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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA DO

JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DA COMARCA DE MACAPÁ-AP

Processo Nº 0000000-00-2023.8.03.0001

JOSÉ DA SILVA, já devidamente qualificado nos autos do


processo em epígrafe, vem respeitosamente, perante Vossa Excelência,
por sua advogada que subscreve, com fulcro nos artigos 396 e 396-A
do Código de Processo Penal, apresentar RESPOSTA À ACUSAÇÃO, pelos
fatos e fundamentos abaixo aduzidos.

1- SINTESE DOS FATOS

Consta na denúncia que, no dia 2 de setembro de 2020, às


16:00, na Av. 13 de Setembro, nesta cidade, JOSÉ DA SILVA teria
subtraído para si, mediante destreza, veículo automotor de propriedade
de TÍCIO.

Menciona-se que o denunciado teria se deparado com a garagem


aberta e o veículo com a chave no contato, momento em que entrou no
imóvel e deu partida, com o objetivo de tão somente curtir balada no
município de Santana-AP e impressionar seus amigos.

Contudo, às 23:00 daquele mesmo dia, o acusado teria


retornado para o local da suposta subtração na intenção de restituir o
bem, ocasião em que uma guarnição da polícia militar realizou a
apreensão desse em flagrante delito.

Ante o exposto, o Ministério Público Estadual acusa JOSÉ DA


SILVA pela prática do crime tipificado no art. 155, §4º, II do Código
Penal, furto qualificado mediante destreza.

Denúncia recebida em 10 de outubro de 2020.

Réu citado em 11 de outubro de 2020.


Não obstante o entendimento exarado pelo douto parquet na
denúncia, é certo que não prevalecerá, conforme será demonstrado.

2- PRELIMINAR
2.1- DA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO

Diz o art. 60 da Lei Nº 9.099/95:

Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados


ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o
julgamento e a execução das infrações penais de menor
potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e
continência.

Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo


comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras
de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da
transação penal e da composição dos danos civis

Quanto a classificação dos crimes de menor potencial ofensivo, o


art. 61 da Lei Nº 9.099/95 dispõe:

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial


ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os
crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois)
anos, cumulada ou não com multa

No presente caso, o denunciado é acusado de ter praticado o


dispositivo do artigo 155, §4º, II do Código Penal (furto qualificado
mediante destreza), onde a pena de reclusão é de 2 (dois) a 8 (oito) anos
e multa, portanto, a competência para o julgamento do mérito deverá
ser atribuída ao juízo de sua alçada.

