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UFRJ – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA DA LITERATURA


CONCURSO PÚBLICO PARA PROF. SUBSTITUTO DE LITERATURA COMPARADA
CANDIDATA:
 DATA:

PROVA DIDÁTICA
 

TEMA: PERIODIZAÇÃO E HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA

Duração da aula: 50 min


Material utilizado: Datashow (apresentação de slides), quadro branco
Objetivos: Conceituar Literatura. Discutir a periodização literária como uma das formas de apreensão do
fenômeno literário. Discutir e comparar textos literários produzidos em épocas e/ou locais distintos, em suas
possíveis semelhanças e diferenças.
 
 
 
Uma literatura surge sempre onde há um povo que vive e sente.
                                                                   Afrânio Coutinho
 
Para mim, não há futuro ou passado na arte.
                                             Pablo Picasso
 
1.Conceituando Literatura:
 
A literatura é arte, que proporciona prazer estético.
A literatura revela uma realidade existente entre o homem e sua circunstância.
A definição  de literatura não deve ser artística, imaginativa ou estética, mas sim técnica, porque privilegia o
uso peculiar da linguagem.
 
O conceito de literatura por si só, já apresenta inúmeras possibilidades. Que dizer da tentativa de estabelecer
uma periodização, ou história, ou cronologia literária? Torna-se ainda mais desafiador, mas nem por isso
desnecessário. Os conceitos de espaço-tempo são basilares para a compreensão de quaisquer fenômenos
humanos. E a literatura é, possivelmente, o maior deles.
 
2. Discutindo a Periodização Literária
 
Cada estilo de época (ou escola literária) é fruto do momento histórico em que surge, estabelecendo com ele
um diálogo artístico e técnico. Portanto, do mesmo modo que as mudanças históricas não ocorrem da noite
para o dia, é igualmente impossível precisar quando termina um período literário e começa outro. Há
estilos/escolas diferentes que convivem num mesmo período histórico. O que não significa que devamos
reduzir os conceitos historiográficos a meros rótulos, como muitas vezes acontece nos chamados livros
“didáticos”. Os períodos acabam reduzidos às chamadas “características” - e o que deveria ser uma
facilitação organizacional para fins didáticos acaba muitas vezes reduzindo-se à simplificação intelectual, o
que é inadmissível.  
Existe uma espécie de movimento pendular na historiografia literária. A história literária do Ocidente tem
como ponto de partida a Antiguidade Clássica, em que havia um predomínio da razão sobre a emoção. Daí
em diante, alternam-se momentos em que uma ou outra é mais destacada. Mas devemos ter em mente que
uma escola (ou estilo) não nega a anterior: há entre elas uma dialética da diferença, onde cada uma explora
um aspecto diverso da arte. Elas não se destroem, antes, se completam. Cada nova visão de mundo evoca
uma nova sensibilidade.
Porém, é inequívoco que obras de um mesmo período apresentam características semelhantes – o que, de
modo muito feliz, Eduardo Portella classifica como “ar de família”. É percebendo e investigando essa
familiaridade que se consegue os melhores resultados no sentido de usufruir o prazer que a literatura nos
proporciona.
Devemos levar em conta que cada leitura é também uma reescrita. Este é um outro dado a favor da fluidez do
conceito de estilo de época.Uma obra de outros tempos, lida por nós hoje, seguramente nos trará um impacto
diverso do que teve entre seus contemporâneos. O que de modo algum invalida o seu valor: ao contrário, ela
nos ajudará na compreensão melhor do momento em que ela foi concebida, e também na compreensão do
nosso próprio mundo, em comparação com aquele momento anterior.
Ao descrever cada período literário, em geral são mostrados seu início, ponto culminante e declínio,
ressaltando-se sempre que tais classificações não são rígidas. Há uma dinâmica no surgimento destes estilos,
como há dinâmica na evolução da humanidade. Na verdade, um estilo nunca termina, ele se incorpora à
cultura da humanidade. Daí, a certeza de que a Literatura é tradição, tradição que ultrapassa, sem anular, a
singularidade de cada momento histórico.
 
