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ENSAIO SOBRE A

DESIGUALDADE

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Escrito por Luciano Pires
a partir dos roteiros do Podcast Café Brasil
Ilustração: Vito Quintans

Rico e pobre... pobre e rico… Sempre que se fala em meritocracia, vem junto a palavra
desigualdade. E com ela todo aquele rosário de lamentações seculares sobre a
injustiça do sistema, do mundo. Mas onde é que isso começa?
Bem, vou ter que voltar pra 1755, com o filósofo suíço Jean Jacques Rousseau. Naquele
ano ele publicou seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre
os homens. Ali Rousseau definiu as bases sobre as quais se firma o processo gerador
das desigualdades sociais e morais entre os seres humanos.

Segundo Rousseau, os homens primitivos viviam em bandos mais ou menos


organizados, que se ajudavam quando alguma necessidade surgisse, para fins de
alimentação, proteção e procriação. Quando a necessidade era atendida, eles seguiam
suas vidas individualmente, até que uma nova necessidade aparecesse.

Conforme as necessidades básicas foram sendo atendidas e superadas pelo gênio


humano, os homens perceberam que poderiam ter mais que o necessário, o que lhes
daria a sensação de serem melhores que os outros. A partir dessa ideia surge o
conceito de propriedade. Propriedade de ferramentas, de armas, animais, terras e,
até, de outros homens.

Da ideia de propriedade surge a ideia de acumulação de bens, da riqueza que faria com
que alguns homens fossem mais que outros. Isso foi o estopim para conflitos, primeiro
entre os indivíduos da tribo, depois entre tribos, cidades e nações.

O surgimento do dinheiro ampliou enormemente a luta por mais posses. Ao mesmo


tempo, surge a noção de família, talvez o grande fator civilizatório, que tirou os
homens da selvageria para a convivência harmoniosa. Famílias, cidades, o conceito de
que em grupo somos mais fortes que sozinhos, foram fatores que deram início ao
desenvolvimento do homem em sociedade.

Com a organização da sociedade surgem os especialistas e as classes sociais e a


tecnologia permitem ao homem que experimente algo que durante muito tempo foi
desconhecido: o lazer. Primeiro visto como uma comodidade, logo o lazer passou a ser
encarado como necessidade. Estava então pronto o caldo: dinheiro, posses, lazer… e
os homens começaram a se sentir mais infelizes pela privação das comodidades do
que felizes por possuí-las. O resultado?

Conflitos, guerras, violência, opressão…

Foi com esse raciocínio que Rousseau concluiu que a base para as desigualdades entre
os homens é a propriedade privada que alimenta a cobiça, a inveja e a necessidade de
um superar o outro.

Resumindo então o pensamento de Rousseau: os homens exercem naturalmente seus


instintos, não sendo nem bons nem maus, mas seres amorais. Na natureza os homens
não se agrediriam sem motivação, mas apenas por legítima defesa. A desigualdade
surge quando alguém cerca um lote de terra e diz: “isto é meu”. Então, outros homens
fazem a mesma coisa e se reúnem ou se associam para poder usufruir daquilo que a
terra pode lhes oferecer. Isso cria um modo de sobrevivência organizada que acaba
por excluir dos benefícios da natureza, outros homens. Então, sem riqueza, sem
propriedade, sem alimento nem liberdade, o homem torna-se subordinado daqueles
que detém a propriedade privada. A propriedade faz perder a liberdade natural.

Para contrapor essa situação na qual o forte subjuga o fraco, o rico subjuga o pobre,
Rousseau sugeriu um contrato social que assegurasse a cada cidadão a proteção da
comunidade e lhe permitisse as vantagens da liberdade e da igualdade. Rousseau
definia então seus princípios da liberdade e igualdade natural, que acabaram por
inspirar a Revolução Francesa.

Bem, milhares de cabeças cortadas depois, sempre em nome do bem e da virtude, o


homem vai conhecendo outros pensadores inspirados pelas ideias de Rousseau, que
também acharam que descobriram como fazer para que o homem voltasse a ser feliz.
E assim vamos de Marx a Stédile, com seu exército de sem terras, que também quer
acabar com a propriedade privada, para retornar o homem à sua origem de felicidade
natural neandertal. E a noção de que toda propriedade é um roubo permanece até nos
discursos do Papa Bento 16! A velha noção de que “eu não tenho porque você tem”,
concepção de mundo que já governou quase a metade do planeta e produziu atraso,
miséria e uns 150 milhões de cadáveres.

