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Cultura e Sociedade
Gui Bonsiepe | Design, Cultura e Sociedade
Publisher Copyright © 2011 Gui Bonsiepe
Edgard Blucher Editora Edgard Blucher Ltda.
2ª reimpressão – 2019
Editor
Eduardo Blucher
Todos os direitos reservados. Nem a totalidade
Editor de desenvolvimento nem parte deste livro podem ser reproduzidas
Fernando Alves ou ser transmitidas por nenhum procedimento
eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópias,
Traduções do alemão para o português
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Gui Bonsiepe em colaboração com Anamaría Bacci de informação e sistemas de recuperação, sem
permissão escrita dos titulares do Copyright.
Revisão técnica da tradução
As idéias expressas nos capítulos são de exclusiva
Itiro Iida responsabilidade dos autores. A descrição das
imagens e a informação sobre a fonte das
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mesmas é responsabilidade dos autores.
Rosemeire Carlos Pinto
Eugênia Pessotti
Editora Blucher
Revisão de textos
Rua Pedroso Alvarenga, 1245 – 4ºandar
Vânia Cavalcanti
04531-012 – São Paulo, SP – Brasil
Diagramação e montagem
María Carla Mazzitelli
[marca]
Bonsiepe, Gui
Design, cultura e sociedade / Gui Bonsiepe. – São Paulo: Blucher,
2011.
ISBN 978-85-212-0532-6
10-12482 CDD-745.2
Imagens 269
Apresentação
Este livro de Gui Bonsiepe apresenta uma inquietante análise sobre a evo 7
Itiro Iida
Brasília, junho de 2o1o
9
Prefácio
acordo
As reflexões
com quatro
sobre
vertentes
o discurso
temáticas
projetual
queapresentadas
tocam alguns,
aquiem
foram
parteorganizadas
polêmicos, de 11
(1) O conceito ‹Periferia› não deve ser entendido no sen porém os argumentos apresentados, se é que possuem
tido urbanístico e tampouco no sentido geográfico, e sim argumentos, não me parecem convincentes.
como um conceito político, tal como é usado nas ciências (2) Usam-se as siglas iniciais do nome Hochschule für
sociais críticas na América Latina. Alude a relações Gestaltung Ulm (tradução literal Universidade de Design
de dependência perpetuadas, às quais a Periferia está na cidade de Ulm) em minúsculas hfg, pois durante uma
submetida. Como oposto dialético para a Periferia, figura fase da existência dessa instituição voltou-se para uma
o ‹Centro› como soma das encarnações de estruturas de ortografia dos nomes e substantivos em minúsculas,
dominação. Defensores de interesses afirmativos consi similar ao inglês. A sigla hfgou hfg-ulm, assim, se trans
deram limitado o valor cognitivo desses dois conceitos; formou em uma marca de identificação inequívoca.
Com respeito à terminologia, uso tanto o conceito ‹projeto› como o termo
‹design› que, como se sabe, não são coextensivos. ‹Projeto› se refere à dimensão
antropológica da criação e formação de artefatos materiais e simbólicos, enquan
to ‹design› significa um modo da atividade projetual do capitalismo tardio, tal
como a partir dos anos 1970, difundiu-se globalmente. O debate das questões
terminológicas sobre o desenho industrial no Brasil se intensificou a partir da
década de 1960, quando começaram a surgir os cursos superiores nessa área. O
adjetivo industrial foi utilizado para aproveitar as conotações positivas do termo,
abrangendo projetos de produtos e projetos gráficos. Anteriormente, essa designa
ção abrangia apenas os produtos fabricados pelos processos industriais. A tradução
de design por desenho também foi infeliz porque o design (no sentido de projeto)
pode ser realizado sem a colocação de esboços (drawings, dibujos) no papel.
No Brasil, o uso do termo ‹design› causou – e causa até hoje – certa resis
tência, que não se pode atribuir a um purismo linguístico. Inicialmente, design
associava-se às atividades projetuais. Contudo, a partir da década de 1990,
foi perdendo o seu significado original e adquirindo outras conotações, como
o divertido (fun design), caro, superficial, extravagante, efêmero, caprichoso e
emotivo. Associou-se a moda, festas e eventos midiáticos. Perdeu rigor e trans
formou-se em termo curinga, não contribuindo para consolidar a profissão dos
projetistas de produtos e dos programadores visuais.
nais,
Por
sobretudo
outro lado,
na área
a apropriação
das engenharias,
do termotambém
design épraticam
indébita,opois
design.
outros
Por profissio-
exemplo, 13
Gui Bonsiepe
Florianópolis, outubro de 2o1o
http://www.guibonsiepe.com
14
Design e Democracia
(1) Rybczynski, Witold, «How Things Work», em: New mediante pesquisas sociológicas, como foi feito, para
York Review of Books, LII, n.10, junho 9, 2005, pp. 49-51. outra temática, pela socióloga Eva Illouz (Der Konsum der
(2) Esses produtos oferecidos no mercado como produtos Romantik, Suhrkamp, Frankfurt2007). (Illouz, Eva, Inti
‹criativos› ou ‹com design› (designed) provavelmente midades congeladas – Las emociones en el capitalismo,
encontram aceitação nos membros da classe média Katz Editores, Buenos Aires 2007). Em nosso contexto,
e na classe média superior que dispõem de um poder também parece plausível supor que as práticas de con
aquisitivo maior e que apreciam o ethos da criatividade. sumo se desenvolvam em concordância com os interesses
Essa hipótese somente pode ser confirmada ou negada de classe.
ensino do projeto nunca atingiu padrões igualáveis aos do ensino de ciências. Esse
fato explica a dificuldade de incorporar a formação da competência projetual nas
estruturas acadêmicas, onde as tradições e critérios de excelência científica diferem
fundamentalmente das tradições e critérios de excelência das disciplinas projetuais.
Enquanto as ciências enxergam o mundo sob a perspectiva da cognição, as
disciplinas de design o enxergam sob a perspectiva do projeto. Essas são duas
perspectivas diferentes que, oxalá, no futuro, acabem se fundindo. Estou conven
cido de que, no futuro, haverá uma interação frutífera entre o mundo das ciências
e o mundo do projeto que, hoje, se dá, no máximo, esporadicamente.
Até o momento, o design procurou se aproximar do mundo das ciências, mas
não ocorreu o inverso. Como possibilidade especulativa arriscada, podemos ima
ginar que, no futuro, o ensino do projeto será uma disciplina básica para todas as
disciplinas científicas. Mas essa reviravolta no sistema de ensino superior prova
velmente levará gerações, a não ser que sejam criadas instituições de ensino supe
rior radicalmente novas. O espaço de ação dos ministérios de educação e cultura
é muito limitado pelo peso das tradições acadêmicas e da burocracia, com seu
inevitável corolário do credencialismo. Assim, as instituições inovadoras serão
criadas, provavelmente, fora do sistema educacional formalmente estabelecido.
A atitude de colocar o projeto relacionado com as ciências não deve ser inter
pretada como um postulado por um design científico ou para transformar design
em ciência.
mentos científicos.
Seria grotesco
Deveriaquerer
ser criada
projetar
umaumcorrespondência
cinzeiro baseando-se
entre complexidade
em conheci- 19
(4)
Report
Minneapolis
Lyotard,
on Knowledge,
Jean-François,
1984. p. xxiii
The(edição
University
The Postmodern
original
of Minnesota
1979).
Condition:
NoPress,
pre- são aquelas que querem sugerir, ou fazer acreditar, que
é possível uma alternativa, algo radicalmente diferente
além do capitalismo».
fácio, Fredric Jameson escreve: «As Grandes Narrativas
a renúncia ao projeto da filosofia iluminista me parece uma atitude conformista,
para não dizer conservadora. É uma atitude de capitulação à qual nenhum desig
ner deveria resignar-se.
Para ilustrar a necessidade de reduzir a heteronomia, quero usar as contribui
ções de um filólogo especialista em literatura comparada, Edward Said, falecido
em 2004. Ele caracteriza, de modo exemplar, o que é o humanismo e o que é
uma atitude humanista. Como filólogo, limita a postura humanista ao campo da
linguagem e da história: «Humanismo é o exercício de nossas competências da
linguagem para compreender, reinterpretar e lidar com os produtos da lingua
gem na história, em outras línguas e em outras tradições históricas.»(5)
Essa interpretação pode ser estendida a outras áreas, expandindo as intenções
do autor e sua caracterização do humanismo – com as devidas modificações –
também ao design. O humanismo projetual seria o exercício das capacidades
projetuais para interpretar as necessidades de grupos sociais e elaborar propostas
viáveis, emancipatórias, em forma de artefatos instrumentais e artefatos semió
ticos. Por que emancipatórias? Porque humanismo implica a redução da domi
nação e, no caso do design, atenção também aos excluídos, aos discriminados,
como se diz eufemisticamente no jargão economista, ‹os economicamente menos
favorecidos›, ou seja, a maioria da população deste planeta.
Essa afirmação não deve ser interpretada como expressão de um idealismo in
gênuo
damentale fora
quedaqualquer
realidade.
profissional,
Ao contrário,
não ésomente os designers,
uma possível e incômoda
deveria
questão
enfrentar.
fun- 21
(7) Esta
ceira global
frasedefoi2008.
escrita
Parece
três justificado
anos antessupor
da crise
quefinan-
existe também no Centro. Só agora se começa falar no Centro
do ‹precariato› - uma experiência endêmica nos países
experiências
uma defasagemnegativas
de acordo
quecom
posteriormente
a qual a Periferia
ocorramantecipa da Periferia. Veja: Raunig, Gerald, Tausend Maschinen,
editora Turia + Kant., Wien 2008. [Mil máquinas].
tecnologia e da industrialização desse subcontinente, ver-se-á claramente que o
papel do Estado foi – e continua sendo – fundamental para o processo de indus
trialização, por mais que os detratores do setor público, com suas vozes belige
rantes, pretendam ridicularizar, desprestigiar e desconhecer essas contribuições.
Se olharmos rapidamente o que aconteceu na Argentina – que até há poucos
anos era submissa seguidora das recomendações do Fundo Monetário Interna
cional e que, em um momento de delírio, exaltou as ‹relações carnais› com a
maior potência econômica e militar do mundo –, constatamos que o país não
foi bem-sucedido com a privatização desenfreada. Esse processo levou, por um
lado, grande parte da população a um empobrecimento inédito naquele país e,
por outro, a uma concentração de renda que produziu uma bipolarização entre
incluídos e excluídos.
A privatização, nesse caso, é sinônimo de desdemocratização, pois as vítimas
do processo nunca foram consultadas para aprovar as decisões que levaram o país
à bancarrota. Com a privatização, a retração do papel do Estado e a abertura do
mercado sem restrições às importações, o país se desindustrializou, reduzindo
os postos de trabalho na indústria e, como consequência, a fonte de trabalho do
designer industrial também erodiu. Desencadeou-se um retrocesso, afetando
grande parte dos setores econômicos.
Examinando a política de industrialização, constato que, em todos os pro
24 gramas dos quais pude participar, principalmente no Chile, na Argentina e no
Brasil, nenhum abarcou o setor da informação e da comunicação. Todos estavam
direcionados ao desenvolvimento dos aspectos ‹hard›, não aos aspectos ‹soft›.
Hoje, essa orientação mudou radicalmente. Uma política atualizada de industria
lização deveria incluir a indústria da informação, para a qual o design gráfico, ou
melhor, o design da informação, pode prestar serviços essenciais. Aqui surgem
temáticas novas relacionadas ao design da comunicação com exigências cognitivas
que nunca receberam a devida atenção na tradição do ensino do design gráfico.
Com a difusão da tecnologia digital, começou a surgir uma corrente dentro
do discurso projetual afirmando que, hoje em dia, as principais questões colo
cadas a um designer são os aspectos simbólicos, pois as questões relacionadas
às funções dos produtos perderam importância. Como segundo argumento,
menciona-se a miniaturização obtida por meio dos circuitos integrados que não
permitem visualizar o funcionamento dos componentes. Portanto, o design teria
de tornar visíveis essas funções ocultas. Ainda que os aspectos comunicativos e
simbólicos dos produtos sejam inegáveis, é preciso não conferir-lhes papel tão
dominante, como propunham alguns autores.
O substrato material complementado com sua expressão visual/tátil/auditiva
forma a base sólida do trabalho do designer. Percebo com preocupação o cresci
mento de uma nova geração de designers que se fixa obsessivamente nos aspectos
simbólicos e seus equivalentes no mercado – o branding e o self-branding – e não
sabe mais como se classificam os elementos de junções. A busca do equilíbrio en
tre os aspectos técnicos dos objetos e seus aspectos semânticos é o núcleo central
do trabalho do designer, sem privilegiar um lado ou outro. «A polaridade entre
o material e o simbólico, entre estrutura externa e interna, é uma característica
típica dos artefatos, enquanto eles são instrumentos e simultaneamente portado
res de valores e significados. Os designers têm a tarefa de reconciliar essas duas
polaridades, projetando a forma dos produtos como resultado da interação com o
processo sociotécnico.» (Raimonda Riccini, 2oo5.)(8)
É interessante notar que a autora não fala da forma dos produtos e sua intera
ção com a função, isto é, dos serviços que um produto oferece, mas menciona o
desenvolvimento sociotécnico. Com essa abertura evita-se a velha polêmica sobre
o binômio forma/função, que tantas controvérsias provocou na história do discur
so projetual. Os fundamentos considerados estáveis para orientar a concepção
das formas dos produtos se dissolveram – se é que chegaram a existir. Hoje, seria
ingênuo pressupor a existência de um padrão de regras determinísticas. Quem
defende tal padrão comete o erro do essencialismo das configurações platônicas.
Ao mesmo tempo, seria ingênuo postular uma irrestrita veleidade das formas
surgindo de atos demiúrgicos de um punhado de designers inspirados criativa
mente.
Encontramo-nos diante de um paradoxo. Projetar significa expor-se e viver
com paradoxos e contradições, mas nunca camuflá-los sob um manto harmoni
zador. O ato de projetar deve assumir e desvendar essas contradições. Em uma
antinomias.
sociedade torturada
Vale a pena
por contradições,
lembrar o duroo design
e melancólico
tambémdictum
está marcado
de WalterporBenja
essas 25
min: «Não há documento da civilização que não seja, ao mesmo tempo, docu
mento da barbárie».(9)
(8) Riccini, Raimonda, «Design e teorie deglioggetti», em: (9) Benjamin, Walter, «Überden Begriff der Geschichte»,
i verri, n. 27, 2005, pp. 48–57. em: Walter Benjamin – Gesammelte Schriften, coorde
nado por RolfTiedemann e Hermann Schweppenhäuser,
editora Suhrkamp, Frankfurt 1991, p. 696. [Sobre o
conceito da história].
Entrevista (2010)
com Jesko Fezer
1.Sua reivindicação de um papel renovado do design em uma perspectiva democrática é desafiante. Em muitos
aspectos poderia ser relacionada com a ideia de uma cidade social. Mencionando os excessos da privatização e o
ataque a processos democráticos (sintomas ou até princípios da cidade neoliberal), o senhor advoga um redescobri
mento do conceito de democracia. Incluiria essa demanda ou redescobrimento da cidade como um espaço democrá
tico, como uma preocupação comum além de sua perspectiva econômica e exploradora?
2.O senhor interpreta a democracia não simplesmente como o direito de escolher os representantes da dominação,
mas como redução da dominação em si. Nesse contexto, o senhor rejeita a ideia que isso deveria ser uma demanda
normativa para o design. Por quê? Seria realmente suficiente «fomentar uma consciência crítica» – como o senhor
formula – no contexto de um regime obviamente poderoso de injustiça social em tantas áreas? Em um contexto
fortemente normativo uma proposta contranormativa poderia ser provavelmente bastante útil.
3.Acho especialmente interessante seu argumento de que a democracia deveria possibilitar às pessoas «abrir um
espaço para um projeto próprio». Usando o termo ‹espaço›, o senhor toca – talvez inconscientemente – a dimensão
urbana e dos espaços. Tais espaços autodeterminados poderiam ser os fundamentos para uma cidade mais social.
Como capacitar as pessoas para criarem esses espaços? Por outro lado, sua definição de democracia está vinculada
a um projeto. Essa perspectiva da ‹projetualidade› constitui o centro das disciplinas de design. Implica isso no
design ter uma responsabilidade especial e possuir o potencial para fortalecer a democracia, uma cidade democrá
tica? Ou mais ainda, que a democracia é algo que deve ser projetado?
contrários. O senhor pergunta o que os cidadãos deveriam fazer para criar espaços
autodeterminados. A reposta é simples: mediante empenho político, longe do
isolamento individual, afastar-se da crença de que se pode obter individualmente,
através da instância do mercado tão euforicamente festejado, uma forma de con
vivência urbana, suportável e até livre de violência. Deveria ser claro que isso não
significa ‹gentrificação› (gentrification) da cidade. Além disso: desconfiança contra
uma managed democracy, e contra o marketing político que ocupa o lugar da política
e com isso a decompõe. Está longe de mim a tentação de superestimar o potencial
democrático das disciplinas projetuais, sobretudo no contexto que foi denomina
do com o termo paradoxal ‹totalitarismo invertido›.(1) Mas opino que democracia
contém essencialmente um componente projetual. Infelizmente, não vale a mes
ma coisa para o inverso. Não cada projeto alberga um componente democrático.
Instrumentos de tortura – assim como torturas – são inumanos e antidemocráticos
enquanto apontam para uma incondicional submissão – o oposto do design.
5.Com o conceito de ‹humanismo projetual› o senhor vincula o design às necessidades de grupos sociais, sobretudo
aqueles que são excluídos e discriminados dentro do regime neoliberal, com o fim de interpretar suas necessidades
e de desenvolver propostas emancipadoras. Isso implica uma mudança radical com relação aos clientes do design
que em geral são aqueles que podem pagar esses serviços. Como é possível detectar essas necessidades? Como
os designers poderiam se conectar com grupos sociais que vivem e trabalham em sua maioria fora do milieu dos
estúdios de design?
• O SETOR PÚBLICO
• ALTERIDADE
UmPara discutir
termo fora dea moda
associação entre virtude e design, faço referência a seis conferên 33
cias de Italo Calvino, contidas no livro Six Memos for the Next Millenium,1988.(1)
Nessa publicação póstuma, ele fala dos valores da literatura que gostaria de ver pre
servados no século xxi. O autor chama esses valores de ‹virtudes›. Essas seis confe
rências apresentadas por Calvino em 1985, na Universidade de Harvard, se referem
a: leveza (lightness), rapidez (quickness), exatidão (exactitude), visibilidade (visibility),
multiplicidade (multiplicity) e coerência (consistency). Sem correr o risco de cometer
o erro de uma interpretação esquemática indevida, esses valores podem ser relacio
nados – com os devidos ajustes – à área de design. Uma interpretação literal seria
ingênua e inapropriada. Porém, existem paralelos, afinidades e equivalências. Por
exemplo, se Calvino define a leveza como a tentativa de tirar peso da linguagem e
das narrativas, haverá, certamente, analogias no campo do design, apesar de Calvino
usar o termo metaforicamente – em relação à linguagem.
Leveza, no design, é uma virtude que deveria ocorrer, sobretudo, quando se
leva em consideração os fluxos de materiais e de energia e suas influências sobre
o ambiente, ou quando se registra a sobrecarga da rede virtual com lixo digital.
Calvino refere-se à leveza como «salto rápido e imprevisto do poeta-filósofo que
se eleva sobre o peso do mundo e mostra […] aquilo que muitos interpretam
como um sintoma da vitalidade de nossos tempos – ruidosos, agressivos, rápidos
e barulhentos – pertence ao domínio da morte como o ‹cemitério de carros› ve
lhos e enferrujados». A leveza ganha um componente crítico e dissipa as associa
ções erradas com superficialidade e pouco-caso.(2)
|04|Cédula dos Países Baixos antes da introdução
do Euro. Projeto: Jaap Drupsteen, 1988.
|04|
(1) Calvino,
Harvard University
Italo, Six
Press,
Memos
Cambridge
for the Next
Mass.Millenium,
1988. (2) Op. cit., p. 12.
não me refiro às virtudes como assunto privado, mas às virtudes como assunto
relacionado ao domínio público – uma relação que inevitavelmente se manifesta
em qualquer prática projetual.
Design,
(4) Bierut,
(coords.),
Allworth
Looking
Michael,
Communications
Closer
William
5 – Drenttel
CriticalInc.,
Writings
e Stevenon
New York
Heller
Graphic
2006. Research in Graphic Design, Princeton Architectural
Press, New York 2006.
Bierut, Michael, Seventy-nine Short Essays on Design,
Bennett, Audrey (coord.), Design Studies – Theory and Princeton Architectural Press, New York 2007.
realidade com atos projetuais, superando as dificuldades e não se contentando
apenas com uma postura crítica frente à realidade e persistindo nessa posição.
Afinal, projetar, introduzindo as mudanças necessárias, significa ter a predispo
sição para mudar a realidade sem se distanciar dela.
O setor público
Os Países Baixos têm uma longa tradição de virtudes públicas que se mani
festa também na preocupação com o setor público. Um visitante ficará surpreso
com a consciência de detalhes, por exemplo, na maneira cuidadosa com a qual é
projetada uma etiqueta postal ou em uma tabela com os horários de trem. Além
disso, ficará surpreso com a naturalidade com que cuidar do espaço público é
considerado um dever da administração pública e da política. Esse cuidado com
os detalhes e com a qualidade do espaço público vem de uma tradição política
que se formou ao longo da história desses países. A onda do neoliberalismo cer
tamente deixará vestígios também nos Países Baixos e, como em outros lugares,
implicará retrocessos. No âmbito dessa tradição, as transformações não decorrem
das medidas de curto prazo, mas de práticas sociais ancoradas na estrutura políti
ca e na história política de longo prazo dos Países Baixos.(5)
Política significa o domínio onde os membros de uma sociedade discutem e
decidem o tipo de sociedade em que querem viver. A política vai muito além dos
programas
ver políticoouque
dasdeve
orientações
ir além dos
dosinteresses
partidos políticos.
momentâneos
O cuidado
do governo
público
– ou,
é umpelo
de- 37
(5)
«El
damente
Essa
compromiso
particularidade
explicada
social
pordel
Paul
dodiseño
design
Hefting.
público»,
holandês
Veja Hefting,
em:
foi Historia
detalha-
Paul, del diseño en América Latina y el Caribe, coordenado por
Silvia Fernández e Gui Bonsiepe, editora Blucher, São
Paulo 2008, pp. 274–298.
sociais pode provocar diversas reações que se estendem da indiferença à irritação.
Do ponto de vista do profissional que considera o design primordialmente um
negócio, pode-se compreender essa indiferença ou irritação. Certamente, o de
sign é um negócio; porém, não só isso. Aquele que reduz o design simplesmente
a um negócio desconhece que uma gestão (management) bem-sucedida consiste
em manter uma empresa viva, como sistema viável, num contexto conturbado.
E isso significa mais que aspirar a uma margem de ganâncias de 20% ou mais,
controlada em intervalos de três meses.
Alteridade(6)
Após ter comentado as virtudes da leveza, da intelectualidade e do cuidado da
esfera pública, trato agora da quarta virtude, vale dizer, da alteridade, ou melhor,
da responsabilidade pela alteridade. À primeira vista, isso pode parecer esquisi
to, pois o que a alteridade tem a ver com design? Além disso, poderia causar a
impressão de que as virtudes enumeradas até agora pertencem ao conjunto hete
rogêneo de características. Deve-se admitir que fica em aberto, por enquanto, a
questão de como integrar essas virtudes em um conjunto coerente, não passando
de um conjunto de atributos desconexos entre si. Porém, seria prematuro rejeitar
um enfoque integrador das virtudes do design.
A alteridade pressupõe a disposição de respeitar outras culturas projetuais
38 com seus valores inerentes, e não vê-las com o olhar de exploradores em busca da
próxima moda de curta duração. Essa virtude pressupõe a disposição de resistir
a qualquer visão messiânica etnocentrista. Ela pode contribuir para contrapor a
tendência atual de se concentrar o desenvolvimento exclusivamente em 25% da
humanidade que faz parte dos países industrializados.
Como é sabido, a temática da alteridade é ligada ao debate sobre a iden
tidade, a apresentação e autoapresentação. Essa temática ocupa um espaço
importante no discurso do feminismo, do papel dos gêneros, das etnias e da
diversidade religiosa; por isso, tem virulentas implicações políticas, pois esbarra
em questões de autonomia, vale dizer, da capacidade de definir perspectivas
próprias do futuro. Essas questões levam a enfocar a indiferença com 3∕4 da
humanidade, como formulou Edward Said. O design e o discurso do design
refletem hoje os interesses das economias dominantes que, com a bandeira da
globalização, estão procurando organizar o mundo de acordo com seus interes
ses hegemônicos.
(6) Palavra
relação
rização etc.
interpessoal,
que
É umsignifica
princípio
comcolocar-se
respeito
filosóficoeno
que
consideração,
lugar
significa
do outro
trocar
valo-
na seu próprio ponto de vista pelo do outro. Esse conceito
foi introduzido por Emmanuel Lévinas, em uma série de
ensaios com o título Alterity and Transcendence, 1970.
Globalização, como novo fundamentalismo econômico, é o nome para o
projeto totalizador atual – um processo que, com brutalidade, passa por cima
das pessoas, dos governos e das sociedades.(7)Se usarmos o repertório dos concei
tos da antropologia, poderemos interpretar a globalização como uma tentativa
de subjugar alteridade. Isso talvez não agrade a todos. Não será surpresa se as
vítimas desse processo, denominadas cinicamente de ‹custos sociais›, resistirem a
essa tentativa de submissão e preferirem enfrentar esse conflito mais bem prepa
radas. Para que esse enfrentamento seja mais equitativo, será necessário que as
condições de entrada na arena sejam menos distorcidas do que atualmente. Por
isso, a quarta virtude é o respeito pela alteridade, eliminando de uma vez por
todas os termo racistas da diferenciação entre países desenvolvidos e subdesen
volvidos.
(7)
eargumento
daEssa
naturalização
constatação
a favor danão
naturalização
história.
deve ser interpretada
dos processos
como
sociais
um (8) Burri, Regula Valérie, Doing Images – Zur Praxis medi
zinischer Bilder, editora Transcript, Bielefeld 2008.
confirmar sua qualidade epistêmica. Assim, passaria a ocupar uma posição con
trária à tradição pós-estruturalista, que se fixa no texto, enfrentando a realidade
em forma de texto que deve ser lido. As novas técnicas digitais de visualização
acabarão com o domínio do texto, tão fortemente arraigado na tradição ociden
tal. Para essa nova área de atividades, determinada pelas técnicas digitais, usa-se
o termo ‹design de informação› (information design), que oferece a vantagem de
evitar a dicotomia entre palavra e imagem.
‹Design de informação› ou ‹infodesign› é um conceito neutro, pois não privi
legia nem o texto e nem imagem. O infodesign liga-se de forma inerente à visua-
lidade, apresentando exigências cognitivas que favorecem um enfoque orientado
para solucionar problemas, em lugar de um enfoque autorreferencial que surgiu
a partir dos anos 1980. Esse novo enfoque parece mais promissor para a área do
design.
Para a quinta virtude do design – a visualidade que merece ser cultivada no
século xxi –, pode-se citar de uma representante das ciências da imagem: «A
tendência geral à visualização tem profundas consequências intelectuais e práti
cas para ciências humanas, ciências exatas, biologia e ciências sociais – na verda
de, para todas as formas de ensino, de cima a baixo.»(9)
Teoria do design
40 No final deste panorama sobre as virtudes do design, quero comentar o papel
da teoria projetual que faz parte do discurso mais abrangente do projeto. Difi
cilmente a profissão dos designers terá um futuro promissor se os programas de
ensino não forem aprimorados nos próximos anos, dando um lugar institucional
seguro à teoria do design. Para isso, há dois argumentos favoráveis. Primeiro:
cada prática profissional se desenvolve frente a um cenário teórico; isso vale
também para formas de prática profissional que insistem cegamente em negar
qualquer fundamentação teórica. Segundo: profissões que não produzem conheci
mentos ficam na retaguarda nas sociedades tecnologicamente dinâmicas.
A teoria do design, até o momento, leva uma existência marginal. É consi
derada passatempo de alguns acadêmicos excêntricos, protegidos contra o duro
mundo da prática profissional. Contudo, uma sólida base teórica deveria fun
damentar a prática do design. Por isso, gostaria de ver a teoria do design não
somente continuada no século xxi, mas também levada à plena maturidade.
41
Identidade – Contraidentidade
do Design
• CARTOGRAFIA DA IDENTIDADE
• ESCAVANDO AS RAÍZES
• CRÍTICA AO ESSENCIALISMO
|02|
|01|Identidade da cultura local de produtos. |03|Design inteligente de um parafuso irremovível.
noroeste
Calchaquíes
Petróglifos
dada
Argentina.
(Guachipas)
cultura pré-colombiana
na província de
do Salta,
Vale dos Oferece uma superfície de contato que possibilita
girar no sentido horário; porém, não no sentido
anti-horário.
|02|Parafuso com rosca especial que desloca o
material sem produzir limalhas. Projeto: empresa
HILTI.
man
Frente
escreve:
à crescente
«‹Ultimamente,
quantidade
o conceito
de pesquisas
de identidade
sobre identidade,
desencadeou
Zygmunt
uma ver
Bau- 45
Política e identidade
Por trás do conceito de identidade cultural em geral e de identidade cultural
nas disciplinas projetuais, em especial (sobretudo, design industrial, comuni
cação visual e moda), escondem-se perguntas que poderiam incomodar o clima
amigável no debate porque intervêm também fatores políticos controversos que,
em princípio, podem parecer inocentes. São questões de:
• Dominação e submissão
• Antinomias e assimetrias
• Autonomia e heteronomia
• Colonialismo e pós-colonialismo
• Globalização e contraglobalização
• Padrões universais e particularidades locais
• Diferenças e (apesar de tudo) coisas em comum
• Conflitos entre Centro e Periferia
•Exclusão e inclusão
Uma pessoa que analisa a temática da identidade, fazendo perguntas per
tinentes e informando-se sobre a literatura da área, não estaria livre, em um
primeiro momento, de sentir-se desorientada. Ela, que espera lidar com con
ceitos bem definidos, perderá essa esperança quando encontrar o conceito de
‹multiculturalismo› com observação de que se trata de uma ‹palavra eivada de
mal-entendidos›.(2) As perguntas aumentam e grande parte delas permanece em
aberto porque as respostas não são satisfatórias.
Estrutura do capítulo
Primeiro, analisarei o conceito de ‹identidade› partindo de diferentes perspec
tivas, vale dizer, da literatura, da antropologia e da linguística. Depois, comen
tarei o branding internacional de países e, após isso, detalhadamente, o papel do
artesanato em relação ao design e à criação da identidade cultural na Periferia.
Uso o conceito ‹Periferia› no sentido político, não no sentido geográfico, envol
vendo aquele grupo de países que já foi denominado pejorativamente de ‹países
46 em desenvolvimento› ou, pior ainda, ‹países subdesenvolvidos›. Esse conceito
significa a perda da autonomia em termos políticos – em primeiro lugar –, de
pois econômicos, tecnológicos e culturais.
O conceito de ‹Terceiro Mundo› perdeu sua relevância após o final da Guerra
Fria, embora o motivo de sua criação – reivindicar um espaço próprio para deci
sões e diminuir a dominação do Centro sobre a Periferia – ainda continue vigen
te. Afirmar que a oposição entre Centro e Periferia na era da globalização perdeu
sua validade – já que, supostamente, o Centro estaria em qualquer lugar – é
cínico ou ingênuo. À noite, todos os gatos podem ser pardos; porém, alguns são
mais pardos que outros. No final do capítulo, apresento uma série de exemplos
de design anônimo e design profissional da América Latina.
em:
2004,
(1) Bauman,
The
p. Individualized
140.Zygmunt, «Identity
Society, Polity
in thePress,
globalizing
Cambridge
world», (2) Rigotti, Francesca, «Las bases filosóficas del multicul
turalismo» em: Multiculturalismo – ideologías y desafíos,
coordenado por Carlo Galli, Ediciones Nueva Visión,
Buenos Aires 2006, pp. 31–82.
literatura refletem-se nas disciplinas projetuais, dando origem a perguntas que
não seriam formuladas se o debate se mantivesse no âmbito do design.
