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DIREITO PENAL - CRIMES EM ESPÉCIE I

PROF. ÁTILA CALLISON

MATERIAL DE APOIO – AULA 02

Olá!
Nesta rodada, continuamos a análise do Título I da Parte Especial, que trata dos
crimes contra a pessoa. Continuem firmes nos estudos!

3. HOMICÍDIO QUALIFICADO

ATENÇÃO! O homicídio qualificado é crime hediondo (art. 1º, I, da Lei 8.072/90).


ATENÇÃO! As qualificadoras objetivas (incisos III e IV, exceto a traição) comunicam-se
em concurso de pessoas, contanto que o agente tenha conhecimento delas.

ART. 121, § 2 º- CP:

I - MEDIANTE PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA, OU POR OUTRO MOTIVO TORPE

O inciso I traz o homicídio qualificado por motivo torpe.

Motivo torpe é aquele desprezível, que gera repulsa, aversão ou repugnância geral (Item
38 da Exposição de Motivos da Parte Especial do CP – motivo torpe, isto é, o motivo que
suscita a aversão ou repugnância geral, v.g.: a cupidez, a luxúria, o despeito da
imoralidade contrariada, o prazer do mal etc.).
Trata-se de qualificadora de ordem subjetiva.
Observe que o legislador forneceu um exemplo de motivo torpe (“mediante paga ou
promessa de recompensa”) seguido de uma expressão genérica (“ou por outro motivo
torpe”), permitindo a interpretação analógica. Outros exemplos de motivação torpe são:
inadimplemento de dívida de drogas; eliminar o candidato rival para ficar com a vaga em
concurso público etc.
Mediante paga ou promessa de recompensa
É o chamado homicídio mercenário. Na paga de recompensa, o prêmio já foi recebido
pelo agente, enquanto na promessa há a expectativa de recebimento futuro.
Trata-se de crime de concurso necessário (também chamado crime de concurso não
eventual ou crime bilateral), sendo necessária a presença de pelo menos duas pessoas:
quem paga ou promete a recompensa e quem a recebe ou espera recebê-la. Para a
configuração da qualificadora, não é necessário o efetivo recebimento.

A recompensa precisa ter natureza econômica? Há duas correntes:


a) Pode ser qualquer vantagem. Ex.: favores sexuais, promessa de um casamento
futuro etc.
b) Deve ser vantagem econômica. É o entendimento majoritário pelas doutrinas. Mas
perceba, na prática essa discussão é ineficaz, pois como o inciso encerra forma de
interpretação analógica, se a vantagem tiver outra natureza, poderá configurar
outro motivo torpe.
A qualificadora se comunica ao mandante?
Não, pois a qualificadora não é um elementar do crime, mas sim simples circunstância
de caráter subjetivo, não se comunicando ao mandante de crime (Bitencourt). Adotando
essa orientação: “A qualificadora de ter sido o delito praticado mediante paga ou
promessa de recompensa é circunstância de caráter pessoal e, portanto, incomunicável,
por força do art. 30 do CP. Isso ocorre porque, para os mandantes, o pagamento é
conduta que os integra no concurso de pessoas, mas não o motivo do crime”. (STJ. 5ª
Turma. HC 403263/SP – 2018 e REsp 1973397/MG – 2022.

