Você está na página 1de 66

ESCOLA DE CIÊNCIAS DA SAÚDE E DA VIDA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA


MESTRADO EM PSICOLOGIA

VANESSA OLIVEIRA ALMINHANA

CUIDADOS EM SAÚDE NA POPULAÇÃO NÃO-BINÁRIA: UM ESTUDO


EXPLORATÓRIO COM IDENTIDADES QUE TRANSCENDEM A BINARIDADE DE
GÊNERO

Porto Alegre
2020

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL


2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

ESCOLA DE CIÊNCIAS DA SAÚDE E DA VIDA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

MESTRADO EM PSICOLOGIA

CUIDADOS EM SAÚDE NA POPULAÇÃO NÃO-BINÁRIA: UM ESTUDO

EXPLORATÓRIO COM IDENTIDADES QUE TRANSCENDEM A BINARIDADE DE

GÊNERO

VANESSA OLIVEIRA ALMINHANA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul
como requisito parcial para a obtenção do grau
de Mestre em Psicologia.

Porto Alegre

Março, 2020
3

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

ESCOLA DE CIÊNCIAS DA SAÚDE E DA VIDA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

MESTRADO EM PSICOLOGIA

CUIDADOS EM SAÚDE NA POPULAÇÃO NÃO-BINÁRIA: UM ESTUDO


EXPLORATÓRIO COM IDENTIDADES QUE TRANSCENDEM A BINARIDADE DE
GÊNERO

VANESSA OLIVEIRA ALMINHANA

ORIENTADOR: Prof. Dr. Angelo Brandelli Costa

Dissertação de Mestrado realizada no Programa


de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
como parte dos requisitos para a obtenção do
título de Mestre em Psicologia. Área de
Concentração em Psicologia Social.

Porto Alegre

Março, 2020
4
5

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer inicialmente às amizades enriquecedoras que me inspiraram ao longo


dos estudos, debates e reflexões em gênero. Em especial agradeço ao meu amigo Caio Ramos,
que através da sua amizade sempre disposta a dialogar, debater e construir reflexão sem
julgamentos, me ajudou a melhorar a minha forma de ver o mundo e me inspirou a pesquisar
e vivenciar questões de gênero. Agradeço a minha grande amiga Vivian Klemberg, por sua
forma sempre expansiva e livre de perceber a realidade, além de ter me apresentado seu
namorado e meu amigo, Caio. Agradeço a minha também grande amiga Kamille Kotekewis,
por enriquecer os debates sobre gênero com sua maneira contestadora, aberta e crítica de ver o
mundo, em nosso tão estimado grupo de amizade. Agradeço às amigas e colegas de
Psicologia, Jéssica Paz; Giovanna Piccoli; Bárbara Meneguzzi e Bruna Calvi, pelas
descontraídas contribuições através de vivências e reflexões sobre gênero e sexualidade.
Agradeço à minha família, em especial ao meu pai, Alberto Alminhana, pelo amor, cuidado,
suporte e por estar sempre motivando o debate inteligente e também, em especial às minhas
irmãs Letícia, Tatiana e Clarissa Alminhana, que desde meu começo em estudos de gênero
sempre mostrou imenso respeito, confiança, apoio, amor e credibilidade em mim. Agradeço
por fim ao meu namorado, Renan Freitas, por todo amor, cuidado, paciência e principalmente,
pela parceria, por me ajudar a crescer em tantos aspectos e por, assim como eu, adorar um
debate e uma reflexão.
6

RESUMO EXPANDIDO

O presente estudo se destina a explorar demandas, desafios e vivências no acesso à saúde por
pessoas não binárias. Para tanto, conceitos como gênero, sexo, binaridade e não binaridade
são contextualizados e posteriormente relacionados ao acesso a saúde. Segundo Laqueur
(1992), até o século XVIII estudiosos entendiam a diferença sexual como categoria única,
denominada “modelo de sexo único”, onde a genitália feminina era nada mais do que a
genitália masculina interiorizada. Por volta de 1800, os estudos começaram a focar nas
diferenças entre os sexos, no “modelo de sexo duplo”, com homens e mulheres
compreendidos de forma distinta. Esse novo modelo se mostrou passível de influências
políticas e econômicas. De acordo com Souza e Carrieri (2010), as categorias de feminino e
masculino, além de construídas por relações de poder historicamente fundamentadas, não são
naturais e não existem a priori. O entendimento acerca da distinção entre os sexos masculino
e feminino entra em consonância com o que se entende como “binarismo” ou “pensamento
binário” (Cloke & Johnston, 2005). Conforme os autores, a lógica binária se dá para além da
simplificação do que é complexo, servindo também como forma de se compreender enquanto
indivíduo, a partir da identificação e/ou negação com determinadas prerrogativas de vida.
Esse tensionamento entre identificação e negação, também se constrói pela dinâmica binária,
que apesar de útil, se mostra limitante ao impossibilitar a existência de identidades que
ultrapassam o binário. Para compreender teoricamente identidades que transcendem a
binaridade do gênero, a Teoria Queer é trazida nesse estudo, problematizando binaridade
como verdade pré-estabelecida. Segundo Butler (2007) e Miskowci (2012), a Teoria Queer se
dá como uma nova política de gênero, transcendendo os movimentos baseados em identidades
e rompendo com a própria noção do gênero. Quando a lógica binária é aplicada ao contexto
da saúde, evidencia-se a insuficiência para abarcar a multiplicidade humana. No presente
estudo, as cinco participantes da pesquisa relataram suas experiências enquanto pessoas não
binárias ao acessarem serviços de saúde. De acordo com os relatos, o despreparo profissional
culmina na precarização do atendimento em saúde, corroborando com os estudos de Rider et.
al. (2017), onde pessoas transgênero e em não conformidade de gênero apresentaram maior
dificuldade no acesso de cuidados em saúde, comparadas a pessoas cisgênero. As formas de
enfrentamento de processos discriminatórios se mostraram tão semelhantes quanto únicas,
demonstrando desafios compartilhados entre as entrevistadas, bem como recursos internos
diferentes. A evitação de revitimizações no contexto da saúde, foi unânime entre as
participantes. Todavia, a resposta para tal evitação se mostrou variável em cada entrevista,
incorporando desde automedicação ou cuidado por pares até uma alta apropriação de termos e
direitos da população LGBTQI+. Em resposta a escassez de estudos no tema e ao profundo
desconhecimento profissional sobre demandas não binárias, cabe apontar recentes estudos em
atendimentos afirmativos LGBTQI+. Segundo Coleman et. al. (2019), a World Professional
Association for Transgender Health (WPATH), seria um dos principais protocolos de
atendimento em saúde LGBTQI+, ao promover altos padrões de assistência, por meio do
desenvolvimento das Normas de Atenção à saúde das pessoas Trans e com Variabilidade de
Gênero. Assim como a WPATH, a American Counseling Association´s (2010) sugere
competências profissionais, voltadas para profissionais conselheiros, para aconselhamento
com população transgênero. Ainda assim, tanto a American Counseling Association´s quanto
a WPATH, reconhecem a necessidade de estudos que trabalhem as diferenças entre as
diversas identidades de gênero, incluindo identidades não binárias e gênero queer. Com isso, a
7

pesquisa de Rider et. al. (2019), desenvolve um modelo de psicoterapia trans-afirmativa,


incluindo pessoas não binárias e as centralizando na abordagem geral no atendimento clínico,
chamado Abordagem Afirmativa de Gênero (The Gender Affirmative Lifespan Approach -
GALA). Os novos modelos de atendimento, bem como pesquisas recentes e atualização
constante em práticas afirmativas de gênero, podem embasar a compreensão da saúde além da
lógica binária. A escuta de demandas e necessidades da população não binária e LGBTQI+ se
mostra crucial para a aplicação de atendimentos qualificados que supram as lacunas até então
preenchidas por escassos recursos em saúde. Com isso, no presente estudo as participantes da
pesquisa expuseram sugestões de mudanças e melhoras no atendimento em saúde de pessoas
não binárias. O conhecimento sobre não binaridade e o preparo no atendimento a tais
demandas por profissionais da saúde, bem como a promoção de cursos de atualização em
gênero, sexualidade e saúde LGBTQI+, foram apontamentos unânimes entre as entrevistadas.
8

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS..............................................................................................................5

RESUMO EXPANDIDO..........................................................................................................6

SUMÁRIO...............................................................................................................................10

APRESENTAÇÃO..................................................................................................................11

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.........................................................................................13

1. Entendimentos sobre Gênero e Binarismo na


Sociedade..................................................13

2. Reconfigurações e perspectivas sobre sexo, gênero e


binaridade.....................................15

3. Intersecções entre teoria queer e o pensamento


binário...................................................17

4. Acesso à saúde por pessoas não-


binárias............................................................................23

ARTIGO EMPÍRICO.............................................................................................................26

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................54

REFERÊNCIAS......................................................................................................................55

ANEXOS..................................................................................................................................58

Anexo A – Ficha Demográfica para


Entrevistas....................................................................58

Anexo B – Questionário para entrevista


semiestruturada....................................................58

Anexo C- Termo de consentimento livre e


esclarecido..........................................................60
9

Anexo D- Declaração do profissional que obteve o


consentimento......................................62

Anexo E- Carta de apresentação do


projeto..........................................................................63

Anexo F- Carta de
responsabilidade......................................................................................64

Anexo G- Descrição da
equipe................................................................................................65

APRESENTAÇÃO

Minha trajetória em Estudos de Gênero teve início com a primeira disciplina que
cursei na graduação em Psicologia, com a professora Marlene Neves Strey. Ao longo das
aulas, aprendi sobre Gênero, Feminismo e Psicologia Social. Desde então, me interessei pelo
tema e logo em seguida comecei a buscar formas de me aprofundar no assunto. Além disso,
devo acrescentar o interesse em Estudos de Gênero e questões LGBT, devido a aprendizados
obtidos através de amizades enriquecedoras, as quais através de suas experiências,
expandiram meu olhar sobre esses temas e me motivaram a perceber o mundo para além das
normas sociais estabelecidas.

Já no segundo semestre da graduação em Psicologia, ingressei no grupo de pesquisas


do professor Adolfo Pizzinato, o qual trabalhava com a abordagem da Psicologia Social.
Nesse ambiente, também tive oportunidades bastante enriquecedoras, tanto por meio da
leitura de artigos indicados pelo professor, como principalmente pela troca e pela abertura que
tive em aprender com o que ouvia e discutia com colegas de grupo. A partir desse período em
que estive no grupo de pesquisa, comecei a estudar e me atualizar nos temas de gênero,
sexualidade e feminismo. Durante toda a graduação, me mantive buscando estar a par dos
assuntos abordados, intensificando cada vez mais meu interesse, por meio de estágios,
palestras, seminários e principalmente, através da troca entre amizades e experiências de vida.

Realizei estágios ao longo da graduação, que me proporcionaram vivenciar o trabalho


com demandas de gênero. Tive a experiência de trabalhar num laboratório cidadão, onde eram
10

promovidos cursos, palestras e dinâmicas sobre temas relacionados a gênero, feminismo e


direitos humanos. Nesse local, tive a oportunidade de conhecer e participar de um coletivo
feminista que lidava com a pauta do empoderamento feminino e direitos humanos. Através
desse coletivo, pude ter acesso tanto a cursos e palestras sobre os temas, como também pude
ter reflexões e críticas sobre modelos e projetos de ONG´s, bem como sobre gênero,
feminismo e lideranças. Posteriormente a essa experiência, entrei no último estágio
obrigatório da graduação, no Núcleo de Atendimento em Psicologia Jurídica (Napsijur), na
PUCRS. Nesse local, pude ter a experiência enriquecedora de trabalhar com questões
relacionadas à violência, bem como a violência de gênero e contra a mulher. Através do
trabalho com essas demandas, tive a oportunidade de aprender profundamente sobre os temas
com as então professoras e supervisoras Luíza Habigzang e Mariana Barcinski. Tanto as
experiências práticas quanto as leituras e as supervisões em grupo, enriqueceram e me
motivaram ainda mais a seguir nos Estudos de Gênero.

Após me formar em Psicologia, comecei a participar do Núcleo de Atendimento e


Promoção de Saúde em Sexualidade e Gênero (Napse), o qual ocorre no dentro do Instituto de
Terapia Cognitivo Comportamental (InTCC). Lá, tive a oportunidade de trocar conhecimentos
através de leituras e discussões, além de poder assistir a sessões realizadas em sala de espelho
com demandas relacionadas à pautas de gênero e sexualidade. Em paralelo, participei do
comitê de sexualidade, dentro da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul (Sprgs), onde
também me mantive atualizada sobre questões de gênero e pude aprender sobre demandas
relacionadas à sexualidade com colegas da Psicologia e profissionais de outras áreas da saúde.

A contextualização teórica permaneceu ocorrendo ao longo de todo o projeto, de


forma que foi possível a complementação de conteúdos e novas perspectivas no decorrer de
todo o projeto. Após ser realizada a primeira parte do processo de pesquisa, seguiu sendo
aprofundado o estudo teórico, para posteriormente ser feito um estudo empírico, através de
entrevistas semiestruturadas Tais entrevistas foram realizadas na cidade de Porto Alegre, Rio
Grande do Sul, com pessoas que se percebem como não binárias em relação ao gênero ou que
se percebem transcendendo a própria noção de gênero. O direcionamento das entrevistas
voltou-se para questões relacionadas ao acesso à saúde, bem como do entendimento sobre as
barreiras, o contexto e a realidade vivenciada nesse processo.

O presente estudo se caracteriza como uma pesquisa exploratória com viés qualitativo,
sobre o tema da não binaridade e o acesso à saúde por pessoas não binárias. Através de
11

entrevistas semiestruturadas, cinco participantes de pesquisa foram entrevistadas sobre


demandas, desafios e vivências em seu acesso à saúde. Foram distribuídos termos de
consentimento livre e esclarecido, sendo todas as pessoas entrevistadas maiores de 18 anos. A
pesquisa foi aceita pelo comitê de ética em pesquisa e será defendido no mês de Março de
2020.

Por fim, consegui passar na prova do Mestrado e iniciei de fato o trabalho em pesquisa
sobre questões de gênero. O tema da não binaridade veio à tona principalmente através do
convívio e amizade com pessoas trans que, pelo debate frequente sobre tais pautas, geraram
motivação para compreender melhor a visão social binária. Ao longo dos dois anos de
Mestrado, pude me aprofundar nos temas e ainda conhecer outras tantas possibilidades de
refletir sobre gênero, relações de poder, interseccionalidade e até mesmo, estudos
relacionados a família, história e política. Esses temas foram levantados a partir do estudo em
disciplinas eletivas de outros cursos, como Serviço Social, com a professora Isabel Bellini e
colegas, além da disciplina de estágio docente, realizada com o professor (e meu orientador)
Angelo Brandelli Costa, onde pude experienciar tanto aulas quanto palestras sobre temas
múltiplos que se relacionam com o trabalho em Psicologia Social. Tais experiências,
proporcionaram um enriquecimento no estudo sobre gênero, bem como expandiram
possibilidades de ênfases e abordagens no tema, alimentando ainda mais motivação para
seguir na pesquisa.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1. ENTENDIMENTOS SOBRE GÊNERO E BINARISMO NA SOCIEDADE


Os conceitos de sexo, gênero e binarismo são abordados no presente estudo de forma
relacional e interconectada como forma de contextualizar o tema da não binaridade. Após
serem devidamente compreendidos, tais conceitos são, portanto, analisados no contexto da
saúde, no intuito de explorar como se dá o acesso à saúde por pessoas que se identificam com
a não binaridade de gênero, bem como os desafios e as necessidades enfrentadas em tal
acesso. Para tanto, é necessário inicialmente, que se contextualize teoricamente os referidos
conceitos elencados, passando por entendimentos históricos sobre sexo, gênero, binaridade e,
por fim, não binaridade.
12

A concepção do termo sexo como distinção entre homens e mulheres é utilizado e


interpretado de diferentes formas desde o século XVIII. De acordo com Laqueur (1992), até o
século XVIII estudiosos, como biólogos, historiadores ou antropólogos entendiam a diferença
sexual de acordo com o que era chamado de “modelo do sexo único”, segundo o qual a
genitália da mulher era nada mais do que a genitália do homem interiorizada. Acreditava-se
que a mulher era um homem com genitais que permaneceram “para dentro”. Nessa
concepção, tanto sexo quanto gênero eram tidos enquanto categoria única, não existindo
exatamente uma diferença entre os termos.

Todavia, ainda que sexo e gênero andassem concomitantemente em termos de sentido,


ambos sempre estiveram atrelados a concepções tanto biológicas quanto sociais, culturais e
políticas. De acordo com Souza e Carrieri (2010), as categorias de feminino e masculino não
somente são construídas por relações de poder historicamente fundamentadas, como
principalmente não são naturais e muito menos existem a priori. Franco (2015) corrobora
com tal afirmação, concordando com os achados de Cloke e Johnton (2005), sobre sexo e
gênero estarem atrelados a concepções sociais e políticas, bem como o fato da existência de
polarizações binárias quase sempre implicarem na desvalorização de um polo, onde “a
superioridade de um deriva da exclusão do outro” (Franco, 2015).Nesse caso, cabe pontuar
que vivemos inseridos numa sociedade onde o polo do gênero masculino é posto em condição
de superioridade quando em relação ao polo do gênero feminino, de modo que este último,
por sua vez, esteja historicamente implicado num processo de desvalorização e inferioridade.
Somente por volta de 1800, teóricos começaram a focar seus estudos nas diferenças
entre os sexos feminino e masculino de maneira enfática, destoando e contrapondo fortemente
o pensamento sobre o “sexo único”, afirmado até então. Com isso, os sexos feminino e
masculino passaram a ser entendidos de forma completamente distinta. Essa nova percepção
sobre a sexualidade humana, a partir das diferenças, foi chamada de “modelo de sexo duplo”
(Laqueur, 1992).

