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DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE

DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE


O Código Penal trata nesse capítulo, que compreende os arts. 130 a 136, dos

crimes de perigo. Contrariamente ao que fez nos artigos anteriores (arts. 121 a 129 –

crimes de dano), não se exige para a consumação do delito a efetiva lesão ao bem

jurídico penalmente tutelado. Prescinde-se do dano. É suficiente a exposição do bem

jurídico a uma probabilidade de dano.

Crimes de perigo, por sua vez, são os que se consumam com a mera exposição

do bem jurídico penalmente tutelado a uma situação de perigo, ou seja, basta a

probabilidade de dano. Subdividem-se em:


 crimes de perigo abstrato, presumido ou de simples desobediência: são os que se consumam,

automaticamente, com a mera prática da conduta. Não se exige a comprovação da produção

da situação de perigo. Ao contrário, há presunção absoluta (iuris et de iure) de que

determinadas condutas acarretam perigo a bens jurídicos.

 crimes de perigo concreto: são aqueles que se consumam com a efetiva comprovação, no caso

concreto, da ocorrência da situação de perigo

 crimes de perigo individual: são os que atingem uma pessoa determinada ou então um número

determinado de pessoas.

 crimes de perigo comum ou coletivo: são os que alcançam um número indeterminado de

pessoas;

 crimes de perigo atual: são aqueles em que o perigo está ocorrendo;

 crimes de perigo iminente: são aqueles em que o perigo está na iminência de ocorrer.

 crimes de perigo futuro ou mediato: são os delitos em que a situação de perigo decorrente da

conduta se projeta para o futuro.


PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO
Objetividade jurídica - O bem jurídico protegido é a incolumidade física da pessoa em
sentido amplo, compreendendo sua vida e sua saúde.
Objeto material - É a pessoa que pratica relação sexual ou qualquer ato libidinoso com
o sujeito contaminado pela doença venérea.
Núcleo do tipo - O núcleo do tipo é “expor”, que nesse crime significa colocar alguém
ao alcance de determinada situação de perigo (contaminação) mediante a prática
de relações sexuais ou qualquer outro ato libidinoso capaz de contagiá-lo com a
moléstia venérea. É incompatível com a omissão.
Sujeito ativo - O perigo de contágio venéreo é crime próprio ou especial. Reclama do
sujeito ativo uma situação fática diferenciada, qual seja estar infectado pela
moléstia venérea. É também crime de mão própria, de atuação pessoal ou de
conduta infungível, pois sua autoria não pode ser delegada a qualquer outra
pessoa. É incompatível com a coautoria, embora admita a participação.
Sujeito passivo - Qualquer pessoa.
Elemento subjetivo – No caput é o dolo de perigo abstrato ou concreto, isto é, a
vontade de praticar a relação sexual ou qualquer outro ato libidinoso capaz de
transmitir a moléstia venérea. Esse dolo de perigo pode ser direto, quando o
agente sabe que está contaminado, ou eventual, quando deve saber que possui a
doença.
Na figura qualificada (§ 1.º) o legislador previu um crime de
perigo com dolo de dano, uma vez que o sujeito tem a intenção de transmitir a
moléstia de que está contaminado. O crime é de perigo, porque é dispensável a
efetiva transmissão da doença. E também formal, porque o agente queria
contaminar a vítima, mas o delito estará consumado com a simples prática da
relação sexual ou do ato libidinoso. Daí falar em crime formal com dolo de dano.
Consumação - Na modalidade prevista no caput, o crime se consuma com a prática da
relação sexual ou do ato libidinoso, independentemente da contaminação da
vítima. E, ainda que ocorra o contágio, ao sujeito será imputado unicamente o
crime tipificado pelo art. 130, caput, do Código Penal, pois não tinha a intenção de
transmitir a moléstia venérea. De fato, o crime de lesão corporal culposa pelo qual
o agente poderia em tese responder fica absorvido, por se tratar de crime de dano
com pena máxima em abstrato inferior à cominada ao crime de perigo. Trata-se,
assim, de simples exaurimento, indiferente no plano da tipicidade, mas que deve
ser sopesado na dosimetria da pena-base.
De igual modo, na figura qualificada definida pelo § 1.º o crime também
se consuma com a prática da relação sexual ou do ato libidinoso. Mas, se a vítima
for contaminada pela moléstia venérea, quatro situações distintas podem ocorrer,
dependendo das consequências da conduta criminosa:
Se resultar lesão corporal o sujeito responderá apenas pelo crime de perigo, por ser sua
leve pena superior em abstrato à reprimenda prevista no art. 129,
caput, do Código Penal;
Se resultar lesão corporal porque o sujeito desejava abalar a saúde da vítima, ao agente
grave ou gravíssima será imputado o crime tipificado pelo art. 129, § 1.º ou § 2.º
(dependendo do caso), do Código Penal, que absorve o crime de
perigo;
Se resultar lesão corporal uma vez que o agente tinha a intenção de transmitir a moléstia
seguida de morte venérea, conseguiu fazê-lo e daí resultou culposamente a morte
da vítima, responderá pelo crime definido pelo art. 129, § 3.º, do
Código Penal, que absorve o crime de perigo;
Se resultar a morte da pois o sujeito queria e conseguiu transmitir a moléstia venérea,
vítima (com dolo direto ou com o que desejou ou assumiu o risco de matar a vítima, seja em
eventual) razão da sua saúde precária, seja em razão da natureza da
doença, o sujeito responderá por homicídio doloso, simples ou
qualificado.
Tentativa – É cabível.
Concurso de crimes - O perigo de contágio venéreo simples (CP, art. 130, caput) pode
ser praticado em concurso formal com outros delitos, notadamente os crimes
contra a liberdade sexual.
Ação penal - É pública condicionada à representação.
Classificação doutrinária - Cuida-se de crime próprio e de mão própria (o agente deve
ostentar uma situação fática diferenciada, ou seja, estar contaminado pela moléstia
venérea, e o crime somente pode ser por ele praticado); simples; de perigo
abstrato ou concreto (caput) ou de perigo com dolo de dano (§ 1.º); comissivo (e
incompatível com a omissão); de forma vinculada; formal; unilateral, unissubjetivo
ou de concurso eventual; em regra plurissubsistente; e instantâneo.
PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE
Objetividade jurídica - Tutelam-se a vida e a saúde do ser humano.

