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Art.

121 ROGÉRIO SANCHES CUNHA

2. Homicídio

 Homicídio Simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.
 Caso de diminuição de pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral,
ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o
juiz pode reduzir a pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço).
 Homicídio qualificado
§ 2º Se o homicídio é cometido:
I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II – por motivo fútil;
III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou
cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou
torne impossível a defesa do ofendido;
V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
 Homicídio culposo
§ 3º Se o homicídio é culposo:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
 Aumento de pena
§ 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de
inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar
imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para
evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um ter-
ço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta)
anos.
§ 5º Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as con-
sequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal
se torne desnecessária.
§ 6º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por
milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de ex-
termínio.

2.1. Considerações iniciais


Na busca do conceito de homicídio, trazemos a clássica definição de Nél-
son Hungria:

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Título I • Dos crimes contra a pessoa Art. 121 .

“O homicídio é o tipo central de crimes contra a vida e é o ponto culminan-


te na orografia dos crimes. É o crime por excelência. É o padrão da delin-
quência violenta ou sanguinária, que representa como que uma reversão
atávica às eras primevas, em que a luta pela vida, presumivelmente, se ope-
rava com o uso normal dos meios brutais e animalescos. É a mais chocante
violação do senso moral médio da humanidade civilizada.”3.
É a injusta morte de uma pessoa (vida extrauterina) praticada por outrem
(destruição da vida humana, por outro homem)4.
Prevê nosso Código várias modalidades do crime, a saber:
a) doloso simples (caput);
b) doloso privilegiado (§ 1º);
c) doloso qualificado (§ 2º);
d) culposo (§ 3º);
e) culposo majorado (§ 4º, primeira parte);
f) doloso majorado (§ 4º, segunda parte, e § 6º).
Em face do disposto no art. 1º, inciso I, da Lei 8.072/90, é hediondo o
homicídio cometido em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que por
um só agente, e o homicídio qualificado.
O homicídio culposo, em razão da pena mínima prevista (um ano de de-
tenção), permite que o agente se beneficie da suspensão condicional do pro-
cesso, se cumpridos os demais requisitos do art. 89 da Lei 9.099/95.
Vejamos as espécies delituosas.

2.2. Homicídio simples


2.2.1 Sujeitos do crime
Qualquer pessoa, isolada ou associada à outra, pode praticar o delito de
homicídio, não exigindo o tipo penal nenhuma condição particular do seu
agente (crime comum).

3. Comentários ao Código Penal, v. 5, p. 25


4. O crime de genocídio tutela a diversidade humana e, por isso, tem caráter coletivo ou tran-
sindividual, não atraindo, por si só, a competência do Tribunal do Júri. Ocorre que uma
das formas de praticar genocídio, de acordo com o artigo 1º, “a”, da Lei 2.889/56, é por
meio da morte de membros do grupo. Como se sabe, a competência constitucional para o
julgamento de crimes dolosos contra a vida é do júri. Assim, o STF ao julgar o RE 351.487/
RR sublinhou que havendo concurso formal entre genocídio e homicídio doloso, compete
ao Tribunal do Júri da Justiça Federal o julgamento dos crimes de homicídio e genocídio,
quando cometidos no mesmo contexto fático.

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Art. 121 ROGÉRIO SANCHES CUNHA

Flávio A. Monteiro de Barros, transcrevendo na íntegra a lição de


Euclides Custódio da Silveira, nos traz interessante problema referente a
crime praticado por xifópagos (irmãos ligados um ao outro, desde o apêndice
xifóide até o umbigo). Apesar de magro o seu interesse prático, existe uma
curiosidade teórica:
“Dado que a deformidade física não impede o reconhecimento da imputabi-
lidade criminal, a conclusão lógica é que responderão como sujeitos ativos.
Assim, se os dois praticarem um homicídio, conjuntamente ou de comum
acordo, não há dúvida que responderão ambos como sujeitos ativos, pas-
síveis de punição. Todavia, se o fato é cometido por um, sem ou contra a
vontade do outro, impor-se-á a absolvição do único sujeito ativo, se a sepa-
ração cirúrgica é impraticável por qualquer motivo, não se podendo excluir
sequer a recusa do inocente, que àquela não está obrigado. A absolvição se
justifica, como diz Manzini, porque, conflitando o interesse do Estado ou
da sociedade com o da liberdade individual, esta é que tem de prevalecer. Se
para punir um culpado é inevitável sacrificar um inocente, a única solução
sensata há de ser a impunidade.”5.
Flávio Monteiro, no entanto, discordando da conclusão dada ao caso,
prefere ensinar que o xifópago autor do crime deve ser processado e condena-
do por homicídio, inviabilizando-se, porém, o cumprimento da reprimenda,
tendo em vista o princípio da intransmissibilidade da pena. Se, no futuro, o
outro também vier a delinquir e a ser condenado, ambos poderão cumprir as
respectivas penas.
O sujeito passivo é o ser vivo, nascido de mulher.6
A pena é aumentada de um terço se o crime é praticado contra pessoa me-
nor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos (§ 4º do art. 121, segunda
parte, com redação dada pela Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso).

