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2000, quando foi agraciado com o Prêmio Internacional Duque de Amalfi. E, por fim, a
terceira efetuou-se como uma palestra de encerramento de um congresso internacio na l
que foi organizado por um centro fundado pelo próprio Grossi, o “Centro di Studi per la
Storia del Pensiero Giuridico Moderno”, realizado em Florença, Itália, em 2009; palestra
essa que divide o nome com a última parte do livro: “Código: algumas conclusões entre
um milênio e outro”. A quarta, que também divide o nome com a última parte do livro –
“As muitas vidas do jacobinismo jurídico” -, foi ministrada em Rimini, Itália, em um
Encontro com tema “Se ti distrai, l’Europa è giacobina”, “Se você se distrair, a Europa é
jacobina”.
OBRA
1. UM LIVRO, A SUA ÍNDOLE, E A SUA MENSAGEM: ALGUMAS
NOTAS INTRODUTÓRIAS
Na primeira parte da introdução, denominada As mitologias jurídicas da
modernidade e o papel do historiador do direito, Paolo Grossi retoma a sua ideia, já
apresentada em outros textos como O ponto e a linha (2005), de qual papel o historiador
do direito deve representar, qual o seu papel mais relevante. Para ele, o historiador deve,
junto com o operador do direito positivo, servir como “consciência crítica”; deve revelar
“(...) como complexo o que na sua visão unilinear poderia parecer simples, (...)
relativizando certezas consideradas absolutas (...)” (GROSSI, Paolo, p.13).
GROSSI aponta o surgimento e a sedimentação de um “nó” no intelecto e no
coração do jurista moderno, que foi aceito de modo submisso e que foi originado na
mitificação; sendo a “(...) mitificação como passagem de um mecanismo de conhecimento
a um mecanismo de crença. ” (GROSSI, Paolo, p.14). Seria papel do historiador, como
um relativizador e desmitificador, alertar o jurista da importância desse nó ser desfeito.
Também define como papel do historiador do direito “(...) chamar a atenção do jurista
atual para a íntima sabedoria do direito em culturas diferentes (...)” (GROSSI, Paolo,
p.16).
Concordo com GROSSI quanto a importância que ele dá ao papel do historiador
do direito. A sociedade moderna e, consequentemente, os juristas modernos, apresentam
a tendência de acreditar que suas certezas são atemporais e inquestionáveis; pois se
consideram mais desenvolvidos e evoluídos em todos e quaisquer aspectos. Quando
tomam essa posição, como explica GROSSI, não se permitem questionar ou criticar, o
que faz com que seja de suma importância a relativização dessas certezas. O historiador
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do direito, e de qualquer outra área, está em constante contato com outras visões de
mundo, portanto apresenta-se como o indivíduo ideal para relativizar essas crenças.
Conclui-se que, é de real importância o trabalho conjunto entre jurista e historiador de
direito para desenvolver o senso crítico e para que sempre haja melhorias no meio
jurídico.
GROSSI segue afirmando que o objetivo do livro é chamar a atenção dos juristas
sobre os custos culturais da visão simplista do passado. Ele se utiliza do exemplo de como
“(...) o direito moderno está intimamente vinculado ao poder político como comandado
de um superior a um inferior (...) ” (GROSSI, Paolo, p.15) tendo como consequência a
perda da dimensão sapiencial do direito, que significa a “(...) subtração do direito de uma
classe de indivíduos competentes (...) ” (GROSSI, Paolo, p.15) e a perda do “(...) direito
como fisiologia da sociedade (...) lido na realidade cósmica e social e traduzido em
regras.” (GROSSI, Paolo, p.16); para uma melhor compreensão da sua teoria sobre os
altos custos culturais do simplismo.
Termina esse primeiro tópico com uma série de perguntas e de provocações que
julga serem naturais aos historiadores do direito, pois esses desnudam a consciência
negativa do jurista positivo.
