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DIREITO PENAL III

Martha Luciana Scholze


Homicídio
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Conceituar homicídio simples.


 Analisar os casos de majorantes e qualificadoras, bem como o homi-
cídio privilegiado e o culposo.
 Explicar no que consiste o feminicídio.

Introdução
Os crimes contra a vida estão entre os que possuem penas mais altas
segundo as determinações do Código Penal brasileiro. Tirar a vida de
alguém, seja de maneira intencional ou não, pode significar até 30 anos
de reclusão, além do pagamento de multas.
É importante lembrar que um crime contra a vida não ocorre somente
de maneira direta, ou seja, por meio de uma ação física, mas também
quando alguém faz um disparo de arma de fogo contra outra pessoa,
por exemplo. A ação de induzir ou auxiliar alguém a suicidar-se também
está dentro dos crimes contra a vida.
Neste capítulo, você vai ler sobre o homicídio e as suas qualificadoras
e majorantes, que podem fazer a pena ser aumentada, bem como o
conceito de homicídio privilegiado e culposo. Você também vai ler sobre
o feminicídio e de que forma pode ocorrer.

Homicídio simples
A vida é o mais valioso dos bens jurídicos de que dispõe o ser humano. Do ponto
de vista biológico, sem a vida, não teríamos existência e, sem esta, não haveria
direitos a serem tutelados (ou deveres a serem cumpridos).
A vida é, pois, o centro de irradiação de todo e qualquer direito. Andreucci
(2019) nos diz que proteger a pessoa significa, em primeiro lugar, garantir-lhe
a vida, resguardando-a desde a concepção, passando pelo nascimento até a
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morte. A proteção também abrange a saúde e a integridade física do indivíduo.


Envolve, ainda, a sua honra e a liberdade individual.
Nossa Constituição Federal, no extenso rol de direitos e garantias individu-
ais e coletivos, enunciado no art. 5º, insere em primeiro lugar o direito à vida
(BRASIL, 1988). O Pacto de San José da Costa Rica declara, no art. 1º, que:

Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser
protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode
ser privado da vida arbitrariamente. Os crimes contra a pessoa são aqueles
que mais imediatamente afetam a pessoa (ente humano). Os bens físicos ou
morais que eles ofendem ou ameaçam estão intimamente consubstanciados
com a personalidade humana. Tais são: a vida, a intangibilidade corpórea
(integridade corporal), a honra e a liberdade do indivíduo (ORGANIZAÇÃO
DOS ESTADOS AMERICANOS, [2019?], documento on-line).

Crime previsto no art. 121 do Código Penal, o homicídio é conceituado como a elimi-
nação da vida humana. É a eliminação da vida extrauterina de uma pessoa por outra.

Vejamos o art. 121 do Código Penal: “Homicídio simples Art. 121 Matar
alguém: Pena — reclusão, de seis a vinte anos” (BRASIL, 1940, documento
on-line). Qualquer pessoa pode praticar homicídio. Trata-se de crime comum.
O crime é unissubjetivo, ou seja, basta uma pessoa para que o crime seja carac-
terizado, assim, a pluralidade de sujeitos não integra o tipo. Permite concurso
eventual de agentes tanto na coexecução (coautoria) quanto na participação.
O núcleo do tipo é indicado pelo verbo matar, que significa eliminar, ceifar
e tirar a vida de pessoa humana. A morte pode se dar por ação (crime comis-
sivo) ou por omissão (crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão).
A objetividade jurídica do homicídio é a proteção do direito à vida, garantido
pelo art. 5º, caput, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
É crime de forma livre, ou seja, qualquer meio, ao menos relativamente
idôneo, capaz de produzir o evento de morte, é homicídio. O crime pode
ser conceituado sob o aspecto material, considerando o conteúdo do fato
punível, sob o aspecto formal e sob o aspecto analítico.
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O sujeito ativo e o sujeito passivo podem ser qualquer pessoa.