Pois é… Esses santos farão de tudo para acabar com as injustiças. Mesmo que seja
preciso matar alguns infiéis…

Rousseau e seus seguidores abriram caminho para a confusão que está na raiz de
muitos dos debates nos quais estamos metidos: a dissociação entre o direito e dever.
O não reconhecimento da responsabilidade individual. A visão do Estado como o ente
responsável pela distribuição de direitos.

Achei um texto que traz mais luz à essa reflexão. O nome é “Desigualdade, uma
referência equivocada”, de autoria de Roberto Rachewsky, empresário fundador do
Instituto Estudos Empresariais (IEE), do Instituto Liberal do Rio Grande do Sul. Vamos
a ele.

“A preocupação dos ideólogos do ressentimento com a desigualdade faz com que


sejam criados índices com o propósito de medir a distância entre ricos e pobres.

Tais medições são frutos da equivocada visão de que se há alguém ganhando, haveria
alguém perdendo.

Qualquer medição econômica que levasse efetivamente em consideração o bem-estar


da população, não deveria medir a distância entre ricos e pobres, mas a distância de
todas as pessoas da miséria.

Assim, sempre que alguém empreende para aumentar a sua riqueza, carrega junto com
ele, na elevação de seu capital, todos aqueles que de forma direta ou indireta
participam daquele processo produtivo. É muito difícil, pela complexidade e
capilaridade das transações, de se visualizar até onde a geração de ganhos afeta
positivamente a sociedade. Mas, sem dúvida, sabe-se que afeta e melhora o nível de
qualidade de vida de toda a população alcançada pelo fenômeno principal de
construção de valor.

Quando um novo valor é colocado à disposição do mercado, incentiva-se que todos os


que demandarem aquele bem criem e coloquem também à disposição do mercado,
valores para que possam obter recursos para adquirirem aquele recentemente criado.

Já, por outro lado, e de forma perversa, quando a distribuição de renda é feita através
da coerção, não há estímulo para a necessária criação de valor para uma troca
voluntária. Basta que o beneficiário passivo de qualquer distribuição aguarde que um
poder determinado use de violência, expropriando o proprietário de um determinado
bem e, obviamente, de seu valor, para entregá-lo injustamente a quem nada fez para
merecê-lo.

É por isso que, quanto mais livre for uma sociedade, mais rica será sua população e,
independentemente da distância entre ricos e pobres, ou seja, sem dar relevância à
desigualdade, mais distante da miséria se encontrarão todos os indivíduos daquela
sociedade. E, de outro lado, quanto mais regulada for a sociedade, caracterizada pelo
alto grau de intervenção governamental, mais próxima da miséria estará toda a
população, sem que as diferenças irrelevantes entre ricos e pobres sejam eliminadas.

Provavelmente, nas sociedades livres estarão no topo da pirâmide de distribuição de


renda, aqueles que tiverem produzido mais valor para os demais e para si.

Nas sociedades fechadas, onde a coerção predomina, mais ricos estarão os que detém
o poder da força, que não criam valor algum, criam apenas intimidação e,
eventualmente, destruição.”

Putz… já tô ouvindo a mimimizada… Mas…e você, hein? Como é que você vê essa
questão da desigualdade social? Acha que existe uma saída para o homem retornar às
raízes de bondade conforme Rousseau? Acha que é aumentando o tamanho e o poder
do estado que se distribui justiça social? Ou acredita que é na responsabilidade
individual que está a saída? Vamos adiante.

O dinheiro que temos é o instrumento da


liberdade; aquele do qual andamos atrás é
o da servidão.
Jean Jacques Rousseau

O texto a seguir é baseado num artigo escrito por Deirdre McCloskey, que é professora
de economia, história, inglês, e comunicação na Universidade de Illinois, em Chicago.
Deirdre já escreveu 16 livros e publicou 400 artigos, que abordam desde os aspectos
técnicos da economia até a ética e as virtudes burguesas. Seu último livro, A Dignidade
da burguesia: Por que a economia não consegue explicar o mundo moderno
(Bourgeois Dignity: Why Economics Can’t Explain the Modern World), é o segundo de
uma série de quatro sobre a Era Burguesa.

O tema da desigualdade econômica vem dominando praticamente todos os debates


políticos. O problema é que, enquanto sobram polêmicas e emotividades, faltam
clareza e racionalidade.

O principal exemplo está nos que pregam por “eliminar a pobreza e a desigualdade”,
como se ambos fossem a mesma coisa. Ou então, causa e consequência.

É claro que eliminar a pobreza é bom! E isso já vem acontecendo em escala global. Em
1820, aproximadamente 95% da população mundial vivia na pobreza, com uma
estimativa de que 85% vivia na pobreza “abjeta”, aquela em que o indivíduo busca por
comida em lixões, dorme sobre um pedaço de papelão, não tem acesso à coisas básicas
como água, escola ou energia.
Bom. Aqui começa o mimimi né? Provavelmente com os rótulos do capitalista
selvagem, do patrão opressor, aquela conversa que reduz um problema complexo a
uma discussão de grêmio estudantil.

Rafael Galera, diplomata brasileiro, escreveu o texto “Como enganar pessoas que não
entendem de economia”, que inspirou o que vai a seguir:

A Oxfam International é uma confederação de 17 organizações e mais de 3000


parceiros, que atua em mais de cem países na busca de soluções para o problema da
pobreza e da injustiça, através de campanhas, programas de desenvolvimento e ações
emergenciais. E ela apresenta de quando em quando um relatório sobre a pobreza no
mundo. O mais recente teve esta chamada aqui: “Os oito homens mais ricos do mundo
possuem tanta riqueza quanto as 3,6 bilhões de pessoas que compõem a metade mais
pobre do planeta”.

As pessoas têm bastante dificuldade em diferenciar os conceitos econômicos de renda


e de patrimônio. Ocorre que a pesquisa da Oxfam utilizou o critério patrimônio e não
renda.

Por exemplo, pelo critério do patrimônio, qualquer pessoa sem um bem em seu nome
tem patrimônio zero. Caso um brasileiro tenha usado o FIES para estudar medicina e
não tendo ainda pago esse empréstimo, provavelmente ele terá patrimônio negativo,
mesmo com uma renda mensal altíssima. Por esse critério, um bebê que acabou de
nascer no Congo seria “mais rico” que esse médico recém-formado, já que ele não
teria nenhum patrimônio em seu nome mas, pelo menos, não teria nenhuma dívida.
Isso traz resultados importantes:

A população mundial é de 7 bilhões de pessoas, e, aproximadamente 3 bilhões são


jovens sem nenhum bem em seu nome. A conclusão disso é que, caso você tenha um
fusca em seu nome, terá um patrimônio maior que quase 3 bilhões de pessoas
somadas.

Entendeu? É isso que acontece quando você mede riqueza e pobreza pelo patrimônio.
Muito bem. Acontece que a fortuna das 8 pessoas mais ricas do planeta representa
aproximadamente 0,3% do patrimônio mundial. Entendeu? Eu não disse 30%, nem 3%.
Eu disse 0,3%. Falando assim, parece algo bem menor do que dizer que eles têm mais
patrimônio que metade do planeta, não é?

Vamos lá então: “Os oito homens mais ricos do mundo possuem tanta riqueza quanto
as 3,6 bilhões de pessoas que compõem a metade mais pobre do planeta”. Está certa
essa frase. Mas dizer que os “Os oito homens mais ricos do mundo possuem apenas
0,3% do patrimônio mundial” também está certo.

A diferença é que a Oxfam é famosa por pegar dados reais e divulgar com chamadas
enganosas. Normalmente essas pesquisas acabam sendo muito difundidas justamente
porque utilizam termos econômicos complicados que, quando manipulados, acabam
passando informações verdadeiras, mas com interpretações totalmente equivocadas.

Em meu livro Brasileiros Pocotó eu falei de certas verdades que, ao serem


interpretadas, levam a concluir uma mentira: eu ia chamar de ventiras, mas preferi
merdades.

