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Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Centro de Ciências Jurídicas - CCJ


Departamento de Direito – DIR
Disciplina: História do Direito
Professor: Prof. Dr. Arno Del Ri Junior
Aluna: Isabela Fernandes da Silva
Turma:01303
Resenha crítica do livro “Direito Penal na Grécia Antiga” de Viviana Gastaldi.

RESUMO DA OBRA
1) QUESTÕES PRELIMINARES
1.1 Teorias Sobre o Nascimento do Direito. O Mito do Pré-direito
O capítulo inicia apresentando duas visões sobre a ligação entre o direito e o
Estado. A primeira perspectiva, difundida principalmente por Michael Gagarin, trabalha
com a hipótese de que o direito não existia nas sociedades tribais ou pré-literárias, ligando
a existência do direito a do Estado; sendo esta uma ótica evolucionista do direito. A
segunda, relativista, na qual GASTALDI se baseia durante o livro, identifica o direito de
modo mais flexível, nessa vertente “(...) são jurídicas todas as regras concebidas e
aplicadas como obrigações de vínculo. ” (GASTALDI, Viviana, p. 11).
A autora fala de um direito penal em gestação baseando-se no postulado de
Hoebel, no qual sustenta que:

“(...) quando a comunidade considera justo e correto o exercício da força por parte do
indivíduo que sofreu um dano, ou por parte do grupo parental em uma situação
determinada, e, ao mesmo tempo impede ao transgressor o contra-ataque, o direito
prevalece e a ordem triunfa sobre a violência. ” (GASTALDI, Viviana, p.12)

O modelo de Popisil - que afirma que o direito necessita de quatro pré-requisitos


(autoridade, intenção de aplicação universal, deveres e direitos entre as partes e
aplicabilidade da sanção) e nenhum deles é a escrita ou a formulação de um sistema
abstrato de leis -, é exposto para corroborar a segunda vertente, anteriormente
apresentada, no qual GASTALDI funda todo o seu pensamento.
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A vertente da qual GASTALDI faz parte tem uma visão relativista da sociedade,
pois procura enxergar as culturas pesquisadas pela lente de um indivíduo que dela faz
parte, trazendo assim uma visão mais pura e concreta de como ela se organiza e se
estrutura. Isso faz com que seu livro seja uma fonte confiável de quais eram as normas e
sanções durante a Grécia Antiga.

1.2 Direito Grego e Direito Ático. Fontes


Começa definindo direito ático como “(...) direito público e privado que imperam
em Atenas nos séculos V e IV a.C. “ (GASTALDI, Viviana, p. 15), para em seguida
definir as fontes diretas como aquelas em que uma norma ou uma instituição jurídica está
explicitamente apresentada e, as secundárias como as que apresentam esses elementos de
maneira implícita. Trata também da inseparabilidade do direito grego com a moral e a
política, além de admitir a força que o elemento mágico-religioso exerce sobre o mesmo.
Durante o livro percebe-se a utilização das duas fontes para uma maior
abrangência de conteúdo. As fontes secundárias são o exemplo de que o direito é parte
fundamental da sociedade, tão enraizado e entrelaçado com todas as áreas da vida que ao
narrar uma história é quase impossível desvinculá-lo de suas reviravoltas e características.
O exemplo clássico da inseparabilidade do direito com a moral e com a política e da
presença marcante que tem na vida de todos, é a Ilíada de Homero.

