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UNIVERSIDADE KROTON

ANHANGUERA EDUCACIONAL

FACULDADE DE DIREITO

DIREITOS HUMANOS

Prof. Me. Ignácio Fernandes


Evolução histórica dos direitos humanos

1. Doutrina do direito natural: pensamento Grego, Romano e Cristianistas

O surgimento dos direitos humanos está envolvido num histórico complexo no


qual pesaram vários fatores: tradição humanista, recepção do direito romano,
senso comum da sociedade da Europa na Idade Média, tradição cristã, entre
outros.

É a partir do período axial (800 a.C. a 200 a. C.), ou seja, mesmo antes da existência
de Cristo, que o ser humano passou a ser considerado, em sua igualdade
essencial, como um ser dotado de liberdade e razão. Surgiram assim os
fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a
afirmação da existência de direitos universais, porque a ela inerentes. Foi durante
este período que despontou a ideia de uma igualdade essencial entre todos os
homens.

Não obstante, a própria base filosófica da temática dos direitos inatos ao homem
passou por transformações, da ruptura do naturalismo à construção do
contratualismo e do positivismo, com posterior “retorno” ao jusnaturalismo,
agora sob novas perspectivas.

Sem dúvidas, em termos filosóficos, a concepção contemporânea de direitos


humanos surge e um aperfeiçoamento do ideário de lei natural, o qual foi
estudado por inúmeros filósofos com intensidade até a bifurcação entre Moral e
Direito ocorrida no Renascimento e permaneceu com menor intensidade no
ideário da civilização ocidental até a internacionalização dos direitos humanos.
1.1. Antígona e a primeira menção à lei natural

Na aludida tragédia grega denota-se o debate sobre a validade absoluta do direito


posto ou a invalidade em relação ao direito natural, sendo o primeiro posicionamento
defendido por Creonte e o segundo posicionamento por Antígona. Logo, desde
as raízes da civilização grega se iniciou uma intensa discussão sobre os limites do
direito posto, considerando que existiam normas que repousam no conhecimento
comum da humanidade e que devem ser respeitadas acima de tudo.

Segundo Lafer, “o direito natural se contrapõe ao direito positivo, localizado no


tempo e no espaço e funciona, neste paradigma, como um ponto de Arquimedes
para a analise metajurídica1: tem como pressuposto a ideia de imutabilidade de
certos princípios que escapam à história, e a universalidade destes princípios
transcendem a geografia. A estes princípios, que são dados e não postos por
convenção, os homens têm acesso através da razão comum a todos, e são estes
princípios que permitem qualificar as condutas humanas como boas ou más –
uma qualificação que promove uma contínua vinculação entre norma e valor e,
portanto, entre Direito e Moral”.

O reconhecimento de princípios universais, independentemente de previsões


expressas nos ordenamentos jurídicos internos, é a essência dos direitos humanos
na contemporaneidade.

1.2. Discussão filosófica na polis grega

De 1100 a 800 a.C. a civilização grega passou por um período denominado Idade
das Trevas. A moral dos gregos deste período tinha vaga ligação com sua
religião, ora politeísta, não se considerando um dever lutar contra o mal e a favor
da justiça. Contudo, já se espelhava neste momento os rumos que a civilização
grega tomaria a seguir.

Por volta de 800 a.C. as comunidades de aldeias começaram a ceder lugar para
unidades políticas maiores, surgindo as chamadas cidades-estado ou polis, como

1
Que não é passível de análise convencional como a que é proporcionada pelos recursos de
jurisprudência (diz-se de condição jurídica).
Tebas, Esparta e Atenas. Inicialmente eram monarquias, transformaram-se em
oligarquias e, por volta dos séculos V e VI a.C., tornaram-se democracias.

No berço da civilização grega se fortificou a discussão a respeito da existência de


uma lei natural inerente a todos os homens. As premissas da concepção de lei
natural estão justamente na discussão promovida na Grécia antiga, no espaço da
polis.

Os sofistas, seguidores de Sócrates (470 a.C. – 399 a.C.), o primeiro grande filósofo
grego, questionaram essa concepção de lei natural, pois a lei estabelecida na polis,
fruto da vontade dos cidadãos, seria variável no tempo e no espaço, não havendo
que se falar num direito imutável; ao passo que Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.),
que sucedeu, estabeleceu uma divisão entre a justiça positiva e a natural,
reconhecendo que a lei posta poderia não ser justa.