O homicídio praticado contra o Presidente da República, o presidente do Senado, o


presidente da Câmara dos Deputados e o presidente do Supremo Tribunal Federal
constitui crime contra a Segurança Nacional, previsto no art. 29 da Lei nº. 7.170, de 14 de
dezembro de 1983. Ainda há outros casos especiais para o julgamento do homicídio.
Quando ocorrerem com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional,
étnico, racial ou religioso, esses crimes caracterizarão o crime de genocídio, que está
previsto na Lei nº. 2.889, de 1º de outubro de 1956. Quando a vítima é um índio não
integrado à sociedade, a pena será aumentada em um terço, de acordo com o disposto
no art. 59 da Lei nº. 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que é o Estatuto do Índio.

Para a prática do homicídio, segundo Andreucci (2019), o meio pode ser:

 direto — quando o próprio agente emprega o meio ofensivo, por exem-


plo, desfere tiro ou facada na vítima;
 indireto — quando o agente, sem ter contato direto com a vítima,
propicia sua morte, como, por exemplo, atrair a vítima até o local em
que será morta por um animal feroz.

Ainda, o autor traz que o meio pode ser físico ou material, que se dividem em:

 mecânico — como o uso de faca, arma de fogo, pedaço de pau, entre


outros;
 químico — como o uso de veneno ou outra substância tóxica, ácido,
entre outros;
 patogênico — como, por exemplo, o uso de microrganismos patogê-
nicos, transmissão intencional do vírus da imunodeficiência humana,
entre outros.

Além disso, o meio pode ser também moral ou psicológico, em que o agente
mata a vítima mediante um severo trauma emocional, como, por exemplo,
mentir para a vítima debilitada ou enferma, comunicando-lhe o falecimento
de um ente querido. Quando a vítima for menor de 14 anos ou maior de 60
anos, a pena do homicídio será acrescida de um terço.
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Consuma-se o homicídio com a morte da vítima. A constatação da morte é feita por


meio da parada total e irreversível das funções encefálicas, conforme a Resolução
nº. 2.173, de 23 de novembro de 2017, do Conselho Federal de Medicina (CFM, 2017).

O homicídio previsto no caput do art. 121 do Código Penal é chamado de


homicídio simples e é considerado crime hediondo apenas quando praticado em
atividade atípica de grupo de extermínio, ainda que só por um executor. Trata-
-se de crime doloso, caracterizado pela vontade livre e consciente de eliminar
a vida humana. O dolo pode ser direto, quando o agente quis o resultado, ou
eventual, quando o agente assume o risco de produzir a morte (BRASIL, 1940).
Há uma gama decisões dos Tribunais que assim definem dolo: “Quem, a
curta distância, desfere tiro na cabeça do ofendido, ocasionando-lhe lesões de
especial gravidade, revela, de maneira nítida, a intenção de matar”, conforme
julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) — RT nº. 433/379. O
dolo também ocorre quando qualquer pessoa, por mais rústica que seja, que
tenha a noção elementar de que, desferindo foiçadas em outrem, produz feri-
mentos gravíssimos, assume o risco de causar-lhe a morte. Essa previsibilidade
é elementar, conforme o julgamento da RT nº. 376/204.
O homicídio é comprovado por intermédio do laudo de exame necroscópico,
conforme Nucci (2017), que pode ser direto, quando está presente o cadáver da
vítima, ou indireto, quando o cadáver desaparece ou não é encontrado, ou ainda
por qualquer outro meio, como, por exemplo, prova testemunhal, conforme o
art. 167 do Código de Processo Penal (CPP). Nesse sentido, o art. 158 do CPP e
o art. 162 do CPP dispõem que a autópsia será feita pelo menos 6 horas depois
do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que
possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto (BRASIL, 1941).

A Lei nº. 9.434, 4 de fevereiro de 1997 — que dispõe sobre a remoção de órgão, tecidos
e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento — estabelece que
a retirada post mortem de tecido, órgãos ou partes do corpo humano destinados a
transplantes deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e
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registrada por dois médicos não participantes da equipe de remoção e transplante,


mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do
CFM. Em casos de a família negar-se a doar os órgãos, a Resolução nº. 1.826/2007 do
CFM autoriza a interrupção dos meios artificiais de suporte da vida pelos médicos, após
o pleno esclarecimento da família quanto à situação clínica irreversível do paciente, o
que não pode configurar homicídio por parte do médico.

