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PALIATIVOS
INTRODUÇÃO
O Cuidado Paliativo se confunde historicamente com o termo Hospice. Esta palavra data dos
primórdios da era cristã quando estas instituições fizeram parte da disseminação do cristianismo pela
Europa(4). Hospices eram abrigos (hospedarias) destinados a receber e cuidar de peregrinos e
Enfatiza-se desta forma que Cuidado Paliativo nada tem a ver com eutanásia, como muitos ainda
querem entender. Esta relação ainda causa decisões equivocadas quanto à realização de intervenções
desnecessárias e a enorme dificuldade em prognosticar paciente portador de doença progressiva e
incurável e definir a linha tênue e delicada do fazer e do não fazer. Um diagnóstico objetivo e bem
embasado, o conhecimento da história natural da doença, um acompanhamento ativo,
acolhedor e respeitoso e uma relação empática com o paciente e seus familiares nos ajudarão
nas decisões. Desta forma erraremos menos e nos sentiremos mais seguros.
5. Oferecer um sistema de suporte que possibilite o paciente viver tão ativamente quanto
possível, até o momento da sua morte
Não devemos nos esquecer que qualidade de vida e bem-estar implicam a observância de vários
aspectos da vida. Problemas sociais, dificuldades de acesso a serviços, medicamentos e outros
recursos podem ser também motivos de sofrimento e devem ser incluídos entre os aspectos a serem
abordados pela equipe multiprofissional. Viver ativamente, e não simplesmente viver, nos remete à
questão da sobrevida “a qualquer custo”, que esperamos combater. Sermos facilitadores para a
resolução dos problemas do nosso paciente é nosso dever e nossa responsabilidade.
9. Deve ser iniciado o mais precocemente possível, juntamente com outras medidas de
prolongamento da vida, como a quimioterapia e a radioterapia e incluir todas as investigações
necessárias para melhor compreender e controlar situações clínicas estressantes
Pela própria definição de Cuidados Paliativos da OMS, esses devem ser iniciados desde o
diagnóstico da doença potencialmente mortal. Desta forma iremos cuidar do paciente em diferentes
momentos da evolução da sua doença, portanto não devemos privá-lo dos recursos diagnósticos e
terapêuticos que o conhecimento médico pode oferecer. Devemos utilizá-los de forma hierarquizada,
levando-se em consideração os benefícios que podem trazer e os malefícios que devem ser
evitados(7).
Uma abordagem precoce também permite a prevenção dos sintomas e de complicações inerentes
à doença de base, além de propiciar o diagnóstico e tratamento adequados de doenças que possam
cursar paralelamente à doença principal.
Uma boa avaliação embasada nos exames necessários, além da definição da capacidade
funcional do paciente é indispensável para a elaboração de um plano integral de cuidados, adequado a
cada caso e adaptado a cada momento da evolução da doença.
O Cuidado Paliativo no Brasil teve seu início na década de 1980 e conheceu um crescimento
significativo a partir do ano 2000, com a consolidação dos serviços já existentes, pioneiros e a criação
de outros não menos importantes. A cada dia vemos surgir novas iniciativas em todo o Brasil. Ainda
temos muito que crescer, levando-se em consideração a extensão geográfica e as enormes
necessidades do nosso país. Desta forma, será maior a nossa responsabilidade em firmarmos um
compromisso para, unidos num único propósito, ajudarmos a construir um futuro promissor para os
Cuidados Paliativos, para que um dia, não muito distante todo cidadão brasileiro possa se beneficiar
dessa boa prática.
Referências
.
2. Pessini , L. Distanásia: até quando investir sem agredir? Bioética 4, p. 31-43, 1996.
3. GALRIÇA NETO I. Pequeno Manual Básico de Cuidados Paliativos – Região de Saúde de Lisboa.
4. Saunders , D. C. Introduction Sykes N., Edmonds P.,Wiles J. “Management of Advanced Disease”
2004, p. 3-8.
5. Cortes , C. C. Historia y desarrollo de los cuidados paliativos. In: Marcos G. S., ed.Cuidados paliativos
e intervención psicossocial em enfermos com câncer. Las palmas: ICEPS;1988.
7. MACIEL, M. G. S. Definições e princípios. Cuidado paliativo, CREMESP, 2008; (1-I),p. 18-21.
Introdução
Nos últimos 10 anos os Cuidados Paliativos têm se disseminado fortemente em todo o mundo, e
no nosso país não tem sido diferente. O contraste que observamos, no entanto, diz respeito justamente
aos modelos de assistência empregados nos diversos países para atender à necessidade dos cuidados
em fim de vida. Na Europa, a referência aos hospices como locais de cuidado intensivo na
terminalidade (entendendo intensivo como presença intensa junto ao paciente visando execução de
reavaliações e ajustes constantes de medidas para alívio de sofrimento, e não emprego de maquinário
com tecnologia avançada) evidencia o quão diferente a organização dos serviços pode ser.
Desde o cuidado de nível 1, executado por equipes de saúde da família para necessidades mais
básicas, até o de nível 3, com equipes capacitadas para resolução de problemas complexos, os
cenários de atuação são diversificados(4). O objetivo deste texto é explorar vantagens e dificuldades
para a execução de cuidados em cada um desses cenários.
DESVANTAGENS
Horários para visitas restritos
Número de acompanhantes restrito
Pacientes sob Cuidados Paliativos entre pacientes com outros diagnósticos (hospital geral)
Pacientes sob Cuidados Paliativos entre pacientes em outras etapas de doença
Unidade exclusiva para Cuidados Paliativos pode dar a má impressão de que é
unidade para moribundos
Proporção pacientes-funcionário alta, diminuindo o tempo disponível para pacientes
Domicílio
Quando os profissionais conseguem conduzir seu mister (de tratar os pacientes fora de
possibilidade terapêutica de cura e dentro da ótica dos Cuidados Paliativos) de maneira ótima,
abordando de forma franca, honesta e verdadeira as questões relativas a diagnóstico, prognóstico e
planejamento de cuidados, por vezes o paciente solicita os cuidados em sua própria residência. Isso lhe
confere mais conforto e serenidade, além de poder garantir sua autonomia.
Embora possa parecer tendencioso defender o domicílio como local preferencial de cuidados por
enfatizarmos os aspectos mais subjetivos do tratamento nesse ambiente, devemos avaliá-lo de maneira
crítica e observar seus prós e contras
(Quadro 2)
Uma das grandes vantagens observadas é o fato de permitir ao indivíduo ter as suas
necessidades atendidas na medida de suas preferências, sem a necessidade de seguir a rigidez de
regras e horários do hospital(6)
. Simbolicamente o domicílio representa o retorno ao ventre materno, local de aconchego, calor e
proteção, situações que são procuradas pelas pessoas portadoras de doença ameaçadora da vida e
que se encontram vulneráveis.
VANTAGENS
DESVANTAGENS
Modalidades de assistência(3)
Câncer
A história dos Cuidados Paliativos se iniciou com o câncer, quando Cicely Saunders cuidou de
seu amigo, David Tasma, e acompanhou a trajetória de dor e sofrimento pelo qual ele passou antes de
morrer. Daí surgiu a sua ideia de agregar os conhecimentos nas várias áreas do saber científico e
empregá-los no auxílio daqueles que sofriam até morrer.
Manual de Cuidados Paliativos da ANCP mãe e familiares, mas também pela equipe de
profissionais, que deve ser cuidadosamentepreparada para trabalhar nesse cenário especial.
1. DOYLE, D. et al. The Oxford Textbook of Palliative Medicine. Oxford University Press. 3rd ed.
2006.
2. DUNLOP, R.; HOCKLEY, G. M. Hospital based palliative care teams. Oxford University Press.
1st ed. 1998.
3. EMANNUEL, L.; LIBRACH, L. Palliative care: core skills and clinical competences. Saunders
Elsevier, 2007.
4. MACIEL, M. G. S. et al. Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil. Academia
Nacional
de Cuidados Paliativos, 2007.
5. PALMER, E.; HOWARTH, J. Palliative care for the primary care team, quay books. 2005.
Os pacientes em CP que se encontram em fase terminal, geralmente passam por longos períodos
de tratamento e, consequentemente, criam vínculos muito fortes no ambiente hospitalar ou unidade de
CP num momento particularmente crítico de suas vidas: o momento de estar doente, emocionalmente
abalado e próximo à morte. Diante dessa situação de terminalidade, o psicólogo atua buscando
qualidade de vida, trabalhando as questões do sofrimento, amenizando ansiedade e depressão do
paciente, auxiliando-o também na sua adesão aos diferentes tipos de tratamento e a lidar com os
efeitos colaterais destes em seu dia a dia. Além disso, o amparo ao paciente terminal em CP, à sua
família e à equipe médica torna-se importante, pois, todos se beneficiam quando se toma consciência
do processo de morrer (Castro, 2001).
Considerando que muitos pacientes terminais em CP apresentam dificuldades em aceitar seu
diagnóstico ou prognóstico com a comunicação da terminalidade efetuada pelo médico, a presença
continuada do psicólogo é fundamental para o paciente evoluir e aceitar favoravelmente sua nova
condição (Gorayeb, 2001).