 
3. Demonstrando a familiaridade
 
Esta aula não ficaria completa se não fosse apresentado um exemplo de diálogo entre duas obras
contemporâneas entre si. Recorro ao Romantismo, com sua tradição de emoção e subjetividade, e a dois
poetas, um brasileiro e um português: 
 
 
Casimiro de Abreu (1839-1860)
Casimiro José Marques de Abreu nasceu em Capivari (RJ) a 04/01/1837 e faleceu em Indiaçu (RJ) a
18/10/1860. Fazia parte da segunda geração de poetas românticos brasileiros. Sua poesia exaltava a infância,
o amor platônico e as saudades da pátria. Viveu na Europa e lá contraiu tuberculose, do que viria a falecer, na
volta ao Brasil. Foi o autor da coletânea poética "Primavera" (1859) e da peça teatral "Camões e o Jaú"
(1854)
É pequena a obra poética de Casimiro de Abreu. Porém, deixou-nos de forma marcante, a poesia da saudade:
Canção do Exílio, Meus Oito Anos, Minha Terra - poemas escritos em Portugal, onde adquiriu sua educação
literária.
AMOR E MEDO (excertos)
 
Quando eu te fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, oh! bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
"Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"
 
Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...
 
Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes. 
 
O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me intumesce os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes,
Eu me estremeço de cruéis receios.
 
 (...)
Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...
 
 
Almeida Garret (1799-1854)
 
O escritor e político João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett foi fortemente influenciado pelo
escritor neoclássico Filinto Elísio. Em 1820 participou, como líder da classe estudantil, da Revolução
Liberal.Em 1821, após concluir o curso de Direito na Faculdade de Coimbra, publicou o poema "Retrato de
Vênus" e depois foi processado por obscenidade. Após o golpe de 1822, no qual o liberalismo foi derrotado,
Garret partiu para o exílio na Inglaterra, de onde regressou somente em 1826. Durante o exílio Garret,
influenciado pelas obras de Walter Scott e Lord Byron, compôs os poemas "Camões" e "Dona Branca". Essas
obras foram publicadas em 1824 e são consideradas o marco inicial do Romantismo em Portugal.
 
NÃO TE AMO
 
Não te amo, quero-te: o amar vem d'alma.

   E eu n'alma --- tenho a calma,

   A calma --- do jazigo.

   Ai! não te amo, não.

Não te amo, quero-te: o amor é vida.

   E a vida --- nem sentida

   A trago eu já comigo.

   Ai, não te amo, não!

Ai! não te amo, não; e só te quero

   De um querer bruto e fero

   Que o sangue me devora,

   Não chega ao coração.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.

   Quem ama a aziaga estrela

   Que lhe luz na má hora

   Da sua perdição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado,

   De mau feitiço azado

   Este indigno furor.

   Mas oh! não te amo, não.

E infame sou, porque te quero; e tanto

   Que de mim tenho espanto,

   De ti medo e terror...

   Mas amar!... não te amo, não.

 
 
O tema comum a ambos poemas é convivência entre o medo e o amor, dois dos sentimentos mais profundos
que um ser humano pode experimentar.Em ambos, o eu lírico assume uma postura de adoração e desejo,
mesclada com terror. Essa mescla é essencialmente romântica, visto ser o Romantismo um dos momentos
maiores do predomínio da emoção e da subjetividade sobre a racionalidade e a lógica.

 
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
 
 
BARBOSA, Frederico (org) Clássicos da Poesia Brasileira.São Paulo: Globo/Klick Editora,1997
 
CARAVALHAL, Tânia Franco.Literatura Comparada.4ª ed.São Paulo: Editora Ática, 2003
 
EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução.4ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2001
 
PORTELLA, Eduardo et alli. Teoria Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975
 
PROENÇA FILHO, Domício. Estilos de Época na Literatura. 5ª.ed. São Paulo: Editora Ática, 1978
 
SAMUEL, Rogel (org). Manual de Teoria Literária.2ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1984
 
TRINGALI,Dante.Escolas Literárias .São Paulo: Musa Editora, 1994
 
TUFANO, Douglas (org). De Camões a Pessoa: Antologia escolar de poesia Portuguesa.São Paulo: Editora
Moderna, 2000  
 

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