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DIREITO PENAL - CRIMES EM ESPÉCIE I

PROF. ÁTILA CALLISON

MATERIAL DE APOIO – AULA 04

6. ABORTO
Conceito de aborto – É a interrupção prematura da gravidez, causando a morte do
embrião ou do feto. Aqui, há proteção da vida intrauterina.
6.1 Espécies de aborto:
a) espontâneo ou natural – ocorre em razão de alguma patologia no organismo
materno ou no desenvolvimento do feto. É involuntário e, obviamente, não
constitui crime;
b) acidental – resulta de causa não prevista ou desejada, como trauma decorrente
de uma queda ou ingestão de fármaco que produz inesperado efeito abortivo.
Também não constitui crime, pelo fato de não se punir o aborto culposo;
c) intencional ou provocado – interrupção deliberada da gravidez, por ato da
gestante ou de terceiros, resultando na morte do embrião ou do feto. O aborto
intencional pode ser:
c.1) criminoso – interrupção forçada da gravidez sem qualquer permissivo
legal. Está tipificado nos artigos 124 a 126 do Código Penal. No Brasil, é
criminoso o denominado aborto social ou econômico, praticado por razões
financeiras ou sociais (ex.: gestante em situação de miséria) e o aborto
honoris causa, praticado para ocultar situação desonrosa (ex.: filho fora do
casamento).

c.2) legal ou permitido – admitido pela legislação nas hipóteses em que não
houver outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário ou
terapêutico) ou se a gravidez resultar de crime sexual e for precedido de
consentimento da gestante ou de seu representante legal (aborto
humanitário ou sentimental). Está previsto no artigo 128 do Código Penal.
Tem-se entendido que o aborto eugênico ou eugenésico não configura
crime desde que inviável a vida extrauterina do feto (voltaremos ao tema
mais à frente).

6.1.1 - Aborto praticado pela própria gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma


ou consentir que outrem lhe provoque:
Pena - detenção, de um a três anos.
Este tipo penal traz duas figuras:

- “Provocar aborto em si mesma” – Pune-se o denominado autoaborto. Somente


pode ser praticado pela própria gestante, que dá causa à interrupção da gravidez.

Ex.: mediante ingestão de medicamento abortivo ou utilização de instrumento


perfurante.

- “Consentir que outrem lhe provoque” – Também é um crime de mão própria,


caracterizado pela anuência da genitora à realização do aborto. É uma hipótese de
exceção pluralista à teoria monista, na medida em que a gestante responde por
este crime e o terceiro incorre no delito previsto no art. 126 (“praticar aborto com o
consentimento da gestante”).

Ex.: gestante vai em clínica de aborto, onde um médico realiza o procedimento. A


gestante responde pelo art. 124, 2ª parte (consentimento para o aborto) e o médico
responde pelo art.
126.

Objeto jurídico – Vida humana (intrauterina).

Sujeito ativo – Trata-se de crime de mão própria, de modo que apenas a própria
gestante pode praticar as condutas descritas no tipo penal. Não admite coautoria,
mas admite a participação, caso terceiro preste auxílio moral ou material (ex.:
induzir a gestante a provocar aborto e/ou lhe fornece o medicamento abortivo).
Contudo, se o terceiro praticar ato executório do aborto, responderá pelo crime do
art. 126 (“praticar aborto com o consentimento da gestante”).

Sujeito passivo – O embrião ou o feto (trata-se de crime doloso contra a vida).


Tratando-se de gravidez de gêmeos, se o agente tiver consciência disso,
responderá por dois crimes em concurso formal impróprio (desígnios autônomos).

Elemento subjetivo – Dolo. Não se admite a forma culposa.

Consumação e tentativa – O delito se consuma com a interrupção da gestação e a


morte do embrião ou do feto, independentemente de sua expulsão do organismo
materno (crime material). A tentativa é admissível caso, não obstante os meios
empregados, o agente não alcance em seu intento, sobrevivendo o feto. Eventuais
sequelas sofridas pelo feto devem ser consideradas como circunstância judicial
desfavorável (art. 59).

Se, em razão das manobras abortivas, o feto for expulso com vida e o agente
praticar nova conduta visando à sua morte, prevalece que haverá dois crimes:
tentativa de aborto + homicídio (ou tentativa de aborto + infanticídio, se presentes
os requisitos deste), vez que a conduta criminosa recaiu sobre a vida extrauterina.
6.1.2 - Provocar aborto sem o consentimento da gestante (Art. 125 e 126-CP)

Objeto jurídico – A vida humana (intrauterina) e a integridade física e psicológica


da gestante. O delito, neste caso, é pluriofensivo (atinge mais de um bem jurídico).
Espelha a forma mais grave do crime e em virtude da pena cominada, os benefícios
da lei 9.099/95 são incabíveis.

