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DIREITO PENAL - CRIMES EM ESPÉCIE I

PROF. ÁTILA CALLISON

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MATERIAL DE APOIO – AULA 01

Olá, pessoal! Tudo bem?

Chegou o momento de iniciarmos o estudo da parte especial do Código Penal.

Nas próximas aulas, examinaremos os tipos penais, espero que, após a leitura do
material, todos considerem a parte especial fácil de entender e, quem sabe, até uma
leitura agradável. O material é longo, mas completo.

Reitero: se vocês estiverem afiados na parte geral, tudo aqui ficará muito simples e lógico.

Bons estudos,

0.1 CONCEITOS GERAIS APLICADOS À PARTE ESPECIAL E CRITÉRIOS DE


SISTEMATIZAÇÃO DE TIPOS PENAIS NA PARTE ESPECIAL

Como preambulo do estudo da Parte Especial do Código Penal, vamos observar que a
preocupação do legislador consiste na proteção de diversos bens jurídicos.

São 11 os títulos existentes que traduzem os bens que foram objeto de tutela pela lei
penal, títulos esses que, por sua vez, foram subdivididos em capítulos, individualizando,
ainda mais, os bens juridicamente protegidos pelos tipos penais incriminadores.

No Título I, cuidou o Código Penal dos crimes contra a pessoa;


No Título II, dos crimes contra o patrimônio;
No Título III, dos crimes contra a propriedade imaterial;
No Título IV, dos crimes contra a organização do trabalho;
No Título V, dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos
mortos;
No Título VI, dos crimes contra a dignidade sexual;
No Título VII, dos crimes contra a família;
No Título VIII, dos crimes contra a incolumidade pública;
No Título IX, dos crimes contra a paz pública;
No Título X, dos crimes contra a fé pública; e, finalmente,
No Título XI, dos crimes contra a Administração Pública;
No Título XII, dos crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Tal divisão não é aleatória, por óbvio, obedecendo uma classificação sistemática, de
modo a aglutinar crimes de acordo, principalmente, com os bens jurídicos afetados. Por
exemplo, o primeiro Título contém os crimes contra as pessoas; este subdivide-se em
capítulos, sendo o primeiro de crimes contra a vida, passando-se pelo de crimes contra
a honra, até chegar ao de crimes contra a liberdade individual.

No Título I, é relativo aos Crimes contra a Pessoa, que é composto pelos seguintes
capítulos e seções:

• Capítulo I – Dos Crimes contra a Vida;


• Capítulo II – Das Lesões Corporais;
• Capítulo III – Da Periclitação da Vida e da Saúde;
• Capítulo IV – Da Rixa;
• Capítulo V – Dos Crimes contra a Honra;
• Capítulo VI – Dos Crimes contra a Liberdade Individual:
Seção I – Dos Crimes contra a Liberdade Pessoal;
Seção II – Dos Crimes contra a Inviolabilidade do Domicílio;
Seção III – Dos Crimes contra a Inviolabilidade de Correspondência;
Seção IV – Dos Crimes contra a Inviolabilidade dos Segredos.

A posição de determinado tipo, na divisão acima, é importante para a interpretação


sistemática. Assim, quando se discute, por exemplo, se é crime a “difamação” contra a
pessoa jurídica, não se pode deixar de observar que o crime de difamação encontra-se
no Capítulo V (Dos crimes contra a honra) do Título I (Dos crimes contra a pessoa). Ora,
os crimes previstos no Título I sãos cometidos contra o ser humano (homicídio, aborto,
lesões corporais, sequestro e cárcere privado, ameaça etc.), razão pela qual não parece
ter sentido em se pensar na pessoa jurídica como sujeito passivo de qualquer dos crimes
nele previstos.

Tipo penal - Para atender ao princípio da legalidade, a lei cria o tipo, que contém todos
os elementos descritivos de um crime. É a descrição abstrata de um crime, “o conjunto
dos elementos descritivos do crime contidos na lei penal”.
O ponto de partida do aplicador da lei penal é o tipo, pois é ele que descreve a conduta
proibida, que nega valores jurídico-penais. O juiz não poderá criar tais valores, para não
usurpar função que compete ao legislador, como representante da vontade geral. O
legislador define as condutas lesivas a certos valores jurídico-penais e ao juiz compete a
verificação da adequação (tipicidade) entre uma conduta concreta e aquela descrita pela
lei (tipo).

A finalidade destas aulas é tentar, ao máximo possível, trazer ao conhecimento dos


alunos as questões mais discutidas e controvertidas concernentes a cada tipo penal. A
meta é dissecar cada infração penal, apontando todos seus elementos.