E o Rafael recomenda em seu texto que se você quiser uma pesquisa mais séria sobre
a evolução da desigualdade, procure as pesquisas de François Bourguignon.
Bourguignon é ex- Economista Chefe do Banco Mundial, diretor da escola de economia
de Paris e professor da escola de altos estudos em ciências sociais de Paris.

As conclusões do pesquisador são muito importantes: a desigualdade, vista de uma


perspectiva mundial, tem diminuído muito. Ela pode ter aumentado dentro de alguns
países, individualmente. Mas o critério utilizado por François é comparar os mais
pobres do mundo com os mais ricos do mundo e seus resultados são nítidos: o
crescimento da renda das classes mais pobres do mundo aumentou mais rapidamente
que a dos mais ricos. Isso se deve, principalmente, ao enorme crescimento de renda
em países em desenvolvimento. O Coeficiente de Gini, uma medida de desigualdade
desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini, se medido globalmente, teria
diminuído anualmente desde 1990.
Caso você queira ler um resumo de suas ideias, recomendo a leitura do artigo na FA
(link abaixo) ou de seu livro The Globalization of Inequality.
Artigo: https://www.foreignaffairs.com/articles/2015-12-14/inequality-and-
globalization

Veja acima uma imagem retirada do livro de Bourguignon. Ela retrata a evolução do
índice de Gini, que mede a desigualdade, comprovando que, de 1990 para cá, a
desigualdade, medida mundialmente, tem caído constantemente e de forma
acelerada.

A realidade é bem diferente do que a pesquisa da Oxfam leva a crer. Pelo relatório de
Oxfam um jovem africano que recebe 10 dólares por semana é mais rico que um jovem
americano formado em Harvard que recebe 100 mil por ano e tem uma dívida de 250
mil em financiamento estudantil.
A metodologia utilizada foi muito ruim, pois ela toma como base a riqueza líquida, ou
seja, subtraia as dívidas das pessoas.
Outro erro é que a pesquisa é baseada nos dados da Credit Suisse que só tem dados
completos de 25 países e ignora os 125 restantes. Ou seja, é um estudo incompleto.

E Rafael Galera conclui seu texto constatando que a verdade é que a desigualdade no
mundo está caindo como demonstra o coeficiente de Gini e como demonstram outros
estudos bem mais confiáveis e completos. Segundo dados do Banco Mundial, em
2015, menos de 10% da humanidade continua a viver na pobreza abjeta. 10% da
humanidade são mais de 700 milhões. 700 milhões de indivíduos! É gente demais! Que
absurdo! Pois é.

Mas vamos olhar além do número absoluto? Em 1990 eram 2 bilhões de pessoas na
pobreza abjeta, o que representava 40% da população mundial! Em 30 anos, esses 2
bilhões caíram para 700 milhões. De 40% da população mundial vivendo na pobreza
abjeta, para 10%.

Xangai, um local dominado pela miséria até há pouco tempo, hoje se parece com as
cidades mais modernas dos Estados Unidos, como Houston. A renda real da Índia está
dobrando a cada 10 anos. A África Subsaariana finalmente está crescendo. Mesmo nos
países ricos, os pobres de hoje vivem muito melhor do que viviam os pobres da década
de 1970, tendo mais facilidade de acesso a comida, a serviços de saúde e até mesmo
a amenidades, como ar-condicionado.

E a meta do Banco Mundial é reduzir a pobreza abjeta para zero em 2030. Eu disse
zero!

Onde quero chegar? Existe uma melhoria visível, existe um objetivo, estamos
evoluindo no combate à pobreza. São esses os dados que orientam as políticas públicas
dos governos de todo o mundo. E nada disso é opinião, são fatos!

Seu mimimi aí não adianta nada.

Diante desses fatos, dá para ficar feliz, para relaxar? Claro que não! Temos de dar
continuidade a essa redução até zerá-la. Mas será que realmente iremos ajudar os
pobres se continuarmos nos concentrando obsessivamente na desigualdade?

Uma pessoa boa deveria, em vez de almejar a igualdade, “ajudar a elevar aqueles que
estão abaixo dela”. Posso repetir?