Após o pensamento de Aristóteles, relevante destacar o surgimento do


estoicismo2, doutrina que se desenvolveu durante seis séculos, desde os últimos
três séculos anteriores à era cristã até os primeiros três séculos desta era, mas que
trouxe ideais que prevaleceram durante toda a Idade Média e mesmo além dela.
O estoicismo organizou-se em torno de alguns temas centrais, como a unidade
moral do ser humano e a dignidade do homem, considerado filho de Zeus e
possuidor, como consequência, de direitos inatos e iguais em todas as partes do
mundo, não obstante as inúmeras diferenças individuais e grupais.

2
Estoicismo é um movimento filosófico que surgiu na Grécia Antiga e que preza a fidelidade
ao conhecimento, desprezando todos os tipos de sentimentos externos, como a paixão, a luxúria
e demais emoções.
Este pensamento filosófico foi criado por Zenão de Cício, na cidade de Atenas, e defendia que
todo o universo seria governado por uma lei natural divina e racional. Para o ser humano alcançar
a verdadeira felicidade, deveria depender apenas de suas “virtudes” (ou seja, o conhecimento, de
acordo com os ensinamentos de Sócrates), abdicando totalmente o “vício”, que é considerado
pelos estoicos um mal absoluto. Para a filosofia estoica, a paixão é considerada sempre má, e as
emoções um vício da alma, seja o ódio, o amor ou a piedade. Os sentimentos externos tornariam
o homem um ser irracional e não imparcial. Um verdadeiro sábio, segundo o estoicismo, não
deveria sofrer de emoções externas, pois estas influenciariam em suas decisões e em seus
raciocínios.
1.3. Discussão filosófica na jovem república romana

Nos dois séculos de história republicana, Roma foi influenciada pela civilização
helenística. Na filosofia ocorreu o mesmo: Cícero, pai da eloquência romana, foi
muito influenciado pelos estoicos, embora também assimilasse muitas das ideias
de Aristóteles. Cícero foi um dos principais responsáveis pela discussão sobre a
diferença entre o lícito moral e o lícito jurídico, entendendo caber ao homem bom
e justo desrespeitar leis postas que contrariem a justiça universal.

O período da república, no qual se desenvolveu o pensamento de Cícero, se


encerrou por volta de 27 d.C., cedendo lugar ao principado ou período inicial do
Império (27 d.C. – 180 d.C.) e, posteriormente à época das revoltas (180 d.C. −284
d.C.) e ao período final do império (284 d.C. – 610 d.C.). Ressalta-se que, durante
o principado, o direito romano alcançou um alto grau de desenvolvimento,
adotando a tripartição direito civil (jus civile), direito das gentes (jus gentium) e
direito natural (jus naturale).

1.4. Discussão filosófica na Idade Média

Dois fatores foram responsáveis pela queda do Império Romano, um interno, o


cristianismo, e um externo, correspondente à força dos bárbaros germânicos.

O pensamento desenvolvido por pensadores como São Gerônimo (340 d.C. – 420
d.C.), Santo Ambrósio (340 d.C. – 397 d.C.) e Santo Agostinho (354 d.C. – 430 d.C.)
durante o período de declínio do Império Romano do Ocidente por
aproximadamente 800 anos. Então, estes arcabouços teóricos iniciais foram
profundamente utilizados durante a chamada Idade Média, que teve marco uma
acentuada tendência para o cristianismo.

Para Santo Tomás de Aquino, a lei é um dos modos pelos quais Deus instrui os
homens para alcançarem o bem. Para o filósofo, existem tipos de lei: a lei externa
ou divina, a lei natural e a lei humana, todas elas com elementos de conexão (a lei
eterna existe em um plano superior e serve de diretriz para as leis que se
estabelecem no plano humano, quais sejam a lei natural e a lei humana. Não
obstante, o fato de não ser a lei eterna ou divina conhecida de modo absoluto não
impede a sua influência nas leis natural e humana, porque estas serão mais
adequadas o possível à lei divina, segundo o conhecimento humano existente,
que evolui através dos tempos).