II - POR MOTIVO FÚTIL


É o motivo insignificante, banal, sem importância, isto é, que, pela sua mínima
importância, não é causa suficiente para o crime.
Ex.: matar alguém porque não disse “bom dia” ou porque não quis vender fiado. Trata-se
de qualificadora de ordem subjetiva. Corresponde, então a uma reação desproporcional
do agente a uma ação ou omissão da vítima.
Entende-se que, para incidir a qualificadora, a futilidade deve ser direta ou imediata. Não
se caracteriza o motivo fútil, por conseguinte, se a futilidade for indireta ou mediata, ou
seja, se a desavença começou por uma razão banal, mas evoluiu para troca de ofensas e
agressões entre o agente e a vítima.
Ex.: agente fica nervoso por causa de uma buzinada no trânsito. Começa a discutir com
o outro motorista. Os dois começam a se xingar, descem do carro e os impropérios
evoluem para troca de socos. Então, o agente saca uma arma e mata o outro.
O ciúme funciona como qualificadora (motivo fútil ou torpe) ou como causa de
diminuição de pena (relevante valor moral)?
Dependendo das circunstâncias, sobretudo naquelas em que nos autos esteja
caracterizado pelo zelo e cuidado que autor tinha sobre a vítima, longe de um
comportamento perigoso e anormal, poderá caracterizar a privilegiada da violenta
emoção, inserta no § 1º, art. 121 do CP. Diferentemente, quando o ciúme estiver
circundado por uma relação de posse e violência, certamente acabará por qualificar o
homicídio por motivo torpe ou motivo fútil, conforme preconiza o § 2º, art. 121 do CP.
A vingança configura motivo torpe ou fútil?
Assim como o ciúme, pode configurar tanto a qualificadora do motivo torpe ou fútil
quanto a causa de diminuição de pena do relevante valor moral ou social. Depende do
caso concreto.
Exemplo: o agente pode tanto se vingar de alguém que estuprou a filha (relevante valor
moral) quanto se vingar de um traficante rival que dominou seu ponto de venda de
drogas (motivo torpe).
Falta de motivo é motivo fútil?
Prevalece que não. É difícil conceber a prática de um homicídio verdadeiramente sem
motivo. Ainda que a razão jamais venha a ser conhecida, algo na mente do agente o
impulsionou a tirar a vida da outra pessoa (mesmo que seja o simples prazer de matar).
De todo modo, para configuração da qualificadora, é preciso que a motivação fique
demonstrada nos autos (devendo inclusive constar expressamente na denúncia), não
sendo possível reconhecer automaticamente a ausência de motivo como motivo fútil.
Motivo injusto é motivo fútil?
Prevalece o entendimento de que o motivo fútil é injusto, mas nem sempre o motivo
injusto pode ser considerado fútil, por isso, devemos analisar o caso concreto.

III) COM EMPREGO DE VENENO, FOGO, EXPLOSIVO, ASFIXIA, TORTURA OU OUTRO


MEIO INSIDIOSO OU CRUEL, OU DE QUE POSSA RESULTAR PERIGO COMUM
O homicídio também é qualificado quando praticado por meio insidioso (dissimulado na
sua eficiência maléfica), cruel (atroz, isto é, que aumenta inutilmente o sofrimento da
vítima, ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste com o mais elementar
sentimento de piedade) ou de que possa resultar perigo comum (atingir um número
indeterminado de pessoas).
O legislador fornece como exemplos o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia e
tortura, permitindo, ao final, a interpretação analógica, para abranger outras hipóteses
semelhantes.
VENENO – Existem substâncias que são venenosas por si (ex.: cianureto, “chumbinho”),
enquanto outras assumem tal qualidade em razão das características do organismo da
vítima e da forma como administradas (ex.: glicose em quantidades elevadas para
diabéticos; remédios em superdosagem). Nestes casos, é possível o reconhecimento da
qualificadora.
O homicídio praticado mediante o emprego de veneno é denominado venefício.
Há o entendimento de que, para incidir a qualificadora atinente ao emprego de veneno
(enquanto meio insidioso), é preciso que a substância seja ministrada de forma velada no
organismo da vítima. Se o agente, mediante violência ou grave ameaça, obrigar a vítima
a consumir o veneno, é possível o reconhecimento de outro meio cruel ou recurso que
dificultou a defesa da vítima.
ASFIXIA – É a supressão da função respiratória, podendo ter causa mecânica ou tóxica.
a) Esganadura - aperto do pescoço da vítima, utilizando o agente de seu próprio
corpo (mãos, braços ou pernas);
b) Estrangulamento - aperto do pescoço com algum instrumento (fio, corda,
tecido etc.), valendo-se o agente de sua própria força.
Causas tóxicas:
c) gazes asfixiantes;
d) confinamento (asfixia por rarefação).

