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Manual de

Direito Penal
volume único
Rogério
Sanches Cunha

Parte Especial
(arts. 121 ao 361)

12ª revista
atualizada
ampliada
edição

2020
Título I – Dos crimes contra a pessoa Art. 122

especialidade), punido com detenção de  2 a  4 anos, e suspensão ou proibição de se


obter a permissão ou a habilitação para dirigir67.
c) Código Penal x Lei de Segurança Nacional: quando a vítima for Presidente
da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal
Federal, e o agente tiver motivação e objetivos políticos, o crime, em face do princípio da
especialidade, será o do art. 29 da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83).
d) Código Penal x Lei nº 13.260/16: o art. 2º, § 1º, inciso V, da Lei nº 13.260/16
pune com reclusão de doze a trinta anos a conduta de atentar contra a vida de pessoa se
o fato é cometido por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia e religião, com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a
perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

3. INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO OU A AU-


TOMUTILAÇÃO
X Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe au-
xílio material para que o faça:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

§ 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou


gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte:


Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§ 3º A pena é duplicada:
I - se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil;
II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

§ 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computado-
res, de rede social ou transmitida em tempo real.

§ 5º Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede


virtual.

67. Sabendo que o resultado culposo (morte) é o mesmo, seja proveniente de acidente de trânsito ou
não, o que justifica a maior severidade na punição do art. 302 do CTB quando comparado com o
art. 121, § 3º, do CP? Será constitucional? Para uns, como o desvalor do resultado é o mesmo, não
se justifica maior punição no CTB, ferindo, assim, o princípio constitucional da proporcionalidade
das penas. Para outros, não sem razão, apesar do desvalor do resultado ser idêntico, o desvalor das
condutas acaba por fundamentar a diferença de tratamento das reprimendas, pois o comportamen-
to negligente no trânsito é, sem dúvida, mais lesivo (ou potencialmente lesivo).

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Art. 122 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

§ 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão corporal de natureza gravíssima e é
cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental,
não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode
oferecer resistência, responde o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129 deste Código.

§ 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos
ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer
outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos termos
do art. 121 deste Código.

3.1. Considerações iniciais


A Lei 13.968/19 promoveu importantes alterações no art. 122 do CP, que passou a ti-
pificar conjuntamente o induzimento, a instigação e o auxílio ao suicídio e à automutilação.
Errou o legislador. Misturou, no mesmo tipo, comportamentos manifestamente dis-
tintos. Cumulou na mesma redação típica crime doloso contra a vida e crime de natu-
reza diversa. Não que o delito de participação em automutilação não merecesse punição
própria. Apenas deveria estar tipificado em artigo outro, como, por exemplo, art. 129-A,
topograficamente mais coerente. As penas cominadas aos dois comportamentos também
merecem críticas. As condutas relativas ao suicídio e à automutilação têm exatamente as
mesmas consequências penais, algo absolutamente desproporcional em virtude das dife-
renças essenciais entre as condutas punidas: enquanto as primeiras buscam a eliminação da
vida, as outras se limitam à lesão corporal.
Feito o imbróglio (e aqui não existe outra expressão para explicar o ocorrido), va-
mos, em cada tópico (considerações iniciais, sujeitos do crime, conduta, voluntariedade e
consumação) comentar primeiro o induzimento, a instigação e o auxílio ao suicídio (art.
122, 1ª., parte), para, em seguida, dedicar os comentários ao induzimento, a instigação e
o auxílio à automutilação (art. 122, 2ª parte), esperando, com isso, facilitar a compreensão
do leitor.

Induzimento, a instigação e o auxílio ao suicídio (art. 122, 1ª parte, CP)


Nélson Hungria conceitua o suicídio como sendo “a eliminação voluntária e direta
da própria vida. Para que haja suicídio é imprescindível a intenção positiva de despedir-se
da vida”68.
Ricardo Vergueiro Figueiredo69, valendo-se de valioso estudo elaborado por Emile
Durkheim, explica que, em Atenas, a atitude daquele que se autoeliminasse era vista como
uma verdadeira injustiça contra a sua comunidade, sendo-lhe vedadas as honras da sepul-
tura regular. Além disso, a mão do suicida era cortada e enterrada à parte. Em Roma, o
cidadão que desejasse se matar deveria submeter suas razões ao Senado que, então, decidiria
se eram ou não aceitáveis, determinando até mesmo o gênero da sua morte. O próprio

68. Ob. cit., v. 5, p. 231.


69. Da participação em suicídio, p. 4.

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Título I – Dos crimes contra a pessoa Art. 122

Direito Canônico já considerou a eliminação da própria vida um crime, prevendo expres-


samente sanção contra o suicida: a proibição de receber oferendas.
No Brasil, a exemplo da maioria das nações modernas, a incriminação aqui estudada
não pune o fato de uma pessoa matar-se (ou a sua tentativa), mas sim a conduta do terceiro
que participa do evento, instigando, induzindo ou auxiliando aquela a eliminar a própria
vida. Só a vida alheia é criminalmente protegida.
Observa Cezar Roberto Bitencourt:
“Não sendo criminalizada a ação de matar-se ou a sua tentativa,
a participação nessa conduta atípica, consequentemente, tampouco
poderia ser penalmente punível, uma vez que, segundo a teoria da
acessoriedade limitada, adotada pelo ordenamento jurídico brasi-
leiro, a punibilidade da participação em sentido estrito, que é uma
atividade secundária, exige que a conduta principal seja típica e an-
tijurídica. A despeito dessa correta orientação político-dogmática,
as legislações modernas, considerando a importância fundamental
da vida humana, passaram a prever uma figura sui generis de crime,
quando alguém, de alguma forma, concorrer para a realização do
suicídio (...). Na verdade, os verbos nucleares do tipo penal des-
crito no art. 122 – induzir, instigar e auxiliar – assumem conota-
ção completamente distinta daquela que têm quando se referem
à participação em sentido estrito. Não se trata de participação – no
sentido de atividade acessória, secundária, como ocorre no instituto
da participação stricto sensu –, mas de atividade principal, nuclear
típica, representando a conduta típica proibida lesiva direta do bem
jurídico vida. Por isso, quem realizar qualquer dessas ações, em re-
lação ao sujeito passivo, não será partícipe, mas autor do crime de
concorrer para o suicídio alheio, visto que sua atividade não será
acessória, mas principal, única, executória e essencialmente típica.
E essa tipicidade não decorre de sua natureza acessória, mas de sua
definição legal caracterizadora de conduta proibida. Não vemos, aí,
nenhuma incoerência dogmática.”70.
Estamos diante de um crime de menor potencial ofensivo, que admite transação penal
e suspensão condicional do processo. Claro que as medidas despenalizadoras não serão
aplicadas no JECRIM, pois, tratando-se de delito doloso contra a vida, a competência é do
Tribunal do Júri.
Caso incida alguma das causas de aumento dos §§ 3º, 4º e 5º, fica afastada a transação
penal. A pena do § 1º continua a admitir a suspensão condicional do processo, incabível
nos demais parágrafos.
Admitida transação penal no caput, fica inviabilizado o acordo de não persecução pe-
nal, nos exatos termos do art. 28-A, § 2º, inc. I, do CPP.

