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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

Nome: Thuany Brizido - 163.315


Curso: Letras - Português/Inglês

Manuel Bandeira. “Poética”

Estou farto do lirismo comedido


Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e
manifestações de apreço ao Sr. diretor

Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de
um
vocábulo

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais


Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador


Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo

De resto não é lirismo


Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem
modelos
de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

“Poética” é um clássico poema modernista. Apresenta ao todo 20 versos


livres (que não possuem padrão métrico), distribuídos por estrofes que também não
seguem nenhum tipo de padrão. Ao fazer a escansão da primeira estrofe, fiquei em
dúvida se seriam 3 ou 4 versos, então, considerei o “último” verso como sendo uma
continuação do “penúltimo”. Assim, fiz a divisão da forma que achei melhor, com a
primeira estrofe apresentando 3 versos livres, contendo 11, 8 e 36 sílabas poéticas
respectivamente. Uma repetição verificada ao longo do poema ocorre no interior de
todos os versos da estrofe: “Do lirismo”. O mais próximo de uma possível aliteração
são algumas palavras iniciadas em P, como público, ponto e protocolo.

Es/tou/ far/to/ do/ li/ris/mo/ co/me/di/do


Do/ li/ris/mo/ bem/ com/por/ta/do
Do/ li/ris/mo/ fun/cio/ná/rio/ pú/bli/co/ com /li/vro/ de/ pon/to ex/pe/di/en/te/
pro/to/co/lo e/ ma/ni/fes/ta/ções/ de a/pre/ço ao/ Sr./ di/re/tor

Logo na primeira estrofe, há uma grande crítica às antigas escolas literárias,


que sempre estavam em busca da excelência poética. O modernismo trabalha com
o rompimento com o parnasianismo, da perfeição métrica, rimas e a linguagem
rebuscada. A “Poética” é sobre isso, a libertação dos poetas brasileiros para a
criação de uma estética nacional. O uso da frase "Estou farto do lirismo" repetido ao
longo do poema enfatiza a intensa aversão do poeta a esse tipo de lirismo.
Algo interessante de se notar é que os dois primeiros versos são terminados
com os sinônimos “COMediDO” e “COMportaDO”, além de ser o mais perto que
essa estrofe chega de uma rima. Não sei ao certo se é proposital, mas é possível
perceber uma sonoridade semelhante no início e no fim dessas duas palavras. Caso
seja intencional, podemos dizer que qualquer padrão apresentado no poema é uma
forma que o autor encontrou de afrontar e ironizar os puristas.
Bandeira usufrui de uma linguagem coloquial. O que pode aparentar um certo
tipo de estranheza são as palavras “sifilítico” (pessoa que sofre de sífilis), “raquítico”
(fraco, doente) e “clowns”, que vem do inglês “palhaço”.
Na segunda estrofe, o verso “Estou farto do lirismo que para e vai averiguar
no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo”, o autor volta a criticar o
parnasianismo. Ele anseia por uma linguagem popular, sem o exagero no uso de
dicionários para possíveis entendimentos.
Outra estética que o autor critica em seu poema é a romântica:

Estou farto do lirismo namorador


Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo

Ao utilizar as formas adjetivas citadas, o poeta elenca alguns dos principais


aspectos abordados pelos poetas românticos. E com “Estou farto” reitera que
também está farto desse lirismo
Na sétima estrofe Bandeira utiliza termos relacionados a loucura:

Quero antes o lirismo dos loucos


O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

Entende-se que o autor quer associar essas palavras a forma de criar poesia.
Loucos, bêbados e palhaços vivem a vida de maneira espontânea, sem se
preocupar com padrões da sociedade, assim como os poemas modernistas, que
fazem sua poética despreocupados com padrões pré-estabelecidos.
Manuel Bandeira usa de forma bem clara o recurso metalinguístico, é um
poema sobre como criar poemas na estética modernista. O resultado disso é algo
que não só critica a escola literária passada, mas também acaba por se tornar a
representação daquilo que busca atingir a nova escola.

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