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39º EXAME

INCLUI:
• Quadros de ATENÇÃO

• Tabelas Comparativas

• Esquemas Didáticos

• Referências a temas
cobrados em provas anteriores
SUMÁRIO
1. CONCEITO DE FILOSOFIA DO DIREITO
2. PRINCIPAIS PENSADORES CLÁSSICOS
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

2.1. INTRODUÇÃO
2.2. SÓCRATES
2.3. PLATÃO
2.4. ARISTÓTELES

3. PRINCIPAIS RAMOS DA FILOSOFIA


3.1. ONTOLOGIA
3.2. METAFÍSICA
3.3. GNOSIOLOGIA
3.4. EPISTEMOLOGIA

4. PRINCIPAIS CORRENTES FILOSÓFICAS


4.1. ILUMINISMO
4.2. JUSNATURALISMO
4.3. CONTRATUALISMO
4.4. JUSPOSITIVISMO
4.4.1 HANS KELSEN: A TEORIA PURA DO DIREITO
4.4.2 CHAÏM PERELMAN: SISTEMA JURÍDICO ABERTO
4.5. UTILITARISMO

5. OBJETO DA FILOSOFIA DO DIREITO


5.1. JUSTIÇA
5.2. GOVERNO
5.3. POLÍTICA

6. ÉTICA E MORAL
6.1. ÉTICA
6.2. MORAL

7. A CIÊNCIA DO DIREITO
7.1. CONCEITO DE DIREITO
7.2. HERMENÊUTICA
7.3. HERMENÊUTICA E EXEGESE
7.4. DIALÉTICA
7.5. ANTINOMIAS
7.6. LACUNAS
7.7. INTEGRAÇÃO

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Alteração Legislativa Atenção Exemplo
8. JUSFILÓSOFOS MODERNOS
8.1. RONALD DWORKIN
8.2. ROBERT ALEXY
8.3. HERBERT HART
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1. CONCEITO DE FILOSOFIA DO DIREITO


OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

A Filosofa do Direito é o ramo da Filosofa que tem por objeto a refexão acerca dos pressupostos
flosófcos aplicados ao Direito enquanto ciência social, tendo surgido de forma autônoma a partir
da publicação da obra “Fundamentos de Filosofa do Direito”, em 1820, pelo flósofo alemão Georg
Wilhelm Friedrich Hegel.

Por sua vez, Miguel Reale entende que a Filosofa do Direito “é a própria Filosofa enquanto
voltada para uma ordem de realidade, que é a ‘Realidade Jurídica’”, não se tratando de uma
disciplina específca e completamente autônoma, mas apenas a própria Filosofa Geral voltada ao
estudo do objeto Direito, concluindo que “nem mesmo se pode afrmar que seja Filosofa especial,
porque é a Filosofa, na sua totalidade”1.

A Filosofa do Direito busca contribuir com o jurista em sua busca pelo conhecimento a
respeito da ciência que opera. Objetiva oferecer instrumentos capazes de viabilizar uma melhor
compreensão do universo jurídico como um todo, instigando o jurista a refetir as bases do Direito,
indo além do seu limite como ciência jurídica e das balizas do Direito Positivo.

Além disso, deve ser compreendida como uma disciplina fundamental para a formação dos
profssionais do Direito, não sendo possível que o jurista funde os alicerces de suas bases jurídicas
sem integrar entre os seus conhecimentos os elementos de refexão propostos pela Filosofa do
Direito.

Não é diferente, portanto, para os acadêmicos do Direito que pretendam realizar o Exame
de Ordem. Além de fgurar como matéria obrigatória, a Filosofa do Direito apresenta questões
que são exploradas também em outras matérias, servindo como grande contribuição durante os
estudos para uma leitura e compreensão mais completa do mundo jurídico.

A Filosofa ocidental nasceu do desejo do homem de encontrar respostas para satisfazer


sua curiosidade sobre questões não completamente compreendidas. Até então, as explicações
disponíveis eram fundadas em mitos, fábulas e na religião, revestidas, portanto, de questões
ligadas à fé, a aspectos sobrenaturais e mistérios que mais confundiam que esclareciam. Além
disso, observações sobre o mundo fundadas em bases apartadas da ciência não suportavam
questionamentos, já que provinham do divino. Buscando superar essa metodologia, a Filosofa
enfrentou desafos para encontrar novos caminhos, tendo de enfrentar tradições e bater de frente
com verdades já estabelecidas.

A busca da compreensão daquilo que acontece no mundo natural sem utilizar-se de explicações
que estejam fora deste mesmo mundo, é a marca mais importante deixada pelos primeiros flósofos.
Esse desejo levou os primeiros flósofos a refetirem sobre qual seria o elemento primordial
que daria sustentabilidade à ordem das coisas no mundo: a arché. A arché seria a base de toda
realidade e estaria presente em tudo, tendo gerado tudo e não tendo sido gerado por nada. Esse
foi o princípio de tudo insistentemente buscado pelos primeiros flósofos.

1 REALE, Miguel. Filosofa do direito. 20. ed. Saraiva, 2002


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A busca por esse elemento primordial, no entanto, não ocorreu fora do contexto da época,
levando em conta pressupostos importantes como o comprometimento com o logos, ou seja, a
base do discurso racional.

Surgiu, assim, uma nova forma de interpretar e compreender o mundo, a vida e a sociedade,
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o que, com o passar do tempo e com o desenvolvimento de teorias racionais sobre as coisas,
passou a ser chamado de Filosofa, cujos maiores expoentes foram Sócrates, responsável pela
defnição do que se entendia por flosofa no Período Clássico, Platão, fundador idealista de uma
visão metafísica de realidade, e Aristóteles, ligado ao materialismo e ao conhecimento por meio
da experiência.

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2. PRINCIPAIS PENSADORES CLÁSSICOS


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2.1. INTRODUÇÃO

Sócrates, Platão e Aristóteles são os pilares sobre os quais se fundamentou a flosofa


ocidental, com refexões que são importantes em diversos ramos do conhecimento até os dias de
hoje. O período áureo da flosofa clássica, inaugurado por Sócrates e desenvolvido por Platão e
Aristóteles, contribuiu profundamente para o avanço do pensamento flosófco na idade média e
no período renascentista, servindo de base, ainda, para toda a flosofa moderna e contemporânea.

Grandes flósofos, de vários períodos históricos e das mais variadas correntes, como Gregório,
Santo Agostinho, Rousseau, Voltaire, Descartes, Comte, Hume, Nietzsche, Kant e Foucault, dentre
outros, basearam seus estudos nos ensinamentos dos pais da flosofa ocidental.

2.2. SÓCRATES

Sócrates nasceu em Atenas, Grécia, tendo vivido entre os anos de 469 e 399 a.C., sendo
considerado um dos mais célebres e importantes representantes da Filosofa ocidental.

Como Sócrates não deixou escritos, seus ensinamentos foram registrados por seus principais
discípulos, Platão, Xenofonte e Aristófanes. Sócrates é apresentado por seus discípulos como um
flósofo de mente precisa e rigorosa, sempre voltado a promover o pensamento racional entre os
cidadãos, a fm de que todos alcançassem sua verdade interior. Surge, daí, a máxima socrática,
“conhece-te a ti mesmo”, que representa a fxação do pai da flosofa ocidental pela busca do
conhecimento interior.

Esse processo de busca pelo eu interior foi denominado maiêutica socrática, que consistia
na realização de questionamentos às pessoas em duas etapas. Inicialmente, Sócrates lançava
questões simples sobre temas comuns, a respeito dos quais o questionado imaginava conhecer
bem. Depois, essas questões eram refeitas, mas de forma contextualizada, apresentando situações
que levavam o indivíduo a indagar-se sobre seu conhecimento, gerando, assim, uma refexão
interna sobre o sentido das coisas, do conhecimento e da própria pessoa.

Essas refexões críticas a respeito das convicções de cada indivíduo tinham o objetivo de
demonstrar que o conhecimento humano era limitado, nunca chegando ao ápice por conta da
própria ignorância do homem. Advêm dessas refexões as máximas socráticas “sábio é aquele que
conhece os limites da própria ignorância” e, mais célebre delas, “só sei que nada sei”.

Uma de suas principais contribuições para a Filosofa do Direito foi a ideia de que uma das
condições necessárias para realizar a justiça seria o cumprimento das leis. Segundo ele, a única
possibilidade de fazer justiça seria pela observância da lei, não se podendo fazer justiça com as
próprias mãos, uma vez que assim, ao desrespeitar a lei, já estaria sendo cometida uma injustiça.

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2.3. PLATÃO

Também nascido em Atenas, Grécia, Platão era matemático e flósofo, tendo vivido entre os
anos de 428 e 347 a.C. Seu mentor foi Sócrates e seu sucessor, Aristóteles. Muitos consideram que
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Platão foi o maior dos flósofos ocidentais da antiguidade, superando seu mestre.

Diferentemente da maioria dos flósofos pré-socráticos, Platão não ansiava por conhecer a
essência física das coisas, que eram corruptíveis e mutáveis, mas a verdade essencial presente
nas ideias e nos fatos, aspectos do mundo que ele chamava de realidades imutáveis.

Enquanto cidadão ateniense, Platão era admirador e estudioso das formas de organização do
Estado, dedicando parte de sua vida a refexões sobre a política e sobre quais seriam as melhores
formas de governo para o desenvolvimento de uma sociedade justa. Expôs seus pensamentos
na obra “A República”, onde debatia, a partir de ensinamentos obtidos por meio de diálogos com
Sócrates, diversas formas de governo existentes, de sociedade e de Estado, sempre tendo como
pano de fundo o tema da justiça. Conclui, comungando do pensamento de seu mestre, que o melhor
governo seria aquele exercido pelos flósofos, que representariam a razão e a melhor direção.

Defendia, ainda, que a sociedade, para ser justa, deveria ser dividida em três classes: os
flósofos, que como dito, seriam os governantes, os guerreiros, que exerceriam o papel da força,
da defesa e da ordem, e os trabalhadores, que seriam responsáveis pela produção de bens,
alimentos, movimentação do comércio e da economia, servindo de base para o sustento das demais
classes. Para Platão, o equilíbrio dessa divisão tríplice da sociedade representaria a justiça, sendo
que os indivíduos compreendidos como células do corpo humano. Assim, se um indivíduo não
realizasse sua função ou tentasse galgar ascensão para exercer uma função além de sua classe,
estaria prejudicando o corpo, devendo ser combatido.

Foi também em “A República” que escreveu sobre o Mito da Caverna, metáfora na qual fez
uma referência à morte de Sócrates nas mãos daqueles que não aceitaram seus estudos e suas
proposições críticas a respeito das coisas, dos fatos e do mundo, que entraram em confito com a
compreensão das pessoas à época.

Certa vez, ao confrontar Dionísio I, Rei da Sicília, destacando as limitações do monarca, este se
ofendeu e tornou Platão seu escravo, condição da qual só foi retirado por ter sido comprado por
alguns flósofos. Esse acontecimento levou Platão a concluir, em suas refexões posteriores, que
os sábios não devem se unir aos tiranos.

Recuperando sua liberdade, Platão fundou a Academia de Atenas, instituição de ensino que
ganhou extrema notoriedade, sendo procurada por muitos jovens que buscavam conhecimento e
por nobres que tinham interesse em debater ideias das mais variadas.

Também chamada de Academia de Platão, a Academia de Atenas tornou-se a primeira


universidade da história, tendo permanecido em atividade até o século VI, quando foi fechada
pelo imperador Justiniano, sob o argumento de que era necessário abolir a cultura helenista,
considerada pagã à época.

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2.4. ARISTÓTELES

Aristóteles, flho de Nicômaco, nasceu em Estagira, na Macedônia, tendo vivido entre os anos
de 384 a 322 a.C. Além de flósofo, foi médico e discípulo de Platão que, por sua vez, recebeu os
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ensinamentos de Sócrates. Aristóteles, juntamente com Sócrates e Platão, é reconhecido como


um dos maiores flósofos da história, além de expoente máximo da flosofa ocidental. Os escritos
de Aristóteles revelam que ele se preocupava com os mais variados ramos do conhecimento,
incluindo a física, a metafísica, a música, o Estado, a ética e a poesia.

Seus princípios e ideias, além de seus estudos no ramo das ciências físicas, infuenciaram os
principais flósofos renascentistas. Suas proposições sobre metafísica tiveram grande infuência na
cultura e nas tradições judaico-islâmicas durante a Idade Média, refetindo, inclusive, em elementos
fundamentais do cristianismo.

