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Crimes de Perigo - artigos 130 a 136, CP

Objetivo: capacitar o aluno para distinguir, conceituar, correlacionar, tipificar


e justificar os crimes de perigo, estabelecendo diferenças e correlações com
os crimes de dano. 2) Distinguir perigo individual (arts. 132 a 136) e perigo
comum (arts. 250 a 258).

Crime de dano e crime de perigo - conceito e distinção. DANO é a redução ou


supressão do gozo de um bem juridicamente tutelado. PERIGO implica
simplesmente a probabilidade de dano. Não há diferença ontológica entre
dolo de dano e de perigo. No primeiro caso, o agente quer provocar um dano
efetivo (previsibilidade mais vontade de atingir o resultado). No segundo, o
fim visado é criar ou aceitar as condições que impliquem a efetiva
probabilidade do dano.

Teoria Objetiva: representa o perigo como um estado de fato ou trecho da


realidade.
Teoria Subjetiva: o perigo é meramente uma criação do espírito humano.
Teoria Mista: perigo é realidade objetiva aliada a um juízo mental. O
raciocínio lógico e a experiência indicariam certas situações como
potencialmente capazes de causar dano ao bem juridicamente tutelado.

Perigo abstrato x perigo concreto. O perigo abstrato é presumido pelo


legislador, com base na experiência comum, como resultante natural de
certas ações físicas. Perigo concreto ocorre quando a situação de perigo exige
demonstração efetiva, ou seja exige que o perigo seja provado.

A doutrina considera certa intensidade do perigo para que se configure o


crime. Alguns entendem que há o crime de perigo quando existe a mera
possibilidade de dano, mas para a maioria, é necessária a probabilidade de
dano.

Perigo comum e perigo individual. Perigo comum ocorre quando o agente


coloca em risco simultaneamente um número indeterminado de pessoas ou
bens (artigos 250 a 258, Título VIII, Capítulo I). O perigo individual se dá
quando o perigo está direcionado a um indivíduo particularizado (artigos 130 a
137, Título I, Capítulo III).

Subsidiariedade: o crime de perigo é sempre subsidiário; ocorrendo dano,


este prevalece, absorvendo o perigo.

Perigo de contágio venéreo. Art. 130. “Expor alguém, por meio de relações
sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que
sabe ou deve saber que está contaminado: Pena – detenção, de 3 (três) meses
a 1 (um) ano, ou multa. § 1º. Se é intenção do agente transmitir a moléstia:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 2º.

Somente se procede mediante representação.

Conceito: Consiste em submeter alguém ao risco de contrair moléstia venérea


por meio de relação sexual, tendo consciência e vontade dirigida à produção
do resultado. Em suma, o agente não se priva da realização do ato sexual,
mesmo sabendo, ou devendo saber, ser portador de doença venérea. Assim,
ao praticá-lo, expõe o parceiro ou parceira ao risco do contágio.

Objeto jurídico: SAÚDE, isto é, o ser humano, do ponto de vista da sua


incolumidade física ou fisiológica.

O que se deve entender por “moléstia venérea?” O art. 130 configura


norma penal em branco cuja complementação deve ser buscada nos
regulamentos de saúde pública, que arrolam, dentre outras, as seguintes
doenças venéreas: sífilis, blenorragia, cancro mole ou cancro venéreo simples,
linfogranuloma inguinal ou adenite inguinal superaguda. AIDS não é moléstia
venérea, mas doença sexualmente transmissível (DST).

Sujeito ativo: homem ou mulher portador de moléstia venérea. O exercício da


prostituição não exclui o crime, porque a saúde é bem indisponível, não se
podendo cogitar de consentimento ou aceitação do risco da contaminação. A
contaminação pelo cônjuge constitui grave violação do dever matrimonial (Lei
6.515/77, art. 5º) sendo motivo justo para o divórcio.