Uma pessoa boa deveria, em vez de desejar a igualdade, ajudar a elevar aqueles que
estão abaixo dela.

Concentre-se em eliminar a pobreza e toda a riqueza será automaticamente


distribuída. É isso que vem sendo obtido pelo crescimento econômico desde 1800. E o
enriquecimento dos pobres por meio do acesso a itens essenciais é muito mais
importante no contexto geral da humanidade que o fato dos mais ricos estarem
comprando uma lancha ou um relógio Rolex.

E parece que isso é muito difícil de ser compreendido por muita gente.

Costumo dizer que o maior processo de distribuição de renda do Brasil aconteceu em


meados dos anos 90, quando o pedreiro que fazia reforma na minha casa conseguiu
juntar o dinheiro para comprar seu primeiro telefone celular. No momento em que ele
e outras pessoas de seu convívio tiveram acesso aos benefícios da telefonia celular,
suas oportunidades se ampliaram rapidamente. Até hoje, quando ele acessa a internet
do seu smartphone.

O que realmente importa em termos éticos é se os pobres têm um teto sob o qual
dormir, se têm suficiente para comer, se têm a oportunidade de ler, se têm acesso a
saneamento básico e um tratamento igual por parte da polícia e dos tribunais (estes
três últimos, saneamento, polícia e tribunais, são monopólios estatais).

Proteger os pobres inocentes da violência policial é infinitamente mais importante do


que querer equalizar a posse de Rolexes. Entendeu o ponto? Em vez de nos
preocuparmos com a igualdade econômica, deveríamos estar preocupados em criar
um arranjo que permita aos pobres subirem a um nível em que possam viver
plenamente suas vidas.

O eminente filósofo John Rawls, de Harvard, articulou aquilo que chamou de O


Princípio da Diferença: se o empreendedorismo de uma pessoa rica melhorar a vida do
mais pobre, então a maior renda deste empreendedor está justificada. Sacou? Sabe o
seu tio rico lá que investiu no risco para abrir um supermercado novo, dando emprego
a mais vinte pessoas? Ele merece sim ficar mais rico. E como isso incomoda as
pessoas…
Infelizmente, muita gente se preocupa imensamente com as ostentações de riqueza,
como o Rolex brilhante, o carrão novo, a bolsa de marca. Muitas dessas ostentações
são sim, vulgares e irritantes, mas não há o menor sentido desejar, a partir delas, criar
políticas públicas.

A pobreza nunca é algo positivo. Já as diferenças, principalmente as diferenças


econômicas, frequentemente são. É por haver diferenças econômicas que existem
transações comerciais. É por causa das diferenças econômicas que nova-iorquinos
transacionam seus bens com californianos e com chineses de Xangai; e que brasileiros
transacionam entre si (do norte ao sul) e com alemães e argentinos. As diferenças
explicam por que interagimos e por que celebramos a diversidade — ou ao menos
deveríamos.

E é por isso que todos os ataques políticos ao livre comércio são ignorantes, para não
dizer infantis.

A igualdade econômica é simplesmente impossível de ser alcançada numa sociedade


grande. E jamais de uma maneira justa, sensata e pacífica. É possível dividir uma pizza
entre seus amigos de maneira equitativa, claro. Mas igualdade além desse básico, e
além de direitos humanos, é impossível de ser alcançada numa economia dinâmica e
baseada na divisão do trabalho. Além disso, qualquer tipo de redistribuição de renda
que retire de quem obteve o sucesso ao atender as demandas e desejos dos
consumidores, inevitavelmente precisa do confisco e da violência.

E quem define de quem será tirado para dar aos mais pobres? Adivinha só. É o governo,
claro. Que é formado por pessoas que também têm seus interesses próprios.

E jura que você é ingênuo a ponto de achar que essas pessoas farão essa redistribuição
de maneira ética? Que não vão proteger o primo, o tio, o irmão? Que não vão se vingar
do vizinho? Que não vão se aproveitar de oportunidades?

Então tá…
Seres humanos nascem desiguais em quesitos como inteligência, herança genética,
ambição, ambiente familiar, disposição para o trabalho, capacidade empreendedorial.
Eu acho que nem a geração de clones em laboratórios garantirá que as pessoas nasçam
iguais. E além disso, e acima de tudo, nas escolhas que fazem, as pessoas jamais serão
economicamente iguais.