2.2- DA VIDA PREGRESSA DO ACUSADO

Inicialmente, cumpre esclarecer que o acusado é íntegro,


primário, de bons antecedentes, que jamais teve participação em
qualquer tipo de delito, sendo pessoa honesta e trabalhadora voltada
para a família, e por questões presunçosas, se envolveu no ilícito em
comento que ora lhe é imputado.
2.3- DA ATIPICIDADE DA CONDUTA: APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA
Conforme arguido pela acusação, no caso em questão, o réu
praticou o furto do bem móvel e sete horas depois o restituiu
integralmente ao denunciante.
Pois bem, o princípio da insignificância é um princípio penal
limitador de criação exclusivamente doutrinária, que considera a ideia
de que o Direito Penal não deve se preocupar com bagatelas, do mesmo
modo que não se admite tipos incriminadores que descrevam condutas
incapazes de lesar o bem jurídico, já que a tipicidade exige mínimo de
lesividade a esse.
Nesse sentido, Fenando Capez comenta:
“Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre
que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar e
interesse protegido, não haverá adequação típica”.
O Supremo Tribunal Federal criou requisitos que devem ser
observados na aplicação do princípio da insignificância, ou seja, não
deve ser aplicado observando somente o valor do bem jurídico. Deve-se
observar os seguintes requisitos: mínima ofensividade da conduta,
nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão
provocada.
Na situação relatada, todos os requisitos necessários para
aplicação do princípio em discussão encontram-se presentes. A conduta
foi praticada sem emprego de violência, não gerou riscos e o bem foi
restituído ao proprietário sem qualquer dano.
Vejamos:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - RECURSO DEFENSIVO - DELITO
DE FURTO QUALIFICADO - ART. 155 , §§ 1º E 4º , II E IV DO CP -
ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE -
COMPROVAÇÃO EFICIENTE - OITIVA DA VÍTIMA E DOS MILITARES
- SIMETRIA AOS DIZERES DOS ACUSADOS - AGENTES DETIDOS
NO LOCAL DOS FATOS - POSSE DIRETA DA "RES FURTIVA" -
ATIPICIDADE DA CONDUTA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA -
NÃO CABIMENTO À ESPÉCIE - NUANCES DO CASO CONCRETO -
DESVALOR DA CONDUTA - CONDENAÇÃO MANTIDA - PENAS
IMPOSTAS - AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DA ESCALADA -
IMPOSSIBILIDADE - ESFORÇO INCOMUM EVIDENCIADO -
TENTATIVA - NÃO CARACTERIZAÇÃO - INVERSÃO DE POSSE
DAS RES FURTIVA - CRIME CONSUMADO - PRINCÍPIO DA
AMPLA DEVOLUÇÃO - PENAS IMPOSTAS - CRITÉRIO TRIFÁSICO -
REPRIMENDAS - REANÁLISE - SEGUNDA ETAPA - REINCIDÊNCIA -
AFASTAMENTO - RESPEITO AO ART. 64 , I DO CP - ATENUANTE
DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - RECONHECIMENTO NECESSÁRIO -
PENAS QUE SE REDUZEM - FURTO PRIVILEGIADO - SÚMULA 511
DO STJ - ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA - DEFENSORIA PÚBLICA
ESTADUAL - DEFERIMENTO - SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. -
Estando o acervo probatório harmônico no sentido de apontar
os réus como autores do crime de furto descrito na denúncia,
correta a condenação lançada - A aplicação do princípio da
insignificância, é possível, contudo, para sua incidência é de se
atentar o caso de forma prudente e criteriosa. É necessária a
presença de certos elementos, como a mínima ofensividade da
conduta do agente, a ausência total de periculosidade social da
ação, o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e a
inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já
assentado pelo colendo Pretório Excelso ( HC XXXXX/SP , Rel.
Min. CELSO DE MELLO, DJU 19.04.2004)

Posto isso, por todo o exposto, requer-se o a atipicidade da


conduta em razão do princípio da insignificância, nos termos
supramencionados.

2.4- DA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA

Os doutrinadores que defendem que o furto de uso não é crime


sustentam que não há a tipicidade formal do fato ao tipo penal do art.
155 do Código Penal, uma vez que, a lei penal ao descrever o furto
exige a subtração por parte do agente com a intenção de integrá-lo ao
seu patrimônio ou de outrem. Ocorre que no furto de uso não há o
animus de apoderar-se da coisa, mas tão somente de usá-lo. Neste
sentido leciona Capez (2011, p. 439):
É indispensável que a subtração seja efetuada com ânimo
definitivo, sendo necessária a intenção de não devolver o bem. É
que o tipo do furto exige a elementar de natureza subjetiva „para
si ou para outrem ‟, que significa „finalidade de
assenhoreamento permanente ‟. Na hipótese em que o agente
retira o bem da esfera de disponibilidade da vítima apenas para o
seu uso transitório, passageiro, e depois o devolve no mesmo
estado e local em que 41 se encontrava, não há que se falar em
realização da conduta tipificada no art. 155 do CP. Trata-se de
mero furto de uso, fato atípico dada a ausência do elemento
subjetivo do tipo exigido (ficar definitivamente com ou o bem ou
entregá-lo a terceiro.