Com a concepção medieval de pessoa humana é que se iniciou um processo de


elaboração em relação ao princípio da igualdade de todos, independentemente
das diferenças existentes, seja de ordem biológica, seja de ordem cultural. Foi
assim, que surgiu o conceito universal de direitos humanos, com base na
igualdade essencial da pessoa.

2. Carta Magna de João sem terra de 1215 e a ascensão do absolutismo


europeu

No processo de ascensão do absolutismo europeu, a monarquia da Inglaterra


encontrou obstáculos para se estabelecer no início do século XIII, sofrendo um
revés. Ao se tratar da monarquia inglesa em 1215 os barões feudais ingleses, em
uma reação às pesadas taxas impostas pelo Rei João Sem-Terra, impuseram-lhe a
Magna Carta. Assim, abusos do Rei João causaram uma revolta por parte dos
nobres que o compeliram a reconhecer os direitos da nobreza e dos cidadãos
ingleses, estabelecendo desde o seu início que ninguém, inclusive o Rei ou o
legislador, estaria acima do Direito.

A Magna Carta inglesa, também conhecida como Grande Carta é composta por
63 artigos, todos com foco na limitação do poder estatal. Ela foi um passo
essencial para a aceitação do absolutismo na Inglaterra após o fim da Idade
Média. Contudo, suas regras eram muito mais formais do que aplicáveis na
prática. Referido documento, em sua abertura, sem conceder poder absoluto ao
soberano, prevê limites à imposição de tributos e ao confisco, constitui privilégios
à burguesia, e traz procedimentos de julgamento ao prever conceitos como o de
devido processo legal, habeas corpus e júri.
Em geral, o absolutismo europeu que ascendeu após o fim da Idade Média foi
marcado profundamente pelo antropocentrismo, colocando o homem no centro do
universo, ocupando o espaço de Deus.

3. Renascimento e Iluminismo: reflexos do antroponcentrismo nas


premissas do direito natural
3.1. Renascimento e o agigantamento do absolutismo

Por volta de 1500, a Renascença Italiana se espalhou para a Europa setentrional e


gerou importantes realizações na ciência, fundamentando o pensamento
moderno. Ainda, no século XVI, a Revolução Protestante, que começou na
Alemanha, propagando-se para outros países, contribui para os primórdios da
era moderna, acabando com a uniformidade religiosa e fomentando um surto de
individualismo e consciência racional.

É no renascimento que há de fato o início do debate quanto à distinção entre a


Moral e o Direito, pois foi a partir deste momento que se estabeleceu uma
dicotomia rigorosa sob este aspecto. Tal dicotomia pode ser percebida claramente
na obra O príncipe, de Maquiavel. Quando distingue Moral de Direito, valoriza-
se mais o aspecto jurídico formal do que o de conteúdo, o que significa uma perda
de força do tradicional conceito de lei natural.

Outro pensador que influenciou muito o ideário do absolutismo foi Thomas


Hobbes, que enxergava o Estado coo um mal necessário para impedir que os
homens vivessem em constante conflito. Frisa-se que Hobbes não estabelece
limitações a este poder, permitindo ao soberano fazer tudo o que entenda
necessário em prol da manutenção do Estado, ou seja, da sociedade civil unitária.
Reforça-se – agora em termos jurídicos e filosóficos mais expressos e delimitados
do que na filosofia de Maquiavel – o fundamento do absolutismo que veio a
predominar na Europa pelos próximos séculos.

3.2. Iluminismo e a quebra do conceito absoluto de soberano


A chamada Revolução Intelectual, dos séculos XVII e XVIII, tem raízes na história
da Renascença, que propiciou horizontes intelectuais mais amplos e uma
propriedade geral. Teve como precursores Bacon, Descartes, Locke e Newton.

O Iluminismo lançou base para os dois principais eventos que ocorreram no


início da Idade Contemporânea, quais sejam as Revoluções Francesa. Tiveram
nestes movimentos todos os principais fatos do século XIX e do início do século
XX, por exemplo, a disseminação do liberalismo burguês, o declínio das aristocracias
fundiárias e o desenvolvimento da consciência de classe entre os trabalhadores.