70. Ob. cit, v. 2, p. 124.

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Art. 122 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

Induzimento, a instigação e o auxílio á automutilação (art. 122, 2ª parte, CP)


A automutilação, por sua vez, pode ser definida como o ato intencional de provocar
lesões no próprio corpo, sem o propósito consciente de cometer suicídio. Figura na literatura
médica como sintoma de transtornos mentais e pode ocorrer por meio de inúmeras condutas
elencadas na Classificação Internacional de Doenças (CID). O item F98.4, por exemplo,
dispõe que “comportamentos estereotipados automutiladores” incluem “bater a cabeça, es-
bofetear a face, colocar o dedo nos olhos, morder as mãos, os lábios ou outras partes do
corpo”. A CID também elenca, entre os itens X60 e X84, diversas formas e meios de lesões
autoprovocadas intencionalmente: enforcamento, estrangulamento, sufocação, afogamento,
submersão, disparo de arma de fogo na mão, uso de objeto cortante, penetrante ou contun-
dente, precipitação de lugar elevado, precipitação ou permanência diante de um objeto em
movimento, impacto de veículo a motor, eletrocussão, inalação de fumaça, exposição ao fogo,
a chamas ou a explosivos, exposição a vapor de água, gases ou objetos quentes, dentre outras.
O fundamento para a tipificação de induzimento, instigação ou auxílio à automutila-
ção reside no número cada vez maior de casos ocorridos especialmente por meio da internet
e entre jovens, estimulados a participar de jogos que envolvem lesões a seu próprio corpo e
que não raro os levam à morte. Muito embora, como veremos, o tipo não restrinja as con-
dutas aos meios eletrônicos nem tutele exclusivamente menores de idade ou vulneráveis,
não há dúvida de que são eles que, com acesso muitas vezes irrestrito à internet, acabam
sendo alvos das condutas punidas. É o que se extrai das justificativas do projeto da lei que
reformulou o tipo penal:
“O chamado cutting (ou automutilação) é caracterizado pela agres-
são deliberada ao próprio corpo, sem a intenção de cometer suicídio.
Não há ainda dados disponíveis sobre a prática no Brasil, mas uma
pesquisa divulgada em 2006, na publicação científica da Academia
Americana de Pediatria, aponta que 17% dos adolescentes em idade
escolar praticaram automutilação mais de uma vez em toda a sua vida.
Especialistas afirmam que o mundo on-line em que as crianças e
adolescentes estão inseridos pode estar contribuindo para esse ce-
nário, pelo uso cada vez mais crescente de instrumentos eletrônicos
como celulares e tablets. Nesse ambiente, os jovens se sentem pres-
sionados pelas redes sociais a seguir certo estilo de vida, como uma
necessidade de [afirmação ou de] reafirmação e de inserção entre
outros jovens. Com isso, criam-se novos espaços para a prática do
bullying, por exemplo.
A partir daí, tem crescido o número de grupos nas redes sociais que
incentivam e estimulam a prática da automutilação entre crianças
e adolescentes. Para serem aceitos pelos grupos, os jovens precisam
lesionar o próprio corpo e divulgar o resultado por meio de fotos
ou vídeos nas redes sociais”.
A exemplo do crime de participação em suicídio, cuida-se de infração de menor
potencial ofensivo, que admite transação penal e suspensão condicional do processo.

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Título I – Dos crimes contra a pessoa Art. 122

Diferentemente do delito anterior, não sendo crime doloso contra a vida, será processado e
julgado, na forma simples, perante o JECRIM.
Caso incida alguma das causas de aumento dos §§ 3º, 4º e 5º, fica afastada a transação
penal e a competência do JECRIM. A pena do § 1º continua a admitir a suspensão condi-
cional do processo, incabível nos demais parágrafos.
Admitida transação penal no caput, fica inviabilizado o acordo de não persecução pe-
nal, nos exatos termos do art. 28-A, § 2º, inc. I, do CPP.

3.2. Sujeitos do crime


Induzimento, a instigação e o auxílio ao suicídio (art. 122, 1ª parte, CP)
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo (crime comum), não exigindo a lei nenhuma
qualidade especial do agente. É admissível concurso de pessoas nas suas duas formas: coau-
toria ou participação.
Sabendo que o suicídio se dá com a eliminação da própria vida, realizada de forma
voluntária e consciente (capacidade de discernimento), claro está que apenas a pessoa capaz
pode ser sujeito passivo. Tratando-se de “suicida” incapaz de entender o significado de sua
ação e de determinar-se de acordo com esse entendimento, deixa de haver supressão vo-
luntária e consciente da própria vida, logo, não há suicídio. Nesse caso, estamos diante de
um delito de homicídio, encarando-se a incapacidade da vítima como mero instrumento
daquele que lhe provocou a morte.
“É mister também que o sujeito passivo realmente queira suicidar-
-se. Se, v.g., ele aparenta ter sofrido a ação de outro e pretende
simular um suicídio, mas desastradamente se mata, não há crime a
punir, pois a ação daquele não teve a potência de instigar ou indu-
zir, não teve a eficiência causal”71.
Esta ressalva, sempre enfatizada pela doutrina, passou a integrar expressamente o tipo
penal após as alterações promovidas pela Lei 13.968/19. Com efeito, o § 7º do art. 122
dispõe que se o suicídio se consuma e a conduta se volta contra alguém menor de quatorze
anos ou que não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qual-
quer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio
(art. 121 do CP).
Aliás, por conta dessa lição, concluímos que o legislador, nas disposições do § 6º, errou
novamente. De acordo com esse dispositivo, se da tentativa de suicídio resulta lesão cor-
poral de natureza gravíssima, e a conduta é praticada contra alguém nas mesmas condições
de incapacidade de discernimento, responde o agente pelo crime tipificado no § 2º do art.
129 do CP. Aqui reside o equívoco. Deveria ter seguido o mesmo raciocínio do §7º. Se
o agente induz, instiga ou auxilia alguém a cometer um suicídio que não se consuma por
circunstâncias alheias à sua vontade, e a pessoa visada é incapaz de discernir, o correto é

