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Gui Bonsiepe Design,

Cultura e Sociedade
Gui Bonsiepe | Design, Cultura e Sociedade
Publisher Copyright © 2011 Gui Bonsiepe
Edgard Blucher Editora Edgard Blucher Ltda.
2ª reimpressão – 2019
Editor
Eduardo Blucher
Todos os direitos reservados. Nem a totalidade
Editor de desenvolvimento nem parte deste livro podem ser reproduzidas
Fernando Alves ou ser transmitidas por nenhum procedimento
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Diagramação e montagem
María Carla Mazzitelli
[marca]

Bonsiepe, Gui
Design, cultura e sociedade / Gui Bonsiepe. – São Paulo: Blucher,
2011.

ISBN 978-85-212-0532-6

1. Comunicação 2. Cultura 3. Design 4. Design – Aspectos sociais


5. Design industrial 6. Discurso projetual 7. Estética 8. Semiótica
9. Sociedade 10. Tecnologia I. Título.

10-12482 CDD-745.2

Índices para catálogo sistemático:


1. Design industrial 745.2
Gui Bonsiepe Design,
Cultura e Sociedade
Conteúdo

Apresentação. Itiro Iida 7

Prefácio. Gui Bonsiepe 11

01. Design e Democracia 15

02. Algumas Virtudes do Design 31

03. Identidade – Contraidentidade do Design 43

04. Cognição e Design – o Papel da Visualização para


a Socialização dos Conhecimentos 81

05. Retórica visual-verbal 113

06. Patterns Audiovisualísticos – uma Contribuição à Semiótica Empírica 141

07. Um Olhar sobre as Falhas (breakdowns) e Juntas 163

08. Entre Ocularismo e Verbocentrismo 177

09. Pensamento Operacional e Pensamento Contracorrente 187

10. Racionalismo Militante em um Laboratório de Inovação Cultural 199

11. Design e Pesquisa do Design – Diferença e Afinidade 221

12. Inovação, Design e Globalização 243

Notas de referência 267

Imagens 269
Apresentação

Este livro de Gui Bonsiepe apresenta uma inquietante análise sobre a evo 7

lução do design ao longo do século xx, registrando seus principais sucessos e


descaminhos. De um lado, relata o desenvolvimento do design, delineado pelas
várias políticas econômicas e sociais. De outro, mostra a vacilante trajetória dian
te do despreparo, acomodação e oportunismo dos seus principais protagonistas.
Mas não se limita a analisar e criticar, pois apresenta sugestões sobre os caminhos
possíveis no futuro.
Bonsiepe graduou-se na Escola de Ulm (hfg-Hochschule für Gestaltung), onde
foi professor até a sua extinção, em 1968. A partir disso, fez a opção de viver na
América Latina, tendo trabalhado no Chile, Argentina e Brasil. Nesses 40 anos
foi um observador privilegiado, com olhar arguto das transformações políticas e
econômicas desses países. Contudo, não perdeu referência do design dos outros
países, onde continuou lecionando e realizando inúmeras conferências. Muitas
delas serviram de base para a elaboração deste livro.
O autor manteve-se sempre atualizado, acompanhando as transformações de
correntes da evolução tecnológica. Na década de 1980, no início da era da infor
mática, trabalhou em um software house da Califórnia, abrindo novas perspectivas
sobre as contribuições do design na configuração e estruturação da interface de
artefatos, tanto materiais (produtos), como aqueles visuais-semióticos e digitais.
Assim, tornou-se referência mundial na análise das diferenças políticas e
econômicas entre o Centro e a Periferia, com seus inevitáveis reflexos na área de
design. Transformou-se em figura quase obrigatória nos países europeus quando
se discute a questão do design nos países emergentes e o hiato existente entre o
Centro e a Periferia. Lendo-o, consegue-se entender claramente por que certas
políticas e programas nacionais de incentivo ao desenvolvimento do design não
foram bem-sucedidos.
Segundo o autor, o design perdeu a sua substância quando passou a cuidar das
superficialidades, colocando-se a serviço da beleza cosmética e lucros fáceis do
mercado. O design moderno descuidou-se de investir nas atividades de projeto,
onde deveria estar o trabalho central do designer. Privilegiaram-se apenas os dis
cursos sobre o design, enfatizando os assuntos periféricos ligados ao estilo e sim
bolismos. Aliou-se à produção de objetos sofisticados, caros, rebuscados, e nem
sempre funcionais. Seguiu certos modismos como o emotion design ou fun design,
dando ênfase à aparência e deixando de lado o aspecto funcional e a qualidade
intrínseca dos produtos e serviços.
Fazendo uma analogia botânica, o design atual assemelha-se a um coco, com
casca dura e o interior oco, como se fosse um produto com embalagem vistosa,
mas com conteúdo precário. Ele propõe um redirecionamento dos esforços da
pesquisa e do ensino para que esse vazio interior seja preenchido, ou seja, que
passe a assemelhar-se a um abacate, com um caroço duro no centro, criando-se
um sólido cabedal de conhecimentos para subsidiar a prática projetual.
Nas relações internacionais, design transformou-se em instrumento de
dominação do Centro sobre a Periferia. Para isso, o design tem-se prestado a
8 instrumentalizar certos modismos como o branding para impor o consumo do
supérfluo, dando-se primazia aos enfeites, que se sobrepõe às outras característi
cas essenciais, como utilidade, praticidade, durabilidade e sustentabilidade dos
objetos e sistemas.
Na área de ensino, devido à rápida criação de muitos cursos, não houve tempo
suficiente para a preparação adequada dos docentes. A maioria deles, com forma
ção em áreas correlatas e sem atuação prática em design, acabou criando a «casca
do coco». Por outro lado, em instituições oficiais de ensino também houve desca
minhos, quando se privilegiaram os títulos acadêmicos de mestrado e doutorado,
praticamente em quaisquer áreas do conhecimento, em detrimento das experiên
cias efetivas na elaboração de projetos. Ou seja, mais contribuições para endure
cer a casca do coco.
Bonsiepe previu esse problema na década de 1980, quando criou o Laborató
rio Brasileiro de Desenho Industrial – lbdi, em Florianópolis, visando oferecer
cursos de reciclagem para docentes e profissionais em design e treiná-los na
prática projetual. Ressalte-se que, naquela época, ainda não existiam cursos de
mestrado ou doutorado em design no país.
Muitos designers perderam a essência ao desprezar a funcionalidade a favor
dos modismos, superficialidades e do supérfluo. Há necessidade de mudar as
temáticas das pesquisas, direcionando-as para solucionar os problemas pungen
tes que afligem a maioria da população, principalmente na Periferia, onde ainda
registram-se enormes carências. Não é possível imitar, simplesmente, os países
do Centro, onde a maioria dessas carências já foi suprida.
Examina-se a dicotomia existente entre as linguagens verbal e visual, com
amplo domínio secular da primeira. Um dos grandes problemas do design tem
sido o uso da linguagem verbal para expressar conteúdos visuais. Entretanto, o
autor manifesta esperança no poder das novas tecnologias da informática como
meio para unir a linguagem verbal com a imagem.
Bonsiepe sugere criar uma ciência do design. Para isso, é necessário investir
na pesquisa em design para gerar conhecimentos e formar um sólido arcabouço,
como acontece com outras disciplinas consolidadas das ciências. Essa ciência do
design permitiria criar as bases teóricas e, a partir daí, melhorar a prática proje
tual, considerando a imprescindível relação entre a teoria e a prática do design.
Com isso, o design estaria mais preparado e pronto para oferecer soluções efetivas
aos grandes problemas que afligem os povos da América Latina desde a época
colonial.

Itiro Iida
Brasília, junho de 2o1o

9
Prefácio

acordo
As reflexões
com quatro
sobre
vertentes
o discurso
temáticas
projetual
queapresentadas
tocam alguns,
aquiem
foram
parteorganizadas
polêmicos, de 11

pontos no discurso do design. Primeiro, a relação entre visualidade e discur


sividade. Segundo, os enfoques projetuais na Periferia(1), sobretudo o papel do
design para uma política autônoma de desenvolvimento. Terceiro, o papel con
trovertido da teoria projetual e da pesquisa do design (design research). E, quarto,
o contexto sociopolítico do trabalho projetual.
Um denominador comum caracteriza essas quatro trajetórias, vale dizer,
o denominador da latência, do não terminado, do potencial não utilizado, da
abertura histórica. Esse denominador comum se rebela contra o lema da impos
sibilidade de alternativas que quer congelar um status quo social afirmativo e,
portanto, colocar a atividade projetual em quarentena.
Depois de o tema do design durante décadas ter levado uma existência margi
nal, hoje podemos observar uma abundância transbordante de publicações sobre
o tema do design com suas manifestações caleidoscópicas desde a moda, a mídia
e eventos até as disciplinas centrais, design industrial (ou projeto de produto) e
design gráfico. No âmbito das opções de escrever sobre o design, as reflexões aqui
apresentadas se caracterizam pela materialidade do projeto, com suas contradi
ções inerentes, seus paradoxos, suas derrotas e seus – ocasionalmente – pequenos
sucessos. Isso oferece a vantagem de frear especulações parafilosóficas e parasse
mióticas sem base concreta, sobretudo aquelas com intenções normativas.
Os textos levam as marcas de sua origem: formularam-se no contexto das
relações tensas entre Centro e Periferia, na prática profissional, no ensino e na
pesquisa dentro e fora de instituições acadêmicas. Com particular nitidez, a
dimensão política do design surge no âmbito daqueles países que uma vez foram
denominados com o termo – hoje historicamente superado – ‹Terceiro Mundo›.
Eu suponho que a causa para esse fenômeno possa ser encontrada nas relações de
dominação (pós) colonial ou relações assimétricas comerciais que continuam exis
tindo de forma constante hoje em dia – relações que mais se ocultam do que se
explicam com o termo multiuso ‹globalização›.
Na primeira parte, trato de uma interpretação enfática do termo ‹democracia›
e também de alguns atributos do design no futuro que podem ser considerados
como desejáveis sem correr o risco de ser repreendido pela ingenuidade e suposta
falta de realismo.
Na segunda parte, analiso a questão da identidade do design periférico, dei
xando em aberto a pergunta se não se trata de um problema secundário em com
paração com as prioridades das atividades projetuais na Periferia. Nesse contexto
surge também o tópico da dependência, vale dizer da consciência, cuja participa
ção, devido a estruturas dominantes férreas – criadas em tempos coloniais – em
questões importantes sobre o futuro da sociedade fica bloqueada. Essa condition
périphérique existencial condiciona também a atividade projetual.
Na terceira parte, discuto o papel da visualidade para a distribuição e assimi
lação de saberes e também para a compreensão de assuntos complexos. O mesmo
12 tema da visualidade se dedica à análise de pattems audiovisualísticos, que apare
cem no cinema, na televisão e nos meios digitais, porém cuja microestrutura até
o momento foi pouco pesquisada.
A quarta seção trata da temática em grande parte não esclarecida da teoria e da
pesquisa do design e do fenômeno ligado a este tema: academização. Entre outros,
aprofundo sobre o papel de vanguarda da hfg-ulm (Hochschule für Gestaltung, Ulm)
(2) para a consolidação do ensino do design. Pois essa instituição teve uma forte
influência nos primeiros programas de ensino do design também no Brasil, sobre
tudo na ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial) no Rio de Janeiro. Mas nem
tudo o que se atribui às vezes à hfg pode ser legitimamente colocado no balanço
contábil com os ativos e passivos.

(1) O conceito ‹Periferia› não deve ser entendido no sen porém os argumentos apresentados, se é que possuem
tido urbanístico e tampouco no sentido geográfico, e sim argumentos, não me parecem convincentes.
como um conceito político, tal como é usado nas ciências (2) Usam-se as siglas iniciais do nome Hochschule für
sociais críticas na América Latina. Alude a relações Gestaltung Ulm (tradução literal Universidade de Design
de dependência perpetuadas, às quais a Periferia está na cidade de Ulm) em minúsculas hfg, pois durante uma
submetida. Como oposto dialético para a Periferia, figura fase da existência dessa instituição voltou-se para uma
o ‹Centro› como soma das encarnações de estruturas de ortografia dos nomes e substantivos em minúsculas,
dominação. Defensores de interesses afirmativos consi similar ao inglês. A sigla hfgou hfg-ulm, assim, se trans
deram limitado o valor cognitivo desses dois conceitos; formou em uma marca de identificação inequívoca.
Com respeito à terminologia, uso tanto o conceito ‹projeto› como o termo
‹design› que, como se sabe, não são coextensivos. ‹Projeto› se refere à dimensão
antropológica da criação e formação de artefatos materiais e simbólicos, enquan
to ‹design› significa um modo da atividade projetual do capitalismo tardio, tal
como a partir dos anos 1970, difundiu-se globalmente. O debate das questões
terminológicas sobre o desenho industrial no Brasil se intensificou a partir da
década de 1960, quando começaram a surgir os cursos superiores nessa área. O
adjetivo industrial foi utilizado para aproveitar as conotações positivas do termo,
abrangendo projetos de produtos e projetos gráficos. Anteriormente, essa designa
ção abrangia apenas os produtos fabricados pelos processos industriais. A tradução
de design por desenho também foi infeliz porque o design (no sentido de projeto)
pode ser realizado sem a colocação de esboços (drawings, dibujos) no papel.
No Brasil, o uso do termo ‹design› causou – e causa até hoje – certa resis
tência, que não se pode atribuir a um purismo linguístico. Inicialmente, design
associava-se às atividades projetuais. Contudo, a partir da década de 1990,
foi perdendo o seu significado original e adquirindo outras conotações, como
o divertido (fun design), caro, superficial, extravagante, efêmero, caprichoso e
emotivo. Associou-se a moda, festas e eventos midiáticos. Perdeu rigor e trans
formou-se em termo curinga, não contribuindo para consolidar a profissão dos
projetistas de produtos e dos programadores visuais.
nais,
Por
sobretudo
outro lado,
na área
a apropriação
das engenharias,
do termotambém
design épraticam
indébita,opois
design.
outros
Por profissio-
exemplo, 13

os engenheiros químicos que desenvolvem um novo material plástico, programa


dores que desenvolvem um novo software, bioquímicos que modificam a estrutu
ra genética de um vegetal para aumentar a sua resistência às pragas. Todos eles
realizam atividades de projetos que podem ser considerados também como design.
Contudo, no senso comum, o termo design está fortemente associado às ati
vidades estético-formais. Isso ocorreu em diversos países, mas assumiu conota
ções peculiares no Brasil. Por bem ou por mal, o termo acabou infiltrando-se no
ensino, pesquisa e atividades de coordenação e fomento das agências de governo.
Assim, por razões pragmáticas, rendo-me ao uso do termo neste livro.
Com relação à edição original alemã, há três mudanças. Por um lado, excluí
um capítulo sobre o projeto da sala cibernética (cybernetic management), desenvol
vido entre 1971 e 1973 no Chile, dirigido por Stafford Beer. Por outro, acrescen
tei um capítulo sobre retórica visual/verbal (retórica estática) que complementa
o capítulo sobre audiovisualística (retórica dinâmica). O capítulo sobre a sala ci
bernética será incluído em nova edição do livro Design: do material ao digital que
está em fase de preparação. Agreguei ao capítulo Design e Democracia as respostas
formuladas para uma entrevista em 2010.
Versões anteriores de algumas dessas reflexões e materiais foram apresentadas
em conferências na Europa, Ásia e América Latina e parcialmente publicadas;
porém, nem sempre em publicações de fácil acesso. Esses trabalhos preparatórios
foram, no transcurso dos anos 2008 e 2009, revisados, modificados, atualizados,
abreviados, complementados e ampliados. Limitei os dados bibliográficos, em
grande parte, às fontes citadas no texto e prescindi de preparar listas mais amplas
de literatura especializada, já que hoje essas informações podem ser obtidas facil
mente pela internet.
A edição original alemã foi patrocinada pela Universidade das Artes de Zuri
que (ZHdK) e incluída na coleção Textos Sobre Design (Schriften zur Gestaltung). Sil
via Fernández acompanhou desde o começo a elaboração do livro, sobretudo no
que se refere à transformação visual do material. Ela também elaborou o primei
ro esboço do conceito básico da diagramação. Suas pesquisas sobre o design no
espaço público serviram como ponto de partida para as reflexões sobre breakdowns
no Capítulo 7. Por isso me sinto muito grato a ela. Além disso, agradeço aos
integrantes do estúdio marca em Buenos Aires que conseguiram desenvolver um
design gráfico livre das acrobacias autorreferenciais de design. Agradeço também
a Itiro Iida pela revisão do texto e pela apresentação do livro.

Gui Bonsiepe
Florianópolis, outubro de 2o1o
http://www.guibonsiepe.com

14
Design e Democracia

• ‹DESIGN› – UM TERMO DESVIRTUADO


•INDIFERENÇA FRENTE À ATIVIDADE PROJETUAL
• AUTONOMIA E HETERONOMIA

• HUMANISMO E HUMANISMO PROJETUAL

•MERCADO E PRIVATIZAÇÃO ATÉ O LIMITE DO TOLERÁVEL

• ESTRATÉGIA DAS APARÊNCIAS

• POLÍTICA TECNOLÓGICA AUTÔNOMA NA AMÉRICA LATINA


Se dermos uma olhada panorâmica no discurso atual do design ou no discurso 17
projetual – conceito que prefiro utilizar –, constatamos uma surpreendente au
sência de questionamentos sobre a atividade projetual. As palavras da moda são
branding, liderança, competitividade, globalização, vantagens competitivas, life
style-design, diferenciação, design estratégico, design emocional, design divertido
(fun design), design de experiências (experience design), design inteligente (smart
design) – para nomear somente alguns dos termos que aparecem nas revistas espe
cializadas e livros sobre design.
Às vezes, tenho a impressão de que um designer que aspire a dois minutos de
fama se sente obrigado a inventar um rótulo que sirva como marca para se dife
renciar dos demais profissionais. Obviamente, deixo de lado os livros de design
fartamente ilustrados (os coffee table books) e que pecam pela falta de desafios inte
lectuais ao leitor. Nesse panorama, o tema ‹democracia e design› goza de menor
preferência e atenção. Salvo raras e valiosas exceções, as questões que enfocarei
nesta oportunidade são eventualmente analisadas.
Observando a história social do significado do conceito ‹design›, notamos,
por um lado sua popularização, ou seja, uma expansão semântica horizontal e, ao
mesmo tempo, um estreitamento, isto é, uma redução semântica vertical. O crí
tico de arquitetura, Witold Rybczynski, comentou recentemente esse fenômeno:
«Não faz muito tempo, o termo ‹designer› descrevia alguém como Eliot Noyes,
responsável pelo design da máquina de escrever Selectric da IBM, nos anos 196o;
ou Henry Dreyfuss, que tinha clientes como a Lockheed Aircraft e a Bell Tele
phone Company [...] ou Dieter Rams, que projetou uma gama de produtos com
formas austeras, mas muito práticas para a empresa alemã Braun. Hoje, o termo
‹designer› evoca provavelmente nomes como Ralph Lauren ou Giorgio Armani,
ou seja, designers de moda. Os estilistas geralmente começam como costureiros
(couturiers); mas, quando ficam famosos, são associados a uma grande variedade de
produtos de consumo, incluindo cosméticos, perfumes, malas e objetos para o lar
e até tintas para pintar casas. Como resultado, ‹design›, na opinião pública, se
identifica com envoltórios: a carcaça de um computador; o corpo de uma lapisei
ra; a armação de um par de óculos.»(1)
O design se distanciou cada vez mais da ideia de ‹solução inteligente de pro
blemas› e se aproximou do efêmero, da moda, do obsoletismo rápido – a essência
da moda é a obsolescência rápida –, do jogo estético-formal, da glamourização do
mundo dos objetos. Frequentemente, hoje em dia, design é associado a objetos
caros, pouco práticos, divertidos, com formas rebuscadas e gamas cromáticas cha
mativas.(2) A hipertrofia dos aspectos de moda, por sua vez, reflete-se nos meios
de comunicação de massa, em sua incessante busca pelo novo.
O design se transformou em evento midiático, em espetáculo – acompanhado
por um número respeitável de revistas que funcionam como caixas de ressonância
para esse fim. Até os centros de promoção do design se encontram expostos a essa
cumplicidade dos veículos de comunicação, correndo o risco de desvirtuar seu
objetivo de difundir design como resolução inteligente de problemas, e não ape
18 nas o styling. Trata-se, no fundo, de um renascimento da velha tradição da Boa
Forma, mas com um objetivo diferente: os protagonistas do movimento da Boa
Forma perseguiam fins sociopedagógicos, enquanto os modernos Life Style Centers
perseguem exclusivamente fins comerciais e de marketing.
Raimonda Riccini constatou o desprezo pelo estudo dos artefatos materiais e
semióticos desde a cultura clássica greco-romana até o período medieval, quando
foram criadas as primeiras universidades ocidentais. Essa tradição não favoreceu o
domínio do projeto em nenhuma carreira profissional ou em disciplinas acadêmicas.
É claro que, com a expansão das ciências e, sobretudo, com a industrialização,
já não era possível fechar os olhos para o mundo da tecnologia e dos artefatos
técnicos, cuja presença se fez sentir cada vez mais na vida cotidiana. Contudo, o

(1) Rybczynski, Witold, «How Things Work», em: New mediante pesquisas sociológicas, como foi feito, para
York Review of Books, LII, n.10, junho 9, 2005, pp. 49-51. outra temática, pela socióloga Eva Illouz (Der Konsum der
(2) Esses produtos oferecidos no mercado como produtos Romantik, Suhrkamp, Frankfurt2007). (Illouz, Eva, Inti
‹criativos› ou ‹com design› (designed) provavelmente midades congeladas – Las emociones en el capitalismo,
encontram aceitação nos membros da classe média Katz Editores, Buenos Aires 2007). Em nosso contexto,
e na classe média superior que dispõem de um poder também parece plausível supor que as práticas de con
aquisitivo maior e que apreciam o ethos da criatividade. sumo se desenvolvam em concordância com os interesses
Essa hipótese somente pode ser confirmada ou negada de classe.
ensino do projeto nunca atingiu padrões igualáveis aos do ensino de ciências. Esse
fato explica a dificuldade de incorporar a formação da competência projetual nas
estruturas acadêmicas, onde as tradições e critérios de excelência científica diferem
fundamentalmente das tradições e critérios de excelência das disciplinas projetuais.
Enquanto as ciências enxergam o mundo sob a perspectiva da cognição, as
disciplinas de design o enxergam sob a perspectiva do projeto. Essas são duas
perspectivas diferentes que, oxalá, no futuro, acabem se fundindo. Estou conven
cido de que, no futuro, haverá uma interação frutífera entre o mundo das ciências
e o mundo do projeto que, hoje, se dá, no máximo, esporadicamente.
Até o momento, o design procurou se aproximar do mundo das ciências, mas
não ocorreu o inverso. Como possibilidade especulativa arriscada, podemos ima
ginar que, no futuro, o ensino do projeto será uma disciplina básica para todas as
disciplinas científicas. Mas essa reviravolta no sistema de ensino superior prova
velmente levará gerações, a não ser que sejam criadas instituições de ensino supe
rior radicalmente novas. O espaço de ação dos ministérios de educação e cultura
é muito limitado pelo peso das tradições acadêmicas e da burocracia, com seu
inevitável corolário do credencialismo. Assim, as instituições inovadoras serão
criadas, provavelmente, fora do sistema educacional formalmente estabelecido.
A atitude de colocar o projeto relacionado com as ciências não deve ser inter
pretada como um postulado por um design científico ou para transformar design
em ciência.
mentos científicos.
Seria grotesco
Deveriaquerer
ser criada
projetar
umaumcorrespondência
cinzeiro baseando-se
entre complexidade
em conheci- 19

temática e metodologia. O design deve recorrer a conhecimentos científicos


quando a temática o exige. Por exemplo, quando se quer projetar uma nova em
balagem para leite que minimize os impactos ecológicos (ecological footprints).
Não se pode mais restringir o conceito de projeto às disciplinas projetuais
como ocorre na arquitetura, no design industrial e no design de comunicação
visual, pois nas disciplinas científicas também há projeto. Quando um grupo de
engenheiros agrônomos desenvolveu uma nova merenda, com base na semente
da algaroba acrescida de sais minerais e vitaminas básicas para escolares, realizou
um claro exemplo de projeto.(3)
Portanto, já registramos uma zona de contato entre ciências e projeto, embora
ainda não tenhamos, até o momento, uma teoria projetual que abarque todas as
manifestações projetuais, como na engenharia genética que, sem dúvida alguma,
deve ser considerada uma disciplina projetual científica.

(3) «Crean un nuevo alimento para escolares en base a


algarroba», 2005, em: Clarin, http://www.clarin.com/
diario/2005/05/09/sociedad/s-03101.htm (último acesso:
09.05.2005).
Depois dessa breve digressão sobre o ensino do projeto em cursos superiores,
chego ao tema central de minha conferência: democracia e design. O conceito de
democracia sofreu lamentável desgaste nos últimos anos, o que aconselha a usá-lo
com cautela. Se olharmos o atual cenário internacional, constatamos que, em
nome da democracia se cometem invasões colonialistas, matanças, bombardeios,
genocídios, limpezas étnicas, torturas e quebras das leis de convivência interna
cional, quase impunemente. O preço desse anti-humanismo é uma ignomínia
que não pode ser classificada como mero ‹dano colateral›. Essas operações nada
têm a ver com a democracia ou a defesa da democracia, já que elas corroem o con
teúdo substancial da democracia, podendo ser onerosas para as futuras gerações.
Na concepção neoliberal, a democracia é sinônimo da predominância do mer
cado como instância suprema para regular as relações sociais e econômicas. No
entanto, surgem as perguntas: como recuperar um conceito de democracia não
dominada pela economia e dar-lhe credibilidade? Como evitar o risco de expor
se à atitude arrogante e condescendente dos grandes centros de poder que usam
a democracia como um sedativo para a opinião pública a fim de continuar seus
negócios sem escrúpulos (business as usual)?
Utilizo uma interpretação simples de democracia, no sentido de possibilitar
a participação dos dominados, para criar um espaço de autodeterminação. Isso
significa criação do espaço para um projeto próprio, para um design próprio. Em
20 outras palavras: a democracia vai muito além do direito formal de votar, assim
como o conceito de liberdade vai muito além da possibilidade de escolher entre
centenas de modelos de telefones celulares ou uma viagem a Orlando para visitar
a Disneylândia, ou a Paris para visitar o Museu do Louvre.
Faço minha adesão a um conceito substancial e menos formal de democracia
no sentido de redução de heteronomia, entendida como subordinação a uma or
dem imposta por agentes externos. Não é segredo que essa interpretação se insere
na tradição da filosofia iluminista, tão criticada por autores como Jean-François
Lyotard, que pregam – não se sabe exatamente se com satisfação ou resignação –
o fim das Grandes Narrativas.(4)
Não concordo com essa corrente de pensamento, como tampouco concordo
com a corrente pós-modernista em todas as suas variantes. Sem um elemento
utópico, não será possível construir um mundo diferente e restaria apenas um
desejo piedoso e etéreo sem maiores consequências. Sem esse elemento utópico,
ainda que residual, não será possível qualquer redução da heteronomia. Por isso,

(4)
Report
Minneapolis
Lyotard,
on Knowledge,
Jean-François,
1984. p. xxiii
The(edição
University
The Postmodern
original
of Minnesota
1979).
Condition:
NoPress,
pre- são aquelas que querem sugerir, ou fazer acreditar, que
é possível uma alternativa, algo radicalmente diferente
além do capitalismo».
fácio, Fredric Jameson escreve: «As Grandes Narrativas
a renúncia ao projeto da filosofia iluminista me parece uma atitude conformista,
para não dizer conservadora. É uma atitude de capitulação à qual nenhum desig
ner deveria resignar-se.
Para ilustrar a necessidade de reduzir a heteronomia, quero usar as contribui
ções de um filólogo especialista em literatura comparada, Edward Said, falecido
em 2004. Ele caracteriza, de modo exemplar, o que é o humanismo e o que é
uma atitude humanista. Como filólogo, limita a postura humanista ao campo da
linguagem e da história: «Humanismo é o exercício de nossas competências da
linguagem para compreender, reinterpretar e lidar com os produtos da lingua
gem na história, em outras línguas e em outras tradições históricas.»(5)
Essa interpretação pode ser estendida a outras áreas, expandindo as intenções
do autor e sua caracterização do humanismo – com as devidas modificações –
também ao design. O humanismo projetual seria o exercício das capacidades
projetuais para interpretar as necessidades de grupos sociais e elaborar propostas
viáveis, emancipatórias, em forma de artefatos instrumentais e artefatos semió
ticos. Por que emancipatórias? Porque humanismo implica a redução da domi
nação e, no caso do design, atenção também aos excluídos, aos discriminados,
como se diz eufemisticamente no jargão economista, ‹os economicamente menos
favorecidos›, ou seja, a maioria da população deste planeta.
Essa afirmação não deve ser interpretada como expressão de um idealismo in
gênuo
damentale fora
quedaqualquer
realidade.
profissional,
Ao contrário,
não ésomente os designers,
uma possível e incômoda
deveria
questão
enfrentar.
fun- 21

Também seria errado interpretá-la como uma exigência normativa ao trabalho


do designer, que está sempre exposto às pressões do mercado e às antinomias
entre o que é e o que poderia ser a realidade. A intenção aqui é mais modesta:
formar uma consciência crítica frente ao enorme desequilíbrio entre os centros de
poder e os que são submetidos a eles. A partir dessa consciência crítica, podem-se
explorar espaços alternativos, não se contentando com a petrificação das relações
sociais. Esse desequilíbrio é profundamente antidemocrático, uma vez que nega
a participação em um espaço autônomo de decisão. Trata os seres humanos como
meros consumidores no processo de coisificação (Verdinglichung).
Menciono aqui o papel do mercado e o papel do design dentro desse merca
do. Em seu último livro, The Economics of Innocent Fraud, o economista Kenneth
Galbraith apresenta uma análise crítica do discurso das ciências econômicas.
Entre outras, faz uma radiografia do conceito de ‹mercado› que, segundo o autor,

(5) Said, Edward W., Humanism and Democratic Criticism,


Columbia University Press, New York 2003, p. 28.
nada mais é que uma cortina de fumaça para não falar pura e simplesmente de
capitalismo – termo que não goza de conotações positivas em todos os lugares e
estratos sociais. Galbraith coloca o design industrial no conjunto de técnicas das
grandes corporações para expandir e manter o poder: «A inovação do produto
e o redesign cumprem uma função econômica importante, e nenhuma empresa
de peso introduz um novo produto sem cuidar da demanda por parte dos consu
midores. Também não poupa esforços para manter a demanda por um produto
existente. Aqui entra o mundo da publicidade e das técnicas de vendas, da tele
visão e da manipulação do consumidor e, portanto, da soberania do consumidor
e do mercado. No mundo real, as empresas produtoras e as indústrias se esforçam
para manipular os preços e estimular a demanda. Para esse fim, organizam-se
em monopólios e oligopólios, investem no design e diferenciação de produtos,
publicidade e outras técnicas de promoção de vendas.»(6)
Galbraith critica o uso do termo ‹mercado› como uma instância anônima
impessoal e insiste que, em vez disso, deveria se falar do papel das grandes cor
porações. A esse uso do design – em última instância, como ferramenta de poder
– se contrapõe uma prática que não está disposta a se concentrar em aspectos
meramente de poder e da força anônima chamada ‹mercado›. Essa é a contradi
ção na qual a prática profissional do design se desenvolve, resistindo ao discurso
harmonizador de que tudo está bem. Pode-se negar essa contradição, mas não se
22 pode escapar dela.
O tópico da ‹manipulação› tem longa tradição no discurso projetual e, sobre
tudo, na publicidade. Lembro-me do livro Hidden Persuaders (1957), de Vance
Packard, que teve bastante ressonância nas décadas de 1950 e 1960. Sem dúvida,
é preciso tomar cuidado com a crítica maximalista meramente denunciatória e
declamatória. É preciso ter discernimento e não contentar-se com juízos totali
zadores. Manipulação e design encontram um ponto de contato na produção de
aparência. Ao projetarmos, estamos – entre outras e certamente não exclusiva
mente – construindo aparências.
O trabalho de design é, em boa parte, visível. Por isso caracterizei, no capítu
lo 6, Patterns audiovisualísticos, o designer como estrategista das aparências, quer
dizer, dos fenômenos que experimentamos mediante nossos sentidos, sobretudo
por meio do sentido da visão, mas também mediante os sentidos do tato e da
audição. Aparências, por sua vez, conduzem ao tema da estética – conceito ambi
valente quando aplicado ao contexto do design. De um lado, a estética representa

(6) Galbraith, John Kenneth, The Economics of Innocent


Fraud, Houghton Mifflin Company, Boston 2004, p.7.
o mundo da liberdade e do jogo (alguns autores afirmam que somente estamos
livres quando brincamos); por outro lado, abre o caminho do engodo, da mani
pulação (ou seja, da expansão da heteronomia).
Para projetarmos aparências dos produtos e dos artefatos semióticos, inevita
velmente entramos no jogo da sedução, quer dizer, provocar uma predisposição
positiva; ou também, segundo o contexto, provocar predisposições negativas
frente ao produto ou a mensagem e seu conteúdo. Ou seja, dependendo das in
tenções, o design se inclina a um polo ou a outro, tendendo para a autonomia ou
para a heteronomia.
Neste ponto desta reflexão, gostaria de abordar o tópico da tecnologia. A ‹tecno
logia› abrange o arsenal de artefatos e processos para produzir mercadorias materiais
e/ou semióticas, com as quais as empresas estão inundando a vida cotidiana. Isto é,
a tecnologia é composta por hardware e software e esse aspecto soft inclui o design
como faceta imprescindível da tecnologia.
Vou focalizar o tema das políticas tecnológicas e as políticas de industria
lização na América Latina. As pesquisas sobre esse tema revelam dados muito
esclarecedores sobre certos avanços e retrocessos, contudo, parecem favorecer uma
interpretação reducionista da tecnologia. Somente em alguns casos excepcionais
os textos mencionam o que se faz com a tecnologia. A sua ligação com o projeto
dos artefatos não é levada em conta. Isso me parece uma falha, sem menosprezar
os esforçosdados
eximi-los indiferença
historiadores
ou até
da cegueira
tecnologiacom
e da
respeito
industrialização.
à dimensãoMas
do projeto.
não se pode 23

Entre os motivos da industrialização, encontra-se o desejo de incrementar as


exportações e gerar economias com produtos de valor agregado, em vez de meras
commodities. Esses motivos ocultam outra ideia, nem sempre formulada explicita
mente. Refiro-me à ideia de que a industrialização – além de aumentar o pib – é
um meio indispensável para democratizar o consumo e permitir, a um amplo
setor da população, o acesso a um universo de produtos técnicos para melhorar a
vida cotidiana em seus diferentes domínios: tarefas domésticas, saúde, educação,
lazer, esportes, transportes, para mencionar apenas alguns.
Mencionar o papel do Estado para promover a industrialização foi conside
rado quase um sacrilégio até o começo da crise financeira global em 2008. Até
então, o papel do Estado foi demonizado com uma exceção: quando se tratava de
pagar as contas de um serviço (ou um banco) privatizado e falido, obrigando os
contribuintes a arcar com os prejuízos.(7) Porém, quando se escrever a história da

(7) Esta
ceira global
frasedefoi2008.
escrita
Parece
três justificado
anos antessupor
da crise
quefinan-
existe também no Centro. Só agora se começa falar no Centro
do ‹precariato› - uma experiência endêmica nos países
experiências
uma defasagemnegativas
de acordo
quecom
posteriormente
a qual a Periferia
ocorramantecipa da Periferia. Veja: Raunig, Gerald, Tausend Maschinen,
editora Turia + Kant., Wien 2008. [Mil máquinas].
tecnologia e da industrialização desse subcontinente, ver-se-á claramente que o
papel do Estado foi – e continua sendo – fundamental para o processo de indus
trialização, por mais que os detratores do setor público, com suas vozes belige
rantes, pretendam ridicularizar, desprestigiar e desconhecer essas contribuições.
Se olharmos rapidamente o que aconteceu na Argentina – que até há poucos
anos era submissa seguidora das recomendações do Fundo Monetário Interna
cional e que, em um momento de delírio, exaltou as ‹relações carnais› com a
maior potência econômica e militar do mundo –, constatamos que o país não
foi bem-sucedido com a privatização desenfreada. Esse processo levou, por um
lado, grande parte da população a um empobrecimento inédito naquele país e,
por outro, a uma concentração de renda que produziu uma bipolarização entre
incluídos e excluídos.
A privatização, nesse caso, é sinônimo de desdemocratização, pois as vítimas
do processo nunca foram consultadas para aprovar as decisões que levaram o país
à bancarrota. Com a privatização, a retração do papel do Estado e a abertura do
mercado sem restrições às importações, o país se desindustrializou, reduzindo
os postos de trabalho na indústria e, como consequência, a fonte de trabalho do
designer industrial também erodiu. Desencadeou-se um retrocesso, afetando
grande parte dos setores econômicos.
Examinando a política de industrialização, constato que, em todos os pro
24 gramas dos quais pude participar, principalmente no Chile, na Argentina e no
Brasil, nenhum abarcou o setor da informação e da comunicação. Todos estavam
direcionados ao desenvolvimento dos aspectos ‹hard›, não aos aspectos ‹soft›.
Hoje, essa orientação mudou radicalmente. Uma política atualizada de industria
lização deveria incluir a indústria da informação, para a qual o design gráfico, ou
melhor, o design da informação, pode prestar serviços essenciais. Aqui surgem
temáticas novas relacionadas ao design da comunicação com exigências cognitivas
que nunca receberam a devida atenção na tradição do ensino do design gráfico.
Com a difusão da tecnologia digital, começou a surgir uma corrente dentro
do discurso projetual afirmando que, hoje em dia, as principais questões colo
cadas a um designer são os aspectos simbólicos, pois as questões relacionadas
às funções dos produtos perderam importância. Como segundo argumento,
menciona-se a miniaturização obtida por meio dos circuitos integrados que não
permitem visualizar o funcionamento dos componentes. Portanto, o design teria
de tornar visíveis essas funções ocultas. Ainda que os aspectos comunicativos e
simbólicos dos produtos sejam inegáveis, é preciso não conferir-lhes papel tão
dominante, como propunham alguns autores.
O substrato material complementado com sua expressão visual/tátil/auditiva
forma a base sólida do trabalho do designer. Percebo com preocupação o cresci
mento de uma nova geração de designers que se fixa obsessivamente nos aspectos
simbólicos e seus equivalentes no mercado – o branding e o self-branding – e não
sabe mais como se classificam os elementos de junções. A busca do equilíbrio en
tre os aspectos técnicos dos objetos e seus aspectos semânticos é o núcleo central
do trabalho do designer, sem privilegiar um lado ou outro. «A polaridade entre
o material e o simbólico, entre estrutura externa e interna, é uma característica
típica dos artefatos, enquanto eles são instrumentos e simultaneamente portado
res de valores e significados. Os designers têm a tarefa de reconciliar essas duas
polaridades, projetando a forma dos produtos como resultado da interação com o
processo sociotécnico.» (Raimonda Riccini, 2oo5.)(8)
É interessante notar que a autora não fala da forma dos produtos e sua intera
ção com a função, isto é, dos serviços que um produto oferece, mas menciona o
desenvolvimento sociotécnico. Com essa abertura evita-se a velha polêmica sobre
o binômio forma/função, que tantas controvérsias provocou na história do discur
so projetual. Os fundamentos considerados estáveis para orientar a concepção
das formas dos produtos se dissolveram – se é que chegaram a existir. Hoje, seria
ingênuo pressupor a existência de um padrão de regras determinísticas. Quem
defende tal padrão comete o erro do essencialismo das configurações platônicas.
Ao mesmo tempo, seria ingênuo postular uma irrestrita veleidade das formas
surgindo de atos demiúrgicos de um punhado de designers inspirados criativa
mente.
Encontramo-nos diante de um paradoxo. Projetar significa expor-se e viver
com paradoxos e contradições, mas nunca camuflá-los sob um manto harmoni
zador. O ato de projetar deve assumir e desvendar essas contradições. Em uma
antinomias.
sociedade torturada
Vale a pena
por contradições,
lembrar o duroo design
e melancólico
tambémdictum
está marcado
de WalterporBenja
essas 25

min: «Não há documento da civilização que não seja, ao mesmo tempo, docu
mento da barbárie».(9)

(8) Riccini, Raimonda, «Design e teorie deglioggetti», em: (9) Benjamin, Walter, «Überden Begriff der Geschichte»,
i verri, n. 27, 2005, pp. 48–57. em: Walter Benjamin – Gesammelte Schriften, coorde
nado por RolfTiedemann e Hermann Schweppenhäuser,
editora Suhrkamp, Frankfurt 1991, p. 696. [Sobre o
conceito da história].
Entrevista (2010)
com Jesko Fezer

1.Sua reivindicação de um papel renovado do design em uma perspectiva democrática é desafiante. Em muitos
aspectos poderia ser relacionada com a ideia de uma cidade social. Mencionando os excessos da privatização e o
ataque a processos democráticos (sintomas ou até princípios da cidade neoliberal), o senhor advoga um redescobri
mento do conceito de democracia. Incluiria essa demanda ou redescobrimento da cidade como um espaço democrá
tico, como uma preocupação comum além de sua perspectiva econômica e exploradora?

Minhas reflexões sobre democracia e design foram formuladas no contexto da


Periferia. Certo, o peso pesado da política econômica neoliberal cai recentemente
também sobre alguns países do Centro – ou dos Centros –, mas nem de longe
se compara com tão desastrosas consequências como sobre aqueles países cujas
estruturas democráticas são muito vulneráveis e que são desestabilizados quando
se atreverem a resistir a interesses hegemônicos. Nas últimas décadas, o con
ceito de democracia foi submetido a um processo de erosão que se manifesta de
maneira exemplar na privatização de assuntos públicos, durante a qual recursos
sociais foram transferidos em grande escala à esfera de interesses particulares
financeiros e foram absorvidos por eles. No que se refere a interesses públicos da
cidade, pode-se observar bem esse processo de transferência de recursos e por isso
26 é possível mobilizar um potencial de resistência. Em compensação, quando em
uma província da Cordilheira, todo ano milhares de toneladas de cianureto alta
mente tóxico são misturadas com água de manancial para a exploração de ouro
a céu aberto – que por boas razões foi proibida na União Europeia –, somente a
população local diretamente afetada se defende contra a destruição de sua sub
sistência. Eu concordo que o espaço público, encolhido durante o processo de
privatização, requer uma redemocratização.

2.O senhor interpreta a democracia não simplesmente como o direito de escolher os representantes da dominação,
mas como redução da dominação em si. Nesse contexto, o senhor rejeita a ideia que isso deveria ser uma demanda
normativa para o design. Por quê? Seria realmente suficiente «fomentar uma consciência crítica» – como o senhor
formula – no contexto de um regime obviamente poderoso de injustiça social em tantas áreas? Em um contexto
fortemente normativo uma proposta contranormativa poderia ser provavelmente bastante útil.

Considero a criação de uma consciência crítica um passo indispensável para


uma prática projetual crítica. Mas deve-se levar em consideração que a transição
de uma crítica que se detém no discurso a uma prática projetual é determinada
por contingências que arrebata os puristas. Certo, para mudar situações sociais
injustas podem-se apresentar exigências radicais que são tão radicais que deixam
tudo igual. Tenho pouca estima pelo radicalismo verbal e da gesticulação maxi
malista, assim como pela instalação conformista no juste milieu. O senhor men
ciona minha desconformidade com uma exigência normativa geral de como os
designers deveriam se comportar em uma sociedade infestada por contradições.
Esta formulação pode ser mal-entendida. Quero advertir sobre um risco: quem se
atribui o direito de se apresentar com exigências normativas corre o risco de cair
no papel do Grão-Inquisidor – e dessa figura definitivamente não necessitamos.
Normatividade deve ser, antes de tudo, desenvolvida na confrontação entre con
ceito e realidade. Ernst Bloch usa o conceito ‹latência›, do possível, do ainda en
capsulado que deveria ser aberto e estendido e que pode servir como antecedente
para a normatividade. Por isso faço uso do conceito enfático de democracia como
redução de heteronomia em qualquer área: economia, política, ensino, pesquisa,
meios, prática da vida cotidiana, cultura…

3.Acho especialmente interessante seu argumento de que a democracia deveria possibilitar às pessoas «abrir um
espaço para um projeto próprio». Usando o termo ‹espaço›, o senhor toca – talvez inconscientemente – a dimensão
urbana e dos espaços. Tais espaços autodeterminados poderiam ser os fundamentos para uma cidade mais social.
Como capacitar as pessoas para criarem esses espaços? Por outro lado, sua definição de democracia está vinculada
a um projeto. Essa perspectiva da ‹projetualidade› constitui o centro das disciplinas de design. Implica isso no
design ter uma responsabilidade especial e possuir o potencial para fortalecer a democracia, uma cidade democrá
tica? Ou mais ainda, que a democracia é algo que deve ser projetado?

Uso o termo ‹espaço› sem limitá-lo a seu significado em arquitetura e urba


nismo. Mas estou de acordo que uma cidade social – aqui o termo ‹convivial›
cunhado
espaços autodeterminados
por Illich é apropriado
onde são
–, então,
mediados
umainteresses
cidade convivial
legítimos
se caracteriza
diferentes epor
até 27

contrários. O senhor pergunta o que os cidadãos deveriam fazer para criar espaços
autodeterminados. A reposta é simples: mediante empenho político, longe do
isolamento individual, afastar-se da crença de que se pode obter individualmente,
através da instância do mercado tão euforicamente festejado, uma forma de con
vivência urbana, suportável e até livre de violência. Deveria ser claro que isso não
significa ‹gentrificação› (gentrification) da cidade. Além disso: desconfiança contra
uma managed democracy, e contra o marketing político que ocupa o lugar da política
e com isso a decompõe. Está longe de mim a tentação de superestimar o potencial
democrático das disciplinas projetuais, sobretudo no contexto que foi denomina
do com o termo paradoxal ‹totalitarismo invertido›.(1) Mas opino que democracia
contém essencialmente um componente projetual. Infelizmente, não vale a mes
ma coisa para o inverso. Não cada projeto alberga um componente democrático.
Instrumentos de tortura – assim como torturas – são inumanos e antidemocráticos
enquanto apontam para uma incondicional submissão – o oposto do design.

(1) Wolin, Sheldon S., Democracia S.A. – La democracia


dirigida y el fantasma del totalitarismo dirigido, Katz
Editores, Buenos Aires 2008.
4.Na caracterização dos traços dominantes do design, sua descrição do aspecto simbólico-semântico e do aspecto
operacional-instrumental parece dar preferência aos aspectos operacionais. O senhor menciona um martelo para
pregar um prego em uma parede como algo que não pode ser captado por sua dimensão simbólica. O que quer dizer
com isso? Precisaríamos de um novo balanço? Pergunto se é necessário reforçar radicalmente o valor de uso do
design? Eu defenderia esse enfoque para o design de espaços urbanos e infraestrutura urbana.

Depende do peso atribuído à dimensão semântica dos produtos e construções.


A mesma coisa vale também para o tema das emoções evocadas por produtos e
edifícios. Os defensores do emocionalismo parecem ser alérgicos a tudo que se
denomina com o termo da política econômica ‹valor de uso›. Certo, na área de
produtos com interfaces digitais se abre um novo campo de ação para designer;
mas também interfaces devem ser submetidos ao critério do valor de uso e da
funcionalidade igual a um martelo. Esse novo tipo de produto e os modos de
uso correspondentes não devem servir como pretexto para desvalorizar a dimen
são material com desprezo e tratá-la como assunto secundário. No discurso de
design, uma das fontes de atração para emoções jaz no fato de que sobre emoções
é possível farfalhar tão facilmente. Frente à devoção às emoções e ao correspon
dente experience design, pode ser oportuno lembrar – como o senhor faz – o in
dispensável substrato da infraestrutura urbana. Inflar a dimensão simbólica da
arquitetura conduz a esculturas arquitetônicas que, com gesto arrogante, passam
28 por cima das exigências de uso, por exemplo, de um museu. Nesse tipo de arqui
tetura, o capital simbólico festeja sua conquista máxima.

5.Com o conceito de ‹humanismo projetual› o senhor vincula o design às necessidades de grupos sociais, sobretudo
aqueles que são excluídos e discriminados dentro do regime neoliberal, com o fim de interpretar suas necessidades
e de desenvolver propostas emancipadoras. Isso implica uma mudança radical com relação aos clientes do design
que em geral são aqueles que podem pagar esses serviços. Como é possível detectar essas necessidades? Como
os designers poderiam se conectar com grupos sociais que vivem e trabalham em sua maioria fora do milieu dos
estúdios de design?

Fica em aberto se na atual fase do pós-liberalismo – não tenho certeza se esse


conceito já é aplicável – pode-se já falar de um novo cliente de trabalhos pro
jetuais emancipadores. Seria já um passo à frente se encontrarmos clientes que
encomendam designs que não gerem novas dependências. Um design controlado
pelo marketing dificilmente poderá contribuir para produtos emancipadores.
Também o enfoque do design de autor, que põe o acento no indivíduo criador e
não no grupo anônimo de usuários, dificilmente servirá para satisfazer as neces
sidades de grupos sociais fora do milieu dos estúdios de design. Se não me falha a
memória, o conceito de ‹design participativo› surgiu nos anos 1970 e foi prati
cado, sobretudo, na arquitetura e urbanismo. Tratou-se de incorporar grupos de
pessoas diretamente expostas a projetos arquitetônicos e urbanísticos. Fica em
aberto a pergunta se com isso a atividade projetual foi socializada.
6.Concordo com sua rejeição a um discurso harmonizador e que o senhor insista nas contradições como algo fun
damental para o design. Como tratar essas contradições quando o design, de alguma maneira, é sempre uma ferra
menta de dominação e por isso produz essas contradições? Deveríamos torná-las explícitas em vez de resolvê-las?
Deveríamos abri-las à negociação social ou deveríamos tomá-las como ponto de partida para uma reformulação,
uma modificação de uma situação dada? A que se assemelharia um design orientado a conflito?

A prática projetual está inevitavelmente exposta a contradições – por exem


plo, entre carga ambiental e satisfação de necessidades. Por mais bem intenciona
do que fosse o design sustentável, parece ter pouco alcance se se limita somente
à natura e ao consumo de recursos e exclui-se a pergunta pela sustentabilidade
social. Eu não digo que o design é sempre um instrumento de dominação. Se é
usado como instrumento de dominação depende de interesses político-econô
micos. Design – assim como a ciência – pode ser uma ferramenta de interesses
hegemônicos, mas não necessariamente é. A atividade projetual seria superestimada
se supusermos que mediante a atividade de arquitetos, designers industriais e
designers gráficos o potencial social conflituoso pode ser reduzido diretamente.
Mostrar contradições e explicitá-las ocorre em primeira instância no discurso crí
tico, isto é, mediante a linguagem. Partindo daí, pode-se ver como traduzir essa
crítica discursiva projetualmente. Isso acontece mediante níveis de mediação. Se
queremos projetar objetos de luxo e mansões bunkerizadas de luxo depende de
porta
uma decisão
como sepessoal.
nós vivêssemos
Eu me oponho
no melhor
a umdos
discurso
mundosharmonizador
(divertidos).que
Além
se com-
disso, 29

oponho-me à subsunção do design ao marketing.

A contradição mais forte à qual a atividade projetual está exposta jaz na


distância entre o que é socialmente desejável, tecnicamente factível, ambien
talmente recomendável, economicamente viável e culturalmente defensível. Se
olharmos, por exemplo, os festivais de design, surge a impressão que para os de
signers participantes aparentemente existem só duas classes de produtos: cadeiras
e luminárias, complementadas com alguns acessórios de moda. Nos eventos pro
movidos na mídia, o critério do fun parece ocupar a posição dominante e limitar
se à inovação do efêmero. Perguntas pelo sentido não parecem ser formuladas;
incomodariam o âmbito de festa do mundo belo do design.
Bibliografia
Benjamin, Walter, «Überden Begriff der Geschichte», em: Walter Benjamin – Gesammelte Schriften, editado por Rolf
Tiedemann e Hermann Schweppenhäuser, editora Suhrkamp, Frankfurt 1991. [Walter Benjamin – textos coletados]
Borges, José Luis e Osvaldo Ferrari, En diálogo, II, Siglo xxi Editores, México 2005.
Acessível em: http;//books.google.com.books
Galbraith, John Kenneth, The Economics of Innocent Fraud, Houghton Mifflin Company, Boston 2004. [Economia das
Fraudes Inocentes, Cia. Das Letras, São Paulo 2004]
Illich, Ivan, Tools for Conviviality, Harper and Row, New York 1973.
Illouz, Eva, Der Konsum der Romantik, editora Suhrkamp, Frankfurt 2007. [O consumo do romanticismo]. Veja: Costa,
Sérgio, «Amores fáceis: romanticismo e consumo na modernidade tardia», em: Novos estudos CEBRAP[online],
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(último acesso: 24.06.2010)
Lyotard, Jean-François, The Postmodern Condition: Report on Knowledge, The University of Minnesota Press, Minneapo
lis 1984.
Riccini, Raimonda, «Design e teorie degli oggetti», em: i verri, n. 27, 2005, pp. 48–57.
Rybczynski, Witold, «How Things Work», em: New York Review of Books, LII, n.10, 2005.
Said, Edward W., Humanism and Democratic Criticism, Columbia University Press, New York 2004. [Humanismo e Crítica
Democrática, Cia. Das Letras, São Paulo 2007]
Wolin, Sheldon S., Democracia S. A. – La democracia dirigida y el fantasma del totalitarismo dirigido, Katz Editores,
Buenos Aires 2008.
30
Algumas Virtudes do Design

• SEIS PROPOSTAS PARA O PRÓXIMO MILÊNIO, DE ITALOCALVINO

• PREOCUPAÇÕES (CONCERNS) BÁSICAS E PREOCUPAÇÕES EFÊMERAS


• INTELECTUALIDADE

• O SETOR PÚBLICO

• ALTERIDADE

• VISUALIDADE | PICTURALIDADE | PERCEPÇÃO


• TEORIA DO DESIGN
|02||03

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G •••
|01|Design
tante
|02|Cartão
do ‹DESIGN›
telefônico.
no setor público:
autoral
Projeto:
divulgado
semKarel
pretensões,
Martens,
pela mídia.
dis-
1993. |03|Luminária parentesi. Projeto: Achille Castiglioni
e Piero Manzù, 1970.

