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Parte Especial

Título I - Dos Crimes contra a Pessoa


Capítulo I - Dos Crimes contra a Vida

Homicídio simples

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte)


anos.

Caso de diminuição de pena

§ 1. Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor" social o


moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vitima, o juiz pode reduzir a pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um
terço).

Homicídio qualificado
§ 2. Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
"II - por motivo fútil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio
insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de
outro crime:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Homicídio culposo

§ 3. Se o homicídio é culposo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Aumento de pena

§ 4. No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime


resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente
deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências
do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a
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pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de
14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos .

§ 5. Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se


as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que
a sanção penal se torne desnecessária.

Homicídio simples, privilegiado e qualificado

O homicídio simples, previsto no caput do art. 121 do Código Penal, cuja pena de
reclusão varia de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. possui a redação mais compacta de
todos os tipos penais incriminadores, que diz: matar alguém. O núcleo matar diz
respeito à ocisão da vida de um homem, por outro homem. Alguém
deve ser entendido como o ser vivo, nascido de mulher. O § lº do art. 121 do Código
Penal prevê o chamado homicídio privilegiado. Na verdade, a expressão homicídio
privilegiado, embora largamente utilizada pela doutrina e pela jurisprudência. nada
mais é do que uma causa especial de redução de pena, tendo influência no terceiro
momento da sua aplicação. Localizado após as causas de diminuição de pena
encontra-se o homicídio qualificado, no § 2.Q do art. 121 do Código. Penal,
cominando uma pena de reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Classificação doutrinária

Crime comum, tanto no que diz respeito ao sujeito ativo, quanto ao sujeito passivo;
simples: de forma livre (como regra, pois existem modalidades qualificadas que
indicam os meios e modos para a prática do delito. como ocorre nas hipóteses dos
incisos III e IV), podendo ser cometido dolosa ou culposamente, çomissiva ou
omissivamente (nos casos de omissão imprópria, quando o agente possuir status de
garantidor); de dano; material; instantâneo de efeitos permanentes; não transeunte;
monossubjetivo; pludssubsistente; podendo figurar. também. A hipótese de crime
de Impeto (como no caso da violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação
da vítima).

Sujeito ativo e sujeito passivo

Sujeito ativo do delito de homicídio pode ser qualquer pessoa. haja vista tratar-se de
um delito comum. Sujeito passivo. Da mesma forma. também pode ser qualquer
pessoa, em face da ausência de qualquer especificidade constante do tipo penal.

Objeto material e bem juridicamente protegido

Objeto material do delito é a pessoa contra a qual recai a conduta praticada pelo
agente. Bem juridicamente protegido é a vida e, num sentido mais amplo, a pessoa.

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Elemento subjetivo

O elemento subjetivo constante do caput do art. 121 do Código Penal é o dolo. ou


seja, a vontade livre e consciente de matar alguém. O agente atua com o chamado
animus necandi ou animus occidendi. A conduta do agente, portanto, é dirigida
finalisticamente a causar a morte de um homem. Pode ocorrer o homicídio tanto a
título de dolo direto, seja ele de primeiro ou de segundo grau, como eventual.

Modalidades comissiva e omissiva

Pode o delito ser praticado comissivamente quando o agente dirige sua conduta
com o fim de causar a morte da vítima, ou omissivamente, quando deixa de fazer
aquilo a que estava obrigado em virtude da sua qualidade de garantidor (crime
omissivo impróprio). conforme preconizado pelo art. 13, § 2.0., alíneas a, b, e c do
Código Penal, agindo dolosamente em ambas as situações.

Meios de execução

Delito de forma livre, o homicídio pode ser praticado mediante diversos meios,
que podem ser subdivididos em: a) diretos; b) indiretos; c) materiais; d) morais.
Podemos citar como exemplos de meios diretos na prática do homicídio o disparo
de arma de fogo, a esganadura etc.; indiretos, o ataque de arumais açulados pelo
dono, loucos estimulados; os meios materiais podem ser mecânicos, químicos,
patológicos; os meios morais são, por exemplo;' o susto, o medo, a emoção violenta.

Consumação e tentativa

A consumação do delito de homicídio ocorre Com o resultado morte. Admite-se a


tentativa na modalidade dolosa.