Elemento subjetivo. A doutrina identifica há três modalidades: a) dolo


eventual: o agente sabe estar contaminado; b) culpa stricu sensu, quando o
agente não tem certeza, mas deveria saber da contaminação; c) dolo direto
de dano ele conhece a contaminação e efetivamente quer transmitir a
doença. Em qualquer dessas espécies, fica claro que a ignorância da moléstia
exclui o dolo.[1]

Tipo objetivo: a ação física se realiza mediante conjunção carnal ou qualquer


dos sucedâneos da cópula normal (felação ou fellatio in ore), coito
cunnilingus, pennilingus, annilingus, coito anal e coito inter femora).

Perguntas importantes:
É imprescindível contato físico direto entre os sujeitos? O beijo pode
transmitir moléstia venérea? A conduta exige contato corporal direto entre os
sujeitos do delito. Se a amante contagia o marido e este a mulher, a primeira
responderá pelo contágio do segundo, e este pelo da terceira. Ocorrendo
contágio por meio diverso do constato sexual, incide o do art. 131. O beijo
voluptuoso pode servir de meio à transmissão de algumas doenças venéreas,
tais como a sífilis.

Havendo efetiva transmissão da doença há crime de dano?


Resultando efetiva transmissão da moléstia venérea, tem-se a lesão corporal
dolosa (Noronha); Para Damásio e Celso Delmanto há exaurimento do delito;
Custódio da Silveira opta por lesão corporal dolosa ou culposa, conforme o
animus do agente; Heleno Cláudio Fragoso afirma que se há apenas dolo de
perigo e a moléstia é transmitida, o agente responde por simples culpa.

[
Consumação e tentativa. A consumação ocorre com a conjunção carnal ou a
prática libidinosa, sendo desnecessário efetivo contágio. Admite-se tentativa
na modalidade dolosa, mais facilmente detectável na forma do § 1º (dolo
direto de dano).

Ação penal. Somente se procede mediante representação da vítima (§ 2º).


Trata-se de ação pública condicionada, pois depende necessariamente a
manifestaçao expressa da vítima ou de quem a represente como condição de
procedibilidade.

Perigo de contágio de moléstia grave

Art. 131: “Praticar, com o fim de transmitir moléstia grave de que está
contaminado, ato capaz de produzir contágio: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4
(quatro) anos, e multa”.

Conceito, ação física e elemento subjetivo. Distingue-se esta conduta do


tipo anterior porque só admite modalidade dolosa, devendo necessariamente
estar presente o dolo específico de contagiar (dolo de dano). Portanto, é, de
fato, crime de dano e não de perigo. Abrange moléstias venéreas, quando
transmitidas por outro meio fora o contato sexual direto, e outras
enfermidades graves e contagiosas, tais como tuberculose, tifo, dengue,
hanseníase, sarampo, febre amarela, hepatite, entre outras. A tipicidade
configura outra hipótese de norma penal em branco, pois sua descrição exige
a complementação por normas de saúde pública. O regulamento editado pelo
Ministério da Saúde é que irá definir quais são as doenças venéreas, as
doenças graves e ao doenças contagiosas, que exigem a notificação
obrigatória do médico às secretarias estaduais de saúde. A transmissão pode
ocorrer de forma direta (aperto de mão, beijo, aleitamento, etc.) ou indireta
(por meio de utensílios, roupas, vasilhames, instrumentos, objetos, etc.).
Nesse ponto, difere do art. 130, que só se configura com o contato direto. Se
culposa a transmissão, há lesão ou homicídio culposo, conforme o caso.

Perigo genérico ou perigo à vida ou a saúde de outrem.


“Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime
mais grave”.

Conceito. Forma genérica dos delitos do Capítulo IV, do Código Penal, que
inclui todas as formas de perigo para a vida ou a saúde não enquadráveis em
algum dos tipos precedentes. É delito eminentemente subsidiário, ou de
subsidiariedade expressa. denotada pela redação da norma: “se o fato não
constitui crime mais grave”.

Objeto jurídico. Vida e saúde da pessoa humana.

Sujeitos do delito. Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo.

Ação física. Trata-se de crime de ação livre, comissiva ou omissiva, no qual a


criação do perigo pode ser proveniente de qualquer ação que coloque em
risco a incolumidade física de alguém. O perigo é concreto, exigindo efetiva
demonstração em cada caso concretamente apurável.