UmPara discutir
termo fora dea moda
associação entre virtude e design, faço referência a seis conferên 33

cias de Italo Calvino, contidas no livro Six Memos for the Next Millenium,1988.(1)
Nessa publicação póstuma, ele fala dos valores da literatura que gostaria de ver pre
servados no século xxi. O autor chama esses valores de ‹virtudes›. Essas seis confe
rências apresentadas por Calvino em 1985, na Universidade de Harvard, se referem
a: leveza (lightness), rapidez (quickness), exatidão (exactitude), visibilidade (visibility),
multiplicidade (multiplicity) e coerência (consistency). Sem correr o risco de cometer
o erro de uma interpretação esquemática indevida, esses valores podem ser relacio
nados – com os devidos ajustes – à área de design. Uma interpretação literal seria
ingênua e inapropriada. Porém, existem paralelos, afinidades e equivalências. Por
exemplo, se Calvino define a leveza como a tentativa de tirar peso da linguagem e
das narrativas, haverá, certamente, analogias no campo do design, apesar de Calvino
usar o termo metaforicamente – em relação à linguagem.
Leveza, no design, é uma virtude que deveria ocorrer, sobretudo, quando se
leva em consideração os fluxos de materiais e de energia e suas influências sobre
o ambiente, ou quando se registra a sobrecarga da rede virtual com lixo digital.
Calvino refere-se à leveza como «salto rápido e imprevisto do poeta-filósofo que
se eleva sobre o peso do mundo e mostra […] aquilo que muitos interpretam
como um sintoma da vitalidade de nossos tempos – ruidosos, agressivos, rápidos
e barulhentos – pertence ao domínio da morte como o ‹cemitério de carros› ve
lhos e enferrujados». A leveza ganha um componente crítico e dissipa as associa
ções erradas com superficialidade e pouco-caso.(2)
|04|Cédula dos Países Baixos antes da introdução
do Euro. Projeto: Jaap Drupsteen, 1988.

|04|

34 Sem dúvida, abstraindo-se as características físicas evidentes, também in


cluem-se, no conceito de leveza, o humor, a graça e a elegância. Esses atributos se
encontram particularmente no design italiano, por exemplo, a luminária paren
tesi, de Achille Castiglioni e Piero Manzù, 1970. No design gráfico, existem as
cédulas dos Países Baixos antes da introdução do Euro. Esses projetos ilustram o
significado da virtude da leveza no design.
Seria interessante adotar Calvino como guia e conseguir para o design o que
ele conseguiu para a literatura, mesmo que o design ainda não tenha uma tradi
ção tão arraigada como a literatura. Além disso, falta uma valorização cultural
ao design. Até o momento, o design só penetrou timidamente no círculo das
temáticas credenciadas dos cultural studies. Por isso, o design leva uma exis
tência à sombra, também possivelmente em virtude de sua complexidade e de
suas conexões com tecnologia, sociedade, economia e cultura. A despeito dessas
limitações e diferenças, não seria exagero afirmar que o design também tem suas
virtudes, ainda que não sejam sempre formuladas explicitamente. Obviamente

(1) Calvino,
Harvard University
Italo, Six
Press,
Memos
Cambridge
for the Next
Mass.Millenium,
1988. (2) Op. cit., p. 12.
não me refiro às virtudes como assunto privado, mas às virtudes como assunto
relacionado ao domínio público – uma relação que inevitavelmente se manifesta
em qualquer prática projetual.

Preocupações (concerns) básicas e preocupações efêmeras


As virtudes enumeradas por Calvino estão intimamente entrelaçadas com a
prática projetual porque essa atividade atende certos interesses primários – pode
mos dizer até interesses básicos. Em cada ato projetual, há interesses e necessida
des atendidos e a maneira de atendê-los depende da virtude que se apresenta com
cada ato projetual, independentemente do fato de o designer estar consciente
disso. Lembrar esse fato, aparentemente distante da realidade, pode incomodar
uma prática que se considera com os pés no chão e arraigada na realidade.
A popularização do design durante a década de 1980 transformou a palavra
‹design› em um termo multiuso. Seria hipócrita queixar-se desse fato; porém, a
popularização leva a uma visão distorcida. Frequentemente, usa-se o termo ‹de
sign› como etiqueta para uma classe especial de produtos, por exemplo, designer
jeans, designer joias e designer móveis… Esses exemplos tendem a esconder o fato
de que todos os artefatos materiais e semióticos são resultados de atividades pro
jetuais, e não somente aqueles produtos para a decoração doméstica e a autorre
presentação pessoal que levam a etiqueta ‹design›.
35
Intelectualidade
No congresso de Aspen, em 1989, dedicado ao design italiano, Ettore Sott
sass surpreendeu o público quando se apresentou como intelectual ou operador
cultural.(3) Haverá poucos países em que esse tipo de autocaracterização pode ser
apresentado com tanto desembaraço, como na Itália, sem que o público franza
a testa. A maioria dos designers concordará com essa autointerpretação como
intelectual, somente com algumas ressalvas. Antes, insistirá dizendo que eles
são práticos e que não se encontram na proximidade do intelectual ou, usando
a terminologia de Antonio Gramsci, na proximidade do ‹intelectual orgânico›.
Essa maioria dirá que aplica sua competência técnica em instituições produtivas,
tais como empresas privadas ou instituições públicas.
Os intelectuais são caracterizados como especialistas da palavra porque elabo
ram discursos, por exemplo, nas áreas da política, ciência e tecnologia. No cam
po do design, a formação intelectual não tem uma tradição forte porque o ensino

(3) Desde os anos 1950, organizam-se conferências


internacionais em Aspen que têm contribuído para a
reputação da instituição.
do design surgiu de uma tradição artesanal, com uma profunda desconfiança
contra tudo que é ‹teórico›. Nos últimos anos, registramos tendências para uma
mudança, distanciando-se da postura desconfiada ou indiferente à postura teórica
ou questões especulativas. Os designers, principalmente os designers gráficos,
começam a escrever, superando, assim, a época de silêncio coletivo da profissão.(4)
Atualmente, projetar e escrever sobre design não são mais consideradas
atividades mutuamente excludentes. Por isso, algum futuro historiador do ano
2050, ao traçar o cenário do design de hoje, será surpreendido pela existência de
falsas alternativas entre ação (fazer) e reflexão (pensar). Na próxima geração, essa
dicotomia contraproducente provavelmente será considerada superada pela maior
integração entre a teoria e a prática do design. Será comparável ao debate entre
Muthesius e van de Velde quando discutiam sobre padronização e normas técni
cas, no período da fundação do Werkbund (associação de empresários, arquitetos,
artistas e jornalistas, criada em 1907). Hoje, esse debate não tem mais relevância.
Como é sabido, os intelectuais preocupam-se em refletir sobre seu papel na
sociedade e problematizar precisamente essa sociedade. Eles se destacam na
sua autocaracterização e na perseverança em descobrir contradições, sacudin
do os fundamentos da autocomplacência, comparando a realidade dada com
aquela possível e, sobretudo, perguntando sobre a legitimidade do poder. Está
longe de mim glorificar o papel do intelectual e, menos ainda, superestimar
36 as possibilidades de sua influência. Tampouco quero reforçar o estereótipo de
seu papel como contestatório rancoroso incorrigível que, por princípio, ‹está
contra tudo›. Porém, na cultura do projeto, não deveria faltar esse ingrediente
de postura crítica. Esta serve como antídoto a uma aceitação conformista, sendo
não só desejável como indispensável para se fugir da armadilha da indiferença e
do conformismo.
Como segunda virtude para o design do século xxi, gostaria de ver manti
das a disposição e a coragem de examinar criticamente ortodoxias, convenções,
tradições, cânones de design e não somente os cânones tradicionais de design.
Essa observação não se limita ao domínio puro da reflexão, vale dizer, à atividade
baseada na linguagem e transmitida pela escrita, mas estende-se também à con
versão da competência linguística e à postura crítica.
O designer que trabalha profissionalmente, aplicando as ferramentas dispo
níveis, acha-se frente ao desafio de traduzir sua postura contra o status quo em
uma proposta projetual viável. Em outras palavras, cabe ao designer intervir na

Design,
(4) Bierut,
(coords.),
Allworth
Looking
Michael,
Communications
Closer
William
5 – Drenttel
CriticalInc.,
Writings
e Stevenon
New York
Heller
Graphic
2006. Research in Graphic Design, Princeton Architectural
Press, New York 2006.
Bierut, Michael, Seventy-nine Short Essays on Design,
Bennett, Audrey (coord.), Design Studies – Theory and Princeton Architectural Press, New York 2007.
realidade com atos projetuais, superando as dificuldades e não se contentando
apenas com uma postura crítica frente à realidade e persistindo nessa posição.
Afinal, projetar, introduzindo as mudanças necessárias, significa ter a predispo
sição para mudar a realidade sem se distanciar dela.

O setor público
Os Países Baixos têm uma longa tradição de virtudes públicas que se mani
festa também na preocupação com o setor público. Um visitante ficará surpreso
com a consciência de detalhes, por exemplo, na maneira cuidadosa com a qual é
projetada uma etiqueta postal ou em uma tabela com os horários de trem. Além
disso, ficará surpreso com a naturalidade com que cuidar do espaço público é
considerado um dever da administração pública e da política. Esse cuidado com
os detalhes e com a qualidade do espaço público vem de uma tradição política
que se formou ao longo da história desses países. A onda do neoliberalismo cer
tamente deixará vestígios também nos Países Baixos e, como em outros lugares,
implicará retrocessos. No âmbito dessa tradição, as transformações não decorrem
das medidas de curto prazo, mas de práticas sociais ancoradas na estrutura políti
ca e na história política de longo prazo dos Países Baixos.(5)
Política significa o domínio onde os membros de uma sociedade discutem e
decidem o tipo de sociedade em que querem viver. A política vai muito além dos
programas
ver políticoouque
dasdeve
orientações
ir além dos
dosinteresses
partidos políticos.
momentâneos
O cuidado
do governo
público
– ou,
é umpelo
de- 37

menos, deveria ser orientado além de programas de curta duração.


Como terceira virtude, menciono o cuidado e a preocupação com a esfera
pública, que adquirem importância se considerarmos os ataques fanáticos das
últimas décadas contra tudo aquilo que representa e defende os interesses públi
cos. Pode ser oportuno lembrar que os interesses privados desenfreados podem
ter consequências sociais danosas. Os interesses públicos devem ser defendidos
vigorosamente em qualquer sociedade que se defina como democrática e que
mereça essa classificação.
Há uma tendência para que fenômenos da Periferia (ex-Terceiro Mundo), com
programas polarizadores entre uma minoria de incluídos e uma maioria de exclu
ídos, se estendam às economias ricas. Isso lança uma nuvem sobre o futuro e faz
surgir dúvidas na mente daqueles que consideram desejável uma estrutura social
tão dilacerada. A tentativa de colocar o design frente aos amplos problemas

(5)
«El
damente
Essa
compromiso
particularidade
explicada
social
pordel
Paul
dodiseño
design
Hefting.
público»,
holandês
Veja Hefting,
em:
foi Historia
detalha-
Paul, del diseño en América Latina y el Caribe, coordenado por
Silvia Fernández e Gui Bonsiepe, editora Blucher, São
Paulo 2008, pp. 274–298.
sociais pode provocar diversas reações que se estendem da indiferença à irritação.
Do ponto de vista do profissional que considera o design primordialmente um
negócio, pode-se compreender essa indiferença ou irritação. Certamente, o de
sign é um negócio; porém, não só isso. Aquele que reduz o design simplesmente
a um negócio desconhece que uma gestão (management) bem-sucedida consiste
em manter uma empresa viva, como sistema viável, num contexto conturbado.
E isso significa mais que aspirar a uma margem de ganâncias de 20% ou mais,
controlada em intervalos de três meses.

Alteridade(6)
Após ter comentado as virtudes da leveza, da intelectualidade e do cuidado da
esfera pública, trato agora da quarta virtude, vale dizer, da alteridade, ou melhor,
da responsabilidade pela alteridade. À primeira vista, isso pode parecer esquisi
to, pois o que a alteridade tem a ver com design? Além disso, poderia causar a
impressão de que as virtudes enumeradas até agora pertencem ao conjunto hete
rogêneo de características. Deve-se admitir que fica em aberto, por enquanto, a
questão de como integrar essas virtudes em um conjunto coerente, não passando
de um conjunto de atributos desconexos entre si. Porém, seria prematuro rejeitar
um enfoque integrador das virtudes do design.
A alteridade pressupõe a disposição de respeitar outras culturas projetuais
38 com seus valores inerentes, e não vê-las com o olhar de exploradores em busca da
próxima moda de curta duração. Essa virtude pressupõe a disposição de resistir
a qualquer visão messiânica etnocentrista. Ela pode contribuir para contrapor a
tendência atual de se concentrar o desenvolvimento exclusivamente em 25% da
humanidade que faz parte dos países industrializados.
Como é sabido, a temática da alteridade é ligada ao debate sobre a iden
tidade, a apresentação e autoapresentação. Essa temática ocupa um espaço
importante no discurso do feminismo, do papel dos gêneros, das etnias e da
diversidade religiosa; por isso, tem virulentas implicações políticas, pois esbarra
em questões de autonomia, vale dizer, da capacidade de definir perspectivas
próprias do futuro. Essas questões levam a enfocar a indiferença com 3∕4 da
humanidade, como formulou Edward Said. O design e o discurso do design
refletem hoje os interesses das economias dominantes que, com a bandeira da
globalização, estão procurando organizar o mundo de acordo com seus interes
ses hegemônicos.

(6) Palavra
relação
rização etc.
interpessoal,
que
É umsignifica
princípio
comcolocar-se
respeito
filosóficoeno
que
consideração,
lugar
significa
do outro
trocar
valo-
na seu próprio ponto de vista pelo do outro. Esse conceito
foi introduzido por Emmanuel Lévinas, em uma série de
ensaios com o título Alterity and Transcendence, 1970.
Globalização, como novo fundamentalismo econômico, é o nome para o
projeto totalizador atual – um processo que, com brutalidade, passa por cima
das pessoas, dos governos e das sociedades.(7)Se usarmos o repertório dos concei
tos da antropologia, poderemos interpretar a globalização como uma tentativa
de subjugar alteridade. Isso talvez não agrade a todos. Não será surpresa se as
vítimas desse processo, denominadas cinicamente de ‹custos sociais›, resistirem a
essa tentativa de submissão e preferirem enfrentar esse conflito mais bem prepa
radas. Para que esse enfrentamento seja mais equitativo, será necessário que as
condições de entrada na arena sejam menos distorcidas do que atualmente. Por
isso, a quarta virtude é o respeito pela alteridade, eliminando de uma vez por
todas os termo racistas da diferenciação entre países desenvolvidos e subdesen
volvidos.

Visualidade | Picturalidade | Percepção


Como equivalente para a virtude da visibilidade de Italo Calvino, uso o termo
‹visualidade› para a área do design. Calvino considera a visibilidade a capacidade
de «pensar em imagens». Essa caracterização é sintomática. Pode-se ver nela uma
tentativa de criar a dimensão visual, enquanto se trabalha no domínio da lingua
gem – justamente: «pensar em imagens» é um processo cognitivo que transmite
imagens mediante a linguagem. Para o escritor, a primazia da linguagem é uma
postura
linguagem.
legítima e compreensível, pois ele procura criar imagens com o uso da 39

Nas ciências, o uso de imagens ocupa um status epistêmico baixo – e isso


a despeito do giro icônico e da crítica recente à indiferença das ciências com
as imagens. Atualmente, há a revalorização da dimensão visual no desenvol
vimento de algumas técnicas, como as imagens virtuais na medicina (imaging
technologies).(8) Frente a essa mudança que se pode observar há alguns anos, seria
errada a tentativa de contrapor o ‹imperialismo da palavra› ao ‹imperialismo da
imagem›. Em compensação, abrem-se enormes possibilidades justamente para o
design ligado ao domínio da percepção para revelar o potencial da visualidade.
Não se trata de um papel secundário de elaborar ilustrações para apoiar o domí
nio do texto, mas da visualidade como domínio próprio.
A ciência da imagem está se consolidando, liberando-se gradativamente da
predominância da pintura como temática central da história da arte. O design
teria aí um bom ponto de partida para explorar o potencial da visualidade e

(7)
eargumento
daEssa
naturalização
constatação
a favor danão
naturalização
história.
deve ser interpretada
dos processos
como
sociais
um (8) Burri, Regula Valérie, Doing Images – Zur Praxis medi
zinischer Bilder, editora Transcript, Bielefeld 2008.
confirmar sua qualidade epistêmica. Assim, passaria a ocupar uma posição con
trária à tradição pós-estruturalista, que se fixa no texto, enfrentando a realidade
em forma de texto que deve ser lido. As novas técnicas digitais de visualização
acabarão com o domínio do texto, tão fortemente arraigado na tradição ociden
tal. Para essa nova área de atividades, determinada pelas técnicas digitais, usa-se
o termo ‹design de informação› (information design), que oferece a vantagem de
evitar a dicotomia entre palavra e imagem.
‹Design de informação› ou ‹infodesign› é um conceito neutro, pois não privi
legia nem o texto e nem imagem. O infodesign liga-se de forma inerente à visua-
lidade, apresentando exigências cognitivas que favorecem um enfoque orientado
para solucionar problemas, em lugar de um enfoque autorreferencial que surgiu
a partir dos anos 1980. Esse novo enfoque parece mais promissor para a área do
design.
Para a quinta virtude do design – a visualidade que merece ser cultivada no
século xxi –, pode-se citar de uma representante das ciências da imagem: «A
tendência geral à visualização tem profundas consequências intelectuais e práti
cas para ciências humanas, ciências exatas, biologia e ciências sociais – na verda
de, para todas as formas de ensino, de cima a baixo.»(9)

Teoria do design
40 No final deste panorama sobre as virtudes do design, quero comentar o papel
da teoria projetual que faz parte do discurso mais abrangente do projeto. Difi
cilmente a profissão dos designers terá um futuro promissor se os programas de
ensino não forem aprimorados nos próximos anos, dando um lugar institucional
seguro à teoria do design. Para isso, há dois argumentos favoráveis. Primeiro:
cada prática profissional se desenvolve frente a um cenário teórico; isso vale
também para formas de prática profissional que insistem cegamente em negar
qualquer fundamentação teórica. Segundo: profissões que não produzem conheci
mentos ficam na retaguarda nas sociedades tecnologicamente dinâmicas.
A teoria do design, até o momento, leva uma existência marginal. É consi
derada passatempo de alguns acadêmicos excêntricos, protegidos contra o duro
mundo da prática profissional. Contudo, uma sólida base teórica deveria fun
damentar a prática do design. Por isso, gostaria de ver a teoria do design não
somente continuada no século xxi, mas também levada à plena maturidade.

(9) Stafford, Barbara, Good Looking – Essays on the


Virtues of Images, MIT Press, Cambridge, London 1996,
p. 23.
Bibliografia
Bennett, Audrey (coord.), Design Studies – Theory and Research in Graphic Design, Princeton Architectural Press, New
York 2006.
Bierut, Michael, William Drenttel e Steven Heller (coords.), Looking Closer 5 – Critical Writings on Graphic Design,
Allworth Communications Inc., New York 2006.
Bierut, Michael, Seventy-nine Short Essays on Design, Princeton Architectural Press, New York 2007.
Burri, Regula Valérie, Doing Images – Zur Praxis medizinischer Bilder, editora transcript, Bielefeld 2008. [Doing Images –
Sobre a prática de imagens na medicina]
Calvino, Italo, Six Memos for the Next Millenium, Harvard University Press, Cambridge, Mass. 1988. [Seis propostas
para o próximo milênio, Cia. das Letras, São Paulo 1990]
Hefting, Paul, «El compromiso social del diseño público», em: Historia del diseño en América Latina y el Caribe, coorde
nado por Silvia Fernández e Gui Bonsiepe, editora Blucher, São Paulo 2008.
Stafford, Barbara, Good Looking – Essays on the Virtues of Images, MIT Press, Cambridge, London 1996.

41
Identidade – Contraidentidade
do Design

• CARTOGRAFIA DA IDENTIDADE

• ESCAVANDO AS RAÍZES

• CRÍTICA AO ESSENCIALISMO

• LIMITES DO CONCEITO DE ESTILO E DO ENFOQUE DA HISTÓRIA DA ARTE


• RESISTÊNCIA CONTRA O DESENVOLVIMENTO DO SUBDESENVOLVIMENTO

• O OLHAR USURPADORÀS BUSINESS OPPORTUNITIES

• IDENTIDADE COMO RESULTADO DO BRANDING

• MARKETING DAS CIDADES

• ‹CAPRICHOS TEOLÓGICOS› DA MERCADORIA


• NOVAS CIDADES DO DESIGN

•DESIGNS ANÔNIMOS DA PERIFERIA


|03|
|01|

|02|
|01|Identidade da cultura local de produtos. |03|Design inteligente de um parafuso irremovível.
noroeste
Calchaquíes
Petróglifos
dada
Argentina.
(Guachipas)
cultura pré-colombiana
na província de
do Salta,
Vale dos Oferece uma superfície de contato que possibilita
girar no sentido horário; porém, não no sentido
anti-horário.
|02|Parafuso com rosca especial que desloca o
material sem produzir limalhas. Projeto: empresa
HILTI.

man
Frente
escreve:
à crescente
«‹Ultimamente,
quantidade
o conceito
de pesquisas
de identidade
sobre identidade,
desencadeou
Zygmunt
uma ver
Bau- 45

dadeira explosão discursiva› constatou Stuart Hall, em 1996, numa introdução


para uma coleção de artigos. Desde então, já se passaram alguns anos durante os
quais essa explosão desencadeou uma avalanche. Nenhum outro aspecto da vida
contemporânea parece gozar do mesmo grau de atenção por parte de filósofos,
cientistas sociais e psicólogos. Isso significa que as ‹pesquisas sobre identidade›,
rapidamente, transformaram-se em atividade próspera. Mais ainda, pode-se dizer
que ‹identidade›, hoje, se transformou num prisma através do qual são descober
tos, captados e pesquisados outros aspectos atuais da vida contemporânea»(1). No
âmbito do design, podemos observar um processo similar: identidade e globali
zação ocupam uma posição central no discurso atual do design.

Política e identidade
Por trás do conceito de identidade cultural em geral e de identidade cultural
nas disciplinas projetuais, em especial (sobretudo, design industrial, comuni
cação visual e moda), escondem-se perguntas que poderiam incomodar o clima
amigável no debate porque intervêm também fatores políticos controversos que,
em princípio, podem parecer inocentes. São questões de:
• Dominação e submissão
• Antinomias e assimetrias
• Autonomia e heteronomia
• Colonialismo e pós-colonialismo
• Globalização e contraglobalização
• Padrões universais e particularidades locais
• Diferenças e (apesar de tudo) coisas em comum
• Conflitos entre Centro e Periferia
•Exclusão e inclusão
Uma pessoa que analisa a temática da identidade, fazendo perguntas per
tinentes e informando-se sobre a literatura da área, não estaria livre, em um
primeiro momento, de sentir-se desorientada. Ela, que espera lidar com con
ceitos bem definidos, perderá essa esperança quando encontrar o conceito de
‹multiculturalismo› com observação de que se trata de uma ‹palavra eivada de
mal-entendidos›.(2) As perguntas aumentam e grande parte delas permanece em
aberto porque as respostas não são satisfatórias.

Estrutura do capítulo
Primeiro, analisarei o conceito de ‹identidade› partindo de diferentes perspec
tivas, vale dizer, da literatura, da antropologia e da linguística. Depois, comen
tarei o branding internacional de países e, após isso, detalhadamente, o papel do
artesanato em relação ao design e à criação da identidade cultural na Periferia.
Uso o conceito ‹Periferia› no sentido político, não no sentido geográfico, envol
vendo aquele grupo de países que já foi denominado pejorativamente de ‹países
46 em desenvolvimento› ou, pior ainda, ‹países subdesenvolvidos›. Esse conceito
significa a perda da autonomia em termos políticos – em primeiro lugar –, de
pois econômicos, tecnológicos e culturais.
O conceito de ‹Terceiro Mundo› perdeu sua relevância após o final da Guerra
Fria, embora o motivo de sua criação – reivindicar um espaço próprio para deci
sões e diminuir a dominação do Centro sobre a Periferia – ainda continue vigen
te. Afirmar que a oposição entre Centro e Periferia na era da globalização perdeu
sua validade – já que, supostamente, o Centro estaria em qualquer lugar – é
cínico ou ingênuo. À noite, todos os gatos podem ser pardos; porém, alguns são
mais pardos que outros. No final do capítulo, apresento uma série de exemplos
de design anônimo e design profissional da América Latina.

Design em relação à literatura


Apresentarei alguns exemplos da literatura para ilustrar as relações entre as
disciplinas projetuais e a literatura. As questões de identidade encontradas na

em:
2004,
(1) Bauman,
The
p. Individualized
140.Zygmunt, «Identity
Society, Polity
in thePress,
globalizing
Cambridge
world», (2) Rigotti, Francesca, «Las bases filosóficas del multicul
turalismo» em: Multiculturalismo – ideologías y desafíos,
coordenado por Carlo Galli, Ediciones Nueva Visión,
Buenos Aires 2006, pp. 31–82.
literatura refletem-se nas disciplinas projetuais, dando origem a perguntas que
não seriam formuladas se o debate se mantivesse no âmbito do design.
Sem sombra de dúvidas, existe uma identidade de design e, por isso, faz sen
tido falar de ‹identidade de design›, inspirando-se na literatura. A complexidade
do conceito de identidade na literatura pode servir para esclarecê-lo no campo
das disciplinas projetuais. Isso ocorre apesar das diferenças entre criação literária,
vale dizer, a produção de artefatos discursivos em forma de textos, e as disci
plinas projetuais cujos resultados, como é sabido, manifestam-se em artefatos
materiais, tais como objetos de uso, embalagens, têxteis e artefatos semióticos,
tais como trailers de filmes, mapas climáticos na televisão, codificações visuais de
informações científicas e websites.
Quando se extrapolam os conceitos da literatura para as disciplinas projetuais,
de maneira nenhuma se quer sugerir que, por exemplo, a arquitetura seja um
texto. Isso é um mal-entendido fundamental, apesar de ser amplamente difundi
do, sobretudo na discussão sobre teoremas da arquitetura.
Em congressos de design, nos países periféricos, surge com surpreendente
insistência a seguinte pergunta: existe um design tipicamente brasileiro, argenti
no ou mexicano e em que se diferencia do design japonês, italiano ou sueco? Em
outras palavras: qual é a sua identidade? Essa pergunta não se limita à Periferia,
mas também se encontra em países centrais, refletindo, talvez, o desejo de que a
va
própria
e própria.
atividade
Antestenha
de me
relevância
aprofundar
no mercado,
detalhadamente
e nostalgia
nessapor
pergunta,
uma áreaanalisarei
exclusi- 47

o significado do termo ‹identidade›.

O mapa cognitivo da identidade


Para nos orientarmos, pode ser útil um mapeamento semântico do termo
‹identidade› estruturado em blocos semânticos (clusters), de acordo com o cri
tério da proximidade semântica. Tal como no caso de mapas geográficos, no
mapeamento semântico se destacam certas características e excluem-se outras. A
respeito da diferença entre mapas geográficos e mapeamento cognitivo, eles de
vem coincidir em um detalhe: devem existir certas relações de similitude entre o
mapa e a realidade mapeada, por mais tênues que sejam. Disso não se deve tirar a
conclusão errada de que os mapeamentos copiam ou reproduzem uma realidade.
Se não existissem certas correlações entre o mapa e a área mapeada, os mapas se
riam completamente arbitrários, podendo ser inúteis. Como critério apropriado
para determinar a adequação de mapeamentos cognitivos, poder-se-ia pensar em
sua utilidade para orientação (navegação) em uma determinada área temática.
Para fazer o mapeamento, organizei sete conjuntos conceituais ou campos
semânticos constituindo uma rede do conceito multifacetado de ‹identidade›.
Talvez seja melhor usar o conceito ‹rizoma› em vez do conceito ‹rede›, indican
do, assim, que essa lista pode crescer e não tem nem centro nem hierarquia.
Temática da identidade na literatura
Na literatura, o tema da identidade é tratado, dentre outras, mediante a
figura do sósia, resistindo à ideia de que existe somente uma identidade para cada
pessoa. No conto intitulado El Otro, Jorge Luis Borges descreve um diálogo entre
um homem de 2o anos e outro de 7o – sendo ambos facetas da mesma pessoa. O
homem mais velho faz uma lista dos acontecimentos centrais da história mundial
(entre as duas Guerras Mundiais) e de seu país: «A cada dia que passa, nosso país
é mais provinciano e mais cheio de si, como se fechasse os olhos. Não me surpre
enderia se o ensino do latim fosse substituído pelo do guarani»(3). Tocamos aqui
no tópico do cânone, ou seja, as normas e heranças culturais que podem ocultar
uma pretensão hegemônica: o que vale é o ensino do latim, o que não conta é o

1.Conjunto de conceitos: Mercado das identidades


Características definidoras: Logomarcas
Estereótipo Capital simbólico
Substância/Essência Globalização
Conhecido/Desconhecido O «olhar imperial»
Segurança Colonização e pós-colonização
Constância
Duração
Autenticidade 5.Conjunto de conceitos:
48 Tradição/Crenças (religião) Construção da identidade
Cânone (valores guia, ‹clássicos›) Identidade fluida
‹Nação› (unidade territorial e política) Mudança de identidade (genderswapping)
Identidade múltipla
Mestiçagem
2.Conjunto de conceitos: Design O tratamento da alteridade e do Eu próprio
Reservatório de formas – stilemi Transculturação
Combinações cromáticas
Patterns
‹Estilo› 6.Conjunto de conceitos:
Inconfundibilidade Preservação/Destruição da identidade
Materiais e sua elaboração Dialética entre memória/Esquecimento
‹Exótico› Criação/Eliminação da identidade
Artesanato Manter/Destruir identidade (‹memoricídio›)
Dominação/Submissão

3.Conjunto de conceitos:
Prática cotidiana 7.Conjunto de conceitos:
Fascinação pelo estrangeiro Ciências da identidade
Defesa contra o estrangeiro Antropologia
Resistência contra estrangeirização Ciências políticas
Dialética entre o próprio e o outro Ciências sociais
Psicologia
Psiquiatria
4.Conjunto de conceitos: Ciências culturais
Economia/Indústria Letras (por exemplo, estudo de narrativas
Identidade corporativa de viagem)
Branding Culturalismo
ensino do guarani. Borges não dá uma resposta científica à pergunta «o que é a
identidade?», e sim uma resposta literária: identidade é um sonho que o Outro
tem do Eu.
Comparada com a formulação resignada de Borges (medo por uma decadên
cia cultural), um escritor norte-americano manifesta-se explicitamente de forma
agressiva. Reagindo contra a exigência de organizar programas de estudo multi
culturais e incorporar obras literárias marginalizadas de outras culturas, ele per
gunta maliciosamente: «Onde está o Proust africano?» Obviamente, trata-se de
uma pergunta que não tem resposta. Ele faz essa pergunta apenas como provoca
ção. Coloca a produção literária africana em confronto com a produção literária
de Marcel Proust, ou seja, com o cânone da cultura ocidental. Um crítico poderia
argumentar que essa pergunta é injusta. Um defensor do cânone ocidental pode
ria responder: não se trata de justiça, mas de qualidade literária.
Por trás dessa polêmica, escondem-se duas perguntas: primeiro, a pergunta pela
existência de padrões universais; e, segundo, a pergunta pela legitimação desses
padrões. Os padrões dominantes seriam sempre aqueles impostos pelos dominado
res? Portanto, não se trataria de questões de qualidade, mas de questões de poder.
Uma pesquisadora italiana escreve sobre esse tema: «Por meio dessa perspec
tiva (da qualidade), inclusive os currículos escolares terão de propor a leitura das
obras dos grandes mestres; portanto, as obras de Platão e não as de Rigoberta
Menchú – as obras doStendhal,
Tolstoi, Dostoievski, cânone dosJohn
autores
Donneclássicos
e T.S. Eliot.
europeus:
Em Shakespeare,
suma, o grupoDante,
dos 49

‹pale patriarchalpenis people› decorado com suas coroas de louro»(4).


Outro exemplo famoso para o tratamento literário da identidade é o conto de
Franz Kafka, A metamorfose: «Certa manhã, quando Gregor Samsa abriu os olhos,
após um sono inquieto, viu-se transformado num monstruoso inseto. O que me
aconteceu? Pensou. Não era um sonho»(5).

Argumentos contra o conceito da identidade


Manifestando-se contra o caráter fechado de uma cultura, o escritor espanhol,
Juan Goytisolo, critica impiedosamente o provincialismo de seu país: «Não

(3)
(1ª
Buenos
edição
Borges,
Aires
1975),
Jorge
2007,
em:
Luis,
pp.
Obras
«El
13–20.
Otro»,
Completas,
em: El Emecé
libro deEditores,
arena (5) Kafka, Franz, Die Verwandlung, em: Kafka, Franz, Die
Erzählungen und andere ausgewählte Prosa, coordenado
por Roger Hermes, editora S. Fischer, Frankfurt 1999.
(4) Rigotti, Francesca, op. cit., a caracterização dos
autores foi formulada por Huges, Robert, The Culture of
Complaint, Oxford University Press, Oxford 1993.
existem, assim, nos períodos mais frutíferos e ricos de uma literatura influências
inequívocas, essências nacionais ou tradições exclusivas: somente poligênese,
mestiçagem, promiscuidade»(6). Cita o poeta sírio-libanês Ali Ahmad Said: «A
identidade não pode ser aceita como algo terminado, nem definitivo, ao contrá
rio, é uma possibilidade sempre aberta» e continua: «a verdadeira identidade
é uma corrente contínua que se nutre de uma infinita quantidade de riachos e
regatos». Isso é uma clara rejeição aos sonhos de uma identidade fixa ou de um
ser nacionalista.
Quero citar um representante das ciências sociais que também se alinha con
tra a ideia da identidade como algo fixo, duradouro, fechado, próprio, essencial.
Zygmunt Bauman critica o slogan «Pensar globalmente, atuar localmente» sem
mencioná-lo explicitamente. Escreve: «Não existem soluções locais para pro
blemas criados globalmente. […] As forças globais, avassaladoras e indomáveis,
prosperam na fragilidade da cena política e na decisão de políticas potencialmen
te globais, sempre brigando por uma porção maior das migalhas que caem da
mesa de festa dos barões do assalto global. Tudo que seja partidário das ‹identi
dades locais›, como aparente antídoto contra as malfeitorias dos globalizadores,
na verdade está se submetendo ao jogo deles»(7).
O conceito de ‹época multicultural› também não escapa da crítica de Bau
man: «O anúncio de uma ‹época multicultural› reflete, na minha opinião, a
50 experiência de uma nova elite global que, ao viajar para outros países, encontra
membros da mesma elite global que falam a mesma língua e que se preocupam
com mesmas coisas […]. Contudo, o anúncio da época multicultural é uma
declaração de incompetência: da negativa de formular um juízo, de assumir uma
postura; uma declaração da indiferença, de lavar as mãos frente às brigas mesqui
nhas sobre estilos de vida e valores preferidos.»(8) Na mesma direção, Goytisolo
disse: «A ‹identidade› nos é revelada como algo que precisa ser inventado e não
apenas descoberto.»(9) Em outras palavras: identidades não são entidades escon
didas em algum lugar secreto e profundo, e sim algo que precisa ser criado (ou,
na terminologia do design, algo que precisa ser projetado). Naturalmente, esse
conceito vai muito além do branding ou corporate design.
Na publicação com o título revelador The Ilusion of Identity, o cientista francês,
Jean-François Bayart, critica o substancialismo, vale dizer, a crença na existência
de características culturais permanentes, e isso gera o conceito de identidade com
potencial político perigoso. Ele escreve: «Essas guerras [na antiga Iugoslávia, no

lona
(7)
(6) Bauman,
Goytisolo,
1985, p.Zygmunt,
168.
Juan, Contracorrientes,
Identidad – Conversaciones
Montesinos, con
Barce- (8) Bauman, Zygmunt, op. cit., p. 203.
(9) Bauman, Zygmunt, op. cit., p. 40.

Benedetto Vecchi, Losada, Madrid 2005, p. 187.


Cáucaso, na Argélia e nos Grandes Lagos, na África] e as revoltas giraram em
torno do conceito de identidade e extraíam seu potencial mortal da suposição
que uma ‹identidade cultural› necessariamente se associa a uma ‹identidade po
lítica›. Porém, cada uma dessas identidades é, no melhor dos casos, um construto
cultural, um construto político e ideológico, vale dizer, no fundo, um construto
histórico.»(10)

Teoria da dependência
As citações apresentadas são contrárias às boas intenções em desenvolver uma
identidade do design, que se discutem repetidamente nos congressos da Perife
ria, sejam eles mexicanos, brasileiros ou chilenos. No contexto da dependência
existencial e da rebelião contra essa dependência, às vezes propõe-se a recupera
ção da tradição nativa própria dos objetos de uso e de ornamentação.
A teoria da dependência(11), às vezes, propõe-se que foi desenvolvida como
contribuição genuína das ciências sociais na América Latina, na década de 1960,
possibilita entender a face política da questão da identidade do design na Peri
feria, considerada incômoda em alguns casos. Essa contribuição teórica surgiu
em vários contextos, caracterizando o fim do colonialismo: revolução em Cuba;
Segundo Concílio do Vaticano, com a opção pelos pobres e a teologia da liberta
ção; golpe de estado de 1964 no Brasil; invasão da República Dominicana no ano
de 1965
A teoria
pelos
da eua
dependência
e golpe de
visava
estado
encontrar
de 1966uma
na Argentina.
explicação para o fracasso do 51

desenvolvimento da América Latina, apesar de suas grandes extensões territo


riais, sua mão de obra barata, variedade de recursos naturais, homogeneidade
cultural e boa infraestrutura de comunicação. As causas do atraso eram atribu
ídas ao modelo dominante, responsabilizando-o pela não decolagem econômica
do subcontinente em virtude das estruturas sociais supostamente feudais. A tese
central dizia: a América Latina não é subdesenvolvida pela falta de estruturas
capitalistas sociais, mas, ao contrário, pela predominância dessas estruturas. O
subdesenvolvimento não foi considerado como um estado histórico, mas resulta
do do processo de desenvolvimento capitalista. Esses países não eram subdesen
volvidos, mas foram e ainda são subdesenvolvidos.
Para o design industrial da América Latina, a teoria da dependência teve uma
importante função prática. A política tecnológica e industrial, concebida den
tro dessa teoria, orientada à substituição de importações, abriu um espaço para

(10)
francesa
The University
Bayart,
1997),
Jean-François,
ofp.Chicago
ix. Press,
The Illusion
Chicagoof2005
Identity,
(edição (11) Borón, Atilio, «Teoría(s) de la dependencia», em: Rea
lidad Económica 238, 2008. Veja também: http://www.
iade.org.ar/modules/noticias/article.php?storyid=2661
(último acesso: 12.12.2008). Esse resumo da teoria da
dependência se baseia em grande parte nesse artigo.
atividades projetuais locais. Essa política de busca de identidade se apoiava na
industrialização e, decididamente, não se voltou ao passado à procura das supos
tas raízes do design latino-americano nas culturas pré-colombianas. Essa busca é
uma quimera, não se prestando como ponto de partida para desenvolvimento de
um design autônomo e válido para o futuro. Em vez de buscar a identidade do
design num passado romanticamente idealizado, seria mais apropriado mudar a
direção do olhar rumo ao futuro.
O oposto da teoria da dependência constitui o ominoso Consenso de Washington,
formulado no final dos anos 1980. Durante a década de 1990, pautou a política
de atuação do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e da Organiza
ção Mundial de Comércio – com consequências sociais e econômicas desastrosas
para os países afetados.

Estilo
O conceito de identidade apresentado até aqui pode ser considerado equiva
lente ao conceito de estilo na história da arte, não se confundindo com style ou
hábitos na vida cotidiana. O historiador de arte Horst Bredekamp dá a seguinte
explicação sobre estilo: «Entendo por ‹estilo› os traços comuns e reconhecíveis
de uma configuração transindividual. Para isso devem estar presentes dois ele
mentos: pelo menos duas pessoas projetando e duas obras que, apesar de terem
52 surgido independentemente uma da outra, são muito similares, apresentando
algumas evidentes características em comum. Isso é uma definição do conceito
de estilo na história da arte pelo mínimo denominador comum.»(12) É revelado
ra a ênfase colocada em características transindividuais nessa caracterização do
conceito de estilo.
Outro conceito de estilo é baseado em características morfológicas: «O estilo
se deduz da comparação morfológica.»(13) Isso pode ser motivado pelo fato de
a história da arte encontrar dificuldade quando lida com assuntos de design.
Poder-se-ia dar um passo além disso e perguntar se o instrumental da história da
arte, enquanto se concentra em características morfológicas, não é mais um obs
táculo para o debate sobre questões de design, sobretudo quando coloca a estética
como tema central da discussão.
Nos debates profissionais, os designers sempre se defenderam veementemen
te contra a interpretação simplista de seu trabalho, dizendo que não são apenas
especialistas da forma e ou da beleza. Por isso, a definição de design industrial

(12)
geschichte
Bredekamp,
technischer
Horst, Bilder?»,
«Bildbeschreibungen.
em: Das Technische
Eine Stil-
Bild (13) Ibid.

– Kompendium zu einer Stilgeschichte wissenschaftlicher


Bilder, coordenado por Horst Bredekamp, Birgit Schneider
e Vera Dünkel, editora Akademie, Berlin 2008, pp. 37–47.
aceita no Congresso icsid de 1961, em Veneza, relativizou o conceito da forma e
enfatizou as características funcionais e estruturais de produtos industriais. Essa
definição se baseava em uma proposta de Tomás Maldonado, delineada em 1958:
«A estética é apenas um dos fatores, entre muitos, com os quais o designer de
produtos trabalha, não sendo o mais importante e nem tampouco aquele domi
nante. Ao lado do fator estético, existem os fatores da produção, da engenharia,
da economia e também dos aspectos simbólicos.»(14)
São exatamente esses fatores que atrapalham e até impossibilitam aplicar o
enfoque da história da arte à história do design.(15)
Voltando às diferentes conceituações de identidade, menciono uma crítica à
política conservadora de identidade e cultura apresentada por um antropólogo
australiano. Ele faz defesa explícita dos interesses de dominação, em nome de
uma civilização ocidental baseada na propriedade privada, no empreendedorismo
e na iniciativa própria, à qual as outras culturas deveriam se adaptar para não
desaparecer. Ele pergunta: «Deveriam os índios na América, os maoris na Nova
Zelândia e os aborígines na Austrália serem incentivados a manter a todo custo
suas culturas tradicionais? Deveria se dizer a eles que uma aculturação é errada?
É prudente abandoná-los completamente ao seu destino? O contexto é diferente,
porém, o exemplo australiano recomenda uma resposta: Não, não, e novamente
não. A melhor oportunidade para uma boa qualidade vida para os habitantes
domínio
nativos é da
a mesma
língua para
inglesa,
vocêo emáximo
para mim:
de matemática
completo acesso
que pudermos
aos conhecimentos,
absorver e 53

aquisição de habilidades profissionais. Em pleno século xxi, os nativos artificial


mente petrificados estão condenados à extinção.»(16)

Criação da identidade mediante literatura de viagem


Após haver mencionado exemplos da literatura e da antropologia que acon
selham cautela no uso do conceito de ‹identidade›, enfrento agora a pergunta:
como e com que se produz identidade? Para isso, refiro-me a um trabalho de
uma pesquisadora canadense de Letras que analisa a construção da identidade
latino-americana por meio de análises de relatórios de viagens.(17) Mary Louise

[Novos
Zeitschrift
design
Industrie
(15)
(14)
taçãoUm
Tomás,
Maldonado,
do
de
desenvolvimentos
Disegno
resumo
design
und
produtos]
derdie
Hochschule
oferece
industriale:
do
Tomás,
Ausbildung
desenvolvimento
Tomás
«Neue
na
fürun
indústria
des
Gestaltung,
riesame
Maldonado.
Entwicklungen
Produktgestalters»
histórico
e –o Definizione
n.2
ensino
Maldonado,
da
(1958).
in do
interpre-
derulm, (16)Sandall, Roger, The Culture Cult – Designer Tribalism
and Other Essays, Westview Press, Boulder 2001, p. 3.
(17) Edward Said mostrou de que maneira o orientalismo
como disciplina acadêmica – muitas vezes ligado aos
interesses de dominação – influenciou a ideia ocidental
sobre o ‹Oriente›. Ele pergunta: «… como se pode anali
sar outras culturas a partir de uma perspectiva libertária
ou não repressiva e não manipulativa?» em: Said, Edward,
Storia Bibliografia, Giangiacomo Feltrinelli, Milano 1976. Orientalism, Vintage Books, New York 1970, p. 24.
Pratts analisa detalhadamente a obra monumental de 30 volumes de Alexan
der von Humboldt. «Ele inventou a América do Sul em primeiro lugar como
Natura. Não a Natura acessível, colecionável, reconhecível, categorizável dos
representantes de Linnaeus, mas uma Natura dramática, extraordinária, um
espetáculo que ultrapassa a compreensão humana.»(18)
A autora compara esse enfoque com relatos de viagens dos autores que ela cha
ma de «vanguarda capitalista» e que formulam a construção de uma identidade
oposta à de Humboldt: «A tarefa ideológica da vanguarda consiste na tentativa
de caracterizar a Amérika [sic] como atrasada e descuidada e considerar as paisa
gens não capitalistas da América Latina de forma a demandar urgentemente uma
exploração racional à maneira europeia. Os analistas do discurso colonial reconhe
cerão aqui a expressão da missão civilizatória, na qual os europeus do norte ro
tulavam outras pessoas (para si mesmas) como ‹natives›, isto é, seres incompletos
que sofrem da incapacidade de alcançar aquilo que os europeus já conseguiram
atingir ou que deveriam se transformar naquilo que os europeus consideram dese
jável. Desse modo, a vanguarda capitalista se colocou como uma inevitabilidade
moral e histórica no futuro daqueles a quem tentavam explorar.»(19)
O olhar fixo em business opportunities pode ser encontrado de maneira exemplar
na observação do capitão Charles Cochrane, que estava à procura de possibili
dades de investimento na América do Sul. Durante sua estadia de dois anos,
54 1823–1824, «ele deveria averiguar o potencial da mineração e da coleta de pé
rolas na Colômbia, e descreveu a paisagem latino-americana como uma máquina
adormecida que precisaria ser despertada: ‹Neste país existem todas as condições
para empreendimentos bem-sucedidos: recursos naturais, até o momento impro
dutivos, podem ser explorados produtivamente com capital e indústria, o que
levaria a produzir vantagens e riqueza.›»(20) Deve-se perguntar quem fará essas
explorações e tirará proveito dos recursos locais. Aparentemente, não é o indo
americano. Esse paradigma instituído pelos colonizadores a partir de 1492 tem
se mantido até hoje sem mudanças.
A pesquisa literária mostra que identidades são primordialmente construtos
criados pela linguagem, tendo pouca influência dos recursos visuais. Essas identi
dades se manifestam geralmente em juízos preconcebidos (assessments), influindo,
assim, no comportamento humano. A identidade não depende tanto do que cada
um é ou tem, mas do que vive no imaginário das outras pessoas. Identidades
pertencem ao mundo do l’imaginaire. Elas são artefatos de comunicação.

(18)
and120.
p. Transculturation,
Pratt, Mary Louise,
Routledge,
Imperial Eyes
London,
– TravelWriting
New York 1997, (19) Pratt, Mary Louise, op. cit., p.152.
(20) Pratt, Mary Louise, op. cit., p. 150.
Design de identidade | branding
O l’imaginaire do outro (público-alvo) pode ser construído intencionalmente,
mediante uma política de identidade em forma de branding. No discurso profis
sional do branding, identidade se define como «a soma de todas as características
que tornam uma marca ou uma empresa inconfundível e singular.»(21) Essa in
terpretação da identidade como soma de atributos individuais tem duas caracte
rísticas – uma fixa, da constância estática; e outra mutável, da flexibilidade e da
troca de identidade: «Ao lado do aspecto da identidade fixa e da continuidade,
coexiste o aspecto da mudança permanente. Nada pode se manter imutável.
Tudo é mutável.»(22) Comparando essas duas caracterizações, pode-se ver a abran
gência do conceito de identidade que se estende do polo da constância (estática)
ao polo da mudança (dinâmica). Frente à presença do l’imaginaire do outro, existe
a autoimagem que não coincide necessariamente com a imagem no l’imaginaire
do outro. São inevitáveis as divergências e as dissonâncias entre essas duas ima
gens. O designer deve ter percepção dessa divergência potencial entre a realidade
da empresa e sua imagem. Assim, ele pode prevenir-se do perigo de realizar um
mero face-lifting, visando tornar uma empresa mais atraente para venda na bolsa,
mediante um simples aprimoramento visual.
Na época dos grandes descobrimentos, o movimento partiu da Europa à
Periferia objetivando a ocupação de grandes extensões de terras, no sentido
to
centrífugo.
do olhar explorador.
Naquele tempo,
Hoje,procurava-se
a direção doomovimento
estranho, oseexótico.
inverteu.
E isso
O estranho
era obje- 55

(o estrangeiro) chega às metrópoles num movimento centrípeto. Mediante os


processos de migração da Periferia em direção às metrópoles, a cultura destas
se vê confrontada com o estranho (outra cultura) no próprio país. Assim, o
Centro experimenta, em seu próprio território, o assédio do imigrante estran
geiro (estranho).
Em relação ao turismo, o fluxo tradicional tem se direcionado do Centro para
a Periferia, em busca de paisagens, fauna, povos e culturas exóticas. Entretanto,
com a forte corrente migratória dos países periféricos para a Europa, surgiu o tu
rismo inverso. Agora, os europeus são confrontados, em seus próprios países, com
outra realidade, que não procuraram como turistas. O estranho chegou até eles
de forma incômoda. O confronto cultural que se estabeleceu obriga-os a rever
os valores supostamente universais da cultura europeia. Nesse choque cultural,
observa-se um potencial conflituoso, com demonstrações de hostilidade e até

(21)
Corporate
2005,Paulmann,
p.125.
Identity,
Robert,
editora
Double
Herrmann
Loop –Schmidt,
Basiswissen
Mainz (22) Eberle Gramberg, Gerda e Jürgen Gramberg, «Stadt
identität – Stadtentwicklung ist Identitätsentwicklung»,
em: Stadtidentität – Derrichtige Weg zum Stadtmarke
ting, coordenado por Maria Luise Hilber e Ayda Ergez,
editora Orell Füssli, Zürich 2004, pp. 27–35.
|04| Branding nacional Nicarágua. |09|Branding nacional para o fomento do turismo
|05| Branding nacional Equador. Projeto: Ministério no Brasil. Projeto: Kiko Farkas. Semântica das
de Turismo, 2004. cores (do relatório de projeto): verde para a selva;
|06| Branding nacional Uruguai. Projeto: Gonzalo amarelo para o sol e luminosidade; vermelho e
Silva e Nicolás Branca, 2002. laranja para festas populares; azul para o céu e o
|07| Branding nacional Argentina. Projeto: Guil mar; branco para o aspecto religioso no Brasil.
lermo Brea em colaboração com Alejandra Luna e |10||11| Branding nacional Guatemala. Projeto:
Carolina Mikalef, 2006. Interbrand, 2004.
|08| Branding político Brasil, 2003. |12||13|Branding nacional México.

|04| |05| |06|

56

|07| |08| |09|

|10| |11|

|12| |13|
|14| Marketing nacional para vinhos argentinos. |16|Identidade garantida pela assinatura de uma
|15|Rótulos para garrafas de vinho na Argentina. garrafa PET de água mineral na Suíça. Projeto:
Projeto: Estúdio Boldring & Ficardi, 2004. O atributo Mario Botta.
da argentinidade desses rótulos consiste no fato de |17|Filtro de água para uso doméstico. Projeto:
que foram desenvolvidos na Argentina. Oswaldo Rocco e Roberto Brasil, 2004. Neste exem
plo do design no Brasil a identidade é determinada
pela temática.

|14||15|

57

|16||17|
agressões, embora não se chegue a um estado bélico, com vencedores e vencidos,
como de maneira catastrofista previu Huntington, no livro Clash of Civilizations.

Branding nacional como design de identidade


Depois dessas reflexões sobre a questão da identidade, dedico-me a alguns
exemplos concretos de design de identidade, primeiramente ao national branding
de países periféricos. Surgiram oportunidades para as consultorias internacionais
de branding que operam globalmente no mercado constituído pelos Estados e
países que pretendem elaborar um processo de re-branding, da maneira como se
aplica em empresas. Os motivos para essas novas apresentações, com ênfase no
aspecto visual, consistem em apresentarem-se de modo mais atraente no âmbito
internacional. Objetivam fomentar o turismo, atrair eventos internacionais para
o país e, sobretudo, criar um clima atraente, principalmente para investidores
internacionais, irradiando uma identidade positiva, visando possíveis retornos
financeiros.(23) O caráter universal dessas promoções agora abrange também
cidades, regiões e países. Contudo, as autoridades responsáveis pelos contratos de
branding pouco compreendem do assunto ou não sabem que «uma renovação da
identidade vai muito além de bandeiras e logomarcas».(24)
É sintomático que países relativamente pequenos da América Latina (Uru
guai, Nicarágua, Guatemala, Chile, Equador) se empenhem em posicionar-se
58 internacionalmente, promovendo a renovação de suas identidades mediante tais
operações de marketing. Talvez tenham acreditado na ideia de que um refashio
ning visual ou aprimoramento visual de uma logomarca, com o slogan correspon
dente, seria positivo para promover a identidade. Possivelmente esperam que,
mediante um programa de branding, um país possa se inserir no grupo dos países
dominantes – vale dizer, branding nacional servindo como ticket de entrada para
o clube internacional de identidades.
Para criar identidades atraentes no mercado internacional, são aplicados os
‹vision programmes›. Com isso, todo esse procedimento de criação assume, inten
cionalmente ou não, traços quase místico-religiosos de visionários iluminados.
Para tirar máximo proveito, recomenda-se enquadrar não só empresas, mas
também cidades, regiões e países. Aplicando as técnicas do branding, são geradas
vantagens competitivas – um processo no qual a criação da identidade simbóli
ca tem um papel determinante. Recorre-se ao ethnic feel ou ethnic look com o uso
de particularidades locais para aplicar principalmente em mercadorias do setor

(23)Anholt,
places and
Elsevier, Oxford
products
Simon,
2006Brand
can
(1ª help
edição
NewtheJustice
2003).
developing
– Howworld,
branding (24) Leonard, Mark, BritainTM – Renewing our Identity,
Demos, London 1997, p. 10.
têxtil e de moda. O ímpeto de expansão do branding encontra, por enquanto, seu
limite no planeta Terra. Entretanto, corresponderia à lógica do branding subme
ter, em breve, também o satélite da Terra à estratégia do branding.
O infatigável especialista, Wally Olins, recomenda um programa de sete está
gios para o branding de um país.(25) O branding de países se apresenta quase como
uma fatalidade histórica – a naturalização de processos sociais camufla o interesse
pela manutenção do status quo e serve para se defender de perguntas incômodas.
Frente a isso, não seria surpresa se aparecesse uma crítica demolidora.(26)
Deve-se distinguir claramente entre a identidade visual orientada para longa
duração e aquela identidade limitada a um período de governo. O México aplica
uma política sistemática de identidade para marcar produtos de exportação. O
uso da logomarca para produtos premium (determinadas frutas subtropicais) está
submetido a um controle de qualidade. Só quando um produto cumpre determi
nados critérios de qualidade, permite-se o uso da nova logomarca para embala
gens de transporte e de consumo. No Brasil, simplesmente pede-se o registro da
empresa que quer usar a logomarca (como Made in Brazil), sem nenhum controle
posterior de qualidade dos produtos em que essa marca será aplicada.

A dimensão simbólica de produtos


O branding trata de problemas de comunicação, visando essencialmente a
importância
criação de uma
aospredisposição
aspectos simbólicos
para valorizações
do design,positivas.
sobretudoAssim,
do design
atribui
industrial.
grande

O branding está ligado ao fenômeno denominado ‹os caprichos teológicos da


mercadoria›.(27) Hoje, os dois conceitos da economia clássica, ‹valor de uso› e ‹va 59
lor de troca›, são complementados pelo terceiro conceito, o do ‹valor simbólico›:
«Inicialmente, o valor simbólico da mercadoria era atribuído ao efeito sistêmico
das relações de produção. Mais tarde, foi instrumentado conscientemente me
diante o design de logomarcas e do branding, adquirindo uma dinâmica própria
para transformar ilusão em realidade. Por exemplo, criou-se a ‹água mineral de
designer› (designer mineral water), transformando-a em caro artigo de marca. O
valor simbólico realmente transforma-se em valor de troca.»(28) Essas palavras

53,
companies
regarded
Policy
(26)
(25)outono
Eagleton,
Olins,
Centre,
branding
Wally,
2004.
areLondon
Terry,
taking
Acessível
Trading
manual,
«Aon
1999,
fresh
each
Identities
em:
now
pp.
look
others’
http://www.eyemagazine.
23–26.
inat
paperback»,
–Wally
Why
role, countries
The
Olins‘s
Foreign
em:highly
eye
and (27) Marx, Karl, «Der Fetischcharakter der Ware und sein
Geheimnis», em: Marx, Karl, Das Kapital, editora Dietz,
Berlin 1947, p. 76 e seguintes.
(28) Lütticken, Sven, «Attending to Abstract Things», em:
New Left Review, n. 54, 2008, pp. 101–122.

com/feature.php?id=116&fid=508.
comprovam a conexão nefasta da profissão do designer com as coisas caras, rebus
cadas, excêntricas e bonitinhas. Fica a dúvida quanto à capacidade do design em
liberar-se desse abraço do branding.
O branding atingiu o seu clímax com os ‹caprichos teológicos› e as ‹sutilezas
metafísicas› da mercadoria, incluindo os atributos ‹sensuais-transensuais›. As téc
nicas de criação dos aspectos simbólicos dos produtos e das empresas atingiram um
grau de maturidade que, há 150 anos, seria difícil de prever. Frente à importância
adquirida pela dimensão simbólica das mercadorias e das empresas, parece necessá
rio que o design de produtos e o ensino do design incorporem o estudo das emo
ções (emotional design). O designer deveria se preocupar com esses aspectos do design
emocional em vez de lidar com coisas supostamente banais como o uso, praticidade
e detalhes técnicos. Esse processo é facilitado pela oferta de software para rendering.
Contudo, sua utilização, como se sabe, não substitui a atividade projetual.
O aspecto simbólico num produto técnico anônimo, como, por exemplo, um
parafuso, no máximo, está presente em traços secundários. Em compensação, esse
aspecto pode ser inflado ao extremo no âmbito dos produtos de consumo, assu
mindo dimensões superlativas e chegando ao absurdo, como mostra o exemplo
de uma chaleira de porcelana fina em forma de crânio animal revestida com pele
de castor. Nessa categoria de produtos simbólicos, pode-se incluir também um
espremedor de cítricos que se transformou em um ícone de design, no qual as
60 características primárias de uso são subordinadas a um conceito formal. Isso pode
ser uma das causas desse espremedor ser considerado como escultura para deco
rar as mesas de diretores. A entronização da dimensão simbólica corresponde ao
desprezo arrogante pela planura das funções práticas.
Em uma oposição esquemática Bem/Mal dos dez mandamentos do branding
emocional se pode ler: «Do produto para a experiência: produtos preenchem
necessidades – experiências preenchem desejos» e, a seguir, «Da função para a
emoção: a funcionalidade do produto trata de suas qualidades superficiais – o de
sign emocional trata de experiências.»(29) Não importa como o consumidor reage
à experiência sensorial no manuseio de uma faca de cortar pão quando ele corta o
dedo – isso seria o simples resultado de uma função secundária, superficial, práti
ca que teria pouca importância. De acordo com o mandamento do design emo
cional, o consumidor estaria interessado apenas em experiências sensoriais, não se
importando com o corte no dedo. No ápice dessa classe de produtos, estariam os
objetos nos quais qualquer característica de uma função prática é eliminada. Aí

(29) Gobé, Marc, Citizen Brand – 10 Commandments for


Transforming Brands in a Consumer Democracy, Allworth
Press, New York 2002.
o consumidor viveria no céu apoteótico das experiências transensoriais elevadas
sobre qualquer materialidade.
A posição prioritária dos fatores formal-estéticos explica também o interes
se dos marchands de tableaux que transformam suas galerias em antiquários da
modernidade e expõem e vendem, agora, também objetos de design. Sobretudo,
produtos como móveis e luminárias, nos quais questões de preço não têm um
papel relevante(30). De maneira exemplar, essa criação de identidade se manifesta
no design de autor. A assinatura de um designer famoso garante a identidade do
único, do inconfundível, da autenticidade, destacando o produto da massa dos
produtos de uso cotidiano sem identidade, elevando-o à esfera dos objetos exclu
sivos e aproximando-o do status de objetos de arte.
O esforço de ostentar uma identidade inconfundível se manifesta na iniciativa
das Novas Cidades de Design – presumivelmente diferentes das cidades de design
estabelecidas, como Milão e Londres. Essas Novas Cidades de Design exibem as
chamadas creative industries para comprovar seu caráter excepcional às quais per
tencem os setores da indústria cinematográfica, televisão, marketing, publicida
de, pesquisa de tendências, moda, publicações, arquitetura, design de exposições
e eventos, design gráfico, design industrial e nova mídia – vale dizer, os creative
people – além das indústrias culturais tradicionais em forma de museus, teatros,
salas de concerto e galerias, tudo isso acompanhado por uma miríade de ofertas
culinárias
cidades, pode-se
e possibilidades
consultar de
o Bohème
compras.
Index.(31)
Para medir o grau de atratividade dessas

No fundo, trata-se de marketing de cidades direcionado para um grupo social


que é capaz de usufruir dos benefícios de determinado life-style.(32) A perda do 61
perfil inequívoco do conceito ‹design› e sua subordinação a tendências regressi
vas manifestam-se no uso duplo da palavra: por um lado como termo genérico
no distintivo ‹cidades de design›; e, por outro lado, como termo específico para

(30) Badiou, Alain, Dritter Entwurf eines Manifests für (32) Numa análise crítica à iniciativa de propor a cidade
den Affirmationismus, editora Merve, Berlin 2007, p. 10. de São Paulo como candidata do seleto grupo das ‹cida
(31) Lacroix, Marie-Josée (coord.), New Design Cities/ des de design›, a autora escreve: «Trata-se... de colocar
Nouvelles Villes de Design, Ville de Montréal, Ville de em questão a apropriação de conceitos e fenômenos de
Saint-Etienne, Les éditions Infopresse, Montréal 2005. interesse e propriedade públicos por pequenos grupos
Na primeira iniciativa para estabelecer as novas cidades privados, que se põem a falar em nome do design, das
de design participaram Antuérpia, Glasgo, Lisboa, Saint cidades e da cultura sob o mando da legitimidade cultu
Etienne, Estocolmo e a associação de negócios do Time ral, que é consagrado pelo poder econômico.» Berwanger,
Square, em Nova York. A cunhagem de identidades das Ana Claudia, «O design e a cidade: considerações e
cidades e sua promoção são motivadas pelos interesses perspectivas de análise», em agitprop – revista brasileira
comerciais e política locais. de
com.br/ensaios.php?codeps=fDJ8
design, 28, 2010. Acessível em:(último
http://www.agitprop.
acesso:

12.10.2010).
atividades ‹criativas›. Ao colocar-se design ao lado dos serviços de gastronomia,
resulta consequente que, na opinião pública, se associe design, em boa medida,
com festa. O grau de ‹autonamoro› dos ‹criativos› tem alcançado uma dimensão
em que não faltam intentos de declará-los como nova classe – a classe dos cria
tivos. A degradação do termo ‹design› já tem sido observada por vários autores:
«No final da década de 1980, o prefixo ‹designer-› quase se transformou num
termo de abuso. Pelo menos sugeriu vacuidade e superficialidade, ou o inútil
repackaging – para gerar lucro – das coisas mais comuns [‹designers água mi
neral›]. No pior dos casos [‹designer drogas›, ‹designer violência›], o prefixo
fantasiava um mundo de superfícies de glamour que escondia uma subjacente
amoralidade, falta de afeto e até corrupção.»(33)

«Indústrias culturais» no sentido afirmativo


Após a profunda crise econômica que se abateu sobre a Argentina (2001–
2002), o design foi promovido à rubrica das indústrias culturais pelo governo
federal (Ministério da Cultura) e, sobretudo, pela administração da cidade de
Buenos Aires. Aparentemente, a dimensão crítica desse conceito oriundo da
Escola de Frankfurt era desconhecida para os introdutores do programa. Tal pro
cesso foi acompanhado pela distinção concedida pela unesco à cidade de Buenos
Aires como a «Cidade do Design» – resultado do marketing da cidade. O apoio
62 concedido pelo governo se concentrou nos aspectos simbólicos e formal-estéticos
de produtos de consumo de baixa complexidade técnica, produzidos artesanal
mente, para os quais se usa o termo ‹object design›: colares, acessórios, objetos de
moda. A ênfase nos aspectos simbólicos sugere a busca de fontes de inspiração
para criação da identidade. Por exemplo, recorre-se ao mundo dos símbolos dos
mapuches na Patagônia, uma população nativa que foi desalojada de seu espaço
vital pelos colonizadores, pauperizada e que, além disso, agora está desapropriada
simbolicamente. Um design desse tipo está no mesmo nível de uma fotografia
perfeita de uma cabana miserável de um camponês, tão criticada por Adorno.

Perspectivas do artesanato
O uso de recursos locais (motivos gráficos, combinações cromáticas, mate
riais e processos de produção intensivos em mão de obra) em relação ao design e
criação da identidade pode ser visto, de maneira exemplar, em países periféricos.
Em grande parte, essas atividades pertencem ao setor informal da economia e

(33) Poynor, Rick, «on ‹some virtues of design›», em:


design beyond design – critical reflections and the
practice of visual communication, coordenado por Jan van
Toorn, Jan van Eyck Akademie, Maastricht 1998,
pp. 111–113.
geralmente aplicam processos simples e não intensivos de capital. O tema do
artesanato e design pode ser estudado pelas seguintes posturas, que podem apa
recer em forma pura ou misturada(34):
1.Enfoque conservador. Busca proteger o artesão contra qualquer influência do
design vinda de fora. Essa postura se encontra ocasionalmente entre antropó
logos que rejeitam qualquer aproximação entre design e artesão, pois querem
manter o artesão em estado puro, imaculado e imune a influências contempo
râneas. Sem querer colocar em dúvida as boas (ou não tão boas) intenções dos
antropólogos, surge a impressão de que eles querem preservar a exclusividade
do campo de pesquisa, pretendendo ser os únicos especialistas legítimos a
opinar sobre os artesãos e seus produtos. No fundo, trata-se de uma disputa
territorial: quem pode mexer em quê?
2.Enfoque estetizante. Considera os artesãos representantes da cultura popu
lar e eleva seus trabalhos ao status de arte, utilizando o termo ‹arte popular›
em referência à ‹arte erudita›. Usa-se o repertório das formas da arte popular
(ornamentos, combinações cromáticas) como ponto de partida ou fonte de ins
piração para as criações. Aqueles estranhos às comunidades aproximam-se da
linguagem formal-estética para produzir objetos de design. Concretamente,
esse enfoque se manifesta no chamado ‹ethnodesign›.
3.Enfoque produtivista. Considera os artesãos como mão de obra qualificada
e barata, utilizando suas capacidades para produzir objetos desenvolvidos e 63
assinados pelos designers e artistas. É necessária uma boa dose de ingenuidade
para aceitar esse enfoque, apresentado como ‹ajuda› para o artesanato na Peri
feria. Alegam-se interesses humanitários para produzir designs ‹inspirados›
na cultura popular local ou designs trazidos diretamente do Centro para apro
veitar a mão de obra barata dessas comunidades. Tal prática do design tende a
perpetuar as relações de dependência, em vez de contribuir para sua superação.
4.Enfoque culturalista ou essencialista. Considera os projetos locais dos artesãos
como base ou ponto de partida para o verdadeiro design latino-americano ou
indo-americano. Às vezes, esse enfoque vem acompanhado de uma postura
romântica que idealiza o suposto passado ‹bucólico›.
5.Enfoque paternalista. Considera os artesãos, em primeiro lugar, como clien
tela política de programas assistencialistas e exerce uma função mediadora
entre a produção e a comercialização (marketing), em geral, com altas mar
gens de lucros para os vendedores.

(34)
responsável›,
iniciativas
Ultimamente,
comcom
os atributos
os
caracterizam-se
quais se
‹sustentável›
assinala
estesuma
programas
e ‹socialmente
postura e fomentarem a autonomia das artesãs e artesãos, evi
tando, assim, a recaída em assistencialismo (programas
governamentais de assistência social).
ética. Nada se fala sobre a capacidade dessas iniciativas
6.Enfoque promotor da inovação. Advoga a autonomia dos artesãos para melho
rar suas condições de subsistência, muitas vezes precárias. Nesse caso, a parti
cipação ativa dos produtores é requerida.

A semântica da tecelagem
Frequentemente, a produção artesanal é compreendida de forma reducionista
ou limitada, em virtude de uma visão puramente estético-formal. Isso pode ser
explicado usando-se o exemplo dos patterns de losangos aplicados em produtos
têxteis, cerâmicos, cabaças e de madeira no México. «No Q’ero (forma de tece
lagem) o losango é dividido em quatro partes, sendo um dos elementos mais
usados para representar concepções cosmológicas. Os elementos gráficos desse
losango são: raios, uma linha divisória vertical e setas que se referem a conceitos
do espaço e do tempo. … A linha divisória vertical estrutura o losango em hatún
inti (sol grande) que, segundo os informantes dos Q’eros e Kaulis, significa o
sol ao meio-dia e uma ordem social dualista. … Outros elementos gráficos são
usados por eles, representando a hora do dia, o período do ano e a divisão quadri
partida da Terra.»(35)
Em um projeto de pesquisa de design, do qual foi retirada essa citação, cons
tataram-se as visíveis dificuldades de interpretação desses patterns. Um exemplo
mostra as interpretações erradas que uma pessoa vinda de fora e não familiarizada
64 com a cultura local pode ter: «O processo de colonização suprimiu essas dimen
sões semânticas ou visões cosmológicas. Em uma pesquisa sobre a linguagem dos
Amuzga no Estado Guerrero, no México, descobriu-se que a tradução da lingua
gem dos Amuzga para o espanhol foi feita por voluntários do Instituto Linguís
tico de Verão dos EUA, o que levou a uma perda do significado correto de todo
o conteúdo histórico-conceitual. Essas traduções são tão erradas que uma figura
geométrica, na qual os participantes do curso de verão visualizam a forma de um
‹sapato›, teve o respectivo signo literalmente traduzido como ‹sapato›, apesar de
não usarem sapatos nesta região.»(36)

Manifestação da identidade do design


Para compreender o significado de uma identidade, recomenda-se fazer uma
lista das suas diferentes manifestações. A identidade do design se materializa da
seguinte maneira:

(35)
del diseño
Shultz,enFernando,
América«Diseño
Latina y yelartesanía»,
Caribe – Diseño
em: Historia (36) Ibid., Shultz cita aqui um relatório de pesquisa.

industrial y comunicación para la autonomía, coordenado


por Silvia Fernández e Gui Bonsiepe, editora Blucher, São
Paulo 2008, pp. 308–322.
|18||Tecelagem em losango com conotações cosmo- 20| Identidade mediante ethno feele ethnolook
lógicas no México (fonte: veja nota de rodapé 34). Anúncio de jornal (Argentina).
|19|Identidade da cultura material local: erva-mate
e cuia de chimarrão (Argentina).

CO CO CO CO |18|

CULTURANACION |19 |20 65


SUMACULTURA

}#S
\,

|DENTIDADES
PRODUCTIVAS
COLECCIÓN CHUBUT ROPA,
OBJETOS, DISENO
El Programa dentidades Productivas se implementa em 41
municípios de hubut, Ganta Cruzy Can Juan e involucra a
personas, entre pequeños productores,
3 • pacitany
bjetos c
La: pezas dela ºn Chubut retoman eccenarios
el lugar —elmar, la mesetayla montaña-, através
bologia indígena, la paleontólogía y la
InU turalidad províncial, originandolas líneas
Mapuche, Pétreo y ocmopolita.
Como parte de este grama, se inaugurará el prime:
alabierto alpúb o de la Colección Canta Cruz, c…
300 artículos de indumentaria, cerámica y accesorios.

DESFILE:10DEMARZ0ALAS.20
MUESTRA: 11 DEMARzo, DE10A19
Cubingeniero Luis A. Huergo
Av. del Libertador 450, km 3
Comodoro Rivadavia, Chubut
IDENTIDADES
PRODUCTIVAS GRATISYPARATODOS
|21||22|Identidade determinada pelos processos |23||24||25|Identidade determinada mediante pro
tradicionais de produção e elementos decorativos cessos de produção próprios: forjar vasos de cobre
(Michoacán, México). Aplicação de desenhos (Purépecha, México). A matéria-prima se obtém
decorativos de uma peça de cerâmica à mão livre, das bobinas de motores elétricos, fundidas
sem traçado prévio. e posteriormente forjadas num disco grosso.

|21||22|

66

|23||24|

|25|
|26|Reciclagem de pneus (Campina Grande, |29|Separação do material.
nordeste do Brasil). Ambiente de trabalho para |30|Detalhe de junção do fundo.
produzir uma lixeira. |31|Produto terminado.
|27|Matéria-prima. |32| Ferramentas e grampos de produção própria.
|28|Separação das camadas do pneu. |33|Forma preliminar da lixeira.

|26||27||28|

67

|29||30|

|31||32||33|
|34||35||36||38|39|Identidade determinada para |37|Martelos feitos de vergalhão e pregos para
uma cultura local de produtos de reciclagem: fixar trilhos nos dormentes de ferrovias (Campina
candeeiro de latas de cerveja, latas de conserva e Grande, nordeste Brasil).
embalagens de vidro (Campina Grande, nordeste
do Brasil).

|34|

|35||36|
68

|37

|38|39|

pnirir
|40||41||42|Sistema de sinalização urbana |43|Gráfica institucional para Buenos Aires.
(Buenos Aires), o primeiro exemplo de um grande Projeto: Eduardo Cánovas.
sistema sinalético instalado no espaço público na |44|Sinalização do metrô em Buenos Aires.
Argentina e que frequentemente servia como ponto Projeto: Estúdio Shakespear, 1996.
de referência para versões locais. Projeto: |45|Adaptação do sistema ao contexto local
Guillermo González Ruiz (diretor) e Ronald (La Plata).
Shakespear, 1971-1972.

|40||41|

69

|42||43|

|44||45|
|46|Praça central da cidade de Cachi (Província |47|Contexto no qual se obtém a matéria-prima
de Salta, no noroeste da Argentina), na qual foi para o sistema de orientação (Pré-Cordilheira).
instalado um sistema de orientação adaptado ao |48||49|Identidade determinada pelo uso de mate
contexto local. riais locais: sistema de orientação de cortiça
do cacto.

|46|

70

|47|

|48||49|
|50||53|Gráfica urbana anônima (Cholula, México). |51||52|Identidade criada mediante combinações
cromáticas (Cholula, México).

|50||51||

8xquisito3
TAMALFS DE -
RAJAS MOLE
DULCE SALSA
VERDE CANARIOS -
SURTIMOS PEDIDOS 71

DESAYUNOS

(Lalzeta |52||53|

| " , , , , . J'asº a}dS "Á ER#


+!…
!# = LÃ PIRA | C
III
º MAYTA
FUENTE DES0DAS
T0RTASY CEMITAS
DULCES TIPIC0$
|54|Gráfica urbana anônima (Cholula, México). |59|Identidade criada mediante tratamento de
|55||56||57||58|identidade criada mediante combi detalhes: juntas no muro de um edifício.
nações cromáticas (Cholula, México).

|54||55|

#Oriente
No. 220

72

|56||57

|58||59|
|60||61|Identidade do bairro urbano La Boca em |63|Gráfica anônima (chamadas de filetes) nos
Buenos Aires mediante combinações cromáticas ônibus em Buenos Aires. Esta gráfica, típica para
nas fachadas. a imagem da cidade, foi proibida na metade dos
|62||0|símbolo de reconhecimento do lenço branco anos 1970 com o argumento de que contribuía para
das Mães de la Plaza de Mayo que reclamam a poluição visual. Foto: Inés Ulanovsky, Estúdio
seus familiares desaparecidos durante a ditadura Zkysky.
militar.

|60||61||
|

73

|62||63

#
=
=
==
#==
=
2_> >

==
=
=
|64||65|Proteção da identidade: anúncios nos |66||67|Design gráfico na Argentina. Primeira capa
jornais de uma campanha contra a exportação de de um suplemento dominical de um jornal sobre o
fósseis protegidos na Argentina. tema ‹11 de setembro› e o tema ‹aquecimento glo
bal›. Projeto: Alejandro Ros, 2003 e 2006. Também,
nesse caso, a pergunta pela identidade do design
perde relevância.

|64||65|

74

|66||67|
|68|Gráfica
queiro (Brasil).
|69|Design anônimo
anônima (Havaianas)
de produto num
de um
barco
produto
pes- de |71| Máquina agrícola pulverizadora – um exemplo
para design industrial da Argentina. Projeto: Martín
Olavarría, 2001.
uso massivo no Brasil.
|70|Ventilador deteto com luminária integrada na
unidade motriz. Um exemplo para design no Brasil
– e não para design brasileiro como marca de
identidade. Projeto:Guto Índio da Costa,2002.

|68||69|

75

|70||71|
|72||73|Carrinho coleta de material reciclável. |74|Dispositivo no carrinho para compactar emba
Projeto: estudantes da Universidade de La Plata, lagens de plástico.
docente Eduardo Simonetti, 2005. Nesse caso, a
identidade é determinada pela problemática que
surgiu como consequência da profunda crise eco
nômica na Argentina nos anos 2001-2002.

|72|

76

|73||74|
Modos de materialização da identidade do design
1. Em forma de um grupo de características formais ou cromáticas (stilemi).

2. Na estrutura da taxonomia dos produtos, vale dizer, os tipos de produtos característicos de uma cultura, por
exemplo, uma cuia de cabaça que foi criada na cultura guarani.

3. No uso de materiais locais e métodos de fabricação correspondentes.

4. Na aplicação de um método projetual específico (empatia por uma tradição e uso desses atributos
arraigados em determinada região).

5. Na temática (necessidade) específica do contexto.

Em Santa Clara, no estado de Michoacán (México), a etnia Purépecha trabalha


com cobre desde os tempos pré-colombianos. Primeiro, forjam-se os discos de
cobre em trabalho coletivo. Depois, cada artesão trabalha a matéria-prima dando
forma própria, aplicando golpes de martelo. As ferramentas são fabricadas pelos
próprios artesãos usando peças de caminhões; de preferência, as molas e outros
componentes para suspensão.
Quando se pretende melhorar as precárias condições de vida mediante pro
jetos de cooperação, não é suficiente trabalhar apenas com o design. Devem ser
incluídas
cialização.outras
Frequentemente,
medidas de apoio,
os artesãos
comovivem
a concessão
à beirade
demicrocréditos
extrema pobreza,
e a comer-
não 77

podendo sequer comprar a matéria-prima para a produção. Por isso, dependem


de comerciantes que lhes forneçam o material, forçando-os a um endividamento
e ficando com a maior parte dos lucros.
A Casa de las Artesanías em Michoacán previne esse perigo da exploração,
dando um apoio integral aos artesãos. Assim, faz pesquisas para a descoberta e
apoia a preservação de culturas locais. Os trabalhos dos artesãos e dos grupos são
divulgados por meio de concursos e exposições. Oferece cursos de aperfeiçoamen
to sobre formas de organização e de comercialização. Além disso, adota medidas
protetoras contra a concorrência internacional desleal, que reproduz esses designs
fora do país, aplicando métodos industriais de fabricação seriada.(37)
Além dos problemas de subsistência, a relação com o ambiente e a nature
za tem um papel importante para o artesanato. Os motivos da flora, fauna e
astronomia servem como ponto de partida para lendas e tradições que depois se

(37)
eaart›,
demanda
separação
Com
vale dizer,
referência
local,
do,produtos
assim
surge
a produtos
chamado,
aexplicitamente
pergunta
artesanais
‹airportart›
pela orientados
autenticidade
queouexcedem
‹tourist
aos produtos mais caros, coloca-se um selo de qualidade no
qual eventualmente figure também o nome da artesã ou
do artesão. A identificação do autor garante a identidade
do produto.
turistas. Para garantir a autenticidade, sobretudo dos (38)Shultz, Fernando, op. cit.
materializam nos produtos. A destruição do ambiente e a eliminação de ani
mais e plantas são uma ameaça para a continuidade dessa cultura. «Por isso,
a ecologia não é somente uma questão ‹bio-físico-química›, mas uma questão
cultural de importância fundamental para a permanência e o desenvolvimento
dos artesãos.»(38)

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2006 (1ª edição 2003).
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Ulanovsky, Julieta e Valeria Dulitzky, El libro de los colectivos, La Marca Editora, Buenos Aires 2005. 79
Cognição e Design – o Papel
da Visualização para a Socialização
dos Conhecimentos

•DESIGN DE INFORMAÇÃO
•DADOS, INFORMAÇÃO, CONHECIMENTO
• USABILIDADE

• COMPLEXIDADE COGNITIVA

•PRODUÇÃO E APRESENTAÇÃO DE CONHECIMENTOS

• MAPEAMENTO

•INDIFERENÇA FRENTE A IMAGENS


•CAPTAÇÃO DE DADOS COMO INSTRUMENTO DE DOMINAÇÃO

• RETÓRICA

• METABOLISMO COGNITIVO

•UM SOFTWARE PARA FORMAÇÃO DE MÉDICOS

• A POSIÇÃO DA INTERFACEDESIGNNO DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE


•INTERFACE PARA GESTÃO DE CONHECIMENTOS
• CLÍNICA DE DESIGN

•DESIGN E ATOS ILOCUTÓRIOS


• DESIGN COMO NEGENTROPIA
a guide d to ur

º
º
|01|Página de título de um relatório de projeto
sobre um software educativo para médicos que
será explicado mais adiante.

No discurso
Dados, sobre
informação, a informática e design de informação (infodesign), pode-se
conhecimentos 83

encontrar um esquema linear escalonado, uma «cadeia linguística constituída


de (a) ‹dados› primários (brutos); (b) ‹dados elaborados› (informação); (c) ‹infor
mação validada› (conhecimentos); e (d) ‹informação validada existencialmente›
(sabedoria)».(1) O autor manifesta algumas dúvidas a respeito do quarto nível,
que trata de experiências da vida e dos conhecimentos sedimentados em forma
de compreensão. Assim, limito-me aos três primeiros níveis mencionados. Como
ponto de partida, pode-se questionar sobre o papel do design nesse processo es
calonado de três níveis. Em outras palavras, vou analisar o grau de envolvimento
do design no processo de transformação dos dados primários em informação e da
informação em conhecimentos.(2)
Um exemplo simples pode servir para ilustrar o processo de transformação de
dados brutos em informação e de informação em conhecimentos relevantes para
a ação. Um horário de trens pode ser considerado um banco de dados. Os dados
brutos sobre a hora de partida, hora de chegada, destinos, paradas, números de
trens, tipos de trens e afins se transformam em informação relevante quando são
estruturados, ou seja, quando são transformados a partir de um estado de alta
entropia – um estado desordenado –, em outro estado de baixa entropia, ou alta
negentropia ou ordem. Aí o design começa a participar, contribuindo para orga
nizar os dados receptíveis e perceptíveis – um aspecto que é omitido na discussão
sobre o uso das informações e dados em geral, porque o instrumental conceitual
dos estudos de usabilidade (usability studies) não o detecta.
Quando a informação estiver estruturada, poderá ser compreendida pelo usuá
rio que conheça os significados das conexões das linhas de trens. Contra a opinião
comum, o simples uso da informação não leva a conhecimentos, mas apenas a um
tipo de conhecimento que se denomina ‹conhecimento contextual›.
O passo seguinte para transformar os dados em conhecimentos consiste em
interpretar a informação e usá-la, vale dizer, transformar informação em ações e
metas orientadas (goal-directed behaviour). A maneira como dados e informações
são apresentados tem um papel importante. O design pode facilitar sua recepção
e interpretação, permitindo uma ação mais eficiente. Pode-se objetar que esse
conceito de conhecimento é limitado demais porque existe uma diferença funda
mental entre conhecimento e informação orientada para ações: «Conhecimento
é mais que informação. O conhecimento permite filtrar um valor informativo a
partir de uma massa de dados. Conhecimento é uma forma de descobrir o mun
do: reconhecer, compreender e captar. Em oposição à informação, cuja importân
cia é relevante para a ação, o conhecimento nem sempre é orientado à execução de
tarefas. […] Enquanto a informação representa uma interpretação dos dados com
uma perspectiva de ação, pode-se considerar o conhecimento (saber) como uma
interpretação dos dados da busca de sua conexão causal e sua consistência inter
na.»(3) Essa citação justifica certos cuidados no uso esquemático dos conceitos
‹informação› e ‹conhecimento›. Porém, não invalida a importância dos aspectos
84 formais na apresentação de textos e imagens. Esses aspectos formais não devem
ser subestimados para a transmissão eficiente de conteúdos. Do contrário, o de
sign de livros, pesquisas de fontes e de websites seriam supérfluos – uma conclu
são que os defensores da cultura da leitura e de textos dificilmente aceitariam.(4)
Na afirmação de que conhecimento significa mais que informação, revela-se
um conceito de conhecimento hermenêutico baseado na compreensão, envol
vendo processamento da informação, que difere do conceito de conhecimento
puramente instrumental que visa a ação eficiente.
O debate sobre processos cognitivos geralmente não considera a forma e o
processo de transmissão de dados e informações – uma falha que limita o valor
cognitivo das pesquisas na área. Dados, informações e conhecimentos são tratados

(1) Hakken, David, Cyborgs@Cyberspace: An Ethnogra (4) Rahn, Thomas, «Druckschrift und Charakter. Die Seman
pher Looks to the Future, Routledge, London 1999, p. 21. tik der Schriftim typographischen Fachdiskurs und in der
(2) Veja: Rheinberger, Hans-Jörg, «Wie werden aus Spuren Textinszenierung der Schriftproben», em: TextKritische
Daten, und wie verhalten sich Datenzu Fakten?», em: Nach Beiträge 11, 2006, pp. 1–31. A constante pergunta sobre a
Feierabend – Zürcher Jahrbuch für Wissensgeschichte – correlação sobre conteúdo do texto e representação tipo
Daten, coordenado por D. Gugerli, M. Hagner, H. Michael gráfica do texto permite concluir que cada caso é resolvido
et al., editora diaphanes, Zürich, Berlin, 3, pp. 117–125. de maneira ad hoc para o qual os designers fazem uso de
(3) Liessmann, Konrad Paul, Theorie der Unbildung – Die práticas padrão que escapam a uma algoritimização.
Irrtümer der Wissensgesellschaft, editora Paul Zsolnay,
Wien 2006. p. 29.
como entidades abstratas, separadas de sua base material e do processo de trans
missão que incluem, inevitavelmente, componentes de design. Da mesma ma
neira que não existe uma aprendizagem sem conteúdos, não existe uma mediação
de informação com textos e imagens sem substrato material de suporte – um
fato que Konrad Liessmann critica com a observação de que essa situação é tão
absurda como querer aprender cozinhar sem ingredientes(5). À primeira vista, isso
pode parecer uma afirmação trivial; porém, é justamente essa trivialidade que faz
surgir uma série de questionamentos ao trabalho dos designers visuais. As respos
tas devem ser buscadas nos conhecimentos científicos sobre processos cognitivos.
De acordo com o senso comum, o conhecimento pertence às pessoas e pode ser
externalizado, registrado em documentos impressos e, depois, guardado em biblio
tecas. Dois especialistas em Administração de Empresas dão um passo além e de
finem o conhecimento da seguinte maneira: «Conhecimento é uma mistura fluida
de experiências, valores, informação contextual e conhecimento especializado que
fornece o âmbito para a avaliação e a inclusão de novas experiências e informações.
[…] Nas empresas, o conhecimento é incorporado não apenas a documentos e
arquivos, mas também a rotinas de trabalho, procedimentos, práticas e normas.»(6)
Embora se possa cultivar distância contra uma interpretação meramente
instrumental do conhecimento, ela coloca em primeiro plano uma outra carac
terística que atinge o design: os conhecimentos, considerados como experiências
acumuladas,
ção entre a fonte
devem
e o ser
receptor
comunicados
está ligado à forma de apresentação
e compartilhados. Esse processo
dos conheci
de media- 85

mentos, que deveria ser uma tarefa central do design.


À primeira vista, talvez não seja evidente que a apresentação de conhecimen
tos requer a intervenção de atos projetuais. Sem eles, a mediação, a transmissão
e a apresentação dos conhecimentos não funcionariam. Essa mediação ocorre
em uma interface em que o conhecimento pode ser percebido e assimilado pelo
usuário. Essa argumentação revela a imprescindibilidade do design de informa
ção que, no futuro, poderá representar uma atividade importante e autônoma,
sobretudo porque está conectado com a educação.(7) Essa é uma boa notícia. Por
outro lado, é uma notícia aflitiva porque, até o momento, não se desenvolveu

(5)
(6)
Knowledge,
(7)
1998.
tivo,
nenDavenport,
Liessmann,
Recentemente,
gestalten
por exemplo,
Harvard
–Thomas
op.
Designing
Brückner,
cit.,
foiUniversity
publicado
H.
p. e35.
Information,
Laurence
Hartmut
Press,
um rico
Prusak,
(coord.),
Cambridge
H.M.
material
Working
Hauschild,
Informatio-
Mass.
ilustra- O papel importante de Otto Neurath para o design de infor
mação é documentado em duas publicações: Vossoughian,
Nader, Otto Neurath – The Language of the Global Polis,
NAi Publishers, Amsterdam 2008.
Hartmann, Frank e Erwin K. Bauer, Bildersprache, Facul
tas, WUV Universitätsverlag, Wien 2002.

Bremen 2004.
IIDj– Institute for Information Design Japan (coord.),
Information Design Source Book, editora Birkhäuser,
Basel, Berlin, Boston 2005.
uma teoria coerente da informação: «Na era atual da informação, temos dificul
dades para entender a informação. Encontramo-nos em uma situação similar à
do homem da era do ferro que procura entender o que é ferro. Existe o fenômeno
chamado de informação para cuja coleta e elaboração já obtivemos um alto grau
de habilidade. Porém, não podemos dizer o que é informação porque não dispo
mos de uma teoria científica para embasar uma definição aceitável.»(8)
A teoria da informação, desenvolvida por Shannon e Weaver, explica os as
pectos quantitativos da transmissão de sinais em linhas telefônicas. O diagrama
correspondente de transmissão de sinais tem sido apresentado, durante décadas,
em debates sobre o design gráfico e semiótica, como modelo de comunicação.
Contudo, seu valor explicativo para o design visual é muito limitado, justamente
porque nesse modelo, como os próprios autores da teoria da informação enfatiza
vam, não se considera a dimensão semântica.»(9)Essa dimensão semântica cons
titui a parte central do design visual – ou deveria constituir para evitar que se
termine cozinhando sem os ingredientes.(10)

Interação
Apesar de não existir ainda uma definição cabal, diferenciada e transdiscipli
nar do conceito ‹informação›, não falta prática profissional na área do design de
informação aplicando conhecimentos da psicologia cognitiva, linguística, teoria
86 da percepção, teoria da aprendizagem, semiótica e do design visual. O design de
informação é definido como «o design das apresentações exteriorizadas para au
mentar os conhecimentos».(11) No âmbito desta publicação, entende-se visualiza
ção como a área das apresentações interativas baseadas em computadores. Porém,
poder-se-ia dar um passo além e caracterizar a visualização como um procedimen
to para tornar processos ocultos ou pouco visíveis em processos bem visíveis e
transformar informações codificadas discursivamente em informações visuais.(12)

(8) Devlin, Keith, Infosense: Turning Information into Know Vision to Think, Morgan Kaufmann, San Francisco 1999,
ledge, W.H. Freeman & Company, New York 1998, p. 24. p. 7.
(9) Kittler, Friedrich, Peter Berz, David Hauptmann e Axel (12) Representações erradas e inadequadas na área do
Roch (coords.), Claude E. Shannon: Ein|Aus –Ausgewählte design gráfico se chamam ‹Boutique Data Graphics›:
Schriften zur Kommunikations- und Nachrichtentheorie, Tufte, Edward R., The Visual Display of Quantitative Infor
editora Brinkmann & Bose, Berlin 2000, p. 9 e p. 11. mation, Graphics Press, Cheshire 1983, p. 118. Por mais
(10) Por essa razão, os exercícios de layout com texto justificado que seja o desmascaramento do ‹Boutique
cego, vale dizer, texto semanticamente amputado, terão Data Graphics›, seria igualmente falso supor que uma
valor limitado. Quem se fixa na mera sintaxe (composição representação esteticamente atraente seja incompatível
de blocos de texto numa página para avaliar os valores de com o conteúdo correto. O domínio da estética não é,
cinza) passa pelo lado do conteúdo. como é sabido, coextensivo com o domínio do objeti
(11) Card, Stuart, Jock Mackinlay e Ben Shneidermann vamente correto. Correlacionar esses dois domínios é
(coords.), Readings in Information Visualization – Using precisamente o trabalho do designer gráfico.
Em virtude do desenvolvimento tecnológico dos meios digitais, abriram-se
novas possibilidades de atuação do design. A apresentação interativa de informa
ções oferece um desafio para o design gráfico tradicional e também para discipli
nas baseadas em pesquisas. Obviamente, um livro (não digital) também é uma
ferramenta que mostrou praticidade durante vários séculos. Porém, interação
no sentido mais restrito se refere hoje à apresentação de informação por meio de
documentos digitais como, por exemplo, cd-roms e websites.
Estou consciente do perigo do desgaste dos conceitos ‹interação› e ‹intera
tivo› pelo seu uso excessivo na mídia. Uso esses termos no sentido prosaico e refi
ro-me ao modo de apresentar informação de maneira não linear, vale dizer, como
hipertexto, ou estrutura de nós semânticos ligados entre si (em rede), oferecendo
alternativas para a navegação. Para isso, usam-se os diferentes canais de percep
ção (visual, auditivo, tátil) e novos procedimentos para apresentar a informação,
sobretudo em informações científicas. Até o momento, eles baseiam-se predomi
nantemente em textos. Lidar com esses múltiplos recursos – música, imagens,
animação, cinema – requer outras competências ou ‹literacies›, além daquelas me
ramente discursivas, que dificilmente encontram-se reunidas em uma pessoa só.
Isso requer trabalho de uma equipe com especialistas em psicologia cognitiva,
design do som, música, ilustração, redação, programação e design interativo.(13)

Se considerarmos
Usabilidade vista pelaque a produção
perspectiva dode documentos digitais e de ferramen
design 87

tas depende de um trabalho de equipe, pode-se perguntar como caracterizar a


responsabilidade do designer nessa atividade. Se considerarmos as múltiplas
interpretações do design e suas diferenças em relação às ciências das engenharias
e outras ciências, podemos descobrir uma série de traços constantes em comum.
Limito-me a duas constantes. Por um lado, temos o cuidado com as característi
cas do usuário e, por outro, o cuidado com a qualidade formal-estética.
A preocupação com as características do usuário, de forma abrangente, define
o enfoque do design e o diferencia de outras disciplinas, inclusive da psicologia
cognitiva e da ergonomia do software. Esse enfoque coloca a estética em evidên
cia em plena consciência de poder, com essa afirmação, fortalecer o preconceito
segundo o qual os designers preocupam-se em primeiro lugar, ou até exclusiva
mente, com um aprimoramento estético. Aí entramos em conflito, pois o do
mínio da usabilidade é reivindicado pelos representantes das ciências cognitivas

(13)A
científica
impresso,
Veja: Snyder,
digitalização
da
dirigindo
literatura
Ilana (coord.),
alevou
atenção
orientada
a Silicon
umaa novas
revisão
principalmente
Literacies,
formas
na disciplina
Routledge,
deao
recepção,
texto plos de extensão do conceito ‹literacy›, não se limitando
mais à obra impressa, cita-se o seguinte livro: Snyder,
Ilana (coord.), Page to Screen – Taking literacy into the
electronic age, Routledge, London, New York 1998.
London, New York2002. Como um dos numerosos exem
e dos estudiosos do usability engineering methods – tema que será tratado mais
detalhadamente no capítulo 11, «Design e pesquisa do design».

Retórica
A comunicação eficiente depende do uso de recursos que contêm neces
sariamente um componente estético. Os recursos linguísticos, como se sabe,
pertencem ao domínio da ‹retórica›. De acordo com a compreensão tradicional,
a gramática trata da formulação de discursos de acordo com as regras ou conven
ções formalizadas. Enquanto isso, a retórica tem a ver com a preparação estética
do discurso, evitando-se o tédio – a retórica é uma caixa de ferramentas cheia de
‹truques› para captar a atenção do público e prevenir o aborrecimento. A tarefa
do design de informação assemelha-se à compreensão tradicional da retórica da
seguinte maneira: sua contribuição consiste em reduzir complexidade cognitiva,
produzir clareza e, dessa maneira, contribuir para uma melhor compreensão. Isso
se consegue mediante uma aplicação equilibrada dos recursos audiovisuais.

Da produção de conhecimentos à difusão de conhecimentos


Antes de apresentar um exemplo que mostra a função do design como uma
ferramenta cognitiva, quero citar um especialista em Letras que faz uma proposta
ousada. Na era da informação e nas economias baseadas em conhecimentos, as
88 queixas sobre a inundação de informações, a explosão de informações e a satura
ção de informações foram divulgadas exaustivamente. Por isso, não se deve exa
gerar nos mantras eufóricos à revolução dos computadores e tampouco o oposto
a esses mantras em forma de descrédito à informação. O autor escreve: «… eu
quero afirmar que o grande desafio intelectual dessa era da informação não con
siste em apresentar uma grande teoria unificadora da física ou a descoberta das
origens da vida humana. O grande desafio consiste em utilizar melhor aquilo que
já sabemos.»(14) Essa proposta advoga uma reorientação da pesquisa científica.
Como é sabido, os cientistas são pressionados a produzir muitas publicações para
progredir na carreira. Apesar de não ser contra a produção de novos conhecimentos,
deveríamos considerar que essa enorme pressão para publicar também tem aspec
tos negativos. Frente à excessiva massa de publicações, com milhares de revistas
especializadas nas diversas disciplinas, cresce a dificuldade de se manter atualizado
em um campo específico. Em vez disso, a proposta citada visa reorientar os recursos
da pesquisa para a utilização dos conhecimentos já existentes, em vez de investi-los

(14) Willinsky, John, Technologies of Knowing, Beacon


Press, Boston 1999, p. 4.
unilateralmente na produção de mais conhecimentos. Richard Rorty não deixa dú
vidas com relação a essa proposta e recomenda «… que os sociólogos e psicólogos
não deveriam mais se atormentar em aplicar métodos científicos rigorosos, mas per
guntar se eles têm propostas para melhorar nossas vidas e nossas instituições.»(15)
Os designers poderiam intervir exatamente nesse ponto, pois eles dominam – ou
deveriam dominar – os meios para reduzir a complexidade cognitiva e contribuir
para apresentar informação de forma útil, desenvolvendo uma interface adequada
entre a informação e o usuário/leitor. Esse novo tipo de design é conhecido por di
ferentes denominações, como arquitetura da informação (information architecture) ou
engenharia do conhecimento (knowledge engineering).(16) Prefiro o termo ‹design de
informação›, usado na Europa, cujo objetivo consiste em fomentar o metabolismo
cognitivo, vale dizer, facilitar a assimilação de informação.(17) Em geral, a função de
produzir novos conhecimentos não cabe aos designers, pois isso não é seu expertise.
Em compensação, os designers podem cumprir uma função importante na apresen
tação eficiente dos conhecimentos produzidos por outros especialistas. Para isso, a
tecnologia da informação abre amplas perspectivas com as quais Otto Neurath –
um dos pioneiros do design de informação – nem poderia sonhar.

Construção de mapas (mapping)


A cartografia constitui-se em um dos maiores desafios epistemológicos e
interpretativos
como o «provavelmente
que o design
maisdesofisticado
informaçãoprocedimento
deve confrontar.
para O
registrar,
mapa é produzir
definido 89

e transmitir conhecimentos.»(18) Mapas não reproduzem a realidade: eles não são


instrumentos miméticos, mas fazem aparecer uma nova realidade. O processo do
mapeamento inclui «a visualização, o registro, a apresentação e a criação de es
paços, utilizando recursos gráficos».(19) Aqui, não se trata apenas do mapeamento
de espaços físicos, mas, sobretudo, do mapeamento de espaços de informação.(20)

(15) Rorty, Richard, «Does Academic Freedom have Philo postura ambivalente com relação ao design e que, quando
sophical Presuppositions?», em: The Future of Academic oportuno, usam o neologismo ‹architect-designer›.
Freedom, coordenado por Louis Menand, University of (17) Arquitetura da informação: estruturação de conjuntos
Chicago Press, Chicago 1996. Citado em: Willinsky, de informações complexas na web para os quais se
op. cit., p. 94. deseja uma navegação simples.
(16) No conceito ‹arquitetura da informação›, criado por (18) Cosgrove, Dennis (coord.), Mappings, Reaction
Richard S. Wurman, evita-se explicitamente a palavra Books, London 1999, p. 1.
‹design›; mesmo tendo Wurman inicialmente se referido (19) Ibid., p. 1.
exatamente àquilo que hoje se entende por ‹design de (20) Até o momento, as pesquisas sobre a história da lite
informação›. Para justificar sua seleção dos conceitos, ele ratura foram orientadas exclusivamente aos textos, sendo
(como arquiteto) argumenta que, atualmente, o conceito indiferentes ao fenômeno da visualidade. Recentemente,
‹design›, diferente do conceito ‹arquitetura›, não goza de constata-se o uso de recursos visuais. Veja: Moretti,
alta estima nos EUA. Portrás desse argumento esconde-se Franco, Graphs, Maps, Trees – Abstract Models fora
um preconceito dos arquitetos que, às vezes, assumem uma Literary History, Verso, London, New York2005.
Por exemplo, no caso de um banco de dados desarticulados para um programa
de ensino em forma de textos, esboços, fotos, ilustrações, diagramas e animações,
o designer assume a tarefa cognitiva de mapear esses dados para a construção de
uma interface para fomentar a compreensão e que se pode usar interativamente.
Por isso, em primeiro lugar, deve-se estruturar a massa de dados desconexos e,
depois, transportá-los para o domínio visual e auditivo, definindo-se uma estru
tura de rede para a navegação.(21)
Há uma distinção entre busca da informação e compreensão da informação.
Em ambos os casos os mapas podem servir para se embrenhar em uma área
de conhecimento. Eles servem para duas funções diferentes, porém interde
pendentes, que denomino de ‹metabolismo cognitivo›. De um lado, ele deve
facilitar o acesso aos conhecimentos e, de outro, assimilar esses conhecimen
tos. Os mapas oferecem um panorama sobre estruturas de dados e colocam à
disposição ferramentas para encontrar resultados. Afinal de contas, o usuário
provavelmente está mais interessado nos resultados do que na busca. Portanto,
os mecanismos de busca (search engines) têm menor importância que de achar
(find engines).
Os mapas servem também como instrumento para apresentar conhecimentos
num espaço audiovisual, vale dizer, num espaço perceptivo dentro do qual se pode
adquirir conhecimentos e produzir compreensão. Escrever e imprimir são proce
90 dimentos tradicionais para armazenar conhecimentos e transmiti-los. Jack Goody
mostrou a importância da representação gráfica da linguagem para o desenvol
vimento social e da educação, assim como as vantagens das culturas letradas em
comparação com sociedades orais que somente se comunicam pela fala.(22)
Hoje, dispomos de muitos recursos audiovisualísticos e não só de recursos
gráficos. Essa é uma das razões para a complexidade crescente da apresentação
de conhecimentos. A maneira de lidar com essa complexidade é um assunto do
design – uma temática que não é ensinada ou é tratada com certa indiferença
nos programas de ensino orientados pelos textos dos cursos primário, secundário
e universitário. Provavelmente haverá mudanças nessa área quando se usarem
intensivamente os recursos audiovisualísticos no ensino. As preocupações com o

(21) Com relação ao desenvolvimento histórico do banco de capítulo «Burocracia e Cosmografia na Espanha 1569
dados como instrumento de dominação da Espanha sobre 1600», pp. 65–91.
o reino colonial hispano-americano, cita-se a pesquisa (22) Goody, Jack, The Power of the Written Tradition,
exemplar de Siegert, Bernhard, Passage des Digitalen – Smithsonian Institution Press, Washington, London 2000.
Zeichenpraktiken der neuzeitlichen Wissenschaften 1500 Goody, Jack, The Interface Between the Written and the
1900, editora Brinkmann & Bose, Berlin 2003. Sobretudo o Oral, Cambridge University Press, Cambridge 1993.
fim da cultura do livro e o fim dos livros impressos me parecem infundadas, pois
eles não competem com formas de ensino audiovisualístico.
No início dos anos 1990, observou-se uma euforia com relação a hipertextos
como forma não linear, bifurcada, de apresentação de textos. Porém, muito cedo
foram formuladas certas reservas a essa euforia: «Estudantes que elaboram apre
sentações em hipermídia podem chegar a uma forma de conhecimento que, além
de vagas associações, não possui nenhuma estrutura. As conexões em um sistema
típico de hipermídia não estão orientadas necessariamente para fornecer alguma
forma de informação relacional […] A hipermídia é atraente porque fornece apa
rentemente uma representação direta de redes de conhecimentos desenvolvidos à
medida que nos familiarizamos com uma temática, libertando-nos das limitações
de apresentações lineares. Contudo, não dispomos de uma boa teoria sobre a ma
neira de estruturar realmente as redes de conhecimentos – se é que temos essas
redes de conhecimentos.»(23)

Um exemplo de software para o ensino de médicos


Para fundamentar a tese sobre o uso do design como instrumento cognitivo,
apresento o resumo de um projeto que exemplifica a maneira de proceder dos de
signers de informação.(24) Trata-se de um software educativo em forma de um cd
rom para estudantes de medicina no sexto semestre. Nesse programa, explica-se
complexos
a função dasprocessos
células nervosas,
químicosvale
no nível
dizer,atômico.
das membranas
A compreensão
nas células
desses
ondefenôme
ocorrem 91

nos é difícil quando se usa só material baseado em textos e ilustrações estáticas.(25)


O material inicial consistiu de uma série de esboços (aproximadamente cem
páginas) e um storyboard (uma sequência linear de imagens sem interação). Na
primeira fase, os estudantes de design se familiarizaram com a temática, ana
lisando livros de medicina onde encontraram explicação sobre a função das
membranas das células nervosas. Coletaram também informações em websites e
compararam o material existente.
O segundo passo do trabalho se constituiu em estruturar o material coletado.
Planejaram-se sequências de animação e esboçaram-se as ilustrações e desenhos.

(23)
Chip:Chipman,
Who’s Revolutionary
Susan, «Gazing
Now?»,
Onceem:
More
Lajorie,
Into the
Susanne
Silicone Kleinebeckel da Faculdade de Medicina da Universidade
de Köln, forneceu o material básico e verificou se o
Sharon
Lawrence
(24)tese
ware
de tezuWilde,
J.
de
den
Derry
Erlbaum,
graduação
Grundlagen
Doris
(coords.),
Hillsdale,
e no
Bina
der
Departamento
Computers
Witte,
Nervenfunktion»,
N.J. «Interaktive
1993,
as Cognitive
de
pp.Design
341–367.
Lernsoft-
trabalho
Tools,
da conteúdo foi apresentado sem erros.
(25) A pergunta sobre o porquê desse capítulo sertão
importante para os estudantes de Medicina, o neuro
fisiologista respondeu: «O material serve para que os
estudantes compreendam como e por que a aspirina
Universidade de Ciências Aplicadas Köln, 1999. Prof. Dr. funciona».
|02| Splashscreen do software educativo. |05| Representaçãoesquemáticadoreflexo patelar
te Wilde, Doris e Bina Witte, «Interaktive Lern nojoelho.
software zu den Grundlagen der Nervenfunktion», |06| Comumteste virtual oestudantepode repetir
trabalho degraduação no Departamento de Design o reflexo.
da Universidade de Ciências Aplicadas Köln(hoje |07| Detalhe da membranada célula. Comuma
KISD, Köln International School of Design), 1999. lupa virtual (retângulo vermelho)oestudante pode
|03|O menu principalcom as cincoáreastemáticas ampliardeterminadasseções indicadas pelos
podeserusadomediante um menu deimagens pontos vermelhos da representaçãoesquemática. O
(roll-over-menu)ou um menu linguísticopop-up. lado direitodatela contéma explicação corres
|04| Exemplode uma sequência defilmagem para pondente.
representaro reflexo patelar.

|02||03|

92

|04||05|

|06||07|
|08|Menu do capítulo «Transmissão do estímulo». |12|Experimento virtual para mostrar o potencial na
|09|Animação da transmissão do estímulo. membrana.
|10|Animação do movimento molecular e das bom |13|Após colocar a ponta de medição na membrana,
bas na membrana da célula. mostra-se a curva de potência com acompanha
|11|Overlay da legenda para a animação do movi mento sonoro na pequena janela de medição.
mento molecular.

|08||09|

93

|10| |11|

|12||13|
|14| Explicaçãoda absorçãode um estímulo |18| Esquemadaestrutura datela do monitor
mediante uma animação. divididaemzonas funcionais: título, navegação,
|15| Screenprincipaldo glossário commenu alfa conteúdo, botões funcionais(sair, volume), subna
bético verticalna margemesquerda. vegação (avançare retroceder).
|16| Representaçãoesquemáticadamembranada |19| Exemplodo livro de estilo dagramática visual
célulanoglossário. noqual sãodeterminados todosos componentes,
|17| Exemplo para verificaroque se aprendeu. O como por exemplo, espessura das linhas, tamanho
estudante moveos conceitosespecíficos como datipografia, combinações de cores, ênfase,
mouse nolugar correspondentena representação dégradé.
esquemática.

|14||15|

94

|16||17|

|18||19|
|20|Exemplo
mediante
move
reconstruir
as diferentes
uso
a para
configuração
de um
verificar
partes
quebra-cabeça.
da
aexibida.
aprendizagem
imagemOna
estudante
zona para |21|Mediante um menu pop-up na margem inferior
do monitor, pode-se acessar o glossário com os
termos técnicos.
|22||23|Exemplo descreens do léxico com
ilustração.

|20||21|

95

|22||23|
|24|Diagrama dos hiperlinks do software educativo.

Texto 1
C5 o Texto 23 Texto
B52 Texto
dummyB41
B51Texto B51
B52
B53
B54
B55
B56 OL B21 Texto 1
ã
ç
C4 oiglo
a
M
ofro
ud Trans.
Morfologia
Reflex
Cél.
Cérebro
Textoestímulo
nervosa
54 Lâmina 4321 B53
B54
B55
B56 U A1
A5
A4
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B23
B24
B25
B26 Texto 2
Menu 2 M
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D B22 .N
A
Introdução a-c
N
M B11Texto dummyB11 O R Mov. molecular a+b
B
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E Bomba sódio/potás.
C2 M
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I
o A Concentração a
c IC
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E Permeab. seletiva a
T
O Potencial a+b
Impulso elétrico a
C1 sa
tn Fluxo de sódio
u
g
re Despolarização a
P Reposição a-d

Os textos foram reformulados para facilitar a leitura na tela. Foi elaborada uma
gramática visual ou livros de algoritmos visuais para os diversos componentes:
combinações cromáticas, fontes para os textos, tamanhos, espessuras das linhas,
texturas, tratamento digital das fotografias, tipos de ilustrações, componentes
dos processos de animação e curtas sequências fílmicas. Os dados estruturados e
definidos para a apresentação visual foram transferidos para uma interface com
o objetivo de proporcionar uma navegação clara e uma orientação segura entre
os diferentes hiperlinks. Foram detalhadas as animações, incluindo os testes
virtuais para medir o potencial elétrico das células. Também foram filmadas
algumas sequências de vídeo.
Os textos explicativos foram lidos em voz alta por uma locutora profissional,
com gravação. Esses textos foram reformulados, nos casos de certas temáticas
que precisavam de mais detalhamento, e podiam ser lidos ou ouvidos a fim
de facilitar a concentração dos estudantes sobre o material visual. Além disso,
foi elaborado um glossário dos termos técnicos complementado por uma série
de exercícios mediante os quais os estudantes podiam verificar seus níveis de
conhecimento.
Depois que todo o material ficou disponível, foi importado para um programa
de animação. A programação necessária foi submetida a uma fase de debugging
(depuração) para reduzir o número de erros no protótipo e garantir um funcio
namento correto desse programa. Depois disso, um protótipo foi testado pelos
estudantes de medicina para verificar sua aceitação, o sucesso da aprendizagem e
a qualidade de uso.
O trabalho inteiro exigiu competências para visualizar processos comple
xos, e elaborar um projeto que facilite a compreensão do conteúdo do cd-rom,
atingindo um nível adequado de visual literacy. Então, o projeto foi muito além
da elaboração de um ‹screendesign›. O projeto começou com o conteúdo e termi
nou com a comunicação do conteúdo. O conhecimento existia em forma bruta;
porém, não em um modo de apresentação coerente e apropriado. Portanto, não
é suficiente produzir conhecimentos. Os conhecimentos devem também ser
organizados, apresentados e comunicados, de uma forma apropriada, utilizando a
tecnologia disponível.

Interface design
Existem pontos de contato entre design de informação(26) e interface design, já
terface
que ambas
design›
as disciplinas
é um conceito
lidammais
comabrangente.
informaçõesNo
e signos.
desenvolvimento
Porém, a expressão
de softwa‹in- 97

res, as interfaces, às vezes, são tratadas como mal necessário, dando a impressão
de que um software ideal seria aquele que pudesse prescindir de interfaces (nesse
ponto assemelha-se ao ideal da eletrônica imaterial, ou seja, uma eletrônica que
execute operações eletrônicas sem suporte físico).
Por que não se pode eliminar interfaces e concentrar-se apenas na funcionalida
de pura de um software que, afinal de contas, é o que importa? Infelizmente, isso
não é possível em virtude da estrutura anatômica e fisiológica do corpo humano.
Não somos equipados com receptores para fazer leitura direta de um disco rígido
e, por isso, não podemos acessar diretamente o código gravado no meio digital.
Durante sua evolução histórica, os homens criaram uma assombrosa quantida
de de próteses, desde óculos até marca-passos; contudo, até o momento inexiste
prótese para acessar diretamente o código de um aplicativo. Para isso é necessário
um auxílio em forma de uma interface.

(26) Um panorama compacto sobre a ampla abrangência


do design de informação encontra-se em Mijksenaar,
Paul, VisualFunction – An Introduction to Information
Design, Princeton Architectural Press, New York 1997.
O peso atribuído a uma interface depende do tipo de software – para um
administrador de sistemas competente no uso do Unix, será suficiente uma in
terface residual baseada em texto (command-line interface). Porém, uma pessoa não
treinada no uso de linguagens de programação precisará de uma interface em que
possa aprender rapidamente, com baixo nível de frustração e, além disso, experi
mentando uma sensação agradável. Com toda razão, os informáticos e programa
dores valorizam muito a funcionalidade. Entretanto, esse conceito facilmente leva
a mal-entendidos. Primeiro, refere-se a um determinado serviço que o aplicativo
oferece. Segundo, refere-se à maneira de implementação e, terceiro, refere-se à
maneira como se apresenta uma função. As diferenças podem ser explicadas com
a ajuda de um exemplo.
A maioria dos aplicativos usados profissionalmente oferece a função ‹salvar›.
Essa função pode ser executada por meio de uma opção explícita do menu (cha
mado trigger) ou passando ao segundo nível, sem necessidade de dar um coman
do. A função também pode ser apresentada como opção em um menu ou como
tecla, numa janela de diálogo. A sequência de ações é feita em vários passos:
• Selecionar o comando
• Digitar um nome
• Digitar ou selecionar o caminho
Na psicologia da percepção a funcionalidade é mais adequadamente explicada
98 pelo termo ‹affordances›, significando possibilidades de ação. Esse conceito não
é muito difundido na informática, mas isso não diminui sua utilidade. Como
se sabe, a discussão sobre o uso de computadores pessoais e a temática que hoje
denominamos de interface design começou nos anos 1960, na Universidade Stan
ford, em Palo Alto – eua.(27) Durante essa discussão, Douglas Engelbart inventou
o mouse. Mais tarde, nos anos 1970, apareceram outras inovações, tais como jane
las (windows), menus pulldown, scroll bar, botões e ícones; vale dizer, todos aque
les componentes do software que hoje foram adotados em todo o mundo como
padrão. Naquele tempo, surgiram diversas inovações radicais, que foram ganhan
do posição de arquétipos. Esses arquétipos, hoje, se consolidaram e figuram nos
interface stylebooks das empresas de software que desenvolvem sistemas operativos.
Quando se usa o termo ‹design› no contexto da programação e do desenvol
vimento de software, podem surgir facilmente mal-entendidos, como acontece
atualmente no uso do conceito de ‹funcionalidade›. Na opinião pública, o design
ainda se associa ocasionalmente aos objetos rebuscados, decorativos, chamativos

(27) Hellige, Hans-Dieter (coord.), Mensch-Computer


Interface – Zur Geschichte und Zukunft der Computerbe
dienung, transcript, Bielefeld 2008.
para a mídia, caros, ornamentos para decoração de interiores. Essa associação
estimula o preconceito, reduzindo o design à atividade cosmética e de embeleza
mentos estéticos. Naturalmente, o design também trabalha com estética; porém,
não como agregado superficial ou, como se fala no jargão da programação, para
fins de ‹souping up›.
Recentemente, o repertório dos conceitos foi enriquecido por duas palavras
novas: ‹interaction design› e ‹experience design›. O conceito de ‹interaction design›
tem a vantagem de ressaltar a maneira de agir do usuário, vale dizer, a maneira
como ele lida com o aplicativo. Esse conceito destaca a dimensão dinâmica do
comportamento. O neologismo ‹experience design› serve para enfatizar a ligação
do design com experiências e emoções. O ‹design de emoções› pode ser uma
meta enganosa ou ‹mushy stuff›. O que se pode projetar são produtos que evocam
determinadas emoções; contudo, parece duvidoso querer projetar emoções. Resta
ver se os clientes dos designers contentam-se com o fornecimento de emoções. O
uso inflacionado do termo ‹design› em novas combinações nem sempre é benéfi
co à seriedade do conceito.
Existem duas maneiras opostas para o desenvolvimento de software. No
enfoque dominante até os anos 1980, o processo foi articulado em uma série
de passos sucessivos, começando com a definição da arquitetura do aplicativo e
terminando com a documentação:
• Arquitetura
•Definição da do
funcionalidade
aplicativo central (o serviço que o produto oferece) 99

• Conceito básico
• Programação
• Interface
• Protótipo
•Testes e debugging
• Documentação
Outro enfoque que começou nos anos 1990 procede de maneira inversa. Em
vez de se ocupar da interface somente nas fases finais, agora o trabalho com o con
ceito da interface é antecipado, o que se manifesta na seguinte sequência de passos:
• Determinação das funções básicas + rapid prototyping da interface + testes +
documentação
• Arquitetura do aplicativo
• Programação
• Protótipo
•Testes e debugging
• Redesign
A perspectiva do usuário é incluída no começo do processo do desenvolvimen
to, diferindo da sequência anterior, quando era inserida após decisões centrais
já terem sido tomadas. Desse modo, a interface era colocada como uma fachada
do aplicativo para cobrir eventuais debilidades ou para tornar o aplicativo mais
atraente visualmente.
Convém fazer claras distinções entre duas interpretações de funcionalidade no
desenvolvimento de software:
a)Funcionalidade como soma de todos os serviços disponibilizados pelo aplica
tivo (conteúdo das funções).
b)Funcionalidade como facilidade de uso, vale dizer, a maneira como a funcio
nalidade do aplicativo é apresentada aos usuários e como o utilizam.
As duas funcionalidades são correlacionadas; porém, é recomendável não
confundi-las. A interface que abre a funcionalidade não pode ser considerada um
mal necessário, pois a interface é constitutiva para o desenvolvimento do software.
Esse conhecimento levou a uma formulação radical: a interface é o próprio progra
ma. As preocupações com o usuário são importantes demais para serem simples
mente tratadas como adendo ao desenvolvimento do projeto.
Mesmo não tendo acesso a dados empíricos para comparações, pode-se supor
que o segundo enfoque é, em princípio, mais econômico que o enfoque tradicio
nal mencionado inicialmente. Ele é proativo, ao invés de reativo, e assemelha-se
a um sistema de pré-alarme. Poupam-se muitas horas de programação. Possi
velmente, na indústria do software, a minoria das empresas usa o design dessa
maneira proativa. A maioria adota práticas corretivas para eliminar equívocos
no desenvolvimento ou para reduzir erros. Naturalmente, a atuação preventiva
é melhor que aquela corretiva, induzindo o trabalho de design desde o início. É
100 possível que o costume de considerar a contribuição do design apenas nas etapas
finais, como uma operação de resgate, tenha origem nos programas de ensino nas
universidades, sobretudo na carreira de Administração de Empresas, que incluía
a temática do design tardiamente em seus currículos.

Hall da fama dos erros de interface design


Passo a passo, a crítica ao interface design se estabeleceu como um campo de
atividade profissional. Assim, um grupo de profissionais de software colocou o
Hall of Shame na rede para analisar erros da interface design. Além disso, exis
tem publicações com coleções de exemplos sobre o que convém evitar os interface
bloopers.(28)Também nos últimos anos foram desenvolvidas técnicas de check-list
para interface design que podem ser comparadas com práticas padrão da medicina
diagnóstica. Pode-se compreender a ênfase dada a procedimentos quantitativos
com os quais se quer superar o mero ‹achismo›. Porém, esses procedimentos
quantitativos deveriam ser conectados com a relevância das afirmações verificáveis.

(28)
–merados
queOsigualam
mal-entendidos
em uma
design
listaadisponível
aos
jogosquais
estético-formais
na
o design
rede: Dimon,
é exposto
– são
Garrett.
enu- (2007), Improving Interface Design – Web Visions. http://
www.slideshare.net/garrettdimon/improving-interface
design (ultimo acesso: 08.11.2008).
Clínica de design
Quando se submete um aplicativo a uma clínica de design, dirige-se a atenção
para uma série de critérios que podem ser agrupados em três classes:
• Critérios que se referem às sequências de ações e modos de interação do usuá
rio com o software.
•Critérios que se referem à apresentação das sequências de ação no uso do sof
tware, vale dizer, os aspectos comunicativos e perceptivos.
• Critérios que se referem às qualidades de agradabilidade da interface.(29)

Grupo 1
A seguir, é apresentada a lista do primeiro grupo, que se refere ao manejo do
aplicativo:
• Quais possibilidades de ação (affordances) o aplicativo oferece?
• Quais modos de interação o aplicativo oferece?
• Quais sequências de ação o aplicativo oferece?
• Quais são as ações para se obter um determinado resultado?
• Quantos passos de ação são necessários para se atingir um determinado objetivo?
• As sequências de ação correspondem a uma sequência evidente que faz sentido?
• Qual é o feedback?
• Existem mensagens de erro? Como são formuladas?
• Existe ajuda? Como é oferecida? 101

Como o usuário pode se orientar (onde estou?)?


• Como o usuário pode navegar (como chegar a determinado lugar?)?
• Existem tutoriais (como são estruturados?)?
• Existem possibilidades de personalizar a interface?
• Existem possibilidades de se configurar o aplicativo para diferentes níveis de
usuários (principiante, intermediário, avançado)?
•Qual é a forma da curva de aprendizagem? É coerente com o grau de dificul
dade crescente?

Grupo 2
A seguir, é apresentada a lista do segundo grupo, que se refere às característi
cas formais e à distribuição dos itens no monitor ou na janela:
• A interface está dividida em zonas funcionais? Em quais?
• Como são diferenciadas, hierarquizadas e enfatizadas as informações?

(29) Esta classificação foi desenvolvida no projeto de um


aplicativo de uma intranet.
• Qual é a variedade de tipografia (tipo de fonte, tamanhos, estilos)?
• Como o layout está estruturado (comprimento, distância das linhas e colunas)?
• Quais são as regras para fazer as separações entre signos verbais e não verbais?
• Como se usam as cores? Elas são relacionadas com funcionalidades? São
semanticamente usadas? Têm boa visibilidade?
• Quais paletas cromáticas são usadas?
• Como se usam os elementos da identidade corporativa?
• Como se posicionam os elementos de controle?
• Como se posicionam os elementos de display?
• Qual é o tratamento das imagens (tratamento digital, paletas cromáticas)?
• Qual é a forma dos ícones?
• Como se usam as animações?
• Como se usa o som?
• Qual é a dosagem dos efeitos?
• Qual é a linguagem usada?
• Como se apresenta a informação?
• Observam-se as normas da interface design?

Grupo 3
A seguir, é apresentada a lista do terceiro grupo, que se refere às qualidades
102 de agradabilidade (expressas por julgamentos ou assessments):
• A interface corresponde ao estado da arte?
• A interface é agradável, lúdica, aborrecida, complexa?
• Qual é o clima formal-estético apresentado pela interface?
• A interface é adequada para o conteúdo?
• A interface é coerente com seus objetivos?
Uma pessoa pode sentir-se atraída ou repelida por uma ferramenta, ou consi
derar agradável ou desagradável interagir com essa ferramenta. Essas preferências
resultam de uma dinâmica própria. Elas são determinadas culturalmente de
acordo com grupos e gêneros. Além disso, dependem do estilo, ou seja, da ma
terialização da coerência, que dificilmente é alcançada com métodos discursivos
racionais e argumentativos. Para descobrir a causa desse fato, pode ser útil recor
rer à teoria dos atos linguísticos de Austin e Searle.(30) Partindo da classificação
dos atos linguísticos (illocutionary acts) elaborada por esses linguistas, podemos
distinguir os seguintes atos linguísticos:

(30) Austin, J. L., How to do Things with Words, Harvard


University Press, Cambridge Mass. 1962.
Searle, John R., Sprechakte, editora Suhrkamp, Frankfurt
1983 (edição original: Speech Acts, 1969).
• Afirmações (assertions)
• Pedidos (requests)
• Compromissos (commitments)
• Declarações (declarations)
•Julgamentos (assessments)
A esses atos linguísticos estão conectadas condições de cumprimento (conditions
of satisfaction). As afirmações obedecem ao critério da verdade, vale dizer, precisam
ser verificáveis. A afirmação de que Otto Neurath fez importantes contribuições
para a visualização de dados estatísticos econômicos e sociais pode ser verificada
consultando-se as fontes pertinentes. Por isso, trata-se de uma afirmação científi
ca, e não de uma simples opinião, e certamente não de um compromisso.
Os pedidos são caracterizados pela condição de que precisam ser atendidos.
Os pedidos, do ponto de vista dos atos linguísticos, também são considerados
como ordens. Também as perguntas são, por sua estrutura, ordens. Isso não quer
dizer que pedidos e perguntas precisem ser gramaticalmente formulados como
ordens. A condição de satisfação do ato linguístico «a conta, por favor» é dada
quando o garçom a traz.
Atos linguísticos em forma de compromissos (atos ilocutórios compromis
sivos) obrigam a pessoa a fazer algo ou não. Podemos interpretar horários em
geral como compromissos públicos de empresas cujas condições de satisfação são
dadas
nem sempre
quandoé o trem,
caso. Da
pormesma
exemplo,
maneira
parte como
pontualmente,
afirmaçõeso podem
que, como
ser falsas,
se sabe,pode 103

haver compromissos que não sejam cumpridos. Isso pertence à característica das
condições de satisfação para atos ilocutórios compromissivos.
Declarações são atos ilocutórios que produzem uma realidade. O juiz de paz
no Registro Civil transforma o status de duas pessoas mediante um ato declara
tório, no momento em que declara que estão casadas. As condições de satisfação
das declarações são dadas quando acontece o novo status da realidade. Em caso
contrário, as declarações são nulas. Uma declaração de guerra não é uma declara
ção de guerra se o lado declaratório não entrar na guerra.
Julgamentos são atos ilocutórios cujas condições de satisfação ocorrem quando
se comunicam os resultados dos julgamentos. Isso acontece raras vezes na prática
cotidiana porque os julgamentos, em grande parte, são realizados automatica
mente. Quando se lê que a ‹cadeira de tulipa›, de Eero Saarinen, tem uma coluna
central e não quatro pernas, temos uma afirmação verificável e não um julgamen
to. Quando se lê que a ‹cadeira de tulipa› é confortável, temos um ato ilocutório
para o qual deveria ser fornecido um critério para comprovar o julgamento sobre
o conforto da cadeira.
Apesar de não termos uma análise estatística dos atos ilocutórios sobre projetos
na área do design industrial e do design gráfico, pode-se afirmar que predominam
os julgamentos. Nesse aspecto, a área do design diferencia-se das ciências exatas,
nas quais atos ilocutórios em forma de afirmação têm um papel mais importante.
O design é caracterizado por atos ilocutórios em forma de julgamentos. Porém,
não se deve concluir que o design seja cognitivamente deficiente. Contudo,
recomenda-se cautela quando se fazem julgamentos em design – e não somente
em design – deve-se indicar sempre as referências e critérios que servem de base
comparativa para esses julgamentos.

Interface design e gestão de conhecimentos


Complementando a descrição da interface para fins educativos, apresento a
descrição de outro projeto de software no campo da gestão de conhecimentos
organizacionais.(31) «Conhecimentos podem ser armazenados. Porém, não podem
ser armazenados externamente. Os conhecimentos não se armazenam nem nos
arquivos tradicionais e bibliotecas, nem nos modernos bancos de dados. Contra
riamente à opinião amplamente difundida, as organizações não possuem conheci
mentos. No máximo, elas podem criar condições para que os conhecimentos dos
atores fluam de um para outro e sejam transmitidos.»(32)
Esse comentário, de natureza conceitual, é importante para desenvolver um
software orientado no sentido de colocar os conhecimentos dos atores em relação
mútua, vale dizer, filtrar uma massa não estruturada de informações para gerar
segmentos de informações ordenados de acordo com certos critérios semânticos.
Trata-se de um software para uma intranet visando projetar uma interface que
melhorasse sua usabilidade. Entre outros objetivos, o problema a ser resolvido
104 consistiu em aumentar a aceitação do software dentro da empresa.
Nesse caso, a aprendizagem do aplicativo e seu uso precisavam ser melhora
dos. Os numerosos membros da empresa podem usar a interface do aplicativo,
baseado em um browser, para filtrar determinadas informações de forma simples
e rápida, selecionando e combinando algoritmos apropriados. Assim, podem
se separar as informações relevantes da enorme massa formada por milhares de
documentos desorganizados. O briefing, além disso, exigia que os colaboradores
pudessem organizar seu próprio espaço de trabalho virtual para a busca e obten
ção das informações.
O condicionante técnico exigia o uso de um browser padrão. Portanto, a
interface tinha de ser programada em código HTML. Ela não deveria ter um
caráter puramente informático, sendo necessário evitar conceitos especiais da
informática. Como o sistema era aberto, não se tratava de projetar uma única
solução fixa, mas desenvolver um sistema digital modular com componentes que
permitissem construir futuramente outras páginas da intranet, que não existiam

(31)
de
como
software
Este
cliente
projeto
Commasoft,
(http://www.comma-soft.com).
foi desenvolvido
tendo umem
banco
2001comercial
pela
Baseou-
empresa commasoft do Infonea Knowledge Management System.
À equipe pertenciam, além do autor, Eva-Lotta Lamm,
Gesche Jooste Markus Ort.
se na interface também desenvolvido para a empresa (32) Liessmann, op. cit., p. 30.
até o momento. Para isso, foi desenvolvido um style book (livro de normas) com
os algoritmos visuais e verbais do design para orientar o usuário na construção
de páginas, obedecendo às regras. Esses algoritmos se referem a:
• Divisão das páginas padrão em zonas de informação funcionalmente diferen
ciadas
• Dimensionamento das páginas padrão
• Detalhamento estético-formal dos componentes visuais
• Comentários e explicações para seu uso
O screendesign é dividido em áreas funcionais diferenciadas mediante aplicação
de cores, leves texturas e posicionamento:
1.A barra do menu superior serve para navegação entre os diferentes espaços de
busca dentro de um determinado campo.
2.O frame esquerdo serve para a navegação e atributos. Nessa zona, encontra-se
a lista dos filtros que podem ser selecionados em diferentes combinações. Nas
áreas sem busca de atributos, usa-se esse frame para a navegação secundária
dentro de determinada área (portal pessoal, glossário, páginas de ajuda).
3.Área de exibição dos filtros selecionados.
4.Frame de conteúdo para mostrar a lista com os resultados da busca e informa
ções detalhadas sobre objetos específicos.
5.Frame de navegação inferior.
• Azul
Na telapara
para
a coluna
a área de busca ou
esquerda filtros as áreas são diferenciadas pelas cores:
dospesquisa, 105

• Cor da identidade corporativa para o header


•Cinza para exibir os filtros
•Cinza mais claro para a seleção abc
• Amarelo claro texturizado para exibir as listas
As medidas são indicadas em pixels.
A estrutura da tela para o glossário segue o esquema básico. As cores mudam
para indicar os tipos de informação (glossário).
A estrutura para compor o portal pessoal de um colaborador segue um padrão
com cinco áreas funcionais. As medidas são indicadas em pixels.
O portal pessoal de um colaborador pode ser construído individualmente de
acordo com as preferências pessoais. Na lista dos favoritos, estão os documentos e
as temáticas importantes selecionadas.
Clicando na lixeira, o item correspondente é eliminado da lista.
O padrão para a busca/pesquisa mostra a aplicação dos filtros (buscam-se
arquivos em pdf e word) e o seu responsável. A janela principal mostra a lista
dos documentos, com as temáticas e os nomes dos autores e a data da última
modificação.
Uma outra página padrão para uma busca/pesquisa permite ver a relação dos
documentos selecionados em ordem alfabética.
Para poupar espaço, geralmente usam-se ícones nos botões, pois já são conhe
cidos no trabalho administrativo.
|25|Estrutura da tela (screen) com diferentes zonas |28|Dimensionamento da tela para o portal pessoal
funcionais.
como base para
Essetodas
esquema
astelas
de distribuição
que aparecem
serve
no de um colaborador. Informações sobre texturas e
códigos de cores.
quisa.
|26|Estrutura da tela para a função de busca/pes-
browser. |29|Tela padrão para um portal pessoal.
|30|Exemplo de uma pesquisa com uso de filtros
selecionados.
|27|Estrutura da tela para o glossário.

|25||26|

106

|27||28|

|29||30|
|31|Exemplo de uma pesquisa: correlação entre
documentos e um colaborador.
|32|Estrutura de uma indicação de detalhes com
título, marcadores e zona de informação.
|33||34|Dimensionamento de detalhes.

|31||32|

107

|33|

|34|
|35||36|Dimensionamento de detalhes.

|35|

24

OkUTrientername; anken_als_Trustcenter.doc
Eins@sum 03.04.22)11:45 Uhr
erwenduri interri
1|
11 tudie

FOFITT; Hauptodokument
Beschreibung: Beschreibungen zu einer Information känner
auch Tr eilig gesetzt sein, damit die Lesbarkeit
-# 11
108 erhalte ibt, Auch hier gilt: Zeilenabstand =

10
SchriftgróBe+3, In diesem Fall ergibt dies 14 Pixel,
Bearbeitendes Team: ii Trans Action Banking Leitung
# Tear-ºowieso
fi ZI N8
# Systemadministratoren (1) Auszeichnung
10 ii Trus center-Teamg
Verantwortlich: # Manfred (2) einzeilige Angabe
# Daniel
3D G) mehrzeilige Angabe

* F *LI* 159 * * (3) Blockliste

|36

Persönliche Daten bearbeiten ie Starts Eite

ein Einstieg ins


nowlegde-Network
Interessen
$ 27
11 eine Projekte $
$ 11 Der Attribut-Frame
eine Themen $
1 Auswählen und setzen von Filtern
eiII E TE BIT 5 3
*# as sind Attributgruppen, Attribute
11 Ind Werte

ombinierte Suche durch Einsatz


erschiedener Filter

$
|37|Dimensionamento com ícones.
|38|Ícones.
|39|Ícones.
|40|Dimensionamento dos botões.

|37

am: ii Trans Action


i Team Sowie
# ZIT 45-NB
# 11 -
System admi

"# "li "El "É 109

|38|39|
i Stammdaten # allgemeine Informationeri
einzelne Filterlöschen

fa Werbundene Thermer
ale Filter löschen
[]+ Verweise auf
Zustand: zugeklappt
-*[] Verweise won
Zustand; aufgeklappt
if Projekteinsätze /Personen im Projekt
checkbox unchecked
f) Adresse / Büro
checkbox checked
Aº Skills / Qualifikationer

|40

18I_>
|
27

"IC__…)Iº
|- H
=> @ © C_>
F #
Para tornar mais compreensível esse conjunto complexo de regras, usa-se uma
série de páginas padrão contendo todos os componentes visuais que compõem a
interface. Além disso, as páginas padrão mostram a divisão do monitor em zonas
de informação e tabs, cores, texturas, ícones, fontes, menus e recomendações para
denominar os diferentes componentes no banco de dados. Foram desenvolvidos
padrões com precisão de pixels. Aí, obviamente, cuidou-se também da coerência
formal-estética. Do ponto de vista da estética baseada na teoria da informação,
os algoritmos visuais contrabalançam a tendência à desordem, vale dizer, coíbem
a tendência à proliferação desordenada de soluções ad hoc. Enquanto processos
físicos ocorrem entropicamente (aumento da desordem), processos de design
são orientados na direção contrária, vale dizer, à produção de negentropia, com
aumento da ordem ou redução da entropia.

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<http://www.useit.com/alertbox/>
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112
Retórica Visual-Verbal

•RETÓRICA CLÁSSICA

• PERSUASÃO

•EMOÇÕES ESENTIMENTOS

•INTERAÇÃO ENTRELINGUAGEM E IMAGEM

• ENFOQUE SEMIÓTICO

• FUNÇÃO COGNITIVA DA RETÓRICA

• PATTERNSRETÓRICOS

• LISTA DE PATTERNS VISUAL-VERBAIS


|0|02

M I (T = 2 | T # E V ( A

A D W E RT | S E D N

TOAST OF THE INDUSTRY REFLEGTS FAVORABLY


In 1963 fºr the 3rd straight year. LIFE led in household
equipment and supplies advertising revenue In 1963 for the 24th straight year, LIFE led in toiletries
S5,097.059 and toilet goods advertising revenue.
ºne ºrna ºzº LIFE $9,158,386
eader's Diges: 3.208.940 McCall's 6,437,240
Saturday Evening Pºst 3.157.253 Ladies' Home Journal 4,466,996
2.917.532 Reader's Digest 4,294,962
4,201,200

|03||04

ADW E RT |SED N.

LIFE
BIG WHEEL
SPIRITED FOLLOWING In 1963 for the 6th straight year, LIFE led in automotive.
automotiveaccessoriesandequipmentadvertisingrevenue.
In 1963 for the 24th straight year. LIFE led in beer, wine LIFE $25,059.715
and liquor advertising revenue. º Dºº33
LIFE 514,952,776 Saturday Evening Post
Reader's Digest Lºgº
G-777.753
º 3,782.402 ººzºº
Line 25,817 -

Newsweek
New Yorker
|01|Pattern: Sinédoque e fusão visual/verbal |03| Pattern: Metonímia e fusão visual/verbal
Toast of the industry Spirited following
(Torradeira da indústria) (Consequências animadas)
A afirmação da liderança em anúncios publicitários A afirmação sobre a liderança em anúncios para
no setor dos eletrodomésticos é visualizada pelo bebidas alcoólicas é visualizada através de um
contorno de tostador. A marca LIFE é inserida no copo de coquetel Martini. A marca LIFE é inserida
contorno do sinal. Usa-se também toastno sentido no contorno da azeitona.
de brindar. |04| Pattern: Sinédoque e fusão visual/verbal
|02|Pattern: Sinédoque, fusão visual/verbal e para Big wheel
lelismo visual/verbal (Pneu ancho)
Reflects favourably A afirmação da liderança em anúncios publicitários
(Reflete favoravelmente) no setor automotriz é visualizada pelo contorno de
A ilustração do espelho funciona como sinédoque um automóvel. A marca LIFE é inserida no contorno
paraéoinserida
LIFE setor dosnoprodutos
contornocosméticos.
do sinal. O A
fato
marca
que o do sinal.

espelho reflete é ilustrado diretamente mediante


uma imagem espelhada.

A retórica é um dos campos menos pesquisados do design, embora o desig- 115


ner enfrente inevitavelmente esse fenômeno no seu trabalho projetual cotidiano.
Proveniente do período clássico grego e romano, a retórica carrega o peso da sua
própria tradição. À primeira vista, não parece aplicável ao estudo dos fenômenos
modernos da comunicação, que apresentam forte interação entre texto, imagens,
som e música. Desde a sua origem histórica, os estudos retóricos apresentam in
clinação e preferência para a linguagem e, por isso, dificilmente levam em conta
outros fenômenos modernos da comunicação.

Sedução e emoções
A retórica pode ser caracterizada como um conjunto de técnicas empíricas
sedutoras utilizadas para influenciar as emoções e sentimentos dos destinatários
da mensagem. Humberto Maturana define as emoções assim: «Do ponto de vista
biológico, as emoções são manifestações corporais úteis para determinar ou carac
terizar campos de ação. […] As emoções são processos físicos por meio dos quais
se especificam os campos de ação em que nos movemos.»(1)
As emoções são fenômenos de curta duração, que interrompem o fluxo nor
mal das ações, por exemplo, o susto que um motorista sente quando seu carro
começa a derrapar em uma rua molhada pela chuva. Esse susto vai desaparecer
quando a situação de perigo for superada e o motorista voltar à sua condição
normal de controle do carro. Os sentimentos, ao contrário, são fenômenos de
duração mais longa. Eles têm a ver com atitudes em relação a futuras possi
bilidades de ação. Uma depressão, por exemplo, é um sentimento de que não
existe futuro ou que não há alternativas possíveis para o futuro. O susto é uma
emoção de curta duração; o medo, por outro lado, é um sentimento com dura
ção mais longa.
O designer, como produtor das distinções visuais e da semântica da cultura
cotidiana, influi nas emoções, nos comportamentos e nas atitudes do usuário.
Deve-se reconhecer que a prática é muito mais avançada que a teoria. As análi
ses retóricas ligadas ao campo da linguagem nos meios de comunicação massiva,
na publicidade, nos videoclipes e no infodesign (diagramas, ilustrações científi
cas, mapas, sistemas de orientação, interfaces de software) não atingem o cerne
da questão, pois consideram o componente visual só como um elemento secun
dário de sustentação. Isso é causado pela falta de um instrumental analítico
descritivo, que se encontra ainda em um estado rudimentar, se comparado com
a retórica literária.

Aplicação da retórica
Na antiguidade, a retórica como arte de falar era ligada a três campos: o po
lítico, o jurídico e o religioso. Ela se referia à estrutura, formulação estilística,
dicção, gestualidade em reuniões públicas, nos processos jurídicos e nas ocasi
ões festivas. Por isso, políticos, representantes legais e religiosos eram grandes
adeptos da retórica, tentando influenciar o público, provocar sentimentos e
116 influenciar nas decisões, utilizando argumentos verbais e gestuais. Qualquer
meio era justificado. A retórica é o domínio da luta verbal. Dividem-se em
duas partes:
• De um lado, usa os meios persuasivos (rhetorica utens)
• De outro, faz descrição e análise desses meios persuasivos (rhetorica docens)
A classificação dos procedimentos retóricos verbais atingiu um alto grau de
maturidade. Os manuais de retórica mostram uma sofisticada terminologia,
derivada dos antigos grego e latim. Pode-se perguntar se a retórica não deve ser
atualizada com as contribuições da semiótica moderna que analisa a interação
entre imagem e texto. Aos três campos de aplicação da retórica mencionados –
política, advocacia, sermão religioso – se agrega agora o campo dos interesses
comerciais.
As sociedades industriais produzem e distribuem uma quantidade enorme de
mensagens verbais e visuais, criando uma ansiedade da informação (information
anxiety) – um conceito introduzido por Richard S. Wurman.(2) Uma situação de

(1)
ciónMaturana,
política, LaHumberto,
Hachette,Emociones
Santiago 1990,
y lenguaje
pp. 15–18.
en educa- (2) Wurman, Richard Saul, Information Anxiety, Double
day, New York 1989.
baixa densidade informacional é substituída por outra situação de alta densi
dade informacional. Nessa nova situação, pode-se atribuir à retórica uma nova
função de natureza cognitiva, em que os instrumentos retóricos são utilizados
para melhorar a compreensão das informações. Uma reinterpretação da retórica,
sobretudo da retórica visual, como um instrumento cognitivo, poderia libertá-lo
da suspeita de técnica para enganar o público e também das acusações de mani
pulação de opiniões.
A retórica clássica se divide em cinco áreas:
• Heurísticas para a coleção e busca de argumentos
• Heurísticas para a organização do material recolhido
• Recomendações para a formulação (estilo) do material estruturado
• Heurísticas para memorizar o texto
• Indicações para a dicção e gestualidade
As técnicas do terceiro ponto mencionado podem ser utilizadas – entre outras
– para a análise de mensagens publicitárias. Referem-se aos atributos estilísticos
dos textos. Essas características se revelam, sobretudo, em forma de patterns re
tóricos definidos como «a arte de dizer algo em nova forma» e «a transformação
semântica das palavras e o empenho para dar maior força de convicção e vitalida
de ao discurso».
Os patterns se dividem em dois grupos:
• Patterns
mento numa
verbais
frase.
que se referem ao significado das palavras e seu posiciona- 117

• Patterns mentais que se referem à formulação e organização das informações.


A terminologia semiótica permite mais precisão. Partindo da observação de
que podemos distinguir duas características de um sinal, ou seja, a forma e o
significado, podemos estabelecer dois tipos de patterns:
• Patterns sintáticos (operação com a forma do sinal)
• Patterns semânticos (operação com o significado)
Apresenta-se, a seguir, uma lista de patterns visual-verbais definidos origi
nalmente num seminário, em 1964, na hfg-ulm. Para a atualização e amplia
ção do material original usei exemplos dos anos 1960 publicados em revistas
norte-americanas, suíças e alemãs. Para a terminologia, faço uso das distinções
de Saussure para ‹significante› e ‹significado›. Frequentemente, vários patterns
atuam em conjunto e sobrepõem-se. A flexibilidade dos sinais permite, às vezes,
varias interpretações e adscrições a um determinado grupo de pattern. Obvia
mente, a eficiência de um jogo de palavras – uma piada (pun) – depende, em
grande medida, da linguagem particular. Na tradução, a brincadeira frequente
mente se perde.
Lista dos patterns visual-verbais
Analogia visual/verbal
Uma comparação verbal é transferida ao campo visual por meio de sinais semânticos equivalentes.

Metáfora visual/verbal
O significado verbal é ilustrado visualmente.

Inversão metafórica ou re-metáfora


Este pattern faz uso da tensão entre significado primário e secundário (transferido) de maneira tal que os
significantes visuais ilustram o significado primário, tomando-o literalmente.

Metonímia visual/verbal
Um significado verbal é relacionado com outro ligado por meio de uma conexão temática; por exemplo, causa
em vez de efeito, operação em vez de resultado, produtor em vez de produto.

Sinédoque visual/verbal
Uma parte representa o todo.

Especificação visual/verbal
O significante visual é acompanhado por um mínimo de texto para outorgar-lhe maior precisão semântica,
possibilitando a interpretação.

Fusão visual
Um sinal visual é integrado num sistema de sinais em forma de supersinal (supersign). A conexão sintática
sugere uma conexão semântica.

Paralelismo visual/verbal
118 Os significantes verbais e visuais se referem ao mesmo significado.

Transferência associativa visual/verbal


De uma série de sinais verbais, extrai-se um deles para ilustrar uma imagem (contexto associativo).
O significado de um significante verbal é visualizado oferecendo para outro elemento associar-se com este
significado. Através da justaposição sintática busca-se uma transferência semântica (um ‹empréstimo› semântico).

Substituição mimética
Um sinal visual e inserido numa configuração sintática ocupando mimeticamente parte do espaço visual que
corresponderia ao sinal visual dominante.

Subestima visual/verbal (understatement)


Entre significantes verbais e visuais existe uma relação de subestima. Uma concessão verbal é ilustrada com
um significante visual.

Exagero (hipérbole)
O significado é visualizado de maneira que exceda o padrão normal.

Tipograma
O significado das letras tipográficas (significante) é visualizado por intermédio das própias letras.

Cadeia visual/verbal
Um significado representado verbalmente é continuado e completado com significantes visuais.

Comparação visual/verbal
Uma comparação iniciada com sinais verbais é continuada com sinais visuais.

Metaplasmo visual/verbal
É um pattern de substituição usando a similitude fonética entre componentes semanticamente diferentes.
|05| Pattern: Subestimação e exemplificação |06| Pattern: Comparação visual/verbal
Dasistalles, was wir zu verkaufen haben This is how the Remington Noiseless sounds
(Isso é tudo o que temos para vender) (Assim soa a máquina de escrever Remington
A concessão verbal (a empresa vende só fumaça) Noiseless)
é exemplificada visualmente. A comparação iniciada verbalmente é complemen
tada pela ilustração. O baixo ruído da máquina é
comparado com a não presença da máquina.

|05||06| 119
|07| Pattern: Exagerovisual/verbal |08| Pattern: Analogia
Puncture Safety Refuel anywhere!
(Segurança contra pneus furados) (Abestecer em qualquer lugar!)
O pneu passa por uma fila de pregos para ilustrar a O significado verbal ‹abastecer› é visualizado
segurança contra furos. através de um processo análogo (beija-flor em
uma flor).

120 |07||08|
|09|Pattern: Paralelismo visual/verbal |10|Pattern: Paralelismo visual/verbal
You never run out of air «WOR Radio at night? I can’t see it»
(Nunca lhe faltará ar) (Radio WOR nanoite? Não possovê-lo. Escutá-lo.)
O significado verbal (ar) e o significante visual em Ailustração da noite mediante uma superfície
forma de superfície cinza homogênea agem parale preta é contrastada com uma superfície branca
lamente. Alem disso, está presente uma compara visualizando o contraste entre não ver (noite) e
ção: ao ar (em geral não percebível) corresponde escutar.
uma superfície cinza homogênea.

|09||10| 121
|11| Pattern: Transferência associativa visual/verbal |12|Pattern: Inversão metafórica ou re-metáfora
It’s the most exciting fashion change in liquor The point of a Screwdriveris Smirnoff
industry (A ponta de um Screwdriveré Smirnoff)
(É a mais excitante mudança de moda na indústria O significado secundário da palavra ‹chave de
das bebidas alcoólicas) fenda› (nome de um coquetel) é ilustrado através do
A mudança da moda visualizada através dos significado primário (a ilustração da ferramenta).
principais atributos da moda – manequim, modelo,
tecidos – é transferida à bebida alcoólica.
O anúncio procura uma transferência entre uma
moda estabelecida forte e uma moda (de bebida)
nova.

122 |11| |12|


|13| Pattern: Especificação visual/verbal |14| Pattern: Fusão visual/verbal
Elizabeth Stewart Swimwear Baumann Leichtmetall-Rolladen – robust und
O significado do significante verbal (nome especí dauerhaft
fico de uma empresa de roupa de praia) especifica (Persianas de alumínio – fortes e de grande dura
e reduz o significado da ilustração genérica de uma bilidade)
cena com duas pessoas na praia. O significado da robustez das persianas é visuali
zado inserindo-as numa armadura medieval.

|13| |14| 123


|15| Pattern: Metáfora visual/verbal |16| Pattern: Fusão e inversão metafórica
Sharp ideas Der Gipfelder Genüsse
(Temos ideias agudas) (O topo das delícias)
Às ideias (publicitárias) apontadas corresponde O significado da metáfora verbal (o pico das
metaforicamente um lápis apontado. Está presente delícias) é visualizado mediante o chocolate (sig
também uma metonímia: as ideias são visualizadas nificante) em forma de um pico de uma montanha
através do instrumento com o qual são produzidas nevada.
sobre o papel. Como terceiro pattern, está presente
uma comparação entre ideias apontadas (lápis
apontado) e ideias obtusas (lápis obtuso = ideia
ineficiente).

124 |15||16|
|17|Pattern: Cadeia visual/verbale sinédoque |18|Pattern: Re-metáfora
“Where there’s smoke…” For more flexibility in modern marketing – 12 TIMEs
(Onde tem fumaça…) (Para maior flexibilidade no marketing moderno –
Afrase é completada como símbolo da indústria 12 edições darevista TIME)
(chaminé como sinédoque para indústria). O significado da palavra ‹flexibilidade› é ilustrado
no sentido literal (uma revista curvada).

|17||18| 125
|19| Pattern: Metonímia |20| Pattern: Inversão metafórica ou re-metáfora
do
Guaranteed
(Garantia
O resultado
instrumento.
dede
to
fazer
make
cócegas
rir)you–laugh
rir – é visualizado através Are just two shades of opinion enough?
(Duas ‹tonalidades› de opiniões são suficientes?)
O significado primário da metáfora das duas
‹tonalidades› (preto e branco) da opinião é tomado
literalmente ou revertido.

126 |19||20|
|21| Pattern: Inversão metafórica |22|Pattern: Pergunta retórica, sinédoque e inver
Is just the top of the news enough? são metafórica
(É suficiente a parte superior das noticias= Are just two sides of the question enough?
manchetes?) (Duas classes da questão são suficientes?)
O significado metafórico da seqüência de palavras O significado primário dos dois lados da questão é
‹Top of the news› é ilustrado através do significado visualizado através de dois sinais de interrogação
literal. opostos.

|21||22| 127
|23| Pattern: Sinédoque visual/verbale fusão |24| Pattern: Metáforavisual/verbalesubstituição
Champagner mimética
(Champagne) Grüne Welle
Atampadagarrafa doespumante funcionacomo (Onda verde)
sinédoque. Aembalagem dos cigarros substitui Os significantes visuais das embalagens são
agarrafa; criando, assim, umaligaçãosemântica integradosnum supersinalem formadeuma onda.
entre ofrescordo espumantee oaromafresco do Sãopresentes dois processos retóricos: primeiro,
cigarro mentolado. avisualizaçãode umametáfora;esegundo, uma
ocupaçãodeuma onda icônica por uma onda de
embalagens.

128 |23||24|
|25| Pattern: Substituição mimética |26|Pattern: Exemplificação visual/verbal
Yeah, Yeah, Yeah! e sinédoque
O característico penteado dos Beatles, usado como Courage
sinédoque, é combinado com a embalagem do (Coragem)
maço de cigarros, estabelecendo uma aproximação Como exemplo de coragem, figura o maço de cigar
semântica entre o grupo de músicos e a marca dos ros colocado no sapato branco (sinédoque da moda
cigarros. do modista Courrèges, nos anos 1960). A ilustração
fornece um exemplo para comportamento ousado.
Além disso, o anúncio usa a figura retórica da
similitude sonora (paronomásia entre courage e o
nome Courrèges do estilista).

|25||26| 129
|27| Pattern: sinédoque e substituição mimética |28|Pattern: Substituição mimética
Gipfelbrise Oase
(Brisa da montanha) (Oásis)
Avisualização do significante ‹montanha› fornece a Um oásis num deserto é visualizado através de
forma base para um conjunto de maços de cigarros, um maço de cigarros comunicando o gosto fresco
estabelecendo uma relação semântica entre uma mentolado.
brisa fresca e o gosto dos cigarros mentolados.

130 |27||28|
|29| Pattern: Inversãometafórica oure-metáfora |30| Pattern: Transferência associativavisual/verbal
emetonímia On the Rocks
O
Urlaub
(Feriasnobolso
significado
in der Tasche
do da
textoéilustrado
camisa) literalmente. Omaço de cigarrosé inseridonum copode gelo
associandoogosto dos cigarros mentoladoscom
um drinkfresco on the rocks.
Além disso, existeneste exemplo umametonímia
(o cigarro funciona (supostamente)como meiopara
sentir-seemférias).

|29||30| 131
|31| Pattern: Metonímia, exagero e pergunta |32| Pattern: Analogia e exagero
retórica After 500playsourhigh fideltiy tapestilldelivers
How many reasons do you need to cut outblades? high fidelity
(Cuántas razões precisa para não usar lâminas de (Apos 500 vezes de uso nossa fita de alta fidelidade
barbear?) ainda fornece alta fidelidade)
Feridas de corte provocadas pela lâmina de bar A qualidade do cassete é colocada em analogia
bear cuja renúncia se refere ao uso metafórico da como uma corrente de ar saindo da caixa de som,
palavra ‹cortar o uso de lâminas›. que obriga o ouvinte agarrar-se na poltrona.

132 |31||32|
|33| Pattern: Inversão metafórica ou re-metáfora |35| Pattern: Analogia e metáfora
Geizkragen Announcing The Birth of a New Publication
(Avaro) – Environmental Quality Magazine
O anúncio trata da informatização através de (Anunciando o nascimento de uma nova publicação)
cartões perfurados cuja forma é transformada num A publicação de uma nova revista é colocada em
colo (no alemão, metáfora para ‹avaro›). O signi analogia com o pintinho que se libera da casca
ficado verbal secundário é visualizado literalmente. do ovo.
|34| Pattern: Subestimação e inversão metafórica
ou re-metáfora
Unsere Logik hat Löcher (Jetztnoch mehr als früher)
(Nossa lógica tem furos – e agora mais que antes)
O significado primário da metáfora verbal (lógica
com furos) é ilustrado através de um cartão
perfurado.

|33||34||35| 133
|36| Pattern: Tipograma |37| Pattern: Exemplificação visual/verbal
voll? – leer? Oursoap has nothing to hide
(cheio – vazio?) (Nosso sabonete tem nada para esconder)
Os caracteres tipográficos ilustram o significado A transparência evocada verbalmente com as
verbal ou seja, o alcance desde o segmento cheio palavras ‹nada para esconder› é representada
até o segmento vazio. visualmente usando o sabonete transparente.

134 |36||37|
|38|Pattern: Comparação visual-verbal e metonímia |39| Pattern: Analogia visual/verbal
Viele trinken König-Pilsener. Oderetwas genauso Put your product where people put their confidence
Gutes. (Coloque seu produto onde as pessoas colocam sua
(Muita gente bebe König-Pils. Ou um bebida igual confiança)
mente boa) A ação de confiar é visualizada mediante a analo
A qualidade da bebida (cerveja) é visualizada atra gia de guardar moedas no cofrinho de poupança.
vés de uma tampa de uma garrafa de champagne.

|38| |39| 135


|40| Pattern: Fusão e paralelismo visual/verbal |41| Pattern: Fusão e metonímia visual/verbal
Os
(Filmado
ção
A
Reeled
marca
significantes
se referem
inLIFE
em
500.000ffilmstripsales
500.000
é fundida
ao
verbais
mesmo
vendas
com
designificado.
‹películas›
de
o filme.
películas
e acurtas)
ilustra- Nobody’s within shouting distance
(Ninguém a distância de perceber um grito)
A marca LIFE (significante) é fundida com o mega
fone que é usado como metonímia (ferramenta em
vez de resultado da ação).

136 |40||41|
|42| Pattern: Fusão e paralelismo visual/verbal |43| Pattern: sinédoque efusão visual
Bestseller Very fashionable
A marca LIFE (significante) é fundida com o con- (Muito na moda)
torno do livro. O significante verbal e o significante O contorno do gilê, com a marca LIFE inserida,
visual se referem ao mesmo significado. funciona como sinédoque para a indústria da
vestimenta.

|42||43| 137
|44|Pattern: Comparação visual-verbal acompanhada |45| Pattern: Composição associativa
por uma citação It’s got to be Gordon’s
Contemporary Dutch Masterpiece (Tem que ser um Gordon)
(Obra mestre holandesa) O verde da garrafa Gordon, o verde do semáforo e a
A peça histórica de Vermeer é comparada com uma parte (GO) do nome do produto e o (GO) do semáforo
obra de arte holandesa contemporânea, ou seja, o formam uma cadeia associativa.
queijo.

138 |44| |45|


Exemplo para um metaplasmo visual/verbal (substituição de um som ou letra
por outro numa palavra) num anúncio para a água mineral Perrier com a fórmu
foneticamente
la para água h2similar
o. Nesse‹Eau›
anúncio,
(água),
a letra
associando,
‹O› é substituída
assim, a água
pelacom
palavra
a empresa
francesa

francesa Perrier.
Os patterns retóricos convivem na linguagem cotidiana e, por isso, nem
sempre podem ser traduzidas em outra linguagem. O que pode ser um pattern
em inglês não o é necessariamente em português. A retórica estática dos meios
impressos deve ser ampliada para incorporar também a retórica dinâmica (ou
dos time-based media). Abre-se um grande campo de pesquisa para os designers
gráficos, para entender melhor o trabalho que estão fazendo.(3) Dessa maneira,
aproximamo-nos do objetivo que Donald Schön definiu como ‹reflective practio
ner›, um profissional que pensa.(4)
As distinções conceituais da retórica verbal são muito mais numerosas que
os patterns visual-verbais até o momento identificados – o que não deve causar
surpresa, pois a retórica verbal se apoia numa tradição de 2500 anos. O escritor
Georges Perec agregou num anexo do livro Quelpetit velo à guidon chromé au fond
de la cour(5) (1966) uma lista – em ordem alfabética – das figuras retóricas usadas
nessa peça de literatura. Termina com a letra ‹P› sem completar a lista – pois ele
não cultiva a pretensão à integridade. Enumera 140 figuras retóricas. Isso pode
servir como estímulo para empenhar-se num operativo analítico similar no cam- 139
po dos meios visuais.

(3)
dos
análise
Williamson,
Opatterns
enfoque
semântico-ideológica,
Judith,
visuais/verbais.
semiótico
Decoding
adotado
Em
Advertisements,
coloca-se
um
aquinível
começa
a mais
pesquisa
no
Marion
alto
nível
de
da (4) Schön, Donald, The Reflective Practitioner: How pro
fessionals think in action. Temple Smith, London 1983.
(5) Perec, Georges, Was für ein kleines Moped mit ver
chromter Lenkstange steht da im Hof?dtv München 2003.
Boyars, London 1978.
Bibliografia
Bonsiepe, Gui, «Visuell-verbale Rhetorik/Visual-verbal rhetoric», em: ulm – Zeitschrift der Hochschule für Gestaltung/
Journal of the Ulm School for Design, 14/15/16,1965, pp. 23–40.
Eco, Umberto, Cultura y semiótica, Círculo de Bellas Artes, Madrid 2009.
Gaede, Werner, Vom Wort zum Bild, editora Langen-Müller/Herbig, München 1992. (Da palavra à imagem)
Kaufer, David S., e Brian S. Butler, Rhetoric and the Arts of Design, Lawrence Erlbaum Associates, Mahwah New Jersey,
1996.
Lanham, Richard A., A Handlist of Rhetorical Terms, University of California Press, Berkeley 1991.
Lausberg, Heinrich, Handbuch der literarischen Rhetorik, editora Franz Steiner, Stuttgart 1990. (Manual da retórica
literária)
Maturana, Humberto, Emociones y lenguaje en educación política, La Hachette, Santiago 1990, pp. 15–18.
Perec, Georges, Was für ein kleines Moped mit verchromter Lenkstange steht dort im Hof?dtv, München 2003. Tradução
do livro Quel petit vélo à guidon chromé au fond de la cour, publicado em 1966 em Paris.
Queneau, Raymond, Stilübungen, editora Suhrkamp, Frankfurt 1990.Tradução do livro Exercises de style, publicado
em 1947.
Santaella, Lucia, e Winfried Nöth, Imagem – Cognição, semiótica, mídia, editora Iluminuras, São Paulo 2001.
Schön, Donald, The Reflective Practitioner: How professionals think in action, Temple Smith, London 1983.
Ueding, Gert, e Bernd Steinbrink, Grundriß der Rhetorik – Geschichte, Technik, Methode, editora J.B. Metzler, Stuttgart,
Weimar 2005 (4ª edição). (Fundamentos da retórica – história, técnica, método)
Vico, Giambattista, Elementos de retórica: El sistema de los estudios de nuestro tiempo y Principios de oratória. editora
140 Trotta, Madrid 2005.
Williamson, Judith, Decoding Advertisemens – Ideology and Meaning in Advertising. Marion Boyars, London/New
York 1978.
Wurman, Richard Saul, Information Anxiety, Doubleday, New York 1989.
Patterns Audiovisualísticos –
uma Contribuição à Semiótica Empírica

• ENFOQUE ‹TRANSMIDIAL›

•COMPARAÇÃO ENTRE RETÓRICABASEADA EM TEXTOS E MULTIMIDIAL

•RETÓRICA COMO ESTRATÉGIA DAS APARÊNCIAS


• O STATUS EPISTÊMICO BAIXO DA PERSUASÃO
•DIFERENÇA ANALÍTICO-LINGUÍSTICA ENTRE AFIRMAÇÕES E JUÍZOS (ASSESSMENTS)
• NOVAS DISTINÇÕESTERMINOLÓGICAS

• DIAGRAMAS INTERATIVOS

• PATTERNSAUDIOVISUALÍSTICOS EM INTERFACES
• O FIM DA PRIMAZIA DA DISCURSIVIDADE
|01|

Retórica audiovisualística

7 Dimensões em 6 Dimensões em
meios interativos meios baseados em tempo

::: Imagens
::: Texto (Tipografia)
::: Música
TV
Filme
::: Som (Sound)
Multimídia ::: Texto áudio
::: Movimento

::: Interatividade
|01|Comparação das variáveis da retórica clássica
do cinema (6) e da retórica interativa (7).

Microestruturas audiovisualísticas 143


Até o momento, quase todas as pesquisas sobre retóricas na mídia concentra
ram-se no cinema. Por isso, não é de surpreender a predominância da terminologia
do cinema, incluindo procedimentos de montagem, tais como enquadramento,
movimento de câmera, corte abrupto, dissolve/esfumação, close-up, fade in, fade out,
full shot, flashback e similares. Com o surgimento das novas mídias resultantes do
avanço dos processos de digitalização, o panorama cresceu de tal modo que são
sentidas as limitações de uma retórica orientada exclusivamente ao cinema. Difi
cilmente uma análise baseada em técnicas cinematográficas será suficiente para o
caso de uma animação em flash ou da estrutura de um menu de um cd-rom.(1)
Os exemplos aqui apresentados tratam de curtos spots televisivos e de um
trailer de um filme. O tema central não abordava aspectos cinematográficos,
mas microestruturas audiovisualísticas não necessariamente ligadas a um filme.
Portanto, surgem as perguntas: como lidar com esses novos fenômenos retóricos
e, mais ainda, como visualizar esses novos fenômenos retóricos? Técnicas digitais
baseadas na linha do tempo (timeline), em substituição a uma mera descrição,
podem ser usadas para entender melhor as estruturas retóricas e torná-las per
ceptíveis? São conhecidas as limitações dos procedimentos tradicionais quando
se trata de descobrir estruturas retóricas das novas mídias. Os procedimentos
ligados à imagem estática apresentam suas limitações imanentes, de modo que
parece oportuno buscar outras formas de comunicação. Uma alternativa possível
são as representações diagramáticas, preferencialmente procedimentos dinâmicos
e interativos de visualização.
A retórica que excede os aspectos específicos de uma mídia é chamada de
‹audiovisualística› ou ‹retórica audiovisualística›.(2) Como ela expressa, trata-se
de fenômenos fundamentais retóricos que se manifestam nas diferentes mídias
(cinema, televisão e nova mídia). Pode-se argumentar que é inconveniente es
tender o termo ‹retórica›, ligado historicamente ao fenômeno da linguagem, aos
fenômenos não verbais, visuais e auditivos. Essa postura pode ser neutralizada
com o argumento de que as novas tecnologias extravasam o purismo conceitual.
Assim, a retórica vai além da mídia específica e além das divisões tradicionais das
disciplinas, apesar de sempre estar conectada como a mídia específica. A audiovi
sualística estabelece relações transversais entre as mídias, fazendo ligações entre
elas e levando-as a um contexto ordenado.(3)

Elementos extratextuais da retórica


Na retórica tradicional baseada em textos, isto é, linguagem, em sua ma
nifestação específica em forma de figuras linguísticas, o objeto da análise e o
instrumental analítico pertencem à mesma dimensão. É óbvio que só com texto
é possível falar e escrever sobre textos. A retórica baseada em textos lida somente
com uma variável, ou seja, as manifestações linguísticas escritas. A retórica clás
sica também lidava com aspectos extratextuais; porém, só marginalmente, como
fenômenos secundários; por exemplo, a entonação num discurso, gesticulação e
144 expressões faciais. Técnicas tipográficas também fazem destaques com tipos em
negrito ou itálico, funcionando como equivalências para a entonação; todavia, só
de maneira secundária.(4)

Retórica audiovisualística e retórica digital


A definição de texto e metatexto, aceita anteriormente, como fenômenos ancora
dos na linguagem, não é mais válida para a retórica multimidial e audiovisualística.

(1) A pesquisa retórica se estendeu às novas mídias e primeiro de preparar microcomponentes audiovisualísti
também a outras áreas, por exemplo, o display. «A dimen cos, vale dizer, simples materialidade. As interpretações
são retórica dos displays mostra-se nos apartamentos em podem ser feitas mais tarde. Por exemplo, prestou-se
que vivemos e em muitos lugares que visitamos – museus, menos atenção ao tratamento de uma metáfora como
exposições, memoriais, estátuas, parques, cemitérios, fenômeno isolado do que à interação da metáfora com
cassinos, parques de diversão, esquinas de bairros e música, som e imagem.
lojas.» Prelli, Lawrence J. (coord.), Rhetorics of Display, (4) Essa tradição científica, mantendo predominância de
University of South Carolina Press, Columbia 2006, p. 1. textos sobrepondo-se à dimensão visual, tem recebido
(2) Sperling, Heike, «IMAGING SCIENCE»: Integrative críticas crescentes: «A debilidade da ‹rhetoric of science›
Audiovisualistik, dissertação apresentada na Bergische considera documentos científicos tendenciosamente
Universität – GHS Wuppertal 1998. como oração e, por isso, torna-se cega para seus condi
(3) Nos seminários realizados no Departamento de Design cionantes tipográficos.» Cahn, Michael, «Die Rhetorik der
da Universidade de Ciências Aplicadas Köln e na Escola Wissenschaft im Medium der Typographie. Zum Beispiel
Superior de Desenho Industrial (ESDI), no Rio de Janeiro, die Fußnote», em: Räume des Wissens: Repräsentation,
observou-se uma tendência para perder-se, às vezes, Codierung, Spur, coordenado por Hans-Jörg Rheinber
em interpretações narrativas. Porém, interpretações não ger, Bettina Wahrig-Schmidt e Michael Hagner, editora
eram o objetivo do trabalho. Ao contrário, tratava-se Akademie, Berlin 1997, pp. 91–109.
Nesse caso, o objeto da reflexão e a linguagem descrevendo esse objeto não coinci
dem mais. Como é sabido, com o surgimento dos meios digitais, o panorama dos
fenômenos retóricos se enriqueceu. Esse enriquecimento se manifesta no número de
variáveis que se devem levar em consideração na análise. Esse número cresce de um
(no caso de textos impressos que se limitam à linguagem) a sete:
• Imagem
•Som, ruído
• Música
• Texto visual (tipografia)
•Texto auditivo
• Movimento
• Interação
As distinções da retórica verbal clássica podem servir como ponto de partida
para a análise de fenômenos audiovisualísticos. Contudo, logo se vê que essas dis
tinções não são suficientes para captar e explicar a interação dessas sete variáveis
interligadas mutuamente. Portanto, precisam ser criadas distinções para evitar
que a retórica dos meios audiovisuais passe pela malha dos conceitos tradicionais
da retórica baseada somente em textos.(5)

Retórica como área das ‹estratégias das aparências›


também,
Como se
e sobretudo, em seduzir.
sabe, o objetivo da retórica
No campo
não consiste só em
científico, issoconvencer,
geralmente é con
mas 145

siderado como defeito, superficialidade ou coisa pouco séria. Essa interpretação


simplificadora deveria ser confrontada com um elogio da superfície, com um
elogio das aparências. Usando uma formulação de Jean Baudrillard, pode-se
denominar a retórica como uma área que trata de ‹estratégias das aparências›
– e isso também é uma das características principais do design.(6) Usam-se

(5) A retórica clássica faz divisão dos recursos retóricos atuam como instâncias mediadoras no uso dos artefatos
em figuras de palavras, figuras de orações e figuras de e produzem a dimensão estética de maneira constitu
pensamento ou figuras semânticas. Essa divisão, assim tiva. Isso é desprezado quando se classifica o design de
como a busca por equivalentes possíveis na audiovi maneira simplista como «embelezamento superficial»
sualística, são colocadas em um segundo plano nesse – uma conclusão errada que se encontra, às vezes, em
contexto. Deve-se verificar, caso por caso, se ela pode enfoques críticos: Dath, Dietmar, Maschinenwinter –
servir como base para uma sistemática dos patterns Wissen, Technik, Sozialismus. Eine Streitschrift, editora
audiovisualísticos. Suhrkamp, Frankfurt2008, p. 114. Dificilmente pode-se
(6) Baudrillard, Jean, De la seducción, Ediciones Cátedra, concordar com uma crítica que caracterize o design como
Madrid 1998, p.16 (edição original francesa, De la elaboração cosmética de produtos e manifeste descon
séduction, 1979). É verdade que o design está ligado às fiança em relação à ligação entre estética e mercadoria.
superfícies; porém, não se limita a isso. As superfícies
técnicas retóricas implicitamente ou explicitamente na comunicação para au
mentar a eficiência comunicativa.(7) Obviamente, os aspectos estéticos têm um
papel importante. Enquanto a dimensão estética, do ponto de vista linguísti
co-analítico, pertence ao campo dos julgamentos (assessments) e não ao campo
das afirmações (affirmations), é compreensível a postura reservada das ciências,
pois elas visam a produção de afirmações verificáveis, baseadas na evidência
dos fatos, e não em julgamentos. Estes, em geral, baseiam-se em padrões não
explícitos (subjetivos).

Elasticidade semiótica
Partindo da diferença semiótica entre sintaxe e semântica, as técnicas retóricas
que podem ser caracterizadas como estratégias de comunicação sedutoras podem
ser implementadas mediante operações com a figura do signo, vale dizer, a sin
taxe, ou em operações com o conteúdo do signo, seu significado, sua semântica.
A retórica lida com estruturas repetitivas em forma de signos e supersignos que
se chamam, na terminologia de Christopher Alexander, ‹patterns›. Esses patterns,
por sua vez, baseiam-se na elasticidade sintática e semântica dos signos. Para
descobrir esses patterns pode-se recorrer às diferenciações terminológicas (figuras
de palavras, figuras de oração, figuras de pensamento), que se desenvolveram na
história da retórica verbal durante aproximadamente 2500 anos, e verificar em
146 que medida elas podem ser aplicadas a fenômenos multimídias. No caso de os
conceitos disponíveis não serem suficientes, deve-se ampliar a terminologia. Da
mesma maneira como a retórica tradicional literária, baseada em textos, precisa
de sua própria metalinguagem, as novas mídias também requerem uma meta
diagramática específica. Os fenômenos audiovisualísticos só podem ser captados
e compreendidos mediante um sistema de formas e apresentação visual-auditiva
interativa que vai além da metalinguagem da retórica literária.

Patterns audiovisualísticos
Exemplo: um spot publicitário da Mercedes-Benz (2000).(8)
Esse spot de 44 segundos consiste de episódios em que sete homens contam

(7) A oposição entre persuadir e convencer, formulada na esse papel das psicotecnologias, veja Bernard, Stiegler,
retórica clássica, coloca o persuadir em um status epistê Die Logik der Sorge – Verlust der Aufklärung durch Tech
mico menor. Isso ocorre implacavelmente no Iluminismo nik und Medien, vol. 6, editora Suhrkamp, Frankfurt2008,
visando superar a falta de autonomia dos membros de p. 67 e seguintes.
uma sociedade. Comparado a esse objetivo, a publici (8) Contribuição apresentada no seminário dos estu
dade e o marketing aparecem inevitavelmente como dantes Anette Haas e Lars Backhaus no departamento
anti-iluminismo estrutural, vale dizer, entorpecimento da de Design da Universidade de Ciências Aplicadas Köln,
sociedade, fomentando sua falta de autonomia. Sobre 1999/2000.
uma passagem de suas vidas. Foram analisadas as dimensões audiovisualísticas
(música, som, texto/linguagem) e suas interações e, posteriormente, mapeadas em
uma linha do tempo. Foram identificados os seguintes patterns audiovisualísticos:
1.Pattern: Repetição cromática
Em todos os episódios aparece a cor vermelha.
2.Pattern: Repetição melódica (jingle)
A repetição é um pattern retórico frequentemente usado. Em uma lista da
terminologia da retórica verbal baseada em textos, observam-se 47 tipos de
repetições em quatro diferentes classes:
• 7 repetições na classe de caracteres, sílabas e sons
• 19 repetições na classe das palavras
• 7 repetições na classe de períodos e frases inteiras
• 14 repetições na classe de figuras semânticas(9)
3.Pattern: Estabilidade narrativa
Sete homens contam um episódio de suas vidas.
4.Pattern: Divergência antitética visual-verbal
O texto falado contraria aquilo que as imagens mostram.
Exemplo: texto falado: «Com 40 anos, eu pensei em parar.»
Imagem: um fotógrafo de modas com aproximadamente 60 anos aparece em
seu estúdio trabalhando.
Exemplo:
Imagem: umtexto
carro
falado:
extremamente
«No fim deacelerado
semana, passa
eu queria
por uma
diminuir
rodovia.
a marcha.» 147

Este pattern é usado em todos os episódios do spot.


5.Pattern: Continuidade verbal e descontinuidade
O texto falado continua sem interrupção. A sequência das imagens, em oposi
ção, está dividida em segmentos.
6.Pattern: Signo expressivo
Exemplo: yippiiiiieeeee.

Exemplo: spot publicitário para uma loja virtual (2005).(10)


1.Pattern: Tipografia ilustrativa dinâmica
Nesse spot em preto e branco os significados verbais são ilustrados mediante a
transformação de caracteres sem serifa.
Segmento 1.
Texto: «E se existisse filtro solar em comprimido…»

edu),
(9) Burton,
byu.edu/rhetoric/Silva.htm
Brigham
Gideon
Young
O.,University,
«Silva(ultimo
Rhetoricae»
2007.
acesso:
http://humanities.
(rhetoric.byu.
12.01.2009). (10) Contribuição apresentada no seminário da estudante
Dúnya Pinto Azevedo, 2005. Programa de mestrado da
ESDI, Rio de Janeiro. Título do spot: Imagine. Agência:
AD Studio, São Paulo 2005.
|02|Linha de tempo de um spot publicitário. Micro- |03 «Filtro solar em comprimidos?»
narrativas com trilha sonora e lista dos patterns. |04 a.jornal que não voana praia?»
|03 a 100ito sequências de um spot publicitário |05. "Sapatos desapateado para cachorros?»
para uma loja virtual no Brasil. |06|ºlentes de contato que somem quando você
dorme?»

Linha de tempo
|02|
Slowmo

Zoom

Piano
Texto falado
ambor
Ruídos

Patterns audiovisualísticos em sete micronarrativas


1) Repetição cromática e melódica (cor vermelha, melodia).
2) Constância narrativa (sete homens falam de seu trabalho e postura frente à vida).
3) Ênfase (cor vermelha como acento em cada cena).

|03||04 =

filtro solar em C mprimidos jornal ----

|05||06 |

-
--* |

sapatos desapateado pár º "h "O lentes de COntato


***
=
|07|<Rapel higiênico com as últimas notícias?» |09| alivro de receitas com páginas comestíveis?»
|081 aCaderno escolar com sabor de comida de 10 afralda com alarme?»
cachorro?»

149

4) Divergência antitética (o texto fala do contário do que as imagens mostram).


5) Continuidade do fluxo do texto e descontinuidade visual (corte rápido, o texto é apresentado de forma contínua).
6) Sinal expressivo: Yippiiiiiieeee.

|07||08

papel higiênitº com as últimas notícias cadernº estolar sabor de cachorro


#cias
#cias
#cias
#cias
#####as
nºtícias
noticas

|09||10|

|-º de receitas com páginas ……………-- fralda Com ----


Imagem: na palavra em forma de comprimido caem alguns caracteres indivi
duais imitando os comprimidos.
Segmento 2.
Texto: «Jornal que não voa na praia…»
Imagem: as letras da palavra ‹jornal› estão voando com o vento. Nesse caso,
além da tipografia ilustrativa, existe uma divergência visual-verbal.
Segmento 3.
Texto: «Sapatos de sapateado para cachorro...»
Imagem: os caracteres imitam a sequência de passos de dança mediante linhas
pontilhadas.
Segmento 4.
Texto: «Lentes de contato que somem quando você dorme…»
Imagem: os caracteres das palavras ‹lente de contato› se dissolvem.
Segmento 5.
Texto: «Papel higiênico com as últimas notícias…»
Imagem: o processo de cortar o papel higiênico é visualizado mediante o corte
da própria palavra ‹notícias›.
Segmento 6.
Texto: «Caderno escolar com sabor de comida de cachorro…»
Imagem: a palavra ‹caderno› se transforma em componentes de ração.
150 Segmento 7.
Texto: «Livro de receitas com páginas comestíveis…»
Imagem: as palavras ‹páginas comestíveis› ilustram o processo de mastigação.
Segmento 8.
Texto: «Fralda com alarme…»
Imagem: a palavra ‹alarme› vibra de forma intermitente como um alarme.
2.Pattern: Isoritmia audiovisualística
Todos os segmentos são acompanhados por uma sequência musical cujo ritmo
corresponde ao movimento dos signos tipográficos. A sequência dos oito
exemplos culmina num clímax em forma de dissolução da frase condicional
‹Se existisse› com a pergunta ‹Você compraria?› ‹A gente venderia›.

Patterns transitivos (conjunções)


Em todas as transições de uma sequência a outra – ou de um nó semântico
a um outro nó semântico aplicado à web –, ocorrem patterns audiovisualísticos.
Essas transições podem ser agrupadas em classes, das quais cinco são aqui men
cionadas. Provavelmente há muito mais formas de transição.
1.Pattern: Conjunção cromática
As transições se implementam mediante o uso de paletas cromáticas idênti
cas. Trata-se de um pattern sintático.
2.Pattern: Conjunção narrativa
As transições correspondem a uma sequência coerente. Trata-se de um pattern
semântico.
3.Pattern: Conjunção de movimento
As transições são criadas mediante o movimento da câmera. Trata-se de um
pattern sintático.
4.Pattern: Conjunção assindética
Sequência de segmentos sem transição. Essa definição difere do conceito
usado na retórica linguística, na qual o termo ‹asyndeton› significa suprimir
palavras conectivas em uma sequência serial de componentes (palavras ou
períodos).
5.Pattern: Conjunção polissindética
Usa-se a mesma transição em uma sequência. Essa definição também difere
do conceito na retórica linguística, na qual ‹polysyndeton› significa inserção de
um mesmo termo conjuntivo em uma sequência de componentes (palavras ou
períodos). Trata-se de um pattern sintático.

Patterns musicais
A música e o som ocupam uma posição central audiovisualística. Nisso, pro
vavelmente, está a diferença fundamental com o mundo da retórica linguística.
Foram identificados até o momento seis patterns musicais, vale dizer:
1.Pattern musical situativo
Usa-se a música para caracterizar um contexto situativo. Exemplo: mostra-se
signos
uma cena
mediante
numa discoteca.
a reprodução
A trilha
simultânea
sonora dos
acompanha
sons típicos
a sequência
do ambiente
visualdede 151

discoteca.
2.Pattern musical histórico
Usa-se a música para caracterizar uma época histórica. Exemplo: uma música
barroca fornece o acompanhamento auditivo de uma cena, transportando-a no
tempo. Esse pattern se chama também ‹papel de parede acústico›.
3.Pattern em forma de música sintático-ilustrativa
Esse pattern é usado para conseguir uma concordância rítmica entre a dimen
são visual e auditiva. Exemplo: uma figura animada correndo é acompanhada
por uma música acelerada.
4.Pattern em forma de música semântico-ilustrativa
Esse pattern, equivalente à música sintático-ilustrativa, chama-se ‹tableau
musical›. Essa forma de música ilustrativa estereotipada foi criticada por
Adorno e Eisler como ‹melodia de flauta doce em um cenário bucólico›.(11)

(11) Hicketier, Knut, Film – und Fernsehanalyse, editora


J.B. Metzler, Stuttgart, Weimar 2007, p. 95.
|11||12|Sistema de notação audiovisualística. Uma «Entwicklung eines visuellen Analyse-Instrumenta
dos
pode
barra
conceitos
ser
vertical
parado
acompanha
especiais
em qualquer
que
a sequência
podem
momento.
serdo
ativados
Overlay
spot que
e riums multimedialer Rhetorik» trabalho de gradua
ção no Departamento de Design da Universidade de
Ciências Aplicadas Köln, 2001.
desativados. Buchmüller, Sandra e Gesche Joost,

|11|

152

|12|
5.Pattern evocativo
Esse pattern é usado em filmes policiais para evocar estados emocionais como,
por exemplo, horror. Um clássico de uso desse pattern é a cena de assassinato
no filme Psicose, de Hitchcock.
6.Pattern ‹Leitmotiv›
É uma repetição modulada que, dependendo do caráter de uma cena, usa-se
em bemol ou maior. Exemplo: no filme do James Bond, Goldfinger, pode-se
detectar por meio da modulação do ‹Leitmotiv› se está se aproximando uma
cena de perigo ou uma cena de amor.

Patterns de som
A complexidade da dimensão do som vai muito além de um fenômeno se
cundário, como se pode observar na sequência inicial do filme Apocalipse Now.
Existem os seguintes patterns de som:
1.Pattern: Som ilustrativo
Exemplo: mostra-se uma pessoa correndo. O som acompanha simultanea
mente os passos. Signos visuais e auditivos se complementam.
2.Pattern: Mickey-mousing
O termo provém dos Estúdios de Walt Disney. As variações de um processo
visual são mediadas por um processo sonoro conectado à cena. Exemplo: a
queda de Som
3.Pattern: um objeto
hiper-realista
é reforçada mediante um som que também decresce. 153

Aqui se trata do reforço forte do som. Exemplo: ‹pow› numa luta de boxe.
4.Pattern: Som metonímico
O som comunica aquilo que não é mostrado visualmente. Exemplo: o chiado
de uma dobradiça numa porta transmite a impressão de que uma porta é
aberta ou fechada, sem que se mostre visualmente.

Diagramas interativos
Os diferentes componentes da audiovisualística podem formar uma série
finita de combinações: podem convergir, divergir e correlacionar-se. Nos diagra
mas audiovisualísticos essas combinações ocupam um lugar central, pois tornam
visíveis as interações entre as dimensões de imagens, música, som e texto. Dessa
maneira, pode-se ver se essas dimensões atuam de forma convergente, paralela ou
divergente. Levando em consideração que essa interação é complicada ou impos
sível de ser transmitida verbalmente, recomenda-se experimentar com outras
técnicas mais afeitas às mídias baseadas no tempo. Em outras palavras: a análise
audiovisualística de mídias baseadas no tempo, por sua vez, deveria recorrer ao
uso de mídias baseadas no tempo. Seguem alguns exemplos ilustrativos.

Exemplo: sistema de notação


Para tornar mais compreensíveis os patterns ativos, foi desenvolvido o sistema
de notação cujos signos foram colocados num diagrama interativo. O diagrama
|13|Diagrama interativo do trailer (design: Saul
Bass) para ofilme Cassino (diretor: Martin Scorsese,
1995).

|13| 00:00 00:15 00:32

STREETSOUNDS DOORSOUND CARDOOR STARTING


»FOR
EXPLOSION
A WHILE
ENGINE
I BELIEVED

VOICE FROM »OFF« »YOU´VE GOT TO GIVE THEM


154 »WHEN YOU LOVE SOMEONE THE KEY TO EVERYTHING THAT´S THE KIND OF LOVE
YOU GOTTA TRUST THEM. THAT´S YOURS. OTHERWISE I HAD ...«
THERE´S NO OTHER WAY!« WHAT´S THE POINT?«

A B C ! D

A> B> !> D>


ANTICIPATION CHROMATIC INTERNAL VISUAL-VERBAL
OF SOUND EMPHASIS MONOLOGUE NEGOTIATION
C>
CLICK ILLUSTRATIVE SOUND
TO PLAY
MOVIE
A> B>C>!> D>
|14|Tela inicial do CD powerhouse::UKcom uma |15|Menu aleatório dinâmico.
interface
Conectando
nas,
se o acesso
usam fusíveis).
elementos
metafórica
ao
osProjeto:
dois
menu
evocativos
polos
do
principal,
clearinteractive,
campo
que
dasoltam
da
eletricidade
no eletricidade.
qual
faíscas,
também
1997.(bobi-
abre-
se |16|Exemplo do banco de dados com trabalhos dos
escritórios de design.
|17|Menu principal metafórico visualizado
mediante bobinas.
|18|Menu principal com quatro opções.

|14|

155

|15| |16|

|17||18|
é dividido em vários níveis que correspondem às diferentes dimensões audiovi
sualísticas, além de características meramente técnicas do cinema. A sequência é
projetada em uma linha de tempo. O material analisado, preferencialmente em
forma de um clipe, um trailer, um cd ou uma sequência de um filme, pode ser
reproduzido e pausado em qualquer momento. Uma barra vertical, que passa
em cima do diagrama, mostra a posição exata onde se está. Considerando que
legendas sobrecarregam o diagrama, elas podem ser apresentadas em forma de
um overlay.(12)

Exemplo: diagrama dinâmico de um trailer


O trailer do filme Cassino foi usado como material para análise audiovisualísti
ca.(13) Nesse caso, também foi produzido um diagrama de diferentes níveis.(14) Nas
posições e pontos onde aparecem patterns, é possível abrir um quicktime movie. A
análise permite ver as conjunções cromáticas, começando com amarelo, passando
do vermelho ao azul, e do azul novamente ao vermelho até o amarelo. Saul Bass
utilizou essa sequência no design do trailer. Essa figura macro pode ser interpreta
da como epanalepse cromática (epanalepse: repetição da mesma palavra no início e no
final de uma oração).(15)

Retórica digital e retórica interativa


156 Até agora usamos uma práxis da retórica interativa; porém, não temos uma
teoria dos procedimentos audiovisualísticos, ou patterns, quando uma pessoa lida
com hipertextos online ou off-line, vale dizer, na web e em dispositivos de ar
mazenagem de dados. Como é sabido, um hipertexto consiste em uma sequência
aberta de nós semânticos conectados em uma rede. Se, por um momento, descon
sideramos a necessidade de limitar a quantidade de dados em virtude das limi
tações físicas do tamanho do monitor, pode-se supor que nas transições ou cortes
entre um nó semântico e outro podem surgir patterns audiovisualísticos. Falta
ainda uma tipologia desses patterns.
Menus usados nos aplicativos e, sobretudo, nos cd-roms, também podem
ser analisados sob o ponto de vista da retórica audiovisualística. Geralmente, as

(12) Buchmüller, Sandra e Gesche Joost, «Entwicklung (14) Dusi, Nicola, «Le forme del trailer como mani
eines visuellen Analyse-Instrumentariums multimedia pulazione intrasemiótica», em: Trailer, spot, clip, siti,
ler Rhetorik», trabalho de graduação apresentado no banner – Le forme brevi della comunicazione audiovisiva,
Departamento de Design da Universidade de Ciências coordenado por Isabella Pezzini, Meltemi, Roma 2002,
Aplicadas Köln, 2001. pp. 31–66.
(13) Contribuição apresentada no seminário dos estudan (15) Lanham, Richard A., A Handlist of Rhetorical Terms,
tes Juan Arroyo e Oliver Hochscheid no Departamento de University of California Press, Berkeley 1991, p. 66.
Design da Universidade de Ciências Aplicadas Köln, 2003.
opções de interação são apresentadas em forma de uma lista, vale dizer, numa
representação tipográfica linguística (nenhuma pessoa fala em forma de listas).
Porém, menus com a função de estruturar o conteúdo num cd-rom e facilitar
o acesso a determinados conteúdos não se limitam a uma lista alfabética ou
estruturada de acordo com uma hierarquia. No cd-rom powerhouse:UK (clea
rinteractive, Londres 1997), que serve para a promoção de serviços de design
na Grã-Bretanha, usa-se um menu aleatório estendido sobre a superfície com
elementos redondos vibrantes, em vez do tradicional menu de listas. Passando
o cursor por um desses elementos aparece, por um momento, um overlay expli
cativo para que o usuário saiba do que se trata. Com um clique, aparece, então,
o conteúdo específico na tela. Aqui se trata de uma enumeração bidimensional
dinâmica e, como é sabido, enumerações fazem parte dos procedimentos retóri
cos tradicionais.(16)
Também em videogames são usados intensivamente patterns audiovisualís
ticos. A análise não se limitou às oito sequências narrativas dos oito mundos
do jogo da Nintendo, Super Mario Bros(17) (projeto: Shigeru Miyamoto, 1985);
porém, se referia também às técnicas audiovisualísticas na apresentação de vida e
morte das figuras:(18)
• Paradoxo. Peixes mortos boiam de barriga para cima; porém, logo em seguida
descem ao fundo do mar.
•um
Mickey-mousing
comic. visual. A morte é apresentada de forma exagerada como em 157

• Eufemismo. Figura debruçada e caída para representar a morte.


• Inversão metafórica. «Cair morto», «to stomp on» (enfrentar duramente).
•Som reativo/Mickey-mousing/Conjunção. O processo de matar é acompanhado
por um feedback auditivo exagerado.
Fenômenos retóricos audiovisualísticos não se encontram somente nas línguas
ocidentais. A análise do terceiro episódio do filme animado antiguerra Memo
ries – Cannon Fodder, de Katsuhiro Otomo (1995), confirmou a hipótese de que
as técnicas aqui apresentadas podem ser transferidas também a outros mundos
linguísticos.(19)

(16)
Nicholas
Literacies,
London
(17) Sobre
Informações
2002.
C.,coordenado
o «The
temadetalhadas
web
da retórica
as
poraIlana
rhetorical
sobre
na Snyder,
rede,
este
place»,
veja:
tema
Routledge,
Burbules,
em:
encontram-
Silicon (18) Contribuição apresentada no seminário dos estu
dantes Bettina Braun e Kim Altintop no Departamento de
Design da Universidade de Ciências Aplicadas Köln, 2002.
(19) Duas contribuições apresentadas no seminário do
estudante Tsuyoshi Ogihara no Departamento de Design
se no site
acesso: 29.12.2008).
www.classicgaming.com/tmk/nes.shtml (último da Universidade de Ciências Aplicadas Köln, 2002-2003.
|19|Também no espaço extraeuropeu de línguas
registram-se patterns audiovisualísticos A análise
de mangás japoneses usando como exemplo o
filme animado Memories, de Katsuhiro Otomo
(1995).

|19|

00:00 00:00

00:10 00:10

00:20 00:20

00:30 00:30
158

00:40 00:40

00:50 00:50

01:00 01:00

Metáforas de interfaces
Provavelmente, o mais difundido fenômeno retórico nos meios digitais é
a metáfora do desktop inventada e desenvolvida no PARC (Palo Alto Research
Center), que é usada em sistemas operacionais com interface gráfica. No CD-Rom
powerhouse::UK os designers jogaram com a ambivalência da palavra powerhouse
(usina elétrica) e basearam a interface em uma metáfora do campo da eletricidade
para acessar os trabalhos de design industrial e comunicação visual armazenados

(20) Hartmann, Frank, Mediologie – Ansätze einer


Medientheorie der Kulturwissenschaften, editora Facul
tas, Wien 2003, p. 9 e p. 66.
no banco de dados. A tela inicial mostra um polo positivo e outro negativo que
reagem ao contato com o cursor (aparecem faíscas).
A função ‹Sair› é visualizada por um fusível. O menu principal é dividido
em quatro áreas, reproduzindo componentes visuais das bobinas de motores
elétricos. A polêmica sobre os prós e contras no uso de interfaces metafóricas é
irrelevante, pois o critério decisivo para o uso de recursos audiovisuais é a coe
rência dos componentes usados, que, afinal, definem a qualidade de uma inter
face e sua utilidade.

Dissolução da primazia da discursividade


Os exemplos esboçados, que podem ser muito mais apurados, serviam para
demonstrar empiricamente a relevância cognitiva das visualizações. Visualiza
ções interativas dinâmicas apresentam novas exigências à capacidade cognitiva
que, até o momento, não fazem parte do programa das disciplinas discursivas,
como a teoria da literatura ou teoria da linguagem. Nas novas mídias, com toda
razão, enfatiza-se o potencial cognitivo da dimensão audiovisualística. Pelo con
ceito ‹giro icônico› (iconic turn), essa nova constelação epistemológica foi tema
tizada, quebrando a predominância da discursividade como espaço privilegiado
do conhecimento.
«Certamente, a escrita e a leitura não perderão imediatamente sua impor
menos
tância; central
porém, que
no amplo
aquelasespectro
atuais.»de performances culturais, terão uma posição 159

«A ideia de que somente a monografia impressa representa o estado de uma


disciplina científica hoje, em geral, é colocada no campo dos ‹mitos da cultura
do livro›».(20)
Os procedimentos analíticos e descritivos aqui expostos são orientados mais
à materialidade das mídias e, como já foi mencionado, menos à hermenêutica.
No enfoque audiovisualístico, a ênfase é colocada no descobrimento de patterns
transmídiais, ao contrário das técnicas analíticas do cinema, nas quais se presta
atenção ao movimento da câmara, ao enquadramento, à iluminação, ao close-up,
ao superclose e ao diálogo. Pesquisas futuras, que irão muito além dessa tentativa
rudimentar aqui apresentada, poderão incorporar os tecnicismos específicos do
cinema – como câmera lenta, quick motion, freeze frame e rotoscope – ao sistema da
audiovisualística.
Bibliografia
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Silva Rhetoricae: uma lista de 300 conceitos especiais (em grego, latim e inglês) da retórica clássica e da retórica do
Renascimento.

161
Um Olhar sobre as Falhas
(breakdowns) e Juntas

• ‹OLHAR CLÍNICO›

• FALHAS NA INFRAESTRUTURA URBANA

•COMPARAÇÃO INTERCULTURAL

• O PATTERN DE BURACOS NAS RUAS


•ANTECIPAÇÃO DE POSSÍVEIS FALHAS

• CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO PROJETUAL


• QUALIDADE DAS FUNÇÕES EM VEZ DO DEBATE SOBRE O FUNCIONALISMO
• O POTENCIAL EXPLICATIVO DO CONCEITO ‹INTERFACE›
|01|
|02||03|

|04||05|

|06||07|
|01|Um detalhe do pavimento da Cidade do México. |06|Detalhe de um edifício eclesiástico (Micho
|02|
|03|
|04| Juntas
|05|Tratamento
Junta na
em
numa
porta
uma
demotocicleta.
juntas
de
fachada
um em
automóvel.
deum
umedifício
edifício(Colônia).
(Basileia). acán, México), no qual foram usadas pedras
ornamentais de um templo da cultura pré-colonial.
Como exemplo para demonstrar a dominação e
a submissão, pode-se citar o caso de uma igreja
que foi construída pelos colonizadores sobre a
maior pirâmide escalonada da América Latina, em
Cholula (425 m de largura).
|07| Junta em um banco público de granito (Milão).

petência
Algunsdemédicos
avaliar opossuem
estado dea capacidade
saúde de pacientes
do ‹olhar
sem
clínico›.
recorrer
Isso
a aparelhos
se refere àpara
com-o 165

diagnóstico. Há controvérsia entre os próprios médicos, sobretudo após o adven


to dos aparelhos de diagnóstico baseados em computadores, que permitem obter
rapidamente conclusões automáticas sobre as análises clínicas, por exemplo, no
caso de desordens de caráter depressivo nas pessoas.
No campo do design, pode-se partir da suposição de que exista uma compe
tência comparável, vale dizer, ao olhar clínico do designer. Quais são as carac
terísticas do olhar clínico do designer? Generalizando, podem ser citados dois
atributos desse olhar. De um lado, a orientação do olhar ao focalizar o mundo
dos objetos e signos, ou seja, para onde se olha. De outro lado, a capacidade de
perceber diferenciação baseada em experiências e conhecimentos ou naquilo que
se percebe quando se olha.
Um tipógrafo competente descobrirá de imediato os erros no espaçamento
no título de um pôster, coisa que o não especialista não perceberia. Um designer
industrial prestará atenção aos detalhes minuciosos de um produto, tais como
encaixes, juntas, encontros de materiais, arestas e transições de curvas. Eles servem
como indicador da qualidade do projeto e do acabamento, coisas que passariam
desapercebidas a um não especialista. Essa capacidade de diferenciação não é uma
habilidade misteriosa, mas resultado da aprendizagem. Por isso, é mais apropriado
mostrar o procedimento e não se contentar com uma mera descrição.(1) Esse proce
dimento é seguido aqui para explicar um aspecto importante do trabalho profissio
nal dos designers, com ajuda de exemplos. Isso não exclui completamente possíveis
falhas (breakdowns) no uso de produtos e informações, mas, pelo menos, contribui
para reduzir sua incidência e, no caso dessas falhas ocorrerem, oferecer uma saída.
Para esse fim, recorro a um fenômeno cotidiano pouco vistoso, os buracos
escavados nas ruas e calçadas, para acessar a infraestrutura urbana invisível das
redes – esgotos, abastecimento de água, eletricidade, telefonia.(2)
Como acontece com todas as redes, elas devem ser ocasionalmente consertadas
e ampliadas, pois falhas ou quebras ocorrem em qualquer sistema. Mediante uma
comparação intercultural, pode-se verificar como diferentes culturas lidam com
a infraestrutura urbana subterrânea em caso de falhas. Essa maneira de lidar com
as falhas faz parte de um problema mais amplo, vale dizer, o cuidado ou a falta
de cuidado com o espaço público. Os exemplos permitem deduzir qual é o valor
atribuído ao espaço público numa sociedade. As imagens de pontos geografi
camente muito distantes entre si falarão por si mesmas. A extensão vai do polo
da negligência ao polo do cuidado institucionalmente assegurado; e isso não é
só uma questão dos recursos disponíveis, mas tem a ver com a postura frente ao
espaço público e seus usuários (os cidadãos). Portanto, é também uma pergunta
da política cotidiana e da cultura cotidiana.
O pattern em forma de componentes recorrentes dessas panes ou rupturas pode
ser explicado mediante as diferenciações terminológicas de Kevin Lynch.(3)
Ele usa quatro diferenciações para analisar a legibilidade das cidades:
166 • Caminhos (paths). São as linhas que um observador geralmente segue – ruas,
pistas.
• Bordas (borders). Trata-se de linhas referenciais marginais, compostas por
elementos lineares, cercando praças, muros e parques que interrompem a
continuidade.
• Nós (nodes). Representados pelos pontos estratégicos, cruzamentos (esquinas).
• Indicadores (markers). Pontos de referência externos, edifícios, lojas, montanhas.

(1) Sennett, Richard, The Craftsman, Yale University fato evidente de que as metrópoles têm uma história física
Press, New Haven, London 2008, p.172. O autor cita a que, em grande parte, é paralela à história das interven
estimativa de pesquisadores de que são necessárias ções na infraestrutura. Trata-se de intervenções que dei
aproximadamente 10.000 horas para que um aprendiz xaram profundos traços na forma das metrópoles; porém,
atinja o status de competência de um expert no manejo também na sua organização funcional. Esses traços trans
de tarefas complexas, vale dizer, transformar um saber formaram as cidades, na terminologia de N. Rosenberg,
implícito em saber explícito (tacit knowledge) para estar em organismos path dependent, vale dizer, organismos nos
disponível imediatamente. Um médico em formação quais as trajetórias do passado condicionam fortemente o
adquire essa competência em um prazo de três anos presente e o futuro.» (N. Rosenberg, 1994).
de prática num hospital. Para um aprendiz de ourives, Maldonado, Tomás, «Telematik und neue urbane Szena
numa aprendizagem medieval, esse valor corresponde a rien», em: Digitale Welt und Gestaltung, coordenado e
aproximadamente 5 horas diárias no ateliê. Que eu saiba traduzido por Gui Bonsiepe, Schriften zur Gestaltung der
não existem pesquisas empíricas que mostrem quanto Zürcher Hochschule der Künste, editora Birkhäuser, Basel,
tempo se precisa para desenvolver a competência do Boston, Berlin 2007, pp. 113–158.
olhar clínico do designer. (3) Lynch, Kevin, Das Bild der Stadt, editora Birkhäuser,
(2) Sobre a temática das infraestruturas urbanas subterrâ Basel, Boston, Berlin 2001 (edição original The Image of
neas, Tomás Maldonado escreve: «Não se deve esquecer o the City1960).
Esses componentes fazem parte da paisagem urbana (cityscape). Os buracos
escavados para consertar panes na infraestrutura das cidades são fenômenos inde
sejados, pois são perigosos e incômodos, dificultando o trânsito dos pedestres e
dos automóveis. Essas falhas não foram projetadas; elas não resultam de intenções
projetuais; mas simplesmente ocorrem. Partindo dessa observação, pode-se ex
plicar um aspecto particular do trabalho do designer cuja atividade, entre outras,
é caracterizada pela antecipação de falhas. Um bom projeto antecipa possíveis
falhas no uso de um objeto ou uma informação.(4) Daí se pode estabelecer uma
conexão entre falhas e o conceito central do design, vale dizer, com o conceito da
‹interface›. Uma interface útil abre possibilidades de ação (reduz complexidade),
de maneira transparente e antecipa possíveis falhas (não exclui todas as possibili
dades de panes), enquanto insere redundâncias no sistema para superar eventuais
perturbações do ambiente externo.
Na história do design, a relação entre forma e função (form follows function)
foi debatida de maneira acalorada durante mais de cem anos. Esse debate hoje
se arrefeceu, embora ainda existam variantes, tais como «form follows emotion»,
«form follows fun» ou «form follows production». A formulação original «form follows
function» estava sujeita a mal-entendidos desde o início porque:
• Primeiro: ela tinha uma função explicativa – por que as formas de objetos de
uso e de edifícios são assim como são?
• Segundo:
fato (um edifício
ela tinha
ouuma
um função
objeto de
legitimadora
uso) é assim
– porque
a respectiva
resulta
forma
de seu
de um
propó
arte- 167

sito ou função, seja o que for que isso signifique.


•Terceiro: ela tinha uma função normativa – no processo projetual o designer
deveria partir, em primeiro lugar, do objetivo ou da função de um produto.
Essa situação confusa se complicou ainda mais com a pretensão de que a
qualidade estética resultaria necessariamente da realização ideal da função de um
produto ou de uma obra arquitetônica. Essa pretensão não é sustentável logi
camente, porque se baseia em uma mistura entre domínios desconexos. Pro
vavelmente, é motivada pelo desejo de encontrar uma explicação para soluções
estéticas baseadas em características morfológicas de objetos de uso e edifícios

(4) As frustrações de um usuário mexendo em um produto uso volumosos e que provocam desorientação quando se
narrativa
técnico,
‹featuritis›,
detalhadamente
seduza
cada
«O maior
vezonesse
mais
designer
humorística
perigo
valecom
caso,
dizer,
consiste
o apapel
funções
enriquecer
um
na
a tendência
telefone-fax,
do
qual
emde
designer
que
também
valor
o aproduto
de
sofisticação
prático
eequipar
são
se
a tendência
descrevem
com
o tema
questionável:
um
cada
crescente
produto
deavez
uma abre a embalagem desse produto.» Após citar a instrução
de uso para o produto, ele chega à conclusão lacônica:
«Se você compreender e lembrar isso por mais de dez
minutos, você é candidato a programador de softwares
ou a um programa de perguntas na TV.» Bryce Echeni
que, Alfredo, «Léalo y llore», em: A trancas y barrancas,
editora Anagrama, Barcelona 2001, pp. 311–316.
mais funções sofisticadas que terminam em manuais de
|08|Proteção de uma ruptura da infraestrutura |10|Uma barreira do local de trabalho na via
urbana com uma visualização tematicamente pública, de acordo com normas de segurança.
relacionada. |11|Uso despreocupado designos.
|09|Cortesia em relação aos motoristas (Thank |12|Barreira usada como superfície para publici
you). Cones de guia de tráfego colocados em dade.
pequenos intervalos. |13|| Reação espontânea à pergunta se é permitido
tirar uma fotografia.

|08||09 Maio 6, 2004 1832||7vrique 47°23’ N; 8°32'E, Suíça | Exemplo Outsi, 2004 11:12, Dunedin 45°52' S, 170°30' E, Nova Zelândia|Exemplo

168

|10||11

|12||13|
|14||15|Faz-se um alerta aos motoristas; porém, não ||18|Barreira com meios mínimos.
aos pedestres. |19|Informação sobre a instituição e sua atividade:
|16|Improvisação. pavimentar
|17|Indício de uma sociedade empobrecida que
seguiu de forma exemplar e altamente aclamada as
imposições do Consenso de Washington e, por isso,
caiu em uma profunda crise.

Out27, 2004 15:04, Brasília 15°46'S 47°550, Brasil|Exemplo 0ut27, 2004 1108 Brasília 15°46'S 47°55' 0, Brasil|Exemplo |14||15|
|-
| -
- -
º

169

0 |16||17|
TFERIA.
É CH2 E5

|18||19|

NTRA
FECA INCIC
FECA TERMINO

L MUNICIPALIDAD DE SANTIAGO
PAVIMENTANDO
sob a hipótese de existir uma relação causal entre o domínio do útil e o domínio
do estético. Deixando de lado a fragilidade dessa argumentação, o propósito ou a
função de um produto pode ser conceituado com relativa facilidade. Dependendo
da maneira como se interpreta, esse conceito pode abranger tudo: desde a faci
litação do uso prático de um objeto cotidiano até os aspectos expressivos. Pode
também referir-se à criação de identidade dos produtos para efeitos mercadoló
gicos e ao enriquecimento emocional da vida cotidiana, e até coibir o excesso da
ornamentação.
Por mais que se possa sentir uma profunda aversão ao conceito da função,
parece que é difícil abstrair sua relevância. Isso, muitas vezes, produz reações
viscerais, frequentemente por motivos políticos (os correntes defensores do status
quo sentem-se incomodados pela mera menção da palavra ‹social›, preferem
o que se pode chamar design pectoral). Caso se considere a função superada, ela
ressurge imprevisivelmente, provocando a irritação dos críticos. Afinal de contas,
só aparentemente se dissocia o conceito da forma do conceito da função. Porém,
é exatamente esse conceito da forma que precisa ser questionado.(5) No fundo, a
fórmula «form follows …» – life style, experience ou qualquer outra novidade, trata
de uma fórmula vazia, cujas possíveis interpretações já se esgotaram.
Algumas correntes dentro do design já conferiram um certificado de óbito ao
funcionalismo como doutrina projetual – alegando que hoje todos os produtos,
170 em um determinado segmento de preço, ofereceriam os mesmos serviços. Contu
do, isso não leva muito longe porque se baseia no ponto mais frágil do funciona
lismo, insistindo em um conceito abstrato de função em vez de prestar atenção à
qualidade das funções, que nao são questionadas. Quando se declara hoje, pom
posamente, que não interessa mais a questão da utilidade dos produtos, mas se
estes nos agradam, aparece aí a incômoda supressão do útil que seria substituída
pela exigência de agradar. Quais produtos devem agradar? Essa pergunta não
surge com esse conceito de design.
O funcionalismo, sobretudo na sua versão obstinada e doutrinária, insistiu
na utilidade como fator determinante da forma. Hoje, é confrontado com ou
tra ideologia, cuja máxima é a criação de um momento estético na mercadoria.

(5) O historiador de Zurko escreve sobre o funcionalismo: estritamente conectada ao termo genérico ‹função›. Além
«Funcionalismo implica um sistema pluralista e não disso, a linha divisória entre esses valores não constitui
monótipo de valores. A crítica funcionalista […] tende a uma barreira insuperável.» de Zurko, Edward Robert,
considerar a arquitetura do passado sob a perspectiva de Origins of Functionalist Theory, Columbia University
valores morais, éticos, sociais e, muitas vezes, metafísi Press, New York 1957, p. 232. As contribuições de Claude
cos, enquanto a avaliação da arquitetura moderna enfa Schnaidt no debate diferenciado sobre o funcionalismo
tiza a primazia de valores imediatos, tais como economia, podem ser encontradas em sua obra completa: Schnaidt,
fluxo fácil de tráfego, instalações sanitárias, facilidade de Claude, «Forme, Fonctions, Fonctionalisme», em: Autre
manutenção, boa iluminação e ventilação. Porém, a rica ment Dit–Écrits 1950-2001, coordenado por Jacques
diferenciação entre esses dois conjuntos de valores está Gubler, infolio éditions, Gollion 2004, pp. 533–604.
|20|Opattern das falhas na infraestrutura urbana |21| Diagrama da interface que abre possibilidades
utilizando a terminologia adaptada de Kevin Lynch. de ação para o usuário de um produto ou de infor
mações. Mediante o design, estruturam-se espaços
de ação.

Rua |20|
Caminho (path)

Nó Sinal
(node) (marker)

Linha separadora
(border) CalçadaCaminho (path)
171

|21|

Produto
Informação Ator

Interface
Espaço de interação
|22|Uma comparação entre o acesso a uma infor |25|Uma interface claríssima: «Furam-se pneus
mação e quebrar a casca da avelã para o que se grátis».
necessita uma ferramenta. |26|Uma interface claríssima: «Proibido estacionar:
|23|Uma interface quebrada. Respeite a minha entrada de garagem e eu respeito
|24|A causa para a quebra da interface: um mate o seu carro».
rial com seção subdimensionada que não resiste às |27|Uma interface confusa – felizmente em sis
solicitações mecânicas quando se abre uma avelã. temas operacionais modernos está praticamente
desaparecida.

|22|

172

|23||24|

|25||26|

|27|
|28|Articulação em área de trabalho (no sentido de |29||30||31|Interface no sentido restrito significa
produzir um efeito), área de manipulação e área de design dos componentes de controle e dos elemen
informação (ela não existe nesse produto). tos de display. Interface no sentido amplo significa
Cabeça do fósforo = área de trabalho ou de ação. o design da configuração tridimensional inteira do
Palito = área de manipulação e parcialmente de produto (nesse caso uma gravadora), incluindo a
trabalho (fornece material para uma chama). gráfica do produto.

|28|

173

|29||30||31|
Independentemente da postura projetual e da constelação de atributos visuais
(morfologia estética) de produtos e edifícios, não se deve negar o mérito histórico
do funcionalismo. Nesse sentido, Zurko realizou uma pesquisa histórica diferen
ciada: «O funcionalismo é a única estética que aceitou, sem reservas, o mundo
da tecnologia como um componente importante da cultura.»(6) O funcionalismo
pertence à melhor tradição da modernidade e, por isso, transforma-se em um
motivo de crítica para os representantes da pós-modernidade.
No começo da década de 1990, surgiu o novo conceito de ‹interface›, devido
aos avanços da tecnologia da computação e da informática.(7) Em vez de orientar
se pelo antigo binômio conceitual ‹forma e função›, o termo ‹interface› possibi
litou a colocação do trabalho do designer no domínio das ações eficientes, com o
qual se abriram novas perspectivas. Os enfoques tradicionais orientados à forma
e à função foram substituídos por um enfoque orientado pelas ações. O diagrama
ontológico da interface, publicado no início dos anos 1990, mostrou a relação
triádica entre um usuário, um produto e um objetivo de ação, entre os quais a
interface funciona como domínio mediador. Insistiu-se que o domínio central do
design consistia na estruturação de um espaço de ação.
Essa relação pode ser visualizada com um simples exemplo da área de uso e
acesso a uma informação. Ela é comparada à casca dura de uma avelã, que o ho
mem não pode abrir porque não está anatomicamente preparado para essa tarefa.
174 Por isso, ele depende do uso de uma ferramenta que, como todas as ferramentas,
pode danificar-se, não resistindo às solicitações mecânicas. O arsenal dos produtos,
em geral, pode ser estruturado em uma linha. Em um polo se encontram os produ
tos de baixa complexidade e, no outro, os produtos de alta complexidade. No caso
de um produto de baixa complexidade, por exemplo, um copo d’água, a interface e
o produto coincidem – eles são coextensivos. Quando cresce a complexidade, a in
terface se incorpora cada vez mais como domínio próprio. Essa afirmação vale tanto
para os objetos de uso, quanto para aplicativos e projetos da área da comunicação.
A estrutura de objetos de uso pode ser dividida em três zonas: área de traba
lho, área de manipulação e área de informação (display). Para um produto simples
como um fósforo não há display, a não ser que se atribua ao palito uma função de

ontológico
(7)
relativizar
forma
(6) Em
Op.e1993,
cit.,
função.
ada
p.aparentemente
publiquei
240.
interface
Bonsiepe,
pela
queGui,
primeira
serviu,
interminável
Las entre
Siete
vez ooutros,
Columnas
discussão
diagrama
para
del
sobre zalco, México 1993. A ideia da importância da interface
para caracterizar o design surgiu durante o trabalho no
softwarehouse Action Technologies em Emeryville (Cali
fórnia) no fim dos anos 1980. No ano anterior, publiquei
um artigo sobre este tema: Bonsiepe, Gui, «Die sieben
Diseño, Universidad Autónoma Metropolitana, Azcapot- Säulen des Design», form & zweck, n.6, 1992, pp.6–9.
|32| Interface como critério para diferenciar o pro
jeto de engenharia e de design. Diagrama hipoté
tico sobre complexidade funcional crescente com
a qual cresce também a importância da interface
que funciona como redutor de variedade.

|32|

Poster
ÁREA DE DESIGN
Aplicativo

Site para enciclopédia

e
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ta CI
fr
e Livro 175
o
ni
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o
ã
ç
a
r Tesoura
e
d
n Plug ÁREA DE ENGENHARIA
o
P
Complexidade estrutural e funcional

informação. Em produtos de baixa complexidade, a interface e a área de trabalho


se sobrepõem. Nesse artefato não existe uma zona própria de informação. Usan
do como exemplo um produto complexo (nesse caso, uma gravadora digital), é
possível visualizar as duas interpretações do conceito de ‹interface›. ‹Interface›,
no sentido restrito, significa o design dos elementos de controle e de informação.
‹Interface›, no sentido mais amplo, significa o design do produto inteiro ao qual
uma interface está integrada. Esse pequeno instrumento oferece, entre outras, as
seguintes possibilidades de ação:
• Armazenar, escutar, copiar, eliminar arquivos de som
• Selecionar um folder para os arquivos de som
• Selecionar a qualidade da gravação
• Indicar a capacidade de armazenagem, do tempo da gravação e carga da bateria
•Trocar a bateria
• Conectar um microfone e fone de ouvido
• Conectar um ponto USB.
Concentrando-se no design da interface, ficam excluídos todos aqueles pro
dutos nos quais há pouca ou nenhuma interação entre usuário e artefato. Estão
localizados além da linha de demarcação que separa a área de responsabilidade
do designer e de outras disciplinas projetuais, como a engenharia elétrica ou
mecânica. Por isso, um designer provavelmente poderá contribuir pouco para
o desenvolvimento de um chip, já que o usuário não entra em contato direto
com esse produto. Pode-se visualizar a diferença entre projetos das engenharias e
design mediante um diagrama: quando cresce a complexidade funcional de um
produto ou de uma informação, cresce também a importância da interface e, por
isso, aumenta a possibilidade e a necessidade de intervenção do designer.
As temáticas projetuais tradicionais do campo da comunicação visual e do de
sign gráfico, tais como identidade corporativa e logomarcas, também podem ser
compreendidas como exemplos de interface design. Uma identidade corporativa
funciona como interface entre uma empresa, ou instituição, e o público. Uma lo
gomarca funciona como interface, identificando uma instituição ou um empreen
dimento para o público. Abrir possibilidades de ação é primordial para o design
industrial e design gráfico. Porém, isso não é um critério valido para a arte.
Fica em aberto a questão sobre a possibilidade de aplicar o conceito da inter
face à arquitetura e se esse conceito é cognitivamente útil para entender o traba
lho do arquiteto. Porém, certamente é um critério inequívoco de diferenciação
176 entre design e arte, pois a arte não se preocupa em abrir espaços de ações me
diados por instrumentos. Assim, as repetidas tentativas de interpretar o design
como fenômeno subsidiário da arte levarão a um equívoco.

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editora Birkhäuser, Basel, Boston, Berlin 2007. [Mundo digital e design]
Schäffner, Wolfgang, Sigrid Weigel e Thomas Macho (coords.), «Der liebe Gott steckt im Detail» – Mikrostrukturen des
Wissens, editora Wilhelm Fink, München 2003. [Deus está nos detalhes – Microestruturas do conhecimento]
Schnaidt, Claude, «Forme, Fonctions, Fonctionalisme», em: Autrement Dit–Écrits 1950-2001, coordenado por Jacques
Gubler, infolio éditions, Gollion 2004, pp. 533–604.
Sennett, Richard, The Craftsman, Yale University Press, New Haven, London 2008.
de Zurko, Edward Robert, Origins of Functionalist Theory, Columbia University Press, New York 1957.
Entre Ocularismo e Verbocentrismo

• DESENVOLVIMENTO DA TEORIA DO DESIGN

• A INDIFERENÇA DA TEORIA PELA PRÁTICA


•AMBIÇÕES HEGEMÔNICAS DA TEORIA

• O OLHAR NÃO DESPÓTICO

• TEORIA NORMATIVA E REFLEXIVA


mercadoria.
Na cultura
O mercantilista
preço é levadovale
a sério.
somente
A oferta
aquilo
gratuita
que tem
é destituída
um preçode– como
valor. Isso 179

ocorre também com a teoria. Ela é produzida a custo zero, sobretudo no âmbito
acadêmico, onde ainda existe tempo livre para tais empreendimentos. Por isso,
no começo, a teoria é necessariamente acadêmica, o que não se deve igualar com
distância da prática.
A prática profissional, sujeita às pressões da vida cotidiana, dificilmente permite
cultivar atividades teóricas. Elas poderão ser um peso morto para os negócios (o
lean business); assim como a produção de poesias, não contribuem para o crescimen
to do PIB. Por isso, de acordo com critérios estritamente econômicos, a teoria é irre
levante. Assim, ela é lembrada apenas na ocasião de eventos midiáticos. Após esse
curto momento de fama, ela é esquecida novamente até o próximo evento. Essa é a
sina da teoria, que não tem valor de uso ou valor de troca, mas, no máximo, valor
midiático (show value). Porém, existem outras faces da teoria que abordarei a seguir.
O design demorou para avançar como temática para a reflexão na filosofia e
nas ciências. Quando começou a onda de popularização e os programas de fomen
to para o design, na década de 199o, o discurso projetual se ampliou. Entretanto,
cresceu também o inevitável perigo de uma relação paternalista entre o promotor
e o objeto da promoção. O design se transformou em temática para muitos con
gressos e viagens em todo o mundo. O design se transformou em um oportuno
objeto midiático.
No processo dessa expansão, o design separou-se da competência projetual
específica. Outros profissionais com qualificação meramente acadêmica, mas sem
habilidades para o projeto, ganharam relevância, respaldados por categorias e cri
térios tradicionais. O design transformou-se em campo de ação para qualificações
acadêmicas não ligadas ao domínio do projeto, despertando ambições hegemô
nicas próprias e interesses canônicos próprios. Elas ganharam uma influência
crescente sobre a política do design e o discurso projetual com o argumento de
que o design é importante demais para ficar só na mão dos designers.
Nesse alargamento conceitual e profissional, o domínio do design difere
das outras disciplinas. Por exemplo, falar sobre física teórica exige um reper
tório específico, dificilmente dominado por outras categorias profissionais. Isso
não acontece no discurso do design. Esse fato tem a vantagem de possibilitar
enfoques não ortodoxos; porém, envolve o perigo de cortar a relação com a
materialidade do projeto e fomentar a teoria do design sem qualquer relação
com o tema. A teoria só pode avançar quando superar o status de uma ocupa
ção ocasional e for aceita como disciplina autônoma nas instituições de ensino
superior. Para avançar nessa direção, precisam ser criados programas de ensino
atualizados.
Certa vez, um crítico colocou em dúvida a legitimidade dos textos de Lewis
Mumford sobre urbanismo e arquitetura. Ele respondeu secamente, dizendo que
não era um arquiteto, mas que seria capaz de diferenciar bem entre uma casa
ruim e uma casa boa. A competência crítica e a competência projetual ocorrem
180 em diferentes domínios. A autonomia entre a literatura e a crítica literária não
exige que um crítico literário se qualifique antes como autor de novelas para se
legitimar no ramo da crítica. Para a teoria do design, precisa-se de um mínimo
de familiaridade com o design para evitar a produção de especulações confusas.
Uma das obras fundamentais para a teoria projetual, que tem influenciado a
teoria geral dos artefatos, definiu, no final dos anos 1960, um padrão para refle
xões teóricas de design, partindo de uma visão das ciências exatas.(1) Os enfoques
advindos de outras áreas do discurso projetual enfrentam mais dificuldades. Fre
quentemente, surge a impressão de que a temática do design provoca mais irri
tação incômoda do que simpatia. Mais ainda porque essa temática é tratada com
petulância e arrogância na tradição do pensamento idiossincrático (puramente
teórico no sentido pejorativo). Em parte, isso se explica pela falta de familiarida
de com a temática e também devido a profundos preconceitos arraigados contra
os artefatos – objetos de uso e signos da prática cotidiana e suas condições de
produção técnico-econômicas. Vale dizer, há uma aversão à materialidade, típica

(1) Simon, Herbert A., The Sciences of the Artificial, MIT


Press, Cambridge Mass. 1969.
de uma ‹espiritualidade etérea›. Essa materialidade não é aproblemática como
mostra o debate sobre a realidade virtual e a interface design.
Não se propõe aqui uma tentativa conciliadora, pois interface supera a dua
lidade entre materialidade e imaterialidade, caracterizando-a como domínio no
qual são estruturadas e abertas possibilidades de ação para o usuário. Isso vale
tanto para uma chave de fenda, como para um software de diagnóstico médico.
A digitalização fomentou o surgimento de uma avalanche de textos com filo
sofemas sobre meios que os informáticos, e não só eles, enfrentam com ceticismo.
Parece que a falta de familiaridade com o tema é diretamente proporcional à
audácia e à pompa dos textos, sejam panegíricos ou apocalípticos. Multimídia
e realidade virtual, sobretudo a sua imaterialidade e seu complemento dialéti
co – corporalidade e identidade –, parecem exercer uma atração irresistível para
a tagarelice deslocada sem base na experiência concreta. Isso contrasta com o
panorama bem fundamentado que se pode encontrar, por exemplo, na coletânea
de textos editados pelo National Research Council.(2)
As tentativas de transformar o design em arte também podem ser interpreta
das mais como retrocessos do que avanços da teoria projetual. Há muito tempo
já dispomos de conceitos filosóficos para fazer distinção entre arte e design.
Classificar design em categorias artísticas só pode ser explicado por critérios da
política de distribuição de verbas nas universidades.
e o Teoria
torna disponível,
como comportamento
anunciandocontemplativo
uma pretensãotransforma
de dominação.
o visto
Walter
numBenja
objeto 181

min escreveu que ela prepara um objeto com tanta dedicação como um canibal
prepara um bebê, e isso vale também para a teoria objetivizante. Ela tem apetite
pelo design concreto. O discurso teórico é também discurso de poder, discurso de
apropriação. Com isso, a teoria sofre permanentemente pressão de legitimação.
Ela se desenvolve na dualidade entre contemplar e agir. A teoria pressupõe a ma
terialidade daquilo sobre o qual teoriza. Ela consome seu objeto. A prática deve
ter, portanto, primazia sobre a teoria. Entendida assim, a teoria leva uma exis
tência parasitária e chega – à primeira, porém equivocada, vista – sempre tarde
demais; equivocada, pois ela penetra qualquer práxis projetual. Inversamente, a
ação projetual pode degradar facilmente a teoria, reservando-lhe o papel de forne
cedor de legitimação, vale dizer, para orlar o status quo e elevar o status cultural.
Dessa ambição de dominação por ambos os lados, dessa encruzilhada en
tre teoria e prática, existe uma saída esboçada por Dewey: uma recusa à teoria

(2) Durlach, Nataniel I. e Anne S. Mavor (coords.), Virtual


Reality – Scientific and Technological Challenges, Natio
nal Academy Press, Washington 1995.
contemplativa do conhecimento (spectatorial vision) e uma abertura ao conceito
participativo do conhecimento, com uma mútua penetração entre esses dois
domínios opostos.(3) Isso não significa uma conciliação malfeita, apenas com
o objetivo de cobrir fissuras. A teoria, às vezes, é interpretada como nostalgia
pela intervenção projetual na realidade. Ao fazer isso, precisa evitar o perigo da
atitude de superioridade, aproximando-se da humildade da prática profissional.
Deve-se abordar essa prática reconhecendo-se e admitindo-se que prática não se
resume a um acesso meramente discursivo. Um único design implementado na
realidade – uma página bem diagramada de um livro, uma metáfora de navega
ção inteligente, uma alça precisamente colocada num instrumento de medicina
– apresenta sua força declarativa, em virtude da praticidade, superando inúmeros
derivados verbais.
Por sua vez, a práxis não deve se contentar com a contingência e as limitações
do imediatismo. A ação que insiste na prática, e somente na prática, colocando-a
como parâmetro universal, pode se tornar vítima de um achismo cego e busca de
resultados imediatos. Isso se agrava quando há insegurança pela teoria, abjuran
do-a e provocando reações viscerais de defesa só em ouvir a palavra ‹teoria›. Quem
blasfema contra a teoria costuma ser a sua primeira vítima. Quem pensa que
teoria é um passatempo de fim de semana, sem relevância para a prática, coloca
se no acostamento da história, onde se lê: No future. Quem exige que a teoria seja
182 tão simples quase como uma receita para projeto, cai facilmente no preconceito
populista. A teoria é tão rica quanto a prática que ela reflete. Como é sabido, essa
prática é um assunto muito complexo. Se não fosse assim, a teoria seria supérflua.
Justifica-se manter distância da teoria quando ela provoca a suspeita de am
bições dominadoras mediante a visão iluminada, desqualificando toda a práti
ca como sendo limitante. A práxis se defende contra o tapinha nas costas: «vá
em frente.» – o designer como quase zumbi, como marionete teleguiada pelo
crítico. A práxis sob a tutela da teoria seria um espetáculo ridículo, assim como
a teoria no colo da práxis. A teoria ficaria sobrecarregada e mal-entendida caso
se esperasse dela indicações precisas para a ação, como se pudesse ser uma caixa
de ferramentas metodológicas para desenvolver designs úteis. Por outro lado, a
teoria seria superestimada se fosse colocada como instância reguladora da prática
e cedesse à tentação de querer direcionar a prática – a ênfase está na palavra ‹di
recionar›. Tal intenção enredaria a teoria em contradições entre intencionalidade
e conhecimento operacional.

(3) Houlgate, Stephen, «Vision, Reflection, and Open


ness», em: Modernity and the Hegemony of Vision, coor
denado por David Michael Levin, University of California
Press, Berkeley 1993, pp. 87–142.
Designs não podem ser concretizados apenas com as intenções verbais. O agir
projetual não coexiste simplesmente com o agir verbal, apesar das afinidades es
truturais entre os atos ilocutórios declarativos (usando a terminologia de Austin
e Searle), que criam uma realidade e atos projetuais que criam uma realidade.
Não se justificam a indiferença e a aversão pela teoria, porque ela permite for
mular perguntas hermenêuticas sobre o sentido e os limites do design, e, portan
to, explorar as suas possibilidades. Logo, deve-se advogar por uma relação mútua
e produtiva, em vez de insuflar o conflito. Em favor da teoria, fala-se que existe
uma tradição do olhar não despótico que percebe lacunas, descobre complexida
des e reflete contradições em vez de fugir da problemática e iludir-se com a ideia
de que se vive no melhor dos mundos.
Porém, para que serve a teoria? Sobretudo teoria do design? Por que não dei
xar a prática prosperar livre das reflexões teóricas? Quais experiências fornecem
subsídios para a teoria? Ela é uma ação substitutiva para o projeto? Ela surge de
ambições usurpadoras? É justificável o preconceito dos designers que se conside
ram como práticos contra aqueles que só fazem teoria não sabem projetar? Isso
seria semelhante ao caso do arquiteto que não presta para a arquitetura e por
isso migra para urbanismo? A teoria deve ser arraigada na práxis projetual para
ser levada a sério? De onde surge a legitimação da teoria? O design precisa de
uma teoria específica? O que se pode esperar (e não esperar) da teoria do design?
Quais
Nãosão
se os
devem
critérios
esperar
de relevância
respostas inequívocas
para a teoria?
a essas perguntas. As respostas a 183

elas serão diferentes de acordo com os interesses e os objetivos de cada um. Por
mais que se possa colocar em dúvida o sentido e o propósito da teoria projetual,
pelo menos existe um argumento forte a favor da teoria do design. Todas as prá
ticas estão inseridas no mundo discursivo, vale dizer, no domínio linguístico que
é imprescindível para a prática, por mais que se reprima ou negue esse fato.
Mundos discursivos se distinguem pela sua diferenciação e rigor. Contudo, a
situação não é muito animadora na área do design. Comparado a outras áreas de
conhecimento, o discurso do design não se distingue nem pela diferenciação nem
pelo rigor. Para se convencer disso, basta participar de um evento que se dedique
ao design e verificar a qualidade dos trabalhos apresentados pelos profissionais
da área. Pode-se especular sobre as causas dessa deficiência do discurso projetual.
Talvez estejam relacionadas com as consequências da educação orientada à for
mação de habilidades, que fomenta uma postura anti-intelectual. Porém, espe
rara-se que essa falha seja eliminada nas instituições de ensino de design. Caso
contrário, essas instituições não conseguirão se emancipar e levarão uma existên
cia subalterna. Isso seria um retumbante fracasso para a afirmação da importância
cultural e econômica do projeto como instrumento da modernidade.
Para evitar mal-entendidos, enfatizo que as habilidades (skills) são condições
necessárias, mas não suficientes para o ato projetual. Quem hoje faz design tipo
gráfico deve demonstrar domínio de algumas ferramentas como QuarkXpress ou
InDesign. Porém, quem só aspira à perfeição técnica nesse domínio, transforma
se num mero operador, denominado no jargão profissional de ‹pixel monkey on a
rendering ranch› ou ‹micreiro›.
Pode-se caracterizar a teoria como domínio das distinções que contribuem
para melhorar a compreensão, em outras palavras, domínio no qual se proble
matiza a prática. Partindo da diferenciação entre pensamento operante e pensa
mento discorrente, pode-se formular a seguinte interpretação: a prática projetual
como pensamento operante age no domínio da produção e comunicação social. A
teoria do design como pensamento discorrente atua no domínio do discurso social
e, por consequência, na política, na qual se discute o tipo de sociedade em que se
quer viver.
A teoria é formulada pela linguagem e elabora a discursividade. Assim, ela
tem uma relação conflituosa com a visualidade, embora a epistemologia se entre
lace com metáforas visuais desde sua origem na filosofia clássica. Isso foi chama
do de ‹imperialismo da filosofia ocularcentrista›.(4)
Pode-se cair facilmente na armadilha de uma tendência antivisual quando a
teoria privilegia exclusivamente a linguagem ou, mais ainda, declara a lingua
gem como única forma epistêmica. A partir do chamado ‹giro visual› (iconic turn)
nas ciências, que foi possibilitado pelo desenvolvimento da tecnologia digital
e da informática, o domínio visual passou a ser reconhecido como um domínio
constitutivo epistemológico. A pretensão absolutista da linguagem como forma
184 primordial do conhecimento vem perdendo espaço, embora ainda represente
uma tradição poderosa, uma fortaleza institucional da discursividade. Essa tradi
ção cria consideráveis dificuldades para o avanço da visualidade.
Frequentemente, os designers são criticados por não terem boa discursivi
dade. Com toda razão, seus contribuições são avaliados de acordo com padrões
da discursividade. Porém, se olharmos por outro lado, descobriremos também
a debilidade de articulação visual dos mestres discursivos. Descobriremos o la
mentável reflexo dessa situação pela baixa qualidade dos produtos digitais, como
as páginas da web e os softwares educacionais. É de se esperar que a melhoria do
ensino universitário supere a diferença entre discursividade e visualidade.
A teoria do design poderia alcançar avanços significativos com a realização de
pesquisa das relações entre visualidade e discursividade. Dessa maneira, a palavra
chegaria à imagem e a imagem chegaria à palavra.
Anteriormente, as pesquisas sobre teoria da imagem focalizavam o quadro
artístico (pinturas). Há alguns anos, observa-se o crescimento do interesse pelo

(4) Levin,
mony
1993, of
p. 18.
Vision,
David University
Michael (coord),
of California
Modernity
Press,
andBerkeley,
the Hege- (5) Krämer, Sybille e Horst Bredekamp (coords.), Bild,
Schrift, Zahl, editora Wilhelm Fink, München 2003, p. 15.
papel da visualidade na prática epistemológica. Ao mesmo tempo, relativiza
se a dominância do texto e reconhece-se que a visualidade não se limita à arte
pictórica como área legítima de pesquisa: «Na história do pensamento, e para
nossas práticas epistemológicas, a visualidade não é um simples acompanhamen
to ilustrativo, mas constitui o núcleo insubstituível não somente no contexto de
descobertas científicas, mas também no contexto argumentativo… a pretensão
absolutista da linguagem não é mais aceita na produção de jogos linguísticos,
jogos de imagens, jogos de escrita. Nessa inter-relação entre o simbólico e o tec
nológico, entre o discursivo e o icônico, geram-se e reproduzem-se culturas.»(5)

Bibliografia
Bredekamp, Horst, Matthias Bruhn e Gabriele Werner (coords.), Bilder in Prozessen. Bildwelten des Wissens – Kunsthis
torisches Jahrbuch für Bildkritik, vol. 1,1, editora Akademie, Berlin 2003. [Imagens em processos]
Bredekamp, Horst, Matthias Bruhn e Gabriele Werner (coords.), Diagramme undbildtextile Ordnungen. Bildwelten des
Wissens – Kunsthistorisches Jahrbuch für Bildkritik, vol. 3,1, editora Akademie, Berlin 2005. [Diagramas e estrutu
ras visuais-textuais]
Bredekamp, Horst, Matthias Bruhn e Gabriele Werner (coords.), Digitale Form. Bildwelten des Wissens – Kunsthistori
sches Jahrbuch für Bildkritik, vol. 3,2, editora Akademie, Berlin 2005. [Forma digital]
Bredekamp, Horst, Matthias Bruhn e Gabriele Werner (coords.), Systemische Räume. Bildwelten des Wissens – Kuns
thistorisches Jahrbuch für Bildkritik, vol. 5,1, editora Akademie, Berlin 2007. [Espaços sistêmicos]
Durlach,
my Press,
NatanielI.
Washington
e Anne 1995.
S. Mavor (coords.), Virtual Reality – Scientific and Technological Challenges, National Acade- 185

Houlgate, Stephen, «Vision, Reflection, and Openness», em: Modernity and the Hegemony of Vision, coordenado por
David Michael Levin, University of California Press, Berkeley 1993.
Krämer, Sybille e Horst Bredekamp (coords.), Bild, Schrift, Zahl, editora Wilhelm Fink, München 2003. [Imagem, escrita,
cifras]
Levin, David Michael (coord.), Modernity and the Hegemony of Vision, University of California Press, Berkeley 1993, p. 18.
Simon, Herbert A., The Sciences of the Artificial, MIT Press, Cambridge Mass 1969.
Pensamento Operacional
e Pensamento Contracorrente

• AMNÉSIA

• ASPECTOS IRRITANTES

• A SÍNDROME ‹ANTI›

•PATRULHAS IDEOLÓGICAS DA HISTORIOGRAFIA OFICIAL

• TEORIA NÃO RESTAURATIVA

• PRAGMATISMO A ULTRANZA E SEUS LIMITES


• NUANCES TERMINOLÓGICAS

• ESTÉTICABASEADA NA TEORIA DA INFORMAÇÃO


•LEGITIMAÇÃO DA TEORIADO DESIGN
|01|

|02|
o|01|Edifício
hall de entrada
da hfg-ulm.
e à biblioteca.
Vista dos ateliês para |02|Vista da entrada.

tuições
A Escola
de ensino
de Ulm
do (hfg-Hochschule
design pelo interesse
für Gestaltung)(1)
enfático pela
se destacou
teoria. Aentre as insti-
hfg-ulm te 189

matizou sobretudo o papel do projeto na sociedade e o ensino do design. Isso


possivelmente contribuiu para o fato de que essa instituição, desde o início de
sua existência, nos anos 195o, na antiga República Federativa Alemã (RFA),
se posicionasse contra os discursos, estruturas e interesses tradicionais. Isso, às
vezes, provocava reações indignadas por parte de um romantismo saudosista e
de uma interpretação do design orientada à arte. Isso foi difícil de enfrentar com
argumentos, principalmente porque essa oposição se nutria de diferentes fontes,
especialmente políticas, fomentando uma leitura extremamente simplista, esque
mática e caricaturesca dessa instituição complexa.(2)
Às vezes, não se pode evitar a impressão de que esse conjunto de opiniões en
cerrava um rancor dissimulado, manifestado em diversos tipos de alusões. Porém,
por que subsistem essas aversões até hoje? Alguns já se contentam simplesmente
com a distância histórica para argumentar quanto à relevância ou irrelevância de
posições teóricas e práticas. Pode-se criticar diversas posturas da hfg, mas dificil
mente pode-se ignorá-la.
O que irrita tanto os críticos dessa instituição? Por um lado, irrita a postura
que pode ser denotada como ‹não afirmativa›. Essa caracterização certamente não
é formulada por um interesse hagiográfico ou pelo desejo de querer entronizar a
hfg-ulm. Por outro lado, incomoda a ênfase com a qual se analisam criticamen
te hipóteses consideradas como dogmas, o que, em inglês, é chamado de ‹things
taken for granted›. O interesse pela teoria e a formação correspondente do discurso
projetual podem ser considerados alguns dos mais notáveis atributos da hfg-ulm.
Só não conseguiu atingir a mesma fama da banqueta de Ulm (‹ulmer hocker›),
projetada por Max Bill.(3)
Quando se usa a palavra ‹teoria›, surge inevitavelmente a correspondente
‹práxis›. Teoria do design versus prática do design: isso pode ser concebido como
uma oposição irreconciliável ou indiferença mútua, ou mediação dialética.
O domínio do design tem pouca familiaridade com a teoria. Mais ainda,
abre-se uma brecha entre a teoria e a prática. Provavelmente, isso resulta da
tradição do ensino do design orientado à formação das habilidades (skill-oriented).
Por outro lado, postula-se, com razão, a primazia da prática superando a teoria.
Afinal de contas, projetar significa intervir na realidade, constituindo-se, portan
to, em uma atividade prática. Porém, não se deve contenta-ser com isso, pois o
tecido da prática está inevitavelmente entremeado com fios teóricos. Para respal
dar esta afirmação, cita-se a frase de uma autora que é crítica da cultura e teórica
da literatura. Ela formulou, de maneira exemplar, a estreita ligação entre teoria
e prática: «Toda prática leva consigo um momento teórico indispensável, não
se realiza a prática sem basear-se em uma teoria mais ou menos substantiva.»(4)
Quem considera a teoria irrelevante para a prática baseado num pragmatismo
intransigente comete um sério erro. Qualquer prática se desenvolve como um
cenário linguístico; portanto, é inserida num discurso, independentemente de
190 ser formalizado. Esse discurso não deveria ser interpretado como um fenômeno
marginal, mas como base necessária para a prática.
Os discursos se distinguem entre si – além de sua temática central – pela
riqueza das distinções linguísticas e pelo grau de seu rigor. No que se refere ao
discurso projetual ou discurso do design, ele é relativamente pobre se compa
rado a outros discursos culturais; por exemplo, da arquitetura, da literatura, do
cinema, da música e do teatro. Talvez a causa dessa debilidade, entre outras,

(1) A Hochschule für Gestaltung (hfg) de Ulm, cidade ao (2) A fala do «mosteiro de concreto» pode servir de exem
sul da Alemanha, funcionou durante 15 anos, entre 1953 plo da imprensa diária. Entretanto, é justificada a crítica
e 1968. Destacou-se por seu currículo altamente estru que o interesse pelos métodos projetuais, às vezes, se
turado, dando igual importância à teoria e à prática. desconfigurou na ‹metodolatria›. Não tem fundamento o
A abordagem era feita de forma racional, com adoção comentário generalizador de que o enfoque ulmiano blo
de métodos matemáticos e físicos. Entre as discipli quearia a criatividade dos alunos. Isso se deve à aversão
nas, incluíam-se Metodologia Científica, Matemática, a qualquer forma de racionalismo objetivante que – e
Física, Ergonomia, Semiótica, Psicologia, Economia, isso deve ser admitido – dificilmente é conciliável com a
Sociologia e Ciência Política. Uma ênfase especial era construção de egos dos designers e de design de autor.
dada à Metodologia de Design. Esse modelo de ensino, Os debates ocorreram com muita veemência, infringindo
fundamentado na teoria e na prática, foi adotado como as normas do bom comportamento, e foram desqualifica
modelo em diversas escolas fundadas posteriormente dos na imprensa afirmativa como ‹contendas pessoais›.
em diversos países (Bernhard Bürdek, 2006). Isso forneceu, mais tarde, aos políticos conservadores,
um pretexto oportuno para liquidar essa instituição
incômoda. O silêncio mortal do discurso único era alheio
a essa instituição.
esteja na associação do design atual com o lifestyle e, com isso, identificá-lo com
os comportamentos relacionados à estética da mercadoria, como no caso de pro
dutos de moda.
Ainda que se cultivassem intensivamente interesses teóricos na hfg, isso não
se refletia em sua estrutura institucional. Não existia o departamento de teoria
do design. Na falta de um programa específico, não era possível estudar formal
mente a teoria do design, tal como se podia estudar arquitetura pré-fabricada, ou
design de produtos, ou comunicação visual, ou design de informação. O ensino
da teoria não existia no sentido estrito, mas ocorria simultaneamente à prática.
O departamento de informação oferecia aulas introdutórias abordando aspectos
teóricos. Nesse contexto, deve-se mencionar o papel exercido por Max Bense,
cuja importância na história da filosofia alemã após 1945 não tem sido reconhe
cida como merece.
A metodologia projetual, um tema que hoje em dia não provoca mais
polêmica, foi alvo de muito interesse. Naquele tempo, o processo projetual
era considerado um processo decisório e de resolução de problemas. Tratava
se de libertá-lo da aura de subjetividade e encontrar procedimentos seguros
para ajudar a resolver problemas complexos. Claramente, foi reconhecido
que a criatividade só tem valor quando estiver associada à competência e ao
know-how profissionais. Na perspectiva atual, o ponto fraco desse enfoque da
mas.
metodologia
Além disso,
tradicional
ela excluía
está anadimensão
deficiência
estética
para detectar
de suas reflexões.
e localizarMuito
proble-
cedo, 191

essa metodologia se desacoplou da prática projetual subsistindo apenas como


exercício acadêmico. Christopher Alexander, arquiteto e teórico de design,
considerado um dos fundadores da metodologia projetual, viu-se obrigado, a
tempo, a rever os conceitos de seu influente livro Notes on the Synthesis of Form,
publicado em 1964.(5)
Outro tema das reflexões teóricas é a definição dos espaços de ação, que foi
denominado ‹configuração industrial› ou ‹gráfica comercial›, naquele tempo.
Trata-se mais do que questões terminológicas, vale dizer, substituir o termo
‹gráfica comercial› ou ‹gráfica publicitária› pelo ‹comunicação visual›, e subs
tituir o termo ‹configuração industrial› pelo ‹design de produtos›. Essas novas
palavras conotam outra concepção do design, dando a entender que os concei
tos tradicionais já estão superados. O termo ‹gráfica comercial› enfatizava a
diferença da gráfica livre ou artística. O conceito de ‹configuração industrial›

(3)
difere
banqueta
A análise
dasulmiana,
interpretações
cultural-histórica
hoje oferecida
estereotipadas
e anas
interpretação
galerias
da hfg-ulm,
dedadesign,
de (4) Spivak, Gayatri Chakravorty, The Post-Colonial Critic:
Interviews, Strategies, Dialogues, coordenado por Sarah
Harasym, Routledge, New York, London 1990. p. 2.
Selle,
Campus,Gert,
Frankfurt,
«Ulmer New
Hocker»,
Yorkem:
2007,
Design
pp. 128–136.
im Alltag, editora (5) Alexander, Christopher, Notes on the Synthesis of
Form, Harvard University Press, Cambridge Mass. 1964.
|03|Edificio da hfg-ulm. |04|Escada da entrada. O corrimão agregado poste
Projeto: Max Bill. riormente não figurava no projeto do arquiteto.
Terreo: curso básico. |05|Escada interna com entrada para o refeitório.
Primero andar: departamento de construção.

|03|

192

|04||05|
|06|Vista dos ateliês. |08|Vista do curso básico e do departamento
|07|A banqueta de Ulm. de construção.
Projeto: Max Bill e Hans Gugelot.

|06||07|

193

|08|
|09|Martin Heidegger na sua visita à hfg-ulm, 1959, |10|O historiador de design e arquitetura, Reyner
com
Staub.
e Reyner
Otl Aicher
Banham(centro),
(vista parcial).
Tomás Maldonado
Foto: Christian
(direita) Banham, durante uma conferência na hfg-ulm.
Foto:Wolfgang Siol.

|09||10|

194

ou ‹configuração da forma› enfatizava o componente formal-estético. Naquele


tempo, Tomás Maldonado que, ao lado de Max Bense e Abraham Moles, teve
um papel importante para a formação do discurso projetual, mencionou a ne
cessidade de recorrer menos ao conceito da forma que ao conceito da estrutura.
O Conselho Internacional das Associações dos Designers de Produto (ICSID)
acatou essa recomendação, mantendo-a até hoje.
A hfg-ulm também manteve boas relações com a antiga República Demo
crática Alemã – RDA, onde o debate ulmiano foi bem acolhido.(6) Existia um
outro ponto de contato com a vertente socialista do Bauhaus. Essa influência do
Bauhaus, que nenhuma instituição de ensino do design pode negar, foi minimi
zada na história oficial do design por motivos políticos.

(6)Como exemplo da boa receptividade da hfg-ulm na


antiga RDA, cita-se a pesquisa de Norbert Korrek. Die
Hochschule für Gestaltung Ulm, tese de doutorado na
Universidade de Arquitetura e Construção, Weimar 1985.
Um ponto de referência importante para a orientação do programa de ensino
da hfg-ulm foi Hannes Meyer. Ele foi vitimado por perseguições que se podem
chamar de ‹patrulhas ideológicas›. A fixação unilateral na figura de Walter Gro
pius e seus seguidores, ditando a supressão da figura de Hannes Meyer e colo
cando-o na zona cinza do esquecimento por parte da historiografia oficial, não foi
bem aceita pela hfg-ulm. Uma história do design que enaltece apenas as pessoas
proeminentes corre o mesmo perigo de uma história política baseada em generais
e batalhas. Segundo meus conhecimentos, o americano Paul Betts, especialista
em história moderna alemã, foi o primeiro pesquisador a colocar a instituição
hfg-ulm no contexto cultural e político, e, portanto da Alemanha pós-guerra, no
período da Guerra Fria.(7)
O filósofo Max Bense, já mencionado, havia ofendido os representantes da
tradição humanística da história da arte com sua afirmação provocativa de que se
deveria falar sobre a arte como se fala sobre o tempo, vale dizer, em forma de atos
linguísticos de observação. Além disso, ele defendeu enfaticamente a vanguarda,
demonstrando uma postura aperta frente à tecnologia. Portanto, ele se posiciona
va contra interpretações conservadoras da arte.
A hfg-ulm também não estava de acordo com a interpretação da tecnologia
e da indústria proposta por Gehlen e Heidegger. Seria interessante realizar
uma pesquisa para verificar por que Heidegger não desenvolveu uma teoria do
projeto,
domínioapesar de terApós
do projeto. usadohaver
uma assimilado
terminologia que sedeaproximava
a crítica muito do no
Adorno à Heidegger, 195

livro Jargon der Eigentlichkeit [Jargão da autenticidade], os ulmianos não podiam


mais se aproximar do texto de Heidegger. Existe uma fotografia de Heideg
ger que foi tirada durante a sua, possivelmente, única visita à hfg-ulm. Isso era
tudo. Comparado a isso, os textos da Escola de Frankfurt e dos filósofos ame
ricanos (Charles S. Peirce e Charles Morris) exerciam uma influência determi
nante no clima intelectual da hfg-ulm. E, obviamente, os textos de Karl Marx e
Friedrich Engels foram estudados nos seminários. Tais exercícios, hoje, parece
riam muito estranhos, como se fosse exigida a análise da lírica dos trovadores
medievais como disciplina obrigatória nas escolas de design. No clima atual da

The
–sante.
London
publicado.
(7)ANaquele
Cultural
University
Frequentemente,
2004.
Betts,
tempo,
History
Esse
of Paul,
California
historiador
referia-me
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avança
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Berkeley,
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Industrial
exceção
muito
Everday
Los
quando
ainda
interes-
Design,
Objects
Angeles,
não
se particular, a partir da história da arte, em virtude do inte
resse dominante pelo estilo e mudanças de estilo. Talvez
seja necessário abandonar a história da arte para abrir
um caminho próprio para a história do design. Enquanto
a história da arte for motivada pela procura da arte no
design onde ela não existe, o estudo dessa temática, no
trata da temática do design em geral, e da hfg-ulm, em máximo, produzirá resultados equivocados.
pós-modernidade, provavelmente nenhuma escola de design se atreveria a tais
incursões filosóficas. As questões dominantes centrais mudaram drasticamente
nas últimas décadas.
Seria instrutivo verificar as influências filosóficas dominantes hoje nos nume
rosos programas de ensino do design – desconstrutivismo, construtivismo, estru
turalismo, pós-estruturalismo, teoria analítica da linguagem? No que se refere à
teoria dos meios, provavelmente são os textos de Vilém Flusser que, pelo menos
em língua alemã, têm maior influência neste momento, em oposição aos textos
de Marshall McLuhan, que, possivelmente, foram superestimados.
Quais tópicos determinam o discurso projetual desde os anos 1990, compara
dos àqueles dos anos 1950 e 1960?
Primeiro: Design e ecologia (conectado com o desenvolvimento sustentável).
Segundo: Design e informática.
Conforme meus conhecimentos, o importante tema social do desemprego, até
o momento, não teve um papel relevante no discurso projetual. Essa temática
ainda está para ser focalizada nos estudos de design.
Há alguns anos Ettore Sottsass surpreendeu o público norte-americano no
congresso de design, em Aspen (1989), autocaracterizando-se como um ‹opera
dor intelectual›. Para uma sociedade avessa aos intelectuais, essa interpretação do
designer dificilmente será compreendida. Porém, isso não é uma suposição bizar
196 ra no rico discurso projetual italiano, que se apoia, sobretudo, nas diferenciações
feitas por Antonio Gramsci, que depois Tomás Maldonado retomou e ampliou
em seu livro, O que é um intelectual?.(8) Maldonado distingue entre ‹pensamento
operante› – um pensamento instrumental e atuante – e ‹pensamento discordan
te› –, um pensamento contracorrente no jogo dialético. Uma prática sem ‹pen
samento discordante› torna-se flácida. A teoria sem relação com o ‹pensamento
operante› se perde nas elocubrações acadêmicas.
Formulam-se ainda hoje perguntas sobre o sentido do design? Podem ser
formuladas e compreendidas ainda hoje perguntas sobre sua relevância social?
Surgem dúvidas se olharmos para as consequências do habitus autorreferencial
do design dos anos 1980 e para o desvio do eixo projetual em direção ao lifestyle
design. O que se pode fazer? Dever-se-ia reivindicar o domínio do design como
categoria central da modernidade. Encontramo-nos ainda na pré-história do de
sign, apesar da intensa exploração midiática dessa palavra. Uma teoria da cultura
e um debate que não incluam o design como uma faceta essencial da prática

(8) Maldonado, Tomás, Che cos’è un intellettuale?–


Avventure e disavventure di un ruolo, Giangiacomo
Feltrinelli, Milano 1995.
humana na sociedade sofrem com uma visão limitada. Falta ainda uma reinter
pretação da cultura a partir da perspectiva do projeto.
Dificilmente uma teoria do design pode satisfazer a todas as necessidades e
ser aprovada por todos. Deste ponto de vista das ciências exatas, ela não satisfaz
aos requisitos formal-acadêmicos. Deste ponto de vista das ciências tecnológicas,
ocupa-se de um domínio que escapa do instrumental conceitual das disciplinas
de engenharia. Deste ponto de vista das ciências humanas e da arte, o design fica
envolvido demais com as contingências do mercado e da indústria e, por isso,
não se presta como campo digno de pesquisa. A teoria do design sofre, portanto,
o estigma da interdisciplinaridade, já que não se enquadra nas taxonomias tradi
cionais do conhecimento.
Os próprios designers têm mantido, em geral, certo afastamento do discurso
projetual. Isso é compreensível se levarmos em consideração que os designers
trabalham num domínio não discursivo, caracterizado pela predominância da
visualidade. Admitamos, a situação não é tão trágica assim. A fissura em nossas
instituições de ensino entre discursividade e visualidade pode ser superada graças
à inovação tecnológica, valendo-se dos meios digitais, seja off-line, em forma de
cd-roms, ou online na web. Os meios interativos oferecem novas possibilidades
para explorar a interação entre texto e linguagem, imagem, movimento, som
e música. Daí se pode criar uma ponte para outras áreas como o teatro, perfor
mance e as ciências.
intensamente com osIsso
conteúdos
obrigaria
dessas
os designers
áreas. de comunicação a se ocuparem 197

Na hfg-ulm tratou-se de relacionar o ensino do design com as ciências, o que


às vezes foi mal interpretado como uma tentativa de transformar o design numa
ciência. Na hfg-ulm existia, além do interesse pela teoria da ciência, um interesse
pela parte instrumental das ciências. Talvez hoje seja possível criar uma conexão
entre as ciências e o domínio do design, similar ao giro icônico, sobretudo no
que se refere à transferência de informações e, assim, colocar o design a serviço da
inovação cognitiva. As ciências visam a produção de frases verídicas. Em contra
partida, o design trabalha na modificação de práticas cotidianas possibilitadas e
intermediadas por artefatos materiais, imateriais e semióticos. Esse domínio, até
o momento, foi pouco pesquisado. Apesar de o design penetrar nas ramificações
capilares da prática cotidiana, a pesquisa projetual ainda não se institucionalizou
de modo desejável. Requerem-se mais esforços para a institucionalização das
pesquisas projetuais em design.
Afinal de contas, cabe a pergunta: para que teoria? Sobretudo, para que serve a
teoria do design? Certamente não como coadjuvante para legitimar ou enfeitar a
prática. Porém, ela deve ser considerada como domínio onde se cultiva o ‹pensa
mento discordante›. Concordo: o status da teoria é precário. Afinal, de contas ela
não contribui para o aumento do pib. Partindo da citação de Gayatri Spivak sobre
a estreita ligação e dependência entre teoria e prática, a atividade teórica pode ser
justificada pela seguinte frase: “O que faz a teoria? A teoria torna explícito aquilo
que está implicitamente contido na prática”. Isso não é uma missão modesta.
Bibliografia
Alexander, Christopher, Notes on the Synthesis of Form, Harvard University Press, Cambridge Mass. 1964.
Betts, Paul, The Authority of Everday Objects – A Cultural History of West German Industrial Design, The University of
California Press, Berkeley, Los Angeles, London 2004.
Bürdek, Bernhard E. Design: História, Teoria e Prática do Design de Produtos, editora Blucher, São Paulo 2006.
Korrek, Norbert, Die Hochschule für Gestaltung Ulm, tese de doutorado apresentada na Hochschule für Architektur und
Bauwesen, Weimar, 1985. [A Escola de Ulm]
Maldonado, Tomás, Che cos’è in intellettuale? –Avventure e disavventure di un ruolo, Giangiacomo Feltrinelli, Mailand
1995.
Selle, Gert, «Ulmer Hocker», em: Design im Alltag, editora Campus, Frankfurt, New York 2007, pp. 128–136. [«A banque
ta de Ulm», em: Design na vida cotidiana.]
Spivak, Gayatri Chakravorty, The Post-Colonial Critic: Interviews, Strategies, Dialogues, coordenado por Sarah Harasym,
Routledge, New York, London 1990.

198
Racionalismo Militante em
um Laboratório de Inovação Cultural

• O CONTEXTO DO ENSINO DO DESIGN NOS ANOS 1950


• A HFG-ULM

•DISTÂNCIA EM RELAÇÃO AO ROCOCÓDIGITAL


•MUDANÇA DO ACENTO DE TEMÁTICAS CENTRAIS
• O ESQUECIMENTO DO PROJETO
• SENSIBILIZAÇÃO FORMAL-ESTÉTICA

• MODERNIDADE E RETROMODERNIDADE

• ATRAÇÃO EIRRITAÇÃO

• DESIGN E PODER
|01||02|Exercícios topológicos com superfícies
não orientáveis. hfg-ulm, Departamento de Design
Industrial, 1° ano, 1965-1966.

como
O escritor
uma pessoa
Carlos
queDrummond
não se conforma
de Andrade,
com a realidade
certa vez,tal
caracterizou
como ela é.o À
poeta
primei 201

ra vista, pode-se ver nessa postura uma semelhança com a postura do designer.
Porém, examinando-se mais de perto, pode-se observar que esse comportamento,
transferido à área do design, corre o risco de ser criticado por colocar-se fora da
realidade. O designer, inicialmente, precisa aceitar a realidade, o que não signi
fica conformar-se com ela. Ao contrário, esse enfoque constitui o prerrequisito
para uma postura crítica à prática projetual.
Essa postura crítica em relação à prática projetual caracterizou a atmosfera
intelectual da Escola de Ulm (hfg-ulm, 1953-1968). A história ainda não escrita
sobre o ensino do design no século xx registraria uma série de instituições de
ensino paradigmáticas que exerceram influência internacional, na qual se inclui
a hfg-ulm.(1) As diferenças históricas das influências das diversas escolas de design
dependem das circunstâncias particulares e são dominadas pela dinâmica social e
cultural que independe das intenções.(2) Hoje, entretanto, o efeito e a influência
de uma escola de design não são mais aleatórios porque podem ser planejados
conscientemente. As instituições modernas podem conquistar posições influentes
e presença na mídia mediante investimento em marketing. Essa tendência será
fortalecida, sobretudo com a privatização do ensino universitário e a introdução
das práticas de gestão de empresas no setor educacional.(3)
A falta de pesquisas sistemáticas sobre o que foi o ensino do design na hfg
ulm e sobre a mudança dos seus conceitos programáticos permitiu o apareci
mento de muitas lendas, tanto positivas quanto negativas.(4) Por que a hfg-ulm
conseguiu uma irradiação internacional tão forte? Por que ela adquiriu um
caráter paradigmático ou caráter de modelo, ainda que fosse melhor evitar esse
conceito em virtude de suas conotações normativas, eurocentristas e universa
listas? Para responder a essas perguntas, deve-se descrever o rico contexto da
reconstrução pós-guerra nos anos 1950:
1.Não existia uma noção precisa do que posteriormente se chamou ‹design
industrial›. Na língua alemã, naquele tempo, usava-se o termo ‹Formgeber›
(configurador de formas). Tampouco existia uma imagem clara da atividade
que hoje se denomina pelo termo ‹design de informação›. Falava-se de ‹grá
fica comercial› e ‹gráfica aplicada›.
2.Como ponto de referência, adotava-se a ‹Boa Forma› com suas intenções
sociopedagógicas do ensino estético.
3.As profissões projetuais eram formadas em escolas de artes aplicadas ou esco
las de ofícios com uma autointerpretação artística provinda do século xix
(arte ‹aplicada›). Não se deu a importância devida aos cursos de projeto,
sobretudo para solucionar projetos complexos.
4.Na hfg-ulm foi feita inequivocamente a distinção entre design e arte. Um sub
título de um livro de design como «A conquista da vida cotidiana mediante
a arte» teria sido inaceitável na Escola de Ulm, pois o design nada tem a ver
com ‹a inserção da arte na vida cotidiana›. Design é design e nada mais.(5)
202 5.Não existia um programa de ensino que incluísse explicitamente as discipli
nas científicas. A pesquisa em design nem existia como conceito.
6.A criação da hfg-ulm coincidiu com a fase de reconstrução de um país cuja
infraestrutura havia sido destruída pela Segunda Guerra Mundial. Além disso,
deve-se entender a criação da hfg-ulm como uma reação ao trauma do nazismo.
7.A situação política mundial foi caracterizada pela polarização entre dois blo
cos (países socialistas e países capitalistas).

(1) Essa postura crítica não se encontrou somente na (2) O conceito ulmiano do ensino do design foi assimilado
hfg-ulm. Entre os exemplos de uma prática projetual muito cedo nos anos 1960, sobretudo na América Latina.
reflexiva, cabe mencionar Norman Potter (1923-1995), Veja: Fernández, Silvia, «Der Einfluss der hfg-ulm auf die
cujas recomendações para a leitura sobre design ainda Designausbildung in Lateinamerika», em: ulmer modelle –
são atuais. Veja Potter, Norman, «Reading for Design», modelle nach ulm/hochschule für gestaltung 1953-1968,
em: What is a designer: things. places. messages, coordenado por Ulmer Museum|hfg-Archiv: Dagmar
Hyphen Press, London 2002 (1ª edição 1969), pp. 76–93. Rinker, Marcela Quijano, Brigitte Reinhardt, editora Hatje
Potterformula as seguintes qualidades para aspirantes a Cantz, Ostfildern-Ruit 2003, pp. 118–123. Além disso,
docentes de design (p.76): «Seria bom se eles pudessem Bozzano, Jorge Néstor, Proyecto: Razón y Esperanza –
diferenciar entre William, Henry e Charles Morris, e se Escuela Superior de Diseño de Ulm, Eudeba–Universidad
talvez soubessem que Black Mountain era uma escola de Buenos Aires, Buenos Aires 1998. A tradução literal do
de design e ainda por cima uma boa escola.» Frente nome ‹Hochschule für Gestaltung› em espanhol e em por
às mudanças na profissão do design, ocorridas entre a tuguês perdeu um detalhe conceitual, vale dizer, a deno
primeira edição e edições revisadas posteriores, o autor minação ‹Hochschule› em alemão é usada como conceito
dizia que talvez fosse mais apropriado mudar o título para genérico para todas as instituições de ensino de terceiro
What was a designer. grau, universidades, universidades de ciências aplicadas,
academias de belas artes e academias de música.
Duas gerações mais tarde, ao final do século xx, as temáticas e interesses mu
daram muito e, então, surgiram novas questões ocupando o centro da atenção:
1.A confrontação Leste-Oeste foi substituída pela confrontação Norte-Sul que,
em parte, está estritamente ligada a uma mistura explosiva de missionarismo
fundamentalista-religioso e descarado apetite pelos recursos naturais, tratando
o direito internacional de acordo com critérios de conveniência e subordi
nando-o a interesses econômicos.
2.Criou-se a União Europeia e similares blocos econômicos em outras regiões.
Paralelamente às instituições já existentes (Fundo Monetário Internacional,
Banco Mundial), estabeleceram-se novos centros de poder, como a Organi
zação Mundial do Comércio, cujas decisões atingem a maioria da população,
sobretudo dos países periféricos, sem que ela – a população – tenha a possibi
lidade de um controle democrático.
3.As três liberdades contidas sob o termo ‹Liberalização› – liberdade dos fluxos
de capital, liberdade de comércio, liberdade de investimento – requerem um
realinhamento em busca da autonomia, especialmente autonomia projetual,
sem que ela seja considerada como bagatela e uma remanescente de uma era
pré-global.
4.A globalização deslocou a pergunta sobre o papel do design na sociedade
industrial do Centro. A mistura entre liberalização declarada de todos os mer
cados, incluindo os serviços em forma de atividades projetuais, contrasta com 203

a prática de proteção restritiva dos próprios mercados –, uma política na qual


os países centrais têm mostrado uma habilidade magistral.
5.As preocupações quanto à proteção dos recursos naturais e os efeitos nocivos
da atividade industrial sobre o ambiente (‹mochilas ecológicas›, ecological foot
prints, crescimento sustentável) ocuparam o lugar da corrida pelo aumento da
produtividade.

(3) A privatização do ensino superior leva à aplicação (5) Esse erro foi cometido por um especialista de marke
de técnicas de benchmarking, a obrigação de unidades ting ou por um redator aparentemente apaixonado pela
acadêmicas de se perfilarem como centros de lucro, e arte e não pode ser atribuído à autora, que usou um título
a avaliação das universidades delegada a empresas claro em seu livro: Sparke, Penny, A Century of Design:
de consultoria extra-acadêmicas podem ter resultados Design Pioneers of the 20th Century, Mitchell Beazley,
contraproducentes. A mercantilização e privatização do London 1998. A fascinação pelo design como uma
ensino superior na América Latina, como consequência atividade artística continua. A explicação talvez esteja
da política econômica neoliberal, se denomina com o na aura misteriosa da atividade artística, exercendo
termo crítico «McDonalds do quadro negro». Veja: Cuevas atração para interesses curatoriais, museais, históricos,
Molina, Rafael, «Universidad, cultura y democracia en jornalísticos e midiáticos. A aristocratização cultural do
América Latina: La era neoliberal» em: http://www.rebe design provoca seu distanciamento em relação à indús
lion.org/noticia.php?id=82625 (último acesso: 21.05.2009). tria. O complemento desse fenômeno na área do design
(4) Uma interpretação resumida dos motivos políticos constitui a exuberância do rococó digital ou maneirismo,
que levaram ao fechamento da hfg-ulm foi escrita por um sobretudo no design gráfico.
docente dessa instituição: Schnaidt, Claude, «Ulm 1955
1975», em: archithese, n. 15, (1975), pp. 5–16.
6.Enquanto a hfg-ulm se concentrou na materialidade dos objetos, deixou de
lado a dimensão simbólico-comunicativa dos objetos, ou, pelo menos, não
atribuiu a ela um papel tão importante como ocorreu posteriormente.
7.A inovação tecnológico-industrial radical em forma de digitalização e a
indústria da informática atingem todas as áreas da vida cotidiana de maneira
crescente; elas influem na atividade projetual, tanto no conteúdo quanto na
metodologia, e contribuem para o surgimento de novas profissões e novas
áreas de ação no campo do design.
8.No lugar da concorrência, hoje surge o conflito pela hegemonia do mercado,
às vezes usando ameaças militares ou intervenções, se for necessário.
9.Em vez de soluções produzidas pelos designers, hoje em dia esperam-se deles
contribuições para a formulação de estratégias mais amplas para produzir
soluções.
10.A oferta do ensino no design se diferenciou fortemente, de maneira tal que
existe hoje um amplo leque de diferentes especializações. O ensino do design se
consolidou, mas isso não significa que todas as questões relacionadas ao ensino
estejam resolvidas. Particularmente no campo da teoria e pesquisa do design,
existem ainda grandes lacunas. Há fortes divergências relativas aos fundamen
tos do projeto, seus conteúdos e a maneira de transmitir os conhecimentos.
Frente a esse novo contexto, fortemente modificado, surge a pergunta: por
204 que as propostas da hfg-ulm, após meio século, ainda são atuais? Na resposta, as
posições diferem; afinal de contas, trata-se de assuntos mais importantes que a
simples preferência por formas arredondadas ou cantos com arestas.
A hfg-ulm aceitou a indústria como substrato da sociedade contemporânea e
valorizou a indústria e a tecnologia como fenômenos culturais.
A hfg-ulm tematizou as contradições entre sociedade e projeto.
A hfg-ulm aceitou as ciências como ponto central de referência para o ensino e
a prática do design. Além disso, insistiu na pesquisa, sobretudo pesquisa experi
mental na área do design para criar um acervo de conhecimentos específicos.
A hfg-ulm insistiu em consolidar o design como disciplina própria e resistiu
a tentativas de subjugar o projeto a outras áreas de ação ou funcionar como sua
subcategoria.
A hfg-ulm prestou mais atenção aos sistemas de objetos do que aos objetos
individuais, vale dizer, não à mais nova luminária do designer estrela, mas à
pergunta sobre iluminação e suas possíveis soluções.
A hfg-ulm não passou ao largo dos problemas, mas posicionou-se em busca das
soluções, resistindo a uma problematização meramente discursiva, sem maiores
consequências.
Apesar de a hfg-ulm ter considerado a semiótica como disciplina fundamen
tal no ensino do design, iniciando também pesquisas nessa nova área, ela não
supervalorizou a área. Como se sabe, o caráter semiótico dos produtos assumiu
status de prima donna durante os anos 1980 e 1990. No processo de populariza
ção da estética de mercadoria, o design foi relegado aos aspectos simbólicos, ao
fun (divertido), ao experience, coolness e sexy look. Com isso, o design foi absorvido
pelo marketing e reduzido ao branding para ajudar na criação de capital simbóli
co. O clímax desse processo resultou na boutiquização do design. Esse também é
um dos fatores que transformam o design em mero fenômeno superestrutural no
âmbito das categorias de história e teoria da arte. O discurso do design baseado
nessa orientação dificilmente conseguirá ir além de uma codificação de signos.
Os aspectos do design relacionados com tecnologia, indústria e economia, vale
dizer, dura materialidade, restaram fora desse enfoque.
Na prática profissional, a ênfase aos aspectos simbólicos fomentou a imagem
do designer como um outsider criativo da indústria, de um cosmetólogo para cor
rigir as fealdades industriais e, sobretudo, criador de uma nova categoria especial
de objetos: os ‹objetos de design› – ‹designed› caros, elitistas e rebuscados.
O ensino do design também se alinhou a essa tendência e favoreceu o clichê
do design como um programa de estudo superficial, lúdico, à la mode, com muito
hip hop, eximindo os estudantes de maiores esforços, em especial aqueles de
natureza intelectual e reflexiva. Esse processo foi acompanhando pelos designers,
principalmente quando renunciaram ao discurso projetual, assim contribuindo
para a perda de autonomia. Essa observação crítica não deve ser mal-entendida.
Não se pretende fazer reserva de mercado do discurso projetual aos designers, e
nem tampouco desqualificar outros enfoques relacionados ao projeto, que pode
riam
Quando
tornar-se
essas
interessantes
contribuições
e valiosas
pretendemcontribuições
ter caráterpara
normativo,
o discurso
podem
projetual.
ser 205

questionadas quanto à sua legitimidade, sobretudo se esse questionamento for


baseado em uma fachada de arbitrariedade e cânones, a fim de esconder um novo
cânone: nesse caso, o cânone do pluralismo da arbitrariedade, que chega a colocar
em dúvida o não arbitrário com a suspeita de autoritarismo.
Certamente, o discurso projetual cresceu nas últimas cinco décadas, como
se pode ver pela quantidade de publicações. Porém, os discursos que tratam da
temática da modernidade, a partir de diferentes perspectivas, deixaram de lado a
dimensão do projeto, o que permite supor um esquecimento da prática projetual.
No conjunto dos discursos, o projeto é o grande ausente, o enorme vazio coberto
pelo manto da indiferença coletiva. O projeto não faz parte das temáticas creden
ciadas, parecendo coisa etérea, tal como Braudel observou em publicações sobre
a história tradicional: «… como você sabe, nos livros tradicionais de história,
nunca se fala que o homem também precisa comer e beber.»(6) Inclusive os textos

(6) Braudel, Fernand, Die Dynamik des Kapitalismus,


Klett-Cotta, Stuttgart 1986, p.19 (edição original francesa
1985).
|03|Estudos biônicos para dar mais rigidez a uma |04| Reconstrução formal matemática das transi
superfície. Detalhe da ponta de uma cápsula ções das superfícies.
de algodão. Zemp, Werner, «Naturstudien und |05|Esboços para uma implementação técnica do
Abstraktionen» [Estudos da natureza e abstrações]. detalhe.
Parte teórica de trabalho de graduação no Departa |06|Cortes da cápsula de algodão para determinar
mento de Design Industrial, hfg-ulm, 1967. astransformações dos perfis.

|03||04|

206

|05||06|
|07|Modelo da implementação: transição de um |08||09|Modelo da implementação: vista superiore
perfil em uma superfície. vista inferior.

|07|

207

|08||09|
|10|Estudos biônicos sobre detalhes morfológicos |11|Macrofotografia do espinho de uma rosa.
de espinhos de uma rosa. |12|Geometrização das transições de superfícies
Esboços para a geometrização e reconstrução cuja implementação leva a uma forma extrema
matematicamente controlada. mente resistente contra deformações.

|10|

208 |11|

|12|
|13||14|Modelo da implementação.

|13

209

|14
|15|Análise biônica de uma superfície ondulada de |17| Modelo de uma superfície ondulada composta
superfície
uma planta.ondulada.
|16|Esboços do princípio geratriz para gerar a de elementos isométricos.
|18|Componentes com orientação à direita e com
orientação à esquerda.

|15||16|

210

|17||18|
|19||20|Estudos formais nas transições entre
carcaças e nós de uma luminária pública, hig-ulm,
Departamento de Design Industrial, 3° ano, 1965
1966. Docente: Walter Zeischegg. Estudantes: Peter
Hofmeister, Thomas Menzel, Werner Zemp,

|19

211

|20
de teoria da ação não formulam a pergunta: quais as forças que criaram o mundo
dos artefatos objetuais e comunicativos? Aparentemente, eles são considerados
como dados sem que se pergunte sobre sua origem, como se surgissem mediante
um passe de mágica.
Desde os anos 1960 se difunde uma onda retórica do estilo retrô que começou
com o primeiro manifesto pós-moderno de Robert Venturi, Complexity and Con
tradiction in Architecture(7), e continuou com o segundo livro de Venturi, Brown
e Izenour, Learningfrom Las Vegas – textos que estão na posição oposta à hfg-ulm
por seu caráter conservador e populista.
O modernismo radical, como foi defendido pela hfg-ulm, admite as contra
dições e aporias do Projeto Moderno, mas não renuncia à unidade do projeto. O
modernismo radical postula a concordância intencional entre a razão projetual e
a razão sociopolítica. Como é sabido, esse princípio da concordância intencional
é uma provocação para os defensores do retromodernismo nas suas formas mul
tifacetárias. Por isso, é compreensível que certas manifestações do design gráfico
pós-moderno, vistas da posição da hfg-ulm, apareçam como expressão de ressenti
mento anti-intelectual de uma manifesta hostilidade contra o texto e a leitura e,
por consequência, contra o pensamento. De outra maneira, seria difícil entender
um projeto de design gráfico que imprime um texto sobre um fundo prateado
com tipo de corpo de seis pontos na cor rosa.
212 A postura de vanguarda da hfg-ulm nos anos 1950 e 1960, em boa parte, foi
absorvida nos programas de ensino e na prática profissional de hoje, sendo desne
cessário fazer muito alarde. As oposições, uma vez existentes, abrandaram-se ou
desapareceram em grande parte. Frente a essas numerosas posições afirmativas,
poderia ser formulada a pergunta fundamental: o que torna a modernidade da
hfg-ulm ainda atraente nos dias atuais? Caso aceite-se essa pergunta e não se passe
por cima com desprezo, a resposta será: trata-se da proposta de ação autônoma,
da redução da heteronomia, da redução de dominação sob qualquer forma, impe
rial ou outra; pois pode se exercer dominação também mediante o design.
No contexto histórico das ideias filosóficas, a hfg-ulm se inseria na tradição do
Iluminismo, que ainda não perdeu relevância. Para se convencer desse fato, basta
um olhar para a presente situação política mundial. A época atual não sofre de
um excesso, mas de uma falta de Iluminismo.
No que diz respeito aos aspectos sociopolíticos, a proposta da hfg-ulm também
tem mantido a sua atualidade, a não ser que se queira negar a razão e encerrar-se

(7) Venturi, Robert, Complexity and Contradiction in Archi


tecture, The Museum of Modern Art, New York 1966.
num cego antirracionalismo.(8) Quanto aos conteúdos dos projetos, oferece-se,
hoje, um panorama consideravelmente mais amplo, fato explicável pelo avanço
dos processos digitais. A informática e a indústria da computação oferecem hoje
novas ferramentas para a visualização rápida de conceitos projetuais e permitem
sua rápida transformação em modelos tridimensionais (rapid prototyping). Além
disso, abrem-se novos campos de atuação para o design, sobretudo nas novas mí
dias. Entre outros, elas possibilitam o uso do design como ferramenta cognitiva
para a apresentação e transmissão de conhecimentos.
Numa futura história do design certamente será pesquisada a ruptura entre
a fase pré-digital e a fase digital. A hfg-ulm pertence à fase pré-digital da histó
ria do design. Porém, in nuce podem ser constatadas fortes afinidades com a fase
digital. Essas afinidades mostram-se, em primeiro lugar, nos exercícios do curso
básico, nos quais se tratava da criação de figuras contínuas pelo uso de elemen
tos descontínuos. Os elementos utilizados nos exercícios com os rasters daquela
época correspondem aos atuais pixels. Os projetos, que antes requeriam um
grande investimento de tempo, hoje podem ser produzidos digitalmente com
mais rapidez. Essa constatação não significa que a atual aceleração na realização
dos projetos produza também uma aceleração na formação de inteligência visual.
A digitalização abriu perspectivas fascinantes para o design, com aplicação das
mídias digitais baseadas no tempo. Por exemplo, as animações interativas e a
visualização
curso básico de
pode
processos.
ser maisPor
útilisso,
hojeuma
na formação da consciência
lista de exercícios num programa
para detalhes
do e 213

a competência no uso de procedimentos geradores de formas, vale dizer, uso de


algoritmos de design.
A hfg-ulm experimentou diferentes conceitos no curso básico. Inicialmen
te, existia um curso básico obrigatório com um ano de duração para os quatro
departamentos (design de produto, comunicação visual, arquitetura industria
lizada e informação). Mais tarde, esse curso básico foi orientado para oferecer
conteúdos compatíveis com os quatro departamentos e, depois, abolido como
unidade pedagógica. Nunca, porém, foi posta em dúvida a legitimidade da for
mação da competência formal-estética com exercícios projetuais específicos. Até

(8) Tomás Maldonado deu uma resposta clara na palestra nosso tempo.» Esse juízo claro provavelmente também se
inaugural
que
titucional,
estou
do
de
título
Bauhaus,
reconhecer,
o «O
Bauhaus
mais
Bauhaus
por
isso
eem
mais
ocasião
pela
sem
perdeu
1°ainda
convencido
de
nostalgia
simples
do
abril
sua
é90°
relevante?»:
relevância
de
razão
aniversário
ede
2009,
sem
que
defalsa
em
que
como
chegou
«Pessoalmente,
Weimar,
de
não
lamentação,
modelo
fundação
osemomento
presta
com
ins-o aplica ao caso da hfg-ulm enquanto modelo institucional,
o que não significa apoiar as posturas conservadoras que
não se cansam de repetir as ladainhas da suposta desa
tualização da hfg-ulm. Difícil é responder a pergunta: qual
é a instituição de ensino do design que pode pretender
fornecer hoje, institucional e programaticamente, uma
resposta aos desafios de nosso tempo?
mais para fornecer respostas aos desafios e ameaças do
|21|Exercício com rasters. |23| Exercício com rasters.
Variante 1: deslocamento do centro do elemento Variante 3: deslocamento do elemento básico em
básico. grupo de 5 unidades.
hfg-ulm, curso básico 1956. |24|Exercício com rasters.
Docente: Tomás Maldonado. Variante 4: criação de figuras contínuas(letra ‹e›)
Estudante: Dölf Zillmann. com elementos discontínuos.
|22|Exercício com rasters.
Variante 2: deslocamento do centro do elemento
básico paralelamente aos eixos do raster.

|21||22|

214

|23||24|
o momento, não se inventou um programa de ensino melhor que permita evitar
a materialidade do estético, apesar de ser justamente esse domínio que produz
profunda desconfiança nos profissionais das disciplinas científicas. Essa descon
fiança decorre do equívoco de equiparar a formação estética à formação artística
ou criatividade.
Como se sabe, a hfg-ulm só oferecia curso de graduação, não incluindo curso
de mestrado e muito menos de doutorado. Hoje, na Europa, podemos observar
um processo de adaptação formal (Protocolo de Bolonha) ao modelo anglo-saxô
nico 3-5-8 (três anos para o bacharelato, cinco anos até o mestrado e oito anos até
o doutorado). Com isso, a pergunta sobre a especialização do ensino do design,
em grande parte, fica irrelevante, pois um curso de mestrado serve para o apro
fundamento em determinada área. Felizmente, a ideia do designer como coorde
nador se revelou insustentável no transcurso dos anos e foi substituída por outra
mais modesta; porém, mais realista, do design como integrador de atividades.
Ao inserir o ensino do design nas faculdades de ciências aplicadas, durante os
anos 1990, foram criadas condições institucionais e materiais mínimas para lidar
com questões teóricas e para realizar pesquisas projetuais. Contudo, essa adesão
às disciplinas científicas, sem o lado empírico projetual, cobrou um alto preço: o
design foi exposto ao perigo de transformar-se em playground para exercícios de
uma postura acadêmica completamente alheia à atividade projetual e que procu
cos
ra compensar
e culturaisessa
comdeficiência
um rancor,colocando
às vezes, os
malseus
dissimulado.
fundamentos sociais, tecnológi- 215

Faria sentido pensar hoje em uma versão atualizada da hfg-ulm obviamente


livre de nostalgia, levando em conta as mudanças no contexto tecno-industrial e
político? Provavelmente não, porque faltam as condições políticas. Pode-se pen
sar em uma exceção: conceber um novo tipo de instituição de ensino superior,
onde a categoria do projeto ocupe um espaço adequado e onde as matérias sejam
organizadas de acordo com problemas e não de acordo com as disciplinas. Não é
por acaso que duas das mais influentes instituições de ensino do design no século
xx (Bauhaus e hfg-ulm) foram criadas fora das estruturas acadêmicas formais,
pois o projeto é uma área de ação e conhecimento que não se enquadra nas estru
turas tradicionais das universidades, com seus programas de estudo orientados
por disciplinas. Inserir o design nessas estruturas tradicionais é um contrassenso,
pois o potencial do projeto não pode ser desenvolvido plenamente, agregando os
conhecimentos fragmentados em tantas disciplinas. O que torna o projeto inte
ressante como objeto de discurso é seu aparente paradoxo: design como atividade
entremeada com ingredientes discursivos, que se manifesta, porém, num resul
tado não discursivo. Um projeto não se alcança discursivamente – e isso é objeto
de lamento para uma consciência meramente reflexiva, acostumada ao domínio
da reflexão e incapaz de atingir o mundo da consciência operativa.
Nas instituições liberadas da tradição acadêmica, seria possível começar tam
bém a indispensável pesquisa em design partindo de uma perspectiva de projeto
e não com critérios acadêmicos impostos por interesses destoantes do projeto.
Um novo tipo de universidade não deveria se limitar ao âmbito nacional, mas se
ria viável operar em âmbito internacional; pois somente um corpo docente e um
corpo discente compostos por membros de diferentes culturas poderiam oferecer
a variedade cultural mais que nunca necessária e estimulante para um progra
ma de ensino. Foi um grande mérito de Max Bill, primeiro reitor da hfg-ulm,
ter insistido, desde o início, em contratar docentes estrangeiros, os chamados
‹exóticos›, para uma universidade alemã. Isso atraiu à hfg-ulm, grande número
de estudantes estrangeiros e deu-lhe um caráter internacional e também um dos
motivos de sua grande influência no âmbito internacional.
O experimento ulmiano, considerado um laboratório para inovação cultural,
não se restringiu ao campo específico do design. Isso pode ser visto na lista das
pessoas que lá ensinaram ou palestraram. Essa lista é quase um Who is Who da
ciência e arte da segunda metade dos anos 1950, até o fechamento da hfg-ulm,
em 1968. No arquivo da hfg-ulm encontra-se a correspondência com as pessoas
convidadas, sendo que a maioria aceitou o convite. A análise dessa correspon
dência permite criar um mapa intelectual da hfg-ulm. Como exemplo, cito a
correspondência de 1955, dirigida ao escritor Arno Schmidt, com a oferta para
trabalhar como docente no departamento de informação.(9) A oferta não foi
aceita, porém o intercâmbio com Arno Schmidt permite ver uma empatia com
o experimento cultural político, como se mostra na resposta dele a uma carta
216 datada de 1957, na qual Tomás Maldonado, como presidente do conselho de
reitorado, tinha contatado novamente esse escritor tentando convencê-lo a acei
tar a proposta: «Alegra-me que os senhores finalmente entendam o conceito
design no sentido mais amplo, vale dizer, verdadeiro sentido, e que os senhores
queiram pesquisar experimentalmente o campo da linguagem em Ulm […]
Eu tinha a impressão de que poderia colaborar, sem problemas, com o senhor
e os outros docentes.»(10) Embora esse segundo convite também tenha ficado
em aberto, um parágrafo da famosa novela, Die Gelehrtenrepublik (A república dos
sábios), publicada em 1957, pode servir para ilustrar o interesse do escritor pelo
projeto da hfg-ulm. Nessa novela science fiction, ele descreve uma ilha artificial
flutuante no ano 2008, para onde, após uma guerra nuclear que destruiu a
Europa, retiraram-se os últimos sobreviventes sábios para fundar uma repúbli
ca. Arno Schmidt sugeria que a língua alemã, assim como a língua francesa,
seriam extintas: «‹As línguas oficiais da nova república›? hindi, chinês, russo,
árabe./Quem sobreviveu à hecatombe? Um francês de Abidjan; um polonês

Maldonado.
(9) Esta oferta foi apoiada por Max Bense e Tomás (10) Rauschenbach, Bernd, Arno Schmidt und Design –
Wenn sich eine Briefklammer derart sperrt, daß sollman
achten, editora Jürgen Häusser, Darmstadt 1990, p. 31.
exilado; uma pessoa da pequena colônia argentina. Não houve sobreviventes
entre os alemães, exceto alguns que estavam viajando ao exterior: o núcleo era
constituído pelos docentes hfg-ulm que haviam migrado a tempo a Chubut.»(11)
O fato de um dos maiores expoentes da literatura alemã pós-guerra inserir
hfg-ulm em um episódio de sua novela é certamente insólito, pois instituições
de ensino do design não gozam da fama de estimular a fantasia literária. Se o
experimento da hfg-ulm não tivesse interessado a Arno Schmidt, dificilmente
ele o teria mencionado em sua novela.
O clima modorrento das universidades alemãs dos anos 1950 e 1960 mudou
somente a partir da rebelião estudantil de 1968. Antes disso, o contexto social
conservador que governou a partir de 1945 impediu uma ruptura com o nazis
mo. Basta lembrar que um partido ganhou as eleições em 1957 com o slogan
‹Nada de experimentos›. Nesse contexto, compreende-se o caráter excepcional da
hfg-ulm. Compreende-se também que ela, em virtude de sua dependência políti
ca – como instituição privada, dependia dos recursos públicos do governo federal
e do estado –, estava permanentemente em situação precária.(12) A independência
acadêmica não agradou aos representantes do status quo. Só esperavam o momen
to oportuno para dominar essa instituição incômoda, por exemplo, mediante a
proposta de inserir a escola numa escola de engenharia, o que teria significado o
fim do experimento.
çãoSe
pela
– além
proposta,
do antifascismo as centenas de convidados
dificilmentee antimilitarismo – não tivesse
teriam
existido
concordado em
uma atra- 217

viajar para Ulm, pequena cidade provinciana do interior, para dar cursos como
docentes visitantes ou proferir palestras nos chamados ‹seminários de quarta-fei
ra›. Inicialmente, esses eventos foram chamados de ‹Integração Cultural›, nome
cunhado pelos norte-americanos no programa de reeducação da população alemã
durante os primeiros anos do pós-guerra. Foi Tomás Maldonado quem ampliou
o significado desse termo, aplicando-o na defesa de um conceito renovado da
cultura, antecipando o que posteriormente, nos anos 1960, foi denominado de
‹interdisciplinaridade›. Aparentemente, os convidados percebiam algo de novo
no clima de abertura intelectual e da experimentação pouco comum naquele

p.
(12)
diretora
(11)
aus
escreveu
dirigida
119.
den
Niomar
Schmidt,
ado
Rossbreiten,
uma
Inge
Museu
Sodré
Arno,
carta,
Aicher-Scholl
Bittencourt,
de
Die
em
editora
Arte
Gelehrtenrepublik
05.11.1955,
Moderna
(a
Stahlberg,
promotora
criadora
do
de Rio
Nova
Karlsruhe
dae–Fundação
de
primeira
Kurzroman
York,
Janeiro,
1957, executados no regime nazista) e a Tomás Maldonado da
hfg-ulm. Nessa carta ela comunica que havia informado
Nelson Rockefeller sobre a hfg-ulm, que ele demonstrara
um forte interesse, e queria saber mais detalhes sobre
essa instituição, pensando até em mandar seu filho para
estudar lá. Se isso tivesse acontecido, a hfg-ulm prova
velmente teria evitado posteriores pressões financeiras.
em memória de seus irmãos Sophie e Hans Scholl,
período na Alemanha. Percebiam um potencial que poderia ser aproveitado para
a renovação das estruturas universitárias arcaicas. A introdução do conceito de
cultura na ciência, tecnologia e arte, era feita incorporando-o ao domínio do pro
jeto. Fazia-se isso com intenção de quebrar os estreitos limites da interpretação
alemã do conceito de cultura.
Tal objetivo pode parecer desmesurado. Quando analisamos a história e as
consequências dessa instituição, não podemos evitar a sensação de que esse expe
rimento, a despeito de sua ressonância internacional, foi interrompido no meio
do caminho, ficando, portanto, inconcluso.(13)Os conservadores podem ver nisso,
presunçosamente, um ‹fracasso› da hfg-ulm. De acordo com outra interpretação,
pode-se caracterizar o experimento como muito avançado para o seu tempo.
Infringia demais algumas regras vigentes. Para fundamentar o caráter excepcio
nal da hfg-ulm, pode-se citar uma pequena lista representativa das personalida
des que aceitaram o convite para ir à instituição.(14) Essa lista permite mapear
as diferentes temáticas da perspectiva projetual que interessaram aos docentes
e estudantes. Essas temáticas sempre ocuparam o centro do interesse filosófico,
científico, cultural e político.
Inevitavelmente, tratou-se da relação entre design e poder – um fato que
provocou desconfiança entre os detentores do poder. Um dos protagonistas da
hfg-ulm analisou as relações entre «saber e poder, contemplação e ação, teoria
218 e prática, utopia e realidade» alguns anos após o fechamento da instituição.
Questiona sobre o motivo que uniu esse grupo heterogêneo de intelectuais de
diferentes origens: «O que une esses cínicos, heréticos, místicos, gnósticos, es
quemáticos, milenares, protestantes, melancólicos, utópicos, iluministas, anar
quistas e socialistas?» A resposta compacta é: «O que os une é sua heterodoxia.»
E continua: «Por heterodoxos devem-se entender todos aqueles que, de uma ma
neira ou de outra, agem contra os dogmas, as doutrinas, os modelos de compor
tamento, as ordens simbólicas e os representantes do poder.»(15) Essa tendência à
‹heresia› não os tornava bem-vindos para os representantes do status quo porque
podiam questionar a legitimidade do poder. Isso provocou irritação e mobilizou
resistências que, por fim, liquidaram a hfg-ulm.

(13) Em 1968 (ano do fechamento da instituição), o campo (14) A lista dos responsáveis pelas diferentes disciplinas
do ensino na área de design de produtos e comunicação serve para mostrar o clima intelectual aberto naqueles
visual já estava bem definido. A hfg-ulm poderia ter anos: escritores, linguistas, cientistas sociais, psicólogos,
continuado simplesmente; porém, um passo consequente historiadores, engenheiros, diretores de cinema, filósofos,
teria sido transformar e ampliar o programa com introdu compositores, matemáticos, publicitários, designers e
ção de curso de mestrado orientado à pesquisa, embora arquitetos.
não existisse esse tipo de orientação na área do design (15) Maldonado, Tomás, Che cos’è un intelletuale?
naquele tempo. –Avventure e disavventure di un ruolo, Giangiacomo
Feltrinelli, Milano 1995, p. 26.
Talvez, no futuro, eliminem-se os hiatos entre ciências e projeto. Não se trata
de intentar transformar o processo projetual numa ciência ou incluindo conheci
mentos científicos no projeto de sistemas complexos, mas de criar uma Ciência
enriquecida pela categoria do projeto. Em vez de considerar o projeto pela pers
pectiva das ciências, poder-se-ia inverter o olhar e desenvolver as ciências a partir
da cultura e dos critérios do projeto. Deve-se admitir que essa é uma especulação
audaciosa e pouco fundamentada; porém, isso não diminui sua plausibilidade.
Com essa nova base institucional poder-se-ia considerar cumprida a missão
sonhada pela hfg-ulm, fazendo o projeto tocar nos centros nevrálgicos da socie
dade. Dificilmente pode-se afirmar que esse objetivo já tenha sido atingido. Por
isso, a fase atual pode ser caracterizada, no máximo, com o epíteto de ‹pré-histó
ria do design›.

Bibliografia
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Buenos Aires, Buenos Aires 1998.
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do capitalismo]
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1995. Tomás, Che cos’è un intelletuale? –Avventure e disavventure di un ruolo, Giangiacomo Feltrinelli, Milano 219

Potter, Norman, What is a designer: things. places. messages, Hyphen Press, London 2002 (1a edição original inglesa
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Ulmer Museum | hfg-Archiv: Dagmar Rinker, Marcela Quijano, Brigitte Reinhardt, ulmer modelle – modelle nach ulm/
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ulm – 1953-1968]
Venturi, Robert, Complexity and Contradiction in Architecture, The Museum of Modern Art, New York 1966.
Design e Pesquisa do Design –
Diferença e Afinidade

• A BASE INSEGURA DA CIÊNCIA DO PROJETO

• O DESGASTE DO TERMO ‹DESIGN›


• A IMPRESCINDIBILIDADE DA PESQUISA DO DESIGN

• O PAPEL DAS CIÊNCIAS PARA A ATIVIDADE PROJETUAL

• O DEBATE SOBRE MÉTODOS

• METODOLOGIA PROJETUAL GENERATIVA VERSUS EXPLICATIVA

• ALGORITMIZAÇÃO DO PROCESSO PROJETUAL

• O PAPEL CONSTITUTIVO DA ESTÉTICA

• ASSEPSIA DA ESTÉTICA DA ENGENHARIA


• PROJETAR COM REFLEXÕES

•COGNIÇÃO E PROJETO
• A INTERPRETAÇÃO ERRÔNEADO DESIGN DO PONTO DEVISTA DA CRÍTICA DA CULTURA
•UM MAPA DA PESQUISA DO DESIGN

•PRÁTICA STANDARDEM VEZ DE FUNDAMENTOS

• VISCURSOS E DISCURSOS
Emos
Sobre 1848 foi da
limites publicado
ciência um pequeno livro com o título provocador Die Wertlo
do design 223

sigkeit der Jurisprudenz als Wissenschaft (A inutilidade da jurisprudência como ciência).


O autor era o famoso jurista Julius Hermann von Kirchmann. Nessa obra, ele
analisa o papel da jurisprudência para a melhoria da prática jurídica, e chega
a um resultado não muito agradável para os legisladores. Para dissipar desde o
início a suspeita de querer iniciar uma polêmica inútil, ele começa seu texto da
seguinte maneira: «A minha palestra pode facilmente levar à suposição de que
meu único interesse é uma formulação provocadora, sem me preocupar com a
verdade mais profunda.»(1) Depois, ele explica a ambiguidade do título, que
pode significar duas coisas: primeiro, que a jurisprudência é uma ciência; porém,
sem influência sobre a prática cotidiana. Segundo, que a jurisprudência não é
uma ciência, já que, como ele escreve, não «alcança o verdadeiro conceito dela».
Por que faço essa referência à ciência e à prática jurídica? Qual é a relação des
se texto de Kirchmann com a temática aqui tratada sobre a dialética do projeto e
a questão da pesquisa em design? Apesar das diferenças temáticas, podem ser de
tectadas certas afinidades. O argumento de Kirchmann, aplicado ao design, pode
significar que o design pode ser considerado uma ciência, mas sem influência
sobre a prática projetual ou, ao contrário, que o design não é uma ciência, já que
ele, como se diz na terminologia filosófica, não alcança o ‹verdadeiro conceito› da
ciência. A ciência visa «compreender seu objeto, formular leis, elaborar conceitos
adequados, classificar e organizar as diferentes manifestações e, por fim, reunir o
conhecimento em um simples sistema.»(2)
Fica em aberto se os cientistas, inclusive os cientistas do design, aceitariam
tacitamente essa síntese de seus conhecimentos em um único sistema. Aqui se
trata, por enquanto, de criar um espaço para reflexão sem restrições prematuras
em relação ao que a pesquisa do design e ciência em design são ou deveriam ser.

‹Design› e projeto
Até o momento, usei preferencialmente as palavras ‹projeto› e ‹projetar› em
vez da palavra ‹design›. Isso poderá parecer incômodo aos que preferem usar a
denominação ‹design›. Esse distanciamento do conceito de ‹design› tem seu mo
tivo. No processo de popularização do termo ‹design› nos anos 1990, e sua con
sequente banalização, o ‹design› afastou-se da categoria do projeto, tendo hoje
uma existência independente. Hoje, qualquer pessoa pode se denominar como
‹designer›, porque, na opinião pública, o ‹design› é identificado com o que é vis
to e lido nas revistas lifestyle. Porém, nem todos podem se considerar ‹projetistas›
(designer) no sentido de Daniel Defoe (project maker) (3), já que esse termo tem
uma conotação de profissionalismo que, infelizmente, o design já perdeu. Assim,
nesse contexto, uso preferencialmente o termo ‹projeto› e, às vezes, recorro ao
uso do termo ‹design›, quando as nuances semânticas não levam a confusões.
Para ilustrar as conotações negativas do conceito de ‹design› e de sua associação
semântica aos aspectos comunicativos de produtos de consumo caros, pouco práti
224 cos e esteticamente vistosos, permito-me uma citação: «Há algum tempo, nossas
aquisições são vítimas do design e dos designers que, sabendo que o produto não
se limita a uma única dimensão, fazem de tudo para não limitá-lo à dimensão da
praticidade. […] Os bens materiais, como indicadores do gosto e do liyfestyle, são
usados mais como objetos de comunicação em vez de objetos de uso.»(4)

O surgimento da ciência do projeto


Se olharmos a relação entre ensino do design e ciência do design, constatamos
que essas dimensões surgem quase ao mesmo tempo, nos anos 1920, a partir
do movimento holandês De-Stijl e no Bauhaus alemão. Após o fim da Segunda
Guerra Mundial, a pesquisa em design consolidou-se passo a passo. Há diferentes
explicações para esse fenômeno que serão apresentadas mais adiante. Em 1981,
Bruce Archer, conhecido pela publicação Systematic Methods for Designers, caracte
rizou a pesquisa do design (design research) como análise sistemática, com o objeti
vo de criar conhecimentos sobre a forma, estrutura, função, valor e significado dos

(2)
(1) Op.
der
Heidelberg
Kirchmann,
Jurisprudenz
cit., 2000
p. 12.
Julius
(1ª
alsedição
Wissenschaft,
Hermann
1848),
von,
p.7.
editora
Die Wertlosigkeit
Manutius, (3) Maldonado, Tomás, «Das Zeitalter des Entwurfs und
Daniel Defoe», em: Digitale Welt und Gestaltung, editora
Birkhäuser, Basel, Boston, Berlin 2007, pp. 257–268.
(4) Bruera, Matías, «Políticas del consumo, progresía
y populismo», em: pensamiento de los confines, n. 22,
2008, pp. 51–56.
objetos e sistemas produzidos pelo homem. Essa definição da pesquisa em design
é focalizada no design industrial e, por isso, não abrange o campo da comunica
ção visual ou programação visual. Archer explica essa definição e termina com a
plausível afirmação de que a pesquisa em design é a busca sistemática e criação de
conhecimentos relacionados com o design. Com isso, possivelmente todos este
jam de acordo, já que a afirmação é quase tautológica.
Na cultura anglo-saxônica, os principais representantes da pesquisa em de
sign vieram dos campos da engenharia e da arquitetura. Por isso, seu interesse
era direcionado ao desenvolvimento de métodos projetuais racionais e aos pro
cedimentos de avaliação de edifícios e produtos. O design gráfico quase não foi
pesquisado. Assim, não é de surpreender que os métodos projetuais e a ciência
do design, bem como as publicações correspondentes, tenham parecido exercícios
acadêmicos, livres dos condicionamentos da prática profissional, realizados em
espaços isolados, sem influência significativa para a prática projetual dos desig
ners industriais e designers gráficos profissionais.
O discurso da ciência do design, com ou sem razão, caiu em suspeição, en
quanto ocorria uma invasão de conceitos estranhos e irrelevantes para a prática
projetual. A causa desse fenômeno pode ser atribuída ao fato de que as pesqui
sas tenham sido dominadas por teóricos de sistemas, cientistas da computação,
especialistas em pesquisa operacional e engenheiros mecânicos, cujos conceitos
não coincidem
plo, verifica-se numa
com ospublicação
do design sobre
industrial
a teoria
e dodas
design
ciências
gráfico.
na área
Isso,
tecnológica.(5)
por exem- 225

O conceito de tecnologia nessa publicação reflete, de maneira exemplar, a visão


dominada pelas ciências naturais e ciências da engenharia, sendo adequado para
projetar máquinas. Diante disso, fica difícil chegar a uma compreensão mais
ampla da tecnologia, uma vez que a coloca como conceito orientado pela física e
pela matemática, em que o usuário, na melhor das hipóteses, aparece como um
fator secundário, se é que chega a aparecer.
O termo ‹design industrial› não aparece nesse livro nenhuma vez. O termo
‹design›, mencionado numa nota de rodapé (p. 1oo do livro citado), limita-se
aos aspectos estéticos e ergonômicos, não considerando que a dimensão de uso
excede consideravelmente os aspectos ergonômicos. Infelizmente, não se encontra
nessa coleção de artigos o reconhecimento de que, hoje, design industrial repre
senta uma das faces da tecnologia que dificilmente pode ser desprezada quando se
trata de reflexões sobre a tecnologia em seu sentido mais amplo.

(5) Banse, Gerhard, Armin Grunwald, Wolfgang König e


Günter Ropohl (coords.), Erkennen und Gestalten – Eine
Theorie der Technikwissenschaften, editora Edition
Sigma, Berlin 2006.
A suposição vaga de que o projeto de máquinas, enquanto se trata de obje
tos tangíveis, toca inevitavelmente a dimensão estética, manifestou-se ainda
nos programas de estudos da Universidade Tecnológica de Berlim, na década
de 1880, onde os exercícios de desenho para engenheiros incluíam também o
desenho de ornamentos. Na visão atual, esse enfoque parece estar completa
mente errado, como já tinha se manifestado Franz Reuleaux, um engenheiro
brilhante, sugerindo orientar o estilo das máquinas pelo estudo histórico das
formas arquitetônicas.(6)
Voltando à questão da pesquisa sobre os métodos projetuais, ela motivou
muito cedo Christopher Alexander (1971) a se distanciar da metodologia proje
tual porque esta não cumpria o objetivo de alcançar melhores soluções de design
ou simplesmente não atingia o objetivo proposto.(7)

Debate sobre métodos de design


A relação entre projeto de design e as ciências, hoje, não tem tanta importân
cia como nos anos 1960, quando o debate a respeito de projeto e ciências domi
nava o discurso projetual, às vezes de forma bastante polêmica. Naquele tempo,
o debate sobre metodologia ocupou um lugar privilegiado porque se acreditava
que os métodos projetuais poderiam criar uma ponte entre design e ciências,
contribuindo para estruturar o processo projetual, tornando-o mais objetivo e
226 liberando-o das veleidades subjetivas.
Existia – e ainda existe – uma série de argumentos favoráveis para relacionar o
design e o ensino do design com as ciências:
• As ciências se desenvolvem num processo cumulativo, gerando um crescente
volume de conhecimentos.
• As ciências possuem um arcabouço de métodos específicos, se bem que não
exista um consenso sobre o valor universal dessas práticas padronizadas.
• As ciências têm o objetivo de servir como fundamento para o desenvolvi
mento tecnológico e industrial.
• As ciências ocupam uma posição de indiscutível destaque nas instituições de
ensino superior.

(6) König, Wolfgang, Künstlerund Strichezieher – Kons Barbara Orland, Philipp Sarasin, Jakob Tanner, editora
truktions- und Technikkulturen im deutschen, britischen, diaphanes, Zürich, Berlin 2005, pp. 83–108.
amerikanischen und französischen Maschinenbau zwi (7) Alexander, Christopher, «The State of the Artin Design
schen 1850 und 1930, editora Suhrkamp, Frankfurt 1999, Methods», em: Developments in Design Methods, coor
p. 66 e 83. Veja também Pircher, Wolfgang, «Die Sprache denado por Nigel Cross, John Wiley & Sons, Chichester
des Ingenieurs», em: Bilder der Natur– Sprachen der 1984, pp. 309–327.
Technik, David Gugerli, Michael Hagner, Michael Hampe,
• Asciências são fomentadas por meio de verbas governamentais e privadas
para incentivar as pesquisas e publicações.
Comparado a isso, o design e o ensino do design se encontram em uma situação
desvantajosa. Eles não dispõem de um instrumental de métodos rigorosos, não po
dem mostrar fundamentos, possuem uma baixa credibilidade acadêmica. A pesqui
sa em design não é fomentada de maneira digna de menção porque é uma atividade
que não impõe requisitos cognitivos e, portanto, pode ser facilmente descartada.
Partindo de uma situação tão desfavorável, existia uma forte tentação para
modelar o processo projetual, adotando-se procedimentos científicos, e avaliar o
design de acordo com as práticas vigentes, sobretudo na área das ciências exatas.
Como resultado dessas tentativas de estruturar o processo projetual, surgiram
numerosas publicações sobre metodologia de design que se apoiaram na teoria da
tomada das decisões, da solução de problemas e da inteligência artificial.
Foi Herbert Simon, um notável representante da ciência do projeto, que
enumerou diferentes temáticas de um programa para todas as disciplinas proje
tuais. Ele orientou suas propostas baseando-se nas disciplinas das engenharias.
Recomendou deixar para trás a fase da mera experimentação. Escreveu: «Os
programas orientados à formação profissional poderão assumir sua responsabi
lidade à medida que conseguirem criar uma ciência do projeto – uma doutrina
intelectualmente exigente, analítica, parcialmente formalizável, parcialmente
empírica
Algunse aspectos
transmissível
dessa sobre
declaração
o processo
programática
projetual.»(8)
provavelmente não perderam 227

relevância, ainda que a predominância das ciências exatas no caso do ensino de


design merecesse uma revisão. A ambição de formalizar o processo projetual
encontra hoje resistências devido às perspectivas otimistas demais de uma inteli
gência artificial dura (hard AI). Em 1970, Marvin Minsky atreveu-se ao seguinte
prognóstico triunfalista: «Dentro de três a oito anos teremos uma máquina com
nível geral de inteligência comparável à de um homem comum. Eu me refiro a
uma máquina que é capaz de ler Shakespeare, lubrificar um carro, fazer tarefas
burocráticas, contar uma piada e sobreviver numa luta. Nesse ponto, a máqui
na começará a aprender com uma velocidade fantástica. Em poucos meses terá
alcançado um nível de inteligência de um gênio e, alguns meses mais tarde, seu
poder terá crescido ad infinitum.»(9)
Podemos perguntar se Minsky falava a sério ou se queria apenas provocar,
com seu otimismo tecnológico, sobretudo os representantes das ciências brandas

Press,
(8) Simon,
Cambridge
HerbertMass.
A., The
1996
Sciences
(1ª edição
of the
1969),
Artificial,
p. 132.
MIT (9) Citado em Roszak, Theodore, «The Virtual Duck and
the Endangered Nightingale», em: Digital Media, edição
junho 5, 1995, pp. 68–74.
(como a psicologia). Seja como for, após várias décadas, a inteligência artificial
não foi capaz de produzir robô que se assemelhasse a um ser humano, substi
tuindo-o nas práticas da vida cotidiana. Não se podem negar as perspectivas
fascinantes que um enfoque menos ortodoxo da inteligência artificial pode abrir
para o melhor entendimento do processo projetual. Parte-se da hipótese plau
sível de que projetar é essencialmente um processo cognitivo intensivo no uso
de conhecimentos.(10) Porém, o ponto de partida deveria ser um enfoque menos
ambicioso, já que existem justificadas dúvidas sobre as tentativas da inteligência
artificial dura em algoritmizar o processo projetual.
Uma das características do processo projetual é justamente não se enquadrar
em uma algoritimização. A hipótese básica de Herbert Simon é que se pode
compreender o processo projetual no âmbito de uma solução racional de proble
mas. Isso pode ser posto em dúvida, sobretudo porque a criação de alternativas
projetuais não encontrou ainda uma resposta satisfatória, no âmbito dos algorit
mos, para a solução de problemas.
Essas observações não devem ser interpretadas como um retorno saudosista
aos modelos ultrapassados da criatividade individual e nem expressão de uma
postura anticientífica. O design precisa de fundamentos que só serão descobertos
mediante pesquisa e experimentação sistemáticas. Esse é um dos argumentos
mais fortes a favor de uma ciência do design. Anteriormente, acreditava-se na
228 existência de um método científico que deveria ser incorporado ao processo pro
jetual, mas hoje em dia as percepções são diferentes.
O teórico das ciências, Aharon Kantorovich, desenvolveu uma teoria da
descoberta científica, entendendo-a não como um processo lógico, mas como
fenômeno natural, com características próprias e chegou a uma conclusão con
trária à de Herbert Simon: «Ciência é um processo de variação aleatória e seleção
que amplia nossos órgãos sensomotores e nosso instrumental cognitivo.»(11) Essa
interpretação da descoberta científica e da inovação científica não supõe uma
‹lógica› ou um ‹método›. O cientista inovador é caracterizado como um opor
tunista e experimentador (tinkerer) que usa ferramentas existentes para novas
aplicações. Kantorovich enfatiza também o papel da serendipidade (serendipity)

(10) Friedman, Ken, «Design Science and Design Educa visto na rede: http://users.ugent.be/~jmeheus/abstracts/
tion», em: The Challenge of Complexity – 3rd Interna kantorovich.doc.
tional Conference on Design Management, coordenado Uma análise detalhada das limitações da interpretação
por Peter McGrory, University of Art and Design UIAH, tradicional do método científico foi elaborada por Thomas
Helsinki 1997, pp. 54–72. Nickles: «The Fall and Possible Rise of Methodology of
(11) Kantorovich, Aharon, «Scientific discovery as an Discovery», University of Nevada, Philosophy Department,
evolutionary phenomenon», Vortrag auf dem International Reno 1999. Manuscrito não publicado.
Congress on Discovery and Creativity. O resumo pode ser
e escreve: «Sob o domínio do empirismo lógico no século 2o, o termo ‹método
científico› se referiu, em primeiro lugar, aos procedimentos da fundamentação ou
avaliação dos resultados de descobertas científicas e menos aos métodos de como
se chegam a essas descobertas.»(12)
Essa orientação tem maior afinidade com o design, pois um método, cientí
fico ou não, para ter alguma utilidade, deveria ajudar os estudantes e designers
a exercer uma atividade geradora durante o desenvolvimento de projetos. Nos
enfoques anteriores da metodologia do design, dava-se maior ênfase à funda
mentação do projeto a posteriori e menor importância à criação de propostas
inovadoras. Dessa maneira, ela serviu mais para uma racionalização a posteriori
e cumpriu mais uma função legitimadora do que uma função geradora. Com
relação à questão da metodologia orientada a estudo de cases, comparada a uma
metodologia orientada por processo, percebem-se duas posições divergentes. O
enfoque orientado por problemas apresenta uma série de cases ao aluno durante
sua formação. O enfoque orientado por processo, em compensação, educa o aluno
no uso de métodos gerais que podem ser aplicados a um grande número de pro
blemas. O primeiro enfoque corre o risco de ficar com uma coleção desordenada
de exercícios ad hoc, com os alunos encontrando dificuldade para fazer generali
zações. O segundo enfoque, em compensação, corre o risco de se perder numa co
leção de receitas de difícil aplicação na prática. Em resumo, não existe consenso
design
sobre o seja
que uma
são osatividade
fundamentos
destituída
do design.
de fundamentos,
Até o momento,
vale dizer,
não seuma
provou
disciplina
que o 229

sem disciplina, ou se o design está baseado em fundamentos. Responder a essa


pergunta é uma das tarefas da pesquisa em design.

Complexidade dos problemas projetuais


Por que o tema da pesquisa do design e da ciência do design ganhou impor
tância de maneira crescente? Para isso existem duas explicações.
Primeira: os atuais problemas projetuais complexos não podem mais ser resol
vidos sem atividade de pesquisa prévia ou paralela. Deve ficar claro que pesquisa
em design não se confunde com pesquisa de consumidores ou etnometodologia
– ciência empírica que analisa o comportamento de consumidores na sua vida
cotidiana, substituindo as pesquisas em laboratório. Assim, deve-se considerar
que a atividade projetual leva à formulação de novas perguntas cujas respostas
dependem de novos conhecimentos gerados pela pesquisa.

(12) Kantorovich, Aharon, Scientific Discovery: Logic and


Tinkering, State University of New York, New York 1993,
p. 53.
Segunda: para a consolidação do ensino do design nas universidades, é neces
sário adaptar as tradições e estruturas acadêmicas. Aquele que pretende seguir
uma carreira acadêmica é obrigado a qualificar-se realizando cursos de mestrado
ou doutorado. Sem posse desses títulos, será vetado para ocupar posições de che
fia e liderança em instituições hierarquicamente estruturadas.
Podemos, portanto, observar duas causas para o surgimento da pesquisa em
design: um motivo ligado à prática profissional e outro motivo ligado à prática
acadêmica. Existe uma relação tensa entre esses dois polos que pode levar a con
trovérsias e divergências.
O design existe, por enquanto, sem depender de uma ciência do design. Po
rém, essa existência do design tem um caráter provisório, pois a prática projetual
dependerá, de maneira crescente, da existência de uma ciência do design. Em
outras palavras, a ciência do design deverá fornecer subsídios para melhorar a
prática projetual. Obviamente, essa tendência terá consequências importantes
para o desenvolvimento das disciplinas projetuais, sobretudo nas áreas de design
industrial e design de comunicação, inclusive as novas áreas de estudo, como
interaction design e design de informação.

Projetualidade | Cognoscibilidade
Em geral – e com razão –, a atividade científica e a atividade projetual são
230 diferenciadas, pois se trata de diferentes visões do mundo, como já se explicou
no capítulo 1 «Design e Democracia». O designer observa o mundo a partir da
perspectiva da projetualidade. O cientista, ao contrário, observa o mundo a partir
da perspectiva da cognoscibilidade. Trata-se de diferentes maneiras de ver, com
conteúdos próprios de inovação: o cientista é o pesquisador que produz novos
conhecimentos. O designer possibilita novas experiências na vida cotidiana numa
sociedade – experiências no uso de produtos, signos e serviços, inclusive experiên
cias de caráter estético que, por sua vez, dependem de uma dinâmica sociocultural.
Aqui revela-se a relação tensa entre a atividade orientada cognitivamente
(pesquisar) e a atividade orientada operacionalmente (projetar). Porém, para
evitar possíveis mal-entendidos, deve-se destacar que a atividade projetual está
entremeada de necessidades cognitivas, de maneira crescente. Com isso, toca-se
no problema da mediação entre essas duas áreas, que foi realizada com maior ou
menor sucesso a partir dos anos 1920. A inevitável revisão e aprimoramento dos
programas tradicionais de design se veem confrontados com o problema de como
fomentar a competência cognitiva dos alunos. Essa problemática está conectada
com o papel da linguagem dentro do ensino do design.
Apesar da diferença entre design e ciência, existe uma afinidade velada e uma
afinidade estrutural nos procedimentos adotados por um cientista inovador e um
designer inovador: ambos praticam o ‹tinkering›, como chamou o mencionado
filósofo Kantorovich. Ambos fazem experimentações de acordo com o lema: ‹va
mos ver o que acontece quando fazemos isso ou aquilo›. Ambos avançam experi
mentando e especulando.
Um olhar atento para as atuais problemáticas projetuais permite observar que
as exigências cognitivas do design cresceram. Por isso, nem o ensino do design
nem a sua prática podem ignorar as ciências. Um exemplo para ilustrar: se um
designer industrial receber hoje a incumbência de projetar uma embalagem
sustentável para leite, não poderá evitar a busca dos conhecimentos científicos
sobre perfis energéticos e as chamadas mochilas ecológicas de materiais e, even
tualmente, criar, mediante experimentos com materiais, uma base confiável para
sua atividade projetual. Uma incumbência dessa natureza não pode mais ser en
frentada intuitivamente, produzindo apenas soluções formais. Outro exemplo no
campo do design de comunicação: o desenvolvimento de uma interface para um
software educativo não pode prescindir da pesquisa sobre os conteúdos relevan
tes. Aquele que confiar somente em sua sensibilidade e suposta criatividade, não
chegará muito longe e poderá fracassar.

Um exemplo de uma concepção reducionista do design


Para ilustrar as dificuldades que surgem da aproximação entre ciência empí
rica e design, pode-se citar um exemplo da área de usabilidade. É surpreendente
que as pesquisas sobre usabilidade, sob o rótulo de usability engineering, frequen
temente adotem um conceito não diferenciado do termo ‹uso›, que limita consi
deravelmente a relevância dessas pesquisas. Apesar da diversidade de definições
sobre o que
aceitas: por um
é ‹design›,
lado, a orientação
pelo menosà há
qualidade
duas características
de uso e, porconstantes
outro, a orientação
geralmenteà 231

qualidade formal-estética (incluindo os aspectos lúdicos).


A principal diferença do design com relação a outras disciplinas é a preocu
pação com o usuário a partir de um enfoque integrador. Além disso, o enfoque
integrador de design não exclui a dimensão estética, mas inclui a estética como
aspecto constitutivo do uso. A estética não é um aditivo que se possa acrescen
tar a um projeto ou do qual se poderia prescindir à vontade, sem prejudicar a
funcionalidade. Essa interpretação do uso é oposta à seguinte opinião de um
representante das ciências cognitivas e do usability engineering: «Existem essen
cialmente dois enfoques básicos do design: o ideal artístico da autoexpressão e o
ideal das engenharias em resolver um problema para o cliente.»(13)
O design nem aparece nessa dicotomia entre arte e engenharia com base nas
ciências, ou seja, entre um enfoque concentrado no Eu e um enfoque concentrado
no Cliente. Podemos perguntar sobre as razões que levaram à formulação dessa

(13) Nielsen, Jacob, Designing Web Usability, New


Riders Publishing, Indiana 1999, p. 11.
dicotomia. Talvez resulte da reação compreensível ao cool design com websites
correspondentes que são pouco amigáveis (user friendly), mesmo que sejam este
ticamente atraentes – os chamados killer sites. Isso é discutível porque depende
da interpretação que se faz do conceito da usabilidade (usability)(14). Usabilidade
parece ser aquilo que o usability engineering pode medir. Nenhum designer nega
rá a necessidade de testar um design; porém, uma concepção do uso que exclua a
dimensão estética será prejudicial ao design.
No processo de autocensura se escamoteia a estética como um componente
essencial do uso cotidiano dos artefatos. O cuidado com a estética não pode ser
menosprezado somente porque a qualidade estética é difícil de passar pela malha
fina dos critérios do usability engineering.
A recomendação de que «… a fonte das boas ideias apropriadas de design
(e não só boas ideias para um cool design que ninguém pode usar) consiste em
observar os usuários e ver do que eles gostam, o que eles consideram fácil de usar
e onde eles encontram dificuldades» é seguida pelo designer constantemente.(15)
Contudo, essa citação não explica como se chega a inovações apropriadas no de
sign. Após dividir o mundo em duas áreas opostas (arte e ciência), eliminando o
design como intermediário, as soluções inovadoras são explicadas recorrendo ao
deus ex machina em forma de ‹inspiração› e ‹criatividade›. Essa visão estreita da
usabilidade, usando métodos científicos, assemelha-se a pesquisas sobre a fisiolo
232 gia da respiração excluindo o oxigênio.

Reflexão ou teoria e design


O processo de inserção do ensino do design na área de ciências aplicadas nas
universidades exige a formação da capacidade de reflexão dos alunos. Os estudan
tes das disciplinas projetuais teriam de aprender a pensar – uma exigência que
parece óbvia, mas que não é cumprida. Um designer gráfico americano escreve:
«O design não tem tradição no campo da crítica ou do reconhecimento do valor
da crítica. Os programas de ensino do design continuam enfatizando a capacida
de de expressão visual; porém, não a capacidade de expressão verbal. O objetivo
consiste em vender uma ideia projetual a um cliente ou a um público hipotético.
Raras vezes o design é colocado em relação à cultura e sociedade.»(16)
Pela expressão ‹comportamento reflexivo› deve-se entender um pensamento
formado discursivamente, vale dizer, um pensamento que se manifesta na forma
de linguagem. A tentativa de incluir a linguagem num programa de ensino do

lado
fornece)
com
(14) O
otrata-se
software.
termo
e, por‹usabilidade›
daoutro,
praticidade
É necessário
da maneira
é (o
ambíguo,
diferenciar
serviço
comopois,
que
asbem
pessoas
um
porentre
software
um lidam
a ênfase nos atributos inerentes de um software e a ênfase
no modo de uso, vale dizer, a interação com o usuário.
(15) Op. cit.
(16) FitzGerald, Kenneth, «Quietude», em: Emigre, n.64
(2003), pp. 15–32.
design vai até os anos 1950. Todavia, em geral, existe uma considerável neces
sidade de recuperação dos estudos da linguagem de textos, nos programas de
ensino, sobretudo na área da comunicação visual. A tradição antidiscursiva e
a predisposição antidiscursiva no ensino do design se fazem sentir ainda hoje.
Deve-se admitir e reconhecer a imagem pública do design exerce uma atração
traiçoeira e frequentemente atrai o tipo errado de estudantes. Não se pode redu
zir o design ao Hip e hop e cool.
Com relação à pesquisa em design, deve-se reservar um espaço maior para
atividades teóricas. A teoria vai além do que tem sido até agora, quando se limi
ta apenas à aplicação imediata, sofrendo de um estreitamento do horizonte e de
uma atrofia da consciência especulativa. O filósofo Gadamer ressalta em seu livro
Elogio à teoria: «… a teoria tem afinidade com o jogo, com o olhar e maravilha
mento, longe de qualquer uso e negócios imediatos.» Além disso, ele coloca a
teoria em relação às «coisas […] que são ‹livres› de qualquer intenção de uso ou
de praticidade.»(17)
Na área do design não se pode dar liberdade total para especulações. Algumas
disciplinas acadêmicas têm adotado pesquisa em design como nova temática,
depois de terem, durante muito tempo, desprezado o design como objeto digno
de pesquisa. A tentação para isso é grande, já que a temática do design, com suas
múltiplas ramificações e interdependências é um campo ainda virgem para a
requer-se
atividade um
científica.
mínimo Porém,
de conhecimentos
às vezes, esquecem
que não
que,
podem
para ser
abordar
substituídos
uma temática,
pelas 233

pesquisas especulativo-teóricas. É preciso colocar limites a essas ambições usur


padoras sobre temas do design que se apresentam com exigências normativas,
vale dizer, sob o rótulo da precisão científica, que pretendem formular normas
para a prática do design.

Design como objeto da crítica


O design foi excluído do discurso científico durante décadas. O design tem
sido um ‹não tema›, apesar de estar presente na vida cotidiana, não estimulou
o interesse das disciplinas científicas, com exceção da história da arte. Todavia,
com sua orientação aos fenômenos de estilo, isto é, aspectos morfológicos, a ques
tão do design somente foi abordada de maneira limitada. Em virtude da recente
ampliação midiática do design, a situação mudou de maneira tal que hoje não
faltam reflexões e críticas. Entre publicações dessa área, refiro-me ao livro do

(17) Gadamer, Hans-Georg, Lob der Theorie, editora


Suhrkamp, Frankfurt 1991, p. 27.
teórico da arte, Hal Foster, com o título Design and Crime.(18) Foster adota uma
postura anticonservadora da crítica da cultura, com sua alusão ao famoso livro
de Adolf Loos, Ornamento e Crime.(19) Foster escreve: «O velho debate (inclusão
da arte nos objetos de uso) cria hoje uma nova ressonância quando o estético e o
útil não somente são mesclados, mas também incentivados pelo comércio. Tudo
– não somente projetos arquitetônicos e exibições de arte –, mas tudo mesmo
(desde jeans até genes) –, parece ser considerado como design.»(20) A isso somente
se pode responder: tudo isso é design, ou melhor: tudo isso é projeto. Ele con
tinua: «… a velha aspiração de juntar arte e vida que foi apoiada pela Art Nou
veau, Bauhaus e muitas outras correntes, agora foi realizada; porém, de maneira
diferente, conforme os interesses midiáticos da indústria cultural e não de acordo
com as intenções deliberadas da vanguarda. E uma forma básica dessa reconcilia
ção perversa é, hoje, o design.»(21)
Essa constatação da discrepância entre a vanguarda que visa a autonomia e
os interesses da mídia que usam o design como evento e espetáculo(22) de forma
crescente, infelizmente, pode ser verídica.
Porém, o texto citado revela uma interpretação equivocada do design (design
como arte). Tacitamente, refere-se ao velho conflito entre comércio (mercadoria)
e arte que agora teria encontrado sua reconciliação perversa no design. Design,
há tempos, já não significa incorporar arte aos objetos da vida cotidiana, se é que
234 alguma vez significou isso.(23) Dificilmente pode-se compreender o design com
conceitos da teoria da arte e da crítica da arte.
O design é uma categoria própria, autônoma, já que se encontra na intersec
ção entre indústria, mercado, tecnologia e cultura (prática da vida cotidiana).
Presta-se particularmente para a crítica da cultura que se concentra preferen
cialmente na função semiótica dos produtos. Foster repete o teorema formulado
por Baudrillard de que o design se limita em essência à dimensão semiótica dos
objetos, à «economia política do signo». Com isso, o design se desmaterializa
e dilui-se no valor de troca dos signos. São justamente posições que se conside
ram anticonformistas, que revelam uma tendência estranha de expor o design
moderno a uma suspeita de natureza ideológica. Existiram períodos históricos

(18) Foster, Hal, Design and Crime, editora Verso, London (22) Debord, Guy, Die Gesellschaft des Spektakels,
2002. editora Klaus Bittermann, Berlin 1996 (edição original
(19) Loos, Adolf, «Ornament undVerbrechen», em: Trotz francesa 1967).
dem. Gesammelte Schriften 1900–1930, editora Prachner, (23) A vanguarda do construtivismo russo tem o mérito de
Wien 1997 (1ª edição 1908), pp. 78–88. ter tematizado a produção industrial, mas não para fazer
(20) Foster, op. cit., p. 17. dela uma arte, e sim para deixar a arte de lado, superar
(21) Op. cit., p. 19. a arte.
nos quais houve uma estima mútua entre posições de vanguarda na filosofia (por
exemplo, o Círculo de Viena) e o design moderno.(24) Buscar-se-ia isso, hoje, em
vão. O design tem servido hoje como fachada para a crítica à sociedade de merca
doria, para a crítica ao pancapitalismo.

Pesquisa no ensino
Quando e como deveria ser formada a capacidade da reflexão e da pesquisa nos
estudantes? Essa pergunta da didática universitária não tem encontrado uma res
posta unânime até o momento. Reflexão e pesquisa não deveriam ser reservadas
apenas para os últimos anos do programa de estudo, mas devendo ser ensinadas e
praticadas desde o início do curso. Também, não deveriam ser reservadas para os
programas do nível de mestrado, mas ensinadas e exigidas já no nível de bacha
relato ou graduação. Não se deve deixar de mencionar que esse enfoque contém
alguns perigos.
Cada docente, certamente, viveu mais de uma vez a experiência de encontrar
estudantes, nos cursos de projeto, que tentam dissimular a atividade projetual
substituindo-a por acrobacias discursivas para compensar a sua debilidade pro
jetual usando a verborragia. Dever-se-ia prevenir contra essa forma de discurso
como estratégia para esquivar-se do projeto. Ela nada tem a ver com a proposta
de competência cognitiva necessária à área do próprio projeto. Essa formação
cognitiva,
tudo quando
baseada
estudantes
no projeto,
demonstram
deve serinteresses
incluída teóricos.
nos programas de ensino, sobre- 235

Até o momento, esses conhecimentos não têm sido fomentados explicitamen


te, o que pode ser uma das causas para tantas críticas sobre a incompetência dis
cursiva ou debilidade discursiva dos designers. Porém, não existe consenso sobre
o conteúdo adequado da teoria do design para um programa de curso quando se
pretende ir além de uma mistura livre de Derrida, Lacan, gender studies, cultural
studies, teoria da mídia e alguns componentes filosóficos do pós-modernismo.

Pesquisa endógena e exógena de design


Com referência ao enfoque da pesquisa, podemos distinguir entre duas formas
de pesquisa no campo do design:
Primeira: pesquisa projetual endógena, ou seja, pesquisa realizada no próprio
campo do design. Preferencialmente, ela parte de uma experiência projetual
concreta e, muitas vezes, insere-se no processo projetual, revelando, assim, um

(24) Thurm-Nemeth, Volker und Elisabeth Nemeth,


Wien und der Wiener Kreis – Orte einer unvollendeten
Moderne, editora Facultas, Wien 2003.
interesse instrumental. Todavia, no futuro, também espera-se que ocorra uma
pesquisa projetual endógena que vá além da aplicabilidade imediata no processo
projetual. Dessa maneira, poderia ser criado um arcabouço de conhecimentos que
até hoje falta na área do projeto. Essa deficiência de conhecimentos específicos
em design geralmente é bem conhecida.
Esse tipo de pesquisa deveria envolver impreterivelmente os designers para
diminuir o risco de cair em especulações parafilosóficas. Se a profissão dos desig
ners não reconhecer essa necessidade, possivelmente colocará em dúvida o futuro
do designer industrial e do designer gráfico. É bem possível que essas duas pro
fissões entrem na categoria das espécies em extinção, caso não se empenhem em
realizar pesquisas próprias.
Segunda: pesquisa projetual exógena realizada por outras disciplinas que
selecionam o projeto como objeto de pesquisa, partindo de suas próprias pers
pectivas e, abrindo assim, novas abordagens sobre o tema pesquisado. Para isso,
não é necessária uma experiência projetual prévia, assim como uma pessoa pode
fazer pesquisas literárias sem ser escritor. Porém, quanto mais se distanciam os
textos e pesquisas das contradições, paradoxos e aporias da atividade projetual,
mais aumentam os riscos de se ficar apenas em análises superficiais e genéricas.
Os designers não precisam de grão-inquisidores com roupagem científica que
prediquem normativamente com o dedo indicador, ditando aquilo que os desig
236 ners deveriam fazer ou não.
Com relação aos conteúdos da pesquisa, pode ser criado um mapa em forma
de árvore temática para visualizar a amplitude dessas temáticas. Obviamente,
essa classificação contém, como qualquer outra, elementos de avaliação subjetiva
e obedecem, em primeiro lugar, aos critérios da plausibilidade. O mapa esboçado
(map) é dividido em seis grupos temáticos:
• História
• Tecnologia
• Estrutura/Forma
• Mídia
• Projeto/Prática da vida cotidiana
• Globalização/Mercado.
Cada um desses campos temáticos, por sua vez, é subdividido numa série de
subtemáticas.
No âmbito de uma pesquisa histórica, pode-se criar uma linha de tempo na
qual se lançam as diversas temáticas do discurso projetual. Em cada época haverá
a predominância de determinados tópicos no discurso projetual. Determinadas
temáticas somem do discurso projetual, novas aparecem, velhas reaparecem,
seja com conceitos conhecidos ou com novas terminologias e novas abordagens.
A pesquisa histórica do design tem aí um campo frutífero de investigação. No
que se refere ao ensino do design, seria interessante verificar como as diferentes
temáticas discursivas se manifestam nos diferentes programas de ensino ao longo
do tempo. Mostra-se aqui, para fins ilustrativos, uma linha hipotética de tempo
dos conteúdos dominantes no discurso projetual em cada página. Essa linha de
tempo deveria ser aprofundada mediante pesquisas detalhadas, por exemplo,
revisando-se os conteúdos das revistas especializadas e fazendo-se análise dos
textos significativos para a evolução do design.

Fundamentos do design
Outra pergunta não esclarecida na didática do design se refere aos seus funda
mentos e às pesquisas correspondentes.(25) Sobre esse ponto não existe unanimi
dade. Por exemplo, pergunta-se em que consistem os fundamentos do design e,
mais ainda, se o design pode ter fundamentos. Em outras palavras, pergunta-se
se o design é, por princípio, uma atividade sem fundamentos. Na hipótese de se
aceitar essa posição, a insistência nos fundamentos mostraria somente um desejo
ingênuo, superado e sem fundamento. Para fins de comparação, faz-se referência
às ciências que, segundo a opinião geral, gozam da reputação de estar apoiadas
em sólidos fundamentos e que, por isso, poderiam servir como ponto de referên
cia para o design.
Quando se busca informação nas próprias ciências, descobre-se que tampouco
elas possuem fundamentos. Sobre esse ponto, o físico Max Planck, manifestou
se numa palestra apresentada em 1941: «[…] se nós […] analisarmos deta
lhadamente a estrutura das ciências exatas, rapidamente percebemos que esse
edifício das ciências
fundamento. … não possui
existe para
um ponto
a ciência
perigosamente
exata um princípio de validade
fraco, e esse ponto étão
o 237

geral e ao mesmo tempo de conteúdo tão significativo que possa servir como
fundamento suficiente. […] Disso podemos tirar a conclusão razoável de que é
absolutamente impossível colocar a ciência exata sobre um fundamento geral
com conteúdo definitivo.»(26)
Independentemente da postura que se tem frente a essa questão – se o design
teria fundamentos ou não –, deve-se lembrar que o ensino dos fundamentos
visava a solução de um problema concreto na formação do designer. Vale dizer,
visava a criação de competência formal-estética dos estudantes, não somente da
capacidade perceptiva de diferenciação, mas, e sobretudo, da capacidade geradora
da diferenciação.
Um olhar para a história do ensino do design mostra que existiam fortes
controvérsias sobre o curso básico do Bauhaus, que é reconhecido no mundo
todo como característica distintiva para os programas de ensino do design, em

(25)
menos
design›
termoPara
‹fundamentos
carregado
(standard
evitar polêmicas
como,
practices).
do design›
porpode-se
exemplo,
O conceito
e utilizar
prescindir
‹práticas
‹fundamentos›
um conceito
dopadrão
uso dodo Em compensação, o conceito ‹práticas padrão› indica o
caráter contextual. Porém, por razões práticas nesse caso,
uso o conceito comum.
(26) Planck, Max, Sinn und Grenzen der exakten Wissen
tem uma conotação de um cânone de longa duração. schaft, editora J. Ambrosius Barth, Leipzig 1942, p. 4–5.
comparação com outras áreas do conhecimento humano. Na organização do curso
básico, foi debatida a questão, relativa à formação da competência formal-estética
geradora, se esta deveria ser tratada como um curso autônomo ou se o curso
básico como resíduo de uma época romântica deveria ser abolido por completo.
Conceitos, tais como ‹curso básico› e ‹fundamentos do design›, às vezes, ense
jam posições ortodoxas que coíbem qualquer debate. Por essa razão, talvez fosse
adequado não usar mais esses conceitos. Com isso, não se supera o problema
da formação da competência formal-estética, mas, pelo menos, neutraliza-se a
discussão.
Em vez de falar de ‹curso básico› e ‹fundamentos do design› pode-se usar o
termo ‹patterns›, criado por Christopher Alexander, que indica fenômenos recor
rentes, independentes de fatores econômicos, tecnológicos e contextuais. Dessa
maneira, pode-se afastar o perigo eminente da academização do curso básico,
transformando-o em exercícios projetuais resolvidos com receitas em forma de
cânone ou de um livro de estilos. A rejeição de um cânone morfológico é prova
velmente um dos principais motivos de aversão ao curso básico.

De discursos a viscursos
Há alguns anos fala-se sobre as ciências do ‹iconic turn›. Isso quebra a prima
zia da discursividade como espaço cognitivo privilegiado. ‹Visual turn› significa
238 reconhecer a visualidade como domínio cognitivo em oposição à tradição do
verbocentrismo dominante durante séculos. Essa mudança foi determinada pelas
inovações tecnológicas, sobretudo pelas técnicas digitais que possibilitam novas
maneiras de produzir imagens. Sobre isso, um autor escreve: «A operação fun
damental de criar imagens não trata simplesmente de uma reprodução passiva,
ilustrativa ou visualizadora de algo que já existe. Trata-se mais de uma apresen
tação ativa, de uma visualização original, não simplesmente reprodutiva.»(27)
No centro dos programas de ensino do design gráfico e da comunicação visual
encontra-se, como é sabido, a capacidade de visualização. Graças ao ‹iconic turn›
nas ciências e ao avanço da tecnologia digital, pode-se descobrir o potencial
cognitivo do design visual, isto é, o papel imprescindível do design visual nos
processos cognitivos. Com isso, abre-se um novo e fascinante campo de trabalho
e de pesquisa do design gráfico. Porém, deve-se reconhecer que o modo tradi
cional de pensamento, com origem na discursividade, encontra dificuldades para
reconhecer a importância cognitiva de imagens e da visualidade. O preconceito

(27) Abel, Günter, «Zeichen- und Interpretationsphiloso


phie der Bilder», em: Bildwelten des Wissens, coorde
nado por Horst Bredekamp e Gabriele Werner (coords.),
Kunsthistorisches Jahrbuch für Bildkritik, vol. 1,1, editora
Akademie, Berlin 2003, pp. 89–102.
|01|Esboço de um diagrama para visualizar os |02| Linha hipotética de tempo dos últimos 50 anos
amplos campos da pesquisa projetual. A história com uma listagem das temáticas que determinaram
do design pode basear-se em certa classe de o discurso em cada época. Por exemplo, nos anos
produtos, por exemplo, máquinas e ferramentas, 1950 e 1960, discutiu-se intensivamente o tema da
ou se limitar à biografia de uma pessoa ou analisar metodologia; hoje, em compensação, não existe
o desenvolvimento de uma empresa, oferecer um mais interesse por essa temática.
panorama sobre a história do ensino do design ou
rastrear a trajetória do design em um país.

|01|
História Tecnologia Estrutura Meios Projetar Globalização
/Forma /Vida cotidiana /Mercado

Países Materiais Biônica Mapping Métodos CI/Branding

Empresas Processos Morfologia Rede Teoria do design Concorrência

Tipos de produtos Sustentabilidade Percepção Simulação Fundamentos Economia política

Tipos VisCom TQM Teoria dos Audiovisualística Análise de design Centro/Periferia


sistemas
239
Ensino Teoria dos Estética Teoria dos
imagens
textos das Doutrinas Moda
sistemas (sincrónicas)
Protagonistas Normas Matemática Sociodinâmica da …
aplicada cultura

Doutrinas Gestão … Visualização Identidade


(diacrónicas) cultural
Cultura da vida … Cognição …
cotidiana
… …

1950 1960 1970 1980 1990 2000 |02|

Metodologia
Funcionalismo
Ergonomia
Produtividade

Ling. de produtos
Tecnologia altern.
Teoria da depend.

Diferenciação
Gestão
Pós-modernismo
Competitividade

Branding
Sustentabilidade
Globalização
Identidade
Cognção
Novos meios
profundo contra imagens ocorre quando elas são classificadas apenas como ‹boni
tas›. Aí se revela uma desconfiança visceral contra tudo que tem um mínimo do
traço do estético.
O preconceito contra o estético que existe na tradição das ciências da lingua
gem é amplamente conhecido. Por outro lado, essa hostilidade contra imagens
levou à reação do design, gerando a sua hostilidade contra a linguagem. O autor
citado caracteriza o conhecimento visual da seguinte maneira: «O saber não pro
posicional e não linguístico significa um saber que uma pessoa pode possuir sem
dispor de conceitos e predicados linguísticos e sem tê-los aprendido.»(28)
A tecnologia digital levará a profundas mudanças nas tradições epistemoló
gicas e criará um novo papel para o design visual.(29) Nesse contexto, o teórico
da mídia, Frank Hartmann, escreve: «Certamente a escrita e a leitura não per
derão imediatamente sua importância; porém, elas ocuparão uma posição menos
central na amplitude de representações culturais.» E continua: «A ideia de que
só a monografia impressa representa o estado de conhecimento de uma disciplina
científica hoje, em geral, é atribuída ao ‹mito da cultura dos livros›».(30)
Se for verdade que hoje não é mais possível praticar o design como há duas
gerações, deve-se reconhecer que é verdade também que não é mais possível fazer
pesquisa como há uma ou duas gerações, vale dizer, orientada principalmente
ou até exclusivamente à produção de textos. Essa nova tendência pode ser resu
240 mida em quatro palavras: de discursos a viscursos. Ao giro icônico das ciências
corresponderia o giro cognitivo nas disciplinas projetuais. Até o momento, ele
foi implementado somente de maneira rudimentar. Seria necessário fazer uma
completa revisão dos currículos escolares, privilegiando esses novos discursos em
substituição aos discursos tradicionais.

(28) A
(29)
design
Op.influência
significa
cit., p. 97.
muito
das tecnologias
mais que competência
digitais no ensino
técnicadono cindível para dar um passo além e começar a lidar com
questões de conteúdo.
(30) Hartmann, Frank, Mediologie – Ansätze einer
uso
animação.
de aplicativos
Essa competência
para elaborar
é oimagens,
pré-requisito
diagramação
impres- e Medientheorie der Kulturwissenschaften, editora Facul
tas, Wien 2003, p. 9 e p. 66.
Bibliografia
Abel, Günter, «Zeichen-und Interpretationsphilosophie der Bilder», em: Horst Bredekamp e Gabriele Werner (coords.),
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Inovação, Design e Globalização

• QUATRO ASPECTOS DA GLOBALIZAÇÃO


• MANTRA DO LIVRE MERCADO
• DIFERENTES CONCEITOS DO DESENVOLVIMENTO

• RANKING DE DESIGN E COMPETITIVIDADE

•ACADEMIZAÇÃO E BUROCRATIZAÇÃO DO ENSINO DO DESIGN


• POLÍTICA DE EMPRESA DOMINADA PELO MARKETING E DOMINADA PELO DESIGN
•TAXONOMIA DAS INOVAÇÕES DO DESIGN

•VETORES PARA A INOVAÇÃO DO DESIGN


|01|

|02|
|01||02|Design socialmente inclusivo, não elitista.
Medidor de leite em pó e embalagem para mingau
em pó, rico em proteínas, que foi distribuído
gratuitamente no programa de saúde da Unidade
Popular no Chile: cada criança recebeu um litro de
leite por dia. Projeto: Grupo de Desenvolvimento
de Produtos no Instituto de Pesquisa Tecnológicas
(INTEC), Santiago do Chile, 1973.

Comaspectos
Quatro toda razão, os designers reivindicam que o design deve ser considerado
da globalização 245

uma forma de inovação. Essa reivindicação estende-se também ao processo que, a


partir dos anos 1990, se denomina ‹globalização dos mercados›. Para definir com
mais precisão o papel do design nesse contexto, convém analisar ambos os fenô
menos mais detalhadamente, sobretudo porque o conceito ‹globalização› muitas
vezes é apresentado com uma simples explicação – ou melhor, não explicação –
dissociado de qualquer problema social. Nesse contexto, distingo entre quatro
diferentes facetas da globalização:
• Globalização tecnológica, possibilitada pelos avanços da informática, comuni
cação e transportes.
• Globalização econômica, no sentido de um comércio sem limites e fluxos
internacionais de capital sem controles.
• Globalização cultural, no sentido da difusão mundial dos valores e modelos de
consumo ocidentais.
• Globalização política, no sentido de uma recolonização da Periferia ou aquilo
que se chamou de ‹Terceiro Mundo›.(1)
Existe uma quinta face da globalização, vale dizer, a globalização da corrup
ção, mas essa deixo de fora, nesse contexto.

Conceitos errôneos de desenvolvimento


A globalização foi e é acompanhada, entre outros, por um conjunto de ins
tituições internacionais conhecidas pelos acrônimos tripps(2), gats(3) e wto(4).
A influência dessas instituições sobre a Periferia, que escapam dos controles
políticos democráticos – e, às vezes, agem em conjunto com o Banco Mundial
e o Fundo Monetário Internacional –, foi criticada especialmente por causa dos
créditos de ajuste para pagar as dívidas dos países.
Esses créditos, em geral, são implementados sem conhecimento ou aprovação
da população atingida e não consideram as condições sociais e ambientais dos
países receptores dos créditos. As consequências desses créditos e de suas impo
sições podem ser ilustradas mediante um diagrama: uma comparação da renda
per capita de seis regiões (China, Países Árabes, Sul da Ásia, Sudeste Asiático,
América Latina e Subsaara) antes e depois dos Programas de Ajuste Estrutural
saps (structural adjustment programmes). As imposições esquemáticas dos países
da Periferia em busca de créditos correspondem às leis do livre mercado(5). Os
valores se referem a dois períodos: 1960-1980 e 1980-1998. Como se pode ver,
somente na China e no Sudeste Asiático os saps produziram um aumento da
renda per capita; nas outras quatro regiões só geraram efeitos negativos.
Durante a década de 1990, os dez mandamentos do Consenso de Washington
dominaram a economia mundial, sobretudo na América Latina e não serviram
para o desenvolvimento dessa região.(6) Referiam-se a:
• Austeridade orçamentária
• Reorientação dos gastos públicos
246 • Reforma tributária (porém, não impostos sobre capitais)
•Liberalização da taxa de juros
• Taxas de câmbio competitivas
•Liberalização do comércio
•Liberalização dos fluxos de capital, sobretudo para investimentos estrangeiros
diretos
• Privatização

(1) O termo ‹Terceiro Mundo› foi cunhado em 1952 pelo internacional de serviços). Para os países periféricos, isso
demógrafo francês, Alfred Sauvy, em analogia ao tiers état pode significar, por exemplo, pessoal de segurança de
(os pobres e despossuídos), da Revolução Francesa. O ‹Pri empresas estrangeiras – uma expressão eufemística para
meiro Mundo› era sinônimo de bloco ocidental; o ‹Segundo mercenários – exercendo livremente e sem impedimentos
Mundo›, sinônimo do bloco do leste e o ‹Terceiro Mundo›, o seus serviços no país de acolhida. A agitação social e
restante. Com a mudança das relações de poder na política os protestos que vão contra os interesses comerciais da
mundial, o conceito de ‹Terceiro Mundo› perdeu seu signi metrópole podem ser contidos de forma legal e segura
ficado. É por isso que eu prefiro usar o termo ‹Periferia› e por tratados internacionais. A política anterior do alto
‹países periféricos›. Essa mudança da nomenclatura não capitalismo sustentado pelos canhões (canhoneiros) res
implica a conclusão errada de que a situação do então surge agora de forma modificada, entre outros, mediante
Terceiro Mundo sofreu uma transformação essencial. tratados internacionais de serviços.
(2) TRIPPS: Agreement on Trade-RelatedAspects of Intel (4) WTO: World Trade Organization (Organização Mundial
lectual Property Rights (Acordo sobre aspectos comerciais do Comércio). Fundada em 1994. Ficam claros quais
dos direitos da propriedade intelectual). interesses comerciais são e foram favorecidos quando
(3) GATS: General Agreement on Trade and Services, se examinam os documentos de milhares de páginas
1994 (Acordo multilateral de liberalização do intercâmbio da fundação dessa instituição. Países mais pobres não
• Desregulamentação da economia
• Segurança dos direitos de propriedade (sobretudo, dos investidores estrangeiros)
A fúria da privatização castigou especialmente a América Latina. A quanti
dade das transações na Europa do Leste e na Ásia Central era maior, com 5.634
operações comparada com o total de 1.270 transações na América Latina. Porém,
rendendo mais de 90 bilhões de dólares, a América Latina protagonizou um dos
balés das privatizações. Isso levou à venda de recursos sociais a favor de uma coli
gação de conglomerados financeiros internacionais fortemente relacionados com
agências multilaterais e com a mídia.(7)
Essas transações e a resultante concentração de recursos podem ser compara
das em sua dimensão e em suas consequências à colonização que ocorreu a partir
de 1492. É óbvio que se pode supor um efeito direto dessas medidas motivadas
politicamente sobre o mercado de trabalho dos designers – o Banco Mundial
propagava uma ‹reforma irreversível›, vale dizer, um congelamento do status quo
até a eternidade. Ao crescimento de poder político e econômico do setor finan
ceiro corresponde também, a partir dos anos 1990, a concentração de serviços de
design em cis e também a redução de serviços de design e de design industrial.
Segue-se a pauperização dos graduados em design, oriundos do grande número
de cursos de design. Estes passam a buscar uma saída para a situação precária
mediante o design e produção de objetos artesanais para decoração e acessórios
setor
pessoais,
informal
em grande
da economia.
parte, aplicando processos de produção pré-capitalista do

A implementação dos dez mandamentos do Consenso de Washington levou aos


seguintes resultados:
• Importação de produtos de luxo para a elite econômica local, o que significa 247

um retorno de divisas obtidas pelas exportações de matérias-primas aos países


centrais.

dispunham de recursos técnicos, jurídicos e financeiros (7) de Medeiros, Carlos Aguiar, «Asset-stripping the State
para fazer valer significativamente seus interesses. – Political Economy of Privatization in Latin America», em:
(5) A crítica massiva aos SAPs e os duvidosos sucessos New Left Review, n. 55, janeiro/fevereiro 2009,
levaram ao banimento desse termo da nomenclatura pp. 109–132.O economista brasileiro desmascara, nesse
das instituições financeiras internacionais. Resta a artigo, os argumentos geralmente usados a favor da
dúvida quanto a isso ter proporcionado alguma mudança privatização (suposta ineficiência das empresas públicas
substancial. e impostos gerados para sua subvenção de empresas
(6) O termo Consenso de Washington foi cunhado pelo públicas). «Eu mostrarei que a privatização em massa dos
economista John Williamson que, depois, foi forçado a anos 1990 não era concebida ou implementada como uma
dissociar esse conceito de sua conotação de uma política reorganização pragmática das estruturas do estado e do
econômica monetarista e neoliberal que depõe contra mercado no sentido de uma resposta a reais problemas
os interesses da maior parte da sociedade. Williamson, macroeconômicos, mas ela resultou de uma decisão
John, «What Should the Bank Think about the Washing político-ideológica para deslocar o Estado das atividades
ton Consensus?», 1999. Disponível em: http://www.iie. produtivas, independentemente do fato de qual setor da
com/publications/papers/paper.cfm?ResearchID=351 economia ou de qual mercado se tratava ou tratava-se do
(último acesso: 19.01.2009). fornecimento com bens públicos.»
• Destruição de empresas locais
• Redução do consumo local, dando prioridade a uma política econômica orien
tada a exportações
• Divisas obtidas pelos governos locais imediatamente retransferidas aos países
centrais para pagar as dívidas
• Enfraquecimento do Estado e das instituições públicas
• Carga de impostos, em grande parte, constituída de impostos sobre o con
sumo, onerando os ‹economicamente menos favorecidos› com a maior carga
•Liberalização da taxa de juros, significando perda de poder do Banco Central e
maior dificuldade para pequenas empresas obterem crédito
• Eliminação das barreiras de comércio, levando a uma desindustrialização da
economia (Argentina é um caso exemplar)
• Privatização, significando venda de riqueza social a favor de uma elite local e
investidores estrangeiros
• Desregulamentação, significando concorrência em condições desiguais
Os avanços do design industrial da década de 1960, que se basearam em uma
política orientada à substituição de importações e ao mercado interno, foram
eliminados. Igualmente, foram desconsiderados os argumentos para que o design
industrial se transformasse em fator de desenvolvimento como fundamento para
um Policy Paper da unido(8) (publicado em 1973), e que foram continuados em
248 1979, na Ahmedabad Declaration on Design and Development (National Institute of
Design, Ahmedabad). As recomendações se referiam ao uso do design para:
• Recuperação da balança de pagamentos (industrialização orientada ao mer
cado interno)
• Orientação às necessidades locais. Produtos desenvolvidos para as necessidades
dos países centrais não são igualmente adequados para países periféricos
• Criação de empregos. O design de produtos intensivos em trabalho, em vez
de intensivos em capital, pode contribuir para reduzir o desemprego
• Diversificação. O design industrial pode contribuir para diversificar o con
junto dos produtos fabricados
• Recuperação do mercado de exportação. O design industrial pode ser utili
zado como instrumento para alavancar as exportações
• Criação de identidade cultural. Produtos, isto é, artefatos materiais, podem
expressar uma identidade cultural
• Tecnologias alternativas. O design industrial pode contribuir para o desenvol

Organization,
Bonsiepe,
(8) Bonsiepe,
pela UNIDOGui,
United
Wien
Gui,
Industrial
Design
Nations
1973.design:
forIndustrial
industrialization,
basicDevelopment
guidelines
editado
fora Industrial Development Organization, Wien 1973.
Bonsiepe, Gui, «Industrial Design in Latin America», em:
Design for Development, National Institute of Design
Ahmedabad, Ahmedabad 1979.
policy of UNIDO, editado pela UNIDO United Nations
vimento de produtos alternativos compatíveis com o ambiente
• Necessidades da maioria. As diferenças extremas de renda nos países perifé
ricos excluem grande parte da população do acesso a produtos industriais, a
qual necessita de produtos adequados
• Racionalização da variedade. Frente aos recursos limitados, parece duvidoso
copiar o estilo de vida dos países centrais. A variedade de produtos pode ser
racionalizada
As reflexões sobre a função do design industrial para uma política de desen
volvimento local e autônomo basearam-se em diferentes fontes. De acordo com a
orientação e o enfoque, receberam diferentes denominações:
• Design participativo
• Design alternativo
• Design apropriado (de acordo com a appropriate technology)
• Convivial design(9)
Na década de 1970, houve muitos debates sobre o papel do design na Peri
feria e sua contribuição mais abrangente para o crescimento e os limites desse
crescimento, ambiente e poluição ambiental, industrialização, política tecnoló
gica e a brecha norte-sul. Hoje, esse debate caiu no domínio do ‹desenvolvimen
to sustentável› e do ‹design sustentável›. Falta ainda uma análise histórica da
interação entre essas diferentes correntes do desenvolvimento.
ca que
Retornando
preconizava
às consequências
levou, no campo
do Consenso de Washington,
da comunicação visual,aàpolítica
instauração
econômi-
do 249

branding como um procedimento para criar capital simbólico.(10) Menciono esses


detalhes da política econômica porque eles exercem uma influência direta sobre
o design industrial e design gráfico da Periferia, tanto na prática profissional,
quanto no ensino. Na América Latina, o design se transformou numa carreira de
moda, o que pode ser constatado pela hipertrofia dos cursos.(11)

(9) Papanek, Victor, Das Papanek-Konzept – Design für (10) Este processo não é somente típico para a Argentina,
eine Umwelt des Überlebens, editora Nymphenburger pois foi documentado em detalhes na História do Design
Verlagsbuchhandlung, München 1972 (edição original na América Latina e Caribe. Ver: de Ponti, Javier e Ale
sueca 1970). jandra Gaudio, «Argentina 1940-1983», em: Historia del
Schumacher, Ernst F., Es geht auch anders – Jenseits des diseño en América Latina y el Caribe – Industrialización
Wachstums|Technik und Wirtschaftnach Menschenmaß, y comunicación visual para la autonomía, coordenado
editora Kurt Desch, München 1974. por Silvia Fernández e Gui Bonsiepe, editora Blucher, São
Illich, Iván, Almosen und Folter, editora Kösel, München Paulo 2008, pp. 24–43. E Fernández, Silvia, «Argentina
1976. 1983–2005», em: op. cit., pp. 44–60.
Illich, Iván, Obras reunidas I, Fondo de Cultura Económica, (11) Certamente, o Consenso de Washington não é
México 2006. a única causa desta expansão. Porém, a privatização
Elliott, David e Nigel Cross, Diseño, tecnología y parti forçada do ensino superior ajudou a elevar a taxa de
cipación, Gustavo Gili, Barcelona 1980 (edição original crescimento dos cursos de design.
inglesa 1975).
Balaram, Singanapalli, Thinking Design, National Institute
of Design, Ahmedabad 1998.
No Brasil, são oferecidos mais de 380 cursos de graduação em design, com
diferentes denominações – design de moda, design de interiores, design de pro
duto, comunicação visual, design de comunicação, design gráfico, web design,
design digital, design de informação… Essa expansão também se verificou nos
cursos de especialização, mestrado (sete programas) e doutorado (dois programas)
em design.(12)
No Chile, são oferecidos 120 cursos de design, a metade de nível universi
tário e a outra metade no ensino profissionalizante, em grande parte em insti
tuições privadas. No momento, estima-se o número de estudantes em 18.000.
Deles, anualmente 3.000 terminam os estudos de graduação. O número de
docentes de design excede o número de designers que atuam profissionalmente
como designers.(13)
Sobre o processo de desprofissionalização no ensino do design, o engenheiro
Itiro Iida, que teve um papel importante na consolidação do design no Brasil,
comenta: «Primeiro, existem muitos cursos de design em que os professores não
são designers, mas engenheiros, arquitetos e artistas plásticos. Há também psicó
logos, pedagogos, sociólogos e todos os tipos de profissionais que nunca pegaram
em um lápis ou computador para fazer um projeto. Segundo, há professores de
design graduados em design, mas que nunca exerceram a profissão na prática.
Isso acontece principalmente nas universidades federais, onde se valorizam os
250 títulos acadêmicos de mestre e de doutor, mas a experiência prática vale muito
pouco. Por outro lado, o regime de trabalho exige dedicação exclusiva, o que
impede que esses professores exerçam a profissão prática de design nas empre
sas. Então, há estudantes de design que fazem cursos de mestrado e doutorado
e tornam-se professores sem nunca terem trabalhado como designers, pois a
experiência deles é puramente acadêmica. Esse processo vai se autoalimentando e
a prática do design fica cada vez mais distante.»(14)
Existe uma assimetria estranha nas exigências de competências para docentes
de design: um candidato academicamente forte (títulos) goza do privilégio de
superar outro que apresenta competência projetual, o que pode levar a uma perda
de qualidade no ensino do design. Em consequência, um candidato competente
no projeto só é reconhecido quando se qualifica cientificamente, obtendo um
título acadêmico de mestre ou doutor. Ninguém exigirá de um sociólogo a com
petência de projetar um leito de hospital. A aplicação esquemática de critérios
supostamente universais, derivados de outras tradições e áreas do conhecimento

(12) Pires Stephan, Auresnede, comunicação pessoal,


21.01.2009. (13) Walker, Rodrigo, comunicação pessoal, 20.02.2009.
(14) Iida, Itiro, comunicação pessoal, 22.02.2009.
humano, pode levar a uma paulatina perda do núcleo central das carreiras proje
tuais que é o projeto. Não temos, até o momento, critérios próprios para a quali
ficação acadêmica no campo do design. Os critérios para a qualificação acadêmica
no campo de design precisam ser revisados.
O estudo do design goza da reputação duvidosa de permitir acesso a uma
carreira rápida, com muito glamour, e não apresentar grandes exigências cogniti
vas.(15) Hoje é considerado um exagero a ideia que o design possa demandar – e
significar – trabalho sério. Difunde-se a ideia de que a principal exigência é a
diversão. Estudar design virou festa – nada mais.
Essa concepção glamourosa da carreira do design encontra seu complemento
no esvaziamento do trabalho projetual que deve satisfazer, em primeiro lugar, as
necessidades narcisísticas pessoais e prestar-se a criar um evento que provoque
ressonância midiática. A existência de completa concordância entre essa concep
ção do design como fenômeno divertido/festivo e a sua midiatização não deveria
provocar surpresa. A exigência de que a carreira do design deva ser divertida
em primeiro lugar corresponde plenamente à corrente do pensamento do status
quo. Transpondo-se ao ensino da arquitetura, essa concepção do trabalho proje
tual pode ser resumida na frase reveladora e talvez ingênua de uma estudante:
«Eu vim estudar arquitetura para aprender a projetar Sheratons e condomínios
residenciais elegantes. Que os pobres arrumem soluções para suas necessidades
habitacionais
Mencionandoporas
suainstituições
própria conta – eu nãoorientadas
financeiras me interesso
pelospelo
interesses
povão.»dos países 251

centrais, compreende-se a sensibilidade para os aspectos políticos do design que


resultam da consciência da dependência. Assim, compreendem-se também os
motivos das reações da população, por exemplo, quando as poupanças foram
confiscadas na Argentina, no final de 2oo1. Essa medida marcou o término de
uma fase da política econômica e social que levou o país a um empobrecimento
inédito até o momento. Muitos desses protestos não encontram ressonância nas
notícias controladas pelos meios de comunicação de massa e, por isso, podem ser
encontrados somente em canais alternativos.
Os defensores do Consenso de Washington reagiram com irritação às críticas de
seus detratores. Não encontraram uma resposta melhor que desqualificar essas
críticas, considerando-as como manifestações ideológicas (como é sabido, a ideo
logia é sempre a ideologia dos outros): «… a maioria do dissenso com a política
do Consenso de Washington foi, muitas vezes, inspirada por ideologias antimercado,

(15)
academização
«WasPara
bringtuns
o tema
doDoktor
do
ensino
doutorado
Design?»,
do design,
em em:
design
vejaHochparterre,
meu
e o risco
comentário:
da n. 1–2, 2003. Uma versão integral foi publicada na
Argentina: Bonsiepe, Gui, «Doctorabilidad del diseño», em:
tipográfica XVI, n. 54, dezembro 2002, pp.8–9.
nacionalismo exacerbado, antiamericanismo e outras formas de variantes contem
porâneas de obscurantismo.»(16)

Ranking da competitividade e do design


Após esse curto comentário relativo à globalização e sua influência sobre o
desenvolvimento do design e o potencial de inovação na Periferia, dirijo-me ago
ra ao tema da competitividade. Para ela, o design pode funcionar como um dos
numerosos indicadores. Partindo de um ranking dos países mais competitivos,
elaborado pelo Foro Econômico Mundial, um grupo de economistas na Nova
Zelândia identificou cinco indicadores relevantes para o design, elaborando um
ranking dos países nos quais o design tem um papel econômico importante. Esse
ranking de design foi correlacionado ao ranking da competitividade. Os cinco
indicadores utilizados para elaborar o ranking de design foram:
• Difusão e aplicação da práxis do branding
•Capacidade de inovação
• Originalidade do design de produto (em comparação a cópias ou novos desen
volvimentos)
• Qualidade e maturidade dos processos produtivos
• Desenvolvimento de uma consciência do marketing
Ainda que se possa manter certa reserva frente ao valor informativo desse
252 ranking, em virtude do pequeno número dos indicadores relevantes para o de
sign, e de uma forte tendência para o marketing, essa pesquisa leva a um resulta
do revelador: entre os 75 países representados no Global Competitiveness Report, os
líderes em competitividade econômica também são líderes no campo de design.
Três anos mais tarde, essa pesquisa foi aprimorada por uma equipe da University
of Art and Design de Helsinki, analisando o impacto dos programas nacionais
de design sobre a respectiva competitividade.(17) Na versão de 2005, o número
de indicadores foi elevado para sete. Isso dificultou as comparações; contudo,
continuam sendo igualmente informativos. Foram considerados os seguintes
indicadores para o design:
•Verbas das empresas para pesquisa de desenvolvimento
• Vantagem competitiva (por exemplo, baixo custo de mão de obra)
• Presença do design na cadeia de criação de valor (por exemplo, fabricação sob
licença ou desenvolvimento próprio)
•Capacidade de inovação

Reforms:
sion?»
http://www.imf.org/exernal/pubs/ft/seminar/1999
(16) Naim,
(1999).
Washington
Moses, «Fads
Consensus
and Fashion
or Washington
in EconomicConfu- (17) Sorvali, Katja, Jaana Hytönen e Eija Nieminen,
Global Design Watch, coordenado pelo New Centre of
Innovation in Design, at the University of Art and Design
(UIAH), Helsinki, abril 2006.
reforms/Naim.HTM (último acesso: 03.06.2002).
• Qualidade e maturidade dos processos produtivos
• Desenvolvimento de práticas de marketing
• Grau de orientação ao consumidor
Foi elaborado novo ranking de design em que podem ser vistas as seguintes
mudanças:

Ranking de 2002 Rangliste de 2005

1. Finlândia 1. Japão
2. eua 2. eua
3. Alemanha 3. Alemanha
4. França 4. Suíça
5. Japão 5. Dinamarca
6. Suíça 6. França
7. Holanda 7. Finlândia
8. Suécia 8. Suécia
9. Dinamarca 9. Bélgica
10. Grã-Bretanha 10. Áustria

Em 2002, a Finlândia ocupava o primeiro lugar e a Bolívia, no outro ex


tremo, o último. Esses dados permitem concluir que o design transformou-se
num fator econômico não desprezível.(18) Essa afirmação positiva é relativizada
por uma pesquisa italiana da indústria do arredamento (indústrias de móveis 253
e luminárias) que contribuiu consideravelmente para a fama internacional do
design italiano.(19)
A autora Gabriella Lojacono diferencia duas formas de políticas de empresa,
vale dizer, entre empresas dominadas pelo marketing (md – marketing dominated)
e empresas dominadas pelo design (dd – design dominated), e compara os res
pectivos desempenhos econômicos. Das 62 empresas incluídas nessa pesquisa,
somente 27 eram dominadas pelo design. Ainda que as empresas dominadas
pelo design produzissem o maior valor agregado, no resultado econômico final,
aquelas dominadas pelo marketing produziam um resultado melhor, com 4,5%
comparadas com 2,7% das empresas dominadas pelo design.(20)

(18)Uma pesquisa feita na Suíça trouxe à luz um Theler e Christoph


coordenado pela hgkz
Weckerle,
(Universidade
Kultur.Wirtschaft.Schweiz,
de Arte e Design),
resultado esclarecedor: em janeiro de 2000, o volume de
negócios no setor das atividades de design inseridas nas Zürich 2003.
indústrias culturais (design gráfico, design de comunica (19) Lojacono, Gabriella, «Un’analisi del sistema arreda
ção, gráfica comercial e design industrial) chegou a cerca mento italiano», em: Disegnato in Italia, coordenado por
de 5,6 bilhões de francos suíços – uma cifra elevada em Laura Galloni e Raffaella Mangiarotti, Hoepli, Mailand
comparação ao volume de negócios total da indústria 2005.
da relojoaria, com aproximadamente 12,95 bilhões de (20) Este resultado médio não deve ser usado para forjar
francos suíços. Fonte: Hofecker, Franz-Otto, Sabine um argumento contra uma política de empresa orientada
Peternell, Tanja Scartazzini, Michael Söndermann, Hubert e dominada pelo design.
grammes)
|03|Impacto
regiões. Sósobre
na
dos
China
aSAPs
renda
e (Structural
nomédia
Sudeste
nasAdjustment
Asiático
seis diferentes
foram
Pro- |04|Traços da fúria da multidão nas fachadas no
prédio de um banco em Buenos Aires após o con
fisco das poupanças dos pequenos poupadores na
verificados resultados positivos. Argentina 2001/2002.
|05|Um grafite na fachada de um banco na Argen
tina, 2002, com um apelo claro: «Menos bancos,
mais escolas».

|03|
Mudança da renda per capita antes de depois
dos programas de adaptação estrutural
1980-1998
China
1960-1980
Países árabes

Sul da Ásia

Su-Sudeste da Ásia

América Latina
254
Sub-sahara
-50 0 50 100 150 200 250 300 %

|04|

|05|
|06|Designíndexranking2002. |07| Design índex ranking2005.
at. Áustria it. Itália au. Austrália jp. Japão
au. Austrália jp. Japão cn. China kr. Coreia
bo. Bolívia my. Malásia de. Alemanha nl. Holanda
ch. Suíça nl. Holanda dk. Dinamarca no. Noruega
cn. China no. Noruega ee. Estônia se. Suécia
de. Alemanha nz. Nova Zelândia fi. Finlândia sg. Cingapura
dk. Dinamarca se. Suécia hk. Hong Kong uk. Reino Unido
fi. Finlândia uk. Reino Unido in. Índia us. EUA
fr. França us. EUA is. Islândia
ir. Irlanda

|06|

80
bo
70

60
my

50

40
cn
30 255
10 fi at
kr
20 au nz
no ir

de
chuksedk fr it
nlus
jp

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Índice do ranking de competividade


(Fonte: WEF, NZIER 2002/2003)

|07|
n 50
ig
s
e
d
m
e
e
c cn
d
a
d 40
a
ivt
itep

m
n
o 30 noau ee in
a
d
g
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k it
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r 20
o hk
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e
ic is
d
n sg kr
Í
10 nl uk

se
fi
dk de
us jp
1 10 20 30 40 50

Índice do ranking de competividade (crescimento)


(Fonte: World Economic Forum, The Global Competitiveness Report 2005/2006)
Sete estratégias para competir
Podemos enumerar sete estratégias para competir em mercados internacio
nais, em que se inclui o design:

1.Inovação tecnológica
Essa estratégia, em geral, é intensiva em pesquisa e investimentos de riscos elevados. Por isso, torna-se difícil
para países periféricos e pequenas empresas.

2.Preço baixo
Essa estratégia tira vantagem dos salários baixos, leis ambientais brandas (vale dizer, leis que podem ser
dribladas ou que, no caso de uma contravenção, preveem multas irrisórias), energia e matéria-prima baratas.

3.Curto prazo de entrega


Essa estratégia requer competência no campo da produção e logística.

4.Qualidade
Essa estratégia requer investimentos em máquinas e equipamentos, processos de fabricação maduros, mão
de obra qualificada e know-how no controle de qualidade.

5.Sustentabilidade
Essa estratégia requer know-how sobre os impactos dos materiais e processos de fabricação sobre o meio
256
ambiente (por exemplo, as assim chamadas ‹mochilas ecológicas›).(21)

6.Design
Essa estratégia requer competência profissional para atividades projetuais.

7.National branding
Essa estratégia requer know-how no campo do marketing.
Essas opções estratégicas valem tanto para a economia – programas de fomento –, quanto para empresas
individuais.

(21) Uma interpretação do termo ‹sustentabilidade› que


se limita aos aspectos exclusivamente ambientais sem
tomar em conta a sustentabilidade social limita suas
possibilidades de contribuir para problemas ecológicos.
Oito tipos das inovações do design
Se analisarmos a estratégia de competir mediante design, podemos estabelecer
oito tipos ou classes de inovação. Esta lista não pretende ser completa. Deve ser
vista mais como uma tentativa de mostrar a amplitude das atividades inovadoras
realizadas pelos designers.

1.Inovação para melhorar a qualidade de uso de um produto ou uma informação


Exemplo: bico regulável de um espremedor de cítricos (ilustrações 08 e 09).(22)

2.Inovação para criar produtos e/ou affordances


O produto (ilustração 10) oferece a possibilidade de fixar bem o cabo do guarda-sol na praia, evitando, assim,
que seja levado pelo vento. Esse exemplo pode ser considerado também como uma inovação funcional,
entendendo o conceito de função como lista de serviços e não o modo de uso.

3.Inovação no processo de fabricação

4.Inovação na sustentabilidade

5.Inovação para facilitar o acesso a um produto ou serviço (design inclusivo)


O design inclusivo pode ser compreendido pela comparação com seu oposto, o design exclusivo, ou seja, o
design caro e luxuoso. O design inclusivo não cria limitações à satisfação de necessidades, sobretudo
necessidades básicas da população, em virtude das limitações financeiras. Uma política inclusiva no setor da
saúde, por exemplo, produz medicamentos genéricos com preços acessíveis não orientados somente à
obtenção de lucro. 257

6.Inovação na aplicação de novos materiais ou materiais reciclados para novos produtos

7.Inovação na qualidade formal-estética


A maioria dos trabalhos inovadores dos designers se encaixa provavelmente nessa classe, principalmente
quando se faz o redesign para atualizar os produtos já existentes.

8.Inovação na oferta de produtos de uma empresa (design estratégico)


Design estratégico pode ser explicado por meio do exemplo de uma empresa que produz maquinário agrícola.
Quando essa empresa encontrou dificuldades na venda da linha tradicional de produtos, pensou em
diversificar a produção, passando a fabricar também rações para gado, sem cortar a produção do maquinário
agrícola. Em virtude da ampliação do leque de produtos, a empresa foi capaz de se manter no mercado.

(22) Na prática, estes tipos de inovação provavelmente


se sobrepõem aos outros. Além disso, contarão, em geral,
com a participação de outras profissões; sobretudo, em
problemas de maior complexidade.
Vetores ou forças motrizes (driving forces) para inovações do design
Complementando a taxonomia das inovações de design, apresento a lista dos
fatores essenciais ou vetores (driving forces) para a inovação.

1.Inovação baseada na tecnologia (technology-driven)


Exemplo: uma roda com raios extremamente resistentes e leves para uma bicicleta de competição. Essa
inovação pressupõe know-how para fabricação e transformação de materiais especiais.

2.Inovação baseada no usuário (user-driven)


Exemplo: um abridor de latas com disco de corte atuando lateralmente no cilindro da lata. Com isso, evita-se
que limalhas de metal caiam na conserva.

3.Inovação baseada na forma (form-driven)


Exemplo: um tecido esticado em cima de uma moldura retangular com uma superfície de apoio minimamente
indicada. Nesse caso, o vetor formal-estético tem um papel determinante.

4.Inovação baseada na invenção (invention-driven)


Exemplo: o aspirador de pó de Dyson resultou de uma extensa série de provas para transformar um aspirador
de pó sem saco em produto viável.

5.Inovação baseada no valor simbólico ou status (symbol or status-driven)


Exemplo: o espremedor de cítricos de Philippe Starck, que se transformou num objeto de status – o que não
era necessariamente a intenção original do designer.

6.Inovação baseada na tradição (tradition-driven)


Exemplo: o tampo de madeira talhado de uma mesa no México.
258
7.Inovação baseada na engenharia mecânica (engineering-driven)
Exemplo: no caso de um caminhão de carga pesada para mineração ou um equipamento de tomografia com
ressonância magnética, as engenharias terão um papel determinante. O grau de liberdade formal-estética é
menor comparado a uma inovação baseada na forma.

8.Inovação baseada na ecologia (ecology-driven)


Exemplo: a cadeira ‹picto›. Trata-se de um design sustentável que se caracteriza pela redução da variedade dos
materiais, pelo uso de materiais puros sem conter metais pesados; em que se usam junções removíveis (em vez
de soldas, colas ou rebites), facilitando assim o conserto. A taxa de reciclagem chega a pelo menos 90%.

9.Inovação baseada no branding (brand-driven)


Exemplo: no processo de privatização (1990) do serviço telefônico público entel, na Argentina, os dois novos
consórcios foram apresentados ao público por uma nova campanha própria de branding.

10.Inovação baseada nas tendências (trend-driven)


Exemplo: design de tênis que define e promove novas tendências.

11.Inovação baseada na arte (art-driven)


Exemplo: uma escultura artística aplicada na base de um poste de sinal de trânsito.

12.Inovação baseada na crítica (critique-driven)


Exemplo: um martelo com o cabo curvado em 180 graus – uma paródia sobre a praticidade de uma ferramenta
de Jacques Carelman.(23)

(23) Carelman, Jacques, Objets Introuvables – A Cata


logue of Unfindable Objects, Frederick Muller, London
1984 (edição original 1969). Disponível em: http://www.
cienaniosdeperdon.com.ar/IO/#
|08||09|Inovação na qualidade do serviço. Bico de |11|Inovação no campo da reciclagem. Barril como
espremedor de cítricos que impede o escoamento. depósito para sacos de lixo (Uruguai).
Projeto:Philips. |12||13|Inovação determinada pelo uso. Detalhe do
|10| Inovação na área de novos affordances. disco de corte de um abridor de latas.
Suporte para fixar o cabo de guarda-sol na praia.

|08||09|

259

|10||11|

|12||13|
|14|Logo para a empresa Telecom Argentina |15|Inovação determinada tecnologicamente. Aro
(design da imagem corporativa). de roda fabricado com fibras de carbono.
Projeto: Studio Fontana Diseño. Rubén Fontana |16|Inovação determinada pela tendência (trend).
e Zalma Jalluf, 1998 (Argentina).

|14||15|

260

|16|
|17|Inovação no campo estético-formal. Um tecido |19||20|Inovação no campo estético-formal: design
fica esticado sobre a moldura com uma superfície metafórico de um saleiro e pimenteiro que são
de assento minimamente insinuada. unidos por ímãs. Projeto: Barro de Gast para a
Projeto: NOPICNIC Industrial designer AB, 2002. empresa Koziol.
|18|Inovação determinada pela invenção. Aspi
rador de pó que funciona sem sacos de papel.
Projeto: James Dyson, 2004.

|17||18|

261

|19||20|
|21|Inovação determinada pela tradição. Mesa |24|Inovação na área de design ecologicamente
esculpida, Michoacán, México. orientado. Detalhe da junta de um apoio para os
|22|Inovação determinada pelo valor simbólico. braços com a estrutura da cadeira ‹picto›.
Espremedor de cítricos. Projeto:Philippe Starck, Projeto: Nick Roericht, para a empresa Wilkhahn,
1993. 1993.
|23|Inovação determinada pela engenharia mecâ
nica. Caminhões para mineração.

|21||22|

262

|23|

|24|
|25|Inovação determinada pelo enfoque artístico. nova. O ventilador funciona sem abas de um rotor.
Escultura de aço inoxidável aplicada a um poste de É o principio técnico que permite uma inovação
iluminação urbana. estético-formal. Projeto: James Dyson, 2010.
|26|Inovação baseada em pesquisa experimental. |27|Inovação determinada pelo enfoque crítico.
O designer chega a uma nova forma não tomando Jaques Carelman.
o tema projetual como uma busca por uma forma Uma paródia à utilidade.

|25||26|

263

|27|
Inovação – pelo menos o conceito – goza hoje de uma reputação muito alta e
indiscutível. Porém, pouco se fala sobre os conteúdos da inovação. Com relação
ao design, ela vai das pequenas mudanças formais até a inovação radical.

Postscriptum
Da mesma maneira que a economia planejada e centralizada se mostrou pouco
viável, a busca por outras formas de organização social pode ganhar crédito e
legitimação após a furiosa onda dos mercados financeiros desregulados e a não
menos furiosa privatização de recursos sociais.(24) Frente à atual crise e à perda
de legitimidade do mercado caracterizado pelo adjetivo ‹livre› como instância
central de regulação de todas as relações sociais (caso se queira ver nessa crise o
fim do capitalismo ou, no máximo, uma das crises periódicas do capitalismo), é
provável que exista uma opinião unânime de que começou um período de fortes
turbulências políticas, sociais e ambientais.
O «sempre vigilante olho do status quo»(25) não pode ignorar o surgimento
de uma nova organização social da Periferia. Abordagem que se denomina de
«produção solidária», como contrapeso da dilaceração social, é vista com profun
da desconfiança. Caso essas abordagens, que diferem do conceito ocidental de so
ciedade, natureza e prática da vida cotidiana, sejam consolidadas no futuro, será
necessário fazer uma reinterpretação dos conceitos de design e inovação como se
264 entende na tradição ocidental. No atual nível de desenvolvimento não é possí
vel prever se essa nova abordagem permitirá fazer redescobertas das tradições
ocidentais escondidas e latentes. Porém, pode-se afirmar com toda certeza que
nessas abordagens das formas solidárias de vida – que se desenvolvem fora das
turbulências midiáticas – a concepção atual do design será relativizada e, com
isso, os conteúdos das atividades inovadoras e sua relevância social, em oposição à
inovação de per si (an und für sich), serão colocados no centro da observação.

(24) Os termos como ‹cobiça› e ‹busca de lucros› não ção pode ser considerada parcialmente válida, embora
contribuem para explicar a crise, como se constata na o motivo mais profundo da debacle financeira esteja no
seguinte avaliação: «O problema da crise consiste em princípio do livre comércio considerado intocável, e imple
que, por um lado, ideias ingênuas otimistas sobre o ‹livre mentado impiedosamente pelos centros de poder depois
mercado› fomentaram regulamentações brandas ou dos anos 1980.
inexistentes de um sistema financeiro potencialmente (25) Colocação feita por Tomás Maldonado em um debate
instável e, por outro lado, a formulação de mecanis público, no âmbito da exposição da hfg-ulm no Museu
mos de remuneração que, por sua vez, fomentou uma Nacional de Belas Artes em Buenos Aires, realizada em
predisposição a riscos e oportunismo imediatista.» Solow, 04.12.2007, respondendo a pergunta sobre se seria possí
Robert M., «How to Understand the Disaster.» em: The vel começar nos anos 1950 um experimento tão radical em
New York Review of Books, LCI, n.8, 2009. Essa explica um país não particularmente aberto a inovações sociais.
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www.financialpolicy.org/financedev/williamson.pdf.
Notas de Referência

01.Design e Democracia 06.Patterns


uma Contribuição
Audiovisualísticos
à Semiótica
– Empírica 267
Versão abreviada de uma conferência apresentada
na Universidade Tecnológica Metropolitana, San Uma versão anterior deste material foi publicada
tiago do Chile, 24.06.2005. Entrevista com Jesko em:Joost, Gesche e Arne Scheuermann (coords.),
Fezer 2010 publicada no programa Civic Cities da Design als Rhetorik – Grundlagen, Positionen, Fallstu
zhdk Zurich. dien, editora Birkhäuser, Basel, Boston, Berlin 2008.

02.Algumas Virtudes do Design 07.Um Olhar sobre as Falhas (breakdowns)


Versão ampliada, traduzida do inglês de uma e Juntas.
conferência no simpósio ‹Design beyond Design›, Versão atualizada de uma palestra apresentada na
organizado pela Jan van Eyck Academy, em Maas Universidade das Artes, Zurich, em março 2007,
tricht, em novembro de 1997, em homenagem a com o título «Public Works – Vorstudie zu einem
Jan van Toorn. Grundbegriff des Entwerfens: breakdown»

03.Identidade – Contraidentidade do Design 08.Entre Ocularismo e Verbocentrismo


Versão ampliada de uma palestra apresentada num Versão revisada da introdução para a edição número
colóquio na Universidade das Artes em Zurique, 2 da revista formdiskurs sobre meios digitais (1996).
em 22.03.2007.
09.Pensamento Operacional e Pensamento
04.Cognição e Design – o Papel da Visualização Contracorrente
para a Socialização dos Conhecimentos Versão revisada de uma palestra apresentada
Versão ampliada de uma conferência apresentada no simpósio por ocasião do 50º aniversário da
com o título «Design and Cognition» no Simpó Universidade das Artes Berlin-Weißensee, em
sio Internacional Ricerca+Design organizado pelo 01/02.11.1996.
Politécnico de Milão, em 18/20.05.2008.
10.Racionalismo Militante em um Laboratório
05.Retórica Visual-Verbal de Inovação Cultural
Este texto foi publicado pela primeira vez em Versão revisada e ampliada de uma contribuição
1965, na revista da hfg-ulm. Partiu de um semi intitulada «Die Aktualität der hfg-ulm» (A atuali
nário sobre semiótica, de Tomás Maldonado. Eu dade da hfg-ulm), publicada pela editora Hatje Cantz
o incluo neste livro porque é considerado um dos 2003 para o catálogo da exposição ulmer modelle –
primeiros trabalhos que abriram espaço para a modelle nach ulm/hochschule für gestaltung 1953-1968.
pesquisa da retórica visual analisando a interação
entre imagem e linguagem.
268 11.Design e Pesquisa do Design – Diferença
e Afinidade
Versão ampliada de uma palestra apresentada no
simpósio do Swiss Design Network, Basileia, em
13/14.05.2004.

12.Inovação, Design e Globalização


Versão ampliada de uma palestra apresentada
na Universidade Tecnológica Metropolitana,
Santiago, junho 2005 e no Centre de Documen
tació impiva Disseny, División de Investigación y
Gestión del Diseño - idf, Universidade Politéc
nica Valencia, abril 2008.
Imagens

02.Algumas Virtudes do Design 05.Retórica Visual-Verbal 269

|01|–|04|Fotos G. Bonsiepe. |01|–|45|Arquivo G. Bonsiepe.

03.Identidade – Contraidentidade do Design 06.Patterns Audiovisualísticos – uma Contribui


ção à Semiótica Empírica
|01||02||03||16||19||21|–|39||45||46|–|62||68||69|
Fotos G. Bonsiepe. |01|Diagrama G. Bonsiepe.
|04|–|14||20||66||67|Arquivo G. Bonsiepe. |02|Annette Haas e Lars Backhaus.
|15|Studio Boldring & Ficardi. Arquivo G. Bonsiepe.
|17|Studio Osvaldo Rocco e Roberto Brazil. |03|–|10| AD Studio. Arquivo G. Bonsiepe.
|18|Fernando Shultz Morales. |11||12|Sandra Buchmüller e Gesche Joost.
|40||41||42|Municipalidad de La Ciudad de Arquivo G. Bonsiepe.
Buenos Aires, Guillermo González Ruiz, Ronald |13|Juan Arroyo e Oliver Hochscheid.
Shakespear. Arquivo G. Bonsiepe.
|43|Municipalidad de La Ciudad de Buenos Aires, |14|–|18|clearinteractive. Arquivo G. Bonsiepe.
Eduardo Cánovas. |19|Tsuyoshi Ogihara. Arquivo G. Bonsiepe.
|44|Municipalidad de La Ciudad de Buenos Aires,
Ronald Shakespear. 07.Um Olhar sobre as Falhas (breakdowns)
|63|Inês Ulanovsky, Studio Zkysky. e Juntas
|66||67|Alejandro Ros.
|70|Estúdio Guto Índio da Costa. |01|–|11||13||14|–|19||22|–|26||28|–|31|
|71|Martín Olavarría. Fotos G. Bonsiepe.
|72||73||74|Eduardo Simonetti. |12|Foto Augusto González.
|20||21||32|Diagramas G. Bonsiepe.
04.Cognição e Design – o Papel da Visualização |27|Screenshot Apple Computer Mac os 8.0, 1997.
para a Socialização dos Conhecimentos

|01|–|24|Doris te Wilde e Bina Witte.


|25|–|40| Relatório de projeto G. Bonsiepe.
270 09.Pensamento Operacional e Pensamento NOPICNIC|17| Industrial Designer AB.
Contracorrente |18||26|Empresa Dyson.
|24|Empresa Wilkhahn.
|01|–|08|Fotos G. Bonsiepe. |27|Regraficado do original de Jacques Carelman.
|09|Foto Christian Staub.
|10|Foto Wolfgang Siol. Reproduzido com permis
são do hfg-Archiv Ulm.

10.Racionalismo Militante em um Laboratório


de Inovação Cultural

|01||02|Foto Roland Fürst. Arquivo G. Bonsiepe.


|03|–|18|Werner Zemp. Arquivo G. Bonsiepe.
|19||20||21|–|24|Arquivo G. Bonsiepe.

11.Design e Pesquisa do Design – Diferença


e Afinidade

|01||02|Diagramas G. Bonsiepe.

12.Inovação, Design e Globalização

|01||02||04||05||08|–|12||16||19||20|–|22||25|
Fotos G. Bonsiepe.
|03|Diagrama G. Bonsiepe.
|06|Diagrama regraficado G. Bonsiepe.
Fonte: NZIER Nova Zelanda.
|07|Diagrama regraficado G. Bonsiepe. Fonte:
New Centre for Innovation in Design, Helsinki.
|14|Studio Fontanadiseño.
|15||23|Reprodução com permissão do if Internatio
nal Forum Design, Hannover.
Este livro terminou de ser impresso no mês
de janeiro de 2011, nas Oficinas xxx.
Impressão e Acabamento:

Geográficaeditora

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