A partir dessa concepção de modelo do sexo duplo, as distinções entre homens e


mulheres passaram a instaurar e estabelecer a norma da dicotomia homem e mulher,
atribuindo interesses sociais e políticos a tais diferenças (Laqueur, 1992). Agora era possível
ter o respaldo da ciência para dar suporte a realidade dicotômica entre os sexos, porém tal
dicotomia previa uma diferença de peso, de valor e, portanto, de poder sobre um dos polos. A
ciência era feita por homens, portanto evidentemente, tais descobertas serviram para reiterar a
13

crença do sexo masculino enquanto superior e mais vigoroso do que o sexo feminino (Butler,
2007).

O entendimento acerca da distinção entre os sexos masculino e feminino entra em


consonância com o que se entende como “binarismo” ou “pensamento binário”, como
sugerido por Cloke e Johnston (2005). Com base nas reflexões de tais autores, a explicação
sobre a categorização de uma pensamento binário na sociedade se dá para além do simples
fato de simplificar o que é complexo, categorizando a realidade a partir de polos opositores,
como “bem e mal”, “dia e noite”, “feio e bonito” e também, em definições de gênero, como
“homem e mulher”. Para os autores, a categorização é utilizada pela humanidade no intuito de
compreender sua própria essência, tanto individual quanto coletiva, visto que uma existe em
relação a outra. Parte dessa determinação sobre a sua própria essência envolve definir a si
mesmo e, para isso é preciso que haja uma identificação com determinada categoria, grupo ou
modo de ser e existir, bem como, por consequência, uma negação a identificação com o outro
polo categórico, que constitui outros grupos ou modos de existir.

Um estudo realizado por Franco (2015) buscou uma compreensão sobre um possível
início do pensamento binário na sociedade a partir de entendimentos geográficos, filosóficos e
históricos. Segundo a autora, o uso de elementos opositores para explicar o universo e a
existência humana teve início com o pensamento moderno, através do qual passava a se
entender o espaço como quantificável, homogêneo e, portanto, passível de matematização e
controle. Refere, portanto, que esse entendimento acerca do pensamento moderno veio a
compreender espaço e lugar enquanto polos opositores, dando início a um modelo de
pensamento entendido como binário e que veio a ser empregado nas mais variadas instâncias
da realidade humana.

Tendo como exemplo tais concepções sobre possíveis referências acerca do raciocínio
binário na sociedade, é possível compreender que a categorização binária da realidade pode
ter utilidade, seja através da simplificação de complexidades do contexto social, seja através
de um auto reconhecimento de si enquanto indivíduo na sociedade ou por tantas outras
possibilidades de uso do pensamento binário para a humanidade. Todavia, tal entendimento
torna-se facilmente capaz de limitar outras tantas prerrogativas e possibilidades de ser e existir
no mundo enquanto indivíduo, como por exemplo, no caso de pessoas não binárias, as quais
não se sentem contempladas pelos polos masculino/feminino e expressam suas identidades de
múltiplas formas, tanto entre quanto além do binário de gênero. Além disso, uma percepção
14

binária não somente limita toda uma forma de raciocínio, no momento em que enrijece formas
de existir e de perceber a realidade, como também se mostra, como bem expõe Cloke e
Johnston (2005), perigosa, no momento em que acaba corroborando para a superioridade de
um polo em detrimento da exclusão ou desvalorização do outro.

Dessa forma, no momento em que se conclui que a binaridade pode abarcar com uma
forma de pensamento limitante e se estendeu ao longo de séculos enquanto uma verdade
absoluta, torna-se necessário um olhar e uma atenção para as verdades e realidades até então
invisibilizadas, as quais não estariam incluídas no plano binário. Para tanto, no presente
estudo serão abordadas questões relacionadas à gêneros que não se entendem pertencendo aos
polos homem e mulher ou as atribuições construídas culturalmente sobre masculino ou
feminino na sociedade.

2. RECONFIGURAÇÕES E PERSPECTIVAS SOBRE SEXO, GÊNERO E BINARIDADE

Em consonância com a ideia da concepção do gênero relacionado a convenções


culturais, Sterling (2000), em sua obra intitulada Sexing the body, traz logo de início o
exemplo emblemático da atleta olímpica espanhola, Maria Patiño, que ficou conhecida após
ser expulsa dos jogos olímpicos ao “não passar” nas provas de suposta verificação de gênero
em 1986. A atleta jamais tivera motivos para não se perceber enquanto mulher, visto que não
somente identificava-se pertencente ao gênero feminino, como também sua fisionomia e sexo
designado sempre estiveram em consonância com seu gênero. Todavia, após realizar uma
prova de verificação de gênero, lhe foi diagnosticado que ela não somente possuía um
cromossomo Y em seu código genético, como também lhe foi verificada a ausência de ovários
e útero. Essa constatação se tornou uma grave polêmica, visto que a atleta veio a ser inclusive
humilhada e retirada da participação em tais jogos olímpicos, ao ser “diagnosticada” como
não pertencente ao sexo feminino e, portanto, impossibilitada de jogar na categoria enquanto
mulher. A polêmica sobre seu caso passou a ser pauta para novas lutas, bem como abertura de
debates e novas perspectivas acerca do que define um ser humano como sendo homem ou
mulher. Posteriormente, Patiño após recorrer na Justiça com êxito, conseguiu ter sua licença
recuperada pela Asociación Internacional de Federaciones de Atletismo, voltando a competir
e inclusive vencer em sua categoria de corrida de vara, no ano de 1992.

O exemplo trazido a partir da obra de Sterling (2000), levanta questionamentos acerca


da condição das categorias de gênero e de corpo, expondo o caráter de construção social
15

perante o que seria masculino e feminino. Uma das principais afirmações que a autora busca
fazer é justamente sobre o entendimento de que rotular alguém como homem ou mulher é
uma decisão social. Segundo a autora, podemos nos utilizar da ciência para tomar decisões
acerca do que é ser homem ou mulher, porém apenas nossas crenças sobre gênero são capazes
de realmente definir nosso sexo. Além disso, antes de mais nada, são exatamente as nossas
crenças sobre o gênero que irão afetar aquilo que a ciência irá produzir sobre o próprio sexo.

Em 1972 os sexólogos John Money e Anke Erhardt popularizaram a ideia de que sexo
e gênero seriam categorias separadas, alegando que sexo tratava de questões anatômicas e
fisiológicas, enquanto o gênero seria uma convicção e uma percepção interna sobre sua
própria identidade enquanto homem ou mulher, agregando ainda expressões aprendidas
socialmente sobre tais convicções (Sterling, 2000). Seguindo o pensamento da autora, a
segunda onda do feminismo, também ajudou a propagar tal ideia, sobre sexo e gênero serem
distintos. A pauta levantada defendia sexo como determinante biológico e diferencial
reprodutivo entre homens e mulheres, enquanto o gênero viria a romper com essencialismos
culturais, como a possibilidade de meninos irem melhor, por exemplo na disciplina de
matemática, não ser um fato relacionado à áreas do cérebro diferentes, mas sim a estímulos e
oportunidades oferecidas aos meninos, diferentes do que era ofertado às meninas em situações
e idades semelhantes.

A necessidade de refletir sobre o quanto o sexo biológico ou designado seria também


um fator construído socialmente, é apontado também por Sterling (2000), visto que quanto
mais se aproxima uma busca biológica sobre definições do que é ser homem ou mulher, se
constata que existe uma inundação de caracteres sociais e culturais envolvidos em tal análise
Essa percepção entra em consonância com os pensamentos de Butler (2007), a qual entende
que sexo nada mais é do que o próprio gênero, no momento em que tentamos localizar nos
corpos a binaridade social. A filósofa pontua, portanto, que “talvez o sexo sempre tenha sido
o gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero se revela absolutamente nenhuma”
(Butler, 2007).

O caso da atleta Maria Patiño, trazido como exemplo na obra de Sterling (2000),
aborda a situação vivenciada pela mesma, na qual ela foi expulsa dos jogos olímpicos da
Espanha no ano de 1961, ao não ter passado nas provas de verificação de gênero. A atleta
apresentava constructos de feminilidade em sua aparência física inclusive, além de sua própria
identificação com o gênero feminino, porém foi verificado em tais testes, que ela possuía um
16

cromossomo Y em seu código genético e essa constatação passou a dizer mais sobre seu
gênero do que a sua própria identificação e fisionomia. Esse caso além de gerar um forte
questionamento sobre as definições do que é ser homem e do que é ser mulher em nossa
sociedade, levanta reflexões sobre o quanto verdades estanques são construídas e
estabelecidas sob justificativas biológicas.

Uma das principais questões a ser abordada em relação à sexualidade humana, de


acordo com Sterling (2000), está em compreender de que forma se dá o diálogo entre certezas
construídas por pesquisadores e biólogos com vivências sociais e culturais. Refere que o foco
está em entender como ocorre tal diálogo, percebendo enquanto uma dinâmica circular de
fatos, no momento em que cientistas criam verdades sobre a sexualidade, nossos corpos
incorporam e confirmam tais verdades, e essas verdades, por sua vez, esculpidas pelo meio
social em que cientistas efetuam suas práticas, voltam a remodelar nosso aprendizado cultural.

Além disso, Sterling (2000) faz ainda outro questionamento, ao lançar perguntas sobre
qual seria o motivo de nos importarmos com corpos que não seguem uma norma binária
estabelecida como “normal” dentro de ditames médicos. Qual seria a razão para indivíduos
nascidos com genitália “ambígua”, como pessoas intersex, terem seus corpos mutilados e
“selecionados” pela família e pela medicina sobre qual sexo binário (pênis ou vagina,
determinados e incorporados aos gêneros masculino e feminino, respectivamente) deve ser
mantido. O que, segundo a autora, teria uma resposta pontual: o motivo para tais
preocupações seria justamente manter divisões de gênero, controlando os corpos que estariam
tão desregrados que poderiam ultrapassar os limites do gênero binário e ameaçar tal dinâmica.

De acordo com Machado et. al. (2015), a Organização Mundial da Saúde (OMS)
divulgou uma declaração interinstitucional, composta por inúmeras entidades, afirmando que
pessoas intersexuais podiam ser submetidas ao que foi chamado de procedimentos de
normalização sexual, tanto em bebês quanto em crianças, sendo que alguns casos poderiam
resultar em total ou parcial incapacitação reprodutiva. Cabe ressaltar que pessoas interssex
podem sentir-se plenamente felizes e completas ao se identificar fora do binarismo social
imposto, sendo os referidos procedimentos implementados muito mais em prol de uma
normalização e de uma expectativa social binária do que exatamente em prol de um bem estar
de pessoas interssex. Tal declaração da OMS levantou a importância de existirem mais
pesquisas sobre o tema, assim como sobre o bem-estar físico e psicológico posterior a pessoas
intersex que foram submetidas a intervenções cirúrgicas prematuramente. Essa pauta entra em
17

consonância com a obra de Sterling (200), ao colocar sob perspectiva o recorrente abuso e
violência a que pessoas são submetidas com o propósito de serem “encaixadas” dentro de uma
normatividade sexual binária.

3. INTERSECÇÕES ENTRE TEORIA QUEER E O PENSAMENTO BINÁRIO

A não-binaridade de gênero pode ser compreendida através da perspectiva da Teoria


Queer, a qual de acordo com Miskowci (2012), se dá como uma nova política de gênero,
como bem apontado pela filósofa Judith Butler, visto que se pauta em um pensamento que
transcende os movimentos baseados em questões identitárias. O entendimento queer se
embasa, portanto, no rompimento com a própria noção da categoria gênero. Não somente
busca dar visibilidade a questões que quebram com o binarismo, como também expõe que a
não binaridade pode inclusive ir além do próprio gênero.

O movimento Queer enquanto teoria e política, surgiu como uma crítica ao contexto
sexual contemporâneo e emergiu possivelmente de ideias da contracultura e de três principais
movimentos sociais da década de 1960, chamados de “novos” devido a não estarem
associados ao movimento de luta operária relacionado as ideias marxistas (Miskowci, 2012).
Esses novos principais movimentos foram: o movimento pelos direitos civis da população
negra do sul dos Estados Unidos, o movimento feminista da chamada “segunda onda” e o que
foi denominado na época como movimento homossexual.

Todavia, de acordo com Miskolci (2012), a política e a Teoria Queer, como é


conhecida atualmente, bebeu de fontes como esses novos movimentos sociais, mas se
cristalizou historicamente na segunda metade da década de 1980, nos Estados Unidos. A
origem do movimento se deu nesse período, quando a epidemia da Aids se configurou como
pânico sexual, tendo ainda nos Estados Unidos, o agravamento da falta de reconhecimento do
Estado sobre a emergência de saúde pública. Além disso, o autor faz uma ressalva sobre o
fato da epidemia ter ao mesmo tempo um fator biológico como também ser fruto de uma
construção social. Enfoca que enquanto uma epidemia viral, a aids poderia ter sido tratada da
mesma forma que a Hepatite B, contudo, houve uma decisão em compreendê-la como uma
doença sexualmente transmissível, o que teria ocorrido quase como um castigo para aquelas
pessoas que não seguiam a ordem de uma sexualidade tradicional. Reflete ainda, que essa
escolha em tratar a aids como DST (atualmente sigla retomada como IST), além de ter tido
18

consequências políticas jamais superadas, também afetou a sociedade como um todo no que
diz respeito à sexualidade, aos afetos e a forma das pessoas se relacionarem.

Nos Estados Unidos a epidemia de HIV/AIDS resultou em uma reação extremamente


conservadora por parte de movimentos interessados em manter os valores tradicionais, os
quais demonstraram se voltar contra as vanguardas sociais assim que houve oportunidade para
tal (Miskowci, 2012). Por esse motivo, o movimento gay e lésbico começou a se manifestar
também de forma mais intensa, criticando os próprios fundamentos de sua luta política, como
resposta a onda conservadora levantada na época junto com o viés de IST associado a
epidemia da aids.

De acordo com Miskowci (2012), a própria aids passou a constituir um catalizador


biopolítico, no momento em que serviu de impulso para que as lutas sociais de gays e lésbicas
se tornassem mais astutas e revolucionárias. Tais movimentos se concretizaram através de
coalizões ligadas à questão da aids, entre ela o que foi chamado de “Queer Nation”, criado a
partir da ideia de que grande parte da população havia sido excluída, tida como abjeta,
indesejável, motivo de desprezo, nojo e medo de contaminação. A partir de então surgiu de
fato o termo “Queer”, o qual segundo Louro (2001), é assumido justamente devido a sua
carga de estranheza e deboche direcionada àqueles que não se encaixavam na norma
estabelecida, afim de caracterizar sua perspectiva de oposição e contestação.

Segundo Louro (2001), a apropriação do termo queer se deu a partir de uma vertente
dos movimentos homossexuais, para os quais queer significava ir contra qualquer processo de
normalização. Aponta que o alvo de crítica da Teoria Queer se dá diretamente contra a
heteronormatividade compulsória da sociedade, a qual transpõe as relações simplesmente
heterossexuais, se estendendo para a crítica a normalização e estabilidade propostas também
pela política identitária do movimento homossexual dominante. Com isso, essas pessoas
excluídas do padrão social de “adequação”, entendidos como Queer aqueles considerados
“bichas”, “estranhos”, “abjetos”, tomaram para si o termo, ressignificando-o e o tornando
pauta de sua luta em prol de reconhecimento das diferenças. Cabe ainda acrescentar, como
forma de reflexão, que apesar da lógica da Teoria Queer buscar romper com a própria ideia de
gênero e com todo processo de normalização ou enrijecimento identitário, algumas pessoas
podem se identificar como Genderqueer, apropriando-se do termo e possivelmente criando
uma espécie de paradoxo, onde a própria identificação do gênero com o termo Queer nega ou
ressignifica a Teoria em si.
19

Essa definição imposta sobre os corpos ao nascer, reitera de forma compulsória a


heterossexualidade, bem como a cissexualidade, contudo conforme explicita Louro (2001),
paradoxalmente da mesma forma em que a heterossexualidade é imposta compulsoriamente,
esse processo acaba dando espaço para a produção de corpos que não se adequam a essa
regra. Tais corpos acabam sendo constituídos como sujeitos abjetos, aqueles que fogem da
norma estabelecida. Por fim, Louro (2001) expõe a realidade controversa nessa dinâmica
existente, afirmando que para que se tenha uma materialização dessa norma e a mesma se
mantenha existindo e sendo constantemente reafirmada, é necessário justamente que exista o
limite da mesma, aquilo que foge e nega essa mesma norma.

A Teoria Queer não fala sobre homossexualidade apenas, mas sim sobre aquilo que é
abjeto. De acordo com Miskowci (2012), o termo “abjeto” denota aquilo e aquela/aquele
temido e recusado com repugnância, visto que sua própria existência ameaçaria uma visão
homogênea e estável de comunidade. Por isso, é importante ressaltar que a Teoria Queer
ultrapassa e transcende a própria luta homossexual, ao ter como paradigma não mais a simples
aceitação de um novo grupo de pessoas dentro da lógica heteronormativa. A Teoria Queer
denuncia a existência dessa lógica, além de explicitar a diferença e colocar o próprio “queer”
como tão necessário e passível de ser percebido a partir dos conceitos de cidadã/cidadão
quanto as pessoas implicadas dentro da norma vigente.