No segundo tópico dessa introdução, Compreensão historiográfica e instrumentos
comparativos, GROSSI adverte o leitor para que esse não dê valor de proposta para o
livro. É de opinião de que o principal objetivo do historiador é alcançar a compreensão
do seu objeto historiográfico, e faz isso ao “(...) penetrar na tipicidade de um certo clima
histórico e de sua mensagem. ” (GROSSI, Paolo, p.18). GROSSI afirma que a
comparação é a melhor forma de enxergar tais tipicidades, e que essa comparação, nas
mãos do historiador do direito, aguça o olhar crítico. Portanto, conclui que a seu livro
deve ser atribuído um valor crítico.
Novamente concordo com o autor quanto ao abordado nesse tópico. Avalio
também que a comparação é a melhor forma de identificar as semelhanças, as diferenças
e as exclusividades, tipicidades, entre e em cada período. É através dessa análise que o
senso crítico se aguça pois nos ajuda a ter um panorama mais amplo do momento do qual
fazemos parte. Quando essa análise ocorre, fica mais fácil identificar quais aspectos da
sociedade influenciam em determinadas situações, assim como entender as suas
motivações e necessidades.
O terceiro tópico, Um aceno sobre o conteúdo, é meramente explicativo de quais
conferências o livro se baseia e quais são seus temas.
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2. JUSTIÇA COMO LEI OU LEI COMO JUSTIÇA?: OBSERVAÇÕES
DE UM HISTORIADOR DO DIREITO
O autor inicia essa primeira parte, denominada Direito e lei entre medieval e
moderno, afirmando que o homem comum tem uma desconfiança com o direito;
desconfiança que nasce da crença de que o direito é diferente de justiça e da confusão
daquele com a lei. De fato, afirma, o direito apresenta-se ao homem comum somente
como lei, como um “(...) comando autoritário que cai do alto sobre a indefesa comunidade
(...) indiferente à diversidade das situações que pretende regular. ” (GROSSI, Paolo,
p.23). As virtudes que são ensinadas como comuns das leis pouco ajudam a reverter esse
quadro, sendo elas os aspectos abstrato e geral, a rigidez e a autoridade.
Com isso dito, afirma que é papel dos produtores da lei buscarem a justiça quando
a fazem, porém mesmo quando são injustas os cidadãos devem obediência a ela.
Entendo a necessidade do cumprimento da lei em todas as situações, é uma
tentativa de manter a ordem e a estabilidade do Estado, entretanto, discordo quando ao
“em todas as situações”. Há leis arbitrárias, que ferem as liberdades civis e que de modo
algum buscam o bem comum - como acontece em países ditatoriais e até mesmo em
países ditos livres e democráticos a exemplo da criação do Conselho Superior de Censura,
na época da ditadura militar, que apenas permitia divulgação midiática daquilo que
agradava ao governo, e da lei nº 13.284, de 2016, que proíbe manifestações políticas nos
eventos das Olimpíadas e das Paraolimpíadas sendo que em ambos os casos fere-se o
direito de liberdade de expressão e de manifestação política, direitos fundamenta is.
Nesses casos, não concordo com a obrigatoriedade submissa de seguir determinadas leis.
Sim, o Estado faz a leis e os cidadãos devem respeitá-las para que seja mantida a ordem,
mas só é obrigado a fazer desde que seus direitos fundamentais não estejam sendo feridos.
Segue afirmando que a visão história desempenha de desmitificar o presente, de
relativizar as certezas do hoje. GROSSI, com essa intenção e de analisar a relação entre
direito, lei e justiça, compara a civilização jurídica medieval e a civilização política
moderna. Afirma que ambas são civilizações jurídicas e por isso tem muito apreço ao
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direito, e o tem como estrutura fundamental. Porém, essa relação com o direito ocorre de
modo inverso: na época medieval o pluralismo jurídico era o que tinha vez enquanto que,
na modernidade, é a centralização e estatização que se fazem valer.