O doutrinador Damásio de Jesus mantém a mesma linha de


pensamento (2009, p. 561) “o fato não constitui crime em face do
Código Penal vigente. Isso decorre da exigência típica de o fato se
praticado pelo sujeito, para si ou para outrem‟, o que demonstra a
necessidade de que a conduta tenha finalidade ou assenhoreamento
definitivo (...).
Importante destacar também o que leciona Bitencourt (2011,
p. 81):
O furto de uso também possui elementos normativo e subjetivo.
O elemento objetivo caracteriza-e pela pronta restituição; o
subjetivo, pelo fim especial de uso momentâneo. A locução „para
si ou para outrem‟, caracterizado do elemento subjetivo especial
do tipo, constitui elementar subjetiva definidora do propósito de
assenhorear-se em definitivo da res furtiva. Exatamente esse
especial fim de agir distingue a subtração tipificada no art. 155
do CP e o conhecido „furto de uso‟. Neste, sem sombra de
dúvidas, a finalidade especial deve ser o uso momentâneo da res
e não seu apossamento definitivo, embora, em ambos, esteja
presente o dolo, constituído pela vontade consciente de subtrair
coisa alheia móvel. Para adequar-se á descrição típica do crime
de furto é insuficiente que o agente pretende apenas usar,
momentaneamente, a coisa alheia; é indispensável que o animus
furandi, isto é, a intenção de apoderar-se em definitivo, seja o
móvel de sua ação.

A jurisprudência dos Tribunais tem refletido o entendimento


majoritário da doutrina no sentido de que o furto de uso, quando
provado, não é crime por ausência do animus de apoderar-se da coisa
em definitivo:
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DOLO DE LESÃO AO
PATRIMÔNIO DA VÍTIMA NA CONDUTA DO RÉU. ATIPICIDADE.
ABSOLVIÇÃO. Não restou plenamente demonstrado nos autos o
elemento típico do delito de furto: o dolo específico de subtrair
coisa alheia móvel para si ou para outrem. A prova carreada aos
autos do processo não somente deixou de comprovar com
plenitude o dolo na ação do acusado como suscitou ainda mais
dúvidas sobre o mesmo, estando mais perto de comprovar a
hipótese de furto de uso do que o intento de lesão ao patrimônio
da vítima. (grifo nosso) (TJRS, 2014a)

APELAÇÃO - FURTO DE USO - ABSOLVIÇÃO - PROVA -


Fragilidade do conjunto probatório - Não demonstrado efetivo
dolo de subtração com animus definitivo - Absolvição de rigor -
Apelo provido. (TJSP, 2014)

APELAÇÃO. FURTO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. AUSÊNCIA DE


NULIDADE. RES FURTIVA DE BAIXO VALOR E RESTITUÍDA AO
DONO. PRINCÍPIO DA INSIGNFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL
DA CONDUTA. RECURSO IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. I
A absolvição sumária só pode ser decretada após a resposta
preliminar, eventuais diligências e exceções, como preconiza o
art. 397 do Código de Processo Penal , com a redação que lhe foi
dada pela Lei n. 11.719 , de 2008. A despeito disso, não há
nulidade se o réu foi absolvido sumariamente antes mesmo
daquelas providências, seja porque o juiz pode rejeitar
liminarmente a denúncia ou a queixa-crime, seja porque tanto a
resposta preliminar quanto a absolvição sumária constituem
medidas que beneficiam o réu e, se não houve prejuízo para
este, o Ministério Público não tem interesse processual de
suscitar a matéria. II O princípio da insignificância, que conduz à
atipicidade material da conduta inquinada de criminosa, ainda é
matéria controversa no processo penal brasileiro. Contudo, a
existência ou não de fato típico não é questão que possa
depender dos humores do intérprete. No caso, a subtração de
uma bicicleta usada e posteriormente recuperada e restituída ao
dono não merece ser considerada como crime, pela ausência de
afetação ao patrimônio da vítima. Precedentes dos Tribunais
Superiores. III Recurso improvido, para manter a absolvição do
réu. Decisão unânime.
Entende-se que é cabível a absolvição sumária nos casos em que
se torna demostrada a inexistência de crime perante o fato narrado,
com fulcro no art. 397, III do Código de Processo Penal.