A lógica Queer, segundo Miskowci (2012), busca deixar visíveis as injustiças e


violências vividas tanto por quem é englobado dentro do grupo de pessoas “normais”, ou seja,
dentro da norma vigente exigida socialmente, quanto por quem está fora dessa norma,
entendido como “anormal” ou também o “abjeto”. Explica que o movimento homossexual em
sua origem, acabou abarcando somente uma classe média branca e letrada, que foi inserida
num contexto heteronormativo e numa lógica de aceitação. Refere que, possivelmente não de
forma intencional, a bandeira do “orgulho gay” parecia tentar criar uma imagem de uma
homossexualidade limpa e aceitável para a sociedade. Dessa forma, o pensamento Queer vem
a extrapolar essa dinâmica, no momento em que vai além e expõe ainda o fato de que não
somente homossexuais, mas uma gama diversa de pessoas não se sente pertencendo à lógica
heterossexista e às convenções culturais impostas.

Miskowci refere que progressivamente as identidades trans, travestis e de pessoas não


brancas, foram sendo incorporadas no movimento identitário, sendo que até então não eram
entendidas como dignas de representação. Todavia, explicita que essa entrada no movimento
20

identitário precisa ser percebido de forma mais atenta, pois a pauta Queer busca justamente
romper com a lógica identitária. Ressalta que a nova política de gênero, ou seja, a política
Queer, foca no questionamento sobre as demandas que criam os próprios sujeitos e as
identidades por sua vez.

Essa busca por uma quebra de paradigma se baseia em duas principais premissas
associadas à dinâmicas de poder, sendo uma relacionada ao poder enquanto algo que opera
pela repressão, e outra entendendo o poder como mecanismos sociais disciplinadores. Tal
forma de refletir, conforme o autor aponta, advém de pensamentos do filósofo Michel
Foucault, que expressa essa lógica através de sua obra “Vigiar e punir” (Foucault, 1991).
Com isso, em sua obra, o filósofo explica que na dinâmica do poder repressivo, os sujeitos
lutam por liberdade, enquanto na dinâmica do poder como mecanismo disciplinar, se luta pela
desconstrução de normas e convenções sociais que constituem os próprios sujeitos.

De forma complementar, Louro (2001) aborda além dos pensamentos foucaultianos, a


ideia de desconstrução defendida por Derrida e tida como procedimento metodológico mais
eficaz para trabalhar a Teoria Queer. A autora contextualiza a chamada desconstrução para
Derrida apontando que, de acordo com o filósofo, a lógica ocidental opera através de
binarismos, os quais presumem um pensamento que elege e fixa como fundante ou central
uma ideia, entidade ou sujeito, determinando a partir disso, a existência do outro, que seria um
oposto subordinado. A partir disso, se estabelece que a ideia, entidade ou o sujeito tido como
central ou fundante, corresponde ao polo superior em relações de poder, enquanto o outro, o
seu oposto e derivado, passa a ser entendido como inferior. Louro (2001) enfatiza que para
Derrida o processo de desconstrução tem o intuito de desestabilizar e desordenar esses pares
opositores de forças. Ainda trazendo a lógica de Derrida, a autora pontua que a desconstrução
de tais oposições binárias, acaba trazendo à tona e denunciando o fator de interdependência
entre os polos, visto que um contém o outro no momento em que um existe a partir da
existência do outro, a partir do seu negativo, do seu polo opositor.

De acordo com Judith Butler, apontada como uma das mais destacadas teóricas queer
(Louro, 2001), as sociedades constroem normas e padrões estabelecidas como verdades que,
para serem naturalizadas e se manterem existindo, precisam ser constantemente repetidas e
reiteradas. Todavia, de acordo com a filósofa, os corpos jamais se conformam completamente
com tais normas impostas e, por esse motivo essas normas regulatórias precisam ser
constantemente repetidas. Ao tomar emprestado o conceito de “performatividade” da
21

linguística, Butler (1999) afirma que a linguagem, por ser generificada, ao se referir aos
corpos ou ao sexo, não apenas constata ou descreve esses corpos, mas no próprio instante em
que nomeia está também construindo aquilo que está nomeando, produzindo corpos e sujeitos
assim que são nomeados. Todavia, pontua ainda, que essa linguagem, ao criar aquilo que
nomeia constitui um processo limitado desde o início, visto que os sujeitos não decidem sobre
o sexo que irão ou não assumir na vida adulta, visto que essa definição é forçadamente
imposta no momento do nascimento.

A Teoria Queer veio, portanto, buscar repensar e flexibilizar noções sobre pautas
identitárias, empregando uma nova forma de pensar a cultura em que se vive, propondo uma
análise aprofundada sobre as dinâmicas de poder na sociedade e não somente agregando uma
nova pauta identitária à maneira heterossexista hegemônica da cultura atual. Tal perspectiva
sobre a Teoria Queer é pontuada pelo filósofo Miskowci, em sua obra intitulada “Teoria
Queer: um aprendizado pelas diferenças” de 2012, na qual é defendida a ideia de que a teoria
queer veio a romper com a própria noção de identidade. Todavia, apesar da relevância
acadêmica que tal filósofo agrega no debate sobre o tema, existem outras prerrogativas que
defendem que algumas pessoas podem ver no pensamento queer uma nova forma de construir
e perceber sua identidade.

O viés assumido no presente trabalho entra em consonância com o pensamento de


Miskowci e também com os estudos da doutora em educação Guacira Lopes Louro, a qual
concorda com Miskowci sobre o tema identidade na Teoria Queer e acentua ainda que “uma
política de identidade pode se tornar cúmplice do sistema contra o qual ela pretende se
insurgir”. A educadora reflete, portanto, sobre a dinâmica levantada pela teoria, no momento
em que serviria principalmente como forma de contestação sobre a própria definição de
identidade. Defende ainda, que a Teoria Queer pode ser percebida como uma “política pós-
identitária”, no momento em que transcende, vai além da concepção do termo em si e passa a
romper com tais normativas previstas no termo “identidade”.

A mudança principal se deu então na transposição do foco no sujeito, para o foco na


cultura. De acordo com Miskolci (2012), tal mudança de foco do sujeito para questões
culturais, chegou a causar receio em grupos que lutavam por direitos e espaço dentro de
pautas relacionadas à identidade, sob o argumento de que tal mudança poderia reduzir a
potência de tais movimentos. Todavia, segundo o autor, o reconhecimento da Teoria Queer
acabou resultando exatamente no oposto do que se imaginava, no momento em que
22

problemáticas até então desconsideradas dentro dos movimentos, desde profissionais do sexo,
pessoas transexuais, travestis e até mesmo pessoas que poderiam ser consideradas enquanto
pertencentes à cultura hegemônica, mas que não concordavam ou não se sentiam
contempladas pela mesma, passaram a ganhar espaço e visibilidade.

Além disso, para Miskowci a Teoria Queer foi elaborada e iniciada por teóricas e
teóricos feministas, ao contrário dos chamados estudos gays, realizados por homens que não
liam nem dialogavam com o feminismo. Dessa forma, a Teoria Queer se construiu através de
pilares que conversavam com o feminismo e, inclusive, possivelmente vieram a ampliar e
tornar mais complexo o alcance e significado da própria Teoria Feminista. Essa possível
ampliação da Teoria Feminista através da Teoria Queer se deu por alguns fatores, conforme
pontua Miskolci (2012), tendo em vista que a Teoria Queer começou a entender “gênero”
como constructo social e cultural, bem como as definições de feminino e masculino também
como construções possíveis independentemente do sexo designado ao nascer. Conforme o
autor muito bem explicita, o gênero estaria relacionado a nada mais do que normas e
convenções culturais que variam de acordo com o tempo e a própria sociedade.

4. ACESSO À SAÚDE POR PESSOAS NÃO-BINÁRIAS

Tendo em vista a legitimidade construída e atrelada ao pensamento binário e, por


consequência, à binaridade de gênero, as pessoas que não se entendem pertencendo a essa
realidade vem sendo marginalizadas e suas demandas portanto, tidas como invisíveis.
Segundo Rider, et. al. (2017), pessoas transgênero e em não conformidade de gênero, as quais
não se sentem contempladas pelas normativas hegemônicas de gênero, tem maior dificuldade
em acessar e receber cuidados em saúde, em comparação às pessoas cisgênero. De acordo
com as autoras, através de um estudo que comparava as relações de saúde entre estudantes em
não conformidade de gênero e estudantes cisgêneros, esses primeiros relatavam um estado de
saúde significativamente pior, com taxas de exames preventivos mais baixas e maior número
de necessidade de atendimento à enfermaria do que seus pares cisgêneros.

De acordo com Richards et. al. (2016), muitas pessoas não binárias relatam usar sua
nomenclatura de sexo designado ao nascer, por questões burocráticas, devido ao fato de
muitos sistemas, incluindo sistemas de saúde e círculos sociais, serem organizados apenas a
partir de gêneros binários. Tal situação se reflete nas mais variadas instâncias, inclusive
dentro do próprio meio de pesquisa, onde pessoas não-binárias acabam entrando em
23

categorias de análise definidas por exemplo como “outros”, presentes em questionários que
comumente utilizam as categorias binárias homem e mulher.

Estudos diversos, desde pesquisas demográficas até as relacionas à saúde, possibilitam


alternativas de escolha condizentes apenas as categorias binárias de gênero e acrescentam,
algumas vezes, a categoria “outros”, enquanto alternativa complementar única. Todavia, de
acordo com Jaroszewski et. al. (2018), de modo geral, tais pesquisas vêm a excluir a categoria
“outros” de suas análises, devido ao baixo índice de escolha entre os participantes, o que faz
com que pessoas que não se identificam com as categorias binárias sejam excluídas de
pesquisas inteiras. Isso gera não somente desigualdade de representação dessa população,
como também corrobora para a discriminação e invisibilidade, no momento em que pressupõe
a “inexistência” desse público no mais variado rol de pesquisas.

De acordo com Jaroszewski et. al. (2018), a invisibilidade de pessoas não-binárias em


pesquisas faz com que elas se tornem também invisíveis na cultura de forma mais ampla.
Dessa forma, para compreender um mundo que inclui pessoas não-binárias, as pesquisas não
podem seguir utilizando apenas medidas binárias de análise. Além disso, Jaroszewski et. al.
(2018) ressalta ainda, que essa realidade se torna ainda mais violenta no momento em que tais
pesquisas abordam questões relacionadas à saúde ou a meios que vão prejudicar em muito a
qualidade de vida de pessoas não-binárias.

A exclusão de pessoas não-binárias de pesquisas, principalmente pesquisas


relacionadas à saúde não somente reforça a invisibilidade de tais pessoas, como também gera
um abismo de conhecimento e, portanto, um despreparo de profissionais da saúde para o
atendimento dessas demandas específicas. Segundo Lykens et. al. (2018), através de um
estudo realizado sobre experiências de pessoas trans e não-binárias no acesso à saúde,
participantes relataram que muitas pessoas que trabalhavam nos serviços de saúde, sequer
estavam inteiradas dos processos e demandas relacionados à saúde trans, portanto
demonstravam completo desconhecimento sobre cuidados em saúde para pessoas não-
binárias.

De acordo com pesquisa realizada por Costa (2015), onde pessoas não-binárias foram
entrevistadas sobre seu acesso à saúde e cuidados relacionados a afirmação de gênero, um
percentual alarmante de participantes afirmou não serem capazes de encontrar profissionais
médicos qualificados que prescrevessem hormônios para eles. Com isso, conforme tal
24

pesquisa, os participantes afirmaram ainda que, devido à grande dificuldade em encontrar


profissionais de saúde preparados para suprir suas necessidades de cuidado, acabavam
buscando informações por conta própria ou através dos seus pares. Essa falta de preparo e
capacitação para o atendimento em saúde de pessoas não-binárias acaba gerando uma política
de autocuidado e automedicação, muitas vezes comprometedora para tais pessoas, devido aos
riscos gerados pela falta de cuidado qualificado (Lykens et. al., 2018).

De acordo com Cruz (2014), o estigma e a discriminação podem ter origem não
somente através de eventos diretos e experiências negativas passadas, mas também a partir de
detalhes do atendimento médico, desde tratamentos de transcrições, até diagnósticos formais e
na própria linguagem médica usada para descrever o grupo diverso de pessoas em não
conformidade de gênero. Para Cruz (2014), dentre as principais barreiras enfrentadas por
pessoas não binárias no acesso à saúde estão: as características do sistema de prestação de
cuidados de saúde, características da população, política atual de saúde, tipo e qualidade do
atendimento e percepções do paciente. O autor expõe ainda, que fatores como, ser jovem,
identificar-se como transexual e sofrer discriminação econômica, são preditores de violência,
entendida como discriminação direta. De acordo com Costa (2015), esses fatores elencados
também se configuram como elementos que acentuam as barreiras de acesso à saúde por
pessoas não binárias, visto que experiências discriminatórias diretas, como violência, podem
aumentar a expectativa de discriminação.
25

ARTIGO EMPÍRICO
Cuidados em saúde na população não-binária: Um estudo exploratório com identidades que
transcendem a binaridade de gênero

Resumo
Este estudo visa apresentar os resultados de uma pesquisa conduzida no Estado do Rio Grande do Sul,
onde foi explorada a perspectiva de 5 pessoas autodeclaradas com gênero não binário em seu acesso à
saúde. Através de entrevistas com perguntas abertas, investigou-se como se dá o seu acesso à saúde,
explorando tanto possíveis aspectos positivos quanto as barreiras e os desafios enfrentados. As pessoas
participantes do estudo foram convidadas para realizar as entrevistas a partir de uma amostra de
conveniência e da técnica de snow ball. Os dados da pesquisa foram analisados a partir da Análise
Temática. A partir dos padrões encontrados foram levantadas 3 categorias principais, sendo elas:
1. Acesso binário, 2. Despreparo profissional e 3. Micropolíticas de enfrentamento. Dentro das
categorias levantadas, o desconhecimento sobre o tema da não binaridade, motivado por uma estrutura
social binária, se mostrou como um dos principais temas apontados nas entrevistas. Esse
desconhecimento sobre a não binaridade, culmina num despreparo profissional, fator trazido em
unanimidade pelas participantes da pesquisa. Com base nessas prerrogativas, algumas micropolíticas
de enfrentamento puderam ser percebidas como preponderantes ao longo dos discursos das
entrevistadas, sendo estas desde evitação da revitimização em contextos de saúde, passando por auto
medicação e/ou cuidado por pares, até alto nível de conhecimento de suas demandas e direitos de
pessoas trans, não binárias e LGBTQI+.
Palavras chave: não binaridade; gênero; acesso à saúde.

Abstract
This study aims to present the results of a research conducted on the State of Rio Grande do Sul,
where was explored the perspective of five people selfdeclarated with non binary gender, on your own
access to health services. Through interviews with open questions, was investigated how is your
access to health services, exploring possible positive aspects as well as the barriers and the challenges
encountered. Base on that goal, I sought to explore the perception of the people interviewed regarding
26

the non-binary theme, gathering information about the advances and challenges in the process of
searching for health resources. The participants of the study were being invited for to perform the
intervews from a convenience sample and from snow ball technique, where some people can go
indicating another. The datas of research was analised from the Thematic Analises that, according to
Braun & Clarke (2008), aims indentify, analyse and report patterns or themes within the surveyed
data. From the found patterns were raised three main categories, which are: 1. Unprepared
professional; 2. Binary access and 3. Coping micropolitics.
Keywords: non-binary, gender; access to health.

Resumen
Este estudio tiene como objetivo presentar los resultados de una investigación realizada en el estado de
Rio Grande do Sul, donde se exploró la perspectiva de 5 personas autodeclaradas con género no
binario en su acceso a la salud. A través de entrevistas con preguntas abiertas, investigo cómo se
explora su acceso a la salud, explorando posibles aspectos positivos, así como las barreras y desafíos
que enfrentan. Con base en este objetivo, traté de explorar la percepción de las personas entrevistadas
con respecto al tema no binario, recopilando información sobre los avances y desafíos en el proceso de
búsqueda de recursos de salud. Los participantes del estudio fueron invitados a realizar entrevistas a
partir de una muestra de conveniencia y una técnica de bola de nieve, donde una persona puede ir
indicando a otra. Los datos de la investigación se analizaron a partir del Análisis temático que, según
Braun y Clarke (2008), tiene como objetivo identificar, analizar e informar patrones o temas dentro de
los datos encuestados. De los patrones encontrados se plantearon 3 categorías principales, que son: 1.
Falta de preparación profesional, 2. Acceso binario y 3. Micropolítica de afrontamiento.
Palabras clave: no binario; género; acceso a la salud.
Introdução
O presente estudo visa explorar as demandas e barreiras enfrentadas no acesso à saúde
por pessoas que se identificam como não binárias em relação ao gênero. Para tanto são
abordados e desenvolvidos os conceitos de sexo, gênero, binaridade e não binaridade, para
então adentrar o tema do acesso à saúde e dos enfrentamentos decorrentes. No desenrolar do
estudo a Teoria Queer é trazida como base de entendimento sobre aquelas e aqueles que
transcendem o próprio gênero. Por fim, o aporte e contextualização teóricos são elencados
com estudos sobre os avanços e as barreiras que pessoas não binárias vem a enfrentar com
relação ao seu acesso à saúde.

