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Psicologia Hospitalar:

Cuidados Paliativos

Aline Nilza Ribeiro Kiefer


Psicóloga e Psicanalista - Pós graduada em Cuidados
Paliativos, com atuação Clínica e Hospitalar.
Cuidados Paliativos - CP
O termo Paliativo é derivado do latim pallium, que significa o manto que cobria
os peregrinos cristãos que cruzavam a Europa em busca de perdão
Proteger alguém é uma forma de cuidado, tendo como objetivo amenizar a dor
e o sofrimento, sejam eles de origem física, psicológica, social ou espiritual.

https://www.youtube.com/watch?v=HO1manZ2wek
CP
Os cuidados paliativos são indicados para toda doença com caráter ameaçador à vida.
Com isso ficamos frequentemente próximos ao conceito de morte.

Vive-se numa sociedade mortal que escamoteia a morte. Assim como o nascer, a
morte faz parte do processo de vida do ser humano. É algo extremamente natural
do ponto de vista biológico.
Atualmente, a doença é vista como fraqueza e punição, tendo em vista a
interrupção à produção.
A doença coloca o indivíduo em contato com sua fragilidade, finitude, e o coloca
frente a dor de um longo tratamento percebendo-se enquanto ser mortal.
O Estudo da Morte
Tanatologia: Estudo da morte, reflexão sobre o sentido da vida e o processo da
morte e do morrer com dignidade

Na Idade Média, a morte era entendida com naturalidade, fazendo parte do


ambiente doméstico, chamada também de morte domada. A morte era
ritualizada, comunitária e enfrentada com dignidade e resignação.

O doente, chamado na época de moribundo, tomava suas próprias providências e


a morte ocorria em uma cerimônia pública, organizada e presenciada pelo
próprio indivíduo em processo de morte.
O Estudo da Morte
Outro fator importante da época, que reforçava este caráter público, era a
presença das epidemias, transformando a morte em um evento visível e
corriqueiro. Isto também contribuía para uma expectativa de vida muito menor
do que a vivida nos séculos XX e XXI

O morrer na sociedade tradicional era vivido de modo mais pacífico que hoje,
visto que o indivíduo se sentia acolhido pela comunidade e pela religião.
A Hospitalização
O hospital como meio terapêutico surge no final do século XVIII, ao mesmo
tempo em que a medicina surge como ciência do indivíduo. O hospital se torna
uma instituição administrada e controlada pelos médicos, passando a ser referência
na área da saúde, da vida, do sofrimento e da morte.

Surge então, a medicalização social através dos métodos diagnósticos e terapêuticos,


pela indústria farmacêutica e pelos equipamentos médicos. A medicina passa a ser
responsável, na figura do médico, e através dos progressos técnicos, pelo
prolongamento da vida.
A Hospitalização
A partir de 1930 e, mais especificamente, desde 1945, morrer no hospital é uma
praxe. O doente perde o direito de opinar sobre a sua morte, e o médico passa "a
presidir o espetáculo", e os familiares passaram a sentir-se protegidos por não terem
de presenciar a morte de um ente querido.
A Morte no Hospital
A partir do século XX, a morte modernizada pode ser qualificada por cinco características:
1 - Ato prolongado gerado pelo desenvolvimento tecnológico;
2- Fato científico gerado pelo aperfeiçoamento da monitoração;
3- Fato passivo já que as decisões pertencem aos médicos e aos familiares e não ao enfermo;
4- Ato profano por não atender a crenças e a valores do paciente;
5- Fato de isolamento já que o ser humano morre socialmente em solidão

A intenção, na verdade, não é de proteger o doente da angústia do final da vida, mas sim de
impedir que a rotina institucional seja perturbada pela emergência das emoções. Esta
estratégia de ocultamento ao doente da proximidade da morte, na verdade, vem conduzir o
doente a um isolamento social.
Eutanásia
"Ajuda para Morrer" consiste em acabar com o sofrimento de uma pessoa doente,
cujo prognóstico é fatal ou que está em estado de coma irreversível, sem chances de
sobreviver, apressando a sua morte ou dando-lhe meios de o conseguir.
A eutanásia visa induzir a morte precoce de uma maneira suave e sem dor, com a
finalidade de acabar com o sofrimento do paciente através da sua própria morte.
A palavra "eutanásia" tem origem nos termos gregos eu = boa e thanatos = morte, o
que significa "boa morte" ou "morte piedosa".

No Brasil, em 1996, foi proposto um projeto de lei no Senado Federal (projeto de lei
125/96), instituindo a possibilidade de realização de procedimentos de eutanásia no
Brasil. Tal projeto como é cediço não prosperou (CARVALHO, 2003).
Distanásia
Obstinação terapêutica: é o prolongamento do processo da morte através de
tratamentos extraordinários que visam apenas prolongar a vida biológica do doente.
O objetivo da distanásia é o prolongamento máximo da vida. Também pode ser
definida como o adiamento da morte através de métodos reanimatórios.
A palavra "distanásia" tem origem grega, onde dis significa "afastamento" e thanatos
quer dizer "morte".
Ortotanásia
A ortotanásia visa aliviar o sofrimento de um doente terminal através da suspensão
de tratamentos extraordinários que prolongam a vida, mas são incapazes de curar ou
trazer melhorias práticas.
A palavra "ortotanásia" vem do grego, onde orto = certo e thanatos = morte.
Essa prática não apressa e nem prolonga o processo de morrer, mas proporciona
condições de vida durante esse período, aliviando todos os tipos de sofrimentos
(físico, espiritual e emocional) e permitindo um maior contato com as pessoas
queridas do seu convívio a fim de proporcionar a despedida sem culpas e dúvidas.
A Morte e os Cuidados Paliativos
Os CP surge como uma alternativa a esse modelo. Diferentemente do paradigma de
cura da ciência médica, valorizam a qualidade de vida do paciente e, por isso, têm
como princípio fundamental o cuidado integral e o respeito à autonomia do
paciente em relação ao processo de morrer.

Não há solução para a morte, mas se pode ajudar a morrer bem, com dignidade,
facilitando os processos de finalização. O que se propõe como cuidados no fim da
vida são de que não deveria haver atitudes autoritárias e paternalistas, e sim
movimentos de solidariedade, compromisso e compaixão. O grande desafio é
permitir que se viva com qualidade a própria morte; que se tenha uma boa morte
A História dos Cuidados Paliativos
A origem dos Cuidados Paliativos ocorreu no movimento hospice. A palavra
hospice deriva do latim hospes, que significa estranho; hospitalis que significa
amigável, portanto: boas vindas ao estranho.
Em 1840, na França, os hospices eram abrigos para que os peregrinos pudessem
cuidar de pessoas doentes e feridas durante suas viagens de cunho religioso. Nesses
abrigos, cuidavam-se de pessoas enfermas à beira da morte.
Esse movimento estendeu-se a outras partes do mundo e em 1967 foi criado em
Londres o St Cristopher's Hospice, por Cicely Saunders, que revolucionou a ideia
de Cuidados Paliativos e serviu de incentivo para outros grupos na criação de vários
hospices independentes.
St Cristopher's Hospice
A História dos Cuidados Paliativos
1970: os Estados Unidos, Cicely Saunders e Elizabeth Kübler-Ross se uniram dando
continuidade ao crescimento do movimento hospice.
1982: A OMS recomendou que todos os países trabalhassem com movimento
hospice, visando alívio e cuidados aos pacientes com câncer.
Entretanto, o termo hospice foi trocado por Cuidados Paliativos devido às
dificuldades de tradução autêntica em alguns idiomas.
2002: A OMS recomendou os cuidados paliativos não apenas para os casos de
câncer, mas também para todos os pacientes com doenças agressivas ou que
indiquem risco à vida.
Atualmente: O reconhecimento dos Cuidados Paliativos como cuidados específicos
para pacientes que estão sem recurso de tratamento ou cura.
A História dos Cuidados Paliativos
Elizabeth Kübler-Ross foi uma psiquiatra que Cicely Saunders, foi uma médica, enfermeira,
nasceu na Suíça. em 1969, escreveu o livro assistente social, e escritora inglesa. Em 1965,
intitulado "Sobre a morte e o morrer", onde ela foi agraciada como Oficial da Ordem do
ela descreve os cinco estágios pelos quais Império Britânico. É reconhecida como a
passam os enfermos diante da aproximação da fundadora do moderno movimento hospice
morte.
A História dos Cuidados Paliativos
Em 2002, a OMS definiu, pela última vez, os Cuidados Paliativos como:

"Uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos doentes que enfrentam
problemas decorrentes de uma doença incurável com prognóstico limitado, e/ou
doença grave (que ameaça a vida), e suas famílias, através da prevenção e alívio do
sofrimento, com recurso à identificação precoce, avaliação adequada e tratamento
rigoroso dos problemas físicos, como a dor, mas também psicossociais e espirituais."

(Academia Nacional de Cuidados Paliativos [ANCP], 2006, p. 2).


Conceitos Fundamentais
"Dor Total"
Cicely Saunders define como o tipo de dor vivenciada pelo doente no fim da
vida. Uma dor complexa, incluindo aspectos físicos, mentais e espirituais, um
novo quadro clínico, diante do qual os profissionais prestam uma assistência à
totalidade do doente.

A dor deixa de ser apenas um dos sinais indicativos de doença, se tornando um


problema a ser tratado. De acordo com a proposta de Saunders, o sofrimento só
é intolerável quando não é cuidado.

"O homem não é destruído pelo sofrimento, mas pelo sofrimento sem sentido".
Victor Frankl
Conceitos Fundamentais
Elizabeth Kübler-Ross define em "Sobre a Morte e o Morrer" o Processo de
Finitude em 5 estágios:
1) negação e isolamento;
2) raiva;
3) barganha;
4) depressão;
5) aceitação.

Esses estágios podem se alternar, misturar ou serem vividos ao mesmo tempo,


sendo que a esperança acompanha todas as fases.
Negação e Isolamento
Relaciona-se à incapacidade do ser humano de aceitar o fim da própria
existência. Ao receber o diagnóstico de uma doença irreversível, a reação dos
pacientes em geral é: "não, eu não, não pode ser verdade".
A negação é uma defesa temporária que age como um pára-choque após
notícias inesperadas, que permite ao paciente se recuperar com o tempo. Por
isso, nessa fase, é comum o paciente buscar outros diagnósticos, na esperança
de que a primeira conclusão seja um erro.
Então, o cuidado nesse momento é fazer com que essa negação não se
transforme numa negação do tratamento, pois até o paciente morrer estará
vivo, e é essa vida que deve ser trabalhada diante da doença e da morte. Nesse
estágio o acolhimento da angústia e o suporte emocional são importantes para
a continuidade do tratamento.
Negação e Isolamento
Kübler-Ross afirma ser comum que a negação "passe", na medida em que o
paciente percebe que precisa lutar pela vida, dando lugar à aceitação parcial.
São raros os casos em que os pacientes negam a doença até o último
momento, entretanto isso pode acontecer.
Em outros casos pode acontecer do paciente conseguir falar sobre sua situação
e de repente esquivar-se do assunto, ficando claro que essa negação pode ir e
vir.
Em geral, no próximo momento o paciente se desliga da negação e se
apropria mais do isolamento.
Raiva
Quando a negação não consegue mais ser mantida aparece a raiva. Em geral, a
raiva é das pessoas que estão à sua volta: dos médicos por não diagnosticarem a
tempo da cura, dos familiares, das pessoas que estão sadias, das pendências.
O cuidado nessa fase é entender que a raiva não é pessoal e sim uma raiva da
situação que não pode ser mudada. "Por que eu?" É importante não destituir o
paciente de sua voz ativa, ou seja, é fundamental fazer com que ele se sinta
responsável pelo seu corpo e pelas decisões.
Raiva
O paciente diante de tal indignação sente raiva de tudo e de todos,
descarregando essa raiva nas pessoas próximas, fazendo com que algumas se
afastem, sejam elas familiares ou equipe de assistência. Diante de tanta raiva o
sentimento retorna para o paciente, alimentando seu comportamento hostil.
Por isso, é importante que, tanto a equipe, quanto os familiares, tenham
paciência com a raiva do enfermo; ao ouvi-lo é possível contribuir para
melhorar a aceitação do processo de morte
Barganha
O paciente tenta adiar a morte fazendo tratos com Deus, com a família e com
os médicos, a partir de promessas em ser uma pessoa boa se os dias de sua vida
forem prolongados. Como a negação e a raiva não deram certo o paciente
acredita que com bons argumentos e mais calma chegará a um acordo para
que prolongue a chegada dos últimos momentos. É o estágio menos
conhecido e geralmente o que ocorre em um prazo curto. Nesses casos o
paciente sempre jura não pedir outro adiamento caso seu pedido seja
alcançado.
Depressão/Luto
Uma sensação de perdas iminentes, podendo ser perdas materiais ou
emocionais. Logo, o enfermo passa a uma depressão preparatória, proveniente
de uma situação real, na qual está prestes a perder tudo e todos que ama.
Nesse momento, é importante que o paciente verbalize os seus pesares e
remorsos não sendo necessárias frases otimistas ou consoladoras.
O silêncio falará mais que as palavras; portanto, é fundamental que o paciente
se sinta amparado, tendo conhecimento de que não ficará sozinho nos últimos
momentos.

Somente aqueles enfermos que superam seus temores e angústias são capazes de
chegar ao estágio final, caracterizado pela aceitação
Aceitação
Estágio de tranquilidade onde o paciente aceita sua doença, limitações e
possibilidades, quando existem. O enfermo deseja ficar cada vez mais só, sem as
perturbações do cotidiano; começa a perder a vontade de conversar.
Nesse momento o toque e o silêncio tornam-se a comunicação.

"Para o paciente é reconfortante sentir que não foi esquecido quando nada mais
pode ser feito por ele"
Kübler-Ross
Aceitação
Estágio de tranquilidade onde o paciente aceita sua doença, limitações e
possibilidades, quando existem. O enfermo deseja ficar cada vez mais só, sem as
perturbações do cotidiano; começa a perder a vontade de conversar.
Nesse momento o toque e o silêncio tornam-se a comunicação.

https://www.youtube.com/watch?v=mT1o2AGv4L4
"Para o paciente é reconfortante sentir que não foi esquecido quando nada mais
pode ser feito por ele"
Kübler-Ross
A Humanização em CP
Humanizar é garantir à palavra a sua dignidade ética. Para que o sofrimento
humano e as percepções de dor ou de prazer no corpo sejam humanizados, é
preciso tanto que as palavras expressadas pelo sujeito sejam entendidas pelo
outro quanto que este ouça do outro palavras de seu conhecimento.

A humanização depende de nossa capacidade de falar e ouvir, do diálogo com


aqueles que nos cercam.

A preocupação com a humanização hospitalar tem como principal meta a


dignidade do ser humano e o respeito por seus direitos, visto que a pessoa
humana deve ser considerada em primeiro lugar.
A Humanização em CP
O atendimento paliativo requer uma abordagem transdisciplinar.

O objetivo é de efetuar o controle dos sintomas do corpo, da mente, do espírito


e do social, que afligem o homem na sua finitude. O foco sai do curar para o
cuidar.

A preocupação central passa a ser a morte digna


A Psicologia em CP
As pessoas próximas da morte necessitam de alguém que possa estar com elas na
dor, criando um espaço para que suas dúvidas, angústias, anseios e também as
esperanças possam ser ouvidas e acolhidas, o que chama de morte anunciada.

A morte anunciada é uma forma do paciente ter a chance de, quando apoiado,
traduzir e dar um significado para a experiência da morte ou, ressignificar a
própria vida.

O psicólogo tem por função entender e compreender o que está envolvido na


queixa do paciente, para ter uma visão ampla do que está se passando e ajudá-lo
a enfrentar esse difícil processo, bem como dar à família e à equipe de saúde
subsídios para uma compreensão melhor do momento de fase final da vida.
A Psicologia em CP
A partir do momento que os profissionais de saúde tiverem a chance de entrar
em contato com seus sentimentos ao prestar cuidados para pessoas fora de
possibilidades terapêuticas, estes podem identificar-se e, através disto, terão a
chance de entrar em contato com as necessidades, desejos e sentimentos do
paciente.

Os cuidados que visam acolher, preservar, acarinhar e dar condições físicas,


mentais, espirituais e sociais, além de preservar ao máximo a autonomia
funcional do paciente
Conclusão
Na verdade, a atuação em cuidados paliativos fica entre dois limites opostos,
onde, de um lado, a convicção profunda de não abreviar a vida, de outro, a visão
de não prolongar a agonia, o sofrimento e a morte.

Assim, entre o não matar e o não prolongar, situa-se o cuidar. Como se é


ajudado para nascer, o homem precisa ser também ajudado no momento do
morrer.
Obrigada!
Referências:

Porto, Gláucia, & Lustosa, Maria Alice. (2010). Psicologia Hospitalar e Cuidados
Paliativos. Revista da SBPH, 13(1), 76-93. Recuperado em 03 de outubro de 2022, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
08582010000100007&lng=pt&tlng=pt.

Rezende, Laura Cristina Silva, Gomes, Cristina Sansoni, & Machado, Maria Eugênia da
Costa. (2014). A finitude da vida e o papel do psicólogo: perspectivas em cuidados
paliativos. Revista Psicologia e Saúde, 6(1), 28-36. Recuperado em 03 de outubro de
2022, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-
093X2014000100005&lng=pt&tlng=pt.

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