Quando jovem, mudou-se para Atenas, ingressando na Academia Platônica (Academia de


Atenas) onde, sob a direção intelectual de seu mestre, Platão, estudou durante vinte anos.

Muitos consideram Aristóteles como o pai da Ética. Seus ensinamentos revelam que o flósofo era
um grande interessado na análise quanto à forma de agir do ser humano, tendo chegado à conclusão
de que todo conhecimento estaria voltado a algum bem, que seria a fnalidade de toda a ação.

Em uma de suas principais obras, “Ética a Nicômaco” TEMA COBRADO NO XXXI EXAME DA
OAB/FGV, Aristóteles defende a ideia de que o homem só tem importância enquanto integrante da
Polis, onde prevalece a organização da sociedade a partir das leis. O homem só se desenvolveria
em um meio político, onde seria possível alcançar a sua fnalidade, que é a felicidade (eudaimonia).
A felicidade, entretanto, não seria um sentimento, mas a ação através da qual o cidadão da Polis
realizaria suas aptidões, mediante a prática das virtudes.

As virtudes, segundo Aristóteles, seriam um agir com moderação. A virtude podia ser entendida
como o equilíbrio das ações, um meio-termo entre se exceder e se abster de alguma conduta. Com
essas refexões Aristóteles afrma que a justiça também só será justiça se houver equilíbrio em
sua concretização.

Para Aristóteles, o estudo da ética era importante para a melhoria das vidas das pessoas, uma
vez que os princípios éticos estariam voltados à concretização do bem-estar humano. Assim como
Sócrates e Platão, Aristóteles assentava a importância das virtudes como forma de se alcançar
uma vida bem vivida.

As virtudes éticas (coragem, justiça, temperança etc.) eram compreendidas como habilidades
racionais, emocionais e sociais complexas, sendo que para se alcançar essas virtudes, era
necessário adquirir a capacidade de se observar, nos fatos da vida, qual medida seria a mais sábia
e racional a ser adotada.

Nasce, assim, a ideia de sabedoria prática, que deveria ser adquirida com o estudo de teorias e
regras gerais, mas também através da experiência. Essa sabedoria prática é que guiaria o homem
na direção da compreensão geral do que efetivamente seria bem-estar, permitindo que fossem
adotadas as ações corretas em cada ocasião.

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3. PRINCIPAIS RAMOS DA FILOSOFIA


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A Filosofa ocupa-se, além de outros temas, a debater questões relativas à ontologia, metafísica,
gnosiologia e epistemologia.

3.1. ONTOLOGIA

Expressão que se forma pela união das palavras gregas ontos (ser) e logos (doutrina, estudo,
conceito). Ontologia quer dizer, portanto, o “estudo do ser”, consistindo em um ramo da flosofa
que se ocupa com o estudo do ser, da natureza, da existência e da realidade.

A ontologia jurídica, por sua vez, é uma expressão cunhada posteriormente no âmbito do
direito, que se destina a refetir e explicar a essência do Direito, suas particularidades e como está
relacionado com o ser humano.

3.2. METAFÍSICA

O termo metafísica também possui origem grega, surgindo da união das expressões meta
(além) e Physis (natureza, universo, física), sendo uma área do conhecimento flosófco que estuda
os elementos essenciais da realidade além das ciências tradicionais, como química, física,
biologia, etc.), buscando, ainda, dar explicações sobre a essência dos homens e as razões de
estarmos neste mundo. A Metafísica ocupa-se, também, dos estudos das interações e relações dos
seres humanos com o universo.

Aristóteles foi o flósofo antigo que mais pensou, refetiu e produziu conhecimento a respeito
da metafísica.

3.3. GNOSIOLOGIA

Parte da Filosofa que visa estudar o conhecimento humano, sendo sua nomenclatura formada
pelos termos gregos gnosis (conhecimento) e logos (doutrina, estudo, conceito).

Entende-se a Gnosiologia como sendo a teoria geral do conhecimento, por meio da qual
se refete sobre a concordância do pensamento refexivo entre o sujeito e o objeto. O objeto é
qualquer coisa externa ao espírito, como um fenômeno, um conceito ou uma ideia, visto de maneira
consciente pelo sujeito. O objeto da gnosiologia é a refexão sobre a origem, limites e essência do
ato cognitivo, ou seja, de qualquer ação que busque ou leve ao conhecimento.

3.4. EPISTEMOLOGIA

A Epistemologia também é uma teoria acerca do conhecimento, no entanto, distingue-se da


Gnosiologia por associar-se ao conhecimento científco (episteme), às pesquisas científcas e
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todos as leis e hipóteses relacionadas.

A Filosofa Clássica discute, igualmente, os valores a serem considerados para construção de


uma sociedade justa e solidária, posicionando-se os flósofos sobre os conceitos de justiça, direito
e moral, sobre o papel dos detentores do poder político e sobre os princípios fundamentais da vida
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em sociedade.

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4. PRINCIPAIS CORRENTES FILOSÓFICAS


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4.1. ILUMINISMO

O Iluminismo foi um movimento que perdurou no período compreendido entre os séculos


XVII aos XVIII, servindo como fator determinante para a ascensão da burguesia ao poder. Esse
movimento intelectual, chamado por alguns como “século das luzes”, esteve na base da revolução
preconizada pela burguesia e retratou a luta pelo direito de uso da razão sem a interferência de
dogmas religiosos ou de qualquer outro tipo.

Os princípios iluministas, tais como liberdade, igualdade e justiça, serviram para apoiar
a derrubada do antigo regime que se apoiava na monarquia absolutista, no sistema feudal da
produção, na autoridade da igreja e em seus dogmas.

Os valores defendidos pelo Iluminismo podem ser identifcados como sendo os seguintes:

• Igualdade jurídica: nos atos de comércio, ou seja, na compra e venda, todas as


desigualdades sociais existentes entre compradores e vendedores são esquecidas.
O que importa efetivamente é a igualdade jurídica dos envolvidos no ato comercial.
O Iluminismo defendia, portanto, a igualdade jurídica perante a lei, pois todos
seriam cidadãos com os mesmos direitos básicos, embora com diferentes situações
socioeconômicas;
• Tolerância religiosa ou flosófca: para o ato comercial não teria importância
as convicções religiosas ou flosófcas das pessoas, sendo que, do ponto de vista
econômico, seria impensável que os atos de comércio ocorressem somente entre
pessoas da mesma religião. Nesse passo, pode-se dizer que a burguesia assumiu
uma efetiva conduta em defesa da tolerância;
• Liberdade pessoal e social: o comércio só poderia se desenvolver em uma sociedade
na qual as pessoas sejam livres para realizar seus negócios. A burguesia posicionou-
se, então, contra a escravidão, pois sem homens livres recebendo seus salários, não
poderia haver mercado comercial;
• Propriedade privada: talvez o mais importante valor defendido pela burguesia, a
propriedade de bens ou de capitais era essencial para o comércio, pois a propriedade
privada conferia aos proprietários o direito de usar e dispor livremente do que lhes
pertencia. Nesse sentido, a burguesia passou a defender o direito do homem à
propriedade privada, direito que se tornou essencial à sociedade capitalista.

O Iluminismo promoveu, ainda, a defesa da ciência e da racionalidade crítica contra a superstição


e os dogmas religiosos, a defesa das liberdades individuais e dos direitos dos cidadãos contra o
autoritarismo e o abuso do poder soberano, mormente em relação à dignidade da pessoa humana,
tendo em Immanuel Kant o seu principal representante.

Para Kant, em sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, a ideia de dignidade
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da pessoa humana é entendida como algo que está acima de todo o preço, pois quando uma
coisa tem um preço pode-se pôr no lugar dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma
coisa está acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalência, então ela tem dignidade.
Segundo Kant, a dignidade da pessoa humana deve ser entendida como algo inerente a tudo aquilo
que não tem preço, ou seja, que não é passível de ser substituído por um equivalente. É qualidade
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inseparável da autonomia, inerente apenas aos seres humanos, entes morais e éticos TEMA
COBRADO NO XIX EXAME DA OAB/FGV

Os flósofos iluministas foram “ideólogos da burguesia”, destacando-se, dentre eles:

Montesquieu (1689-1755): autor do “O espírito das leis”, obra na qual defende a separação
dos poderes do Estado em Legislativo, Executivo e Judiciário, como maneira de evitar abusos dos
governantes e de proteger liberdades individuais. Dizia ele que a “lei é uma relação necessária
que decorre da natureza das coisas” e que “a liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis
permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque
os outros também teriam tal poder”2 TEMA COBRADO NO XXIV EXAME DA OAB/FGV.

Voltaire (1694-1778): um dos mais famosos pensadores do período iluminista, tinha um estilo
literário irônico, destacando-se pelas críticas que fazia à intolerância religiosa, ao clero católico e à
prepotência dos poderosos. Apesar de não ser um democrata, era defensor de uma monarquia que
respeitasse as liberdades individuais, devendo ser governada por um soberano esclarecido. Sua
posição em defesa da liberdade de pensamento fcou historicamente conhecida por sua célebre
frase “posso não concordar com nenhuma das palavras que você diz, mas defenderei até a morte
o direito de você dizê-las”;

Rousseau (1712-1778): autor de grandes obras, dentre elas aquela intitulada de “Do contrato
social”, onde expõe a tese de que o soberano precisa conduzir o Estado de acordo com a vontade
geral do povo, tendo sempre em vista o atendimento do bem comum. Apenas um Estado fundado
em bases democráticas teria condições de oferecer aos cidadãos um regime de efetiva igualdade
jurídica. Segundo Rousseau “ só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a
fnalidade de suas instituições, que é o bem comum.”3. Essa ideia de vontade geral, apresentada por
Rousseau em sua obra “Do Contrato Social”, foi fundamental para o amadurecimento do conceito
moderno de lei e de democracia, sintetizando a ideia de vontade geral do povo, afrmando que “se
quando o povo, bem informado, toma deliberações, e os cidadãos não comunicam entre si, a soma
das pequenas diferenças daria sempre a vontade geral e a decisão seria boa” TEMA COBRADO
NO XXIII EXAME DA OAB/FGV. Em uma outra de suas mais importantes obras, “Discurso sobre a
origem da desigualdade entre os homens”, Rousseau exalta os valores da vida natural, fazendo
inúmeros elogios à liberdade dos selvagens, à pureza do seu estado natural, atacando a avareza, a
corrupção e os vícios da sociedade, decorrente da falsidade e do artifcialismo do homem civilizado;

Kant (1724-1804): flósofo alemão do século XVIII, foi um dos principais pensadores do período
moderno da flosofa. Abordou questões que iam desde refexões sobre a moralidade até a natureza
do espaço e do tempo, sendo reconhecido por promover a reunião conceitual entre o racionalismo
e o empirismo. Segundo Kant, a experiência era extremamente importante, no entanto, a mente
humana era imprescindível para qualquer experiencia. Em sua obra “Crítica da Razão Pura”, o
flósofo buscou promover a dissolução do impasse entre racionalistas e empiristas. Defniu o
conceito de imperativo categórico como ponto central de sua deontologia, que é estudado até hoje
por flósofos e profssionais do conhecimento do mundo todo.

2 MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Editora Nova Cultural, 1997


3 ROUSSEAU, Jean-Jacques. “Do Contrato Social”. Faculdades Integradas do Brasil. 2007
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Kant defendia um Estado baseado nas leis, com governo republicano, recusando a democracia direta,
uma vez que esta ofereceria risco às liberdades individuais, pois comparava a democracia ao despotismo,
já que ambos podem estabelecer um Poder Executivo que poderia vir a governar contra a liberdade
de indivíduos discordantes da maioria. Kant defendia um governo misto, composto por elementos da
democracia, da aristocracia e da monarquia, evitando, assim, a degeneração de suas formas.
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4.2. JUSNATURALISMO

O Jusnaturalismo apresenta a ideia de um direito natural, possuindo estreita ligação com


ideais iluministas de libertação da razão no processo de conhecimento, bem como da autonomia
política e jurídica ante o sistema monárquico-ditatorial que prevalecia à época.

Uma defnição de direito natural apresentada por Norberto Bobbio afrma que o jusnaturalismo
é uma “doutrina jurídica segundo a qual existe e pode ser conhecimento um direito natural, e
este direito é anterior e superior ao direito positivo”4. De fato, o jusnaturalismo é um pensamento
jurídico que antecede a ciência do direito, sendo abordado por pensadores gregos antigos como
Platão e Aristóteles.