Elemento subjetivo. Dolo de perigo, direito ou eventual, que exigem seja


consciência e vontade de expor alguém a perigo ou simplesmente assumindo o
risco proveniente do evento perigoso.

Causa de aumento de pena. O parágrafo único, introduzido pela Lei 9.777,


de 29.12.98, acrescentou uma forma de agravação da pena cominada ao
delito prevendo aumento da pena em um terço se a exposição a perigo
decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em desacordo
com as normas legais. Na verdade, a inspiração original do legislador era
justamente conferir proteção aos retirantes da seca nordestina e aos bóias-
frias, que eram costumeiramente contratados em suas regiões de origem e
levados nos caminhões conhecidos como “pau-de-arara” para a “cidade
grande” ou para realizarem a colheita em fazendas.
Mais recentemente, com o problema crônico do transporte de trabalhadores
realizado em condições precárias de segurança, que não raro provocam
tragédias de grandes proporções, houve por bem o legislador revigorar a
norma, introduzindo uma causa especial de aumento de pena quando se
caracteriza o transporte perigoso de pessoas realizado em desacordo com as
normas legais previstas no Código de Trânsito Brasileiro.

Conflito aparente de normas.


Disparo de arma de fogo, art. 10, § 3º, Inciso III: "Disparar arma de fogo ou
acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou
em direção a ela, desde que o fato não constitua crime mais grave. Pena: um
a dois anos de detenção e multa.

Crimes de perigo no trânsito. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97)


criou vários tipos de perigo:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com


concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que
determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição
de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de


corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela
autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade
pública ou privada:
Penas - detenção, de seis meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição
de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão
para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando
perigo de dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a
pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir
suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou
por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Art. 311. Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas


proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de
passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou
concentração de pessoas, gerando perigo de dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Abandono de incapaz. “Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado,
guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de
defender-se dos riscos resultantes do abandono”. Pena: detenção, de seis
meses a três anos”.

Objeto jurídico. Especial proteção aos menores, anciãos, incapazes e todas as


pessoas com menores possibilidades de se defender sozinhas dos perigos
inerenes à vida social.

Sujeito ativo: todo aquele que tem o dever de zelar pela vítima. É, portanto,
crime próprio, porque exige essa qualidade especial do agente, que é a
relação de dependência com a vitima e o garante ou garantidor.
Esse dever de garantia pode ser decorrente de vários atores:
1) lei, quando cria obrigações impostas a determina relação jurídica, tais
como ocorre nas relações de parentesco, na tutela ou curatela de incapazes,
e outras;
2) do contrato ou convenção, decorre de uma obrigação contratual assumida
por certas especiais como obrigações específicas: enfermeiros, médicos,
babás, diretores de colégio, guias de excursão, e outras;
3) qualquer fato, lícito ou ilícito, capaz de gerar a dependência. Consistem
em obrigação de cuida decorrente das situações normais da vida social, como
o ato de recolher criança abandonada ou se perdeu dos pais, a condução de
um incapaz em viagem, a carona dada a um desconhecido, convite a um
amigo para caçada, pescaria ou para acampar em lugares perigosos ou
simplesmente desconhecidos, e outras situações assemelhadas.

O que se deve entender por cuidado, guarda, vigilância ou autoridade?