71. Magalhães Noronha, Direito penal, v. 2, p. 34.

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Art. 122 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

imputar ao participante do evento o delito de homicídio (tentado), e não a lesão corporal


dolosa. Percebam que ele não participou de suicídio (evento que nunca existiu, por falta
de capacidade da vítima). Na verdade, usou o incapaz como instrumento para ceifar a sua
(incapaz) vida. Somos obrigados a aplicar, no caso, o tipo e as penas do art. 121 do CP, na
forma tentada, e não o art. 129, §2º, anunciado pelo §6º. do art. 122.
Para a ocorrência do crime de participação em suicídio, exige-se, ainda, que a conduta
do agente seja dirigida a uma ou várias pessoas determinadas, não bastando o mero induzi-
mento genérico, dirigido a pessoas incertas (ex.: espetáculos, obras literárias endereçadas ao
público em geral, discos etc.). Conforme Euclides Custódio da Silveira:
“É imprescindível que o induzimento vise a uma pessoa determi-
nada; o escritor ou articulista que faz apologia do suicídio não res-
ponde pelo delito em exame, se alguém se deixa influenciar pela
leitura. É famoso o livro Werther, de Goethe, que tantos suicídios
provocou, a ponto de ser proibida a sua venda na cidade de Leipzig,
em 1775”72.
Ainda que o crime seja cometido por meios eletrônicos, como internet e redes sociais,
a conduta transmitida deve atingir pessoas determinadas. Caso se trate, por exemplo, de
uma página dedicada à apologia do suicídio, sem, contudo, se dirigir a alguém para indu-
ção ou instigação concreta, não se perfaz o crime.
O inciso II do § 3º traz causa de aumento de pena para os casos em que a vítima é
menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. Esta majorante
já existia antes da alteração promovida pela Lei 13.968/19, e, atualmente, em virtude das
disposições dos §§ 6º e 7º, que consideram o menor de quatorze anos incapaz de discerni-
mento para entender a natureza da conduta que o esta vitimando, a única conclusão possí-
vel é de que o menor aqui mencionado é o que tem entre quatorze e dezoito anos de idade.

Induzimento, a instigação e o auxílio á automutilação (art. 122, 2ª parte, CP)


Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo (crime comum), não exigindo a lei nenhuma
qualidade especial do agente. É admissível concurso de pessoas nas suas duas formas: coau-
toria ou participação.
Sendo a vítima menor de quatorze anos ou que não tem o necessário discernimento
para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, se
da automutilação resulta morte (obviamente culposa), diz o § 7º do art. 122 do CP que
o agente responde pelo crime de homicídio. Mais um erro do legislador. Como pode o
agente responder por um crime doloso contra a vida, sendo a morte, na hipótese, culposa?
Aliás, o incapaz é, na verdade, um instrumento nas “mãos” do agente, que busca vê-lo
ferido. Não participa de automutilação (que pressupõe capacidade do automutilado). Na
verdade, ofende efetivamente a incolumidade física do incapaz. Somos obrigados a concluir
que o agente, no caso, deve responder pelo tipo e nas penas do art. 129, §3º (lesão corporal

72. Direito penal – Crimes contra a pessoa, p. 95.

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Título I – Dos crimes contra a pessoa Art. 122

seguida de morte), delito preterdoloso, de competência do juiz singular. Assim, não apenas se
corrige a falta de técnica na imputação legal, mas também se prestigia a proporcionalidade na
pena, especialmente quando o comportamento é comparado com o anterior. Esse raciocínio
norteou o legislador no parágrafo anterior (§6º.). Deveria ter sido seguido também no § 7º.
De acordo com o § 6º, se da automutilação resulta lesão corporal de natureza gra-
víssima, e a conduta é praticada contra alguém nas mesmas condições de incapacidade de
discernimento, responde o agente pelo crime tipificado no § 2º do art. 129 do CP.
Exige-se, ainda, que a conduta do agente seja dirigida a uma ou várias pessoas de-
terminadas, não bastando o mero induzimento genérico, dirigido a pessoas incertas (ex.:
espetáculos, obras literárias endereçadas ao público em geral, discos etc.).
Ainda que o crime seja cometido por meios eletrônicos, como internet e redes sociais,
a conduta transmitida deve atingir pessoas determinadas. Caso se trate, por exemplo, de
uma página dedicada à apologia da automutilação, sem, contudo, se dirigir a alguém para
indução ou instigação concreta, não se perfaz o crime.
O inciso II do § 3º traz causa de aumento de pena para os casos em que a vítima é
menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. Esta majorante
já existia antes da alteração promovida pela Lei 13.968/19, e, atualmente, em virtude das
disposições dos §§ 6º e 7º, que consideram o menor de quatorze anos incapaz de discerni-
mento para entender a natureza da conduta que o esta vitimando, a única conclusão possí-
vel é de que o menor aqui mencionado é o que tem entre quatorze e dezoito anos de idade.