Homicídio privilegiado

Cuida-se. na verdade, de causa especial de diminuição de pena, também conhecida


como minorante. Se afirmada no caso concreto, obrigará a redução da pena, não
se tratando de faculdade do julgador, mas, sim, direito subjetivo do agente. O § 1.2
do art. 121 do Código Penal pode ser dividido em duas partes. Na primeira,
residiria o motivo de relevante valor social ou moral; na segunda, quando o agente
atua sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima.

Motivo de relevante valor social ou moral

Relevante valor social é aquele motivo que atende aos interesses da coletividade.

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Não interessa tão somente ao agente, mas, sim, ao corpo social. A morte de um
traidor da pátria. no exemplo clássico da doutrina, atenderia a coletividade,
encaixando-se no Art. 121 conceito de valor social. Podemos traçar um paralelo
Com a morte de um· político corrupto, por um agente revoltado com a
situação de impunidade no país.
Relevante valor moral é aquele que, embora importante, é considerado levando-se
em conta os interesses do agente. Seria, por assim dizer um motivo egoisticamente
considerado, a exemplo do pai que mata o estuprador de sua filha. As hipóteses de
eutanásia também se amoldam à primeira parte do § 1 do art. 121 do Código Penal.
Não há que se ter como contraditória a decisão dos jurados que não vislumbra a
ocorrência do homicídio privilegiado e, de outro lado, reconhece a incidência da
atenuante prevista no art. 65, lU. a. do Código Penal (Precedente). O privilégio
contido no § 10- do art. 121 do CP. não se confunde com a atenuante genérica do
art. 65, m, a, do mesmo diploma legal (ST], HC 47448/MS, ReI. Min. Felix Fischer.
sa T., Dl 13/2/2006, p. 839).

Sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima

Sob o domínio significa que o agente deve estar completamente dominado pela
situação. Caso contrário, se somente agiu influenciado, a hipótese não será de
redução de pena em virtude da aplicação da minorante, mas tão somente de
atenuação. em face da existência da circunstância prevista na alínea c do inciso III
do art. 65 do Código Penal (sob a influência de violenta emoção, provocada por ato
injusto da vítima). Inconfundível o privilégio previsto no § 1 do art. 121 do Código
Penal com a atenuante referida no art. 65, inciso m, alínea c, do mesmo diploma
legal. A primeira regra incide quando o agente Comete o crime sob o domínio de
violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima; a segunda,
quando apenas influenciado por esse sentimento, dispensado o requisito temporal
(TJDFT, APR 19980110369450, ReI. Getúlio Pinheiro. 2ª. T., Crim., j. 22/2/2007, Dj
22/312007, p. 116).
O reconhecimento do homicídio privilegiado se impõe unicamente quando
presentes a existência de uma emoção absoluta, provocação injusta do ofendido e
reação imediata do agente, que age em abalo emocional, não bastando estar sob
sua influência (APR 20010110076124, ·Rei. Aparecida Fernandes, 2 il T. Crim., Dl
21/11/2007, p. 253).
Emoção, na definição de Hungria, "é um estado de ânimo ou de consciência
caracterizado por uma viva excitação do sentimento. É uma forte e transitória
perturbação da efetividade, a que estão ligadas certas variações somáticas ou
modificações particulares das funções da vida orgânica (pulsar precípite do
coração, alterações térmicas, aumento da irrigação cerebral. aceleração do ritmo
respiratório, alterações vasimotoras, intensa palidez ou intenso rubor. tremores,
fenômenos musculares, alteração das secreções, suor, lágrimas etc.)".