TORTURA – A Lei 9.455/1997, ao punir o crime de tortura, contempla a figura qualificada


pela morte da vítima, cominando-lhe pena de reclusão, de 8 a 16 anos (art. 1º, § 3º, 2ª
parte).
Qual a diferença entre homicídio qualificado pela tortura e tortura qualificada pela
morte?
No homicídio qualificado, a intenção do agente é eliminar a vítima por meio da tortura.
Ou seja, o agente quer matar a vítima, mas deseja que ela passe por um intenso
sofrimento antes de morrer. Já na hipótese da Lei 9.455/1997, a intenção do agente é
torturar a vítima (por exemplo, para obter a sua confissão), vindo a lhe causar
culposamente a morte (crime preterdoloso).
A reiteração de golpes configura meio cruel?
Sim, é considerado meio cruel se causar intenso sofrimento à vítima. Caso a vítima venha
a morrer já no primeiro golpe, os subsequentes não poderão ser considerados meio
cruel.
MEIO DE QUE POSSA RESULTAR PERIGO COMUM – É aquele que pode atingir um
número indefinido de pessoas (ex.: incêndio, explosão). Chamado homicídio catastrófico.

IV) À TRAIÇÃO, DE EMBOSCADA, OU MEDIANTE DISSIMULAÇÃO OU OUTRO RECURSO


QUE DIFICULTE OU TORNE IMPOSSÍVEL A DEFESA DO OFENDIDO
TRAIÇÃO – É o ataque desleal, que contraria as expectativas da vítima. Há a quebra de
uma prévia relação de confiança entre o agente e a vítima.
Ex.: após briga, o agente finge ter feito as pazes com a vítima e, quando esta “abaixa a
guarda”, é alvejada.
EMBOSCADA – É a chamada tocaia. O agente permanece à espreita, esperando a vítima
chegar para pegá-la desprevenida. Dissimulação – É a ocultação da verdadeira intenção
do agente, com o objetivo de atingir a vítima desprevenida, indefesa.
RECURSO QUE DIFICULTE OU TORNE IMPOSSÍVEL A DEFESA DA VÍTIMA – Nesta
fórmula genérica, podem ser incluídas outras hipóteses em que o agente atua de forma
a mitigar a possibilidade de reação do ofendido.
Ex.: surpresa, ataque contra pessoa dormindo etc.
OBSERVAÇÃO: Premeditação – O crime premeditado (previamente calculado) se
contrapõe ao crime de ímpeto (praticado de forma irrefletida, no calor dos
acontecimentos). A premeditação, por si, não qualifica o crime, mas pode configurar
outras qualificadoras, como a emboscada.

V) PARA ASSEGURAR A EXECUÇÃO, A OCULTAÇÃO, A IMPUNIDADE OU VANTAGEM DE


OUTRO CRIME
O dispositivo traz, na 1ª parte, a conexão teleológica, na qual o agente elimina a vítima
para garantir a execução de outro delito futuro
Ex.: matar o segurança de um mercado para subtrair o dinheiro guardado no cofre.
Em seguida, prevê a conexão consequencial, na qual o homicídio é cometido para
assegurar a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime cometido no
passado, que pode ser de própria autoria ou de terceiros. Vejamos os exemplos abaixo:
a) a ocultação de outro crime – o agente busca que o próprio crime cometido no
passado não seja descoberto.

Ex.: elimina auditor que descobriu a existência de desvio de dinheiro da empresa;

b) a impunidade de outro crime – o agente busca que a autoria do crime passado não
seja descoberta.

Ex.: mata a única testemunha presencial de outro homicídio;

c) a vantagem de outro crime – o agente busca garantir o produto/proveito do crime


passado.

Ex.: mata o comparsa de roubo a banco para se apropriar do dinheiro.


