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A TEORIA JUSNATURALISTA DO DIREITO

Resumo: A teoria jusnaturalista foi decorrência de rupturas econômicas e


sociais que influenciaram e influenciam as civilizações em suas tomadas de
decisões. São direitos naturais os que você tem por virtude da sua
humanidade, da sua existência nesta terra. Eles são eternos e imutáveis, ou
seja, uma lei que não faça sentido lógico não pode ir contra estes direitos.
Aqui, veremos diversos estudiosos dialogando sobre, como Platão,
Aristóteles, Agostinho de Hipona, Hobbes, Locke, Rousseau entre outros.
Palavras-chave: 1. Jusnaturalismo, jusracionalismo e o positivismo jurídico
tradicional; 2. Decorrência do direito natural: fé e razão; 3. Fontes do direito
natural; 4. Direito e moral; 5. Neoconstitucionalismo.
Abstract: The jusnaturalist theory was due to economic and social disruptions
that influenced and influence civilizations in their decision making. Natural
rights are those you have by virtue of your humanity, your existence on this
earth. They are eternal and immutable, that is, a law that does not make
logical sense cannot go against these rights. Here, we will see several
scholars talking about, like Plato, Aristotle, Augustine of Hippo, Hobbes,
Locke, Rousseau among others.
Keywords: 1. Jusnaturalism, jusrationalism and traditional legal positivism; 2.
Flow of natural law: faith and reason; 3. Sources of natural law; 4. Law and
morals; 5. Neoconstitutionalism.
Introdução
O Jusnaturalismo ou direito (do latim “ius”) natural, se dá na Grécia Antiga,
quando os gregos, como Platão (428 a.C.-347 a.C.) e Aristóteles (384 a.C.-
322 a.C.), começaram a estudar a noção de justiça, fundamental para essa
corrente de pensamento, buscando seu ideal (Aristóteles, 1991, p. 996), e
formulam um questionário: a justiça deriva da natureza, ou seja, independente
da vontade humana, ele existe antes mesmo do homem e acima das leis do
homem, ou da própria lei? Entretanto, é importante citar que os direitos
naturais foram, principalmente, construídos pelos Estoicos. Logo,
considerando o direito natural universal, imutável e inviolável, é a lei imposta
pela natureza a todos aqueles que se encontram em um estado de natureza,
ou seja, o jusnaturalismo comunga do naturalismo, baseada na suposta
natureza das coisas, a qual forneceria as respostas sobre o que é certo e
errado, o bem e o mal. Junto a isso, os acontecimentos a partir da Idade
Média, como o declínio das relações feudais de produção a partir do século
XI, desenvolvimento econômico da burguesia a partir do século XIV, a
Reforma Protestante no século XVI, e as revoltas camponesas e as guerras
ocorridas durante o processo de formação do capitalismo propiciaram uma
nova situação social ocasionando um intenso questionamento sobre o poder
do Estado, que passou a ser compreendido como uma instituição criada
através do consentimento dos indivíduos através do contrato social, no qual
Hobbes argumenta em Leviatã sobre a criação de um soberano em que todos
lhe devem obediência (Hobbes, 2012, p. 69).

Jusnaturalismo e o Positivismo Jurídico tradicional são antagônicos


De forma simplória, o direito natural e o positivo, são antagônicos entre si, o
primeiro seria superior e anterior ao direito positivo, recorreria da natureza
das coisas, assim como existem as leis da física inerente a natureza física,
seria assim o direito, com fontes na razão e na moral e o segundo criado pelo
ser humano, instituído pelo costume, pela norma, pela regra e assim seria um
fenômeno humano que depende de positivação, um norma expressa na lei.
Tal conceito do positivismo, pode ser visto na “Teoria Pura do Direito” de
Kelsen (1881- 1973), onde sustenta a necessidade lógica de pressupor a
existência de uma norma fundamental que seria "a fonte comum da validade
de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa"(Kelsen,
1998, p. 136), e também que, o positivismo, na sua forma tradicional, não
admite nenhuma influência da moral no direito, usando como justificativa a
relatividade da moral (Kelsen, 1998, p.47).