Objeto material - É a pessoa submetida à conduta apta a produzir o contágio de


moléstia grave.

Núcleo do tipo - O núcleo do tipo é “praticar”. Trata-se de crime de forma livre.


Admite qualquer meio de execução dotado de capacidade para transmitir a
moléstia grave, que pode ser direto, relativo ao contato físico, ou indireto,
referente ao uso de objetos em geral. Em regra esse crime é comissivo.
Moléstia grave é qualquer enfermidade que acarreta séria perturbação da saúde. É
irrelevante seja incurável ou não, mas precisa ser transmissível, é dizer, contagiosa. A
moléstia venérea, se grave, pode enquadrar-se no crime em análise, desde que o
perigo de contágio não ocorra em razão de relação sexual ou de ato libidinoso, pois em
tal hipótese incide o delito previsto no art. 130 do Código Penal.
Sujeito ativo - O perigo de contágio de moléstia grave é crime próprio, pois reclama
uma situação fática diferenciada por parte do sujeito ativo. Deve ser pessoa
contaminada pela moléstia grave.
Sujeito passivo - Qualquer pessoa, inclusive a portadora de moléstia grave, pois a
eventual transmissão de outra enfermidade tem o condão de debilitar ainda mais sua
saúde e expor a perigo novamente sua vida.
Elemento subjetivo - É o dolo direto de expor a vítima ao perigo de contágio da
moléstia grave. Além disso, reclama-se também um especial fim de agir pelo sujeito,
representado pela expressão “com o fim de transmitir”. Não basta praticar o ato capaz
de produzir o contágio. É necessário que o faça com o propósito de transmitir a
moléstia grave. Exclui-se, portanto, o dolo eventual. Não se admite a figura culposa,
por ausência de previsão legal nesse sentido. Mas, se culposamente o sujeito
transmitir a moléstia grave, a ele deve ser imputado o crime de lesão corporal culposa.
Consumação - O crime é formal. Consuma-se no momento da prática do ato capaz de
produzir o contágio, independentemente da efetiva transmissão. Cuida-se de crime de
perigo com dolo de dano ou crime de dano. O sujeito quer produzir lesões corporais
na vítima, mas o delito é de perigo porque para sua consumação basta a exposição da
saúde da vítima à probabilidade de dano.
Todavia, se efetivar-se a transmissão da moléstia grave, quatro
situações podem ocorrer:
Se resultar lesão corporal esse crime será absorvido pelo crime de perigo de contágio de
leve moléstia grave, por se tratar de mero exaurimento, e, além disso,
trata-se de crime de dano com pena inferior à do crime de perigo;

Se resultar lesão corporal o agente responde somente por esse crime (CP, 129, § 1.º ou
grave ou gravíssima §2.º); crime de dano mais grave do que o crime de perigo;

Se resultar lesão corporal estará configurado o crime de lesão corporal seguida de morte
seguida de morte (CP, art. 129, § 3.º);

Se resultar a morte da em decorrência da gravidade da moléstia pela qual foi


vítima (com dolo direto ou contaminada, ao agente deve ser imputado o crime de homicídio
eventual) doloso. Nessa hipótese, será possível a tentativa, pois o agente
quis ou assumiu o risco de matar o ofendido.
Tentativa – É possível, quando plurissubsistente.
Concurso de crimes - Se em decorrência da contaminação pela moléstia grave é
também provocada epidemia, o sujeito responde pelos crimes dos artigos. 131 e
267 do Código Penal, em concurso formal.
Ação penal - É pública incondicionada.
Classificação doutrinária - Cuida-se de crime formal; de forma livre; próprio (o sujeito
ativo deve estar contaminado pela moléstia grave); comissivo, e,
excepcionalmente, omissivo impróprio ou comissivo por omissão (quando presente
o dever de agir); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (praticado por
uma única pessoa, mas admite o concurso); instantâneo; unissubsistente ou
plurissubsistente; É uma figura mista, podendo ser tanto um delito de perigo com
dolo de dano ou crime de dano.
A questão da AIDS - A AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), doença fatal e
incurável, não é moléstia venérea, uma vez que pode ser transmitida por formas
diversas da relação sexual e dos atos libidinosos. Se um portador do vírus HIV ,
consciente da letalidade da moléstia, efetua intencionalmente com terceira pessoa
ato libidinoso que transmite a doença, matando-a, responde por homicídio doloso
consumado. E, se a vítima não falecer, a ele deve ser imputado o crime de
homicídio tentado.
Para o STF, contudo, não comete homicídio (consumado ou
tentado) o sujeito que, tendo ciência da doença (AIDS) e, deliberadamente, oculta-
a de seus parceiros, mantém relações sexuais sem preservativo. A Corte, todavia,
limita-se a afastar o crime doloso contra a vida, sem concluir acerca da tipicidade
do delito efetivamente cometido (homicídio consumado ou tentado, perigo de
contágio de moléstia grave ou lesão corporal gravíssima pela enfermidade
incurável).
PERIGO PARA A VIDA OU SAÚDE DE OUTREM
Objetividade jurídica - O tipo penal protege a vida e a saúde da pessoa humana.
Objeto material - É a pessoa que tem sua vida ou sua saúde exposta a perigo direto e
iminente.
Núcleo do tipo O núcleo do tipo é expor. E “expor alguém a perigo” significa submeter
uma pessoa à situação em que um dano à sua saúde é de provável ocorrência. O delito
é de, ação livre.
 Normalmente é cometido por ação, mas também é admissível a modalidade
omissiva (garantidor).
 Cuida-se de crime de perigo concreto, pois não basta a prática da conduta ilícita. É
necessário ficar provado que em razão do comportamento do agente a vítima teve
sua vida ou sua saúde submetida a risco de lesão.
 O art. 132 do Código Penal reclama ainda seja o perigo direto e iminente. Perigo
direto é o que alcança pessoa ou pessoas certas e determinadas. Por sua vez,
perigo iminente é o capaz de danificar imediatamente a vida ou a saúde do
ofendido.
Sujeito ativo - Qualquer pessoa.
Sujeito passivo - Qualquer pessoa, desde que certa e determinada,
independentemente de qualquer ligação com o autor.
Elemento subjetivo - É o dolo de perigo, direto ou eventual. Se a intenção do agente
era provocar um mal determinado (dolo de dano), o crime será de tentativa de lesão
corporal ou de tentativa de homicídio, conforme o caso. O consentimento do ofendido
é irrelevante, em face da indisponibilidade do bem jurídico penalmente tutelado. Não
se admite a modalidade culposa.
Consumação - Dá-se no instante em que ocorre a produção do perigo concreto para a
vítima.
Tentativa - É possível, somente na modalidade comissiva.
Subsidiariedade expressa - A leitura da pena revela nitidamente a previsão de uma
hipótese de subsidiariedade expressa, pois consta que ao sujeito somente será
imputado esse delito “se o fato não constitui crime mais grave”.
Causa de aumento de pena - Trata-se de causa de aumento de pena inerente à
segurança viária, ou seja, um crime de trânsito localizado no Código Penal.
Ação penal- Pública incondicionada.

