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ARQUIDIOCESE DE NITERÓI - VICARIATO EPISCOPAL SÃO GONÇALO

INSTITUTO DE FORMAÇÃO ESTRELA DA EVANGELIZAÇÃO


Curso de Teologia - Estrela da Evangelização
Prof.: João Guilherme Araujo de Oliveira
Disciplina: Teologia Moral Especial

EUTANÁSIA, ORTOTANÁSIA, DISTANÁSIA E


DOUTRINA CATÓLICA
O QUE É EUTANÁSIA?

Eutanásia é o ato intencional de proporcionar a alguém uma morte indolor para aliviar o sofrimento
causado por uma doença incurável ou dolorosa. Geralmente a eutanásia é realizada por um profissional de
saúde mediante pedido expresso da pessoa doente. A eutanásia é diferente do suicídio assistido, que é o ato
de disponibilizar ao paciente meios para que ele próprio cometa suicídio. Entre os motivos mais comuns que
levam os doentes terminais a pedir uma eutanásia estão a dor intensa e insuportável e a diminuição
permanente da qualidade de vida por condições físicas como paralisia, incontinência, falta de ar, dificuldade
em engolir, náuseas e vómitos. Entre os fatores psicológicos estão a depressão e o medo de perder o controlo
do corpo, a dignidade e independência.
A eutanásia pode ser classificada em voluntária e involuntária. Na eutanásia voluntária é a própria
pessoa doente que, de forma consciente, expressa o desejo de morrer e pede ajuda para realizar o
procedimento. Na eutanásia involuntária a pessoa encontra-se incapaz de dar consentimento para
determinado tratamento e essa decisão é tomada por outra pessoa, geralmente cumprindo o desejo
anteriormente expresso pelo próprio doente nesse sentido. A eutanásia pode também ser classificada em
ativa e passiva. A eutanásia ativa é o ato de intervir de forma deliberada para terminar a vida da pessoa (por
exemplo, injetando uma dose excessiva de sedativos). A eutanásia passiva consiste em não realizar ou
interromper o tratamento necessário à sobrevivência do doente.

ORTOTANÁSIA, O QUE É?

Ortotanásia é o termo utilizado pelos médicos para definir a morte natural, sem interferência da
ciência, permitindo ao paciente morte digna, sem sofrimento, deixando a evolução e percurso da doença.
Portanto, evitam-se métodos extraordinários de suporte de vida, como medicamentos e aparelhos, em
pacientes irrecuperáveis e que já foram submetidos a suporte avançado de vida. A persistência terapêutica
em paciente irrecuperável pode estar associada à distanásia, considerada morte com sofrimento.

DISTANÁSIA, O QUE É?

Distanásia é a prática pela qual se prolonga, através de meios artificiais e desproporcionais, a vida de
um enfermo incurável. Também pode ser conhecida como “obstinação terapêutica”. A distanásia representa,
atualmente, uma questão de bioética e biodireito. Este conceito insere-se no campo vasto da discussão do
valor da vida humana e da morte. Opõe-se à eutanásia e pode associar-se a conceitos como a ortotanásia, a
própria morte e a dignidade humana. A distanásia pode opor-se ao conceito de eutanásia passiva.

A EUTANÁSIA NO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA (2276-2279)


Aqueles que têm uma vida deficiente ou enfraquecida reclamam um respeito especial. As pessoas
doentes ou deficientes devem ser amparadas, para que possam levar uma vida tão normal quanto possível.

Quaisquer que sejam os motivos e os meios, a eutanásia direta consiste em pôr fim à vida de pessoas
deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inaceitável.

Assim, uma ação ou uma omissão que, de per si ou na intenção, cause a morte com o fim de suprimir
o sofrimento, constitui um assassínio gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao respeito do
Deus vivo, seu Criador. O erro de juízo, em que se pode ter caído de boa-fé, não muda a natureza do ato
homicida, o qual deve sempre ser condenado e posto de parte.

A cessação de tratamentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionados aos


resultados esperados, pode ser legítima. É a rejeição do «encarniçamento terapêutico». Não que assim se
pretenda dar a morte; simplesmente se aceita o facto de a não poder impedir. As decisões devem ser tomadas
pelo paciente se para isso tiver competência e capacidade; de contrário, por quem para tal tenha direitos
legais, respeitando sempre a vontade razoável e os interesses legítimos do paciente.

Mesmo que a morte seja considerada iminente, os cuidados habitualmente devidos a uma pessoa
doente não podem ser legitimamente interrompidos. O uso dos analgésicos para aliviar os sofrimentos do
moribundo, mesmo correndo-se o risco de abreviar os seus dias, pode ser moralmente conforme com a
dignidade humana, se a morte não for querida, nem como fim nem como meio, mas somente prevista e
tolerada como inevitável. Os cuidados paliativos constituem uma forma excepcional da caridade
desinteressada; a esse título, devem ser encorajados.

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ DECLARAÇÃO SOBRE A EUTANÁSIA

INTRODUÇÃO

Os direitos e valores inerentes à pessoa humana têm um lugar importante na problemática contemporânea. A
este propósito, o II Concílio Ecuménico do Vaticano reafirmou solenemente a eminente dignidade da pessoa
humana e muito particularmente o seu direito à vida. Por isso, denunciou os crimes contra a vida, como são
« toda a espécie de homicídio, o genocídio, o aborto, a eutanásia e o próprio suicídio voluntário » (Const.
Past. Gaudium et Spes, n. 27).

Recentemente a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé chamou a atenção para a doutrina católica sobre
o aborto provocado1. Agora, a mesma Sagrada Congregação julga oportuno apresentar a doutrina da Igreja
sobre o problema da eutanásia.

Com efeito, embora neste campo continuem sempre válidos os princípios afirmados pelos últimos Sumos
Pontífices2, os progressos da medicina fizeram aparecer nestes anos mais recentes novos aspectos do
problema da eutanásia que reclamam ulteriores esclarecimentos precisos no plano ético.

1
Declaração sobre o aborto provocado, 18 de Novembro de 1974: AAS 66 (1974), pp. 730-747.
2
Pio PP. XII, Discurso aos Congressistas da União Internacional das Ligas Femininas Católicas, 11 de Setembro de 1947: AAS 39
(1947), p. 483; Alocução à União Católica Italiana de Obstetrícia, 29 de Outubro de 1951: AAS 43 (1951), pp. 835-854; Discurso
aos membros da Secção Internacional de Documentação de Medicina Militar, 19 de Outubro de 1953: AAS 45 (1953), pp. 744-
754; Discurso aos participantes no IX Congresso da Sociedade Italiana de Anestesiologia, 24 de Fevereiro de 1957: AAS 49 (1957),
p. 146; cf. também Alocução sobre a «Reanimação », 24 de Novembro de 1957: AAS 49 (1957), pp. 1027-1033. PAULO PP. VI,
Discurso aos membros da Comissão Especial das Nações Unidas para a Questão do «Apartheid », 22 de Maio de 1974: AAS 66
(1974), p. 346. JOÃO PAULO PP. II, Alocução aos Bispos dos Estados Unidos, 5 de Outubro de 1979: .AAS 71 (1979), p. 1225.
Na sociedade hodierna, onde mesmo os valores fundamentais da vida humana frequentemente são postos em
causa, a modificação da cultura influi no modo de considerar o sofrimento e a morte; a medicina aumentou a
sua capacidade de curar e de prolongar a vida em condições que, por vezes, levantam problemas de carácter
moral. Assim, os homens que vivem num tal clima interrogam-se com angústia sobre o significado da
velhice extrema e da morte. E chegam mesmo a perguntar a si mesmos se não terão o direito de procurar,
para si e os seus semelhantes, uma « morte suave » que lhes abrevie os sofrimentos e seja, a seus olhos, mais
conforme com a dignidade humana.

Diversas Conferências Episcopais puseram a esta Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé quesitos a este
respeito. Depois de consultar peritos sobre os diversos aspectos da eutanásia, a Congregação intenta com a
presente Declaração responder aos Bispos, para os ajudar a orientar retamente os fiéis e oferecer-lhes
elementos de reflexão que possam apresentar às autoridades civis a propósito deste gravíssimo problema.

A matéria proposta neste documento diz respeito, antes de mais, àqueles que põem a sua fé e a sua esperança
em Cristo que, pela sua vida, morte e ressurreição, deu um sentido novo à existência e especialmente à morte
dos cristãos, segundo as palavras de S. Paulo: « Se vivemos, vivemos para o Senhor e, se morremos,
morremos para o Senhor. Portanto, na vida e na morte, pertencemos ao Senhor » (Rm 14, 8; cf. Flp. 1, 20).

Quanto aos que professam outras religiões, são muitos os que admitirão como nós que a crença — se na
verdade a compartilham — num Deus Criador, Providente e Senhor da vida, dá uma dignidade eminente a
toda a pessoa humana e lhe garante o respeito.

