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Laboratórios mentais

O QUE É UMA EXPERIÊNCIA MENTAL E PARA QUE SERVE?


Ao longo do manual Como Pensar Tudo Isto? recorremos frequentemente a experiências mentais (ou
experiências de pensamento) como um recurso a ser explorado na sala de aula ou em casa como auxiliar do
estudo e da investigação filosófica.
Desde sempre, cientistas e filósofos têm recorrido a este tipo de cenários imaginários para afinar as
suas ideias e testar as suas teorias. O propósito de tais experiências de pensamento é libertar-nos de tudo
aquilo que complica as coisas na vida real, para que nos possamos concentrar nos aspetos essenciais de um
problema.
Da mesma forma que os cientistas fazem uma parte da sua investigação no ambiente artificial e
controlado do laboratório, também nas experiências de pensamento que realizamos em filosofia as
situações podem ser descritas de uma forma bastante artificial, com características muito específicas, com
as quais possivelmente jamais nos depararíamos no mundo real, fora do laboratório conceptual. Contudo, a
importância de tais descrições é que, tal como acontece com as experiências científicas, permitem-nos
isolar diversas variáveis e examinar o papel que estas desempenham nas nossas teorias e na nossa
compreensão do mundo. Deste modo, este tipo de cenários permite-nos testar as nossas intuições acerca
de certos princípios, argumentos ou teorias de uma forma, mais ou menos, rigorosa.
Por exemplo, imaginemos que um cientista está a estudar os efeitos da cafeína no comportamento
humano. Para isso, o cientista precisa de ter um grupo experimental e um grupo de controlo, mantendo um
conjunto de variáveis fixo entre os dois grupos – como as horas de sono, os hábitos alimentares, a atividade
física, etc. – fazendo variar apenas a quantidade de cafeína ingerida pelos elementos do grupo
experimental. Só assim pode ter a certeza de que as diferenças (se as houver) observadas no
comportamento dos indivíduos se devem à ingestão de cafeína e não a qualquer uma das outras variáveis.
Algo de semelhante acontece nas experiências de pensamento que desenvolvemos em filosofia. Para
sabermos ao certo o que está a fazer a nossa intuição inclinar numa ou noutra direção, temos de manter
fixas certas variáveis. Por exemplo, quando enfrentamos um dilema ético na vida real há sempre muitos
fatores contingentes específicos de cada contexto que tornam a decisão muito complexa. Assim, se
queremos refletir sobre ética, podemos imaginar situações em que apenas um dos fatores relevantes difere
entre dois cenários alternativos, para determinar o seu peso relativo na nossa avaliação moral desse tipo de
casos. Isso pode levar-nos a reforçar a nossa confiança numa determinada teoria moral, a afinar a nossa
perspetiva sobre o assunto ou até mesmo a revê-la por completo.
Pensemos no célebre dilema do elétrico desgovernado, por exemplo. Na primeira versão deste
cenário hipotético, temos um elétrico que desliza descontroladamente pelos carris em direção a cinco
pessoas. Nós encontramo-nos junto a uma alavanca que pode desviar o elétrico para uma linha alternativa
apenas com uma pessoa. E a pergunta que se coloca é se seria aceitável fazê-lo.
Aquilo que se pretende testar é se estamos dispostos a aceitar que, à partida, cinco vidas valem mais
do que uma. Por isso, não é dada nenhuma informação que nos permita diferenciar os indivíduos entre si:
são todos perfeitos estranhos, presumivelmente inocentes, com a mesma probabilidade de ter vários anos
de vida feliz pela frente, etc.
A nossa tendência natural (e dos nossos alunos também) é considerar que se trata de um cenário
muito artificial. No mundo real há sempre mais alternativas do que aquelas que nos são apresentadas.

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Ou então começar a introduzir novas variáveis, os frequentes “E se...” que ouvimos nas aulas: “E se fosse
um familiar próximo?”; “E se fosse um criminoso?”; “E se fosse uma pessoa que já estava muito doente?”.
Temos de pedir alguma paciência a estas mentes curiosas e explicar-lhes que diferentes “E se...” permitem
testar coisas diferentes. Tal como na experiência científica se houvesse alguém a dormir muito mais horas
do que os outros já não teríamos condições de saber se o seu comportamento se devia à ingestão de
cafeína, ou não.
Claro que podemos sempre criar variantes da experiência original para testar coisas diferentes. Tal
como no exemplo da cafeína, também podemos fixar a quantidade de cafeína ingerida nos dois grupos e
fazer variar a quantidade de horas de sono, por exemplo, para tentar perceber a influência desse fator no
nosso comportamento. Os “E se...” que sugerimos anteriormente permitiriam testar, por exemplo, se
achamos que temos obrigações especiais para com aqueles que nos são mais próximos, se o bem-estar de
um criminoso deve contar tanto como o bem-estar de uma pessoa inocente, se a quantidade de bem-estar
futuro é moralmente relevante, etc.
Uma outra vantagem das experiências de pensamento é que nos permitem refletir sobre coisas que
não poderíamos e/ou não deveríamos testar na vida real. Não convém andar por aí a amarrar pessoas às
linhas do elétrico para perceber se temos intuições deontologistas ou consequencialistas!
Assim, mesmo quando estamos a considerar cenários meramente hipotéticos bastante improváveis,
a utilidade das experiências mentais é inquestionável, porque o seu objetivo não é descrever a realidade,
mas sim ajudar-nos focar a nossa atenção em certos aspetos fundamentais, de modo a pensarmos com
mais clareza e rigor sobre certos assuntos.