Sem sombra de dúvidas, existe uma identidade de design e, por isso, faz sen
tido falar de ‹identidade de design›, inspirando-se na literatura. A complexidade
do conceito de identidade na literatura pode servir para esclarecê-lo no campo
das disciplinas projetuais. Isso ocorre apesar das diferenças entre criação literária,
vale dizer, a produção de artefatos discursivos em forma de textos, e as disci
plinas projetuais cujos resultados, como é sabido, manifestam-se em artefatos
materiais, tais como objetos de uso, embalagens, têxteis e artefatos semióticos,
tais como trailers de filmes, mapas climáticos na televisão, codificações visuais de
informações científicas e websites.
Quando se extrapolam os conceitos da literatura para as disciplinas projetuais,
de maneira nenhuma se quer sugerir que, por exemplo, a arquitetura seja um
texto. Isso é um mal-entendido fundamental, apesar de ser amplamente difundi
do, sobretudo na discussão sobre teoremas da arquitetura.
Em congressos de design, nos países periféricos, surge com surpreendente
insistência a seguinte pergunta: existe um design tipicamente brasileiro, argenti
no ou mexicano e em que se diferencia do design japonês, italiano ou sueco? Em
outras palavras: qual é a sua identidade? Essa pergunta não se limita à Periferia,
mas também se encontra em países centrais, refletindo, talvez, o desejo de que a
va
própria
e própria.
atividade
Antestenha
de me
relevância
aprofundar
no mercado,
detalhadamente
e nostalgia
nessapor
pergunta,
uma áreaanalisarei
exclusi- 47
3.Conjunto de conceitos:
Prática cotidiana 7.Conjunto de conceitos:
Fascinação pelo estrangeiro Ciências da identidade
Defesa contra o estrangeiro Antropologia
Resistência contra estrangeirização Ciências políticas
Dialética entre o próprio e o outro Ciências sociais
Psicologia
Psiquiatria
4.Conjunto de conceitos: Ciências culturais
Economia/Indústria Letras (por exemplo, estudo de narrativas
Identidade corporativa de viagem)
Branding Culturalismo
ensino do guarani. Borges não dá uma resposta científica à pergunta «o que é a
identidade?», e sim uma resposta literária: identidade é um sonho que o Outro
tem do Eu.
Comparada com a formulação resignada de Borges (medo por uma decadên
cia cultural), um escritor norte-americano manifesta-se explicitamente de forma
agressiva. Reagindo contra a exigência de organizar programas de estudo multi
culturais e incorporar obras literárias marginalizadas de outras culturas, ele per
gunta maliciosamente: «Onde está o Proust africano?» Obviamente, trata-se de
uma pergunta que não tem resposta. Ele faz essa pergunta apenas como provoca
ção. Coloca a produção literária africana em confronto com a produção literária
de Marcel Proust, ou seja, com o cânone da cultura ocidental. Um crítico poderia
argumentar que essa pergunta é injusta. Um defensor do cânone ocidental pode
ria responder: não se trata de justiça, mas de qualidade literária.
Por trás dessa polêmica, escondem-se duas perguntas: primeiro, a pergunta pela
existência de padrões universais; e, segundo, a pergunta pela legitimação desses
padrões. Os padrões dominantes seriam sempre aqueles impostos pelos dominado
res? Portanto, não se trataria de questões de qualidade, mas de questões de poder.
Uma pesquisadora italiana escreve sobre esse tema: «Por meio dessa perspec
tiva (da qualidade), inclusive os currículos escolares terão de propor a leitura das
obras dos grandes mestres; portanto, as obras de Platão e não as de Rigoberta
Menchú – as obras doStendhal,
Tolstoi, Dostoievski, cânone dosJohn
autores
Donneclássicos
e T.S. Eliot.
europeus:
Em Shakespeare,
suma, o grupoDante,
dos 49
(3)
(1ª
Buenos
edição
Borges,
Aires
1975),
Jorge
2007,
em:
Luis,
pp.
Obras
«El
13–20.
Otro»,
Completas,
em: El Emecé
libro deEditores,
arena (5) Kafka, Franz, Die Verwandlung, em: Kafka, Franz, Die
Erzählungen und andere ausgewählte Prosa, coordenado
por Roger Hermes, editora S. Fischer, Frankfurt 1999.
(4) Rigotti, Francesca, op. cit., a caracterização dos
autores foi formulada por Huges, Robert, The Culture of
Complaint, Oxford University Press, Oxford 1993.
existem, assim, nos períodos mais frutíferos e ricos de uma literatura influências
inequívocas, essências nacionais ou tradições exclusivas: somente poligênese,
mestiçagem, promiscuidade»(6). Cita o poeta sírio-libanês Ali Ahmad Said: «A
identidade não pode ser aceita como algo terminado, nem definitivo, ao contrá
rio, é uma possibilidade sempre aberta» e continua: «a verdadeira identidade
é uma corrente contínua que se nutre de uma infinita quantidade de riachos e
regatos». Isso é uma clara rejeição aos sonhos de uma identidade fixa ou de um
ser nacionalista.
Quero citar um representante das ciências sociais que também se alinha con
tra a ideia da identidade como algo fixo, duradouro, fechado, próprio, essencial.
Zygmunt Bauman critica o slogan «Pensar globalmente, atuar localmente» sem
mencioná-lo explicitamente. Escreve: «Não existem soluções locais para pro
blemas criados globalmente. […] As forças globais, avassaladoras e indomáveis,
prosperam na fragilidade da cena política e na decisão de políticas potencialmen
te globais, sempre brigando por uma porção maior das migalhas que caem da
mesa de festa dos barões do assalto global. Tudo que seja partidário das ‹identi
dades locais›, como aparente antídoto contra as malfeitorias dos globalizadores,
na verdade está se submetendo ao jogo deles»(7).
O conceito de ‹época multicultural› também não escapa da crítica de Bau
man: «O anúncio de uma ‹época multicultural› reflete, na minha opinião, a
50 experiência de uma nova elite global que, ao viajar para outros países, encontra
membros da mesma elite global que falam a mesma língua e que se preocupam
com mesmas coisas […]. Contudo, o anúncio da época multicultural é uma
declaração de incompetência: da negativa de formular um juízo, de assumir uma
postura; uma declaração da indiferença, de lavar as mãos frente às brigas mesqui
nhas sobre estilos de vida e valores preferidos.»(8) Na mesma direção, Goytisolo
disse: «A ‹identidade› nos é revelada como algo que precisa ser inventado e não
apenas descoberto.»(9) Em outras palavras: identidades não são entidades escon
didas em algum lugar secreto e profundo, e sim algo que precisa ser criado (ou,
na terminologia do design, algo que precisa ser projetado). Naturalmente, esse
conceito vai muito além do branding ou corporate design.
Na publicação com o título revelador The Ilusion of Identity, o cientista francês,
Jean-François Bayart, critica o substancialismo, vale dizer, a crença na existência
de características culturais permanentes, e isso gera o conceito de identidade com
potencial político perigoso. Ele escreve: «Essas guerras [na antiga Iugoslávia, no
lona
(7)
(6) Bauman,
Goytisolo,
1985, p.Zygmunt,
168.
Juan, Contracorrientes,
Identidad – Conversaciones
Montesinos, con
Barce- (8) Bauman, Zygmunt, op. cit., p. 203.
(9) Bauman, Zygmunt, op. cit., p. 40.
Teoria da dependência
As citações apresentadas são contrárias às boas intenções em desenvolver uma
identidade do design, que se discutem repetidamente nos congressos da Perife
ria, sejam eles mexicanos, brasileiros ou chilenos. No contexto da dependência
existencial e da rebelião contra essa dependência, às vezes propõe-se a recupera
ção da tradição nativa própria dos objetos de uso e de ornamentação.
A teoria da dependência(11), às vezes, propõe-se que foi desenvolvida como
contribuição genuína das ciências sociais na América Latina, na década de 1960,
possibilita entender a face política da questão da identidade do design na Peri
feria, considerada incômoda em alguns casos. Essa contribuição teórica surgiu
em vários contextos, caracterizando o fim do colonialismo: revolução em Cuba;
Segundo Concílio do Vaticano, com a opção pelos pobres e a teologia da liberta
ção; golpe de estado de 1964 no Brasil; invasão da República Dominicana no ano
de 1965
A teoria
pelos
da eua
dependência
e golpe de
visava
estado
encontrar
de 1966uma
na Argentina.
explicação para o fracasso do 51
(10)
francesa
The University
Bayart,
1997),
Jean-François,
ofp.Chicago
ix. Press,
The Illusion
Chicagoof2005
Identity,
(edição (11) Borón, Atilio, «Teoría(s) de la dependencia», em: Rea
lidad Económica 238, 2008. Veja também: http://www.
iade.org.ar/modules/noticias/article.php?storyid=2661
(último acesso: 12.12.2008). Esse resumo da teoria da
dependência se baseia em grande parte nesse artigo.
atividades projetuais locais. Essa política de busca de identidade se apoiava na
industrialização e, decididamente, não se voltou ao passado à procura das supos
tas raízes do design latino-americano nas culturas pré-colombianas. Essa busca é
uma quimera, não se prestando como ponto de partida para desenvolvimento de
um design autônomo e válido para o futuro. Em vez de buscar a identidade do
design num passado romanticamente idealizado, seria mais apropriado mudar a
direção do olhar rumo ao futuro.
O oposto da teoria da dependência constitui o ominoso Consenso de Washington,
formulado no final dos anos 1980. Durante a década de 1990, pautou a política
de atuação do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e da Organiza
ção Mundial de Comércio – com consequências sociais e econômicas desastrosas
para os países afetados.
Estilo
O conceito de identidade apresentado até aqui pode ser considerado equiva
lente ao conceito de estilo na história da arte, não se confundindo com style ou
hábitos na vida cotidiana. O historiador de arte Horst Bredekamp dá a seguinte
explicação sobre estilo: «Entendo por ‹estilo› os traços comuns e reconhecíveis
de uma configuração transindividual. Para isso devem estar presentes dois ele
mentos: pelo menos duas pessoas projetando e duas obras que, apesar de terem
52 surgido independentemente uma da outra, são muito similares, apresentando
algumas evidentes características em comum. Isso é uma definição do conceito
de estilo na história da arte pelo mínimo denominador comum.»(12) É revelado
ra a ênfase colocada em características transindividuais nessa caracterização do
conceito de estilo.
Outro conceito de estilo é baseado em características morfológicas: «O estilo
se deduz da comparação morfológica.»(13) Isso pode ser motivado pelo fato de
a história da arte encontrar dificuldade quando lida com assuntos de design.
Poder-se-ia dar um passo além disso e perguntar se o instrumental da história da
arte, enquanto se concentra em características morfológicas, não é mais um obs
táculo para o debate sobre questões de design, sobretudo quando coloca a estética
como tema central da discussão.
Nos debates profissionais, os designers sempre se defenderam veementemen
te contra a interpretação simplista de seu trabalho, dizendo que não são apenas
especialistas da forma e ou da beleza. Por isso, a definição de design industrial
(12)
geschichte
Bredekamp,
technischer
Horst, Bilder?»,
«Bildbeschreibungen.
em: Das Technische
Eine Stil-
Bild (13) Ibid.
[Novos
Zeitschrift
design
Industrie
(15)
(14)
taçãoUm
Tomás,
Maldonado,
do
de
desenvolvimentos
Disegno
resumo
design
und
produtos]
derdie
Hochschule
oferece
industriale:
do
Tomás,
Ausbildung
desenvolvimento
Tomás
«Neue
na
fürun
indústria
des
Gestaltung,
riesame
Maldonado.
Entwicklungen
Produktgestalters»
histórico
e –o Definizione
n.2
ensino
Maldonado,
da
(1958).
in do
interpre-
derulm, (16)Sandall, Roger, The Culture Cult – Designer Tribalism
and Other Essays, Westview Press, Boulder 2001, p. 3.
(17) Edward Said mostrou de que maneira o orientalismo
como disciplina acadêmica – muitas vezes ligado aos
interesses de dominação – influenciou a ideia ocidental
sobre o ‹Oriente›. Ele pergunta: «… como se pode anali
sar outras culturas a partir de uma perspectiva libertária
ou não repressiva e não manipulativa?» em: Said, Edward,
Storia Bibliografia, Giangiacomo Feltrinelli, Milano 1976. Orientalism, Vintage Books, New York 1970, p. 24.
Pratts analisa detalhadamente a obra monumental de 30 volumes de Alexan
der von Humboldt. «Ele inventou a América do Sul em primeiro lugar como
Natura. Não a Natura acessível, colecionável, reconhecível, categorizável dos
representantes de Linnaeus, mas uma Natura dramática, extraordinária, um
espetáculo que ultrapassa a compreensão humana.»(18)
A autora compara esse enfoque com relatos de viagens dos autores que ela cha
ma de «vanguarda capitalista» e que formulam a construção de uma identidade
oposta à de Humboldt: «A tarefa ideológica da vanguarda consiste na tentativa
de caracterizar a Amérika [sic] como atrasada e descuidada e considerar as paisa
gens não capitalistas da América Latina de forma a demandar urgentemente uma
exploração racional à maneira europeia. Os analistas do discurso colonial reconhe
cerão aqui a expressão da missão civilizatória, na qual os europeus do norte ro
tulavam outras pessoas (para si mesmas) como ‹natives›, isto é, seres incompletos
que sofrem da incapacidade de alcançar aquilo que os europeus já conseguiram
atingir ou que deveriam se transformar naquilo que os europeus consideram dese
jável. Desse modo, a vanguarda capitalista se colocou como uma inevitabilidade
moral e histórica no futuro daqueles a quem tentavam explorar.»(19)
O olhar fixo em business opportunities pode ser encontrado de maneira exemplar
na observação do capitão Charles Cochrane, que estava à procura de possibili
dades de investimento na América do Sul. Durante sua estadia de dois anos,
54 1823–1824, «ele deveria averiguar o potencial da mineração e da coleta de pé
rolas na Colômbia, e descreveu a paisagem latino-americana como uma máquina
adormecida que precisaria ser despertada: ‹Neste país existem todas as condições
para empreendimentos bem-sucedidos: recursos naturais, até o momento impro
dutivos, podem ser explorados produtivamente com capital e indústria, o que
levaria a produzir vantagens e riqueza.›»(20) Deve-se perguntar quem fará essas
explorações e tirará proveito dos recursos locais. Aparentemente, não é o indo
americano. Esse paradigma instituído pelos colonizadores a partir de 1492 tem
se mantido até hoje sem mudanças.
A pesquisa literária mostra que identidades são primordialmente construtos
criados pela linguagem, tendo pouca influência dos recursos visuais. Essas identi
dades se manifestam geralmente em juízos preconcebidos (assessments), influindo,
assim, no comportamento humano. A identidade não depende tanto do que cada
um é ou tem, mas do que vive no imaginário das outras pessoas. Identidades
pertencem ao mundo do l’imaginaire. Elas são artefatos de comunicação.
(18)
and120.
p. Transculturation,
Pratt, Mary Louise,
Routledge,
Imperial Eyes
London,
– TravelWriting
New York 1997, (19) Pratt, Mary Louise, op. cit., p.152.
(20) Pratt, Mary Louise, op. cit., p. 150.
Design de identidade | branding
O l’imaginaire do outro (público-alvo) pode ser construído intencionalmente,
mediante uma política de identidade em forma de branding. No discurso profis
sional do branding, identidade se define como «a soma de todas as características
que tornam uma marca ou uma empresa inconfundível e singular.»(21) Essa in
terpretação da identidade como soma de atributos individuais tem duas caracte
rísticas – uma fixa, da constância estática; e outra mutável, da flexibilidade e da
troca de identidade: «Ao lado do aspecto da identidade fixa e da continuidade,
coexiste o aspecto da mudança permanente. Nada pode se manter imutável.
Tudo é mutável.»(22) Comparando essas duas caracterizações, pode-se ver a abran
gência do conceito de identidade que se estende do polo da constância (estática)
ao polo da mudança (dinâmica). Frente à presença do l’imaginaire do outro, existe
a autoimagem que não coincide necessariamente com a imagem no l’imaginaire
do outro. São inevitáveis as divergências e as dissonâncias entre essas duas ima
gens. O designer deve ter percepção dessa divergência potencial entre a realidade
da empresa e sua imagem. Assim, ele pode prevenir-se do perigo de realizar um
mero face-lifting, visando tornar uma empresa mais atraente para venda na bolsa,
mediante um simples aprimoramento visual.
Na época dos grandes descobrimentos, o movimento partiu da Europa à
Periferia objetivando a ocupação de grandes extensões de terras, no sentido
to
centrífugo.
do olhar explorador.
Naquele tempo,
Hoje,procurava-se
a direção doomovimento
estranho, oseexótico.
inverteu.
E isso
O estranho
era obje- 55
(21)
Corporate
2005,Paulmann,
p.125.
Identity,
Robert,
editora
Double
Herrmann
Loop –Schmidt,
Basiswissen
Mainz (22) Eberle Gramberg, Gerda e Jürgen Gramberg, «Stadt
identität – Stadtentwicklung ist Identitätsentwicklung»,
em: Stadtidentität – Derrichtige Weg zum Stadtmarke
ting, coordenado por Maria Luise Hilber e Ayda Ergez,
editora Orell Füssli, Zürich 2004, pp. 27–35.
|04| Branding nacional Nicarágua. |09|Branding nacional para o fomento do turismo
|05| Branding nacional Equador. Projeto: Ministério no Brasil. Projeto: Kiko Farkas. Semântica das
de Turismo, 2004. cores (do relatório de projeto): verde para a selva;
|06| Branding nacional Uruguai. Projeto: Gonzalo amarelo para o sol e luminosidade; vermelho e
Silva e Nicolás Branca, 2002. laranja para festas populares; azul para o céu e o
|07| Branding nacional Argentina. Projeto: Guil mar; branco para o aspecto religioso no Brasil.
lermo Brea em colaboração com Alejandra Luna e |10||11| Branding nacional Guatemala. Projeto:
Carolina Mikalef, 2006. Interbrand, 2004.
|08| Branding político Brasil, 2003. |12||13|Branding nacional México.
56
|10| |11|
|12| |13|
|14| Marketing nacional para vinhos argentinos. |16|Identidade garantida pela assinatura de uma
|15|Rótulos para garrafas de vinho na Argentina. garrafa PET de água mineral na Suíça. Projeto:
Projeto: Estúdio Boldring & Ficardi, 2004. O atributo Mario Botta.
da argentinidade desses rótulos consiste no fato de |17|Filtro de água para uso doméstico. Projeto:
que foram desenvolvidos na Argentina. Oswaldo Rocco e Roberto Brasil, 2004. Neste exem
plo do design no Brasil a identidade é determinada
pela temática.
|14||15|
57
|16||17|
agressões, embora não se chegue a um estado bélico, com vencedores e vencidos,
como de maneira catastrofista previu Huntington, no livro Clash of Civilizations.
(23)Anholt,
places and
Elsevier, Oxford
products
Simon,
2006Brand
can
(1ª help
edição
NewtheJustice
2003).
developing
– Howworld,
branding (24) Leonard, Mark, BritainTM – Renewing our Identity,
Demos, London 1997, p. 10.
têxtil e de moda. O ímpeto de expansão do branding encontra, por enquanto, seu
limite no planeta Terra. Entretanto, corresponderia à lógica do branding subme
ter, em breve, também o satélite da Terra à estratégia do branding.
O infatigável especialista, Wally Olins, recomenda um programa de sete está
gios para o branding de um país.(25) O branding de países se apresenta quase como
uma fatalidade histórica – a naturalização de processos sociais camufla o interesse
pela manutenção do status quo e serve para se defender de perguntas incômodas.
Frente a isso, não seria surpresa se aparecesse uma crítica demolidora.(26)
Deve-se distinguir claramente entre a identidade visual orientada para longa
duração e aquela identidade limitada a um período de governo. O México aplica
uma política sistemática de identidade para marcar produtos de exportação. O
uso da logomarca para produtos premium (determinadas frutas subtropicais) está
submetido a um controle de qualidade. Só quando um produto cumpre determi
nados critérios de qualidade, permite-se o uso da nova logomarca para embala
gens de transporte e de consumo. No Brasil, simplesmente pede-se o registro da
empresa que quer usar a logomarca (como Made in Brazil), sem nenhum controle
posterior de qualidade dos produtos em que essa marca será aplicada.
53,
companies
regarded
Policy
(26)
(25)outono
Eagleton,
Olins,
Centre,
branding
Wally,
2004.
areLondon
Terry,
taking
Acessível
Trading
manual,
«Aon
1999,
fresh
each
Identities
em:
now
pp.
look
others’
http://www.eyemagazine.
23–26.
inat
paperback»,
–Wally
Why
role, countries
The
Olins‘s
Foreign
em:highly
eye
and (27) Marx, Karl, «Der Fetischcharakter der Ware und sein
Geheimnis», em: Marx, Karl, Das Kapital, editora Dietz,
Berlin 1947, p. 76 e seguintes.
(28) Lütticken, Sven, «Attending to Abstract Things», em:
New Left Review, n. 54, 2008, pp. 101–122.
com/feature.php?id=116&fid=508.
comprovam a conexão nefasta da profissão do designer com as coisas caras, rebus
cadas, excêntricas e bonitinhas. Fica a dúvida quanto à capacidade do design em
liberar-se desse abraço do branding.
O branding atingiu o seu clímax com os ‹caprichos teológicos› e as ‹sutilezas
metafísicas› da mercadoria, incluindo os atributos ‹sensuais-transensuais›. As téc
nicas de criação dos aspectos simbólicos dos produtos e das empresas atingiram um
grau de maturidade que, há 150 anos, seria difícil de prever. Frente à importância
adquirida pela dimensão simbólica das mercadorias e das empresas, parece necessá
rio que o design de produtos e o ensino do design incorporem o estudo das emo
ções (emotional design). O designer deveria se preocupar com esses aspectos do design
emocional em vez de lidar com coisas supostamente banais como o uso, praticidade
e detalhes técnicos. Esse processo é facilitado pela oferta de software para rendering.
Contudo, sua utilização, como se sabe, não substitui a atividade projetual.
O aspecto simbólico num produto técnico anônimo, como, por exemplo, um
parafuso, no máximo, está presente em traços secundários. Em compensação, esse
aspecto pode ser inflado ao extremo no âmbito dos produtos de consumo, assu
mindo dimensões superlativas e chegando ao absurdo, como mostra o exemplo
de uma chaleira de porcelana fina em forma de crânio animal revestida com pele
de castor. Nessa categoria de produtos simbólicos, pode-se incluir também um
espremedor de cítricos que se transformou em um ícone de design, no qual as
60 características primárias de uso são subordinadas a um conceito formal. Isso pode
ser uma das causas desse espremedor ser considerado como escultura para deco
rar as mesas de diretores. A entronização da dimensão simbólica corresponde ao
desprezo arrogante pela planura das funções práticas.
Em uma oposição esquemática Bem/Mal dos dez mandamentos do branding
emocional se pode ler: «Do produto para a experiência: produtos preenchem
necessidades – experiências preenchem desejos» e, a seguir, «Da função para a
emoção: a funcionalidade do produto trata de suas qualidades superficiais – o de
sign emocional trata de experiências.»(29) Não importa como o consumidor reage
à experiência sensorial no manuseio de uma faca de cortar pão quando ele corta o
dedo – isso seria o simples resultado de uma função secundária, superficial, práti
ca que teria pouca importância. De acordo com o mandamento do design emo
cional, o consumidor estaria interessado apenas em experiências sensoriais, não se
importando com o corte no dedo. No ápice dessa classe de produtos, estariam os
objetos nos quais qualquer característica de uma função prática é eliminada. Aí
(30) Badiou, Alain, Dritter Entwurf eines Manifests für (32) Numa análise crítica à iniciativa de propor a cidade
den Affirmationismus, editora Merve, Berlin 2007, p. 10. de São Paulo como candidata do seleto grupo das ‹cida
(31) Lacroix, Marie-Josée (coord.), New Design Cities/ des de design›, a autora escreve: «Trata-se... de colocar
Nouvelles Villes de Design, Ville de Montréal, Ville de em questão a apropriação de conceitos e fenômenos de
Saint-Etienne, Les éditions Infopresse, Montréal 2005. interesse e propriedade públicos por pequenos grupos
Na primeira iniciativa para estabelecer as novas cidades privados, que se põem a falar em nome do design, das
de design participaram Antuérpia, Glasgo, Lisboa, Saint cidades e da cultura sob o mando da legitimidade cultu
Etienne, Estocolmo e a associação de negócios do Time ral, que é consagrado pelo poder econômico.» Berwanger,
Square, em Nova York. A cunhagem de identidades das Ana Claudia, «O design e a cidade: considerações e
cidades e sua promoção são motivadas pelos interesses perspectivas de análise», em agitprop – revista brasileira
comerciais e política locais. de
com.br/ensaios.php?codeps=fDJ8
design, 28, 2010. Acessível em:(último
http://www.agitprop.
acesso:
12.10.2010).
atividades ‹criativas›. Ao colocar-se design ao lado dos serviços de gastronomia,
resulta consequente que, na opinião pública, se associe design, em boa medida,
com festa. O grau de ‹autonamoro› dos ‹criativos› tem alcançado uma dimensão
em que não faltam intentos de declará-los como nova classe – a classe dos cria
tivos. A degradação do termo ‹design› já tem sido observada por vários autores:
«No final da década de 1980, o prefixo ‹designer-› quase se transformou num
termo de abuso. Pelo menos sugeriu vacuidade e superficialidade, ou o inútil
repackaging – para gerar lucro – das coisas mais comuns [‹designers água mi
neral›]. No pior dos casos [‹designer drogas›, ‹designer violência›], o prefixo
fantasiava um mundo de superfícies de glamour que escondia uma subjacente
amoralidade, falta de afeto e até corrupção.»(33)
Perspectivas do artesanato
O uso de recursos locais (motivos gráficos, combinações cromáticas, mate
riais e processos de produção intensivos em mão de obra) em relação ao design e
criação da identidade pode ser visto, de maneira exemplar, em países periféricos.
Em grande parte, essas atividades pertencem ao setor informal da economia e
(34)
responsável›,
iniciativas
Ultimamente,
comcom
os atributos
os
caracterizam-se
quais se
‹sustentável›
assinala
estesuma
programas
e ‹socialmente
postura e fomentarem a autonomia das artesãs e artesãos, evi
tando, assim, a recaída em assistencialismo (programas
governamentais de assistência social).
ética. Nada se fala sobre a capacidade dessas iniciativas
6.Enfoque promotor da inovação. Advoga a autonomia dos artesãos para melho
rar suas condições de subsistência, muitas vezes precárias. Nesse caso, a parti
cipação ativa dos produtores é requerida.
A semântica da tecelagem
Frequentemente, a produção artesanal é compreendida de forma reducionista
ou limitada, em virtude de uma visão puramente estético-formal. Isso pode ser
explicado usando-se o exemplo dos patterns de losangos aplicados em produtos
têxteis, cerâmicos, cabaças e de madeira no México. «No Q’ero (forma de tece
lagem) o losango é dividido em quatro partes, sendo um dos elementos mais
usados para representar concepções cosmológicas. Os elementos gráficos desse
losango são: raios, uma linha divisória vertical e setas que se referem a conceitos
do espaço e do tempo. … A linha divisória vertical estrutura o losango em hatún
inti (sol grande) que, segundo os informantes dos Q’eros e Kaulis, significa o
sol ao meio-dia e uma ordem social dualista. … Outros elementos gráficos são
usados por eles, representando a hora do dia, o período do ano e a divisão quadri
partida da Terra.»(35)
Em um projeto de pesquisa de design, do qual foi retirada essa citação, cons
tataram-se as visíveis dificuldades de interpretação desses patterns. Um exemplo
mostra as interpretações erradas que uma pessoa vinda de fora e não familiarizada
64 com a cultura local pode ter: «O processo de colonização suprimiu essas dimen
sões semânticas ou visões cosmológicas. Em uma pesquisa sobre a linguagem dos
Amuzga no Estado Guerrero, no México, descobriu-se que a tradução da lingua
gem dos Amuzga para o espanhol foi feita por voluntários do Instituto Linguís
tico de Verão dos EUA, o que levou a uma perda do significado correto de todo
o conteúdo histórico-conceitual. Essas traduções são tão erradas que uma figura
geométrica, na qual os participantes do curso de verão visualizam a forma de um
‹sapato›, teve o respectivo signo literalmente traduzido como ‹sapato›, apesar de
não usarem sapatos nesta região.»(36)
(35)
del diseño
Shultz,enFernando,
América«Diseño
Latina y yelartesanía»,
Caribe – Diseño
em: Historia (36) Ibid., Shultz cita aqui um relatório de pesquisa.
CO CO CO CO |18|
}#S
\,
|DENTIDADES
PRODUCTIVAS
COLECCIÓN CHUBUT ROPA,
OBJETOS, DISENO
El Programa dentidades Productivas se implementa em 41
municípios de hubut, Ganta Cruzy Can Juan e involucra a
personas, entre pequeños productores,
3 • pacitany
bjetos c
La: pezas dela ºn Chubut retoman eccenarios
el lugar —elmar, la mesetayla montaña-, através
bologia indígena, la paleontólogía y la
InU turalidad províncial, originandolas líneas
Mapuche, Pétreo y ocmopolita.
Como parte de este grama, se inaugurará el prime:
alabierto alpúb o de la Colección Canta Cruz, c…
300 artículos de indumentaria, cerámica y accesorios.
DESFILE:10DEMARZ0ALAS.20
MUESTRA: 11 DEMARzo, DE10A19
Cubingeniero Luis A. Huergo
Av. del Libertador 450, km 3
Comodoro Rivadavia, Chubut
IDENTIDADES
PRODUCTIVAS GRATISYPARATODOS
|21||22|Identidade determinada pelos processos |23||24||25|Identidade determinada mediante pro
tradicionais de produção e elementos decorativos cessos de produção próprios: forjar vasos de cobre
(Michoacán, México). Aplicação de desenhos (Purépecha, México). A matéria-prima se obtém
decorativos de uma peça de cerâmica à mão livre, das bobinas de motores elétricos, fundidas
sem traçado prévio. e posteriormente forjadas num disco grosso.
|21||22|
66
|23||24|
|25|
|26|Reciclagem de pneus (Campina Grande, |29|Separação do material.
nordeste do Brasil). Ambiente de trabalho para |30|Detalhe de junção do fundo.
produzir uma lixeira. |31|Produto terminado.
|27|Matéria-prima. |32| Ferramentas e grampos de produção própria.
|28|Separação das camadas do pneu. |33|Forma preliminar da lixeira.
|26||27||28|
67
|29||30|
|31||32||33|
|34||35||36||38|39|Identidade determinada para |37|Martelos feitos de vergalhão e pregos para
uma cultura local de produtos de reciclagem: fixar trilhos nos dormentes de ferrovias (Campina
candeeiro de latas de cerveja, latas de conserva e Grande, nordeste Brasil).
embalagens de vidro (Campina Grande, nordeste
do Brasil).
|34|
|35||36|
68
|37
|38|39|
pnirir
|40||41||42|Sistema de sinalização urbana |43|Gráfica institucional para Buenos Aires.
(Buenos Aires), o primeiro exemplo de um grande Projeto: Eduardo Cánovas.
sistema sinalético instalado no espaço público na |44|Sinalização do metrô em Buenos Aires.
Argentina e que frequentemente servia como ponto Projeto: Estúdio Shakespear, 1996.
de referência para versões locais. Projeto: |45|Adaptação do sistema ao contexto local
Guillermo González Ruiz (diretor) e Ronald (La Plata).