Em A ordem jurídica na perspectiva medieval, declara que o poder político na era
medieval “(...) não pretende controlar a integralidade do fenômeno social (...)” (GROSSI,
Paolo, p.27), o que tem como primeira grande consequência a autonomia do social para
viver plenamente sua história, com livre curso da sua criatividade nos mais diversos
planos, desde o político ao familiar. Nasce, a partir de uma psicologia coletiva, permeada
por inseguranças gerais e sincera humildade dos indivíduos, uma civilização com dois
protagonistas:
“(...) a natureza cósmica com seus fatos primordiais (...), a comunidade, nicho
indispensável para o desenvolvimento individual nas múltiplas manifestações que
exprimem toda a complexidade da vida comum. ” (GROSSI, Paolo, p.28)
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Tomás de Aquino traduziu com nitidez a definição de lex como “(...) um
ordenamento da razão voltada ao bem comum, proclamado por aquele que possui o
governo de uma comunidade. ” (AQUINO, Tomás, Summa Theologicne, Prima
Secundae, q.90, art.4), é uma leitura da realidade. Aqui o objetivo do conteúdo se faz
mais importante do que quem o emanou; consiste em um ordenamento regido pela razão.
Baseando-me em Locke e seu homem no Estado de Natureza regido pelas Leis da
Razão/Natureza, concordo com a razoabilidade da lei, pois creio que é através dela que
alcançamos uma sociedade igualitária e livre.
Nesse terceiro tópico, Os sinais do “moderno”: estabilidade do direito e
transfiguração da lei, o autor começa retomando as principais características da ordem
jurídica medieval: ôntica, isto é, presente na natureza das coisas, e radical, ou seja, “(...)
por ser exuberante às raízes de uma sociedade e por isso identificada com o costume (...)”
(GROSSI, Paolo, p.34). É uma civilização que respeita o pluralismo jurídico, entende e
respeita as forças que o provocam.
O arquétipo moderno se constitui na inversão perfeita entre poder político e ordem
jurídica. Há um novo Príncipe e uma nova relação entre ele e o direito. Essa nova
sociedade é fruto de um processo histórico que visa libertar o indivíduo das amarras que
a época precedente o tinham inserido, é a gênese do individualismo moderno. O poder e
o Príncipe também sofrem mudanças: o poder se aproxima da “potência absoluta e
perpétua” de Bodin e o Príncipe “(...) não está em diálogo com a natureza e com a
sociedade (...)”; ele projeta sua vontade já definida e que encontra em si mesma toda
justificação necessária. O Príncipe passa a ter um envolvimento maior com a produção
do direito, o que acarreta no fim do pluralismo jurídico.
A lei, no sentido moderno (loy), generalizada, rígida e autoritária, ganha
protagonismo. A principal diferença entre a lex medieval e a loy moderna é que a primeira
tem uma finalidade bem definida, o bem comum, enquanto que a segunda não encontra a
sua legitimidade em seu objetivo.
GROSSI se utiliza da definição de Montaigne quanto a essa verdade elementa r :
“(...) ‘as leis possuem crédito não porquê são justas, mas porquê são leis (...) e (...) quem
as obedece por serem justas, não dá a obediência devida a elas. ’ ” (GROSSI, Paolo, p.38).
Apesar de ser uma visão pessimista, ela traduz o que estava acontecendo na França na
segunda metade do século XVI. O Príncipe passa a ser o único capaz de ler e traduzir as
leis. Une-se intimamente a criatura normativa com a própria pessoa e a sua supremacia,
o dever de legislar se confunde com a pura vontade do mesmo. Nasce, assim, a mística
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da lei enquanto lei, “(...) será sacra a lei intrinsicamente injusta. (...) ” (GROSSI, Paolo,
p.40). O autor ainda fala que essa mítica será herdada pela Revolução Francesa que a
camuflará de democracia. O direito passa a se contrair na lei, torna-se apenas um sistema
de regras autoritárias, abstratas e inelásticas.
Concordo com GROSSI e Montaigne sobre a definição atual da lei e com as
consequências disso (a confusão entre lei e vontade do soberano e a redução do direito).
Enxergo que esses fatores só fizeram o homem comum se afastar ainda mais do mundo
jurídico, um mundo que para ele parece ser incompreensível. Essa mística da lei afasta os
cidadãos de conhecerem seus direitos. De nada essa “verdade elementar “ ajuda a atrair
os mais simples para que esses compreendam o direito, pois eles continuam acreditando,
e agora com razão, que o direito é algo diferente de justiça.
