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Copyrigth 2021 Silmara Isidoro

Todos os direitos reservados


Criados no Brasil

Esta é uma obra de ficção.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é pura coincidência.

Todas as imagens foram devidamente adquiridas no site:


www.canstockphotos.com.br

Capa: VT Designer
Diagramação e Revisão: Silmara Izidoro
AVISO: LEIAM!

Há um ano, quando rascunhei a história de cada


diretor do MC Black Panthers, minha maior
preocupação era ser fiel a personalidade dos
personagens do primeiro ao último livro para que o
leitor pudesse se identificar com cada um deles.
No encerramento da série dos diretores, você vai
conhecer o mais devasso, descolado e engraçado dos
irmãos. Mas aviso que Dumb não é somente mais um
rostinho bonito ou um corpo esculpido para
proporcionar prazer a uma cadela.
O general de armas guarda segredos que podem
abalar a estrutura psicológica do leitor sensível a
assuntos macabros e desafiadores da fé.
Por favor, não confundam!
Estou falando de crença, não de religião. Aqui,
Dumb vai te pressionar, impressionar e desafiar a negar
a existência e o poder do antagonista. A força do mal e
o paraíso dos pecadores.
A escolha é sua. Cabe a você decidir se quer ou
não aceitar o desafio.
É por sua conta e risco, só não diga que não foi
avisado antes de iniciar a leitura.
Já deixo avisado que não é um livro como os
outros e traz cenas de sexo narradas em sua essência
mais crua. Se não gosta de hot, ménage, e dois
homens encerrando um capítulo que começou a ser
escrito na história do executor, sugiro que nem inicie a
leitura.
Na história do general de armas, o prazer é
mostrado através da visão de dois personagens que
amam pessoas, não gêneros, e compartilham uma
relação nada convencional para os padrões da nossa
sociedade machista e hipócrita.
Posso dizer que foram seis viagens deliciosas na
garupa desses motoqueiros.
Espero de todo meu coração que você embarque
em mais essa aventura de mente aberta, e entenda que
não somos obrigados a aderir, gostar ou exaltar o modo
de vida de ninguém, muito menos compartilhar das
mesmas opiniões.
Mas o RESPEITO, caro leitor, é fodidamente
obrigatório.
Tenha uma ótima leitura e divirta-se!

Silmara Izidoro.
PRÓLOGO

O Primeiro do Último

Mike Abbot estava sentado na janela, com o


ombro direito encostado na madeira e as pernas
balançando do lado de fora. Para quem visse do jardim
não passava de um menino de dez anos como outro
qualquer, se não fosse o cigarro de maconha entre os
dedos da mão direita que, de tempos em tempos, era
levado à boca para mais uma tragada.
Mike estava acostumado a ficar ali, ouvindo
conversas íntimas de seu avô e seu pai, no escritório,
despreocupados com a sua presença, pois o garoto
não representava nenhum tipo de perigo, tampouco
comprometia os negócios do clube, já que não abria a
boca para porra nenhuma, acatava todas as ordens
sem questioná-las e estava sempre à disposição para
executar qualquer serviço.
O fato de ser uma criança não o impedia de matar
se fosse preciso, de forma alguma. O futuro general de
armas já havia provado sua competência e lealdade ao
fundador do Black Panthers, ainda que o atual
presidente não tivesse quaisquer conhecimentos de
suas habilidades ou do seu instinto, naturalmente
assassino, frio e metódico.
Aos seis, Mike cortou a garganta de um homem
sem pestanejar, sob a supervisão de Scott. O velho
ficou fodidamente orgulhoso da frieza do neto e o
presenteou com uma Glock .29, por sua atuação
invejável.
À época, o menino tinha seu Abrigo particular, um
fodido cemitério de homens vivos, onde as vítimas
eram escolhidas a dedo por seu mentor para que Mike
as mandasse pessoalmente para o inferno.
Ele adorava aquele matadouro sombrio e
saboreava a morte que sucedia a dor que suas mãos
causavam nos vermes que Scott costumava chamar de
souvenires.
Naquele dia, Mike não ouvia uma conversa entre
seu avô e seu pai, mas uma calorosa discussão sobre
o seu futuro. Mitch não concordava com Scott, e as
coisas estavam fugindo do controle.
Enquanto um defendia a posição do menino na
diretoria como uma extensão do seu irmão mais velho e
quarto sucessor na presidência, o outro afirmava
categoricamente que ele havia nascido para proteger o
presidente com sua própria vida e, com o treinamento
adequado, sobreviveria tempo suficiente para assumir o
posto mais alto do clube quando sua hora chegasse, e
ainda seria reconhecido como o melhor a reinar
absoluto o motoclube que, um dia, viria a se tornar o
maior do Texas e um dos mais poderosos dos Estados
Unidos.
— Ele não vai ser um escudo do Oliver, porra! —
Mitch esbravejou.
— Eu decido, não você — Scott falou sem alterar
o tom.
— Nós temos um executor para isso!
— O executor deve proteger qualquer membro
que estiver em perigo. Nós precisamos de alguém que
se sacrifique pelo presidente.
— Está se ouvindo, caralho?
— Estou.
— Quer que eu aceite que a vida dele vale menos
que a do Oliver?
— Não. Quero que aceite que um dos seus filhos
nasceu para liderar e o outro para matar.
— Porra nenhuma! — Mitch deu um soco na
mesa. — Você vai continuar treinando o garoto para ser
o general de armas, mas não vai transformar o meu
filho em um maldito anjo protetor do irmão dele.
— Ok.
Scott não tentou argumentar ou convencer o
presidente a aceitar sua decisão de transformar o neto
mais novo em uma arma letal para proteger o herdeiro.
No entanto, o velho sorriu, e mesmo sem olhar para
trás, Mike sabia que aquele sorriso propositadamente
debochado significava justamente o contrário, e nem
mesmo Mitch Abbot impediria que ele cumprisse o
destino que lhe foi traçado desde o seu nascimento.
Por outro lado, Mike não compreendia a postura
defensiva do pai, tampouco o motivo da sua relutância
em aceitar o que estava predestinado a ser, já que ele
nunca havia demonstrado qualquer preocupação ou
descontentamento com o seu treinamento antes
daquele dia.
Afinal, não era como se Scott estivesse
supervisionando seu desempenho há poucas semanas
ou alguns meses, muito pelo contrário. O menino ainda
usava fraldas e engatinhava quando o velho tomou
posse da sua vida, e durante todos aqueles anos se
certificou de que a única voz a ser ouvida e, sobretudo,
obedecida por ele, fosse a sua.
Mike mal ficava em casa e tinha sido proibido de
manter contato com sua mãe e irmã logo que passou a
frequentar a escola, sendo instruído desde sempre que
as cadelas serviam apenas para foder e procriar; que o
homem mais inteligente sempre fingiria ser o mais
burro para ter hesito em suas missões; que aquela
merda de sentimentalismo era sinônimo de fraqueza e,
assim como a vaidade, poderia levá-lo à ruína num
piscar de olhos. Não havia segredos entre Mike e Scott,
somente uma regra:

Um soldado não deve se permitir sentir nada além


de prazer. Não interessa se ele vai gozar com o pau
enterrado em uma cadela ou com o dedo no gatilho da
sua pistola. Um maldito soldado sempre se esbalda
com o gozo e parte em busca de uma nova boceta ou
um futuro cadáver, mas nunca sente nada.

Fodidamente nunca. Fodidamente nada.

Por algum tempo, Mike teve dúvidas sobre a


afirmação do fundador do clube, mas as guardou para
si. Porém todas elas explodiram pelos ares junto com o
avião que Mitch pilotava, pois, o garoto viu com seus
próprios olhos o estrago que a morte da sua prima,
Alice, causou na vida do seu irmão e, principalmente,
no que a morte do seu pai transformou o seu avô.
Um fodido moribundo do caralho.
Damon e Scott se embrenharam por um caminho
sem volta por conta do que sentiam, ou melhor, do que
se permitiram sentir.
A porra do amor era nocivo de várias formas, e
Mike teve o desprazer de assistir de perto o poder
daquela merda que, em menos de seis meses, levou
seu avô à morte e só poupou seu irmão do mesmo fim
trágico, graças aos cinco jovens fodidos que foram
obrigados a assumir seus postos na diretoria do MC
antes da hora e como um maldito milagre, conseguiram
ajudar o Pres a encontrar o caminho de volta para
casa.
Uma fodida inversão de papéis que deu uma nova
direção ao clube, é verdade, no entanto, no general de
armas também ficou marcada como a última e mais
importante regra de Scott Abbot, que ele pretendia
seguir enquanto respirasse.
Era o seu destino, o general de armas sabia.
Ou tolamente pensou que soubesse.
As rachaduras não apareceram do dia para noite
através da pintura gasta dos muros que Dumb ergueu
ao longo dos anos. Tudo aconteceu aos poucos sem
que ele notasse, e começou com a amizade e a
lealdade entre os diretores, sempre fodidamente
dispostos a fazer qualquer coisa uns pelos outros,
ainda que quisessem se matar na maior parte do
tempo.
E aumentou consideravelmente quando ele
permitiu que Travis, o garçom limpador de bunda o
sequestrasse, apenas para provar que Madison era
inocente. Todo seu esforço foi pelo clube, mas
sobretudo para que Damon pudesse ser feliz com a
cadela que amava.
Seu plano de merda funcionou, mas piorou sua
situação com o nascimento de Angel, a cadelinha de
cabelos vermelhos e olhos negros, como os seus, que
a cada sorriso banguela fazia seu estômago revirar e
seu peito apertar.
Ali, Dumb percebeu não apenas a sua primeira
fraqueza explícita, servida em uma bandeja a todos os
inimigos do Black Panthers, mas também dos cinco
fodidos diretores. A família estava crescendo e ele não
podia fazer nada para impedir aquela merda.
Tudo aflorou ainda mais com o banimento
proposital do VP, a morte de Marshall, e a mudança
definitiva de Angus para o clube. O garoto especial se
uniu a Angel para foder seus miolos de vez e esfregar
na sua cara o fracasso da sua missão de não sentir
porra nenhuma.
Como se não bastasse, o passado do executor
resolveu ressurgir das cinzas e ainda apresentou aos
diretores muito mais do que os traumas da contadora,
pois foi naquela maldita corrida ao México que Pink
cruzou seu caminho pela primeira vez.
Entretanto, somente na noite em que Dumb
compartilhou a cadela de cabelo cor-de-rosa com o
rastreador, ele se viu perdido naquele oceano de
confusão, fodidamente confuso pra caralho.
Então, diferente de tudo que o general de armas
supôs, o destino provou de novo que sempre seria seu
único mentor e de uma única vez, ensinou a Dumb que
alguns erros até podem ser irreparáveis, porém
segundas chances existem e não devem ser
desperdiçadas por um homem que sabe o que quer.
E o general de armas sabe o que quer, o que ele
ainda não sabe é que agora quem já não tem mais
tanta certeza de nada é a Pink, e ela está determinada
a ensinar uma coisinha, ou duas, para o vira-lata que
deixou claro que a sua lealdade era tão superficial
quanto o seu amor por ela.
Chegou a hora de descobrir a verdade, portanto,
se estiver pronto para mais uma viagem na garupa
destes motoqueiros, pegue sua pipoca, reserve
calcinhas extras e evite lugares públicos.
Dumb garante uma corrida fodidamente quente e
informa com antecedência que ao final do passeio, sua
vida nunca mais será a mesma.
E isso não é uma maldita ameaça, é a porra de
uma promessa feita pelo general de armas que ele vai
cumprir a todo custo.
Ele sempre cumpre.
CAPÍTULO 1
DUMB

NÃOOOOOOOOOO!

Acordo, assustado e suado pra caralho. Sento-me


com as pernas para fora da cama e passo as mãos
pelo cabelo. Olho por sobre o ombro, fúria desmedida
se apossando de cada célula do meu corpo quando
vejo o rosto dela fodidamente machucado.
Seu cabelo cor-de-rosa espalhado no travesseiro
contrasta com o preto da fronha.
Pink está dormindo há mais de seis horas, desde
que seu corpo foi largado em frente ao clube como um
fodido saco de lixo.
Nada havia me preparado para ver aquilo. Para
me deparar com a minha cadela à beira da morte.
Nada, porra!
Pink não podia ser levada ao hospital. Por sorte,
Andrew, o filho do xerife, está na cidade e se prontificou
a examiná-la assim que Damon ligou para ele. O
fisioterapeuta afirmou que a cadela foi torturada e
espancada por alguém que sabia o que estava
fazendo, pois apesar das escoriações, dos edemas e
dos cortes superficiais, nenhum órgão vital foi atingido
e não havia um único osso fraturado.
Eles a queriam fodidamente ferida, mas viva.
A porra de um recado. Um maldito aviso.
Resta saber de quem e por quê?
Fico de pé, inquieto. Meu corpo é movido pela ira
incontrolável e pelo desejo insaciável de vingança.
Covardes de merda. Bando de filhos da puta.
Mas eles vão pagar caro por cada maldito
arranhão que marcou a pele pálida da minha cadela.
Um por um, todos receberão o que merecem.
Pode demorar o tempo que for, mas quando eu
descobrir quem é o responsável por essa merda, o
desgraçado vai morrer no Abrigo. Vou garantir,
pessoalmente, que ele tenha a morte mais sangrenta
da história do MC Black Panthers.
Visto a calça jeans, camiseta preta e calço as
botas. Não posso ficar de braços cruzados enquanto os
irmãos trabalham para descobrir onde a cadela esteve
nos últimos três malditos dias, ainda que deixá-la
sozinha exija todo meu maldito esforço.
Antes de ir para a sala de vigilância, pretendo
pedir para Megan ficar de olho na Pink, pelo menos por
algumas horas, mas nem tenho trabalho, pois assim
que abro a porta do meu quarto dou de cara com a
loira, que está parada no corredor, encostada no
corrimão, com os braços cruzados à frente do peito e
um olhar assassino.
— O que está fazendo aqui? — pergunto,
cismado.
— Nada — ela responde e dá de ombros.
— O Ghost sabe que a cadela dele está plantada
na minha porta a essa hora? — Minha voz é cheia de
sarcasmo.
— Sabe.
— Se não me disser o que veio fazer aqui, vou
deduzir que o rei não está dando conta das
necessidades da rainha, e ela quer jogar corte real sem
a presença dele.
Em vez de se intimidar, Megan encurta a distância
entre nós, segura meu pau mole por cima do jeans e
fala olhando dentro dos meus olhos:
— E se eu disser que vim até aqui a mando do rei,
porque ele sabe que o bobo da corte não vai comer a
bunda da rainha nem que ela implore?
Estreito os olhos, um tanto surpreso pela audácia
da cadela loira, ciente de que ela está me desafiando.
— Vou colocar a rainha de quatro e foder o rabo
dela do jeito que ela gosta para o rei deixar de ser um
fodido pau no cu — sibilo entredentes.
— Aqui no corredor ou no seu quarto?
— Onde a rainha quiser.
O sorriso da cadela aumenta quando meu pau não
reage ao seu toque, tampouco as palavras de baixo
calão que sempre surtem efeito instantâneo.
— Será que a Pink vai achar ruim se acordar e
pegar você fodendo a minha bunda na beirada da
cama?
Trinco a mandíbula e brado:
— Não.
— Tem certeza?
— Tenho.
— E você?
— Eu, o quê?
— Vai se incomodar se a sua cadela ouvir meus
gemidos enquanto você me come?
Seguro o pulso da Megan com força e afasto sua
mão.
— O que você quer, porra? — rosno, impaciente.
— Quero saber quando você vai deixar de ser
idiota e fazer o que tem de ser feito?
— Há quanto tempo está aqui?
— O suficiente para saber que você demorou mais
do que deveria.
Esfrego os olhos e puxo uma longa respiração.
— Eu não queria sair de perto dela — confesso.
— Eu sei — Megan murmura e me abraça. — Mas
eles não conhecem a Pink como você, e não vão
descobrir onde ela estava sem a sua ajuda.
— Foi o Damon que pediu para você vir?
— Não, o Ghost.
— O que aconteceu com o primata ciumento que
não queria que eu chegasse perto da sua boceta?
— Ele conhece o amigo que tem.
— É melhor o idiota não arriscar. Eu já fui
reprovado no teste de lealdade uma vez — tento uma
piada, mas sem sucesso.
Megan se afasta e me encara com o mesmo brilho
sanguinário que vi nos olhos da Lyn e da Madison,
algumas horas mais cedo, quando elas souberam o
que havia acontecido com a Pink. As três cadelas
criaram um fodido vínculo depois da Blood Wheel da
Felícia e a cada dia que passa o trio se fortalece mais e
mais.
— Ninguém jamais duvidou de você. — Megan
apalpa meu pau novamente. — E se isso aqui não for a
maior prova da sua lealdade, não sei o que pode ser.
— Stresse, cansaço e até impotência prematura
— debocho e deposito um beijo na testa dela. — Ou a
culpa é sua por não fazer seu trabalho direito.
Megan revira os olhos quando passa por mim, e
fala antes de entrar no meu quarto e bater à porta na
minha cara.
— Aposto que você teria uma ereção se visse
uma freira ajoelhada na porta da igreja, rezando o
vigário. Foi uma batalha e tanto, mas acabou, Dumb. É
melhor aceitar que a sua impotência comprova a queda
do último diretor do Black Panthers. Vai logo que eles
estão te esperando. Eu aviso se a Pink acordar.
Olho para baixo e acaricio meu pau molenga.
— Não tem desculpa, amigão. Nosso segredo foi
revelado e agora eu tô fodido quando aqueles idiotas
souberem que nem a bunda da rainha fez você
despertar.
Maldito pau mandado do caralho.

— Finalmente, porra! — Ghost exaspera quando


entro na sala de vigilância.
— Sua cadela demorou para gozar — resmungo e
me sento ao lado dele.
— Foi mal, irmão, mas o valor do bolão estava
muito alto para arriscar — Damon fala, balançando um
monte de notas de cem dólares no ar como se fossem
um leque.
— Que porra é essa? — vocifero.
— O que você acha? — Claws pergunta, com a
sobrancelha erguida.
— Vocês fizeram uma aposta? — Estreito os olhos
para os cinco fodidos que me encaram, felizes pra
caralho.
— O feitiço finalmente virou contra o feiticeiro —
Snake recosta na cadeira, estica as pernas e alonga os
braços.
— Que merda vocês apostaram?
Damon tira um pedaço de papel do bolso da calça
e me entrega.
— Eu fui o único que apostei na terceira opção —
o idiota se vangloria da minha desgraça.
— Eu pensei que seu pau ia dar pelo menos um
sinal de vida — Snake chia.
— Você, seu idiota, manchou a nossa reputação
— Ghost lamenta.
— Até a Lyn apostou em você — Claws debocha.
— Como vocês sabem que a Megan não mentiu?
— Inverto o jogo, ou melhor, tento inverter.
— Minha cadela não ia mentir, mas para ninguém
se sentir prejudicado, ela estava usando microfone —
rebate o rastreador.
Puta que pariu, era só o que me faltava, a
tecnologia inovar o mundo das apostas dos fodidos
diretores. Arregalo os olhos quando leio as opções:
1 – Duro.
2 – Meia-bomba.
3 – Falecido.

— Você apostou que eu ia brochar? — aponto


para o número três e encaro Damon, fodidamente
indignado.
— Irmão, minha nova tática é apostar no que
ninguém aposta. Não é nada pessoal, mas admito que
não tinha esperança de ganhar.
Desvio o olhar para Trap, que está sentado no
chão e pergunto:
— Você também apostou nessa merda?
— Claro.
— Em qual?
— Na primeira — ele responde, desliza a língua
entre os lábios e dá uma piscadela sacana.
Engulo em seco, amasso a folha e giro a cadeira,
ficando de frente para o notebook. Nem a lembrança do
novato mamando meu pau provoca uma maldita
reação.
Porra. Talvez eu realmente esteja com algum
problema sério.
— O que vocês descobriram? — Solto a pergunta
para ninguém específico, com o único intuito de mudar
de assunto.
— Semana passada a Pink recebeu uma
mensagem do ex agente do FBI que estava
trabalhando com ela no caso do Benício. Ele disse que
a filha dele tinha sido assaltada na porta da faculdade
no mesmo horário que um carro preto, sem placa, subiu
na calçada e atropelou a esposa dele quando ela
estava indo para o trabalho — Ghost resume. — Há
quatro dias, ele enviou outra mensagem, dessa vez
para informar que estava abandonando o caso e ainda
aconselhou a Pink a fazer o mesmo.
— Nós perdemos o contato com ela um dia depois
da segunda mensagem do ex agente — Snake
completa. — Tudo indica que os caras que ameaçaram
a família dele, são os mesmos que pegaram a Pink.
— Se o padrão for o mesmo, eles teriam
ameaçado as cadelas do Shadow Princesses antes de
pegar a Pink, certo?
— Nós pensamos nisso, mas a Crystal me
garantiu que elas estão bem e não houve nenhum
incidente na sede do clube na Califórnia — Damon
conclui.
— Tem alguma coisa errada — murmuro.
— O Claws tem uma teoria.
Encaro o executor e espero o canadense ranzinza
falar.
— Concordo com o que você disse sobre o
padrão. Se esses caras deram dois avisos para o
agente, era esperado que dessem para a Pink também.
— A Crystal pode ter mentido.
— Não. Ela é uma péssima mentirosa.
— Se os caras queriam dar um aviso, por que não
ameaçaram as cadelas?
A expressão do Claws continua exatamente igual,
no momento que ele diz:
— O que você sabe sobre a família da Pink?
Demoro alguns segundos para entender o
raciocínio do executor e odeio admitir que ele pode ter
razão.
— Tudo que eu sei é que ela foi abandonada num
orfanato, com poucos dias de vida e ficou lá até os
treze ou quatorze anos.
— A Pink nunca falou nada sobre os pais
biológicos?
— Não.
— Então o jeito vai ser esperar a cadela acordar e
perguntar quem os filhos da puta ameaçaram e por que
ela não recuou como o ex agente fez?
— Porra! Porra! — Ghost xinga alto.
Giro o corpo para ver o que irritou o rastreador e
quase caio da cadeira quando meus olhos são atraídos
para a movimentação no monitor da direita.
— O que essa maluca tá fazendo, caralho? —
Damon esbraveja.
— Ela tá tentando fugir, porra! — respondo
enquanto fico de pé num pulo e saio correndo da sala
de vigilância em direção ao estacionamento.
Pink é como um tornado, daqueles que precisam
de poucos minutos para destruir qualquer coisa que
encontram pela frente.
Então, após a sua explosão de fúria, quando tudo
me leva a crer que ela se acalmou, descubro que é
apenas o começo.
E a cadela intempestiva está fodidamente longe
de terminar.
CAPÍTULO 2
DUMB
Chego ao estacionamento e paro ao lado da moto
que Pink está tentando fazer uma ligação direta. Ela
está tão entretida com os fios, que sequer repara na
minha presença.
— Vai roubar a moto ou só quer fazer uma
pegadinha? — Minha voz é baixa e calma.
Seu corpo retesa.
— Preciso sair daqui — ela responde, ainda de
costas e meia curvada. Seu traseiro empinado para
mim é a resposta que meu pau precisa para se animar
dentro do jeans.
Bom garoto, mas agora não é hora de brincar.
— Se já aprendeu a voar, boa sorte. Ninguém vai
abrir os portões.
— Não pode me manter presa.
— Quer apostar?
Ela suspira, resignada, e endireita o corpo.
— Eu só quero sair daqui — Pink fala por sobre o
ombro. — Sem matar ninguém, de preferência.
— Pode olhar para mim, se quiser.
— Não quero.
Esfrego o rosto e me aproximo dela, encostando
meu corpo ao seu. O cheiro do seu cabelo suado
invade minhas narinas, aumentando o volume na minha
virilha.
— Você está machucada, precisa descansar e se
recuperar antes de sair por aí de calcinha e sutiã.
Ela apoia as mãos no banco da moto e suspira,
como se apenas agora notasse que não está vestida
adequadamente para pilotar uma moto.
— Eu sei o caminho, não precisa me acompanhar
— Pink murmura, fodidamente desanimada, gira o
corpo e volta para a sede sem olhar na minha cara.
Aperto os olhos com as pontas dos dedos.
Posso fazer o que ela quer, ou impor a minha
vontade. Foda-se. A cadela foi deixada na porta do
meu clube, toda machucada e inconsciente. Não vou
deixá-la sozinha com sua mente esperta, ou da próxima
vez, Pink vai dar um jeito de sair daqui sem que
ninguém veja.
Vou atrás dela, como um filhote de cachorro
abandonado em dia de mudança, admirando seu belo
traseiro parcialmente coberto por uma calcinha preta.
Pink empurra a porta da cozinha com força e
entra. Eu a seguro antes de se fechar e encosto o
ombro no batente, relaxado, como se por dentro não
estivesse ansioso e nervoso pra caralho.
— O que você fez com a Megan? — pergunto
enquanto ela abre a geladeira e pega uma garrafa de
água.
— Por que você acha que eu fiz alguma coisa com
ela? — Pink devolve a pergunta, com a bunda
encostada na pia.
Sua indiferença está me matando. Odeio que ela
me trate assim, ainda que eu mereça seu desprezo. No
entanto, não pretendo aceitar essa merda sem lutar.
— Ela estava no quarto.
— Ela pode ter saído. — A cadela bebe um gole e
dá de ombros.
— Ela não teria saído se você não tivesse pedido.
— Talvez eu tenha pedido alguma coisa.
— O que você pediu?
Pink olha para baixo, bebe mais um gole e deixa a
garrafa em cima da pia.
— Posso ter pedido uma roupa, ou algo assim.
— Você pretendia ir embora se conseguisse ligar
a moto?
— Não — ela responde, fitando os pés descalços.
Por um momento penso que a cadela está falando
sério, mas então sua voz fria, distante e fodidamente
rouca, provoca calafrios no meu corpo quando ela
murmura:
— Eu estava no meio de um surto psicótico e
decidi dar uma volta no estacionamento, seminua, para
chamar sua atenção.
Enfio as mãos nos bolsos e vou até ela, paro à
sua frente e espero que a cadela me encare, mas a
tinhosa mantém a cabeça baixa, evitando o meu olhar.
— Você me odeia tanto assim? — pergunto num
fio de voz, pois tenho medo da resposta.
Pink não responde nem se atreve a olhar para
cima, mas nega com a cabeça e apoia as mãos na
beirada da pia, ao lado dos quadris, o que faz com que
seus ombros se curvem um pouco dando a impressão
de derrota. Meu peito aperta por conta da sua apatia.
O sutiã preto parece um top de academia,
esmagando os seios branquinhos e sardentos que eu
amava chupar. Meu pau pulsa, certamente com
saudade do seu playground favorito. Ele também
adorava brincar de serrador entre os dois montes, indo
e vindo, espremido por eles até gozar na boca da
cadela.
Porra!
Fecho os olhos, me esforçando para afastar as
lembranças depravadas que insistem em preencher
cada maldito espaço da minha mente.
— Eu preferia que me odiasse — sussurro, a
cercando com meus braços e cubro suas mãos com as
minhas.
— Desculpa, não consigo odiar você — Pink fala
baixo.
Encosto minha testa na dela, ofegante.
— Por favor, se esforça.
A cadela dá uma risadinha sem humor. Abro os
olhos e encontro os dela fechados.
— Que merda você tem na cabeça?
— Merda pra caralho, é só escolher.
— Não vou te odiar, Dumb.
— Me xinga, então.
— Não vou te xingar.
— Briga comigo.
— Não vou brigar.
— Faz qualquer coisa, mas não me trata como se
eu não fosse importante para você.
— Não posso.
— Por quê?
Pink segura meus braços e levanta a cabeça. Ela
abre os olhos e olha dentro dos meus pela primeira
vez. Até algumas semanas atrás, seu olhar me dizia
tudo o que a cadela estava pensando. Hoje, não
consigo ver uma merda, além da nebulosidade que
encobre suas emoções.
— Porque você não é importante e não vou mentir
para agradar ninguém.
Meu corpo trava, engulo seco e não reajo quando
os lábios dela se esticam minimamente para o lado
direito, num pedido de desculpa silencioso. Pink me
empurra com delicadeza para trás, passa por mim e
segue para o salão principal, como se não tivesse
acabado de me reduzir a nada.
O baque da porta reverbera às minhas costas, no
entanto, não consigo me mover. Meus olhos cravados
na pia, incapazes de enxergar alguma coisa ou até
mesmo definir a cor do granito.
Vejo, mas não enxergo nada. Em compensação a
voz displicente afirmando com tamanha naturalidade
que não sou importante parece uma gravação maligna
na minha cabeça.
Repetindo uma vez e outra e outra e outra...
— Irmão?
Levo um susto quando uma mão sacode meu
ombro.
— O quê? — murmuro, ainda abalado.
— Ouviu alguma merda que eu disse? — Snake
pergunta, parado ao meu lado e me encarando com a
testa franzida.
— Não — admito e abaixo a cabeça.
— Vem cá, porra! — ele resmunga e me abraça.
— Sei que eu não sou a cadela, mas vai ter que servir,
idiota.
— Dá um tempo, caralho! — Tento empurrar o VP,
mas o arrombado me aperta com mais força.
— Fica quieto, pau no cu! Eu sou o vice-
presidente dessa merda, seu primo mais velho, mais
bonito e mais inteligente. Então cala a maldita boca e
me ouve.
— Tá bom, pode falar, mas me solta primeiro,
porra!
— Não, você está precisando de um abraço — ele
fala, rindo.
— Irmão, o que eu preciso você fodidamente não
tem pra me dar, então só me larga.
— Não, até você me escutar.
— Meus ouvidos se recusam a ouvir qualquer
merda enquanto você não tirar seus braços de cima de
mim, caralho!
Snake me solta, mas não se afasta. Ele segura
meu rosto com as mãos e olha no fundo dos meus
olhos.
— Vou te fazer uma pergunta e quero que me
responda honestamente. — Não falo nada, apenas
sustento seu olhar esverdeado. — Você está
apaixonado pela cadela.
— Isso não é uma pergunta — resmungo.
— Eu não disse que era.
— É uma afirmação?
— Eu faço as perguntas, imbecil — Snake
chacoalha minha cabeça. — Todo mundo sabe que
você se apaixonou.
— Pensei que tivesse uma pergunta para fazer —
ironizo, odiando essa merda de situação, mas o VP não
sorri.
— E você, sabe?
Claro que eu entendo o que ele quer saber,
porém, finjo que não.
— Sei, o quê?
— Que você está apaixonado?
— Ela não quer saber de mim — respondo a
primeira coisa que me vem à cabeça.
— Responde, Mike. — Estreito os olhos quando
meu primo me chama pelo nome que eu não ouço há
muitos anos.
Não digo nada. Primeiro porque não vou admitir
porra nenhuma, segundo porque o idiota me deixou
ainda mais bolado do que já estava.
— Eu sei que você pensa que gostar de alguém é
ruim e demonstrar que gosta, é mil vezes pior, mas
garanto que não é, irmão. Esquece as merdas que o
Scott falou sobre amor, só não esquece que ele
escolheu montar a sede do clube em Green Hill por
causa de uma cadela, porra!
Agora, além de mudo, também estou imóvel. O VP
segue falando:
— O Scott era fodidamente louco pela cadela,
mas o orgulho machista do velho era maior que o amor.
Ele respeitava mais as putas do clube do que a esposa.
Por que você acha que o fodido criou a regra da
garupa? — Snake pergunta, mas não espera a minha
resposta. — Porque foi a maneira que ele encontrou de
mostrar para a sua avó que a amava, mas as merdas
que ele fazia e a maneira que ele a tratava na frente
dos membros e, principalmente, na frente das cadelas
que sentavam no pau dele, foi matando o amor dela,
até não sobrar nada. Quando o Scott descobriu que ela
estava enfeitando a cabeça dele de chifres, o velho
enlouqueceu. Sabe por quê?
Novamente o VP pergunta, contudo, ele mesmo
responde:
— Porque o Scott conhecia a esposa e sabia que
ela não se entregaria para outro homem se não
estivesse apaixonada. O velho era um egoísta do
caralho, irmão. Ele nunca valorizou a cadela, nunca
demonstrou que gostava ou se importava com ela, e
fodidamente nunca disse nenhuma merda agradável.
— Por que está me falando tudo isso? — indago,
estreitando os olhos.
— Porque você não foi o único que cresceu
ouvindo as merdas do Scott, mas foi o único que
acreditou nelas, e se continuar fingindo que a Pink é só
mais uma boceta, vai acabar como ele.
Snake me abraça e dessa vez, eu não afasto o
babaca, pelo menos não tão rápido.
— O Mitch nunca precisou trair, tratar mal ou
humilhar a sua mãe para ser respeitado pelos membros
do clube. Seu pai era apaixonado por ela e nunca teve
vergonha de demonstrar o que sentia. Você tem dois
exemplos, irmão. Agora só precisa decidir se quer
continuar agindo como o Scott, até ser tarde demais, ou
vai começar a agir como o seu pai e reconquistar sua
cadela.
Finalmente me livro do aperto do meu primo,
penteio o cabelo com os dedos e inspiro
profundamente.
— A Pink não gosta mais de mim — admito.
— Irmão, você vacilou pra caralho e decepcionou
a cadela, mas isso não significa que ela não te ama
mais.
— Não sei o que fazer — confesso, cabisbaixo.
— Antes de fazer qualquer coisa, você precisa ter
certeza do que quer, e o único jeito de saber é
respondendo a minha pergunta: Você sabe que está
apaixonado pela Pink?
Snake dá dois tapinhas nas minhas costas e
segue para o escritório, me deixando sozinho na
cozinha à procura de uma resposta que eu sempre
soube qual era, mas não sabia o que ela significava.
No entanto, agora eu sei.
CAPÍTULO 3
PINK
— Porque você não é importante e não vou mentir
para agradar ninguém — traduzo em palavras meus
pensamentos, ainda que estejam um pouco confusos e
muito contraditórios.
Fiz de tudo para não olhar em seus olhos,
justamente para não ver o que estou vendo agora:
culpa e arrependimento.
Dumb com certeza se culpa pela morte da Lindsay
e se arrepende por não ter intercedido antes para evitar
o que aconteceu. Afinal, ele poderia ter atirado na
perna dela, o que seria uma ótima escolha e deixaria
todos felizes, ou melhor, quase todos. Eu, certamente
não estaria feliz se aquela garota fosse perdoada por
tudo que fez, especialmente comigo.
Subo as escadas sob os olhares curiosos e
cobiçosos dos membros que estão no salão principal.
Alguns param de jogar sinuca e vídeo game para dar
uma secada na mulher de cabelo colorido, com uma
cara de louca toda estropiada e seminua que, segundo
Megan, ontem à noite foi largada na porta do clube por
algum inimigo do MC Black Panthers para servir como
um aviso, talvez um recado ou qualquer merda que
eles queiram pensar.
No entanto, estão todos errados.
O motivo pelo qual eu fui largada como um saco
de lixo para ser recolhido pelos diretores é bem
diferente e, ao contrário do que todos estão pensando,
não tem nada a ver com o clube de motoqueiros, quer
dizer, não como aparenta.
Os vira-latas podem ser muito piores do que as
mulheres quando se trata de inveja, ganância e ciúme.
Chego ao terceiro andar, cansada, sem fôlego e
morrendo de dor de cabeça, por isso ignoro a careta
que Megan está fazendo e entro no quarto.
— Você mentiu pra mim — ela acusa e me segue.
— Não menti — rebato sua acusação e me jogo
na cama, de costas.
— Você me disse que precisava de roupas. — A
loira bonita esbraveja e para ao meu lado, segurando
algumas peças na mão.
— Se ainda não reparou, estou usando calcinha e
sutiã.
— Por que tentou fugir?
— Porque preciso sair daqui.
— Por que não me pediu ajuda?
— Porque você não ia me ajudar.
— Tem certeza? — Sua voz é afiada,
comprovando o que eu já sabia.
Suspiro pesadamente e olho para ela. Sim,
definitivamente, Megan está diferente. A mudança lhe
caiu bem e isso me deixa feliz.
— Hipoteticamente falando. — Apoio os cotovelos
e ergo metade do tronco, tirando os ombros do colchão.
— Você teria coragem de enganar o Ghost para me
ajudar a sair do clube?
Ela arqueia as sobrancelhas e joga as roupas em
cima da cômoda.
— Hipoteticamente falando, você nunca vai saber.
Dou risada, mas o pequeno sorriso morre antes
mesmo de florescer em meu rosto, por causa da dor
latente que faz minha raiva voltar a crescer.
— Não sei o que aconteceu, mas gosto mais de
você assim — murmuro, deslizando as pontas dos
dedos pelos meus lábios cortados, bochechas
inchadas, nariz e testa.
— Assim como?
Volto a me deitar e cubro os olhos com o braço.
— Corajosa, eu acho. — Encolho os ombros, ou
apenas acho que encolho, não sei ao certo. No meu
estado atual sinto tanta dor que fica difícil ratificar
qualquer coisa.
— Me acha corajosa só porque não abaixei a
cabeça para você?
— Não, até porque na maioria das vezes, abaixar
a cabeça para alguém não quer dizer que esteja com
medo.
— Quer dizer o quê?
— Que não confia em si mesma.
— Acho que você tem razão — Megan concorda e
pelo barulho, acredito que ela se sentou na poltrona.
Pois é, eu tenho razão.
Ficamos em silêncio e eu agradeço pelo momento
de paz.
— Posso te fazer uma pergunta?
Quero responder que não, mas não respondo.
Quanto mais cedo eles pensarem que estou
concordando em ficar no clube, mais rápido vou
conseguir sair e colocar em dia todas as minhas
pendências.
— Vá em frente.
— O que passou pela sua cabeça quando a
Lindsay te fez de refém?
— Várias coisas.
— Só vale uma.
— Não tem como escolher.
— A que mais te marcou.
Abaixo o braço e encaro o teto. Agora que tudo
acabou, acredito que não tenha problema em contar
para ela.
— Não foi a mais marcante, mas foi a que eu mais
pensei, serve?
— Serve.
Exalo o ar preso em meus pulmões e viro a
cabeça para o lado, encontrando seu olhar azulado no
meio do caminho.
— Pensei várias vezes em quanto tempo ia
demorar para alguém atirar nela.
— Você queria que alguém atirasse?
— Queria.
Megan se inclina para frente, apoia os cotovelos
nas coxas e entrelaça as mãos. Seus olhos não
brilham, eles faíscam, encantadoramente.
— Qualquer pessoa?
— Qualquer pessoa — respondo prontamente.
— Pensei que você quisesse que o Dumb
atirasse.
— Eu preferia que fosse ele, mas não me
importaria se fosse outro.
— Por quê?
— Porque assim eu saberia quem realmente
queria que eu vivesse.
— Todos nós queríamos, Pink, principalmente o
Dumb — ela fala, sem esconder a mágoa em sua voz.
— Sério? — pergunto com sarcasmo.
— Sério.
— Agora fiquei curiosa.
— Pode perguntar o que quiser — Megan recosta
na poltrona e cruza os braços.
— O Dumb não permitiu que a London atirasse na
Lindsay, nem tentou impedir que a Lindsay apertasse o
gatilho e metesse uma bala na minha cabeça, mas
prometeu que ela sairia do clube sem nenhum
arranhão. Se isso foi o que o general de armas fez por
alguém que, de acordo com você, ele queria que
vivesse, pode me dizer o que o Dumb teria feito por
alguém que ele não se importasse que morresse?
Megan abre e fecha a boca algumas vezes, mas
não diz nada e eu não insisto em uma resposta, pois
entendo que não há nada a ser dito quando a situação
é vista exatamente como ela é, sem interferência
emocional ou parcialidade.
Ofereço a loira o mesmo sorriso que ofereci ao
Dumb, apenas para enfatizar que não culpo seu amigo
pelas preferências dele, mas também não admito que
me culpem por ter priorizado a minha vida em vez de a
vida da garota que teria me matado, caso eu não a
tivesse matado primeiro.
— Quando você soube que era o momento certo
de reagir? — Megan questiona, com curiosidade.
— Quer mesmo saber a verdade? — retruco e me
sento na cama.
— Quero.
— Desde que a Lindsay chegou no clube, eu
sabia que se o Dumb tivesse que escolher entre uma
de nós, ela seria a escolhida. — Apoio as mãos no
colchão e me levanto. — Mas uma mulher
completamente apaixonada precisa ter certeza de tudo
para não se arrepender de nada. — Pego a roupa em
cima da cômoda. — Eu esperei, Megan. Esperei até o
último segundo, mas o Dumb nunca chegou, e quando
a Lindsay me disse que nunca teve a intenção de me
matar e só armou aquele circo no estacionamento
porque queria a ajuda dele para sair do clube em
segurança, eu reagi.
Sigo para o banheiro, mas paro ante a porta
quando Megan pergunta:
— O que você falou pra ela?
— Falei para quem? — Franzo a testa sem
entender.
— Eu vi a filmagem, Pink. O que você falou para a
Lindsay antes de atirar duas vezes na cabeça dela?
Não conheço essa mulher muito bem e não sei se
ela está me perguntando por curiosidade, para me
julgar ou me usar de inspiração no futuro, entretanto,
não me importo.
— Eu disse a verdade.
— Que verdade?
— Que ela deveria ter atirado em mim quando
teve a chance dela, porque eu não iria desperdiçar a
minha.
Giro a maçaneta e entro no banheiro. Preciso de
um banho e um plano para sair daqui o mais depressa
possível, antes que Domenico Coppola transfira
Benício e todos aqueles meninos para outro
esconderijo. Se o vira-lata italiano quer o executor do
Black Panthers, ele que encontre outra maneira de
conseguir, porque eu não vou servir como moeda de
troca para aquele desgraçado. Nunca.
DAMON
— Novidade?
— Acho que sim — Ghost responde enquanto revê o
vídeo do momento em que o carro derrapa em frente ao
clube e Trap atira.
— Falou com a Megan?
— Falei.
— Ela conseguiu alguma coisa com a Pink?
O rastreador faz uma marcação na porta do carro e
amplia a imagem no canto direito da tela. Ele recosta na
cadeira e me encara, nitidamente cansado.
— A Megan acha que a Pink vai fugir de novo.
— Nós já sabemos disso, irmão. Ela não vai aceitar
essa merda por muito mais tempo.
— Esse não é o problema.
Cruzo os braços e estico as pernas embaixo da mesa.
— Qual o problema, então?
— Eu posso estar enganado, mas acho que as nossas
cadelas estão de acordo em encobrir a fuga.
— Que porra é essa? — indago furioso.
Ghost entrelaça os dedos na nuca e joga a cabeça
para trás.
— A Megan ligou para a Madison e contou sobre a
conversa que ela teve com a Pink, hoje de manhã. Pelo que
entendi, as duas não vão ajudar a cadela a fugir, mas
também não pretendem fazer porra nenhuma para impedir.
— Como você descobriu?
— Eu não tirei a escuta do meu quarto.
— Pensei que você já tivesse contado para a Megan
que a gente precisava saber se podia confiar nela com a
Lindsay.
— Irmão, não foi de propósito, mas tanta coisa
aconteceu, que eu acabei me esquecendo de falar e
desligar aquela porcaria.
Penteio o cabelo com os dedos e puxo uma longa
respiração.
— A Lyn também?
— Não, só as duas.
— Onde elas estão?
— Na cozinha.
— Fazendo o quê?
— Alguma gororoba que elas viram na internet.
— Outra vez, não, porra!
Retiro o celular do bolso e envio uma mensagem para
o Snake.
— O que foi?
— A Madison não me disse que ia cozinhar, caralho!
— Se ela avisasse ia melhorar alguma coisa?
— Fodidamente não, mas eu teria trazido o remédio.
— Remédio pra quê? — Ghost pergunta com
divertimento.
— Protetor gástrico.
— Desde quando você tem gastrite?
— Quem falou em gastrite?
— Protetor gástrico é para que, seu idiota?
— Irmão, gastrite é coisa de vocês, arrombados de
merda. Eu sou tão fodido que pulei essa fase e fui direto
para a úlcera.
Ghost gargalha, entretanto, não vejo graça nenhuma.
Snake responde a mensagem e garante que vai
comprar o maldito comprimido quando sair do consultório
médico com a Alana. Deixo o celular em cima da mesa e
falo:
— O que você conseguiu?
A porta da sala de vigilância é aberta e Claws entra
seguido por Dumb e Lyn. Os três ficam de pé, atrás de mim
e do rastreador.
— Estofado da porta — Ghost aponta abaixo da
maçaneta. — O que vocês veem?
— Parece uma mancha — fala a contadora.
— Não, é uma sigla — Dumb afirma.
— Duas letras, mas está muito escuro — Claws
complementa.
Estreito os olhos.
— A primeira é um D — assevero.
— A segunda é um O? — Dumb indaga.
— Não, é um maldito C — esbraveja o executor. —
Filho da puta!
— DC? — Lyn interpela.
— Domenico Coppola — concluo.
— O que esse fodido italiano está... — Claws é
interrompido pelo baque alto da porta.
Ninguém precisa olhar para saber que Dumb saiu
como um furacão e não vai sossegar até descobrir por que
o maldito mafioso italiano, que ainda sonha em convencer o
executor do Black Panthers a se tornar seu fodido assessor,
torturou e largou a cadela de cabelo cor-de-rosa na porta do
clube, toda machucada e inconsciente.
— Esse filho da puta não vai desistir — Ghost
comenta.
— Ele só vai desistir se estiver morto — Lyn brada.
— Quando a Pink confirmar que foi o Domenico que
bateu nela, o Dumb vai querer ir atrás dele — reitera Claws.
— Agora nós sabemos quem está por trás do
desaparecimento do Benício — sibilo entre os dentes
cerrados. — Tanto faz se for por causa da Pink ou do
garoto. De um jeito ou de outro, Domenico Coppola vai
morrer.
E do jeito que eu conheço meu irmão, o Abrigo vai
ficar pequeno para a ira do general de armas.
CAPÍTULO 4
DUMB
Entro no quarto sem bater na porta e me deparo
com Pink saindo do banheiro. Meus olhos percorrem
seu corpo enrolado em uma toalha preta que contrasta
maliciosamente com sua pele branquinha e cheia de
sardas.
— Que bom que você chegou — ela fala,
interrompendo minha avaliação minuciosa.
— Algum problema? — Fecho a porta atrás de
mim e encosto um ombro na parede, sem desviar meus
olhos dos seus.
— Não, mas quero saber onde eu vou dormir
enquanto estiver aqui.
— Na cama.
— A cama é sua, Dumb.
— Eu sei.
— Você não precisa dormir em outro lugar por
minha causa.
Pink entra de novo no banheiro e volta trazendo
algumas peças de roupa, me dando tempo para pensar
no que ela acabou de falar.
— Nós dois vamos dormir na cama — informo,
despreocupado.
— Não vamos.
— Vamos.
Ela veste a calcinha branca por baixo da toalha e
fala:
— Tem alguém no quarto que a Crystal dormia?
— Não.
— Vou ficar lá.
Pink tira a toalha, me dando ampla visão do seu
corpo delicioso. Minhas mãos formigam, ansiosas para
acomodar os seios empinados, ao mesmo tempo que
salivo, agoniado para chupar os mamilos rosados.
— Não estou entendendo. — Me aproximo e paro
à sua frente.
— O que, exatamente, você não entendeu? — Ela
faz um coque no cabelo úmido.
— Por que você não quer ficar aqui? — Meu olhar
desce, escaneando cada centímetro de pele do seu
pescoço e colo, até chegar aos montes que estão
implorando pelo meu toque.
— Se eu ficar aqui, nós vamos acabar transando.
— Pink pega o sutiã para colocar, mas tiro a peça da
sua mão e a jogo em cima da cama.
— Só se você quiser — falo rouco, contorno seu
corpo e paro atrás dela.
— Não me leva a mal, Dumb, mas o problema não
sou eu.
Abraço sua cintura, uma mão sobe até os seios
enquanto a outra vai na direção contrária e cobre a sua
boceta. Sussurro em seu ouvido:
— Se o problema não é você, quem é?
— Você — Pink cicia e apoia a parte de trás da
cabeça no meu peito.
Meus dedos trabalham em círculos suaves em seu
clitóris e no mamilo durinho.
— Comer você nunca foi um problema pra mim. —
Mordisco sua orelha.
— Não vai ser só você — Pink joga a bomba e
gira o corpo.
— Como assim não vai ser só eu? — pergunto,
me controlando para não alterar o tom de voz.
— Eu quero transar, mas não apenas com você —
ela responde, e a sua naturalidade me enfurece.
— Com quem você quer transar? — indago e
cruzo os braços.
— Com quem eu tiver vontade. — A cadela dá de
ombros.
— Por que não pode transar só comigo?
— Eu posso, mas não quero.
— Por que não quer?
— Porque o nosso tempo de exclusividade
acabou.
— A gente pode começar outro.
— Não, a gente não pode.
Pink faz uma careta de dor quando enfia o braço
na alça do sutiã e dessa vez eu a ajudo a abotoá-lo, em
vez de a impedir de vesti-lo.
Meu pau está a ponto de rasgar a porra da calça,
e ficar olhando para a cadela sem poder fazer tudo que
eu quero é como estar morrendo de sede e não poder
chupar uma maldita pedra de gelo.
— Por que não?
— Essa pergunta é minha, garanhão.
— O que você quer saber?
— Por que nós estamos tendo essa conversa
mesmo?
— Porque eu quero que fique comigo, só comigo.
E quero ficar com você. Só com você.
Ela veste o short jeans sem maiores dificuldades.
— É melhor encerrar o assunto por aqui — Pink
fala com seriedade.
— Eu não quero encerrar porra nenhuma. —
Seguro seu rosto entre as minhas mãos e a obrigo a
me encarar. — Eu quero você por inteira.
— Eu só quero o seu pau.
Não são as coisas que Pink fala que me destroem,
mas a maneira com que ela fala. Nunca pensei que a
sua indiferença fosse doer tanto.
— Você disse que não me odeia. — Acaricio seu
rosto.
— Não menti.
— Então fica comigo.
A cadela segura meus pulsos e fala, como se
fosse uma fodida professora do jardim de infância
explicando alguma merda para um dos seus alunos
com déficit de atenção:
— Eu queria ir embora do clube. Você quis que eu
ficasse. Eu quero dormir em outro quarto, você quer
que eu durma no seu. Nós dois queremos transar e por
mim tudo bem, mas sou uma mulher adulta, solteira e
livre para trepar com quem eu quiser. Não estou
impondo nada, nem usando o sexo para te afastar,
porque se você quiser me comer, eu quero que você
me coma. Mas estou explicando como as coisas vão
funcionar entre nós daqui em diante.
Descanso minha testa na dela.
— Não quero que você transe com mais ninguém
— admito, sem qualquer constrangimento.
— Essa não é uma escolha sua.
— Eu sei que fiz merda, mas...
Pink tampa minha boca com a mão direita e nega
com a cabeça.
— Para, Dumb.
— Não quero parar, porra! Eu quero você!
Chupo seus dedos, deslizando a língua entre eles
bem devagar. Pink ofega, seus olhos sempre nos
meus.
— Você quer minha boceta — choraminga quando
enfio dois dedos na boca e os chupo, fitando-a
descaradamente.
— Quero você, cadela — lambo seu pulso e vou
subindo pelo antebraço até chegar ao maldito seio.
— Você quer a minha bunda — ela geme alto
quando afasto o sutiã e abocanho o mamilo durinho.
— Eu quero você, caralho!
— Você quer o meu corpo.
Seguro sua nuca com força, mordo seu lábio
inferior e o puxo sem dó. Trago sua cabeça para perto
e brado na sua boca:
— Quero sua boceta, sua bunda, sua boca e a
sua alma. — Deslizo a língua entre seus lábios. —
Quero tudo, Pink. E você vai me dar tudo que eu quero,
porra!
Assalto sua boca sem compaixão ou cuidado.
Invado, tomo, devasto e a arruíno para qualquer
outro idiota que se aproximar dela. Eu conheço essa
cadela muito melhor do que ela imagina e sei que a
desgraçada não está brincando. Pink vai trepar com
quem quiser e não vai se importar com o que eu penso,
tampouco com o que eu sinto e desejo para nós.
Pode parecer loucura, mas é justamente essa
personalidade malditamente idêntica a minha que me
encanta, alucina e endoidece.
Pink já foi minha uma vez e vai ser de novo. A
cadela pode lutar, negar e tentar me afastar o quanto
quiser, mas vou provar que um soldado nunca desiste
da sua batalha.
Mas antes, nós temos um assunto mais
importante para tratar. Encerro o beijo e me afasto,
duro pra caralho, sem fôlego e louco de tesão.
— De onde você conhece Domenico Coppola?
Minha pergunta tem efeito broxante imediato, tipo
a chegada dos sogros em plena lua de mel. Pink
congela.
Olhos arregalados, boca entreaberta, ombros
tencionados e lábios trêmulos. E é neste exato
momento que eu sei que existe muito mais por trás da
cadela do que ela está disposta a me contar.
Maldito mistério cor-de-rosa do caralho!
PINK
— De onde você conhece Domenico Coppola?
Se ainda existia alguma dúvida sobre os motivos da
insistência do general de armas para que eu ficasse no
clube, agora não existe mais.
— Não é da sua conta — respondo, me recompondo
após o choque inicial e sigo para o banheiro, com a toalha
umedecida embaixo do braço.
— Por que não responde? — Dumb late às minhas
costas.
Pelo visto o Capo não mentiu quando disse que o MC
Black Panthers era um velho amigo da sua família mafiosa,
e algumas negociações antigas entre as duas “empresas”
ainda tinham de ser concluídas, principalmente uma que
envolvia a transferência do executor para o alto escalão da
máfia.
— Porque eu não quero. — Solto o cabelo e uso um
pente para desembaraçar os fios coloridos que estão mais
compridos que o normal.
— Foi ele que bateu em você?
— Não.
— Foi ele que mandou bater em você? — Dumb sibila,
com a mandíbula travada.
— Talvez.
— Você não sabe ou não quer me contar?
Suspiro, largo o pente em cima da pia e pego a
escova de dente.
— Não sei, e mesmo que soubesse, não iria contar.
— Qual o seu problema, porra? — ele fala mais alto,
começando a se alterar e realmente não entendo a sua
reação.
— Eu tenho vários problemas, mas nenhum deles é
problema seu.
— Você sumiu do radar por três malditos dias, Pink! —
Dumb vocifera entredentes. Sua expressão é de raiva e seu
olhar é assustador.
— Não vamos começar de novo — rosno, impaciente.
— Aquele filho da puta te jogou na porta do clube
como se você fosse um maldito saco de lixo.
Seu olhar negro ganha um brilho diferente, é verdade,
mas não me comove, tampouco impressiona. As batidas
aceleradas do meu coração não alteram minha expressão
impassível. Estou chegando aonde quero e vou colocar o
general de armas no lugar que ele merece.
— Poderia ter sido pior — instigo, propositadamente,
com um sorriso desdenhoso esticando meus lábios.
— Não fala uma merda dessas — Dumb esbraveja, o
que faz meu sorriso aumentar.
— Eu já disse que vou transar com você, não precisa
fingir que se importa.
Ele solta uma risada carregada de sarcasmo.
— Você acha que estou fingindo?
— E você quer que eu acredite que está preocupado
comigo?
— É claro que estou preocupado!
— Agora quem não está entendendo sou eu.
— O Domenico podia ter matado você, porra!
— Ele não foi o único, Dumb. A Lindsay também podia
ter me matado. — Dou de ombros. — Eu diria até que ela
esteve mais perto de me mandar para o inferno do que os
capangas do italiano. — Arqueio as sobrancelhas. — A sua
preocupação não é com a minha morte, e sim com o
responsável por ela.
— Você nunca vai me perdoar, não é? — A postura
dele muda num piscar de olhos. O general de armas parece
desolado.
— Eu perdoaria, se você tivesse feito alguma coisa
contra mim.
— Eu não atirei na Lindsay.
— Não atirou porque não queria que ela morresse —
As palavras saem da minha boca com firmeza, omitindo a
dor pungente dentro do meu peito ante a simples verdade.
— Não foi uma escolha, Pink. Eu nunca quis que você
morresse.
— Eu estava lá, Dumb. Não precisa fazer isso.
— Claro que preciso, porra! Você não acredita em
mim, mas eu não vou desistir.
— Desistir do que? — pergunto, com a testa franzida.
— De nós dois. Eu quero você, cadela.
Abro a torneira e falo, antes de enfiar a escova na
boca e encerrar de vez essa discussão sem sentido algum:
— Sexo sem exclusividade, Dumb. Isso é tudo que eu
quero de você e é tudo que você vai ter de mim. A escolha
é sua.
Através do espelho, vejo o general encostar o ombro
no batente da porta e cruzar os braços sobre o peito. Seus
olhos estreitos perseguem os meus, mas falham nas
buscas. Eles não vão encontrar mais nada.
A data de validade expirou e o período free pass
chegou ao fim.
Durante alguns meses, baixei a guarda e me despi
completamente, sem medo, mentira ou vergonha,
permitindo que o vira-lata me conhecesse a fundo e me
desvendasse, pois queria que ele enxergasse a mulher que
se esconde por baixo do couro e se apaixonasse por ela —
por quem ela é de verdade —, e não apenas pelo seu corpo
ou pelas sacanagens que fazíamos entre quatro paredes.
Não sei se Dumb conseguiu me ver, ou apenas viu e
não gostou do que viu, mas continuou fingindo que gostava
porque não tinha nada a perder, sem contar a vantagem de
que o sexo era bom.
Muito bom, por sinal.
No entanto, independente do que ele tenha visto, já
não faz qualquer diferença.
A chegada da Lindsay ao clube serviu como uma
espécie de bifurcação no fim de uma curta e perigosa
estrada, em que me vi obrigada a decidir entre a
permanência e a alteração no rumo da minha viagem. Havia
duas opções: continuar do jeito que estava ou seguir por um
novo caminho.
A verdade era que eu não queria pegar outra estrada,
aliás, em toda minha vida acho que nunca quis tanto ficar
com alguém como quis ficar com Dumb, e foi por respeito
ao amor que sentia por ele — profundamente em meu
coração —, que tomei minha decisão apenas quando
comprovei que todas as impressões que tive em relação ao
que ele sentia por mim, eram nada além de fantasias
criadas pela minha cabeça, justamente por amar o vira-lata.
Não me arrependo de nada, nem de ter confessado
meu amor por ele em um dos momentos mais intensos que
compartilhamos na cama, ainda que comprimir um
sentimento tão grande em um espaço tão pequeno seja
uma tarefa árdua e exigente.
Mas não faz mal, pois no fim, até as piores dores e
decepções se tornam aprendizado e eu vivo para aprender.
Agora mesmo estou aprendendo muitas coisas.
Sozinha.
E não vou dar a ré, nem perder tempo olhando pelo
retrovisor. Pontos finais existem por um bom motivo e eu sei
quando usá-los.
Não se trata de ser teimosa ou orgulhosa, mas de ser
realista.
Lindsay podia ser uma víbora egoísta, mas além de
ser linda, desvirtuou o vira-lata, o pegou de supetão e, em
poucos dias, provou que a sua história com o general de
armas do Black Panthers não se resumia a algumas transas
casuais. Dumb gostava dela, talvez ainda goste, não sei, e,
sinceramente, pouco me importa.
Naquela noite, eu virei a página e comecei a
reescrever a minha história, sem romance, nem drama, mas
com novos personagens e sexo.
Muito, muito sexo.
CAPÍTULO 5
DUMB
Saio do quarto, puto pra caralho, e mais puto
ainda por não poder culpar ninguém, já que sou o único
culpado por tudo. Fodidamente tudo.
Maldita cadela e sua capacidade de me
enlouquecer.
Deveria ser mais fácil explicar o que aconteceu
comigo naquela noite e porque travei daquele jeito, mas
não é, aliás, está longe de ser, e se nem mesmo eu
consigo me entender, como vou ser capaz de
convencer a Pink de que em momento algum, escolhi a
vida da Lindsay sobre a dela.
Porra!
Desço os últimos degraus antes de chegar ao
salão principal e escuto a discussão dentro do
escritório. Reconheço a voz do Snake e estranho seu
descontrole. Entro sem bater e estaco no lugar quando
vejo o VP pressionando Trap contra a parede. Seu
cotovelo na garganta do novato, que está vermelho
como um tomate, mas não reage.
Damon assiste a tudo, relaxado e tranquilo,
acomodado em sua cadeira atrás da mesa, como se
estivesse assistindo à uma partida de basquete
universitário na TV, enquanto Claws está encostado na
janela, com sua expressão impenetrável de sempre;
mãos nos bolsos, pernas cruzadas e olhar de gavião
faminto à procura da sua próxima refeição, e Lyn anda
de um lado para o outro feito uma barata tonta,
vigiando Snake, pronta para intervir se for necessário.
Mas o que me choca é a cadelinha sentada no
sofá, chorando copiosamente ao lado de Alana, que a
acolhe e tenta acalmá-la.
— Que merda é essa? — pergunto e fecho a porta
atrás de mim.
— A mesma de sempre — responde a contadora,
furiosa.
— Perdi alguma coisa?
— Além da sua cadela? — Lyn ironiza.
— Vou relevar sua grosseria porque você está
nervosa — sibilo, tão colérico quanto ela.
— O novato ser burro não me deixa nervosa, me
deixa furiosa.
Abro a boca para perguntar o que Trap aprontou
dessa vez, mas a voz do Snake é como um trovão
estourando em nossas cabeças:
— Eu não vou te matar porque prometi para a
minha filha que você ia continuar respirando depois da
nossa conversa, mas essa é a última vez, seu filho da
puta. Se eu souber que você respirou perto dela, o
nosso próximo encontro vai ser no Abrigo.
O VP acerta um direto de direita certeiro no queixo
do Trap. O novato despenca no chão, desacordado,
provavelmente sem saber o que o atingiu.
Lyn avança para ver se o garoto está bem, mas
Snake se coloca na frente dela e bloqueia sua
passagem.
A única vez que vi meu primo tão alterado foi
quando ele descobriu que o Marshall tinha armado para
Alana, na sua mansão, e a cadela foi acusada de
roubar uma joia de família, o que deu início a uma
sucessão de merdas que quase destruiu Snake e,
consequentemente, os cinco fodidos diretores do Black
Panthers.
— Ninguém encosta nele — rosna o VP,
encarando a contadora com sangue nos olhos.
— Eu só vou ver se...
— Carolyn — Claws a interrompe, sua voz é firme,
baixa e fria.
Ela olha para o executor por sobre o ombro, tensa
pra caralho.
Ninguém se atreve a falar nada, e pela troca de
olhares entre os dois fica claro que a cadela entende o
recado do babaca canadense, ainda que não concorde
com ele, pois sai do escritório pisando duro e bate a
porta.
Snake se aproxima de Ravena e se ajoelha à sua
frente. Ele abre os braços para receber a cadelinha que
se joga em cima dele, como se aquele fosse o lugar
mais seguro do mundo.
Um nó se forma na minha garganta com a cena, e
pela cara do Pres e do executor, não sou o único a ser
pego desprevenido por uma das mais bonitas e
tocantes demonstrações de carinho, respeito e
confiança que já presenciei na vida.
Meu primo adotou Ravena quando a resgatou em
El Paso, no México, quando matamos seu pai, o
traficante Ramiro Xavier. Claro que não deixaríamos a
cadelinha desamparada depois de dizimar tudo que ela
tinha, e a atitude do VP de reivindicá-la como sua cria
não impressionou ninguém, pois quem conhece o idiota
sabe que de todos nós, ele era o único que sonhava
em se casar e sustentar seus doze filhos, cinco gatos e
dois cachorros.
Mas a maneira com que Snake abraça Ravena
prova que a relação dos dois vai muito além de gratidão
da parte dela e de responsabilidade da parte dele. O
que vejo, bem diante dos meus olhos, é um pai
completamente apaixonado, capaz de matar e morrer
para proteger a filha.
— Vou pedir para o Ryan levar vocês para casa —
fala o VP, antes de se levantar. — Onde estão as outras
cartas?
Ravena volta a chorar e abraça Alana, que faz
uma careta para o marido.
— Vamos conversar sobre isso outra hora.
— Hoje. Nós vamos conversar sobre isso hoje —
ele insiste.
— Não posso impedir você de resolver as coisas
do seu jeito, mas eu defino quando. A Ravena
entendeu seu ponto e já teve em menos de duas horas
o suficiente para duas semanas. — Alana afasta a
cadelinha com delicadeza e fica de pé. Sua barriga
cresceu nas últimas semanas e a cadela está ainda
mais bonita.
— Você está brava comigo? — Snake fica
indignado quando ela não responde. — Esse filho da
puta merecia apanhar muito mais.
— O Trap errou por ter respondido as mensagens,
mas ele não chegou perto da Ravena.
— Não chegou porque não teve chance.
Alana empina o queixo e estufa o peito.
— Não chegou porque não quis. Se ele quisesse,
a Ravena não ia negar.
— Ela não faria isso — o VP retruca, mas sem
muita convicção.
Alana revira os olhos, põe as mãos na cintura e
pergunta:
— Vamos para casa, querida?
A cadelinha confirma de cabeça baixa. No
entanto, Snake não facilita as coisas para sua filha.
— Pequenã? — VP chama e espera Ravena olhar
para ele. — Te gusta el idiota?[1]
Sou obrigado a me segurar para não rir da cara do
paspalho ciumento, quando Ravena encara o novato
caído no chão e responde, com a voz embargada:
— Yo te amo, papi, pero el es el amor de mi vida.
[2]
Snake estreita os olhos, nitidamente possesso,
mas então o fodido manipulador entra em ação e ele
sorri para Ravena como se ela tivesse acabado de dar
a melhor notícia dos últimos anos, abraça a cadelinha,
beija o topo da sua cabeça e fala:
— Yo también te amo, hija.[3]
Alana segura a mão da filha e a leva para o
estacionamento, onde Ryan já está esperando as duas
para levá-las para casa. Assim que a porta se fecha
atrás delas, Damon, Claws e eu caímos na gargalhada.
— Eu ainda vou matar esse filho da puta! —
Snake xinga e passa a mão na barba.
— Será que dá para me explicar o que
aconteceu? — pergunto e me sento no sofá,
exatamente onde Ravena estava sentada.
Snake senta-se ao meu lado de cara amarrada,
quando Damon começa a falar:
— O Ghost conseguiu uma pista de onde Benício
está. É uma fazenda próxima a região de Gold Cowntry,
na Califórnia.
— Domenico?
— Sim, mas ele não está sozinho.
— Quem mais está envolvido nessa merda?
Damon penteia o cabelo com os dedos, num gesto
que denuncia seu nervosismo e sei que não vou gostar
da resposta.
— Ax.
— O presidente do The Furious? — indago,
fodidamente surpreso.
Damon assente e completa:
— E tudo indica que Pablo Armênio também
entrou no esquema.
— Esse desgraçado é tio do Benício, porra!
— Ghost ainda está juntando as peças e
rastreando o dinheiro do mafioso, mas pelo pouco que
já conseguimos, sabemos que o Domenico é o
mandachuva e foi ele que levou o negócio para aquela
região. O Ax e o Pablo entraram logo depois da nossa
invasão ao Cartel.
— Merda, todos eles queriam Ramiro morto por
diferentes motivos e, indiretamente, fomos nós que
aproximamos os três. — Um pensamento surge de
repente. — O Ax conhece a Pink. Ele foi o intermediário
entre ela e o Ramiro naquela negociação de armas que
deu errada e a cadela ameaçou matar a Miranda se ele
não entregasse a mercadoria.
— Você acha que a Pink descobriu que ele está
envolvido?
— É um bom motivo para espancar a cadela —
Claws interpela.
— Mesmo que o Ax tivesse agredido a Pink, por
que ele deixaria a cadela aqui no clube? — Snake
indaga.
— Porque o Domenico mandou — falo e fico de
pé. — Se o Ax estiver sozinho no negócio, sem o
motoclube, ele é só mais um otário para fazer o serviço
sujo para o italiano.
— O cara é o Pres. Ele não ia conseguir esconder
essa merda dos irmãos por todo esse tempo — Damon
argumenta. — Falo por experiência própria. A gente
não tem um minuto de paz nessa porra. Oficialmente,
ele pode estar sozinho, mas aposto que alguém do
clube sabe.
— Vocês ainda não explicaram o que o novato e a
Ravena têm a ver com essa merda.
Snake apoia os cotovelos nos joelhos e puxa uma
longa respiração.
— O Ghost invadiu o computador de uma das
empresas de fachada do Domenico e baixou umas
imagens da fazenda. Nós não reconhecemos os
meninos que apareciam trabalhando numa espécie de
mina, então levei para Ravena dar uma olhada com
esperança de que ela reconhecesse o irmão. Entrei no
quarto dela sem bater na porta e peguei a cadelinha
sentada na cama com uma caixa cheia de envelopes
no colo. — O VP bufa e encara o novato, ainda
apagado no chão.
— O Trap escreveu cartas para a Ravena? —
pergunto, contendo a vontade de rir.
— É assim que os dois se comunicam pelas
minhas costas — Snake rosna por entre os dentes
cerrados. — Há mais de um ano o filho da puta ilude a
Ravena com um monte de mentiras, e ainda teve
coragem de dizer na minha cara que é apaixonado pela
minha filha e só está esperando ela completar dezoito
anos para falar comigo e pedir a mão da menina em
namoro.
Claws e Damon não aguentam e caem na
gargalhada outra vez.
— É irmão, pelo visto você vai ter trabalho —
zombo, descaradamente. Meu primo recosta no sofá,
coloca as mãos atrás da cabeça, estica as pernas e
lança um sorriso maquiavélico.
— Você sabe qual é a minha especialidade, seu
arrombado. Eu já tenho a minha estratégia pronta. Aí
eu quero ver se o novato ama mesmo a minha filha.
— O que você está tramando? — Enfio as mãos
nos bolsos, me divertindo como há tempos não me
divertia.
Snake dá de ombros e responde:
— Se esse filho da puta quiser a Ravena, vai ter
que ficar de joelhos, chupar o meu pau, deixar eu gozar
na boca dele e engolir tudo sem engasgar — meu
primo fala orgulhoso de si mesmo, e sua cara pomposa
é o meu fim.
Minha gargalhada ecoa dentro do escritório e
chego a me dobrar de tanto rir. Os três patetas ficam
me encarando sem entender nada.
Claro que a ideia do VP é boa, mas nem é tão
engraçada assim, principalmente porque eles não
sabem que o novato é expert em boquetes e mama um
pau como poucas cadelas.
Se depender de mim, jamais ficarão sabendo.
No entanto, Snake nem imagina que o novato está
a poucos meses de se tornar o genro do ano, e o
aniversário pode até ser da cadelinha, mas quem vai
ganhar o melhor presente de todos os tempos,
fodidamente é ele.
E que presente, porra!
CAPÍTULO 6
PINK
O volume da música aumenta conforme eu desço
a escada e me aproximo do salão principal. Paro no
topo da escada do primeiro andar e olho para baixo.
Não é sábado, mas a sede está cheia e os membros do
clube se divertem do jeito que sabem; bebendo,
fumando, dançando e jogando sinuca e vídeo game.
Sento-me no degrau, pertinho da parede, puxo o
baseado do bolso junto com o isqueiro e acendo. Dou
uma tragada, encostando a cabeça na parede e me
permito ser feliz por alguns minutos através da
felicidade daqueles desconhecidos.
Uma família.
O MC Black Panthers é exatamente isso; uma
grande família.
E como toda família que se preza, está dividido
em pequenos grupos de indivíduos conectados por
suas semelhanças, ainda que uns poucos se
aproximem inicialmente por suas diferenças.
Fecho os olhos e penso nas minhas irmãs,
London e Crystal, elas são minha família há muito
tempo, a única que já tive e sei que são as únicas
pessoas no mundo que fariam qualquer coisa por mim,
da mesma forma que eu faria tudo por elas.
Absolutamente tudo.
— Pensei que estivesse dormindo.
Abro os olhos, meio baqueada pela maconha, e
dou mais uma tragada antes de responder:
— Precisava sair daquele quarto.
— Como está se sentindo?
— Presa. Sufocada.
— Você parece tranquila para mim.
— Sair de lá me ajudou a relaxar um pouco.
Ofereço o baseado para Madison, mas ela recusa.
— Antes que eu me esqueça, obrigada.
— Pelo quê? — pergunto, em dúvida, pois não me
lembro de ter feito nada para a ruiva me agradecer.
— Por ter atirado naquela vadia traidora.
— Ela tinha uma arma apontada para a minha
cabeça. Não foi um favor para ninguém.
— Eu sei, mas poucas mulheres teriam a sua
coragem.
— Só as que nunca estiveram à beira da morte.
— A grande maioria nunca esteve, o que
comprova o que eu disse.
— Antes de apanhar do Adam, você já esteve?
Madison me encara e confirma, balançando a
cabeça.
— Uma vez — ela fala. — E você?
— Algumas — respondo, dando de ombros, como
se não fosse nada demais para uma garota da minha
idade quase ter morrido meia dúzia de vezes, um
pouco mais, talvez. Apago o baseado com a sola da
bota, o guardo no bolso e fico de pé.
— Vai sair? — A ruiva indaga e também se
levanta.
— Vou dar uma volta, tomar um ar fresco.
— Até quando pretende ficar?
Dou uma risadinha. Claro, eu deveria ter
desconfiado que o seu interesse tinha um interesse por
trás.
— Fala para o seu marido não se preocupar,
posso deixar o clube sem matar ninguém — respondo,
sem demonstrar a raiva que sinto, e começo a descer,
mas Madison segura meu braço.
Inspiro, impaciente, me controlando para não jogar
a esposa do presidente escada abaixo, ainda que não
me falte vontade, e, no fundo, gosto dela. Sei que é
uma boa pessoa e só está cumprindo ordens.
— O Damon não sabe que estou aqui, Pink.
— Dever de casa adiantado para ganhar pontos
extras? — debocho, arqueando as sobrancelhas, mas
Madison balança a cabeça de um lado para o outro,
negando.
Cruzo os braços, totalmente desperta, o que me
deixa mais furiosa.
Fiquei trancafiada no quarto o dia todo; sozinha,
incomunicável e com a cabeça lotada de merda para
resolver. Tudo que eu queria era relaxar um pouco, ver
gente, me distrair e aproveitar para descobrir quem são
os responsáveis pela segurança do clube esta noite.
Já tenho um plano para sair daqui, só preciso
saber se terei que trepar com os irmãos da Lyn ou com
o Trap para dar o fora sem precisar escalar um muro de
quase dois metros de altura e com dor nas costelas. No
entanto, é o que vou fazer se for necessário.
— A Megan me contou que vocês conversaram
hoje de manhã.
— E? — pergunto, irritadiça e muito preocupada
com a raiva crescendo em meu peito, como uma massa
de pão em descanso antes de ser levada ao forno.
A ruiva desce um degrau, nivela nossas alturas e
se aproxima de mim, antes de falar:
— O Damon é meu marido, os diretores são os
irmãos que eu nunca tive e esse clube se transformou
na extensão da minha casa. Mas só quem já esteve no
seu lugar, entende o que você está sentindo.
Estreito os olhos para ela, dividida entre a
admiração e a dúvida.
— Por acaso esse alguém é você? — Minha voz é
firme o bastante para que Madison não note o quanto
suas palavras mexeram comigo.
— Eu sei como é estar ferida, carente, triste,
enfurecida e impotente. Eu sei como é ser obrigada a
dormir na cama do homem que você odeia amar, no
lugar que você gostaria de chamar de casa, mas acha
que não é bem-vinda; conviver com as pessoas que
você tratou como se fossem sua família e quando você
mais precisou, te trataram como uma estranha. Eu sei
como é a dor da rejeição, a sensação de não fazer
parte de nada e de não pertencer a lugar nenhum. —
Os olhos dela se enchem de lágrimas. — Não vim pelo
meu marido, Pink. Vim porque apesar de já ter passado
por uma situação muito parecida com a sua, nós somos
diferentes. Quando o Damon me trouxe para cá, alguns
anos atrás, eu só pensava em desaparecer, mas ao
contrário de você a melhor ajuda que eu tive, foi não ter
recebido ajuda para fugir.
— Por quê?
— Porque eu não estava preparada para
sobreviver lá fora, sozinha, e mesmo com todos os
meus medos e a minha insegurança, eu sabia que aqui
era a minha casa.
— Como você descobriu?
— Admitindo para mim mesma que eu só seria
feliz de verdade ao lado do Damon. Nunca foi o lugar.
Sempre foi ele.
Meu coração achata e encolhe mais um pouco ao
ouvir sua linda declaração de amor em forma de
confissão. Não faço ideia do que aconteceu com
Madison, nem porque aconteceu, mas me sinto
imensamente feliz por ela ter conseguido superar e
vencer.
Sempre que uma mulher encontra o seu caminho
em meio a tantas adversidades, minha esperança é
jogada para o alto, renovada, e é essa renovação que
me impulsiona e me motiva para que eu não desista e
continue procurando o meu.
— Obrigada pela oferta — agradeço com
sinceridade, no entanto, não pretendo aceitá-la. — Se
eu precisar de ajuda, você vai ser a primeira a saber.
Madison inclina a cabeça para o lado, seus olhos
estreitos, cismados, e uma expressão desconfiada em
seu rosto. Ela não diz nada por alguns segundos,
apenas me observa atentamente, até que suspira com
pesar, enfia a mão no bolso traseiro da calça e me
entrega um pedaço de papel.
— O que é isso? — pergunto, tão desconfiada
quanto a ruiva.
— Isso sou eu pagando uma aposta — responde,
dando de ombros.
— Que aposta?
Ela sorri e me abraça.
— Longa história.
Abaixo a cabeça e vejo o mapa de uma das trilhas
do clube desenhado a lápis. O esboço de um sorriso
repuxa meus lábios para o lado quando guardo o papel.
— Posso saber o que você apostou?
— Quando você voltar para casa, eu conto.
Entendo o que ela está insinuando e até penso em
dizer que algumas pessoas nascem órfãs e adotam o
mundo como sua casa, no entanto, não digo nada e
deixo a sede.
Horas mais tarde, quando o telefone que peguei
emprestado de Dumb começa a tocar, estaciono a moto
que, aliás, também é dele, em um posto de gasolina da
I-45, e encaro sua imagem que brilha na tela pela
última vez, antes de guardar o aparelho no alforje junto
com a chave, o capacete e a jaqueta de couro.
Ajeito a alça da mochila no ombro, cubro a cabeça
com o capuz do moletom preto, guardo as mãos nos
bolsos e sigo meu caminho.
Sem arrependimentos. Sem olhar para trás.
Pronta para matar os filhos da puta que tentaram
me impedir de fazer o meu trabalho e, assim como
Lindsay Morgan, vão se arrepender de terem me usado
para dar início a uma guerra contra o MC Black
Panthers.
Essa guerra é minha para lutar. Apenas minha.
E de mais ninguém.
TRAP
Minha cabeça dói pra caralho.
— Não aperta, porra! — resmungo, afastando a mão
da contadora.
— Para de chorar, idiota. Se não pressionar, vai inchar
e ficar pior do que já está.
— Eu vou matar aquela cadela maldita.
— Você é um ótimo contador de piadas.
— Foi a última vez, Lyn. Acabou.
Ela senta ao meu lado, na beirada da cama, sem
aliviar a pressão na minha testa.
— Não adianta culpar ninguém pelas suas merdas,
Trap.
— Você tem razão. Eu sou o único culpado por ter
usado o meio de comunicação mais antiquado que existe
para manter a Ravena longe de mim e por ter acreditado na
Pink.
— Se não gosta da cadelinha, por que falou para o
Snake que gosta?
Aperto os olhos com força e me sento com as costas
apoiadas na cabeceira.
— Não menti. Eu gosto dela.
— A menina tem dezessete anos!
— Eu sei, porra! — Faço uma careta de dor.
Lyn xinga baixo e bufa. A contadora está irritada, mas
sua irritação nem se compara a minha. Em menos de doze
horas fui agredido duas vezes, sem ter uma fodida chance
de me defender. Snake por respeito e Pink por excesso de
confiança.
— A Ravena é muito inocente, Trap — a contadora
balbucia, desanimada.
Exalo o ar com força, esgotado física e
psicologicamente.
— Por que você acha que eu comecei a responder as
mensagens dela por carta? — pergunto, incapaz de
acreditar que seja tão difícil de entender os meus motivos.
— O problema não é esse.
— Qual o problema, porra?
Lyn afasta a merda gelada da minha cara e fica em
silêncio. Abro os olhos e deparo com seu olhar solidário e
um tanto raivoso.
— O seu estilo de vida.
— Ramiro Xavier era o maior traficante do México —
rosno.
— Não estou falando do clube, seu idiota.
— Do que você está falando?
— Da sua vida sexual, Trap! — ela joga a bolsa de
gelo em cima da cama e se levanta. — Meu Deus, não
acredito que você é tão tapado!
Recoloco a bolsa sobre a testa e fecho os olhos
novamente.
— A única tapada aqui é você, Lyn.
— Aposto que o seu cérebro tem o formato de uma
privada. Não é possível tanta merda sair de um lugar só.
— Ainda não entendi o seu ponto — admito e encosto
a parte de trás da cabeça no travesseiro.
— Olha pra mim, Trap. — Mesmo sem querer abrir os
olhos, faço o que a contadora manda e a encaro. — Você
tem vinte e três anos, é um cara bonito e solteiro. Está me
acompanhando ou prefere que eu fale mais devagar para
não perder nada?
— Desse jeito está ótimo — respondo, dispensando a
insinuação com uma expressão imperturbável.
Todos me acham um fodido alienado que só serve
para atirar e foder, mas não poderiam estar mais
enganados. Estou no clube há quase quatro anos,
memorizando cada movimento, cada gesto e cada mania de
cada um deles. Absorvendo tudo que pode ser útil e
descartando o resto.
Sei muito mais sobre os seis diretores do que eles
imaginam, inclusive a Lyn, que além de ser a única cadela
na diretoria, também é a única que não sabe esconder o
que sente, ainda que minta pra caralho.
— Você é experiente e não se priva de dar e receber
prazer, sem se preocupar com o gênero.
— Isso é um problema? — pergunto, adicionando
mais uma dúvida na lista da contadora.
— Para mim, não, mas você já parou para pensar que
pode ser um problema para a Ravena?
— E, por acaso, você já parou para pensar que pode
não ser? — provoco, apenas para irritá-la.
Lyn volta a se sentar e empurra minha mão para
baixo, substituindo-a pela sua.
— Nenhuma garota de dezessete anos, apaixonada
como a Ravena, vai aceitar que o cara que ela gosta, transe
com outros caras, Trap.
— Você já me viu transando com outro homem?
A contadora abre a boca, mas em vez de responder,
ela fala:
— Você não transa?
Agora quem se levanta sou eu.
— Por que não responde a minha pergunta? — Paro à
sua frente, e cruzo os braços.
— Não. Nunca vi — admite.
— O que te faz pensar que eu transo com homens?
— Eu vejo como você olha para o Dumb.
— Você nunca chupou uma boceta?
Lyn fica de pé e põe as mãos na cintura.
— Já.
— Você quis chupar, ou chupou por que estava com o
Ghost?
— Os dois.
— Gostou?
— Não foi ruim.
— Se tivesse que escolher entre chupar uma boceta e
um pau, qual você escolheria?
— Um pau.
— E se tivesse que escolher entre transar com um
homem ou com uma mulher. Com quem você transaria?
— Um homem.
— Você se considera bissexual por ter chupado uma
boceta?
— Não.
— Se você não é bissexual por ter chupado uma
boceta, porque acha que eu sou? — Lyn não responde.
Levo a mão à testa, numa tentativa de abrandar a dor
que agora parece ainda mais intensa.
— Tudo bem, já entendi, e peço desculpas, mas ainda
assim não torna o problema menor, Trap. A garota é
inexperiente, completamente apaixonada e sonha com um
romance de contos de fada. Tem ideia do quanto a
cadelinha vai sofrer quando souber que o cara que ela ama
já fodeu todas as cadelas do clube?
Puxo uma longa respiração e trago Lyn para um
abraço, satisfeito por saber que ela se preocupa com minha
chica[4], e sussurro em seu ouvido:
— A Ravena sabe de tudo. Ela sempre soube.
Antes que a contadora tenha tempo para prolongar
nossa conversa, Dumb entra no meu quarto como um
ciclone e estaca no lugar quando olha para o inchaço na
minha testa.
— O que aconteceu? — pergunta o general de armas.
Seus olhos são duas fendas assassinas à espera de
uma resposta.
— Eu estava na guarita quando a Pink saiu
cambaleando da sede, tropeçou e caiu, com uma garrafa de
Vodca na mão. Parecia que ela estava bêbada. Ajudei a
cadela a se levantar, o Ryan apareceu, perguntou o que ela
tinha e se ofereceu para pegar um copo de água. Assim que
ele se afastou, a Pink sacou a arma e me deu uma
coronhada. Eu apaguei e quando acordei, a cadela tinha
fugido com a sua moto.
— Quanto tempo faz que ela saiu? — Dumb
esbraveja.
— Uma hora, no máximo.
— Porra! — Ele passa a mão no cabelo, desnorteado.
— Ela disse alguma coisa?
— Não, mas encontrei isso no meu bolso.
Entrego a ele o pequeno cartão, sentindo os dedos da
Lyn apertarem meu braço em expectativa, mas Dumb lê o
recado em silêncio e sai do quarto do jeito que entrou,
batendo a porta atrás dele.
— Merda! O que estava escrito? — pergunta a
contadora, num misto de curiosidade, ansiedade e
preocupação.
— Não sei — minto.
— Você não leu?
— Não — minto de novo, e pela sua careta sei que ela
não acredita.
— Descansa um pouco, mas não dorme. Vou falar
com o Dumb.
Assinto e decido tomar um banho quando Lyn me
deixa sozinho. Apoio as mãos na parede, aproveitando a
água quente para relaxar um pouco, depois de um dia de
merda. Primeiro Snake, agora Pink.
Está na hora de começar a colocar os pingos nos “is”
e mostrar para os diretores que atirar e foder não são as
únicas coisas que sei fazer.
E que faço bem pra caralho.
CAPÍTULO 7
DUMB
— Está me seguindo? — pergunto, jogando a
cabeça para trás e fecho os olhos.
— Depois de tudo que aconteceu, precisava saber
como você está — Damon responde, sentando-se ao
meu lado.
— Estou bem... — Sorrio sem humor — Bem
fodido.
— Ela não vai voltar.
— Eu sei.
— Você vai atrás dela?
— Vou.
— Tem certeza que quer fazer isso?
— Há dois dias, eu não saberia responder essa
pergunta, mas hoje eu sei.
— O que mudou?
— Nada e, ao mesmo tempo, tudo.
— Como assim?
Abro os olhos e encaro meu irmão. Estamos no
cemitério, sentados ao lado da campa do meu pai.
— Eu soube que com ela ia ser diferente quando
vi a Pink pela primeira vez, no cativeiro do Ramiro. Não
dá para explicar, mas eu senti que a cadela não estava
ali por acaso.
— Destino?
— Não. Meu fodido inferno cor-de-rosa.
— Por que você não atirou na Lindsay? — Damon
faz a pergunta que eu venho me fazendo desde aquela
noite maldita.
— Pelo mesmo motivo que eu não falei o que
sentia quando ela disse que me amava. — Dou de
ombros. — Medo.
— Medo do quê?
— De admitir que tinha uma fraqueza.
Meu irmão dobra os joelhos, apoia os braços
sobre eles e pergunta:
— Scott?
— O velho sempre foi um bom manipulador.
— O melhor de todos.
— Ele sabia.
— Sabia, o quê?
— Que não ia ter o melhor soldado se me
deixasse sentir alguma coisa e isso ia acontecer se eu
ficasse perto da mãe e da Alice.
— Elas sentiam a sua falta, viviam reclamando
para o Mitch que o Scott não tinha o direito de proibir
você de ficar em casa.
— E o Scott vivia dizendo que as duas iam
estragar tudo se eu não fizesse o que ele mandava. —
Inspiro, resignado, e solto o ar devagar. — Eu também
sentia falta delas...
— Você se arrepende de não ter atirado na
Lindsay?
— Todo o maldito tempo.
— A cadela sumiu, irmão. Nenhum fodido rastro.
— A Pink está escondendo alguma coisa, mas
tem uma pessoa que pode ajudar a descobrir para
onde ela foi.
— Quem?
— Domenico Coppola.
— Posso saber como você pretende conseguir
essa informação?
— Barganhando por ela.
— Irmão, o idiota não vai entregar o pote de ouro
sendo que a família dele é uma das mais ricas da Itália.
— Mas nós temos um coringa, ou melhor, um
executor para oferecer em troca da informação.
— Vai oferecer o Claws?
— Vou.
Meu irmão debocha.
— Ele não aceitou o convite do italiano antes e
não vai aceitar agora, nem que seja por um
determinado tempo.
— Eu disse que ia barganhar, não que iria cumprir
minha parte no acordo.
— Se o Domenico der a informação e o Claws não
se tornar o Consigliere da máfia Coppola, ele virá para
nós e nós não queremos uma guerra com a máfia
italiana, caralho!
— Não vai ter guerra nenhuma porque ele está
envolvido nessa merda de tráfico infantil, e a gente vai
matar o filho da puta primeiro.
— Irmão, a Pink está lutando por crianças que ela
nem conhece há uns cinco anos. Tem muito mais por
trás da ONG e a gente sabe bem pouco sobre a história
dela, da London e da Crystal naquele orfanato. —
Damon fica de pé e olha ao redor, antes de me encarar.
— Você fez merda das grandes, se arrependeu e quer
consertar, mas sugiro que descubra os motivos dela
antes de começar a matança. Só assim vai conseguir
entender as atitudes, isso se você realmente quiser a
cadela de volta.
Eu me levanto e limpo as mãos na calça jeans.
— Nunca pensei que um dia eu fosse dizer isso,
mas não quero a Pink de volta.
Damon cruza os braços, afinando o olhar para
mim.
— Que porra você quer, Mike?
Mike... é a segunda vez que escuto esse nome
hoje e não sei definir como me sinto sobre isso.
— Quero que a Pink seja minha.
— Vai se casar com ela?
— Vou fazer o que for preciso.
— Está disposto a fazer qualquer coisa? —
Damon pergunta, descrente da minha afirmação.
Assinto e respondo:
— Qualquer coisa, e vou começar levando o
inferno para todos os fodidos que machucaram a minha
cadela.
— Sua cadela? — Meu irmão fala com ironia, mas
sei que está apenas me provocando. — A Pink já está
sabendo disso?
— Ela fodidamente sabe.
— Então por que a cadela acertou a cabeça do
novato, roubou sua moto e fugiu no meio da noite sem
se despedir?
Enfio a mão no bolso, retiro o cartão que Trap me
deu, leio o maldito recado, tão direto e sem meias
verdades como a autora, e respondo:
— Porque ela não sabe que eu também sou dela.
Foi bom, mas acabou. Daqui em diante, eu sigo
sozinha.
PINK
— Tem certeza? — A mulher com uma tesoura na
mão pergunta, enquanto eu a encaro pelo espelho à minha
frente, mas tudo que consigo ver é o chiclete que ela
mastiga de boca aberta, dançando em sua língua de um
lado para o outro.
— Tenho — respondo, hipnotizada pelo mini elástico
que deve ter sido vermelho em algum momento e está
esbranquiçado depois de horas naufragando em saliva.
— Olha, eu sei que você deve ter um bom motivo para
querer cortar o cabelo, mas sou experiente nesse ramo e
acho que deveria pensar melhor.
— Apenas corte.
Ela hesita.
— Uma peruca resolveria o seu problema.
— Não tenho um problema.
— Claro que tem.
— Não tenho.
— Cabelo cor-de-rosa é sinônimo de personalidade
independente, forte e destemida.
— Se não vai cortar o meu cabelo, é melhor me falar
de uma vez.
— Conhece a história do Sansão?
— Conheço.
— Ele perdeu toda a força quando a Dalila cortou o
cabelo dele e eu não quero fazer a mesma coisa com você.
A mulher me impressiona quando sopra a goma de
mascar e faz uma bola que chega ao nariz. O “ploc” me tira
dos devaneios absurdos, resgatando meu cérebro a tempo
de terminar o que comecei desde que cheguei à cidade de
Tucson, no Arizona, depois de passar quase vinte horas
dentro de um ônibus.
Estreito os olhos para Chair, nome gravado na
plaquinha dourada presa na gola da camisa amarelo ovo
com grandes botões pretos. Seu cabelo loiro platinado mais
brilhante que o sol realça sua pele, tão negra quanto a do
rastreador. Lábios cheios, maçãs do rosto elevadas, nariz
meio achatado e olhos verdes. Uma beleza exótica,
extravagante até.
Impaciente, giro o corpo e arranco a tesoura da sua
mão. Chair arregala os olhos e abre a boca. Agora é ela
quem está impressionada, mas ainda nem comecei.
Sem tirar meus olhos dos seus, estico para cima uma
mecha de cabelo, afastando-a ao máximo da cabeça e falo:
— Minha força vem da alma e do coração. —
Posiciono a tesoura e corto os fios pela metade. — E não
de uma merda de cabelo. — Pego outra mecha e corto sem
titubear, pouco me importando com a simetria dos fios. —
Ou você faz o seu trabalho, ou eu faço. O que vai ser?
Chair pisca algumas vezes, ainda boquiaberta com o
maldito chiclete pendurado na ponta da língua, antes de
estender o braço com a palma da mão para cima. Devolvo a
tesoura e me acomodo de frente para o espelho.
— Estou apaixonada, garota — ela fala, me fazendo
rir.
— Se eu gostar do resultado, posso pensar em várias
maneiras de fazer você gozar.
Ela gargalha e dá um tapinha no meu braço, pois acha
que estou brincando, porém não estou, mas fico quieta para
não deixar a cabeleireira constrangida.
— Não curto mulheres, mas conheço um lugar que
rola de tudo. Uma garota linda como você pode conseguir o
que quiser por lá. Basta escolher.
— Acho que estamos começando a nos entender.
Chair divide meu cabelo em quatro partes e murmura:
— Você é forte, corajosa e sincera.
— Obrigada — agradeço.
Ela abaixa e sussurra em meu ouvido:
— Espero que resolva logo o seu problema.
Meu sorriso morre e o dela também, no entanto, o
silêncio e a seriedade de Chair não me abalam, tampouco
me incomodam. Quando ela finaliza o corte e seca meu
cabelo, pago pelo seu trabalho e ainda consigo o endereço
da boate que ela indicou e pretendo conhecer mais tarde.
Uso uma das identidades falsas que Megan me deu
para me hospedar em um hotel de quinta categoria.
Preencho um cadastro, faço o pagamento da diária em
dinheiro e subo para o quarto.
Tomo banho, como um hambúrguer e me deito na
cama, completamente nua. Preciso de algumas horas de
sono antes de ir à procura de um pouco de diversão para
relaxar.
Mas assim que fecho os olhos a imagem de Dumb,
encostado no batente do banheiro, retorna dos confins da
minha mente para me atazanar. A expressão de dor com
que ele me encarou — quando falei que a única coisa que
teríamos era sexo sem exclusividade —, não me dá um
minuto de trégua e traz lembranças que eu quero, ou
melhor, necessito esquecer.
Levanto irritada, visto uma calça jeans, um top
vermelho sem alças e botas pretas de couro. O cabelo
castanho-escuro está na altura do ombro, as pontas
desfiadas em vários tamanhos dão um ar de rebeldia, que
combina comigo, mas é a ausência da cor que deu origem
ao meu apelido que me deprime.
É a primeira vez, em mais de quinze anos, que o cor-
de-rosa não me acompanha, e quando a primeira lágrima
escorre pelo meu rosto sei que está na hora de buscar as
duas coisas que irão me distrair enquanto espero o ônibus
que vai me levar até à fazenda, amanhã de manhã.
Bebida gelada e sexo quente.
Parece complicado, mas é muito mais simples do que
aparenta, pelo menos é o que eu digo a mim mesma.
CAPÍTULO 8
DUMB
— Esse é o seu plano? — Claws pergunta com a
sobrancelha erguida e sua fodida cara de cu enrugado.
— Se tiver algum melhor, estou aceitando
sugestões.
— Pode dar certo, mas precisa de alguns ajustes
— Snake fala. — Não podemos esquecer das cadelas
que estão na Califórnia.
— Proteção? — indago.
Snake faz que sim com a cabeça e responde:
— Domenico, Pablo e Ax formam um triângulo. O
Capo no topo ditando as regras e os outros dois na
base, acatando ordens e oferecendo suporte para o
tráfico girar pelo país sem deixar rastros. Você quer que
o ataque comece por baixo. Eu digo para começarmos
por cima. — O VP recosta na cadeira.
Enquanto ele pensa, tamborilando os dedos em
cima da mesa, nós esperamos pacientemente pela sua
fodida estratégia. Eu odeio esperar.
Faz um dia que Pink foi embora. Vinte e quatro
horas sem uma merda de notícia. Não deu um
telefonema ou enviou uma maldita mensagem para
suas amigas do Shadow Princesse. Nada.
A cadela simplesmente desapareceu.
Se a sua intenção fosse me enlouquecer, a
desgraçada fodidamente estaria de parabéns, porém o
que deixa tudo ainda pior é saber que ela não faz esse
tipo de coisa para chamar a atenção de ninguém.
Muito menos a minha.
Há meia década, Pink arrisca a própria vida para
libertar crianças como Benício Xavier, que está sendo
mantido como prisioneiro em uma fazenda, e,
principalmente, por ela mesma.
Ideologia? Promessa? Vingança? Não sei, mas
vou descobrir.
Preciso saber, e não vou desistir. Nem fodendo.
Tive uma noite infernal e mal consegui pregar os
olhos; irritado, preocupado, arrependido. Um medo da
porra.
Medo de não encontrar a Pink ou de encontrar,
mas ser tarde demais para ajudá-la, para salvá-la, para
dizer tudo que preciso e me desculpar por todas as
merdas que fiz. Duas, para ser mais exato, e convencê-
la de que o que sinto por ela está muito, muito além de
uma irresistível atração física, ainda que a sua boceta
seja a única que o meu pau quer foder.
Exigente pra caralho.
Meu amigão está cabisbaixo, amuado,
desinteressado em foder como jamais esteve. Nem o
rabo apertado da Megan ou a boca experiente do Trap
animam o pobre coitado. Fodidamente desolado.
Maldita cadela de cabelo cor-de-rosa, feiticeira de
paus arrogantes.
Estamos no escritório, todos os diretores. Meus
pensamentos vagueiam sem rumo quando Snake se
levanta e começa a falar:
— Um deles espancou a Pink e largou a cadela na
porta do clube. Por que alguém faria isso? — pergunta
o VP.
— Para provocar uma guerra entre o Black
Panthers e a máfia Coppola, já que Domenico é o Capo
e o homem que comanda o esquema — responde
Damon.
— Sim, mas por que o italiano iria querer comprar
uma briga com o Claws, sendo que ele já deixou claro
seu interesse no executor? Não faz sentido para mim e
estou começando a sentir o cheiro podre de traição
nessa merda.
— Ax ou Pablo Armênio? — Lyn inquire.
— Os dois — respondo.
— Exato. — Snake aponta o indicador na minha
direção. — É tão simples, porra!
— Irmão, para de enrolar e explica de uma vez! —
ordena o Pres.
— Ganância. — O VP alisa a barba. — Vamos
esquecer a Pink e analisar a situação de uma forma
geral: De acordo com as informações que o Ghost
conseguiu da ONG e da investigação que o ex agente
do FBI estava fazendo, o grupo que sequestrou o
Benicio é o mesmo que atua em Toronto, Nova York e
Chicago. Em cada cidade, dois homens foram
escolhidos para administrar o negócio em troca de uma
porcentagem sobre os lucros. Eles estão à frente,
dando a cara a tapa e desviando a atenção da polícia,
mas não são eles que financiam o tráfico, selecionam
os clientes, nem ditam as regras. Domenico está por
trás de tudo, usando os idiotas para proteger o próprio
nome e ganhar milhões de dólares que serão lavados
nas empresas da sua família italiana de merda.
Snake está em êxtase, assim como todos os
diretores. Ele por ter entendido o funcionamento da
engrenagem criminosa do Capo, e nós... Bom, porque
o imbecil demorou menos de uma hora para entender o
que nós, provavelmente, demoraríamos um dia. O VP
segue falando, eufórico:
— O Pablo é traficante de drogas e o Ax negocia
um pouco de tudo. Os dois nunca estiveram envolvidos
com tráfico de crianças e tinham seus próprios
negócios na Califórnia; pontos fixos, clientes exclusivos
e fornecedores de várias partes do mundo, ou seja,
uma lista preciosa de contatos. Tanto o Pablo como o
Ax lideram seus grupos há muito tempo, são
respeitados e têm a polícia local sob controle.
Meu primo olha para cada um de nós, certificando-
se de que todos estão acompanhando seu raciocínio e
continua matracando:
— Não tenho dúvida de que o Domenico observou
os dois durante a invasão ao cartel do Ramiro, gostou
do que viu e fez uma oferta para levar o seu negócio
para a Califórnia através deles. Mesmo esquema,
mesma porcentagem de lucro, mesmas regras e
mesmas funções das outras cidades. Tudo fodidamente
igual. O que italiano não sabia, era que o Pablo e o Ax
não estão acostumados a atuarem em papeis
secundários, e vão tentar derrubar o protagonista agora
que descobriram que podem ganhar dez vezes mais se
tomarem o seu lugar.
— Eles torturaram a Pink e largaram a cadela na
porta do clube para pensarmos que foi o Domenico? —
Ghost pergunta.
— Exatamente — Snake atesta, firmemente.
— Como você chegou a essa conclusão? —
questiona o executor.
— Era o que eu teria feito se quisesse que alguém
matasse o Pres para assumir o lugar dele — responde
meu primo, encarando Damon com um sorriso de
merda na cara.
— É por isso que você quer começar pelo
Domenico? — falo, em dúvida das verdadeiras
intenções do VP.
Ele se aproxima de mim, põe a mão em meu
ombro e diz:
— Não, seu arrombado. Nós vamos começar pelo
italiano, porque agora nós temos uma moeda de troca
legítima para negociar com ele, sem dar início a uma
guerra, ou precisar oferecer o pau do nosso executor
como uma fodida sobremesa para o Capo.
— É melhor calar a porra da boca se não quiser a
sua língua no prato daquele filho da puta — Claws
rosna entre dentes.
— Eu ainda prefiro a minha língua em um prato do
que o meu pau no cu do mafioso. — Snake começa a
rir como uma hiena, deixando o executor ainda mais
puto.
— Pensei que o Domenico tivesse ficado
impressionado com o que você fez na boate dele, em
Toronto — provoco, incapaz de segurar o riso.
— E ele ficou. Dizem as más línguas que a
atuação do Claws na pista de dança foi memorável —
Damon fala, cinicamente.
— Não julgo, até eu fico com inveja de mim
quando me lembro — Lyn murmura e dá uma piscadela
para o executor.
— Um pau e tanto — Snake caçoa.
— Banhado em ouro — Ghost acrescenta.
— Acima da média — Damon implica.
— Estrela pornô — zombo, acompanhando a
gargalhada dos irmãos.
Claws não ri, não xinga e não reclama, apenas
desencosta da janela e caminha em direção à porta do
escritório.
— Aonde você vai, amor? — Lyn pergunta,
quando ele abre a porta.
O executor fala por sobre o ombro, com sua
expressão imperturbável de sempre:
— Procurar a Madison, a Alana e a Megan. —
Todo mundo para de rir. O silêncio é sepulcral, à espera
de uma explicação do canadense, no entanto, o imbecil
ergue uma sobrancelha, mas não abre a porra da boca.
— Para quê? — indaga a contadora, a única que
ainda está rindo.
— Saber a opinião delas.
— As cadelas sabem que o nosso negócio é
boceta — Damon sibila.
— Não vou perder meu tempo perguntando de
vocês.
— Então pra que você quer a opinião delas?
— Estatística.
Snake estreita os olhos, ciente de que vai se
arrepender se seguir por aquele caminho, pois é
exatamente o que o fodido executor quer, mas assim
como o Pres e o rastreador, ele não suporta a
curiosidade e faz a pergunta:
— Estatística sobre o quê?
— Sobre o meu pau. Na próxima reunião vocês
podem discutir o quanto ele é... Memorável.
Claws vai embora com um sorriso irônico pra
caralho em seus lábios, depois de provocar os três
patetas.
Não satisfeito, ele ainda deixa cinco diretores,
fodidamente irritados, trancados no escritório por mais
de uma hora. Claro que Damon, Snake e Ghost tentam
se convencer de que o psicopata não vai mostrar seu
pau para as suas cadelas, já que nem mesmo a própria
Lyn demonstra tanta certeza de que o seu marido não
chegaria tão longe.
De qualquer forma, a atitude do executor
comprova que podemos encontrar algo de bom até nos
piores momentos.
E agradeço mentalmente por Pink ter ido embora.
CAPÍTULO 9
PINK
— O que vai beber, docinho?
— Uma cerveja.
— Nada de coquetéis coloridos? — pergunta o
barman, seu sorriso largo expondo duas fileiras de
dentes brancos e alinhados.
— Não, de doce já basta a minha vida —
respondo com seriedade, analisando sua expressão.
Ele gargalha e coloca a Corola em cima do
balcão, antes de estender a mão para mim.
— Kyler, nunca te vi por aqui.
— Brenda, é a primeira vez que venho à Tucson
— minto duas vezes, pois meu nome é tão falso quanto
a segunda informação.
— Caiu de paraquedas ou alguém te falou do
Sexy & Hell?
— Ouvi a recepcionista do hotel indicando o lugar
para um hóspede e resolvi conferir se ela não estava
mentindo.
— Garota fofoqueira? — zomba.
— Não, apenas curiosa quando as palavras sexo
e rola de tudo, estão incluídas na mesma frase que
uma mulher uniformizada cochicha como se estivesse
contando um grande segredo para o homem que ela
quer entre as pernas dela.
Kyler gargalha ainda mais alto e joga a cabeça
para trás.
— A melhor resposta que já ouvi. Qual hotel você
está hospedada?
— Hilton — falo o nome de uma das redes de
hotéis mais famosas do mundo por segurança e
também porque vi o totem publicitário no terminal
rodoviário de Tucson, quando cheguei na hora do
almoço.
Não teria problema responder a verdade e dizer
que Chair havia me indicado um lugar onde rola de
tudo, se Kyler não fosse um vira-lata perfeito demais
para ser apenas um barman. Ele é alto, forte,
musculoso, careca, tem lindos olhos azuis e uma pele
bronzeada que eu adoraria lamber. No entanto, seu
sorriso gentil não combina com o olhar desconfiado e
muito interessado para o meu gosto.
— Pretende se instalar na cidade ou está de
passagem? — Kyler apoia as mãos no balcão, o que
faz com que os músculos dos braços dilatem e
estiquem ao máximo as mangas da camiseta preta.
— Tenho que fechar um negócio, talvez demore
alguns dias — respondo e bebo um gole da minha
cerveja, dando uma boa olhada em seu físico atraente.
— O que você está procurando, Brenda? — A voz
dele é grossa e rouca.
— Prazer — Não há diversão na minha resposta,
tampouco dúvida ou vergonha.
Kyler me fuzila com seu olhar azulado e algo me
diz que ele sabe que estou mentindo.
— Alguma preferência?
— Contanto que seja maior de idade e saiba o que
está fazendo. — Dou de ombros. — Nenhuma.
Kyler se curva sobre o balcão, aproximando seu
rosto do meu e murmura:
— Fim do corredor ao lado da pista. Última porta à
esquerda. — Ele coloca uma chave à minha frente.
— Vai mandar alguém para me matar? —
pergunto, ironicamente.
— Pode apostar que você vai morrer de tanto
gozar.
Por um mísero segundo, sua reposta me
desnorteia e resgata lembranças indesejáveis.

A vida é uma grande aposta, cadela, e eu sempre


jogo para ganhar.

— Estou contando com isso, Kyler — sussurro,


afastando os pensamentos para o mais longe possível
da minha mente, bebo o restante da cerveja, desço do
balcão e sigo na direção que ele mandou.
A Sexy & Hell é uma casa de swing disfarçada de
boate e para garantir a segurança do anonimato, no
primeiro piso deparamos com o que esperamos
encontrar quando escolhemos um ambiente onde tudo
induz ao sexo: um bar elegante com atendentes
atraentes, simpáticos e receptivos; uma pista de dança
moderna; camarotes privados que separam a classe
trabalhadora da elite; e o famoso DJ trancado em uma
cabine suspensa para entreter os clientes e ditar o
ritmo da balada, do começo ao fim.
Mas quando atravesso o mar de gente em
constante movimento, e encaro o segurança
grandalhão — tipo um pit bull assustador, pronto para
atacar qualquer invasor —, e ele recebe uma ordem
através do fone de ouvido para liberar minha passagem
ao interior obscuro da boate, entendo o significado do
nome deste lugar.
Dois mundos distintos. Um único propósito.
De um lado, as preliminares, a sedução e a
tentação.
Do outro, o verdadeiro antro do pecado.
Não sei se Kyler é um excelente observador ou se
a minha necessidade é tão evidente, mas o barman
decidiu após uma rápida conversa que eu merecia o
inferno, sem sequer imaginar que tomou a melhor
decisão, porque hoje Brenda Tiger está ansiosa para
pecar.
— Procurando alguém? — A voz feminina às
minhas costas me obriga a desviar os olhos do casal
transando. O homem está sentado em uma cadeira,
amarrado e amordaçado, enquanto a mulher quica no
pau dele como uma doida varrida. Extremamente
excitante.
— Não — respondo e a encaro.
— Esperando alguém? — Ela estreita os olhos e
encaixa a bandeja embaixo do braço.
— Não.
— Perdida?
— Não.
— O que está fazendo aqui?
A garota é um pouco mais alta do que eu, magra,
longo cabelo negro da mesma cor dos seus olhos, pele
branca como a minha e uma cara de quem não goza há
um bom tempo. Ela não é feia, mas sua beleza não me
atrai e o seu jeito de falar comigo me irrita.
— Não é da sua conta — rosno friamente e volto a
andar, ainda que eu queira continuar apreciando a
trepada.
Todas os outros quartos estão fechados, o que me
deixa frustrada. Gosto muito de assistir, porém a
garçonete mal-humorada cortou o meu barato. Quando
chego ao último quarto e encaixo a chave na
fechadura, ela grita:
— Hei! Você não pode entrar aí!
Antes que eu possa mandar a garota para o
inferno, a voz de Kyler reverbera no corredor.
— Ela está comigo, Tarin.
A afirmação não surpreende somente a garçonete,
pois não pensei que ele viria pessoalmente cumprir o
que prometeu quando me entregou a chave, mas a
visão do vira-lata que bebe meu corpo enquanto se
aproxima de mim é mil vezes melhor do que a do casal
fodendo e aumenta potencialmente quaisquer
expectativas que eu tinha para esta noite.
— Ky... — A tristeza carimbada na voz da garota
até poderia me comover, se o meu corpo não estivesse
em polvorosa à espera do toque áspero do barman
careca, que agora está à minha frente, ignorando
totalmente o apelo da garçonete.
Ele não diz nada, mas não desvia os olhos azuis
dos meus quando gira a chave, avança me empurrando
para dentro do quarto com o seu corpo enorme, fecha a
porta com pé e me pressiona contra ela.
— Está pronta para morrer, Brenda? — Kyler
murmura na minha boca, ergue meus braços, afasta
minhas pernas com o joelho e se encaixa entre elas.
— Quantas vezes você conseguir me matar —
cicio, ofegante.
— Bem-vinda ao inferno, docinho.
Seus lábios tomam os meus num beijo duro
comandado pelo desejo quase desesperador. É
exatamente o que estou procurando e o que preciso, no
entanto, a comparação também é inevitável e demoro
mais do que deveria para entrar no clima, relaxar e
curtir o prazer que o vira-lata gostoso me proporciona.
Kyler é experiente, tem um pau delicioso e me
come várias vezes, em posições que vão me deixar
dolorida pela manhã, mas não reclamo.
Depois de gozar na boca dele, agradeço a
dormência nas pernas e rebolo, empinando a bunda
quando ele me pega de quatro e arregaça minha
boceta por trás antes de foder a minha bunda com
estocadas violentas que silenciam os protestos do meu
corpo, que reluta e insiste em afirmar que o sexo nunca
mais será o mesmo, agora que descobriu o amor.
Bom, foda-se!
A vida é minha e Kyler é apenas a primeira
tentativa de resgatar a normalidade que me torna a
mulher que eu tenho de ser para continuar fazendo o
meu trabalho sem interferência.
E nenhum vira-lata vai tirar isso de mim, muito
menos o que deixou claro que a minha morte não faria
qualquer diferença na sua vida.
DUMB
— O que aconteceu? — indago, olhando do rastreador
para o Pres.
— Quando a Megan concordou em nos ajudar a
descobrir o que a Felícia estava planejando com a Lindsay,
o Ghost instalou uma escuta no quarto sem a cadela saber
e eu prometi que não contaria para ninguém, até que ele
contasse a verdade para ela.
— E por que está me contando?
— Porque eu acabei esquecendo de desligar aquela
merda e depois da reunião de hoje, no escritório, descobri
que a Pink procurou a Megan antes de fugir — Ghost
responde, fodidamente abalado.
— O que ela queria? — Meu corpo tenciona dos pés à
cabeça.
— Ajuda.
— Que tipo de ajuda?
— Dinheiro e identidade falsa.
— A Megan ajudou? — Claro que sim, ou o idiota não
estaria desse jeito, mas preciso ter certeza.
— Irmão, é melhor você ouvir e tirar suas próprias
conclusões — responde o rastreador, antes de ligar a
gravação e a voz da Pink ecoar dentro da sala de vigilância:
— Vou entender se a resposta for não, Megan.
— Eu posso arrumar as identidades e o dinheiro, mas
preciso saber o que pretende fazer — Megan fala com
firmeza.
— Terminar o que comecei.
— O que você começou?
— Meu trabalho.
— Que trabalho?
— Um que você não pode saber.
— Por quê?
— Porque se você souber, todos os seus amigos vão
saber e querer se intrometer.
— Eles são seus amigos também, Pink.
— Eu só preciso da sua ajuda.
— Eles podem te ajudar também.
A cadela suspira alto.
— Vai fazer o que eu pedi, ou não?
— Você não acredita, não é?
— Não acredito no quê?
— Que os diretores, a Madison, eu e todos os
membros do clube gostamos de você e nos preocupamos
com a sua segurança.
— Megan, essa discussão não vai chegar a lugar
algum.
— Preciso saber, Pink.
Alguns segundos de silêncio até que ela responde:
— Quando você passa por tudo que eu passei,
aprende a acreditar na verdade dos seus olhos, não dos
seus ouvidos.
— O que isso quer dizer?
— Que eu acredito no que vejo e não no que escuto. E
o que eu vi naquela noite, serviu apenas para reafirmar isso.
— O que você viu, Pink?
— A verdade. — A voz da cadela é de uma tristeza e
decepção tão grandes, que esmaga meu peito. — A única
família que eu tenho, são as minhas irmãs. Esse clube não
é e nunca vai ser a minha casa, e se dependesse do Dumb,
quem estaria aqui conversando com você, seria a Lindsay e
não eu.
— Ele ficou nervoso e travou, Pink.
— Eu estava lá e vi tudo.
— O Dumb é louco por você.
— Mais do que ninguém, eu queria acreditar nisso.
Mas não posso.
— Por quê?
— Porque um vira-lata pode matar e morrer pela
mulher que ele ama, mas ele nunca vai negociar a vida
dela. O Marshall era pai do Snake, a Felícia era irmã do
Ghost, e é nesse tipo de amor que eu acredito.