A pauta destinada a compreensão do conceito de gênero comporta algumas autoras e


autores estimados sobre o tema, de modo a introduzir a temática e através de seu
entendimento básico, poder adentrar nos conceitos sobre binaridade e não binaridade de
gênero. Ao expor que talvez sexo sempre tenha sido gênero, Butler (2007) coloca as
concepções sobre sexo e gênero como relacionadas entre si, de forma que a diferença entre
ambos os conceitos seria nula. Essa constatação abre um leque de reflexões possíveis, pondo
em xeque verdades estanque como a associação imediata entre sexo designado e gênero já no
momento do nascimento. O rompimento dessa prerrogativa, levanta a possibilidade da
27

desvinculação entre sexo e gênero, contestando a lógica binária ao desatrelar a anatomia


genital à identidade humana.

De acordo com Cloke e Johnston (2005), o pensamento categórico, do qual advém o


binarismo, entende que um indivíduo constrói sua identidade com base na identificação com
grupos e modos de ser e existir correspondente a um polo, bem como por consequência,
através da negação de modos de ser e existir de um outro polo opositor. Todavia, apesar de
existirem motivos para a existência de uma noção de mundo binária, o enrijecimento dessa
ideia inviabiliza e limita outras possibilidades de existência. De acordo com Louro (2001),
teóricas e teóricos queer compreendem que a lógica binária produz efeitos como hierarquia
entre os polos, além de classificação, dominação e exclusão de um em detrimento de outro.
Louro (2001) pontua que segundo essa compreensão, é necessário que haja um rompimento
com essa lógica, para que tais efeitos decorrentes de uma dinâmica social binária possam ser
interrompidos. Com isso, Louro (2001) contesta o lugar de verdade única da lógica social
binária, ao colocá-la sob o olhar da Teoria Queer, a qual não somente abre a possibilidade de
existências que transcendem o binário, como põe em xeque a própria noção de gênero em si.

O rompimento com a dinâmica social binária estabelecida, proposto pela Teoria


Queer, expande uma perspectiva identitária enrijecida para outras possibilidades de
existência, compreendidas dentro do que podemos entender como “não binário”. As
terminologias atreladas a não conformidades com o binarismo de gênero são inúmeras, além
do fato de que, de maneira geral, são mais comumente empregadas na língua inglesa
(Carvalho, 2018). Por isso, no presente estudo, essas terminologias foram escolhidas a partir
de um entendimento sobre seu uso, visto que são motivo de contravenção entre as pessoas que
através delas se identificam. Dessa forma, para que fosse possível expor as demandas desse
estudo, foi necessário o emprego do termo “não-binário”, ainda que haja certa contrariedade
sobre seu uso. Tal contrariedade advém da prerrogativa sobre a expressão “não-binário” partir
de um princípio de negação acerca de algo que se presume ser a “norma”, no caso aquilo que
seria “binário” (Dourlent et. al, 2016). Por esse motivo, muitas pessoas que se expressam
dentro dessa noção de gênero, podem manifestar desapreço pelo termo, fazendo uso de
inúmeras outras possibilidades e nomes que assim as definem.

Todavia, pelo fato de tais nomenclaturas serem vastas, e de fato bastante únicas, além
do termo “não-binário” ser ainda o mais utilizado para definir tais identidades e expressões,
tornou-se necessário nesse estudo fazer a escolha de usar esse termo para realizar a pesquisa.
28

Contudo, tal escolha se deu somente devido a real dificuldade em realizar uma pesquisa sem
ter uma terminologia única para o estudo. Além disso, de acordo com Vincent (2016), o termo
“não-binário” pode funcionar como uma expressão “guarda-chuva”, englobando uma ampla
gama de identificações possíveis e conceituações individuais. Por fim, o uso da expressão
“não-binário” foi empregado com o devido entendimento sobre sua limitação terminológica e
com o respeito pelas demais definições diversas de atribuições de gênero.

Método

Delineamento da Pesquisa

Este estudo é definido dentro de um caráter exploratório, a partir do qual um


determinado tema é explorado a fim de buscar uma compreensão mais abrangente, levando
em consideração o fato de ainda existirem poucas pesquisas realizadas com o tema da não
binaridade de gênero. A análise das entrevistas foi efetuada numa terceira parte do projeto e
está embasada no método de Análise temática, que segundo Braun & Clarke (2008), visa
identificar, analisar e relatar padrões ou temas dentro dos dados levantados. De acordo com
tais autoras, esse método organiza e descreve seu conjunto de dados em mínimos detalhes,
além de frequentemente se destinar também a interpretação desses dados. O estudo foi
realizado na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O número de participantes se
encerrou num total de 5 pessoas, quando foi percebido que os temas já estavam
suficientemente explorados e, de certa forma, já bastante semelhantes e relacionados entre
cada participante. A pesquisa ocorre entre os anos de 2018 e 2020 e foi aprovada pelo Comitê
de Ética em Psicologia.

Participantes do Estudo

O estudo contou com cinco participantes autodeclaradas com gênero não-binário, residentes
da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul e utilitárias de sistema de saúde público ou
privado. A busca por tais participantes se deu através de uma amostra de conveniência e da
técnica snow ball, onde uma pessoa pode indicar outra de sua rede. As idades das pessoas
entrevistadas variaram entre 23 e 38 anos, sendo que todas se identificavam com gênero não
binário. Quando citadas no presente estudo, receberam nomes fictícios escolhidos pela própria
29

pesquisadora de forma aleatória, como Renata, Dóris, Eloísa, Charlote e Erick, no intuito de
manter o sigilo e a privacidade das mesmas.

Instrumento de Coleta de Dados

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com um número de cinco participantes


de pesquisa. As entrevistas se embasaram nas experiências de participantes que se identificam
como transcendendo o binarismo de gênero, compreendendo seus entendimentos sobre a
própria noção de não binaridade e direcionando as questões relacionadas às demandas e
obstáculos encontrados em seus atendimentos em saúde. A pesquisa possui um viés
qualitativo, tendo as entrevistas um formato semi estruturado. Teve como intuito promover
um espaço de fala aberto e confortável para que participantes pudessem responder livremente
as perguntas realizadas e fossem capazes de expor com profundidade suas reais percepções e
necessidades.

As entrevistas realizadas foram gravadas apenas em áudio, buscando preservar a


imagem de participantes e, posteriormente, foram transcritas e analisadas dentro do viés da
Análise Temática. Participantes da pesquisa foram entrevistadas conforme seus recursos e
disponibilidades. Todas as entrevistas foram devidamente transcritas e, posteriormente,
analisadas. Cada categoria, bem como todas as transcrições realizadas e análise das mesmas,
foram discutidas e elaboradas pela própria pesquisadora em parceria com outras 3 colegas de
pesquisa, as quais puderam ler todo o material levantado e discutir os nomes das categorias,
bem como seu conteúdo de análise.

2.4 Procedimentos da Pesquisa

As entrevistas foram realizadas durante apenas um encontro com cada participante, estando
contextualizadas em um local condizente a atividade e com tempo suficiente para que o
instrumento fosse possível de ser respondido com qualidade. Após o processo de transcrição e
análise das entrevistas, houve a possibilidade de retomar entrevistas que fossem percebidas
como necessárias de uma análise mais aprofundada.
30

2.5 Questões Éticas

A pesquisa respeita as normativas das Resoluções 466/12 (Conselho Nacional de Saúde) e


510/16 (Ciências Humanas), a qual prevê os cuidados a serem tomados com seres humanos
em pesquisas científicas. Foram entregues e assinados pelas participantes os devidos Termos
de Consentimento Livre e Esclarecido. Os procedimentos desta pesquisa somente foram
aplicados após a aprovação pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul – PUCRS. É direito da/do participante recusar-se a participar da pesquisa e,
caso isso ocorresse, em qualquer fase do estudo, sua escolha seria respeitada e não haveria
nenhum prejuízo a elas/eles.

2.6 Análise dos Dados

Os dados da pesquisa foram analisados a partir da Análise Temática que, segundo


Braun & Clarke (2008), visa identificar, analisar e relatar padrões ou temas dentro dos dados
levantados. De acordo com tais autoras, esse método organiza e descreve seu conjunto de
dados em mínimos detalhes, além de frequentemente se destinar também a interpretação
desses dados. O estudo foi realizado na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O número
de participantes se encerrou num total de cinco pessoas, quando foi percebido que os temas já
estavam suficientemente explorados e, de certa forma, já bastante semelhantes e relacionados
entre cada participante, cumprindo com o critério pré-estabelecido de saturação. A pesquisa
ocorreu entre os anos de 2018 e 2020 e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Psicologia.

Resultado e Discussão

Após a análise das entrevistas, entrelaçada com o aporte teórico realizado, foi possível
chegar a três categorias temáticas que auxiliaram a organizar teoricamente os temas
levantados, sendo estas: Acesso Binário; Despreparo Profissional e Micropolíticas de
Enfrentamento. As categorias levantadas foram separadas de acordo com os assuntos mais
abordados pelas pessoas entrevistadas, colocando em pauta a relevância e a ênfase trazida
pelas participantes, bem como a relação com os temas da não binaridade e do acesso à saúde.
A primeira categoria, chamada de Acesso Binário, se destina a contextualizar e compreender a
forma como se dá o acesso à saúde pautado dentro de uma lógica social binária. Nessa
31

primeira categoria, são trazidos exemplos relacionados ao acesso a um sistema binário de


saúde, pelas participantes da pesquisa, enquanto pessoas não binárias. Para tanto,

Acesso Binário

A construção de políticas públicas de saúde, bem como toda a organização e as dinâmicas


de seu funcionamento, existe dentro de uma lógica social, de um momento histórico e de uma
cultura. A maneira como são estabelecidas as normas de atendimento, de cuidado e de acesso
à saúde também existem a partir de uma história e de uma cultura, culminando na dita lógica
social, que acaba por pressupor formas de se relacionar em sociedade. Dito isso, para
compreendermos de que forma se dá o acesso binário à saúde, é necessário que se
contextualize o que seria o próprio pensamento binário em nossa cultura, bem como um breve
apanhado histórico do termo. Para tanto, é importante que inicialmente se retome outros
termos atrelados a esse, como noções sobre sexo e gênero.

A concepção do termo sexo como distinção entre homens e mulheres é utilizado e


interpretado de diferentes formas desde o século XVIII. De acordo com Laqueur (1992), até o
século XVIII estudiosos, como biólogos, historiadores ou antropólogos entendiam a diferença
sexual de acordo com o que era chamado de “modelo do sexo único”, segundo o qual a
genitália da mulher era nada mais do que a genitália do homem interiorizada. Acreditava-se
que a mulher era um homem com genitais que permaneceram “para dentro”. Nessa
concepção, tanto sexo quanto gênero eram tidos enquanto categoria única, não existindo
exatamente uma diferença entre os termos.

Todavia, ainda que sexo e gênero andassem concomitantemente em termos de sentido,


ambos sempre estiveram atrelados a concepções tanto biológicas quanto sociais, culturais e
políticas. De acordo com Souza e Carrieri (2010), as categorias de feminino e masculino não
somente são construídas por relações de poder historicamente fundamentadas, como
principalmente não são naturais e muito menos existem a priori. Franco (2015) corrobora
com tal afirmação, concordando com os achados de Cloke e Johnston (2005), sobre sexo e
gênero estarem atrelados a concepções sociais e políticas, bem como o fato da existência de
polarizações binárias quase sempre implicarem na desvalorização de um polo, onde “a
superioridade de um deriva da exclusão do outro” (Franco, 2015).
32

Somente por volta de 1800, teóricos começaram a focar seus estudos nas diferenças
entre os sexos feminino e masculino de maneira enfática, destoando e contrapondo fortemente
o pensamento sobre o “sexo único”, afirmado até então. É a partir do Renascimento que o
modelo de sexo único começa a sofrer um enfraquecimento, dando lugar a um novo modelo
que enfatizava a existência de dois sexos distintos, começando a instituir uma diferença
radical entre homens e mulheres (Rohden, 2003). Essa nova percepção sobre a sexualidade
humana, a partir das diferenças, foi chamada de “modelo de sexo duplo” (Laqueur, 1992). De
acordo com Laqueur (1992), a partir dessa concepção de modelo do sexo duplo, as distinções
entre homens e mulheres passaram a instaurar e estabelecer a norma da dicotomia homem e
mulher, atribuindo interesses sociais e políticos a tais diferenças.

Finalmente, o entendimento acerca dessa distinção entre os sexos masculino e


feminino, entra em consonância com o que se entende como “binarismo” ou “pensamento
binário”, como sugerido por Cloke e Johnston (2005). Com base nas reflexões de tais autores,
a explicação sobre a categorização de uma pensamento binário na sociedade se dá para além
do simples fato de simplificar o que é complexo, categorizando a realidade a partir de polos
opositores, como “bem e mal”, “dia e noite”, “feio e bonito” e também, em definições de
gênero, como “homem e mulher”. Para os autores, a categorização é utilizada pela
humanidade no intuito de compreender sua própria essência, tanto individual quanto coletiva,
visto que uma existe em relação a outra. Parte dessa determinação sobre a sua própria
essência envolve definir a si mesmo e, para isso é preciso que haja uma identificação com
determinada categoria, grupo ou modo de ser e existir, bem como, por consequência, uma
negação a identificação com o outro polo categórico, que constitui outros grupos ou modos de
existir.

Em consonância com a ideia da concepção do gênero relacionado a convenções


culturais, Sterling (2000), em sua obra intitulada Sexing the body, levanta um exemplo icônico
sobre a atleta olímpica Maria Patiño. Nesse exemplo, a atleta veio a ser impedida de participar
da competição após realizar o que chamavam de “Exames de Gênero”, ao ser constatado que
ela possuía cromossomo Y e ausência de útero e ovários. Maria Patiño, que se desenvolveu
tanto física quanto psicologicamente inserida em expectativas e papéis de gênero femininos,
se entendendo enquanto mulher durante toda sua vida, passou a ser lida como sendo um
homem, devido a tais exames de gênero. Esse exemplo trazido por Sterling (2000), levanta
questionamentos acerca da condição das categorias de gênero, expondo o caráter de
33

construção social perante o que seria masculino e feminino. A autora traz ainda uma
importante reflexão sobre o ocorrido, ao expor que, são exatamente as nossas crenças sobre o
gênero que irão afetar aquilo que a ciência irá produzir sobre o próprio sexo.

O exemplo trazido por Sterling, condiz com uma das entrevistas realizadas no presente
estudo, onde a participante de pesquisa chamada aqui como Erick, relata sobre suas
experiências de vida enquanto pessoa interssex e identificada com gênero não binário. Erick
manifesta se perceber como uma pessoa não binária, não se sentindo pertencente a um polo de
gênero em definitivo, contudo sentindo-se atualmente mais confortável com pronomes de
tratamento femininos. No decorrer da entrevista, Erick aponta questões relacionadas ao
desconhecimento social sobre o termo “interssex” e a constante leitura binária da sociedade
sobre os corpos, bem como a discriminação sofrida por aqueles que não estariam inseridos
dentro dessa lógica, sendo melhor descrita em sua fala:

As pessoas nem conhecem essa palavra (interssex) e nem sabem.


Normalmente nem sabem que você é. O que importa é quando você vê a
pessoa e de longe você lê ela, é um homem, é uma mulher, ou é uma travesti.
Se você conseguir passar despercebida como uma pessoa cis, você vai ser
bem tratado. No meu caso, na vida, se eu entrar num hospital ou em qualquer
lugar, as pessoas vão me ler como mulher e vão me tratar muito
respeitosamente.

Em sua fala, a participante Erick, aponta o desconhecimento social e profissional sobre


suas demandas enquanto pessoa interssex e não binária. Além disso, se refere como alguém
com passabilidade, no momento em que afirma ser lida socialmente como uma mulher
cisgênero. O termo passabilidade, pode ser entendido como utilizado por pessoas transgênero
(e/ou interssex) para se referir a capacidade de se “passar” por uma pessoa cisgênero
(Jacintho, 2019). De acordo com o trabalho da autora, a passabilidade aparece como sinônimo
de alívio social, segurança e respeito. O tema da passabilidade pode ser amplamente
discutido, ao explicitar nitidamente a lógica binária lançada sobre os corpos. Esse
entendimento binário através da passabilidade se estende desde o sexo e o gênero, na leitura
de caracteres corporais entre feminino e masculino, até conotações moralmente simbólicas
como “certo ou errado”, “feio ou bonito”, “bom ou ruim”.
34

A fala de Erick, trazida acima, elucida muito bem a discussão levantada sobre o
quanto o chamado sexo biológico ou designado seria um fator construído socialmente, assim
como o gênero. Tal reflexão é trazida também na obra de Sterling (2000), ao analisar que,
quanto mais se buscam definições biológicas do que é ser homem ou ser mulher, mais se
constata a inundação de caracteres sociais e culturais envolvidos nesse processo. Essa
percepção entra em consonância com os pensamentos de Butler (2007), a qual entende que
sexo nada mais é do que o próprio gênero, no momento em que tentamos localizar nos corpos
a binaridade social. A filósofa pontua, portanto, que “talvez o sexo sempre tenha sido o
gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero se revela absolutamente nenhuma”
(Butler, 2007).

Esse rompimento com a lógica binária e com o próprio entendimento sobre gênero e
sexo como categorias rígidas da existência humana, pode ser muito bem representado através
da Teoria Queer. De acordo com Miskowci (2012), a Teoria Queer se dá como uma nova
política de gênero, concordando com o pensamento da filósofa Judith Butler que afirma sobre
a Teoria Queer transcender os movimentos baseados em questões identitárias. A Teoria Queer
teria se originado a partir de três principais movimentos da contracultura na década de 1960,
sendo eles: o movimento pelos direitos civis da população negra do sul dos Estados Unidos, o
movimento feminista da chamada “segunda onda” e o que foi denominado na época como
movimento homossexual (Miskowci, 2012). Segundo Louro (2001), a apropriação do termo
queer se deu a partir de uma vertente dos movimentos homossexuais, para os quais queer
significava ir contra qualquer processo de normalização.