Homicídio privilegiado
O homicídio privilegiado vem previsto no art. 121, § 1º, do Código Penal, que
prevê causas especiais de diminuição de pena (BRASIL, 1940).
A primeira delas refere-se a relevante valor social. Relevante valor social
é aquele que diz respeito aos interesses ou fins da vida coletiva. Muito embora
não justifiquem o ato, tanto que a lei o considera criminoso, tornam o agente
merecedor de uma pena menor. Não há dúvida que é menor a reprovabilidade
de um homicídio quando o agente atua imbuído por relevante valor moral ou
social, como, por exemplo, homicídio praticado contra um traidor da pátria ou
contra um político corrupto que lesou os interesses da coletividade.
A segunda causa especial de diminuição de pena, para Andreucci (2019), é o
relevante valor moral, que diz respeito aos interesses particulares, individuais
do agente, aos sentimentos de piedade, compaixão e comiseração, como, por
exemplo, prática da eutanásia, que é homicídio compassivo, misericordioso
ou piedoso.
Segundo o autor, na eutanásia, o agente elimina a vida de sua vítima com o
intuito de poupá-la de intenso sofrimento e acentuada agonia, abreviando-se,
assim, a existência. O valor social ou moral do motivo do crime é ser apreciado
não segundo a opinião ou ponto de vista do agente, mas com critérios objetivos,
segundo a consciência ético-social geral ou senso comum.
Outra hipótese apresentada de causa especial de diminuição de pena do
homicídio privilegiado é aquela do chamado homicídio emocional, que tem
como requisitos, segundo Andreucci (2019):

 existência de violenta emoção, intensa, absorvente, atuando o homicida


sob verdadeiro choque emocional;
 provocação injusta por parte da vítima, que há de ser antijurídica e
sem motivo razoável;
 reação imediata, logo em seguida à provocação, não podendo haver
espaço de tempo entre a provocação e o crime.
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São exemplos de homicídio emocional quando o réu, cuja filha menor foi seduzida e
corrompida por seu ex-empregador, mata este, ou a ré, que surpreendeu o marido em
flagrante adultério, elimina-o junto com a amante ou ainda o réu que mata o ofensor
da honra da sua mãe. Há casos em que o homicídio privilegiado a que alude o art. 121
do Código Penal é determinado pelo impulso psicofísico relativo que surge no auge da
emoção, mas não é apenas essa, em si, que faz merecer o privilégio, porém a emoção
derivada da injusta provocação da vítima. Ofender a honra da mãe de agente constitui
provocação injusta. É motivo que causa emoção violenta, a ensejar imediata reação.

Segundo Nucci (2017), não se pode vislumbrar, no gesto da vítima que


desfaz ou procura desfazer o namoro ou noivado com o acusado, injusta
provocação capaz de privilegiar o homicídio.
Ressaltamos que as hipóteses de privilégio do homicídio são de caráter
subjetivo, ligadas à motivação do agente, portanto, não se comunicam ao
coautor ou partícipe, conforme art. 30 do Código Penal.

Homicídio culposo
O homicídio culposo, previsto no art. 121, § 3º, do Código Penal, para Andreucci
(2019), caracteriza-se pela incidência do elemento subjetivo de culpa, que
tem sua essência na inobservância do cuidado objetivo necessário. O cuidado
objetivo é a obrigação determinada a todos, no convívio social, de realizar
condutas de forma a não produzir danos a terceiros.
Para o mesmo autor, a imprudência é a prática de um fato perigoso, como,
por exemplo, dirigir veículo em rua movimentada com excesso de velocidade.
A negligência é a ausência de precaução ou indiferença em relação ao ato
realizado, como, por exemplo, deixar uma arma de fogo ao alcance de uma
criança. A imperícia é a falta de aptidão para o exercício de arte ou profissão.
No caso de o homicídio culposo ter sido praticado na direção de veículo
automotor, aplicamos a regra específica do art. 302 da Lei nº. 9.503, de 23 de
setembro de 1997, que é o Código de Trânsito Brasileiro.
Há, ainda, o homicídio culposo circunstanciado, previsto no art. 121, § 4º,
do Código Penal, quando o crime resulta de inobservância de regra técnica
de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro
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à vítima e não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para


evitar prisão em flagrante.
Essas são, em verdade, causas especiais de aumento de pena. A parte
final do dispositivo refere-se, inclusive, ao homicídio doloso, determinando
aumento de um terço da pena quando praticado contra pessoa menor de 14
anos ou maior de 60 anos. Essa alteração foi introduzida pelo art. 110 da Lei
nº. 10.741/de 1º de outubro de 2003, que é o Estatuto do Idoso.