A natureza complexa, multidimensional e dinâmica da doença propõe um avanço dos CP
englobando a bioética, comunicação e natureza do sofrimento (Barbosa, 2009). Nesse contexto é
possível perceber a relevância da psicologia com suas contribuições para a compreensão dos aspectos
psíquicos do sofrimento humano diante de um quadro de doença que passe a ser tratado em CP ou da
terminalidade em CP. Compreende-se, portanto, que a contribuição do profissional da psicologia ocorre
em diversas atividades, e segundo Franco (2008) estas se dão a partir de saberes advindos de uma
Este artigo consiste em uma revisão bibliográfica dos últimos dez anos que visa discutir a
assistência em Cuidados Paliativos sob a perspectiva da Humanização. Trazendo a possibilidade de
evolução e avanços efetivos na qualificação da assistência à saúde com enfoque no profissional
Enfermeiro, evidenciando o sujeito paciente, objeto de estudo e cuidado. Abordaremos o resgate da
Política Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão do SUS (PNH) consolidando o princípio da
integralidade da assistência, que implica
considerar todas as dimensões possíveis para se realizar intervenções que promova qualidade
maior de vida a esses pacientes oncológicos em cuidados paliativos. O objetivo geral deste trabalho
resume-se em discutir a atenção em Cuidados Paliativos a partir da reflexão sob a perspectiva da
Política de Humanização. A metodologia utilizada foi um levantamento bibliográfico realizado através do
banco de dados virtual BIREME, considerando sob seleção de filtros os principais artigos da saúde
brasileira sobre o tema. A justificativa está pautada no relevante tema da atualidade que evidencia uma
nova forma de assistência de promover qualidade de vida. A revisão revela ser imprescindível que a
formação dos profissionais da saúde seja com enfoque no trabalho que use como ferramentas canais
para valorizar a interação de sensibilidade e reflexão, pensando na complexidade da abordagem em
Cuidados Paliativos e também em conformidade com a proposta da PNH.
1. INTRODUÇÃO
Tornam-se cada vez mais necessários a reflexão e o debate sobre os modelos de gestão e de
atenção, a formação profissional e o exercício desse cuidado, para que as práticas de atenção à saúde
da população sejam viabilizadas em conformidade com os princípios do SUS. Neste sentido, a Política
Nacional de Humanização se apresenta como estratégia de transformação do sistema em direção ao
alcance dos princípios fundamentais defendidos nessa reforma sanitária.
3. MATERIAL E MÉTODO
O presente trabalho consiste em uma revisão bibliográfica do tipo narrativa sobre os cuidados
paliativos para pacientes oncológicos, enquanto ferramenta de humanização.
O levantamento bibliográfico foi realizado através da internet, pela BIREME, considerando os
principais artigos da saúde brasileira dos últimos dez anos.
Para o levantamento dos artigos, utilizamos as palavras-chave: Cuidados Paliativos. Humanização
da Assistência. Enfermagem oncológica.
4. DESENVOLVIMENTO
Diante das dificuldades encontradas para que o sistema de saúde ofereça uma atenção em
Cuidados Paliativos adequada às necessidades dos pacientes e seus familiares, a PNH pode
representar uma importante contribuição para avançar no debate acerca da importância do investimento
em políticas, práticas e serviços de saúde capacitados a oferecer esta modalidade de atenção,
fundamental para que se concretize o ideal de integralidade da assistência, com um atendimento
humanizado.
A humanização na atenção à saúde passou a ser tema de proposições políticas governamentais
de forma mais ampla no final da década de 1990. Em 2001 é lançado o Programa Nacional de
Humanização da assistência Hospitalar (PNHAH) que tem como foco a necessidade de transformação
cultural no ambiente hospitalar, modificando os padrões de assistência aos usuários. Este programa
expressa a necessidade de agregar à eficiência técnica e científica a dimensão ética que possibilite o
respeito à singularidadedas necessidades de usuários e profissionais, o acolhimento do desconhecido e
imprevisível.
A PNHAH além da preocupação com os direitos dos usuários, a valorização dos trabalhadores da
área da saúde, buscando capacitá-los para lidar com a dimensão psicossocial de usuários e suas
famílias. O programa destaca ainda a importância do trabalho em equipes multiprofissionais, bem como
o papel dogestor, para a eficácia do processo de humanização da assistência. Com o intuito de expandir
a humanização para além do ambiente hospitalar, o Ministério da Saúde, em 2003, a Política Nacional
de Humanização da Atenção e da Gestão do SUS – HumanizaSUS (PNH), visando atingir todos os
níveis de atenção à saúde.
5. CONCLUSÃO
Conclui-se diante da revisão de literatura que é necessário, então, o investimento na discussão
sobre os Cuidados Paliativos, incluindo esta abordagem nas políticas de saúde e na formação
profissional, afim de resgatar na humanização a ferramenta para o desenvolvimento da melhor
assistência de cuidados a pacientes oncológicos. Evidencia-se, assim, uma situação paradoxal, pois o
sofrimento e a morte são inerentes à vida humana, mas acabam sendo temas negligenciados por
aqueles que lidam com a vida, isto é, os profissionais da saúde em ênfase enfermeiros (as).
6. REFERÊNCIAS
1. OMS. Organização mundial da saúde. Disponível em: http://www.who.int/about/es/ Acesso em: 14
janeiro 2016.
2. Floriani CA, Schramm FR. Cuidados paliativos: interfaces, conflitos e necessidades. Cien Saude
Colet 2008;13(Supl. 2):2123-2132.
3. Menezes, R. A. Em busca da “boa morte”: uma investigação sócioantropológica sobre Cuidados
Paliativos. Tese (IMS-UFRJ). Rio de Janeiro: 2004.
Para se definir a prática dos cuidados paliativos é fundamental que se tenha uma abordagem
multidisciplinar que produza uma assistência harmônica, onde o foco é amenizar e controlar os
sintomas de ordem física, psicológica, social e espiritual e não de buscar a cura de determinada
doença. Trata-se de oferecer ao paciente qualidade de vida, enquanto vida houver (Oliveira & Silva,
2010).
É responsabilidade de uma equipe multidisciplinar composta por médicos, enfermeiros,
psicólogos, entre outros profissionais da área de saúde proporcionar esse cuidado; capacitados para
lidar com os medos, angústias e sofrimentos do paciente e da família, agindo com respeito frente à
realidade da finitude humana e às necessidades do doente (Machado, Pessini & Hossne 2007).
A equipe multiprofissional deve unir esforços para oferecer um cuidado o mais abrangente
possível, utilizando todos os recursos diagnósticos necessários para a melhor compreensão e manejo
dos sintomas e tendo sempre em foco que a melhora da qualidade de vida pode influenciar
positivamente no modo como o paciente lida com as questões relacionadas ao processo de adoecer
(Academia Nacional de Cuidados Paliativos, 2007; Juver, 2007; Souza & Carpigiani, 2010).
Como parte dessa equipe que atua na área de Cuidados Paliativos, a contribuição do profissional
de Psicologia se define a partir de uma visão da doença como pertencente ao campo da mente e das
vivências e expressões da mesma, pelo corpo. Atuando nessa área, o psicólogo também necessita
manter o equilíbrio nas suas relações com os outros profissionais e encontrar vias de comunicação que
permitam a troca e o conhecimento, a partir de diferentes saberes (Conselho Regional de Medicina do
Estado de São Paulo, 2008).
Tomando como referência os princípios que regem a filosofia dos Cuidados Paliativos, poderiam
ser considerados mais diretamente como norteadores da prática do psicólogo: a promoção do controle
da dor e de outros sintomas estressantes; o trabalhar a questão da morte como um processo natural; o
oferecimento de um sistema de suporte à família, que possibilite a exata compreensão do processo da
doença em todas as fases; oferecer um sistema de suporte que permita ao paciente viver tão
ativamente quanto possível, na busca constante para manter sua autonomia; integrar o aspecto clínico
com os aspectos psicológico, familiar, social e espiritual ao trabalho; unir esforços de uma equipe
multidisciplinar para oferecer o cuidado mais abrangente possível; ter sempre em foco que a melhora da
qualidade de vida pode influenciar positivamente no tempo que resta ao doente e que o cuidado deve
ser iniciado precocemente (Academia Nacional de Cuidados Paliativos, 2007; Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo, 2008; Juver, 2007).
O psicólogo deve estar atento em detectar os conteúdos envolvidos na queixa, no sintoma e na
patologia, permitindo assim uma atenção integral e a identificação de desordens psíquicas que geram
sofrimento, estresse e também aos mecanismos de defesa negativos que costumam surgir; isso
O psicólogo que integra uma equipe de Cuidados Paliativos precisa de formação profissional na
área, na busca de estratégias para ajudar o paciente no enfrentamento e elaboração das experiências
O termo “paliativo” deriva do latim pallium, que significa manto, capote. Dando a ideia de prover
um manto para aquecer aquele que passa frio (Pessini&Bertachini, 2005). Essa é a essência de
cuidados paliativos: aliviar dores e sintomas ecobrir de cuidados aqueles pacientes para quem a
medicina já não oferece recursos curativos.
Conforme asseveramBifulco e Iochida (2009), os Cuidados Paliativos são procedimentos feitos
por todos os integrantes de uma equipe multiprofissional, que oferecem uma opção de tratamento
Revelação do diagnóstico
Despersonalização do paciente
No ambiente hospitalar o paciente torna-se a doença e deixa de ter seu próprio nome, passa a ser
alguém portador de uma determinada patologia, criando assim, o estigma do doente-paciente, até no
mesmo sentido de sua própria passividade perante novos fatos e perspectivas existenciais, o simples
fato da pessoa se tornar “hospitalizada” faz com que adquira os signos que irão enquadrá-la em uma
nova performance de existência.Tudo e qualquer procedimento ou intervenção para o seu tratamento
pode ser visto como invasivo e afrontando a sua dignidade (Trucharte, Knijnik,Sebastiani&Camon,
2010).
Hennezel (2004), relatando sua experiência com pacientes terminais, narrou que um deles se
queixou do atendimento em hospitais onde eram tratados pelo número do leito, seguido pelo nome da
sua patologia. Considerava insuportável quando médicos chegavam em seus quartos, discutindo sobre
o tratamento como se o paciente ali não estivesse. O que queriam saber, perguntavam às enfermeiras,
sem demonstrar um único gesto de humanidade, como por exemplo, sentar-se ao lado do paciente e
perguntar: “como você estava vivendo?”.
Diante de tantos fatores que envolvem a experiência de um paciente em quadro terminal, faz-se
necessária a atuação de um profissional junto à clínica médica, capaz de facilitar superação e alívio de
ordem psicológica e emocional. O trabalho de um psicólogo tornou-se imprescindível nos hospitais,
dada sua sensibilidade e capacidade em lidar com questões tão desconsideradas por outros
profissionais da saúde.
Para tanto, o psicólogo não pode,e nem conseguiria sozinho, desempenhar bem seu papel de
facilitador e promotor de saúde mental. Conforme salienta Londero (2006), o tratamento em Cuidados
Paliativos deve contar com uma equipe multiprofissional que trabalhará com o foco de promover um
equilíbrio geral para o doente, sem buscar pela cura, no entanto, oferecendo-lhe uma melhor qualidade
dessa vida.
Como integrante de uma equipe multiprofissional, o psicólogo terá diversas e minuciosas formas
de atuar, especialmente em casos de pacientes em situação de luto iminente. Seu trabalho deve levar
em conta vários aspectos, como: a instituição, a equipe multiprofissional, o paciente e sua doença, bem
como a família deste. Esses aspectos nortearão e delimitarão suas ações enquanto profissional.
Segundo Simonetti (2011), a psicologia hospitalar é o campo de atendimento e tratamento dos
aspectos psicológicos em torno do adoecimento, onde seu objetivo é a subjetividade. Ele explica que
diante de todas as implicações oriundas do estado patológico de um paciente, sua subjetividade é
sacudida. É neste momento que o psicólogo hospitalar entra em cena oferecendo algo que os outros
profissionais da saúde não puderam dar: atenção e escuta a suas aflições. A psicologia se interessa em
dar voz à subjetividade do paciente, restituindo-lhe o lugar de sujeito que a medicina lhe afasta (Moretto,
2001,citado porSimonetti, 2011).
O campo de trabalho do psicólogo são as palavras e a observação. Ele fala, escuta e observa.
Escuta ainda mais do que fala. Não é algo tão simples, pois o ato de escutar, falar e também captar
signos com valor de palavras pode levar o paciente a mudanças em seu quadro de bem estar. Como
assevera Simonetti (2011), a psicologia hospitalar trata do adoecimento no registro do simbólico, pois a
medicina já trata no registro do real.
No que concerne à liberdade e ao dever de exercer seu papel frente ao doente e as fronteiras
estabelecidas pelas instituições de saúde, o psicólogo, ao entrar em contato com o paciente, há de levar
em consideração duas situações bem colocadas por Simonetti (2011): se houve uma solicitação de
atendimento ou uma demanda de atendimento. Uma solicitação é feita por qualquer pessoa (inclusive o
paciente) diante do quadro apresentado pelo paciente. Já a demanda se trata mais de um estado de
incômodo ou questionamento acerca de como está vivenciando sua situação. Esta demanda só pode
partir do doente, como questionamento acerca de suas atitudes. Sendo assim, o essencial é que haja
demanda para que o tratamento flua, mas isso não quer dizer que o psicólogo não possa iniciar o
trabalho apenas com a solicitação de atendimento, pois com o tempo poderá surgir a demanda.
O primeiro dos trabalhos do psicólogo no atendimento hospitalar é entender que é necessário uma
boa identificação entre ele e seus pacientes. Não é demais conferir bem o nome com o número do leito
Fases de intervenção
Como retratam Oliveira,Luginger, Bernado e Brito (2004), é importante ter em mente organizar o
processo de intervenção em três momentos: antes, no momento e após a morte do paciente.
Quanto à intervenção antes da morte, é relevante comunicar e informar ao paciente sobre sua
doença e atuação de medicações e tratamento, para que transtornos físicos e emocionais sejam
evitados. É desejável que o terapeuta tenha conhecimento da forma de comunicabilidade da família
para com o paciente em relação ao seu estado e sua doença.
O terapeuta deve ainda instruir a família a ser moderada ao expressar seus conteúdos, dentro do
padrão de recepção usual da família. O terapeuta também deve trabalhar para estimular a empatia
entre a família para que a expressão de sentimentos e pensamentos possa possibilitar a resolução de
Um psicólogo não precisa de um ambiente determinado e separado para operar sua profissão
dentro de um ambiente hospitalar, até mesmo porque se trata de um tipo de ambiente que dificilmente
favorece a atividade psicoterapêutica em termos de espaço físico. Como ressalva Moretto (2001,citado
por Simonetti, 2011), o settingnão pode ser tratado como um espaço real, porque ele é virtual e
CONCLUSÃO
O paciente que se encontra fora dos recursos terapêuticos de cura tem diante de si uma situação
de medo, angústia e muita insegurança. Há uma nova situação imposta, com a qual terá que lidar, a
despeito de tudo.
Nos achados desta pesquisa desenvolvida em torno de um assunto tão relevante, que permeia a
vida de todos, uma vez que o morrer faz parte do processo da existência, constatamos que o psicólogo
desempenha papel fundamental no amparo àqueles que se encontram numa situação de perda
importante em suas vidas, bem como vivem a expectativa de um luto próximo e inevitável.
Ao psicólogo cabem vários papéis que serão importantes na vida do paciente, da sua família, bem
como da equipe na qual trabalha. Utilizando-se dos recursos mais importante de que dispõe - a escuta,
ele poderá dar vez e voz aos pacientes e seus familiares fazendo com que se sintam amparados e
compreendidos. Agindo como mediador entre a família e o paciente, o psicólogo poderá orientá-los na
reorganização de suas vidas, que apesar da proximidade com a morte, poderá ser desfrutada revendo
amigos, reatando laços esquecidos, perdoando e pedindo perdão. Isso pode ser libertador, tanto para
quem vai partir, quanto para quem ainda vai ficar.
O psicólogo é o profissional mais indicado para captar desejos, inibições, ouvir a voz da alma,
mesmo quando a pessoa está em silêncio. Muitas vezes é preciso decifrar perguntas e respostas do
paciente à família ou a qualquer outra pessoa, inclusive a membros da equipe.
Orientar a família a respeito dos altos e baixos que serão vividos pelo paciente, bem como
oferecer a ela um suporte necessário para que se fortaleça e possa manter-se ao lado do seu ente
querido facilitará na conciliação de sentimentos intensos e comuns nesse tipo de situação.
A certeza de estar amparado, durante suas crises de angústias, bem como o fato de contar com
alguém que, estando ao seu lado, o escuta e compreende, não emitindo nenhum juízo de valor, mas
que, ao contrário disso, considera importante todas as suas queixas e dores, e ainda consegue fazer
com que a pessoa dê a tudo aquilo que expressa um significado para a sua existência, certamente
contribui para que, uma vez tratadas suas demandas, ela consiga, com mais tranquilidade, aceitar a
morte. Podendo, a partir disso, debater e discutir sobre o que gostaria que fosse feito após a sua
partida, em relação à sua família e também sobre o que gostaria de decidir sobre suas preferências
sobre tipo e local para sua morte e sepultamento. Discutir sobre a morte nos conduz ao valor da vida,
ainda que seja, apenas, a um pedacinho dela.
Concluímos que este é o papel do psicólogo, fazer com que alguém que, num momento de perda
e dores intensas, imagina que já não encontrará razões para existir, encontre essas razões e as
encontre dentro de si mesmo, expressando as dores do seu corpo e de sua alma, reatando laços e
REFERÊNCIAS
Aitken, E. V. P. (2006). Entre a vida e a morte. In: Figueiredo, M. T. A. (Org.). Coletânea de textos
sobre cuidados paliativos e tanatologia. São Paulo, p.21-23. Acesso em: 12 out. 2012:
http://www.ufpel.tche. br/medicina/bioetica/cuidadospaliativosetanatologia.