OBSERVAÇÃO: Se o crime é praticado para assegurar a execução, ocultação,
impunidade ou vantagem de uma contravenção penal, não incide a qualificadora.
Conforme o caso, pode o motivo ser considerado fútil ou torpe.

VI) contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (feminicídio)

FEMINICÍDIO (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

VI – Contra a mulher por razões da condição de sexo feminino

§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino


quando o crime envolve:

I – Violência doméstica e familiar;


II – Menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

A Lei 13.104, de 9 de março de 2015, incluiu o denominado feminicídio como qualificadora


do crime de homicídio (art. 121, § 2o, do CP), além de prever três causas de aumento de
pena específicas para esta figura (§ 7o). Além disso, acrescentou o feminicídio ao rol de
crimes hediondos (art. 1º, I, da Lei 8.072/1990).

Feminicídio e femicídio não se confundem. Ambos caracterizam o homicídio, mas


enquanto aquele se baseia em razão da condição do sexo feminino, este consiste em
qualquer homicídio contra mulher. Assim, nem todo homicídio praticado contra mulher
é feminicídio.

O feminicídio é um novo crime?

Não! O feminicídio é uma qualificadora do homicídio. Sujeito passivo do feminicídio –


Deve ser mulher. Não se configura o feminicídio se a vítima for homem, mesmo que se
trate de relação homoafetiva.

O que se entende por razões da condição de sexo feminino?

O significado é trazido no § 2º-A, segundo o qual o crime se dá por razões da condição


de sexo feminino quando envolver violência doméstica e familiar ou na hipótese de
menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Violência doméstica e familiar – O conceito está no art. 5º da Lei 11.340/2006: “Configura


violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no
gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral
ou patrimonial:

I – No âmbito da unidade doméstica, compreendida como o


espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo
familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – No âmbito da família, compreendida como a comunidade


formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados,
unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor
conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente
de coabitação.

Há posição no sentido de que, para incidir a qualificadora, não basta o crime ser
praticado no ambiente doméstico e familiar (que na verdade deve ser lido como
ambiente doméstico ou familiar) é preciso que o fator determinante seja o gênero
feminino. Nessa ótica, se o marido mata a mulher para receber o seguro de vida, não há
feminicídio. Mas se ele a mata porque não aceita que ela trabalhe fora, há feminicídio.

Menosprezo à condição de mulher – Refere-se ao menoscabo, ao sentimento de


superioridade que o agente pensa ter em relação à vítima, pelo fato de esta ser mulher.
Para o agressor, a ofendida é inferior, por ser do sexo feminino.

Discriminação à condição de mulher – “Toda distinção, exclusão ou restrição baseada


no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento,
gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na
igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos
campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo” (art. 1º
da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres, da Assembleia Geral das Nações Unidas de 1979, promulgada no Brasil pelo
Decreto 4.377/2002).

VI.1) Causas de aumento de pena do feminicídio

A Lei 13.104/2015 incluiu o § 7o no art. 121, contemplando três causas de aumento


específicas para o feminicídio. No entanto, para a incidência das majorantes enunciadas,
faz-se imprescindível que o agressor tenha ciência das circunstâncias, evitando-se,
assim, a responsabilidade penal objetiva.

A pena aumenta-se de 1/3 até metade se o crime for praticado:

I) durante a gestação ou nos 3 meses posteriores ao parto – O legislador


demonstrou especial preocupação com a criança recém-nascida e de
tenra idade, que necessita de maiores cuidados maternos. Ademais,
durante a gravidez a mulher encontra-se física e emocionalmente
fragilizada em face das diversas alterações promovidas no seu organismo.

II) contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou com


doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de
vulnerabilidade física ou mental; (Redação dada pela Lei nº 14.344, de
2022).

OBSERVAÇÃO: Quanto ao deficiente, adotamos o conceito trazido no art. 2º do Estatuto


da Pessoa com Deficiência:

“Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem


impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva
na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas”.