Homicídio qualificado
O art. 121, § 2º, do Código Penal trata do homicídio qualificado, com pena de
reclusão de 12 a 30 anos. O homicídio, quando qualificado, é caracterizado
quando os recursos ou meios empregados pelo agente se revelam mais perigosos
e de difícil defesa por parte da vítima. São os casos, em consequência, de
homicídios mais graves do que o homicídio simples. No Brasil, a premeditação
não constitui qualificadora do crime de homicídio e nem tão pouco causa de
aumento de pena.

O homicídio qualificado é considerado crime hediondo, conforme art. 1º, I, da Lei nº.
8.072, de 25 de julho de 1990. O homicídio qualificado consiste em um tipo penal
derivado. No caso, os motivos determinantes, os meios empregados, a forma de sua
execução ou as características da vítima — ou todas essas circunstâncias reunidas
— tornam o fato mais reprovável do que aquela perpetração na modalidade básica.

Nesse sentido, o homicídio é qualificado em dois grandes grupos. O pri-


meiro compreende determinados fatores subjetivos, consistentes em moti-
vações mais reprováveis. São eles:

 torpeza;
 futilidade;
 finalidade de facilitar ou assegurar a execução, ocultação, vantagem
ou impunidade de outro crime.
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O segundo grupo compreende os fatores objetivos, igualmente reprováveis,


subdivididos em três vertentes:

 meios utilizados para matar, como a insídia, a crueldade ou o perigo


para a coletividade;
 modo de execução — ou modus operandi — que dificultem ou tornem
a defesa impossível;
 condição especial da vítima.

Diante disso, é possível, no caso concreto, a incidência de homicídio duplo


ou até multiplamente qualificado, ou seja, pela motivação, pelo meio utilizado,
pelo modo de realização da conduta ou pela condição da vítima. Se o agente
incorrer em duas ou mais qualificadoras, uma incidirá no cálculo da pena-base,
enquanto a outra será considerada agravante comum, se cabível. Portanto, se o
homicídio for praticado mediante emboscada (art. 121, § 2º, IV, Código Penal)
e com o emprego de explosivo (art. 121, § 2º, III, do Código Penal), a primeira
qualificadora fornecerá as margens penais mais gravosas (tipo derivado), e a
outra funcionará como circunstância agravante genérica (art. 61, II, d, Código
Penal), na segunda etapa da fixação da pena definitiva.
A primeira qualificadora alude à motivação torpe. Com efeito, torpe é
o homicídio cometido por motivo asqueroso, repugnante e vil, que causa
desprezo ou aversão. No caso, o homicídio decorre de fatores de extrema
vileza, vulgaridade, inveja, cobiça, entre outros, ofendendo, pois, a moralidade
média ou o sentimento ético comum do conjunto social, dando azo à maior
reprimenda penal.
O motivo fútil é o motivo insignificante, desproporcional, leviano ou
banal. A qualificadora indica a percepção de que a motivação decorre de
um fator insuficiente para conduzir alguém a delinquir. Não há, assim,
na futilidade, simetria relevante entre a razão delinquente e o fato em si
perpetrado. O estímulo que desencadeou a ação, em geral explosiva, foi de
menos importância.
No homicídio qualificado pelo emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia,
tortura ou outro meio insidioso, cruel ou que cause perigo comum, o compor-
tamento criminoso denota maior reprovabilidade, não pelos motivos em si, mas
pelo meio de sua perpetração: insidioso, cruel ou que cause perigo comum.
O homicídio cometido por traição, de emboscada, ou mediante dissimulação
ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido consta
no art. 121, § 2º, IV, do Código Penal. O acréscimo punitivo guarda relação com
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formas de matar mais covardes. Com efeito, são situações nas quais o agente
atua de maneira desleal, mais segura ou com abuso da boa-fé da vítima. Em
breves palavras, são modos de execução mais reprováveis porque dificultam,
oneram ou impossibilitam a legítima defesa por parte do ofendido.