Nelson Hungria afirmou o seguinte: “cuidado significa assistência a pessoas
que, de regra, são capazes de valer a si mesmas, mas que, acidentalmente,
venham a perder essa capacidade (Ex. o marido é obrigado a cuidar da esposa
enferma e vice-versa). Guarda é a assistência a pessoas que não prescindem
dela, e compreende, necessariamente, a vigilância. Essa pode ser alheia (ex.
guia alpino vigia a segurança de seus companheiros de ascensão, mas não os
tem sob sua guarda). Finalmente, a assistência decorrente da relação de
autoridade é a inerente ao vínculo de poder de uma pessoa sob a outra, quer
a potestas, seja de direito público, quer de direito privado”.
Sujeito passivo: pessoa incapacitada para enfrentar sozinha os riscos do
abandono; quem não tem condições físicas ou psíquicas de cuidar de si. Não
se trata de incapacidade civil, mas aquela decorrente da menoridade ou de
outras circunstâncias que inabilitem a vítima, total ou parcialmente,
temporária ou permanentemente, para defender-se, sozinha, do estado de
abandono, tais como menores, doentes físicos e mentais, velhos, ébrios, entre
outros. Eventual consentimento da vítima não exclui antijuridicidade ou
culpabilidade, pois a vida e a saúde são indisponíveis.

Tipo objetivo. abandonar significa descuidar, largar, desassistir. Geralmente,


é conduta omissiva (deixar de prestar cuidados indispensáveis), mas admite
forma comissiva, como ocorre se a vítima é levada para local determinado
para então ser colocada em situação de risco. É crime de perigo concreto.

Tipo subjetivo. Dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de abandonar a


vítima, ciente dos riscos desse abandono e de que é responsável pela sua
segurança da vítima. Portanto, não há tipicidade se o agente ficar à distância,
espreitando o abandonado e zelando para que o perigo não acarrete
probabilidade de dano. Caso deseje a morte ou lesão, haverá homicídio
tentado, lesões corporais ou, eventualmente, infanticídio.

Formas qualificadas (pelo resultado - Preterdolo): se resulta lesão corporal


grave ou morte (§§ 1º e 2º). Presente o dolo de dano, configura-se a lesão
corporal grave ou o homicídio. A pena é aumentada em um terço se o
abandono ocorrer em local ermo ou é praticado contra ascendente,
descendente, cônjuge, irmão, tutelado ou curatelado (§ 3º, Incisos I e II).

Conflito aparente de normas. 1) há omissão de socorro (art. 135) quando


inexistir relação de dependência; 2) há abandono de recém-nascido (art. 134)
se o motivo da conduta for ocultar desonra própria; 3) cogita-se de homicídio
ou lesões corporais, consumados ou tentados, se estiverem presentes o
animus necandi ou nocendi; 4) Distingue-se, ainda, do crime de abandono
material, (art. 244), porque, neste tipo, não se exige perigo para a vida ou a
saúde da vítima, havendo apenas o descumprimento de um dever legal de
prover o seu sustento.

Exposição ou abandono de recém-nascido


“art. 134. Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria.
Pena – detenção, de seis meses a dois anos.

Conceito. Constitui forma privilegiada em relação ao tipo do art. 133, pois,


aqui, o sujeito ativo é a própria mãe, que age impelida pela necessidade de
resguardar sua própria honradez, ocultando o nascimento de uma criança
capaz de lhe proporcionar grave constrangimento no seu meio social, seja
qual for a causa (gravidez extramonial, adulterina ou incestuosa, por
exemplo).

Objetividade jurídica. A incolumidade pessoal e segurança do recém-nascido.

Sujeito Ativo. Trata-se de crime próprio, pois só quem é mãe pode cometê-lo
ou, excepcionalmente, o pai (no caso de filho adulterino ou incestuoso),
posição que é bastante controvertida. Contra ela se levantam, por exemplo,
Euclides Custódio da Silveira, Celso Delmanto, Cezar Bitencourt. São a favor
Magalhães Noronha, Mirabete e Damásio de Jesus.

Pergunta inquietante: a prostituta pode ser sujeito ativo do crime de


abandono de recém-nascido? NÃO, porque, pela sua qualidade, o nascimento
de um filho não acarreta qualquer constrangimento; não tendo, assim, caráter
desonroso.

Sujeito Passivo. O recém nascido, havendo controvérsia quanto ao limite de


tempo para o fim de considerar recém-nascido. Afirma Hungria: “o limite de
tempo da noção de recém nascido é o momento em que a délivrance se torna
conhecida de outrem, fora do círculo da família”. Magalhães Noronha opina
com a expressão ”poucos dias”. Flamínio Fávero considera até sete dias;
Fragoso, trinta dias; Mirabete e Damásio, até a queda do cordão umbilical.