Jonh Locke (1632 d.C. – 1704 d.C.) foi um dos pensadores da época,
transportando o racionalismo para a política, refutando o Estado Absolutista,
idealizando o direito de rebelião da sociedade civil e afirmando que o contrato
entre os homens não retiraria o seu estado de liberdade. Isto porque com vistas à
superação do estado de natureza, segundo Locke, seria necessária a união dos
homens estabelecendo um contrato social e instituindo a sociedade civil.

Ao lado de Locke, pode ser colocado Montesquieu (1689-1755), que avançou nos
estudos de Locke, e na obra O espírito da Leis estabeleceu em definitivo a clássica
divisão de poderes: executivo, legislativo e judiciário. O objeto central da
principal obra de Montesquieu não é a lei regida nas relações entre os homens,
mas a lei e instituições criadas pelos homens para reger as relações entre os
homens. Segundo Montesquieu, as leis criam costumes que regem o
comportamento humano, sendo influenciadas por diversos fatores, não apenas
pela razão.

Por fim, merece menção o pensador Rousseau (1712-1778), defendendo que o


homem é naturalmente bom e formulando na obra O contrato social a teoria da
vontade geral, aceita pela pequena burguesia e pelas camadas populares face ao
seu caráter democrático.

Em comum, estes três pensadores defendiam que o Estado era necessário, mas
que o soberano não possuía poder divino/absoluto, sendo suas ações limitadas
pelos direitos dos cidadãos submetidos ao regime estatal.
3.3. Revolução Gloriosa e documentos interligados

Em torno de 1640, houve um confronto entre o Rei Carlos I e o Parlamento, que


resultou em uma violenta guerra civil, saindo como vitoriosos os parlamentares,
instaurando-se a partir daí a ditadura Cromwell. O protetorado de Cromwell tinha
apoio do exército e da burguesia puritana, o que permitiu que a Inglaterra se
tornasse uma potência naval e comercial. Com a morte do Lorde Protetor, em
1660, o país entrou em uma crise política cuja solução para evitar uma nova
guerra civil era a restauração da monarquia e o retorno dos Stuart ao trono inglês.
Com a volta dos Stuart se reavivou o conflito entre a Coroa e o Parlamento inglês,
chegando ao ápice com o reinado de Jaime II, soberano católico e absolutista.

Quando a dinastia Stuart tentou transformar o absolutismo de fato em


absolutismo de direito, ignorando o Parlamento, este impôs ao rei a Petição de
Direitos de 1628, que exigia o cumprimento da Magna Carta de 1215. Contudo, o
rei se recusou a fazê-lo, fechando por duas vezes o Parlamento, sendo que a
segunda vez gerou uma violenta reação que desencadeou uma guerra civil. Após
diversas transições no trono inglês, despontou a Revolução Gloriosa, que ocupou
os anos de 1688 e 1689.

Em 1668, Guilherme III de Orange, Chefe de Estado da Holanda, desembarcou


com sua esposa Maria, filha de Jaime II, em solo britânico para depor o até então
Rei Jaime II, movimento que encerrou a chamada Revolução Gloriosa, que
assinalou o triunfo do liberalismo político sobre o absolutismo. O novo rei aceitou
a Declaração de direitos – Bill of Rights.

Assim, a revolução foi um movimento pacífico inglês de conteúdo religioso


ocorrido em 1688 que substituiu o Rei Jaime II Stuart por Guilherme III de
Orange, resultando no triunfo do Parlamento, do liberalismo e do
protestantismo, e permitindo a aceitação da Declaração de Direitos, aprovada
pelo Parlamento em 1689. Todo este movimento resultou, assim, nas garantias
expressas do habeas corpus (1679) e do Bill of Rights (1689).
3.4. Revoluções Francesa e Americana: promulgação de novas
Constituições

A Revolução Americana ocorreu antes da Revolução Francesa, mas seu foco foi
muito mais localizado, possuindo menor influência na Europa e no mundo.