III) na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da


vítima (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018) – O fundamento da
majorante repousa na covardia e frieza do homicida que pratica o crime na
presença dos descendentes e ascendentes da vítima. Ademais, o legislador
demonstrou preocupação com as consequências psicológicas do delito no
tocante aos familiares da vítima. Como a lei menciona somente os parentes
em linha reta, descendentes (filhos, netos, bisnetos etc.) e ascendentes
(pais, avós, bisavós etc.), entendo excluída a causa de aumento se for
praticado na presença de outros familiares, denominados colaterais ou
transversais (como irmãos, tios, sobrinhos ou primos).

Importante destacar que, para a incidência da causa de aumento de pena prevista no


inciso III do § 7º do art. 121 do CP, não é necessário que o descendente ou o ascendente
da vítima presenciem todo o iter criminis. Testemunhar parte do evento criminoso
configura suporte fático suficiente para a caracterização da majorante, tornando
obrigatório o incremento da sanção penal (STJ RHC 189.088/DF-2021).

IV - Em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos


incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.
(Incluído pela Lei nº 13.771, de 2018).

ATENÇÃO! Por se tratar de norma inovadora com previsão de pena mais severa, a nova
figura só terá incidência em relação a fatos ocorridos depois de sua vigência, nos termos
do art. 5º, inc. XL, da CF, e do art. 2º do CP.

VII) CONTRA AUTORIDADE OU AGENTE DESCRITO NOS ARTS. 142 E 144 DA


CONSTITUIÇÃO FEDERAL, INTEGRANTES DO SISTEMA PRISIONAL E DA FORÇA
NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA, NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO OU EM
DECORRÊNCIA DELA, OU CONTRA SEU CÔNJUGE, COMPANHEIRO OU PARENTE
CONSANGUÍNEO ATÉ TERCEIRO GRAU, EM RAZÃO DESSA CONDIÇÃO: (INCLUÍDO
PELA LEI Nº 13.142, DE 2015).

Com a finalidade de punir mais severamente os crimes praticados contra pessoas que
atuam na área de segurança pública, a Lei 13.142, 06 de julho de 2015, acrescentou nova
qualificadora no crime de homicídio (art. 121, § 2º, inciso VII), além de outra causa de
aumento de pena no crime de lesão corporal (art. 129, § 12). A Lei 8.072/1990 também foi
modificada, de modo que o homicídio e a lesão corporal gravíssima ou seguida de morte,
quando praticados nas circunstâncias descritas na Lei 13.142, são considerados
hediondos (art. 1º, I, 2ª parte e art. 1º, I-A).

Sujeito passivo - Para incidência da qualificadora, o crime deve ser cometido contra
integrante de alguma das instituições nela descritas.

São elas:
a) Forças Armadas

Compreende a Marinha, o Exército e a Aeronáutica (art. 142 da CF).

b) Segurança Pública

Abrange a polícia federal, a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal, os


policiais civis, os policiais militares e os bombeiros militares (art. 144 da CF). Os guardas
municipais também estão compreendidos no dispositivo, pois desenvolvem atividade de
segurança pública e foram relacionados no art. 144, estabelecendo o § 8º que “os
Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens,
serviços e instalações, conforme dispuser a lei”. O Estatuto Geral das Guardas Municipais
é a Lei 13.022/2014.

c) Sistema prisional

Incluem-se os envolvidos na execução penal (diretores de estabelecimentos penais,


agentes penitenciários, membros da Comissão Técnica de Classificação, do Conselho
Penitenciário etc.).

d) Força Nacional de Segurança Pública

Foi criada em 2004, para atender necessidades emergenciais dos Estados em atividades
destinadas à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio. Sua organização e o funcionamento encontram-se disciplinados no Decreto
n. 5.289/2004.

Também estão abrangidos pelo dispositivo o cônjuge, companheiro ou parente


consanguíneo até terceiro grau das pessoas supra referidas.

