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Introdução
Será considerado como termo inicial para o crime de aborto o início da gravidez. Para
fins penais, considera-se que a gravidez se inicia com o fenômeno da nidação, que
consiste na implantação do óvulo fecundado no endométrio, ou seja, na sua fixação no
útero materno.
Aqui, diferentemente dos demais tipos até então estudados, protege-se a vida intrauterina.
Conforme leciona o professor Victor Eduardo Rios Gonçalves, nem sempre o aborto é
criminoso. Se for decorrente de causas naturais, como má formação do feto, rejeição do
organismo da gestante, patologia etc., o fato será atípico. Também não haverá crime de
aborto se tiver ele sido acidental — queda, colisão de veículos, atropelamento etc. Em
verdade, para a existência de crime de aborto, é necessário que a interrupção da gravidez
tenha sido provocada — pela própria gestante ou por terceiro — e que não se mostre
presente quaisquer das hipóteses que excluem a ilicitude do fato (aborto legal).
Em primeiro lugar, saliento que o Prof. Rogério Sanches esclarece que aborto seria o
produto final da conduta de abortamento. E esta ultima consistiria na destruição do produto
da concepção. Todavia, o código utiliza a palavra aborto como se fosse a própria conduta e
não o seu produto.
Bem, conforme fizemos anteriormente, é preciso firmar marcos dentro dos quais será viável
a prática do crime em questão. Assim, o termo inicial para a prática do aborto seria o
começo da gravidez que, do ponto de vista biológico, se daria com a fecundação. Entretanto,
do ponto de vista jurídico penal, a gravidez inicia-se com a implantação do óvulo
fecundado no endométrio, ou seja, com sua fixação no útero da mulher (fenômeno
chamado de nidação).
Agora, será que somente a gravidez natural, ou seja, oriunda de cópula carnal, quando
interrompida, caracteriza o crime de aborto?
Claro que não. É óbvio que a interrupção da gravidez oriunda de técnicas médicas, como a
inseminação artificial também pode ser interrompida de forma criminosa, caracterizando o
crime de aborto.
Classificação do Aborto
O presente artigo prevê duas formas de aborto, o auto-aborto e o aborto praticado com o
consentimento da gestante.
Sujeitos do Crime
1
Os crimes próprios não se confundem com os de mão própria (também chamados de crimes de atuação pessoal ou
de conduta infungível). Estes correspondem aos que somente podem ser praticados por pessoas que ostentem a condição
exigida em lei; ademais, só admitem a figura da participação (nunca a coautoria). Exemplo: CP, art. 342 — falso
testemunho. Os crimes próprios, por sua vez, permitem ambas as formas de concurso de pessoas. GONÇALVES, Vitor
Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral.
caso haja o abortamento de mais de um feto, aplica-se a regra do concurso formal de
crimes, art. 70 do CP.
Conduta
Este agente provocador, conforme mencionado acima, responde por crime autônomo
(art. 126, CP).
Se a mulher supondo estar grávida praticar manobras abortivas, sem estar de fato, sua
conduta será punível? E se o feto já estiver morto no momento da conduta da mulher?
Se a mulher supondo estar grávida praticar manobras abortivas, sem estar de fato, não
haverá crime. Igualmente, não haverá crime se quando a mulher agir o feto já estiver
morto.
Elemento Subjetivo
O elemento subjetivo é o dolo. Conduta punida somente a título de dolo, não se punindo
modalidade culposa.
Consumação e Tentativa
Conforme leciona Rogério Sanches, “cuidando-se de crime material, consuma-se com a
morte do feto ou a destruição do produto da concepção, pouco importando se esta ocorre
dentro ou fora do ventre materno, desde que, é claro, decorrente das manobras
abortivas.”
Considerações Iniciais
Cuida-se da forma mais grave do crime de aborto, pois aqui o agente provocador destrói o
produto da concepção em contrariedade à vontade da gestante. Não comporta a
aplicação das benesses da Lei 9.099/95.
Sujeitos do Crime
Nesta modalidade, estamos diante de crime comum, podendo ser praticado por qualquer
pessoa. Admite, portanto, o concurso de pessoas.
Conduta
Assim como na modalidade anterior, caso a mulher não esteja grávida, havendo erro
quanto a esse aspecto, não haverá crime de aborto, respondendo o agente pelo
resultado que sobrevier da violência empregada contra a mulher. Idem para o caso de
o feto já estar morto no momento da prática dos atos executórios.
Elemento subjetivo
Prevalece o entendimento de que caso o agente mate uma mulher grávida, deverá
responder em concurso formal pelos crimes de homicídio e aborto. Ainda, caso sejam
autônomos os desígnios, responderá por concurso formal impróprio, somando-se as
penas.
Consumação e tentativa
Considerações Iniciais
Cuida-se de conduta intimamente ligada ao disposto no art. 124. Todavia, aqui pune-se a
conduta do agente provocador, enquanto no primeiro pune-se a gestante que consentiu na
interrupção da gravidez.
Sujeitos do Crime
Cuida-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Assim, admite o
concurso de pessoas tanto na modalidade coautoria como na modalidade participação.
Conduta
Assim como nas outras modalidades, caso a mulher não esteja grávida, havendo erro
quanto a esse aspecto, não haverá crime de aborto, respondendo o agente pelo resultado
que sobrevier da violência empregada contra a mulher. Idem para o caso de o feto já estar
morto no momento da prática dos atos executórios.