3.3. Conduta
Induzimento, a instigação e o auxílio ao suicídio (art. 122, 1ª parte, CP)
Três são as formas de praticar o crime:
a) induzimento: hipótese em que o agente faz nascer na vítima a ideia e a vontade mór-
bida. Aqui o sujeito passivo nem sequer cogitava eliminar a própria vida, sendo convencido
pela ação do agente;
b) instigação: caso em que o autor reforça a vontade mórbida preexistente na vítima.
Aqui o sujeito passivo já pensava em se suicidar, e este propósito é reforçado pelo agente;
c) auxílio: o agente presta efetiva assistência material, facilitando a execução do suicí-
dio, quer fornecendo, quer colocando à disposição do ofendido os meios necessários para
fazê-lo (ex.: emprestando instrumentos letais).
Nas duas primeiras hipóteses (induzimento e instigação) temos a participação moral;
já na última (auxílio), a participação é material.
Tratando-se de crime de conduta múltipla ou de conteúdo variado (plurinuclear),
mesmo que o agente pratique, no mesmo contexto fático e sucessivamente, mais de uma
ação descrita no tipo penal, responderá por crime único. Assim, por exemplo, aquele que

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Art. 122 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

induz ao suicídio e fornece a substância letal para que a vítima se mate responde por crime
único, devendo o magistrado considerar a insistência criminosa na gradação da pena.
Adotando fórmula diversa da original, o legislador dividiu o tipo do art. 122 em pará-
grafos de acordo com o resultado advindo da conduta.
O caput pune com reclusão de seis meses a dois anos os atos de induzir, instigar ou
auxiliar materialmente alguém a suicidar-se. Antes a conduta era punida apenas se resul-
tasse em lesão corporal grave ou morte, pois o preceito secundário do tipo penal cominava
as penas conforme ocorresse um desses resultados. Mas, na atual sistemática, não se exige
nenhum resultado lesivo; basta a prática de uma das condutas sobre determinada pessoa.
Ocorrendo lesão, mas leve, continua se subsumindo ao caput, devendo o juiz considerar o
resultado (lesão leve) na fixação da pena-base.
Cominando pena de reclusão de um a três anos, o § 1º dispõe sobre a lesão corporal
grave ou gravíssima resultante da tentativa de suicídio. O que antes era tratado como uma
das formas básicas de punição tem atualmente a natureza de qualificadora.
Por expressa disposição do § 1º, os conceitos de lesão corporal grave e gravíssima de-
vem ser extraídos dos §§ 1º e 2º do art. 129:
a) lesão corporal grave: incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias;
perigo de vida; debilidade permanente de membro, sentido ou função; aceleração de parto.
b) lesão corporal gravíssima: incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade
incurável; perda ou inutilização do membro, sentido ou função; deformidade permanente;
aborto.
O § 2º estabelece pena de reclusão de dois a seis anos para a situação em que o suicídio
se consuma. Trata-se também de uma circunstância qualificadora que antes era considerada
para a formação do tipo básico da participação em suicídio.
Como podemos observar, as penas cominadas para as situações em que ocorre lesão
grave ou morte não se modificaram; apenas passaram a ter natureza diversa. Somente a
situação do caput é uma novidade, pois antes os atos de induzimento, instigação ou auxílio
ao suicídio cuja tentativa não resultasse em nenhuma lesão, ou resultasse em lesão leve, não
eram punidos.
Discute a doutrina se o crime admite as duas formas de conduta: ação ou omissão.
Entende a maioria que a colaboração moral (induzir ou instigar) só pode ser praticada
por ação.
Paulo José da Costa Jr., porém, enxerga instigação na forma omissiva, explicando:
“Somente a instigação poderá ser vislumbrada através de uma
conduta negativa, por parte do sujeito ativo. Figure-se o caso de
alguém que comunique a outrem, que sobre ele dispõe de gran-
de influência, estar propenso a dar cabo de sua vida. O terceiro
não exercita sua persuasiva para dissuadir o companheiro da ideia

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Título I – Dos crimes contra a pessoa Art. 122

macabra, como lhe impunha fazer. Logo, non fecit quod defetur,
mantendo-se calado e passivo. Sua conduta omissiva poderia em
tese incriminá-lo”73.
Concordamos com a presente lição, desde que o omitente tenha o dever jurídico de
evitar o evento.
A mesma discussão se repete na hipótese da cooperação material (auxílio). Opinam
alguns que a expressão usada no núcleo do tipo (a prestar-lhe auxílio para que o faça) traduz
sempre conduta comissiva (ação), afastando-se o auxílio omissivo (RT 491/285).
José Frederico Marques, comungando desse entendimento, escreve que a prestação
de auxílio é sempre uma conduta comissiva74. Responderia o omitente, conforme o caso,
apenas por omissão de socorro (art. 135 do CP).
Nélson Hungria, por sua vez, ensina que:
“A prestação de auxílio pode ser comissiva ou omissiva. Neste últi-
mo caso, o crime só se apresenta quando haja um dever jurídico de
impedir o suicídio.”75.
Magalhães Noronha, reforçando essa última corrente, aduz:
“Diante da teoria da equivalência dos antecedentes, abraçada pelo nos-
so Código no art. 13, é inadmissível outra opinião: desde que ocor-
ram o dever jurídico de obstar o resultado e o elemento subjetivo, a
omissão é causal, pouco importando que a ela se junte outra causa.”76.
O auxílio, porém, deve ser sempre acessório (cooperação secundária). Deixa de haver
participação em suicídio quando o auxílio intervém diretamente nos atos executórios, caso
em que o agente colaborador responderá por homicídio. Sobre o assunto, alerta Cezar
Roberto Bitencourt:
“O auxílio pode ocorrer desde a fase da preparação até a fase exe-
cutória do crime, ou seja, pode ocorrer antes ou durante o suicídio,
desde que não haja intervenção nos atos executórios, caso contrário
estaremos diante de homicídio, como exemplifica Manzini: o agen-
te puxa a corda de quem se quer enforcar; segura a espada contra a
qual se atira o suicida; provoca a emissão de gás no quarto onde a
vítima está acamada e deseja morrer; ajuda a amarrar uma pedra no
pescoço de quem se joga ao mar.”77.
Ricardo Vergueiro Figueiredo78 coloca uma questão interessante:

73. Apud Ricardo Vergueiro Figueiredo, ob. cit., p. 55.


74. Tratado de direito penal, v. 4, p. 163.
75. Ob. cit., v. 5, p. 232.
76. Direito penal, v. 2, p. 36.
77. Ob. cit, v. 2, p. 130.
78. Ob. cit., p. 49.