ATENÇÃO! Nem todo homicídio praticado contra as pessoas mencionadas configurará a


qualificadora em exame. Além de exigir especial qualidade do sujeito passivo, a
incidência da qualificadora exige que o delito tenha sido cometido contra a vítima no
exercício da função ou em decorrência dela (relação de causalidade).

VIII) COM EMPREGO DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO OU PROIBIDO

Trata-se de inovação trazida pelo Projeto do Pacote Anticrime, que torna qualificado o
homicídio cometido com o emprego de arma de uso restrito ou proibido.

Estamos diante de uma norma penal em branco ao quadrado como qualificadora do


delito de homicídio, devendo o seu complemento ser alcançado por meio do art. 3º,
parágrafo único, do Anexo I do Decreto 10.030/19 que, por conseguinte, carece de
complementação integrativa da Portaria do Comando do Exército de nº 1.222/19.

Por se tratar de uma maneira de praticar o delito, a qualificadora tem natureza objetiva,
sendo, portanto, compatível com o privilégio do art. 121, §1º, do CP.
Por fim, temos que, como regra, o uso (posse ou porte) de arma de fogo no homicídio é
por este absolvido quando considerado como crime meio para granjear a morte como
crime fim pretendido. Entretanto, sendo o uso (posse ou porte) desassociado do
homicídio, ou seja, utilizado em contexto fático distinto, é possível a ocorrência de
concurso de crimes.

IX) CONTRA MENOR DE 14 (QUATORZE) ANOS:

Trata-se de inovação trazida pela Lei 14.344/22 (Lei Henry Borel) que torna qualificado o
homicídio cometido contra menor de 14 (quatorze) anos, cominando para o delito pena
de reclusão de doze a trinta anos.

IX.1) Causas de aumento de pena do homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos:

O homicídio qualificado pode receber cominação de pena ainda mais gravosa nos casos
em que o delito seja praticado na concorrência de qualquer das hipóteses de aumento
de pena previstas no art. 121, §2º-B, I e II do CP.

§ 2º-B. A pena do homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos é


aumentada de:

I - 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é pessoa com deficiência


ou com doença que implique o aumento de sua vulnerabilidade;

O incremento de pena prevista no art. 121, §2º-B, I, do CP, se justifica pela maior
vulnerabilidade da vítima que demanda maior proteção penal, seja esta pessoa com
deficiência (art. 2º, da Lei 13.146/15) ou seja esta portadora de doença que enseje maior
indefensabilidade.

II - 2/3 (dois terços) se o autor é ascendente, padrasto ou


madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador,
preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título
tiver autoridade sobre ela.

A maior repressão prevista com a pena do art. 121, §2º, II, do CP, se fundamenta pela
especial relação de parentesco, responsabilidade e/ou autoridade entre a vítima e o
autor do crime.

3. 1 - CAUSAS DE AUMENTO DE PENA DO HOMICÍDIO DOLOSO

Aumento de pena

§ 4º (...) sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3


se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 ou maior de
60 anos.

Adota-se a teoria da atividade, considerando-se praticado o crime no momento da ação


ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado (art. 4º do CP). Portanto, se o
agente praticar a conduta contra vítima menor de 14 anos e a morte ocorrer após o
ofendido completar tal idade, incidirá o aumento. Por outro lado, isso não ocorrerá se a
conduta for praticada antes de a vítima atingir 60 anos, mas sobrevier o óbito depois de
ultrapassada esta idade.

Como o dispositivo fala em pessoa menor de 14 anos, não há o aumento se o crime for
praticado no dia em que a vítima completa tal idade. Quanto ao idoso, exigindo-se que
o ofendido seja maior de 60 anos, somente haverá o aumento se a vítima tiver
ultrapassado essa idade.

3.2 - CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO HOMICÍDIO DOLOSO – CRIME PRATICADO


POR MILÍCIA PRIVADA OU GRUPO DE EXTERMÍNIO

§ 6º A pena é aumentada de 1/3 até a metade se o crime for


praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de
serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.