2.2.2 Conduta
A conduta típica consiste em tirar a vida de alguém (universo de seres
humanos).

33Quando se inicia a vida extrauterina?


A vida extrauterina de um indivíduo começa com o início do parto.

5 Crimes contra a pessoa, p. 12


6. Magalhães Noronha aponta, ainda, o Estado como vítima do crime de homicídio, justifi-
cando existir “um interesse ético-político do Estado na conservação da vida humana, como
condição de vida e desenvolvimento do conglomerado social ou do povo politicamente or-
ganizado, ou, ainda, como condição de sua própria existência.” (Direito penal, v. 2, p. 17).

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Título I • Dos crimes contra a pessoa Art. 121 .

33Quando se inicia o parto?


A doutrina é divergente. Fernando Capez, ao tratar do tema, cita alguns
posicionamentos:
“Alfredo Molinario entende que o nascimento é o completo e total des-
prendimento do feto das entranhas maternas. Para Soler, inicia-se desde
as dores do parto. Para E. Magalhães Noronha, mesmo não tendo havi-
do desprendimento das entranhas maternas, já se pode falar em início do
nascimento, com a dilatação do colo do útero.”7.
Para que haja o crime, não é necessário que se trate de vida viável (vi-
talidade, capacidade de vida autônoma), bastando a prova de que a vítima
nasceu viva e com vida estava no momento da conduta criminosa do agente
(qualquer antecipação da morte, ainda que abreviada por poucos segundos,
é homicídio).
Recaindo a conduta sobre pessoa já sem vida (cadáver), o crime é impossí-
vel por absoluta impropriedade do objeto (art. 17 do CP). Impossível também
será no caso de utilizar o agente meio absolutamente ineficaz (ex.: acionar
arma de fogo inapta ou descarregada).
Pode o homicídio ser praticado de forma livre, por ação (conduta positiva)
ou omissão (conduta negativa), por meios diretos ou indiretos. Mata quem se
serve de uma arma de fogo ou de um animal feroz, quem ministra um veneno
ou deixa de fornecer a um recém-nascido, tendo a obrigação de fazê-lo, os ne-
cessários alimentos.
Magalhães Noronha lembra que o crime pode ser praticado, também,
por meios morais ou psíquicos ou mesmo por meio de palavras.
Explica o autor:
“Não só por meios materiais – o que é a regra – pode dar-se a morte de
alguém. Também são idôneos os psíquicos. A violenta emoção, provocada
dolosamente por outrem e que ocasiona a morte, é meio de homicídio.
Lembre-se, v.g., de um filme – As diabólicas –, em que um homem, de-
pois de fazer crer a sua mulher que ela o havia assassinado, aparece-lhe,
durante a noite, em uma casa deserta e lúgubre, fulminando-a com uma
síncope. É meio psíquico ainda o usado pelo personagem de Monteiro
Lobato, fazendo dolosamente o amigo apoplético explodir em estrondo-
sas gargalhadas e, assim, o matando, por efeito de hábil anedota contada
após lauta refeição.”8.