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Experiências de pensamento que disponibilizamos neste manual:

CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO À FILOSOFIA E AO FILOSOFAR


• Desenlear as novelas (p. 10): trata-se de uma recriação da famosa Alegoria da Caverna, de Platão,
que pretende despertar a intuição de que se nunca questionarmos as bases fundamentais da nossa
existência estaremos a expor-nos ao risco de viver uma vida pouco autêntica.

Cenários de resposta

1. À partida, os weatherfieldianos não tinham forma de saber que estavam a ser enganados, porque, uma vez
que aquela era a única realidade que conheciam, não tinham razões para suspeitar que estavam a ser
enganados. Como é dito no texto: “estavam proibidos de ter qualquer contacto com o mundo exterior e era -
-lhes incutido desde cedo que a realidade correspondia ao mundo retratado nas telenovelas”. Claro que
podiam sempre fazer como Kenneth, querer conhecer o mundo pelos seus próprios olhos e arriscar fugir do
abrigo. Só aí passariam a ver como estiveram iludidos aquele tempo todo.
2. Os companheiros de Kenneth tinham uma atitude passiva de aceitação das ideias que lhes eram inculcadas, ao
passo que Kenneth desafiou a autoridade e procurou ver o mundo pelos seus próprios olhos. O objetivo desta
pergunta é despertar nos alunos uma abordagem intuitiva da distinção entre uma atitude dogmática,
incompatível com a filosofia, e a atitude crítica característica desta disciplina.
3. Sim, porque se livrou das ilusões de que tinha sido vítima no passado. Ainda que possa ter dúvidas acerca da
forma como as coisas são, tem uma melhor compreensão daquilo que podem ser e pelo menos já sabe o que
elas não são. Esta pergunta pretende despertar o aluno para o valor da filosofia. Esta questão pode ser
discutida tendo como pano de fundo o texto de Bertrand Russell sobre o valor da filosofia:

“Devemos procurar o valor da filosofia, de facto, em grande medida na sua própria incerteza. O
4. Os companheiros de Kenneth acharam as suas suposições despropositadas e ficaram a pensar que ele é que
homem sem rudimentos de filosofia passa pela vida preso a preconceitos derivados do senso
estava confuso,
comum, dasporque
crençasascostumeiras
ideias que este defendia
da sua época punham emnação,
ou da sua causaetudo aquilo emque
a convicções quecresceram
sempre acreditaram.
na sua
Essemente
desafiosem
foi adecooperação
tal forma incómodo que acabaram por bani-lo. Tal como na Alegoria
ou o consentimento da sua razão deliberativa. Para tal homem da Caverna
o mundooriginal,
estatende
questãoa sugere
tornar-seum paralelismo com a condenação
definitivo, finito, de Sócrates,
óbvio; os objetos que ao
comuns nãodesafiar as autoridades
levantam questões, atenienses
e as
possibilidades
expondo incomuns também
as suas fragilidades são rejeitadas
acabou com desdém.
por ser Pelo contrário, mal começamos a filosofar,
condenado.
descobrimos [...] que mesmo as coisas mais quotidianas levam a problemas aos quais só se podem dar
respostas muito incompletas. A filosofia, apesar de não poder dizer-nos com certeza qual é a resposta
verdadeira às dúvidas que levanta, é capaz de sugerir muitas possibilidades que alargam os nossos
pensamentos e os libertam da tirania do costume. Assim, apesar de diminuir a nossa sensação de
certeza quanto ao que as coisas são, aumenta em muito o nosso conhecimento quanto ao que podem
ser; remove o dogmatismo algo arrogante de quem nunca viajou pela região da dúvida libertadora; e
mantém vivo o nosso sentido de admiração ao mostrar coisas comuns a uma luz incomum.”
Bertrand Russell. (2008). Os Problemas da Filosofia. Trad. Desidério Murcho. Lisboa: Edições 70, pp. 216-217

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5. Sim, porque há muita gente que não procura ir muito além de um pequeno casulo de interesses e que vive a
vida sem se questionar, aceitando tudo aquilo que lhes é veiculado de forma passiva. Em parte, isso explica o
sucesso de certos meios de comunicação sensacionalistas e das fake news, que se alimentam dessa
passividade, para fazer passar informação falsa como se fosse verdadeira.

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CAPÍTULO 2: LÓGICA FORMAL


• Na pista de um assassino (p. 52): trata-se de um cenário digno de um policial, com um crime,
vários suspeitos, algumas pistas e um inspetor, que se serve das suas capacidades dedutivas para
descobrir quem é o assassino. Aquilo que se pretende é ilustrar como funciona a dedução e como
esta pode ser útil em vários contextos.

Cenários de resposta

1. Os alunos devem eliminar progressivamente os suspeitos até chegarem a solução do crime. Para isso devem
utilizar as ferramentas dedutivas básicas de que dispõem. Pode ter sido x? Porquê? E y? Porquê?
2. A segunda questão pretende chamar a atenção dos alunos para o facto de a dedução garantir que se partirmos
de premissas verdadeiras chegaremos a uma conclusão verdadeira. Assim, se não nos enganarmos em nenhum
passo, a única hipótese de nos termos enganado é se tivermos partido de alguma informação falsa.
Em seguida sugere-se uma possível derivação da solução do crime que o professor poderá explorar com os
alunos no final do capítulo, pois recorre às formas de inferência estudadas ao longo do mesmo:
(1) O Mr. Boddy foi envenenado pela Miss Scarlett, ou pelo Coronel Mustard, ou pela Mrs. White, ou pelo
Reverendo Green, ou pela Sra. Peacock, ou pelo Professor Plum. [Premissa, a mansão estava isolada e só
estas pessoas estiveram com a vítima à hora do crime]
(2) O veneno foi posto na comida do Mr. Boddy por alguém que teve acesso à comida e ao veneno.
[Premissa, para colocar o veneno na comida é necessário ter acesso às duas coisas]
(3) Se o Professor Plum ou a Sra. Peacock envenenaram o Mr. Boddy, então o Professor Plum ou a Sra.
Peacock tiveram acesso à comida. [É um exemplo concreto do que foi dito em 2]
(4) Nem o Professor Plum nem a Sra. Peacock tiveram acesso à comida do Mr. Boddy. [Premissa, evidência
recolhida pelo inspetor]
(5) Não é verdade que o Professor Plum ou a Sra. Peacock tiveram acesso à comida. [Segue-se de 4, por
DM1]
(6) Não é verdade que o Professor Plum ou a Sra. Peacock envenenaram o Mr. Boddy. [Segue-se de 3 e 5,
por MT]
(7) Nem o Professor Plum nem a Sra. Peacock envenenaram o Mr. Boddy. [Segue-se de 6, por DM2]
(8) A Mrs. White teve acesso à comida do Mr. Boddy, mas não teve acesso ao veneno. [Premissa, evidência
recolhida pelo inspetor]
(9) Se a Mrs. White envenenou o Mr. Boddy, então teve acesso à comida e ao veneno. [É outro exemplo
concreto do que foi dito em 2]
(10) A Mrs. White não teve acesso à comida, ou não teve acesso ao veneno. [Segue-se de 8, que estabelece
que uma destas disjuntas é verdadeira]
(11) Não é verdade que a Mrs. White teve acesso à comida e ao veneno. [Segue de 10, por DM1]
(12) A Mrs. White não envenenou o Mr. Boddy. [Segue-se de 9 e 11, por MT]
(13) Pela distribuição do veneno no prato, pode perceber-se que este foi despejado por alguém destro.
[Premissa, evidência recolhida pelo inspetor]

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(14) Se o Coronel Mustard envenenou o Mr. Boddy, então ele é destro. [Premissa, aplicação do que foi dito
em 13 a um caso concreto]
(15) Se o Coronel Mustard é destro, então não é esquerdino. [Premissa, segue-se da definição de destro]
(16) Se o Coronel Mustard envenenou o Mr. Boddy, então não é esquerdino. [Segue-se de 14 e 15, por SH]
(17) O Coronel Mustard é esquerdino. [Premissa, evidência recolhida pelo inspetor]
(18) O Coronel Mustard não envenenou o Mr. Boddy. [16 e 17, por MT]
(19) O Reverendo Green não estava verdadeiramente apaixonado pelo Mr. Boddy, ou desejava que ele
continuasse vivo. [Premissa, baseada na ideia de que o verdadeiro amor é um sentimento protetor,
não destrutivo]
(20) O Reverendo Green estava verdadeiramente apaixonado pelo Mr. Boddy. [Premissa, informação obtida
pelo inspetor durante o interrogatório]
(21) O Reverendo Green desejava que o Mr. Boddy continuasse vivo. [De 19 e 20, por SD]
(22) Se o Reverendo Green desejava que o Mr. Boddy continuasse vivo, então este não envenenou o Mr.
Boddy, nem foi cúmplice do assassino. [Premissa, afirma a incompatibilidade entre desejar que o Mr.
Boddy permaneça vivo e agir no sentido de pôr fim à sua vida]
(23) O Reverendo Green não envenenou o Mr. Boddy, nem foi cúmplice do assassino. [De 21 e 22, por MP]
(24) O Mr. Boddy foi envenenado pela Miss Scarlett, ou por algum dos outros suspeitos. [Paráfrase
abreviada de 1]
(25) O Mr. Boddy não foi envenenado por nenhum dos outros suspeitos. [Segue-se de 7, 12, 18 e 23, onde
se excluem todos os outros suspeitos]
(26) Logo, o Mr. Boddy foi envenenado pela Miss Scarlett. [Segue-se de 24 e 25, por SD]
(27) A Miss Scarlett nunca esteve sozinha com a comida do Mr. Boddy. Numa ocasião, ela e o Reverendo
Green estiveram a sós na cozinha. Noutra ocasião, o Coronel Mustard tentou seduzi-la na sala de jantar
antes dos outros convidados chegarem. [Premissa, evidência recolhida pelo inspetor durante os
interrogatórios]
(28) Se foi a Miss Scarlett, então o Reverendo Green ou o Coronel Mustard teriam de ser seus cúmplices.
[Segue-se de 27, pois um deles tê-la-ia visto e, consequentemente, estaria a encobri-la]
(29) O Reverendo Green ou o Coronel Mustard são cúmplices do crime.
(30) Logo, o Coronel Mustard é cúmplice do crime. [Segue-se de 23 e 29, por SD]

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CAPÍTULO 3: LÓGICA INFORMAL


• O Principezinho e o bêbedo (p. 104): trata-se de um excerto do livro O Principezinho que relata o
encontro do protagonista com um bêbedo que raciocina de forma falaciosa. Pretende ilustrar a
falácia informal da petição de princípio (raciocínio viciosamente circular) e alertar para a
importância de evitar falácias informais, quer quando argumentamos, quer quando avaliamos os
argumentos dos outros.