Logo, a igualdade econômica só poderá ser alcançada se for imposta pela força, pelo
confisco e pela violência. Entendeu? A igualdade econômica é um objetivo imoral e
cruel porque só pode alcançado por meio da coerção, do confisco e da violência. Não
há outra maneira.

Sabe aquele seu tio rico, o do supermercado? Vai tomar uma tungada do Estado, verá
seu patrimônio ser usurpado, pagará mais por ser rico… e pode até ser que você fique
feliz com isso. Até o dia em que você for o dono do supermercado.

Então vamos lá, derrubando disjuntores… É necessário permitir que haja discrepâncias
de renda, pois são estas discrepâncias que equilibram a economia. Se os ganhos de
uma determinada profissão são extremamente altos, isso indica que há uma escassez
de mão-de-obra qualificada para aquela profissão. Por exemplo, um cirurgião cerebral,
especialidade que exige décadas de estudo e prática e por isso é altamente
remunerada. Até pela dificuldade de formação de profissionais, essa profissão
extremamente rentável está em pequena oferta, o que significa que mais mão-de-obra
deve ser direcionada para ela. E assim a sociedade se movimenta.

Se um cirurgião cerebral ganhasse o mesmo que um taxista, não haveria um número


suficiente de cirurgiões. E haveria um excesso de taxistas. Afinal, se é para ganhar a
mesma coisa, para que passar 10, 15 anos estudando cirurgia cerebral se bastam
algumas semanas para tirar uma carteira de motorista profissional?

Aí então o governo criaria um comitê central formado por planejadores, que


encaminhariam as pessoas certas para os empregos certos, que tal? O estado
definindo o que você vai ser quando crescer? Pois é, mas assim como a igualdade
forçada, essa seria necessariamente uma solução violenta. E mágica. Que já foi tentada
várias vezes, como na Rússia de Stalin e na China de Mao e terminou em chacinas e
centenas de milhões de mortos.

De novo: isso não é opinião. São fatos.

Você que cresceu num ambiente familiar no qual sua mãe era a planejadora central,
especialmente se teve irmãos, carrega um pouco de socialismo em seus sentimentos.
Compartilhar as coisas funciona muito bem dentro de uma casa formada por uma
família amorosa, não é? Pois é. Mas não é assim que adultos conseguem as coisas em
uma sociedade desenvolvida. Não tem a mamãe para garantir o mesmo tamanho do
bife para cada um… Adultos livres só conseguem o que querem se trabalharem e
produzirem bens e serviços para outras pessoas. Em troca dessa produção recebem
um salário. E é com esse salário que irão, voluntariamente, adquirir o que querem.

No mundo real, longe das fantasias adolescentes, ninguém consegue o que quer
simplesmente dividindo todo o maná da natureza em um jogo de soma zero.

Vamos pensar em termos matemáticos, então: tirar dos ricos e redistribuir para os
pobres não irá elevar os pobres permanentemente. No máximo, irá elevar seu padrão
de vida apenas temporariamente e por pouco tempo. Se os oito maiores bilionários
distribuíssem seu patrimônio de 426 bilhões de dólares para cada uma das 7,4 bilhões
de pessoas do planeta, cada uma receberia 57 dólares e pronto. Acabou. Os oito
bilionários, assim como os outros 7,4 bilhões, agora só têm 57 dólares, que serão
consumidos em pouco tempo. Quando esse dinheiro acabar, vamos buscar os segundo
oito maiores bilionários? … e assim sucessivamente, até ficar todo mundo pobre.

E você acha que os ricos que estão sendo expropriados ficarão inertes, esperando
novas rodadas de expropriação? Olha só! Em uma sociedade livre, eles vão se mandar
para Hong Kong, Cingapura, Suíça, Irlanda ou então para as Ilhas Cayman…

Sacou? A redistribuição de renda visando a uma igualdade econômica é uma fantasia


adolescente que não sobrevive ao mais básico teste de lógica aritmética.
Mas então, como resolver o problema da pobreza em definitivo? Com o crescimento
econômico gerado por transações econômicas voluntárias, e não com a caridade
compulsória ou voluntária. Foi assim na Coreia do Sul, onde o crescimento econômico
aumentou a renda dos mais pobres em 30 vezes a renda real que eles tinham em 1953.