7 Direito Penal – Parte Especial, v. 2, p. 11-12.


8 Direito penal, v. 2, p. 18

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2.2.3 Voluntariedade
É o dolo, consistente na consciente vontade de realizar o tipo penal (ma-
tar alguém). Pode ser direto (o agente quer o resultado) ou eventual (o agente
assume o risco de produzi-lo).
Não exige o tipo básico qualquer finalidade específica do sujeito ativo,
podendo o motivo determinante de o crime constituir, eventualmente, uma
causa de diminuição de pena (§ 1º) ou qualificadora (§ 2º).
Ainda quanto ao dolo, destacamos dois julgados do Supremo Tribunal Fe-
deral:
“O Supremo firmara jurisprudência no sentido de que o homicídio cometi-
do na direção de veículo automotor em virtude de pega seria doloso” (HC-
101698).
“A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é
apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para
praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo. Se a embriaguez foi in-
tencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a tí-
tulo de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária
e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia
vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é
punível o fato”9.

33O agente que, sabendo ser portador do vírus HIV, oculta a doença da
parceira e com ela mantém conjunção carnal, pratica qual crime?
Para nós, depende. Se a vontade do agente era a transmissão da doença
(de natureza fatal), pratica tentativa de homicídio (ou homicídio consumado,
caso seja provocada a morte como desdobramento da doença). Se não quis
e nem assumiu o risco (usando preservativos, por exemplo), mas acaba por
transmitir o vírus, deve responde por lesão corporal culposa (ou homicídio
culposo, no caso de morte deocrrente da doença)10.

9. HC 107.801-SP.
10. Julgando caso análogo, a 5ª STJ decidiu que a transmissão consciente da síndrome da imu-
nodeficiência adquirida (vírus HIV) caracteriza lesão corporal de natureza gravíssima, en-
quadrando-se a enfermidade perfeitamente no conceito de doença incurável, previsto no
artigo 129, §2º, II, do CP. O fato de a vítima ainda não ter manifestado sintomas não exclui
o delito, pois é notório que a doença requer constante tratamento com remédios específicos
para aumentar a expectativa de vida, mas não para cura (HC 160.982/DF).

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2.2.4 Consumação e tentativa


O homicídio atinge a sua consumação com a morte da vítima (crime ma-
terial)11.
“Prova-se o exício com o exame de corpo de delito, que, em regra, é direto.
Na impossibilidade deste, é aceitável o indireto, constituído por testemu-
nhas. Irueta Goyena cita o caso de dois indivíduos que foram vistos lu-
tando em um barco, tendo um deles arrojado o outro à corrente caudalosa,
não havendo o corpo sido encontrado. Por falta de exame direto é que não
deixaria de haver imputação de homicídio.”12.
Podendo a execução do crime ser fracionada em vários atos (delito pluris-
subsistente), a tentativa mostra-se perfeitamente possível quando o resultado
morte não sobrevém por circunstâncias alheias à vontade do agente. Admite-
se a forma tentada, inclusive, no crime cometido com dolo eventual, já que
equiparado, por lei, ao dolo direto (art. 18, I, do CP).
Lembra Luiz Flávio Gomes:
“A doutrina finalista sublinha que por força do princípio da congruência,
a tentativa exige uma parte objetiva (tipo objetivo) e outra subjetiva (tipo
subjetivo). A parte objetiva esgota-se na realização de uma conduta dirigi-
da à consumação do crime, conforme o plano concreto do autor. A parte
subjetiva reside no dolo do agente. Para saber se há ou não tentativa preci-
samos descobrir o dolo do agente (plano do autor), assim como a forma de
execução escolhida para concretizar seu plano de ação (meio de execução).
Não há dúvida que o dolo eventual admite tentativa (justamente porque se
trata de crime doloso). A não consumação do crime deriva do acaso ou de
circunstâncias exteriores ao agente (isto é, por razões alheias à vontade do
agente).”13.

11. Já foi controvertida na doutrina a determinação do momento da morte. Atualmente, com


o advento da Lei 9.434/97 (regulamentada pelo Decreto 2.268/97), foi colocada uma pá
de cal no assunto, dispondo, no seu art. 3º, que a morte se dá com a cessação da atividade
encefálica. Nesse sentido: RT 650/255.
12. Magalhães Noronha, Direito penal, v. 2, p. 20.
13. Em sentido contrário, não admitindo a tentativa nos casos de dolo eventual: “Tribunal do
Júri. Tentativa. Dolo eventual. Incompatibilidade. O dolo eventual, em linhas gerais defi-
nido como a aceitação, pelo agente, da produção do resultado mais grave, mas que cons-
cientemente não pretende obter, é incompatível com o instituto da tentativa, que exige o
dolo direto” (TJRS, RSE 70011483310, 3.ª Câm. Crim., j. 22.09.2005, rel. Newton Brasil de
Leão).