No último tópico da primeira parte, Um itinerário “moderno”: do direito à lei,
GROSSI afirma que as raízes da Idade Média são extremamente profundas pois tiveram
um milênio para se fixar e para isso contaram com a ajuda da Igreja Católica, o que as
tornou a estrutura do organismo social. Levando isso em conta, não é surpresa que para
se consolidar novos valores será preciso tempo e persistência.
O papel que a Igreja Católica representou naquela época é análogo ao
desempenhado pelas igrejas ou, melhor dizendo, pelas religiões na atualidade. Nos países
em que se predomina uma certa religião, a sua influência nos valores e, consequenteme nte
no direito, é mais facilmente percebida. Utilizando um exemplo próximo: no Brasil, país
predominantemente cristão, há um constante esforço, por parte das religiões, de fazer com
que a homoafetividade seja vista, por todos, como anormal e maléfica para a sociedade,
em especial para as crianças. Esse esforço que extrapola a influência nos valores e passa
a querer se fazer valer nas leis a exemplo do Projeto de Lei 6583/2013, denominado
Estatuto da Família, que restringe o conceito de família para aquela constituída por
homem e mulher ou relação monoparental, retirando de uma parcela da população direitos
já adquiridos, pois o STF já tinha aprovado o casamento civil entre pessoas do mesmo
sexo, reconhecendo-o como uma família. As religiões, em todas as regiões do mundo,
influenciam maciçamente o pensamento da população, os seus valores e suas leis.
O século XVI francês foi testemunho desse fenômeno, que via misturando o velho
com o novo, novas figuras vão tomando forma. É nesse século que o “(...) Príncipe-
legislador (...) sacraliza a regra jurídica por ele produzida justo por identificá- la como a
própria vontade absoluta e com a expressão do próprio poder. ” (GROSSI, Paolo, p.43),
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é dessa lei que Montaigne fala. Porém, no final do século, o Príncipe ainda não conseguia
legislar no direito civil, no território das relações cotidianas entre privados.
Para Bodin, a lei era a vontade do Soberano enquanto que o direito era fruto da
vida em comum, um plano mais subterrâneo no qual as soluções procuravam ser as mais
équas possíveis. Para ele esse direito enraizado deve ser traduzido em norma que respeite
a si mesma. Penso de maneira igual a Bodin nesse quesito, pois esse direito busca uma
resolução justa para os conflitos, logo tem como objetivo o bem comum, o que é o
contrário do que essas leis arbitrárias visam.
GROSSI define o drama moderno como a absorção de todo o direito na lei, mesmo
que esta seja ruim ou injusta. Identifica um afastamento entre o direito formal e a
sociedade civil; considera que o direito formal ficou “preso” dentro das legislações e se
tornou incapacitado de corresponder a sua própria natureza. Define isso como perigoso
para a sociedade civil. É para combater essa imobilidade que o papel relativizador do
historiador do direito é importante, pois, ao comparar sociedades, consegue relativizar os
mitos jurídicos e tentar tornar o direito mais elástico.
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O autor dá como exemplo a ordem sociopolítica da democracia, onde a lei, e
somente ela, expressão a vontade geral, quando, na realidade, mostra-se como uma “(...)
pseudo-verdade substancialmente tuteladora de interesses particulares dos detentores do
poder. ” (GROSSI, Paolo, p.55).
Concordo com a visão do autor de que o iluminismo percebeu necessária a criação
de mitos para fundamentar o seu novo governo e ideologia. Também estou de acordo
quanto a sociedade moderna ser uma formidável criadora de mitos e considero de extremo
perigo o fato de que ela não percebe essa sua característica. Essa sociedade está tão
confiante na sua ciência e no seu desenvolvimento que não questiona o que lhe é
apresentado como verdade, acredita cegamente na veracidade absoluta de tais princíp ios
sem parar para analisar se é somente desse modo que as coisas devem ser ou que já foram.
Em Projeto moderno do direito e complexidade do universo jurídico, começa
explicando a grande operação que se consolida na França, que visa vincular direito e
poder e separá-lo do social, sendo essa última a maior tragédia do direito continenta l.
Com isso, o homem comum passa a ver o direito como algo que lhe é estranho.
Infelizmente, segue GROSSI, “(...) o direito mais cruelmente e severamente sancionado,
o penal, pareceu elevar-se como modelo de juridicidade justamente por consistir na plena
expressão da potestade punitiva. ” (GROSSI, Paolo, p,56-57).
O direito deve estar intimamente ligado com o social, logo essa dimensão de
potestade é desviada. O direito “não é o instrumento coercitivo do soberano ou o espaço
para voos teóricos do doutrinador (...) antes (...) pertence ao ser de uma sociedade (...) ”
(GROSSI, Paolo, p.57), é uma dimensão da vida social.
Ao meu ver, GROSSI está mais uma vez certo quando admite essa
inseparabilidade do direito com o social, ou que essa relação deveria ser inseparável - é
por meio da elasticidade da lei e da sua constante mudança que a sociedade pode continuar
viva e se desenvolvendo, é dessa forma que ela adquire mobilidade. Infelizmente, muitos
ainda acreditam que o direito deve ser coercitivo e que deve expressar a vontade de quem
está no poder pois julgam ser essa a correta. Podemos observar isso aqui no Brasil, onde
a dita bancada evangélica continua a crescer e a fascinar parte da população que
compactua seus pensamentos, tendo como exemplo o Deputado Jair Bolsonaro que por
diversas vezes fez apologia ao estupro, expressou intenso machismo, racismo e
homofobia, parece crer que suas vontades são absolutas e representam a vontade da
maioria acredita que devem ser impostas à toda a população por medidas de leis, vide o
Estatuto da Família. Tal pensamento encontra apoio na população que compactua com tal
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visão. Uma parcela da população mostra-se disposta a impor a sua vontade para toda a
sociedade, de maneiras inclusive violentas, como no caso de manifestantes pedindo
intervenção militar.
O autor afirma que os nossos antepassados pensaram o direito no e para o Estado,
o que causou empobrecimento radical; “(...) foi enterrada (...) retirada (...), em nome da
mitologia- ideológica jurídica (...), toda a gama variada de riquezas do universo jurídico. ”
(GROSSI, Paolo, p.59).
Na terceira parte, Reduções modernas: uma visão potestativa do direito, começa
definido o normativismo, “(...) ter como referência a norma, (...) significa, sempre e de
qualquer modo, conceber o direito de modo postativo (...), significa também tomar a
estrada que conduz a uma precisa separação entre produção e aplicação do direito (...) ”
(GROSSI, Paolo, p.60), este, segundo GROSSI, é o caminho que Kelsen percorre.
Kelsen constrói uma “Doutrina jurídica pura”, “(...) se resume em castelo de
formas, (...) que tinha sua origem no nada e do nada se fundamenta. ” (GROSSI, Paolo,
p.62). Essa doutrina, ao meu ver, parece ser bastante atraente, um direito pelo direito,
entretanto não acho que tem muita aplicação na realidade. Quando o direito puro se depara
com as dificuldades e com as complexidades da realidade, surgem problemas que cabem
aos juristas resolver. Essa resolução, infelizmente, nem sempre está livre de pré-conceitos
ou visa o bem da maioria. A exemplo da suposta igualdade de todos perante a lei, que não
considera a clara desigualdade social e não propões meios para que se possa superá-la,
não se faz valer; há vários relatos de pessoas que roubaram comida quando estavam
passando fome e cumpriram meses na prisão enquanto que milionários desviam dinheiro
público e continuam soltos, como é o caso de inúmeros políticos no Brasil.
Indo recuperar a complexidade: a descoberta do direito como ordenamento
começa com a crítica de GROSSI ao reducionismo jurídico, pois ela reduz também a
complexidade, deixa a paisagem jurídica abstrata e artificial. A paisagem jurídica é
complexa por natureza e a Idade Moderna, com as suas mitologias jurídicas, sacrifico u
essa complexidade com sua visão potestativa do direito, o seu reducionismo.
No quinto tópico, Em direção a novas fundamentações para a positividade do
direito, GROSSI afirma que a ordenação pode servir como salvação.
“(...) ordenamento é uma noção que tem a ordem no coração; e a ordem (...), justo
por ser escuta e recepção de instâncias provenientes da realidade, põe-se como
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preciosa mediação entre autoridade e sociedade, não assumindo o aspecto
desagradável da coerção. ” (GROSSI, Paolo, p.69)
“O direito (...) não pode abdicar da sua dimensão formal (...), mas deve fazê- lo
com a consciência sempre viva de que aquelas categorias dão forma e figura a um
sabem encarnado, a uma história viva (...), devem se tratar sempre de categorias
ordenantes, que pescam na realidade (...) ” (GROSSI, Paolo, p.81-82)
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virarem letra morta e apenas amarrarem a sociedade. Alerta para o fato de que o legislador
se limita a intervir tardiamente, se apropria do que já havia sido consolidado pela rotina.
GROSSI conclui esse trecho dizendo que a divisão em três poderes garante o
monopólio jurídico na mão do legislador.
Na segunda parte do capítulo, denominada O Código e os elementos que
historicamente o caracterizam, o autor nos traz a tríplice tensão que caracteriza
fortemente o Código: tende a ser fonte unitária, tende a ser fonte completa e tende a ser
fonte reduzida. Ele é uma tradução do momento histórico.
As raízes jusnaturalistas do Código tem como objetivo prender a complexidade
do social, através de uma tradução, em uma operação redutiva. O Código também tem
por objetivo hierarquizar as fontes do direito ao se colocar no topo dessa hierarquia.
No projeto jurídico burguês a abstração e a igualdade são conceitos
“constitucionais”, com protagonistas todos iguais, sem bagagem de “carnalidade
humana”.
GROSSI se utiliza da visão de Paolo Cappellini:
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“(...) o Código sofre de incomunicabilidade (...) tenta se manter o mais distante
possível de todo o tipo de localismos vernáculos, os únicos verdadeirame nte
agradáveis e compreensíveis à massa popular.
Se o Código fala com alguém, esse alguém é a burguesia (...) ” (GROSSI, Paolo,
p.107)
Considero essa parte de grande hipocrisia do autor, pois, enquanto critica essa
incomunicabilidade dos Códigos por conta de seu vocabulário complexo, faz uso de um
vocabulário complexo e estende o que poderia ser dito em duas ou três páginas para sete
ou oito.
A dimensão autoritária, continua o autor, intensifica essa incomunicabilidade e
mitifica a figura do legislador. A hostilidade quanto a interpretação, que não seja a dita
autêntica, ainda perdura; sendo que a interpretação é a “(...) único que pode fazer da
norma abstrata uma regra da existência cotidiana. ” (GROSSI, Paolo, p.111).
Na última parte do capítulo, O Código hoje: algumas considerações do
historiador do direito, sendo a primeira a velocidade das transformações sociais na
sociedade moderna, a segunda quanto à complexidade dessa sociedade por último a
terceira que é quanto à tensão em relação à universalização (que coloca em dificuldade o
Código por esse ser lei nacional).
Alerta sobre o risco da codificação se tornar muito rígida. Por isso, é de opinião
de que o Código, atualmente, deve servir como uma moldura. Diz acreditar ser necessário
repensar o sistema de fontes e o papel da lei.
Nesse tópico, o autor resume seus principais pensamentos sem, contudo,
apresentar uma real proposta para mudar o que julga errado.
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tem por tarefa vigiar permanentemente a sociedade civil, através de uma classe de
profissionais organizados em uma comunidade ideológica bem fechada (o partido). ”
(GROSSI, Paolo, p.128).
As consequências disso são péssimas: a assembleia é onipotente, e pretende agir
no lugar do povo, enquanto esse apenas faz coro, sem real capacidade de fazer mudança.