Classificação doutrinária- Trata-se de crime de perigo concreto (exige prova da efetiva


ocorrência do perigo); comum; de forma livre; doloso; simples; instantâneo;
unissubsistente ou plurissubsistente; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual;
comissivo ou omissivo; e expressamente subsidiário.
ABANDONO DE INCAPAZ
Objetividade jurídica - Tutelam-se a vida, a saúde e a segurança da pessoa humana.
Objeto material - É a pessoa incapaz de defender-se dos riscos resultantes do
abandono.
Núcleo do tipo - O núcleo do tipo é “abandonar”, que traz a ideia de desamparar,
descuidar.
 O abandono é físico, no sentido de deixar o incapaz sozinho, sem a devida
assistência.
 Trata-se de crime de forma livre. Pode ser praticado por ação e também por
omissão;
 O abandono deve ser real: depende de separação física, distanciamento entre o
responsável e o incapaz.
 Em qualquer caso (ação ou omissão), há de ser provado o perigo efetivo para a
vítima em decorrência da conduta criminosa. O crime é de perigo concreto.
Sujeito ativo - É somente a pessoa que tem o dever de zelar pela vida, pela saúde ou
pela segurança da vítima. Cuida-se de crime próprio, pois apenas pode ser praticado
por aquele que tem o incapaz sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade.
 Cuidado é a assistência eventual ( enfermos).
 Guarda é a assistência duradoura ( crianças).

 Vigilância é a assistência acauteladora. Envolve pessoas normalmente capazes,


mas que não podem se defender em razão de situações excepcionais (turistas).
 Autoridade é a relação de superioridade, de direito público ou de direito privado,
para emitir ordens em face de outra pessoa.

Na ausência dessa especial vinculação com a vítima, o autor pode responder


pelo crime de omissão de socorro (CP, art. 135)
Sujeito passivo - É o incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono e que
estava sob a guarda, cuidado, vigilância ou autoridade do sujeito ativo. Essa
incapacidade não se confunde com a incapacidade civil. Não é a incapacidade jurídica,
mas sim a de natureza real. É incapaz qualquer pessoa, ainda que maior de idade e
com a saúde física ou mental em ordem, que na situação concreta não possa se
defender. A incapacidade pode ser:
 corporal (exemplo: choque anafilático);

 mental (amnésia);
 permanente (exemplo: debilidade psíquica) ou;

 transitória (exemplo: pessoa acidentada ou embriagada).

Elemento subjetivo - É o dolo de perigo, direto ou eventual. Não se exige nenhuma


finalidade específica. Basta praticar a conduta capaz de colocar o incapaz em situação
de perigo. Não se admite a modalidade culposa.
Consumação - No momento do abandono, desde que resulte perigo concreto. O crime
é instantâneo de efeitos permanentes, pois se consuma em um momento
determinado, mas seus efeitos se arrastam no tempo, persistindo enquanto o incapaz
não for devidamente assistido.

Tentativa - É possível na modalidade comissiva, exclusivamente. Não é compatível com


a forma omissiva.

Classificação doutrinária - Cuida-se de crime próprio (deve existir relação de


assistência entre o autor e a vítima); instantâneo ou instantâneo de efeitos
permanentes (consuma-se com o abandono, mas seus efeitos prolongam-se no
tempo); de forma livre; de perigo concreto; comissivo ou omissivo impróprio;
unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual; e unissubsistente ou
plurissubsistente.
Ação penal - é pública incondicionada.
Figuras qualificadas: §§ 1.º e 2.º - (ABANDONO QUALIFICADO)
 A expressão lesão corporal de natureza grave (§ 1.º) foi utilizada em sentido amplo,
para abranger tanto as lesões corporais graves (CP, art. 129, § 1.º) como as lesões
corporais gravíssimas (CP, art. 129, § 2.º);
 São crimes qualificados pelo resultado e estritamente preterdolosos (dolo no crime
de perigo e culpa na lesão corporal ou na morte);
 Se o sujeito agiu com dolo de dano, a ele deve ser imputado o crime mais grave:
lesão corporal grave ou gravíssima ou homicídio.
 A lesão corporal leve fica absorvida pelo abandono de incapaz, por se tratar de
crime de dano com pena inferior à do crime de perigo.
Causas de aumento de pena: §3.º
 se o abandono ocorre em lugar ermo: inciso I