E espera-se também que a presente Declaração possa encontrar o consenso de tantos homens de boa vontade
que, para além das diferenças filosóficas e ideológicas, possuem uma viva consciência dos direitos da pessoa
humana. Estes direitos foram, aliás, muitas vezes proclamados, no decurso dos últimos anos, em declarações
de Entidades Internacionais; e porque se trata aqui de direitos fundamentais de toda a pessoa humana, é
evidente que não se pode recorrer a argumentos tirados do pluralismo político ou da liberdade religiosa, para
lhes negar o valor universal.

I. VALOR DA VIDA HUMANA

A vida humana é o fundamento de todos os bens, a fonte e a condição necessária de toda a actividade
humana e de toda a convivência social. Se a maior parte dos homens considera que a vida tem um carácter
sagrado e admite que ninguém pode dispor dela a seu bel-prazer os crentes vêem nela também um dom do
amor de Deus, que eles têm a responsabilidade de conservar e fazer frutificar. Desta última consideração se
derivam as seguintes consequências:

1. ninguém pode atentar contra a vida de um homem inocente, sem com isso se opor ao amor de Deus para
com ele, sem violar um direito fundamental que não se pode perder nem alienar, sem cometer um crime de
extrema gravidade3.

2. todos os homens têm o dever de conformar a sua vida com a vontade do Criador. A vida é-lhes confiada
como um bem que devem fazer frutificar já neste mundo, mas só encontrará perfeição plena na vida eterna.

3. a morte voluntária ou suicídio, portanto, é tão inaceitável como o homicídio: porque tal acto da parte do
homem constitui uma recusa da soberania de Deus e do seu desígnio de amor. Além disto, o suicídio é,
muitas vezes, rejeição do amor para consigo mesmo, negação da aspiração natural à vida, abdicação frente às
obrigações de justiça e caridade para com o próximo, para com as várias comunidades e para com todo o
3
Pense-se em particular na recomendação 779 (1976) relativa aos direitos dos doentes e dos moribundos, da Assembleia
Parlamentar do Conselho da Europa, na sua XXVII sessão ordinária. Cf. SIPECA, n. 1, Março de 1977, pp. 14-15.
corpo social — se bem que por vezes, como se sabe, intervenham condições psicológicas que podem atenuar
ou mesmo suprimir por completo a responsabilidade.

É preciso no entanto distinguir bem entre suicídio e aquele sacrifício pelo qual, por uma causa superior —
como, a honra de Deus, a salvação das almas ou o serviço dos irmãos — alguém dá ou expõe a própria vida
(cf. Jo. 15, 14).

II. A EUTANÁSIA

Para tratar de modo adequado o problema da eutanásia, convém antes de mais, precisar o vocabulário.

Etimologicamente, a palavra eutanásia significava, na antiguidade, uma morte suave sem sofrimentos


atrozes. Hoje já não se pensa tanto no significado originário do termo; mas pensa-se sobretudo na
intervenção da medicina para atenuar as dores da doença ou da agonia, por vezes, mesmo com risco de
suprimir a vida prematuramente. Acontece ainda que, o termo está a ser utilizado num sentido mais
particular, com o significado de « dar a morte por compaixão », para eliminar radicalmente os sofrimentos
extremos, ou evitar às crianças anormais, aos incuráveis ou doentes mentais, o prolongamento de uma vida
penosa, talvez por muitos anos, que poderia vir a trazer encargos demasiado pesados para as famílias ou para
a sociedade.

É necessário, portanto, dizer claramente em que sentido se usa este termo no presente documento.

Por eutanásia, entendemos uma ação ou omissão que, por sua natureza ou nas intenções, provoca a morte a
fim de eliminar toda a dor. A eutanásia situa-se, portanto, ao nível das intenções e ao nível dos métodos
empregados

Ora, é necessário declarar uma vez mais, com toda a firmeza, que nada ou ninguém pode autorizar a que se
dê a morte a um ser humano inocente seja ele feto ou embrião, criança ou adulto, velho, doente incurável ou
agonizante. E também a ninguém é permitido requerer este gesto homicida para si ou para um outro confiado
à sua responsabilidade, nem sequer consenti-lo explícita ou implicitamente. Não há autoridade alguma que o
possa legitimamente impor ou permitir. Trata-se, com efeito, de uma violação da lei divina, de uma ofensa à
dignidade da pessoa humana, de um crime contra a vida e de um atentado contra a humanidade.

