantas vezes você se lembra de já ter passado por experiências negativas com
relação ao sua busca no tratamento de saúde?
Você se recorda de experiências positivas com relação ao atendimento que lhe foi prestado?
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Quantas vezes você lembra de ter passado por situações parecidas, em que você sentiu ter
sofrido preconceito devido a forma de expressar seu gênero ou sexualidade dentro de um
centro de saúde?
Você já chegou a evitar buscar atendimento em saúde quando estava precisando, devido a
experiências negativas anteriores?
Você já chegou a realizar alguma denúncia devido a algum atendimento em que sentiu ter
sofrido preconceito?
Se sentiria à vontade para buscar ajuda ou apoio após vivenciar experiências negativas no
atendimento à saúde?
Já chegou a buscar cuidado em saúde por conta própria ou através de conhecidos para evitar
sofrer preconceito em centros de saúde devido a sua expressão de gênero ou sexualidade?
Que tipos de serviço em saúde você entenderia ser mais provável sofrer preconceito devido a
sua expressão de gênero ou sexualidade, caso isso já tenha acontecido ou você entenda ser
possível de acontecer?
Caso você já tenha passado por situações de preconceito em seu atendimento à saúde, o que
você mudaria nesse atendimento?
Se você pudesse se perceber como aquela pessoa que lhe presta o atendimento, de que forma
você prestaria esse serviço e que tipo de informações e acolhimento você disponibilizaria a
quem é atendido?
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Nós, Prof. Dr. Angelo Brandelli Costa e Mestranda Vanessa Oliveira Alminhana,
responsáveis pela pesquisa CUIDADOS EM SAÚDE NA POPULAÇÃO NÃO-BINÁRIA:
UM ESTUDO EXPLORATÓRIO COM IDENTIDADES QUE TRANSCENDEM A
BINARIDADE DE GÊNERO, estamos fazendo um convite para você participar como
voluntário/a nesse estudo. Esta pesquisa pretende investigar as demandas e barreiras
enfrentadas por pessoas a partir de 18 anos que se definem com gênero não binário ou
transcendentes ao conceito de gênero, em seu acesso à saúde.
Acreditamos que ela seja importante porque visa contribuir para aumentar a
visibilidade de pessoas não binárias e/ou que se percebem transcendendo o conceito de
gênero. Para sua realização será feito o seguinte: a) apresentação do projeto para as pessoas
que serão participantes da pesquisa; b) entrevistas com pessoas que aceitem voluntariamente
participar da pesquisa; e c) retorno dos resultados da pesquisa para com participantes. Sua
participação constará de uma entrevista que e será gravada em áudio, se assim você permitir,
com duração aproximada de 1 hora. É possível que aconteçam os seguintes desconfortos ou
riscos: constrangimentos e/ou mal-estar em compartilhar experiências passadas ou atuais
sobre a temática do estudo. Você tem o direito de pedir uma indenização por qualquer dano
que resulte da sua participação no estudo. Os benefícios que esperamos com o estudo visam
contribuir para o desenvolvimento das pesquisas científicas sobre acesso à saúde por pessoas
não-binárias.
Quaisquer dúvidas relativas a esta pesquisa poderão ser esclarecidas pelo pesquisador
responsável Angelo Brandelli Costa, fone (51) 984054408. Caso você tenha qualquer dúvida
quanto aos seus direitos como participante de pesquisa, entre em contato com Comitê de Ética
em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (CEP-PUCRS) em
(51) 33203345, Av. Ipiranga, 6681/prédio 50 sala 703, CEP: 90619-900, Bairro Partenon,
Porto Alegre – RS, e-mail: cep@pucrs.br, de segunda a sexta-feira das 8h às 12h e das 13h30
às 17h. O Comitê de Ética é um órgão independente
61
_______________________________
Assinatura de uma testemunha
Data:________________ ____________________________________
Assinatura do/a Investigador/a
_______________________________________
Nome do Investigador/a (letras de forma)
À
Comissão Científica
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS
Ao
Comitê de Ética em Pesquisa
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS
Prezados Senhores
Vimos por meio desta apresentar, para apreciação, o Projeto de Mestrado intitulado
“Cuidados em saúde na população não-binária: um estudo exploratório com identidades que
transcendem a binaridade de gênero”. Esse projeto será desenvolvido no grupo de pesquisa
Preconceito, Vulnerabilidade e Processos Psicossociais.
Este projeto pretende realizar entrevistas com participantes a partir de 18 anos de idade,
residentes na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
Atenciosamente,
64
____________________________ ______________________________
À
Comissão Científica
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS
Ao
Comitê de Ética em Pesquisa
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS
Prezados Senhores:
O referido projeto será realizado na cidade de Porto Alegre, e só poderá ocorrer a partir da
apresentação da carta de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS.
Atenciosamente,
À
Comissão Científica
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS
Ao
Comitê de Ética em Pesquisa
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS
DESCRIÇÃO DA EQUIPE: