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AULA 1: KANT, ILUMINISMO E DIREITOS HUMANOS

“Artigo 1º - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de
razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade;

Artigo 2º - Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamadas na presente
Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião
política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação [...].”
(Declaração Universal dos Direitos Humanos)

Muitas das ideias presentes na declaração da ONU têm origem no iluminismo, assim
como os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade da maneira como os compreendemos
hoje. Mas o que é o iluminismo? O iluminismo (ou esclarecimento) é um movimento
filosófico do século XVIII que se opôs à organização política e social européia daquele
período: o poder absoluto dos reis; a sociedade rigidamente hierarquizada com base no
critério de nascimento; o clero e a nobreza constituíam os grupos privilegiados, e a maioria da
população era excluída de quaisquer direitos; a burguesia crescia em importância econômica e
almejava participar do poder, o que lhe era vetado. As principais ideias que os filósofos
iluministas defendem são: a valorização da razão, compreendida como inerente a todos os
seres humanos; e, por consequência, a valorização da liberdade, do conhecimento científico e
de sua autonomia em relação à religião ou mesmo à política; a defesa da igualdade de todos
perante as leis e dos direitos naturais; o pacto entre governantes e governados; e a tolerância
religiosa.
A expressão “iluminismo” foi utilizada para justificar a ideia de que a razão era
capaz de iluminar algo obscuro ou de difícil compreensão; esclarecer o que estava confuso
para o entendimento humano. Ao se denominarem como “homens do século das luzes”, esses
teóricos estabeleciam uma divisão entre o tempo em que viviam – iluminado, esclarecido – e
o anterior – ignorante, obscuro. Assim, podemos depreender que eles tinham uma visão
negativa da Idade Média, a qual chamavam de “idade das trevas”. Segundo os iluministas, o
conhecimento humano, obscurecido por visões místicas, religiosas e tradicionais, teria ficado
praticamente estagnado durante o período medieval.
O pensamento iluminista fundamentava-se em alguns pilares importantes, entre eles
a razão, vista como principal instrumento do ser humano para compreender a realidade e
conduzi-lo ao esclarecimento e à autonomia.
“Esclarecimento (Aufrlärung) significa a saída do homem de sua menoridade, pela
qual ele próprio era responsável. A menoridade é a incapacidade de servir de seu
próprio entendimento sem a tutela de um outro. [...] Sapere aude! [Ouse saber!]
Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento, tal é, portanto, a divisa do
esclarecimento.” KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: o que é Esclarecimento?
Brasília: Casa das Musas, 2008. p. 11.
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Kant (1724-1804) assinala que a independência do ser humano depende dele mesmo,
bastando para isso utilizar a razão em busca do conhecimento do mundo e de si. Esse
pensamento questionava tradições até então estabelecidas. Noções de governo, sociedade e
religião foram repensadas; era necessário acabar com a tirania, a injustiça, os privilégios de
nascimento e os dogmas existentes e substituí-los por ideais de igualdade, liberdade e
tolerância, sempre respaldados pela razão.
O iluminismo se desenvolveu em um contexto de fortalecimento da burguesia, que
aspirava conquistar maior poder e influência política, e de transição de uma sociedade com
resquícios feudais para a sociedade capitalista. As ideias de igualdade e liberdade e a defesa
da propriedade privada iam ao encontro dos interesses dos burgueses, ao questionar os
privilégios da nobreza e do clero. Os iluministas atacavam ainda os dogmas da Igreja Católica
e condenavam a perseguição religiosa, defendendo a liberdade de culto. Muitos indagavam
também sobre a legitimidade da monarquia absolutista, baseada no direito divino dos reis e no
monopólio do controle e da aplicação das leis, consolidados com a formação dos Estados
modernos na Europa. Para os iluministas, o poder dos soberanos deveria ser limitado,
submetido às leis e à vontade da população. As teorias do iluminismo se expandiram pela
Europa e chegaram até a América, influenciando a política, a economia, a ciência e o direito.
O pensamento iluminista inspirou os líderes da independência dos Estados Unidos,
declarada em 1776, e o documento que serviu de base para a organização do novo país. Na
Europa, as ideias iluministas orientaram os líderes da Revolução Francesa (1789-1799), que
destruíram as bases do Antigo Regime na França: o absolutismo monárquico, os privilégios
aristocráticos e as obrigações feudais. Inspirados o iluminismo e nas conquistas mais radicais
da Revolução Francesa, os negros do Haiti, colônia francesa no Caribe, rebelaram-se contra a
escravidão e a dominação colonial e conquistaram sua independência em 1804.
É verdade que a importância da razão foi enaltecida em diversos momentos da
história humana. Durante a Antiguidade, vimos como Sócrates, Platão e Aristóteles, entre
outros, já indicavam – cada um a seu modo – a importância da razão para a investigação e a
compreensão das coisas e da realidade. Os filósofos racionalistas, como Descartes
(1596-1650), Leibniz (1646-1716) e Espinosa (1632-1677), que antecederam aos iluministas,
afirmavam que a razão era a origem de todo conhecimento verdadeiro. No entanto, para esses
pensadores, a razão era compreendida como uma força externa que regia o Universo e se
manifestava em cada ser humano, além de ser uma capacidade que aproximaria o indivíduo de
Deus.
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Em contrapartida, para os iluministas, a razão estava associada às conquistas da nova


ciência, que se desenvolveu com Galileu e Newton durante o século XVII. Ela era
compreendida como um instrumento inerente ao ser humano e não mais como um
artifício/habilidade à parte, subordinado à ordem divina ou natural. Apenas os dados obtidos
pela experiência permitiriam alcançar o conhecimento; tudo o que não tinha como base a
experiência devia ser rechaçado como mera especulação da imaginação. Por isso, a maioria
dos filósofos iluministas se contrapôs aos sistemas metafísicos e religiosos, que eram
considerados um entrave ao conhecimento e à ação humana.
Para esses pensadores, as investigações sobre o ser humano e a natureza deveriam ser
autônomas, não poderiam sofrer interferência de nenhuma espécie (religiosa, política etc.),
mas obedecer somente a critérios racionais. Os filósofos do iluminismo afirmavam que o ser
humano seria livre para seguir as determinações da razão e de sua própria consciência.
Contudo, conforme argumenta Kant, a atitude crítica do iluminismo deveria se voltar também
para a própria razão, no sentido de que é preciso refletir sobre as bases do conhecimento,
representado pela razão. Por isso, é possível afirmar que Kant mudou a forma de o indivíduo
entender o mundo e a si próprio, estabelecendo que o ser humano é o centro do conhecimento,
e não os objetos externos. O ser humano não é um agente passivo, que apenas recebe
informações das coisas externas, mas é um ser que atua decisivamente na constituição do
conhecimento e da realidade. O entendimento, a razão, é a capacidade humana de pensar e
ordenar as representações sensíveis - obtidas por meio da experiência - por meio de ligações
ou associações entre elas.
Para os iluministas, havia o entendimento de que a razão era universal – estaria
presente em cada indivíduo, independente de etnia, sexo, credo, posição social etc. Como
todos nascem dotados de capacidade racional, os seres humanos são iguais perante a lei e,
portanto, devem ter os mesmos direitos. As ideias iluministas receberam influências de vários
pensadores, entre eles o filósofo inglês John Locke (1632-1704). Locke defendia a
importância da manutenção dos direitos naturais: a preservação da vida, da liberdade e da
propriedade. Para garantir tais direitos, era necessário que os seres humanos se organizassem
em uma sociedade política, por meio de um pacto voluntário, e concedessem a alguns de seus
membros a função de aplicar e fiscalizar as regras estabelecidas pela comunidade. A este
grupo seria dado o poder de arbitrar e garantir, por meio das leis, os direitos que cada
indivíduo teria por natureza.
A igualdade perante as leis é um pressuposto para uma vida harmoniosa em
sociedade e para a preservação de direitos fundamentais dos indivíduos, pois limita o poder
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arbitrário de uma pessoa ou grupo. Veja como tal ideia também está presente no artigo 5º da
Constituição brasileira.
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direitoà
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”
Constituição da República Federativa do Brasil.
Da mesma maneira que pregavam a igualdade e a autonomia do ser humano, os
iluministas defendiam também a tolerância religiosa, isto é, o direito de cada indivíduo
praticar sua religião sem ser perseguido por nenhum grupo social ou pelo Estado. Os filósofos
das luzes, principalmente os franceses, opunham-se ao absolutismo e à Igreja Católica,
instituição que tinha muita influência e poder sobre o Estado. A monarquia inglesa, cujo
poder foi limitado pela Declaração de Direitos (Bill of Rights) em fins do século XVII, serviu
de inspiração para os iluministas na defesa da liberdade política. O Parlamento inglês,
composto por representantes eleitos, passou a controlar as principais decisões do governo
legitimando, assim, a descentralização do poder. O absolutismo, ao contrário, tolhia a livre
manifestação do pensamento e a propriedade, limitando o desenvolvimento das faculdades
dos indivíduos. Segundo os filósofos das luzes, muitos monarcas conduziam o governo
desrespeitando as leis e agindo de forma arbitrária, o que ameaçava a liberdade política de
seus súditos.

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