O VP e o rastreador sacrificaram pessoas da própria


família por suas cadelas. Lindsay não era porra nenhuma
minha e eu não consegui atirar na jornalista. É isso que a
Pink está dizendo com meias palavras.
O silêncio se estende por alguns segundos.

— De quantas identidades você precisa? — Megan


pergunta, resignada, depois de ter sido convencida pela
presidente do MC feminino, e não posso julgá-la, pois até
eu estou convencido de que a Pink tem todas as razões do
mundo para pensar que nenhum de nós se importa com ela.
— Quantas você tiver para me dar.
— Quando você pretende fugir?
— O mais rápido possível.
— Pode contar comigo.
— Obrigada, Megan.
— Sempre, Pink.

Ghost desliga o gravador, cabisbaixo, e Damon


penteia o cabelo com os dedos, enquanto eu assimilo a
maldita verdade ciente de que apenas um milagre vai fazer
a Pink acreditar em mim. No entanto, não tenho nenhuma
fodida dúvida de que a cadela vai ser minha outra vez.
Nem que para isso eu tenha que me transformar num
maldito santo.
CAPÍTULO 10
DUMB
— Quem vai ficar no clube com o Snake? —
pergunto.
— O Trap — Damon responde.
— Está falando sério?
— Eu, o Claws e o Ghost estamos indo para o
encontro com o Domenico, em Dallas. A Madison e a
Lyn estão indo para a sede do Shadow Princesses, em
Los Angeles. Você está indo para a fazenda, com o
Ryan e o Zach. Qual opção nós temos?
— Irmão, deixar o novato responsável pela
segurança do clube depois do que aconteceu entre
eles, é pagar para ter problemas.
— A filha do VP está para nascer a qualquer
momento e não vou privar o idiota de estar com a
cadela dele na hora do parto. Não podemos vacilar com
o fodido italiano, e o clube precisa de alguém que dê
cobertura para o Snake quando ele estiver no hospital
com a Alana.
— Eu não preciso de reforço, posso me virar
sozinho — afirmo.
— Nem fodendo.
— O Domenico vai comprar a nossa história.
— Não. Você sabe as regras do jogo, Dumb. A
porcentagem é de meio a meio, por isso o Ghost e eu
estamos indo com o Claws, e os irmãos da Lyn com
você. Se o italiano acreditar que o Ax e o Pablo estão
querendo passar a perna nele, vamos nos juntar a
vocês para resgatar os meninos. Caso contrário, vocês
voam para Dallas e se juntam a nós para dar um jeito
no Domenico.
— Quando o italiano souber o que o Ax e o Pablo
fizeram com a Pink, ele vai liberar a minha entrada na
fazenda.
— Nós esperamos que sim, mas não dá para
garantir que ele fará isso. Meio a meio, lembra?
— Irmão, para com essa merda, porque você sabe
que deixar o novato e o VP no clube é um fodido
problema.
— Eu tenho coisas mais importantes para me
preocupar neste momento do que a implicância do
Snake. Se o Trap e a Ravena estão trocando
mensagens pelas costas dele há mais de um ano, é um
sinal de que os pombinhos são muito mais espertos do
que a gente pensava.
— É inacreditável! — admito, um tanto espantado.
— Que eles conversaram esse tempo todo sem
ninguém saber, ou que eles conseguiram enganar o
VP? — Damon pergunta com deboche.
Arrasto a cadeira para trás e fico de pé, antes de
falar e sair da casa do meu irmão, no condomínio
fechado.
— Que a cadelinha mexicana não fez nem
dezoito, e já deixou o novato de quatro.
Meu irmão resmunga alguma coisa sobre “é um
fodido dom”, mas ignoro e sigo para o estacionamento
onde deixei minha moto. A noite está abafada e o céu
lotado de estrelas. Inspiro o ar fresco, coloco o
capacete e dou uma olhada nas três casas de alto
padrão, uma ao lado da outra, todas com seu estilo
próprio e, por último, na que ainda está sendo
construída.
Damon foi o primeiro a comprar o terreno nesta
área, assim que ele convenceu Madison a voltar para
Green Hill e se recuperar no clube, depois da explosão
no Convent, bar que ela gerenciava em Foxmilt, que
quase a matou.
Meu irmão nunca duvidou que a cadela voltaria
para os seus braços e claro, para a sua cama, e queria
um lugar especial para os dois quando a ruiva parasse
de fugir e finalmente o perdoasse.
Oliver foi treinado por seu pai, conviveu com a
mãe, a irmã, o primo e o avô, e ainda teve o privilégio
de conhecer o significado do que é fazer parte de uma
família, ao contrário de mim, que apesar de ter tido uma
família, nunca fiz parte dela, já que fui privado do meu
direito de ser filho, irmão, primo e neto, em prol de um
bem maior.
Ao menos aos olhos de Scott Abbot.
Damon acabou convencendo todos os diretores a
comprarem um pedaço de terra perto do seu, que
ficava menos de dois quilômetros de distância do clube,
e quando os cinco fodidos enfim se renderam à sua
insistência, ele transformou o lugar em um condomínio
de luxo fechado.
À época, o Pres alegou que era um bom
investimento para garantir o nosso futuro e todas essas
merdas de velhice e aposentadoria, mas agora, vendo
as casas dele, do Snake, do Claws e da Lyn, e a que o
Ghost está levantando para vir morar com a Megan,
dentro de um ou dois meses, compreendo que desde o
começo era exatamente isso que Damon queria.
Aposto que o idiota sempre acreditou que, mais
cedo ou mais tarde, aconteceria com a gente o que
aconteceu com ele e a Madison, então do seu jeito,
acabou dando um jeito de manter os seis fodidos
juntos, ainda que separados por demarcações na terra
— invisíveis aos olhos —, brinquedos infantis,
cortadores de gramas e filhotes de cachorros
espalhados pelos quintais sem muros, grades ou
cercas, que emendam um no outro e vão se
encaixando como se fossem apenas um.
Cada diretor tem sua casa e sua própria família,
que naturalmente integra a casa e a família do outro e,
assim, formam uma imensa mansão, que hospeda uma
grande e fodida família, em que a menor parte está
ligada pelo mesmo sangue, mas a maior e mais
poderosa, é unida pela amizade, lealdade e pelo
respeito.
No entanto, ainda que esse bando de idiotas
jamais admita, inclusive eu, o fato é que o amor e o
ódio são os dois elos inquebráveis que nos mantêm
unidos, vivos, nos fortalece e nos torna verdadeiros
irmãos — de alma e coração.
Claro que o garoto Mike gostaria de ter tido mais
tempo com a sua mãe e a sua irmã, mas o general de
armas sempre será grato pela família que Scott lhe
deu.
Se foi premeditado, ou não, nunca terei certeza,
mas se tivesse que apostar as minhas bolas, com toda
maldita certeza apostaria que sim.
De alguma forma, o velho previu cada jogada e,
por fim, conseguiu o que tanto queria. Ele inventou seu
jogo preferido, criou suas regras de merda, treinou os
melhores jogadores e abandonou a partida quando sua
peça mais importante foi abatida.
Mas como Scott costumava pregar: todas as
vitórias memoráveis sempre acontecem após uma
perda inesquecível.
Nem preciso dizer que o velho tinha razão, pois a
morte do seu único filho não mudou apenas o jogo. Ela
mudou tudo, a todos, de todas as formas possíveis,
tanto no clube e nos negócios do clube, quanto na vida
dos seis jovens e fodidos diretores do maior MC do
Texas.
O Pres, o VP, o executor, a contadora e o
rastreador, travaram suas batalhas. Chegou a minha
vez de enfrentar o meu inferno e vencer como meus
irmãos venceram.
Ligo a moto, esticando os lábios em um sorriso
confiante, porém sem um pingo de arrogância, quando
olho para cima e vejo meu irmão mais velho na janela
do seu quarto, segurando sua pequena cadelinha de
cabelos vermelhos nos braços, como se segurasse a
joia rara mais preciosa do mundo — e ele fodidamente
segura —, me encarando com um maldito sorriso
confiante, idêntico ao meu, por sinal.
Genética é uma grande, fodida e inegável merda.
Damon me ligou mais cedo, disse que queria falar
comigo sobre as nossas corridas de amanhã e pediu
para que eu viesse até a sua casa. O Pres não tinha
porra nenhuma para me falar, mas o meu irmão mais
velho precisava que eu visse, sentisse e desejasse, o
que até hoje nunca tinha visto, sentido e desejado, das
outras vezes que vim até aqui visitar sua casa e a sua
família, que também são minhas.
Oliver sempre soube, no entanto, que de nada
adiantaria ter essa informação à sua disposição se não
compartilhasse com a parte mais interessada da
história. No caso, eu, seu irmão caçula, o solitário
general de armas do MC. E graças a ele, agora sei
porque estou lutando, ou melhor, por quem e pelo que
eu devo lutar.
Por mim, por ela, por nós dois e pelo nosso
pedaço de terra.
Meu fodido futuro.
Um maneio de cabeça confirmando, é tudo que
ofereço ao presidente do Black Panthers, pois sei que é
tudo que ele precisa para saber que conseguiu o que
queria.
Ligo a moto e pego a estrada em direção ao clube,
mais animado e mil vezes mais determinado do que
antes.
Em poucas horas, vou fazer a corrida mais
importante da minha vida e lutar a guerra mais difícil de
todas para trazer de volta a cadela que sempre me
pertenceu.
Fodidamente sempre.
A mesma que eu nunca deveria ter permitido que
fosse embora apenas porque estava com medo de
admitir que tinha me apaixonado por sua doce boceta,
sua personalidade irritante, sua libertinagem
insuportável, sua honestidade detestável, seu humor
ácido intragável, sua lealdade sem limites e seu
altruísmo abominável.
Nunca, porra!
Fodidamente nunca.
Maldita cadela perfeita pra caralho!

— O assunto chegou — Snake provoca, quando


entro na cozinha.
— Meu pau sempre foi assunto entre as cadelas,
mas ele não gosta de saber que o fodido trio está
falando dos seus superpoderes.
— Ninguém disse nada sobre iscas de peixes em
promoção. Avise a sua minhoquinha que ela pode ficar
tranquila — Ghost esnoba.
— Você não tem direito de se gabar só porque o
seu pau foi assado na forma de um campo de beisebol.
— Eu sei que vocês dois gostam de compartilhar
bocetas como desculpa para ficarem roçando seus
paus inter-raciais, mas nós temos um problema mais
sério para discutir agora. Então deixem essa merda de
lado, pelo menos por enquanto e de preferência, para
quando eu não estiver presente — Claws sibila,
ironicamente.
— Falou o macho alfa que nunca participou de
uma orgia — zombo, me sentando na minha cadeira e
tomo um gole de cerveja.
— Nem que eu quisesse conseguiria me lembrar
do tamanho do seu pau, idiota. Estava muito focado
nas bocetas que recebiam o meu para notar qualquer
outra coisa.
— Não é um concurso, arrombado. É um fato.
Você não se lembra do meu e eu não me lembro do
seu, porque nós somos normais e as cadelas que
fodemos gemiam de prazer. — Aponto o indicador para
o rastreador, que mantém um sorriso arrogante de
merda em sua cara cínica. — Mas você se lembraria da
anaconda desse filho da puta se tivesse compartilhado
sua cadela com ele.
— Nem fodendo — chia o executor, o que só faz o
sorriso do rastreador aumentar um pouco mais, pois ele
sabe o que estou insinuando, ao contrário do executor,
que sequer imagina.
— Pode apostar que ia, irmão — insisto,
reforçando a verdade.
— Eu já disse, meu foco é sempre a boceta —
Claws resmunga.
— Aí é que você se engana. Nenhum irmão que
compartilha uma cadela com esse projeto de tubulação
de esgoto, consegue focar na boceta.
Snake concorda, sem parar de rir:
— Isso é verdade, porra!
— Não vai me perguntar por quê? — desafio o
executor, erguendo a sobrancelha exatamente como
ele faz.
— Não.
— Não quer saber?
— Não.
— Tem certeza?
— Tenho.
— Está com medo de descobrir?
O idiota canadense me encara, seus olhos
estreitos em um claro sinal de advertência, mas não
consigo me controlar. A ideia de irritar o maldito
insensível é fodidamente mais forte do que o meu bom-
senso.
— É melhor pensar bem no que vai dizer.
— Está ou não?
— Depois não adianta reclamar que eu não avisei.
— Claws larga a cerveja em cima da mesa e cruza os
braços. — Medo do quê?
Dou de ombros, levo a garrafa à boca para
esconder o riso e respondo, dissimuladamente:
— Nada, deixa pra lá.
Snake, Ghost e eu caímos na gargalhada, o
babaca não.
— Eu sabia — Claws sorri de lado, apenas para
me irritar, no entanto, hoje ele não vai conseguir
reverter o jogo.
— Sabia o quê?
— Que você ia amarelar e não ia me contar.
Pisco um olho e tomo mais um gole.
— Claro que não vou contar nada. Tem coisas que
nenhum irmão, por mais idiota que ele seja, precisa
ouvir.
— Finalmente concordamos em alguma coisa. Às
vezes, é melhor deixar o irmão pensar que sabe tudo
sobre a cadela dele. — Claws não vacila, imita meu
gesto e pisca para mim, antes de completar: — Um
homem tem o direito de sonhar.
O VP e o rastreador estão se contorcendo de
tanto dar risada, mas agora o fodido canadense fez seu
ponto e admito que preciso de todo maldito
autocontrole para não enforcar o imbecil até descobrir
que merda ele quer dizer com isso.
Entretanto, por agora, opto pelo empate, torcendo
para que a sua curiosidade seja tão grande quanto a
minha e a sua paciência ainda maior para suportar a
espera da continuação dessa conversa que,
certamente, será finalizada em algum momento.
Ergo a garrafa de cerveja e faço um brinde,
fingindo uma calma que estou muito longe de sentir:
— Aos fodidos sonhadores, porra!
— Aos fodidos sonhadores, porra! — Os patetas
falam alto, brindando comigo, rindo como três
adolescentes encrenqueiros que assaltaram a
delegacia da cidade em plena luz do dia e saíram
tranquilamente pela porta da frente, bem debaixo do
nariz do xerife.
— Alguma notícia? — A voz de trovão do Damon
ecoa às minhas costas, quebrando o momento de
descontração, logo que ele empurra a porta do fundo e
entra com tudo na cozinha, seguido por Lyn, Ryan e
Zach.
— Não — Claws vocifera entredentes, com os
olhos cravados na contadora, que está mais branca
que uma folha de papel.
— O que aconteceu? — pergunto, sem entender
nada.
— O Nate foi sequestrado — Lyn responde.
— Que porra! — Encaro Damon, irritado. — Eu
acabei de sair da sua casa, por que não me contou?
— Porque eu não sabia, caralho! — O Pres
penteia o cabelo com os dedos. — A Lyn apareceu
cinco minutos depois e me contou.
— Como você sabe que ele foi sequestrado? —
inquiro, desviando o olhar para a cadela tatuada que
está a um passo de quebrar.
— Há dois dias, o Nate me ligou e disse que
estava sendo seguido. Falei com o chefe da equipe de
segurança e ele garantiu que era impressão do garoto.
— Os olhos dela são uma mistura de raiva e dor. —
Hoje, o telefone dele ficou desligado o dia todo e
quando eu estava saindo de casa para vir encontrar o
Claws, recebi a primeira mensagem.
— Que mensagem?
Lyn me entrega o aparelho, esmagado na palma
da sua mão suada. O silêncio na cozinho é sufocante,
tenso pra caralho.

Uma mulherzinha pela outra.

— Eles querem você? — questiono, incrédulo.


— Não — ela responde e aponta o queixo para o
celular que estou segurando. — Depois dessa, vieram
mais duas.
Franzo a testa e deslizo o dedo sobre tela, apenas
para me arrepender logo em seguida. Um nó se forma
na minha garganta, ressecando minha boca e
embrulhando meu estômago.
Você tem setenta e duas horas para trazer a
garota de cabelo cor-de-rosa, ou o mundo vai ter
uma prévia de como matamos um bichinha, que se
veste de pastor para dar o cu no confessionário da
igreja.

Fodidamente colérico, passo para a mensagem


seguinte, no entanto não são palavras digitadas e sim,
uma foto de Nate, somente de cueca, amordaçado e
amarrado em uma cama, todo machucado e
inconsciente.
Os filhos da puta surraram tanto o garoto, que
para quem não o conhece é impossível saber se é um
homem ou uma mulher por conta da quantidade de
sangue que cobre seu rosto e corpo.
Do nada, Claws arranca o telefone da minha mão
e sua expressão assassina se torna um reflexo da
minha, assim como a do Snake, do Ghost e do Damon,
conforme o aparelho circula entre os diretores.
— Eu vou matar esses desgraçados — Lyn
esbraveja, com a mandíbula cerrada e o olhar
enfurecido.
— Não, criança — Claws replica, volta a se sentar
e toma um gole da sua cerveja, como se nada demais
estivesse acontecendo, mas seu olhar prateado,
demoníaco pra caralho, sinaliza o perigo para os
malditos que pegaram seu cunhado. — Dessa vez o
Abrigo é nosso, e as cadelas ficam com o churrasco
para comemorar a volta do seu irmão para o clube.
Um aviso ou uma fodida promessa. Foda-se. Não
importa.
A verdade é que aquela simples frase dita com
tamanha segurança pelo executor — o irmão que está
sempre disposto a colocar a própria vida em risco para
salvar as nossas —, tem o mesmo efeito de um
comprimido do mais forte ansiolítico, e traz com ela a
tranquilidade que precisamos para reorganizar os
planos e redefinir a estratégia.
Em questão de minutos, tudo muda, ou melhor,
quase tudo, pois a certeza de que a minha cadela vai
voltar para mim, continua igual.
Fodidamente igual.
CAPÍTULO 11
SNAKE
Estou com a cabeça a mil por hora, trabalhando
incansavelmente para encontrar a melhor saída, sem
deixar nenhuma ponta solta e nenhum traseiro
desprotegido.
As engrenagens funcionando em uma fodida
harmonia é tudo o que preciso. Concentração total e
absoluta para que nada dê errado, pois os irmãos não
são os únicos que dependem da minha estratégia para
voltar para casa. Vivos.
Alana, Angus e minha cadelinha, que está para
chegar a este mundo do caralho a qualquer momento,
em meio a mais uma guerra do MC, também dependem
de mim e eu fodidamente não posso falhar.
Repasso meu plano pela última vez, confiro os
detalhes e visualizo mentalmente os pequenos grupos
que farão suas corridas, dispersos pelas cidades de
Green Hill, Dallas, Los Angeles e agora, Houston
também. Está tudo pronto e sei que vai dar certo.
Tem que dar!
Telefono primeiro para os irmãos de Foxmilt e
depois para Roober, antes de enviar uma mensagem
para os diretores e as cadelas:

Em cinco, no escritório.
De frente para a janela, aliso a barba enquanto
admiro o extenso terreno que encobre tanto uma infinita
quantidade de riquezas minerais, quanto de inimigos do
Black Panthers que descansam em nosso fodido
cemitério particular — por terem tentado nos destruir
—, além de esconder entre jardins, lagos e construções
modernas, a essência do motoclube.
Um verdadeiro inferno.
A porta do escritório se abre, mas não me atrevo a
olhar para trás.
Fecho os olhos, incorporando a energia vibrante
que emana de cada um dos meus irmãos e me deleito
com o ódio, a sede de vingança e o desejo de levar o
sofrimento aqueles que desafiam a porra da lei.
A nossa fodida lei.
Todos vão pagar por cada minuto desperdiçado
que afasta um pouco mais o general de armas da sua
cadela; por cada gota de sangue derramada do irmão
da contadora; e por cada abuso sofrido pelo irmão da
minha filha mexicana.
E eles vão pagar, porra!
— Snake — Damon murmura meu nome e toca
meu ombro. — Estamos aqui, pode começar.
Inspiro profundamente, solto o ar devagar e giro o
corpo.
Meu olhar percorre o escritório mais cheio do que
de costume, embebedando-me com a falta de
compaixão e o excesso de adrenalina, que consome e
transborda da alma dos irmãos e das cadelas.
Foda pra caralho!
— Os filhos da puta estão implorando por uma
guerra contra o Black Panthers e nós daremos o que
eles tanto querem, mas ao contrário do que estamos
acostumados a fazer, desde a década de cinquenta,
depois de matar os fodidos e nos certificar de que não
sobrou nenhum, vamos cavar no nosso cemitério para
encher as covas apenas com seus corpos. — Minha
voz é baixa, fria e sem qualquer emoção, numa maldita
discrepância do que corre em minhas veias. Sorrio de
lado, cínico pra caralho. — Porque suas malditas
cabeças serão penduradas em nossos portões as
vistas de todos como troféus de luxo, para que todos
saibam o que acontece com aqueles que desafiam o
MC Black Panthers.
Vejo a mudança imediata no olhar de cada um
deste grupo de insanos amaldiçoados, que
compartilham o prazer de causar dor da pior espécie,
sem qualquer vestígio de compaixão ou
arrependimento.
Bando de psicopatas da porra.
O meu bando.
A minha fodida família.
Os irmãos que escolhi, por quem eu morreria
E sei que, fodidamente, morreriam por mim.
DAMON
Uma metamorfose do caralho, só pode ser.
Não tem outra explicação para o que aconteceu de
ontem para hoje, quer dizer, de algumas poucas horas atrás
para este exato momento.
Claro que havia uma tensão pairando sobre nossas
cabeças por causa do Dumb e de toda sua merda que
envolve a Pink, a cadela que o idiota deixou escapar por
entre os dedos com a nossa ínfima parcela contribuinte,
ainda que sem qualquer pretensão.
A falha foi geral e isso é um fato incontestável, porém
em cima do palco fazemos questão de culpar única e
exclusivamente o diretor mais irritante, arrogante e sem
nenhuma fodida noção, mas nos bastidores confidenciamos
nosso erro e temos plena consciência de que a cadela
merecia mais de todos nós.
Entretanto, ninguém sabia, ou ao menos imaginava
que por trás da casca grossa, empoderada, independente e
insensível que Pink exibe com tanto orgulho, habita uma
cadela fodidamente insegura, que se recusa a aceitar
pedidos de desculpas ou explicações que divirjam dos fatos.
E como eu já disse, é fato que todos nós falhamos,
miserável e vergonhosamente com a cadela que se propôs
a ajudar a todos, todas as vezes que precisamos da sua
ajuda, sem cobrar nada, nem exigir algo em troca. Tudo que
ela queria era ser aceita, se sentir parte do grupo.
E Pink fodidamente era, no entanto, não tivemos uma
maldita chance de corrigir, tampouco de explicar.
Um terço da merda está em admitir que até mesmo
Claws, o diretor mais resistente a aceitar acréscimos ao
grupo, já considera Pink como uma fodida irmã. Cadela
inteligente pra caralho, foi o que disse o executor sobre a
líder do MC feminino da Califórnia.
O segundo terço da merda consiste em ter que lidar
com as nossas próprias cadelas, por causa da falta de...
sensibilidade, com a cadela de cabelo cor-de-rosa. No meu
caso, especificamente, cada vez que o nome da Pink é
mencionado, seja por qualquer motivo, recebo um olhar de
pura decepção da minha ruiva.
E caralho se essa merda não acaba comigo.
Porra, eu preferia que ela me xingasse, esbravejasse
e me deixasse de castigo por um fodido mês sem sexo. Ok,
uma semana estava de bom tamanho, mas eu não me
importaria de passar trinta fodidos dias batendo punheta, se
ela parasse de me olhar dessa maneira, como se o meu
erro fosse maior justamente por eu ser o presidente.
O último terço da merda se encarrega das
consequências que a nossa maldita falha — embora
involuntária — trouxe para o clube, especialmente para o
general de armas, e como uma fodida consequência da
consequência, agora para Nate, um dos irmãos da
contadora.
Uma grande e fodida merda.
Todos nós vimos que o Dumb estava de quatro pela
líder do MC Shadow Princesses, porra!
Até um cego poderia ver, porque não tinha como não
ver o óbvio. No entanto, o único que deveria ter visto não
viu, ou se recusou a ver, não sei, e não faço a mínima ideia.
O problema é que a cadela traz uma bagagem
peculiar, tão pesada quanto um container e sigilosa como
um maldito cofre de segurança máxima.
Pink não tem nada de comum ou normal, começando
pela cor do cabelo e a maneira de encarar o sexo.
Se eu tivesse que arriscar um palpite, apostaria que
um anjo caído do mais profundo quintos dos infernos,
trancafiou a alma de um homem no corpo da cadela apenas
por diversão para ensinar algumas lições primorosas a um
certo diretor insolente, chato pra caralho, que passou a
maior parte da sua vida zombando dos irmãos que, em
algum momento de distração, se transformaram em vira-
latas adestrados e desistiram de se envergonhar por terem
suas bolas amarradas com barbantes inquebráveis a uma
única boceta, além de desejarem seu felizes para sempre
até que a morte os separem.
Não satisfeitos depois de tanto tempo de castração,
quando deveriam ter enjoado de foder as mesmas cadelas
e cederem a todos os tipos de chantagem para não serem
privados de um prazer que aumenta a cada ano, ao invés
de diminuir, ainda tentam trapacear das formas mais
bizarras para fazer uma meia dúzia de rebentos, só para
garantir que elas nunca, em hipótese alguma, não sonhem,
anseiem ou cogitem deixá-los.
Fodidos paus mandados, com orgulho do caralho.
Posso ter sido o primeiro a cair, mas graças a Deus
não fui o único e espero ansiosamente, pela vez do meu
irmão caçula, e assistir o idiota rastejar para reconquistar a
cadela tinhosa de cabelo colorido.
Dumb vai estrelar o maior bolão da história do clube,
porra!
Snake começa a falar e, no mesmo instante, vejo a
mudança em cada um dos irmãos, mas é o que sinto que
me dá a certeza que preciso para não vacilar, temer ou
duvidar de qualquer merda que está por vir.
O sequestro de Nate declarou a guerra e estamos indo
para matar todos os filhos da puta que pegaram o nosso
garoto, pois foi exatamente para fazer isso que fomos
treinados desde que nascemos.
E fazemos bem pra caralho.
GHOST
A postura relaxada mantém no privado o maremoto
podre que inunda minha alma febril; longe dos olhares
treinados, inalcançável para os curiosos e inexistente para
os desatentos.
Respira, porra!
A frequência cardíaca acelerada, hoje não sinaliza a
chegada de mais uma fodida crise. Não. Nem fodendo. As
batidas descompassadas do meu coração que desafiam a
capacidade de contenção da caixa torácica é fruto da
ansiedade, da expectativa e da maldita inanição.
Tenho fome e sede.
De dor.
Mas não uma indisposição qualquer ou um incômodo
muscular. A necessidade que beira à irracionalidade é da
mais intensa, profunda e horrenda dor. VIS.CE.RAL.
Fodidamente doentia e perversa.
Aquela que agoniza antes de pulverizar; inflama e
infecciona antes de amputar; rasga, contamina, enche de
pus e passa por todas as fases da putefração, ainda em
vida, consciente e de olhos abertos, enquanto minha vítima
acompanha passo a passo o início do seu fim.
É esse tipo de dor que meu corpo anseia em causar, e
ele vai, muito em breve. Logo que eu der de cara com os
fodidos covardes que surraram Nate, irmão mais novo da
Lyn, o garoto que sonha em ser pastor e, assim como eu,
conheceu o inferno ainda criança, mas diferente de mim que
fiz do demônio meu confidente, Nate se afastou de tudo que
representava o mal numa tentativa ilusória de purificar sua
alma.
Uma ilusão do caralho!
Estou esfomeado como há tempos não ficava e as
primeiras palavras do VP abrem ainda mais o meu apetite,
mas é a expressão de merda do general de armas que
aumenta a minha sede.
Dumb está se esforçando e sei que para ele manter o
controle na frente de todos é tão essencial quanto
convencer a Pink de que a paralisação que o incapacitou de
atirar na Lindsay, naquela fatídica noite no estacionamento
do clube, teve tudo a ver com os métodos de treinamento
do seu fodido avô e nada a ver com ela, ou qualquer merda
de indecisão sobre qual das duas cadelas era mais
importante para ele.
O problema é que o sequestro do garoto que se
dedica a pregar a palavra de Deus na cidade de Houston,
atrasou nossa saída do clube, pois precisamos esperar a
chegada dos irmãos do MC Blackout, que estão vindo para
nos ajudar e de Roober, que também está a caminho de
Green Hill, junto com a Stela, tia do Claws.
E isso aumenta a vantagem de Pink sobre ele para
mais de quarenta e oito horas, o que para uma cadela
normal não seria uma grande diferença, mas para a líder do
MC Shadow Princesses, oferece uma margem fodidamente
favorável para que ela se coloque em um risco ainda maior,
no intuito de resgatar Benício Xavier e todos os meninos
que estão sendo mantidos como malditos prisioneiros na
região de Gold Cowntry.
O general de armas conhece a Pink melhor do que eu,
mas eu conheço o general de armas melhor do que
ninguém, e sei que a essa altura ele já está calculando
mentalmente quantos fodidos vai ter de mandar para o
inferno até poder arrastar o traseiro da sua cadela de volta
para o clube, mais precisamente para o seu quarto.
Snake anuncia as mudanças na estratégia que, aliás,
foram muitas.
Damon, Claws, Oásis e Bund seguem para Dallas. O
presidente e o executor do Blackout irão como sombras do
presidente e do executor do Black Panthers, em uma fodida
escolta armada.
Meu destino mudou e estou indo para Houston, na
companhia de Ryan e Zach, sob os protestos de Lyn. A
contadora não se conforma de ficar de fora do resgate do
seu irmão. No entanto, o olhar enviesado do VP delega
apenas uma ordem para mim:
Encontre o garoto e faça os filhos da puta sofrerem.
Assinto, satisfeito, e retribuo o mesmo olhar para Lyn,
garantindo que os fodidos que pegaram seu irmão terão o
fim que merecem. A cadela agradece, silenciosamente,
ainda que não esteja plenamente feliz.
Alívio me toma quando Snake determina que Megan
fique no clube para ajudar a cuidar de Angus e Angel, junto
com o VP, Stela, Roober e mais seis irmãos do MC
Blackout, enquanto Lyn vai com Madison para Los Angeles
e Dumb corre até a fazenda com Trap.
Snake pensou em tudo e agora que cada um sabe
exatamente o que tem de fazer, só nos resta esperar a
chegada dos irmãos à cidade para cair na estrada e fazer o
que fazemos de melhor: causar dor a todos que tentam
foder o MC Black Panthers, e dessa vez o sofrimento
promete ser maior já que cabeças vão rolar, literalmente.
E como todo maldito esfomeado, vou poder matar a
minha fome.
Respira, porra!
CAPÍTULO 12
LYN
Espero os novatos e as cadelas saírem do
escritório, impaciente. Quando a porta se fecha, paro à
frente do VP e pergunto olhando no fundo dos seus
olhos:
— Que merda é essa?
Snake não se intimida, cruza os braços e sustenta
o meu olhar.
— Desembucha de uma vez.
— Por que não quer que eu vá para Houston?
— Você sabe porquê.
— Não sei.
— Sabe, mas se quiser a verdade eu posso te
ajudar.
— Sou uma cadela crescida, não me poupe —
desafio, ciente de que os diretores estão atentos ao
nosso embate de merda.
— O Nate é seu irmão.
— Isso é um problema?
— Esse é o maldito problema.
— Eu posso dar conta daqueles fodidos.
— Ninguém disse que você não pode.
— Então por que não me deixa ir no lugar do
Ghost?
— Porque o Nate é seu irmão, e você vai seguir
sua intuição e não a sua cabeça quando encontrar o
garoto.
Não retruco, pois ele tem razão, no entanto, não é
o suficiente para me convencer.
— Nós temos a localização e os meios de invadir
aquela espelunca para resgatar o Nate em menos de
cinco minutos.
— É por isso que você é a contadora e eu sou o
estrategista — Snake fala em tom de chacota, me
enfurecendo ainda mais.
— Não quero ir para Los Angeles.
— Não é uma opção.
— Ele é meu irmão!
— E os fodidos armaram uma cilada, caralho! —
esbraveja o VP. — Será que você ainda não percebeu,
porra?
Estreito os olhos, em dúvida. Snake alisa a barba
e bufa, irritado.
— O que você não está me contando? —
pergunto e pego a troca de olhar, relâmpago, entre ele
e o executor.
Claws sabe de alguma coisa que eu não sei e pelo
visto sou a única no escuro. Odeio essa merda de
superproteção dos idiotas que insistem em me tratar
como uma maldita cadela sensível.
— Nós temos a localização, Lyn, mas o Nate não
está lá — responde o VP, com apreensão.
— Onde ele está?
— Ainda não sabemos.
— O quê? — Minha voz ganha vários tons mais
altos.
— Eles pegaram o Nate na igreja, montaram o
cenário, tiraram a foto e enviaram para você, mas
saíram logo depois.
— Como você sabe?
— Porque é o meu trabalho saber.
— Mas não tem certeza.
— Tenho.
— Como pode ter certeza, Snake?
— Porque é exatamente isso que eu faria se
quisesse pegar você.
— Eles não querem me pegar!
— Querem, Lyn.
— Não — Nego com a cabeça. — Eles querem a
Pink.
Snake segura meus braços com força, me
impedindo de me mover.
— Presta atenção, cadela. Domenico quer o
Claws e sequestrou o Nate para atrair você até
Houston. A Pink é apenas uma distração. A contadora
do Black Panthers é o verdadeiro alvo daquele italiano
de merda.
Viro a cabeça na direção do executor, meu
homem, meu amor. Meus olhos cravam nos dele,
prateados e tão frios quanto o inverno polar,
impenetráveis, como no dia em que ele matou Elliot
Walker, pai da Emma.
— É verdade? — pergunto num fio de voz. Snake
me solta e se afasta, dando espaço para Claws que se
aproxima e toma o seu lugar.
— Provavelmente — ele responde, indiferente, e
enfia as mãos nos bolsos.
— Por que não me contou?
— Porque não quero que se preocupe comigo,
nem com o Nate.
— Desde quando você sabia?
— Snake me falou quando desconfiou que era
uma armadilha.
— E vocês dois chegaram juntos a essa
conclusão... — balbucio, fodidamente decepcionada. —
Eu não posso ir para Houston porque vocês acham que
é uma armação do Domenico para me usar como
moeda de troca, mas você pode ir para Dallas tomar
um café com o desgraçado que quer te convencer a
aceitar um maldito cargo naquela merda de máfia —
desdenho, me controlando para não chorar. — O que
mais você está escondendo de mim?
Claws me fita, fodidamente sério.
Expressão inabalada e postura relaxada, mas há
um brilho nebuloso em seu olhar, diferente e
desconfiado. Seu silêncio me desconcerta, é como se
ele pudesse me enxergar por dentro, saber como me
sinto e ler meus pensamentos.
Meu coração acelera com essa possibilidade, pois
não quero que ele enxergue, saiba ou leia nada. Não
agora, quando estamos no meio de uma guerra e
nossas vidas estão em perigo.
O executor encurta a nossa distância, abaixa a
cabeça e sussurra em meu ouvido:
— Essa pergunta é minha, não sua. O que você
está escondendo de mim, criança?
Fecho os olhos, engolindo em seco quando a
primeira lágrima escorre pelo meu rosto e a verdade
chega como uma bofetada na minha cara, tão violenta
quanto o arrependimento por não ter contado para ele.
Não sei há quanto tempo Claws descobriu, mas
no instante que ele se afasta e seus olhos voltam a fitar
os meus, sou desmascarada na frente dos diretores,
sem qualquer opção além de admitir a triste verdade:
Eu sou uma fodida mentirosa.
CLAWS

— Essa pergunta é minha, não sua. O que você está


escondendo de mim, criança? — sussurro em seu ouvido,
sem demonstrar uma merda para a cadela mais mentirosa
que já conheci.
Carolyn não suporta a pressão e chora. As lágrimas
escorrem livremente por suas bochechas, mas ela não diz
nada, apenas me encara com seu olhar arrependido.
Pelo menos a cadela sente remorso.
Quero abraçá-la, acolher seu corpo junto ao meu e
protegê-la com a minha vida, no entanto, não posso. Não
agora. Não antes de Carolyn admitir que mentiu para mim,
ou melhor, vem mentindo há algum tempo.
— Desde quando você sabe? — ela murmura,
chorosa.
Ergo uma sobrancelha e cruzo os braços.
— Desde o primeiro dia — admito.
— Por que não me disse que sabia?
— Porque estava esperando você me contar.
Carolyn cobre o rosto com as mãos e chora como uma
garotinha que acabou de ser pega em flagrante comendo
pudim antes do jantar.
Bom, eu deixo que ela sofra um pouco, ainda que a
minha vontade seja de colocar a cadela no meu colo e
surrar seu traseiro gostoso, por estar mentindo para mim há
quase um mês.
Pela visão periférica vejo os quatro idiotas
conspirando, se divertindo com a situação da minha criança
insegura.
— O que você estava esperando para me contar? —
pergunto com a voz grossa e fria, mas mantenho o tom
baixo.
— Não sei... — ela responde, derrotada.
— O que você não sabe? — insisto, pois preciso que a
cadela admita que está fodidamente com medo, assustada
pra caralho.
— Não sei o que eu estava esperando.
Carolyn seca o rosto com a barra da blusa, o que
deixa sua barriga exposta. Meus olhos recaem sobre o local
que, há cerca de trinta dias, serve de abrigo para o nosso
primeiro filho, o mesmo que a cadela sempre sonhou em ter
e quando descobriu que estava grávida, guardou segredo e
continuou agindo como se não estivesse acontecendo nada
e eu não merecesse saber que ia ser pai.
Entretanto, se Carolyn tinha qualquer dúvida de que
conheço seu corpo melhor do que ela mesma, agora não
tem mais. Não sei que tipo de exame a cadela fez para
confirmar a gravidez, pois eu não precisei de nenhum para
descobrir.
A mudança por fora vem acontecendo aos poucos,
suavemente, mas não foi o aumento dos seios e da bunda
que me deu a certeza de que Carolyn Jones espera um filho
meu, e sim, a que está mudando a cadela por dentro sem
que ela sequer perceba.
— É por isso que vocês não querem que eu vá para
Hudson? — pergunta, fungando.
— Não — respondo a verdade. — Você não vai
porque nós não estamos negociando a minha saída do
clube com o Domenico. Nós estamos indo para resgatar o
Nate e distrair o Capo para que o Dumb tenha tempo de
encontrar a Pink, entrar na fazenda e resgatar os meninos.
— Por que o Domenico mentiu sobre a Pink?
— Porque o imbecil pensa que a cadela ainda está no
clube e acreditou que sequestrando o Nate, te atrairia para
Houston, sozinha.
Carolyn assente, finalmente entendendo tudo.
Ela levanta a cabeça e desvia o olhar para os fodidos
que aguardam ansiosamente por um desfecho, mas sequer
imaginam que não terão porra nenhuma do meu negócio
particular.
Fofoqueiros da porra.
Se antes de ter a contadora de volta na minha vida, eu
já não contava um caralho para eles, quem dirá agora que
Carolyn e eu teremos um longo caminho pela frente, ao
menos até ela se convencer de que pode ser uma mãe
muito melhor do que a dela foi para a sua única filha.
Não vou medir esforços para fazer com que Carolyn
acredite que, mesmo se eu pudesse, jamais escolheria
outra cadela para ser a mãe do meu filho, no entanto, antes
preciso que ela entenda a gravidade da sua mentira e
sobretudo, aceite as consequências da escolha que fez.
Os olhos negros da contadora retornam aos meus;
vermelhos, inchados e molhados. Ela puxa uma longa
respiração, limpa o nariz com as costas da mão e sussurra
com a voz embargada:
— Eu estou grávida. — Novas lágrimas descem pelo
seu rosto. — Você vai ser papai, amor...
A grande revelação dita em voz alta pela primeira vez,
é como um míssil disparado contra todos os malditos muros
de concreto que construí especialmente para este
momento, com a única intenção de não me dobrar para ela
e mostrar o quanto sua mentira fodeu meu juízo.
Mas, caralho, se descobrir que vou ser pai não é a
melhor coisa que já ouvi da boca da minha cadela, porra?
Carolyn sorri de lado, seu sorriso num misto de
timidez, alívio, arrependimento e muita felicidade. Então eu
faço a única coisa que quero fazer desde que descobri que
ela carregava nosso bem mais precioso dentro do seu corpo
delicioso, e beijo sua boca com todo meu amor.
Ela abraça meu pescoço, se derretendo em meus
braços e prova mais uma vez, que a contadora fodidamente
pertence ao executor, enquanto eu aperto seu corpo contra
o meu, ratificando que o executor fodidamente pertence a
contadora.
Este era para ser o dia mais feliz da minha vida, se
nós não estivéssemos no meio de uma maldita guerra. Mas
agora tenho mais um motivo para voltar para casa, o maior
de todos.
E pela minha família, sou capaz de fazer tudo e
qualquer coisa.
Até mesmo ceder à chantagem do nosso maior
inimigo...
CAPÍTULO 13
DUMB
— Parabéns, cadela, só espero que o rebento seja
parecido com você na aparência, mas tenha a
personalidade do pai biológico — provoco Lyn, que não
sabe se ri ou se chora.
— Cala boca, idiota — ela resmunga e dá um
soco no meu braço.
— Pode contar quem é o pai verdadeiro, prometo
que não falo pro fodido canadense que ele é o
padrasto.
— Não sei se eu prefiro ser surdo, quando posso
cortar a sua língua — Claws murmura atrás de mim.
— Você seria linchado pelas cadelas se fizesse
isso. — Giro o corpo e encaro o executor que, pela
segunda vez desde que conheço o babaca, tem os
olhos cheios de lágrimas não derramadas. — Minha
língua é um dos meus principais instrumentos de
trabalho, seu arrombado.
— Eu posso cortar essa merda e deixar em
exposição.
— Não ia ter a mesma utilidade.
— Irmão, sua língua nunca serviu pra porra
nenhuma e garanto que eu estarei fazendo um fodido
favor para a população mundial.
— Pau no cu.
— Idiota.
Começamos a rir e é impossível não se comover
com a felicidade estampada na cara do Claws.
— Parabéns, porra! — Sem pensar muito, puxo o
executor para um abraço, que ele não recusa
justamente por estar fodidamente feliz, caso contrário já
teria me empurrado e estaria xingando até meus
ancestrais.
— Quem diria que um dia eu assistiria essa
merda! — Snake se intromete sem ser convidado e
passa os braços em torno de nós. — Quando a minha
cadelinha nascer, vocês vão ter que me abraçar assim
também, seus fodidos!
O VP beija minha cabeça e logo em seguida a
cabeça do executor.
— Irmão, já falei pra parar com essa merda, porra!
— Claws tenta se afastar, mas Snake intensifica o
aperto mantendo nós dois colados a ele.
— Bando de maricas. — Ele beija nossas cabeças
outra vez. — Você vai ser pai, irmão! Nossos filhos vão
crescer juntos e governar essa porra de clube!
— Isso não muda nada, caralho!
— Eu sei que você gosta, veado.
Sou incapaz de me soltar, pois não posso parar de
rir ouvindo meu primo planejar o futuro de duas
crianças que ainda nem nasceram.
— Não consigo respirar, porra! — Claws
finalmente se liberta, fazendo com que Snake me solte
em seguida.
— A gente precisa comemorar — Damon fala,
tomando a contadora dos braços do rastreador.
— No próximo Natal um de vocês vai ter que se
vestir de Papai Noel — Ghost aponta para o executor e
o VP, antes de abraçar o canadense ranzinza e dizer:
— Deve ser do caralho descobrir que vai ser pai!
Parabéns, irmão.
Claws retribui o gesto de carinho de bom grado e
admite para o espanto de todos, inclusive da contadora:
— Pensei que fosse enfartar quando a cadela
contou.
— Como se você não soubesse... — Lyn fala sem
jeito, trocando o abraço do Damon pelo do executor.
Ele beija a boca da cadela, segurando seu rosto
entre as mãos e replica olhando em seus olhos:
— Nunca senti nada parecido quando ouvi você
falando que eu ia ser pai, criança.
— Me perdoa por ter demorado tanto para contar
— ela sussurra, nitidamente envergonhada.
Claws beija sua testa e a abraça com força,
descansando o queixo em sua cabeça, antes de dizer
com suavidade:
— Vamos conversar sobre isso quando essa
merda acabar, hoje eu só quero aproveitar cada minuto
de paz que a gente ainda tem para comemorar a
chegada do nosso filho.
Novamente as palavras do executor trazem com
elas a tranquilidade necessária para que, ao menos por
algumas horas, a corrida de amanhã de manhã seja
esquecida, assim como a fodida realidade que nos
espera além dos portões do clube.
Madison e Megan se juntam a nós minutos mais
tarde.
Damon abre uma garrafa de uísque para os
homens e um champanhe para as cadelas. Lyn fica na
água, enquanto nos conta em detalhes como foi que
descobriu que estava grávida, no entanto, reserva o
motivo de ter escondido a notícia de Claws apenas
para ele.
O que não incomoda ninguém, pois o clima no
escritório é fodidamente bom para ser estragado e
todos nós sabemos que a contadora está se borrando
de medo de ser uma péssima mãe, tendo em vista seu
histórico familiar, o que é uma idiotice sem tamanho,
mas quando se trata de Carolyn Jones, tudo é possível.
Perto das dez da noite, Snake, Damon, Madison,
Lyn e Claws, vão embora para suas casas. Ghost me
chama para fumar um baseado, mas antes que eu
aceite seu convite, Megan pergunta:
— Posso falar com você?
O rastreador deposita um beijo na cadela e nos
deixa sozinhos. Eu sei que a loira quer falar sobre a
Pink, mas não estou a fim de ouvir e apesar de
entender os motivos que levaram Megan a ajudar na
fuga da minha cadela, o fato de ela não ter me contado
o que sua amiga pretendia fazer, é fodidamente difícil
de digerir.
— Estou cansado.
— Não vai demorar.
Encosto na mesa com os braços e as pernas
cruzadas, disfarçando o incômodo que sinto ao olhar
para ela.
— O Ghost me contou sobre a escuta — Megan
fala baixo, porém com firmeza, e se senta no sofá à
minha direita. — Eu ia contar, Dumb.
— Quando? — pergunto, me esforçando para
manter a calma.
— Na primeira oportunidade.
— Por que não contou ontem de manhã, quando
você me viu desesperado sem saber o que tinha
acontecido?
— Porque eu tinha esperança que a Pink voltasse
atrás e ficasse aqui até se recuperar totalmente.
Rio sem humor.
— É mais fácil o sol nascer quadrado do que
aquela cadela mudar de ideia.
— Eu me sinto tão culpada. — Megan apoia os
cotovelos nos joelhos e a cabeça nas mãos. Sua
postura desolada derrete um pouco do gelo que reveste
meu peito para impedir que sentimentos como este se
infiltrem.
— O único culpado por tudo que aconteceu com a
Pink, sou eu.
— Não, Dumb. — A loira me encara com os olhos
marejados. — Todos nós tivemos culpa, porque
ninguém intercedeu por ela.
— A sede estava vazia e não tinha quase ninguém
no estacionamento — tento justificar.
— O Ghost desceu com você, ele podia ter feito
alguma coisa.
— Não, Megan — falo com afinco. — Eu deveria
ter deixado a London atirar na Lindsay e acabado com
tudo assim que cheguei. A Pink tem todos os motivos
pra não acreditar em mim. No seu lugar eu teria feito a
mesma coisa se a Pink tivesse me pedido ajuda, e
agradeço por tudo que fez por ela. Vou sair para a
corrida de amanhã e não volto para casa sem a cadela.
Eu errei e pretendo corrigir o meu erro da mesma
forma. Sozinho.
— Ela estava muito mal, Dumb, nem parecia a
mulher forte que eu sempre invejei.
Estreito os olhos, um tanto decepcionado com a
sua confissão, pois sempre pensei que Megan
admirasse a Pink, não que a invejasse.
— Deu pra perceber na gravação.
A loira fica em pé, nega com a cabeça e seca o
rosto com a manga da camiseta branca.
— A tristeza que você ouviu na voz da Pink, não
chega nem perto da tristeza que eu vi nos olhos dela.
Tudo que aquela garota queria era se sentir importante
no lugar e para as pessoas que se tornaram
importantes para ela, mas nada disso aconteceu e... —
Megan funga e para de falar.
— Eu fodi ainda mais as coisas — completo.
— Sinto muito, Dumb. Sempre gostei de você e
sei o quanto a sua amizade é importante para o Ghost.
Não tive a intenção de agir pelas suas costas, nem de
esconder que tinha dado as duas identidades falsas
que eu encontrei na bolsa da Lindsay, mas...
— Espera! — a corto, afoito. — Você não pegou
as identidades que o Ghost guarda no guarda-roupa
dele?
Megan franze a testa, confusa.
— Não. Eu nem sabia que ele tinha identidade
falsa.
Passo a mão pelo cabelo, sentindo um frenesi
atravessar o meu corpo, dos pés à cabeça.
— Você se lembra quais eram os nomes nas
identidades?
Porra! Porra! Porra!
Quando ouvi a gravação nem cogitei qualquer
outra hipótese que não fosse a de Megan ter pego os
documentos no esconderijo do rastreador, por isso não
perguntei nada até aquele momento.
Mas se houver uma mísera chance de a loira se
lembrar...
— Não — Sua resposta é como uma pedra de
gelo se derretendo em cima do meu último baseado. —
Mas eu acho que a Lindsay tinha duas cópias para
alguma emergência.
— Onde você guardou as coisas dela?
— No quarto. Não joguei nada fora.
— Se a gente encontrar essas cópias, o Ghost
pode rastrear o paradeiro da Pink pelo nome e o
número dos documentos.
Megan e eu saímos apressados do escritório e
subimos correndo até o terceiro andar. Ghost está
sentado no parapeito da janela, relaxado e curtindo
uma brisa, mas fodidamente não me importo de cortar
seu barato quando a loira me entrega as cópias com
um enorme sorriso no rosto e me pede desculpas,
repetidas vezes, enquanto chora e funga no meu
ombro.
Cadelas, cadelas...
Pink, Madison, Megan, Alana, Ravena, London,
Crystal e a pequena Angel, sem contar a cadelinha do
Snake que pode se tornar uma arma extremamente
poderosa, ainda banguela.
Um fodido exército de cadelas que está se
infiltrando entre nós, sorrateiro pra caralho, e se não
tomarmos cuidado em pouco tempo estaremos
domesticados, castrados e provavelmente vamos
agradecer por tal benção.
Faço uma nota mental para ter uma conversa
séria com o executor assim que as coisas se
acalmarem. O canadense é o único que pode dar uma
compensada na espécie macho do Black Panthers,
com uma nova geração de herdeiros fodidamente
fodidos e cruéis para garantir nossa permanência no
comando do MC, já que pelo visto o clube é o único
lugar onde a palavra do Pres, do VP e do rastreador,
ainda vale uma merda.
Por um segundo tento imaginar como deve ser a
sensação de ter uma cadela dormindo e acordando
todos os dias ao meu lado e um rebento remelento
correndo atrás de mim, me chamando de pai, mas logo
afasto o pensamento e foco na realidade, no presente e
na corrida de daqui a pouco.
Quebrar a regra de Scott e me permitir sentir é
uma coisa, sonhar com a minha própria família é outra
completamente diferente.
E durante o meu estado transitório entre a fantasia
e a realidade, Ghost descobre não apenas em qual
hotel Pink está hospedada, na cidade de Tucson, mas
o nome da boate onde a cadela foi ontem à noite e saiu
somente hoje pela manhã.
Sexy & Hell, também conhecida como a casa de
swing mais badalada do Arizona.
Maldita boceta vadia do caralho!
CAPÍTULO 14
PINK
Não sei por quanto tempo dormi, mas acordo com
a claridade lutando contra a cortina para se infiltrar no
quarto. Estou sozinha, nenhum sinal de Kyler.
Apoio os cotovelos na cama e olho ao redor. O
lugar é o mesmo, no entanto, parece limpo e mais
organizado do que estava quando cheguei.
Minha cabeça lateja e meu corpo reclama o
esforço físico intenso e muito prazeroso. O vira-lata é
bom de cama, tem pegada áspera e uma disposição
admirável. Ele me fez gozar três vezes e me fodeu em
cada canto do cômodo, de várias formas.
Suspiro, agradecida por ter conseguido curtir a
noite e aproveitar o prazer sem ficar me lembrando,
comparando ou remoendo o que podia ter sido e não
foi. O que podia ter dado certo e não deu, enfim... o que
podia estar começando, mas acabou mais cedo do que
eu gostaria e esperava que acabasse.
É passado. Acabou.
Jogo as pernas para baixo, respiro fundo e
lamento não ter ligado para London. Minha irmã sabe o
que estou fazendo, ou melhor, o que preciso fazer e
embora conheça os riscos e já esteja acostumada com
a minha ausência na fase final de um resgate, ela
sempre fica preocupada.
Porém, não é por mim que preciso entrar em
contato, mas por ela, por Crystal e todas as garotas
que frequentam a sede do MC Shadow Princesses, em
Los Angeles, na Califórnia.
Tenho que contar o que descobri e avisá-las sobre
o presidente do MC The Furious, o vira-lata que nos
ajudou por um bom tempo e agora está envolvido no
esquema de tráfico infantil liderado por um mafioso
italiano, o idiota arrogante que se aproveita do status
glamoroso que a sua família conquistou na América do
Norte para expandir seu negócio asqueroso.
Ax ameaçou explodir meu clube com as meninas
dentro, se eu contasse alguma coisa para os diretores
do Black Panthers. Ele não precisava me torturar
daquela forma, pois não havia a menor possibilidade
que isso acontecesse, principalmente depois da morte
da Lindsay.
Até hoje, apenas um vira-lata conheceu o meu
passado e o meu verdadeiro trabalho.
Nenhum outro.
As batidas do meu coração perdem o ritmo
quando as recordações vêm à tona. Sinto falta dele, do
que tínhamos e do que éramos juntos, mas não me
permito chorar.
É passado. Morreu.
Um dia todas as pessoas vão passar pela triste
experiência de perder alguém, o que é totalmente
normal e previsto, o problema é que eu perco todo
mundo e já estou cansada de tanto perder.
Fico de pé e sigo para o banheiro.
Chega de sentir pena de mim mesma.
Odeio a vulnerabilidade que me atinge sempre
que as coisas não saem como deveriam e pelo andar
da carruagem, se eu conseguir salvar Benicio já será
uma grande vitória.
Desde que comecei a apoiar, oficialmente, o
combate ao tráfico infantil, nunca enfrentei uma
organização como a de Domenico Copolla, pois além
de ser rica e bem-estruturada, está se expandindo com
muita rapidez e eficiência por todo o continente.
Ligo o chuveiro e deixo que a água quente lave
meu corpo e leve todas as minhas merdas embora.
Não é a primeira vez que caio, como não vai ser a
última que me levanto — ainda mais forte — depois da
queda.
Esqueço o que passou, as perdas, as derrotas e
foco no futuro, porque sou uma guerreira e é isso que
as guerreiras fazem, não por opção, mas por uma
simples questão de necessidade, de sobrevivência.
Uma luta diária, injusta e para toda a vida.
— Ele não vai te ligar.
Ignoro a alfinetada, termino de escrever, assino e
deixo o bilhete em cima da mesa de Kyler, sem a
mesma certeza que tinha, cinco segundos atrás, de que
isso é uma boa ideia.
— Obrigada por avisar, você é muito gentil — falo
e giro o corpo, deparando com a garçonete bonita que
sofre calada pelo amor não correspondido.
— Não estou sendo gentil, o Ky nunca liga para as
putas que ele fode por uma noite.
Dou risada e encosto a bunda na mesa.
— Gosto da sua sinceridade — afirmo, igualmente
sincera. A garota faz uma careta birrenta, põe as mãos
na cintura e joga o quadril para o lado.
— Que pena, não gosto de putas.
Eu me calo e a encaro, tentando entender porque
ela ainda está aqui, servindo de estepe para um vira-
lata que prefere foder mulheres desconhecidas sem se
importar com ela ou com os seus sentimentos e ainda
se aproveita da sua esperança de que, um belo dia, ele
vai acordar de manhã e finalmente perceber que
também é apaixonado por ela, se arrepender por tê-la
humilhado e desprezado tanto, por tanto tempo, e os
dois serão felizes para sempre.
Mas não entendo, e com certeza jamais vou
entender como uma mulher jovem, bonita e inteligente
pode se achar fraca, covarde ou o que quer que seja,
para sair de um relacionamento de merda que só faz
sofrer.
— O que está olhando? — A garota rosna se
aproximando de mim e tenho a ligeira impressão de
que está tentando me intimidar. — Por que não dá o
fora? Não tem mais nada aqui para você.
Sua arrogância me irrita.
— É melhor se afastar — falo, contendo a fúria
que cresce e cresce.
— Eu trabalho aqui, quem tem que sair é você. —
A garota ganha coragem e zera a distância entre nós.
Não suporto a proximidade e minha raiva atinge o
segundo estágio.
— Não vou pedir de novo — sibilo entre os dentes
cerrados, no entanto, continuo parada no mesmo lugar.
Meu sangue ferve.
— Está me ameaçando?
Ela gargalha alto.
— É um aviso. — A garota pensa que estou
brincando, mas não faz ideia de quem eu sou e do que
sou capaz de fazer se ela não recuar.
— Não tenho medo de você e...
Antes que pronuncie as últimas palavras, torço
seu braço prendendo-o nas suas costas, inverto nossas
posições e com a mão livre pressiono sua cabeça
contra o tampo de mogno.
Agora ela está com o corpo curvado sobre a
mesa, gemendo e se contorcendo embaixo de mim. Eu
me inclino e sussurro em seu ouvido:
— Quando alguém que você não conhece te der
um aviso, em vez de falar merda, ouça e obedeça. —
Puxo seu cabelo, erguendo sua cabeça e empurro
novamente contra a madeira, batendo com mais força
desta vez. O barulho ecoa no escritório de Kyler. A
garota choraminga, mas não me importo. — Apenas
para constar, você tem razão. Eu sou uma puta, mas
uma puta que fode de graça.
Arremesso seu corpo para longe.
Ela cai no chão e se encolhe de dor. Prendo meu
cabelo curto atrás da orelha, ajeito minha roupa e falo,
apontando para o bilhete sob o teclado:
— Garanta que o Kyler leia, ou não vai gostar do
nosso próximo encontro. Este é meu último aviso.
Deixo o escritório do proprietário da casa de swing
e sigo em direção à saída. Cumprimento o vira-lata que
me deu o recado do seu patrão e volto para o hotel
caminhando.
O funcionário que limpava o balcão do bar quando
eu estava indo embora me chamou, perguntou meu
nome e quando respondi, ele me disse que Kyler teve
uma emergência e precisou sair às pressas, mas pediu
que eu deixasse um telefone para contato, pois ele
queria falar comigo.
Respiro fundo enquanto faço meu caminho, abro e
fecho as mãos, me acalmando aos poucos e me
odiando por ter perdido a calma. Não é fácil controlar a
raiva, principalmente quando minha mente não está
sob controle e meu corpo se rebela.
A garçonete deu sorte, pois poderia ter sido muito
pior e a essa hora, nós duas estaríamos lamentando.
Ela muito mais do que eu, sem dúvida.
Entro em uma lanchonete para tomar café, volto
ao hotel nenhuma estrela, retiro a chave na recepção e
subo as escadas bem mais tranquila.
Abro a porta do quarto e estaco no lugar quando
vejo Kyler sentado na beira da cama.
— Então essa era sua emergência? — pergunto,
disfarçando o espanto e jogo a chave em cima do
aparador.
— Hotel Hilton, hein? — ele responde com outra
pergunta.
— Que diferença faz?
Abro o frigobar e pego uma garrafa de água.
— Enquanto eu te fodia na minha cama, nenhuma
diferença. Mas agora que descobri que você mentiu
para mim, toda.
Bebo um gole, dando uma checada rápida para
me certificar que Kyler está sozinho. Não sei como ele
soube, tampouco como entrou ou por que está aqui,
mas a maneira com que o vira-lata me observa, deixa
claro que não sou a única a guardar segredos.
— Eu fui à boate em busca de sexo, não de um
namorado, muito menos de um perseguidor.
Puxo a cadeira e me sento de frente para ele.
— Quem te falou da boate? — Seus olhos azuis
estão cravados nos meus, ardentes, mas não sei se o
brilho intenso é tesão, desconfiança ou raiva, pois não
o conheço, ainda que conheça seu corpo.
Bebo um gole e cruzo a perna direita sobre a
esquerda.
— Uma cabeleireira. Chair — respondo a verdade.
Kyler assente.
— Qual o seu nome?
— Brenda.
— O verdadeiro.
— Brenda.
Ele fica de pé e basta dar dois passos para estar à
minha frente. Suas mãos seguram o encosto da
cadeira, quando Kyler se curva sobre mim.
Os braços fortes me cercam e seu nariz acaricia
meu rosto, pescoço e orelha, arrepiando minha pele.
— Algumas pessoas estão atrás de você... Pink.
— Sua voz rouca, sussurrando meu nome na minha
boca faz meu corpo inteiro estremecer de excitação e
anseio. — E ofereceram uma boa recompensa para
quem tivesse alguma informação do seu paradeiro.
— Não acredite em todas as promessas que o Ax
e o Pablo fazem.
— Pensei que o seu nome fosse Brenda.
Passo meu braço por cima do dele, coloco a
garrafa na mesa e volto a encará-lo.
— Pensei que tivesse vindo até aqui para me
foder de novo.
Kyler dá um sorriso de lado que destaca as
marcas de expressão nos cantos dos olhos que ontem
à noite passaram despercebidas, graças a parca
iluminação da casa de swing. O vira-lata é ainda mais
bonito de manhã e parece mais velho também.
— Eu quero te foder.
— Por que não fode? — desafio, elaborando
mentalmente um plano para fugir.
— Porque gosto de saber quem estou fodendo.
— Você sabe.
— Acho que não.
— Claro que sim.
— Quem é você, Pink?
— Só mais uma boceta.
Abro as pernas, encaixo os dedos nos passadores
da sua calça jeans e puxo Kyler para mim,
posicionando-o entre elas. Ele grunhe baixinho quando
enfio as mãos por baixo da camisa polo azul e arranho
sua pele da barriga até as costas.
— Eles querem você — grunhe, roucamente.
Deslizo a língua sobre a trilha de pelos loiros que
desaparecem abaixo do cós; desabotoo o jeans; abro o
zíper; empurro a calça para baixo junto com a boxer
preta, seguro seu pau semiereto em minha mão e olho
para cima, dando um sorriso sacana.
— E eu quero isso aqui...
Abro a boca e levo Kyler até a garganta,
aproveitando que ele ainda não está totalmente duro
para engolir sua extensão por inteira, enquanto acaricio
suas bolas com as unhas.
O vira-lata não resiste e endireita o corpo, segura
minha cabeça com força para me manter parada e
foder minha boca duramente.
Aperto suas coxas, curto o boquete e decido que o
mundo do lado de fora pode esperar, porque aqui
dentro não tem nada mais importante do que o prazer
responsável pelo meu esquecimento temporário.
É passado. Acabou.
CAPÍTULO 15
DUMB
— Seus neurônios vão fritar se continuar
pensando muito.
Solto a fumaça pela janela e falo, sem olhar para
trás:
— Estou compensando pelo tempo que fiquei sem
usar o cérebro.
— Pode repetir essa merda para enganar os
outros, mas não precisa fingir para mim. Sou eu,
lembra?
— Irmão, mesmo que eu quisesse, você não me
deixaria esquecer.
Snake fecha a porta do meu quarto e entra. Para
ao meu lado e aponta o baseado entre meus dedos.
— Eu me tornei esquecível quando te ensinei a
fumar maconha. Você não tinha nem pelo no saco,
então se conforme.
— O que está fazendo aqui?
— Vim trazer o carro.
Encaro meu primo, que segura o riso.
— Mentiroso do caralho.
— Por que acha que estou mentindo?
Duas batidas na porta e faço uma careta.
— É o Claws.
— Como você sabe? — o VP pergunta, rindo de
lado.
— O idiota é o único que tem educação. — Giro o
corpo e falo: — Tá aberta!
O executor entra, olha de mim para Snake,
estreita os olhos e se senta na poltrona.
Nem uma maldita palavra.
— Que porra vocês querem?
Minha voz carrega um tom de ameaça, mas eles
não têm tempo para responder, pois Damon invade o
quarto como um fodido torpedo.
— Eu sabia, porra! Bando de traidores do caralho!
Quando Ghost surge do nada, segurando um pote
embaixo do braço e fuzila os idiotas com um olhar que
diz “Vocês não vão me foder”, sei que sou o único
desinformado.
Apago o baseado e me encosto com os braços
cruzados. Encaro os quatro marmanjos, ainda sem
entender o que eles estão fazendo no meu quarto,
perto da meia-noite, sendo que em menos de seis
horas, todos nós estaremos saindo para nossas
corridas.
— Alguém pode me explicar que merda é essa?
— questiono, desconfiado.
— Você descobriu alguma coisa sobre a Pink? —
Claws indaga.
Todos ficam me encarando, ansiosos por uma
resposta, ou melhor, quase todos, já que o rastreador
sabe sobre o paradeiro da cadela, pois foi ele que
descobriu onde ela está.
— O que isso tem a ver com o clube do Bolinha?
— Tudo.
— É por isso que vocês estão aqui? — falo,
emburrado.
— Mais ou menos — responde o VP.
— Mais ou menos, meu cu — Ghost interpela. —
Eu já disse que essa merda não tem nada a ver.
— Se não tem, por que não conta logo? — Damon
diz e se senta na cama.
— Porque a cadela é do idiota e se alguém tiver
que falar uma merda, é ele.
— Estamos aqui para isso. — Meu primo passa o
braço por cima do meu ombro e me puxa para perto
dele, antes de beijar minha cabeça.
— Me larga, porra! — resmungo e me afasto. —
Será que dá para alguém me explicar o que está
acontecendo?
Eles se entreolham e disfarçam, mas não falam
nada. Então me dou conta do maldito pote que o
rastreador segura como se fosse um baú cheio de
tesouro. Me aproximo dele, encarando o idiota
friamente e sem pedir permissão, pego o objeto com
extrema facilidade.
Damon se levanta, Snake enrijece e Claws inclina
o corpo para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos,
enquanto Ghost apenas sorri, presunçoso pra caralho.
O fodido planejou tudo, ele sabia que eu faria a
conexão entre a reunião fora de hora e o conteúdo do
cilindro transparente.
— Irmão... — murmura o Pres, apreensivo,
avançando na minha direção, mas estaca no lugar
quando ergo a mão, sinalizando o perigo que ele está
correndo se der mais um passo.
— Não se atreva, porra!
Sob os olhares atentos dos quatro mosqueteiros
de araque, retiro a tampa e estreito os olhos para os
pequenos pedaços de papel dobrados.
Se não conhecesse o bando de arrombados,
poderia jurar que ia rolar um amigo secreto na Páscoa.
Puxo e desdobro um por um, ficando ainda mais
cismado ao ler o que está escrito neles:

1 semana. T
2 semanas. M
3 meses. A
4 meses. R
1 mês. D
1 ano. L
15 dias. S
6 meses. C
2 meses. G

— Que porra é essa? — pergunto, jogando a


última tira de papel sobre a cômoda.
Silêncio.
Encaro o quarteto enviado pelo capeta, direto das
profundezas do inferno, finalmente, FINALMENTE,
entendendo tudo.
— O que vocês apostaram? — esbravejo para
ninguém específico.
— Quanto tempo a Pink vai demorar para te
perdoar — responde o executor, com sua típica cara de
cu mal lavado, recostando-se na poltrona.
Abro a boca, fecho a boca, olho os papeis mais
uma vez e volto a encarar o canadense, já que pelo
visto ele é o único com colhões para falar a verdade
sem borrar as calças.
— Por que estão aqui?
— Porque queremos saber qual foi o prazo que
esse idiota colocou — Claws sibila e aponta com o
queixo para o rastreador.
— Por quê?
— Porque ele mandou uma mensagem dizendo
que tinha mudado de ideia e a Megan contou para a
Madison que vocês passaram mais de duas horas na
sala de vigilância, depois da nossa reunião no
escritório. — O executor dá de ombros. — Informação
privilegiada é motivo de expulsão.
— Se o filho da puta sabe alguma coisa que nós
não sabemos, ele não vai poder mudar o palpite —
Snake fala.
— E está na cara que ele sabe — Damon
completa, furioso.
— Espera aí! — vocifero e encaro Ghost. — Como
assim, você mandou uma mensagem?
— Nós fizemos um grupo no WhatsApp.
— Um grupo de apostas? — pergunto, atônito.
Silêncio.
— E vocês deixaram suas cadelas em casa para
vir até aqui torrar o meu saco por causa de uma merda
de aposta? — Cólera é meu nome do meio, indignação
é o sobrenome.
Silêncio.
Os idiotas nem se abalam, preocupados demais
com o maldito palpite do rastreador.
Esfrego os olhos, fodidamente irritado.
— Até a Alana entrou? — inquiro embasbacado,
ao me dar conta da inicial do seu nome.
— Ela nunca esqueceu aquele encontro com o
Andrew na cafeteria — Snake justifica.
— Faz mais de quatro anos, porra!
— As cadelas têm memória de elefante, irmão.
— Quem é o R?
— A ruiva — Damon estufa o peito ao dizer o
nome da esposa.
Bufo, cético dessa merda.
Até as cadelas, porra!
— Você contou pra eles? — rosno para Ghost.
— Não — ele responde, sorrindo cinicamente.
Claro que o infeliz guardou a informação que
localizamos a Pink em Tucson e a cadela tinha
passado a noite fodendo em uma casa de swing, no
entanto, o arrombado não fez isso porque estava
preocupado comigo, tampouco para preservar o pouco
que ainda resta da minha dignidade masculina.
O babaca só ficou de boca fechada para tirar
vantagem no bolão.
Ergo o papel com o primeiro palpite do Ghost,
entre o indicador e o dedo médio, 2 meses.
— Quer trocar?
— Quero, mas eles só vão deixar se você contar o
que descobrimos.
Não preciso pensar para decidir em qual time
pretendo jogar, e aposto que no final ainda vou ter a
minha cadela e uma parte do dinheiro desse bando de
mercenários.
— A Pink está em algum lugar do Arizona — falo,
isento de emoção.
— Só isso? — sonda o executor, ressabiado.
— Tudo que a cadela tem são duas identidades
falsas, o que mais vocês pensaram que nós iríamos
descobrir? — Não estou mentido, embora não esteja
contando tudo.
Foda-se, eles não merecem saber.
Damon encara Snake, que encara Claws, que
encara Damon, em dúvida. Nenhum dos três acredita
cegamente em mim, mas não existe uma fodida chance
de provarem que estou mentindo, ou no caso, omitindo
alguma coisa.
— Cadê o seu novo palpite? — Estendo o braço,
com a palma da mão para cima.
Ele está sorrindo como um psicótico quando retira
o papel dobrado do bolso e me entrega.
Babaca.
Arremesso o antigo no lixo e coloco os outros
dentro do pote.
— Qual é o novo prazo? — questiona o Pres.
Desdobro a única evidência que pode comprovar
minha mentira e quando a leio, já é tarde demais para
matar o rastreador filho da puta, que sai do quarto mais
rápido que o papa-léguas.
E enquanto os três patetas gargalham alto por
conta da aposta do rastreador, acendo outro baseado e
volto a me encostar na janela, exatamente onde eu
estava antes de ser interrompido pelos fodidos que por
mais fodidos que estejam, não estão tão fodidos quanto
eu.
Na primeira tragada, uma sensação que há
tempos não sinto consome meu corpo por inteiro, dos
pés à cabeça: medo.
Mas é estranho, pois não sei explicar de onde ele
vem, ainda que intimamente meu cérebro desconfie,
porém, se recuse a admitir.
É então que a única tira de papel que ainda não
foi guardada no pote, me atinge como um soco no meio
da fuça e atesta a verdadeira fonte de todos os meus
temores.
Se o rastreador estiver certo e pela maneira que
Pink está agindo, tudo indica que ele está, não sei o
que fazer para reverter a situação.
Encaro o papel na minha mão e pela primeira vez
em toda minha vida, me arrependo de todas as apostas
que fiz. Fodidamente todas.

Nunca. G
CAPÍTULO 16
PINK
Depois de gozar na minha boca, Kyler decide abrir
o jogo e me conta como descobriu onde estou
hospedada e quem são as pessoas que querem a
minha cabeça.

— Há vinte anos, minha esposa recebeu uma


proposta de emprego em São Francisco. Ela era
jornalista, estava no auge da carreira e eu não
conseguia ficar mais de cinco meses em um trabalho.
— Kyler sorriu com tristeza, acariciando meu cabelo.
— O que aconteceu?
— Na primeira matéria que a equipe dela fez, o
motorista da van perdeu o controle e bateu em um
caminhão, que vinha na contramão. Ela foi a única
vítima fatal.
Eu estava atenta a cada palavra, a princípio em
dúvida se podia acreditar naquele cara, mas a emoção
deprimente que ofuscou seu olhar me garantiu que ele
não mentia, pelo menos sobre aquela parte da sua
história.
— Sinto muito.
Kyler se levantou e parecia agitado. Tristemente
agitado.
— Perdi o rumo, não sabia o que fazer porque a
May era tudo que eu tinha. Ela era minha vida desde
que eu me conhecia por gente. Comecei a beber feito
um louco, gastei em poucos meses todo dinheiro que a
gente guardou durante anos e acabei na miséria. Um
dia, completamente bêbado, entrei em uma briga de
bar e esfaqueei um homem. Eu não sabia nem o nome
dele, mas quando a notícia se espalhou, descobri que
ele era irmão de um traficante da região e minha
cabeça estava a prêmio.
Recostei na cadeira, interessada no que Kyler me
dizia.
— Sabe quando você não tem nada a perder? —
perguntou, no entanto, não esperou uma resposta. —
Esse era eu e acho que no fundo até queria que
alguém metesse uma bala na minha cabeça, porque já
não suportava mais continuar vivendo.
— O que você fez?
— Nada. Me tranquei em casa e esperei. Era a
única coisa que eu podia fazer. Sem grana, sem
trabalho e sem um propósito. Eu era um homem vazio
que não tinha absolutamente nada. Uma semana
depois, bateram na minha porta e pensei que fosse o
meu fim, mas era apenas o começo.
Kyler sentou-se na cama, apoiou as costas na
cabeceira, abriu as pernas e estendeu o braço para
mim, num convite para que eu me juntasse a ele. Seria
sensato recusar, porém, não resisti e aceitei.
No momento que me acomodei sobre o seu corpo
seminu, alguma coisa mudou dentro de mim sem que
eu pudesse explicar.
Eu não conhecia aquele cara, tampouco sabia se
podia e devia confiar nele, no entanto, foi impossível
ignorar a afinidade e a atração que rolou entre nós
desde o primeiro minuto que nos encontramos no
balcão do bar da Sexy & Hell.
— Uma mulher me procurou e disse que podia me
ajudar a sair da enrascada que eu tinha me metido. Ela
era dona de um puteiro na periferia de São Francisco e
me propôs um acordo. Eu trabalhava para ela em troca
de treinamento e proteção. Não foi uma escolha difícil,
porque não havia outra. Aquela era a única chance que
eu teria se quisesse recuperar o controle da minha
vida.
— Que tipo de trabalho você fazia? — perguntei
curiosa, gostando de descansar minha cabeça em seu
peitoral musculoso.
— Eu fazia sexo. Prostituto de luxo — Kyler
respondeu com amargura. — E o treinamento que ela
me ofereceu, foi para aprender a foder como uma
máquina.
— Agora tudo faz sentido — falei, numa tentativa
de aliviar a tensão.
— Passei dois anos trepando com todas as
mulheres que pagavam e no tempo livre, fodia a
Esmeralda.
— Ela era a dona do puteiro?
— A própria.
— Como veio parar em Tucson?
— Esmeralda tinha muitos contatos e não vivia
apenas da prostituição. Ela era informante de um
traficante de drogas mexicano, Ramiro Xavier. — Meu
corpo retesou e Kyler percebeu, pois me impediu de me
afastar. — A lealdade daquela mulher nunca foi sua
grande virtude e quando o irmão do Ramiro fez uma
proposta melhor, ela simplesmente mudou de lado. Por
algum tempo, Esmeralda conseguiu lucrar trabalhando
para os dois irmãos. Ela conseguia as informações que
interessavam para o Ramiro, mas repassava para o
Pablo primeiro e ele determinava o que o irmão deveria
saber. Não foi surpresa para ninguém quando o corpo
dela apareceu na porta do puteiro, mutilado.
— Pablo Armenio — sussurrei.
— O próprio. Foi ele que matou a Esmeralda e me
nomeou seu substituto.
Eu me afastei e Kyler sequer tentou me segurar.
Nós nos encaramos, meus olhos cravados nos seus;
especuladores, inseguros.
— Você ainda trabalha para ele?
— Não, mas nós mantemos um bom
relacionamento.
— Que tipo de relacionamento?
— Quando Pablo precisa de mim, eu o ajudo e
vice-versa.
Levantei-me, ganhando o máximo de distância
possível apenas por precaução, embora meu instinto
aguçado insistisse que Kyler não me machucaria, nem
me entregaria de mão beijada para Pablo.
— Como você descobriu que era eu? — perguntei,
observando sua reação.
Kyler também ficou de pé e se aproximou de mim
com cautela.
— O Pablo mandou um alerta para todos os
contatos dele no Texas, Arizona e na Califórnia. Ele
não foi específico, apenas pediu para informá-lo se
uma mulher de cabelo cor-de-rosa aparecesse na
boate. Sua fama de predadora sexual é muito
comentada, mas foi a sua determinação em acabar
com o tráfico infantil que colocou um alvo em você.
— Não respondeu a minha pergunta — insisti e
cruzei os braços pronta para me defender, caso Kyler
tentasse qualquer coisa.
— Ele me mandou uma foto sua, e eu te reconheci
assim que você olhou para mim.
— Foi por isso que me convidou para passar a
noite no seu quarto?
— Não. — O vira-lata avançou, eliminando a
distância entre nós. — Eu quis te foder no segundo que
você abriu a boca.
— Por quê?
— Porque foi a primeira vez que eu desejei uma
mulher desconhecida sem nenhum interesse além do
tesão, desde que a minha esposa morreu.
Kyler me empurrou para trás com seu corpo,
pressionando o meu contra a parede. Ofeguei. Ele
dobrou os joelhos, encaixando sua ereção na minha
boceta, suas mãos prenderam meus pulsos acima da
cabeça e sua boca mergulhou na minha.
Uma língua quente, macia e molhada penetrou
entre meus lábios, fodendo minha boca com gula,
desesperadamente.
Kyler era uns dez centímetros mais alto e seu
corpo forte não teve dificuldade para dominar o meu,
aliás, não houve qualquer resistência.
O sexo era bom e ainda que eu não o conhecesse
há muito tempo, nem sentisse por ele nada além de
atração física, se tudo aquilo fosse mesmo verdade,
Kyler tinha me provado em poucas horas e com uma
única atitude, que se importava comigo mais do que
deveria e muito mais que o...
Empurrei os pensamentos para longe, evitando as
comparações e me entreguei a Kyler, sem restrições.
Ele me comeu contra a parede como se tivesse sido
privado de sexo por longos anos e me fez gozar no seu
pau, alucinadamente, antes de tomarmos banho juntos
e conversarmos por mais de uma hora.
Kyler me garantiu que era o único contato de
Pablo em Tucson, e a Sexy & Hell, a única casa de
swing do deserto de Sonora que de acordo com o
traficante mexicano, uma mulher como eu frequentaria.
Porém haviam muitos outros informantes
espalhados por todo o estado que tinham recebido o
mesmo alerta e estavam à minha procura.
O irmão de Ramiro Xavier já sabia que eu tinha
deixado o clube de motoqueiros de Green Hill, e seguia
sozinha na minha empreitada idealista, no entanto, sua
grande preocupação não era o meu interesse em
resgatar seu sobrinho da fazenda, mas no que eu
estava disposta a contar para Domenico Coppola sobre
os planos dele e do seu comparsa, o presidente do MC
The Furious, caso eu fracassasse mais uma vez na
minha tentativa de invasão ao cativeiro, já que durante
os três dias que fiquei presa em um calabouço sendo
torturada por horas a fio, pelos homens do seu
pequeno exército de mercenários, acabei escutando
coisas que não deveria.
Kyler teve muitas oportunidades de me entregar a
Pablo, sem que eu sequer desconfiasse da sua ligação
com o traficante mexicano, que pretendia vender o
próprio sobrinho.
Mas Kyler não me entregou.
Em vez disso, ele decidiu me ajudar a resgatar as
crianças e os adolescentes que estavam na mesma
situação aterrorizante de Benício, contanto que eu
permanecesse em Tucson, trocasse o quarto de hotel
pelo dele, na casa de swing, e ficasse sob a sua
proteção nos próximos dias.
Pela segunda vez naquela manhã, não resisti e
decidi pela opção menos sensata, plenamente
consciente de que Kyler não havia despertado em mim
quaisquer sentimentos e tudo que eu poderia oferecer a
ele era o meu corpo.
Como sempre, fui sincera com o vira-lata e deixei
a seu critério acolher uma mulher que ainda se
recuperava de uma decepção recente e não tinha a
menor das intenções de se privar de qualquer tipo de
prazer.
Nem por ele, nem por ninguém.
— Você transou com outros homens quando
estava com esse cara? — Kyler perguntou, seus olhos
brilhando numa miscelânea de curiosidade, tesão e
descrença.
— Transei — respondi, enfiando as poucas peças
de roupa dentro da mochila.
— Ele não ficou com ciúme?
— Não.
— Ele transou com outras mulheres?
Pensei por um minuto, me dando conta de que
durante todo o tempo que fiquei no clube, Dumb não
transou com ninguém além de mim, e o único homem
com quem eu transei além dele foi o Ghost.
A monogamia não era uma imposição entre nós,
aliás, jamais seria, no entanto, aconteceu naturalmente
sem que nenhum dos dois sentisse falta de estar com
outras pessoas ou incluir alguém em nossas transas.
— Não... — murmurei, ainda chocada por conta
da constatação.
— Isso é injusto.
— Eu nunca exigi exclusividade.
— Ele não transou porque não quis? — Kyler
parecia realmente desconfiado.
Fechei o zíper e me sentei para calçar os sapatos,
incomodada com rumo que a conversa tomou,
principalmente com a vadiagem dos meus
pensamentos que se dispersaram sem a minha
permissão.
— Não sei.
— Como assim, não sabe?
— Não sabendo.
Kyler estava encostado na porta, braços cruzados,
ombros relaxados e uma expressão indecifrável, porém
exageradamente interessado no meu breve
relacionamento com o general de armas do MC Black
Panthers.
— Você me disse que foi embora porque ele não
gostava de você.
— Não, eu disse que ele só gostava de transar
comigo — corrigi e me levantei, determinada a encerrar
o assunto de uma vez por todas.
— Se esse cara não transou com nenhuma
mulher enquanto esteve com você...
— Passado, Kyler — o cortei, rudemente. —
Transou, ficou, morou, beijou, pensou, desejou... esse
tipo de conjugação verbal não me interessa. Passou.
Acabou. Morreu. — Ajeitei a alça da mochila sobre o
ombro, me controlando para não explodir.
Respirei fundo, enquanto caminhei até ele.
Parei à sua frente e olhei dentro dos seus olhos
para que ele enxergasse não a verdade que todos
queriam ver, mas a minha verdade e conseguisse me
enxergar, acima de qualquer coisa.
Com a voz suave e ao mesmo tempo firme, falei:
— Não sou a pessoa mais honesta, mas não
minto sobre quem eu sou, o que gosto e o que faço.
Essa mulher que está olhando para você, é a mesma
que ontem à noite entrou na Sexy & Hell em busca de
sexo; a mesma que não se priva de nada que lhe dê
prazer; que não se apaixona pelo gênero e sim pela
pessoa; que não vai mentir, nem fingir somente para
agradar ou não ferir os sentimentos de alguém; e em
hipótese alguma, vai se submeter as vontades de um
vira-lata. Se quiser me ajudar, vou aceitar a sua ajuda e
serei eternamente grata por isso, mas pense bem antes
de me ajudar e só me ajude se realmente for a sua
vontade.
— Não acredita em mim? — Kyler pareceu
ofendido.
— Se não acreditasse, você estaria morto e eu
dentro de um ônibus.
— Então por que, Pink?
— Porque o que você quiser fazer por mim, não
vai me obrigar a fazer o que eu não quero ou dizer o
que eu não sinto por você. É um favor e não uma troca
de favores.
O vira-lata não disse nada, apenas me encarou
por alguns segundos, abriu a porta e me levou de volta
para a sua boate.

São quase meia-noite, estou sentada na janela do


quarto do Kyler fumando um baseado e pensando em
tudo que aconteceu na minha vida desde que saí do
clube.
Tantas coisas em tão pouco tempo.
Apenas dois dias, mas tenho a impressão de que
faz muito mais. Fecho os olhos, me lembrando da
forma com que o vira-lata me encarou quando finalizei
meu discurso improvisado sobre vontade e dever.
Seus olhos azuis se fixaram nos meus, brilhando
intensamente e cheios de alguma coisa que não sei
definir o que é, mas não tenho dúvida do que aquele
brilho significa:
Kyller me enxergou.
E para o meu espanto, eu também gostei do que
vi, aliás, mais do que deveria para alguém que ainda
está em fase de recuperação.
No entanto, relaxo e curto meu momento de paz
sem me preocupar com o tempo, afinal o que importa?
O passado já foi vivido e o futuro nem chegou.
Tudo que eu tenho é o presente, pois ele me dá o
direito de ser corajosa e viver cada minuto como se
fosse o último.
A ferida ainda está aberta, sangra e machuca,
mas sei que é melhor assim, pois Kyler pode ser a
âncora que vai impedir que eu me afogue novamente.
E tudo vai voltar a ser como era depois do
primeiro, e antes do último.
CAPÍTULO 17
DUMB
Mais uma noite de merda que quase não dormi, e
para um cara que sempre dormiu como um bebê, a
falta de sono é novidade.
Mais uma, entre tantas.
Pulo da cama antes de o relógio despertar, tomo
banho gelado, visto uma calça jeans, camiseta preta,
calço as botas e abro o armário de armas. Não sei o
que vou enfrentar, então escolho as minhas
queridinhas: Glock .29, a semiautomática irlandesa, a
pistola cromada russa de calibre .38, e o estojo
aveludado com a minha pequena coleção de facas,
recentemente afiadas.
Abro o fundo falso da mala e organizo o
armamento, com munições e silenciadores, antes de
colocar algumas peças de roupa e produtos de higiene
por cima.
Da última gaveta da cômoda, retiro o canivete
antigo, o primeiro que ganhei de Scott quando tinha
apenas seis anos. Admiro a lâmina, limpa e brilhante,
que guarda meus piores segredos.
Imagens de uma época em que tudo parecia
simples e nada que o mundo enviasse podia me atingir.
Um fodido soldado incapaz de sentir qualquer
emoção, sem respeito pela vida ou medo da morte.
Letal, cruel e sádico.
Este sou eu, revestido de chacota e idiotices.
O tão subestimado burro, aquele que os
desinformados não temem, pois desconhecem sua
essência e zombam da sua história, pois acreditam
apenas no que veem.
As aparências enganam.
Acredite, essa é a mais fodida verdade.
Tranco a porta do quarto e sigo direto para o
estacionamento. Guardo a pequena mala na Land
Rover, levanto a cabeça e olho para o céu, ainda
escuro. Não são nem seis horas da manhã, mas estou
fodidamente desperto, ansioso.
Inspiro profundamente e abasteço meus pulmões
com o ar puro, acalmando as batidas do meu coração.
Uma mensagem de Damon avisa que os irmãos
de Foxmilt devem chegar ao clube antes do almoço,
mas não vamos esperar.
Snake ficou encarregado de receber os
convidados que irão reforçar a segurança do clube e
ajudar até a nossa volta, em alguns dias.
Sou o primeiro a chegar na cozinha, preparo o
café e me sento na minha cadeira, atormentado pelo
silêncio, mas agradecido por ele.
Eu sei, uma confusão do caralho que me classifica
como um fodido confuso, travando uma constante
batalha interna entre o que deveria ter sido e o que, de
fato, é.
— Bom dia, cuzão — Ghost me cumprimenta e se
senta de frente para mim, seus olhos pretos me fitam
com atenção.
— E aí, tá animado? — pergunto, dando a ele
meu melhor sorriso zombeteiro para ocultar a verdade
que não quero mostrar a ninguém.
— Houston nunca foi a minha cidade favorita, mas
hoje aquela porra vai ferver.
— Promessa de sangue? — provoco, bebericando
o café.
— Um maldito banho.
— Já sabe o que vai fazer com o Tico e o Teco?
Ghost sorri do apelido que dei aos irmãos da Lyn,
e dá uma mordida na sua panqueca lambuzada de
calda.
— Os dois vão me dar cobertura.
— Eles nunca saíram em uma corrida assim, é
melhor ficar de olho para não fazerem merda.
— O Zach é mais tranquilo, o problema é o Ryan.
— É o mais parecido com a Lyn.
— Se não fosse, fodidamente não seria um
problema.
— Irmão, já ouviu falar da lei do retorno? — Ghost
assente. — O único problema dessa lei, além de ser
uma maldita lei, é que nós não temos problemas. Nós
somos o fodido problema.
— Fodidos problemáticos.
— Problemáticos fodidos.
Ele faz uma careta, me encarando com olhos
pidões.
— Irmão... — o rastreador começa a falar, mas
ergo o braço e o interrompo, pois sei qual o assunto ele
quer trazer à tona e não pretendo falar sobre isso logo
cedo.
— Não. Nem pensar. Esquece essa porra.
Ghost não diz nada, ainda que a necessidade de
falar sobre o seu maldito palpite esteja estampada na
sua cara.
— Eu não deveria ter brincado com uma coisa tão
séria — o idiota não resiste e acaba fazendo o oposto
do que pedi.
— Séria pra mim — resmungo.
— Se é séria para você, é séria para mim também.
— Sabe quantas apostas eu fiz pelas suas
costas? — pergunto e apoio os cotovelos em cima da
mesa, olhando diretamente para ele.
— Sei, e nenhuma foi com a Megan.
— A cadela não estava no clube.
O rastreador cruza os braços e olha para os lados,
como se estivesse procurando alguma coisa.
— Não estou vendo a Pink por aqui.
— É diferente. — Tomo o restante do café.
— Irmão, é exatamente a mesma coisa.
Abro a boca para falar qualquer merda, mas
engulo as palavras no momento que Damon, Snake,
Claws e Lyn entram pela porta dos fundos e Trap
aparece do outro lado, vindo do interior da sede.
Esta é a segunda vez que os diretores se dividem
e a primeira que enfrentamos inimigos diferentes, no
entanto, enquanto eles falam um monte de merda e
enchem suas barrigas, tudo que consigo pensar é que
esta é a última refeição que fazemos juntos, antes de
sairmos em nossas corridas, e espero que no próximo
reencontro, este mesmo ambiente possa estar mais...
cor-de-rosa.
Uma maldita confusão colorida.
Conecto o celular e seleciono uma pasta de
música, o som reverbera dentro do carro através dos
autofalantes, entupindo meus tímpanos com rock
pesado. Trap se acomoda no banco do passageiro,
quieto.
O novato ainda não abriu a boca, mas seu silêncio
não me incomoda, pelo contrário, aprecio sua mudez já
que preciso de um tempo para me concentrar em tudo
que está para acontecer.
Quando os portões do clube se abrem, saímos
todos juntos num fodido comboio rumo ao inferno.
Cada veículo tem destino próprio e missões
distintas, mas um único objetivo: trazer Nate e Pink
para casa, fodidamente vivos, sem perder ninguém no
processo.
Uma hora de viagem passa voando, estou
concentrado na estrada e atento a qualquer sinal de
alerta do rastreador, que continua de olho na minha
cadela, pronto para me informar se houver alguma
atualização na sua localização.
Trap diminui o volume e pergunta:
— Tem ideia de onde a Pink está?
— Ela se hospedou em um hotel na periferia de
Tucson.
— Identidade falsa?
Faço que sim com a cabeça e percebo que ele
anota alguma coisa em um caderno apoiado em seu
colo.
— A Megan deu dinheiro para ela. Você sabe qual
foi a quantia?
— Dois mil — respondo, estranhando sua
pesquisa e ao mesmo tempo curioso para saber o que
ele pretende fazer com aquilo.
— A Pink tinha tudo que precisava e podia ter ido
direto para a região de Gold Cowntry. Por que ela parou
em Tucson?
— Descansar, encontrar alguém, foder. — Dou de
ombros, sentindo o gosto amargo que a última palavra
deixou na minha boca.
— Não, acho que a cadela tinha outros planos.
Franzo a testa, desviando rapidamente o olhar
para ele.
— Que tipo de planos?
— Cobrir os rastros, talvez — Trap fala, pensativo.
Volto minha atenção para a estrada.
— A Pink não sabe que estamos indo atrás dela.
— Eu sei. Não estou falando de nós.
— De quem você está falando?
— Das pessoas que largaram a cadela no clube,
segundo a teoria do Snake, o Pablo e o Ax.
Passo a mão no cabelo, tentando acompanhar o
raciocínio dele.
— Vamos lá, me explique isso direito. Por que
diabos eles se livrariam dela, se ainda tinham algum
interesse nela? É meio contraditório e não faz sentido
pra mim.
— Nós só ficamos sabendo que a Pink estava
investigando o esquema de tráfico do Domenico
quando ela foi embora, depois da merda com a
Lindsay, mas ela já fazia essa corrida desde que o
Benício foi sequestrado. Duvido que o Domenico, o
Pablo e o Ax não tenham gente cheirando o rabo dela
todo esse tempo, ou você acha que a cadela não deu
nenhuma dor de cabeça para os caras, em mais de três
anos?
— A especialidade dela é foder a cabeça de todo
mundo, mas isso não responde a minha pergunta.
— Se o VP estiver certo, o Pablo e o Ax não vão
deixar a Pink solta por aí sem monitoramento. — Trap
encolhe os ombros e faz mais uma anotação. — Eu
não deixaria. Aquela cadela é uma bomba atômica
recarregável, pronta para explodir a qualquer momento
e quantas vezes for necessário.
Contenho a vontade de sorrir, pois o novato tem
razão. Pink é tudo isso e mais uma porrada de coisas
que ele não precisa saber.
— Pelo jeito você conhece bem a cadela —
comento.
— A gente conversou algumas vezes, nada muito
elaborado.
— Como pode ter tanta certeza que ela atrapalhou
os negócios do Ax e do Pablo?
— Esse é o meu trabalho.
Novamente desvio o olhar para o lado e dessa vez
Trap está me encarando com uma expressão séria,
bem diferente da que estou acostumado a ver no clube.
Sorrio, descontraído, balançando a cabeça de um
lado para o outro.
— Posso saber qual é o seu trabalho?
— Observar.
— O quê? — pergunto, em dúvida se ouvi direito
ou foi apenas fruto da minha imaginação.
— Observar, Dumb — Trap fala e se remexe no
assento, parecendo desconfortável. — E antes que me
pergunte, é assim que eu aprendo.
— Impossível, irmão. Eu nunca vi você
observando ninguém — pontuo, com divertimento.
— Porque você só olha para o que te interessa —
o novato replica com segurança e apesar de ser uma
afirmação que me torna um fodido egoísta, não deixa
de ser verdadeira.
— Concordo.
— E finge que não vê o que te apavora — ele
completa, seu tom de voz um pouco mais baixo, tímido.
— Isso não é verdade — rebato e aperto o
volante.
— Não? — Trap insere um tom de desafio
debochado, que me irrita e me deixa inquieto.
— Fodidamente não.
— Então por que estamos indo atrás da Pink?
— Porque ela precisa de ajuda.
O novato solta uma gargalhada.
— Irmão, aposto que o Pablo e o Ax são os únicos
que vão precisar de ajuda quando a Pink estiver indo
para resgatar o Benício. Aquela cadela é capaz de
rasgar aqueles fodidos com uma escova de dente, se
equilibrando em uma perna. Mais perigosa que um
javali.
— A Pink está sozinha nessa merda e ela não vai
sossegar enquanto não terminar o que começou. A
cadela precisa de ajuda e é por isso que nós vamos
atrás dela, porra — vocifero, raivoso pra caralho.
— A desculpa perfeita.
— Não é uma maldita desculpa, porra!
— Como eu disse, interesse e medo, as duas
placas sinalizadoras que definem a sua rota de
escolha, mas em algum momento você vai ter que abrir
os olhos para ver tudo ao seu redor; a paisagem
completa e não apenas a mais agradável.
— O que quer dizer com isso? — Raiva
incandescente percorre minha corrente sanguínea
como soro fisiológico.
— A Pink esteve lá o tempo todo.
— E? — Meu pulso acelera, nem sei por que
estou dando corda para essa merda.
— Você não viu ou fingiu que não viu?
— Vi o que, caralho?
Sinto seu olhar queimando meu perfil, mas não
viro a cabeça. Minhas mãos esmagam o volante com
tanta força, que os nós dos meus dedos parecem
inchados por conta da pressão.
Trap reclina o banco para trás, cobre os olhos com
o braço e fala:
— O pior cego é aquele que não quer ver e eu não
sou um maldito oftalmologista. Me acorda quando
quiser descansar um pouco, estou com um sono da
porra.
Menos de dez segundos mais tarde, o filho da
puta está roncando e babando no couro preto do meu
banco.
Aumento o volume, desesperado por alguma
distração que apague todas as merdas de análise
comportamental feitas pela reencarnação antecipada
da bruxa canadense.
Tenho medo da Stela, não da Pink.
Na verdade, a única coisa que me apavora são os
sentimentos confusos que ela desperta em mim.
Dou um soco no volante e acelero, ultrapassando
o limite de velocidade permitido, pouco me importando
com as curvas perigosas e radares eletrônicos. Foda-
se!
Preciso chegar o mais rápido possível à Tucson,
encontrar a cadela e acabar com essa merda de uma
vez por todas. Não existe outra saída, eu sei. Já pensei
em tudo e todas as opções.
Pink é a minha solução, somente ela pode me
resolver.
Maldita confusão ambulante do caralho.
CAPÍTULO 18
DUMB
Dezessete horas e dois minutos, esse foi o tempo
que demoramos para chegar à cidade onde
supostamente, Pink está. Trap se revezou dando
cochilos e fazendo uma série de perguntas sobre a
cadela e suas irmãs, justificando que precisava
preencher algumas lacunas do seu fodido caderno de
anotações que continuavam em branco.
O novato traçou uma linha cronológica, que tem
início no dia do sequestro de Benício, em Chihuahua, e
termina no dia que Ghost rastreou Pink, em Tucson.
Ele pretende fazer uma análise comparativa entre
os acontecimentos e as atitudes da cadela para
entender quais foram as suas motivações, pois acredita
que assim conseguirá prever seus próximos passos e
consequentemente, antecipar os nossos.
Eu ouvi a tudo calado, até porque ainda me sinto
flutuando nas merdas que ele me disse, mas confesso
que Trap não é o garoto alienado que fantasiei na
minha cabeça.
No entanto, prefiro usar meu canivete antigo para
arrancar minha língua fora, antes de proferir um maldito
elogio ao projeto fracassado do capeta de fazer uma
cópia barata de Stela, em uma versão masculina
duvidosa.
Portanto, vou continuar afirmando — mais
enfaticamente do que nunca —, que o novato tem o
cérebro do tamanho de uma formiga e ainda ressaltar
que em seus melhores dias, ele pode ser tão útil quanto
um guardanapo.
Sim, eu sei, o general de armas do Black Panthers
sempre foi um babaca, mas ele aprecia o título,
especialmente em ocasiões como essa.
— O que ela disse? — Trap pergunta, joga a
bituca no chão e a apaga com a sola da bota.
Eu me aproximo do carro e olho ao redor.
— A Pink fechou a conta antes do almoço e saiu
acompanhada de um homem careca, alto e com os
olhos azuis mais lindos do universo. — Faço uma
careta de desgosto.
Trap dá dois tapinhas no meu ombro e abre a
porta da SUV.
— Relaxa, irmão. Você já está em vantagem só
por ter cabelo suficiente para fazer uma peruca.
— Mas não tenho os olhos azuis, que são os mais
lindos do universo — repito o elogio da recepcionista do
hotel vagabundo, imitando sua voz nauseada.
— Bom, eu tenho uma ideia para fazer a cadela
mudar de ideia e engolir suas palavras.
Ele entra no carro e eu faço o mesmo, pelo lado
do motorista.
— Vou comprar lentes de contato e voltar aqui
para esfregar na cara dela — resmungo e giro a chave
no contato. O motor da Land Rover dá sinal de vida
sem um pingo de cansaço aparente.
— Não é um plano ruim, mas o meu é melhor.
O arrependimento vai chutar minha bunda se eu
perguntar, no entanto, a curiosidade é a cadela mais
tentadora neste momento. Então aponto a pistola para
o meu pé e disparo um tiro certeiro.
— Qual é a porra do seu plano?
— Oferece uma grana para o Claws encarar a
cadela por um minuto inteiro. Aposto que o canadense
vai saber o que fazer para corromper a opinião dela.
Encaro Trap por alguns segundos, apenas para
me certificar de que ele não está brincando e pela
seriedade em sua expressão, atesto que não.
O guardanapo nunca se sentiu tão ofendido.
— Seu plano é uma merda.
— Irmão, se você aparecer na minha frente com
uma porra de lente de contato azul, eu mesmo pago
para o executor.
Encaro meu reflexo no espelho retrovisor, alisando
meu queixo.
— Pode ser uma experiência agradável poder
olhar para um moreno alto, forte e de lindos olhos
azuis.
— Tô vendo que vou precisar usar minhas
economias — chia o novato, mal-humorado.
Prendo o cinto de segurança, satisfeito comigo
mesmo. Pelo menos agora não sou mais o único
ranzinza.
— Vai oferecer um bônus para o Claws trazer o
Snake? — debocho da sua ideia ridícula.
— Não, vou subornar um psiquiatra famoso para
fazer um diagnóstico falso e dizer para o Damon que
você precisa ser internado com urgência, antes que o
seu ego seja acusado de assassinato por asfixia.
Coloco o endereço da casa de swing no GPS e
acelero o carro.
— Ele não é tão grande assim.
— Não, é apenas o maior... — Trap bufa e
aumenta o volume do rádio. — Do universo.
A autoestima de um soldado é tão importante
quanto a sua confiança e a maneira teatral —
exagerada pra caralho —, com que a recepcionista se
abanou com a mão enquanto descrevia o homem que
estava com a Pink, fodidamente deixou a minha
abalada.
Não sei quem é o infeliz, nem o que está rolando
entre eles, mas vou descobrir e chutá-lo para fora do
meu caminho, nem que para isso eu tenha que matar o
filho da puta e comprar um maldito estoque de lentes
de contato.

— Tem certeza que é aqui? — Trap e eu estamos


parados em frente à casa noturna que também é uma
casa de swing.
— Tenho.
A fachada com as palavras Sexy & Hell, piscando
em neon cor-de-rosa, apenas para foder os meus
miolos, elimina qualquer dúvida.
— Propaganda enganosa — fala o novato, como
se estivesse decepcionado.
— O que você pensou que iria encontrar?
— Tudo, menos isso.
Ele indica a fila única que passa de quinhentos
metros e por pouco não dobra a esquina.
Homens e cadelas bem vestidos, espremidos
entre o paredão da casa e um cordão de isolamento,
conversam animados enquanto aguardam sua vez de
entregar seus convites a hostess e serem revistados
pelos seguranças para terem suas entradas liberadas.
— O nome é: hipocrisia. — Encosto na lateral da
SUV, estacionada do outro lado da rua e cruzo os
braços, analisando a movimentação dos funcionários
que trabalham em sincronia na porta de entrada. —
Todas essas pessoas sabem o que rola lá dentro,
apenas fingem que não sabem. O proprietário de
qualquer lugar que oferece sexo como prato principal,
perde até cinquenta por cento do lucro se anunciar o
seu produto mais procurado, porque quase cinquenta
por cento dos seus clientes não têm coragem de admitir
o que estão procurando.
Trap fica em silêncio, assimilando minhas palavras
e diz, alguns minutos depois:
— Como vamos entrar?
— Para não chamar a atenção, deveríamos ficar
na fila. Mas estamos armados e eu estou desesperado
para tomar uma cerveja, então o jeito mais simples é
usar o meu charme.
— É um bom negócio para mim, contanto que o
seu charme coloque nós dois para dentro.
— Observe e aprenda — falo e atravesso a rua,
seguido por Trap, que provavelmente pensa que vou
me aproximar da hostess loira para conseguir nosso
passe livre.
Mas não sigo em sua direção, e sim, na direção
da morena que aparece na porta para checar o
tamanho da fila a cada trinta minutos, certamente para
administrar a quantidade de bebida que está sendo
consumida do lado de dentro e garantir que não acabe
antes da hora.
A morena usa minissaia preta e blusa social
branca transparente, revelando as rendas do sutiã
preto que sustentam seus pequenos seios
arredondados. O nó da gravata vermelha,
propositalmente afrouxado, cai displicentemente acima
do umbigo, bem ao estilo das cadelas safadas que são
enviadas aos mais rígidos internatos quando chegam
no ensino médio.
As botas de couro com saltos altíssimos alongam
ainda mais suas pernas finas, e o coque firme no alto
da sua cabeça aliado aos enormes aros pretos dos
óculos, que ocupam grande parte do seu rosto
delicado, dão a ela uma aparência sexy como o inferno
e ao mesmo tempo, virginal.
Uma sacada de mestre que apenas mulheres
inteligentes e empresários experientes do ramo erótico
sabem dosar a medida exata para instigar a
imaginação masculina, a ponto de enlouquecer um
homem com a ideia de dobrar uma cadela inocente
sobre qualquer superfície e se tornar o primeiro a enfiar
o pau em sua boceta virgem e foder até perder a
maldita consciência.
A morena está de cabeça baixa, digitando algo em
um tablet.
Paro ao seu lado, enfio as mãos nos bolsos da
frente e espero. Ela olha para cima com a testa
franzida, empurra os óculos sobre o nariz e me encara.
Ela é mais bonita de perto e fodidamente gostosa.
— Precisa de alguma coisa? — Sua voz é firme,
mas seu olhar descendo pelo meu corpo em
apreciação, autoriza meu avanço.
— Na verdade, preciso — respondo, esticando
meus lábios em um sorriso sem dentes, sacana pra
caralho.
Ela arranha a garganta e pressiona o dispositivo
eletrônico contra o peito, amassando os mamilos com a
tela de sete polegadas.
— Pode falar, será um prazer se eu puder ajudar.
— Sua língua desliza entre os lábios pintados de
vermelho.
Avanço dois passos e dizimo a pequena distância
entre nós. Abaixo a cabeça, deslizando a boca pela
lateral do seu rosto até alcançar sua orelha, sentindo a
morena estremecer à minha frente e sussurro em seu
ouvido a promessa mais luxuriosa que ela já ouviu, com
a voz rouca:
— Se eu fosse um cara comportado, mentiria
dizendo que achei você linda, que estou ansioso para
te pagar uma bebida e te conhecer melhor, mas como
não sou, confesso que quando vi você aqui, fiquei tão
duro que meu pau podia estourar o zíper da calça.
Estava dentro do carro de olho em você há mais de
duas horas, imaginando como é o seu cheiro e o seu
gosto. Agora que descobri o primeiro, não vejo a hora
de arrastar seu corpo delicioso para um dos quartos,
levantar sua saia, rasgar sua calcinha com os dentes, e
enfiar minha cara no meio das suas pernas e chupar
sua boceta até descobrir o segundo. Quando você
gozar na minha boca, vou te comer forte, ouvindo você
gritar meu nome e implorar pelo meu pau. — Mordisco
o lóbulo lambendo o local logo em seguida. — Pode me
ajudar com isso? Prometo que prazer não vai faltar.
Ela ofega, ajeita os óculos e respira rápido,
olhando por cima do meu ombro.
— E ele? — pergunta, se referindo ao novato que
está atrás de mim.
Sorrio de lado, cafajeste.
— Se você deixar, meu amigo vai ficar muito feliz
em bajular seus peitos e distrair seu rabo enquanto eu
mimo sua boceta. — Pisco para ela. — Nós dois vamos
cuidar de você.
— Quem... — engasga a morena. — Quem falou
da boate para vocês?
— Isso importa? — Arqueio as sobrancelhas com
divertimento, numa tentativa de me esquivar da
pergunta.
— Sim, sim. — Ela simula uma tosse e dá um
passo para trás, ganhando um pouco de espaço. Suas
bochechas estão coradas e sua testa brilha por conta
do suor. — É muito importante saber o que as pessoas
estão falando sobre a casa.
É mentira, claro. O seu interesse é saber quem
está trabalhando direito, divulgando a Sexy & Hell. Um
jeito novo, eficiente e muito mais barato de fazer
publicidade de qualidade.
— Acabamos de chegar à cidade e estávamos
procurando um lugar para relaxar depois de uma
viagem desgastante. Liguei para uma amiga que se
mudou há pouco tempo para cá, e ela me disse que
conhecia o lugar que oferece tudo que meu amigo e eu
gostamos. Perfeito para nós — encerro, dando de
ombros.
— Qual no nome da sua amiga?
Estou pronto para responder o primeiro que vem à
minha cabeça, quando um homem alto, forte e careca
sai da boate pisando duro e vem em nossa direção.
— O que está acontecendo? — ele rosna,
chamando a atenção dos seguranças e de algumas
pessoas que estão na fila.
A morena dá um pulinho, assustada, e gira o
corpo ao mesmo tempo que Trap se posiciona ao meu
lado, assim que percebe que estamos exatamente
onde deveríamos estar, graças aos olhos azuis do
fodido.
E a ideia de comprar lentes de contato nunca me
pareceu tão absurda.
Absurdamente boa.
CAPÍTULO 19
TRAP
Dou um passo à frente, reconhecendo o cara que
a cadela do hotel descreveu como o acompanhante da
Pink, paro ao lado de Dumb e falo baixo para que
apenas ele escute e, claro, fique puto.
— Concordo com você, é melhor usar lente de
contato. O idiota tem os olhos azuis mais lindos do
universo.
— É ainda melhor você calar a porra da boca se
não quiser que eu mesmo cale — ele rosna entre os
dentes, movendo minimente os lábios.
— Posso sugerir como pode fazer isso.
— Duvido que a sua sugestão seja mais eficiente
que a minha.
Dou risada, pois sei exatamente ao que Dumb se
refere e por mais que tente fingir, também sei que o
general de armas não superou o que aconteceu na
cozinha, muitos meses atrás, ainda que nenhum de nós
tenha tocado no assunto e agido como se nunca
tivesse acontecido.
Porém aconteceu, mesmo que Dumb não saiba e
provavelmente não acredite que foi tão surpreendente
para mim como foi para ele.
Um momento singular em que nos permitimos
sermos levados pela luxúria e nossos instintos
depravados.
— Nada. É isso que está acontecendo —
responde a morena quando o cara se aproxima com
uma carranca, revezando o olhar irritado entre Dumb e
eu. — Esses dois cavalheiros são convidados do
camarote três, mas chegaram atrasados e querem
entrar sem pegar fila.
O grandalhão estreita os olhos para a cadela,
desconfiado da sua resposta.
— Você confirmou se os nomes deles estão na
lista?
— Confirmei. — A morena não vacila e vira o
tablet para o homem, mostrando alguma coisa que
corrobora sua mentira.
Ele encara a tela por alguns segundos e volta a
olhar para a cadela.
— Fique aqui e termine a contagem. Eu me
encarrego de acompanhá-los até o camarote.
— Já terminei de contar, se tiver alguma dúvida
pergunte ao Lorde. Enviei os números para ele há dez
minutos. — A morena empina o queixo, sem se
intimidar com a cara feia do idiota, que agora está
ainda mais evidente. — Não preciso que ninguém faça
o meu trabalho, Kyler. Vou acompanhar os dois e você
pode voltar para a sua convidada de honra.
A tensão sexual entre eles é palpável e se tivesse
que apostar, fatalmente apostaria que o tal de Kyler
dispensou a morena para ficar com outra, e agora está
com raiva por saber que Dumb e eu não vamos nos
importar de servirmos de consolo na cama dela.
O cara é bonitão e a julgar por sua aparência, está
perto dos quarenta anos, portanto deveria saber que a
confiança é uma grande aliada do homem, mas, muitas
vezes, o excesso dela é o atalho para a ruína dos mais
poderosos. Sei disso por experiência própria, pois meu
pai é o melhor exemplo.
A morte prematura de Hunter até hoje dói pra
caralho.
— Por favor, venham comigo — pede a cadela.
Nós passamos por Kyler e a seguimos para dentro
da boate que, aliás, é muito maior do que parece. Logo
que entramos o cheiro de suor, álcool e luxúria invade
minhas narinas, me entorpecendo instantaneamente.
A cadela nos conduz através dos corpos em
movimento na pista de dança que sensualizam no ritmo
da música eletrônica, até uma escadaria escura com
piso revestido de carpete vinho e paredes espelhadas.
É impossível ignorar a minúscula faixa preta
enterrada no meio da bunda da cadela, quando ela
sobe na nossa frente. Também não perco a olhada por
cima do ombro e o sorriso safado que ela dá, a fim de
se certificar de que sua tática de sedução está
funcionando.
Pelo menos comigo funciona perfeitamente, já que
estou hipnotizado por seu pequeno traseiro branquelo,
firme e empinado, imaginando como seria se eu a
tivesse de quatro com meu pau socando seu cuzinho.
A visão é impressionante aos olhos da minha
mente devassa.
Depois de subir três lances de escada, a cadela
atravessa um corredor vazio, abre a única porta do
andar e entra em uma espécie de depósito de bebidas
e descartáveis.
Diferente dos outros dois andares, a música alta
não chega até aqui, como se tivesse algum tipo de
proteção acústica para preservar a audição dos
funcionários.
Ela retira do bolso traseiro da sua minissaia duas
tiras alaranjadas que brilham no escuro e fala:
— Essas pulseiras são exclusivas para os clientes
que reservam os camarotes. Elas permitem que os
convidados circulem livremente por todos os ambientes
da casa. Se quiserem beber alguma coisa, o barman ou
o garçom que atender vocês, vai registrar o pedido
nesse código de barras. — Indica a sequência
numérica gravada próximo ao lacre. — Quando
quiserem ir embora, basta apresentar a pulseira na
saída, depois que pagarem a conta.
Ela segura o braço de Dumb e prende a pulseira
em seu pulso, mordendo o lábio inferior. O general não
perde tempo e logo que a cadela vem para fazer o
mesmo comigo, ele a abraça por trás, sinalizando para
que eu a encurrale pela frente.
— Meu amigo e eu não conhecemos esse lugar e
precisamos de um guia para um tour pelos quartos. —
Suas mãos acariciam os seios da cadela por cima da
camisa de botão enquanto ele chupa e lambe seu
pescoço. — E nós queremos que você seja a nossa
guia.
A cadela geme baixinho e joga a cabeça para trás,
usando o ombro de Dumb como encosto. Eu me
ajoelho à sua frente, acariciando suas coxas magras
conforme empurro sua saia para cima e enrolo o tecido
ao redor da sua cintura.
— Abre as pernas, querida, quero ver se já está
molhada para nós.
Ela faz o que eu mando, me dando um vislumbre
da sua excitação brilhante e escorregadia. Afasto a
renda para o lado, deslizo o nariz sobre o núcleo
ensopado e inalo seu cheiro. Separo os lábios rosados
com a ponta da língua, dando início a busca ao ponto
sensível escondido entre eles.
A cadela geme alto e se esfrega na minha cara.
Aprisiono o clitóris em meus lábios, pressionando-
o com força, ao mesmo tempo que enfio um dedo em
sua boceta e olho para cima.
As mãos de Dumb amparam os pequenos seios,
beliscando os mamilos com os polegares e indicadores,
sem parar de lamber, chupar e morder o pescoço da
cadela, que se contorce como uma serpente,
choramingando e implorando por mais.
Minha língua passa a trabalhar mais
agressivamente em harmonia com o dedo que entra e
sai ferozmente.
A mão direita de Dumb segura a parte de trás do
joelho e ergue a perna da cadela, deixando-a
arreganhada para mim e ainda sustenta seu corpo
quando ela goza na minha boca, gritando como uma
atriz pornô.
Depois de uma viagem cansativa pra caralho,
enfim a melodia que meu corpo tanto necessitava para
retomar o trabalho.
Agora que sabemos quem é o cara que estava
com a Pink, precisamos descobrir se ela está aqui e
principalmente, por que a cadela escolheu fazer uma
escala em Tucson, em vez de seguir direto para a
fazenda.
Dumb não acredita que a parada foi planejada, ao
passo que eu não tenho nenhuma dúvida de que Pink
sabia exatamente o que estava fazendo quando subiu
no ônibus, em Green Hill.
E não vou descansar até descobrir o que torna
essa cidade do estado do Arizona tão especial para a
presidente do Shadow Princesses.
Depois de vasculhar, registrar e analisar todas as
informações que consegui sobre ela, estou convencido
que desde a adolescência sempre existiu um motivo
relacionado ao seu passado por trás de todas —
absolutamente todas —, as escolhas que Pink fez.
A cadela é tão malditamente sincera quanto
independente, no entanto, nenhum registro do orfanato
de Chicago, onde ela cresceu, justifica sua ânsia
exacerbada por salvar crianças e adolescentes usados
para disseminar o tráfico infantil na América do Norte.
O que deveria ser a ideologia inspiradora de Pink,
se transformou em obsessão e uma cadela obsessiva
pode ser mais perigosa para o Black Panthers do que
um mafioso italiano fascinado pelo executor do clube, e
capaz de cometer as piores atrocidades para saciar sua
ganância disfarçada de ambição.
Um rei jamais dominará seu reino sem a ajuda da
sua rainha, porém uma rainha precisa apenas da sua
inteligência para elevar-se sobre o rei e usurpar todo
seu maldito poder, dominando o dominador.
E então, ela terá tudo.
PINK
Não consigo dormir e estou entediada. O quarto
parece menor e começo a me sentir sufocada aqui dentro.
Nunca pensei que um celular fosse tão importante, mas
agora que não tenho um, lamento horrores.
Kyler deixou seu Samsung antigo comigo e prometeu
que o aparelho é inofensivo; sem rastreadores, no entanto,
sou desconfiada por natureza e não pretendo arriscar fazer
uma ligação para London e colocar minhas irmãs em perigo
só porque estou me sentindo sozinha.
Eu não deveria me sentir assim, pelo menos não em
Tucson e por motivos óbvios, já que esta cidade é capaz de
despertar uma grande parte das minhas melhores
lembranças.
Fecho os olhos, buscando na memória recordações
não tão antigas, mas que fui obrigada a reprimir para seguir
em frente e não me tornar uma garota amargurada e
abastada de compaixão por mim mesma.