Segundo os ensinamentos dos estóicos, flósofos helênicos pragmatistas e moralistas, o


jusnaturalismo é uma doutrina que defende a existência de uma lei natural, universal e imutável,
advindo de uma natureza soberana e independente que, por isso, sustenta-se em si mesma. A
natureza possuiria leis perfeitas e, por isso, imutáveis, devendo a elas se submeter o homem sem
qualquer possibilidade de contraposição.

As ideias jusnaturalistas tiveram, no início da Idade Moderna, papel muito relevante para o
surgimento do Estado de Direito e em relação aos pressupostos flosófcos do Estado Liberal, além
de infuenciar profundamente a doutrina dos direitos fundamentais do homem: vida, liberdade,
segurança, felicidade, etc. A escola jusnaturalista baseia-se, pois, na hipotética concepção de um
Direito natural preexistente, anterior e superior ao Direito Positivo.

4.3. CONTRATUALISMO

O contratualismo foi uma escola flosófca a partir da qual foram concebidas várias refexões
sobre a natureza humana e a respeito do surgimento das sociedades civis. Os contratualistas
explicavam que o ser humano havia experimentado, no passado, uma forma de vida social diferente,
quando apenas os instintos e as qualidades intrínsecas do homem serviam de mediadores das
ações. Os contratualistas acreditavam que o Estado civil não havia surgido gradualmente, de
forma espontânea, mas era uma entidade fabricada pelo próprio homem, sendo objeto de seus
estudos tentar defnir em que ponto e como o Estado passou a regulamentar a vida do homem por
meio de leis e regras institucionais.

Alguns pensadores acreditavam que o homem era naturalmente mau e egoísta, estando
sempre disposto a sacrifcar o bem comum em seu benefício próprio, enquanto outros defendiam
que o homem era naturalmente racional e social, inclinando-se, na maioria das vezes, para o bem.

Em ambos os casos, no entanto, os problemas do homem natural surgiriam em decorrência do


convívio social. No primeiro caso, a maldade intrínseca do homem levaria a um estado de guerra
constante, sendo a paz apenas um conceito inalcançável. No segundo, apesar do entendimento de que
4 BOBBIO, Norberto. CLASEN, Jaime A. Jusnaturalismo e Positivismo Jurídico. UNESP. 2016 13
o homem seria naturalmente racional, não seria integralmente bom, abrindo-se a atos de egoísmo,
vingança e destruição caso entendesse estar sendo prejudicado por outros membros da sociedade.

A ação em nome da justiça estaria distribuída na mão de todos, sendo um direito natural do
homem colocar-se como juiz das ações dos outros indivíduos, punindo aqueles que transgredissem
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as leis naturais. O problema é que a liberdade dos indivíduos estaria sempre ameaçada, uma vez
que a justiça não representaria o desejo de todos, mas apenas daquele que a aplicou.

A solução para tais problemas seria a constituição de um tratado entre os seres humanos,
fundado na razão e com o objetivo de resguardar os direitos naturais de todos. No entanto, os
indivíduos precisariam abrir mão de parte de seus direitos, depositando nas mãos de uma ordem
superior, por exemplo, o direito de processar, julgar e punir os infratores das leis.

Assim, em determinado momento histórico, o homem teria percebido a necessidade da criação


do Estado, o que ocorreu por meio do Contrato Social, que realizou a passagem do Estado Natural
para o Estado Civil. Quando os homens constataram que poderia haver algo melhor, através do
Contrato Social, estabeleceu-se também a Sociedade Política, conferindo-se maior segurança às
relações sociais, algo que não era possível no Estado Natural.

Em troca dessa segurança, contudo, as pessoas abrem mão de direitos subjetivos. Destas
concessões e da concentração de poder nesse novo ente, surge o chamado Estado Soberano, que,
na visão de Hobbes, poderia ser visualizado como o “Leviatã” (monstro bíblico que surge no livro
de Jó, sendo defnido como o “rei dos orgulhosos”), que exercia um poder supremo e soberano em
face dos indivíduos que compunham o Estado. Essa é a ideia do Contrato Social. A ideia usada para
explicar o surgimento do Estado e, consequentemente, do próprio Direito.

É claro que existem enfoques diferentes para a ideia de Contrato Social:

Segundo Thomas Hobbes, a passagem de um Estado de natureza ao civil, todos os direitos


que cabiam ao indivíduo passam para o Estado. O indivíduo conserva um único direito, qual seja,
a conservação da própria vida, sendo os demais (liberdade, propriedade, etc.) mantidos sob o
controle do Estado. Tal concepção é do Estado Autoritário.

Ainda segundo Hobbes “os homens têm de cumprir os pactos que celebram”. Prossegue o
autor, ainda: “Sem esta lei os pactos seriam vãos e não passariam de palavras vazias. Como o
direito de todos os homens a todas as coisas continuaria em vigor, permaneceríamos na condição
bélica. Nesta lei natural assenta-se a fonte e a origem da justiça”5.

Nesse sentido, o contrato social seria um acordo entre os membros de uma sociedade, em que
todos reconheceriam a autoridade de um governo, depositariam a legitimidade do uso da força
e confariam a proteção de suas liberdades individuais. Dessa forma, apenas o governo instituído
teria a capacidade de agir por intermédio da força de forma legítima.

John Locke, por sua vez, discorda de Hobbes. Para ele, os direitos naturais que cada indivíduo
possui emanam da própria comunidade e não do Estado. Quando da essa passagem do Estado
de Natureza para o Civil, os indivíduos conservam uma lista maior de direitos, que são inatos:
conservam-se o direito à vida, propriedade, liberdade. São, portanto, direitos inatos e inalienáveis.
O fm do Estado é proteger e promover esses direitos naturais. Se o Estado não agisse assim,

5 HOBBES, Thomas. O Leviatã. Martin Claret. 2008


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na visão de Locke, ensejaria aos cidadãos o poder de exercer seu direito de desobediência civil.

Locke afrma que “embora em uma comunidade constituída, erigida sobre a base popular e
atuando conforme sua própria natureza, isto é agindo sempre em busca de sua própria preservação,
somente possa existir um poder supremo, que é o legislativo, ao qual tudo o mais deve ser
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subordinado, sendo todavia o legislativo somente um poder fduciário que entra em ação apenas
em certos casos, cabe ainda ao povo o poder supremo para afastar ou modifcar o legislativo, se
constatar que age contra a intenção do encargo que lhe confaram. Ora, todo poder concedido
como encargo para se obter certo objetivo é limitado por esse mesmo objetivo, e sempre que
este for desprezado ou claramente contrariado, perde-se necessariamente o direito a este poder,
que retorna às mãos que o concederam, que poderão depositá-lo em quem julguem melhor para
garantia e segurança próprias. Por isso, a comunidade sempre conserva o poder supremo de se
salvaguardar contra os maus propósitos e atentados de quem quer que seja, até dos legisladores,
quando se mostrarem levianos ou maldosos para tramar contra a liberdade e propriedades dos
cidadãos”6 TEMA COBRADO NO XXIV EXAME DA OAB/FGV.

4.4. JUSPOSITIVISMO

Após suas conquistas durante a Revolução Francesa, não interessava mais à burguesia a
luta pela preservação de valores tais como liberdade, igualdade, mas sim conter as tentativas de
insurreição das massas e exaltar o desenvolvimento tecnológico e científco que se ampliava.

Assim, contestando o racionalismo abstrato dos liberalistas, surgem os defensores do


positivismo científco que, voltando-se para o mundo real, passaram a pregar o distanciamento
das investigações sobre o incognoscível e enaltecendo ideais capitalistas, o processo de
industrialização e os avanços científcos.

Por sua vez, o positivismo jurídico, refexo desse positivismo científco do século XIX, é um
movimento de pensamento contrário a qualquer teoria metafísica, naturalista, sociológica, histórica
ou antropológica do Direito. Segundo esta corrente flosófca, os requisitos para verifcar se uma
norma pertence ou não a um ordenamento jurídico possuem natureza formal, não dependendo
de critérios de mérito externos ao direito, decorrentes de outros sistemas normativos, como a
moral, a ética ou a política.

Além disso, a ideia de Direito Positivo sempre esteve atrelada ao direito escrito, legalizado e
sancionado pelo poder vigente, com objetivo de fazer prevalecer a ordem e a Justiça dentro de
uma unidade política e social.

Essa concepção é defendida por Hans Kelsen em sua obra “Teoria Pura do Direito”, onde o
autor procurou delinear os traços de uma Ciência do Direito desprovida de qualquer infuência
externa, acreditando conferir assim, à norma, maior caráter científco, retirando de sua essência
qualquer critério de justiça, sociologia, ética, moral, etc. O positivismo jurídico é, assim, baseado
na prevalência de uma fonte do direito sobre as demais fontes: a lei. TEMA COBRADO NO XXII
EXAME DA OAB/FGV.

O Estado seria a única fonte do direito, estabelecendo a lei como única expressão do seu
poder normativo. Segundo Kelsen, o jurista não pode questionar os valores que antecederam
a elaboração da norma jurídica ou os que eventualmente poderiam ser observados no ato de

6 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Martin Claret, 2006


15
aplicação da norma. Para Kelsen, juízos de justiça ou refexões axiológicas em geral seriam tarefa
da Ética, não sendo objeto da ciência jurídica. A Teoria Pura, nesse passo, busca identifcar os
elementos de validade, vigência e efcácia da norma jurídica.

O Direito positivo nasce da tentativa de se transformar o estudo do direito numa verdadeira


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ciência, com as mesmas características, por exemplo, das ciências matemáticas. O Positivismo
jurídico exclui todo juízo de valor da análise do Direito, buscando, assim evitar o surgimento
de divergências a respeito da validade, justiça e legitimidade do ordenamento jurídico. Por isso
Norberto Bobbio afrma que o jurista precisa ver o Direito como ele é, não como deveria ser.
Essa ideia se contrapõe ao jusnaturalismo, que sustenta dever fazer parte do estudo do direito
também a sua valoração com base no direito ideal, ou seja, refetindo-se como o Direito deveria ser,
evitando-se a aplicação da norma com resultados negativos para a sociedade.

Sobre o tema, o jusflósofo alemão Gustav Radbruch, após a II Guerra Mundial, escreveu o texto
“Cinco Minutos de Filosofa do Direito”7, no qual afrmou: “Esta concepção da lei e sua validade,
a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis
mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas”. Radbruch, então, elaborou uma “fórmula” que
teve como um de seus elementos fundamentais a análise da prática jurídica do regime nazista,
quando os tribunais alemães passaram a aplicar as excessivas leis da época sob o argumento de
que “lei é lei”. Para Radbruch “o positivismo desarmou de fato aos juristas alemães perante leis
de conteúdo arbitrário e delitivo. O positivismo ademais, não está em condições de fundamentar
com suas próprias forças a validade das leis”. Contrário a esse raciocínio da aplicação cega das
leis, a “Fórmula de Radbruch” serviu como meio de se defender a perda da validade das leis
extremamente injustas TEMA COBRADO NO XIV EXAME DA OAB/FGV.

Como visto, a principal tese sustentada pelo paradigma do positivismo jurídico é a validade da
norma jurídica, independentemente de um juízo moral que se possa fazer sobre o seu conteúdo.
No entanto, podem surgir graves problemas na aplicação das leis sem qualquer valorização
externa, como no caso do regime nazista. Por esse motivo, um dos mais infuentes flósofos do
direito juspositivista, Herbert Hart, em “O Conceito de Direito”8, sustenta a possibilidade de um
positivismo brando, eventualmente chamado de positivismo inclusivo ou soft positivism, ou seja,
a possibilidade de que a norma de reconhecimento de um ordenamento jurídico incorpore, como
critério de validade jurídica, a obediência a princípios morais ou valores substantivos TEMA
COBRADO NO XXII EXAME DA OAB/FGV.

Nesse passo, as noções de validade jurídica apresentadas por Herbert Hart partem da análise
dessa denominada “regra de reconhecimento” (rule of recognition), que defnirá os critérios e
aspectos pelos quais a sociedade vai, ou não, aceitar determinada norma como válida. TEMA
COBRADO NO XXVIII EXAME DA OAB/FGV.

Herbert Hart é, pois, classifcado como positivista da corrente inclusivista, que não exclui
totalmente a moral ou valores substantivos da defnição do direito, contrapondo-se a positivistas
da corrente exclusivista, que apregoam a validade da norma jurídica sem qualquer juízo moral
acerca de seu conteúdo.