91
Art. 122 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

5 Que crime estaria caracterizado no caso daquele que induziu ou instigou o ofen-
dido ao suicídio e no momento culminante do ato acabou interferindo na sua
execução?
Referido autor buscou a resposta nas lições de Fernando Almeida Pedroso, abaixo
transcritas:
“Curial é a impossibilidade do concurso material de delitos entre
a participação em suicídio e homicídio, dado que a morte da ví-
tima compõe um único evento ou resultado. Há, portanto, um só
crime. Resta esclarecer, então, qual dos dois delitos aparentemente
tipificáveis deverá preponderar, como consequência de sua efetiva
participação: o homicídio ou a participação em suicídio. Há que
se recorrer, dessarte, ao concurso aparente de normas penais, de lá
emanando a solução: é homicídio o crime perpetrado. Sim, porque,
pelo princípio da consunção, o crime-meio (participação em suicí-
dio) está compreendido no crime-fim (homicídio), dada a progres-
sividade de uma conduta à outra.”.
Responde por homicídio (e não participação em suicídio) aquele que, depois de auxi-
liar o suicida, vê sua vítima arrependida pedir socorro e impede, dolosamente, a interven-
ção salvadora de terceiro.
O extinto Tribunal de Alçada de São Paulo, ainda com base na Lei 9.437/97 (revoga-
da pela Lei 10.826/03), decidiu que, “havendo suicídio frustrado, o sujeito não responde,
residualmente, pelas infrações de porte ilegal de arma e disparo de arma de fogo em via pú-
blica na forma do art. 10, caput e § 1º, III” (ApCrim 531.105). O fundamento da decisão
é de política criminal, na medida em que visa a não prejudicar ainda mais alguém que já
demonstrou desprezo e repugnância pela própria vida.
O art. 146, § 3º, II, do CP estabelece que não há crime de constrangimento ilegal na
coação para impedir suicídio.

Induzimento, a instigação e o auxílio á automutilação (art. 122, 2ª parte, CP)


Três são as formas de praticar o crime:
a) induzimento: hipótese em que o agente faz nascer na vítima a ideia e a vontade
mórbida. Aqui o sujeito passivo nem sequer cogitava se automutilar, sendo convencido
pela ação do agente;
b) instigação: caso em que o autor reforça a vontade mórbida preexistente na vítima.
Aqui o sujeito passivo já pensava em se ferir, e este propósito é reforçado pelo agente;
c) auxílio: o agente presta efetiva assistência material, facilitando a execução da auto-
mutilação, quer fornecendo, quer colocando à disposição do ofendido os meios necessários
para fazê-lo (ex.: emprestando instrumentos eficazes para ferir).
Nas duas primeiras hipóteses (induzimento e instigação) temos a participação moral;
já na última (auxílio), a participação é material.

92
Título I – Dos crimes contra a pessoa Art. 122

Tratando-se de crime de conduta múltipla ou de conteúdo variado (plurinuclear),


mesmo que o agente pratique, no mesmo contexto fático e sucessivamente, mais de uma
ação descrita no tipo penal, responderá por crime único. Assim, por exemplo, aquele que
induz à automutilação e fornece a substância capaz de ferir para que a vítima se automuti-
le, responde por crime único, devendo o magistrado considerar a insistência criminosa na
gradação da pena.
O mesmo ocorre no caso de progressão criminosa em que o agente inicialmente induz,
instiga ou auxilia alguém a se automutilar e, em seguida, modifica seu propósito para levar
a vítima ao suicídio.
O caput pune com reclusão de seis meses a dois anos os atos de induzir, instigar ou
auxiliar materialmente alguém a praticar automutilação. Ocorrendo lesão, mas leve, conti-
nua se subsumindo ao caput, devendo o juiz considerar o resultado (lesão leve) na fixação
da pena-base.
Cominando pena de reclusão de um a três anos, o § 1º dispõe sobre a lesão corporal
grave ou gravíssima resultante da automutilação. Por expressa disposição do § 1º, os con-
ceitos de lesão corporal grave e gravíssima devem ser extraídos dos §§ 1º e 2º do art. 129:
a) lesão corporal grave: incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias;
perigo de vida; debilidade permanente de membro, sentido ou função; aceleração de parto.
b) lesão corporal gravíssima: incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incu-
rável; perda ou inutilização do membro, sentido ou função; deformidade permanente; aborto.
O § 2º estabelece pena de reclusão de dois a seis anos para a situação em que da auto-
mutilação resulta morte.
A mesma discussão travada na participação em suicídio vai se repetir na participação
em automutilação: o crime admite as duas formas de conduta, leia-se, ação ou omissão?
Para evitar enfadonha repetição, remetemos o leitor ao que foi exposto acima.
O auxílio deve ser sempre acessório (cooperação secundária). Deixa de haver participa-
ção em automutilação quando o auxílio intervém diretamente nos atos executórios, caso
em que o agente colaborador responderá por lesão corporal.
O art. 146, § 3º, II, do CP estabelece que não há crime de constrangimento ilegal na
coação para impedir suicídio. Em que pese a Lei 13.968/19 não ter alterado o art. 146,
também não há crime na coação para impedir a automutilação. Não enxergamos motivo
para tratamento diferente. Motivos, aliás, para excluir o crime neste caso não faltam. Au-
sência de dolo, estado de necessidade de terceiro ou inexigibilidade de conduta diversa,
pouco importando qual, isentam o agente de pena, pois excluem o crime.

3.4. Voluntariedade
Induzimento, a instigação e o auxílio ao suicídio (art. 122, 1ª parte, CP)
O crime somente é punido a título de dolo, expressado pela consciente vontade de
instigar, induzir ou favorecer alguém a se suicidar.