Bifulco, V. A.; Iochida, L. C. (2009). A formação na graduação dos profissionais de saúde e a
educação para o cuidado de pacientes fora de recursos terapêuticos de cura. Revista Brasileira de
Educação Médica (online). São Paulo, v. 33, n. 1, p. 92-200. Acesso em 24 out. 2012:
Kovács, M. J. (2008). Desenvolvimento da Tanatologia: estudos sobre a morte e o morrer. Paidéia,
Ribeirão Preto, v.18, n. 41, set/dez/2008. Acesso em 26 nov. 2012: http://www.scielo.br/scielo.php?
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Kübler-Ross, E. (1985). Sobre a morte e o morrer. (2a ed.) São Paulo. Martins Fontes.
J. de 62 anos tem diagnóstico de neoplasia do pâncreas, uma lesão oncológica grave, com
múltiplas metástases. Está deitado em decúbito lateral, ictericiado e emagrecido. Responde, sem nunca
abrir os olhos, a um cumprimento inicial com intenção de conhecer a sua condição, dizendo: “Sou só
uma criança... de 62 anos...”
Não responderá a mais nenhuma tentativa de comunicação. A esposa, frágil e numa crise
emocional manifesta, pede ao técnico que se sente com ela ao lado da cama e deixa fluir a expressão
sofrida dos seus sentimentos recentes.
Caso “Não te autorizo a que fales de assuntos particulares com outras pessoas...”, disse J., sem
nunca abrir os olhos.
Há ainda outros registos próprios da comunicação – o discurso formal, por exemplo, que se opõe
ao registo que pretendemos aqui estudar, e pode constituir, pelo contrário, uma ajuda à compreensão
do nosso assunto. Neste modo discursivo, público, estarão apostos todos os preceitos formais de uma
comunicação pública, com afastamento
poucos gestos, expressão corporal ou facial reduzida, emotividade contida e vocalizações pouco
moduladas.
Esta comunicabilidade é adequada a públicos ou a momentos formais e não perpassam na
mensagem aspetos relativos ao comunicador. No ato, não relevam características ou sentimentos, nem
se ensaiam movimentos empáticos dirigidos a alguém em particular. Nesta comunicação difusa e
ampla, o comunicador não estabelece ligação com outra pessoa em particular, nem recebe do seu
auditório sinais finos que permitam ajustamentos dedicados ou de grande sensibilidade. Não há
proximidade, nem intimidade, nem a possibilidade de contacto físico, o comunicador não tem a noção
exata do impacto das suas palavras numa dada pessoa. Será um discurso genérico,
como uma média do entendível, capaz de ser compreendido por todos aqueles a quem ele se
dirige.
A vida das pessoas é pontuada por recordações indeléveis em que lhes foram comunicadas
notícias emocionalmente fortes. Recordamos sempre muitos elementos episódicos associados à notícia
de uma gravidez ou do nascimento de um filho, do início de uma relação muito desejada ou à
comunicação do desaparecimento de alguém com grande significado pessoal. Nestes momentos de
elevado gradiente emocional, o ato de comunicar torna-se um procedimento de grande delicadeza.
Todas as palavras são tomadas gravemente no sentido em que são compreendidas e ecoam sempre
nos intervenientes de modo especial. Geram memórias de longo prazo que podem
ser condicionadoras do funcionamento psicológico do indivíduo, podendo até determinar um estilo
de reação aos acontecimentos no futuro. As palavras geram estados psicológicos (Goleman, 2015).
Nos momentos de grande tensão emocional, os potenciais de leitura da mensagem estão
aumentados, estão ativadas todas as capacidades de detetar informação, estabelecer comparação
diferencial entre o que é dito e o que se expressa no não verbal, Intervenção Psicológica em Cuidados
Paliativos ou a possibilidade de inferir o particular a partir de uma apresentação de elementos genérica,
desorganizada ou pouco convincente.
Estão em campo competências filogenéticas próprias de estruturas nervosas ancestrais, que
permitem a interpretação das expressões e sinais, e reagem a gestos e atitudes pertencentes a um
modo de funcionamento mais primitivo. Também se consideram as aquisições nervosas mais modernas,
que possibilitam transmitir a ideia, através da composição das palavras adequadas, permitindo emitir
uma comunicação progressiva, sensível ao contexto, adequada à diversidade dos interlocutores e à
peculiaridade do caso.
Uma grande parte da comunicação feita em momentos de tensão não é assistida por processos
conscientes.
“Vou morrer, não vou?”, pergunta subitamente L., durante o banho, a um assistente operacional.
O medo é sempre a entidade de fundo, presente em muitos dos momentos de comunicação com
a pessoa doente que chega para cuidados paliativos. Especialmente nas primeiras horas, no primeiro
contacto com as equipas, a ansiedade e a incerteza perturbam muito a qualidade de uma abordagem
explicativa ou clarificadora. A situação vivida em Cuidados Paliativos, seja em contexto de internamento
ou no domicílio, é ansiogénica e está associada a representações muito ligadas ao sofrimento, à
doença e à morte.
Muitas vezes, a pessoa chega ao contacto com a equipa depois de um longo caminho de
sofrimento, com um historial exaustivo de exames, de instrumentações invasivas, de técnicas
terapêuticas estranhas, sendo o seu corpo agora um desconhecido que já não controla.
Vêm com défices sérios no controlo de sintomas, emagrecidos, castigados pelas constantes más
notícias ou pelos sinais, atormentados por maus pressentimentos que não compreendem muito bem.
Caso Clínico
8. A PSICOLOGIA EM CUIDADOS PALIATIVOS PEDIÁTRICOS
A B. é uma menina de 6 anos, filha de um casal jovem: mãe de 34 anos, médica; pai de 34 anos,
engenheiro informático; e irmão de 3 anos de idade, a frequentar o jardim de infância. Trata-se de uma
família com bom suporte social e familiar. Em maio de 2013 foi diagnosticado à B. um tumor do sistema
nervoso central – glioblastoma. Pela gravidade da doença e pelo prognóstico reservado (esperança de
vida entre 6 meses e 12 meses), a família foi referenciada à consulta de Psicologia.
Numa fase inicial, a intervenção psicológica centrou-se junto dos pais e da criança, com o objetivo
de promover estratégias de adaptação à doença. A B. iniciou quimioterapia e radioterapia. No início de
2014 apresentou quadro de hidrocefalia e foi submetida a neurocirurgia. Na sequência da necessidade
de intervenção cirúrgica de urgência, retomou a consulta de Psicologia com o objetivo de a ajudar a
lidar com o novo acontecimento de vida.
Ao longo do processo da doença e ciente da gravidade da mesma, a família optou por suspender
a atividade laboral para acompanhar a B. nesta etapa de vida.
A B. é uma criança alegre, muito comunicativa e demonstra muito interesse em realizar diversos
trabalhos manuais. Os pais e outros elementos da família com um papel ativo no processo de
adaptação à doença (avó, tios e primos) fomentam e participam nestas tarefas.
Ainda em 2014 há agravamento da doença e a B. inicia um novo tratamento de quimioterapia e
radioterapia. Nesta etapa, a família está centrada na qualidade de vida da B., bem como na pesquisa e
discussão do caso sobre as medidas terapêuticas que possam ser mais eficazes para aumentar a
esperança de vida. No início de 2015, há progressão da doença com metastização. A família recorre de
novo à consulta de Psicologia para lidar com esta nova etapa, bem como para iniciar a intervenção com
o irmão que, nesta altura, se encontra com 5 anos e necessita de
compreender melhor o que está a ocorrer com a doença da irmã. A família continua centrada na
qualidade de vida da B., planeia e executa passeios e inúmeras atividades.
Em meados de outubro, a B. apresenta muita sintomatologia e alterações motoras e inicia controlo
de sintomas. A família mantém o apoio da equipa do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa e
recebe também apoio domiciliário pela equipa de Cuidados Paliativos do Hospital Garcia de Orta. No
final de novembro, já com 8 anos, B. faleceu, em casa, tal como a família tinha desejado. A família
manteve acompanhamento psicológico na fase terminal da B.. A intervenção teve como objetivo
primordial ajudar o irmão a lidar com a despedida.
Na atualidade, pais e irmão encontram-se a ser acompanhados em terapia de luto.
Na última década, a Sociedade Internacional de Oncologia Pediátrica (SIOP) dedicou-se a
elaborar linhas orientadoras de intervenção psicossocial em Oncologia Pediátrica.
As linhas orientadoras têm como objetivo definir um conjunto de pontosrelevantes para a
intervenção nas diferentes áreas da Oncologia Pediátrica.
A análise da abordagem aos pais, às crianças e adolescentes tem como objetivo conciliar as
linhas orientadoras da SIOP com os eixos de intervenção em CuidadosPaliativos: Controlo de Sintomas,
Comunicação, Família e Equipe.
A reflexão elaborada neste capítulo integra uma análise sistematizada sobre a intervenção
psicossocial em crianças com doença crónica complexa, bem como a
A Psicologia em Cuidados Paliativos Pediátricos experiência clínica junto de famílias de crianças
em Cuidados Paliativos Pediátricos.
Numa primeira fase, é importante estabelecer a relacao com a crianca e a familia e ajudá-la a
compreender a doenca, assim como a lidar com a doenca e os tratamentos.
“Só existem duas formas de viver a vida. A primeira é pensandoque o milagre não existe; a outra
é pensando que tudo é milagre. Albert Einstein
Conceituando a Espiritualidade
“O que se pretende com a experiência religiosa final é uma intensa percepção do mistério.”
Joseph Campbell
Espírito, do latim “spiritus”, significa sopro e se refere a algo que dá ao corpo sua força vital, e
demonstra a relação do plano material com a dimensão imaterial, oculta, divina ou sobrenatural que
anima a matéria13. O espírito conecta o ser humano à sua dimensão divina ou transcendente.
Espiritualidade denomina uma qualidade do indivíduo cuja vida interior é orientada para Deus, o
sobrenatural ou o sagrado. Muito embora alguns autores vejam a distinção entre religiosidade e
espiritualidade como desnecessária15, a espiritualidade move-se para além da ciência e da religião
instituída.Ela é considerada mais primordial, mais pura e mais diretamente relacionada com a alma em
sua relação com o divino. Já a religião é uma forma secundária, dogmática e freqüentemente distorcida
por forças socioeconômicas, culturais e políticas
Assim, poderemos notar que alguns indivíduos são portadores de um alto grau
deespiritualidade sem pertencerem a uma religião instituída. Outros, ao contrário, terão sua
espiritualidade fundamentada na religião.
A percepção espiritual da realidade dá ao individuo uma dimensão mais ampla de significados
para os eventos da vida diária e reorganiza essas experiências. Segundo Victor Frankl e Graf
Dürckheim16, a percepção de sentido/significado transcendente na experiência cotidiana é a força
motriz da existência humana. Tal percepção pode ser atingida através de rituais religiosos, prece,
meditação, arte, contato com a natureza, sofrimento e até mesmo de relacionamento amoroso.
“ É quase impossível para um médico ter uma verdadeira experiência religiosa, há muito orgulho
no seu intelecto.” George Eliot Até bem pouco tempo atrás não havia nenhuma ponte que ligasse as
questões espirituais à ciência moderna, em especial, à medicina. Os fenômenos religiosos eram
geralmente vistos como distúrbios psiquiátricos e seus efeitos mal interpretados. Teriam as percepções
“espirituais” ou “transcendentes” alguma explicação científica razoável?
Haveria alguma conexão neurobiológica entre os diferentes cultos e êxtases religiosos Pesquisas
de Andrew Newberg e Eugene D’Aquili da Universidade da Pensilvânia mostram que o metabolismo
cerebral durante diferentes formas de êxtases religiosos são semelhantes. Através do SPECT (Single
Photon Emission Computed Tomography),
“Ao permanecermos atentos aos problemas do final da vida, ignoramos o mistério do final da vida”
19.
Quando buscamos o alívio do sofrimento humano diante da morte necessitamos expandir nossa
compreensão do ser humano para além de sua dimensão biológica. A dimensão espiritual engloba a
relação do indivíduo com o transcendente, sendo necessário diferenciá-la das questões existenciais e
FICA – Puchalski
SPIRIT – Maugans
Ao lidar com as questões espirituais de nossos pacientes devemos estar atentos às diversas
formas de violência espiritual que podem ser cometidas por profissionais, familiares e sacerdotes.
Segundo Purcell29, 30, o abuso espiritual é caracterizado pelo ato de fazer alguém acreditar numa
punição de Deus ou na condenação eterna por ter falhado em alcançar uma vida adequada aos olhos
de Deus. Existem diferentes intensidades e formas de abuso espiritual, algumas tão sutis que se
encontram nos alicerces de nossa cultura judaico-cristã. A maioria de nós provavelmente já sofreu
algum grau dessa forma de violência, o que pode ser verificado pela necessidade de 60% da
populaçãoamericana ter a preocupação de “morrer sem o perdão de Deus”20, 29, 30.
Impedir o paciente de expressar suas necessidades espirituais assim como o proselitismo são
formas comuns de violência contra o paciente terminal. Num país como o Brasil com tantas religiões e
crenças é freqüente uma dissonância de convicções religiosas entre paciente, familiares e equipe
médica. A falta de conhecimento médico a respeito do tema banaliza a experiência legítima daqueles
que morrem e impede um atendimento adequado.
Apesar de mais da metade dos médicos residentes acreditarem na importância do seu
envolvimento nas questões espirituais de seus pacientes(31), não há uma discussão adequada à
A Morte e a Espiritualidade
“A morte tem o poder de colocar tudo em seu devido lugar. Longe do seu olhar, somos
prisioneiros do olhar dos outros e caímos na armadilha dos seus desejos.”
Rubem Alves
Conclusões
A dimensão espiritual é considerada o fator que integra e une os aspectos físicos, psicológicos e
sociais do ser humano33. As experiências espirituais apresentam hoje explicações científicas que
sugerem seus mecanismos neurofisiológicos e físicos.
Diversos estudos demonstram os benefícios do envolvimento religioso/espiritual, não podendo
mais este tema ser negligenciado pela medicina. Os Cuidados Paliativos devem abordar o ser humano
em sua totalidade, incluindo o cuidado espiritual. Existem evidências sugerindo ser esse tipo de cuidado
eficaz no controle das questões existenciais e sintomas depressivos no final da vida. A equipe de
Referências Bibliográficas:
1. Williams AL. Perspectives on spirituality at the end of life: a meta-summary. Palliative and
Supportive Care 2006; 4:407–17.
2. McClain CS, Rosenfeld B, Breitbart W. Effect of spiritual well-being on end-of-life despair
in terminally-ill cancer patients. Lancet 2003; 361:1603–7
3. Hinshaw DB. Spiritual Issues in Surgical Palliative Care. Surg Clin N Am 2005; 85:257–72
17. Newberg A, D’Aquili E. Why God won’t go away. New York, USA: Ballantine Books; 2002.
18. Goswani A. Universo auto consciente. São Paulo: Ed Aleph 2007.
19. Bevins M, Cole T. Ethics and spirituality: strangers at the end of life? In: Lawton MP, ed.
29. Boyd C. Purcell. Spiritual abuse. Am J Hosp Palliat Care 1998; 15:227
30. Boyd C. Purcell. Spiritual terrorism. Am J Hosp Palliat Care 1998; 15:167
31. Luckhaupt SE, Yi MS, Mueller CV, Mrus JM, Peterman AH, Puchalski CM, Tsevat J. Beliefs
of primary care residents regarding spirituality and religion in clinical encounters with
— “Doutor, o senhor tem me acompanhado há mais de dez anos nesta doença, com todo o
carinho e franqueza, e agora não tem coragem de olhar nos meus olhos e me dizer que estou
morrendo?”
— “Doutor, eu estou morrendo? Fale comigo sobre a morte! Converse comigo francamente, como
o senhor sempre fez em relação às minhas doenças oportunistasna Aids. Diga-me francamente o que
ainda posso esperar da Medicina! Como será omeu fim? Terei muita dor?”
Delicadamente, o médico tomou a mão de D. Maria entre as suas e, olhando-acom profunda
ternura, disse: “É verdade, minha amiga. Você está caminhando para o fim de seus dias. Agora, a
Medicina não tem muito a lhe oferecer para a cura de suas doenças, mas eu lhe prometo estar ao seu
lado até o fim, aliviando suas dores, conversando com você e dando todo o apoio aos seus filhos.”
Aquela franqueza sosseou D. Maria, que repentinamente ficou mais alegre, brincou com o doutor
e logo voltou à sua sonolência, como que aliviando a dor da verdade e prolongando um pouquinho mais
os seus dias. A revolta de ter sido infectadapelo marido há muito já se fora, e agora ficava a saudade
dos seus filhos e netos, como se, viajando para uma terra muito distante e sem volta, não tivesse
abraços e palavras suficientes para consolar e para despedir-se daqueles a quem tanto amava.
A Fragilidade do Adoecer
“A minha vida está desaparecendo como fumaça, e o meu corpo queima como se estivesse no fogo.
Estou acabado como a grama que foi cortada e pisada;
não tenho vontade de comer.
Fico gemendo alto; sou apenas pele e osso.
Sou como um pássaro em lugares desertos,
como uma coruja numa casa abandonada.
Não consigo dormir;
sou como um pássaro solitário em cima do telhado1.”
Salmo 102:3-7
D. Maria nunca pensara em ficar num hospital no fim de seus dias. Ser vencida pela doença não
estava em seus planos.
O adoecer é o evento da vida que nos faz questionar a nós mesmos, nossos propósitos, alores e
o sentido da vida. Ele interrompe as nossas carreiras, abala a nossa vida familiar, tira a nossa paz, e
nos faz sentir um forte temor do desconhecido e da possibilidade de virmos a perder o controle sobre as
circunstâncias da nossa vida.
Um outro paciente, que viveu muitos séculos atrás, era um grande rei: Ezequias, o rei de Israel.
