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Aula 3:

A Arcádia Lusitana

Leticia Azevedo Pimentel


Instituto Federal de São Paulo (Câmpus Cubatão)
(LP2L3) – Literatura Portuguesa

O autor aos seus versos

Chorosos versos meus desentoados,


Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz, não busqueis, desesperados,


No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:

Não vos inspire, ó versos, cobardia


Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz e tirania:

Desculpa tendes, se valeis tão pouco,


Que não pode cantar com melodia
Um peito de gemer cansado e rouco.
- Bocage

1
1. Leia atentamente o poema acima e indique suas impressões a respeito dele.

O soneto em questão apresenta traços do período transitório da obra de Bocage –


mescla em sua composição características prevalecentes do Arcadismo e do Romantismo
vindouro.
A temática do poema possui aspecto soturno sobre a lírica do autor, escrevendo-as
e descrevendo-as com profunda sensibilidade.
O autor e eu-lírico, utilizando-se da metalinguagem – logo perceptível a partir do
título do poema –, adjetiva seus versos como frívolos (“Sem arte, sem beleza e sem
brandura”) e melancólicos, traçados “pela mão da Desventura”, envenenados “pela baça
Tristeza”. É interessante notar que Bocage grafa inicialmente com letra maiúscula a palavra
“Desventura” e “Tristeza”, como os substantivos próprios.
Ademais, o poema apresenta certa angústia moral a partir da terceira estrofe. Apesar
de ter escrito vastas obras poéticas satíricas (que lhe propiciaram o cárcere e um processo
inquisitório), no soneto O autor aos seus versos, o eu lírico deseja que seus versos não se
inspirem na “sátira mordaz o furor louco, / Da maldizente voz e tirania”, a se aproximarem,
assim, da poesia lírica. A respeito dessa premissa, o professor Massaud Moisés afirma que
“A sátira, porém, ocupa lugar menos relevante em sua obra [...] Contudo, é na poesia lírica
que o talento bocageano se realizou de modo particular. [...] Os sonetos contêm, na
verdade, o mais alto sopro do seu talento lírico”.1

2. Identifique características do Arcadismo.

Uma das características do Arcadismo presente no poema de Bocage é a sua própria


forma poética: o soneto, produção poética aclamada pelo contexto literário do período e
usualmente lida. O soneto em análise constitui-se de dois quartetos (duas estrofes com
quatro versos cada) e dois tercetos (duas estrofes com três versos cada); e cada verso
possuí doze sílabas.
Percebe-se também a utilização de uma linguagem simples, sem o linguajar
rebuscado existente no Barroco. A significação do poema de Bocage é transmitida de forma
objetiva, direta, aspecto relevante no Arcadismo.
Igualmente em oposição à composição barroca, o soneto de Bocage usa de poucas
figuras de linguagem. A exemplo, vê-se o emprego de prosopopeia (ou personificação) –

1
MOÍSES, Massaud. A Literatura Portuguesa. 37. ed. [S. l.]: Cultrix, 2010. 576 p.
2
quando seres inanimados comportam-se com característica humanas – em “Urdidos pela
mão da Desventura,” e “Que não pode cantar com melodia / Um peito de gemer cansado e
rouco.”; Ademais, vê-se o uso de apóstrofe – uso de vocativo em meio ao discurso – no
primeiro verso da terceira estrofe: “Não vos inspire, ó versos, cobardia”.
Com o forte desenvolvimento do Iluminismo à época – que inspirou as produções
pertencentes ao Arcadismo –, é observado também em todo o soneto a influência do
pensamento individualista desse movimento intelectual; a pessoalidade ao versar temáticas
acerca da própria composição lírica e seus sentimentos diante desta.

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