Para Louro (2001), a principal crítica levantada pela Teoria Queer seria a
heteronormatividade compulsória da sociedade, como definições impostas sobre os corpos ao
nascer. De maneira esclarecedora, cabe compreender “hetoronormatividade” como a
presunção da heterossexualidade como padrão para definir o que seria um comportamento
sexual normal, bem como as diferenças entre masculino-feminino e normas de gênero
correspondentes, como naturais e essencialmente imutáveis em relações humanas tidas como
normais (APA, 2018). Dito isso, aquelas pessoas que ultrapassam essa noção de
heteronormatividade, excluídas do padrão social de “adequação”, seriam chamados
pejorativamente pela expressão Queer, com conotação de xingamento. Dessa forma, como
expressão de resistência, aqueles considerados “bichas”, “estranhos”, “abjetos”, tomaram para
35

si o termo, ressignificando-o e o tornando pauta de sua luta em prol de reconhecimento das


diferenças (Louro, 2001).

A Teoria Queer, contesta o modelo binário e a heteronormatividade compulsória da


sociedade, com isso pode servir como forma de compreender as experiências vivenciadas por
pessoas não binárias ou em não conformidade de gênero. Tendo em vista a legitimidade
construída e atrelada ao pensamento binário e, por consequência, à binaridade de gênero, as
pessoas que não se entendem pertencendo a essa realidade vem sendo marginalizadas e suas
demandas portanto, tidas como invisíveis (Rodriguez et. al., 2016; Jaroszewski et. al., 2018).
Ao afunilarmos a análise da dinâmica social de gênero binária para o contexto da saúde,
torna-se mais claro e evidente a insuficiência da mesma para abarcar com a multiplicidade de
expressão e identidade humana.

Segundo Rider, et. al. (2017), pessoas transgênero e em não conformidade de gênero,
tem maior dificuldade em acessar e receber cuidados em saúde, em comparação a pessoas
cisgênero. De acordo com as autoras, através de um estudo que comparava as relações de
saúde entre estudantes em não conformidade de gênero e estudantes cisgêneros, esses
primeiros relatavam um estado de saúde significativamente pior, com taxas de exames
preventivos mais baixas e maior número de necessidade de atendimento à enfermaria do que
seus pares cisgêneros. Conforme encontrado na última referência ao National Transgender
Discrimination Survey, referenciado em 2010, ainda que o acesso à saúde seja um direito
humano fundamental, vem sendo regularmente negado a pessoas transgênero e em não
conformidade de gênero. Além disso, pessoas transgênero e em não conformidade de gênero
frequentemente experienciam discriminação, desde desrespeito até abusos, violências e outras
formas de opressão ao acessar cuidados em saúde (Grant et. al., 2010).

A pesquisa de Gomes et. al. (2018), buscou compreender a percepção de gestoras e


gestores municipais do Sistema Único de Saúde de Pernambuco sobre a população LGBTI+,
bem como suas demandas em saúde. De acordo com o estudo, existe um desconhecimento
grave e uma limitação a respeito do grupo LGBTI+ por tais profissionais. As autoras trazem
sobre as identidades trans serem retratadas através das falas das gestoras entrevistadas como
pertencentes à categoria do abjeto, termo advindo da psicanálise e incorporado pelo
movimento queer através da filósofa Judith Butler, representando aquilo que é ininteligível,
incompreensível, que está fora das normas socialmente estabelecidas (Gomes et. al., 2018;
Leite Junior, 2012; Butler, 2007). Com isso, no momento em que se percebe determinado
36

grupo de pessoas como inseridas na categoria de abjetas, cabe concluir que estas passam a ser
entendidas e tratadas como elas mesmas sendo abjetas, ou seja, incompreensíveis, inexistentes
e, como bem define Junior (2012), fora das categorias de pensamento socialmente inteligíveis.
Tal reflexão fica muito bem retratada através das falas das participantes de pesquisa, ao
explicitarem o desconhecimento de profissionais sobre suas demandas quando as mesmas
fogem dos padrões binários de atendimento.

A participante da pesquisa Eloísa expressa a incapacidade médica em suprir suas


demandas quando ultrapassam a referida lógica binária. Eloísa traz ao longo de sua entrevista,
pontos importantes que servem de reflexão sobre a binaridade imposta no contexto do
atendimento e do acesso à saúde. Ao referir sobre sua busca por atendimento de saúde em seu
processo de transição, Eloísa menciona a seguinte frase: “a sensação que tive foi de uma
ideia de 8 ou 80, como ah tu quer corpo feminino ou masculino?”, abordando o fato de
profissionais da saúde lhe oferecerem como procedimento possível apenas um modelo
binário, como se somente a transição para homem ou para mulher fossem alternativas viáveis.
Além disso, Eloísa reporta sobre a sua identificação com a não binaridade ser percebida por
profissionais da saúde como uma incerteza ou uma dúvida sobre si, contestando e colocando à
prova a sua própria identidade por esta não se configurar como binária apenas.

Ao referir que não gostaria de realizar o procedimento completo de transição na


direção do polo oposto ao sexo que lhe foi designado ao nascer, bem como o fato de não se
mostrar plenamente insatisfeita com seu corpo atual, Eloísa expõe ter sido contestada pela
profissional da saúde, alegando incerteza na realização do procedimento. Esclarece seu
pensamento sobre esse incidente afirmando que (...) “é bem complicado exigir que a pessoa
saiba como ela vai se sentir com um corpo que não tá aqui (...). Eu não preciso não gostar
desse corpo pra querer trocar”. Tal posicionamento, é capaz de elucidar a deficiência de
profissionais da saúde no atendimento às demandas não binárias, pondo em cheque suas
necessidades e a própria possibilidade de sexualidades que ultrapassam o binário
homem/mulher.

A contestação acerca da incerteza sobre a sua própria identidade é levantada também


no discurso de outras participantes da pesquisa. A insatisfação com o atendimento médico
prestado é trazida pela participante Doris* ao denunciar o fato de sua identidade ser
contestada pela autoridade médica e suas dúvidas serem usadas como forma de deslegitimar
37

sua fala. Doris critica em sua entrevista, além dessa percepção pobremente binária acerca do
tratamento direcionado ao paciente, a necessidade da exigência de laudo psicológico por
profissionais da saúde, como forma de comprovar através de um profissional da saúde mental
o que está sendo dito pelo ou pela paciente. Essa crítica é ilustrada através de sua fala, onde
Doris diz:

(...) Ou tu cala boca parece, chega lá e performatiza masculinidade ao


máximo. Chega com nome masculino e ai o cara vai se convencer, ou tu
chega perguntando coisas e o cara vai te pedir um laudo de um psicólogo
que vai ser, na minha opinião, bobo, porque assim, eu posso chegar e fingir
qualquer coisa e eu vou receber esse laudo.

A fala trazida pela participante da pesquisa, evidencia a falta de conhecimento e


estudos sobre cuidado em saúde com pessoas trans não binárias ou em não conformidade de
gênero. De acordo com Matsuno & Budge (2017), a última década mostrou um crescimento
notável de pesquisas sobre pessoas trans, sendo mais de 50% de todas as publicações
existentes com o foco em identidades transgênero e gêneros diversos, publicadas desde 2010.
Todavia, segundo as autoras, tais estudos se destinam majoritariamente a identidades de
gênero binárias, sendo poucos focados no desenvolvimento de temas relacionados a
experiências e identidades não binárias. A falta de estudos sobre demandas em saúde para
pessoas não binárias pode ser um dos motivos que geram um abismo de conhecimento e um
despreparo de profissionais da saúde no atendimento de demandas que ultrapassam a
dinâmica social binária.

Despreparo profissional

O despreparo de profissionais da saúde no atendimento a demandas de cuidados para


pessoas não binárias, foi um dos temas mais levantados durante as entrevistas realizadas na
pesquisa. De acordo com Jaroszewski et. al. (2018), a falta de pesquisas que englobem
participantes que ultrapassam a norma binária de gênero, prejudica a visibilidade de fatos,
demandas, necessidades e o próprio reconhecimento da existência dessas pessoas. Conforme
38

os autores, a invisibilidade de pessoas não-binárias em pesquisas faz com que elas se tornem
também invisíveis na cultura de forma mais ampla.

Na pesquisa de Colin et. al. (2019), o conceito da invisibilidade é colocado como um


dos pontos chave para a compreensão de identidades não binárias, sendo um fator levantado
por todas as pessoas entrevistadas no estudo. Nessa pesquisa, todos os participantes referiram
sentir-se invisíveis de uma forma ou de outra, porém especialmente no que diz respeito à
visibilidade percebida na sociedade em geral. Essa invisibilidade, de acordo com as pessoas
entrevistadas na referida pesquisa, acaba intensificando o medo em abrir sua identidade para a
sociedade de modo geral ou se permitindo abrir apenas para um número restrito de pessoas
confiáveis. Um dos pontos conclusivos do estudo, apontado na maioria das entrevistas, foi a
importância da disseminação do conhecimento sobre identidades não binárias, visto ter sido
este o fator principal para o reconhecimento, aceitação e desenvolvimento da identidade não
binária nos participantes da pesquisa (Colin et. al., 2019).

O desconhecimento sobre identidades que ultrapassam a lógica binária, bem como a


invisibilidade de pessoas não binárias geradas a partir deste e da ausência em pesquisas,
geram uma dinâmica de retroalimentação, onde a existência de um reforça e intensifica a
existência do outro. Tal dinâmica, quando entendida a partir da lógica da saúde não binária,
pode se tornar ainda mais preocupante, na medida em que esse abismo de conhecimento se
mostra capaz de gerar um grave despreparo profissional no atendimento de tais demandas e
necessidades específicas. Segundo Lykens et. al. (2018), em estudo sobre experiências de
acesso à saúde por pessoas trans e não-binárias, participantes relataram profundo
desconhecimento dos profissionais sobre demandas de saúde para pessoas trans, o que
acarretava numa falta de conhecimento ainda maior sobre demandas de saúde para pessoas
não binárias.

Durante as entrevistas realizadas no presente estudo, o tema do desconhecimento


profissional sobre demandas de sexualidade além do modelo binário foi constantemente
trazido à tona. A participante de pesquisa Erick, traz com muita clareza essa dificuldade em
encontrar profissionais da saúde que entendam suas demandas para além de princípios
binários de sexualidade. Por ser uma pessoa interssex, Erick reporta exemplos relacionados a
uma saúde binária tanto com relação a sua intersexualidade quanto a sua identidade de gênero
não binária. Tal referência pode ser compreendida através do seguinte relato de Erick: “O que
39

eu percebo no meu caso, é uma desinformação assim... Como o número de pessoas intersexo
é bem baixo, tem muito médico que nunca viu, nunca lidou com uma pessoa intersexo, então
eles não tem muito padrão assim, pra saber o que fazer contigo...”. Em sua fala, a
participante de pesquisa denota uma compreensão sobre o fato de profissionais da saúde não
terem conhecimento sobre suas demandas. Erick aponta principalmente a desinformação
profissional sobre suas necessidades e dúvidas enquanto paciente.

Relata sobre sua vivência no limiar entre os polos binários de gênero, no decorrer de
seu processo entre uso e parada de hormonização. Erick aborda o fato de atualmente ter uma
expressão de gênero entendida dentro de uma lógica do feminino. Todavia, reporta que,
mesmo quando não apresenta nenhuma expressão de gênero definida, acaba sendo
classificada dentro de parâmetros binários. Menciona que, por possuir atualmente uma
passabilidade feminina, acaba sendo tratada segundo esse referido papel de gênero tanto pela
classe médica quanto pela sociedade em geral, ainda que não se perceba dessa maneira.

Devido a referida passabilidade, a participante Erick reporta não perceber qualquer


tipo de discriminação ao buscar atendimento em saúde. Contudo, ao proferir a frase:
“normalmente eu ajudo os médicos a saberem as coisas”, levanta o fato de que, no momento
em que a/o profissional da saúde toma conhecimento de sua demanda interssex e não binária,
ela precisa tomar as rédeas do atendimento e buscar meios de ajudar a/o profissional a lhe
atender. De acordo com Grant et al. (2010) através do National Transgender Discrimination
Survey, durante a pesquisa com um total de 6.450 pessoas entrevistadas, 50% da amostra
relatou falta de conhecimento do profissional que lhe atendia, tendo que ensinar seus médicos
sobre cuidados em saúde trans. A estratégia relatada por Erick enquanto paciente, explicita
esse despreparo de profissionais da saúde no atendimento a demandas que rompem com a
lógica binária de gênero. Com isso, a dinâmica do cuidado é invertida, no momento em que a
paciente passa a ser quem preenche a lacuna de conhecimento e a carência de preparo
profissional para lidar com as suas próprias necessidades.

Os dados levantados pela National Transgender Discrimination Survey de 2010


apontaram ainda outros aspectos importantes sobre o acesso a saúde por pessoas trans e em
não conformidade de gênero. De acordo com o estudo, os níveis de adiamento de busca por
cuidados médicos quanto doentes ou feridos, devido a discriminação, foram bastante
40

elevados, chegando a um percentual de 28% no total da amostra de participantes. A recusa de


atendimento por profissionais de saúde, devido ao status de transgênero ou em não
conformidade de gênero, foi relatada por um total de 19% da amostra do estudo, sendo os
números ainda mais altos entre as pessoas negras. Além disso, 28% das pessoas entrevistadas
referiram situações de assédio em ambientes médicos e 2% relataram terem sido vítimas de
violência em consultórios médicos (Grant et. al., 2010). Tais dados se confirmam também a
partir da pesquisa de Lampalzer et. al. (2019), a qual afirma que a falta de conhecimento em
demandas não binárias e LGBTI+, bem como a ignorância no tema e a estigmatização, estão
entre os grandes problemas nos cuidados em saúde LGBTI+.

A participante de pesquisa Renata traz em sua entrevista relatos sobre tais dificuldades
em encontrar profissionais de saúde que estejam preparados para atender demandas não
binárias, mencionando que não somente profissionais médicos ou enfermeiros demonstram
essa limitação no atendimento em saúde, mas também profissionais da Psicologia. Em sua
fala: “(...) aquele posto pra mim, era muito ruim de estar lá e ter que ficar explicando o óbvio
pra Psicóloga. É um retrabalho. Parece que eu atendia ela”, Renata explicita a extrema falta
de preparo da profissional que lhe atendia e o quanto isso acabava sendo exaustivo para ela
enquanto paciente. Nesse contexto, Renata trazia sobre o fato de suas demandas, dúvidas e
questionamentos sobre sua identidade e sexualidade, serem tratadas pela profissional dentro
de uma lógica patologizante. Com isso, novamente se invertia a dinâmica do cuidado, tento a
paciente que explicar para quem lhe atendia sobre os processos não binários e sobre como ela
deveria ser tratada.

Em larga pesquisa realizada por Costa (2015), pessoas não-binárias foram


entrevistadas sobre seu acesso à saúde e cuidados relacionados a afirmação de gênero. Nesse
estudo, um percentual alarmante de participantes afirmou não serem capazes de encontrar
profissionais médicos qualificados que atendessem devidamente às suas demandas e que lhes
prescrevessem hormônios corretamente. Essa realidade foi muito bem descrita durante a fala
do participante Doris*, o qual menciona seu desagrado com o atendimento endocrinológico
que lhe foi prestado:

(...) não estou muito feliz atualmente com o atendimento endocrinológico,


sobretudo porque eu sempre tenho a sensação (...) que a gente sabe muito
mais que eles. Isso é tão frustrante porque eu cheguei com um milhão de
perguntas, a respeito da minha saúde, e a respeito dos efeitos que poderia
41

causar em mim. Eu tinha preocupação com queda de cabelo, com excesso de


espinhas etc. (...) E ele (endocrinologista) leu isso como uma falta de certeza
minha, tipo quanto mais pergunta eu fiz menos parecia que eu estava certa
do que eu queria fazer.

A fala de Doris é bastante icônica, ao trazer tanto a insatisfação com um despreparo no


atendimento, quanto a crítica a uma abordagem médica que deslegitima as necessidades do
paciente. Além do despreparo profissional, Doris aponta para o fato de suas dúvidas, naturais
a qualquer paciente que busca auxílio médico, serem colocadas num lugar de barganha, pondo
em xeque as questões levantadas por ele, como forma de duvidar do que estava sendo dito. De
acordo com Testa et. al. (2015), para além das discriminações e violências já sofridas por
pessoas LGBT e em não conformidade de gênero, existe ainda um fator adicional, chamado
pelo estudo como “não-afirmação”, o qual estaria atrelado a falta de legitimidade, afirmação e
reconhecimento da sociedade e de si sobre a sua própria identidade.

A fala de Doris levanta ainda o fato do profissional de saúde não somente duvidar do
paciente, como o próprio tratamento desse depender do quanto a/o médica/o irá acreditar e
validar as suas demandas. Essa situação, reflete sobre o papel autoritário representado na
figura médica. De acordo com Johnson (2018), o envolvimento individual com a autoridade
médica pode ser tão empoderador quanto restritivo na vida de pessoas trans. Essa
ambiguidade, segundo o autor, se dá devido a fatores potencialmente negativos e positivos ao
mesmo tempo, como o processo de medicalização poder servir como uma espécie de controle
social, ao colocar a/o profissional de saúde em lugar de autoridade e a/o paciente em lugar de
suscetibilidade, ao mesmo tempo que, positivamente, pode legitimar e dar credibilidade a
cuidados em saúde e tratamentos até então invalidados.