A eutanásia é a morte provocada em paciente vítima de forte sofrimento e doença


incurável, motivada por compaixão. Se a doença não for incurável, afasta-se a eutanásia.
No Brasil, a eutanásia é crime, em sua maioria, taxado como crime de homicídio,
mesmo que não exista uma legislação específica sobre o tema. Existe uma tentativa de
classificar a conduta do indivíduo que comete a eutanásia, enquadrando-a em algum
tipo penal já existente na legislação, mais especificamente no auxílio ao suicídio (art.
122 do Código Penal), omissão de socorro (art. 135 do Código Penal) ou homicídio
privilegiado (art. 121, § 1º, do Código Penal) como forma de sanar essa brecha. Como
no Brasil o atual Código Penal não especifica o crime de eutanásia, o médico que tira a
vida do seu paciente por compaixão comete o homicídio simples tipificado no art. 121,
sujeito à pena de 6 a 20 anos de reclusão, ferindo ainda o princípio da inviolabilidade
do direito à vida, assegurado pela Constituição Federal.

Feminicídio
O feminicídio é a expressão fatal das diversas violências que podem atingir as
mulheres em sociedades marcadas pela desigualdade de poder entre os gêneros
masculino e feminino e por construções históricas, culturais, econômicas,
políticas e sociais discriminatórias.

Os termos femicídio ou feminicídio são utilizados indistintamente nos países latino-


-americanos para designar a morte de mulheres em razão de gênero. O feminicídio
consiste no homicídio de mulher por questões de gênero, que, por meio da Lei nº.
13.104, de 9 de março de 2015, mudou o Código Penal no sentido de incluir mais uma
modalidade de homicídio qualificado, quando praticado contra a mulher. Não se
trata de um crime autônomo, mas de uma qualificadora do crime de matar alguém.
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O Instituto Patrícia Galvão, uma organização que atua no campo dos


direitos das mulheres, apresenta o feminicídio como a designação dada por
Diane Russel ( femicide, em inglês), em 1970, para destacar a morte violenta
de mulheres, com o fito de dar visibilidade à opressão, discriminação e morte
de mulheres em razão da condição de gênero. Dessa forma, o feminicídio é
toda morte de mulher por motivo sexista (O QUE..., [20--]).
Segundo Souza e Japiassu (2018), a palavra feminicídio teria sido criada
por Marcela Lagarde, pesquisadora mexicana, para designar igualmente a
morte de mulheres em razão de gênero. No entanto, o feminicídio denotaria
uma conotação política, qual seja, o descaso do Estado em dar efetivo
cumprimento aos compromissos internacionais assumidos nessa matéria,
bem como a omissão em processar e punir os executores de fatos dessa
natureza. De toda sorte, em ambos os casos — femicídio ou feminicídio
—, o que se pretende destacar é a morte de mulheres em razão da sua
condição de gênero no contexto de uma cultura de violência sistemática
contra a mulher.
Os estudiosos e pesquisadores do Instituto Patrícia Galvão entendem que o
feminicídio é a ponta do iceberg e que não se pode achar que a criminalização
do feminicídio vai dar conta da complexidade do tema. É preciso trabalhar
para evitar que se chegue ao feminicídio, olhando para baixo do iceberg e
entendendo que ali há uma série de violências. Além disso, devemos compre-
ender que, quando o feminicídio acontece, é porque diversas outras medidas
falharam. Assim, é preciso ter um olhar muito mais cuidadoso e muito mais
atento para o que falhou.
Muitos são os casos em que o assassinato por parceiro ou ex é apresen-
tado como um ato isolado, um momento de descontrole ou uma intensa
emoção em que o suposto comportamento de quem foi vítima é apontado
para perversamente dizer que ela — e não o homicida — foi responsável
pela agressão sofrida. Enciumado, inconformado com o término, descon-
trolado ou até apaixonado são os adjetivos que figuram, com frequência,
nas manchetes da imprensa todos os dias, justificando os crimes bárbaros,
cometidos contra as mulheres. O uso de álcool, drogas ou o ciúme não são
causas e não servem como justificativa para violências. São apenas fatores
que podem contribuir para a eclosão do episódio de violência, mas que,
muitas vezes, são usados como desculpa, promovendo a impunidade e não
a responsabilização pela violência.
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O termo feminicídio, para Estefam (2018), foi construído para nomear o