93
Art. 122 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

O dolo eventual é perfeitamente possível, como no clássico exemplo do pai que expulsa
de casa a filha desonrada, consciente de que tal arbitrariedade (e falta de compreensão) poderá
incutir na jovem a vontade de se matar, aceitando o risco de produzir o resultado fatal.
Escreve Manzini, lembrado por Noronha, que:
“Não basta ter criado em outro a resolução de matar-se, mas é ne-
cessária também a intenção de conseguir tal efeito, sem o que não
será responsável por participação em suicídio nem por homicídio
doloso, mas eventualmente por outro delito. Para o eminente ju-
rista, o fim de que o sujeito passivo se suicide constitui dolo espe-
cífico. Não ocorre, pois, o crime quando uma donzela seduzida se
suicida; quando alguém, vítima de vultoso estelionato e reduzido
à ruína, se mata etc. Em tais casos, não há vontade no agente do
exício do sujeito passivo”79.
Não há forma culposa para o induzimento, a instigação e o auxílio ao suicídio. A
conduta negligente causadora do suicídio de alguém é fato atípico (não configura sequer
homicídio culposo).

Induzimento, a instigação e o auxílio á automutilação (art. 122, 2ª parte, CP)


O crime somente é punido a título de dolo, expressado pela consciente vontade de
instigar, induzir ou favorecer alguém a se automutilar.
O dolo eventual é perfeitamente possível.
Não há forma culposa para o induzimento, a instigação e o auxílio à automutilação,
mas, como já mencionamos, a morte eventualmente decorrente desta conduta não pode
ser querida pelo agente.

3.5. Consumação e tentativa


Induzimento, a instigação e o auxílio ao suicídio (art. 122, 1ª parte, CP)
Sob a vigência da redação original do art. 122, havia séria divergência a respeito do
momento consumativo do crime e da possibilidade de tentativa. Entendia a doutrina
clássica que o crime se consumava com o induzimento, a instigação ou o auxílio ao sui-
cídio, mas a punição do crime consumado se condicionava à superveniência da morte ou
da lesão grave (condição objetiva de punibilidade), sem possibilidade de tentativa. Nesse
sentido, Hungria80.
Outra corrente se formou no sentido de negar à morte e à lesão grave a natureza jurí-
dica de condição objetiva de punibilidade, pois representam o objetivo e propósito a que
se direciona o intento do agente. Trata-se, na realidade, do próprio resultado naturalístico.

79. Direito penal, v. 2, p. 41.


80. Ob. cit., v. 5, p. 235-236.

94
Título I – Dos crimes contra a pessoa Art. 122

Para esta corrente, a tentativa era também juridicamente inadmissível, embora possível sob
o aspecto fático. É o que ensinavam Magalhães Noronha81 e Fernando Capez82.
Cezar Roberto Bitencourt fomentava ainda mais a discussão, trazendo um terceiro
entendimento:
“A nosso juízo, ao contrário do que se tem afirmado, o Código
Penal brasileiro não considera o crime de suicídio consumado quan-
do determina a punição diferenciada para a hipótese de sobrevir
somente lesão corporal de natureza grave. Ao contrário, pune a ten-
tativa, uma tentativa diferenciada, uma tentativa qualificada, mas
sempre uma tentativa, na medida em que, além de distinguir o
tratamento dispensado a não consumação da supressão da vida da
vítima, reconhece-lhe uma menor censura, à qual atribui igualmente
uma menor punição, em razão do menor desvalor do resultado: a
punição do crime consumado é uma e a punição do crime tentado
(lesão grave) é outra”83.
A atual estrutura típica do art. 122 sepulta a controvérsia a respeito da consumação
e da existência de condição objetiva de punibilidade, pois, como vimos, a punição não é
mais condicionada à ocorrência de lesão grave ou morte. A figura básica do caput se con-
tenta com os atos de induzimento, instigação ou auxílio, os quais podem ser qualificados se
ocorrer aqueles resultados mais graves. Ocorrendo lesão leve, o juiz, subsumindo a conduta
ao caput, deve considerar o resultado na fixação da pena-base.
Diante disso, também não resta dúvida sobre a possibilidade de tentativa. É perfeita-
mente possível, por exemplo, que alguém seja impedido por um terceiro enquanto tenta
fornecer auxílio material a um suicida. A tentativa também parece evidente na carta inter-
ceptada.

Induzimento, a instigação e o auxílio á automutilação (art. 122, 2ª parte, CP)


A figura básica do caput se contenta com os atos de induzimento, instigação ou au-
xílio, os quais podem ser qualificados se ocorrer aqueles resultados mais graves referidos
nos parágrafos. Ocorrendo lesão leve, o juiz deve considerar esse resultado na fixação da
pena-base prevista no caput.
A tentativa é possível, como no exemplo do agente impedido por um terceiro enquan-
to tenta fornecer auxílio material à vítima ou da carta interceptada.

3.6. Majorantes de pena


A partir deste ponto, voltamos a analisar os dois crimes (participação em suicídio e
automutilação) em conjunto, lembrando, contudo, nossa crítica no tocante às penas. O

81. Direito penal, v. 2, p. 37.


82. Ob. cit., v. 2, p. 94.
83. Ob. cit, v. 2, p. 137.

95
Art. 122 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

legislador errou ao igualar as consequências para comportamentos claramente distintos,


