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BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15. ed.

São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 35-79.

Capítulo 1 – O Direito Constitucional

1. Do conceito de Direito Constitucional

O Direito Constitucional está para o Direito Público assim como o Direito Civil
está para o Direito Privado.

Hoje o Direito Constitucional é marcado pelo seu aspecto material, isto é, pelo
efeito concreto de suas normas em detrimento do que ocorria durante o Estado Liberal.

2. A origem, a formação e a crise do Direito Constitucional

As revoluções liberais do século XVIII estabeleceram princípios os quais


serviram de base para a criação da expressão “Direito Constitucional”. Interessante
perceber que o conceito de “soberania nacional” também teve o mesmo nascedouro,
sempre se baseando em premissas abstratas.

O núcleo do Estado de Direito, ou seja, a constituição cno seu elemento formal


de garantias foi a grande herança dessa fase, a qual pode ser observada, inclusive, no
neoliberalismo do século XX.

Percebe-se que o Direito Constitucional, nas lições de Guizot, se estabeleceu ao


redor de um texto – a Constituição – e de uma filosofia política – o liberalismo.
Importante desde o princípio realizar a distinção entre Constituição e Direito
Constitucional, bem como da Constituição “jurídica” e “sociológica”, esta reprovada
pela consciência jurídica e base dos Estados absolutistas e despóticos.

Com o passar do tempo a Constituição passou a ser mais jurídica do que


filosófica, deixando de proteger determinadas organizações políticas para representar
toda e qualquer organização dentro do Estado, convertendo-se em caminho do poder
estatal para seus governantes. Assim, após a “crise” do constitucionalismo liberal, a
ideologia que passou a vigorar passou a ser do constitucionalismo político e social.

3. Direito Constitucional Geral, Direito Constitucional Especial e Direito


Constitucional Comparado
Integram o Direito Constitucional: Direito Constitucional Especial, Direito
Constitucional Comparado e Direito Constitucional Geral.

O primeiro tem como objeto o estudo da própria Constituição referente a um


Estado determinado.

O segundo tem por objeto o estudo de várias constituições a partir de diversos


critérios distintos.

Por fim, a última espécie de Direito Constitucional visa o estudo das regras
constitucionais de uma multiplicidade de ordenamentos jurídicos. Aqui a doutrina se
divide entre a vertente mais jurídica e outra mais filosófica.

4. As relações do Direito Constitucional com outras Ciências

O Direito Público se divide em Direito Público externo e Direito Público interno,


este sendo regulado pelo Direito Constitucional, do qual as demais normas do
ordenamento emanam.

A) O Direito Constitucional e o Direito Administrativo

Direito Constitucional e Direito Administrativo são ramos do Direito que em


muito se assemelham, razão pela qual alguns doutrinadores avaliam que a distinção é
mais de grau e de conveniência, haja vista que o primeiro trataria da estrutura e o
segundo das funções.

B) O Direito Constitucional e o Direito Penal

A relação entre Direito Constitucional e o Direito Penal pode ser observada no


art. 5º e seus incisos que tratam dos direitos individuais e coletivos.

C) O Direito Constitucional e o Direito Processual

O Direito Processual Civil e Penal encontram fundamento no Direito


Constitucional, principalmente quando se trata se assuntos como necessidade de
respeito ao contraditório e ampla defesa ou mesmo na parte dos recursos cabíveis aos
tribunais. Observa-se ainda uma tendência ao chamado Direito Processual
Constitucional.

D) O Direito Constitucional e o Direito do Trabalho


A relação com o Direito do Trabalho pode ser percebida com a evolução dos
direitos sociais, em especial o direito de greve, salário mínimo e sindicalização.

E) O Direito Constitucional e o Direito Financeiro e Tributário

Verifica-se nas Constituições modernas uma tendência a planificar a estrutura


financeira e política do Estado, se afastando do viés meramente político das primeiras
cartas.

F) O Direito Constitucional e o Direito Internacional

Observa-se movimento da internacionalização do direito constitucional bem


como constitucionalização do direito internacional. Isso porque, há intercâmbio de
conceitos e institutos entre ambos os ramos do Direito. Como exemplo disso pode-se
citar a incorporação de tratados internacionais no ordenamento interno bem como a
estrutura do Órgão das Nações Unidas, o qual é dividido em Assembleia Geral
(Legislativo), Conselho de Segurança (Executivo) e Corte de Justiça (Judiciário).

G) O Direito Constitucional e o Direito Privado

Aqui é nítida a relação mais próxima entre esses dois ramos do Direito, na
medida em que institutos que, a priori, podem ser encarados como pertencentes à ordem
privada, estão, com efeito, sendo regulados pelo Direito Público, mais precisamente
pelo Direito Constitucional. Um exemplo disso é a família, a qual tem ampla proteção
constitucional.

H) O Direito Constitucional e a Ciência Política

Fora das “Ciências Jurídicas”, o Direito Constitucional guarda, sem dúvidas,


forte relação com a Ciência Política, na medida em que a ordem constitucional
fundamenta as estruturas do Estado, as quais são compreendidas e explicadas pela
Ciência Política.

I) O Direito Constitucional e a Teoria Geral do Estado

Neste quesito, verifica-se que a escola inglesa foi que realizou a distinção entre
Direito Constitucional, Teoria Geral do Estado e Ciência Política, cada ramo tratando de
variantes próprias. A escola franco-alemã ainda reforçou a separação e autonomia
científica de cada ramo. Os juristas alemães ainda contribuíram com o chamado método
tridimensional, o qual envolve o âmbito jurídico, filosófico e sociológico.

5. Método de ensino

Para Henri Nézard o método para estudo do Direito Constitucional poderá ser
dividido em: método exegético ou positivo, método dogmático e o método histórico.

O primeiro parte da premissa que a legislação contém todo o direito. O segundo


tenta traçar um paralelo entre o sistema constitucional e a doutrina ou inspirações
políticas básicas vigentes na ordem normativa. Já o terceiro visa dar maior ênfase ao
exame interpretativo da evolução das leis, sempre buscando aporte sociológico para
tanto.

6. As fontes do Direito Constitucional

A distinção básica consiste em: fontes escritas e não-escritas. As primeiras são:


leis constitucionais, leis complementares ou regulamentares, prescrições
administrativas, regimentos das Casas do Poder Legislativo, tratados internacionais,
jurisprudência e a doutrina. As segundas são: costumes e usos constitucionais.

7. Comentários à bibliografia brasileira de Direito Constitucional

A) Obras gerais de Direito Constitucional

José Antônio Pimenta Bueno foi o primeiro autor brasileiro a organizar


sistematicamente o direito positivo sobre a Lei Magna publicado em 1857. Já em 1930,
Pontes de Miranda escreveu “Os Fundamentos Atuais do Direito Constitucional”. Após
a Constituição de 1946 publicaram-se compêndios modernos e atualizados, alguns
alheios ao ordenamento positivo brasileiro.

B) Obras de Teoria Geral do Estado

A Teoria Geral do Estado normalmente é ensinada nas faculdades na forma de


Direito Constitucional I. Eusébio de Queiroz Lima inaugurou o estudo sistemático da
Teoria do Estado (com a obra homônima) junto a Universidade do Rio de Janeiro.

C) A bibliografia básica sobre as Constituições brasileiras


Pimenta Bueno, o Marquês de São Vicente, foi quem sistematizou os estudos
sobre a Constituição do Império.

Com a proclamação da República em 1889, o Professor José Maria Correia de


Sá e Benevides publicou a “Análise da Constituição Política do Império do Brasil”.

Já a Constituição de 1891 teve três célebres comentaristas: Rui Barbosa, João


Barbalho e Carlos Maximiliano.

Para uma consulta mais acurada da primeira Constituição republicana se


recomenda a leitura dos Anais do Congresso Nacional Constituinte.

Já a Constituição de 1934 teve um período efêmero, servindo de marco divisor


entre dois períodos ditatoriais. O principal comentador do novo texto foi Pontes de
Miranda com a obra “Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil”.

Quanto a Constituição de 1937 parece que o texto amorfo e impreciso


prejudicou um estudo mais acurado dessa fase. Os autores Francisco Campos e Getúlio
Vargas se destacam.

Para alguns estudiosos, nenhuma Constituição foi tão bem comentada como a de
1891 (Rui Barbosa, João Barbalho e Carlos Maximiliano). Entretanto, Pontes de
Miranda elaborou excelente trabalho nos comentários da Constituição de 1946.

A Constituição seguinte (1967 e sua EC 1/69) não despertou maiores interesses


em virtude de período instável e emergencial, com uma ordem jurídica sem fundamento
e crise política escancarada. Pontes de Miranda novamente se destaca como um dos
principais comentadores dessa Constituição, apesar do cunho autoritário do texto.

D) A bibliografia sobre temas especiais de Direito Constitucional

A bibliografia sobre o Poder Executivo é das mais escassas, se destacando


Aníbal Freire da Fonseca (1916). Já em relação ao Poder Judiciário a bibliografia é farta
sobre o tema, contrastando com os estudos sobre o Executivo (acredita-se que se prefere
falar acerca do presidencialismo em si). Por fim, em relação ao Poder Legislativo,
verifica-se também baixo índice quantitativo de obras a respeito do tema.
O parlamentarismo teve duas fases no Brasil: uma na época do Império e outra
às vésperas do movimento de 1964. As duas experiências parlamentaristas foram tão
sensíveis que deram azo a diversas obras sobre o tema. Na época do Império foi obra do
costume constitucional já nas vésperas do movimento de 1964 foi uma saída
institucional frente a renúncia de Jânio Quadros.

O presidencialismo acompanha no Brasil a forma republicana de governo desde


a queda do Império, entretanto, a produção textual ainda é escassa sobre o tema. Em
tema correlato, o impeachment não teve a aplicação que se esperava, sendo primeiro um
ativador de crises e colapsos da legalidade do que, em verdade, um instrumento de
restauração da verdade constitucional lesada pelos abusos pessoais do primeiro
magistrado da Nação.

Para Rui Barbosa, o impeachment figura como meio anacrônico de debelar


convulsões e crises provocadas pelos crimes políticos do Presidente.

Nesse mesmo sentido, a bibliografia sobre partidos políticos nem durante o


Império e nem tampouco durante o século XIX conheceu alguma contribuição de relevo
sobre o tema. O grande autor no tema foi o Professor Afonso Arinos de Melo Franco
com o seu “História e Teoria do Partido Político no Direito Constitucional brasileiro”.

Um dos temas preferidos dos constitucionalistas do Império foi o “Poder


Moderador”. Dois autores se destacaram nessa temática, quais sejam: Zacarias de Góis e
Vasconcelos e Brás Florentino Henriques de Sousa. Este último autor fez uma reflexão
teórica interessante acerca das correntes mais conservadoras do pensamento
monárquico.

O ato adicional foi pouquíssimo comentado em doutrina, sendo instituído após a


abdicação do Primeiro Imperador.

Já a reforma eleitoral e o Direito eleitoral são objeto de estudo desde o Império.


Em cada nova edição da CRFB/88 se destacam novos doutrinadores, mais recentemente
pode-se falar de Flávia Ribeiro como um dos trabalhos mais complexos sobre o tema.

A reforma constitucional é um dos temas centrais tratados pelos


constitucionalistas, sendo numerosa a bibliografia sobre a matéria. Assim como o estado
de sítio, o qual esteve em alta durante a primeira República.
Indo na contramão dos demais temas apresentados, o habeas corpus teve
importante contribuição da doutrina brasileira, apesar da origem do instituto ser inglesa.
O grande teórico brasileiro na matéria foi Rui Barbosa. Nesse mesmo sentido, o
mandado de segurança encontrou forte recepção doutrinária, existindo desde a
Constituição de 1934.

O federalismo se mostra como eterno ponto de debate doutrinário, o qual


também recebe forte produção literária a respeito.

Já em relação ao Poder Constituinte, verifica-se que o estudo precursor foi de


Nelson Nogueira Saldanha (1957), apesar de seu enfoque ter sido maior após as crises
democráticas no Estado, especialmente em 1964.

O controle de constitucionalidade ainda carece de estudos mais aprofundados,


apesar de que vem crescendo o número de produções nas últimas décadas.

No que tange à história constitucional do Brasil, dois autores se destacam: Barão


Homem de Melo e Rodrigo Octávio, sendo leituras indispensáveis para quem quer se
aprofundar na matéria. A produção, por outro lado, acerca dos direitos humanos e as
Declarações de Direitos ainda é escassa, sendo mais fácil encontrar boas produções em
artigos e monografias.

Por fim, a respeito das imunidades parlamentares, a bibliografia brasileira carece


de doutrinadores especializados na matéria, em especial após o fatídico AI-5 o qual
cerceou de modo inédito direitos e garantias dos parlamentares sem que houvesse
qualquer movimento contrário eficaz.

Capítulo 2 – A Constituição

1. A Constituição

A Constituição tem tanto o viés etimológico (variado) como também político


(instrumento de poder).

2. O conceito material de Constituição

A Constituição em sentido material é aquela que se ocupa com os temas centrais


do Estado, se relacionando com o conteúdo mais sensível dessa temática.
3. O conceito formal

O processo solene de modificação da Constituição caracteriza seu aspecto


formal.

4. As Constituições rígidas e as Constituições flexíveis

Constituições rígidas são aquelas que exigem processo mais dificultoso para sua
alteração; já as constituições flexíveis são aquelas que podem ser emendadas com
facilidade, sem nenhuma cerimônia ou processo legislativo diferenciado, se destacando
neste caso a Inglaterra.

5. As constituições costumeiras e as Constituições escritas

As Constituições costumeiras coincidem com os Estado absolutistas, nos quais o


costume constitucional é quem dita as regras e normas. Na época contemporânea
inexistem constituições integralmente costumeiras.

Já as constituições escritas pode-se dizer que foram fruto do trabalho dos


ingleses e fortemente influenciadas pelo contrato social de Russeau. Essa espécie de
constituição ganhou tanto prestígio que não se referiria ao termo “constituição” se não
fosse para designar a constituição escrita. Criou-se a ideia de superioridade da lei sobre
o costume.

6. As Constituições codificadas e as Constituições legais

As Constituições codificadas são aquelas expressas em um só texto e


organizadas em capítulos, seções e títulos. Pode-se dividir essa constituição em
preâmbulo, parte introdutória, parte orgânica, parte dogmática e disposições finais. Já as
constituições legais são aquelas esparsas, apresentadas em diversos textos.

7. As Constituições outorgadas, as Constituições pactuadas e as Constituições


populares

A Constituição outorgada é aquela em que há forte limitação de seu esboço na


autoridade do governante, sendo ato unilateral da vontade política soberana. Por outro
lado, a Constituição pactuada estabelece um acordo entre duas forças políticas rivais
para dar governabilidade ao rei, resguardando direitos e amparando franquias
adquiridas.
Por fim, a Constituição popular é aquela que exprime a vontade soberana do
povo, devendo o governo apoiar o consentimento dos governados. O referendo é apenas
uma forma de consulta popular, não se confundindo com essa espécie de constituição.

8. Constituições concisas e prolixas

As Constituições concisas são aquelas que são breves, sumárias ou sucintas,


conferindo maior estabilidade ao arcabouço constitucional. Já as Constituições prolixas
são aquelas que normalmente trazem matérias estranhas ao Direito Constitucional,
tratando de minúcias de regulamentação que melhor caberiam à legislação
infraconstitucional.

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