Cenários de resposta

1. Para responder à questão sugerimos que o aluno execute os seguintes passos:


1. ° Reconstruir o argumento apresentado pelo bêbedo para justificar o facto de beber.

(1) Bebo.
(2) Se bebo, tenho vergonha.
(3) Se tenho vergonha, tenho de esquecer.
(4) Se tenho de esquecer, bebo.
(5) Logo, bebo.

2. ° Formalizar o argumento apresentado.


Dicionário:
P: Bebo.
Q: Tenho vergonha.
R: Tenho de esquecer.

Formalização:
(1) P
(2) (P → Q)
(3) (Q → R)
(4) (R → P)
(5) ∴ P

3. ° Construir um inspetor de circunstância para verificar se o argumento apresentado é válido ou não.

PQ R P (P→ Q) (Q→ R) (R→ P) ∴ P


V V V V V V V V V V V V V V
V V F V V V V V F F F V V V
V F V V V F F F V V V V V V
V F F V V F F F V F F V V V
F V V F F V V V V V V F F F
F V F F F V V V F F F V F F
F F V F F V F F V V V F F F
F F F F F V F F V F F V F F

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4. ° Avaliar o argumento através da análise do inspetor de circunstâncias.

Análise:
O argumento é válido porque é impossível as premissas serem todas verdadeiras e a conclusão falsa.

5. ° Responder à questão.
Resposta:
A justificação apresentada pelo bêbedo não faz qualquer tipo de sentido, pois não parece oferecer uma
boa razão para o ato de beber. O problema é que o argumento está a assumir logo à partida (na primeira
premissa) aquilo que pretende defender.
Este tipo de argumento não é capaz de persuadir ninguém, pois só aqueles que já aceitam a sua conclusão
é que estarão na disposição de aceitar as suas premissas. Ora, quando argumentamos é porque queremos
persuadir aqueles que, à partida, não concordam connosco, porque aqueles que já aceitam aquilo que
estamos a defender não precisam de ser convencidos.

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CAPÍTULO 4: DETERMINISMO E LIBERDADE NA AÇÃO HUMANA


• Um crime sem culpados (p. 134): trata-se de um excerto de um diálogo de Clifford Williams sobre o
problema do livre-arbítrio. Neste diálogo é explorada a linha de defesa do advogado Clarence Darrow,
que tenta reduzir a pena de dois criminosos alegando que estes não são responsáveis pelo sucedido, pois
a sua ação foi a consequência de fatores que eles não controlavam. O objetivo é testar as implicações do
determinismo e despertar os alunos para a discussão do problema do livre-arbítrio, mostrando a sua
relevância para a questão da responsabilidade moral. O professor tem, assim, a oportunidade de
perceber qual vai ser o posicionamento intuitivo dos alunos em relação a este problema e de que forma
estes justificam a sua perspetiva. Será importante revisitar este problema depois de toda a discussão, no
sentido de ver o que mudou na forma de pensar dos alunos. Independentemente de mudarem de
perspetiva ou não, o importante é que sejam capazes de justificar a sua posição de uma forma mais
robusta.

Cenários de resposta

1. Opção A: Sim, concordo com a estratégia de Darrow. Porque a ciência diz-nos que tudo o que acontece é
causado por acontecimentos anteriores, incluindo as ações humanas. Deste modo, o nosso comportamento
resulta dos nossos genes, da nossa educação e de uma série de outros fatores que nós não controlamos.
Portanto, não podemos ser culpados por aquilo que fazemos.
Opção B: Não, não concordo com a estratégia de Darrow. Porque ainda que muito do que acontece seja
causado por acontecimentos anteriores, temos, frequentemente, a possibilidade de escolher entre diferentes
cursos de ação e, por isso, somos livres e responsáveis por essas escolhas.

• O demónio de Laplace (p. 137): trata-se de uma experiência mental proposta pelo físico e matemático
Pierre Simon de Laplace e pretende ser uma ilustração do determinismo. O autor começa por afirmar a
tese do determinismo ao dizer que: “Podemos encarar o estado atual do universo como o efeito do seu
passado e a causa do seu futuro”. A experiência consiste em imaginar um ser com um intelecto tão
desenvolvido que seria capaz de saber todas as leis da natureza e a posição de cada partícula do universo.
Laplace afirma que uma vez assumido o pressuposto do determinismo, esse super-intelecto seria capaz
de calcular tudo o que aconteceu e tudo o que acontecerá.
Assim, se um dado acontecimento fosse previsto por esse intelecto, mas não chegasse a ocorrer, isso
comprovaria a falsidade do determinismo. Isto acontece porque se de facto o estado atual do universo é
a consequência do passado e a causa do futuro, então um ser que fosse capaz de calcular a posição de
cada partícula do universo num dado instante e que conhecesse todas as leis da natureza, seria, à partida,
capaz de saber o resultado da interação entre estes dois fatores. Assim, se alguma das suas previsões não
se confirmasse, é porque afinal nem tudo o que acontece é a consequência necessária do passado e das
leis da natureza.
Uma vez que, como acabámos de ver, uma previsão falhada provaria a falsidade do determinismo, talvez
isso fosse sinal de que pode haver livre-arbítrio. Contudo, também podemos tentar fazer os alunos
questionarem-se se um acontecimento absolutamente incausado seria realmente livre, ou simplesmente
aleatório. A pergunta apresentada no final da experiência de pensamento visa testar as intuições
compatibilistas/incompatibilistas dos alunos.

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Cenários de resposta

1. Opção A: Aqueles que disserem que, apesar de esse ser ter, de facto, o passado e o futuro diante dos seus
olhos, há ainda assim espaço para o livre-arbítrio, têm fortes intuições compatibilistas, porque defendem que
pode haver livre-arbítrio, num mundo onde todos os acontecimentos são a consequência necessária do
passado e das leis da natureza.
Opção B: Por outro lado, se disserem que o facto de esse ser saber de antemão tudo o que vai acontecer
implica a inexistência de livre-arbítrio, então terão fortes intuições incompatibilistas. Nesse caso, poderão
dizer que se o passado e as leis da natureza originam a cada instante um único futuro possível, então, dado o
nosso passado e dadas as leis da natureza, nunca poderíamos agir de formas diferentes e, consequentemente,
não seríamos livres.

• O caso das gomas vermelhas (p. 145): trata-se de uma experiência de pensamento concebida como um
contra-exemplo à estratégia da análise condicional utilizada pelos compatibilistas clássicos para defender
a sua perspetiva. De acordo com os compatibilistas clássicos, “Eu poderia...” significa exatamente o
mesmo que “Eu teria..., se assim tivesse escolhido”. O contra-exemplo pretende mostrar uma situação na
qual embora seja verdade que “Eu teria tirado uma goma vermelha, se assim tivesse escolhido”, é falso
que “Eu poderia ter tirado uma goma vermelha”, porque devido a uma fobia eu não podia simplesmente
ter escolhido fazê-lo.

Cenários de resposta

1. Opção A: Os alunos podem optar por defender que sim, ou pelo menos, que esse é o único sentido de
possibilidades alternativas de que necessitamos para considerar que as pessoas agiram de livre vontade e,
consequentemente, devem ser responsabilizadas por aquilo que fazem. Por exemplo, alguém que passa fome
porque está no deserto e não tem acesso a alimentos não é livre de comer e, consequentemente, não deve ser
responsabilizado pelas consequências desse acontecimento. Ao passo que o mesmo não se pode dizer de
alguém que passa fome porque está a fazer uma greve de fome em frente à Assembleia da República, tendo
acesso a alimentos. Esta pessoa era livre de comer, embora tenha escolhido não o fazer, e, consequentemente,
merece ser responsabilizada pelas consequências do seu ato.
Opção B: Em alternativa, os alunos podem optar por concordar com a objeção, acrescentando que num mundo
determinista, dado o nosso passado e as leis da natureza (coisas que nós não controlamos), os nossos desejos
e as nossas escolhas não poderiam ser diferentes daquilo que são e, portanto, ainda que possa ser verdade
que se tivéssemos escolhido fazer outra coisa teríamos feito outra coisa, a verdade é que não poderíamos ter
desejado uma coisa diferente e, consequentemente, não podíamos, efetivamente, ter feito outra coisa.

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CAPÍTULO 5: A DIMENSÃO PESSOAL E SOCIAL DA ÉTICA


• Cada planeta, sua sentença (p. 162): trata-se de uma experiência mental baseada num videojogo de
ficção científica chamado “Mass Effect”. Neste jogo vestimos a pele do(a) Comandante Sheppard que
viaja pela galáxia cruzando-se com uma enorme diversidade de espécies, cada uma com as suas tradições
e costumes e com as suas noções de “certo” e “errado”. Esta diversidade faz com que o(a) Comandante
se aperceba que mesmo no seu planeta existem diferentes culturas e diferentes opiniões acerca do que é
certo e errado, o que faz com que se questione acerca da objetividade da moralidade. O objetivo desta
experiência mental é levar os alunos a questionar-se acerca da natureza dos valores e dos juízos morais.
O professor pode começar por pedir aos alunos exemplos de práticas e comportamentos que são
aceitáveis em alguns países, mas inaceitáveis noutros. Em seguida, pode pedir-lhes exemplos de temas
controversos que dividem as opiniões dentro da nossa própria sociedade.

Cenários de resposta

1. Opção A: Alguns alunos podem ter tendência para se focar em certas tradições culturais ou regras de etiqueta
que divergem de país para país e, por isso, sentirem-se tentados a responder que não há coisas objetivamente
certas ou erradas, pois cada cultura tem os seus padrões do que é aceitável ou não.
Opção B: Alguns alunos poderão focar-se mais em atos extremos, como matar ou torturar pessoas inocentes,
e, por isso, sentirem-se tentados a defender que há coisas absolutamente erradas, independentemente das
preferências pessoais ou da cultura onde nos encontramos.
Opção C: Alguns alunos poderão sentir que os nossos valores são uma questão muito pessoal e, por isso,
sentirem-se tentados a defender que não há coisas objetivamente certas ou erradas, pois essas noções
dependem da perspetiva de cada um.

• Problemas com a lista de compras (p. 164): esta experiência mental, imaginada pela filósofa Elizabeth
Anscombe, parece narrar um episódio da vida doméstica. Um homem vai às compras e leva uma lista com
aquilo que é suposto comprar. Mas, por engano, em vez de comprar manteiga, comprou margarina. Por
brincadeira, Anscombe imagina o que aconteceria se este, em vez de trocar o artigo, trocasse a palavra
que está na lista. A experiência contrasta ainda a lista de compras com um registo feito por um detetive
que seguiu o homem e anotou os artigos comprados. O propósito de Anscombe é distinguir o plano
normativo (a lista de compras) do plano descritivo (a lista do detetive). O propósito desta experiência é
esclarecer a distinção entre juízos de facto – puramente descritivos – e juízos de valor – pelo menos em
parte normativos.

Cenários de resposta

1. Não, porque a lista não pretende descrever o que, efetivamente, foi comprado, mas sim indicar o que deveria
ter sido comprado. Por isso, a única forma de resolver o problema é voltar ao supermercado e trocar a
margarina por manteiga.
2. Sim, porque a lista do detetive pretende descrever o que, efetivamente, foi comprado. Por isso, no caso de
haver alguma discrepância com a realidade é a lista que precisa de ser corrigida.

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CAPÍTULO 6: A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA MORAL – ANÁLISE COMPARATIVA


DE DUAS PERSPETIVAS FILOSÓFICAS
• O que resta de nós (p. 190): trata-se de uma experiência mental baseada no videojogo “The Last of Us”.
O jogo retrata uma realidade paralela em que a civilização foi dizimada por uma terrível infeção. Os
poucos sobreviventes vivem em zonas de quarentena altamente policiadas, ou espalhados em pequenos
povoados e grupos nómadas. Joel é um contrabandista a quem foi confiada a mais importante missão da
história da Humanidade: conduzir a jovem Ellie, que desenvolveu imunidade à infeção, até uma instalação
médica do outro lado do país, onde uma equipa de cientistas se prepara para a receber e usá-la para
desenvolver uma cura que salvará a Humanidade do risco de extinção. Perto do final, Joel é confrontado
com a seguinte decisão: deixar que matem Ellie para salvar o futuro da humanidade, ou salvar a jovem
impedindo o desenvolvimento da cura. Este dilema moral visa testar as intuições consequencialistas/
deontológicas dos alunos, servindo assim para abrir a discussão em torno do problema da
fundamentação da moral.

Cenários de resposta

1. Opção A: Sim, mesmo que tenha desenvolvido uma ligação especial com essa pessoa, a coisa certa a fazer
seria sacrificar a sua própria felicidade, juntamente com a de Ellie, em nome de um bem maior: a salvação da
humanidade.
Opção B: Não, porque o inocente não tem culpa do que se está a passar e, portanto, não merece ser sacrificado
para o benefício de outros. Seria inaceitável usar uma pessoa como se fosse um mero instrumento ou objeto
para satisfazer as necessidades de outros.

• Ser ou não ser (humano)? (p. 200): esta experiência de pensamento convida-nos a imaginar se, depois de
morrer, preferíamos reencarnar como uma ostra plenamente satisfeita e com uma vida bastante longa,
ou como um ser humano com uma vida moderadamente satisfeita e com uma duração típica. O propósito
da experiência é ilustrar a justificação apresentada por Mill a favor da sua distinção entre os prazeres
espirituais – qualitativamente superiores – e os prazeres corporais – qualitativamente inferiores.
O professor pode aproveitar para fazer o teste com os seus alunos e verificar se algum deles optaria por
uma existência plena de prazeres corporais, mesmo que isso implicasse renunciar aos prazeres
espirituais.
Além disso, pode incitar os alunos a pensar mais cuidadosamente sobre o assunto fazendo perguntas
como as que se seguem: Será que o facto de a maioria se sentir inclinada a preferir os prazeres espirituais
nos dá uma boa razão para considerar que estes são qualitativamente superiores? Ou isso seria cometer
uma falácia ad populum? Serão os prazeres espirituais objetivamente superiores aos corporais? Ou será
que essa questão é meramente subjetiva e depende do prazer que cada um desses tipos de experiência
provoca no sujeito? Não podemos, realmente, imaginar alguém que, ainda que tenha tido experiência dos
dois tipos de prazeres, retira mais prazer da comida, da bebida e do sexo do que da apreciação da beleza,
da arte, etc.? Por exemplo, alguém a quem sair para comer e beber lhe dá mais satisfação do que ficar em
casa a ler o Rei Lear. Não estará Mill a generalizar, de forma ilegítima, a partir das suas próprias
preferências?
Podemos ainda perguntar-nos se, de facto, não vale a pena trocar o acesso aos prazeres espirituais por
nenhuma quantidade imaginável de prazeres corporais. E se a ostra fosse imortal? Isso tornaria a

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quantidade de prazer incluída na sua vida inultrapassável. Será que aí a vida da ostra seria preferível, ou
isso não faria diferença nenhuma para a nossa decisão?

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Cenários de resposta

1. Opção A: Um ser humano moderadamente satisfeito, porque os prazeres que podemos experienciar como
seres humanos são de uma qualidade tão superior que não os trocaríamos pela maior quantidade possível dos
prazeres de uma ostra.
Opção B: Uma ostra plenamente satisfeita e com uma vida longa, pois essa vida inclui uma maior quantidade
de prazer.

• A máquina de experiências (p. 206): nesta célebre experiência de pensamento, Robert Nozick, lança um
poderoso desafio ao hedonismo. Nozick imagina que um grupo de cientistas desenvolveu aquilo que
decidiu chamar de “máquina de experiências”. Essa máquina poderia proporcionar-nos a sensação
subjetiva de viver qualquer experiência que idealizássemos. Se, de facto, estivéssemos apenas
interessados em obter o maior saldo possível de experiências aprazíveis (como sugere o hedonismo),
então seria do nosso interesse ligar-nos a essa máquina. Mas Nozick julga que não estaríamos
realmente dispostos a isso. Portanto, conclui que devemos rejeitar o hedonismo.
O filme Matrix (1999) ilustra a experiência mental da máquina de experiências. Num futuro distópico, a
humanidade é controlada por máquinas que lhes proporcionam vidas ilusórias enquanto se alimentam da
energia gerada pelos seus corpos. Uma pequena resistência conseguiu libertar-se desse controlo e tenta
desesperadamente salvar a Humanidade dessa opressão. Mas as condições de vida são tão precárias que,
contrariamente ao que é defendido por Nozick, há mesmo quem chegue a preferir viver ligado à máquina
de experiências do que viver no mundo real, como se pode ver neste excerto do filme: https://youtu.be/
6gL0xQHI0wo (consultado em 12.03.2021).

Cenários de resposta

1. Opção A: Sim, se de um ponto de vista subjetivo essa vida teria uma maior quantidade de prazer, então seria
do interesse da pessoa fazer essa escolha.
Opção B: Não, porque aquilo que nós queremos é efetivamente satisfazer certas preferências e certos projetos,
e não ter apenas as sensações de prazer associadas a essas experiências.

• A conclusão repugnante (p. 209): trata-se de uma experiência de pensamento que tem o objetivo de
concretizar um dos problemas do agregacionismo associado à teoria utilitarista de Mill. O problema
consiste no seguinte: qualquer que seja a situação em que nos encontramos, é sempre possível aumentar
o total de felicidade acrescentando uma pessoa com uma qualidade de vida positiva (por muito baixa que
seja). Neste cenário imaginário, somos convidados a assumir o papel de um cientista, encarregue da
tarefa de colonizar um novo planeta. Os recursos que temos à nossa disposição são limitados,
permitindo-nos apenas criar uma população com um pequeno número de indivíduos com um elevado
nível de felicidade, ou uma população com um elevado número de indivíduos com baixos níveis de
felicidade. Qual seria a coisa certa a fazer?
O professor pode desafiar os alunos a pensar nas seguintes questões: E se, em vez de tentar promover o
maior total de bem-estar agregado, tentarmos promover bem-estar médio? Aí já não se pode dizer que
aumentar o número de indivíduos minimamente felizes é uma forma de melhorar as coisas, porque isso

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pode baixar a média. Em contrapartida, pode sugerir que acabar com a vida de pessoas que tenham um
bem-estar abaixo da média é uma forma de melhorar um estado de coisas, o que é inaceitável. E se fosse
uma distribuição mais igualitária de felicidade? Os problemas continuam, poderíamos estar a nivelar por
baixo. Será melhor uma ação que resulta num estado de coisas em que todos ficam piores do que
ficariam se realizássemos uma ação alternativa, só porque todos teriam a mesma quantidade? Os
utilitaristas sugerem que a igualdade não tem um valor intrínseco, mas sim instrumental.
Geralmente, distribuições mais igualitárias de recursos contribuem para um maior total de felicidade. Isto
acontece por causa da chamada “utilidade marginal”. Por exemplo, imagina que tens dois pares de
sapatos e duas pessoas a quem os podes oferecer. Contudo, uma dessas pessoas já tem 50 pares de
sapatos e a outra não tem nenhum. Ora, uma vez que alguém que já tem 50 pares de sapatos não tem
grande utilidade para mais um par, essa utilidade seria marginal, isto é, dar-lhe os sapatos geraria um
aumento muito pouco significativo de felicidade. Pelo contrário, a pessoa que não tem nenhum par de
sapatos teria um aumento muitíssimo significativo de felicidade. Assim, a utilidade de oferecer os dois
pares a esta última é muito superior do que a utilidade gerada por qualquer uma das alternativas (dar os
dois pares à pessoa que já tem 50, ou dar um par a cada pessoa). Isto acontece não porque a igualdade
seja intrinsecamente valiosa, mas porque é, muitas vezes, a melhor forma de conseguir aumentar o total
de felicidade.

Cenários de resposta

1. Opção A: É preferível fazer uma ação que leva a um estado de coisas com um menor número de indivíduos que
vivem vidas bastante felizes, porque a quantidade de vidas não deve contar tanto como a qualidade dessas
vidas.
Opção B: É preferível fazer uma ação que leva a um estado de coisas com um maior número de indivíduos com
vidas quase miseráveis, porque a felicidade é a única coisa que tem valor intrínseco e, no geral, esta alternativa
geraria uma maior quantidade de felicidade.
2. Opção A: Sim, porque a felicidade é a única coisa que tem valor intrínseco e, desse modo, estaremos a gerar
uma maior quantidade total de felicidade.
Opção B: Não, quando estamos a comparar diferentes ações devemos considerar apenas a forma como
aqueles que já existem são afetados pelas mesmas, deixando de lado, considerações que incluem indivíduos
que podem vir a existir.

• O paradoxo da deontologia (p. 232): nesta experiência de pensamento somos confrontados com uma
proposta terrível. Um sádico raptou-nos juntamente com outros seis indivíduos e diz-nos que se
matarmos o nosso companheiro de cela deixa os outros cinco sair em liberdade, mas se nos recusarmos a
fazê-lo, ele próprio irá matá-los da forma mais retorcida que se lembrar. O que fazer? Se a violação do
direito à vida de uma pessoa inocente é uma coisa má, como defendem os deontologistas, parece que
cinco violações desse mesmo direito será algo ainda pior. Esta experiência de pensamento serve para
ilustrar o paradoxo da deontologia, uma das mais discutidas objeções à ética deontológica.

Cenários de resposta

1. Opção A: Sim, pois, por muito que esse ato nos custasse, essa seria a alternativa que permitiria que a história

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do universo corresse tão bem quanto possível. Uma pessoa assassinada em vez de cinco.

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Opção B: Não, porque ainda que isso permitisse uma menor ocorrência de assassinatos, há coisas que eu não
posso simplesmente fazer, por melhores que fossem as consequências. O que importa não é que a história do
universo corra tão bem quanto possível, mas sim que cada um de nós cumpra as suas obrigações morais. Eu
sou responsável pelo meu comportamento de uma forma que não sou responsável pelo comportamento de
mais ninguém. Assim, se eu matar um inocente fui eu que errei; se o meu raptor decidir matar cinco pessoas,
foi erro dele.

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CAPÍTULO 7: O PROBLEMA DA JUSTIÇA SOCIAL


• O véu de ignorância (p. 244): esta experiência de pensamento pretende ser uma recriação da posição
original proposta por John Rawls, na sua obra Uma Teoria da Justiça. Nesta variante, os vinte cidadãos
selecionados para habitar a primeira colónia de Marte têm de decidir, de antemão, como será feita a
distribuição de bens à superfície do planeta vermelho. O problema é que eles não sabiam quais iriam ser
as tarefas mais importantes na colónia. O trabalho pode ser todo manual, ou nem sequer haver trabalho
manual de todo. Pode exigir uma grande inteligência, ou ser mais adequado para aqueles que não
precisam de grande estimulação intelectual. Qual será a forma mais justa de fazer essa distribuição?

Cenários de resposta

1. A primeira sugestão foi a de que tudo deveria ser repartido em partes iguais: para cada um de acordo com as
suas habilidades, a cada um de acordo com as suas necessidades.
2. Se houvesse muito trabalho a fazer e alguém recusasse fazer a sua parte, seria injusto recompensá-lo com uma
fatia igual do bolo.
3. Opção A: A distribuição deveria ser feita de forma a que os mais desfavorecidos ficassem na melhor situação
possível. Isto significa que seriam admitidas diferenças na distribuição de riqueza, pois algumas desigualdades
poderiam revelar-se benéficas para todos.
Opção B: Não deveria ser estabelecido um padrão prévio de distribuição dos bens. As pessoas deveriam fazer
o que quisessem com a sua pessoa e com os seus bens (desde que legitimamente adquiridos), livres de
interferências externas.
Opção C: A melhor distribuição seria aquela que permitisse uma melhoria das nossas vidas enquanto seres
sociais. Nesse sentido, mesmo a distribuição igualitária inicialmente proposta seria aceitável desde que
contribuísse, de alguma forma, para o bem comum. Por exemplo, limitando as invejas e as rivalidades;
limitando os sentimentos de superioridade/inferioridade de uns cidadãos em relação aos outros; diminuindo o
crime; etc.

• Desigualdade justa (p. 251): esta experiência de pensamento relata a angústia de John e Margaret, um
casal que em vésperas de Natal está à procura do presente ideal para cada um dos seus três filhos. O seu
orçamento é de 300 €, pelo que tencionam gastar 100 € com cada um deles. O problema parece resolvido
quando se deparam com uma consola de videojogos portátil que custa exatamente 100 €. John e
Margaret preparam-se para comprar uma consola para cada um, quando John se apercebe de uma
campanha que lhes permitiria, gastando exatamente o mesmo dinheiro, fazer um upgrade em duas das
consolas para uma versão mais recente. Uma vez que nenhum dos filhos ficaria mais mal servido dessa
forma, John está tentado a aceitar a campanha. Mas Margaret acha que isso é inaceitável, pois implicaria
um tratamento diferenciado para com um dos seus filhos. Qual dos dois parece ter razão? Será que
existem desigualdades aceitáveis? Porquê? Estas questões levam os alunos a refletir sobre o problema da
justiça distributiva a partir de um exemplo bastante próximo das suas vivências.

Cenários de resposta

1. Opção A: Sim, porque certas desigualdades permitem melhorar a situação de todos. Se ninguém fica pior e
alguns ficam melhor, então não parece haver nada de errado com esse tipo de desigualdades.

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Opção B: Não, porque a igualdade é em si mesma boa. Quanto mais igualitária for uma determinada
distribuição de bens, menos haverá sentimentos negativos como a inveja, a sensação de que se foi uma
vítima arbitrária das circunstâncias, de que se foi injustiçado, de que se foi prejudicado ou privado da
possibilidade de ter acesso a outro tipo de bens, etc.

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