Shakespear, 1971-1972.
|40||41|
69
|42||43|
|44||45|
|46|Praça central da cidade de Cachi (Província |47|Contexto no qual se obtém a matéria-prima
de Salta, no noroeste da Argentina), na qual foi para o sistema de orientação (Pré-Cordilheira).
instalado um sistema de orientação adaptado ao |48||49|Identidade determinada pelo uso de mate
contexto local. riais locais: sistema de orientação de cortiça
do cacto.
|46|
70
|47|
|48||49|
|50||53|Gráfica urbana anônima (Cholula, México). |51||52|Identidade criada mediante combinações
cromáticas (Cholula, México).
|50||51||
8xquisito3
TAMALFS DE -
RAJAS MOLE
DULCE SALSA
VERDE CANARIOS -
SURTIMOS PEDIDOS 71
DESAYUNOS
(Lalzeta |52||53|
|54||55|
#Oriente
No. 220
72
|56||57
|58||59|
|60||61|Identidade do bairro urbano La Boca em |63|Gráfica anônima (chamadas de filetes) nos
Buenos Aires mediante combinações cromáticas ônibus em Buenos Aires. Esta gráfica, típica para
nas fachadas. a imagem da cidade, foi proibida na metade dos
|62||0|símbolo de reconhecimento do lenço branco anos 1970 com o argumento de que contribuía para
das Mães de la Plaza de Mayo que reclamam a poluição visual. Foto: Inés Ulanovsky, Estúdio
seus familiares desaparecidos durante a ditadura Zkysky.
militar.
|60||61||
|
73
|62||63
#
=
=
==
#==
=
2_> >
==
=
=
|64||65|Proteção da identidade: anúncios nos |66||67|Design gráfico na Argentina. Primeira capa
jornais de uma campanha contra a exportação de de um suplemento dominical de um jornal sobre o
fósseis protegidos na Argentina. tema ‹11 de setembro› e o tema ‹aquecimento glo
bal›. Projeto: Alejandro Ros, 2003 e 2006. Também,
nesse caso, a pergunta pela identidade do design
perde relevância.
|64||65|
74
|66||67|
|68|Gráfica
queiro (Brasil).
|69|Design anônimo
anônima (Havaianas)
de produto num
de um
barco
produto
pes- de |71| Máquina agrícola pulverizadora – um exemplo
para design industrial da Argentina. Projeto: Martín
Olavarría, 2001.
uso massivo no Brasil.
|70|Ventilador deteto com luminária integrada na
unidade motriz. Um exemplo para design no Brasil
– e não para design brasileiro como marca de
identidade. Projeto:Guto Índio da Costa,2002.
|68||69|
75
|70||71|
|72||73|Carrinho coleta de material reciclável. |74|Dispositivo no carrinho para compactar emba
Projeto: estudantes da Universidade de La Plata, lagens de plástico.
docente Eduardo Simonetti, 2005. Nesse caso, a
identidade é determinada pela problemática que
surgiu como consequência da profunda crise eco
nômica na Argentina nos anos 2001-2002.
|72|
76
|73||74|
Modos de materialização da identidade do design
1. Em forma de um grupo de características formais ou cromáticas (stilemi).
2. Na estrutura da taxonomia dos produtos, vale dizer, os tipos de produtos característicos de uma cultura, por
exemplo, uma cuia de cabaça que foi criada na cultura guarani.
4. Na aplicação de um método projetual específico (empatia por uma tradição e uso desses atributos
arraigados em determinada região).
(37)
eaart›,
demanda
separação
Com
vale dizer,
referência
local,
do,produtos
assim
surge
a produtos
chamado,
aexplicitamente
pergunta
artesanais
‹airportart›
pela orientados
autenticidade
queouexcedem
‹tourist
aos produtos mais caros, coloca-se um selo de qualidade no
qual eventualmente figure também o nome da artesã ou
do artesão. A identificação do autor garante a identidade
do produto.
turistas. Para garantir a autenticidade, sobretudo dos (38)Shultz, Fernando, op. cit.
materializam nos produtos. A destruição do ambiente e a eliminação de ani
mais e plantas são uma ameaça para a continuidade dessa cultura. «Por isso,
a ecologia não é somente uma questão ‹bio-físico-química›, mas uma questão
cultural de importância fundamental para a permanência e o desenvolvimento
dos artesãos.»(38)
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Cognição e Design – o Papel
da Visualização para a Socialização
dos Conhecimentos
•DESIGN DE INFORMAÇÃO
•DADOS, INFORMAÇÃO, CONHECIMENTO
• USABILIDADE
• COMPLEXIDADE COGNITIVA
• MAPEAMENTO
• RETÓRICA
• METABOLISMO COGNITIVO
º
º
|01|Página de título de um relatório de projeto
sobre um software educativo para médicos que
será explicado mais adiante.
No discurso
Dados, sobre
informação, a informática e design de informação (infodesign), pode-se
conhecimentos 83
(1) Hakken, David, Cyborgs@Cyberspace: An Ethnogra (4) Rahn, Thomas, «Druckschrift und Charakter. Die Seman
pher Looks to the Future, Routledge, London 1999, p. 21. tik der Schriftim typographischen Fachdiskurs und in der
(2) Veja: Rheinberger, Hans-Jörg, «Wie werden aus Spuren Textinszenierung der Schriftproben», em: TextKritische
Daten, und wie verhalten sich Datenzu Fakten?», em: Nach Beiträge 11, 2006, pp. 1–31. A constante pergunta sobre a
Feierabend – Zürcher Jahrbuch für Wissensgeschichte – correlação sobre conteúdo do texto e representação tipo
Daten, coordenado por D. Gugerli, M. Hagner, H. Michael gráfica do texto permite concluir que cada caso é resolvido
et al., editora diaphanes, Zürich, Berlin, 3, pp. 117–125. de maneira ad hoc para o qual os designers fazem uso de
(3) Liessmann, Konrad Paul, Theorie der Unbildung – Die práticas padrão que escapam a uma algoritimização.
Irrtümer der Wissensgesellschaft, editora Paul Zsolnay,
Wien 2006. p. 29.
como entidades abstratas, separadas de sua base material e do processo de trans
missão que incluem, inevitavelmente, componentes de design. Da mesma ma
neira que não existe uma aprendizagem sem conteúdos, não existe uma mediação
de informação com textos e imagens sem substrato material de suporte – um
fato que Konrad Liessmann critica com a observação de que essa situação é tão
absurda como querer aprender cozinhar sem ingredientes(5). À primeira vista, isso
pode parecer uma afirmação trivial; porém, é justamente essa trivialidade que faz
surgir uma série de questionamentos ao trabalho dos designers visuais. As respos
tas devem ser buscadas nos conhecimentos científicos sobre processos cognitivos.
De acordo com o senso comum, o conhecimento pertence às pessoas e pode ser
externalizado, registrado em documentos impressos e, depois, guardado em biblio
tecas. Dois especialistas em Administração de Empresas dão um passo além e de
finem o conhecimento da seguinte maneira: «Conhecimento é uma mistura fluida
de experiências, valores, informação contextual e conhecimento especializado que
fornece o âmbito para a avaliação e a inclusão de novas experiências e informações.
[…] Nas empresas, o conhecimento é incorporado não apenas a documentos e
arquivos, mas também a rotinas de trabalho, procedimentos, práticas e normas.»(6)
Embora se possa cultivar distância contra uma interpretação meramente
instrumental do conhecimento, ela coloca em primeiro plano uma outra carac
terística que atinge o design: os conhecimentos, considerados como experiências
acumuladas,
ção entre a fonte
devem
e o ser
receptor
comunicados
está ligado à forma de apresentação
e compartilhados. Esse processo
dos conheci
de media- 85
(5)
(6)
Knowledge,
(7)
1998.
tivo,
nenDavenport,
Liessmann,
Recentemente,
gestalten
por exemplo,
Harvard
–Thomas
op.
Designing
Brückner,
cit.,
foiUniversity
publicado
H.
p. e35.
Information,
Laurence
Hartmut
Press,
um rico
Prusak,
(coord.),
Cambridge
H.M.
material
Working
Hauschild,
Informatio-
Mass.
ilustra- O papel importante de Otto Neurath para o design de infor
mação é documentado em duas publicações: Vossoughian,
Nader, Otto Neurath – The Language of the Global Polis,
NAi Publishers, Amsterdam 2008.
Hartmann, Frank e Erwin K. Bauer, Bildersprache, Facul
tas, WUV Universitätsverlag, Wien 2002.
Bremen 2004.
IIDj– Institute for Information Design Japan (coord.),
Information Design Source Book, editora Birkhäuser,
Basel, Berlin, Boston 2005.
uma teoria coerente da informação: «Na era atual da informação, temos dificul
dades para entender a informação. Encontramo-nos em uma situação similar à
do homem da era do ferro que procura entender o que é ferro. Existe o fenômeno
chamado de informação para cuja coleta e elaboração já obtivemos um alto grau
de habilidade. Porém, não podemos dizer o que é informação porque não dispo
mos de uma teoria científica para embasar uma definição aceitável.»(8)
A teoria da informação, desenvolvida por Shannon e Weaver, explica os as
pectos quantitativos da transmissão de sinais em linhas telefônicas. O diagrama
correspondente de transmissão de sinais tem sido apresentado, durante décadas,
em debates sobre o design gráfico e semiótica, como modelo de comunicação.
Contudo, seu valor explicativo para o design visual é muito limitado, justamente
porque nesse modelo, como os próprios autores da teoria da informação enfatiza
vam, não se considera a dimensão semântica.»(9)Essa dimensão semântica cons
titui a parte central do design visual – ou deveria constituir para evitar que se
termine cozinhando sem os ingredientes.(10)
Interação
Apesar de não existir ainda uma definição cabal, diferenciada e transdiscipli
nar do conceito ‹informação›, não falta prática profissional na área do design de
informação aplicando conhecimentos da psicologia cognitiva, linguística, teoria
86 da percepção, teoria da aprendizagem, semiótica e do design visual. O design de
informação é definido como «o design das apresentações exteriorizadas para au
mentar os conhecimentos».(11) No âmbito desta publicação, entende-se visualiza
ção como a área das apresentações interativas baseadas em computadores. Porém,
poder-se-ia dar um passo além e caracterizar a visualização como um procedimen
to para tornar processos ocultos ou pouco visíveis em processos bem visíveis e
transformar informações codificadas discursivamente em informações visuais.(12)
(8) Devlin, Keith, Infosense: Turning Information into Know Vision to Think, Morgan Kaufmann, San Francisco 1999,
ledge, W.H. Freeman & Company, New York 1998, p. 24. p. 7.
(9) Kittler, Friedrich, Peter Berz, David Hauptmann e Axel (12) Representações erradas e inadequadas na área do
Roch (coords.), Claude E. Shannon: Ein|Aus –Ausgewählte design gráfico se chamam ‹Boutique Data Graphics›:
Schriften zur Kommunikations- und Nachrichtentheorie, Tufte, Edward R., The Visual Display of Quantitative Infor
editora Brinkmann & Bose, Berlin 2000, p. 9 e p. 11. mation, Graphics Press, Cheshire 1983, p. 118. Por mais
(10) Por essa razão, os exercícios de layout com texto justificado que seja o desmascaramento do ‹Boutique
cego, vale dizer, texto semanticamente amputado, terão Data Graphics›, seria igualmente falso supor que uma
valor limitado. Quem se fixa na mera sintaxe (composição representação esteticamente atraente seja incompatível
de blocos de texto numa página para avaliar os valores de com o conteúdo correto. O domínio da estética não é,
cinza) passa pelo lado do conteúdo. como é sabido, coextensivo com o domínio do objeti
(11) Card, Stuart, Jock Mackinlay e Ben Shneidermann vamente correto. Correlacionar esses dois domínios é
(coords.), Readings in Information Visualization – Using precisamente o trabalho do designer gráfico.
Em virtude do desenvolvimento tecnológico dos meios digitais, abriram-se
novas possibilidades de atuação do design. A apresentação interativa de informa
ções oferece um desafio para o design gráfico tradicional e também para discipli
nas baseadas em pesquisas. Obviamente, um livro (não digital) também é uma
ferramenta que mostrou praticidade durante vários séculos. Porém, interação
no sentido mais restrito se refere hoje à apresentação de informação por meio de
documentos digitais como, por exemplo, cd-roms e websites.
Estou consciente do perigo do desgaste dos conceitos ‹interação› e ‹intera
tivo› pelo seu uso excessivo na mídia. Uso esses termos no sentido prosaico e refi
ro-me ao modo de apresentar informação de maneira não linear, vale dizer, como
hipertexto, ou estrutura de nós semânticos ligados entre si (em rede), oferecendo
alternativas para a navegação. Para isso, usam-se os diferentes canais de percep
ção (visual, auditivo, tátil) e novos procedimentos para apresentar a informação,
sobretudo em informações científicas. Até o momento, eles baseiam-se predomi
nantemente em textos. Lidar com esses múltiplos recursos – música, imagens,
animação, cinema – requer outras competências ou ‹literacies›, além daquelas me
ramente discursivas, que dificilmente encontram-se reunidas em uma pessoa só.
Isso requer trabalho de uma equipe com especialistas em psicologia cognitiva,
design do som, música, ilustração, redação, programação e design interativo.(13)
Se considerarmos
Usabilidade vista pelaque a produção
perspectiva dode documentos digitais e de ferramen
design 87
(13)A
científica
impresso,
Veja: Snyder,
digitalização
da
dirigindo
literatura
Ilana (coord.),
alevou
atenção
orientada
a Silicon
umaa novas
revisão
principalmente
Literacies,
formas
na disciplina
Routledge,
deao
recepção,
texto plos de extensão do conceito ‹literacy›, não se limitando
mais à obra impressa, cita-se o seguinte livro: Snyder,
Ilana (coord.), Page to Screen – Taking literacy into the
electronic age, Routledge, London, New York 1998.
London, New York2002. Como um dos numerosos exem
e dos estudiosos do usability engineering methods – tema que será tratado mais
detalhadamente no capítulo 11, «Design e pesquisa do design».
Retórica
A comunicação eficiente depende do uso de recursos que contêm neces
sariamente um componente estético. Os recursos linguísticos, como se sabe,
pertencem ao domínio da ‹retórica›. De acordo com a compreensão tradicional,
a gramática trata da formulação de discursos de acordo com as regras ou conven
ções formalizadas. Enquanto isso, a retórica tem a ver com a preparação estética
do discurso, evitando-se o tédio – a retórica é uma caixa de ferramentas cheia de
‹truques› para captar a atenção do público e prevenir o aborrecimento. A tarefa
do design de informação assemelha-se à compreensão tradicional da retórica da
seguinte maneira: sua contribuição consiste em reduzir complexidade cognitiva,
produzir clareza e, dessa maneira, contribuir para uma melhor compreensão. Isso
se consegue mediante uma aplicação equilibrada dos recursos audiovisuais.
(15) Rorty, Richard, «Does Academic Freedom have Philo postura ambivalente com relação ao design e que, quando
sophical Presuppositions?», em: The Future of Academic oportuno, usam o neologismo ‹architect-designer›.
Freedom, coordenado por Louis Menand, University of (17) Arquitetura da informação: estruturação de conjuntos
Chicago Press, Chicago 1996. Citado em: Willinsky, de informações complexas na web para os quais se
op. cit., p. 94. deseja uma navegação simples.
(16) No conceito ‹arquitetura da informação›, criado por (18) Cosgrove, Dennis (coord.), Mappings, Reaction
Richard S. Wurman, evita-se explicitamente a palavra Books, London 1999, p. 1.
‹design›; mesmo tendo Wurman inicialmente se referido (19) Ibid., p. 1.
exatamente àquilo que hoje se entende por ‹design de (20) Até o momento, as pesquisas sobre a história da lite
informação›. Para justificar sua seleção dos conceitos, ele ratura foram orientadas exclusivamente aos textos, sendo
(como arquiteto) argumenta que, atualmente, o conceito indiferentes ao fenômeno da visualidade. Recentemente,
‹design›, diferente do conceito ‹arquitetura›, não goza de constata-se o uso de recursos visuais. Veja: Moretti,
alta estima nos EUA. Portrás desse argumento esconde-se Franco, Graphs, Maps, Trees – Abstract Models fora
um preconceito dos arquitetos que, às vezes, assumem uma Literary History, Verso, London, New York2005.
Por exemplo, no caso de um banco de dados desarticulados para um programa
de ensino em forma de textos, esboços, fotos, ilustrações, diagramas e animações,
o designer assume a tarefa cognitiva de mapear esses dados para a construção de
uma interface para fomentar a compreensão e que se pode usar interativamente.
Por isso, em primeiro lugar, deve-se estruturar a massa de dados desconexos e,
depois, transportá-los para o domínio visual e auditivo, definindo-se uma estru
tura de rede para a navegação.(21)
Há uma distinção entre busca da informação e compreensão da informação.
Em ambos os casos os mapas podem servir para se embrenhar em uma área
de conhecimento. Eles servem para duas funções diferentes, porém interde
pendentes, que denomino de ‹metabolismo cognitivo›. De um lado, ele deve
facilitar o acesso aos conhecimentos e, de outro, assimilar esses conhecimen
tos. Os mapas oferecem um panorama sobre estruturas de dados e colocam à
disposição ferramentas para encontrar resultados. Afinal de contas, o usuário
provavelmente está mais interessado nos resultados do que na busca. Portanto,
os mecanismos de busca (search engines) têm menor importância que de achar
(find engines).
Os mapas servem também como instrumento para apresentar conhecimentos
num espaço audiovisual, vale dizer, num espaço perceptivo dentro do qual se pode
adquirir conhecimentos e produzir compreensão. Escrever e imprimir são proce
90 dimentos tradicionais para armazenar conhecimentos e transmiti-los. Jack Goody
mostrou a importância da representação gráfica da linguagem para o desenvol
vimento social e da educação, assim como as vantagens das culturas letradas em
comparação com sociedades orais que somente se comunicam pela fala.(22)
Hoje, dispomos de muitos recursos audiovisualísticos e não só de recursos
gráficos. Essa é uma das razões para a complexidade crescente da apresentação
de conhecimentos. A maneira de lidar com essa complexidade é um assunto do
design – uma temática que não é ensinada ou é tratada com certa indiferença
nos programas de ensino orientados pelos textos dos cursos primário, secundário
e universitário. Provavelmente haverá mudanças nessa área quando se usarem
intensivamente os recursos audiovisualísticos no ensino. As preocupações com o
(21) Com relação ao desenvolvimento histórico do banco de capítulo «Burocracia e Cosmografia na Espanha 1569
dados como instrumento de dominação da Espanha sobre 1600», pp. 65–91.
o reino colonial hispano-americano, cita-se a pesquisa (22) Goody, Jack, The Power of the Written Tradition,
exemplar de Siegert, Bernhard, Passage des Digitalen – Smithsonian Institution Press, Washington, London 2000.
Zeichenpraktiken der neuzeitlichen Wissenschaften 1500 Goody, Jack, The Interface Between the Written and the
1900, editora Brinkmann & Bose, Berlin 2003. Sobretudo o Oral, Cambridge University Press, Cambridge 1993.
fim da cultura do livro e o fim dos livros impressos me parecem infundadas, pois
eles não competem com formas de ensino audiovisualístico.
No início dos anos 1990, observou-se uma euforia com relação a hipertextos
como forma não linear, bifurcada, de apresentação de textos. Porém, muito cedo
foram formuladas certas reservas a essa euforia: «Estudantes que elaboram apre
sentações em hipermídia podem chegar a uma forma de conhecimento que, além
de vagas associações, não possui nenhuma estrutura. As conexões em um sistema
típico de hipermídia não estão orientadas necessariamente para fornecer alguma
forma de informação relacional […] A hipermídia é atraente porque fornece apa
rentemente uma representação direta de redes de conhecimentos desenvolvidos à
medida que nos familiarizamos com uma temática, libertando-nos das limitações
de apresentações lineares. Contudo, não dispomos de uma boa teoria sobre a ma
neira de estruturar realmente as redes de conhecimentos – se é que temos essas
redes de conhecimentos.»(23)
(23)
Chip:Chipman,
Who’s Revolutionary
Susan, «Gazing
Now?»,
Onceem:
More
Lajorie,
Into the
Susanne
Silicone Kleinebeckel da Faculdade de Medicina da Universidade
de Köln, forneceu o material básico e verificou se o
Sharon
Lawrence
(24)tese
ware
de tezuWilde,
J.
de
den
Derry
Erlbaum,
graduação
Grundlagen
Doris
(coords.),
Hillsdale,
e no
Bina
der
Departamento
Computers
Witte,
Nervenfunktion»,
N.J. «Interaktive
1993,
as Cognitive
de
pp.Design
341–367.
Lernsoft-
trabalho
Tools,
da conteúdo foi apresentado sem erros.
(25) A pergunta sobre o porquê desse capítulo sertão
importante para os estudantes de Medicina, o neuro
fisiologista respondeu: «O material serve para que os
estudantes compreendam como e por que a aspirina
Universidade de Ciências Aplicadas Köln, 1999. Prof. Dr. funciona».
|02| Splashscreen do software educativo. |05| Representaçãoesquemáticadoreflexo patelar
te Wilde, Doris e Bina Witte, «Interaktive Lern nojoelho.
software zu den Grundlagen der Nervenfunktion», |06| Comumteste virtual oestudantepode repetir
trabalho degraduação no Departamento de Design o reflexo.
da Universidade de Ciências Aplicadas Köln(hoje |07| Detalhe da membranada célula. Comuma
KISD, Köln International School of Design), 1999. lupa virtual (retângulo vermelho)oestudante pode
|03|O menu principalcom as cincoáreastemáticas ampliardeterminadasseções indicadas pelos
podeserusadomediante um menu deimagens pontos vermelhos da representaçãoesquemática. O
(roll-over-menu)ou um menu linguísticopop-up. lado direitodatela contéma explicação corres
|04| Exemplode uma sequência defilmagem para pondente.
representaro reflexo patelar.
|02||03|
92
|04||05|
|06||07|
|08|Menu do capítulo «Transmissão do estímulo». |12|Experimento virtual para mostrar o potencial na
|09|Animação da transmissão do estímulo. membrana.
|10|Animação do movimento molecular e das bom |13|Após colocar a ponta de medição na membrana,
bas na membrana da célula. mostra-se a curva de potência com acompanha
|11|Overlay da legenda para a animação do movi mento sonoro na pequena janela de medição.
mento molecular.
|08||09|
93
|10| |11|
|12||13|
|14| Explicaçãoda absorçãode um estímulo |18| Esquemadaestrutura datela do monitor
mediante uma animação. divididaemzonas funcionais: título, navegação,
|15| Screenprincipaldo glossário commenu alfa conteúdo, botões funcionais(sair, volume), subna
bético verticalna margemesquerda. vegação (avançare retroceder).
|16| Representaçãoesquemáticadamembranada |19| Exemplodo livro de estilo dagramática visual
célulanoglossário. noqual sãodeterminados todosos componentes,
|17| Exemplo para verificaroque se aprendeu. O como por exemplo, espessura das linhas, tamanho
estudante moveos conceitosespecíficos como datipografia, combinações de cores, ênfase,
mouse nolugar correspondentena representação dégradé.
esquemática.
|14||15|
94
|16||17|
|18||19|
|20|Exemplo
mediante
move
reconstruir
as diferentes
uso
a para
configuração
de um
verificar
partes
quebra-cabeça.
da
aexibida.
aprendizagem
imagemOna
estudante
zona para |21|Mediante um menu pop-up na margem inferior
do monitor, pode-se acessar o glossário com os
termos técnicos.
|22||23|Exemplo descreens do léxico com
ilustração.
|20||21|
95
|22||23|
|24|Diagrama dos hiperlinks do software educativo.
Texto 1
C5 o Texto 23 Texto
B52 Texto
dummyB41
B51Texto B51
B52
B53
B54
B55
B56 OL B21 Texto 1
ã
ç
C4 oiglo
a
M
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ud Trans.
Morfologia
Reflex
Cél.
Cérebro
Textoestímulo
nervosa
54 Lâmina 4321 B53
B54
B55
B56 U A1
A5
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B26 Texto 2
Menu 2 M
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p B31Texto dummyB31 O
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SINAPSE
ESTÍMULO ELÉTRICA ÃÇ
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U
D B22 .N
A
Introdução a-c
N
M B11Texto dummyB11 O R Mov. molecular a+b
B
M
E Bomba sódio/potás.
C2 M
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I
o A Concentração a
c IC
xié N
E Permeab. seletiva a
T
O Potencial a+b
Impulso elétrico a
C1 sa
tn Fluxo de sódio
u
g
re Despolarização a
P Reposição a-d
Os textos foram reformulados para facilitar a leitura na tela. Foi elaborada uma
gramática visual ou livros de algoritmos visuais para os diversos componentes:
combinações cromáticas, fontes para os textos, tamanhos, espessuras das linhas,
texturas, tratamento digital das fotografias, tipos de ilustrações, componentes
dos processos de animação e curtas sequências fílmicas. Os dados estruturados e
definidos para a apresentação visual foram transferidos para uma interface com
o objetivo de proporcionar uma navegação clara e uma orientação segura entre
os diferentes hiperlinks. Foram detalhadas as animações, incluindo os testes
virtuais para medir o potencial elétrico das células. Também foram filmadas
algumas sequências de vídeo.
Os textos explicativos foram lidos em voz alta por uma locutora profissional,
com gravação. Esses textos foram reformulados, nos casos de certas temáticas
que precisavam de mais detalhamento, e podiam ser lidos ou ouvidos a fim
de facilitar a concentração dos estudantes sobre o material visual. Além disso,
foi elaborado um glossário dos termos técnicos complementado por uma série
de exercícios mediante os quais os estudantes podiam verificar seus níveis de
conhecimento.
Depois que todo o material ficou disponível, foi importado para um programa
de animação. A programação necessária foi submetida a uma fase de debugging
(depuração) para reduzir o número de erros no protótipo e garantir um funcio
namento correto desse programa. Depois disso, um protótipo foi testado pelos
estudantes de medicina para verificar sua aceitação, o sucesso da aprendizagem e
a qualidade de uso.
O trabalho inteiro exigiu competências para visualizar processos comple
xos, e elaborar um projeto que facilite a compreensão do conteúdo do cd-rom,
atingindo um nível adequado de visual literacy. Então, o projeto foi muito além
da elaboração de um ‹screendesign›. O projeto começou com o conteúdo e termi
nou com a comunicação do conteúdo. O conhecimento existia em forma bruta;
porém, não em um modo de apresentação coerente e apropriado. Portanto, não
é suficiente produzir conhecimentos. Os conhecimentos devem também ser
organizados, apresentados e comunicados, de uma forma apropriada, utilizando a
tecnologia disponível.
Interface design
Existem pontos de contato entre design de informação(26) e interface design, já
terface
que ambas
design›
as disciplinas
é um conceito
lidammais
comabrangente.
informaçõesNo
e signos.
desenvolvimento
Porém, a expressão
de softwa‹in- 97
res, as interfaces, às vezes, são tratadas como mal necessário, dando a impressão
de que um software ideal seria aquele que pudesse prescindir de interfaces (nesse
ponto assemelha-se ao ideal da eletrônica imaterial, ou seja, uma eletrônica que
execute operações eletrônicas sem suporte físico).
Por que não se pode eliminar interfaces e concentrar-se apenas na funcionalida
de pura de um software que, afinal de contas, é o que importa? Infelizmente, isso
não é possível em virtude da estrutura anatômica e fisiológica do corpo humano.
Não somos equipados com receptores para fazer leitura direta de um disco rígido
e, por isso, não podemos acessar diretamente o código gravado no meio digital.
Durante sua evolução histórica, os homens criaram uma assombrosa quantida
de de próteses, desde óculos até marca-passos; contudo, até o momento inexiste
prótese para acessar diretamente o código de um aplicativo. Para isso é necessário
um auxílio em forma de uma interface.
• Conceito básico
• Programação
• Interface
• Protótipo
•Testes e debugging
• Documentação
Outro enfoque que começou nos anos 1990 procede de maneira inversa. Em
vez de se ocupar da interface somente nas fases finais, agora o trabalho com o con
ceito da interface é antecipado, o que se manifesta na seguinte sequência de passos:
• Determinação das funções básicas + rapid prototyping da interface + testes +
documentação
• Arquitetura do aplicativo
• Programação
• Protótipo
•Testes e debugging
• Redesign
A perspectiva do usuário é incluída no começo do processo do desenvolvimen
to, diferindo da sequência anterior, quando era inserida após decisões centrais
já terem sido tomadas. Desse modo, a interface era colocada como uma fachada
do aplicativo para cobrir eventuais debilidades ou para tornar o aplicativo mais
atraente visualmente.
Convém fazer claras distinções entre duas interpretações de funcionalidade no
desenvolvimento de software:
a)Funcionalidade como soma de todos os serviços disponibilizados pelo aplica
tivo (conteúdo das funções).
b)Funcionalidade como facilidade de uso, vale dizer, a maneira como a funcio
nalidade do aplicativo é apresentada aos usuários e como o utilizam.
As duas funcionalidades são correlacionadas; porém, é recomendável não
confundi-las. A interface que abre a funcionalidade não pode ser considerada um
mal necessário, pois a interface é constitutiva para o desenvolvimento do software.
Esse conhecimento levou a uma formulação radical: a interface é o próprio progra
ma. As preocupações com o usuário são importantes demais para serem simples
mente tratadas como adendo ao desenvolvimento do projeto.
Mesmo não tendo acesso a dados empíricos para comparações, pode-se supor
que o segundo enfoque é, em princípio, mais econômico que o enfoque tradicio
nal mencionado inicialmente. Ele é proativo, ao invés de reativo, e assemelha-se
a um sistema de pré-alarme. Poupam-se muitas horas de programação. Possi
velmente, na indústria do software, a minoria das empresas usa o design dessa
maneira proativa. A maioria adota práticas corretivas para eliminar equívocos
no desenvolvimento ou para reduzir erros. Naturalmente, a atuação preventiva
é melhor que aquela corretiva, induzindo o trabalho de design desde o início. É
100 possível que o costume de considerar a contribuição do design apenas nas etapas
finais, como uma operação de resgate, tenha origem nos programas de ensino nas
universidades, sobretudo na carreira de Administração de Empresas, que incluía
a temática do design tardiamente em seus currículos.
(28)
–merados
queOsigualam
mal-entendidos
em uma
design
listaadisponível
aos
jogosquais
estético-formais
na
o design
rede: Dimon,
é exposto
– são
Garrett.
enu- (2007), Improving Interface Design – Web Visions. http://
www.slideshare.net/garrettdimon/improving-interface
design (ultimo acesso: 08.11.2008).
Clínica de design
Quando se submete um aplicativo a uma clínica de design, dirige-se a atenção
para uma série de critérios que podem ser agrupados em três classes:
• Critérios que se referem às sequências de ações e modos de interação do usuá
rio com o software.
•Critérios que se referem à apresentação das sequências de ação no uso do sof
tware, vale dizer, os aspectos comunicativos e perceptivos.
• Critérios que se referem às qualidades de agradabilidade da interface.(29)
Grupo 1
A seguir, é apresentada a lista do primeiro grupo, que se refere ao manejo do
aplicativo:
• Quais possibilidades de ação (affordances) o aplicativo oferece?
• Quais modos de interação o aplicativo oferece?
• Quais sequências de ação o aplicativo oferece?
• Quais são as ações para se obter um determinado resultado?
• Quantos passos de ação são necessários para se atingir um determinado objetivo?
• As sequências de ação correspondem a uma sequência evidente que faz sentido?
• Qual é o feedback?
• Existem mensagens de erro? Como são formuladas?
• Existe ajuda? Como é oferecida? 101
Grupo 2
A seguir, é apresentada a lista do segundo grupo, que se refere às característi
cas formais e à distribuição dos itens no monitor ou na janela:
• A interface está dividida em zonas funcionais? Em quais?
• Como são diferenciadas, hierarquizadas e enfatizadas as informações?
Grupo 3
A seguir, é apresentada a lista do terceiro grupo, que se refere às qualidades
102 de agradabilidade (expressas por julgamentos ou assessments):
• A interface corresponde ao estado da arte?
• A interface é agradável, lúdica, aborrecida, complexa?
• Qual é o clima formal-estético apresentado pela interface?
• A interface é adequada para o conteúdo?
• A interface é coerente com seus objetivos?
Uma pessoa pode sentir-se atraída ou repelida por uma ferramenta, ou consi
derar agradável ou desagradável interagir com essa ferramenta. Essas preferências
resultam de uma dinâmica própria. Elas são determinadas culturalmente de
acordo com grupos e gêneros. Além disso, dependem do estilo, ou seja, da ma
terialização da coerência, que dificilmente é alcançada com métodos discursivos
racionais e argumentativos. Para descobrir a causa desse fato, pode ser útil recor
rer à teoria dos atos linguísticos de Austin e Searle.(30) Partindo da classificação
dos atos linguísticos (illocutionary acts) elaborada por esses linguistas, podemos
distinguir os seguintes atos linguísticos:
haver compromissos que não sejam cumpridos. Isso pertence à característica das
condições de satisfação para atos ilocutórios compromissivos.
Declarações são atos ilocutórios que produzem uma realidade. O juiz de paz
no Registro Civil transforma o status de duas pessoas mediante um ato declara
tório, no momento em que declara que estão casadas. As condições de satisfação
das declarações são dadas quando acontece o novo status da realidade. Em caso
contrário, as declarações são nulas. Uma declaração de guerra não é uma declara
ção de guerra se o lado declaratório não entrar na guerra.
Julgamentos são atos ilocutórios cujas condições de satisfação ocorrem quando
se comunicam os resultados dos julgamentos. Isso acontece raras vezes na prática
cotidiana porque os julgamentos, em grande parte, são realizados automatica
mente. Quando se lê que a ‹cadeira de tulipa›, de Eero Saarinen, tem uma coluna
central e não quatro pernas, temos uma afirmação verificável e não um julgamen
to. Quando se lê que a ‹cadeira de tulipa› é confortável, temos um ato ilocutório
para o qual deveria ser fornecido um critério para comprovar o julgamento sobre
o conforto da cadeira.
Apesar de não termos uma análise estatística dos atos ilocutórios sobre projetos
na área do design industrial e do design gráfico, pode-se afirmar que predominam
os julgamentos. Nesse aspecto, a área do design diferencia-se das ciências exatas,
nas quais atos ilocutórios em forma de afirmação têm um papel mais importante.
O design é caracterizado por atos ilocutórios em forma de julgamentos. Porém,
não se deve concluir que o design seja cognitivamente deficiente. Contudo,
recomenda-se cautela quando se fazem julgamentos em design – e não somente
em design – deve-se indicar sempre as referências e critérios que servem de base
comparativa para esses julgamentos.
(31)
de
como
software
Este
cliente
projeto
Commasoft,
(http://www.comma-soft.com).
foi desenvolvido
tendo umem
banco
2001comercial
pela
Baseou-
empresa commasoft do Infonea Knowledge Management System.
À equipe pertenciam, além do autor, Eva-Lotta Lamm,
Gesche Jooste Markus Ort.
se na interface também desenvolvido para a empresa (32) Liessmann, op. cit., p. 30.
até o momento. Para isso, foi desenvolvido um style book (livro de normas) com
os algoritmos visuais e verbais do design para orientar o usuário na construção
de páginas, obedecendo às regras. Esses algoritmos se referem a:
• Divisão das páginas padrão em zonas de informação funcionalmente diferen
ciadas
• Dimensionamento das páginas padrão
• Detalhamento estético-formal dos componentes visuais
• Comentários e explicações para seu uso
O screendesign é dividido em áreas funcionais diferenciadas mediante aplicação
de cores, leves texturas e posicionamento:
1.A barra do menu superior serve para navegação entre os diferentes espaços de
busca dentro de um determinado campo.
2.O frame esquerdo serve para a navegação e atributos. Nessa zona, encontra-se
a lista dos filtros que podem ser selecionados em diferentes combinações. Nas
áreas sem busca de atributos, usa-se esse frame para a navegação secundária
dentro de determinada área (portal pessoal, glossário, páginas de ajuda).
3.Área de exibição dos filtros selecionados.
4.Frame de conteúdo para mostrar a lista com os resultados da busca e informa
ções detalhadas sobre objetos específicos.
5.Frame de navegação inferior.
• Azul
Na telapara
para
a coluna
a área de busca ou
esquerda filtros as áreas são diferenciadas pelas cores:
dospesquisa, 105
|25||26|
106
|27||28|
|29||30|
|31|Exemplo de uma pesquisa: correlação entre
documentos e um colaborador.
|32|Estrutura de uma indicação de detalhes com
título, marcadores e zona de informação.
|33||34|Dimensionamento de detalhes.
|31||32|
107
|33|
|34|
|35||36|Dimensionamento de detalhes.
|35|
24
OkUTrientername; anken_als_Trustcenter.doc
Eins@sum 03.04.22)11:45 Uhr
erwenduri interri
1|
11 tudie
FOFITT; Hauptodokument
Beschreibung: Beschreibungen zu einer Information känner
auch Tr eilig gesetzt sein, damit die Lesbarkeit
-# 11
108 erhalte ibt, Auch hier gilt: Zeilenabstand =
10
SchriftgróBe+3, In diesem Fall ergibt dies 14 Pixel,
Bearbeitendes Team: ii Trans Action Banking Leitung
# Tear-ºowieso
fi ZI N8
# Systemadministratoren (1) Auszeichnung
10 ii Trus center-Teamg
Verantwortlich: # Manfred (2) einzeilige Angabe
# Daniel
3D G) mehrzeilige Angabe
|36
$
|37|Dimensionamento com ícones.
|38|Ícones.
|39|Ícones.
|40|Dimensionamento dos botões.
|37
|38|39|
i Stammdaten # allgemeine Informationeri
einzelne Filterlöschen
fa Werbundene Thermer
ale Filter löschen
[]+ Verweise auf
Zustand: zugeklappt
-*[] Verweise won
Zustand; aufgeklappt
if Projekteinsätze /Personen im Projekt
checkbox unchecked
f) Adresse / Büro
checkbox checked
Aº Skills / Qualifikationer
|40
18I_>
|
27
"IC__…)Iº
|- H
=> @ © C_>
F #
Para tornar mais compreensível esse conjunto complexo de regras, usa-se uma
série de páginas padrão contendo todos os componentes visuais que compõem a
interface. Além disso, as páginas padrão mostram a divisão do monitor em zonas
de informação e tabs, cores, texturas, ícones, fontes, menus e recomendações para
denominar os diferentes componentes no banco de dados. Foram desenvolvidos
padrões com precisão de pixels. Aí, obviamente, cuidou-se também da coerência
formal-estética. Do ponto de vista da estética baseada na teoria da informação,
os algoritmos visuais contrabalançam a tendência à desordem, vale dizer, coíbem
a tendência à proliferação desordenada de soluções ad hoc. Enquanto processos
físicos ocorrem entropicamente (aumento da desordem), processos de design
são orientados na direção contrária, vale dizer, à produção de negentropia, com
aumento da ordem ou redução da entropia.
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112
Retórica Visual-Verbal
•RETÓRICA CLÁSSICA
• PERSUASÃO
•EMOÇÕES ESENTIMENTOS
• ENFOQUE SEMIÓTICO
• PATTERNSRETÓRICOS
M I (T = 2 | T # E V ( A
A D W E RT | S E D N
|03||04
ADW E RT |SED N.
LIFE
BIG WHEEL
SPIRITED FOLLOWING In 1963 for the 6th straight year, LIFE led in automotive.
automotiveaccessoriesandequipmentadvertisingrevenue.
In 1963 for the 24th straight year. LIFE led in beer, wine LIFE $25,059.715
and liquor advertising revenue. º Dºº33
LIFE 514,952,776 Saturday Evening Post
Reader's Digest Lºgº
G-777.753
º 3,782.402 ººzºº
Line 25,817 -
Newsweek
New Yorker
|01|Pattern: Sinédoque e fusão visual/verbal |03| Pattern: Metonímia e fusão visual/verbal
Toast of the industry Spirited following
(Torradeira da indústria) (Consequências animadas)
A afirmação da liderança em anúncios publicitários A afirmação sobre a liderança em anúncios para
no setor dos eletrodomésticos é visualizada pelo bebidas alcoólicas é visualizada através de um
contorno de tostador. A marca LIFE é inserida no copo de coquetel Martini. A marca LIFE é inserida
contorno do sinal. Usa-se também toastno sentido no contorno da azeitona.
de brindar. |04| Pattern: Sinédoque e fusão visual/verbal
|02|Pattern: Sinédoque, fusão visual/verbal e para Big wheel
lelismo visual/verbal (Pneu ancho)
Reflects favourably A afirmação da liderança em anúncios publicitários
(Reflete favoravelmente) no setor automotriz é visualizada pelo contorno de
A ilustração do espelho funciona como sinédoque um automóvel. A marca LIFE é inserida no contorno
paraéoinserida
LIFE setor dosnoprodutos
contornocosméticos.
do sinal. O A
fato
marca
que o do sinal.
Sedução e emoções
A retórica pode ser caracterizada como um conjunto de técnicas empíricas
sedutoras utilizadas para influenciar as emoções e sentimentos dos destinatários
da mensagem. Humberto Maturana define as emoções assim: «Do ponto de vista
biológico, as emoções são manifestações corporais úteis para determinar ou carac
terizar campos de ação. […] As emoções são processos físicos por meio dos quais
se especificam os campos de ação em que nos movemos.»(1)
As emoções são fenômenos de curta duração, que interrompem o fluxo nor
mal das ações, por exemplo, o susto que um motorista sente quando seu carro
começa a derrapar em uma rua molhada pela chuva. Esse susto vai desaparecer
quando a situação de perigo for superada e o motorista voltar à sua condição
normal de controle do carro. Os sentimentos, ao contrário, são fenômenos de
duração mais longa. Eles têm a ver com atitudes em relação a futuras possi
bilidades de ação. Uma depressão, por exemplo, é um sentimento de que não
existe futuro ou que não há alternativas possíveis para o futuro. O susto é uma
emoção de curta duração; o medo, por outro lado, é um sentimento com dura
ção mais longa.
O designer, como produtor das distinções visuais e da semântica da cultura
cotidiana, influi nas emoções, nos comportamentos e nas atitudes do usuário.
Deve-se reconhecer que a prática é muito mais avançada que a teoria. As análi
ses retóricas ligadas ao campo da linguagem nos meios de comunicação massiva,
na publicidade, nos videoclipes e no infodesign (diagramas, ilustrações científi
cas, mapas, sistemas de orientação, interfaces de software) não atingem o cerne
da questão, pois consideram o componente visual só como um elemento secun
dário de sustentação. Isso é causado pela falta de um instrumental analítico
descritivo, que se encontra ainda em um estado rudimentar, se comparado com
a retórica literária.
Aplicação da retórica
Na antiguidade, a retórica como arte de falar era ligada a três campos: o po
lítico, o jurídico e o religioso. Ela se referia à estrutura, formulação estilística,
dicção, gestualidade em reuniões públicas, nos processos jurídicos e nas ocasi
ões festivas. Por isso, políticos, representantes legais e religiosos eram grandes
adeptos da retórica, tentando influenciar o público, provocar sentimentos e
116 influenciar nas decisões, utilizando argumentos verbais e gestuais. Qualquer
meio era justificado. A retórica é o domínio da luta verbal. Dividem-se em
duas partes:
• De um lado, usa os meios persuasivos (rhetorica utens)
• De outro, faz descrição e análise desses meios persuasivos (rhetorica docens)
A classificação dos procedimentos retóricos verbais atingiu um alto grau de
maturidade. Os manuais de retórica mostram uma sofisticada terminologia,
derivada dos antigos grego e latim. Pode-se perguntar se a retórica não deve ser
atualizada com as contribuições da semiótica moderna que analisa a interação
entre imagem e texto. Aos três campos de aplicação da retórica mencionados –
política, advocacia, sermão religioso – se agrega agora o campo dos interesses
comerciais.
As sociedades industriais produzem e distribuem uma quantidade enorme de
mensagens verbais e visuais, criando uma ansiedade da informação (information
anxiety) – um conceito introduzido por Richard S. Wurman.(2) Uma situação de
(1)
ciónMaturana,
política, LaHumberto,
Hachette,Emociones
Santiago 1990,
y lenguaje
pp. 15–18.
en educa- (2) Wurman, Richard Saul, Information Anxiety, Double
day, New York 1989.
baixa densidade informacional é substituída por outra situação de alta densi
dade informacional. Nessa nova situação, pode-se atribuir à retórica uma nova
função de natureza cognitiva, em que os instrumentos retóricos são utilizados
para melhorar a compreensão das informações. Uma reinterpretação da retórica,
sobretudo da retórica visual, como um instrumento cognitivo, poderia libertá-lo
da suspeita de técnica para enganar o público e também das acusações de mani
pulação de opiniões.
A retórica clássica se divide em cinco áreas:
• Heurísticas para a coleção e busca de argumentos
• Heurísticas para a organização do material recolhido
• Recomendações para a formulação (estilo) do material estruturado
• Heurísticas para memorizar o texto
• Indicações para a dicção e gestualidade
As técnicas do terceiro ponto mencionado podem ser utilizadas – entre outras
– para a análise de mensagens publicitárias. Referem-se aos atributos estilísticos
dos textos. Essas características se revelam, sobretudo, em forma de patterns re
tóricos definidos como «a arte de dizer algo em nova forma» e «a transformação
semântica das palavras e o empenho para dar maior força de convicção e vitalida
de ao discurso».
Os patterns se dividem em dois grupos:
• Patterns
mento numa
verbais
frase.
que se referem ao significado das palavras e seu posiciona- 117
Metáfora visual/verbal
O significado verbal é ilustrado visualmente.
Metonímia visual/verbal
Um significado verbal é relacionado com outro ligado por meio de uma conexão temática; por exemplo, causa
em vez de efeito, operação em vez de resultado, produtor em vez de produto.
Sinédoque visual/verbal
Uma parte representa o todo.
Especificação visual/verbal
O significante visual é acompanhado por um mínimo de texto para outorgar-lhe maior precisão semântica,
possibilitando a interpretação.
Fusão visual
Um sinal visual é integrado num sistema de sinais em forma de supersinal (supersign). A conexão sintática
sugere uma conexão semântica.
Paralelismo visual/verbal
118 Os significantes verbais e visuais se referem ao mesmo significado.
Substituição mimética
Um sinal visual e inserido numa configuração sintática ocupando mimeticamente parte do espaço visual que
corresponderia ao sinal visual dominante.
Exagero (hipérbole)
O significado é visualizado de maneira que exceda o padrão normal.
Tipograma
O significado das letras tipográficas (significante) é visualizado por intermédio das própias letras.
Cadeia visual/verbal
Um significado representado verbalmente é continuado e completado com significantes visuais.
Comparação visual/verbal
Uma comparação iniciada com sinais verbais é continuada com sinais visuais.
Metaplasmo visual/verbal
É um pattern de substituição usando a similitude fonética entre componentes semanticamente diferentes.
|05| Pattern: Subestimação e exemplificação |06| Pattern: Comparação visual/verbal
Dasistalles, was wir zu verkaufen haben This is how the Remington Noiseless sounds
(Isso é tudo o que temos para vender) (Assim soa a máquina de escrever Remington
A concessão verbal (a empresa vende só fumaça) Noiseless)
é exemplificada visualmente. A comparação iniciada verbalmente é complemen
tada pela ilustração. O baixo ruído da máquina é
comparado com a não presença da máquina.
|05||06| 119
|07| Pattern: Exagerovisual/verbal |08| Pattern: Analogia
Puncture Safety Refuel anywhere!
(Segurança contra pneus furados) (Abestecer em qualquer lugar!)
O pneu passa por uma fila de pregos para ilustrar a O significado verbal ‹abastecer› é visualizado
segurança contra furos. através de um processo análogo (beija-flor em
uma flor).
120 |07||08|
|09|Pattern: Paralelismo visual/verbal |10|Pattern: Paralelismo visual/verbal
You never run out of air «WOR Radio at night? I can’t see it»
(Nunca lhe faltará ar) (Radio WOR nanoite? Não possovê-lo. Escutá-lo.)
O significado verbal (ar) e o significante visual em Ailustração da noite mediante uma superfície
forma de superfície cinza homogênea agem parale preta é contrastada com uma superfície branca
lamente. Alem disso, está presente uma compara visualizando o contraste entre não ver (noite) e
ção: ao ar (em geral não percebível) corresponde escutar.
uma superfície cinza homogênea.
|09||10| 121
|11| Pattern: Transferência associativa visual/verbal |12|Pattern: Inversão metafórica ou re-metáfora
It’s the most exciting fashion change in liquor The point of a Screwdriveris Smirnoff
industry (A ponta de um Screwdriveré Smirnoff)
(É a mais excitante mudança de moda na indústria O significado secundário da palavra ‹chave de
das bebidas alcoólicas) fenda› (nome de um coquetel) é ilustrado através do
A mudança da moda visualizada através dos significado primário (a ilustração da ferramenta).
principais atributos da moda – manequim, modelo,
tecidos – é transferida à bebida alcoólica.
O anúncio procura uma transferência entre uma
moda estabelecida forte e uma moda (de bebida)
nova.
124 |15||16|
|17|Pattern: Cadeia visual/verbale sinédoque |18|Pattern: Re-metáfora
“Where there’s smoke…” For more flexibility in modern marketing – 12 TIMEs
(Onde tem fumaça…) (Para maior flexibilidade no marketing moderno –
Afrase é completada como símbolo da indústria 12 edições darevista TIME)
(chaminé como sinédoque para indústria). O significado da palavra ‹flexibilidade› é ilustrado
no sentido literal (uma revista curvada).
|17||18| 125
|19| Pattern: Metonímia |20| Pattern: Inversão metafórica ou re-metáfora
do
Guaranteed
(Garantia
O resultado
instrumento.
dede
to
fazer
make
cócegas
rir)you–laugh
rir – é visualizado através Are just two shades of opinion enough?
(Duas ‹tonalidades› de opiniões são suficientes?)
O significado primário da metáfora das duas
‹tonalidades› (preto e branco) da opinião é tomado
literalmente ou revertido.
126 |19||20|
|21| Pattern: Inversão metafórica |22|Pattern: Pergunta retórica, sinédoque e inver
Is just the top of the news enough? são metafórica
(É suficiente a parte superior das noticias= Are just two sides of the question enough?
manchetes?) (Duas classes da questão são suficientes?)
O significado metafórico da seqüência de palavras O significado primário dos dois lados da questão é
‹Top of the news› é ilustrado através do significado visualizado através de dois sinais de interrogação
literal. opostos.
|21||22| 127
|23| Pattern: Sinédoque visual/verbale fusão |24| Pattern: Metáforavisual/verbalesubstituição
Champagner mimética
(Champagne) Grüne Welle
Atampadagarrafa doespumante funcionacomo (Onda verde)
sinédoque. Aembalagem dos cigarros substitui Os significantes visuais das embalagens são
agarrafa; criando, assim, umaligaçãosemântica integradosnum supersinalem formadeuma onda.
entre ofrescordo espumantee oaromafresco do Sãopresentes dois processos retóricos: primeiro,
cigarro mentolado. avisualizaçãode umametáfora;esegundo, uma
ocupaçãodeuma onda icônica por uma onda de
embalagens.
128 |23||24|
|25| Pattern: Substituição mimética |26|Pattern: Exemplificação visual/verbal
Yeah, Yeah, Yeah! e sinédoque
O característico penteado dos Beatles, usado como Courage
sinédoque, é combinado com a embalagem do (Coragem)
maço de cigarros, estabelecendo uma aproximação Como exemplo de coragem, figura o maço de cigar
semântica entre o grupo de músicos e a marca dos ros colocado no sapato branco (sinédoque da moda
cigarros. do modista Courrèges, nos anos 1960). A ilustração
fornece um exemplo para comportamento ousado.
Além disso, o anúncio usa a figura retórica da
similitude sonora (paronomásia entre courage e o
nome Courrèges do estilista).
|25||26| 129
|27| Pattern: sinédoque e substituição mimética |28|Pattern: Substituição mimética
Gipfelbrise Oase
(Brisa da montanha) (Oásis)
Avisualização do significante ‹montanha› fornece a Um oásis num deserto é visualizado através de
forma base para um conjunto de maços de cigarros, um maço de cigarros comunicando o gosto fresco
estabelecendo uma relação semântica entre uma mentolado.
brisa fresca e o gosto dos cigarros mentolados.
130 |27||28|
|29| Pattern: Inversãometafórica oure-metáfora |30| Pattern: Transferência associativavisual/verbal
emetonímia On the Rocks
O
Urlaub
(Feriasnobolso
significado
in der Tasche
do da
textoéilustrado
camisa) literalmente. Omaço de cigarrosé inseridonum copode gelo
associandoogosto dos cigarros mentoladoscom
um drinkfresco on the rocks.
Além disso, existeneste exemplo umametonímia
(o cigarro funciona (supostamente)como meiopara
sentir-seemférias).
|29||30| 131
|31| Pattern: Metonímia, exagero e pergunta |32| Pattern: Analogia e exagero
retórica After 500playsourhigh fideltiy tapestilldelivers
How many reasons do you need to cut outblades? high fidelity
(Cuántas razões precisa para não usar lâminas de (Apos 500 vezes de uso nossa fita de alta fidelidade
barbear?) ainda fornece alta fidelidade)
Feridas de corte provocadas pela lâmina de bar A qualidade do cassete é colocada em analogia
bear cuja renúncia se refere ao uso metafórico da como uma corrente de ar saindo da caixa de som,
palavra ‹cortar o uso de lâminas›. que obriga o ouvinte agarrar-se na poltrona.
132 |31||32|
|33| Pattern: Inversão metafórica ou re-metáfora |35| Pattern: Analogia e metáfora
Geizkragen Announcing The Birth of a New Publication
(Avaro) – Environmental Quality Magazine
O anúncio trata da informatização através de (Anunciando o nascimento de uma nova publicação)
cartões perfurados cuja forma é transformada num A publicação de uma nova revista é colocada em
colo (no alemão, metáfora para ‹avaro›). O signi analogia com o pintinho que se libera da casca
ficado verbal secundário é visualizado literalmente. do ovo.
|34| Pattern: Subestimação e inversão metafórica
ou re-metáfora
Unsere Logik hat Löcher (Jetztnoch mehr als früher)
(Nossa lógica tem furos – e agora mais que antes)
O significado primário da metáfora verbal (lógica
com furos) é ilustrado através de um cartão
perfurado.
|33||34||35| 133
|36| Pattern: Tipograma |37| Pattern: Exemplificação visual/verbal
voll? – leer? Oursoap has nothing to hide
(cheio – vazio?) (Nosso sabonete tem nada para esconder)
Os caracteres tipográficos ilustram o significado A transparência evocada verbalmente com as
verbal ou seja, o alcance desde o segmento cheio palavras ‹nada para esconder› é representada
até o segmento vazio. visualmente usando o sabonete transparente.
134 |36||37|
|38|Pattern: Comparação visual-verbal e metonímia |39| Pattern: Analogia visual/verbal
Viele trinken König-Pilsener. Oderetwas genauso Put your product where people put their confidence
Gutes. (Coloque seu produto onde as pessoas colocam sua
(Muita gente bebe König-Pils. Ou um bebida igual confiança)
mente boa) A ação de confiar é visualizada mediante a analo
A qualidade da bebida (cerveja) é visualizada atra gia de guardar moedas no cofrinho de poupança.
vés de uma tampa de uma garrafa de champagne.
136 |40||41|
|42| Pattern: Fusão e paralelismo visual/verbal |43| Pattern: sinédoque efusão visual
Bestseller Very fashionable
A marca LIFE (significante) é fundida com o con- (Muito na moda)
torno do livro. O significante verbal e o significante O contorno do gilê, com a marca LIFE inserida,
visual se referem ao mesmo significado. funciona como sinédoque para a indústria da
vestimenta.
|42||43| 137
|44|Pattern: Comparação visual-verbal acompanhada |45| Pattern: Composição associativa
por uma citação It’s got to be Gordon’s
Contemporary Dutch Masterpiece (Tem que ser um Gordon)
(Obra mestre holandesa) O verde da garrafa Gordon, o verde do semáforo e a
A peça histórica de Vermeer é comparada com uma parte (GO) do nome do produto e o (GO) do semáforo
obra de arte holandesa contemporânea, ou seja, o formam uma cadeia associativa.
queijo.
francesa Perrier.
Os patterns retóricos convivem na linguagem cotidiana e, por isso, nem
sempre podem ser traduzidas em outra linguagem. O que pode ser um pattern
em inglês não o é necessariamente em português. A retórica estática dos meios
impressos deve ser ampliada para incorporar também a retórica dinâmica (ou
dos time-based media). Abre-se um grande campo de pesquisa para os designers
gráficos, para entender melhor o trabalho que estão fazendo.(3) Dessa maneira,
aproximamo-nos do objetivo que Donald Schön definiu como ‹reflective practio
ner›, um profissional que pensa.(4)
As distinções conceituais da retórica verbal são muito mais numerosas que
os patterns visual-verbais até o momento identificados – o que não deve causar
surpresa, pois a retórica verbal se apoia numa tradição de 2500 anos. O escritor
Georges Perec agregou num anexo do livro Quelpetit velo à guidon chromé au fond
de la cour(5) (1966) uma lista – em ordem alfabética – das figuras retóricas usadas
nessa peça de literatura. Termina com a letra ‹P› sem completar a lista – pois ele
não cultiva a pretensão à integridade. Enumera 140 figuras retóricas. Isso pode
servir como estímulo para empenhar-se num operativo analítico similar no cam- 139
po dos meios visuais.
(3)
dos
análise
Williamson,
Opatterns
enfoque
semântico-ideológica,
Judith,
visuais/verbais.
semiótico
Decoding
adotado
Em
Advertisements,
coloca-se
um
aquinível
começa
a mais
pesquisa
no
Marion
alto
nível
de
da (4) Schön, Donald, The Reflective Practitioner: How pro
fessionals think in action. Temple Smith, London 1983.
(5) Perec, Georges, Was für ein kleines Moped mit ver
chromter Lenkstange steht da im Hof?dtv München 2003.
Boyars, London 1978.
Bibliografia
Bonsiepe, Gui, «Visuell-verbale Rhetorik/Visual-verbal rhetoric», em: ulm – Zeitschrift der Hochschule für Gestaltung/
Journal of the Ulm School for Design, 14/15/16,1965, pp. 23–40.
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Gaede, Werner, Vom Wort zum Bild, editora Langen-Müller/Herbig, München 1992. (Da palavra à imagem)
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Lanham, Richard A., A Handlist of Rhetorical Terms, University of California Press, Berkeley 1991.
Lausberg, Heinrich, Handbuch der literarischen Rhetorik, editora Franz Steiner, Stuttgart 1990. (Manual da retórica
literária)
Maturana, Humberto, Emociones y lenguaje en educación política, La Hachette, Santiago 1990, pp. 15–18.
Perec, Georges, Was für ein kleines Moped mit verchromter Lenkstange steht dort im Hof?dtv, München 2003. Tradução
do livro Quel petit vélo à guidon chromé au fond de la cour, publicado em 1966 em Paris.
Queneau, Raymond, Stilübungen, editora Suhrkamp, Frankfurt 1990.Tradução do livro Exercises de style, publicado
em 1947.
Santaella, Lucia, e Winfried Nöth, Imagem – Cognição, semiótica, mídia, editora Iluminuras, São Paulo 2001.
Schön, Donald, The Reflective Practitioner: How professionals think in action, Temple Smith, London 1983.
Ueding, Gert, e Bernd Steinbrink, Grundriß der Rhetorik – Geschichte, Technik, Methode, editora J.B. Metzler, Stuttgart,
Weimar 2005 (4ª edição). (Fundamentos da retórica – história, técnica, método)
Vico, Giambattista, Elementos de retórica: El sistema de los estudios de nuestro tiempo y Principios de oratória. editora
140 Trotta, Madrid 2005.
Williamson, Judith, Decoding Advertisemens – Ideology and Meaning in Advertising. Marion Boyars, London/New
York 1978.
Wurman, Richard Saul, Information Anxiety, Doubleday, New York 1989.
Patterns Audiovisualísticos –
uma Contribuição à Semiótica Empírica
• ENFOQUE ‹TRANSMIDIAL›
• DIAGRAMAS INTERATIVOS
• PATTERNSAUDIOVISUALÍSTICOS EM INTERFACES
• O FIM DA PRIMAZIA DA DISCURSIVIDADE
|01|
Retórica audiovisualística
7 Dimensões em 6 Dimensões em
meios interativos meios baseados em tempo
::: Imagens
::: Texto (Tipografia)
::: Música
TV
Filme
::: Som (Sound)
Multimídia ::: Texto áudio
::: Movimento
::: Interatividade
|01|Comparação das variáveis da retórica clássica
do cinema (6) e da retórica interativa (7).
(1) A pesquisa retórica se estendeu às novas mídias e primeiro de preparar microcomponentes audiovisualísti
também a outras áreas, por exemplo, o display. «A dimen cos, vale dizer, simples materialidade. As interpretações
são retórica dos displays mostra-se nos apartamentos em podem ser feitas mais tarde. Por exemplo, prestou-se
que vivemos e em muitos lugares que visitamos – museus, menos atenção ao tratamento de uma metáfora como
exposições, memoriais, estátuas, parques, cemitérios, fenômeno isolado do que à interação da metáfora com
cassinos, parques de diversão, esquinas de bairros e música, som e imagem.
lojas.» Prelli, Lawrence J. (coord.), Rhetorics of Display, (4) Essa tradição científica, mantendo predominância de
University of South Carolina Press, Columbia 2006, p. 1. textos sobrepondo-se à dimensão visual, tem recebido
(2) Sperling, Heike, «IMAGING SCIENCE»: Integrative críticas crescentes: «A debilidade da ‹rhetoric of science›
Audiovisualistik, dissertação apresentada na Bergische considera documentos científicos tendenciosamente
Universität – GHS Wuppertal 1998. como oração e, por isso, torna-se cega para seus condi
(3) Nos seminários realizados no Departamento de Design cionantes tipográficos.» Cahn, Michael, «Die Rhetorik der
da Universidade de Ciências Aplicadas Köln e na Escola Wissenschaft im Medium der Typographie. Zum Beispiel
Superior de Desenho Industrial (ESDI), no Rio de Janeiro, die Fußnote», em: Räume des Wissens: Repräsentation,
observou-se uma tendência para perder-se, às vezes, Codierung, Spur, coordenado por Hans-Jörg Rheinber
em interpretações narrativas. Porém, interpretações não ger, Bettina Wahrig-Schmidt e Michael Hagner, editora
eram o objetivo do trabalho. Ao contrário, tratava-se Akademie, Berlin 1997, pp. 91–109.
Nesse caso, o objeto da reflexão e a linguagem descrevendo esse objeto não coinci
dem mais. Como é sabido, com o surgimento dos meios digitais, o panorama dos
fenômenos retóricos se enriqueceu. Esse enriquecimento se manifesta no número de
variáveis que se devem levar em consideração na análise. Esse número cresce de um
(no caso de textos impressos que se limitam à linguagem) a sete:
• Imagem
•Som, ruído
• Música
• Texto visual (tipografia)
•Texto auditivo
• Movimento
• Interação
As distinções da retórica verbal clássica podem servir como ponto de partida
para a análise de fenômenos audiovisualísticos. Contudo, logo se vê que essas dis
tinções não são suficientes para captar e explicar a interação dessas sete variáveis
interligadas mutuamente. Portanto, precisam ser criadas distinções para evitar
que a retórica dos meios audiovisuais passe pela malha dos conceitos tradicionais
da retórica baseada somente em textos.(5)
(5) A retórica clássica faz divisão dos recursos retóricos atuam como instâncias mediadoras no uso dos artefatos
em figuras de palavras, figuras de orações e figuras de e produzem a dimensão estética de maneira constitu
pensamento ou figuras semânticas. Essa divisão, assim tiva. Isso é desprezado quando se classifica o design de
como a busca por equivalentes possíveis na audiovi maneira simplista como «embelezamento superficial»
sualística, são colocadas em um segundo plano nesse – uma conclusão errada que se encontra, às vezes, em
contexto. Deve-se verificar, caso por caso, se ela pode enfoques críticos: Dath, Dietmar, Maschinenwinter –
servir como base para uma sistemática dos patterns Wissen, Technik, Sozialismus. Eine Streitschrift, editora
audiovisualísticos. Suhrkamp, Frankfurt2008, p. 114. Dificilmente pode-se
(6) Baudrillard, Jean, De la seducción, Ediciones Cátedra, concordar com uma crítica que caracterize o design como
Madrid 1998, p.16 (edição original francesa, De la elaboração cosmética de produtos e manifeste descon
séduction, 1979). É verdade que o design está ligado às fiança em relação à ligação entre estética e mercadoria.
superfícies; porém, não se limita a isso. As superfícies
técnicas retóricas implicitamente ou explicitamente na comunicação para au
mentar a eficiência comunicativa.(7) Obviamente, os aspectos estéticos têm um
papel importante. Enquanto a dimensão estética, do ponto de vista linguísti
co-analítico, pertence ao campo dos julgamentos (assessments) e não ao campo
das afirmações (affirmations), é compreensível a postura reservada das ciências,
pois elas visam a produção de afirmações verificáveis, baseadas na evidência
dos fatos, e não em julgamentos. Estes, em geral, baseiam-se em padrões não
explícitos (subjetivos).
Elasticidade semiótica
Partindo da diferença semiótica entre sintaxe e semântica, as técnicas retóricas
que podem ser caracterizadas como estratégias de comunicação sedutoras podem
ser implementadas mediante operações com a figura do signo, vale dizer, a sin
taxe, ou em operações com o conteúdo do signo, seu significado, sua semântica.
A retórica lida com estruturas repetitivas em forma de signos e supersignos que
se chamam, na terminologia de Christopher Alexander, ‹patterns›. Esses patterns,
por sua vez, baseiam-se na elasticidade sintática e semântica dos signos. Para
descobrir esses patterns pode-se recorrer às diferenciações terminológicas (figuras
de palavras, figuras de oração, figuras de pensamento), que se desenvolveram na
história da retórica verbal durante aproximadamente 2500 anos, e verificar em
146 que medida elas podem ser aplicadas a fenômenos multimídias. No caso de os
conceitos disponíveis não serem suficientes, deve-se ampliar a terminologia. Da
mesma maneira como a retórica tradicional literária, baseada em textos, precisa
de sua própria metalinguagem, as novas mídias também requerem uma meta
diagramática específica. Os fenômenos audiovisualísticos só podem ser captados
e compreendidos mediante um sistema de formas e apresentação visual-auditiva
interativa que vai além da metalinguagem da retórica literária.
Patterns audiovisualísticos
Exemplo: um spot publicitário da Mercedes-Benz (2000).(8)
Esse spot de 44 segundos consiste de episódios em que sete homens contam
(7) A oposição entre persuadir e convencer, formulada na esse papel das psicotecnologias, veja Bernard, Stiegler,
retórica clássica, coloca o persuadir em um status epistê Die Logik der Sorge – Verlust der Aufklärung durch Tech
mico menor. Isso ocorre implacavelmente no Iluminismo nik und Medien, vol. 6, editora Suhrkamp, Frankfurt2008,
visando superar a falta de autonomia dos membros de p. 67 e seguintes.
uma sociedade. Comparado a esse objetivo, a publici (8) Contribuição apresentada no seminário dos estu
dade e o marketing aparecem inevitavelmente como dantes Anette Haas e Lars Backhaus no departamento
anti-iluminismo estrutural, vale dizer, entorpecimento da de Design da Universidade de Ciências Aplicadas Köln,
sociedade, fomentando sua falta de autonomia. Sobre 1999/2000.
uma passagem de suas vidas. Foram analisadas as dimensões audiovisualísticas
(música, som, texto/linguagem) e suas interações e, posteriormente, mapeadas em
uma linha do tempo. Foram identificados os seguintes patterns audiovisualísticos:
1.Pattern: Repetição cromática
Em todos os episódios aparece a cor vermelha.
2.Pattern: Repetição melódica (jingle)
A repetição é um pattern retórico frequentemente usado. Em uma lista da
terminologia da retórica verbal baseada em textos, observam-se 47 tipos de
repetições em quatro diferentes classes:
• 7 repetições na classe de caracteres, sílabas e sons
• 19 repetições na classe das palavras
• 7 repetições na classe de períodos e frases inteiras
• 14 repetições na classe de figuras semânticas(9)
3.Pattern: Estabilidade narrativa
Sete homens contam um episódio de suas vidas.
4.Pattern: Divergência antitética visual-verbal
O texto falado contraria aquilo que as imagens mostram.
Exemplo: texto falado: «Com 40 anos, eu pensei em parar.»
Imagem: um fotógrafo de modas com aproximadamente 60 anos aparece em
seu estúdio trabalhando.
Exemplo:
Imagem: umtexto
carro
falado:
extremamente
«No fim deacelerado
semana, passa
eu queria
por uma
diminuir
rodovia.
a marcha.» 147
edu),
(9) Burton,
byu.edu/rhetoric/Silva.htm
Brigham
Gideon
Young
O.,University,
«Silva(ultimo
Rhetoricae»
2007.
acesso:
http://humanities.
(rhetoric.byu.
12.01.2009). (10) Contribuição apresentada no seminário da estudante
Dúnya Pinto Azevedo, 2005. Programa de mestrado da
ESDI, Rio de Janeiro. Título do spot: Imagine. Agência:
AD Studio, São Paulo 2005.
|02|Linha de tempo de um spot publicitário. Micro- |03 «Filtro solar em comprimidos?»
narrativas com trilha sonora e lista dos patterns. |04 a.jornal que não voana praia?»
|03 a 100ito sequências de um spot publicitário |05. "Sapatos desapateado para cachorros?»
para uma loja virtual no Brasil. |06|ºlentes de contato que somem quando você
dorme?»
Linha de tempo
|02|
Slowmo
Zoom
Piano
Texto falado
ambor
Ruídos
|03||04 =
|05||06 |
-
--* |
149
|07||08
|09||10|
Patterns musicais
A música e o som ocupam uma posição central audiovisualística. Nisso, pro
vavelmente, está a diferença fundamental com o mundo da retórica linguística.
Foram identificados até o momento seis patterns musicais, vale dizer:
1.Pattern musical situativo
Usa-se a música para caracterizar um contexto situativo. Exemplo: mostra-se
signos
uma cena
mediante
numa discoteca.
a reprodução
A trilha
simultânea
sonora dos
acompanha
sons típicos
a sequência
do ambiente
visualdede 151
discoteca.
2.Pattern musical histórico
Usa-se a música para caracterizar uma época histórica. Exemplo: uma música
barroca fornece o acompanhamento auditivo de uma cena, transportando-a no
tempo. Esse pattern se chama também ‹papel de parede acústico›.
3.Pattern em forma de música sintático-ilustrativa
Esse pattern é usado para conseguir uma concordância rítmica entre a dimen
são visual e auditiva. Exemplo: uma figura animada correndo é acompanhada
por uma música acelerada.
4.Pattern em forma de música semântico-ilustrativa
Esse pattern, equivalente à música sintático-ilustrativa, chama-se ‹tableau
musical›. Essa forma de música ilustrativa estereotipada foi criticada por
Adorno e Eisler como ‹melodia de flauta doce em um cenário bucólico›.(11)
|11|
152
|12|
5.Pattern evocativo
Esse pattern é usado em filmes policiais para evocar estados emocionais como,
por exemplo, horror. Um clássico de uso desse pattern é a cena de assassinato
no filme Psicose, de Hitchcock.
6.Pattern ‹Leitmotiv›
É uma repetição modulada que, dependendo do caráter de uma cena, usa-se
em bemol ou maior. Exemplo: no filme do James Bond, Goldfinger, pode-se
detectar por meio da modulação do ‹Leitmotiv› se está se aproximando uma
cena de perigo ou uma cena de amor.
Patterns de som
A complexidade da dimensão do som vai muito além de um fenômeno se
cundário, como se pode observar na sequência inicial do filme Apocalipse Now.
Existem os seguintes patterns de som:
1.Pattern: Som ilustrativo
Exemplo: mostra-se uma pessoa correndo. O som acompanha simultanea
mente os passos. Signos visuais e auditivos se complementam.
2.Pattern: Mickey-mousing
O termo provém dos Estúdios de Walt Disney. As variações de um processo
visual são mediadas por um processo sonoro conectado à cena. Exemplo: a
queda de Som
3.Pattern: um objeto
hiper-realista
é reforçada mediante um som que também decresce. 153
Aqui se trata do reforço forte do som. Exemplo: ‹pow› numa luta de boxe.
4.Pattern: Som metonímico
O som comunica aquilo que não é mostrado visualmente. Exemplo: o chiado
de uma dobradiça numa porta transmite a impressão de que uma porta é
aberta ou fechada, sem que se mostre visualmente.
Diagramas interativos
Os diferentes componentes da audiovisualística podem formar uma série
finita de combinações: podem convergir, divergir e correlacionar-se. Nos diagra
mas audiovisualísticos essas combinações ocupam um lugar central, pois tornam
visíveis as interações entre as dimensões de imagens, música, som e texto. Dessa
maneira, pode-se ver se essas dimensões atuam de forma convergente, paralela ou
divergente. Levando em consideração que essa interação é complicada ou impos
sível de ser transmitida verbalmente, recomenda-se experimentar com outras
técnicas mais afeitas às mídias baseadas no tempo. Em outras palavras: a análise
audiovisualística de mídias baseadas no tempo, por sua vez, deveria recorrer ao
uso de mídias baseadas no tempo. Seguem alguns exemplos ilustrativos.
A B C ! D
|14|
155
|15| |16|
|17||18|
é dividido em vários níveis que correspondem às diferentes dimensões audiovi
sualísticas, além de características meramente técnicas do cinema. A sequência é
projetada em uma linha de tempo. O material analisado, preferencialmente em
forma de um clipe, um trailer, um cd ou uma sequência de um filme, pode ser
reproduzido e pausado em qualquer momento. Uma barra vertical, que passa
em cima do diagrama, mostra a posição exata onde se está. Considerando que
legendas sobrecarregam o diagrama, elas podem ser apresentadas em forma de
um overlay.(12)
(12) Buchmüller, Sandra e Gesche Joost, «Entwicklung (14) Dusi, Nicola, «Le forme del trailer como mani
eines visuellen Analyse-Instrumentariums multimedia pulazione intrasemiótica», em: Trailer, spot, clip, siti,
ler Rhetorik», trabalho de graduação apresentado no banner – Le forme brevi della comunicazione audiovisiva,
Departamento de Design da Universidade de Ciências coordenado por Isabella Pezzini, Meltemi, Roma 2002,
Aplicadas Köln, 2001. pp. 31–66.
(13) Contribuição apresentada no seminário dos estudan (15) Lanham, Richard A., A Handlist of Rhetorical Terms,
tes Juan Arroyo e Oliver Hochscheid no Departamento de University of California Press, Berkeley 1991, p. 66.
Design da Universidade de Ciências Aplicadas Köln, 2003.
opções de interação são apresentadas em forma de uma lista, vale dizer, numa
representação tipográfica linguística (nenhuma pessoa fala em forma de listas).
Porém, menus com a função de estruturar o conteúdo num cd-rom e facilitar
o acesso a determinados conteúdos não se limitam a uma lista alfabética ou
estruturada de acordo com uma hierarquia. No cd-rom powerhouse:UK (clea
rinteractive, Londres 1997), que serve para a promoção de serviços de design
na Grã-Bretanha, usa-se um menu aleatório estendido sobre a superfície com
elementos redondos vibrantes, em vez do tradicional menu de listas. Passando
o cursor por um desses elementos aparece, por um momento, um overlay expli
cativo para que o usuário saiba do que se trata. Com um clique, aparece, então,
o conteúdo específico na tela. Aqui se trata de uma enumeração bidimensional
dinâmica e, como é sabido, enumerações fazem parte dos procedimentos retóri
cos tradicionais.(16)
Também em videogames são usados intensivamente patterns audiovisualís
ticos. A análise não se limitou às oito sequências narrativas dos oito mundos
do jogo da Nintendo, Super Mario Bros(17) (projeto: Shigeru Miyamoto, 1985);
porém, se referia também às técnicas audiovisualísticas na apresentação de vida e
morte das figuras:(18)
• Paradoxo. Peixes mortos boiam de barriga para cima; porém, logo em seguida
descem ao fundo do mar.
•um
Mickey-mousing
comic. visual. A morte é apresentada de forma exagerada como em 157
(16)
Nicholas
Literacies,
London
(17) Sobre
Informações
2002.
C.,coordenado
o «The
temadetalhadas
web
da retórica
as
poraIlana
rhetorical
sobre
na Snyder,
rede,
este
place»,
veja:
tema
Routledge,
Burbules,
em:
encontram-
Silicon (18) Contribuição apresentada no seminário dos estu
dantes Bettina Braun e Kim Altintop no Departamento de
Design da Universidade de Ciências Aplicadas Köln, 2002.
(19) Duas contribuições apresentadas no seminário do
estudante Tsuyoshi Ogihara no Departamento de Design
se no site
acesso: 29.12.2008).
www.classicgaming.com/tmk/nes.shtml (último da Universidade de Ciências Aplicadas Köln, 2002-2003.
|19|Também no espaço extraeuropeu de línguas
registram-se patterns audiovisualísticos A análise
de mangás japoneses usando como exemplo o
filme animado Memories, de Katsuhiro Otomo
(1995).
|19|
00:00 00:00
00:10 00:10
00:20 00:20
00:30 00:30
158
00:40 00:40
00:50 00:50
01:00 01:00
Metáforas de interfaces
Provavelmente, o mais difundido fenômeno retórico nos meios digitais é
a metáfora do desktop inventada e desenvolvida no PARC (Palo Alto Research
Center), que é usada em sistemas operacionais com interface gráfica. No CD-Rom
powerhouse::UK os designers jogaram com a ambivalência da palavra powerhouse
(usina elétrica) e basearam a interface em uma metáfora do campo da eletricidade
para acessar os trabalhos de design industrial e comunicação visual armazenados
URL
http://humanities.byu.edu/rhetoric/Silva.htm
Silva Rhetoricae: uma lista de 300 conceitos especiais (em grego, latim e inglês) da retórica clássica e da retórica do
Renascimento.
161
Um Olhar sobre as Falhas
(breakdowns) e Juntas
• ‹OLHAR CLÍNICO›
•COMPARAÇÃO INTERCULTURAL
|04||05|
|06||07|
|01|Um detalhe do pavimento da Cidade do México. |06|Detalhe de um edifício eclesiástico (Micho
|02|
|03|
|04| Juntas
|05|Tratamento
Junta na
em
numa
porta
uma
demotocicleta.
juntas
de
fachada
um em
automóvel.
deum
umedifício
edifício(Colônia).
(Basileia). acán, México), no qual foram usadas pedras
ornamentais de um templo da cultura pré-colonial.
Como exemplo para demonstrar a dominação e
a submissão, pode-se citar o caso de uma igreja
que foi construída pelos colonizadores sobre a
maior pirâmide escalonada da América Latina, em
Cholula (425 m de largura).
|07| Junta em um banco público de granito (Milão).
petência
Algunsdemédicos
avaliar opossuem
estado dea capacidade
saúde de pacientes
do ‹olhar
sem
clínico›.
recorrer
Isso
a aparelhos
se refere àpara
com-o 165
(1) Sennett, Richard, The Craftsman, Yale University fato evidente de que as metrópoles têm uma história física
Press, New Haven, London 2008, p.172. O autor cita a que, em grande parte, é paralela à história das interven
estimativa de pesquisadores de que são necessárias ções na infraestrutura. Trata-se de intervenções que dei
aproximadamente 10.000 horas para que um aprendiz xaram profundos traços na forma das metrópoles; porém,
atinja o status de competência de um expert no manejo também na sua organização funcional. Esses traços trans
de tarefas complexas, vale dizer, transformar um saber formaram as cidades, na terminologia de N. Rosenberg,
implícito em saber explícito (tacit knowledge) para estar em organismos path dependent, vale dizer, organismos nos
disponível imediatamente. Um médico em formação quais as trajetórias do passado condicionam fortemente o
adquire essa competência em um prazo de três anos presente e o futuro.» (N. Rosenberg, 1994).
de prática num hospital. Para um aprendiz de ourives, Maldonado, Tomás, «Telematik und neue urbane Szena
numa aprendizagem medieval, esse valor corresponde a rien», em: Digitale Welt und Gestaltung, coordenado e
aproximadamente 5 horas diárias no ateliê. Que eu saiba traduzido por Gui Bonsiepe, Schriften zur Gestaltung der
não existem pesquisas empíricas que mostrem quanto Zürcher Hochschule der Künste, editora Birkhäuser, Basel,
tempo se precisa para desenvolver a competência do Boston, Berlin 2007, pp. 113–158.
olhar clínico do designer. (3) Lynch, Kevin, Das Bild der Stadt, editora Birkhäuser,
(2) Sobre a temática das infraestruturas urbanas subterrâ Basel, Boston, Berlin 2001 (edição original The Image of
neas, Tomás Maldonado escreve: «Não se deve esquecer o the City1960).
Esses componentes fazem parte da paisagem urbana (cityscape). Os buracos
escavados para consertar panes na infraestrutura das cidades são fenômenos inde
sejados, pois são perigosos e incômodos, dificultando o trânsito dos pedestres e
dos automóveis. Essas falhas não foram projetadas; elas não resultam de intenções
projetuais; mas simplesmente ocorrem. Partindo dessa observação, pode-se ex
plicar um aspecto particular do trabalho do designer cuja atividade, entre outras,
é caracterizada pela antecipação de falhas. Um bom projeto antecipa possíveis
falhas no uso de um objeto ou uma informação.(4) Daí se pode estabelecer uma
conexão entre falhas e o conceito central do design, vale dizer, com o conceito da
‹interface›. Uma interface útil abre possibilidades de ação (reduz complexidade),
de maneira transparente e antecipa possíveis falhas (não exclui todas as possibili
dades de panes), enquanto insere redundâncias no sistema para superar eventuais
perturbações do ambiente externo.
Na história do design, a relação entre forma e função (form follows function)
foi debatida de maneira acalorada durante mais de cem anos. Esse debate hoje
se arrefeceu, embora ainda existam variantes, tais como «form follows emotion»,
«form follows fun» ou «form follows production». A formulação original «form follows
function» estava sujeita a mal-entendidos desde o início porque:
• Primeiro: ela tinha uma função explicativa – por que as formas de objetos de
uso e de edifícios são assim como são?
• Segundo:
fato (um edifício
ela tinha
ouuma
um função
objeto de
legitimadora
uso) é assim
– porque
a respectiva
resulta
forma
de seu
de um
propó
arte- 167
(4) As frustrações de um usuário mexendo em um produto uso volumosos e que provocam desorientação quando se
narrativa
técnico,
‹featuritis›,
detalhadamente
seduza
cada
«O maior
vezonesse
mais
designer
humorística
perigo
valecom
caso,
dizer,
consiste
o apapel
funções
enriquecer
um
na
a tendência
telefone-fax,
do
qual
emde
designer
que
também
valor
o aproduto
de
sofisticação
prático
eequipar
são
se
a tendência
descrevem
com
o tema
questionável:
um
cada
crescente
produto
deavez
uma abre a embalagem desse produto.» Após citar a instrução
de uso para o produto, ele chega à conclusão lacônica:
«Se você compreender e lembrar isso por mais de dez
minutos, você é candidato a programador de softwares
ou a um programa de perguntas na TV.» Bryce Echeni
que, Alfredo, «Léalo y llore», em: A trancas y barrancas,
editora Anagrama, Barcelona 2001, pp. 311–316.
mais funções sofisticadas que terminam em manuais de
|08|Proteção de uma ruptura da infraestrutura |10|Uma barreira do local de trabalho na via
urbana com uma visualização tematicamente pública, de acordo com normas de segurança.
relacionada. |11|Uso despreocupado designos.
|09|Cortesia em relação aos motoristas (Thank |12|Barreira usada como superfície para publici
you). Cones de guia de tráfego colocados em dade.
pequenos intervalos. |13|| Reação espontânea à pergunta se é permitido
tirar uma fotografia.
|08||09 Maio 6, 2004 1832||7vrique 47°23’ N; 8°32'E, Suíça | Exemplo Outsi, 2004 11:12, Dunedin 45°52' S, 170°30' E, Nova Zelândia|Exemplo
168
|10||11
|12||13|
|14||15|Faz-se um alerta aos motoristas; porém, não ||18|Barreira com meios mínimos.
aos pedestres. |19|Informação sobre a instituição e sua atividade:
|16|Improvisação. pavimentar
|17|Indício de uma sociedade empobrecida que
seguiu de forma exemplar e altamente aclamada as
imposições do Consenso de Washington e, por isso,
caiu em uma profunda crise.
Out27, 2004 15:04, Brasília 15°46'S 47°550, Brasil|Exemplo 0ut27, 2004 1108 Brasília 15°46'S 47°55' 0, Brasil|Exemplo |14||15|
|-
| -
- -
º
169
0 |16||17|
TFERIA.
É CH2 E5
|18||19|
NTRA
FECA INCIC
FECA TERMINO
L MUNICIPALIDAD DE SANTIAGO
PAVIMENTANDO
sob a hipótese de existir uma relação causal entre o domínio do útil e o domínio
do estético. Deixando de lado a fragilidade dessa argumentação, o propósito ou a
função de um produto pode ser conceituado com relativa facilidade. Dependendo
da maneira como se interpreta, esse conceito pode abranger tudo: desde a faci
litação do uso prático de um objeto cotidiano até os aspectos expressivos. Pode
também referir-se à criação de identidade dos produtos para efeitos mercadoló
gicos e ao enriquecimento emocional da vida cotidiana, e até coibir o excesso da
ornamentação.
Por mais que se possa sentir uma profunda aversão ao conceito da função,
parece que é difícil abstrair sua relevância. Isso, muitas vezes, produz reações
viscerais, frequentemente por motivos políticos (os correntes defensores do status
quo sentem-se incomodados pela mera menção da palavra ‹social›, preferem
o que se pode chamar design pectoral). Caso se considere a função superada, ela
ressurge imprevisivelmente, provocando a irritação dos críticos. Afinal de contas,
só aparentemente se dissocia o conceito da forma do conceito da função. Porém,
é exatamente esse conceito da forma que precisa ser questionado.(5) No fundo, a
fórmula «form follows …» – life style, experience ou qualquer outra novidade, trata
de uma fórmula vazia, cujas possíveis interpretações já se esgotaram.
Algumas correntes dentro do design já conferiram um certificado de óbito ao
funcionalismo como doutrina projetual – alegando que hoje todos os produtos,
170 em um determinado segmento de preço, ofereceriam os mesmos serviços. Contu
do, isso não leva muito longe porque se baseia no ponto mais frágil do funciona
lismo, insistindo em um conceito abstrato de função em vez de prestar atenção à
qualidade das funções, que nao são questionadas. Quando se declara hoje, pom
posamente, que não interessa mais a questão da utilidade dos produtos, mas se
estes nos agradam, aparece aí a incômoda supressão do útil que seria substituída
pela exigência de agradar. Quais produtos devem agradar? Essa pergunta não
surge com esse conceito de design.
O funcionalismo, sobretudo na sua versão obstinada e doutrinária, insistiu
na utilidade como fator determinante da forma. Hoje, é confrontado com ou
tra ideologia, cuja máxima é a criação de um momento estético na mercadoria.
(5) O historiador de Zurko escreve sobre o funcionalismo: estritamente conectada ao termo genérico ‹função›. Além
«Funcionalismo implica um sistema pluralista e não disso, a linha divisória entre esses valores não constitui
monótipo de valores. A crítica funcionalista […] tende a uma barreira insuperável.» de Zurko, Edward Robert,
considerar a arquitetura do passado sob a perspectiva de Origins of Functionalist Theory, Columbia University
valores morais, éticos, sociais e, muitas vezes, metafísi Press, New York 1957, p. 232. As contribuições de Claude
cos, enquanto a avaliação da arquitetura moderna enfa Schnaidt no debate diferenciado sobre o funcionalismo
tiza a primazia de valores imediatos, tais como economia, podem ser encontradas em sua obra completa: Schnaidt,
fluxo fácil de tráfego, instalações sanitárias, facilidade de Claude, «Forme, Fonctions, Fonctionalisme», em: Autre
manutenção, boa iluminação e ventilação. Porém, a rica ment Dit–Écrits 1950-2001, coordenado por Jacques
diferenciação entre esses dois conjuntos de valores está Gubler, infolio éditions, Gollion 2004, pp. 533–604.
|20|Opattern das falhas na infraestrutura urbana |21| Diagrama da interface que abre possibilidades
utilizando a terminologia adaptada de Kevin Lynch. de ação para o usuário de um produto ou de infor
mações. Mediante o design, estruturam-se espaços
de ação.
Rua |20|
Caminho (path)
Nó Sinal
(node) (marker)
Linha separadora
(border) CalçadaCaminho (path)
171
|21|
Produto
Informação Ator
Interface
Espaço de interação
|22|Uma comparação entre o acesso a uma infor |25|Uma interface claríssima: «Furam-se pneus
mação e quebrar a casca da avelã para o que se grátis».
necessita uma ferramenta. |26|Uma interface claríssima: «Proibido estacionar:
|23|Uma interface quebrada. Respeite a minha entrada de garagem e eu respeito
|24|A causa para a quebra da interface: um mate o seu carro».
rial com seção subdimensionada que não resiste às |27|Uma interface confusa – felizmente em sis
solicitações mecânicas quando se abre uma avelã. temas operacionais modernos está praticamente
desaparecida.
|22|
172
|23||24|
|25||26|
|27|
|28|Articulação em área de trabalho (no sentido de |29||30||31|Interface no sentido restrito significa
produzir um efeito), área de manipulação e área de design dos componentes de controle e dos elemen
informação (ela não existe nesse produto). tos de display. Interface no sentido amplo significa
Cabeça do fósforo = área de trabalho ou de ação. o design da configuração tridimensional inteira do
Palito = área de manipulação e parcialmente de produto (nesse caso uma gravadora), incluindo a
trabalho (fornece material para uma chama). gráfica do produto.
|28|
173
|29||30||31|
Independentemente da postura projetual e da constelação de atributos visuais
(morfologia estética) de produtos e edifícios, não se deve negar o mérito histórico
do funcionalismo. Nesse sentido, Zurko realizou uma pesquisa histórica diferen
ciada: «O funcionalismo é a única estética que aceitou, sem reservas, o mundo
da tecnologia como um componente importante da cultura.»(6) O funcionalismo
pertence à melhor tradição da modernidade e, por isso, transforma-se em um
motivo de crítica para os representantes da pós-modernidade.
No começo da década de 1990, surgiu o novo conceito de ‹interface›, devido
aos avanços da tecnologia da computação e da informática.(7) Em vez de orientar
se pelo antigo binômio conceitual ‹forma e função›, o termo ‹interface› possibi
litou a colocação do trabalho do designer no domínio das ações eficientes, com o
qual se abriram novas perspectivas. Os enfoques tradicionais orientados à forma
e à função foram substituídos por um enfoque orientado pelas ações. O diagrama
ontológico da interface, publicado no início dos anos 1990, mostrou a relação
triádica entre um usuário, um produto e um objetivo de ação, entre os quais a
interface funciona como domínio mediador. Insistiu-se que o domínio central do
design consistia na estruturação de um espaço de ação.
Essa relação pode ser visualizada com um simples exemplo da área de uso e
acesso a uma informação. Ela é comparada à casca dura de uma avelã, que o ho
mem não pode abrir porque não está anatomicamente preparado para essa tarefa.
174 Por isso, ele depende do uso de uma ferramenta que, como todas as ferramentas,
pode danificar-se, não resistindo às solicitações mecânicas. O arsenal dos produtos,
em geral, pode ser estruturado em uma linha. Em um polo se encontram os produ
tos de baixa complexidade e, no outro, os produtos de alta complexidade. No caso
de um produto de baixa complexidade, por exemplo, um copo d’água, a interface e
o produto coincidem – eles são coextensivos. Quando cresce a complexidade, a in
terface se incorpora cada vez mais como domínio próprio. Essa afirmação vale tanto
para os objetos de uso, quanto para aplicativos e projetos da área da comunicação.
A estrutura de objetos de uso pode ser dividida em três zonas: área de traba
lho, área de manipulação e área de informação (display). Para um produto simples
como um fósforo não há display, a não ser que se atribua ao palito uma função de
ontológico
(7)
relativizar
forma
(6) Em
Op.e1993,
cit.,
função.
ada
p.aparentemente
publiquei
240.
interface
Bonsiepe,
pela
queGui,
primeira
serviu,
interminável
Las entre
Siete
vez ooutros,
Columnas
discussão
diagrama
para
del
sobre zalco, México 1993. A ideia da importância da interface
para caracterizar o design surgiu durante o trabalho no
softwarehouse Action Technologies em Emeryville (Cali
fórnia) no fim dos anos 1980. No ano anterior, publiquei
um artigo sobre este tema: Bonsiepe, Gui, «Die sieben
Diseño, Universidad Autónoma Metropolitana, Azcapot- Säulen des Design», form & zweck, n.6, 1992, pp.6–9.
|32| Interface como critério para diferenciar o pro
jeto de engenharia e de design. Diagrama hipoté
tico sobre complexidade funcional crescente com
a qual cresce também a importância da interface
que funciona como redutor de variedade.
|32|
Poster
ÁREA DE DESIGN
Aplicativo
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e Livro 175
o
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d
o
ã
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r Tesoura
e
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n Plug ÁREA DE ENGENHARIA
o
P
Complexidade estrutural e funcional
Bibliografia
Bryce Echenique, Alfredo, «Léalo y llore», em: A trancas y barrancas, editora Anagrama, Barcelona 2001, pp. 311–316.
Lynch, Kevin, Das Bild der Stadt, editora Birkhäuser, Basel, Boston, Berlin 2001 (edição original The Image of the City 1960).
Maldonado, Tomás, «Telematik und neue urbane Szenarien», em: Digitale Welt und Gestaltung, coordenado e traduzido
por Gui Bonsiepe, vol. 1, Schriften zur Gestaltung[textos sobre design] da Universidade das Artes de Zurique,
editora Birkhäuser, Basel, Boston, Berlin 2007. [Mundo digital e design]
Schäffner, Wolfgang, Sigrid Weigel e Thomas Macho (coords.), «Der liebe Gott steckt im Detail» – Mikrostrukturen des
Wissens, editora Wilhelm Fink, München 2003. [Deus está nos detalhes – Microestruturas do conhecimento]
Schnaidt, Claude, «Forme, Fonctions, Fonctionalisme», em: Autrement Dit–Écrits 1950-2001, coordenado por Jacques
Gubler, infolio éditions, Gollion 2004, pp. 533–604.
Sennett, Richard, The Craftsman, Yale University Press, New Haven, London 2008.
de Zurko, Edward Robert, Origins of Functionalist Theory, Columbia University Press, New York 1957.
Entre Ocularismo e Verbocentrismo
ocorre também com a teoria. Ela é produzida a custo zero, sobretudo no âmbito
acadêmico, onde ainda existe tempo livre para tais empreendimentos. Por isso,
no começo, a teoria é necessariamente acadêmica, o que não se deve igualar com
distância da prática.
A prática profissional, sujeita às pressões da vida cotidiana, dificilmente permite
cultivar atividades teóricas. Elas poderão ser um peso morto para os negócios (o
lean business); assim como a produção de poesias, não contribuem para o crescimen
to do PIB. Por isso, de acordo com critérios estritamente econômicos, a teoria é irre
levante. Assim, ela é lembrada apenas na ocasião de eventos midiáticos. Após esse
curto momento de fama, ela é esquecida novamente até o próximo evento. Essa é a
sina da teoria, que não tem valor de uso ou valor de troca, mas, no máximo, valor
midiático (show value). Porém, existem outras faces da teoria que abordarei a seguir.
O design demorou para avançar como temática para a reflexão na filosofia e
nas ciências. Quando começou a onda de popularização e os programas de fomen
to para o design, na década de 199o, o discurso projetual se ampliou. Entretanto,
cresceu também o inevitável perigo de uma relação paternalista entre o promotor
e o objeto da promoção. O design se transformou em temática para muitos con
gressos e viagens em todo o mundo. O design se transformou em um oportuno
objeto midiático.
No processo dessa expansão, o design separou-se da competência projetual
específica. Outros profissionais com qualificação meramente acadêmica, mas sem
habilidades para o projeto, ganharam relevância, respaldados por categorias e cri
térios tradicionais. O design transformou-se em campo de ação para qualificações
acadêmicas não ligadas ao domínio do projeto, despertando ambições hegemô
nicas próprias e interesses canônicos próprios. Elas ganharam uma influência
crescente sobre a política do design e o discurso projetual com o argumento de
que o design é importante demais para ficar só na mão dos designers.
Nesse alargamento conceitual e profissional, o domínio do design difere
das outras disciplinas. Por exemplo, falar sobre física teórica exige um reper
tório específico, dificilmente dominado por outras categorias profissionais. Isso
não acontece no discurso do design. Esse fato tem a vantagem de possibilitar
enfoques não ortodoxos; porém, envolve o perigo de cortar a relação com a
materialidade do projeto e fomentar a teoria do design sem qualquer relação
com o tema. A teoria só pode avançar quando superar o status de uma ocupa
ção ocasional e for aceita como disciplina autônoma nas instituições de ensino
superior. Para avançar nessa direção, precisam ser criados programas de ensino
atualizados.
Certa vez, um crítico colocou em dúvida a legitimidade dos textos de Lewis
Mumford sobre urbanismo e arquitetura. Ele respondeu secamente, dizendo que
não era um arquiteto, mas que seria capaz de diferenciar bem entre uma casa
ruim e uma casa boa. A competência crítica e a competência projetual ocorrem
180 em diferentes domínios. A autonomia entre a literatura e a crítica literária não
exige que um crítico literário se qualifique antes como autor de novelas para se
legitimar no ramo da crítica. Para a teoria do design, precisa-se de um mínimo
de familiaridade com o design para evitar a produção de especulações confusas.
Uma das obras fundamentais para a teoria projetual, que tem influenciado a
teoria geral dos artefatos, definiu, no final dos anos 1960, um padrão para refle
xões teóricas de design, partindo de uma visão das ciências exatas.(1) Os enfoques
advindos de outras áreas do discurso projetual enfrentam mais dificuldades. Fre
quentemente, surge a impressão de que a temática do design provoca mais irri
tação incômoda do que simpatia. Mais ainda porque essa temática é tratada com
petulância e arrogância na tradição do pensamento idiossincrático (puramente
teórico no sentido pejorativo). Em parte, isso se explica pela falta de familiarida
de com a temática e também devido a profundos preconceitos arraigados contra
os artefatos – objetos de uso e signos da prática cotidiana e suas condições de
produção técnico-econômicas. Vale dizer, há uma aversão à materialidade, típica
min escreveu que ela prepara um objeto com tanta dedicação como um canibal
prepara um bebê, e isso vale também para a teoria objetivizante. Ela tem apetite
pelo design concreto. O discurso teórico é também discurso de poder, discurso de
apropriação. Com isso, a teoria sofre permanentemente pressão de legitimação.
Ela se desenvolve na dualidade entre contemplar e agir. A teoria pressupõe a ma
terialidade daquilo sobre o qual teoriza. Ela consome seu objeto. A prática deve
ter, portanto, primazia sobre a teoria. Entendida assim, a teoria leva uma exis
tência parasitária e chega – à primeira, porém equivocada, vista – sempre tarde
demais; equivocada, pois ela penetra qualquer práxis projetual. Inversamente, a
ação projetual pode degradar facilmente a teoria, reservando-lhe o papel de forne
cedor de legitimação, vale dizer, para orlar o status quo e elevar o status cultural.
Dessa ambição de dominação por ambos os lados, dessa encruzilhada en
tre teoria e prática, existe uma saída esboçada por Dewey: uma recusa à teoria
elas serão diferentes de acordo com os interesses e os objetivos de cada um. Por
mais que se possa colocar em dúvida o sentido e o propósito da teoria projetual,
pelo menos existe um argumento forte a favor da teoria do design. Todas as prá
ticas estão inseridas no mundo discursivo, vale dizer, no domínio linguístico que
é imprescindível para a prática, por mais que se reprima ou negue esse fato.
Mundos discursivos se distinguem pela sua diferenciação e rigor. Contudo, a
situação não é muito animadora na área do design. Comparado a outras áreas de
conhecimento, o discurso do design não se distingue nem pela diferenciação nem
pelo rigor. Para se convencer disso, basta participar de um evento que se dedique
ao design e verificar a qualidade dos trabalhos apresentados pelos profissionais
da área. Pode-se especular sobre as causas dessa deficiência do discurso projetual.
Talvez estejam relacionadas com as consequências da educação orientada à for
mação de habilidades, que fomenta uma postura anti-intelectual. Porém, espe
rara-se que essa falha seja eliminada nas instituições de ensino de design. Caso
contrário, essas instituições não conseguirão se emancipar e levarão uma existên
cia subalterna. Isso seria um retumbante fracasso para a afirmação da importância
cultural e econômica do projeto como instrumento da modernidade.
Para evitar mal-entendidos, enfatizo que as habilidades (skills) são condições
necessárias, mas não suficientes para o ato projetual. Quem hoje faz design tipo
gráfico deve demonstrar domínio de algumas ferramentas como QuarkXpress ou
InDesign. Porém, quem só aspira à perfeição técnica nesse domínio, transforma
se num mero operador, denominado no jargão profissional de ‹pixel monkey on a
rendering ranch› ou ‹micreiro›.
Pode-se caracterizar a teoria como domínio das distinções que contribuem
para melhorar a compreensão, em outras palavras, domínio no qual se proble
matiza a prática. Partindo da diferenciação entre pensamento operante e pensa
mento discorrente, pode-se formular a seguinte interpretação: a prática projetual
como pensamento operante age no domínio da produção e comunicação social. A
teoria do design como pensamento discorrente atua no domínio do discurso social
e, por consequência, na política, na qual se discute o tipo de sociedade em que se
quer viver.
A teoria é formulada pela linguagem e elabora a discursividade. Assim, ela
tem uma relação conflituosa com a visualidade, embora a epistemologia se entre
lace com metáforas visuais desde sua origem na filosofia clássica. Isso foi chama
do de ‹imperialismo da filosofia ocularcentrista›.(4)
Pode-se cair facilmente na armadilha de uma tendência antivisual quando a
teoria privilegia exclusivamente a linguagem ou, mais ainda, declara a lingua
gem como única forma epistêmica. A partir do chamado ‹giro visual› (iconic turn)
nas ciências, que foi possibilitado pelo desenvolvimento da tecnologia digital
e da informática, o domínio visual passou a ser reconhecido como um domínio
constitutivo epistemológico. A pretensão absolutista da linguagem como forma
184 primordial do conhecimento vem perdendo espaço, embora ainda represente
uma tradição poderosa, uma fortaleza institucional da discursividade. Essa tradi
ção cria consideráveis dificuldades para o avanço da visualidade.
Frequentemente, os designers são criticados por não terem boa discursivi
dade. Com toda razão, seus contribuições são avaliados de acordo com padrões
da discursividade. Porém, se olharmos por outro lado, descobriremos também
a debilidade de articulação visual dos mestres discursivos. Descobriremos o la
mentável reflexo dessa situação pela baixa qualidade dos produtos digitais, como
as páginas da web e os softwares educacionais. É de se esperar que a melhoria do
ensino universitário supere a diferença entre discursividade e visualidade.
A teoria do design poderia alcançar avanços significativos com a realização de
pesquisa das relações entre visualidade e discursividade. Dessa maneira, a palavra
chegaria à imagem e a imagem chegaria à palavra.
Anteriormente, as pesquisas sobre teoria da imagem focalizavam o quadro
artístico (pinturas). Há alguns anos, observa-se o crescimento do interesse pelo
(4) Levin,
mony
1993, of
p. 18.
Vision,
David University
Michael (coord),
of California
Modernity
Press,
andBerkeley,
the Hege- (5) Krämer, Sybille e Horst Bredekamp (coords.), Bild,
Schrift, Zahl, editora Wilhelm Fink, München 2003, p. 15.
papel da visualidade na prática epistemológica. Ao mesmo tempo, relativiza
se a dominância do texto e reconhece-se que a visualidade não se limita à arte
pictórica como área legítima de pesquisa: «Na história do pensamento, e para
nossas práticas epistemológicas, a visualidade não é um simples acompanhamen
to ilustrativo, mas constitui o núcleo insubstituível não somente no contexto de
descobertas científicas, mas também no contexto argumentativo… a pretensão
absolutista da linguagem não é mais aceita na produção de jogos linguísticos,
jogos de imagens, jogos de escrita. Nessa inter-relação entre o simbólico e o tec
nológico, entre o discursivo e o icônico, geram-se e reproduzem-se culturas.»(5)
Bibliografia
Bredekamp, Horst, Matthias Bruhn e Gabriele Werner (coords.), Bilder in Prozessen. Bildwelten des Wissens – Kunsthis
torisches Jahrbuch für Bildkritik, vol. 1,1, editora Akademie, Berlin 2003. [Imagens em processos]
Bredekamp, Horst, Matthias Bruhn e Gabriele Werner (coords.), Diagramme undbildtextile Ordnungen. Bildwelten des
Wissens – Kunsthistorisches Jahrbuch für Bildkritik, vol. 3,1, editora Akademie, Berlin 2005. [Diagramas e estrutu
ras visuais-textuais]
Bredekamp, Horst, Matthias Bruhn e Gabriele Werner (coords.), Digitale Form. Bildwelten des Wissens – Kunsthistori
sches Jahrbuch für Bildkritik, vol. 3,2, editora Akademie, Berlin 2005. [Forma digital]
Bredekamp, Horst, Matthias Bruhn e Gabriele Werner (coords.), Systemische Räume. Bildwelten des Wissens – Kuns
thistorisches Jahrbuch für Bildkritik, vol. 5,1, editora Akademie, Berlin 2007. [Espaços sistêmicos]
Durlach,
my Press,
NatanielI.
Washington
e Anne 1995.
S. Mavor (coords.), Virtual Reality – Scientific and Technological Challenges, National Acade- 185
Houlgate, Stephen, «Vision, Reflection, and Openness», em: Modernity and the Hegemony of Vision, coordenado por
David Michael Levin, University of California Press, Berkeley 1993.
Krämer, Sybille e Horst Bredekamp (coords.), Bild, Schrift, Zahl, editora Wilhelm Fink, München 2003. [Imagem, escrita,
cifras]
Levin, David Michael (coord.), Modernity and the Hegemony of Vision, University of California Press, Berkeley 1993, p. 18.
Simon, Herbert A., The Sciences of the Artificial, MIT Press, Cambridge Mass 1969.
Pensamento Operacional
e Pensamento Contracorrente
• AMNÉSIA
• ASPECTOS IRRITANTES
• A SÍNDROME ‹ANTI›
|02|
o|01|Edifício
hall de entrada
da hfg-ulm.
e à biblioteca.
Vista dos ateliês para |02|Vista da entrada.
tuições
A Escola
de ensino
de Ulm
do (hfg-Hochschule
design pelo interesse
für Gestaltung)(1)
enfático pela
se destacou
teoria. Aentre as insti-
hfg-ulm te 189
(1) A Hochschule für Gestaltung (hfg) de Ulm, cidade ao (2) A fala do «mosteiro de concreto» pode servir de exem
sul da Alemanha, funcionou durante 15 anos, entre 1953 plo da imprensa diária. Entretanto, é justificada a crítica
e 1968. Destacou-se por seu currículo altamente estru que o interesse pelos métodos projetuais, às vezes, se
turado, dando igual importância à teoria e à prática. desconfigurou na ‹metodolatria›. Não tem fundamento o
A abordagem era feita de forma racional, com adoção comentário generalizador de que o enfoque ulmiano blo
de métodos matemáticos e físicos. Entre as discipli quearia a criatividade dos alunos. Isso se deve à aversão
nas, incluíam-se Metodologia Científica, Matemática, a qualquer forma de racionalismo objetivante que – e
Física, Ergonomia, Semiótica, Psicologia, Economia, isso deve ser admitido – dificilmente é conciliável com a
Sociologia e Ciência Política. Uma ênfase especial era construção de egos dos designers e de design de autor.
dada à Metodologia de Design. Esse modelo de ensino, Os debates ocorreram com muita veemência, infringindo
fundamentado na teoria e na prática, foi adotado como as normas do bom comportamento, e foram desqualifica
modelo em diversas escolas fundadas posteriormente dos na imprensa afirmativa como ‹contendas pessoais›.
em diversos países (Bernhard Bürdek, 2006). Isso forneceu, mais tarde, aos políticos conservadores,
um pretexto oportuno para liquidar essa instituição
incômoda. O silêncio mortal do discurso único era alheio
a essa instituição.
esteja na associação do design atual com o lifestyle e, com isso, identificá-lo com
os comportamentos relacionados à estética da mercadoria, como no caso de pro
dutos de moda.
Ainda que se cultivassem intensivamente interesses teóricos na hfg, isso não
se refletia em sua estrutura institucional. Não existia o departamento de teoria
do design. Na falta de um programa específico, não era possível estudar formal
mente a teoria do design, tal como se podia estudar arquitetura pré-fabricada, ou
design de produtos, ou comunicação visual, ou design de informação. O ensino
da teoria não existia no sentido estrito, mas ocorria simultaneamente à prática.
O departamento de informação oferecia aulas introdutórias abordando aspectos
teóricos. Nesse contexto, deve-se mencionar o papel exercido por Max Bense,
cuja importância na história da filosofia alemã após 1945 não tem sido reconhe
cida como merece.
A metodologia projetual, um tema que hoje em dia não provoca mais
polêmica, foi alvo de muito interesse. Naquele tempo, o processo projetual
era considerado um processo decisório e de resolução de problemas. Tratava
se de libertá-lo da aura de subjetividade e encontrar procedimentos seguros
para ajudar a resolver problemas complexos. Claramente, foi reconhecido
que a criatividade só tem valor quando estiver associada à competência e ao
know-how profissionais. Na perspectiva atual, o ponto fraco desse enfoque da
mas.
metodologia
Além disso,
tradicional
ela excluía
está anadimensão
deficiência
estética
para detectar
de suas reflexões.
e localizarMuito
proble-
cedo, 191
(3)
difere
banqueta
A análise
dasulmiana,
interpretações
cultural-histórica
hoje oferecida
estereotipadas
e anas
interpretação
galerias
da hfg-ulm,
dedadesign,
de (4) Spivak, Gayatri Chakravorty, The Post-Colonial Critic:
Interviews, Strategies, Dialogues, coordenado por Sarah
Harasym, Routledge, New York, London 1990. p. 2.
Selle,
Campus,Gert,
Frankfurt,
«Ulmer New
Hocker»,
Yorkem:
2007,
Design
pp. 128–136.
im Alltag, editora (5) Alexander, Christopher, Notes on the Synthesis of
Form, Harvard University Press, Cambridge Mass. 1964.
|03|Edificio da hfg-ulm. |04|Escada da entrada. O corrimão agregado poste
Projeto: Max Bill. riormente não figurava no projeto do arquiteto.
Terreo: curso básico. |05|Escada interna com entrada para o refeitório.
Primero andar: departamento de construção.
|03|
192
|04||05|
|06|Vista dos ateliês. |08|Vista do curso básico e do departamento
|07|A banqueta de Ulm. de construção.
Projeto: Max Bill e Hans Gugelot.
|06||07|
193
|08|
|09|Martin Heidegger na sua visita à hfg-ulm, 1959, |10|O historiador de design e arquitetura, Reyner
com
Staub.
e Reyner
Otl Aicher
Banham(centro),
(vista parcial).
Tomás Maldonado
Foto: Christian
(direita) Banham, durante uma conferência na hfg-ulm.
Foto:Wolfgang Siol.
|09||10|
194
The
–sante.
London
publicado.
(7)ANaquele
Cultural
University
Frequentemente,
2004.
Betts,
tempo,
History
Esse
of Paul,
California
historiador
referia-me
of West
The
nãoAuthority
Press,
se
German
éao
avança
uma
manuscrito
Berkeley,
of
Industrial
exceção
muito
Everday
Los
quando
ainda
interes-
Design,
Objects
Angeles,
não
se particular, a partir da história da arte, em virtude do inte
resse dominante pelo estilo e mudanças de estilo. Talvez
seja necessário abandonar a história da arte para abrir
um caminho próprio para a história do design. Enquanto
a história da arte for motivada pela procura da arte no
design onde ela não existe, o estudo dessa temática, no
trata da temática do design em geral, e da hfg-ulm, em máximo, produzirá resultados equivocados.
pós-modernidade, provavelmente nenhuma escola de design se atreveria a tais
incursões filosóficas. As questões dominantes centrais mudaram drasticamente
nas últimas décadas.
Seria instrutivo verificar as influências filosóficas dominantes hoje nos nume
rosos programas de ensino do design – desconstrutivismo, construtivismo, estru
turalismo, pós-estruturalismo, teoria analítica da linguagem? No que se refere à
teoria dos meios, provavelmente são os textos de Vilém Flusser que, pelo menos
em língua alemã, têm maior influência neste momento, em oposição aos textos
de Marshall McLuhan, que, possivelmente, foram superestimados.
Quais tópicos determinam o discurso projetual desde os anos 1990, compara
dos àqueles dos anos 1950 e 1960?
Primeiro: Design e ecologia (conectado com o desenvolvimento sustentável).
Segundo: Design e informática.
Conforme meus conhecimentos, o importante tema social do desemprego, até
o momento, não teve um papel relevante no discurso projetual. Essa temática
ainda está para ser focalizada nos estudos de design.
Há alguns anos Ettore Sottsass surpreendeu o público norte-americano no
congresso de design, em Aspen (1989), autocaracterizando-se como um ‹opera
dor intelectual›. Para uma sociedade avessa aos intelectuais, essa interpretação do
designer dificilmente será compreendida. Porém, isso não é uma suposição bizar
196 ra no rico discurso projetual italiano, que se apoia, sobretudo, nas diferenciações
feitas por Antonio Gramsci, que depois Tomás Maldonado retomou e ampliou
em seu livro, O que é um intelectual?.(8) Maldonado distingue entre ‹pensamento
operante› – um pensamento instrumental e atuante – e ‹pensamento discordan
te› –, um pensamento contracorrente no jogo dialético. Uma prática sem ‹pen
samento discordante› torna-se flácida. A teoria sem relação com o ‹pensamento
operante› se perde nas elocubrações acadêmicas.
Formulam-se ainda hoje perguntas sobre o sentido do design? Podem ser
formuladas e compreendidas ainda hoje perguntas sobre sua relevância social?
Surgem dúvidas se olharmos para as consequências do habitus autorreferencial
do design dos anos 1980 e para o desvio do eixo projetual em direção ao lifestyle
design. O que se pode fazer? Dever-se-ia reivindicar o domínio do design como
categoria central da modernidade. Encontramo-nos ainda na pré-história do de
sign, apesar da intensa exploração midiática dessa palavra. Uma teoria da cultura
e um debate que não incluam o design como uma faceta essencial da prática
198
Racionalismo Militante em
um Laboratório de Inovação Cultural
• MODERNIDADE E RETROMODERNIDADE
• ATRAÇÃO EIRRITAÇÃO
• DESIGN E PODER
|01||02|Exercícios topológicos com superfícies
não orientáveis. hfg-ulm, Departamento de Design
Industrial, 1° ano, 1965-1966.
como
O escritor
uma pessoa
Carlos
queDrummond
não se conforma
de Andrade,
com a realidade
certa vez,tal
caracterizou
como ela é.o À
poeta
primei 201
ra vista, pode-se ver nessa postura uma semelhança com a postura do designer.
Porém, examinando-se mais de perto, pode-se observar que esse comportamento,
transferido à área do design, corre o risco de ser criticado por colocar-se fora da
realidade. O designer, inicialmente, precisa aceitar a realidade, o que não signi
fica conformar-se com ela. Ao contrário, esse enfoque constitui o prerrequisito
para uma postura crítica à prática projetual.
Essa postura crítica em relação à prática projetual caracterizou a atmosfera
intelectual da Escola de Ulm (hfg-ulm, 1953-1968). A história ainda não escrita
sobre o ensino do design no século xx registraria uma série de instituições de
ensino paradigmáticas que exerceram influência internacional, na qual se inclui
a hfg-ulm.(1) As diferenças históricas das influências das diversas escolas de design
dependem das circunstâncias particulares e são dominadas pela dinâmica social e
cultural que independe das intenções.(2) Hoje, entretanto, o efeito e a influência
de uma escola de design não são mais aleatórios porque podem ser planejados
conscientemente. As instituições modernas podem conquistar posições influentes
e presença na mídia mediante investimento em marketing. Essa tendência será
fortalecida, sobretudo com a privatização do ensino universitário e a introdução
das práticas de gestão de empresas no setor educacional.(3)
A falta de pesquisas sistemáticas sobre o que foi o ensino do design na hfg
ulm e sobre a mudança dos seus conceitos programáticos permitiu o apareci
mento de muitas lendas, tanto positivas quanto negativas.(4) Por que a hfg-ulm
conseguiu uma irradiação internacional tão forte? Por que ela adquiriu um
caráter paradigmático ou caráter de modelo, ainda que fosse melhor evitar esse
conceito em virtude de suas conotações normativas, eurocentristas e universa
listas? Para responder a essas perguntas, deve-se descrever o rico contexto da
reconstrução pós-guerra nos anos 1950:
1.Não existia uma noção precisa do que posteriormente se chamou ‹design
industrial›. Na língua alemã, naquele tempo, usava-se o termo ‹Formgeber›
(configurador de formas). Tampouco existia uma imagem clara da atividade
que hoje se denomina pelo termo ‹design de informação›. Falava-se de ‹grá
fica comercial› e ‹gráfica aplicada›.
2.Como ponto de referência, adotava-se a ‹Boa Forma› com suas intenções
sociopedagógicas do ensino estético.
3.As profissões projetuais eram formadas em escolas de artes aplicadas ou esco
las de ofícios com uma autointerpretação artística provinda do século xix
(arte ‹aplicada›). Não se deu a importância devida aos cursos de projeto,
sobretudo para solucionar projetos complexos.
4.Na hfg-ulm foi feita inequivocamente a distinção entre design e arte. Um sub
título de um livro de design como «A conquista da vida cotidiana mediante
a arte» teria sido inaceitável na Escola de Ulm, pois o design nada tem a ver
com ‹a inserção da arte na vida cotidiana›. Design é design e nada mais.(5)
202 5.Não existia um programa de ensino que incluísse explicitamente as discipli
nas científicas. A pesquisa em design nem existia como conceito.
6.A criação da hfg-ulm coincidiu com a fase de reconstrução de um país cuja
infraestrutura havia sido destruída pela Segunda Guerra Mundial. Além disso,
deve-se entender a criação da hfg-ulm como uma reação ao trauma do nazismo.
7.A situação política mundial foi caracterizada pela polarização entre dois blo
cos (países socialistas e países capitalistas).
(1) Essa postura crítica não se encontrou somente na (2) O conceito ulmiano do ensino do design foi assimilado
hfg-ulm. Entre os exemplos de uma prática projetual muito cedo nos anos 1960, sobretudo na América Latina.
reflexiva, cabe mencionar Norman Potter (1923-1995), Veja: Fernández, Silvia, «Der Einfluss der hfg-ulm auf die
cujas recomendações para a leitura sobre design ainda Designausbildung in Lateinamerika», em: ulmer modelle –
são atuais. Veja Potter, Norman, «Reading for Design», modelle nach ulm/hochschule für gestaltung 1953-1968,
em: What is a designer: things. places. messages, coordenado por Ulmer Museum|hfg-Archiv: Dagmar
Hyphen Press, London 2002 (1ª edição 1969), pp. 76–93. Rinker, Marcela Quijano, Brigitte Reinhardt, editora Hatje
Potterformula as seguintes qualidades para aspirantes a Cantz, Ostfildern-Ruit 2003, pp. 118–123. Além disso,
docentes de design (p.76): «Seria bom se eles pudessem Bozzano, Jorge Néstor, Proyecto: Razón y Esperanza –
diferenciar entre William, Henry e Charles Morris, e se Escuela Superior de Diseño de Ulm, Eudeba–Universidad
talvez soubessem que Black Mountain era uma escola de Buenos Aires, Buenos Aires 1998. A tradução literal do
de design e ainda por cima uma boa escola.» Frente nome ‹Hochschule für Gestaltung› em espanhol e em por
às mudanças na profissão do design, ocorridas entre a tuguês perdeu um detalhe conceitual, vale dizer, a deno
primeira edição e edições revisadas posteriores, o autor minação ‹Hochschule› em alemão é usada como conceito
dizia que talvez fosse mais apropriado mudar o título para genérico para todas as instituições de ensino de terceiro
What was a designer. grau, universidades, universidades de ciências aplicadas,
academias de belas artes e academias de música.
Duas gerações mais tarde, ao final do século xx, as temáticas e interesses mu
daram muito e, então, surgiram novas questões ocupando o centro da atenção:
1.A confrontação Leste-Oeste foi substituída pela confrontação Norte-Sul que,
em parte, está estritamente ligada a uma mistura explosiva de missionarismo
fundamentalista-religioso e descarado apetite pelos recursos naturais, tratando
o direito internacional de acordo com critérios de conveniência e subordi
nando-o a interesses econômicos.
2.Criou-se a União Europeia e similares blocos econômicos em outras regiões.
Paralelamente às instituições já existentes (Fundo Monetário Internacional,
Banco Mundial), estabeleceram-se novos centros de poder, como a Organi
zação Mundial do Comércio, cujas decisões atingem a maioria da população,
sobretudo dos países periféricos, sem que ela – a população – tenha a possibi
lidade de um controle democrático.
3.As três liberdades contidas sob o termo ‹Liberalização› – liberdade dos fluxos
de capital, liberdade de comércio, liberdade de investimento – requerem um
realinhamento em busca da autonomia, especialmente autonomia projetual,
sem que ela seja considerada como bagatela e uma remanescente de uma era
pré-global.
4.A globalização deslocou a pergunta sobre o papel do design na sociedade
industrial do Centro. A mistura entre liberalização declarada de todos os mer
cados, incluindo os serviços em forma de atividades projetuais, contrasta com 203
(3) A privatização do ensino superior leva à aplicação (5) Esse erro foi cometido por um especialista de marke
de técnicas de benchmarking, a obrigação de unidades ting ou por um redator aparentemente apaixonado pela
acadêmicas de se perfilarem como centros de lucro, e arte e não pode ser atribuído à autora, que usou um título
a avaliação das universidades delegada a empresas claro em seu livro: Sparke, Penny, A Century of Design:
de consultoria extra-acadêmicas podem ter resultados Design Pioneers of the 20th Century, Mitchell Beazley,
contraproducentes. A mercantilização e privatização do London 1998. A fascinação pelo design como uma
ensino superior na América Latina, como consequência atividade artística continua. A explicação talvez esteja
da política econômica neoliberal, se denomina com o na aura misteriosa da atividade artística, exercendo
termo crítico «McDonalds do quadro negro». Veja: Cuevas atração para interesses curatoriais, museais, históricos,
Molina, Rafael, «Universidad, cultura y democracia en jornalísticos e midiáticos. A aristocratização cultural do
América Latina: La era neoliberal» em: http://www.rebe design provoca seu distanciamento em relação à indús
lion.org/noticia.php?id=82625 (último acesso: 21.05.2009). tria. O complemento desse fenômeno na área do design
(4) Uma interpretação resumida dos motivos políticos constitui a exuberância do rococó digital ou maneirismo,
que levaram ao fechamento da hfg-ulm foi escrita por um sobretudo no design gráfico.
docente dessa instituição: Schnaidt, Claude, «Ulm 1955
1975», em: archithese, n. 15, (1975), pp. 5–16.
6.Enquanto a hfg-ulm se concentrou na materialidade dos objetos, deixou de
lado a dimensão simbólico-comunicativa dos objetos, ou, pelo menos, não
atribuiu a ela um papel tão importante como ocorreu posteriormente.
7.A inovação tecnológico-industrial radical em forma de digitalização e a
indústria da informática atingem todas as áreas da vida cotidiana de maneira
crescente; elas influem na atividade projetual, tanto no conteúdo quanto na
metodologia, e contribuem para o surgimento de novas profissões e novas
áreas de ação no campo do design.
8.No lugar da concorrência, hoje surge o conflito pela hegemonia do mercado,
às vezes usando ameaças militares ou intervenções, se for necessário.
9.Em vez de soluções produzidas pelos designers, hoje em dia esperam-se deles
contribuições para a formulação de estratégias mais amplas para produzir
soluções.
10.A oferta do ensino no design se diferenciou fortemente, de maneira tal que
existe hoje um amplo leque de diferentes especializações. O ensino do design se
consolidou, mas isso não significa que todas as questões relacionadas ao ensino
estejam resolvidas. Particularmente no campo da teoria e pesquisa do design,
existem ainda grandes lacunas. Há fortes divergências relativas aos fundamen
tos do projeto, seus conteúdos e a maneira de transmitir os conhecimentos.
Frente a esse novo contexto, fortemente modificado, surge a pergunta: por
204 que as propostas da hfg-ulm, após meio século, ainda são atuais? Na resposta, as
posições diferem; afinal de contas, trata-se de assuntos mais importantes que a
simples preferência por formas arredondadas ou cantos com arestas.
A hfg-ulm aceitou a indústria como substrato da sociedade contemporânea e
valorizou a indústria e a tecnologia como fenômenos culturais.
A hfg-ulm tematizou as contradições entre sociedade e projeto.
A hfg-ulm aceitou as ciências como ponto central de referência para o ensino e
a prática do design. Além disso, insistiu na pesquisa, sobretudo pesquisa experi
mental na área do design para criar um acervo de conhecimentos específicos.
A hfg-ulm insistiu em consolidar o design como disciplina própria e resistiu
a tentativas de subjugar o projeto a outras áreas de ação ou funcionar como sua
subcategoria.
A hfg-ulm prestou mais atenção aos sistemas de objetos do que aos objetos
individuais, vale dizer, não à mais nova luminária do designer estrela, mas à
pergunta sobre iluminação e suas possíveis soluções.
A hfg-ulm não passou ao largo dos problemas, mas posicionou-se em busca das
soluções, resistindo a uma problematização meramente discursiva, sem maiores
consequências.
Apesar de a hfg-ulm ter considerado a semiótica como disciplina fundamen
tal no ensino do design, iniciando também pesquisas nessa nova área, ela não
supervalorizou a área. Como se sabe, o caráter semiótico dos produtos assumiu
status de prima donna durante os anos 1980 e 1990. No processo de populariza
ção da estética de mercadoria, o design foi relegado aos aspectos simbólicos, ao
fun (divertido), ao experience, coolness e sexy look. Com isso, o design foi absorvido
pelo marketing e reduzido ao branding para ajudar na criação de capital simbóli
co. O clímax desse processo resultou na boutiquização do design. Esse também é
um dos fatores que transformam o design em mero fenômeno superestrutural no
âmbito das categorias de história e teoria da arte. O discurso do design baseado
nessa orientação dificilmente conseguirá ir além de uma codificação de signos.
Os aspectos do design relacionados com tecnologia, indústria e economia, vale
dizer, dura materialidade, restaram fora desse enfoque.
Na prática profissional, a ênfase aos aspectos simbólicos fomentou a imagem
do designer como um outsider criativo da indústria, de um cosmetólogo para cor
rigir as fealdades industriais e, sobretudo, criador de uma nova categoria especial
de objetos: os ‹objetos de design› – ‹designed› caros, elitistas e rebuscados.
O ensino do design também se alinhou a essa tendência e favoreceu o clichê
do design como um programa de estudo superficial, lúdico, à la mode, com muito
hip hop, eximindo os estudantes de maiores esforços, em especial aqueles de
natureza intelectual e reflexiva. Esse processo foi acompanhando pelos designers,
principalmente quando renunciaram ao discurso projetual, assim contribuindo
para a perda de autonomia. Essa observação crítica não deve ser mal-entendida.
Não se pretende fazer reserva de mercado do discurso projetual aos designers, e
nem tampouco desqualificar outros enfoques relacionados ao projeto, que pode
riam
Quando
tornar-se
essas
interessantes
contribuições
e valiosas
pretendemcontribuições
ter caráterpara
normativo,
o discurso
podem
projetual.
ser 205
|03||04|
206
|05||06|
|07|Modelo da implementação: transição de um |08||09|Modelo da implementação: vista superiore
perfil em uma superfície. vista inferior.
|07|
207
|08||09|
|10|Estudos biônicos sobre detalhes morfológicos |11|Macrofotografia do espinho de uma rosa.
de espinhos de uma rosa. |12|Geometrização das transições de superfícies
Esboços para a geometrização e reconstrução cuja implementação leva a uma forma extrema
matematicamente controlada. mente resistente contra deformações.
|10|
208 |11|
|12|
|13||14|Modelo da implementação.
|13
209
|14
|15|Análise biônica de uma superfície ondulada de |17| Modelo de uma superfície ondulada composta
superfície
uma planta.ondulada.
|16|Esboços do princípio geratriz para gerar a de elementos isométricos.
|18|Componentes com orientação à direita e com
orientação à esquerda.
|15||16|
210
|17||18|
|19||20|Estudos formais nas transições entre
carcaças e nós de uma luminária pública, hig-ulm,
Departamento de Design Industrial, 3° ano, 1965
1966. Docente: Walter Zeischegg. Estudantes: Peter
Hofmeister, Thomas Menzel, Werner Zemp,
|19
211
|20
de teoria da ação não formulam a pergunta: quais as forças que criaram o mundo
dos artefatos objetuais e comunicativos? Aparentemente, eles são considerados
como dados sem que se pergunte sobre sua origem, como se surgissem mediante
um passe de mágica.
Desde os anos 1960 se difunde uma onda retórica do estilo retrô que começou
com o primeiro manifesto pós-moderno de Robert Venturi, Complexity and Con
tradiction in Architecture(7), e continuou com o segundo livro de Venturi, Brown
e Izenour, Learningfrom Las Vegas – textos que estão na posição oposta à hfg-ulm
por seu caráter conservador e populista.
O modernismo radical, como foi defendido pela hfg-ulm, admite as contra
dições e aporias do Projeto Moderno, mas não renuncia à unidade do projeto. O
modernismo radical postula a concordância intencional entre a razão projetual e
a razão sociopolítica. Como é sabido, esse princípio da concordância intencional
é uma provocação para os defensores do retromodernismo nas suas formas mul
tifacetárias. Por isso, é compreensível que certas manifestações do design gráfico
pós-moderno, vistas da posição da hfg-ulm, apareçam como expressão de ressenti
mento anti-intelectual de uma manifesta hostilidade contra o texto e a leitura e,
por consequência, contra o pensamento. De outra maneira, seria difícil entender
um projeto de design gráfico que imprime um texto sobre um fundo prateado
com tipo de corpo de seis pontos na cor rosa.
212 A postura de vanguarda da hfg-ulm nos anos 1950 e 1960, em boa parte, foi
absorvida nos programas de ensino e na prática profissional de hoje, sendo desne
cessário fazer muito alarde. As oposições, uma vez existentes, abrandaram-se ou
desapareceram em grande parte. Frente a essas numerosas posições afirmativas,
poderia ser formulada a pergunta fundamental: o que torna a modernidade da
hfg-ulm ainda atraente nos dias atuais? Caso aceite-se essa pergunta e não se passe
por cima com desprezo, a resposta será: trata-se da proposta de ação autônoma,
da redução da heteronomia, da redução de dominação sob qualquer forma, impe
rial ou outra; pois pode se exercer dominação também mediante o design.
No contexto histórico das ideias filosóficas, a hfg-ulm se inseria na tradição do
Iluminismo, que ainda não perdeu relevância. Para se convencer desse fato, basta
um olhar para a presente situação política mundial. A época atual não sofre de
um excesso, mas de uma falta de Iluminismo.
No que diz respeito aos aspectos sociopolíticos, a proposta da hfg-ulm também
tem mantido a sua atualidade, a não ser que se queira negar a razão e encerrar-se
(8) Tomás Maldonado deu uma resposta clara na palestra nosso tempo.» Esse juízo claro provavelmente também se
inaugural
que
titucional,
estou
do
de
título
Bauhaus,
reconhecer,
o «O
Bauhaus
mais
Bauhaus
por
isso
eem
mais
ocasião
pela
sem
perdeu
1°ainda
convencido
de
nostalgia
simples
do
abril
sua
é90°
relevante?»:
relevância
de
razão
aniversário
ede
2009,
sem
que
defalsa
em
que
como
chegou
«Pessoalmente,
Weimar,
de
não
lamentação,
modelo
fundação
osemomento
presta
com
ins-o aplica ao caso da hfg-ulm enquanto modelo institucional,
o que não significa apoiar as posturas conservadoras que
não se cansam de repetir as ladainhas da suposta desa
tualização da hfg-ulm. Difícil é responder a pergunta: qual
é a instituição de ensino do design que pode pretender
fornecer hoje, institucional e programaticamente, uma
resposta aos desafios de nosso tempo?
mais para fornecer respostas aos desafios e ameaças do
|21|Exercício com rasters. |23| Exercício com rasters.
Variante 1: deslocamento do centro do elemento Variante 3: deslocamento do elemento básico em
básico. grupo de 5 unidades.
hfg-ulm, curso básico 1956. |24|Exercício com rasters.
Docente: Tomás Maldonado. Variante 4: criação de figuras contínuas(letra ‹e›)
Estudante: Dölf Zillmann. com elementos discontínuos.
|22|Exercício com rasters.
Variante 2: deslocamento do centro do elemento
básico paralelamente aos eixos do raster.
|21||22|
214
|23||24|
o momento, não se inventou um programa de ensino melhor que permita evitar
a materialidade do estético, apesar de ser justamente esse domínio que produz
profunda desconfiança nos profissionais das disciplinas científicas. Essa descon
fiança decorre do equívoco de equiparar a formação estética à formação artística
ou criatividade.
Como se sabe, a hfg-ulm só oferecia curso de graduação, não incluindo curso
de mestrado e muito menos de doutorado. Hoje, na Europa, podemos observar
um processo de adaptação formal (Protocolo de Bolonha) ao modelo anglo-saxô
nico 3-5-8 (três anos para o bacharelato, cinco anos até o mestrado e oito anos até
o doutorado). Com isso, a pergunta sobre a especialização do ensino do design,
em grande parte, fica irrelevante, pois um curso de mestrado serve para o apro
fundamento em determinada área. Felizmente, a ideia do designer como coorde
nador se revelou insustentável no transcurso dos anos e foi substituída por outra
mais modesta; porém, mais realista, do design como integrador de atividades.
Ao inserir o ensino do design nas faculdades de ciências aplicadas, durante os
anos 1990, foram criadas condições institucionais e materiais mínimas para lidar
com questões teóricas e para realizar pesquisas projetuais. Contudo, essa adesão
às disciplinas científicas, sem o lado empírico projetual, cobrou um alto preço: o
design foi exposto ao perigo de transformar-se em playground para exercícios de
uma postura acadêmica completamente alheia à atividade projetual e que procu
cos
ra compensar
e culturaisessa
comdeficiência
um rancor,colocando
às vezes, os
malseus
dissimulado.
fundamentos sociais, tecnológi- 215
Maldonado.
(9) Esta oferta foi apoiada por Max Bense e Tomás (10) Rauschenbach, Bernd, Arno Schmidt und Design –
Wenn sich eine Briefklammer derart sperrt, daß sollman
achten, editora Jürgen Häusser, Darmstadt 1990, p. 31.
exilado; uma pessoa da pequena colônia argentina. Não houve sobreviventes
entre os alemães, exceto alguns que estavam viajando ao exterior: o núcleo era
constituído pelos docentes hfg-ulm que haviam migrado a tempo a Chubut.»(11)
O fato de um dos maiores expoentes da literatura alemã pós-guerra inserir
hfg-ulm em um episódio de sua novela é certamente insólito, pois instituições
de ensino do design não gozam da fama de estimular a fantasia literária. Se o
experimento da hfg-ulm não tivesse interessado a Arno Schmidt, dificilmente
ele o teria mencionado em sua novela.
O clima modorrento das universidades alemãs dos anos 1950 e 1960 mudou
somente a partir da rebelião estudantil de 1968. Antes disso, o contexto social
conservador que governou a partir de 1945 impediu uma ruptura com o nazis
mo. Basta lembrar que um partido ganhou as eleições em 1957 com o slogan
‹Nada de experimentos›. Nesse contexto, compreende-se o caráter excepcional da
hfg-ulm. Compreende-se também que ela, em virtude de sua dependência políti
ca – como instituição privada, dependia dos recursos públicos do governo federal
e do estado –, estava permanentemente em situação precária.(12) A independência
acadêmica não agradou aos representantes do status quo. Só esperavam o momen
to oportuno para dominar essa instituição incômoda, por exemplo, mediante a
proposta de inserir a escola numa escola de engenharia, o que teria significado o
fim do experimento.
çãoSe
pela
– além
proposta,
do antifascismo as centenas de convidados
dificilmentee antimilitarismo – não tivesse
teriam
existido
concordado em
uma atra- 217
viajar para Ulm, pequena cidade provinciana do interior, para dar cursos como
docentes visitantes ou proferir palestras nos chamados ‹seminários de quarta-fei
ra›. Inicialmente, esses eventos foram chamados de ‹Integração Cultural›, nome
cunhado pelos norte-americanos no programa de reeducação da população alemã
durante os primeiros anos do pós-guerra. Foi Tomás Maldonado quem ampliou
o significado desse termo, aplicando-o na defesa de um conceito renovado da
cultura, antecipando o que posteriormente, nos anos 1960, foi denominado de
‹interdisciplinaridade›. Aparentemente, os convidados percebiam algo de novo
no clima de abertura intelectual e da experimentação pouco comum naquele
p.
(12)
diretora
(11)
aus
escreveu
dirigida
119.
den
Niomar
Schmidt,
ado
Rossbreiten,
uma
Inge
Museu
Sodré
Arno,
carta,
Aicher-Scholl
Bittencourt,
de
Die
em
editora
Arte
Gelehrtenrepublik
05.11.1955,
Moderna
(a
Stahlberg,
promotora
criadora
do
de Rio
Nova
Karlsruhe
dae–Fundação
de
primeira
Kurzroman
York,
Janeiro,
1957, executados no regime nazista) e a Tomás Maldonado da
hfg-ulm. Nessa carta ela comunica que havia informado
Nelson Rockefeller sobre a hfg-ulm, que ele demonstrara
um forte interesse, e queria saber mais detalhes sobre
essa instituição, pensando até em mandar seu filho para
estudar lá. Se isso tivesse acontecido, a hfg-ulm prova
velmente teria evitado posteriores pressões financeiras.
em memória de seus irmãos Sophie e Hans Scholl,
período na Alemanha. Percebiam um potencial que poderia ser aproveitado para
a renovação das estruturas universitárias arcaicas. A introdução do conceito de
cultura na ciência, tecnologia e arte, era feita incorporando-o ao domínio do pro
jeto. Fazia-se isso com intenção de quebrar os estreitos limites da interpretação
alemã do conceito de cultura.
Tal objetivo pode parecer desmesurado. Quando analisamos a história e as
consequências dessa instituição, não podemos evitar a sensação de que esse expe
rimento, a despeito de sua ressonância internacional, foi interrompido no meio
do caminho, ficando, portanto, inconcluso.(13)Os conservadores podem ver nisso,
presunçosamente, um ‹fracasso› da hfg-ulm. De acordo com outra interpretação,
pode-se caracterizar o experimento como muito avançado para o seu tempo.
Infringia demais algumas regras vigentes. Para fundamentar o caráter excepcio
nal da hfg-ulm, pode-se citar uma pequena lista representativa das personalida
des que aceitaram o convite para ir à instituição.(14) Essa lista permite mapear
as diferentes temáticas da perspectiva projetual que interessaram aos docentes
e estudantes. Essas temáticas sempre ocuparam o centro do interesse filosófico,
científico, cultural e político.
Inevitavelmente, tratou-se da relação entre design e poder – um fato que
provocou desconfiança entre os detentores do poder. Um dos protagonistas da
hfg-ulm analisou as relações entre «saber e poder, contemplação e ação, teoria
218 e prática, utopia e realidade» alguns anos após o fechamento da instituição.
Questiona sobre o motivo que uniu esse grupo heterogêneo de intelectuais de
diferentes origens: «O que une esses cínicos, heréticos, místicos, gnósticos, es
quemáticos, milenares, protestantes, melancólicos, utópicos, iluministas, anar
quistas e socialistas?» A resposta compacta é: «O que os une é sua heterodoxia.»
E continua: «Por heterodoxos devem-se entender todos aqueles que, de uma ma
neira ou de outra, agem contra os dogmas, as doutrinas, os modelos de compor
tamento, as ordens simbólicas e os representantes do poder.»(15) Essa tendência à
‹heresia› não os tornava bem-vindos para os representantes do status quo porque
podiam questionar a legitimidade do poder. Isso provocou irritação e mobilizou
resistências que, por fim, liquidaram a hfg-ulm.
(13) Em 1968 (ano do fechamento da instituição), o campo (14) A lista dos responsáveis pelas diferentes disciplinas
do ensino na área de design de produtos e comunicação serve para mostrar o clima intelectual aberto naqueles
visual já estava bem definido. A hfg-ulm poderia ter anos: escritores, linguistas, cientistas sociais, psicólogos,
continuado simplesmente; porém, um passo consequente historiadores, engenheiros, diretores de cinema, filósofos,
teria sido transformar e ampliar o programa com introdu compositores, matemáticos, publicitários, designers e
ção de curso de mestrado orientado à pesquisa, embora arquitetos.
não existisse esse tipo de orientação na área do design (15) Maldonado, Tomás, Che cos’è un intelletuale?
naquele tempo. –Avventure e disavventure di un ruolo, Giangiacomo
Feltrinelli, Milano 1995, p. 26.
Talvez, no futuro, eliminem-se os hiatos entre ciências e projeto. Não se trata
de intentar transformar o processo projetual numa ciência ou incluindo conheci
mentos científicos no projeto de sistemas complexos, mas de criar uma Ciência
enriquecida pela categoria do projeto. Em vez de considerar o projeto pela pers
pectiva das ciências, poder-se-ia inverter o olhar e desenvolver as ciências a partir
da cultura e dos critérios do projeto. Deve-se admitir que essa é uma especulação
audaciosa e pouco fundamentada; porém, isso não diminui sua plausibilidade.
Com essa nova base institucional poder-se-ia considerar cumprida a missão
sonhada pela hfg-ulm, fazendo o projeto tocar nos centros nevrálgicos da socie
dade. Dificilmente pode-se afirmar que esse objetivo já tenha sido atingido. Por
isso, a fase atual pode ser caracterizada, no máximo, com o epíteto de ‹pré-histó
ria do design›.
Bibliografia
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Buenos Aires, Buenos Aires 1998.
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1995. Tomás, Che cos’è un intelletuale? –Avventure e disavventure di un ruolo, Giangiacomo Feltrinelli, Milano 219
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Ulmer Museum | hfg-Archiv: Dagmar Rinker, Marcela Quijano, Brigitte Reinhardt, ulmer modelle – modelle nach ulm/
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ulm – 1953-1968]
Venturi, Robert, Complexity and Contradiction in Architecture, The Museum of Modern Art, New York 1966.
Design e Pesquisa do Design –
Diferença e Afinidade
•COGNIÇÃO E PROJETO
• A INTERPRETAÇÃO ERRÔNEADO DESIGN DO PONTO DEVISTA DA CRÍTICA DA CULTURA
•UM MAPA DA PESQUISA DO DESIGN
• VISCURSOS E DISCURSOS
Emos
Sobre 1848 foi da
limites publicado
ciência um pequeno livro com o título provocador Die Wertlo
do design 223
‹Design› e projeto
Até o momento, usei preferencialmente as palavras ‹projeto› e ‹projetar› em
vez da palavra ‹design›. Isso poderá parecer incômodo aos que preferem usar a
denominação ‹design›. Esse distanciamento do conceito de ‹design› tem seu mo
tivo. No processo de popularização do termo ‹design› nos anos 1990, e sua con
sequente banalização, o ‹design› afastou-se da categoria do projeto, tendo hoje
uma existência independente. Hoje, qualquer pessoa pode se denominar como
‹designer›, porque, na opinião pública, o ‹design› é identificado com o que é vis
to e lido nas revistas lifestyle. Porém, nem todos podem se considerar ‹projetistas›
(designer) no sentido de Daniel Defoe (project maker) (3), já que esse termo tem
uma conotação de profissionalismo que, infelizmente, o design já perdeu. Assim,
nesse contexto, uso preferencialmente o termo ‹projeto› e, às vezes, recorro ao
uso do termo ‹design›, quando as nuances semânticas não levam a confusões.
Para ilustrar as conotações negativas do conceito de ‹design› e de sua associação
semântica aos aspectos comunicativos de produtos de consumo caros, pouco práti
224 cos e esteticamente vistosos, permito-me uma citação: «Há algum tempo, nossas
aquisições são vítimas do design e dos designers que, sabendo que o produto não
se limita a uma única dimensão, fazem de tudo para não limitá-lo à dimensão da
praticidade. […] Os bens materiais, como indicadores do gosto e do liyfestyle, são
usados mais como objetos de comunicação em vez de objetos de uso.»(4)
(2)
(1) Op.
der
Heidelberg
Kirchmann,
Jurisprudenz
cit., 2000
p. 12.
Julius
(1ª
alsedição
Wissenschaft,
Hermann
1848),
von,
p.7.
editora
Die Wertlosigkeit
Manutius, (3) Maldonado, Tomás, «Das Zeitalter des Entwurfs und
Daniel Defoe», em: Digitale Welt und Gestaltung, editora
Birkhäuser, Basel, Boston, Berlin 2007, pp. 257–268.
(4) Bruera, Matías, «Políticas del consumo, progresía
y populismo», em: pensamiento de los confines, n. 22,
2008, pp. 51–56.
objetos e sistemas produzidos pelo homem. Essa definição da pesquisa em design
é focalizada no design industrial e, por isso, não abrange o campo da comunica
ção visual ou programação visual. Archer explica essa definição e termina com a
plausível afirmação de que a pesquisa em design é a busca sistemática e criação de
conhecimentos relacionados com o design. Com isso, possivelmente todos este
jam de acordo, já que a afirmação é quase tautológica.
Na cultura anglo-saxônica, os principais representantes da pesquisa em de
sign vieram dos campos da engenharia e da arquitetura. Por isso, seu interesse
era direcionado ao desenvolvimento de métodos projetuais racionais e aos pro
cedimentos de avaliação de edifícios e produtos. O design gráfico quase não foi
pesquisado. Assim, não é de surpreender que os métodos projetuais e a ciência
do design, bem como as publicações correspondentes, tenham parecido exercícios
acadêmicos, livres dos condicionamentos da prática profissional, realizados em
espaços isolados, sem influência significativa para a prática projetual dos desig
ners industriais e designers gráficos profissionais.
O discurso da ciência do design, com ou sem razão, caiu em suspeição, en
quanto ocorria uma invasão de conceitos estranhos e irrelevantes para a prática
projetual. A causa desse fenômeno pode ser atribuída ao fato de que as pesqui
sas tenham sido dominadas por teóricos de sistemas, cientistas da computação,
especialistas em pesquisa operacional e engenheiros mecânicos, cujos conceitos
não coincidem
plo, verifica-se numa
com ospublicação
do design sobre
industrial
a teoria
e dodas
design
ciências
gráfico.
na área
Isso,
tecnológica.(5)
por exem- 225
(6) König, Wolfgang, Künstlerund Strichezieher – Kons Barbara Orland, Philipp Sarasin, Jakob Tanner, editora
truktions- und Technikkulturen im deutschen, britischen, diaphanes, Zürich, Berlin 2005, pp. 83–108.
amerikanischen und französischen Maschinenbau zwi (7) Alexander, Christopher, «The State of the Artin Design
schen 1850 und 1930, editora Suhrkamp, Frankfurt 1999, Methods», em: Developments in Design Methods, coor
p. 66 e 83. Veja também Pircher, Wolfgang, «Die Sprache denado por Nigel Cross, John Wiley & Sons, Chichester
des Ingenieurs», em: Bilder der Natur– Sprachen der 1984, pp. 309–327.
Technik, David Gugerli, Michael Hagner, Michael Hampe,
• Asciências são fomentadas por meio de verbas governamentais e privadas
para incentivar as pesquisas e publicações.
Comparado a isso, o design e o ensino do design se encontram em uma situação
desvantajosa. Eles não dispõem de um instrumental de métodos rigorosos, não po
dem mostrar fundamentos, possuem uma baixa credibilidade acadêmica. A pesqui
sa em design não é fomentada de maneira digna de menção porque é uma atividade
que não impõe requisitos cognitivos e, portanto, pode ser facilmente descartada.
Partindo de uma situação tão desfavorável, existia uma forte tentação para
modelar o processo projetual, adotando-se procedimentos científicos, e avaliar o
design de acordo com as práticas vigentes, sobretudo na área das ciências exatas.
Como resultado dessas tentativas de estruturar o processo projetual, surgiram
numerosas publicações sobre metodologia de design que se apoiaram na teoria da
tomada das decisões, da solução de problemas e da inteligência artificial.
Foi Herbert Simon, um notável representante da ciência do projeto, que
enumerou diferentes temáticas de um programa para todas as disciplinas proje
tuais. Ele orientou suas propostas baseando-se nas disciplinas das engenharias.
Recomendou deixar para trás a fase da mera experimentação. Escreveu: «Os
programas orientados à formação profissional poderão assumir sua responsabi
lidade à medida que conseguirem criar uma ciência do projeto – uma doutrina
intelectualmente exigente, analítica, parcialmente formalizável, parcialmente
empírica
Algunse aspectos
transmissível
dessa sobre
declaração
o processo
programática
projetual.»(8)
provavelmente não perderam 227
Press,
(8) Simon,
Cambridge
HerbertMass.
A., The
1996
Sciences
(1ª edição
of the
1969),
Artificial,
p. 132.
MIT (9) Citado em Roszak, Theodore, «The Virtual Duck and
the Endangered Nightingale», em: Digital Media, edição
junho 5, 1995, pp. 68–74.
(como a psicologia). Seja como for, após várias décadas, a inteligência artificial
não foi capaz de produzir robô que se assemelhasse a um ser humano, substi
tuindo-o nas práticas da vida cotidiana. Não se podem negar as perspectivas
fascinantes que um enfoque menos ortodoxo da inteligência artificial pode abrir
para o melhor entendimento do processo projetual. Parte-se da hipótese plau
sível de que projetar é essencialmente um processo cognitivo intensivo no uso
de conhecimentos.(10) Porém, o ponto de partida deveria ser um enfoque menos
ambicioso, já que existem justificadas dúvidas sobre as tentativas da inteligência
artificial dura em algoritmizar o processo projetual.
Uma das características do processo projetual é justamente não se enquadrar
em uma algoritimização. A hipótese básica de Herbert Simon é que se pode
compreender o processo projetual no âmbito de uma solução racional de proble
mas. Isso pode ser posto em dúvida, sobretudo porque a criação de alternativas
projetuais não encontrou ainda uma resposta satisfatória, no âmbito dos algorit
mos, para a solução de problemas.
Essas observações não devem ser interpretadas como um retorno saudosista
aos modelos ultrapassados da criatividade individual e nem expressão de uma
postura anticientífica. O design precisa de fundamentos que só serão descobertos
mediante pesquisa e experimentação sistemáticas. Esse é um dos argumentos
mais fortes a favor de uma ciência do design. Anteriormente, acreditava-se na
228 existência de um método científico que deveria ser incorporado ao processo pro
jetual, mas hoje em dia as percepções são diferentes.
O teórico das ciências, Aharon Kantorovich, desenvolveu uma teoria da
descoberta científica, entendendo-a não como um processo lógico, mas como
fenômeno natural, com características próprias e chegou a uma conclusão con
trária à de Herbert Simon: «Ciência é um processo de variação aleatória e seleção
que amplia nossos órgãos sensomotores e nosso instrumental cognitivo.»(11) Essa
interpretação da descoberta científica e da inovação científica não supõe uma
‹lógica› ou um ‹método›. O cientista inovador é caracterizado como um opor
tunista e experimentador (tinkerer) que usa ferramentas existentes para novas
aplicações. Kantorovich enfatiza também o papel da serendipidade (serendipity)
(10) Friedman, Ken, «Design Science and Design Educa visto na rede: http://users.ugent.be/~jmeheus/abstracts/
tion», em: The Challenge of Complexity – 3rd Interna kantorovich.doc.
tional Conference on Design Management, coordenado Uma análise detalhada das limitações da interpretação
por Peter McGrory, University of Art and Design UIAH, tradicional do método científico foi elaborada por Thomas
Helsinki 1997, pp. 54–72. Nickles: «The Fall and Possible Rise of Methodology of
(11) Kantorovich, Aharon, «Scientific discovery as an Discovery», University of Nevada, Philosophy Department,
evolutionary phenomenon», Vortrag auf dem International Reno 1999. Manuscrito não publicado.
Congress on Discovery and Creativity. O resumo pode ser
e escreve: «Sob o domínio do empirismo lógico no século 2o, o termo ‹método
científico› se referiu, em primeiro lugar, aos procedimentos da fundamentação ou
avaliação dos resultados de descobertas científicas e menos aos métodos de como
se chegam a essas descobertas.»(12)
Essa orientação tem maior afinidade com o design, pois um método, cientí
fico ou não, para ter alguma utilidade, deveria ajudar os estudantes e designers
a exercer uma atividade geradora durante o desenvolvimento de projetos. Nos
enfoques anteriores da metodologia do design, dava-se maior ênfase à funda
mentação do projeto a posteriori e menor importância à criação de propostas
inovadoras. Dessa maneira, ela serviu mais para uma racionalização a posteriori
e cumpriu mais uma função legitimadora do que uma função geradora. Com
relação à questão da metodologia orientada a estudo de cases, comparada a uma
metodologia orientada por processo, percebem-se duas posições divergentes. O
enfoque orientado por problemas apresenta uma série de cases ao aluno durante
sua formação. O enfoque orientado por processo, em compensação, educa o aluno
no uso de métodos gerais que podem ser aplicados a um grande número de pro
blemas. O primeiro enfoque corre o risco de ficar com uma coleção desordenada
de exercícios ad hoc, com os alunos encontrando dificuldade para fazer generali
zações. O segundo enfoque, em compensação, corre o risco de se perder numa co
leção de receitas de difícil aplicação na prática. Em resumo, não existe consenso
design
sobre o seja
que uma
são osatividade
fundamentos
destituída
do design.
de fundamentos,
Até o momento,
vale dizer,
não seuma
provou
disciplina
que o 229
Projetualidade | Cognoscibilidade
Em geral – e com razão –, a atividade científica e a atividade projetual são
230 diferenciadas, pois se trata de diferentes visões do mundo, como já se explicou
no capítulo 1 «Design e Democracia». O designer observa o mundo a partir da
perspectiva da projetualidade. O cientista, ao contrário, observa o mundo a partir
da perspectiva da cognoscibilidade. Trata-se de diferentes maneiras de ver, com
conteúdos próprios de inovação: o cientista é o pesquisador que produz novos
conhecimentos. O designer possibilita novas experiências na vida cotidiana numa
sociedade – experiências no uso de produtos, signos e serviços, inclusive experiên
cias de caráter estético que, por sua vez, dependem de uma dinâmica sociocultural.
Aqui revela-se a relação tensa entre a atividade orientada cognitivamente
(pesquisar) e a atividade orientada operacionalmente (projetar). Porém, para
evitar possíveis mal-entendidos, deve-se destacar que a atividade projetual está
entremeada de necessidades cognitivas, de maneira crescente. Com isso, toca-se
no problema da mediação entre essas duas áreas, que foi realizada com maior ou
menor sucesso a partir dos anos 1920. A inevitável revisão e aprimoramento dos
programas tradicionais de design se veem confrontados com o problema de como
fomentar a competência cognitiva dos alunos. Essa problemática está conectada
com o papel da linguagem dentro do ensino do design.
Apesar da diferença entre design e ciência, existe uma afinidade velada e uma
afinidade estrutural nos procedimentos adotados por um cientista inovador e um
designer inovador: ambos praticam o ‹tinkering›, como chamou o mencionado
filósofo Kantorovich. Ambos fazem experimentações de acordo com o lema: ‹va
mos ver o que acontece quando fazemos isso ou aquilo›. Ambos avançam experi
mentando e especulando.
Um olhar atento para as atuais problemáticas projetuais permite observar que
as exigências cognitivas do design cresceram. Por isso, nem o ensino do design
nem a sua prática podem ignorar as ciências. Um exemplo para ilustrar: se um
designer industrial receber hoje a incumbência de projetar uma embalagem
sustentável para leite, não poderá evitar a busca dos conhecimentos científicos
sobre perfis energéticos e as chamadas mochilas ecológicas de materiais e, even
tualmente, criar, mediante experimentos com materiais, uma base confiável para
sua atividade projetual. Uma incumbência dessa natureza não pode mais ser en
frentada intuitivamente, produzindo apenas soluções formais. Outro exemplo no
campo do design de comunicação: o desenvolvimento de uma interface para um
software educativo não pode prescindir da pesquisa sobre os conteúdos relevan
tes. Aquele que confiar somente em sua sensibilidade e suposta criatividade, não
chegará muito longe e poderá fracassar.
lado
fornece)
com
(14) O
otrata-se
software.
termo
e, por‹usabilidade›
daoutro,
praticidade
É necessário
da maneira
é (o
ambíguo,
diferenciar
serviço
comopois,
que
asbem
pessoas
um
porentre
software
um lidam
a ênfase nos atributos inerentes de um software e a ênfase
no modo de uso, vale dizer, a interação com o usuário.
(15) Op. cit.
(16) FitzGerald, Kenneth, «Quietude», em: Emigre, n.64
(2003), pp. 15–32.
design vai até os anos 1950. Todavia, em geral, existe uma considerável neces
sidade de recuperação dos estudos da linguagem de textos, nos programas de
ensino, sobretudo na área da comunicação visual. A tradição antidiscursiva e
a predisposição antidiscursiva no ensino do design se fazem sentir ainda hoje.
Deve-se admitir e reconhecer a imagem pública do design exerce uma atração
traiçoeira e frequentemente atrai o tipo errado de estudantes. Não se pode redu
zir o design ao Hip e hop e cool.
Com relação à pesquisa em design, deve-se reservar um espaço maior para
atividades teóricas. A teoria vai além do que tem sido até agora, quando se limi
ta apenas à aplicação imediata, sofrendo de um estreitamento do horizonte e de
uma atrofia da consciência especulativa. O filósofo Gadamer ressalta em seu livro
Elogio à teoria: «… a teoria tem afinidade com o jogo, com o olhar e maravilha
mento, longe de qualquer uso e negócios imediatos.» Além disso, ele coloca a
teoria em relação às «coisas […] que são ‹livres› de qualquer intenção de uso ou
de praticidade.»(17)
Na área do design não se pode dar liberdade total para especulações. Algumas
disciplinas acadêmicas têm adotado pesquisa em design como nova temática,
depois de terem, durante muito tempo, desprezado o design como objeto digno
de pesquisa. A tentação para isso é grande, já que a temática do design, com suas
múltiplas ramificações e interdependências é um campo ainda virgem para a
requer-se
atividade um
científica.
mínimo Porém,
de conhecimentos
às vezes, esquecem
que não
que,
podem
para ser
abordar
substituídos
uma temática,
pelas 233
(18) Foster, Hal, Design and Crime, editora Verso, London (22) Debord, Guy, Die Gesellschaft des Spektakels,
2002. editora Klaus Bittermann, Berlin 1996 (edição original
(19) Loos, Adolf, «Ornament undVerbrechen», em: Trotz francesa 1967).
dem. Gesammelte Schriften 1900–1930, editora Prachner, (23) A vanguarda do construtivismo russo tem o mérito de
Wien 1997 (1ª edição 1908), pp. 78–88. ter tematizado a produção industrial, mas não para fazer
(20) Foster, op. cit., p. 17. dela uma arte, e sim para deixar a arte de lado, superar
(21) Op. cit., p. 19. a arte.
nos quais houve uma estima mútua entre posições de vanguarda na filosofia (por
exemplo, o Círculo de Viena) e o design moderno.(24) Buscar-se-ia isso, hoje, em
vão. O design tem servido hoje como fachada para a crítica à sociedade de merca
doria, para a crítica ao pancapitalismo.
Pesquisa no ensino
Quando e como deveria ser formada a capacidade da reflexão e da pesquisa nos
estudantes? Essa pergunta da didática universitária não tem encontrado uma res
posta unânime até o momento. Reflexão e pesquisa não deveriam ser reservadas
apenas para os últimos anos do programa de estudo, mas devendo ser ensinadas e
praticadas desde o início do curso. Também, não deveriam ser reservadas para os
programas do nível de mestrado, mas ensinadas e exigidas já no nível de bacha
relato ou graduação. Não se deve deixar de mencionar que esse enfoque contém
alguns perigos.
Cada docente, certamente, viveu mais de uma vez a experiência de encontrar
estudantes, nos cursos de projeto, que tentam dissimular a atividade projetual
substituindo-a por acrobacias discursivas para compensar a sua debilidade pro
jetual usando a verborragia. Dever-se-ia prevenir contra essa forma de discurso
como estratégia para esquivar-se do projeto. Ela nada tem a ver com a proposta
de competência cognitiva necessária à área do próprio projeto. Essa formação
cognitiva,
tudo quando
baseada
estudantes
no projeto,
demonstram
deve serinteresses
incluída teóricos.
nos programas de ensino, sobre- 235
Fundamentos do design
Outra pergunta não esclarecida na didática do design se refere aos seus funda
mentos e às pesquisas correspondentes.(25) Sobre esse ponto não existe unanimi
dade. Por exemplo, pergunta-se em que consistem os fundamentos do design e,
mais ainda, se o design pode ter fundamentos. Em outras palavras, pergunta-se
se o design é, por princípio, uma atividade sem fundamentos. Na hipótese de se
aceitar essa posição, a insistência nos fundamentos mostraria somente um desejo
ingênuo, superado e sem fundamento. Para fins de comparação, faz-se referência
às ciências que, segundo a opinião geral, gozam da reputação de estar apoiadas
em sólidos fundamentos e que, por isso, poderiam servir como ponto de referên
cia para o design.
Quando se busca informação nas próprias ciências, descobre-se que tampouco
elas possuem fundamentos. Sobre esse ponto, o físico Max Planck, manifestou
se numa palestra apresentada em 1941: «[…] se nós […] analisarmos deta
lhadamente a estrutura das ciências exatas, rapidamente percebemos que esse
edifício das ciências
fundamento. … não possui
existe para
um ponto
a ciência
perigosamente
exata um princípio de validade
fraco, e esse ponto étão
o 237
geral e ao mesmo tempo de conteúdo tão significativo que possa servir como
fundamento suficiente. […] Disso podemos tirar a conclusão razoável de que é
absolutamente impossível colocar a ciência exata sobre um fundamento geral
com conteúdo definitivo.»(26)
Independentemente da postura que se tem frente a essa questão – se o design
teria fundamentos ou não –, deve-se lembrar que o ensino dos fundamentos
visava a solução de um problema concreto na formação do designer. Vale dizer,
visava a criação de competência formal-estética dos estudantes, não somente da
capacidade perceptiva de diferenciação, mas, e sobretudo, da capacidade geradora
da diferenciação.
Um olhar para a história do ensino do design mostra que existiam fortes
controvérsias sobre o curso básico do Bauhaus, que é reconhecido no mundo
todo como característica distintiva para os programas de ensino do design, em
(25)
menos
design›
termoPara
‹fundamentos
carregado
(standard
evitar polêmicas
como,
practices).
do design›
porpode-se
exemplo,
O conceito
e utilizar
prescindir
‹práticas
‹fundamentos›
um conceito
dopadrão
uso dodo Em compensação, o conceito ‹práticas padrão› indica o
caráter contextual. Porém, por razões práticas nesse caso,
uso o conceito comum.
(26) Planck, Max, Sinn und Grenzen der exakten Wissen
tem uma conotação de um cânone de longa duração. schaft, editora J. Ambrosius Barth, Leipzig 1942, p. 4–5.
comparação com outras áreas do conhecimento humano. Na organização do curso
básico, foi debatida a questão, relativa à formação da competência formal-estética
geradora, se esta deveria ser tratada como um curso autônomo ou se o curso
básico como resíduo de uma época romântica deveria ser abolido por completo.
Conceitos, tais como ‹curso básico› e ‹fundamentos do design›, às vezes, ense
jam posições ortodoxas que coíbem qualquer debate. Por essa razão, talvez fosse
adequado não usar mais esses conceitos. Com isso, não se supera o problema
da formação da competência formal-estética, mas, pelo menos, neutraliza-se a
discussão.
Em vez de falar de ‹curso básico› e ‹fundamentos do design› pode-se usar o
termo ‹patterns›, criado por Christopher Alexander, que indica fenômenos recor
rentes, independentes de fatores econômicos, tecnológicos e contextuais. Dessa
maneira, pode-se afastar o perigo eminente da academização do curso básico,
transformando-o em exercícios projetuais resolvidos com receitas em forma de
cânone ou de um livro de estilos. A rejeição de um cânone morfológico é prova
velmente um dos principais motivos de aversão ao curso básico.
De discursos a viscursos
Há alguns anos fala-se sobre as ciências do ‹iconic turn›. Isso quebra a prima
zia da discursividade como espaço cognitivo privilegiado. ‹Visual turn› significa
238 reconhecer a visualidade como domínio cognitivo em oposição à tradição do
verbocentrismo dominante durante séculos. Essa mudança foi determinada pelas
inovações tecnológicas, sobretudo pelas técnicas digitais que possibilitam novas
maneiras de produzir imagens. Sobre isso, um autor escreve: «A operação fun
damental de criar imagens não trata simplesmente de uma reprodução passiva,
ilustrativa ou visualizadora de algo que já existe. Trata-se mais de uma apresen
tação ativa, de uma visualização original, não simplesmente reprodutiva.»(27)
No centro dos programas de ensino do design gráfico e da comunicação visual
encontra-se, como é sabido, a capacidade de visualização. Graças ao ‹iconic turn›
nas ciências e ao avanço da tecnologia digital, pode-se descobrir o potencial
cognitivo do design visual, isto é, o papel imprescindível do design visual nos
processos cognitivos. Com isso, abre-se um novo e fascinante campo de trabalho
e de pesquisa do design gráfico. Porém, deve-se reconhecer que o modo tradi
cional de pensamento, com origem na discursividade, encontra dificuldades para
reconhecer a importância cognitiva de imagens e da visualidade. O preconceito
|01|
História Tecnologia Estrutura Meios Projetar Globalização
/Forma /Vida cotidiana /Mercado
Metodologia
Funcionalismo
Ergonomia
Produtividade
Ling. de produtos
Tecnologia altern.
Teoria da depend.
Diferenciação
Gestão
Pós-modernismo
Competitividade
Branding
Sustentabilidade
Globalização
Identidade
Cognção
Novos meios
profundo contra imagens ocorre quando elas são classificadas apenas como ‹boni
tas›. Aí se revela uma desconfiança visceral contra tudo que tem um mínimo do
traço do estético.
O preconceito contra o estético que existe na tradição das ciências da lingua
gem é amplamente conhecido. Por outro lado, essa hostilidade contra imagens
levou à reação do design, gerando a sua hostilidade contra a linguagem. O autor
citado caracteriza o conhecimento visual da seguinte maneira: «O saber não pro
posicional e não linguístico significa um saber que uma pessoa pode possuir sem
dispor de conceitos e predicados linguísticos e sem tê-los aprendido.»(28)
A tecnologia digital levará a profundas mudanças nas tradições epistemoló
gicas e criará um novo papel para o design visual.(29) Nesse contexto, o teórico
da mídia, Frank Hartmann, escreve: «Certamente a escrita e a leitura não per
derão imediatamente sua importância; porém, elas ocuparão uma posição menos
central na amplitude de representações culturais.» E continua: «A ideia de que
só a monografia impressa representa o estado de conhecimento de uma disciplina
científica hoje, em geral, é atribuída ao ‹mito da cultura dos livros›».(30)
Se for verdade que hoje não é mais possível praticar o design como há duas
gerações, deve-se reconhecer que é verdade também que não é mais possível fazer
pesquisa como há uma ou duas gerações, vale dizer, orientada principalmente
ou até exclusivamente à produção de textos. Essa nova tendência pode ser resu
240 mida em quatro palavras: de discursos a viscursos. Ao giro icônico das ciências
corresponderia o giro cognitivo nas disciplinas projetuais. Até o momento, ele
foi implementado somente de maneira rudimentar. Seria necessário fazer uma
completa revisão dos currículos escolares, privilegiando esses novos discursos em
substituição aos discursos tradicionais.
(28) A
(29)
design
Op.influência
significa
cit., p. 97.
muito
das tecnologias
mais que competência
digitais no ensino
técnicadono cindível para dar um passo além e começar a lidar com
questões de conteúdo.
(30) Hartmann, Frank, Mediologie – Ansätze einer
uso
animação.
de aplicativos
Essa competência
para elaborar
é oimagens,
pré-requisito
diagramação
impres- e Medientheorie der Kulturwissenschaften, editora Facul
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Inovação, Design e Globalização
|02|
|01||02|Design socialmente inclusivo, não elitista.
Medidor de leite em pó e embalagem para mingau
em pó, rico em proteínas, que foi distribuído
gratuitamente no programa de saúde da Unidade
Popular no Chile: cada criança recebeu um litro de
leite por dia. Projeto: Grupo de Desenvolvimento
de Produtos no Instituto de Pesquisa Tecnológicas
(INTEC), Santiago do Chile, 1973.
Comaspectos
Quatro toda razão, os designers reivindicam que o design deve ser considerado
da globalização 245
(1) O termo ‹Terceiro Mundo› foi cunhado em 1952 pelo internacional de serviços). Para os países periféricos, isso
demógrafo francês, Alfred Sauvy, em analogia ao tiers état pode significar, por exemplo, pessoal de segurança de
(os pobres e despossuídos), da Revolução Francesa. O ‹Pri empresas estrangeiras – uma expressão eufemística para
meiro Mundo› era sinônimo de bloco ocidental; o ‹Segundo mercenários – exercendo livremente e sem impedimentos
Mundo›, sinônimo do bloco do leste e o ‹Terceiro Mundo›, o seus serviços no país de acolhida. A agitação social e
restante. Com a mudança das relações de poder na política os protestos que vão contra os interesses comerciais da
mundial, o conceito de ‹Terceiro Mundo› perdeu seu signi metrópole podem ser contidos de forma legal e segura
ficado. É por isso que eu prefiro usar o termo ‹Periferia› e por tratados internacionais. A política anterior do alto
‹países periféricos›. Essa mudança da nomenclatura não capitalismo sustentado pelos canhões (canhoneiros) res
implica a conclusão errada de que a situação do então surge agora de forma modificada, entre outros, mediante
Terceiro Mundo sofreu uma transformação essencial. tratados internacionais de serviços.
(2) TRIPPS: Agreement on Trade-RelatedAspects of Intel (4) WTO: World Trade Organization (Organização Mundial
lectual Property Rights (Acordo sobre aspectos comerciais do Comércio). Fundada em 1994. Ficam claros quais
dos direitos da propriedade intelectual). interesses comerciais são e foram favorecidos quando
(3) GATS: General Agreement on Trade and Services, se examinam os documentos de milhares de páginas
1994 (Acordo multilateral de liberalização do intercâmbio da fundação dessa instituição. Países mais pobres não
• Desregulamentação da economia
• Segurança dos direitos de propriedade (sobretudo, dos investidores estrangeiros)
A fúria da privatização castigou especialmente a América Latina. A quanti
dade das transações na Europa do Leste e na Ásia Central era maior, com 5.634
operações comparada com o total de 1.270 transações na América Latina. Porém,
rendendo mais de 90 bilhões de dólares, a América Latina protagonizou um dos
balés das privatizações. Isso levou à venda de recursos sociais a favor de uma coli
gação de conglomerados financeiros internacionais fortemente relacionados com
agências multilaterais e com a mídia.(7)
Essas transações e a resultante concentração de recursos podem ser compara
das em sua dimensão e em suas consequências à colonização que ocorreu a partir
de 1492. É óbvio que se pode supor um efeito direto dessas medidas motivadas
politicamente sobre o mercado de trabalho dos designers – o Banco Mundial
propagava uma ‹reforma irreversível›, vale dizer, um congelamento do status quo
até a eternidade. Ao crescimento de poder político e econômico do setor finan
ceiro corresponde também, a partir dos anos 1990, a concentração de serviços de
design em cis e também a redução de serviços de design e de design industrial.
Segue-se a pauperização dos graduados em design, oriundos do grande número
de cursos de design. Estes passam a buscar uma saída para a situação precária
mediante o design e produção de objetos artesanais para decoração e acessórios
setor
pessoais,
informal
em grande
da economia.
parte, aplicando processos de produção pré-capitalista do
dispunham de recursos técnicos, jurídicos e financeiros (7) de Medeiros, Carlos Aguiar, «Asset-stripping the State
para fazer valer significativamente seus interesses. – Political Economy of Privatization in Latin America», em:
(5) A crítica massiva aos SAPs e os duvidosos sucessos New Left Review, n. 55, janeiro/fevereiro 2009,
levaram ao banimento desse termo da nomenclatura pp. 109–132.O economista brasileiro desmascara, nesse
das instituições financeiras internacionais. Resta a artigo, os argumentos geralmente usados a favor da
dúvida quanto a isso ter proporcionado alguma mudança privatização (suposta ineficiência das empresas públicas
substancial. e impostos gerados para sua subvenção de empresas
(6) O termo Consenso de Washington foi cunhado pelo públicas). «Eu mostrarei que a privatização em massa dos
economista John Williamson que, depois, foi forçado a anos 1990 não era concebida ou implementada como uma
dissociar esse conceito de sua conotação de uma política reorganização pragmática das estruturas do estado e do
econômica monetarista e neoliberal que depõe contra mercado no sentido de uma resposta a reais problemas
os interesses da maior parte da sociedade. Williamson, macroeconômicos, mas ela resultou de uma decisão
John, «What Should the Bank Think about the Washing político-ideológica para deslocar o Estado das atividades
ton Consensus?», 1999. Disponível em: http://www.iie. produtivas, independentemente do fato de qual setor da
com/publications/papers/paper.cfm?ResearchID=351 economia ou de qual mercado se tratava ou tratava-se do
(último acesso: 19.01.2009). fornecimento com bens públicos.»
• Destruição de empresas locais
• Redução do consumo local, dando prioridade a uma política econômica orien
tada a exportações
• Divisas obtidas pelos governos locais imediatamente retransferidas aos países
centrais para pagar as dívidas
• Enfraquecimento do Estado e das instituições públicas
• Carga de impostos, em grande parte, constituída de impostos sobre o con
sumo, onerando os ‹economicamente menos favorecidos› com a maior carga
•Liberalização da taxa de juros, significando perda de poder do Banco Central e
maior dificuldade para pequenas empresas obterem crédito
• Eliminação das barreiras de comércio, levando a uma desindustrialização da
economia (Argentina é um caso exemplar)
• Privatização, significando venda de riqueza social a favor de uma elite local e
investidores estrangeiros
• Desregulamentação, significando concorrência em condições desiguais
Os avanços do design industrial da década de 1960, que se basearam em uma
política orientada à substituição de importações e ao mercado interno, foram
eliminados. Igualmente, foram desconsiderados os argumentos para que o design
industrial se transformasse em fator de desenvolvimento como fundamento para
um Policy Paper da unido(8) (publicado em 1973), e que foram continuados em
248 1979, na Ahmedabad Declaration on Design and Development (National Institute of
Design, Ahmedabad). As recomendações se referiam ao uso do design para:
• Recuperação da balança de pagamentos (industrialização orientada ao mer
cado interno)
• Orientação às necessidades locais. Produtos desenvolvidos para as necessidades
dos países centrais não são igualmente adequados para países periféricos
• Criação de empregos. O design de produtos intensivos em trabalho, em vez
de intensivos em capital, pode contribuir para reduzir o desemprego
• Diversificação. O design industrial pode contribuir para diversificar o con
junto dos produtos fabricados
• Recuperação do mercado de exportação. O design industrial pode ser utili
zado como instrumento para alavancar as exportações
• Criação de identidade cultural. Produtos, isto é, artefatos materiais, podem
expressar uma identidade cultural
• Tecnologias alternativas. O design industrial pode contribuir para o desenvol
Organization,
Bonsiepe,
(8) Bonsiepe,
pela UNIDOGui,
United
Wien
Gui,
Industrial
Design
Nations
1973.design:
forIndustrial
industrialization,
basicDevelopment
guidelines
editado
fora Industrial Development Organization, Wien 1973.
Bonsiepe, Gui, «Industrial Design in Latin America», em:
Design for Development, National Institute of Design
Ahmedabad, Ahmedabad 1979.
policy of UNIDO, editado pela UNIDO United Nations
vimento de produtos alternativos compatíveis com o ambiente
• Necessidades da maioria. As diferenças extremas de renda nos países perifé
ricos excluem grande parte da população do acesso a produtos industriais, a
qual necessita de produtos adequados
• Racionalização da variedade. Frente aos recursos limitados, parece duvidoso
copiar o estilo de vida dos países centrais. A variedade de produtos pode ser
racionalizada
As reflexões sobre a função do design industrial para uma política de desen
volvimento local e autônomo basearam-se em diferentes fontes. De acordo com a
orientação e o enfoque, receberam diferentes denominações:
• Design participativo
• Design alternativo
• Design apropriado (de acordo com a appropriate technology)
• Convivial design(9)
Na década de 1970, houve muitos debates sobre o papel do design na Peri
feria e sua contribuição mais abrangente para o crescimento e os limites desse
crescimento, ambiente e poluição ambiental, industrialização, política tecnoló
gica e a brecha norte-sul. Hoje, esse debate caiu no domínio do ‹desenvolvimen
to sustentável› e do ‹design sustentável›. Falta ainda uma análise histórica da
interação entre essas diferentes correntes do desenvolvimento.
ca que
Retornando
preconizava
às consequências
levou, no campo
do Consenso de Washington,
da comunicação visual,aàpolítica
instauração
econômi-
do 249
(9) Papanek, Victor, Das Papanek-Konzept – Design für (10) Este processo não é somente típico para a Argentina,
eine Umwelt des Überlebens, editora Nymphenburger pois foi documentado em detalhes na História do Design
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of Design, Ahmedabad 1998.
No Brasil, são oferecidos mais de 380 cursos de graduação em design, com
diferentes denominações – design de moda, design de interiores, design de pro
duto, comunicação visual, design de comunicação, design gráfico, web design,
design digital, design de informação… Essa expansão também se verificou nos
cursos de especialização, mestrado (sete programas) e doutorado (dois programas)
em design.(12)
No Chile, são oferecidos 120 cursos de design, a metade de nível universi
tário e a outra metade no ensino profissionalizante, em grande parte em insti
tuições privadas. No momento, estima-se o número de estudantes em 18.000.
Deles, anualmente 3.000 terminam os estudos de graduação. O número de
docentes de design excede o número de designers que atuam profissionalmente
como designers.(13)
Sobre o processo de desprofissionalização no ensino do design, o engenheiro
Itiro Iida, que teve um papel importante na consolidação do design no Brasil,
comenta: «Primeiro, existem muitos cursos de design em que os professores não
são designers, mas engenheiros, arquitetos e artistas plásticos. Há também psicó
logos, pedagogos, sociólogos e todos os tipos de profissionais que nunca pegaram
em um lápis ou computador para fazer um projeto. Segundo, há professores de
design graduados em design, mas que nunca exerceram a profissão na prática.
Isso acontece principalmente nas universidades federais, onde se valorizam os
250 títulos acadêmicos de mestre e de doutor, mas a experiência prática vale muito
pouco. Por outro lado, o regime de trabalho exige dedicação exclusiva, o que
impede que esses professores exerçam a profissão prática de design nas empre
sas. Então, há estudantes de design que fazem cursos de mestrado e doutorado
e tornam-se professores sem nunca terem trabalhado como designers, pois a
experiência deles é puramente acadêmica. Esse processo vai se autoalimentando e
a prática do design fica cada vez mais distante.»(14)
Existe uma assimetria estranha nas exigências de competências para docentes
de design: um candidato academicamente forte (títulos) goza do privilégio de
superar outro que apresenta competência projetual, o que pode levar a uma perda
de qualidade no ensino do design. Em consequência, um candidato competente
no projeto só é reconhecido quando se qualifica cientificamente, obtendo um
título acadêmico de mestre ou doutor. Ninguém exigirá de um sociólogo a com
petência de projetar um leito de hospital. A aplicação esquemática de critérios
supostamente universais, derivados de outras tradições e áreas do conhecimento
(15)
academização
«WasPara
bringtuns
o tema
doDoktor
do
ensino
doutorado
Design?»,
do design,
em em:
design
vejaHochparterre,
meu
e o risco
comentário:
da n. 1–2, 2003. Uma versão integral foi publicada na
Argentina: Bonsiepe, Gui, «Doctorabilidad del diseño», em:
tipográfica XVI, n. 54, dezembro 2002, pp.8–9.
nacionalismo exacerbado, antiamericanismo e outras formas de variantes contem
porâneas de obscurantismo.»(16)
Reforms:
sion?»
http://www.imf.org/exernal/pubs/ft/seminar/1999
(16) Naim,
(1999).
Washington
Moses, «Fads
Consensus
and Fashion
or Washington
in EconomicConfu- (17) Sorvali, Katja, Jaana Hytönen e Eija Nieminen,
Global Design Watch, coordenado pelo New Centre of
Innovation in Design, at the University of Art and Design
(UIAH), Helsinki, abril 2006.
reforms/Naim.HTM (último acesso: 03.06.2002).
• Qualidade e maturidade dos processos produtivos
• Desenvolvimento de práticas de marketing
• Grau de orientação ao consumidor
Foi elaborado novo ranking de design em que podem ser vistas as seguintes
mudanças:
1. Finlândia 1. Japão
2. eua 2. eua
3. Alemanha 3. Alemanha
4. França 4. Suíça
5. Japão 5. Dinamarca
6. Suíça 6. França
7. Holanda 7. Finlândia
8. Suécia 8. Suécia
9. Dinamarca 9. Bélgica
10. Grã-Bretanha 10. Áustria
|03|
Mudança da renda per capita antes de depois
dos programas de adaptação estrutural
1980-1998
China
1960-1980
Países árabes
Sul da Ásia
Su-Sudeste da Ásia
América Latina
254
Sub-sahara
-50 0 50 100 150 200 250 300 %
|04|
|05|
|06|Designíndexranking2002. |07| Design índex ranking2005.
at. Áustria it. Itália au. Austrália jp. Japão
au. Austrália jp. Japão cn. China kr. Coreia
bo. Bolívia my. Malásia de. Alemanha nl. Holanda
ch. Suíça nl. Holanda dk. Dinamarca no. Noruega
cn. China no. Noruega ee. Estônia se. Suécia
de. Alemanha nz. Nova Zelândia fi. Finlândia sg. Cingapura
dk. Dinamarca se. Suécia hk. Hong Kong uk. Reino Unido
fi. Finlândia uk. Reino Unido in. Índia us. EUA
fr. França us. EUA is. Islândia
ir. Irlanda
|06|
80
bo
70
60
my
50
40
cn
30 255
10 fi at
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20 au nz
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jp
0 10 20 30 40 50 60 70 80
|07|
n 50
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Í
10 nl uk
se
fi
dk de
us jp
1 10 20 30 40 50
1.Inovação tecnológica
Essa estratégia, em geral, é intensiva em pesquisa e investimentos de riscos elevados. Por isso, torna-se difícil
para países periféricos e pequenas empresas.
2.Preço baixo
Essa estratégia tira vantagem dos salários baixos, leis ambientais brandas (vale dizer, leis que podem ser
dribladas ou que, no caso de uma contravenção, preveem multas irrisórias), energia e matéria-prima baratas.
4.Qualidade
Essa estratégia requer investimentos em máquinas e equipamentos, processos de fabricação maduros, mão
de obra qualificada e know-how no controle de qualidade.
5.Sustentabilidade
Essa estratégia requer know-how sobre os impactos dos materiais e processos de fabricação sobre o meio
256
ambiente (por exemplo, as assim chamadas ‹mochilas ecológicas›).(21)
6.Design
Essa estratégia requer competência profissional para atividades projetuais.
7.National branding
Essa estratégia requer know-how no campo do marketing.
Essas opções estratégicas valem tanto para a economia – programas de fomento –, quanto para empresas
individuais.
4.Inovação na sustentabilidade
|08||09|
259
|10||11|
|12||13|
|14|Logo para a empresa Telecom Argentina |15|Inovação determinada tecnologicamente. Aro
(design da imagem corporativa). de roda fabricado com fibras de carbono.
Projeto: Studio Fontana Diseño. Rubén Fontana |16|Inovação determinada pela tendência (trend).
e Zalma Jalluf, 1998 (Argentina).
|14||15|
260
|16|
|17|Inovação no campo estético-formal. Um tecido |19||20|Inovação no campo estético-formal: design
fica esticado sobre a moldura com uma superfície metafórico de um saleiro e pimenteiro que são
de assento minimamente insinuada. unidos por ímãs. Projeto: Barro de Gast para a
Projeto: NOPICNIC Industrial designer AB, 2002. empresa Koziol.
|18|Inovação determinada pela invenção. Aspi
rador de pó que funciona sem sacos de papel.
Projeto: James Dyson, 2004.
|17||18|
261
|19||20|
|21|Inovação determinada pela tradição. Mesa |24|Inovação na área de design ecologicamente
esculpida, Michoacán, México. orientado. Detalhe da junta de um apoio para os
|22|Inovação determinada pelo valor simbólico. braços com a estrutura da cadeira ‹picto›.
Espremedor de cítricos. Projeto:Philippe Starck, Projeto: Nick Roericht, para a empresa Wilkhahn,
1993. 1993.
|23|Inovação determinada pela engenharia mecâ
nica. Caminhões para mineração.
|21||22|
262
|23|
|24|
|25|Inovação determinada pelo enfoque artístico. nova. O ventilador funciona sem abas de um rotor.
Escultura de aço inoxidável aplicada a um poste de É o principio técnico que permite uma inovação
iluminação urbana. estético-formal. Projeto: James Dyson, 2010.
|26|Inovação baseada em pesquisa experimental. |27|Inovação determinada pelo enfoque crítico.
O designer chega a uma nova forma não tomando Jaques Carelman.
o tema projetual como uma busca por uma forma Uma paródia à utilidade.
|25||26|
263
|27|
Inovação – pelo menos o conceito – goza hoje de uma reputação muito alta e
indiscutível. Porém, pouco se fala sobre os conteúdos da inovação. Com relação
ao design, ela vai das pequenas mudanças formais até a inovação radical.
Postscriptum
Da mesma maneira que a economia planejada e centralizada se mostrou pouco
viável, a busca por outras formas de organização social pode ganhar crédito e
legitimação após a furiosa onda dos mercados financeiros desregulados e a não
menos furiosa privatização de recursos sociais.(24) Frente à atual crise e à perda
de legitimidade do mercado caracterizado pelo adjetivo ‹livre› como instância
central de regulação de todas as relações sociais (caso se queira ver nessa crise o
fim do capitalismo ou, no máximo, uma das crises periódicas do capitalismo), é
provável que exista uma opinião unânime de que começou um período de fortes
turbulências políticas, sociais e ambientais.
O «sempre vigilante olho do status quo»(25) não pode ignorar o surgimento
de uma nova organização social da Periferia. Abordagem que se denomina de
«produção solidária», como contrapeso da dilaceração social, é vista com profun
da desconfiança. Caso essas abordagens, que diferem do conceito ocidental de so
ciedade, natureza e prática da vida cotidiana, sejam consolidadas no futuro, será
necessário fazer uma reinterpretação dos conceitos de design e inovação como se
264 entende na tradição ocidental. No atual nível de desenvolvimento não é possí
vel prever se essa nova abordagem permitirá fazer redescobertas das tradições
ocidentais escondidas e latentes. Porém, pode-se afirmar com toda certeza que
nessas abordagens das formas solidárias de vida – que se desenvolvem fora das
turbulências midiáticas – a concepção atual do design será relativizada e, com
isso, os conteúdos das atividades inovadoras e sua relevância social, em oposição à
inovação de per si (an und für sich), serão colocados no centro da observação.
(24) Os termos como ‹cobiça› e ‹busca de lucros› não ção pode ser considerada parcialmente válida, embora
contribuem para explicar a crise, como se constata na o motivo mais profundo da debacle financeira esteja no
seguinte avaliação: «O problema da crise consiste em princípio do livre comércio considerado intocável, e imple
que, por um lado, ideias ingênuas otimistas sobre o ‹livre mentado impiedosamente pelos centros de poder depois
mercado› fomentaram regulamentações brandas ou dos anos 1980.
inexistentes de um sistema financeiro potencialmente (25) Colocação feita por Tomás Maldonado em um debate
instável e, por outro lado, a formulação de mecanis público, no âmbito da exposição da hfg-ulm no Museu
mos de remuneração que, por sua vez, fomentou uma Nacional de Belas Artes em Buenos Aires, realizada em
predisposição a riscos e oportunismo imediatista.» Solow, 04.12.2007, respondendo a pergunta sobre se seria possí
Robert M., «How to Understand the Disaster.» em: The vel começar nos anos 1950 um experimento tão radical em
New York Review of Books, LCI, n.8, 2009. Essa explica um país não particularmente aberto a inovações sociais.
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Notas de Referência
|01||02|Diagramas G. Bonsiepe.
|01||02||04||05||08|–|12||16||19||20|–|22||25|
Fotos G. Bonsiepe.
|03|Diagrama G. Bonsiepe.
|06|Diagrama regraficado G. Bonsiepe.
Fonte: NZIER Nova Zelanda.
|07|Diagrama regraficado G. Bonsiepe. Fonte:
New Centre for Innovation in Design, Helsinki.
|14|Studio Fontanadiseño.
|15||23|Reprodução com permissão do if Internatio
nal Forum Design, Hannover.
Este livro terminou de ser impresso no mês
de janeiro de 2011, nas Oficinas xxx.
Impressão e Acabamento:
Geográficaeditora