Todo mundo perde alguém importante, você precisa


me deixar ir...

Pressiono as pálpebras com força, lembrando-me do


último pedido que veio acompanhado da promessa que fiz e
me transformou no que sou hoje.
Uma guerreira.
Empurro as lágrimas para fora ao mesmo tempo que
me impeço de deixá-las sair.
As batalhas mais cruéis são as que travamos
internamente e duram longos períodos, alguns
intermináveis.
Corpo x mente.
Coração x cérebro.
Ocupação x distração.
Nada de vencedores, somente o mesmo perdedor de
sempre: eu.
Os minutos se arrastam feito lesmas idosas que
sofrem com artrite enquanto praguejo a falta de sono e
amaldiçoo minha inquietação.
A temperatura aumenta em muitos graus, só não sei
se por conta do clima seco ou apenas um reflexo do meu
corpo, que fermenta depois de preencher mais da metade
do dia com ociosidade e uma falsa calmaria que eu gostaria
de gostar e, acima de tudo, possuir.
Kyler me aconselhou a ficar no quarto para minha
segurança. Eu concordei, assumindo que ele tem razão.
Pablo enviou uma notificação simples, direta e muito
atrativa para todos os seus contatos entre o Texas e a
Califórnia. Pude ler a ordem disfarçada de pedido, enviada
por e-mail, cinco horas após a minha fuga do clube — outra
gentileza de Kyler.
Além de corajoso, ele provou que está disposto me
ajudar, ciente de que corre um sério risco de se dar mal se
eu falhar na minha missão, pois Pablo Armenio é a escória
da humanidade, um rato de esgoto; traiçoeiro, vingativo,
ganancioso e cruel.
Domenico não é muito melhor, mas até mesmo o
mafioso italiano demonstra mais integridade e moral quando
se trata da sua família.
Não duvido que ele seja capaz de degolar um dos
seus irmãos, tampouco executar em praça pública qualquer
primo, tio ou cunhado, caso descubra uma traição, no
entanto, o Capo jamais faria o que Pablo está fazendo com
alguém do próprio sangue, somente para exibir o seu poder.
Minhas divagações obrigam a recente melancolia a
ceder seu assento na primeira fila para a raiva, e os
primeiros sinais de alerta são evidentes.
Salto da cama sem me preocupar com o horário
avançado e corro para o banheiro.
Preciso de qualquer tipo de distração; pode ser uma
bebida, uma conversa fiada no balcão do bar, uma dança
sensual na pista e se tiver muita sorte, até algumas horas
de sexo selvagem a dois, a três ou talvez um convite para
uma orgia quente.
Não importa o que, contanto que mantenha minha
mente ocupada em tempo integral e a solidão não seja
destituída do cargo de melhor amiga para se tornar uma
perigosa inimiga, exatamente como aconteceu com a
confiança, a fé e a esperança.
Encaro-me no espelho, aliviada por ainda conseguir
reconhecer a garota que me encara através do reflexo,
embora ela esteja muito diferente de como eu a enxergava
alguns anos atrás.
Hoje tenho menos brilho, mais espaços vazios, poucos
sorrisos a oferecer e muitas histórias ruins para contar.
Apoio as mãos na pia, abaixo a cabeça e respiro
profundamente.

Um dia, todo mundo perde alguém importante.

É verdade, eu sei.
Contudo, por agora quero esquecer e aproveitar a
vida, porque este é o outro lado da moeda, mas igualmente
verdadeiro. Eu perdi mais do que merecia perder e não
morri, pelo menos não completamente, ainda que me sinta
morta de vez em quando.
Visto uma calça preta, top preto frente única e calço os
sapatos pretos de salto alto da mesma cor.
Escovo os fios curtos, retoco a maquiagem, guardo o
celular no bolso traseiro e dou a última olhada no espelho,
antes de trancar a porta do quarto e caminhar sem pressa
pelo extenso corredor em direção ao bar.
A música alta é a primeira distração, seguida pelo vai
e vem de desconhecidos que se conectam em busca de
prazer; o cheiro de cigarro, sexo e depressão.
Mas esta noite o que realmente me distrai é a
carência, tanto física quanto emocional, única característica
que encontro em todas as pessoas que transitam pela
boate. Todas, sem exceção.
Desde o vira-lata careca de olhos azuis, servindo
bebidas atrás do balcão, até a aniversariante que
comemora seus trinta anos euforicamente, como se
soubesse que não vai festejar o trigésimo primeiro.
Sento-me no último banco, do lado oposto de onde
Kyler está atendendo para que ele não me veja.
Peço uma cerveja ao barman e por quase uma hora
me distraio, observando em silêncio e aprendendo um
pouco mais sobre o ser humano.
Estou bem, aliás, me sinto muito bem com a
companhia da solidão, até que três palavras sussurradas
em meu ouvido alteram o curso da noite.
E depois de muito tempo dizendo tudo que penso,
sobre tudo e para todos, finalmente, não sei o que dizer.
CAPÍTULO 20
DUMB
A cadela está nua e disponível. Meu pau está duro
e implora por alívio, mas por incrível que pareça minha
cabeça de cima está muito mais determinada a não
compartilhar a ideia, irônica, por sinal, de compartilhar
uma boceta com Trap.
O novato percebe a hesitação quando recuo e lhe
dou espaço para comer a cadela contra a parede.
Eu me encosto em um dos armários de ferro e
assisto a foda, excitado, mas sem a menor vontade de
participar.
Trap investe com força, arrancando gemidos e
xingamentos da cadela, que é arremessada para frente
cada vez que o pau dele desaparece no meio da sua
bunda.
A cena é quente e boa pra caralho de se olhar,
principalmente quando o novato empurra a cadela para
baixo, me dando ampla visão dele entrando e saindo
furiosamente da boceta que esteve na sua boca
minutos antes.
— Que delícia, porra! — Trap rosna, dá um tapa
na bunda branca e me encara. — Tem certeza que não
quer? — Sua voz é rouca e as palavras reverberam
trêmulas.
— Estou bem — afirmo.
— Apertada pra caralho, irmão, parece bocetinha
virgem.
Eu me aproximo deles e me abaixo ao lado da
cadela, que apoia uma mão na parede e a outra no
chão. Aposto que ela é frequentadora assídua da
academia, pois está praticamente dobrada ao meio e
não demonstra nenhum sinal de incômodo na posição.
— Tá gostoso, putinha? — murmuro, acariciando
sua bochecha; rosada e suada, com as costas da mão.
A cadela revira os olhos, mordendo o lábio inferior.
— Deus, sim!
— Seu namorado não vai gostar de saber que
você está dando a boceta para o meu amigo. —
Deslizo os dedos do seu pescoço até o ombro.
— Eu... não tenho... namorado... — ela fala entre
gemidos.
Trap entende o que estou fazendo e enfia um
dedo no cu da cadela, diminuindo o ritmo das
estocadas.
— Não? E aquele idiota que estava lá fora?
— Kyler é meu patrão, o dono da boate.
Levanto a cabeça e aceno para o novato,
indicando para deitar a cadela em cima da mesa.
O novato segura seus ombros e a puxa para cima.
Com delicadeza, ele sai de dentro dela, gira seu corpo
e a beija com furor, antes de erguê-la e deitá-la de
costas sobre a madeira, com as pernas apoiadas em
seus ombros, e volta a comer sua boceta.
Contorno a mesa, me posicionando ao lado da
cabeça da cadela, de frente para ele. Ela me vê e joga
os braços para trás, tentando abrir minha calça.
— Deixa eu te chupar.
Sorrio de lado e seguro seu pulso direito.
— Hoje é tudo para você — falo, trazendo sua
mão à minha boca e chupo seus dedos, enquanto
acaricio o mamilo rosado com a outra. A cadela
espreme os olhos e grita, se contorcendo de prazer.
Abaixo a cabeça, mordisco sua orelha e murmuro:
— O Kyler sabe que você gosta de ser fodida
como uma putinha?
A cadela arregala os olhos. Atento, Trap acelera
os movimentos.
— Aquele idiota sabe que a funcionária dele
parece uma menininha inocente, mas quer foder como
uma vadia? — O novato grunhe, metendo mais forte,
excitado pelas palavras sujas.
— Quantas vezes seu patrão enfiou o pau dele
nessa bocetinha apertada e gulosa?
Seus peitos balançam conforme Trap soca com
desespero. Ele está louco para gozar, mas se contem
para prolongar meu tempo com a cadela.
— Me dá seu pau... — ela ronrona. — Põe na
minha boca.
— Quer mamar, safada?
— Quero... por favor...
— Então responde, porra! — Belisco o mamilo,
girando o biquinho entre meus dedos asperamente, ao
mesmo tempo que chupo seu pescoço.
— O Kyler já te comeu?
— Já...
— Quantas vezes?
— Muitas... ah, Deus... ah Deus...
— Por que ele estava com raiva?
— Não sei...
Trap cospe na palma da mão e usa o cuspe para
lubrificar o cuzinho. O novato entra com tudo, se
enterrando até o talo no buraco enrugado e arranca um
grito estridente da cadela.
— Você sabe e se não me contar, meu amigo e eu
vamos embora. Quer que ele pare de te comer? Quer
que eu pare de te tocar?
— Não! — Seu grito é atormentado. — Eu preciso
de mais — ela choraminga, agarrando a barra da minha
camiseta.
— Nós vamos dar tudo que você quiser, se me
disser por que o Kyler estava com raiva.
Trap segura os tornozelos dela e abre suas
pernas, deixando a cadela arreganhada. Os olhos
cravados no seu pau, hipnotizados pelos movimentos,
enquanto ele desliza para frente e para trás,
fodidamente lento, o que facilita a resposta.
— Ele... quis transar comigo hoje e eu não quis...
— Eu também ficaria com raiva se você negasse a
boceta pra mim — falo baixo, descendo minha mão por
sua barriga. — Por que você negou?
A cadela amaldiçoa quando meus dedos
alcançam seu clitóris.
— Porque o Kyler levou aquela mulher para o
quarto dele e ele nunca leva ninguém para lá... oh,
Senhor... — Ela se contorce no instante que abocanho
um seio e roço a ponta do polegar no grelinho inchado
ao mesmo tempo que Trap passa a foder seu rabo com
mais força.
— Ele não leva ninguém para o quarto dele?
— Só eu — ela cicia, fracamente.
Não tenho tempo sequer de abrir a boca, pois a
cadela finca as unhas no meu jeans e se agarra a ele
fazendo uma careta.
— Vou gozar! Deus, vou gozar... — anuncia,
completamente alucinada. — Ah... Ahhhhhh...
— Porra! Porra! — Trap brada, jogando a cabeça
para trás.
Olhos apertados, testa franzida, mandíbula
cerrada e os ombros encolhidos. Se eu não soubesse
que ele está gozando, podia jurar que está tendo um
AVC e sua expressão deformada é devido a dor.
Fico de pé, ajeito meu pau dentro da calça, a
pistola no cós, e falo:
— Preciso de uma cerveja.
O novato respira com dificuldade e abre os olhos.
— Preciso de mais bocetas como essa. — Ele
abaixa as pernas da morena, que está desfalecida em
cima da mesa. — E preciso foder essa cadela de novo.
Eu te encontro no bar.
— Ok. — Sigo até a porta.
— Dumb. — A voz de Trap às minhas costas
impede que eu saia. Olho por sobre o ombro,
encontrando os dele, estreitos. — É ela.
Assinto com um maneio de cabeça, confirmando
que sei do que o novato está falando, ou melhor, de
quem ele está falando.
Pink é a mulher que o tal de Kyler levou para o
seu quarto, foi por causa dela que a cadela morena
negou sua boceta para ele e a deu de mão beijada para
nós.
Sem sequer imaginarmos, Trap e eu oferecemos a
oportunidade perfeita para a cadela rejeitada se vingar
do idiota que a dispensou para ficar com outra, em
contrapartida, ela não faz ideia de quem somos, nem
de como viemos parar aqui, ou quem estamos
procurando, e o pior, porque nos aproximamos dela.
De qualquer forma, todas as partes saíram
lucrando e o fodido aeroporto de mosquito teve o que
merecia. Uma maldita vingança em dose dupla, ainda
que por tabela, já que o único que comeu a boceta da
morena foi o novato.
Este é o timing perfeito para notificar a todos que,
graças a Pink, tive a péssima experiência de gozar com
o pau de outro.
Foda-se! Nem isso diminui a minha satisfação de
saber que o cabeça de ovo vai sentir na pele o que eu
senti, quando descobri que ele provou o que deveria
ser apenas meu para provar.
No corredor, olho ao redor, estranhando a
ausência de câmeras de segurança neste andar, e
estranho ainda mais quando desço as escadas e
constato que a falta de monitoramento na boate é geral.
Com certeza o idiota pegou tanto sol na sua meia-
lua brilhante, que seus neurônios tiveram insolação e
sofreram danos gravíssimos.
Não existe nenhuma desculpa para a sua
displicência que, aliás, só poderia ser justificada com a
sua arrogância, ainda mais se tratando de um lugar
apropriado para que as pessoas extravasem, percam o
maldito controle das suas emoções e
consequentemente das suas ações.
O que atesta que o capacete de astronauta tende
muito mais a ser burro do que pretensioso,
independente se ele tem, ou não, sua bunda protegida
por algum pau no cu metido a criminoso.
Chego à pista de dança e encosto um ombro na
parede, de frente para o único corredor vigiado por um
segurança armado.
Estou tentado a descobrir o que escorregador de
percevejo esconde de tão importante por detrás
daquela porta para necessitar de escolta armada.
Claro que não precisa ter um QI acima de 150
para deduzir o óbvio, mesmo assim, decido esperar
Trap terminar seu trabalho na boceta da cadela para
irmos juntos.
Peço uma cerveja ao garçom, dispenso alguns
convites para dançar e me concentro no herdeiro de
ameba que anda de um lado para o outro atendendo os
clientes no bar, como um maldito barman da era
nazista.
Se Kyler está trabalhando é bem provável que
Pink esteja por aqui, e o reconhecimento acelera as
batidas do meu coração pela expectativa de
reencontrar minha cadela.
Quero acreditar que Pink não conhecia o espelho
côncavo e o encontro dos dois foi uma merda de
coincidência, no entanto, as palavras do novato sobre
as atitudes e motivações da cadela confundem ainda
mais o que já estava fodidamente confuso.
Se Trap estiver certo e Pink fez uma escala em
Tucson de propósito, é bem provável que ela conheça
o Kinderovo de outros carnavais e veio atrás dele em
busca de ajuda.
Maldição!
Ela pode ter escolhido essa merda de cidade
justamente para se consolar no pau do autódromo de
piolho.
Bebo minha cerveja, verificando cada ação do
projeto de Hitler, mas minha visão é bloqueada por um
grupo de cadelas bêbadas que comemora o aniversário
de uma delas na pista de dança.
Elas mal se equilibram em suas pernas enquanto
cantam gritos de guerra juvenis, como uma revoada de
andorinhas drogadas voando sem rumo em pleno
inverno ártico.
No entanto, depois de vários minutos de histeria,
tropeços e alguns tombos épicos, o DJ decide diminuir
o ritmo da balada e espanta o grupo de volta para as
mesas, aumentando meu campo de visão.
Por um segundo, penso que estou sonhando
quando vejo uma cadela sentada no canto oposto do
bar tomando uma cerveja, sozinha.
Ela não tem cabelo comprido, tampouco cor-de-
rosa, mas eu reconheceria Pink até mesmo se seu
corpo estivesse pintado de verde com bolas roxas.
Minha garganta está seca, meus olhos estão
aprisionados na figura elegante perdida em seu próprio
mundo, alheia a tudo ao seu redor.
Para qualquer homem, uma cadela comum como
tantas outras que estão na boate esta noite.
Para mim, a única que consegue despertar os
sentimentos mais complexos de um cara que sempre
exigiu a simplicidade.
Atravesso a multidão endoidecida sem ver
ninguém, toda minha fodida atenção está nela, é dela e
para ela. Contorno duas pilastras me espreitando por
trás de Pink, temendo que a cadela saia correndo se
antecipar minha chegada.
A menos de dois passos de alcançá-la, estou mais
nervoso do que jamais estive, mais ansioso que um
adolescente na véspera do vestibular e fodidamente
apavorado.
Minha frequência cardíaca é quase como o ensaio
do baterista de uma banda de heavy metal; brusca,
descompassada, totalmente fora de controle.
Não cheguei a pensar no que falaria quando a
encontrasse, talvez por não acreditar que esse
reencontro realmente iria acontecer, muito menos em
uma casa de swing no Arizona, e agora nada parece
bom o bastante para convencê-la da veracidade de
tudo que estou sentindo.
Então decido me contaminar com a sua mais
nobre qualidade, e torço para que seus ouvidos
perspicazes permitam que Pink sinta em minhas
palavras o que estou prestes a dizer.
Puxo uma longa respiração, avanço dois passos e
sussurro a porra da verdade:
— Senti sua falta.
CAPÍTULO 21
PINK
Os pelos do meu corpo arrepiam, nenhum é
poupado da descarga elétrica que as três palavras
provocam quando são sussurradas em meu ouvido, e a
sensação é tão entorpecente quanto a de uma
overdose.
Fecho os olhos, minhas mãos suam sobre o
balcão e meu coração descompassa, atormentado pelo
que elas representam: saudade.
Então me dou conta de quem é o homem atrás de
mim, e a realidade vem com tudo, trazendo suas garras
afiadas que chacoalham minha cabeça como se
estivesse preparando um milk-shake de miolos
salpicado de recordações recentes e decepcionantes,
mas, na verdade, ela está apenas me fazendo um
imenso favor, firmando o nó em torno do meu coração e
impedindo que ele saia voando por aí, com asas
emprestadas.
Viro a cerveja, bebendo tudo num gole só, antes
de girar o corpo e ficar de frente para ele que, aliás,
pode ser considerado meu segundo erro da noite, já
que o primeiro foi ter saído do quarto.
Seus olhos negros estão nos meus, lindos e
brilhantes, como sempre foram. Encaro Dumb. Dumb
me encara. Espero seu olhar descer pelo meu corpo
para falar alguma besteira, mas sou surpreendida, pois
o ponto mais afastado que ele chega é até a minha
boca e, ainda assim, somente por poucos segundos.
Logo estão de volta aos meus.
Mais negros, lindos e brilhantes. Mais intensos
também. A música soa ao fundo, pessoas circulam ao
nosso redor, luzes coloridas piscam sobre nossas
cabeças e a cacofonia comum em lugares como este
entope nossos tímpanos, mas é como se não houvesse
nada além de nós dois e nossos olhares cravados um
no outro, tornando o silêncio perturbador.
Tudo que escuto são as batidas do meu coração.
O tum tum tum é alto, violento e frenético. Eu sinto a
pressão, pressinto a aceleração e confesso que não
gosto de nada disso.
Nenhum desses sinais corresponde a doação e
todos estão diretamente relacionados a entrega.
Bom, não vou me entregar. Não dessa vez. Na
verdade, nunca mais.
— Perdido? — pergunto, com voz firme ocultando
o coração mole.
— Procurando — Dumb responde.
— Espero que encontre.
— Acabei de encontrar.
Não resisto e sorrio. Meu sorriso convoca o dele e
o general de armas também sorri, mas não é apenas
isso que ele faz. Dumb afasta minhas pernas e se
encaixa entre elas.
O gesto é tão simples que me deixa sem reação.
As mãos dele descansam no balcão atrás de mim,
ao lado do meu corpo, e a proximidade permite que eu
inale sua respiração, seu cheiro de couro, segredos e
promessa de sexo bruto.
— Está longe de casa — murmuro, mantendo
meus olhos nos seus, por mais que eles estejam
agoniados para dar um passeio por seu corpo.
— Estava. Não estou mais.
Para nós não passa de um jogo essa coisa de
ignorar o tesão e priorizar o resto, como se tivéssemos
que provar que podemos ser como a grande maioria,
fingindo que sentimos igual e valorizamos os
sentimentos muito mais do que o prazer; que Dumb
não é o vira-lata superficial e eu não sou a mulher
insensível que todos pensam que somos.
Uma merda de jogo.
— Se mudou para Tucson?
Dumb faz que não com a cabeça e se inclina para
frente. Seus lábios macios escorregam pela minha
bochecha e se acomodam em meu ouvido.
— Vim buscar o que me pertence.
Estremeço quando calafrios perpassam meu
corpo como flechas em chamas, ardentes, incendiando
cada terminação nervosa. E queimam.
— Se fosse seu, você não teria perdido, em
primeiro lugar — fecho os olhos, ofegante.
— Culpado, mas em minha defesa, nem eu sabia
que era meu.
— Não existem culpados. Estudos comprovam
que a culpa distorce a verdade — rebato, coibindo o
calor escaldante que a sua declaração espalha pelo
meu peito e transforma em fornalha o meio das minhas
coxas.
— Foi o medo que me paralisou — ele sussurra,
desanimado.
— Conheço uma ótima psicóloga.
— Preciso de uma chance, não de terapia.
Agora estou irritada, pois para tudo há um limite e
Dumb acaba de ultrapassar o dele. Espalmo as mãos
em seu peito e o empurro para trás.
— Sai de cima de mim — rosno, meus dentes
cerrados.
— Nem estou encostando em você — ele fala,
achando graça da minha braveza.
— Claro que está.
— Onde?
Dumb não se move um centímetro sequer.
Olho para baixo à procura da resposta e me
frustro ao ver que ele tem razão. O vira-lata está em
cima de mim e, ao mesmo tempo, não está.
É deprimente admitir que sua presença
esmagadora me deu a falsa impressão do seu toque.
— No meio das minhas pernas.
— Não estou encostando em você e mesmo se
estivesse, você não pode me mandar sair daqui.
— Claro que posso.
— Não pode.
— As pernas são minhas.
Sinto sua expiração pesada no meu pescoço,
quando ele fala:
— Aqui é o meu lugar, Pink. Fodidamente meu, e
você sabe disso.
Minha garganta se fecha, ressecando minha boca.
Por cima da sua camiseta, meus dedos escorregam e
caem sobre os meus joelhos, numa clara demonstração
de cansaço extremo.
O pico da exaustão.
A boca é a única parte do seu corpo a me tocar,
efetivamente. Seus braços mal resvalam os meus e
suas pernas pouco roçam o interior das minhas.
Porém, a simples percepção do contato instiga e
atiça, cínica e despretensiosamente, tipo a amostra
grátis de um produto caro que traz informações básicas
e o aviso:
Disponível apenas para degustação.
Dumb é, sem dúvida, uma oferta tentadora e
sedutoramente atrativa para quem nunca teve o prazer
de provar.
Para mim, a experiência foi a mais saborosa de
todas, mas o aprendizado me fez degustar o gosto
mais amargo de todos.
Um que eu não pretendo saborear nunca mais.
DUMB
— Para trás — ela ordena, ofegante.
Afasto meu tronco o suficiente para olhar em seus
olhos.
— Não acredita em mim? — pergunto sem rodeios.
— No que você quer que eu acredite?
— Em tudo.
— Não tem nada para acreditar.
— Sinto sua falta — admito, deslizando os dedos pelo
seu cabelo.
— Também sinto a sua e isso é normal, porque
passamos um tempo juntos. — Pink encolhe os ombros.
— Eu quero ficar com você.
— Estamos em uma casa de swing, podemos pegar
um dos quartos.
Descanso minha testa na dela, fecho os olhos e roço
meu nariz no seu. A cadela sabe o quanto eu gosto de sexo
e vai fazer de tudo para me afastar usando minha própria
fraqueza.
No entanto, ela está se esquecendo que é o seu ponto
fraco também.
— Não estou falando de uma noite.
— Eles alugam por hora.
— Sarcasmo não combina com você.
— Depende do ponto de vista.
— Eu só tenho um.
— Que não é o meu.
— É o único que importa.
— Não para mim.
— Existem outras maneiras de fingir que é uma cadela
alienada. A mentira também não é uma boa combinação.
— Talvez eu goste de ser sarcástica e mentirosa.
— Aposto que está cansada pra caralho.
— Cansada do quê?
— De fingir.
— Errou de novo, garanhão.
Deposito um beijo demorado em sua testa e sussurro
em seu ouvido, antes de encará-la:
— É perda de tempo mentir para alguém que fingiu a
vida inteira.
— Se você conseguiu, posso conseguir também.
— Não. — Beijo sua bochecha. — Essa missão é
impossível para uma cadela como você.
— Por que eu sou mulher? — Ela apoia as mãos no
meu peito e tenta me empurrar de novo, mas fracassa outra
vez, pois não me movo.
Beijo a outra bochecha, apreciando cada reação do
seu corpo. Pink respira com dificuldade, está toda arrepiada
e as palavras tremulam em sua boca.
Gotículas de suor brilham em sua testa e umedecem
as palmas das suas mãos. A cadela jamais vai admitir o
motivo pelo qual está tão relutante em acreditar em mim e
me dar uma chance de provar que cometi um erro e quero
corrigi-lo, mas pretendo deixá-la saber que ela não precisa
se esforçar tanto para isso, por uma única e óbvia razão:
Eu fodidamente sei.
— Não. — Meus lábios tocam os seus, fechados e
secos.
— Quer que eu implore? — Pink teima em me distrair
com a sua ironia, mas estou mais interessado na forma com
que o seu peito desce e sobe rápido, suas pupilas dilatam,
seus mamilos endurecem sob a blusa preta e sua língua
desliza entre os lábios.
— Não quero que implore, é só pedir. — Beijo o canto
da sua boca.
— Responde minha pergunta.
Beijo o outro canto.
— Desculpa, mas estou muito distraído com uma
cadela que só demonstra interesse pelo meu corpo — falo e
acabo sorrindo quando Pink dá um tapa no meu braço. —
Que pergunta, porra?
— Por que você disse que fingir é uma missão
impossível para mim?
Seguro seu rosto entre as duas mãos e beijo um olho
de cada vez.
— Porque... — começo a responder, mas sou
interrompido pelo filho da puta que está do outro lado do
balcão.
— O que está fazendo aqui, Pink?
Ela salta no banco, assustada com a abordagem hostil
do idiota.
O ódio por ele aumenta em grandes proporções e
minha vontade é de estourar a cabeça do desgraçado, no
entanto, contenho meu desejo sombrio por saber que se
fizer o que quero, estarei arruinando qualquer mísera
chance que ainda tenho de reivindicar a cadela.
— Mas que merda! — Pink olha por sobre o ombro, e
nem preciso ver sua expressão para saber que está furiosa.
— Qual é o seu problema?
Ela é ignorada, pois a atenção de Kyler está toda
concentra em mim.
Sustento seu olhar colérico com um maldito sorriso de
comedor de merda nos lábios, deslizando o nariz pelo
cabelo dela, zombeteiro pra caralho, deixando claro para o
tobogã de piolho que Pink é a única que pode decidir,
contudo ela não mostra nenhum interesse em sair do aperto
em meus braços, tão possessivo quanto o dela, que me
prende entre suas pernas.
— Você me disse que ia ficar no quarto — Kyler
finalmente rosna, desviando seus olhos para Pink.
— Mudei de ideia — a cadela fala com uma frieza
assustadora.
— Há quanto tempo você está no bar?
Os ombros dela tencionam e por mais que eu queira
incentivá-la a mostrar suas belas garras para o fodido,
aperto suas mãos nas minhas numa tentativa de acalmá-la
e até consigo, mas não tanto como gostaria.
— Vou perguntar de novo — ela vocifera entredentes,
sem poupar o babaca da sua fúria. — Qual. O. Seu. Maldito.
Problema?
Kyler fica surpreso com a reação da Pink, o que é
compreensível se comparar a cadela passiva que ele gosta
de foder e a onça indomável que não atura desaforo de
ninguém, especialmente de quem mal a conhece.
A situação do pouca telha, que já não é muito boa,
piora com a chegada de Trap e da morena que o novato
tem pendurada em seu braço como um acessório de luxo, e
azeda de vez no instante que Kyler tenta reverter o jogo e,
espumando de raiva, responde a pergunta que Pink fez:
— Meu problema é você agarrada com outro homem.
Kyler não sabe que Pink herdou a delicadeza dos
hipopótamos e no quesito graciosidade, perde até para uma
lagartixa, mas admito que estou ansioso para ver a cara do
idiota quando ele souber o quão paciente ela é.
Eu fodidamente, sei. E gosto pra caralho!
CAPÍTULO 22
PINK
— Meu problema é você agarrada com outro
homem — Kyler late para mim, em alto e bom tom,
para que alguns clientes que estão empoleirados no
balcão possam ouvir.
O corpo de Dumb retesa próximo ao meu,
intensificando o aperto na minha mão. Sua
preocupação comigo quase me comove, no entanto, o
quase não chega a ser suficiente para me impedir de
me soltar e cravar meus dedos na gola da camisa de
Kyler, e com um forte puxão que ele não esperava,
arrastar seu corpo para frente.
Quando ele está com o peito grudado no balcão e
nossas cabeças niveladas, rosno na sua cara, olhando
no fundo dos seus olhos:
— Eu não sou sua e não sou um problema seu,
mas se usar esse tom para falar comigo de novo,
garanto que vai arrumar um problema muito maior do
que me encontrar agarrada com outro homem.
O vira-lata careca arregala os olhos, o azul
escurece e ofusca o brilho, tornando as duas bolas
nebulosas, foscas. Ele empurra meu braço e se força
para trás, ao mesmo tempo que Dumb me puxa,
aumentando a distância entre Kyler e eu, assim como a
tensão entre nós.
Algumas mulheres estão com os celulares virados
em nossa direção, provavelmente filmando o embate e
só então me dou conta de que ter meu rosto divulgado
em qualquer rede social é uma grandessíssima merda.
Kyler também desperta do transe momentâneo e
em vez de recuar, ele escolhe me enfrentar novamente
e avança para cima de mim, mas estaca no lugar
quando seu olhar captura alguma coisa por sobre o
meu ombro. Eu espero, ansiosa para socar sua cara,
porém o vira-lata parece enfeitiçado. Viro a cabeça
para trás, desconfiada, e faço uma careta.
Definitivamente, eu não deveria ter saído do
quarto.

Um é pouco, dois é bom, três é demais.


Sempre fui capaz de enxergar a coerência nesse
ditado popular, principalmente por ser uma mulher que
encara o sexo como algo libertador, e não, opressor. No
entanto, os últimos minutos estão mudando alguns dos
meus conceitos mais antigos.
Ter de lidar com a mescla de sentimentos que
Dumb desperta em mim, só porque ele simplesmente
resolveu aparecer, do nada, para me enlouquecer com
essa conversa fiada de saudade, já estava levando boa
parte da minha sanidade para os quintos dos infernos.
Mas o general de armas não foi o único escalado
para a missão:
Hoje nós vamos foder a Pink
O que poderia ser ótimo se o verbo da afirmação
determinasse o sentido literário da ação, e eu
encerrasse a noite em uma cama, fodida por três vira-
latas me levando em seus paus. Contudo, havia um
pequeno detalhe que fez toda a diferença e alterou o
sentido da ação.
Foder a Pink não é a mesma coisa que, foder a
boceta da Pink, o que não melhora em nada a minha
situação, apenas salienta a importância da
interpretação de texto.
Kyler escolheu justamente o momento em que eu
estava tentando descobrir as reais intenções de Dumb,
para dar o seu showzinho de ciúme como se fosse meu
namorado e pior, como seu eu devesse qualquer merda
de satisfação para ele.
E para jogar a última pá de cal sobre o meu
caixão, eis que Trap irrompe de algum canto da Sexy &
Hell, o novato que fui obrigada a apagar para bater em
retirada do clube sem ser vista.
O problema é que ele está acompanhado de uma
sorridente e corada Tarin que, por acaso, é a mesma
garçonete que tentou me intimidar esta manhã no
escritório de Kyler e acabou com a bunda esfolada no
chão.
— Quer pegar suas coisas antes que o clima
esquente? — Dumb pergunta, quando ele vê a mesma
coisa que Kyler e eu estamos vendo.
— Pegar minhas coisas? — repito, sem entender
nada.
Dumb segura meus braços e gira meu corpo,
posicionando-me de frente para ele.
— Vem comigo, Pink, deixa eu te ajudar.
Em um segundo, estou encarando o general de
armas do Black Panthers, boquiaberta e totalmente
chocada com o seu pedido.
No outro, o barulho semelhante ao de fogos de
artifício, abafa a música e dá início a uma gritaria
desesperada, seguida por uma confusão generalizada
de corpos caindo, muitos ensanguentados, enquanto
outros se jogam no chão para não serem alvejados.
Dumb saca uma pistola, sua mão envolve minha
nuca e grita para Trap nos seguir. Ele não pede, não
pergunta, não sorri. O vira-lata que me guia entre a
multidão direto para a saída, com uma expressão
aterrorizante, olhar homicida, passos seguros e a
certeza de que qualquer um que se metesse em seu
caminho, iria morrer, não é o mesmo que eu conheci e
convivi durante vários meses, em Green Hill.
Este vira-lata, que precisa de apenas dois
projéteis para acertar dois brutamontes encapuzados
que vigiam a porta, sem ao menos piscar, não é o que
dava risada das piadas ridículas que ele mesmo
contava.
E quando o ar fresco toca minha pele, o vira-lata
desconhecido que tem um agarre de aço em torno do
meu pescoço, me empurra para o novato como se eu
fosse uma boneca inflável, e fala:
— Leva a cadela para o carro e me espera com o
motor ligado.
— O que você vai fazer? — Trap pergunta.
— Vou matar os filhos da puta. — Até sua voz é
diferente; grossa, fria, pétrea.
Dumb refaz o caminho para a boate, mas somente
no momento que ele passa pela porta e sua figura
exuberante desaparece do meu campo de visão, é que
meu cérebro recupera o poder de raciocinar e eu grito:
— Não! — Trap me mantem ao seu lado, quando
me impulsiono para frente. — Me solta! Ele vai morrer!
O novato solta uma gargalhada e graças a minha
exasperação descabida, ele não tem dificuldade para
me imobilizar. Com uma mão, Trap segura meus
braços nas costas e com a mão livre, ele abraça minha
cintura e me carrega até o carro, exatamente como
Dumb ordenou.
— Fica calma, ele vai estar de volta em menos de
dez minutos.
Não falo nada, aliás, duvido que eu consiga dizer
qualquer coisa que faça sentido. Meus olhos estão fixos
na porta de entrada, assistindo a uma curta distância o
que muitos chamariam de caos, mas não me importo
com nenhuma das pessoas que grita por socorro.
Sinto um aperto no peito, tão sufocante que fico
sem ar por alguns segundos e quando Dumb sai da
boate, caminhando tranquilamente, atesto que o que vi
alguns minutos antes, não foi uma alucinação e,
definitivamente, não conheço esse vira-lata.
— Aceita um conselho? — A voz de Trap faz com
que eu desvie meu olhar para ele. O novato está
relaxado no banco do motorista e me encara pelo
retrovisor com um meio sorriso repuxando seus lábios
para o lado.
O barulho no porta-malas indica que Dumb está
guardando, ou pegando alguma coisa, e logo estará
aqui. Se eu quiser ouvir qualquer merda do novato,
preciso responder antes da chegada do general de
armas. Faço que sim com a cabeça e cruzo os braços,
exausta pelo esforço de fingir que não estou
estupefata, chocado, totalmente apavorada com os
acontecimentos das últimas horas.
— Não faça perguntas — ele diz, e sei que está se
referindo a mudança abrupta que mais parecia um caso
de troca de almas.
— É mais fácil tentar me convencer que o papai
Noel existe.
— Eu sei que é difícil de assimilar, mas acredite
em mim, não é tão ruim quanto parece.
— Vou acreditar, se me disser que é um transtorno
de dupla personalidade.
Trap solta uma risada gostosa, até divertida, o que
me deixa ainda mais atordoada, pois é óbvio que o
novato já conhecia este outro lado de Dumb, ou o que
quer que seja o nome correto para a transformação,
quase cinematográfica do general de armas.
— É exatamente o que estou dizendo, Pink.
Parece ruim, mas não é, mas agora não é o momento
mais propício para falar sobre isso com o Dumb.
Eu também dou uma risadinha, no entanto, a
minha não é de divertimento e sim, de desdém. Se as
mulheres fossem tão unidas como os vira-latas,
milhares de casos de abusos e violência doméstica
seriam evitados, sem contar que o feminismo se
tornaria muito mais do que apenas mais uma ideologia
ao redor do mundo.
— Claro, já entendi. O Dumb passou por muito
estresse. Vamos dar um tempo para ele se recuperar.
O pobrezinho ainda não está pronto para responder
minhas perguntas — falo, ironicamente.
— Não estou preocupado com ele, Pink.
Trinco a mandíbula, sentindo a raiva subir.
— Tenho uma novidade, Trap — cuspo, um tanto
perturbada. — Eu não preciso da sua maldita
preocupação.
— Apesar de tudo, vou falar mesmo assim. O
Dumb está pronto para responder suas perguntas, mas
aposto que você não está pronta para ouvir as
respostas. — Ele dá de ombros e afivela o cinto de
segurança. — A escolha é sua, mas depois não diga
que eu não avisei.
O novato dá a partida e sai com o carro logo que
Dumb abre a porta do passageiro e entra, se
acomodando ao seu lado. Eles se encaram em silêncio,
numa conversa muda em que imperceptíveis gestos e
troca de olhares dizem tudo que os dois precisam
saber.
A cumplicidade, o respeito e a lealdade entre os
diretores sempre despertaram minha cadela invejosa,
mas hoje elas representam muito mais do que o
reconhecimento das falhas na minha personalidade
humanamente desprezível.
Dumb apoia o cotovelo sobre o banco e gira o
corpo para trás. Não sei o que eu esperava ver, mas
com certeza não era o sorriso maroto que ele me dá.
— Você não está com a cara muito boa.
Aconteceu alguma coisa?
Recosto no banco, boquiaberta. Seco as palmas
das mãos suadas na calça preta e tomo uma longa
respiração, com a mesma necessidade de perguntar
que merda foi aquela, no entanto, sem a mesma
coragem.
Meu olhar é atraído para o espelho acima do
painel e capturado pelo olhar do novato, que mantem
seu sorrisinho irritante na cara. É um lembrete do seu
conselho e, ao mesmo tempo, um desafio para que eu
o despreze.
Seria mais sensato perguntar, no entanto, a essa
altura já me convenci de que sensatez não é muito a
minha praia. Então, apenas entrelaço as mãos,
descansando-as em meu colo e respondo:
— Só estou preocupada.
— Com o quê?
— Com o tiroteio na boate.
— Por quê?
— Porque eu tenho quase certeza que eles foram
atrás do Kyler por minha causa. — Prendo uma mecha
de cabelo atrás da orelha, me sentindo culpada.
— Você não está totalmente errada, apenas
inverteu os papeis.
— O quê?
— Aqueles caras eram mercenários, mas ao
contrário do que você disse, eles estavam atrás de
você, por causa do Kyler. — Dumb se inclina entre os
bancos, estende o braço e aperta minha coxa. —
Descansa um pouco até o novato encontrar um lugar
para dormir. Não precisa se preocupar. Eu estou com
você e não vou deixar ninguém te mahcucar.
Ele dá uma piscadinha e volta ao seu lugar. Estou
estarrecida, pois tenho muitas coisas entaladas na
minha garganta, perguntas e mais perguntas, contudo,
estão travadas. Simplesmente, não saem. Apoio a
cabeça no encosto com dificuldade para respirar;
confusa, perdida.
É estranho que o Dumb se pareça com o... Dumb?
O sorriso fácil; a expressão livre de marcações
enrugadas; a voz rouca e grave, porém mansa; a
postura despreocupada e a leveza em torno dele, que
sempre me fez ver o lado bom das coisas e das
pessoas; o dele.
É ele, claro que sim. No entanto, talvez tenha
algo a mais, não sei.
Como um tipo alerta de gatilho no início de um
livro, ou uma nota de rodapé num contrato de
financiamento, informando sobre os juros que incidirão
ao longo dos meses, enfim, Dumb continua igual, mas
de alguma forma que não sei explicar, ele está
diferente.
E eu tenho que decidir qual das duas versões do
general de armas é a minha preferida e, de preferência,
o mais rápido possível. Ou o estrago vai pode ser duas
vezes maior.
Se o Dumb quase me destruiu dando uma de
bonzinho, não quero nem pensar o que vai ser de mim
se o general de armas malzinho souber o quanto
mexeu com os meus nervos e outras partes do meu
corpo.
Fecho os olhos, cedendo ao pedido de Dumb,
ainda que contra a minha vontade e tento descansar,
mas sou atormentada pelas imagens do vira-lata rude,
cruel e impiedoso. Posso sentir a pressão da mão dele
na minha nuca, me conduzindo por entre a multidão de
corpos como se fosse um Deus do submundo e eu, sua
propriedade.
Esse pensamento faz com que eu queira me
estapear. Bufo indignada com a minha própria
fascinação deturpada. Preciso dormir ou vou acabar
enlouquecendo.
Deus, por que eu sempre me encanto pelos
vilões?
CAPÍTULO 23
TRAP
Eu demorei um tempo para descobrir porque de
todos os novatos, Damon me escolheu para entrar no
Abrigo e filmar a Blood Wheel de Skin. Era a primeira
vez que alguém, além dos diretores, via o que
acontecia naquele lugar que desperta a curiosidade de
todos, tanto de quem frequenta o clube como das
pessoas que ouvem os boatos sobre ele.
Roober, o grandalhão que cuidava do bar — e dos
corpos —, foi o irmão que me deu as informações que
preencheram as lacunas em branco em uma conversa
informal e, aparentemente inofensiva, ou não.

Naquele sábado, a festa estava bombando. O de


sempre; bebidas, drogas e bocetas à vontade para
quem quisesse, e eu queria, muito, mas quando estava
sentado no balcão do bar, ouvi Roober falando ao
telefone e percebi que ele não era apenas o cara que
limpava a sujeira do clube.
O motoqueiro barbudo e mal-encarado, sabia
muito mais sobre os diretores do que qualquer outro
membro, e eu precisava entender a escolha do Pres,
sendo que ele pouco me conhecia.
— Há quanto tempo você está no clube? —
perguntei, como quem não quer nada.
— Estive aqui a minha vida toda, coisa de
hierarquia. Meu pai era amigo do Scott, o fundador do
clube. Meu pai cresceu aqui e eu segui pelo mesmo
caminho.
— Deve ter muitas histórias para contar.
— Não, garoto. Eu sei de muitas histórias, mas a
maioria merece ser guardada.
— São muito especiais para serem
compartilhadas?
Roober bebeu um gole do seu uísque e sorriu.
— Muito macabras, sim. Os moradores de Green
Hill pensam o pior de nós sem saberem o que fazemos,
se souberem o que os diretores fazem, seremos
expulsos da cidade. — Ele gargalhou, bateu o copo no
balcão e apontou para o seleto grupo sentado à mesa.
— Aqueles meninos bonitos, que têm as cadelas se
jogando em suas camas e parecem artistas de cinema,
são fodidos da cabeça e tiveram seus corações
arrancados. Eles pensam que Scott e Mitch não sabiam
o que estavam fazendo quando juntaram os seis, mas
aqueles dois psicopatas fodidamente sabiam.
Olhei por sobre o ombro, analisando os diretores,
que tomavam suas cervejas, riam uns dos outros e
faziam piadas. Era difícil acreditar que os seis jovens
liderados por Damon fossem os caras maus que todos
diziam, no entanto, eu tinha tido o privilégio de assistir
uma singela fração da crueldade, em uma
apresentação que deixaria o diabo com inveja.
Então, sim. Eu sabia que Roober não estava
mentindo.
— Qual deles é o pior? — perguntei, ainda
encarando o grupo.
— Todos, cada um à sua maneira.
— Dizem que o Claws é insuperável — comentei,
repetindo o que ouvi ao longo do último ano, desde que
cheguei ao clube.
— Por isso ele é o executor, o filho da puta é
capaz de matar com uma colher de sobremesa.
A gargalhada de Dumb ecoou pela cozinha. Ele
parecia jovem demais para fazer parte da diretoria e
sua personalidade desajuizada destoava dos outros
cinco, até mesmo da contadora. A cadela assustava o
inferno com um simples olhar.
— Qual a função do general de armas? —
indaguei, curioso.
— O que você acha, porra? — Roober empurrou
outra cerveja para mim. — Ele é o responsável por todo
armamento do clube, compra, venda e contrabando.
Todos os contatos são dele.
— Pensei que cada um comprasse suas próprias
armas.
— Nós compramos, mas é o Dumb que arruma as
melhores.
— Ele não é muito novo para ter tanta
responsabilidade?
Roober olhou discretamente na direção do irmão
caçula de Damon, estreitou os olhos e sua expressão
se tornou sombria.
— O garoto foi treinado desde pequeno para
ocupar o lugar dele na diretoria, mas nem precisava ter
sido. O fodido nasceu para essa merda. Ele sabe o que
faz e faz bem pra caralho. — Roober ergueu o copo. —
Que Scott Abbot apodreça nos braços do capeta, porra!
— Foi o avô que treinou ele?
— Aquele velho escolheu a dedo os que ele
queria treinar.
— Quem mais ele treinou?
Roober apoiou as mãos no balcão, alisou a barba
e respondeu:
— Snake, Claws e Dumb.
— Alguma explicação para as escolhas?
— O VP é o estrategista, a cobra. O diretor que
vai dizer o que fazer, como fazer e para onde ir. O
cérebro manipulador, burocrático. O político. Aquele
que quando você menos esperar, mete uma bala na
sua cabeça enquanto te põe para dormir. — Roober
inspira profundamente. — O executor tem as garras
protetoras. O diretor que não dorme, não pisca, não se
assusta e nunca perde o controle. O atirador de elite
que sabe manusear qualquer merda de faca e
fodidamente ama ver sangrar. Aquele canadense é um
maldito fuzileiro assassino e o fodido gosta tanto de
matar quanto gosta de enfiar o pau na boceta da Lyn,
embora ele nunca vá admitir isso para a cadela.
Eu esperei Roober continuar, mas o grandalhão
voltou a encarar Dumb de maneira estranha, como se
estivesse ponderando se deveria ou não falar sobre o
neto de Scott. Depois de alguns minutos em silêncio,
ele bebeu o restante do uísque e disse:
— O general de armas é o burro, o irmão que,
como você... — Roober me lança um olhar acusatório.
— todo mundo subestima, porque não faz ideia de
quem é aquele moleque e fodidamente não conhece a
história dele. O diretor que mantém as prateleiras do
armazém abastecidas de armas e as covas do seu
cemitério pessoal, de corpos.
— Cemitério pessoal? — perguntei, sem saber se
Roober estava se referindo ao espaço reservado no
jardim do clube para enterrar todos os inimigos que
tentavam prejudicar os nossos negócios.
O motoqueiro barbudo negou com a cabeça.
— Existe uma lenda sobre um avô e seu neto. O
velho fez um pacto com o diabo, mas em vez de
oferecer apenas um pagamento, ele fez uma
contraproposta. O sonho do avô era ter o melhor
soldado e sabia que para realizar aquele sonho,
precisava de um homem que desprezasse os
sentimentos. Ele requisitou a presença do rei das
trevas e garantiu que, se um dos filhos do seu único
filho, nascesse incapaz de sentir qualquer merda, além
de dar a sua própria alma como pagamento, o velho
também permitiria que o diabo tomasse a alma do seu
neto — se o belzebu conseguisse fazer com que o
garoto jamais sentisse nada, mesmo após a sua morte.
Roober já não estava mais sorrindo, pelo
contrário, sua expressão era uma mistura de dor,
compaixão e... Medo?
— Scott Abbot morreu seis meses após a morte
do Mitch, comprovando que o velho também não era
imune ao amor, mas o desgraçado conseguiu o que
tanto queria.
— O que ele queria?
— Um fodido soldado incapaz de sentir qualquer
coisa.
Estreitei os olhos, finalmente entendendo tudo.
— Dumb? — indaguei, atônito.
— Vou te dar um conselho, Trap, e sugiro que
preste bastante atenção no que vou dizer, porque não
vou repetir e se eu souber que você abriu a boca para
alguém sobre essa merda, seu corpo vai ser o próximo
a servir de adubo para o meu jardim. Está entendendo?
— Roober sibilou entre os dentes, sua mandíbula
cerrada.
Assenti com um maneio de cabeça, assustado pra
caralho.
— Entre aqueles seis fodidos, não existe o pior.
Como eu disse, todos eles são, cada um à sua
maneira, mas o general de armas não é alguém que
você vai querer se aproximar ou ficar seu amigo.
Aquele garoto burro é o diretor que faz seu show de
horror quando as cortinas do palco estão fechadas e o
teatro está vazio. Ele não precisa de aplauso. Ele não
quer reconhecimento pelos crimes que comete. Poucas
pessoas sabem o que o Dumb faz, e eu garanto que o
garoto que todos consideram o mais burro dos
diretores, é o que tem as piores histórias para contar,
daquelas que merecem ser guardadas.
Eu confiava em Roober, mas era realmente difícil
de acreditar que ele conhecesse o general de armas
tão bem, a ponto de compartilhar seus piores segredos
com um novato como eu. Ele era muitos anos mais
velho que Dumb e em todo tempo que frequentei o
clube, nunca vi os dois interagindo com intimidade.
— É verdade que o general de armas tem seu
próprio cemitério?
— Fodidamente é.
— Fica no clube?
— Não.
— Por que o Dumb precisa de um cemitério?
— Isso, você vai ter que perguntar para ele.
Olho mais uma vez para trás, me sentindo um
impostor por não comprar a história do Roober.
— Foi mal, irmão, mas é complicado...
— Não esquenta, você não é o único. O que
comprova que o Scott fez um trabalho do caralho, o
general de armas está cumprindo o seu papel e o diabo
continua em sua missão de impedir que ele sinta
alguma coisa.
Cruzei os braços, mais dividido que antes. Não
pelas palavras de Roober, mas por sua convicção.
— Como você sabe de tudo isso? — Havia um
tom de desafio e desconfiança em minha voz que eu
não queria demonstrar, no entanto, foi impossível
escondê-lo.
O grandalhão barbudo se inclinou sobre o balcão,
deu uma última encarada no general de armas e
respondeu:
— Eu tinha dezessete, quando enterrei o primeiro
corpo no cemitério particular que o Scott construiu e
deu para o neto, no aniversário dele, sem que ninguém
soubesse, nem mesmo o Mitch. Dumb tinha seis
quando matou o primeiro fodido no mesmo dia, a
mando do velho, com a desculpa de estrear o presente
sugerido pelo diabo. Até hoje, o filho da puta continua
matando e eu continuo enterrando, mas parei de contar
os corpos quando a cova de número duzentos foi
preenchida, alguns anos atrás. Era a última e não tinha
mais espaço no terreno para cavar outras, então pensei
que ele ia parar de fazer aquela merda. Adivinha, eu
estava errado, porra!
Abri a boca para falar, mas não fui capaz de emitir
qualquer som. Roober gargalhou alto, jogando a
cabeça para trás e chamando a atenção dos diretores.
Eu olhei por sobre o ombro, deparando com os olhos
negros do general de armas nos meus.
Ele sorriu de lado, seu típico sorriso infantil e
debochado, como se soubesse que eu estava
bisbilhotando a sua vida e permitiu que Roober
compartilhasse aquela história macabra comigo.
Engoli seco e voltei a me concentrar na cerveja,
enquanto me borrava nas calças, porque naquele
momento eu tive certeza.
Fisicamente, nós éramos parecidos, o que a
princípio deduzi que tivesse sido o motivo para Damon
me convocar, antes dos outros novatos.
Entretanto, não era, e agora eu sabia.
Dumb foi treinado por seu avô, eu fui treinado pelo
meu pai. Ele era alguns anos mais velho do que eu,
fingia ser um idiota para que as pessoas não
conhecessem sua verdadeira essência e baixassem a
guarda, exatamente como eu fazia, por motivos
diferentes, no entanto.
Mais uma vez, desconfiei que a minha chegada ao
clube, após a morte do meu pai, não foi uma feliz
coincidência e sim, uma maldita tramoia do fundador do
MC Black Panthers e um dos mais temidos matadores
de aluguel do Texas, na década de oitenta.
E, mais uma vez, fui surpreendido pela
perspicácia do Pres ao perceber as semelhanças, não
tão explícitas assim, entre seu irmão e eu. Pela
sagacidade do VP, ao identificar minhas qualidades e
determinar funções que sempre destacavam minha
competência. Pela disposição do rastreador ao
compartilhar comigo seu conhecimento e me preparar
para o futuro dentro do clube. Pela amizade da Lyn,
que se fortaleceu depois que ela notou minha
dificuldade para me relacionar com as cadelas. Pelo
silêncio aprovador do executor, todas as vezes que eu
finalizava algum serviço e não me sentia seguro sobre
o resultado. E, principalmente, pela capacidade do
general de armas em atuar.
Dumb era o único diretor que eu não conseguia
ler, analisar e traçar o perfil da sua personalidade, pois
era isso que eu fazia a grosso modo e do meu próprio
jeito, me baseando apenas nos livros que li e em tudo,
fodidamente tudo, que meus olhos capturavam e minha
mente esmiuçava.
Foi a maneira mais fácil que encontrei para
aprender sobre as pessoas. Era o que eu gostava de
fazer e descobri que podia usar minha habilidade para
ajudar os diretores, porque eu queria fazer parte
daquilo, daquele lugar, daquele grupo restrito, estranho
e fodidamente fodido.
Graças a Roober, descobri que a resposta que eu
tanto procurava estava bem debaixo do meu nariz,
afinal de contas, as aparências enganam, e Dumb e eu
não passávamos disso.
Uma fodida enganação do caralho.
CAPÍTULO 24
DUMB
— A cadela dormiu? — Trap pergunta.
— Não — minto com naturalidade e fecho os
olhos, pois sei que ele quer saber o que aconteceu na
boate e não estou a fim de falar, pelo menos por
enquanto.
O novato entende o recado e se cala.
Seu silêncio permite que minha mente desligue e
vagueie livremente de volta a um passado que, desde
que Pink matou Lindsay e foi emfbora, tem me
atormentado de forma assustadora.
Scott Abbot era um fodido descrente. O velho não
acreditava em porra nenhuma, mas vivia repetindo que
nossas ações eram as melhores professoras e nos
ensinariam as lições mais importantes.
Frequentei a escola por alguns anos, até aprender
a ler e a escrever. Depois disso, continuei
frequentando, mas minhas idas passaram a ter outros
objetivos e todos estavam ligados ao clube de
motoqueiros que expandia seus negócios por todo o
estado do Texas.
Eu era o garoto estúpido que servia de saco de
pancada para os mais velhos, matinha vigilância
constante em Andrew Walt, filho do xerife, atento a tudo
que ele contava para os amigos, se gabando do pai.
Plantava drogas nas mochilas dos filhos de
empresários cheios da grana que eram alvos do MC;
acumulava vídeos de todas as vezes que comeu a filha
do pastor embaixo da arquibancada do ginásio, para
chantagear o fodido e garantir que ele não falasse mal
dos motoqueiros arruaceiros nos sermões de domingo;
e ainda fodia as professoras casadas na sala de aula,
no horário do almoço, por pura diversão e poder rir na
cara de seus maridos cornos, que gostavam de me
humilhar quando eu andava pela cidade, sem a
companhia do meu irmão e primo.
Eu não sentia porra nenhuma. Prazer era tudo que
eu queria e procurava, mas nenhum tipo de êxtase se
comparava ao que eu sentia quando matava. Um
pequeno e sádico assassino. Scott testemunhou cada
ereção que tive e gostou do que viu, se aproveitou da
minha fascinação pelo sangue e pelo poder de causar
dor. O velho explorou o que ele considerava como uma
fraqueza até a última gota e a transformou em uma
fodida corrida em busca do extremo.
Scott não se decepcionou. Nem fodendo. Eu fazia
tudo pelo prazer de gozar, sem me importar com o que
teria que fazer para conseguir; foder uma boceta,
rasgar uma garganta, esquartejar alguns membros ou
somente meter uma bala na cabeça de algum inimigo.
Foda-se, porra!
Em determinado momento, minha exuberante
indiferença e total desapego de emoções, chamou a
atenção da professora mais jovem da escola. A cadela
era linda, gentil e gostosa, sem contar que era ingênua
pra caralho, pois acreditava que estava ajudando um
aluno que sofria em silêncio e tinha tudo para ser uma
vítima da depressão, em decorrência da violência
doméstica e bullying que sofria, mas sequer cogitou
que eu poderia me tornar um fodido assassino sem
coração.
Aquela época foi a mais divertida na minha vida.
Eu nunca tinha sido tão bajulado por uma cadela, e
aproveitei cada minuto que ela dispensava em sua
missão de me salvar.

Pobre menino desamparado e carente de atenção


dos pais.