Lugar ermo é o local habitual ou eventualmente solitário. O local deve ser relativamente
ermo. Se o isolamento for absoluto, sem nenhuma possibilidade de o incapaz encontrar outra
pessoa ou de ser socorrida, essa conduta funcionará como meio de execução do crime de
homicídio.
 se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima:
inciso II

O rol é taxativo. Não admite analogia, por se tratar de norma prejudicial ao réu. Destarte, não
alcança quem vive em união estável.
 se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos: inciso III

a) o ofendido deve encontrar-se em alguma das situações descritas no caput (cuidado,


guarda, proteção ou vigilância); e

b) a vítima deve ser maior de 60 (sessenta) anos ao tempo do crime (teoria da atividade – CP,
art. 4.º).
EXPOSIÇÃO OU ABANDONO DE RECÉM-NASCIDO

Objetividade jurídica - Tutelam-se a vida e a saúde da pessoa humana.

Objeto material - É o recém-nascido atingido pela conduta criminosa.


Núcleo do tipo - Expor equivale a transferir a vítima para lugar diverso daquele em que lhe é
prestada a assistência. Abandonar, por seu turno, significa desamparar a vítima no tocante
aos cuidados necessários.
O crime, de forma livre, pode ser praticado por ação ou por omissão, e
reclama uma situação de perigo concreto.

Elemento normativo - O crime há de ser praticado “para ocultar desonra própria”.


A honra aqui tratada é a de natureza sexual, a boa fama e a reputação
que desfruta o autor ou a autora pelo seu comportamento decente e pelos bons costumes.
Se a exposição ou abandono do recém-nascido ocorre por outro
motivo, tais como excesso de filhos ou extrema miséria, diverso da finalidade de ocultar a
desonra própria, o crime será o de abandono de incapaz (CP, art. 133).
Sujeito ativo - Trata-se de crime próprio ou especial. Somente pode ser cometido pela
mãe (casada ou solteira) que concebeu o filho de forma irregular. O pai adulterino
pode ser sujeito ativo?.

A prostituta, assim conhecida pelas demais pessoas, e o marido que,


agindo por conta própria, abandona o filho adulterino concebido por sua esposa infiel
quando expõe ou abandona o filho recém-nascido, respondem pelo crime de
abandono de incapaz (CP, art. 133).

O crime em análise é compatível com o concurso de pessoas. A


“desonra própria” é elementar do tipo, razão pela qual é comunicável aos demais
envolvidos na empreitada criminosa (CP, art. 30), desde que tenham entrado em sua
esfera de conhecimento.
Sujeito passivo - É o recém-nascido, que para a medicina é definido como a pessoa
que nasceu com vida, até a queda do cordão umbilical. É prudente, sob pena de tornar
inócuo o tipo penal, deixar a conceituação de recém-nascido para o caso concreto,
visando alcançar as crianças com poucos dias de vida que são comumente
abandonadas por seus pais.

Elemento subjetivo - É o dolo direto excluindo o dolo eventual. Não se pune a

modalidade culposa.

Consumação - Dá-se no momento em que a vítima é submetida ao perigo concreto. O

crime é instantâneo de efeitos permanentes.

Tentativa – É possível, somente quando praticado por ação.


Figuras qualificadas: §1º e §2º – São crimes qualificados pelo resultado e

estritamente preterdolosos.

Se o sujeito agiu com dolo de dano, a ele deve ser imputado o crime mais

grave: lesão corporal grave ou gravíssima, infanticídio (se presente o estado puerperal)

ou homicídio.

A lesão corporal leve fica absorvida pela exposição ou abandono de recém-

nascido, por se tratar de crime de dano com pena inferior à do crime de perigo.

Ação Penal – A ação penal é pública incondicionada, em todas as formas criminosas.