4.4.1. HANS KELSEN: A TEORIA PURA DO DIREITO

7 RADBRUCH, Gustav. Cinco minutos da Filosofa do Direito. In: Filosofa do Direito. 5ª ed. Armênio
Amado, Editor. 1974
8 HART, Harbert L.A. O Conceito de Direito. 2. ed. Oxfor: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994
16
Hans Kelsen (1881–1973) é considerado um dos maiores jusflósofo da era moderna, sendo
autor de diversas obras, dentre as quais destaca-se “A Teoria Pura do Direito”9, onde defendeu que
o Direito deveria ordenar e validar a Lei por si mesma, não dependendo de valores extralegais
por ser autossufciente.
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A Teoria Pura do Direito surgiu como uma tentativa de se retirar do campo do Direito tudo o
que não fosse jurídico, eliminando elementos flosófcos, sociológicos, psicológicos, éticos, morais,
econômicos, etc. Por essa teoria, a Ciência do Direito deveria se traduzir apenas em normas, a
fm de que seus estudiosos pudessem dominar melhor e mais facilmente o seu instrumento de
trabalho. A norma jurídica seria o objeto da ciência do Direito, enquanto o formalismo seria o
princípio que nortearia a prática científca.

Em seus estudos, o jusflósofo nos apresenta “A Pirâmide de Kelsen”, representando um


sistema normativo no qual existem normas hierarquicamente diversas, sendo as inferiores, tais
como leis, decretos, etc., legitimadas e validadas por uma norma superior, no caso, a Constituição.
As normas de hierarquia inferior devem observar as de hierarquia superior, sendo certo que, se
uma norma inferior viola a superior, não pode ser apta a produzir efeitos jurídicos. Por outro lado,
se a norma superior viola a inferior, esta acaba sendo revogada.

4.4.2. CHAÏM PERELMAN: SISTEMA JURÍDICO ABERTO

Chaïm Perelman apresenta-se como um contraponto aos argumentos jurídicos de Hans


Kelsen, na medida em que afrma, especifcamente em relação à atuação dos operadores do direito,
que as normas devem ser aplicadas após um profundo raciocínio jurídico e dialético diante da
argumentação e persuasão das partes, permitindo que se chegue a uma decisão justa.

O autor não admite um sistema jurídico fechado, uma vez que os julgadores devem estar
autorizados a preencher lacunas e resolver confitos indo além da norma positivada, utilizando-se
de provas, mas também de valores, experiências, bom senso, equidade e justiça social. Para isso,
no entanto, a atividade do juiz não pode ser arbitrária, mas justifcada perante os auditórios para
os quais se destina.

Segundo Chaïm Perelman, ao tratar da argumentação jurídica na obra “Lógica Jurídica”10,


a decisão judicial aceitável deve se fundamentar em questões que vão além da norma pura,
permitindo, assim, satisfazer os três auditórios para os quais ela se destina.

Os auditórios são as partes em litígio, os profssionais do direito e a opinião pública. Na


obra citada, Chaïm Perelman afrma que “O raciocínio judiciário tem de ser matizado segundo os
auditórios aos quais se dirige, segundo a matéria tratada, segundo o ramo do direito”. Mais à frente,
ao tratar especifcamente sobre a motivação das decisões judiciais e seus destinatários, afrma o
autor: “Motivar uma decisão é expressar-lhe as razões. (...) A motivação convida-o a compreender
a sentença e não o deixa entregar-se por muito tempo ao amargo prazer de “maldizer os juízes”.
(...) Além do mais, a motivação dirige-se não apenas aos pleiteantes, mas a todos. Faz compreender
o sentido e os limites das leis novas, o modo de combiná-las com as antigas. Fornece aos
comentadores, aos estudiosos da jurisprudência, a possibilidade de comparar as sentenças entre
si, de analisa-las, agrupá-las, criticá-las, de extrair delas lições, em geral, também de preparar as
soluções futuras” TEMA COBRADO NO XIII EXAME DA OAB/FGV

9 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8˚ ed. Martins Fontes, 2009


10 PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica. 1ª ed. Martins Fontes, 2000
17
4.5. UTILITARISMO

O Utilitarismo é a teoria desenvolvida por Jeremy Bentham (1748-1832) e Stuart Mill (1806-
1873) que, em síntese, considera que boas ações e regras de conduta positivas devem ser
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caracterizadas pelo prazer e pela utilidade que podem proporcionar aos indivíduos e à coletividade.
Pode ser defnida, também, como uma doutrina ética que apregoa serem as ações boas aquelas
que promovem a felicidade ao maior número de indivíduos, e más aquelas que tendem a promover
o oposto da felicidade. TEMA COBRADO NO XXX EXAME DA OAB/FGV.

A doutrina utilitarista pode ser sintetizada, assim, como o princípio do bem-estar máximo, que
defende que as ações devem ser concretizadas sempre de modo a produzir o maior índice de bem-
estar possível.

O Utilitarismo compreende uma moral eudemonista, pela qual todas as práticas humanas
devem voltar-se busca de uma vida plenamente feliz, tanto no âmbito individual quanto no âmbito
coletivo. Reveste-se de princípios e fundamentos ligados a valores morais, afrmando serem
eticamente positivas as ações que levam o homem à felicidade. Segundo Aristóteles “A felicidade
é um princípio; é para alcançá-la que realizamos todos os outros atos; ela é exatamente o gênio de
nossas motivações”11.

Bentham expõe o conceito central da utilidade no primeiro capítulo do livro “Uma Introdução
aos Princípios da Moral e Legislação”12 da seguinte forma: “Por princípio da utilidade, entendemos
o princípio segundo o qual toda a ação, qualquer que seja, deve ser aprovada ou rejeitada em
função da sua tendência de aumentar ou reduzir o bem-estar das partes afetadas pela ação. (...)
Designamos por utilidade a tendência de alguma coisa em alcançar o bem-estar, o bem, a beleza, a
felicidade, as vantagens, etc. O conceito de utilidade não deve ser reduzido ao sentido corrente de
modo de vida com um fm imediato” TEMA COBRADO NO XIV EXAME DA OAB/FGV.

Como visto, o utilitarismo rejeita qualquer ideia que se se aproxime do egoísmo, opondo-
se a indivíduos que perseguem seus próprios interesses, normalmente às custas de outros.
Opõe-se, também, a qualquer teoria que considere ações como certas ou erradas, uma vez que,
independentemente desses aspectos, o que vale é a liberdade de ações para obtenção do prazer
e felicidade coletivos.

Desse modo, a consciência jurídica deve levar em conta o delicado balanço entre a liberdade
individual e o governo das leis. Na obra “A Liberdade. Utilitarismo”13 John Stuart Mill sustenta
que um dos maiores problemas da vida civil é a tirania das maiorias: “Há um limite para a
interferência legítima da opinião coletiva sobre a independência individual, e encontrar esse
limite, guardando-o de invasões, é tão indispensável à boa condição dos negócios humanos como
a proteção contra o despotismo político”.

A sociedade, quando faz as vezes do tirano, pratica uma tirania mais temível do que muitas
espécies de opressão política, pois penetra nos detalhes da vida e escraviza a alma. Por isso é
necessária a proteção contra a tirania da opinião e do sentimento dominantes. Para Mill, a tirania
da maioria, ou tirania social, ocorre quando o coletivo social se coloca acima dos interesses dos
indivíduos que a compõem, sufocando, via de regra, direitos das minorias que se encontram à
margem da sociedade tirana. Surge daí a necessidade de existência de normas que protejam esses
11 ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. Nova Cultural: 1996
12 BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. Nova Cultura, 1989
13 MILL, John S. A Liberdade/Utilitarismo. Martins Fontes, 2000
18
grupos das imposições que só buscam alcançar os interesses da maioria TEMA COBRADO NO
XXI EXAME DA OAB/FGV.

Os princípios fundamentais do utilitarismo podem ser defnidos da seguinte forma:


OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

Princípio do bem-estar: o bem-estar (físico, moral, intelectual) é o objetivo primordial a ser


visado por toda ação, ética e moral, dos indivíduos.

Consequencialismo: a moralidade de uma determinada ação deve ser analisada com base nas
consequências dessa mesma ação, não se interessando, os utilitaristas, por fatores morais, mas
somente pelas ações: as consequências do ato é que são morais ou não. Para o utilitarismo uma
mesma ação pode ser moral ou imoral, dependendo se as suas consequências são boas ou más.

Princípio da agregação: leva-se em conta o efetivo grau de bem-estar garantido aos indivíduos
afetados por uma determinada ação, devendo ser considerada a quantidade global de bem-estar,
independentemente de como se dá a repartição desta quantidade. Por esse princípio, pode ser válido
sacrifcar uma minoria com o objetivo de garantir um maior grau de bem-estar geral. Se o saldo do
sacrifício for positivo, a ação é considerada moralmente positiva e útil ao bem-estar comum.

Princípio de otimização: o utilitarismo apregoa a otimização do bem-estar geral, não como uma
faculdade, mas como um dever de conduta de todos.

Imparcialidade e universalismo: os sofrimentos e prazeres dos indivíduos são considerados


igualmente relevantes, não havendo diferenciação em relação a quais são os indivíduos afetados.
Todos têm o mesmo peso do ponto de vista da garantia do bem-estar, não se podendo privilegiar
ou prejudicar ninguém.

Jeremy Bentham, aplicando seu pensamento utilitarista ao direito de punir do Estado, afrma
que “III. É evidente, portanto, que não se deve infigir punição nos casos a seguir enumerados: (1)
Quando não houver motivo para a punição, ou seja, quando não houver, nenhum prejuízo a evitar,
pelo fato de o ato em conjunto não ser pernicioso. (2) Quando a punição só pode ser inefcaz, ou
seja, quando a mesma não pode agir de maneira a evitar o prejuízo; (3) Quando a punição for inútil
ou excessivamente dispendiosa; isto aconteceria em caso de o prejuízo produzir por ela ser maior
do que o prejuízo que se quer evitar; (4) Quando a punição for supérfua, quando o prejuízo pode
ser evitado – ou pode cessar por si mesmo – sem a punição, ou seja, por um preço menor”14

14 BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. Nova Cultura, 1989
19
5

5. OBJETO DA FILOSOFIA DO DIREITO


OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

5.1. JUSTIÇA

O debate sobre Justiça sempre foi no sentido de se determinar o que seria uma sociedade justa,
a qual, na verdade, não existe na realidade, mas apenas no ideário dos flósofos, que buscavam
determinar, teoricamente, sua organização, seu governo e a qualidade dos governantes dessa
sociedade justa.

Acerca da justiça, Aristóteles escreveu que “Temos, pois, defnido o justo e o injusto. Após
distingui-los assim um do outro, é evidente que a ação justa é intermediária entre o agir injustamente
e o ser vítima da injustiça; pois um deles é ter demais e o outro é ter demasiado pouco”15. Para
Aristóteles, portanto, a justiça deve sempre ser entendida como espécie de meio-termo. Nesse
aspecto, Aristóteles afrma que o juiz é considerado a personifcação da justiça e o seu mediador,
sendo que “ir ao juiz é ir à justiça, porque se quer que o juiz seja como se fosse a própria justiça
viva”. Afrma, ainda, que o juiz “é uma pessoa equidistante e, em algumas cidades são chamados
de ‘mediadores’, no pressuposto de que, se as pessoas obtêm o meio-termo, elas obtêm o que é
justo” TEMA COBRADO NO XI EXAME DA OAB/FGV.

Dessa forma, com cada indivíduo ocupando o espaço o obtendo aquilo que lhe é devido, estar-
se-ia fazendo justiça (dikê), aqui compreendida como sendo a necessidade de que cada um assimile
e aceite o seu lugar na sociedade segundo a natureza das coisas, não tentando ocupar o espaço ou
obter aquilo que pertence a outro.

Platão, igualmente, ao refetir sobre a justiça, manifesta um espírito precipuamente


conservador, defendendo que cada classe social deve se conformar com a situação ocupada na
pólis, não tentando subvertê-la ou alterá-la. O flósofo, no entanto, não pretendia abolir ou segregar
qualquer classe social, mas reformar o sistema de classes até então estabelecido por conta das
diferenças de patrimônio e renda, substituindo-o por outro fundado nas atribuições naturais com
que cada indivíduo era dotado.

Ainda nas palavras de Aristóteles “A justiça é a forma perfeita de excelência moral porque ela é a
prática efetiva da excelência moral perfeita. Ela é perfeita porque as pessoas que possuem o sentimento
de justiça podem praticá-la não somente a si mesmas como também em relação ao próximo”16.