A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América foi o documento


pelo qual as Treze Colônias declararam sua independência da Grã-Bretanha,
ratificada no Congresso Continental em 4 de julho de 1776. Já a Carta dos Direitos
dos Estados Unidos ou Declaração dos Direitos dos Cidadãos dos Estados
Unidos foi introduzida em 1789. Protege liberdades fundamentais como a de
expressão, a de religião, a de guardar e usar armas, a de assembleia e a de petição.
Também assegura a igualdade de todos de maneira livre e independente,
considerando esta como um direito inato. Proíbe a busca e apreensão sem razão
alguma, o castigo cruel e insólito e a confissão forçada. Impede que o Congresso
faça qualquer lei em relação ao estabelecimento de religião e proíbe o governo
federal de privar qualquer pessoa da vida, da liberdade ou da propriedade sem
os devidos processos da lei, trazendo especificações sobre julgamento pelo júri,
vedação do bis in idem e direito ao contraditório. Em termos políticos, estabelece
que o poder pertence ao povo e que o Estado é responsável perante ele, garante
a separação dos poderes e institui a realização de eleições diretas.

Historiadores divergem quanto às causas da Revolução Francesa, mas as mais


comumente citadas incluem o descontentamento do povo francês, cansado de
tolerar um regime em que eram inúmeros os privilégios e os abusos. Neste
sentido, a monarquia absolutista era um obstáculo à ascensão da burguesia,
classe mais rica e instruída da nação. Os camponeses ainda viviam esmagados
pelo sistema feudal imperante no campo. A nobreza e o alto clero possuíam as
melhores e mais extensas propriedades. O poder absoluto do rei não podia, pelo
menos teoricamente, sofrer limitações. A estrutura agrária obsoleta não atendia
às exigências de uma população que se expandia como progresso industrial e
mercantil. Eram necessárias medidas capazes de aumentar a produção agrícola,
que mal alimentava a população. Assim, as condições eram propícias à
fermentação de ideia revolucionárias, como as de Voltaire e Roousseau.

Assim, a Revolução Francesa decorreu da incapacidade do governo de resolver


sua crise financeira, ascendendo com isso a classe burguesa (sans-culottes), sendo
o primeiro evento de tal ascensão a Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789,
seguida por outros levantes populares. Derrubados os privilégios das classes
dominantes, a Assembleia se reuniu para o preparo de uma carta de liberdades,
que veio a ser a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Tal documento
previu: liberdade, igualdade entre os homens quanto aos seus direitos (art. 1º);
necessidade de conservação dos seus direitos naturais, quais sejam a liberdade, a
propriedade, a segurança e a resistência à opressão (art. 2º); princípio da
autonomia da nação, não se aceitando que um indivíduo exerça sobre ela
autoridade sem o apoio de toda a nação (art. 3º); limitação do direito de liberdade
somente por lei (art. 4º); princípio da legalidade, dando-lhe liberdade para fazer
tudo que a lei não proíba (art. 5º); participação popular direta e indireta para a
criação de leis (art. 6º); princípio da legalidade criminal (art. 7º); princípio da
irretroatividade da lei penal (art. 8º); princípio da presunção de inocência (art.
9º); manifestação livre do pensamento (arts. 10 e 11); força pública como
garantidora dos direitos do povo, havendo contribuição comum para os gastos
com esta (arts. 12 e 13); direito à fiscalização dos gastos públicos (art. 14);
prestação de contas pelos agentes públicos (art. 15); necessária separação dos
poderes (art. 16); e propriedade como direito inviolável (art. 17).

3.5. Revolução Industrial: primeiras Constituições a mencionarem


direitos sociais

A Revolução Industrial, que começou na Inglaterra, criou o sistema fabril, o que


reformulou a vida de homens e mulheres pelo mundo todo, não só pelos avanços
tecnológicos, mas notadamente por determinar o êxodo de milhões de pessoas
do interior para as cidades. Os milhares de trabalhadores se sujeitavam a
jornadas longas e desgastantes, sem falar nos ambientes insalubres e perigosos,
aos quais se sujeitavam inclusive as crianças. Neste contexto, surgiu a consciência
de classe, lançando-se base para uma árdua luta pelos direitos trabalhistas.

No Estado Liberal, aquele que não detém poder econômico fica desprotegido. O
indivíduo da classe operária sozinho não tinha defesa, mas descobriu que ao se
unir com outros em situação semelhante poderia conquistar direitos. Para tanto,
passaram a organizar greves. Nasceu, assim, o direito do trabalho, voltado à
proteção da vítima do poder econômico, a saber o trabalhador. Nota-se que no
campo destes direitos e dos demais direitos econômicos, sociais e culturais não
basta uma postura do indivíduo: é preciso que o Estado interfira e controle o
poder econômico.