A posição de autoridade colocada sobre profissionais de saúde, bem como o profundo


desconhecimento e despreparo profissional para o atendimento de demandas que transcendem
a lógica binária, podem ser percebidos como um conjunto de fatores capazes de culminar em
evitação na busca de cuidado por pessoas não binárias. Essa evitação pode levar também, a
uma busca de cuidado através de pares ou de automedicação, devido a falha no atendimento
de demandas não binárias em serviços de saúde. A pesquisa de Costa (2015) corrobora com
tais compreensões, mostrando que os participantes afirmaram de fato buscar informações e
42

cuidado por conta própria ou através de pares, devido à grande dificuldade em encontrar
profissionais de saúde preparados para suprir suas necessidades em saúde. Essa política de
automedicação ou cuidado por pares, devido ao despreparo no atendimento em saúde para
pessoas não binárias, torna-se comprometedora para tal população, devido aos riscos gerados
pela falta de cuidado qualificado (Lykens et. al., 2018). Nesse aspecto, cabe ressaltar a fala da
participante Charlote*, onde a mesma refere sua evitação em buscar recursos em saúde devido
ao fato de ser uma pessoa não binária e a situações de discriminação relatadas por pessoas
próximas a si:

(...) Eu procurava não acessar o Sistema Público de Saúde por causa do


constrangimento, de ser tratada num gênero que não corresponde a minha
identidade (...). Eu sabia que ao acessar esses lugares, o meu corpo ia ser
colocado num lugar binário né, e a tendência dessas pessoas era tratar no
gênero ao qual eu fui designada ao nascimento. Porque eu tenho pessoas
amigas que são passáveis, que seriam pessoas trans que entre aspas
“pareceriam com pessoas cis” né, que já sofreram violências no Sistema
Público de Saúde, então isso fez com que eu criasse uma disforia né, que é
esse desconforto com sua imagem, com seu corpo. E não acessasse esses
lugares por saber que, se pessoas que tão dentro dessa construção de
corporalidade binária passam por isso, muito mais eu passaria.

De acordo com Cruz (2014), o estigma e a discriminação podem ter origem não
somente através de eventos diretos e experiências negativas passadas, mas também a partir de
detalhes do atendimento médico, desde tratamentos e prescrições, até diagnósticos formais e
na própria linguagem médica usada para descrever o grupo diverso de pessoas em não
conformidade de gênero. Para Cruz (2014), dentre as principais barreiras enfrentadas por
pessoas não binárias no acesso à saúde estão: as características do sistema de prestação de
cuidados de saúde, características da população, política atual de saúde, tipo e qualidade do
atendimento e percepções do paciente. O autor expõe ainda, que fatores como, ser jovem,
identificar-se como transexual e sofrer discriminação econômica, são preditores de violência,
entendida como discriminação direta. Tais fatores, de acordo com Costa (2015), se
configuram também como elementos que acentuam as barreiras de acesso à saúde por pessoas
43

não binárias, visto que experiências discriminatórias diretas, como violência, podem aumentar
a expectativa de discriminação.

Micropolíticas de Enfrentamento

No presente estudo, ao longo das entrevistas realizadas, foi possível constatar uma
importante necessidade de enfrentamento das participantes contra uma sociedade que
invalida, deslegitima e violenta identidades que ultrapassam a lógica binária de existência.
Essas necessidades de enfrentamento, foram identificadas como micropolíticas, mostrando as
estratégias utilizadas para lidar com os desafios que se apresentam tanto no contexto do
acesso à saúde, quanto no cotidiano de pessoas que se identificam como não-binárias. As
micropolíticas de enfrentamento trazidas nesse estudo, abordam estratégias encontradas pelas
pessoas entrevistadas que podem ser tanto funcionais quanto prejudiciais na busca de cuidado
ou autocuidado em saúde. Algumas das estratégias reportadas pelas participantes da pesquisa
podem ser entendidas da seguinte forma: evitação na busca de atendimento em saúde,
automedicação e cuidado por pares, conhecimento teórico aprofundado sobre si e busca por
rede de apoio.

Alguns exemplos de evitação na busca de atendimento em saúde devido ao receio de


sofrer revitimizações por parte de profissionais da saúde, são trazidos na pesquisa através da
entrevista realizada com a participante Renata*. Tal evitação pode ser entendida como
antecipação da discriminação, devido a experiências de discriminação vivenciadas
anteriormente. De acordo com Costa (2016), em seu estudo sobre o impacto do preconceito na
evitação ao acesso em cuidados de saúde, os resultados vieram a mostrar que a discriminação
passada aumenta em seis vezes a evitação de serviços de saúde quando necessários. Tais
resultados corroboram com a entrevista da participante Renata, visto que no momento em que
lhe é questionado se já chegou a evitar a busca por atendimento em saúde devido a
inadequação e falta de preparo profissional, a mesma responde afirmativamente.
A participante Renata aponta ainda para o fato de o contexto social discriminatório
afetar sua saúde, além de potencializar ainda mais a antecipação do preconceito e a própria
evitação na busca de cuidados em saúde. Refere ter vivenciado uma crise de tamanha tristeza
por conta de acontecimentos da sua vida, relacionados ao seu processo de construção de
identidade e a falta de acolhimento externo, que sentiu ter entrado em depressão. Devido a
44

esse estado de vulnerabilidade emocional, Renata explica que na época do ocorrido não teve
ânimo nem para buscar atendimento em saúde, nem para realizar denúncias de discriminações
sofridas. Tais situações podem ser encontradas em sua fala, ao referir o porquê de já ter
evitado buscar atendimentos em saúde, bem como não ter denunciado discriminações
sofridas:

Passou pela cabeça (denunciar), mas ai me deu preguiça sabe? Preguiça


assim né… Reflexo dessa falta de vontade, dessa indisposição. E ao mesmo
tempo é de evitar esse transtorno de novo. Evitar ter que passar de novo por
outra situação. Porque tu tem que ficar argumentando, e ai vão ficar dizendo
que não é. Sempre há o argumento para deslegitimar as nossas causas (não
binárias). Então eu pensei que ia ser um esforço muito grande que eu teria
que fazer (...)

A fala da participante Renata, entra em consonância com aos dados apontados por
James et. al. (2016) no relatório de 2015 da U.S. Transgender Survey, evidenciando o fato de
pessoas não binárias sofrerem alto risco de suicídio, experienciarem mais doenças
psicológicas e apresentarem altos níveis de depressão e ansiedade. Esses dados podem ser
também compreendidos pelo conceito de estresse de minorias, cunhado por Ilan Meyer como
“estresse excessivo ao qual indivíduos de categorias sociais estigmatizadas são expostos,
como resultado de sua posição social, geralmente enquanto minorias” (Meyer, 2003, p. 675).

No estudo de Kyle et. al. (2019), o conceito de estresse de minorias foi trabalhado em
conjunto com os estudos de estresse vivenciado por pessoas Trans e de Gênero Diverso
(TGD). Ao comparar os estressores vivenciados por TGD´s com estressores vivenciados por
LGBT´s, constatou que se tratava de problemáticas diferentes, sendo a cisnormatividade um
aspecto que influenciava em tal diferença. De modo esclarecedor, cabe conceituar que o termo
“cisnormatividade” seria a suposição de que todos se identificam com o gênero atribuído ao
nascer, além da desvalorização de experiências ou perspectivas não cisgêneros em favor das
experiências cisgêneros, através de comportamentos, atitudes e microagressões (American
Psychological Association, 2015). O conceito de cisnormatividade, portanto, se introduz
como um elemento diferencial ao colocar as discriminações relacionadas ao gênero como uma
extensão do modelo de estresse de minorias.
45

A participante Renata, portanto, corrobora e ao mesmo tempo extrapola e critica tais


expectativas violentas da cisnormatividade impostas sobre si, manifestando um processo
complexo e ao mesmo tempo enriquecedor de construção de identidade. Refere ao longo de
sua entrevista, sobre o fato de se identificar com o fenômeno da natureza do “Vento”,
entendendo tal expressão como um lado seu que fugia da necessidade de se enquadrar nas
normas de gênero cisnormativas e binárias, se utilizando de formas criativas de expressão.
Expõe ainda, sobre a intensificação de tais expectativas sociais devido a cultura do sul do
país, em sua fala:

(...) No geral esse lugarzinho fechado de macho e Fêmea, nunca me coube,


nunca me contemplou. Eu sempre achei muito violento, muito limitante,
muito sufocante, ainda mais estando submetida a um projeto de homem cis,
branco e hetero gaúcho da fronteira oeste, que tem que se impor, que tem q
ser macho...

A fala de Renata demonstra tanto aquilo que lhe é imposto e esperado socialmente,
dentro dessa dita lógica binária, cis e heteronormativa, quanto a sua maneira de resistir e
ultrapassar tais imposições. Refere, inclusive, sobre sentir tais expectativas sociais como
dentro de um caráter de violência e limitação perante as impossibilidades atribuídas a pessoas
não binárias em sua construção de identidade, permeando as mais variadas instâncias do seu
cotidiano. Essas impossibilidades limitantes de um cotidiano saudável e fluído, se solidificam
e se mostram presentes através de processos discriminatórios contra a população não binária.

De acordo com Bradford & Catalpa (2019), em estudo comparativo sobre


heterogeneidades entre pessoas cisgênero, transgênero binárias e transgênero não binárias, a
correlação entre suporte significativo e satisfação com a vida se mostra mais elevada em
pessoas cisgênero do que em pessoas transgênero binárias e não binárias. A pesquisa também
mostra que, a correlação entre suporte de amizades e satisfação de vida são mais altas em
pessoas cisgênero e em pessoas transgênero binárias do que em pessoas transgênero não
binárias. Com vistas a tais discriminações específicas relacionadas às questões de gênero, foi
elaborada a escala de estresse de minorias de gênero, do inglês Gender Minority Stress and
Resilience (GMSR), elaborada por Testa e colegas (Tan et. al., 2019).
46

As medidas do GMSR foram desenvolvidas com base no modelo de estresse de


minorias de Meyer e adaptadas para refletir as experiências de pessoas Transgênero e em não
conformidade de gênero em suas especificidades (Testa et. al., 2015). De acordo com os
autores, pessoas transgênero e em não conformidade de gênero podem sofrer formas
adicionais de discriminação, como impossibilidade de acessar documentos legais ou
atendimento médico devido a diferenças nos registros sobre sexo ou nome, até discriminação
no atendimento médico e dificuldade em acessar banheiros públicos com segurança. Devido a
tais experiências de discriminação, a evitação na busca por novos atendimentos volta a ser
uma das estratégias de enfrentamento encontradas por pessoas transgênero e não binárias.

De acordo com Bauer et. al. (2014), em pesquisa realizada em Ontário, Canadá, com
408 pessoas trans e em não conformidade de gênero, 21% da amostra entrevistada relatou ter
evitado o atendimento de emergência devido a percepções e experiências anteriores de
discriminação ou maus cuidados devido ao seu status de pessoa trans. Os dados da pesquisa
mostram ainda, que 52% da amostra relatou experiências negativas em seu acesso à
departamentos de emergência em saúde, devido a sua expressão de gênero. Os estudos de
Rodriguez et. al. (2016), mostraram resultados relacionados as associações entre
reconhecibilidade da identidade trans com a discriminação acometida sobre os mesmos. O estudo
mostrou associações significativas de discriminação em contextos de saúde com pessoas que são
sempre reconhecidas pela sua identidade trans, ao ultrapassarem a dinâmica social binária e
cisnormativa. Como afirmado por Moyer (2019), quanto menos alinhado aos papéis,
expressões e expectativas binárias, mais propenso se está a sofrer discriminação.

De forma dinâmica e interconectada, esse processo é trazido pelas participantes da


pesquisa como acontecendo da seguinte forma: a experiência da discriminação e as
dificuldades cotidianas enfrentadas, geram um impacto de estresse excessivo, o que
vulnerabiliza física e emocionalmente populações estigmatizadas. Com isso, tais populações
passam a necessitar de cuidados específicos em saúde, os quais lhe são negados ou ao buscá-
los, acabam sofrendo novos processos de discriminação. Por fim, como forma de evitar tais
revitimizações, o que acaba por se configurar como possível antecipação de discriminação,
essa população tende a buscar, portanto, tratamentos em saúde através de pares ou por conta
própria, com automedicação.

A participante de pesquisa Charlote*, exemplifica de maneira bastante clara esse


processo de enfrentamento da discriminação. O despreparo profissional no atendimento às
47

suas necessidades em saúde e às de pessoas próximas a si, passa a fazer com que ela comece a
evitar revitimizações, culminando na antecipação da discriminação. De acordo com Moyer
(2019), os indivíduos tendem a desenvolver antecipações e aversões ao estigma com o passar
do tempo. Segundo a autora, pesquisas recentes vêm apontando uma maior probabilidade de
evitação na procura por serviços em saúde, desde adiamento de cuidados médicos necessários,
até assistência médica preventiva ou de rotina, em decorrência de experiências passadas de
recusas de atendimento e/ou maus-tratos verbais e físicos por prestadores de serviços em
saúde.

Devido a evitação na busca por atendimento em saúde, Charlote reporta ter encontrado
auxílio para suas demandas através de amizades e pessoas conhecidas que saberiam trata-la
com cuidado e empatia. Nesse processo de automedicação, Charlote reporta que ao longo de
seis meses contou com a ajuda de uma amiga trans para a aplicação de injeções em seu
tratamento hormonal. Através de um processo de resistência e enfrentamento, Charlote
demonstra em seu relato, preencher a lacuna de conhecimento sobre demandas não binárias
que profissionais da saúde deveriam suprir. Essa falha no atendimento profissional
qualificado, portanto, acaba gerando tais processos de enfrentamento, contudo, ainda que em
forma de resistência, comportamentos de automedicação ou tratamento com pares podem
colocar em risco a saúde de pessoas não binárias.

O reconhecimento dessa falha, bem como o risco em saúde gerado pela mesma, foi um
dos incentivos que culminaram na criação da Associação Mundial Profissional para a Saúde
Transgênero, traduzido do inglês World Professional Association for Transgender Health
(WPATH). Essa iniciativa se trata de uma associação profissional, multidisciplinar e
internacional que tem como missão promover cuidado, educação, pesquisa, advocacia e
políticas públicas baseadas em evidências, além de respeito pela saúde transsexual e
transgênero (Coleman et. al., 2012). De acordo com as/os autoras/es, uma das principais
funções da WPATH é promover os mais altos padrões de assistência à saúde para indivíduos,
por meio do desenvolvimento das Normas de Atenção (NDA) à saúde das pessoas Trans e
com Variabilidade de Gênero. Baseadas na melhor informação científica disponível e no
consenso profissional especializado, as NDA objetivam fornecer orientação clínica segura e
eficaz para profissionais da saúde, afim de gerar conforto, saúde, bem-estar psicológico e
realização pessoal para pessoas trans e em variabilidade de gênero. Essa assistência pode
incluir cuidados de saúde primários, atendimento ginecológico e urológico, opções
48

reprodutivas, terapias de voz e comunicação, serviços de saúde mental, como avaliação,


aconselhamento e psicoterapia, além de tratamentos hormonais e cirúrgicos (Coleman et. al.,
2012).

Assim como a WPATH, a American Counseling Association´s (2010) se propõe a


sugerir competências profissionais para uso em aconselhamento com população transgênero.
Essas competências são voltadas para conselheiros treinados profissionalmente que trabalham
com indivíduos, famílias, grupos ou comunidades trans. Tais competências são baseadas em
bem-estar, resiliência e abordagem baseada em força, no intuito de lidar com opressões e
discriminações experienciadas, através do reconhecimento de força, resistência e saúde em
pessoas trans. O trabalho realizado com a comunidade trans pode servir como modelo de
rompimento na lógica de saúde estritamente binária e cisnormativa, ao passo que, tanto a
American Counseling Association´s (2010), quanto a WPATH reconhecem a necessidade de
estudos que trabalhem as diferenças entre as diversas identidades de gênero, incluindo
identidades não binárias e gênero queer. Ao perceber tais necessidades, a pesquisa de Rider et.
al. (2019), desenvolve um modelo de psicoterapia trans-afirmativa que explicitamente inclui
pessoas não binárias e valoriza identidades não binárias como centrais para a abordagem geral
no atendimento clínico, chamado de Abordagem Afirmativa de Gênero (traduzida do inglês
The Gender Affirmative Lifespan Approach - GALA).

De acordo com Rider et. al. (2019), um dos principais valores do GALA seria
justamente o que chamaram de “moving beyond the binary”, traduzido como “movendo-se
além do binário”. Segundo os autores, essa ideia de mover-se para além da binaridade, parte
do pressuposto que, todo o trabalho em saúde trans de alguma forma possui um histórico
impregnado por suposições de gênero heteronormativas, cisnormativas e de aplicação binária.
A abordagem afirmativa de gênero apresenta cinco elementos chave para um atendimento de
qualidade em demandas de gênero, sendo esses: (1) Construindo resiliência; (2)
Desenvolvimento da alfabetização em gênero; (3) Indo além do binário; (4) Promovendo
sexualidade positiva e (5) Facilitando conexões empoderadas para intervenções médicas (se
assim desejar) (Rider et. al., 2019). Esses elementos podem servir como modelos de
referência para atendimentos com abordagem afirmativa de gênero.