O flósofo, então, propõe, em sua obra Ética a Nicômaco17, a seguinte classifcação de justiça TEMA
COBRADO NO XX EXAME DA OAB/FGV.

• Justiça Universal

Os primeiros traços da justiça universal foram objeto de amplos estudos por parte de

15 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Nova Cultural: 1996


16 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Nova Cultural: 1996
17 ARISTÓTELES. Ob. cit.
20
Aristóteles, partindo da análise do que era injusto. Para ele, o termo injusto se aplicaria “tanto às
pessoas que infringem a lei quanto às pessoas ambiciosas (no sentido de quererem mais do que
aquilo a que têm direito) e iníquas, de tal forma que as cumpridoras da lei e as pessoas corretas
serão justas. O justo, então, é aquilo conforme à lei e correto, e o injusto é o ilegal e iníquo”.
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O conceito de justo universal, portanto, estaria ligado ao cumprimento das leis. A justiça
seria refexo da obediência ao nómos, ou seja, ao ordenamento jurídico expressado nas normas,
englobando, ainda, os princípios e os costumes dominantes em uma determinada sociedade.

• Justiça particular

A justiça particular é uma espécie de justiça que, diversamente da justiça universal, corresponde
a apenas uma parte da virtude, não à virtude total. O justo particular, portanto, seria espécie do
gênero justiça total, dividindo-se em justiça distributiva e justiça corretiva.

Justiça Distributiva: é aquela relacionada à distribuição, pela polis, ou seja, pelo Estado, de
cargos, bens, honrarias, responsabilidades, deveres e impostos.

Conforme Aristóteles, a justiça distributiva é “uma das espécies de justiça em sentido estrito
e do que é justo na acepção que lhe corresponde, é a que se manifesta na distribuição de funções
elevadas de governo, ou de dinheiro, ou das outras coisas que devem ser divididas entre os
cidadãos que compartilham dos benefícios outorgados pela constituição da cidade, pois em tais
coisas uma pessoa pode ter participação desigual ou igual à de outra pessoa”.

Prosseguindo, o flósofo afrma que “o justo nesta acepção é, portanto o proporcional, e o


injusto é o que viola a proporcionalidade. Neste último caso, um quinhão se torna muito grande
e outro muito pequeno, como realmente acontece na prática, pois a pessoa que age injustamente
fca com um quinhão muito grande do que é bom e a pessoa que é tratada injustamente fca com
um quinhão muito pequeno. No caso do mal o inverso é verdadeiro, pois o mal maior, já que o mal
menor deve ser escolhido em preferência ao maior, e o que é digno de escolha é um bem, e o que
é mais digno de escolha é um bem ainda maior”.

Em resumo, a justiça distributiva seria o meio-termo afrmado pelo flósofo, sendo justo, portanto,
atingir a fnalidade de dar aquilo que é devido a cada um, na medida de seus próprios méritos.

Aristóteles compara a justiça com a equidade, concluindo que são “a mesma coisa, embora
a equidade seja melhor. O que cria o problema é o fato de o equitativo ser justo, mas não justo
segundo a lei, e sim um corretivo da justiça legal”.\

Justiça Corretiva: A justiça corretiva se difere da justiça distributiva por utilizar, como critério
de justiça, o restabelecimento do equilíbrio rompido entre os particulares.

Segundo os ensinamentos de Aristóteles, a justiça corretiva “é a que desempenha função


corretiva nas relações entre as pessoas. Esta última se subdivide em duas: algumas relações são
voluntárias e outras são involuntárias; são voluntárias a venda, a compra, o empréstimo a juros, o
penhor, o empréstimo sem juros, o depósito e a locação (estas relações são chamadas voluntárias
porque sua origem é voluntária); das involuntárias, algumas são sub-reptícias (como o furto,
o adultério, o envenenamento, o lenocínio, o desvio de escravos, o assassino traiçoeiro, o falso
21
testemunho), e outras são violentas, como o assalto, a prisão, o homicídio, o roubo, a mutilação, a
injúria e o ultraje”.

A justiça corretiva seria aplicada pelo juiz, mediador dos processos, considerado por Aristóteles
como a personifcação da justiça, pois, “ir ao juiz é ir à justiça, porque se quer que o juiz seja como se
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

fosse a própria justiça viva (...) é uma pessoa equidistante e, em algumas cidades são chamados de
‘mediadores’, no pressuposto de que, se as pessoas obtêm o meio-termo, elas obtêm o que é justo”.

A justiça corretiva pode ser defnida, também, como justiça comutativa, que impõe a condição
de equivalência entre os indivíduos que foi rompida anteriormente. Essa equivalência deve ser
respeitada pelas partes envolvidas, que se encontram vinculadas por ato de vontade ou não. Nesse
aspecto, a justiça comutativa também é chamada de justiça sinalagmática.

• Justiça Política

A justiça política é vislumbrada no âmbito das relações dos indivíduos perante seus iguais
enquanto integrantes da mesma polis, organizando o modo de vida da vida comunitária. Aristóteles,
afrma que o justo político “se apresenta entre as pessoas que vivem juntas com o objetivo de
assegurar a autossufciência do grupo - pessoas livres e proporcionalmente ou aritmeticamente
iguais. Logo, entre pessoas que não se enquadram nesta condição não há justiça política, e sim a
justiça em um sentido especial e por analogia”.

As pessoas consideradas cidadãs na polis formavam, então, um conjunto restrito e excludente,


evitando o ingresso de estrangeiros, escravos, mulheres, etc., não se aplicando a justiça política
sobre esses demais membros, os quais eram atingidos apenas indiretamente.

• Justiça Doméstica

A justiça doméstica, como o próprio nome diz, é aquela que se restringe ao âmbito da casa de
cada indivíduo, impondo-se sobre a esposa, os flhos, objetos e escravos. Aristóteles dizia que “a
justiça do senhor para com o escravo e a do pai para com o flho não são iguais à justiça política,
embora se lhe assemelhem; na realidade, não pode haver injustiça no sentido irrestrito em relação
a coisas que nos pertencem, mas os escravos de um homem, e seus flhos até uma certa idade em
que se tornam independentes, são por assim dizer partes deste homem, e ninguém faz mal a si
mesmo (por esta razão uma pessoa não pode ser injusta em relação a si mesma)”.

Sobre essa espécie de justiça, Aristóteles afrma que não há que se falar em justiça ou injustiça,
defendendo, nesse aspecto, poderes irrestritos do pai sobre seu flho ou do senhor sobre o seu escravo.

• Justiça Legal

A justiça legal, junto com a justiça natural, é uma divisão da justiça política. A distinção feita
por Aristóteles entre o justo legal (díkaion nomikón) e o justo natural (díkaion physikón) é feita da
seguinte forma: “A justiça política é em parte natural e em parte legal; são naturais as coisas que
em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não, e é legal aquilo
que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois
de determinado já não é indiferente”.

22
A justiça legal tem fundamento na lei, correspondendo às prescrições do nómos, ou seja,
das regras vigentes entre os cidadãos na polis, defnidas pela vontade do legislador. Possuindo
força não natural, é fundada em convenções, uma vez que a vontade do órgão que emana o
ato legislativo é soberana, pressupondo consenso de todos. Uma vez vigente, a lei passa a ser
obrigatória e vincula os cidadãos.
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• Justiça Natural

A justiça natural, por outro lado, consiste no conjunto de regras que encontram validade, força, aplicação
e aceitação universais, podendo-se defnir o justo natural como parte do justo político, encontrando
respaldo na natureza e não depende do arbítrio dos legisladores, possuindo caráter universalista.

A justiça natural, desse modo, possui uma força que rompe as barreiras políticas, transcendendo
a vontade humana, sendo imutáveis e tendo a mesma forma em todo lugar.

5.2. GOVERNO

Platão, ao tratar dos governantes (arcontes), afrma que a sociedade ideal, na verdade,
deveria ser governada pelos flósofos ou pelo flósofo-rei, porque somente o homem sábio teria a
completa e correta ideia do bem e da justiça, tendo, assim, menos inclinação para o cometimento
de injustiças ou práticas voltadas para o mal, evitando que os governados busquem se rebelar
contra a ordem social.

Aristóteles, a seu termo, classifcou a política como algo pertencente às “ciências práticas”,
ou seja, aquelas que ajudariam o homem a agir visando a felicidade e o bem-estar, merecendo,
portanto, um estudo especial.

Os governos que mantêm como objetivo primordial o bem comum, diz-se que são orientados
por constituições retas, ou puras. No entanto, se os poderes dos governantes forem exercidos para
satisfação do interesse privado de um só indivíduo, de apenas um grupo ou classe social, pode-se
afrmar que sua constituição está desvirtuada.

Quando isso acontece, as formas de governo também acabam degradadas pelos interesses
privados e pessoais dos indivíduos privilegiados, sofrendo alterações na sua essência. A monarquia,
a aristocracia e a democracia se degradam, por exemplo, em tirania, oligarquia e monocracia (ou
ditadura), terminando por benefciar interesses de particulares, do tirano, do grupo que detém o
poder ou da grande massa controlada pelo governo, marginalizando-se o bem comum.

5.3. POLÍTICA

Aristóteles utiliza o termo política para se referir à ciência relativa à felicidade humana, que
consistiria em uma certa maneira de viver do homem, tanto em relação ao meio que o cerca, os
costumes adotados, quanto às instituições estabelecidas na comunidade à qual pertence.

O objetivo da política seria, então, descobrir qual a maneira de se viver que levaria à felicidade
humana, bem como qual a forma de governo e as instituições capazes de assegurarem essa
felicidade. Para Aristóteles “o fm é um bem, e o maior dos bens e bem em mais alto grau se acha
principalmente na ciência todo-poderosa; esta ciência é a política, e o bem em política é a justiça,
23
ou seja, o interesse comum”18.

Desse modo, para se obter uma sociedade estável e feliz, Aristóteles considerava que o regime
mais adequado era o misto, que equilibrava a força dos cidadãos ricos com o número de indivíduos
pobres. A sociedade ideal seria, então, aquela baseada na mediania, que garantiria a efetiva
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

presença de uma classe média forte, atenuando os confitos entre ricos e pobres, estabilizando a
organização social.

Esse governo era defnido por Aristóteles como a Timocracia (do grego, timé: honra ou valor),
teoria constitucional que propunha um estado onde somente os donos de terras poderiam participar
do governo ou onde a honra era o princípio dominante, sem participação do Estado e governando
em busca do bem comum.

18 ARISTÓTELES. Obras. 2. ed. Madeira. 1973


24
6

6. ÉTICA E MORAL
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6.1. ÉTICA

Em suma, ética é o processo de refetir sobre os princípios e valores de cada pessoa, adquiridos
a partir de uma determinada cultura por infuência do meio social, econômico, religioso e político.

Em outras palavras, é a análise do conjunto de princípios e valores que regem a vida do


homem, da conduta humana baseada no bem ou no mal, da compreensão sobre o que é certo ou
errado, sob o prisma dos costumes, comportamentos e cultura de uma determinada sociedade.

As refexões feitas pela ética devem levar em consideração o fato de que os costumes de um
povo mudam com o tempo, fazendo com que aquilo que hoje é aceito pela sociedade, amanhã pode
não ser. O que hoje é ético, amanhã pode não ser. Além disso, o que uma sociedade considera
errado, pode ser considerado certo por outra cultura. O que é ético aqui, pode não ser do outro
lado do mundo. A ética fomenta discussões sobre essas questões, incluindo, nos debates, também,
temas ligados à moral e ao direito.

Miguel Reale afrma que a moral, juntamente com o direito, faria parte da chamada “unidade
da vida ética”, ou, eticidade.

Para Hegel, fazem parte da eticidade a moral, o direito e a economia, elementos que levam a
um desenvolvimento das relações éticas. Para ele, o Estado seria o ápice da eticidade humana.

Aristóteles, a partir de sua visão sistemática e integrada do conhecimento, valorizou a ciência


empírica, a ética e a política, dividindo o conhecimento entre o prático (práxis) o produtivo (poiesis)
e teórico. A ética, nesse caso, estaria no campo do conhecimento prático, juntamente com a política.
A ética aristotélica pressupõe três elementos fundamentais: razão, boa conduta (eupraxia) e
felicidade (eudaimonia).

Suas refexões éticas determinaram que o homem tenderia para a felicidade. O homem buscaria,
como seu fm último, a felicidade, que decorreria de atividades realizadas conforme a razão e a
partir das virtudes humanas. A virtude, nesse aspecto, seria a excelência da ética.

Em sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles procurou refetir sobre as virtudes e como constituiriam
a excelência ética, surgindo daí a teoria de que virtude é a justa medida, enquanto os vícios, que
representariam o apartamento da ética, seriam decorrentes do excesso e da falta de moderação.

6.2. MORAL

O termo moral tem sua origem no latim “morus”, que signifca usos e costumes. A moral seria,
então, o conjunto das regras sociais para se realizar algo específco ou atingir um objetivo concreto.
25
Moral e direito eram, no passado, coisas que se equivaliam, compondo a mesma realidade
e sendo analisadas conjuntamente. Na antiguidade, a diferenciação entre moral e direito não
era clara, já que ambas tratavam o mesmo conteúdo. Os gregos e romanos não concebiam uma
distinção, pois entendiam que o dever moral e o dever jurídico possuíam o mesmo sentido.
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

Na modernidade a distinção entre moral e direito ganhou força, principalmente com a reforma
protestante, que defendeu a existência de uma limitação no âmbito de atuação do Estado, defnindo
uma área em que o Estado não possa agir: um âmbito interno, ligado à intimidade e à privacidade
dos indivíduos.

Passaram a surgir critérios de distinção entre moral e direito. Um dos primeiros foi o critério
de foro íntimo e foro externo. A moral pertenceria ao foro íntimo, à consciência, enquanto o
direito pertenceria ao foro externo, ou ao plano da ação, sendo dois âmbitos diferentes da vida em
sociedade. A partir dessas refexões, alguém só poderia ser punido pelo que efetivamente fzesse
e não pelo que pensasse.

Kant afrmava que moral representava um de seus imperativos categóricos, isto é, uma das
máximas criadas por ele para se determinar o que seria moral. O imperativo categórico seria
uma ação que poderia se tornar uma lei universal TEMA COBRADO NOS EXAMES XV E XXXVII
DA OAB/FGV. Por exemplo: trate o outro do modo como gostaria de ser tratado.

O segundo critério contrapõe a autonomia e a heteronomia. A moral é autônoma e o direito é


heterônomo. A moral, por se foro íntimo, deve ser autônoma. Cada indivíduo estabelece para si as
próprias regras morais ou suas normas internas. O Direito é heterônomo por ser estabelecido por
um terceiro, no caso, o Estado.

Como terceiro critério temos a coerção. As normas morais não possuem a possibilidade de
serem cumpridas por coerção. Não se pode exigir de alguém que observe uma regra moral, como,
por exemplo, obrigar alguém a observar um costume de cumprimentar as pessoas ao chegar em
algum lugar. Se a norma for descumprida, não haverá uma coerção para que seja cumprido o ato,
ainda que haja certa repulsa em relação ao indivíduo.

Já o eventual descumprimento das normas impostas pelo direito, pode ser passível de
coerção pelo Estado.

Por fm, o critério unilateral e bilateral. A moral é unilateral enquanto o direito é bilateral.
Nas condutas morais não se pode exigir nada em troca, mas naquelas reguladas pelo direito, sim.
Se um indivíduo sai à rua e encontra um amigo que lhe cumprimenta com um abraço e, logo em
seguida, lhe pede dinheiro, não há bilateralidade que exija o atendimento do pedido. No entanto, se
esse mesmo indivíduo entra em um taxi, o ato de o taxista leva-lo de um ponto a outro na cidade,
por ser bilateral aos olhos do direito, exige a contrapartida.

O mero pedido de dinheiro pelo amigo é um ato que deve ser observado do ponto de vista da
moral, relacionando-se com a consciência de cada um. Se o indivíduo não dá o dinheiro, o amigo
não terá qualquer meio para exigi-lo. Já em relação ao pagamento devido ao taxista há um nexo
decorrente do serviço prestado, uma vez que a conduta é regulada pelo direito e não pela moral.
Há, nesse caso, uma relação de bilateralidade.

De maneira mais clara, a conduta moral é aquela praticada de acordo com princípios éticos.
26
Moral é a prática da ética. Mas, enquanto não externalizada a vontade do indivíduo, ela permanece
apenas no campo da moral. Realizada a ação a partir dessa vontade, a conduta passa para o campo
do direito, devendo adequar-se a ele sob pena de coerção. Sobre o tema, Tércio Sampaio Ferraz
Júnior leciona, em sua obra Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação, que o
“direito e moral distinguem-se no sistema kantiano como duas partes de um mesmo todo unitário,
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

a saber, duas partes que se relacionam à exterioridade e à interioridade, uma vez relacionadas à
liberdade interior e à liberdade exterior”19 TEMA COBRADO NO X EXAME DA OAB/FGV.

19 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação.
Atlas. 1994.
27
7

7. A CIÊNCIA DO DIREITO
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

7.1. CONCEITO DE DIREITO

O termo direito vem do latim “ius”, que remete à ideia do que é justo. Da expressão “ius”
surgiram, também, os termos justiça, jurisdição e jurisprudência, palavras com a mesma raiz.

O direito traz consigo, portanto, a ideia de ordem, equilíbrio e justiça. A relação entre direito
e sociedade é muito íntima, afnal o direito só existe em função dela, sendo imprescindível, por
meio de suas regras, para o estabelecimento de qualquer corpo social. Platão afrmava que até em
grupo de bandidos são necessárias regras.

É impossível pensar em uma sociedade sem o direito, afnal, uma sociedade é um ambiente
de escassez, o que gera inevitáveis confitos. A coordenação desses confitos faz do direito uma
verdadeira exigência da vida em comunidade. O direito tem a ver com relações interpessoais (entre
pessoas), não se estabelecendo onde haja apenas uma pessoa (metáfora de Robinson Crusoé).
O direito busca, portanto, estabelecer as regras que vão sustentar uma sociedade, ajustando o
homem perante seus iguais de forma jurídica, estabelecendo o Estado como regulador das regras
de organização defnidas pelo direito.

O direito existia mesmo antes da defnição de Estado como conhecido hoje, antes da escrita, quando
ainda era costumeiro, haja vista a necessidade de um regramento mínimo para o convívio comum.

Sendo o direito uma regra de convivência em sociedade, pode-se dizer que o direito é norma.
Mas não é a única norma de conduta, existindo outras, como os costumes, a religião, etc., com as
quais se relaciona.

Em comum, todas estas normas estão no plano do dever ser, sendo expectativas de
comportamento. Espera-se que, em sociedade, as pessoas não roubem, não matem, não se
corrompam, evitando-se confitos sociais que possam trazer problemas aos indivíduos.

Sobre esses confitos decorrentes da inobservância do direito, Rudolf Von Ihering, em sua obra
“A Luta pelo Direito”20 afrma que “O fm do direito é a paz, o meio de atingi-lo, a luta”. Para o autor,
o direito de uma sociedade seria exatamente a expressão dos confitos sociais desta sociedade,
resultando de uma luta de pessoas e grupos pelos seus próprios direitos subjetivos. Por isso, o
Direito seria uma força viva e não uma ideia. A frase Ihering expressa justamente a ideia de que o
direito surge para regular os confitos sociais, de modo que, inexistindo confito, ou seja, em caso
de paz absoluta, o direito perderia a razão de existir.

Ihering defne o direito como produto da luta de todos por direitos e não de um processo
natural. O autor, inclusive, refere-se ao fato de o símbolo do direito ser uma balança e uma espada:
a balança, para a justa apreciação dos fatos, e a espada, como sinal de força. Apenas a espada,
sem a correta medida da balança, traria a violência insana. Já a balança, sem a força da espada,
20 IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. Editora Revista dos Tribunais. 1998
28
promoveria um direito impotente, inútil para o fm da pacifcação social. Em resumo, o autor
afrma que o resultado da guerra de outras gerações é o que garante a paz que se desfruta em
momento posterior TEMAS COBRADOS NOS EXAMES XVI E XXVI DA OAB/FGV.

7.2. HERMENÊUTICA
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

A hermenêutica é um ramo da flosofa que se ocupa com os estudos acerca da teoria da


interpretação, podendo se referir à arte da interpretação ou à prática e treino de interpretação.
Em resumo, a hermenêutica tradicional diz respeito ao estudo da interpretação de textos escritos,
especialmente nas áreas de religião, literatura e direito.

O hermeneuta é aquele que se ocupa da arte de transmitir e de interpretar uma ideia,


contextualizando e clareando o sentido das palavras do emissor original.

As pessoas interpretam as informações que recebem a partir de suas vivências e experiências


pessoais, as quais, no entanto, não correspondem às experiências e vivências de pessoas de outras
culturas ou de outras gerações. Surgem, por esse motivo, possíveis erros de interpretação. Por
esse motivo devem ser estabelecidos parâmetros que defnam quais as interpretações são válidas,
sob pena de quaisquer interpretações a respeito de um fato social ou uma norma serem válidas.

Surgiram, então, ao longo do tempo, divisões metodológicas da hermenêutica, as quais


apresentam parâmetros específcos próprios ou comuns, aplicáveis ao processo de interpretação.
De acordo com a flosofa, a hermenêutica pode ser epistemológica, voltada para a interpretação
de textos, ou ontológica, remetendo à interpretação de uma realidade.

As mais relevantes divisões da hermenêutica seriam as seguintes:

Hermenêutica bíblica: a necessidade de serem estabelecidas regras específcas para análise


e compreensão de textos bíblicos deu espaço à teoria da exegese ou hermenêutica de textos da
Bíblia, com aplicação obviamente restrita aos textos do antigo e do novo testamento.

Hermenêutica flológica: metodologia surgida a partir do desenvolvimento do iluminismo,


tendo defnido regras gerais de exegese flológica aplicáveis a textos bíblicos, mas ampliando seu
alcance, também a outros textos literários. A hermenêutica flológica (ref. a flologia) possui ligação
com o estudo da linguagem registrada em fontes históricas escritas, sendo defnida como o estudo
de registros escritos e de textos literários, tendo como objetivo não só determinar o signifcado dos
mesmos, mas também estabelecer sua autenticidade.

Hermenêutica fenomenológica: método hermenêutico que tem por objeto a existência humana
e a compreensão ontológica dessa existência. Estudada pelo flósofo alemão Martin Heidegger
(1889-1976) em sua obra “Ser e Tempo”21, a hermenêutica fenomenológica apresenta regras para
resolver o problema do sentido do ser. Seu objeto fundamental não é o homem, mas o ser. Mais
especifcamente, o sentido do ser. Criando uma denominação própria, Heidegger defne o modo de
ser do homem com a palavra Dasein, cujo sentido é “ser-aí” ou “estar aí”, referindo-se ao homem
enquanto ente que “existe imediatamente no mundo” e que é capaz de questionar o ser e possuir
uma compreensão do ser.

Hermenêutica jurídica: a hermenêutica jurídica é a divisão da hermenêutica que tem como


21 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Editora Vozes, 2015
29
objeto a interpretação de normas jurídicas, apontando métodos para a compreensão de dispositivos
legais e fxação do sentido e do alcance das normas jurídicas.

Os textos jurídicos, em princípio, são suscetíveis e carecem de interpretação porque toda


linguagem é passível de adequação a cada situação. Segundo o jusflósofo alemão Karl Larenz,
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

grande parte dos textos jurídicos apresentam problemas de compreensão porque, apesar de
serem redigidos em linguagem corrente ou em linguagem especializada, contêm expressões que
apresentam uma margem de variabilidade de signifcação. Para Larenz as leis são “uma obra de
linguagem, que, como tal, carece de interpretação”22 TEMA COBRADO NO XVIII EXAME DA OAB/
FGV.

A interpretação da norma legal deve esclarecer o seu signifcado e validade, bem como demonstrar
o seu alcance social, garantindo que a aplicação concretize seus fns sociais e leve ao bem comum.

Para solucionar problemas quanto ao signifcado à validade da norma, os métodos de


interpretação são: gramatical, lógica e sistemática.

Interpretação gramatical: também chamada de literal, permite decifrar o signifcado da norma


jurídica por meio de uma abordagem léxica, analisando o texto do ponto de vista da gramática. São
verifcadas questões quanto ao signifcado de uma palavra, tomada não só isoladamente, mas em
conexão com as demais palavras do texto. Preocupa-se, ainda, com as acepções dos vocábulos e
seus sinônimos, uso de pronomes substantivos e adjetivos.

Interpretação lógica: resolve contradições entre os termos de uma norma jurídica, a fm de se


chegar a um signifcado que seja coerente do ponto de vista da lógica, aclarando situações em que
os termos apresentem signifcados divergentes.

Interpretação sistemática: analisa normas jurídicas perante o sistema jurídico em que se


encontram inseridas, observando que o ordenamento é um todo unitário e que as normas que o
compõem não devem apresentar incompatibilidades, devendo ser escolhido o signifcado que seja
coerente com o restante do conjunto, mormente em relação a normas hierarquicamente superiores
e a princípios gerais do direito.

Já para demonstrar o alcance da norma legal, é preciso identifcar fenômenos históricos e


sociais que infuenciaram no signifcado das palavras ou expressões utilizadas. O esclarecimento
sobre o signifcado dessas palavras e expressões pode ser alcançado por meio da interpretação
histórica, sociológica, teleológica e axiológica.

Interpretação histórica: assemelha-se à busca da vontade do legislador. Recorrendo aos


precedentes normativos e aos trabalhos preparatórios, que antecedem a aprovação da lei, tenta
encontrar o signifcado das palavras no contexto de criação da norma (occasio legis).

Interpretação sociológica: por seu turno, assemelha-se à busca da vontade da lei. Focando o
presente, tenta verifcar o sentido das palavras imprecisas analisando-se os costumes e os valores
atuais da sociedade.

Interpretação teleológica: busca os fns da norma, tendo como critério básico a análise sobre
a fnalidade do texto legal, observando-se, para tanto, a realidade e o contexto social, político e
22 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Fundação Calouste Gulbekian, 1997
30
econômico que a norma pretendia atender com vistas à concretização da justiça e do bem comum .

Interpretação axiológica: busca explicitar os valores que serão concretizados pela norma
TEMA COBRADO NO X EXAME DA OAB/FGV.
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

Ainda no que diz respeito à interpretação, ganha destaque a Teoria Tridimensional do Direito,
criada por Miguel Reale, segundo a qual o fenômeno jurídico deve ser sempre analisado com
base no trinômio fato, valor e norma. Assim, ao aplicar uma norma jurídica a um determinado caso
concreto, o operador do direito deve levar em consideração, durante o processo de interpretação
da norma aplicada, todos os valores que, de algum modo, sejam relevantes à resolução do
problema posto em discussão TEMA COBRADO NO XIX EXAME DA OAB/FGV.

Após determinar-se um signifcado válido para a norma e defnir-se o seu alcance, resta mostrar
que sua aplicação concretizará seus fns sociais e levará ao bem comum, como pressupõe o art.
5° da LINDB, podendo ser utilizadas, para tanto, a interpretação deve ser restritiva, extensiva ou
cognoscitiva.

Interpretação restritiva: quando a lei possui palavras que, se aplicadas literalmente, vão
concretizar um resultado que vai além da vontade da lei, cabendo ao intérprete reduzir o alcance
da norma.

Interpretação extensiva: a norma carece de amplitude em relação às palavras que a compõem,


dizendo menos do que deveria dizer, cabendo ao intérprete ampliar o signifcado da norma, fazendo
com que o seu resultado alcance o objetivo efetivamente pretendido pela vontade do legislador.

Interpretação cognoscitiva: a interpretação cognoscitiva combina-se a um ato de vontade


em que o órgão aplicador efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas por meio da
mesma interpretação cognoscitiva. Hans Kelsen, ao abordar o tema da interpretação jurídica no
seu livro “Teoria Pura do Direito”23, fala em ato de vontade e ato de conhecimento, afrmando
que “na aplicação do Direito por um órgão jurídico, a interpretação cognoscitiva (obtida por uma
operação de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o
órgão aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através daquela
mesma interpretação cognoscitiva. Com este ato, ou é produzida uma norma de escalão inferior,
ou é executado um ato de coerção estatuído na norma jurídica aplicanda” TEMA COBRADO NO
XVII EXAME DA OAB/FGV.

7.3. HERMENÊUTICA E EXEGESE

Para muitos hermenêutica e exegese são sinônimos, referindo-se ambos os termos ao processo
de interpretação de escritos, sejam eles históricos, religiosos, flosófcos ou jurídicos.

A palavra Hermenêutica possui origem grega, signifcando o ato de interpretar ou explicar algo.
Por sua vez, Exegese signifca extrair do texto o que ele signifca. No entanto, há uma diferença
bem sutil entre as expressões.

A Exegese tem como objetivo dar clareza a um texto, buscando analisar o seu signifcado
de forma profunda e objetiva, extraindo do texto aquilo que ele signifca, mas de forma literal.
23 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8˚ ed. Martins Fontes, 2009
31
Já a hermenêutica seria um método de interpretação mais amplo, abrangendo outros aspectos.
A hermenêutica não busca somente analisar o texto, analisando também o seu contexto,
observando aspectos históricos, sociais, culturais, econômicos e o momento político em que o
texto interpretado foi escrito.
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

Nesse contexto, Norberto Bobbio, ao explicar as características fundamentais da Escola da


Exegese, afrma que esta foi marcada por uma concepção rigidamente estatal de direito. Segundo
Bobbio, a Escola da Exegese concluiu que a lei não deveria ser interpretada segundo a razão e
os critérios valorativos daquele que deve aplicá-la (como defendiam os hermeneutas), mas, ao
contrário, o intérprete deveria submeter-se completamente à razão expressa na própria lei,
observando o princípio da onipotência do legislador. Segundo o autor, as características da Escola
da Exegese podem ser assim resumidas: “o argumento fundamental que guia os operadores do
direito no seu raciocínio jurídico é o princípio da autoridade, isto é, a vontade do legislador que pôs
a norma jurídica; pois bem, com a codifcação, a vontade do legislador é expressa de modo seguro e
completo e aos operadores do direito basta ater-se ao ditado pela autoridade soberana”24 TEMA
COBRADO NO XV EXAME DA OAB/FGV.

7.4. DIALÉTICA

De forma geral, a Dialética representa o processo de refexão a respeito de ideias, princípios


ou valores que se contrapõem em relação a um determinado tema, não importado, contudo, se
essas refexões vão ou não determinar qual a ideia prevalecente. O que importa para a Dialética
são as perspectivas dos posicionamentos confitantes em busca daquilo que cada um defenda
como verdadeiro.

Hegel entendia a Dialética como a contraposição entre uma tese e sua antítese, de cuja
refexão surgiria uma síntese, que seria a expressão da verdade desejada. O problema é que essa
síntese poderia também evoluir para uma nova tese e, consequentemente, novas antíteses, em
uma progressiva contraposição de argumentos que nunca seriam resolvidos dialeticamente.

Surge, então, a ideia de dialética de complementaridade, pela qual não haveria possibilidade
de reduzir uma tese e sua antítese a uma síntese superadora do confito. A dialética de
complementaridade reconhece que as duas posições antagônicas subsistem, em mútua correlação,
de forma distinta e complementar.

Para Miguel Reale, a contraposição e contradição de ideias (dialética) não importa na


contradição de lados opostos, mas na interdependência desses opostos, chegando-se, a partir da
complementação entre as partes, ao surgimento de novas ideias (dialética de complementaridade).

Segundo o autor, em sua obra “Teoria Tridimensional do Direito”25 o caráter dialético do


conhecimento é sempre “de natureza relacional, aberto sempre a novas possibilidades de
síntese, sem que esta jamais se conclua, em virtude da essencial irredutibilidade dos dois
termos relacionados ou relacionáveis. É a esse tipo de dialética, que denomina dialética de
complementaridade”. E prossegue: “No âmbito da dialética de complementaridade, dá-se a
implicação dos opostos na medida em que se desoculta e se revela a aparência da contradição,
sem que com este desocultamento os termos cessem de ser contrários, cada qual idêntico a si
mesmo e ambos em mútua e necessária correlação” TEMA COBRADO NO XVII EXAME DA
OAB/FGV.

24 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: Lições da flosofa do direito. Ícone, 1995


25 REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5.ª ed. Editora Saraiva. 2003 32
Pela dialética de complementaridade os elementos contrapostos não se fundem, mas se
correlacionam, mantendo-se, porém, perfeitamente distintos. Foi com a Teoria Tridimensional
do Direito que a ideia de dialética de complementaridade ganhou destaque, na medida em que se
passou a reconhecer que fato, valor e norma mantêm uma relação de dialética, mas de maneira
complementar.
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

7.5. ANTINOMIAS

Uma Antinomia, segundo a tradição de doutrinas infuenciadas pelo ceticismo, como o kantismo,
é uma contradição entre duas proposições flosófcas igualmente críveis, lógicas ou coerentes,
mas que chegam a conclusões diametralmente opostas, demonstrando os limites cognitivos ou
as contradições inerentes ao intelecto humano. Em suma, antinomia jurídica se caracteriza pelo
confito entre duas normas válidas, emanadas de uma autoridade competente, a partir do qual
surgem difculdades para que se defnir qual será aplicada a um determinado caso.

Nesse sentido, antinomia jurídica seria uma contradição, aparente ou real, entre normas ou
princípios de um mesmo sistema jurídico, causando difculdades em sua interpretação e afetando
a segurança jurídica daquele sistema. Podem ser verifcadas antinomias entre normas, entre
princípios jurídicos ou entre uma norma e um princípio.

Considerando que um determinado conjunto de normas jurídicas deve seguir certa ordem e
possuir caráter unitário, uma das consequências da antinomia é o dano que causa ao sistema
jurídico em que verifcada, reduzindo sua credibilidade em face da contestação de sua lógica.
Além da confusão causada nos operadores do Direito, as antinomias dão uma abertura excessiva
a interpretações múltiplas de uma mesma situação, surgindo a necessidade de aplicação da
hermenêutica para a solução dos confitos entre normas e princípios, restaurando a integridade
do ordenamento.

Segundo Norberto Bobbio, em sua obra “Teoria do Ordenamento Jurídico”26 são necessárias
duas condições para que uma antinomia ocorra. As duas normas ou princípios em confito devem
pertencer ao mesmo ordenamento e devem ter o mesmo âmbito de validade, seja temporal,
espacial, pessoal ou material. Para Bobbio, antinomia jurídica seria “aquela situação que se verifca
entre duas normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo âmbito
de validade”, nos aspectos temporal, espacial, pessoal e material” TEMA COBRADO NO XXII
EXAME DA OAB/FGV.

Segundo Bobbio as antinomias são (1) aparentes, quando o próprio ordenamento jurídico
apresenta a solução do confito, e (2) reais, quando realmente inexiste qualquer critério normativo
válido para defnir qual das normas será aplicada, devendo o aplicador do direito solucionar o
confito por meio da interpretação equitativa, ou recorrendo aos costumes, à doutrina, a princípios
gerais do direito, etc., surgindo, em alguns casos, a necessidade de edição de uma nova norma
TEMA COBRADO NO XVIII EXAME DA OAB/FGV.

As antinomias jurídicas reais são aquelas que denotam um confito exclusivo e incompatível,
afgurando-se impossível a sua resolução pelos critérios designados pelo ordenamento. No caso,
a incoerência representa um erro lógico tão grave que a única solução viável é a exclusão ou
edição de uma das normas confitantes. Ainda que seja possível a resolução pontual do problema
pelo operador do Direito, a solução do confito real não estará suprimindo a antinomia.

26 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Editora Universidade de Brasília, 1997
33
Por outro lado, as antinomias jurídicas aparentes referem-se a confitos em que uma solução
interpretativa é viável, cabendo ao operador do Direito utilizar, para tanto, determinados critérios
lógicos, doutrinários e normativos.

Muitos autores criaram doutrinas próprias para a defnição de critérios de resolução de


OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

antinomias, mas, de um modo geral, destacam-se três critérios básicos:

Critério Cronológico: por esse critério a norma posterior prevalece sobre a anterior. Diz-se
que a lei posterior derroga as leis anteriores (“lex posterior derogat legi priori”).

Critério Hierárquico: a norma que possui um status hierarquicamente superior se sobrepõe


à de caráter inferior, como no caso de confitos entre normas constitucionais e leis ordinárias,
ou entre leis ordinárias e decretos. Diz-se que que a lei superior derroga as leis inferiores (“lex
superior derogat legi inferiori”).

Critério da Especialidade: a antinomia se resolve pela aplicação da norma mais específca


em relação ao caso concreto. Ao debruçar-se sobre o objeto confituoso o operador do Direito irá
encontrar uma norma ou princípio que possui caráter mais específco, devendo esta prevalecer em
relação àquela de caráter mais genérico. Diz-se que a lei especial derroga as leis genéricas (“lex
specialis derogat legi generali”).