Entre os documentos nacionais relevantes que merecem menção nesta esfera


destacam-se: Constituição do México de 1917 e Constituição alemã de Weimar de
1919. Sem prejuízo, 1919 surgiu a Organização Internacional do Trabalho.

4. O sistema internacional de proteção aos direitos humanos: os


precedentes históricos do processo de internacionalização e
universalização dos direitos humanos

4.1. Direito humanitário e a fundação da Cruz Vermelha

Historicamente, em 9 de fevereiro de 1863, fundou-se o Comitê dos Cinco, com


uma comissão de investigação da Sociedade de Genebra para o bem-estar
Público. Entre seus objetivos, se encontrava o de organizar uma conferência
internacional sobre a possível implementação das ideias de Henri Dunant.
Depois da primeira conferência. Adotou-se a primeira Convenção de Genebra,
22 de agosto de 1864, tratando das condições dos feridos das forças armadas no
campo de batalha.

Ainda em 1864, Louis Appia e Charles Van de Velde foram os primeiros


representantes independentes e neutros que trabalharam sob o símbolo da Cruz
Vermelha em um conflito armado. Três anos depois, em 1867, a primeira
Conferência Internacional das Sociedades de Enfermagem aos Feridos na Guerra
foi realizada. Em 1876, o Comitê dos Cinco adotou o nome Comitê Internacional da
Cruz Vermelha (CICV), que é até o presente sua designação oficial, cujos esforços
têm sido reconhecidos até hoje, tanto que por três vezes recebeu o Prêmio Nobel
da Paz (1917, 1944 e 1963).

4.2. Tratado de Versalhes

O Tratado de Versalhes foi assinado em 28 de junho de 1919, entre as potencias


aliadas e a Alemanha, fixando as condições para a paz depois da Primeira Guerra
Mundial. A conferência de Paz de Paris, na qual se redigiu o Tratado, foi
dominada pelos “quatro grandes”: o americano Woodrow Wilson, o britânico
David Lloyd Geroge, o francês Gerges Clemenceau e o italiano Vittorio Orlando.
As nações derrotadas não tiveram nenhuma influência na elaboração dos artigos.
Seus termos basearam-se no plano do presidente americano para uma paz justa,
conhecido como Quatorze Pontos, aceito pela Alemanha no armistício de
outubro de 1918. Não obstante, os aliados decidiram exigir da Alemanha
compensação por todos os danos causados à população civil dos aliados e à sua
propriedade pelos alemães. A Alemanha perdeu perto de dez por cento de sua
população e territórios.

Após o findar da Primeira Guerra Mundial, e como decorrência do Tratado de


Versalhes, tem-se o advento de duas instituições: a) Liga das Nações (que
funcionou de 1920 a 1946, sendo substituída pela hoje equivalente ONU); b) a
Organização Internacional do Trabalho (organismo autônomo da Liga das Nações,
em funcionamento até os tempos atuais no âmbito da ONU, com a missão de
promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um
trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e
dignidade).

5. Doutrina do direito positivo: ascensão dos regimes totalitários

Na Europa, ascenderam após a Primeira Guerra três regimes totalitários,


presentes notadamente na Rússia, na Itália e na Alemanha.

Com a crescente positivação do Direito pelo Estado, ele se tornou um simples


instrumento de gestão e comando da sociedade, ou seja, deixou de ser algo dado
pela razão comum, gerando uma mutabilidade no tempo e um particularismo no
espaço: o lícito e o ilícito passou a ser basicamente o que cada Estado impõe como
tal, não o consolidado pelo direito natural. Logo, se o sistema jurídico alemão
autorizava o tratamento desigual dos homens, em tese não importaria que uma
lei natural superior à escrita e inerente à razão do homem dissesse que todos os
homens eram iguais sem restrições.