Classificação doutrinária - Trata-se de crime de perigo concreto; doloso; próprio;

comissivo ou omissivo impróprio; de forma livre; unissubjetivo, unilateral ou de

concurso eventual; instantâneo de efeitos permanentes; e unissubsistente ou

plurissubsistente.
OMISSÃO DE SOCORRO
Objetividade jurídica - Tutelam-se a vida e a saúde da pessoa humana.

Objeto material - É a pessoa a quem o agente deixa injustificadamente de prestar socorro.

Núcleo do tipo - “Deixar de prestar assistência” significa não socorrer quem se encontra em
perigo. “Não pedir”, por sua vez, equivale a deixar de solicitar auxílio da autoridade pública
para socorrer quem está em perigo.

Elemento normativo - representado pela expressão “quando possível fazê-lo sem risco
pessoal”. O crime de omissão de socorro pode ser cometido de duas maneiras diversas:

1.ª Falta de assistência imediata: o agente pode prestar socorro, sem risco pessoal, mas
deliberadamente não o faz.

2.ª Falta de assistência mediata: o sujeito não pode prestar pessoalmente o socorro, mas
também não solicita o auxílio da autoridade pública.

Sujeito ativo - O crime é comum. Se houver vinculação jurídica entre os sujeitos do delito
(exemplos: pais e filhos, curador e interdito, tutor e pupilo etc.), o crime será de abandono de
incapaz (CP, art. 133) ou de abandono material (CP, art. 244).
Sujeito passivo - Somente as pessoas taxativamente indicadas pelo art. 135 : criança abandonada, criança
extraviada, pessoa inválida e ao desamparo, pessoa ferida e ao desamparo, e pessoa em grave e iminente
perigo.

 Criança abandonada - é a pessoa com idade inferior a 12 anos que foi intencionalmente deixada em
algum lugar por quem devia exercer sua vigilância, e por esse motivo não pode prover sua própria
subsistência.

 Criança extraviada - é a pessoa com idade inferior a 12 anos que está perdida, isto é, não sabe retornar
por conta própria ao local em que reside ou possa encontrar resguardo e proteção.

 Pessoa inválida e ao desamparo - invalidez é a característica inerente à pessoa que não pode, por conta
própria, praticar os atos cotidianos de um ser humano. Pode advir de problema físico ou mental. Mas não
basta a invalidez. Exige-se ainda esteja a pessoa ao desamparo, isto é, incapacitada para se livrar por si só
da situação de perigo.

 Pessoa ferida e ao desamparo - é aquela que sofreu lesão corporal, não necessariamente grave,
acidentalmente ou provocada por terceira pessoa. Mas não basta esteja ferida. É imprescindível que
também se encontre ao desamparo, ou seja, impossibilitada de afastar o perigo por suas próprias forças.

 Pessoa em grave e iminente perigo - o perigo deve ser sério e fundado, apto a causar um mal relevante
em curto espaço de tempo. Não é necessário seja a vítima inválida, nem que esteja ferida.
Classificação do perigo - Nas quatro hipóteses (criança abandonada, criança extraviada,
pessoa inválida e pessoa ferida, ambas ao desamparo), o crime de omissão de socorro
classifica-se como de perigo abstrato ou presumido e no caso de pessoa em grave e
iminente perigo o crime é de perigo concreto.
Omissão de socorro e vítima idosa - art. 97 da Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso.
Omissão de socorro e resistência da vítima - Subsiste o crime de omissão de socorro
quando a vítima recusa a assistência de terceiro. Desaparecerá o delito, todavia,
quando a resistência da vítima impossibilitar a prestação de socorro.
Omissão de socorro e morte instantânea - Não há crime de omissão de socorro
quando alguém deixa de prestar assistência a uma pessoa manifestamente morta.

Elemento subjetivo - É o dolo de perigo, direto ou eventual e não se admite a


modalidade culposa.

Consumação - Consuma-se o crime no momento da omissão, daí advindo o perigo


presumido ou concreto, conforme o caso.
Tentativa - Tratando-se de crime omissivo próprio ou puro, a doutrina majoritária entende não
ser cabível o conatus.

Causa de aumento de pena - pena prevista no caput (detenção, de um a seis meses, ou multa) é
aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se
resulta a morte.

Classificação doutrinária – comum (sujeito ativo) e próprio (sujeito passivo); omissivo próprio
ou puro; de perigo abstrato ou de perigo concreto (majoritária), dependendo do caso; de forma
livre; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual; unissubsistente (majoritária) ou
plurissubsistente; e instantâneo.