7.6. LACUNAS

Denomina-se lacuna o vazio ou a incompletude de um ordenamento por inexistência de uma


norma aplicável a um caso concreto ou de um critério que permita identifcar qual norma aplicar,
uma vez que o legislador não tem como prever todas as situações possíveis no mundo fático.
Assim, a lacuna jurídica se caracteriza como sendo uma omissão involuntária no texto de uma lei,
que impede a regulamentação de determinada situação, exigindo a integração do ordenamento
para complementação da norma.

São espécies de lacunas:

Lacuna normativa: é ausência total de norma aplicável a um caso concreto;

Lacuna ontológica: refere-se às hipóteses de presença de uma norma aplicável ao caso


concreto, mas que não possui efcácia social, ou seja, está em desacordo com a realidade prática.

Lacuna axiológica: também diz respeito à presença de uma norma aplicável ao caso concreto,
mas sua aplicação se mostra injusta ou insatisfatória;

Lacuna ideológica: as lacunas ideológicas dizem respeito a um critério extrínseco à ordem


jurídica, e expressa a ausência de um comportamento e a presença de uma norma que difere
daquilo que se estima como justo. A lacuna ideológica, segundo Norberto Bobbio, “é a falta de uma
norma justa, isto é, de uma norma que se desejaria que existisse, mas que não existe”27 TEMA
COBRADO NO XVI EXAME DA OAB/FGV.

27 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Editora Universidade de Brasília, 1997

34
7.7. INTEGRAÇÃO

A ideia da existência das lacunas no Direito é um desafo ao conceito de completude do


ordenamento jurídico. De acordo com os ensinamentos do jusflósofo italiano Norberto Bobbio, em
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

sua obra “Teoria do Ordenamento Jurídico”28, pode-se completar ou integrar as lacunas existentes
no Direito por intermédio de dois métodos, a saber: heterointegração e autointegração.

A heterointegração é a técnica pela qual o ordenamento jurídico se completa a partir da


integração de fontes diversas da norma legal, tais como o costume e a equidade. Já a autointegração
é o método pelo qual o ordenamento se completa a partir da integração da fonte dominante do
direito, ou seja, a lei TEMA COBRADO NO XXV EXAME DA OAB/FGV.

O problema das lacunas no direito é resolvido mediante uso de técnicas de integração,


recorrendo-se aos costumes, à jurisprudência, aos princípios gerais do direito, à analogia e,
segundo alguns juristas, também à equidade.

Costumes: regras gerais não escritas, identifcadas por um elemento objetivo (uniformidade) e outro
subjetivo (aceitação), que são aceitas pelos indivíduos que as observam e as consideram obrigatórias.

Princípios gerais de direito: postulados de valor genérico e relevante, integrantes do sistema,


sendo tanto aplicáveis a casos concretos quanto inspiradores de normas do ordenamento.

Analogia: técnica destinada a suprir eventuais omissões no ordenamento jurídico. Adotada


para situações em que não foram expressamente previstas regras específcas para hipóteses
semelhantes. Desse modo, cabe ao aplicador do Direito estender o alcance de uma norma para
os casos que, apesar de não mencionados expressamente, são análogos ao caso amparado pelo
sistema legal.

Norberto Bobbio, ao tratar do conceito de analogia, afrma que se deve determinar e constatar
semelhanças relevantes (qualidade comum) entre duas situações, para somente então fazer a
atribuição ao caso não regulamentado das mesmas consequências jurídicas atribuídas ao caso
regulamentado semelhante29 TEMA COBRADO NO XX EXAME DA OAB/FGV.

Equidade: destinada a abrandar o rigor excessivo da lei, sem desconstitui-la, mas completando-a.
É uma modalidade de Justiça: a justiça do caso particular. Aristóteles compara a equidade com a
justiça, afrmando que são “a mesma coisa, embora a equidade seja melhor. O que cria o problema
é o fato de o equitativo ser justo, mas não justo segundo a lei, e sim um corretivo da justiça legal”30.

28 BOBBIO, Norberto. Ob. cit.


29 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Editora Universidade de Brasília, 1997
30 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Nova Cultural: 1996
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8. JUSFILÓSOFOS MODERNOS
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

8.1. RONALD DWORKIN

Ronald Dworkin é um flósofo americano que estuda a Filosofa do Direito e, consequentemente,


a interpretação jurídica, de modo liberal. Dworkin pensa o Direito em contexto democrático, com
eminente preocupação pluralista, assentando a importância dos direitos individuais.

De tudo, o que mais ganha relevo em toda a sua teoria é o valor da igualdade que, no caso,
signifca que todas as pessoas merecem igual consideração do Estado, feita em regra pelas leis.
Para Dworkin a igualdade de recursos é uma questão de igualdade de quaisquer recursos que os
indivíduos possuam privadamente. O autor utiliza a ideia de igualdade distributiva que se refere
a circunstâncias segundo as quais as pessoas não são iguais em bem-estar, mas nos recursos
de que dispõem. A igualdade distributiva, para Dworkin, deveria se concretizar por meio de uma
igualdade material, ou igualdade de recursos, garantindo a todos os meios necessários para uma
efetiva inclusão social TEMA COBRADO NO XXIII EXAME DA OAB/FGV.

Dworkin não é jusnaturalista nem positivista, sendo que a sua maior preocupação repousa
na realidade jurídica, em como efetivamente as decisões são tomadas no direito. Ele considera a
atuação do Direito diante dos hard cases, ou seja, os “casos difíceis” que envolvem colisões entre
princípios de igual relevância, em relação aos quais encontram-se diversas soluções possíveis.
Faz-se necessário, assim, escolher entre dois princípios que solucionem a questão.

O flósofo desenvolveu a ideia de que existem diretrizes e também princípios. As diretrizes são
as pautas que estabelecem objetivos a serem alcançados. Esses objetivos podem ser de ordem
econômica, política, etc. por exemplo: reduzir o número de acidentes de trânsito ou melhorar a
educação. Já os princípios são pautas cuja observância correspondem a um imperativo de justiça,
honestidade ou outra dimensão moral. Corresponde a algo com conteúdo moral. Exemplo: ninguém
pode se benefciar de sua própria torpeza.

Segundo Dworkin, a decisão normativamente mais correta (ou a decisão normativamente mais
adequada) é aquela baseada em princípios e não em diretrizes. A razão disso é que os princípios
possuem uma base mais forte, são mais bem estruturados que as diretrizes, pois vinculados às
concepções de justiça e moralidade vigentes numa certa sociedade, enquanto as diretrizes estão
vinculadas e são implementadas por concepções transitórias, por isso, tendem a refetir uma
vontade momentânea.

Em sua obra “Levando os Direitos a Sério”31, Dworkin cita o caso “Riggs contra Palmer”, em que
um jovem matou o próprio avô para fcar com a herança. O Tribunal de Nova Iorque julgou o caso
em 1889, considerando que a legislação do local e da época não previa o homicídio como causa
de exclusão da sucessão. Para solucionar o caso, o Tribunal aplicou o princípio, não legislado, do
direito que diz que ninguém pode se benefciar de sua própria ilicitude. Assim, o assassino não
recebeu sua herança.

31 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Martins Fontes. 2002


36
Com esse exemplo podemos concluir que a jusflosofa de Ronald Dworkin, dentre outras coisas,
pretende argumentar que regras e princípios são normas com características distintas e em certos
casos os princípios poderão justifcar de forma mais razoável a decisão judicial, pois a tornam
também moralmente aceitável TEMA COBRADO NOS EXAMES XIII E XXVI DA OAB/FGV.
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

8.2. ROBERT ALEXY

Um dos mais infuentes flósofos do Direito alemão contemporâneo, desenvolveu uma


concepção sobre os princípios dentro do Direito, em constante discussão com a obra de Dworkin.

Em sua obra “Sistema Jurídico”32, Alexy afrma que princípios são mandados de otimização
que ordenam que algo seja concretizado de modo ótimo, da melhor forma possível, com o máximo
grau e na maior medida do possível.

Sendo o Direito necessariamente moral, quando discutimos princípios, discutimos questões


de moralidade. Assim é, pois, os princípios têm conteúdo moral. Eles expressam concepções
flosófco-morais. Em razão desse conteúdo moral dos princípios, não será possível que o Direito
se mantenha alheio a isso. Com isso, é desmantelada a ideia de separação entre moral e direito.

Em alguns momentos, surgem situações onde há a necessidade de se apurar qual é o ponto


máximo que o fato permite implementar os princípios. Entretanto, na decisão de questões que
envolvam princípios, deve-se decidir por meio de um juízo de ponderação, que consiste na adoção
da decisão mais razoável, mais adequada e mais prudente ao caso concreto, sabendo até onde ir.

Por ponderação entende-se a restrição de um princípio que se justifca, no caso concreto, se a


importância do outro (preponderante) for maior. Enfm, a ponderação tem relação com os refexos
das medidas adotadas, sendo prudente a adoção do princípio quando não se distancia da realidade,
permitindo que seja verifcada a causa da contenda e os resultados da solução eleita.

A ponderação implica em uma série de regras para se analisar no caso concreto. Alexy acredita
na possibilidade de uma razão prática, aproximando-se, neste aspecto de Kant, ou da phronesis
aristotélica. Segundo Aristóteles, a sabedoria ou razão prática “versa sobre as coisas humanas, e
coisas que podem ser objeto de deliberação; pois dizemos que essa é acima de tudo a obra do homem
dotado de sabedoria prática: deliberar bem”33 TEMA COBRADO NO XI EXAME DA OAB/FGV.

8.3. HERBERT HART

Herbert Lionel Adolphus Hart (18/07/1907–19/12/1992), era um professor britânico


considerado um dos mais importantes flósofos do direito e uma das principais fguras do estudo
da moral e da flosofa política.

Hart aproximou a flosofa da linguagem do Direito, sendo um dos principais flósofos vinculados
ao positivismo jurídico. Tamanha foi a contribuição e a relevância de sua obra “O Conceito de
Direito”34 que Hart acabou por infuenciar uma geração de juristas, como Ronald Dworkin, Neil
MacCormick e Joseph Raz.

32 ALEXY, Robert. Sistema jurídico, principios jurídicos y razón práctica. Doxa. 1988
33 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Nova Cultural. 1996
34 HART, Harbert L.A. O Conceito de Direito. 2. ed. Oxfor: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994
37
Hart substitui o modelo simples de Direito até então adotado por um modelo complexo. Neste
passo, tratando-se o Direito de um fato social complexo, a sua compreensão depende da análise
de seus elementos e, principalmente, do seu mecanismo de funcionamento. Para tanto, Hart
destaca o papel central por ele atribuído à linguagem do Direito, revelando sua preocupação com
o signifcado das expressões que povoam o universo jurídico.
OAB NA MEDIDA | FILOSOFIA DO DIREITO

Hart apresenta a ideia de que há uma textura aberta da linguagem jurídica, fundamentando,
assim, a existência de uma textura aberta do próprio Direito. Em sua obra o Conceito de
Direito, o jusflósofo defende que o Direito deve ser compreendido como um sistema aberto e
retroalimentável. Por conta dessa textura aberta o Direito não consegue se expressar por meio de
enunciados não ambíguos, gerando a necessidade de interpretação e complementação de termos
não claros, por meio de instrumentos existentes dentro desse mesmo sistema.

Hart admite um grau de indeterminação nos padrões de comportamento previstos na legislação


e nos precedentes judiciais. Para o flósofo “em todos os campos da experiência, e não só no das
regras, há um limite, inerente à natureza da linguagem, quanto à orientação que a linguagem geral
pode oferecer”. É exatamente o limite da linguagem que determina a sua chamada textura aberta,
na medida em que há um grau de indeterminação da linguagem que não pode ser eliminado.
Sempre existirão imprecisões a respeito de um determinado conceito cuja terminologia ainda não
foi delimitada.

Por esse motivo, Hart afrma que “seja qual for o processo escolhido, precedente ou legislação,
para a comunicação de padrões de comportamentos, estes, não obstante a facilidade com que atuam
sobre a grande massa de casos correntes, revelar-se-ão como indeterminados em certo ponto em
que a sua aplicação esteja em questão” TEMA COBRADO NO XII EXAME DA OAB/FGV.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

• ALEXY, Robert. Sistema jurídico, principios jurídicos y razón práctica. Doxa. 1988
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• RADBRUCH, Gustav. Cinco minutos da Filosofa do Direito. In: Filosofa do Direito. 5ª


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• REALE, Miguel. Filosofa do direito. 20. ed. Saraiva, 2002

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• ROUSSEAU, Jean-Jacques. “Do Contrato Social”. Faculdades Integradas do Brasil. 2007


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