Os novos modelos de atendimento, bem como pesquisas recentes e busca por


atualização constante em práticas afirmativas de gênero, podem servir como base para se
compreender a saúde além da lógica binária apenas. A escuta de demandas e necessidades da
49

população não binária e LGBTQI+ se mostra crucial para a aplicação de atendimentos


qualificados que supram as lacunas até então pobremente preenchidas por escassos recursos
em saúde trans e não binária. Com isso, no presente estudo as participantes da pesquisa
expuseram enfaticamente o que percebiam que deveria ser mudado ou melhorado no
atendimento em saúde de pessoas não binárias.

Cada uma das cinco pessoas entrevistadas trouxe seus apontamentos específicos sobre
tais mudanças ou melhorias necessárias no atendimento da população não binárias pelos
serviços de saúde. Dessa forma, a participante Erick levantou a importância de se incluir nas
demandas de atendimento em saúde, pessoas interssex, não binárias ou simplesmente aquelas
que desejam realizar somente alguns processos de sua transição e identificação em particular.
A participante Eloísa menciona a necessidade de um maior preparo profissional sobre
demandas de gênero e sexualidade, evitando que pacientes tenham que inverter o papel de
cuidado, suprindo as lacunas de conhecimento que deveriam ser preenchidas pelos
profissionais de saúde. Em contrapartida, a entrevistada Renata, trouxe ideias criativas de
como lidar com tais lacunas de conhecimento, sugerindo que pessoas trans e não binárias
fossem chamadas a falar para profissionais em serviços de saúde, gerando representatividade
direta. Além disso, sugeriu que fossem propostos cursos de formação em atualização sobre
gênero e sexualidade para tais profissionais de saúde em exposições dinâmicas, através arte,
como teatro, vídeos ou músicas.

A participante de pesquisa Charlote também referiu a necessidade de promover cursos


de formação para profissionais, no sentido de humanizar o processo, através da aproximação
com os temas de gênero e sexualidade. Além disso, Charlote refere a necessidade de apoio
psicológico, acolhimento e escuta de pessoas não binárias em serviços de saúde. Aponta
ainda, questões relacionadas ao preparo enquanto instituição de saúde, referindo necessidade
de mais organização e logística nos atendimentos para que propostas e políticas públicas
sejam incorporadas de forma mais eficaz. Por fim, o participante Doris contesta a necessidade
de laudo psicológico para prescrição de hormônios por endocrinologistas, afirmando ser uma
exigência que deslegitima o paciente e refere ser um ponto a ser questionado no atual serviço
em saúde. Com isso, Doris levanta a importância de uma relação médico-paciente menos
hierarquizada em termos de poder, de modo a construir um ambiente de troca, confiança e
respeito entre ambas as partes do processo de atendimento em saúde.
50

Conclusão

O modelo de lógica binária se construiu e segue sendo fomentado ao longo da história


da humanidade como possibilidade única de perceber o mundo. Ao mesmo tempo que a
binaridade se presta a simplificar uma realidade complexa e a auxiliar no reconhecimento e
afastamento de identificações, também pode ser capaz de enrijecer modelos de existência e
limitar existências que vão além do binário apenas. Além disso, ao incorporar o pensamento
binário para as relações de gênero, essa limitação se torna ainda capaz de acrescentar um peso
e um poder a um polo de gênero em detrimento do outro.

A dinâmica binária de gênero acaba perdendo sua potência de verdade absoluta no


momento em que se tensionam questões relacionadas a não binaridade e pessoas interssex, as
quais não se sentem contempladas pelos polos estabelecidos como homem/mulher somente.
Tais prerrogativas identitárias transcendem esse entendimento binário e reverberam a
possibilidade de perceber uma identidade de maneiras múltiplas, variáveis e fluídas. Todavia,
o sistema binário permanece imperando atualmente e se fazendo perceber através de
imposições estruturais e cotidianas, desde a falta de conhecimento sobre possibilidades de
existência não binária, até invisibilização de demandas e discriminação. Essa lógica binária se
mostra presente, portanto, como um pensamento estrutural da sociedade, de forma que a
expectativa social e as instituições atuam somente sob este formato, o que culmina na
invisibilização de demandas que estão além dessa prerrogativa.

Ao compreendermos o pensamento binário como pré-estabelecido socialmente e


incorporado através das instituições sociais, podemos vislumbrar a instituição saúde como
também carente de recursos, conhecimentos e preparo profissional para atender qualquer
demanda que fuja dessa lógica polarizada. No presente estudo, o foco se deu no entendimento
sobre o pensamento binário, para então visualizar como se dá o acesso à saúde por pessoas
não binárias, inseridas nesse sistema que não as enxerga e muito menos legitima. Nesse
percurso, foi possível começar a entender o funcionamento dessa dinâmica de acesso à saúde,
bem como a forma como se dá a relação entre profissionais da saúde e paciente.

O despreparo profissional para atender demandas não binárias apareceu como o


principal apontamento levantado pelas participantes da pesquisa. Relatos como a falta de
conhecimento sobre não binaridade por parte de médicos e profissionais da saúde foi unânime
em todas as entrevistas realizadas. Para além da falta de conhecimento, se mostraram
51

presentes também comportamentos aversivos e discriminatórios dentro de centros de saúde, o


que levava a futuras evitações na busca de atendimento em saúde, como forma de evitar
revitimizações.

A evitação na busca por cuidados em saúde pode ser entendida como efeito da
antecipação da discriminação e esta, por sua vez, denuncia o fator desencadeante desse
processo, o despreparo profissional no atendimento de demandas que fogem do viés binário
no cuidado em saúde. Dessa forma, o despreparo profissional pode ser percebido como um
dos motivos que acarretam na elaboração de micropolíticas de enfrentamento por pessoas que
ultrapassam a lógica binária. O entendimento dessa lógica binária como um processo de
construção cultural e histórica, portanto, se mostra como o fator primário na busca por um
atendimento e um acesso à saúde capazes de suprir demandas múltiplas, que transcendam a
percepção binária do gênero.

Referências
American Counseling Association. (2010). Competencies for counseling with transgender clients.
Journal of LGBT Issues in Counseling, 4, 125–139.

American Psychological Association (2018). Dictionary of Psychology. Encontrado em:


https://dictionary.apa.org/heteronormativity.

American Psychological Association (2015). Non-binary gender identities: Fact sheet. The Society for
the Psychological Study of Lesbian, Gay, Bisexual, and Transgender Issues. Encontrado em:
http://www.apadivi sions. org/division44/resources/advocacy/nonbinary-facts.pdf.

Bradford, N. J., & Catalpa, J. M. (2018). Social and psychological heterogeneity among binary
transgender, non-binary transgender, and cisgender individuals. Psychology & Sexuality.

Braun, V., & Clarke, V. (2008). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in
Psychology, 3, 77-101.

Butler, J. (2007). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. New York and London:
Editora Routledge.

Carvalho, M. (2018). “Travesti”, “mulher transexual”, “homem trans” e “não binário”:


interseccionalidades de classe e geração na produção de identidades políticas. Cadernos pagu, 52.

Coleman, E., Bockting, W., Botzer, M., Kettenis, P. C.-, DeCuypere, G., Feldman, J., ... Zucker, K.
(2012). Normas de atenção à saúde das pessoas trans e com variabilidade de gênero. Associação
mundial profissional para a saúde Transgênero. International Journal of Transgenderism, 13(4), 165–
232. 7º versão. doi:10.1080/15532739. 2011.700873

Costa, A. B., (2015). VULNERABILIDADE PARA O HIV EM MULHERES TRANS: O PAPEL DA


PSICOLOGIA E O ACESSO À SAÚDE. (Tese de Doutorado em Psicologia). Instituto de Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
52

Costa, A. B., Filho, H. T. R. da, Pase, P. F., Fontanari, A. M. V., Catelan, R. F., Mueller, A., ... Koller,
S. H. (2016). Healthcare Needs of and Access Barriers for Brazilian Transgender and Gender
Diverse People. J Immigrant Minority Health, 20, 115–123.

Cloke, P., & Johnston, R. (2005). Spaces of Geographical Thought: Deconstructing Human
Geography's Binaries. (1. Ed., Vol.1). Londres: Sage Publications.

Cruz, T. M. (2014). Assessing Access to Care for Transgender and Gender Nonconforming People: A
Consideration of Diversity in Combating Discrimination. Social Science & Medicine 110: 65–73.

Dourlent, H. F., Dobson, S., Clark, B. A., Doull, M., Saewyc, E. M. (2016). “I would have preferred
more options”: accounting for non-binary youth in health research. Nursing Inquiry, Canada.

Foucault, M. (1991). Vigiar e Punir. História da Violência nas Prisões. Ed. Vozes. 9º Edição.

Franco, J. R. (2015). A “virada espacial” e a semiótica: uma proposta alternativa ao pensamento


binário. LÍBERO, v. 18 (n. 36), 65-76.

Grant JM, Mottet LA, Tanis J, Herman JL, Harrison J, Keisling M. (2010). National transgender
discrimination survey report on health and health care. Washington DC: National Center for
Transgender Equality and the National Gay and Lesbian Task Force.

Gray, D. E. (2012). Pesquisa no mundo real. Porto Alegre: Editora Penso. 2º Edição.

Jacintho, S. S. (2019). Fora do “Cis”tema: Os caminhos da transição de gênero de homens trans.


Alabastro: revista eletrônica dos discentes da Escola de Sociologia e Política da FESPSP, São Paulo.
Ano 8, v. 1, n. 12, 2019, p. 16-31.

James, S. E., Herman, J. L., Rankin, S., Keisling, M., Mottet, L., & Anafi, M. (2016). The Report of
the 2015 U.S. Transgender Survey. Washington, DC: National Center for Transgender Equality.

Jaroszewski, S., Lottridge, D., Haimson, O. L., & Quehl, K. (2018). “Genderfluid” or “Attack
Helicopter”: Responsible HCI Practice with Non-Binary Gender Variation in Online Communities.
CHI '18 Proceedings of the 2018 CHI Conference on Human Factors in Computing Systems, Paper
No. 307.

Johnson, A. H. (2018). Rejecting, reframing, and reintroducing: trans people's strategic engagement
with the medicalisation of gender dysphoria. Sociology of Health & Illness. ISSN 0141-9889

Kyle K. H. Tan, Gareth J. Treharne, Sonja J. Ellis, Johanna M. Schmidt & Jaimie F. Veale (2019):
Gender Minority Stress: A Critical Review. Journal of Homosexuality.

Laqueur, T. (2001). Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Editora
Relume Dumará.

Lampalzer, U., Behrendt, P., Dekker, A., Briken, P. & Nieder, T. O. (2019). The Needs of LGBTI
People Regarding Health Care Structures, Prevention Measures and Diagnostic and Treatment
Procedures: A Qualitative Study in a German Metropolis. International Journal of Environmental
Research and Public Helath. 16(19): 3547.

Louro, G. L. (2001). TEORIA QUEER - UMA POLÍTICA PÓS-IDENTITÁRIA PARA A EDUCAÇÃO.


Estudos Feministas. Ano 9.

Lykens, J. E., LeBlanc, A. J., & Bockting, W. O. (2018). Healthcare Experiences Among Young
Adults Who Identify as Genderqueer or Nonbinary. LGBT Health, Vol. 5 (No. 3).
53

Matsuno, E., & Budge, S. L. (2017). Non-binary/genderqueer identities: A critical review of the
literature. Current Sexual Health Reports, 9, 116–120.

Meyer, I. H. (2003). Prejudice, Social Stress, and Mental Health in Lesbian, Gay, and Bisexual
Populations: Conceptual Issues and Research Evidence. Psychological Bulletin Copyright by the
American Psychological Association. Vol. 129, No. 5.

Minayo, M. C. de S. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc. Saúde


Coletiva, 17 (3), 621-626.

Miskowci, R. (2012). Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. São Paulo: Editora Autêntica.

Moyer, Katherine R. (2019). Effects of Discrimination on Transgender Populations. Counselor


Education Capstones. 102.

Rider, G. N., McMorris, B. J., Gower, A. L., Coleman, E., Eisenberg, M. E. (2017). Health and Care
Utilization of Transgender and Gender Nonconforming Youth: A Population-Based Study.
PEDIATRICS. Vol. 141, nº 3.

Rider, G. N., Vencill, J. A., Berg, D. R., Warner R. B., Pérez L. C. & Spencer, K. G. (2019). The
gender affirmative lifespan approach (GALA): A framework for competent clinical care with
nonbinary clients. International Journal of Transgenderism.

Rodriguez, A., Agardh, A., Asamoah, B. O. (2016). Self-Reported Discrimination in Health-Care


Settings Based on Recognizability as Transgender:ACross-Sectional StudyAmong Transgender U.S.
Citizens. Archive Sexual Behavior. DOI 10.1007/s10508-017-1028-z

Rohden, F. (2003). A construção da diferença sexual na medicina. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro,
19(Sup. 2):S201-S212.

Souza, E. M. de, Carrieri A. de P. (2010). A analítica queer e seu rompimento com a concepção
binária de gênero. REV. ADM. MACKENZIE, V. 11, N. 3.

Vincent, B. W. (2016). Non-Binary Gender Identity Negotiations: Interactions with Queer


Communities and Medical Practice. (Tese de pós-doutorado). Retrieved from URL:
http://etheses.whiterose.ac.uk/id/eprint/15956.

Sterling, A. F. (2000). Sexing the body: gender politics and the construction of sexuality. Editora:
Basic Books. Primeira Edição.

Tan, K. K. H., Treharne, G. J., Ellis, S. J., Schmidt, J. M. & Veale, J. F. (2019). Gender Minority
Stress: A Critical Review. Journal of Homosexuality.

Testa, R. J., Habarth, J., Peta, J. & Balsam, K. (2015). Development of the Gender Minority Stress and
Resilience Measure. First publiched online on Center for LGBTQ Evidence-Based Applied Research,
Palo Alto University.Walter Bockting, Department of Psychiatry, Columbia University.

Yin, R. K. (2016). Pesquisa qualitativa do início ao fim. Métodos de pesquisa. Editora: Penso.
Primeira Edição.
54

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente dissertação, inicialmente buscava se debruçar sobre o entendimento acerca


da lógica binária social e de que forma pessoas que transcendem essa lógica, percebem a si
mesmas e a própria binaridade em si. O aprofundamento sobre o pensamento binário e a
relação deste com as questões de gênero, bem como as problematizações sobre gênero ser
uma categoria tão construída socialmente quanto sexo (Butler, 2007), serviram de mote para
conhecer as pessoas entrevistadas na pesquisa. Após a oportunidade de escuta através das
cinco entrevistas realizadas, foi possível expandir a reflexão sobre o tema da não binaridade e
compreender de forma mais ampla as demandas e as problematizações levantadas sobre o
acesso à saúde.
Através das entrevistas, foram levantados os principais pontos elencados como
necessitando de melhora para um atendimento de qualidade às questões não binárias e
LGBTQI+, sendo estes o despreparo de profisisonais da saúde, tanto em termos de
conhecimento sobre o tema quanto em relação a um atendimento assertivo. Dentre as
estratégias de enfrentamento levantadas pelas participantes, a evitação na busca por
atendimento em saúde apareceu em quatro das cinco entrevistas, como forma de lidar e evitar
novas situações de discriminações vivenciadas em contextos de saúde.
As propostas de melhorias no atendimento em saúde foram variadas e denotaram tanto
conhecimento sobre suas próprias demandas e direitos, quanto criatividade na resolução dos
problemas apontados. Desde promoção de cursos e palestras de atualização em questões de
gênero, sexualidade e demandas LGBTQI+, até melhorias nos recursos ofertados pelos
serviços, como capacidade de escuta, empatia e acolhimento, além de ideias como incorporar
conhecimento à profissionais de saúde através da arte, com teatro, música ou filmes. As
experiências através da identificação com a não binaridade, assim como as demandas e os
desafios no acesso à saúde trazidas pelas participantes da pesquisa, tornaram possível o
desenvolvimento de todo o projeto de Mestrado, bem como a melhor compreensão no estudo
de pesquisas recentes sobre o assunto. De maneira interconectada, as obras clássicas em
55

estudos de gênero e sexualidade e os estudos recentes sobre os temas, foram sendo costurados
ao longo do projeto em consonância com as falas trazidas pelas participantes entrevistadas.

REFERÊNCIAS
American Counseling Association. (2010). Competencies for counseling with transgender clients.
Journal of LGBT Issues in Counseling, 4, 125–139.

American Psychological Association (2018). Dictionary of Psychology. Encontrado em:


https://dictionary.apa.org/heteronormativity.

American Psychological Association (2015). Non-binary gender identities: Fact sheet. The Society for
the Psychological Study of Lesbian, Gay, Bisexual, and Transgender Issues. Encontrado em:
http://www.apadivi sions. org/division44/resources/advocacy/nonbinary-facts.pdf.

Bradford, N. J., & Catalpa, J. M. (2018). Social and psychological heterogeneity among binary
transgender, non-binary transgender, and cisgender individuals. Psychology & Sexuality.

Braun, V., & Clarke, V. (2008). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in
Psychology, 3, 77-101.

Butler, J. (2007). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. New York and London:
Editora Routledge.

Butler, J. (1999). “Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do ‘sexo’”. In: LOURO, Guacira
Lopes (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Editora Autêntica. p.
151-172.

Carvalho, M. (2018). “Travesti”, “mulher transexual”, “homem trans” e “não binário”:


interseccionalidades de classe e geração na produção de identidades políticas. Cadernos pagu, 52.