Ele ficou muito doente, às portas da morte. O profeta Isaías foi visitá-lo e disse:
“O Senhor Deus disse assim:
Ponha as suas coisas em ordem,
porque você não vai sarar.
Apronte-se para morrer.”
A doença não escolhe classe social, raça, credo ou nível cultural. Diante da doença e da morte,
somos colocados todos na mesma terrível situação.
Como qualquer outro ser, Ezequias também se sentiu tomado de surpresa, cheio de medo e
disposto a barganhar com Deus e com os homens para ser poupado. Se possível, queria ganhar mais
alguns anos, meses, ou até mesmo dias de vida.
É interessante como, diante da morte, tomamos consciência de que realmente somos pequenos e
frágeis. Do alto de nossos saltos de orgulho pelas nossas conquistas, títulos e realizações, raramente
paramos para pensar que mesmo que possamos ter domínio sobre a ciência, de curar ou atuarmos na
Espiritualidade, Fé e Religiosidade
A morte traz consigo uma sombra e um cheiro específico, que se antecipam à própria, trazendo
insegurança, medos, confusão, urgência na resolução de algumas questões práticas, outras
relacionadas à culpa e ao perdão e ainda outras, de cunho profundamente teológico e verticalmente
relacional.
Tudo que nos é desconhecido, e foge ao nosso controle, nos causa pavor. Entre os motivos de
medo nestes pacientes, salientamos alguns: medo da dor e de outros sintomas; medo do abandono;
medo da não-existência; medo da perda da dignidade; medo da dependência e da perda de controle
físico, social e financeiro e medo de que os profissionais da saúde não saibam ou não tenham como
ajudá-lo .
Entre as necessidades captadas através de muitas pequisas entre pacientes em fim de vida,
alguns dos pontos comuns foram:
Conclusão
Lúcia, nossa capelã em Cuidados Paliativos no Hospital do Servidor Público, foi chamada pela
jovem médica que não sabia como lidar com o pedido de eutanásia feito por uma paciente. O medo da
dor que poderia sofrer no processo do morrer fizera com que ela perdesse o desejo de viver, clamando
por medicações que a fizessem dormir até o momento final.
Algo mais foi acrescentado às respostas às profundas questões teológicas, relacionais e
existenciais. Agora havia não uma nova religiosidade, mas um novorelacionamento com Deus, o qual
lhe deu forças para enfrentar o medo e a dor.
Através das palavras de consolo e também ao carinhoso desafio ao enfrentamento da situação, a
paciente voltou a aceitar o alimento e a medicação. Havia disposição em viver até o fim. O medo fora
vencido pela certeza da presença confortadora da capelã, mas ainda mais do Deus que a amava e em
quem podia confiar que estaria presente para levá-la para o seu eterno lar.
Mais animada, atendeu ao desafio de confeccionar, com suas próprias mãos, uma linda caixinha
enfeitada com papel de seda e um delicado buquê de flores de papel.
Ao olhar o modelo que deveria imitar para fazer o artesanato, sentia-se incapaz, inútil e frágil
demais para fazer algo. Incentivada pelas capelãs, trabalhando devagar e com grande persistência,
parava de pouco em pouco para descansar, cochilando por minutos, mas sempre mostrando desejo em
concluir o trabalho começado.
Depois de quase uma hora e muitas interrupções, seu semblante estava mudado:
sorria com doçura ao ver que fora capaz de fazer algo bonito. A delicada peça em suas mãos
fazia-na perceber que sua vida ainda era útil, tinha sentido, e podia acrescentar algo à vida de sua
família.
O prolongamento artificial da vida é um terror para muitas pessoas que buscam uma morte
natural. Muitos pacientes relatam medo da aparelhagem para manutenção da vida, querem dignidade,
planejar a própria morte e tomar decisões sobre a sua vida. Pacientes esperam que seu médico não os
abandone, esteja presente acompanhando a sua situação. Para os familiares e para a equipe de saúde
é muito difícil ver alguém sofrendo, sentirem-se impotentes.
Alguns pacientes gravemente enfermos pedem para morrer, sendo muito importante saber o que
motiva estes pedidos. Entre os maiores problemas relatados pelos pacientesbestão: sensação de
desamparo, falta de apoio, percepção de não ter controle, o que pode causar mais sofrimento do que
sintomas físicos. Não ter a família presente é uma das causa mais freqüentes para o pedido de morte.
(Chochinov et all, 1995)
Muitas vezes, se associa a depressão com os pedidos para morrer. É muito difícil fazer o
diagnóstico diferencial de depressão e outros sintomas presentes quando do agravamento da doença.
Existe uma naturalização do sofrimento e da dor no câncer que pode isentar profissionais da equipe de
saúde da preocupação de cuidar destes sintomas.
Doenças como o câncer provocam alterações no apetite, sono e na disposição física, o que pode
gerar confusão entre os sintomas da doença e a presença da depressão.
Verificamos as seguintes preocupações em pacientes gravemente enfermos (Kovács, 1998a) ●
Não poder se despedir dos familiares;
A “perda de si” é vivida quando ocorre o adoecimento, e propicia que se trabalhe o luto
antecipatório, o luto que ocorre antes da morte (Fonseca, 2004). Esta antecipação vai permitindo a
elaboração das perdas durante o processo de vida, trazendo significado para a existência. Muitas
pessoas vão perdendo os papéis que desempenharam ao longo da vida: de profissional, de genitor que
tinha uma série de responsabilidades e atividades em relação às crianças, do cônjuge, entre outros.
(Parkes & Markus, 1998).
É fundamental saber o que significam, o que representam, a dor e outros sentimentos que podem
estar presentes na situação de doença grave e aproximação da morte (Kovács, 1998b). Um dos
aspectos importantes para fazer o trabalho do luto é reconhecer os sentimentos que estão lá na sua
Referências Bibliográficas:
Breitbart, W. (2004). Espiritualidade e sentido nos cuidados paliativos. In: Pessini, L. &
Bertanchini, L. (2004) (Orgs.). Humanização e cuidados paliativos. São Paulo, Edições
Desire for death in the terminally ill. American Journal of Psychiatry, 152: 1185-1191.
Fonseca, J.P. (2004). Luto antecipatório. Campinas, Livro Pleno.
Franco, M.H.P. (2002). Estudos avançados sobre o luto. Campinas, Editorial Livro Pleno.
As primeiras visões sobre luto mostram um fenômeno entendido como causa potencial de doença
física ou mental. É interessante observar como se deu a evolução desse conceito até os dias atuais,
quando definimos o luto como um processo normal e esperado em conseqüência do rompimento de um
vínculo.
Parkes (2001), ao fazer uma revisão histórica sobre o estudo do luto, nos conta que, em 1621,
Robert Burton publicou The Anatomy of Melancholie, obra na qual apresenta o pesar como sintoma e
causa principal da melancolia ou daquilo que, modernamente, chamamos de depressão clínica. Nos
séculos 17 e 18, o luto era considerado causa de morte e prescreviam-se medicações para o chamado
luto patológico.
Em 1835, Benjamin Rush, médico americano, receitava ópio para enlutados e considerava que
aqueles que morriam de problemas cardíacos tinham como causa o que ele chamara de “coração
partido”. Parkes (idem) chama ainda a atenção para outros estudos que apontaram importantes
diferenças, entre os quais destaca a publicação datada de 1872, de Charles Darwin, The Expression of
Emotions in Man and Animals. Nessa obra, Darwin apresenta a evidência de que muitas espécies de
animais choram quando separadas daqueles aos quais estão vinculadas. Seres humanos enlutados
tentam inibir esse choro, mas os músculos do choro são os de mais difícil controle do que os demais
músculos faciais, daí a aparência característica.
Freud (1917/1953) publicou Luto e Melancolia a partir de suas observações clínicas e
considerações durante a I Guerra Mundial. Apontou diferenças e semelhanças entre pesar e melancolia
e considerou que o luto, como causa de depressão, tende a aparecer em relações ambivalentes. Ele
cunhou o termo “trabalho de luto”, entendendo que luto requer uma elaboração psicológica. Como suas
observações foram feitas em época de guerra, havia muitas razões para identificar sintomas
psiquiátricos ou distúrbios pós-traumáticos.
A II Guerra Mundial trouxe um outro cenário. Em 1941, Kardiner publica Traumatic Neuroses of
War, obra que traz ao conhecimento as peculiaridades do sofrimento daqueles expostos a situações
contínuas de risco de morte, com conseqüências para a saúde, como um todo. Em 1944, Lindemann
descreve uma situação de luto agudo, após incêndio em discoteca. Nesse artigo, ele define o que
considerava normal, com destaque para efeitos indesejáveis da repressão do luto. Não reconheceu a
importância do luto crônico, mas foi quem primeiro falou sobre luto antecipatório, exatamente a partir da
experiência das esposas dos soldados convocados para o campo de batalha.
Em 1949, Anderson fala do luto crônico, definido por ele como o distúrbio psiquiátrico mais
freqüente, além de estados ansiosos e depressão maníaca.
