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Roubo qualificado (lesão corporal grave e morte). Latrocínio.

1)
Considerações gerais: a) Definição e
evolução histórica. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidade
objetiva e subjetiva; b) A tentativa
nestas modalidades de crime complexo. 2) Aspectos controvertidos. 3)
Concurso de crimes. 4) Pena e
ação penal.

Claudia Serpa Costa Ribeiro Fleischhauer


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Roubo qualificado
(lesão corporal grave e morte).
§ 3º Se da violência resulta: (Redação dada pela Lei nº
13.654, de 2018)
I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18
(dezoito) anos, e multa; (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e
multa
ALTERAÇÃO TRAZIDA PELA LEI 13654/2018
COMO ERA ANTES?
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão,
de 7 (sete) a 15(quinze) anos, além da multa; se resulta morte, a
reclusão é de 20 (vinte) a 30 (trinta)anos, sem prejuízo da multa

A Lei 13.654 é novatio legis in pejus, devendo ser aplicada quanto à


lesão grave a partir da entrada em vigor, ou seja, dia 24/04/2018
• O legislador utilizou a expressão “lesão corporal grave” em sentido
amplo, abrangendo a lesão corporal grave propriamente
dita e também a lesão corporal gravíssima (CP, art. 129, §§ 1.º e 2.º,
respectivamente). O resultado agravador pode ter sido suportado
pela vítima da subtração ou por terceira pessoa.
• De outro lado, a lesão corporal leve (CP, art. 129,caput) produzida em
decorrência do roubo não constitui qualificadora. Opera-se, em
verdade, sua absorção pelo crime mais grave, pois funciona como seu
meio de execução. O conflito aparente de normas penais é
solucionado pelo princípio da consunção
O roubo qualificado pela morte é também denominado de Latrocínio,
termo utilizado tradicionalmente para designar a forma mais grave do
roubo, isto é, “o crime de matar para roubar”, ou “matar roubando”.
Cuida-se de crime complexo, pois resulta da fusão dos delitos de
roubo (crime-fim) e homicídio (crime-meio), e pluriofensivo, já que
ofende dois bens jurídicos, quais sejam, o patrimônio e a vida humana.
LEI DE CRIMES HEDIONDOS
II - roubo: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
a) circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º,
inciso V); (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
b) circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A,
inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito
(art. 157, § 2º-B); (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
c) qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, §
3º); (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
OBS: ANTES DA LEI 13964, APENAS O ROUBO QUALIFICADO PELA
MORTE (LATROCÍNIO) ERA CONSIDERADO HEDIONDO
A lei penal exige que os resultados previstos nos incisos do mencionado § 3º
sejam provenientes da violência praticada pelo agente, entendida, no
sentido do texto, como a vis corporalis, ou seja, a violência física empregada
contra a pessoa. Se, por exemplo, durante a execução de um crime de roubo,
cometido com o emprego de grave ameaça, a vítima vier a sofrer um colapso
cardíaco, falecendo durante a ação criminosa, o agente não poderá
responder pelo fato a título de latrocínio, porque o resultado morte da
vítima não foi decorrente da violência por ele empreendida, mas, sim, de sua
grave ameaça.
Poderá, se for o caso, ser responsabilizado pelo roubo (sem a qualificadora
do resultado morte), além do homicídio (doloso ou culposo, se o agente
conhecia o problema cardíaco da vítima, variando de acordo com o seu
elemento subjetivo)
Esses resultados podem ser imputados a título de dolo ou culpa, isto é,
durante a prática do roubo, o agente pode ter querido causar,
efetivamente, lesões graves na vítima, ou mesmo a sua morte, para fins
de subtração de seus bens, ou tais resultados podem ter ocorrido
durante a empresa criminosa sem que fosse intenção do agente
produzi-los, mas causados culposamente. Assim, segundo a posição
majoritária da doutrina, o § 3º cuida de um crime qualificado pelo
resultado (lesão corporal grave ou morte) que poderá ser imputado ao
agente a título de dolo ou culpa
As qualificadoras acima mencionadas – lesão corporal grave e a morte
– são aplicadas em ambas as espécies de roubo, vale dizer, o roubo
próprio, bem como o roubo impróprio. Oimportante, como já
registramos anteriormente, é que tenha sido consequência da violência
utilizada
Ao latrocínio e ao roubo qualificado pelas lesões corporais de natureza
grave não se aplicam as causas de aumento de pena previstas no § 2º,
nem no §2ºA do art. 157 do Código Penal, em virtude de sua
localização topográfica. Imagine-se, por exemplo, que a vítima esteja a
serviço de transporte de valores (inciso III), quando é interceptada por
dois agentes (inciso II) que, munidos com armas de fogo (inciso
I),contra ela atiram querendo a sua morte, para que possam realizar a
subtração. Aqui, são três causas de aumento de pena.
No entanto, nenhuma delas poderá ser aplicada ao latrocínio, a título
de majorantes, uma vez que, se fosse intenção da lei penal aplicá-las às
modalidades qualificadas, deveriam estar localizadas posteriormente
ao § 3º do art. 157 do Código Penal
COMPETÊNCIA
• A competência para processar e julgar o crime de latrocínio, ainda
que a morte seja produzida a título de dolo, é do juízo singular, e não
do Tribunal do Júri. Com efeito, o roubo qualificado pela morte é
crime contra o patrimônio, e não doloso contra a vida, na forma
disciplinada pelo art. 5.º, inciso XXXVIII, d, da Constituição Federal.