1. DOS CRIMES CONTRA A VIDA

2.1. HOMICÍDIO
Homicídio é a injusta morte de uma pessoa praticada por outrem. Nosso CP prevê várias
modalidades do crime:
- Homicídio doloso simples;
- Homicídio doloso privilegiado;
- Homicídio doloso qualificado;
- Homicídio culposo;
- Homicídio culposo majorado;
- Homicídio doloso majorado

1.1.1.1. HOMICÍDIO SIMPLES

Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Objeto jurídico – O que se busca proteger é a vida humana extrauterina, que é marcada
pelo início do parto. A doutrina diverge quanto ao momento do começo do parto, mas
prevalece ter como limite mínimo o instante marcado pelas dores das contrações
expulsivas, com o rompimento do saco amniótico.

“Iniciado o trabalho de parto, não há falar mais em aborto, mas


em homicídio ou infanticídio, conforme o caso, pois não se
mostra necessário que o nascituro tenha respirado para
configurar o crime de homicídio, notadamente quando existem
nos autos outros elementos para demonstrar a vida do ser
nascente. STJ. 5ª Turma. HC 228998-MG, Rel. Min. Marco
Aurélio Bellizze, julgado em 23/10/2012.”
Sujeito ativo – Qualquer pessoa (crime comum). Admite a coautoria e a participação.

Sujeito passivo – Qualquer pessoa com vida. Não é possível o homicídio de pessoa já
morta (configura crime impossível, por impropriedade absoluta do objeto material - art.
17 do CP).

O homicídio restará configurado ainda que a vítima seja um recém-nascido com


baixíssima probabilidade de sobreviver ou uma pessoa que está na iminência da morte.
Isso ocorre porque a viabilidade da vida da vítima é desnecessária para a consumação
do crime.

Elemento subjetivo ou voluntariedade – O homicídio simples tem como elemento


subjetivo o dolo, podendo ser tanto direto (consciência e vontade de matar alguém)
quanto eventual (assunção do risco de matar).

A intenção de matar é denominada animus necandi ou animus occidendi. Não é


necessária finalidade especial (elemento subjetivo específico), embora o motivo
determinante possa qualificar o delito (ex.: quando praticado com o especial fim de
assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime, incide a
qualificadora descrita no inciso V do § 2°) ou constituir causa de diminuição de pena. O
crime pode ser praticado por ação, por omissão, por meios diretos e por meios indiretos.

No caso do homicídio por omissão, tratar-se-á de omissão imprópria e, nesses casos,


será necessária a descrição do comportamento omissivo voluntário, a consciência de
seu dever de agir e da situação de risco enfrentada pelo ofendido, a previsão do
resultado decorrente de sua omissão, o nexo normativo de evitação do resultado, o
resultado material e a situação de garantidor nos termos do artigo 13, § 2º, do Código
Penal, o que se verificou no caso dos autos (STJ - RHC 46.823/MT).

Consumação e tentativa – O crime se consuma com a morte da vítima (crime material).


O conceito de morte pode ser extraído da Lei 9.434/1997 (dispõe sobre a remoção de
órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante), segundo a qual tais
procedimentos devem ser precedidos de morte encefálica (art. 3º), que é a cessação das
atividades do tronco cerebral.

A tentativa é admissível, já que o crime é plurissubsistente e pode ser fracionado em


diversos atos. Ocorrerá nas hipóteses em que o agente inicia a conduta visando a morte
da vítima, mas não atinge o objetivo por circunstâncias alheias à sua vontade (ex.: agente
desfere golpes de faca contra o ofendido, mas é impedido de prosseguir por terceiro,
evitando-se a morte).
Materialidade - A morte da vítima pode ser provada com o exame de corpo de delito,
direto ou indireto, pois trata-se de um crime não transeunte. (CPP – art. 167. Não sendo
possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova
testemunhal poderá suprir-lhe a falta).

Competência – como regra, é aplicado o art. 70 do CPP, que indica que a competência é
determinada pelo lugar em que se consumou o crime. Ocorre que tal entendimento é
mitigado na hipótese em que a morte ocorre em lugar diverso daquele onde se iniciaram
os atos executórios, determinando-se a competência no local de início da execução. Tal
mitigação visa a aplicação da verdade real e a facilitação da coleta de provas.

Questões Importantes sobre o homicídio simples:

O delito previsto no caput do art. 121 do CP é uma categoria residual, na medida em que
o homicídio será considerado simples quando não for privilegiado (§1º), qualificado (§2º,
I a VIII) ou culposo (§3º). Além disso, cabe destacar que o homicídio simples não é
considerado hediondo, salvo quando praticado em atividade típica de grupo de
extermínio, ainda que cometido por um só agente e quando o crime é qualificado (art.
121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII).

1.1.1.2. HOMICÍDIO “PRIVILEGIADO”

Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de


relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta
emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz
pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

A figura prevista no § 1º do art. 121 é costumeiramente chamada de homicídio


“privilegiado”, expressão que utilizaremos. Contudo, tenha em mente que, tecnicamente,
trata-se de uma causa de diminuição de pena.