Coleman, E., Bockting, W., Botzer, M., Kettenis, P. C.-, DeCuypere, G., Feldman, J., ... Zucker, K.
(2012). Normas de atenção à saúde das pessoas trans e com variabilidade de gênero. Associação
mundial profissional para a saúde Transgênero. International Journal of Transgenderism, 13(4), 165–
232. 7º versão. doi:10.1080/15532739. 2011.700873

Costa, A. B., (2015). VULNERABILIDADE PARA O HIV EM MULHERES TRANS: O PAPEL DA


PSICOLOGIA E O ACESSO À SAÚDE. (Tese de Doutorado em Psicologia). Instituto de Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

Costa, A. B., Filho, H. T. R. da, Pase, P. F., Fontanari, A. M. V., Catelan, R. F., Mueller, A., ... Koller,
S. H. (2016). Healthcare Needs of and Access Barriers for Brazilian Transgender and Gender
Diverse People. J Immigrant Minority Health, 20, 115–123.

Cloke, P., & Johnston, R. (2005). Spaces of Geographical Thought: Deconstructing Human
Geography's Binaries. (1. Ed., Vol.1). Londres: Sage Publications.

Cruz, T. M. (2014). Assessing Access to Care for Transgender and Gender Nonconforming People: A
Consideration of Diversity in Combating Discrimination. Social Science & Medicine 110: 65–73.
56

Dourlent, H. F., Dobson, S., Clark, B. A., Doull, M., Saewyc, E. M. (2016). “I would have preferred
more options”: accounting for non-binary youth in health research. Nursing Inquiry, Canada.

Flick, U. (2008). Introdução à Pesquisa Qualitativa. Editora Artmed. 3º Edição.

Foucault, M. (1976). História da sexualidade – A vontade de saber (13. Ed., Vol. 1). Rio de Janeiro:
Ed. Graal.

Franco, J. R. (2015). A “virada espacial” e a semiótica: uma proposta alternativa ao pensamento


binário. LÍBERO, v. 18 (n. 36), 65-76.

Grant JM, Mottet LA, Tanis J, Herman JL, Harrison J, Keisling M. (2010). National transgender
discrimination survey report on health and health care. Washington DC: National Center for
Transgender Equality and the National Gay and Lesbian Task Force.

Gray, D. E. (2012). Pesquisa no mundo real. Porto Alegre: Editora Penso. 2º Edição.

Jacintho, S. S. (2019). Fora do “Cis”tema: Os caminhos da transição de gênero de homens trans.


Alabastro: revista eletrônica dos discentes da Escola de Sociologia e Política da FESPSP, São Paulo.
Ano 8, v. 1, n. 12, 2019, p. 16-31.

James, S. E., Herman, J. L., Rankin, S., Keisling, M., Mottet, L., & Anafi, M. (2016). The Report of
the 2015 U.S. Transgender Survey. Washington, DC: National Center for Transgender Equality.

Jaroszewski, S., Lottridge, D., Haimson, O. L., & Quehl, K. (2018). “Genderfluid” or “Attack
Helicopter”: Responsible HCI Practice with Non-Binary Gender Variation in Online Communities.
CHI '18 Proceedings of the 2018 CHI Conference on Human Factors in Computing Systems, Paper
No. 307.

Johnson, A. H. (2018). Rejecting, reframing, and reintroducing: trans people's strategic engagement
with the medicalisation of gender dysphoria. Sociology of Health & Illness. ISSN 0141-9889

Kyle K. H. Tan, Gareth J. Treharne, Sonja J. Ellis, Johanna M. Schmidt & Jaimie F. Veale (2019):
Gender Minority Stress: A Critical Review. Journal of Homosexuality.

Laqueur, T. (2001). Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Editora
Relume Dumará.

Lampalzer, U., Behrendt, P., Dekker, A., Briken, P. & Nieder, T. O. (2019). The Needs of LGBTI
People Regarding Health Care Structures, Prevention Measures and Diagnostic and Treatment
Procedures: A Qualitative Study in a German Metropolis. International Journal of Environmental
Research and Public Helath. 16(19): 3547.

Louro, G. L. (2001). TEORIA QUEER - UMA POLÍTICA PÓS-IDENTITÁRIA PARA A EDUCAÇÃO.


Estudos Feministas. Ano 9.

Louro, G. L. (2008). Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pro-Posições, v.19. (n.2).

Lykens, J. E., LeBlanc, A. J., & Bockting, W. O. (2018). Healthcare Experiences Among Young
Adults Who Identify as Genderqueer or Nonbinary. LGBT Health, Vol. 5 (No. 3).

Machado, P. S., Costa, A. B., Nardi, H. C., Fontanari, A. M. V., Araujo, I. R., Knauth, A. R. (2015).
Follow-up of psychological outcomes of interventions in patients diagnosed with disorders of sexual
development: A systematic review. Journal of Health Psychology. Sage. 1–12.

Matsuno, E., & Budge, S. L. (2017). Non-binary/genderqueer identities: A critical review of the
literature. Current Sexual Health Reports, 9, 116–120.
57

Meyer, I. H. (2003). Prejudice, Social Stress, and Mental Health in Lesbian, Gay, and Bisexual
Populations: Conceptual Issues and Research Evidence. Psychological Bulletin Copyright by the
American Psychological Association. Vol. 129, No. 5.

Minayo, M. C. de S. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc. Saúde


Coletiva, 17 (3), 621-626.

Miskowci, R. (2012). Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. São Paulo: Editora Autêntica.

Moyer, Katherine R. (2019). Effects of Discrimination on Transgender Populations. Counselor


Education Capstones. 102.

Richards, C., Bouman, W. P., Seal, L., Barker, M. J., Nieder, T. O., T’Sjoen, G. (2016). Non-binary or
genderqueer genders. INTERNATIONAL REVIEW OF PSYCHIATRY, Vol. 28, No. 1, 95–102.

Rider, G. N., McMorris, B. J., Gower, A. L., Coleman, E., Eisenberg, M. E. (2017). Health and Care
Utilization of Transgender and Gender Nonconforming Youth: A Population-Based Study.
PEDIATRICS. Vol. 141, nº 3.

Rider, G. N., Vencill, J. A., Berg, D. R., Warner R. B., Pérez L. C. & Spencer, K. G. (2019). The
gender affirmative lifespan approach (GALA): A framework for competent clinical care with
nonbinary clients. International Journal of Transgenderism.

Rodriguez, A., Agardh, A., Asamoah, B. O. (2016). Self-Reported Discrimination in Health-Care


Settings Based on Recognizability as Transgender:ACross-Sectional StudyAmong Transgender U.S.
Citizens. Archive Sexual Behavior. DOI 10.1007/s10508-017-1028-z

Rohden, F. (2003). A construção da diferença sexual na medicina. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro,
19(Sup. 2):S201-S212.

Souza, E. M. de, Carrieri A. de P. (2010). A analítica queer e seu rompimento com a concepção
binária de gênero. REV. ADM. MACKENZIE, V. 11, N. 3.

Vincent, B. W. (2016). Non-Binary Gender Identity Negotiations: Interactions with Queer


Communities and Medical Practice. (Tese de pós-doutorado). Retrieved from URL:
http://etheses.whiterose.ac.uk/id/eprint/15956.

Sterling, A. F. (2000). Sexing the body: gender politics and the construction of sexuality. Editora:
Basic Books. Primeira Edição.

Tan, K. K. H., Treharne, G. J., Ellis, S. J., Schmidt, J. M. & Veale, J. F. (2019). Gender Minority
Stress: A Critical Review. Journal of Homosexuality.

Testa, R. J., Habarth, J., Peta, J. & Balsam, K. (2015). Development of the Gender Minority Stress and
Resilience Measure. First publiched online on Center for LGBTQ Evidence-Based Applied Research,
Palo Alto University.Walter Bockting, Department of Psychiatry, Columbia University.

Yin, R. K. (2016). Pesquisa qualitativa do início ao fim. Métodos de pesquisa. Editora: Penso.
Primeira Edição.
58

ANEXOS

ANEXO A – Ficha Demográfica para Entrevistas

Nome:
Idade:
Escolaridade:
Trabalha, estuda ou realiza alguma atividade profissional?
Onde mora?
Sexo designado ao nascer:
Você se identifica com algum gênero?
Se sim, com qual seria?
Tem companheira(o) fixa(o)?
Se sim, há quanto tempo?

ANEXO B – Questionário para entrevista semiestruturada

Que serviço de saúde você costuma fazer uso? Convênios, SUS ou ambos?
Quais modalidades de serviço você costuma buscar atendimento com mais frequência?
Em que locais de atendimento você costuma consultar, desde hospitais, clínicas, UBS, outros?
Você se sente `confortável quando precisa buscar atendimento sem saúde?
Já esteve ou vivenciou situações que lhe deixaram desconfortável?
Se sim, você se sentiria à vontade para me contar um pouco sobre essa experiência?
Se sim, quantas vezes você se lembra de já ter passado por experiências negativas com
relação ao sua busca no tratamento de saúde?
Você se recorda de experiências positivas com relação ao atendimento que lhe foi prestado?
59

Pode me relatar um pouco sua experiência?


Você associa as experiências vividas nos serviços de saúde à forma como você entende seu
gênero e sexualidade?

Se sim, de que forma você pensa essa associação?

Você já sofreu algum preconceito ao ser atendida(o) em algum centro de saúde?

Se sim, se sentiria à vontade para me relatar um pouco como foi?

Recorda em que modalidade de atendimento ocorreu?

Lembra em que local de saúde isso aconteceu?

Quantas vezes você lembra de ter passado por situações parecidas, em que você sentiu ter
sofrido preconceito devido a forma de expressar seu gênero ou sexualidade dentro de um
centro de saúde?

Você já chegou a evitar buscar atendimento em saúde quando estava precisando, devido a
experiências negativas anteriores?

Como você percebe a qualidade dos atendimentos em saúde prestados à você?

Você já chegou a realizar alguma denúncia devido a algum atendimento em que sentiu ter
sofrido preconceito?

Se sentiria à vontade para buscar ajuda ou apoio após vivenciar experiências negativas no
atendimento à saúde?

Já chegou a buscar cuidado em saúde por conta própria ou através de conhecidos para evitar
sofrer preconceito em centros de saúde devido a sua expressão de gênero ou sexualidade?

Que tipos de serviço em saúde você entenderia ser mais provável sofrer preconceito devido a
sua expressão de gênero ou sexualidade, caso isso já tenha acontecido ou você entenda ser
possível de acontecer?

Caso você já tenha passado por situações de preconceito em seu atendimento à saúde, o que
você mudaria nesse atendimento?

Se você pudesse se perceber como aquela pessoa que lhe presta o atendimento, de que forma
você prestaria esse serviço e que tipo de informações e acolhimento você disponibilizaria a
quem é atendido?
60

ANEXO C- Termo de consentimento livre e esclarecido

Nós, Prof. Dr. Angelo Brandelli Costa e Mestranda Vanessa Oliveira Alminhana,
responsáveis pela pesquisa CUIDADOS EM SAÚDE NA POPULAÇÃO NÃO-BINÁRIA:
UM ESTUDO EXPLORATÓRIO COM IDENTIDADES QUE TRANSCENDEM A
BINARIDADE DE GÊNERO, estamos fazendo um convite para você participar como
voluntário/a nesse estudo. Esta pesquisa pretende investigar as demandas e barreiras
enfrentadas por pessoas a partir de 18 anos que se definem com gênero não binário ou
transcendentes ao conceito de gênero, em seu acesso à saúde.
Acreditamos que ela seja importante porque visa contribuir para aumentar a
visibilidade de pessoas não binárias e/ou que se percebem transcendendo o conceito de
gênero. Para sua realização será feito o seguinte: a) apresentação do projeto para as pessoas
que serão participantes da pesquisa; b) entrevistas com pessoas que aceitem voluntariamente
participar da pesquisa; e c) retorno dos resultados da pesquisa para com participantes. Sua
participação constará de uma entrevista que e será gravada em áudio, se assim você permitir,
com duração aproximada de 1 hora. É possível que aconteçam os seguintes desconfortos ou
riscos: constrangimentos e/ou mal-estar em compartilhar experiências passadas ou atuais
sobre a temática do estudo. Você tem o direito de pedir uma indenização por qualquer dano
que resulte da sua participação no estudo. Os benefícios que esperamos com o estudo visam
contribuir para o desenvolvimento das pesquisas científicas sobre acesso à saúde por pessoas
não-binárias.
Quaisquer dúvidas relativas a esta pesquisa poderão ser esclarecidas pelo pesquisador
responsável Angelo Brandelli Costa, fone (51) 984054408. Caso você tenha qualquer dúvida
quanto aos seus direitos como participante de pesquisa, entre em contato com Comitê de Ética
em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (CEP-PUCRS) em
(51) 33203345, Av. Ipiranga, 6681/prédio 50 sala 703, CEP: 90619-900, Bairro Partenon,
Porto Alegre – RS, e-mail: cep@pucrs.br, de segunda a sexta-feira das 8h às 12h e das 13h30
às 17h. O Comitê de Ética é um órgão independente
61

Rubrica do/a participante Rubrica do/a pesquisador/a resp.

constituído de profissionais das diferentes áreas do conhecimento e membros da comunidade.


Sua responsabilidade é garantir a proteção dos direitos, a segurança e o bem-estar dos
participantes por meio da revisão e da aprovação do estudo, entre outras ações.
Ao assinar este termo de consentimento, você não abre mão de nenhum direito legal
que teria de outra forma. Não assine este termo de consentimento a menos que tenha tido a
oportunidade de fazer perguntas e tenha recebido respostas satisfatórias para todas as suas
dúvidas. Se você concordar em participar deste estudo, você rubricará todas as páginas e
assinará e datará duas vias originais deste termo de consentimento. Você receberá uma das
vias para seus registros e a outra será arquivada pelo responsável pelo estudo.

Eu, ________________________________, após a leitura (ou a escuta da leitura) deste


documento e de ter tido a oportunidade de conversar com o pesquisador/a responsável, para
esclarecer todas as minhas dúvidas, acredito estar suficientemente informado, ficando claro
para mim que minha participação é voluntária e que posso retirar este consentimento a
qualquer momento sem penalidades ou perda de qualquer benefício. Estou ciente também dos
objetivos da pesquisa, dos procedimentos aos quais serei submetido, dos possíveis danos ou
riscos deles provenientes e da garantia de confidencialidade e esclarecimentos sempre que
desejar.

Rubrica do/a participante Rubrica do/a pesquisador/a resp.

Diante do exposto expresso minha concordância de espontânea vontade em participar


deste estudo.
_______________________________

Assinatura do/a participante da pesquisa ou de seu representante legal


62

_______________________________
Assinatura de uma testemunha

DECLARAÇÃO DO PROFISSIONAL QUE OBTEVE O


CONSENTIMENTO

Expliquei integralmente este estudo clínico ao participante ou ao seu cuidador. Na minha


opinião e na opinião do participante e do cuidador, houve acesso suficiente às informações,
incluindo riscos e benefícios, para que uma decisão consciente seja tomada.

Data:________________ ____________________________________
Assinatura do/a Investigador/a
_______________________________________
Nome do Investigador/a (letras de forma)

Rubrica do/a participante Rubrica do/a pesquisador/a resp.


63

Prof. Dr. Angelo Brandelli Costa

ANEXO E – Carta de apresentação do projeto

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul


ESCOLA DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Porto Alegre, 17 de outubro de 2018.

À
Comissão Científica
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS

Ao
Comitê de Ética em Pesquisa
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS

Prezados Senhores

Vimos por meio desta apresentar, para apreciação, o Projeto de Mestrado intitulado
“Cuidados em saúde na população não-binária: um estudo exploratório com identidades que
transcendem a binaridade de gênero”. Esse projeto será desenvolvido no grupo de pesquisa
Preconceito, Vulnerabilidade e Processos Psicossociais.
Este projeto pretende realizar entrevistas com participantes a partir de 18 anos de idade,
residentes na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

No aguardo dos respectivos pareceres, subscrevemo-nos.

Atenciosamente,
64

____________________________ ______________________________

Aluna Pós-Graduação Professor Pesquisador Responsável

ANEXO F – Carta de responsabilidade

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul


ESCOLA DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Porto Alegre, 17 de outubro de 2018.

À
Comissão Científica
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS

Ao
Comitê de Ética em Pesquisa
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS

Prezados Senhores:

Declaro que tenho conhecimento e me responsabilizo perante regimento da Pontifícia


Universidade Católica do Rio Grande do Sul pela realização do projeto de pesquisa intitulado
“Cuidados em saúde na população não-binária: um estudo exploratório com identidades que
transcendem a binaridade de gênero”, proposto pelos pesquisadores Angelo Brandelli Costa e
Vanessa Oliveira Alminhana.

O referido projeto será realizado na cidade de Porto Alegre, e só poderá ocorrer a partir da
apresentação da carta de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS.

Atenciosamente,

Dr. Angelo Brandelli Costa


65

Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Escola de Ciências da Saúde


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS
66

ANEXO G – Descrição da equipe

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul


ESCOLA DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Porto Alegre, 17 de outubro de 2018.

À
Comissão Científica
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS

Ao
Comitê de Ética em Pesquisa
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS

DESCRIÇÃO DA EQUIPE:

Dr. Angelo Brandelli Costa – Orientador e Coordenador da pesquisa

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5392717364543465

Dra. Priscila Pavan Detoni – Coorientadora da pesquisa

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9818967247146714

Vanessa Oliveira Alminhana – Mestranda e Pesquisadora

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6683234314068053

Você também pode gostar