Omissão de socorro e Código de Trânsito Brasileiro


CONDUTA ADEQUAÇÃO TÍPICA
Matar ou lesionar culposamente alguém, na direção de Art. 302, § 1º, inc. III, ou art. 303, § 1º,
veículo automotor, e não prestar socorro ambos da Lei 9.503/1997
Envolvimento no acidente, sem culpa, e deixar de Art. 304 da Lei 9.503/1997
prestar imediato socorro
Terceira pessoa (na direção de veículo automotor ou Art. 135 do Código Penal
não), sem envolvimento no acidente, que deixar de
prestar socorro à vítima
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
        Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão
ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1º. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3
(um terço) à metade, se o agente:        
III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;      
Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão
ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1º.  Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) à metade, se ocorrer qualquer das hipóteses do § 1 o do
art. 302.          
Art. 304. Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à
vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da
autoridade pública:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime
mais grave.
Parágrafo único. Incide nas penas previstas neste artigo o condutor do veículo, ainda que a sua
omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com morte instantânea ou com
ferimentos leves.
CONDICIONAMENTO DE ATENDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR EMERGENCIAL

Objetividade jurídica - Tutelam-se a vida e a saúde da pessoa humana.

Objeto material – É a pessoa de quem é exigida da emissão do cheque-


caução, a nota promissória, qualquer outra garantia ou os formulários
administrativos, como também o próprio paciente.

Núcleo do tipo - é “exigir”, no sentido de ordenar ou impor algo, de


modo autoritário e capaz de intimidar. Não há emprego de violência à
pessoa ou grave ameaça.

O local de atendimento - O atendimento médico de caráter


emergencial deve ser prestado em hospital.
Atendimento médico-hospitalar emergencial e atendimento de urgência:
distinção

 Casos de emergência são os que implicam em risco imediato de vida ou


de lesões irreparáveis ao paciente, caracterizado em declaração do
médico assistente (inc. I);

 Casos de urgência são os resultantes de acidentes pessoais ou de


complicações no processo gestacional (inc. II).

O art. 135-A do Código Penal constitui-se em lei penal em branco


homogênea, pois a definição da conduta criminosa é imprecisa,
dependendo da complementação fornecida pelo art. 35-C, inc. I, da Lei
9.656/1998.
Sujeito ativo - Pode ser qualquer funcionário ou administrador do estabelecimento de saúde
que realize atendimento médico-hospitalar emergencial, e também o médico que se recusa a
atender um paciente sem o fornecimento de garantia ou o preenchimento prévio de formulário
administrativo (crime comum ou próprio). É perfeitamente cabível o concurso de pessoas, nas
modalidades coautoria e participação.

O dever de agir para evitar o resultado - Se o sujeito possuir o dever de agir para evitar o
resultado, e omitir-se em decorrência do não recebimento de garantia ou do não preenchimento
de formulários administrativos, daí resultando lesão corporal de natureza grave (ou gravíssima)
ou a morte da vítima, a ele será imputado o crime derivado da sua inércia.

Sujeito passivo - É a pessoa acometida de problema em sua saúde, e por esta razão necessitada
de atendimento médico-hospitalar emergencial ou de quem se exige a entrega da garantia ou
preenchimento do formulário
Elemento subjetivo – É o dolo, direto ou eventual, acrescido de um especial fim de
agir (elemento subjetivo específico), representado pela expressão “como condição
para o atendimento médico hospitalar emergencial”. Não se admite a modalidade
culposa.
Consumação - O condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial é
crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se com a
exigência do cheque-caução, nota promissória ou qualquer outra garantia, bem como
com o preenchimento prévio de formulários administrativos, independentemente da
superveniência do resultado naturalístico. É também crime de perigo concreto, pois
reclama a comprovação do risco ao bem jurídico penalmente protegido, representado
pela necessidade de atendimento de natureza emergencial.
Tentativa - É possível, em face do caráter plurissubsistente do delito, permitindo o
fracionamento do iter criminis. Alguns não admitem a tentativa (unissubsistente).
cont. CONDICIONAMENTO DE ATENDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR EMERGENCIAL

Ação penal – A ação penal é pública incondicionada.

Classificação doutrinária - crime simples; comum/próprio; doloso, de


forma vinculada, formal, de consumação antecipada ou de resultado
cortado (na modalidade simples) ou ainda material ou causal (nas
figuras circunstanciadas); de perigo concreto; comissivo ou por omissão
imprópria (art. 13 §2º); instantâneo; unissubjetivo, unilateral ou de
concurso eventual; e unissubsistente/plurissubsistente.
Causas de aumento da pena - A superveniência da lesão corporal de
natureza grave (ou gravíssima) ou da morte da pessoa necessitada do
atendimento médico-hospitalar emergencial funciona como causa de
aumento da pena, incidente na terceira e derradeira fase da aplicação
da pena privativa de liberdade.
Estatuto do idoso - A Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso contempla,
em seu art. 103,uma figura semelhante ao crime definido no art. 135-A
do Código Penal, com a seguinte redação:
Art. 103. Negar o acolhimento ou a permanência do idoso, como
abrigado, por recusa deste em outorgar procuração à entidade de
atendimento:

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.


MAUS-TRATOS
Objetividade jurídica - Tutelam-se a vida e a saúde da pessoa humana.
Objeto material - É a pessoa que se encontra em alguma das situações descritas pelo
art. 136 do Código Penal e sofre os maus-tratos.
Núcleo do tipo - é “expor”, que nesse crime significa colocar alguém em perigo. É
previsto por um tipo misto alternativo (crime de ação múltipla ou de conteúdo
variado). Cuida-se de crime de forma vinculada, pois a conduta de “expor a perigo a
vida ou a saúde da pessoa” somente admite os modos de execução expressamente
previstos em lei. São eles:
 Privação de alimentos ou cuidados indispensáveis;

 Sujeição a trabalho excessivo ou inadequado;


 Abuso dos meios de correção ou disciplina.
Sujeito ativo - Trata-se de crime próprio, pois o tipo penal reclama
uma vinculação especial entre o autor e a vítima dos maus-tratos.
É necessário esteja o ofendido sob a autoridade, guarda ou
vigilância do agente, para fim de educação, ensino, tratamento ou
custódia.

Sujeito passivo – Não pode ser qualquer pessoa, mas somente


aquela que se encontrar sob autoridade, guarda ou vigilância do
agente, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia. Em
síntese, a vítima deve ser pessoa subordinada ao responsável pela
conduta criminosa.
Maus-tratos contra idoso - Se a vítima for idosa, incide o crime
tipificado pelo art. 99 da Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso:
Art. 99. Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso,
submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e
cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho
excessivo ou inadequado:

Pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa.

§ 1.º Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 2.º Se resulta a morte:

Pena – reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.


Elemento subjetivo - É o dolo, direto ou eventual. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação – Consuma-se o delito com a exposição da vítima ao perigo. Não se reclama o


dano efetivo.

Damásio de Jesus Nelson Hungria Guilherme Nucci


Classifica o crime de maus- O crime é permanente na modalidade de Sustenta tratar-se
tratos como permanente, privação de alimentos ou cuidados de crime
nas hipóteses de privação indispensáveis e sujeição a trabalho instantâneo, em
de alimentos e/ou de excessivo ou inadequado, enquanto nos todas as suas
cuidados, e como delito demais casos é instantâneo, embora possa variantes.
instantâneo em todas as eventualmente assumir o caráter de
demais. permanência.

Tentativa – É possível somente nas modalidades comissivas, uma vez que crimes omissivos
próprios ou puros não admitem o conatus.

Figuras qualificadas: § 1º e § 2º - As duas qualificadoras (lesão corporal de natureza grave e


morte) são preterdolosas. A lesão corporal leve é absorvida pelo crime de maus-tratos.
Causa de aumento de pena - Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço), se o crime é
praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos.
Ação penal – é pública incondicionada.
Classificação doutrinária – Trata-se de crime próprio; de perigo concreto; doloso;
comissivo ou omissivo; de forma vinculada; unissubjetivo, unilateral ou de concurso
eventual; de ação múltipla ou de conteúdo variado; unissubsistente ou
plurissubsistente; e instantâneo ou permanente (com divergências doutrinárias).
Tortura e maus-tratos: distinção - A distinção entre os crimes de tortura e de maus-
tratos deve ser feita no caso concreto: aquela depende de intenso sofrimento físico ou
mental, enquanto para este é suficiente a exposição a perigo da vida ou da saúde da
pessoa. Ademais, o delito de maus-tratos é de perigo (dolo de perigo), e o de tortura,
de dano (dolo de dano).

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