Pode acontecer que dores prolongadas e insuportáveis, razões de ordem afetiva ou vários outros motivos,
levem alguém a julgar que pode legitimamente pedir a morte para si ou dá-la a outros. Embora em tais casos
a responsabilidade possa ficar atenuada ou até não existir, o erro de juízo da consciência — mesmo de boa fé
— não modifica a natureza deste gesto homicida que, em si, permanece sempre inaceitável. As súplicas dos
doentes muito graves que, por vezes, pedem a morte, não devem ser compreendidas como expressão duma
verdadeira vontade de eutanásia; nestes casos são quase sempre pedidos angustiados de ajuda e de afeto.
Para além dos cuidados médicos, aquilo de que o doente tem necessidade é de amor, de calor humano e
sobrenatural, que podem e devem dar-lhe todos os que o rodeiam, pais e filhos, médicos e enfermeiros.

III. O CRISTÃO PERANTE O SOFRIMENTO


E O USO DOS MEDICAMENTOS ANALGÉSICOS

A morte não se dá sempre em condições dramáticas e depois de sofrimentos insuportáveis. Nem se deve
pensar unicamente nos casos extremos. Existem numerosos e concordes testemunhos que permitem pensar
que a própria natureza está ordenada de tal modo que facilita, no momento da morte, separações que seriam
terrivelmente dolorosas para um homem em plena saúde. Assim uma doença prolongada, uma velhice
avançada, uma situação de solidão e abandono, podem criar condições psicológicas que tornam mais fácil a
aceitação da morte.

No entanto, deve reconhecer-se que a morte, muitas vezes precedida ou acompanhada de sofrimentos atrozes
e de duração desgastante, será sempre um acontecimento natural angustiante para o coração do homem.

A dor física é certamente um elemento inevitável da condição humana; no plano biológico, é como que uma
advertência de utilidade incontestável; mas repercutindo-se também na vida psicológica do homem, muitas
vezes torna-se desproporcionada à sua utilidade biológica, e pode assumir dimensões tais que gerem o desejo
de eliminar a mesma dor, custe o que custar.

Segundo a doutrina cristã, a dor, sobretudo nos últimos momentos da vida, assume um significado particular
no plano salvífico de Deus; é, com efeito, uma participação na Paixão de Cristo e união com o sacrifício
redentor que Ele ofereceu em obediência à vontade do Pai. Por isso, não deve surpreender que alguns
cristãos desejem moderar o uso dos medicamentos analgésicos, para aceitar voluntariamente, ao menos uma
parte dos seus sofrimentos e se associar assim com plena consciência aos sofrimentos de Cristo crucificado
(cf. Mt. 27, 34). Não seria conforme à prudência, porém, impor como norma geral uma atitude heroica. Pelo
contrário, a prudência humana e cristã aconselhará para a maior parte dos doentes o uso dos medicamentos
capazes de suavizar ou suprimir a dor, mesmo que surjam efeitos secundários, como torpor ou menor
lucidez. Quanto àqueles que não podem exprimir-se, poder-se-á razoavelmente presumir que desejem
receber estes calmantes e administrar-lhos de acordo com o conselho do médico.

Entretanto o uso intensivo de medicamentos analgésicos não está isento de dificuldades, porque o fenómeno
da habituação obriga geralmente a aumentar a dose para lhes assegurar a eficácia. Convém recordar aqui
uma declaração de Pio XII que conserva ainda todo o seu valor. A um grupo de médicos que lhe tinha feito a
pergunta se « a supressão da dor e da consciência por meio de narcóticos (...) é permitida pela religião e pela
moral ao médico e ao paciente (mesmo ao aproximar-se a morte e se se prevê que o uso dos narcóticos lhes
abreviará a vida », o Papa respondeu: « se não existem outros meios e se, naquelas circunstâncias, isso em
nada impede o cumprimento de outros deveres religiosos e morais, sim » 4. Neste caso, é claro que a morte
não é de nenhum modo querida ou procurada, embora, por um motivo razoável, se corra o risco de morrer; a
intenção é simplesmente acalmar eficazmente a dor, usando para isso os medicamentos analgésicos de que a
medicina dispõe.

Contudo, os medicamentos analgésicos que produzem nos doentes a perda da consciência, merecem uma
particular atenção. Com efeito, é muito importante que os homens possam satisfazer não só os seus deveres
morais e as suas obrigações familiares, mas também e, acima de tudo, preparar-se com plena consciência
para o encontro com Cristo. Por isso, Pio XII adverte que « não é lícito privar o moribundo da consciência,
se não há um motivo grave »5.

IV. O USO PROPORCIONADO


DOS MEIOS TERAPÊUTICOS

Hoje é muito importante proteger, no momento da morte, a dignidade da pessoa humana e a concepção cristã
da vida contra um « tecnicismo » que corre o perigo de se tornar abusivo. De facto, há quem fale de « direito
à morte », expressão que não designa o direito de se dar ou mandar provocar a morte como se quiser, mas o

4
Deixam-se completamente de parte as questões da pena de morte e da guerra, que exigiriam considerações específicas
estranhas ao tema desta Declaração.
5
Pio PP. XII, Discurso de 24 de Fevereiro de 1957: AAS 49 (1957), p. 147.
direito de morrer com toda a serenidade, na dignidade humana e cristã. Sob este ponto de vista, o uso dos
meios terapêuticos pode, às vezes, levantar alguns problemas.

Em muitos casos a complexidade das situações pode ser tal que faça surgir dúvidas sobre o modo de aplicar
os princípios da moral. As decisões pertencerão, em última análise, à consciência do doente ou das pessoas
qualificadas para falar em nome dele, como também aos médicos, à luz das obrigações morais e dos
diferentes aspectos do caso.

É dever de cada um cuidar da sua saúde ou fazer-se curar. Aqueles que têm o cuidado dos doentes devem
fazê-lo conscienciosamente e administrar-lhes os remédios que se julgarem necessários ou úteis.

Mas será preciso, em todas as circunstâncias, recorrer a todos os meios possíveis? Até agora, os moralistas
respondiam que nunca se era obrigado a usar meios « extraordinários ». Esta resposta, que continua a ser
válida em princípio, pode talvez parecer hoje menos clara, já pela imprecisão do termo, já pela rápida
evolução da terapêutica. Por isso, há quem prefira falar de meios « proporcionados » e « não proporcionados
». De qualquer forma, poder-se-á ponderar bem os meios pondo o tipo de terapêutica a usar, o grau de
dificuldade e de risco, o custo e as possibilidades de aplicação, em confronto com o resultado que se pode
esperar, atendendo ao estado do doente e às suas forças físicas e morais.

Para facilitar a aplicação destes princípios gerais podemos dar os seguintes esclarecimentos precisos:

— Se não há outros remédios, é lícito com o acordo do doente, recorrer aos meios de que dispõe a medicina
mais avançada, mesmo que eles estejam ainda em fase experimental e não seja isenta de alguns riscos a sua
aplicação. Aceitando-os, o doente poderá dar também provas de generosidade ao serviço da humanidade.

É também permitido interromper a aplicação de tais meios, quando os resultados não correspondem às
esperanças neles depositadas. Mas, para uma tal decisão, ter-se-á em conta o justo desejo do doente e da
família, como também o parecer de médicos verdadeiramente competentes;

são estes, na realidade, que estão em melhores condições do que ninguém, para poderem julgar se o
investimento de instrumentos e de pessoal é desproporcionado com os resultados previsíveis, e se as técnicas
postas em ação impõem ao paciente sofrimentos ou contrariedades sem proporção com os benefícios que
delas pode receber.

— É sempre lícito contentar-se com os meios normais que a medicina pode proporcionar. Não se pode,
portanto, impor a ninguém a obrigação de recorrer a uma técnica que, embora já em uso, ainda não está
isenta de perigos ou é demasiado onerosa. Recusá-la não equivale a um suicídio; significa, antes, aceitação
da condição humana, preocupação de evitar pôr em ação um dispositivo médico desproporcionado com os
resultados que se podem esperar, enfim, vontade de não impor obrigações demasiado pesadas à família ou à
coletividade.

— Na iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios usados, é lícito em consciência tomar a decisão
de renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem contudo,
interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes. Por isso, o médico não tem
motivos para se angustiar, como se não tivesse prestado assistência a uma pessoa em perigo.

CONCLUSÃO
As normas contidas na presente Declaração estão inspiradas por um profundo desejo de servir o homem
segundo o desígnio do Criador. Se, por um lado, a vida é um dom de Deus, pelo outro, a morte é inelutável;
é necessário, portanto, que, sem antecipar de algum modo a hora da morte, se saiba aceitá-la com plena
responsabilidade e com toda a dignidade. É verdade que a morte marca o termo da nossa existência terrena
mas, ao mesmo tempo, abre também a via para a vida imortal. Por isso, todos os homens devem preparar-se
cuidadosamente para este acontecimento, à luz dos valores humanos, e os cristãos mais ainda à luz da sua fé.

Aqueles que exercem profissões destinadas a cuidar da saúde pública, nada hão-de negligenciar para colocar
ao serviço dos doentes e dos moribundos toda a sua competência; mas lembrem-se de lhes prestar também o
conforto muito mais necessário de uma bondade imensa e de uma ardente caridade. Um tal serviço aos
homens é também um serviço prestado a Cristo Senhor que disse: « O que fizestes a um destes meus irmãos
mais pequeninos, a Mim o fizestes » (Mt. 25, 40).

CARTA SAMARITANUS BONUS (RESUMO)

Recordando o ensinamento da Igreja sobre a temática do fim da vida, contido em documentos do


magistério, como a encíclica Evangelium vitae, de São João Paulo II; a Declaração Iura et bona da
Congregação para a Doutrina da Fé e a Nova Carta dos Profissionais de Saúde, do então Pontifício Conselho
para os Trabalhadores da Saúde, bem como em discursos e intervenções dos últimos Papas, o cardeal
ponderou que “um novo pronunciamento orgânico da Santa Sé sobre o cuidado das pessoas nas fases críticas
e terminais da vida parecia adequado e necessário em relação à situação atual, caracterizada por um contexto
legislativo civil internacional cada vez mais permissivo em relação à eutanásia, suicídio assistido e
disposições sobre o fim da vida”.

E é na perspectiva do cuidado da vida em todas as suas fases que o documento se insere, como
destacou o cardeal sobre a primeira parte da carta:

“O cuidado da vida é pois a primeira responsabilidade que o médico experimenta no encontro com o
doente. Ela não é redutível à capacidade de curar o doente, sendo o seu horizonte antropológico e moral mais
amplo: também quando a cura é impossível ou improvável, o acompanhamento do médico/enfermeiro
(cuidado das funções fisiológicas essenciais do corpo), como também psicológico e espiritual, é um dever
imprescindível, já que o oposto constituiria um desumano abandono do doente. A medicina, com efeito, que
se serve de muitas ciências, possui também uma importante dimensão de “arte terapêutica” que implica uma
relação estreita entre paciente, profissionais da saúde, familiares e membros das várias comunidades de
pertença do doente: arte terapêutica, atos clínicos e cuidado são incindivelmente unidos na prática médica,
sobretudo nas fases críticas e terminais da vida”. (Samaritanus Bonus)

O documento fala que reconhecer a impossibilidade de curar, na perspectiva próxima da morte, não
significa o fim do agir médico e dos enfermeiros. “Exercitar a responsabilidade para com a pessoa doente
significa assegurar-lhe o cuidado até o fim: «curar se possível, cuidar sempre (to cure if possible, always to
care)». Esta intenção de cuidar sempre do doente oferece o critério para avaliar as diversas ações a se
empreender na situação de doença “’incurável’: incurável, com efeito, não é jamais sinônimo de
‘incuidável’”.

Segundo dom Giacomo Morandi, secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, é próprio da
comunidade cristã, da Igreja na sua própria natureza, “acompanhar com misericórdia os mais fracos no seu
caminho de dor, manter neles a vida teológica e encaminhá-los para a salvação de Deus”. O secretário
destacou que a Igreja não cessa de afirmar “o sentido positivo da vida humana como valor já perceptível pela
justa razão, que a luz da fé confirma e valoriza na sua dignidade inalienável” e que “o Magistério da Igreja
tem em mente e deseja reafirmar com clareza o bem integral da pessoa humana”.

Em documento oferecido como chave de leitura para o documento, o padre Rafael Solano, da
arquidiocese de Londrina, que é mestre e doutor em Teologia Moral pela Pontifícia Universidade Gregoriana
de Roma, comenta que é próprio da identidade da Igreja acompanhar os mais fracos, os frágeis e aqueles que
no meio do caminho se encontram feridos e doentes. “É a igreja do Bom Samaritano; que considera o
serviço aos doentes como parte INTEGRANTE da sua missão”. Para Solano, a atitude do Bom Samaritano
“ajuda-nos a compreender que devemos ‘ver’; muitos observam, mas nem todos enxergam. Ter compaixão
leva a cada um de nós a agir como Deus age, com dedicação e oportuna atitude de reconhecimento”.

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