Observa-se que esse é o Estado brasileiro atual. Os representantes do povo se sentem
legitimados para fazerem o que bem entenderem, pois, o povo encontra-se sem poder. Há
abusos de poder que, quando são contestados, são reprimidos de forma violenta. Como
exemplo disso, temos o golpe de Estado que ocorreu em 2016 em que, os representantes
não ouviram a população, que se encontrava dividida, e agiram como bem entenderam,
prova disso o número de votos a favor do “impeachment” da presidenta Dilma, que de
modo algum representava essa divisão do povo (foram, no Congresso, 367 votos
favoráveis e 137 contrários, além de 7 abstenções e 2 ausências, e, no Senado, 61
favoráveis e 20 contrários). Quando Michel Temer assumiu a presidência da República,
aconteceu uma série de protestos que foram violenta e arbitrariamente reprimidos,
calando, dessa forma, ainda mais a população.
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A ilusão de uma redução do direito em um pedaço de papel retoma o pensamento
do autor sobre a ineficácia de traduzir a complexidade da sociedade em um pedaço de
papel. No sétimo tópico, E o seu característico individualismo: o indivíduo como
indubitável protagonista, trata do individualismo presente na análise dessa sociedade, da
presença do indivíduo abstrato do “(...) indivíduo que não é pessoa (...) ” (GROSSI, Paolo,
p.141). Apresenta a dicotomia da sociedade burguesa, a distinção entre quem tem e quem
não tem, “(...) tanto mais se é, quanto mais se tem (...) ” (GROSSI, Paolo, p.141). A
propriedade passou por uma sacralização.
No O indivíduo insular, define o indivíduo como egoísta e egocêntrico, pois esse
se encontra na dimensão econômica, cujo objetivo das ações é o lucro. Essas
características interferem nas liberdades. Se utiliza da frase “nenhuma liberdade
individual se mantém sem a dimensão coletiva” para fundamentar seu pensamento sobre
liberdade. Concordo com essa análise do egocentrismo e egoísmo do indivíduo e também
com a definição de liberdade com a qual ele se baseia.
Em O insuficiente projeto de dimensão coletiva do sujeito no tecido da “Carta”:
um sinal de continuidade pós-iluminista o autor demonstra a sua ideia de que a Carta de
Nice nada mais passa do que uma continuidade da tradição política e jurídica burguesa.
A exigência de um resgate: contra a monopolização estatal da dimensão política;
a sociedade intermediária como autenticamente política apresenta um resgate das
sociedades intermediárias como políticas e um questionamento sobre os mitos do Estado
atual. No último tópico, O insuficiente projeto de dimensão social do sujeito, apresenta a
insuficiente dimensão social do sujeito como barreira para que ele se transforme em
“criatura carnal na sua consciência vital”. Define o risco da Carta de Nice por ela ser um
elo de uma corrente que liga a sociedade atual com 1789, algo que julga que deveria estar
longe num nível espiritual além do temporal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concordo que o direito emana das coisas e que deva ser lido através delas, porém
creio que ele também deva servir para ordenar as coisas para que elas se tornem o que
deveriam ser, para que se torne a melhor versão de si mesmas. Neste ponto, concordo
com Hobbes quando ele fala que as leis devem transformar os homens em virtuosos. Para
fazer as leis, deve- se levar em conta como as coisas são, mas nunca deve se esquecer de
como elas deveriam ser.
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O livro apresenta uma linguagem complexa e é extremamente repetitivo. O último
capítulo, As muitas vidas do jacobinismo jurídico, basicamente resumiu o pensamento do
autor e escassamente trouxe informações novas. Essa tendência de se repetir pode ser
observada durante todo o livro, onde se utiliza de várias explicações da mesma coisa, que
se estende por páginas a fio, para no final sintetizar seu pensamento em um parágrafo de
meia página.
No geral, o livro é bastante enriquecedor e o autor consegue, com exageros e
repetições, passar o seu pensamento. É um livro que, como o próprio autor diz, alertar o
jurista sobre os mitos que o rodeiam e, nesse ponto, consegue cumprir seu objetivo, pois,
mesmo que não apresente todos os mitos da sociedade moderna, ele com certeza desperta
um olhar crítico nos juristas.
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