Milícia privada – Associação de pessoas (civis ou não) que, valendo-se da desídia do


Poder Público e a pretexto de restabelecer a ordem e garantir a segurança em
determinada localidade, geralmente as mais carentes, passa a controlá-la coativamente,
para “restaurar a paz”.

Grupo de extermínio – Reunião de pessoas, civis ou não, que tem por finalidade eliminar
a vida de outros indivíduos, por qualquer razão, mas geralmente atuam na ausência do
Poder Público e objetivam a chacina de pessoas supostamente etiquetadas como à
margem da sociedade ou tidas como perigosas. São matadores ou justiceiros. O
homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio é crime hediondo (art.
1º, I, 1ª parte, da Lei 8.072/1990).

3.3 - HOMICÍDIO PRIVILEGIADO-QUALIFICADO

Estudamos o homicídio privilegiado e o homicídio qualificado. Indaga-se: o homicídio


pode ser privilegiado e qualificado ao mesmo tempo?

Sim, desde que haja compatibilidade lógica entre tais figuras.

As hipóteses de homicídio privilegiado são todas de natureza subjetiva (referem-se a


aspectos de ordem pessoal, individual). Já as qualificadoras podem ser tanto de natureza
subjetiva (referem-se a aspectos de ordem pessoal) quanto de natureza objetiva
(referem-se aos meios ou ao modo de execução do crime).

Logo, o homicídio pode ser privilegiado-qualificado se a qualificadora tiver natureza


objetiva. De fato, é logicamente impossível visualizar um homicídio praticado, ao mesmo
tempo, por motivo torpe e por motivo de relevante valor moral. Por outro lado, nada
impede, por exemplo, que o crime tenha sido cometido por relevante valor moral
mediante recurso que dificultou a defesa da vítima (ex.: agente faz tocaia para matar o
estuprador da filha).

3.4 - HOMICÍDIO E HEDIONDEZ

Em que hipóteses o homicídio é crime hediondo?

O homicídio simples (art. 121) somente é hediondo quando praticado em atividade típica
de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente.

O homicídio qualificado é hediondo em todas as suas modalidades. O homicídio


privilegiado-qualificado é crime hediondo?

Prevalece que não. O rol da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) é taxativo
e nele está previsto o homicídio qualificado (art. 1º, I, 2ª parte), mas não o privilegiado-
qualificado.

3.5 - HOMICÍDIO CULPOSO

Homicídio culposo

§ 3º Se o homicídio é culposo:
Pena - detenção, de um a três anos.

O homicídio culposo decorre da violação do dever de cuidado objetivo. Resulta de


imprudência, negligência ou imperícia (art. 18, II, do CP). O agente, com sua conduta,
provoca o resultado lesivo morte, que lhe é previsto (quando a culpa é consciente) ou
previsível (culpa inconsciente), porém, jamais por ele aceito.

A imprudência é a precipitação ou afoiteza, o agente age sem os cuidados que o caso


requer; negligência é a culpa negativa, ou seja, é deixar de fazer aquilo que a cautela
recomendava; imperícia é a falta de aptidão técnica para o exercício da arte ou profissão,
ou seja, é a culpa profissional. Em que pese o agente esteja autorizado a exercê-la, não
possui os conhecimentos teóricos e práticos para tanto.

OBSERVAÇÃO: Se o homicídio culposo for cometido na condução de veículo automotor,


não se aplica o Código Penal, mas sim o Código de Trânsito Brasileiro (art. 302 da Lei
9.503/1997), que é lei especial. Na prática, a quase totalidade dos homicídios culposos
ocorre justamente no trânsito, aplicando-se o CTB.

3.6 - CAUSAS DE AUMENTO DE PENA DO HOMICÍDIO CULPOSO

Aumento de pena
§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3, se o crime
resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou
ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima,
não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para
evitar prisão em flagrante. (...)