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2.3. Privilegiadoras, qualificadoras e majorantes do homicídio


doloso
2.3.1 Homicídio privilegiado (caso de diminuição de pena)
O § 1º do art. 121 prevê três hipóteses em que o homicídio terá sua pena
diminuída, classificado pela doutrina como privilegiado.
As duas primeiras “privilegiadoras” estão umbilicalmente ligadas à razão
de ser do crime.
Vejamos.
Motivo de relevante valor social diz respeito aos interesses de toda uma
coletividade, logo, nobre e altruístico (ex.: indignação contra um traidor da
pátria).
Já o relevante valor moral liga-se aos interesses individuais, particulares
do agente, entre eles os sentimentos de piedade, misericórdia e compaixão.
Assim, o homicídio praticado com o intuito de livrar um doente, irremedia-
velmente perdido, dos sofrimentos que o atormentam (eutanásia14) goza de
privilégio da atenuação da pena que o parágrafo consagra. O mesmo exemplo
é lembrado pela Exposição de Motivos: “o projeto entende significar o motivo
que, em si mesmo, é aprovado pela moral prática, como, por exemplo, a com-
paixão ante o irremediável sofrimento da vítima (caso do homicídio eutanási-
co)” (item 39).
Ambos os motivos (social e moral), porém, hão de ser relevantes, ou seja,
de considerável importância.
Nesse sentido, alerta Cezar Roberto Bitencourt:
“Não será qualquer motivo social ou moral que terá a condição de privile-
giar o homicídio: é necessário que seja considerável; não basta que tenha
valor social ou moral, sendo indispensável seja relevante, isto é, importan-
te, notável, digno de apreço.”15.
A última “privilegiadora” relaciona-se com o estado anímico do agente
(homicídio emocional).

14. Não se pode confundir eutanásia (antecipação da morte natural, diante de uma doença
incurável) com ortotanásia, termo utilizado pelos médicos para definir a morte natural,
sem interferência da ciência, suspendendo os meios medicamentosos ou artificiais de vida,
permitindo ao paciente em coma irreversível morte digna. A persistência terapêutica em pa-
ciente irrecuperável pode estar associada a distanásia, considerada morte com sofrimento.
15. Tratado de direito penal – Parte especial, v. 2, p. 70

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Sabemos que o art. 28, I, do CP não permite a exclusão da responsabili-


dade penal diante da emoção (estado súbito e passageiro) ou da paixão (sen-
timento crônico e duradouro) que atinge o agente. Todavia, temos no § 1º
hipótese em que servirá a violenta emoção como causa de diminuição de pena.
Neste caso, o sujeito ativo, logo em seguida a injusta provocação da ví-
tima, reage, de imediato, sob intenso choque emocional, capaz de anular sua
capacidade de autocontrole durante o cometimento do crime.
Da simples leitura do § 1º extraímos todos os seus requisitos:
a) domínio de violenta emoção: significa dizer que a emoção não deve ser
leve e passageira ou momentânea.
Como bem explica José Henrique Pierangeli:
“Tal emoção deve ser violenta, intensa, absorvente, atuando o homicida
em verdadeiro choque emocional, ou seja, ocorre a perda do self control. Já
se comparou o homem sob o influxo da emoção violenta a um carro tirado
por bons cavalos, mas tendo à boleia um cocheiro bêbado. Na crise aguda
da emoção, tornam-se inócuos os freios inibitórios que são deixados a si
mesmos, ao desgoverno, aos centros motores de pura execução. Desinte-
gra-se a personalidade psíquica. Antes desse momento, todavia, o processo
emocional pode ser interrompido e nessa fase ainda é possível a interferên-
cia da autocrítica e o indivíduo pode ainda se manter sob controle, ‘dentro
de si’, podendo contar até dez antes de agir. Como dizia Sêneca, ‘a emo-
ção incipiente quase sempre aborta quando se apresenta um forte contra-
motivo’. Após isso, atinge-se um momento agudo da descarga emocional,
apresentando-se uma emoção violenta, exatamente aquela que oblitera os
sentidos, aquela que, na linguagem popular, cega. Se decorrer na prática
do homicídio apenas uma influência da emoção, é de reconhecer apenas a
atenuante prevista no art. 65, III, c, do CP [conforme a Parte Geral antes da
reforma de 1984].”16.
A frieza de espírito, evidentemente, exclui a emoção tratada no parágrafo.
b) reação imediata (logo em seguida a injusta provocação da vítima): para a
configuração do privilégio se exige que o revide seja imediato, logo depois da
provocação da vítima, sem hiato temporal (sine intevallo), devendo perdurar o
estado de violenta emoção. A mora na reação exclui a causa minorante, trans-
mudando-se em vingança.
Na prática, difícil será identificar a proximidade do rebate, razão pela
qual o critério mais usado pelos julgadores tem sido considerar imediata toda

16 Manual de direito penal brasileiro, p. 64

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reação praticada durante o período de domínio da violenta emoção, o que faz


depender do caso concreto.
c) injusta provocação da vítima: a “provocação” trazida pelo parágrafo em
comento não traduz, necessariamente, agressão, mas compreende todas e
quaisquer condutas incitantes, desafiadoras e injuriosas. Pode, inclusive, ser
indireta, isto é, dirigida contra terceira pessoa ou até contra um animal.
“Em regra, os Tribunais têm aceitado a violenta emoção do marido que co-
lhe a mulher em flagrante adultério. Compreende-se o ímpeto emocional
diante da surpresa ou inesperada cena, pois é de sua essência ser brusco,
repentino e violento. Mais que discutível, entretanto, será o choque emo-
tivo se o marido, sabendo da infidelidade da mulher, tudo preparar e fizer
para colhê-la em flagrante. Incompreensível é essa emoção a prazo.”17.

2.3.1.1. Comunicabilidade do § 1 º
É lição corrente na doutrina que o § 1º traz circunstâncias, isto é, dados
eventuais, interferindo apenas na quantidade da pena e não na qualidade do
crime, que permanece o mesmo (homicídio). Por essa razão, na hipótese de
concurso de pessoas, tais circunstâncias minorantes – subjetivas – são incomu-
nicáveis entre os concorrentes (art. 30 do CP).

2.3.1.2. Natureza jurídica do privilégio


Reconhecido o homicídio privilegiado, a redução da pena é obrigatória,
segundo o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência (direito
subjetivo do condenado). Conferir RT 448/356.

2.3.2 Homicídio qualificado


O art. 121, § 2º, descreve certas qualificadoras agravantes, umas ligadas
aos motivos determinantes do crime, indiciários de depravação espiritual do
agente (incisos I, II e V – circunstâncias subjetivas), e outras com o modo malig-
no que acompanham o ato ou fato em sua execução (incisos III e IV – circuns-
tâncias objetivas).
Esta forma do crime, com o advento da Lei 8.930/94, foi etiquetada como
hedionda, sofrendo, desse modo, todos os consectários traçados pela Lei
8.072/90.
Vejamos, a seguir, separadamente, cada uma das circunstâncias qualifica-
doras.

17 Magalhães Noronha, Direito penal, v. 2, p. 23-24.

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Título I • Dos crimes contra a pessoa Art. 121 .

2.3.2.1. Mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro mo-


tivo torpe
Prevê o inciso I o homicídio praticado por motivo torpe, isto é, quando a
razão do delito for vil, ignóbil, repugnante e abjeta. O clássico exemplo está
estampado logo na primeira parte do inciso em comento, com o homicídio mer-
cenário ou por mandato remunerado. Aqui o executor pratica o crime movido
pela ganância do lucro, é dizer, em troca de alguma recompensa prévia ou ex-
pectativa do seu recebimento (matador profissional ou sicário).
Trata-se de delito de concurso necessário (ou bilateral), no qual é indis-
pensável a participação de, no mínimo, duas pessoas (mandante e executor:
aquele paga ou promete futura recompensa; este aceita, praticando o combi-
nado).
Existe divergência na doutrina sobre se a qualificadora em tela é simples
circunstância, com aplicação restrita ao executor do crime, que é quem mata
motivado pela remuneração, ou se será aplicada também ao mandante, confi-
gurando verdadeira elementar subjetiva do tipo.
Adotando a primeira corrente, Rogério Greco explica:
“Imagine a hipótese na qual um pai de família, trabalhador, honesto, cum-
pridor de seus deveres, que em virtude de sua situação econômica ruim
tenha que residir em um local no qual impera o tráfico de drogas. Sua filha,
de apenas 15 anos de idade, foi estuprada pelo traficante que dominava
aquela região. Quando soube da notícia, não tendo coragem de, por si mes-
mo, causar a morte do traficante, contratou um justiceiro, que, ‘executou o
serviço’. O mandante, isto é, o pai da menina estuprada, deverá responder
pelo delito de homicídio simples, ainda com a diminuição de pena relativa
ao motivo de relevante valor moral. Já o justiceiro, autor do homicídio mer-
cenário, responderá pela modalidade qualificada.”18.
A segunda corrente, hoje, encontra amparo nos Tribunais Superiores:
“Homicídio qualificado. Paga. Comunicação. Coautores. No homicídio, o
fato de ter sido o delito praticado mediante paga ou promessa de recom-
pensa, por ser elemento do tipo qualificado, é circunstância que não atinge
exclusivamente o executor, mas também o mandante ou qualquer outro
coautor. Ademais, com relação ao pedido de exclusão da qualificadora do
recurso que impossibilitou a defesa da vítima, torna-se necessário o revol-
vimento do conteúdo fático-probatório, o que é vedado na via estreita do
habeas corpus. Precedentes citados do STF: HC 71.582/MG, DJ 09.06.1995;
do STJ: HC 56.825/RJ, DJ 19.03.1997, e REsp 658.512/GO, DJ 07.04.2008.
HC 99.144-RJ, rel. Min. Og Fernandes, j. 04.11.2008.”.

18 Curso de Direito Penal: parte especial, v. 2, p. 154-5

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Art. 121 ROGÉRIO SANCHES CUNHA

A natureza da paga feita ou promessa de recompensa também é bastante


discutida.
Para uns, pode ser ela de qualquer espécie, compreendendo tudo quanto
possa ser objeto de paga ou promessa. Não depende igualmente de prévia fixa-
ção. Pode ser deixada à escolha do mandante. Não constitui condição essencial
da recompensa ter valor econômico, bastando, por exemplo, a simples pro-
messa de futuro casamento, com a própria pessoa instigadora ou com terceira.
Predomina, no entanto, o entendimento segundo o qual a recompensa
deve ter natureza econômica.
Tal discussão, para nós, é inócua, vez que o inciso encerra forma de inter-
pretação analógica, em que o legislador, após fórmula exemplificativa, empre-
ga expressão genérica, permitindo ao aplicador encontrar outros casos indica-
tivos de torpeza (mesquinharia).
33 A vingança é motivo torpe?
Entendemos que pode ou não constituir motivo torpe, dependendo da
causa que a originou.
Nesse sentido, aliás, decidiu o STJ:
“A verificação se a vingança constitui ou não motivo torpe deve ser fei-
ta com base nas peculiaridades de cada caso concreto, de modo que não
se pode estabelecer um juízo a priori, positivo ou negativo” (REsp 21.261-
PR, DJ 4/9/2000; REsp 256.163-SP, DJ 24/4/2006; REsp. 417.871-PE, DJ
17/12/2004, e HC 126.884-DF, DJe 16/11/2009. REsp 785.122-SP). Na
mesma linha, entendeu o STF: “a vingança, por si só, não consubstancia o
motivo torpe; a sua afirmativa, contudo, não basta para elidir a imputação
de torpeza do motivo do crime, que há de ser aferida à luz do contexto do
fato.” (HC 83.309-MS, DJ 6/2/2004)19.

2.3.2.2. Por motivo fútil


O inciso II qualifica o crime de homicídio quando praticado por motivo
fútil, ou seja, quando o móvel apresenta real desproporção entre o delito e sua
causa moral.
Ensina Aníbal Bruno:
“Motivo fútil é aquele pequeno demais para que na sua insignificância pos-
sa parecer capaz de explicar o crime que dele resulta. O que acontece é uma
desconformidade revoltante entre a pequeneza da provocação e a grave rea-
ção criminosa que o sujeito lhe opõe.”20.

19. O mesmo raciocínio se aplica ao ciúme, devendo ser analisada a causa que o originou.
20. Crimes contra a pessoa, p. 78

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