Fatores psicológicos
● A natureza e o significado, únicos relacionados à perda específica
● As qualidades individuais da relação que se finda
● O papel que a pessoa à morte ocupa no sistema familiar ou social
● Os recursos de enfrentamento do enlutado, junto com sua personalidade e condições de saúde
mental
● Experiências prévias com morte e perdas
● Os fundamentos sociais, culturais, éticos, religiosos e espirituais do enlutado
● Idade do enlutado e da pessoa à morte
● Questões não resolvidas entre a pessoa à morte e o enlutado
● A percepção individual sobre quanto foi realizado em vida
● Circunstâncias da terminalidade
● Percepção de senso de controle
● Perdas secundárias
Fatores sociais
● Isolamento
● Dificuldade de estabelecer e manter relações significativas
● Nova identidade social
Fatores fisiológicos
● Controle de sintomas
● Alimentação
● Descanso e sono
● Autonomia
● Qualidade de vida geral
Fatores espirituais
● Relação espiritualidade e luto
Cabe agora trazer para o cenário a experiência da família com o luto, em especial, para que se
possa abordar a riqueza de possibilidades contidas no processo de construção de significado, pela
família.
Significado é aqui definido como as representações cognitivas, mantidas na mente de cada
membro familiar, mas construídas interativamente dentro da família, ao mesmo tempo em que são
influenciadas pela sociedade, pela cultura e pelo período histórico.
A família faz uso de fatores estimuladores e inibidores nesse processo de construção de
significado. Os fatores estimuladores são aqueles que promovem a construção de significado da família,
incluem rituais familiares, efeitos na família estendida, tolerância pelas diferenças, qualidade e
freqüência das interações. Os fatores inibidores, por sua vez, impedem o processo, incluem regras
familiares que proíbem conversar sobre assuntos delicados, proteção e aspectos da dinâmica familiar,
como exclusão
de membros.
As famílias fazem uso de estratégias, que são os meios ou métodos pelos quais elas constroem o
significado da perda, incluindo comparações, caracterizações,questionamentos, referências e
discordâncias. Entre os possíveis significados, têm destaque a possibilidade de nem todos eles serem
positivos: a morte pode ser entendida como um “teste”, modelo para outros; veio para unir a família;
teve causa genética (a família entende-se impotente diante do fato); o morto não está em lugar algum
ou está no céu, cuidando dos outros; o morto queria morrer. O significado mais difícil se dá para “a
morte poderia ter sido evitada”. Há famílias que o procuram naquilo que a “morte não foi”.
Referência Bibliográfica:
1. Anderson C. Aspects of pathological grief and mourning. International Journal of
Psychoanalysis 1949; 38:48-55.
2. Freud S. Mourning and melancholia: the standard edition of the complete psychological
works of Sigmund Freud. Londres: Hogard; 1953. (original publicado em 1917).
3. Kardiner A. The traumatic neuroses of war. Nova Iorque: Hoeber; 1941.
4. Lindemann E. The symptomatology and management of acute grief. American Journal of
6. Parkes CM. A Historical Overview of the Scientific Study of Bereavement. In: Strobe M,
Hansson RH, Stroebe W, Schut H. Handbook of bereavement research: consequences,coping
and care. Washington, D C: American Psychological Association; 2001.
As relações entre a filosofia moral (teoria) e a ética aplicada (prática) correspondem a um tema
contemporâneo. As questões relacionadas com os fundamentos da autonomia do indivíduo geraram
significativos avanços na posse de um poder que foi e ainda é, muitas vezes, delegado. Na área da
saúde, a partir dos anos 70 surge um campo de reflexão chamado Bioética.
Segundo Leone et al (Dicionário de Bioética, 2001), a Bioética surgiu como um fenômeno cultural:
“Emergiu da exigência, cada vez mais presente no seio da sociedade contemporânea, de melhorar a
posição das suas estruturas ou reformular determinados aspectos delas, na esteira das genuínas
indicações éticas”. Isto significa, em certa medida, uma ética prática. A forte presença de desafios éticos
gerados pelos avanços técnicos e científicos, na área da saúde, atingiu seu auge com a divulgação
ampla (diretamente relacionada ao desenvolvimento dos meios de comunicação) da possibilidade do
homem de interferir de modo eficaz nos processos de nascimento e morte. (Atienza apud Vázquez,
1999)2.
O termo Bioética foi criado e posto em circulação em 1971, no livro do norteamericano Van
Rensselaer Potter, Bioethics: Bridge to the Future.
Potter referia: “O propósito deste livro é contribuir com o futuro da espécie humana promovendo a
formação de uma nova disciplina, a disciplina da Bioética”. Insistia Potter: “Se existem duas culturas que
parecem incapazes de falar uma com a outra, essas são: ciências e humanidades – e, se isto faz parte
das razões para que o futuro se mostre tão incerto, então possivelmente nós teríamos de estender uma
ponte para o futuro, construindo a disciplina de Bioética como ponte entre as duas culturas”.
Como responder a este desafio?
Referências Bibliográficas:
1. Canto-Sperber M. Dicionário de ética e filosofia moral. São Leopoldo, RS: Unisinos; 2003.
v. 1, p. 595-600.
2. Leone S, Privitera S, Cunha JT da, coords. Dicionário de bioética. Aparecida, SP: Ed.
Santuário; 2001.
3. Potter VR. Bioethics: bridge to the future. New Jersey: Prentice-Hall, Englehood Clifs;
1971.
4. Potter VR. Bioethics, the science of survival. Perspectives in Biology and Medicine 1970;
14:127-153.
5. Mainetti JA. Compêndio bioético. La Plata. ES: Editorial Quiron; 2000.
6. Seve L. Para uma crítica da razão bioética. Lisboa, PT: Instituto Piaget; 1994.
7. Segre M, Cohen C, orgs. Bioética. 3. ed. São Paulo: EDUSP; 2002. Cap. 1: Definição de
valores, moral, eticidade e ética. p. 17-26.
8. Reich WT. The word “bioethics”: its birth and the legacies of those who shaped it. Kennedy
Institute of Ethics Journal 1994; 4(4):319-33.
A medicina surgiu envolta num contexto prioritariamente humanístico e só depoisde muito tempo
assumiu o enfoque científico. Com seu avanço, surgiu a preocupação com o tratamento das doenças
que colocavam em risco vidas humanas e, para isso, criou-se um arsenal cada vez maior de recursos
técnicos. Entretanto, houve uma perda do equilíbrio entre a disponibilidade dos recursos e a forma mais
apropriada de empregá-los. Surgiu a necessidade de uma padronização de normas de condutas
voltadas para o bem-estar do paciente, de forma não mecanicista, mas que também não tivessem um
caráter simplesmente subjetivo1. Com isso, nasceu a Bioética.
A Bioética vem sendo encarada e discutida de diversas formas (ética de princípios, ética do
cuidado, ética das virtudes, ética do cotidiano etc) mas, de qualquer maneira, trata-se da abordagem
para uma interpretação moral, visando auxiliar o indivíduo diante de dilemas. Trata-se de uma
interpretação dos princípios fundamentais da assistência: fazer o bem e não causar o mal, respeitando
as deliberações das pessoas, de modo justo2.
A tarefa da ética é a procura e o estabelecimento das razões que justificam o que “deve ser feito”.
Fala de motivação, resultados, ações, ideais, valores, princípios e objetivos. A ética pode ser
considerada como uma questão de indagação e não de normatização do que é errado. Assim, “a ética é
um dos mecanismos de regulação das relações sociais do homem, que visa garantir a coesão social, e
harmonizar interesses individuais e coletivos.
Hoje, “a abordagem ética contemporânea é fruto de uma sociedade secular e democrática; afasta-
se das conotações das morais religiosas apesar de ser um campo de estudo e reflexão de inúmeros
grupos; constitui-se em uma ética pluralista que aceita a diversidade de enfoques, posturas e valores. A
abordagem é interdisciplinar, servindose da colaboração e interação da diversidade das ciências
biológicas e humanas”.
Nesse sentido, a Bioética, como a filosofia de Cuidados Paliativos, por sua perspectiva,é
humanista e tende a ver a pessoa em sua globalidade sempre contextualizando cada situação em
busca da melhor solução sem definir, a priori, o que é certo e errado.
Os profissionais de saúde e a sociedade precisam refletir sobre esses assuntos com muito
cuidado. Para isso, é de fundamental importância não só aspectos técnico-
científicos mas também valores pessoais. Nossa cultura está tão fortemente baseada no
materialismo, motivada pela prioridade do bem-estar material, que experimentamos uma necessidade
coletiva de preservar a aparência de felicidade. Dor, sofrimento e morte são sentimentos abafados pela
consciência pública coletiva.
Richard McCormink, bioeticista católico, reflete de forma muito pertinente sobre a questão do
entendimento da vida humana na sua caracterização sacral e qualitativa.
O autor descreve o conceito de vida como condição para outros valores e conquistas.
É claro que antes de qualquer experiência humana, resposta, ou conquistaser possível, deve
existir vida. Neste sentido, a vida é uma condição para todos os outros valores e experiências. A vida
pode significar duas coisas: um estado de funcionamento humano (capacidade), e, portanto, um bem
útil, ou a existência de processos vitais e metabólicos com nenhuma capacidade ou funcionamento
humano.