Morte evidente - Sendo notório o falecimento da vítima (por esmagamento do crânio ou


decapitação, por exemplo), o STJ entende que não incide a causa de aumento de pena,
pois a omissão de socorro caracteriza crime impossível. No mesmo sentido: Bitencourt,
Nucci, Masson, entre outros. Fora dessas situações de morte absolutamente evidente,
incide a causa de aumento.

Risco pessoal ao agente - Não incide a causa de aumento se o agente deixar de prestar
socorro em razão de risco à sua integridade física (ex.: fuga para evitar linchamento).

Se o agente não procura diminuir as consequências do seu ato - Incluem-se aqui outras
hipóteses nas quais o autor deixa de ajudar o ofendido, recusando-se, por exemplo, a
custear o tratamento médico e medicamentos.

Fuga para evitar prisão em flagrante - Boa parte da doutrina afirma que esta causa de
aumento é inconstitucional, por vulnerar o princípio da não autoincriminação. Também
há precedentes jurisprudenciais nesse sentido.

3.7 - PERDÃO JUDICIAL

§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de


aplicar a pena, se as consequências de a infração atingirem o
próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne
desnecessária.

Previsto apenas para o homicídio culposo.

O perdão judicial é ato de clemência do Estado que afasta a punibilidade e o efeitos


condenatórios da sentença penal. Pressupõe o preenchimento de determinados
requisitos - grau de parentesco e insuportável abalo físico ou emocional. O instituto deve
ser aplicado com cautela, evitando-se a banalização (STJ - AgRg no REsp 1339809/MT)

O juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências de a infração atingirem o


próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. Entende
ser que incide tanto na hipótese de o agente ter sido atingido diretamente (ex.: ficou
gravemente ferido por conta do ocorrido) quanto indiretamente (ex.: sua esposa ou
amigo íntimo ficou gravemente ferida por conta do ocorrido). A análise deve ser feita no
caso concreto.

Prevalece que a sentença concessiva do perdão judicial é uma decisão declaratória de


extinção da punibilidade (art. 107, IX, do Código Penal). Logo, o benefício pode ser
concedido a qualquer tempo, permitindo o arquivamento do inquérito policial, a rejeição
da denúncia (com fulcro no art. 395, II, do CPP) ou a absolvição sumária (com
fundamento no art. 397, IV, do CPP).

ATIVIDADE DE FIXAÇÃO

Caio é professor de educação física do Estado e dá aula de natação em um clube


estadual. Ao nadar em uma das piscinas do clube, Caio notou um defeito no ralo.
Decidido a se livrar da colega de profissão, recentemente contratada para substituí-lo
em algumas aulas, ele não informa a administração do clube sobre o defeito detectado,
além de alterar a potência da exaustão do ralo. No dia seguinte, quando já finalizadas
todas as aulas, ele propõe à colega a brincadeira da caça ao tesouro, que consiste em
localizar e pegar objetos no chão da piscina. Caio diz à colega que vence quem pegar
maior quantidade de pedras e as despeja na piscina, em local próximo ao ralo. Antes que
a colega pudesse colocar a touca na cabeça, Caio pula na piscina. Com receio de perder
a brincadeira, ela imediatamente pula atrás. Caio vê a colega aproximar o corpo rente ao
chão. Passados alguns segundos, ele percebe que a colega mexe o corpo freneticamente.
Ao mergulhar, Caio confirma que os cabelos de sua colega estão presos ao ralo,
impedindo-a de emergir. Caio, por minutos, assiste ao desespero da colega, sem nada
fazer. Depois, arrependido, decide agir, tentando, a todo custo, soltá-la do ralo. A colega,
contudo, veio a óbito. Diante da situação hipotética disserte,

a) Ocorreu homicídio consumado ou tentado?


b) Existe alguma qualificadora, qual?
c) Ocorrerá o reconhecimento do arrependimento eficaz, justifique?

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