Elemento subjetivo
Consumação e tentativa
Dissenso Presumido
Para que o agente provocador do aborto responda pela figura do art. 126 é necessário
que a gestante tenha capacidade de consentir no ato. Caso contrário, ou seja, sendo a
gestante menor de 14 anos, alienada ou débil mental, ou, ainda, se o consentimento for
obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência, o agente responderá pelo tipo do
art. 125, ou seja, aborto não consentido.
Rogério Sanches leciona que o dolo do agente provocador deve compreender as qualidades
da grávida ou o modo pelo qual o consentimento foi dado, evitando-se, assim,
responsabilidade penal objetiva.
Forma qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um
terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante
sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas,
lhe sobrevém a morte.
Note-se que o código é expresso ao afirmar que tal causa de aumento de pena somente
se aplica aos dois artigos anteriores, ficando excluído o art. 124. O motivo é que o direito
brasileiro não pune, em regra, a autolesão.
Assim, no caso do art. 124, se a gestante morre estará extinta a punibilidade e se lhe
sobrevierem lesões corporais de natureza grave, não se aplicará a causa de aumento de pena.
Aquele que instigou ou induziu a gestante a consentir para o aborto provocado por um
terceiro ou aquele que a instigou ou induziu a praticar o autoaborto não está sujeito à
incidência da majorante, porque sua conduta foi totalmente estranha aos atos de execução.
Atenção: ambos os casos dizem respeito a condutas praeterdolosas, ou seja, em que o
agente tinha o dolo (vontade livre e consciente) de provocar o aborto e causou
resultado mais gravoso a título de culpa. Sendo assim, caso o resultado mais gravoso
tenha sido desejado ou, ao menos, aceito por parte do agente o agente responderá por
dois crimes (aborto + lesão corporal ou homicídio), em concurso formal.
Todavia, conforme adverte Vitor Eduardo Rios Gonçalves, a lei, ao excluir a incidência do
aumento aos que estejam incursos no art. 124, esqueceu-se de que tais delitos admitem
participação.
Obs.: Quanto à possibilidade de tentativa, existem duas posições opostas na doutrina. Para
uma primeira corrente, não é necessário que a morte do produto da concepção se consume
para que o crime de aborto seja considerado consumado, desde que a gestante morra ou
sofra lesões corporais graves. É o posicionamento de Fernando Capez. Todavia, existe uma
segunda corrente para a qual, caso a gestante sofra lesões corporais graves ou morra,
estaremos diante de excepcional situação de tentativa em crime praeterdoloso devendo ser a
conduta tipificada como aborto tentado majorado, aplicando-se a causa de diminuição de
pena da tentativa em relação ao aborto e, em seguida, a causa de aumento de pena pelo
resultado agravador (lesão corporal grave ou morte da gestante). Esta ultima posição parecer
ser amplamente dominante na doutrina (Vitor Eduardo Rios Gonçalves, Frederico Marques,
Mirabete, Pierangeli e Nelson Hungria são partidários desta ultima corrente).
Considerações Iniciais
Embora o legislador tenha empregado a expressão “não se pune”, a qual induz a pensar se
tratar de causa excludente da culpabilidade ou punibilidade, prevalece na doutrina o
entendimento de que se cuida de verdadeira causa de exclusão a ilicitude (por todos
Bitencourt e Mirabete).
Aborto Necessário
O aborto necessário, que é a hipótese prevista no inciso primeiro do artigo 128 do CP, exige
alguns requisitos para sua configuração, quais sejam:
1. Que o aborto seja praticado por médico. Sendo assim, caso haja a
necessidade de que o aborto seja praticado por pessoa que não possua a
habilitação de médica, não incidirá a causa de exclusão da ilicitude em estudo,
todavia, incidirá a do estado de necessidade.
2. Que a gestante esteja em perigo de vida, não bastando o perigo para a
saúde.
3. Que o aborto seja o único meio de salvar a vida da gestante, sob pena de o
médico responder por crime de aborto.
Conforme ensina Rogério Sanches, entende a melhor doutrina que não há necessidade do
consentimento da gestante para a realização do aborto. Basta que o profissional entenda
ser indispensável fazê-lo. Desnecessário, ainda, autorização judicial.
Aborto Sentimental
Cuida-se de situação na qual o legislador procurou admitir o aborto nos casos em que a
gestação tenha sido fruto de estupro. O motivo é que entendeu-se não ser razoável obrigar a
mulher vítima de tal violência a carregar consigo por toda a vida o produto da concepção,
muitas vezes objeto de ódio e lembranças traumatizantes.
Feto anencéfalo seria aquele embrião, feto ou recém-nascido que, por malformação
congênita, não possui uma parte do sistema nervoso central, faltando-lhe os hemisférios
cerebrais.
Haviam, então, duas correntes contrapostas acerca da possibilidade de aborto nestes casos.
Uma corrente era terminantemente contrária, por motivos predominantemente religiosos. A
segunda, favorável, fundava-se em motivos de ordem sociológica, emocionais e jurídicos.
A discussão chegou até os Tribunais superiores até que o STF, nos autos da ADPF 54,
decidiu que em casos de deformação irreversível do feto, em situações como a
anencefalia, que é diagnosticada pela ciência com 100% de certeza, cuidando-se de
vida inviável, será lícita a realização do aborto. O tribunal afirmou que se trata de
situação concreta que foge à glosa própria ao aborto – que conflita com a dignidade
humana, a legalidade, a liberdade e a autonomia da vontade.