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Logo em seguida denota relação de imediatidade, de proximidade com a provocação
injusta a que foi submetido o agente. Isso não significa, contudo, que logo em
seguida não permita qualquer espaço de tempo. O que a lei busca evitar, com a
utilização dessa expressão, é que o agente que, provocado injustamente, possa ficar
"ruminando" sua vingança, sendo, ainda assim, beneficiado com a diminuição da
pena. Não elimina, contudo, a hipótese daquele que, injustamente provocado, vai
até sua casa em busca do instrumento do crime, para com ele produzir o
homicídio. Devemos entender a expressão Jogo em seguida utilizando um critério
de razoabilidade.
Injusta provocação diz respeito ao fato de ter a vítima, com seu comportamento, feito
ec10dir a reação do agente. Injusta provocação não se confunde com injusta
agressão, uma vez que esta última permite a atuação do agredido em legítima
defesa, afastando a ilicitude da conduta. O homicídio praticado friamente horas
após pretendida injusta provocação da vítima não pode ser considerado
privilegiado. A simples existência de emoção por parte do acusado igualmente não
basta a seu reconhecimento, pois não se pode outorgar privilégios aos irascíveis ou
às pessoas que facilmente se deixam dominar pela cólera (T)SP, AC, ReI. Gonçalves
Sobrinho, RT 572, p. 325).

Homicídio qualificado

As qualificadoras constantes dos incisos do § 2º do art. 121 do Código Penal dizem


respeito aos motivos (I e lI), meios (III), modos (IV) e fins (V).

Qualificadoras são circunstâncias e não elementares

Os dados que compõem o tipo básico ou fundamental (inserido no caput)· são


elementares (essentialia delictl); aqueles que integram o acréscimo, estruturando o
tipo derivado (qualificado ou privilegiado) são circunstâncias (accidentalia delicti}.
No homicídio, a qualificadora de ter sido o delito praticado mediante paga ou
promessa de recompensa é circunstância de caráter pessoal e, portanto, ex vi do art.
30 ,do CP, incomunicável. É nulo o julgamento pelo Júri em que o Conselho de
Sentença acolhe a comunicabilidade automática de circunstância pessoal com
desdobramento na fixação da resposta penal in concreto. (STJ, HC 78404/R], ReI.
Min. Félix Fischer, 5ª T., Dje 9/2/2009).

Paga ou promessa de recompensa

A paga é o valor ou qualquer outra vantagem, tenha ou não natureza patrimonial,


recebida antecipadamente, para que o agente leve a efeito a empreitada criminosa. Já
na promessa de recompensa, como a própria expressão demonstra, o agente não
recebe antecipadamente, mas, sim, existe uma promessa de pagamento futuro.
Tanto a paga quanto a promessa de recompensa não devem possuir,

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necessariamente, natureza patrimonial, podendo ser de qualquer natureza, a
exemplo de uma promessa de casamento ou mesmo uma relação sexual. Embora
exista controvérsia doutrinária e jurisprudencial, o mandante do crime não
responderá por essa qualificadora, que diz respeito tão somente ao executor,
podendo sua conduta, contudo, se amoldar a um motivo torpe, fútil ou, até
mesmo, de relevante valor moral ou social.
A Turma entendeu que, no homicídio, o fato de ter sido o delíto praticado
mediante paga ou promessa de recompensa, por ser elemento do tipo qualificado,
é circunstância que não atinge exclusivamente o executor, mas também o
mandante ou qualquer outro coautor (STj, HC 99.144/Rj, ReI. Min. Og Fernandes,
6a T., j. em 4/11/2008).

Motivo torpe
O inciso I se vale de uma interpretação analógica, dando a entender que a paga e a
promessa de recompensa são motivos torpes. Torpe é o motivo abjeto que causa
repugnância, nojo, sensação de repulsa pelo fato praticado pelo agente.

Vingança

A verificação de se a vingança constituí ou não motivo torpe deve ser feita com
base nas peculiaridades de cada caso concreto, de modo que não se pode
estabelecer um juízo a priori, seja positivo ou negativo. Conforme ressaltou o
Pretório Excelso, a vingança, por si só, não substantiva o motivo torpe; a sua
afirmativa, contudo, não basta para elidir a imputação de torpeza do motivo do
crime, que há de ser aferida à luz do contexto do fato (HC 83.309, MS, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, 1ª. T., DJ 61212004). (STJ, HC 80107/SP, Rel. Min. Felix
Fischer, 5a T., Dl 25/2/2008, p. 339).
A vingança, por si, não enseja motivo torpe, sendo necessário que o fato que a
originou seja repugnante ou vil (TJMG, Processo 1.0000.00.297427-7/000[l]), Rel.
Min. Mercêdo Moreira, pub. 12/3/2003).

Ciúmes e motivo torpe

Torpe é o motivo repugnante ao senso ético e abjeto. Segundo entendimento


preponderante na jurisprudência, não pode ser considerado torpe o crime
cometido por ciúmes (TJMG, Processo 1.0433.04.138531-4/001{1], Rel. Min. Paulo
Cézar Dias, pub. 19/4/2006).

Motivo fútil

É o motivo insignificante, que faz com que o comportamento do agente seja

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desproporcional. Segundo Heleno Fragoso, "é aquele que se apresenta, como
antecedente psicológico, desproporcionado com a gravidade. da reação homicida,
tendo-se em vista a sensibilidade moral média".

Embriaguez e motivo fútil

Em que pese o estado de embriaguez possa, em tese, reduzir ou eliminar a


capacidade do autor de entender o caráter ilícito ou determinar-se de acordo com
esse entendimento, tal circunstância não afasta o reconhecimento da eventual
futilidade de sua conduta. Precedentes do STJ (STJ, REsp. 908396/MG, Rel. Min.
Arnaldo Esreves Lima, 5a T., DJe 30/3/2009).
A circunstância de estar o acusado sob o efeito de bebida alcoólica, conforme
acentuou a defesa, ainda que comprovada a embriaguez, não seria suficiente para
excluir a qualificadora da futilidade do motivo, porquanto a embriaguez
voluntária ou culposa não exclui a imputabilidade penal, podendo até ensejar
maior punição no caso da preordenada (TJRJ, 2007.0S0.00956/AP. 8ª Câm. Crim.,
Rel. Valmir de Oliveira Silva, j. 22/5/2007).
O ato voluntário de ingerir bebida alcoólica, por si só, sobre não excluir a
responsabilidade, também não afasta a possibilidade de incidência do motivo fútil.
Embora a ingestão de bebida alcoólica possa produzir uma alteração psíquica no
agente somente a embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força
maior, conforme o § F do art. 28 do CPB, que comprometa inteiramente este estado
psíquico, demonstrada cabalmente por meio de prova válida, poderia,
eventualmente, mais do que afastar a qualificadora em questão, isentar de pena o
agente (TJMG. Processo 1.0372.04.008512-1/002. Rel. Armando
Freire, DJ 2711/2006).

Ciúmes e motivo fútil

Mantém-se a qualificadora do motivo fútil quando vertente probatória advinda


dos autos aponta a possibilidade de o delito ter sido cometido pelo fato do réu não
ler gostado que a vítima entrou no quarto de uma moça. Eventual ciúme não é
afastado e pode configurar a qualificadora, o que será
apreciado pelos Jurados que emitirão o veredicto de mérito (TjRS, RSE,
70019252436, 3ª Câm. Reja. Desâ . Elba Aparecida Nicolli
Bastos, Dj 13110/2007).
Em sentido contrário, embora proferido pelo mesmo Tribunal, tendo, ainda, a
mesma Relatora; Demonstrando, o caso concreto que o réu agiu por ciúmes da
vítima, sentimento negativo que não configura futilidade, incabível reconhecê-la
(TJRS, Recurso em Sentido Estrito 700231.16387. 3ª Câm. Crim., Rel. Elba
Aparecida Nicolli Bastos, j. 13/3/2008).
O ciúme, via de regra, não é motivo fútil, mas um sentimento humano, ainda que

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altamente perigoso, pois impede a ação lúcida e por ele o paciente pode ter sido
levado a uma violenta emoção ao ver a vítima com a ex-companheira, por quem
nutria grande afeto (STJ, RHC 019268, Rel. Minª. Jane Silva IDes. convocada do
TJMG], DJ 28/212008).
Segundo consta dos autos, o réu. Em tese, teria cometido o deliro contra sua
esposa, com quem era casado há 13 (treze) anos e tinha uma filha, por não ter
aceitado o anúncio da separação. No caso. o motivo pode ser tido como injusto,
porém, isso não significa que seja. outrossim, torpe, ou ao menos fútil (cf. Heleno
Cláudio Fragoso). Deve-se ter em conta que a existência de motivação para a
prática do crime de homicídio não pode, inexoravelmente, conduzir à existência de
um lado de um delito qualificado ou, de outro, obrigatoriamente,
privilegiado. Há hipóteses em que se configurará a prática de um homicídio
simples. Basta, para tanto, que a motivação não seja capaz de atrair a causa de
diminuição da pena {assim, não tenha sido cometido impelido por motivo de
relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção logo em
seguida a injusta provocação da vítima} ou que as razões da ação criminosa não se
qualifiquem como insignificantes - fútil, portanto - ou abjetas - torpe (STJ, HC
77309/SP, ReI. Min. Felix Fischer, 5~ T., DJe 26/5/2008).

Ausência de motivo

Como é sabido, fútil é o motivo insignificante, apresentando desproporção entre o


crime e sua causa moral. Não se pode confundir, como se pretende, ausência de
motivo com futilidade. Assim, se o sujeito pratica o fato sem razão alguma. não
incide essa qualificadora, à luz do princípio da reserva legal (STJ, REsp. 7696511SP.
Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T. , DJ 15/05/2006, p. 281).

Emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou


cruel. ou de que possa resultar perigo comum

Veneno, que deve ser ministrado insidiosamente, ou seja, sem que a vítima tenha
conhecimento, é, de acordo com as lições de Almeida Júnior, Taylor e Fonzes
Diacon: "a) toda substância que, atuando química ou bioquimicamente sobre o
organismo, lesa a integridade corporal ou a saúde do indivíduo ou lhe produz a
morte; b) toda substância, que. introduzida, por absorção, no sangue, é capaz de
afetar seriamente a saúde ou destruir a vida; c) uma substância química definida
que, introduzida no organismo, age, até a dose tóxica. proporcionalmente à massa
e ocasiona desordens. podendo acarretar a morte". A utilização de fogo também
qualifica o homicídio, uma vez que se trata de meio extremamente cruel à sua
execução. Infelizmente, a mídia tem noticiado. com cena frequência, a utilização de
fogo em mortes de mendigos, índios, enfim, de pessoas excluídas pela sociedade,
que vivem embaixo de viadutos, em praças públicas etc. Também é comum a
veiculação de informações de traficantes que se valem desse meio cruel a fim de

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causar a morte de suas vítimas. normalmente prendendo-as entre pneus de
caminhão, para, logo em seguida, embebidas em combustível, atear-lhes fogo no
corpo, fazendo, assim, uma fogueira humana.
Explosivo é o meio utilizado pelo agente que traz perigo, também, a um número
indeterminado de pessoas. Matar a vítima arremessando contra ela uma granada
qualifica o homicídio pelo uso de explosivo. Segundo Hungria, "na sua
decomposição brusca, o explosivo opera a violenta deslocação e destruição de
matérias circunjacentes. Não há que distinguir entre substâncias e aparelhos ou
engenhos explosivos. Entre os explosivos mais conhecidos, podem ser citados os
derivados da nitroglicerina (dinamite), da nitrobenzina (belite), do nitrocresol
(cresolite), da nitronafta ina (schneiderite, chedite), do nitrotolueno (trotil ou tolire), do
trinitofenol ou ácido pícrico (melinite, lidite), o algodão pólvora (explosivo mediante
choque), os fulminatos. os explosivos com base de ar líquido etc."
Asfixia é a supressão da respiração. Conforme lições de Hungria, "o texto legal não
distingue entre asfixia mecânica e asfixia tóxica (produzida por gases deletérios,
como o óxido de carbono, o gás de iluminação, o cloro, o bromo etc.). A asfixia
mecânica pode ocorrer: a) por oclusão dos orifícios respiratórios (nariz e Doca) ou
sufocação direta; b) por oclusão das vias aéreas (glote, laringe, traqueia,
brônquios); c) por compressão da caixa torácica (sufocação indireta); d) por
supressão funcional do campo respiratório. Os processos de provocação da asfixia
mecânica são o enforcamento. o imprensamento, o estrangulamento, c' afogamento. A
submersão, a esganadura". A tortura, também, encontra-se no rol dos meios
considerados cruéis, que têm por finalidade qualificar o homicídio. Importa
ressaltar que a tortura, qualificadora do homicídio não se confunde com aquela
prevista pela Lei na 9.455, de 7 de abril de 1997, uma vez que, no homicídio, a
tortura é um meio para se alcançar o resultado morte, enquanto, na legislação
específica ela é um fim em si mesma.
Insidioso é o meio utilizado pelo agente sem que a vítima dele tome conhecimento;
cruel, a seu turno, é aquele que causa um sofrimento excessivo, desnecessário à
vítima enquanto viva, obviamente, pois a crueldade praticada após a sua morte
não qualifica O delito. Esquartejar uma pessoa ainda viva configura-se meio cruel à
execução do homicídio; esquartejá-la após a sua morte já não induz a ocorrência da
qualificadora.
Perigo comum é aquele que abrange um número indeterminado de pessoas.

Multiplicidade de golpes

A só repetição de golpes de porrete contra a vítima não é circunstância capaz de


autorizar a imposição da qualificadora do meio cruel, que só ocorre quando haja
prova do meio bárbaro, martirizante, brutal, que aumenta, inutilmente, o
sofrimento da vítima, revelando que a crueldade parte de um ânimo calmo, que
permita a escolha dos meios capazes de infligir o maior padecimento desejado
(TJMG, Processo 1.0103.07.003039-2/001, Rel. Judimar. Biber, DJ 111112008).

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Havendo indícios de que os golpes de facão e pauladas possam ter imposto
desnecessário sofrimento à vítima de homicídio, mantém-se a pronúncia do réu
pelo crime qualificado pelo meio cruel (TJDFT, SER 20030510003757, ReI. Sérgio
Rocha, 2,a T. Crim .. Dl 22/3/2007, p. 115). O meio cruel, previsto no art. 121. § 2a,
m, do CP, é aquele em que o agente, ao praticar o delito, provoca um maior
sofrimento à vítima. Vale dizer. quando se leva à efeito o crime com evidente
instinto de maldade, objetivando impor à vítima um sofrimento desnecessário.
Dessa maneira, a multiplicidade de atos executórios (in casu, reiteração de facadas),
por si só, não configura a qualificadora do meio cruel (STJ, REsp. 743110/MG, ReI.
Min. Felix: Fischer, 5a T., Dl 27/3/2006 p.322).

Perícia

Negando o exame pericial o emprego de meio cruel para a execução do homicídio,


tal qualificadora só poderá ser acolhida se houver nos autos provas suficientes
para desconstituir tal exame (TJCE. APen. 1998.02737-3, 2ª Câm. Crim., ReI. Des.
José Evandro Nogueira Lima. DJCE 7/4/2000).

À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte


ou torne impossível a defesa do ofendido

Segundo as lições de Guilherme de Souza Nucci, "trair significa enganar, ser infiel.
De modo que. no contexto do homicídio, é a ação do agente que colhe a vítima por
trás, desprevenida, sem ter esta qualquer visualização do ataque. O ataque súbito,
pela frente, pode constituir swpresa. mas não traição". Havendo provas nos autos,
estreme de dúvidas, de que a vítima não foi colhida de surpresa, pois poderia
facilmente prever uma reação violenta do ora recorrente, é de rigor que a
qualificadora do emprego de recurso que impossibilitou sua defesa (§ 2a• IV. do
ano 121, do CP) seja excluída da decisão de pronúncia (TJPR, Acórdão 22401,
Recurso em Sentido Estrito. ta Câm. Crim., Rel. Mário Helton Jorge, j. 17/1/2008,
Dl7.558).
A emboscada pode ser entendida como uma espécie de traição. Nela, contudo. o
agente se coloca escondido. de tocaia aguardando a vítima passar, para que o
ataque tenha sucesso.
Dissimular tem o significado de ocultar a intenção homicida. fazendo-se passar por
amigo, conselheiro, enfim, dando falsas mostras de amizade, a fim de facilitar o
cometimento do delito. A fórmula genérica contida na parte final do inciso N em
estudo faz menção à utilização de recurso que difjculte ou tome impossível a defesa
do ofendido. Dificultar; como se percebe, é um mínU$ em relação ao tomar
impossível a defesa do ofendido. Naquele, a vítima tem alguma possibilidade de
defesa, mesmo que dificultada por causa da ação do agente. Tomar impossível é
eliminar, completamente, qualquer possibilidade de defesa por parte da vítima, a
exemplo da hipótese em que esta é morta enquanto dormia.

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O recurso que dificulta ou torna impossível a defesa do ofendido é aquele
que se assemelha à traição. emboscada ou dissimulação. Não basta que a vítima
não espere o ato agressivo, é necessário que se configurem hipóteses de surpresa
para a vítima. Trata-se de fórmula genérica em que se exige que o recurso utilizado
tenha a mesma natureza das qualificadoras da traição, emboscada e dissimulação
(fórmulas estas casuísticas). Essa qualificadora traduz um modo insidioso da
atividade executiva do crime. que obsta a defesa da vítima, comprometendo total
ou parcialmente seu potencial defensivo (TJRS, RSE 70035215474, 3ª Câmara
Criminal, Rel. Des. Odone Sanguiné, DJERS 30/7/2010). Havendo provas de que o
agente desceu da motocicleta e desfechou um certeiro tiro contra a vítima fatal,
resta caracterizada qualificadora do recurso que impossibilitou a sua defesa
(TJMG, Processo 1.0223.08. 249168-7/001, ReI. Min. Antônio Armando
dos Anjos, Dl 15/7/2009). Agindo o réu de maneira inesperada, resta
demonstrada, em tese, a qualificadora do motivo que tomou difícil a defesa da
vítima (TJMG, Processo 1.0000.00.297427-7/000 [1], Rel. Min. Mercêdo Moreira,
pub. 12/3/2003).

Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem


de outro crime

Toda vez que for aplicada a qualificadora em estudo, o homicídio deverá ter
relação com outro crime, havendo, outrossim, a chamada conexão.
Júlio Fabbrini Mirabete, com precisão, assevera: "Essas circunstâncias. Que
configurariam a rigor motivo torpe, originam casos de conexão teleológica ou
consequencial. A conexão teleológica ocorre quando o homicídio é perpetrado
como meio para executar outro crime (homicídio para poder provocar um
incêndio). A conexão consequencial ocorre quando é praticado ou para ocultar a
prática de outro delito (homicídio contra o perito que vai apurar apropriação
indébita do agente), ou para assegurar a impunidade dele (homicídio da testemunha
que pode identificar o agente como autor de um roubo), ou para fugir à prisão em
flagrante (RT 434/358) ou para garantir a vantagem do produto, preço ou proveito
de crime (homicídio contra o coautor de roubo ou furto para apossar-se da res
furtiva).”
Diz-se teleológica a conexão quando se leva em consideração o fim em virtude do
qual é praticado o homicídio. No caso da qualificadora do inciso V, será
considerada teleológica a conexão quando o homicídio é cometido com o fim de
assegurar a execução de outro crime. Por exemplo, matar o vigilante da agência
bancária no dia anterior à prática do crime de roubo. Ressalte-se que, neste caso, o
homicídio é cometido para que se assegure a execução de um crime futuro.
Consequencial é a conexão em· que o homicídio é cometido com a finalidade de
assegurar a ocultação ou a vantagem de outro crime. Ao contrário da situação
anterior, aqui o delito de homicídio é praticado com vista a ocultar, assegurar a
impunidade ou a vantagem de um crime já cometido.

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Quando se busca assegurar a ocultação, o que se pretende, na verdade, é manter
desconhecida a infração penal praticada, a exemplo do marido que mata a única
testemunha que o viu enterrar o corpo de sua mulher, também morta por ele. Já
quando o agente visa assegurar a impunidade, a infração penal é conhecida, mas a
sua autoria ainda se encontra ignorada, a exemplo da hipótese do agente que mata
também a única testemunha que presenciou o homicídio, cujo corpo fora deixado
em um local público. Quanto à vantagem de outro crime, conforme esclarece
Hungria, "o propósito do agente é garantir a fruição de qualquer vantagem,
patrimonial ou não, direta ou indireta, resultante de outro crime", como no caso
daquele que mata seu 'companheiro de roubo para que fique sozinho com o
produto do crime.
Com relação às qualificadoras contidas no inciso V em exame, devem ser
ressaltadas as seguintes indagações:

1) se o agente comete o homicídio com o fim de assegurar a execução de outro


crime que, por um motivo qualquer, não vem a ser praticado, ainda deve subsistir
a qualificadora? Sim, haja vista a maior censurabilidade do comportamento
daquele que atua motivado por essa finalidade;
2) se o agente comete o. homicídio a fim de assegurar a' ocultação ou a impunidade
de um delito já prescrito, também subsiste a qualificadora? Sim, pelas mesmas
razões apontadas acima;
3) se o agente pratica o homicídio para assegurar, em tese, a impunidade de um
crime impossível, na hipótese, por exemplo, em que mata a testemunha que o viu
apunhalar a suposta vítima, que já estava morta? Segundo Damásio, "a
qualificadora subsiste, uma vez que o Código pune a maior culpabilidade do
sujeito, revelada em sua conduta subjetiva;"
4) e se o homicídio é cometido com o fim de assegurar a execução, a ocultação, a
impunidade ou a vantagem de uma contravenção penal? Em virtude da proibição da
analogia in malam partem, não se pode ampliar a qualificadora a fim de nela
abranger, também, as contravenções penais. sob pena de ser violado o princípio da
legalidade em sua vertente do nullum crimen nulla poena síne lege stricta, podendo o
agente, entretanto, dependendo da hipótese, responder pelo homicídio qualificado
pelo motivo torpe ou fútil.

Dolo eventual e qualificadoras

Consoante já se manifestou esta Corte Superior de Justiça, a qualificadora prevista


no inciso IV do § 2.<1 do art. 12 1 do Código Penal é, em princípio, compatível com
o dolo eventual, tendo em vista que o agente, embora prevendo o resultado morte,
pode, dadas as circunstâncias do caso concreto, anuir com a sua possível
ocorrência, utilizando-se de meio que surpreenda a vítima. (STJ, HC 120 1 75/SC,
ReJa. Mina. Laurita Vaz, 5a T., DJe 29/312010).
O dolo eventual pode coexistir com a qualificadora do motivo torpe do crime de

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homicídio. Com base nesse entendimento, a Turma desproveu recurso ordinário
em habeas corpus interposto em favor de médico pronunciado peja prática dos
delitos de homicídio qualificado e de exercício ilegal da medicina (arts. 121, § 2º
, I, e 288, parágrafo único, ambos c/c o art. 69 do CP, respectivamente). em
decorrência do fato de, mesmo inabilitado temporariamente para o exercício da
atividade, havê-la exercido e, nesta condição, ter realizado várias cirurgias
plásticas - as quais cominaram na morte de algumas pacientes -, sendo motivado
por intuito econômico. A impetração sustentava a incompatibilidade da
qualificadora do motivo torpe com o dolo eventual, bem como a inadequação da
linguagem utilizada na sentença de pronúncia pela magistrada
de primeiro grau. Concluiu-se pela mencionada compossibilildade, porquanto
nada impediria que o paciente - médico -, embora prevendo o resultado e
assumindo o risco de levar os seus pacientes à morte praticasse a conduta
motivado por outras razões, tais como torpeza ou futilidade. Afastou-se, também,
a alegação de excesso de linguagem, ao fundamento de que a decisão de pronúncia
estaria bem motivada, na medida em que a juíza pronunciante - reconhecendo a
existência de indícios suficientes de autoria e materialidade do fato
delituoso - tivera a cautela, a cada passo, de enfatizar que não estaria antecipando
qualquer juízo condenatório, asseverando que esta seria uma competência que
assistiria unicamente ao Tribunal do Júri (STF, RHC 92571/DF, ReI. Min, Celso de
Mello. j. 30/612009).
São compatíveis, em princípio, o dolo eventual e as qualificadoras do homicídio. É
penalmente aceitável que, por motivo torpe, fútil etc., assuma-se o risco de
produzir o resultado { ... }. Inexistência, na hipótese, de antinomia entre o dolo
eventual e as qualificadoras do motivo torpe e de recurso que dificultou a defesa
das vítimas (STJ, HC 58423/DF, ReJ. Min. Nilson Naves, DJ 25/612007, p.304),
O fato de o agente assumir o risco de produzir o resultado. aspecto caracterizador
do dolo eventual, não exclui a possibilidade de o crime ser praticado mediante o
emprego de recursos que dificultem ou impossibilitem a defesa da vítima.
Precedemes (5TJ. HC 36714/SP, ReI. Min. Gilson Dipp, sa T., DJ 1>1/7/2005, p.
572).

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