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DIREITO PENAL ESPECIAL E LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE1

PROF. ALEX RIBEIRO CABRAL

AULA 03 - INFANTICÍDIO

1 – CONCEITO

Conduta praticada pela genitora para eliminar a vida do filho, durante o parto
ou logo após, sob a influência do estado puerperal.

A conduta está prevista no artigo 123 do CP:

Art. 123 - Matar, sob a influência do estado


puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:

Pena - detenção, de dois a seis anos.

Por se tratar de crime doloso contra a vida, é julgado perante o Tribunal do


Júri, seja na forma tentada ou consumada.

2 – OBJETO MATERIAL DA AÇÃO

O objeto material da ação é o feto (durante o parto) ou o recém-nascido (após


o parto).

Importante lembrar que o nascimento tem início com o parto2, razão pela
qual antes de iniciado o parto, havendo conduta da mãe contra a vida do filho em seu
próprio ventre, estará configurado o aborto.

1
Elaborado com base, precipuamente, nas obras: I. SANCHES, Rogerio. Manual de Direito Penal: Volume
Único. II. ROQUE, Fabio. Direito Penal Didático. III. GONÇALVEZ, Victor Eduardo Rios. Direito Penal
Esquematizado: Parte Especial. IV. GRECO, Rogério. Código Penal Comentado; V. CAPEZ, Fernando. Curso
de Direito Penal; VI. DA COSTA, Álvaro Mayrink. Direito Penal: Parte Especial.

2
Para parte dos estudiosos, o início do parto se dá com o rompimento da bolsa contendo o líquido amniótico. Para
outros com o início da dilatação do colo do útero.
3 – OBJETO JURÍDICO TUTELADO

É a vida humana.

4 – CRIME MATERIAL

Trata-se de crime material, exigindo-se o resultado morte para que seja


consumado o delito. O evento pode ser causado por conduta comissiva (ex.: violência física
causada ao menor com o dolo de tirar-lhe a vida) ou omissiva (ex.: morte por inanição,
tendo em vista que a genitora cessou propositalmente a alimentação da criança).

Não havendo o resultado morte por razões alheias à vontade da agente, será
possível a punição pela tentativa.

5 – SUJEITOS ATIVO E PASSIVO

Sujeito ativo: mulher grávida em relação ao seu próprio filho, durante ou logo
após o parto, desde que sob a influência de estado puerperal.
Sujeito passivo: feto durante o parto ou recém-nascido após o parto ter sido
realizado.
Obs.: caso a mãe mate outro de seus filhos que não aquele recém-nascido,
responderá por homicídio e não por infanticídio.
Obs.2: caso a mãe mate criança no berçário da maternidade, acreditando ser
o próprio filho, mas depois descobre ser filho de outra pessoa, estará configurado o
instituto do erro sobre a pessoa, respondendo a genitora, de todo modo, por infanticídio,
segundo a redação do artigo 20, §3º, do Código Penal:

Art. 20. [...].

§ 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime


é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste
caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da
pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.
(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
6 – INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL

Segundo a literatura médica, tal estado seria aquele existente durante ou logo
após o parto, em virtude de grande variação hormonal, estresse e outras causas
psicofisiológicas causada à mulher em decorrência do fim da gravidez, o que exige que o
corpo se readapte de forma drástica e rápida. Tal estado pode gerar alterações psicológicas
graves, aptas a suprimir, relativamente, o discernimento da mãe acerca de seus atos.

A ciência não consegue precisar o término do estado puerperal, variando de


caso a caso, havendo aqueles que defendem que o limite seria o retorno da menstruação e
outros aduzindo que variaria entre seis e oito semanas depois do parto.

De todo modo, a presença do estado puerperal deverá ser objeto de perícia


a ser realizada nos autos do processo, devendo um perito (médico) avaliar o caso e fornecer
laudo atestando a presença ou não do estado puerperal, isto é, apreciando se houve ou não
desequilíbrio psicofisiológico em decorrência do estado puerperal.

Havendo dúvida sobre a presença ou não do estado puerperal no momento


da ação, deve se guiar o magistrado pelo princípio in dubio pro reo, admitindo-se a
configuração do infanticídio em lugar do homicídio, haja vista que o infanticídio possui
pena mais branda (2 a 6 anos).

Não se confunde estado puerperal com depressão pós-parto. Esta tem


características diferentes (melancolia/insônia/neurastenia) e obedece a período geralmente
maior (entre 6 e 9 meses) em relação ao estado puerperal.

7 – ELEMENTO SUBJETIVO: DOLO

Somente é possível a prática de infanticídio doloso, não havendo previsão da


forma culposa.
Todavia, não podemos olvidar que seria possível que uma mãe, sob o estado
puerperal, agisse com ausência de dever objetivo de cuidado, operando com negligência ou
imprudência em relação à vida do filho, mesmo não tendo dolo de provocar-lhe a morte.
Ex.: mãe sob o estado puerperal que dorme ao lado do recém-nascido, vindo, em
determinado momento, a ficar com seu peso sobre o filho, causando-lhe a morte.

Em tal situação, responderia por algum crime?

Duas correntes:

1) Para a primeira corrente, deveria responder por homicídio culposo (art.


121, §3º), pois o estado puerperal não retira da agente a obrigação de agir com dever
objetivo de cuidado. Poderia, em todo caso, ser aplicado o perdão judicial (art. 121, §5º).

2) Para a segunda corrente, o estado puerperal gera alterações psicológicas


graves na mulher, sendo impossível exigir da genitora, em tal período, o mesmo dever
objetivo de cuidado exigível da pessoa que ostenta a prudência média. Em razão disso,
entende essa doutrina que o fato seria atípico, haja vista que o legislador optou, de forma
proposital, pela ausência da figura culposa no infanticídio, por saber que a mãe sob a
influência do estado puerperal não será comparada a pessoa de prudência média.

8 – CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Sendo o crime material3 e plurissubsistente4, admite a forma consumada e a


tentada.

3
O crime material somente se consuma com a produção do resultado naturalístico, como a morte no
homicídio/infanticídio.

4
No crime plurissubsistente a conduta é fracionada em vários atos, os quais somados, resultam na
consumação.
9 – CONCURSO DE PESSOAS

Há debate na doutrina sobre o concurso de pessoas no crime de infanticídio,


de modo a saber se o coautor ou partícipe também responderá pelo infanticídio junto à
genitora ou se o coautor ou partícipe responderá por homicídio (consumado ou tentado).

1) Para a primeira e majoritária corrente, o coautor também responde por


infanticídio, tendo em vista a parte final da redação do artigo 30 do Código Penal:

Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as


condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do
crime.

Pergunta-se: quais são as elementares do crime de infanticídio? Resposta:


condição de mãe, que mata o próprio filho sob a influência de estado puerperal durante ou
logo após o parto. Este é o núcleo do tipo penal. Se tais são as elementares e se somente
há comunicação das circunstâncias e condições de caráter pessoal entre os coautores se tais
circunstâncias e condições compõem as elementares do tipo penal, então não há como
o coautor ou partícipe responder por crime diverso do imputado à genitora.

2) Para a segunda corrente, mesmo diante da redação do artigo 30 do Código


Penal, deve ser considerado que a condição de mãe sob o estado puerperal não é
simplesmente pessoal, mas sim personalíssima, devendo o coautor responder por
homicídio, afinal seria de extrema injustiça permitir que o coautor respondesse com pena
mais branda pela morte de feto ou recém-nascido se o coautor, por óbvio, não estava sob
a influência do estado puerperal.

3) Para a terceira corrente seria possível ao coautor responder por infanticídio


junto à genitora, tal como defende a 1ª corrente, mas desde que o coautor ou partícipe
praticasse atos executórios ou auxiliares em conjunto com a mãe do menor. Se somente o
coautor praticar os atos de execução para extinguir a vida da vítima, tendo contado com
auxílio moral (instigação/induzimento) da mãe do menor, o coautor responderá por
homicídio e a genitora por participação em infanticídio. Tratar-se-ia, nesse caso, de exceção
à aplicação do artigo 29 do Código Penal (“Quem, de qualquer modo, concorre para
o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”).

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