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Artigo 134 – lei seca

Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:


Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - detenção, de um a três anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - detenção, de dois a seis anos.

O Código Penal, prevê em seu art. 134 o crime de “exposição ou abandono de


recém-nascido”, que, segundo os doutrinadores, constituiria uma forma
privilegiada do delito de abandono de incapaz (CP, art. 133), em face do
especial motivo que “empurra” o agente a praticar o crime: ocultar a desonra
própria.
Possui pena máxima inferior à do abandono de incapaz, em razão do elemento
subjetivo do tipo, o fim de “ocultar desonra própria”. A pena do abandono de
incapaz é de 6 meses a 3 anos, e a deste crime é de 6 meses a 2 anos. É certo
que pouca diferença haverá na prática, pois a fixação da pena parte do mínimo
legal, sendo muito frequente a fixação da pena mínima.
Considerações gerais
- Assim como o delito de abandono de incapaz, também constitui crime de
perigo concreto, em decorrência do próprio verbo empregado na figura
criminosa, quais sejam, expor e abandonar, o que exige um risco efetivo, real.
- Constitui uma forma privilegiada do delito de abandono de incapaz, em face
do especial motivo que impele o agente a praticar o crime: ocultar a desonra
própria;
- Não se considera o estado puerperal, tendo em vista que o nosso Código
Penal não prevê o infanticídio honoris causa (título de honra), ou seja, a ocisão
(ação de matar) da vida do ser nascente para ocultar desonra própria. O
legislador optou em conceder o privilégio ao delito previsto no art. 134 como
estímulo para que o agente não vá até a ocisão (ação de matar) do recém-
nascido, isto é, até a prática de um malefício mais grave, que é o cometimento
do delito de infanticídio.
Elementos do tipo
2.1. Ação nuclear
São ações nucleares os verbos expor ou abandonar. Ambos significam deixar
o recém-nascido sem assistência, ao desamparo. Contudo, o primeiro verbo
exprime uma conduta ativa, o recém-nascido é removido do local onde lhe é
prestada a assistência para outro diverso, em que esta inexiste; por outro lado,
o segundo exprime uma conduta omissiva: o sujeito ativo, sem remover a
vítima para outro local, deixa de prestar-lhe a devida assistência. Trata-se aqui
do abandono físico.
Se o abandono for moral e não físico, poderá constituir crime contra a
assistência familiar (arts. 244 a 247).
A exposição ou abandono do recém-nascido deve criar uma situação de perigo
concreto, a qual deve ser comprovada. Como elenca E. Magalhães Noronha,
tratando-se de recém-nascido “há uma presunção juris et de jure da
impossibilidade de ele defender-se, porém circunstâncias de fato podem
impedir o perigo: a criada que, à sorrelfa, coloca o próprio filho no quarto da
criança da casa onde trabalha, não comete o crime em questão. Nem nesse
caso há dolo: vontade de abandonar, com risco para a vida ou a saúde do
abandonado (...)”. Dessa forma, nota-se que a incapacidade de autodefesa do
neonato não gera uma presunção absoluta de perigo.

2.2. Sujeito ativo


O sujeito ativo é a mãe, solteira, adúltera, viúva, que concebeu fora do
matrimônio, ou seja, crime próprio. Contudo, a doutrina majoritária admite que
o pai que abandone recém-nascido para ocultar incesto ou relação adulterina
possa ser sujeito ativo do delito em estudo. Autores como Celso Delmanto e
Cezar Roberto Bitencourt repelem tal posicionamento sustentando que o crime
de abandono de recém-nascido é crime próprio, pois a lei expressamente se
refere a “desonra própria”, isto é, somente podendo ser cometido pela mãe, à
semelhança do delito de infanticídio. O genitor, nessas circunstâncias, deveria
então responder pelo delito de abandono de incapaz (CP, art. 133).

Portanto, o crime é praticado com o fim de salvaguardar a honra pessoal do


agente que pode vir a ser maculada com o conhecimento por parte de terceiros
da concepção extra matrimonium. A honra a ser preservada é a de natureza
sexual, a boa fama e a reputação do agente. Se a pessoa for desonesta ou de
desonra conhecida ou se já concebeu ou foi pai extra matrimonium, não cabe a
alegação de preservação da honra. Dessa forma, uma prostituta não poderia
ser sujeito ativo desse delito, devendo responder pelo delito de abandono de
incapaz (CP, art. 133).

2.3. Sujeito passivo

É o recém-nascido, isto é, ao contrário do art. 133, que pode ser qualquer


incapaz. Entretanto, diverge na doutrina acerca do exato limite de tempo em
que o sujeito passivo se considera recém-nascido, vejamos a posição de
alguns doutrinária:
I) Damásio E. de Jesus e Julio Fabbrini Mirabete - recém-nascido é aquele
considerado até a queda do cordão umbilical;
II) E. Magalhães Noronha - recém-nascido é o que nasceu há poucos dias.
III) Nelson Hungria – “o limite de tempo da noção de recém-nascido é o
momento em que a délivrance se torna conhecida de outrem, fora do círculo da
família, pois, desde então, já não há mais ocultar desonra”.
IV) Cezar Roberto Bitencourt e Heleno Fragoso – Recém-nascido é aquele
que nasceu há poucos dias, não ultrapassando um mês e desde que não se
tenha tornado de conhecimento público.
O lapso temporal definido pela doutrina, de forma majoritária, é de um mês
após o parto.

Concurso de pessoas
O motivo de honra constitui elementar do tipo, de modo que o terceiro que
concorrer para a exposição ou abandono de recém-nascido, pelo genitor,
responderá como coautor ou partícipe do crime em tela, em face da
comunicabilidade daquela condição pessoal entre os participantes (CP, art. 30).
Se o terceiro não tinha conhecimento das elementares (dados fundamentais de
uma conduta criminosa), responde por abandono de incapaz.

CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA
● Crime próprio: por exigir uma situação de fato ou de direito diferenciada por
parte do sujeito ativo, que nesse caso só poderá ser a mãe ou o pai da vítima;
● Crime de perigo concreto: por exigir que a ação do sujeito ativo (mãe/pai)
cause um resultado consistente na criação de um perigo concreto de lesão
para o bem tutelado (a vida e a saúde do recém-nascido);
● Doloso: não há previsão da modalidade culposa. Entretanto, se o agente
abandonar culposamente o recém-nascido e sobreviver a sua morte ou a
ocorrência de lesões corporais, deverá ele responder pelos delitos de homicídio
ou lesão corporal na modalidade culposa;
● De forma livre: Admite variadas formas para a prática da conduta típica.
● Comissivo ou omissivo-impróprio: A comissão se relaciona ao ato de
expor o neonato a um perigo real. Já a omissão está associada à falta de
assistência devida.
● Monossubjetivo: Pode ser praticado por uma só pessoa;
● Plurissubsistente: Há um prolongamento temporal, cuja ação é composta
por diferentes atos que compõem uma mesma conduta;
● Transeunte: É o crime que não deixa vestígio material. Via de regra é
transeunte, a não ser nas hipóteses qualificadas, em que se verifica a lesão
corporal de natureza grave ou a morte do recém-nascido;
● Instantâneo de efeitos permanentes: Significa dizer que o crime é
consumado em um dado instante (com a exposição ou abandono), mas seus
efeitos perduram no tempo, independentemente da vontade do agente, já que o
resultado produzido pela conduta subsiste sem precisar ser sustentado por ele.
Elementos objetivos
● Expor (conduta positiva) ou abandonar (conduta omissiva); ambas significam
deixar o recém-nascido sem assistência, ao desamparo;
● Crime de ação múltipla/conteúdo variado: dois núcleos previstos;
● Tipo misto alternativo: tanto faz expor ou abandonar
● Crime único: o indivíduo, que por meio de uma ou várias condutas, pratica
contra mesma vítima e no mesmo contexto fático um único delito;
● Tal abandono é físico. Deixar ao desamparo. Não é, por exemplo, deixar de
alimentar;
● A exposição ou abandono do recém-nascido deve criar uma situação de
perigo
concreto, a qual deve ser comprovada;
● Abandono de gêmeos: Será considerado concurso formal impróprio, com a
soma das penas dos crimes concorrentes, se a ação ou omissão for dolosa e o
agente possuir a intenção de, com uma só ação, praticar mais de um crime,
com desígnios autônomos.

Elemento Subjetivo
● Dolo de perigo concreto, consistente na vontade livre e consciente de expor
ou abandonar o recém-nascido, acrescido do fim especial de ocultar desonra
própria;
● Se a causa do abandono for outra (miséria, prole excessiva, filho doente), a
mãe responderá por abandono de incapaz;
● Não se admite dolo eventual por ser incompatível com o fim especial de agir
exigido pelo tipo penal; trata-se de dolo direto de perigo, consistente na
vontade e consciência de expor ou abandonar o recém-nascido, acrescido do
fim especial do agente, de “ocultar desonra própria”
● Se houver dolo de dano, ou seja, se a agente realizar o abandono com a
intenção de causar a morte do neonato, responderá, se estiver no estado
puerperal pelo delito de infanticídio; ausente este estado, responderá por
homicídio.
Consumação
Por se tratar de um crime instantâneo de efeitos permanentes, o delito é
consumado com o abandono ou com a exposição, desde que resulte perigo
concreto para o recém-nascido.
Da mesma forma que o delito de abandono de incapaz, não há que se falar em
exclusão do crime na hipótese em que o agente temporariamente abandone o
recém-nascido, vindo a retomar a sua guarda posteriormente, pois, desde que
a vida ou a saúde do recém-nascido tenha sido exposta a perigo com o
abandono, estará consumado o delito. Entretanto, nada impede que no caso
incida o instituto do arrependimento posterior (art. 16, CP).

Tentativa
De igual forma ao delito de abandono de incapaz, a tentativa é admissível nos
crimes de perigo, desde que o delito seja praticado na modalidade comissiva,
de modo a haver um iter criminis a ser fracionado.
Ex.: Mãe é surpreendida quando se dirige para um lugar remoto, onde
abandonaria seu filho recém-nascido.

Formas
7.1. Simples
Está totalmente previsto no Caput.

7.2. Qualificada (art. 134, §§ 1º e 2º)


As formas qualificadas do crime em estudo estão previstas nos §§ 1º e 2º do
art. 134, sendo:
I) Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave (pena – detenção, de 1 a
3 anos);
II) Se resulta morte (pena – detenção, de 2 a 6 anos). Observa-se nessas duas
hipóteses de agravamento os crimes qualificados pelo resultado na modalidade
preterdolo.
Há dolo de perigo no fato principal (exposição ou abandono do recém-nascido);
já os resultados agravadores são punidos a título de culpa. Se presente o dolo
de dano, o agente poderá responder pelo delito de infanticídio ou homicídio,
conforme esteja ou não sob influência do estado puerperal, ou então pelo delito
de lesão corporal qualificada, se presente o animus laedendi, ou seja, vontade
de ferir.

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