ferindo a proporcionalidade.
O § 3º duplica a pena se:
a) o crime for praticado por motivo egoístico (para satisfazer interesses pessoais do agen-
te), torpe (por razões vis, ignóbeis, repugnantes) ou fútil (quando o móvel apresenta real
desproporção entre o delito e sua causa moral);
b) a vítima for menor: como já adiantamos nos comentários ao sujeito passivo, o me-
nor de que trata a majorante é o que tem entre quatorze e dezoito anos. Se a conduta vitima
alguém menor de quatorze anos que ceifa a própria vida, imputa-se o homicídio; se da
automutilação ou da tentativa de suicídio resulta no menor de quatorze anos lesão corporal
gravíssima, o crime é de lesão corporal.
c) a vítima tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência, v.g., o ébrio,
o enfermo, o senil etc. Percebam que a lei se refere à diminuição da capacidade, já que sua
total supressão faz com que a conduta se subsuma ao § 6º ou ao § 7º, conforme o caso.
O § 4º admite o aumento até o dobro se a conduta é realizada por meio da “rede de
computadores”, de rede social ou se for transmitida em tempo real.
Acreditamos ter havido uma omissão involuntária na primeira expressão, pois se re-
ferir somente a “rede de computadores” não faz sentido. A intenção é de que o aumento
da pena incida no crime cometido por meio da rede mundial de computadores (internet),
devido à maior facilidade para recrutar alguém com as características psicológicas adequa-
das sobretudo ao induzimento e à instigação. O mesmo acontece no crime cometido por
meio de redes sociais.
No caso da transmissão em tempo real, também se potencializa o efeito danoso da
conduta em razão do número de pessoas que podem ser expostas aos atos suicidas ou de
automutilação.
Por fim, o §5º aumenta a pena pela metade se o agente é líder ou coordenador de
grupo ou de rede virtual.
É comum que os atos de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio e à auto-
mutilação ocorram em ambientes virtuais, por meio de grupos liderados por um ou mais
indivíduos que costumam impor desafios capazes de gradativamente levar a vítima a atos
cada vez mais graves de autolesão ou à morte. Nestes casos, os líderes têm influência sobre
diversas pessoas simultaneamente, o que sem dúvida potencializa as consequências danosas
de suas condutas.
Note-se que não há bis in idem na imputação conjunta das majorantes dos §§ 4º e
5º. No caso do § 4º, considera-se tanto a facilidade que o ambiente virtual proporcio-
na para que o agente encontre seu alvo quanto a influência negativa que a transmissão
ao vivo pode exercer sobre número considerável de pessoas. O § 5º, por outro lado,
se fundamenta na maior potencialidade lesiva da conduta do líder de um grupo de
pessoas influenciáveis.

96
Título I – Dos crimes contra a pessoa Art. 122

Em resumo:
Participação em suicídio Participação em automutilação
Vítima maior e capaz Vítima maior e capaz
Não sofre qualquer lesão ou sofre lesão leve Não sofre qualquer lesão ou sofre lesão leve

Art. 122, caput, CP (pena: 6meses a 2 anos), de- Art. 122, caput, CP (pena: 6meses a 2 anos), de-
vendo a natureza da lesão ser considerada na fi- vendo a natureza da lesão ser considerada na fi-
xação da pena-base xação da pena-base
Sofre lesão grave ou gravíssima Sofre lesão grave ou gravíssima

Art. 122, §1º., CP (pena: 1 a 3 anos) Art. 122, §1º., CP (pena: 1 a 3 anos)
Morre Morre (culposa)

Art. 122, §2º., CP (pena: 2 a 6 anos) Art. 122, §2º., CP (pena: 2 a 6 anos)
Vítima é menor (entre 14 e 18 anos) ou tem di- Vítima é menor (entre 14 e 18 anos) ou tem di-
minuída, por qualquer causa, a capacidade de minuída, por qualquer causa, a capacidade de
resistência resistência
Não sofre qualquer lesão ou a lesão é leve Não sofre qualquer lesão ou a lesão é leve

Art. 122, caput, c.c. o §3º. (a pena de 6 meses a Art. 122, caput, c.c. o §3º. (a pena de 6 meses a
2 anos é duplicada) 2 anos é duplicada)
Sofre lesão grave ou gravíssima Sofre lesão grave ou gravíssima

Art. 122, §1º., c.c. o §3º. (a pena de 1 a 3 anos é Art. 122, §1º., c.c. o §3º. (a pena de 1 a 3 anos é
duplicada) duplicada)
Morre Morre (culposa)

Art. 122, §2º., c.c. o §3º. (a pena de 2 a 6 anos é Art. 122, §2º., c.c. o §3º. (a pena de 2 a 6 anos é
duplicada) duplicada)
Vítima menor de 14 (quatorze) anos ou contra Vítima menor de 14 (quatorze) anos ou contra
quem, por enfermidade ou deficiência mental, quem, por enfermidade ou deficiência mental,
não tem o necessário discernimento para a prá- não tem o necessário discernimento para a prá-
tica do ato, ou que, por qualquer outra causa, tica do ato, ou que, por qualquer outra causa,
não pode oferecer resistência não pode oferecer resistência
Não sofre qualquer lesão, ou sofre lesão leve Não sofre qualquer lesão, ou sofre lesão leve

Art. 122, caput, c.c. o §3º. (a pena de 6 meses a 2 Art. 122, caput, c.c. o §3º. (a pena de 6 meses a 2
anos é duplicada). anos é duplicada).

Obs: discordamos da consequência legal. Sendo


a vítima incapaz, deve o agente, na verdade, res-
ponder pelo crime do art. 121, na forma tentada.
Sofre lesão grave Sofre lesão grave

Art. 122, §1º., c.c. o §3º. (a pena de 1 a 3 anos é Art. 122, §1º., c.c. o §3º. (a pena de 1 a 3 anos é
duplicada). duplicada).

Obs: discordamos da consequência legal. Sendo


a vítima incapaz, deve o agente, na verdade, res-
ponder pelo crime do art. 121, na forma tentada.

97
Art. 122 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

Participação em suicídio Participação em automutilação


Vítima maior e capaz Vítima maior e capaz
Sofre lesão gravíssima Sofre lesão gravíssima

Nos termos do art. 122, §6º, aplica-se o tipo e as Nos termos do art. 122, §6º, aplica-se o tipo e as
penas do art. 129, §2º. (2 a 8 anos) penas do art. 129, §2º. (2 a 8 anos)

Obs: discordamos da consequência legal. Sendo


a vítima incapaz, deve o agente, na verdade, res-
ponder pelo crime do art. 121, na forma tentada.
Morre Morre (culposa)

Nos termos do art. 122, §7º, aplicam-se o tipo e Nos termos do art. 122, §7º, aplicam-se o tipo e
as penas do art. 121 do CP (6 a 20 anos). E não as penas do art. 121 do CP (6 a 20 anos).
poderia ser diferente, pois não existe suicídio
quando o ofendido é incapaz. Obs: entendemos que o tipo e as penas devem
ser do art. 129, §3º., do CP (4 a 12 anos). Não
existe automutilação quando a vítima é incapaz.