Certo dia, uma psicóloga de Dalas apareceu na


escola, a pedido da professora gostosa, me levaram à
uma sala para ser avaliado pela psicóloga do caralho.
Depois de duas horas e muitas mentiras contadas
com excelência, fui diagnosticado com síndrome de
Tourette, um distúrbio neurológico causado por uma
série de fatores complexos, agravados por conta de
anormalidades em regiões cerebrais distintas, mas o
mais importante era que tudo sobre a fodida Tourette
estava relacionada ao sistema nervoso, e a única
maneira de evitar que a síndrome progredisse, sem que
o paciente tivesse que viver a base de medicações
fortíssimas e inúteis sessões semanais de terapia, era
fazer com que ele parasse de sentir, o que fodidamente
se encaixou naquela encenação de merda.
Eu queria rir, porra!
Scott estava tão obcecado em garantir que eu
nunca sentisse porra nenhuma que, mesmo sem
querer, conseguiu uma fodida desculpa para usar
quando as pessoas — inclusive meu pais —,
questionassem sobre a minha incapacidade de sentir
uma fodida emoção.
Durante anos, Scott trabalhou pesado em seu
objetivo e conforme eu crescia, seu orgulho
acompanhava meu crescimento até o dia em que
fomos atingidos pelo mesmo raio.
O velho perdeu seu filho, eu perdi meu pai, no
entanto, apenas um de nós foi devorado pelos
sentimentos e sucumbiu a tristeza.
O trabalho realizado por anos a fio, foi testado
arduamente durante seis meses e enquanto meu avô
definhava, embalado pela insuportável dor da perda, eu
seguia meu treinamento, entediado pelo sofrimento do
velho, e alheio a morte dos meus pais e da minha irmã
adotiva.
Aquela realidade abalou Scott, mais até do que a
sua falha em Pearl Harbor, no entanto, era tarde
demais para ele, ou qualquer outro, consertar os danos
causados na minha alma imune a emoções.
Em seu leito de morte, o velho ainda solicitou a
minha presença, em uma última tentativa de pedir
perdão e tentar me convencer a permitir que a luz
adentrasse a escuridão dentro de mim, mas seu pedido
foi ignorado e Scott Abbot não teve nenhuma opção, a
não ser fazer a última corrida carregando o
arrependimento por ter vendido sua alma ao diabo a
preço de banana.
Em contrapartida, eu cresci entorpecido e
inabalável, segui meu caminho e cumpri cada missão
que me foi atribuída, tanto pelo presidente do Black
Panthers — com o intuito de ajudar meu clube —, como
por mim mesmo, sempre que algum inimigo
ultrapassava os limites pré-estabelecidos por meu avô,
muitos e muitos anos atrás.
Aquele era o meu segredo, o único que eu
guardava de todos, até mesmo de Damon. Nunca me
importei que ninguém soubesse, tampouco fiz questão
de espalhar meus feitos, no entanto, algo tinha mudado
dentro de mim e eu sentia em minhas entranhas que
precisava retirar aquela pedra do meu caminho o
quanto antes.
Claro que eu deveria saber que o velho não
desistiria de reverter a situação e mesmo das
profundezas das trevas, onde certamente tinha fixado
residência no colo do diabo, Scott continuaria
empurrando a claridade na minha direção, até
conseguir que um maldito fulgor se infiltrasse através
dos meus muros.
Era a única explicação para aquela merda sem
sentido, afinal, se não foi do inferno, de que outro lugar
a maldita luz cor-de-rosa poderia ter saído para
alcançar meu coração incapaz de sentir?
Mas apesar de todo o esforço do meu avô para
salvar minha alma, a parca iluminação rosada ainda era
pouco para dar conta de tamanha escuridão, e eu sabia
que se escolhesse andar ao ar livre, livremente, teria
que enfrentar a maior batalha da minha vida e matar
uma parte de mim mesmo, ou perderia o que sequer
cheguei a conquistar.
Uma grande e fodida merda.
Uma confusão do caralho.
A freada impulsiona meu corpo para frente em um
tranco brusco e me desperta.
— Calma, irmão! — Trap fala alto, com o braço
estendido na minha direção e só então percebo que
estou com a arma empunhada, pronto para atirar.
— Que porra é essa? — vocifero, olhando de um
lado para o outro, eufórico, vasculhando cada canto do
cruzamento que estamos parados.
— Foi mal, eu me distraí e não vi que o semáforo
tinha fechado — ele explica, apontando para a luz
vermelha acima do capô da SUV.
Esfrego os olhos com a ponta dos dedos, em
dúvida se havia sonhado ou aquelas merdas não
passavam de alucinações da minha mente inquieta e
fodidamente fodida.
— Onde estamos? — pergunto e giro o corpo,
dando de cara com o olhar especulador de Pink, me
fuzilando como eu fosse o maldito alvo e ela, a flecha,
prestes a ser atirada.
— Quase em Phoenix.
Dou risada, para disfarçar meu assombro.
— Você está dirigindo por mais de uma hora? —
indago, sem desviar o olhar da cadela.
— Uma hora e meia para ser exato — o novato
responde e acelera.
Guardo a pistola no porta-luvas, antes de estender
o braço para trás e apertar levemente o joelho da Pink.
— Conseguiu dormir? — Minha voz é calma.
— Um pouco.
— Está com fome?
— Não.
— Sede?
— Não.
— Tesão? — Arqueio as sobrancelhas,
provocando a cadela, mas ela não cai na armadilha e
rebate:
— Sempre.
— Eu também, porra! — falo, em comemoração e
dou um soco no ar. — Tá a fim de dar uma cavalgada
rapidinha?
Pink solta o cinto de segurança e inclina o corpo
para frente. Ela pega minha mão e a coloca em sua
boceta, por cima da calça jeans. Meu pau incha no
mesmo instante.
— Se você me contar que merda foi aquela na
boate, você e o novato podem ter o que quiserem.
— Por que o novato foi incluído na nossa
matemática?
— Porque eu inventei a matéria e incluo quem eu
quiser.
— Nem fodendo! — esbravejo.
— Ok. — A cadela encolhe os ombros, como se
não estivesse tão louca pelo meu pau, como eu estou
pela sua boceta, arrasta a bunda para frente e apoia o
pé direito em cima do banco, se arreganhando toda e
me dando total e livre acesso a sua quentura infernal.
— Eu conto tudo que você quiser, mas essa
boceta vai ser só minha.
— A boceta é sua e a bunda é do Trap — Pink
balbucia, acariciando os seios, e dá uma piscadela para
o novato, que assiste nossa putaria pelo retrovisor.
— Não, porra. Quero tudo pra mim — falo rouco.
— Eu sei, mas o Trap também quer e eu quero os
dois.
Desvio o olhar da cadela para encarar o novato
com uma expressão ameaçadora e rosno:
— Fala pra Pink que você está cansado e prefere
dormir.
O idiota gargalha.
— Irmão, eu posso até dizer que estou cansado,
mas que prefiro dormir do que foder? Nem fodendo.
— Traíra do caralho.
Ele ergue os braços, num pedido de desculpas.
— Prometo que não vou atrapalhar e me contento
com as migalhas.
— Temos um acordo, garanhão? — Pink ronrona,
esfregando a boceta nos meus dedos, enquanto
roçando as palmas das suas mãos sobre os mamilos.
Puta que pariu!
Penso por um minuto, fodidamente em dúvida.
Pink acha que a minha apreensão é por causa do
que ela viu pela primeira vez, na casa de swing, mas a
cadela não imagina que eu nunca tive a intenção de
esconder nada dela, principalmente sobre o meu
passado. No entanto, ter o meu pau e a boca disponível
do Trap no mesmo ambiente, sim, porra, é um maldito
problema.
E pela maneira que o novato olha para mim, ele
sabe exatamente o que estou pensando, mas não
parece nem um pouco preocupado.
Solto o cinto de segurança e respondo:
— Temos um fodido acordo, cadela, agora tira
logo a porra da roupa.
Trap se encolhe e Pink solta um gritinho quando
pulo para o banco de trás e caio ao lado dela.
— Não! Primeiro você me conta o que eu quero
saber, depois você me fode.
Seguro seus tornozelos, coloco suas pernas em
cima das minhas, tiros seus sapatos e desabotoo sua
calça. Enquanto abro a zíper, falo e arranco a peça
junto com a calcinha por suas pernas:
— Eu prometi que ia contar e eu vou, porra. —
Arremesso a calça preta em cima do Trap, apoio a
perna direita da Pink no encosto do banco e jogo a
esquerda para baixo, deixando a cadela
completamente aberta para mim.
Curvo-me sobre ela, cobrindo parcialmente seu
corpo com o meu, e afasto os fios castanhos para trás
ao mesmo tempo que minha mão desce pelo seu corpo
até a sua boceta melada.
Meus olhos se fixam nos seus, diretos, sem
máscaras.
— Sabe qual é a pior parte de toda essa merda?
— sussurro, roçando meus lábios nos dela.
Pink geme baixinho e se contorce embaixo de
mim, quando meus dedos localizam seu clitóris.
— Não...
— Eu fodidamente senti a sua falta.
Sem lhe dar tempo para surtar, mergulho em sua
boca, duro pra caralho, permitindo que a sua luz cor-
de-rosa me penetre e arraste minha alma para o seu
inferno devasso.
Maldita cadela do caralho.
Precisava ser tão safada, porra?
CAPÍTULO 25
PINK
Dumb me beija com um desespero que, assim
como o vira-lata que me arrastou para fora da boate,
não reconheço e também não sei definir com precisão
o que sinto neste momento, emocionalmente falando,
mas fisicamente é no mínimo, perturbador, apenas para
constar.
Sua língua dá um tchibum para dentro da minha
boca, despertando cada célula preguiçosa do meu
corpo que se recusa a acordar. Ele me inunda, explora
e domina. Estou extasiada, maravilhada, se for
realmente sincera. Reconheço o beijo, os lábios macios
e a quentura do seu toque na minha pele, no entanto,
apesar de familiar, ao mesmo tempo é tudo novo.
Se fosse uma receita de bolo caseiro, poderia
afirmar que era a mesma massa, acrescida de um
ingrediente secreto e especial no recheio, que o
deixava ainda mais saboroso.
Não posso resistir, nem quero, então me entrego
ao beijo e permito que Dumb me leve a um nível de
excitação que jamais senti. Fervo, queimo e evaporo,
totalmente rendida ao prazer que sua boca me entrega
em um delivery eficiente e viciante, pontual.
É desejo voraz, mas também é paixão. Agora sei
que ele não estava mentindo quando disse que sentiu
minha falta. É saudade da mais sofrível e real,
inebriante em um nível além da estratosfera. Estou
queimando por dentro e explodindo por fora, a ponto de
iniciar o derretimento até virar lava.
Dumb não interrompe o beijo quando sua mão
alcança minha boceta encharcada, lisa e convidativa,
acaricia meu clitóris com a ponta do polegar e me
penetra com o dedo médio. Rosno na sua boca, ele
grunhe na minha.
Diminuímos o ritmo alucinado das nossas línguas
que se enroscam meio atrapalhadas, no entanto,
seguem incansáveis em suas próprias batalhas por
espaço, na busca de alguma coisa que não fazem ideia
do que é, porém sabem que precisam com a máxima
urgência.
Mais contato, mais prazer, mais de tudo. É tão
alucinante que chega a me sufocar, essa sensação
única de doação altruísta que abre mão da
reciprocidade e não exige recebimento. Devo estar sem
ar e a falta de oxigenação no meu cérebro me tornou
incapaz de raciocinar, só pode ser isso, pois não há
outra explicação convincente para justificar tal
inabilidade.
É apenas um beijo, eu sei, no entanto, é
perturbador.
O tronco de Dumb, coberto por uma camiseta
preta, pressiona o meu, agora nu. Meus mamilos são
esmagados por seu peito e se assanham incontáveis
vezes mais, quando seus lábios trocam os meus pelo
meu queixo e vão descendo. Seus dentes mordiscam
meu pescoço, e continuam descendo e descendo, até
que estão prendendo um dos bicos duros entre eles,
antes de abocanhá-la com gula, exigente e ansioso.
— Isso... — murmuro sôfrega, empurrando os
seios para cima e abrindo mais as pernas, tentando
talvez, pois já estou completamente arreganhada. Jogo
um braço para trás, tateio a porta da SUV à procura de
algo que eu possa me segurar, mas mão encontro
nada.
O indicador se junta ao companheiro e os dois
passam a me foder com mais força, mais rápido e mais
profundamente. Meu corpo se contorce embaixo do
dele.
Empurro o banco do motorista com uma das mãos
enquanto a outra empurra a cabeça de Dumb para
baixo, num gesto de puro desespero. Estou aflita,
assediada pelo orgasmo que começa a se formar,
espremendo meu ventre, eriçando meus pelos,
contraindo meus músculos, involuntariamente.
— Cadela. — A voz grossa e rouca de Dumb me
chama, sua língua serpenteia o outro mamilo em
reconhecimento, como um soldado que retorna da
guerra após meses longe de casa e é recebido na porta
por seus filhos gêmeos, carentes de atenção paterna.
— Hum... — murmuro, me contorcendo sem
qualquer delicadeza. Minha boceta quer mais dos seus
dedos sem se importar com a compostura; indo e
vindo, para frente e para trás, esfomeada e igualmente
espalhafatosa. Ela gritaria se pudesse.
Esfrego a bunda no estofado macio, deslizando
com facilidade sobre o suor que escorre pela minha
pele e lubrifica o couro preto.
— Quantos? — Dumb pergunta e move os lábios
até a barriga, ao mesmo tempo que seus dedos
intensificam os movimentos ondulatórios na minha
boceta, atazanando o ponto G e fodendo meus miolos
no processo.
— Oh... — gemo alto, tanto por estar inebriada por
um tórrido prazer que beira a loucura, mas também
para escapar da pergunta sem nexo e fora de contexto
do general de armas. — Assim... isso...
Os lábios de Dumb tremulam sobre o meu
umbigo.
Não abro os olhos, mas sei que está rindo. Sua
barba rala me faz cócegas, no entanto, meu riso não
acompanha o seu, pois estou ocupada demais
degustando todas as sensações que invadem meu
corpo, mais intensas a cada segundo, numa missão de
escoltar o poderoso orgasmo, ainda em formação, que
me devasta dos pés à cabeça à medida que o general
de armas me destroça, indo ao seu encontro na direção
contrária.
Anseio avidamente por essa colisão fulminante.
— Última chance, cadela. Quantos? — Dumb
rosna, sua respiração entrecortada a menos de um
centímetro do meu clitóris. O tom é baixo, porém
ameaçador. Odeio quando ele faz isso.
Finjo que sua insatisfação não é comigo e ergo os
quadris, rebolando a bunda no ar em movimentos
circulares, agoniantes. Cerro a mandíbula, trinco os
dentes e aperto os olhos, empunhando seus fios
negros com força máxima.
Quero a cara dele fodendo minha boceta. Na
verdade, quero que ele todo me foda, me devore e
consuma, cada parte do seu corpo em perfeita
harmonia, na mais perfeita foda. Quero que este vira-
lata pegue tudo que tenho e não deixe nada para mim,
nem para ninguém.
— Se quiser gozar, é melhor responder a porra da
minha pergunta, porra! — Dumb esbraveja sem
diversão, denotando que a decisão é minha, sobretudo
porque a dele já foi tomada. Se eu não disser quantos
vira-latas tive entre as pernas desde que deixei o clube,
meu orgasmo tão esperado será obrigado a adiar sua
chegada. De fato, Dumb quer sua resposta tanto
quanto eu quero gozar, mas prevejo que vou ficar a ver
navios, de qualquer forma, pois não pretendo contar
uma mentira.
E aposto que ele não vai gostar de ouvir a
verdade.
DUMB
Autocontrole é a porra da palavra que minha mente
impõe nesse exato momento, ainda que meu pau esteja
quase estourando o zíper da calça. Pink está a um passo de
gozar e a ameaça em meu tom de voz é o último aviso para
a cadela mais vadia da história das cadelas, desde a
maldita criação do mundo.
Eva deve estar fodidamente orgulhosa da sua
descendente devassa por opção, e nunca me senti tão
aprisionado a uma boceta em toda vida. De todas as
cadelas que passaram pela minha cama, era óbvio que o
meu pau escolheria justamente a que valia tanto quanto ele
para se enrabichar, ou seja, nem um fodido dólar.
— Dumb... — Pink sussurra, ansiosa pelo orgasmo,
mas irritada pela condição imposta por mim para que
receba o que tanto deseja.
— Sim? — pergunto, ironia salpicando em minha
língua, que desliza ao redor do clitóris, brevemente
abandonado pelo meu polegar.
A cadela rebola, agarrando meu cabelo com tanta
força que causa ardência no couro cabeludo. Além de me
transformar em um maldito pau mandado, ainda vai me
deixar com uma puta dor de cabeça.
— Eu preciso... — ela choraminga, esmorecida.
— Do quê? — Minha voz é rouca e abafada por sua
pele quente.
Diminuo a velocidade, embriagado pelo cheiro da sua
boceta exposta como uma flor desabrochada no fim da
estação. A visão é do caralho e, por alguns segundos, me
perco no entra e sai vagaroso dos meus dedos, que
escorregam com facilidade dentro dela, brilhantes e
encharcados da sua excitação.
— Gozar...
— Precisa? — provoco, chacoalhando seu grelinho
inchado com a ponta da língua.
— Por favor — Pink implora e sei que não suporta
mais o retardamento, mas me obrigo a cumprir a promessa
da troca.
— Um número e eu dou o que você quer — afirmo,
com uma firmeza que está a anos-luz de ser verdadeira.
Prendo o clitóris entre os lábios e puxo o nervo
endurecido como se fosse um elástico. A cadela estremece,
no entanto, não permito que atinja o ápice e assopro em vez
de repetir o movimento que a faria gozar em um piscar de
olhos.
Lambo sua virilha, meto os dedos mais rápido, chupo
a parte interna da coxa, meto mais fundo e sugo o grelinho,
pressionando e puxando outra vez, antes de soltá-lo.
— Três — Pink finalmente responde.
Levanto os olhos e a encaro, ofegante pra caralho, e
admiro sua expressão atormentada. Tão linda e tão
fodidamente rendida ao prazer sem nenhum
constrangimento. A cadela ama foder e não se envergonha
do seu amor. É admirável e detestável ao mesmo tempo,
pelo menos para mim, que preferia que ela amasse ser
fodida exclusivamente pelo meu pau.
Pink jamais vai abrir mão do que é seu por direito, e a
cadela pode até não conseguir interferir nas escolhas do
deu coração, mas sempre fez questão de ressaltar que é a
única dona das vontades do seu corpo.
Rapidamente faço um cálculo mental, me
surpreendendo com a sua resposta, considerando que
estamos separados há quase dois meses e o nosso
afastamento não se deu por um motivo convencional, já que
tudo que diz respeito a Pink pode ser chamado de qualquer
coisa que signifique exatamente o oposto.
— Boa cadela — falo e espero. Quando me encara,
pisco para ela. — Não fecha os olhos — ordeno e me
afasto, apoio um joelho no assoalho e o outro no banco,
passando os braços por baixo da sua bunda. — Quero que
veja como essa boceta safada gosta de ser chupada. —
Puxo seu corpo para baixo, numa posição quase deitada e
me encaixo no meio das suas pernas. — Quero que veja
quem está te fazendo gozar. — Minhas mãos alcançam
seus mamilos e sorrio perversamente, antes de abocanhar
seu clitóris. — E admita que também sentiu minha falta.
Pink grita, fodidamente alto, no instante que devoro
sua boceta de forma implacável. Desço a mão direita e volto
a foder minha cadela com dois dedos, que agora trabalham
em harmonia com os lábios, dentes e língua, como um
grupo de escoteiros prostitutos. Talvez uma fodida orquestra
erótica, acompanhada pelos gemidos escandalosos e
xingamentos de Pink, que ecoam mais estridentes à medida
que o orgasmo se aproxima.
Ouço Trap praguejar no banco da frente, mas não
existe uma fodida chance de eu sair de onde estou e cada
segundo que fico com a cara enterrada na boceta dessa
cadela, serve apenas para confirmar o que todos sabiam,
inclusive eu.
Aqui é o meu lugar, porra!
E da maneira que Pink reage ao domínio que exerço
sobre seu corpo, sei que ela concorda comigo, ainda que
não acredite em mim.
— Dumb... — a cadela clama meu nome, sua boceta
espreme meus dedos e suas pernas abraças meu pescoço.
— Goza gostoso, pequena vadia.
Pink enlouquece quando giro os dedos dentro dela e
explode com um orgasmo violento. Seu corpo estremece,
endoidecido, totalmente fora de órbita. Me lambuzo do seu
mel até o último espasmo, e aproveito enquanto ela se
recupera do baque para arriar minha calça junto com a
cueca, abraçar sua cintura e girar nossos corpos, sentando-
me com a cadela montada no meu colo.
— Você está roubando — Pink balbucia sem força, se
referindo ao nosso acordo.
Afasto as mechas de cabelo para trás, trago sua
cabeça para baixo e falo na sua boca:
— Confia em mim, prometo que vou te contar tudo o
que aconteceu na boate. — Segurando me pau, esfrego a
cabeça inchada entre os lábios da sua boceta. — Agora
senta e deixa eu te comer bem gostoso.
Pink não vacila e desce me engolindo até o talo.
Gememos juntos, assolados pelo prazer que sentimos ao
unir nossos corpos depois de tanto tempo separados. A
cadela cavalga e o cheiro de sexo impregna o ar dentro do
carro. Seus peitos saltam alegres conforme ela quica e a
SUV segue em direção ao hotel que iremos nos hospedar
por uma noite.
Pink goza, esgotada, desabando para frente e enterra
a cabeça no meu pescoço. Apoio os pés no chão e passo a
comer sua boceta como um fodido maníaco, em busca da
minha própria libertação.
Por cima do seu ombro, vejo Trap se masturbar com
os olhos cravados no retrovisor. Sem pensar muito, abro a
bunda da cadela para que ele veja como meu pau fode a
sua boceta.
Quando o novato goza em sua própria mão, soco mais
duas vezes, gozando logo em seguida e me dou conta de
três fatos incontestáveis:
Trap está ansioso para entrar na brincadeira.
Pink e eu estamos momentaneamente satisfeitos.
E a noite está apenas começando.
CAPÍTULO 26
TRAP
Que delícia, caralho!
Ver Dumb se lambuzar na boceta da Pink está me
quase matando, literalmente. Por pouco não perco o
controle da direção e bato o carro.
Duas vezes, porra!
Meu pau lateja sob o jeans e quando o celular
vibra no bolso da frente, bem em cima da glande
inchada, estremeço, apertando as mãos no volante.
Diminuo a velocidade e jogo a SUV para a direita, perto
do acostamento. Retiro o celular do bolso, reprimindo
um gemido angustiado ao ver o nome de Ravena no
visor.
Merda!
Não posso atender agora, por vários motivos, mas
o principal é que precisamos chegar à Phoenix e
encontrar um lugar para pernoitar. No entanto, não tem
como atender a ligação neste momento, por mais que
eu queira falar com a minha chica, principalmente por
saber que ela deve estar preocupada comigo.
Jogo o aparelho no banco do passageiro,
desabotoo a calça e abro o zíper. Abaixo o cós da
cueca, livrando meu pau do cativeiro e começo a me
masturbar. Se assistir o general de armas foder a
cadela com a boca já estava me enlouquecendo,
quando ele inverte as posições e se senta com Pink
montada em cima dele, sou obrigado a rezar.
Fodida penitência.
Dirigindo a dez quilômetros por hora para não
causar nenhum acidente, ajusto o retrovisor na direção
exata da bunda de Pink, lindamente empinada, para
que eu possa me esbaldar com a trepada ao vivo e livre
de qualquer pudor.
A cadela é gostosa pra caralho e fode como uma
puta profissional.
Dumb desliza as mãos por suas costas brilhantes
de suor, enquanto ela quica no pau dele, gemendo,
implorando por mais e mais da rola do general de
armas em sua boceta, que só de imaginar me dá água
na boca.
Quando Pink goza, chego a acreditar que é o meu
fim, mas o olhar que Dumb lança em minha direção,
por cima do ombro da cadela, atesta que essa porra
está longe de acabar. E então ele me encara por alguns
segundos, reduzindo minha insanidade a uma poça de
merda ao abrir a bunda da cadela e a deixando
arreganhada para mim.
Puta merda!
Acelero os movimentos, sentindo a pressão nas
bolas aumentar, completamente cativado pela visão do
pau grosso do general de armas arregaçando a boceta
da Pink, em um ângulo que eu nunca tinha visto.
Santo Deus, doaria um rim para caridade se
pudesse comer o cu da cadela junto com ele. Um
gemido escapa da minha garganta com o pensamento,
e quando desço o olhar até local onde os dois corpos
se conectam, chego a salivar ao me lembrar da
sensação de ter o pau de Dumb fodendo a minha boca.
A lembrança daquele dia somada ao tesão
arrebatador que me consome agora, faz com que eu
saboreie um dos orgasmos mais intensos que já tive
em toda a minha vida, e ver o general de armas
gozando logo depois de mim, ajuda a prolongar o meu
próprio êxtase por um bom tempo.
Insano. Irracional. Indescritível.
As luzes coloridas indicam que falta menos de um
quilômetro para chegarmos à cidade. Estou todo sujo,
suado e ofegante, mas não me importo. Pink sai de
cima de Dumb e senta ao lado dele. Os dois pelados,
suados e cheirando a sexo depravado, são uma maldita
tentação do caralho e é o suficiente para que meu pau
enrijeça de novo.
— Estamos chegando — aviso com a voz grave,
mais rouca que o normal, e esperançoso de que se
eles estiverem vestidos, o desejo que está dizimando a
porra do meu controle diminua, ou se eu for um cara de
sorte, até mesmo se extingue.
Ainda que meu corpo implore para que Pink
mantenha sua palavra e me convide para ir ao seu
quarto junto com o general de armas.
Se no banco traseiro de um carro eles me deram o
melhor dos aperitivos, mal posso esperar para degustar
o prato principal, com direto a sobremesa e open bar.
Não me importo de ser um mendigo entre Dumb e
sua cadela, e certamente vou me contentar com
quaisquer migalhas que ele quiser dividir comigo. O
único problema é que eu sempre posso querer mais e
também pensar em alguns artifícios para conseguir
tudo que quero.
Um fodido insaciável.
Maldito morto de fome.
Guloso pra caralho!
PINK
— Estamos chegando — Trap fala, me tirando do
estado de entorpecimento.
Pego seu olhar faminto pelo espelho, mas não tenho
vontade de sorrir, nem de fazer qualquer comentário
sarcástico para provocá-lo, e sei que essa reação não é
boa, pelo contrário, é mais do que péssima.
Visto a calcinha, a calça, abotoo o sutiã e enfio a blusa
pela cabeça. Calço os sapatos, ignorando sem remorso a
encarada de Dumb, que, aliás, não tem nada de discreta.
O silêncio no carro é asfixiante, em compensação o
cheiro de sexo é inebriante e por incrível que pareça, me
excita de novo, mesmo depois de ter gozado duas vezes,
alguns minutos atrás, confirmando que meu estado apático
pode ser muito pior do que aparenta.
Só reparo que chegamos ao hotel que Trap escolheu
quando ele desliga o carro, informa o general de armas que
vai providenciar nossa rápida estadia em Phoenix, abre a
porta e sai.
Estou distraída me martirizando por me sentir dessa
forma e não percebo que Dumb continua sentado ao meu
lado, me encarando como se eu fosse um cuco defeituoso
que precisa de conserto.
— O que foi? — pergunto, prendendo uma mecha de
cabelo atrás da orelha.
— Nada — ele responde e encolhe os ombros.
— Por que está me olhando?
— Porque estou esperando.
— Esperando, o quê?
— Você me dizer o que aconteceu.
Inspiro, expiro, esfrego a testa e olho para fora.
Não tenho ideia de que horas são, mas sei que é
tarde, provavelmente de madrugada, pois não há ninguém
na rua e o segurança do hotel é a única pessoa na porta de
entrada.
— Olha para mim — Dumb pede.
Fecho os olhos, me amaldiçoando por permitir que ele
trouxesse à tona o pouco que eu tinha conseguido enterrar,
depois que fui embora do clube de motoqueiros. Odeio que
um vira-lata me deixe assim e me odeio ainda mais por
consentir que ele tenha esse poder sobre mim.
Eu o encaro.
— Está arrependida? — Sua pergunta não tem nada
demais, mas a maneira insegura com que Dumb fala me
desconcerta.
— Não — respondo, porém não sou muito
convincente.
— Tem certeza?
— Não.
Ficamos nos encarando e enquanto ele parece
determinado a me decifrar como um enigma do tesouro, uso
todos os artifícios que disponho para me manter impassível.
— Fiz alguma coisa que você não gostou? — Sua voz
é calma e pacífica, mas converge da fúria que vejo em seu
olhar.
— Não, Dumb. Você não fez nada de errado e,
sinceramente, nem sei por que estamos tendo essa
conversa — falo, mal-humorada.
— Nós acabamos de foder, Pink.
— Exatamente, como já fodemos muitas outras vezes.
— Você está com raiva — Dumb estala, esboçando
um sorriso que eleva seus lábios.
Reviro os olhos e bufo baixinho.
— Não estou com raiva de você, para com essa
besteira.
O sorriso dele aumenta e quero enforcar o vira-lata por
ser tão lindo.
— Eu sei que não está com raiva de mim. — Dumb
recosta no banco e gira o corpo para ficar de frente para
mim. Seus olhos fixos nos meus brilham com um tipo de
contentamento infantil. — Você está com raiva de você
mesma, acertei?
— Não, vira-lata, você não acertou. Por que eu estaria
com raiva? — indago, dissimulada.
Preciso alterar o rumo dessa conversa antes que seja
tarde demais e Dumb comece a acreditar que ainda existe
alguma chance para nós.
— Tenho algumas opções.
— Por exemplo? — o desafio.
— A mais provável é que você transou comigo
pensando que seria apenas sexo e não sentiria nada por
mim — ele murmura e segura minha mão. — Mas você
sentiu a mesma coisa que eu senti, e agora está com raiva
porque não sabe como lidar com isso.
— Isso, o quê, Dumb? — Puxo meu braço com um
tranco brusco e me afasto do seu toque. Mais irritada do
que antes. — Não existe isso ou aquilo. A gente transou, foi
bom, nós dois gozamos. Fim.
— Quer dizer que você não sentiu nada?
Sorrio de lado com desdém e esfrego uma mão na
outra, balançando a cabeça em negação para que ele
entenda que o amor só é importante para as pessoas que
decidem — de comum acordo e espontânea vontade —
assumir um compromisso, no entanto, para todos as outras
é totalmente dispensável e passível de questionamento.
— Eu falei pra você que estava com tesão, não falei?
Ele arqueia as sobrancelhas, debochado como
sempre, delicioso e sexy como nunca.
— Tesão, Pink? Sério?
— O que mais você queria que eu sentisse?
— Há dois meses, você disse que me amava.
— Muitas coisas mudaram nos últimos sessenta dias.
— Onde está a cadela fodidamente sincera que eu
conheci? — pergunta com ironia, me provocando.
Dumb sabe que é burrice cutucar uma onça selvagem
com o dedo, mas eu também sei que o vira-lata não é burro,
pelo contrário, sua mente pode ser maquiavélica quando
precisa. Essa foi a única anotação mental que fiz logo que o
conheci em Chihuahua para me lembrar que o general de
armas é muito mais perigoso do que aparenta, e se eu
quiser manter minha dignidade intacta, todo o cuidado ainda
será pouco.
Puxo uma longa respiração, ciente de que vou me
arrepender do que estou prestes a dizer, porém não consigo
evitar.
Dumb é especialista em muitas coisas, mas me tirar
do sério está no topo da lista, perdendo apenas para a sua
especialidade em me foder.
— Uma das lições mais importantes que eu tive
quando morava no orfanato, foi que para conseguir
sobreviver, eu tinha que aprender a viver longe de tudo que
eu mais amava. É triste, eu sei, mas sabe o que é ainda
mais triste? — Abro a porta do carro e falo por sobre o
ombro, antes de descer e sair à procura do Trap. — Eu
aprendi.
Discutir sobre um relacionamento que acabou antes
mesmo de ter começado, além de ser um atestado de
estupidez, é uma grande perda de tempo e exige uma
quantidade exagerada de energia que não estou disposta a
desperdiçar com ninguém, nem mesmo com ele.
Dumb é o tipo de vira-lata mimado, aquele que está
acostumado a ter tudo que quer, na hora que quer, quando,
onde quer e do jeito que quer, sobretudo, mulheres.
O que tivemos foi bom para ele, mas para mim foi
muito mais do que isso e por inúmeras razões, além do
sexo. Eu me apaixonei e depois de muito tempo, desejei
que meus instintos estivessem certos. Mas, não estavam e
no instante que Dumb se viu obrigado a tomar uma decisão,
ficou claro que ele não sentia o mesmo.
De fato, doeu e foi difícil de aceitar que eu, assim
como todas que vieram antes de mim, não tinha nada de
especial e não passava de mais uma boceta na sua cama
fazendo hora extra.
Se eu ainda amo o general de armas do Black
Panthers?
Claro que amo e não pretendo mentir ou esconder
sobre isso.
Se quero continuar transando com ele?
Quero, no entanto, não vou, pois como diz o ditado:
errar uma vez é humano, persistir no erro é burrice.
E Dumb é um erro que eu não vou cometer outra vez.
CAPÍTULO 27
DUMB
Pink sai do carro e bate à porta com força
desproporcional. Não consigo deixar de sorrir, ainda
que suas palavras tenham surtido efeito e, infelizmente,
não de uma forma positiva.
Relaxo no banco, inalando o cheiro da cadela.
Sexo dos bons, o melhor de todos, como sempre.
Maldita boceta vagabunda.
Que Pink é o meu encaixe perfeito, não tenho
mais dúvida, no entanto, não tenho certeza de mais
nada sobre ela. Sobre nós. Merda de arrependimento
que parece ter se instalado em minhas entranhas.
Um homem não pode nem cometer um erro,
porra!
Retiro o celular do bolso e encaro o aparelho,
dividido entre cometer um fodido ato de desespero e
tentar resolver essa merda do meu jeito. Seleciono o
contato, meu dedo paira sobre a tecla verde. Irritação
correndo em minhas veias em antecipação.
Caralho!
Se eu ligar, vou me arrepender. Se não ligar, vou
me arrepender de qualquer forma. O objetivo é
descobrir qual arrependimento vai ser maior e pode
foder ainda mais o que já está fodidamente fodido.
Eu aprendi.
A última frase de Pink é determinante para a
minha tomada de decisão. Fazendo uma careta de
desgosto, fecho os olhos e aperto a maldita tecla. Uma
parte minha quer que o idiota atenda, já a outra prefere
que ele esteja fodendo sua cadela e ignore a chamada.
— Espero que seja importante — ele fala em seu
maldito mal humor, antes do terceiro toque.
— Eu posso ser um excelente remédio para
insônia — zombo.
— Pernilongos também.
— Pernilongos não falam.
— Mas eles eu posso matar.
— Eu não pico.
— Não, você faz pior.
— O que pode ser pior que uma picada de
pernilongo?
— Sua voz, às duas da manhã.
Gargalho, ouvindo o som de uma porta se
fechando. Aposto que o fodido vai usar meu telefonema
para sair do quarto porque não consegue dormir e
agora que a cadela está prenha, o idiota não vai pregar
os olhos por mais de duas horas por noite, até o
rebento nascer.
— Preciso de ajuda.
— Me sinto melhor.
— Estou falando sério, porra.
— Eu também. — Outra porta é aberta e fechada
logo em seguida.
— Onde você está?
— Saída de emergência.
— O que está fazendo aí?
— Adivinha?
— Como eu vou saber, caralho?
— Foi mal, esqueci que o seu cérebro só aprende
com ilustração.
— Pau no cu.
Claws dá uma risada e aposto que o fodido está
adorando saber que estou na merda.
— Encontrou a cadela? — ele pergunta, um tom
de preocupação na voz denunciando que sua frieza
não passa de fachada.
— Encontrei. Ela estava em uma casa de Swing,
em Tucson.
— Sozinha?
— Não.
— Quem?
— Um tal de Kyler, dono da pocilga.
— Estavam juntos?
— Você quer saber se eles transaram? — falo e
encosto a cabeça no encosto do banco.
— Não, idiota. Quero saber se eles estavam
namorando ou alguma merda dessas.
— Preciso responder o óbvio?
— Irmão, o óbvio não faz parte do vocabulário da
sua cadela.
— Mais um motivo para eu não responder.
— Entendeu por que não perguntei se eles
transaram?
Franzo a testa.
— Não.
— Porque é óbvio, porra! — Claws rosna.
Esfrego os olhos e respiro fundo.
— Ela ainda me ama — admito.
— Você tinha alguma dúvida?
— Depois de tudo que aconteceu, não tenho mais
certeza de nada.
— Irmão, a Pink se declarou para você há menos
de dois meses.
— Ela poderia ter me esquecido em dois meses.
— Ninguém deixa de amar do dia para a noite.
— Ela pode ter mentido.
Claws fica em silêncio por alguns segundos.
— Não é impossível, mas é fodidamente
improvável.
— Eu sei, a cadela não sabe mentir.
— E essa é uma das maiores merdas que eu já
escutei.
— Sério, porra. A Pink não mente.
— Porque ela não quer, não porque ela não sabe.
— A cadela não tem filtro.
— Porque ela não tem medo.
— Medo do quê?
— De falar a verdade.
— Eu também não tenho — me defendo.
— Irmão, por que até hoje a gente come a
gororoba da Madison?
Penso por um instante e bufo. O filho da puta tem
razão.
— Porque a gente tem medo de falar a verdade e
magoar a ruiva.
— A Pink sabe mentir, mas ela só mente por quem
ela gosta.
— Ela não acredita em mim.
— Por que a cadela deveria acreditar?
— Porque eu nunca menti para ela.
— Também não fez nada para mostrar o que
sentia.
— Não fiz e agora a cadela só quer o meu pau.
— Dá o que ela quer.
— Não posso.
— Por que não?
— Porque eu não quero ser só mais um vira-lata
que fode a boceta dela de vez em quando, porra!
— Irmão, a Pink ama você, mas não acredita em
você e vai fazer de tudo para manter distância
justamente por causa disso.
Inclino-me para frente, apoio os cotovelos nos
joelhos e solto todo o ar preso em meus pulmões,
lentamente.
— Não sei o que fazer — confesso.
— Foi por isso que me ligou?
— Você é o único que pode ter visto o que eu não
vi.
— Pelo jeito, você não viu porra nenhuma.
— Eu conheço a Pink melhor do que ela imagina,
mas a reação dela depois que a gente transou e as
coisas que ela falou me perturbaram.
— Vocês transaram? — Claws pergunta e parece
meio chocado.
— Óbvio, caralho!
— O que ela disse?
— Resumindo, que desde pequena ela aprendeu
a viver longe de tudo que mais ama.
— A cadela vai tentar te afastar.
— Já está tentando.
— E você?
— Eu, o quê?
— Vai lutar ou desistir?
— Lutar, porra!
— Tem certeza?
— Absoluta.
— Então, irmão, se prepara.
— Me preparar para o quê?
— Para foder a cadela até o seu pau cair.
— Ainda não entendi a lógica.
— Esquece essa merda, irmão. A Pink não é uma
cadela comum, mas ainda é uma cadela, e aposto que
ela está sofrendo pra caralho por tudo que aconteceu
com a Lindsay. Se ela não deu entrada para nenhum
dos irmãos durante todo tempo que passou no clube,
foi porque estava satisfeita com você, idiota. O amor da
cadela você já tem, agora precisa reconquistar a
confiança dela ou você tá fora do jogo.
Arregalo os olhos, atropelado pela compreensão.
— O teste de merecimento, porra!
— Irmão, põe uma coisa na sua cabeça de uma
vez por todas, para a Pink uma trepada na Torre Eiffel,
uma declaração romântica e um pedido de casamento,
não valem porra nenhuma se a cadela não estiver
convencida de que você vai ficar do lado dela quando
ela mais precisar.
Claws está certo.
A Pink não teria ficado no clube depois do que
aconteceu com a Lindsay, mesmo que eu tivesse dito
que a amava, pois a minha indecisão na hora de atirar
na jornalista seria a maior prova da minha mentira.
— Se a Pink quer o meu pau, é isso que ela vai ter
— falo, assertivo.
— Agora você vai entender.
— Entender o quê?
— O que é ser uma cadela — Claws gargalha.
— Caralho, a Pink está me transformando em um
garoto de programa.
— Com a diferença que você não vai ser pago pra
foder a cadela sempre que ela quiser.
— Um fodido gogo boy não remunerado —
lamento.
— Um puto falido. — Ele não para de rir.
— Alguma novidade com o Domenico? —
pergunto, mudando de assunto.
— Marcamos uma reunião para amanhã.
— Nós estamos em Phoenix e daqui iremos para
Sacramento.
— A Pink já sabe que vocês vão com ela?
— Não, ainda não tivemos tempo para falar sobre
isso.
— Mas tiveram tempo para foder.
— É óbvio.
Nós dois rimos.
— Obrigado, irmão. — agradeço, humildemente
ao cara que vive para proteger nossas bundas, em
todos os sentidos.
— Sempre, irmão.
Encerro a ligação, envio uma mensagem para
cada um dos diretores perguntando se estão bem e
quais são os planos para amanhã, e desligo o telefone,
pois sei que ninguém vai responder a essa era.
Serão poucos dias até chegarmos à fazenda onde
Benício está, portanto preciso pensar em tudo que
tenho que fazer para convencer Pink que ela pode
confiar em mim, além de colocar meu pau em uma
maldita bandeja e torná-lo escravo da sua doce boceta
apertada.
Inacreditável, com tanta cadela à minha
disposição, eu tinha que me apaixonar justo pela mais
libertina de todas. Se essa porra não for um maldito
castigo, não sei o que mais pode ser.
Guardo o telefone no bolso e puxo uma longa
respiração, antes de sair do carro. De longe, vejo Pink
e Trap na recepção.
Os dois estão conversando animadamente com
uma cadela loira que usa o uniforme do hotel e a
maneira com que ela sorri para o novato, indica que o
assunto pode render uma visita inesperada da
funcionária ao quarto dele durante a sua jornada de
trabalho.
O que seria ótimo, já que se isso acontecer, Pink
vai ser toda minha. No entanto, quando me aproximo
deles e Trap me vê, seu sorriso desaparece, seus
ombros enrijecem e ele pisca, repetidas vezes, rápido
demais para o meu gosto.
Está na cara que deu alguma merda.
Minha mente cogita inúmeras possibilidades,
desde o elevador estar quebrado e nossos quartos
ficarem no último andar, até o horário de check-in
começar apenas às sete da manhã e nós termos que
dormir no carro.
Mas eu sequer imagino que o hotel possa estar
lotado por conta da tão famosa Convenção Anual de
Medicina do Arizona, da qual eu nunca ouvi falar, e só
haver um quarto disponível.
— Você não se importa de dormirmos juntos, não
é? — Pink pergunta, maliciosamente, adorando a
situação.
Ela está nas alturas, crente que a presença do
novato vai me inibir ou que a sua tentativa de me
afastar será um fodido sucesso de bilheteria, porém ela
não poderia estar mais errada.
Sorrio de lado, pisco um olho para a cadela atrás
do balcão, que me encara como se eu fosse um
sorvete de casquinha que ela está louca para chupar e
falo:
— Claro que não, até porque ninguém vai dormir.
A cadela abre a boca e leva a mão ao peito, com
os olhos arregalados. Trap pega o cartão magnético,
Pink dá um tapa na minha cabeça e eu apenas dou de
ombros, fingindo inocência, apesar de ter falado a
verdade.
Passo o braço por cima do ombro da Pink e a
conduzo até o elevador. Trap vem logo atrás de nós.
Quando as portas se fecham, estamos os três
encostados na parede, um ao lado do outro, a cadela
entre o novato e eu. Tensos, excitados e ansiosos. Não
era para ser assim, mas é o que é e não posso fazer
nada, quer dizer, quase nada.
Afinal, o que é um peido para que já está
fodidamente cagado?
CAPÍTULO 28
PINK
Fecho os olhos, concentrada na minha respiração
que acelera rapidamente quando saímos do elevador.
Trap, Dumb e eu.
O tiro saiu pela culatra.
Isso é o que meu cérebro confabula enquanto
atravessamos o extenso corredor até a última porta à
esquerda, que está aberta.
Dois vira-latas vestindo o uniforme do hotel estão
dentro do quarto, decidindo qual o melhor lugar para
colocar a cama de solteiro adicional que o gerente,
gentilmente, disponibilizou para nos atender, já que não
havia mais nenhum quarto disponível até o meio-dia,
horário que mais da metade dos hóspedes farão o
check-out, após o término da tal Convenção de
Medicina que acontece na cidade.
Os funcionários me encaram, desconfiados,
quando me veem entre os motoqueiros, provavelmente
imaginando que vai rolar um ménage e, de fato, eles
não estão errados. Não mesmo.
Na verdade, eu fui a única a acreditar que Dumb
recuaria depois do que falei para ele no carro. Doce
ilusão. O general de armas não parece afetado pelo
imprevisto de ter que dividir o quarto comigo e o
novato, diferente de Trap, que tem o olhar fixo na cama
de casal, no centro do cômodo, como se estivesse
encarando algum bicho de sete cabeças.
— Tudo bem? — pergunto e toco seu braço.
— Tudo — ele responde, saindo de seus
devaneios.
— Preciso de um banho. — Solto a frase no ar e
sigo para o banheiro sem olhar para Dumb.
— Vou pegar as mochilas que ficaram no carro. —
Escuto Trap dizer e, em seguida, o baque da porta
denuncia a sua saída.
Tiro a roupa e entro no box sem pensar muito,
pois de nada vai adiantar ficar matutando, fazendo
planos e previsões em uma situação como essa, ainda
que eu tenha falado que gostaria de transar com Dumb
e Trap, e não estava mentindo. No entanto, não
imaginei que teria que dividir o quarto com eles, muito
menos dormir na mesma cama.
Abro o chuveiro, apoio as mãos na parede e deixo
que a água quente faça o seu trabalho de relaxar
minhas costas. Tantas coisas aconteceram nos últimos
dias, que é difícil de acreditar que tudo não passou de
um sonho, ruim é verdade, mas ainda assim, apenas
um sonho.
Jogo a cabeça para trás, perdida em
pensamentos, quando sinto duas mãos massagearem
meus ombros e um calor escaldante aquecer meu
corpo dos pés à cabeça. Pelos eriçados, mamilos
endurecidos e boceta molhada. Essa é a sequela
causada pela aproximação de Dumb.
O vira-lata me surpreendeu, pois não ouvi
absolutamente nada, nem sua entrada no box, o que
traz de volta as dúvidas que o general de armas
prometeu esclarecer se eu transasse com ele.
Se bem que eu poderia até dar uma canseira, mas
é fato que acabaria transando de qualquer jeito, mesmo
que Dumb se recusasse a me contar qualquer coisa.
Porém, o vira-lata não precisa saber disso.
— Você me deve uma explicação — falo, meia
grogue por conta da excitação que chega a ser
desconcertante.
— Eu te devo muitas coisas.
— Estou cobrando apenas uma.
— Estou dizendo que vou pagar todas.
Suas mãos escorregam pelas laterais do meu
corpo e abraçam minha cintura. Dumb cola o seu corpo
ao meu, transformando o calor inicial em um incêndio
devastador. Ele afasta meu cabelo para o lado, roça os
lábios suavemente pelo meu pescoço e aloja o pau no
meio da minha bunda, enquanto os dedos da mão
esquerda brincam com os mamilos e os da mão direita
ficam responsáveis por entreterem minha boceta.
— Dumb... — murmuro, aplacada pelo prazer que
transborda por todos os lados.
— Hum?
É tão errado o que estou fazendo, mas tão
malditamente gostoso que não tenho força para resistir.
Vai ser pior pela manhã. Vai doer ainda mais e
machucar profundamente, eu sei.
No entanto, quando Dumb me toma como se eu
fosse seu mundo inteiro e ele não conseguisse ficar
perto de mim sem me tocar, minha parte resistente e
racional sucumbe a tudo que somente esse vira-lata é
capaz de me fazer sentir.
Sentimentos, emoções, sensações, anseios,
desejos e sonhos.
São temporários, passageiros e superficiais, eu
também sei, e não vou me iludir que o que estamos
fazendo é nada além de luxúria, sexo e depravação,
mas não posso recusar o que ele me oferece de bom
grado, porque é bom demais para me privar de sentir.
— O que aconteceu na boate? — pergunto em um
fio de voz.
— Kyler avisou o Pablo que estava com você —
Dumb responde sem parar de me tocar, abro mais as
pernas para que seus dedos deslizem em um vai e vem
delicioso, da minha entrada melada até o clitóris. —
Pablo enviou quatro mercenários para te matar.
— Como sabe disso? — gemo baixinho, incerta se
prefiro empurrar a boceta para frente em sua mão, ou
empinar a bunda para trás em acolhimento ao seu pau.
— O último me contou antes de morrer.
— Tarin? — balbucio o nome da garçonete.
— Morta.
— Os mercenários a mataram? — Apesar do
esforço, mal consigo falar de tão excitada que estou.
Contudo, reprimo o desejo violento e me obrigo a
focar nas respostas.
— Eu matei a cadela — Dumb diz sem qualquer
vestígio de remorso em seu tom frio. A admissão
provoca certo desconforto na minha barriga.
— E o terceiro? — indago, lembrando-me que os
dois primeiros Dumb matou quando estava me levando
para fora.
— Eu também matei.
— Kyler?
— Fugiu.
Dumb gira meu corpo e me pressiona contra a
parede. Os toques dos seus dedos ficam mais ásperos
e o seu pau pulsa, mais empolgado.
No começo suponho que Dumb não gosta das
lembranças, mas conforme ele vai se transformando e
a delicadeza é substituída pela rispidez inclemente,
entendo que é o oposto.
O general de armas se excita ao relembrar da
matança e seu corpo se submete a fonte do seu
nefasto prazer da única maneira que sabe.
— Por que você ainda está aqui? — sussurro,
aflita, inquieta.
— Porque o que eu quero está aqui. — Sua voz é
rude, seu olhar obscuro e opaco.
— O que você quer?
— Vou mostrar o que eu quero.
E pela primeira vez, Dumb se descortina para
mim. É assustador, tétrico, abissal e severo.
Inclemente, bruto e autoritário.
Do tipo que degrada e humilha, destruindo tudo
que despreza, para então reconstruir a seu gosto,
manipular e usar a seu bel prazer.
O próprio Deus do submundo em sua forma
humana.
O aviso é claro:
Não se aproxime. Não toque. Não se apaixone.
Eu vejo tudo em letras brilhantes e legíveis.
A sensatez está sentada sobre o meu ombro
direito, feito um anjinho solidário e paciente, implorando
para que minha mente se atente ao letreiro.
Já em meu ombro esquerdo, a devassidão é o
diabinho lixando as unhas, fazendo seu papel.
Ele atiça, corrompendo a benevolência,
desafiando a moral e instigando a libertinagem.
Faria, estaria, poderia, deveria...
Tantas e tantas possibilidades que jamais serão
reveladas, pois jamais serão descobertas pelo único e
miserável motivo:
Dumb não é o mocinho dessa história e eu não
gosto de heróis.
DUMB
— Vou mostrar o que eu quero.
Pink é a primeira cadela a pedir para conhecer, pois é
a primeira a ficar por tanto tempo a ponto de diferenciar o
homem do monstro, e em contrapartida conquistar os dois.
Ainda não sei como, mas ela fez.
Sua transparência, honestidade crua, o amor próprio
que beira o egoísmo e sua boceta vadia, constantemente
sedenta por um pau, fodidamente me amarraram pelas
bolas.
Se o amor é essa necessidade doentia que deixa
dormente, foda-se. Que seja. Pink fez o que duvidei que
ninguém faria e agora estou aqui, com ela em meus braços,
me encarando como uma coelhinha assustada, corajosa
demais para voltar atrás no seu pedido.
Puxo num tranco a mangueira do chuveiro, enrolo em
seus pulsos até ouvi-la reclamar que está apertado e ergo
seus braços esticados. Não sou delicado, tampouco
carinhoso. A cadela arrastou a merda de volta e trouxe as
lembranças da boate, sem sequer imaginar o que elas
acarretariam.
Agora ela vai ter o prazer de ver e sentir o quanto a
morte pode ser excitante e o prazer de matar inebriante.
Pink pragueja quando amarro as pontas soltas da
mangueira no cano do aquecedor, ao lado da pequena
vidraça, e a coloco presa com as costas na parede. Ela
ofega e tenta se soltar. Acaricio meu pau, admirando o
corpo da cadela.
É isso que eu quero.
Seu olhar cai para os movimentos da minha mão.
Não sorrio, não brinco, não falo.
Apenas a observo, determinado a ir até o fim. Pink
acredita que tem uma escolha.
Porra, não!
Ela vai sucumbir a minha escuridão, fazer sua corrida
até o inferno, saudar o diabo e oferecer sua doce boceta
para ele, implorando por mais. Fodidamente mais. A cadela
vai gritar de dor, gemer de prazer e chorar lágrimas de
sangue quando estiver com meu pau entalado em sua
garganta. E vai gostar tanto, que vai gozar como a linda
vagabunda que é.
— Dumb...
Avanço um passo, impetuoso.
A mesma mão que punheta meu pau envolve sua
garganta. Inclino a cabeça para o lado, vasculhando seu
semblante à procura da sua coragem, que brilha
parcamente em seus olhos, no entanto, se comprime em
um pequeno espaço dominado pelo medo do desconhecido,
e se sente intimidada pelo pavor de saber a verdade.
— Sua amiga, a garçonete, também implorou — falo,
estoico. — A cadela tentou fugir pelo corredor, mas eu a
alcancei. — Aumento a pressão no seu pescoço, fazendo
sua pele ganhar um tom mais rosado. — Ela me ofereceu
todos os buracos do corpo para eu foder em troca da vida
dela, mas não aceitei. — Abaixo a cabeça e sussurro em
seu ouvido: — Quer saber por quê?
— Si... sim... — Pink gagueja.
— Porque não é a boceta dela que eu quero.
Pink abre a boca numa clara intenção de protestar.
— Você não queria saber o que aconteceu na boate?
— provoco, deliberadamente. — Fica quietinha e escuta,
porque quando eu terminar de falar, vou deixar você saber o
que eu quero.
Flexiono os joelhos e encaixo meu pau no alto das
suas coxas.
— Abre a boca — ordeno e Pink obedece
prontamente. Rolo o dedo médio em sua língua. — Chupa.
— Ela engasga, mas não alivio o aperto em sua garganta.
Levo o dedo molhado até o meio da sua bunda e enfio
em seu cuzinho, bombeando dentro e fora para
acompanhar o ritmo intenso com que deslizo meu pau para
frente e para trás, aproveitando para botar mais pressão
sobre o clitóris, arrochando cruelmente seu grelinho
inchado.
Pink geme com o corpo totalmente colado ao meu,
toda para mim.
— Enfiei o cano da pistola na boca do desgraçado —
sibilo entre dentes em seu ouvido.
Empurro o dedo no seu rabo com mais força, deslizo
meu pau mais rápido e aumento o aperto em sua garganta,
tudo ao mesmo tempo num sincronismo do caralho.
Pink revira os olhos com a boca entreaberta.
— Eu vi a morte dele chegar — vocifero; empurrando,
deslizando e apertando cada vez mais forte e mais veloz,
mais bruto. — Eu trouxe a morte para o filho da puta.
Suas bochechas escurecem ganhando um tom de
vinho. Pink levanta os olhos, balançando a cabeça de um
lado para o outro, numa tentativa chinfrim de se livrar do
enforque, e quando ela esmaga meu pau entre suas coxas,
sei que vai gozar.
— Esse é o meu segredo, cadela. — Cravo os dentes
em seu ombro no instante que o corpo de Pink sacoleja
como um maldito liquidificador. — Vadia do caralho! —
rosno, insano. — Eu não peço. Eu tomo o que eu quero. —
Pink engasga e tosse quando solto seu pescoço. — Eu sou
o porta-voz do inferno. O dono da dor, do sangue. O
anunciante do fim.
Levanto suas pernas molengas e as encaixo em volta
da minha cintura, posicionando a cabeça do meu pau na
sua entrada fodidamente molhada.
Seguro seu queixo e forço Pink a me encarar.
Seus olhos são uma mistura de pânico, descrença e
lascívia da mais baixa e inescrupulosa que existe.
— Eu sou a morte, porra! — Sua careta de assombro
desaparece no momento que enterro meu pau
profundamente dentro dela. — E aqui é o meu lugar! Essa
boceta é minha. Você é minha, caralho!
Pink berra meu nome entre gemidos, lamúrias e
palavrões, enquanto como sua boceta com fúria e um puta
tesão.
A cadela me leva duro e suporta cada maldita
estocada que perfura seu útero, apesar de todos os
protestos, e goza pela segunda vez embaixo do chuveiro
quando enfio o mamilo saltitante na boca.
Me levando com ela duas investidas depois.
Um pouco mais saciado.
Um pouco menos confuso.
Fodidamente faminto.
CAPÍTULO 29
TRAP
Saio do quarto respirando com dificuldade e sigo
para o elevador. Quero me enganar dizendo a mim
mesmo que não sei o que está acontecendo comigo,
nem por que a imagem de Pink, Dumb e eu fodendo
em cima da cama, formulada pela minha maldita
imaginação pervertida, me deixou bolado, mas não
posso fazer isso porque eu sei.
Ravena.
Quando as portas de metal de fecham, bato a
parte de trás da cabeça na parede, duas vezes. Merda!
Eu não deveria me sentir culpado, já que não temos
nada sério, no entanto, me sinto, pois há algum tempo
nós meio que firmamos um acordo.
Minha chica é inteligente, divertida e tem um
coração de ouro. Ela cresceu sob o mesmo teto de um
traficante e seu pai nunca escondeu o que fazia para
sustentar sua riqueza.
Ravena sabe o que fazemos no clube, ou ao
menos imagina, e a naturalidade com que ela fala
sobre o assunto foi uma das coisas que mais me
encantaram quando decidi manter a cadelinha a uns
bons quilômetros de distância para não cometer uma
loucura da qual eu iria me arrepender profundamente,
até a minha morte.
Mas apesar de saber tudo sobre cartéis, tráfico de
drogas e contrabando de armas, Ravena nunca teve
nenhum tipo de contato com homens, de qualquer
alguma, ao contrário de sua irmã mais velha, Miranda,
uma das cadelas mais rodadas entre os irmãos do
clube.
Talvez, não ter contado para minha chica que comi
Miranda algumas vezes, esteja cooperando para que
eu me sinta ainda pior, já que a primeira regra do nosso
acordo é não esconder nada um do outro. Não importa
sobre o quê, ou quem, nem se for algo muito ruim. A
sinceridade deve vir sempre em primeiro lugar.
Doa a quem doer.
Para Ravena parece fácil cumprir sua parte, pois a
cadelinha não faz nada sem supervisão, nem mesmo ir
à escola ou sair com suas amigas que, aliás, são
poucas.
O estilo de vida dos membros do MC Black
Panthers ainda é motivo de discussão em Green Hill e
divide a opinião dos moradores, o que reflete
diretamente na interação social dos herdeiros dos
diretores, e Ravena, dos três, é a que mais sofre
preconceito, pois além de ser adotada também é
mexicana.
Isso tudo sem contar que a fase pela qual a
cadelinha está passando por si só já é bem complicada,
até mesmo para os jovens que foram nascidos e
criados sob os cuidados de famílias tradicionais.
Adolescência é uma merda do caralho, sobretudo
se o seu pai for um fodido traficante, como Ramiro
Xavier, pai de Ravena; ou o presidente de um clube de
motoqueiros, como Damon, pai de Angel, ou se o seu
irmão for um dos líderes de um MC e dono de trinta por
cento dos imóveis da cidade, como Snake, irmão de
Angus.
Eu conheço a sensação de ser excluído dos
grupos da escola, não ser convidado para as festas, e
nunca ter meu nome na lista de convocados para fazer
parte do time de futebol, justamente por ser filho de um
matador de aluguel e sei o quanto esse título pode nos
tornar solitários.
Minha chica sempre foi superprotegida por seu pai
biológico, e Snake, seu pai adotivo, está superando
Ramiro Xavier na tarefa de manter Ravena em uma
bolha, afastada dos negócios — e dos membros — do
clube, desde que a adotou legalmente, dois anos atrás.
O VP tem verdadeira adoração pela cadelinha, e
por mais que ele seja um grande chute na minha
bunda, confesso que dentre os seis diretores, eu não
teria escolhido um pai melhor para ela.
Não que os outros não sejam bons pais, nada
disso, mas Snake é o único capaz de demonstrar o que
sente por todas as pessoas que ele ama, sem se
importar com a opinião de ninguém.
E Ravena precisa se sentir amada por sua nova
família depois de ter perdido tudo.
Em contrapartida para mim, está cada vez mais
complicado cumprir minha parte do acordo, e agora sou
obrigado a tomar uma decisão difícil.
Saio do elevador e passo pelo hall, ignorando a
cadela atrás do balcão que só faltou esfregar a boceta
na minha cara logo que entrei no hotel, e vou direto
para o estacionamento onde deixei a Land Rover.
O ar fresco chicoteia meu rosto, diminuindo um
pouco a temperatura do meu corpo, fodidamente
elevada.
Destravo o carro e abro a porta do passageiro
para pegar o celular que esqueci em cima do banco.
Com o aparelho na mão, encosto na lateral da
SUV e vejo que tem mais duas chamadas perdidas de
Ravena, e resta apenas dois por cento de bateria.
Respiro fundo enquanto a dúvida corrói minhas
entranhas.
Por culpa do Claws, prometi a Ravena que em
hipótese alguma, eu foderia as cadelas dos diretores.
Tudo porque ela é fã de carteirinha do executor e
sofreu junto com ele na época em que a Lyn ainda não
sabia se assobiava ou chupava cana, e sempre
acabava na cama do Ghost.
Para Ravena, quando um homem compartilha sua
mulher é sinal de que ele não a ama de verdade, mas
ainda não tenho uma opinião formada a respeito e
prefiro não opinar, ainda que o pensamento da
cadelinha tenha certa lógica.
Claro que a situação entre Dumb e Pink é
completamente diferente, no entanto, eu estaria sendo
um fodido hipócrita se dissesse que o general de armas
não tem suas bolas amarradas pelo mindinho da
cadela, que ela não é completamente apaixonada por
ele e eu seria o terceiro elemento na cama entre os
dois.
Mas porra, como esquecer o que vi ou fingir que o
próprio Dumb não arreganhou a bunda da Pink para
que eu pudesse ter um vislumbre da sua cadela e o
pior, como esquecer o que rolou na cozinha entre o
general de armas e eu, muitos meses atrás?
Minha consciência insiste para que eu apague as
lembranças da trepada esplendorosa de Dumb e Pink,
e durma no carro para não cair em tentação, pois é fato
que os dois vão foder até o dia clarear e se eu estiver
no quarto vai ser impossível recusar o convite para me
juntar a eles.
O problema é que meu corpo está em polvorosa,
agitado e ansiosamente excitado, malditamente louco
para desfrutar do prazer em todas as suas nuances na
companhia do casal mais quente que já conheci, além
de estar necessitado de uma dose cavalar de
promiscuidade pré-corrida.
Encaro a tela do aparelho pela última vez, antes
de guardá-lo no bolso, retiro as malas e as mochilas do
porta-malas, ativo o alarme da SUV e volto para o
hotel, com a decisão tomada.
Ravena é especial, eu sei.
Ela mexeu comigo desde que pisou no clube e a
ideia de que a cadelinha tenha se apaixonado por mim
à primeira vista, é meio que uma garantia de que se um
dia todas as minhas merdas forem jogadas no
ventilador, ela vai me perdoar.
Por outro lado, não é justo eu perder a chance de
ter uma das experiências mais alucinantes da minha
vida por causa de uma cadela que se comunica comigo
por carta e que beijei apenas uma vez, ainda que o
beijo tenha fodido tanto a porra da minha cabeça, que
por quase cinco meses não consegui comer ninguém.
Refaço o caminho de volta para o quarto, decidido
a extrair tudo que Dumb e Pink estiverem dispostos a
me oferecer.
Em frente a porta, tomo uma longa respiração
junto com o resquício da coragem que ainda tenho, giro
a maçaneta e entro.
Os gemidos vindos do banheiro ecoam pelo
quarto. Arrasto as malas para dentro e as deixo sob o
aparador, onde largo o celular. Ponho as mochilas em
cima da cama adicional e descalço as botas.
Pego uma cerveja no frigobar, bebo um gole e tiro
a camisa. Deito-me na queen size, com as costas
apoiadas na cabeceira e cruzo os tornozelos.
Pink parece ainda mais escandalosa quando goza
do que foi no carro, o que só me deixa mais duro ao
imaginar Dumb comendo sua boceta embaixo do
chuveiro.
Desabotoo a calça, abro o zíper e tiro meu pau
para fora. Outro gole, novos gemidos abafados, mais
calor, fodidamente mais tesão.
Meus olhos estão cravados na porta, ansiando
pelo momento em que ela se abrirá e os dois
aparecerão na minha frente, ratificando que não é um
maldito sonho.
A mão esquerda ampara a cerveja, enquanto a
direita acaricia meu pau para cima e para baixo.
Minhas narinas dilatam, inalando o máximo de ar
possível numa chula tentativa de estocá-lo em meus
pulmões apenas por precaução, e meu coração bate
descompassado, incansável em sua busca pela fodida
calmaria.
Do lado de fora, a escuridão da madrugada é
predominante, dando uma falsa impressão de que do
lado de dentro estamos seguros, mas isso não é
verdade.
O maior perigo é o que escondemos de todos e
está muito mais perto do que podemos imaginar.
É agora ou nunca.
Que comecem os trabalhos.
CAPÍTULO 30
PINK
Dumb desamarra meus braços sem tirar os olhos
dos meus.
Estou estarrecida com a súbita mudança em seu
olhar, agora brilhante e divertido, exatamente como eu
me lembro, porém, nenhum pouco parecido com o
olhar assassino de minutos atrás, que me encarava
com ódio, desprezo e um intenso desejo sexual.
— Você está bem? — ele pergunta com cautela,
massageando o local avermelhado.
— Acho que sim — respondo, sinceramente.
— Acha? — Dumb ergue uma sobrancelha,
sorrindo de lado e deposita um beijo em cada pulso.
— Preciso de um tempo para entender o que
aconteceu aqui.
— Não tem nada para entender. — Ele me abraça
na cintura, roça o nariz no meu e sussurra em meu
ouvido: — Todos nós temos dois lados, a diferença é
que algumas pessoas escondem melhor que as outras.
— O que mais você esconde? — murmuro, apoio
as mãos em seus ombros e inclino a cabeça para o
lado, quando seus lábios deslizam pelo meu pescoço.
— Tudo que não precisa ser mostrado. — Sua voz
é mansa, segura e sincera.
— Eu quero ver... — Dumb lambe meu ombro,
onde ele mordeu, dispersando a ardência pela minha
pele.
— Você vai.
— Quando?
— Na hora certa.
Ele entrelaça nossos dedos e me conduz para fora
do box. Nós nos enxugamos em silêncio, mas a falta de
palavras não torna o momento constrangedor, aliás,
acho que nunca enfrentamos o constrangimento, nem
mesmo no pior momento que já compartilhamos até
hoje.
Tudo entre esse vira-lata e eu sempre foi direto e
sem rodeios, tanto pela minha sinceridade quanto pela
leveza dele.
Dumb enrola a toalha na cintura e penteia o
cabelo com as mãos. Imito seu gesto cobrindo meu
corpo com o tecido felpudo.
— Preciso de roupas — murmuro, lamentando
não ter pegado a mochila que ficou na boate.
— Pode comprar alguma coisa na boutique do
hotel.
— Não tenho nada para vestir agora.
Ele pisca, com um sorriso sacana em seus lábios
carnudos.
— Menos trabalho para mim.
Encaro Dumb, incerta sobre o que dizer, ainda
mais depois de tudo que eu vi e nós fizemos embaixo
do chuveiro.
— Nada mudou — afirmo, sem muita convicção.
— Eu sei, eu sei... você só quer o meu pau.
— E você? — pergunto, olhando dentro dos seus
olhos.
— Eu, o quê?
— O que você quer, Dumb?
Ele segura meu rosto e beija meus lábios
suavemente.
— Eu quero você.
— Você já teve o que quis.
Ele faz que não com a cabeça, sem o mesmo
divertimento.
— Eu ainda nem comecei, cadela.
— É uma promessa? — Tento descontrair
novamente, mas vejo o momento exato em que sua
expressão se torna sombria.
— Um aviso.
— Soa mais como uma ameaça.
— Não deixa de ser uma, de qualquer forma.
Seus dedos contornam meu pescoço e seu olhar
desce pelo meu corpo. Tudo muito devagar, ratificando
que ele não está brincando.
— Devo me preocupar? — Um calafrio atravessa
minha coluna quando Dumb volta a me encarar
friamente.
Sua mão está em minha garganta, sem o aperto
severo de antes, mas tão assustador quanto. Engulo
seco; desconcertada e novamente amedrontada.
— Sempre. Segurança nunca é demais — ele
responde, impassível.
— Você vai me machucar?
— Não, nunca. Mas essa não é uma garantia
estendida.
— O que quer dizer?
— Que jamais vou te machucar, mas vou
machucar outras pessoas.
O volume em sua virilha aumenta rapidamente,
empurrando o tecido para cima como se fosse um
mastro hasteando sua bandeira.
— Quem você vai machucar? — Aperto as coxas,
odiando e amando a reação do meu corpo ao seu
toque despretensioso, porém ameaçador.
Dumb me pega de surpresa ao abaixar a cabeça e
morder meu lábio inferior com força, me obrigando a
gemer em seus braços, demolida pelas sensações
inebriantes.
— Qualquer um que quiser enfiar o pau na sua
boceta.
Congelo no lugar, embasbacada com a sua
resposta.
— Eu decido quem — esbravejo. Indignação e
revolta me inundam.
— Que coincidência, eu também decido.
— Você não pode machucar todos os vira-latas
que eu quiser foder.
— Não pretendo fazer isso.
Estreito os olhos, franzindo a testa.
Dou um passo para trás, buscando uma distância
maior entre nós, mas Dumb avança e me encurrala
contra a pia.
— Você disse...
— Eu sei o que eu disse, cadela — ele me
interrompe, colocando o indicador sobre os meus
lábios. — Você que não entendeu direito.
Dumb mantém minha boca fechada enquanto se
inclina e enfia a mão livre por baixo da toalha, entre as
minhas pernas.
Sem ao menos entender, voluntariamente me abro
para que ele suba pela coxa e encontre minha boceta
pronta para recebê-lo outra vez.
— Aqui. — Empurra dois dedos dentro de mim,
saindo e entrando mais forte. — Bem aqui — rosna,
aperta meu rosto, esmaga as bochechas. Um gemido
de prazer escapa da minha garganta, provando seu
ponto e me odeio por isso. — Aqui é o meu lugar — ele
sibila, entre os dentes cerrados, escorrega os dedos
para fora e mete outra vez, com mais força, alcançando
ainda mais fundo. — A porra do meu lugar e de mais
ninguém!
Ondulo sob o seu toque e seu comando, raspando
as costas na beirada da cerâmica sem reclamar a dor
do atrito, totalmente entregue a uma miríade confusa
de emoções que me abate e submete de uma maneira
degradante, mas irresistível.
Não quero ceder nem gostar, mas faço mesmo
assim e gosto.
Nunca suportei a ideia de que outra pessoa
tivesse qualquer tipo de poder sobre mim, mas concedo
este mesmo poder a Dumb e ainda me deleito com a
forma que ele me domina sem que eu pareça fraca por
ter sucumbido à sua vontade.
Seu aperto aumenta quando sua boca se
aproxima do meu ouvido e ele grunhe, como um animal
selvagem que não caça para sobreviver, mas pelo
simples prazer de matar.
— Enquanto estiver comigo, e acredite que você
vai estar por um longo tempo. — Dumb gira minha
cabeça para o lado; bruto e exagerado, me lambe da
clavícula até a bochecha, babando toda minha pele. —
O filho da puta que tocar no que é meu, sem a minha
maldita autorização, vai morrer. Chame de aviso,
ameaça, promessa. Foda-se! É o caralho que você
quiser, menos a porra de uma brincadeira e pode
apostar, cadela, eu não estou brincando.
Dumb se afasta, abre bem a boca e chupa os
dedos melados que estavam dentro de mim.
Ofego; alarmada, boquiaberta e meio zonza após
sua declaração de posse sobre uma propriedade que
não lhe pertence.
Ele olha para baixo, meus olhos acompanham os
seus e deparam com o volume altamente pornográfico
na sua virilha.
Dumb sorri maliciosamente, segura a maçaneta e
fala antes de abrir a porta:
— Vamos? Tem alguém aqui querendo atenção.
Abro a boca, mas não consigo pronunciar uma
única palavra.
Confusa e profundamente irritada, sigo Dumb até
o quarto. Paro atrás dele quando vejo Trap
esparramado na cama encarando o general de armas
enquanto se masturba.
Não preciso de uma segunda olhada para ver a
cobiça nos olhos do novato e a tensão que paira sobre
eles.
Um sorriso traiçoeiro estica meus lábios.
Dumb não tem culpa por me transformar em uma
submissa que acata ordens de um vira-lata, ainda que
seja uma falsa impressão, pois nunca fui e jamais serei
o tipo de mulher que abaixa a cabeça para ninguém,
entretanto, tudo que sinto é direcionado a ele, inclusive
a raiva — tão violenta e poderosa quanto a luxúria.
Já que meu corpo devasso não consegue resistir
ao general de armas, vou me divertir um pouco e
instigar o desejo reprimido do novato.
Minha boceta, que já estava molhada, pinga como
uma torneira aberta.
Não existe nada que eu goste mais, do que ver
dois vira-latas gostosos e viris, cedendo aos seus
instintos mais primitivos.
Que Deus tenha pena de mim, uma reles mortal, e
permita que eu sobreviva a esta noite quente, pois o
clima promete esquentar ainda mais.
E tudo indica que não sou a única prestes a se
queimar, até derreter.
CAPÍTULO 31
DUMB
Não preciso de todos os dedos de uma mão para
contar quantas pessoas me amedrontam, e Stela, tia do
Claws, é uma delas.
A cadela velha é mais perigosa que uma lâmina
afiada rente ao meu pescoço e sua capacidade de me
destruir não está relacionada a profissão que ela
exerce, mas à sua habilidade de ler a mente humana
com extrema facilidade sem nem levantar seu traseiro
murcho da cadeira de rodas, e é essa qualidade
peculiar que a torna tão boa no que faz.
Em uma das conversas que tivemos quando
Ghost estava desaparecido, Stela me explicou o que
eram os gatilhos emocionais.
Claro que durante a prosa não demonstrei o
quanto o assunto me interessou, ou ao menos tentei,
no entanto, aposto minhas bolas que a bruxa velha
percebeu o que ninguém havia percebido.
Eu sou tão, ou até mais fodido que o rastreador.
Foi assim que entendi que Pink é um maldito
gatilho para mim e a cadela sequer imagina o poder
que tem na palma da sua mão, ao seu inteiro dispor, se
um dia ela cismar que eu sou um fodido país e quiser
me governar, de Norte a Sul.
Os olhos de Pink brilham, disparando faíscas de
ódio e desejo na minha direção, quando me afasto
depois de dar meu pequeno show particular, digno de
um homem machista, ciumento e possessivo, coisa que
eu nunca fui com nenhuma cadela, mas se tratando
dela e da sua pequena boceta apertada, se torna
incontrolável.
Abaixo a cabeça e olho para o meu pau, que se
ergue sob a toalha como um pássaro que descobriu
suas asas, porém constata que está preso em uma
gaiola e não pode usá-las para sair voando.
Sorrio cinicamente quando encontro o olhar de
Pink no meu gavião engaiolado e falo:
— Vamos? Tem alguém aqui querendo atenção.
Não espero sua explosão e conhecendo a cadela
como eu conheço, sei que é uma questão de tempo
para ela explodir.
O problema da Pink é o mesmo que o meu, e
nenhum de nós quer ceder o controle de nossas
emoções a ninguém, no entanto, acabamos cedendo
de qualquer forma, e o gosto amargo da fraqueza é
difícil de ser digerido, mas o pior, o que realmente fode
tudo, inclusive a nossa mente, é que mesmo
contrariados, revoltados e indignados, nós fodidamente
gostamos.
Saio do banheiro de pau duro, me sentindo um
monte de merda por ter agido como um maldito primata
louco para foder, e dou de cara com o novato sentado
na cama, batendo punheta e bebendo cerveja, como se
fosse um aspirante a ator pornô, tentando impressionar
o diretor de cinema e ficar com o papel principal em
uma superprodução Hollywoodiana.
Encaro Trap e sua mão boba, mas ele não olha
para mim, ou melhor, olha, mas não para os meus
olhos e sim, para a tora de carvalho que carrego na
virilha, desesperada para queimar na fogueira da Pink.
O moleque-piranha deve estar se lembrando de
como é a sensação de ter o meu pau em sua boca,
porque o filho da puta só falta babar.
Porra! Porra! Porra!
A cadela que está atrás de mim, contorna meu
corpo e para à minha frente. Seu sorriso de canto é
perverso quando ela arqueia as sobrancelhas e sem
desviar os olhos dos meus, abre a toalha.
Pink solta o pedaço de pano e ele cai no chão,
aos seus pés.
Seu sorriso aumenta no instante que ela dá um
passo à frente e faz o mesmo com a minha. A cadela
abraça meu pescoço, resvala seus lábios nos meus e
fala baixinho:
— Você pode fazer uma criança feliz, ou duas, se
for um monstro bonzinho...
Pink dá meia-volta, caminha até os pés da cama e
fica de quatro na beirada do colchão. A safada olha
para trás, por sobre o ombro, morde o lábio inferior e
maneia levemente a cabeça, me chamando, mas
quando avanço, ela se move como uma gata no cio até
o novato e tira a calça dele junto com a cueca.
Meu pau incha um pouco mais com a visão da
Pink entre as pernas dele, como uma cadelinha
esperando seu osso. Ela olha para trás outra vez e me
provoca lambendo o próprio ombro, antes de dizer:
— Vem, garanhão, só falta você para a brincadeira
começar.
Ela não precisa chamar duas vezes e a primeira
coisa que faço quando subo na cama, é estalar uma
sequência de tapas na sua bunda branquela e
empinada para deixar de ser safada.
A cadela gargalha, rebolando o traseiro.
Movido por um tesão violento, posiciono meu pau
na sua boceta, encaro o novato que parece uma
estátua assustada e falo:
— Mantém a boca da cadela ocupada, não quero
ouvir um pio enquanto eu como essa boceta gulosa.
Trap obedece prontamente, empurrando a cabeça
da Pink para baixo, enchendo a boca dela com seu
pau, ao mesmo tempo que seguro a cintura da cadela e
meto com força.
Os gritos escandalosos de Pink são substituídos
por gemidos, sons de sucção e corpos de chocando.
Dentro do quarto, o cheiro é de sexo, a
temperatura supera a do deserto do Saara e as três
sombras se deslocam em meio a escuridão enquanto
cometem pecados imorais, se entregam a prazeres
degradantes e se embriagam com a mais crua
depravação.
O inferno é o verdadeiro paraíso.
TRAP
— Isso, porra! — balbucio, rangendo os dentes
quando Pink segura o meu pau e chupa minhas bolas.
Seu corpo sacode, indo e vindo, para frente e para
trás, enquanto Dumb come sua boceta.
A cadela geme baixinho, revira os olhos e engole meu
pau outra vez.
Empurro sua cabeça para baixo com força, alucinado
pelo prazer de foder sua boca. Ela engole com vontade, se
deliciando com a minha rola batendo fundo na sua
garganta.
Dumb se curva sobre Pink, colando seu peito nas
costas dela e apoia as mãos no colchão. Ela aperta os
olhos, franze a testa e protesta contra a força excessiva das
estocadas que leva em sua boceta, mas a safada não larga
meu pau nem por um segundo sequer e continua pedindo
mais.
— Gulosa pra caralho — rosna o general, metendo
mais rápido com o olhar fixo na cadela que paga um
boquete para mim. Ele está empoleirado sobre o corpo dela,
fodendo feito um louco.
Pink tenta acompanhar o ritmo de Dumb e também
acelera, chupando com força, me sugando como um maldito
aspirador de pó.
A visão que eu tenho é sensacional e leva meu corpo
à uma espiral inédita da mais gloriosa depravação.
Dumb volta a sua posição ajoelhado e seu olhar se
mantem cativo na cadela mamando meu pau, enquanto
revezo o meu entre ele e a boca deliciosa de Pink.
— Deus, vou gozar — ela anuncia num fio de voz
pouco antes de gritar, se contorcer, estremecer e amolecer
entre as minhas pernas.
Divina, porra!
Dumb dá um tapa na sua bunda, diminuindo a
velocidade e fala:
— Merece uma recompensa por ser uma boa
cadelinha.
Pink levanta a cabeça e me encara, seu sorriso
sacana me desarma e ela pisca um olho para mim.
— Posso pedir o que eu quiser? — ela pergunta,
mordendo o lábio inferior, fingindo inocência.
O general agarra um punhado de seu cabelo, sem
delicadeza e a puxa para cima. A cadela solta um gritinho e
fica em seus joelhos, completamente colada a ele, que
segura seu queixo e vira sua cabeça para o lado.
— É melhor pensar bem no que vai pedir, cadela —
brada em seu ouvido.
— Quero os dois — Pink geme.
— Tá louca pra dar o cu, não é, putinha?
— Sim, Deus... sim...
— Fala para o novato quem vai comer o cuzinho da
cadela.
Ele vira a cabeça da Pink na minha direção, como se
ela fosse uma criança recebendo uma punição. Meu
coração acelera quando os olhos dela encontram os meus.
A imagem que tive mais cedo era justamente essa, meu pau
enterrado até as bolas na bunda dela.
Pink leva as mãos aos seios, enquanto Dumb continua
comendo sua boceta bem devagar.
— Ele... — a cadela chia.
— Não, porra! — Dumb abraça a cintura dela com o
braço direito e cobre sua boceta com a mão esquerda. —
Mostra para o novato que é uma cadelinha educada e fala
direito.
Pink engasga, e só então reparo que estou tocando
uma enquanto assisto aos dois.
— Trap? — ela ronrona, toda manhosa.
— O que você quer? — devolvo a pergunta, com a voz
entrecortada e rouca.
— Come o meu cuzinho?
— Só se for agora — respondo, tão feliz quanto um
gato que acabou de enfiar a cabeça no aquário para comer
o peixinho dourado.
Eu me levanto, dando espaço para Dumb inverter
nossas posições, mas ele tem outros planos e arrasta a
cadela até a beirada da cama, deita de costas com os pés
apoiados no estrado e coloca Pink montada em seu colo.
Desenrolo a camisinha no meu pau e me posiciono
atrás dela, endoidecido com a visão da sua bunda
arreganhada para mim. Pink senta no pau de Dumb e
começa a cavalgar, inclinada para frente.
Eu me abaixo, salpicando beijos em seus tornozelos e
vou subindo até as coxas, me deleitando com a maciez da
sua pele sob o toque dos meus dedos, enquanto me
esbaldo com a cena bem diante dos meus olhos.
Assistir tão de perto o pau de Dumb entrando e saindo
da boceta melada da Pink, transforma um humilde ensaio
erótico em algo memorável.
Salivo, aguado para prová-lo novamente e quase não
resisto ao desejo de tocá-lo com a ponta da língua, mas
retenho meu fascínio obscuro, secreto e inexplicável, pois
jamais colocaria Dumb em uma saia-justa na frente da sua
cadela.
Por isso tento manter a calma e não parecer um fodido
tarado, desviando o olhar um pouco acima, para o meu
destino final.
Mando a civilidade para a puta que pariu quando
minha boca alcança o cuzinho da Pink, cravo meus dedos
nos seus quadris e enfio a cara no meio da sua bunda
deliciosa, explorando o buraquinho com a língua, lábios e
dedos, fodidamente esfomeado.
Meu corpo vai à loucura em questão de minutos numa
onda alucinante de luxúria. Ergo-me em minhas pernas,
seguro meu pau duro feito uma rocha e começo a entrar
dentro do espaço apertado que me traga, esmagando
minha carne, centímetro a centímetro, até me ter
profundamente enterrado até as bolas.
— Que delícia, porra! — Jogo a cabeça para trás de
olhos fechados, desfrutando do prazer que me consome e
me transforma em um fodido psicopata.
E tudo se intensifica à medida que passo a foder o
rabo da cadela e, inevitavelmente, minhas bolas roçam nas
de Dumb conforme nos movemos em sincronia; dentro e
fora, dentro e fora, cada vez mais rápido e mais gostoso.
Indescritível.
Bom pra caralho.
Pink geme, enlouquecida com dois paus preenchendo
seus buracos e tomando seu corpo de todas as formas
possíveis. Eu me curvo sobre ela, obcecado de tanto tesão.
Minhas mãos encontram apoio nos ombros de Dumb,
que está com a cabeça levantada chupando os peitos da
cadela com uma expressão de agonia.
Beijo as costas de Pink, desvairado pela tortura de
querer mais quando já tenho tudo.
Meu pau fodendo o cu da cadela, meu peito
queimando em cima dela e minha boca em sua pele, são os
protagonistas, mas as bolas de Dumb resvalando nas
minhas, as palmas das minhas mãos em seus ombros, e
suas coxas pressionando as minhas, são os complementos
que fodidamente estão elevando meu prazer a um nível
surreal que mal posso suportar.
Somente quando penso que cheguei ao limite extremo
e não tem mais parede para escalar, descubro que estava
enganado e existe uma saída de emergência conhecida por
poucos e posso usá-la para expurgar todos os meus
demônios sem reserva, pudor, preconceito ou julgamento.
Então eu permito que eles saiam.
E a escuridão os recebe com a promessa de guardá-
los, protegidos pelas sombras.
No mais absoluto segredo.
CAPÍTULO 32
PINK
Tudo na vida é aprendizado.
Não vou dizer que transar com dois vira-latas é a
coisa mais normal do mundo para mim, como também
não vou mentir e dizer que é uma novidade, no entanto,
nunca foi tão gostoso como está sendo agora.
Eu ainda estava tentando encontrar o ponto de
desiquilíbrio entre esta e todas as outras vezes,
querendo descobrir porque meu corpo parecia em
permanente ebulição, mas nada fazia muito sentido.
Pela menos até agora, quando Trap agarra meus
quadris e mete gostoso no meu traseiro. A sensação de
preenchimento é tão extasiante, que posso gozar a
qualquer momento.
— Que delícia, porra! — o novato grunhe e
começa a estocar com força.
Dumb fecha os olhos apertados, com uma
carranca de dor. Seu pau engrossa ainda mais na
minha boceta, enquanto eu o observo em alerta,
dividida entre me entregar livremente ao prazer e
desfrutar da aflição do general de armas.
E então, tudo faz sentido.
Sou manipulada por dois corpos duros que me
conduzem através de um ritmo frenético de golpes
certeiros, me alargando em uma parceria cúmplice,
quase poética.
É nada menos que avassalador o que sinto ao ser
tomada de forma tão grotesca e opressiva.
Dumb permanece de olhos fechados, testa
franzida e lábios espremidos, como se estivesse
sofrendo e, de fato, sei que ele está, assim como sei
que não é por ciúme do outro vira-lata que come minha
bunda com furor. Mas sem dúvida sua repreensão tem
tudo a ver com o novato.
Na posição que estamos, é impossível evitar o
contato entre eles, ainda que involuntário.
A maioria não admite, tampouco precisa.
Todos sabem o quanto é bom o carinho, a carícia
e o roçar da pele sensível durante os movimentos ágeis
e ritmados.
Confesso que estou me divertindo com a tormenta
do macho alfa embaixo de mim, que em vez de
aproveitar cada segundo da nossa trepada deliciosa,
deve estar questionando sua masculinidade por
apreciar os toques corriqueiros em uma das partes
mais íntimas do seu irmão de clube.
Ficamos um bom tempo na posição que Dumb
escolheu, mas não suporto mais ver seu martírio
desnecessário e decido tomar as rédeas da situação.
Se ele acredita que é errado gostar de ser tocado,
me sinto na obrigação de apontar seu erro para ajudá-
lo a simplesmente deixar rolar e desfrutar do prazer que
outro corpo está lhe proporcionando, sem se importar
se é o meu ou do vira-lata.
Por ser mais jovem, Trap deixou evidente a
atração que Dumb desperta nele, mas foi obrigado a
reprimir a lascívia por falta de abertura para investir e
se libertar das amarras do preconceito.
Espero o novato gozar para agir rápido, antes que
Dumb perceba o que pretendo fazer.
Ele esteve tão travado que não conseguiu gozar,
por isso aproveito para beijar sua boca
apaixonadamente quando Trap puxa o seu pau para
fora e segue para o banheiro.
— Chupa minha boceta... — sussurro, com os
lábios colados nos dele.
— Pensei que não fosse pedir.
Dumb senta na beira da cama sem sair de dentro
de mim. Abraço seu pescoço e minhas pernas rodeiam
sua cintura. Ele se levanta, me carrega em seu colo até
a cabeceira e me põe deitada.
Rolo no colchão, ficando de joelhos.
— Quero sentar na sua cara. — Aponto para que
ele se deite.
Dumb ajeita os travesseiros e faz o que pedi, no
mesmo instante que Trap sai do banheiro, dá uma
olhada no que estamos fazendo e se acomoda no
centro da cama adicional, de frente para nós, com as
costas apoiadas na parede.
O novato continua pelado e seu pau começa a
endurecer quando engatinho no colchão, me movo por
cima do general e apoio um joelho de cada lado da sua
cabeça, montada para fazer um 69, esfregando a
boceta na cara dele, louca para gozar.
Deslizo a língua entre os lábios sensualmente, e
me jogo para frente, impressionada com a beleza do
pau de Dumb acomodado em sua barriga; grosso,
longo e melado na ponta.
Cada gesto é provocativo, típico de uma mulher
que faz de tudo para deixar a rival com inveja, mas este
não é um caso de rivalidade, apenas de estímulo.
E para que Trap faça exatamente o que eu quero,
ele precisa cobiçar e desejar o pau do Dumb a ponto de
endoidar e delirar.
Pois somente um vira-lata que sofre das
faculdades mentais para desafiar a fúria do general de
armas do Black Panthers.
DUMB
Pink vem para cima de mim como uma gata no cio.
Nunca me senti tão fodidamente irracional como estou
agora. Mensagens criptografadas são enviadas ao meu
cérebro de todas as partes do meu corpo, sem nenhum
fodido controle.
Uma confusão do caralho.
A cadela senta na minha cara e eu abro a boca para
receber sua boceta ensopada. Minha língua desliza por sua
entrada, seu cheiro é inebriante e me intoxica, fazendo-me
seu refém.
Meus dedos exploram sua bunda no momento que ela
se inclina para frente e envolve meu pau em sua mão. É
enlouquecedor como sua língua se arrasta por toda minha
extensão endurecida, beirando à insanidade.
Sugo seu clitóris, ignorando a presença do novato no
quarto. Um esforço inútil, já que meu pau pulsa em
espasmos só de lembrar a delícia que foi sentir as bolas do
idiota resvalando nas minhas, como quem não quer nada.
Puta merda!
Pink rebola, se esfregando em busca de mais,
gemendo baixinho, enquanto me engole e mima meu saco
com a mão livre. Me concentro na boceta oferecida,
enquanto dedilho seu cuzinho com o polegar.
Minha mente fodida insiste em me lembrar que novato
andou visitando o buraquinho apertado da minha cadela e o
arrombou com seu pau.
Ele parecia tão alucinado quanto eu, comendo Pink
com fúria e uma maldita fome.
— Vem, Trap — Pink chama, fazendo meu corpo
retesar.
Prendo o clitóris entre os dentes, e torço para que ela
entenda o recado.
Chega dessa merda por hoje, porra!
O novato já teve mais do que deveria, agora eu só
quero foder minha cadela até gozar, mas não é o que
acontece, pois, o colchão afunda sob os meus pés e sei que
ele atendeu seu chamado.
Mas ao contrário do que pensei, Trap não vai para ela.
Não vejo o que eles fazem e a curiosidade está me
matando, no entanto, em questão de segundos, tudo se
perde no meio da escuridão que domina o quarto,
parcamente iluminado pela luz que vem do banheiro.
Pink apoia as mãos na minha barriga e endireita o
corpo, me sufocando com a sua boceta escarranchada na
minha boca.
Estou prestes a reclamar quando meu pau é coberto
por um saco de dormir quente e fodidamente úmido.
Estico o pescoço para trás, necessitado de ar.
— Porra! — sibilo, com os dentes trincados e a
mandíbula cerrada.
De repente a cadela se joga para frente de novo, e
agora eu tenho a sua boca me chupando e a língua do
novato acarinhando minhas bolas.
Meus dedos espremem a bunda dela, descontando
em sua carne toda raiva reprimida. Minha boca parece
desnorteada em sua boceta, sem saber o que fazer nem
para onde ir, já que o meu cérebro perdeu a capacidade de
controlar os impulsos do meu corpo, enaltecendo a
confusão que agora é ainda maior e mais arrebatadora.
Pink percebe meu desespero ou o que quer que seja,
e passa a perna direita por cima da minha cabeça
abandonando seu posto para se aliar de vez ao novato.
Apoio os cotovelos no colchão, determinado a dar um
fim naquela merda, mas todo meu arrojo vai para os quintos
dos infernos quando vejo através das sombras os dois
dividindo meu pau entre suas línguas e lábios.
— Caralho! — brado, fodidamente fodido com a visão.
Os dois me lambem, me chupam e então se beijam.
Ninguém tem pressa, apenas tesão e uma maldita
fome de rola.
Desisto da luta, assumindo minha derrota.
— É o meu pau que vocês querem? — pergunto, me
sentando.
Pink e Trap me encaram com os olhos arregalados,
mas não respondem. Eu fico de pé e cruzo os braços,
encarando-os como um fodido carrasco.
Seguro na base da minha ereção dolorosa e começo a
me masturbar sob os olhares desejosos da cadela e do
novato.
— De joelhos, os dois — ordeno, friamente.
Pink é a primeira a se aproximar de mim, lambendo os
lábios e sorrindo de lado. A cadela não perde tempo em
tomar o pau da minha mão e colocá-lo na boca. Trap fica
estático no meio da cama, indeciso e com um pouco de
medo, mas agora é tarde demais para ele se arrepender de
ter me provocado.
Seguro a cabeça da Pink e passo a foder sua boca
com força, sem tirar meus olhos dos dele e falo:
— Tem certeza que só quer ficar olhando? — Pink
engasga, mas não paro de meter. — Vem mamar gostoso,
irmão. Eu sei que você tá louco para me chupar. Vai deixar
a cadela levar tudo sozinha?
Assim como eu, Trap desiste de lutar e se posiciona
ao lado da Pink, de joelhos. Ela sorri e oferece meu pau
para ele, solidariamente.
O novato aceita a oferta e engole tudo.
Minhas pernas pressionam a lateral da cama quando
agarro o cabelo de Trap, como fiz com o da Pink, e passo a
foder a boca dos dois com estocadas violentas.
Delicioso, caralho!
Eles engatam uma sequência ininterrupta de lambidas
e se revezam para dar atenção ao meu saco, com suas
línguas e dedos, me transformando em um fodido
degenerado.
Se alguém me dissesse que um dia eu estaria em um
quarto de hotel recebendo um boquete de uma cadela e um
irmão do clube, certamente eu iria gargalhar, no entanto,
olhar para baixo e ver Pink e Trap se esbaldarem com o
meu pau é fodidamente uma das melhores coisas que já fiz
entre quatro paredes.
Logo eu, o cara que já fez de tudo.
— Fica de quatro — falo para Pink, metendo duro na
garganta do novato.
Trap geme e mal consegue ficar com os olhos abertos
enquanto recebe as estocadas ao mesmo tempo que se
masturba.
— Leva tudo, porra! — ladro, retardando ao máximo
que posso a explosão iminente que se aproxima com a
promessa de me devastar para sempre.
No último segundo, empurro o novato para trás e gozo
na bunda empinada da cadela, espalhando a porra por sua
pele até a última gota, marcando-a com posse e autoridade,
pois é única certeza que eu tenho nessa confusão do
caralho.
Pink é fodidamente minha e isso é tudo que importa,
por agora.
CAPÍTULO 33
DUMB
A claridade invade o quarto, me despertando.
Esfrego os olhos ainda sonolento. Meu corpo reclama
pelo desgaste da noite anterior, mas meu pau está
esperto, pronto para brincar mais um pouco.
Olho para o lado e... Caralho!
Pink está de bruços, com os braços sob o
travesseiro e a bunda empinada. O lençol fino cobre
suas pernas e a cadela parece apetitosa nessa
posição. Trap dorme na cama adicional, apenas de
cueca.
Jogo a cabeça para trás, inspirando e expirando
lentamente. Preciso ter uma conversa com o novato
sobre o que aconteceu, mas não sei como vou fazer
isso sem causar um fodido problema para nós e para
os irmãos.
Estico o braço e pego o celular em cima da mesa
de cabeceira, apenas Ghost respondeu a mensagem,
confirmando que já está em Houston e a situação com
Nate encaminhada para ser resolvida nos próximos
dias.
Meu estômago ronca, faminto, no entanto, a
prioridade é meu amigão que também está com fome,
mas ao contrário do café da manhã que me aguarda no
restaurante do hotel, sua refeição está aqui, prontinha
para ser devorada.
Então, é justo alimentar o rapaz antes de descer.
Fecho as cortinas, deixando o quarto na penumbra,
jogo o lençol para baixo e subo na cama com cuidado
para não fazer barulho.
Afasto as pernas da Pink e me deito entre elas,
passando os braços por baixo das suas coxas.
Meu pau está tão duro que é capaz de furar o
coxão e engrossa um pouco mais quando lambisco a
boceta da cadela, subindo até seu cuzinho e beijo as
bochechas da sua bunda.
Pink se remexe preguiçosamente e rebola. Minha
cadela oferecida.
— Shiu... quietinha — murmuro e volto ao trabalho
de exploração com a cabeça entre suas coxas. Ela
obedece, enfia a cara no travesseiro e ergue o quadril
para me dar mais acesso.
— Toda ensopada, porra! — sibilo entredentes,
metendo dois dedos em sua boceta enquanto minha
língua força sua entrada no cuzinho apertado. — Nem
acordou direito e já quer foder, cadela?
Seus gemidos abafados me enlouquecem. Escalo
seu corpo, deixando uma trilha de beijos desde a sua
bunda até a nuca. Meu pau cutuca o caminho para
casa e já está na porta, tocando a campainha para ser
recebido em seu calor infernal.
— Bom dia — falo, entrando com tudo de uma só
vez, forte e fundo. — Perfeita pra caralho!
Apoio os cotovelos, saio devagar deixando apenas
a cabeça e meto com mais força, rápido e duro. Pink
morde a fronha, eu mordo seu ombro. Escorrego para
fora em um movimento lento, antes de socar até as
bolas sem compaixão. Ela é quente, molhada e
estreita. Meu pau agradece o retorno e depois de mais
duas investidas controlas, acelero o ritmo e como sua
pequena boceta com fúria desmedida.
Pink é deliciosa e recebe meu pau como nenhuma
outra. A cama balança e bate na parede conforme eu
meto mais rápido, mais forte e mais fundo. Nós dois
gememos, suamos e desfrutamos do prazer que
sentimos quando nossos corpos se fundem dessa
forma. Sempre foi assim entre nós, desde a primeira
vez; arrebatador, extasiante e fodidamente gostoso.
— Vou gozar — anuncio, esticando o braço por
baixo dela. Meus dedos dedilham seu clitóris
impiedosamente. — Dentro, sem camisinha — sussurro
em seu ouvido. — Meu lugar. Minha boceta. Só minha,
porra!
Não sei se são minhas palavras, meus dedos ou a
combinação dos dois, mas o resultado é favorável e
Pink goza antes de mim. Ela espreme meu pau tão
malditamente apertado, que não consigo segurar nem
mais um segundo para me desfazer dentro dela.
Saio devagar e me deito de costas, ofegante. Eu a
encaro. Pink abre os olhos e sorri, e é como se o sol
brilhasse dentro do quarto apenas para mim. Minha
estrela brilhante e devassa.
Lindo pra caralho!
— Bom dia — Pink fala.
Viro de lado, e fico de frente para ela. Apoio o
cotovelo no colchão e a cabeça na mão. Afasto seu
cabelo para trás, memorizando cada traço do seu belo
rosto sem sorrir.
— Aconteceu alguma coisa? — Sua testa franze.
— Não.
— Por que está me olhando desse jeito?
— Só olhando — respondo com a voz rouca e me
inclino para beijar sua boca suavemente. — Dorme
mais um pouco, vou encontrar alguma coisa para você
vestir.
— É cedo, fica mais um pouco na cama. — Suas
pálpebras pesadas mal conseguem se manter abertas.
— Se eu ficar, vou querer te comer e você precisa
descansar.
— Não me importo.
— Mas eu me importo.
— Não preciso que você se importe.
— Eu gosto de me importar.
— Você está me irritando — ela reclama, mas o
sorriso de lado comprova que não fala sério.
— Está na minha lista de coisas preferidas.
Pink desiste de lutar contra o sono. Aproveito para
depositar um beijo demorado em sua testa e seguir
para o banheiro.
— Dumb? — A cadela me chama sem abrir os
olhos, antes de meus pés tocarem o chão.
— Quer alguma coisa? — pergunto baixinho.
— Quero.
— O quê?
— Que você não demore.
É impossível conter o sorriso bobo em meus
lábios.
— Não vou.
Ela maneia levemente a cabeça e volta a dormir,
enquanto eu respiro fundo e faço o que tenho de fazer
enquanto a cadela está de bom humor, pois aposto que
as coisas não vão ser tão fáceis quando eu contar que
ela não está indo para Sacramento sozinha, que nós
vamos ajudá-la a resgatar o irmão da Ravena, e que
isso não é a porra de um pedido.

Entro no elevador com Trap atrás de mim.


Ele estava arrumado e terminando de calçar as
botas quando saí do banheiro de banho tomado. Não
mandei o novato ficar no quarto por dois motivos: 1-
porque não queria que ele ficasse sozinho com Pink. 2-
Porque preciso falar sobre o que rolou na noite
passada, pela segunda vez, e não quero falar sobre o
assunto na frente da cadela.
Sim, estou preocupado, tanto com o que pode
acontecer entre eles na minha ausência, quanto com a
reação dele quando eu abordar o que aconteceu entre
nós.
O restaurante está lotado, homens e cadelas
vestidos de branco ocupam quase todas as mesas, por
conta da Convenção anual de Medicina. Trap e eu nos
servimos no buffet self-service e nos sentamos em uma
mesa perto da janela, um de frente para o outro.
— Conseguiu falar com alguém? — ele pergunta,
quebrando o gelo.
— Claws e Ghost, os outros ainda não
responderam.
— Alguma novidade?
— Nada relevante.
O novato assente e começa a comer a pilha de
panquecas em seu prato. Tomo um gole de café, sem
saber ao certo por onde começar.
— Sobre ontem... — Ele levanta os olhos e para
de mastigar. Recosto na cadeira e passo a mão no
cabelo. — Não gosto de homens.
— Nem eu — Trap fala com a boca cheia.
— Mas gosto da sua boca no meu pau — falo sem
enrolação.
O novato tosse, se engasgando com a comida.
— Devo agradecer? — ele pergunta com
divertimento.
— Não foi um elogio.
— Indiretamente, foi.
— Que seja, se você não gosta de homens, por
que fez aquilo na cozinha? — falo baixo e dou uma
mordida no waflle.
Trap recosta na cadeira e responde:
— Não sei.
— Você já tinha feito antes?
— Não.
— Bom, você parecia experiente para mim.
Ele dá de ombros.
— Eu só fiz o que gosto que as cadelas façam
comigo.
Estreito os olhos, analisando sua resposta.
— Tem lógica, mas por que eu? Por que aquele
dia?
O novato limpa a boca com o guardanapo e
parece nervoso. Ele olha para o lado, puxa uma longa
respiração e volta a me encarar.
— Não sei explicar, ok? Já me fiz essa pergunta
um milhão de vezes e... — Trap batuca os dedos em
cima da mesa. — Eu vi você comendo a cadela, fiquei
com tesão e me deu vontade de... — ele engasga. —
De... você sabe.
— Chupar o meu pau — completo, rindo do seu
desconforto.
— Não precisa falar assim.
— Quer que eu fale como?
— Não sei. Nem pensei que você quisesse falar
sobre isso.
— Não queria e não falaria se não tivesse
acontecido de novo.
— Só aconteceu porque a Pink estava lá.
— Essa merda não tem nada a ver com a cadela.
— Irmão, tem tudo a ver com ela.
— O que quer dizer com isso? — resmungo.
Trap apoia os cotovelos na mesa e se inclina para
frente.
— A Pink deve ter percebido alguma coisa, ou não
teria me chamado justamente naquela hora.
Penso por um instante e acho que o novato pode
ter razão, porém...
— Não estou preocupado com a Pink. Eu confio
nela — admito.
Pink é discreta e faz questão de manter sua vida
privada. Ela jamais comentaria qualquer coisa,
principalmente o que faz entre quatro paredes.
— Pode confiar em mim também, não tenho a
menor pretensão de sair falando por aí que eu...
— Chupou o meu pau? — zombo, sem conter o
riso.
— Não tem graça.
— Quer um espelho?
— Minha cara não é engraçada.
— Depende do ponto de vista.
— Existe outro ponto?
— Quando você está mamando a minha rola,
realmente ela não é.
Dou risada e termino de tomar meu café.
— Que bom que está se divertindo.
— Irmão, eu me apaixonei pela cadela mais
devassa que já conheci, e não foram poucas; nós
estamos indo para começar uma guerra; os diretores
estão divididos em suas próprias corridas e aposto que
nos próximos sessenta minutos, a Pink vai tentar me
matar quando ela souber quais são os nossos planos.
— Encolho os ombros, fingindo indiferença. — O que é
um boquete para quem já está todo fodido?
— Podemos esquecer essa merda? — Trap
pergunta ainda mais irritado, fazendo exatamente o que
eu quero.
— Claro.
— Foi a última vez. Não vai acontecer mais.
— Por mim, tudo bem.
— Ok.
— Ok.
Se Trap me dissesse que não era a sua primeira
experiência com outro homem, minha abordagem seria
diferente, no entanto, colocar o novato em uma
situação embaraçosa e um tanto humilhante, é a forma
mais segura de garantir que ele se sacrifique por nós
dois.
Para um pau pecador como o meu, a boca do
novato é uma tentação impossível de resistir,
principalmente se tiver uma boceta safada como a da
Pink intermediando a situação.
Precisava ser tão devassa, caralho?
CAPÍTULO 34
PINK
Acordo com o barulho da porta. Me espreguiço,
piscando algumas vezes antes de abrir os olhos. O
quarto está escuro, mas dá para perceber que não é
tão cedo pela claridade que luta contra as cortinas
fechadas para adentrar no cômodo.
Sento-me na cama, sem me incomodar com a
sensação pegajosa entre as pernas. O lençol escorrega
e fica preso na minha cintura, deixando meus seios
expostos.
Dumb e Trap estão parados aos pés da cama, me
encarando de maneiras distintas. Enquanto o novato
tem uma expressão fechada, séria e distante, o general
de armas me encara como se eu fosse uma sobremesa
apetitosa que ele está ansioso para provar.
Os dois vira-latas são lindos, arrogantes e
esbanjam masculinidade, e ainda que suas belezas
sejam diferentes em vários aspectos, eles têm algumas
semelhanças, especialmente a dureza e a perspicácia
no olhar.
— Aonde vocês foram? — pergunto, colocando as
mãos atrás da cabeça.
— Tomar café — Dumb responde, seus olhos
cravados nos meus peitos sem um vestígio de pudor.
Seu descaramento é encantador e uma tormenta para
o meu juízo.
— Já comeram? —
— Já, mas não o suficiente para saciar a fome. —
A voz de Dumb é rouca, inflamando a resposta com
dúbio sentido.
Trap abaixa a cabeça se excluindo da conversa,
deixando óbvio que os vira-latas conversaram sobre o
que fizemos ontem à noite, e pelo visto o resultado não
foi o que eu esperava.
Quero gritar que aquilo é uma grande bobagem,
que os dois são adultos, solteiros, donos das suas
vontades e que ninguém tem nada a ver com o que
fazem ou deixam de fazer com seus corpos, mas não
falo nada, pois o problema não é meu para resolver.
Tudo que eu podia fazer, já fiz, mas o próximo
passo tem que ser dado por eles, isso se quiserem
repetir a dose e até explorarem mais a fundo a atração
física que sentem um pelo outro.
Eu, com certeza não iria reclamar, especialmente
depois de dividir o pau do Dumb com o Trap. Foi uma
delícia assistir o novato pagar um boquete para o
general de armas, além de ele ter me surpreendido na
cama de tão à vontade que ficou quando o convidei
para se juntar a nós.
— Trouxe para mim? — pergunto, apontando para
a sacola elegante que Dumb segura em uma das mãos.
— Suas roupas.
— Obrigada. — Levanto-me e vou até ele.
Trap se afasta quando me aproximo, num aviso
silencioso de que não quer contato.
Sua atitude não me magoa, porém me pergunto
se está agindo assim porque está arrependido do que
fez com seu amigo, se realmente não quer transar
comigo, ou se Dumb o ameaçou de alguma forma?
— Não tinha muitas peças que combinavam com
você — ele se justifica, nitidamente encabulado.
— Muito elegantes? — provoco, malícia cintila em
meu olhar.
— Muito conservadoras — devolve rapidamente.
— Qualquer coisa é melhor do que nada. Quanto
te devo?
Dumb enfia as mãos nos bolsos e inclina a cabeça
para o lado.
— Vou fingir que não ouvi essa merda.
— Não é merda. Você comprou roupas para mim,
é minha obrigação perguntar quanto custaram.
— Foi um presente.
— Não gosto que você me dê presente.
— Qualquer coisa é melhor do que você sair
andando pelada por aí.
— É questionável.
— Não para mim.
Fico na ponta dos pés para beijar sua boca e falo:
— Ainda bem que você tem roupas para vestir e
não vai sair andando pelado por aí.
— Nem você.
— Eu ganhei o presente, mas não sou obrigada a
usar se não quiser. — Pisco para ele e vou direto para
o banheiro.
Preciso de alguns minutos embaixo do chuveiro
para relaxar, pensar e redefinir o que tem de ser feito
nas próximas horas sem distrações ou interferências.
Alguma coisa me diz que Dumb não vai gostar
nenhum pouco de saber que estou indo para a fazenda
e vou seguir viagem, sozinha.
Ele não tem outra escolha que não seja aceitar
minha decisão.
Nosso breve reencontro foi maravilhoso, mas
como todas as coisas maravilhosas da vida, chegou ao
fim. E a partir de agora, o passado deve ficar para trás.
Dumb vai seguir o seu caminho.
Eu vou seguir o meu.
DUMB
— Vai contar para ela? — Trap pergunta, olhando pela
janela.
— Vou — respondo, encarando a porta do banheiro
que Pink acaba de fechar na minha cara. Ela não me
chamou para tomar banho, o que significa que a cadela está
com algum problema e não quer que eu saiba.
— Quando? — o novato volta a perguntar, me tirando
dos devaneios.
— Na hora certa.
— Por que não conta agora?
— Porque não vai adiantar porra nenhuma.
Ele gira o corpo e me encara, raiva queima em seu
olhar.
— Se a Pink souber, duvido que ela vai perder tempo
indo para aquele lugar.
— Pode apostar, irmão. Não importa o que eu diga, a
cadela vai invadir aquela merda de fazenda.
Trap esfrega o rosto, nervoso, e por um segundo fico
com pena dele. No entanto, quando me lembro do motivo
do seu nervosismo, até gosto de saber o que idiota está
sofrendo.
— Você não tem como saber o que ela vai fazer, se
não contar que o Benício não foi sequestrado.
— Eu conheço a Pink e sei. O Benício pode ser o foco
principal da investigação que ela estava fazendo com o ex
agente do FBI, mas ele não é o único. Você viu as fotos,
tem mais de vinte meninos trabalhando nas minas —
esbravejo, sem alterar o tom de voz para a cadela não ouvir.
— Porra! — ele xinga, não tão baixo, e dá um soco na
parede.
— Irmão, se você está tão preocupado com a Ravena,
por que ainda não recolheu suas merdas e voltou para o
clube, caralho?
— Porque eu estou indo para uma corrida com você.
— Se essa é a melhor desculpa que você tem para
não largar tudo e ir atrás da cadelinha se explicar, ela fez
bem em chutar sua bunda.
— Chutar minha bunda? — Trap força uma
gargalhada histérica que evidencia o seu estado de pânico.
— Eu não sou namorado dela para ter minha bunda
chutada.
— Pelo que o Snake falou, a Ravena fodidamente
excluiu você da vida dela, irmão, e eu aposto que nenhum
homem fica desse jeito por causa de uma boceta sem
importância que ele fode de vez em quando.
— Eu não fodi a Ravena! — ele se defende, colérico.
— Então, a sua situação é ainda pior. Espera a Pink
sair do banheiro e enfia a cara na privada. Se quiser, eu
puxo a descarga para você.
— Não vou enfiar minha cara em porra de privada.
— Deveria.
— Por quê? Eu preciso dar uma refrescada, por
acaso? — pergunta com amargura e uma maldita ironia.
— Não, porque você só tem merda na cabeça, seu
idiota.
O novato anda de um lado para o outro no espaço
reduzido do quarto feito uma barata tonta.
Ele não sabe o que fazer com as mãos, não para de
xingar e ainda fala sozinho. Sinceramente, eu estaria
zombando do babaca se não reconhecesse seu sofrimento
como o mesmo que senti quando Pink foi embora do clube.
Trap pesca o celular do bolso e tenta, pela centésima
vez, ligar para a cadelinha, que se recusa a atender suas
ligações desde que descobriu, há algumas horas, que ele
foi um dos vários membros do clube que transaram com a
Miranda na última passagem da cadela pela sede.
— Merda! — Trap brada, depois de mais uma tentativa
fracassada.
— Mesmo que você consiga falar com ela, esse não é
um assunto para resolver por telefone — falo, apontando o
óbvio.
— Eu sei.
— Então por que continua insistindo?
Ele apoia as mãos no parapeito da janela, abaixa a
cabeça e solta o ar profundamente. Fodidamente desolado.
— Eu só queria ouvir a voz dela e... — Sua voz falha.
— Pedir para ela me esperar...
— A Ravena não vai fugir, irmão.
— Será? — Sua pergunta me intriga, mas antes que
eu possa confrontá-lo, a porta do banheiro se abre e uma
Pink vestida de preto dos pés à cabeça aparece à minha
frente, com a testa franzida e a mandíbula cerrada.
Seu olhar desconfiado reveza entre mim e Trap.
Está na cara que a cadela ouviu nossa discussão, ou
parte dela, e nem posso culpá-la, já que o novato mal
consegue controlar a sua raiva, quem dirá o seu maldito tom
de voz.
Puta que pariu!
— O que vocês descobriram sobre o Benício? — sua
pergunta é direta, sem rodeios.
Maldito seja!
Não fazia parte dos meus planos contar para a Pink o
que acabamos de descobrir sobre Benício Xavier, graças ao
rastreador. No entanto, mentir para a cadela está
fodidamente fora de questão.
Trap e Pink me encaram por diferentes motivos, no
entanto, os dois querem que eu conte. O novato por
acreditar que a cadela vai desistir da corrida e ele vai poder
voltar para o clube e rastejar alguns quilômetros, implorando
pelo perdão de Ravena.
Ao passo que Pink nem imagina que o garoto que ela
está obcecada para resgatar, não é uma das vítimas de seu
tio Pablo Armenio, e sim, um dos principais aliciadores do
esquema de tráfico infantil financiado pela máfia italiana e
comandado pelo Capo, Domenico Coppola.
— Eu conto, com uma condição.
A cadela me fuzila com o olhar e cruza dos braços.
— Quanto você quer pelas informações? — ela
pergunta como se estivéssemos fechando um negócio.
— Não é quanto — respondo, diminuindo a distância
entre nós. — É, o quê?
Pink seria capaz de me bater agora e talvez até
cortasse um dedo, ou dois, se não estivesse tão interessada
no que eu sei sobre o garoto.
— O que você quer? — rosna, seus dentes cerrados.
— Eu conto tudo que o Ghost descobriu e nós vamos
com você; sem reclamação, sem birra e sem o seu maldito
silêncio.
Pink fica me olhando e juro que posso ouvir o
maquinário de última geração em sua cabeça, planejando a
minha morte lenta e fodidamente dolorosa. Seus lábios se
espremem em uma linha rígida, em compensação os meus
se esticam em um sorriso cínico.
A cadela odeia se sentir impotente e está fazendo de
tudo para me afastar. Ela quer dizer não, mas é inteligente o
bastante para saber que para vencer essa guerra terá que
dizer sim e concordar com os termos do vira-lata que seu
coração ama, sua mente não confia e seu corpo cobiça
alucinadamente.
O que Pink nem desconfia é que independente da sua
resposta, ela não está indo para Sacramento sozinha. Eu
vou com ela para proteger seu traseiro gostoso e garantir
que todos os integrantes do esquema de Domenico
Coppola sejam mortos. Todos, sem uma fodida exceção.
Inclusive, Benício Xavier.
TRAP
Minha cabeça lateja sem parar e eu me sinto
miserável.
Como as coisas descambaram tanto em tão pouco
tempo, não consigo entender. Parece que estou preso
dentro de um fodido sonho, e a qualquer momento alguém
vai jogar um balde de água gelada na minha cabeça e vou
acordar dessa merda.
O único problema é a porra da realidade. A filha da
puta não permite que eu me iluda dessa forma, e a cada
tentativa da minha mente de ludibriá-la, ela volta com tudo
para cima de mim apenas para jogar na minha cara a
quantidade de merda que fiz no último ano.
E tudo começou quando subestimei Ravena Xavier e
permiti que ela se aproximasse, pois arrogantemente
acreditei que a cadelinha infantil, inexperiente e inocente
não possuía atrativos que pudessem conquistar um homem
como eu.
Agora estou aqui, a um estado de distância da minha
chica, com as mãos e os pés atados, sem ter ou saber o
que fazer.
E para foder o que já estava fodidamente fodido,
Ghost teve acesso a dois relatórios confidenciais que
Domenico enviou para um de seus irmãos, que vive na
Itália, nos quais o Capo explica detalhadamente o
funcionamento do esquema que opera por setores e cargos
específicos, como se fosse uma microempresa.
Surpreendentemente, o nome de Benício Xavier
aparece entre os funcionários.
O garoto de apenas quinze anos é citado como um
dos principais aliciadores do esquema no âmbito nacional,
com uma taxa de noventa e oito por cento de
aproveitamento em suas abordagens. De oitenta jovens que
Benício tentou aliciar, somente dois não caíram na lábia do
irmão de Ravena.
Além dos documentos que comprovam a participação
ativa do filho de Ramiro no esquema de tráfico infantil,
Ghost também enviou uma pasta com mais de dez fotos,
onde Benício aparece junto com os meninos, mas em vez
de algemas nos pulsos, ele carrega uma submetralhadora,
o que apenas corrobora com os dados informados nos
relatórios enviados pelo Capo.
Em uma conversa despretensiosa entre o VP e alguns
irmãos de Foxmilt, hoje pela manhã, logo depois de receber
as mesmas informações que Ghost enviou para o Dumb, o
sobrenome Xavier desencadeou histórias antigas, entre
elas, as putarias de Miranda.
Foi assim que Ravena descobriu que a irmã mais
velha já tinha sido fodida por praticamente todos os
membros do MC Black Panthers, inclusive eu, e não quer
me ver nem pintado de ouro.
Pink questiona Dumb sobre o garoto quando sai do
banheiro, e mais uma vez ele me surpreende ao manipular
a cadela com uma proposta totalmente sem cabimento, já
que iríamos para Sacramento de qualquer maneira. Ela
querendo ou não. Gostando ou não, concordando ou não.
Mas somente no momento em que Dumb começa a
contar tudo que sabe, entendo a jogada do general de
armas e descubro que um homem não precisa levar um tiro
para salvar a vida da sua cadela.
Ele fodidamente a ensina a matar.
CAPÍTULO 35
DUMB
— Por que você quer ir comigo? — Pink indaga,
me avaliando com seu olhar clínico e mortal.
— Porque eu quero te ajudar.
— Eu não preciso da sua ajuda. — Empina o
queixo, orgulhosa.
Abaixo a cabeça e sussurro em seu ouvido.
— Você precisa e sabe que eu posso ajudar.
— Não quero a sua ajuda — Sua voz é firme, mas
sua respiração entrecortada denuncia que ela está se
controlando para não demonstrar o quanto minha
aproximação a deixa excitada.
— Mas quer invadir a fazenda e sair de lá viva,
não quer? — Mordisco o lóbulo da sua orelha. Pink
ofega, dando alguns passos para longe de mim.
Ela passa a mão no cabelo, prende a ponta do
nariz entre o indicador e o polegar, olha para o teto,
para o chão, estala os dedos e puxa uma longa e
demorada respiração, antes de se posicionar à minha
frente com os braços cruzados abaixo dos seios,
fazendo com que eles se empinem exibidos para mim,
e diga:
— Eu tenho uma condição.
— Uma condição para aceitar a minha condição?
— Ergo uma sobrancelha, brincalhão, mas a cadela
nem pisca. — Vamos lá, me surpreenda. — Enfio as
mãos nos bolsos, baixando a guarda para que ela saiba
que estou do seu lado.
— Vou aceitar o acordo, se responder à uma
pergunta.
— Pessoal ou profissional? — pergunto com
seriedade, morrendo para soltar uma gargalhada. A
cadela é impossível, porra!
— Pessoal.
Coço o queixo. Minha expressão impassível, como
se estivesse deliberando, em dúvida.
Pink não diz nada, não xinga, nem esbraveja.
Não faz, fala ou demonstra, fodidamente nada.
Sinal de que a cadela já ativou seu modo
sociopata, o que é uma grande e fodida merda, pois
sempre que ela atinge esse nível de concentração
parece que sua alma foi substituída temporariamente
pela alma de algum fodido carrasco e só será devolvida
ao fim da sua missão.
Foi assim quando invadimos a casa de sexo, em
Dallas, para ajudar Claws a descobrir os segredos de
George O’Connor, o pastor do caralho que estuprou a
Lyn e arrastou Nate, Zach e Ryan para o seu fodido
grupo particular de pedófilos.
Foi assim quando ela nos ajudou a capturar a tia
da contadora, amante do pastor e mãe de Ethan, seu
irmão caçula.
Foi assim quando Pink se prontificou a ajudar no
resgate de Ghost e Megan, sem ao menos piscar,
quando Felícia os capturou e os manteve em cativeiro,
na Estação Dois, em Lake Village, e foi assim todas as
vezes que a cadela mais leal que já conheci, ajudou o
MC Black Panthers a proteger o clube e o laboratório,
durante todos meses que ficou hospedada na sede.
Pink não vai medir as consequências das suas
ações para libertar aqueles meninos, nem fodendo. A
cadela vai fazer o que for preciso, inclusive colocar sua
própria vida em risco para salvá-los.
E é por isso que eu tenho que ir, pois admitindo
em voz alta, ou não, ela sabe que comigo ao seu lado a
chance de conseguir o que quer, matar os responsáveis
pelo esquema e ainda sair de lá viva, é fodidamente
maior. A única, talvez.
— Ok, estou ouvindo — respondo, em estado de
alerta máximo a cada mínima alteração em seu
semblante.
— Você já tinha planejado ir comigo quando foi
atrás de mim, em Tucson?
— Já — falo sem titubear para que ela tenha
certeza de que não estou mentindo.
Pink faz que não com a cabeça e dá uma
risadinha de lado, mas não é de alegria, tampouco de
ironia ou deboche.
É a risada inconformada de uma cadela que odeia
ser manipulada e está puta pra caralho porque acabou
de descobrir que foi exatamente o que aconteceu,
ainda que não tenha sido.
Não tudo, pelo menos.
Ela me encara, desconfiada, com seu olhar
estreito que agora brilha de um jeito diferente, todavia,
não é aquele brilho de mágoa que as cadelas têm
sempre que perdem uma promoção de sapatos, e sim
um tipo de brilhante rancoroso, doído, daqueles que
vêm com o aviso:
Sua hora vai chegar, vira-lata, e vou fazer você se
arrepender de ter se metido comigo.
No entanto, Pink continua intacta em sua maldita
armadura impenetrável, calada, controlada, ereta e
insensível além do normal. A cadela simplesmente não
explode.
E eu quero essa explosão para mim, porra!
As palavras exigentes salpicam na ponta da
língua, prontas para serem lançadas como mísseis de
alta precisão, porém, minha mente as envia de volta —
em fila indiana e cabisbaixas —, sob protestos do meu
corpo que deseja extravasar toda a frustração que a
cadela me enfia goela abaixo sem qualquer piedade, e
o maldito desespero do meu coração.
— Temos um acordo. — Quero arremessar a
cadela pela janela quando ela estende o braço para
mim, pairando no ar à espera do meu cumprimento e
concordância.
Mesmo contrariado, aperto sua mão e assinto com
um maneio de cabeça quase imperceptível. Se ela
pensa que vai conseguir me afastar, está fodidamente
enganada.
Sem que Pink possa reagir, eu a puxo para mim e
assalto sua boca. Duro, forte, indecente.
Minha língua é barrada por seus lábios
resistentes.
Abraço a cintura dela, desço as mãos para a
bunda e flexiono os joelhos, encaixando meu pau onde
eu sei que ela o deseja.
Pink geme e a pequena fresta providencial por
onde escapa o som erótico que envia uma nova rajada
de sangue direto para o meu pau, é tudo que preciso
para mergulhar a língua em sua boca e convocá-la para
a nossa brincadeira proibida para menores.
Então, sem mais nem menos, eu a solto.
Pink se desiquilibra, trôpega, mas eu a seguro
impedindo sua queda e trago seu corpo macio de volta
para o conforto do meu.
A cadela me encara com a testa franzida, sem
entender nada.
— Eu não quero o controle — sussurro olhando no
fundo dos seus olhos, infiltrando meus dedos por baixo
do seu cabelo. — Não quero mandar em você, nem
que me obedeça. — Ela pisca, estupefata. — Não
quero que mude em nada, porque eu me apaixonei por
você justamente por ser do jeito que é. Durona,
independente, idealista, sincera e leal. — Beijo a ponta
do seu nariz. Pink fecha os olhos, respirando com
dificuldade. — Mas quero estar por perto para segurar
sua mão se precisar e não deixar você cair. Eu sei que
não confia em mim para me entregar o seu coração,
mas preciso que confie em mim para te ajudar a
resgatar aqueles meninos e acabar com o esquema do
Domenico. Não quero sociedade. Quero parceria. Você
não é um negócio que eu preciso fechar, nem um
problema que precisa ser resolvido, e mesmo que não
queira aceitar, nós dois sabemos a verdade: Você. É.
Fodidamente. Minha.
Ela abre os olhos; tempestivos e ardentes.
Afasto seu cabelo para trás, beijo suavemente
seus lábios e a solto com delicadeza. Recuo um passo,
guardando as mãos nos bolsos.
— É melhor você se sentar — falo, fingindo que
meu coração não parece uma banda de alunos
iniciantes, ensaiando pelas ruas da cidade para o
desfile cívico; que minha garganta está mais seca que
o deserto em pleno verão no território marroquino; e
meu pau não está prestes a estourar o zíper do jeans
para pôr a cabeça para fora e dar um, Oi.
Pink hesita por alguns segundos, mas se
recompõe mais rápido do que eu gostaria e cruza os
braços novamente, apenas para provar que a nossa
situação continua exatamente igual e nem a declaração
fodidamente honesta que acabei de fazer a comoveu.
— Estou bem aqui. Pode falar o que você sabe
sobre o Benício.
Ela me desafia, pois não acredita que as
informações que tenho irão desestabilizá-la. Eu posso
proteger a cadela dos inimigos, mas me recuso a
protegê-la do seu orgulho.
Esse, Pink vai ter de enfrentar sozinha e torcer
para que ela perca de lavada.
Encolho os ombros, retiro o celular do bolso, clico
sobre as imagens e entrego o aparelho para ela.
— Benício Xavier não é uma vítima. Ele trabalha
para o Domenico — falo, sem qualquer emoção.
Pink arregala os olhos e leva a mão ao peito.
Cambaleia até a cama e cai de bunda no colchão,
incapaz de acreditar no que lê e sobretudo no que vê.
Trap segue como uma estátua, encostado na
janela, tenso pra caralho, enquanto eu observo, espero
e penso no trabalho que essa cadela vai me dar para
convencê-la de que pode fodidamente confiar em mim.
A mão de Pink treme quando ela me devolve o
celular.
— Me conte tudo e não esconda nada, por favor.
— Está pronta para ouvir? — Minha voz é gelada.
— Estou — A cadela empina o queixo, segura e
altiva.
Começo a relatar tudo sobre o esquema,
preparado para segurá-la. Foi para isso que eu vim.
É para isso que estou aqui. E é isso que irei fazer.
O fodido soldado do diabo.
CAPÍTULO 36
PINK
— Domenico controla o esquema e tem homens
infiltrados em todas as cidades. Ele manteve o mesmo
padrão na Califórnia, mas não contava que o Pablo e o
Ax fossem se voltar contra ele quando descobrissem
que podiam ganhar muito mais dinheiro se tivessem
sua própria empresa.
Dumb fala com uma calma metódica, até então
desconhecida para mim. Não gesticula ou altera sua
expressão facial e seu corpo é imune e qualquer tipo de
emoção, como se ele não pudesse sentir
absolutamente nada.
— O Pablo e o Ax subornaram os capangas do
Capo e tudo indica que o único empecilho para eles
declararem uma guerra contra a máfia Coppola, é o
Benício. Segundo os relatórios, Benício tem o controle
da fazenda nas mãos; livre acesso a todos os contatos
do Domenico na América do Norte, e criou um vínculo
inquebrável com os meninos que foram levados para
trabalhar lá. — Dumb se mantém neutro, em todos os
sentidos, e sua passividade ao relatar algo tão absurdo
me exaspera.
No entanto, o general de armas segue falando:
— Os meninos não acatam ordens de ninguém,
nem dos seguranças armados que vigiam a fazenda, só
do Benício. Não fazem motim, não tentam fugir e os
mais velhos ainda ajudam na seleção de novas vítimas.
Os capangas do italiano não sabem como o Benício
conseguiu, mas garantem que ele fez uma lavagem
cerebral tão fodida naqueles meninos, que até o
Domenico está começando a ficar preocupado com a
popularidade dele na região. Por outro lado, o Pablo e o
Ax estão com medo de agir e tomar a fazenda, porque
não sabem de que lado o Benício vai ficar quando a
guerra começar.
— Não pode ser verdade — exclamo, enraivecida
por fora, despedaçada por dentro. — Ele tem quinze
anos! É claro que o menino foi manipulado, ameaçado
e forçado a trabalhar para o Domenico.
— Não, o Benício está lá porque quer. Ele não foi
sequestrado.
— Impossível! — esbravejo e fico de pé, incapaz
de manter a tranquilidade diante de uma revelação
como essa. — O Benício desapareceu no dia da
invasão ao cartel. Eu comecei a procurar por ele logo
depois, usei todos os recursos que a ONG dispunha
para descobrir onde o garoto estava e quem tinha saído
com ele naquela noite, mas todas as pistas que
surgiram não deram em nada. Sempre que eu chegava
perto de alguma fonte mais próxima do Domenico,
acontecia alguma merda e a investigação voltava à
estaca zero — revelo informações que apenas London
e Crystal conhecem.
Dumb ergue o braço, sinalizando para que eu
espere e balança a cabeça de um lado para o outro.
— Pink, eu sei que você quer acreditar que o
Benício é inocente, mas no dia da invasão quando o
Pablo confrontou o Ramiro, ele estava trancado em um
esconderijo, dentro do escritório, e testemunhou toda a
discussão. O Benício viu o tio matar o pai a sangue frio
e fugiu por uma passagem que só o Ramiro e os filhos
sabiam que existia. Os três irmãos chamavam de “Paso
del Príncipe”. Não precisa ser um gênio para entender
porque eles chamaram de Passagem do Príncipe,
certo? — Dumb pergunta, acompanhando meus
movimentos sem se abalar, enquanto eu estou bem
perto de ter um surto. — O Ghost baixou um vídeo que
mostra o momento exato que o Benício aparece na
saída Sul do Cartel de mãos vazias. Um dos homens
do Domenico que já está esperando do lado de fora,
abre a porta do carro para o Benício entrar, de
espontânea vontade. Depois de aproximadamente
quatro horas de viagem, o carro foi abandonado na
periferia de Sierra Mojada, a um quilômetro de uma
pista de voo clandestina, construída por traficantes
locais. Tudo indica que o avião decolou de madrugada,
e pousou em Dalas no início da manhã. Não sei que
tipo de acordo o Ramiro fez com Domenico, mas
aposto que o italiano tinha informações privilegiadas
sobre o garoto e fez tudo de caso pensado para ficar
com Benício, caso o pai perdesse a coroa para o Pablo.
Estou agitada, me sinto elétrica, eufórica e
sanguinária. Revolta entranha em meu sangue, lenta e
perigosamente, fazendo a raiva aumentar.
— Benício esteve com Domenico o tempo todo?
— pergunto, mortificada, teimosa e abalada demais
para aceitar que aquele desgraçado tenha conseguido
corromper um menino de quinze anos e o transformou
em um monstro sem coração.
— O Benício passou um tempo em Chicago. Foi lá
que ele aprendeu a atrair os jovens e aprimorou as
técnicas para despistar a polícia.
— Claro, quem vai desconfiar que um adolescente
estrangeiro faz parte de um esquema de tráfico infantil?
— Minha voz é banhada de repulsa. — A maioria das
crianças é sequestrada na porta da escola ou a
caminho de casa. Usar o Benício para atrair as vítimas
foi uma jogada de mestre do Domenico, mas não faz
sentido, Dumb!
— O que não faz sentido? — ele questiona
simulando desentendimento, mas sabe que me refiro
ao motivo que levou Domenico a escolher justo o Pablo
para gerenciar seus negócios na Califórnia.
O encontro entre tio e sobrinho não pode ter sido
mera coincidência.
— É assim que vai ser? — vocifero, cerrando a
mandíbula. — É esse jogo que você vai querer jogar
comigo?
Encaro o general de armas, que continua impondo
sua expressão imperturbável, como se estivesse
discutindo sobre a sua próxima viagem de férias, e não
sobre um garoto que aliciou mais de oitenta crianças
nos últimos dois anos.
Crianças inocentes, negociadas em leilões e sites
da Dark web, como mercadorias descartáveis, vendidas
para a mais desprezível espécie de ser humano que
existe. Triste é a certeza de que as que tiveram sorte,
estão sendo usadas como brinquedos sexuais de
pedófilos imundos, ou foram submetidas ao trabalho
escravo em minas clandestinas do Oriente Médio.
A morte parece mais agradável para mim, penso.
— Não estou jogando merda nenhuma, porque
isso não é um fodido jogo — Dumb rosna, vindo na
minha direção; ameaçador e implacável. Ele para a um
braço de distância, instigando meu corpo e confundindo
meus sentimentos. — Você me disse que estava pronta
para ouvir o que eu tinha para dizer, mas não parou de
falar até agora. Como você espera enfrentar um
miniexército de mercenários para encontrar aqueles
meninos, se não tiver uma maldita noção do que está
procurando, caralho? — Aponta para a cama,
impaciente. — Se você não sentar a sua bunda e
escutar tudo que eu tenho para falar pelos próximos
trinta minutos de boa fechada, essa vai ser a conversa
mais longa da história, porra!
Engulo em seco e fecho as mãos em punho. Meus
dentes rangem tanto que chegam a doer. Odeio admitir
que Dumb está certo, mas ele não tem a menor ideia
do quanto esse assunto mexe comigo, me desestabiliza
e me deixa doente. Aperto os olhos com força,
lembrando-me das suas últimas palavras.
— A raiva é uma doença, minha menina. Ela vai te
consumir como um câncer se você não se curar. —
Logan entrelaçou nossas mãos. Suas pálpebras
pesadas, a palidez anêmica e os batimentos cardíacos
cada vez mais vagarosos, delatando que a sua batalha
estava chegando ao fim.
— Não existe uma cura para mim. — Tentei não
chorar, mas não tive forças para lutar contra as
lágrimas.
— O amor é o único remédio para todas as
enfermidades — mesmo diante de todas as piores
provações, ele sorriu pela última vez. — Eu te amo,
Stephanie. Eu vou te amar para sempre.
Logan se foi levando meu coração e todos os
meus sonhos, mas não me deixou sozinha. Ele nunca
me deixaria se pudesse escolher.
Eu tinha uma missão. Uma promessa a cumprir. E
faria daquele último encontro, o único motivo pelo qual
valeria a pena viver em um mundo sem ele.

Inspiro e expiro profundamente, um pouco mais


serena, mas não menos revoltada. Ainda de olhos
fechados, murmuro:
— Está bem, me desculpe. — Sento-me na beira
da cama adicional. Minhas mãos agarradas ao lençol
como garras de um tigre. — Por favor... — Um nó se
forma na minha garganta. — Eu vou ouvir tudo.
Meus ombros caem curvados para frente;
derrotados, corcundas. Seco o suor gelado que
umedece minhas palmas na roupa de cama. O
estômago reclama de fome e do embrulho, que se
alojaram de repente, ao mesmo tempo e sem
permissão.
Aguardo calada a voz de Dumb, mas seu silêncio
se estende por vários minutos. Abro os olhos,
respirando irregular, e sou atingida por um olhar cético
cravado no meu. Só então percebo o tamanho da
burrada que cometi por conta da minha exaltação.
— Pode falar. — Abrando a voz, ratificando meu
comprometimento em ouvir o que ele tem a dizer sem
interrupções.
Mas o general de armas não se manifesta, apenas
me fita com assombro e incredulidade, como se não
pudesse acreditar no que viu, ou talvez no que ainda
está vendo.
Tão dissimulada quanto Dumb, varro os restos da
menina solitária e destemida para o quintal dos fundos
da minha alma, com o mínimo de esforço, graças aos
anos de prática.
Banco seu olhar cético com o meu, imparcial e
alheio a sua desconfiança que, aliás, é tão justificável,
quanto desnecessária, já que ele jamais ouvirá uma
palavra sobre essa história.
Uma história que conheço melhor do que
ninguém, mas que perdi o direito de contá-la há muito
tempo. Logan morreu e levou com ele o amor
desprovido de maldade que Stephanie guardava em
seu coração ingênuo.
Eu sou a Pink, e a tinta usada para escrever a
minha história não é colorida, apropriada para amores
arrebatadores que cegam, emburram e ultrapassam os
limites da lealdade; muito menos para romances
abusivos, que descaracterizam personalidades, roubam
autoestima e ridicularizam ideais.
As letras são retas, sem floreios, justas e
contínuas.
Os traços aderem as páginas em contornos
precisos e práticos.
O foco principal do conteúdo escrito passou a ser
o aprendizado, e o amor se tornou personagem
secundário.
Não é uma história tão bonita, mas é segura,
confiável e totalmente adaptável a mudanças de
quaisquer tipos — desejáveis, súbitas ou
imprescindíveis —, mas acima de tudo, honesta.
Na minha história, somente uma restrição
arbitrária: Nada de ficção.
Enfrentar a realidade pode doer, mas nunca a
ponto de destruir um coração, como acontece quando
acreditamos em fábulas inventadas e contos de fadas
com finais felizes obrigatórios.
Nunca me absolvi da culpa, como também não me
castiguei com a privação dos sentidos. Sou uma mulher
real; de carne e osso, sensível e tendenciosa, que
tende a sucumbir as emoções e sensações inebriantes.
Admiro paisagens novas, me deleito com novos
sabores, exploro com precaução e enfrento com
cautela os sentimentos mais intensos, mas ainda me
apavoro diante dos desconhecidos, e absorvo tudo que
escuto.
Não me permito enganar, não admito ser
enganada, e me recuso a negar qualquer coisa que me
dê prazer, tanto faz se por um longo período ou breves
segundos.
Mas, acima de tudo, acredito no que vejo, pois
este é o duro princípio da realidade; apenas os
corações que já foram destruídos, conseguem
enxergar.
E o que estou vendo agora, bem diante dos meus
olhos, é uma combinação temerária de um vira-lata
inteligente, astuto e curioso, determinado a me
desvendar, confiante de que eu sou um grande
mistério.
Dumb ainda não entendeu que para conseguir o
que quer, tudo que ele tem que fazer é abrir os olhos e
deixar de me ver.
Para finalmente me enxergar.
CAPÍTULO 37
DUMB
— Pode falar — Pink murmura exaurida, como se
tivesse sido nocauteada no último assalto da luta mais
importante da sua carreira.
Quero retomar a narrativa sobre Benício,
Domenico e Pablo, mas estou paralisado, hipnotizado
por sua postura apática e cabisbaixa, incapaz de abrir a
boca e formular uma fodida frase coerente.
Ela me encara de volta, sustentando meu olhar
investigador.
Seus olhos faíscam de raiva, frustração e uma
profunda dor que abre caminho através da sua alma,
encurva seu corpo e reflete a angústia em suas írises
atormentadas.
Reconheço seu sofrimento, ainda que não
conheça sua origem, no entanto, não sei se desejo
conhecer, apesar da curiosidade e do maldito interesse
de desvendar o mistério fodidamente confuso, que é
essa cadela.
Passo a mão pelo cabelo, me sentindo um monte
de estrume fresco por ter sido um tremendo babaca,
mas não sou bom o bastante para me arrepender da
forma rude com que falei com ela.
Essa porra de sinceridade é contagiosa, só pode.
A cadela estava surtada pra caralho e precisava
de uma dura para cair na real, entender que a sua
guerra contra o tráfico infantil agora também é minha, e
não vou entrar nessa merda para perder, muito menos
para morrer pelas mãos daquele bando de filho da
puta.
Ponho as mãos na cintura, abaixo a cabeça e
inspiro. De rabo de olho vejo Trap se remexer, ligado
em tudo. O novato deve ter percebido o mesmo que eu,
e talvez possa me ajudar a compreender que merda
acabou de acontecer, mas não vou perguntar, nem
aqui, nem agora.
Esse é um assunto para mais tarde, quando a
cadela não estiver por perto e eu não quiser,
desesperadamente, pressionar Pink contra a parede,
asfixiá-la até desfalecer em meus braços e foder sua
boceta até que ela volte a respirar normalmente. O
pensamento desperta meu pau em fração de segundos,
que incha e alonga contra o jeans.
Maldito sádico tarado.
— Nós ainda não termos certeza, mas o Claws
tem uma teoria — falo baixo, pausadamente, para
mostrar que estou do seu lado e quero ajudá-la a
vencer.
Pink não pergunta, nem pede para que eu
continue falando. Apenas me fita em silêncio, fazendo
exatamente o que se comprometeu a fazer. Eu deveria
agradecer por isso, no entanto, é fodidamente
frustrante, como se eu tivesse cortado as asas de um
pássaro acostumado a voar sem destino.
— O executor acha que quando ele e a Lyn se
encontraram com Domenico em Toronto, e pediram a
ajuda dele para invadir o cartel do Ramiro, o Capo fez
jogo duplo porque já tinha planos de expandir o
esquema para o Sul do país e viu uma boa
oportunidade de usar a disputa entre os irmãos
mexicanos para conseguir o que queria. — Minha voz é
branda, o oposto de como me sinto. — Naquela época,
Domenico estava negociando com Pablo sem que
ninguém soubesse, nem mesmo nós, e pretendia
ajudar o idiota a assumir o cartel do irmão. Se juntar ao
Black Panthers e ao The Furious para desbancar
Ramiro, foi apenas um bônus, pois Domenico já tinha
intenção de financiar a invasão, com ou sem ajuda. De
qualquer jeito, a nossa participação facilitou o trabalho
dele. Claws tem certeza que enquanto investigava o
Ramiro para decidir se valia a pena investir e financiar
a ascensão do Pablo, Domenico teve acesso a alguma
informação sobre o Benício que despertou o seu
interesse nele, por isso fez algum tipo de acordo com
Ramiro, o que explicaria o motorista que estava
esperando o garoto no lugar certo, o voo clandestino de
Chihuahua para Dalas, o desaparecimento do Benício,
o treinamento dele em Chicago e a escolha do Pablo
para gerenciar o negócio na Califórnia, justamente na
fazenda onde o garoto estava atuando como aliciador.
Paro de falar, respiro e espero.
Pink não desvia o olhar, não questiona, opina,
comenta e ainda por cima mal consegue respirar.
Como disse que faria, ela ouve a tudo, calada, e a
minha vontade de enforcar a cadela de repente é
insuportável.
Inferno se essa porra não me deixa com mais
tesão.
— Se o Claws estiver certo em sua teoria,
envolver o Pablo no esquema fazia parte do acordo
entre Ramiro e Domenico, e o Capo está cumprindo a
parte dele. Consegue entender? — pergunto, ansioso
para ouvir sua voz.
— Vingança — Pink responde, assentindo. Eu não
tinha nenhuma dúvida que ela entenderia.
— O Benício vai matar o tio. Esse é o plano.
— E assumir os negócios da família — completa.
— O garoto não é uma vítima — Abaixo o tom de
voz. — Você tem que ter isso em mente, quando invadir
a fazenda para resgatar os meninos.
Pink estreita os olhos, novamente irritada.
— Quer que eu mate o Benício?
— Não — respondo e enfio as mãos nos bolsos,
segurando o sorriso quando a cadela exala o ar de
seus pulmões, claramente aliviada.
— Menos mal — Pink balbucia, quase inaudível,
mais para ela do que para mim. De fato, eu até poderia
ignorar o comentário, mas não vou.
A cadela não precisa ter coragem de matar o
projeto de criminoso meia boca, pois eu tenho por nós
dois e se depender de mim, o pequeño príncipe não
será poupado.
— Eu vou matar o Benício — afirmo, irredutível.
Pink arregala os olhos, atônita.
— Ele é só um menino! — Sua voz é carregada de
desgosto.
— Um menino que recebe uma fortuna para aliciar
crianças inocentes. Um menino que pretende matar o
tio para vingar a morte do pai e reassumir o controle do
maior cartel de drogas do México. — Dou um passo à
frente, me aproximando a uma distância segura para
que eu não caia em tentação e foda tudo de uma vez,
em todos os sentidos. — Benício tem quinze anos, mas
se não for parado agora, vai crescer e pode apostar
que daqui a alguns anos, o fodido vai estar dominando
o esquema de tráfico infantil na porra do mundo, e eu
não quero que você envelheça se culpando por não ter
feito o que deveria quando teve a sua maldita
oportunidade.
— Todo mundo merece uma chance de se redimir.
— A cadela agarra o lençol com tanta força, que o
sangue é impedido de chegar às pontas dos seus
dedos, deixando-as esbranquiçadas.
Uma veia sobressalta no pescoço destaca sua
rigidez muscular.
— Benício teve a chance dele. — Dou de ombros.
Tenho que me controlar para não trazer a cadela
para os meus braços, acalmá-la e garantir que vai ficar
tudo bem. Pink está arredia, temerosa e mais
reservada que o normal, o que evidencia que a sua luta
contra o tráfico infantil é pessoal, e não uma fodida
ideologia.
— Que chance aquele menino teve, Dumb?
— Ele podia ter fugido, pedido a nossa ajuda, ido
até a polícia, se transformado na porra de um monge,
mas ele preferiu entrar no carro.
— O Benício é filho de um traficante, nasceu,
cresceu e foi criado para seguir os passos do pai. Claro
que ele faria o que todos esperavam que o filho do
Ramiro Xavier fizesse!
— A Ravena teve a mesma criação que o Benício,
mas nunca esteve envolvida nos negócios do pai. E
não adianta vir com essa merda de machismo para
justificar as escolhas da cadelinha. Você sabe muito
bem o tamanho do estrago que a Miranda fez no clube
porque nós a subestimamos por ser uma cadela. —
Sem me conter, dou mais um passo. — Você pode
treinar um garoto desde pequeno para que ele se torne
um assassino frio, calculista e sem coração. Mas não é
o treinamento que ele recebe que vai determinar o tipo
de assassino que ele vai ser.
Sem tirar as mãos dos bolsos, inclino-me para
frente abaixando a cabeça e sussurro em seu ouvido.
— É a cor da alma que vai dizer quem nasceu e
quem foi treinado para matar. E pode apostar que a
diferença entre o esforço e o dom, é fodidamente
grande. Benício Xavier podia ser filho de um pastor e
ter sido criado em um internato europeu que não ia
adiantar porra nenhuma. O garoto seria exatamente o
que ele é hoje: um fodido psicopata. — Deslizo o nariz
pela lateral do seu rosto, inalando o cheiro da sua pele.
— Eu sei que depois de tudo que aconteceu você ainda
tem medo de confiar, mas, por favor, confie em mim. Eu
sei o que estou falando.
Pink fica de pé num pulo, os bicos durinhos dos
seios espertando sob a blusa, fazem minha boca
salivar. Suas bochechas coradas, testa suada,
respiração entrecortada e seus pelos eriçados.
Minha linda vagabunda está louca para foder, mas
sua determinação em defender o aspirante a sucessor
de Pablo Escobar é ainda maior que o seu desejo de
sentar no meu pau. Pena que todos os seus
argumentos serão refutados com o que a cadela mais
gosta: a porra da verdade.
Se essa merda fosse uma doença, eu estaria à
beira da morte.
Nunca passei tanto tempo sem contar uma
mentira, o que implica na gravidade da minha situação.
— Você não pode matar o Benício — ela dispara
sem nenhuma justificativa e começo a ficar irritado com
a sua insistência nessa merda.
— Por quê? — Inclino a cabeça para o lado,
estreito os olhos, enquadrando seu rosto para uma
inspeção minuciosa.
Ela engole seco, mas não responde.
— O que ele tem de tão especial, Pink?
— Nada — replica com firmeza, no entanto, vejo
como se encolhe.
A cadela está mentindo e se sente culpada por
mentir.
— Tem certeza?
— Tenho.
Estamos frente a frente. Um passo nos separa.
Retiro o celular do bolso, seleciono a imagem que
preciso para convencê-la de uma vez por todas que
Benício Xavier não é um fodido santo e mostro para
ela.
— Olha bem para era foto e me diz o que você vê.
A cadela segura o aparelho e faz o que eu pedi.
Quando volta a me encarar, sua expressão é de
assombro.
— Um menino portando uma arma — responde,
resoluta.
— Sabe o que eu vejo? — Não espero sua
resposta. — Um fodido criminoso do caralho, arrogante
e bem-treinado, segurando uma submetralhadora UZI
israelense, usada pelas forças armadas de vários
países da Europa e América do Norte, exatamente
como os fodidos mercenários russos que o Ramiro
Xavier contratou, alguns anos atrás, para eliminar todos
os chefes de Estado que iriam participar de um
encontro promovido pela ONU, em Guadalajara.
Benício tem quinze anos e cara de garoto, mas não
passa de um assassino inescrupuloso que se aproveita
da sua aparência juvenil para aliciar crianças. Um
psicopata sádico, capaz de matar qualquer pessoa que
sorrir para ele sem autorização. Um manipulador, que
sabe o que está fazendo, faz porque quer e porque
gosta. É isso que eu vejo.
— Tantas conclusões baseadas em uma foto? —
Pink ironiza com deboche, apontando o indicador para
a tela do aparelho.
— Eu pedi para confiar em mim.
— Por que eu deveria confiar em você, Dumb?
Seguro seu rosto com as duas mãos e mantenho
sua cabeça parada, obrigando a cadela a olhar dentro
dos meus olhos e respondo:
— Por dois motivos. — Beijo o olho esquerdo. —
Primeiro, porque eu nunca menti para você. — Beijo o
esquerdo. — Segundo, porque eu já fui como esse
garoto. E aposto quanto você quiser, que Benício
Xavier está apenas começando e fodidamente longe de
terminar.
Pink relaxa os ombros, fecha os olhos e morde o
lábio inferior.
Ela respira apressado, seu peito sobe e desce
num ritmo descompassado. A cadela guarda o celular
no meu bolso e me surpreende, abraçando a minha
cintura com força.
Passo meus braços em volta dela, acolhendo seu
corpo junto ao meu. Beijo seu cabelo quando ela
descansa a cabeça no meu peito. Ficamos em silêncio,
nos acalmando um nos braços do outro por longos
segundos. Desejo que esse momento dure para
sempre, que Pink venha morar aqui e não se afaste
nunca mais, nem sob decreto.
Eu me deleito em seu calor, saboreando cada
segundo com ela, pois sei que dentro algumas horas,
estaremos na estrada fazendo nossa corrida até
Sacramento e é provável que demore alguns dias para
que eu tenha a cadela em meus braços de novo, mas
não me importo.
Porquê da mesma forma que eu sei que Benício
Xavier tem tudo para se tornar um dos criminosos mais
perigosos de todos os tempos.
Sei que Pink vai voltar para mim.
Inferno se essa cadela não é minha, caralho!
CAPÍTULO 38
PINK
— Cadê ele? — pergunto, abrindo a porta traseira
da SUV para entrar no carro.
— Ele quem?
— O Trap.
Dumb olha por sobre o ombro e ergue o queixo na
direção da recepção do hotel, onde o novato está
falando ao telefone.
— É impressão minha, ou ele está meio estranho?
— A Ravena descobriu que ele comeu a irmã dela
— Dumb responde com naturalidade enquanto guarda
as coisas no porta-malas.
— O Trap e a Miranda? — Faço uma careta de
nojo.
— Não posso julgar.
— Você também?
— É mais fácil perguntar quem não comeu a
cadela.
— Quem não comeu?
Ele fecha a porta e me encara com o cenho
franzido.
— Por que você quer saber?
— Porque eu gosto de me manter bem informada.
— Isso se chama fofoca.
— Sou curiosa, não fofoqueira.
— Você só precisa saber quais florestas o meu
pau explorou. — Dumb aponta para a sua virilha.
— O único que ainda não tenho certeza é o
Snake, os outros eu já sei — falo, ignorando seu
comentário ridículo.
— Duvido que você acerte.
— Quer apostar? — pergunto, provocando o
general de armas que abre a porta do motorista e se
acomoda atrás do volante enquanto eu me sento no
banco de trás.
— Aposto o que você quiser — ele sorri, muito
confiante para o meu gosto e me deixa em dúvida se
está dizendo a verdade ou só quer confundir o meu
cérebro. Dumb é muito bom nisso.
E em outras coisas também.
— É uma oferta perigosa — digo, meio que num
tom de ameaça para tentar intimidá-lo.
— Eu gosto do perigo — esnoba com seu jeito
arrogante.
— Ainda dá tempo de mudar de ideia — aviso,
pois sei que ele vai se arrepender profundamente do
que está propondo, ou não. Talvez até goste e me
agradeça depois.
— Cadela, eu já disse para confiar em mim. Você
não vai acertar.
— Tudo bem, depois não adianta reclamar que
não foi avisado.
— Estamos combinados que o mesmo vale para
mim, certo?
— Não lembro de combinar nada disso.
Dumb dá um sorriso de lado e ergue uma
sobrancelha.
— Se você acertar todos os diretores que
comeram a Miranda, eu faço qualquer coisa que você
quiser, mas se errar vai ter que fazer o que eu mandar.
— Ele esfrega uma mão na outra e morde o lábio
inferior, subindo e descendo as sobrancelhas. — E aí,
vai apostar ou vai amarelar?
Encaro o homem lindo e seu jeito de menino
travesso, começando a absorver o baque da conversa
que tivemos no quarto agora pouco, sobre Benício
Xavier e seu verdadeiro papel dentro do esquema de
tráfico infantil, repetindo para mim mesma a todo o
momento que tenho tudo sob controle.
No entanto, enquanto olho para Dumb, ciente de
tudo que a sua presença representa para mim, meu
cérebro ressabiado discorda da minha afirmação
otimista, além da conta, e mantem o lembrete em neon
piscando sem parar, o aviso de:
“PERIGO”
A cada minuto que passa, o general de armas se
mostra mais e mais disposto a me enlouquecer com
sua personalidade confusa, e ainda que eu não tenha
coragem de admitir minha recaída em voz alta, sei que
o vira-lata está conseguindo me desestabilizar
emocionalmente e me deixando tão confusa quanto ele.
Permitir que Dumb vá comigo é uma péssima
ideia, principalmente agora que ele está convencido de
que Benício não é uma vítima de sequestro nem está
sendo ameaçado, e mesmo assim, é exatamente para
lá que estamos indo, juntos, como se as coisas entre
nós não tivessem mudado em uma noite qualquer,
algum tempo atrás.
Como se ainda existisse nós.
Eu podia ter recusado a ajuda de Dumb e seguido
sozinha para a Califórnia, mas além de ele ter se
mostrado um grande chantagista descarado e sem
escrúpulos, reconheço — humildemente, porém
contraditada —, que para resgatar os meninos, matar
os homens que trabalham para Domenico e ainda sair
da fazenda sem nenhum arranhão, será muito mais
fácil se o general de armas e o novato estiverem
comigo.
Alguns sacrifícios valem à pena em ocasiões
especiais como essa.
— Como vou saber que está dizendo a verdade?
— respondo com uma pergunta sem responder a que
ele me fez.
— Se não acreditar em mim, você pode perguntar
direto para eles — diz, encolhe os ombros e batuca no
volante, impaciente.
— Claro, vou ligar para o Damon, perguntar se ele
transou com a Miranda e mandar lembranças para a
Madison. — Sorrio, imaginando a cara do presidente se
eu fizesse isso.
— Você disse que só estava em dúvida sobre o
Snake.
— Estava, no passado.
— Não está mais? — O sorriso dele é largo, lindo
e tão sincero, que meu coração se derrete mais um
pouco.
— Não — respondo com a voz neutra, e agradeço
mentalmente quando viro a cabeça para o outro lado e
vejo Trap se despedir da recepcionista, sair do hotel e
vir em nossa direção.
— Vai desistir antes mesmo de tentar? — O tom
duro e repreensivo de Dumb me força a encará-lo
novamente.
Seu divertimento foi embora sem se despedir ou
sequer me preparar para a sua mudança repentina e
um tanto inesperada. Estreito os olhos, pois odeio me
sentir acuada diante desse vira-lata, e me detesto na
mesma proporção por gostar de me sentir assim.
Perturbadoramente confuso.
— Você é um jogador, o seu negócio é o jogo. Eu
sou uma competidora, o meu negócio é o resultado —
brado entre os dentes semicerrados, possuída por uma
fúria descabida, inexplicável, incontrolável. — E eu
nunca entro em um jogo para perder, Dumb. Nunca!
— É melhor se conformar — Ele desliza a língua
entre os lábios, com malícia. Seus olhos gritando
safadeza da mais indecente.
— Me conformar com o quê?
— Esse jogo você já perdeu, cadela.
Um arrepio perpassa por minha coluna, atingindo
o meio das minhas pernas violentamente, quando
Dumb ergue o quadril e segura o pau por cima do
jeans, como um pervertido em abstinência,
espremendo-o entre seus dedos e balançando-o para
mim.
Estremeço da cabeça aos pés, em choque por
conta da sua ostentação depravada que cativa meu
olhar de uma forma tão humilhante, que pareço uma
cachorra faminta diante de uma linguiça suculenta.
Bem, eu sou.
Claro que vou lutar com todas as forças para
impedir que Dumb me corrompa — isso se o vira-lata já
não tiver me corrompido —, mas o que ofende minha
inteligência de forma vergonhosa, é ter a plena
consciência que meu corpo sucumbe ao seu comando
arbitrário, possessivo, até doentio, e ainda está ávido
por mais do que ele tem para me oferecer de pior,
cruel, sombrio e maligno.
O que isso faz de mim, afinal?
Não tenho medo de responder, mas no fundo a
resposta que me apavora.
O olhar frio de Dumb aquece meu corpo numa
discrepância surreal, tão amedrontadora quanto a
escuridão que esfumaça, nublando a insatisfação em
seu semblante.
Nocivamente excitante.
Trap abre a porta da Land Rover e ameaça se
sentar no banco do passageiro, mas Dumb meneia a
cabeça ordenando para que o novato troque de lugar
comigo.
Mesmo sem querer, acato sua ordem sem discutir,
pois, se o general de armas não pode sequer
desconfiar que estou baixando a guarda, ou ele vai
investir mais pesado para tentar me convencer que
podemos dar certo.
Que temos uma chance.
E tudo que eu não quero, minha vida não precisa
e minhas irmãs não merecem, é mais um problema.
Especialmente um que seja tão lindo, gostoso,
inteligente, cínico, desbocado e capaz de despertar
tantos sentimentos controversos em mim.
Sento-me ao seu lado e afivelo o cinto de
segurança, puxando uma longa respiração. Dumb
acelera, colocando o carro em movimento rumo a
Califórnia. A viagem será longa e cansativa, mas agora
não tem mais volta.
Uma mão quente cobre a minha. Levanto a
cabeça encontrando seu olhar para receber um sorriso
maroto do vira-lata safado e atrevido. Ele pisca um
olho, brincalhão.
Seu semblante; leve e descontraído, antagoniza
com o ameaçador que emanava desdém, luxúria e
superioridade, como se eu fosse um inseto repugnante,
e ele a sola da bota prestes a me esmagar.
Quando Dumb volta sua atenção ao trânsito, fico
encarando seu perfil delineado com exímio cuidado por
alguma entidade talentosa, em um daqueles raros
momentos de inspiração celestial, admirando,
embasbacada, sua beleza máscula até minha boca
salivar.
Enquanto ele dirige pelas ruas e avenidas de
Phoenix com uma segurança inabalável, apoio a parte
de trás da cabeça no encosto de couro do banco e
desvio o olhar para fora, me perguntando quanto tempo
vai demorar para que meu cérebro e meu corpo
cheguem a um acordo.
Por fim, não encontro a resposta, mas espero que
não demore.
Ou pode ser tarde demais para o meu coração.
TRAP
Se não controlar meus pensamentos vou acabar
enlouquecendo.
Em menos de dois dias minha vida se transformou em
uma fodida bagunça e fui do topo da montanha mais alta ao
fundo poço mais profundo num piscar de olhos, sem ao
menos perceber o que estava me empurrando em queda
livre.
O tombo foi feio e agora não sei o que fazer para me
levantar.
Aperto o telefone com força, lamentando as coisas
que fiz, me odiando por ter feito e me recriminando por ter
me deixado seduzir pelas tentações da mentira, da luxúria e
da gula.
Maldito esfomeado do caralho.
Dumb mantem uma mão no volante e a outra
entrelaçada a da Pink, mas de vez em quando seus olhos
capturam os meus pelo retrovisor. Não há julgamento ou
cobrança em seu olhar, apenas preocupação, o que torna
minha merda ainda pior.
Nunca questionei minha sexualidade, no entanto, aqui
estou eu tentando entender que porra de atração é essa
que sinto pelo general de armas, quando meu coração
parece que vai parar de bater com a mera ideia de que
Ravena não vai me perdoar por ter mentido sobre a irmã
dela.
Aproveito o silêncio incomum dentro do carro para
relaxar. Fecho os olhos, buscando respostas para as
minhas perguntas, mas tudo que encontro são novas
dúvidas e lembranças indevidas da noite de ontem.
Meu pau reage instintivamente, endurecendo sob o
jeans exigindo atenção e alívio, mas me recuso a tocá-lo.
Agora não, porra!
A necessidade de gozar e a culpa me assolam com a
mesma intensidade quando o celular vibra entre meus
dedos. Desbloqueio a tela, me ajeitando no assento no
instante que o nome de Ravena brilha diante dos meus
olhos. De repente toda minha coragem se esvai.
Engulo em seco, respirando difícil pra caralho sem
desviar meus olhos da tela. Medo, curiosidade e anseio
passeiam de mãos dadas por todo meu corpo, como fodidas
vizinhas fofoqueiras se enfrentando, confrontando e
debatendo por sobre os muros dos seus quintais.
Ler ou não ler. Descobrir de uma vez o que ela
escreveu ou continuar matutando e remoendo os infinitos
questionamentos que estão fodendo o meu juízo desde hoje
cedo.
Um dia de merda.
Por fim, tomo um impulso e salto de cabeça.
Inspiro, contendo a vontade de olhar para cima à
procura de uma aprovação ou qualquer porra de incentivo
de Dumb, e deslizo o indicador sobre o display. Uma nova
mensagem se exibe, reafirmando o que meu pai costumava
me dizer antes de me colocar de castigo:
Um homem de verdade não chora quando se
arrepende. Ele muda.