1.3 As Noções de Lei e de Delito na Antiguidade: Delitos Públicos e Delitos


Privados
Apresenta considerações sobre a ideia de delito para alguns autores e sintetiza o
termo como “(...)uma ofensa que a sociedade costuma punir, primeiro pela ação direta do
povo, mais tarde pela lei e pela ação pública institucionalizada. “ (GASTALDI, Viviana,
p.15). Em seguida, traz uma análise sobre injustiça e mácula criminal para depois
diferenciar a themis – “(...) preceito que fixa os direitos e deveres de cada um sob a
autoridade do chefe do genos (...)” (GASTALDI, Viviana, p.21) - da dikê – “(...) ideia de
ordem e equilíbrio entre os interesses individuais e coletivos (...) ” (GASTALDI, Viviana,
p.21) - e discutir sobre as consequências para o direito das alterações feitas pela
constituição de Clístenes, que “(...) destitui a aristocracia gentílica e divide a cidade
topograficamente (...)” (GASTALDI, Viviana, p.21-22).
Apesar dessa primeira parte ser ocorrer puramente a definição de conceitos
“simples”, é a partir disso que GASTALDI é capaz de começar a fundamentar as
estruturas do direito grego, uma das bases na qual a sociedade se sustenta.
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2) O COMEÇO: HOMERO
2.1 A Sociedade Homérica e a Cultura da Vergonha. Códigos de
Comportamento
O capítulo inicia com uma análise de como funcionava a sociedade homérica para
que ocorresse o respeito às regras; e, a partir dessa análise, a autora a defini como uma
“cultura da vergonha” pois “(...) a observação da regra é obtida através de modelos
positivos de conduta, e os que não se adaptam incorrem na vergonha social e na
consequente sanção de inadequação definida por vergonha (...) “ (GASTALDI, Viviana,
p. 25).
Estar à altura dos modelos significava manter a própria dignidade além do
reconhecimento social. Para aqueles que não correspondiam aos padrões, havia o medo
constante dos boatos e da perda da honra. Como grande parte do que ocorria naquela
época, os padrões eram baseados na mitologia.
Infere-se, a partir do exposto pela autora, que a sociedade grega levava bastante a
aparência em consideração, a honra era fundamental. O modo como a comunidade tratava
e enxergava o indivíduo crucial para o bem-estar e para a felicidade.

2.2 Lei e Autoridade nos Poemas Homéricos


Ocorre a exposição dos três órgãos de poder – a assembleia, o conselho dos
anciões (boulê) e a ágora – e a explicação superficial de como funcionam. Logo após há
a definição de expressões presentes nas obras de Homero e que ajudam na compreensão
das leis e autoridade da época: themistes – “(...) são pronunciamentos oraculares de
sentenças divinas recebidas pelos homens através da mediação de um eleito (...)”
(GASTALDI, Viviana, p.28) -, dikê – “(...) expressão da justiça humana (...)”
(GASTALDI, Viviana, p.29) -, themisteuein – “(...) ato de emanar uma norma (...)”
(GASTALDI, Viviana, p.29) - e dikazein – “(...) ato de oferecer uma solução para uma
controvérsia. ” (GASTALDI, Viviana, p.29) -.
Aqui a autora mais uma vez está apenas situando o leitor no modo de como é
dividido o poder na época homérica e explica algumas terminações para melhor
compreensão do todo jurídico.

2.3 A Regulação do Homicídio: Exílio, Vendetta e Poiné


Neste ponto o livro apresenta os fundamentos para o entendimento do crime de
homicídio e suas respectivas punições, são elas: o homicídio como o ato ilegítimo mais
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importante nos tempos de Homero, a solidariedade entre os integrantes dos genos, o
sentimento de honra e a pouca intervenção do Estado. Após o esclarecimento dos casos
em que as medidas punitivas podem ser aplicadas, “(...) o homicídio era reprovado:
quando acompanhado de engano, contra um hóspede, e em caso de parricídio. ”
(GASTALDI, Viviana, p.31), ocorre a exposição e explicação das mesmas, sendo elas a
vendetta, sanção material, o exílio e a poiné, que consistia num acordo entre as partes
para evitar a vingança de sangue ou a fuga. Os dois últimos eram aplicados como forma
de evitar a vendetta. Em seguida passa se a uma breve menção sobre as instituições de
justiça daquela época e como chegavam a uma decisão. A autora procura deixar claro
que, mesmo o homicida realizando o exílio e pagando a poiné, não está totalmente a salvo.
A busca por justiça é realizada pelas pessoas do genos da vítima, a vendetta é
praticada para honrar a memória dela e a poiné é paga pela família do homicida, baseada
na solidariedade presente no genos.
Observa-se que as sanções tinham um teor de ressarcimento pelo crime, algo
muito ligado com a honra da vítima, com a “cultura da vergonha”. Nota-se também que
era pela a organização da sociedade como um bloco unido, solidário, que fazia com que
as medidas fossem realmente cumpridas e não por uma autoridade. O Estado atuava como
um mediador entre as partes, não era ele quem impunha a sanção.

2.4 A Questão da Internacionalidade


Esse capítulo explana a relação entre a thambos, terror e temor causado na
comunidade pela presença do homicida, e o exílio; mostrando que, mesmo em casos de
homicídio involuntário, o criminoso se retira voluntariamente da comunidade em respeito
a esse medo, a essa aversão à sua presença.
Aqui verifica-se novamente que é a união entre as pessoas e a preocupação com a
sociedade como um todo que leva o indivíduo a abandonar tudo o que conhece para
preservar aquela integridade. A thambos que a comunidade sentia era devido a crença de
que a mácula que o homicida carregava poderia se espalhar pela comunidade deixando,
assim, todos vulneráveis. Era pela preservação da maioria que se excluía.

2.5 O Adultério: a Sanção Pública e a Sanção Material

“(...) o matrimônio homérico fundamenta-se em relações de reciprocidade, doação e


contrapartida (...) a presença do povo na celebração (...) ratifica a importância do
reconhecimento social do matrimônio (...)” (GASTALDI, Viviana, p.36 e 37)

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A partir dessa declaração inicial, que especifica como funciona o matrimônio na
antiga sociedade grega, o capítulo segue expondo sobre as sanções e precauções tomadas
em caso de quebre desse contrato conhecido como casamento. Por causa da eedna, que
consiste em presentes ofertados pelo marido ao pai da noiva como salvaguarda, é possível
a realização de uma das sanções materiais, a devolução do dote em caso de traição
feminina. Existem outras formas de penalidade, continua a autora, sendo elas: “(...) o riso
e a sanção psíquica, (...) e o pagamento de multa. ” (GASTALDI, Viviana, p.38). É
utilizado o mito da traição de Afrodite e da armadilha fabricada pelo seu marido Hefesto
como forma de exemplificação de como as sanções eram aplicadas na época.
O fato de que o ressarcimento material por adultério se chamar moikheia e não
poiné para a autora representa um aperfeiçoamento do sistema reivindicatório, uma maior
especificidade. A mulher, durante todo esse processo, era vista como a parte “seduzida”
cujo único futuro possível era repleto de vergonha e humilhação além do retorno imediato
à casa paterna, que somente reitera a degradação pública. A lapidação, que por muitas
vezes ocorreu, era uma sanção coletiva e pública, termina GASTALDI.
É possível constatar, a partir do texto preciso de GASTALDI, que a legislação
grega, o mundo grego, é extremamente patriarcal. Além do fato das mulheres não serem
consideradas cidadãs ou até mesmo criaturas tão inteligentes quanto os homens, é negado
a elas até o direito de uma escolha independente. Ao definir que a mulher é sempre a
“seduzida”, a sociedade grega afirma que ela não tem capacidade para tomar tal atitude,
retiram dela o poder de decisão sobre a própria vida, mesmo que esta decisão seja
moralmente reprovável.
A gravidade das punições destinadas às adulteras mostra o quanto a sociedade
repreende a mulher que sai dos padrões impostos. A lapidação que era comum no caso de
adultério, lê-se punição feminina, era rara a sua aplicação para os homens, reservada para
delito grave de traição ao Estado. A sociedade punia as mulheres que rejeitavam o papel
imposto a elas com a mesma aspereza de um traidor do Estado; vale ressaltar que essa era
o maior e mais repulsivo crime que um homem poderia cometer pois era um crime contra
a própria sociedade.
Enquanto a autora destinou algumas páginas para explicar as origens para as
punições dos homens da época, os “cidadãos”, não destina espaço algum para fazer o
mesmo sobre as punições femininas; o que condiz com a visão centralizada no homem
que a história tem e que se estende nas mais diversas áreas do conhecimento.

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2.6 O Abandono Noxal
Esta parte do livro aborda o abandono noxal, que consiste no rompimento entre o
genos e o homicida, a quebra da solidariedade que ali havia, quando e para que este parta
para o exílio. Com desenvolvimento deste comportamento, que rompe com características
profundas daquela sociedade, reflete para a autora o marco da “criação” do princípio de
responsabilidade.
No fim do capítulo GASTALDI conclui que “No caso do adultério (...) não existe
nenhuma ação contra a família do sedutor. ” (GASTALDI, Viviana, p.41), o que apenas
reitera que as maiores sanções, nesse caso, ficam para a mulher, que é considerada a parte
“seduzida”. Isso mostra que apesar da mulher ser a “seduzida” a responsabilidade ainda
é dela. Fica claro a partir das informações apresentadas no texto, mesmo que algumas
vezes não abranjam todos os ângulos, que há uma situação de “dois pesos e duas
medidas”. O grande enfoque nas punições para o masculino, a grande diversidade dessas
punições transpassa a exclusão da mulher; a própria ideia de que elas poderiam cometer
os mesmos tipos de delitos que os homens, aparentava ser tão absurda que não há nem
punição prevista.

3) A ÉPOCA CLÁSSICA
3.1 A Evolução do Sistema Penal. O Código de Leis de Dracon
O capítulo se inicia com as afirmações da autora de que foi a partir da separação
dos poderes e das funções judiciais que se iniciou a edificação das instituições jurídicas,
e que, com a propagação do alfabeto, a escrita tornou-se pré-requisito para o surgimento
da legislação.
A partir das leis de Dracon, o Estado passa a ser o único com autoridade para punir
o homicida, com intenção de “(...) substituir o regime de vingança privada pela repressão
social e colocar freio ao derramamento de sangue (...)” (GASTALDI, Viviana, p.46). É
nelas que “(...) aparece pela primeira vez a distinção entre homicídio premeditado,
voluntário e homicídio involuntário. ” (GASTALDI, Viviana, p.47). A única forma de
sanção pública na legislação de Dracon é o exílio. A partir da distinção entre os tipos de
homicídio surge diferentes tribunais para julgar cada categoria do delito, e diferentes
sanções para os diversos crimes.

“No caso de homicídio premeditado, a lei não impedia a intervenção da família: a


prorresis, ou proibição ao homicida de aparecer em lugares públicos, bem como o
anúncio de vingança, poderiam ser realizadas pelos parentes da vítima: o pai, irmão e os
filhos apresentavam-se, deste modo, como acusadores oficiais. A lei também permitia ao
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homem matar o sedutor, o adúltero pego em flagrante com sua esposa, mãe, filha ou
concubina. ” (GASTALDI, Viviana, p.48)

A partir das alterações feitas pelas leis de Dracon, a semelhança da legislação


grega com a nossa começa a se tornar mais clara, é mais fácil identificar os aspectos de
similaridade, apesar de GASTALDI não discutir sobre isso no decorrer do capítulo.

3.2 As Modificações de Sólon. O Sistema Democrático


A única lei que não se altera com o código de Sólon é a do homicídio. A síntese
de sua reforma é, para Gastaldi, “(...) ‘libertação das cargas’ (...) a abolição da escravidão
por dívidas e a redistribuição de terras (...) a riqueza seria o único critério para a atribuição
do poder público (...) ” (GASTALDI, Viviana, p.48-49).
Para Aristóteles a extensão, para todo cidadão, do direito de buscar vingança é
uma das mais importantes reformas democráticas. Graças a Sólon, “(...) o povo
transformou-se (...) em mestres da república. ” (GASTALDI, Viviana, p.49).
Após as reformas de Dracon, de Sólon e de Clístenes foi introduzido como sanção
o ostracismo, prática que consistia no afastamento dos indivíduos que representavam
perigo para a democracia da polis. Encerra com uma breve descrição do funcionamento
dos órgãos de poder.

3.3 As Consequências do Homicídio: a Mácula, o Exílio e a Purificação


O capítulo se inicia afirmando a íntima relação entre o direito ateniense e a
religião. Os delitos eram considerados atentados contra os deuses e, por causa dessa força
da religião, a sociedade sentia-se obrigada a interferir nesses assuntos. Essa visão
espiritual criava a ideia de mácula, de miasma, para quem cometeu o crime; essa “chaga”
causava um grande temor pela crença na possibilidade de contágio pelo convívio. Para
livrar a cidade da ira dos deuses e da contaminação, o exílio era visto como o único
caminho.
A partir deste ponto o livro passa a utilizar como o grande exemplo a obra
Coéforas, de Équilo, que conta a história do julgamento de Orestes por ter matado sua
mãe em sua busca de vingança pelo assassinato do pai.
O homicídio dentro da família é considerado particularmente horrendo e, por isso,
o risco de contágio pelo miasma é extremamente alto, o que leva na aplicação de uma
série de restrições ao homicida após o seu retorno do exílio, algumas inclusive sendo auto
impostas. Quanto ao homicídio justificável ou legítimo não existe consenso sobre qual e

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se deve ter sanção punitiva, a única unanimidade que há é o fato da purificação ser
indispensável.
Novamente verifica-se que o imenso temor da mácula, o medo de ser contaminado
pelo crime e a necessidade de ser puro dominam e regem a sociedade grega antiga.

3.4 O Testemunho da Oratória em Casos de Homicídio: Mácula e Contágio


na Retórica de Antifonte
No decorrer deste capítulo, a autora trata da influência que a oratória tem nos
julgamentos de homicídio, como ela instiga os juízes a agirem de certo modo. Para tal,
toma as Tetralogias de Antifonte como principal fonte de pesquisa e exemplo. A mácula
e o contágio são questões fortemente abordadas e são a base dos principais argumentos
utilizados nos discursos de Antifonte.
A necessidade de punição por vingança é recorrente nas oratórias. O fato do
acusador não poder cumprir com seu dever de vingar o morto faz com que, por meio de
discursos comoventes, tente convencer os juízes a desempenharem o seu papel.
Utiliza também o argumento de que são os “espíritos vingadores das vítimas” que
originam a mácula. Deste modo, se os juízes não agissem de maneira justa, acabariam
introduzindo “(...) em seus próprios lares uma mácula que não lhes diz respeito (...) ”
(GASTALDI, Viviana, p.58). Com isso, o senso comum dizia que a mácula se espalharia
e faria da polis alvo da fúria dos deuses; dessa forma “(...) aqueles que deixarem o culpado
impune (...) devem converter-se em responsáveis pela (...) esterilidade da terra (...) ”
(GASTALDI, Viviana, p.60). O discurso mexia com o medo dos juízes, instigava-os a
“(...) fazer vingança e purificar a cidade. ” (GASTALDI, Viviana, p.60).
Na retórica de Antifonte a mácula e o contágio aparecem como uma punição.
A “confusão” que ocorre entre justiça e vingança é algo que continua sendo atual,
o que mostra a maciça influência que Lei de Talião, “olho por olho, dente por dente”, teve
no passado e que continua a ter no presente. Pelo o que GASTALDI apresenta sobre as
obras de Antifonte, percebe-se a imensa importância que a oratória tinha nos julgamentos.

3.5 Dikê Phonou: O Processo por Homicídio. A Retórica Processual: a Cena


Trágica e o Tribunal
Neste último capítulo sobre a época clássica é abordado o funcionamento do
processo de homicídio. Após Dracon, a justiça passou a ser decidida a partir da
apresentação de argumentos diante dos cidadãos.