3.7. Duelo americano, roleta russa e pacto de morte (ambicídio)


No clássico exemplo do duelo americano, no qual duas pessoas, diante de duas armas,
estando apenas uma carregada, combinam tirar a sorte sobre qual delas deva suicidar-se, o
sobrevivente responde pelo crime em estudo (art. 122), pois induziu, instigou ou mesmo
auxiliou o perdedor a se matar.
O mesmo raciocínio se aplica para a roleta russa, caso em que os participantes testam
a sorte diante de uma arma com apenas um projétil, puxando cada qual o gatilho contra si
mesmo, até que um coloque fim à própria vida.
Já no caso do pacto de morte (ambicídio), em que duas pessoas combinam a eliminação
de suas vidas conjuntamente, a questão mostra maior interesse. Vejamos.
Imaginemos um casal de namorados que decide um suicídio a dois, escolhendo, para
tanto, trancar-se em uma sala, abrindo a torneira de gás.
Existindo um sobrevivente, pergunta-se: foi ele quem abriu a válvula de gás?
Em caso positivo, responde por homicídio (art. 121), praticando verdadeiro ato exe-
cutório de matar. Em caso negativo, seu crime é o de induzimento, instigação ou auxílio ao
suicídio (art. 122). Sobrevivendo os dois, o que abriu a torneira responde por tentativa de
homicídio (art. 121, c/c o art. 14, II, ambos do CP); o outro, por induzimento, instigação
ou auxílio ao suicídio, simples ou qualificado na forma do § 1º do art. 122.

3.8. Testemunhas de Jeová


Rogério Greco84, com maestria, bem resolve o problema de um adepto da denomina-
ção religiosa das Testemunhas de Jeová que, após ferir-se gravemente em um acidente de

84. Curso de Direito Penal – Parte Especial, v. 2, p. 2013.

98
Título I – Dos crimes contra a pessoa Art. 122

trânsito, necessitando uma transfusão de sangue, recusa-se a fazê-lo sob o argumento de


que prefere morrer ao ser contaminado com sangue de outra pessoa. Em resumo:
a) sendo imprescindível a transfusão, mesmo sendo a vítima maior e capaz, tal com-
portamento deve ser encarado como tentativa de suicídio, devendo o médico intervir, pois
está na posição de garantidor;
b) os pais, subtraindo o filho menor da necessária intervenção cirúrgica, responderão
por homicídio, pois naturais garantidores do filho, sendo inaceitável a tese da inexigibili-
dade de conduta diversa.

3.9. O denominado “Desafio da Baleia Azul”


Noticiou-se com muita repercussão em 2017, após o suicídio de uma jovem russa, o
jogo virtual chamado “Desafio da Baleia Azul”, no qual sobretudo adolescentes são alicia-
dos, por meio de redes sociais, a participar de um grupo virtual em que lhes são atribuídas
missões que, gradualmente, levam ao desafio último, que é o suicídio.
Inicialmente, havia indícios de que o jogo fosse baseado num livro intitulado “50 dias
antes do meu suicídio”, mas a suspeita não se confirmou. Mas, caso houvesse a ligação, e o
conteúdo do livro de alguma forma incentivasse o suicídio, o autor poderia ser responsabi-
lizado, à luz da lei brasileira, por algum crime?
A resposta é negativa, porque o crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicí-
dio ou à automutilação deve ser cometido sobre pessoa determinada (ou grupo determi-
nado), como já destacamos nos comentários aos sujeitos do delito. Tampouco poderíamos
aventar a apologia de crime, pois o suicídio, em si, não é crime.
Pois bem, a investigação prosseguiu e as autoridades identificaram um dos grupos por
meio de uma lista que havia vazado com os nomes dos membros e constataram que alguns
deles haviam de fato se suicidado. Esse grupo tinha um curador, responsável por admitir
pessoas, indicar os desafios e averiguar, mediante provas, que os desafios estavam sendo
cumpridos até o momento final, que é o suicídio.
A disseminação desse jogo foi um dos motivos da modificação do art. 122, que, como
vimos, passou a disciplinar de forma mais severa o crime cometido por meios virtuais e em
grupos liderados por indivíduos responsáveis pela imposição dos desafios.
Analisando essas circunstâncias sob a ótica da lei brasileira, podemos concluir, quanto
à responsabilidade criminal do responsável pelo induzimento, o seguinte:
1) se o participante do grupo é capaz de entendimento, o responsável comete o crime
do art. 122;
2) se o participante é menor de quatorze anos ou, por outro motivo, não tem capaci-
dade de entendimento, o responsável comete homicídio ou lesão corporal, conforme o caso
(art. 122, §§ 6º e 7º);
3) se o participante não é incapaz, mas é menor entre quatorze e dezoito anos, apli-
cam-se as considerações tecidas quando tratamos da majorante relativa à menoridade.

99
Art. 123 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

Nas investigações do episódio ocorrido na Rússia também foi apurado que as pessoas
que decidissem sair do grupo eram constrangidas a permanecer, inclusive por meio de
promessas de mal injusto e grave contra sua família, e algumas delas de fato permanece-
ram e ceifaram a própria vida. Se cometido no Brasil, esse fato atrai a majorante relativa à
diminuição da capacidade de resistência da vítima (o constrangimento ilegal é absorvido).
Note-se, por fim, que o fato de o crime ser cometido pela rede mundial de compu-
tadores não atrai a competência da Justiça Federal. Não se trata da mesma situação que
envolve os crimes de pornografia infantil, que, por tratado, o Brasil se obrigou a reprimir.
O crime envolvendo o Desafio da Baleia Azul não se insere em nenhum dos incisos do art.
109 da Constituição Federal, razão por que a competência é estadual, mesmo que a inves-
tigação seja eventualmente promovida pela Polícia Federal.

3.10. Ação penal


A ação penal é pública incondicionada.

3.11. Princípio da especialidade


a) Código Penal x Código Penal Militar: o Decreto-Lei 1.001/69, no art. 207, pune
a conduta de instigar, induzir ou prestar auxílio ao suicídio nas condições do seu art. 9º.

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