O que é que realmente devemos defender: uma extração dos ricos feita de uma só vez
que, além de melhorar a vida dos pobres apenas temporariamente, serve apenas para
saciar os sentimentos da inveja e da raiva… ou uma sociedade economicamente livre,
na qual os pobres podem ascender a passos gigantescos?

Por isso é melhor nos concentramos diretamente na igualdade que realmente


queremos e podemos alcançar, que é a igualdade da dignidade e a igualdade perante
a lei. De novo: o que realmente importa em termos éticos é a igualdade da dignidade,
se os pobres têm um teto sob o qual dormir, se têm comida suficiente para comer, se
têm a oportunidade de ler, o acesso a saneamento básico e saúde. E a igualdade
perante a lei: um tratamento igual por parte da polícia e dos tribunais.

Lembra? O que realmente importa é proteger os pobres inocentes da violência do


estado, e não quantos rolexes o Luciano Huck tem.

A igualdade liberal — em contraposição à igualdade socialista do confisco e da


redistribuição forçada — é a única que elimina os piores aspectos da pobreza. Isso não
é opinião não, viu? É história. Foi feito espetacularmente na Grã-Bretanha, em Hong
Kong, em Cingapura e em Botsuana.

Sim cara, é necessário fazer muito mais: mais crescimento, que depende de mais
investimentos e de mais capacidade humana, o que requer ainda mais uma
proliferação de engenheiros. Mais engenheiros e menos advogados e filósofos,
enriquecerá a todos nós.

Parodiando os heróis de nossa adolescência, Marx e Engels: trabalhadores de todos os


países, uni-vos! Vocês não têm nada a perder, exceto a estagnação. Exijam um
crescimento econômico gerado por transações econômicas voluntárias em num
ambiente econômico livre.
Alguns ousam chamar esse arranjo de capitalismo.

Muito bem. Você ficou nervoso, é? Não fique. Esta discussão não é apenas
econômica… Observe na história os exemplos, fuja da tentação da retórica dos
justiceiros sociais, use a lógica, faça contas, olha aí seu pai, sua mãe, seu tio, sua tia,
empreendedores que estão se fodendo para pagar as contas e os impostos, dando
empregos para outras pessoas e sendo chamados de exploradores, capitalistas, e
simpatizantes… Esse papo é do século 19. E mesmo lá, já estava errado.

É impossível negar que a desigualdade está diminuindo em todo o planeta. Dá para


discutir a velocidade com que isso acontece e os ajustes que precisam ser feitos. E aí,
hein? Vai demorar pra se recuperar? Não tenha pressa, leia o texto outra vez, ou faça
ainda mais: separei o artigo completo de Deirdre McCloskey para você baixar e ler com
cuidado, aos poucos: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2602

É assim que a gente evolui.

Qualquer cidade, não importa quão pequena seja,


está dividida em duas: a cidade dos pobres e a
cidade dos ricos. E as duas estão em guerra entre
elas.
Platão, 2550 anos atrás.

Bem, mas se a pobreza no mundo está diminuindo e se a desigualdade também, por


que tanta gritaria? Porque a discussão sobre pobreza e desigualdade há muito deixou
de ser conduzida de olho nos interesses dos pobres e miseráveis. É uma discussão a
serviço de interesses ideológicos. E sempre com a intenção de combater o malvado
capitalismo. Ou então de conseguir uma boquinha… Por exemplo, quando o poder
econômico captura o governo.
Primeiro dá nisso que estamos vendo hoje no Brasil. Na política, não tem mais direita,
esquerda, centro, não tem mais socialismo, comunismo, fascismo, liberalismo ou
conservadorismo. Tem é gente com grana comprando gente que tem poder, para
assim ter mais grana e mais poder.

E a questão da desigualdade econômica é fundamental para se obter influência


política, poder e assim, mais dinheiro. O resultado é quase sempre trágico, pois o
Estado, nesse jogo de dinheiro e poder, passa a ser o maior agente da desigualdade. E
sempre com um discurso maravilhoso da promoção do desenvolvimento.