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O processo é formado por uma série de formalidades. Na primeira parte do
processo ocorre a anakrisis, que consistia na apresentação de um documento (lexis) com
todas as informações sobre o caso e no juramento das duas partes, em nome dos deuses.
Os argumentos de probabilidade eram formados por três partes:

“(...) premissa maior, algo que ambas as partes estão de acordo; premissa menor, que é a
comprovação que gera mudança de opinião; e, por fim, a conclusão, que supõe uma
mudança, uma consolidação dos pontos de vista do auditório (...)” (CORTES
GABAUDAN, Francisco, 1994, p.206)

Aqui é possível notar a semelhança entre os processos que ocorriam naquele


tempo com os que ocorrem agora. A burocracia aparenta ser umas as bases dos processos.
Durante o processo era comum a apresentação de provas entekhnoi, “artificiais”,
o que deixava claro que, em muitos casos, os juízes decidiam a favor da melhor
apresentação e não do argumento mais consistente. A performance era fundamental no
julgamento. Fica claro que “(...) as únicas provas que parecem ser válidas no processo são
as que cada orador cria com um propósito deliberado ” (GASTALDI, Viviana, p.77), são
as tekmerion, provas entekhnoi que só tem valor após sua apresentação.
Baseado no que foi descrito pela autora, é possível deduzir que a apresentação das
provas tinha mais relevância para o julgamento do que as próprias provas em si. O
espetáculo da oratória tinha mais influência na decisão do júri do que a verdade dos fatos.
A análise realizada no capítulo ocorre com a ajuda, com o exemplo, da trilogia de
Ésquilo, Orestia, em especial do último livro, Euménides, no qual é descrito o julgamento
de Orestes. No livro, Orestes mata sua mãe Clitemnestra, que havia assassinado seu pai
Agamenão, cumprindo uma profecia do oráculo de Apolo, o que era considerada como
uma “ordem” do deus. Após cometer o matricídio, Orestes começa a ser perseguido pelas
Erínias, divindades antigas representantes de uma justiça (dike) primordial. Ele, então,
parte para o exílio e, sob a proteção de Apolo, começa o seu processo de purificação. O
julgamento ocorre pelo fato de Orestes, após sua purificação, desejar retornar para sua
cidade natal, fato que divergia opiniões pois, mesmo tento vingado a morte “vergonhosa”
de seu pai, cometeu matricídio, um crime gravíssimo. As Erínias assim apresentam-se
como acusadoras e Apolo o defende. O voto de Atena que desempata a decisão dos juízes
a favor de Orestes fica conhecido como “voto de Minerva.
Desse modo:

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“(...) a cena do julgamento por homicídio representa a ritualização de uma forma de
penalidade racional e institucionalizada, que substitui o antigo sistema reivindicatório
pelo sangue. ” (GASTALDI, Viviana, p.79).

Durante todo o processo retratado pela autora, é possível identificar tanto a enorme
importância da oratória, Apolo convence os juízes principalmente com argumentos entekhnoi bem
articulados, quanto a da burocracia, Orestes não pode se declarar inocente como o costume manda
o que causa um certo problema e necessidade de adaptação.

4) A PENALIDADE
4.1 Abordagens da Penalidade. Considerações Gerais
A autora afirma que a punição deve ser analisada com uma perspectiva
sociológica: como ela interfere na vida na polis, qual o seu impacto no cotidiano, etc. A
penalização é um espetáculo que serve tanto para punir quanto para educar.
Ao fazer isso GASTALDI mostra-se preocupada com o impacto social exercido
pelas punições e na maximização do aproveitamento que cada condenação possibilita
para a sociedade.

4.2 Vingança versus Penalização


Apoiada na diferenciação de Danielle Allen entre vingança e penalização -
vingança é passional, pessoal e irada enquanto a penalização é imparcial, impessoal e de
acordo com a lei - e na definição de penalização de Hart - “deve ser imposta e
administrada por uma autoridade constituída pelo sistema jurídico contra o qual a ofensa
é cometida” - GASTALDI constrói os pré-requisitos que julga serem necessários para
que as sanções sejam vistas como “respeitáveis”:

“1. Os atos de vingança (...) não têm autoridade nem estão legitimados;
2. Na penalização, as bases de autoridade para a punição são legítimas e incontestáveis
(...);
3. A autoridade é criada através da obediência (consenso), mas também é capaz de criar
consenso e obediência mediante um conjunto de mecanismos racionais e emocionais.
Todo o sistema punitivo democrático estável depende disto, ou seja, legalidade, ação
pública e imparcialidade, aceitos pela maior parte da sociedade. ” (GASTALDI, Viviana,
p.86).

Novamente GASTALDI aborda a diferença entre vingança e penalização, justiça,


porém dessa vez o faz de maneira mais técnica, o que facilita o esclarecimento sobre o
tema. Ao aceitar a busca pela vingança quando fantasiada de justiça e fazendo a

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diferenciação necessária, começa a fundamentar o que julga ser as bases para uma
legislação justa.

4.3 Principais Punições: Evolução e Características. Os Exemplos das


Tragédias
Antes da polis o julgamento para infrações graves era a ordalia, provas de vida ou
morte nas quais sobrevivia-se por “absolvição divina”. Quem cometia delito mais leve
era marginalizado e separado da sociedade (atimia): tinha sua casa derrubada, estava
sujeito a retaliação pública e toda sua família estava condenada. No direito ático, a atimia
se transforma numa penalização imposta por lei; antes de Sólon com teor de humilhação
e após ele com sentido de degradação.
A atimia podia ser parcial, “(...) menos pena e mais meio de coerção (...)”
(GASTALDI, Viviana, p.87), ou total, “(...) privação de todos os seus direitos ligados à
condição de cidadania (...)” (GASTALDI, Viviana, p.87); dependia da gravidade do
delito. A atimia total acarretava no esquecimento, “(...) o cidadão desaparecia da vista de
sua comunidade (...)” (GASTALDI, Viviana, p.88).
A arai, punição de caráter religioso, permitia que o culpado sofresse excomunhão
severa e, frequentemente, hereditária. A lapidação era somente aplicada em casos
gravíssimos de traição ao Estado, e apresentava um elemento de legalidade e um ritual
prévio ao castigo, como exemplifica a autora com a lapidação de Lípides. A petrificação
aparece como uma variante da lapidação, sendo essa um castigo divino que também
provocava o esquecimento na sociedade.
A ataphia, privação de sepultura, era considerada uma forma extrema de desonra.
Havia os espaços para a deposição de corpos, valas coletivas, mas também os usados para
precipitação dos condenados. A morte por envenenamento com cicuta era um privilégio
concedido a poucos que, de outra forma, deveriam morrer por lapidação ou precipitação.
A prisão era usada para afastar o delinquente da sociedade, sem possibilidade de
integração com outra comunidade, como ocorria no caso do exílio; porém, nunca foi uma
penalidade estabelecida por lei. O pagamento de multa era uma penalidade leve.
A partir dessa variedade de penalizações é possível concluir, pelo modo como é
exposto por GASTALDI, que neste período na Grécia o direito penal estava bem
desenvolvido, pelo menos quando se trata da penalização dos “cidadãos”. Ao fazer essa
diferenciação das sanções admite-se uma variedade de delitos, e isso, por sua vez, assume
uma variedade de comportamentos, motivações, uma profundidade psicológica e

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emocional. Quando a legislação prevê essa diferenciação apenas para uma parcela da
sociedade, a comunidade nega a outra a existência de sua complexidade psicológica.

4.4 A Execução da Punição: As Instituições


Enquanto a maioria dos delitos eram julgados por tribunais populares (dikasteria),
o homicídio era julgado por tribunais especiais. Os casos de “(...) homicídio intencional,
incêndio premeditado, envenenamento e ofensas religiosas (...) ” (GASTALDI, Viviana,
p.95) eram da jurisdição do Areópago.
A primeira distinção realizada era a divisão entre as ações públicas (graphai) e
privadas (dikai). A segunda era quanto ao modo de sentenciar: a timesis, na qual as duas
partes apresentavam punições e os juízes definiam qual seria aplicada, e a agon atimetos,
em que a pena era decidida exclusivamente pelos juízes. Os procedimentos variavam para
os cidadãos e os escravos, assim como as punições; para os últimos, o flagelo era o
comum.

4.5 Voluntário-Involuntário como Categorias Jurídicas. A Contribuição


Sofista
A autora define responsabilidade como o grau de compromisso que o indivíduo
tinha com o delito. A primeira distinção legal, com diferentes sanções para cada tipo,
ocorre somente com as leis de Dracon em 629 a.C.: intenção e vontade (hekon e pronoia)
e involuntariedade (akôn). O homicídio, segundo as leis draconianas, com maior
possibilidade de conseguir perdão é o akôn, por ser o menos grave.
Górgias de Leontini, através de sua obra Elogio de Helena, “(...) manifestou pela
primeira vez que somente se é responsável por um ato ilícito quando existe intenção. ”
(GASTALDI, Viviana, p.102). Segundo ele, se o indivíduo agir levado pelo ódio, pelo
amor ou pela necessidade, se for persuadido de algum modo ou se apenas segue ordens
divinas então está isento de responsabilidade. Com o amadurecimento dessas ideias, por
meio de inúmeras discussões dialéticas, o “agente responsável pela ação”, quando age
pela ignorância, compulsão do amor ou enfermidade, passa a ser visto como uma vítima
das circunstâncias.

4.6 As Teorias sobre a Finalidade da Punição: Utilitarismo e Retribucionismo


Nesta parte final do livro GASTALDI aborda as justificativas para a punição. As
teorias clássicas são o utilitarismo, “(...) a prática da punição fundamenta-se nas
consequências benéficas que sua aplicação produziria em uma determinada comunidade
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(...) ” (GASTALDI, Viviana, p.106), e o retribucionismo, “(...) infligir uma punição aos
transgressores seja algo valioso em si mesmo (...) ” (GASTALDI, Viviana, p.106). A
autora define o direito penal grego como essencialmente retribucionista.
Os filósofos gregos lançaram-se na busca pela melhor forma e justificativa de
punição: Para Protágoras, a punição só seria racional se fosse para prevenir determinada
conduta; para Platão a punição deve ser “ (...) terapêutica e educativa (...) ” (GASTALDI,
Viviana, p.109); Aristóteles concorda com a característica educativa da punição e Platão,
e com isso chega a sua teoria que é distributiva e corretiva.
A autora conclui o livro fazendo uma síntese do que considera como sendo a maior
contribuição desse conhecimento histórico: a possibilidade de reflexão sobre qual a
melhor forma de legislação. Sobre isso tem uma ideia definida sobre qual deve ser a base
para a legislação ideal: “É melhor evitar os delitos que castigá-los. ” (GASTALDI,
Viviana, p.111).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Direito Penal na Grécia Antiga” é um livro essencialmente didático no qual a
autora consegue com sucesso exibir como a sociedade grega se organizava para reprimir
certas ações e qual a visão da comunidade sobre esses atos. Por meio de exemplos de
mitos, que torna o livro um pouco mais leve, ilustra delitos e sanções.
Apesar de qualquer falha, o livro cumpre o seu papel na hora de elucidar o Direito
daquela época e de mostrar como o homem pensava as normas, de como ele via o mundo
jurista. Através da análise do livro é possível enxergar as influências daquele Direito,
daquelas ideias e pensamentos, no Direito de hoje.
Por ser um livro de fácil entendimento, que não necessita de grandes
conhecimentos jurídicos prévios, pode ser lido facilmente por qualquer pessoa que tenha
interesse pela área e, pelo seu método didático, especialmente para os estudantes de
direito.

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