3- DO MÉRITO
3.1- DA DESCLASSIFICAÇÃO DO FURTO QUALIFICADO PARA
FURTO DE USO
O crime de furto deixa de ser punível em face do dolo
inexistente do agente. No caso em discussão, resta claro, mediante a
situação fática, que a intenção do denunciado não era de tornar sua a
coisa alheia móvel ou agregá-la ao seu patrimônio pessoal, e sim usá-
la.
Quanto ao furto de uso, segundo infere os tribunais e a doutrina,
os requisitos necessários para caracterizá-lo são: fazer uso
momentâneo da coisa e a devolução voluntária da res furtiva em sua
integralidade.
Nessa espécie de furto, admite-se a restituição imediata da coisa
após o uso momentâneo ao seu possuidor originário. Conforme
exposto, o objetivo do réu era apenas impressionar seus amigos em
uma balada, tanto que devolveu a coisa alheia móvel após o ato.
Nesse sentido:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO


CRIMINAL.DENÚNCIA: FURTO QUALIFICADOPELA DESTREZA.
ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. RECURSO
MINISTERIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS.
VÍTIMA OUVIDA EM SEDE INQUISITORIAL.
DEPOIMENTORATIFICADO PELA TESTEMUNHA EM JUÍZO.VERSÕES
HARMÔNICASE COERENTES. DESTREZA NÃO CARACTERIZADA.
CONDENAÇÃO POR FURTO SIMPLES. READEQUAÇÃO. ARTIGO 383
, § 1º , CPP . POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DE PROPOSTA DE
SUSPENSÃO DO PROCESSO. ARTIGO 89 DA LEI 9.099 /95.
PARCIAL PROVIMENTO. 1. Materialidade e autoria demonstradas
nos autos pela prova documental (auto de prisão em flagrante;
auto de apresentação e apreensão do veículo subtraído pelo réu;
termo de restituição do bem à vítima; e ocorrência policial),
técnica (laudo de avaliação econômica indireta) e oral
(declarações da vítima em sede inquisitorial e depoimentos dos
policiais responsáveis pela prisão, em sede inquisitorial e em
juízo) comprovam que o apelado incorreu no crime previsto no
art. 155, caput do CPB. 2. A oitiva da vítima em juízo, embora
recomendável, não é imprescindível para definir a
responsabilidade criminal do réu, notadamente quando a
testemunha, policial condutor do flagrante, em juízo, confirma,
de um modo geral e sem contradições, as declarações da vítima,
o depoimento da outra testemunha policial e o seu próprio
depoimento, prestados em sede inquisitorial. 3. "[ ] 1. Conforme
o Código Penal , ocorre"furto qualificado", entre outras
hipóteses, quando é cometido"com abuso de confiança, ou
mediante fraude, escalada ou destreza"( CP , art. 155 , § 4º , inc.
II ). Somente a excepcional, incomum, habilidade do agente, que
com movimento das mãos consegue subtrair a coisa que se
encontra na posse da vítima sem despertar-lhe a atenção, é que
caracteriza, revela, a" destreza ". Não configuram essa
qualificadora os atos dissimulados comuns aos crimes contra o
patrimônio - que, por óbvio, não são praticados às escancaras.
[ ]" (STJ, REsp XXXXX/PR , Rel. Ministro NEWTON TRISOTTO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SC), QUINTA TURMA,
julgado em 16/12/2014, REPDJe 26/02/2015, DJe 02/02/2015).
4. Desclassificado o delito para furto simples (art. 155, caput,
CPB), se primário e de bons antecedentes, revela-se possível o
oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo
pelo membro do Ministério Público - art. 383, § 1º, CPB c/c art.
89 da Lei 9099 /1995. 5. Recurso Ministerial conhecido e
parcialmente provido.

Portanto, resta esclarecido que o presente caso não se adequa ao


núcleo do dispositivo do artigo 155 do Código Penal pela ausência de
ânimo de permanecer na posse do bem subtraído, apenas viu uma
garagem aberta e o veículo com a chave no contato.
Dessa forma, pugna-se pela desconsideração da qualificadora de
destreza ora imputada, haja vista a ausência de comprovação de que o
acusado utilizou de habilidades especiais para a subtração da coisa
alheia móvel.

4- DOS PEDIDOS
1- Que seja reconhecida a absolvição sumária do réu em face da
atipicidade da conduta decorrente do princípio da insignificância;

2- Que seja considerado famigerado furto de uso, desconsiderando a


agravante de furto mediante destreza;

3- Que seja reconhecida a incompetência do juízo.

Nestes termos, pede deferimento

Macapá, 3 de março de 2023.

Karem Letícia de Sá Souza


OAB/AP 0505

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