Argumenta-se que a expressão “qualidade de vida” implica em que nem todas as vidas sejam
igualmente boas ou mereçam igual proteção. Desta forma, é essencialmente discriminatória. Por outro
lado, falar em termos de que “toda vida” possui “igual valor” revelaria uma preocupação legítima (que o
tratamento médico não possa ser negado ou descontinuado de forma que viole os direitos das
“confundir um tratamento fútil com a futilidade da vida é uma séria ofensa à dignidade humana...”
Edmund Pellegrino
Poucas décadas atrás, a prática médica era caracterizada pelo paternalismo. Os médicos
determinavam sozinhos ou em conjunto com os seus colegas a utilidade e indicação dos diversos
tratamentos.
A mudança radical em direção aos direitos do paciente tem sido cada vez mais presente como
oposição ao paternalismo. Além disso, discussões políticas e filosóficas sobre os direitos da pessoa
humana elevaram o princípio da autonomia a uma posição nunca antes alcançada. Tamanha tem sido a
importância da autonomia que este conceito passou a definir um padrão de obrigações morais dos
médicos para com seus pacientes. Assim, em respeito à ética e à lei, o tratamento considerado fútil,
pelo médico, não seria obrigatório.
Uma ação fútil é aquela através da qual não se pode atingir os objetivos por mais que se repita o
processo. A probabilidade de falha pode ser previsível porque é inerente à natureza da ação proposta.
Entretanto, isso pode se tornar imediatamente óbvio ou apenas depois de múltiplas tentativas
frustradas.
Às vezes, um tratamento não é oferecido por ser danoso, suas desvantagens superam os
benefícios. Às vezes, um tratamento é interrompido por ser fútil, ele simplesmente não funciona.
Naturalmente, alguns tratamentos são danosos e fúteis, embora essas características sejam razões
diferentes para que os mesmos sejam evitados.
Não oferecer tratamento danoso conta com uma justificativa ética, o princípio da não-maleficência.
Entretanto, as razões para não receber um tratamento fútil não apresentam princípios tão claros9.
Deve-se também fazer distinção entre os termos futilidade fisiológica e normativa.
O tratamento é definido como fisiologicamente fútil se for extremamente improvável que se atinja o
seu objetivo clínico. Entretanto, é considerado normativamente fútil se provavelmente não beneficiar o
paciente. Em muitos casos futilidade fisiológica também será futilidade normativa porque se o
tratamento não funciona é improvável que beneficie o paciente. Esta distinção é importante porque um
tratamento é considerado normativamente fútil quando envolve julgamentos sobre os interesses dos
pacientes.
A futilidade fisiológica não envolve tais julgamentos. Por exemplo: por mais que seja claramente
fútil (fisiologicamente) dialisar um indivíduo séptico não- responsivo a toda terapêutica já instituída, em
falência múltipla de órgãos e com câncer metastático (a medida não fará qualquer diferença na
evolução final do paciente), pode ser que, normativamente, represente a última possibilidade de que,
aliviado da uremia e com nível de consciência apropriado, o paciente possa resolver pendências
pessoais e se despedir de seus familiares que chegam de longe.
Não há consenso sobre o quão improvável deva ser o sucesso de uma intervenção para que ela
seja considerada fútil. Alguns pesquisadores sugerem que um tratamento seja considerado fútil se não
houve eficácia nos últimos cem casos em que foi aplicado ou se um médico tiver 95% de certeza de que
uma intervenção não será bem-sucedida em pelo menos 3% dos casos10. Entretanto, essas definições
são obviamente arbitrárias. A ressuscitação cardiopulmonar (RCP) é a única intervenção médica
rotineiramente administrada na ausência de consentimento do paciente ou representante.
Entretanto, em alguns casos a probabilidade de benefícios é tão pequena que pode se considerar
a RCP e outros procedimentos sustentadores de vida como sendo fúteis em termos médicos. Por
exemplo, demonstrou-se em pacientes com câncer metastático uma resposta inicial à RCP com
sobrevida de horas ou dias, mas nenhum dos pacientes sobreviveu para alta hospitalar11. Alguns
estudos sugerem que a condição do paciente antes do evento de PCR seja preditivo de sobrevivência e
recuperação após a parada cardíaca12,13. O mesmo raciocínio pode ser usado para outras condutas
como uso de drogas e procedimentos invasivos como ventilação mecânica e diálise.
Existem barreiras filosóficas para a justificativa de não tratar, baseadas no conceito de futilidade.
Considere a seguinte situação: um indivíduo não aposta em loteria regularmente porque acredita
que sua chance de ganhar é tão pequena que sua ação possa ser considerada fútil. Entretanto ele não
tem nenhuma objeção ética ao ato de jogar. Se este indivíduo ganhar, gratuitamente, um bilhete de
loteria, ele provavelmente o aceitará, apesar de sua crença de que jogar em loteria seja fútil, porque,
sem custo adicional algum, ele está recebendo a chance de ganhar alguma coisa. Este exemplo ilustra
o conceito de que, removendo-se o custo e o dano, não há razões para não fazer algo considerado
“fútil”, já que existe um potencial de benefício. Portanto, classificar uma ação como fútil não é por si a
razão que leva a não realizá-la. Dizer que algo é fútil é o mesmo que dizer que não há razões em favor
da realização desta ação.
Para justificar a opção de não tratar, os médicos precisam considerar elementos relativos ao bem-
estar do paciente e ao custo-efetividade. A baixa probabilidade de sucesso, isoladamente, não é
suficiente para justificar o ato de não tratar, porque alguma chance de sucesso, mesmo que pequena, é
sempre melhor do que nenhuma chance.
As diretrizes mais recentes advogam a discussão explícita sobre as condutas no final da vida com
todos os pacientes competentes e familiares, exceto se houver uma razão clara para que tal discussão
não seja do interesse do próprio paciente14. Essa discussão, porém, não significa necessariamente que
se tome uma decisão imediata. A discussão envolve a compreensão pelo paciente, familiares e equipe
que assiste o doente de que o paciente está morrendo. Deve-se explicar que podem haver mudanças
de objetivo no tratamento, incluindo a decisão de não-ressuscitar. Com a “popularização da medicina”
pelos meios de comunicação, distorceu-se muito a percepção do paciente e familiares sobre essas
questões.
“Não pode haver justiça se não houver compadecimento com o sofrimento.” Adela Cortina – VII
Cong. Brasileiro de Bioética 2007
Atualmente existe uma forte tendência que procura desvincular a Bioética da forma de pensar
baseada em princípios (ou seja, da chamada Bioética principialista, notabilizada por Beuachamps e
Childress16). Deste modo, tenta-se abrir a discussão para um aspecto mais cotidiano e aplicado,
voltado para um contexto social em que o homem seja valorizado e encarado como um cidadão, um ser
único.
Com o avanço do conhecimento médico, das técnicas de suporte de vida e transplantes, tem-se
procurado olhar mais criticamente até que ponto o homem pode ser beneficiado, de fato, por essa
evolução. Tenta-se estabelecer fronteiras mais claras (ou, pelo menos, individualizadas) entre prolongar
a vida e prolongar o processo de morte. O aspecto fundamental dessa questão é cuidar da saúde do
homem de forma que seu sentido de dignidade não seja maculado em nenhuma circunstância.
Entretanto, em uma sociedade desigual não só com relação à distribuição de renda, mas também
ao valor diferenciado por interesses políticos, impõe-se a necessidade de se pensar de forma mais
ampla em justiça social, mas uma justiça que envolva o acesso a cuidados médicos pelos indivíduos,
suas necessidades como cidadão, de forma particularizada, biográfica. Nesse contexto, em se tratando
de aspectos de cuidado a saúde, é que se insere a filosofia Hospice, a partir da qual se estabeleceu em
1975, no Canadá, o conceito de Cuidados Paliativos.
O ato médico consiste de ações dirigidas ao bem-estar físico, psíquico, social e espiritual, de
acordo com a definição de saúde da OMS. Nesse sentido a discussão do tema deve se basear na
efetividade de cada uma das condutas, ou seja, seu efeito benéfico frente aos custos e aplicabilidade
prática a cada contexto social e individual.
Não se deve pensar em uma medicina puramente eficaz, com procedimentos que tenham ação
terapêutica comprovada, se esses não forem compatíveis com asituação clínica, com a realidade
Referências Bibliográficas:
1. Lederberg MS. Disentangling ethical and psychological issues: a guide for oncologists.Acta Oncol
1999; 38:771-9.
2. Souza MTM, Lemonica L. Paciente terminal e médico capacitado: parceria pela qualidade
de vida. Bioética 2003; 11(1):83-100. 3. Fortes PAC. Ética e saúde: questões éticas, deontológicas e
legais, tomada de decisão,
autonomia e direitos do paciente: estudo de casos. São Paulo: EPU; 1998.
4. Siqueira JE. A arte perdida do cuidar. Bioética 2002; 10(2):89-106.
5. Referencia nos artigos originais.
RESOLVE: