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DIREITO PENAL ESPECIAL E LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE1

PROF. ALEX RIBEIRO CABRAL

AULA 04 - ABORTO

1 – CONCEITO

O crime de aborto ou abortamento2 é a conduta direcionada para que seja


interrompida a gravidez de forma ilegítima, ocasionando a destruição do embrião ou a
morte do feto, havendo ou não o consentimento da gestante.

A conduta está prevista nos artigos 124, 125 e 126 do CP:

Aborto provocado pela gestante ou com seu


consentimento
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que
outrem lho provoque: (Vide ADPF 54)
Pena - detenção, de um a três anos.
Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da
gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da
gestante: (Vide ADPF 54)
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se
a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil
mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave
ameaça ou violência

1
Elaborado com base, precipuamente, nas obras: I. SANCHES, Rogerio. Manual de Direito Penal: Volume
Único. II. ROQUE, Fabio. Direito Penal Didático. III. GONÇALVEZ, Victor Eduardo Rios. Direito Penal
Esquematizado: Parte Especial. IV. GRECO, Rogério. Código Penal Comentado; V. CAPEZ, Fernando. Curso
de Direito Penal; VI. DA COSTA, Álvaro Mayrink. Direito Penal: Parte Especial.

2
Segundo defendem alguns estudiosos, a nomenclatura correta para o crime seria abortamento, pois tal é
a conduta direcionada a causar a destruição do embrião ou a morte do feto. Logo, abortamento seria a
conduta tendente a causar o aborto, o qual, por sua vez, seria, tão somente, o produto do abortamento. Tal
distinção, entretanto, não encontra guarida em nossa lei.”
Forma qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos
anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do
aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre
lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer
dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Por se tratar de crime doloso contra a vida, é julgado perante o Tribunal do


Júri, seja na forma tentada ou consumada.

2 – OBJETO MATERIAL DA AÇÃO

O objeto material da ação é o produto da concepção (embrião ou feto)3.

Importante mencionar, ainda, que há divergência sobre o momento em que


se daria o início da gravidez: na concepção ou na nidação?

A concepção se dá com fecundação do óvulo pelo espermatozoide,


formando-se o zigoto e depois o embrião a partir da divisão celular. Ocorre nas primeiras
horas após a relação sexual.

A nidação se dá com a implantação do embrião fecundado na parede do


útero. Ocorre em torno de 5 ou 7 dias após a fecundação.

O entendimento que prevalece em nosso Direito é de que o início da gravidez


se dá com a nidação. Até por esse motivo, não se considera a pílula do dia seguinte um
método abortivo.

3 – OBJETO JURÍDICO TUTELADO

Imediato: a vida do produto da concepção;

3
Segundo a literatura médica a fase embrionária dura 8 semanas a partir da fertilização.
Mediato: a integridade física e a vida da mãe.

4 – ELEMENTO SUBJETIVO: DOLO

Somente é possível a prática de aborto doloso, não havendo previsão da


forma culposa.

De todo modo, podemos lançar o seguinte questionamento: qual o crime


praticado na hipótese em que o agente tem o dolo de lesionar a vítima grávida (sabendo
dessa condição) e dessas lesões sobrevém o aborto?

R: lesão corporal gravíssima, prevista pelo artigo 129, §2º, V, do CP.

Evidentemente que se o agente, ciente de que vítima está grávida e desferindo


agressões especificamente na direção da barriga da gestante ou aplicando tal sorte de
agressões a ponto de fazer com que a vítima perca a consciência, por mais que não tivesse
o dolo direto de causar a morte do feto, poderia responder a título de dolo eventual, sendo
aplicado o artigo 125 do CP, na forma tentada ou consumada, a depender se o feto
sobreviveu ou não.

5 – MODALIDADES DE ABORTO

5.1 AUTOABORTO (art. 124, primeira parte)

Na primeira parte do artigo 124, a gestante provoca o aborto em si mesma,


sendo o meio mais comum a ingestão de medicamento abortivo.

Trata-se de crime próprio, exigindo-se a gravidez da mulher (qualidade


específica) e de mão própria, por não admitir coautoria. A pena é privativa de liberdade
(detenção) de 1 a 3 anos, admitindo-se a suspensão condicional do processo (art. 89, Lei
9099/95).
Sujeito ativo no autoaborto: somente a gestante pode ser sujeito ativo
(crime próprio). Havendo outras pessoas (pai/namorado), induzindo, instigando ou
auxiliando a gestante na prática do autoaborto, serão enquadrados como partícipes. Caso o
terceiro pratique ato executório de modo a provocar o aborto, responde pelo artigo 126.

Sujeito passivo no autoaborto: é o produto da concepção (embrião ou


feto), cuja vida é tutelada pelo Estado.

Há, ainda, corrente que defende que o embrião ou feto não pode figurar
como sujeito passivo, pois não seria sujeito de direitos.

Tal debate tem pertinência jurídica, pois se considerarmos a existência de


gravidez de gêmeos, sendo considerados sujeitos passivos os fetos, teremos um concurso
formal de crimes, com aplicação de pena mais severa ao agente.4

5.2 CONSENTIMENTO DA GESTANTE PARA O ABORTO (art. 124, segunda


parte)

Na segunda parte do artigo 124, a gestante consente que outrem lhe


provoque o aborto. Nessa modalidade, não é a gestante que pratica o ato executório, mas
dá a autorização para que outra pessoa o faça, situação em que, geralmente, há o
comparecimento a clínicas clandestinas que realizam aborto.

4
Concurso formal

Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou
não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em
qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou
omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no
artigo anterior.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste
Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Trata-se de crime próprio, exigindo-se a gravidez da mulher (qualidade
específica) e de mão própria, por não admitir coautoria. Apenas a gestante pode prestar o
consentimento.

Sujeito ativo no consentimento para o aborto: somente a gestante pode


ser sujeito ativo (crime próprio). Havendo outras pessoas (pai/namorado), induzindo,
instigando ou auxiliando a gestante quanto ao consentimento para o aborto, serão
enquadrados como partícipes. Caso o terceiro pratique ato executório de modo a provocar
o aborto, responde pelo artigo 126.

Sujeito passivo no consentimento para o aborto: é o produto da


concepção (embrião ou feto).

* O artigo 126, parágrafo único, do CP, prevê que não é válido o


consentimento de menores de 14 anos, pessoa portadora de deficiência mental ou se o
consentimento é obtido mediante fraude, violência ou grave ameaça.

5.3 ABORTO PRATICADO COM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE (art.


126)

Apesar de adotarmos em nosso ordenamento jurídico a teoria monista (ou


unitária ou monística) (art. 29, CP), a partir da qual todos aqueles que concorrerem para o
resultado devem responder pela mesma infração penal, admitimos exceções, razão pela qual
o entendimento da doutrina é de que a teoria monista de nosso CP deve ser denominada
de teoria monista temperada ou mitigada.

Por tais razões, há situações previstas em lei nas quais mesmo existindo um
único resultado, os agentes que praticaram a conduta infracional responderão por crimes
diferentes.

É o que se dá com os artigos 124, segunda parte e 126 do Código Penal, pois
o resultado obtido pelos agentes é um só: a morte do feto. Todavia, a gestante que consentiu
responderá pelo artigo 124, segunda parte e o terceiro que provocou o aborto pelo artigo
126.

Entendeu o legislador em tal caso que a conduta do terceiro é mais grave do


que a da gestante, motivo pelo qual atribuiu ao agente pena de reclusão de 1 a 4 anos.

Sujeito ativo no aborto com consentimento da gestante (crime


comum): qualquer pessoa. Em geral, nesse tipo de crime, há clínicas especializadas no
atendimento de mulheres que desejam interromper a gravidez, motivo pelo qual todos os
funcionários da clínica, cientes da área de atuação da empresa, podem responder por
associação criminosa (art. 288, CP). Para que respondam pelo crime do artigo 126, deverá
ser analisada a conduta de cada qual, para definir autoria e participação. Geralmente, o
médico que realiza o aborto será o autor e enfermeiros e demais funcionários serão
enquadrados como partícipes. A gestante, é bom que se lembre, já responde pelo artigo
124, segunda parte, do CP.

Sujeito passivo no consentimento para o aborto: é o produto da


concepção (embrião ou feto). A gestante, que deu consentimento válido para o ato, não
será considerada ofendida pela infração penal, mas sim autora do crime do artigo 124,
segunda parte, como visto acima.

5.4 ABORTO PRATICADO SEM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE

Dentre as modalidades de aborto, essa é a mais grave, tendo pena prevista de


3 a 10 anos, afinal em tal caso o aborto se dá contra a vontade da gestante.

Ex.: agente que agride mulher grávida com golpes na barriga, com a finalidade
de causar o aborto ou que, de forma sub-reptícia, faz a gestante ingerir substância abortiva
sem que saiba.

Não podemos nos esquecer, entretanto, das situações nas quais a pena do
artigo 125 será aplicada para o caso em que o consentimento da gestante NÃO é válido, as
quais estão previstas no artigo 126, parágrafo único: menor de 14 anos oi pessoa com
deficiência mental ou mediante fraude, grave ameaça ou violência.

6 – MAJORANTES

Eis o artigo 127 do CP:

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos


anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do
aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre
lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer
dessas causas, lhe sobrevém a morte.

O artigo 127 traz hipóteses de crime preterdoloso, com dolo no crime


antecedente (aborto) e culpa no resultado (lesão grave ou morte).

Havendo dolo de praticar o aborto e sobrevindo lesão grave/gravíssima as


penas dos arts. 125 e 126 será aumentada de um terço. Caso decorra do dolo de praticar o
aborto a morte da gestante, as penas dos arts. 125 e 126 serão duplicadas.

*Atenção: não confundir com o artigo 129, §2º, V, pois naquele caso, o dolo
era de lesionar a vítima, tendo advindo como resultado culposo o aborto.

7 – CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Sendo o crime material3, admite a forma consumada e a tentada.

A consumação se dá com a morte do feto. A tentativa será configurada


quando, por motivos alheios à vontade da vítima, o feto resistir e não morrer.

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O crime material somente se consuma com a produção do resultado naturalístico, como a morte no
homicídio/infanticídio.
Dúvida há sobre o crime de consentimento da gestante para o aborto (art.
124, segunda parte). Há corrente que defende que o crime se consuma no momento do
consentimento. Há corrente contrária que se manifesta no sentido de exigir a realização da
manobra abortiva para que o consentimento da gestante se consuma. No primeiro caso,
mesmo que a mulher desista do consentimento, o crime já terá se consumado. No segundo,
enquanto não realizada a manobra abortiva, a gestante pode recorrer à desistência
voluntária (art. 15, CP).

8 – ABORTO LEGAL – HIPÓTESES

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por


médico: (Vide ADPF 54)
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido
de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal.

A lei permite o aborto se a vida da gestante está em risco, bem como no caso
de gravidez resultante de estupro. O primeiro caso é denominado de aborto necessário ou
terapêutico. O segundo de aborto humanitário ou sentimental.

Necessário que ambos sejam realizados por médico.

O STF, na ADPF 54, reconheceu o direito da gestante à interrupção da


gravidez também para o caso de feto anencéfalo (ausência dos hemisférios cerebrais, do
cerebelo, presença parcial do tronco cerebral e inexistência total ou parcial do crânio).

Em tais casos, considerou o STF que não há presunção de vida extrauterina,


a justificar a continuidade da gestação. Levou em conta, ainda, que nossa legislação admite
a morte cerebral como o momento da morte do indivíduo e a ausência de atividade cerebral
do feto revelaria que não há vida a ser protegida pela lei.

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