Como consequência, o positivismo jurídico puro tratado por Kelsen acabou por
ser condenado, diante das graves consequências que precisariam ser suportadas
com a aceitação de uma ordem jurídica que não tivesse o elemento do justo como
requisito de validade. Portanto, foi necessário que, após a verificação dos reflexos
da guerra, se buscasse uma solução jurídica que impedisse que outros atos
semelhantes tivessem respaldo jurídico, apesar de não serem dotados de
arcabouço ético, o que foi possível com um resgate dos conceitos de lei natural e
de direitos naturalmente inerentes ao homem, declarando-os no âmbito
internacional.

Nesse sentido é pertinente a reflexão de Milner:

“Pues bien: la modernidade de lo moderno em materia de técnica se


llama invención. Tras la evidencia de la guerra mundial, la tecnicidad
de lo técnico se llama destrucción, y lo destructivo de la destrucción se
llama matanza. Si tiene que haber una solución definitiva del problema
judío, deberá descansar sobre una invención técnica mortal. Esta
invención tiene nombre: cámara de gas. En ella se combinan de manera
inédita la química industrial, la taylorazación y la arquitectura
funcional. Al revés de los que podría pensarse, no les debe nada
específico e las técnicas de la guerra; no se emplea ningún arma, ningún
gas de combate. Todo está situado en el régimen de producción;
Auschwitz era una fábrica. Treblinka era una cadena de muerte
ciertamente primitiva, pero que funcionaba bien. Belzec era el
laboratorio, así se expresa un funcionario SS interrogado por Claude
Lanzmann en Shoah. El empleado probo resume así su propia
experiencia del campo de concentración en el que se había desempeñado;
con ese fin, recurre al vocabulario industrial. Pero la producción de la
paz, aun si el producto es el cadáver. La guerra creó las condiciones de
posibilidad material para la invención técnica, es cierto, pero se trata de
la guerra total, que justamente pone en continuidad lo civil y lo militar.
6. Doutrina dos direitos humanos: reflexos do pós-guerra

Os graves eventos que ocorreram durante a guerra baseados no ideário


positivista, notadamente o extermínio de milhões de civis, numa ideologia
antissemita positivada no ordenamento jurídico alemão que autorizava tais atos,
fez com que este arcabouço teórico caísse por terra. Passou a ser necessário o
resgate do conteúdo moral no Direito, deixando claro que existem direitos
inerentes ao homem que não podem ser violados (pressupostos da lei natural).

As premissas filosóficas para a fundação de uma nova ordem internacional de


proteção de direitos humanos se encontram em estudos jurídico-filosóficos de
diversos autores, como Hannah Arendt e Jacques Maritain.

Com o fracasso do positivismo puro e o resgate de elemento axiológico do Direito


pelo humanismo, diversos documentos internacionais sobrevieram, num
processo de internacionalização, regionalização e incorporação dos direitos
humanos declarados expressamente. Embora tenha se pretendido um retorno ao
conceito de lei natural, o que surgiu foi um novo movimento, chamado Pós-
positivismo.

6.1. Organização das Nações Unidas

A Organização das Nações Unidas funda-se em ideário muito diferente daquele


da Liga das Nações, pois se percebeu que o estabelecimento de uma organização
internacional restrita a países vitoriosos, prejudicando de uma maneira notável
os perdedores, poderia servir de motivação para outros incidentes contrário à
paz mundial, a exemplo do que foi a Segunda Guerra Mundial. Logo, a
conferência de São Francisco, oficialmente denominada Conferência das Nações
Unidas para a Organização Internacional, também estava aberta às Nações
Unidas que lutaram contra as potências do Eixo (Japão, Itália e Alemanha).

A Carta da ONU entrou em vigor no dia 24 de outubro de 1945, quando efetuado


o depósito dos instrumentos de ratificação dos membros permanentes do
Conselho de Segurança e da maioria dos outros signatários. Após muitos países
ingressarem na ONU. Por isso, os membros podem ser divididos entre
originários e admitidos, não havendo diferenças entre direitos e deveres em
relação a eles. A Carta da ONU também é chamada de Carta de São Francisco,
uma vez que foi elaborada na Conferência de São Francisco.