Ravena: que mas me escondes?

A pergunta escrita em espanhol perfura meus olhos


como cacos de vidros e rasgam meu peito como lâminas
cegas.
Escondo tudo, minha chica.
Fodidamente tudo.
CAPÍTULO 39
LYN – Los Angeles
Uma cadela que não conheço abre a porta da
sede. Cubro a boca com a mão e passo por ela,
apressada.
— Ei! Não pode entrar... — ela fala, mas continuo
andando e olhando para os lados sem saber qual
direção seguir.
— Me desculpe por isso. Onde fica o banheiro? —
Madison pergunta e sei que está me seguindo.
— Por que eu deveria dizer? — replica a cadela,
num tom de voz que delata o altíssimo grau da sua
irritação por conta da invasão repentina das duas
desconhecidas, que além de estarem armadas ainda
vestem o colete de um dos mais conhecidos MC’s do
país.
— Porque você não vai querer que ela vomite
longe da privada — retruca a ruiva sem muita
paciência.
Estou parada feito uma estátua no meio do salão,
mais perdida que cego em tiroteio, porém
impressionada com o tamanho, a beleza e a arrumação
do lugar. Me sinto como se estivesse presa em uma
casinha de bonecas de pano, daquelas artesanais mais
antigas que eram feitas apenas por encomenda e
custavam os olhos da cara.
Nenhum sinal da London, da Crystal, nem da
porra do banheiro, e se a cadela nervosinha não
cooperar e me der a localização exata do que eu
preciso em cinco segundos, ela vai confirmar que o que
a ruiva falou é a mais pura verdade.
Maldita gravidez!
A ânsia piora com o sanduíche de atum ansioso
para pular fora do meu corpo, e tudo indica que minha
boca foi eleita a saída de emergência oficial pelos
próximos meses.
— Primeiro corredor à direta, segunda porta —
finalmente ela fala.
Disparo na direção indicada, mais desesperada a
cada passo que dou, mas a pressa só aumenta o
maldito mal-estar e consequentemente, o meu mau
humor não fica para trás.
Se todo início de gravidez for essa porcaria, o
plano de ter quatro filhos está prestes a sofrer
alterações de extrema relevância.
Todos os movimentos que faço são baseados na
minha intuição, pois meu cérebro parou de funcionar já
faz um tempo. Na verdade, desde que devorei a
porcaria do meu almoço em um restaurante de beira de
estrada, que fica mais ou menos a uns dez quilômetros
de distância da sede do MC Shadow Princesses, em
Los Angeles.
Depois de colocar tudo para fora, puxo a
descarga, me sento no vaso sanitário e olho para o
teto, respirando profundamente com as mãos
descansando sobre a minha barriga e a cabeça
apoiada na parede.
— Lyn? — Madison chama do lado de fora,
entrando no banheiro.
— Aqui — respondo sem fôlego.
— Como você está?
— Fodida.
— O começo é assim mesmo. — Não perco a
pitada de deboche em sua voz.
— Odeio essa merda — resmungo, mal-
humorada.
— Qual delas?
— Como assim? — devolvo a pergunta, mais
azeda que um limão fodidamente azedo.
— Eu ainda não consegui decidir se tem muita
coisa você odeia ou se tem pouca coisa que você gosta
de muito. — Ela se cala e me deixa confusa. — Enfim,
só queria ter certeza que a gente estava falando dos
enjoos matinais.
— Não existe nada de enjoos matinais, essa
merda é temperamental e não tem horário fixo. —
Suspiro, exausta. — Eu vomito o dia todo!
— Eu avisei que o atum não era uma boa escolha.
— A porta fechada da pequena cabine bloqueia minha
visão, no entanto, tenho certeza de que a ruiva está
rindo e claro, adorando testemunhar um dos meus
piores momentos.
— Como se o seu aviso fosse me fazer mudar de
ideia.
— Pelo menos agora, além de teimosa você já
sabe que peixe não é a sua praia.
— Aquilo que você viu é conhecido como fome e
não como teimosia.
— Tá vendo? — O som da sua risada ecoa dentro
do banheiro.
Reviro os olhos para a ironia da situação me
sentindo bem melhor depois de vomitar o almoço, ainda
que o gosto de sola de sapato continue se espalhando
pela minha boca.
Fico de pé e saio do pequeno cubículo, deparando
com Madison encostada na pia mexendo no celular.
— Damon respondeu? — Curvo-me para frente e
lavo várias vezes o rosto com água da torneira e
massageio suavemente a nuca com as pontas dos
dedos, me deleitando com o frescor na minha pele.
— Não. — A ruiva franze a testa e enruga o nariz.
— Faz mais de duas horas que enviei a mensagem e
até agora, nada.
— Ele já visualizou? — Seco as mãos e pego meu
telefone do bolso traseiro da calça.
— Não. — Madison entorta os lábios para o lado e
faz uma careta. — Pode ser que não tenha internet no
lugar onde eles estão, ou talvez o sinal seja fraco.
Sinto seu olhar preocupado em cima de mim
enquanto verifico se Claws respondeu à que mandei
uma hora atrás, mas ao lado da mensagem tem apenas
um tracinho incolor confirmando que ele sequer a
recebeu, o que é realmente estranho, já que os dois
não costumam demorar mais do que poucos minutos
para responder.
E isso quando não estão ligando para checar se
está tudo bem ou se precisamos de alguma coisa,
como se pegar um avião e chegar até nós em tempo
recorde para resolver qualquer tipo de problema fosse
a coisa mais simples do mundo.
Sabemos que hoje é o dia que eles vão se reunir
com Domenico Coppola em um local neutro escolhido
pelo Capo na cidade de Dallas, mas nem mesmo o
encontro com o mafioso italiano justifica a falta de
resposta do Pres e do executor.
Claws e Damon são extremamente cuidadosos,
excessivamente protetores, insuportavelmente
possessivos e exageradamente ciumentos.
Agora junte todas essas qualidades adicionadas
aos mais autoritários “mentes”, adicione as palavras;
minha e cadela na mesma frase e terá o resultado do
que significa ser esposa do presidente e do executor do
Black Panthers.
Alguma coisa muito séria aconteceu, está
acontecendo ou irá acontecer, pois somente uma
grande e fodida merda para impedir que eles
respondam às mensagens ou retornem nossas
ligações.
Meu coração volta a bater acelerado, mas não
mais por causa do maldito sanduíche de atum.
— Vou tentar falar com o Snake. Talvez ele tenha
alguma novidade. — Seleciono o contato do VP e
espero, batendo o calcanhar no chão. — Merda —
xingo baixo.
— O que foi?
— Caixa postal — respondo e disco outra vez.
Madison morde o cantinho do polegar com seus olhos
esverdeados fixos nos meus.
Ranjo os dentes apertando a mandíbula quando a
voz da secretária eletrônica anuncia que o celular está
fora de serviço e Snake não pode receber a ligação.
— Vou tentar falar com a Alana — diz a ruiva que
assim como eu, está se controlando para não pensar o
pior.
— Vou tentar o telefone da Ravena.
Madison assente e se ocupa com a sua tarefa,
mas nenhuma de nós tem sucesso.
— O Snake pode ter levado a Alana para o
hospital. A bebê estava para nascer a qualquer hora —
falo, sem desviar o olhar do aparelho em minha mão.
— Pode.
— E a Ravena deve ter ido junto.
— Deve.
— Ela não ia ficar em casa sozinha.
— Não.
Levanto a cabeça e encaro a esposa do Pres, que
está na mesma posição encostada na pia. Arqueio as
sobrancelhas.
— O que foi? Por que está com essa cara?
Seus ombros encolhem sutilmente.
— Se vamos fingir que não aconteceu nada e está
tudo bem, não precisamos ficar arrumando justificativa
para nada.
— Não estamos fingindo.
— Não?
— Claro que não.
— O que estamos fazendo? — Madison questiona
e cruza os braços sobre os seios.
— Estamos arrumando desculpas para não surtar.
Isso é o que nós, cadelas, fazemos e é totalmente
diferente de fingir.
Ela sorri ao mesmo tempo que a porta é aberta e
uma linda cadelinha com arregalados olhos azuis entra
de repente.
— Temos que sair! — Crystal fala, trêmula e
ofegante, olhando de mim para Madison.
— Eu passei mal e tinha que vomitar. A gente já
estava de saída para procurar vocês e... — Aponto
para a porta do banheiro.
— Não, Lyn! — Ela me interrompe bruscamente.
— A gente tem que sair da sede. Agora!
— O que aconteceu?
Crystal leva a mão ao coração e fecha os olhos
como se estivesse se concentrando para responder
minha pergunta, mas a rapidez com que seu peito sobe
e desce indica que o negócio é muito sério e a
cadelinha está apavorada.
— Temos um vazamento de gás... — Ela abre os
olhos encobertos por lágrimas não derramadas.
— Gás de cozinha?
Ela nega.
— Gás carbônico.
Enrijeço. Sim, merda.
É fodidamente mais sério do que pensei.
— De onde está vazando? — sibilo com os dentes
entrecerrados, dominada pela fúria.
— De uma das tubulações do ar condicionado
central.
— Quantos condicionadores de ar tem no clube?
— Doze. Em todos os quartos e nas áreas
comuns.
— Cacete! — Madison esbraveja.
— Não é um defeito técnico — reitero, e não é
uma maldita pergunta.
Crystal faz que não com a cabeça e diz:
— Alguém invadiu a sede e está tentando nos
matar.
Sorrio de lado, sarcasmo molhando minha língua
seca e amarga.
Passo o braço sobre o ombro da cadelinha
puxando seu corpo delicado para junto do meu, beijo
seu cabelo e falo:
— Então, está na hora de descobrir quem quer
machucar minhas amigas para eu matar o filho da puta
primeiro.
Crystal estremece com a força das minhas
palavras e desaba a chorar, o que faz a fúria que me
consome se transformar em um tipo de repulsa ainda
mais impetuosa e sedenta por sangue.
Descanso o queixo sobre o seu ombro e encaro
Madison, que saca a pistola e acena levemente,
confirmando que temos a mesma certeza.
O silêncio de Damon e Claws, e o vazamento de
gás carbônico na sede do MC feminino, pontualmente
coincidindo com o horário previsto para a nossa
chegada à Los Angeles, não são fatos aleatórios, muito
menos uma simples coincidência.
No entanto, pouco me interessa qual o nome do
infeliz que teve a audácia — ou foi somente muito burro
—, para invadir o motoclube feminino em plena luz do
dia e colocar a vida das cadelas e do meu filho em
perigo.
Não quero saber de onde ele vem, quanto dinheiro
recebeu para sabotar as tubulações, se tem família
para sustentar, nem para quem ele trabalha. Também
não vou perder um precioso tempo ouvindo suas
desculpas, razões ou motivações para ter feito o que
fez.
O único fato incontestável disso tudo é que
fodidamente não existe nada no mundo que possa
salvá-lo da minha cólera quando eu descobrir onde o
desgraçado está escondido.
Neste momento, não importa se a sabotagem vai
destruir a casa das cadelas da Califórnia ou se a
intenção é somente assustá-las, enfraquecê-las e
intimidá-las para torná-las vulneráveis na ausência da
sua líder.
O que realmente importa é que o destino do
sabotador será o mesmo de um jeito ou de outro, se o
seu plano der certo ou não.
Eu vou matar o filho da puta com minhas próprias
mãos e transformar todos os seus gritos de dor em uma
linda canção de ninar, em homenagem ao meu
primogênito.
E só então o que sobrar dele será despachado
para os quintos dos infernos, com direito a registros
audiovisuais que comprovem a autoria do responsável
pelo despacho e garantam que todos os desavisados
tomem conhecimento do que vai acontecer com
qualquer desgraçado que ousar ameaçar a vida da
minha família.
Legitimando a verdade que sempre foi e para
sempre será a minha verdade. Aquela que adorna a
alma sombreada da contadora do MC Black Panthers
desde que ela foi vendida para o motoclube.
A verdade que não mudou quando ela foi embora,
deixando seu amor, sua família e toda uma vida para
trás e também não mudou antes de descobrir que
estava grávida, tampouco depois ou durante a
gravidez.
Aquela que todos ouvem falar, a maioria não
acredita e somente os privilegiados sabem de cor.
Feliz verdade que me pertence, retratando com
perfeita exatidão e franco julgamento a contadora
ranzinza, teimosa e mal-humorada.
A rainha do Abrigo.
A filha amada pelo homem que foi seu pai sem
ser.
A escolhida do executor.
A primeira e única entre os diretores.
Uma vez cadela, sempre cadela.
CAPÍTULO 40
DAMON – Dallas
— Que porra é essa? — Claws esbraveja ao meu
lado logo que chegamos ao endereço enviado por
Domenico e deveria ser o local do nosso encontro.
— Não estou gostando disso. — Olho para os
lados, me certificando de que estamos sozinhos.
— Eu vou matar o filho da puta se ele nos arrastou
para uma armadilha.
— Tenha calma, executor. Pensei que confiasse
em mim. — A voz do italiano reverbera de algum ponto
eletrônico embutido na porta do armazém abandonado.
— Aceite o meu conselho como uma oferta e abra
essa porra de uma vez. — Enfio as mãos nos bolsos
saboreando a frieza do canadense, similar à de um
iceberg. Posso jurar que o italiano está borrando as
calças neste exato momento. No lugar dele, eu
fodidamente estaria.
— Quem são os homens? — Domenico pergunta,
se referindo a Oásis e Bund, que estão alguns passos
atrás.
— Ninguém que você vai querer irritar —
respondo tranquilamente, dividindo sua atenção para
que Claws procure o equipamento eletrônico, ainda que
eu duvide que o idiota iria facilitar para nós deixando-o
à mostra.
— Eu não pedi esse encontro, presidente.
— Por isso concordamos com os seus termos,
mas estou vendo que não somos os únicos com
problemas de confiança.
— Vocês me colocaram numa situação
complicada que exige discrição e alguns subornos
extras.
Dou de ombros, cansado desse jogo de merda.
— Nós estamos do lado de fora de armazém
conversando com você através de uma porta fechada e
por uma câmera escondida. Não faço ideia com que
tipo de homem a máfia italiana costuma negociar, mas
esse não é o meu negócio e eu não vou expor meu
clube nem os meus homens a essa merda. Você tem
um minuto para abrir a porta e nos convidar para entrar,
ou vir negociar pessoalmente aqui fora.
Retiro o telefone do bolso e franzo a testa para a
barra no canto superior direito, que sinaliza a perda
total de sinal. Mostro para Claws, antes de deslizar o
indicador sobre a tela e selecionar o cronômetro.
Ergo o braço, exibindo o aparelho para a porta e
falo:
— Um minuto, Domenico, nem um segundo a
mais.
— O que você vai fazer se eu não aceitar suas
opções, senhor presidente? — A última palavra é dita
com exagerada ênfase que eu ignoro apesar de ficar
puto pra caralho, e dou de ombros.
— Vou voltar para casa, bambino. — Abro um
sorriso de gato traiçoeiro. — Sou um homem humilde e
sei reconhecer quando faço merda.
Toco a ponta do indicador sobre a tecla que dá
início a contagem regressiva dos sessenta segundos.
— Qual foi a sua merda, presidente?
— Confiar cegamente no meu executor.
O silêncio de Domenico dura exatos oito
segundos.
— Alguma informação falsa? — ele inquire com
curiosidade.
— De forma alguma. Apenas um erro de
julgamento.
Claws bufa, claramente incomodado pelo
interesse genuíno que o Capo demonstra sempre que o
seu nome é citato, e em seguida atesta que seu
telefone também está sem sinal.
— De onde estou seu executor não me parece
muito preocupado.
— Você não está cego nem enxergando mal.
Claws acredita que tem crédito comigo porque nunca
tinha errado sobre o caráter de uma pessoa até agora,
mas nós sabemos que na vida sempre existe uma
primeira vez para tudo e eu não sou a porra de um
banco para oferecer crédito para alguém que fodeu o
meu negócio e me deu um prejuízo do caralho. Fama e
assédio só servem para alimentar egos fracos. Olha
onde eu vim parar por causa dessa merda, só pra voltar
com as mãos vazias. Perdi meu tempo, meu dinheiro e
vou acabar perdendo minha maldita cabeça se eu não
for embora logo. — Encaro o celular na minha mão e
informo: — Dez segundos.
Simulo desinteresse, pois a impaciência e a
irritação são malditamente reais. Não tenho mais
qualquer esperança que o babaca vai cair no meu
blefe, botar suas cartas na mesa e mostrar o seu jogo.
Para quem não conhece Claws, Oásis, Bund e eu,
somos nada além de quatro homens parados na frente
da porta de um armazém abandonado no meio do
nada, em uma rua fodidamente pacata de um dos
bairros mais pobres e afastados do centro de Dallas.
Entretanto, para qualquer um que conheça ou ao
menos já tenha ouvido qualquer história sobre os
motoclubes, o quarteto é um maldito exército de
assassinos implacáveis e assim como são capazes de
lutar até a morte para defender suas cadelas, seus
irmãos e seu clube, eles podem perfeitamente fazer a
mesma coisa apenas por diversão.
— Quem? — Domenico questiona no instante que
o celular apita, alertando que o cronômetro zerou.
— Quem, o quê? — Guardo o aparelho no bolso,
satisfeito por ter despertado o interesse do Capo.
— Quem o seu executor julgou errado?
— Um de nós está com sérios problemas de
percepção, Domenico, e pode apostar que não sou eu.
Você sabe quem, não pareça mais idiota do que é.
— Qual o motivo da pressa, Damon? Algum outro
compromisso na cidade? — ele fala no mesmo instante
que maneio a cabeça brevemente para Claws e giro
nos calcanhares, pronto para ir embora.
— Seu tempo acabou — respondo por sobre o
ombro, de costas para a porta.
— Você não respondeu a minha pergunta. Qual o
nome do erro que o executor cometeu? — Domenico
insiste e com um olhar questionador na direção do cara
que eu considero como um verdadeiro irmão, tenho o
que preciso para seguir com a maldita encenação.
— Se quer tanto saber, por que não pergunta
diretamente para ele?
Minha risada é alta e por incrível que pareça,
fodidamente sincera.
Movo a cabeça de um lado para o outro,
debochando da ilusória saia justa em que coloquei o
canadense ao expor sua suposta falha de trabalho.
Passo os dedos pelo cabelo, penteando os fios
negros para trás como um maldito líder arrogante e
esnobe. E me dedico a finalizar a chacota dando dois
tapinhas no ombro do Claws, com um maldito desdém,
tratando o executor como se eu fosse uma entidade
divina diante de um reles subalterno insignificante
apenas para irritar Domenico.
Desde que se conheceram em Toronto, o mafioso
desenvolveu certa obsessão pelo executor, inclusive
chegou a expressar publicamente uma verdadeira
adoração pelo estilo imperturbável e letal do canadense
que, devo ressaltar, é impecável na sua atuação de
subordinado insatisfeito.
Se eu não soubesse que Claws está pouco se
fodendo para as merdas do Capo, e só quer resolver a
situação o mais depressa possível para poder
embarcar no primeiro voo disponível rumo à Califórnia
para poder ficar perto da sua cadela grávida, com
certeza também acreditaria que o executor está se
sentindo humilhado por conta da maneira grotesca com
que foi tratado pelo seu Pres, na frente do chefe da
máfia Coppola, e ainda teve que aguentar calado
quando sua competência foi questionada por ele sem o
mínimo de respeito.
É tão claro como uma manhã de verão que
Domenico tem planos de usar o nosso encontro para
mais uma vez, tentar convencer o executor a aceitar
sua proposta e se unir a ele e sua fodida máfia italiana
do caralho, mas o que quer que seja que o Capo esteja
tramando, garanto que está fazendo o pior movimento
para conseguir o que tanto deseja.
Chantagem não funciona comigo e aposto meu cu
que não vai funcionar com Claws, mas fodidamente
garante um ticket único de embarque, nominal e
intransferível para Domenico — na primeira classe e
sem escalas —, direto para as profundezas do inferno.
Então, muitos minutos mais tarde, o milagre
acontece e graças ao Capo italiano, tenho o privilégio
de presenciar o momento grandioso em que o executor
do MC Black Panthers finalmente perde o controle.
Domenico não acreditou quando eu disse que na
vida sempre existe uma primeira vez para tudo. Bom,
foda-se.
Ele até tentou corrigir o maior erro que já cometeu
perante o seu mais cobiçado objeto de desejo, contudo,
o arrependimento não eximiu o Capo da dolorosa
penitência decretada e aplicada pelo próprio executor,
que acabou rendendo revelações surpreendentes sobre
o esquema de tráfico infantil da família italiana na
América do Norte; sobre Benício Xavier, o príncipe
herdeiro do traficante mexicano e principalmente sobre
Pink, a presidente do MC Shadow Princesses.
Alguns anos atrás, a cadela era conhecida como
Stephanie Vogel, namorada de Logan Khan, jovem
sequestrado na porta do orfanato que eles moravam
em Chicago, e foi vendido como escravo sexual para
um empresário do Catar através de uma negociação
realizada por um site na Dark web.
À época, o diretor do orfanato foi apontado como
um dos principais suspeitos de ter cometido o crime,
mas no decorrer da investigação testemunhas
importantes e novas provas irrefutáveis livraram o velho
da acusação.
Algumas semanas depois de a polícia encerrar o
caso por falta de provas, um incêndio causado por
desgaste natural em grande parte da fiação elétrica
destruiu a casa onde funcionava o orfanato que
abrigava cerca de cinquenta crianças e adolescentes
de todas as idades.
O diretor não conseguiu fugir e foi devorado pelo
fogo. Coincidência ou azar, ele foi a única vítima fatal
da tragédia que abalou a população da grande cidade.
Naquele mesmo dia, enquanto os bombeiros
trabalhavam incansavelmente para apagar as chamas
que se alastravam com rapidez e devastavam a
mansão decadente, três meninas que estavam sob a
supervisão de um grupo de voluntários conseguiram
fugir sem deixar rastros. Coincidência ou sorte, elas
nunca mais foram encontradas.
Segundo o xerife responsável pelo
desaparecimento das órfãs, ninguém soube explicar o
que aconteceu com as amigas inseparáveis, nem para
onde elas foram ou como conseguiram evaporar como
fumaça sem deixar nenhum rastro.
Ou melhor, quase ninguém...
CAPÍTULO 41
GHOST – Houston
— Que lugar é esse? — Ryan pergunta.
— A placa no portão diz que é um rancho —
respondo, dando uma boa olhada na estrada de terra
que parece não ter fim.
— Meu pai também dizia que era um homem de
Deus.
— Por isso eu estou aqui. — Desvio meu olhar
para ele e coloco minha mão em seu ombro, sorrindo
de lado. — Para não deixar você acreditar nessas
merdas.
O garoto me encara com uma carranca irritada e
posso jurar que estou vendo a Lyn vestida de homem
bem à minha frente. As semelhanças entre eles são
fodidamente impressionantes, inclusive o mal humor.
É muito fácil tirar Ryan do sério e ele vai ter um
longo caminho até aprender a controlar seu
temperamento. Diferente do Zach, que parece um
monge de tão paciente, no entanto, os dois irmãos
estão provando que o sangue ruim de Frank Davis foi
dividido igualmente entre os filhos.
Fodidos psicopatas do caralho.
— Se essa é a sua função, está dispensado.
— Acho que não. — Sorrio ainda mais, pesco o
celular do bolso e aponto para a SUV escondida entre
as árvores. — Pegue tudo, vamos entrar em cinco.
Um flash de excitação desponta em seus olhos
suavizando sua expressão endurecida. Ryan está
ansioso para resgatar o irmão mais velho e se
dependesse da sua vontade, teríamos invadido o
cativeiro ontem mesmo quando chegamos à cidade,
sem um maldito plano ou estratégia de invasão,
expondo sua personalidade explosiva através de
gestos impacientes e reclamações exasperadas.
O garoto tem sérias dificuldades tanto para acatar
ordens, quanto para respeitá-las, e esse é o único
motivo de ele estar aqui comigo, na parte de trás e
Zach estar sozinho, avançando pela entrada principal
do rancho que não é mais um rancho, considerando
que tenha sido um, algum dia.
Ryan atira melhor, luta melhor, é mais forte e mais
rápido, mas não é confiável para seguir qualquer plano
sem permitir que suas emoções atrapalhem e fodam
com tudo. Em contrapartida, Zach é mais inteligente,
perspicaz e está aperfeiçoando seu talento natural de
manipular pessoas com extrema facilidade, além de ter
um admirável autocontrole.
Os dois se completam e aposto que em poucos
anos, serão indispensáveis para o Black Panthers,
assim como o novato.
Ligo para Zach e prendo o aparelho entre a orelha
e o ombro. Saco minha pistola enquanto espero e
confiro a munição extra.
Ele atende no quarto toque.
— Vamos entrar em cinco — aviso.
— Espera, um carro acabou de chegar.
— Tem uma boa visão? Consegue ver quantas
pessoas?
O barulho de folhas secas sendo esmagadas
indica que Zach está se esgueirando para se aproximar
mais da casa.
— Dois homens. Um deles está carregando uma
bolsa de mão — diz ele.
— Não dá para esperar, nós temos uma hora até
eles abrirem o canil. — Penso por alguns segundos,
checando o horário mais uma vez. — Mantenha o
plano. Entramos em cinco.
— Ok.
Encerro a chamada e aceno para Ryan, que já
está me esperando com um estojo metálico em sua
mão.
— Ainda está com medo dos cachorros? — ele
zomba.
— Aquelas coisas não são cachorros.
— Claro que são.
— Não. São seres amaldiçoados que participam
de rinhas.
— Apenas cachorros, Ghost.
— Caninos assassinos, sim. Cachorros, nunca.
— Você tem quase dois metros de altura e arma.
— Não mato animais.
— Tá brincando? — Ryan para de andar e me
encara boquiaberto.
— Tô com cara de quem está brincando? —
retruco seriamente.
— Sério, você é louco! — exclama, inconformado.
— Já me chamaram de coisa pior. — Aponto para
o canil que fica próximo à porta dos fundos da casa e
coloco o indicador sobre a boca, sinalizando para ficar
em silêncio.
Se um, dos dez estagiários de quatro patas do
capeta, escutar qualquer merda vai começar a latir e
acabar denunciando a nossa chegada.
Apesar de tudo, são criaturas inocentes e não têm
culpa de terem sido entupidas de hormônios, criadas e
treinadas para matar.
Esses animais também costumam servir de
cobaia, a maioria para testar produtos criados e
fabricados em laboratórios clandestinos — financiados
por universidades da própria cidade —, e vendidos
ilegalmente entre os estudantes. Um mercado ilícito
que cresce a cada dia e o consumo gira em torno de
estimulantes, esteroides, suplementos nutricionais,
pomadas dermatológicas e cosméticos.
São mutantes caninos, assassinos cruéis com
mandíbulas de aço e mordidas que chegam a trinta
quilos. Fodidamente, não são cachorros.
Meu pedido de silêncio é dispensável, pois
quando estamos a dois passos de alcançar a porta, um
homem sai da casa assobiando e estaca no lugar ao
perceber o que vai acontecer e, de fato, acontece.
Ryan acerta um tiro na cabeça do cara e o baque
do corpo sem vida se chocando contra o chão, aciona o
alarme selvagem dos animais e chama a atenção dos
outros fodidos que estão lá dentro.
Um a um, eliminamos os três capangas que
sequestraram Nate a mando de Pablo Armenio,
entramos na casa e seguimos em direção ao último
quarto que está servindo de cativeiro para o futuro
pastor.
No entanto, não é o mais velho dos quatro irmãos
da contadora que encontramos ao entrarmos e sim, o
mais novo, Ethan. Ryan xinga um palavrão que não
escuto, porque a minha atenção não está no
invocadinho ao meu lado, mas no cenário diante dos
meus olhos.
Os braços do caçula estão atrás do corpo e seus
ombros meio curvados para frente em sinal de respeito,
porém o fodido sorriso perverso enfeitando a sua cara
arrogante explicita que a atitude não passa de uma
afrontosa chacota.
Eu não deveria me preocupar, já que Zach
continua parado à frente de Ethan e mantem sua
expressão indecifrável em parceria com a costumeira
postura elegante no melhor estilo Don Corleone.
Entretanto, estou preocupado e admito que não é
pouco.
Primeiro porque tenho certeza de que Nate não
está em nenhum lugar dessa casa. Segundo, mas não
menos importante, porque Zach tem o braço direito
estendido em uma linha reta, firme e segura,
pressionando o cano da sua Glock na testa do irmão
mais novo e pela sua tranquilidade, aposto que ele está
prestes a apertar a gatilho.
E essa merda é fodidamente preocupante.
CAPÍTULO 42
CLAWS
— Se quer tanto saber, por que não pergunta para
ele?
Escuto o que Damon fala, entendo o que o Pres
quer que eu faça e estou preparado para seguir com
essa merda, mas minha mente fodidamente não está
aqui.
O silêncio enervante se instala novamente,
fazendo com que meu sangue corra mais rápido em
minhas veias, superaqueça e comece a testar meus
limites. Não pela mudez do Capo, tampouco pela sua
burrice pretenciosa de ao menos supor que poderia
foder nossos planos com essa jogada amadora ou até
mesmo pela remota chance de eu perder o controle.
Até porque é mais do que provável que eu
realmente perca.
Por eles. Apenas por eles.
Minha cadela e meu filho que estão a um estado
de distância, malditamente longe de mim. Do meu
alcance. Da minha fodida proteção. Nunca menti sobre
o que sinto por Carolyn ou a importância que a sua vida
representa para a minha. É tão simples quanto uma
adição de dois dígitos e de entendimento mais simples
ainda.
A cadela teimosa é a porra do meu mundo e ponto
final.
— Claws? — A voz mansa de Domenico ecoa
acima da porta.
Não falo, apenas desvio o olhar para o local onde
eu acredito que o microfone esteja instalado. O
destaque de tom sobre tom próximo a trava de ferro é
mínimo, quase invisível. Mas está ali.
Minha expressão não revela nada sobre como me
sinto quando levanto a cabeça e fixo meus olhos no
pequeno alvo. Os ombros relaxados e as mãos
guardadas nos bolsos com certa displicência,
corroboram a veracidade da mensagem enviada
através da minha linguagem corporal em um explícito:
foda-se.
Ergo uma sobrancelha, esticando vagarosamente
meus lábios para o lado e é isso, ele já tem minha
resposta muda e para um mafioso ostensivo, mas
fodidamente despreparado soa como se eu dissesse:
O que você quer, porra?
Domenico não demora a entender e move outra
peça dando continuidade ao seu jogo, mesmo que ele
ainda não tenha percebido que agora é meu para jogar.
— Quem você julgou errado?
— Você — falo baixo, porém alto o suficiente para
que todos ouçam.
— Qual foi o seu erro? — O italiano até tenta
disfarçar o arquejo atrelado a sua voz, mas é inútil.
— Eu não errei.
— Estou confuso.
— Para o meu presidente, você não passa de um
garotinho mimado, inexperiente e soberbo que caiu de
paraquedas no trono do rei, mas como não sabe o que
fazer com a coroa ou com o poder que lhe foi
concedido, está fazendo birra porque não conseguiu
comprar o brinquedo caro que viu na vitrine,
exatamente como ele disse que faria.
— Você não concorda? — Domenico ofega.
— Não.
— Por quê?
— Porque você não é assim.
— Como eu sou?
Agora que chegamos aonde eu queria, podemos
começar a brincar de verdade e descobrir se o mafioso
do caralho aprendeu alguma coisa desde a última vez
que nos encontramos.
Dou uma risada sacana e aliso a barba, antes de
encarar Damon.
— Vamos? — Aceno a cabeça para a SUV que
está estacionada do outro lado da rua.
— Acabou? — Damon fala sem camuflar o
escárnio em seu sorriso para provocar Domenico,
ostentando o poder que o idiota acredita que o
presidente do Black Panthers tem sobre o seu executor
— Tenho cara de psicólogo? — pergunto um tanto
ofendido, exaltando discretamente a falsa prepotência
do Pres.
— Você que sabe, mas até que eu estava
gostando de assistir a sua palhaçada.
— Foda-se, você estava certo e provou seu ponto.
Domenico não tem nada que interesse para nós. Está
satisfeito, porra? — rosno por entre os dentes cerrados
cuspindo as palavras na cara do Damon sem alterar o
tom de voz, como se estivesse me segurando para não
socar a cara dele.
Um click alto estronda chamando a nossa
atenção.
— Vocês entram. Os outros, não. — Domenico
ordena ao mesmo tempo que dois homens surgem por
detrás da porta de ferro apontando suas
submetralhadoras para nós.
— Ninguém me diz o que fazer — Damon
vocifera.
— Eu digo — retruca o italiano. — Não pretendo
matar você hoje, presidente. É melhor não brincar com
a sorte.
Um dos seguranças segura a porta aberta
enquanto o outro se move ao nosso redor garantindo
que a ordem do seu chefe seja cumprida. Sigo Damon
para dentro do armazém de cara fechada,
comemorando internamente a nossa vitória.

O jovem mafioso italiano continua cometendo


erros de principiante que nenhum homem na sua
posição deveria cometer, o que é bom para nós e
fodidamente ruim para ele.
O armazém é espaçoso, mas está vazio e
dezenas de caixas de madeira foram empilhadas na
parede do fundo. A iluminação é precária, somente
duas janelas de vidro por toda a extensão lateral e o
piso cimentado tem diversas ondulações que entregam
o descuido.
À direita, uma mesa retangular de madeira maciça
cercada por quatro cadeiras. Domenico está sentado à
cabeceira de frente para um moderno equipamento
eletrônico. Ele veste um terno preto, camisa e sapatos
da mesma cor e uma gravata branca combina com o
lenço no bolso externo do paletó.
Um fone de ouvido está pendurado em seu
pescoço enquanto e o italiano fala ao telefone, mas
seus olhos se mantém cravados nos meus como se
quisessem descobrir o que estou pensando.
Pode tentar, pau no cu.
Somos conduzidos até a mesa seguidos de perto
pelos seguranças. O idiota atrás de mim está tão
apavorado que o cano da arma cutuca minhas costas
conforme caminhamos e o excesso de confiança do
Capo ofusca sua ingenuidade, pois demoro a acreditar
que apenas dois homens armados foram trazidos para
proteger sua bunda.
— Claws, Damon — Ele cumprimenta com um
leve maneio de cabeça sem desviar o olhar.
— Domenico — replica o Pres um pouco mais
baixo.
Não falo nada, porém observo tudo.
Estou atento ao menor sinal de que o Capo está
planejando alguma coisa, ainda que seja impossível
esconder qualquer merda nesse lugar.
— Por que estamos aqui? — pergunto, tomando a
frente.
Domenico ri, esfrega o queixo com o indicador da
mão direita e cruza o tornozelo sobre o joelho. Seus
ombros rígidos contradizem a forma relaxada que seu
corpo recosta na cadeira e as gotas de suor brilhando
em sua testa ratificam que ele está nervoso, ou
fodidamente arrependido de ter-nos mandado entrar.
— Ainda estou me fazendo essa pergunta. — Sua
admissão é como música para os meus ouvidos.
— Desde quanto você sabe? — inquiro, dando a
entender que ele já sabia que Pablo e Ax planejam se
rebelar e assumir seu esquema de tráfico infantil.
— Desde que eu os convidei para trabalhar para
mim.
— Planejou isso — afirmo, vendo um sorriso
iluminar seu rosto.
— Tudo.
— Por que concordou com esse encontro se não
pretendia nos ajudar? — Damon se intromete,
obrigando o Capo a olhar de mim para ele.
— Porque eu precisava descobrir o que vocês
sabiam.
— Não precisa mais?
— Vamos ver... — Domenico se ajeita na cadeira e
digita algumas vezes. — Três homens em Houston,
dois em Tucson, duas mulheres em Los Angeles e um
no clube, protegido por um esquadrão. — Ele volta a
me encarar, vaidade brilhando em seus olhos.
— Você está se esforçando. Pelo jeito o garoto é
mais especial do que eu pensei que fosse. — Arqueio
as sobrancelhas, satisfeito com a palidez repentina em
sua pele. Dou risada e viro a cabeça, capturando o
olhar zombeteiro de Damon. — Eu disse que ele é o
macho da relação.
— É, eu sei, mas ainda não estou convencido.
Domenico empurra a cadeira num rompante e
vem para cima de mim. Vermelho tinge o branco dos
seus olhos que faíscam em uma fúria incontida,
fomentando sua expressão irritadiça e atormentada,
comprovando que é um homem fraco e manipulável
que acaba de se sentar no banco dos réus, depois de
ter incriminado a si mesmo produzindo provas que
indiciam seu crime, ou melhor, sua traição.
— Cala a boca ou... — O Capo cospe na minha
cara completamente fora de si, no entanto, não finaliza
sua ameaça
— Ou, o quê? — brado, sustentando seu olhar
colérico. Ele avança dois passos impulsionado pela
adrenalina, e presume burramente que pode me
enfrentar com o seu título de mafioso merda. — O que
você vai fazer se eu não calar a boca?
— Eu tenho Carolyn e a esposa do presidente,
Claws. Mais uma palavra e eu acabo com as duas.
Em momentos cruciais como este, que somos
mira e alvo ao mesmo tempo, ter o controle das
emoções tanto pode determinar a sua força, quanto a
sua fraqueza. Basta uma fração de segundo para
mudar tudo. Eu só preciso ouvir o nome da minha
cadela para perder a porra do controle e acabar com
aquele fodido jogo.
Quando Domenico para de falar, giro o corpo com
o braço direito estendido e suspendo o cano da
submetralhadora do idiota, que dispara uma sequência
estrondosa de disparos para o teto. O movimento
rápido e imprevisível desencadeia uma série de
eventos que poderia nos matar se eu não tivesse ao
meu lado três homens fodidamente bons no que fazem.
Enquanto uso a mão livre para pegar minha faca
alemã, Damon se joga sobre o outro fodido armado
derrubando-o no chão. Sou rápido ao empunhar a
lâmina afiada na barriga do meu oponente e aprofundá-
la mais alguns centímetros em suas entranhas antes de
puxá-la. Ele se curva para frente, gemendo de dor e
afrouxando o punho em torno da arma de fogo.
A curvatura do seu corpo me dá ampla abertura
para um segundo golpe na nuca, ainda mais profundo,
certeiro e fatal. Tiros estrondam fora do armazém
enquanto Damon monta em cima do filho da puta, com
a arma do rival apontada para a cabeça dele e aperta o
gatilho, transformando a cara do maldito em uma poça
gosmenta pintada de carmim.
Domenico corre na direção da porta numa
tentativa de escapar. Arremesso a faca com precisão e
ela corta o ar como uma flecha em alta velocidade. O
italiano tropeça e tomba para frente no instante que a
ponta afiada é acolhida entre as vértebras da sua
coluna, na região dorsal.
— Caralho! — Oásis ladra, entrando no armazém
seguido por Bund. — Tinha mais três escondidos no
quintal.
— Todos mortos — completa o executor do
Blackout.
— Recolham os corpos, se eu estiver certo
ninguém mais sabe onde o Capo está. Podemos usar
essa merda para tirar alguma vantagem. — Eles
assentem e saem em disparada.
— Domenico não pode morrer antes de falar o que
sabe. — Damon já está de pé ao meu lado todo sujo de
sangue.
— Ele não vai — asseguro.
O capo está caído, imóvel.
— Tem certeza? — indaga o Pres, incerto.
— Absoluta.
— Ele parece morto para mim.
— Provavelmente porque ele acredita que está.
Eu me abaixo ao lado do mafioso, seguro seu
cabelo e puxo sua cabeça para cima. Domenico
choraminga, revirando os olhos.
— Você tem duas opções — falo perto do seu
ouvido. — Pode cooperar e sair daqui vivo, ou ser meu
convidado de honra no Abrigo do Black Panthers.
Antes que ele responda, envolvo o cabo da faca
em meus dedos girando o pulso bem devagar, torcendo
a lâmina de um lado para o outro e cavando um buraco
ainda maior na sua carne.
O grito de dor agudo reverbera por todo armazém.
— A escolha é sua.
Damon me ajuda a levantar Domenico e
acomodá-lo na cadeira de frente para o encosto, pois
não pretendo remover a faca. Ainda.
— Onde está o bloqueador de sinal? —
Precisamos dele vivo, mas estou impaciente.
Cada vez que o italiano demora para responder,
rasgo mais alguns centímetros da sua coluna
deslocando a lâmina profundamente em sua carne em
todas as direções.
— Computador — Domenico responde a primeira
pergunta e com isso, Damon desliga o aparelho e liga
para Madison.
A ruiva conta o que está acontecendo em Los
Angeles, garante que Lyn e as cadelas do Shadow
Princesses estão bem, mas a sede do clube teve de ser
interditada temporariamente até que o problema do
vazamento de gás seja resolvido. Com isso, o
interrogatório do Capo se limita a perguntas sobre o
tráfico infantil e todos os envolvidos no esquema,
inclusive a da líder do MC feminino.
A história contada por Domenico é esclarecedora,
mas não está completa. É apenas um resumo sem
muitos detalhes sobre a cadela de cabelo cor-de-rosa
que foi abandonada em um orfanato ainda bebê, e
desapareceu com suas duas amigas inseparáveis no
mesmo dia que um incêndio destruiu o lugar e nunca
mais foi encontrada.
Depois de aproximadamente trinta minutos, o
chefe da máfia italiana se entrega a inconsciência
devido à grande quantidade de sangue que perdeu,
mas não faz diferença, pois temos tudo que precisamos
e já sabemos qual a rota devemos seguir para destruir
Benício, Pablo e Ax.
Enviamos todos os arquivos que Domenico
mantem em seu computador pessoal em cópia para os
diretores antes de despejar cem litros de gasolina no
interior do armazém e fazer uma fogueira com o corpo
do Capo e dos seus homens, amontoados sob as
caixas de madeira.
O bloqueador de sinal é religado quando a fumaça
preta e o cheiro de queimado torna a nossa
permanência insuportável.
Cobrindo o rosto com a barra da camisa preta,
sigo os irmãos para fora e como sempre, sou o último a
sair.
Olho para trás e admiro a beleza alaranjada das
chamas que em breve alcançarão o teto, se
alimentando dos corpos carbonizados. Não sinto nada
além da maldita satisfação doentia. Nem uma centelha
de culpa.
Fodidamente nada.
Tranco a porta de ferro, me deleitando com o
silêncio pacificador do fim de tarde do lado de fora.
Oásis e Bund dividem o assento traseiro, enquanto
Damon ocupa o do motorista e eu me acomodo no
banco do passageiro da Land Rover.
Retiro meu telefone do bolso para ligar para
Carolyn, pois não conseguimos conversar direito.
Preciso ouvir sua voz e me certificar que minha cadela
e meu filho estão bem.
No entanto, o aparelho vibra na minha mão antes
que eu selecione seu contato e o nome do Ryan brilha
na tela, o que seria algo comum se o celular do Damon
não começasse a tocar logo em seguida e a chamada
não fosse do Ghost.
Eles tinham ido com Zach para Houston resgatar
Nate, que havia sido sequestrado a mando de Pablo.
Nós nos encaramos em um fodido silêncio, cientes
de que nosso plano de embarcar ainda esta noite para
a Califórnia terá de ser adiado e as cadelas ficarão
mais alguns dias fora do nosso alcance, o que não é
uma merda qualquer.
É uma grande e fodida merda.
CAPÍTULO 43
SNAKE – Green Hill
Minha mãe era uma mulher incrível. Simples e
desapegada de bens materiais que viveu para ser feliz
até o dia da sua morte. Ela sempre me disse que a vida
é uma colcha de retalhos feita de momentos, e todos
nós nascemos com a obrigação de fazer bom uso de
cada um eles.
Aprender com os ruins, aproveitar os bons e
transformar os melhores em raros e inesquecíveis.
Nunca duvidei dela, porque sabia que minha mãe
jamais mentiria para mim, mas a verdade é que
somente hoje senti a rigor a franqueza de suas
palavras.
As primeiras horas do dia ficaram uma grande
merda, depois que recebi o e-mail do rastreador,
enviado em cópia para os diretores, contendo arquivos
confidenciais organizados em ordem cronológica de
dezenas de registros médicos que ressaltavam o
estado mental crítico do irmão de Ravena, Benício
Xavier.
Junto aos documentos confidenciais, estavam os
resultados das dezoito avaliações psicológicas
realizadas periodicamente, em diferentes cidades do
México ao longo dos anos, além de uma pasta com
imagens exclusivas de Benício desde o seu
desaparecimento, alguns anos atrás.
Por alguma razão desconhecida, Ramiro Xavier
manteve todas as informações sobre o distúrbio
psicológico do seu filho caçula e principal candidato
para assumir seu lugar à frente do cartel, em absoluto
segredo.
Confesso que fiquei chocado com as revelações,
mas depois de me recuperar do choque comecei a
pensar no garoto franzino, introvertido e taciturno que
mal conseguia se equilibrar em seus pés quando o
conheci.
Ainda que não tenha me lembrado de muita coisa,
foi impossível ignorar a recordação mais marcante que
tinha guardada da época em que Claws e eu fazíamos
visitas regulares à sua casa e costumávamos
considerar Ramiro como um bom amigo.
Benício vivia se escondendo atrás das cortinas,
dentro dos armários e embaixo dos móveis, para ouvir
as conversas do pai com genuíno interesse, como se
entendesse claramente o que ouvia, gostasse do que
as negociações representavam para o cartel e para o
seu próprio futuro, e estivesse ansioso pelo dia em que
receberia um convite de Ramiro para se juntar a ele no
comando dos negócios da família Xavier, ao seu lado.
A partir daquela lembrança não foi tão difícil de
imaginar o garoto de apenas quinze anos segurando
uma submetralhadora, como um fodido psicopata e
peça fundamental para o sucesso do esquema de
tráfico infantil da máfia italiana, aliciando jovens de
todos os lugares do país sem levantar suspeitas.
O assunto sobre o desenvolvimento precoce dos
filhos de pais criminosos gerou um debate tão
interessante entre mim e Stela, que Megan e os irmãos
do Blackout acabaram ao nosso redor formando uma
grande plateia.
Todos se mostraram verdadeiramente
preocupados com os meus argumentos, baseados
apenas na minha vasta experiência e expectativas para
o futuro, acionados para rebater os efeitos negativos
causados por uma infinita lista de influenciadores
diretos e inevitáveis, em decorrência ao nosso estilo de
vida, apontados pela psicóloga — com muita sutileza e
nenhum julgamento.
Os irmãos também pareciam um tanto
interessados em ouvir as tréplicas esclarecedoras da
psicóloga, que fazia questão de exemplificar as
melhores alternativas para amenizar os possíveis
estragos — reversíveis ou permanentes — na mente
dos nossos herdeiros, através de situações corriqueiras
do nosso dia a dia, além de intencionalmente fazer uso
de um linguajar informal para facilitar a compreensão
de todos, incluindo-os na conferência e encorajando-os
a expor suas opiniões, dúvidas e receios.
Não sei afirmar com exatidão quando, como ou
porquê, as causas e consequências da suposta
psicopatia de Benício foram deixadas de lado e o
caráter duvidoso de Miranda Xavier se tornou o foco da
discussão.
De fato, a cadela também fez um bom tempo na
sede do maior MC de Foxmilt, e quase todos os
membros Blackout tiveram seus paus enfiados em
alguma parte do seu corpo.
A má fama da Miranda não era nenhuma novidade
para Ravena. Minha filha sempre soube que sua irmã
não passava de uma vadia interesseira e vingativa, que
pagou um preço alto por ter contratado um matador de
aluguel para matar a contadora do Black Panthers.
E foi exatamente por isso que não entendi o
motivo da sua reação assombrada ao ouvir os relatos
dos irmãos que compartilharam a boceta da Miranda
em sua última passagem pelo clube, pelo menos até
fazer a conexão entre o nome do novato-pedófilo-filho-
da-puta-do-caralho e o exato momento em que Ravena
chegou à cozinha.
Então tudo fez sentido.
Um fodido sentido de merda, mas ainda assim, um
sentido.
Toda a angústia que estava me consumindo por
conta da história de vida de Benício Xavier
simplesmente desapareceu e deu lugar a uma fodida
necessidade de arrancar o pau do novato antes de
desmembrar o desgraçado com um alicate de unha.
Eu enxergava tudo preto e tremia de raiva,
enquanto uma maldita dor contorcia meu estômago só
de imaginar um cara que já tinha comido todas as
cadelas da cidade colocando as mãos na minha
menina.
Não que Ravena seja melhor do que ninguém,
mas ela é especial para mim, porra!
A cadelinha que vai completar dezoito anos em
algumas semanas, nunca teve qualquer contato íntimo
com nenhum homem e é fodidamente romântica,
merece alguém que realmente a ame e a respeite, não
um idiota que só quer entrar na sua calcinha por
curtição até enjoar.
E me matava saber que Trap não iria se importar
quando tivesse de quebrar seu coraçãozinho inocente,
e sair à caça em busca da próxima boceta virgem para
enfiar o seu pau, sem ao menos se despedir.
O ódio que eu sentia era tão grande, que acabei
arremessando meu celular na parede para me impedir
de ligar para o novato do caralho e vomitar tudo o que
estava entalado na minha garganta, porque eu sabia
que se o fizesse, iria magoar ainda mais a Ravena.
Como não queria que ela ficasse no clube e
acabasse descobrindo outras merdas sobre o novato,
levei minha filha para casa sem sequer imaginar que
encontraria Alana desesperada, tentando me ligar para
avisar que finalmente havia chegado a hora de eu
conhecer pessoalmente, a única cadela que amei mais
do que qualquer outra pessoa nesse mundo, sem
nunca ter visto seu rosto. E no fundo do meu coração,
eu já sabia que iria amá-la pelo resto da minha vida.
O amor nunca foi tão forte e amar nunca foi tão
fácil.
Um suspiro.
Um choro.
Um olhar.
E pronto.
Fodidamente fodeu a porra toda.
Agora estou aqui, na sala de parto, embalando um
pacotinho cor de rosa capaz de acordar o quarteirão
inteiro com o seu gogó de ouro.
Meu pequeno milagre banguela.
Meu coração retumbando fora do peito.
A redenção silenciosa da minha alma.
Beijo sua penujem dourada com os olhos
apertados, pouco me fodendo se o médico ou as
enfermeiras testemunham as lágrimas que escorrem
pelo meu rosto em forma de cascata.
A barulheira acaba de repente e a calmaria
repentina traz de volta a minha voz, que havia se
perdido em algum ponto pelo caminho.
— Oi filha — sussurro, reverenciando a pessoinha
minúscula que me encara com desconfiança. — Sou
eu, o papai.
De todos os melhores momentos, o nascimento da
minha pequena Ava é perfeito. Mas então ela sorri, e
seu sorriso é o fim.
O meu fim.
Maldita perfeição do caralho!
CAPÍTULO 44
DUMB – Modesto/Califórnia
A viagem é tranquila e fodidamente quieta até a
cidade de Modesto, onde paramos no início da
madrugada para alinhar os pensamentos e definir a
estratégia de invasão à fazenda localizada na região de
Gold Country.
O hotel simples de beira de estrada não oferece
muitas opções de quartos, mas tem o suficiente para
um banho demorado, uma refeição reforçada e
algumas horas de sono.
Pink e Trap não debatem nem contestam quando
informo que a cadela vai ficar comigo e o novato
usufruirá da sua própria companhia, no cômodo ao
lado. É como se os dois estivessem esgotados
fisicamente para discutir minha decisão, porém não é
apenas isso.
Eu sei que a ansiedade e a exaustão mental estão
sugando suas forças. Eles também sabem, ainda que
não queiram admitir.
— Vou tomar banho — Pink murmura e segue
para o banheiro, sem se importar em ouvir uma
resposta.
Quando a cadela fecha a porta, coloco a minha
mala em cima da cama, abro o zíper na lateral da parte
interna e pego um baseado e o isqueiro. Sento na
cadeira perto da janela, relaxo o corpo com os pés no
parapeito e os tornozelos cruzados. Dou a primeira
tragada enquanto desbloqueio o telefone para checar
as informações e me atualizar dos últimos
acontecimentos.
A estúpida tentativa de relaxamento é
rapidamente esquecida quando começo a ler as
mensagens da contadora, relatando sobre o proposital
vazamento de gás carbônico na sede do MC feminino,
e as de Damon, avisando que o negócio em Dallas com
o Capo italiano foi devidamente concluído no fim da
tarde de ontem.
Domenico Coppola é oficialmente carta fora do
baralho, no entanto, o Pres e o executor tiveram de
fazer uma alteração no roteiro inicial a pedido do
rastreador, por conta de um imprevisto de última hora
no resgate de Nate e em vez de embarcarem para a
Califórnia, estão a caminho de Houston para
resolverem a questão do irmão da Lyn.
Oásis e Bund voltaram para Green Hill e irão se
juntar ao VP.
A foto de Snake segurando sua filhinha Ava,
consegue atenuar a tensão que se instala dentro de
mim por alguns poucos segundos, mas a imagem do
pequeno anjo enrugado com fios de ouro revestindo
sua cabeça careca e carinha de joelho, logo é
esquecida quando minha mente passa a assimilar o
conteúdo dos arquivos enviados pelo executor para o
meu e-mail.
Não há nenhuma novidade sobre o notório
distúrbio mental de Benício Xavier, o que já não posso
dizer dos relatos a respeito da menina órfã que fugiu
durante um incêndio no orfanato em que vivia desde o
seu nascimento, em Chicago.
Uma irrisória fatia do passado de Pink que não
deveria me afetar de nenhuma forma, mas afeta pra
caralho, pois comprova que a cadela guarda a sete
chaves muitos mais segredos do que eu supunha.
E mesmo depois de tantos anos, Pink ainda
permite que exerçam um fodido poder sobre as suas
escolhas e determinem suas decisões, que agora, mais
do que nunca, são minhas também.
Engulo em seco, saboreando o gosto amargo que
cada palavra dessa porra salpica na minha língua,
porém me forço a digerir uma a uma como se fossem
estrofes de uma poesia, e não conjecturas rasuradas
de um relatório policial muito malfeito mais de dez anos
atrás.
De repente o cansaço da viagem é drenado para
longe do meu corpo junto com as preocupações da
invasão à fazenda, e rapidamente é substituído por
uma legião de sentimentos confusos, inapropriados e
depravados.
Herdeiros do ódio. Malditos semeadores do caos.
Fico de pé, envolto pela escuridão; tomado,
transtornado e transformado pela necessidade voraz,
quase doentia, de dominar, subjugar e submeter a
cadela para aplacar minha fome, até me sentir saciado.
Fodidamente satisfeito.

Stephanie Vogel, namorada de Logan Khan,


jovem que ficou um ano desaparecido após ter sido
vendido para rico empresário do Catar, segundo
negociação realizada através de um site na Dark
web.

Isso é tudo que minha mente reproduz repetidas


vezes quando entro no banheiro, fecho a porta atrás de
mim, me livro das roupas e encontro Pink lavando seu
corpo nu sob a ducha quente.
Quando seus olhos capturam os meus e a cadela
dá um passo para trás, tão assustada quanto uma
coelhinha encurralada por um leopardo faminto, tenho a
certeza que preciso para fazer o que quero.
Pink julga que me conhece, mas vou provar que
ela estava errada.
Até agora...
PINK
Encaro meu reflexo no espelho e não me reconheço.
A falta da cor no cabelo retrata o opaco que embaça meu
coração, mas me obrigo a aceitar que é apenas um
momento transitório na minha vida e tudo vai voltar ao
normal ao fim do resgate.
Falta pouco, repito para mim mesma.
A ducha quente chicoteia minha cabeça,
massageando meus ombros enrijecidos pelas muitas horas
de viagem. Tento esvaziar minha mente das lembranças e
da saudade que espremem meu peito, mas o esforço
exigido é muito maior do que estou disposta a fazer.
Mais uma batalha perdida, então me rendo e deixo vir,
recebendo a dor de braços abertos em um abraço apertado
de boas-vindas.
Fecho os olhos, distraída sob o jato de água enquanto
ensaboo meu corpo numa carícia preguiçosa e mais uma
vez sou surpreendida pela chegada sorrateira de Dumb,
que surge do nada, silencioso, se movendo como uma
sombra faminta em busca da sua próxima refeição
luminosa.
Meu olhar cai para o seu corpo esculpido por
músculos, tatuagens, tentação e promessas lascivas de
prazer imoral. Me recrimino por abrir mão do controle das
reações do meu próprio corpo com extrema facilidade
sempre que se trata desse vira-lata.
É instintiva, tão natural quanto pode e deveria ser
minha resposta solene ao tipo mais decadente de luxúria,
mas quando fito as duas esferas negras que me encaram
com raiva e frieza, me sinto febril.
Ofego, dando um passo para trás, temerosa e
excitada.
— O que você quer? — balbucio sem força.
Dumb não responde, não sorri ou faz piadas.
Ele simplesmente avança, impondo seu tamanho e
sua força sobre mim quando me pressiona contra a parede.
Nenhuma palavra, nenhum sorriso. Nada além da sua
autoridade muda, opressora e dominante, que não tolera
contestações.
Sua mão envolve minha mandíbula em um agarre
capaz de fraturar os ossos, caso ele desejasse. Os dedos
afundando em minhas bochechas me obrigam a abrir a
boca com os lábios espremidos e tortos.
Meu pescoço estica para cima e tenho que me
equilibrar na ponta dos pés conforme Dumb suspende seu
braço cada vez mais alto, me levando com ele, como se eu
não pesasse nada. No mais absoluto silêncio.
A pressão asfixiante da sua palma na minha carne
sensível me proíbe de respirar, falar ou pensar, mas nem
mesmo o pânico cortante e o medo real de ser ferida, até
mesmo morta, dentro do banheiro de um quarto qualquer,
diminui a premência exclusiva do seu toque entre as minhas
pernas. Apenas um toque, qualquer um, contanto que seja
dele.
O anseio sórdido é tão doentio e inexplicável, quanto a
humilhante admissão de que quanto mais o general de
armas me submete ao seu domínio degenerado, mais
desejo me submeter a ele.
Dumb inclina a cabeça para o lado, seus olhos negros
são como um par de cubos de gelo seco cravados nos
meus, revelando o quanto o ato de me corromper o excita.
Sem mencionar o tamanho e a grossura do seu pau que
resvala na parte interna da minha coxa. Quente, macio.
Como se pudesse ler meus pensamentos, Dumb enfia
dois dedos da mão livre na minha boceta e deixa escapar
um rosnado da sua garganta no instante que ele depara
com meu canal malditamente escorregadio.
Um segundo atrás, eu estava sendo pressionada
contra a parede, praticamente suspensa no ar, incapaz de
respirar e desesperada por mais.
Neste exato momento, caio de joelhos aos seus pés
feito um grande pudim de leite servido antes da hora. Estou
livre do seu agarre mortal, do seu toque opressor e da sua
reivindicação arbitrária.
O único problema é que em vez de agradecer pela
liberdade concebida, tudo que faço é lamentar a falta da
prisão.
Sinto-me carente e desamparada.
Pelo menos até Dumb enrolar um punhado do meu
cabelo em seus dedos, puxar minha cabeça com um tranco
grotesco para trás. Ele fecha o registro, meus joelhos doem
quando deslizam sobre o piso ensaboado, porém Dumb
ignora minha careta de dor.
E olhando dentro dos meus olhos, o general de armas
do Black Panthers me divide em duas ao cuspir rudemente
na minha cara sem nenhum vestígio de humor, simpatia ou
qualquer sentimento agradável:
— Isso é apenas o começo, Stephanie Vogel...
Então tudo que já foi um dia, de repente não é mais.
CAPÍTULO 45
DUMB
A cadela arregala os olhos, chocada pra caralho
quando menciono seu verdadeiro nome, e sua
expressão estarrecida me deixa ainda mais duro e
fodidamente mais encolerizado.
A conhecida sensação sombria volta a escurecer
minha alma, enaltecendo a fome que rege meu corpo
de arrastá-la comigo para o turvamento que me
aprisiona e fascina há mais tempo do que sou capaz de
lembrar.
Pink tenta se libertar, mas minhas pernas são
como duas barras de aço ao redor do seu corpo,
mantendo a cadela exatamente onde eu preciso que
ela esteja para o que tenho em mente.
O máximo que Pink consegue fazer é fechar os
olhos, arquejante, para evitar meu olhar assassino e a
visão do meu pau, que abana de um lado para o outro
bem diante do seu belo rosto, como o grosso ponteiro
de um relógio contando os segundos para sua total
rendição, tão fodidamente duro quanto é possível.
Suas mãos empurram meus joelhos, em uma
nova tentativa fracassada de se afastar. Dou outro
puxão em seu cabelo, agora curto e rápido, porém
igualmente grosseiro. Pink pisca rápido, completamente
perdida em meio a tantas sensações diferentes.
— Não, cadela. Você fica onde eu quero; faz o
que eu quero; e só fala quando eu quero. Esse jogo é
meu para jogar.
Envolvo a mão livre na base do meu pau e
começo a deslizar lentamente a cabeça inchada sobre
seus olhos, nariz e bochechas, desenhando uma trilha
melada em sua pele cálida.
Por muito pouco a imagem da cadela marcada
pelo líquido que escorre do meu pau não me faz jogar
tudo para o alto, girar seu corpo e comer sua boceta
por trás, enterrado até as bolas dentro dela, enquanto
estapeio sua bunda empinada para que aprenda a
lição.
— Eu dito as regras por aqui. Abre os olhos, quero
que veja quem tem você de joelhos — ordeno com um
tom duro e gélido.
Pink não demora para obedecer e no instante que
seu olhar encontra o meu, esfrego meu pau sobre seus
lábios entreabertos, indo e vindo bem devagar,
pressionando a minha dureza contra a sua maciez sem
delicadeza, mas com um tesão do caralho.
— Eu nunca perguntei o que aconteceu naquela
porra de orfanato, nem como você conseguiu ficar fora
do radar da polícia por todos esses anos, porque eu
não queria que você se sentisse pressionada, nem
pensasse que eu estava desconfiado de alguma coisa
ou qualquer merda desse tipo. Pode acreditar, cadela,
eu gostaria de saber tudo sobre a sua vida, mas estou
malditamente bem com o seu silêncio, e nada vai
mudar se um dia você quiser se abrir comigo. Só não
espere que eu peça por isso, porque não vai acontecer.
A decisão de se abrir comigo é sua, não minha —
cuspo entre os dentes semicerrados, me esforçando
para conter o ódio que borbulha dentro de mim e puxo
seu cabelo para trás com mais força.
Pink geme baixinho sem nunca desviar os olhos.
— A única coisa que realmente me importa, é que
agora você e essa pequena doce boceta são minhas.
Assunto encerrado. E quanto mais tempo você demorar
para aceitar a porra da verdade, mais difícil eu vou
levar isso para você.
Não alivio o aperto. Não suavizo a voz.
Quero que Pink me conheça e mesmo estando
com medo do que eu possa fazer com ela, ainda assim,
a cadela queira ficar.
— Lá fora, quando todo mundo estiver olhando
para nós, você pode me ter como seu vira-lata preso na
coleira, abanando o rabo na sua direção. Mas quando
for apenas nós dois, não importa onde. — Toco seu
queixo, indicando para que abra a boca. — Eu vou ter a
minha cadelinha obediente para fazer fodidamente tudo
que eu mandar, e você vai fazer sem reclamar, porque
nós dois sabemos que você quer se submeter a mim,
tanto quanto eu quero que você se submeta. Estamos
entendidos, minha putinha?
Ela pisca atordoada, porém maneia a cabeça e
confirma o entendimento, ao mesmo tempo que sua
língua circula a cabeça do meu pau. A sensação
inebriante deixa minha voz mais rouca.
— Boa cadela. Agora mama gostoso até eu gozar
nessa boquinha.
Pink obedece e me engole ao máximo que
consegue, ancorada em minhas pernas para se
equilibrar em seus joelhos. Depois de controlar as
primeiras estocadas e manter o ritmo mais suave, estou
com as duas mãos prendendo sua cabeça no lugar e
fodendo sua boca do jeito que eu gosto.
Forte e rápido.
A cadela me leva por inteiro, cada vez mais fundo
em sua garganta sem se queixar da aspereza das
investidas sempre que me empurro para frente,
impulsionando seu tronco para trás e aposto que assim
como eu, ela ama e desfruta cada segundo que se
submete as minhas vontades.
Murmuro seu nome no instante que minhas bolas
se contraem, meu pau incha em sua boca e Pink
engole a minha porra até a última gota.
Passo os braços por baixo dos seus ombros e a
coloco de pé. Suas pernas tremulam, mas antes que a
cadela tenha tempo para protestar, eu a pega no colo e
a levo de volta para o quarto.
Deito seu corpo molhado atravessado na cama,
espalho suas pernas abertas e me encaixo entre elas,
inalando o cheiro delicioso da sua doce e apertada
boceta.
Pink se contorce embaixo de mim.
— Quer gozar na minha boca ou no meu pau,
cadelinha safada? — pergunto, capturando seu
grelinho com meus dentes.
— Nos dois... — Ela geme erguendo os quadris,
esfregando a boceta na minha cara e chamando meu
nome. Dou tudo o que Pink quer não apenas para
satisfazer minha cadela, mas porque o que ela quer
que eu lhe dê, é exatamente o que eu quero dar para
ela. De fato, uma troca justa.
Perfeita pra caralho.
— Não precisa fazer isso.
— Eu sei. — Termino de limpar a porra que
escorreu por sua coxa e a encaro. — Estou fazendo
porque eu gosto de cuidar da minha cadela.
Pink desvia o olhar para o teto e inspira
profundamente sem dizer nada, o que já é grande
coisa. Pelo menos ela não me xingou nem me
empurrou para longe. Jogo o pano úmido no chão,
apago a luz do abajur e me deito na cama ao seu lado.
— Como você soube? — pergunta com a voz
sonolenta, se referindo ao seu nome verdadeiro.
Passo o braço por baixo dos seus ombros,
puxando a cadela para mim e sorrio de lado, grato por
ela vir sem resmungar. Pink cabeça descansa no meu
peito, o joelho repousa em cima da minha coxa e seus
dedos escovam a faixa de pelos que descem abaixo do
meu umbigo.
— Não pretendo esconder nada de você, mas
agora precisamos descansar. Os próximos dias vão ser
puxados e não sabemos quando vamos ter uma pausa.
Amanhã a gente conversa e eu te conto tudo.
Beijo seu cabelo e fecho os olhos.
Depois de alguns segundos, Pink murmura:
— Estamos transando sem camisinha, Dumb.
Esse não é o tipo de assunto para ser discutido
justamente agora, porém conhecendo a cadela do jeito
que eu conheço, evitar a discussão pode ser um
péssimo movimento para o meu próprio jogo.
— Nós fizemos um acordo, lembra? — rebato,
tranquilamente.
— Fizemos quando eu ainda estava no clube e
sabia com quem você transava.
— Nada mudou depois que você saiu — admito,
sem me importar com o fato de que ela trepou com
outros homens, enquanto meu pau foi obrigado a se
contentar com as punhetas diárias.
— Você não ficou com ninguém esse tempo todo?
— Sua voz é um misto de espanto, alegria e satisfação.
— Não, quer dizer. Eu comi a bunda da Megan,
mas usei camisinha.
— Megan? — indaga, desconfiada.
— Megan.
— A Megan do Ghost? — Aposto que Pink está
fazendo uma careta.
— Você conhece outra?
— Não. — Sinto seu corpo sacolejar levemente e
sei que está dando risada. — Eu só estou um pouco...
— Surpresa? — completo.
— Acho que sim. Aquela garota é muito travada.
— Era uma experiência que o Ghost queria que
ela tivesse para entender como isso funcionava entre
nós.
— Ela entendeu?
— Acho que sim, mas nunca pediu para repetir.
Ficamos em silêncio, relaxados e agarrados um
ao outro.
— Dumb? — Pink sussurra.
— Hum...
— Não acredito em você, mas sei que se tivesse
transado com outras mulheres, não transaria comigo
sem camisinha.
— Eu prometi que você ia ser a única cadela a ter
o meu pau desencapado e não importa o que aconteça
entre nós, isso não vai mudar.
— Os três vira-latas com quem eu transei usaram
preservativo.
— Eu sei — murmuro, com as pálpebras pesadas.
— Como você sabe?
Deposito mais um beijo em seu cabelo e respondo
antes de me entregar ao sono:
— Eu confio em você.

Xingo baixo e cubro os olhos com o braço, mas


não adianta me esconder porque o idiota continua
batendo na porra da porta. Afasto Pink para o lado com
cuidado e puxo meu braço, que agora está dormente.
Jogo as pernas para baixo, pego minha pistola em
cima da mesa de cabeceira e abro a porta o suficiente
para colocar a cabeça para fora e garantir que é o
novato quem está no corredor.
— Entra — falo e me desloco para o lado, dando
espaço para ele passar por mim, mas o idiota enfia as
mãos nos bolsos e não se move.
— A Pink já acordou?
Descanso a testa na madeira, com sono e sem
paciência.
— Não.
— Eu... — Trap passa uma mão no cabelo,
olhando para todos os lugares, menos para mim. —
Vou descer e esperar vocês no carro.
— Entra — ordeno, minha voz autoritária
surpreende o novato.
— É melhor eu...
— Entra logo, porra! — rosno, fodidamente
desperto.
Ele endireita os ombros, percebendo que não é o
caralho de um pedido e obedece.
Trap senta na cadeira com o corpo curvado para
frente, os cotovelos apoiados nas coxas e a cabeça
entre as palmas das mãos.
Puxo uma longa respiração, me recriminando por
ter esquecido que ele está passando por um momento
difícil com a cadelinha mexicana, que além de ser irmã
da cadela que ele fodeu, também é irmã do garoto que
nós estamos indo matar.
Fecho a porta, deixo a pistola no mesmo lugar e
paro à sua frente com os braços cruzados sobre o
peito. Trap levanta a cabeça e seu olhar corre pelo meu
corpo. Mais uma vez, me recrimino por estar vestindo
apenas uma boxer preta, no entanto, não faço disso um
maldito alarde.
— Ela não vai saber — falo, chamando sua
atenção para o meu rosto.
Ele engole em seco quando seu olhar encontra o
meu.
— O quê? — pergunta com a voz rouca.
— Estou dizendo que a Ravena não vai saber.
Trap franze a testa.
— Saber o quê?
— Fodidamente nada. — Olho por sobre o ombro
e deparo com o olhar aguçado de Pink.
Ela acabou de acordar e está sentada com os
cotovelos apoiados no colchão, atenta a nossa
conversa. E embora seja quase imperceptível, vejo seu
maneio de cabeça, confirmando que concorda comigo.
Volto a encarar Trap, que parece mais branco que
um fantasma.
— Nem a Ravena, nem ninguém vai saber. Pode
confiar em mim, irmão, o que aconteceu entre nós, vai
ficar e morrer entre nós.
Dou dois tapinhas em seu ombro e sigo rápido
para o banheiro, antes que meu pau me denuncie e
foda com tudo.
Lembrar do novato me engolindo e chupando meu
saco é uma maldita tortura e pela maneira gananciosa
com que seus olhos se fixaram na minha virilha, aposto
que ele sente a mesma em relação ao meu pau.
Um tesão dos infernos.
No entanto, vai ser melhor para todo mundo se
fingirmos que nada aconteceu. Essa merda já foi longe
demais e não é como se apenas a Ravena fosse ficar
malditamente decepcionada se soubesse que o cara
que ela ama chupou o pau do general de armas do MC
Black Panthers.
DUAS VEZES, PORRA!
E ele ainda quer mais. Maldição! Eu também
quero.
Claro que os diretores não ficariam muito felizes
com a notícia, até porque eles nunca receberam um
boquete do novato e não sabem como a boca do Trap
é fodidamente boa para chupar um pau.
A verdade é que ninguém entenderia o que rolou
entre nós e com toda maldita certeza desse mundo,
não sou a pessoa mais indicada para explicar essa
merda, já que eu mesmo não posso entender como foi
que tudo isso aconteceu, em primeiro lugar.
De qualquer forma, foda-se!
Acabou, e já não faz nenhuma diferença para mim
ou para o Trap. É página virada. É passado. Passou. E
a única coisa que importa daqui em diante é o futuro.
No entanto, eu só tenho que me convencer desse
monte de merda, porque falar é sempre muito mais fácil
do que fazer.
Maldita tentação do caralho.
CAPÍTULO 46
PINK
— Está tudo bem? — pergunto e me levanto da
cama, sem me preocupar com a minha nudez.
— Bem mal — Trap dá um sorriso amargurado,
passando as mãos pelo cabelo e joga a cabeça para
trás.
— Você aceita um conselho? — Visto a calcinha e
o top preto.
— Aceito qualquer merda. Pior do que está, não
vai ficar.
— Isso é uma grande bobagem. — Coloco a calça
jeans e a camiseta que vou usar em cima da cama para
vestir depois que eu for ao banheiro. — Não existe
nada ruim o bastante que não possa piorar.
Trap ajeita o volume sob o jeans e se remexe na
cadeira, desviando o olhar da minha bunda para o
chão. Ele ainda é jovem e pelo que percebi, a
experiência sexual que teve com Dumb foi a sua
primeira, o que justifica seu conflito interno.
Se bem que a relação que o novato mantém com
a irmã do Benício não é uma das mais convencionais, e
implica com o fato de que além de a garota ser virgem,
ainda é tratada como a princesa inocente presa na torre
mais alta do castelo, à espera do príncipe encantado
que irá libertá-la.
— O que pode ser pior do que a Ravena descobrir
que eu comi a irmã dela? — ele questiona e tenho
vontade de sorrir quando seus olhos se fixam nos meus
peitos.
— A Ravena pode descobrir que você matou o
irmão dela, ou que você deu cobertura para o
assassino dele — respondo e me aproximo.
Paro à sua frente e ponho as mãos na cintura,
oferecendo ao novato total visão do meu corpo. Muitas
mulheres acham que seus vira-latas são fieis por
opção, sem saber que a maioria só não cometeu
adultério por falta de oportunidade.
Portanto, a maneira mais eficaz de testar a
fidelidade de um vira-lata é deixá-lo frente a frente com
a tentação. Se ele resistir, considere-se uma mulher de
sorte por ser amada e acima de tudo, respeitada.
— Ela vai me odiar se isso acontecer — Trap
murmura, sua voz rouca e grave.
— Se tudo que o Ghost descobriu sobre o
esquema do Domenico for verdade, matar o Benício vai
ser um favor que vamos estar fazendo não apenas para
a Ravena, mas para todos as crianças e adolescentes.
Ele esfrega os olhos, fica de pé e vira de costas.
— Pink, é sério. Eu estou tentando me concentrar
na conversa, mas fica difícil prestar atenção em alguma
merda com você vestida desse jeito.
Dou risada, orgulhosa.
— Vai aceitar o meu conselho, ou não? — insisto,
e pego a camiseta preta para vestir no momento que
Dumb sai do banheiro.
O general de armas reveza o olhar entre Trap e
eu com a testa franzida, antes de estreitar os olhos na
minha direção.
— Por que ainda está desse jeito? — Ele gesticula
indicando a roupa estendida em cima da cama.
— Porque eu preciso usar o banheiro primeiro.
Dumb desfaz a distância entre nós e me abraça,
colando seu corpo ao meu.
— Nós temos muita coisa para acertar antes de
sair, mas se você vai ficar andando seminua por aí,
pode esquecer a ideia de aproveitar o break do almoço
para roubar o caminhão que faz a entrega das
marmitas na fazenda.
— Se o Trap conseguiu resistir à tentação, você
também consegue.
O general de armas olha por sobre o ombro e
solta uma risadinha. Acompanho o seu olhar para saber
do que ele está rindo e de repente o clima dentro do
quarto esquenta, quando vejo o novato se
masturbando, encostado na porta com a calça jeans
aberta e a barra da camisa presa entre os dentes.
Dumb segura minha nuca e devora minha boca.
Sua língua mergulha fundo na minha garganta,
chupando, lambendo e explorando cada cantinho. Eu
me entrego ao beijo e gemo quando seus dedos
alcançam as tiras da calcinha e as empurram até a
metade das coxas, sem desgrudar nossos lábios.
Minhas mãos terminam a outra metade e logo o
pedaço de renda está caído no chão. O general agarra
minha bunda e me ergue. Envolvo as pernas em sua
cintura, e só percebo para onde ele me levou quando
minhas costas se chocam contra o peito duro de Trap.
— Isso é um teste, irmão? — As mãos do novato
apertam as laterais dos meus quadris.
— Eu disse que ninguém vai saber. — Dumb
esbraveja, usando o corpo do garoto de apoio para o
meu, enquanto ele abaixa a sua calça e libera seu pau
endurecido. — Aproveita que essa pode ser a última
vez que você vai ter a chance de comer o cuzinho da
minha cadela, porra!
— Caralho! — Trap afasta meu cabelo para o lado
e beija meu ombro. — Fala que não quer que que eu te
foda, Pink. Diz que não quer o meu pau enterrado
nessa bunda deliciosa, por favor.
Dumb enfia dois dedos na minha boceta e começa
a me foder. Meu corpo é um pobre refém desses dois
vira-latas deliciosos e prazer é tudo que interessa
nesse momento.
— Me desculpa, Trap, mas não posso mentir —
balbucio, as palavras tropeçando para fora da minha
boca.
— Puta merda! — A resposta surti efeito no
novato e agora ele está agoniado para entrar na
brincadeira de gente grande.
Dumb posiciona a cabeça do seu pau na entrada
da minha boceta, completamente arreganhada para
ele, e somente quando o novato termina de colocar a
camisinha e alarga centímetro por centímetro do meu
cuzinho, bem devagar, é que o general de armas mete
com força.
Eu grito, plenamente preenchida, domada e
rendida.
Dumb troca de posição com Trap no momento que
abraço seu pescoço e tombo para frente, capturando
sua boca com a minha.
Agora ele está com costas apoiadas na porta,
enquanto os braços do novato me cercam por baixo
das minhas pernas, me deixando ainda mais aberta
para que ele me foda com força.
Eles encaixam um ritmo alucinante de estocadas
ásperas que me alucina e entorpece de forma única.
Somos um amontoado de mãos, lábios, línguas, suor,
saliva, sussurros e gemidos.
Gozo, aprisionada pelo olhar de Dumb e me
desfaço em cima dele. Trap vem logo em seguida e o
general de armas é o último.
— Que conselho você ia me dar? — indaga o
novato, com o queixo apoiado no meu ombro.
Dumb arqueia as sobrancelhas, em desafio.
— Não acumule segredos só para agradar alguém
— repito as palavras que escutei alguns anos atrás e
definiram um novo rumo para a minha vida. Mais
solitário, mas infinitamente mais honesto e seguro de
se trilhar. — Quem amar você de verdade, vai te aceitar
com todos os seus defeitos. Se não aceitar, é porque
não é amor.
Nenhum dos dois sai do lugar e tenho a impressão
de que estão com medo de desfazer nosso triângulo
carnal.
Alguma teoria qualquer vinculada a área da
psicologia sobre o que teremos que enfrentar quando
essa união física se desfizer.
É como se a separação dos nossos corpos
determinasse, oficialmente, o início do dia. A realidade.
O grande motivo. E talvez por isso os dois vira-latas
continuam me segurando entre eles sem demonstrar
nenhum sinal de que irão me soltar.
Não reclamo, pelo contrário. Me deleito de cada
segundo que meu corpo permanece ancorado ao do
vira-lata à minha frente.
Mais uma experiência avassaladora que Dumb me
proporciona.
Mais um tijolo do muro que protege meu coração
que é derrubado.
Mais uma fresta de luz no caminho para a minha
alma que é acesa.
Falta pouco, repito para mim mesma.
No entanto, já não tenho a mesma convicção que
tinha quando deixei o clube de motoqueiros, e não
estou tão segura de que todas as minhas barreiras são
resistentes o bastante para suportar quaisquer
tentativas de reaproximação do general de armas.
Dumb está se infiltrando sob a minha pele à
medida que desnuda sua alma e me apresenta um vira-
lata que ninguém jamais conheceu.
Nem mesmo ele.
TRAP
As palavras de Pink mexem profundamente comigo,
tocam meu espírito e aliviam grande parte da angústia que
corrói meu peito como ferrugem em portão de ferro oco.
Um fodido contraste com a satisfação que inunda meu
corpo.
Eu sei que é uma distração temporária, que deve se
esvair em breve, tão logo minha consciência tome
conhecimento do que acabei de fazer movido pela luxúria
desenfreada e malditamente irresistível.
— Vamos, não temos muito tempo — Dumb avisa,
indicando o celular no centro da cama.
— O que é isso? — Pink pergunta, seus olhos fixos na
tela do aparelho.
— A planta da fazenda — ele responde.
Cada um senta de um lado, totalmente focados no
próximo passo que daremos em direção a fazenda
enquanto eu ainda me esbaldo com o cheiro de sexo
impregnado no ar.
A fodida fome que nunca é saciada.
— Trap? — A cadela me chama, batendo a palma da
mão no colchão para que eu me sente ao seu lado.
Eles me encaram, solidários e compreensivos. Mas
nem mesmo as duas pessoas que são o mais próximo que
eu tenho de ser uma família, fazem ideia do turbilhão de
emoções e dúvidas que entulham minha mente.
Respiro fundo, ofereço meu melhor sorriso falso e me
sento, fingindo da forma mais eficiente que consigo, prestar
atenção e demonstrar interesse nas instruções do general
de armas.
A princípio, penso que não vou conseguir me desligar
do que aconteceu nos últimos dias, mas conforme Dumb e
Pink se conectam ao plano de invasão e resgate,
determinando nossas funções com seriedade e
preocupação para que nenhum dos meninos mantidos no
cativeiro sejam feridos durante a missão, meu cérebro
adere ao motivo principal de estarmos aqui e compreende
que o que nós três compartilhamos no carro e nos dois
quartos de hotel, foram consequências da nossa
proximidade possibilitadas pelo que temos em comum.
Então me dou conta de que o que tem restringido à
minha busca de quem eu sou e do que realmente quero
fazer é a ausência de algo que me dê mais desses motivos.
Aquele fator determinante para promover o próximo
passo, o impulsor que me instigará a sempre querer
melhorar, crescer, aprender e não vai permitir o meu
relaxamento, tampouco a minha estagnação.
Agora que já sei qual é o item faltante para integrar a
minha vida, não vou desistir de encontrá-lo, nem que a
minha procura demore cem anos, pois sem ele nunca me
sentirei completo e um homem de verdade merece provar a
plenitude pelo menos uma vez, antes da sua morte.
Eu já tenho casa, família, amigos leais, dinheiro, o
amor de uma cadela, mas neste momento estou dando o
primeiro passo para descobrir um real motivo para que todo
o resto, faça sentido.
O meu propósito, seja ele qual for.
CAPÍTULO 47
DUMB
Trap senta ao lado da Pink com uma cara meio
estranha, e penso que talvez tenha sido um erro
estimular o novato a se divertir um pouco. De qualquer
forma, é tarde demais para lamentar, então atualizo os
dois sobre os últimos acontecimentos em Dallas,
Houston e Los Angeles.
Prometo a Pink que Lyn e Madison vão resolver a
situação na sede do Shadow Princesses com a ajuda
das suas irmãs, e mesmo afirmando com todas as
letras que não confia em mim, sua postura tranquila
revela justamente o contrário.
No entanto, não demonstro o quanto me sinto bem
pra caralho e começo a explicar como vamos fazer
para invadir a fazenda.
— O restaurante que o Pablo contratou é de
Nevada County, mesmo condado da fazenda. O
motorista sai carregado do estacionamento às onze e
meia, pontualmente, e chega ao portão principal da
fazenda entre meio-dia e uma da tarde. O itinerário das
entregas varia de acordo com as encomendas, mas a
fazenda é sempre o terceiro lugar a receber as
marmitas. Se não houver nenhum imprevisto na
autoestrada, chegaremos por volta de onze e vinte, o
que nos dá uma margem de aproximadamente dez
minutos para seguirmos o caminhão sem maiores
problemas.
— Quantos homens estarão no caminhão? — Pink
pergunta.
— Dois. O responsável pela cobrança vai na
cabine com o motorista, e o responsável pela descarga
das marmitas, na carroceria junto com a comida. Os
funcionários do restaurante não têm porte de armas,
mas eu duvido que eles saiam desarmados.
Deslizo o dedo sobre a tela do celular e amplio a
imagem dos cálculos que fiz para que Pink e Trap
entendam o meu raciocínio.
— Cada marmita custa quinze dólares. Pelo
itinerário das últimas duas semanas, o restaurante
abasteceu oito empresas com mais de vinte
funcionários, no condado de Nevada County. Só na
fazenda são entregues trinta marmitas. Por baixo, a
arrecadação diária gira em torno de três mil dólares,
com roteiro e hora marcada. Nenhum proprietário vai
arriscar essa grana e aposto que o cara da cobrança
sabe usar a porra de uma arma.
Pink faz que sim com a cabeça e diz:
— Ok. Um caminhão e três homens armados.
Qual é o seu plano?
Desvio o olhar para o lado, checando se Trap está
acompanhando. Ele não diz nada, então seleciono o
mapa e amplio a imagem ao máximo.
— O motorista é obrigado a pegar uma estrada de
terra de dois quilômetros para chegar ao portão
principal da fazenda. É exatamente aqui que nós
vamos armar a emboscada e roubar o caminhão.
— Como, exatamente, nós vamos fazer isso? —
Pink questiona e Trap cruza os braços, curioso para
ouvir a resposta.
— Nós, não. — Pisco um olho e sorrio de lado. —
Você vai.
— Eu?
— Existe apenas uma coisa que faz qualquer
homem trocar a estrada da salvação divina pela viela
do pecado. Muito conhecida como: boceta. E a sua,
cadela, fodidamente vai ser a nossa isca perfeita.
— Viela do pecado? — Pink ergue uma
sobrancelha e não posso deixar de sorrir.
— Por trás da minha fachada de bad boy, existe
um poeta romântico.
— Que chama as mulheres de cadelas. — Ela
revira os olhos.
— O apelido carinhoso é a epítome do
romantismo.
— Desde quando você é romântico?
— Desde sempre. Todo homem tem um lado
romântico.
— O seu lado deve ter atrofiado por falta de uso.
— Ele só é um pouco preguiçoso e vive dando
umas cochiladas.
— Um balde de água gelada é melhor que
despertador para acordar.
— Incluir qualquer item de baixa temperatura em
uma conversa sobre romantismo, comprova que você
não entende nada do assunto.
Pink bufa e faz uma careta para Trap, que está
rindo.
— Por quê?
Seguro sua mão e beijo os nós dos seus dedos,
um por um, fitando seus olhos com falsa seriedade.
— Porque o romance tem uma ligação muito forte
com o calor, ou você acha que a associação do sexo ao
inferno é mera coincidência?
Pink estuda minha expressão, ressabiada. A
cadela me conhece e sabe que essa merda vai acabar
em putaria, mas no fundo ela quer acreditar que estou
falando sério.
Aperto sua mão com mais força quando ela tenta
recolher o braço.
— Vá direto ao ponto, vira-lata.
— Para entender o meu ponto, você precisa dar
meia-volta e voltar ao início da conversa.
Trap gargalha alto, jogando a cabeça para trás.
Pink enruga o cenho, seus olhos parecem duas fendas
cruéis prontas para me executarem.
— Viela do pecado? — interpela, incerta.
Nego, balançando a cabeça de uma lado para o
outro.
— Bo. Ce. Ta — pontuo exageradamente. —
Tudo, fodidamente tudo na vida de um homem se
resume a boceta. — Quando ela abre a boca para
protestar, ergo a mão e sinalizo para que fique quieta.
— Eu sei o que você vai falar, mas pode apostar que
todos os pensamentos de um homem estão
permanentemente ligados, direta ou indiretamente, ao
pau dele sendo aquecido por uma boceta. Calor, fogo,
inferno, pecado, tanto faz, nosso cérebro sempre vai
dar um jeito de resumir todas as informações que ele
recebe em apenas uma: Boceta. Não existe nada,
fodidamente nada melhor do que enterrar o pau em
uma boceta quentinha.
Inclino-me para frente e sussurro em seu ouvido:
— Sua bocetinha foi feita sob medida pra mim e
se eu tivesse direito a um pedido, pediria para morar
dentro dela. Comer sua boceta é a porra do meu
paraíso e ainda que você não acredite, juro que não
quero mais nenhuma. Mas não vou mentir, até
encontrar a boceta certa, nós, homens, fodemos todas
as erradas e mesmo depois de encontrar a que
procuramos, ficamos imaginando como deve ser a
boceta da cadela gostosa que vimos na padaria, na
praia ou andando na rua. É uma coisa instintiva de
macho que não dá para explicar ou controlar. Olhamos
a bunda e os peitos sempre pensando no calor da
boceta. Todos os homens são assim. Todos. Sem uma
fodida exceção, cadela.
Mordisco a pontinha do lóbulo, adorando sentir
Pink estremecer sob o meu toque. Arqueio as
sobrancelhas e ajeito meu pau dentro do jeans, antes
de me afastar.
— Esse é o motivo que vai fazer o motorista do
caminhão parar quando ver você na estrada; toda
gostosa de shortinho jeans e blusinha decotada. Não
se iluda. O idiota não vai se preocupar com a sua
segurança, nem querer saber do seu problema. Ele só
quer esquentar o pau na quentura da sua boceta. Não
é fácil para uma cadela ouvir a verdade, mas é melhor
você aceitar, porque eu não estou mentindo e é nisso
que o babaca vai estar pensando o tempo todo. —
Pisco um olho. — Bo. Ce. Ta.
Pink está boquiaberta e Trap continua rindo,
enquanto eu me pergunto em qual momento o cara que
se fingia de morto para foder o cu do coveiro, se
transformou nesse poço de sinceridade sem fim?
Não sei, porra!
Depois de acertarmos todos os detalhes do roubo
do caminhão, Trap está mais participativo e interessado
em saber como vamos conseguir resgatar os meninos,
em contrapartida Pink se mostra mais introvertida, mas
sei que ela está preocupada, tanto com o sumiço de
Nate, quanto com o vazamento de gás carbônico na
sede do seu clube.
— O Pablo e o Ax querem o comando do
esquema de tráfico infantil e ainda não sabem que o
Domenico está morto. — Deslizo o dedo sobre a tela do
celular e clico na imagem do psicopata mirim
apontando a submetralhadora para um dos
seguranças. — Os idiotas vão fazer de tudo para
derrubar o Benício quando descobrirem que entramos
na fazenda, mas nós não vamos deixar isso acontecer,
porque precisamos dele para resgatar os meninos e
sair vivos de lá.
— Está falando sério? — O novato arregala os
olhos, atônito.
— Você acha que eu estou brincando?
— Como? — Pink pergunta, mas não desgruda os
olhos da imagem. Meu sangue ferve por conta da
cadela que parece hipnotizada.
— Benício vai tentar nos manipular e nós vamos
deixar ele pensar que conseguiu — respondo, irritado,
e desligo o aparelho.
Ela levanta a cabeça, me encarando com as
sobrancelhas para baixo e um vinco de pele enfeitando
o meio da sua testa.
— Ainda não entendi.
— Você vai entender na hora certa. — Guardo o
telefone no bolso e me levanto. — Temos que ir.
Trap se encarrega de fechar a conta no hotel
enquanto Pink e eu seguimos até a SUV. Arrumo as
bagagens no porta-malas e entro no carro, incapaz de
disfarçar a raiva que se alastra pelo meu corpo.
Essa porra é incompreensível até para mim, e
muito mais forte do que qualquer outra coisa que a
maldita cadela já me fez sentir.
— Que bicho mordeu sua bunda? — Pink se
acomoda no banco do carona e cruza os braços abaixo
dos seios.
Trap está vindo em nossa direção, de cabeça
baixa mexendo no celular. Apoio os cotovelos no
volante, tentando entender que merda está
acontecendo comigo.
— Eu já sei de tudo — declaro, sem olhar para
ela.
— Tudo, o quê? — Sua voz é baixa, porém
temerosa para uma cadela sempre tão segura de si.
— Stephanie Vogel e Logan Khan. — Viro a
cabeça para o lado e logo me arrependo, pois, as
lágrimas acumuladas em seus olhos me contam uma
versão da sua história que não consta nos relatórios do
Capo. — Você me perguntou como eu sabia o seu
nome. — Dou de ombros e ligo o carro assim que Trap
se instala no banco traseiro. — Estou apenas
respondendo a sua pergunta.
Por incrível que pareça, não consegui contar a
Pink que Domenico Coppola guardava informações da
época que ela morava no orfanato.
— Quem mais sabe sobre o Logan? — Pink
inspira profundamente e com as costas da mão impede
que uma lágrima solitária escorra por sua bochecha.
Ouvir a cadela dizer o nome do desgraçado que ela
amava revira meu estômago.
— Os diretores — rosno, consumido pela ira.
— Quem descobriu?
— Claws.
A cadela trinca a mandíbula e seus ombros
tencionam.
— O Domenico sabia que o Logan foi traficado?
— Ele tinha alguns arquivos com as suas
informações.
Ela dá um soco no vidro, xingando uma dúzia de
palavrões.
— Onde estão esses arquivos?
— No meu e-mail.
— Eu quero ver.
— Não.
— O quê? — A expressão de Pink está
transtornada, mas nem no auge da sua cólera seu
timbre contralto altera ou desafina.
— Não — repito, com firmeza e sem me abalar
com a mágoa em seu olhar. — Mas você pode me
perguntar o que quiser.
— Não vou perguntar nada.
Piso no acelerador e saio do estacionamento.
Acelero e viro à direita, seguindo a orientação do GPS.
Preciso me acalmar ou vou falar merda e acabar me
arrependendo. Tamborilo os dedos no volante e respiro
fundo.
— Confesso que fiquei com várias dúvidas depois
que eu li os arquivos — comento, despretensioso,
como quem não quer nada numa tentativa de fazer a
cadela falar, mas ela se cala e olha para fora.
Aproveito para desconectar o celular do Bluetooth
e evitar maiores problemas, caso um dos irmãos me
ligue com notícias ruins. A tensão é uma nuvem
carregada pairando sobre as nossas cabeças e o
silêncio nunca foi tão embaraçoso. Depois de alguns
minutos, Pink fala num tom de derrota que destroça
meu peito.
— Quais são as suas dúvidas, Dumb?
Recosto no banco, me esforçando para relaxar e
sorrio de lado.
No entanto, meu sorriso não é de felicidade ou
divertimento. É uma mistura de sentimentos confusos,
emoções mais confusas ainda e um medo do caralho.
O problema é que eu não sei o que, de fato, me
amedronta, mas fodidamente sei que não posso mais
ficar longe dessa cadela e ainda que pudesse, não
conseguiria.
Puta merda, além de pau mandado, Pink me
transformou em um fodido dependente de boceta.
Estico o braço, e cubro sua mão com a minha
entrelaçando nossos dedos. Desvio o olhar e a encaro
por poucos segundos, antes de retornar minha atenção
para o trânsito.
Eu quero essa cadela mais do que já quis
qualquer outra coisa na minha vida e o medo que sinto
talvez seja de perdê-la outra vez. Mas não vai
acontecer de novo. Nem fodendo.
Pink é minha, porra!
— Vou anotar todas as minhas dúvidas. Se um dia
você achar que eu mereço saber sobre o seu passado
e quiser me contar, posso perguntar uma coisa ou
outra. — Meu sorriso aumenta, assim como a dor
excruciante no meu peito, mas como sempre a cadela
enxerga apenas o que eu permito e se rende a fachada
sedutora do general de armas. — Agora vamos ao que
interessa. Eu aposto quanto vocês quiserem, que o
Nate está intocado em algum lugar da fazenda.
A sugestão proposital surte o efeito desejado.
Além de trazer a cadela e o novato de volta para o
jogo, afasta todos os pensamentos indesejados e
inapropriados para um lugar seguro da minha mente.
Estamos indo para a guerra e não preciso das merdas
do general de armas para me distraírem do objetivo
principal.
Chegou a hora de abrir as portas do inferno e
libertar o filho do diabo para que ele se divirta fazendo
o que nasceu para fazer.
E faz bem pra caralho.
CAPÍTULO 48
PINK
— Isso é loucura. O Nate não está na fazenda.
Dumb sorri ainda mais, mas seu sorriso é sombrio
e sei que tem alguma coisa errada. Ele não parece o
mesmo.
— Tem lógica, se o Pablo e o Ax não souberem
que estamos indo para lá — Trap fala do banco
traseiro.
— Eles sabem — diz o vira-lata ao meu lado.
Encaro seu perfil à procura de qualquer sinal que
justifique minha implicância, no entanto, sua figura não
apresenta nenhuma mudança.
— Por que levar o Nate para o lugar, que eles
sabem que estamos indo? — pergunto e espero que
Dumb olhe para mim, mas seus olhos não desviam da
interestadual quando ele responde:
— Porque não é o presidente, o VP ou o executor
que está a caminho da fazenda. Sou eu.
— O que quer dizer com isso?
— Eles acham que o general de armas não é uma
ameaça. — A voz do novato reverbera atrás de mim.
— Até que você não é tão alienado — Dumb
zomba, porém, suas palavras são carregadas de
sarcasmo.
— É verdade o que ele disse? — indago, sentindo
uma profusão de sentimentos afobados, indignação e
revolta.
— O Pablo e o Ax não têm motivos para pensar o
contrário — a resposta seca me atinge como um raio.
— Isso significa que eles não conhecem você.
Nem sei ao certo porque saio em sua defesa, se
nem eu conheço Dumb o bastante para fazer qualquer
julgamento da sua competência como general de
armas do Black Panthers.
— Ninguém me conhece, cadela.
Um calafrio percorre minha coluna e bate na nuca
quando viro a cabeça e seu olhar nefasto captura o
meu por uma fração de segundo, antes de voltar a se
concentrar na estrada.
— Temos uma vantagem — Trap comenta, se
alojando entre os bancos da frente, com os olhos fixos
no retrovisor fitando diretamente seu companheiro de
motoclube, enquanto eu acompanho a interação dos
dois sem me intrometer. — Você deve estar orgulhoso
em dizer que ninguém te conhece. Não era esse o
objetivo desde o começo?
— Está insinuando que eu mantenho alguma
merda em segredo? — Dumb ergue uma sobrancelha e
gargalha como se Trap tivesse contado uma piada.
— Não é uma insinuação — replica o novato, com
um olhar afinado e o queixo erguido.
— Foi o que pareceu para mim — Dumb segue
zombando.
— É uma afirmação.
— Ok, meu erro. Você é fodidamente alienado,
irmão.
— Sou? — Nem o desafio explícito de Trap
afugenta a expressão infantil do general.
— Porra, irmão. Você é pra caralho!
— Se o Pablo e o Ax estão certos sobre as suas...
habilidades, por que você não ficou no hotel e esperou
os outros diretores para invadir a fazenda? — indago,
pegando carona na onda do novato desafiador e
encolho os ombros. — Eu não pedi a sua ajuda e não
quero que coloque a sua vida em perigo por minha
causa.
A gargalhada alta me desarma totalmente, pois
acreditei que minha acusação velada o irritaria, ou ao
menos fizesse Dumb se sentir ofendido. Mas a maneira
relaxada e até desleixada com que seu corpo sacoleja
atesta que para ele, o que estamos fazendo não passa
de uma brincadeira.
— Cadela, isso é a porra de um jogo.
De repente todo divertimento evapora e quando
Dumb me encara ela está lá, a escuridão familiar
nublando seu olhar, deformando seu semblante suave
e receptivo. Idêntica à que vi no vira-lata que me
amarrou com a mangueira do chuveiro e me fodeu
contra a parede, como um assassino selvagem e cruel.
Ele leva minha mão à boca e murmura com a voz
fria:
— Eu nunca jogo para perder. E eu nunca perco.
— Seus dentes cravam em minha carne com força.
Tento me livrar da mordida puxando meu braço, mas
Dumb finca os caninos ainda mais forte até o filete de
sangue escorrer pela minha pele. Ele limpa o líquido
vermelho com a ponta da língua e chupa como se fosse
um vampiro se alimentando de uma mortal
insignificante. — Agora calem suas malditas bocas, ou
vou ser obrigado a usar o meu pau para manter vocês
em silêncio.
Não há chacota ou um mísero sintoma de
gozação em seu tom. Dumb não solta minha mão,
muito pelo contrário, ele a coloca sobre o volume
aumentado na sua virilha e pressiona a palma contra a
elevação.
Suas palavras grosseiras e sua atitude imperiosa
deveriam me enojar, mas para efetivar a humilhação,
meu corpo responde de uma forma repugnante, e ao
mesmo tempo, afrodisíaca.
Minha calcinha ensopa, meu núcleo lateja, os
bicos dos meus seios endurecem e a necessidade de
ser tocada entre as pernas se torna tão surreal que
beira à demência.
À minha esquerda, Trap respira com dificuldade,
seu hálito quente sopra em meu pescoço e seus os
dedos compridos espetam o couro do banco em puro
tormento, evidenciando o mesmo anseio que o meu, o
que agrava o estado degradante da minha boceta, a
ponto de eu cogitar enfiar a mão por dentro do short e
me tocar até alcançar o alívio exigido por ela, livre de
qualquer constrangimento.
Sem dizer uma única palavra, Dumb pressiona
sua mão sobre a minha, comandando o ritmo dos
movimentos curtos sobre o tecido que oculta o objeto
do meu mais obsceno desejo.
Empurro a parte de trás da cabeça contra o
encosto do banco, arqueio as costas e agarro a lateral
do assento, em total agonia.
Um gemido escapa da minha garganta, mas antes
que eu tenha mais do que preciso, Dumb empurra
severamente meu braço e corta o único elo entre nós.
Ele vocifera como um carrasco sádico e prepotente:
— Sejam bonzinhos e façam tudo que eu mandei.
Quanto mais rápido essa merda terminar, mais rápido
vão ter o meu pau.
Pisco algumas vezes, atordoada, no instante que
a SUV para de se mover e só então percebo que já
estamos em frente ao estacionamento do restaurante,
em Nevada County.
Olho por sobre o ombro e deparo com o olhar
ébrio de Trap.
Engulo em seco, mortificada pelo efeito nocivo
que o general de armas exerce sobre mim e o novato.
Um encantador de serpentes depravado.
Um vira-lata pervertido.
Um demônio disfarçado de anjo brincalhão.
O monstro que saiu das sombras para me
proteger com sua própria vida, pronto para se fartar
com a dor, o sofrimento e o sangue de todos aqueles
que o subestimaram.
Trap tinha razão quando afirmou que Dumb forjou
uma personalidade simplória e carismática de forma
pensada por longos anos, apenas para atrair suas
presas e devorá-las sem nenhuma compaixão.
Fito o vira-lata ao meu lado. Ele aponta o
indicador em riste para o caminhão que manobra para
fora do estacionamento, gira a chave na ignição e
passa a segui-lo pelas ruas do condado.
Em determinado ponto estratégico, ele faz uma
ultrapassagem arriscada e acelera até alcançar a
estrada de terra que faz margem a uma vinícola
esplendorosa.
— É aqui que você desce — Dumb sibila em sua
postura demoníaca e me entrega uma Glock cromada.
— Se tiver que apertar o gatilho, atire para matar.
O general de armas se foi e seu substituto não é
um vira-lata que eu conheça, mas sem dúvida alguma é
alguém que tomou posse do meu corpo, do meu
coração e da minha alma.
Assinto, desafivelando o cinto de segurança e pulo
para fora sem levar nada além de uma arma e toda
minha coragem. Nem um beijo de despedida ou um
incentivo de boa sorte. Somente sua voz insípida
ecoando às minhas costas, lançando como flechas
letais as palavras que ficarão guardadas para sempre
na minha memória:
— Isso é só o começo, cadela. O melhor ainda
está por vir...
O baque da porta não representa um terço da
minha exasperação. Sustento seu olhar endurecido
através do vidro toldado, estática e mal respirando até
que o carro se mova e as lanternas traseiras
desapareçam das minhas vistas.
Acomodo a pistola por baixo do cós do short na
base da lombar, ajeito cabelo com as mãos,
desamasso a baby look e aguardo o momento em que
o caminhão desponta após uma curva fechada.
Adrenalina borbulha em cada veia do meu corpo.
Empurro um sorriso maroto em meus lábios e faço
um gesto de positivo na horizontal. É o meu pedido de
carona que o motorista aceita quando joga o caminhão
para o lado. Ele abaixa o vidro e põe a cabeça para
fora, com o braço dobrado apoiado na janela.
— Qual o problema, boneca?
— Acho que me perdi.
O vira-lata dá uma tragada no cigarro e bate as
cinzas no ar, inspecionando meu corpo dos pés à
cabeça. Ele leva a aba do seu chapéu de caubói para
cima da sua cabeça.
Pela sua aparência acredito que tenha uns
quarenta e poucos anos, sua pele é bronzeada e seu
rosto parece a vitrine de uma loja de pircings.
Logo no primeiro contato visual conto cinco anéis
prateados perfurando sua pele: dois no canto do olho
direito, um em cada narina e um no lábio inferior.
— Para onde você está indo, meu doce? — A
pergunta asquerosa vem do segundo vira-lata que está
quase montando sobre o primeiro, com o pescoço
esticado para me ver melhor.
— Tenho uma entrevista de emprego na fazenda
do senhor Coppola. — Faço uma careta tristonha e
arrasto a sola da bota no chão para frente e para trás.
— Eu estava seguindo o GPS do meu celular, mas
acabou a bateria e agora não sei qual direção devo
seguir para chegar lá. Não posso perder a vaga, minha
irmã está doente e eu preciso trabalhar para comprar
os remédios e pagar as consultas do cardiologista.
Pela visão periférica, vejo Trap se aproximando da
carroceria e Dumb correndo do lado oposto, para
surpreender o segundo vira-lata.
Então tudo acontece ao mesmo tempo. E muito,
muito rápido.
O novato explode a tranca traseira, assustando o
motorista que não tem a menor chance de agir, pois no
segundo seguinte estou empoleirada na sua porta com
o cano da Glock pressionado contra a sua cabeça, e
Dumb já está com o outro vira-lata na sua mira,
estatelado no chão.
— Vadia! — O motorista cospe na minha cara, me
molhando com sua baba nojenta.
— Você não viu nada, querido. — Ergo o braço,
empregando no movimento de descida toda minha
força para que a coronhada seja precisa e apague o
vira-lata.
O som da colisão entre o cano da pistola e seu
crânio estala no interior da cabine. Seus olhos giram
em órbita pouco antes de ele tombar para o lado como
uma jaca mole. Nesse momento Dumb dispara duas
vezes no segundo vira-lata e Trap surge no meu campo
de visão, limpando as mãos sujas de sangue na calça
jeans.
Salto para trás pousando com os dois pés no chão
e prendo a pistola novamente no cós do short. Dumb e
Trap estão abaixados ao lado do morto, revistando
seus bolsos.
Meia hora mais tarde, estou estacionando o
caminhão na porta da fazenda, sorrindo amplamente e
contando uma grande mentira para um dos guardas,
enquanto ele aguarda autorização dos seus superiores
para liberar a minha entrada.
O general de armas e o novato estão trancados na
carroceria, junto com as marmitas e os corpos dos três
vira-latas. Tudo vai bem, até que o telefone do
brutamonte parado à minha frente toca. Ele fala
algumas palavras em italiano, bate com a mão fechada
na lataria duas vezes e abre os portões, liberando
minha passagem.
Engato a marcha, acelero e guio o caminhão na
direção da ruela indicada pelo guarda engravatado com
o coração batendo a mil por hora, mas ele para de
bater quando giro o volante para a direita na primeira
curva, e dou de cara com uma barreira humana
composta por cinco sósias do grandalhão que me
deixou entrar.
Freio bruscamente, arrancando um gritinho do
pneu traseiro que derrapa por uns cinco ou dez metros.
O quinteto armado permanece imóvel, assim como eu,
por longos e apavorantes minutos, até que uma figura
jovial e maltrapilha desponta por detrás de um muro
cimentado revestido de Heras em toda sua extensão.
Ninguém se move.
Olhos da cor do mogno acorrentam os meus e
cada passo que diminui o espaço que me separa de
Benício Xavier, aumenta as semelhanças entre ele e o
garoto que conheci no orfanato, por quem me apaixonei
ainda menina e para quem eu fiz a promessa que me
trouxe até este lugar. Aqui. Agora.
Quando o irmão de Ravena para ao meu lado e
abre a porta, sem nunca desviar seus olhos, o mundo
para de girar a minha volta e sinto no fundo da alma,
que estou diante de um monstro ainda pior do que o
que destruiu a vida de Logan, por minha causa.
Benício estende o braço e me oferece sua mão
para me ajudar a descer. Ele inclina a cabeça
levemente para o lado, sorrindo docemente e fala com
uma voz grave e melodiosa:
— Stephanie Vogel. É um prazer finalmente
conhecer a mulher que matou a minha mãe.
Um dia, muitos anos atrás, nutri a patética ilusão
de que se eu salvasse o filho de Eugênia Xavier, a
salvação do menino proclamaria a minha própria
salvação. O problema é que eu não sabia que monstros
não podem ser salvos.
Mas hoje, eu sei.
CAPÍTULO 49
DUMB
Arremesso o corpo do motorista no fundo da
carroceria.
— Fecha — falo para o novato e soco a divisória,
sinalizando para Pink que podemos ir.
Trap nos tranca com os três funcionários do
restaurante, ao mesmo tempo que a cadela coloca o
caminhão em movimento. Está escuro e quente pra
caralho aqui atrás, graças as caixas de isopor que
guardam as marmitas para mantê-las aquecidas. São
oito no total.
— O que vamos fazer com eles? — Trap pergunta
e encosta o ombro na porta, com os braços cruzados à
frente do peito.
— Enterrar em algum lugar da fazenda —
respondo.
— Ele não está morto. — Aponta o queixo na
direção do motorista.
— Ainda. — Cutuco o peito do idiota com o pé, ele
resmunga alguma merda, mas não acorda. A
coronhada foi mais forte do que deveria.
Eu falei para a cadela apagar o cara, não para
deixar o fodido em coma.
— Por que não acaba logo com isso?
— Porque ele conhece a fazenda e pode ser útil
quando estivermos lá dentro.
Trap suspira com pesar, alto demais para o meu
gosto. Olho para cima, pegando um vislumbre do vulto
de frente para mim. Ele não me disse nada, mas está
na cara que não queria matar o garoto responsável
pela descarga e agora se sente culpado por ter tirado a
vida de um inocente.
— Qual o problema? — estimulo para que vomite
tudo, antes de ser diagnosticado com uma úlcera e
chuto as pernas do motorista, empurrando seu corpo
com mais força.
O imbecil precisa acordar antes de chegarmos à
entrada principal.
— Nenhum. — A resposta do novato é imediata, e
apesar de não conseguir ler sua expressão, aposto que
o fodido está fazendo biquinho.
Porra, não tenho nenhuma fodida paciência para
essa merda de consciência pesada. Para fazer parte de
um MC como o Black Panthers, somos obrigados a
conviver com a morte todos os dias.
Se não tiver estômago para executar o maldito
trabalho é melhor se candidatar a um cargo público, ou
se afiliar ao clube apenas para curtir as festas sem se
envolver nos nossos negócios.
— Vou perguntar de novo e agora quero a
verdade. Qual o caralho do problema? — rosno baixo,
fodidamente ameaçador.
Trap não responde tão rápido, me deixando mais
irritado.
— Eu... — Ele começa a falar, mas é interrompido.
A carroceria trepida quando a roda traseira do
caminhão afunda em um buraco. Meu corpo dá um
solavanco para frente por conta do impacto e tenho que
me segurar para não cair. O mesmo acontece com o
novato. Duas caixas tombam e as tampas se soltam,
espalhando as marmitas pelo chão. O cheiro de comida
caseira impregna o ar.
— Mas que merda! — resmungo.
Um gemido ao meu lado chama minha atenção.
Eu me abaixo ao lado do motorista e ligo a
lanterna do celular para iluminar a cara dele. O idiota
pisca, esfregando as pontas dos dedos na cabeça com
uma careta de dor.
— O que acont... — Ele arregala os olhos e para
de falar.
— Levanta — ordeno, segurando seu cotovelo.
— Quem é você? — Sua pergunta deixa o meu
humor ainda pior.
Saco a arma e aponto para sua cabeça.
— Eu sou o desgraçado que mandou você se
levantar e vai apertar o gatilho se não me obedecer nos
próximos dois segundos — sibilo entre os dentes,
pressionando o cano da pistola na sua testa.
O babaca tem colhão, não posso negar. Ele fica
de pé, mas a testa franzida e os lábios esticados em
uma linha reta denunciam que não pretende facilitar as
coisas.
Assim que seus joelhos esticam, empurro seu
corpo para trás até suas costas se chocarem contra a
parede. Reparo que sou uns cinco centímetros mais
alto quando me elevo sobre ele.
Meu joelho entre suas pernas, o antebraço
esquerdo esmagando sua garganta e a mão direita
mantendo a pistola na mesma posição.
— Quantos homens fazem a segurança na
fazenda? — vocifero. Ele cerra a mandíbula ao tentar
me dar um soco. Eu me esquivo do golpe, ergo a perna
de trás e acerto uma joelhada nas suas costelas. —
Quantos?
Aumento a pressão na sua garganta, ciente de
que não tenho muito tempo e logo chegaremos à
fazenda.
O idiota põe a língua para fora e engasga.
— Se não me der as respostas, eu vou te matar —
aviso, olhando em seus olhos sem ao menos piscar.
— Do... — gagueja. — Doze.
— Quem é o chefe?
Alguns segundos se passam sem resposta. Acerto
outra joelhada, outra e mais outra. Cada pancada mais
forte que a anterior.
— Quem manda naquela merda? — Minha voz é
baixa, firme e desprovida de emoções, ainda que por
dentro eu esteja a ponto de explodir. Ansioso pra
caralho para acabar com o filho da puta.
— Benício — diz baixo.
— Pablo e Ax? — questiono. Ele tosse e nega
com a cabeça. Estreito os olhos. — O quê, porra? —
insisto.
— Eles... eles... — O caminhão para, indicando
que meu tempo de interrogar o idiota acabou.
— Última chance — sussurro, aliviando o aperto
na sua garganta.
— Eles cuidam de tudo, mas não conseguem
controlar o garoto.
— Onde os meninos ficam?
— Na mina.
— Onde eles dormem?
O motorista fecha os olhos apertados e murmura:
— Na mina.
A voz da Pink estronda do lado de fora, e o
reconhecimento renova a esperança do idiota à minha
frente de salvar sua vida.
O motorista está desesperado e eu tenho pressa,
então quando suas mãos começam a socar a parede
de aço atrás dele, esmago seu pescoço impedindo a
passagem de ar. Ele abre a boca, iniciando o processo
de sufocamento. Trinco os dentes e uso o peso do meu
corpo sobre o dele.
Suor escorre pela minha testa, peito e costas. Um
rosnado baixo escapa pela minha garganta conforme
imponho minha força, minando sua resistência. O
prazer que me invade quando sinto o corpo
amolecendo sob o meu domínio é indescritível e se
iguala ao de um orgasmo, com meu pau enterrado na
boceta da cadela de cabelo cor-de-rosa.
Antes que o babaca desfaleça, guardo a pistola e
pego minha faca. Dou um passo para trás, observando
a queda do homem, que escorrega e cai de bunda.
Guardo o celular no bolso e me abaixo na frente dele.
— Boa viagem até o inferno. O filho do diabo
manda lembranças.
Cravo a lâmina afiada em seu coração. Um único
golpe, certeiro e mortal. Sangue escorre através da sua
camisa, matando a sede da minha alma. O êxtase beira
à plenitude quando retiro a faca e o filete vermelho se
torna uma poça densa e gosmenta.
O tranco do caminhão me desperta do transe,
seguido pelo ruído dos portões automáticos se abrindo,
liberando a nossa entrada na fazenda. Fico de pé e me
viro para encarar Trap, que está parado a um passo de
distância com os olhos esbugalhados na minha direção.
— Você me deve uma resposta — falo enquanto
limpo a lâmina na calça jeans.
Somos jogados de um lado para o outro no
momento que o caminhão faz uma curva e freia de
repente. Trap abre a boca para falar alguma merda,
mas ergo a mão mandando o novato ficar calado.
Avanço até a porta e tropeço em um braço esticado no
meio do caminho. Olho para baixo e deparo com o
garoto que já deveria estar morto.
— Porra! — brado, irritado pra caralho com o
novato que não fez o maldito serviço.
Eu me curvo sobre ele, que balbucia um pedido de
ajuda. Seguro um punhado do cabelo crespo e puxo
sua para trás. Olho para cima, confinando o olhar
estarrecido de Trap no meu enquanto corto a garganta
do garoto com uma expressão imperturbável.
O corpo estrebucha embaixo de mim por poucos
segundos até se acalmar para sempre. Endireito os
ombros e sem dizer uma palavra, retomo o meu
caminho em direção a porta. Prendo a faca entre os
dentes e solto o trinco com cuidado para não fazer
barulho.
A claridade golpeia minha visão quando salto para
fora tão suave quanto uma pluma e me esgueiro até a
lateral do caminhão para ver que porra está
acontecendo, mas estaco no lugar no instante que ouço
uma voz masculina típica de um garoto que está em
transição da adolescência para a fase adulta.
No entanto, não é a rouquidão, o timbre ou o
sotaque que drenam meu ar e me impedem de respirar
e sim, a acusação que ele direciona a Pink de forma
galanteadora, como se fosse uma saudação calorosa.
— Stephanie Vogel. É um prazer finalmente
conhecer a mulher que matou a minha mãe.
Eu espero, paciente e ansiosamente por uma
réplica mal-educada, um xingamento ou qualquer
merda grosseira da cadela, mas nada acontece.
Fodidamente nada. Pink não se defende, não nega ou
contesta.
Ela aceita e assume a sua culpa, acionando o pior
gatilho, o mais feio e o mais perigoso para mim. Aquele
que mantenho em segredo e todos que tiveram o
desprazer de conhecer, não estão vivos para contar.
Olho ao redor, estudando o lugar, porém não há o
que fazer. Pink não confiou em mim e escondeu a
verdade, agora está à mercê de um pirralho psicopata
que irá matá-la para vingar a morte da mãe.
Guardo a faca, indico para Trap o que ele deve
fazer e respiro fundo, antes de contornar o caminhão e
me aproximar da cabine, onde Benício está de pé,
descalço, de frete para a cadela, vestindo nada além de
bermuda cinza simples e regata preta desbotada que já
teve dias melhores.
A roupa de mendigo é um fodido contraste com o
SCAR-L MK-16, que o garoto segura na mão direita
com a mesma naturalidade que a pequena Angel
segura um pirulito.
Benício parece familiarizado com o rifle de assalto
modular adaptado em um Sportline SCAR-L AEG, que
foi projetado pela empresa belga FN Herstal, a pedido
do Comando de Ações Especiais dos Estados Unidos
(SOCOM). E prova nas entrelinhas que não é somente
um conhecedor exibicionista de armas, mas um amante
dedicado dessas belezinhas.
Por experiência própria, posso afirmar que além
de ter um gosto peculiar, Benício também tem ótimos
contatos na Europa, já que seu SCAR é equipado com
cano de precisão, corpo totalmente em pelímero para
deixar o fuzil mais leve e um trilho de mais de 36 cm,
que o torna compatível com uma gama de acessórios,
incluindo miras táticas, lanternas e lasers.
Se o aspirante a psicopata do século não aliciasse
crianças e não estivesse perto da minha cadela, eu
poderia convidá-lo para conhecer minha coleção
pessoal de armas antigas e aposto que ele iria gostar.
Infelizmente, Benício Xavier é um aliciador, está
fodidamente perto da Pink e eu estou indo para acabar
com essa merda de uma vez por todas.
O garoto gira o corpo para descobrir quem é o
maldito dono das botas que castigam o asfalto com
tamanha fúria, e com a única intenção de irritar Benício,
propositalmente não dispenso nem um segundo do
meu tempo com ele, ignorando seu olhar inquisidor e
mantendo meu foco exclusivamente em Pink.
A cadela não tem nenhuma fodida chance de abrir
a boca para dizer qualquer merda quando ela gira o
corpo, imitando o gesto do garoto, e o reconhecimento
atinge seu cérebro, pois abraço sua cintura com o
braço esquerdo, seguro sua nuca com a mão direita e
devoro sua boca, com seu corpo colado ao meu.
Beijo Pink com paixão e uma fome do caralho
para que, assim como Pablo Armenio e Ax, Benício
acredite em tudo que dizem a respeito do general de
armas do MC Black Panthers.
Afinal de contas, até o sal parece açúcar.
E as intenções do diabo são sempre as melhores.
CAPÍTULO 50
PINK
Apoio as mãos no peito de Dumb e o afasto,
ofegante e sem entender o que ele está tramando
agora. De qualquer forma, espero que não seja uma
coisa boa, ao menos para Benício.
Pensar no filho de Eugênia, me lembra que ele
está aqui, bem ao meu lado, observando tudo em
silêncio. Sinto seu olhar, ainda que eu não esteja
olhando para ele porque não consigo parar de encarar
o lindo vira-lata à minha frente, que sorri para mim
como se tivesse ganhado um presente. O melhor de
todos os presentes. E está feliz com isso.
O sorriso de Dumb é largo, divertido e parece tão
sincero, que até os diretores acreditariam na sua
felicidade se o vissem sorrindo desse jeito, mas eu sei
que não é, apenas não posso explicar como eu sei.
Tudo que eu sei é que ele está fingindo,
exatamente como eu sei que a sua chegada; o beijo
avassalador; e a maneira como Dumb despreza a
presença de Benício, como se não soubesse quem é
esse garoto, são como capítulos desordenados de um
livro inacabado.
Partes aleatórias, que lidas separadamente não
fazem sentido, no entanto, quando todas as páginas
estão finalizadas e a leitura é feita seguindo a
cronologia correta dos acontecimentos, entendemos
seus significados, motivos, explicações e caímos de
amores por uma história maravilhosa.
— O que está fazendo? — pergunto, em voz alta
para que Benício escute com clareza.
— Você demorou e eu não sabia o que fazer com
os corpos daqueles idiotas — Dumb maneia a cabeça
na direção da carroceria do caminhão e congela seu
olhar em Benício, como se somente agora tivesse
percebido que ele está ali. — E aí, beleza? — Estende
o braço para cumprimentá-lo. — Foi mal, essa cadela
me deixa tão maluco que eu não te vi. Prazer, Dumb.
Benício especula cada centímetro do rosto do
general de armas, minuciosamente.
— Benício. Eu também — diz ele, apertando sua
mão.
Dumb arqueia as sobrancelhas, esticando seus
lábios em mais um sorriso travesso e fala:
— Também, o quê?
O garoto descansa a arma sobre os braços
cruzados na frente do corpo, como se ela fosse um
recém-nascido e responde olhando intensamente para
mim:
— Eu também ficaria maluco se ela fosse minha.
Sua resposta me desconcerta e eu engulo em
seco, ao contrário de Dumb que parece empolgado
com a coragem de Benício e gargalha alto.
— Irmão, de arma e boceta, eu entendo. — O
general de armas abraça minha cintura por trás e me
posiciona de frente para o garoto, que tem os olhos
colados nas suas mãos grandes acariciando minha
barriga. — E pode apostar que nós dois estamos bem
pra caralho.
Um dos homens que forma o paredão humano no
meio da ruela, avança, se aproximando de Benício e
cochicha alguma coisa no seu ouvido. O garoto não
reage de nenhuma forma.
Sua expressão não muda e seu olhar é distante,
vazio.
Ele também não fala e me arrisco a dizer que
sequer respira, apenas fica ali, escutando o que o
grandalhão tem para lhe informar, como uma criança
passiva e obediente. Quando o segurança se afasta,
Benício volta a me encarar com seus olhos cor de
mogno.
— Seu namorado sabe por que você está aqui,
Stephanie? — Meu coração acelera.
Dumb endurece e ameaça tirar suas mãos de
mim, mas agarro seus pulsos, apertando-os ao meu
redor.
— Ele não é meu namorado, e sim. Ele sabe —
rosno, sustentando o olhar do garoto.
Benício me fita por alguns segundos, calado,
astuto, traiçoeiro.
Não tenho medo dele, mas admito que algumas
coisas nesse garoto me assustam além do normal. A
começar por sua postura centrada, séria e madura,
desapropriada para um adolescente de quinze anos, e
seu olhar constantemente vago, desprovido de
quaisquer emoções.
Benício abaixa a cabeça, olhando para os pés
descalçados e por breves segundos, parece
envergonhado. Então tudo acontece ao mesmo tempo.
O homem que havia cochichado em seu ouvido corre
até a carroceria do caminhão com a pistola em punho,
enquanto os outros quatro cercam Dumb, apontando
suas armas para ele.
— O que você quer? — falo, sem me alterar, mas
sei que o pânico é evidente na minha voz,
principalmente pelo que Benício pode fazer com o
general de armas e o novato para se vingar de mim.
— Eugênia Xavier, Logan Khan, Louis Dempsey
— ele murmura os três nomes como uma prece. Dumb
maneia levemente a cabeça, num pedido silencioso
para que eu aguente firme e não perca a cabeça. —
Você carrega essas mortes nas costas há muito tempo,
e pessoas importantes estão... como eu posso dizer...
chateadas com você, Stephanie.
Benício leva a mão direita à cabeça, seus dedos
passeiam entre os fios grossos e penteiam o cabelo
acobreado para trás.
Apático, ele exala o ar preso em seus pulmões e
fala:
— As ações judiciais movidas pela ONG que você
administra e a sua amizade com os agentes do FBI que
reabriram o caso do Logan, não foram vistas com bons
olhos pelos meus clientes. Muitas empresas
conceituadas perderam milhões de dólares em ações, e
outras foram canceladas ou faliram depois de pagarem
indenizações milionárias para as famílias que você e
suas irmãs ajudaram.
Benício se move como uma cobra e para à minha
frente, tão próximo que posso sentir o forte odor do seu
suor. Ele ergue o braço, desliza sua mão por meu
cabelo, desce até o colo e pousa a palma aberta sobre
a minha pele, suavemente. Um gesto doce e sensual,
sugerindo intimidade.
Prendo a respiração, mortificada com seu olhar
penetrante e frio.
— Você não é muito novo para estar envolvido
com essas merdas, pirralho? — A pergunta de Dumb
faz Benício sorrir com desdém.
Ele responde ao general sem desviar seus olhos
dos meus.
— Idade é só um número quando você sabe o que
quer. — Encolhe os ombros. — Eu sempre soube.
— Com quinze anos, eu só queria comer as
professoras casadas na hora do almoço. — Dumb ri do
próprio comentário, ao mesmo tempo que o sorriso de
Benício desaparece.
— Eu nunca fui à escola. — Sua mão sobe para o
meu pescoço, quatro dedos me pressionam na nuca
por baixo do cabelo enquanto o polegar resvala a veia
pulsante na minha garganta. — Uma das desvantagens
de não ter mãe, é que minhas irmãs não serviam pra
nada e meu pai comandava o maior cartel do país.
Ninguém queria ficar com o retardado mudo, e as
babás só ficavam porque eram pagas para cuidar de
mim durante o dia e chupar o pau do Ramiro durante a
noite. Sem escola, sem família, sem amigos, sem
ninguém. Essa foi a minha infância.
De repente o garoto se afasta e começa a rir até
perder o fôlego, aponta sua arma para o céu e aperta o
gatilho. Eu me dobro sobre a minha barriga e tampo os
ouvidos, aterrorizada pelo ruído ensurdecedor dos
disparos reverberando acima de nós.
Meu coração está batendo rápido e
descompassado, apoio as mãos nos joelhos e endireito
os ombros, me equilibrando em minhas pernas
bambas. Levanto a cabeça, ainda aturdida por conta da
barulheira.
Olho ao redor e sou surpreendida pela expressão
entusiasmada de Dumb, sorrindo de orelha a orelha,
como se ele não estivesse cercado por quatro
trogloditas armados, em meio ao caos doentio de
Benício, e fico ainda mais atordoada quando ele fala:
— Esse pirralho sabe se divertir, cadela.
Franzo a testa, tentando descobrir onde está a
graça daquela merda, no entanto, a movimentação do
segurança atrás do caminhão ganha a minha atenção
no instante que ele aparece arrastando o corpo do
motorista até o outro lado da rua.
Trap está na carroceira.
Meu peito aperta, amarrado ao pensamento.
Abro a boca, pronta gritar um pedido de ajuda
para o novato, mas Dumb percebe a minha
desesperação e pisca um olho para mim, deslizando a
língua entre os lábios sem deixar de sorrir.
O segurança joga os corpos dos outros dois
funcionários do restaurante ao lado do motorista e
gesticula no ar, informando seu chefe que não há mais
ninguém no caminhão.
Benício olha do homem para Dumb, de volta ao
jeito calado e pensativo, avaliando o vira-lata dos pés à
cabeça.
Por alguma razão que não sei explicar, seu olhar
fixo no general de armas me dá calafrios. Não é o
brilho, até porque Benício não é esse tipo de ser
humano. Pelo contrário, é o sombreado que bloqueia
sua luz que me aterroriza. Eu não me sinto conectada a
ele, mas sinto uma conexão com o que ele sente. É
estranho e pernicioso, porém é a verdade.
Eu posso sentir a magnitude da maldade de
Benício, da inveja, do ciúme, do ódio, da ganância e da
soberba que emanam através do corpo desse garoto,
por todos os poros, e penetram nos meus.
Tropeço em meus pés. Fico zonza, confusa.
Minha cabeça é um caldeirão de pensamentos
complexos, culpa e sentimentos discrepantes. Apoio
uma mão na lateral do caminhão para não cair e a
outra na testa.
— Ramiro me contou muitas histórias dos seus
amigos, mas de você ele só falou uma vez — diz
Benício.
Forço minhas pálpebras para cima e mesmo com
a visão desfocada, o semblante ascético do garoto me
põe em alerta.
— Nunca fui muito popular — retruca o general,
em tom de chacota.
— Entendo. Eu também nunca fui, mas diferente
de você, tenho muito tempo para mudar.
Na mesma hora, dois seguranças seguram Dumb
pelos braços e começam a levá-lo na direção do
corredor perpendicular ao muro de Heras que Benício
surgiu mais cedo. O terceiro segue logo atrás, com sua
arma apontada para as costas do vira-lata, enquanto o
quarto aponta a dele para a minha cabeça e o último se
posiciona ao lado do garoto, protegendo seu corpo
mirrado como se fosse uma relíquia valiosa.
— Vamos, Stephanie. Você tem as minhas
respostas e eu tenho o seu namorado — Benício fala
comigo, mas seu olhar assombrado está no motoqueiro
tatuado que se distancia cada vez mais.
Dumb não tenta se soltar, nem pergunta para
onde está sendo levado, ou o que vão fazer com ele.
No entanto, antes que eu me rebele e faça uma grande
besteira que pode acabar com nós dois em uma única
cova, o general de armas olha por sobre o ombro,
diretamente nos meus olhos e sorri.
De fato, ele poderia ter feito incontáveis gestos
para me acalmar e garantir que tudo vai ficar bem, que
nós vamos conseguir resgatar os meninos e sair da
fazenda da mesma forma que entramos: vivos.
Mas Dumb apenas sorri aquele sorriso sacana
que sempre aquece meu coração, fazendo com que eu
me apaixone mais um pouco por ele. É neste exato
momento que eu quebro minha promessa e faço o que
jurei que nunca mais faria, ciente de que independente
do que aconteça nas próximas horas, dias, semanas,
meses ou anos, esta é a minha escolha.
Então eu engulo o choro e não luto quando o
segurança do Benício me algema, nem reclamo quando
sou amordaçada e trancada em um quarto escuro,
tampouco respondo as perguntas de Benício, enquanto
meu corpo é marcado pelo seu chicote. Não faço nada,
apenas espero.
E confio no general de armas do MC Black
Panthers, porque acredito que dessa vez, ele não vai
me decepcionar.
CAPÍTULO 51
BENÍCIO XAVIER
— Você vai falar, Stephanie — enfatizo seu nome
com desprezo e largo o chicote no chão. — Eu tenho
todo o tempo do mundo para descobrir a verdade.
Ela não se mexe e essa é a minha deixa para
secar o suor do meu corpo com a toalha e abrir a porta.
Tony está parado no corredor.
— Vamos. — Saio do quarto.
— Vai deixar a garota sozinha?
Olho por sobre o ombro, para o corpo curvado
banhado em sangue e fecho a porta atrás de mim.
— Ela não vai a lugar algum.
Tony me segue até o escritório, em silêncio.
Abro a janela, apreciando a vista e inspiro o ar
fresco de fim de tarde. Nem parece que passei mais de
três horas trancado naquele quarto sem conseguir
arrancar um único grito de dor daquela mulher, mesmo
quando sua pele foi severamente dilacerada pelo couro
endurecido.
— Alguma notícia? — pergunto, ainda de costas.
— Nada.
Apoio as mãos no parapeito e abaixo a cabeça.
— Ele está morto — afirmo, pois agora tenho
certeza.
— Se ele estivesse, o pessoal de Toronto já teria
informado.
— Não. Domenico estava em Dallas.
— Por que não fomos avisados? — Tony se exalta
e com toda razão, mas ainda assim não vou admitir que
fale comigo dessa forma.
Giro o corpo e o encaro da única maneira que sei.
Ele contrai a mandíbula, abrindo e fechando as mãos,
no entanto, acaba fazendo o que todos fazem e abaixa
a cabeça, esquivando-se do meu olhar.
— Domenico estava lutando sua própria guerra
contra a família, e não queria que ninguém soubesse o
que ele pretendia fazer — digo parte da verdade.
— Você sabia — Tony acusa.
— Não. Nem para mim ele contou.
— Bugiardo! O maledetto contava tudo para você!
Ando até o italiano grande e leal ao Capo e paro à
sua frente. Fisicamente, sou apenas um adolescente
em fase de crescimento, mas ele me conhece há algum
tempo e assim como Domenico, sabe do que sou
capaz. É por isso que seus olhos evitam os meus
quando ficamos a uma respiração de distância.
— Não gosto de ser chamado de mentiroso,
especialmente quando não estou mentindo. Domenico
nunca foi meu inimigo. Nós estávamos unidos contra os
outros — narro a verdade que Tony já conhece. — Ele
me disse que tinha assuntos pendentes para resolver
em Dallas e se as coisas saíssem do jeito que ele
queria, seus tios não poderiam mais acusá-lo de ser um
traidor.
A última palavra me dá ânsia de vômito.
— Domenico nunca traiu a famiglia! — ladra o
segurança.
— Eu sei. O subchefe e o Consigliere fizeram da
opção sexual do Domenico uma traição moral, e
estavam manipulando os associados para jogar a
família contra ele. Mas isso não importa, porque o
desaparecimento do Capo traz uma série de problemas
que eu não posso resolver enquanto o Pablo e o Ax
estiverem vivos.
Um vinco se forma na testa do segurança e linhas
marcantes circulam seus olhos. Preciso que ele
entenda o que vou enfrentar daqui para frente se a
morte de Domenico for confirmada, como eu acredito
que será, infelizmente.
Além de perder meu maior aliado, perdi a única
pessoa em quem eu confiava e conseguia conviver
sem desejar fazer uma sopa cremosa de seus órgãos,
a cada cinco minutos.
— Eles precisam de mim no esquema, mas sem o
suporte do Domenico, volto a ser somente o principal
recrutador. As únicas pessoas que sabem para onde o
Capo foi, sou eu, você e os seguranças pessoais dele
que há dois dias, também não entram em contato. E
até que todas as pedras estejam fora do meu caminho,
esse assunto está proibido aqui dentro. — Descanso
minha mão em seu ombro, demorando mais que o
necessário para me afastar.
Entre amigos, meu toque poderia ser considerado
um gesto de apoio ou um pedido mudo de ajuda. Entre
o homem de confiança de Domenico Coppola e eu,
uma ameaça velada.
Se Tony não estiver do meu lado, ele está contra
mim, e ele não quer ser meu inimigo depois de tudo
que viu e ouviu.
— Ninguém vai saber.
Assinto levemente e volto para a janela.
— Falta pouco, Tony — garanto.
Muito pouco.
— Até quando vai manter a garota presa? — Ele
senta no sofá de três lugares, cruza o tornozelo em
cima do joelho e abre os braços esticados sobre o
encosto.
— O tempo que for necessário para ela me contar
a verdade.
— Pablo e Ax chegam amanhã.
— Eu sei.
— Eles não vão gostar de encontrar ela
machucada.
— Eu sei.
— Está querendo começar uma guerra?
— A guerra já começou.
Tony não é um homem burro, mas seu cérebro
não é capaz de acompanhar o meu. Tudo que ele sabe
é que eu sou diferente dos outros adolescentes da
minha idade, e isso não tem nada a ver com a morte da
minha mãe ou o assassinato do meu pai. Porém, faço
bom uso desses fatos para conseguir o que quero,
sempre que acho necessário.
Especialmente as mulheres tendem a ser
solidárias com os atos de rebeldia de um adolescente
órfão e chegam ao cúmulo de justificar o injustificável,
pois se recusam a acreditar que muitas vezes, a
maldade não foi adquirida ou implantada, e apenas
floresceu na alma de uma criança.
O instinto maternal é infinitamente mais poderoso
que o senso de justiça quando se trata de um histórico
infantil tão traumático como o meu, e não me importo
de bancar a vítima em decorrência de uma família
disfuncional para manipular, me proteger ou até mesmo
levar algum tipo de vantagem que possa me favorecer
no futuro.
— Você sabe porque seu pai matou a sua mãe! —
Tony profere, eufórico, se levantando num pulo e me
arranca dos devaneios. — Essa história de querer
descobrir a verdade não passa de uma desculpa para
justificar a surra que você deu na garota e a
permanência dela e do namorado aqui na fazenda.
Não nego, pois é a verdade e com a ausência de
Domenico, preciso testar Tony e me certificar de que o
segurança é um substituto à altura para ocupar o lugar
do Capo em meus planos — atuais e futuros.
— É isso, não é? — Ele sorri, todo orgulhoso de si
mesmo.
— Quando estamos à deriva, não podemos nos
dar o luxo de escolher a mão que irá nos salvar —
confesso indiretamente, porque não matei Stephanie
Vogel, como incontáveis vezes jurei que faria na
primeira oportunidade que tivesse. — Ainda não
descobri o motivo do sequestro do irmão da contadora
do Black Panthers, mas agora que Nate foi trazido para
a mina pelo próprio Pablo, isso não faz mais diferença.
Abro o jogo, porém não revelo o que pretendo
fazer com Stephanie, seu amigo ou os meus pequenos
troféus, assim como não entro em detalhes sobre a
negociação promissora com os nossos novos clientes
do Brasil e da Argentina, que ainda está em
andamento, mas que pretendo finalizar o mais
depressa possível, agora que o Capo se foi.
— Pensa bem, Tony — falo baixo e devagar, como
se fosse o professor de matemática explicando
equações a um aluno com problemas de aprendizado.
— Se os motoqueiros do Texas não tinham motivos
para invadir a fazenda e matar o Pablo e o Ax, agora
eles têm três. — Encolho os ombros. — E
considerando que um dos motivos é irmão caçula do
atual presidente e general de armas do MC, acredito
que eles já estejam a caminho de Nevada County.
— O chefe vivia falando de como os stupido se
protegem feito animais selvagens. — Tony estala. —
Ninguém vai precisar sujar as mãos enquanto eles
fazem o trabalho pesado para nós e ainda se livram
das duas pedras que estão impedindo o nosso avanço
ao topo do esquema, desde que descobriram sobre os
meninos.
Faço que sim com a cabeça, encerrando o
assunto.
Sua empolgação é tediosa e me lembra de
quando eu tinha seis, sete anos, e manipulava minhas
irmãs para que elas brigassem justo nos dias das
reuniões secretas entre Ramiro e os criminosos vindos
de todos os lugares do México, no escritório da nossa
casa.
Miranda era explosiva e sempre perdia a
paciência com a Ravena, tirando proveito do seu
tamanho para surrar a irmã do meio.
A única forma que Ramiro conhecia de acabar
com a gritaria histérica feminina e evitar uma cena
constrangedora na presença dos seus ilustres
convidados, era trancar cada filha em seu quarto
depois de passar um sermão hipócrita sobre a
importância do respeito e da família.
Enquanto ele se distraía brincando de pai
amoroso e preocupado com o bem-estar dos filhos, eu
corria para me esconder no escritório, pois adorava me
inteirar de tudo que ele e seus amigos criminosos
discutiam sobre seus negócios, parceiros, transações e
sobretudo, as artimanhas que elaboravam com o intuito
de eliminar seus inimigos.
Para chegar tão longe dentro de um esquema
como o da máfia Coppola, ainda tão jovem, foi
fundamental que eu me certificasse ao longo dos anos
que nenhum daqueles homens ricos, poderosos e
temidos, tivesse conseguido enxergar o verdadeiro
poder da manipulação, nem as intermináveis vantagens
de ser um criminoso acima do bem e do mal, sem
nunca ter matado ninguém.
E mesmo que todos me tratassem como um
retardado, eu enxerguei.
Por isso nos últimos anos estou aprimorando
minha técnica e pretendo instituí-la como a mais nova e
revolucionária filosofia do tráfico infantil no mundo
inteiro, pois agora tenho absoluta certeza de que não
existe nada tão deslumbrante quanto a arte de
manipular peças vivas, que se movem sorridentes no
tabuleiro real, sob o meu comando, iludidas que
controlam suas vidas e que a tomada de todas as
decisões permanece em seu poder.
No entanto, suas mentes são minhas para eu
fazer o que quiser.
Aqueles encontros no interior do México, que
fediam a charuto cubano e uísque caro, varavam noites
e rendiam milhões de dólares para a família Xavier,
eram a única razão pela qual eu me obrigava a fingir
não saber que Ramiro tinha matado sua esposa.
Hoje, cabe a mim definir a morte mais adequada
para a única culpada pela morte da minha mãe, da
mesma forma que devo decidir se devo ou não
acreditar na história antiga que Ramiro me contou certa
vez, sobre o pacto que Scott Abbot, seu velho amigo e
fundador do MC Black Panthers, fez com o diabo em
nome do seu neto mais novo.
Domenico foi a única pessoa capaz de me
compreender, mesmo sendo completamente diferente
de mim, e ele costumava brincar que meu espírito já
havia nascido velho. De fato, jamais ousei discordar,
pois entendo e aceito que somente os privilegiados
recebem o dom de intervir na vida e na morte de todos
que estão a sua volta.
Justamente por ser um privilegiado, tenho plena
consciência de que um homem como Dumb nunca
deve ser subestimado, ainda que todas as evidências
apontem o contrário.
A sabedoria não está na oratória, e sim, no
silêncio.
Basta ter o privilégio de compreender a ordem que
determinará por toda a eternidade que entre os opostos
sempre prevalecerá a inveja, e entre os semelhantes, o
reconhecimento.
Dumb pode tentar o quanto quiser, mas em breve
vai descobrir que nossos caminhos estavam fadados a
se cruzarem e qualquer esforço de guardar seu
segredo será em vão, pois não vou desistir até provar
que a história repassada através de gerações não
passa de uma lenda criada por um velho visionário para
proteger seu amado motoclube, quando o inferno
finalmente se abrir para cobrar o justo preço da sua
mentira.
Então, seu herdeiro favorito terá de decidir entre
revelar a verdadeira face do general de armas do MC
Black Panthers, ou se curvar perante o senhor das
Trevas. De um jeito ou de outro, Dumb vai cair.
E da sua ruína, ele assistirá a minha ascensão.
CAPÍTULO 52
DUMB
Pink encara embasbacada meu sorriso divertido,
enquanto sou arrastado por dois idiotas para longe do
seu campo de visão. O mesmo sorriso responsável por
manter a mais umbrosa verdade em segredo, desde
que me conheço por gente para a segurança de todos,
principalmente do presidente do Black Panthers.
— Estou indo, porra! Não precisa me empurrar,
certo? Não é como se eu pudesse fugir — brado para
ninguém específico conforme avançamos por um
corredor, protegido por muros altos dos dois lados
encobertos por plantas trepadeiras.
— Tem certeza que esse stronzo é o mesmo do
clube de motoqueiros que o chefe queria se aliar? —
zomba o que está à minha direita.
— É o próprio. Eu vi uma foto dele com Youssef,
uns meses atrás — responde o da esquerda,
confirmando minhas suspeitas sobre os contatos de
Benício Xavier na Europa.
Youssef Al-Makkir, conhecido no submundo como
Senhor do Deserto, é um dos mais conhecidos e
respeitados contrabandistas de armas do mundo. O
árabe é um cara que conhece tudo e sabe de tudo, com
isso, consegue tudo que você precisar. Mas para
trabalhar com ele não basta ter dinheiro vivo — muito
dinheiro —, e ser influente.
Você também precisa ser confiável ou, como no
meu caso, ter um lugar seguro para alojar o infeliz uma
vez ou outra. Há seis anos, Youssef passou mais de
um mês em Green Hill, quando a Interpol estava no pé
dele e por pouco não o pegou embarcando do
aeroporto de Ancara, na Turquia.
Estou distraído com as lembranças no momento
que um chute sorrateiro no meio das costas impulsiona
meu corpo para frente, ao mesmo tempo que meus
braços são contidos para que eu não caia de cara no
chão.
Fecho os olhos, inspiro, cerro a mandíbula, expiro
lentamente e reprimo um silvo de dor para controlar o
ímpeto corrosivo de matar os três babacas antes da
hora.
— Impossível! — gargalha o que me chutou. —
Aquele árabe não perderia tempo com um fracote como
ele.
Olho por sobre o ombro, diretamente para o
bastardo que será o último a morrer, liberando apenas
para ele a escuridão que reveste o general de armas e
falo:
— Dizem que Deus criou os alimentos, mas você
sabe quem inventou os temperos? — O cuzão vacila
ante a seriedade da pergunta e apesar da resposta
estar na ponta da minha língua, fodidamente ansiosa
para ser ouvida, faço exatamente o que é esperado do
idiota que ele pensa que eu sou, e começo a rir sem
parar. — Aposto que se borrou de medo.
Antes que seu pé atinja minha coluna pela
segunda vez, o babaca da direita intervém e volta a
caminhar apressadamente, me empurrando ao longo
do caminho estreito que corta a fazenda por mais de
um quilômetro.
Quando chegamos ao que deveria ser o final do
atalho improvisado, ou talvez uma rota de fuga, me
deparo com o começo de uma trilha asfaltada que
contorna um enorme rio e divide a mina em duas partes
distintas, ambas ocupadas por cerca de vinte crianças
e adolescentes, que executam trabalho escravo sob a
supervisão de três vigilantes armados.
De um lado, os menores têm uma corda amarrada
nos tornozelos que os pendem a estacas fincadas no
chão, em vários pontos estratégicos, provavelmente
para limitar sua locomoção e ainda coibir possíveis
tentativas de fuga.
Os pequenos raspam das rochas todo o cascalho
e terra que conseguem, levam até as margens do rio
onde entregam para os maiores, que estão submersos
da cintura para baixo e usam bateias antigas para
encontrar pepitas de ouro.
Meus olhos registram fodidamente tudo, ao
mesmo tempo que meu corpo se agita em pura
exaltação.
Se já não bastasse Benício estar com a minha
cadela para evocar o herdeiro do diabo, o pirralho
acaba de me oferecer mais um motivo para pisotear no
seu fodido sonho de assumir o esquema de tráfico
infantil do Capo, enquanto ele descansa em seu sono
de merda.
E o psicopata teenager ainda conta com uma dose
extra de sorte, pois preciso ter certeza de que Nate foi
trazido para cá, antes de destruir essa maldita fazenda
e matar todos os filhos da puta que trabalham para ele,
ou o irmão da contadora pode se tornar o maior empata
foda do século, e eu não pretendo estragar minha
diversão por causa de um aspirante a pastor que teve
seu futuro forjado nas profundezas do inferno.
Nem fodendo.
— Você não parece preocupado com o que vamos
fazer com você — diz o babaca da esquerda, logo que
ultrapassamos a área de garimpo e adentramos em
outra trilha de mata fechada.
— Eu deveria? — Um mínimo movimento no meio
das folhas, por detrás do grilo falante, me põe em alerta
máximo.
Se meus instintos estiverem certos e o novato
fizer o que eu acho que ele está preste a fazer, a ação
tem de ser rápida, ou vamos chamar a atenção dos
demais seguranças.
— Não — retruca o idiota, rindo como uma hiena,
e acerta um tapa na minha nuca. — A não ser que você
conheça algum truque de mágica que te faça
desaparecer, mas eu duvido que isso seja possível. —
Sua resposta irônica faz os dois patetas gargalharem.
O reflexo da mira noturna com fibra ótica
vermelha, usinada em aço maciço CNC, que adaptei
em todas as Glock de calibre 19, negociadas
exclusivamente para compor o estoque do clube, a
pedido dos diretores, desponta através das folhas. Uma
e outra vez.
É o sinal. A confirmação que eu tanto esperava de
Trap para finalmente poder dar um fim ao reinado de
Benício Xavier. Começando pelos três hamsters
poliglotas em fase de adestramento que estão me
escoltando como se eu fosse um prisioneiro de alta
periculosidade.
Bom, eu sou. Ainda que eles não saibam disso.
Pelo menos até agora...
Paro de andar e encaro o babaca sem qualquer
merda de diversão em minha expressão. Nada além do
vislumbre da dor excruciante que estou trazendo para
ele. Com um fodido prazer, aliás.
— Não sou mágico, mas conheço alguns truques.
Espero que aprecie de magia negra e não tenha medo
de dormir no escuro — vocifero, no momento exato que
um projétil é disparado da pistola do novato e no mais
absoluto silêncio, perfura a parte de trás da sua
cabeça.
Seus olhos giram em órbita, enquanto seu cérebro
tenta sem sucesso dispensar a morte iminente e seu
corpo sem vida sucumbe a lei da gravidade, se
projetando para o chão como um saco de estrume.
Aproveito os poucos segundos de distração
mórbida, para torcer o pulso do idiota à minha direita,
girar seu corpo ao redor do meu e inverter nossas
posições, encaixando-me às suas costas.
Ele ainda tenta se soltar do meu enforque, mas
nem mesmo toda sua vontade de viver se compara a
minha de querer matar o miserável.
O terceiro babaca se ajoelha para se proteger de
um novo disparo certeiro e aponta a metralhadora em
nossa direção.
A lástima em seu olhar ao notar que para matar
seu inimigo terá que sacrificar o seu amigo no
processo, recarrega minha energia abissal, fomentando
a necessidade crua de lhe causar ainda mais dor.
— Para provar que sou generoso, vou fazer o que
você não tem coragem. — Minha voz é um sussurro
tenebroso.
O babaca arregala os olhos, brilhantes de dúvida
e descrença, mas agora é a minha vez de sorrir.
Mantenho a pegada firme ao redor do pescoço do
desgraçado que se contorce em busca de ar, e uso a
mão direita para pegar minha faca favorita, presa na
bainha da calça jeans.
Em um movimento meticuloso, inclino levemente a
cabeça do fodido para o lado e cravo a lâmina feita de
aço damasco, projetada em espiral, propositadamente,
direto na têmpora direita.
O primeiro golpe é profundo e causa um choque
glamoroso, tanto no meu detento que estrebucha feito
um peixe fora d’água por conta da perfuração horrenda
capaz de transformar os ossos do seu crânio em um
punhado de areia, quanto no seu amigo, que assiste
boquiaberto e fodidamente mortificado, a sua
decolagem rumo ao inferno, o que só aumenta o prazer
doentio que corrompe a minha alma.
Retiro a faca, embevecido com o ruído causado
pelo atrito da lâmina triturando os ossos e dilacerando
os músculos da sua cabeça, até o aço ultrapassar a
última camada da pele e enaltecer o buraco do
tamanho do meu polegar que, obviamente, também
poderia ser usado como uma espécie de lupa, caso eu
tivesse algum interesse de conferir a composição
intracraniana em imagem 3D; na íntegra, ao vivo e em
cores.
Sem tirar meus olhos do desgraçado que continua
ajoelhado, ergo o braço exagerando na atuação
dramática e quase gozo quando cravo a faca na
bochecha do amigo que ele se recusou a matar. Meus
dentes rangem cada vez mais alto à medida que
empurro a lâmina o mais profundo que os ossos da sua
face permite.
Assim que o corpo rígido se torna flácido em meus
braços, eu o arremesso na direção do filho da puta que
ainda tem os joelhos enraizados no chão, e faço o
mesmo logo em seguida.
Antes que ele tenha chance de assimilar o que
acabou de acontecer, chuto sua mão que sustenta a
arma no ar e guardo a faca no bolso traseiro. Saco a
minha pistola e aponto para a cabeça dele, ignorando o
novato que surge no meio do matagal e se aproxima
calmamente de onde estamos.
— Onde o Benício está? — indago, entre os
dentes cerrados.
— Não... se... sei... — gagueja, empurrando o
corpo morto do colega para o lado e se arrasta para
trás com os cotovelos apoiados no chão.
Maneio a cabeça em negativa, fingindo decepção,
e atiro em sua coxa bem próximo à virilha. O idiota está
tão perturbado que não sabe se grita de dor, agarra a
perna, estanca o sangue ou continua se arrastando,
como se realmente tivesse qualquer chance de escapar
do seu destino.
Eu me aproximo ainda mais e paro ao lado dele,
pressionando o solado da minha bota em seu peito.
— Onde? — encurto a pergunta, impaciente.
— Na casa! Por favor, não atire!
— Quantos homens ficam lá dentro com ele?
— Nenhum. Só o Tony tem permissão para entrar.
— Quantos vigiam a entrada?
— Quatro.
Calculo mentalmente e me convenço de que ele
está falando a verdade, já que além dos três que
vieram comigo, haviam três monitorando os meninos no
garimpo, um que acompanhou Pink, e o fodido Tony.
Totalizando doze, mesmo número de guardas que
o motorista do caminhão afirmou mais cedo que teria.
— Por favor, não me mate! — O fodido implora,
chorando feito uma menininha assustada.
— Você vai morrer — Minha voz é baixa e suave.
— Por favor, por favor.
Atiro no outro joelho.
— Por favor, o quê?
— Não me mate! Por favor, não me mate! —
choraminga e aposto que o idiota está todo borrado.
Eu me inclino para frente, jogando todo o peso do
meu corpo na perna flexionada e apoio o cotovelo
sobre o meu joelho, esmagando seu tórax sem
compaixão.
— Tarde demais para arrependimento, filho da
puta! — Atiro mais duas vezes, uma bala para cada
olho. Silenciando o babaca para sempre.
Encaro Trap, que não parece abalado.
— Encontrou? — pergunto, guardando a Glock no
cós da calça.
— Encontrei.
— Onde ele está?
— Em um chalé, atrás da casa.
— Sozinho?
— Não. Duas meninas estão presas com ele.
— Seguranças?
— Só os quatro que vigiam a entrada principal.
— Tem certeza?
— Absoluta.
— Ótimo.
Um a um, arrasto os corpos para a mata, de modo
que fiquem invisíveis e não denunciem a minha fuga.
— O que vai fazer? — Trap pergunta quando
começo a caminhar em direção à casa, pois tudo indica
que é onde Pink está.
— Vou buscar o que me pertence.
Não olho para trás, nem espero que o novato
venha atrás de mim.
É fim de tarde, mas fodidamente já passou da
hora de o garoto aprender a ter boas maneiras e
respeitar os mais velhos.
A guerra contra Benício-psicopata-do-caralho
pode estar apenas começando e longe de terminar, no
entanto, de uma coisa eu tenho certeza: a única
maneira do pirralho sair dessa fazenda é dentro de um
saco preto, com direito a um cartão de boas-vindas do
inferno.
Assinado pelo próprio herdeiro.
CAPÍTULO 53
TRAP
Minha cabeça é uma pilha de pensamentos
distorcidos.
Agora mesmo, sigo Dumb, ou, seja lá quem se
apossou do seu corpo, por instinto e um fodido medo
que jamais senti, nem mesmo quando vi meu pai se
transformar no impiedoso Hunter, o matador de aluguel
mais famoso do Texas, pela primeira vez.
E confesso que para um menino de onze anos, a
transformação foi assustadora pra caralho. No entanto,
nem se compara ao que acabei de presenciar e duvido
que algum dos diretores já tenha visto o general de
armas matar daquela forma, como se estivesse
possuído por algum espírito maligno ou qualquer merda
do gênero.
— Você viu a cadela? — A voz de Dumb é um
sussurro sombrio que ecoa por entre a mata fechada.
— O quê? — pergunto, sem entender o que ele
quer saber.
Dumb estaca no lugar e olha por sobre o ombro,
diretamente nos meus olhos. Não há um maldito
resquício de divertimento ou ironia em sua expressão.
Nada. Seu rosto está encoberto por uma máscara
desconhecida, fria, cruel e pronta para machucar quem
ousar cruzar o seu caminho. Engulo em seco, sem me
mover.
— Você viu a Pink quando estava procurando o
Nate? — sibila, com os dentes entrecerrados.
— Vi, de relance.
— Onde?
— Entrando na casa, com o Benício e o
segurança dele.
— Só os três entraram?
Faço que sim com a cabeça, me perguntando o
motivo de eu estar tão apreensivo.
— O que estava com ela foi até a porta, mas ficou
do lado de fora.
Sem dizer uma única palavra, Dumb gira o corpo e
volta a caminhar no meio do mato em uma linha reta
paralela a trilha.
O silêncio é tão intimidante, que beira o irracional.
Eu o sigo de perto, atento a tudo a nossa volta, pois o
sol está começando a se pôr e ainda que a escuridão
seja amena, dificulta um pouco a visão.
Enquanto caminhamos, penso em algum assunto
do interesse do general de armas para iniciar uma
conversa, mas não me sinto confiante para arriscar
uma tentativa de comunicação civilizada.
Pelo menos por enquanto.
Primeiro, por causa do meu vacilo no caminhão, e
mesmo que matar um garoto de dezoito anos que
sequer sabia o que estava acontecendo não me torne
fraco ou incompetente, sei que atirar na sua barriga e
torcer para que ele sobrevivesse não é a atitude que se
espera de um membro do MC Black Panthers que
almeja fazer parte da diretoria.
Segundo, porque o irmão que caminha à minha
frente nem de longe é o mesmo que eu conheço e
estou acostumado a conviver, tampouco o que
compartilhou alguns momentos de intimidade comigo e,
honestamente, a mudança drástica em sua fisionomia
está a quilômetros de distância da que distorce sua
personalidade.
Parece loucura até para mim, mas a verdade
indigesta não pode ser ignorada, mesmo que não seja
exposta descaradamente. É como se houvesse dois
homens dentro de um: o encarregado de manter as
aparências e o que assume o controle quando o inferno
se agita.
Analisando por esse prisma, a psicologia pode ter
alguma resposta convincente para o comportamento do
general de armas.
De qualquer forma, além de ser uma merda
fodidamente fodida, também é uma merda fodidamente
assustadora.
Dumb encosta o ombro no tronco de uma árvore e
cruza os braços. Eu me posiciono ao lado dele, com os
olhos fixos na casa diante de nós. Ainda estamos
protegidos pela mata, a poucos metros da entrada
principal, onde três homens armados se revezam,
andando de uma ponta a outra e contornando a
propriedade, enquanto os outros dois permanecem
parados em frente a porta de madeira.
— Tem alguma coisa errada — Dumb fala, porém
não acredito que seja para mim, ou que esteja falando
comigo.
— Com a organização da segurança ou a falta de
organização? — questiono, sem esperança de receber
uma resposta.
— Tudo. Não faz sentido.
— O que não faz sentido?
— Nada. Nada disso faz sentido.
Esfrego os olhos, malditamente confuso.
Dumb sério é uma novidade que não estou
sabendo lidar e preciso encontrar um jeito de superar a
minha inabilidade para me adaptar a essa nova versão
do general de armas, com a máxima urgência, ou vou
acabar complicando ainda mais as coisas entre nós.
Abro a boca para perguntar quando ele fala:
— Benício é um fodido psicopata, mas é apenas
um garoto de quinze anos que alicia adolescentes e
manipula todos ao seu redor. Pablo e Ax são os
responsáveis pelo esquema na Califórnia. Essa
responsabilidade inclui a fazenda, os meninos e o
trabalho escravo na minha.
Absorvo cada palavra que Dumb profere,
acompanhando de perto seu raciocínio. Ele retira a faca
do bolso e desliza a lâmina afiada sobre a palma da
mão, como se estivesse fazendo uma carícia em sua
pele, enquanto seus olhos continuam cravados na
casa.
— Vinte meninos, Nate e mais duas garotas. —
Dumb vira o braço e começa a afagar o antebraço com
o cabo preto. — Pink e um diretor do Black Panthers. A
conta não bate.
Então compreendo o que ele está pensando e
arrisco:
— Muita coisa para doze seguranças.
— Muita coisa para um garoto psicopata de quinze
anos — ele corrige e sorri de lado, mas não é um dos
seus sorrisos habituais, longe disso. É um sorriso de
alguém que matou uma charada.
— Você acha que o Pablo e o Ax armaram para o
Benício? — indago, em dúvida.
— Não, novato. — Dumb leva a lâmina afiada à
boca e usa a língua para lubrificá-la.
Meu pau incha sob o jeans enquanto meus olhos
são cativados pelos movimentos sensuais da sua mão
manuseando a faca, e mais ainda pelos da sua língua
que se enrosca em torno dela, como uma dançarina
explorando a barra de poli dance.
— Aposto que o Benício armou para eles.
Em um segundo estou de pé, ao lado do Dumb.
No segundo seguinte, estou deitado na terra de
barriga para baixo, com o general de armas montado
em cima de mim.
Seus braços ao lado da minha cabeça, seu peito
colado nas minhas costas, seu pau pressionando meu
quadril e suas pernas perfeitamente encaixadas entre
as minhas.
Levanto a cabeça para tomar fôlego, pois não
consigo respirar, mas a mão de Dumb me empurra de
volta, ao mesmo tempo que ele eleva o tronco para ver
alguma coisa acima de onde estamos escondidos.
O movimento investigativo é compreensível, já
que o som de vozes eufóricas fica cada vez mais alto e
mais próximo, no entanto, não justifica os pequenos
círculos que a sua virilha desenha na minha bunda.
Dumb apoia a mão no chão e arqueia ainda mais
o tronco para enxergar além da folhagem, enquanto os
dedos da outra mão agarram um punhado do meu
cabelo com demasiada força, e agora ele investe
descaradamente, para frente e para trás, simulando
investidas duras, desesperadas e contínuas, como se
estivesse comendo meu cu.
Fecho os olhos com força, me sentindo
humilhado, mas ao mesmo tempo fodidamente
excitado.
O gosto da terra nos meus lábios, a imobilização
indevida, o peso do general de armas me mantendo
refém da sua travessura luxuriosa e todas as
contravenções imorais que implicam no ato, ainda que
não haja o ato em si, apenas a intenção de um e a
aceitação do outro, me entorpecem de uma maneira
indescritível.
Os timbres das vozes aumentam, se misturam e
se confundem.
Para mim o coral masculino é como uma melodia
tocada ao fundo de propósito, a fim de disfarçar meus
gemidos abafados conforme Dumb aumenta a pressão
no meu cabelo e a velocidade do seu vai e vem.
Então, tão rápido quanto tudo começou, termina.
E num piscar de olhos, Dumb e eu estamos de pé,
escondidos atrás do tronco, acompanhando o momento
em que o segurança abre a porta da casa e Benicio
surge ao seu lado, vestindo um conjunto de calça e
camisa azul-marinho, idêntico ao dos meninos
alinhados por ordem de tamanho, formando uma fila
única.
Qualquer pessoa que visse Benício neste exato
momento, diria que o garoto é um dos sequestrados e
não o motivo de todos os outros estarem ali. Ele
cumprimenta cada menino sem pressa, sorri e dá um
beijo no rosto seguido de um abraço fraternal, antes de
fazer uma mesura e convidá-los para entrar.
— O que o Benício está fazendo? — indago, feliz
por minha voz sair firme.
Dumb demora tanto para responder, que fico em
dúvida se não me ouviu a pergunta ou se decidiu me
ignorar. Porém, quando o último menino entra e o
segurança fecha a porta, o general de armas responde:
— Benício criou a sua própria arca de Noé, e
agora que ele reuniu todos os seus bichinhos de
estimação lá dentro, é só uma questão de tempo para o
maremoto destruir o mundo de faz de conta que o
Pablo e o Ax construíram aqui fora.
Olho da casa para Dumb e não me importo com a
careta que estou fazendo, porque se o que ele está
dizendo for verdade, nós vamos ficar no meio do fogo
cruzado e duvido que essa ideia agrade mais ao
general de armas do que a mim.
— Nós temos que sair daqui — afirmo, convicto.
— Nós vamos — ele concorda, de maneira fria. —
Mas não vamos sair sozinhos.
— Nate e Pink. — Óbvio que não podemos deixar
os dois para trás.
— Você pega o garoto. Eu vou buscar a cadela.
Dumb ordena de forma definitiva, sem dar
nenhuma margem para contestação ou discussão, e
apesar de saber que livrar o irmão da contadora é uma
missão muito mais fácil do que invadir a casa e
resgatar a presidente do Shadow Princesses, também
sei que tentar convencer o general de armas a aceitar
minha ajuda só vai complicar o que já está fodidamente
complicado.
Até mesmo minha relação com a Ravena, que na
teoria deveria ter sido fácil e saudável, está fadada ao
fracasso sem ao menos ter começado justamente por
conta de toda a complicação que envolve tanto a vida
dela, quanto o meu estilo de vida.
Pensar em tudo que já passei, me faz sorrir com
amargura, pois a realidade é muito pior e mil vezes
mais dura do que parece.
No entanto, prefiro que as pessoas acreditem que
cresci em uma casa aconchegante, fui criado por pais
amorosos e nunca tive problemas ou complicações, em
vez de aceitar os fatos como, de fato, eles são.
Como se qualquer merda na minha vida, um dia
tivesse sido simples.
CAPÍTULO 54
DAMON – Houston – Texas
A viagem à Houston é tranquila, e a tranquilidade
se dá em grande parte graças ao reestabelecimento da
comunicação com os outros diretores, exceto Dumb,
que não dá notícias desde que ele, Trap e Pink
deixaram o hotel, em Phoenix.
Snake envia fotos da pequena Ava a cada dez
minutos. Tudo é motivo de registro e compartilhamento
de informação tão útil quanto o número de degraus da
escadaria de Machu Picchu.
A cadelinha dorme, ele conta quantas vezes ela
respira. Se ela acorda, o idiota conta quantas vezes
suas pálpebras abrem e fecham. Um fodido lunático do
caralho, sem contar que a pequena nasceu a menos de
setenta e duas horas, o que torna a merda do VP
fodidamente mais preocupante, considerando que a
cadelinha é banguela, não fala e ainda não faz ideia do
poder que tem sobre o arrombado.
Lyn e Madison continuam em Los Angeles,
investigando por conta própria o vazamento de gás
carbônico na sede do Shadow Princesses.
Segundo Claws, o responsável pela tentativa de
homicídio em massa no motoclube feminino, servirá de
cobaia para alguns experimentos novos que as cadelas
estão planejando para o Abrigo, pois elas exigem que
cada diretor tenha prioridade na Blood Wheel do seu
capturado, o que está deixando o executor um tanto
preocupado.
— Irmão, a Lyn sempre foi vingativa — aponto
para acalmá-lo, já que é burrice discordar quando ele
cisma com alguma merda.
— A cadela está diferente — Claws passa a mão
na barba, pensativo.
— Diferente como?
O executor não responde rápido, o que significa
que está avaliando o teor da resposta e,
consequentemente, os danos colaterais, caso ela
implique em assuntos pessoais que a contadora não
vai gostar de saber que ele compartilhou comigo.
— Ainda não sei, mas tenho certeza que foi
depois do que elas fizeram com a Felícia.
Penso a respeito e me dou conta que Claws pode
ter razão.
— A Madison está mais... agressiva.
— É uma boa palavra.
— Quero dizer, sexualmente.
— É uma boa definição.
Desvio o olhar da estrada para encarar o loiro ao
meu lado, e estreito os olhos quando vejo que o idiota
está sorrindo.
— Você já sabia — acuso, sem esconder a
irritação.
— Desconfiava, mas precisava ter certeza.
— Por que não me perguntou, porra?
— Porque você não ia responder.
— Claro que ia, pau no cu.
— Está falando isso agora, mas nós sabemos que
não é verdade.
— Foda-se, você nunca vai saber.
— Eu já tenho a minha resposta, de qualquer
forma.
Claws encolhe os ombros, fingindo inocência, mas
de inocente o canadense manipulador do caralho não
tem nada.
— Você está realmente preocupado com a
mudança? — indago, voltando ao assunto.
— Pelo contrário, estou gostando pra caralho de
ser o alvo preferido para ela descontar toda a
agressividade, mas ainda não sei até que ponto essa
merda pode interferir do lado de fora, principalmente
agora que a cadela está grávida.
Eu me remexo começando a endurecer só de me
lembrar da ruiva cavalgando no meu pau feito uma
doida depois de me algemar na cama.
— Não pode ser tão ruim — alego, torcendo para
que realmente não seja, pois é bom pra caralho ter uma
freirinha arredia para domar de vez quando.
— Para nós, com certeza não é. Mas para o filho
da puta que sabotou a tubulação da sede do Shadow
Princesses, fodidamente vai ser.
— Se for para ter a cadela agressiva montada no
meu pau, eu realmente espero que seja ruim.
— Ruim pra caralho, irmão.
Nós dois rimos, mas no instante que estaciono o
carro no local que havia servido de cativeiro para Nate
e Ghost sai da casa, seguido por Ryan, a tensão
substitui a calmaria, pois a cara do rastreador não é
das melhores e de todos os diretores, sem dúvida ele
sempre foi o mais paciente.
Então, o que quer que tenha sido, conseguiu tirar
o irmão do sério e isso não é nada bom.
— O que aconteceu? — pergunto sem rodeios,
logo que ele se aproxima.
— Temos um fodido problema — responde o
rastreador, depois de cumprimentar o executor com um
abraço.
— Pior do que o Nate ter sumido? — Claws
interpela, cruzando os braços à frente do peito, e
apesar de a pergunta ser direcionada ao Ghost, seus
olhos estão fixos no irmão mais estressado da
contadora, que não para de bater o calcanhar no chão.
— Fodidamente pior — A seriedade do rastreador
me põe em estado de alerta máximo.
— Fala logo, porra.
Em vez de falar, Ghost gira nos calcanhares e
refaz o caminho de volta para o interior da casa. Ryan o
segue de cabeça baixa. Claws e eu nos entreolhamos,
tensos pra caralho, e fazemos o mesmo.
Passamos pela sala, viramos no corredor e
paramos à frente da porta do último quarto. O
rastreador respira rápido, segurando a maçaneta.
— Eu não quis falar por telefone, porque não tinha
certeza se estávamos sendo monitorados.
Ameaço resmungar quando Ghost escancara a
porta e a cena diante dos meus olhos, me deixa atônito,
sem saber o que pensar.
— Porra! — Claws xinga.
— O que esse moleque está fazendo aqui? —
Minha voz ecoa dentro do pequeno quarto, mas nem o
tom alterado faz Zach se mover.
Ele está de pé de frente para Ethan, seu irmão
caçula, imóvel feito uma maldita estátua, fodidamente
hipnotizado. Só não sei se pelo sangue fresco que
escorre dos vários cortes recentes que deformam o
rosto do pivete ou por outra merda qualquer.
— Não sei — Ghost responde, nervoso como
pouco vezes o vi. — Quando nós chegamos, ele já
estava aqui e o Nate tinha desaparecido.
— Como o Ethan se encaixa nessa porra?
— Não sei, Pres, e foi por isso que eu chamei
vocês, ou o Zach ia acabar matando o pequeno
bostinha antes de a gente descobrir.
Minha cabeça trabalha freneticamente, no entanto,
não encontro nenhuma maneira de incluir Ethan nessa
maldita equação.
O toque do telefone do executor me arranca das
dispersões, e no instante que o executor atende a
ligação e diz o nome de Roman Duval em voz alta, de
propósito para que eu saiba com quem ele está
falando, penteio o cabelo com os dedos e exalo uma
longa respiração, pois é óbvio que para o idiota ligar
justo agora, significa que as coisas vão ficar muito
piores.
Claws não enrola e desliga o celular alguns
minutos depois.
— O que o Roman queria? — inquiro, sem rodeio.
— Dar um aviso.
— Que porra de aviso?
O executor olha de mim para o rastreador e volta
a me encarar. Sua expressão impossível não delata
porra nenhuma do que ele pensa ou sente, mas o brilho
em seu olhar denuncia que o idiota está ansioso para
chutar algumas bundas.
— Benício desconfia que o Domenico está morto e
fez um movimento com a máfia Coppola para foder o
Pablo e o Ax.
— E o que essa merda tem a ver com o Black
Panthers?
— O Consigliere está enviando um pequeno
exército para a fazenda com ordem direta para matar
todo mundo que estiver na propriedade.
Meu corpo inteiro endurece.
— Dumb... — sussurro o nome do meu irmão mais
novo.
— Nate também está lá — Claws afirma e aponta
o queixo na direção do Ethan. — O pirralho fez um
acordo com o Pablo. Ele entregava o irmão em troca de
ocupar o lugar do Domenico, como terceiro sócio no
esquema de tráfico infantil.
— Como o Ethan conheceu o Pablo? — Ghost
fala, mais irritado que nunca.
— O advogado do Ethan fez a intermediação entre
os dois. Pelo que o Roman falou, o cara que convenceu
o pirralho a passar a perna nos irmãos e ficar com todo
o dinheiro do Frank, é o homem de confiança do Pablo
e os dois trabalham juntos há muitos anos.
— Alguém que nós conhecemos? — pergunto,
desconfiado.
— Não. Kyller alguma coisa. Ele mora em Tucson
e gerencia uma casa de swing na cidade que o Pablo
usa para lavar dinheiro.
— Você sabe o nome desse lugar? — Ghost
murmura, parecendo incomodado.
— Não. Mas não deve ser difícil de descobrir.
O rastreador assente e abaixa a cabeça.
— Algum problema, irmão? — Coloco a mão em
seu ombro.
— A Pink estava em uma casa de swing, em
Tucson. Não pode ser uma simples coincidência.
— Se a cadela está com o Dumb, sinal de que ele
já se livrou do desgraçado antes de fazer a corrida até
Nevada County.
Ficamos em silêncio, digerindo as novas
informações.
— Quando os italianos pretendem invadir à
fazenda? — falo, incapaz de conter a maldita
preocupação com meu irmão.
— Amanhã, ao meio-dia.
— Você confia no Roman?
— Não.
— Acha que ele está mentindo?
— Não.
— Dá para você falar alguma coisa, caralho? —
Acabo me exaltando, mas quero que se foda.
Dumb está naquela merda de lugar e os únicos
suportes que ele tem é o novato que nunca esteve em
uma de corrida perigosa como essa, e a cadela tinhosa,
que provavelmente vai oferecer o pau do general de
armas em uma bandeja para os italianos se o idiota
mijar fora do penico.
Porra! Porra! Porra!
— Roman me deve alguns favores e não acho que
ele esteja mentindo. O Benício arriscou um chute e deu
sorte, mas se o garoto convocou a máfia para se livrar
do Pablo e do Ax, pode apostar que ele sabe que se
ficar na fazenda, também vai morrer. Benício já provou
que é muito mais inteligente do que parece para confiar
nos italianos, e com Domenico fora do jogo, Benício
volta a ser apenas mais um peão nas mãos da família
Coppola e nunca vai ter a chance de assumir o
esquema de tráfico infantil.
— Onde você quer chegar?
Claws enfia a mão esquerda no bolso e alisa a
barba com a direita. Seu olhar no meu é gélido,
impenetrável.
— Benício tem um plano, Pres, e o general de
armas é o único que pode acabar com ele. Eu
fodidamente confio naquele idiota para se livrar dos
italianos e acabar com o filhote de psicopata, mas a
minha pergunta é: você confia no seu irmão?
— Confio pra caralho — respondo sem titubear. —
Mas nem fodendo eu vou deixar aquele idiota resolver
toda essa merda sozinho. Arrumem tudo, seus filhos da
puta. Nós estamos indo para a Califórnia, porra!
Claws maneia a cabeça e sai do quarto, seguido
por Ghost e Ryan. Zach é o último, mas somente
depois de socar Ethan mais duas vezes e deixar o
pirralho inconsciente largado em cima da cama.
Envio uma mensagem para Madison, atualizando
minha cadela sobre as mudanças de última hora e
outra para Dumb, otimista de que as três palavras
representem para ele o mesmo que representam para
mim.
Que o Oliver nunca abandonará seu irmão, e o
presidente e os diretores do MC Black Panthers, nunca
abandonarão o general de armas.
Fodidamente nunca.
Estamos chegando, porra!
CAPÍTULO 55
PINK
Desperto, no momento que a água fria penetra os
cortes abertos, provocando uma ardência arrasadora e
uma dor excruciante.
— Vamos, você tem dez minutos.
Afasto o cabelo do rosto e levanto a cabeça, a fim
de descobrir quem é o desgraçado que me acordou
como se eu fosse uma criança birrenta e estivesse
sendo punida por ter desobedecido alguma ordem.
— Claro, eu já deveria saber — resmungo,
apoiando uma mão no chão e a outra na parede para
me levantar.
— Fazia tempo que ele não usava o chicote — diz
o vira-lata engravatado.
— Não me diga que está com ciúme? — Sorrio,
disposta a tirar o troglodita do sério.
— Ciúme? Não. — Ele se aproxima, me
encurralando contra a parede. — Inveja? Com certeza.
Encaro seus olhos negros, me escorando para
não cair. Estou fraca, zonza e gravemente ferida, mas
não vou amolecer para nenhum desses vira-latas
covardes. Eles podem tentar me quebrar o quanto
quiserem, que não vão conseguir o que muitos já
tentaram e não conseguiram.
— Seu chefe gostou de me ter de joelhos. Com
você também foi assim, ou ele prefere você de quatro?
O som da mão fechada acertando em cheio a
parede ao lado da minha cabeça ecoa no quarto
escuro, iluminado parcamente pela luz da lua que
adentra o cômodo através das janelas abertas.
— Benício pode não gostar de mulher, mas eu
gosto. Muito, para dizer a verdade. — Ele acarinha meu
rosto com as costas da mesma mão que socou a
parede há poucos minutos.
— Quer saber o meu segredo? — Empurro seu
braço, mas meu esforço é inútil e ele não se afasta
nenhum milímetro. — Quer, ou não? — insisto,
aproveitando sua aproximação para dar uma olhada no
seu corpo à procura de alguma arma que eu possa
pegar emprestada para matá-lo.
O vira-lata não responde, nem chega mais perto,
mas continua afagando minha bochecha com
delicadeza e posso sentir sua respiração acelerada no
meu nariz.
— Que pena, você ia gostar do meu segredo —
choramingo, e ponho a mão na testa, estranhando a
tontura que parece aumentar.
— Segredos custam um preço alto — afirma, sem
humor.
— Meu segredo é muito especial, não vou cobrar
nada.
Não gosto da maneira com que ele me encara e
seu toque me dá asco, tenho vontade de arrancar sua
mão fora e vomitar na sua boca. Faço uma careta de
nojo e sibilo:
— Se você não quer saber o meu segredo, então
sai da minha frente. Eu preciso tomar um banho e me
trocar.
Reúno todas as forças que sobraram e dou um
passo para o lado desviando do seu corpo, tão grande
e largo quanto a parede atrás de mim.
Submeto minhas pernas a caminharem em
direção ao banheiro bem devagar, no entanto, meu
estômago é açoitado por uma náusea desconcertante.
O gosto amargo sobe pela garganta e antes que
eu possa me defender do ataque brutal, o jato de um
líquido pegajoso força sua passagem para fora da
minha boca e forma uma poça esverdeada ao redor
dos meus pés.
Eu engasgo, como se houvesse uma bola de lã
impedindo a entrada de ar em meus pulmões.
Cambaleio para frente, desequilibrada e
completamente desnorteada. Tateio o ar à procura de
algum ponto de apoio, quando o segundo jato explode
sem controle e respinga na parede em formato de
gotas de chuva.
Meu corpo tomba para frente, trôpego, mas não
me permito cair. Balanço os braços para frente e para
os lados, desajeitadamente, até encontrar uma muralha
firme que me ancora. Então eu me encosto, todo o lado
direito escorado no cimento frio, como se ele fosse o
lugar mais seguro do mundo.
O único que vai me impedir de fraquejar.
— Não adianta lutar, bambina.
A voz odiosa sussurrada em meu ouvido provoca
uma enchente furiosa dentro de mim, evocando outro
jato amargo, gosmento e fedido, sem a minha
permissão. Minha barriga dói, a cabeça lateja com tanta
força que parece que vai explodir meus miolos, e as
pernas bambeiam como varetas finas enfrentando um
tornado de areia no meio do deserto.
— Ele não quer que você lute. Sua morte deve ser
lenta e dolorosa. Você sabe, não sabe? Foi assim com
a mãe dele e é assim que vai ser com a mulher que
causou a sua morte.
Dedos frouxos alcançam meus olhos. Endureço as
falanges o máximo que posso e empurro contra as
pálpebras pesadas. Meu cérebro ordena, eu quero
acatar sua ordem, mas me falta coordenação e rigidez.
Tropeço para o lado, ofegante.
— Eugenia Xavier. — O murmúrio sopra quente
no meu pescoço.
Sacudo os braços, desengonçados. Preciso
afastá-lo de mim. Preciso me afastar dele.
Sai daqui desgraçado!
Quero berrar, empurrar o vira-lata para longe. Mas
nada acontece.
Ele não vai embora. Ele não para de falar.
— Ela morreu por sua causa.
Não! Mentirosa.
Eu vi e ouvi tudo. Louis Dempsey, o diretor do
orfanato, também viu e ouviu. Mas todos eles mentiram
por causa do dinheiro. Todos!
Eu estava lá quando ele descobriu a verdade
sobre a mãe biológica. Ele suplicou, olhando nos olhos
dela, e ela confessou. Aquela mulher traiu o marido e
morreu depois que abandonou o próprio filho na porta
de um orfanato porque ele era filho do amante. O único
herdeiro que não tinha o sangue do traficante. O
menino que sonhava ser médico. O bastardo.
Logan.
Está escuro, não enxergo nada. Sinto tanta, mas
tanta dor por todo meu corpo, e um cansaço impetuoso.

— Você não pode ganhar dele — debocha o vira-


lata.
CALA A BOCA! ME DEIXA EM PAZ!
Os gritos estrondam dentro da minha mente e
emudecem fora dela.
Breu e silêncio.
Sinto que estou caindo de um grande penhasco
escuro.
— Não adianta lutar.
Meu corpo está dormente. Anestesiado.
— O veneno vai cuidar de você, Stephanie. Tenha
bons sonhos, bambina...
A dor explode, queimando tudo por dentro. Me
sinto dilacerar.
Eu caio por muito, muito tempo, e depois de lutar
até esgotar o último fragmento de força que ainda
resiste no fundo da minha alma, aceito a derrota
covarde, injusta e desonesta.
Eu desisto e me rendo a dor, aprecio a escuridão
sem medo de me perder, e venero a quietude.
Então, quando tudo parece perdido e todas as
batalhas travadas foram em vão, um feixe de luz
ilumina aquele lindo sorriso que me conquistou com
tamanha facilmente.
O sorriso dele.
Do vira-lata que chegou depois, mudando os
conceitos de antes e restaurando molduras que haviam
sido quebradas muito tempo atrás.
Eu sorrio de volta, pois ainda que ele tenha
retornado tarde demais para resgatar o meu corpo
envenenado, o general de armas não me decepcionou
e voltou a tempo de salvar o que eu tinha de mais
precioso.
Dumb salvou meu coração.
O coração que sempre foi dele...
DUMB
— Você pega o garoto. Eu vou buscar a cadela —
ordeno a Trap, de maneira ríspida e autoritária, desviando o
olhar para a entrada da casa, sem lhe dar qualquer outra
opção.
— Como vamos passar pelos seguranças? — ele
pergunta, tenso ao meu lado.
Inspiro, reprimindo o desejo de fazer conscientemente
com o novato o que fiz inconscientemente quando vi os três
guardas do garimpo surgirem de uma trilha praticamente
invisível, guiando uma fila indiana de meninos em direção à
casa, a menos de dez metros de distância de onde
estamos.
Jogar Trap no chão e cair por cima dele foi um ato de
desespero para não sermos vistos, que acabou
despertando fodidamente meu corpo quando senti o dele
embaixo de mim, submisso e receptivo.
Acolhedor pra caralho.
— Não podemos matar os seguranças, vamos ter
que... — começo a responder, mas o novato me interrompe.
— Por quê? Eles estão em sete, mas nós damos
conta.
Solto o ar preso em meus pulmões bem devagar, me
recriminando por sentir o que não deveria, por alguém que
não deveria, em um momento malditamente indevido. A
adrenalina segue correndo rápido por todo meu corpo,
desde o deleite de enfiar a faca na cabeça do idiota que
acreditou na minha idiotice, mas agora essa porra está me
desestabilizando e me deixando mais irritado que o normal.
Impaciente pra caralho.
— Benício está na casa com a Pink, os meninos e um
segurança que não vai hesitar em meter uma bala na
cabeça de alguém para salvar a bunda infantil do garoto
psicopata, se perceber que estamos indo para resgatar o
Nate e a cadela — sibilo ferozmente entre os dentes
cerrados, sem encará-lo.
— Ok — é tudo que ele fala, dócil e humilde.
Fico de pé, encosto as costas e a parte de trás da
cabeça no tronco de madeira, e olho para o céu cinzento,
exasperado de uma forma que me surpreende e irrita cada
vez mais.
O problema é que espero de Trap um questionamento
e um confronto necessário que não virão, pois como eu, sua
mente não quer desejar o que o seu corpo deseja e ainda
que ele não tenha coragem de dar o primeiro passo,
certamente vai ceder ao desejo se tiver uma chance.
Se eu tivesse sido dominado pelos impulsos
pulsionais, o novato teria empinado a bunda e implorado
pelo meu pau enterrado no seu rabo.
Ele não me impediu, porra!
E adrenalizado como meu corpo estava, eu poderia
facilmente ter cometido uma loucura da qual nós dois,
iríamos nos arrepender.
Por sorte, além de os meninos estarem vestindo
aquele maldito uniforme de delinquente, que sem dúvida
potencializou a sede de sangue dentro de mim, minha
consciência venceu a batalha contra os estímulos da minha
maldita pulsão a tempo de meu cérebro voltar a racionalizar
e focar no objetivo que me trouxe até aqui.
— Vamos dar a volta e entrar pelos fundos — rosno,
incapaz de disfarçar a inflamação na voz, me virando para
seguir pela mata.
— O que devo fazer com isso?
Viro para trás, descendo o olhar até o amontoado de
objetos que ele pegou dos idiotas que matamos. Aconteceu
tanta coisa em tão pouco tempo, que até me esqueci dessa
merda.
Recuo alguns passos e me abaixo ao lado das armas,
celulares, rádios de comunicação, carteiras e chaveiros. Um
breve sorriso repuxa meus lábios quando começo a me
equipar dos acessórios que os seguranças do Benício
usavam.
— Quanta ironia. — Entrego um rifle, um telefone, um
documento de identidade e um rádio para Trap. — Os
fodidos arrogantes que não se preocuparam em me revistar,
porque acreditaram no que viram e duvidaram que um idiota
como eu representasse perigo para eles, acabaram sendo
revistados.
Confiro a munição da minha Glock e as duas facas
que carrego nos coldres das pernas. Enfio dois telefones
nos bolsos da frente junto com o molho de chaves e duas
carteiras de motoristas, prendo um rádio na cintura,
desligando e descartando o terceiro, antes de pendurar os
dois rifles de assalto F-2000 sobre os ombros.
Fico de pé e retiro o meu celular do bolso traseiro.
— Alguma notícia dos diretores? — O novato já está
devidamente equipado e perto demais para o meu gosto.
Guardo o aparelho e o encaro com seriedade.
— Aqui não tem sinal, mas chegou uma mensagem
para você.
Trap franze a testa, aperta a ponta do nariz e cruza os
braços.
— Que mensagem?
Dou um passo à frente, encurtando um pouco mais a
nossa distância e falo olhando no fundo dos seus olhos:
— O diabo mandou avisar que o melhor truque dele, é
convencer as pessoas de que ele não existe. Mas adivinha,
novato. — Inclino-me para frente, encosto a boca em seu
ouvido e sussurro: — Ele existe, só que não tem chifres,
nem rabo. E mente bem pra caralho.
Trap dá um passo para trás e se afasta, sustentando
meu olhar de queixo erguido, no entanto, aposto que está
com medo do general de armas do Black Panthers, agora
que ele descobriu a sua existência e já sacou que Dumb é
apenas uma das facetas de Mike Abbot.
A mais divertida.
A mais relaxada.
A mais conveniente.
— Entra na casa, pega o garoto e leva ele para um
lugar seguro fora da fazenda. Não me espera e não olha
para trás. Não volta por nada. Não volta por ninguém. Você
não é um super-herói e eu não preciso ser salvo — vocifero.
— Isso não é a porra de um pedido, é uma fodida ordem.
Giro o corpo e sigo meu caminho em busca do que é
meu.
Da única coisa que tenho de verdade.
Da única que eu amo e fodidamente não consigo viver
sem.
Maldita cadela devassa do caralho.
CAPÍTULO 56
LYN
— Você contou pra ele? — Madison pergunta e
cruza as pernas.
— Não. — Encolho os ombros. — Conheço
aquele homem e se eu tivesse contado, ele largaria
tudo e viria correndo para cá.
— Mentir para o executor não me parece uma boa
ideia.
— Eu não menti.
Verifico o relógio novamente e caminho ao redor
do homem que tem a cabeça coberta por um capuz
preto, os pulsos e tornozelos amarrados, e está
sentado na cadeira de frente para a ruiva.
— Omissão e mentira são quase a mesma coisa
— ela fala, sorrindo de lado.
— Sorte a minha que existe o quase — enfatizo a
última palavra com desdém.
— O que está esperando para começar?
— As cadelas chegarem.
— Quem você chamou?
— O quarteto fantástico.
— A cadelinha não vai aguentar.
— Ela só está assustada.
— E vai ficar ainda mais quando souber da Pink.
— Ainda estou decidindo se vamos contar.
— Não podemos esconder isso delas, Lyn.
— Esconder o quê? — falo, analisando
minuciosamente o cara grande, branco e musculoso,
que desde que foi pego em uma armadilha não abriu a
boca, nem moveu um músculo para tentar se soltar. —
Tudo que sabemos é que o Benício está armando
alguma merda com os italianos para matar o Pablo e o
Ax, e a Pink está na fazenda com o Dumb e o Trap.
— Elas merecem saber onde a irmã está e decidir
se querem ou não ir atrás dela.
Levanto a cabeça e encontro o olhar estreito da
ruiva me fuzilando.
— Você não confia nele.
Ela revira os olhos, cruzando os braços embaixo
dos seios e bufa. Agora já sei com quem a Angel
aprendeu a fazer birra. Mãe e filha são fodidamente
parecidas e as semelhanças entre as duas ficam
evidentes quando as cadelas são contrariadas.
Aliso minha barriga plana por cima da regata preta
e puxo uma longa respiração, implorando mentalmente
para que meu filho seja parecido com o pai, porque é
fato que não tenho nenhuma estrutura psicológica para
aguentar uma miniatura minha, mal-humorada e
teimosa feito uma mula.
— Não é isso — replica Madison, tentando
escapar da acusação. — Eu sei que o Dumb sabe se
defender, mas...
— Não confia nele — repito, interrompendo sua
explicação. — Não confia porque não conhece seu
cunhado.
— E você fala como se conhecesse muito bem.
— Eu conheço, e garanto que ele não é o
abobado que todo mundo pensa que ele é.
Madison se levanta e para ou meu lado.
— Não se esqueça que o Dumb deixou o Travis
sequestrar ele, por minha causa.
— Em que mundo você vive para pensar que
aquele idiota faria alguma coisa pela cadela que mentiu
para o irmão dele?
A ruiva faz uma careta de desgosto.
— Ele foi atrás de mim para provar que eu não
estava de complô com o Skin.
— Tudo que o Dumb fez foi pelo Damon, não por
você.
— Ele arriscou a própria vida, Lyn.
— Pelo irmão e presidente do clube.
— Por que você precisa ser tão grossa?
— A verdade pode ser grosseira de vez em
quando.
— Não tanto quanto você.
Passo o braço sobre o ombro dela e a puxo para
perto de mim.
Tempos atrás, a contadora do MC Black Panthers
jamais faria algo desse tipo, pois encararia o gesto de
carinho como um sinal de fraqueza. Hoje em dia, ela
faz questão de mostrar o que sente, do jeito dela, claro.
De qualquer forma, não deixa de ser uma
evolução.
Não quero que meus filhos duvidem do meu amor
e saibam que a sua mãe fará o impossível para mantê-
los seguros e felizes. Como dizem que a prática leva à
perfeição, estou treinando com as pessoas que eu
gosto para me acostumar com a ideia, e garanto que a
sensação de expor o que sinto é infinitamente melhor
do que imaginei.
— Eu entendo que você não confie no Dumb, mas
pode confiar em mim — sussurro em seu ouvido para
que o grandalhão não escute. — Damon é o melhor
líder, Snake é o melhor estrategista, Ghost é o melhor
rastreador quando não está procrastinando e o Claws é
o melhor... em tudo. — Madison dá uma risadinha e
acabo sorrindo também.
— E o Dumb? — ela indaga, sem tirar os olhos do
prisioneiro passivo.
— Ele é o melhor soldado e como eu já disse
muitas vezes, o único diretor que tenho medo.
— Medo do quê, cadela louca? — A ruiva balança
a cabeça em negação, porque não acredita em mim.
Aliás, ninguém acredita. No entanto, é a mais pura
verdade e uma das poucas que nunca fiz questão de
esconder.
— Do general de armas que ele esconde por
baixo da fachada irritante e debochada. Medo de que
todas as histórias que o Scott contou para Mitch sobre
o neto mais novo, e que eu ouvi atrás da porta do
escritório, sejam verdadeiras. E morro de medo de
descobrir que o Dumb que a gente conhece mantém
uma relação íntima com o inferno pelas nossas costas.
— O sorriso da Madison morre e ela ofega. — Eu tive
alguns vislumbres do soldado treinado pelo velho
quando tinha aulas de com ele, mas abri mão da minha
curiosidade quando confirmei, sem querer, que o
cemitério das almas vivas não é uma lenda.
A ruiva me fita com os olhos arregalados e a boca
aberta.
— Então é verdade?
Faço que sim com a cabeça.
— O Damon nunca confirmou que era só uma
lenda criada pelo avô, mas também nunca negou.
— Na época, eu contei para o Claws que tinha
visto.
— Ele acreditou?
— Não sei, mas ele me fez prometer que não
contaria para ninguém o que vi, e jamais seguiria o
Dumb até aquele lugar outra vez.
— Meu Deus, Lyn! — Madison cobre a boca com
a mão. — Você sabe onde fica? É em Green Hill
mesmo? Pode me levar até lá?
Antes que eu pronuncie um grande e sonoro:
NÃO, a porta do quarto é aberta e quatro cadelas
deslumbrantes passam por ela.
Crystal me abraça, Honey e Bee se posicionam ao
lado da ruiva, enquanto London entra como um
furacão, para na frente do responsável pelo vazamento
de gás carbônico na sede do MC Shadow Princesses,
arranca o capuz da cabeça dele, encaixa o soco inglês
dourado nos dedos da mão direita e acerta dois socos
na cara do babaca.
Ela apoia as mãos nos braços da cadeira, se
curva sobre o corpo viril, lambe o sangue que escorre
pelo canto da boca e rosna na cara dele:
— É assim que os vira-latas aprendem a cantar.
O corpo de Crystal estremece colado ao meu,
quando o aviso mortal da sua irmã ecoa dentro do
pequeno cômodo que fica no quintal dos fundos da
sede, e anuncia a cólera da linda, destemida e
implacável cadela que tomou a frente dos negócios do
clube, assumindo todas as responsabilidades na
ausência da presidente e jurou que se vingaria do
homem que tentou matar suas amigas, sem se
intimidar.
— Trouxe a máquina? — pergunto diretamente
para Bee, deslocando a cadelinha para o lado.
— Pronta para ser usada — a atiradora de elite
responde, erguendo a mão que segura o equipamento
profissional.
Eu sorrio, maligna e letal.
— Pensei em começar com o vermelho. O que
você acha?
Os olhos esverdeados da cadela negra brilham
intensamente.
— Acho que já podemos chamar o vira-lata de
arco-íris.
Seguro os ombros de Crystal, dobro os joelhos
para nivelar nossos rostos e falo baixo:
— Sabe o que tem que fazer?
Ela reveza o olhar entre mim e London,
balançando a cabeça para cima e para baixo.
— Sei.
— Não deixa nada distrair você, porque essa
merda vai ser rápida e precisamos do seu talento para
direcionar as nossas perguntas, ok?
— Ok.
— Faça sua mágica, cadelinha. — Deposito um
beijo em sua testa.
Crystal se acomoda na cadeira ao meu lado, apoia
o notebook em seu colo e depois de digitar alguma
merda, seus olhos encontram os meus.
— Quando vocês quiserem.
Cinco cadelas rodeiam o homem que arregala os
olhos, finalmente se dando conta do que está prestes a
acontecer e modulo um leque com suas identidades
falsas. London está tão transtornada, que acabo me
rendendo e deixo que a cadela mate o filho da puta em
meu nome.
LONDON
— Nós te pegamos, vira-lata, e não vamos deixar você
sair daqui se não disser o que queremos saber. A escolha é
sua. — Seco o suor que escorre pela minha testa. —
Prefere fazer isso, com ou sem emoção?
Seus lindos olhos me encaram quando ele toma à sua
decisão.
— Dê o seu melhor.
Aceno com a cabeça para Bee, que se posiciona atrás
dele segurando sua máquina de colorização e um largo
sorriso enfeitando seu belo rosto. Ela e Honey estão tão
esfomeadas por vingança quanto eu.
— Não precisa pedir duas vezes, Kyler. — Seu nome
estala na minha língua.
Basta um piscar de olhos e Bee já está tatuando a
primeira letra na careca do proprietário da casa de swing
mais famosa do Arizona e último lugar que Pink esteve
antes de desaparecer do nosso radar.
Kyler não sabe que temos muitas informações sobre o
real interesse de seus amigos na minha melhor amiga, mas
ainda precisamos de mais, ou a tarefa de montar o quebra-
cabeça que envolve o nosso passado e sobretudo, o
passado da Pink, se tornará impossível de ser realizada.
No entanto, pela maneira que Kyler grita de dor, por
conta da tatuagem que está sendo feita na sua cabeça,
acredito que não vai demorar para acontecer o que eu disse
que aconteceria e o vira-lata finalmente aprenda a cantar,
caso contrário sua morte será lenta e dolorosa.
— Não precisa se apressar. Tempo é o que não falta,
e a frase que escolhemos para você tem muitas letras. —
Ele se debate, espremendo os olhos e franzindo os lábios,
enquanto Bee se concentra, traçando as primeiras vogais
com tinta vermelha. — Mas se você não cooperar, quando a
frase estiver completa nós vamos tatuar sua testa e todas
as partes visíveis do seu corpo até que ele fique igual a um
gibi.
— Pode me matar, vadia. Eu não vou falar nada!
Paro na frente de Kyler e acerto um chute no saco
dele com o salto de doze centímetros da minha bota. O vira-
lata berra e se contrai de dor. Pacientemente, eu espero ele
se recuperar e chuto outra vez, e outra e mais outra, com
raiva e muita força.
— Acho que não expliquei direito — murmuro,
carrancuda. — Você não vai morrer, porque nós não
matamos os filhotes que pegamos na rua, mas vamos
mostrar para todo mundo, como as garotas do Shadow
Princesses castram os vira-latas que tentam foder com elas.
Eu me afasto e Lyn toma o meu lugar à sua frente,
Honey e Madison se posicionam uma de cada lado,
enquanto Bee continua atrás dele.
Como se fosse uma apresentação coreografada, as
quatro mulheres se revezam golpeando o vira-lata em
pontos estratégicos do seu corpo.
A contadora rasga a pele de Kyler com o couro do seu
chicote, ao mesmo tempo que a esposa do presidente do
Black Panthers castiga os músculos volumosos com sua
kusarigama, arma exótica usada pelos Samurais, que nada
mais é do que uma corrente com foice.
Enquanto Honey se diverte com a sua algema de dedo
nas bolas do vira-lata, esmagando seus testículos e
providenciando para que elas inchem e ganhem uma
coloração arroxeada; Bee segue desenhando na cabeça
dele como se estivesse decorando um ovo de Páscoa; eu
extraio seus dentes e transformo seu rosto em uma
miscelânea sangrenta com meu soco inglês banhado a ouro
no formato de caveira, e Crystal mantém a cabeça baixa,
para não testemunhar a tortura e acabar passando mal.
Minha irmã caçula tem uma das personalidades mais
fortes que já conheci, e apesar de aceitar o que fazemos e
conhecer os motivos da nossa batalha diária e sem fim,
Crystal tem o coração puro, corpo de mulher, rosto de anjo
e a inocência de uma menina de doze anos, virgem e
inexperiente, que acredita em amor eterno e contos de
fadas.
Nós não poderíamos ser mais diferentes.
Sua ingenuidade já foi motivo de longas conversas
entre Pink e eu, pois nos culpamos por ela ser desse jeito,
passamos anos protegendo Crystal de homens como Paul
Dempsey e seu filho desgraçado.
Só de imaginar o que poderia ter acontecido com a
minha irmã se Pink não tivesse feito tudo que fez, provoca
uma dor aguda dentro do meu peito e esse é uma das
razões pela qual preciso arrancar de Kyler tudo que Pablo e
Ax sabem sobre o nosso passado.
O vira-lata suporta a surra por menos de cinco minutos
e então começa a responder as perguntas que Lyn e eu
fazemos, à medida que Crystal atesta se ele está mentindo,
ou não.
Duas horas mais tarde, Kyler está inconsciente, seu
corpo coberto por hematomas e cortes de todos os tipos,
suas bolas parecem duas bexigas azuis, o meio da sua
testa está decorado com o logo do MC Shadow Princesses
e na cabeça, a frase que descreve perfeitamente o babaca
que invadiu nossa casa a mando do Pablo, logo depois que
Pink deixou a cidade de Tucson na companhia do general
de armas.

Eu sou a cadelinha do Pablo Armenio. Foda-me,


Lord

Kyler aproveitou um momento de distração das


garotas que fazem a ronda noturna para escalar o muro de
quase dois metros de altura, entrar na sede pela lavanderia
que foi desativada para ser reformada e provocar um
vazamento de gás carbônico na tubulação de ar.
Depois de conseguir o que queria, Kyler se escondeu
na casa de um policial corrupto, a dois quarteirões do clube,
e não tinha intenção de aparecer até que seu amigo
sumisse com quaisquer evidências que o ligasse ao crime.
No entanto, Lyn e eu saímos a sua caça e com a ajuda
de Madison e a habilidade de Crystal, conseguimos acessar
várias imagens de câmeras instaladas em alguns comércios
da vizinhança que nos levaram até ele.
Trazê-lo para o clube foi bem mais simples e rápido,
pois como é de se esperar de todo vira-lata desprezível que
se preze, Kyler se rendeu a remota possibilidade de transar
com duas mulheres lindas.
Honey e Bee só tiveram que mostrar os peitos para
que ele abrisse o portão e permitisse que as duas
entrassem na casa, com a desculpa esfarrapada de que
eram modelos e gostariam de tirar algumas fotos eróticas
no jardim colorido do seu quintal para postar em um site
destinado exclusivamente ao público masculino.
Por fim, Kyler tem muito mais informações para nos
dar, e conforme o vira-lata narra fatos, datas e pretextos, o
clima tenso fica cada vez pior.
Segundo ele, cerca de um ano e meio atrás, Benício
passou a frequentar a cama de Domenico.
Iludido de que o relacionamento com o garoto era
fundamentado no amor e na confiança mútua, o Capo
permitiu que o amante menor de idade assumisse o
comando da fazenda.
A decisão movida pela ilusão amorosa, desencadeou
uma série de conflitos entre os membros da família de
sangue do Capo, assim como nos negócios financiados
pela máfia Coppola, sobretudo na fazenda para onde são
levadas as vítimas que serão vendidas como escravas para
compradores do mundo inteiro, através de leilões e
negociações realizadas em sites da dark web.
Porém, Benício não se contentou com o controle
parcial do esquema e decidiu eliminar todos aqueles que o
vetavam de alcançar seu objetivo.
Do outro lado, desesperados para impedir que o
garoto vencesse a batalha, Pablo e Ax se uniram e não
mediram esforços para agregar aliados poderosos,
dispostos a financiar a eliminação do arquirrival.
Deveria ser fácil, pois Benício não passava de um
adolescente, mas pouco a pouco o garoto muniu o
Consigliere com evidências que pontuavam a
promiscuidade do Capo em decorrência da sua preferência
sexual, além de fraudar documentos que comprovavam um
desvio de dinheiro das contas bancárias de Domenico, feito
semanalmente por Pablo, com o conhecimento de Ax.
Dessa forma, Benício conseguiu se aliar a cúpula da
máfia Coppola e se tornou um informante tão confiável dos
inimigos do Capo, que há alguns meses foi nomeado
“associado intocável”, título cobiçado por muitos membros
da organização, respeitado por todos que temem um revide
da máfia italiana caso Benício sofra algum atentado.
Com um único movimento, o garoto também jogou
Domenico contra a própria família e ainda enfraqueceu a
relação comercial entre Pablo e Ax junto aos financiadores
do negócio que ele anseia controlar.
Se não fosse o bastante, Kyler confirmou que o
sequestro de Nate foi orquestrado pelos dois sócios em um
momento crucial da disputa pelo poder do maior esquema
de tráfico infantil do país, no entanto, o irmão da contadora
era somente o meio para um fim.
Precisando de dinheiro, Pablo e Ax aceitaram a
proposta de Mason Dempsey, filho do diretor do orfanato
onde Pink, Crystal e eu vivemos a maior parte da nossa
infância e adolescência.
Atualmente, Mason não tem nenhuma dúvida que foi
minha melhor amiga quem provocou o incêndio que matou
seu pai, e está oferecendo meio milhão de dólares a quem
lhe entregar Pink, para que ele possa ter sua vingança.
Quando Kyler apaga, tragado pela escuridão, encaro
Lyn e o que vejo em seus olhos é o mesmo temor que
reflete nos meus.
O que a contadora não sabe é que ela não é a única
que se importa com seu irmão jovem e teimoso, que está
determinado a passar o resto da vida pregando da Palavra
de Deus.
Mesmo que já não faça qualquer diferença, Lyn sequer
imagina o que aconteceu entre nós, quando nos
encontramos pela primeira vez na sede do MC Black
Panthers. E se depender de mim, jamais saberá.
De qualquer forma, tudo que importa é que Pink e
Nate estão em uma fazenda, à mercê de Benício Xavier. E é
para lá que estamos indo.
CAPÍTULO 57
DUMB

Estamos chegando, porra!

Releio a mensagem de Damon tentando entender


porque meu irmão a enviou, para começo de conversa.
Ele não enviaria essa informação de uma forma tão
destemida se não tivesse um motivo, no mínimo,
razoável, e fodidamente não é saudade da minha
carinha bonita nem das piadas sem graça de Dumb.
Alguma merda está acontecendo e para foder
tudo, a bateria do meu celular acabou. O que significa
que terei que descobrir sozinho, pois não tenho como
perguntar.
— Eles vão trocar — Trap murmura ao meu lado,
de olho nos seguranças que se revezam na patrulha a
pé ao redor da casa. — Pelos meus cálculos, vamos ter
de dois a quatro minutos para entrar.
Giro o corpo e espio por cima do muro.
O quintal é uma área aberta retangular e pequena,
que não oferece nenhum tipo de esconderijo para
possíveis invasores. Ao contrário do resto da fazenda,
a casa não é cercada de árvores, certamente para
facilitar a vigilância e dificultar a vida de caras como eu.
Temos que pular a barreira de aproximadamente
um metro e meio de altura e correr para nos esconder
dentro casa e do chalé que está caindo aos pedaços
tão malditamente minúsculo que fica difícil de imaginar
que três pessoas caibam lá dentro.
No entanto Trap tem certeza que Nate está lá
acompanhado de mais duas garotas.
— Já sabe o que fazer, então não faça merda —
rosno, friamente.
O novato emudece, mas sinto a tensão emanando
dele e me pergunto se algum dia o idiota vai falar sobre
o que aconteceu, já que até agora ele não disse porra
nenhuma, nem mesmo questionou a enrabada que
levou no meio do mato.
Só de lembrar, me sinto um fodido tarado do
caralho.
Se fosse uma cadela, com certeza teria me
denunciado para a polícia e me acusado por tentativa
de estupro. Quem diria que a essa altura da minha
vida, eu chegaria ao ponto de querer comer um
homem, aliás, o mesmo que chupou meu pau. Duas
vezes!
Puta merda!
— Vamos — falo quando o grandalhão
engravatado faz a curva na casa, voltando para a
entrada principal.
Recuo dois passos para pegar impulso e salto
para cima. Minhas mãos seguram no topo do muro e
meus cotovelos se estendem, elevando meu corpo.
Apoio o pé direito na base superior, fazendo um
pêndulo para o lado de dentro ao mesmo tempo que a
mão esquerda faz a alavanca, antes de me arremessar
para baixo com cuidado e precisão.
O impacto é suave graças a grama que há tempos
não é aparada.
Trap vem logo em seguida, pousando ao meu lado
com as duas mãos no chão. Nós nos encaramos, agora
sem qualquer expressão luxuriosa ou indício de alguma
merda de excitação.
Apenas expectativa movida a adrenalina e uma
maldita necessidade de sair desse lugar o mais
depressa possível. Maneio a cabeça, apontando para o
chalé com o queixo. O novato assente e sem dizer uma
palavra, corremos em direção opostas.
Agora é cada um por si, e o diabo contra todos.
Minhas pernas se movem rápido até a porta de
madeira, mas não é por ela que pretendo passar e sim,
pela única janela que está aberta. Na verdade, é
apenas um vão de aproximadamente cinquenta
centímetros, talvez um pouco mais.
Tiro as alças dos rifles pela cabeça e jogo as duas
armas para dentro, antes de enfiar a cabeça e me
contorcer todo para passar meu corpo pela fresta, até
que meus pés estão no interior do que agora sei que é
um banheiro e apesar da escuridão, posso ver os
azulejos brancos combinando com a cerâmica da pia e
do vaso sanitário.
Sento-me no chão, dobro os joelhos e encosto as
costas na parede.
Puxo o ar pelo nariz e solto lentamente, atento ao
ruído de passos do lado de fora. Outro segurança faz a
ronda, sem desconfiar que o prisioneiro que matou
seus colegas de trabalho acaba de invadir a
propriedade para matar seu fodido patrãozinho,
enquanto ele finge que é um Playmobil e brinca de forte
apache.
Incompetentes do caralho.
Já estou de pé com os rifles pendurados nos
ombros quando coloco o ouvido na porta e fecho os
olhos para tentar escutar alguma coisa, porém não
escuto nada.
Giro a maçaneta, abrindo o suficiente para colocar
a cabeça para fora e olho para os dois lados de um
corredor escuro e comprido, com mais três portas. Uma
delas a uns três ou quatro metros do banheiro, e duas
do outro lado. Pela disposição dos cômodos, imagino
que sejam quartos e aposto que Pink está em um
deles.
Fecho a porta atrás de mim e pé ante pé, começo
a fazer uma varredura meticulosa em cada cômodo. A
janela do primeiro quarto está escancarada, o que
permite que a luz da lua ilumine parte do ambiente
amplo, fedendo a cigarro, mofo e uísque.
Abro o guarda-roupa, apenas por precaução e
deparo com uma arrumação impecável de roupas
iguais. Os malditos uniformes de presidiário que os
meninos usam. Retiro um cabide e examino as duas
peças, calça e camisa. O tecido é grosso e pesado,
mas o que chama minha atenção é a etiqueta branca
que leva o nome do fabricante:

Duval Meshes – EUA/CA/ITA

Puta que pariu!


Por que a malharia de Paul Duval, pai de Edgard,
Roman e Collin Duval, está ajudando seu maior rival?
Não é segredo para ninguém que o filho do meio
do ex-parceiro de Marshall-fodido-Abbot, assumiu os
negócios da família Duval ligados a pedofilia e
pornografia infantil em Dallas, quando Claws liderou a
queda de George O’Connor, o pastor do caralho que
estuprou a contadora do Black Panthers, e ainda fodeu
a vida dos irmãos dela e de centenas de crianças,
alugando seus corpos para pedófilos de todo país.
Então me lembro da mensagem de Damon e as
coisas começam a fazer sentido, já que ele e o
executor foram as últimas pessoas a se encontrarem
com Domenico antes da sua morte.
Se a família Duval se aliou a máfia italiana, e a
própria família Coppola vinha agindo as escuras para
desbancar o herdeiro legítimo, certamente a parceria
não inclui o Capo, em contrapartida é impossível que
depois da quase ruína da família Duval, por conta do
escândalo envolvendo o Pentágono, Roman tenha
cacife para manter uma linha de comunicação direta
com o Consigliere, ou até mesmo com o Subchefe.
O raciocínio lógico me intriga, pois se Roman não
negociava com o Capo, não tinha acesso aos mafiosos
mandachuvas e ainda foi obrigado a prestar serviços
para o seu arquirrival, quem é o intermediário
responsável pela aliança fodidamente improvável entre
as famílias Duval e Coppola, sendo que as duas
disputam pelo domínio do tráfico infantil, não apenas no
Texas, mas em todo o país?
Penduro o cabide, fecho o guarda-roupa e parto
para outro quarto, com o cérebro trabalhando a mil por
hora. O segundo cômodo é parecido com o primeiro,
aparentemente um pouco menor e mais abafado. A
janela está aberta e a vista também dá para a frente da
casa. O único móvel é uma cômoda de três gavetas,
todas vazias.
Abro a porta e no momento que ponho o pé para
fora, um barulho no fim do corredor me força a recuar.
Posiciono meu dedo no gatilho do rifle, pronto para
atirar. Uma voz masculina ecoa no corredor, grave e
baixa, como se estivesse cochichando, em italiano.
Giro a maçaneta bem devagar para não fazer
barulho, abrindo o mínimo para que eu possa espiar e
descobrir quem é o dono da voz. A princípio, vejo
apenas a sombra na parede oposta, então me arrisco e
abro um pouco mais.
O segurança do Benício fala ao telefone, de lado
para mim, com os olhos cravados no espaço à sua
frente, provavelmente outro corredor que leva aos
outros ambientes da casa.
Não consigo ouvir toda a conversa, somente
palavras soltas no ar como: vendetta, colpito, frusta,
farmaco e inconscio. Meu coração acelera mais e mais
à medida que a tradução espontânea vem à minha
mente. Vingança, golpeada, chicote, drogada e
inconsciente.
Porraaaaa!
O desgraçado está relatando para alguém o que o
pirralho psicopata fez com a Pink, ou pretende fazer.
Cerro a mandíbula, trinco os dentes, fecho as
mãos e os olhos, apertando-os com uma fodida força
para apaziguar a besta que ruge dentro de mim,
alucinada e fodidamente ansiosa para se libertar.
E ela vai, caralho!
Alguns segundos se passam, cinco, talvez dez ou
quinze, não sei, até que o italiano se cala,
desaparecendo do meu campo de visão e é tudo que
eu preciso para percorrer os poucos metros que me
separam do último quarto e invadir essa merda.
Logo que entro, sou atingido pelo odor de sangue
e vômito. Forte, enjoativo. A janela aberta não faz
qualquer diferença dentro do cômodo, tanto na
iluminação quanto na circulação de ar, pois é escuro,
fedido e abafado.
Não consigo ver muita coisa e enquanto tateio a
parede à procura de um interruptor de luz, estreito os
olhos numa tentativa de encontrar minha cadela, mas
apenas quando o som do click chega aos meus ouvidos
e a pequena lâmpada amarela acende no teto, acima
da cama, é que encontro o que procurava.
Neste quarto lúgubre, fedendo a dor, sofrimento e
morte, que pela primeira vez em toda fodida vida, meu
corpo, minha alma e meu coração provam o único
sabor que Scott prometeu que eu jamais provaria.
E descubro da maneira mais cruel, o gosto
amargo do medo.
CAPÍTULO 58
SNAKE
— Tira as patas de cima de mim, seu preto filho da
puta! — Ethan grita quando Ghost arranca o filhote de
laboratório do carro entra no clube arrastando o fedelho
para mim.
Eu seguro o pivete, torcendo seus braços nas
costas e encaro o rastreador.
— Problemas educacionais? — pergunto, com
divertimento.
— Irmão — ele fala, desamarra a bandana branca
da cabeça e se aproxima, parando à frente do irmão
perverso da contadora, que endurece diante do homem
que poderia esmagá-lo como um inseto usando apenas
uma mão. — Se não fosse pela Lyn, o Mickey Mouse
aqui já estaria relaxando em uma cova rasa com o meu
nome tatuado na bunda.
Ghost faz do pedaço de pano uma mordaça,
coagindo o pirralho a calar a boca.
— Obrigado, irmão. Eu já estava calculando
quantos dentes ele ia ter que perder pra ficar quieto.
— Todos, porra! — O rastreador termina de dar o
nó e se afasta, sorrindo de lado. — Tem ideia do que é
aguentar um Yorkshire latindo na sua orelha por duas
horas, achando que é um Rottweiler?
— Nem fodendo. Prefiro ouvir minha cadelinha
chorando a noite toda.
— Eu ainda prefiro os gemidos da Megan, irmão.
— Gemer eu não sei se ela vai, mas pode apostar
que a cadela vai xingar pra caralho quando souber que
vocês não avisaram que iam passar aqui, antes de
fazer a corrida até a Califórnia.
— Não temos tempo — ele fala e olha por sobre o
ombro, para a SUV estacionada na entrada do clube,
com Damon sentado no banco do motorista esperando
o rastreador para seguir viagem. — Claws foi na frente
com o Zach e o Ryan. Nós só viemos deixar o filhote
pra você cuidar.
— Já decidiram o que vamos fazer com ele?
— Irmão, esse não é um problema nosso. Se
dependesse de mim, o Zach teria terminado o que
começou e eu ficaria muito feliz em ajudar a sumir com
o corpo, mas você sabe que a Lyn ia baixar o inferno
na terra se eu tivesse deixado um irmão matar o outro.
Ethan se agita com a menção do nome da
contadora e agradeço que ele esteja amordaçado, ou
eu mesmo daria um jeito de fazer o pivete ficar quieto,
permanentemente.
— Alguma notícia do Dumb? — pergunto,
mudando de assunto.
— Não.
— E do novato?
— Nada. Nem da Pink.
Nós nos encaramos por breves segundos, até o
rastreador falar:
— Vou nessa, ou o Damon vai encher o meu saco.
— É a especialidade dele.
— Especialista pra caralho.
Empurro Ethan para o lado sem qualquer
gentileza e puxo Ghost para um abraço.
— É só dizer tchau, Snake. Não precisa me
agarrar, caralho!
— Para de reclamar, arrombado.
— Distância, irmão. Mantém a porra da distância.
— Todo mundo precisa de um abraço.
— Eu não sou todo mundo.
— Graças a Deus, porra!
Ele me empurra, mas seu sorriso me diz que o
idiota gostou do chamego e como os outros quatro
fodidos da cabeça, só reclama para não perder o
costume.
— Pau no cu afetuoso — Ghost resmunga e
começa a caminhar em direção ao portão.
— O que eu falo para a Megan? — provoco,
dando risada.
— Cuida das suas cadelas, VP. Eu cuido da minha
quando voltar.
— Traz os idiotas pra casa, irmão — peço, com a
garganta seca.
O rastreador estaca no lugar e olha para trás.
Mesmo a distância e sob a escuridão da noite, posso
ver seu semblante sério, cansado e fodidamente
preocupado.
No entanto, o babaca não entrega os pontos e
sorri, exibindo os dentes mais brancos que já vi, antes
de mostrar o dedo do meio e dizer:
— Em dois dias eu trago todo mundo pra casa,
arrombado.
— Toma cuidado, porra! — grito, quando ele
retoma seu caminho para fora do clube.
— Sempre, irmão — Ghost grita de volta, mas não
olha para trás.
O rastreador não admitiu, porém eu sei que o
irmão está tão apreensivo quanto eu e certamente os
outros diretores também estão, por conta da merda que
o general de armas está tendo de enfrentar para
reconquistar e proteger a cadela que ele ama.
A diferença é que dessa vez, minhas mãos e
meus pés estão atados e as únicas coisas que posso
fazer é ficar aqui cuidando da nossa casa, torcer para
que meus irmãos sobrevivam a mais uma fodida
guerra, e esperar pelo dia que vou poder reunir
novamente toda a minha família, para comemorar a
chegada do seu novo membro.
Ethan resmunga algum palavrão e bate os pés no
chão como um garotinho birrento, mas não me importo.
O mini marginal extrapolou todos os limites de merda
que ele podia ter feito e causou muitos problemas
quando concordou em ajudar Pablo e Ax a sequestrar
seu irmão.
Seguro o pivete pelo braço e o arrasto até o Covil.
— Sabe que lugar é esse? — pergunto, assim que
abro a porta e o empurro para dentro.
Ele arregala os olhos, balançando a cabeça de um
lado para o outro em negativa e tenta correr, mas sou
mais rápido e dou uma rasteira que faz o imbecil perder
o equilíbrio e se estatelar no chão.
Levanto seu corpo magricelo com a mão em sua
nuca e forço o pirralho a olhar tudo a sua volta, ainda
que ele relute. Claro que Ethan já ouviu muitas histórias
macabras sobre este lugar, principalmente porque sua
irmã protagonizou muitas delas, contudo, não deve ter
acredito.
Bom, vou dar a ele uma chance de corrigir o seu
fodido erro.
— Seja bem-vindo ao Abrigo, Ethan Davis —
declaro, seriamente. — O lugar onde as melhores
coisas do clube acontecem e onde todos os inimigos do
Black Panthers são julgados, condenados e punidos.
Amarro o garoto em uma pilastra e me posiciono
de frente para ele, com os braços cruzados à frente do
peito.
Olho no fundo dos seus olhos e falo:
— Cinco reis e uma rainha comandam este lugar.
Eles determinam quem vai morrer, quando e como.
Você deu as costas para a sua família, vendeu seu
irmão a preço de merda e colocou a vida da cadela do
general de armas em perigo. — Sorrio de lado, me
divertindo com o pavor estampado em sua cara de rato.
— Esse é o seu novo lar até a Lyn voltar, e é ela que
vai decidir quando e como, porque ao contrário do
rastreador, eu não tenho dúvida nenhuma que quando
a rainha do Abrigo souber o que você fez, ninguém vai
poder salvar sua bunda. E o capeta já vai estar te
esperando na recepção do inferno, de braços abertos.
Ethan chora, mas suas lágrimas não me
convencem. Então deixo o pivete sozinho e faço o
último patrulhamento da noite antes de voltar para
casa, ansioso para reencontrar minhas cadelas.
Estaciono a moto, tiro o capacete e dou uma
olhada no celular para conferir se Dumb não ligou ou
enviou mensagem. Estou distraído com o aparelho na
mão quando escuto uma voz sussurrada na área
externa.
Estranho, pois é tarde, o condomínio está vazio e
o porteiro não informou que havia um visitante na
minha casa. Caminho devagar pela lateral da garagem
sem fazer barulho, e quanto mais avanço mais fácil fica
de identificar o que a pessoa dizendo.
Os pelos da nuca arrepiam no instante que
percebo que ela fala em espanhol, no entanto, é
quando Ravena sussurra o nome do seu irmão e
implora para que ele não machuque ninguém, que meu
coração sangra.
Eu me aproximo e paro atrás dela, sem
interromper a conversa. Estou fodidamente
decepcionado e me sinto traído, como se uma faca
tivesse sido empunhada no meu peito covardemente,
porém igualmente confiante de que a menina que
adotei e amo como uma filha tem uma explicação
convincente para estar na beira da piscina, de
madrugada, falando com seu irmão psicopata.
No entanto, no momento que Ravena desliga o
aparelho e gira o corpo, seu olhar assombrado ao me
ver conta uma versão totalmente diferente. Uma que eu
não quero ouvir, tampouco saber, pois se souber serei
forçado a escolher e ainda não estou pronto para abrir
mão dela.
A verdade é que eu nunca vou estar...
TRAP
Corro por mais de cem metros com o corpo curvado,
até chegar a lateral do chalé, e me escoro na madeira para
alcançar o trinco da janela.
Mais cedo, quando Dumb ordenou que eu descobrisse
onde Nate estava sendo mantido, enquanto ele distraía
Benício e seus homens, atravessei a mata que cerca a
fazenda contornando as trilhas para não ser visto pelos
seguranças que vigiavam os meninos no garimpo e a casa.
Eu decorei o desenho da planta que o general de
armas mostrou para mim e para Pink, quando ainda
estávamos no hotel, e sei que o terreno é plano com
pequenos trechos íngremes, imitando propositadamente o
formato de uma grande ilha.
A fazenda é cercada por mata fechada assegurando
que a mina e a casa estejam mais longe dos portões da
entrada principal, e mais perto dos portões que ficam Sul da
propriedade, para facilitar o acesso à interestadual que
cruza o estado da Califórnia de uma ponta a outra.
Propiciando dessa forma, uma fuga rápida no caso de um
ataque inimigo ou qualquer situação emergencial
inesperada.
Miro a pistola com silenciador na direção da tarjeta
enferrujada e aperto o gatilho. Instantaneamente, uma das
partes da janela se abre para o lado de fora enquanto a
outra tomba para o lado de dentro, provocando um estrondo
abafado pelo colchão de espuma que está no chão, rente a
parede.
O interior do chalé é ainda mais deprimente do que a
fachada e o pequeno cômodo não passa de um armazém
de roupa suja, vasilhas com restos de comida e sacos de
lixo. O fedor de animal morto é insuportável.
Assim que abro a porta, deparo com uma figura
miúda, quase esquelética, trajando um vestido velho e sujo,
duas vezes maior do que ela. No entanto, é a ponta do
facão encostado na minha barriga que me intriga, pois, a se
cadelinha resolver me furar com essa merda, ela pode até
não me matar, mas com toda maldita certeza vai me
contaminar com alguma bactéria.
— Calma, eu vim para ajudar — falo baixo, sem sair
do lugar.
— Não sou criança e se fosse verdade, você entraria
pela porta e não pela janela — ela rebate imponente, sem
titubear.
— Eu teria sido educado se os seguranças não me
matassem antes que você pudesse me receber. Agora que
nos entendemos, pode abaixar essa coisa. Não tomei a
vacina antitetânica.
Em vez de atender meu pedido, a cadelinha que se
esconde na sombra espeta minha pele, por cima da
camiseta preta.
— Se não sair pelo mesmo lugar que entrou, vou
começar a gritar.
— Se fizer isso, os seguranças vão me matar e eu não
vou poder salvar meu amigo que foi sequestrado e trazido
para cá.
— Não tem ninguém aqui.
— Eu sei que ele está. Seja boazinha e se afaste
antes que alguém se machuque.
— O único que vai se machucar é você, se não der o
fora daqui.
— Natanael é o nome do meu amigo, mas eu o chamo
de Nate. Ele é magro, um pouco mais baixo que eu, tem
cabelos e olhos pretos, mora em Houston, estuda Teologia
e sonha em ser pastor — descrevo o irmão da contadora. —
Meu nome é Trap, trabalho com a irmã dele, e não estou
mentindo. Eu vim para ajudar, mas você está me
atrapalhando.
— Como sabe que ele está aqui?
— Eu vi quando vocês saíram para buscar água no
córrego, à tarde.
— Por que não falou com ele?
— Porque eu estava escondido na mata e tinham dois
seguranças vigiando o chalé — respondo, impaciente.
Não sei quanto tempo se passa, até que a voz grossa
reverbera atrás dela.
— Está tudo bem, Anahí. Eu conheço ele.
De repente uma luz fraca é acesa em algum lugar do
chalé, iluminando parcamente os dois moradores.
— Nate? — pergunto, ressabiado, pois apesar de
saber que é o irmão da contadora, tem alguma coisa errada.
— Eu não consigo ver você.
Então, quando o garoto que encontrei poucas vezes,
antes de ele deixar o clube e partir em busca do seu sonho
de servir a Deus, se aproxima e a lamparina erguida em sua
mão direita ilumina ele e a cadelinha à minha frente, paro de
respirar.
— Mas que porra! — rosno.
— Não é tão ruim quanto parece.
— O quê? — falo mais ríspido do que pretendia.
— Ele quer dizer que já esteve pior — Anahí e
finalmente abaixa a porra do facão.
— Nós temos que sair daqui e levar você para o
hospital — brado, lutando contra a vontade de quebrar
alguma coisa, de preferência a cara de quem o machucou
tão covardemente.
— Eu vou, mas elas têm que vir junto.
Franzo a testa.
— Elas?
Nate maneia a cabeça e eu o sigo até o cômodo ao
lado, onde uma cadelinha ainda menor que Anahí e mais
machucada que Nate está deitada no chão, encolhida, febril
e trêmula. Eu me abaixo ao lado dela, estarrecido com as
feridas infeccionadas e cobertas de pus, em suas pernas e
braços.
— Quem é ela? — sussurro, enojado e malditamente
furioso.
— Raíra, minha irmã — Anahí responde.
— O que aconteceu?
Fico de pé, revezando o olhar entre os dois. Nate
inspira e fala:
— Eu estava à beira da morte quando cheguei aqui.
Os amigos do Ethan chamaram Anahí para cuidar de mim,
mas proibiram sua irmã de entrar na fazenda. Raíra ignorou
a ordem e veio mesmo assim. Quando os guardas
descobriram, jogaram a menina em um dos fossos da mina
e a deixaram lá para ser devorada por uma família de
ratazanas.
— Essas feridas são...
— Mordidas — Nate concluiu.
Passei a mão pelo cabelo, agitado. Eu tenho que
resgatar o irmão da contadora de qualquer jeito, no entanto,
ele não vai comigo sem as duas cadelinhas. E por mais que
a ideia seja fodidamente fodida, é humanamente impossível
deixar as irmãs neste lugar.
— Levem apenas o indispensável. Eu levo a Raíra.
Anahí cobriu a boca e seus olhos marejaram, quando
Nate a abraçou e depositou um beijo em seu cabelo.
Encarei o corpo desfalecido no chão me perguntando que
merda era aquela que eu estava fazendo, certo de que
jamais encontraria uma resposta.
Ledo engano.
Quando saio do chalé com Raíra em meus braços
pesando menos que o pneu da minha Halley, Anahí me
conta tudo que sabe sobre os homens maus que disputam
pelo poder da fazenda, entendo que a maioria das escolhas
que somos obrigados a fazer ao longo dos anos, são
nossas, feitas por nós, baseadas em convicções, crenças,
necessidades e desejos.
Mas as mais importantes, as que têm o poder de
mudar o nosso futuro, somos induzidos a fazer, pois são
escolhas que exigem o que tememos oferecer.
Eu escolhi salvar Anahí e Raíra, sem saber que as
irmãs eram herdeiras de uma linhagem de poderosos índios
curandeiros que viviam em uma aldeia isolada da
civilização, a poucos quilômetros da fazenda. Tampouco
que a minha escolha alteraria para sempre, não apenas o
futuro do general de armas do MC Black Panthers.
Mas o meu também.
CAPÍTULO 59
DUMB
— Pink...
Corro até a cadela estirada no chão, gravemente
ferida, sangrando, cercada por uma poça esverdeada e
completamente apagada. Me livro dos rifles e pego
Pink no colo, desnorteado por não saber o que fazer.
Carrego seu corpo flácido e o deito em cima da
cama. Verifico seus batimentos cardíacos e me
desespero ao constatar que estão fracos, muito mais
lentos do que o normal.
— Acorda, porra! — imploro, batendo em seu
rosto numa tentativa angustiante de despertá-la, mas
ela não reage. Meu peito se comprime, impotente,
enquanto a cadela desfalece bem diante dos meus
olhos.
Em uma fração de segundo sou possuído pelo
ódio. Cubro Pink com um cobertor e descanso minha
testa na dela, recordando as palavras que o fodido
segurança pronunciou em italiano.
Drogada, ele disse. Benício torturou e drogou
minha cadela.
Seguro seu rosto entre minhas mãos, beijo
suavemente seus lábios ressecados e sussurro na sua
boca:
— Eu vou matar todos eles e descobrir que porra
aquele filho da puta deu para você. Aguenta firme,
caralho. Não se atreva a me deixar, está ouvindo? NÃO
ME DEIXA, PORRA! Eu não vou conseguir ficar sem
você. — Beijo seus lábios mais uma vez, inundado pela
enchente de sentimentos discrepantes e fodidamente
intensos que me sufocam e me impedem de respirar. —
Por favor. Por favor...
Fico de pé, nauseado, olhando fixamente para a
cadela inconsciente, machucada e frágil como um
recém-nascido. Sou uma avalanche de amor, ódio,
cólera e a mais profunda dor que pode existir. Mas não
é hora de lamentar, tampouco aceitar a derrota.
Pink está viva e isso é tudo que importa.
Vou atrás de Benício e fazer o que for preciso para
saber o que o desgraçado deu para ela beber, pois não
há nenhuma marca visível em sua pele cálida que
indique que a droga tenha sido injetada.
Recolho os rifles, apago a luz e saio do quarto,
fechando a porta atrás de mim. Sigo pelo mesmo
corredor que o segurança seguiu com passos firmes,
olhar vidrado e coração petrificado. Tudo que havia de
bom ficou com a cadela desacordada. Comigo, trago
apenas a maldade, o desprezo pela vida e a certeza da
morte. De todos eles.
Chego à uma sala de estar estilo colonial.
Quadros, vasos, móveis e tapetes antigos decoram o
ambiente. Estudo cada canto, avaliando a estrutura
rigorosamente a fim de impedir que Benício escape.
Quero matar o maldito psicopata, mas preciso de
informações e vou buscá-las.
A porta de madeira é pesada e range quando eu a
abro. Outra sala surge à minha frente, maior, mais
moderna. Cores claras revestem as paredes, mas não
perco tempo me atentando aos detalhes. Minhas
pernas se movem rapidamente até alcançarem a
próxima passagem em formato ovalado, entretanto
hesito, diminuo a velocidade quando ouço vozes vindas
de algum lugar atrás da divisória envidraçada.
Meu corpo é abastecido com a mais pura e crua
repugnância ao escutar o timbre autoritário delegando
ordens aos subalternos do caralho.
Pouco me importa quantos malditos são pagos
para vigiar a fazenda, se estão armados ou foram
treinados pelo exército russo para evitar a destruição
desse lugar, porque nenhum deles vai estar vivo nas
primeiras horas do dia para dissertar sobre a tragédia
noturna.
Ergo a perna e meto a sola da bota no centro da
porta de vidro com demasiada força. O impacto violento
arrebenta as dobradiças, que se soltam e voam pelo ar,
ricocheteando em várias direções.
Meu mundo atual é fosco e sem brilho, uma
labareda sombreada bailando ao som da marcha
fúnebre que antecede a morte.
Uma fodida chacina, no que depender de mim.
A placa temperada que garante a privacidade do
que acredito ser um modesto escritório, é libertada das
peças de alumínio e desmorona ruidosamente. E
apesar de os dez centímetros de grossura evitarem o
estilhaçamento do vidro em milhões de pedaços, o
estrondo em decorrência da colisão contra o
porcelanato chama a atenção do pequeno grupo que se
reúne em torno da mesa redonda à minha direita.
Cinco pares de olhos arregalados me encaram,
mas nenhum deles é de Benício Xavier. O filho da puta
não está aqui e ainda que eu precise encontrá-lo o
mais rápido possível, não posso dar as costas para os
desgraçados que acatam as ordens de um fodido
psicopata de quinze anos e lhes dar uma merda de
oportunidade para me atacarem por trás.
Presunçoso, avanço lentamente, fazendo da porta
derrubada a ponte que me conduz ao epicentro da
bestialidade, um dos poucos lugares que posso chamar
de casa.
— Quem é você? — questiona o único homem
vestido casualmente com roupas pretas, debruçado
sobre a mesa segurando uma espécie de mapa aberto,
enquanto os outros quatro movem suas mãos para
baixo de seus ternos impecáveis com cautela, em
busca de suas armas.
— Sou a última pessoa que você vai ver.
Flexionar o indicador sobre o gatilho é um gesto
simples, rápido e letal, que dispara uma sequência
ensurdecedora de projéteis numa velocidade
alucinante, deixando para trás um rastro de fumaça e
cinco almas que serão enviadas de presente ao diabo
com as minhas saudações.
O cheiro de sangue e a quietude me acalmam.
Inclino a cabeça para o lado, admirando os corpos sem
vida e me aproximo, atormentado para tocar
suavemente cada um deles.
Exalo o ar, preenchido de uma satisfação plena
quando sinto nas pontas dos dedos a temperatura
quente de suas peles. O calor. Fecho os olhos,
sorvendo a paz que apenas o inferno e Pink podem me
proporcionar, e lamento profundamente não poder levá-
los para o meu cemitério, onde muitos foram enterrados
enquanto suas almas ainda lutavam para viver.

— É todo seu, Dumb. O lugar destinado ao


soldado protetor do inferno, o herdeiro do diabo, e
somente ele tem autorização para estar aqui. — Scott
abriu os portões de ferro, perdidos na floresta
esquecida no meio do nada da antiga Base dos
fuzileiros navais do Texas, em Green Hill.
— O que é isso? — perguntei, olhando com
fascínio aquela extensão de terra batida, destoando do
verde-escuro que a cercava.
— Antigamente era uma pista para aviões de
teste.
— Você pilotava?
— Não, mas seu pai era o melhor de todos.
— Eu não entendo.
— O que você não entende?
— Como os moradores da cidade não sabem
sobre a base militar.
O velho me encarou com seus olhos negros que
pareciam me enxergar por dentro e acendeu um
baseado. Scott tragou, soltou a fumaça e passou o
cigarro de maconha para mim, como fazia desde que
descobriu que a erva me acalmava sempre que a
necessidade de matar se tornava insuportável.
De fato, estava ficando mais difícil de me controlar
e o meu descontrole começou a preocupar o velho,
pois eu tinha acabado de completar dez anos e ele
temia que o garoto que todos julgavam como um fodido
idiota, chamasse a atenção para o aprendiz de soldado
que ninguém conhecia, nem mesmo meu pai e meu
irmão mais velho.
— Oficialmente, não era uma base militar — Scott
falou. — Quando eu comprei as terras para construir o
clube, esse terreno era usado pelos hippies nômades,
que viajavam sem rumo por todo o país recrutando
novos membros para o seu clã de desocupados do
caralho, acamparem no verão. — Ele enfiou as mãos
nos bolsos e puxou uma respiração. — A estadia deles
na cidade era responsável pelos roubos de carros
durante do dia, invasões nas residências durante à
noite, brigas nos bares aos fins de semana e estupros
de adolescentes virgens depois do culto de domingo.
Devolvi o baseado para o velho, sentindo meu
corpo mais relaxado, mas não o bastante para conter a
euforia de matar. Estava tão viciado naquela porra, que
quando Scott passou limitar minhas caçadas, comecei
a manter minhas presas vivas por dias, semanas até,
pois já não conseguia mais dormir sem sentir o cheiro
de sangue fresco e o calor do corpo semimorto, que
impedia a alma de se libertar.
— Eu fui até o governador do Texas, me
apresentei como Diretor da equipe de inteligência da
marinha que atuou em Pearl Harbor, contei minha
história e fiz uma proposta para ele.
— Que proposta? — indaguei, àquela altura um
pouco mais calmo.
— O MC Black Panthers se encarregaria de
acabar com os hippies e qualquer filho da puta que
ameaçasse a segurança dos moradores de Green Hill,
Lake Village, Sun Valley e Foxmilt, se ele me desse a
floresta para usar como base da Sociedade dos
fuzileiros navais.
— Ele aceitou?
— Não.
— O que você fez?
— Eu matei o filho da puta e tomei o que queria.
— Por isso ninguém sabe que este lugar existe?
— E ninguém nunca pode saber, Dumb. — Scott
estreitou seu olhar ameaçador. — A fachada da floresta
mantém a população distante e somente um irmão de
minha total confiança vai cuidar da bagunça para
garantir que o seu segredo jamais seja revelado. Só
assim o general de armas vai poder fazer o trabalho
dele e você manterá sua fome alimentada sem interferir
nos negócios do clube, pelo tempo que for necessário.
— Quem você escolheu?
— Roober.
Fiz uma careta para a resposta.
— Ele é um idiota.
— Você também é.
— Não. Eu finjo que sou.
Scott deu risada e me passou o baseado.
— Quem disse que o Roober também não está
fingindo?
Tossi, engasgando, o que fez o velho sorrir ainda
mais.
— Ele está? — Cuspi no chão, surpreso com a
revelação.
— Se você não sabe, como eu vou saber?
Scott sabia, mas sua expressão arredia anunciava
que ele não iria me contar. Era mais um teste do velho
manipulador e apesar de ser apenas uma criança,
quatro anos antes, quando matei pela primeira vez, eu
deixei de ser apenas uma criança para me tornar o
futuro soldado que protegeria a vida do presidente do
MC Black Panthers, até o dia da minha morte.
O humilde, que mataria os inimigos sem ostentar
seus atos. O corajoso, que enfrentaria os perigos
sozinho. O inteligente, que agiria na hora certa sem
levantar suspeita. E o mais insensível entre os mortais,
aquele que jamais sentiria nada, além de prazer e ânsia
de matar.
Assenti no auge da primeira década da minha vida
e encarei Scott Abbot; meu avô, a única família que
conheci, meu único amigo, conselheiro e mentor,
aceitando de bom grado o destino que havia sido
imposto para mim no dia do meu nascimento. Não
porque era a vontade dele, mas porque era a minha
vontade. Eu queria matar mais do que queria qualquer
outra coisa. Então desviei o olhar para a imensa
clareira e perguntei:
— Que lugar é esse, afinal?
O velho passou o braço por cima do meu ombro e
sussurrou:
— O seu cemitério das almas vivas.
Fico de pé e apoio as mãos na beirada da mesa,
me inclinando para frente e fito o mapa desenrolado
sobre ela. Levo cerca de vinte segundos para
compreender que é uma descrição detalhada da
fazenda.
Instalações, trilhas, rotas de fuga e áreas para
mineração.
Não sei quem são os homens que acabei de
matar, mas ao contrário do que pensei, eles não
estavam reunidos nesta sala a mando de Benício, já
que as linhas traçadas no papel insinuam que uma
conspiração está sendo arquitetada contra o pirralho
psicopata.
De acordo com o mapa, essa casa é um fodido
labirinto e só depois de descobrir onde estou e decidir
para onde vou, enfio o mapa embaixo do braço, salto
por cima dos corpos e sigo até o quarto, onde deixei
Pink.
Quem quer esteja planejando matar Benício
Xavier, planeja fazer isso ainda esta noite, mas o
pirralho não pode morrer antes confessar o que deu
para a cadela. E ele vai confessar, nem que para isso
eu tenha de matar seu fodido executor e salvar sua
bunda juvenil.
Maldito fedelho psicopata do caralho.
CAPÍTULO 60
BENÍCIO XAVIER
Em um único dia cometi dois erros que podem ser
considerados imperdoáveis para o homem que desejo
ser, e servirão para quando eu me tornar esse homem,
pois sou apenas um garoto de quinze anos.
Confiar na inteligência de Tony foi o primeiro.
O segurança me traiu e por pouco não arruinou
meus planos. Para minha sorte e azar dele, mantive em
segredo o nome do veneno que Stephanie ingeriu
enquanto eu a chicoteava, o que me dá certa vantagem
sobre o meu segundo erro:
Subestimar a inteligência do general de armas.
Dumb já sabe que a namorada está entre a vida e
a morte, e vai fazer de tudo para salvá-la. Seu
desespero é a chave da minha liberdade e me dará o
tempo que preciso para me restabelecer quando
chegar ao México, fortalecer minha defesa e reivindicar
o poder que me pertence.
Estou convencido de que não se trata uma fuga
substancial, e sim uma sábia medida preventiva.
Desagradável sem dúvida, mas longe de se
caracterizar como um típico ato covarde do adolescente
inseguro e assustado, desacostumado a não conseguir
o que quer.
E ainda que meu orgulho se sinta
extraordinariamente violado, permanecer na fazenda à
essa altura e arriscar minha vida por uma vingança
precoce contra todos que fingiram ser meus aliados e
se voltaram contra mim, vai gerar um prejuízo
financeiro que não estou disposto a arcar, além do risco
de morrer pelas mãos do homem que provou ser mais
cruel que Ramiro Xavier, Pablo Armenio e George
O’Connor juntos.
Após o jantar com os meninos, informei a Tony
que iria dormir e fui para o meu quarto, o mesmo que
dividi com Domenico nos últimos meses e planejei cada
passo que daria até o topo da cadeia alimentar que
nutre o tráfico infantil no mundo inteiro.
Abri o cofre e peguei o notebook que o Capo
usava para acompanhar a movimentação dos homens
que vigiavam a casa, através do programa de
monitoramento remoto que ele havia instalado sem que
nem mesmo Tony soubesse.
Sentado na cama, acompanhei o momento que o
segurança abriu a porta dos fundos para cinco homens
armados e os acompanhou até a sala de reuniões que
Domenico usava exclusivamente para receber novos
clientes que demonstravam interesse em algum dos
meninos, e permitia um test drive supervisionado, antes
de efetivar a venda.
Depois de acomodar os amigos, Tony seguiu para
o quarto onde Stephanie estava e sem encostar um
dedo nela, fez o que era para eu ter feito e terminou de
quebrá-la.
Assistir fragmentos da sua traição despertou meu
ódio e naquele momento, eu quis reproduzir um dos
assassinatos que vi Ramiro executar, com minhas
próprias mãos. No entanto, quando Tony encerrou a
conversa telefônica com o Consigliere, na qual ele
atualizou o principal candidato a assumir o lugar de
Domenico na máfia Coppola, sobre o andamento da
conspiração para me matar, e a imagem de Dumb
surgiu na tela, avançando como um touro até o quarto,
eu soube que o general de armas era o único que
poderia providenciar a medida preventiva que eu
precisava.
Devo admitir que a sua explosão de fúria contra os
amigos de Tony me perturbou e por um instante hesitei
em desafiá-lo, temeroso em sacrificar o último coringa
que eu tinha disponível na manga para estar dentro do
jatinho a caminho do México, quando os mafiosos e os
motoqueiros invadissem a fazenda, a fim de eliminar
mesmos alvos: Pablo e Ax, ainda que por diferentes
motivos.
Foi ali que a ideia mais brilhante que já tive me
veio à mente, como uma bonificação pela manutenção
da calma diante do princípio do caos e renovou minha
confiança, momentaneamente abalada.
Duas mulheres ligadas pelo passado imoral e
repugnante da família Xavier, entretanto apenas uma
delas conhece na íntegra a verdade dos fatos e todas
as consequências acarretadas por eles, enquanto a
outra jamais duvidará da versão alterada que seu irmão
caçula lhe confidenciará.
Dumb quer salvar Stephanie e Ravena quer
assegurar a reputação impecável de Eugênia. Eu tenho
as duas soluções, assim como as condições para
fornecê-las.
Observo o general de armas deixar a sala com os
cinco homens mortos para trás, e caminhar em direção
ao quarto em que a sua namorada está. Cogito ir até
ele, ansioso para ouvi-lo implorar, no entanto, minha
atitude precipitada poderia representar desespero, e
um blefe desesperado tem o mesmo efeito que uma
camisinha furada.
Guardo o notebook, abro a porta do quarto e
conecto meu celular à caixa de som. Seleciono a pasta
de músicas que gravei enquanto viajava para o Texas,
onde iria me encontrar com Domenico e ficar sob a sua
proteção, no dia que assisti à Pablo Armenio atirar
cinco vezes em Ramiro, tomar sua coroa e passar a
governar seu reino, como se lhe pertencesse.
A voz suave de Thalía penetra meus ouvidos,
embalando meus pensamentos ao som de Qué será de
ti.
Sento na beirada da cama e espero por Dumb,
que não demora a chegar. Ele me encara de maneira
horripilante quando seu corpo alto, forte e musculoso
surge sob o batente da porta. Meu coração acelerado
anuncia que o medo acaba de ser reativado dentro de
mim.
Temo que não será tão fácil de convencer Dumb a
aceitar minha oferta, quanto foi com Ravena e,
principalmente, temo que Scott não tenha mentido para
o meu pai ao dizer que o diabo havia gerado seu
herdeiro.
E que neste exato momento, ele está bem à
minha frente.
DUMB
Entro no quarto e acendo a luz.
A claridade leva meu corpo e minha mente à uma
guinada suicida, indo do mais doentio desejo de matar ao
mais sublime desespero pela vida.
Ela não pode morrer, porra!
Paro ao lado da cama, resistindo a tentação de tocá-
la. Meus músculos se contraem, meu cérebro se culpa e
meu coração sangra diante os ferimentos em sua pele que
estão mais visíveis, e tenho a impressão de que pioraram
desde que a vi, alguns minutos atrás.
Sento-me ao seu lado, descartando no chão o rifle que
usei para matar os desgraçados, pois descarreguei sobre
eles toda a munição e não tenho como repor.
— Você tinha que ver a cara deles quando entrei na
sala, cadela — murmuro enquanto verifico se o outro está
devidamente carregado. — Bando de cuzão. Otários de
merda. Mandei todos eles para o inferno e agora vou atrás
do Benício.
Retiro a Glock da cintura e faço o mesmo, repetindo
mentalmente que é apenas precaução, mas a verdade é
que não quero deixá-la de novo, embora não haja outra
opção. Cada segundo perto dela se torna precioso e não
aproveitar ao máximo esse breve momento seria burrice.
— Falta pouco, linda — sussurro, sentindo os fracos
batimentos cardíacos com as pontas dos dedos em seu
pescoço, o que alivia um pouco a tensão que rege meu
corpo. Pelo menos não houve piora. — Vou arrancar a
língua do pirralho assim que ele me disser o que deu para
você beber e depois será a vez dos seguranças. Prometo
que não vou demorar, mas preciso matar todos eles para
tirar você daqui em segurança. Não posso arriscar que se
machuque mais quando eu estiver levando seu traseiro
gostoso para longe desse lugar.
Tateio os tornozelos por cima da calça, checando as
duas facas presas nos coldres. Minha garganta se fecha,
como se tivesse um novelo de lã quando acaricio seu
cabelo castanho.
O arrependimento ameaça me punir além da culpa por
nunca ter dito a Pink o quanto sinto falta dos fios cor-de-
rosa que colorem sua cabeça e iluminam minha alma
obscura.
Aperto as pálpebras fechadas com força, me
martirizando um pouco mais, mas antes que minhas
emoções aflorem e façam de mim um fodido maricas, eu me
curvo sobre ela e deposito um beijo demorado em sua testa.
— Não é a porra de uma despedida — murmuro e
beijo seu nariz. — Prometo que vou voltar para você, nem
que seja a última coisa que eu faça. — Beijos seus lábios
secos e esbranquiçados. — Confia em mim, Pink. Eu vou
voltar...
Fico de pé, encarando minha cadela pela última vez,
apago a luz e saio do quarto, onde a mudança acontece
logo que piso no corredor, mais assustadora do que nunca e
sei que não é apenas intrínseca.
O ódio que me queima é impiedoso e exala as chamas
do inferno por todos os meus poros, deformando minha
aparência dos pés à cabeça.
A beleza nunca foi tão dissimulada.
Caminho até o fim do corredor em alerta com meus
instintos sinalizando o perigo de estar sendo vigiado, e a
ideia de que o garoto sabe que estou chegando é
confirmada quando a música mexicana entope meus
tímpanos. Eu mataria essa cantora se a visse, ou talvez
cortaria sua língua para que nunca mais voltasse a cantar.
O mapa é dispensável, no entanto.
Estou seguindo a voz, seguro de que ela me levará ao
meu destino. Viro à direita e deparo com três portas, mas
não tenho dúvida de qual delas espera a minha chegada, já
que somente uma está aberta.
Paro sob o batente, com o indicador agitado no gatilho
do rifle e os olhos selvagens em cima do pirralho sentado
na beira da cama como uma donzela corajosa e prepotente,
ciente do perigo que está correndo, confiante demais para
se precaver.
E Dumb se achando o rei da Idiotolândia.
Benício abre a boca para falar, mas estremece e se
joga no chão com as mãos tampando ouvidos quando
aponto o rifle para a caixa de som e disparo, explodindo o
aparelho pelos ares em uma fração de segundo.
Ele berra, apavorado com a pequena amostra de
destruição que está preste a acontecer, ao mesmo tempo
que me aproximo do seu corpo mirrado e com a mão em
volta da sua nuca, levanto Benício em suas pernas e o
arremesso de novo, agora contra a parede sem nenhuma
gentileza.
Seu gemido de dor traz um sorriso sádico aos meus
lábios.
— Muito melhor do que a maldita música, não acha?
— rosno, pisando na parte interna da sua coxa a fim de
impedir que se afaste quando ele tenta se arrastar para trás,
com os cotovelos apoiados no chão. — Você sabia que eu
estava vindo e esperava que eu viesse. — Aperto a sola da
bota, esmagando sua perna magricela e comprida. — Bem,
estou aqui e vou te matar se não me disser que porra você
deu para ela beber?
Seus olhos são uma mistura de pavor, raiva e
descrença.
— Se me matar, a Stephanie vai morrer — Benício
sibila, cerrando a mandíbula e sua expressão aterrorizada
me faz sorrir ainda mais.
Retiro a alça do rifle pela cabeça e o coloco em cima
da cômoda. Me inclino para frente, pego a faca que usei
para matar seu segurança e deslizo a lâmina em espiral
pelo seu pescoço, sem desviar meus olhos dos seus.
Eu sei o que Benício vê. Sei porque ele está com
medo e garanto que não é vergonha alguma para pequeno
manipulador do caralho se sentir assim, afinal não é todo
mundo que tem o azar de ficar frente a frente com o general
de armas.
Benício engole seco no segundo que aumento a
pressão da lâmina e um filete de sangue escorre,
umedecendo sua pele bronzeada.
— A morte pode ser uma benção em certas ocasiões.
— Desenho o contorno do seu rosto até a orelha esquerda.
Sempre sorrindo, nunca desviando o olhar. — Pena que não
estou aqui em missão de paz. Eu vim buscar a porra da
guerra que me prometeram.
Antes que Benício se dê conta do que está
acontecendo, impulsiono o braço para cima e quando ele
desce, um jato vermelho esguicha, um grito estridente
reverbera pelo quarto e um grande pedaço de cartilagem
dura, do que um dia foi a sua orelha, cai no chão ao lado da
sua mão.
— Se não me disser o que deu para ela, pode apostar
que você vai me implorar para morrer, pirralho.
Benício faz o que pode para controlar o pânico
dominante que o invadiu sem permissão, mas nem todo seu
esforço é capaz de conter as lágrimas grossas que
escorrem por suas bochechas.
Se ele pensa que seu sofrimento vai me comover, está
na hora de ensinar duas lições ao irmão de Ravena.
Na primeira, vou apresentar a dura realidade dos
homens que escolhem viver a margem da sociedade. Quem
sabe assim, o pirralho entenda de uma vez por todas que o
poder da manipulação sem a habilidade e o prazer em
causar dor, só é vantajoso para políticos, militantes
narcisistas e mães de primeira viagem.
Na segunda e mais importante lição que a primeira,
Benício Xavier vai aprender que todas as lendas são reais
para aqueles que acreditam.
Eu fodidamente acredito.
CAPÍTULO 61
DUMB
— O que você fez? — Benício pergunta, com a
voz embargada cheia de raiva e olha para a mão,
ensopada de sague.
— Fatiei uma parte da sua orelha e vou arrancar o
resto se não me disser o que deu para a cadela beber
— rosno, limpando a faca na calça jeans.
— Eu falo, mas quero algo em troca.
— A única coisa que você vai ter é o fim da minha
paciência e garanto que o próximo membro que
arrancar, vai doer muito mais do que a porra da sua
orelha.
— Eles querem me matar!
— Ninguém vai encostar um dedo em você,
porque sou eu que vou te matar.
— Me ajude a chegar até o portão e eu falo como
evitar a morte da Stephanie.
— Você vai me falar agora.
— O veneno já se espalhou pelo corpo dela. O
primeiro efeito é a paralização muscular e em oito
horas ele alcança o cérebro podendo causar danos
irreversíveis — ele fala, sem fôlego, recostando a
cabeça na parede. — Se me ajudar, ainda dá tempo de
salvá-la. Caso contrário, vai remoer a culpa de ver a
mulher que você ama passar o resto da vida vegetando
em uma cama de hospital.
Meus dedos apanham um punhado do cabelo do
maldito, arrancando um grito de dor que me acalma.
Coloco Benício de pé. Suas pernas bambeiam e seus
olhos reviram, enquanto o líquido vermelho continua
escorrendo pela lateral da sua cabeça como uma
cachoeira.
— Que veneno você deu para ela e como eu faço
para cortar o efeito? — vocifero entre os dentes
semicerrados.
— Me leve até o portão. — Ele pisca várias vezes,
até focar sua visão em mim. — Ou me mate.
— Acha mesmo que eu não vou?
— Se me matar, vai decretar a morte dela. A
escolha é sua.
Bato a parte de trás da cabeça dele na parede,
duas vezes. O barulho dos ossos contra o cimento é
abafado por seus gemidos de dor.
— Você vai falar assim que eu arrancar seus
dedos. Um a um, e quando os das mãos estiverem
espalhados pelo chão, vai ser a vez dos dedos dos pés,
mas talvez eu arranque seus mamilos primeiro.
— Pode começar, porque não vou implorar.
Benício realmente acredita que estou brincando e
não vou fazer o que disse que faria, mas o pirralho vai
descobrir que está fodidamente enganado.
— Foi você quem pediu — murmuro com
sarcasmo.
Giro Benicio e o posiciono de frente para a
parede. De lado, pressiono seu corpo com o meu,
limitando seus movimentos, ao mesmo tempo que
flexiono seu cotovelo para trás e seguro sua mão
erguida no ar.
— Se você cooperasse eu até começaria pelo
mindinho, mas parece que seu pai não te ensinou
muitas coisas sobre homens como eu. Então o polegar
é a minha primeira escolha.
A maioria das pessoas acredita que armas de fogo
são as mais perigosas, mas assim como o pirralho
psicopata, elas estão enganadas.
A faca que carrego presa na bainha da calça
como um souvenir inofensivo, é a JagdKommando, a
arma branca mais letal do mundo.
O formato da sua lâmina tem como objetivo criar
uma ferida impossível de ser suturada, sem girar a
lâmina, e ao gerar a ferida aberta o ar entra livremente
dando acesso ao oxigênio e milhares de bactérias.
Benício se contorce, vergonhosa e inutilmente,
tentando escapar quando sente seu dedo sendo
decepado com extremo cuidado e mais lentamente do
que o necessário.
Ele berra, chora e implora, substituindo meu
sorriso maníaco pra caralho, por um de plena
satisfação.
— Só faltam nove. Tem certeza que não quer
mudar de ideia?
— Eu falo! Eu falo!
Para que Benício não vacile, mantenho a pressão
no seu corpo e posiciono a lâmina na base do
indicador.
— Estou ouvindo.
— Não consigo respirar...
— Talvez sua respiração melhore se eu cortar o
segundo — falo, arranhando superficialmente sua pele.
— Não! Eu vou falar! Por favor.
— É a sua última chance.
— Acônito indiano — sussurra.
— Que porra é essa?
— Uma planta venenosa.
— Qual é o antídoto? Como eu faço para...
Antes que eu faça a pergunta mais importante de
todas, uma explosão no corredor me ensurdece, ao
mesmo tempo que uma nuvem de fumaça tóxica se
espalha no ar, desencadeando um acesso de tosse
pigarrenta em Benício, e um homem usando máscara
de esqui entra no quarto em meio a névoa.
Reconheço o filho da puta que acompanhou Pink
pela USI israelense que ele aponta na minha direção, e
mesmo sabendo que não sou seu alvo, ainda é cedo
para entregar o pirralho de mão beijada para o italiano.
Tranco a respiração e com um movimento rápido,
empurro Benício para baixo, jogando seu corpo no
chão. Quando ele se estatela e o babaca percebe que
tirei Benício da sua mira, não há tempo para mais nada.
Rolo para frente em uma meia cambalhota e caio
sobre os joelhos à sua frente para cravar a lâmina
afiada em sua barriga até o cabo. Retiro e arremeto o
segundo golpe, certeiro em sua virilha, direto na veia
femoral.
O terceiro vem logo em seguida e aproveito o
estado cambaleante do seu corpo para ficar de pé num
pulo e esfaquear seu pescoço.
Desequilibrado, o dedo do idiota pressiona o
gatilho, transformando o segurança em um fodido
atirador bêbado. Projéteis são disparados para todos os
lados, destruindo tudo que encontram pela frente por
frações de segundos que parecem a maldita
eternidade, e só cessam quando o corpo sem vida
despenca com peso de um armário, liberando a
submetralhadora.
Minha visão embaça e minha garganta resseca,
graças a fumaça que demora a dissipar, no entanto,
não tenho chance de me recompor, pois mais um infeliz
invade o quarto carregando uma Taurus G3c, e estaca
no lugar ao ver o corpo do morto do seu colega no
chão.
Caralho, nem um fodido minuto de paz.
Não espero o idiota decidir o que quer fazer para
sacar minha Glock e atirar duas vezes na sua cabeça.
Ele tomba para trás por conta do impacto das balas e
cai de costas sobre a mesa de cabeceira.
Meu único pensamento é tirar Benício daqui e
obrigá-lo a falar que porra preciso fazer para cortar o
efeito do veneno que Pink ingeriu, e é exatamente o
que faço.
Ajudo o pirralho a se levantar e saio arrastando
seu corpo molenga pelo corredor, refazendo o caminho
em direção ao quarto da cadela.
O barulho de passos fervorosos ecoa pela casa,
evidenciando que a conspiração contra Benício Xavier
teve início e pelo visto, não é apenas a equipe de
seguranças da casa que veio para eliminar o pivete
psicopata.
A simples constatação me diz que há outra razão
por detrás desse ataque noturno à casa de Domenico,
além da execução do seu amante, porém não me
interessa o motivo pelo qual os malditos italianos estão
na fazenda. Tudo que me importa é pegar Pink e dar o
fora daqui.
O problema é que quando abro a porta do quarto,
entro com Benício e meus olhos recaem sobre a cama
vazia, mais do que nunca quero matar o filho da puta
que levou minha cadela, mas primeiro preciso descobrir
quem é o filho da puta e o pirralho é o único que pode
me dizer.
Minha mão envolve seu pescoço e enquanto meus
dedos esmagam sua traqueia, olho dentro dos seus
olhos, permitindo que ele veja o que somente Scott
Abbot viu, quando sinto a quentura inflamando meu
olhar.
A sombra avermelhada que encobre a parte
branca dos meus olhos, dilatando as pupilas e
contornando o círculo preto com um tom alaranjado,
acompanha o vinco no meio da testa, marcado por
vergões em linha reta insinuando a letra H, e as narinas
ampliadas emitem um rosnado igual ao de um animal
noturno, esfomeado, diante da sua presa encurralada.
— Quem levou minha cadela?
Benício me encara com os olhos arregalados, a
boca entreaberta, e totalmente ligado. Seu rosto é uma
miscelânea de sangue, suor e medo.
Se havia alguma dúvida da verdade, na sua
cabecinha de merda, que o julga um fodido gangster, a
rapidez com que ele começa a me contar sobre os
acordos, alianças e o esquema de tráfico infantil,
financiado e liderado pela máfia Coppola, é a certeza
de que não tem mais nenhuma.
Nem mesmo o cristão mais fanático pode duvidar
da sua existência, pois todas as moedas têm dois
lados, assim como todos os heróis dependem dos
vilões para enaltecer suas virtudes.
É impossível acreditar na força do amor e duvidar
do poder do ódio; determinar o bonito sem julgar o feio;
nem almejar o paraíso sem abominar o inferno; ou
reverenciar a bondade sem nunca ter sido vítima da
maldade.
Crer em Deus torna obrigatória a crença no seu
antagonista e ainda que muitos se recusem a admitir,
sua existência é indiscutível.
O diabo fodidamente existe, e Benício Xavier
acaba de conhecê-lo.
PINK
— Porra! O que fizeram com ela?
Ouço a voz familiar, mas não consigo me mexer para
ver quem é.
— Não sei. Aquele moleque é capaz de qualquer
coisa.
Dedos frios tocam meu rosto.
— Ainda está respirando.
— Temos que sair daqui — diz outro homem,
parecendo assustado.
— Não posso deixar a Pink para morrer.
— Tá louco? Ela é a mulher do Dumb e você viu o que
aconteceu com os caras que tentaram foder com ele.
Pink, Dumb... de quem eles estão falando?
Por que não consigo abrir os olhos?
Será que estou presa em algum sonho maluco?
— Pensa bem, o Tony já deve ter avisado o
Consigliere que deu merda. Ele não vai esperar até meio-
dia para enviar a tropa e mostrar para os conselheiros que
pode fazer o que o Domenico não fez. A Pink é a nossa
moeda de troca para fugir antes que os italianos cheguem.
— Esse não foi o nosso acordo, Ax.
Ax... esse nome... eu conheço, mas não me lembro de
onde. Minha mente é uma bagunça de imagens desfocadas
e memórias fragmentadas.
— Cair na armadilha do Benício também não fazia
parte do acordo.
— Ele é traiçoeiro e armou pelas nossas costas.
— Ainda não acredito que o menino fez tudo sozinho.
— Agora não adianta tentar entender o que
aconteceu. Vamos pegar o ouro e sair daqui, como a gente
combinou.
Benício?
Ouro?
— Você pega as barras. Vou levar a Pink para o carro
e te apanho na entrada da mina.
— Os meninos não gostam de mim e vão desconfiar
se eu aparecer sozinho no meio da madrugada. Você tem
que ir comigo.
— Então não fica aí parado e me ajuda com ela,
Pablo!
Pablo... mais um nome familiar que não sei de onde
conheço.
— Vem! Vem! Anda logo. O corredor tá limpo.
Um deles me pega no colo e começa a caminhar. O
baque da porta é reprimido por uma explosão que
desequilibra meu carregador, fazendo com que ele tropece.
Minha cabeça bate na parede e mais uma vez a luz se
apaga, sem deixar nada além da escuridão e dúvidas.
Eu deveria ter medo de morrer quando os dois
homens correm desesperados, proferindo palavrões, mas
por alguma razão estranha me sinto tranquila. É como se
tudo que está acontecendo não passe de uma alucinação, e
apenas aquele sussurro rouco, que minha mente reproduz
incansavelmente, seja a única coisa verdadeira e real para
o meu coração.
Confia em mim... eu vou voltar...
Confia em mim... eu vou voltar...
Então eu confio e me entrego a exaustão.
CAPÍTULO 62
BENÍCIO XAVIER
Ramiro precisava de um filho homem para assumir
seu lugar à frente dos negócios da família Xavier, mas
Eugenia teve duas meninas e demorou mais de uma
década para lhe dar seu tão sonhado herdeiro.
O problema é que eu não fazia o tipo de menino
que o traficante de drogas mais poderoso do México
desejou a vida toda, e não ficou nenhum pouco feliz por
ter esperado tanto tempo para no final receber um
produto danificado.
Minha mãe dizia que eu era especial, mas meu pai
sabia que ela estava mentindo. Eu também sabia. E ela
estava, de fato.
Eu tinha oito anos quando Eugenia desistiu de
negar o meu “problema” e seguiu o conselho de uma
professora da escola a procurar ajuda profissional. Foi
então que minha mãe me levou à minha primeira
consulta com um psiquiatra.
Ela custou a aceitar que seu filho caçula tivesse
sido diagnosticado com transtorno de conduta, ou seja,
uma forma delicada que os especialistas em saúde
mental encontraram de informar aos pais que seus
filhos têm uma chance muito, mas muito grande de
serem psicopatas.

O adulto psicopata já foi criança e, infelizmente, o


índice de transtornos de conduta na infância tem
crescido assustadoramente.

As palavras do médico ficaram registradas na


minha memória e assistir minha mãe reagir como uma
louca depois de receber o resultado dos exames,
comprovou que ela tinha mais problemas do que eu.
Eugenia ficou tão transtornada que além de
destruir o consultório, chegou ao ponto de implorar para
o marido matar o doutor, por ele ter caluniado seu filho
e ofendido a honra da nossa família.
Ramiro ouviu calado a esposa gritar
histericamente os absurdos do meu diagnóstico,
enquanto andava de um lado para o outro no escritório,
com o copo de uísque em uma mão e o cigarro na
outra.
Meu pai me encarou fixamente o tempo todo,
como se depois de oito anos ele finalmente estivesse
me enxergando, e ainda que a sua expressão fosse
taciturna, foi a única vez que vi orgulho em seu olhar.
Por alguma razão que eu só iria entender mais
tarde, Ramiro Xavier ficou feliz por ter um filho homem.
O seu herdeiro.
E naquele dia eu decidi que queria ser eu mesmo,
e até aprenderia a fazer todas as coisas que o médico
havia dito que as crianças diagnosticadas com
transtorno de conduta faziam.
Um mês depois, Ramiro, Eugenia e eu estávamos
em Nova York para ouvir a opinião de um médico
conceituado, que havia participado de um famoso
programa norte-americano onde falou sobre Psicopatia
infantil.
Minha mãe não gritou ou destruiu o consultório.
Daquela vez ela apenas chorou com a
confirmação do diagnóstico, no entanto, pelo esboço de
um sorriso nos lábios de Ramiro, percebi que ele
gostou da resposta do médico à sua pergunta sobre o
meu futuro:

O psicopata tem falha de integração da emoção


com os sentidos das palavras, mas desenvolve muito
bem o que lhe convém porque é extremamente egoísta.
Ele tende a roubar, mentir e enganar. É um impostor
nato, capaz de seduzir, corromper e transgredir as leis
sociais com facilidade. Sugiro que façam
acompanhamento com um profissional adequado,
imponham regras rígidas e mantenham vigilância sobre
ele vinte e quatro horas por dia.

Mas foi o terceiro psiquiatra que fez Ramiro sorrir


como eu nunca tinha visto. Também foi por causa dele
que meu pai passou a me levar para todos os lugares e
me apresentar aos seus funcionários, amigos e
parceiros de negócios como seu filho e sucessor.
O médico mexicano, baixinho, careca e gordo,
com olhos negros e bem mais velho que os outros,
analisou os resultados dos exames e ratificou o
diagnóstico de transtorno de conduta.
Eugenia começou a chorar, mas Ramiro mandou
que ela saísse da sala e esperasse lá fora. Quando a
porta se fechou atrás dela, meu pai recostou na cadeira
e autorizou que o psiquiatra concluísse seu raciocínio.

As famílias e a sociedade têm dificuldade em


aceitar a maldade infantil, mas ela existe. Crianças
psicopatas não têm empatia, não se importam com os
sentimentos dos outros e não apresentam sofrimento
psíquico pelo que fazem. Não respeitam os pais,
chantageiam, roubam, mentem, manipulam, maltratam
os irmãos e amiguinhos, torturam animais e são
capazes de matar sem culpa.

Depois daqueles, tive consultas com muitos


profissionais diferentes, mas a resposta sempre foi
igual: Não sou especial, tampouco diferente.
Eu sou melhor. Infinitamente melhor.
E se eu não fosse filho de Ramiro Xavier, se não
tivesse sido criado por uma mãe adúltera e
problemática, num ambiente hostil e violento, se não
fosse egoísta, narcisista, manipulador e imune a
empatia, certamente Dumb já teria me matado à essa
altura, ou talvez eu já tivesse desistido e implorado
para que ele parasse de me torturar e me matasse de
uma vez.
Mas isso não vai acontecer, mesmo que o general
de armas esteja me mostrando um lado do crime
organizado que eu não conhecia: brutal, sanguinário,
cruel e exageradamente sádico, até mesmo para os
padrões de tortura da máfia. Além de me ensinar da
pior maneira possível, que eu ainda tenho muito a
aprender.
Nunca, nem nas minhas piores previsões,
imaginei que um homem como Dumb pudesse se
mostrar tão... diabólico.
Não sou burro, nem cego, e apesar de ser
fundamental para o que planejo conquistar em um
futuro próximo, para um garoto que sempre teve tudo
que quis manipulando a vida das pessoas ao seu redor,
sem se tornar o assassino frio e calculista que todos
esperavam que ele se tornasse, é extremamente difícil
admitir que foi a minha arrogância e a filosofia que
adotei de não usar a violência a meu favor, que
atraíram o general de armas para a minha vida e me
colocaram na posição desfavorável que estou hoje.
Mas eu conheço o jogo, também sei jogar e como
um bom jogador em fase de aperfeiçoamento; assimilo
o baque, calculo o prejuízo, estudo o tabuleiro e defino
a próxima jogada.
Perdi um pedaço da orelha, um dedo e muito
sangue.
Estou com dor, fraco, preciso de cuidados
médicos e não tenho a menor intenção de morrer essa
noite.
Então para provar que sou um excelente aprendiz,
vou dar a Dumb exatamente o que ele quer, pois só
assim terei o que eu quero.
Um passo para trás, dois para frente.
Não vou negar que tenho medo desse homem,
mas preciso viver se quiser ter a minha vingança contra
o Consigliere da máfia Coppola, já que tudo indica que
o general de armas vai cuidar dos outros traidores para
tentar salvar Stephanie.
Se Scott Abbot vendeu sua alma ao diabo, o que
me impede de tomar um café com ele?
DUMB
O pirralho estirado na cama está todo fodido, mas não
é tão frágil e complacente como aparenta. Ele quer me
convencer que aceitou a derrota e para que me conte o que
sabe, finjo que acredito no seu teatro do caralho.
Benício é bom, mas na sua idade eu já era
fodidamente melhor.
— Quem levou a Pink? — pergunto, ao lado da cama
com os braços cruzados sobre o peito.
— Pablo e Ax — A voz de Benício é fraca.
Não é a resposta que eu esperava e preciso ter
certeza de que está dizendo a verdade.
— Como você sabe?
— Eles iam chegar amanhã de manhã, mas
descobriram que o Consigliere está mandando seus
homens para fazerem uma faxina na fazenda e anteciparam
a chegada.
— Se eles sabiam que estavam sendo caçados, por
que vieram?
— Ouro.
— Que ouro?
Benício enrolou uma toalha na mão para estancar o
sangue e improvisou um turbante com a sua camisa para
cobrir o ferimento na orelha. Ele parece um ratinho preso na
ratoeira quando recosta na cabeceira.
— As barras de ouro que estão na mina e deveriam
ser enviadas para a Itália na próxima semana.
— Por que eles levaram a Pink?
— Não tenho certeza, mas ouvi dizer que o filho do
diretor do orfanato ofereceu uma boa recompensa para
quem entregasse a assassina do seu pai.
Estreitei os olhos, em dúvida.
— Quem é esse cara?
— Mason Dempsey.
— O pai dele morreu no incêndio?
— Única vítima fatal na tragédia. — Benício tosse e
cospe sangue. — Não é estranho que um mês depois que
todas as acusações contra o único suspeito pelo sequestro
de Logan Khan foram retiradas, e o caso encerrado por falta
de provas, um incêndio no orfanato mate apenas o diretor e
na mesma noite Stephanie Vogel, namorada do Logan, e
suas duas melhores amigas desapareçam como num passe
de mágica?
Sim, fodidamente estranho. Penso, mas não falo, pois
não é o tipo de conversa que terei com ele. E quando
estiver melhor, Pink tem muita coisa para me contar sobre o
passado e sua ligação com a família Xavier.
— Como eu faço para cortar o efeito do veneno?
— Lavagem estomacal. Ela precisa vomitar tudo.
— Só isso?
— A quantidade que ela ingeriu não foi suficiente para
matar nem uma criança de dez anos, Dumb. O mais grave
que pode acontecer é ela não se lembrar de algumas coisas
nos primeiros dias, mas com o passar do tempo a memória
vai voltar.
Meu instinto alerta que Benício não está sendo
totalmente sincero, contudo, preciso saber o que vou
enfrentar quando sair desse quarto.
— Por que estão tentando te matar? — A pergunta é
intencional e sua resposta me dará uma noção de quantos
homens estão na fazenda, quais armas estão portando e
até onde estão dispostos a chegar para cumprir as ordens
de Fernando Coppola.
— Porque eu sou o único que pode desmascarar o
Consigliere.
— Faça um resumo, Benício, não tenho tempo para
baboseiras. Preciso saber que porra está acontecendo e o
que vou encontrar na fazenda quando for atrás da minha
cadela.
O pirralho fecha os olhos e inspira devagar,
incomodado por ter de falar sobre suas merdas, mas sabe
que é isso ou a morte. E agora Benício já não duvida mais
que vou mandá-lo para o inferno se não cooperar.
— Domenico nunca escondeu que não queria se
envolver com a máfia, e seu tio, Fernando, o Consigliere,
estava fazendo de tudo para mudar o processo hierárquico
dos Coppola e passar por cima do irmão. A morte do Capo
era tudo que Fernando precisava para assumir o poder, mas
ele não contava que o sobrinho mais velho fosse reivindicar
seu lugar de direito na organização e passou a boicotar os
negócios da própria família para provar a incompetência de
Domenico.
Fico calado, atento a cada palavra.
— Ramiro passava por uma fase muito ruim nos
negócios, e Pablo planejava tomar seu cartel, mas
precisava de alguém que financiasse a invasão. Ele
procurou Domenico e lhe ofereceu uma porcentagem nos
negócios do meu pai em troca de ajuda. Na época,
Domenico estava desesperado para impedir as ações do
Fernando e decidiu se aliar a Pablo. Claro que antes de dar
a resposta, o Capo fez uma investigação minuciosa sobre a
família Xavier e acabou se interessando pelo filho do
traficante, diagnosticado com... transtorno de conduta.
Então, Domenico foi até Ramiro sem que ninguém
soubesse e prometeu que se Pablo conseguisse tomar o
controle do cartel, ele ficaria comigo, me treinaria e
garantiria que eu pegasse de volta o que pertencia a minha
família quando completasse dezoito anos.
Benício não me encara em momento algum, seu olhar
vagueia pelo quarto como se ele estivesse revivendo as
lembranças.
— Domenico cumpriu a promessa e me levou para
morar em sua casa, mas ao contrário do que ele pensou,
desde o primeiro dia quem esteve no controle fui eu.
Manipular um homem carente e infeliz é muito fácil, e
pensei que fazer Domenico se apaixonar por mim me daria
o poder que eu queria, no entanto, descobri que Fernando
era quem realmente controlava tudo: associados,
transações, fluxo de caixa e até investimentos a longo
prazo. Entrei em contato com o Consilgliere e me coloquei à
sua disposição para ajudá-lo em troca do controle do
esquema de tráfico.
— Você se aliou ao homem que queria destruir
Domenico? — indago, ultrajado com o mau-caratismo de
Benício.
— Eu tinha um objetivo — responde sem emoção. —
Se o Domenico não fosse tão fraco, nada disso teria
acontecido e nós dois estaríamos comandando juntos a
máfia Coppola.
— O que deu errado?
— Eu me aliei ao Fernando e passei a manipular
Domenico para que ele fizesse o que seu tio queria.
Quando Pablo e Ax começaram a negociar com os clientes
por fora, oferecendo valores mais acessíveis pelos meninos,
descobri que eles estavam usando o dinheiro da fazenda
para montar seu próprio esquema com rotas náuticas
alternativas. Juntei alguns documentos originais e falsifiquei
outros para fazer um dossiê, e armei para que parecesse
que o Domenico sabia de tudo e estava encobrindo a
sujeira dos dois, dando a eles livre acesso às suas contas
pessoais.
— Deixa eu adivinhar, o Fernando usou suas
informações para foder o Domenico e te deu uma rasteira.
— Não posso evitar a ironia.
Benício sorri sem humor.
— O Consigliere me usou até conseguir o que queria e
com uma única jogada, tirou Pablo e Ax do esquema,
colocou toda a família contra o Domenico e jogou todos
contra mim.
— Até os meninos?
— Não, os meninos me veem como um representante
deles. Alguém que entende seus sentimentos e está lutando
para melhorar suas vidas.
— Eles não sabem que serão vendidos?
— Não. Todos pensam que sou filho de um dos sócios
de uma grande agência de emprego, e estou buscando o
melhor trabalho para eles.
— E os pais desses meninos?
— Drogados, viciados, alcóolatras. O segredo do
aliciador é saber escolher suas vítimas. Eu só ofereci uma
oportunidade para eles fazerem o que sempre quiseram
fazer, mas tinham medo. Nenhum dos meninos que aliciei
levava uma vida melhor do que a que levam aqui, ou a que
vão levar quando forem vendidos. No fim, todo mundo sai
ganhando.
A frieza com que Benício fala de negociar a vida de
uma criança é típica de um psicopata, que merece sofrer
por toda dor que causou.
— O que o Fernando fez para te jogar contra
Domenico, Pablo e Ax?
— Depois de entregar as provas que eu forjei para o
Conselho da máfia e conseguir os votos que precisava para
afastar os três do esquema, ele convocou uma reunião com
a Cúpula Superior, responsável pelos acordos de paz entre
as principais organizações criminosas dos cinco
continentes, e me nomeou como o novo “intocável” da
família Coppola.
Eu gargalho alto, deixando Benício ainda mais irritado.
— Genial! — Bato palmas. — Presenteando você com
o título que qualquer pessoa ligada ao submundo do crime
mataria para receber de um Consigliere, indiretamente
Fernando revelou que você era o informante dele e de
quebra garantiu que ninguém acreditasse que ele queria te
foder — exclamo com divertimento. — Aposto que o Capo
te excluiu de tudo.
— Não. Ele fez pior.
— Pior? — Benício faz uma careta de dor.
— Domenico foi atrás do seu amigo, o executor.
— Lealdade — murmuro a palavra que ainda azeda
minha língua.
— Ele perdeu a confiança em mim e precisava de
aliados que fossem leais ao Capo e não a família.
— Claws não aceitou.
— Domenico estava desesperado e ainda tinha
esperança que se melhorasse a proposta, o executor iria
mudar de ideia. Um homem como Claws teria dificultado a
vida do Fernando.
O canadense pau no cu dificultaria a vida do Bin
Laden, porra!
— O que o Domenico estava fazendo em Dallas?
— Depois da minha nomeação ele parou de me contar
seus planos, mas pelos últimos e-mails que recebeu, acho
que foi se encontrar com um homem chamado Roman
Duval.
— Roman também é ligado ao tráfico humano.
— Uma vez, ouvi o Fernando falando com Roman por
telefone e eles pareciam bem íntimos. O Consigliere é
amigo pessoal do pai dele há muito tempo. Tenho certeza
de que o Roman sabe o que aconteceu.
Roman não, mas eu sei. De qualquer forma, Benício
não vai saber.
— Fernando nomeou você como intocável, o que
significa que se ele te matar ou contratar alguém para fazer
o serviço, vai anular todos os acordos firmados com a
família Coppola, assessorados pela Cúpula Suprema —
concluo. — Foi por isso que ele armou esse circo, assim a
sua morte vai ser classificada como um efeito colateral
durante a tentativa de tomada de posse da fazenda,
organizada pelo Pablo e do Ax.
Benício me encara pela primeira vez com um sorriso
tímido, olhos marrons sem vida e fala:
— O Consigliere só não esperava que o general de
armas do Black Panthers aparecesse para estragar a
grande festa da máfia.
— Quantos homens estão na casa?
— Uns dez, sem contar o Pablo e o Ax.
— Quem está no comando?
— Tony. Se o Fernando já sabe que você matou dois
dos seus homens por minha causa, talvez eu não seja mais
o único alvo dos italianos. — Encaro Benício à procura de
alguma sugestão de que esteja mentindo, mas não encontro
nada. Assinto, apontando para a porta.
— Quando eu sair, não vai sobrar nenhum para contar
essa história.
— Só você. — O pirralho arqueia as sobrancelhas.
Dou de ombros e saco a pistola.
— Aprendi a manter meu negócio em segredo.
— O que vai fazer comigo? — pergunta, olhando para
a Glock.
— Você vai ficar aqui e quando eu terminar, vou te
levar para o clube. Meus irmãos têm perguntas para fazer e
aposto que você tem as respostas.
Ele ergue a mão ensanguentada e diz:
— Como pode ver, não vou a lugar algum.
Sem que Benício espere, miro no ponto abaixo da sua
cintura e atiro duas vezes em sua coxa e confirmo:
— Pode apostar que não vai.
Enfio a pistola no cós da calça, ignorando os berros de
dor e revolta de Benício e deixo o quarto sem olhar para
trás.
Se antes eu desconfiava que ele tinha tudo para se
tornar um dos criminosos mais perigosos de todos os
tempos, depois do que acabo de ouvir, tenho absoluta
certeza. E agora, com todas as suas informações nada vai
me impedir de pegar o que vim buscar.
E qualquer filho da puta que tentar, vai morrer.
CAPÍTULO 63
TRAP
— A saída é para o outro lado! — grito para Anahí,
que lidera a caminhada por entre a mata.
— Nós estamos indo para a aldeia — ela fala por
sobre o ombro.
— Não, porra! Eu tenho que levar o Nate para o
hospital.
— Nenhum médico cheio de firula vai cuidar dele
melhor do que eu.
O que falta no tamanho sobra na confiança da
cadelinha, e isso porque ela tem apenas treze anos e
nunca frequentou a escola. As irmãs não têm
permissão para sair da aldeia, e se não fosse a
armadilha que Benício armou para o pai delas, chefe da
minúscula tribo que vive nas terras da família Coppola
clandestinamente, jamais teriam pisado na fazenda.
— Quem machucou você? — pergunto para Nate,
que diminui o ritmo da caminhada quando começamos
a subir uma pequena ladeira.
— Ethan. — Seus dedos deslizam sobre as
feridas rosadas que marcam sua pele branca.
— Já falei para não pôr a mão suja — Anahí
brada. — Elas precisam respirar para curar mais
rápido, mas se infeccionarem vou ser obrigada a fazer
curativos de novo. É isso que você quer?
Nate reprime uma risada, se divertindo com a
bronca que está levando de uma menina que mais
parece uma anãzinha.
— Não, senhora. Peço perdão pela minha falha —
o futuro pastor responde, no entanto, a leveza em sua
expressão atesta sua alegria.
— Não sou Deus para perdoar, Nate.
— Você está praticando?
Anahí para de andar e gira o corpo. Ela cruza os
braços e encara Nate de cima. Não por ser mais alta,
mas por estar alguns metros à frente.
— Eu perdoo quem pisa no meu pé sem querer,
quem me confunde com outra pessoa na rua, e mesmo
que você não acredite, posso perdoar meus pais por
me tratarem como um bebezinho que precisa de
supervisão vinte e quatro horas por dia. — Seus olhos
se estreitam e ela aponta para a fazenda, localizada no
terreno abaixo de nós. — Mas não vou perdoar aqueles
homens maus que vendem, estupram e obrigam
crianças a trabalharem como escravas para enriquecer.
— Anahí esfrega as costas da mão sob o olho direito,
mas não é rápida o bastante para esconder a lágrima.
— Se a minha entrada no reino do Deus que você tanto
adora estiver pendente por causa do meu perdão, nós
vamos ter que anular o pacto que fizemos e marcar o
nosso encontro depois da morte em outro lugar, porque
eu não vou perdoar aqueles homens nem hoje, nem
nunca.
O irmão da contadora dá um passo à frente, com
o braço estendido para a cadelinha e ameaça falar
alguma coisa, mas uma sequência longa de tiros que
estoura em algum lugar da fazenda faz com que nós
três nos encolhemos.
Eu me viro, tentando identificar de onde saíram os
disparos, no entanto, não é difícil presumir,
considerando que Dumb invadiu a casa pronto para
resgatar sua cadela a qualquer custo, inclusive implodir
aquela merda se fosse preciso.
— Porra! — xingo.
— Você não veio sozinho? — Anahí pergunta,
parando ao meu lado.
Ajeito sua irmã no meu colo e balanço a cabeça
de um lado para o outro, sem desviar o olhar da
propriedade, ainda que da distância que estamos não
dê para ver muita coisa.
— Não, meu amigo entrou na casa para buscar a
mulher dele.
— Mulher? Que mulher? — A exasperação em
sua voz me força a encará-la.
— O nome dela é Pink.
— Ela é magra? Quantos quilos ela pesa?
Franzo a testa sem entender, mas respondo
mesmo assim.
— Ela é magra. Deve pesar uns sessenta e cinco,
eu acho.
A expressão no rosto de Anahí é de puro terror.
Ela olha de mim para Nate, atônita e trêmula.
— O que foi? — questiono, agitado. — Você viu a
Pink? Sabe onde ela está? O Benício fez alguma coisa
com ela?
De repente a cadelinha cai de joelhos sobre a
trilha de terra e chora com as duas mãos cobrindo seu
rosto. Nate se ajoelha ao lado dela e a abraça, numa
tentativa de acalmar seu corpo trepidante. O gesto do
pastor me comove, mas suas palavras têm o poder de
me desestabilizar.
— Não é sua culpa. Você não sabia o que ele ia
fazer.
— Do que você está falando? — vocifero,
impaciente.
— Nada, Trap. A Anahí não tem culpa de nada e...
— Culpa do quê? — Meus braços se agitam em
volta do corpo de Raíra e por pouco não derrubo a
cadelinha no chão. — O que ela fez? O que o Benício
fez com a Pink?
Anahí dá um pulo como se fosse um sapo e cai
sobre os pés. Os olhos dourados brilham em fúria
desmedida, os lábios são duas tiras esticadas e a
mandíbula está tão cerrada que poderia partir seus
dentes.
— O Benício envenenou a sua amiga — ela fala
sem rodeio.
— Como você sabe?
Seus ombros arriam, curvados para frente,
fodidamente derrotados.
— Eu dei a mistura para ele.
— O quê? — Minha voz é praticamente um sopro.
— Ele foi no chalé e disse que se eu não fizesse o
chá de acônito da Índia, minha irmã voltaria para a
mina. — Ela soluça e a raiva fomenta no meu peito ao
saber que a cadelinha é obrigada a fazer tudo que
aquele psicopata do caralho quer para que a sua
família tenha onde morar.
— Como você sabe que o veneno era para a
Pink?
— O Benício disse que era para uma mulher
adulta pesando sessenta quilos e se eu não fizesse a
dose certa para ela viver por vinte e quatro horas, após
a ingestão, ele ia me mandar para a mina no lugar da
minha irmã, porque uma de nós tinha que pagar o
aluguel. — Anahí levanta a cabeça, seu olhar
atormentado encontra o meu. — Eu vigiei a casa
depois que o Benício foi embora para ver quem era a
tal mulher, mas ninguém entrou ou saiu. Sua amiga já
estava lá dentro quando ele voltou para casa com o
chá.
Encaro Raíra inconsciente no meu colo e inspiro
profundamente, lamentando pelo seu estado crítico,
mas não posso ir com eles para a aldeia. Preciso avisar
Dumb que Pink foi envenenada.
— Tenho que voltar — falo, decidido a sacrificar
uma vida pela outra, ainda que meu coração esteja
comprimido e sangrando.
— Eu vou com você — Anahí diz, me
surpreendendo.
— Você não pode ir comigo. A Raíra precisa
descansar. Você tem que levar sua irmã para a aldeia.
Ela me ignora e olha para Nate.
— Senta embaixo da árvore, que o Trap vai
acomodar a Raíra no seu colo e você não sai daqui, até
a gente voltar. — Sua voz é firme e autoritária e para o
meu espanto, o irmão da contadora faz exatamente o
que ela manda sem sequer contestar sua ordem.
Vejo Nate se abaixar com dificuldade, fazendo
uma careta de dor quando encosta as costas no tronco,
mas não me movo.
— Trap — Anahí me chama. Desvio o olhar para
ela. — Coloca minha irmã no colo dele. Se a gente
correr eu consigo salvar sua amiga, mas se você
continuar aí parado feito uma estátua, nem o meu elixir
desintoxicante vai eliminar todo o veneno do organismo
dela.
Minha reação é imediata e assim que Raíra está
devidamente acomodada em cima do pastor, Anahí e
eu corremos cerda de dois quilômetros de volta para a
fazenda.
Não tenho um plano, pelo menos até chegarmos
ao chalé poucos minutos antes de uma BMW preta
estacionar na frente da casa e dois homens que
conheço por fotos, descerem atirando e matarem os
últimos seguranças que vigiam a entrada principal.
Pablo Armenio e Ax não deveriam chegar à
fazenda essa noite, nem portarem fuzis AK 47, mas
eles também não deveriam deixar o carro ligado com a
chave na ignição para facilitar a fuga.
E fodidamente não deveriam guardar no porta-
malas doze granadas de mão, uma banana de dinamite
e mais de meio milhão de dólares, divididos em duas
sacolas de couro.
Agora eu tenho um plano e dois motivos para
matar os idiotas.
CAPÍTULO 64
DUMB
O corredor está vazio e a casa malditamente
silenciosa. Com o fuzil pronto para ser usado, caminho
devagar até a extremidade e viro na direção oposta ao
quarto de Domenico.
Pé ante pé, me aproximo do arco que dá para a
sala de jantar.
Não tem ninguém, mas o cheiro de cigarro e
pólvora indica que os homens de Fernando estão à
espreita. Estico o braço e me inclino para alcançar um
vaso de porcelana que decora o aparador de canto,
mantendo metade do corpo protegido pela parede.
O movimento é calculado, meticuloso.
Em posse do objeto que deve pesar uns dois
quilos, o arremesso com força na direção do lustre de
cristal que paira sobre o centro da mesa de jantar com
tampo de vidro, e me abaixo.
No momento do impacto, o barulho estridente
promove o início do caos. Três homens armados,
vestidos de preto e encapuzados, adentram na sala
atirando em todas as direções como malditos idiotas,
até se darem conta de que não estão sendo atacados.
Por enquanto.
E no momento que o silêncio volta a imperar, fico
de pé, deixo meu esconderijo improvisado e avanço
sobre eles. Os três debatem em italiano, parados ao
redor do que restou do vaso espatifado no chão, e
quando notam a minha presença meu dedo já está
pressionando o gatilho do rifle.
Enquanto seus corpos caem mortos, mais dois
homens entram na sala e começam a atirar. Eu me jogo
por cima do sofá, caio no chão e rolo para me proteger
atrás do encosto, me posicionando firmemente sobre o
joelho direito e o pé esquerdo.
Com a respiração acelerada, endireito o tronco.
Minha cabeça ultrapassa a parte mais alta do estofado
me dando a visão que preciso para disparar na direção
dos desgraçados e acertar um deles.
O outro se curva para frente e continua correndo
com o braço dobrado sobre a cabeça, como se o gesto
inútil pudesse impedir que seja alvejado, mas antes que
ele chegue à porta eu me levanto e dessa vez os
projéteis do fuzil perfuram sua carne, derrubando-o no
chão.
De acordo com Benício, ainda faltam três homens
do Consigliere para serem abatidos, entre eles, Tony. E
se o pirralho não mentiu, Pablo e Ax estão com a minha
cadela Pink a caminho da mina para roubar as barras
de ouro. Preciso alcançá-los antes que eles saiam da
fazenda.
Vou até o corpo do último segurança que matei e
retiro o capuz preto, mas não o reconheço. Troco meu
rifle por sua submetralhadora e atravesso a cozinha,
rumo à sala de estar principal que vai me levar à porta
da frente.
No entanto, uma gritaria nos fundos da casa
chama minha atenção e, por um segundo, tenho quase
certeza de que reconheço a voz do novato. Dou meia-
volta e corro até a área da lavanderia, pouco antes de
um xingamento em espanhol preceder uma ruidosa
saraivada.
Abro uma fresta da janela para me certificar que
não estou ficando louco e quando vejo Trap em uma
luta corporal contra dois brutamontes, é a minha vez de
xingar o idiota.
Que porra ele veio fazer aqui e onde está o Nate,
caralho?
Não posso atirar, pois eles se movem com
agilidade de um lado para o outro, em cima, embaixo,
atacando e se esquivando dos chutes e socos.
Puta merda!
Giro a maçaneta e saio da casa, pronto para atirar
nos filhos da puta, mas assim que piso no quintal de
terra batida o novato está de pé com sua Glock .17
apontada para os dois fodidos caídos no chão, e atira
em suas cabeças sem titubear.
Trap só olha na minha direção quando o estalido
de uma bala acertando a porta atrás de mim, reverbera
no ar. Eu me desloco para frente, furioso por ter me
distraído e não ver Tony se aproximar pela lateral da
casa como um fodido rastejante peçonhento.
O segurança abriu mão do terno para se vestir
casualmente todo de preto e não usa capuz como os
outros homens do Consigliere. Ele substituiu a USI
israelense por uma pistola semiautomática SIG SAUER
modelo P226 marrom, considerada a segunda de
calibre .22 mais desejada do mundo.
Tony olha de mim para o novato, e pela sua
expressão assustada chego a acreditar que ele
também se distraiu e não percebeu que não estou
sozinho, mas quando o segurança se torna alvo de
uma série de disparos vinda de algum ponto da frente
da casa, sei que o atirador está escondido tentando
matá-lo e foi por isso que Tony veio à procura de abrigo
no quintal dos fundos.
Apavorado e sem ter o que fazer, o segurança
corre apressado e se esgueira no meio da mata.
— Vai atrás ele! — grito, apontando para Trap o
matagal onde italiano cuzão se refugiou. — Eu vou
buscar a Pink!
Saio em disparada até a entrada da casa, sem
esperar sua resposta, pois é óbvio que Tony estava
tentando impedir que alguém fugisse da fazenda,
acabou encurralado e teve que fazer sozinho o trabalho
que deveria ser feito em equipe, já que seus comparsas
foram enviados ainda a pouco para uma visita ao
inferno.
O problema é que não há mais nenhum italiano na
casa, pelo menos nenhum que esteja respirando, o que
significa que os perseguidores de Tony só podem ser
Pablo e Ax.
Meu coração bate forte no peito em expectativa de
reencontrar minha cadela.
Chego ao pátio circular no momento que o
presidente do MC The Furious dá a partida na BMW,
bem a tempo de ver Pablo se acomodar no banco do
passageiro.
Todo o ódio do mundo se apossa da minha alma,
saudando o general de armas e brindando a morte.
Quando Ax pisa no acelerador e tenta escapar,
atiro nos dois pneus traseiros fazendo com que o carro
derrape. O fodido perde o controle da direção e a BMW
se choca contra a mureta de pedras que cerca o jardim
de rosas.
Pablo desce primeiro com os braços erguidos e a
cabeça baixa, em sinal de rendição.
— Onde ela está? — pergunto. Minha voz é mais
fria que gelo.
— No porta-malas — responde o desgraçado.
Dou um passo à frente.
— Abre — ordeno.
O irmão de Ramiro Xavier olha para dentro do
carro, onde seu parceiro deve estar se borrando de
medo e faz o que mandei, levantando a tampa.
Meus olhos recaem sobre a cadela encolhida no
espaço reduzido que mal comporta uma mala de
viagem.
Eu quero torturar o filho da puta e esmagar seus
miolos, mas já perdi tempo demais e preciso levar Pink
para fazer a lavagem estomacal o mais depressa
possível
— Considere-se um homem de sorte — sibilo
entre os dentes, antes de descarregar toda a munição
da submetralhadora em cima dele e transformar seu
corpo em um fodido chafariz.
Ax desce do carro, implorando para não morrer,
ao mesmo tempo que Trap se posiciona ao meu lado,
fodidamente suado e sem fôlego.
— Mata o filho da puta — ordeno. — A Pink tem
que ser levada para o hospital porque...
— Ela foi envenenada — Uma voz feminina ecoa
às minhas costas, me obrigando virar a cabeça para
trás e dar de cara com uma cadelinha que olha
intensamente para mim. — Eu vou salvar sua mulher.
— Essa é Anahí, Dumb — diz o novato, sem tirar
os olhos de Ax, que continua imóvel ao lado do carro.
— Ela preparou o elixir desintoxicante que vai eliminar
o veneno do organismo da Pink.
— O quê? — Girou o corpo e encaro a menina
que é tão pequena quanto uma anã. — Que porra você
está falando?
Ela não se intimida nem com o meu tamanho, nem
com a minha expressão enfurecida, quando se
aproxima e levanta o queixo para olhar em meus olhos.
— Benício me obrigou a preparar o veneno e só o
meu elixir pode salvá-la da morte. Se quiser minha
ajuda, é melhor trazer sua mulher para o chalé antes
que seja tarde demais.
A cadelinha se vira e segue para o quintal dos
fundos, como se não tivesse jogado um explosivo na
minha cara, pronto para explodir. Encaro Trap
embasbacado e sua expressão divertida me deixa mais
puto ainda.
— Irmão, é uma longa história, mas Anahí está
dizendo a verdade. Faça o que ela mandou e deixa que
eu cuido desse filho da puta.
Enquanto o novato avança para cima de Ax, pego
minha cadela no colo com todo cuidado e a carrego até
o local que serviu de cativeiro para Nate, degustando
uma profusão de sentimentos discrepantes e rivais.
E pela primeira vez na vida, o amor indescritível
por Pink ofusca o ódio aterrorizante pelo pirralho
psicopata. Benício nem desconfia que a sua morte só
foi adiada graças a cadela que ele tentou matar.
Deposito o corpo flácido de Pink sobre um colchão
de espuma velho e fedorento, e me sento ao seu lado
com nossas mãos entrelaçadas, acompanhando de
perto cada movimento de Anahí.
— Levanta a cabeça dela — diz a cadelinha.
Não questiono, apenas sigo sua instrução para
que ela abra a boca da minha cadela e despeje em sua
garganta, gole a gole, uma quantidade generosa do
líquido amarelado que tem cheiro de hortelã.
Ficamos em silêncio, esperando.
E a cada minuto que passa sem qualquer reação
de Pink, eleva a ansiedade, o desespero e o fodido
medo dentro de mim.
Algum tempo depois, a calmaria é convertida em
tumulto quando o novato invade o chalé novamente
ofegante e suado, como se tivesse acabado de correr
uma maratona e fala:
— Os italianos estão chegando.
Olho para a cadela apagada e amaldiçoo todas as
gerações da família Xavier que antecederam o
nascimento de Benício.
Seguro o braço de Anahí, mas minha voz fica
presa na garganta e não consigo proferir uma maldita
palavra.
— Vai tranquilo, prometo que vou cuidar dela — a
cadelinha fala e sorri docemente. ꟷ Pode confiar em
mim...
Engulo seco, imaginando que deve ser essa
sensação que Pink sente todas as vezes que peço a
mesma coisa para ela.
Tudo que eu mais quero é confiar que Anahí não
vai falhar em sua missão, mas o medo que ela me
decepcione e tire da minha vida a única pessoa que
não consigo viver sem, é como um vendaval poderoso
se aproximando de uma casa de palha.
Impotência real e esmagadora.
— Ela não pode ser removida até que esteja
consciente — a cadelinha murmura gentilmente,
cobrindo com a sua mão, a minha que ainda aperta o
seu braço em agonia. — E os homens maus não
podem chegar perto do chalé enquanto ela estiver aqui.
Eu confio em você para proteger a sua mulher e tenho
certeza que ela também confia.
Assinto de leve, sentindo-me fodidamente
reenergizado por suas palavras. Eu me inclino sobre o
corpo de Pink, notando sua respiração mais forte e sua
pele mais corada. Meu coração aquece, aliviado.
Beijo seus lábios e sussurro em sua boca:
— Confie em mim, eu vou voltar pra você...
Dou todas as instruções para que Anahí não saia
do chalé em hipótese alguma, antes de seguir Trap.
para fora do chalé, onde nos preparamos para mais
uma fodida guerra.
A primeira que lutaremos sem os diretores.
A última que lutaremos antes de voltar para casa.
Finalmente, porra!
CAPÍTULO 65
CLAWS
Tento falar com Carolyn mais uma vez, sem
sucesso.
A cadela teimosa está aprontando alguma merda
e não atende a porra do telefone porque sabe que se
me contar vou ficar puto.
— Conseguiu? — Zach pergunta
— Não — resmungo, mal-humorado.
— Ela também não atendeu minha ligação.
Olho pelo retrovisor e capturo o olhar de Ryan.
— Tenta o celular da Crystal — falo, aumentando
a velocidade.
— Não vou ligar para aquela garota — diz a
versão masculina de Carolyn.
— Não estou pedindo. — Minha voz é baixa,
isenta de emoção.
— Eu não quero falar com ela. Por que você não
liga?
— Porque não sou eu que fico atormentando a
cadelinha quando não tem ninguém por perto e preciso
saber que porra está acontecendo.
Meu cunhado invocado estreita os olhos, irritado
por ter seu segredo revelado na frente do irmão, e solta
um suspiro frustrado antes de sacar o telefone do
bolso.
Ryan aprendeu desde cedo a esconder o que
sente e seria fodidamente bem-sucedido se ele não
tivesse tanta raiva acumulada dentro dele e explodisse
a cada cinco minutos. No entanto, Crystal despertou o
interesse dele, mas por algum motivo, Ryan boicota o
que quer que seja que ele sente pela cadelinha.
Várias vezes flagrei o idiota sendo mais idiota do
que o normal com Crystal, e a sua implicância preferida
é pelo fato de que além de ser tímida ainda é virgem.
Mas nem as suas grosserias, conseguiram fazer com
que ela perdesse sua essência, dócil e gentil, e
devolvesse na mesma moeda.
Para falar a verdade, a única maneira que Ryan
conhece de chamar atenção da cadelinha só serve
para deixá-la ainda mais retraída e envergonhada, já
que a sua rispidez descabida faz com que ela
realmente acredite que a mania de perseguição é
justamente por não gostar dela.
Zach sorri ao meu lado.
— Cadê a minha irmã? — Ryan rosna sem ao
menos cumprimentar Crystal e sua falta de educação
me irrita.
— O quê? — Ele se enerva.
Ficamos em silêncio, enquanto a cadelinha fala.
— Quando elas saíram? — Aperto o volante por
conta da pergunta.
Eu sei que as cadelas são unidas, mas dessa vez
elas foram longe demais. Carolyn é forte pra caralho,
bem treinada e sabe se defender, por isso não impedi
que ela fosse para Los Angeles com Madison.
Mas a cadela está grávida do meu filho, porra!
— Fica calma — Ryan murmura, usando um tom
de voz completamente diferente do que estamos
acostumados e olha pela janela. — Nós ainda vamos
demorar um pouco para chegar lá, mas eu prometo que
nada de ruim vai acontecer com elas — ele fala com
carinho e parece preocupado com o estado emocional
da cadelinha.
De canto de olho, vejo Zach fechar as mãos em
punho ao ouvir as palavras acolhedoras do irmão.
— As cadelas saíram — Ryan fala assim que
encerra a ligação.
— Aonde elas foram? — pergunto, fodidamente
irritado, porque sei qual vai ser a maldita resposta.
O garoto exala o ar e esfrega a testa.
— Para a fazenda.
Eu sabia, porra!
— Quando? — vocifero entre os dentes cerrados.
— Há uma hora, mais ou menos. — De acordo
com o GPS, é o tempo que ainda temos de viagem até
Nevada County.
Damon e Ghost vão demorar um pouco mais, pois
fizeram uma parada em Green Hill para despachar
Ethan no clube e deixá-lo sob a supervisão do Snake.
— Tem mais uma coisa — Ryan me tira dos
pensamentos.
— O quê? — sibilo, em dúvida se quero saber.
— Elas pegaram o cara.
Revezo o olhar entre o garoto e a estrada à minha
frente, quase deserta à essa hora da noite.
— Que cara?
— O que vazou o gás carbônico. — Cerro a
mandíbula, mas não falo nada e espero que Ryan
conclua. — Ele é o advogado do Ethan.
— Como é que é? — Zach indaga, furioso, e gira
o tronco para trás. — Esse cara conhecia o Frank?
Ryan resume o que a cadelinha lhe contou sobre
o tal de Kyler, homem de confiança de Pablo Armenio
que ajudou Ethan no sequestro de Nate e pretendia
entregar Pink para o chefe, mas Dumb fodeu seus
planos.
Para compensar a perda da cadela em Tucson,
Kyler foi enviado para Los Angeles com a missão de
causar uma fodida tragédia na sede do Shadow
Princesses e forçar Pink a voltar para casa. Assim,
Pablo e Ax poderiam terminar o que começaram
quando a cadela deixou o clube.
— Ele disse que o Nate está na fazenda — Ryan
conclui.
Sorrio sem um fodido humor e aliso a barba.
— Quem foi com a Carolyn e a Madison? —
questiono, voltando a encarar Ryan pelo retrovisor.
— London, Honey e a Bee.
Menos mal, as cadelas podem ser irritantes pra
caralho, mas são fodidamente boas no que fazem e já
era de se esperar que não ficassem de braços
cruzados sabendo que a cabeça da Pink foi colocada a
prêmio.
Sem contar que Carolyn deve estar puta da vida
por saber que Nate foi levado para aquele lugar depois
de tudo que passou nas mãos de George, e espero que
ela não seja tolerante com seu irmão mais novo.
O pirralho precisa de uma lição ou em breve
teremos a gangue dos adolescentes psicopatas,
liderada por Benício Xavier, e eu não tenho mais idade
para aturar esse bando de pirralhos que mal saíram
das fraldas.
E pela expressão severa de Zach, garanto que ele
não vai se incomodar de mandar Ethan para o inferno,
caso o instinto materno de Carolyn tenha aflorado por
conta da gravidez, o que eu fodidamente duvido.
Uma coisa é certa, o quinteto feminino vai dar um
bom suporte para o general de armas e o novato até a
nossa chegada, contra os italianos da máfia de merda.
Só espero que elas deixem alguma diversão para nós.
Malditas cadelas do caralho!
DUMB
— Como quer fazer isso? — Trap pergunta, conferindo
a munição extra que carrega nos bolsos.
— Vamos pegar as armas dos seguranças por
precaução, usamos as granadas para explodir os carros
quando eles estiverem chegando perto e deixamos a
dinamite para pôr a casa abaixo — respondo, entrando pela
porta dos fundos, seguido pelo novato.
— Temos que proteger o chalé — ele fala.
— Não, se perceberem que estamos vigiando, vão
saber que guardamos alguma coisa importante lá dentro.
Temos que desviar a atenção dos fodidos para nós.
Rapidamente despimos os corpos caídos na sala de
jantar e nos posicionamos no espaço circular onde fica o
jardim e a BMW está parada. As lâmpadas de LED
instaladas nos postes ao longo da estrada de terra iluminam
toda a área aberta da fazenda, mas a grande quantidade de
mata fechada que cerca o terreno é fodidamente
preocupante, caso os italianos resolvam fazer a
aproximação a pé.
Trap e eu estamos parados na porta da frente
armados até os dentes, como dois kamikazes do caralho
prontos para morrer a qualquer momento. Meus olhos estão
no único acesso de carros, à espera do primeiro sinal dos
homens de Fernando Coppola.
— Tem certeza que o lugar que você deixou o Nate e
a irmã da Anahí é seguro? — indago, apenas para aliviar a
tensão.
— Lá em cima — Trap ergue o braço, apontando o
indicador para a montanha à nossa direita.
— Para onde vocês estavam indo? — Olho para o
local e tudo que vejo é mato.
— A aldeia indígena fica do outro lado.
Se a situação não fosse uma grande e fodida merda,
eu poderia rir.
— Desde quando tem índio na Califórnia? — Não
consigo disfarçar o espanto.
— A Anahí falou que a família dela é a última.
— Quantos moram lá?
— Doze. Todos idosos, só ela e a Raíra têm menos de
sessenta.
— Como eles vivem?
— Da caça. O pai delas não permite que ninguém sai
da aldeia.
— Que diabos elas vieram fazer na fazenda?
— O Benício viu a aldeia quando estava explorando a
montanha para marcar novas trilhas de fuga, mas não disse
quem era, nem para quem trabalhava. Ele se apresentou
como estudante de Botânica, fez amizade com o pai das
meninas e passou a fazer visitas regulares para levar
comida e roupas. Mas quando o fodido descobriu que a
Raíra e a Anahí vinham de uma linhagem de curandeiros e
podiam preparar qualquer porra de chá com plantas nativas
de qualquer parte do mundo, o canalha ameaçou expulsar
os índios das terras se elas não trabalhassem para ele. —
Trap fala com raiva. — O filho da puta mandou a Raíra para
a mina e deixou a Anahí tomando conta do chalé. As duas
ficavam à mercê dos seguranças...
— Desgraçado! — rosno entredentes.
— Por falar nisso, onde você prendeu ele?
— No quarto que a Pink estava.
— Eu quero matar aquele psicopata do caralho pelo
que ele fez com as duas.
— Pega a senha e entra na fila.
— Irmão, se não fossem elas, o Nate estaria morto.
Você não tem ideia das merdas que o Ethan fez com ele.
Trinco a mandíbula.
— Se a Lyn não matar o filhote de urubu, eu mesmo
mato.
— Pirralhos psicopatas.
— Pra caralho.
Ficamos em silêncio, até que um farol desponta no
início da estrada.
— São eles — Trap sussurra.
— São.
— Vamos matar os fodidos.
— Todos. Não vai sobrar nenhum.
— Dumb? — ele chama.
— O quê? — pergunto, sem encará-lo, hipnotizado
pelas duas esferas amareladas que se aproximavam mais e
mais, como bolas de fogo enviadas do inferno para arder e
queimar.
— Pode confiar na Anahí. — Suas palavras me
surpreendem.
Apenas assinto, emudecido.
— Ela vai curar a sua cadela, irmão. — Trap dá dois
tapinhas no meu ombro. — A Pink vai ficar bem.
Meus olhos ardem e sei que está acontecendo de
novo, mas agora o frenesi é fodidamente mais intenso,
assim como os meus sentimentos transitando por uma via
de mão dupla, dividida por uma linha providencial.
Enquanto um vem, o outro vai.
O bônus do pacto que foi cedido a Scott, depois de
muita insistência para que minha alma tivesse a opção de
resistir a maldade sem restrição, que a possuiu quase que
totalmente quando eu era apenas um menino.
O bem e o mal em lados opostos da via.
Na estrada, o ódio familiar.
No chalé, o amor inexplicável.
Necessidades impetuosas que espero aprender a
dosar, em breve. Mas agora, tudo que desejo é me entregar
a escuridão.
— Eu sei que ela vai — digo confiante a mais pura
verdade.
Então lanço a granada e avanço, sem olhar para trás.
CAPÍTULO 66
DUMB
A granada gira em espiral sobre a terra, se
perdendo embaixo do carro, que salta quando ela
explode. O barulho do aço quebrando é ensurdecedor e
as chamas avermelhadas colorem o céu, misturadas a
fumaça cinzenta.
Paro à frente do carro partido ao meio e espero,
enquanto Trap corre pela lateral da trilha e arremessa
mais duas granadas sob os veículos que vêm logo
atrás. A porta do motorista é aberta e um homem se
joga para o chão, fugindo da intoxicação em busca de
ar puro.
Deveria ter ficado onde estava, idiota.
Caminho até ele, movido pela força obscura da
fúria. Seus olhos esbugalhados encontram os meus,
sua última visão antes de sua cabeça estourar e se
transformar em uma massa mesclada de vermelho e
branco.
O fodido no banco do passageiro com a cara
pintada de sangue que escorre da testa, tateia a barriga
à procura da sua arma, balbuciando qualquer merda
que não ouço e fodidamente não quero ouvir.
Dois tiros no peito, ele estrebucha e sossega para
sempre, preso ao cinto de segurança. Olho por cima do
banco e vejo mais um italiano de merda no banco de
trás, simulando sua morte para não morrer.
Perda de tempo, porra. Abro a porta traseira e
sorrio malignamente.
— Não precisa mais fingir, filho da puta — rosno,
sem paciência para sua encenação do caralho e atiro,
duas, três, quatro vezes.
Um homem prevenido vale por dois.
— Dumb! — Trap grita. — Corro até ele, que está
parado ao lado do segundo carro estraçalhado, com
três italianos eliminados pelo novato.
O terceiro está em chamas e por pouco relaxo,
presumindo que seus ocupantes foram carbonizados,
no entanto, um sobrevivente amaldiçoado escapa
intacto e aponta sua arma para as costas do novato.
Por reflexo, empurro Trap para o lado e a bala se perde
em algum ponto atrás de mim.
Devolvo o agrado em dose tripla, torcendo para
que os projéteis formem um escaleno em seu peito, e
me deleito com a resistência do fodido em morrer. Seu
corpo tomba sobre o capô, me obrigando a finalizar o
serviço à queima roupa. Dessa vez o tiro na têmpora
impõe a minha maldita vontade. Sem contestação.
— Tem mais chegando — indico, assistindo à
aproximação de outros de veículos pretos, enfileirados
sistematicamente. — Esses eram os batedores. Agora
são os peões que vieram para o sacrifício. A tropa de
elite ficou para o final
Trap assente, em compreensão. Temos que estar
preparados para os melhores soldados da máfia, que
só entrarão em ação se os medianos não resolverem o
problema. Provavelmente estão na entrada da fazenda
em stand by, acompanhando a ação dos seus colegas
através de comunicadores e câmeras conectadas ao
sistema elétrico dos carros.
— Mesmo esquema? — ele pergunta, enquanto
eu avalio o estrago no meio da estrada que limita o
tráfego.
Faço que não e dou alguns passos para trás,
sinalizando para o novato me acompanhar.
— Eles estão monitorando. Se tiver que falar
alguma coisa, se afaste dos carros e dos corpos.
Pegue tudo que conseguir; armas, rádios e telefones.
Não vamos dar nada para os filhos da puta
desconfiarem que não temos reforços.
— Tem ideia de quantos são?
— Não, mas aposto que é um bando de cuzão. —
Nós dois olhamos na direção dos malditos que vão nos
alcançar em menos de dez segundos. — Vai por aqui.
Eu vou pelo outro lado. Uma granada para cada carro,
antes de despachar quem estiver dentro.
— Ok — Trap começa a correr indo em direção ao
comboio.
Atravesso a estrada e faço o mesmo, acelerando
a corrida para igualar a distância do novato do outro
lado.
Ainda tenho alguma munição na submetralhadora,
mas agora o trabalho é mais pesado e muito mais
exaustivo, pois enquanto o primeiro veículo é atingido
pelas granadas de mão, os próximos diminuem a
velocidade para que seus ocupantes desçam atirando
em nós.
Trap e eu avançamos à medida que eliminamos
os obstáculos, usando as carcaças metálicas como
escudo para nos proteger dos disparos. No entanto,
começo a recuar quando vejo dois idiotas se
embrenhando na mata para nos cercar.
— Volta! Volta! — grito para o novato, mas ele não
escuta por conta dos estampidos agudos dos tiros que
reverberam no céu.
Olho por sobre o ombro, abaixado atrás da porta
aberta de um Audi, medindo a distância que nos separa
da casa. Cem metros ou mais. É muito para nos
alcançarem, mas fodidamente pouco para atingirem o
chalé.
Se deixarmos os italianos ganharem espaço, vai
ser impossível impedir que eles cheguem ao
esconderijo da minha cadela e eu não vou permitir que
isso aconteça. Nem fodendo.
Dispenso a submetralhadora e saco minha pistola
automática, a SIG SAUER 364. Corro para a mata, indo
de encontro aos fodidos que querem nos pegar de
surpresa em uma cilada do caralho.
A escuridão é total e a falta de visão obriga os
outros sentidos a trabalharem com eficácia. Percorro o
caminho rente a margem, me beneficiando dos vãos
entre as folhagens para acompanhar o desempenho do
novato na estrada.
Depois de alguns passos, ouço os sons de
gravetos sendo esmagados e paro de andar, atento ao
som que fica cada vez mais alto, comprovando que os
inimigos estão perto.
— Sandro, stai vendendo qualcosa? — Um deles
murmura.
— No. Niente — o outro responde e agradeço por
não ser o único a não enxergar porra nenhuma.
A excitação aumenta durantes os segundos em
que guardo a pistola e pego a faca, pronto para
derrubar o maldito. O vulto em movimento se destaca
em meio ao breu, facilitando meu súbito ataque quando
ele passa por mim, confiante de que não há mais
ninguém aqui, além do seu amigo.
Com dois passos estou atrás dele, puxando seu
corpo pesado num tranco para mim. Tampo sua boca
com a mão esquerda, apoiando sua cabeça no meu
ombro para que a direita deslize a lâmina afiada e
rasgue sua garganta de ponta a ponta,
silenciosamente.
Minha palma acomoda os gemidos enquanto ele
amolece em meus braços. Dou um passo para trás e
outro logo em seguida, amortecendo sua queda e o
acomodando sobre a grama.
— Sandro! Dove sei? — A voz do segundo sopra
às minhas costas, vedando o planejamento um novo
ataque.
Reajo instintivamente, operando com base no
cheiro forte de vinho e suor que invade minhas narinas
a um passo de distância.
— Estou aqui, filho da puta! — respondo tão baixo
quanto mortal, apunhalando algum ponto do seu peito
repetidas vezes.
Volto a avançar pela margem a tempo de ver Trap
debruçado sobre o capô de um Mustang, atirando
contra três italianos protegidos por uma SUV. Saio da
mata num pulo, a poucos metros dos fodidos, e agora
são eles que estão cercados.
Um deles me vê, mas tudo que lhe resta é aceitar
o projétil que beija sua testa. O idiota cai por cima do
que está ajoelhado, trocando tiros com o novato
através do vidro, totalmente estilhaçado, e enquanto ele
luta para se livrar do defunto, disparo contra o terceiro
que parece congelado, assistindo o embate dos amigos
sem saber o que fazer.
O tiro acerta seu ombro, mas não o derruba e a
falha me deixa fodidamente encolerizado. Avanço em
sua direção, logo que ele se apoia na lataria e aponta
sua arma para mim.
Eu sorrio em resposta, assustando o idiota que se
distrai com a saudação perversa e arregala os olhos.
Seria mais fácil atirar, sem errar a porra do alvo, mas a
sede de sangue me força a optar pelo desabafo da
minha alma sangrenta.
Arremesso a faca, que voa em linha reta atingindo
seu peito numa velocidade admirável. Acompanhando
o trajeto aéreo, minhas pernas chegam logo em
seguida e ao contrário do anterior, o tiro é certeiro,
tanto nele quanto no seu amigo ajoelhado.
Trap e eu nos encontramos no meio do caminho,
ofegantes, suados e cansados pra caralho, mas não
tempos tempo sequer de enaltecer nossa vitória parcial
no confronto com os mafiosos, porque diferentes
roncos de motores ecoam na estada.
Nossos olhares se movem na mesma direção e a
contagem de quatro Pick-ups, carregando de três a
cinco homens em cada caçamba é desanimador e
excitante ao mesmo tempo.
— Que merda é essa? — indaga o novato, meio
descrente da visão.
— A elite do caralho.
— São os últimos?
— Espero que sim, preciso de uma pausa.
— Qual vai ser?
— Quantas granadas ainda temos?
— Duas. — Ele levanta a camiseta e mostra os
artefatos presos na cintura.
— Vamos usar a casa como Forte. Eu seguro o
avanço deles enquanto você prepara a dinamite.
— Onde?
— Na sala de estar. A explosão vai atingir todos
os cômodos.
— E se eles não aceitarem nosso convite para
entrar?
— Nós matamos os filhos da puta do lado de fora.
Não perdemos tempo e corremos pelo caminho de
volta, até a área ovalada do jardim. Trap invade a
residência enquanto eu alinho as armas que pegamos
dos seguranças em cima da mureta de pedras e faço
da BMW meu próprio muro de Berlim.
Os segundos se arrastam até que a linha de frente
da máfia Coppola surge em formato de sombras,
tirando proveito da madrugada e da extensão
arborizada, fodidas limitadoras de visão, desafiadoras
de soldados programados para matar.
Cerca de dez homens avançam em seus coturnos
militares, munidos de AK-47 apenas para piorar o que
já estava uma grande merda. Espero pelo novato até o
último segundo, mas ele não volta a tempo de me
acompanhar na brincadeira.
Então, dou início ao tiro ao alvo que parece não
ter fim. Para cada dez italianos no chão, doze saem
das profundezas do inferno para fuzilar a BMW em
milhares de tentativas de abater o soldado solitário.
Meus braços passam se mover mecanicamente,
levados ao mais alto nível de fadiga. O volume da
respiração entrecortada ganha alguns decibéis,
parecendo determinado a competir com o
ensurdecedor som dos disparam incessantes que
nunca chegam ao fim.
E depois de longos minutos de troca de tiros e
muitos fodidos mafiosos despachados para o inferno,
acontece o fato mais inacreditável de todos os tempos.
— Dumb! — A voz que eu reconheceria até se
estivesse sofrendo uma overdose, me deixa em dúvida
se estou tão cansado que comecei a delirar. — Aqui,
seu idiota!
Estreito os olhos na direção da árvore e vejo um
braço balançando no ar entre dois troncos na beira da
mata, bem no começo da trilha, pouco antes de uma
cabeleira negra e descabelada, atestar que não estou
maluco, delirando ou tendo um maldito pesadelo com a
cadela mais teimosa e mal-humorada que já conheci
em toda minha vida.
Ela gesticula alguma merda que só consigo
entender quando os italianos começam a cair para
frente, pois estão sendo atingidos por trás, ao mesmo
tempo que Trap abre a porta da casa e se junta a mim,
escorando as costas na lateral da BMW.
— As cadelas estão aqui, caralho! — exclama,
animado.
Mesmo sem saber como ele sabe, proclamo ainda
mais animado.
— Elas estão, porra!
A ação em conjunto com Lyn, Madison, London,
Honey e Bee, para eliminar os homens do Consigliere,
dura menos que quinze minutos, mas vai permanecer
gravada na minha memória até o dia da minha morte. E
não existe nada que eu possa fazer que seja suficiente
o bastante para demonstrar a gratidão que sinto por ter
ao meu lado pessoas que não medem esforços para
arriscar suas vidas nos piores momentos da minha.
Pessoas que não tem o meu sangue correndo em
suas veias, mas que são a minha única família.
Minha família fodidamente fodida!
BÔNUS
A viagem de Los Angeles até a fazenda que
pertence à família Coppola, no condado de Nevada
County, foi animada.
Enquanto Madison se dividia entre dirigir e
gargalhar com as besteiras que as três cadelas do MC
Shadow Princesses falavam, sentadas no banco
traseiro da Land Rover, Lyn curtia o momento de
descontração, ciente de que em breve elas teriam que
entrar em ação para ajudar o general de armas, Pink e
seu irmão, Nate.
Os três estavam enfurnados naquela merda de
lugar por todos os motivos diferentes que poderiam
existir, menos por vontade própria, e a contadora não
via a hora de voltar para casa e reencontrar o executor,
o grande amor da sua vida para explicar suas atitudes,
aparentemente irresponsáveis, e aproveitar os
próximos meses de gestação em paz.
Ao chegarem ao local, a ruiva estacionou o carro
em frente à entrada principal, onde dois homens
armados zanzavam de um lado para o outro.
— Como vamos entrar? — Madison perguntou.
— Eu dou um jeito nisso — London respondeu,
tomando para si a responsabilidade de abrir passagem
para suas amigas, sem complicações.
— Essa eu quero ver — disse Bee, inclinando-se
para frente com os cotovelos apoiados no encosto do
banco da ruiva.
— Ela vai matar os vira-latas — afirmou Honey e
não estava brincando.
— Não precisava ter ido até lá para fazer isso. Eu
podia ter atirado daqui mesmo — resmungou Lyn.
— Que graça teria? — Madison perguntou.
Ninguém respondeu, afinal as quatro estavam de
olho no quinto elemento, sexy como o inferno em seu
jeans colado e top preto decotado capaz de
enlouquecer qualquer vira-lata.
London não demorou para resolver a questão, no
entanto, quando os portões eletrônicos se abriram e os
dois vigias permitiram que Madison conduzisse a SUV
do seu marido para dentro da fazenda, a dúvida se
instalou no ar.
— Não acredito — murmurou Bee.
— Será que ela aprendeu algum feitiço novo? —
Honey estava boquiaberta.
— Aí tem... — Lyn disse, ressabiada. — Foi muito
fácil.
— Acho que ela disse que nós somos stripers e
viemos fazer um show particular para os mafiosos —
Madison opinou, rindo da própria observação.
A ruiva acelerou embicando o carro e tinha a
intenção de esperar que London se juntasse ao grupo
para decidirem qual direção seguiriam, mas assim que
passaram pelos portões, o interior da fazenda parecia
um mundo à parte, comemorando em segredo a
chegada do fim como se fosse uma festa de Réveillon.
Se as cadelas não soubessem que havia uma
guerra acontecendo naquele lugar, que abrigava o tipo
mais repugnante de vira-latas, facilmente acreditariam
que o barulho infernal nada mais era do que a explosão
de uma tonelada de fogos de artifício estourando no
céu.
Madison estremeceu, quando London bateu no
vidro, inquieta.
— O que está... — a ruiva nem terminou de falar.
— Não sei fechar aquela porcaria.
Quatro cabeças viraram para trás ao mesmo
tempo, e não estranharam os portões escancarados,
menos ainda os dois seguranças estirados no chão.
— Viu? Eu disse que ela ia matar os vira-latas —
Honey se gabou.
Ela conhecia bem a amiga para saber que
paciência não era uma das suas qualidades.
— Claro que ia — London parecia indignada. — O
que mais eu poderia fazer depois de prometer que
vocês iam chupar os paus deles se eles deixassem a
gente entrar para conhecer os mafiosos?
— Você prometeu? — Lyn indagou, estupefata.
— Nós entramos e ninguém vai ter que chupar
pau nenhum. — London encolheu os ombros. — Mas
temos que fechar o portão. Não dá para deixar assim,
ainda por cima com os vira-latas ali.
Honey só precisou de um minuto para encontrar o
controle no painel eletrônico, dentro da pequena cabine
ao lado do interfone, para resolver o problema dos
portões que, aliás, foi esquecido no instante que
Madison avançou por mais de um quilômetro através
da longa estradinha de terra, e avistaram uma fila de
carros de diversas marcas, modelos e cores,
estacionados um atrás do outro.
— Puta merda! — Lyn xingou, desafivelando o
cinto de segurança e descendo da SUV.
— Eles estão encurralados — Honey apontou
para o grupo de vira-latas vestidos de preto, perfilados
muitos metros à frente. — Temos que fazer a cobertura
móvel, três por 2, deslocando e abrindo.
— Traduz enquanto a gente pega as armas —
falou a contadora indo até o porta-malas, que poderia
ser confundido com um depósito ambulante de
armamento do exército.
— A área aberta é limitada e não temos campo de
visão para montar um ponto fixo de emboscada. Você e
a Madison pegam as pistolas, cada uma vai por um
lado e tenta chegar o mais próximo possível da linha de
frente dos italianos, mas não abram fogo até o meu
sinal. — Por ser atiradora de elite, Honey tinha
facilidade de decifrar com apenas um olhar, qual o tipo
de estratégia os mafiosos estavam usando e sabia,
pelo número de veículos danificados, que Dumb e Trap
haviam feito mais do que qualquer fuzileiro que ela
conhecia, atuando em um número infinitamente menor
e em condições deploráveis de combate.
— E vocês? — indagou a ruiva, ajeitando sua
Glock. 17 no coldre.
— Nós vamos atacar por trás, nos movendo em
uma linha de três e subindo até alcançar vocês.
London notou a decepção nos olhos da ruiva e
disse, pendurando a alça do AR -15, seu fuzil preferido,
ainda que suas amigas insistissem que o AK 47 era
muito melhor.
— Mad, se quiser, nós podemos treinar no clube
para você aprender essa tática e outras variações, mas
hoje é importante que não haja erro quando entrarmos
na linha de fogo. Para conseguir executar uma ação
como essa sem colocar nossas vidas em perigo, nós
demoramos mais de um ano.
— Claro que eu quero! — Madison pulou e
abraçou a amiga, empolgada com a possibilidade de
aprimorar seu treinamento.
— Vamos salvar os vira-latas e a minha irmã,
depois a gente marca um dia para treinar.
Honey e Bee se entreolharam, dando de ombros.
Elas não se importavam de compartilhar seus segredos
com as garotas do Black Panthers, mas não tinham
certeza se Pink estaria de acordo.
Desde que se conheceram, há quase dez anos, e
formaram o grupo que pretendia enfrentar, de igual
para igual, os maiores criminosos do país, as cinco
amigas concordaram em manter os negócios referentes
a ONG em segredo.
E o treinamento tático militar que tiveram,
comprometia informações ainda mais restritas, pois
envolvia vira-latas que trabalhavam para o governo
norte-americano executando missões que somente os
chamados “Insanos”, eram capazes de realizar.
Quando Lyn e Madison se embrenharam na mata,
Honey e Bee se posicionaram nas pontas com London
entre elas.
— Vai mesmo treinar a Madison? — Bee
perguntou.
— Vou — London prontamente respondeu.
— Sem falar com a Pink? — Honey inquiriu,
girando a mão direita no ar, autorizando a evolução do
trio.
— Existem vários treinamentos com a mesma
nomenclatura. Eu nunca colocaria a vida de ninguém
em perigo. E vocês sabem o que acontece com quem
não segue o Código de Conduta dos Insanos.
A troca de olhares entre as três respondia à
pergunta:
Sim, elas sabiam.
Foram doze minutos e quarenta e dois segundos
de adrenalina pura e perfeita sincronia de movimentos,
tanto do trio do MC Shadow Princesses como da dupla
do MC Black Panthers, que ajudaram a abater mais de
vinte vira-latas italianos a serviço da Máfia Coppola.
Quando o último mafioso, enfim caiu, e o silêncio
despencou sobre os sete sobreviventes, faltava poucas
horas para o despertar de um novo amanhecer, mas as
cinco cadelas concordaram que nem mesmo o sol
poderia superar o brilho do sorriso que iluminou o rosto
do general de armas, no momento que Pink apareceu
na porta do chalé, amparada pelos braços finos e o
corpo miúdo de Anahí.
Ali, elas testemunharam que o amor do vira-lata
pela cadela de cabelo cor-de-rosa era verdadeiro. E
depois de tudo que aconteceu, desde que Pink deixou
o clube e Dumb para trás, sem dúvida ele aprendeu a
lição e provou ser merecedor de uma nova chance.
Afinal, no teste mais importante de todos, o
general de armas tinha sido:
FODIDAMENTE APROVADO.
CAPÍTULO 67
DUMB
— Você está bem? — Lyn cutuca meu braço e
senta ao meu lado no capo da BMW, praticamente
destruída.
Dou um sorriso pequeno, em dúvida de como me
sinto. O cenário a nossa frente reflete o fim de uma
fodida guerra e eu deveria estar feliz por jogar no time
vencedor, mas nem tudo saiu como deveria.
— Não sei — respondo a verdade. Passo o braço
sobre o seu ombro, puxando a cadela para perto de
mim e beijo seu cabelo fedendo a mato.
— Ele vai voltar.
— Espero que sim.
— Como ele conseguiu fugir?
— Essa pergunta não sai da minha cabeça, mas
ainda não tenho uma resposta.
— Talvez alguém tenha ajudado.
— Já pensei nisso também, mas não tinha
ninguém na casa. — Aponto para os corpos
ensanguentados espalhados por todos os lados. — E
por aqui ele não conseguiria escapar, nem com a ajuda
de um Seal.
— Hey! — Trap grita atrás de nós, saindo de uma
das trilhas. — Acho que descobri como o Benício fugiu.
— Ele ergue o braço e mostra dois pedaços de pano
branco, encharcados se sangue.
Desço do carro e vou ao encontro dele, com Lyn
em meu encalço.
— O que é isso?
— Você atirou nele antes de sair do quarto, certo?
Confirmo com um maneio de cabeça e cruzo os
braços, arrependido por não ter atirado na cabeça do
pirralho psicopata.
— Ele rasgou o lençol em dois e enfaixou as
pernas, mas não adiantou muita coisa. — O novato
joga as peças sujas no chão. — Encontrei um rastro de
sangue que começa na cozinha e termina no fim dessa
trilha. — Indica o local de onde acabou de sair. — A
mesma que eu deixei o corpo do Tony.
— Você não matou aquele filho da puta? — rosno.
— Matei, porra! — Trap responde, limpando as
mãos sujas na calça.
— Então qual o problema caralho?
— Ele está só de cueca. Sem roupas, sem
sapatos, sem... Nada.
— Nem os documentos? — sibilo entredentes.
Por que eu não atirei na cabeça, porra?
— Nada, irmão. Só a maldita cueca.
— Filho da puta.
— Tem ideia de quanto tempo faz que ele fugiu?
— Lyn indaga.
— É difícil dizer, mas acredito que umas duas ou
três horas. O sangue está seco.
— Onde termina a trilha? — falo, pensando no
que posso fazer para impedir que Benício saia do país.
Se isso acontecer, vai ser fodidamente difícil de rastreá-
lo, principalmente depois de todas as merdas que
aconteceram com ele.
Os ombros do novato se curvam para frente e sua
expressão de derrota e revolta confirma que o pirralho
conseguiu o que queria.
— Na interestadual. A essa hora, ele já está bem
longe daqui.
— Filho da puta! — Lyn xinga e saca o telefone. —
Vou avisar o Ghost.
Estendo o braço, impedindo que ela faça a ligação
para o rastreador e balanço a cabeça em negativa.
— Eu arranquei um pedaço da orelha e um dedo
do Benício. Antes de atirar nas duas pernas, ele já tinha
perdido sangue pra caralho, estava fraco e todo fodido.
Quando saí do quarto, eu podia jurar que nenhum
garoto de quinze anos, naquelas condições físicas
conseguiria dar um peido sem agonizar de dor. — Enfio
as mãos nos bolsos e puxo uma longa respiração. —
Nós não vamos ter notícias de Benício Xavier até que
ele queira e quando isso acontecer, pode apostar que o
pirralho não vai cometer os mesmos erros.
— O garoto tem quinze anos, Dumb. Ele vai errar,
porque é isso que os adolescentes fazem. Eles erram
— diz a contadora.
— Benício não foi uma criança normal, não é um
adolescente normal e nunca vai ser um adulto normal.
— Encaro seus olhos negros, vorazes e fodidamente
teimosos. — Nós somos fodidos, cadela. Fodidos pra
caralho. Mas no fundo, ainda temos um vestígio de
humanidade em algum lugar perdido da nossa alma.
Benício Xavier, não. O pirralho é filho de um dos
traficantes mais conhecidos do México, foi criado nos
bastidores do cartel e desde criança foi estimulado a
ser o maldito psicopata que ele é.
Exalo o ar, preocupado com as consequências
que a fuga de Benício pode gerar ao Black Panthers,
pois aposto que o pirralho vai aprontar alguma merda,
ainda que indiretamente para foder o clube, ou melhor,
foder o general de armas.
— O que você quer dizer com isso? — Trap
questiona, com a testa e os lábios franzidos.
— Quero dizer que nós temos que estar
preparados porque o Benício quer vingança, e vai fazer
o que for preciso para conseguir o que quer. Até
mesmo se aliar a algum antigo inimigo ou...
Encolho os ombros, desviando o olhar para Lyn,
confiante que o novato não tenha acompanhado o meu
raciocínio, até porque não passa de especulação. No
entanto, me culpo por ter insinuado qualquer merda
sobre a irmã de Benício quando ele sussurra com a voz
estremecida:
— Ravena?
Volto a encará-lo, fingindo que a minha
preocupação não tem razão para ser levada a sério.
— Irmão, não vou mentir que cheguei a pensar
que ele pudesse usar a cadelinha para ter algum
controle sobre o clube, mas talvez eu esteja
exagerando. Ela é a única família que o Benício tem.
Trap abre a boca para falar, mas uma voz
conhecida reverberando às nossas costas interrompe a
conversa.
— Lyn!
A contadora gira o corpo e ofega, cobrindo a boca
com a mão quando Nate vem mancando em nossa
direção. Algumas lâmpadas dos postes foram
destruídas durante o confronto, e a iluminação parcial
não permite que seus ferimentos sejam vistos com
clareza, ainda assim, é impossível não reparar os
vergões arroxeados nas bochechas, e as marcas de
cigarro em sua testa.
Lyn zera a distância entre eles e abraça o irmão
com força. Um pouco atrás, London ajuda uma cadela
que não conheço a entrar no chalé. Acompanho a
amiga de Pink com o olhar, me perguntando quanto
tempo vai demorar para ela se recuperar.
Logo que o último italiano foi alvejado, corri para
lá, esperançoso de encontrar minha cadela acordada,
mas Anahí me garantiu que pela quantidade de veneno
que Pink ingeriu, as longas horas de sono eram
fundamentais para que o elixir desintoxicante limpasse
seu organismo em sua totalidade, ou haveria o risco de
uma nova recaída por conta da intoxicação nos
próximos dias.
O ronco de um motor faz com que Trap e eu
saquemos nossas pistolas na mesma hora.
Lyn despacha Nate para o chalé e poucos
segundos depois, as cinco cadelas armadas e prontas
para atirar se posicionam atrás de nós.
— Caralho, será que esses fodidos ainda não
desistiram? — brado, atento ao barulho que fica mais
alto.
— Eles podem ter conseguido entrar, mas não vão
ter a mesma sorte para sair — diz Honey, e pelo tom da
sua voz aposto que a atiradora está sorrindo.
— O Consigliere seria muito burro de enviar mais
homens — London comenta.
— Burrice está no topo do currículo dos vira-latas
— o comentário de Honey deveria me irritar, porém me
diverte.
Ela está certa, porra!
De repente o silêncio volta a imperar, indicando
que o invasor teve que deixar o carro no fim da fila e
terá que caminhar para chegar à casa. A tensão paira
sobre nossas cabeças como uma maldita nuvem
carregada e só se dissipa quando a figura arrogante de
Claws surge desviando dos corpos, seguido por Zach e
Ryan.
Nunca fiquei tão feliz de ver a cara de cu do
executor e dos fodidos irmãos problemáticos da
contadora.
— Nada de diversão para mim? — o idiota
pergunta com um sorriso de merda repuxando seus
lábios para o lado.
— Fodidamente atrasado, irmão — brinco,
recebendo um abraço do canadense.
— Para de chorar. Foi um bom trabalho.
— Bom? — Empurro seu corpo e encaro seu olhar
prateado. — Bom? — repito, incrédulo. — Os fodidos
não vieram para brincar.
Claws coloca a mão no meu ombro e diz, olhando
em meus olhos:
— Eles vieram porque não conheciam o nosso
general de armas, irmão. Se conhecessem, teriam
enviado o exorcista.
Trap enrijece ao meu lado, mas ignoro da mesma
forma que faço com a afirmação do executor.
— Arrombado — xingo, e estendo o braço para
cumprimentar o Tico e o Teco.
— Pau no cu — Claws retruca.
— Cuzão.
Ele não dá sequência aos elogios, pois já está
com a boca ocupada devorando a sua cadela, que se
derrete em seus braços.
— É verdade, Dumb? — Madison para à minha
frente.
— O quê? — inquiro de volta, sem saber que
merda ela está falando.
A ruiva desvia o olhar para o chão ao perceber
que todos se calaram e estão esperando que ela faça a
pergunta. Quando a cadela levanta a cabeça, seus
olhos estão fixos nos meus.
— Existe mesmo o cemitério das almas vivas?
Não havia uma maldita dúvida de que algum dia,
eu teria que revelar meus segredos. Mas esse dia não
é hoje, não é amanhã e fodidamente não será nas
próximas semanas.
E por mais que a ruiva seja esposa do meu irmão,
a cadela que ele ama e escolheu para viver e mãe da
minha sobrinha, quando eu estiver pronto para falar
sobre o real motivo que levou Scott Abbot a fundar o
MC Black Panthers, não será para ela que irei contar.

Nenhum segredo é segredo se você conta para


alguém. Pense bem, mas se decidir que quer fazer
isso, Oliver deve ser o primeiro a saber. Ele é seu
irmão e será o presidente que antecederá o maior de
todos.

As palavras do velho vêm à minha mente como


uma chuva de granizo, então cruzo os braços sobre o
peito e oferece para Madison o sorriso cínico que ela
conheceu no dia que desafiei Damon a apostar sua
virgindade, o mesmo que se tornou a marca registrada
de Dumb, que mantém o general de armas longe nas
sombras.
— Claro que existe — respondo, zombeteiro. —
Por que não leva a Angel para conhecer, fiquei
sabendo que o Papai Noel mora lá e o coelho da
Páscoa é vizinho dele.
— Precisa ser tão idiota? — Madison esbraveja.
— Vou esforçar mais da próxima vez.
Todos à minha volta gargalham, menos eu.
Um calafrio perpassa minha coluna, arrepiando
todos os pelos da nuca. Sinto uma força surreal da
corrente magnética que me puxa contra a gravidade,
virando minha cabeça, deslocando meus olhos para o
ponto exato do universo que requer atenção exclusiva.
E então eu a vejo, parada na porta do chalé,
olhando para mim. Meu coração bate acelerado dentro
do peito, enviando ondas coloridas de calor para todas
as partes do meu corpo.
E então eu sorrio verdadeiramente, como há
tempos não sorria. Para ser sincero, nem sei se já sorri
assim alguma vez. É um sorriso largo de gratidão por
ela estar viva, de satisfação por ela estar ao meu
alcance e de felicidade plena por ela ser fodidamente
minha.
E então eu faço o que jurei que faria no dia em
que deixei o clube para fazer a corrida mais importante
de todas.
E então eu pego o que vim buscar.
Finalmente, porra!
UMA SEMANA DEPOIS...

Se um homem não descobriu nada pelo qual morreria,


ele não está pronto para viver.

Martin Luther King


CAPÍTULO 68
PINK
Apoio os cotovelos na cama, me sentando
encostada na cabeceira e respiro profundamente, um
pouco mais conformada por me sentir fisicamente tão
debilitada, dias depois de ser trazida ao hospital.
O elixir desintoxicante de Anahí, que os médicos
se negam a dar os créditos pela eliminação do veneno
que quase me matou, ainda cobra um alto preço pela
eficácia e exige em troca a plena entrega do meu corpo
ao descanso.
Afundo as mãos no colchão e jogo as pernas para
fora da cama.
Cada movimento requer uma pausa de alguns
segundos antes de partir para o próximo, mas aos
poucos me sinto mais disposta, determinada a fazer
coisas simples sem a ajuda de ninguém, principalmente
do vira-lata arrogantemente lindo que quer cuidar de
tudo e não deixa eu fazer nada.
Arrasto a bunda para frente até meus pés tocarem
o chão e fecho os olhos, bloqueando a tontura que
ameaça me desanimar e me tentar a voltar a dormir. No
entanto, os primeiros raios de sol são bloqueados pelas
cortinas e janelas fechadas, e convidá-los a entrar é
meu atual objetivo.
Um passo de cada vez.
Usando a parede como ponto de apoio, caminho
tão devagar quanto uma lesma e completo o percurso
dos poucos metros que me separam da janela. Parece
que meu coração vai sair pela boca, mas não ligo para
a falta de ar ou a fadiga e ergo os braços trêmulos o
máximo que consigo.
Minhas mãos agarram o trinco com força,
obrigando meus pulmões a trabalharem mais rápido
para que o ar seja inspirado e expirado em maior
quantidade com o intuito de preenchê-los.
O click suave me arranca um sorriso de vitória,
embora tenha que descansar as palmas sobre o
parapeito para me recuperar do esforço. Abro as
cortinas antes de travar uma batalha árdua contra as
folhas de vidro que relutam em deslizar sobre o trilho
com facilidade. É como se todos os objetos estivessem
mancomunados num plano de sabotagem articulado,
para que meu corpo desista de tentar.
Mas ele não vai desistir. Eu não vou desistir.
Nunca.
Essa é uma luta que me recuso a perder, pois não
vou permitir que Benício Xavier se gabe por ter roubado
horas extras da vida da mulher que ele acusou de ser a
culpada pela morte de Eugenia.
Especialmente depois de descobrir que seu
discurso de vingança, idealizada pelo filho privado de
convívio, afeto e amor da sua mãe, não passou de uma
jogada manipuladora para impedir que Pablo e Ax me
entregassem ao filho do diretor do orfanato, Mason
Dempsey, e recebessem a recompensa que eles
pretendiam investir em seu próprio esquema de tráfico
infantil, o que deixaria Benício em uma posição ainda
pior dentro da máfia Coppola.
A lembrança rancorosa desperta repulsa no meu
corpo, impulsionando o arrojo, sentimento que injeta
doses de potência em meus músculos braquiais,
tornando-os capazes de abrirem alguns centímetros da
bendita janela.
Então, sou presenteada com a bem-vinda lufada
de ar fresco da manhã de outono, acompanhada do
calor do sol em meu rosto, que inicia sua escalada
diária até o alto do céu.
A sensação de liberdade é maravilhosa e por
alguns minutos é fácil de esquecer o inferno que passei
naquela fazenda e me entregar ao prazer de me sentir
viva.
Mas tudo só foi possível porque vira-lata
lindamente cínico e devasso, lutou por mim o tempo
todo, sem nunca desistir. Nem quando teve de
enfrentar os homens de Fernando Coppola.
Uma lágrima de felicidade escorre pelo meu rosto,
ainda que o pensamento incoerente que tem me
perturbado com certa frequência teime em me
envergonhar. No entanto, é impossível evitar sua
intromissão, já que ele recebe total apoio do meu
coração e respaldo do meu corpo.
Eu poderia culpar o veneno, o problema é que a
sinceridade que rege minha mente, impõe sua justa
sem poupar ninguém do seu julgamento. Nem mesmo
ela.
Portanto, quando a conversa que tive com
London, logo que cheguei ao hospital embala meu sono
— de dia ou de noite —, admito apenas para mim que
talvez Dumb tenha resgatado uma pequena parte da
essência romântica, marcante da personalidade da
Stephanie que eu era antes de tudo acontecer.

— Acabou, Pink.
— Não — sussurrei, absurdamente cansada. —
Ainda não...
London entrelaçou nossas mãos e falou baixo,
para que a enfermeira não escutasse enquanto aferia
minha pressão arterial.
— Você não está mais sozinha, e o vira-lata vai
matar o Mason se ele te ameaçar outra vez. — Abri a
boca, mas ela cobriu meus lábios com o indicador. — O
Dumb te ama e provou que merece uma chance de te
fazer feliz. Você também ama aquele idiota e mais do
que ninguém merece uma chance de ser feliz.
— Ele lutou por mim...
— Ele lutou e fez isso sozinho, sem pedir ou
esperar nada em troca. O general de armas lutou
aquela guerra por você. Por amor a você. Agora presta
bem atenção porque eu nunca mais vou repetir isso. —
London olhou para os lados e deu uma risadinha. —
Dumb teria vencido os italianos de qualquer jeito,
mesmo sem a nossa ajuda. Não sei onde ele aprendeu,
nem quem ensinou para ele, mas quem fez, sabia o
que estava fazendo. O general de armas do Black
Panthers, pode ser um babaca quando quer, mas se
um dia eu precisasse escolher um dos diretores para
lutar ao meu lado, com certeza ele seria a minha
escolha. No campo de batalha, o melhor exército não é
o que tiver a melhor tática de defesa, a melhor
estratégia de ataque, nem o melhor comando ou as
melhores armas. Só vence uma batalha, o exército que
tiver o melhor soldado.
Pisquei algumas vezes, tentando conter as
lágrimas que desciam livremente e encharcavam meu
rosto.
— O Dumb vai querer saber tudo sobre o Logan e
a Eugênia e eu não sei se quero que ele saiba.
— Conta tudo, amiga. Você precisa enterrar o
passado e seguir em frente. Abre o seu coração para o
homem que você ama e deixa ele decidir se quer
entrar.
— Vou fazer isso — sentindo minhas pálpebras
ficarem cada vez mais pesadas. — Vou contar tudo.
— Boa noite, Stephanie.
— Boa noite, Violet.

A porta do quarto se abre e não preciso olhar para


saber quem acaba de entrar. A combinação de aromas
excêntricos define o vira-lata que conquistou meu
coração. Dumb é uma mistura de couro, sangue e
devassidão, itens indispensáveis para os três disfarces
que trabalham em harmonia para preservar o
verdadeiro Mike Abbot; o diretor idiota, o general de
armas e o amante que se entrega ao prazer sem
limites.
Respiro fundo, decidida a contar a verdadeira
história de vida de Stephanie Vogel, e torcer para que
Dumb seja capaz de amá-la com a mesma intensidade
com que ele ama a Pink.
O pensamento penetra minha mente outra vez,
então fecho os olhos e giro o corpo bem devagar. E
quando nossos olhares se encontram, nem me atrevo a
mentir.
Sim, eu percorreria todo o caminho daquele
inferno novamente e enfrentaria psicopatas como
Benício Xavier, apenas para que Dumb me escolhesse
e voltasse para mim.
De novo, de novo, de novo...
DUMB
O baque da porta revela a minha entrada, mas Pink
continua de frente para a janela e eu tenho que me segurar
para não mandar a cadela de volta para a cama. Seu corpo
ainda sofre por conta do elixir de Anahí, um efeito colateral
que vale a pena suportar, já que se não fosse por ele, a
cadela estaria morta.
Ela sabe que sou eu. Eu sei que ela sabe.
E espero até que Pink gira o corpo e seus olhos
cativam os meus, como uma fodida hipnose do caralho, que
transforma meu corpo num emaranhado de desejos, desde
os mais dignos até os mais depravados.
— Oi — a cadela murmura, sua voz rouca incentiva
meu pau a engrossar e endurecer.
— Oi — falo, me aproximando dela.
— Chegou cedo.
— Eu não queria ir embora, mas você disse que eu
precisava de um banho.
— Eu não queria que você fosse, mas você estava
fedendo.
— Estou limpinho — Colo nossos corpos, esfregando
minha ereção contra ela. — Quer cheirar?
— Com você tão perto, não tenho outra opção.
— Pode cheirar o meu pau, se quiser.
Pink sorri e abraça meu pescoço.
— Quero fazer muitas coisas com o seu pau, vira-lata.
— Eu quero que você faça muitas coisas com ele.
Tomo seus lábios, com cuidado, ainda que minha
vontade seja de devorar a cadela inteira. Nossas línguas
dançam suavemente, sem pressa, mas logo Pink se afasta,
ofegante.
Ela mal consegue respirar. Suas bochechas estão
coradas e gotas de suor brotam em sua testa.
— Você não pode se levantar — sussurro, abraçando
sua cintura.
— Não posso ficar deitada o dia todo.
Beijo sua bochecha.
— Eu sei que é difícil, mas enquanto não estiver
melhor não vou poder te comer, e meu pau precisa da sua
boceta para ser feliz. — Pego sua mão e a coloco sobre o
volume evidente na minha virilha. — Ele está muito triste
longe dela.
A cadela arfa, envolvendo minha grossura em entre os
dedos.
— Você sabe que pode...
— Não! — Eu a corto, asperamente. — Já disse que
não — repito, com a voz dura. — Acabou essa merda,
porra. Daqui em diante somos apenas nós dois. Mais
ninguém.
— Dumb... — Pink tenta argumentar, mas não deixo.
Desde que saímos daquela maldita fazenda, ela está
no hospital se recuperando. A cadela estava tão fraca que
suas pernas não suportavam mais do que cinco minutos em
pé. Ela dormia de quinze a vinte horas por dia e o pouco
tempo que passava acordada, não tinha força nem para
falar.
Ontem, foi o primeiro dia que Pink apresentou uma
melhora significativa e apesar de Anahí e Raíra me
garantirem que sua apatia é uma reação comum ao elixir,
todas as vezes que ela caía no sono o pânico me dominava
e o medo de que a cadela não acordasse se tornou meu
companheiro mais fiel, e também o mais cruel.
Tive tempo para pensar em tudo que aconteceu com
ela, comigo, com a gente, e não tenho nenhuma dúvida do
que eu quero para a minha vida, mesmo que nunca tenha
pensado no futuro antes de conhecê-la.
Minha decisão está tomada, mas para que essa coisa
entre nós funcione, Pink tem de estar de acordo e pelo visto
a cadela ainda não parece convencida. No entanto, já
cheguei longe demais para desistir.
O único pau que a cadela vai ter é o meu e a única
boceta que o meu pau vai ter é a dela.
Ou ela aceita, ou aceita, porra!
— Olha pra mim — ordeno, levantando seu queixo
quando Pink abaixa a cabeça, evitando me encarar. — Eu já
tive a minha cota de cadelas se revezando na minha cama.
Foi bom, meu pau agradece e não vou mentir e dizer que
não era a vida que eu queria levar. — Beijo a ponta do seu
nariz. — Mas isso acabou, porque eu tenho você e não
quero mais ninguém. Se um dia eu tiver vontade de comer
outra cadela, você vai ser a primeira pessoa a saber, mas
pode apostar que isso não vai acontecer. Eu tenho você, e
você é tudo que eu preciso. — Beijo seus lábios. — Confia
em mim... eu te amo pra caralho.
Lágrimas grossas escorrem por seu rosto, ao mesmo
tempo que o sorriso mais lindo que já vi provoca um fodido
auê no meu peito.
— Eu também te amo.
— Então para com essa merda e volta pra cama.
Quanto mais rápido você ficar boa, mas rápido vai devolver
a felicidade do meu pau.
Eu me abaixo para pegar a cadela no colo, mas ela
segura meu rosto entre as mãos e faz que não com a
cabeça.
— O que foi? Está sentindo alguma coisa? Está com
dor?
— Não — Ela fala em meio as lágrimas que não
param de escorrer. — Eu só quero que você sente no sofá.
— Sentar no sofá? Por quê não posso ficar na cama
com você?
— Porque eu tenho uma história para contar e preciso
que ouça tudo sem me interromper.
— Que história? — De repente minha garganta está
apertada.
— A minha.
Nós não conversamos sobre o que aconteceu na
fazenda, ou as acusações que Benício fez contra ela, e a
expectativa de saber sobre o fodido Logan me coloca numa
situação de merda.
Claro que eu quero que Pink se abra comigo e confie
mim para compartilhar seu passado. Mas não quero pensar
no que sou capaz de fazer, se descobrir que Benício mentiu
e o pau no cu do ex-namorado da minha cadela ainda
estiver vivo.
Fodidamente, eu vou matar o idiota.
CAPÍTULO 69
PINK
— Você não precisa me contar se não quiser —
Dumb fala, me ajudando a subir na cama.
— Eu quero.
— Tem certeza?
— Tenho.
Ele assente, leva minha mão à boca e beija os nós
dos meus dedos, um a um, antes de se sentar no sofá
com as mãos atrás da cabeça e as pernas cruzadas na
altura dos tornozelos.
Descanso as mãos no meu colo e começo a falar:
— Não sei quanto meses eu tinha quando minha
mãe me colocou dentro de uma caixa de papelão e me
deixou na porta do orfanato. Louis Dempsey já era o
diretor naquela época e o filho dele, Mason, passava
todas as tardes com o pai. Eu odiava aquele lugar,
odiava os funcionários e não falava com nenhuma
criança, só com o Logan. Ele era dois anos mais velho
e também tinha sido abandonado quando ainda era
bebê. Eu sabia falar, tinha facilidade para aprender e
estava mais adiantada que as crianças da minha idade,
porque o Logan me ensinava as tarefas dele e
explicava coisas que as professoras não tinham
autorização para explicar. Ele dizia que eu tinha fome
de conhecimento.
Dou um sorriso triste, concentrada nos dedos que
brincam sobre o lençol, pois não quero encarar Dumb e
ver pena em seu olhar.
— Eu tinha acabado de completar cinco anos e
estava no pátio esperando Logan sair da aula, quando
uma mulher que eu nunca tinha visto entrou no orfanato
puxando duas meninas pelas mãos. A maior era do
meu tamanho e se debatia tentando se soltar da mão
da mulher, a menor parecia uma boneca de porcelana
de tão linda, e apertava um urso azul contra o peito
como se a vida dela dependesse daquele abraço. —
Seco as lágrimas que deslizam pela minha bochecha
ao me lembrar do dia que conheci London e Crystal. —
Não sei explicar o que senti, só sei que segui a mulher,
fascinada por aquelas meninas e pela primeira vez,
quis ser amiga de alguém, mas não de outras crianças.
Eu queria aquelas irmãs.
Dumb não se move, acho que o vira-lata nem está
respirando.
— Elas ficaram no orfanato e uma semana depois,
nós já éramos inseparáveis. Eu e o Logan continuamos
amigos, mas no aniversário dele de treze anos, ele me
pediu um beijo de presente e aquele primeiro beijo
mudou as coisas entre nós, ou melhor, mudou os
sentimentos. Como era proibido namorar no orfanato, a
gente se encontrava escondido no pátio ou na
biblioteca. Ninguém nunca chegou a flagrar nós dois
juntos, mas no decorrer do ano letivo todo mundo ficou
sabendo do namoro. Muitos meses depois, Mason
também descobriu e o nosso inferno começou.
Meu coração acelera, desestabilizando minha
respiração, mas continuo narrando meu passado sem
me importar com a falta de ar.
— Quase todos os dias, o diretor arrumava uma
desculpa para me colocar de castigo, mas não me
mandava para a detenção com as outras crianças. O
senhor Louis me levava para a sala dele, e mandava o
filho me vigiar. Mason fez de tudo para me convencer a
ficar com ele e quando percebeu que eu não ia terminar
o namoro, o diretor mudou a estratégia e passou a usar
o Logan para me chantagear. Cada hora Logan
aparecia com um ferimento diferente e mesmo todo
machucado, ele prometia que podia aguentar qualquer
coisa para não me perder. Eu não queria ceder as
chantagens, mas aquilo estava acabando comigo.
— Eu já estava decidida a fazer o que o Mason
queria quando ouvi uma conversa telefônica do senhor
Louis com uma tal de Eugenia. O diretor contou um
monte de mentiras e elogiou o desempenho do Logan
na escola. Então eu soube que aquela mulher devia ser
a mãe ou alguma tia dele. Quando contei para a
London, ela me ajudou a roubar uma das cópias da
chave da sala do senhor Louis. Naquela mesma noite,
encontrei um caderno de registros com dados dos pais
de algumas crianças e descobri que Eugenia era mãe
do Logan e morava no México, mas o pai dele, Bryan,
vivia em Tucson. Eu estava tão desesperada que não
pensei em nada quando liguei para ele e contei o que o
diretor fazia com o Logan. Uma semana depois, Bryan
apareceu no orfanato.
Dumb fica de pé e se senta na beirada da cama.
Suas mãos cobrem as minhas enquanto seu olhar
permanece fixo no meu. Ele não diz nada e seu silêncio
é o que preciso para prosseguir a narrativa.
— Depois do encontro entre o Bryan e o senhor
Louis, durante seis meses a nossa vida mudou
completamente. Mason parou de frequentar o orfanato,
Logan e eu podíamos namorar no pátio e a cada quinze
dias, ele viajava para visitar o pai. Nas férias de verão
daquele ano, Logan me convidou para ir com ele para
Tucson e mesmo contrariado, o senhor Louis permitiu
que eu fosse. Teriam sido os melhores meses da minha
vida, se na última semana Bryan não tivesse sido
assassinado brutalmente.
Encolho os ombros e lamento todo sofrimento
causado graças as mentiras que foram descobertas
através do amor adolescente que marcou a minha vida
de forma permanente.
— Quando voltamos para o orfanato o pesadelo
recomeçou, mas muito pior do que antes. Logan
passava dias preso na lavanderia, sem água, sem
comida e apanhando covardemente do Mason e dos
amigos dele. Foi então que fiz o que achei certo e liguei
para a Eugenia. Eu não sabia nada da vida dela e nem
procurei saber. Tudo que eu queria era que ela
libertasse o filho daquela prisão. A mulher que atendeu
o telefone me disse que era a Eugenia e pediu que eu
contasse tudo que sabia sobre o Logan e o Bryan. Eu
contei sem saber que estava falando com uma das
empregadas que era amante do Ramiro. Dois dias
depois, Logan foi sequestrado na porta do orfanato e
vendido para um empresário do Catar, e o senhor Louis
me mostrou a matéria de um jornal mexicano,
noticiando o suicídio de Eugenia, esposa do maior
traficante de drogas do México.
— Eu era apenas uma garota apaixonada por um
garoto, mas presenciar a maldade tão de perto quebrou
alguma coisa dentro de mim. Durante o ano que Logan
ficou desaparecido, a Stephanie que todos conheceram
morreu e eu me tornei precocemente, uma adulta
obcecada por fazer justiça a qualquer custo. Aprendi a
jogar o jogo, a mentir, fingir, enganar e ao mesmo
tempo que ganhava a confiança do Mason e ficava
mais íntima dos funcionários do orfanato, fui juntando
informações e roubando documentos que provavam
que o diretor arquitetou o sequestro a mando do
Ramiro para impedir que o Logan tivesse direito a sua
parte na herança da Eugenia. Com o que precisava
para colocar os dois na cadeia, fui ao distrito policial e
ingenuamente, entreguei tudo nas mãos do
comandante. Mais uma vez, aquele que deveria
proteger as vítimas foi corrompido pelo dinheiro dos
criminosos, e uma semana depois quando voltei para
saber se a investigação havia começado, o
comandante me chamou de louca, disse que nunca
tinha me visto e eu não tinha entregado nada para ele.
— Aposto que você quis encher a cara dele de
porrada — Dumb fala pela primeira vez, sorrindo. Como
sempre, o general de armas usa o bom humor para
aliviar a minha tensão, e sua preocupação me faz sorrir.
— Eu quis e já estava tudo armado entre os
policiais para ninguém me impedir, assim o
comandante teria motivos para me prender. Mas como
dizem por aí, as melhores pessoas cruzam o nosso
caminho nos piores momentos, e naquele dia um anjo
caído vestido de couro dos pés à cabeça, com longos
cabelos cor-de-rosa, me impediu de fazer mais uma
besteira. A presidente do MC feminino com nome
depravado, que me colocou embaixo da sua asa negra
e se tornou uma mãe para mim.
Minha voz embarga ao falar da mulher que me
inspirou a querer ser uma pessoa melhor. Não melhor
do que ninguém, apenas melhor do que eu mesma.
— Não sei o que teria sido de mim, da London e
da Crystal se não fosse a Striper.
— Ela cuidou de vocês.
— Ela fez muito mais do que isso.
— Posso te fazer uma pergunta? — Dumb afasta
uma mecha do meu cabelo para trás.
— Pode — respondo, sonolenta.
— Não quero os detalhes, apenas sim ou não.
Está bem?
Eu assinto, me esforçando para manter as
pálpebras abertas.
— Foi você que provocou o incêndio no orfanato?
Não me lembro de ter me deitado, nem de me
virar para o lado e dormir tão leve como uma pluma,
após relatar por mais de uma hora a maior e mais
importante parte da minha vida.
No entanto, me lembro perfeitamente de ter
respondido à pergunta do general de armas, antes de
ouvir sua voz rouca sussurrando em meu ouvido que
me amava e estaria aqui, ao meu lado, quando eu
acordasse.
— Sim, fui eu que matei o filho da puta.
DUMB
Assim que Pink pega no sono, pesco o celular no
bolso para saber quem é o idiota que não para de encher o
meu saco e vejo mais de dez ligações perdidas do
rastreador.
O aparelho não parou de vibrar desde que cheguei ao
hospital, mas ignorei a tremedeira irritante na bunda porque
não queria interromper o relato da cadela. Ela precisava
falar mais do que eu queria ouvir, porém confesso que foi
bom conhecer um pouco mais da sua história de vida.
Se bem que ainda tem muito mais, no entanto, vou
deixar que Pink decida o melhor momento para me contar
sobre os anos que ela e suas amigas fizeram parte do
grupo de mercenários conhecido como Insanos, liderado
por um ex agente da CIA que opera clandestinamente há
mais de vinte anos, servindo o governo norte-americano.
A notificação de mensagem faz o telefone chacoalhar
na minha mão.

Corredor, agora.

Fecho as cortinas para a claridade não acordar Pink e


pergunto:

Que corredor, arrombado?

Dois segundos mais tarde, Ghost responde:

Do hospital, pau no cu. Estou na porta do quarto


da sua cadela.
Eu não queria me preocupar, mas para ele ter vindo
até aqui deve ser alguma coisa importante. Deposito um
beijo na testa de Pink e abro a porta, dando de cara com o
rastreador encostado na parede oposta, estilo gangster dos
anos 60.
— Nem um fodido minuto de paz, porra!
Ghost sorri exibindo seus dentes brancos.
— Enfia o telefone no cu se é para não atender essa
porra.
— Enfia o seu. Aprenda, quando uma pessoa não
atender a sua ligação é porque ela não quer falar com você,
babaca.
— Querer não é poder, irmão. Por isso estou aqui.
— São sete da manhã e não faz nem duas horas que
eu saí do clube. Não é possível que seja tão grave assim.
— A Ravena foi embora.
— O quê? — Franzo a testa, devo estar ficando surdo.
— A cadelinha não desceu para tomar café da manhã,
o Snake esperou alguns minutos pensando que talvez ela
tivesse perdido a hora para a aula de inglês e resolveu
checar se estava tudo bem. O VP bateu na porta do quarto,
mas a Ravena não abriu. Ele entrou, encontrou o guarda-
roupa vazio e um envelope em cima da cama com o nome
dele.
Passo a mão no cabelo, imaginando como meu primo
e a Alana devem estar arrasados.
— Uma carta? — indago, embora a resposta seja
óbvia.
Ghost seleciona um arquivo no seu celular e me
entrega o aparelho. Meus olhos vão descendo, linha por
linha, à medida que sou consumido pelo remorso de não ter
matado Benício Xavier quando tive a chance.
— A Ravena acreditou nessa merda? — Devolvo o
telefone, malditamente irritado.
Ele seleciona uma imagem e vira a tela na minha
direção.
A foto de Benício sem o dedo, uma parte da orelha e
dois furos um pouco acima dos joelhos pode até ter
impressionado Ravena, mas aposto que foi a cara de pobre
coitado injustiçado do pirralho psicopata, que convenceu a
cadelinha a deixar o clube e voltar a morar na antiga casa
da família,Xavier em Chihuahua, na companhia do seu
irmão caçula, com a promessa de legalizar e retomar os
negócios de Ramiro, como sócios.
— Ela perguntou para o Snake se você tinha
machucado o pirralho.
— E o VP linguarudo confirmou. — Não é a porra de
uma pergunta.
— Irmão, ele não tinha motivos para mentir sobre as
merdas do esquema de tráfico ou o envolvimento do
Benício com a máfia, e a Ravena sabia que você e o Trap
estavam na fazenda com a Pink. Foi só juntar dois e dois —
Ghost fala, enfiando o telefone de volta no bolso.
— O Snake é pai dela, ele tem que ir atrás da Ravena
e impedir que ela embarque.
— Não dá, irmão.
— Por quê?
— Hoje é aniversário da Ravena. Dezoito anos. Ela já
pode sair do país sem autorização se quiser, sem contar
que a gente não sabe de onde o avião vai decolar.
— Desgraçado, foi por isso que o Benício não entrou
em contato com ela desde a semana passada. Ele estava
esperando a Ravena atingir a maioridade para deixar o
Snake de mãos atadas.
— Só mais uma coisa — Ghost diz, arqueando as
sobrancelhas.
— Fala logo, porra!
— O arquiteto está no condomínio e quer saber se
pode começar.
— Eu já disse que pode, qual o problema dessa cara?
— O mesmo que o de todo mundo. Ninguém acredita
que você vai realmente construir uma casa para morar com
a sua cadela.
— Vou, e vai ser do lado da sua.
— A Pink já sabe?
— Irmão, você tem a sua cadela para cuidar. Se
preocupa com ela e deixa que eu cuido da minha.
— E o lance de monogamia? Também é sério ou a
gente vai poder brincar de vez em quando?
— Olha bem pra minha cara.
— Estou olhando. — Ghost fala, sem esconder o
divertimento.
— Olha direito. — Mantenho a expressão taciturna.
O idiota gargalha.
— Tô olhando, porra!
— Você acha que eu ia brincar com uma merda
dessa?
— Nem fodendo.
— É claro que é sério, idiota.
Ghost coloca as duas mãos nos meus ombros e olha
nos meus olhos, se segurando para não dar risada.
— Você arruinou a nossa última chance de preservar a
fama dos diretores do MC Black Panthers de maiores
comedores de bocetas do Texas. Seu pau foi rendido.
Acabou, irmão. Demorou, mas finalmente o general de
armas caiu. Bem-vindo ao clube, porra!
Eu me despeço do rastreador, que ficou responsável
por me manter informado sobre os acontecimentos no
clube.
Entro no quarto e paro ao lado da cama com as mãos
guardadas nos bolsos, admirando a cadela adormecida,
alucinado para tocá-la.
Há algum tempo, seria impossível imaginar Damon,
Snake, Claws, Ghost e eu, abrindo mão da nossa vida
pervertida para morar em uma casa fora do clube, dispostos
a comer a mesma boceta todos os dias e ainda planejar a
porra do futuro ao lado de uma cadela. O pior, é que não foi
por imposição, mas por escolha própria e livre vontade.
E pensar que está acabando justo com o diretor que
começou tudo.
Maldita aposta do caralho!
EPÍLOGO – PARTE 1
O PRESIDENTE
— Dumb já chegou? — pergunto ao executor, sem
tirar os olhos do jardim quando ele entra no escritório.
— Não.
— Alguma previsão?
— Não.
A merda de falar com Claws é que o idiota não
consegue manter um diálogo normal. Se quiser uma
informação, precisa ter paciência de monge ou ir direto
ao ponto. Exatamente como pretendo fazer.
— Desde quando você sabe? — indago, ainda de
costas. Meu corpo parece relaxado, mas há uma
semana sinto que estou preste a explodir.
— Há algum tempo.
— Desde quando? — insisto, e ouço o executor
afundando a bunda no sofá.
— Desde que eu namorava a Lyn.
Olho por sobre o ombro, à procura do seu olhar.
Porém o idiota está encarando o nada e alisando a
barba.
— Como você descobriu?
Claws se curva para frente, apoia os cotovelos
nas coxas e entrelaça os dedos. Só então ele vira a
cabeça para olhar em meus olhos.
— Eu desconfiava que tinha alguma coisa naquela
floresta, mas todas as vezes que perguntei para o
Scott, ele me disse que nós saberíamos quando
chegasse a hora. O velho estava sempre um passo à
frente e eu sabia que não adiantaria insistir no assunto,
então parei de perguntar. — Ele recosta no estofado. —
A Lyn também desconfiava, mas a cadela era mais
teimosa e seguiu os dois até a floresta. Ela entrou no
cemitério e viu o Dumb... diferente.
— Ela também sabia? — Minha voz é um tom
acima.
— Irmão, ela viu, mas não sabe o que viu.
— Por que ela nunca disse nada?
— Porque eu pedi.
— Você pediu para a Lyn manter segredo sobre a
porra do cemitério do meu irmão? — Passo a mão no
cabelo e marcho até o executor, parando à frente dele.
— Esse é o único assunto que o Mitch morreu sem ter
uma maldita explicação do Scott!
— Se o velho não contou nem para o seu pai, o
que você acha que ele ia fazer se soubesse que a
Carolyn tinha descoberto que ele construiu a porra de
um cemitério para o Dumb?
— Você acha que ele ia fazer alguma coisa contra
a cadela? — Tento parecer ofendido com a insinuação,
mas não sou convincente, porque não duvido que Scott
faria.
— Não sei, mas não ia arriscar. — Claws fica de
pé, seu olhar azul transparente cravado no meu. — A
gente passou anos tentando entender a relação que
eles tinham e qual a participação do Roober. O velho
nunca falou. O grandalhão finge que não sabe de nada
e o Dumb banca o idiota a vida inteira. Eu achava que
tinha alguma coisa estranha, mas só quando cheguei
na fazenda tive certeza.
Nós nos encaramos em total entendimento.
— Tem ideia de como eu fiquei quando vi a
quantidade de corpos?
— Você acha que comigo foi diferente? — Ele
cruza os braços sobre o peito. — A diferença é que eu
consegui esconder o choque.
— Irmão, as cadelas me disseram que quando
chegaram, mais da metade dos italianos já estava
morta.
— Eu falei com o Trap.
— O que ele disse? — O executor não desvia o
olhar, mas a demora em responder é sinal de que ele
está decidindo qual vai ser a sua resposta. — Claws,
nós estamos falando do meu irmão mais novo. É minha
obrigação proteger o Mike de qualquer merda que o
Scott armou para ele.
Ele inspira, convencido pelo meu pedido sincero.
— O novato ficou nervoso quando perguntei como
eles tinham conseguido entrar na fazenda, parecia com
medo de falar o que não devia. — Encolhe os ombros.
— Eu contei algumas histórias antigas, dei a entender
que o Dumb sempre foi um fodido assassino e
aumentei um pouco o glamour das atuações do
general. O Trap relaxou e acabou abrindo o jogo.
— O que ele disse? — questiono ansioso, curioso
e fodidamente preocupado.
— Que a mudança é impressionante e o general
de armas que a gente conhece não tem nada em
comum com o que ele viu naquele dia, desde o roubo
do caminhão de marmitas.
— Eu não entendo — sibilo entredentes. — O que
é que tem de tão diferente entre os dois, porra?
— O Dumb idiota é só um disfarce para esconder
o general. Eu não estava lá e não vi, mas acreditei no
novato quando ele disse que o homem que entrou
naquela fazenda é o próprio diabo, em carne e osso.
— Caralho! — A agitação dentro de mim é tanta,
que não consigo ficar parado e começo a andar de um
lado para o outro. — Eu tenho que falar com ele. De
homem para homem. De irmão para irmão. O Dumb
não pode mais carregar essa merda sozinho. — Dou
um soco na mesa e a dor subindo pelo meu braço,
ajuda a me acalmar. — O Scott sempre falou que eu
seria um excelente líder, mas o Dumb era quem levaria
o clube ao topo. O velho tinha algum plano fodido e
usou meu irmão para garantir que não houvesse
nenhuma falha, mesmo depois da sua morte.
— Eu sei que está sendo difícil pra caralho assistir
à tudo do lado de fora, mas vou te dar um conselho. O
idiota já está nadando sozinho nessa merda há quase
vinte e cinco anos. Ele reivindicou a Pink, autorizou a
construção da casa no condomínio e aderiu a
monogamia. Duvido que fazer o Dumb se apaixonar
estava nos planos do velho. Talvez encontrar uma
cadela com alma de homem e tão devassa como ele,
foi a maneira que o destino encontrou de colocar as
coisas nos seus devidos lugares. — Claws dá dois
tapinhas em meu ombro. — Não empurra, Pres. Dá
tempo ao tempo e deixa o seu irmão tomar a iniciativa
de revelar o maldito segredo. Você já passou por muita
coisa para saber que estamos falando da vida dele, e a
escolha de abrir a verdade tem de ser dele também.
Apoio as mãos na mesa e abaixo a cabeça,
fodidamente derrotado.
Claws tem razão e no fundo, foi o respeito pela
privacidade do Mike e a confiança que sempre tive nele
que me impediram de confrontá-lo antes. Mas sei que o
segredo de Scott que meu irmão caçula guarda desde
menino, de alguma forma, tem a ver comigo.
Eu sinto, porra!
O problema é afastar da minha mente a imagem
da devastação que o general de armas causou naquela
fazenda e por mais que ele tenha tido a ajuda do Trap,
todos nós sabemos que o novato não duraria muito se
não fosse por Dumb, ou por quem quer que seja que se
apossa do seu corpo e o transforma em uma fodida
máquina de matar.
Minha exasperação foi tanta, que em vez de
delegar que outra pessoa ficasse na fazenda para
decidir o que fazer com os meninos que haviam sido
esquecidos na mina, pedi para Madison ficar comigo e
cuidei de tudo, inclusive dos índios que vivem
ilegalmente nas terras que pertencem à família mafiosa
do caralho.
Por fim, ter visto com meus próprios olhos a forma
cruel e desumana com que os malditos italianos
tratavam aquelas crianças, me ajudou a esquecer as
merdas do meu irmão por algum tempo.
Depois de libertar os dezoito meninos das celas
em que dormiam, encontrei as barras de ouro que
Benício havia falado que seriam enviadas para a Itália,
arrumadas em uma pilha de quase meio metro de
altura.
Foi então que tive a ideia de comprar o ouro como
se ele pertencesse aos meninos e dividir o dinheiro
entre eles, com a condição de que esquecessem o que
tinha acontecido naquela fazenda e usassem a grana
para construir um futuro o mais longe possível da
família Coppola.
A porta do escritório é aberta e a voz do Ghost
ecoa atrás de mim:
— Ele chegou.
— Em cinco, no Abrigo. Avisa todo mundo — falo
e me viro de frente para o executor. — Ax primeiro. O
Ethan é responsabilidade da Lyn. A cadela que se
entenda com os garotos.
— Vai dar merda — Claws resmunga, indo em
direção à porta.
— Já deu, irmão.
O executor para ao lado de Ghost e faz uma
careta.
— Se o Nate continuar com essa porra de perdão,
quem vai matar ele sou eu.
— Família, irmão. Cada um tem aquela que
merece.
— Tô fodido.
Ghost passa o braço por cima do ombro do
canadense ranzinza, que fecha a cara.
— E quem aqui não é fodido, caralho? Você está
na família certa, irmão.
— Babaca — Claws empurra o braço dele e sai do
escritório.
— Tá ficando mais fácil — Ghost zomba da falta
de controle do canadense.
— Ele pode estar mais nervoso que o normal, mas
continua sendo o Claws. É melhor não abusar da sorte
— aconselho rindo, mas o aviso é sério. Pego minha
pistola na gaveta e sigo para a porta.
— Limites, irmão. Eu conheço a porra dos limites
— Ghost se defende e retribui o sorriso. Para sua sorte,
o idiota é mais inteligente do que aparenta.
Dou uma última olhada para o lugar onde tudo
começou, antes de seguir para o Abrigo ao lado do
rastreador.
Foi aqui, nesse escritório, que Scott Abbot
planejou o futuro da sua maior paixão, o clube de
motoqueiros que se tornaria um dos maiores dos
Estados Unidos.
Criou suas leis, suas regras, fez suas escolhas,
suas merdas, negociou com todo tipo de gente e tomou
as decisões mais importantes da sua vida e da vida de
todos os membros do MC Black Panthers.
O mesmo escritório que meu pai usou para
assumir os negócios do clube, me ensinou tudo que sei
e hoje é meu para usar.
Meus olhos são os mesmos, mas meu olhar não
vê esse lugar como via antes e os diretores já não são
mais aqueles caras que viviam na esbórnia; bebendo,
fodendo todas as bocetas que encontravam pela frente
e morriam por um passeio ou uma maldita orgia com os
irmãos.
Nós amadurecemos, nos apaixonamos e
constituímos famílias que se tornaram prioridades em
nossas vidas, ainda que o clube seja uma parte
essencial da nossa felicidade.
Tivemos sorte de encontrar cadelas que se
identificaram com nosso estilo de vida e se juntaram a
nós, fortalecendo ainda mais a união dos seis fodidos
diretores e tornando nossos laços de amizade, respeito
e cumplicidade, malditamente inquebráveis.
É isso, e aqui está a mais pura verdade.
O clube sempre vai ser a minha casa.
Esse bando de fodidos, a minha família.
Minhas duas cadelas, todo o meu mundo.
Matar homens como Ax, a minha diversão.
Ser o presidente do MC Black Panthers, a maior
honra que já tive.
E hoje, aposto que tenho tudo que um homem
poderia querer e mais do que ele nem sabia que
precisava.
A vida fodidamente perfeita, porra!
O Vice-presidente

Em cinco, no Abrigo

A mensagem chega, mas não saio do lugar, tentando


digerir a merda de decisão da Ravena. Minha mente
estrategista procura respostas, sem encontrar sequer os
motivos que levaram minha filha a fugir de casa para ir
morar com seu irmão psicopata do caralho.
— A bebê dormiu. Megan está com ela, no quarto.
Alana se senta ao meu lado, no topo da escada.
— Por que não aproveita e descansa um pouco? —
pergunto, abraçando minha pequena terapeuta.
— Não consigo dormir.
Beijo sua cabeleira loira demoradamente.
— Eu sei, está difícil para mim também.
— Nunca odiei ninguém como odeio o Benício.
— Nós vamos dar um jeito de acabar com o pirralho e
trazer nossa filha para casa.
Ela levanta a cabeça e me encara com as duas luas
azuis que eu amo mais do que minha própria vida.
— Promete?
— Prometo, pequena.
Beijo seus lábios carnudos, despertando meu pau.
Quero foder minha cadela contra a parede, mas não posso.
Os diretores estão me esperando para começar a Blood
Wheel de Ax e não posso me atrasar.
O ex-sócio de Pablo pode ter informações que ajudem
a descobrir o que o pirralho está tramando e quero estar
presente.
— Tenho que ir, os idiotas já vão começar.
Fico de pé e Alana desce comigo até a cozinha, onde
as cadelas do Shadow Princesses estão reunidas,
discutindo sobre o futuro da ONG.
Pink bloqueia minha passagem quando passo pela
porta. Ela está mais magra e ainda não se recuperou
totalmente, mas seu olhar atrevido parece mais brilhante do
que nunca.
— Fiquei sabendo o que você fez e quero agradecer
pessoalmente pela sua ajuda. — Sem que eu espere, a
cadela me abraça.
— É um prazer ajudar, podem contar comigo se
precisarem.
Pink se afasta, com os olhos marejados.
— Eu estava relutante em me mudar para Green Hill
porque não tinha como transferir o escritório para cá, e ficar
indo e vindo de Los Angeles complicaria tudo. Saber que
você cedeu um andar inteiro do prédio da Abbot Company
para a ONG, era tudo que eu precisava para decidir.
— Imaginei que deixar o Shadow Princesses seria
difícil, mas acredito que agora vocês não precisem mais
usar o MC de fachada para encobrir o trabalho que fazem
contra o tráfico infantil.
— A Striper deixou o clube para nós, mas a missão de
resgatar crianças vítimas dos marginais que comandam o
tráfico é mais importante. As garotas que ficaram vão cuidar
de tudo e vamos nos revezar para visitar a sede uma vez
por mês.
Quando Dumb me contou que as cinco cadelas eram
responsáveis pela captura dos maiores líderes do tráfico
humano, nos últimos seis anos, sabia que precisava ajudar
de alguma forma para que elas dessem continuidade ao
trabalho fodidamente perigoso.
Pink saiu do hospital há pouco tempo, e aceitou a
proposta do meu primo de ir morar na casa que ele está
construindo no condomínio.
Mas a cadela estava decidida a continuar
administrando a ONG ainda que a distância, e quando eu
soube que o moto clube feminino era apenas um
passaporte para que o quinteto se infiltrasse nas
organizações criminosas que investigavam, e estavam mais
do que dispostas a trazerem suas bundas para a nossa
cidade, não pensei duas vezes.
Montei o espaço com infraestrutura decente e os
melhores equipamentos para que as cadelas pudessem
trabalhar, e de quebra dei uma mãozinha para que Dumb
tivesse sua cadela sob a proteção constante do Black
Panthers.
— Obrigada, Snake. — Pink agradece novamente e se
junta as amigas.
— Vou ficar por aqui, enquanto você estiver ocupado
— Alana diz, me acompanhando até a porta dos fundos.
— Eu volto assim que puder.
Ela fica na ponta dos pés e beija meus lábios.
— Eu te amo, pequena.
— Eu te amo mais.
Atravesso o estacionamento e sigo em direção ao
Abrigo com a mente sobrecarregada de suposições. Avisto
Dumb parado na porta, fumando um baseado.
— E aí, cuzão — cumprimento meu primo mais novo e
puxo o idiota para um abraço.
— Que mania do caralho, irmão — ele resmunga e
tenta me afastar.
— Eu sei que no fundo você precisava de um carinho
— provoco e o liberto do meu aperto.
— O único carinho que eu preciso é o que a minha
cadela faz no meu pau. — Dumb dá uma tragada e joga o
baseado no lixo. — Um aperto de mãos é o máximo que eu
quero de você.
Ele abre a porta e eu o sigo para dentro do Abrigo.
— Essa é a diferença, idiota — falo, sem esconder o
prazer de irritar o general de armas.
— Não existe diferença — Ele para de andar e aponta
para a virilha. — Minha cadela aqui. — Estende a mão na
minha direção. — Você aqui.
— Admita, precisar e querer são duas coisas
diferentes. — Meu sorriso é tão dissimulado quanto o idiota.
Dumb faz uma careta e volta a andar.
— Eu preciso da minha cadela e quero continuar seu
amigo, mas você não facilita porra nenhuma.
— Você PRECISA da sua cadela sentada no seu pau
E do meu abraço, mas não QUER admitir. — Enfatizo as
palavras, esperando seu xingamento, que não demora a
chegar.
— Irmão, meu saco já está cheio, se você insistir
nessa merda ele vai explodir e pode apostar que não vai ser
uma coisa bonita de se olhar.
Eu gargalho, chamando a atenção dos diretores que
estão ao lado da mesa, posicionada de frente para o
estrupício pendurado pelos pulsos e tornozelos, esperando
para ser despachado para os quintos dos infernos.
— O idiota não vai aguentar muito tempo — Damon
fala, olhando de Ax para Dumb. — Ele é seu, irmão. Como
quer fazer isso?
— Da pior forma possível, mas primeiro temos que
descobrir se ele sabe alguma coisa do Benício. — O
general de armas arrasta sua cadeira e se senta, com os
pés em cima da mesa e as mãos atrás da cabeça. — Então
aproveitem os vintes minutos que estou dando para vocês
brincarem, depois disso ele vai aprender que um homem de
verdade não bate em cadelas, e o que acontece com os
covardes que batem.
Trap deu uma surra em Ax na fazenda e prendeu o
idiota dentro do porta-malas da BMW, que ficou destruída
durante o confronto com os italianos. Claws trouxe o ex-
presidente do MC The Furious para o clube e há dez dias,
ele está vivendo no Abrigo.
Até agora Ax não abriu a boca, no entanto, nenhum de
diretores foi muito exigente, já que Dumb estava
acompanhando Pink no hospital e temporariamente
indisponível para a Blood Wheel.
Somente quando a cadela recebeu alta e se mudou
para o clube, o general de armas concordou em acabar com
o maldito.
— Por que não me matam de uma vez e acabam logo
com isso? — Ax pergunta ao notar a aproximação dos cinco
diretores.
— O que você acha? — Damon responde com outra
pergunta.
— Eu não fiz nada contra vocês.
— Isso é alguma piada? — Lyn esbraveja e chicoteia o
saco do babaca. Eu me encolho e ele grita de dor. — Nate é
meu irmão, seu filho da puta! — Outra chicotada, ainda
mais violenta que a primeira.
— Ethan também é. Ele disse que você não gostava
do pastor — Ax exaspera, tentando a todo custo se livrar
das amarras e juntar as pernas.
— O pivete vai ter o que merece, mas agora é a sua
vez — Claws rosna e se adianta, acertando dois socos na
cara dele.
Ghost é o próximo e golpeia a coluna de Ax com uma
sequência de chutes brutais. Damon me encara, em
silêncio, esperando que eu faça as honras, mas maneio a
cabeça e peço para que ele vá primeiro.
Ainda estou decidindo qual a melhor abordagem para
arrancar as respostas que quero. O Pres avança como se
fosse um touro e Ax a capa vermelha agitada no ar. Com as
mãos fechadas em punho, Damon martela a cabeça do
babaca uma dúzia de vezes, deixando-o desnorteado.
Avanço alguns passos, encurtando a distância entre
mim e o cara amarrado. Enfio as mãos nos bolsos e espero
que ele se recupere do primeiro round, sem imaginar que a
sua morte está longe de chegar. O único som dentro do
Abrigo é o das respirações furiosas dos diretores,
posicionados em semicírculo.
Ax tosse, cospe uma bola de sangue e levanta a
cabeça. Seu rosto é uma fodida bagunça de sangue, sujeira
e suor.
— Você já veio aqui muitas vezes, sempre como
convidado — falo, sem demonstrar o quanto estou abalado
com a fuga de Ravena. — Quando unimos nossos clubes
para invadir o cartel do Ramiro, você estava comigo.
Naquele dia, impedimos que uma cadelinha fosse
sequestrada e leiloada em um site de pornografia infantil.
Eu trouxe a filha do Ramiro para minha casa, a coloquei sob
a proteção do Black Panthers e amei aquela cadelinha
como se fosse minha própria filha.
Posso jurar que Ax está começando a entender onde
quero chegar. Desde que nos conhecemos, ele esteve
envolvido com tráfico de drogas e contrabando de armas,
mas nunca se meteu nessas merdas de pedofilia.
Independente do motivo pelo qual ele se envolveu
com Pablo e resolveu entrar nesse tipo de negócio, vou
refrescar sua memória para que se lembre de algumas
coisas que deve ter esquecido.
— Benício está escondido em algum buraco, se
preparando para voltar à ativa e assumir os negócios de
Ramiro. Isso não seria a porra de um problema, se aquele
psicopata do caralho não tivesse manipulado a minha filha e
arrastado a cadelinha de volta para o México. — Ax se
remexe quando me aproximo e meu rosto fica a um
centímetro do seu. — Eu sei onde sua esposa e filhos
estão, e juro que vou fazer com eles muito pior do que você
e seus malditos parceiros fizeram com os dezoito meninos
que encontramos na mina, se não me der alguma
informação que me agrade.
— Dez... dezenove — ele gagueja e cospe mais
sangue.
Franzo o cenho.
— O quê?
— Dezenove meninos, não dezoito.
— Eram dezenove meninos na mina?
Ele confirma com a cabeça. Olho para Damon, que já
está saindo do Abrigo. O Pres tem a lista com os nomes dos
dezoito jovens que receberam uma pequena fortuna. Se Ax
estiver dizendo a verdade, um deles pode ter fugido durante
o confronto.
— Para onde Benício foi? — pergunto friamente.
— Não... eu não sei...
— Não sabe, mas tem um palpite. — Ax faz uma
careta de dor. — Se não disser, serei obrigado a perguntar
para a sua esposa e pode apostar que a cadela vai me
contar.
— Por favor, deixe a minha família em paz.
— Uma troca, irmão. Você me ajuda e eu te ajudo.
— Ele tem um amigo que mora em El Paso.
— Nome.
— Diaz, é tudo que eu sei.
— O que esse amigo faz?
— Tem um clube de pesca ou alguma merda dessas.
— O que mais?
— Mais nada, Snake. Não sei mais nada.
Dou de ombros.
— Ok, se é assim... — Acerto um soco em seu
estômago e um na sua cara. — Espero que se divirta com o
general de armas.
Giro nos calcanhares e aceno para Dumb, antes de
sair do Abrigo, pois minha missão está encerrada. A festa
agora é dele.
Eu tinha tudo que sempre quis, mas Benício Xavier
roubou Ravena de mim, e ainda que ela tenha ido embora
sobre as próprias pernas, nós não vamos descansar até
encontrar a minha filha, porque é isso que os diretores do
MC Black Panthers fazem, e fazem bem pra caralho.
Nós lutamos pelas pessoas que amamos sem nunca
desistir.
Minha fodida família do caralho
A CONTADORA
Snake vai embora e Dumb toma o lugar do VP à frente
de Ax. O idiota já está nas últimas, então Claws, Ghost e eu
recuamos e ocupamos nossos lugares à mesa para assistir
o general de armas extravasar sua ira.
— Já decidiu? — indaga o executor, ao meu lado.
Ele não precisa dizer que está se referindo ao futuro
de Ethan, pois meu irmão caçula foi o assunto mais
discutido entre nós na última semana.
— Já — respondo, sem convicção.
— Contou para o Nate o que vai fazer?
Nego com a cabeça sem tirar os olhos de Dumb. Ele
desamarra Ax, que desaba no chão, todo fodido. Sua
cabeça vira de um lado para o ombro conforme o bico da
bota do general alterna chutes em suas têmporas.
Impiedoso.
— Não.
Claws resmunga, mas ignoro sua irritação. Meu irmão
que deseja seguir o caminho da salvação se transformou no
maior empata foda da minha vida, e está causando uma
fodida confusão entre Zach e Ryan.
Enquanto Nate insiste que Ethan merece ser perdoado
por tê-lo sequestrado, espancado, drogado e queimado sua
cara com cigarro, Zach me surpreende e quer matar o
pirralho com suas próprias mãos, enquanto Ryan não caga
nem desocupa a moita e muda de opinião a cada minuto.
A verdade é que nenhum dos três fez o que Claws e
eu imaginamos, quando deixaram a vida pacata de Sun
Valley para trás.
Depois de tudo que passou nas mãos do pai e do
pastor, Natanael tinha tudo para ser um devorador de almas
descompensado, mas em vez disso optou pelo caminho
oposto e foi estudar para ser pastor.
Zach, o mais calmo dos irmãos, se mostrou um ótimo
conciliador estrategista, tanto que Snake se animou para
treiná-lo, empolgado com a ideia de ter um sucessor. Mas
apesar de o garoto possuir um raro talento para ver além da
obviedade, reencontrar Ethan depois de tanto tempo,
descobrir que ele participou ativamente do sequestro de
Nate e ainda ouvir o caçula se gabando de todas as
malvadezas que fez com o irmão que sempre o ajudou,
disparou um fodido gatilho que até Zach desconhecia.
Agora, além de confrontar os argumentos do aspirante
a pastor com apontamentos baseados em pesquisas feitas
por profissionais renomados, para justificar porque Ethan
deve ser o próximo hóspede do Abrigo, Zach prova que
também é admirador da violência.
Segundo Claws, um lado que deve ser explorado e
incentivado, caso Zach queira ocupar uma cadeira na
diretoria do MC Black Panthers. Em contrapartida, ele não
conseguiu disfarçar o quanto a indiazinha Raíra, irmã mais
velha de Anahí, mexeu com seus sentidos desde que a
trouxemos para passar um tempo no clube para que ela
possa fazer as sessões de fisioterapia na academia, sob a
supervisão de Andrew Walt.
O baque do corpo de Ax se chocando contra a parede
me assusta. Dumb segura a garganta dele com uma mão,
enquanto a outra busca o objeto perfurante que deseja, em
cima do balcão de aço inox.
— Abre os braços — grunhe o general e mal
reconheço sua voz.
Dumb flexiona o cotovelo para trás, pega impulso e
crava um tipo de prego gigante na palma de Ax, mas não
completa o percurso até a parede, obrigando o general a
repetir o movimento mais duas vezes. Os gritos de dor do
maldito são música para os meus ouvidos.
— Ele vai pregar o Ax na parede? — pergunta Ghost,
pasmado.
— É o que parece — responde Claws.
— Essa é nova.
— Fazia tempo que eu não via o idiota em ação.
Ouço o diálogo em silêncio, curiosa para saber por
que Dumb mentiu sobre a existência do cemitério das almas
vivas quando a ruiva perguntou. Eu sempre tive medo do
general de armas, mas depois do que vi naquela fazendo,
estou fodidamente apavorada.
Dumb repete o feito na outra palma de Ax, e no
momento que a cabeça e os ombros dele tombam para
frente, mas seu corpo não desaba graças aos pregos que
atravessam suas mãos, o general de arma faz uma mesura
galanteadora, orgulhoso do seu feito.
Ele se prepara para o golpe final, fazendo meu
coração disparar, pois assim que Ax se tornar mais uma
vítima do Abrigo, será a vez de Ethan. E por mais que eu
tenha certeza de que se não fizer o que deve ser feito, vou
me arrepender, exatamente como Dumb se arrependeu de
não ter acabado com Benício, meu coração ainda sofre pela
decisão que tomei.
Ethan é mais velho que o pirralho mexicano, mas está
claro que segue o mesmo padrão comportamental e é um
manipulador de merda.
Se ao menos Ryan se decidisse, ficaria mais fácil de
justificar minha decisão. Mas o irmão mais invocado deu
uma amolecida quando o caçula começou a chorar, pedir
perdão e culpar seus pais fizeram pelas escolhas de merda
que fez. O que é uma fodida mentira.
Porém confundiu a cabeça do garoto que ficou mais
avoada do que nunca com a mudança das cinco cadelas do
Shadow Princesses para Green Hill, especialmente a linda,
meiga e virgem, Crystal.
Dumb abre um estojo de alumínio e espalha sobre o
balcão um conjunto de estrelas ninjas de cinco pontas,
fodidamente afiadas, e se afasta de Ax.
— Tiro ao alvo? — Ghost não se contém de tão
entusiasmado que está com a apresentação do general.
— Louco pra caralho — Claws não parece diferente.
Aliso a barriga por cima da baby look preta e por um
breve momento, desejo que meu filho seja normal, mas a
realidade logo expulsa o delírio, pois é óbvio que o herdeiro
do executor e da contadora do Black Panthers jamais será
normal. E ainda que a maioria da população discorde,
desaprove e discrimine, nós somos um bando de fodidos
que se amam, se respeitam, se protegem e cuidam uns dos
outros.
Dumb arremessa a primeira estrela na coxa esquerda
de Ax. O grito é alto quando a lâmina perfura sua carne e o
sangue escorre por sua pele. A segunda estrela voa rápido
até a coxa direita, nivelada simetricamente na mesma altura
da vizinha. O segundo grito perde força.
A terceira tem uma das pontas encaixada com exímia
perfeição dentro do umbigo de Ax. Sua barriga fica
contraída por muito tempo após a penetração da lâmina, e o
grito está mais para uma reclamação.
A quarta estrela atinge o coração, enxotando uma boa
quantidade de sangue do corpo do ex-presidente do The
Furious, e o murmúrio de lamento sinaliza que seu fim está
próximo.
No entanto, Dumb chama Ax, exigindo que ele levante
a cabeça e o encare como homem. Apesar de demorar a
obedecer, o idiota acata a ordem e a cena final é de tirar o
fôlego,
O general de armas mira a estrela e arremessa. As
pontas cortam o ar em uma velocidade alucinante cravando
na testa do seu alvo fixo, milimetricamente entre os olhos.
Nenhum som, nada. Apenas os aplausos calorosos dos
diretores que se levantam para cumprimentar Dumb.
Eu também fico de pé, mas minha animação não é
como a deles e infelizmente a apresentação impecável do
general de armas não é o motivo do meu desânimo. E sim,
o protagonista que vai estrelar a próxima sessão.
Ethan sequestrou, maltratou e não tenho dúvida
alguma de que teria matado Nate se fosse preciso. Nate
quer perdoá-lo, Zach quer matá-lo e Ryan não sabe o que
quer, enquanto eu sei o que devo fazer, mas não quero
fazer o que deve ser feito.
Aliso a barriga e encaro meu porto seguro, minha base
e o único homem que já amei na vida. Seus olhos
aprisionam os meus e descobrem tudo que passa na minha
mente nesse exato segundo.
Claws me conhece melhor do que eu mesma e sabe
como me sinto. Então o esboço de um sorriso estica seus
lábios deliciosos para cima, e agora quem sabe o que ele
está pensando, sou eu.
E sei que o executor vai me ajudar.
No instante seguinte, estou me jogando em seus
braços, com as pernas circulando sua cintura e minha boca
na sua. Como sempre, Claws me segura, e suas garras me
prometem que jamais me deixarão cair.
— Obrigada — sussurro na sua boca.
— Sempre, criança.
Fodidamente para sempre, amor.
O EXECUTOR
— Obrigada... — Carolyn sussurra, emocionada.
— Sempre, criança.
Ela está pendurada em mim como uma macaquinha,
para que os irmãos não vejam a dúvida em seu olhar, nem
desconfiem que minha cadela teimosa também tem um
coração.
— Se vão continuar com essa agarração é melhor
treparem logo. Não me incomodo de assistir — Dumb
provoca, fazendo Carolyn sorrir e descer do meu colo.
— Pode participar se quiser — falo, ajeitando meu pau
duro feito pedra, que a contadora terá de chupar quando
chegarmos em casa para aprender a não me excitar,
sabendo que não vai terminar o que começou.
— Você nunca me convidou para compartilhar sua
cadela — ele começa a retirar as estrelas ninjas que
adornam o corpo de Ax como enfeites em uma árvore de
natal.
— Estou convidando agora.
— Está porque agora sabe que vou ser obrigado a
recusar o convite.
— Até parece que a Pink te obriga a fazer alguma
merda — Ghost entra na brincadeira de irritar o idiota.
— Ela não precisa.
— Está admitindo que não vai comer minha cadela por
vontade própria? — instigo, e o ajudo a limpar os objetos
cortantes que usou.
— Irmão, eu admito com orgulho que não quero outra
boceta.
— Nem outra bunda — se diverte o rastreador.
— A bunda da Megan é deliciosa pra caralho, mas
nem aquele cuzinho apertado vai me fazer mudar de ideia.
— Azar o seu, ela bem que queria outra rodada dupla.
— Vai ter que encontrar outro pau para o serviço. O
meu está permanentemente desabilitado.
— Quem te viu e quem te vê, hein? — Carolyn brinca,
mas a maneira com que ela encara a porta do Abrigo prova
o quanto está nervosa.
— Agora eu entendo — Dumb murmura, distraído com
a limpeza da sua faca.
— Entende, o quê? — pergunto, atento a tudo que
acontece ao meu redor, pronto para me antecipar quando
os irmãos trouxerem o pivete.
— Tudo — o general de armas levanta a cabeça e
seus olhos revezam entre os três diretores. — O desespero
do Damon quando a ruiva foi embora. A determinação do
Snake em encontrar a Alana. — Ele olha diretamente para
mim. — O seu sacrifício quando o Eliot ameaçou a vida da
Lyn. — Dumb encara o rastreador. — O seu receio de
contar para a Megan sobre a merda com a Felícia. — Ele dá
de ombros e volta a limpar a faca. — Antes eu não
entendia, mas hoje entendo o que vocês fizeram e porquê
fizeram.
— Quando você entendeu? — Lyn interpela, me
abraçando por trás.
— Na noite que a Pink fugiu.
— O que aconteceu para você entender? — falo
baixo, interessado na resposta.
— Tudo que vocês sentiram ao mesmo tempo, com
um agravante. Eu também estava fodidamente arrependido.
— De não ter matado a Lindsay?
— De não ter aceitado antes que estava apaixonado.
— Ia fazer alguma diferença?
Dumb me encara de novo, mas agora seu olhar não é
mais duro como há alguns minutos. A diferença é nítida
para mim e corrobora a declaração do novato de que o
diretor idiota se transforma no general de armas, como se
houvessem dois homens com missões distintas, ocupando
um único corpo.
— Pra caralho.
Guardo a última estrela no estojo e limpo a mão na
estopa.
— O que você teria feito de diferente se tivesse
aceitado.
— Eu teria matado a Lindsay ou qualquer um que
ameaçasse a vida da minha cadela, e teria evitado tudo que
aconteceu depois daquela noite.
— O mais foda é que no fundo a gente sabia que já
estava de quatro, mas tinha tanta merda na cabeça que foi
mais fácil fingir que não estava — Ghost complementa. —
Tem ideia de quanta desgraça eu teria evitado se tivesse
contado a verdade pra Megan?
— Na hora a gente faz o que acha certo. Quando fui
embora, pensei que estivesse tomando a melhor decisão e
quase perdi meu amor para aquela adestradora insossa. —
Carolyn beija meu ombro.
— A Charlie é gostosa pra caralho — Dumb discorda.
— Gostosa e tem cara de safada — Ghost empurra o
ombro do general. — Tem coisa melhor que uma cadela
safada, porra?
— Nem fodendo! — Dumb sorri de lado, cínico pra
caralho, e aponta o indicador na minha direção. — Tem
coisa melhor, arrombado?
Devolvo o sorriso de merda quando Carolyn finca as
unhas nas minhas costas à espera da minha resposta. O
idiota arqueia as sobrancelhas, satisfeito por ter conseguido
impelir a cadela ciumenta.
— Fodidamente não.
A contadora dá um tapa na minha cabeça, raivosa por
causa da minha provocação, e sai batendo o pé
amaldiçoando meu pau até o fim dos tempos. Nós
gargalhamos, finalizamos a limpeza e guardamos tudo.
— Ela não vai matar o pirralho, não é? — Ghost
inquiri, e para à minha esquerda, de frente para a porta.
— Não — respondo.
— A Lyn acha mesmo que a gente acredita que ela
teria coragem? — Dumb fala e se posiciona à minha direita.
— Acha.
— Cadela teimosa.
— Teimosa pra caralho — reafirmo.
— Um dia, quando ela estiver de bom humor, avisa
que é justamente por não ter coragem de matar o próprio
irmão, que a gente gosta da contadora do Black Panthers.
— Isso não vai acontecer — digo, honestamente.
— Por quê?
— Porque a cadela nunca está de bom humor.
De repente um toco de madeira voa na minha direção
e por pouco não me acerta em cheio.
— Mas que porra! — Dumb exclama, dando um pulo
para o lado.
— Que merda foi essa? — Ghost xinga, se
esquivando do objeto voador.
— Essa merda foi a cadela mal-humorada ouvindo a
conversa dos três patetas, seu idiota! — Carolyn surge de
trás da pilastra e põe as mãos na cintura, empinando a
bunda para o lado.
Suas bochechas estão coradas, a testa e a boca
franzidas, e ela me encara com olhos em chamas.
Fodidamente furiosa.
A cadela já teve dias melhores, porra!
— E você, seu... seu... — Ela cerra a mandíbula,
pronta para soltar um arsenal de palavrões quando o baque
da porta estronda dentro do Abrigo, e seus irmãos parecem
quatro estátuas sob o batente.
Zach e Ryan seguram os braços de Ethan, que está
entre eles, enquanto Nate vem logo atrás. O garoto pode
ser facilmente confundido com um gótico, por conta das
suas roupas pretas, como seus olhos e cabelos que estão
mais compridos e chegam aos ombros.
É malditamente impossível olhar para ele e não notar
a semelhança com a irmã, especialmente a intensidade com
que os dois encaram um ao outro. Minha cadela não foi a
única que herdou a fodida teimosia, e o garoto metido a
pastor pode até ser pior do que ela quando quer.
Como agora, por exemplo.
Mas se Nate acredita que a sua merda de pregação
vai salvar a vida do pivete, ele está fodidamente enganado.
Carolyn não tem coragem de matar o irmão, mas para o
azar dele e do Ethan, eu tenho. E não vou permitir que o
projeto de psicopata em andamento, tente manipular minha
cadela, nem se aproximar da minha família, sobretudo do
meu filho que vai nascer em alguns meses.
Endireito os ombros e vou até os quatro com Carolyn
em meu encalço, respirando pesadamente. Seguro sua
mão, entrelaço nossos dedos e maneio levemente a
cabeça, deixando de lado sua pequena demonstração
pública de ciúme e assegurando que vou cuidar de tudo,
como prometi que faria.
A cadela puxa uma longa respiração, sinalizando que
entende, e quando paramos diante do quarteto fantástico,
ela fala:
— Eu já decidi — Os garotos enrijecem, ansiosos pela
resposta. — Nós vamos dar mais uma chance ao Ethan.
Por uma fração de segundo, vejo a decepção nos
olhos de Nate e tenho quase certeza de que ele queria que
Carolyn fizesse o que todos esperavam da contadora do
Black Panthers.
Sua reação me deixa fodidamente fodido, pois essa
merda só está acontecendo por causa da sua benevolência
do caralho que, aliás, já não me parece tão honesta quanto
o pastorzinho alegou que era.
— Claws vai levar o Ethan até uma pista de voo
clandestina, na fronteira do Estado. Lá, Ethan vai embarcar
em um avião particular para um país europeu. — Carolyn
avança e fica cara a cara com o caçula. — Não volte, Ethan.
Não se atreva a pisar nos Estados Unidos outra vez. Não
telefone, não procure nenhum de nós e nunca tente entrar
em contato. Ghost estará rastreando cada passo que você
der, e se eu souber que alguma regra foi quebrada, você
não terá uma segunda chance. Fui clara?
Ethan engole em seco, no entanto, seu olhar crispa de
raiva.
— Fui clara? — ela repete, mais autoritária.
— Foi.
— Ótimo. — Carolyn dá as costas para os irmãos e
fecha os olhos, apertando-os com força, usando toda sua
capacidade de mentir e fingir para disfarçar a dor que está
sentindo.
Não me movo, nem altero minha expressão
impassível.
— Pode levar o Ethan, amor, ou ele vai perder o voo.
— A última palavra perde volume, mas não o bastante para
sua dor ser percebida.
— Prometo que vai ser rápido — sussurro em seu
ouvido, antes de beijar sua testa e arrastar o pivete para o
carro.
Durante a viagem até o chalé onde o pai de Ghost
morava, Ethan não fala nada, apenas olha pela janela
perdido em seus pensamentos. Mas no momento que ele se
dá conta de que estamos adentrando em uma propriedade
a menos de vinte quilômetros do clube, o pivete entra em
pânico e começa a dar seu show, mostrando quem ele
realmente é.
A princípio, seu chilique não me irrita tanto, porém
quando Ethan passa a ofender e a ameaçar a vida de
Carolyn, as coisas mudam de figura. Como havia prometido
para minha cadela que seria rápido e eu não faria o pivete
sofrer, acerto um soco na sua boca apenas para que fique
quieto.
Dirijo por mais ou menos um quilômetro além do
chalé, até chegar ao córrego que atravessa a cidade e me
dará uma vantagem de quatro dias, pois somente na divisa
com Foxmilt é que o grande tubo passa a ser aberto e
possibilita que as pessoas vejam o corpo.
Nesse período, a identificação e qualquer evidência
que possa comprometer a mim ou a minha cadela será
destruída pela água.
Ethan faz de tudo para salvar sua vida, mas o jovem
de dezoito anos já provou que a fome de raiva por seus
irmãos jamais será saciada e quanto mais tempo ele tiver
para aperfeiçoar suas merdas, mas perigoso vai se tornar.
— Você vai se arrepender! — Suas últimas palavras
me fazem sorrir.
— Não tanto quanto você.
O tiro é a queima roupa na parte de trás da sua
cabeça. Ethan cai para frente de cara no chão. Atiro mais
duas vezes, para garantir que ele não tenha a mesma sorte
de Benício Xavier e queimo todos os pertences que ele
carrega em sua mochila.
Três horas mais tarde, quando a pequena fogueira é
apagada pelo vento gelado, entro no carro e volto para o
clube.
Para a minha casa.
Para a minha cadela.
Para a minha fodida família.
E caralho se isso não me deixa fodidamente feliz.
O RASTREADOR
— Ele está demorando — Lyn bate o calcanhar no
chão, rói a unha, confere o horário, se culpa por ter tomado
a decisão de matar Ethan, depois concorda consigo mesma
que foi a melhor decisão, amaldiçoa Frank, Aldrey, George,
e começa tudo de novo.
Depois que os três irmãos voltaram para a sede e
Claws levou o pivete para o terreno onde fica o chalé que
Dunst morava — e agora me pertence —, Dumb foi se
encontrar com Damon e Snake no escritório e eu trouxe a
contadora para a sala de vigilância.
Ela estava fodidamente nervosa e pensei que se
tivesse companhia, ficaria mais calma. Faz mais ou menos
duas horas que estamos aqui e a cadela parece mais
enlouquecida do que antes.
Honestamente, não sei mais o que fazer para
tranquilizá-la. Já tentei de tudo e nada melhora o humor da
contadora, por isso estou tentando me concentrar no
trabalho ou vou acabar ficando maluco.
A porta é aberta e Carolyn salta da cadeira, mas logo
emburra quando vê Damon entrar, seguido por Snake e
Dumb.
— Conseguiu? — pergunta o Pres, sentando-se na
cadeira ao lado da minha. Sua voz é urgente.
— Até agora, dezesseis. — Empurro o rascunho com
os nomes dos meninos que estavam na fazenda.
— Faltam três.
— Se o Ax não mentiu — o lembro.
— Ele não mentiu — Dumb brada às minhas costas.
— Como você sabe? — questiono sem olhar para ele
e continuo verificando os registros que Claws copiou do
computador de Domenico.
— Eu sabia que o Benício não ia conseguir fugir da
fazenda sozinho.
Paro de digitar e viro a cabeça para trás.
— Um dos meninos ajudou o pirralho?
— Todos os seguranças estavam mortos e não tinha
como ele sair andando com duas balas nas pernas.
Volto a ficar de frente para a tela, assimilando a
informação.
— Existe algum jeito de ir da mina até à casa sem ser
visto?
— De acordo com a planta que eu consegui da
fazenda, não.
— Então como?
— Não sei, mas aposto que o filho da puta tinha um
plano B, e usou um dos meninos para fugir.
De todos nós, Snake é o que está mais abalado com a
fuga da Ravena, pois ele adotou a cadelinha e tratava a
irmã de Benício como se fosse sua filha.
O silêncio não é ruim, mas também não é dos
melhores. Além da tensão, existe o remorso que está
consumindo o general de armas, ainda que ele negue.
— Alguma notícia do Trap? — pergunta o VP.
— Ele me ligou hoje — respondo.
— Está tudo bem?
— Não sei.
— Como assim, não sei?
— Irmão, o novato me liga todo dia como a gente
combinou, mas não me passa um relatório do que ele come,
nem das bocetas que ele fode — digo a verdade, até
porque Trap não é nenhuma criança e sabe se virar.
Dois dias depois que chegou da fazenda, o novato
avisou que precisava de um tempo para resolver suas
pendências pessoais em Lake Village, cidade onde morava
antes do pai morrer e ele vir para o clube.
Damon ficou preocupado com o estado emocional do
garoto, considerando tudo que aconteceu em Nevada
Conty, e a notícia do telefonema que Benício deu para a
irmã na noite em que tudo aconteceu.
Trap não conseguiu disfarçar o ódio quando soube
que Snake flagrou a cadelinha conversando com o irmão na
beira da piscina, em plena madrugada, e ficou ainda pior ao
saber que Benício disse para Ravena que Dumb e o novato
eram seus amigos e tinham prometido ajudá-lo a se libertar
da máfia Coppola.
Óbvio que ainda não sabíamos o que o pirralho estava
planejando, mas agora tudo ficou muito claro.
Benício fez a irmã acreditar que Trap e Dumb eram
seus amigos, para em seguida, se fingir de vítima inocente
e acusá-los de vilões. Ravena chegou a fazer algumas
perguntas para Snake sobre a ida do general de armas e do
novato para a fazenda, mas nada que implicasse em
alguma armação de Benício.
No dia seguinte, Trap já estava de malas prontas para
voltar à sua cidade natal e faz sua ligação diária sempre no
mesmo horário, apenas para confirmar que está tudo bem.
— Encontrei o último — falo com animação. — Larry
Sinclair, 15 anos, nasceu em Chicago.
— Larry não está na lista — Damon confere os nomes
duas vezes.
— Tem mais alguma coisa sobre ele? — Snake estica
o pescoço para tentar enxergar o arquivo aberto na tela.
— Não dá para ter certeza porque o Domenico usava
códigos para inserir os dados dos meninos, dos
compradores e dos vendedores. — Toco a ponta do dedo
sobre as colunas. — Pelo que entendi, ele fazia isso para
ter controle sobre o que cada funcionário fazia e pagar
comissão aos aliciadores e vendedores. Se eu estiver certo,
na primeira linha tem o nome, a idade e a cidade onde o
menino foi sequestrado. Na segunda, a data de nascimento,
peso e altura. E na terceira, cor dos olhos, dos cabelos,
iniciais do aliciador e quando são vendidos, entra os nomes
dos vendedores.
— O que é esse CP? — Damon mostra a letra.
— Cabelo preto.
— E esse OC?
— Olhos castanhos.
— O que temos do Larry?
Volto para a tela inicial e digito o nome do garoto, mas
seus dados estão incompletos.
— Nada — respondo, utilizando os dados para
localizar novos arquivos com seu nome. — Se ninguém
deixou de fazer o trabalho, alguém apagou.
— Merda — Dumb bufa e chuta a cadeira. — Porra!
Porra!
— Irmão, perder a calma não vai ajudar em nada —
Damon fala.
— Ficar calmo também não, caralho! — esbraveja o
general.
— Nós vamos pegar o Benício — Snake atesta com
uma tranquilidade surreal e um sorriso sádico nos lábios.
— Por que você está rindo? — Dumb dá um peteleco
na cabeça do primo, que cruza os braços sobre o peito e
olha para cima.
— Porque eu já sei como nós vamos pegar o pirralho
psicopata.
— Irmão, para pegar o pirralho, primeiro nós temos
que saber onde o filho da puta está.
— Não necessariamente.
Sério, a arrogância do Snake quando o idiota tem
algum plano mirabolante é fodidamente irritante. E como o
VP sabe que está todo mundo se roendo para saber o que o
está tramando, aí é que ele enrola para falar só para
azucrinar a nossa vida.
— Irmão, juro, se eu tiver que perguntar, você vai se
arrepender de ter nascido — Damon grunhe, mas nem
mesmo a ameaça escancarada do Pres assusta o babaca
que gargalha, jogando a cabeça para trás.
Nesse momento a porta se abre e a contadora, que
estava calada até agora, salta da cadeira e se joga nos
braços do executor.
Claws não entra em detalhes, diz somente que
resolveu tudo e pede para a cadela esquecer assunto. É
como se ele realmente tivesse colocado o irmão caçula da
Lyn em um avião rumo à Europa e o garoto tivesse ido
morar em outro país.
Afinal, para todos os efeitos, foi exatamente isso que
aconteceu.
— Snake — Dumb rosna, voltando ao assunto assim
que Claws termina de falar.
— Vamos dar um tempo para o Benício pensar que
conseguiu se safar. Quando a poeira baixar, nós entramos
em ação.
— E como vamos fazer isso?
— Se não podemos ir até ele, vamos trazer o pirralho
até nós.
— Dá para explicar direito, porque eu não entendi
porra nenhuma!
Snake arrasta a cadeira para trás e se levanta. Alonga
os braços acima da cabeça e simplesmente segue em
direção à porta, cobre a fechadura com a mão e fala, antes
de girá-la e sair:
— Aproveitem as próximas semanas de paz, mas
estejam prontos. A gente nunca sabe quando uma guerra
pode começar.
Nós nos encaramos, boquiabertos.
— Ele foi embora? — Lyn indaga, sem acreditar no
que o VP acaba de fazer.
— Foi — Claws responde, como se estivesse dando
bom dia.
— Ele não vai voltar? — Damon franze a testa.
— Não — a voz do executor é fria.
— O que a gente vai fazer? — pergunto, em dúvida.
— O Snake nunca falhou. Se o pau no cu mandou a
gente aproveitar a maldita paz, é isso que nós vamos fazer
— Dumb decreta.
— Eu vou tomar uma cerveja — Claws anuncia e
arrasta sua cadela para fora da sala de vigilância.
— Eu também vou — Damon sai logo depois o casal.
— Eu também — Dumb fala e toca o meu ombro. —
Esquece isso por enquanto e vamos logo tomar a porra da
cerveja.
— Estou indo, irmão. — Fico de pé, encarando o
nome que brilha solitário na tela.
Larry Sinclair

Desligo o equipamento, tranco a porta e sigo o general


até a cozinha.
O reencontro dos diretores e suas cadelas é o primeiro
depois da corrida que nos levou à fazenda da família
Coppola.
O ambiente familiar, as piadas e a felicidade por
estarmos todos juntos reunidos novamente, no lugar da
sede que marcou nossas histórias, me dá duas certezas:
Eu mataria por essas pessoas.
E morreria por elas.
Minha família fodidamente fodida.
O GENERAL DE ARMAS
Algumas semanas depois...
Estaciono a moto em frente ao prédio mais imponente
da avenida principal de Green Hill, tiro o capacete e retiro a
sacola do alforje. No hall de entrada cumprimento a
recepcionista, que dá uma verificada no decote para se
certificar de que seus seios estão bem visíveis.
Eles estão, eu garanto, mas nem presto atenção e me
apresso para entrar no elevador. Quando as portas se
abrem no sexto andar, verifico o horário. Seis em ponto.
Perfeito.
A porta do escritório está fechada e não tem mais
ninguém na recepção. Tiro a chave do bolso e entro sem
maiores problemas. Se a fachada do prédio é o auge do
glamour, por dentro a estrutura é quase como uma
exposição de designer de interiores, de tão fodidamente
elegante e moderno.
Vou olhando por baixo das portas enquanto caminho
pelo corredor, e confirmo as suspeitas de que as cadelas
ainda estão por aqui. Ao contrário da maioria das empresas,
nesta as sócias são as primeiras a chegarem e as últimas a
saírem. Todo maldito dia.
A última porta é a única que me interessa, pois é lá
dentro que a minha cadela passa a maior parte do dia antes
de voltar para o clube, para a minha cama e para os meus
braços, onde é o seu lugar.
Entro sem bater e deparo com Pink de frente para o
vidro que vai do chão ao teto, falando ao telefone. Sua voz
baixa e feroz indica que ela está ameaçando a vida de
algum filho da puta do governo ou um dos desavisados que
adoram bloquear o seu caminho.
Largo a sacola em cima do sofá e me aproximo dela
por trás, colando meu corpo ao seu. Minhas mãos descem
pela frente do seu corpo enquanto mordisco sua orelha e
chupo seu pescoço.
— Não se atreva, Ford — Pink rosna, se esfregando
no meu pau.
Empurro seus ombros para frente, contra o vidro e
caio sobre os joelhos. Acaricio sua bunda por cima do
vestido preto, descendo até a barra e subo de volta por
baixo do tecido, expondo suas coxas conforme meus dedos
ultrapassam o fio dental soterrado no meio do seu traseiro
delicioso e embolam a saia do vestido na cintura fina, como
se fosse um cinto.
A imagem do sol se pondo no horizonte só não é mais
bonita do que a que está bem à minha frente, que fica ainda
mais linda depois que puxo a calcinha para baixo e abro a
sua bunda para que a minha língua deslize da boceta
melada até o cuzinho rosado.
— Nós precisamos de alguém lá dentro — ela brada,
sem se importar que alguém a veja sendo fodida no local de
trabalho.
Cadela devassa pra caralho.
Enterro um dedo em sua boceta, com a cara enfiada
no seu rabo e trabalho com a língua no buraquinho
enrugado ao mesmo tempo que empurro mais depressa em
seu canal ensopado.
Pink geme alto, preste a perder o controle. Com a mão
livre desabotoo minha calça, abro o zíper e libero meu pau.
— Não temos tempo. São seis crianças, merda... —
balbucia, com a respiração entrecortada.
Sua boceta esmaga meu dedo, mas antes que ela
goze eu fico de pé e o troco pelo meu pau. A cadela geme
mais alto quando ergo sua perna, estabilizando-a no ar com
a mão em seu joelho, e meto até o talo.
— Amanhã, Ford... oh Deus... — Ela encerra a ligação
e dispensa o celular de qualquer jeito.
Boa cadelinha.
Afasto os fios cor-de-rosa que voltaram a iluminar a
minha alma logo depois que Pink recebeu alta e foi morar
no clube, liberando o vão do pescoço para degustar sua
pele macia com meus lábios e língua.
— Não queria interromper — sussurro em seu ouvido,
batendo fundo e fodidamente lento dentro dela.
— Mentiroso.
Sorrindo feito um idiota, abaixo as alças do vestido
que se juntam ao restante do tecido em sua cintura. Agora
tenho a cadela praticamente nua, com as mãos apoiadas na
janela e de frente para a rua.
Linda pra caralho e minha.
— Você é muito gostosa, não consigo resistir —
Acaricio o mamilo, mordo seu ombro e embalo seu corpo
para frente e para trás, com meu pau entrando e saindo da
sua boceta, duro e sem pressa.
Toda minha!
— Não quero que resista.
— O que você quer?
— Quero o seu pau arregaçando a minha boceta.
Pink mantém a mão direita na janela e abraça meu
pescoço com o braço esquerdo. Joga a cabeça para trás e
puxa meus lábios para os seus. Quando nossas línguas se
encontram, o desejo que nunca diminui manda a
determinação de comer minha cadela devagar para a puta
que pariu.
— Desgraçada — o grunhido escapa da minha
garganta, me tornando um maldito irracional. — Toma tudo,
porra!
Eu a empurro para frente de novo, enrolo um punhado
do seu cabelo na mão e dou a minha cadela exatamente o
que ela quer.
Pink está inclinada, com as palmas suadas
escorregando no vidro, uma perna levantada e
completamente exposta.
Seus peitos balançam num ritmo cada vez mais
rápido, enquanto impulsiono seu corpo para frente e para
trás com trancos grosseiros à medida que meu pau
arregaça sua pequena boceta.
— Isso...
— É assim que você gosta que eu te coma, cadelinha
vadia — vocifero entre os dentes semicerrados.
— Sim! — ela grita.
— Essa boceta devassa não pode ver meu pau que já
quer dar pra ele, não é?
— Oh... eu vou gozar...
Solto seu cabelo e me curvo sobre ela. Passo o braço
por baixo do seu corpo, descendo por sua barriga em
direção ao clitóris inchado. Com a ponta do dedo médio
brinco com o botãozinho duro, revezando entre pequenos
círculos e roçadas suaves.
— Goza pra todo mundo ver como a cadelinha
vagabunda gosta do meu pau.
Palavras chulas são os detonadores de todos os
orgasmos da Pink.
Segundo minha cadela, a maneira com que eu me
refiro a ela quando sou dominado pelo tesão surreal que
seu corpo desperta em mim, leva sua mente a um lugar
proibido; degradante e imoral, que em qualquer outra
situação do nosso cotidiano ela jamais aceitaria.
Mas assim como Pink entendeu que meu hábito de
chamar as mulheres de cadela não é uma forma de ofensa,
rebaixamento ou xingação, e sim apenas uma das muitas
heranças que os primeiros membros de motoclubes do país
deixaram para os seus sucessores, geração após geração,
ela passou a permitir que as merdas que eu falo quando
nossos corpos se completam e nossas almas interagem no
auge do prazer, intensifiquem ainda mais as experiências
que compartilhamos e lhe proporcionem os melhores
orgasmos que já teve em sua vida.
— Dumb... — ela grita meu nome, totalmente entregue
as sensações que submetem seu corpo, e logo que sua
boceta espreme meu pau e derrama seu mel sobre ele,
abaixo sua perna, agarro as laterais dos seus quadris e fodo
duro a minha cadela.
Pink usa o vidro para se equilibrar à medida que meto
mais rápido e forte, deslocando seu corpo sem delicadeza.
Olho para baixo, enfeitiçado pela visão fodidamente
luxuriosa do meu pau entrando e saindo da sua boceta,
acalentado pelo som dos nossos corpos se chocando
quando me perco profundamente dentro dela.
Então eu me retiro, giro seu corpo e peço que se
ajoelhe, Pink sorri, sacana pra caralho, e cai aos meus pés.
— Abre a boca, cadelinha — rosno, rouco.
Seguro seu cabelo e empurro meu pau entre os lábios
dela. Pink aperta minhas pernas quando começo a foder
impetuosamente.
— Vou gozar, porra! — Jogo a cabeça para trás e
explodo em sua garganta, viciado e envolvido pelo
sentimento de realização plena, porque é exatamente assim
que me sinto quando estou com essa cadela.
Fodidamente realizado.
— Tem ideia do quanto eu gosto de ter você assim? —
murmuro, acariciando seu rosto enquanto ela me lambe.
— De joelhos?
— Não, com o meu pau na sua boca.
— Eu gosto de ter ele na minha boca.
— Gosta tanto que não quer largar.
— Eu poderia ficar aqui a noite toda.
— Os caras vão fazer um passeio até a ponte velha,
pensei que talvez você gostaria de ir.
Pink fica de pé num pulo, com um sorriso lindo em seu
rosto e abraça meu pescoço.
— Eu vou adorar. — Ela me beija e ajeita as alças do
vestido. — Tenho que passar no clube para trocar de roupa.
— Acho que ali tem tudo o que precisa. — Indico a
sacola em cima do sofá de dois lugares.
— Você trouxe roupa pra mim? — Seus olhos estreitos
e desconfiados analisam minha expressão, mas certamente
não encontram nada que me comprometa.
— Eles vão sair daqui a pouco, então tive que
escolher entre trazer uma roupa e te comer, ou passar no
clube e esperar você se trocar. — Encolho os ombros, como
um garoto sem malícia. — Mais uma prova que a sua
boceta está sempre em primeiro lugar na minha lista de
prioridades.
Pink cruza os braços abaixo do peito e inclina a
cabeça para o lado. Ela continua nua da cintura para baixo,
totalmente despreocupada com o que acontece do lado de
fora.
Meus olhos descem pelo seu corpo, atraídos para o
meio das suas pernas e se tornam reféns da sua doce
boceta.
— Dumb? — Ela segura meu rosto e me força a olhar
em seus olhos.
— Se você não se vestir, eu vou te comer em cima da
mesa.
— Para onde nós vamos? — Sua desconfiança só me
deixa mais nervoso.
— Fazer um passeio de moto.
— A verdade.
— É uma surpresa — resmungo. Não é uma mentira,
de fato.
— O que você está aprontando?
— Se fosse para você saber, eu já teria contado —
respondo e deposito um beijo na ponta do seu nariz. — Não
confia em mim?
— Confio — ela responde sem hesitar, sem sequer
imaginar o quanto é importante para mim saber que tenho
sua confiança.
— Então se troca e vamos. Prometo que vai gostar.
Pink pega a sacola e segue para o banheiro. Retiro o
celular do bolso e envio uma mensagem para Claws.

Tudo certo. Chegamos em dez

Ele responde logo em seguida.

Não demora

Releio a resposta, em dúvida.

Algum problema?

Mais uma vez ele responde em seguida:


Cadelas histéricas. Meus ouvidos não aguentam
essa porra

Tenho vontade de gargalhar, mas me contenho para a


cadela não perceber que está indo para uma fodida
armadilha. Apesar do clima descontraído, meu coração bate
acelerado e agora que o momento está se aproximando, o
medo ressurge das cinzas ameaçando ofuscar a certeza de
que vai dar tudo certo.
Fico sem ar quando Pink abre a porta se volta para a
sua sala.
— Quem escolheu essa roupa? — pergunta,
ressabiada.
— Eu.
Ela olha para baixo, sorrindo timidamente, antes de
falar:
— Comprei esse top para uma ocasião especial.
Engulo em seco.
— Sério? — pigarreio. — Que ocasião?
Pink levanta a cabeça, me encarando com os olhos
marejados e se aproxima de mim. Sua mão acaricia meu
maxilar, como se estivesse fazendo um reconhecimento
territorial. Ele sobe na ponta dos pés, resvalando seus
lábios nos meus.
— Uma ocasião muito especial — sussurra na minha
boca e se afasta. — Estou pronta. Vamos?
Maneio a cabeça em concordância, incapaz de falar
porra nenhuma.
Pink coloca o capacete e monta atrás de mim. Seus
braços rodeiam minha cintura quando acelero e dirijo em
direção ao condomínio fechado, onde os diretores e as
cadelas estão nos esperando.
Quando chegamos na entrada e o porteiro libera
nossa entrada, é como se o mundo tivesse finalmente
encontrado seu eixo. Percorro até o final da rua e estaciono
a moto em frente à ultima casa, recentemente construída e
mobiliada.
— O que estamos fazendo aqui? — Pink pergunta,
olhando tudo ao redor.
— Quero que te mostrar uma coisa — Entrelaço
nossas mãos e a conduzo pelo caminho de pedra até a
porta branca com o número moldado em bronze pregado na
madeira.
— Quem mora aqui?
Não respondo. Giro a maçaneta e dou um passo para
o lado.
— Entra, sinta-se em casa.
Pink sabia que eu estava construindo o nosso lugar e
acreditou que a obra demoraria muitos meses para ser
concluída porque a empreiteira tinha sido vendida, e a
venda gerou um grave problema no quadro de funcionários.
A única vez que a cadela esteve aqui, logo que deixou
o hospital, o terreno que comprei quando Damon resolveu
morar fora do clube com a sua cadela, e convenceu todos
nós a investir e transformar a antiga fábrica de ferragens em
uma área residencial de luxo, era nada além de um imenso
pedaço de terra batida.
O número UM, fixado na porta da casa do meu irmão
foi escolhido propositadamente, já que ele foi o primeiro a
se apaixonar e se casar. Na porta de Snake tem o número
DOIS, Claws recebeu o TRÊS, pouco antes de se unir ao
QUATRO da Lyn, e Ghost emplacou o CINCO há algumas
semanas.
Agora, com o meu SEIS, o terreno está completo,
assim como a vida dos diretores do MC Black Panthers.
No instante que Pink entra na casa que eu pretendo
passar o resto da vida com ela, acendo o interruptor que
ilumina todo o primeiro andar, revelando no canto esquerdo,
amontoada atrás da mesa de jantar, a minha fodida família
e as escandalosas amigas da minha cadela.
Os gritos, aplausos e assobios me deixam surdo, mas
fodidamente feliz. O tipo de felicidade que só me foi
apresentada depois que Pink invadiu o meu mundo, e por
não reconhecer aqueles novos sentimentos que ela
despertou em mim, acabei fazendo merda.
Mas por alguma razão o destino reconsiderou e me
deu uma nova chance, que eu agarrei com unhas e dentes,
pois não podia deixá-la escapar outra vez.
Então fui atrás dela para que meu coração voltasse a
sentir o que Scott julgava como a maior fraqueza de um
soldado.
— Dumb... — Pink cobre a boca com as mãos,
comovida.
— Gostou? — Minha voz sai trêmula.
— É linda! Linda! — Ela se joga em meus braços. —
Como você conseguiu que a empreiteira construísse tão
rápido?
— Essa foi a parte simples. Nós compramos a
empreiteira.
— O quê? — Pink fica estarrecida com a notícia.
Prendo uma mecha de cabelo atrás da sua orelha e
beijo sua boca.
— O problema da venda da empreiteira que eu te falei,
não era mentira. Ele só aconteceu um pouco antes, quando
a casa do Ghost começou a ser construída. Como meu
irmão já estava querendo investir em um novo negócio, as
coisas deram certo. — Abaixo a cabeça e sussurro em seu
ouvido: — Mas essa não é a surpresa que eu tenho para
você.
A sala fica em um maldito silêncio.
— Não?
Nego com a cabeça e enfio a mão no bolso para pegar
a caixinha cor-de-rosa que estava escondida no alforje
desde o primeiro dia que Pink foi trabalhar em seu novo
escritório.
— Parece loucura — Olho no fundo dos seus olhos,
secando as lágrimas que escorrem pelo seu rosto com o
polegar. — Ou idiotice, não sei. Mas fodidamente sei que
você é cadela que me ensinou a sentir a vida pulsando
dentro de mim e sem você, eu me sinto morto.
Abro a caixinha, onde repousa o anel com um coração
dividido em duas partes, a minha e a dela. Do lado
esquerdo, o Espírito Rosa, o diamante pink mais raro do
mundo, simbolizando a luz, e do lado esquerdo, a Opala
Negra, o diamante preto simbolizando a escuridão.
— Esse coração representa a nossa história e a
certeza de que você é a luz que ilumina a minha alma. —
Apoio um joelho no chão e estendo a caixinha em sua
direção. — Eu te amo pra caralho e preciso de você para
não viver preso em uma noite eterna. Stephanie Vogel, você
aceita ser minha cadela até que a morte nos separe?
Pink está chorando copiosamente quando me derruba
no chão e cai em cima de mim.
— Sim! Sim! Sim!
Abraço minha cadela e me levanto, com ela colada em
mim como um fodido chiclete. Levanto a caixinha no ar e
encaro minha família, que comemora o enforcamento do
diretor mais devasso da história do MC Black Panthers, e
grito:
— Finalmente, porra!
Então eu beijo Pink com todo o amor que eu sinto
apenas por ela.
EPÍLOGO – PARTE 2
DUMB
Três meses depois...

O vento gelado que cumprimenta minha pele,


contrasta com o calor escaldante da cidade. À minha
frente, o cemitério das almas vivas. O meu próprio
cemitério, escondido na parte mais funda da floresta
esquecida.
Eu nunca contei quantos corpos foram enterrados
aqui, mas aposto que são mais de trezentos. Talvez um
dia, quando fizer uma visita ao haras da Lyn, eu
pergunte ao Roober. Ele deve saber, afinal, esconder
os corpos enviados para o inferno pelo general de
armas era sua função.
O ronco do motor ecoa ao longe, denunciando a
chegada do presidente do Black Panthers, meu irmão
de sangue e de clube, o cara que confio cegamente e
mais amo nesse mundo.
Damon está preocupado comigo desde o
confronto com os mafiosos. Sua preocupação deixa os
outros idiotas preocupados e consequentemente, faz
com que eu me preocupe.
O problema é que ainda não me sinto pronto para
falar sobre as merdas do Scott, mas também não quero
que meu irmão fique remoendo uma culpa que não é
dele, e talvez não seja de ninguém.
De qualquer forma, pedi para que Damon viesse
me encontrar aqui porque quero lhe contar ao menos
parte da história. A mais leve e fácil de compreender,
mas tudo vai depender de como ele reagir.
Ouço seus passos firmes se aproximando às
minhas costas, porém continuo olhando fixamente para
o horizonte com as mãos guardadas nos bolsos e
postura relaxada.
Damon para ao meu lado, em silêncio. Ele esfrega
uma mão na outra, estranhando a queda de
temperatura desse lado da floresta.
— Então é verdade — Sua voz é baixa,
controlada.
— É.
— Quantos anos você tinha?
— Quando Scott fez isso pra mim?
— Não. Quantos anos você tinha quando matou
pela primeira vez?
A pergunta me pega de supetão, pois sei que a
resposta não vai apenas surpreender meu irmão, mas
também vai deixá-lo furioso.
— Seis.
Damon passa as mãos no cabelo e exala o ar,
pesadamente.
— Antes que me pergunte, não sei quantos corpos
têm aqui — aviso, a fim de evitar mais estresse.
— Não quero saber quantos homens você matou.
Quero saber por que aquele velho construiu um maldito
cemitério para o seu neto? — Eu não fui o único que
criou um personagem para interpretar o papel de diretor
do MC Black Panthers.
Ao meu lado, Damon acaba de dar lugar ao Oliver,
meu irmão mais velho. O mesmo que aparecia na porta
da escola para bater nos meninos maiores que me
enchiam o saco porque não acreditava que eu podia
me defender sozinho.
Bom, eu podia. Mas Scott não permitia que
ninguém soubesse que o garoto idiota não era tão
idiota.
— Quando fiz nove, ele me levou para uma
corrida em Houston. Scott disse ao Mitch que era o
meu presente de aniversário e gostaria de passar um
tempo comigo longe do clube — falo pela primeira vez
sobre aquela semana. — Era mentira, claro. O velho
me levou para participar da Disputa da morte, um jogo
antigo criado por um grupo de seis soldados norte-
americanos que saiu com a missão de resgatar civis
em um campo de concentração na Alemanha, mas
após o resgate foram abandonados e deixados para
morrer. Presos e acuados, eles resolveram não se
entregar sem lutar, e o mais velho do grupo desafiou os
outros a matarem o maior número de nazistas possível.
No fim, apenas um deles sobreviveu e fugiu. Quando
perguntaram como ele tinha conseguido derrotar os
inimigos sozinho e escapar sem nenhum ferimento
grave, ele disse que em meio ao desespero da morte
iminente, o diabo apareceu na frente dele e ofereceu a
arma mais poderosa de todas em troca da sua alma.
O olhar penetrante de Damon me queima, e ainda
que a ânsia de encarar meu irmão seja voraz,
mantenho os olhos no horizonte. Pressinto que se
desviar o foco por um maldito segundo, nunca mais vou
ser capaz de contar essa merda outra vez.
— Que porra de arma o diabo ofereceu para o
soldado? — ele questiona, ríspido, colérico.
— Ódio, o mais puro ódio.
— Por que está me contando isso, Dumb?
— Porque aos nove anos de idade, eu fui o
vencedor da Disputa da morte. — Respiro
profundamente. — Quando saí daquele inferno, depois
de cinco dias matando pessoas e animais, de todas as
formas, acreditei quando Scott me disse que tinha feito
um pacto com o diabo, mas em vez de oferecer a alma
dele, o velho me ofereceu como seu filho, seu herdeiro.
— O quê? — Damon segura meus ombros com
força e me coloca de frente para ele. Seus olhos
estreitos, inconformados, agoniados. — O que você
acabou de dizer?
— O general de armas é o soldado da morte, o
detentor do ódio do inferno. O herdeiro do diabo.
Meu irmão pisca, atordoado.
— Quem são essas pessoas? — Ele aponta para
o cemitério.
— Todos que tiveram qualquer tipo de interesse
em se infiltrar no clube para matar o presidente.
— Você matou todos eles?
— Matei.
Damon empalidece, como se tivesse sido
nocauteado.
— Como o Roober entra nessa história?
— Ele era os olhos e os ouvidos do Scott. O
informante. Sempre que alguém de fora chegava em
Green Hill, Roober fazia um levantamento sobre o
forasteiro e repassava as informações. Se o velho
suspeitasse de alguma coisa, ele me enviava.
— Para matar?
— Sim.
— Mesmo que não tivesse certeza de porra
nenhuma?
— Scott sempre aderiu a prevenção, em vez de
adoecer primeiro e buscar a cura depois. Antecipar e
matar, pode parecer ruim quando você não está
adaptado a essa rotina. Mas pode apostar que é muito
mais eficaz e muito menos doloroso do que esperar
pela morte e sair em busca de vingança. — Não deixo
que Damon fale. — Você viveu isso na pele durante os
anos que tentou descobrir quem tinha sabotado o avião
do nosso pai, sem saber que eu só não matei o
Marshall antes de ele se tornar um empresário de
sucesso, porque o Mitch não deixou.
— O velho queria que você matasse o Marshall?
— Ele sempre quis.
— Por que o Mitch não deixou?
— Porque ele duvidava que o próprio irmão fosse
capaz de atentar contra a vida dele.
Damon me solta e cambaleia para trás. Esfrega os
olhos, penteia o cabelo com os dedos, sem saber para
onde ir ou o que falar. Eu me calo e espero, paciente.
Não deve ser fácil para ele ouvir essas merdas depois
de tantos anos, tantos acontecimentos e tantas mortes.
— Você. — Damon sopra, se aproximando de mim
outra vez. — Você acredita que o Scott tenha feito um...
pacto com o diabo?
Essa é a pergunta que vai mudar tudo, e eu
fodidamente espero que seja para melhor.
— Até a morte do Scott, acreditei.
— Por quê? O que aconteceu?
— Quando eu estava limpando o quarto velho
depois que ele morreu, encontrei uma pasta escondida
em um fundo falso do piso, embaixo da cama. Eram
exames e avaliações psicológicas que a marinha exigia
que os fuzileiros realizassem periodicamente. No ano
que o Scott surtou, ele foi diagnosticado com
esquizofrenia e pagou para os avaliadores adulterarem
o resultado. Quando deu a merda em Pearl Harbor e o
nome dele surgiu durante a investigação interna para
apontar os culpados, um dos médicos confessou foi
subornado. O velho nunca tocou no assunto, não fez
nenhum tipo de acompanhamento médico ou se
preocupou em fazer um tratamento, mas encontrei os
remédios prescritos para tratamento de transtornos
mentais que um cara de Nova York enviava para ele
todos os meses, e me convenci que o Scott inventou
essa merda de pacto apenas para me manter cem por
cento focado no projeto soldado da morte.
— E como você explica a chacina na fazenda?
Dou de ombros.
— Todas as lendas são reais, contanto que você
acredite nelas. Não posso garantir nem uma coisa, nem
outra, porque o único que sabe a verdade está morto.
Mas quando entro em uma guerra, prefiro acreditar que
a lenda é verdadeira.
Damon cruza os braços sobre o peito e me encara
com o rascunho de um sorriso repuxando seus lábios.
— Funciona “acreditar”? — Ele faz o sinal de
aspas.
Sorrio de volta, aliviado por ter convencido meu
irmão de algo que eu mesmo ainda não me convenci.
— Pra caralho.
Meu telefone vibra, ao mesmo tempo que o dele
começa a tocar. Nós nos encaramos, e enquanto eu
leio a mensagem enviada pelo rastreador, Damon fala
com o VP.
— Temos que ir — ele avisa, olhando para o
cemitério pela última vez. — O que pretende fazer com
esse lugar?
— A Pink tem ideia de abrir um orfanato. Se as
cadelas aceitarem a proposta, vou ceder o terreno para
a construção do prédio. — Sigo seu olhar, aliviado por
ter desabafado. — Um lugar que brinda a vida,
enterrando um que salda a morte.
Damon passa o braço por cima do meu ombro e
me conduz para a estrada, do outro lado da floresta,
onde nossas motos estão estacionadas.
— Fodidamente filósofo.
— Você não viu nada.
— Vai contar para os diretores?
— Vou, mas não agora.
— E a Pink, ela já sabe?
— Não. Mas vou contar.
— Por que ainda não contou?
— Porque eu queria que você fosse o primeiro a
saber.
Ele beija minha cabeça.
— Obrigado, irmão.
— Sempre, irmão.
— O que aconteceu? — pergunto, entrando no
escritório seguido por Damon.
— Eu vou matar aquele doente filho da puta! —
Snake esbraveja.
Além dos diretores e as cadelas do Shadow
Princesses, o Tico e o Teco também foram convocados
para a reunião de máxima urgência requisitada pelo VP,
e do jeito que meu primo está furioso aposto que deu
uma grande e fodida merda.
— Há dois dias o Trap não entra em contato.
Comecei a rastrear as ligações e descobri que ele
nunca esteve em Lake Village — Ghost fala e deposita
o notebook aberto em cima da mesa, se afastando para
o lado para que todos possam ver a imagem em alta
resolução ocupando a tela.
— Que porra é essa? — Damon inquire, se
aproximando para enxergar melhor, mas de onde
estou, vejo perfeitamente o novato sento escoltado por
dois homens e seu estado não é dos melhores.
— Esse é o pátio do cartel de Ramiro Xavier —
responde o rastreador e passa para a próxima imagem,
em que Benício aparece debruçado na sacada de uma
casa, observando o pátio.
Mas não é a sua figura que realmente
impressiona, e sim a da cadelinha ao lado dele, ou
melhor, a sombra do que um dia ela foi.
Ravena está fodidamente irreconhecível.
— O que o idiota foi fazer lá, porra? — Lyn
interpela.
— Tudo indica que ele está infiltrado — Snake
rosna.
— Quando essa foto foi tirada? — pergunto,
diretamente para Ghost.
— Um mês atrás.
Puta que pariu.
— Desde quando o Trap está no México?
O rastreador olha de mim para o VP e volta a me
encarar.
— Não dá para saber — ele responde, mas sei
que esta mentindo.
— O que vocês estão escondendo?
Ghost abaixa a cabeça, disfarçando. Snake apoia
as mãos na beirada da mesa e suspira, antes de falar:
— O novato está em Chihuahua há dois meses e
onze dias.
— Como você sabe?
— Ele me ligou uma semana depois da nossa
conversa na sala de vigilância.
— Trap ligou para você quando já estava no
México? — Damon pergunta, alterado.
— O novato tinha se infiltrado no cartel.
— E você não achou que deveria compartilhar
essa informação, porra?
— Minha filha está nas mãos de um psicopata que
vai fazer qualquer coisa pra conseguir a maldita
vingança contra o Consigliere. Trap foi para aquele
inferno sozinho, por ela! Para salvar a Ravena! O
novato me ligou porque sabia que eu não colocaria a
vida dela em risco e me pediu para não falar nada até
ele conseguir me enviar todas as informações do
sistema de segurança do cartel.
— O que deu errado? — pergunto, compreensivo,
afinal Ravena é sua filha e querendo ou não, o novato
pode até parecer, mas não é nenhum idiota alienado.
— Não sei. O Trap não ligou nos últimos dias,
então pedi para o Ghost rastrear o celular que ele
estava usando para falar comigo, mas o aparelho está
desligado e só conseguimos algumas fotos que foram
tiradas via satélite.
— Eles pegaram o novato? — Lyn indaga.
— Tudo indica que sim, mas não sabemos se
descobriram quem ele é, ou se estão interessados nele
por algum outro motivo.
— O que vamos fazer? — Claws é quem
pergunta.
— A única coisa que podemos. Vamos para o
caralho do México e trazer aqueles dois para casa —
respondo o óbvio, porque não há outra coisa a ser feita.
Essa é a merda de fazer parte de uma família
fodidamente fodida.
Há três meses pedi a mão da minha cadela em
casamento. Ela aceitou. Nós nos mudamos para a
nossa casa, marcamos a data do casamento e hoje
contei a verdade sobre o meu passado com Scott
Abbot para o meu irmão.
No fundo, eu tinha esperança de que a paz que o
VP havia prometido, fosse durar mais alguns meses
para que eu pudesse curtir um pouco mais a melhor
fase da minha vida.
No entanto, aqui estou, ou melhor, aqui estamos
de novo, nos preparando para mais uma guerra do
caralho.
E depois de conhecer o inferno de cada diretor do
MC Black Panthers, chegou a vez de Trap.
E pode apostar que o Inferno Mexicano do
novato está apenas começando.

FIM
A saga do MC BLACK PANTHERS
continua...

PRÓXIMO LANÇAMENTO

TRAP - MEU INFERNO MEXICANO - Spin Off


[1] Você gosta do idiota?
[2] Eu te amo, papai, mas ele é o amor da minha vida
[3] Eu também te amo, filha
[4] garota

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