Tipo objetivo. Expor significa remover a vítima para local diverso daquele
onde é assistido (Damásio); abandonar é omitir-se na prestação de assistência.
Alguns entendem, como Delmanto, que se tratam de expressões sinônimas.
Para Magalhães Noronha é redundância. Mirabete, mais pragmático, afirma
que o legislador procurou apenas evitar dúvidas. Trata-se de crime de perigo
concreto, exigindo demonstração de que a vítima ficou exposta a um perigo
plausível, capaz de comprometer a saúde ou a vida, por lapso de tempo
considerável.

Formas qualificadas. São as formas preterdolosas, nas quais decorre a morte


ou lesão grave do recém-nascido(§§ 1º e 2º).

Tipo subjetivo: Vontade de expor ou abandonar recém-nascido, ciente da


obrigação de garante e do perigo à sobrevivência da vítima. É dolo direto e
específico, onde o fim especial de agir, que configura o chamado elemento
normativo da conduta, e a ocultação da desonra própria. No concurso de
terceiro, há co-autoria ou participação, pois as circunstâncias elementares do
tipo são comunicáveis.

Consumação e tentativa. A consumação ocorre no momento do abandono, ou


seja, quando a vítima fica efetivamente exposta ao perigo. É crime
instantâneo, que só admite tentativa na forma comissiva.

Conflito aparente de normas. Homicídio e infanticídio: o primeiro exige o


dolo de dano enquanto no abandono o dolo é de perigo. Inexistindo o
elemento subjetivo do injusto (ocultação da desonra própria), não havendo
relação de parentes (pai/mãe) ou não sendo recém-nascido, ocorre o
abandono de incapaz. Também não se confunde com crimes contra a
assistência familiar (art. 244 e 247), onde o abandono é moral, e não físico.

Omissão de socorro
“Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco
pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida,
ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos,
socorro à autoridade competente. Pena – detenção, de um a seis meses, ou
multa”.

Conceito. Trata-se da obrigação moral de amparo e proteção aos mais fracos


erigida à condição de dever legal. Na tipificação, estão previstas duas
condutas: deixar de prestar assistência e não pedir, nesses casos, o socorro da
autoridade pública.

Objetividade Jurídica. Vida e incolumidade física do indivíduo, mediante a


tutela da sua segurança.

Sujeito ativo. Qualquer pessoa, existindo ou não vínculo jurídico anterior


entre os sujeitos. Se há essa vinculação, configura-se um dos tipos anteriores.
Normalmente, há proximidade entre autor e vítima, mas pode ocorrer a
omissão se o agente estiver distante da vítima (médico que toma
conhecimento de pessoa ferida, necessitando de cuidados, mas não presta
assistência). O autor não pode ser responsável pela situação de perigo. Não
comete o crime quem fere alguém, seja culposamente ou com animus
necandi ou laedendi, deixando-o privado de socorro. No caso, responderá por
lesão corporal ou homicídio, doloso ou culposo (aqui, a omissão qualifica o
delito art. 121, § 4º e 129, § 7º).

Sujeito passivo. a) criança abandonada ou extraviada: é a vítima das figuras


precedentes ou a criança que se perdeu dos pais ou responsáveis; b) pessoa
inválida: quem por motivo de doença, deficiência, senilidade, embriaguez,
etc., não tem forças para conjurar o perigo. c) pessoa ferida: alguém
lesionado, física ou psiquicamente, mesmo sem gravidade. A vítima deve estar
desamparada, incapacitada para valer-se a si mesma, necessitando de auxílio,
sendo irrelevante seu consentimento.