As causas de diminuição são circunstâncias subjetivas, e, portanto, incomunicáveis em


concurso de pessoas (art. 30 do CP). Três hipóteses permitem o seu reconhecimento:
relevante valor social, relevante valor moral e prática do crime sob o domínio de violenta
emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.
Vamos examiná-las mais detidamente:

Relevante valor social ou moral - Embora o homicídio seja um crime bastante grave, em
tais casos é possível dizer que há certa “nobreza” na motivação do agente. Isso não afasta
o delito, mas permite a redução da pena. Diferenciam-se porque o valor social se refere
a interesses da coletividade (ex.: matar o traidor da pátria, matar um traficante que
prejudica a comunidade etc.), enquanto o valor moral diz respeito a interesses individuais
(ex.: matar o estuprador da filha; matar um parente gravemente enfermo, atendendo seu
pedido, para abreviar um sofrimento insuportável – eutanásia etc.).

O motivo de valor social ou moral deve ser relevante, ou seja, expressivo, importante,
notável e configura atenuante genérica (art. 65, III, a, do CP). Entretanto, reconhecida a
minorante do homicídio, a atenuante não será aplicada para evitar o bis in idem.

Domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima - Para a


configuração desta causa de diminuição, exige-se que o agente esteja sob o domínio de
violenta emoção, ou seja, absorvido por sentimento de elevada intensidade. A emoção
não deve ser leve e passageira. Além disso, o crime deve ser precedido de injusta
provocação da vítima, que pode ser tanto física (ex.: desferir um tapa) quanto verbal (ex.:
xingamentos ou humilhações), dirigida contra o próprio agente ou contra terceiro (ex.:
contra a mãe).

A provocação justa não permite diminuição da pena (ex.: terceiro guincha o veículo do
agente parado em local proibido). Por fim, o crime deve ser praticado logo em seguida à
provocação (impulso imediato), isto é, deve haver uma relação de imediatidade (não é
um critério com precisão matemática). Em consequência, a minorante é incompatível
com a premeditação.

Nos termos do artigo 65, III, “c”, última parte, do Código Penal, é circunstância atenuante
o fato de ter o agente cometido o crime “sob a influência de violenta emoção, provocada
por ato injusto da vítima”. Para configuração da atenuante, basta que a infração tenha
sido praticada sob a influência da violenta emoção, não sendo preciso o domínio da
emoção violenta. Além disso, a relação de imediatidade entre a provocação da vítima e
a reação do agente, exigida na causa de diminuição de pena, não aparece na atenuante.

Presentes os requisitos do homicídio privilegiado, a redução de pena é obrigatória ou


facultativa?
Embora a lei mencione que o juiz “poderá” reduzir a pena, a redução é obrigatória. Cabe
ao juiz dosar o montante da redução (1/6 a 1/3), considerando o caso concreto (isto é, a
natureza do valor social ou moral que motivou o delito, ou a intensidade da violenta
emoção e da provocação injusta).
As causas de diminuição se comunicam aos coautores e partícipes?
Não, pois não são elementares típicas e têm natureza subjetiva (Art. 30 – “não se
comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando
elementares do crime”). Nada impede que cada um dos agentes seja beneficiado pela
redução, mas por conta da sua motivação própria.

QUESTÃO DE FIXAÇÃO

1ª) Analise estas duas hipóteses isoladas:

a) o agente matou o indivíduo que estuprou sua filha menor; e


b) o agente, que é traficante de drogas, matou seu concorrente para dominar o
comércio de drogas no bairro.

Relativamente ao crime de homicídio, escolha a opção que indique, respectivamente,


o que, em tese, cada uma destas situações poderia significar num eventual Júri:

a) atenuante genérica; agravante genérica.


b) atenuante genérica; causa de aumento de pena.
c) causa de diminuição de pena; qualificadora.
d) causa de diminuição de pena; agravante genérica.

2ª) Em determinado set de filmagens, Hades, produtor técnico, entrega arma de fogo
verdadeira, devidamente municiada, para o ator Ares, fazendo-o acreditar que se trata
de arma cenográfica, sem potencial de efetuar disparos. Já tendo lido o script e
presenciado os ensaios, Hades sabia previamente que, nas cenas que seriam filmadas,
Ares deveria apontar a arma para Atena e, após breve diálogo, efetuar o disparo para a
cena fatal. Querendo a morte de Atena, em razão de desavenças pretéritas, Hades faz a
substituição da arma, fornecendo-a diretamente a Ares, irrogando o famoso “quebre a
perna”. Ares efetua o disparo e ceifa a vida de Atena. Do ponto de vista jurídico-penal:

a) Ares e Hades responderão por homicídio doloso, o primeiro como autor e o segundo
como partícipe;
b) Ares e Hades responderão por homicídio doloso, o primeiro como partícipe e o segundo
como autor;
c) Ares e Hades responderão por homicídio doloso, como coautores;
d) Ares não responderá por crime e Hades responderá por homicídio doloso.

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