Súmula 603 do Supremo Tribunal Federal: “A competência para o


processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal
do Júri”
Somente se tipifica o crime de latrocínio quando, no contexto do
roubo, a morte é produzida em razão do emprego da violência à pessoa
(violência física). Esta violência, ademais, precisa ter sido dolosamente
utilizada durante o roubo. Assim, exige-se o emprego intencional de
violência à pessoa, a qual produz a morte da vítima, dolosa ou
culposamente.
EXEMPLOS
Cleber Masson
1.º exemplo
“A” aborda “B” e lhe aponta uma arma de fogo. Desejando tão somente assustá-la,
“A” efetua um disparo na direção da vítima, não para acertá-la, mas o cartucho
ricocheteia em um muro e acaba atingindo “B”, matando-o. A violência foi
dolosamente utilizada e a morte foi produzida a título de culpa. O crime é de
latrocínio.
2.º exemplo
“A”, valendo-se de arma de fogo, aborda “B” e ingressa em seu automóvel para
roubá-lo. Sua conduta é percebida por policiais, que passam a persegui-lo. Durante
a fuga, “A”, agindo com imprudência consistente na direção com excesso de
velocidade, capota o veículo, daí resultando a morte de “B”. A violência que
provocou a morte da vítima foi culposamente empregada pelo agente. Não há
latrocínio, mas roubo circunstanciado pelo emprego de arma em concurso material
com homicídio culposo
Caso de morte dolosa
Requisitos cumulativos
- o agente, durante o roubo, deve empregar intencionalmente a
violência à pessoa
- existência de relação de causalidade entre a subtração patrimonial e a
morte, isto é, a violência à pessoa há de ter sido utilizada em
decorrência da prática do roubo, seja para possibilitar a subtração
(exemplo: matar alguém para subtrair seus bens), ou para, após a
subtração do bem, garantir a posse da coisa (ex: matar alguém para
fugir com o bem roubado), ou, finalmente, para assegurar a
impunidade do roubo (exemplo: matar a vítima para não ser
posteriormente reconhecido)
Supremo Tribunal Federal:
Latrocínio ou homicídio em concurso com roubo: diferenciação. No roubo
com resultado morte (“latrocínio”)a violência empregada – da qual deve
resultar a morte –, ou se dirige à subtração, ou, após efetivada esta, a
assegurar a posse da coisa ou a impunidade do delito patrimonial, que
constitui a finalidade da ação. Diversamente, tem-se concurso de homicídio
e roubo, se a morte da vítima, em razão de animosidade pessoal de um dos
agentes – segundo a própria versão dos fatos acertada pela decisão
condenatória – foi a finalidade específica da empreitada delituosa, na qual a
subtração da sua motocicleta – que, embora efetivada antes da morte, logo
após é lançada ao rio pelos autores –, antes se haja de atribuir à finalidade
de dissimular o crime contra a vida planejado.
Também não há latrocínio, mas concurso material entre roubo e homicídio,
quando um dos assaltantes mata o outro para, exemplificativamente, ficar
com o total dos valores subtraídos, ainda que a morte ocorra durante o
assalto. A razão é simples: o resultado morte atingiu um dos sujeitos ativos
do próprio roubo.

No entanto, se o ladrão efetua um disparo de arma de fogo ou outro golpe


qualquer para matar a vítima da subtração patrimonial ou alguma pessoa a
ela ligada, mas, por erro na execução, acaba matando seu comparsa, o crime
é de latrocínio. Trata-se de aberratio ictus (CP, art. 73), e o agente deve ser
responsabilizado como se tivesse praticado o crime contra a pessoa que
desejava atingir
Também não há latrocínio quando uma pessoa mata alguém e resta
demonstrado que, no momento da morte, o sujeito não tinha a
intenção de subtrair bens da vítima, mas, após a consumação do
homicídio, surgiu tal vontade, razão pela qual subtraiu os bens do
falecido
Consumação e tentativa
Diz-se complexo o crime quando numa mesma figura típica há a fusão
de dois ou mais tipos penais. É o caso, por exemplo, do delito de roubo,
em que à subtração da coisa alheia móvel também é adicionada a
violência à pessoa ou a grave ameaça. Nesse tipo, vislumbramos pelo
menos três figuras que, de forma isolada, são previstas pela lei penal: a
subtração (art. 155), a violência à pessoa (art. 129) e a ameaça (art.
147)
Nesse caso, consuma-se o crime quando o agente preenche o tipo
penal levando a efeito as condutas que, unidas, formam a unidade
complexa. Tomando, ainda, o exemplo do delito de roubo, somente
poderemos concluir pela sua consumação quando, aliada à violência ou
à grave ameaça, o agente tiver conseguido subtrair a coisa alheia
móvel. Caso contrário, isto é, embora o agente tenha feito uso de
violência ou grave ameaça, se não obtiver sucesso no que diz respeito à
subtração da coisa, o delito permanecerá tão somente tentado
• Pela definição fornecida, o latrocínio, sendo uma modalidade
qualificada do delito de roubo (art. 157, § 3º, do CP), é um crime
complexo. Poderíamos afirmar que esse crime permaneceria na fase
do conatus se não fossem preenchidos todos os elementos que o
compõem, vale dizer, a subtração da coisa alheia móvel, mais o
resultado morte.
Se temos um homicídio consumado e uma subtração consumada,
estamos diante de um latrocínio consumado. Da mesma forma, se
temos um homicídio tentado e uma subtração tentada, também somos
convencidos de que houve um latrocínio tentado.

PROBLEMA: homicídio consumado e a subtração tentada, ou se a


subtração foi consumada e o homicídio tentado
SUBTRAÇÃO CONSUMADA
E HOMICÍDIO TENTADO
Para Hungria, haveria aqui uma tentativa de homicídio qualificado (art.
121, § 2º, V). Justifica que se admitisse tentativa de latrocínio quando
se consuma o homicídio (crime-meio) e é apenas tentada a subtração
patrimonial (crime-fim) ou, ao contrário, quando é tentado o
homicídio, consumando-se a subtração, o agente incorreria, no
primeiro caso, em pena inferior à do homicídio simples(!) e, no
segundo, em pena superior à da tentativa de homicídio qualificado pela
conexão de meio a fim com outro crime (art. 121, § 2º, V), ainda que
este outro crime seja de muito maior gravidade que o roubo
SUBTRAÇÃO CONSUMADA
E HOMICÍDIO TENTADO

Heleno Fragoso, Magalhães Noronha e Rogério Greco, analisando a


mesma situação, entendem que, havendo subtração consumada e
homicídio tentado, resolve-se pela tentativa de latrocínio
HOMICÍDIO CONSUMADO
E SUBTRAÇÃO TENTADA
Aqui, tentando elucidar o problema, surgiram, pelo menos, três
correntes

- Frederico Marques – latrocínio tentado, em virtude de ser um crime


complexo
- Nelson Hungria - deve o agente responder tão somente por homicídio
qualificado, ficando afastada a punição pela tentativa de subtração,
aplicando-se a pena mais grave
HOMICÍDIO CONSUMADO
E SUBTRAÇÃO TENTADA
Súmula nº 610.
Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda
que não realize o agente a subtração de bens da vítima.

Para essa corrente, basta que tenha ocorrido o resultado morte para
que se possa falar em latrocínio consumado, mesmo que o agente não
consiga levar a efeito a subtração patrimonial
SUBTRAÇÃO MORTE LATROCÍNIO

CONSUMADA CONSUMADA CONSUMADO

TENTADA TENTADA TENTADO

CONSUMADA TENTADA TENTADO

TENTADA CONSUMADO CONSUMADO


(SÚMULA 610 STF)
LATROCÍNIO E PLURALIDADE DE MORTES
O latrocínio (e também o roubo qualificado pela lesão grave), em nosso
Código Penal, é legalmente classificado como crime contra o
patrimônio, e não contra a vida.
Em decorrência dessa escolha legislativa, se no contexto deum roubo,
voltado contra um único patrimônio, duas ou mais pessoas são mortas,
há um só crime de latrocínio, de acordo com o STF.

Para o STJ, no entanto, haverá um concurso formal impróprio, uma vez


que evidenciada existência de desígnios autônomos
STJ: concurso formal STF e doutrina:
um único crime de latrocínio

É pacífico na jurisprudência do STJ o entendimento de que (...) 7. Caracterizada a prática de latrocínio consumado, em
há concurso formal impróprio no latrocínio quando ocorre razão do atingimento de patrimônio único. 8. O número de
uma única subtração e mais de um resultado morte, uma vez vítimas deve ser sopesado por ocasião da fixação da pena-
que se trata de delito complexo, cujos bens jurídicos base, na fase do art. 59 do CP. (...)
tutelados são o patrimônio e a vida. STF. 2ª Turma. HC 109539, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado
STJ. 5ª Turma. HC 336.680/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, em 07/05/2013.
julgado em 17/11/2015.

(...) Segundo entendimento acolhido por esta Corte, a


Prevalece, no STJ, o entendimento no sentido de que, nos pluralidade de vítimas atingidas pela violência no crime de
delitos de latrocínio - crime complexo, cujos bens jurídicos roubo com resultado morte ou lesão grave, embora único o
protegidos são o patrimônio e a vida -, havendo uma patrimônio lesado, não altera a unidade do crime, devendo
subtração, porém mais de uma morte, resta configurada essa circunstância ser sopesada na individualização da pena
hipótese de concurso formal impróprio de crimes e não crime (...)
único. STF. 2ª Turma. HC 96736, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado
STJ. 6ª Turma. HC 185.101/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, em 17/09/2013.
julgado em 07/04/2015.
CAIO abordou nas proximidades do Campo de Santana uma família de
quatro pessoas, sendo o casal de pais e um casal de filhos, todos já
exercendo atividade laborativa lícita. Quando da abordagem, CAIO, que
se encontrava empunhando um revólver, e diante da manifestação das
vítimas que não queriam entregar os seus pertences, veio a disparar
contra todos eles, produzindo nos mesmos, em consequência, lesões
corporais de natureza grave, conforme depois foi atestado pelos autos
de lesões correspondentes. No entanto, diante da intervenção de
populares, CAIO não conseguiu subtrair qualquer daqueles pertences,
vindo a ser detido mais adiante.
a) Qual a capitulação da conduta imputada a CAIO, determinando-se
se o fato punível em questão deve ser considerado como tentado
ou consumado?
Trata-se de roubo qualificado pela produção de lesões corporais de
natureza grave em decorrência da violência utilizada para propiciar a
subtração dos pertences das vítimas. Enquanto crime qualificado pelo
resultado, tem-se que tal espécie delitiva conquistou autonomia em
relação ao seu tipo-base, com critérios próprios quanto a determinação
de sua consumação, que se dá exatamente com a superveniência do
resultado mais grave, sendo irrelevante para tanto o fato de não ter se
estabelecido a subtração visada
b) Diante da multiplicidade de resultados ofensivos, como deve ser definida
a hipótese: como crime único, como concurso formal de delitos ou como
crime continuado?
Há entendimentos jurisprudenciais que prestigiam todas as posições,
inclusive a do concurso material. Em se entendendo que as vítimas, embora
integrantes de uma mesma família, constituíam patrimônios distintos entre
si, pode-se admitir o concurso formal de delitos. Caso a compreensão
alcançasse o sentido de que um único patrimônio familiar foi atingido,
possível seria a caracterização do crime continuado.
Finalmente, a posição majoritária é no sentido da existência do crime único,
já que a hipótese subsume-se ao chamado latrocínio impróprio (art. 157, §
3º, I do Código Penal), crime complexo.
c) E se CAIO tivesse lesionado apenas uma das vítimas, mas subtraído os pertences das quatro, a situação se
alteraria?

"Apesar de o latrocínio ser um crime complexo, mantém sua unidade estrutural inalterada. Mesmo com a
ocorrência da morte de mais de uma das vítimas. A pluralidade de vítimas não configura continuidade
delitiva e tampouco qualquer outra forma de concurso de crimes, havendo, na verdade, um único latrocínio.
A própria orientação do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a pluralidade de vítimas não
implica a pluralidade de latrocínios. Não se pode ignorar que o crime-fim inicialmente pretendido foi o de
roubo e não um duplo ou triplo latrocínio, ou melhor, não duas ou três mortes. A ocorrência de mais de uma
morte não significa a produção de mais de um resultado, que, em tese, poderia configurar concurso formal
de crimes. Na verdade, a eventual quantidade de mortes produzidas em um único roubo representa a
maior ou menor gravidade das consequencias, cuja valoração tem sede na dosimetria penal, por meio das
operadoras do art. 59 do Código Penal.
d) Qual a diferença entre o roubo qualificado pela lesão grave e a tentativa de latrocínio na
qual ocorre a subtração porém a vítima sobrevive, com lesões corporais graves?
A diferença está no elemento subjetivo. Se o agente ao empregar a violência teve a
intenção de matar para "assegurar a impunidade do crime", mas o crime não se consumou
por circunstâncias alheias a sua vontade, será hipótese de tentativa de latrocínio.
Caso o dolo do agente ao empregar a violência for o de lesionar para "assegurar a
impunidade do crime", estará configurado o roubo qualificado pelas lesões corporais
graves
A tese de que não existe o que se denomina "tentativa de latrocínio" ante a suposta
incompatibilidade do tipo penal previsto no art. 157, § 3º, segunda parte, com a causa de
redução de pena prevista no art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, não encontra
respaldo na pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal
Federal que reconhecem a existência do crime de latrocínio tentado quando a morte da
vitima não se consuma por razões alheias à vontade do agente.
CASO CONCRETO 2
No dia 05 de novembro de 2016, FÁBIO e APARECIDA saíram para jantar, a fim de comemorar
cinco anos da data em que eles se casaram.
Após saírem do restaurante, eles se dirigiram ao veículo Fiat Siena, tendo FÁBIO se colocado na
direção dele e APARECIDA, no banco do carona.
Tão logo APARECIDA fechou a porta do carro, FERNANDO e MARIA abriram a porta traseira
direita do automóvel, adentraram neste e, FERNANDO empunhando uma arma de fogo, determinou
que FÁBIO e APARECIDA permanecessem no interior do veículo e seguissem com o carro na
direção do Centro de Duque de Caxias, o que foi prontamente atendido por eles.
Em seguida, FERNANDO, encostando a todo momento a arma nas costelas de FÁBIO, ordenou que
as vítimas lhe entregassem seus pertences.
Considerando o caso concreto narrado, tipifique as condutas praticadas por FERNANDO, caso após
os fatos já narrados ocorressem os seguintes fatos:
a) MARIA não se conformasse com a atitude de FERNANDO de encostar a arma
nas costelas de FÁBIO e pedisse insistentemente que ele abaixasse a referida
arma, ocasião em que FERNANDO, extremamente irritado com a persistência
de MARIA, lhe desferisse 2 tiros na cabeça, causando-lhe a morte. FERNANDO
logra subtrair os pertences de FÁBIO e APARECIDA.
A morte de qualquer dos participantes do crime (sujeito ativo) não configura
latrocínio. Assim, se um dos comparsas, por divergências operacionais, resolve
matar o outro durante o assalto, não há falar em latrocínio, embora o direito
proteja a vida humana, independentemente de quem seja seu titular, e não apenas
a da vítima do crime patrimonial. Na realidade, a morte do comparsa, nas
circunstâncias, não é meio, modo ou forma de agravar a ação desvaliosa do
latrocínio, que determina sua maior reprovabilidade. A violência exigida pelo tipo
penal está intimamente relacionada aos sujeitos passivos naturais (patrimonial ou
pessoal) das infração penal, sendo indispensável essa relação causal para
configurar o crime preterdoloso, especialmente agravado pelo resultado.
b) FÁBIO, que estava armado, desferiu 2 tiros na cabeça de MARIA, que
morreu instantaneamente, e FERNANDO, então, saiu do veículo ainda
em movimento sem levar consigo qualquer pertence.
Não haverá latrocínio, por sua vez, quando a própria vítima reage e
mata um dos assaltantes. A eventual morte do comparsa em virtude de
reação da vítima, que age em legítima defesa, não constitui ilícito penal
algum, sendo paradoxal pretender, a partir de uma conduta lícita da
vítima, agravar a pena dos autores.
c) FERNANDO atirou em direção a cabeça de APARECIDA, mas, por erro
de execução causou a morte de MARIA. Não houve a consumação da
subtração de qualquer bem.

Processo AgRg no AREsp 1557416 / PE


Relator(a): Ministro NEFI CORDEIRO (1159)
Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA
Data do Julgamento: 12/05/2020
Data da Publicação/Fonte: DJe 18/05/2020
Delimitado o contexto fático pelas instâncias ordinárias de que o
acusado, objetivando atingir a vítima, por erro na execução, atingiu o
seu comparsa, que faleceu, correta a tipificação da conduta como
latrocínio consumado.
Aplicação do art. 9º da Lei nº 8.072/90 ao
delito de latrocínio
Não será possível a aplicação da causa especial de aumento de pena,
prevista pelo art. 9º da Lei nº 8.072/90, ao delito de latrocínio, em
virtude da revogação expressa do art. 224 do Código Penal pela Lei nº
12.015, de 7 de agosto de 2009.
O Superior Tribunal de Justiça, analisando o tema, já concluiu que “com
a superveniência da Lei nº 12.015/2009, foi revogada a majorante
prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não sendo mais
admissível sua aplicação para fatos posteriores à sua edição

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