homicídio cometido contra a mulher por razões de gênero e surgiu na década
de 2000, em meio ao debate em torno da violência endêmica contra vítimas
do sexo feminino, observada em diversas partes do mundo.
Culturalmente, em várias partes do mundo, para Nucci (2017), a mulher
é inferiorizada sob diversos prismas. Pior ainda, quando é violentada e até
morta em razão de costumes, tradições ou regras questionáveis sob a pers-
pectiva dos direitos humanos. E não é diferente no Brasil. O Brasil é um País
muito grande e conta com uma diversidade cultural muito grande. Podemos
apresentar exemplos que ocorrem com mulheres indígenas, que, por questões
da dificuldade com a língua portuguesa, não conseguem relatar a violência
sofrida. Um exemplo que ocorre também é a situação das mulheres ciganas,
que, por não terem um endereço fixo, não conseguem ter acesso a serviços
básicos de assistência, acompanhamento psicológico e saúde pública, além
disso, muitas vezes, não têm para quem relatar a violência ou ameaça sofrida.
Constitucionalmente, todos somos iguais perante a lei, mas essa afirmativa
não bastava para as mulheres, que, dentro dos seus lares, sofriam violências físicas
e psicológicas. No Brasil, infelizmente ainda se constata uma subjugação da
mulher no nível cultural, que esbarra em questões culturais, costumes e tradições.
A Lei nº. 13.104/2015 incluiu o crime de feminicídio no Código Penal como
hipótese qualificadora do homicídio no art. 121, § 2º, VI, e no art. 121, § 2º-A.
O feminicídio foi incluído no Código Penal em decorrência de compromissos
internacionais que o Brasil assumiu na ratificação de tratados e convenções
que buscam promover a igualdade de gênero e reprimir a violência à mulher,
como, por exemplo:

 Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência


contra a Mulher;
 Convenção de Belém, no âmbito latino-americano;
 Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher de 1993,
adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na esfera mundial.

No Código Penal brasileiro, o feminicídio está definido como um crime he-


diondo, tipificado nos seguintes termos: é o assassinato de uma mulher cometido
por razões da condição de sexo feminino, quando o crime envolve violência
doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
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Uma pesquisa interessante sobre o tema homicídio é o artigo Motivação dos crimes
de homicídio, realizada pela Campanha pela Preservação da Vida, que vale a leitura e
está disponível em:

https://qrgo.page.link/Hvjnq

É preciso ter claro que todo feminicídio é um homicídio, mas nem todo
homicídio de mulher é um feminicídio. Isso pode ser explicado da seguinte
forma, segundo Souza e Japiassu (2018): a morte, ainda que violenta, de uma
mulher decorrente de um acidente de trabalho em nada se relaciona com a sua
condição de mulher. Portanto, para caracterizar a qualificadora do feminicídio,
devemos nos atentar para especial motivação que move a conduta contra o
sujeito passivo: a condição de mulher. Isso significa que o agente feminicida,
ou seus atos, reúne um ou vários padrões culturais arraigados em ideias mi-
sóginas de superioridade masculina, de discriminação contra a mulher e de
desprezo a ela ou à sua vida.
Com todas essas questões apresentadas, o Estado não pode ficar omisso
aos casos de violência contra a mulher, nos casos de feminicídio, e tratar como
crimes passionais sem dar uma resposta rápida para a sociedade sobre um
crime tão brutal que é a violência contra as mulheres.

A principal causa dos assassinatos de mulheres e da violência contra a população


feminina é o machismo. A legitimação do sentimento de posse, visto por muitos como
natural de um relacionamento, além do julgamento de práticas e condutas que muitos
homens consideram imorais ou desviantes da mulher ideal, podem induzir ao crime.
As mortes de mulheres que resultavam da violência doméstica eram julgadas,
na maior parte, como crime passional. Além disso, essa modalidade criminosa foi
incluída aos tipos de crimes hediondos, como estupro, latrocínio e genocídio. A
criação de mecanismos preventivos e uma legislação própria é uma recomendação
mundial da Organização das Nações Unidas (ONU). Na América Latina, 15 países já
criaram leis específicas para julgar o feminicídio e desenvolver ações para tratar
do assunto.
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ANDREUCCI, R. A. Manual de Direito Penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União,
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