Tipo objetivo. É crime omissivo puro, realizável por duas condutas: 1) deixar
de prestar assistência, quando seja possível fazê-lo sem risco pessoal. O dever
de assistência é limitado pela possibilidade e capacidade do sujeito ativo,
apuráveis caso a caso; 2) não pedir socorro à autoridade pública. O agente
não escolhe entre prestar socorro ou pedir auxílio: essas condutas são ditadas
pelas circunstâncias. O pedido de socorro (ao delegado de polícia, pronto-
socorro, corpo de bombeiros, etc.) só é admitido quando o agente, por si
próprio, não tem condições de prestar socorro, por estar acima de sua
capacidade. Não se exige ao sujeito arriscar sua vida ou integridade pessoal,
podendo eventualmente configurar-se o estado de necessidade. É comum, nos
delitos automobilísticos, alegar temor de linchamento como justificativa da
omissão. Isso deve ser demonstrado e provado em cada caso. Se várias pessoas
estiverem em condições socorrer, a ação de uma desobriga as demais.

Elemento subjetivo. Dolo de perigo, direto ou eventual. Está implícito o


elemento subjetivo do tipo, que aé a intenção de se omitir, tendo consciência
do perigo a que fica exposto o sujeito passivo em razão dessa omissão.

Consumação e tentativa. O crime se consuma no momento em que o agente


deixou de agir quando devia, diante da situação de perigo para a vítima e das
condições que permitiriam o socorro sem risco pessoal. A consumação é
instantânea. O retorno do agente ao local, prestando o socorro exigido pela
situação de perigo não elide a tipicidade. Sendo crime omissivo puro, não
cabe tentativa.

Formas qualificadas. Dispõe o parágrafo único: “a pena é aumentada de


metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada,
se resulta morte”.Para que a pena seja agravada, é necessário demonstrar
que o resultado não ocorreria e o agente tivesse prestado o socorro.
Evidenciado que tal resultado ocorreria independentemente da diligência
empregada pelo autor, não se aplica a qualificadora. É bastante discutida a
omissão quando a vítima falece instantaneamente após um atropelamento.

Conflito aparente. Havendo dever jurídico do agente em cuidar da vítima,


poderá ocorrer outro crime, como o homicídio, as lesões corporais culposas, o
abandono de incapaz, etc.

Maus tratos. “Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua
autoridade, guarda ou vigilância, para o fim de educação, ensino tratamento
ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer
sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de
correção ou disciplina: Pena – detenção, de 02 (dois) meses a 1 (um) ano, ou
multa. § 1º. Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena –
reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. § 2º. Se resulta morte: Pena – reclusão,
de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. §3º. Aumenta-se a pena de um terço, se o
crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos.”

Conceito. Trata-se de delito de ação múltipla, pois há várias maneiras de


cometê-lo: privação de alimentos ou de cuidados, sujeição a trabalho
excessivo ou abuso dos meios de correção e disciplina. Algumas dessas formas
não prescindem de habitualidade para sua configuração.

Objetividade Jurídica. Tal como nos artigos precedentes, tutela-se a


incolumidade física da pessoa humana (vida e saúde), que não deve ficar
exposta a perigo. O ECA criou duas figuras penais muito parecidas, além de
criar a figura qualificada do § 3º. (arts. 232 e 233, da Lei 8.069 –ECA).

Sujeito Ativo. Trata-se de crime próprio, que só pode ser cometido por parte
de quem tenha autoridade, guarda ou vigilância sobre a vítima. É mister a
existência de prévia relação jurídica de natureza subordinante entre agente e
vítima, podendo essa relação ser natureza civil ou administrativa. Exs. Pais,
tutores, curadores, professores, patrões enfermeiras, carcereiros, etc. Essa
subordinação deve estar ligada a atividades educativas, tratamento ou
custódia.

Sujeito Passivo. Quem está sob autoridade, guarda ou vigilância do autor:


filhos, pupilos ou curatelados, discípulos, empregados, enfermos, presos, etc.
A mulher não pode ser vítima desse crime, uma vez que esta sempre estará
subordinada ao agente, para fins de educação (atividade docente para
aperfeiçoar a capacidade individual), ensino (no sentido restrito do termo, ou
seja, educação básica), tratamento (cuidados médicos ou responsabilidade
pela subsistência da vítima) ou custódia (detenção física da vítima, autorizada
na lei).