Exemplo? Sabe a “bolsa empresário”, aquele conjunto de benesses que o rei dá a seus
amigos, que vai de empréstimos com juros subsidiados pelo BNDES a leis
protecionistas ou então, pressão política para realização de negócios? A série de
subsídios e desonerações tributárias concedidas pelo governo aos campeões
escolhidos, custaria 224 bilhões de reais em 2017. Mas custaria para quem? Para mim,
para você, contribuintes…

O Estado usando o seu dinheiro para dar umas boiadas para empresários e industriais
amigos. Tudo em nome do desenvolvimento. E eu aqui, que sou um pequeno
empreendedor, nem consigo chegar no BNDES… É assim que o Estado promove a
desigualdade.

E é então que a conversa muda da desigualdade em si para os problemas dos


conchavos políticos, do capitalismo de estado e do fato de haver um estado com poder
suficiente para criar essas distorções.

Num artigo muito bom publicado no site do Instituto Mises Brasil, de autoria de Steve
Horwitz, que é professor de economia na St. Lawrence University, ele diz assim:

(…) Para atacar esse arranjo estatal corporativista e reduzir a capacidade dos ricos de
transformar riqueza em poder político há várias soluções que não envolvem a
redistribuição forçada de renda que, no fim das contas, faz com que ainda mais
dinheiro vá para políticos e seus mecanismos.
Aqueles que gritam contra a desigualdade estão, na prática, reclamando apenas do
compadrio gerado pelo estado, não da desigualdade em si. A fonte do problema é o
estado, cheio de benesses e de favores a serem distribuídos. E esse mesmo estado se
tornaria ainda mais poderoso caso os preocupados com a desigualdade tivessem suas
políticas favoritas aprovadas.

Muito bem.. mas digamos que a argumentação que eu usei neste ensaio não colou,
que você continua achando que a desigualdade econômica é uma opressão capitalista,
que precisa ser combatida. Você acha que punindo o mérito, o esforço e o sucesso,
teria a cura?

O que temos visto é uma gritaria por medidas coercitivas, que tirem dos mais ricos
para dar aos mais pobres, que inibam o enriquecimento dos empreendedores em
nome da distribuição de riquezas. O resultado disso é que quem tem riqueza, tem
contatos, tem meios, vai mandar seus recursos para o exterior. Vai proteger sua
propriedade. E vai se sentir desestimulado em investir mais por aqui.

Por outro lado, os mais pobres, que não têm recursos nem contatos, vão apenas sofrer
com as consequências da crise econômica.

O que que quero que você leve como reflexão é o seguinte:

Primeiro: saia fora desse papo furado que mistura pobreza com desigualdade e tenta
remediar o sintoma sem atacar a doença. Isso é velho, ultrapassado, e não leva e lugar
algum.

Segundo: foque sua energia em batalhar para a diminuição do tamanho do estado, da


burocracia, dessa máquina geradora de inflação e de regulamentações que impedem
a livre concorrência, que infernizam a vida dos empreendedores que são os grandes
criadores de empregos, pagadores de impostos e geradores de riqueza.

É essa máquina voraz, esse nosso sócio oculto, que encarece nossas vidas e faz com
que se perpetue a pobreza, a discriminação econômica e a desigualdade social.
Ah, sim… e vê se para de invejar quem tem mais que você, viu? A inveja é o câncer que
corrói a cultura brasileira, que vê pecado no lucro e só entende quem enriquece como
alguém que roubou a riqueza de outra pessoa.

Você devia é aplaudir, celebrar e admirar o sucesso alheio. E usar isso como inspiração
para ir atrás.

Mas isso é tema para outro ensaio.

E para terminar, uma frase do político norte americano Harry Browne:

O governo é bom numa coisa: quebrar sua perna e


depois lhe dar uma muleta e dizer: “Tá vendo, hein? Se
não fosse o governo, você não seria capaz de
caminhar.”

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Este texto é de autoria de Luciano Pires com citações de autores diversos, foi
preparado a partir do conteúdo dos Podcasts Café Brasil e faz parte do Café Brasil
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