Sujeito ativo – Qualquer pessoa (crime comum), exceto a própria gestante.

Sujeito passivo – O embrião ou o feto e a gestante, já que o aborto é praticado sem


a sua concordância. Há, assim, dupla subjetividade passiva.

Elemento subjetivo – Dolo, não sendo prevista a forma culposa.

OBSERVAÇÃO: Matar uma mulher que sabe estar grávida configura também o
crime de aborto. Há, no mínimo, dolo eventual. O agente responderá pelo
homicídio em concurso formal com o crime de aborto.

Provocar aborto – A conduta pode ser comissiva ou omissiva, se presente o dever


jurídico de impedir o resultado. Ex.: médico contratado para acompanhar gestação
problemática não o faz deliberadamente (Nucci).

Ausência de consentimento – Configura-se o delito do art. 125 se não houver


consentimento da gestante, ou se tal consentimento não for considerado válido
(sobre o tema, ver comentários ao art. 126).

Logo, o crime do art. 125 abrange duas hipóteses:

1ª) não existe efetivamente consenso da gestante;

2ª) existe consenso da gestante, mas ele é considerado inválido (dissenso


presumido), pois obtido com: emprego de violência; emprego de grave ameaça;
emprego de fraude (ex.: gestante ingere fármaco abortivo ministrado veladamente
em sua comida); gestante alienada ou débil mental; gestante não maior de 14 anos.

Consumação e tentativa – O delito se consuma com a interrupção da gestação e a


morte do embrião ou do feto (crime material). A tentativa é admissível.

6.1.3 - Aborto praticado por terceiro, com o consentimento da gestante (126-CP)

Objeto jurídico – A vida humana (extrauterina).


Sujeito ativo – Qualquer pessoa (crime comum), exceto a própria gestante.
Sujeito passivo – O embrião ou o feto.
Elemento subjetivo – Dolo. Não se admite a forma culposa.

“Provocar aborto com o consentimento da gestante” – De acordo com a teoria


monista, todos os coautores e partícipes que tomam parte no delito respondem
pela mesma figura típica. Todavia, neste ponto o legislador adotou uma exceção
pluralista à teoria monista: a gestante que consente com a realização do aborto
responde pelo crime do art. 124, 2ª parte, enquanto o terceiro que o provoca incorre
no crime do art. 126.

O consentimento da gestante deve ser válido. Se durante a operação, a gestante


desistir, o terceiro que insistir na interrupção da gravidez responderá por aborto
não consentido. Tratando-se, por exemplo, de uma clínica de aborto ou congênere,
é possível o concurso material com o crime do art. 288 do CP.

6.1.4 - Causas de aumento de pena ou aborto majorado pelo resultado (127-CP)

Nos termos do art. 127, as penas cominadas nos dois artigos anteriores são:

- Aumentadas de 1/3 - se, em consequência do aborto ou dos meios empregados


para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave;

- Duplicadas - se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

ATENÇÃO! Por expressa disposição legal, as causas de aumento previstas no art.


127 somente são aplicáveis aos tipos penais previstos nos artigos 125 (“praticar
aborto sem o consentimento da gestante”) e 126 (“praticar aborto com o
consentimento da gestante”). Não são aplicáveis ao art. 124 (“praticar a gestante
aborto em si própria ou consentir para outrem o provoque”).

De fato, não teria cabimento sua aplicação à gestante, pois não se pune a autolesão.
Todavia, a restrição beneficiou o terceiro que auxilia a gestante a praticar o
autoaborto, pois, ainda que esta sofra lesão grave ou venha a falecer, responderá
como partícipe do art. 124 (1ª parte), na forma simples. Há posição no sentido de
que o terceiro, nesse caso, responderia também pelo crime de lesão culposa ou
homicídio culposo (Masson, por exemplo).

Crime preterdoloso – O art. 127 é um crime preterdoloso, havendo dolo na conduta


antecedente (aborto) e culpa quanto ao resultado subsequente (lesão corporal de
natureza grave ou morte da gestante).

Prevalece o entendimento de que, se o resultado mais gravoso advier de dolo do


agente (direto ou eventual), a causa de aumento deve dar lugar ao concurso de
crimes, respondendo o agente por aborto + lesão corporal de natureza grave ou
aborto + homicídio doloso, em concurso formal.

6.1.5 - Aborto legal permitido

Pessoa que pode praticar o aborto – A lei restringiu a aplicação do artigo 128 aos
casos de aborto praticado por médico. Buscou-se maior controle e segurança na
realização deste tipo de procedimento.

Entende-se majoritariamente que o art. 128 traz duas causas especiais de exclusão
de ilicitude. São elas:
a) Aborto necessário ou terapêutico – É a interrupção lícita da gestação, realizada
por recomendação médica quando há risco para a vida da gestante. Não se exige
que o perigo para a paciente seja atual, diferentemente da excludente prevista no
artigo 24 (estado de necessidade). No entanto, não há outro meio capaz de salvar a
vida da mulher grávida.

Consentimento da gestante para o aborto terapêutico - prevalece que não é


necessário. O médico é o profissional competente para a análise do quadro clínico
da gestante, cabendo a ele decidir pela necessidade do aborto para preservar a
vida daquela. Também não há necessidade de autorização judicial.

Caso seja necessária a realização do aborto por pessoa sem a habilitação


profissional do médico, apesar de o fato ser típico, o agente estará acobertado pela
descriminante genérica do estado de necessidade (art. 24 do CP).

b) Aborto ético, humanitário ou sentimental – É a interrupção lícita da gestação, nas


hipóteses em que a gravidez resulta de estupro. O fundamento dessa excludente é
a dignidade da pessoa humana, desobrigando-se a vítima de carregar em seu
ventre e dar à luz criança gerada em decorrência de abuso sexual, o que poderia
dificultar a superação do trauma sofrido ou até mesmo agravá-lo.

OBSERVAÇÃO: Com o advento da lei 12.015/09, aboliu-se a discussão sobre a


possibilidade ou não da realização do aborto quando a gravidez for decorrente da
prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal ou do estupro com
violência presumida. Em ambas as hipóteses admite-se o aborto sentimental.

Prova do estupro – A realização do aborto humanitário dispensa a existência de


condenação pelo crime sexual ou processo criminal em andamento. Há posição no
sentido de que é necessário boletim de ocorrência (Nucci).

Não há necessidade de autorização judicial para a realização do aborto. No entanto,


o prévio consentimento da gestante é indispensável. A gestante que mentir sobre
a ocorrência do estupro poderá responder pelos crimes de aborto (art. 124, 2ª parte)
e falsidade ideológica (art. 299).

Aborto de feto anencéfalo é crime?

O STF, na ADPF 54/DF. Rel Marco Aurélio. j. 11 e 12.04.2012, decidiu que não é crime.
O aborto de feto anencéfalo é fato atípico. Segundo o STF, os anencéfalos são
natimortos cerebrais. Há certeza científica de que a vida extrauterina é inviável. A
Lei de Transplantes (Lei nº 9.434/97) estabelece como marco final da vida, o
momento em que se dá a morte encefálica. Logo, a contrário sensu, a atividade
cerebral é um pressuposto para a existência de vida. Outros argumentos
invocados: dignidade da pessoa humana e liberdade de autodeterminação.
ATIVIDADE DE FIXAÇÃO

1ª) Segundo o Código Penal Brasileiro, logo em seu art. 1º, “Não há crime sem lei anterior
que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. A partir dessa determinação e
considerando o definido para os Crimes Contra a Vida (Capítulo I, do Título I, do Código
Penal Brasileiro), analise as afirmativas abaixo.
I. O crime de homicídio, definido pelo tipo penal “matar alguém”, será sempre majorado
(terá causa de aumento de pena) nas hipóteses de ter sido praticado por milícia privada ou
grupo de extermínio.
II. Quando alguém, possuindo vontade de tirar sua própria vida, realiza tal conduta,
consubstanciando sua vontade inicial por palavras de outra pessoa, não haverá fato
criminoso a ser punido.
III. Acerca das condutas que configuram o Crime de Aborto, é preciso destacar que o
Código Penal, expressamente, determina não ser típico o aborto necessário, o aborto no
caso de gravidez resultante de estupro e, por fim, o aborto nos casos de fetos anencéfalos.

a) I apenas;
b) I e II apenas;
c) II e III apenas;
d) III apenas;

2ª) Com referência aos crimes contra a vida, sabe-se que alguns são tipificações do
descrito como homicídio, no artigo 121 do Código Penal, e que outros estão descritos em
artigos próprios, também nesse ordenamento jurídico. O aborto sentimental pode ser
realizado quando o concepto for fruto de estupro, desde que exista ocorrência policial e
autorização judicial.

( ) CERTO
( ) ERRADO

JUSTIFIQUE SUA RESPOSTA.

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