Tipo objetivo. Crime de ação múltipla, admitindo várias formas de


cometimento. Maus tratos são condutas que expõem a vida e a saúde da
vítima através de uma das formas previstas no tipo, a saber:
a) privação de alimentos ou cuidados indispensáveis. Exige reiteração de
conduta;
b) sujeição à trabalho excessivo ou inadequado;
c) abuso dos meios de correção ou disciplina

Tipo Subjetivo. Exclusivamente doloso, exige a vontade deliberada e


consciente de praticar qualquer uma das ações descritas no tipo. Não há
vontade de lesionar, mas apenas o dolo de perigo, consubstanciado na
consciência do agente de estar expondo sua vítima à probabilidade concreta
de um dano físico ou psicológico.

Consumação e Tentativa. Consuma-se o crime quando presente a situação de


perigo. Trata-se de perigo concreto, que deve ser aferido em cada caso.
Algumas modalidades exigem reiteração de conduta; outras, basta uma só
ação para configurar o crime. Admite-se a tentativa nas formas comissivas.

Excludente de criminalidade. Estado de necessidade: a jurisprudência tem


admitido a exclusão de crime quando os pais humildes necessitam trabalhar,
deixando filhos amarrados ou presos dentro de casa.

Formas Qualificadas: §§ 1º e 2º.

Causa especial de aumento de pena: § 3º.

. CRIMES DE DANO E DE PERIGO


“Crimes de dano são os que só se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico. Crimes de perigo são os que
se consumam tão só com a possibilidade do dano”. (Damásio de Jesus)
Damásio distingue os diversos tipos de perigo. Segundo ele, o perigo pode ser:
a-) presumido (Não precisa ser provado) ou concreto (necessita ser investigado e comprovado)
b-) individual (expõe uma única pessoa ao risco) ou coletivo (crimes contra incolumidade pública)
c-) atual (está ocorrendo), iminente (está prestes a desencadear-se) ou futuro (pode advir em ocasião posterior)
Mirabete conceitua também estes dois tipos de crime. Os crimes de dano “só se consumam com a efetiva lesão
do bem jurídico visado, por exemplo, lesão à vida. Nos crimes de perigo, o delito consuma-se com o simples
perigo criado para o bem jurídico”.
Segundo Magalhães Noronha, “crimes de perigo são os que se contentam com a probabilidade de dano. Crimes
de dano são os que só se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico tutelado”.
Nos crimes de perigo, o delito consuma-se com o simples perigo criado para o bem
jurídico. O perigo pode ser individual, quando expõe ao risco o interesse de uma só ou
de um número determinado de pessoas (arts.130,132, etc.), ou coletivo (comum),
quando ficam expostos ao risco os interesses jurídicos de um número indeterminado de
pessoas, tais como nos crimes de perigo comum (arts. 250, 251, 254, etc.); atual, que
está ocorrendo, iminente, que está prestes a desencadear-se ou futuro, pode advir em
ocasião posterior.

Às vezes, a lei exige o perigo concreto, que deve ser comprovado (arts. 130, 134, etc.);
outras vezes refere-se ao perigo abstrato, presumido pela norma que se contenta com a
prática do fato e pressupõe ser ele perigoso (arts. 135, 253, 269, etc.).

Segundo Magalhães Noronha, “Crimes de perigo são os que se contentam com a


probabilidade de dano. Crimes de dano são os que só se consumam com a efetiva lesão
do bem jurídico tutelado.”

Artigos do Código Penal brasileiro:

 130- Perigo de contágio venéreo


 132- Perigo para a vida ou saúde de outrem
 134- Exposição ou abandono de recém-nascido
 135- Omissão de socorro
 250- Incêndio
 251- Explosão
 253- Fabrico, fornecimento, aquisição posse ou transporte de explosivos ou gás
tóxico, ou asfixiante
 254- Inundação
 269- Omissão de notificação de doença

Crime de dano

Crime de dano é aquele que não se consuma apenas com o perigo, é necessário que
ocorra uma efetiva destruição, a um bem jurídico penalmente protegido.

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