Em síntese, a Organização das Nações Unidas foi criada em 1945 para manter a
paz e a segurança internacionais, bem como promover relações de amizade entre
as nações, cooperação internacional e respeito aos direitos humanos. Tais
propósitos foram se desenvolvendo e sendo aprofundados, sentido em que a
Declaração do Milênio das Nações Unidas, adotada em 8 de setembro de 2000,
reflete os principais eixos de atuação da organização no campo dos direitos
humanos.

6.2. Tribunal de Nuremberg

Este tribunal tinha como objetivo julgar os crimes de guerra cometidos pelos
nazistas. Conhecido como tribunal de Nuremberg, se realizou entre 20 de
novembro de 1945 e 1º de outubro de 1946. Julgou 199 homens, sendo 21 deles
líderes nazistas. As acusações foram desde crimes contra o direito internacional
até de terem provocado de forma deliberada a Segunda Guerra Mundial.

Durante o julgamento, a maior parte das defesas fundamentou-se na ofensa ao


princípio de legalidade, que era baseada nos postulados do direito penal
tradicional. O principal argumento levantado foi o de que todas as ações
praticadas foram baseadas em ordens superiores, todas dotadas de validade
jurídica. E, de fato, o ordenamento alemão permitia de certo modo todas aquelas
práticas. O argumento do respeito ao princípio da legalidade caiu por terra diante
da teoria de direitos humanos que se formava em definitivo na ordem
internacional. A partir dela, tem-se o reconhecimento de normas de
conhecimento comum da humanidade, que deveriam ser respeitadas
independentemente de reconhecimento expresso (premissas da lei natural),
sendo válida a condenação de pessoas que praticam atos atentatórios a estes
princípios.
6.3. Declaração Universal de 1948 e documentos decorrentes: valor
normativo da Declaração Universal dos Direitos Humanos

No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas elaborou


a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Resolução nº. 217), primeiro e
principal documento declaratório de direitos humanos internacionais da história,
que deu fundamento para todo o sistema jurídico que veio a ser construído e
baseou-se na Carta da ONU de 1945 e nos fundamentos histórico-filosóficos do
direito natural e dos direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos
Humanos volta-se à proteção de toda e qualquer pessoa humana − basta a
condição de ser humano para ser titular destes direitos, tanto é que são
universais.

A declaração não é, formalmente, um tratado. Entretanto, é referência básica para


a garantia dos direitos humanos no mundo e de todo e qualquer sistema jurídico,
nacional ou internacional (global ou regional), no que concerne à proteção e à
promoção da dignidade humana. É nesse sentido, considerada como autêntico
“ponto de partida” para a construção do sistema de proteção internacional dos
direitos humanos. Seus dispositivos encaixam-se na noção de soft law, visto que
acabam por pautar largamente as relações sociais no que diz respeito à proteção
dos direitos humanos.

7. Regionalização de direitos humanos

Num ideário de respeitar as particularidades sociais, econômicas e culturais de


cada país do globo sem perder de vista a universalidade dos direitos humanos, a
ONU incentivou a criação, ao lado do sistema global, de sistemas regionais de
proteção, que buscam internacionalizar os direitos humanos no plano regional,
em especial na Europa, na América e na África.

8. Direitos humanos na Constituição Federal de 1988: institucionalização


dos direitos humanos e garantias fundamentais

Os direitos e garantias fundamentais tomam por base os direitos humanos


reconhecidos o âmbito internacional. com efeito, após o processo de
internacionalização dos direitos humanos vieram o de regionalização de tais
direitos e o de incorporação, transpondo-as para o ordenamento interno. Quando
se fala e, institucionalização dos direitos e garantias fundamentais, refere-se ao
modo pelo qual a Constituição brasileira disciplina os direitos fundamentais.

A atual Constituição institucionaliza a instauração de um regime político


democrático no Brasil, além de introduzir indiscutível avanço na consolidação
legislativa dos direitos e garantias fundamentais e na proteção dos grupos
vulneráveis brasileiros. Assim, a partir da Constituição de 1988, os direitos
humanos ganharam relevo extraordinário, sendo este documento o mais
abrangente e pormenorizado de direitos humanos já adotado no Brasil. Neste
sentido, a Carta de 1988 é a primeira Constituição brasileira a elencar a
prevalência dos direitos humanos como princípio regente nas relações
internacionais que estabeleça (art. 4º, II, CF).

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