Ademais, tal conceito foi fundamentado por grandes pensadores da Idade


Média, como Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean-
Jacques Rousseau (1712- 1778). Hobbes vai defender que o Estado deve
garantir dois direitos básicos e fundamentais: a vida e a segurança e esses
seriam os direitos naturais. O matemático e filósofo vai entender que o ser
humano é movido pela suas vontades e paixões naturais. Sendo assim,
seriamos egoístas, no qual o objetivo não é fazer o bem para os outros
(Hobbes, 2002, p. 29) e instauraria uma “Guerra de todos contra todos”, uma
imperturbabilidade e não teríamos segurança (Hobbes, 2012, p. 47). Desse
modo, deve existir um Estado que seja forte o suficiente para assegurar a paz
freando as paixões humanas e protegendo os direitos naturais, só assim
teríamos uma vida sociável e agradável (Hobbes, 2012, p. 47). Já Locke, tem
um conceito importante que é o conceito de propriedade, que até aquele
momento seria tudo que pertence ao indivíduo. Porém ele irá alargar esse
conceito de liberdade, pois para ele não são só os bens materiais, mas o
cidadão também é proprietário da sua vida e da sua liberdade, “pois a
liberdade é a base de todo o resto” (Locke, 2001, p. 92), sendo o Estado
protetor desses direitos. Dessa forma ele tem uma concepção liberal,
entretanto uma concepção elitista pois dizia que a liberdade política que se
dava na época deveria ser exercida somente por pessoas com fortuna e
posses. Rousseau, teoricamente, vive em um contexto em que os conceitos
de liberdade e igualdade já teriam avançado, onde a burguesia não tinha
chegado ao poder ainda, desse modo tinham algumas lutas travadas contra o
absolutismo, que se davam na França, em Portugal e na Espanha, na procura
de uma abertura do poder político, por uma participação do povo. Logo, ele
vai ter uma concepção política baseada na vontade do povo, no qual quem é
soberano é o povo, portanto o direito natural dado por Rousseau é a
igualdade, pois, para ele, é inconcebível obter a completa liberdade onde
ocorre a desigualdade (Rousseau, 2008).

Esses três pensadores dão pressupostos teóricos para demais pensadores no


século XVIII, pensadores iluministas e pensadores liberais de afirmarem que
os seres humanos têm direitos naturais, universais e absolutos.

O escritor Roberto Lyra Filho (1926-1986), de forma precisa, disserta sobre


oposição entre essas duas correntes fundamentais:
“Vimos que as duas palavras-chave, definidoras do positivismo e do
iurisnaturalismo, são, para o primeiro, ordem, e, para o segundo, Justiça. Isto
se esclarece bem nas duas proposições latinas que simbolizam o dilema
(aparentemente insolúvel) entre ambas as posições: íustum quia iussum
(justo, porque ordenado), que define o positivismo, enquanto este não vê
maneira de inserir, na sua teoria do Direito, a crítica à injustiça das normas,
limitando-se ou a proclamar que estas contêm toda justiça possível ou dizer
que o problema da injustiça ‘não é jurídico’; e iussum quia iustum (ordenado
porque justo), que representa o jurisnaturalismo, para o qual as normas
devem obediência a algum padrão superior, sob pena de não serem
corretamente jurídicas. Este padrão tende, por sua vez, a apresentar-se, já
dissemos, como fixo, inalterável e superior a toda legislação, mesmo quando
sé fala num ‘direito natural de conteúdo variável’” (LYRA FILHO, 1982, p. 17).

Além disso, um exemplo que ilustra relativamente bem os dois conceitos, de


jusnaturalismo e juspositivismo, é a tragédia grega Antígona de Sófocles
(data aproximada de 497 a.C.-406 a.C.), escrita por volta de 442 a.C. A peça
teatral grega Antígona é a continuação dramática de Édipo Rei de Sófocles. A
história conta que, com a partida de Édipo para o exílio, os filhos lutaram pelo
poder e chegaram a um acordo de revezamento no comando a cada ano. No
entanto, Etéocles, que foi o primeiro a governar, ao fim do mandato, não quis
ceder o lugar do poder ao irmão Polinice, que revoltado foi para a cidade
vizinha e rival da grande Tebas. Ali, reunindo um exército aliado, Polinice
enfrentou o irmão visando ao trono de Tebas. O conflito acabou com os dois
se matando e, então, assumiu o poder o tio Creonte. Usando de seu poder,
Creonte estabeleceu que o corpo de Polinice não receberia as honrarias
tradicionais dos funerais, pois este tinha lutado contra a pátria. A partir daí,
marca o confronto de Creonte, filho de Meneceu, representando o direito
positivo e Antígona, o direito natural. Antígona entendeu que esse
procedimento do Creonte, era arbitrário, pois todo morto deveria ser
sepultado segundo as “leis divinas” não importando as leis da cidade, dizendo
“nem eu creio que teu édito tenha força bastante para conferir a um mortal o
poder de infringir as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são
irrevogáveis” (Sófocles, 2005, p. 30).
O direito natural decorre da razão e/ou da vontade de Deus

O jusnaturalismo sustenta que o verdadeiro direito reside na natureza das


coisas, seja na religião ou na razão, que seriam ainda aspectos naturais.
Antes disso, como dito anteriormente, as fontes do direito natural são
advindas principalmente da Grécia Antiga, como dito anteriormente e nesse
momento, a razão (do grego “lógos”) era o sentido que guiava sua
justificativa.

Contudo ela foi levada pela idade média, tendo seu amparo com os
pensadores já ditos e com a consolidação do cristianismo como a religião
oficial do ocidente, no qual a “vontade de Deus” passou a ser considerado a
fonte do direito natural, reforçando o conceito de que o jusnaturalismo está
acima da lei, e se a lei for contrária, essa lei não pode ser considerada válida,
seguindo até a modernidade. Entretanto, antes mesmo, o jurista romano
Ulpiano (data aproximada de 150-223) afirmava que o direito natural é aquele
que a natureza nos ensinou (Ulpiano, 2010). Junto a isso, no século IV,
Agostinho de Hipona (354 – 430), chamado pelos católicos de Santo
Agostinho, havia tentando demonstrar que a “vontade de Deus” era igual a
“razão de Deus” por meio da sua constante busca na relação de razão e fé
(Agostinho, 1980, p. 395), persistindo no encontro da Verdade, através da
mutável e falível mente humana. Ademais, avançando até a Idade Moderna,
podemos observar a fundamentação do jusnaturalismo por vários autores,
dentre eles, vemos o pensamento de John Locke, como citado acima, e
considerado o “pai do liberalismo”. Ele acredita que existem certos direitos
individuais fundamentais que são tão importantes, como o direito natural a
vida, à liberdade e a propriedade, que nenhum governo, até mesmo
representativo ou democrático, pode anulálos (Locke, 2001, p. 149). Mais
ainda, ele alega que o direito à propriedade não é meramente uma criação do
Governo ou da Lei e sim um direito natural no sentido que é pré-político pois
“cada um guarda a propriedade de sua própria pessoa” (Locke, 2001, p. 98),
ou seja, vincula aos seres humanos antes mesmo de o governo, de os
parlamentos e legislaturas criarem leis para definir direitos e garanti-los
(Locke, 2001, p. 106). O teórico vai dizer que esse seria o Estado da
Natureza, em que é um Estado de Liberdade (Locke, 2001, p. 83).

Segundo ele, todos os seres humanos são livres e iguais no Estado da


Natureza, não existe hierarquia natural (Locke, 2001, p. 83), porém, como
demonstrado acima, o filósofo inglês tinha um pensamento elitista, dessa
forma, a afirmação acima não é cabível ao caso de algumas pessoas que,
para ele, nascem para se tornarem reis, outras para se tornarem servas.
Entretanto, ele levanta a questão de que há uma diferença entre um Estado
de Liberdade e um Estado de Permissão (Locke, 2001, p. 84), no qual, no
primeiro, há uma lei da Natureza. Tal Lei, limita o que podemos fazer, mesmo
que sejamos livres. A limitação é que não podemos abandonar e nem tomar
os direitos naturais de outras pessoas (Locke, 2001, p. 85).
De forma a acrescentar, Locke dá duas respostar de onde o direito natural
vêm, uma originaria da vontade de Deus, outra decorrendo da razão. A
primeira, o filósofo diz:

Todos os homens são obra de um único Criador todo-


poderoso e infinitamente sábio, todos servindo a um único
senhor soberano, enviados ao mundo por sua ordem e a
seu serviço; são portanto sua propriedade, daquele que os
fez e que os destinou a durar segundo sua vontade e de
mais ninguém (Locke, 2001, p. 84).

Dessa forma os direitos naturais não são dos seres humanos estritamente, e
sim de Deus, que possui um direito de propriedade prévio sobre nós.

Já a segunda, o filósofo apela para a ideia a razão, e é a ideia de que se a


propriedade reflete o que significa ser livre, seremos levado a conclusão de
que a liberdade não pode ser uma questão de fazermos aquilo que
quisermos. Tal pensamento de Locke, vai contra a ideia de Direito Natural de
Thomas Hobbes, para o qual o direito natural “é a liberdade que cada homem
possui de usai seu próprio poder, da maneira que quiser” (Hobbes, 2012, p.
47). Novamente a Locke, o teórico diz:

O Estado de Natureza é regido por um direito natural que se impõe a todos, e


com respeito à razão, que é este direito, toda a humanidade aprende que,
sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida,
sua saúde, sua liberdade ou seus bens (Locke, 2001, p. 84).

É a ideia de que nossos direitos naturais sejam inalienáveis, ou seja, que não
pode transferi-los ou abandoná-los. Todos nós possuímos mas não podemos
negociá-los.

Logo, percebe-se que os direitos naturais encontram sua argumentação


também por meio secular. Outra argumentação é feita por uma derivação do
jusnaturalismo, que é o jusracionalismo, surgido no seio das revoluções
liberais burgueses do século XVII e XVIII, no qual mira em uma derivação
racional, independente de fé, dos direitos naturais. Tal conceito foi utilizado
pelo filósofo Hans-Hermann Hoppe (1949) onde argumenta ser impossível
argumentar contra os direitos naturais pois argumentando contra você está os
usando (Hans-Hermann, 2006).

Conclusão
Todas essas ideias levam a Declaração de Independência dos Estados
Unidos em 1776 na ilustre carta de Thomas Jefferson (1743-1826)
escrevendo que todo homem tem direito a “vida, liberdade e busca da
felicidade” baseando nas ideias do filósofo John Locke e posteriormente a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1778.

Tais conceitos, em 2001, ganharam grande importância no âmbito da


propriedade intelectual, a respeito de patentes, como resultado da disposta de
indústrias farmacêuticas a respeito de produtos genéricos para o tratamento
do HIV na África do Sul. Segundo a Folha de São Paulo, naquele ano, “o
tratamento nos países ricos custavam em torno de US$ 10 mil a US$ 15 mil
por paciente ao ano”, tornando inviável para países com menor potencial
econômico. Desse modo, segundo o mesmo jornal, “a Cipla, uma empresa da
Índia, estava oferecendo genéricos aos governos africanos por US$ 600 e à
ONG Médicos Sem Fronteiras por US$ 350” fazendo com que, o produto
torne-se acessível à população em geral.

Ademais, nos últimos anos tem havido uma reaproximação entre o direito e a
moral que é promovida pelo neoconstitucionalismo ou também chamado de
jusnaturalismo de base racional. Tal conceito é parecido com o direito natural
tradicional pois considera a existência de algo acima da lei e que a lei retira
seu fundamento de validade disso superior a ela, que seria a Constituição.
Entretanto, como a constituição é positivada pelo poder legislativo, é formado
então a base racional.

Referências Bibliográficas

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